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Sandra da Costa Lacerda

Didática

Revisada por Fabio Fetz de Almeida (setembro/2012)


APRESENTAÇÃO

É com satisfação que a Unisa Digital oferece a você, aluno(a), esta apostila de Didática, parte inte-
grante de um conjunto de materiais de pesquisa voltado ao aprendizado dinâmico e autônomo que a
educação a distância exige. O principal objetivo desta apostila é propiciar aos(às) alunos(as) uma apre-
sentação do conteúdo básico da disciplina.
A Unisa Digital oferece outras formas de solidificar seu aprendizado, por meio de recursos multidis-
ciplinares, como chats, fóruns, aulas web, material de apoio e e-mail.
Para enriquecer o seu aprendizado, você ainda pode contar com a Biblioteca Virtual: www.unisa.br,
a Biblioteca Central da Unisa, juntamente às bibliotecas setoriais, que fornecem acervo digital e impresso,
bem como acesso a redes de informação e documentação.
Nesse contexto, os recursos disponíveis e necessários para apoiá-lo(a) no seu estudo são o suple-
mento que a Unisa Digital oferece, tornando seu aprendizado eficiente e prazeroso, concorrendo para
uma formação completa, na qual o conteúdo aprendido influencia sua vida profissional e pessoal.
A Unisa Digital é assim para você: Universidade a qualquer hora e em qualquer lugar!

Unisa Digital
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................................................................ 5
1 PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DA ÁREA........................................... 7
1.1 Retrospectiva Histórica..................................................................................................................................................7
1.2 Tendências e Abordagens Educacionais .............................................................................................................10
1.3 Metodologias de Ensino.............................................................................................................................................13
1.4 Resumo do Capítulo.....................................................................................................................................................17
1.5 Atividades Propostas....................................................................................................................................................17

2 A CONSTRUÇÃO DA INTENCIONALIDADE DOCENTE................................................ 19


2.1 O Planejamento.............................................................................................................................................................19
2.2 Os Planos: o Registro do Processo de Planejamento.......................................................................................23
2.3 Processo de Avaliação..................................................................................................................................................27
2.4 Resumo do Capítulo.....................................................................................................................................................28
2.5 Atividades Propostas....................................................................................................................................................29

3 A RELAÇÃO DIDÁTICA...................................................................................................................... 31
3.1 Os Componentes da Relação Didática..................................................................................................................31
3.2 O Conceito........................................................................................................................................................................33
3.3 A Construção de Conceitos em Sala de Aula......................................................................................................34
3.4 O Contrato Didático......................................................................................................................................................39
3.5 Resumo do Capítulo.....................................................................................................................................................43
3.6 Atividades Propostas....................................................................................................................................................44

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................................ 45
RESPOSTAS COMENTADAS DAS ATIVIDADES PROPOSTAS...................................... 47
REFERÊNCIAS.............................................................................................................................................. 49
ANEXO.............................................................................................................................................................. 53
INTRODUÇÃO

Caro(a) aluno(a),

A disciplina Didática tem por objetivo entender a dinâmica do processo de ensino a partir do foco
de ação intencional do professor. Para tanto, são temas a serem abordados: os pressupostos teórico-
-metodológicos da área, a construção da intencionalidade docente e a relação didática.
No primeiro tema, estudaremos os seguintes tópicos: uma breve retrospectiva histórica acerca
da evolução da área; e o estudo das tendências e abordagens educacionais, chegando às perspectivas
atuais. Ainda neste tema, estudaremos as diferentes metodologias de ensino, à luz da concepção de edu-
cação transformadora e da noção de aprendizagem significativa. Assim, esperamos que você, futuro(a)
professor(a), possa compreender que a didática sofre a influência do contexto histórico em que é con-
cebida. Destacamos também a importância de se compreender as diferentes metodologias existentes.
No segundo, ocupar-nos-emos do planejamento e das suas implicações no processo ensino-apren-
dizagem, dando especial relevância às questões do registro do processo educativo, por meio da elabo-
ração do plano de ensino. Encerrando o tema, discutiremos a questão da avaliação. Ao final do capítulo,
pretendemos que você saiba a importância de planejar e organizar as suas aulas, tendo em vista os resul-
tados obtidos por seus alunos através das diferentes formas de avaliação.
Por fim, procuraremos entender os elementos estruturantes da relação didática.
A seleção desses temas traça o tênue limiar desta disciplina com a de prática pedagógica e se de-
veu à relevância deles para a compreensão das escolhas metodológicas dos docentes em relação ao
processo ensino-aprendizagem. Acreditamos que, como futuros educadores, os discentes necessitam
compreender a importância de tais conceitos e o quanto são determinantes de suas opções didáticas.

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PRESSUPOSTOS TEÓRICO-
1 METODOLÓGICOS DA ÁREA

Para introduzir nossos estudos, faremos uma tituíram as tendências e abordagens educacionais,
retrospectiva histórica da Didática, a fim de com- traçando uma perspectiva atual da área, por meio
preendermos como se estruturaram as práticas do estudo das diferentes metodologias de ensino.
pedagógicas ao longo dos anos e como se cons-

1.1 Retrospectiva Histórica

Não se pode encarar a educação a não ser como um que fazer humano. Que
fazer, portanto, que ocorre no tempo e no espaço, entre os homens, uns
com os outros.
(FREIRE, 1971, p. 123).

Iniciamos a disciplina de Didática. Que tal A história da Didática encontra-se atrelada ao


viajar no tempo, procurando retomar os rumos das surgimento do ensino, no decorrer do desenvolvi-
práticas educacionais que fizeram parte da história mento da sociedade, da produção e das ciências,
da educação na Europa e no Brasil? como atividade planejada e intencional dedicada
Sabemos que somos frutos de uma coloniza- à instrução. Etimologicamente, instrução e ensi-
ção europeia e essa será uma viagem interessante! no são palavras que dizem respeito à educare e à
1

Nessa trajetória, também não descartaremos educere . Enquanto a primeira refere-se à formação
2

a filosofia, pois pensamento e história caminham intelectual – formação e desenvolvimento das ca-
juntos e são construções do homem, único sujei- pacidades cognoscitivas –, o segundo correspon-
to capaz de produzir cultura. Entretanto, antes de de a ações, meios e condições para a realização da
entrarmos na evolução histórica e filosófica, nos instrução.
conceitos e paradigmas que alteraram e influen- Para Libâneo (1994, p. 23),
ciaram a educação,
precisamos situar a Dicionário há uma relação de subordinação da
instrução à educação, uma vez que o
Didática no campo
A palavra ‘educação’ nos remete a duas acepções: processo e o resultado da instrução,
educacional, pois desenvolvimento e intervenção. A didática faz mediante o ensino têm resultados
o seu espaço e im- parte da segunda acepção, a intervenção. É uma in- formativos quando convergem para
tervenção que requer alguma exigência profissio-
portância têm sido o objetivo educativo, isto é, quando
nal, não podendo, pois, presumir que seja apenas
objetos de acalora- os conhecimentos, habilidades e ca-
a ordenação de algumas operações sobre o sujeito.
pacidades propiciados pelo ensino
das discussões nos Trata-se de uma complexa construção, que leva em
conta tanto o sujeito da intervenção e sua tríplice se tornam reguladores da ação hu-
meios acadêmicos. mana, em convicções e atitudes reais
característica psicológica, biológica e social, quanto
a cultura e a produção do saber (MARTINS, 1996). frente à realidade [...] o objetivo edu-

1
Uma das formas verbais em latim da palavra ‘educação’.
2
Que diz respeito a trazer à luz, a educar, a ter cuidado na criação de alguém.

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cativo não é um resultado natural e colate- Foi no período medieval, com o monopólio
ral do ensino, devendo-se supor por parte educacional exercido pela Igreja, mais conhecido
do educador um propósito intencional e
como escolástica, que surgiu o tradicional concei-
explícito de orientar a instrução e o ensino
para objetivos educativos. [...] o ensino é o to de práticas pedagógicas fundadas na palavra do
principal meio e fator da educação – ainda mestre e na disciplina.
que não o único – e, por isso, destaca-se A educação dessa época objetivava a forma-
como campo principal da instrução e da
ção de um homem com ideal moral elevado – cujo
educação. Neste sentido, quando mencio-
namos o termo educação escolar, referi- caráter e hábitos visariam ao domínio das paixões
mo-nos ao ensino. e ao exercício da justiça; esse homem dedicar-se-
-ia, também, à busca do desenvolvimento físico,
A partir das proposições do autor, podemos artístico e, sobretudo, intelectual, para atender a
avançar e afirmar que enquanto a educação é o ob- um sistema político-social-econômico conhecido
jeto de estudo da pedagogia, o que faz com que a como feudalismo.
ação educativa torne-se objeto de reflexão, no sen- A visão de mundo e de homem dominante,
tido de se explicar sua natureza, seus determinan- então, era o teocentrismo, isto é, o paradigma
tes, suas formas de atuação (processos e modos), a que norteava o pensamento medieval tinha como
Didática ocupa-se do trabalho docente, ou seja, do centro as criações divinas, que concebiam o ho-
ensino – processo pedagógico que orienta a edu- mem e a sociedade como obedientes à Igreja e vol-
cação para as suas finalidades específicas, determi- tados para as especulações do mundo espiritual.
nadas socialmente, mediante a teoria e a metodo-
logia da educação e instrução.
Dicionário
Estabelecido o papel da Didática em relação
à pedagogia, examinaremos, a seguir, como foi sua Paradigma: é a representação de um padrão a
evolução no decorrer de nossa história. ser seguido. É um pressuposto filosófico, matriz,
ou seja, uma teoria, um conhecimento que ori-
Ainda de acordo com Libâneo (1994), desde gina o estudo de um campo científico; uma re-
os primeiros tempos da história do homem exis- alização científica com métodos e valores que
são concebidos como modelo.
tem indícios de formas elementares de instrução e
aprendizagem. Sabemos, por exemplo, que nas co-
munidades primitivas os jovens passavam por um O período seguinte remete-nos a outro pa-
ritual de iniciação para ingressar nas atividades radigma, o antropocentrismo. Como a fênix que
do mundo adulto. Podemos considerar esse ritual renasce das próprias cinzas, o homem, após o pe-
uma forma de ação pedagógica, embora lá não es- ríodo influenciado pelo catolicismo, mentalidade
tivesse presente o didático como forma intencio- dominante na Idade Média, ressurgiu, descobrin-
nal de ensino. do-se como se fosse um deus, centro das indaga-
A escola como direito de todos, como conhe- ções filosóficas. Isso devido ao florescimento do
cemos hoje, surgiu somente no século XVIII, tendo comércio, ao aparecimento e ascensão da classe
como funções organizar, sistematizar e transmitir burguesa, à desagregação da cristandade com a
todo o conhecimento produzido pela humanidade. reforma protestante e aos avanços tecnológicos e
científicos. Nesse contexto, o homem passou a en-
No entanto, desde a Antiguidade Clássica, fi-
frentar os desafios da modernidade.
lósofos como Sócrates, Platão, Aristóteles e, poste-
riormente, na Idade Média, São Tomás de Aquino O período transitório entre a mentalidade
representaram o pensamento da época ao desen- medieval e a moderna, que ficou conhecido como
volverem e difundirem, como filósofos e educado- movimento artístico e científico, é denominado re-
res, suas concepções de mundo (DAMIS, 1990). nascimento3 (séculos XV a XVII). Esse movimento

