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ENSINO, PESQUISA E

REALIDADE HISTÓRICA

Autoria: Melissa Probst

2ª Edição
Indaial - 2020

UNIASSELVI-PÓS
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090

Reitor: Prof. Hermínio Kloch

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD:


Carlos Fabiano Fistarol
Ilana Gunilda Gerber Cavichioli
Jóice Gadotti Consatti
Norberto Siegel
Julia dos Santos
Ariana Monique Dalri
Marcelo Bucci

Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais

Diagramação e Capa:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Copyright © UNIASSELVI 2020


Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial.

P962e

Probst, Melissa

Ensino, pesquisa e realidade histórica. / Melissa Probst. – In-


daial: UNIASSELVI, 2020.

133 p.; il.

ISBN 978-65-5646-025-3
ISBN Digital 978-65-5646-026-0
1. Historiografia. - Brasil. 2. Pesquisa. – Brasil. 3. Ensino de história.
– Brasil. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

CDD 370

Impresso por:
Sumário

APRESENTAÇÃO........................................................................... 07

CAPÍTULO 1
Das Possibilidades de Pesquisa em História:
Objeto, Métodos e Fontes............................................................ 7

CAPÍTULO 2
A Pesquisa E A Produção De Conhecimento
Em Sala De Aula............................................................................. 49

CAPÍTULO 3
História E Ensino De História..................................................... 89
APRESENTAÇÃO
Ensino, Pesquisa e Realidade Histórica é a publicação que lhe apresentamos,
desejando que você aceite nosso convite para leitura das páginas que seguem.
Partimos do pressuposto de que as inter-relações entre a história, a sociedade e
a educação são muitas, e que a formação dos estudantes e docentes em História
inclui em “sem fim” de conceitos e abordagens, visando sempre suscitar um olhar
crítico sobre o que se faz quando se pretende fazer história.

Se a História é um olhar para e sobre o passado, é certo que esse olhar


está sempre influenciado pelo presente, se manifesta na e pela memória, retrata
o tempo em movimento, se transforma no questionar e na interpretação das
fontes e se materializa nas narrativas. Além disso, narrativas são discursos, e
discursos são sempre implicados pelas relações de poder que se estabelecem
na sociedade, sob efeitos da cultura, economia, política. E é assim que a História
se torna historiografia, se torna história escrita, numa abordagem que assumiu o
status de Ciência no decorrer do século XIX. E, como Ciência, foi sendo discutida
e modificada, teve seus métodos e objetos questionados e foi sendo ampliada no
que fiz respeito aos saberes e fazeres do Historiador.

A partir da ideia do “fazer história”, no presente livro buscamos abordar


questões relacionadas ao objeto de estudo e sua importância na pesquisa
histórica, à importância do exercício da pesquisa histórica na formação dos
estudantes da educação básica, bem como do ensino de história e dos projetos
de pesquisa. De certo modo, objetivamos, ao longo deste livro, promover um
diálogo produtivo entre discussões da historiografia, da pesquisa e do ensino de
história, e essa proposta se reflete na divisão, em partes do presente livro.

Nosso texto, portanto, está dividido em três capítulos. O primeiro, intitulado


“Das possibilidades de pesquisa em história: objeto, métodos e fontes”, dividido
em três seções, traz para a discussão conceitos como história e historiografia,
tempo, memória, narrativas e, por fim, objeto e fontes históricas. No segundo
capítulo, que tem como título “A pesquisa e a produção de conhecimento em
sala de aula”, iniciamos nossa abordagem a partida da problemática do Porquê e
para quem ensinar história. Nas seções que seguem discutimos sobre as pistas
e conexões, ou seja, sobre métodos e técnicas de pesquisa em História, bem
como sobre possibilidades para o ensino de História a partir da metodologia de
pesquisa. Finalizamos com o capítulo tratando da pesquisa como exercício de
ensino e aprendizagem.

No último capítulo, “História e ensino de história”, buscamos apresentar


possibilidades de encaminhamento metodológico para abordagem e utilização de
documentos e das diferentes linguagens em sala de aula. Para tanto, dividimos
o capítulo em três seções: diferentes fontes e linguagens no processo de ensino
e aprendizagem, procedimentos metodológicos e práticas interdisciplinares, e
fontes não escritas: propostas para o ensino de história. Assim, desejamos que o
livro propicie momentos de reflexão, e sobretudo, que, desperte a curiosidade e o
entusiasmo para seguir adiante, buscando sempre novos conhecimentos a fim de
transformar de nossas práticas, no âmbito acadêmico e escolar.

“Nunca podemos recuperar totalmente o que foi esquecido. E talvez seja


bom assim. O choque do resgate do passado seria tão destrutivo que, no exato
momento, forçosamente deixaríamos de compreender nossa saudade. Mas é por
isso que a compreendemos, e tanto melhor, quanto mais profundamente jaz em
nós o esquecido” (BENJAMIN, 1994, p. 104-105).

Professora Dra. Melissa Probst


C APÍTULO 1
DAS POSSIBILIDADES DE PESQUISA EM
HISTÓRIA: OBJETO, MÉTODOS E FONTES

A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Compreender o que é a História como campo de produção de saberes.

 Articular os conceitos de História, tempo e objeto de pesquisa à possibilidade


de atuação na pesquisa histórica.
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

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Capítulo 1 DASPOSSIBILIDADESDEPESQUISAEMHISTÓRIA:OBJETO,MÉTODOSEFONTES

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
Não raro, ainda na atualidade, somos muitas vezes levados a pensar a que
função do historiador seja a de narrar os fatos, tal qual eles ocorreram. Toda vez
que somos confrontados com tal pensamento, sentimos certo desconforto, que nos
leva a questionar se essa seria uma tarefa verdadeiramente possível. E, motivada
pelo nosso próprio desconforto, iniciamos a apresentação desse primeiro capítulo
com uma série de questões/perguntas... E sim, o fazemos de modo intencional,
buscando incentivar algumas reflexões sobre questões que são aparentemente
simples, mas que dizem respeito ao que somos, enquanto profissionais e/ou
estudantes, enquanto sujeitos que somos, lembrando que somos historicamente
constituídos.

Assim, nos perguntamos se existem possibilidades metodológicas em que


o historiador possa apenas narrar os fatos sem interpretá-los? E, se houver
interpretação desses fatos, então haverá também um posicionamento pessoal
desse historiador, ao descrever os fatos? Se o historiador se posicionar diante
dos fatos, então sua descrição não apresentará mais “verdade”, sobre os fatos,
mas sim, uma interpretação deles? Não estaria a História, então, ancorada no
senso comum, ao invés de poder ser considerada uma “ciência”? Aliás, a História
pode mesmo ser considerada uma Ciência? E sempre foi assim, ou esse status
foi conquistado em algum momento da própria história? Então, depois de todos
esses pontos de interrogação, lançamos a última pergunta do parágrafo, não
menos importante que as demais: O que é, afinal, a História?

A resposta a essa última pergunta pode parecer simples, entretanto, é, ao


mesmo tempo, complexa e enigmática. Não é propósito, aqui, estabelecer uma
resposta definitiva para tal questão, pois é bem provável que cada historiador
tenha a sua própria concepção do que seja a História. Entretanto, ao longo do
capítulo por diversas vezes abordaremos os significados da história, buscando
respeitar as diferentes maneiras/perspectivas pelos quais os estudos históricos
são realizados na atualidade. Para tanto, iniciaremos pela apresentação dos
modos como o próprio conceito de História foi sendo forjado e os entendimentos,
ou seja, os pressupostos de verdade que as diferentes perspectivas teóricas nos
permitem ter sobre a história, ao longo do tempo, passando pelos conceitos e
debates acerca da história e da historiografia, tempo, memória e narrativas, bem
como os objetos e fontes.

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Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

2 HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA
O que é “História”? Quantas vezes você já parou para pensar sobre isso?

Ao nos depararmos com essa pergunta podemos perceber que existem


muitos conceitos, com os quais convivemos cotidianamente, para os quais as
definições parecem ser desnecessárias. A palavra em questão, história, é uma
dessas, pois, desde a nossa infância, a ouvimos. As mães e avós contam histórias
para as crianças, desde a mais tenra idade. Depois, as histórias passam a fazer
parte das nossas vidas no contexto da educação infantil, no ensino fundamental
e médio, e nos acompanham ao longo da graduação, pós-graduação e nos mais
variados espaços para além do contexto escolar.

É esse convívio tão direto com a palavra história que nos faz criar certa
intimidade com ela, a ponto de parecer que ela não precisa de definição. No
entanto, o que é, afinal, História? Corroborando com Borges (1983), podemos
dizer que ao tentar elaborar uma resposta, provavelmente nenhum de nós teria
uma definição muito precisa para apresentar, porém, estabeleceremos a relação
entre História e Passado, o que remete também ao conceito de Memória e
Historiografia.

Além dessa intimidade cotidiana com a palavra história, que parece dispensar
a necessidade de conceituá-la, podemos associar o fato de que a própria História
está sempre se refazendo e, como campo do conhecimento, o que é produzido
sobre ela nunca está pronto ou acabado. Nem mesmo as formas de compreender
ou registrar a história estão definitivamente delimitadas/demarcadas, tendo
passado por transformações desde os seus primórdios até os dias atuais. Borges
(1983, p. 9) que afirma que, para “compreender satisfatoriamente a história como
hoje ela se configura, é preciso recapitular sua origem e sua evolução”.

Como nos lembra Bloch (2001), a palavra “história” é muito antiga, sua
origem remonta à milênios e, nos lábios dos homens que a pronunciaram, já
trocou de sentido e significado inúmeras vezes. Desse modo, não pretendemos
aqui tratar dos diversos modos de denominá-la, porém, ainda assim, gostaríamos
de, por vezes, “voltar no tempo”, para recapitular alguns dos aspectos históricos
da História, como campo de produção de saberes. E nessa primeira digressão,
gostaríamos de lhe perguntar se você já ouviu falar em Clio? Você sabia que
Clio é considerada, desde a antiguidade clássica (mitologia grega), a “Musa da
História”?

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Capítulo 1 DASPOSSIBILIDADESDEPESQUISAEMHISTÓRIA:OBJETO,MÉTODOSEFONTES

Quanto à origem das Musas (mitologia), não há um consenso.


Alguns consideram que sejam filhas Urano (Céu) e Gaia (Terra),
outros ainda lhes atribuem a filiação a Píero e Antíopa. Entretanto, a
versão mais aceita, entre os estudiosos sobre o tema, é a versão que
passou a ser veiculada por Hesíodo, no século VIII a.C, que atribui
a concepção de nove musas, à Mnemosine (deusa da Memória) e
a Zeus (deus dos deuses). Entre as musas, filhas de Mnemosine e
Zeus, está Clio, a Musa da história.

Acreditava-se que as Musas inspiravam a verdade; os poetas


baseavam-se em suas palavras para não correrem o risco de
contar coisas falsas aos homens [...]
Homero considera as Musas unicamente como inspiradoras
da arte, sobretudo da música e da poesia. Hesíodo estende o
poder essas divindades também aos reis, que, protegidos por
elas, tornavam-se soberanos justos, capazes de discernir entre
o bem e o mal. Outros poetas, ao longo dos séculos, acabaram
atribuindo às musas a capacidade de suscitar aos cientistas,
legisladores e navegantes a realização de grandes trabalhos
(CASTRO, 1976, p. 370-371).

Clio era, entre as Musas, a filha preferida, compartilhando com Mnemosine,


sua mãe, o passado e a tarefa de fazer lembrar. Nesse contexto, ou seja, na
mitologia, a história (Clio) é filha da memória (Mnemosine). E, conforme menciona
Pesavento (2014, p. 07), “no tempo dos homens, e não mais dos deuses, Clio foi
eleita a rainha das ciências, confirmando seus atributos de registrar o passado
e deter a autoridade da fala sobre fatos, homens e datas de um outro tempo,
assinalando o que deve ser lembrado e celebrado”.

Nesse momento, podemos nos perguntar qual é a razão de estarmos falando


de deuses e musas, se o objeto de nosso estudo é a História, e não a mitologia.
Essa foi uma escolha intencional, visto que os mitos são sempre “histórias”, ou
seja, narrativas sobre fatos e acontecimentos. Nos mitos, entretanto, não existe
preocupação com a verdade, sendo essas histórias permeadas por elementos
sobrenaturais, fantasiosos, porém, que procuram responder aos problemas e
angústias da sociedade, em um determinado tempo e contexto. Os mitos tiveram
grande importância para o pensamento humano, tanto é que todas as sociedades,
desde as mais antigas até as atuais, elaboram mitos. Aliás, “o grande fascínio
que a mitologia exerce sobre nossas mentes talvez seja uma prova de que a
humanidade realmente precise deles” (SILVA; SILVA, 2010, p. 296).

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Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

Desde a Antiguidade Clássica, portanto, temos menção à História,


materializada na figura de Clio, então, como você mesmo pode perceber, a
pergunta “O que é História” não é, de forma alguma, uma pergunta nova. E,
por isso, não há uma só resposta para ela. Aliás, cada corrente de pensamento
procura dar a essa pergunta a sua própria resposta, o que nos leva a refletir sobre
a complexidade que há em torno dessa questão. Aliás, é justamente sobre as
correntes histográficas que vamos tratar daqui por diante.

2.1 LINHAS GERAIS DO DEBATE


Ao falarmos sobre as correntes historiográficas, nos cabe lembrar que o
termo historiografia se refere à escrita da História. Desse modo, embora haja
uma relação direta da História, Teoria Da História e a historiografia, é importante
destacar que nas diferentes correntes historiográficas há diferentes compreensões
do que seja a teoria e própria História. Isso impacta diretamente no trabalho do
historiador e, porque não, do professor de História, na medida em que essas
diferenças também perpassam pelos métodos, técnicas e fontes de estudo e
trabalho.

Quando nos referimos a métodos, técnicas e fontes, fazemos alusão a um tipo


de conhecimento que é sistematizado, organizado e, por isso, revestido de caráter
acadêmico e científico. Então, para os estudos que aqui propomos, definimos
a história como o estudo/pesquisa dos/sobre indivíduos, grupos humanos e
instituições criadas ao longo do tempo, com base em métodos específicos,
fundamentada numa determinada concepção/tradição epistemológica.
Destacamos, sobre isso, que com relação à história, não nos é possível ter acesso
direto aos fatos do passado, já que não há máquina do tempo que nos permita
reviver tais acontecimentos. Mas podemos ter acesso aos vestígios desse passo,
por intermédio das fontes (das quais falaremos mais adiante) e de métodos de
pesquisa ancorados em diferentes epistemologias, que nos permitem interpretar
tais vestígios.

A história nos permite conhecer a nós mesmos e aos outros,


esclarecer eventos importantes do presente e, inclusive, concluir
que nossa própria realidade é o resultado de mudanças que não são
aleatórias. O nosso presente está repleto de nosso passado: ou seja,
somos o resultado de processos, de conjuntos de transformações, de
determinada construção. Processos, transformações e construções
que influenciam e foram influenciados por objetos de poder, formas

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Capítulo 1 DASPOSSIBILIDADESDEPESQUISAEMHISTÓRIA:OBJETO,MÉTODOSEFONTES

de conceber o mundo e visões sobre o futuro, concepções culturais,


objetivos econômicos, ou religiosos, ou nacionalistas, ou outros
tantos diferentes. Atentarmos para nossa realidade histórica é uma
das melhores maneiras que temos de raciocinar sobre o mundo
e de nos instrumentalizar para que [...] possamos agir menos
ingenuamente (FONTOURA, 2016, p. 27).

Os modos de compreender o passado histórico, bem como as fontes e


métodos utilizados para essa compreensão, entretanto, não são iguais e não
o foram no decorrer do tempo. Diferentes correntes teóricas e historiográficas
buscaram explicar a história e responder os diferentes problemas a partir de
perspectivas diversas. Sobre essas diferentes perspectivas, você já deve ter
se deparado com algumas dessas palavras: tradicional, positivismo, Annales,
materialismo, história cultural, entre outras. Dessa forma, é correto afirmar que
todas essas palavras se referem a correntes historiográficas? E em que contexto
tais correntes foram elaboradas? Qual o entendimento de história e de verdade
dessas perspectivas? Essas são algumas das questões que guiarão nossos
estudos daqui por diante.

Desde a Antiguidade as pessoas desenvolveram diferentes formas de


registrar e transmitir sua história, os eventos que consideravam importantes
para seu grupo, no seu contexto. Os mecanismos escolhidos para tanto também
foram diversos, desde antes da invenção da escrita. Temos como exemplos
a transmissão oral, de geração para geração, a arte rupestre (realizadas em
paredes, tetos e outras superfícies rochosas), entre outros, em um tempo em que
a constituição e transmissão das memórias, conhecimentos e tradições foram
marcadas majoritariamente pela narrativa oral dos fatos.

Os modos como os antigos registravam e transmitiam a sua história eram


muito distintos do que hoje compreendemos como História, afinal, como destaca
Reis (2012) a “memória” não era capaz de registrar eventos ou personagens
particulares, utilizando-se, portanto, de categorias e arquétipos, assimilado
ao modelo “mítico” de seu tempo. Não há dúvidas de que essa era uma
“representação de mundo”, entretanto, a partir de uma base mitológica, comum à
sua cultura e aos modos como experienciavam a sua existência.

Assim, aqueles que foram considerados os primeiros “historiadores” dos quais


temos notícias, viviam ainda na antiguidade greco-romana. Por certo, o trabalho
por eles desenvolvido não tinha as mesmas características das perspectivas atuais
em relação à História. Entretanto, é em Tucídides e em Políbio, por exemplo, que
podemos encontrar os primeiros esforços para obtenção de um rigor metodológico.

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Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

O mesmo esforço se aplicaria, conforme afirma Cardoso (1992), a IbnKhaldun, na


Idade Média. Ainda conforme Cardoso (1992), foi somente entre 1475 e 1575, em
consequência de movimentos como a Reforma e a Contrarreforma, bem como em
função do humanismo que começaram a surgir novas exigências, mais científicas,
quanto à definição e à prática da História. Entre estas exigências, podemos citar
a preocupação em aceitar como autênticos os fatos ou textos, somente após
minuciosa verificação.

Se nos séculos anteriores o progresso caracterizou sobretudo


as técnicas de erudição crítica, o século XVIII foi particularmente
brilhante no campo da teoria e das concepções da História, mesmo
se os meios metodológicos ainda insuficientes então à disposição
dos historiadores para seu trabalho tornavam prematuras, de fato,
algumas das exigências feitas na época à disciplina histórica. No
plano teórico, Gianbattista Vico defendeu o caráter “cíclico” do
desenvolvimento das sociedades humanas. Voltaire […] já mostrava
a insuficiência flagrante de uma História exclusivamente voltada
para o relato dos acontecimentos (em especial batalhas e tratados)
e de intrigas da corte e a necessidade de uma História que, mudada
em sua matéria e em sua problemática, se tornasse explicativa […]
(CARDOSO, 1992, p. 29).

É no século XIX, entretanto, que a História, como constituição de um campo


de conhecimento com um estatuto que lhe seja próprio, consolida-se, a partir do
surgimento das grandes correntes históricas, na Europa, sobre as quais convido
você para conversar sobre.

2.2 HISTORIOGRAFIA DA
ABORDAGEM TRADICIONAL ÀS
PERPECTIVAS PÓS-MODERNAS
Para iniciar essa discussão, é preciso ter em mente que toda história é escrita
por alguém e para alguém. Isso significa que a historiografia, ou seja, o conjunto de
concepções, ideias e produções, que dão forma ao discurso histórico, materializa-se
a partir da "ação" e da "interpretação" do historiador sobre os vestígios do passado.

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Capítulo 1 DASPOSSIBILIDADESDEPESQUISAEMHISTÓRIA:OBJETO,MÉTODOSEFONTES

A historiografia é um campo de estudo ao qual nenhum


historiador pode se furtar. E a reflexão sobre a produção e a escrita da
História. Para Guy Bourde e Herve Martin, é o exame dos discursos
de diferentes historiadores, também de como estes pensam o método
histórico. Segundo esses autores, a perspectiva historiográfica e
uma ferramenta para o ofício do historiador, ao descrever “escolas”
históricas, e como produziram conhecimento ao longo do tempo.
Uma “escola” histórica, por sua vez, é uma corrente historiográfica
que agrega diversos historiadores com perspectivas em comum. Por
outro lado, a historiografia também nos permite, por meio do estudo
daqueles que escreveram a História antes de nós e do processo de
como escreveram essas histórias, entender os elementos comuns
aos intelectuais de um mesmo período (SILVA; SILVA, 2010 p. 189).

Conforme comentado anteriormente, toda história é escrita/dita “por alguém”


e no conjunto daqueles que disseram/escreveram a história, foi na modernidade,
mais especificamente no século XIX, que se estabeleceram o que chamamos de
“alicerces” da história como um saber científico. Em consonância com as ideias que
circulavam na época, a História buscava se firmar como um campo de conhecimentos
cientificamente válidos. Afinal, numa época em que a razão e a lógica se fortaleciam
como paradigmas, “[…] assumir o selo de ciência era algo essencial para garantir a
credibilidade social e acadêmica […]” (MARCZAL, 2016, p. 33).

Destaca-se que, enquanto paradigma, “o cientificismo é uma doutrina


filosófica e política, nascida com a modernidade, que parte da premissa de que o
mundo é inteiramente passível de conhecimento […]” (TODOROW, 2008, p. 88).
Nesse contexto, no qual ocorre a gênese da História como ciência, podemos citar
o historicismo alemão como expoente. E esse processo, do historicismo alemão,
teve expressão com os trabalhos desenvolvidos por Humboldt, Niebuhr, Droysen,
Gervinus, Ranke… Entre esses, há destaque para Leopold von Ranke que, em
meio aos seus pares, foi aquele que se dedicou às questões mais analíticas,
refletindo sobre o método histórico e sobre o uso de documentos como fonte para
a pesquisa. Aliás, você já havia ouvido falar sobre Ranke? Sabe quais foram as
suas contribuições no sentido de tornar científica a História? Vamos conversar um
pouco sobre ele?

Leopold von Ranke (1795-1886) nasceu em Weihe, na Turíngia e, tendo


vivido mais de 90 anos, teve a oportunidade de testemunhar as transformações
ocorridas ao longo do século XIX na Europa e, em particular, na Prússia. Como

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Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

dizem Martins e Caldas (2013, p. 15), Ranke “[…] testemunhou as mudanças


trazidas pelo ciclone napoleônico, viveu a ordem do Congresso de Viena e viu
instalar-se o Império Alemão”.

Com relação a sua vida pessoal, Ranke associava-se à tradição religiosa


do protestantismo luterano e sua posição na sociedade pode ser classificada,
segundo Marczal (2016), como burguesia intelectual. Destaca-se que nessa
época, embora a burguesia intelectual pudesse ser compreendida também como
“classe média,” no século XVIII, essa posição ainda não estava relacionada
com a herança ou espólios de família. Nessa época, pertencer à ‘burguesia’
estava relacionado com posição alcançada pela educação e pelo trabalho.
Profissionalmente Ranke atuou como professor, tendo iniciado a docência em um
ginásio em Frankfurt. Ranke se destacou como pesquisador e historiador, fato que
lhe rendeu a nomeação para professor na Universidade de Berlim, onde trabalhou
entre os anos de 1825 e 1871.

A atuação de Ranke foi decisiva não apenas na conformação


do modelo historiográfico da investigação metódica da História,
nos termos praticados contemporaneamente, mas igualmente
na institucionalização da História como uma especialidade
universitária (é o criador do modelo do Seminário de História
como utilizado até os dias de hoje nas universidades alemãs,
e não só) e como a uma tarefa do Estado (com a criação da
Comissão Histórica, em 1858, na Real Academia das Ciências
da Baviera, em Munique) (MARTINS; CALDAS, 2013, p. 16).

No que diz respeito aos trabalhos relacionados com a historiografia, um dos


pontos do trabalho que merece destaque é o rigor metodológico no tratamento das
fontes. Esse rigor seria, na concepção de Ranke, essencial no sentido de garantir
a qualidade das informações que pudessem ser extraídas dessas fontes. Assim,
Ranke pretendeu desenvolver um método a partir do qual seria possível escrever
a história como ela “realmente ocorreu,” numa reprodução fiel e imparcial dos
acontecimentos. Outra ideia central, e indispensável nas proposições de Ranke, é
a objetividade – no sentido de recusar qualquer pensamento dualista – e, por fim
e não menos importante, o terceiro parâmetro está na regularidade, ou no sentido
de amplitude, articulação e complementaridade.

[...] Além da análise integrada das diversas instâncias do


documento – entre as quais a autenticidade, a veracidade,
os modos de análise da própria informação que iriam ser
sofisticados gradualmente – a própria coleta de documentação
e constituição de novos tipos de fontes (na época de Ranque,
essencialmente arquivísticas e ligadas à política, à diplomacia
e às instâncias institucionais) foi um elemento que trouxe
efetivamente um novo tônus àquela historiografia que agora se
postulava como científica (BARROS, 2014, p. 71).

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Capítulo 1 DASPOSSIBILIDADESDEPESQUISAEMHISTÓRIA:OBJETO,MÉTODOSEFONTES

Muito embora esses três parâmetros do historicismo alemão (leia-se,


para o historicismo rankeano) se assemelham às perspectivas do Positivismo,
ambas compreendem de modo distinto o ‘saber histórico’ e o papel do historiador.
Segundo Marczal (2016), a historiografia tinha como premissa a valorização da
capacidade hermenêutica do historiador no trabalho com as fontes. Isso significa
que, além do método utilizado para interpretar as fontes, o historiador deveria ter
também habilidade argumentativa bem como capacidade para elaborar textos
escritos. Apesar de valorizar a capacidade hermenêutica, é muito importante
destacar que para Ranke a impessoalidade e neutralidade do historiador são
essenciais. E mesmo já tendo mencionado anteriormente, reforçamos aqui a ideia
da fórmula rankeana: o historiador deve apenas descrever as coisas "tais como
aconteceram”, de modo estritamente imparcial.

Sobre a perspectiva de compreensão da história e da ação do historiador,


Bloch (2001) nos convida a refletir sobre duas questões: a da imparcialidade e a
da reprodução do fato. Sobre a imparcialidade, vejamos um pequeno trecho de
Apologia de História ou o ofício do historiador, a seguir.

Existem duas maneiras de ser imparcial: a do cientista e a do


juiz. Elas têm uma raiz comum, que é a honesta submissão à verdade.
O cientista registra, ou melhor, provoca o experimento que, talvez,
inverterá suas mais caras teorias. Qualquer que seja o voto secreto
de seu coração, o bom juiz interroga as testemunhas sem outra
preocupação senão conhecer os fatos, tais como se deram. Trata-se,
dos dois lados, de uma obrigação de consciência que não se discute.

Chega um momento, porém, em que os caminhos se separam.


Quando o cientista observou e explicou, sua tarefa está terminada. Ao
juiz resta ainda declarar sua sentença. Calando qualquer inclinação
pessoal, pronúncia essa sentença segundo a lei? Ele se achará
imparcial. Sê-lo-á, com efeito, no sentido dos juízes. Não no sentido
dos cientistas. Pois não se poderia condenar ou absolver sem tomar
partido por uma tábua de valores, que não depende de nenhuma
ciência positiva. Que um homem tenha matado um outro é um fato
eminentemente suscetível de prova. Mas castigar o assassino supõe
que se considere o assassino culpado: o que, feitas as contas, é
apenas uma opinião sobre a qual todas as civilizações não entraram
num acordo (BLOCH, 2001, p. 125-126).

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Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

Então, a partir de tais prerrogativas, seria de fato possível ao historiador ser


tal qual "juiz" da História? Seria de fato possível narrar os fatos a partir de uma
perspectiva de imparcialidade/neutralidade? Independente de nossa resposta a
tais questões, era proposição de Ranke que os fatos históricos fossem tratados
a partir de uma perspectiva de "verdade,” ou seja, de que a escrita da história
fosse uma "descrição" dos fatos de modo a retratar a verdade dos acontecimentos
e não suposições sobre eles. Essa não deixa de ser uma das características do
positivismo que se aproxima do historicismo alemão. Outra característica que
aproxima as duas perspectivas é a crença na natureza científica e objetiva da
História, conforme menciona Cardoso (2000).

Cabe destacar ainda que não se pode confundir a premissa de neutralidade


rankeana com "ingenuidade". Tal interpretação seria, de acordo com Frizzo
(2019), uma forma de vulgarizar o seu pensamento. Tal confusão pode ocorrer por
consequência da tradução das proposições de Ranke, que originalmente seria “wie
es eigentlichgewesen”, que pode ser relacionado ao conceito de “essência,” que
melhor explicaria o que se pretendia dizer. “Logo, a proposta de Ranke era buscar
o conhecimento do passado conforme sua essência – o que encaixa no debate
filosófico alemão da dualidade essência-aparência” (FRIZZO, 2019, p. 135).

No entanto, se na Alemanha era o historicismo rankeano que se firmava, nos


Estados Unidos a perspectiva da história cientificista também tomava forma e força.
Aliás, tal perspectiva é influenciada, nos Estados Unidos, tanto pelo historicismo
alemão quanto pelo positivismo de Augusto Comte (França). Na perspectiva
historiográfica norte-americana, cabia ao historiador, conforme destaca Marczal
(2016) buscar evidências dos fatos, agrupando-os de modo que pudessem ser
encontradas as generalizações capazes de revelar as "leis universais" da história.
Não caberia, portanto, ao historiador, buscar suposições ou testar hipóteses,
apenas encontrar os dados que revelassem as informações necessárias.

Gooch (1913) diz que a historiografia americana provavelmente surgiu com


Jared Sparks (1789-1866) que desenvolveu sérios estudos sobre os escritos
de Washington. Tais estudos resultaram a escrita de uma coletânea de doze
volumes, publicados entre os anos de 1834 e 1838. Entretanto, pode-se arriscar
dizer que antes da criação da American HistoricalAssociation (AHA), no ano de
1884, muito pouco era realizado nos Estados Unidos em relação à historiografia.
Entre as pessoas envolvidas na criação da AHA podemos mencionar John Eaton
e Frank B. Sanborn que eram, respectivamente, o presidente e o secretário da
Associação. Além disso, estiveram envolvidos historiadores importantes da época,
tais como Charles Kendall Adams, Herbert Baxter Adams e Moses Coit Tyler.

O principal objetivo da American HistoricalAssociation (AHA) era o incentivo


ao trabalho dos historiadores e, como fato memorável, pode-se destacar a eleição

18
Capítulo 1 DASPOSSIBILIDADESDEPESQUISAEMHISTÓRIA:OBJETO,MÉTODOSEFONTES

de "membros honorários." Sobre esses membros honorários, você tem ideia de


quem seria, na história AHA, o primeiro deles? Não sei se você chegou a cogitar
tal hipóteses, mas, sim, o primeiro deles foi Leopold Von Ranke! E tal feito não foi
nenhuma grande novidade entre os associados, visto que os primeiros “líderes” da
historiografia americana foram bastante influenciados por historiadores alemães,
sendo que boa parte deles, inclusive havia estudado na Alemanha e, por isso, já
havia tido, de certo modo, contato com Ranke.

Sobre a AHA considera-se ainda interessante destacar que além de incentivar


o trabalho dos historiadores, a associação buscava também a aproximação
com o Governo americano, mais precisamente, uma possível incorporação ao
Congresso, com a intenção de angariar mais recursos financeiros, por intermédio
de tal aproximação com os governantes. Esses recursos permitiram, por um lado,
expandir o seu campo de atuação, sendo que passaram a investir em publicações,
em eventos, comitês para buscar documentos que antes eram inacessíveis. Em
contrapartida, o trabalho dos historiadores e, principalmente as publicações,
passaram a sofrer interferência por parte dos membros do governo. Em vários
momentos, inclusive, sobre a atuação da AHA, houve censura e direcionamento
dos temas investigados e textos publicados, de modo que tal trabalho atendesse
aos interesses de quem o estava financiando.

Pela proximidade com os historiadores alemães que defendiam a ideia


de uma História Universal, bem como pelos interesses de governo, a tradição
historiográfica americana esteve pautada também no cientificismo e na ideia de
“universalidade da história”. É importante ainda lembrar que essa perspectiva
ficou conhecida como Historiografia Moderna e, dentro dela, é como “História
Tradicional,” na qual o viés político é tido como o fio condutor da história. Assim,
firmou-se a escrita da história das civilizações e da história mundial, que tinham
como marcos as grandes rupturas e acontecimentos políticos, embasados em
longas durações temporais.

O Historicismo (alemão, bem como os seus desdobramentos) deve ser


compreendido na sua relação com o contexto da época, século XIX, portanto.
Essa corrente historiográfica toma forma no contexto da formação dos Estados
Nacionais, a partir de perspectivas conservadoras, representado, portanto, os
interesses dos estados e das burocracias estatais. O Historicismo é, conforme
destaca Barros (2011, p. 109), fruto das necessidades de sua época, representadas
“[…] pelo paradoxo de encaminhar uma modernização política que viabilizasse
aquele desenvolvimento industrial que atenderia às exigências da burguesia […]
e, ao mesmo tempo, conservar alguns privilégios sociais da nobreza.”

O historicismo alemão deveria ser compreendido também pela positividade


no sentido de ser aquela que, enquanto disciplina, ao longo de todo o século

19
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

XIX contou com o trabalho de historiadores que sistematizaram e organizaram a


História como um campo de estudos, que até então se encontrava disforme.

Outro grande "paradigma," surgido ainda no século XIX, é o Materialismo


Histórico, que não poderíamos deixar de abordar aqui, uma vez que seus
conceitos fazem parte do repertório utilizado por muitos historiadores, até os dias
atuais. Destacamos, entretanto, que a primeira reflexão a ser feita é a distinção
entre Materialismo Histórico e Marxismo, expressões que facilmente são aceitas
como sinônimos, embora sejam distintas. Conforme destaca Barros (2013a, p. 16)

O “marxismo-leninismo” é um programa de ação política


que visa estabelecer uma sociedade comunista a partir de
certas ações, que também são muito discutidas em termos
de quais seriam as mais adequadas (luta armada, ditadura
do proletariado, mobilização de operários ou de camponeses,
aliança com a burguesia, participação na política tradicional).

