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Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro – SEEDUC/RJ

Pró-Reitoria de Pós-graduação e Pesquisa – PR2/UERJ

Módulo VII
BNCC na prática de Sala de Aula – 1ª série/Ensino Médio

Unidade 2
Conceitos fundamentais da modernidade
em perspectiva histórica
FICHA TÉCNICA
Agenciamento:
Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro – SEEDUC/RJ
Universidade do Estado do Rio de Janeiro –UERJ
Título:
Especialização em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas
Título do Módulo VII:
BNCC na prática de Sala de Aula – 1ª série/Ensino Médio
Autores – Módulo VII:
Cássia Brandão (UERJ)
Márcia de Almeida Gonçalves (UERJ)
Rui Aniceto Fernandes (UERJ)
Design Gráfico
Fábio Gouvêa Andrezo Carneiro (Fundação Cecierj)
Mario Ricardo da Silva Lima (Fundação Cecierj)
Equipe administrativa:
Ricardo Lodi Ribeiro – Reitor (UERJ)
Mario Sergio Alves Carneiro – Vice-reitor (UERJ)
Luís Antônio Campinho Pereira da Mota – Pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa (UERJ)
Rosana de Oliveira – Coordenação Geral dos Cursos de Especialização: Formação de
Profissionais da Educação do Ensino Médio – (EDU/UERJ)
Márcia Taborda – Coordenação Geral dos Cursos de Especialização: Formação de Profissionais
da Educação do Ensino Médio – (UERJ)
Apoio técnico:
Ambiente Virtual de Ensino de Pós-Graduação
Equipe de Apoio:
Rosana de Oliveira – Coordenação Geral dos Cursos de Especialização: Formação de
Profissionais da Educação do Ensino Médio – (EDU/UERJ)
Márcia Taborda – Coordenação Geral dos Cursos de Especialização: Formação de Profissionais
da Educação do Ensino Médio – (UERJ)
Norma Sueli Rosa Lima – Coordenação do Curso de Especialização em Linguagens e suas
Tecnologias (UERJ)
Débora Raquel Alves Barreiros – Coordenação Material Didático e Professora de Apoio
Conteudista (EDU/UERJ)
Ana Paula Pereira Marques de Carvalho – Coordenação de Material Didático (Coordenadora do
Programa de Bolsas de Iniciação Científica – Pró-reitoria de Pós-Graduação/UERJ)
Maria do Socorro dos Santos – Assessora de Material Didático (Doutoranda ProPEd/EDU/UERJ)
Nataly da Costa Afonso – Assessora de Material Didático (Doutoranda ProPEd/EDU/UERJ
e Professora de Anos Iniciais da SME-RJ)
Vittorio Leandro Oliveira Lo Bianco – Designer Instrucional (Fundação Cecierj)
Judith Almeida de Mello – Designer Instrucional (Fundação Cecierj)
Renata Vettoretti – Designer Instrucional (Fundação Cecierj)
Clarisse de Mendonça e Almeida (Fundação Cecierj)
Flávia de Mattos Giovannini Busnardo (Fundação Cecierj)
Revisão Textual:
Alexandre Alves (Fundação Cecierj)
Lícia Matos (Fundação Cecierj)

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ÍNDICE
1.  Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4

2.  Palavras, conceitos e formas de compreender e agir no mundo. . . . . . 4

3.  Modernidade/Pós-modernidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4

4.  Ocidente/Oriente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

5.  Nação e civilização. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

6.  A definição de campos disciplinares, o saber acadêmico


e o uso de fontes documentais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

Referências bibliográficas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

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1.  Apresentação
Há conceitos no âmbito das Ciências Humanas que, em função dos seus usos
sociais e políticos, se tornaram categorias organizadoras de formas de com-
preender e agir no mundo em diversas sociedades. Nesta unidade, objetiva-se
apresentar e problematizar alguns desses conceitos, no caso, modernidade/pós-
-modernidade, ocidente/oriente, nação e civilização. Espera-se que eles venham
a ser apropriados para possibilitar operacionalizações curriculares e didáticas na
História, na Geografia, na Sociologia e na Filosofia, disciplinas que integram a
área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas na BNCC do Ensino Médio.