3
Termo que causa muitas controvérsias, porém vários autores definem-no como o período de transição entre a mentalidade
medieval e a moderna.

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Didática

criaria a base conceitual e de valores que permiti- destacaram foram: Jean Jacques Rousseau (1712-
riam a valorização da razão e da ciência no século 1778), Henrique Pestalozzi (1746-1827), Johann
XVII. Friedrich Herbart (1766-1841), Froebel (1782-1852),
O renascimento foi rico em tratados pedagó- entre outros.
gicos, porém numa declarada oposição ao magister Entretanto, como a Didática está ligada às
dixit medieval, pois se apregoava uma pedagogia questões filosófico-históricas, outros autores fo-
4

liberal e destituída do autoritarismo característico ram surgindo no cenário educacional, mediante as


do ensino escolástico. transformações dos séculos XIX e XX, (re)visitando
Se, no mundo medieval, a educação servia teorias propostas ou introduzindo outras. A partir
para manter viva as necessidades e os privilégios do século XIX, a Didática passou a ter, também,
sociais do clero e da nobreza, com a ascensão da interfaces com uma área do conhecimento então
burguesia e o aparecimento do capitalismo5, a emergente, as ciências do comportamento, espe-
educação passou a ser defendida como um direito cialmente a biologia e a psicologia, por meio das
de todos, pois as necessidades de evolução do mo- pesquisas experimentais.
vimento capitalista assim o exigiam. Várias das tendências pedagógicas, que es-
Nessa medida, a nova prática pedagógica de- tudaremos no próximo tópico e que influenciaram
veria considerar os interesses individuais de quem a evolução do pensamento acerca do ensino no
aprende, uma vez que as relações sociais capitalis- Brasil, são de autores que surgiram como críticos a
tas emergentes exigiam mão de obra diversificada. seus antecessores ou que avançaram em algumas
O professor não poderia mais se preocupar apenas questões. Entre eles, podemos destacar John De-
com a transmissão de um conteúdo; deveria, tam- wey (1859-1952), que influenciou o movimento da
bém, tornar atraente o ensino, facilitando o apren- Escola Nova na América Latina, sob a liderança do
dizado de seus alunos. brasileiro Anísio Teixeira.
Vários foram os pensadores que influencia- No decorrer do século XX, pensadores como
ram as propostas pedagógicas transformadoras Piaget, Vygotsky e Wallon passaram a fazer parte
nos séculos XVII e XVIII. Entre eles, podemos desta- do universo de estudo dos educadores. À luz de
car João Amós Comênio6, autor da obra Didactica tais estudos, as questões da construção do conhe-
magna7, na qual elaborou uma proposta de rees- cimento e do processo de interação professor-alu-
truturação da escola e do ensino priorizando a arte no passaram a ter uma nova conotação na história
de ensinar, que ele denominou Didática. da educação no Brasil.
A obra de Comênio tornou-se importante na
medida em que se contrapôs às ideias da nobreza
e do clero. No entanto, sua obra ainda possuía al-
guns ranços da velha forma autoritária de ensino.
Nesse universo de transformações culturais
e científicas, outros autores também deram suas
contribuições, as quais mudaram definitivamen-
te o rumo da educação na Europa. Os que mais se

4
Palavra do mestre: quando o professor determinava algo, suas determinações não podiam ser questionadas.
5
Regime econômico de uma sociedade humana caracterizado pelo desenvolvimento dos bens de produção e por trabalhadores
que não são proprietários desses bens, ou seja, são expropriados dos frutos do seu trabalho.
6
Entre os reformadores educacionais de todos os tempos, João Amós Comênio merece lugar de destaque. A história de sua
vida (1592-1670) foi marcada pela perseguição e ele viveu em meio ao impacto doloroso da Guerra de Trinta Anos. Nasceu em
Nivnitz, como membro dos Irmãos da Moravia. Sua primeira educação foi extremamente inadequada. Aos vinte anos de idade,
entrou para um seminário em Herborn, Nassau, para se preparar para o clero.
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Publicada em 1632, tinha como princípio fundamental que aquele que se dedica ao ensino deve selecionar os métodos de
modo a obter o máximo de resultado com o mínimo de esforço.

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1.2 Tendências e Abordagens Educacionais

Mas, e agora, em pleno fim do século XX, que ideal de homem nossa escola
pretende formar? Esta é uma questão fundamental, para a qual precisamos
encontrar uma resposta, pois, de outra forma, será infrutífera toda reforma
educacional. Enquanto não se souber que tipo de ser humano precisa ser
formado, qualquer tentativa de reformular a escola, seja definindo objetivos
e programando conteúdos, seja criando novas técnicas, será em vão, pois o
que está sendo questionado não é o como educar, mas o para que educar.
Em outras palavras, o que está em jogo é o próprio sentido da educação.
(HAYDT)

No tópico anterior, fizemos uma retrospec- fique que as categorias mais amplas não estejam
tiva de como a educação e as práticas escolares8 indiretamente interligadas ao nosso agir pedagó-
foram, ao longo do tempo, compreendidas e trans- gico.
formadas pelos modelos sociais, econômicos e cul- De acordo com Libâneo, no contexto da pe-
turais de cada época. No Brasil, não foi diferente. dagogia liberal, estão alocadas a pedagogia tra-
Como exemplo, podemos citar a década de 1930 dicional, a renovada progressivista, a renovada
e o Movimento dos Pioneiros9 da Escola Nova, cuja não diretiva e a tecnicista. Na pedagogia pro-
atuação foi decisiva na formulação da política edu- gressista, estão alocadas a pedagogia libertado-
cacional, na legislação, na investigação acadêmica ra, a libertária e a crítico-social dos conteúdos.
e na prática escolar. A pedagogia liberal tem sua fundamentação
Durante as últimas décadas, vários autores na doutrina liberal, que apareceu como justificação
têm se dedicado à reconstrução da história da Di- do sistema capitalista ao defender a liberdade dos
dática no Brasil, analisando as raízes de alguns mo- interesses individuais na sociedade, estabelecen-
delos educacionais que orientaram e/ou orientam do, também, uma forma de organização social que
o ensino no país. Entre esses autores, destacamos a tem por fundamento a propriedade privada dos
contribuição do professor José Carlos Libâneo, que meios de produção. Apesar de defender a ideia de
classifica as tendências pedagógicas em liberais igualdade de oportunidades, não considera a desi-
e progressistas, utilizando como critério para tal a gualdade de condições, quando não leva em conta
posição que adotam em relação às finalidades da a realidade das diferenças de classes.
educação escolar. Apontaremos apenas algumas Libâneo estabelece diferenças entre as peda-
categorias, com a intenção de restringirmo-nos ao gogias liberais, pois a pedagogia tradicional ca-
nosso campo direto de ação, sem que isso signi- racteriza-se por acentuar o ensino a partir da cultu-

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Quando falamos em práticas escolares, estamos nos referindo à didática, pois esta permeia toda a ação do professor.
9
Escola Nova é um dos nomes dados a um movimento de renovação do ensino que foi especialmente forte na Europa, na
América do Norte e no Brasil, na primeira metade do século XX. ‘Escola ativa’ ou ‘escola progressiva’ são termos mais apropriados
para descrever esse movimento, que, apesar de muito criticado, ainda pode ter muitas ideias interessantes a nos oferecer. No
Brasil, as ideias da Escola Nova foram introduzidas já em 1882, por Rui Barbosa (1849-1923). No século XX, vários educadores se
destacaram, especialmente após a divulgação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (vide Anexo I), de 1932. Podemos
mencionar Lourenço Filho (1897-1970) e Anísio Teixeira (1900-1971), grandes humanistas e nomes importantes de nossa
história pedagógica. A Escola Nova recebeu muitas críticas e foi acusada, principalmente, de não exigir nada, de abrir mão dos
conteúdos tradicionais e de acreditar ingenuamente na espontaneidade dos alunos. A leitura das obras e a análise das poucas
experiências em que, de fato, as ideias dos escolanovistas foram experimentadas com rigor mostram que essas críticas são
válidas apenas para interpretações distorcidas do espírito do movimento. Apesar de todo o seu sucesso, a Escola Nova não
conseguiu modificar de maneira significativa o modo de operar das redes de escolas e perdeu força, sem chegar a alterar o
cotidiano escolar. Hoje, quando continuamos a buscar rumos para a nossa educação, as ideias e experiências dos autores da
Escola Nova, mesmo que contenham algumas concepções ultrapassadas ou ingênuas, podem continuar nos servindo como
fonte de prazer literário e de inspiração pedagógica.

