Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
São Paulo
2013
Roberto Costabile Junior
São Paulo
2013
Roberto Costabile Junior
Aprovado em __ / __ / __
BANCA EXAMINADORA
______________________________
______________________________
______________________________
RESUMO
INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 9
1 CONTEXTO HISTÓRICO .......................................................................................... 13
1.1 Máquina e Arte: Reflexos da Revolução Industrial ........................................... 13
1.2 Modernismo Heróico: Utopia da Razão Contra o Ornamento ................... 15
1.3 América: Consumo, Design e Estilo ..................................................................... 25
1.4 Alto Modernismo e a Nova Bauhaus .................................................................. 27
1.5 Primeiros Sinais: Retorno à Natureza ................................................................. 29
1.6 O Discurso Anti-Moderno .................................................................................... 33
1.7 Contra-cultura, Utopias e Distopias ................................................................... 39
1.8 O Final Simbólico .................................................................................................... 53
2 ROGER DEAN ................................................................................................................... 61
2.1 Trajetória: Formação e Design Utilitário ............................................................ 61
2.2 Espaço, Conforto e Segurança .............................................................................. 65
2.3 Arquitetura: da Máquina ao Lar ............................................................................ 75
2.4 Design Visual e Sucesso Mundial .......................................................................... 83
2.5 Cenários de Palco ................................................................................................... 87
2.6 Novos Meios ............................................................................................................ 93
3 ANÁLISE SEMIÓTICA DA OBRA DE ROGER DEAN ............................. 99
3.1 Introdução à Semiótica de Charles Sanders Peirce ......................................... 99
3.2 Design Utilitário: Mobiliário ................................................................................ 107
3.3 Design Visual: Capas de Discos .......................................................................... 117
CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 147
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 151
8 9
INTRODUÇÃO
(SANTAELLA, 2012)
30)
Em especial à partir de sua segunda fase, com a expansão global entre meados
do século XIX e início do século XX, a Revolução Industrial traria mudanças definitivas
para a humanidade sob diversos aspectos. Dos processos de produção às relações sócio-
14 15
Figura 7 Figura 8 econômicas, o período conhecido como Segunda Revolução Industrial, ou Revolução
Tecnológica, que culminaria com a Primeira Guerra Mundial, viria a consolidar o que se
entende por modernidade, condição de vida onde a dominância da razão, a utopia de
uma verdade universal e a busca pelo progresso dariam a tônica para uma sociedade
idealizada. Como reflexo desta condição de vida, a dimensão cultural e o universo das
artes seria guiado pelo modernismo.
Decorrente dos avanços obtidos com a Segunda Revolução Industrial, surgiria
na passagem dos séculos, na Europa, o movimento Art Nouveau. Teve o auge de sua
popularidade entre 1890 e 1910 e , ao abranger diversos meios de representação,
Figura 9 Figura 10 por meio da arquitetura (Figura 3), design de produtos (Figura 4) e gráfico (Figuras 5,
6), artes decorativas (Figuras 7, 8), indústria têxtil, entre outras manifestações, seria o
primeiro movimento artístico a surgir já inserido na realidade de novas tecnologias de
produção. Recebeu este nome na França e, em movimento paralelo na Alemanha, era
denominado Jugendstil, assim como Vienna Secession (Figura 9) na Áustria. Trazia certa
similaridade com o movimento britânico Arts And Crafts, com seu maior expoente em
William Morris, que também era fortemente inspirado por formas naturais e orgânicas,
buscando uma harmonia com o ambiente da natureza. Mas ao contrário do movimento
britânico predecessor, que visava o uso da máquina apenas para melhoria da condição de
Figura 11 vida, privilegiando ainda o trabalho artesanal, o Art Nouveau seria o primeiro movimento
artístico a ter sua produção visando exclusivamente a reprodução industrial seriada,
fazendo-se valer das inovações tecnológicas recentes. Para isso, já buscava certo nível
de abstração em sua estética, visando a viabilização projetual.
Figura 12 Figura 13 período entre-guerras, havia algo de desesperado na busca de uma mitologia que pudesse
de algum modo aprumar a sociedade naquela época conturbada. (HARVEY, 1989, p.41)”.
O sentimento de unificação e a necessidade de mudanças dariam vida a uma nova forma
de se pensar a produção de bens. Os ornamentos e seus meticulosos detalhes do Art
Nouveau tornavam-se demasiadamente caros, e novas formas de viabilizar a produção
eram buscadas.
É neste cenário que surge a influente escola alemã de design Bauhaus (Figura
Figura 14 Figura 15 10), fundada por Walter Gropius em 1919 na cidade de Weimar, onde se estabeleceu
até 1925, para depois ser transferida para Dessau (Figura 11) até 1932, tendo seus
últimos anos de existência em Berlin, com atividade até 1933. Considerada como o
grande marco do modernismo nas artes, design e arquitetura, a escola estabeleceria um
novo padrão de costumes, que refletiria por meio de seu manifesto a supremacia da
razão nas expressões artísticas, abrangendo grande variedade de suportes, do desenho
industrial às artes plásticas, arquitetura e tipografia.
Figura 19 Figura 20 Ornamento é força de trabalho desperdiçada e, por isso, saúde desperdiçada
p.42)
Seguindo o lema “Forma Segue Função”, de Louis H. Sullivan, a meta seria abrir
mão de detalhes que encarecessem a produção. No que diz respeito tanto à arquitetura
Figura 21 Figura 22 (Figura 12) como à produção de utensílios (Figuras 13, 14, 15), o modernismo buscava
uma nova estética, fortemente calcada nos novos métodos industriais. Havia uma
necessidade de rompimento com os valores passados, representados pela arquitetura
clássica. A forma resultaria apenas das necessidades de sua função, dependente da
natureza do material e do método de construção. Ludwig Mies van der Rohe (Figura
16), terceiro diretor da Bauhaus, tornou famoso o lema “Menos é Mais”. Tanto em seus
projetos arquitetônicos (Figuras 17, 18) como em design de mobiliário, o lema se faria
presente ao expressar de forma clara e direta os anseios do movimento. Sua poltrona
Figura 23 Figura 24 Barcelona (Figura 19) transformou-se em um marco do modernismo.
Também de grande força para o modernismo foi o suíço naturalizado francês Le
Corbusier. Arquiteto (Figura 20), designer (Figura 21) e teórico, Le Corbusier mantinha
tanto em seu discurso com em sua prática a idolatria à máquina, tendo denominado
seus projetos residenciais como “Máquinas para Morar” (Figura 22) . Este modernismo
racionalista se baseava em uma crença nas verdades absolutas, através da padronização
do conhecimento e da produção. Ao encontro do termo com que David Harvey
denomina a primeira fase do modernismo da Bauhaus, e seu “modernismo heróico”,
também Santaella destaca o viés utópico do modernismo:
20 21
2010, p. 62-63)
22 23
(Herbert) Bayer acreditava que a redução geométrica de uma letra, tal como
Figura 28 Figura 29 universal. Talvez um dos nomes mais importantes a ser citado seja Jan Tschichold, com
sua Tipografia Elementar (Figura 27). À exemplo das citadas vanguardas artísticas,
expressões pessoais e figurativas cediam espaço para a ordem e clareza da construção
matemática.
comum pela criação de uma linguagem de signos universal, que fosse capaz de
p.42)
Figura 33 Figura 35 valores do século passado, e consolidada pela boa forma, funcional e universal. Mas
as mudanças históricas e a imigração para os Estados Unidos diluiriam suas origens
visionárias, como cita Harvey:
urgência de produzir novas ondas de bens com aparência cada vez mais nova,
(de roupas a aviões) em taxas de transferência cada vez maiores, agora atribui
Figura 36 Figura 37 Figura 39 começa a germinar.A busca por novas estéticas e os avanços tecnológicos dariam forma
ao organic design. Em 1940, o casal de americanos Charles e Ray Eames, em parceria
com o finlandês Eero Saarinen venceriam o concurso do MoMA Organic Design for
Home Furnishings, com seu projeto Organic Armchair (Figura 33). A cadeira, fabricada
com folhas de compensado moldado, ainda trazia a herança do modernismo, sutileza
e leveza nos traços, somados à economia em relação a adornos. Porém, já fugia dos
traços rígidos geométricos da Bauhaus. Formas similares às encontradas na natureza
davam o tom desta nova tendência. Nos anos seguintes, os sócios lançariam outras
Figura 38 novas investidas seguindo a nova tendência. Em 1948 o casal Eames lançaria a cadeira La
Chaise (Figura 34), e em 1955 Saarinen projetaria sua Tulip Chair (Figura 35), que também
venceria prêmios. Os novos projetos poderiam ser considerados evoluções do original
vencedor do concurso do MoMA, mas já nasciam favorecidos pela novidade do domínio
da fibra de vidro.
