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Módulo VII
BNCC na prática de Sala de Aula – 1ª série/Ensino Médio
Unidade 1
Métodos de investigação, pluralidade de fontes
e produção de conhecimento: história, memória
e narrativa
FICHA TÉCNICA
Agenciamento:
Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro – SEEDUC/RJ
Universidade do Estado do Rio de Janeiro –UERJ
Título:
Especialização em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas
Título do Módulo VII:
BNCC na prática de Sala de Aula – 1ª série/Ensino Médio
Autores – Módulo VII:
Cássia Brandão (UERJ)
Márcia de Almeida Gonçalves (UERJ)
Rui Aniceto Fernandes (UERJ)
Design Gráfico
Fábio Gouvêa Andrezo Carneiro (Fundação Cecierj)
Mario Ricardo da Silva Lima (Fundação Cecierj)
Equipe administrativa:
Ricardo Lodi Ribeiro – Reitor (UERJ)
Mario Sergio Alves Carneiro – Vice-reitor (UERJ)
Luís Antônio Campinho Pereira da Mota – Pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa (UERJ)
Rosana de Oliveira – Coordenação Geral dos Cursos de Especialização: Formação de
Profissionais da Educação do Ensino Médio – (EDU/UERJ)
Márcia Taborda – Coordenação Geral dos Cursos de Especialização: Formação de Profissionais
da Educação do Ensino Médio – (UERJ)
Apoio técnico:
Ambiente Virtual de Ensino de Pós-Graduação
Equipe de Apoio:
Rosana de Oliveira – Coordenação Geral dos Cursos de Especialização: Formação de
Profissionais da Educação do Ensino Médio – (EDU/UERJ)
Márcia Taborda – Coordenação Geral dos Cursos de Especialização: Formação de Profissionais
da Educação do Ensino Médio – (UERJ)
Norma Sueli Rosa Lima – Coordenação do Curso de Especialização em Linguagens e suas
Tecnologias (UERJ)
Débora Raquel Alves Barreiros – Coordenação Material Didático e Professora de Apoio
Conteudista (EDU/UERJ)
Ana Paula Pereira Marques de Carvalho – Coordenação de Material Didático (Coordenadora do
Programa de Bolsas de Iniciação Científica – Pró-reitoria de Pós-Graduação/UERJ)
Maria do Socorro dos Santos – Assessora de Material Didático (Doutoranda ProPEd/EDU/UERJ)
Nataly da Costa Afonso – Assessora de Material Didático (Doutoranda ProPEd/EDU/UERJ
e Professora de Anos Iniciais da SME-RJ)
Vittorio Leandro Oliveira Lo Bianco – Designer Instrucional (Fundação Cecierj)
Judith Almeida de Mello – Designer Instrucional (Fundação Cecierj)
Renata Vettoretti – Designer Instrucional (Fundação Cecierj)
Clarisse de Mendonça e Almeida (Fundação Cecierj)
Flávia de Mattos Giovannini Busnardo (Fundação Cecierj)
Revisão Textual:
Alexandre Alves (Fundação Cecierj)
Lícia Matos (Fundação Cecierj)
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ÍNDICE
1. Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
Referências bibliográficas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
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1. Introdução
As reflexões sobre memória, história e sobre o ato de narrar e elaborar narrati-
vas estão diretamente implicadas na produção e circulação de conhecimento nas
Humanidades, assim como nos processos de construção de identidades culturais
de indivíduos, grupos e sociedades.
Como primeiro passo de nossa unidade, serão sistematizadas aqui análises
sobre essas reflexões, objetivando: apresentar, de forma sintética, os conceitos de
história e memória, e relacioná-los ao ato de narrar e às suas implicações cogni-
tivas e epistemológicas, bem como identificar relações entre memória social, his-
tória oral e oralidade, com ênfase nas diversas tradições de enunciação histórica.