2.  Palavras, conceitos e formas de compreender e agir


no mundo
Ao buscarmos sistematizar algumas reflexões sobre os conceitos de moderni-
dade/pós modernidade, ocidente/oriente, nação e civilização, em uma perspec-
tiva histórica, estaremos realizando uma abordagem em diálogo com a história
dos conceitos (KOSELLECK, 2006). Entenderemos, dessa forma, que há pala-
vras que se constituem como conceitos fundamentais e que, nessa qualidade,
possuem historicidade, ou seja, seus significados permanecem ou mudam, não
sendo necessariamente os mesmos, a depender de seus usos sociais e políticos.
As mudanças, no entanto, não rompem com possíveis conexões entre esses sig-
nificados, de modo que alguns deles podem vir a desaparecer ou então coexistir,
o que em parte responde pela polissemia de alguns conceitos.
Ao enunciarmos nossa abordagem, estamos explicitando o cuidado em afir-
mar que palavras, como conceitos, possuem história, inserindo-se em contextos
espaciais e temporais específicos, tendo sido instituídos/modificados/mantidos
por sujeitos, grupos, instituições, sob a luz, ou sombra, dos mais diversos inte-
resses e motivações. Nesses termos, vale destacar as dimensões políticas e
culturais que informam e são informadas por esses interesses/motivações, inse-
ridas nas respectivas condições econômicas de produção de bens materiais e
simbólicos que então ocorreram.

3.  Modernidade/Pós-modernidade
Na língua portuguesa, há vários significados para o adjetivo moderno, como pode
ser constatado ao se consultar um bom dicionário. Um deles diz respeito à quali-
dade de que algo – um objeto, um acontecimento, um período histórico – é novo.

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Esse significado se faz presente também em outras línguas, tendo circulado e se
enraizado em função de determinados processos históricos.

No texto indicado abaixo, encontam-se reflexões mais


aprofundadas sobre os significados de modernidade:
KOSELLECK, Reinhart. Espaço de experiência e hori-
zonte de expectativa. In: Futuro passado: contribuição
à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro:
Contraponto; Editora PUC-Rio, 2006. p. 305-327.
Ele está disponível na pasta Textos complementares.

A caracterização do moderno como novo exige que a apreensão do que é


designado nessa condição seja feita a partir da comparação/relação com seus
antônimos, no caso, o antigo, o velho. Esse tipo de relação, por vezes, é também
empregado em ilações entre moderno/melhor e antigo/pior. Independentemente
desse juízo de valor, importa destacar um uso corrente para moderno como
algo novo e, em alguns casos, melhor ou dotado de progresso, evolução; uma
mudança de estado a partir da qual algo se torna mais desenvolvido ou adequado
a situações não planejadas. Podemos encaixar nessa acepção o verbo moderni-
zar e o substantivo modernização, no caso da língua portuguesa.
Interessa-nos, especialmente, precisar alguns dos significados de outro subs-
tantivo derivado do moderno, a saber: modernidade. De forma sintética, moderni-
dade denota a condição do moderno e, nessa acepção, estamos de forma mais
literal traduzindo o sufixo -idade. Caberiam, então, mais algumas palavras, na
direção do que o substantivo condição pode significar. Aqui, e mais uma vez abu-
sando da síntese, situar a condição do moderno é indicar um estado, um modo de
ser, um comportamento social e individual circunscrito temporal e espacialmente.
Demarcar que há situações específicas em que a modernidade, como con-
ceito, adquiriu algumas significações ainda correntes é um exercício fundamental
para compreender e problematizar contextos históricos de determinadas socie-
dades humanas. Nessa dimensão, compreende-se sua relevância entre os obje-
tos de conteúdo dos componentes curriculares das Ciências Humanas e Sociais
Aplicadas, nos termos da BNCC do Ensino Médio.
Ao pensarmos em modernidade como um conceito que possui historici-
dade, importa destacar seu uso nas periodizações de viés eurocêntrico do