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ra geral e o aluno, nesse contexto, é educado para base para a relação educativa e a ideia de autoges-
atingir sua plena realização como pessoa a partir tão pedagógica. Essas versões são preferidas pelos
do seu próprio esforço. Nessa abordagem, os con- educadores das modalidades de educação popular
teúdos escolares, os procedimentos didáticos e a e dão mais atenção ao processo de aprendizagem
relação professor-aluno não apresentam nenhuma grupal do que aos conteúdos de ensino. Por outro
relação com o cotidiano do aluno e a realidade so- lado, a pedagogia crítico-social dos conteúdos,
cial. As regras são impostas; a palavra do professor sem perder de vista a atividade e a participação do
predomina e, em relação ao conteúdo do ensino, aluno, atribui fundamental importância à transmis-
há a certeza em um corpo de conhecimentos pron- são dos conteúdos.
tos e acabados a serem transmitidos aos alunos, ou Em cada tendência, há um resumo dos prin-
seja, há a crença em uma verdade absoluta. cipais aspectos contidos nas seguintes categorias:
A pedagogia liberal renovada (escolanovis-
ta) também parte da cultura para o desenvolvimen- ƒƒ papel da escola;
to de aptidões individuais. O ensino é orientado no ƒƒ conteúdo de ensino;
sentido de desenvolver as capacidades em função ƒƒ método;
de sua utilidade para a vida em sociedade. A autoe- ƒƒ relação professor-aluno;
ducação, o aluno como sujeito do conhecimento,
ƒƒ pressuposto de aprendizagem;
a ênfase na aquisição dos processos de conheci-
mento em oposição aos conteúdos, a valorização ƒƒ manifestação na prática escolar.
da iniciativa do aluno em oposição à interferência
do adulto são alguns de seus pressupostos. O Quadro 1, a seguir, mostra, sucintamente,
Libâneo, ao falar da pedagogia progressis- as concepções das tendências pedagógicas desen-
ta, toma emprestado o termo de Snyders, apon- volvidas e adotadas pelas escolas brasileiras. Apon-
tando como tendências progressistas aquelas que taremos apenas algumas categorias, com a inten-
partem de uma análise crítica das realidades sociais ção de nos restringirmos ao nosso campo direto
e que sustentam as finalidades sociopolíticas da de ação, sem que isso signifique que as categorias
educação. Para o autor, a pedagogia progressista, mais amplas não estejam indiretamente interliga-
em suas versões libertadora, libertária e crítico- das ao agir pedagógico. Vários autores discutiram o
-social de conteúdos, não tem como se institu- tema acerca do qual discorremos neste tópico.
cionalizar na sociedade capitalista, daí ser ela um Outra contribuição conhecida e discutida
instrumento de luta dos professores, ao lado das no meio acadêmico que gostaríamos de ressaltar
práticas sociais. é a da professora Maria da Graça Nicoletti Mizuka-
As versões libertadora (fundamentada nas mi, que parte do pressuposto de que, no Brasil, há
ideias educacionais de Paulo Freire) e libertária provavelmente cinco abordagens de ensino: tra-
(fundamentada nas ideias educacionais dos defen- dicional , comportamentalista , humanista ,
10 11 12

sores da autogestão) têm em comum o antiautori- cognitivista e sociocultural . A autora exclui a


13 14

tarismo, a valorização da experiência vivida como abordagem escolanovista, por julgar que esteja in-
cluída nas já citadas.
10
Ensino centrado no professor, voltado para o que é externo ao aluno, como os programas e as disciplinas. O aluno escuta o
que é prescrito por autoridades, independentemente de sua vontade. Concepção educacional que persistiu no tempo e passou
a fornecer um quadro referencial para o surgimento de novas abordagens.
11
Centrada na mudança de comportamento no processo de aquisição de conhecimento. A experiência é a base do
conhecimento (comportamentalistas behavioristas, instrumentalistas e positivistas lógicos). Utiliza a tecnologia educacional,
que libera o professor de uma série de tarefas, principalmente a de ensinar por meio de aulas expositivas, que são substituídas
por materiais autoinstrutivos e recursos audiovisuais, que garantem aos alunos, considerados recipientes de informações, a
autoaprendizagem dos conteúdos.
12
Centrada no sujeito; o conhecimento advém das experiências dos próprios alunos e o professor é considerado facilitador do
processo. Essa abordagem dá ênfase às relações interpessoais e ao crescimento que delas resulta. No Brasil, essa abordagem
foi adotada a partir de estudiosos estrangeiros e apresentou dois enfoques predominantes, fundados nas concepções de
dois autores principais: Neill – classificado como espontaneísta, propõe que a criança se desenvolva sem intervenções; obra

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Quadro 1 – Tendências pedagógicas e práticas adotadas.


RELAÇÃO
TENDÊNCIA CONTEÚDO DO ENSINO MÉTODO
PROFESSOR-ALUNO
O professor: postura
Expositivo: preparação do
Prioriza conhecimentos autoritária; é o transmissor do
conteúdo, apresentação, associação,
TRADICIONAL herdados e transmitidos pela conhecimento.
generalização e aplicação em exercícios
geração adulta. O aluno: mero ouvinte. A
e atividades.
relação é centrada no professor.
A importância recai sobre
as experiências vivenciadas, Relação democrática: o
Ativo: deve-se aprender fazendo;
os desafios cognitivos e as professor é um facilitador da
RENOVADA pesquisar, trabalhar em grupo, resolver
situações-problema. O processo aprendizagem do aluno.
PROGRESSISTA problemas, propor soluções, estudar o
de aquisição de conhecimentos A relação é centrada na
meio ecológico e social etc.
é menos relevante do que a vivência.
metodologia aplicada.
A ênfase é dada ao
Terapêutico: o papel do professor é
desenvolvimento das relações Relações humanas: o professor
o de facilitador da aprendizagem.
RENOVADA e das comunicações. Incentivo não deve dirigir o aluno no que
Uso de técnicas de sensibilização e
NÃO DIRETIVA aos alunos para que busquem tange às atividades. A relação é
ênfase na melhoria do relacionamento
por si mesmos seu próprio centrada no aluno.
interpessoal.
conhecimento.
Voltada para a preparação Técnica-diretiva: relações
Método científico de Spencer:
técnica, a fim de que o estruturadas, objetivas, com
metodologia tecnicista e abordagem
aluno possa responder papéis bem definidos. Professor:
TECNICISTA sistêmica. Uso de instrução
adequadamente ao sistema administrador. Aluno: ser que
programada, planejamento, recursos
social global e ao mercado de responde. A relação é centrada
audiovisuais etc.
trabalho. no controle das condições.
Não diretividade: os alunos
Tem um caráter político que
são sujeitos do ato de
incorpora a realidade vivencial
Dialogicidade: trabalho em grupos de conhecimento. Professor
LIBERTADORA do aluno como ponto de
discussão e conscientização. favorece a aproximação da
partida para a seleção dos
consciência. A relação é centrada
conteúdos da ação educativa.
nas relações interpessoais.
Autogestão da experiência do grupo: Não diretiva: o professor é o
O conteúdo emerge dos
formas de participação e de expressão orientador e catalisador do
LIBERTÁRIA interesses dos alunos, não
pela palavra, mediante organização e processo e, junto ao grupo, gera
sendo predeterminado.
execução do trabalho. reflexões. Não há centralidade.
Interação diretiva: trocas
entre professores e alunos.
Há conteúdos determinados Professor: mediador e
CRÍTICO- que são escolhidos a partir dos intervencionista. Aluno:
Participativo e fundamentado no saber
SOCIAL DOS bens culturais da humanidade, confronta sua experiência com
universal: vínculo teoria e prática.
CONTEÚDOS com funções formativas e os conhecimentos selecionados
instrumentais. pelo professor. A relação é
centrada nos conteúdos do
ensino.
Fonte: Libâneo (1994).

principal: Liberdade sem medo, a experiência de Summerhill; e Rogers: proposta identificada como representativa da psicologia
humanista; obra principal: Tornar-se pessoa.
13
Psicólogos que investigam os processos centrais do indivíduo, dificilmente observáveis, como a organização do conhecimento,
estilo de pensamento, estilos cognitivos, comportamentos relativos à tomada de decisões. Implica em estudar cientificamente
a aprendizagem como sendo mais um produto do ambiente das pessoas do que de fatores externos. Ênfase nos processos
cognitivos e investigações científicas, separados dos problemas sociais contemporâneos. As emoções são consideradas em
suas articulações com o conhecimento. Abordagem predominantemente interacionista.
14
Advém do fenômeno da preocupação com a cultura popular, surgida após a Segunda Guerra Mundial e se liga a problemas
da democratização da cultura. O movimento da cultura popular volta-se para os valores que caracterizam um povo em geral e
para as camadas socioeconômicas inferiores. Uma das suas tarefas tem sido a alfabetização de adultos.

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1.3 Metodologias de Ensino

[...] o processo de ensino se caracteriza pela combinação de atividades do


professor e dos alunos. [...] A direção eficaz desse processo depende do
trabalho sistematizado do professor que, tanto no planejamento como
no desenvolvimento das aulas, conjuga objetivos, conteúdos, métodos e
formas organizativas do ensino.
(LIBÂNEO, 1994, p. 149).

Os métodos são fundados na relação obje- Adepto, também, dessa linha de pensamen-
tivo-conteúdo e determinam o como alcançar, no to, Libâneo (1994, p. 150) ressalta que
processo de ensino, os objetivos gerais e específi-
cos que são a intenção do docente, ou seja, trata- [...] dizer que o professor ‘tem método’ é
-se de uma sequência de operações com vistas a mais do que dizer que domina procedi-
determinado resultado esperado. mentos e técnicas de ensino, pois o mé-
todo deve expressar, também, uma com-
preensão global do processo educativo na
Curiosidade sociedade: os fins sociais e pedagógicos do
ensino, as exigências e desafios que a rea-
Etimologicamente, a palavra ‘método’ vem do vo- lidade social coloca, as expectativas de for-
cábulo grego méthodos, que significa caminho mação dos alunos para que possam atuar
para chegar a um fim. na sociedade de forma crítica e criadora, as
implicações da origem de classe dos alu-
nos no processo de aprendizagem, a rele-
vância social dos conteúdos de ensino, etc.