Em um segundo momento, lançaremos luz no conceito de cultura histórica,
compreendendo-o como instrumental fundamental para o entendimento de diver-
sos aspectos da dinâmica social, dentre eles o saber docente e o saber escolar.
Esta unidade tem como objetivo discutir os conceitos de cultura histórica, saber
acadêmico, saber escolar, patrimônio cultural e relacioná-los à noção de fontes
documentais e aos métodos de análise potencializadores da prática docente.
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contemporâneos, com destaque para suas funções cognitivas e epistêmicas
nas Ciências Humanas.
As reflexões de Sacks indicam uma abordagem cara à neurofisiologia e enten-
dem a memória como uma capacidade cognitiva manifesta nos atos de lembrar
e esquecer. Nessa dimensão, a memória é individual e subjetiva. O desenvolvi-
mento de certas aptidões humanas, no entanto, depende de interações sociais e
da aprendizagem. Diferentemente de outros mamíferos, filhotes humanos preci-
sam de cuidados e de ensinamentos, por exemplo, para caminhar sobre dois pés
e utilizar a linguagem como língua falada. Por tais particularidades de nossa con-
dição humana, a memória é, também, na sua complementaridade entre lembrar
e esquecer, algo com dimensões sociais e culturais. E dessa forma, podemos
compreender a assertiva de Sacks de que “a memória surge não só da experiên-
cia, mas também da interação de muitas mentes”, como mencionado na citação.
História é um conceito polissêmico. Entre a segunda metade do século XVIII
e meados do século XIX, em sociedades europeias e americanas, dois grandes
significados, interdependentes entre si, passaram a ser cada vez mais utilizados:
a história como vivência e/ou como experiência, e a história como conhecimento
sobre essas vivências e experiências. As manifestações da memória – lembran-
ças e esquecimentos – remetem fundamentalmente à história de cada sujeito
na acepção do que foi vivido e experimentado, mas remetem também às vivên-
cias e experiências de outros sujeitos – nas palavras de Sacks, a “interação de
muitas mentes”.
Há, então, em função dessas interações entre sujeitos e grupos, lembranças
partilhadas (e esquecimentos correlatos), que são designadas por autores que
analisam o conceito de memória como memória coletiva, memória social, memó-
ria cultural – na qual se integra, por exemplo, a memória histórica, em particular
como memória nacional, mas não apenas. No âmbito das Ciências Humanas, é
na dimensão das lembranças partilhadas e dos esquecimentos correlatos que a
memória é entendida como um conceito central, sendo mobilizada nas suas inter-
seções e afastamentos associados à produção do conhecimento histórico tanto
acadêmico quanto escolar.
As considerações de Sacks (2018) nos auxiliam também, entre os objetivos
desta unidade, na alusão ao que ele denominou de “verdade narrativa”. O ato
de narrar, ou de contar uma história, é um procedimento cognitivo fundante da
apreensão e da ordenação, por meio da linguagem, de algo vivido, sentido, expe-
rimentado. Ao narrarmos, situamos sujeitos e suas vivências em temporalida-
des e espacialidades. O produto desse ato, a narrativa, condensa sentidos para
lembranças sobre vivências individuais e socialmente partilhadas, e é nessa
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perspectiva que Sacks se refere a uma “verdade narrativa”: “as histórias que
contamos uns aos outros e a nós mesmos – as histórias que categorizamos e
refinamos continuamente”.
Na condição de seres de linguagem – ou seja, seres que apreendem, perce-
bem e agem no mundo por meio de linguagens, entre elas os códigos linguísticos
falados e escritos, construídos por povos e sociedades –, os seres humanos
produzem conhecimentos ao elaborar e fazer circular narrativas nas mais diver-
sas enunciações, mídias e plataformas. Para teóricos e filósofos da linguagem, a
narrativa, como um modo particular de discurso, situa sujeitos, tempos e espaços
num enredo e numa trama, viabilizando a própria apreensão do tempo histórico.
Ao narrarmos, situamos lembranças sobre o vivido (o passado), abrindo a possi-
bilidade de situar relações com o presente e com futuros almejados.