Seguindo a tradição do design escandinavo, em 1959 o dinamarquês Verner Panton
criaria uma das grandes inovações em design de mobiliário, a cadeira Panton (Figuras
36, 37). Devido às dificuldades e custo de produção, aquela que seria a primeira cadeira
projetada para ser moldada em uma única peça só teria sua produção seriada em 1967
(Figura 38). E Panton encontrou dificuldades com seu projeto, pois segundo ele, um
peça como esta não poderia ser desenhada com precisão, deveria ser moldada com as
mãos. Os fatos mostram o caráter de vanguarda e inovação. Ao invés de conformar a
produção e os padrões estéticos pelos métodos viáveis, explorar novas possibilidades.
Para Panton: “O pré-requisito é tecnológico. Nós devemos desenvolver novos materiais
que venham ao encontro das novas necessidades” (PANTON apud BERNSEN, p. 56)
Panton pensava no ambiente como um todo e em seu entendimento tanto as
cores como formas poderiam alterar o estado de espírito das pessoas. Os ambientes
por ele projetados compreendiam harmonia entre todos os elementos e transcendiam a
antiga noção de mera funcionalidade das remotas ‘Máquinas Para Viver’ de Le Corbusier.
32 33
Figura 40 Enquanto os modernistas lutavam para abolir qualquer resquício de expressão humana,
entregando à frieza mecânica o destino das necessidades básicas da sociedade, Panton
buscava um design que oferecesse uma experiência lúdica e relaxante.
A empresa química alemã Bayer havia patrocinado as experiências com novos
materiais para a produção da cadeira Panton, e no ano seguinte, contaria com as criações
visionárias de Panton mais uma vez, agora com esforços dedicados à indústria têxtil. Em
1968 era lançado o projeto Visiona, que após o surgimento de seus sucessores, seria
renomeado Visiona 0. Dois anos mais tarde, Panton traria a continuação, ainda mais
ousada. Na exposição Visiona II (Figura 39) abraçaria por completo a fantasia com sua
Fantasy Landscape (Figura 40). Ao explorar formas, cores, texturas e iluminação, oferecia
ambientes que aguçavam múltiplos sentidos, resultando assim em uma experiência
única. As palavras de Panton mostravam como ele estava no lado oposto da criação, em
comparação com o funcionalismo modernista da Bauhaus:
Figura 41
conformidade cinza e bege, com medo mortal de cores. Nas experiências com
nossa)
Figura 42 em seus inflamados discursos e manifestos, muitas vezes com referências diretas aos
ícones modernistas. É de 1958 seu primeiro discurso ‘Manifesto do Bolor Contra o
Racionalismo na Arquitetura’.
Meio século passado das regras rígidas de ‘Ornamento e Crime’, ele viria para
combater ferozmente, tanto a homogeneidade dominante da linha reta - que para
ele era covarde por não corresponder à natureza - como também lutar pelo direito
à individualidade humana. Hundertwasser usava de metáforas para expressar o seu
repúdio pela linha reta, que para ele deveria ser combatida por meio de formas orgânicas,
principalmente da espiral (Figura 41). Sua abordagem remete ao conceito de Duchamp
quando este dizia que o público faria a arte:
pintura. O bolor aumentado, sujeito à sua lei orgânica de expansão, deve fazer
fermentar as estruturas e fazer rebentar a linha reta das casas. Cada habitante
Dez anos mais tarde, seria a vez de ‘Longe de Loos’ de 1968. No manifesto
Hundertwasser expressaria muitos dos ideais que mais tarde ecoariam e tornar-se-iam
voga nos mais diversos discursos e reivindicações. Em suas severas críticas, compara o
conterrâneo arquiteto Adolf Loos à outro ilustre austríaco homônimo, e alerta para o
que ao seu ver seria o terror do totalitarismo da forma. Reivindica o direito à diversidade
das formas e das cores, e se refere ao projeto da arquitetura modernista como caixas
aprisionadoras. Em 1982 expressaria o tema sob forma visual em sua obra ‘Tirania
da Arquitetura - A Via Para o Socialismo’ (Figura 42). O reconhecimento dos direitos
individuais sempre presente aparece nesta passagem, bem como o inconformismo em
relação à restrição moldada pelas possibilidades técnicas:
36 37
Figura 43 [...] Eu não sou contra a produção serializada propriamente dita. No presente
Mais uma vez ecoa Duchamp ao deixar a liberdade de finalização da obra ao público
e soa quase como uma previsão de que no futuro novos meios permitiriam diferentes
opções. Propõe as sementes da customização. As idéias pelas quais Hudertwasser
lutava, provavelmente soaram arrojadas desde 1958, mas não poderiam ser de maior
pertinência décadas mais tarde, em consonância com os anseios de futuras gerações:
[...] Todo arquiteto tem o dever sagrado de informar que o que construiu não
que os ocupantes devem remodelar; que ele é incapaz de construir um lar para
Figura 44 todos. Sua tarefa é somente fazer com que o esqueleto seja suficientemente
Hudertwasser desenvolveria ao longo de sua vida sua teoria das ‘Cinco Peles’
(Figura 43). Para ele o ser humano se comunica com o mundo através de cinco peles: a
epiderme, o vestuário, a moradia, as relações sociais (que incluiriam famílias e laços de
amizade) e o planeta. Com o conjunto de interfaces por ele proposto, além de reforçar
a necessidade da busca pela identidade através da liberdade de customização do
vestuário e moradia, trouxe para a equação outra utopia que reverberaria nas gerações
seguintes: a consciência ecológica. Em alguns de seus projetos arquitetônicos, propôs
os telhados recobertos por vegetação, como em ‘A Floresta em Espiral de Darmstadt’
de 1996 (Figura 44) e também na ‘Casa Hudertwasser’ de 1981 (Figura 45). Expressava
38 39
Figura 45 com o entusiasmo costumeiro a preocupação com a relação dos avanços tecnológicos
e o manejo de recursos. Em seu manifesto O Direito de Janela – O Dever de Árvore
de 1972, acrescenta ao direito da auto expressão através das segunda e terceira peles,
o dever de cuidar da natureza com todos os esforços:
[...] A vegetação que nos fornece fôlego e vida – nós a matamos [...] É
preciso que cada um se torne o autor de seu próprio ambiente. Você não
pode esperar por permissão ou autoridade. Não apenas suas roupas ou seus
Figura 46 visita para o conteúdo. Longos improvisos representavam toda a liberdade reivindicada.
Ao contrário da natureza concreta do som que os compositores contemporâneos
buscavam no modernismo, tentando abstrair a intencionalidade e separar a execução
do sentimento humano, a música da contra-cultura descendia diretamente do Blues
negro americano.
Cantando sobre as frustrações e sentimentos de sua geração, exaltava as
nuances nas execuções, fluidez nas passagens, efeitos sonoros, tudo amparado por
novidades tecnológicas emergentes na área dos equipamentos musicais. O espírito era
de colaboração e começava ali uma era de grandes shows e festivais. Um marco do que
seria denominado ‘Verão do Amor’ foram os eventos Human Be-In, contando com os
principais nomes da música, pensadores e poetas da geração. É neste cenário que surge
o movimento dos posters da contra-cultura.