Por outro lado, procedimentos de ensino são


ações, processos ou comportamentos planejados Há inúmeras maneiras de classificarmos os
pelo professor, para colocar o aluno em contato métodos de ensino, pois, como já afirmamos, a
direto com as coisas, fatos ou fenômenos que lhe Didática é um campo de pesquisa que mantém
possibilitem modificar sua conduta, em função dos interfaces com diversas áreas do conhecimento e,
objetivos previstos. Logo, “método de ensino é um assim, dependendo da interface selecionada, po-
procedimento didático caracterizado por certas fa- demos montar diferentes classificações.
ses e operações para alcançar um objetivo previs-
to.” (HAIDT, 2003, p. 144). Piaget (1970) propõe a seguinte classificação:
Para efetivar o processo de ensino por meio
de um método, necessita-se da apropriação de um ƒƒ métodos verbais tradicionais, cujos
saber fazer15, que se consolida na competência fundamentos advêm da epistemologia
técnica16. Técnica é, portanto, a operacionalização associacionista;
do método. ƒƒ métodos ativos, originários da aplica-
Haidt (2003) aponta que, atualmente, o ter- ção, em educação, das conclusões que
mo ‘estratégia de ensino’ é empregado para desig- foram produto das pesquisas da psicolo-
nar os procedimentos e recursos didáticos a serem gia do desenvolvimento;
utilizados para atingir os objetivos almejados. A es-
ƒƒ métodos intuitivos ou audiovisuais,
colha dos métodos e técnicas empregados no pro-
que têm por base a psicologia da forma;
cesso ensino-aprendizagem não é neutra, implica
em uma opção que tem pressupostos teóricos im- ƒƒ ensino programado, fruto da psicolo-
plícitos. gia comportamental.
15
Domínio de técnicas específicas em relação a um determinado campo de conhecimento.
16
Competência profissional ligada ao saber fazer.

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Já Carvalho (1973) propõe outra forma de Libâneo (1994) propõe uma classificação em
classificar os métodos de ensino: cinco itens:

ƒƒ métodos individualizados de ensino: ƒƒ método de exposição pelo professor;


valorizam o atendimento às diferenças ƒƒ método de trabalho independente;
individuais e fazem a adequação do con- ƒƒ método de elaboração conjunta;
teúdo à maturidade, à capacidade inte-
ƒƒ método de trabalho em grupo;
lectual e ao ritmo de aprendizagem de
cada aluno, considerado individualmen- ƒƒ atividades especiais.
te;
ƒƒ métodos socializados de ensino: valo- Independentemente da classificação que
rizam a interação social, fazendo a apren- utilizarmos, cada método tem técnicas que lhe são
dizagem efetivar-se em grupo; pertinentes.
ƒƒ métodos socioindividualizados: com- A seguir, propomos a correlação de algumas
binam as duas atividades, a individuali- técnicas, relacionadas a métodos de trabalho. Para
zada e a socializada, alternando em fases facilitar a compreensão, os dados estão organiza-
os aspectos individuais e sociais. dos no Quadro 2, sendo que utilizaremos a classi-
ficação dos métodos adotada por Carvalho (1973).

Quadro 2 – Relação método-técnica (procedimento de ensino).


MÉTODO TÉCNICA SUBDIVISÕES DESCRIÇÃO

A mensagem transmitida não pode ser


Exposição dogmática contestada, devendo ser repetida por ocasião
AULA EXPOSITIVA: o método das provas de verificação.
expositivo consiste na
apresentação oral de um tema A mensagem do professor é simples pretexto
logicamente estruturado. para desencadear a participação da classe,
Exposição aberta ou dialogada
podendo haver contestação, pesquisa e
discussão.
Ler a partir de um roteiro de questões a serem
Leitura de texto
respondidas.
ESTUDO DIRIGIDO*: fazer
com que os alunos estudem Manipulação de materiais ou
Busca de conclusões.
a partir de um roteiro construção de objetos
elaborado pelo professor, o
qual estabelece a extensão e a Observação de objetos, fatos Anotações a partir do roteiro estruturante do
profundidade do estudo. ou fenômenos foco da observação.

Realização de experiências Busca de generalizações.


Métodos
individualizados a) A educação dos sentidos, por meio da
MÉTODO MONTESSORI:
de ensino realização de jogos sensoriais e do uso de
sua concepção de educação
material didático próprio;
está baseada nos princípios
PRINCÍPIOS: b) A educação do movimento, por meio da
biológicos do crescimento e
prática de exercícios físicos e rítmicos e do
do desenvolvimento e em um
• Liberdade; exercício de linha;
sistema didático que concebe
• Atividade; c) A educação da inteligência, por meio de
o homem e o mundo de uma
• Vitalidade; lições e exercícios sistemáticos;
perspectiva vitalista, ou seja,
• Individualidade. d) A prática da aula do silêncio, que visa a
que considera a vida e seu
desenvolver a capacidade de atenção, a
pleno desenvolvimento como
autodisciplina e a percepção auditiva;
o bem supremo.
e) A realização de exercícios de vida prática.

a) Organização de classes homogêneas, de


acordo com o ritmo de aprendizagem dos
CENTROS DE INTERESSE: PRINCÍPIOS:
alunos;
concepção também fundada
b) Diminuição do número de alunos por
na biologia; concebia a • Autoeducação;
classe;
educação como manutenção e • Uma escola para a
c) Consideração aos interesses naturais das
conservação da vida. vida e pela vida.
crianças e às condições locais;
d) Centros de interesse.

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PRINCÍPIOS:

• Mobiliza os esquemas
USO DE JOGOS: atividade
mentais, de forma a a) Corresponde a um impulso natural do
física ou mental organizada por
acionar as funções aluno, seja ele criança ou adulto, pois o ser
um sistema de regras; é natural
psiconeurológicas e humano apresenta uma tendência lúdica;
do ser humano, inserindo-se
as operações mentais, b) Absorve o jogador de forma intensa e total,
na ludicidade humana e a
estimulando o pensamento; criando um clima de entusiasmo.
estimulando.
• Integra as dimensões
afetivas, motoras e
cognitivas da personalidade.

PRINCÍPIOS:

• Leva o aluno a concretizar


Métodos uma situação-problema;
socializados de DRAMATIZAÇÃO (role-
• Contribui para aumentar
ensino playing): representação, a) Caracterização da situação;
o nível de motivação dos
pelos alunos, de um fato b) Representação;
alunos;
ou fenômeno, de forma c) Discussão.
• Ajuda a desenvolver a
espontânea ou planejada.
capacidade dos alunos de se
colocarem imaginariamente
em um papel que não é o
próprio.
a) Cooperar e unir esforços para que o
objetivo comum seja atingido;
PRINCÍPIOS:
b) Planejar, em conjunto, as etapas de um
trabalho;
• Facilitar a construção do
c) Dividir tarefas e atribuições, tendo em vista
conhecimento;
a participação de todos;
TRABALHO EM GRUPO**: • Permitir a troca de ideias e
d) Expor ideias e opiniões sucinta e
oportunidade para o diálogo, informações;
objetivamente, de forma a serem
em que há troca de ideias e • Possibilitar a prática da
compreendidas;
informações. cooperação para alcançar
e) Aceitar e fazer críticas construtivas;
um fim comum;
f) Ouvir com atenção os colegas e esperar a
• Favorecer a formação de
vez de falar;
certos hábitos e atitudes de
g) Respeitar a opinião alheia;
convívio social.
h) Aceitar a decisão quando ficar resolvido
que prevalecerá a opinião da maioria.
ESTUDO DE CASOS:
PRINCÍPIOS:
apresentação de uma citação
real aos alunos, dentro do a) Estudo individual do caso;
• Facilitar a construção do
assunto estudado, para que b) Discussão em grupos;
conhecimento;
analisem e, se for necessário, c) Debate geral com a classe.
• Permitir a troca de ideias e
proponham alternativas de
informações.
solução.

PRINCÍPIOS:

• Criar condições para que o


aluno entre em contato com
a realidade circundante,
promovendo o estudo de
seus vários aspectos, de
Métodos sócio- forma direta, objetiva e
individualizados ordenada;
ESTUDO DO MEIO: • Propiciar a aquisição de
a) Planejamento;
Técnica que permite ao aluno conhecimentos geográficos,
b) Execução;
estudar de forma direta o meio históricos, econômicos,
c) Exploração e apresentação dos resultados;
natural e social que o circunda sociais, políticos, científicos,
d) Avaliação.
e do qual participa. artísticos etc., de forma
direta por meio da
experiência vivida;
• Desenvolver as habilidades
de observar, pesquisar,
descobrir, entrevistar,
coletar dados, organizar
e sistematizar os dados
coletados, analisar, sintetizar
e tirar conclusões.

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PRINCÍPIOS:
MÉTODO DA DESCOBERTA:
proposição aos alunos de
• Uso do procedimento a) Descrição, com as próprias palavras, das
uma situação de experiência
indutivo; observações feitas;
e observação, para que eles
• Participação ativa; b) Fazer generalizações;
formulem, por si próprios,
• Erro como fonte de c) Elaborar conclusões.
conceitos e princípios,
aprendizagem.
utilizando o raciocínio indutivo.

PRINCÍPIOS:
MÉTODO DA SOLUÇÃO DE
• Estimular a participação
PROBLEMAS: apresentação
do aluno na construção do a) Definir o problema;
ao aluno de uma situação
conhecimento; b) Coletar e sistematizar os dados necessários
problemática, para que ele
• Desenvolver o raciocínio e a à solução do problema;
proponha uma solução
reflexão; c) Propor alternativas de solução;
satisfatória, utilizando os
• Favorecer a aquisição de d) Selecionar uma alternativa;
conhecimentos de que já
conhecimentos; e) Verificar se a alternativa escolhida
dispõe ou buscando novas
• Facilitar a transferência de efetivamente resolve o problema proposto.
informações por meio da
aprendizagem;
pesquisa.
• Desenvolver a iniciativa na
busca.