Tais reflexões são cruciais para compreender algumas das especifidades dos
conhecimentos nas Ciências Humanas, ciências que lidam com conceitos, teo-
rias e procedimentos metodológicos em que a memória, a história e a produção
de narrativas constituem bases epistêmicas de reflexão.
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ações públicas ou privadas, relações de poder, mundos do trabalho, manifes-
tações religiosas, expressões de afetividades diversas, entre outros (BATISTA;
GALVÃO, 2006).
Na Antiguidade, algumas sociedades passaram a desenvolver registros escri-
tos em suportes variados, que são importantes para que conheçamos aspectos
da vida e da cultura dessas sociedades. Vale destacar, todavia, que as técnicas
de escrita eram controladas por um universo muito pequeno de pessoas: a maior
parte da população perpetuava suas histórias e experiências sociais de forma
oral. A ampla difusão da escrita nas sociedades variou de acordo com o tempo, o
desenvolvimento técnico e tecnológico e as injunções políticas e econômicas de
cada grupo. Hoje existem povos que mantêm as tradições orais como principal
forma de orientação para sua existência.
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Para além da passagem da cultura oral para a cultura letrada, as questões
que envolvem a oralidade apresentam outras nuances. É através da transmissão
oral que nós somos inseridos na sociedade de que fazemos parte. Os primeiros
processos de socialização ocorrem na família, transmitidos pelos pais ou res-
ponsáveis pelas crianças. A inserção na dinâmica escolar é, no mais das vezes,
aquela que nos inicia no universo letrado. Essa inserção, no entanto, é mediada
pela oralidade, em que os professores e demais agentes educativos promovem
a instrução formal e a formação de práticas e hábitos socialmente referendados.
Os contatos geracionais são elementos importantes nesse processo formativo.
Aprende-se muito com os livros, mas são os mais velhos que transmitem aos
mais novos as noções de espacialização, as histórias familiares e dos grupos
locais, as regras de convívio e as interdições sociais que cabem na comunidade
ou no lugar onde vivem. Os processos de transmissão intergeracionais, aqueles
que marcam a formação e a difusão da memória cultural, são os que possibilitam
o surgimento do ser social. É importante perceber que esses valores, práticas
e saberes são histórica, espacial e socialmente constituídos. Assim, tais trans-
missões são afetadas por conflitos, hierarquias e estigmas que configuram uma
determinada sociedade.
O não dito, muitas vezes, é tão relevante quanto o que é dito. Quando um
grupo passa por experiências traumáticas, por exemplo, pode ocorrer a inter-
dição do tema em questão, no nível individual e/ou coletivo. Um exemplo, entre
muitos outros, é o caso do incêndio do Gran Circus Internacional, ocorrido em
Niterói, em dezembro de 1961. Muitas famílias niteroienses e gonçalenses tinham
ido participar da segunda sessão de apresentação circense do dia, quando foram
vitimadas pelo incêndio da lona que cobria o picadeiro. Tratou-se de um trauma
coletivo que levou à não fixação de circos na cidade por décadas e à interdição
do tema na sociedade. O evento foi revisitado quando a geração que cresceu
sem ir ao circo, já adulta, pôde participar de espetáculos e passou a interrogar os
mais velhos, que superavam a dor da perda de seus entes queridos para narrar
aquele triste episódio (VENTURA, 2011).
Registrar e analisar essas múltiplas experiências em entrevistas possibilita que
se reconheçam a diversidade da experiência humana e as variadas estratégias
de sobrevivência social que são desenvolvidas pelos diferentes grupos.
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4. O conceito de cultura histórica
A discussão sobre o conceito de cultura histórica remonta, no Brasil, pelo
menos aos anos 2000, mantendo laços com as reflexões sobre ensino de Histó-
ria e sobre política, cultura e História (GOMES, 2007). No campo do ensino de
História, ela tem sido em grande parte fomentada com base nas reflexões do
historiador alemão Jörn Rüsen.