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conhecimento histórico, amplamente disseminadas em manuais didáticos e
outros meios. A periodização quadripartite – História Antiga, História Medie-
val, História Moderna, História Contemporânea – consagrou o uso do moderno
como um período histórico específico e contribuiu para que o termo moderni-
dade viesse a ser usado como indicação de uma época. Trata-se de uma época
com características associadas à valorização da mudança, do movimento, da
aceleração da própria história, por vezes em alusões ao progresso e à evolução
das sociedades humanas.
Como indicam Koselleck (2006) e Williams (2007), em língua alemã e em
língua inglesa, modernidade aparecerá nos dicionários na segunda metade do
século XIX, indiciando, em certa medida, seu cada vez maior enraizamento nos
usos sociais do conceito. É importante demarcar, nesse contexto europeu, as
relações entre modernidade e desenvolvimento capitalista, e ressaltar o quanto
certos significados da condição moderna se misturaram ao que caracterizava a
sociedade burguesa e industrial. Nessa acepção, o desenvolvimento industrial,
com base nos conhecimentos científicos e na disseminação de determinadas
técnicas e tecnologias, tornou-se um dos indicadores mais mobilizados para sig-
nificar a modernidade, estendendo-se, por correlação, com a identificação do
que passava a ser qualificado como arcaico, atrasado ou ultrapassado.
Podemos, então, afirmar que muitos dos significados do que se compreende
como modernidade referem-se a uma modernidade capitalista, que, no decorrer
do século XIX, se fez presente em sociedades europeias. No entanto, ela afetou
também, de formas particulares, outras sociedades e povos, nos quais a expan-
são do capitalismo, em particular com os imperialismos, deixou suas marcas:
negociação, dominação e expropriação, justificadas como atos de modernizar
e civilizar.
Cabe mencionar que, especialmente entre pensadores(as) e literatos(as), nos
séculos XIX e XX, muitas foram as análises e críticas associadas à compreensão
dessa condição moderna nas suas dimensões burguesas e capitalistas. A título
de exemplificação, vale relembrar o vaticínio de autoria de Karl Marx e Friedrick
Engels, constante no Manifesto comunista, tornado, nas reflexões de Marshall
Berman, uma espécie de topos para identificar o ethos da modernidade: “Tudo
que é sólido desmancha no ar”. As ideias de transitoriedade e fugacidade pas-
savam a ser centrais na caracterização dessa condição moderna capitalista e
burguesa, manifestas, por exemplo, no viver em cidades que se tornaram metró-
poles e na rotinização do uso de tecnologias na vida cotidiana de multidões, em
especial nos transportes e nas comunicações.

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O livro de Marshall Berman intitulado Tudo que é
sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade
tornou-se um clássico entre as obras contemporâneas
que analisaram o conceito de modernidade, mobili-
zando obras de naturezas e autores diferentes, entre
eles Goethe, Marx, Baudelaire, Dostoievski. Reco-
menda-se a leitura do prefácio, intitulado “Moderni-
dade: ontem, hoje e amanhã” e disponível na pasta
Textos complementares.

Nas décadas de 1980 e 1990, emergiu entre pensadores(as) o debate acerca


do que foi então denominado de pós-modernidade. Como o termo sugere, a des-
peito das polêmicas em torno de seu uso, buscou-se compreender a natureza
de certas mudanças e processos associados à emergência da globalização eco-
nômica e da mundialização de valores e práticas culturais, na esteira do fim do
contexto bipolar da Guerra Fria, sob a alardeada (e desejada por determinados
governos e agentes econômicos) integração de mercados e transações financei-
ras. Essa integração foi possibilitada por mudanças diversas ocorridas no perí-
odo, dentre elas, o surgimento das tecnologias eletrônicas e digitais de comuni-
cação, na configuração de sociedades pós-industriais.

