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Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro – SEEDUC/RJ

Pró-Reitoria de Pós-graduação e Pesquisa – PR2/UERJ

Módulo VI
Ciências Humanas e Sociais Aplicadas

Unidade 4
Temporalidade e historicidade:
categorias fundamentais para as Humanidades
FICHA TÉCNICA
Agenciamento:
Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro – SEEDUC/RJ
Universidade do Estado do Rio de Janeiro –UERJ
Título:
Especialização em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas
Título do Módulo VI:
Ciências Humanas e Sociais Aplicadas
Autores – Módulo VI:
Vânia Reginda Jorge da Silva
Marcia de Almeida Gonçalves
Gessica Goes Guimarães Gaio
Design Gráfico
Fábio Gouvêa Andrezo Carneiro (Fundação Cecierj)
Mario Ricardo da Silva Lima (Fundação Cecierj)
Equipe administrativa:
Ricardo Lodi Ribeiro – Reitor (UERJ)
Mario Sergio Alves Carneiro – Vice-reitor (UERJ)
Luís Antônio Campinho Pereira da Mota – Pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa (UERJ)
Rosana de Oliveira – Coordenação Geral dos Cursos de Especialização: Formação de
Profissionais da Educação do Ensino Médio – (EDU/UERJ)
Márcia Taborda – Coordenação Geral dos Cursos de Especialização: Formação de Profissionais
da Educação do Ensino Médio – (UERJ)
Apoio técnico:
Ambiente Virtual de Ensino de Pós-Graduação
Equipe de Apoio:
Rosana de Oliveira – Coordenação Geral dos Cursos de Especialização: Formação de
Profissionais da Educação do Ensino Médio – (EDU/UERJ)
Márcia Taborda – Coordenação Geral dos Cursos de Especialização: Formação de Profissionais
da Educação do Ensino Médio – (UERJ)
Norma Sueli Rosa Lima – Coordenação do Curso de Especialização em Linguagens e suas
Tecnologias (UERJ)
Débora Raquel Alves Barreiros – Coordenação Material Didático e Professora de Apoio
Conteudista (EDU/UERJ)
Ana Paula Pereira Marques de Carvalho – Coordenação de Material Didático (Coordenadora do
Programa de Bolsas de Iniciação Científica – Pró-reitoria de Pós-Graduação/UERJ)
Maria do Socorro dos Santos – Assessora de Material Didático (Doutoranda ProPEd/EDU/UERJ)
Nataly da Costa Afonso – Assessora de Material Didático (Doutoranda ProPEd/EDU/UERJ
e Professora de Anos Iniciais da SME-RJ)
Vittorio Leandro Oliveira Lo Bianco – Designer Instrucional (Fundação Cecierj)
Judith Almeida de Mello – Designer Instrucional (Fundação Cecierj)
Renata Vettoretti – Designer Instrucional (Fundação Cecierj)
Clarisse de Mendonça e Almeida (Fundação Cecierj)
Flávia de Mattos Giovannini Busnardo (Fundação Cecierj)
Revisão Textual:
Alexandre Alves (Fundação Cecierj)
Lícia Matos (Fundação Cecierj)

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ÍNDICE
1.  Temporalidade e historicidade:
categorias fundamentais para as Humanidades. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4

2.  Sobre temporalidade e historicidade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

Referências Bibliográficas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

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1.  Temporalidade e historicidade:
categorias fundamentais para as Humanidades
Para início de conversa…
No ensino-aprendizagem de História, Geografia, Filosofia e Sociologia,
componentes curriculares integrantes da área de Ciências Humanas e Sociais
Aplicadas, conforme indicado na BNCC para o Ensino Médio, existem conceitos
e categorias estruturadores de abordagens e conteúdos específicos, entre
os quais cabe destacar temporalidade e historicidade. Estes, como teremos
oportunidade de sistematizar nesta unidade, possuem também interface com as
outras áreas de conhecimento – Linguagens e suas Tecnologias, Matemática e
suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias – figurando, dessa
forma, como conceitos transdisciplinares, ou seja, conceitos que podem ser
operados na dimensão de um “além de” ou de um “através de” componentes de
cada área, sem perder de vista as singularidades desses componentes, na busca
de identificar as interseções e os diálogos entre eles.
Objetivamos nesta unidade pensar sobre os significados dessas categorias, sem
a pretensão de esgotar discussões tão fundamentais ou simplificar em demasia
a complexidade de análises mais aprofundadas, inerentes à epistemologia das
ciências que abordam as ações humanas no mundo. E, o mais importante: ao
situarmos o que cada uma dessas categorias significam, buscamos demarcar
sua relevância para a construção de procedimentos didáticos e pedagógicos
problematizadores dos conhecimentos das Humanidades, valorizando em
especial o protagonismo de cada professor(a) na elaboração dos saberes/fazeres
docentes nas disciplinas em que atuam.