Para Rüsen, o conceito de cultura histórica é indissociável do conceito de cons-
ciência histórica, aqui compreendido resumidamente como o fenômeno do pen-
samento humano pelo qual se atribui significado ao tempo histórico, articulando a
experiência do passado, a percepção e a necessidade de ação no presente e a
projeção de intenções para o futuro. A cultura histórica seria a expressão visível e
coletiva da consciência histórica: “Cultura histórica é o suprassumo dos sentidos
constituídos pela consciência histórica humana” (RÜSEN, 2015, p. 217).
Nesse sentido, a consciência histórica é entendida como base perceptiva e racio-
nal, pois as pessoas e as sociedades produzem sentidos e formas de orientação
temporal. Os processos de socialização de novos membros de um grupo levam ao
compartilhamento desses sentidos temporais por narrativas orais ou pelo uso de
artefatos culturais (monumentos, museus, festas, por exemplo), produzindo identi-
dades fundamentais para a coesão e o funcionamento de uma sociedade. Não se
quer dizer que tal processo seja harmônico. Conflitos, transformações, rupturas
acontecem, levando a revisões e reorganizações na cultura histórica do grupo.
As narrativas historiográficas integram a cultura histórica, assim como os pro-
cessos de ensino e aprendizagem da História. Eles são inerentes a toda socia-
lização e formação histórica, escolar ou não, formal ou não. A estruturação da
ciência história busca proporcionar conteúdo e racionalidade à orientação tempo-
ral na qual emerge. Para Rüsen (2007; 2015), a definição da História como uma
ciência induz a um processo cognitivo particular no processo de construção de
orientação temporal, nesse caso mediado pela escolarização. O conhecimento
daí surgido integra-se a outros aspectos sociais indissociáveis – o político, o esté-
tico, o moral e o religioso –,instituindo dinâmicas particulares da cultura histórica
em cada sociedade.
O conceito de cultura histórica permite pensar as relações entre a cultura mais
ampla e a cultura escolar em particular, entre a História e os processos educacio-
nais de socialização/formação inicial e continuada dos membros da sociedade,
levando em consideração que tais processos possuem interrelações com outras
instâncias sociais que também compartilham ações de orientação temporal/cons-
tituição da consciência histórica.
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Cultura histórica é um conceito que, se,por um lado possui um forte vínculo com
a disciplina História, por outro se apresenta promissor para o campo das Humani-
dades, tendo em vista que as análises dos processos de orientação temporal de
uma sociedade não são exclusivos da História. Atuando no âmbito da consciên-
cia histórica, o professor interfere na compreensão que os alunos têm das inter-
relações temporais. Passado, presente e futuro são ressignificados, viabilizando
a apreensão e a crítica de processos históricos. Compreender esses processos
possibilita também pensar sobre os agenciamentos humanos na manutenção e/
ou transformação de sociedades, práticas e valores culturais.
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Nos anos 1960, com o aperfeiçoamento do gravador portátil, começaram a ser
registradas histórias de vida de atores e grupos sociais que, geralmente, não dei-
xavam registros de suas experiências, os chamados “povos sem História” (JOU-
TARD, 2006, p. 45). Diferentemente da corrente norte-americana, esses pesqui-
sadores dedicavam-se aos grupos marginalizados, às minorias, possibilitando
uma “história vista de baixo” (HOBSBAWN, 1990). Esse movimento acompanhou
as transformações nas Ciências Humanas que buscaram superar a perspectiva
de uma única História ou da História marcada pela identidade nacional, para
conhecer e reconhecer a existência de múltiplas histórias, memórias e identida-
des em uma sociedade (ALBERTI, 2015, p. 158).