Em contrapartida, o Materialismo Histórico, apesar de também encontrar


suas bases no trabalho desenvolvido por Marx e Engels, pode ser compreendido
como uma forma de analisar e de escrever a história, sem que necessariamente
tenha o socialismo/comunismo como modelo de sociedade ideal. Nesse sentido,
considera-se que a História, enquanto campo de produção de conhecimento tem
diversas ramificações e entroncamentos e a perspectiva do Materialismo Histórico
é apenas um, entre os vários caminhos de investigação histórica possível.

Nessa perspectiva historiográfica (Materialismo Histórico), os elementos


estruturais, ou seja, aqueles que direcionam a investigação, são os de ordem
econômica e social, se afastando, portanto, da investigação política factual e
linear, proposta pela perspectiva Tradicional. E, por conta do viés econômico
e social da sua abordagem investigativa, conceitos como classe, luta de
classes, modos de produção, mais-valia, práxis, entre outros, acabam por se
tornar categorias analíticas, e sendo incorporadas ao vocabulário de diversos
historiadores. Conforme destaca Barros (2014, p. 303) “uma vez que, para o
Materialismo Histórico, a história é examinada como história das litas de classe e,
antes disso, como história dos modos de produção sobre os quais se desenvolve
essa luta, aqui não existe propriamente uma ‘Verdade Universal’ a ser encontrada
pela historiador [...]”.

Cardoso (2000) destaca que os pontos de partida de Marx, no sentido de


pensar a história, são dois: o primeiro deles diz respeito à dialética, que existe
fora do pensamento e independente dele, como leis universais que refletem na
consciência coletiva dos seres humanos. E o segundo ponto é o fato de que os
homens são seres pensantes, porém, não apenas por reflexo ou instinto, mas
em conformidade com a sociedade, que é historicamente produzida; ou seja, os

20
Capítulo 1 DASPOSSIBILIDADESDEPESQUISAEMHISTÓRIA:OBJETO,MÉTODOSEFONTES

homens produzem a sua própria vida material e espiritual e o fazem em contato


com a natureza, transformando-a.

O trabalho é, para Marx, a ação humana sobre a natureza, portanto, é uma


característica essencialmente humana, logo é condição essencial para a história.
Assim, no cerne do Materialismo Histórico há, pelo menos três bases: dialética,
materialismo e história, conceitos esses que não são exclusivos ao pensamento
de Marx. Como desdobramento da vertente marxista (Materialismo Histórico),
temos o trabalho de diversos historiadores que dialogaram com essa teoria.
Como um dos exemplos do diálogo dos diversos historiadores com o Materialismo
Histórico podemos citar os aglutinados em torno da chamada Escola de Frankfurt.

O movimento conhecido como Escola de Frankfurt não se caracteriza


exatamente como uma corrente historiográfica, mas sim, na perspectiva das
Ciências Sociais e da Filosofia. Entretanto, no diálogo com as diferentes áreas
de conhecimento, há contributos desses pensadores/pesquisadores para a
compreensão e para a escrita da História. Entre as principais personalidades
da primeira geração podemos citar: Friedrich Pollok, Herbert Marcuse, Max
Horkheimer e Theodor Adorno. Entre os expoentes da segunda geração está
Jürgen Habermas. E, da terceira geração da Escola de Frankfurt está Walter
Benjamin. Embora o movimento da Escola de Frankfurt tenha sido gestado entre
as décadas de 1920 e 1930, foi somente após a década de 1950 que esses
trabalhos tornaram mais conhecidos.

As ideias apresentadas pelos pesquisadores da Escola de Frankfurt ficaram


conhecidas como “Teoria Crítica”. São três os eixos de produção acadêmica que
aglutinam os seus pesquisadores: a dialética da razão iluminista e a crítica da
ciência, a cultura e a indústria cultural e, por fim, o Estado e as suas formas de
legitimação – discussão essa que tem as suas bases em Marx e que é renovada
pelos pesquisadores da Teoria Crítica.

A título de curiosidade, você sabe a origem nome “Escola de


Frankfurt”, que está relacionado aos pesquisadores da Teoria
Crítica? Essa ideia, a da formação da “Escola de Frankfurt” tem sua
ancoragem na semana dos estudos marxistas, que ocorreu em 1922,
em Thüringen, na Alemanha. Os membros desse grupo estavam
todos vinculados ao Instituto de Pesquisa Social da Universidade de
Frankfurt, também na Alemanha.

21
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

Os historiadores ligados ao Materialismo Histórico começaram a surgir em


maior quantidade no século XX. Nesse contexto, a Escola Marxista Inglesa “[...]
apresenta uma abordagem na qual a dimensão empírica adquire uma estatura
particularmente importante, o que se reflete de modelo particular na metodologia,
mas também na renovação de aspectos teóricos e do vocabulário historiográfico”,
conforme afirma Barros (2013a, p. 150). Entre os materialistas históricos ingleses
de destaque podemos citar Edward P. Thompson, Raymond Williams, Stuart Hall,
entre outros. Os autores comprometidos com a renovação da abordagem marxista
ficaram conhecidos como ‘nova esquerda’.

Marczal (2016) afirma que o viés historiográfico apresentado Edward P.


Thompson apresentou novos horizontes às investigações de cunho marxista,
porém, mais do que isso, Thompson inaugurou o que chamamos de ‘história vista
de baixo’, ou seja, o historiador foi um dos responsáveis por elaborar uma história
focada nas pessoas comuns e não apenas nos fatos desencadeados por uma
elite.

Considerando que os historiadores são ‘homens do seu tempo’, os


historiadores do século XX, corroborando com as ideias e transformações da
sociedade, acabaram por se tornar um grupo de "reação" aos limites impostos
pela perspectiva tradicional. Para além do Materialismo Histórico, outra corrente
historiográfica que ficou bastante conhecida foi a Escola de Annales, sobre o qual
passamos a conversar a partir de agora.

Sobre a Escola de Annales, embora ela seja nomeada como "escola,"


devemos considerar que é, na verdade um conjunto ou sistematização de uma
proposta de fazer/escrever/produzir a História, que tem ancoragem na academia
francesa. E, conforme destaca Marczal (2016), a Escola de Annales apresentou
diferentes configurações, rupturas e reorganizações, porém, manteve-se firme em
sua principal característica: a negação da história positivista.

Temos, com os Annales, uma espécie de "abertura" na concepção de


História, principalmente no que diz respeito à atuação do historiador, ou seja,
daquilo que pode ser objeto e atenção do pesquisador, bem como a possibilidade
de intercâmbio com outras áreas da produção do conhecimento, como as Ciências
Sociais (Sociologia, Antropologia, etc,), por exemplo. Entre os protagonistas dos
Annales podemos citar Marc Bloch e Lucien Febvre, seus fundadores. No entanto,
não podemos nos esquecer outros representantes, afiliados à perspectiva dos
Annales: Fernand Braudel, Peter Burke, Georges Duby, Jacques Le Goff, Pierre
Nora, Marc Ferro, Jacques Revel, entre outros.

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Capítulo 1 DASPOSSIBILIDADESDEPESQUISAEMHISTÓRIA:OBJETO,MÉTODOSEFONTES

Sugerimos a leitura das seguintes obras, que dizem respeito


especificamente à produção do conhecimento por alguns, entre
outros, historiadores que foram a pouco mencionados: “A constituição
da História como ciência: de Ranke à Braudel” (por Julio Bentivoglio
e Marcos Antonio Lopes – organizadores, publicado pela editora
Vozes) e “Afirmação da História como ciência no século XX: de
ArletteFarge à Robert Mandrou” (por Julio Bentivoglio e Alexandre de
Sá Avelar – organizadores, publicado pela editora Vozes).

Voltando a falar do “conjunto da obra”, os Annales foram, além de um


movimento de crítica à história tradicional, foi também uma possibilidade de
abertura, como mencionado anteriormente, considerando principalmente os
âmbitos da história econômica e social. Conforme diz Cardoso (1992), durante
cerca de quatro décadas, esse grupo, mesmo que composto por pessoas
bastante heterogêneas, havia diversas concepções em comum, concepções estas
que permitiram a elaboração de uma nova concepção de História, em torno de
algumas características essenciais, e que impactarão nas concepções de tempo,
memória, narrativa, objeto e fontes, conceitos dos quais trataremos nas seções a
seguir.

Assim, entre as características comuns à Escola de Annales, podemos


mencionar a passagem de História-narração para a constituição de uma História-
problema, o estabelecimento do diálogo com outras ciências, inclusive no que diz
respeito à utilização de métodos e técnicas para o desenvolvimento do trabalho
do historiador, a insistência nos aspectos sociais (em detrimento aos aspectos
políticos), a ampliação do conceito de fonte histórica (para além do uso de fontes
escritas apenas), bem como o reconhecimento da estreita ligação entre passado
e presente.

A “história-problema” veio se opor ao caráter narrativo da


história tradicional. A estrutura narrativa da história tradicional
significava isto: narrar os eventos políticos, recolhidos nos
próprios documentos, em sua ordem cronológica, em sua
evolução linear e irreversível, “tal como se passaram”. A
história-problema veio reconhecer a impossibilidade de narrar
os fatos históricos “tal como se passaram”. Por ela, o historiador
sabe que escolhe seus objetos no passado e que os interroga
a partir do presente (REIS, 2014, p. 21).

23
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

Assim, desde o lançamento da Annales, revista francesa que teve o seu


primeiro exemplar publicado no ano de 1929, os historiadores/pesquisadores
associados a ela se tornaram referência na historiografia, dando base, ao longo
do seu trabalho à formação do que chamamos das diferentes ‘gerações’ da
Escola de Annales. March Bloch e Lucien Febvre foram aqueles que estivem a
frente da fundação dessa ‘revolução’ na historiografia, dando origem à primeira
geração dos Annales, que, ao praticar o que foi chamado de ‘história-problema’,
se opuseram à historiografia tradicional. Bentivoglio e Lopes (2013), entre outros
autores, atribuem à Bloch a responsabilidade sobre importantes reflexões sobre o
método de fazer e ensinar história.

O primeiro volume da revista, intitulada em 1929 como “Annales


d'histoireéconomique et sociale” está disponível na internet e pode
ser acessada por intermédio do seguinte link: <https://www.persee.
fr/issue/ahess_0003-441x_1929_num_1_1>. Destaca-se que o texto
se encontra no original, em francês.

Bloch e Febvre acabaram por introduzir novas compreensões sobre o


tempo e a temporalidade, consolidaram novos objetos, aperfeiçoaram métodos e
abordagens, abrindo caminho para uma história mais social. Tem-se, assim, uma
nova perspectiva historiográfica, que caminha ao lado do marxismo (Alemanha).
Nesse contexto, ainda de acordo com Bentivoglio e Lopes (2013), foi Febvre quem
empreendeu a chamada História das mentalidades, destacando que o campo de
estudo das mentalidades, até o século XX, estava restrito aos campos de estudos
a Etnologia e Psicologia.

A história dos Annales era uma “nova história” porque era


conduzida por construções teóricas elaboradas e explícitas.
Foi por se tornar uma “empresa teórica” que ela se opôs à
velha história dita positivista. O historiador mudou de posição e
de disposição: se antes era proibido, em tese, de aparecer na
pesquisa, o que é uma interdição impossível de ser cumprida,
agora, ele é obrigado a aparecer e a explicitar a sua estrutura
teórica, documental e técnica e o seu lugar social e institucional
(REIS, 2014, 22-23).

O contexto pós Segunda Guerra Mundial passou a representar aos


historiadores um novo desafio, conjuntura esta que permitiu a ampliação da
historiografia francesa, dando os contornos da segunda geração dos Annales.

24
Capítulo 1 DASPOSSIBILIDADESDEPESQUISAEMHISTÓRIA:OBJETO,MÉTODOSEFONTES

Entre estes, o mais expressivo representante é Ferdinand Braudel, que foi


“[…] um estudioso da formação dos espaços sociais, das relações entre os
homens e a natureza, posto que sua visão da história ‘exige o estudo de uma
série de imensa de evidências históricas no decurso’ da longa duração, onde
as estruturas são formadas, mantidas, ou até refeitas […]” (BENTIVOGLIO;
LOPES, 2013, p. 287). Além de Braudel, Ernest Labrousse e outros autores
colaboraram com essa perspectiva de uma história que não perderia de vista os
aspectos políticos, as abordagens econômicas e consideravam os antagonismos
de classe, fundamentada no binômio "estrutura e conjuntura" e que acabou
sendo caracterizada como "história serial." Sobre a História Serial, gostaria
de compartilhar com você um pequeno trecho, de um artigo escrito por José
D’Assunção de Barros:

[...] A chamada História Serial introduzia na primeira metade


do século XX uma perspectiva inteiramente nova: tratava-se de
constituir “séries” de fontes e de abordá-las de acordo com técnicas
igualmente inéditas. Temos aqui um novo campo histórico que é
definido em relação à abordagem ou ao modo de fazer a História
que a perpassa, uma vez que a História Serial se refere a um tipo
de fontes e a um modo específico de tratamento destas mesmas
fontes. Trata-se, neste caso, de abordar fontes com algum nível de
homogeneidade, e que se abram para a possibilidade de quantificar
ou de serializar as informações ali perceptíveis no intuito de identificar
regularidades, variações, mudanças tendenciais e discrepâncias
reveladoras. Em outro sentido, a História Serial também lida com a
serialização de eventos ou dados, e não só com a serialização de
fontes, propondo-se, neste caso, a avaliar eventos históricos de certo
tipo em séries ou unidades repetitivas por determinados períodos de
tempo. Para já evocar a interconexão entre História Serial e História
Econômica – que foi a combinação que alçou Ernst Labrousse a
uma posição de destaque no movimento dos Annales – podemos
lembrar que se enquadram neste último caso os estudos dos ciclos
econômicos, a partir, por exemplo, da análise das curvas de preços,
tais como as empreendidas por Ernst Labrousse nos anos 1930 e
1940. A História Serial foi de fato um campo que se abriu como nova
‘oportunidade de saber’ a partir de uma estreita parceria com a
História Econômica, e que daí se estendeu à História Demográfica
e à História Social no sentido restrito, expandindo-se depois (nos
terceiros Annales) para os estudos relacionados à História das
Mentalidades (BARROS, 2012, p. 206).

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Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

A terceira geração dos Annales tem o ano de 1968 como marco, quando as
produções historiográficas da revista dos Annales concatenavam uma série de
artigos, organizados em torno dos seguintes eixos temáticos: novos problemas,
novas abordagens e novas temáticas. Entre os historiadores, autores desses
artigos, estão os bastante conhecidos Jaques Revel, Roger Chartier, Paul Veyne,
Michel de Certeau, Marc Ferro, bem como Jacques Le Goff e Pierre Nora.

A respeito da terceira geração dos Annales, consideramos


relevante destacar que há, no Brasil, a publicação de três volumes,
pela Editora Vozes, a coleção intitulada “História”, organizada por
Jacques Le Goff e Pierre Nora. Os livros trazem a mesma temática e
artigos reunidos na revista, sendo que os três volumes são destinados
às “Novas Abordagens”, “Novos Problemas” e “Novos Objetos”.

Segundo Barros (2012), muitas pessoas veem no ano de 1968 o fim


do movimento dos Annales, visto que o que o se seguiu foi ‘um outro tipo de
historiografia’. No entanto, preferimos, assim como vários historiadores, crer que
essa é apenas uma nova fase, a terceira geração do movimento dos Annales.
Aliás, ainda conforme o autor, o ano de 1968 não marca apenas a transição da
segunda para a terceira geração dos Annales, pois há um contexto mais amplo,
que faz do período que se segue a esta data uma nova era.

Havia vários acontecimentos impactantes ocorrendo nesse mesmo período,


como o assassinato de Martin Luther King nos Estados Unidos e o movimento
de Maio de 1968 em Paris, ondas de protestos pelos Estados Unidos, Europa
e América Latina contra as políticas neoliberalistas, entre vários outros
acontecimentos. Outro aspecto relevante a respeito da terceira geração, conforme
menciona Burke (1991, p. 80-81) é que está é

[...] a primeira a incluir mulheres, especialmente Christiane


Klapisch, que trabalhou sobre a história da família na Toscana
durante a Idade Média e o Renascimento; Arlette Farge, que
estudou o mundo social das ruas de Paris no século XVIII;
Mona Ozouf, autora de um estudo muito conhecido sobre os
festivais durante a Revolução Francesa; e Michele Perrot, que
escreveu sobre a história do trabalho e a história da mulher [...]

Novas abordagens foram e continuam sendo exploradas por historiadores


identificados com o movimento dos Annales, como a inserção de temas como
mulheres, sexualidade, religiosidade, famílias, infância, entre outros, ou seja,
26
Capítulo 1 DASPOSSIBILIDADESDEPESQUISAEMHISTÓRIA:OBJETO,MÉTODOSEFONTES

aquilo que foi chamado de ‘história das mentalidades’, numa inegável a ampliação
dos temas e objetos passíveis de análise por parte do historiador.

A noção de “mentalidades” [...] já havia sido enunciada por Lucien Febvre


e Marc Bloch em algumas oportunidades, mas foi somente com alguns dos
historiadoresda terceira geração dos Annales, – como Robert Mandrou,
Philippe Ariès, Michel Vovelle e Georges Duby – que a expressão adquiriu
uma centralidade, capaz de configurar um novo campo de estudos no espaço
interdisciplinar da História (BARROS, 2012, p. 331).

A terceira geração dos Annales acabou por influenciar a historiografia


brasileira, a exemplo de publicações como ‘História das mulheres no Brasil’,
‘História da vida privada no Brasil’, ‘História social da infância no Brasil’, ou seja,
a terceira gerçação dos annalistas deu impulso a uma grande ampliação temática
na historiografia brasileira.

3 TEMPO, MEMÓRIA, NARRATIVAS


Conforme já vínhamos conversando, a história tem uma continuidade, segue
sempre um fluxo, o qual é intitulado como “processo histórico”. As formas de
abordagem desse processo, entretanto, dependem da metodologia do historiador,
da vertente historiográfica adotada e do ângulo pelo qual se observam os fatos.
Assim, após estudarmos sobre as correntes historiográficas, passaremos a
discutir três conceitos que perpassam a historiografia, mas que por vezes tem
diferentes interpretações e compreensões: tempo, memória e narrativa.

Desse modo, será necessário, em alguns momentos, resgatar noções


estudadas e apresentadas anteriormente. Ressaltamos que essa discussão será
breve e que os conceitos de tempo, memória e narrativa não serão abordados em
separado, sendo que a centralidade do diálogo estará no conceito de tempo, uma
vez que o tempo faz parte do nosso cotidiano, sendo essencial para todos nós e
não apenas para a História, para o historiador ou professor de História.

Somos, enquanto sociedade humana, regidos pelo tempo. Estamos


condicionados pelos calendários, relógios, prazos e pelos conceitos de passado,
presente e futuro. Datas de aniversário, compromissos, lembranças, feriados,
entre outros; os horários de dormir, das refeições, de lazer, de estudar, são todos
regidos pelo "tempo". Seja pelo relógio de sol, pela ampulheta, pelos ponteiros
do relógio analógico ou pelo visor do celular ou do tablet… O modo como
compreendemos o tempo e lidamos com ele é, entretanto, diferente nos diferentes
períodos da história, assim como o é para as diferentes culturas, mas e hoje, de e
sobre qual tempo vamos falar?
27
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

O tempo do qual falaremos é aquele com o qual trabalham os historiadores.


E esse pode ser o tempo do passado, mas também pode ser o tempo presente,
você sabia? Um dos materiais de análise com o qual os historiadores atuam é o
tempo; mais especificamente os recortes temporais. É a partir desses recortes que
são determinados os princípios e os términos, que são caracterizados os períodos
e analisados os acontecimentos / fenômenos. E é pela perspectiva do tempo que
determinamos as rupturas e as permanências. De acordo com Prost (2008, p.
96), “A questão do historiador é formulada do presente em relação ao passado,
incidindo sobre as origens, evolução e itinerários no tempo, identificados através
de datas. A história faz-se a partir do tempo: um tempo com plexo, construído e
multifacetado”.

Sobre isso, Hartog (2013, p. 7) afirma o seguinte:

Ninguém duvida de que haja uma ordem do tempo, mais


precisamente, ordens que variaram de acordo com os
lugares e as épocas. […] Na palavra ordem, compreende-se
imediatamente a sucessão e o comando: os tempos, no plural,
querem ou não querem; eles se vingam também, restabelecem
uma ordem que foi perturbada. Jazem às vezes de justiça.
Ordem do tempo vem assim de imediato esclarecer uma
expressão, talvez de início um tanto enigmática, regimes de
historicidade.

Tem-se, portanto uma clara ligação entre tempo e história. O fato, entretanto,
desses conceitos estarem relacionados, não significa que não há, sobre eles,
contradições ou polêmicas.

Utilizamos atualmente, de modo quase que consensual, o modelo temporal


influenciado pela concepção judaico-cristã, ou seja, um modelo no qual o tempo é
organizado como uma linha reta, que segue do passado ao futuro.

O tempo de nossa história está ordenado, ou seja, tem um a


origem e um sentido. Neste aspecto, ele desempenha um a
primeira função, essencial, de colocar em ordem, permitindo
classificar os fatos e os acontecimentos de maneira coerente
e comum. Essa unificação fez-se com a chegada da era
cristã, ou seja, nosso tempo está organizado a partir de um
acontecimento fundador que o unifica: o nascimento do Cristo
(PROST, 2008, p. 97)

Assim, nós temos desde a criação do mundo uma série de acontecimentos


e consequências desses acontecimentos. Assim, a vida presente costuma ser
compreendida como consequência das ações tomadas no passado. Essa é uma
versão do tempo que tem servido tanto para a perspectiva religiosa quanto para

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Capítulo 1 DASPOSSIBILIDADESDEPESQUISAEMHISTÓRIA:OBJETO,MÉTODOSEFONTES

a historiografia. Mas nem sempre foi assim! Conforme destaca Prost (2008),
foi necessário aguardar até o século XI para que a chamada “Era cristã”, ou
seja, aquela datada a partir do nascimento de Cristo, se tornasse dominante e,
posteriormente imposta à todos, tendo por referenciais a expansão dos impérios
coloniais, tais como o espanhol, o britânico e o francês, entre outros.

Ainda assim, embora tenhamos convenções que nos auxiliam nas


definições temporais, as datações, bem como período de rupturas, eras ou
períodos históricos não obedecem a critérios únicos, tampouco universais. Essas
definições dependem também das vertentes historiográficas e posicionamentos
epistemológicos assumidos pelo historiador, afinal, como afirma Fontoura (2016,
p. 125), “Historiadores manejam o tempo de modo que seus objetos possam se
tornar mais evidentes, seus temas se sobressaiam e suas explicações históricas
tenham fundamento”.

De acordo com Hartog (2013), nessas tramas da sucessão dos tempos, por
muito tempo, na história ocidental, os historiadores operaram com o humanismo,
dividindo os tempos em Idade Antiga, Idade Média e Idade Moderna. Essa
divisão se associa ao estudo das instâncias humanas, como menciona Barros
(2013b). A História, portanto, é compreendida na perspectiva do tempo – passado,
presente ou futuro – e pela narrativa, no sentido de designar/descrever/apresentar
os eventos que constituem a trajetória percorrida, ao longo dos tempos, pela
humanidade.

Entretanto, nem sempre a História foi compreendida a partir da perspectiva de


Tempo. Koselleck (2006) nos auxilia a entender tal fato, afirmando que a história
já esteve ancorada no espaço da "experiência" e, portanto, não se tinha em mente
os diferentes tempos. Assim, presente e passado eram unidos, circundados pelo
mesmo horizonte em comum. Sobre os modos de contagem do tempo, Prost
(2008, p. 97-98) assevera que:

A generalização da era cristã implicou o abandono de uma


concepção circular do tempo que estava extremamente
disseminada, inclusive, na China e no Japão, regiões em que
a datação se fazia por anos do reinado do Imperador: a data
origem é o início do reino. No entanto, os reinos se encadeavam
em dinastias ou eras, cada um a das quais segue a mesma
trajetória, desde a fundação por um soberano prestigioso até
sua decadência e ruína. Cada dinastia correspondia a uma das
cinco estações, uma virtude cardeal, uma cor emblemática,
um dos cinco pontos cardeais; assim, o tempo fazia parte da
própria ordem das coisas.

O tempo cíclico era também, por excelência, o do Império


Bizantino. Com efeito, tendo retomado do Império Romano

29
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

um ciclo fiscal de quinze anos, a indicação, os bizantinos


estabeleceram a datação em referência a esse ciclo, a partir
da conversão de Constantino (ano 312). As indicações se
sucediam e se enumeravam de tal modo que uma data era
o ano de determinado ciclo: por exemplo, o terceiro ano
da 23a indicação. No entanto, apesar de saberem em que
indicação se encontravam, os contemporâneos nem sempre
se preocupavam, ao datarem um documento, em indicar seu
número exato; aliás, a exemplo do que ocorre conosco que,
ao datar nossas cartas, nem sempre mencionamos o ano. De
algum modo, tratava-se de um a espécie de tempo circular.

Ainda segundo Kosellec (2006), até aproximadamente o ano de 1500, tinha-se


uma concepção atemporal da história, a exemplo da representação realizada por
Altdorfer, que numa linha estatística buscava registrar a participação dos homens
na Batalha de Alexandre. Altdorfer o fez em colunas, mais especificamente em
dez colunas de algarismos, sem registrar o tempo, ou seja, na elaboração de suas
colunas ele renunciou à indicação do ano. Em 1500, temos, portanto o “limiar de
uma época, que conferiu ao "novo tempo" subsequente a sua unidade relativa”
(KOSELLECK, 2006, p. 280).

Temos, assim, até o século XVI, a história ancorada nas experiências vividas,
mas que também repousava na contínua expectativa "do fim dos tempos." Pelo
próprio contexto, a história ocidental e o seu registro são também uma histórica
judaico-cristã. Assim, a periodização do tempo histórico encontra na Bíblia o seu
fundamento. Deste modo, o tempo era compreendido como linear, ou seja, no
entendimento da sequência de acontecimentos que inevitavelmente levaria ao
"fim dos tempos." Como afirma Koselleck (2000, p. 24), nesse contexto, a História
é também, “a história dos repetidos adiamentos desse […] fim do mundo.”

É no século XVII, no rol de transformações econômicas, culturais e


sociais que há um deslocamento nessa concepção de história atemporal, para
a possibilidade de um tempo histórico sem limites, ou seja, sem as amarras
do "fim." O desenvolvimento científico, a ideia de "progresso" e a exploração
do Novo Mundo, entre outros aspectos, foram fatores que contribuíram para o
desenvolvimento de outra concepção de historicidade. Essa, entretanto, se efetiva
no século XVIII, com o advento da chamada história natural (em detrimento da
história cristã/escatológica). Assim sendo, essa mudança na concepção do tempo
histórico mudou também os próprios modos de se conceber a História.

Nessa conjuntura, convém sublinhar, a história desempenhou


um papel decisivo: havia necessidade de historiadores ou,
no mínimo, de cronistas, para fazer emergir essa ideia de
uma comunidade formada pela humanidade inteira. Em vez
de ser dada na consciência imediata, ela é a obra de uma

30
Capítulo 1 DASPOSSIBILIDADESDEPESQUISAEMHISTÓRIA:OBJETO,MÉTODOSEFONTES

vontade recapitulativa, cuja primeira forma será o quadro de


concordâncias.

A aparição da era cristã respondeu a um segundo motivo: a


necessidade de fazer coincidir o calendário solar, herdado dos
romanos, com o calendário lunar, oriundo do judaísmo, e que
organizava a vida litúrgica [...] (PROST, 2008, p. 99).

A partir do momento em que temos, portanto, estabelecida a noção de


progressão temporal, o passado tornou-se objeto de estudo, para ser reconstruído
pela narrativa do historiador. Nesse contexto, cabia ao historiador, conforme
destacam Cadiou et al. (2007, p. 160), “[…] avaliar as causas dos acontecimentos,
reconstruir os elos de causalidade de um longo período, dispor do início e o fim de
uma história, adotando, finalmente, um ponto de vista que respeitasse as fontes”.
Assim, compreende-se que a historiografia somente poderia ser possível ao final
de um longo intervalo de tempo, ou seja, do estudo do passado.

Conforme destaca Koselleck (2006, p. 120), “a questão essencial sobre as


estruturas temporais deve possibilitar a formulação de questões especificamente
históricas, as quais, por sua vez, tem como objeto fenômenos históricos […]”.
Temos, portanto, o tempo como uma das ferramentas de trabalho do historiador, a
ser escolhido de acordo com o objeto de pesquisa/estudo, passando a influenciar
o direcionamento que o historiador da às narrativas, ou seja, à escrita da história.

Scarpim e Trevisan (2018, p. 37-38) relembram que as discussões em relação


ao tempo não são de exclusividade da história e do historiador, pois, “a natureza
do tempo representa uma questão sobre a qual se indagam todas as culturas
humanas e, em nossa sociedade, esse questionamento engloba diferentes áreas
do conhecimento, tais como arte, filosofia, psicologia, teologia, antropologia, [...]
ciências exatas e naturais”.

Na História, entretanto, é sempre importante relembrar que na perspectiva


positivista e tradicional, o enfoque das narrativas se mantém mais aos
acontecimentos, feitos, heróis e conquistas, e menos às questões cronológicas.
Aliás, essa perspectiva historiográfica toma a sequência dos fatos como linear,
desconsiderando detalhes e subjetividades, sendo que a medida do tempo não é
essencial ao trabalho do historiador, que deve narrar a história na sequência dos
acontecimentos (história-relato).

O mundo exibido por qualquer obra narrativa é sempre um


mundo temporal. Ou, […] o tempo torna-se tempo humano
na medida em que está articulado de modo narrativo: em
compensação, a narrativa é significativa na medida em que
esboça os traços da experiência temporal (RICOUEUR, 1994,
p. 15).

31
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

A hierarquização das temporalidades, enquanto ferramenta de trabalho do


historiador, está ligada à Escola de Annales, mais especificamente ao trabalho
de Fernand Braudel, no que ele chama de decomposição da história em planos
escalonados. E esse escalonamento se faz necessário, uma vez que

Como a própria vida, a história se nos aparece como um


espetáculo fugidio, movediço, feito do entrelaçamento de
problemas inextrincavelmente misturados e que pode tomar,
alternadamente, cem aspectos diversos e contraditórios.
Como abordar e fragmentar essa vida complexa, para poder
apreendê-la ou ao menos aprender alguma coisa nela?
(BRAUDEL, 1978, p. 22).

Assim, Braudel nos apresenta o desdobramento das temporalidades,


permitindo ao historiador a pesquisa de temas e objetos na perspectiva do
que chamou de "longa duração", permitindo aprofundar os conhecimentos nas
conexões existentes entre tempo histórico e mudança social. O trabalho do
historiador, portanto, se aproxima e dialoga também com as Ciências Sociais.
Sobre isso, Bentivoglio e Lopes (ano, p. 287) afirmam:

[…] Braudel é um estudioso da formação dos espaços sociais,


das relações entre o homem e a natureza, posto que sua visão
da história "exige o estudo de uma série imensa de evidências
históricas no decurso" da longa duração, onde as estruturas
são formadas, mantidas, ou até refeitas (inclusive, por novas
que tomam o lugar das anteriores).

Além do trabalho desenvolvido por Braudel, a ampliação dos objetos e


métodos de estudos históricos desenvolvidos, permitiu novas abordagens e
concepções do tempo histórico. Assim, a história passa a abarcar as diversas
temporalidades. E então se torna possível estudar não só o passado, mas também
a história presente (numa perspectiva de curta e média duração); não apenas as
grandes civilizações, mas também a história regional e local.

As maiores descobertas promovidas pelos Annales, o seu maior legado para


as gerações de historiadores contemporâneos, relacionam-se aos novos modos
de conceber o tempo, de representá-lo, de utilizá-lo como aliado para produzir
inovadoras leituras da história, pensar inusitados objetos e mobilizar novos
tipos de fontes históricas. Com os Annales, o estímulo a criar novos modelos de
relacionamentos entre os historiadores e o tempo elevou-se ao patamar de um
dos mais poderosos itens pragmáticos da escolar (BARROS, 2012, p. 142).

O que devemos ter sempre em mente é que a medida do tempo como hoje
conhecemos nem sempre foi a mesma e as concepções que temos a respeito das
temporalidades são construções, características derivadas da experimentação

32
Capítulo 1 DASPOSSIBILIDADESDEPESQUISAEMHISTÓRIA:OBJETO,MÉTODOSEFONTES

cultural, social, econômica e política. Então os "sentidos" dados ao tempo,


envolvem sempre alguns interesses e são atravessados por influências externas
a nós. Entretanto, ao trabalho do pesquisador, seja ele o historiador ou o docente,
o conceito de tempo é importante, pois, é ferramenta de trabalho.

O historiador vive quotidianamente o tempo, mas mesmo que


ele não mais se interesse, no dizer de Benjamin, pelo tempo
linear “homogêneo” e “vazio”, ele corre o risco de simplesmente
instrumentalizar o tempo. Constitui também tarefa do historiador
tentar pensar sobre o tempo, não sozinho, é óbvio. Diante de
nós, houve vários momentos em que o tempo foi objeto de uma
intensa reflexão, especulações, medos, sonhos [...] (HARTOG,
2003, p. 10).

Devemos, entretanto, estar atentos que o nosso trabalho envolve as


diferentes temporalidades e que as diferentes concepções de História utilizam
distintas concepções de tempo. Desse modo, as análises dos objetos e os
recortes temporais são também diversos, assim como as compreensões de
passado, presente e futuro. Sobre isso, Delgado (2010, p. 9-10) afirma:

[…] O tempo e seus ritmos, o tempo e as representações


coletivas sobre seu processar relacionam-se aos movimentos
históricos e à construção de interpretações sobre esses
processos específicos.
As representações sobre o tempo também são construções
concretas, pois referenciadas na realidade material. Assim,
em conjunturas diferentes da história os homens constroem
análises e representações específicas sobre o acontecido e
sobre o vivido. Pois, apesar dos acontecimentos e processos
históricos serem imutáveis, os historiadores, os sujeitos e as
testemunhas da história constroem análises naturalmente
influenciadas pelo tempo no qual estão inseridos. Não se trata
de relativismo, mas sim de manifestações cognitivas inseridas
na realidade do tempo presente de cada uma dessas pessoas.