Os principais expoentes deste design rebelde e contestador formariam o
grupo denominado The Big Five (Figura 46): Alton Kelley, Victor Moscoso, Rick Griffin,
Wes Wilson e Stanley ‘Mouse’ Miller. Com origens distintas, mas ideais em comum,
os artistas do movimento, assim como milhares de jovens daquela geração, cruzavam
seus caminhos em San Francisco, no distrito de Haight-Ashbury. Carregavam em sua
bagagem cores vibrantes e formas fluidas, o anseio por uma nova era e chegavam ao
centro da revolução em busca de um sentido de identificação. Ao seu modo também,
sonhavam em mudar o mundo.
Nas mãos de um grupo heterogêneo, de origens e referências mistas, surge uma
nova linguagem na comunicação visual. Mais uma vez rompendo com as regras do que
era considerada a ‘boa forma’, representantes da razão e universais em sua recepção.
Aqui David Harvey comenta sobre a repercussão das manifestações e acontecimentos
da contra-cultura na segunda metade da década de 1960:
42 43
das cidades [...] se tornaram, como vimos, uma minoria vociferante que
então, percebidas como acadêmicas por toda uma nova geração de poetas,
Figura 51 [...] Moscoso reverteu tudo que havia aprendido na escola: A regra de que um
em por quanto tempo é possível engajar o receptor na leitura? [...] Não use
p. 9, tradução nossa)
Figura 53 Nós pedíamos para fazerem coisas que nunca haviam feito. Estávamos
aprendendo muito com eles com relação ao que poderíamos fazer, e eles
estavam aprendendo conosco sobre novas coisas que poderiam ser feitas
com as máquinas. Eles amavam isto e nós também. (KELLEY apud HAMILTON,
Na alma de sua criação, Stanley Mouse e Alton Kelley herdavam parte do cinismo
da Pop Art ao abordar os mais diversos temas em suas representações. Lançavam mão
do que chamavam de ‘mercado de pulgas gráfico’, com uma diversidade de referências.
A apropriação de signos navegava por diversos pontos do tempo e espaço da história
da cultura: do imaginário do bravo heroísmo nativo americano (Figura 53) ao ritmo
fluido orgânico do Art Nouveau (Figura 54). Dos clássicos do cinema mudo (Figura 55)
aos personagens de quadrinhos. Também subverteram ao máximo a forma que seria
Figura 54 atribuída à linguagem verbal (Figura 56), com caracteres ilusórios.
A postura em relação ao resultado de seus esforços não poderia ser mais
condizente com a utopia do movimento hippie, ao mesmo tempo que confirmava a
desmistificação da aura da obra de arte já anunciada por Walter Benjamin. Nas palavras
de Mouse: “Não, não obras de arte, eles eram obras do amor (MOUSE apud HAMILTON,
1979, p. 9).”
O movimento hippie ganhava notoriedade pelo status quo e atraía atenção da
grande mídia. Em 1967, no auge do Summer Of Love, quando aconteciam os eventos
Human Be-In, dois acontecimentos marcariam a absorção do movimento pelos universos
das artes e comunicações. Em julho, o grupo seria convidado para uma exposição na
Galeria Moore, intitulado The Joint Show. Para Stanley Mouse e Alton Kelley, apesar de
satisfeitos com a chance de exposição do trabalho, o fato apontaria para o final do
movimento. Entrar para o circuito das artes contrariava a essência de suas origens, e
deixava em suas obras a marca da contradição perante a utopia daquela geração. Dois
50 51
Figura 55 meses mais tarde, o movimento dos posters seria matéria de capa da revista Life. A
popularidade aumentava exponencialmente e com isso as cores vibrantes e formas
fluidas e ambíguas eram disseminadas ao redor do mundo, como aponta Doug Harvey
sobre a influência da obra de Rick Griffin e seus colegas no grande mercado:
[...] destruição das fronteiras da arte que movimentos como a arte pop haviam
provocado. [...] o mundo, então, passou a ser visto como pós-modernista, com
Figura 58 1970, p.33), propiciaram e fomentaram, sob diferentes pontos de vista e resultados,
transformações radicais na forma de se pensar e fazer arte. Da mesma forma que, no
início do século, o surgimento de novos meios e o enaltecimento da máquina fomentaram
a busca pelo novo, trazendo à luz a modernidade, novas mudanças na cultura e em seus
meios resultariam o que para Harvey seria uma “[...] profunda mudança na estrutura do
sentimento que separa a modernidade da pós-modernidade”. (HARVEY, 1989, p.65)
A diversidade de referências que motivava esta nova tendência viria a gerar
uma pluralidade na linguagem. Mas além dos efeitos estéticos resultantes, existia uma
necessidade de mudança – como uma revolução que visa combater e derrubar um
regime totalitário – no âmago da questão:
se possuidor da razão superior e sob que condições essa razão deveria ser
p.24)
Figura 59 No tocante à arquitetura, por exemplo, Charles Jencks data o final simbólico do
O centro dessa obra [...] era insistir que os arquitetos tinham mais a aprender
Figura 60 No início na década de 1960 e uma trajetória que se entrelaça nesta trama
de linguagens e discursos ao longo da história do design, da arquitetura, e da arte
contemporânea, aparece o inglês Roger Dean.Tendo iniciado seus estudos no momento
do alto modernismo, ele também apareceria com sua visão própria da relação entre
produção artística e avanço tecnológico.
raiz difusa, ou um rio distorcido que se divide, muda de trajeto, retorna ao seu
Roger criou novos modos de ver as coisas, através da pintura, design de capas
pudesse ser um pouco mais próxima da aventura, para além do que muitos
7, tradução nossa)
A tecnologia não existe para nós projetarmos segundo ela. Nós projetamos
nossa)
Figura 62 Figura 63 estética por ele proposta.Também em relação à função do design utilitário, Dean buscava
saltos mais altos do que os de seus predecessores funcionalistas. Um de seus primeiros
projetos, de 1965, já traria todas as característcas inovadoras sempre presentes em
suas obras. Com sua Sea Urchin Chair (Figuras 62, 63), Dean pretendia um objeto que
oferecesse sustentação para diversas abordagens (Figura 64). A cadeira nasceu sob o
conceito de se usar uma cadeira adaptável para diversas posições, proporcionando
tanto uma posição reclinada como uma posição perpendicular, com suporte lombar,
moldando-se assim pelo corpo do usuário. O primeiro protótipo foi originalmente
fabricado em 1966 com espuma perfilada (Figura 65) e Dean executou ele mesmo
a estrutura. Com o primeiro modelo, chegou a participar de um concurso, e atraiu
a atenção de uma empresa interessada na produção, porém, tanto as limitações da
Figura 64 Figura 65 tecnologia referentes à produção de espumas na época como as limitações finaceiras
não possibilitaram a viabilização de uma produção em série. Mais tarde foram estudadas
as possibilidades de estruturas finas de polypropileno e nylon.
Os estudos com a Sea Urchin Chair repercutiram em um novo projeto, entitulado
Landscape Seating, para a casa noturna Jazz Upstairs. Com a experiência das dificuldades
enfrentadas, e os conselhos do irmão Martyn Dean, também estudante de design
industrial, Roger agora se tornava mais consciente acerca da importância dos estágios
de produção e finalização de um projeto. Para o Landscape Seating (Figura 66), Dean
traria uma versão simplificada da estrutura interna proposta no projeto anterior, tendo
Figura 66 como princípio espaços internos na estrutura de espuma que permitissem diferentes
acomodações. Neste projeto, Roger Dean encontrou como primeira dificuldade aliar o
desenho técnico com as formas curvilíneas e complexas. Outro obstáculo foi, apesar de
empolgado com a idéia, a frustração com limitações no orçamento. A forma externa
deveria contar com espaços para transitar, então ajustes foram feitos (Figuras 67, 68,
69).
A ambigüidade na interpretação de sua proposta já se fazia presente. Na noite
64 65
Figura 67 de estréia da casa com a nova decoração, a primeira reação do público foi de surpresa
e espanto. Depois de reações diversas, entre elas escalar os assentos, vieram os ajustes,
e o uso como esperado. Foi observado que o espaço dos assentos propiciou diferentes
reações, com áreas calmas e áreas ativas. Conforme esclarece Harvey, percebe-se que
a forma como Dean encara o espaço estava muito mais próxima do que seria a prática
pós-modernista:
vêem o espaço como algo a ser moldado para propósitos sociais e, portanto,
Figura 69 pela sofisticação de gostos e vontades, mas ainda pode ser aparente em situações do
cotidiano. Quando se vai à um restaurante, por exemplo, existe a tendência de procurar
mesas nos cantos, podendo assim ver o que se passa à sua volta, mas impedindo de ser
abordado pelas costas.