A História oral chegou ao Brasil em 1975, com a realização do I Curso Nacional
de História Oral, organizado por quatro instituições: Biblioteca Nacional, Arquivo
Nacional, Fundação Getulio Vargas e Instituto Brasileiro de Biblioteca e Docu-
mentação. Como desdobramento dessa iniciativa, começaram a ser realizadas
as primeiras entrevistas do Programa de História Oral do Centro de Pesquisa
e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Fundação
Getulio Vargas. Esse primeiro projeto tinha como proposta estudar a trajetória e
as ações das elites brasileiras desde a década de 1930, analisando o processo
de montagem do Estado brasileiro como forma, inclusive, de compreender como
se chegou ao regime militar (1964-85) então vigente.
Na década seguinte, no Brasil, foram criados vários núcleos de pesquisa e
programas de História oral voltados para diferentes objetivos e temas de estudo.
Em 1994, foi realizado o II Encontro Nacional de História Oral, no Rio de Janeiro,
e, na ocasião, foi criada a Associação Brasileira de História Oral (ABHO), que a
partir de então vem promovendo debates e encontros regionais e nacionais. A
História oral mantém um caráter interdisciplinar, sendo um campo propício para
o diálogo com a Literatura, a Sociologia, a Ciência Política, a Antropologia, o
Serviço Social, a História e outras áreas de conhecimento. Os encontros, cur-
sos, grupos e núcleos de pesquisa de História oral têm investido nas definições
metodológicas atinentes à realização de entrevistas, além de reflexões sobre as
questões éticas que envolvem a relação entrevistador/entrevistado.
Ao definir o seu tema de pesquisa e optar por realizar entrevistas, o pesqui-
sador deverá escolher a tipologia de depoimento que melhor se adequa a sua
proposta. Nesse sentido, há três grandes possibilidades: a história de vida, a
história temática e a tradição oral. No primeiro caso, faz-se com que o depoente
apresente sua trajetória de vida da forma mais minuciosa possível, agregando
dados sobre seus ascendentes, as fases de sua vida, bem como seus percursos
formativos e profissionais. Já as histórias temáticas voltam-se para as experi-
ências que o entrevistado tem sobre um determinado tema. Nesse caso, temas
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como vida familiar, aspectos da religiosidade, entre outros, a depender, não terão
relevância para a pesquisa e não serão levados em consideração. A entrevista
temática, no entanto, não deve estar fechada exclusivamente no tema definido,
pois assuntos correlatos podem lançar luz sobre questões que o entrevistador,
a princípio, não estaria esperando. Por fim, o campo da tradição oral é, normal-
mente, utilizado pelos estudiosos que registram as tradições de povos em que a
oralidade é hegemônica. Nesse caso, o pesquisador interfere o mínimo possí-
vel na entrevista, deixando que o depoente narre as memórias da comunidade
(MEIHY; RIBEIRO, 2011).
Em resumo, os professores tem três possibilidades para trabalhar a história
oral a partir das entrevistas. Veja quais na imagem a seguir:
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Feita a entrevista, é necessária sua transcrição e a devolutiva para que o depo-
ente possa autorizar seu uso. Criar uma relação de confiança com o entrevistado
é fundamental. Essa relação se constrói em todos os momentos do processo:
no contato prévio, na entrevista em si e no pós-entrevista. Em vários casos, os
projetos que preveem o uso de entrevistas devem ser aprovados nos Comitês de
Ética das instituições dos pesquisadores.
A metodologia da História oral se mostra como um campo fértil para o traba-
lho docente, especialmente sobre a História contemporânea – de meados do
século XX em diante –, e também para a compreensão das dinâmicas sociais,
políticas, religiosas e culturais atuais. Agentes em suas comunidades, os alunos
podem acessar personagens que vivenciaram os processos históricos e sociais
que marcam nosso tempo. Realizar entrevistas sobre esses temas possibilita
construir novas narrativas, para além daquelas presentes nos livros didáticos,
valorizando a compreensão das múltiplas interpretações possíveis, a partir dos
papéis sociais desempenhados pelos colaboradores.