Portanto, para que o trabalho do historiador se desenvolva, é necessária a


realização e criação de um ‘recorte temporal’, ou seja, é preciso definir marcos
em relação ao objeto e às questões que serão estudadas / investigadas. Hartog
(2003) se refere a esse recorte a partir dos conceitos de “regime de historicidade”.
Segundo o autor, o regime de historicidade difere das noções de “época”.

Época significa [...] apenas um corte no tempo linear (de


que frequentemente se ganha consciência após o fato e bem
depois ela pode ser usada como um recurso de periodização).
Por regime, quero significar algo mais ativo. Entendidos como
uma expressão da experiência temporal, regimes não marcam
meramente o tempo de forma neutra, mas antes organizam

33
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

o passado como uma sequência de estruturas. Trata-se de


um enquadramento acadêmico da experiência (Erfahrung)
do tempo, que, em contrapartida, conforma nossos modos de
discorrer acerca de e de vivenciar nosso próprio tempo. Abre a
possibilidade de e também circunscreve um espaço para obrar
e pensar. Dota de um ritmo a marca do tempo, e representa,
como se o fosse, uma “ordem” do tempo, à qual pode-se
subscrever ou, ao contrário, e o que ocorre na maioria das
vezes, tentar evadir-se, buscando elaborar alguma alternativa
(HARTOG, 2003, p. 11-12).

Nesse contexto, o recorte temporal marca um início e um término, delimitando,


portanto, do estudo a ser realizado. Esse início e término, entretanto, podem ter
diferentes durações, de modo que se encaixe no estudo da longa duração, média
duração ou curta duração, sem que a análise realizada desconsidere as categorias
de sucessão, transformação, ruptura, mudança, permanência, entre outras.

No âmbito mais amplo da longa duração, o tempo se apresente


estrutural; em seu interior ocorrem mudanças. Estas, todavia,
podem se resolver no interior na estrutura (um período de
determinadas características) por conta de repetições, ciclos,
regularidades. Outros tipos de eventos, ainda, os agitados
acontecimentos não repetíveis dos quais o mundo político
mais superficial nos fornece os melhores exemplos, pouco
mais seriam do que “espumas” formadas nas cristas das
grandes ondas históricas. Com essa possibilidade teórico-
prática de articular diferentes ritmos de mudanças históricas,
os Annales abrem espaço para se pensar o tempo em termos
de um enquadramento de diferentes “durações” – projeto
que assumiria sua forma mais sofisticada com a arquitetura
historiográfica que Fernand Braudel chamaria de “dialética das
durações” [...] (BARROS, 2012, p. 155).

Quando os historiadores escrevem a partir da perspectiva da “curta


duração”, podemos compreender que estão falando do o tempo dos eventos,
dos acontecimentos do cotidiano, que mudam com rapidez, como por exemplo,
acontecimentos da vida política, de um campeonato esportivo etc. Barros
(2006, p. 467) define a curta duração como aquela que “[...] rege a história dos
acontecimentos, formada por perturbações superficiais, espumas de ondas que a
maré da história carrega em suas fortes espáduas”.

A “média duração” está relacionada com as conjunturas, com o tempo que


pode variar desde décadas até meio século. A média duração, portanto, diz
respeito à acontecimentos que não são percebidos de imediato, pois abrangem
ciclos econômicos e transformações sociais. Barros (2006, p. 467) define a média
duração como perspectiva “[...] que rege os destinos coletivos e movimentos

34
Capítulo 1 DASPOSSIBILIDADESDEPESQUISAEMHISTÓRIA:OBJETO,MÉTODOSEFONTES

de conjunto, trazendo à tona uma história das estruturas que abrange desde os
sistemas econômicos até as hegemonias políticas, os estados e sociedades [...]”.

Já os acontecimentos de longa duração remetem às estruturas sociais,


políticas, econômicas e culturais, sendo a análise centrada mais nas permanências
e lentidão do que nas mudanças sociais. O exame da longa duração se desenrola
sobre uma estrutura onde os diversos elementos, sejam eles econômicos, sociais,
políticos, geográficos, climáticos, entre outros se inter-relacionam.

O tempo, enquanto conceito elaborado e compreendido pelos humanos


é sempre um tempo social, sobre o qual Le Goff (1990, p. 7) afirma que “[…]
para domesticar o tempo natural, as diversas sociedades e culturas inventaram
um instrumento fundamental, que é também um dado essencial da história:
o calendário”. Interessa-nos, portanto, o tempo social e histórico, de modo que
possamos relacionar passado, presente e futuro, articulando essas noções e
concepções de tempo, não esquecendo que:

O calendário é o produto e expressão da história: está ligado


às origens míticas e religiosas da humanidade (festas), aos
progressos tecnológicos e científicos (medida do tempo),
à evolução econômica, social e cultural (tempo do trabalho
e tempo de lazer). Ele manifesta o esforço das sociedades
humanas para transformar o tempo cíclico da natureza e dos
mitos, do eterno retomo, num tempo linear escandido por
grupos de anos (LE GOFF, 1990, p. 13).

A matéria fundamental para o historiador é, portanto, o tempo. Não o tempo


fixo, estanque, mas o tempo compreendido na perspectiva do funcionamento da
sociedade. E sempre considerando que a oposição entre passado e presente
não é um dado natural, mas uma elaboração conceitual. E, nesse contexto,
não podemos nos esquecer que “o tempo histórico encontra, num nível muito
sofisticado, o velho tempo da memória, que atravessa a história e a alimenta” (LE
GOFF, 1990, p. 13).

Le Goff (1990), assim como outros historiadores, nos alerta para a relação
que existe entre história e memória. História e memória, entretanto, estão longe
de serem sinônimo. Sobre as diferenças que existem entre elas, Nora (1993, p. 9)
afirma:

A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e,


nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à
dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de
suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e
manipulações, susceptível de longas latências e de repentinas
revitalizações. A história é a reconstrução sempre problemática

35
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

e incompleta do que não existe mais. A memória é um fenômeno


sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a história,
uma representação do passado. Porque é afetiva e mágica,
a memória não se acomoda a detalhes que a confortam; ela
se alimenta de lembranças vagas, telescópicas, globais ou
mutuantes, particulares ou simbólicas, sensível a todas as
transferências, cenas, censura ou projeções. A história, porque
operação intelectual e laicizante, demanda análise e discurso
crítico.

A memória é parte essencial de nossa existência, como bem destaca


Fontoura (2016). Segundo o autor, a memória é aquilo que nos permite lembrar de
nós mesmos, dos nossos familiares e amigos, de nosso papel e lugar no mundo.
É a memória que nos permite a localização no tempo e no espaço, bem como
saber o que estamos fazendo e o que já fizemos. “Acessamos continuamente
nossa memória em busca da necessária construção de sentidos para o presente”
(FONTOURA, 2016, p. 159-160).

Foi Maurice Halbwachs (1877-1945), sociólogo francês, o


primeiro pesquisador a demonstrar que a memória individual
seleciona, registra e interpreta, mas também distorce os dados
testemunhados, com base no contexto social em que as pessoas
estão inseridas.

Embora Halbwachs tenha sido o primeiro a pesquisar aspectos importantes


sobre a memória individual, ele afirma ainda que “nossas lembranças permanecem
coletivas, e elas nos são lembradas pelos outros, mesmo que se trate de
acontecimentos nos quais só nós estivemos envolvidos, e com objetos que só nós
vimos. É porque, em realidade, nunca estamos sós” (HALBWACHS, 1990, p. 23).

Destacamos, ainda, que a memória exerce um papel bastante distinto nas


sociedades orais, em comparação com as sociedades escritas. De acordo com
Fontoura (2016, p. 162), nas sociedades orais:

a memória recupera e reaviva a identidade do grupo (por meio


dos mitos de origem, por exemplo), estabelece uma conexão e
reverência a antepassados, constrói genealogias fundamentais
para a ordem social, além de ser a maneira pela qual as
práticas e as técnicas são armazenas e retransmitidas. É muito
comum nas sociedades orais existirem pessoas responsáveis
por guardar e transmitir a memória do grupo.

36
Capítulo 1 DASPOSSIBILIDADESDEPESQUISAEMHISTÓRIA:OBJETO,MÉTODOSEFONTES

Então, quando a relacionamos com a história, a noção de memória pode ser


ampliada e, ao invés de ser compreendida apenas como memória individual ou
memória coletiva (dos grupos), a memória pode ela mesma ser compreendida
como fonte de pesquisa e, portanto, sob o viés da memória histórica. Afinal, as
vivências sociais de âmbito individual se enraízam no social e no coletivo, e a
história considera a memória como “lugar”.

História que fermenta a partir do estudo dos “lugares” da memória


coletiva. “Lugares topográficos, como os arquivos, as bibliotecas
e os museus; lugares monumentais como os cemitérios ou
as arquiteturas; lugares simbólicos como as comemorações,
as peregrinações, os aniversários ou os emblemas; lugares
funcionais como os manuais, as autobiografias ou as
associações: estes memoriais têm a sua história". Mas
não podemos esquecer os verdadeiros lugares da história,
aqueles onde se deve procurar, não a sua elaboração, não a
produção, mas os criadores e os denominadores da memória
coletiva: “Estados, meios sociais e políticos, comunidades de
experiências históricas ou de gerações, levadas a constituir
os seus arquivos em função dos usos diferentes que fazem da
memória” (LE GOFF, 1990, p. 474).

As memórias e junto a elas os comportamentos e mentalidades trazem,


portanto, ao campo da história, uma significativa contribuição. E essa contribuição
se estende ao campo dos objetos e das fontes históricas, assuntos que veremos
em seguida.

4 OBJETOS E FONTES
Agora que vamos conversar um pouco sobre objetos e fontes, é muito
importante destacar que não podemos saber "tudo" sobre o passado. Mesmo
sobre o passado mais recente há sempre uma infinidade de dados e informações.
Por isso, ser historiador (e professor) é ser também pesquisador. E, para obter
êxito na realização da pesquisa, um dos passos iniciais é identificar e delimitar
o objeto, ou seja, definir “o que” será pesquisado. E, além de o “que”, há outros
aspectos que precisamos considerar, tais como quando, onde, como e por quê.

É possível desenvolver diferentes pesquisas sobre o mesmo tema/objeto.


Entretanto, é preciso ter em mente que a História não tem um só objeto de
estudo que seja somente "seu". Os objetos de estudo da História são, portanto,
compartilhados com as demais ciências sociais e humanas. Até mesmo as fontes
utilizadas não são de uso restrito. Em sendo assim, a História se distingue das
demais ciências pelos seus métodos e normas. Afinal de contas, para que a História
possa manter o seu status como ciência, ela precisa seguir um método, correto?
37
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

O método utilizado pelos pesquisadores é comumente chamado de método


histórico. Esse método se define pelo conjunto de técnicas e procedimentos
que são utilizados usados pelos historiadores para gerenciar as fontes e outras
evidências a partir das quais é realizada a investigação de eventos passados
relevantes para as sociedades humanas. Apesar de seguirem o método histórico,
as pesquisas podem partir de diferentes abordagens e, de acordo com as
diferentes abordagens, admitirão o uso de fontes diferenciadas. Destaca-se que
isso nos mostra que as fontes são compreendidas de modos diferentes, de acordo
com a abordagem seguida pelo pesquisador.

Hobsbawm (1998) nos informa que para disciplina clássica da erudição


histórica, aquela desenvolvida no século XIX por professores alemães, que se
baseava no cientificismo, ou seja, do historicismo, as fontes estão "prontas" e
trazem consigo toda a gama de informações necessárias historiador. Não custa
relembrar que nessa perspectiva os historiadores acreditavam que eram capazes,
conforme diz Marczal (2016), investir firmemente sobre o passado, para extrair
um conhecimento, sobre ele, que fosse “verdadeiro”. Assim, a narrativa, baseada
em vestígios “autênticos” do passado, seria uma descrição fidedigna dos fatos.

As fontes eram, portanto, os vestígios considerados como ‘autênticos’ e,


por seu grau de autenticidade, eram consideradas ‘fontes’ de pesquisa apenas
os documentos escritos e de caráter oficial. E essa mesma concepção, de que
as fontes eram suficientes e continham em si mesmas todas as informações
necessárias, perpassava as vertentes históricas baseadas no positivismo. Assim,
aos historiadores positivistas, cabia encontrar “dar voz às fontes”, de modo que as
fontes revelassem o passado. Tal modo de compreensão da completude das fontes
pode ser percebido também no historicismo que tomou forma nos Estados Unidos.

Gostaríamos de relembrar que são as fontes históricas que dão sentido e


direção ao trabalho do historiador. E é por esse motivo que todo historiador deve
dispensar às fontes uma atenção e cuidados especiais. As “oficiais”, consideradas
como ‘verdadeiras fontes históricas’ pelos metódicos são, na realidade, apenas
um dentre uma imensa gama de documentos que podem ser utilizadas. E ainda
assim, até mesmo as ditas fontes ‘oficiais’ podem e devem ser questionadas pelo
historiador, pois elas também são uma ‘produção humana’, que por algum motivo
foram preservados/arquivados. Desse modo, cabe ao historiador se perguntar
o que está por detrás da produção desses documentos, tidos como ‘oficiais’ e
que chegam até ele. Um dos motivos que nos levam a pensar sobre a questão
é que impressão que temos da História como um ‘quebra-cabeças’, por vezes
incompleto, com inúmeras peças faltantes.

Os historiadores acabam por ter uma visão incompleta do passado, e


essa versão da História que chega até nós. No entanto, podemos concluir que

38
Capítulo 1 DASPOSSIBILIDADESDEPESQUISAEMHISTÓRIA:OBJETO,MÉTODOSEFONTES

essa incompletude não se deve à falta de atenção do historiador, ou pela sua


incapacidade de realizar uma boa e aprofundada pesquisa. É certo de que muitos
vestígios do passado foram perdidos. Muitas vezes isso ocorreu porque não
havia de fato uma preocupação com a preservação desses vestígios, por parte
de diversos agrupamentos humanos, ou por motivos que lhes fugiram ao controle,
como incêndios, tempestades, inundações, guerras etc. Entretanto, também
sabemos que tantas partes desses “quebra-cabeças”, ou seja, desses vestígios
do passado não se perderam por mera ação do acaso, afinal, entre muitos
documentos como ofícios, processos judiciais, registros e balanços fiscais que
foram produzidos no passado, apenas alguns foram arquivados e chegaram até
os historiadores e até nós.

Consideramos importante destaca que muito mais do que repositórios


de papeis velhos, os arquivos, nos quais são armazenados, catalogados e
preservados os ‘documentos’, fazem parte do professo de consolidação dos
Estados Nacionais, portanto, os documentos que se encontram nos muitos
arquivos consultados pelos historiadores não foram parar ali por obra do acaso,
trata-se de um processo intencional e carregado de seus próprios significados.
Assim, Reis (2014, p. 14, grifo nosso) define: “o arquivo está lá, é um depósito,
que reconhece, conserva e classifica a massa documental para consulta. É um
lugar físico, que abriga a documentação, é uma instituição, um “lugar social”,
que permite e interdita discursos”.

Sobre os arquivos e sua condição de manipulação, bem como sobre a


necessidade de ampliação do conceito de fonte histórica, Reis (2014, p. 16) afirma
ainda:

Durante as Guerras Mundiais, Bloch vivenciou o colapso do


espírito crítico e o domínio da propaganda, a manipulação
extremamente perigosa da documentação histórica para a
justificação de ideologias violentas. Ele afirma ter vivido um
retorno da Idade Média na Primeira Guerra Mundial, quando a
censura impediu a menor informação escrita: foi o retorno de
uma comunicação oral, que devolveu o ambiente medieval da
crença, dos rumores, da contrainformação. Por isso, para ele,
o historiador precisa manter-se “crítico”, isto é, o seu espírito
deve organizar a pesquisa formulando problemas e hipóteses
e apoiando-se em fontes primárias e secundárias de todos os
tipos, criteriosa e rigorosamente criticadas. Ele propôs uma
mudança de fontes, para garantir a segurança da informação.
Ele prefere “dar ouvidos” a códigos, costumes, representações
coletivas, normas sociais, involuntária e inconscientemente
registrados e quantitativamente tratáveis.

Os historiadores da perspectiva, no decorrer do século XX se consolidaram


no meio acadêmico europeu e, no diálogo com os historiadores anteriores, e
39
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

acabaram por se deparar com uma variedade de perguntas e áreas que puderam
ser exploradas em suas pesquisas. Assim, as atividades dos historiadores
influenciaram na elaboração de uma “história social”. Nesse âmbito, os
historiadores acabaram por abrir espaço para as expressões populares como
elementos importantes para o processo histórico, ou seja, uma postura que
implica também em reflexões sobre o tempo presente. Isso, sem dúvida, amplia o
rol de fontes a ser utilizada para compreensão da história "vivida" pelos diferentes
grupos e classes sociais, como proposta de investigação.

Essa expansão no conceito de “fonte histórica” está, conforme destaca


Fontoura (2016) relacionada às próprias modificações ocorridas no campo
historiográfico, com as diferentes perspectivas de trabalho adotadas pelos
historiadores a partir do século XX, que, em desacordo com o modelo metódico,
passar a existência e utilização de outras fontes de pesquisa.

Foi a partir desse momento que todos os vestígios humanos


puderam ser tratados como fontes: pinturas, fotografias,
revistas, jornais; objetos de uso cotidiano; habitações;
cartas e diários; textos literários e jurídicos; canções, vídeos,
procissões, rituais. A mudança no conceito de história mudava
também a ideia do que eram as fontes históricas (FONTOURA,
2016, p. 39)

Com o movimento conhecido como Escola dos Annales, o “político” deixou


de ser o centro de interesse da História e passou-se a ter a pretensão de
considerar “todas as atividades humanas” como facetas dessa História. Conforme
destaca Marczal (2016), nessa perspectiva o social e o econômico passaram a
ser preponderantes na produção historiográfica e, ao mesmo tempo, com essa
abertura, a História passa a sofrer uma maior influência das Ciências Sociais.
Assim, uma ampla gama de vestígios passou ser considerada como fonte, ou
seja, como evidências para a pesquisa.

Atualmente, portanto, a pesquisa em Histórica permite a utilização de uma


gama variada de fontes, considerando a oralidade, a iconografia e as fontes
escritas. Assim, para que o historiador possa "pôr a mão na massa," existem
diversas possibilidades, entre as quais, ainda configuram os documentos oficiais,
entre as fontes escritas. Mas, ampliando a variedade delas, podemos utilizar
também cartas, bilhetes, livros, diários, cadernos, entre outros. Além disso,
imagens (fotografias, desenhos, obras de arte), bem como o cinema, música. Isso
sem contar as fontes materiais (vestimentas, objetos, entre outras possibilidades)
e arqueológicas. Até mesmo as construções (arquitetura) nos permitem perceber
vestígios de seu passado, das pessoas que participaram desse processo, da
cultura de uma época.

40
Capítulo 1 DASPOSSIBILIDADESDEPESQUISAEMHISTÓRIA:OBJETO,MÉTODOSEFONTES

A noção de fonte, ou seja, de “documento” foi sendo ampliada a partir do


século XIX, mas foi com a Escola dos Annales que essa noção se ampliou ainda
mais. E isso nos permite, hoje, fazer uma história de praticamente tudo que há em
nosso entorno: é possível escrever a história da música, a história das mulheres,
história da sexualidade, história dos costumes, história da vida privada, história
das instituições escolares, entre muitas outras possibilidades. E todas essas
possibilidades, podem ainda, sobre diferentes abordagens, na medida em que o
historiador opta por desenvolver um estudo temática na curta, média ou longa
duração.

Destaca-se, entretanto, que as fontes nem sempre são de fácil interpretação.


Entretanto, como afirma Ginzburg (2006, p. 16), “o fato de uma fonte não ser
‘objetiva’ (mas nem mesmo um inventario é ‘objetivo’) não significa que seja
inutilizável”. É essencial, portanto, ter clareza do objeto e dos objetivos de
pesquisa, afinal, “o essencial é enxergar que os documentos e os testemunhos
"só falam quando sabemos interrogá-los […]” (BLOCH, 2001, p. 27).

1 Sobre quando a História se constituiu como campo de


conhecimento dotado de um estatuto próprio, a partir do qual foi
possível o surgimento de diversas correntes históricas, assinale a
alternativa CORRETA:

a) ( ) Século XI.
b) ( ) Século XIII.
c) ( ) Século XIV.
d) ( ) Século XIX.

2 Ao longo do capítulo estudamos as diferentes vertentes


históricas, bem como alguns de seus representantes. Sobre as
vertentes historiográficas e seus representantes, associe os itens,
utilizando o código a seguir:

I- Historicismo.
II- Materialismo Histórico.
III- Nova Esquerda.
IV- Annales.

( ) Marc Bloch.
( ) Leopold Von Ranke.
( ) Fernand Braudel.
( ) Karl Marx.

41
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

( ) Jacques Le Goff.
( ) Raymond Williams.
( ) Edward P. Thompson.
( ) Peter Burke.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) IV – I – IV – II – IV – III – III – IV.
b) ( ) IV – II – III – II – IV – II – I – IV.
c) ( ) I – II – III – IV – II – III – I – IV.
d) ( ) I – IV – III – II – IV – IV – I – III.

3 Sobre a perspectiva historiográfica que ficou conhecida como


Historicismo, classifique V para as sentenças verdadeiras e F
para as falsas:

( ) A partir do trabalho desenvolvido por Edward Thompson, no


século XIX, foram estabelecidos os alicerces da história como
um saber científico.
( ) Um dos pontos do historicismo que merece destaque é o rigor
metodológico no tratamento das fontes.
( ) Nas proposições de Ranke, um dos pontos mais relevantes é
a objetividade, no sentido de recusar qualquer pensamento
dualista.
( ) O historicismo se assemelha às perspectivas do materialismo
histórico no que concerne ao saber histórico e ao papel do
historiador.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – V – F.
b) ( ) V – V – F – F.
c) ( ) F – V – V – F.
d) ( ) F – F – V – V.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Nós iniciamos esse capítulo nos indagando o que é a “História”, bem como
quantas vezes paramos para pensar nesse assunto. Ao chegar ao final desse
capítulo, espero que você possa ter percebido que a história está muito além
do que nos é apresentado pela historiografia. A historiografia, nesse contexto,
consegue ser apenas um recorte, um retrato de parte da História, uma narração de

42
Capítulo 1 DASPOSSIBILIDADESDEPESQUISAEMHISTÓRIA:OBJETO,MÉTODOSEFONTES

fato, a partir de perspectivas, objetos, fontes, sem desconsiderar o posicionamento


epistemológico do pesquisador.

E foi por isso que optamos, nesse capítulo, recapitular aspectos relacionados
à origem da Histórica como ciência, passando pelas diferentes teorias, sem
esquecer-se de seus sistematizadores, tampouco do contexto no qual a formulação
de tais teorias foi possível. Desde os tempo mitológicos, com Clio e Mnemosine a
humanidade já manifestava interesse pela preservação da memória de seu povo,
pelo registro do passado, assinalando os feitos que deveriam ser lembrados e
celebrados, porém, foi somente no século XIX que temos a sistematização do
trabalho do pesquisador/historiador, e o reconhecimento da História como uma
Ciência.

Considere importante lembrar que a própria Ciência também precisou de


tempo para ser considerada “sistematizada” e que ela só conquista status de
grande importância com o declínio do pensamento medieval. E considere ainda
importante lembrar que estamos falando de uma perspectiva ocidental de ciência,
história e historiografia. Nesse contexto, falamos mais especificamente de uma
leitura muito eurocêntrica da sociedade, portanto, não neutra e nem isenta de
ideologias vigentes nos locais onde a teoria foi produzida e por onde foi difundida.

Temos, portanto, um fato indiscutível: os modos de compreender o passado


histórico, os objetos selecionados, bem como fontes e métodos utilizados para
tanto, não são iguais e não o foram no decorrer do tempo. A partir do trabalho
desenvolvido por Leopold von Ranke, no século XIX, foram estabelecidos os
alicerces da história como um saber científico. Embora o historicismo alemão tenha
sido considerado "expoente" dessa gênese da História como Ciência, lembremos
que Ranke não trabalhou sozinho. Além dele, os trabalhos desenvolvidos
por outros historiadores, como Humboldt, Niebuhr, Droysen, Gervinus, foram
importantíssimos.

No que diz respeito a essa primeira vertente, o foco dos estudos e pesquisas
estava nas questões políticas mais abrangentes e relevantes, que permitiam,
a partir do rigor metodológico e das fontes adequadas (documentos oficiais
escritos), estabelecer parâmetros para a escrita “oficial” e “imparcial” da História.

Nos Estados Unidos, a perspectiva cientificista da história também estava


se fortalecendo e, de certo modo, assemelhando-se aos preceitos teóricos
e práticos do historicismo alemão e do positivismo francês. Nessa perspectiva
(norte-americana), cabia ao historiador trabalhar com as fontes de modo que as
evidências dos fatos pudessem ser agrupadas a ponto de ‘revelar’ generalizações,
ou seja, ‘leis universais’ da história. Em torno da American HistoricalAssociation
(AHA), a historiografia norte-americana foi se fortalecendo. Leopold Von Ranke foi

43
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

um dos membros honorários da AHA, instituição esta que incentivava o trabalho


dos historiadores, buscando aproximação com o Governo para angariar fundos
para os trabalhos desenvolvimentos, bem como expandir seu campo de atuação.

A história também se aproximou do Marxismo, no contexto alemão, permitindo


a gênese do Materialismo Histórico e, posteriormente, do neomarxismo. Essa
vertente encontra bases na obra de Marx e Engels, partindo, portanto, de uma
análise da sociedade a partir de suas características materiais e econômicas.
Desse modo, o Materialismo se afasta das vertentes mais ‘tradicionais’ da história,
que tinha os acontecimentos políticos como foco de investigação. Por conta
do viés econômico da abordagem materialista, são considerados elementos-
chave dessa teoria conceitos como modos de produção, capital, luta de classes,
estrutura, mais valia, entre outros.

Os modos de compreender e de fazer/registrar a História são mais uma


vez renovados com a Escola de Annales, perspectiva a partir da qual também
é permitido à História "conversar" com outras áreas conhecimento. Foram as
gerações de historiadores que fazem parte dos Annales que abriram novos
caminhos e possibilidades para a historiografia, no sentido de permitir o estudo da
história não só a partir de uma perspectiva considerada ‘oficial’, mas considerando
que tudo o que ocorre, ocorreu e ainda ocorrerá faz parte do que convencionamos
chamar de História. Assim, com novas compreensões a respeito da memória e do
tempo, são muitos os objetos que passam a fazer parte do ofício de historiador,
bem como há a ampliação no rol de fontes que passam a ser utilizadas.

Assim, pudemos ter uma compreensão, mesmo que rápida, do contexto


geral de como a História se constituiu como ciência, bem como do trabalho
desenvolvido desde então pelos seus expoentes, nas diferentes perspectivas
historiográficas assumidas por eles e que, depois de difundidas, servem ainda
hoje de base epistemológica para o nosso trabalho, seja, como pesquisadores,
seja como docentes. E, finalizando esse capítulo, retomo o seu início: se a palavra
“história” nos remete a pensar em descrição, relato, narração, como podemos
aproximar a “história” do fazer docente e da sala de aula? Esse é justamente
o assunto que será abordado no próximo capítulo: a pesquisa e a produção de
conhecimento em sala de aula.

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47
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

48
C APÍTULO 2
A PESQUISA E A PRODUÇÃO DE
CONHECIMENTO EM SALA DE AULA

A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Refletir sobre a importância da pesquisa, na disciplina de história para a


construção do saber em sala de aula.

 Avaliar a importância da utilização da pesquisa em sala de aula como


ferramenta para a construção da autonomia e do pensamento crítico
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

50
Capítulo 2 APESQUISAEAPRODUÇÃODECONHECIMENTOEMSALADEAULA

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
Como profissionais e estudantes que discutem e refletem sobre a História,
não poderíamos deixar de abordar, no presente material de estudo, aspectos
importantes relacionados ao ensino dessa disciplina. E é sobre esse assunto
que nos debruçaremos ao longo do presente capítulo. Assim sendo, o foco inicial
de nosso diálogo é sobre as dinâmicas da historiografia e da História enquanto
disciplina, bem como suas implicações no processo de ensinar e aprender
História.

Desse modo, no primeiro tópico de estudos conversaremos um pouco


sobre os motivos de ensinar, bem como sobre o público-alvo do processo de
ensinar história, lembrando que esses processos estão imbricados nas diferentes
abordagens historiográficas. Que estejamos desde já cientes de que os modos de
ensinar e aprender história estão implicados pelos modos de compreender, fazer
e escrever dos historiadores.

O segundo tópico do capítulo está intitulado “procurando pistas, elaborando


conexões”, no qual serão abordadas questões relacionadas aos “recursos” que
estão a nossa disposição para o ensino de História. Não deixaremos, portanto, de
abordar ao longo do tópico os objetos e fontes históricas, assuntos que discutimos
no capítulo anterior, agora, porém, o faremos em aproximação com o contexto da
sala de aula.

Acreditando que a pesquisa pode contribuir para a elaboração do


pensamento crítico e autonomia dos estudantes, defendemos tal metodologia
como um caminho para a construção coletiva do saber histórico em sala de
aula, assunto ao qual dedicamos o terceiro tópico desse capítulo. Nesse tópico
pretendemos refletir sobre a pesquisa como proposta metodológica para o ensino
de História, bem como sobre a importância de tal metodologia para a construção
de conhecimentos e de sentidos no processo de ensinar e aprender.

2 PORQUE E PARA QUEM ENSINAR


HISTÓRIA
Ao pensar sobre as possibilidades de ministrar uma aula, ou seja, de ensinar
história, podemos ter em mente de que o professor acaba por estabelecer um
diálogo entre o passado e o presente. No entanto, esse diálogo nem sempre é
travado é forma fácil ou tranquila, pois nele estão implicadas algumas noções/
questões, por exemplo, quais as representações de passado que permeiam

51
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

a aula. Além disso, podemos nos perguntar qual a noção de verdade emprega
no discurso/texto utilizados, qual o posicionamento epistemológico adotado,
bem como quais as implicações do passado no tempo presente. Concordamos,
portanto, com Avelar (2012, p. 14) que afirma que:

O ensino de História […] está na dependência direta de dois


elementos centrais: a maneira pela qual o processo de ensino-
aprendizagem é visto e a concepção de história que norteia o
professor, lembrando que relacionar-se com o que já foi vivido
é parte constitutiva da trajetória de cada indivíduo.

Desse modo, o passado que conhecemos e, por consequência, o passado


que é ensinado, está condicionado às nossas interpretações, posicionamentos e
compreensões. Não há, portanto, um ensino que seja “neutro,” isento de pontos e
proposições ideológicas e epistemológicas. Não há formação ou prática docente
que não seja um constructo. Portanto, não há formação ou prática docente que
não estejam implicadas pelas concepções do seu próprio tempo histórico, pelos
discursos de verdade, bem como pelas teorias e metodologias aceitas como
adequadas. Sobre as características do processo educativo, Durkheim (1995, p.
4) assevera:

Como todas as grandes funções sociais, o ensino possui um


espírito, expresso nos programas, nas matérias ensinadas, nos
métodos e um corpo, uma estrutura material que expressa, em
parte, o espírito, mas também age sobre ele, que lhe imprime,
às vezes, sua marca e impõe temporariamente seus limites.
Das escolas episcopais às universidades medievais, dessas
aos colégios jesuítas para chegar aos nossos liceus é claro
que foram muitas transformações. É que, em cada época, os
órgãos de ensino estão em relação com as demais instituições
do corpo social, com os costumes e crenças, com as grandes
correntes de ideias.

Cabe lembrar que para o autor em questão, a educação consiste num


continuum de esforço para impor às novas gerações as "maneiras de ver, sentir e
agir” maneiras estas em vigor e pelas quais não chegariam de forma espontânea.
Isso porque “educação tem justamente por objeto formar o ser social; pode-se,
assim, perceber, resumidamente, de que maneira esse ser social constituiu-se na
história” (DURKHEIM, 2007, p. 19).

Quando Durkheim (2007) relaciona o ensino ao ato de impor às novas


gerações os modos de ver, sentir e agir em vigor, no sentido de formação do
‘ser social’, podemos refletir sobre a sua compreensão de ensino, bem como de
História. Considerando que o autor desenvolveu seus conceitos e teorias no início
do século XX, sua concepção de educação é influenciada pelos preceitos da

52
Capítulo 2 APESQUISAEAPRODUÇÃODECONHECIMENTOEMSALADEAULA

época. Assim, quando Durkheim (1995; 2007) define a educação como influência
das gerações adultas sobre os mais jovens para prepará-las para a vida social, o
autor fala de uma perspectiva tradicional de ensino.

Quando pensamos na perspectiva tradicional de ensino, devemos ter em


mente algumas características, sendo que a organização do espaço da sala de aula
é uma delas. Nessa metodologia de ensino, os alunos permanecem enfileirados,
de modo individual, todos olhando para a mesma direção: o quadro. O professor
fica posicionado sempre à frente da turma, sendo que a aula é centrada na figura
do professor. Ao professor cabe a tarefa da transmissão dos conteúdos escolares
(conhecimento) e, para tanto, dá-se preferência para as aulas expositivas, com
ênfase nos exercícios e na memorização, com a participação ativa dos alunos
sendo pouco desejada.

Conforme destaca Bittencourt (2008), na perspectiva tradicional de ensino,


os alunos recebem de maneira passiva toda uma carga de informações presentes
na grade curricular, nos livros didáticos e nos programas de ensino. Essas
informações passam a ser repetidas mecanicamente. Os estudantes tornam-se
sujeitos passivos no processo ensino-aprendizagem e a ênfase acaba por estar
na memorização e reprodução do conteúdo, que é previamente fornecido pelo
professor.

Precisamos estar atentos para diferenciar, para não confundir a metodologia


tradicional de ensino, com a perspectiva historiográfica tradicional. Entretanto é
possível uma estabelecer relação entre ambas, de modo a refletir sobre o ensino
de História.

A História tradicional ou positivista privilegiava como fontes os


documentos escritos, oficiais e não oficiais (leis, livros) e também
os sítios arqueológicos, as edificações e os objetos de coleções e
museus, como moedas e selos. Os sujeitos da História tradicional
eram as grandes personalidades políticas, religiosas e militares:
reis, líderes religiosos, generais, grandes proprietários. Eram atores
individuais, heróis que geralmente apareciam como construtores
da História. Assim, a História tradicional estudava os grandes
acontecimentos diplomáticos, políticos e religiosos do passado.
Privilegiava o estudo dos fatos passados que eram apresentados
numa sequência de tempo linear, cronológica e progressiva
(GUIMARÃES, 2015, p. 43-45).