Um dos conceitos básicos que regem os projetos de Dean é a estratégia do
controle do espaço. Para se sentir confortável em casa, é preciso se sentir em seu ‘lar’.
Isto levou Dean à projetos com formas orgânicas, tanto para arquiteturas e ambientes,
como para mobiliário. Dean acredita que o design estabelecido segue regras como a
funcionalidade, limitações econômicas, marketing e tendências. Segundo ele, as pessoas
não compram móveis exclusivamente por razões práticas. Ele cita: “Por exemplo, quando
alguém compra uma cadeira semelhante à que sua mãe teve, é porque isto faz sentir-se
seguro.” Mais uma vez, constatações de Harvey acerca do pós-modernismo remetem às
preocupações que Dean já apresentava em suas pesquisas, quando fala sobre os
Figura 70 Ainda abordando o tema de conforto e segurança, em 1970, Dean e seu irmão
Martyn apresentaram alguns de seus primeiros projetos na Exibição Design For a Living,
em Maples – Inglaterra. O projeto Retreat Pod (Figuras 70, 71) de Martyn, somado aos
dilemas de Roger surgidos durante sua formação em design utilitário, teriam grande
influência sobre seus projetos arquitetônicos. A idéia surgiu da diferença da percepção
de volume de um dado objeto visto por fora e experimentado por dentro. Consistia em
uma bolha, no formato de casulo, dividida em duas partes, e visava a privação sensorial.
Na visão do produtor de mobiliário padrão, os projetos dos irmãos Dean não
possuiam valor comercial e contrariavam valores do design estabelecido, como função,
economia e marketing. Para Roger Dean, os móveis representariam não só razões
práticas, mas também sentimento de segurança. Continua seu argumento atribuindo
ao Retreat Pod o efeito de propiciar auto-conhecimento. E também na interação entre
duas pessoas, o espaço privativo ajudaria no conhecimento entre as pessoas, trazendo
a condição de apenas duas vidas, longe de fachadas sociais, aparências e barreiras.
O projeto era uma representação tridimensional, posto em prática, do conceito
de prôxemica, desenvolvido em 1966 pelo antropólogo Edward Twitchell Hall Jr. em
Figura 71 seu livro A Dimensão Oculta: “[...] a expressão proxemia é empregada para definir as
observações e teorias inter-relacionadas sobre o uso que o homem faz do espaço.(HALL,
1966, p. 95)”. Em seu livro, ele descreve as dimensões subjetivas que nos cercam e as
distancias físicas que as pessoas tentam manter entre si, variando conforme costumes
e regras culturais. Ainda sobre a relação entre espaço e segurança, Dean afirma que: “O
papel do lar é oferecer segurança e privacidade. Tudo mais segue isto. (DEAN, 1975, p.
136, tradução nossa)”
O espaço pessoal é a região que rodeia uma pessoa, a qual esta reconhece como
sendo psicologicamente sua. A invasão de tal espaço pode levar desconforto, irritação
ou ansiedade. Para Edward Hall, a experiência espacial não é simplesmente visual, mas
multisensorial, e ele defende a idéia de que o desenvolvimento de aspectos visuais,
70 71
Figura 72 cinestésicos e táteis do indivíduo pode ser inibido ou estimulado pelo ambiente:
Sobre a relação entre o indivíduo e o espaço, cabe aqui interessante citação de Sir
Winston Churchill:“Damos forma a nosso prédios e eles nos dão forma.” (CHURCHILL
apud HALL, 1966, p. 99)
O que o homem entende por espaço está fortemente relacionado com seu
senso do eu, que por sua vez, relaciona-se intimamente com o meio ambiente. Segundo
Hall, considerando a cultura como extensão do homem, há uma relação entre as
características do espaço físico e a personalidade do indivíduo que habita esse espaço:
“[…]praticamente tudo que o homem é e faz vincula-se à experiência do espaço.(HALL,
1966, p. 161)”.
Em 1971 o Retreat Pod apareceria no filme Laranja Mecânica dirigido por Stanley
Kubrik. Na ocasião, a personagem, uma das vítimas do delinqüente Alex, está na segurança
do lar, lendo um livro (Figura 72). Ao se levantar para abrir a porta e assim sair do
Retreat Pod, a casa é invadida pelos delinqüentes.
Sobre os níveis de manifestações proxêmicas, estas são divididas em características
fixas, semifixas e informais. Dentro do grupo das características fixas, encontramos o
prédios de moradias, que por sua vez se encontram em vilas, cidades, todos agrupados
segundo diferenças culturais. O interior das moradias também tem sua organizacão,
com cômodos para funções específicas. Relocar objetos para locais com os quais não
são normalmente associados causa sensação de desordem e confusão. A necessidade e
o esforço do indivíduo para se sentir a vontade em relação aos espaços é bem definido
72 73
por Hall:
nos tire da realidade corrente e nos leve à imaginação pura. (HARVEY, 1989,
p. 95)
nossa)
76 77
Figura 75 Mais do que palavras e conceitos, as plantas dos projetos (Figura 75) e fotos dos
protótipos (Figura 76) de Dean mostram de forma nítida o contraste e a ruptura com a
arquitetura modernista. As formas remetem à organismos vivos, e são o extremo oposto
à estética da máquina moderna. Dean busca uma total ambiência visando complementar
diversas necessidades almejadas pelas pessoas em diferentes circunstâncias. Nada
poderia estar mais distante da uniformidade estéril das caixas de concreto, aço e vidro
oriundas do funcionalismo das décadas de 1920 e 1930.
A divergência de Dean com o funcionalismo derivava justamente da premissa de
que a visão de tudo em termos mecânicos seria incapaz de compreender por completo
a natureza dos objetos ou casas. Os pontos de vista divergiam, como ressalta Colin
Greenland:
Figura 76 Isto leva à definição de uma casa como uma “máquina para viver.” Roger,
cantos escuros e espaços escondidos. Para se sentir “em casa”, a pessoa teria
saída: ‘Nós perdemos a cozinha, vamos voltar’ - muito embora não hovesse
cozinha (sendo suítes de hotel). Mas era fácil se confundir; ‘deveria haver’ uma
tradução nossa)
Tanto pelo resultado final, como pela proposta de Dean, ficam sempre claros
os pontos de divergência para com a proposta funcionalista do modernismo. Não por
Figura 78 acaso, ele mais tarde batizaria seu projeto de Home For Life, alusão direta à Machine For
Living de Le Corbusier.
O fato de seus projetos demorarem para serem executados, mostra que ele
não abriu concessões e não se limitou em conformar seus projetos com o que as
condições técnicas poderiam dispor no momento. Dos primeiros projetos concebidos
ainda durante sua graduação em 1963, até os elogios do público na apresentação dos
protótipos, foram 18 anos. E suas inquietações continuaram as mesmas, como ressalta
Amanda Shields em Dragon’s Dream, livro mais recente de Dean, de 2008:
80 81
Figura 79 Figura 80 Má arquitetura também oprime toda a comunidade, não apenas aqueles
que nela vivem. Projetos que fornecem casas idênticas mas não fornecem
Figura 81 Figura 82 Outra preocupção sempre presente nos projetos de Dean tem sido a
sustentabilidade. Mesmo quando questões como o impacto ambiental e melhor
aproveitamento de recursos ainda não eram amplamente discutidas, Dean já cogitava
soluções de menor impacto ambiental e, mesmo que no momento de sua concepção
seu projeto arquitetônico soasse financeiramente inviável, ele manteve suas pesquisas
para tornar sua utopia uma realidade. Sua preocupação com o meio ambiente resgata
o discurso de Friedensreich Hundertwasser, bem como a busca por formas orgânicas
predominantes em seus projetos, mas as afinidades não param por aí, como pode ser
visto no relato de Donald Lehmkuhl, sobre seus projetos e seu conceito de lar:
Figura 83 Figura 84 Uma casa, então, é uma defesa, um esconderijo, um abrigo contra as hostilidades
por uma pele mais robusta que sua própria. Uma casa é a barreira entre o
as bactérias. É o círculo mágico onde medos são postos de lado. Uma casa é
a extensão da realidade física humana, outra pela, uma proteção mais grossa.