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A perspectiva de que o estudo das Humanidades deveria compor a cultura
escolar se constituiu como bandeira para alguns estudiosos, como Delgado de
Carvalho, que, em seus manuais de ensino de Sociologia, na década de 1930,
defendia o campo dos estudos sociais como aquele que permitiria a compreen-
são do homem social e que deveria reunir, então, os conhecimentos de Sociolo-
gia, Geografia, Filosofia, História e Economia (CARVALHO, 1957). Sua proposta
não visava à constituição de uma disciplina escolar – como posteriormente foi
feito, durante o Regime Civil-Militar (1964-1985) –, que englobaria as respectivas
disciplinas. Ela defendia uma integração dos saberes, visando à promoção de
um ensino significativo para os alunos, como propugnado pelos integrantes do
movimento defensor da Escola Ativa ou da Escola Nova.
Contemporaneamente ao movimento escolanovista, na década de 1930,
desenvolveram-se os cursos superiores que instituíram as disciplinas acadê-
micas responsáveis por especializar os saberes do campo das humanidades:
História, Geografia, Sociologia, Antropologia (FERREIRA, 2013). A definição das
disciplinas, naquele momento, era herdeira de uma discussão que já se conso-
lidara na cultura europeia ocidental desde o século XIX. Definiam-se os cam-
pos, estabeleciam-se os objetos de estudos, delimitavam-se as fontes de estudo,
constituíam-se métodos de análise, teciam-se perspectivas teórico-conceituais
norteadoras das pesquisas e para o ensino das disciplinas.
Cada campo do saber acadêmico passou a delimitar o conjunto de materiais
básicos para o desenvolvimento das suas análises: as fontes documentais. No
campo da História, por exemplo, consolidou-se o uso das fontes escritas e, par-
ticularmente, produzidas pelas agências estatais. Delimitou-se uma série de pro-
cedimentos de crítica interna e externa para definir a veracidade do documento e
das informações ali vinculadas (LANGLOIS; SEIGNOBOS, 1946). Escrever histó-
ria era imiscuir-se na tarefa de representar o Estado Nacional e afirmar os nacio-
nalismos, apesar do pretenso discurso científico de desenvolvimento de análises
neutras e imparciais fomentadas pelas fontes que “falariam por si só”! Defendia-
-se que essas fontes eram portadoras de informações fidedignas e, portanto,
não cabia interpretá-las, mas justapô-las e, assim, construir uma narrativa do
real-passado.
A Grande Guerra (1914-1918), como foi denominada pelos contemporâneos,
colocou em xeque o paradigma civilizatório europeu, interferindo nas crenças
nacionalistas. Esses eventos traumáticos impactaram as Ciências Humanas.
Determinismos diversos e a perspectiva evolucionista foram questionados. A pri-
mazia do político, do Estado e das nações foi relativizada, abrindo espaço para
que análises econômicas e sociais ganhassem força. Assim, por exemplo, surgiu
na França, em 1929, a revista Annales d’Histoire Économique et Sociale, tornada
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um marco para a renovação do campo historiográfico nas tradições ocidentais,
nos séculos XX e XXI. Sobre seus auspícios, ao longo das gerações que se
sucederam na produção da revista, a noção de fonte documental foi ampliada,
não sendo mais um a priori para o trabalho de investigação, mas, sim, um ele-
mento que passava a ser definido pelo objeto e pelo problema do estudioso.
Documentos escritos não estatais – em particular os de foro privado (correspon-
dências e diários, por exemplo) –, como a fotografia, o jornal, o filme, as entrevis-
tas, os objetos, as tradições folclóricas, entre outros, passaram a ser considerados
fontes documentais tão válidas quanto os estatais. Investiu-se nas definições de
metodologias particularizadas de análise para cada tipologia documental, reconhe-
cendo que suas especificidades deveriam ser levadas em consideração. Surgiram,
ainda, métodos que promoveram diálogos entre as disciplinas das humanidades e
também entre campos a princípio distantes, como a Estatística, por exemplo, por
aqueles que se dedicaram aos estudos demográficos (LE GOFF, 1995).