53
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

Então, relacionando a historiografia tradicional e a perspectiva tradicional de


ensino, podemos dizer, com base em Vasconcelos (2011), que estudar História
é compreender o processo de formação do Estado, desde que através de
documentos oficiais e sempre com ênfase no ocorrido na esfera pública, ou seja,
nos “grandes feitos dos grandes homens.” Por isso, são enfatizados, em sala de
aula, os reis, presidentes, generais, bem como os grandes líderes revolucionários,
as realizações dos grandes cientistas ou autoridades religiosas.

A partir de tais perspectivas, tendo a memorização e a reprodução do


conteúdo como objetivos principais, “aprender história significava saber de cor
nomes e fatos com suas datas repetindo exatamente o que estava escrito no
livro ou copiado nos cadernos” (BITTENCOURT, 2008, p. 67). Destacamos que
tal método de ensino era aplicado usualmente em todas as disciplinas escolares
e não apenas na disciplina de História. E as críticas a esse método de ensinar
acabaram por levar os pesquisadores e educadores a (re) pensar metodologias e
renovar os aspectos relacionados às práticas pedagógicas.

Ao longo da História do Brasil tivemos diversos movimentos nesse sentido


como, por exemplo, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, na década de
1930, bem como diversas reformas educacionais. Foi, entretanto, nas décadas
de 1970 e 1980 que as inovações nas técnicas e metodologias de ensino se
aproximaram do fazer docente, conforme lembra Bittencourt (2008). Nessa época
pudemos assistir à ampliação e difusão de tecnologias e de recursos audiovisuais
para a área de ciências humanas, instalação de laboratórios (química, matemática,
física e ciências), bem como a difusão de discursos sobre os “métodos inovadores
de ensino,” que acabaram por implicar nos modos de ensinar, mas também na
elaboração dos livros didáticos e no entendimento do que seriam os “recursos
pedagógicos” viáveis para o ensino de História.

Nos meios mais inquietos dos anos 60 e 70 acreditava-se


que convicções políticas bastavam para fornecer todas as
respostas e nortear as práticas de ensino. Não havia porque
perder tempo com investigações cansativas e análise de
situações concretas, pois, em qualquer período da História, em
qualquer latitude do planeta, era possível identificar os bons e
os mais, quem era “nosso” e quem era “deles”. Crítica e política
stricto sensu valiam mais que o estudo. Hoje tais posturas
estão superadas e temos consciência de que pagamos todos
muito caro pela nossa leviandade: o conteúdo da disciplina foi
deixado de lado, erudição foi considerada coisa de esnobes e a
leitura da História foi duramente prejudicada por tal simplismo.
Hoje se sabe que estudar História, interpretá-la, ensiná-la não
é tão fácil como parecia [...] (PINSKY; PINSKY, 2009, p. 18).

A década de 1980 acabou sendo palco de muitos debates e reflexões sobre a


educação de modo geral, mas também em relação ao ensino de história, em torno

54
Capítulo 2 APESQUISAEAPRODUÇÃODECONHECIMENTOEMSALADEAULA

da necessidade de promoção de mudanças no ensino da disciplina. Assim sendo,


ao longo dessa década e depois, novos programas e propostas de ensino foram
elaborados, considerando tanto aspectos político-ideológicos quanto curriculares
e metodológicos, evidenciando conceitos como cultura histórica, consciência
histórica e educação histórica.

E já que estamos falando dos modos de ensinar no Brasil,


não custa relembrar alguns detalhes interessantes dessa trajetória.
Afinal, você sabia que nem sempre a disciplina de História fez parte
dos currículos escolares?

Schimidt e Cainelli (2004) nos auxiliam a compreender um pouco melhor essa


trajetória, destacando que, no Brasil, a criação da História enquanto disciplina
escolar remonta ao século XIX, quando foi implementada no Colégio Dom Pedro
II, no Rio de Janeiro. Nessa época, o foco estava no ensino de História da Europa
Ocidental, que era apresentada como a verdadeira “História.” Ainda após a
Proclamação da República, a história da Europa permanecia sendo a principal
referência, sendo que a História do Brasil, nesse momento, surgia em segundo
plano, com um pequeno número de aulas sobre a história da pátria.

O decreto nº 19.890, de 18 de abril de 1931 (BRASIL, 1931), que dispunha


sobre a organização do ensino secundário, sequer não fazia menção à História
do Brasil. Como componentes curriculares do curso secundário tínhamos a
obrigatoriedade do ensino de História da civilização e História natural. Para o
curso complementar, havia também a disciplina de História da Filosofia. Nesse
contexto, e conforme o referido decreto, apenas “rudimentos” de História do Brasil
eram requeridos nos exames de admissão ao curso secundário.

A partir de 1937, com a implementação do programa de nacionalização das


escolas mantidas por imigrantes e em consonância com o projeto de formação
do Estado-Nação, durante o Estado Novo de Getúlio Vargas, a história nacional
passou a ser evidenciada nos currículos escolares, seja por intermédio de ações
cívicas (como, por exemplo, hastear a bandeira, cantar o hino, marchar/desfilar
em feriados pátrios). Aliás, em relação a este ponto podemos ousar dizer que
um dos objetivos do Estado Novo foi a utilização das instituições escolares como
aparelho ideológico do Estado. Neste contexto, como bem lembra Horta (2012),
as concepções educacionais em voga no período foram implementadas a partir
de pressupostos autoritários e pretendiam educar o cidadão para servir a pátria.

55
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

Recomendamos a leitura de “O hino, o sermão e a ordem do


dia: regime autoritário e a educação no Brasil (1930-1945)”, escrito
por José Silvério Baía Horta. O livro está estruturado em quatro
capítulos norteadores: “Os militares e a educação”; “A igreja e a
educação”; “A educação a serviço do Estado Novo: 1937-1945”; “A
juventude brasileira: da mobilização ao civismo”. O livro de Horta
proporciona uma contribuição historiográfica indispensável para
todos os pesquisadores e educadores.

Schimidt e Cainelli (2004, p. 11) relembram que até o ano de 1961, “os
principais conteúdos de história do Brasil tinham como objetivo a constituição
e a formação da nacionalidade, com seus heróis e marcos históricos […],” em
consonância com os preceitos da historiografia tradicional, conforme mencionamos
anteriormente. Já a legislação e as políticas públicas na década de 1970 acabaram
por oficializar a disciplina de Estudos Sociais nas escolas brasileiras. Com isso, a
disciplina aglutinou os conteúdos de História e Geografia, reduzindo, portanto, as
especificidades de cada uma dessas áreas de conhecimento. A História, enquanto
disciplina escolar, passou a ser ministrada apenas no segundo grau (atual Ensino
Médio), enquanto que ao primeiro grau (atual Ensino Fundamental), cabia apenas
o ensino dos “Estudos Sociais.”.

E, conforme já vínhamos conversando, foi somente na década de 1980 que


a História ensinada nas escolas (entre outras disciplinas) passou a ser objeto de
discussão, reflexão e transformação. Neste contexto, efetivamente, a partir dos
anos de 1990, conforme Schimidt e Cainelli (2004, p. 13), que se

[…] trouxeram, nas entrelinhas, a crise de História e a


possibilidade de novos paradigmas teóricos. Mudanças
foram propostas para os currículos de história, numa
tentativa de incorporação ‘das produções historiográficas
que respondessem com maior adequação aos temas mais
significativos da sociedade contemporânea.

Assim, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL,


1996) e dos decretos e políticas públicas posteriores, embora não tenhamos
uma abstenção do método tradicional de ensino, temos, mesclado a ele, novas
perspectivas, que permitem ao aluno ser protagonista no processo de aprendizagem.
Afinal, para que não corramos o risco de que as aulas de história se tornem apenas
um conjunto de nomes, acontecimentos e datas a memorizar, é preciso encontrar
estratégias para que os conteúdos se tornem significativos para os estudantes.

56
Capítulo 2 APESQUISAEAPRODUÇÃODECONHECIMENTOEMSALADEAULA

A lei 9394/96, que estabelece as Diretrizes e Bases da


Educação Nacional, em seu artigo 22 aponta o caminho a
perseguir na educação básica [...]. Assim, as diretrizes, os
princípios pedagógicos, os valores a serem transmitidos,
as competências e capacidades visualizadas, a seleção dos
conteúdos das diversas áreas do conhecimento, os conceitos
fundamentais, as estratégias de trabalho e as propostas de
intervenção do professor estão todas pautadas por esse
princípio maior que vincula a educação à prática social do aluno,
ao mundo do trabalho, à formação para a cidadania. A tônica
incide sobre o desenvolvimento da capacidade de aprender e
de adquiri conhecimentos e habilidades, e sobre a formação
de valores. Portanto, os objetivos da escola básica, segundo
essa lei, não se restringem à assimilação maior ou menor
de conteúdos prefixados, mas se comprometem a articular
conhecimento, competências e valores, com a finalidade de
capacitar os alunos a utilizarem-se das informações para a
transformação de sua própria personalidade, assim como
parar atuar de maneira efetiva na transformação da sociedade
(BEZERRA, 2009, p. 37).

Ainda, sobre as modificações propostas e desafios que se impõe a partir das


novas perspectivas educacionais, Nadai (2009, p. 34) assevera:

De uns anos para cá, entretanto, outras respostas têm sido


buscadas para esse grande desafio. Ainda não nos movemos,
nesse terreno, com segurança e firmeza. Avançamos pouco,
retrocedemos depois, temos ainda muita insegurança na
organização de currículos e programas que possam ser
direcionados para captar a historicidade do momento e
estabelecer diálogos entre o saber escolar tradicional – a
História institucional – e os saberes dessa população que
adentrou a escola.

Com a abertura para as novas metodologias de ensino, não apenas a


questão da memorização dos conteúdos foi duramente criticada, mas também
foram criticados os ideais de superioridade da civilização europeia e houve
uma reconfiguração na noção de ‘verdade histórica’. Segundo Jenkins (2001),
o passado é algo que já aconteceu; já passou. Por mais que o trabalho dos
historiadores seja trazer de volta o passado, eles o fazem na utilização das
mais diferentes fontes. Ou seja, o historiador não acessa o passado ‘em si’,
mas os vestígios deixados por esse passado e quando os acessam e escrevem/
teorizam sobre ele, os historiadores estão condicionados pelo seu próprio tempo
histórico. Em sendo assim, não importa “[…] o quanto a história seja autenticada,
amplamente aceita e verificável, ela está fadada a ser um constructo social, uma
manifestação da perspectiva do historiador como ‘narrador’” (JENKINS, 2001, p.
32).

57
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

Além disso, em consonância com as próprias perspectivas historiográficas,


também nas aulas de História começou a se pensar na relação da História
com as demais áreas do conhecimento e a se reconfigurar a compreensão de
“verdade” histórica, buscando ampliar a noção não só de documentos e recursos
pedagógicos, mas também a de sujeitos históricos, entre outros detalhes não
menos importantes. E isso tudo porque:

As pessoas fazem história o tempo todo e em todos os


lugares. Concebemos a História conto o estudo da experiência
humana nos diversos tempos. A História busca compreender
as inúmeras maneiras como homens e mulheres viveram
e pensaram suas vidas e a de suas sociedades no decorrer
do tempo […]. Ela permite que as experiências sociais sejam
vistas como um constante processo de transformação - um
processo que assume formas muito diferenciadas e que é
produto das ações dos próprios homens. O estudo da História
é fundamental para perceber o movimento e a diversidade,
possibilitando comparações entre grupos e sociedades nos
diversos tempos e espaços. A História nos ensina a ter respeito
pela diferença, contribuindo para o entendimento do mundo
em que vivemos e também do mundo em que gostaríamos de
viver. […] (GUIMARÃES, 2005, p. 41)

A partir das novas abordagens metodológicas para o ensino de História,


os objetivos não visavam apenas a memorização dos conteúdos, mas levavam
em consideração também a realidade histórica na qual vivem os estudantes.
Os conceitos e conteúdos devem possibilitar aos estudantes uma análise e
compressão da História como processo constituinte do presente, da realidade na
qual vivemos atualmente. Então, no que concerne o ensino de História, há muito
em jogo, e, sobre isso, Nadai (2009, p. 34) afirma:

[...] o grande desafio, seja da historiografia, seja do ensino


[...], é o fato de se identificar outros agentes sociais, que não
os privilegiados socialmente, como atores principais da sua
própria história e, em decorrência, do devir histórico: as classes
dominadas, os setores trabalhadores e os despossuídos da
sociedade brasileira.

Ensinar História nunca foi tarefa fácil, entretanto, já sabemos que a mera
repetição de conteúdos e a memorização apenas dificultam a compreensão dos
conteúdos e a sua relação com o presente e a realidade vivida. A discussão dos
conteúdos, atrelada ao domínio dos conceitos, atribui sentido ao passado. Assim
sendo, como dizem Ferreira e Franco (2013, p. 128),

O ensino escolar ganha na medida em que se pode utilizar


da diversidade de interpretações como forma de expor a

58
Capítulo 2 APESQUISAEAPRODUÇÃODECONHECIMENTOEMSALADEAULA

multiplicidade de enfoques, própria do conhecimento. Nesse


sentido, compreender as lógicas de elaboração da escrita da
história pode contribuir para a autonomia da História ensinada,
tendo por base a sua diversidade. […]

Sobre esse mesmo assunto, Nicolazzi Júnior (2018, p. 30) destaca que

Tanto a narrativa histórica como as fontes históricas […] refletem


escolhas, opções e perspectivas, denotando posicionamentos
ímpares e uma carga de subjetivismo que é própria a todos
os historiadores, professores e estudantes de História. Isso
significa que existem experiências históricas distintas, o que
reforça os processos de individualização e de socialização dos
indivíduos. As múltiplas formas de escrever a história, isto é,
os diversos modelos narrativos empregados para transmitir
ideias historicamente construídas, evidenciam o amplo leque
de possíveis interpretações do passado.

O ensino de História, portanto, pressupõe dinamismo, uma vez que não se


pretende mais alcançar e memorizar as “verdades” imutáveis sobre o passado,
mas sim, compreender que História está relacionada com constructos e que
esses constructos são provisórios e superáveis. É muito importante, tanto para o
professor, quanto para os estudantes, compreender que a História não reproduz o
passado, mas sim que permite ler e reler os vestígios e interpretar esse passado.
Há que se destacar, entretanto, que o Historiador (bem como o professor de
História) tem um “compromisso” com o passado:

Compromisso com o passado não significa estudar o passado


pelo passado, sem pensar no que a humanidade pode ser
beneficiada com isso. Compromisso com o passado é pesquisar
com seriedade, basear-se nos fatos históricos, não distorcer o
acontecido, como se fosse uma massa amorfa à disposição da
fantasia de seu manipulador. Sem o respeito ao acontecido, a
História vira ficção. Interpretar não pode ser confundido com
inventar. (PINSKY; PNSKY, 2009, p. 24)

Entretanto, a História pode contribuir, como destacam Ferreira e Franco


(2013), para diversas discussões que nos ajudam a ler o mundo e refletir sobre
ele a partir de noções como tempo, permanências e contextos.

Além disso, com destacam Pinsky e Pinsky (2009, p. 23), “o passado deve
ser interrogado a partir de tensões que nos inquietam no presente (caso contrário,
estudá-lo fica sem sentido). Portanto, as aluas de História serão muito melhores se
conseguirem estabelecer um duplo compromisso: com o passado e o presente”.
E é por isso que defendemos a utilização de diferentes fontes e linguagens como
diferenciais no processo de ensinar e aprender História.

59
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

1 Sobre as características da perspectiva tradicional de ensino,


analise as sentenças a seguir:

I- Os alunos recebem de maneira passiva os conhecimentos, que


são transmitidos pelo professor e pelo livro didático.
II- Nesse modelo educacional os alunos permanecem sentados e
enfileirados, de modo individual, todos olhando o quadro.
III- O ensino visa, para além da memorização de conteúdo, considerar
também a realidade histórica na qual vivem os estudantes.
IV- Para dizer que se aprendeu história é preciso saber de cor nomes,
fatos e datas, de acordo com o constava no livro didático.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
c) ( ) As sentenças III e IV estão corretas.
d) ( ) As sentenças I, II e IV estão corretas.

3 PROCURANDO PISTAS,
ELABORANDO CONEXÕES
Conforme já mencionado, atualmente os conceitos de cultura histórica,
consciência histórica e educação histórica têm sido evidenciados quando
pensamos as metodologias do ensino de história. Dessa forma, como aqui nos
propomos a “procurar pistas e elaborar conexões,” sempre considerando a História
e seu ensino, iniciaremos nossa conversa justamente por esses conceitos. Em
seguida, falaremos sobre os recursos que podem ser utilizados em sala de aula.

Iniciamos falando do conceito de “cultura histórica”. Cerri (2011, p. 49) define


o conceito de “cultura histórica”’ como “um conjunto de fenômenos histórico-
culturais representativos do modo como uma sociedade ou determinados grupos
lidam com a temporalidade (presente-passado-futuro) ou promovem usos do
passado”. Assim, podemos dizer que o conceito de cultura histórica diz respeito
aos processos de produção, de transmissão e de compreensão dos processos
históricos.

Não podemos nos esquecer de que o que ocorre nas aulas de História é
apenas uma pequena parte de um todo, que engloba diversas elaborações sobre

60
Capítulo 2 APESQUISAEAPRODUÇÃODECONHECIMENTOEMSALADEAULA

a história, sem aporte científico/acadêmico. Vemos a importância de trazer para


as aulas o conceito de cultura histórica na medida em que, a partir dele, podemos
contribuir no processo formação “cidadã” das crianças e jovens, estudantes da
educação básica, pois a sala de aula não pode se limitar à reprodução; a sala de
aula precisa ser compreendida como um espaço de produção de conhecimentos.

Um dos objetivos da utilização do conceito de cultura histórica está no fato


deste possibilitar a investigação das maneiras pelas quais certas sociedades
relacionam-se com o passado, particularmente no que concerne ao conceito de
história e sua relação com a memória. Um dos representes dessa vertente, no
campo da historiografia, é Jacques Le Goff. Os trabalhos do autor nos permitem
perceber o conhecimento histórico a partir de sua inserção em um todo, num
contexto e numa temporalidade, considerando o que foi produzido pelos diversos
grupos sociais e sujeitos históricos que fazem parte de determinada sociedade.
Conforme menciona Cerri (2011), pensar historicamente pode nos auxiliar a
pensar também a vida cotidiana.

Pensar historicamente é nunca aceitar as informações, ideias,


dados etc. sem levar em consideração o contexto em que
foram produzidos: seu tempo, suas particularidades culturais,
suas vinculações com posicionamentos políticos e classes
sociais, as possibilidades e limitações do conhecimento que se
tinha quando se produziu o que é posto para análise. É nunca
deixar de lado que todo produto de uma ação tem um ou mais
sujeitos em sua origem, e é decisivo saber quem são esses
sujeitos […] (CERRI, 2011, p. 59).

Ao pensar no conceito de consciência histórica não podemos deixar de


comparar, como afirma Lima (2014) a consciência à histórica à consciência
política, afirmando que a realidade e o conhecimento dessa realidade são
aspectos inseparáveis. Isso significa que é necessário tomar consciência do que
somos e do que fomos, no sentido de romper com a perspectiva da alienação.

Pensar desse modo é também resgatar o tempo próprio das coisas sobre
as quais se está pensando. Isso significa pensar de forma contextualizada,
considerando os elementos econômicos, sociais, culturais e políticos que
implicam o fazer dos sujeitos em sociedade, sem acreditar que esse tempo
seja um tempo mágico ou místico, no qual as coisas acontecem “porque tem
que acontecer”. Pensar historicamente e a partir da perspectiva de consciência
histórica é perceber que as transformações sociais são uma consequência das
ações de todos, inclusive as nossas, enquanto sujeitos da história. Desse modo,
podemos afirmar que a consciência histórica está atrelada à noção de consciência
que temos de nós mesmos, seres humanos, individual e coletivamente. Sobre
isso, nos diz Cerri (2011, p. 41)

61
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

Nas relações humanas, a consciência histórica ocupa um


lugar específico, e este pode ser percebido indiretamente
pelos resultados da identidade coletiva, pois dela deriva uma
série de outros acontecimentos no campo do pensamento.
Em outras palavras, tudo o que permite que digamos
nós e eles compõe a identidade coletiva e social, e essa
identidade é composta da consciência de diversos elementos:
familiaridades e estranhamentos, ideias, objetos e valores que
um grupo acredita fazerem parte de seus atributos exclusivos
e excludentes. O primeiro de todos esses elementos é o nome
da coletividade, por isso, um dos primeiros atos na conquista
de um pouco é dar-lhe um nome que não seja aquele pelo qual
os indivíduos se conhecem […]

E relacionando esses conceitos de consciência histórica e cultura histórica


o que se busca, no que concerne ao ensino de história é a promoção do senso
de cidadania, de inclusão e respeito. Nesse sentido, o conceito de educação
histórica começou a ser evidenciado a partir da década de 1980, promovendo,
conforme Lima (2014), algumas reflexões teórico-metodológicas no campo de
pesquisa sobre o ensino de história. Assim, o que se pretende é pensar sobre as
possibilidades de ensino que tenham como fundamento uma pedagogia ancorada
no pensamento histórico. Ainda de acordo com Lima (2014), a constituição do
conceito de educação histórica está relacionado com a incorporação de diversas
reflexões promovidas por historiadores da educação, tal como André Chervel, Ivor
Frederick Goodson, Dominique Julia, bem como por educadores como Michael
Apple e Jean-Claude Forquin, entre outros.

Nesse contexto, conceitos como mudança, significado, evidência e narrativa


tem sido salientados tanto em pesquisas no campo da história, como no campo
dos discursos e que circulam no campo da educação. No entanto, o mais
importante é que todas essas pesquisas e reflexões nos permitem saber que
as crianças e jovens já têm um conjunto de conhecimentos elaborados sobre a
história quando chegam à escola. Seja pelo convívio com o grupo familiar ou de
amizades, pelas mídias (especialmente a televisão e a internet) e pelas redes
sociais, os estudantes têm a possibilidade de elaborar todo um conjunto de
ideias sobre determinados assuntos. Embora na maioria das vezes, essas ideias
se manifestam de forma fragmentada e desorganizada, ancoradas no nível do
senso comum. É aí que o professor pode intervir, no sentido de mediar tais ideias,
contribuindo na elaboração de conhecimentos mais elaborados.

Destacamos, entretanto, que não há um único método para se fazer isso.


Ensinar é mais que seguir receitas. Por isso, os métodos e metodologias devem
ser entendidos como caminhos que o professor pode seguir. E a escolha esses
caminhos também depende dos objetivos educacionais preestabelecidos. E,
por fim, estão relacionados também aos conteúdos a ensinar e os recursos

62
Capítulo 2 APESQUISAEAPRODUÇÃODECONHECIMENTOEMSALADEAULA

disponíveis para tanto. Mas também é importante lembrar que para além das
perspectivas tradicionais da História, o professor, ao ensinar, precisa estar ciente
que não há uma reposta única e definitiva, afinal, os estudantes podem encontrar
explicações diferentes ao longo do tempo, bem como elaborar explicações
diversas para um mesmo acontecimento do passado. O importante, entretanto, é
que esses estudantes o façam a partir de argumentos e não de opiniões advindas
do senso comum. A promoção da educação histórica, portanto, só poderá ocorrer
se os professores conseguirem estar conscientes das problemáticas e desafios
e das exigências atuais da “sociedade do conhecimento e da informação” para a
educação.

1 Sobre os conceitos de consciência histórica e cultura histórica,


classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) A utilização de tais conceitos nas aulas de História visa a


promoção do senso de cidadania, de inclusão e respeito.
( ) Tais conceitos ignoram o que e o que fomos, de modo que seu
uso contribui com a manutenção da alienação e do status quo.
( ) A partir do conceito de ‘cultura histórica’, podemos contribuir no
processo formação ‘cidadã’ dos estudantes.
( ) O conceito de consciência histórica está implicado com as
transformações sociais a partir das ações dos políticos apenas.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – V – F – F.
b) ( ) F – F – V – V.
c) ( ) V – F – V – F.
d) ( ) F – V – F – V.

E, não podemos desconsiderar que, no processo de ensino-aprendizagem,


os materiais didáticos são essenciais para que o professor atue como mediador,
como facilitador da apreensão e compreensão de conceitos, bem como no domínio
de informações de determinada área do conhecimento. Entretanto, embora
o livro didático ainda seja um dos principais suportes para o fazer docente na
maioria das escolas brasileiras, as atuais concepções de educação nos permitem
ampliar o leque de possibilidades e trabalhar com uma diversidade de materiais
e fontes no ensino de história. E é justamente sobre esses materiais e fontes que
abordaremos a partir de agora.

63
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

3.1 A IMAGEM NO ENSINO DE


HISTÓRIA
As imagens acompanham a trajetória humana desde sempre. Desde a
Pré-História, com a arte rupestre até os tempos atuais, com a arte plástica, a
propaganda, entre outras, que passaram a ser difundidas nos museus, institutos
culturais, televisão, cinema, literatura e internet, as imagens sempre fizeram parte
da vida humana, e, portanto, da história. Entretanto, foi somente no século XX, a
partir das novas perspectivas historiográficas que tornaram possíveis a redefinição
de “documento”, que a iconografia passa a figurar entre as possíveis “fontes”. A
historiografia, a partir do século XX passou a admitir que:

[....] Os significados são construídos historicamente e não


dados a priori. Os diversos elementos culturais produzidos
pela sociedade – o que inclui textos e imagens – podem ser
analisados sob uma perspectiva de confronto de discursos.
Todas as formas de elaboração humana devem, portanto,
ser objetos de atenção por parte dos historiadores (AVELAR,
2012, p. 125).

Se as imagens adquiriram valor especial como fontes visuais para a


pesquisa histórica e para o trabalho do historiador, elas são também elementos
muito interessantes para o ensino de História, afinal, como nos dizem Ferreira e
Franco (2013, p. 150), “pinturas, fotografias e esculturas constituem um caminho
fundamental para nos ajudar a ler e compreender a História”. Sobre esse mesmo
assunto, Guimarães (2015, p. 352) diz que “as imagens visuais – desenhos,
pinturas, gravuras, esculturas, fotografias – produzidas em diferentes épocas e
lugares, têm valor educativo, estético, histórico”.

As imagens, portanto, são ricas em possibilidades e constituem suportes


importantes para que possamos compreender os mecanismos de construção da
memória coletiva. É importante ressaltar, no entanto, que as imagens não podem
ser utilizadas como fontes “neutras.” Raramente as imagens retratam de forma fiel
um fato/acontecimento, uma vez que elas são construídas intencionalmente.

Pintores, fotógrafos, e escultores selecionam, enquadram,


omitem alguns elementos e destacam outros, segundo
demandas do presente. Assim, as imagens são construídas
para passar uma dada representação, que expressa relações
sociais, políticas e ideológicas. Para entendê-las é sempre
necessário compreender o contexto: por que e por quem foram
produzidas […] (FERREIRA; FRANCO, 2013, p. 150).

64
Capítulo 2 APESQUISAEAPRODUÇÃODECONHECIMENTOEMSALADEAULA

Nesse sentido, somos instigados por Guimarães (2015) com alguns


questionamentos sobre a atuação do professor no que concerne à utilização de
imagens na sala de aula.

Destacamos que o trabalho com imagens nas aulas de história demanda


alguns cuidados básicos, sendo que o primeiro deles deveria ser em torno do
axioma de que essas imagens (sejam fotografias, pinturas ou esculturas) retratam
o “real”, já que são, conforme já mencionado anteriormente, uma representação da
realidade. Tampouco as imagens devem ser consideradas simples “ilustrações”.
Desse modo, as imagens devem ser tratadas como “fontes históricas” e, portanto,
demandam também um diálogo com outras áreas do conhecimento para a sua
interpretação.

Ao utilizar fotografias, é necessário ter a consciência de que os


recortes da História serão mais recentes, sobretudo do século
XX. Um dos principais critérios de seleção de fotografias para
o uso com os alunos é que sejam imagens significativas, isto é,
que permitiam o trabalho didático e a análise de um conteúdo
histórico e que retratem algo impactante. Por isso, não se deve
trabalhar com um número grande de fotografias (ANDRIONI,
2019, p. 95).

Aqui nos perguntamos: com quais imagens o professor pode trabalhar?


É preciso sair da escola e visitar museus ou galerias de arte para acessar as
imagens? É possível trabalhar com imagens a partir de reprodução/projeção
de imagens disponíveis na internet? Ou será que é possível trabalhar imagens
apenas em escolas que possuem um acervo para tanto? Todas essas são
possibilidades, claro, mas os professores têm ao alcance um recurso bem simples
e de fácil acesso, quando todas as demais possibilidades parecem um pouco mais
complexa. Os livros didáticos geralmente são recheados de imagens. Em quase
todos os livros didáticos há reprodução de obras de arte ou fotografias, em maior
ou menor quantidade, além dos textos e das proposições de atividades.

A respeito dos livros didáticos, Avelar (2012, p. 127-127) afirma:

Os livros são, em primeira instância, mercadorias, e, como tais,


se destinam ao mercado. Isso significa que sua materialidade
é prevista pra funcionar como um produto a ser consumido, o
que pra importantes implicações. O processo de feitura dos
livros pouco tem a ver com as intenções dos seus autores. A
organização das leituras e dos textos deve estar articulada a
uma linguagem acessível aos estudantes. Em outras palavras,
os livros didáticos, ao transporem o saber acadêmico para
o saber escolar, criam “padrões linguísticos e formas de
comunicação específicas ao elaborar textos com vocabulário

65
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

próprio, ordenando capítulos, selecionando ilustrações,


fazendo resumos etc.” [...]. Ainda são portadores de valores,
de uma cultura, ou seja, carregam uma ideologia. As imagens
podem ser transmissoras de estereótipos e preconceitos que
visam à aceitação geral de visões de mundo e ideologias de
grupos sociais específicos.

Esses fatores não podem estar ausentes de qualquer análise


sobre o papel das imagens nos livros didáticos e no processo
de ensino-aprendizagem em História.

Entretanto, como ministrar uma aula, a partir da utilização de imagens?


Conforme já mencionamos anteriormente, uma imagem, para ser compreendida,
depende sempre da sua contextualização. Quem foi o seu criador? Em que ano
a imagem foi produzida? Quais as técnicas empregadas? Será que se fôssemos
contemporâneos de alguns personagens históricos representados em obras de
arte os reconheceríamos apenas pela sua representação? Conforme menciona
Fontoura (2018, p. 67), não podemos nos esquecer de que “as imagens são
resultado de certo passado, ou seja, consequência de determinadas tradições e
desenvolvimentos. O que identificamos como estilo de uma época é produto de
mudanças, permanências, alterações de significados e técnicas”.

A fotografia, mais recente no que diz respeito à criação e utilização da própria


tecnologia em relação ao uso de imagens/obras de arte, têm contribuído bastante
para os estudos do período contemporâneo. Aliás, a fotografia não é utilizada por
estudos apenas na área de História, mas também na Antropologia, Sociologia,
entre outras. A fotografia, como ressalta Bittencourt (2008, p. 366), “[…] registra
fatos, acontecimentos, situações vividas em um tempo presente que logo se torna
passado. Rever fotos significa relembrar, rememorar ou mesmo ‘ver’ um passado
desconhecido”. O grande desafio, entretanto, ao trabalhar com a fotografia é,
segundo Cardoso e Mauad (1997), perceber o que não foi revelado pela própria
imagem fotográfica.

A utilização de imagens, como linguagem, pode contribuir, portanto, para


uma aprendizagem mais interativa, proporcionando significado às diversas formas
de linguagem como fontes de conhecimento. Sabendo que “conhecer” é mais
que reproduzir informações que constam nos livros didáticos, mas é também a
capacidade que temos de organizar e sistematizar as informações, bem como
relacionar tais informações aos modos de elaboração da realidade, quanto maior
forem as experiências que o professor conseguir proporcionar aos estudantes,
maiores serão as chances de que esses estudantes possam “construir”
conhecimento.

A exposição dos alunos a determinados elementos simbólicos


(nomeadamente os que fazem parte da linguagem visual) tem

66
Capítulo 2 APESQUISAEAPRODUÇÃODECONHECIMENTOEMSALADEAULA

consequências profundas no seu desenvolvimento e domínio


de ferramentas interpretativas. Há caminhos incontroláveis da
imagem, que levam da informação à evocação, à magia, ao
devaneio, ao desinteresse, à saturação, à emoção (MOLINA,
2007, p. 24-25)

Em sala de aula é essencial aos estudantes a percepção da historicidade


das fontes visuais. Entretanto, é fundamental a compreensão que estas fontes
possuem um sentido unívoco, ou uma explicação/interpretação única, visto que

Os significados se modificam ao longo do tempo, no que


podemos chamar de uma verdadeira guerra das interpretações.
É importante que os professores trabalhem os conceitos
espontâneos dos alunos para que eles sejam confrontados
com os documentos originais e mesmo com outras fontes,
pois “o aluno aprende um conceito no momento em que
saiba usá-lo em situações concretas e, paulatinamente, vai
interiorizando-o a ponto de aplicá-lo em outras situações” [...].
Não se trata de assumir que qualquer interpretação seja válida
e que REALIDADE HISTÓRICA teria desaparecido nesse mar
de novos significados e sentidos, mas de admitir que, com
as mesmas fontes, são possíveis DIVERSAS LEITURAS do
passado a partir das condições de cada época (AVELAR,
2012, p. 130, grifos do autor).

O trabalho com imagens em sala de aula pode, portanto, viabilizar a


interpretação da história a partir de uma análise crítica da educação e do olhar
para os detalhes que nos permitem o conhecimento sobre o passado. Uma pintura
ou fotografia podem nos dar pistas sobre o passado, pistas estas que podem
estar representadas em objetos, vestimentas, lugares, condições de vidas, moda,
condições de trabalho, formas de lazer, bem como visão de mundo ou ideologias,
dentre outras possibilidades. Afinal, toda imagem é também discurso, na medida
em que objetiva traduzir um instante e um momento que jamais são neutros, mas
sim, repletos de intencionalidades.