Para saber mais sobre as implicações do conceito


de transdisciplinaridade nos processos educativos
e em investigações científicas, ver: IRIBARRY, Isac
Nikos. Aproximações sobre a transdisciplinaridade:
algumas linhas históricas, fundamentos e princípios
aplicados ao trabalho em equipe. Psicologia: Reflexão
e Crítica, v. 16(3), p. 483-490, 2003. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/prc/a/ D4YgwJqvQh495Lgd6J
GSHLz/?lang=pt#.

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2.  Sobre temporalidade e historicidade
Sobre temporalidade e historicidade

Tempo rei, ó, tempo rei, ó, tempo rei

Transformai as velhas formas do viver

Ensinai-me, ó, pai, o que eu ainda não sei

Mãe Senhora do Perpétuo, socorrei

Tempo Rei, Gilberto Gil

Assista em: https://youtu.be/7s0yAJA8AnA

Na língua portuguesa, temporalidade, como substantivo, denota a condição do


temporal, em alusão ao tempo, categoria cara aos conhecimentos agrupados nas
Ciências da Natureza, nas Linguagens, na Matemática e nas Ciências Humanas. O
título da canção de Gilberto Gil, Tempo Rei, mencionada na epígrafe, serve muito bem
como metáfora para um pensar sobre a centralidade do tempo e de sua condição
manifesta como temporalidade na ação humana no mundo e nas formas diversas
de produção de saberes e fazeres atravessados pela categoria tempo. Citar uma
canção, forma híbrida de poesia e sonoridade, e recomendar que ela seja ouvida
indica o quanto nessa forma de linguagem há algo particular, que é o tempo musical,
nas relações com o compasso, com o ritmo, com o andamento e a duração de uma
composição. Na Física e na Química, o tempo também comparece em conceitos
correlatos, como de velocidade e aceleração, por exemplo, sendo medido por meio
dos elementos da Matemática.

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Nos versos de Gilberto Gil, há um tempo chamado e aclamado, entre outras belas
ilações com o viver humano e suas transformações. Nessa ilação aparentemente
simples encontramos uma ideia forte para situar, em termos minimalistas, a
temporalidade como algo que remete às experiências do tempo, na forma como elas
são apreendidas e significadas por sujeitos humanos em suas vivências. Dialogamos
em particular com algumas das formulações do filósofo Martin Heidegger (1889-
1976) na obra Ser e Tempo (1927), lançando mão das considerações do professor
Benedito Nunes (1929-2011) no texto Experiências do tempo1.

Vídeos interessantes recomendados para quem


quiser ter mais informações sobre Heidegger e sua
obra referencial: 

Martin Heidegger. Humano, demasiadamente humano 


https://youtu.be/rT5E_2Y8zDs

Livros: Ser e Tempo – Fausto Castilho https://youtu.be/-


aoGfuUAKKU

1
NUNES, Benedito. Experiências do Tempo. In NOVAES, Adauto (Org.). Tempo e História. São
Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 131-140.