PRINCÍPIOS:

• Desenvolvimento do
a) Escolha do projeto pelos alunos;
raciocínio aplicado à vida
MÉTODO DE PROJETOS: o b) Planejamento de trabalho;
real;
Métodos sócio- ensino realiza-se por meio de c) Coleta de informações;
• Buscar a solução de um
individualizados amplas unidades de trabalho d) Execução do projeto;
problema;
com um fim em vista e supõe e) Apresentação em classe do trabalho
• Integração de pensamento,
a atividade propositada do executado;
sentimento e ação dos
aluno. f) Apreciação e avaliação do trabalho
educandos;
realizado.
• Busca de informação a
partir da realidade;
• Ensino globalizado.
PRINCÍPIOS:

• Promover a aquisição de
UNIDADES DIDÁTICAS:
conhecimentos de forma a) Exploração ou sondagem;
organização e
globalizada, estruturada b) Apresentação geral da unidade;
desenvolvimento do ensino
e ordenada, permitindo c) Assimilação;
por meio de unidades amplas,
ao aluno construir o saber d) Organização;
significativas e globalizadas de
como um todo orgânico; e) Expressão (exposição discente).
conhecimento.
• Estimular o pensamento
lógico e a atividade reflexiva
do educando.
MOVIMENTO FREINET:
movimento de caráter
PRINCÍPIO: ATIVIDADES PROPOSTAS:
comunitário e cooperativo,
procurando a elaboração, pelo
• Realizar um trabalho a) Imprensa escolar;
conjunto do grupo docente,
educativo que incentive b) Projeção de filmes;
dos próprios instrumentos
os educandos a falar e a c) Biblioteca escolar;
de trabalho, de acordo com o
escrever melhor e de forma d) Uso de fichários;
meio em que está inserido e
mais fluente. e) Cooperativa escolar.
visando a aperfeiçoar a prática
docente.

Obs.: * O trabalho com estudo dirigido deve mobilizar operações cognitivas, a partir de tarefas operatórias. ** Técnicas usadas pelos
especialistas em dinâmica de grupo: discussão em pequenos grupos; grupos de cochicho; discussão 66 ou Phillips 66; simpósio; painel;
seminário; brainstorming ou tempestade cerebral.

Encerrando este tema, gostaríamos de retor- ação. Métodos e técnicas são recursos, mas a edu-
nar à questão essencial da Didática; não basta a cação só acontece se soubermos aonde queremos
escolha de um determinado método ou técnica se chegar.
não tivermos clareza da intencionalidade de nossa

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Didática

1.4 Resumo do Capítulo

Caro(a) aluno(a),

Neste capítulo, estudamos a trajetória da disciplina didática, analisando o seu percurso histórico.
De acordo com nosso estudo, desde os primeiros tempos da história do homem, existem indícios de
formas elementares de instrução e aprendizagem. Entretanto, como conhecemos hoje, a escola surgiu
somente no século XVIII, tendo como funções organizar, sistematizar e transmitir todo o conhecimento
produzido pela humanidade.
Analisamos também as diferentes tendências pedagógicas, que compreendem, de acordo com Li-
bâneo, as vertentes Liberal e Progressista. No contexto da pedagogia liberal, estão alocadas a pedagogia
tradicional, a renovada progressivista, a renovada não diretiva e a tecnicista. Na pedagogia progressista,
estão alocadas a pedagogia libertadora, a libertária e a crítico-social dos conteúdos.
Terminada esta primeira etapa, vamos agora avaliar a sua aprendizagem.

1.5 Atividades Propostas

1. Os métodos de ensino podem ser classificados de muitas formas. Piaget foi um dos estudio-
sos que propôs uma classificação. Como se classificam os métodos de ensino, segundo esse
pensador?

2. Como é a relação professor-aluno segundo a tendência tradicional de aprendizagem?

Vá até o final deste material e cheque suas respostas!

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A CONSTRUÇÃO DA INTENCIONALIDADE
2 DOCENTE

Caro(a) aluno(a), de diferentes teóricos contemporâneos da área


educacional e ampliando as visões para os tempos
Nesta seção, você vai entrar em contato com atuais da relevância do planejamento enquanto
um conteúdo que visa a fundamentar a prática do- processo que mobiliza recursos para uma ação in-
cente, abordando aspectos conceituais e reflexões tencional e transformadora.

2.1 O Planejamento

Vamos refletir! Nosso segundo tema é a discussão da constru-


ção da intencionalidade docente por meio do proces-
Qual é a importância do planejamento? Rela- so de planejar, porém não podemos deixar de escla-
cione essa questão ao texto a seguir: recer, inicialmente, a nossa concepção de educação,
isto é, o enfoque que daremos a esse assunto.

Uma aranha constrói sua teia com uma


perfeição que nunca será atingida por um Atenção
pedreiro ao construir uma casa. O que dis-
tingue o pedreiro da aranha é que este é A educação transformadora traz-nos, pela sua
capaz de conceber sua construção ideal- vinculação teórica, a ideia de práxis.
mente e planejar as etapas de sua ação,
enquanto a aranha repete mecanicamente
um comportamento herdado de sua espé- A concepção de práxis17 diz respeito à uni-
cie. (MARX, 1994, p. 202). dade dialética entre homem e sociedade em cons-
tante transformação. É a partir dessa ideia que se
origina a visão de educação como prática transfor-
Vimos, anteriormente, a trajetória histórico-
madora. Essa concepção decorre do pensamento e
-filosófica da Didática e percebemos, ainda, que as
se funda nas obras de educadores brasileiros, como,
práticas escolares sofrem transfor-
por exemplo, Paulo
mações ao longo do tempo. As- Saiba mais
Freire, em A peda-
sim, nesta disciplina, optamos pela
gogia do oprimido,
concepção de educação trans- A educação transformadora refere-se à
ação do homem necessária para a trans- Moacir Gadotti, em
formadora e a partir dela discuti-
formação da sociedade a qual pertence. Concepção dialética
remos o conceito de planejar.

17
Ribas (2000, p. 59), revelando sua concepção sobre práxis, aponta que “trata-se de uma atividade humana consciente e
intencional, transformadora da realidade natural e humana. Na práxis descobrimos a racionalidade da prática, ou seja, tomamos
consciência da realidade. [...] É na prática e na reflexão sobre ela que o professor consolida ou revê ações, encontra novas bases
e descobre novos conhecimentos.”

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da educação, e Demerval Saviani, em Escola e de- se insere. Para sua efetivação, faz-se necessário que
mocracia. as ações docentes passem por um processo de or-
ganização do trabalho, de forma intencional e se-
Saiba mais quencial, constituindo-se no ato de planejar, isto
é, planejar como uma atividade relevante dentro do
Paulo Reglus Neves Freire nasceu no dia contexto da ação docente visando, objetivamente, a
19 de setembro de 1921, em Recife, Per- ter clareza suficiente de onde se quer chegar, no que
nambuco, uma das regiões mais pobres
se refere à aprendizagem significativa, bem como aos
do país, onde logo cedo pôde experi-
mentar as dificuldades de sobrevivência problemas a serem enfrentados e superados na traje-
das classes populares. Trabalhou inicial- tória do processo pedagógico.
mente no Serviço Social da Indústria Entendemos que aprendizagens significa-
(SESI) e no Serviço de Extensão Cultural tivas são aquelas realizadas pelos próprios alunos,
da Universidade do Recife. Ele foi quase
levando-os a “aprender a aprender”, ou seja, a
tudo o que se deve ser como educador,
de professor de escola a criador de ideias compreensão é garantida, para as novas aprendi-
e “métodos”. zagens, a partir dos conhecimentos prévios trazi-
dos pelo sujeito. Dessa forma, a construção de sig-
nificados implica a conexão ou vinculação do que
o aluno já sabe com os novos conhecimentos, as-
A educação transformadora fundamenta-se sociando o antigo ao novo, o currículo oculto do
na estreita relação homem-sociedade, evitando, aluno. A Figura 1 demonstra as características dos
assim, a visão fragmentada da realidade, que mas- conhecimentos prévios:
cara a relação do homem com o mundo no qual

Figura 1 – Características dos conhecimentos prévios.

Na procura da excelência da aprendizagem, ƒƒ 1º – Devemos buscar superar a sobreva-


Antônio Cachapuz (2000) remete-nos à reflexão lorização que tem sido dada aos saberes
crítica sobre a ampliação da visão do conceito de conceituais, ou seja, devemos trabalhar
aprendizagem significativa. A concepção de exce- os conceitos de forma a não esperarmos
lência da aprendizagem de Cachapuz (2000) tem respostas mecânicas e destituídas de sig-
como base quatro pressupostos: nificado para os alunos, mas sim que de-
corram de uma relação indivíduo-socie-
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deve contextualizar seu objeto, para ser pertinente.