3.2 O CINEMA E A EDUCAÇÃO


HISTÓRICA
Já não é novidade a utilização de filmes como recurso educativo. Nas aulas de
História não poderia ser diferente. Entretanto, é necessário lembrar que os filmes, como
recurso pedagógicos, devem ser explorados a de modo a favorecer a construção do
conhecimento. Os filmes, portanto, não podem ser utilizados para “tapar buracos,” para
suprir a falta de planejamento ou para “facilitar o trabalho” docente.

67
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

Claro que a relação entre cinema e História é relativamente recente. Aliás,


por muito tempo os filmes nem sequer eram considerados pelos historiadores,
o cinema não era visto como registro histórico ou fonte de pesquisa. Conforme
afirma Ferro (1992, p. 79), “o cinema ainda não era nascido quando a história
se constituiu, aperfeiçoou seus métodos, parou de narrar para explicar […]”.
Essa relação entre cinema e história remonta à década de 1970, quando Pierre
Nora e Jacques Le Goff publicaram um conjunto textos, em três volumes, que
apresentaram uma perspectiva que ficou conhecida como Nova História. Os três
volumes foram intitulados: “História: novos objetos”; História: novos problemas” e
“História: novas abordagens”, livros estes que recomendamos para leitura.

E, se inicialmente os filmes tiveram sentido cultural e comercial, o cinema


acabou por se tornar interessante ao trabalho dos historiadores e, mais tarde,
também dos educadores, como possibilidade de aplicação do cinema no ensino
de História. Entretanto, conforme afirma Nascimento (2008, p. 2), “Apesar de ser
uma linguagem artística com mais de cem anos de existência, o cinema ainda
não foi “captado” devidamente, do ponto de vista didático e da crítica histórica,
para dentro da sala de aula”. Sobre o cinema, Ferro (1992, p. 16) destaca que
“assim como todo produto cultura, toda ação política, toda indústria, todo filme
tem uma história que é História, com sua rede de relações pessoas, seu estatuto
dos objetos”.

[…] o filme pode tornar-se um documento para a pesquisa


histórica na medida em que articula ao contexto histórico e
social que o produziu um conjunto de elementos intrínsecos
à própria expressão cinematográfica. Esta definição é o ponto
de partida que permite tirar o filme do terreno das evidências:
ele passa a ser visto como uma construção que, como tal,
altera a realidade através de uma articulação entre a imagem,
a palavra, o som e o movimento (FERRO, 1977 apud CATELLI
JUNIOR, 2009, p. 52).

Conforme Bernardet (1980), o cinema se constitui a partir de um processo


complexo, que envolve diversos elementos diferentes, desde pessoas, empresas,
publicidade, até os roteiros, lugares, cenários etc., mas envolve também processos
de adaptação de textos, adequação à faixa etária ou censura e produção de
legendas ou dublagem para divulgação a expectadores de diversos idiomas. Há
ainda adaptações como audiodescrição para expectadores cegos, ou bem como
a dublagem para Língua de Sinais (caixa de Libras, no Brasil), para expectadores
surdos.

Desse modo, podemos concluir que, do mesmo modo que as imagens são
representações de momentos, o cinema também é; e, em sendo assim, não há
neutralidade. Conforme destaca Ciambarella (2014), o filme pode bem ser um

68
Capítulo 2 APESQUISAEAPRODUÇÃODECONHECIMENTOEMSALADEAULA

testemunho da sociedade em que foi produzido, porém, não podemos deixar de


ter em mente que sua produção tem base em categorias que podem ser chamadas
de “zonas não visíveis” e que podem ser vistos (ou entendidos) como ‘filtros” pelos
quais as sociedades são representadas na linguagem cinematográfica.

Com relação às possibilidades de utilização do cinema (filmes) na aula de


História, nos cabe perguntar: qual o gênero cinematográfico pode ir às salas
de aula como recurso didático? Sobre isso, Catelli Júnior (2009) sugere que,
grosso modo, podemos dividir os “filmes históricos” em “documentários” e “não
documentários.” No gênero documentário geralmente são representados fatos
que existiriam, independe de serem filmados ou não. Já nos “não documentários”’
existe uma trama que é construída especificamente para a história que se quer
contar. Entretanto, independente do gênero, é preciso atenção para o fato dos
filmes “históricos” estarem apoiados em um discurso sobre o passado e, por isso,
estão impregnados por subjetividades.

• Filmes podem ser utilizados em sala de aula como visões do


passado, ou seja, pelas maneiras pelas quais representam
ambientes, eventos, costumes de outros tempos e lugares.
• Filmes podem ser utilizados por apresentarem narrativas
explicativas sobre acontecimentos históricos: a maneira como
são apresentados os fatos e se desenrola a trama permite que
os alunos compreendam as complexidades que geraram certos
eventos considerados históricos.
• Filmes podem ser utilizados para discussão de temas
controversos, do passado ou do presente, e que de outra forma
poderiam ser de difícil abordagem.
• Filmes são documentos históricos para a compreensão da
sociedade em que foram produzidos: nesse sentido, estudam-
se as mensagens produzidas pelas obras cinematográficas para
compreender certas ideias, valores e contextos próprios à sua
criação.

Vê-se, portanto, que são várias as maneiras pelas quais um


filme pode ser utilizado em sala de aula, sempre variando em função
dos objetivos que se pretende atingir e dependendo de estratégias
específicas a organizar (FONTOURA, 2018, p. 182).

69
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

Para se trabalhar com todas essas possibilidades é necessário ainda,


como bem destaca Bittencourt (2008) é preciso preparar os estudantes para a
realização de uma leitura crítica dos filmes, possibilitando a reflexão crítica
sobre eles e a construção de um conhecimento significativo. Pode-se instigar os
estudantes a pensar sobre as personagens, os cenários, os lugares, os objetos, o
tempo histórico que é representado, bem como a possibilidade a refletirem sobre
o conteúdo, sobre quem é o roteirista, os detalhes de produção do filme entre
outros aspectos. Além disso, é necessário ao educador planejar a aula na qual o
filme será utilizado como suporte, cuidando de detalhes como se os estudantes
assistirão ao filme na integra ou apenas um excerto, bem como preparar
previamente ou junto com os estudantes e fornecer uma ficha técnica.

Destacamos que na utilização do cinema em sala de aula deve-se ter em


mente que o filmes não retratam a “verdade histórica” e a análise e reflexão
crítica é elemento fundamental para que a experiência seja proveitosa. Destaca-
se também que a utilização do cinema na escola não é uma atividade simples
e requer atenção, por parte do professor, sendo que as análises e reflexões se
complexificam e se tornam mais acadêmicas na medida em que se pratica tal
atividade. Por fim, lembramos que o sentido histórico dos filmes está associado à
consciência histórica, sendo, portanto, um desafio à prática docente.

3.3 A HISTÓRIA E A LITERATURA


Romances, contos, poemas e crônicas, entre outros gêneros literários, fazem
parte dos recursos didáticos usados na escola faz muito tempo. Entretanto, o
comum é que eles sejam utilizados na disciplina de Língua Portuguesa e, por
vezes, no conteúdo das disciplinas de Artes. Nas aulas de história, todavia, seu uso
é bem recente. Aliás, não faz muito que esse recurso passou a ser acolhido como
objeto e fonte histórica. A literatura passou, apenas recentemente, a fazer parte
do rol de artefatos considerados pelos historiadores como fonte e possibilidade
de pesquisa e compreensão do passado no âmbito do que chamamos de Nova
História Cultural.

Sobre as especificidades desse campo de estudos e de trabalho do


historiador, Pesavento (2005) ressalta que são conceitos como representação,
imaginário e narrativas, entre outros, que orientam epistemologicamente a
postura do historiador. A partir dos conceitos mencionados por Pesavento (2005),
selecionamos o de “narrador” para iniciar nossas reflexões sobre a aproximação
da História e da Literatura.

70
Capítulo 2 APESQUISAEAPRODUÇÃODECONHECIMENTOEMSALADEAULA

Se o narrador é aquele que conta, que narra um acontecimento ou fato,


temos aí a pista necessária para a aproximação que buscamos. O trabalho do
historiador é também o de narrar, de descrever, de representar pela historiografia
o passado em curta, média ou longa duração. Quem escreve um romance, conto,
poesia, cordel, ou outros, também está narrando, descrevendo. Temos então
uma questão crucial para pensar sobre essa aproximação: se o historiador busca
retratar a verdade dos fatos, como pode então Que esta verdade se aproxime do
texto literário que, em grande medida, está apoiada na ficção e no imaginário?

Buscamos, mais uma vez, em Pesavento (2005, p. 51) uma possível resposta
para a questão que suscitamos:

[…] no campo da História Cultural, o historiador sabe que a


sua narrativa pode relatar o que ocorreu um dia, mas que esse
mesmo fato pode ser objeto de múltiplas versões. A rigor, ele
deve ter em mente que a verdade deve comparecer no seu
trabalho de escrita da História como um horizonte a alcançar,
mesmo sabendo que ele não será jamais constituído por uma
verdade única ou absoluta. O mais certo seria afirmar que
a História estabelece regimes de verdade, e não certezas
absolutas.

A construção da narrativa histórica nos leva a perceber que o discurso


do historiador não é neutro e que há uma opção epistemológica e, portanto,
ideológica, que norteia a escolha do recorte temporal, das fontes, bem como da
perspectiva historiográfica. Assim, temos na história a “representação” do passado
e não o passado em si, assim como também ocorre na representação dos heróis,
das pessoas comuns, da moda, da mentalidade, entre diversos outros aspectos
no momento que está sendo descrito/narrado.

Muitas das produções literárias, embora não tenham sido escritas por
historiadores, contém representações da cultura, do tempo, das sociedades,
fornecendo, portanto, pistas para a compreensão da História. E, embora ainda
seja polêmica a aproximação entre Literatura e História e existam numerosas
discussões sobre o assunto no âmbito acadêmico, não podemos descartar a
hipótese de que ambas as áreas procuram, a seu modo, representar a sociedade
(e a ação humana) no tempo, utilizando-se da narrativa para que tal objetivo
possa ser alcançado. Sobre isso, Fonseca (1995, p. 54) afirma:

A leitura de textos literários, reservando as especificidades


artísticas do modo de viver, dos valores e costumes de uma
determinada época. É uma fonte que auxilia a desvenda a
realidade, as mudanças menos perceptíveis, os detalhes sobre
lugares e paisagens, as mudanças naturais e os modos de o
homem relacionar-se com a natureza em diferentes épocas.

71
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

Ainda sobre a aproximação da Literatura e a História, a seguir


veremos um trecho do livro “Ensino de História”, escrito por Kátia
Maria Abud, André Chaves de Melo Silva e Ronaldo Alves. O excerto
a seguir talvez possa nos auxiliar a pensar a relação da Literatura
com as aulas de História.

Ao utilizar a Literatura como fonte, a História não está


preocupada em investigar se a representação do passado criada
pelo escritor confere com a historiografia (mesmo porque não é
essa a intenção do literato), também não se inclina somente a colher
informações históricas do romance ou do conto narrado; antes, seu
interesse é pelo tempo do escrito, dirige sua primordial atenção ao
objetivo de desvelar a mentalidade da época.

O desafio da História, nesse âmbito, é estudar as mudanças


e permanências das mentalidades ao longo do tempo. É investigar
como os seres humanos concebem sua forma de estar no mundo e
vivenciá-lo. Nesse quesito a Literatura tem primazia sobre quaisquer
fontes de investigação. Como fonte, ela possibilita ao historiador
estudar as construções e aplicações do pensamento dos indivíduos
e grupos sociais, o que é essencial ou superficial, quais vicissitudes
e idiossincrasias estão presentes, o que é visceral ou desprezível
numa sociedade, quais tabus ou preconceitos são reforçados ou
questionados em determinado momento histórico e tantos outros
aspectos constituintes da mentalidade de uma época.

Dessa forma, o ensino de História pode utilizar a Literatura


para discutir dom os alunos como os autores literários constroem
as representações de um passado (i)memorial ou mesmo de um
futuro ficcional para dialogar com o presente. Além disso, é um meio
para estudar os diferentes discursos apresentados num tempo, o
erudito e o popular, o conservador e o progressista, o reacionário e o
revolucionário […] (ABUD; SILVA; ALVES, 2013, p. 46).

Temos, portanto, na Literatura, pistas narrativas para refletir sobre as


sociedades e os tempos históricos. Chartier (2002, p. 63), sobre isso, afirma que
“o texto, literário ou documental, não pode nunca se anular como texto, ou seja,
como um sistema construído consoante categorias, esquemas de percepção e

72
Capítulo 2 APESQUISAEAPRODUÇÃODECONHECIMENTOEMSALADEAULA

de apreciação, regras de funcionamento, que remetem para as suas próprias


condições de produção”.

Um dos materiais escritos que podem ser empregados como


recurso didático são os textos literários, que incluem obras
inteiras ou parcialmente ficcionais, como romances, poemas
e contos. Esse conjunto de obras, hoje, pode ser encontrado,
inclusive, em meios digitais [...].

Uma forma de utilizar a literatura na disciplina de História é


analisá-la como fonte histórica. É possível fazer isso de duas
maneiras: abordar determinado contexto histórico para, então,
buscar entender a obra literária, ou, ainda, ler determinada
obra para abordar e esclarecer um contexto histórico.
Portanto, um livro de romance ou de poesia pode ser lido como
um testemunho histórico, já que a obra literária é também
entendida como produto de determinada sociedade e de uma
época específica (ANDRIONI, 2019, p. 91-92).

Temos a possibilidade, portanto, de utilização da Literatura como linguagem


diferenciada, que possa despertar nos estudantes a curiosidade pelos temas da
disciplina de História, suscitando reflexões e análises do texto pelas possíveis
pistas sobre épocas, lugares, culturas e mentalidades.

3.4 POSSIBILIDADES OUTRAS PARA


O ENSINO DE HISTÓRIA
Até o presente momento, falamos um pouco sobre a utilização das imagens
(incluindo-se aí a arte e a fotografia), do cinema e da literatura como recursos e
possibilidades para o ensino de História, numa perspectiva em que os estudantes
podem se tornar protagonistas do processo de aprendizagem, sempre contando,
claro, com a medicação do professor. Além dessas linguagens, poderíamos
falar aqui de muitas outras, entretanto, como já ressaltamos diversas vezes, ao
escrever um texto, o historiador faz opções, do mesmo modo que o professor faz
as suas opções ao planejar uma aula. Do mesmo modo, a escrita desse material
também demanda opções, portanto, não iremos nos delongar falando das diversas
linguagens e fontes que podem servir de aporte às aulas de histórias. Entretanto,
como não podemos simplesmente ignorar algumas delas, nesse tópico falaremos,
de modo bem resumido, sobre mais algumas opções.

Consideramos essencial ao professor oportunizar o acesso às mais diversas


fontes e objetos aos estudantes, de modo que desenvolvam o que chamamos de

73
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

‘letramento histórico’. O conceito de letramento é, sem dúvida, muito conhecido


no contexto do ensino da Língua Portuguesa. Isso não significa que não podemos
aplicá-lo nas mais diversas áreas do conhecimento. O “letramento histórico”,
segundo Cerri (2011, p. 123) está, também, relacionado com a capacidade
para leitura e a interpretação, porém não apenas de “textos”, afinal, “não basta
conhecer fatos e processos históricos; é preciso ter capacidade de interpretar o
tempo e usar o conhecimento para a própria vida, agindo em conformidade com
os próprios princípios e objetivos”.

Os documentos oficiais, primeiras fontes históricas aceitas pelos historiadores


na perspectiva da Histórica enquanto ciência, também podem adentrar as salas
de aulas. Dificilmente os livros didáticos trazem tais documentos, porém, cada
vez mais, o acesso a vários deles é possível. A internet é, nesse contexto,
uma facilitadora. Muitos documentos oficiais encontram-se disponíveis on-
line, seja de modo digitalizado ou já no formato de documento digital. Há hoje
uma preocupação de museus e bibliotecas na digitalização desse acervo com
a divulgação da informação. Desse modo, com acesso à internet, é possível
visualizar documentos diversos que podem nos auxiliar a compreender a História
e refletir sobre o presente enquanto consequências e permanências do passado,
bem como sobre as rupturas e transformações.

Gostaríamos de aproveitar o momento para indicar alguns dos


exemplos de acesso a fontes disponíveis on-line, de modo aberto e
gratuito, para pesquisa:

• Coleção das Leis do Império do Brasil (Conjunto de leis


e decretos promulgados durante o Império [1822-1889])
– disponível em: <https://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/legislacao/doimperio>.
• O governo dos outros. Imaginários políticos no império
português: 1496-1961 (Permite o acesso a leis, decretos
e alvarás que estiveram em vigor no Império Português) –
Disponível em: <http://www.governodosoutros.ics.ul.pt/>.
• O Sistema de Informações do Arquivo Nacional - SIAN
(arquivo digital, que permite acesso às informações
relacionadas ao acervo custodiado pelo Arquivo Nacional).
Disponível em: <http://sian.an.gov.br/sianex/Consulta/
pagina_inicial.asp>.
• Arquivo público do Estado de São Paulo (O Arquivo
Público do Estado de São Paulo - APESP - disponibiliza
em seu Repositório Digital documentos, álbuns, fotografias,

74
Capítulo 2 APESQUISAEAPRODUÇÃODECONHECIMENTOEMSALADEAULA

periódicos, livros, jornais, revistas, mapas, entre outros).


Disponível em: <http://www.arquivoestado.sp.gov.br/site/
acervo/repositorio_digital>.

Hemeroteca Digital Da Biblioteca Nacional (Pesquisadores de


qualquer parte do mundo passam a ter acesso, inteiramente livre e
sem qualquer ônus, a títulos que incluem desde os primeiros jornais
criados no país a jornais extintos no século XX) – Disponível em:
<https://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/>.

Mudando de assunto, a música, embora facilmente identificada pelo seu


potencial de entretenimento e lazer, pode também ser utilizada como recurso
didático. Conforme afirma Fontoura (2018, p. 131), a música “ tem a capacidade
de dialogar com concepções culturais próprias dos alunos. Mas, acima de tudo,
é um documento importante que deve ser usado para uma melhor compreensão
do passado.” Como linguagem, a música é carregada de subjetividades, porém,
é também produto das vivências individuais e coletivas das sociedades ao longo
da história.

Como menciona Andrioni (2009, p. 110), “Ao adotar a música como recurso
didático, o professor deve atentar para sai linguagem plural, que inclui letra e
parte instrumental e melódica. Assim, é possível analisar a letra de uma música e
sua construção, e também, a melodia, os instrumentos e até os tipos de acordes
[...]” [grifos do autor]. A respeito das letras, destacamos que estas representam
sentimentos, inquietudes, curiosidades, e tem objetivos que podem ser diversos:
comerciais, culturais ou ideológicos que muito podem nos dizer sobre as pessoas
que as produziram e sobre seu público.

A forma mais usual de trabalho com música e analisar de que


forma a letra está relacionada ao contexto histórico. E possível
encontrar vários artigos e livros que realizam esse tipo de
análise histórica. Porém, quando se utiliza a música como
recurso didático, devem-se selecionar aquelas que tenham
alguma potencialidade de aproximação com a realidade dos
alunos. Essa realidade pode ser tanto a vivida por eles quanto
a observada no âmbito do conteúdo que está sendo estudado.
(ANDRIONI, 2019, p. 111-112)

Os jornais, no formato impresso ou on-line, recentes ou antigos, são


sempre fontes de informação, seja sobre o passado ou sobre o tempo presente.
Jornalistas não são historiadores, claro, e há grandes diferenças entre o trabalho
desses profissionais. Isso não significa que os jornais não possam ser fontes

75
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

para pesquisa e para a escrita da história. Quando analisados sob a perspectiva


de “fonte,” os jornais podem auxiliar nas reflexões e compreensões sobre as
sociedades, suas formas de representação da realidade, seus conflitos, jogos de
interesse, relações de poder, perspectivas políticas e econômicas, entre diversos
outros aspectos.

Os conteúdos abordados em sala de aula são, em geral,


oriundos do conhecimento historicamente acumulado. Hesse
modo, e necessário que o professor estabeleça um diálogo
entre a atualidade e o histórico humano, e a disciplina de História
tem condições de assumir boa parte dessa responsabilidade.
A grande motivação das pesquisas históricas é compreender
o presente do pesquisador. O historiador, portanto, parte de
situações de sua realidade para investigar o passado. Ao levar
para a sala de aula notícias atuais, estimulando os alunos a
estabelecerem a origem dos fatos analisados, o professor
contribuirá para a formulação do conhecimento histórico
dos estudantes, bem como seu pensamento crítico e sua
capacidade de relacionar o presente ao passado (CAVAZZANI;
CUNHA, 2017, p. 146-147).

Outro aspecto relevante a considerar, quando utilizamos o jornal nas aulas


de História, é a necessidade que temos de nos certificar de que os estudantes
saibam diferenciar o “fato” da “versão dos fatos”, apresentadas pelos veículos
jornalísticos.

Entre o fato e a versão que dele publica qualquer veículo de


comunicação de massa há a mediação de um jornalista (não raro,
de vários jornalistas), que carrega consigo toda uma formação
cultural, todo um background pessoal, eventualmente opiniões
muito firmes a respeito do próprio fato que está testemunhando, o
que o leva a ver o fato de maneira distinta de outro companheiro
de formação, background e opiniões diversas. É realmente
inviável exigir dos jornalistas que deixem em casa todos esses
condicionamentos e se comportem diante da notícia como
profissionais assépticos, ou como a objetiva de uma máquina
fotográfica, registrando o que acontece sem imprimir, ao fazer o
seu relato, as emoções e as impressões puramente pessoais que
o fato neles provocou (FARIA, 2009, p. 15).

Por isso, é sempre muito importante que o docente instigue os estudantes a


interpretar o que lê (nos jornais impressos) e o que ouve (nos jornais televisivos),
de modo a não apenas assimilar os dados como se estes fossem neutros, como
a única versão possível do fato. Desse modo, quanto mais acesso à diferentes
fontes de informação e quanto mais foram estimulados a confrontar essas fontes,
articulando informações e elaborando argumentos. Esse contato com informações

76
Capítulo 2 APESQUISAEAPRODUÇÃODECONHECIMENTOEMSALADEAULA

do tempo presente permite a ampliação do conhecimento dos estudantes, de


modo que eles possam desenvolver a consciência histórica e perceber que suas
ações também fazem parte do processo histórico, que suas decisões também
influenciam o cotidiano.

A discussão acerca do teor da comunicação veiculada em


meios impressos e na internet e importante, sobretudo hoje
em dia, em virtude do fenômeno das fake news, ou notícias
falsas. Esse tipo de trabalho pode fornecer as bases para uma
leitura comparada e crítica e ajudar os alunos a desenvolver
as competências para diferenciar um texto construído com
base nos princípios do jornalismo de qualidade de um texto
cuja finalidade e a manipulação da opinião pública (ANDRIONI,
2019, p. 108).

Destacamos que além de usar o jornal como fonte, é possível ainda produzir
um jornal, como atividade, a partir dos quais os alunos são produtores das
notícias, tendo conteúdo da disciplina de História como base para a sua produção.
Geralmente, pelo fato de ser um “jornal”, ou seja, um veículo que tem a escrita
como material base, muitos de nós acabam associando tal tarefa ao professor de
Língua Portuguesa. Entretanto, o jornal pode ser transformado num instrumento
de trabalho coletivo, do qual todos os docentes e estudantes podem participar
ativamente. Sobre tal possibilidade, Faria e Zanchetta Jr. (2011, p. 141) afirmam:

[…] antes de mais nada, o jornal escolar se apoia não só no


conhecimento da imprensa escrita. Como em uma atitude
crítica a seu respeito, a ser desenvolvida durante os trabalhos
de elaboração do jornal escolar. Por outro lado, considerando-
se que os jornais, pela sua própria natureza, abordam um
amplo leque de assuntos e, para isso, também apresentam
uma grande diversidade de textos, ele e um dos instrumentos
ideais da interdisciplinaridade.

A televisão, ou melhor, o conteúdo veiculado pela televisão também pode ser


utilizado como recurso didático. As propagandas, novelas, seriados, programas
jornalísticos podem nos dar pistas sobre cultura, mentalidade, conflitos,
desigualdades, moda, bem como, por intermédio das imagens, podem nos
permitir perceber as transformações das cidades, das pessoas, das realidades,
das classes sociais, suscitando reflexões e discussões sobre o protagonismo
da televisão para a circulação de determinadas ideias, produtos, concepções,
preconceitos, modas, entre vários outros aspectos componentes das composições
da sociedade.

O professor pode, ainda, levar para a sala de aula diversos recursos


e metodologias, entretanto, somente deverá fazê-lo se tiver planejado a

77
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

atividade. Destaca-se ainda que nem todas as turmas são iguais e tais recursos
podem despertar a curiosidade e funcionar como propulsores do processo de
aprendizagem e construção do conhecimento, mas podem, também, tornar os
alunos mais dispersos e dificultar o andamento das aulas.

Ensinar, como já dito anteriormente, não é tarefa fácil, tampouco existe,


para tanto, uma única receita de sucesso. O professor precisa, a partir do seu
contexto, considerando a cultura escolar na qual está inserido, encontrar o melhor
caminho para que os estudantes se interessem, participem das aulas, construam
seu conhecimento e desenvolvam a consciência histórica e o pensamento crítico.

1 A respeito da utilização dos jornais em sala de aula, leia as duas


assertivas que seguem, buscando estabelecer relação entre elas:

I- Quando analisados sob a perspectiva de “fonte,” os jornais


auxiliam nas reflexões e compreensões sobre as sociedades,
seus conflitos, jogos de interesse, relações de poder, perspectivas
políticas e econômicas, entre diversos outros aspectos.

PORQUE

II- O jornal, em sala de aula, estimula os estudantes a estabelecerem


a origem dos fatos analisados, contribuindo para a formulação do
conhecimento histórico, do pensamento crítico e sua capacidade
de relacionar o presente ao passado.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) A primeira é uma assertiva verdadeira e a segunda é falsa.
b) ( ) A primeira é uma assertiva falsa e a segunda é verdadeira.
c) ( ) As duas assertivas são verdadeiras e a segunda justifica a
primeira.
d) ( ) As duas assertivas são verdadeiras, mas não há relação de
justificativa entre elas.

4 A PESQUISA COMO EXERCÍCIO


Iniciamos esse tópico repetindo algo já dito anteriormente: ensinar História
nunca foi tarefa fácil. Depois de tudo que vimos ao longo deste material, esperamos

78
Capítulo 2 APESQUISAEAPRODUÇÃODECONHECIMENTOEMSALADEAULA

que tenha ficado claro que a mera repetição dos conteúdos e a memorização é
contraproducente para a construção do conhecimento, elaboração do pensamento
crítico e da consciência histórica. E se, desde a década de 1980, vem sendo
discutidas e implementadas inovações no ensino da disciplina, pretendemos,
nesse tópico, dialogar sobre a pesquisa como metodologia de ensino.

A produção dos sabres escolares tem, na atualidade, ocupado, entre outras


questões, a centralidade dos debates sobre as proposições metodológicas de um
modo geral. Sobre o assunto, Lautier (2011, p. 40) destaca que:

Os saberes escolares têm um status específico. Que a sua


principal referência seja científica ou artística, literária ou
esportiva, todos os saberes escolares são o produto de uma
história disciplinar. São objeto de uma elaboração antes de
serem apresentados sob a forma oficial de conteúdos de
programas. Estes saberes, nem completamente científicos,
nem completamente profanos são o produto de uma verdadeira
construção. Descontextualizados em relação à sua instância
de produção original, reformulados para serem simplificados,
revestidos, propostos sob forma de sequências de ensino-
aprendizagem nas salas de aula, eles são frutos de uma
construção social.

O elemento central da prática pedagógica é sempre a aprendizagem.


Poderíamos definir o conceito de aprendizagem de diferentes maneiras, porém,
partimos de uma definição bem básica, tendo como aprendizagem a relação direta
daquele que aprende com o objeto ou conteúdo a ser aprendido, de modo que o
aprendente avança não apenas do desconhecido para o conhecido, mas também
do já conhecido (porém incompleto, superficial, impreciso) para perspectivas mais
aprofundadas, fundamentadas e críticas em relação ao assunto sobre o qual se
está aprendendo.

Isso requer do professor não apenas a exposição do conteúdo a ser aprendido


em forma de aulas expositivas, com a posterior aplicação de uma avaliação para
que se saiba o que foi memorizado pelos estudantes. Faz-se necessário que o
professor tenha um olhar atento e uma real preocupação com o “aprendizado”,
com as mudanças que são provocadas a partir da discussão e apreensão dos
conteúdos por partes dos alunos. E, para tanto, é imprescindível lançar mão de
estratégias metodológicas mais participativas.

A partir da utilização de metodologias ativas e participativas, portanto,


o professor acaba por estimular o pensamento, a criticidade e a curiosidade
dos estudantes. Assim, são assimilados novos conceitos, para explicar o anda
não conhecido, responder questões sobre as quais os estudantes se sentem

79
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

desafiados. O conhecimento, portanto, não é algo ‘definitivo’, a ser prontamente


“transmitido” aos estudantes, o conhecimento é adquirido na e por intermédio
da atividade, da pesquisa, da resolução de problemas, da discussão crítica e
fundamentada do conteúdo a ser ensinado/aprendido.

Assim, conforme Guimarães (2015, p. 207), “ensinar História requer um


diálogo permanente com diferentes saberes, produzidos em diferentes níveis e
espaços. Requer do professor interrogações sobre a natureza, a origem e o lugar
ocupado por esses diferentes saberes, que norteiam e asseguram sua prática em
sala de aula”. Além disso, o ensino da História requer dos estudantes mais do que
a passividade frente aos conteúdos, mais do que a memorização e reprodução de
informações.

A sala de aula e parte de um todo, está inserida em uma


instituição educativa, que, por sua vez, está filiada a um
sistema educacional, que também e parte de um sistema
socioeconômico, político e cultural mais amplo.

E dentro da sala de aula que o trabalho docente se toma mais


evidente. É ali, naquele espaço físico, local constituído para a
realização do ensino formal e sistematizado, que o professor
se encontra com o grupo de alunos. O espaço físico é então
dinamizado pela relação pedagógica porque registra, em
situação concreta, a maneira de se viver esta relação (VEIGA,
2011, p. 119-120).

Nesse contexto, da participação ativa dos estudantes no processo de


construção e elaboração de sabres, o professor, além de “ensinar” pode ser um
pesquisador e um incentivador da pesquisa. Na atualidade, uma das exigências da
sociedade em relação à instituição educacional é a formação de seres humanos
autônomos e proativos, que sejam criativos e saibam solucionar problemas.
Nesse sentido, podemos entender que a sociedade deseja que os estudantes
aprendam não apenas a reproduzir modelos, mas que tenham capacidade de
organizar-se por si mesmos, que saibam trabalhar em grupos em prol de objetivos
comuns, que consigam organizar seu tempo e apresentar os resultados de seu
trabalho/estudos. E, nesse sentido, a pesquisa, como aliada da prática, tem muito
a contribuir.

Sobre a pesquisa no ambiente escolar, Guimarães (2015, p. 208) afirma:

Alunos e professores, como sujeitos da ação pedagógica,


têm, constantemente, oportunidades de investigar e produzir
saberes sobre a nossa realidade, estabelecendo relações
críticas, expressando-se como sujeitos produtores de História e

80
Capítulo 2 APESQUISAEAPRODUÇÃODECONHECIMENTOEMSALADEAULA

do saber. Assim, a ‘distância’, as ‘divergências’ […] e até mesmo


as ‘discrepâncias’ entre os saberes históricos ‘científicos’ e
‘escolares’ tornam-se objeto de discussão e análises críticas no
processo de ensino, evitando a simplificação e a vulgarização
comuns no processo de didatização de conteúdos de História.

A pesquisa, então, pode ser uma proposição metodológica para as aulas


de História, uma metodologia ativa, na qual docente e estudantes atuam em
cooperação, com a intenção de tornar mais significativo o que se aprende. É
importante, entretanto, ter em mente o que é “pesquisa”.

Um dos primeiros pontos que gostaríamos de mencionar aqui, no que


concerne à pesquisa e realização de pesquisa em sala de aula, é que ‘informação’
não é o mesmo que “conhecimento”. Nesse sentido, uma pergunta, que todo
docente deveria se fazer é: como auxiliar os estudantes a transformar em
conhecimento todas (ou parte delas, pelo menos) as informações às quais eles
tem acesso por intermédio da internet, televisão, revistas, livros, jornais, entre
outras fontes?

Thompson (2002, p. 13) afirma que “toda educação que faz jus a esse nome
envolve a relação de mutualidade, uma dialética, e nenhum educador que se
preze pensa no material a seu dispor como uma turma de passivos recipientes de
educação”, o que nos leva a refletir, mais uma vez, sobre o papel desempenhado
pelo docente, pelos estudantes e pelos recursos pedagógicos no processo de
construção de conhecimentos.

Somos um professor com grande domínio das informações, e tão bom


potencial retórico, que conseguimos manter os estudantes “presos” à nossa fala,
quase que hipnotizados, embasbacados com a quantidade de “saber” derramado
sobre eles? Ou somos professes que permitem a participação ativa dos estudantes
nas nossas aulas; professores que, humildes, admitimos que não temos todas as
respostas e que nossa interpretação das informações não é a única possível?
Somos professores que respeitam os saberes trazidos pelos estudantes, bem
como sua cultura e identidade cultural, e nos dispomos a auxiliá-los na ampliação
desse universo?

É sabido que o saber escolar não se constrói apenas na escola. Ele é também
resultante das experiências e sabres que os estudantes já possuem, e que, na
escola, devem ser experienciados, questionados, desconstruídos e reconstruídos.
A História, nesse contexto, é uma disciplina importante, uma vez que a partir dela
é possível problematizar as “certezas” do tempo presente, com relação à cultura,
sociedade, economia, política, trabalho, entre vários outros aspectos.

81
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

Assim, acreditamos na importância da pesquisa do contexto escolar.


Entretanto, destacamos que pesquisar vai além de ler um livro/texto e fazer um
fichamento e/ou resumo de um livro, bem como vai além de pedir aos estudantes
para apresentar um seminário. Partindo do pressuposto de que pesquisar
envolve um conjunto de atividades previamente planejadas, e que tem por
objetivo a sistematização de novos conhecimentos a respeito de um tema, temos,
portanto, que o planejamento e a organização são elementos essenciais para o
desenvolvimento de uma pesquisa. Fichamentos, resumos e seminários podem
até fazer parte do processo de desenvolvimento da pesquisa, mas é necessário
que os estudantes compreendam que essas são apenas técnicas e não a
pesquisa propriamente dita.