Dean encontrou dificuldades para vibilizar seus projetos utilitários, uma vez
que representavam uma ruptura notável com o funcionalismo que ainda imperava na
sociedade e dependiam de financiamentos e altos investimentos para uma produção
seriada se consumar. Porém, como aponta Harvey, a sociedade como um todo passava
por mudanças e as mudanças econômicas apontavam para o fortalecimento de diferentes
relações profissionais. Fenômeno ao qual ele atribui o termo ‘acumulação flexível’, que
segundo ele, seria:
[...] marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia
entre setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto
p. 140)
Figura 86 1968, que Dean teve a oportunidade de adentrar na área do design visual, especificamente
para as capas de discos. E seria neste segmento que Dean - confesso admirador do
trabalho dos já citados artistas norte-americanos Rick Griffin, Stanley Mouse e Alton
Kelley - se tornaria famoso mundialmente. A princípio sua dificuldade era com as
limitações do suporte em duas dimensões, uma vez que suas criações até então sempre
serviram como plataforma para depois serem executados os projetos tridimensionais.
Dificuldades que também se estenderiam com relação à composição de ilustrações
somadas à tipografia. Mas independentemente de quaisquer dificuldades, o terreno
era fértil. Tanto as mudanças econômicas, que ditavam as tendências do mercado de
trabalho, como as novas aspirações sociais e culturais favoreceriam o trabalho de Dean
neste novo contexto. Ele manteria seus conceitos e temas, que somados à liberdade de
não estarem atrelados à uma produção factível, dariam margem à universos ainda mais
fantásticos (Figura 86). E suas estética e poética viriam ao encontro do que diz um dos
notórios teóricos do pós-modernismo, Charles Jencks:
Figura 87 [...] em toda parte – na publicidade, nas prateleiras, nas capas de disco, nas
Dean logo se faria valer das particularidades do novo suporte para dar vazão
às suas criações visionárias de forma ainda mais contundente. A mistura de diversos
materiais, como lápis de cera, pastel, guache, nanquim e mais tarde a inclusão de esmaltes,
possibilitava efeitos únicos (Figura 87). A busca pela ambigüidade em suas imagens, não
diferente do que conseguia em seus projetos utilitários, apenas reforçava sua ruptura
86 87
Figura 88 com o funcionalismo modernista. Sua obra não era abstrata, era repleta de elementos
figurativos, mas representados com extrema particularidade. O efeito de ‘marmorizado’
(Figura 88) que ele conseguia com suas misturas heterogêneas de materias aumentavam
ainda mais a aura de fantasia. A herança de seus móveis com referências ôrgânicas era
visível, e as imagens sempre passíveis de associações diversas.
Outro elemento que se tornou marca registrada de seu trabalho foi a ambigüidade
das criaturas que habitavam os ambientes de seu universo paralelo. Híbridos de insetos,
Figura 89 Figura 90 animais e máquinas transitavam confortavelmente pelas paisagens fantásticas e audaciosas
instalações. Em suas palavras:
O que eu estava tentando fazer com estas imagens era criar uma espaçonave
que fossem ambíguos. Eram eles animais ou máquinas? Isto é algo que eu
tentei fazer várias vezes em diferentes maneiras. (DEAN, 1975, p. 39, tradução
nossa)
Figura 92 desafio: transportar suas paisagens fantásticas para o mundo real, em tamanho natural,
na forma de cenários de palco. Mais uma vez, a colaboração com o grupo Yes daria vazão
à projetos inovadores. Da mesma forma como Roger Dean sempre teve preocupação
com o ambiente como um todo, não seria diferente com relação aos cenários:
O mais importante, é o fato de que o cenário deva ser um lugar, onde a banda
Figura 93 real, definida porém desconhecida. (DEAN, 1984, p. 42, tradução nossa.)
Nós éramos jovens e, graças à Deus, eternos otimistas; caso contrário nós
nunca teríamos nos arriscado da forma que fizemos. Mas sem correr riscos,
você nunca desbrava novos territórios. (DEAN, 1984, p. 44, tradução nossa)
Figura 98 Figura 99 também ser atribuídas ao salto para os palcos. A proliferação de serviços diversos,
sob a forma de subcontratações no lugar de funções internalizadas nas empresas e o
crescimento da demanda pela indústria do entretenimento colaboravam para a expansão
das atividades:
Figura 100 e distrações. O ‘tempo da vida’ desses serviços (uma visita a um museu, ir a
uma máquina de lavar. [...] Essa busca pode estar na raiz da rápida penetração
Para Roger Dean, a associação da música com outras liguagens estava além
de meras complementações. E especialmente no período entre o final da década de
1960 e início da década de 1970, músicos buscavam essa sinestesia. Uma experiência
completa. A música, que ganhava força com os avanços tecnológicos, conquistava novos
territórios quando somada aos efeitos especiais. E Dean tinha o receio de que, em
grandes concertos, as pessoas que estavam mais afastadas não tinham o privilégio da
visualização do palco. Um cenário elaborado contribuiria com a experiência, a longas
distâncias e reforçaria o espetáculo (Figuras 98, 99, 100). Em suas palavras:
92 93
Figura 101 Considerar que as pessoas vêm aos concertos pela música apenas implicaria
Tais projetos cenográficos foram a plataforma perfeita para Dean explorar sua
imaginação, que já não mais cabia nos limites de uma capa de disco. Ao fim e ao cabo,
suas formas ambíguas, paisagens ora orgânicas ora metamórficas, habitadas por insetos
mecânicos, todos compondo uma narrativa que transcorriam no tempo, agora ganhavam
vida, podendo assim ser apreciados em sua totalidade (Figura 101).
A trajetória de Roger Dean foi sendo traçada pela soma de característcas bem
definidas. A constante busca por novas estéticas, a ruptura com supostas leis que
conformariam a produção artística herdadas de gerações passadas, a postura desafiadora
perante as limitações tecnológicas e as barreiras encontradas ao tentar se expressar
em suportes limitados, acabaram sempre levando Dean para novos meios, diferentes
extensões pelas quais expressar suas visões.
Com quatro décadas de experiência e uma idéia bem definida do que pretendia
conseguir com sua arte, e talvez mais importante, o que evitar a todo custo, Roger Dean
embarcaria em uma nova empreitada em 2005. Para o próximo salto, Dean acrescentaria
definitivamente qualidades inerentes à linguagem musical ao seu imaginário visual, ao
investir em um projeto de animação. Aqui uma explicação acerca da hibridização das
linguagens por Lucia Santaella:
94 95
Figura 102 Figura 103 Outra linguagem que tem no cruzamento do visual com o sonoro a chave
quer obviamente significar qualquer coisa similar a uma trilha sonora. A lógica
2001, p. 383)
Figura 108 Figura 109 de outros planetas. Temas que Dean já abordava em suas propostas desde o início da
década de 1970.
Sobre o assunto, um dos produtores do filme assumiu que os livros de Dean
serviram sim como influência, entre outras referências, para a concepcão do filme.