dade-cultura, de forma crítica e reflexiva;
ƒƒ 2º – Devemos respeitar as diferentes tra- ‘Quem somos?’ é inseparável de ‘Onde estamos?’,
jetórias individuais no processo de cons- ‘De onde viemos?’, ‘Para onde vamos?’.” Assim, a
trução de conhecimento, sem seguir uma ação de planejar é fundamental na constituição do
“organização psicológica” (por exemplo, humano.
relação idade-conhecimento) ou algum Dessa forma, podemos refletir sobre uma
“padrão lógico” preestabelecido por for- questão que nos auxilia a estruturar um plano con-
ças externas ao interesse individual (por textualizado, isto é, considerando o meio sociocul-
exemplo, partir do mais simples para o tural: qual é a escola que se propõe a disseminar
mais complexo); e concretizar esses ideais educacionais? Com
ƒƒ 3º – Devemos enfatizar os conhecimen- certeza, nos referimos a uma instituição educacio-
tos trazidos pelos alunos, ou seja, os co- nal que se propõe a construir, reconstruir e sociali-
nhecimentos prévios, tanto quanto os zar os saberes com competência, para desenvolver
conhecimentos a serem adquiridos no um amplo diálogo entre os diferentes atores sociais
contexto escolar; e sua interação permanente, estimulando a refle-
ƒƒ 4º – Devemos incluir o processo de pro- xão e promovendo a consciência crítica, destituída
blematização entre a aprendizagem e a de preconceitos de qualquer espécie – aspectos
formação do desenvolvimento do aluno, confessionais, de gênero, raça, cor etc.
isto é, a aprendizagem deve decorrer da Ribas (2000, p. 62) ressalta e valoriza a impor-
solução de “problemas” a serem propos- tância de o professor ser facilitador da aprendiza-
tos para os alunos dentro de um ambien- gem, destacando que “é na prática e na reflexão
te interativo. Assim, devemos propor uma sobre ela que o professor consolida ou revê ações,
relação intersubjetiva dos diferentes su- encontra novas bases e descobre novos conheci-
jeitos do processo de aprendizagem, va- mentos.”
lorizando a relação solidária entre o sujei- Esses referenciais constituem-se em ponto
to, o objeto de estudo e sua construção de partida para o processo de planejar, que prevê
de conhecimento18, processo no qual a a aprendizagem de conteúdos, a adoção de mate-
linguagem tem uma presença marcante, riais, o agrupamento de atividades e a proposição
não sendo utilizada apenas para fins de de normas para organização dos trabalhos em clas-
comunicação. se, despertando interesses e expectativas por parte
dos alunos e oferecendo medidas de apoio e orien-
tações necessárias.
O processo educacional, na perspectiva de
uma educação transformadora, não poderia ser Não podemos considerar o planejamento
encarado de outra forma, visto que a apropriação, apenas uma obrigação a cumprir, pois ele é, tam-
construção e reconstrução dos conhecimentos de- bém, um momento agradável de trocas.
vem ser priorizadas nos processos que valorizam Retomando o processo de planejar, lembra-
a ação educativa, considerando o homem um ser mos que devemos identificar os problemas do
pertencente ao seu mundo, em relação ao contex- cotidiano escolar, ter claras as ações a serem or-
to social ao qual pertence. ganizadas, bem como ter o cuidado no processo
Como afirma Morin (2000a, p. 47), “conhecer de seleção dos procedimentos metodológicos a
o humano é, antes de mais nada, situá-lo no uni- serem adotados e na seleção de atividades, visan-
verso e não separá-lo dele. [...] Todo conhecimento do a:

18
O conhecimento é sempre pessoal, decorrendo da construção a partir das representações contidas no cenário da vida comum,
dos livros, das relações contidas nos espaços da sala de aula e da escola, articuladas a uma grande rede de significações, isto
é, constituindo-se na produção da grande teia tecida por nós, que são significativos construídos por meio das relações entre
outros conhecimentos, gerando ressignificações.

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ƒƒ O QUE FAZER? cução das mesmas.” É preciso que todos


ƒƒ COMO FAZER? compartilhem das decisões que envol-
ƒƒ POR QUE FAZER? vem: o que fazer e como fazer;
ƒƒ o planejamento, para constituir-se num
processo eficiente da ação educativa,
Percebam que esses questionamentos nos
deve passar, constantemente, por um
remetem à elaboração de um processo cuidadoso
processo de (re)avaliação e (re)visão, vi-
de planejar, cuja função primordial é a de organi-
sando à sua adequação às novas neces-
zação da ação pedagógica, que necessita de pes-
sidades que permeiam o transcorrer do
quisa, organização e reflexão de forma contínua e
trabalho docente;
flexível.
ƒƒ o planejamento deve ser flexível, facilitan-
Há algumas características fundamentais a
do sua adaptação a possíveis alterações,
serem observadas no processo de planejar, são elas:
sejam elas de calendário, introdução de
ƒƒ o envolvimento de todos os participan- novos temas, novos fatos, interesses etc.
tes do processo. Como afirma Masetto
(1994, p. 77), “[...] esta participação cole- A ação de planejar é muito dinâmica. Estamos
tiva na elaboração do planejamento traz sempre (re)começando novas etapas, na intenção
consigo maior realismo e objetividade na de aprimorar nossa ação no processo de ensino. A
identificação dos problemas, nas propos- Figura 2 nos dá uma ideia de como o processo de
tas apresentadas e na luta pela conse- planejar é uma ação recursiva.

Figura 2 – Processo de planejamento.

Para nortear nossos trabalhos de planeja- Atenção


mento, temos documentos oficiais que nos pro-
põem grandes diretrizes a serem atendidas, como, Os PCNs representam uma referência, um ponto
por exemplo, os Parâmetros Curriculares Nacionais de partida para que se possam articular objetivos
e conteúdos, recursos e procedimentos meto-
(PCNs), formulados pela Secretaria de Educação dológicos, adequando-os à realidade individual,
Fundamental do Ministério da Educação (MEC). social, regional e local.

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2.2 Os Planos: o Registro do Processo de Planejamento

Ai de nós, educadores, se deixamos de sonhar sonhos possíveis. [...] Os pro-


fetas são aqueles ou aquelas que se molham de tal forma nas águas da sua
cultura e da sua história, da cultura e da história do seu povo, que conhe-
cem o seu aqui e o seu agora e, por isso, podem prever o amanhã que eles
mais do que adivinham, realizam.
Paulo Freire

Caro(a) aluno(a), Vejamos os elementos para a elaboração


desse documento. Apresentamos a estrutura de
Antes de iniciarmos a explicitação dos ele- um plano de ensino na Figura 3, para exemplificar.
mentos que fazem parte do plano de ensino ou de É lógico que, na prática, cada instituição de ensino
aula, queremos salientar que, no momento em que elabora seu próprio modelo de plano de ensino,
os educadores decidem a respeito de quais ações mas os elementos aqui apresentados estão sempre
serão tomadas ou delineadas ao longo do ano le- presentes.
tivo, ou seja, quais serão as propostas de ensino
para a disciplina que ministram, passam de ações
planejadas a ações documentadas. Estamos fa-
lando, então, da transformação do processo de
planejamento em plano de disciplina ou de ensino.

Planos de Disciplina ou de Ensino e de Aula

Plano de ensino

O processo de planejamento do ensino, a


fim de ser um elemento norteador da ação, com-
partilhado por todos os educadores em exercício
em uma determinada instituição escolar, necessita
ser registrado, o que nos remete a um documento
formal, que é resultante do processo de planejar,
ou seja, o plano de ensino. Este é elaborado pelos
professores, contendo as propostas de trabalho de
uma determinada área ou disciplina específica. Em
outras palavras, trata-se, nesse caso, de documen-
tar aquilo que foi previamente planejado e que
será usado no decorrer do processo ensino-apren-
dizagem, ou seja, é a consolidação das decisões to-
madas a partir do planejamento.

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Figura 3 – Modelo de plano de ensino.

O que queremos dizer com isso é que espe- ƒƒ o plano apresenta coerência e logicidade
ramos que, em um bom plano de ensino, encon- em relação ao plano curricular proposto
tremos a declaração dos objetivos que o docente para o curso?
pretende alcançar ao longo do curso da seleção ƒƒ está adaptado às necessidades e expec-
organizada, coerente e contextualizada, de con- tativas dos alunos?
teúdos e conhecimentos com os quais irá trabalhar, ƒƒ os objetivos propostos para as disciplinas
considerando as especificidades do curso, série e são exequíveis e os meios e recursos fa-
disciplina, as características e expectativas da clien- vorecem a execução?
tela e, sobretudo, a articulação com as áreas ou dis-
ƒƒ os conhecimentos (conteúdos) permi-
ciplinas afins.
tem que os objetivos propostos sejam
Outros elementos19 fazem parte do plano de alcançados?
disciplina ou de ensino e não são menos importan-
ƒƒ o tempo destinado ao desenvolvimento
tes. Alguns itens relevantes:
19
Exemplos de outros elementos (informações) esperados no plano de ensino: identificação do professor; identificação da
disciplina; curso em que será ministrada; duração/carga horária; classe e número de alunos; série ou semestre.

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dos conteúdos, em seus diversos níveis 2. objetivos específicos: estão em estreita