Para que seja caracterizada como pesquisa, é preciso que a atividade


seja sistematizada, e não ocorra ao acaso. Dessa forma, acreditamos que a
elaboração de um projeto seja essencial para o direcionamento da atividade.
Existem, claro, diferentes formas de elaboração de um projeto de pesquisa, bem
como um número significativos de autores que versam sobre o assunto. Em
prateleiras de bibliotecas e em diversas páginas da internet é possível encontrar
livros e artigos sobre Metodologia de Pesquisa, Elaboração de Projetos de
Pesquisa, entre outros, bem como existem regras da Associação Brasileira de
Normas Técnicas (ABNT) que normatizam a estrutura de um projeto. E, para além
do projeto, existem diversos tipos de pesquisa: teórica/bibliográfica, participante,
(auto) biográfica, de opinião etc., bem como diferentes técnicas e métodos.

Temos a certeza de que a pesquisa é, de forma inquestionável, uma


importante forma de produção de conhecimento. Entretanto, também sabemos
que a sua prática ainda está distante da educação básica, distante da realidade
de grande parte das instituições educacionais. Desse modo, consideramos
importante nos perguntar: na educação básica é necessário construir projetos
de pesquisa totalmente adequados com as normas da ABNT, seguindo todas as
normatizações exigidas para tanto? Acreditamos que é possível fazê-lo, mas é
necessário iniciar exercitando a pesquisa sem que ela se torne uma imposição ou
a mera aplicação de uma atividade burocrática.

Demo (2000, p. 14), ao enfatizar a importância da pesquisa na educação


básica, assevera: “quem ensina carece pesquisar; quem pesquisa carece ensinar.
Professor que apenas ensina jamais o foi. Pesquisador que só pesquisa é elitista
explorador, privilegiado e acomodado”. Temos aí, portanto, um incentivo para
que sejamos professores pesquisadores, e professores que adotem a pesquisa
como estratégia na docência. Entretanto, os estudantes precisam “aprender a
pesquisar” e, para isso, precisam fazê-lo de modo que atividade seja prazerosa
e não entediante. Assim, sugerimos que sejam inseridas, na prática de pesquisa
em sala de aula, alguns elementos considerados essenciais, tais como: tema,

82
Capítulo 2 APESQUISAEAPRODUÇÃODECONHECIMENTOEMSALADEAULA

objetivos, problema, hipóteses, metodologia e cronograma.

Essa prática requer do professor uma relação dinâmica diante


do ao conhecimento, da educação, do mundo, visto que ele é o
sujeito que planeja, escolhe os materiais e avalia a aprendizagem
dos alunos. Demanda do professor uma prática democrática
de pensamento e trabalho, pois se faz necessário partilhar,
dialogar com outros professores, alunos, pais e demais setores
da sociedade. Assim, o professor é chamado a participar da
criação coletiva de prática pedagógicas e, simultaneamente,
de uma formação de professores (inicial e continuada) realista
e inovadora, que possa constituir condições potencializadoras
de novas práticas […] (GUIMARÃES, 2015, p. 209).

Ainda com base em Guimarães (2015), podemos afirmar que a utilização da


pesquisa pressupõe colocar em prática uma concepção pedagógica que tenha
como princípio uma produção coletiva do conhecimento, no qual os estudantes
exercem papel ativo. Nessa concepção, os estudantes desenvolvem as
atividades, discutem, participam, elaboram textos e socializam seu aprendizado,
construindo conhecimentos de forma ativa e significativa. Ao professor cabe
mediar o processo, conduzindo as atividades e os estudantes na confirmação das
hipóteses estabelecidas e na busca de respostas para os problemas levantados.

Assim, rompe-se com a fragmentação e com a reprodução dos conteúdos,


levando os professores e estudantes, ao cooperarem na busca e construção do
conhecimento, a travarem um diálogo com as fontes de pesquisa, ampliando as
possibilidades de compreensão dos conteúdos. Tal prática é também um início,
para que os estudantes tomem contato com a produção de saberes científicos, com
a pesquisa, evitando assim a mera reprodução de “verdades” preestabelecidas, ou
a escrita de trabalhos a partir de “retalhos” de textos que não apresentam conexão
ou sentido. A pesquisa como exercício em sala de aula também requer perceber,
como afirma Guimarães (2015) que o saber está sempre em construção, que a
História e o passado estão diretamente relacionados com o presente. Requer
também valorizar os saberes prévios dos estudantes, articulando esses saberes
com os saberes produzidos acadêmica e cientificamente.

A prática da pesquisa em sala de aula rompe também com a ideia elitista


de pesquisa e de produção de conhecimentos, rompe com a noção de que a
pesquisa ocorre de forma deslocada do cotidiano e das demandas da sociedade
e, principalmente, rompe com a preconcepção de que o ensino escolar preconiza
a reprodução de saberes e não “produz” conhecimento ou cultura. E, finalizo
esse tópico relembrando Forquin (1993) que assevera que a escola produz sim
conhecimentos e saberes, que a escola produz cultura e que essa cultura e
conhecimentos produzidos no interior da escola penetram na sociedade em geral
e interferem nela.

83
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Para o estudo do presente capítulo havíamos proposto, como objetivos, uma
reflexão sobre a importância da pesquisa, na disciplina de história, bem como
avaliar a importância da utilização da pesquisa em sala de aula como ferramenta
para a construção da autonomia e do pensamento crítico. Entretanto, antes de
falar especificamente sobre a pesquisa em sala de aula, foi preciso abordar
alguns outros conceitos, considerando aspectos relacionados à História enquanto
disciplina, as dinâmicas da História e da historiografia e suas implicações no
processo de ensinar e aprender história, passando pela discussão sobre as fontes
e recursos para a ação docente.

No primeiro tópico, abordamos os modos de ensinar História, do


método tradicional, dos modos como a História se fez presente nos currículos
e legislação educacional brasileira, tendo sempre em mente que os modos de
ensinar e aprender história estão implicados pelo trabalho dos historiadores e
da historiografia. Isso porque o passado que conhecemos e que ensinamos está
sempre condicionado a interpretações e posicionamentos epistemológicos e
ideológicos. O trabalho do Historiador tanto quanto o do professor está diretamente
vinculado às escolhas que se faz, aos posicionamentos e às tendências do tempo
histórico de cada um.

Ressaltamos que, com relação ao ensino de História e ao fazer docente na


perspectiva tradicional, os estudantes recebem de maneira passiva toda uma
carga de conteúdos que são transmitidos como verdades. Nessa perspectiva, o
objetivo principal é a memorização e a repetição, que demandam uma postura
passiva dos estudantes. Em contraposição à ideia de que saber de memória
nomes, datas, fatos e grandes feitos, vemos surgir, ao longo da década de 1980,
novas perspectivas para o ensino de História. Essas novas perspectivas, em
consonância com as novas proposições da historiografia, reconfiguram algumas
noções como, por exemplo, a de fontes e de objetos de pesquisa, bem como a de
“verdade histórica”.

A partir desse contexto, ensinar História pressupõe um ensino mais dinâmico


e significativo, a partir da ideia de que não existe a suposta "neutralidade” e que
todos os conhecimentos produzidos são eivados de subjetividades e, portanto, de
pressupostos ideológicos. Essas novas perspectivas também pressupõem que a
História está relacionada com constructos e que esses constructos são provisórios
e superáveis.

Por isso, no segundo tópico do nosso capítulo, abordamos os “recursos” que


estão à nossa disposição para o ensino de História, com a ciência de que esses

84
Capítulo 2 APESQUISAEAPRODUÇÃODECONHECIMENTOEMSALADEAULA

recursos são implicados, tanto pelas fontes históricas, quando pelos conceitos
de cultura histórica, consciência história e educação histórica. Relembrando
que a cultura histórica está relacionada à investigação das maneiras pelas quais
certas sociedades relacionam-se com o passado, considerando a sua relação
com a memória. A consciência histórica está relacionada com a consciência
política e a sua aproximação com o ensino e história ocorre na medida de em
que busca romper com a perspectiva da alienação, contribuindo para o pensar
contextualizado, considerando os elementos econômicos, sociais, culturais e
políticos que implicam o fazer dos sujeitos em sociedade.

No que concerne à utilização de fontes e recursos no ensino de História,


nossas sugestões apontam inicialmente para a utilização das imagens (fontes
visuais), que podem ser consideradas importantes suportes para que possamos
compreender a construção da memória coletiva. Além das obras de arte,
esculturas e fotografias, o cinema também podem (e devem) ser utilizados
como recursos pedagógicos. Destacamos, entretanto, que filmes não podem
ser utilizados para “tapar buracos” e para suprir a falta de planejamento ou para
“facilitar o trabalho” docente, mas sua utilização deve ser planejada e realizada
com intencionalidades educativas. A realização de uma leitura crítica de filmes
pode instigar os estudantes a pensar sobre os diferentes personagens, cenários,
lugares e objetos, além do tempo histórico que é representado, bem como
construir (ou desconstruir) conhecimentos sobre personagens, fatos e lugares.

A literatura que já é comumente utilizada na escola, no ensino da língua


portuguesa, pode também fazer parte dos recursos utilizados na disciplina de
história. Muitas das produções literárias, embora não tenham sido escritas por
historiadores, contém representações da cultura, do tempo, das sociedades e
desse modo, podem nos fornecer pistas para a compreensão da história e da
cultura. E, em meio à discussão sobre os recursos pedagógicos, não podemos
nos esquecer da música, linguagem com a qual os estudantes geralmente
possuem afinidade. A música pode ser considerada como “documento” (fonte)
para compreensão do passado, pois é também produto das vivências individuais
e coletivas das sociedades ao longo da história.

Os jornais são sempre fonte de informação e podem, portanto, contribuir para


a compreensão sobre o passado ou sobre o tempo presente, da mesma forma
que os documentos oficiais, leis, decretos, certidões, atas, entre outros. Assim
como os jornais, os conteúdos veiculados pelos meios televisivos nos fornecem
muitas pistas sobre o passado e sobre o presente. Esses conteúdos, sejam eles
propagandas, novelas, seriados, programas jornalísticos podem nos dar pistas
sobre cultura, mentalidade, conflitos, desigualdades, moda, entre outros. Além
disso, a televisão pode ser pensada também pelo seu protagonismo na circulação
de determinadas ideias, produtos, concepções, preconceitos e modismos.

85
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

E, finalmente, no último tópico, abordamos diretamente a pesquisa.


Partimos do pressuposto de que a pesquisa pode contribuir para a elaboração
do pensamento crítico e autonomia dos estudantes e, por isso, defendemos a
pesquisa como caminho metodológico para o ensino de História. No entanto, a
pesquisa enquanto proposição metodológica para as aulas de História requer do
professor uma relação dinâmica e colaborativa com os seus estudantes diante
da construção do conhecimento, rompendo com a ideia de fragmentação e
reprodução dos conteúdos, levando os professores e estudantes, em colaboração
na busca pelo conhecimento e a um diálogo com as fontes de pesquisa, ampliando
as possibilidades de compreensão dos conteúdos.

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88
C APÍTULO 3
HISTÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA

A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Apresentar possibilidades de encaminhamento metodológico para abordagem


e utilização de documentos e das diferentes linguagens em sala de aula.

 Analisar as diferentes abordagens metodológicas, conceitos e conteúdo, tendo


em vista a utilização destes como ferramentas para o ensino de história.
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

90
Capítulo 3 HISTÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
A produção do conhecimento histórico geralmente se inicia no âmbito da
pesquisa, com o árduo trabalho dos historiadores. Todavia, a difusão desses
saberes passa pela sua apropriação pelas pessoas “leigas” e, para tanto, a
instituição escolar, entre outras instituições, é um dos caminhos percorridos
pelo conhecimento a ser compartilhado. Assim, os saberes produzidos,
que representam parte da cultura histórica, chegam até às escolas, e mais
especificamente às salas de aula, para que possam atingir os estudantes e, a
partir deles, alcançar outros espaços da sociedade. O conhecimento chega nas
salas de aula pelos discursos proferidos pelos docentes, mas também pelos livros
didáticos e os demais recursos e estratégias empreendidos pela ação docente.
Assim, o conhecimento é transformado (transposição didática), analisado e
debatido até que seja apreendido pelos estudantes.

Desse modo, podemos afirmar que, ainda atualmente, um dos grandes


objetivos da instituição escolar é a democratização do conhecimento, ou seja,
de permitir o acesso do conhecimento científico a um grande público e, no
caso específico da disciplina de História, permitir que os estudantes consigam
estabelecer relações entre o passado e o presente, no sentido de compreender
a si mesmos como agentes e como produtores de cultura e da história. Em
sendo assim, estabelecemos dois objetivos para o presente capítulo, sendo o
primeiro deles apresentar possibilidades de encaminhamento metodológico para
abordagem e utilização de documentos e das diferentes linguagens em sala de
aula; e o segundo, analisar as diferentes abordagens metodológicas, conceitos e
conteúdo, tendo em vista a utilização destes como ferramentas para o ensino de
história.

Como os objetivos remetem à prática, pretendemos, ao longo deste capítulo,


vincular as proposições que serão feitas aqui à experiência de trabalho e cotidiano
dos professores em sala de aula. Claro que o que pretendemos trazer aqui são
proposições, reflexões e sugestões, num capítulo dividido em três tópicos de
conteúdo. No primeiro tópico versaremos sobre metodologias, currículo, fontes
e linguagens no processo de ensino e aprendizagem. O segundo tópico trata
de procedimentos metodológicos e práticas interdisciplinares e o terceiro tópico
é destinado a apresentar algumas propostas para o trabalho em sala de aula.
Como mencionamos no capítulo anterior, ensinar História nunca foi tarefa fácil
e, para tanto, não existem “receitas”. Então, desde já, gostaríamos de solicitar
que você utilize a imaginação e a criatividade, pensando na sua realidade, no
seu contexto e, a partir disso, busque pensar atividades e proposições que são
cabíveis, compatíveis e possíveis. Vamos lá?

91
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

2 DIFERENTES FONTES E
LINGUAGENS NO PROCESSO DE
ENSINO E APRENDIZAGEM
Toda pesquisa histórica de desenvolve levando em consideração as fontes,
que são examinadas e, a partir dos vestígios do passado (fontes), busca-se
confirmar ou refutar hipóteses que respondam ao problema proposto pela pesquisa
para, a partir daí, elaborar a argumentação e as explicações. Assim, os fatos
são descritos a partir dos constructos elaborados pelos historiadores. Fica claro,
portanto, que para construir uma explicação histórica sobre um fato, é necessário
que o historiador tenha uma problemática, uma questão para responder, e para
fazê-lo, as fontes são elementos essenciais.

Note-se que o conceito de fonte histórica está sempre à concepção de


história, ou seja, atrelado à perspectiva epistemológica adotada pelo historiador
para o desenvolvimento do seu trabalho. O pesquisador, portanto, dependendo
da concepção adotada, poderá se utilizar de fontes com as mais diversas
características, como por exemplo, fontes orais, escritas, iconográfica’” e a
temática da pesquisa. É pela coleta sistemática de informações fornecidas pelas
fontes que o historiador converterá os “vestígios” em elementos que tornam
possível confirmar (ou não) os acontecimentos dos fenômenos. Desse modo,
apesar das lacunas e vácuos por vezes enfrentados pelos historiadores, são
os vestígios concretos (fontes) que possibilitam a interpretação, permitindo ao
pesquisador saber, com um grau razoável de confiabilidade, o que ocorreu no
passado.

Da mesma forma que o pesquisador trabalha com as fontes, o professor


também precisa, para o seu trabalho, de alguns recursos/linguagens que possam
aproximar o conhecimento historiográfico dos estudantes e de seu cotidiano. E
para falar dessa aproximação de saberes, gostaria de lhe perguntar: você já ouviu
falar do termo “transposição didática”? Sabe o que é isso e da sua importância no
fazer docente?

Segundo Chevallard (2013), o saber “escolar” é sempre diferente da teoria


tal qual ela foi concebida. Segundo o autor, para chegar à escola, o saber passa
por transformações, transformações estas que lhe dão novas “vestimentas”, ou
seja, uma “roupagem didática.” Isso é necessário porque a ciência vê o mundo
a partir dos fenômenos e não dos fatos. Já o professor, por exemplo, não é
suficientemente autônomo “para descartar os meandros inerentes ao mundo da
didática. Ao contrário do físico, que se contenta em explicar como e porque as
pedras caem, ficamos com o ônus de explicar como as pessoas explicam a queda

92
Capítulo 3 HISTÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA

de pedras” (CHEVALLARD, 2013, p. 5). E, ao explicitar o significado, para si, de


transposição didática, o autor assim o faz:

Corpos de conhecimento, com poucas exceções, não


são concebidos para serem ensinados, mas para serem
usados. Ensinar um corpo de conhecimento é, portanto,
uma tarefa altamente artificial. A transição do conhecimento
considerado como uma ferramenta a ser posto em prática,
para o conhecimento como algo a ser ensinado e aprendido,
é precisamente o que eu tenho chamado de transposição
didática do conhecimento (CHEVALLARD, 2013, p. 9).

Sobre esse mesmo assunto, o da transposição didática, Forquin (1992)


afirma que existem algumas diferenças essenciais entre a exposição teórica e
a exposição didática de um conteúdo. A exposição teórica, nesse caso, leva em
consideração o estado do conhecimento. Já a exposição didática de um conteúdo
deve sempre considerar os estados de quem aprende e de quem ensina, bem
como as relações institucionalizadas com o saber e entre os sujeitos desse
processo. Assim, se formam o que o autor chama de “saberes escolares”. E,
sobre isso, o autor afirma:

[…] Pode-se perguntar se de fato todos os saberes escolares


ensinados nas escolas não são verdadeiramente senão o
resultado de uma seção e de uma transposição efetuadas a
partir de um corpo cultural pré-existente, e se não se pode
considerar a escola como sendo também produtora ou
criadora de configurações cognitivas e de habitus originais
que constituem de qualquer forma o elemento nuclear de uma
cultura escolar […] (FORQUIN, 1992, p. 34-35).

Podemos compreender, portanto, que a constituição de um saber escolar,


do qual nos fala Forquin (1992), está relacionada com a seleção curricular dos
conteúdos, da cultura e dos conhecimentos existentes num dado momento
histórico, mas não se limita a essa seleção, pois a relação escolar estabelecida
com esses saberes os transformam em saberes passíveis de transmissão e
de assimilação, por docentes e estudantes. Temos então a necessidade da
transposição, da qual falávamos a partir dos pressupostos de Chevallard (2013),
ou seja, da exigência de um trabalho de reestruturação ou reorganização dos
conhecimentos cientificamente produzidos para torná-los mais acessíveis, quase
que como se traduzidos para uma configuração que é “escolar”.

Embora Chevallard (2013) tenha se dedicado às ciências exatas, mais


especificamente ao ensino de matemática, parte de seus estudos cabem a
todas as disciplinas escolares, uma vez que o autor defende que a transposição
didática é necessária na medida em que ela remete à transformação/passagem

93
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

da teoria, do saber científico e acadêmico para o saber que pode ser ensinado
e aprendido. Podemos, portanto, compreender a transposição didática na
perspectiva da inteligibilidade, do saber o que ensinar, como ensinar, além de ser
preciso compreender também como os estudantes (crianças, jovens ou adultos)
aprendem.

Perrenoud (1990) também se dedica a pesquisar e teorizar sobre o assunto


e, segundo esse autor, a transposição didática pode ser compreendida como a
sucessão de trabalhos (conhecimentos, práticas, valores etc.) realizados em uma
determinada sociedade e se conserva nos objetivos e programas curriculares da
escola até ao conteúdo que se torna efetivo no processo e ensino e finalmente, no
abstraído, construído e apreendido pelos estudantes. É longo, portanto, o caminho
percorrido pelo conhecimento produzido pelas ciências até sua apreensão pelos
estudantes.

A transposição didática, portanto, implica também ao professor pesquisar e


conhecer sobre as formas de ensinar, sobre os modos como o conteúdo científico
a ser ensinado deve ser transformado em saber escolar. Isso inclui formas de
representação das ideias e teorias, as analogias e reflexões propostas, os
exemplos e explicações proporcionadas, bem como os padrões de formulação
e organização das aulas de modo a tornar o conteúdo compreensível para os
estudantes.

Nesse contexto, Astolfi e Develay (2014) destacam que a escola nunca


ensinou saberes no seu estado “puro.” Os conteúdos que cabem à escola são os
“de ensino.” Estes são, para os autores, resultantes de “cruzamentos complexos
entre uma lógica conceitual, um projeto de formação e exigências didáticas”
(ASTOLFI; DEVELAY, 2014, p. 51). Nesse contexto, cabe-nos perceber que na
transposição didática o conteúdo, projeto e formação dos saberes docentes são
influenciados por valores e posicionamentos epistemológicos, que perpassam não
apenas os conteúdos selecionados, mas também as linguagens e metodologias
adotadas para ensinar. Assim, também nos cabe perguntar a respeito dos
programas e currículos, afinal, toda e qualquer transposição didática ocorre a partir
do rol de conteúdos previamente selecionados, ou seja, sobre “o que ensinar”.

A escola é, portanto, um lugar de possibilidades criadas por


dinâmicas culturais que nela se institucionalizam, acontecendo
aí processos constitutivos de negociação de forças e daquilo
que não saberemos jamais. Nestes termos, nela também se
fazem políticas curriculares a partir dos seus atos de currículo
cotidianos (MACEDO, 2013, p. 109, grifo do autor).

94
Capítulo 3 HISTÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA

Desse modo podemos compreender que os saberes escolares, expressos


no currículo e postos em prática na ação docente remetem à valores que, de
forma explícita e até mesmo implícita acabam por reproduzir a cultura, os valores
e as escolhas éticas de uma sociedade. Desse modo, é preciso prestar atenção
aos pequenos detalhes, pois eles podem nos revelar detalhes interessantes da
prática educativa e dos saberes escolares, tal qual as fontes fornecem pistas aos
historiadores.

A respeito dos currículos, consideramos importante compreendê-los como


‘prática’, e através de suas inter-relações com aspectos sociais mais abrangentes,
como economia, cultura, política, entre outros, portanto, estes elementos são
também constituintes dos saberes ensinados. Afinal, é no campo do currículo
que são discutidos os saberes afirmados, negados, excluídos, reproduzidos,
confrontados, partilhados e os sentidos que lhes são atribuídos pelos diferentes
atores do processo educativo. Nesse sentido, nos cabe reconhecer que o currículo
não se encerra no rol de conteúdos listados na grade ou proposta curricular do ano
letivo. Currículo também é um lugar de “fronteira," pensado a partir das produções
(econômicas, culturais e políticas), portando de significados que são hibridizados
e permeados por relações de poder.

Desse modo, no âmbito dos estudos do currículo são consideradas questões


relacionadas à seleção cultural, ou seja, a partir de uma perspectiva de espaço-
tempo e de produção de discursos de verdade, que circulam para além do espaço
escolar. Assim, currículo e transposição didática estão diretamente articulados. E
quando pensamos especificamente no ensino de História, não podemos esquecer
que os muitos fatores que envolvem o trabalho do historiados, como os modelos
explicativos e fontes utilizados; as noções de tempo; a narrativa e diversos outras,
também perpassam e estruturam também o ensino da História.

E, no que concerne às pesquisas e proposições didático-metodológicas para


o ensino de História, elas em sua maioria concordam que a ênfase deve recair
sobre os aspectos construtivos e ativos do processo de ensino e aprendizagem.
Huber (2012) afirma que é a partir dessas novas perspectivas objetivam que os
estudantes sejam capazes de analisar a realidade com base em um conhecimento
crítico, concebendo a sociedade em suas múltiplas dimensões: política,
econômica, social e cultural. Isso requer que se pense o ensino de História numa
perspectiva formativa.

Assumir essas novas proposições exige que os docentes saiam da sua zona
de conforto, pela qual transitam com domínio e segurança, lembrando que a
mudança exigirá, além de modificações em sua postura, embasamento teórico e
metodológico que “[…] possibilite transformar as aulas de História em um processo
de ensino-aprendizagem que seja, de fato, significativo para todos os estudantes,

95
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

favorecendo a construção do conhecimento histórico e da consciência histórica”


(NICOLAZZI JÚNIOR, 2018, p. 26).

Sobre o mesmo assunto, Pinsky e Pinsky (2005, p. 19 apud NICOLAZZI


JÚNIOR, 2018, p. 27) dizem que “uma prática de ensino de História adequada aos
novos tempos (e alunos) [deve ser]: rica de conteúdo, socialmente responsável e
sem ingenuidade ou nostalgia. Historiador/professor sem utopia é cronista e, sem
conteúdo, nem cronista pode ser”.

Assim, e sabendo que o sistema educacional é diverso e plural (assim como


os estudantes o são), o ensino de História deveria partir de uma abordagem que
valoriza essa diversidade, não apenas cultural, mas também de abordagens
historiográficas, fontes, proposições teóricas e metodológicas, narrativas e
linguagens. Desse modo, pode-se fazer do estudo de história um exercício de
construção de hipóteses, de análise crítica, relacionando o passado ao presente,
por exemplo. E isso poderá ser feito a partir da incorporação de diferentes
linguagens e fontes como recursos para o ensino de História. Sobre isso, Fonseca
(1995, p, 53) assevera:

Hoje, tornou-se prática comum o uso de imagens, obras de


ficção, artigos de jornais, filmes e outros, no desenvolvimento
de conteúdos escolares, sobretudo em História e Geografia
[...]. Esta opção metodológica amplia o campo de estudo, torna
o processo de transmissão e produção de conhecimentos mais
interessante, dinâmico e prazeroso. Entretanto, requer um
aprofundamento do debate, de nossos conhecimentos acerca
da constituição destas diferentes linguagens, seus limites e
suas possibilidades.

A esse respeito, Pinsky (2013) afirma que por vezes podemos até pensar que
a educação formal já não é mais tão importante, uma vez que temos acesso a uma
variada gama de fontes de informação, como a televisão e a internet, por exemplo.
Além disso, muitos educadores ainda mantêm sua prática centrada no ensino
tradicional e na memorização, tornando as aulas de História pouco atrativas aos
jovens, que não percebem sentido no conteúdo escolar em relação às exigências
da sociedade no que concerne aos processos formativos e exigências para o
mercado de trabalho.

Uma vez que a História está presente em quase todas as manifestações


dos seres humanos ao longo dos tempos, acreditamos que o processo de ensino
pautado numa perspectiva articulada com diferentes metodologias, além da prática
da pesquisa e a utilização de diferentes linguagens/fontes em sala de aula (e
fora dela) contribuem para a construção de uma aprendizagem significativa, pois
permitem ao aluno um olhar mais crítico sobre o conteúdo, bem como agregam

96
Capítulo 3 HISTÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA

saberes para que ele possa compreender não apenas o conteúdo propriamente
dito, mas também o mundo que o cerca.

3 PROCEDIMENTOS
METODOLÓGICOS E PRÁTICAS
INTERDISCIPLINARES
Iniciamos este subtópico lhe fazendo uma pergunta: o que pode fazer
um professor, para ensinar História? Acreditamos que você tem algumas
sugestões, e que poderia contribuir e muito para a discussão que nos
propomos agora. Assim, sugerimos fazermos um trato: caso você seja
professor, ou pretenda ser, que o seja de modo “ousado,” que permita
aos estudantes compreender (ou pelo menos tentar compreender) o
funcionamento da sociedade em que vivemos, das suas contradições e do
quanto tudo isso é historicamente construído.

Pesavento (1995, p. 17), afirma que “todo fato histórico – e, como


tal, fato passado – tem uma experiência linguística, embora o seu
referente (o real) seja exterior ao discurso. Entretanto, o passado já nos
chega enquanto discurso, uma vez que não é possível restaurar o real
já vivido em sua integridade”. Desse modo, podemos compreender que
o passado do qual falam os historiadores não é o ‘passado em si’, como
já mencionado anteriormente. O que sabemos do passado, enquanto
historiografia (escrita da História), é a narração dos fatos, tal como é
possível a sua representação, a partir dos vestígios/fontes desse passado.
A historiografia é, portanto, narrativa dos fatos, é discurso e, por isso,
dependente da linguagem.

Assim, se o historiador para realização do seu trabalho se torna


dependente da linguagem, o professor (e todos nós) também o é.
Destacamos que compreendemos, por “linguagem,” os meios sistemáticos
utilizados para comunicar ideias ou sentimentos, com base em signos
convencionais como, por exemplo, os sonoros, gráficos ou gestuais, que
podem ser utilizados individualmente ou em grupo. Assim sendo, podemos
considerar as fontes históricas também como linguagens, tanto para o
trabalho do historiador, quanto do professor de História. E, desse modo,
essas fontes passam a fazer parte dos recursos educacionais, para além
da escrita e dos livros didáticos e do aporte tecnológico (projetor/datashow,
por exemplo) a literatura, a música, a fotografia, a arte, o cinema, o teatro,
a internet, a arquitetura, a música, o jornal, a mídia/propaganda, e até

97
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

mesmo a linguagem matemática, entre outras. E podemos acrescentar


aqui alguns lugares que nos permitem acesso privilegiado a algumas
dessas linguagens, como. por exemplo os museus, galerias de arte, bem
como alguns bairros e ruas da cidade.

Como havíamos nos comprometido a fazer desse tópico um diálogo


em proximidade com a prática/fazer docente, nos propomos a fazê-lo a
partir de agora.

3.1 A MÚSICA
Destacamos que fizemos um pequeno recorte e iniciaremos pela música,
visto que muitos profissionais já a utilizam em suas salas de aula com objetivos
diversos. Aliás, ouso perguntar: você já teve alguma experiência com música em
sala de aula? Como docente ou ao longo de sua trajetória como estudante da
educação básica ou ensino superior? Como foi?

Como introdução à nossa discussão, relembramos de que a música pode


ser fonte de pesquisa para o historiador, a exemplo da obra de Eric J. Hobsbawm,
intitulada História Social do Jazz. Segundo o próprio autor, o seu livro versa
sobre “[…] um dos fenômenos culturais mais notáveis do nosso século. Não trata
apenas de um certo tipo de música, mas de uma realização extraordinária, um
aspecto marcante da sociedade em que vivemos” (HOBSBAWM, 1990, p. 27).
Como o próprio autor afirma, o Jazz é mais do que um gênero musical, pois ele
é possível apenas a partir de certa combinação de instrumentos, mas também
porque seus músicos bem como pelas pessoas que ouvem jazz, escrevem ou
falam sobre ele. O jazz, portanto, assim como outros gêneros musicais é singular
enquanto expressão de uma cultura e dos indivíduos que a compartilham.

Quando levada para a sala de aula, a música é deslocada do seu status


de arte e entretenimento e precisa ser transformada em recurso didático.
Nesse contexto, sugerimos o trabalho a partir das canções/músicas populares.
Não que a música erudita não possa ser utilizada, porém, a música popular
costuma apresentar de modo mais explícito diversas informações que podem ser
exploradas, viabilizando assim, seu uso em sala de aula. Napolitano (2002, p. 14),
sobre esse estilo, afirma que:

em linhas gerais, o que se chama de “música popular” emergiu


do sistema musical ocidental tal como foi consagrado pela
burguesia no início do século XIX, e a dicotomia “popular”
e “erudito” nasceu mais em função das próprias tensões
sociais e lutas culturais da sociedade burguesa do que por

98
Capítulo 3 HISTÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA

um desenvolvimento “natural” do gosto coletivo, em tomo de


formas musicais fixas.

Sobre a música como recurso didático, compartilhamos a seguir


um pequeno trecho do livro “Prática profissional no ensino de história:
linguagens e fontes”, de Nicolazzi Júnior:

[…] Como ocorre com toda linguagem entendida como


fonte histórica, é preciso atentar para os elementos intrínsecos e
extrínsecos à fonte em questão, entre eles a articulação entre texto e
contexto, isto é, entre música e contexto.

Aqui são válidas as orientações gerais para o uso de linguagens


como fontes históricas nas aulas de História: é fundamental conhecer
a linguagem em questão; selecionar a fonte a ser analisada;
descrever a fonte indicando as informações que ela contém; mobilizar
saberes e conhecimentos prévios para situar a fonte em seu contexto
original e em relação ao seu autor; e identificar e explorar a natureza
da fonte para, por fim, explicar, interpretar e criticar a fonte escolhida.
No caso da linguagem sonora/musical como fonte histórica, é preciso
fazer a música “falar” diante dos questionamentos feitos a ela.
Questões como quem é o autor, como ele se posiciona no contexto
da obra, qual é a abrangência da música e do autor entre o público
receptor e, também, no mercado, são um caminho para a análise de
uma música. O teor da música, sua letram sua melodia e seu ritmo
são igualmente reveladores, pois refletem as escolhas e interesses
dos criadores e produtores da música, conferindo significados a ela
em seu contexto de criação/produção e ao longo do tempo. A música
com relação a seu conteúdo e seu autor, abre espaço para várias
análises em perspectiva histórica na sala aula, independente da
abordagem escolhida (NICOLAZZI JÚNIOR, 2018, p. 118-119).

Com isso, podemos perceber que utilizar a música como recurso didático
e a partir dela suscitar reflexões, construção de saberes, elaborar argumentos
é um dos desafios que se colocam ao professor de História. Aos estudantes, o
desafio é o de não apenas “ouvir” a música, tê-la como fonte de entretimento,
mas sim percebê-la como fonte de informação e conhecimento, e para tanto, será
preciso pensá-la e questioná-la, pois a produção musical pode proporcionar a
compreensão da produção cultural de uma determinada sociedade.

99
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

Podemos dizer que a música tem estado entre as fontes preferidas dos
professores porque ela “[…] tem sido, ao menos em boa parte do século XX, a
tradutora dos nossos dilemas nacionais e veículo de nossas utopias sociais”,
conforme afirma Napolitano (2002, p. 7). E no que concerne aos usos mais comuns
da música na sala de aula, Fontoura (2018) afirma que a ilustração dos eventos
políticos tem sido a mais recorrente. Entretanto, consideramos destacar que a

A relação entre música e política vai além do mero


estabelecimento de relações entre canções e eventos. O Estado,
por exemplo, pode, por um lado, valorizar gêneros musicais ou
artistas, pelo incentivo institucional; e, por outro, pode realizar
proibições e censuras, que dificultam o registro ou a difusão de
certas músicas (FONTOURA, 2018, p. 133-134).