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que se converte em sua primeira ferramenta” (CHEVALLARD, s/d, p. 16). Esse
autor afirma a existência de diferenças entre o saber acadêmico e o saber ensi-
nado e, também, de uma hierarquia entre eles: “o elemento de saber deverá
ter sofrido certas deformações que o tornarão apto a ser ensinado. O saber-
-tal-como-é-ensinado, o saber ensinado, é necessariamente distinto do saber-ini-
cialmente-designado-como-aquele-que-deve-ser-ensinado, o saber a ensinar”
(CHEVALLARD, s/d, p. 16-17).
Se, por um lado, a pluralidade de saberes constituídos no processo de ensino
é uma chave importante para o campo da didática, por outro, depreende-se que
o saber acadêmico é sempre anterior ao saber ensinado. A transposição didá-
tica não seria realizada pelos professores por si mesmos. Ela tem início quando
técnicos do sistema educacional, representantes de associações e professores
militantes definem, a partir do saber acadêmico e através de um trabalho de
seleção e estruturação didática, o saber a ensinar. Essa seleção resulta, por
vezes, de lutas e negociações políticas envolvendo legitimações ou contesta-
ções de poderes na sociedade em geral, no campo acadêmico e/ou sociopro-
fissional, ou no contexto educacional mais específico. A recontextualização do
saber acadêmico no campo educacional decorre de questões próprias à cultura
escolar e, segundo Chevallard, isso gera saberes originais que precisam da
interlocução com o saber acadêmico, por meio de crítica epistemológica, para
serem desvelados.
Apesar de inovador, o conceito de transposição didática mantinha uma pers-
pectiva hierarquizante entre os saberes. Entre o saber acadêmico e o saber
aprendido pelo aluno, haveria quase uma gradação “degenerativa”. Assim, ele
inova destacando que o saber docente/saber ensinado é fruto da cultura escolar,
mas define o professor como um agente/”engrenagem” no processo, que não
possui autonomia para definir o que será ensinado, cabendo essa definição a
outras instâncias. No entanto, as críticas sobre esse conceito não fizeram com
que a “criança fosse jogada fora com a água da bacia”. O conceito de mediação
didática surgiu como uma alternativa que ressalta o lugar do docente no processo
de ensino/aprendizagem:
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A mediação pela qual o professor define sua aula é um processo complexo e
rico de escolhas, significações, interpretações e reinterpretações. Ela reúne uma
série de saberes: o saber acadêmico, o saber escolar, o saber docente e até
mesmo o senso comum. Essa amálgama transforma o processo de constituição
de uma aula em um texto, nas palavras de Ilmar Mattos (2006). A aula como texto
ressalta seu caráter criativo e autoral, tanto em seu processo de criação e difusão
quanto em sua apreensão pelos alunos (saber aprendido). Assim, professores e
alunos são aqui entendidos como agentes no processo de ensino-aprendizagem.
As fontes documentais assumem um papel fundamental na prática de ensino
das Ciências Humanas no Ensino Médio. Seus usos podem estimular práticas de
investigação, em diálogo com procedimentos teórico-metodológicos dos saberes
acadêmicos. No caso da História, as fontes permitem discutir com os alunos que
o conhecimento da história vivida pelos seres humanos não chega até o presente
por revelação. Ele é uma construção narrativa que só é viabilizada pela análise
de documentos – concebidos e propostos da maneira mais ampla possível.
Isso também nos possibilita trabalhar, junto aos estudantes, a experiência
deles próprios imersos em uma historicidade. É importante eles perceberem que
também são sujeitos que fazem parte da história e que se constituem como agen-
tes históricos. Lembramos que, ao utilizar e apresentar aos alunos o documento
histórico, o objetivo principal não é torná-los historiadores, mas abrir as possibi-
lidades de ter contato com um dos materiais de trabalho do historiador, além de
problematizar documentos que são representativos para uma determinada socie-
dade ou período histórico. É importante que os estudantes consigam identificar,
além de informações básicas dos documentos (data, autor, local), sua tipologia e
a intencionalidade do autor ao produzi-los. Segue-se, então, a análise do conte-
údo, levando-os a reconhecer que a linguagem nos documentos históricos não é
necessariamente transparente, referindo-se aos dados informativos da realidade
concreta, outrossim, os textos e documentos são um discurso, e não uma ver-
dade histórica em si mesma.