de complexidade, é suficiente para que relação com o que queremos desenvol-
sejam apreendidos pelos alunos? ver em nossos futuros alunos (capaci-
ƒƒ quanto à flexibilidade: embora tenhamos, dade cognitiva, habilidades e atitudes),
a priori, planejadas todas as atividades da a partir dos conteúdos específicos da
disciplina, o plano deve possibilitar a in- disciplina. Exemplo: identificar as re-
serção de novas questões, situações não lações existentes entre...; estabelecer
previstas e que podem emergir no coti- relações entre...; apontar as causas
diano da sala de aula. A curiosidade do e consequências de...; apresentar os
aluno por situações ou problemas atuais aspectos favoráveis e desfavoráveis
pode se tornar um momento oportuno de...; descrever os fatos...; construir...
a análises e busca de respostas a ques- Como os objetivos específicos signifi-
tionamentos, além de servir de possibili- cam, num primeiro momento, o desen-
dade de articulação dos conhecimentos, volvimento das capacidades dos alunos,
que vai se desenvolver com a realidade. eles apontam para a escolha das ativi-
Portanto, a curiosidade do aluno deve ser dades, ou seja, a operacionalização. Os
considerada e, na medida do possível, re- verbos (ações) direcionam as atividades
lacionada ao que se pretende construir; e servem de critérios para a avaliação –
ƒƒ quanto à avaliação: devemos assumir verificar em que medida os objetivos fo-
postura diagnóstica, de modo a verificar ram alcançados. Explicitando: é possível
o grau de satisfação e a eficácia das ações avaliar se o aluno conseguiu apresentar
desenvolvidas, o real dimensionamento os aspectos favoráveis e desfavorá-
do que foi planejado. A avaliação, para veis de uma determinada situação ou
se diminuir os níveis de complexidade e contexto de conteúdo. Para isso, deve-
de arbitrariedade, precisa acontecer sob mos planejar atividades em que os alu-
as mais diversas formas e, nem por isso, nos tenham que, de fato, apresentar os
tem-se a garantia de ela ser justa, com- aspectos favoráveis e desfavoráveis
pleta e real. de...;
3. conteúdos: seleção, relação de conteú-
dos que serão desenvolvidos em sala de
Para melhor entendimento, segue explicação aula. Comumente, são apresentados em
de cada elemento: forma de unidades sequenciais e com
graus de dificuldade – dos mais simples
1. objetivo(s) geral(is): ligado(s) às capa- aos mais complexos –, subdivididos nos
cidades/habilidades que pretendemos bimestres letivos. Há um apontamento
desenvolver com os alunos ao final da dos conteúdos/temas gerais que serão
disciplina. Exemplo: capacitar os alu- trabalhados no decorrer do processo ou
nos para a aplicação de...; proporcionar período letivo;
os conhecimentos básicos sobre... Es- 4. estratégias: procedimentos ou critérios
ses objetivos estão estritamente relacio- selecionados pelo professor e que serão
nados aos conhecimentos da disciplina utilizados no desenvolvimento dos con-
em questão; teúdos. As estratégias20 devem facilitar a
20
Muitas estratégias e dinâmicas podem ser adaptadas às necessidades da sala de aula. Cabe ao futuro professor conhecê-las
previamente e adaptá-las ao conteúdo que quer trabalhar, de modo a atingir os objetivos propostos, favorecer a aprendizagem
de seus alunos, bem como construir uma avaliação mais real. A área de recursos humanos utiliza com bastante frequência,
em seus programas de treinamento, dinâmicas, jogos e estratégias com fins educacionais. O professor em sala de aula pode
e deve recorrer a esses recursos. Para tanto, precisa estar familiarizado com a estratégia ou dinâmica e se sentir à vontade
para desenvolvê-la junto a seus alunos. Com o objetivo de auxiliar os futuros professores na diversificação de atividades, de
estabelecer aulas mais dinâmicas e prazerosas, de embasar a prática avaliativa, entre outros aspectos próprios do processo
ensino-aprendizagem, indicamos a seguinte bibliografia: Antunes (1992); Aubry e Saint-Arnaud (1978); Cunha (1991); Diaz
Bordenave (1993); Fritzen (1991); Hoffmann (1991); Kirby (1995); Kothe (1977); Marcatto (1996); Minicucci (1992); Yozo (1996).

25
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aquisição de conhecimentos, o processo para o desenvolvimento dos conteúdos.


de aprendizagem. Inúmeras são as estra- Sua utilização, de forma planejada, ga-
tégias de ensino que podem ser adap- rante ao futuro professor não somente
tadas aos conteúdos que pretendemos o acesso aos recursos, como também a
desenvolver. Para isso, basta que o futu- concretização efetiva daquilo que havia
ro professor tenha domínio da estratégia sido planejado, ou seja, a estratégia or-
e faça as adaptações necessárias, se for ganizada para aquela aula. Isso aumen-
o caso. Precisamos pensar as estratégias ta a probabilidade de o futuro professor
de ensino com o intuito de favorecer não cair em improvisos na concretização
a aprendizagem e atingir os objetivos das ações. Como recursos, podemos
propostos. Sucintamente, temos: aulas apontar: quadro de giz; cartaz; retropro-
expositivas e dialogadas; trabalhos em jetor; televisão; gravador; data show, en-
grupos; seminários; simulações; recursos tre outros.
audiovisuais, entre outros. 6. estratégias de avaliação: pela comple-
5. recursos de ensino: normalmente estão xidade do tema, trataremos deste assun-
relacionados às estratégias escolhidas to em um tópico separado.

Quadro 3 – Exemplo de plano de ensino.

OBJETIVOS ESTRATÉGIAS DE
CONTEÚDO RECURSOS DE ENSINO AVALIAÇÃO
ESPECÍFICOS ENSINO

• Descrever e
• Retroprojetor;
analisar as • Aula expositiva • Observação;
• Xerox;
principais • O conhecimento dialogada; • Correção das
• Revistas de
características do científico. • Textos; atividades escritas
publicações
conhecimento • Pesquisas. e das pesquisas.
científicas.
científico.

Plano de unidade para isso basta a inserção dos itens dos conteúdos,
resultando em algumas aulas.
Podemos dizer que é semelhante ao plano de Os objetivos devem ser operacionais, apre-
sentando claramente o que esperamos do aluno
ensino, exigindo, porém, um maior detalhamento.
O exemplo anteriormente apresentado pode e, detalhadamente, qual(is) procedimento(s) ou
ser compreendido como um plano de unidade, critério(s) será(ão) utilizado(s) na avaliação. Veja-
mos o mesmo exemplo:

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Didática

Quadro 4 – Exemplo de plano de unidade.

OBJETIVOS ESTRATÉGIAS DE RECURSOS DE


CONTEÚDO AVALIAÇÃO
ESPECÍFICOS ENSINO ENSINO

• Registro de
• Distinguir e analisar observação da
as características participação;
do conhecimento • Correção das
científico e suas • O conhecimento • Aula expositiva atividades
relações com o científico; dialogada; (distinção/
ensino e as pesquisas • Características do • Leitura de textos; • Retroprojetor; análise e
científicas (domínio conhecimento • Discussão em • Xerox; relação com
cognitivo); científico; pequenos grupos; • Revistas de o ensino e
• Desenvolver uma • A importância do • Seleção de uma publicações pesquisas
proposta de estudo e conhecimento pesquisa científica; científicas. científicas
um projeto científico científico no ensino; • Trabalho individual/ selecionadas);
a partir de algum • O método científico. projeto. • Apreciação das
conhecimento/ área discussões;
específica do curso • Correção da
(domínio afetivo). proposta/
projeto.

Plano de aula cada conteúdo a ser desenvolvido em aula, seja in-


tra ou extramuros.
O plano de unidade passa a ser, ainda, mais Longe de ser burocrático, reflete a preocupa-
operacional quando transformado em plano de ção com a educação em âmbito geral e, em estrito,
aula. Aqui, temos o pari passu do cotidiano de sala com aquilo que se pode construir com e no aluno.
de aula, especificamente das ações previstas para

2.3 Processo de Avaliação

O ato de avaliar na vida cotidiana se dá, permanentemente, pela unidade


imediata de pensamento e ação. Nesta unidade a pessoa precisa estar sem-
pre pronta para identificar o que é para si o ‘verdadeiro’, o ‘correto’, opções
que vão lhe indicar o melhor caminho a seguir, o que fazer.
Vani Moreira Kenski

Todo plano de ensino pressupõe proce- resolução das atividades, pesquisas, entre outros,
dimentos de avaliação. O futuro professor deve que se julgarem necessários.
planejar quais serão os critérios que utilizará para Miguel (1999) faz uma análise da avaliação,
acompanhar o processo de aprendizagem, sem apontando para a complexidade de valores que
perder de vista os objetivos específicos estabe- devem estar embutidos no processo avaliativo de
lecidos em seu plano, ou seja, se serão atingidos. maneira a garantir um melhor diagnóstico da reali-
Assim, deverá definir os critérios e selecionar os dade do processo de ensino-aprendizagem. Os va-
meios de avaliação compatíveis com os objetivos lores que, segundo o autor, embasam a avaliação
e, ao mesmo tempo, atentar às estratégias estabe- de qualidade são os seguintes:
lecidas. Deve, portanto, verificar se todos esses ele-
mentos encontram-se articulados.
ƒƒ acadêmicos: devem contribuir para o
A avaliação ainda poderia ser feita por meio desenvolvimento das atividades men-
de provas – dissertativas, testes orais etc. – ou por
tais;
meio de observação do envolvimento do aluno na
27
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ƒƒ estéticos: devem enfatizar a capacidade ƒƒ emocionais: devem suscitar sentimen-


de percepção e admiração; tos e emoções no sentido de demonstrar
ƒƒ vocacionais: devem orientar para a ca- empatia, sensibilidade e gratidão, tor-
pacidade de segurança e equilíbrio; nando a vida menos mecânica e burocrá-
ƒƒ práticos: devem relacionar-se à capaci- tica.
dade de produtividade, ordem e autodis-
ciplina; Finalizando sua argumentação, Miguel
ƒƒ espirituais: devem estar ligados ao de- (1999) propõe-nos uma relevante questão: “Diante
senvolvimento das virtudes cristãs; de um elenco tão significativo de valores, [...] como
ƒƒ morais: devem capacitar o desenvolvi- agregá-los ao nosso trabalho?”
mento de princípios de justiça, integri- Sobre essas questões, salientamos que é pre-
dade, tolerância, entre outros, de modo ciso um (re)pensar por parte do professor, para que
a proteger o cidadão; novos paradigmas de educação sejam construí-
ƒƒ sociais: devem levar ao desenvolvimen- dos, rompendo com aqueles que consideram o
to de cooperação, amizade, companhei- aluno ser desprovido de capacidades, sentimentos,
rismo, tolerância e perdão, significando valores e potencialidades.
uma vida mais compartilhada;

2.4 Resumo do Capítulo

Caro(a) aluno(a),

Neste capítulo, analisamos a construção da intencionalidade docente, destacando a relevância do


planejamento enquanto processo que mobiliza recursos para uma ação intencional e transformadora no
campo da educação. A educação transformadora fundamenta-se na estreita relação homem-sociedade,
evitando, assim, a visão fragmentada da realidade, que mascara a relação do homem com o mundo no
qual se insere.
O plano de ensino, elemento norteador da ação docente, apresente os objetivos que se preten-
de alcançar ao longo do curso. Ele apresenta uma seleção organizada, coerente e contextualizada, de
conteúdos e conhecimentos com os quais o professor irá trabalhar, considerando as especificidades do
curso, série e disciplina, as características e expectativas da clientela e, sobretudo, a articulação com as
áreas ou disciplinas afins.
Por fim, buscando direcionar as próximas etapas do planejamento, temos a avaliação. Ela subsidia o
trabalho do professor, que a partir dos resultados analisa as necessárias mudanças nos rumos da ativida-
de pedagógica. Lembramos que a avaliação precisa estar profundamente ligada aos objetivos expostos
no planejamento.
Vamos, agora, avaliar a sua aprendizagem.