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No âmbito da Filosofia, as reflexões sobre a categoria tempo aparecem em
diversos(as) outros(as) pensadores(as). Heidegger, na nossa contemporaneidade,
sistematizou formulações que cruzaram com engenhosidade tempo e condição
humana. De acordo com Benedito Nunes no texto mencionado, Heidegger proferiu,
em 1924, a conferência intitulada “O conceito de tempo”, a qual seria matriz para a
obra de 1927, Ser e Tempo. Nesses três anos, houve uma inflexão na abordagem
de Heidegger sobre o tempo. Em 1924, tempo e eternidade se sobrepunham; a
eternidade seria o foco para compreender o tempo, e o teólogo seria o verdadeiro
especialista do tempo. Em Ser e Tempo, foi materializada a investigação sobre
o sentido do ser em geral, uma análise ontológica que situou o tempo abolindo
a eternidade e quaisquer enfoques teológicos. Nessa compreensão, o ente
humano não possui essência; ele é, na medida da existência investida no mundo,
envolvido pelos outros com os quais convive, imerso nas coisas com as quais
se defronta.
Em alguma medida, o Tempo Rei de Gilberto Gil está a conversar com
concepções que podem ser associadas a essa dimensão de que nossas
existências no mundo, tomadas como passageiras, fugazes e finitas (afinal somos
todos mortais e invejosos da imortalidade dos deuses), se realizam no tempo ou
na sua condição, a temporalidade. Essa categoria se torna então possibilidade
da existência e da compreensão do ser. Como expressão na língua falada, se
manifesta na interconexão relacional entre haver sido (passado) – ser (presente)
– vir a ser (futuro); interconexão que viabiliza compreender a designação de
temporalidades na menção a passados, presentes e futuros. Ou, como reforça
Benedito Nunes, temporalidade é o que temporaliza; em lugar de um substantivo,
um verbo, uma ação. Quem conjuga o verbo como sujeito é o ente humano. Daí
se falar em experiências do tempo.
A apreensão dessas experiências do tempo, dessas temporalidades, se dá por
meio de variadas formas e linguagens2. No caso específico de passado/presente/
futuro, elas estão intrinsecamente manifestas nas ações e percepções humanas
sobre suas vivências, mensuráveis, posto que finitas, associadas a uma condição
histórica ou a uma historicidade. Ao temporalizar suas vivências, os sujeitos humanos
se deslocam em um acontecer histórico e o apreendem por meio das relações entre
passado, presente e futuro.

2
Autor referencial para a compreensão das relações entre tempo e narrativa é Paul Ricoeur,
em especial a obra Tempo e narrativa. São Paulo: Martins Fontes, 2011, 3 volumes.

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A apreensão dessas temporalidades se dá primordialmente no ato de narrar
histórias na forma oral e/ou escrita. Ao contarmos uma história efetivamente vivida
por alguém ou imaginada, situamos personagens, suas ações e percepções em
temporalidades e espacialidades, em que o que foi ou é vivido se torna inteligível
e dotado de significação para narradores e ouvintes dessas narrações. Elas
situam, como forma de discurso, a delimitação de fenômenos, possibilitando sua
databilidade e a identificação de suas durações, permanências e transformações.
A apreensão da condição histórica das ações humanas, sua historicidade, se dá
por meio de elaborações narrativas, o que nos permite afirmar a historicidade das
subjetividades humanas.
Para o historiador François Hartog, a historicidade constitui um movimento
pendular entre identidades e alteridades. Para exemplificar sua reflexão, Hartog
analisou um canto da Odisseia no qual Ulisses, herói grego, chorou ao ouvir um
poeta declamar os grandes feitos na Guerra de Troia. Naquele trecho da epopeia de
Homero, Ulisses se encontrava na terra dos Feácios e participava de um banquete
sem que os demais o reconhecessem. Por isso, quando todos ouviram as aventuras
vividas na guerra e se maravilharam com os relatos, Ulisses, personagem destacado
da comitiva grega, chorou ao reconhecer na narrativa a sua história e a história de
seus companheiros.

Hartog sublinha que o choro de Ulisses denota duas ações significativas: o


reconhecimento de si como personagem da aventura declamada e a percepção de
que a passagem do tempo de um evento a outro havia transformado Ulisses de
tal maneira que o homem que ouvia o canto já não era mais idêntico ao herói que
tenazmente enganou os troianos com o seu cavalo de madeira oco e grandioso.

Para Hartog, o que aconteceu com Ulisses no episódio do Canto VIII da epopeia
pode ser considerado uma das primeiras experiências registradas como escrita do
reconhecimento da historicidade. Ou seja, o personagem escuta um relato sobre
o passado e é capaz de se reconhecer nele; o passado lhe confere novamente a
identidade. Contudo, a passagem do tempo desde a saída de Ulisses de Troia até o
banquete junto à corte dos Feácios promoveu uma grande porção de experiências
para o herói e resultou na transformação de Ulisses – em alguns aspectos mais sutil
e em outros mais perceptível. É por isso que o historiador francês caracteriza o choro
de Ulisses como a “não coincidência de si consigo mesmo”3.