Entre autores e obras referenciais para situar essa


polêmica, destacamos:
• Jean François Lyotard (A condição pós moderna);
• David Harvey (A condição pós moderna: uma pes-
quisa sobre as origens da mudança cultural);
• Zygmund Bauman (O mal estar da pós-modernidade).
Sugerimos intensamente a leitura de Harvey, na
pasta Textos complementares.

Compreendida como o tempo presente de diversas sociedades e povos afe-


tados pela globalização, a pós-modernidade, também designada como moderni-
dade líquida e modernidade tardia, configura profundas alterações nas maneiras

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de perceber e aprender o tempo e o espaço. Esse é um aspecto crucial para
situar e ressignificar as relações entre o local, o regional, o nacional e o global,
e também as relações entre as temporalidades do passado, do presente e do
futuro, sendo, por isso, temática central nas Ciências Humanas.

4.  Ocidente/Oriente
Os conceitos de Ocidente e Oriente, nas suas etimologias, indicam uma orien-
tação situada pelo nascer e pelo pôr do sol, dependendo, assim, da criação de
um ponto de referência, instituído e partilhado como convenção. Há, certamente,
histórias para o estabelecimento dessas convenções e de suas aceitações e
usos negociados entre sociedades e povos. Entre elas, cabe destacar o esta-
belecimento do meridiano de Greenwich, em 1884, como sendo o ponto zero de
divisão geográfica do planeta Terra, associada ao estabelecimento de uma linha
imaginária na direção norte-sul. Em um mapa-múndi, à esquerda de Greenwich
estaria o oeste, o Ocidente; à direita, o leste, o Oriente. A partir da convenção
de Greenwich, estabeleceu-se também o sistema de fusos horários e a primeira
padronização mundial da medição da hora.

Entre os trabalhos que se valem dessa perspectiva,


indicamos: LUZ, Sabina Ferreira Alexandre. O esta-
belecimento da Hora Legal Brasileira: o Brasil adota
o meridiano de Greenwich. Dissertação (Mestrado
em História Social) – Programa de Pós-Programa de
Graduação em História Social, Universidade Fede-
ral Fluminense, Niterói, 2014. Disponível na pasta
Textos complementares.

É importante destacar a data do estabelecimento da convenção de Greenwich,


1884, não por mero acaso inserida no mesmo contexto em que a palavra moder-
nidade tornou-se um conceito referenciado pelos dicionários, e, como já comen-
tado, um contexto de expansão capitalista, na dimensão das ações imperialistas.
Nessa conjuntura, o controle e a uniformização das coordenadas geográficas e
de padronização da medição do tempo cronológico eram ações estratégicas para
a circulação de matérias-primas, mercadorias e pessoas.
Correlativamente a essa significação dos conceitos de Ocidente e Oriente –
questão crucial abordada nos currículos da Educação Básica, em especial na

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Geografia –, importa situar outra, de dimensões culturais, muito mobilizada em
disputas políticas e ideológicas entre os governos de diversos países e, de forma
mais cristalizada, no decorrer do século XIX, sendo presente na nossa atuali-
dade. Tal significação foi analisada por Edward Said, dando título a sua obra,
Orientalismo (1978). Nas palavras de Said:

O Orientalismo é um estilo de pensamento baseado numa distinção ontológica


feita entre o “Oriente” e o “Ocidente”. Assim um grande número de escritores,
entre os quais poetas, romancistas, filósofos, teóricos políticos, economistas
e administradores imperiais, tem aceitado a distinção básica entre o Leste e o
Oeste como ponto de partida para teorias elaboradas, epopeias, romances, des-
crições sociais e relatos políticos a respeito do Oriente, seus povos, costumes,
“mentalidade” destino e assim por diante. […] Tomando o final do século XVIII
como ponto de partida aproximado, o Orientalismo pode ser discutido e anali-
sado como a instituição autorizada a lidar com o Oriente – fazendo e corrobo-
rando afirmações a seu respeito, descrevendo-o, ensinando-o, colonizando-o,
governando-o: em suma, o Orientalismo como um estilo ocidental para dominar,
reestruturar e ter autoridade sobre o Oriente (SAID, 2003, p. 23-25).