Em 2013 Roger Dean deu início oficialmente ao processo por plágio contra James
Cameron, na quantia de U$ 50.000.000,00.
o signo representar seu objeto falsamente. Mas dizer que ele representa seu
objeto implica que ele afete uma mente, de tal modo que, de certa maneira,
pensada, esta experiência aparece como uma representação, que por sua vez pode ou
não corresponder à algo que existe. Tal informação se transforma em signo e, em suas
classificações, o signo é dividido em não mais do que três categorias, a saber:
denomina interpretante da primeira. Daí que o signo seja uma coisa de cujo
signo. Daí que, para nós, o signo seja um primeiro, o objeto um segundo e o
a que ele se assemelha, esse signo só pode funcionar como ícone e em relação
existente, sin-signo, em relação ao objeto que ele indica, esse signo funciona
objeto que ele representa, esse signo funcionará como símbolo e em relação
como um argumento, princípio de seqüência que segue das premissas até uma
que são próprios daquele canal, o que cria a ilusão de uma mera somatória
Com esta teoria, Santaella divide cada um dos tipos de linguagem, sonora,
visual e verbal, em modalidades e submodalidades. Mas para este trabalho, interessa-
nos principalmente as submodalidades da liguagem visual. As principais modalidades
da linguagem visual são ‘Formas não-representativas’, ‘Formas figurativas’ e ‘Formas
representativas’, e suas submodalidades se dividem em:
104 105
Figura 112 [...] O debate mais secularmente presente na literatura sobre imagem como
2001, p. 188)
Figura 113 criação e deixar esta resignada à tais condições. Tanto no nível da sintaxe, a ordenação
de seus elementos referente à iconicidade, abrangendo os elementos que compõem
o todo, a forma como o fenômeno aparece em sua primeira apreensão, como em sua
indexicalidade, enquanto signo visual dicente e ao que ela remete, sua relação com o
objeto. Para reforçar uma leitura dos signos de objetos utilitários, e a diferença entre
as categorias de signos, de um extremo do espectro o icônico para o outro extremo o
simbólico, ainda baseado no estudo da semiótica peirceana, Décio Pignatari aponta que,
no mundo dos signos:
Figura 114 Enquanto o projeto modernista buscava, em seu nível sintático, apresentar-se
pela pureza de sua forma, somada à verdade e transparência de seus materiais (Figura
113) e definir pela sua indexicalidade a referência à sua utilidade e sua função, o projeto
de Dean remete à associações livres (Figura 114), não necessariamente atreladas ao que
seria suposto e pré-concebido à natureza do signo.
No nível de sencundidade, os objetos utilitários, apesar de se apresentarem sob
a visualidade, enquanto signos possuem uma relação com a função do objeto, conforme
explica Pignatari:
110 111
Figura 115 Figura 116 [...] o nível da secundidade, da relação signo/objeto – uma relação diádica –
p.140)
Figura 119 Figura 120 [...] pode-se concluir que as formas geométricas manifestas, isto é, desenhadas,
Por sua vez, Dean em seus projetos visava construir um universo próprio, em sua
primeira apreensão alheio ao que se espera em sua categoria de objetos (Figura 119). E
também enquanto signo, em sua secundidade, trazer uma ambigüidade na relação com a
função do objeto. Em contraste à exaltação da máquina do universo moderno, a obra de
Dean remete à natureza e suas formas orgânicas. Em oposição à “verdade ao material”,
a representação dos materiais em sua forma pura, Dean criaria estruturas escondidas
(Figura 120). Com vasto poder de sugestão com suas possibilidades em aberto, passíveis
de interpretações diversas. Quanto à denominação de sua proposta:
Figura 121 Figura 122 É difícil evitar referências à formas orgânicas quando se discute o trabalho de
Figura 123 Mas no caso de sua Sea Urchin Chair, Dean buscou, em sua complexa estrutura interior,
camuflada sob a imagem externa, um utensílio que pudesse oferecer diferentes suportes
para diferentes formas de sentar.
O conceito da Sea Urchin Chair serviu de suporte para seu Landscape Seating,
que pôde ser interpretado pelo público em sua aplicação final. A primeira reação do
público, de estranhamento, sem entender a mudança ocorrida no ambiente que já era
conhecido, mais uma vez comprova a ambigüidade dos projetos de Dean. O contraste
com a referência prévia que o usuário possui do ambiente, a dissolução da idéia que
fazia do que lhe era familiar, de qualquer forma, já aconteceria com qualquer mudança.
Mas no limite que aconteceu, de sequer compreender a forma apreendida como um
objeto que estivesse ali para uma função específica, no caso o ato de sentar-se, confere
ao signo visual, apesar de ainda índice, dicente, a predominância da iconicidade, aberto à
possibilidades. Isso pode ser visto também nos projetos de camas para crianças (Figuras
123, 124), influenciado pelo Retreat Pod de seu irmão Martyn. Espaços privativos que
Figura 124 visavam resolver as questões de sensação de segurança que crianças reportavam em
seuas perguntas. Se para Pignatari a relação de secundidade, indicial, do signo utilitário
é o signo-objeto - no caso da cadeira, o ato de sentar-se - Dean conseguiu com seu
projeto desvincular a primeira apreensão de seu signo desta relação com o signo-
objeto. Ao apontar para referências da natureza, montanhas, paisagens, desloca-as de seu
contexto, para então criar um signo visual, mas degenerado em relação à secundidade,
com predominância icônica, visto que:
uma determinação física, pois que isso seria uma proposição metafísica, mas
p.11)
116 117
Figura 125 Esta liberdade e desprendimento do signo em relação à sua função,sua secundidade,
e a predominância de sua iconicidade, soaria como heresia para os conceitos rígidos
do modernismo da Bauhaus. Após o momento da primeira apreensão, quando o signo
aparece ao interpretante, exposto ao acaso, as pessoas passaram a fazer associações
diversas e foi notado que algumas pessoas chegaram a escalar o móvel. E ao final da
noite, Dean notou que algumas áreas tendiam à maior movimentação ao passo que
outras tendiam à um comportamento mais tranqüilo.
Figura 126 evitava margens para interpretações e sugestões excessivas, com o nome do conjunto
sendo expresso o mais próximo o possível de sua representação verbal. A simples
fala da palavra “Yes”. Mesmo o elemento figurativo - que se enquadra na categoria de
linguagem visual e tem sua predominância na classificação de secundidade, sin-signo
indicial dicente - a ilustração do balão que envolve os caracteres da palavra aparece aqui
sugerindo, ele também, a linguagem verbal, com a visualização da fala. Santaella fala sobre
a classificação dos quadrinhos como linguagem híbrida visual-verbal:
cruzamentos entre esses dois sistemas de linguagem são tão evidentes, isto
A capa com o design original seria lançado em sua terra natal, Inglaterra e em
outros países, incluindo o Brasil. Mas nos Estados Unidos sairia, ainda naquele ano,
uma versão com outro projeto gráfico, desta vez já incluindo um registro fotográfico
com os integrantes do grupo (Figura 126). Esta segunda versão ainda mantém uma
tradição modernista, à exemplo da teoria ‘tipofoto’ do húngaro Lazlo Moholy-Nagy,
professor da Bauhaus. Influenciado pelas idéias de Le Corbusier, Moholy-Nagy evitava a
ambigüidade na mensagem, almejava uma forma inequívoca de representação que não
deixasse espaço para interpretações pessoais. Em suas palavras:
E foi na tradição modernista da Bauhaus que apareceu esta nova versão da capa
do álbum, uma montagem com a foto e o nome do conjunto impresso com uma fonte
tipográfica, que seguia um padrão para ser impresso e reproduzido, uma forma mecânica
da escrita.
Mais uma vez, sobre os diferentes caminhos que podem tomar a linguagem visual,
com predominância nas diferentes classificações de signos:
Daí que minha classificação tenha seu núcleo nas formas indiciais genuínas
para espraiar-se, de um lado, em formas que vão, cada vez mais, aproximando-
Figura 127 objeto. Tal ligação independe de interpretação, a imagem mostra um recorte no tempo
e espaço, um fragmento de algo real. Sobre esta figura como registro:
No segundo registro, Time And A Word (Figura 127), lançado em 1970, algumas
mudanças apareceriam. O design da capa mantinha o conceito de tipofoto, a montagem de
uma imagem fotográfica com a tipografia mecânica. Na tipografia, o layout se aproximava
ainda mais do funcionalismo modernista. A fonte usada, grotesca condensada, era de
fácil legibilidade. O texto aparece em um espaço separado, uma faixa do fundo em
branco, claramente separada da ilustração da capa. Na ilustração, uma composição de
fundo composta de formas basicamente geométricas. Uma perspectiva que simula o
próprio olhar pela máquina fotográfica e no chão da perspectiva, um padrão geométrico
quadriculado. Sobre este fundo, com influência do surrealismo, uma montagem fotográfica
com o corpo de uma mulher seminua e a representação gráfica de uma borboleta.