A música, portanto, não se caracteriza apenas como uma combinação de


notas musicais ou de equipamentos e instrumentos sonoros, mas sim produtos
de vivências, de experiências individuais e coletivas. A música é um modo de
comunicação e interação social, é veículo a partir do qual as ideias passam a
circular. E já que estávamos falando da música popular e sua relação com a
política, gostaria de citar Napolitano (2010, p. 39), que afirma, sobre a música no
Brasil que

[…] a canção popular dos anos 1970, situada dentro das


correntes identificadas pela crítica como sendo parte do guarda-
chuva da MPB, dividiu-se em dois períodos bem demarcados
de expressão: entre 1969 e 1974, poderíamos nomeá-la como
“canção dos anos de chumbo”. Entre 1975 e 1982, teríamos a
“canção da abertura”.

Questões sociais e políticas permearam, desde o começo, ou seja, desde


a década de 1960, as letras da MPB (música popular brasileira). Na década
seguinte, a música serviu como possibilidade de comunicar ideias, já durante
a ditadura militar, sempre no sentido de expressar a consciência política, a
resistência, os desejos reprimidos e os anseios da coletividade. Fontoura (2018)
menciona algumas canções que podem ser utilizadas em sala de aula para
pensar e refletir sobre a História desse período, por exemplo “Para não dizer que
não falei das flores” (de Geraldo Vandré), “Cálice” e “Meu caro amigo” (de Chico
Buarque) ou “Debaixo dos caracóis dos seus cabelos” (de Roberto Carlos).

Para além desse período, a música sempre foi expressão de


representatividade coletiva e, por isso, pode adentrar a sala de aula. Para pensar
o período da Primeira República (República Velha) por exemplo, podemos utilizar
com os estudantes a música “Cabala Eleitoral” (de Bahiano e Cadete, escrita em
1902), que versa sobre uma prática existente até a atualidade: a troca de voto por
favores. A letra expressa, portanto, a prática do Coronelismo, do Curral Eleitoral e

100
Capítulo 3 HISTÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA

do Voto de Cabresto e pode ser utilizada para pensar as eleições (do passado e
do presente), suas permanências e rupturas. Destacamos que esse é apenas um
exemplo entre vários outros possíveis.

Se o conteúdo da aula por acaso for o período do Estado Novo (Getúlio Vargas),
podemos sugerir a “Aquarela do Brasil” (de Ary Barroso), que versa sobre um Brasil
grandioso, e de suas facetas de belezas e riquezas, enaltecendo o país e contribuindo
para a divulgação dos preceitos e ideais do Estado-nação. Outro exemplo de música
que retrata o ideário da época é “É negócio casar!” (de Ataulfo Alves), lembrando
que a letra dessa canção evidencia o modelo de família tradicional, desejada pelo
governo na época para composição da “sociedade brasileira.” Já a música “Se eu
fosse Getúlio” (de Arlindo Marques Jr. e Roberto Roberti), de letra cheia de ironia e
cinismo, fala dos graves problemas sociais e econômicos que assolavam a nação e
sugere “dicas” ao presidente sobre como governar a nação.

É importante notar que nesse período há a instituição da censura, então essas


letras passaram por ajustes para que pudessem circular e chegar ao seu público.
Outra questão a considerar, para além das letras das músicas é a exaltação do
samba e do carnaval, como elementos de uma cultura essencialmente “brasileira”.

1 Pensando sobre música e política, faça uma breve pesquisa


sobre o período de redemocratização do Brasil, a partir do fim
da Ditadura Civil Militar e busque identificar pelo menos uma
música que pode ser utilizada como recurso pedagógico. Não se
esqueça de justificar sua escolha, descrevendo alguns aspectos
da música escolhida.
R.:____________________________________________________
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101
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

No entanto, a música, quando transformada em recurso didático, não pode


estar atrelada apenas às questões políticas. Não vamos nos delongar, mas a
música pode tratar de questões relacionadas às mudanças de comportamento
e hábitos da sociedade, como as canções “Splish splash, Filme triste, Estúpido
cupido,” e “Eduardo e Mônica” que, conforme argumenta Fontoura (2018), revelam
experiências de relacionamentos, demonstrações de afeto, o relacionamento
entre uma mulher universitária e um jovem que cursava o ensino médio, e cada
uma apontando para “novidades” da sua época, refletindo as mudanças ocorridas
na sociedade.

Ainda com base em Fontoura (2018) podemos dizer que músicas como “Ai
que saudades da Amélia” (de Mario Lago e Ataulfo Alves), “Mulheres de Atenas”
(interpretada por Chico Buarque), “Lôraburra” (de Gabriel o pensador), bem como
“Macho” (gravada pelas Frenéticas) e “Malandro é malandro e mané é mané”,
(de Bezerra da Silva) refletem concepções de gênero vigentes na sociedade,
reforçando ou satirizando ideais de feminino e masculino. Para além das questões
de gênero, canções como “O teu cabelo não nega” (de Lamartine Babo), “Da cor
do pecado” (de Sílvio Caldas), entre outras, podem ser aportes para pensar tanto
as questões raciais, quanto à própria questão da mulher negra na sociedade
de uma época, valores e preconceitos vigentes e que, por vezes, ainda são
encontrados na sociedade atual.

E como o pesquisador ou o docente podem abordar a música no


desenvolvimento do seu trabalho? Segundo Napolitano (2018, p. 271), são quatro
as abordagens fundamentais:

• a letra de uma canção, em si mesma, dá o sentido histórico-cultural da


obra;
• o sentido assumido pela letra depende do “contexto sonoro” mais
amplo da canção, tais como entoação, colagens, acompanhamentos
instrumentais, efeitos eletroacústicos, mixagens;
• a letra ganha sentido na medida em que a sua materialidade sonora
(palavras, fonemas, sílabas) está organizada conforme as alturas que
constituem as frases melódicas de uma canção;
• o sentido sociocultural, ideológico e, portanto, histórico intrínseco
de uma canção é conjunto indissociável que reúne: palavra (letra);
música (harmonia, melodia, ritmo); performance vocal e instrumental
(intensidade, tessitura, efeitos, timbres predominantes); veículo técnico
(fonograma, apresentação ao vivo, videoclipe).

Para o desenvolvimento de atividades educativas tendo a música como


recurso didático, cabe lembrar que atualmente é razoavelmente comum encontrar
letras de músicas nos livros didáticos adotados pelas escolas ou redes de ensino,

102
Capítulo 3 HISTÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA

mas o professor pode buscar músicas para além desses livros. No entanto, como
destaca Ferreira (2012, p. 19),

[…] é importante que o professor, seja qual for o conhecimento


que ele tenha a respeito de música, não deixe de ter como
referência o ‘ouvinte curioso’ […], ou seja, para que o professor
selecione bem as músicas que utilizará em suas aulas, deverá
desenvolver o seu espírito crítico como ouvinte.

Ao levar a música para a sala de aula o professor estará implementando


um processo de construção de conhecimentos, considerando a capacidade
interpretativa e criativa dos estudantes, tornando a aula mais descontraída e ao
mesmo tempo promovendo a promoção da criticidade e da compreensão acerca
dos aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais de determinada época, de
diferentes sociedades e tempos.

Como leitura complementar ao nosso estudo, indicamos o livro


“Como usar a música na sala de aula”, escrito por Martins Ferreira e
publicado pela editora Contexto.

3.2 CINEMA
Apresentamos agora a segunda linguagem que selecionamos para nossa
conversa: o cinema. Nossa escolha se baseia no que afirma Napolitano (2011,
p. 11-12): “[…] trabalhar com o cinema em sala de aula é ajudar a escola a
reencontrar a cultura ao mesmo tempo cotidiana e elevada, pois o cinema é o
campo no qual a estética, o lazer, a ideologia e os valores sociais mais amplos
são sintetizados numa mesma obra de arte”.

Outro aspecto a ser ressaltado é a descentralização da escola como


principal agente disseminador de conhecimento, bem como a preocupação
com o letramento midiático, que passou a fazer parte das discussões sobre a
educação, como bem lembra Mocellin (2009). Nesse contexto, com o crescente
acesso aos meios de comunicação de massa por parte dos estudantes, cabe ao
professor pensar em questões como a educação para as mídias, ou, no mínimo,
a aproximação do conteúdo midiático ao conteúdo escolar, com a utilização de
linguagens e recursos didáticos adequados para tanto.

103
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

O cinema foi “inventado” em fins do século XIX pelos irmãos Lumière. Em


pouco tempo, o cinema acabou por se popularizar e se tornar um símbolo da
sociedade contemporânea, registrando as imagens e criando sentidos para
aquilo que é possível ver. De acordo com Bernardet (1980), a primeira exibição
pública de cinema ocorreu no dia 28 de dezembro 1895 e, nessa data, um homem
chamado Georges Mélies, que trabalha com teatro e apresentações de mágicas,
foi falar com Lumière para comprar um “cinematógrapho”. Lumière, entretanto,
desencorajou Mélies, dizendo que o “cinematógrapho” não teria o menor futuro
como espetáculo e que não exerceria nenhum fascínio para o público a longo
prazo.

Lumière estava redondamente enganado, e o cinema se tornou fonte de


entretenimento para a sociedade e acabou se tornando também parte das
preocupações dos historiadores, a ponto de se tornar “fonte,” “documento,” ou
seja, objeto de pesquisa e trabalho do historiador. Ainda sobre a história do
cinema, Napolitano (2009, p. 11) afirma que:

O cinema é, antes de tudo, uma das experiências sociais mais


fortes da sociedade de massas […]. A possibilidade de assistir a
imagens em movimento numa tela de grandes dimensões vem
impactando multidões, de diversas origens sociais, formações
culturais e raízes étnicas. Fruto da sociedade industrial e
de massas, o cinema nasceu junto com o século XX e seus
modernismos estéticos e sociabilidades modernas.

E sobre a relação do Cinema com a História, Catelli Júnior (2009, p. 53)


afirma que:

Desde que a produção cinematográfica passou a ser encarada


como um testemunho da sua sociedade, como um reflexo das
ideologias, dos costumes e das mentalidades coletivas que
a produziram, podemos ver um filme tanto como documento
historiográfico quanto como um discurso sobre a historia.

Não podemos esquecer, entretanto, que todo filme, seja ele um documentário
ou ficção é sempre resultante das seleções, escolhas, recortes. Na produção de um
filme, para além do roteiro, existem interesses comerciais, ideológicos e estético.
Por isso, como diz Napolitano (2009), filmes não são a representação direta da
realidade, tampouco estão desconectados à sociedade que os produziram. Desse
modo, sempre o que o filme for transformado em recurso didático, deve-se ter em
mente que os filmes são produzidos a partir de “representações” e “encenações”.

Levar o cinema para a sala de aula é, portanto, uma estratégia metodológica


dinâmica que além de tornar as aulas mais atrativas, é também uma importante

104
Capítulo 3 HISTÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA

ferramenta didática. Desse modo, é importante destacar que o filme não deve ser
levado para a escola como “ilustração’ apenas, mas sim como um “[…] formidável
instrumento de intervenção, de pesquisa, de comunicação, de educação e de
fruição”, como bem destaca Fantin (2007, p. 1).

Quando a educação – tão velha quanto a humanidade mesma,


ressecada e cheia de fendas – se encontra com as artes e se
deixa alargar por elas, especialmente pela poética do cinema
– jovem de pouco mais de cem anos –, renova sua fertilidade,
impregnando-se de imagens e sons. Atravessada desse modo,
ela se torna um pouco mais misteriosa, restaura sensações,
emoções, e algo da curiosidade de quem aprende e ensina.
Com o cinema como parceiro, a educação se inspira, se
sacode, provoca práticas pedagógicas esquecidas da magia
que significa aprender, quando o “faz de conta” e a imaginação
ocupam um lugar privilegiado na produção sensível e intelectual
do conhecimento (FRESQUET, 2013, p. 19-20).

Para a utilização de filmes em sala de aula, há alguns aspectos importantes


que devem ser considerados. Napolitano (2011) nos lembra de que, para a
utilização dos filmes em sala de aula, é necessário planejar as atividades,
mapeando suas possibilidades. Para tanto, o autor sugere que o docente se faça
algumas perguntas, tais como : Qual o objetivo da atividade / utilização do filme?;
O filme é adequado à faixa etária dos estudantes?; O filme será apresentado na
íntegra?, entre outras. Além disso, podemos nos perguntar: o filme será exibido na
sala de aula, ou há outro espaço na escola para fazê-lo?; Os equipamentos que
serão utilizados para projeção, estão funcionando adequadamente?; Quais são
os principais aspectos do filme relacionados à disciplina de História?; O tempo de
exibição do filme é adequado ao tempo da aula?.

A análise fílmica deve sempre seguir alguns procedimentos


previamente planejados. Sobre esses procedimentos,
compartilhamos a seguir um pequeno trecho do livro “Ensino de
História: fundamentos e métodos”.

A análise pode seguir os procedimentos metodológicos


propostos pelos especialistas, levando em conta a leitura do filme
– conteúdo, personagens, acontecimentos principais, cenários,
lugares, tempo em que decorre a história narrada, etc. – assim
como a leitura (em geral por intermédio de preenchimento de uma
ficha técnica) da produção do filme – diretor, produtor, música, tipo

105
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

de técnicos, etc. Em seguida, vem a análise do contexto externo do


filme: ano, país…

“Ver” um filme, do ponto de vista pedagógico, deve ainda


conduzir a outra reflexão sobre um elemento técnico importante: o
vídeo. A popularidade desse suporte técnico deve ser considerada […]
em dois sentidos: por um lado confere ao professor a possibilidade
de controlar as cenas – pode-se voltar às mais importantes que
mereçam discussões, podem-se restringir cenas, etc.; por outro
lado, pode ser produzido pelos próprios alunos, situação que
possibilita a compreensão do processo de produção das imagens
cinematográficas (BITTENCOURT, 2004, p. 376-377).

Outro aspecto importante a ser considerado é o cuidado que o professor deve


ter com os valores culturais, morais e religiosos dos estudantes, conforme alerta
Napolitano (2011). Mesmo sabendo que os docentes não devem simplesmente
reproduzir valores culturais, morais e religiosos dos estudantes, mas, sim, expandi-
los. E importante, entretanto, que estes aspectos sejam inicialmente respeitados,
para depois ampliá-los e problematizá-los, evitando o choque de valores culturais
e religiosos que, em um trabalho mal direcionado podem resultar em um bloqueio
pedagógico.

Dentre toda a produção cinematográfica, Catelli Júnior (2009) indica os


chamados “filmes históricos” como essenciais ao trabalho dos professores de
História a partir de dois diferentes ângulos: como testemunho da época em que
foi produzido ou como representação do passado. Não podemos nos esquecer,
entretanto, que por ser uma “produção,” o filme é uma “representação” e,
portanto, é carregado de subjetividades, de modo que se faz necessário sempre
problematizar o filme, o enredo, as personagens, e não aceitar o filme como mera
“reprodução” da verdade sobre o passado. Destacamos também que os filmes
históricos, durante muito tempo, apresentaram uma concepção heroica e pomposa
da história, fato esse que também deve ser analisado, preferencialmente à luz das
perspectivas historiográficas.

A respeito das possibilidades práticas de utilização dos filmes nas aulas de


História, Napolitano (2011) aponta algumas sugestões. Para as aulas que tem
como conteúdo a História antiga, o autor sugere os filmes “Spartacus”, “Ben-Hur”,
“Cleópatra, Gladiador” etc. Quando o objeto for o ensino da Idade Média, uma
sugestão possível é “O incrível exército de Brancaleone”. Outra sugestão de filme
que se passa no tempo do medievo é “O nome da rosa”, entretanto, fique atento
à faixa etária dos estudantes e às cenas que serão utilizadas em aula, pois há,

106
Capítulo 3 HISTÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA

ao longo da história, cenas de nudez e sexualidade. Sobre a América Colonial


e os Jesúítas, Napolitano (2001) sugere o filme “A Missão”. E quando se tratar
da relação senhor e escravo, podemos assistir “A última ceia”. Ainda sobre a
escravidão, o autor sugere o filme “Amistad” (que contém várias cenas de nudez).

Se a temática da aula for A Segunda Guerra Mundial, Napolitano (2011)


sugere “A lista de Schindler”. Além deste, podemos sugerir outros sobre a
temática do Nazismo/Segunda Guerra, como “O menino do pijama listrado”; “O
fotógrafo de Mauthausen” (com cenas de violência e nudez, que necessitam um
olhar atento do professor antes de ser exibido aos estudantes) bem como “O
zoológico de Varsóvia”; “A menina que roubava livros”; “A queda”, entre outros
filmes que apresentam diferentes perspectivas sobre um mesmo período histórico.
Retrocedendo um pouco, voltando para os tempos da Primeira Guerra Mundial,
podemos sugerir filmes como “Cavalo de Guerra”, “Nada de novo no front” e “Feliz
Natal”, entre outros. Outra sugestão é “A invenção de Hugo Cabret”, menino que
após a morte trágica do pai e passa a morar em uma estação ferroviária na Paris,
vive aventuras ao lado de um robô quebrado e uma amiga, protagonizando uma
crítica da sociedade do período entreguerras.

Tanto Napolitano (2011) quanto Catelli Júnior (2009) sugerem, para o ensino
de História do Brasil Colonial, o filme “Carlota Joaquina, princesa do Brasil”.
Catelli Júnior (2009) afirma que o ideal, nesse caso, é que os estudantes assistam
ao filme na íntegra, portanto, o professor deve reservar pelo menos duas aulas
de 50 minutos para fazê-lo. Sobre esse mesmo período histórico, podemos ainda
sugerir os seguintes filmes: “Xica da Silva”, “Os Inconfidentes” ou “Quilombo”.

A respeito do populismo de Getúlio Vargas e do Estado Novo, nossas


sugestões são “Olga” e “Lamarca”, bem como “Memórias do Cárcere”, lembrando
ao professor que esses filmes apresentam cenas de violência, portanto,
demandam atenção e adequação à faixa etária, bem como cortes (não sugerimos
a sua utilização na íntegra, portanto. Sobre os tempos da Ditadura Civil Militar, “O
que é isso, companheiro?”, “O bom burguês”, “Zuzu Angel” e “Pra frente, Brasil”
são as nossas sugestões.

Ainda no que concerne ao trabalho do professor, a partir da utilização dos


filmes em sala de aula, ou do cinema, Fontoura (2018) afirma que assistir ao filme,
mesmo que de maneira contextualizada e com a devida intervenção docente
nunca deve ser o encerramento da atividade. Desse modo, quando o filme tiver
acabado, o autor sugere que o professor elabore questões norteadoras para
debater o que foi assistido, bem como pode pensar em materiais complementares
ao filme para aprofundar a discussão e incentivar a pesquisa.

107
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

1 Sobre filmes, elabore um plano de aula que utilize uma obra


cinematográfica como recurso didático. Para tanto, sugerimos
que você siga o seguinte roteiro:

Tema da aula:
Título do filme:
Justificativa:
Objetivos:
Número de aulas:
Desenvolvimento da atividade:
Avaliação:

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3.3 O JORNAL
A partir de agora, nossa conversa terá o jornal como temática central. No
capítulo anterior apenas o mencionamos como recurso para as aulas de História,
porém agora, nos dedicaremos um pouco mais a falar sobre o assunto.

108
Capítulo 3 HISTÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA

Você sabia que a imprensa brasileira teve sua gênese no ano


de 1808, com a criação da Gazeta do Rio de Janeiro. Essa era uma
publicação produzida pela Imprensa Régia, que era um órgão de
divulgação do governo português, que foi mantida como imprensa
oficial até o ano de 1822, ou seja, teve 13 anos de existência e
depois foi substituído. Dentre os jornais do período imperial, a
Gazeta de Notícias e O Paiz se destacaram e se mantiveram ativos
por muito tempo, até o período em que Getúlio Vargas assumiu o
poder. Além desses, outros jornais circularam, como por exemplo o
Diário de Notícias, o Correio do Povo, a Cidade do Rio, o Diário do
Commercio, entre outros (DALLA COSTA, 2012).

Na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional podem ser


consultados, na íntegra, exemplares de diversos periódicos
publicados no Brasil no século XIX. Acesse em: <http://memoria.
bn.br/hdb/periodico.aspx>.

O jornal, em sua sintonia permanente com a realidade, favorece, com grande


visibilidade, a historicidade da produção humana. E sua importância enquanto
linguagem e recurso no ensino de História está relacionada com a compreensão
dos processos históricos na sua articulação com o contexto atual, ou seja, com a
história do tempo presente.

As novas concepções pedagógicas paralelas aos novos


aportes teóricos e metodológicos da história legitimam o uso
escolar das fontes, não apenas como suporte informativo,
mas sim como todo um conjunto de signos, visual, textual,
produzido numa perspectiva diferente da comunicação de um
saber disciplinar, mas utilizando essas como fins didáticos
(VALLE; ARRIADA; CLARO, 2011, p. 68).

Desse modo, para iniciar nossa conversa sobre jornais, gostaria de


compartilhar um pequeno trecho do livro intitulado Ensino de História:

109
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

Os jornais são, aparentemente, fontes de informação do


presente. Entretanto, como narram fatos que ocorreram no mínimo
no dia anterior, efetivamente são narrativas do passado, ainda
que recente, e com prováveis desdobramentos imediatos na
contemporaneidade.

Isso não significa que jornalistas são historiadores; estes


estudam o passado baseados em conceitos e métodos específicos,
os jornalistas, por sua vez, produzem narrativas que são registradas
e lidas em jornais, sites, rádio e televisão.

Entretanto, ao narrar fatos, os jornalistas também fazem


contribuições à História, pois seu trabalho, convertido em documentos,
passa a ser utilizado por historiadores no cruzamento com outras
fontes de informação, para que se compreendam as sociedades do
passado e suas formas de relacionamento, representações, conflitos,
jogos de forças e significados presentes na memória.

Os professores, construtores do conhecimento, também podem


utilizar os jornais no ensino, principalmente nas aulas de História,
estimulando o aluno a produzir conhecimentos com base em
diferentes atividades ou formas de interação (ABUD; SILVA; ALVES,
2010, p. 27).

Conforme recomendam Abud, Silva e Alves (2010), os jornais podem ser sim
utilizados pelos professores em sala de aula. E acreditamos nisso porque a escola
é considerada ainda espaço privilegiado de acesso à informação, aos saberes
elaborados e da construção de conhecimentos, portanto, a informação pode e
deve ser matéria prima do processo de ensino e aprendizagem. Nesse contexto,
conforme menciona Ferreira (2009), o jornal é uma fonte primária de informação,
ao alcance do professor, na medida em que apresenta um conjunto de conteúdos
variados, ao mesmo tempo em que é um instrumento para que os seus leitores
possam se situar a respeito do que acontece na sociedade. Ainda de acordo com
Ferreira (2009), a riqueza dos jornais está, em grande medida, de acordo com
autora, nos diferentes pontos de vista que são apresentados pelos jornais.

Não podemos deixar de ter em mente que as informações trazidas pelos


jornais (impressos ou televisivos) mesmo que sejam sempre rápidas e em grande
medida “passageiras,” são elementos de construção dos “fatos’ pela mídia.

110
Capítulo 3 HISTÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA

[…] o fato construído pelos vários olhares da mídia – que


não é neutra – é aparentemente fugaz, já que é somente a
“ponta do iceberg” de problemas que permanecem em todo o
processo histórico. A mensagem é ligeiramente internalizada
pelo telespectador, por sua aparência imediata, permite a
criação de preconceitos, porque não revela o que está além do
observável (ROVAI, 1995, p. 81).

Por isso, as informações jornalísticas são tão interessantes e caras ao ensino


de História. Ao trazer para a sala de aula os diferentes pontos de vista, que podem
ser, inclusive, ser conflitantes, o professor pode utilizá-los como ferramenta para
levar os estudantes “[…] a conhecer diferentes posturas ideológicas frente a um
fato, a tomar posições fundamentadas e a aprender a respeitar os diferentes
pontos de vista, necessários ao pluralismo numa sociedade democrática”,
bem como para instigar reflexões e conexões entre a fugacidade das notícias
jornalísticas e o conhecimento cientificamente produzido pelos historiadores
(FERREIRA, 2009, p. 11).

Nesse sentido, uma das grandes missões do professor


historiador é desmistificar o senso comum de que a imprensa
transmite uma verdade objetiva. Nem mesmo a história é
capaz de fazê-lo, na medida em que é formulada com base em
interpretações parciais, trazendo em seu bojo muito da visão
de mundo do próprio pesquisador.
As diferentes opiniões sobre determinado tema ou situação
devem ser exploradas pelo professor durante as aulas, para
relativizar a “verdade” contida nos discursos (CAVAZZANI;
CUNHA, 2017, p. 148).

Ferreira (2012) afirma ainda, que os jornais podem contribuir, para além da
formação geral dos estudantes, também a formação do “cidadão” bem como na
formação para o uso padrão da língua. No que diz respeito à formação geral, os
jornais podem ser contributos para ampliação do universo cultural, bem para o
desenvolvimento das capacidades intelectuais dos estudantes. A autora diz ainda
que “[…] se a leitura do jornal for bem conduzida, ela prepara leitores experientes
e críticos para desempenhar seu papel na sociedade” (FERREIRA, 2012, p. 11),
ou seja, na sua formação para o exercício da cidadania. Já em relação ao uso
do padrão da língua, os bons jornais costumam seguir a norma padrão escrita (e
falada), podendo, portanto, servir de referência para a elaboração e produção de
textos por parte dos estudantes.

Além disso, o jornal ainda pode ser um suporte para a compreensão e


utilização de outras linguagens, para além da linguagem escrita, afinal, no conjunto
de ferramentas informacionais, utiliza fotos, legendas, mapas, números, tabelas,
manchetes, gráficos etc. O domínio dessas ferramentas permite aos estudantes

111
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

a compreensão ampliada das informações, para além da interpretação do código


escrito e de forma interdisciplinar, pois, para ler mapas, tabelas e gráficos, os
estudantes alçam mão também dos conhecimentos geográficos e matemáticos,
por exemplo.

E no que concerne à prática, ou seja, ao trabalho docente a partir da


proposição de análise de jornais escritos (impressos ou on-line) em sala de aula,
Dalla Costa (2012, p. 122) sugere:

a. faça uma seleção de matérias jornalísticas relacionadas ao


conteúdo estudado em sala e cópias dessas para entregar
aos alunos;
b. leia os jornais com os alunos;
c. compare, com os estudantes, o conteúdo do jornal com o
livro didático;
d. proponha a realização de um plenário, no qual os grupos
de alunos podem discutir os conteúdos e apresentar os
resultados dessa discussão;
e. após as apresentações, faça uma conclusão a respeito,
sempre comparando os conteúdos do jornal e do livro.

E já que mencionamos o livro didático, a partir da fala do autor, consideramos


igualmente importante destacar que também o livro é também uma mercadoria
e, portanto, obedece à mesma lógica da produção mercadológica, de modo que
o processo de sua produção e comercialização é atravessado por interferências
políticas, econômicas e culturais. Sobre isso, Bittencourt (2009, p. 71) afirma que
a produção de um livro didático é influenciada por figuras como a do editor do
jornal, mas também “[…] pelo autor e pelos técnicos especializados dos processos
gráficos, como programadores visuais, ilustradores. É importante destacar o livro
didático como objeto da indústria cultural impõe uma forma de leitura organizada
por profissionais e não exatamente pelo autor”.

Ainda conforme Dalla Costa (2012), existem outras perspectivas de análise


que podem anteceder ou proceder à análise discursiva do conteúdo. Concordamos
com o autor quando destaca ser importante atentar para o fato dos jornais serem
produzidos por ‘empresas’ e, por isso, apesar de todo o discurso que sempre
ouvimos a respeito da “liberdade de imprensa,” é preciso termos sempre em
mente que os objetivos principais de uma empresa são sempre os de vender os
seus produtos (nesse caso, as notícias/o jornal) bem como a obtenção de lucros
Desse modo, corroborando com o que diz Dalla Costa (2012), Bittencourt (2004,
p. 337) afirma:

O importante no uso de textos jornalísticos é considerar a


notícia como um discurso que jamais é neutro ou imparcial.
A veiculação de notícias e informações, com ou sem análise

112
Capítulo 3 HISTÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA

de jornalistas, precisa ser apreendida em sua essência de


imparcialidade, para que se possa realizar uma crítica referente
aos limites do texto e aos interesses de poder implícitos nele.

Sobre esse mesmo assunto, Valle, Arriada e Claro (2011) afirmam que os
jornais, assim como outros periódicos, localizam-se numa encruzilhadaentre
sociedade, política e poder, por isso que os textos publicados acabam se
combinando a estes aspectos, endossando o discurso oficial ou, por vezes,
opondo-se a ele. O conteúdo que circula nos jornais é, portanto, resultante
das redes de poder constituídas, por isso, “[…] manipulação da e na imprensa,
portanto, demanda um controle pelo poder, quer seja esse poder do estado, quer
seja dos sujeitos de maior domínio sobre as publicações [...]” (VALLE; ARRIADA;
CLARO, 2011, p. 67). Assim, é preciso sempre considerar a dimensão ideológica
dos conteúdos que circulam no meio jornalístico.

Outro aspecto para o qual Dalla Costa (2012) nos chama a atenção,
diz respeito ao processo de produção da notícia, processo esse que pode ser
comparado, segundo o autor, ao processo de produção de qualquer outra
mercadoria. Assim, as notícias devem seguir a lógica da produção eficiente,
mantendo preferencialmente um baixo custo ou reduzindo-o ao máximo. E, por
fim, o autor comenta ainda sobre o terceiro aspecto a considerar: a relação dos
proprietários dos jornais com o poder político instituído. Sobre isso, Bittencourt
(2004, p. 226) afirma que “sendo um meio de comunicação influente, o jornal tem
sido analisado em seu papel de formador da opinião pública ligado a interesses
variados e, como órgão da denominada “imprensa livre”, faz parte do jogo político
e do poder”. Desse modo, ressaltamos que “Tudo isso deve ser levado em conta
na hora de ler os jornais e também na hora de discutir as notícias desse meio de
comunicação em aulas de História” (DALLA COSTA, 2012, p. 122).

3.4 A HISTÓRIA EM QUADRINHOS


Ao analisar o conteúdo escolar e planejar suas aulas, o professor de História
dispõe atualmente de diversos instrumentos metodológicos, desde os mais
tradicionais, como o livro didático, até os mais inusitados. E justamente por isso,
selecionamos como última linguagem diferenciada a ser discutida aqui a história
em quadrinhos. Isso mesmo, história em quadrinhos!

A relação entre quadrinhos e educação nem sempre foi das mais amigáveis,
entretanto, nossa escolha pelos quadrinhos se justifica na medida em que os
estudantes, em sua maioria, já possuem proximidade com essa linguagem.
Conforme menciona Carvalho (2006, p. 31), “seja pela atraente mistura de texto
e desenho, seja pelos diversos tipos de histórias ou, ainda, por heróis (e super-

113
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

heróis) inesquecíveis, os quadrinhos sempre foram uma mídia sedutora para o


público infanto juvenil”.

No que concerne à proximidade entre a educação escolar brasileira e os


quadrinhos, Santos e Vergueiro (2012) ressaltam que já na década de 1970 era
possível encontrar algumas dessas narrativas gráficas sequenciais (histórias em
quadrinhos) em livros didáticos. Ainda de acordo com os autores, esses quadrinhos
tinham cunho mais ilustrativo e objetivavam sintetizar ou exemplificar o conteúdo
dos capítulos, utilizando para isso a linguagem que é característica das histórias
em quadrinhos: balões de fala, onomatopeias etc., as narrativas sequenciais eram
usadas para suavizar a diagramação ou complementar os textos didáticos.

Nem sempre os quadrinhos eram “bem vistos” no contexto escolar. Conforme


Vergueiro e Ramos (2009) houve um tempo em que o estudante que levasse
histórias em quadrinhos para a sala de aula era repreendido pelos docentes.
Isso porque tais publicações eram tidas como leitura para entretenimento e
lazer e, por isso, eram consideradas como superficiais em termos de conteúdo,
sendo consideradas inapropriadas ao contexto escolar contexto escolar, ou seja,
distantes do modelo de ‘boa leitura.” Atualmente o preconceito em relação à
utilização dos quadrinhos em sala de aula é muito menor, o que quer dizer que as
portas da escola se encontram abertas para as narrativas gráficas sequenciais.
Embora sua utilização seja mais frequente nas aulas de Língua Portuguesa, não
há impedimentos para que as histórias em quadrinhos sejam utilizadas como
recursos didáticos em outras disciplinas.

Sobre a utilização desse gênero textual em sala de aula, Nicolazzi Júnior


(2018, p. 87) afirma:

[...] convém pensar na utilização dos quadrinhos nas aulas de


História, afinal, há muitas obras de quadrinhos com grande
potencial para serem exploradas no ensino da disciplina.
Além disso, os quadrinhos constituem uma linguagem que,
como fonte histórica, encontra aceitação entre os aprendizes,
que costumam gostar do gênero, recebendo-o “de forma
entusiasmada, sentindo-se, com sua utilização, propensos
a uma participação mais ativa nas atividades de aula” […].
Assim, os quadrinhos são tanto um estímulo para leituras como
um catalisador para a criatividade dos estudantes.

Isso significa que, para a utilização dos quadrinhos em sala de aula, continua
válida a recomendação já dada anteriormente: assim como as demais linguagens,
os quadrinhos não devem ser utilizados com finalidade apenas ilustrativa apenas.
A utilização dos quadrinhos em sala de aula, necessita, portanto, de planejamento
e de práticas que levem a resultados concretos em relação ao aprendizado. Para

114
Capítulo 3 HISTÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA

tanto, acreditamos que o primeiro passo, antes mesmo que o educador leve os
quadrinhos para a sala de aula, é conhecer a linguagem dos quadrinhos. Isso
porque, de acordo com Nicolazzi Júnior (2018, p. 88), “[…] a intenção é que os
estudantes sejam capazes de ler, interpretar e compreender os quadrinhos em
uma perspectiva histórica que implica posicionamento crítico diante da forma
analisada”.