Ao indicar o corte aproximado do século XVIII, Said insere tais práticas e dis-
cursividades do Ocidente em relação ao Oriente no contexto da modernidade
setecentista europeia, momento em que, entre outras ocorrências, iniciou-se o
processo de industrialização, a princípio, na Inglaterra. Entre as muitas conside-
rações de Said na obra mencionada, destaca-se a análise da perspectiva etno-
cêntrica, uniformizadora de culturas de povos e sociedades orientais, a qual, por
meio de uma série de ações, espraiou-se no decorrer dos séculos XIX, XX e XXI.
Nessas ações, o par civilização/barbárie veio a ser muito utilizado para designar
o Ocidente como porção da humanidade superior ao Oriente e, assim, justificar
as mais variadas intervenções sob a justificativa do ato de civilizar.

A obra de Said possui muito relevância, seja pelos posicionamentos políti-


cos do autor, nascido em Jerusalém em 1935, e crítico das ações militares do
Estado de Israel em sua terra natal, seja por ser referenciada entre autores(as)
relacionados(as) aos Estudos Subalternos e também entre autores(as) que escre-
vem sobre o pensamento decolonial – a esse respeito, recomenda-se consultar a
Unidade 5 do Módulo VI deste curso.
No ensino/aprendizagem dos componentes curriculares que integram a área
de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, segundo a BNCC, o conceito de orien-
talismo se constituiu em uma temática transversal de enorme relevância para se
abordarem as contradições da modernidade/pós-modernidade capitalista, entre
o século XVIII e a atualidade.

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5.  Nação e civilização
Nação e civilização são conceitos polissêmicos. Em nossa reflexão, neste texto
de síntese, destacamos alguns de seus significados, cuja emergência, circulação
e enraizamento se inserem no recorte temporal da modernidade, em especial no
século XVIII, no Ocidente europeu.
Há um ponto de inflexão para determinados significados do conceito de civiliza-
ção que o associa ao processo de conquista, exploração e colonização de povos
e sociedades que habitavam o continente batizado de América pelos conquistado-
res europeus, no século XVI. Tais significados foram disseminados e instituíram a
caracterização da superioridade de valores culturais dos povos e governos euro-
peus conquistadores frente ao caráter bárbaro de povos e sociedades americanas.
Nessas circunstâncias, os contatos e relações já existentes entre povos e socie-
dades europeus, africanos e asiáticos foram, em certa medida, ressignificados,
na perspectiva de tomar a civilização europeia como referência, em torno da qual
outros povos e culturas deveriam gravitar, mirando-se nela como padrão universal.
Nessa acepção, ser civilizado era ser europeu, branco, cristão, ocidental, além
de outros atributos que vieram a ser agregados. Em contrapartida, outros povos
e sociedades que não se encaixassem nesse padrão seriam classificados como
incivilizados, bárbaros e primitivos. O conceito de orientalismo – anteriormente
mencionado no item sobre os conceitos de Ocidente/Oriente – integra, no caso
específico das relações entre sociedades europeias ocidentais e sociedades
orientais, esse conjunto de significações do conceito de civilização cristalizadas
entre as estratégias de desvalorização e dominação de povos e sociedades dife-
rentes e plurais. É importante mencionar a instrumentalização do conceito de
raça como um marcador de índices de civilidade e de humanidade, associados a
toda uma série de hierarquias e exclusões instituídas, em especial pela escravi-
zação de populações indígenas, africanas e afrodescendentes nos processos de
colonização europeia nas Américas, entre os séculos XVI e XVIII, e nas ações
imperialistas de governos capitalistas na África, Ásia e Oceania, no decorrer do
séculos XIX e XX.
O conceito de nação, em especial no contexto do processo revolucionário fran-
cês (1789-1815) e das lutas de independência nas colônias americanas, entre
finais do século XVIII e o alvorecer do século XIX, passou a ter significados até
hoje muito predominantes nos âmbitos político e cultural. Daí se falar em nação
moderna, entendida como comunidade política constituída por um governo esta-
tal soberano, com controle e jurisdição sobre um território e sobre o povo (ou
povos) que o habitam. O processo revolucionário francês, pelas transformações
e impactos causados nas sociedades europeias e americanas, contribuiu para