Sobre a relação de imagens surrealistas e signos degenerados, Nöth e Santaella dizem.
“O protótipo da imagem simbólica degenerada em relação à secundidade é a pintura
surrealista”. (NÖTH, SANTAELLA, 1998, p. 153)
Em 1971 seria lançado o terceiro álbum, intitulado The Yes Album (Figura 128).
Continuam características visuais dos álbuns anteriores: o fototipo, a montagem de um
registro fotográfico dos integrantes do conjunto com a tipografia mecânica, desta vez
abraçando a tipografia moderna ao utilizar a fonte Helvética, talvez a mais notória da
tipografia suíça, visando total neutralidade da forma, legibilidade clara e inequívoca.
124 125
Figura 128 A imagem dos integrantes aparece ao centro e nas laterais da composição, o
design representa a forma de um negativo de uma fotografia. A posição dos integrantes
remete à uma fotografia de um álbum de família e a cabeça de um manequim ao centro,
como que flutuando entre os integrantes, confere mais uma vez o caráter surrealista
da imagem.
das formas visuais qur se referir às figuras que não guardam mais qualquer
e das alegorias, onde figuras parecem ser indicativas, mas na realidade não
que funcionam como símbolos de idéias gerais e abstratas que só podem ser
Ainda em 1971, Roger Dean realiza aquele que seria o primeiro de uma longa
e duradoura parceria: o design da capa do álbum Fragile (Figura 129). A mudança seria
radical em comparação ao que havia sido feito e viria ao encontro da própria proposta
musical do conjunto. A música era complexa, detalhada, repleta de nuances e referências.
As influências abrangiam desde musica clássica erudita, o rock’n’roll da cultura de massas,
que por sua vez já havia bebido nas fontes da música negra norte-americana, o country
norte-americano. E sem dúvida o avanço tecnológico dos equipamentos e instrumentos
musicas também exercia forte impacto na linguagem musical. Com esta enorme gama
de referências e universos explorados, que davam margem à interpretações diversas, a
representação visual também clamava por uma identidade própria, que desse vazão e
126 127
conexão dinâmica, existencial com o objeto que indicam [...] são reagentes,
Figura 130 [...] nas formas figurativas a dominância se coloca na relação signo-objeto que,
nos seus três níveis, irá manifestar a proeminência do ícone, índice ou símbolo.
Uma vez que considero as formas figurativas em geral como aquelas que se
organizam sob a égide da indexicalidade, então, nas suas três modalidades, elas
podem ser traduzidas por: (1) índices qualitativos, isto é, quali-signos indiciais;
228)
A capa do novo disco trazia uma narrativa, porém expressa de forma peculiar,
através de uma ilustração com traços e características bem específicos. Na capa da
frente, o planeta Terra e uma aeronave de aparência primitiva sobrevoando a mesma.
Na contracapa (Figura 130), o planeta Terra começa a se despedaçar e aqui a aeronave,
agora em maior destaque, parece estar partindo. A representação dos elementos, tanto
128 129
Figura 131 do planeta Terra como da aeronave, ainda que imagens figurativas, não são registros
fiéis à realidade de seus objetos representados, como nos registros fotográficos, mas
sim interpretações livres. Aqui a obra de Dean aparece enquadrada na classificação
de Santaella de “figura como qualidade”. Aponta para quais as qualidades da figura.
Como esta indica algo que está fora dela. E dentro desta modalidade, são encontradas
submodalidades distintas para cada signo que é representado na composição inteira. O
planeta Terra sem dúvida aparece com forte grau de similaridade. Uma forma redonda,
com o verde representando os continentes terrestres, incluindo árvores sobre estes,
e o azul claro a porção aquática, os oceanos. E pairando sobre um fundo azul escuro, o
Universo.
Estes são padrões representativos que já estão enraizados no entendimento
que o receptor tem de tal signo e que buscam similaridade com o real objeto. Mas
aqui aparecem representados não de forma fiel, reproduções do objeto como é na
realidade, mas interpretações do artista. A demarcação dos continentes não condiz
com a realidade, inclusive foram omitidas as áreas polares, assim como as árvores estão
extremamente fora de proporção em relação ao tamanho da Terra. E os continentes
não são inteiros recobertos por vegetação. Talvez aqui possa ser atribuída a utopia de
uma Terra ainda pura, não dominada pelo progresso e avanço das civilizações, o que
já aponta para outra ambigüidade, pois vemos a aeronave sobrevoando sobre esta.
Esta representação da Terra pode ser classificada na modalidade “figura como tipo e
estereótipo”:
2001, p.230-231)
130 131
Figura 132 Quanto à representação da aeronave (Figura 131),Dean toma ainda mais liberdades
artísticas, propondo assim maior grau de ambigüidade em relação à conexão do signo e
o objeto por ele representado. Fica claro que é algum tipo de aeronave sobrevoando a
Terra e na capa frontal, aparenta não ser tecnologicamente muito desenvolvida. Mas na
contracapa, em um recorte da imagem, aparecem asas que são facilmente confundidas
com barbatanas e caudas de peixes, assim como a forma do corpo da nave apresenta
traços orgânicos. O que seria uma máquina que representaria de forma clara a evolução
industrial, aparece de forma ambígua, aberta a interpretações, que pode ser classificada
na submodalidade de “figura sui generis”:
e sui generis. A figura não visa produzir ilusoriamente uma realidade externa,
229)
No tocante ao que antes era a tipografia do design das capas, Dean atua mais
como um ilustrador do que o trabalho do designer no entendimento modernista.
No lugar que antes ocupava a tipografia mecânica industrial, que almejava atingir uma
legibilidade universal e evitar qualquer ambigüidade em sua interpretação, ele faz uso do
lettering (Figura 132). Uma escrita não tipográfica, caracteres produzidos manualmente,
sem o compromisso de sua padronização. E tais caracteres aparecem inseridos como
parte integrante da composição, como se fizessem parte da pintura. Tanto o nome do
conjunto como o nome do disco, entrelaçados em formas e adornos orgânicos, que
pedem para ser desvendados. O contraste e discrepância entre a tipografia suíça e o
132 133
Figura 133 logotipo criado por Dean podem ser traduzidas pelo que Ladislas Mandel descreve
como:
Além das escritas para ler, existe uma escrita de letras-imagens para ver.
Tanto nos frontispícios dos livros dos séculos passados como na publicidade,
173)
Sobre a escrita que assume função de signo visual, a descrição vai ao encontro
do que Dean buscava com seu lettering, o que era o oposto do que buscava a tipografia
moderna. Mais uma vez, Mandel cita, sobre como em suportes e meios diversos a
escrita buscava representar outros signos:
Figura 134 temos uma representação que pode ser classificada dentro da modalidade de “formas
não representativas”, na submodalidade “a qualidade reduzida a si mesma: a talidade”,
conforme explica Santaella:
Talidade quer dizer qualidade tal qual é, em si mesma, sem relação com
Figura 135 e superfície, combinações de massas e volumes, tanto quanto possível libertos
isso mesmo, tudo pode se lhes assemelhar [...] (SANTAELLA, 2001, p. 211-
212)
Figura 136 O gesto produz figuras que lhe são próprias. O caso mais exemplar das figuras
São, por isso mesmo, figuras cuja qualidade não vale por si mesma, mas é,
trabalho que Dean executou com Yes. A conexão entre música e imaginário
visual é muito mais flexível do que aquela com palavras e imagens, uma vez
que ela tem sua base em estados de ânimo e atmosferas. (HAMILTON, 1975,
Dean não entitulou nenhuma obra em seu livro, mas ele é fascinado pelas
Figura 139 que a cena faça parte do mesmo universo sugerido anteriormente, mas nada liga tais
cenas com objetos reais, existentes fora do signo aqui representado.Temos aqui a marca
da escolha, a seleção que o artista faz dos elementos, em contextos específicos. Por esta
razão, entram na classificação de sin-signo, indicial dicente, mas com predominância da
primeiridade, icônica. Sobre “o gesto em ato” Santaella diz:
Figura 141 ocupar um lado inteiro do disco, Dean cria uma narrativa visual que se desdobra pela
superfície da capa, que ainda poderia estender-se para além do limite espacial. Não
obstante, a interação com os fragmentos da capa sugere um desdobramento no tempo.