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urbanos e sítios arqueológicos –; bens imateriais – saberes, modos de fazer,
formas de expressão, celebrações –; bens naturais – ilhas, praias, morros, áreas
de reserva e proteção ambiental. Os valores expressos por grupos sociais, base-
ados nesses bens, criam códigos que orientam as formas de viver e de lidar com
o mundo que nos cerca. Esses valores, no entanto, não são imutáveis. Eles se
transformam ao longo da vida de um indivíduo e de uma coletividade ,permitindo
alterações e pluralizando as marcas identitárias (CONDURU et alli, 2013).
As referências culturais, conformadoras de identidades individuais e coletivas,
são, frequentemente, mais vividas do que conhecidas. É importante destacar
que a simples sobrevivência ao tempo não assegura a condição de transformar
em patrimônio cultural um objeto, um vestígio material, um acervo arquitetônico
ou uma manifestação artística. Eles só se tornam patrimônio porque lhes foram
construídos sentidos contemporâneos e, assim, foram incorporados como ele-
mentos importantes para a coletividade no tempo presente.
A Constituição brasileira, em seu artigo 216, define patrimônio cultural a partir
de suas formas de expressão; de seus modos de criar, fazer e viver; das criações
científicas, artísticas e tecnológicas; das obras, objetos, documentos, edificações
e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; e dos conjun-
tos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, pale-
ontológico, ecológico e científico. O texto ainda afirma que “o Poder Público, com
a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural bra-
sileiro” (BRASIL, 1988). Nesse sentido, qualquer cidadão ou instituição pública
pode solicitar o tombamento e outras formas de proteção dos bens que compõem
o patrimônio cultural local. Cabe aos órgãos técnicos a apreciação dos pedidos e
a realização dos estudos necessários.
A institucionalização de uma política de valorização do patrimônio cultural bra-
sileiro tem na criação do atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacio-
nal (Iphan) seu marco inicial. Esse órgão federal promove um debate e instaura
uma tradição de valorização, especialmente dos bens de pedra e cal. Segundo
sua classificação, os bens culturais são definidos de acordo com sua natureza e
são protegidos nos quatro Livros do Tombo: 1) Arqueológico, Paisagístico e Etno-
gráfico; 2) Histórico; 3) Belas Artes e 4) Artes Aplicadas. A percepção do valor
da preservação e, especialmente, do reconhecimento do patrimônio imaterial é
recente não apenas no âmbito nacional, mas também no internacional. A Orga-
nização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco)
define como patrimônio cultural imaterial as práticas, representações, expres-
sões, conhecimentos e técnicas – junto com os instrumentos, objetos, artefatos e
lugares culturais que lhes são associados – que as comunidades e grupos e, em
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alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimô-
nio cultural. Essa compreensão enfatiza a proeminência da tradição reconhecida
socialmente (UNESCO, s/d).
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9. Repertório conceitual e leitura da BNCC
A leitura acumulada deste texto permite compreender com mais complexidade
três habilidades propostas na competência específica 1 da proposta da BNCC
para as Ciências Humanas.
(EM13CHS101)
Identificar, analisar e comparar diferentes fontes e narrativas em diversas lin-
guagens, com vistas à compreensão de ideias filosóficas e de processos e even-
tos históricos, geográficos, políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais.
(EM13CHS104)
Analisar objetos e vestígios da cultura material e imaterial de modo a identifi-
car conhecimentos, valores, crenças e práticas que caracterizam a identidade e
a diversidade cultural de diferentes sociedades inseridas no tempo e no espaço.
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