Dessa forma, entende-se que não basta “ler” apenas o elemento


textual (diálogos e textos narrativos) de uma história em quadrinhos.
É preciso ir além. […] É necessário, portanto, identificar os tipos de
balões (de fala, de pensamento etc.), as metáforas visuais (lâmpada
acesa sobre a cabeça quando o personagem tem uma ideia, estrelas
indicando dor etc.) ou as onomatopeias (representações de sons:
explosão, tapa etc.).

Os formatos das histórias em quadrinhos também influenciam


na maneira como elas podem ser lidas. As tiras de quadrinhos,
normalmente humorísticas, desenvolvem uma história curta
apresentada em uma ou, no máximo, seis vinhetas. Há uma situação
inicial e uma reversão das expectativas do leitor (presente no texto
ou na imagem), gerando o efeito cômico.

Já os quadrinhos publicados em revistas, álbuns ou livros


ocupam um espaço maior (de uma a centenas de páginas) e
apresentam uma narrativa mais complexa. A leitura de uma página
de quadrinhos também é um exercício de percepção mais apurada
– embora boa parte das histórias apresente uma estrutura mais
tradicional, em que um quadrinho segue o outro horizontalmente e
de cima para baixo – há histórias que são diagramadas de maneira
diferente, forçando o leitor a descobrir a sequência certa de imagens
e textos (SANTOS; VERGUEIRO, 2012, p. 85).

Segundo Vilela (2005), um dos exemplos de destaque no mercado editorial


brasileiro no que concerne aos quadrinhos destinados à sala de aula é a série
“Redescobrindo o Brasil”, que foi publicada pela editora Brasiliense, em dois
volumes: “Da Colônia ao Império: um Brasil para inglês ver e latifundiário nenhum
botar defeito” e “Cai o Império: República vou ver!”. Vilela (2005, p. 107) ainda
nos dá sugestões de como trabalhar com os conceitos históricos a partir dos
quadrinhos:

115
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

Os quadrinhos, por exemplo, podem ser utilizados pelos


professores para trabalhar o conceito de tempo e suas
dimensões: sucessão, duração e simultaneidade. Os
“recordatórios” presentes na maioria das histórias em
quadrinhos podem ser utilizados para ilustrar esses conceitos:
um recordatório onde se lê “Mais tarde…” ou “Logo depois”…
pode ser um exemplo de sucessão e, de outro lado, aquele em
que se lê “Enquanto isso…” pode facilitar ao aluno a percepção
de simultaneidade. Os elementos visuais utilizados pata indicar
uma passagem do tempo em uma história em quadrinhos (um
desenho da Lua para indicar o anoitecer; um relógio na parede
de um escritório; uma personagem marcando o cartão de ponto
no final do expediente) podem ser usados para uma reflexão
sobre os diferentes tempos: o tempo da natureza, o tempo do
relógio, o tempo da fábrica.

O autor ainda menciona outros recursos utilizados nas histórias em quadrinhos


que podem auxiliar no ensino de História, como, por exemplo, momentos em
que uma personagem adulta é retratada como criança num quadrinho seguinte,
o que nos leva a refletir sobre questões relacionadas à memória, por exemplo.
As personagens podem ainda apresentar ideias diferentes sobre um mesmo
fato, de modo que podemos perceber as diferentes versões do fato, bem como
as questões de subjetividade presentes nos discursos. Os elementos culturais ou
arquitetônicos presentes nos quadrinhos também podem ser explorados.

E já que estamos falando sobre os modos como os quadrinhos podem


ser trabalhados em sala, gostaria de compartilhar com você mais algumas
das proposições de Vilela (2005), publicadas em Como usar as histórias em
quadrinhos na sala de aula:

No caso específico da disciplina de História, os quadrinhos


podem ser utilizados de diferentes maneiras ou sob diferentes
enfoques:

a) Para ilustrar ou fornecer uma ideia de aspectos da vida social


de comunidades do passado.

Nesse caso seriam utilizados os quadrinhos considerados


“históricos”, isto é, ambientados em épocas muito anteriores
àquela em que foram criados. Dois bons exemplos são os álbuns A
Guerra dos Farrapos (L&PM Editores), escrito por Tabajara Ruas e
desenhado por Flâvio Colin, e Adeus, chamigo brasileiro (Companhia
das Letras) escrito e desenhado pelo antropólogo e historiador André

116
Capítulo 3 HISTÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA

Toral, obra ambientada na Guerra do Paraguai. Convém lembrar, no


entanto, que toda obra de ficção histórica fornece mais informações
a respeito da época em que foi criada do que sobre a época em que
é ambientada. Por exemplo, os hunos apareceram como vilões nas
histórias do Príncipe Valente justamente durante a Segunda Guerra
Mundial, quando uma das gírias utilizadas em relação ao nazistas
era huns (“hunos” em inglês). Buscava-se comparar, então, a política
expansionista de Hitler com as invasões bárbaras lideradas por Átila,
o Huno.

b) Para serem lidos e estudados como registros da época em


que foram produzidos. Exemplo: os quadrinhos de autores
underground da década de 1960, como os do norte-americano
Gilbert Shelton, criador dos Freak Brothers (coletâneas das
aventuras desse trio de hippies foram publicadas no Brasil
pela L&PM Editores e pela Conrad Editora), fazem alusão aos
movimentos de contestação e contracultura da época. Outro bom
exemplo são as tiras da série Chiclete com banana, do cartunista
brasileiro Angeli, que podem ser vistas como um registro da
realidade e da vida noturna dos grandes centras urbanos
brasileiros – São Paulo, especialmente – nos anos 1980.

c) Para serem utilizados como ponto de partida de discussões de


conceitos importantes para a História. Exemplo: as aventuras
de Conan, o Bârbaro, apesar de ambientadas em paises
fictícios e numa época imaginária (a “Era Hiboriana”) têm
como fonte de inspiração culturas e civilizações que existiram
na Antiguidade, podendo se constituir num excelente ponto de
partida para debater e questionar os conceitos de “bárbaro” e
de “civilizado”. Outros aspectos que podem ser trabalhados
tomando como base as histórias de Conan são os conceitos
de “Estado”, “império”, “expansionismo”, e a ausência de
distinção entre política e religião em certas civilizações do
mundo antigo.

Além dessas possibilidades práticas, encontramos outras sugestões em


Catelli Júnior (2010), que afirma que um dos grandes desafios do professor, ao
utilizar histórias em quadrinhos, é como lidar com a dupla linguagem: o texto
escrito e o desenho. Nesse caso, o autor ressalta a importância de observação,
por parte dos estudantes, de dois aspectos essenciais: a forma e o conteúdo.
Sobre isso, Catelli Júnior (2010, p. 81) diz:

117
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

Quanto à forma: analisar a expressão dos personagens, como


se vestem, os cenários e os recursos gráficos utilizados.
Quanto ao conteúdo: analisar a caracterização psicológica
dos personagens, qualidade do texto, vocabulário empregado,
sentimentos que despertam, se há estereótipos ou preconceitos.

Além de analisar o conteúdo e a forma, é importante que os estudantes


consigam ter o domínio do enredo da história, ou seja, eles precisam saber
recontar e explicar a história e as conclusões, bem como interpretando criticamente
a história em quadrinhos na sua relação com o conteúdo/tema da aula.

Para além de trabalhar com as histórias em quadrinhos já existentes,


podemos ainda sugerir o trabalho inverso: que os estudantes criem as suas
próprias histórias em quadrinhos. Essa pode der uma experiência nova e
motivadora para os estudantes, além de ser uma possibilidade de articulação
interdisciplinar dos conhecimentos. Afinal, para a criação de uma história em
quadrinhos nas aulas de História, os estudantes precisarão trabalhar com
questões referentes à elaboração textual, que envolve os conhecimentos de
Língua Portuguesa, precisarão criar as personagens e caracterizá-las, o que
demanda conhecimento do campo das Artes plásticas, bem como conhecimentos
do campo da Matemática, mais especificamente de proporção e temporização,
conhecimentos de Geográfica para caracterização dos locais e culturas, entre
outros aspectos.

Caso essa seja mesmo uma experiência nova para os estudantes, é


possível, conforme destaca Carvalho (2006), que os estudantes encontrem
algumas dificuldades, como por exemplo, fazer caber as ideias do narrador ou
das personagens nos balões, ou da caracterização das personagens para que
se pareçam sempre as mesmas ao longo de toda a narrativa gráfica sequencial.
No entanto, o primeiro passo para o desenvolvimento desse trabalho é a criação
da história. Isso demanda a criação de um texto com começo, meio e fim e,
principalmente, que tenha sentido e respeite as características da linguagem
desse gênero textual. Para tanto, é preciso que o aluno tenha clareza do assunto,
conteúdo, quantidade mínima e máxima de quadrinhos que poderá utilizar, os
recursos disponíveis, bem como o tempo que será disponibilizado, para que
também os estudantes possam se organizar para o desenvolvimento da atividade,
desde a pesquisa sobre o assunto até a elaboração dos quadrinhos.

Propor aos alunos que criem histórias em quadrinhos pode ser


um excelente instrumento para trabalhar conceitos, produzir
uma síntese ou simplesmente traduzir em outra linguagem um
assunto estudado. Ao construir os quadrinhos, são obrigados
a retomar conceitos, revisar assuntos já trabalhados e refletir
sobre o tema enfocado. Precisam construir um enredo e

118
Capítulo 3 HISTÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA

elaborar conclusões para tornar a história viável (CATELLI


JÚNIOR, 2010, p. 82).

Diante de tudo o que conversamos até aqui, acredito que você tenha
conseguido perceber a viabilidade da utilização dos quadrinhos em sala de aula.
Aliás, não só os quadrinhos são possibilidades viáveis como recursos didáticos,
e por isso que acabamos por sugerir e incentivar a utilização das diferentes
linguagens no ensino de história: imagens, artes, cinema, propagandas, música,
entre outras. Todas essas linguagens podem ter um papel considerável no
processo educativo, mas, para tanto, é preciso que tanto docentes quanto
estudantes saibam como empregá-las e, mais importante do que isso, que
estejam dispostos a fazê-lo.

1 As histórias em quadrinhos abordam, muitas vezes, os conteúdos


escolares de forma divertida, com esquemas e linguagem mais
próximas dos estudantes, se tornando complemento para o
processo de ensino-aprendizagem. Sobre o exposto, classifique
V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Revistas em quadrinhos são recursos didáticos adequados às


aulas de Língua Portuguesa apenas.
( ) Revistas em quadrinhos podem ser utilizados pelos estudantes
e docentes como recursos paradidáticos.
( ) O professor de História pode trabalhar de forma interdisciplinar
ao sugerir a criação de histórias em quadrinhos.
( ) Na disciplina de História, as histórias quadrinhos não devem ser
utilizadas com finalidade ilustrativa apenas.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – V – V.
b) ( ) F – F – V – V.
c) ( ) V – V – V – F.
d) ( ) V – V – F – F.

119
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

4 FONTES NÃO ESCRITAS:


PROPOSTAS PARA O ENSINO DE
HISTÓRIA
Entre as diversas possibilidades de trabalho a serem realizadas com fontes e
documentos não escritos, selecionamos para nosso estudo apenas duas: a história
oral e os museus. Aproveitamos o momento para fazer algumas perguntas, apenas
a título de curiosidade, mas com a intenção de provocar algumas reflexões: Você
já teve alguma experiência, enquanto estudante ou docente, com a história oral?
Como foi? E qual foi o último museu que você visitou? Como foi essa experiência?

A justificativa de nossa escolha pela história oral repousa no que afirma


Fonseca (2015, p. 347):

A história oral se justifica por várias razões, mas talvez a mais


importante seja a necessidade de incorporação, no ensino e
aprendizagem da História, dos protagonistas vivos, pessoas
que estão vivendo e fazendo história no meio social próximo.
Os alunos são motivados a compreender que todos os homens,
mulheres e crianças são sujeitos da história.

E no que concerne aos museus, destacamos que as práticas de preservação


e difusão da memória institucional são cada vez mais comum nas sociedades
contemporâneas, fato que justificativa nossa escolha, isso, claro, lembrando que
há o potencial educativo dos museus, que não pode ser esquecida. Conforme
ressalta Oliveira (2012), os museus são relevantes para o processo de ensino
e aprendizagem de diversas disciplinas, entretanto, no que concerne à História,
os espaços dos museus colaboram para a preservação do patrimônio histórico,
artístico e cultural, bem como preservação da memória coletiva.

Para darmos continuidade a nossa conversa, optamos por dividir esse tópico
em duas partes, sendo que a primeira se destina à história oral, como possibilidade
de aprofundar o conteúdo, bem como refletir sobre as possibilidades de trabalho
em sala de aula. Vamos lá?

4.1 HISTÓRIA ORAL


Conforme já mencionamos anteriormente, e de acordo com Fonseca (2006),
desde as últimas décadas do século XX, as metodologias e as práticas de ensino
vêm sendo repensadas, assim como se repensou os modos de fazer e escrever a

120
Capítulo 3 HISTÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA

História. Desde então, as práticas de ensino têm se aberto a toda uma diversidade
de metodologias que permitem abordar os temas a serem ensinados a partir de
diferentes abordagens, com diferentes linguagens e recursos.

Lembrando que a educação histórica e a formação da consciência histórica


não ocorrem apenas no contexto da sala de aula (ou do espaço escolar), devemos
ter clareza de que todos os envolvidos no processo educativo possuem uma
relação viva e ativa com o tempo e o espaço do mundo. Isso significa que no
mundo vivido são encontrados vestígios, monumentos, objetos, imagens, entre
outros elementos que nos auxiliam na compreensão deste próprio mundo vivido,
a partir das perspectivas dose encontra próximo a nós, bom como do que está
distante – do atual e do passado. Nesse contexto, o local e o cotidiano podem ser
considerados também como “locais de memória”, e, por isso, são possibilidades
educativas.

A valorização da história oral pelos historiadores remonta à década de 1970 e


só foi possível pelas renovações no próprio campo da História e da historiografia.
Segundo Paulino et al. (2018, p. 88), a história oral, inicialmente,

[…] veio responder às demandas de fazer a história de quem


não pode contar sua história, ou, como se costuma dizer,
dos “sem história”. A proposta visava dar maior fôlego à visão
de que a história cartorial, produzida e baseada nas e sobre as
elites, fundamentadas em fontes escritas, não era suficiente
para contemplar a diversidade que envolve as lutas políticas,
os imaginários, os valores, os costumes e o cotidiano de
segmentos sociais que não ocupam o poder [grifo dos autores].

Essa perspectiva, que aponta para a importância da oralidade como fonte


de pesquisa e possibilidade de dar voz as pessoas “comuns” que, por muito
tempo estiveram ausentes da produção historiográfica, foi intensificada na década
de 1980. Nessa época teve início uma busca por técnicas e formas para que
as histórias de vida pudessem ser colhidas e inseridas no contexto do que se
denomina “memória social”, conforme mencionam Paulino et al. (2018).

Desde então, passou-se a afirmar a importância da história


oral como forma de valorizar e de tirar do esquecimento a
memória de grupos sociais anônimos, marginalizados ou sub-
representados, ou seja, sujeitos históricos aos quais e história
oficial destinou o silêncio: negros, operários, mulheres, entre
outros. Assim, a escrita da História utilizando-se de fontes
orais, proporciona espaço para o conhecimento de histórias
de anônimos e o exercício da cidadania, possibilitando que
a memória esteja entre os direitos desses segmentos sociais
excluídos (PAULINO et. al., 2018, p. 88).

121
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

A história oral, portanto, enquanto método de pesquisa, fornece elementos


para que indivíduos “comuns” e seus grupos sociais pudessem ser incluídos como
sujeitos da história, De modo a dar visibilidade a todos os sujeitos históricos. A
história oral permite que isso seja feito problematizando as imagens cristalizadas,
preconcebidas e reproduzidas a respeito de determinados grupos e indivíduos.

1 Uma vez justificada a importância da história oral para as atuais


concepções de História, é importante pensarmos na “definição”,
ou seja, no que é, de fato, a “história oral.” Pesquise na internet e
descreva o conceito de história oral.
R.:____________________________________________________
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No que concerne ao ensino, Fonseca (2006) ressalta que o contexto e o


cotidiano dos estudantes são constitutivos de importantes dimensões do viver.
Essas dimensões podem ser problematizadas, tematizadas e exploradas no
cotidiano da sala de aula, a partir de diferentes metodologias, sendo a história oral
um dos métodos possíveis.

O trabalho pedagógico em sala de aula pode contribuir para


melhor inserção dos alunos na comunidade, identificando seus
problemas, suas características, as mudanças e permanências
do local, a construção da identidade, da cultura, a participação
dos sujeitos, suas inserções e relações com o Brasil e o Mundo
(FONSECA, 2006, p. 134).

A utilização da história oral como metodologia a ser aplicada em sala de


aula mostra-se pertinente, portanto,. A partir da utilização de tal metodologia, o
docente permite aos estudantes o contato com a história de grupos que muitas
vezes têm a sua história esquecida, inclusive com a história do seu próprio grupo

122
Capítulo 3 HISTÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA

ou comunidade, o que leva também à possibilidade de se estudar a história local


e regional. Afinal, a memória permite que os estudantes conheçam sua própria
história, se identifiquem como agentes históricos, auxiliando no desenvolvimento
da consciência histórica. A partir da história oral, os docentes perceberão que
suas experiências e memória, a de suas famílias e sua comunidade, também
consistem em fonte histórica e objeto de estudo dos historiadores.

Destacamos, entretanto que ao trabalhar com fontes orais em sala de aula,


devemos fazê-lo no entrecruzamento com outras fontes e recursos, permitindo a
ampliação da compreensão dos fatos. As fontes orais a serem utilizadas em sala de
aula podem ser simples entrevistas com pessoas da comunidade podem ser: histórias
de vida, história oral da escola ou de pessoas da comunidade, mas também podem
ser utilizadas entrevistas estruturadas ou não com pessoas que ocupam algum lugar
de destaque na comunidade, grupos de migrantes, políticos etc.

[…] as entrevistas como formas capazes de fazer com que os


estudos de história local escapem das falhas dos documentos,
uma vez que a fonte oral é capaz de ampliar a compreensão
do contexto, de revelar os silêncios e as omissões da
documentação escrita, de produzir outras evidências, captar,
registrar e preservar a memória viva. A incorporação das fontes
orais possibilita despertar a curiosidade do aluno e do professor,
acrescentar perspectivas diferentes, trazer à tona o “pulso da
vida cotidiana, registrar os tremores mais raros dos eventos,
acompanhar o ciclo das estações e mapear as rotinas semanais”
(SAMUEL, 1989, p. 233 apud FONSECA, 2006, p. 136).

Na sala de aula, portanto, podemos nos utilizar de fontes orais como recurso
pedagógico. Podemos utilizar, por exemplo, histórias da escola ou de pessoas da
comunidade, mas também podem ser utilizadas entrevistas estruturadas ou não
com pessoas que ocupam algum lugar de destaque na comunidade, grupos de
migrantes, políticos, religiosos etc. Conforme sugerem Scarpin e Trevisan (2018),
na modalidade de história oral, sejam realizadas entrevistas com mais de uma
pessoa, de modo a contemplar um “quadro” de informações sobre um mesmo
evento, tema ou fato. As diferentes falas podem ser semelhantes, ou podem ser
complementares, mas esse cruzamento de informações se mostra interessante
na medida em que pode apresentar diferentes visões sobre um mesmo evento,
por exemplo.

Ao propor uma história plural, da qual todos nós participamos,


o professor deve ter em mente que as vivências dos alunos
não estão alheias aos processos históricos coletivos, sejam
eles regionais, nacionais ou internacionais. Pelo contrário, é
necessário situar as experiências dos alunos, das escolas, das
famílias ou da comunidade no âmbito de processos maiores de

123
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

mudanças e continuidades e, assim, conectar esses elementos


micro-históricos às realidades e experiências macro-históricas
vividas pela humanidade (SCARPIN; TREVISAN, 2018, p. 262).

Desse modo, considerando que um dos objetivos do ensino de história


seja despertar nos estudantes a consciência história, ou seja, fazer com que se
sintam participantes dos processos históricos, a história oral pode ser um artifício
para reduzir a distância entre a história apresentada tradicionalmente nos livros
didáticos e a história vivida pelos estudantes, seus familiares, sua comunidade.
Entretanto, não podemos deixar de ter em mente que, embora a história oral
seja fonte e documento, é necessário problematizá-la, tal como se faz com
outras fontes e documentos. Consideramos essa problematização necessária e
encontramos justifica para tanto em Nora (1993, p. 9) que afirma:

Memória, história: longe de serem sinônimos, tomamos


consciência que tudo opõe uma à outra. A memória é a vida,
sempre carregada de por grupos vivos e, nesse sentido, ela está
em constante evolução, aberta à dialética da lembrança e do
esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas,
vulnerável a todos os usos e manipulações, susceptível de
longas latências e de repentinas revitalizações. A história é a
reconstrução sempre problemática e incompleta do que não
existe mais. A memória é um fenômeno sempre atual, um
elo vivido no eterno presente; a história uma representação
do passado. Porque é afetiva e mágica, a memória não
se acomoda a detalhes que a confortam; ela se alimenta
de lembranças vagas, telescópicas, globais ou flutuantes,
particulares ou simbólicas, sensível a todas as transferências,
cenas, censura ou projeções.

Finalizamos esse tópico, então, sugerindo considerar a problematização


da memória, de modo que o entrevistador (historiador, aluno ou professor)
tenha sempre em mente a existência de certa distância entre o fato vivido e o
fato narrado. A memória geralmente é atualizada por questões relacionadas
ao presente e ao passado, de modo que podem ocorrer reordenações dos
acontecimentos, informações podem ser descartadas ou distorcidas, inclusive de
modo inconsciente. Também não podemos confiar que a memória se fixe apenas
no “recordar,” afinal, fatos também podem ser esquecidos. Recomendamos,
portanto, que a entrevista ou narrativa não seja utilizada de modo isolado, mas
que possa ser comparada, problematizada a partir da utilização de outras fontes,
outros documentos.

124
Capítulo 3 HISTÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA

4.2 O MUSEU COMO ESPAÇO


EDUCATIVO
Em continuidade ao que vínhamos discutindo, os museus também podem
ser compreendidos a partir da perspectiva da “memória.” Aliás, os museus são
classificados como lugares de memória, por diversos historiadores. Nesses
espaços podem ser encontrados diversos artefatos que são representativos da
cultura e dos processos históricos vivenciados por diferentes grupos sociais,
em diferentes temporalidades. Os museus, portanto, são espaços/lugares de
preservação e pesquisa, nos quais podemos encontrar registros/evidências
materiais deixados pelos mais diversos grupos humanos ao longo do tempo.
Sobre o assunto em questão, Marchette (2016, p. 51) ressalta:

Os museus, todavia, são peças fundamentais, são um desafio


recompensador, uma vez que atuam como mediadores culturais
[…], pois são nesses ambientes, controlados por regras de
visitação, que se desenvolvem (e devem ser desenvolvidas)
ações amplas para articular presente e passado, presente e
memória.

Assim, acreditamos que visitas de estudo a museus são possibilidades que


não poderiam ser descartadas quando pensamos o ensino de História na escola.
Embora muitas vezes os estudantes, e até mesmo os professores, vejam os
museus apenas como um lugar de depósito de “coisas do passado”. É preciso,
entretanto, perceber que “[....] museus, arquivos, cemitérios e coleções, festas de
aniversários, tratados, processos verbais, santuários, associações, são só marcos
testemunhas de uma outra era” (NORA, 1993, p. 13). Aliás, sobre isso, o autor
ainda afirma que:

Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que


não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos,
que é preciso manter aniversários, organizar celebrações,
pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, porque essas
operações não são naturais. E por isso a defesa, pelas
minorias, de uma memória refugiada sobre focos privilegiados
e enciumadamente guardados nada mais faz do que levar à
incandescência a verdade de todos os lugares de memória.
Sem vigilância comemorativa, a história depressa os varreria.
São bastiões sobre os quais se escora. Mas se o que eles
defendem não estivesse ameaçado, não se teria, tampouco, a
necessidade de construí-los. Se vivêssemos verdadeiramente
as lembranças que eles envolvem, eles seriam inúteis. E se,
em compensação, a história não se apoderasse deles para
deformá-los, transformá-los, sová-los e petrificá-los eles não
se tomariam lugares de memória. É este vai-e-vem que os

125
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

constitui: momentos de história arrancados do movimento da


história. mas que lhe são devolvidos. [...] (NORA, 1993, p. 13).

Portanto, temos nos museus um espaço no qual os estudantes podem ser


deparar com a cultura material, com resquícios do passado, como cerâmicas,
mesas, roupas, tapetes, artigos de toilette, utensílios de cozinha, armas, moedas
e cédulas, automóveis, locomotivas ou embarcações, entre tantas outras
possibilidades. Esses objetos da cultura material são também documentos
históricos, que podem ser indagados, podem ser fonte de análise e interpretação,
de modo a compreender aspectos diversos dos “modos de viver” dos diferentes
grupos humanos.

Segundo Carvalho (2017) os museus se comunicam com a sociedade a


partir de suas exposições, bem como de atividades previamente planejadas
e direcionadas para o público. As “exposições” podem ser definidas como
testemunhos materiais do passado. Esse testemunho é repleto de referências
culturais e compõe o acervo das instituições museológicas. É a partir desse
testemunho que se processa o “papel educativo” dos museus, como locais de
alfabetização visual e histórica. Entretanto, para que o potencial educativo dessas
instituições seja devidamente aproveitado, é necessário que o docente planeje a
visitação. E, para planejar, é sempre importante que se conheça previamente o
local e o seu acervo. Infelizmente é mais comum do que gostaríamos encontrar
grupos de estudantes (acompanhados de seus professores) se acotovelando e
correndo, dispersos em espaços culturais ou museus. Sem um planejamento
prévio, sem o preparo do professor e dos estudantes, muito possivelmente esse
será um momento do qual “nada se aproveita”, nada se aprende.

É inegável, portanto, que os museus têm grande significado pedagógico e


que visitações a esses espaços são importantes para o ensino de História. Sobre
isso afirmam Schimidt e Cainelli (2004, p. 122-123):

Do ponto de vista da escola, a visita deve ser articulada com


o conteúdo que está sendo trabalhado com os interesses
dos alunos e do professor. A finalidade da visita precisa
ser, essencialmente, identificada com os interesses dos
alunos e o professor exercerá o papel de mediador entre o
conhecimento histórico, o conteúdo trabalhado em classe e o
museu muitas vezes o aluno “vê” o museu com os olhos do
professor. Por isso, sua atitude diante do museu é importante,
principalmente porque, na sociedade contemporânea, algumas
concepções de museu têm influenciado a postura de alunos e
professores. Existe a ideia de museu como lugar ou depósito
de coisas do passado, o qual as pessoas visitam para
acumular conhecimentos – quanto mais melhor. Nesse caso,
o professor usa o museu para reforçar e ampliar os conteúdos

126
Capítulo 3 HISTÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA

já aprendidos no livro didático ou nas aulas, e o objetivo então,


não é aprender nada novo. Uma outra concepção é a de
que o museu é depositário da cultura, das coisas apreciadas
socialmente, consideradas mais belas e importantes. Nesse
caso o professor estimula a visita para reforçar, nos alunos,
atitudes socialmente válidas e positivas.

Somos adeptos da segunda concepção descrita por Schimidt e Cainelli


(2004). E por isso, sugerimos, portanto, que o professor conheça previamente
o espaço, antes de levar os estudantes para a visitação. Consideramos ainda
interessante que se verifique a possibilidade de fornecer aos estudantes a
“visitação guiada”, ou seja, acompanhada por um funcionário ou colaborador do
museu, que, com os seus conhecimentos sobre o acervo, poderá contribuir para
a construção de conhecimentos e reflexões. Ademais, é sempre indicado que
os estudantes sejam preparados para a visitação, ou seja, que eles entendam
o objetivo da visitação, bem como saibam, de antemão, o que vão encontrar por
lá. A visitação ao museu não pode ser vista como “passeio”, ou seja, essa é uma
atividade educativa, pedagógica e não mero entretenimento.

Ainda segundo Carvalho (2017), nos museus a possibilidade de aprendizagem


está no contato do público com as “coisas reais,” ou seja, com objetos que
representam os diferentes grupos humanos e os seus modos de viver. Assim, é
necessário que o público esteja predisposto intelectualmente ao encontro com
as civilizações passadas e que consiga refletir sobre a atualidade, tratando um
paralelo entre o vivido e o aprendido. Não podemos ainda deixar de mencionar
que existe uma historicidade por trás da própria escolha dos objetos que fazem
parte da coleção de um museu, professores e docentes podem se indagar sobre
as “ausências” no acervos dos museus, afinal, afinal, como nos lembra Nora
(1993), não há memória “espontânea”, por isso é preciso criar museus, e essa
criação é sempre intenciona.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Chegamos ao final do terceiro e último capítulo. Gostaríamos de
aproveitar o momento para agradecer pelo caminho trilhado em conjunto, pelos
conhecimentos construídos, pelo diálogo travado com o saber. Foi um longo
trajeto percorrido e tínhamos como objetivos apresentar possibilidades de
encaminhamento metodológico para abordagem e utilização de documentos e das
diferentes linguagens em sala de aula, além analisar as diferentes abordagens
metodológicas, conceitos e conteúdos, visando a sua utilização destes como
ferramentas para o ensino de história.

127
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

Relembrando o conteúdo explorado, iniciamos o capítulo falando sobre os


saberes acadêmicos/científicos e os sabres escolares, dando destaque para as
questões relacionadas à transposição didática. Essa transposição é necessária,
pois os saberes produzidos, que representam parte da cultura histórica, chegam
até as escolas e a partir das escolas busca alcançar outros espaços da sociedade,
portanto, precisa ser transformado para que possa ser apreendido/compreendido
pelos estudantes. Isso porque um dos grandes objetivos da instituição escolar é
a democratização do conhecimento, portanto, faz-se necessário aos docentes o
domínio de ferramentas e metodologias que possam permitir esse acesso dos
estudantes aos conhecimentos cientificamente produzidos.

A respeito da constituição dos saberes escolares, Forquin (1992), entre


outros autores que mencionamos ao longo do capítulo, nos permitiu refletir sobre
a seleção curricular dos conteúdos, da cultura e dos conhecimentos existentes
num dado momento histórico, lembrando que os saberes escolares não se limitam
apenas a este fim. A transposição didática, portanto, implica também ao professor
pesquisar e conhecer sobre as formas de ensinar, sobre os modos como o
conteúdo científico a ser ensinado deve ser transformado em saber escolar.

Para essa democratização do acesso ao conhecimento produzido, sugerimos


que o professor conheça as diferentes fontes históricas para aproximá-las do fazer
docente, visto que, no ensino de História, acreditamos que o professor pode se
utilizar de fontes com as mais diversas características, como por exemplo, fontes
orais, escritas, iconográficas, entre outras, tal qual faz o historiador ao desenvolver
seu trabalho. Assim, da mesma forma que o pesquisador trabalha com as fontes,
o professor também precisa, em sua atuação docente, de alguns recursos/
linguagens para poder aproximar o conhecimento historiográfico dos estudantes
e do seu cotidiano, contribuindo para a construção de uma aprendizagem
significativa, que permita ao aluno um olhar mais crítico para o conteúdo.

No segundo tópico conversamos sobre os procedimentos metodológicos e


práticas interdisciplinares, dando ênfase aos recursos educacionais, aproximando
a teoria com a prática/fazer docente. Assim, tratamos das possibilidades de
trabalho educacional a partir de diferentes linguagens, como a música, o cinema, o
jornal e as histórias em quadrinhos. A música pode suscitar reflexões, construção
de saberes e, com a abordagem adequada pode ser compreendida como fonte
de informação e conhecimento. Isso, claro, se os estudantes perceberem que
a música é mais que fonte de entretenimento, do mesmo modo que o cinema
também pode ser mais do que diversão. Nesse contexto, o cinema pode tornais
mais atrativas as aulas, desde que o professor planeje a sua utilização em sala de
aula, tendo claros os seus objetivos de ensino.

128
Capítulo 3 HISTÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA

O jornal, recurso em sintonia com a realidade pode ser um rico recurso


educacional, na medida em que permite aos estudantes a compreensão dos
processos históricos na sua articulação com o contexto atual, ou seja, com a
história do tempo presente. O jornal é fonte primária de informação e tem como
diferencial a possibilidade de apresentar os mesmos fatos por diferentes pontos
de vista, de modo que, quando bem trabalhado, pode permitir discussões e
reflexões sobre diferentes posturas ideológicas frente a um fato. Os quadrinhos,
recurso que mistura desenhos e textos, linguagem que costuma ser velha
conhecida dos estudantes, pode ter grande potencial para o ensino de História
como, por exemplo, para trabalhar o conceito de tempo e suas dimensões, tal
como sucessão, duração e simultaneidade, dentre tantas outras possibilidades.

Por fim, dialogamos sobre as fontes não escritas e suas possibilidades para
o ensino de história, abordando especificamente a História Oral e os museus
como espaços educativos, sempre na sua relação com as possibilidades práticas
do ensino de história. Embora a oralidade tenha sido alijada pelos historiadores
por longo tempo, passou a ser valorizada a partir da década de 1980, quando
se percebeu seu potencial para “dar voz” às pessoas comuns e assim permitir
que determinados grupos, antes invisíveis, pudessem ser incluídos e valorizados
como “sujeitos da história.” Com a utilização da história oral em sala de aula, o
docente permite aos estudantes o contato com a história de grupos que muitas
vezes têm a sua história esquecida, inclusive com a história do seu próprio grupo
ou comunidade, permitindo a sua identificação com esses grupos, e valorizando
também a história local e regional.

Os museus configuram como último assunto abordado no capítulo.


Destacamos que museus não são apenas “depósitos de coisas,” mas sim,
que devem ser compreendidos na perspectiva da memória, como “lugares
de memória” e, por isso mesmo, representativos no sentido de resguardar os
processos históricos vivenciados por diferentes grupos sociais, em diferentes
temporalidades. Nesse contexto, museus são lugares de preservação da memória
sim, mas também de pesquisa e com grande potencial educativo. E assim
chegamos ao final desse livro, gratos por termos você ainda conosco e por ter nos
acompanhado até aqui.

Esperamos que essa leitura tenha sido útil e que todo esse nosso diálogo
tenha sido profícuo, no sentido de termos colaborado para sua formação
acadêmica e profissional.

129
Ensino, Pesquisa e Realidade histórica

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