A experiência da apreensão da capa foge totalmente do que seria previsto pelo design
funcional: passar as mensagens supostamente necessárias. O que também pode ser
questionado, o que seria considerado o estritamente necessário, evitando supérfluos
adornos, em um conjunto de significados tão específico como este. Para o álbum Relayer
de 1974 (Figura 142) Dean criou uma paisagem que remete à rascunhos de projetos de
1966 (Figura 143). A ambigüidade entre formas naturais e possíveis construções feitas
pelo homem não deixa clara a natureza dos elementos representados. As texturas e
cores das pedras conferem um aspecto de camuflagem e só após muita atenção que são
percebidos dois cavaleiros ao fundo. Mais uma vez a preocupação de Dean comprova a
incompatibilidade do universo por ele imaginado e aquele real, existente:
Figura 142 Dean certa vez afirmou que o que seus esforços eram para fazer de sua
inalterada. Quando a ele foi dito que se era isso que buscava ele deveria então
usar uma fotografia, rapidamente respondeu que isso era exatamente o que
capaz de construir suas idéias não teria que desenhá-las. (HAMILTON, 1975,
Mais uma vez, aparece a dissonância entre seu método e a natureza das imagens
por ele concebidas e o modernismo defendido pela Bauhaus. Enquanto o manifesto da
escola alemã iniciava com os dizeres “a meta definitiva de todas as artes é a construção!”,
Dean imaginava um universo impossível de ser construído. Sua criação de signos ambíguos,
sem conexão com objetos reais externos definidos e a vontade de manipular e maquiar
144 145
Figura 143 a técnica expressa nestes dirigia-se de encontro ao lema “honestidade aos materiais”
da Bauhaus, cuja meta era a transparência da forma, ditada pela sua funcionalidade.
A impossibilidade de relacionar as construções hipotéticas de Dean com o mundo
real mostra características próprias de sua obra, abordando principalmente sua técnica.
Neste caso, pode-se classificar seu trabalho entre duas submodalidades, a primeira
sendo “a marca qualitativa do gesto”:
Não há como apagar por completo de uma qualidade visual, seja ela a cor, a
do qual essa qualidade foi produzida. Por isso mesmo, marca qualitativa do
oferecer algo novo com cada visita. Coloque os dois meios juntos, e você
tem algo especial. E esta é uma palavra que resume Roger Dean e sua obra:
com as obras por ele abarcadas, que podem ser encontradas em todas as
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BÜRDEK, Bernhard E.. Design – Hitória, Teoria e Prática do Design de Produtos. São Paulo:
DEAN, Roger; DEAN, Martyn. Magnetic Storm. New York: Collins Design, 2009. (originalmente
DEAN, Roger.Views. New York: Collins Design, 2009. (originalmente publicado em UK: Dragon’s
HALL, Edward T.. A Dimenção Oculta. Rio de Janeiro: Francisco Alves Editora SA, 1977.
HARVEY, Doug. Heart And Torch: Rick Griffin’s Transcendence. California: Laguna Art Museum,
HOLLIS, Richard. Swiss Graphic Design: The Origins and Growth of an International Style,
LUPTON, Ellen; MILLER, J.Abbott. ABC da Bauhaus. São Paulo: Cosac & Naify, 1991.
MANDEL, Ladislas. Escritas, Espelho dos Homens e das Sociedades. São Paulo: Edições Rosari,
2006.
MCCRACKEN, Grant. Cultura & Consumo. Rio de Janeiro: Mauad Editora Ltda., 2003
MILLER, Stanley; KELLEY, Alton. Mouse & Kelley. Surrey: Dragon’s Dream Ltda., 1979.
MOSCOSO,Victor. Sex, Rock & Optical Illusions. Washington: Phantagraphics Books, 2005.
152 153
NÖTH, Winfred; SANTAELLA, Lúcia. Imagem: Congnição, Semiótica, Mídia. São Paulo: Editora
Iluminuras, 1998.
RESTANY, Pierre. Hundertwasser. O Pintor Rei das Cinco Peles. Köln: Taschen, 2003.
SANTAELLA, Lúcia. Linguagens Líquidas na Era da Mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007.
VENTURI, Robert; et al. Aprendendo Com Las Vegas. São Paulo: Cosac & Naify, 2003
HUNDERTWASSER, Friedensreich. Los Von Loos (“Loose From Loos”) – A Law Permitting
2013.
James Cameron sued by artist Roger Dean over Avatar. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/
SANTAELLA, Lucia. Criação Pós-Moderna: Há Lugar Para o Novo Depois das Utopias? São Paulo:
SANTAELLA, Lucia. O que é Semiótica. São Paulo: Editora Brasiliense, 1983. Disponível em:
156 157
WEBSTER, Andrew. Fantasy art veteran Roger Dean makes his first game, ‘Dragon’s Dream’.
IMAGENS
Figura 1: http://www.victorianweb.org/art/design/furniture/25.jpg
Figura 2: http://2.bp.blogspot.com/-xraBlAt0iXY/T19_UpE2F6I/AAAAAAAAK1A/ZAc73clUzS0/s1600/
william+morris-1876-honeysuckle,+printed+I+4.jpg
Figura 3: http://parisadele.com/wp-content/uploads/2013/05/HECTOR-GUIMARD-ENTRANCE-
ABBESSES.jpg
Figura 4: http://michellegoetz.files.wordpress.com/2011/08/artnouveau.gif
Figura 5: http://gabrielchetcuti.files.wordpress.com/2013/10/alphonse_mucha_-_job_cigarettes_1.jpg
Figura 6: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/b4/Alfons_Mucha_-_1897_-_Bières_de_
la_Meuse.jpg
Figura 7: http://michellegoetz.files.wordpress.com/2011/08/victorhortastaircase.jpg
Figura 8: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/f3/Gustav_Klimt_016.jpg
Figura 9: http://www.szecesszio.com/wp-content/uploads/2011/03/Vienna_Secession_Fifth_Exhibition_
poster.jpg
60765-1958941.jpg
Farnsworth_House_Plano_USA_7.jpg
jpg
s1600/jan_tschichold.jpg
prototype.jpg
Nagy.jpg
b25180c1c3.jpg
anniversary/big_274053_6484_1114.tif_00009232_big.jpg
160 161
jpg
s400/verner+panton+private+appartment.jpg
11010912317262133016-on-wanken-shelby-white.jpeg
Figura 41, 42, 43, 44, 45: RESTANY, Pierre. Hundertwasser. O Pintor Rei das Cinco Peles. Köln: Taschen,
2003.
Figuras 46, 47, 48, 49: HARVEY, Doug. Heart And Torch: Rick Griffin’s Transcendence. California: Laguna
Figuras 50, 51, 52: MOSCOSO, Victor. Sex, Rock & Optical Illusions. Washington: Phantagraphics Books,
2005.
Figuras 53, 54, 55, 56: MILLER, Stanley; KELLEY, Alton. Mouse & Kelley. Surrey: Dragon’s Dream Ltda.,
1979.
editorial/a/d1/ad17983f-f0c7-5d23-955d-eeabd20ea621/4d9f900f5708d.preview-300.jpg
STL-Post-Dispatch.jpg
s1600/Pruitt-igoe_collapse-series.jpeg
Figuras 61, 62, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 75, 85, 88, 89, 90, 91, 114, 119, 120, 121, 123, 131, 132, 135,
Figuras 73, 77, 78, 79, 80, 92, 93, 94, 95, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 124: DEAN, Roger; DEAN, Martyn.
Figuras 63, 76, 112, 144: DEAN, Roger. Dragon’s Dream. New York: Collins Design, 2008.
Function.jpg
ea/0560.jpg
s1600/Roger-Dean-1971-Yes-Fragile.jpg
cover_433419102008.jpg
s1600/yesctte-01.jpg
TnCSszzdXEY/s1600/yessongs_inside_3.jpg