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instituir, no lugar da soberania do monarca, a soberania da nação. No caso dos
processos de independência das sociedades coloniais americanas, a despeito
das particularidades de cada caso, a instituição de estados independentes se fez
como construção de estados nacionais e, neles, o ato de instituir a nação se fez
a partir das heranças coloniais e suas contradições.
A emergência desses estados nacionais americanos, ao longo da primeira
metade do século XIX, foi extremamente conflituosa, em particular no que se
referiu a fazer valer valores e práticas de pertencimento que possibilitassem a
construção de identidades nacionais em regiões marcadas por localismos e por
muitas diferenças étnicas e raciais entre os habitantes do território demarcado
como nacional. Destacam-se as ações de caráter político e cultural voltadas para
instituir memórias, histórias e literaturas nacionais. Quanto aos processos de
independência de regiões coloniais africanas e asiáticas, no decorrer do século
XX, pode-se dizer que os dilemas para instituir identidades nacionais a partir das
heranças da dominação imperialista de potências capitalistas europeias até hoje
estão presentes naquelas sociedades.
No contexto da pós-modernidade, os debates sobre identidades nacionais
adquiriram centralidade, à luz das contradições ocasionadas pela globaliza-
ção econômica e pela mundialização de valores culturais, materializando-se no
redimensionamentos das relações entre local/nacional/global e na valorização
de outras identidades – de raça, classe, orientação sexual, religiosidade, entre
outras. Dilemas à parte, nesse contexto, emergiram reflexões que, no campo da
produção do conhecimento na História, na Geografia, na Sociologia e na Filo-
sofia, e do ensino e aprendizagem na Educação Básica, buscaram e buscam
instituir outras abordagens, de modo a problematizar o eurocentrismo e todas as
suas implicações cognitivas e epistemológicas.

6.  A definição de campos disciplinares, o saber


acadêmico e o uso de fontes documentais
De maneira mais imediata, os conteúdos disponibilizados aqui dialogam inten-
samente com a competência específica 1 da BNCC do Ensino Médio, quando ela
se propõe a:

compreender e utilizar determinados procedimentos metodológicos para discutir


criticamente as circunstâncias históricas favoráveis à emergência de matrizes
conceituais dicotômicas (modernidade/atraso, Ocidente/ Oriente, civilização/bar-
bárie, nomadismo/ sedentarismo etc.).

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Nosso diálogo é também com a habilidade específica reproduzida abaixo:

(EM13CHS102)
Identificar, analisar e discutir as circunstâncias históricas, geográficas, eco-
nômicas, sociais, ambientais e culturais de matrizes conceituais (etnocentrismo,
racismo, evolução, modernidade, cooperativismo/desenvolvimento etc.), ava-
liando criticamente seu significado histórico e comparando-as a narrativas que
contemplem outros agentes e discursos.

Referências bibliográficas
BAUMAN, Zygmund. O mal estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da moderni-


dade. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

HARVEY, David. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da


mudança cultural. São Paulo: Edições Loyola, 1992.

KOSELLECK, Reinhart. História dos conceitos e história social. In: KOSELLECK,


Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio
de Janeiro: Contraponto; Editora PUC-Rio, 2006. p. 97-118.

KOSELLECK, Reinhart. Modernidade. Sobre a semântica dos conceitos de movi-


mento na modernidade. In: KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição
à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto: Editora PUC-Rio,
2006. p. 267-393.

LYOTARD, Jean François. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olím-


pio Editora, 2021.

SAID, Edward W. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo:


Companhia das Letras, 2003.

WILLIAMS, Raymond. Moderno. In: WILLIAMS, Raymond. Palavras-chave: um


vocabulário de cultura e sociedade. São Paulo: Boitempo, 2007. p. 281-282.

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