Com base nesse exemplo literário, podemos pensar como a nossa historicidade
nos coloca nesse lugar dinâmico de produção de identidade e de alteridade de
nossas subjetividades. O mesmo tempo que nos habita, que nos faz pertencente

3
Recomendamos a leitura de: HARTOG, François. Os antigos, o passado e o presente. Brasília:
Editora UnB, 2003.

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a uma história, é também aquele que nos modifica, que nos confere a chance
de agir e transformar a nossa realidade. É nesse sentido que a historicidade não
deve ser pensada como força determinante sobre os seres humanos, mas como
um viver no tempo, com o tempo, a par das artimanhas desse “Tempo Rei”.
Outro autor, também historiador, Reinhart Koselleck (1923-2006), auxilia na
compreensão dessas duas categorias – temporalidade e historicidade – aplicadas
ao entendimento da história na dupla acepção de vivido e de conhecimento sobre
o vivido. O vivido se realiza e se apreende na temporalidade; uma das formas
de conhecimento sobre o vivido, a história, instituiu os tempos históricos e as
muitas formas de concebê-los. Para situar o tempo histórico como algo que não
existe em si mesmo, sendo fruto de obra humana, Koselleck se vale de duas
outras categorias: “espaço de experiência” e “horizonte de expectativa”. Nas
suas palavras:

experiência (recordação) e expectativa (esperança) são duas categorias


adequadas para nos ocuparmos com o tempo histórico, pois elas entrelaçam
passado e futuro. São adequadas também para se descobrir o tempo histórico,
pois, enriquecidas em seu conteúdo, elas dirigem as ações concretas no
movimento social e político4.

É importante situar a historicidade dos conceitos e,


no caso, o de história. Entre autores(as) que possuem
reflexões sobre o conceito de história, Koselleck é uma
referência importante, em especial pela abordagem
centrada na história dos conceitos. Entre outros textos
que situam a história dos conceitos, ver: JASMIN,
Marcelo Gantus. História dos conceitos e teoria política e
social: referências preliminares.

A “descoberta do tempo histórico” como algo que possa ser abordado entre as
reflexões das Humanidades é um dos desafios a ser enfrentado na proposição
de temas, currículos, projetos e práticas pedagógicas. Certamente, em especial
na disciplina História, os(as) professores(as) lidam com ele, em ações que se

4
KOSELLECK, Reinhart. Espaço de experiência e horizonte de expectativa: duas categorias
históricas. In: ______. Futuro passado. Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de
Janeiro: Contraponto/Editora da PUC-Rio, 2014. p. 305-327.

9
manifestam nas reflexões sobre periodizações, calendários, cronologias. Decerto
que a historicidade não é apenas experimentada no tempo; ela também é vivida
no espaço. Isso significa dizer que o lugar onde vivemos também age sobre nós,
condicionando nossas formas de viver e de pensar. Mas, assim como o tempo não
determina quem somos, o espaço também não tem impacto definitivo. Mulheres
e homens agem no tempo e no espaço, criando soluções para os desafios e
modificando a realidade na qual se inserem.
A “descoberta do tempo histórico” informa também um pensar sobre ações
e relações de sujeitos humanos, individuais e coletivos, nos grupos, classes,
comunidades e sociedades, em temporalidades e espacialidades específicas,
nos muitos agenciamentos e identidades conformadores de ordens políticas e
sociais e de tensões e conflitos culturais e políticos.
As reflexões filosóficas e conceituais sintetizadas nesta unidade, aplicadas
ao conjunto do universo dos conhecimentos reunidos sob a designação de
Humanidades (área, como fenômeno em si mesmo, datável e passível de
historicização), possibilitam situar as funções basais, teóricas e metodológicas
das categorias temporalidade e historicidade.

Referências Bibliográficas
HARTOG, François. Os antigos, o passado e o presente. Brasília: Editora UnB, 2003.

IRIBARRY, Isac Nikos. Aproximações sobre a transdiciplinaridade: algumas linhas


históricas, fundamentos e princípios aplicados ao trabalho em equipe. Psicologia:
Reflexão e Crítica, v. 16(3), p. 483-490, 2003. Disponível em: https://www.scielo.
br/j/prc/a/D4YgwJqvQh495Lgd6JGSHLz/?lang=pt

JASMIN, Marcelo Gantus. História dos conceitos e teoria política e social: referências
preliminares. RBCS, v. 20, n. 57, p. 27-38. fev. 2005. Disponível em: https://www.
scielo.br/j/rbcsoc/a/4dYpr4yn8SwrGcxRsZm6g7r/?format=pdf&lang=pt

KOSELLECK, Reinhart. Espaço de experiência e horizonte de expectativa: duas


categorias históricas. In: ______. Futuro passado. Contribuição à semântica dos
tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto; Editora da PUC-Rio, 2014. p.
305-327.

NUNES, Benedito. Experiências do tempo. In: NOVAES, Adauto (org.). Tempo e


História. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 131-140.

RICOEUR, Paul. Tempo e narrativa. São Paulo: Martins Fontes, 2011, 3 volumes.

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