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Didática

2.5 Atividades Propostas

1. O plano de ensino é elaborado pelos professores para registrar sua proposta de trabalho.
Quais são os principais elementos que devem constar desse documento?

2. O processo de avaliação é fundamental no planejamento. O futuro professor deve planejar


quais serão os critérios que utilizará para acompanhar o processo de aprendizagem, sem per-
der de vista os objetivos inicialmente propostos. Miguel (1999) indica alguns valores que de-
vem ser considerados quando se fala em avaliação. Quais são eles?

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3 A RELAÇÃO DIDÁTICA

Os espectadores não têm sentido a não ser quando deixam de ser assis-
tentes passivos para se tornarem atores transformadores de sua própria
história.
Bertold Brecht

Caro(a) aluno(a),
Atenção

Vamos refletir! O ponto de partida de toda relação didá-


tica é a intenção, alimentada por alguém
Você se lembra das aulas a que assistia quan- (em geral, um professor), de estabele-
do entrou para a escola? Lembra-se positivamente cer as condições para que uma ou vá-
de algum professor em especial? Como ele agia? O rias outra(s) pessoa(s) (em geral, alunos)
que o faz lembrar-se dele? aprendam com êxito um conteúdo de
aprendizagem (em geral conteúdos, se-
Sabemos que o estudo da Didática é o que
jam ou não saberes, relativos a uma disci-
acontece na aula, ou seja, o ensino, por isso vamos, plina escolar).
a partir de agora, analisar a relação didática.

3.1 Os Componentes da Relação Didática

ƒƒ Um ou mais alunos (ou qualquer outro ser outro): por exemplo, um procedi-
aprendiz): por exemplo, os alunos de mento matemático para calcular médias
uma determinada classe; aritméticas, a fim de organizar os dados
ƒƒ Um ou mais professores (ou qualquer do levantamento pluviométrico realiza-
outro mediador): por exemplo, o titular do por esses alunos durante dois meses
da classe; do ano escolar;
ƒƒ A definição das intenções do encon- ƒƒ As interações entre os alunos e o con-
teúdo: por exemplo, uma série de per-
tro: por exemplo, a intenção de pôr em
guntas e de concepções desses alunos
ordem os dados pluviométricos colhidos
a propósito do conceito de “média” e do
durante observações realizadas pelos
“procedimento de cálculo da média arit-
alunos dessa série durante os meses de
mética”;
fevereiro e março; pode-se tratar, tam-
bém, de buscar um significado para es- ƒƒ As interações entre o professor e o
conteúdo: por exemplo, a construção,
ses dados;
pelo professor, de situações que permi-
ƒƒ Um conteúdo ou “objeto” da relação tam aos alunos, com suas concepções,
didática (em geral identificado como abordar efetivamente o conceito de mé-
um “saber”, mas o “saber” não é o ob- dia e o procedimento de cálculo da mé-
jeto padrão da relação didática; pode dia aritmética;

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ƒƒ As interações entre o professor e os alu- A partir dos componentes elencados, perce-


nos, independentemente do conteúdo: be-se que a relação didática é determinada:
por exemplo, instruções para a organi-
zação do trabalho em equipes, de modo ƒƒ por cada um dos componentes tomados
que cada aluno tenha pelo menos uma individualmente;
tarefa a realizar no interior da equipe; ƒƒ pelas interações que cada um deles man-
ƒƒ As interações diretas entre o professor tém com outro componente;
e os alunos a propósito do conteúdo: ƒƒ pelas interações que vários componen-
por exemplo, discussões entre o profes- tes mantêm entre si e com outros com-
sor e dois alunos a propósito dos proce- ponentes.
dimentos que utilizam para tratar a situa-
ção que têm de enfrentar;
ƒƒ As interações mediatizadas entre o Por outro lado, o conjunto do desenvolvi-
professor, os alunos e o conteúdo: por mento da relação didática é dinamizado interna-
exemplo, a utilização, pelos alunos, de mente pela intenção do professor de realizar uma
fichas de manipulação preparadas pelo atividade bem particular a propósito de um con-
professor para efetuar os cálculos de mé- teúdo ou de um objeto de ensino e aprendizagem;
dia; pelas regras que uns e outros se impõem na defini-
ção do contrato didático; pela vontade de cada um
ƒƒ O material didático: por exemplo, um
dos parceiros de desempenhar seu papel – para
fichário realizado pelos alunos e conten-
alguns deles, o do aluno; pelo acaso; ou pelos fatos
do as fórmulas aritméticas e exemplos de
contingentes.
situações nas quais essas fórmulas são
utilizadas; Externamente, a relação didática insere-se,
necessariamente, nas finalidades educacionais que
ƒƒ Um tempo: por exemplo, o horário esco-
determinam a forma e o conteúdo das atividades
lar dentro do qual o professor e os alunos
propostas pelo professor no interior da instituição
fixaram a duração de sua atividade;
escolar.
ƒƒ Um espaço: por exemplo, um local de
A primeira característica de uma relação di-
aula;
dática é o grande número de interações que ocorre
ƒƒ Um contrato didático: por exemplo, a nela e que a determina; a segunda é a funcional,
divisão de responsabilidades entre os que une esses componentes entre si. Um compo-
alunos sobre as tarefas a serem realiza- nente da relação didática pode ser analisado por si
das a propósito da descoberta de um mesmo e o pesquisador pode isolá-lo para estudo;
procedimento para calcular uma média contudo, não descobrirá a significação do compo-
aritmética, mas, também, as expectativas nente que isolou a não ser pela análise das intera-
que professores e alunos têm uns em re- ções que ele mantém com as outras dimensões da
lação aos outros a propósito dessa tarefa; relação didática da qual foi extraído.
ƒƒ O acaso: por exemplo, a ausência do alu- Dois componentes são determinantes em
no que guardou o levantamento pluvio- toda relação didática: o conteúdo e o contrato di-
métrico dos cinco primeiros dias da últi- dático, os quais examinaremos mais profundamen-
ma semana de observação; isso exigirá te.
calcular a média sobre uma base diária,
ao invés de uma base semanal.

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3.2 O Conceito

Vamos entender o que é importante, quando critas ou orais, procedimentos de resolução de


se pensa em conteúdo. problemas ou de tratamento de tarefas. Portanto,
O conteúdo, geralmente denominado saber, eles apenas são acessíveis na situação e em um se-
não pode estar ausente de uma relação didática, gundo estágio. Para observar um conhecimento na
pois é ele que define a sua identidade. Se o con- situação, o professor necessita de indicadores de
teúdo é biológico, é uma questão da metodologia conhecimentos. Na maioria das vezes, ele formula
da biologia; se o conteúdo é matemático, é uma hipóteses (de representação ou de concepção).
questão da metodologia da matemática; e assim Há inúmeras pesquisas acerca da metodolo-
por diante. Mesmo que se vislumbre uma perspec- gia de ensino das diferentes áreas do conhecimento
tiva interdisciplinar, só se pode falar de interdisci- e, hoje, dispomos de ferramentas e procedimentos
plinaridade na presença de, pelo menos, duas dis- simples, que podem ser empregados com facilida-
ciplinas e da interação entre seus conteúdos. Sem de em um quadro de atividades de ensino e apren-
isso, qualquer interdisciplinaridade é ilusória, pois dizagem. Tais ferramentas ajudam-nos a construir
o saber é indispensável. As relações de cada com- o processo de ensino, de maneira a permitir que o
ponente da relação didática com esse saber deter- aluno denote as transposições didáticas que faz.
minam não apenas a identidade da relação didá- Por sua vez, a lógica dos conhecimentos é específi-
tica, mas também todo o seu desenvolvimento. ca a cada indivíduo. Ela não é universal e é função
As palavras-chave da relação didática são saber e das concepções do sujeito, das próprias teorias que
relações entre os conhecimentos dos alunos e esse tem em mente e daquilo que já tem como dado.
saber, pois, sem saber, não há relação didática. É entre essas duas lógicas – dos saberes e dos
No sentido clássico, designamos como sa- conhecimentos – que se estabelece uma infinida-
ber os saberes constituídos, aqueles descritos nos de de interações complexas na relação didática.
programas. É a propósito deles que se desenvolve Entre elas, podemos citar:
um projeto de ensino e aprendizagem em torno do
qual professor e alunos se reúnem. Por outro lado, ƒƒ no próprio professor, devido a seus pró-
por conhecimento designamos aquilo que emana prios conhecimentos em relação aos sa-
do sujeito em decorrência de processos de desen- beres a ensinar;
volvimento e aprendizagem. A edificação de co- ƒƒ no aluno em particular, a propósito de
nhecimentos, em um contexto escolar, passa pela suas concepções sobre o saber e da pró-
transformação dos saberes em conhecimentos. pria “teoria que tem na cabeça”;
A aprendizagem se interessa pelos proces- ƒƒ nos alunos, devido às interações que de-
sos de construção de conhecimentos, enquanto a senvolvem sobre o saber a partir de suas
transposição didática trata da transformação dos concepções e das “teorias que têm na ca-
saberes. Ainda, a aprendizagem é um processo in- beça”;
terno ao sujeito e individual, ainda que seja facili-
ƒƒ a respeito do próprio saber, sua transpo-
tado por condições externas, como as interações
sição e sua lógica interna, suas modifica-
com o ambiente social ou físico; já a transposição
ções e seus modos de apresentação.
didática é um processo externo ao sujeito que
aprende.
Os conhecimentos dos alunos nunca são As relações com o saber entrarão em choque
acessíveis diretamente, mas apenas por meio de nesses diferentes níveis, produzindo-se tensões
intermediações, como produções linguísticas, es- que gerarão conflitos de saberes e conflitos de

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conhecimentos. Tais conflitos produzem sinais ex- de aula de modo a favorecer a construção de con-
teriores aos quais o professor precisa estar atento ceitos pelo aluno.
no sentido de conduzir a relação didática em sala

3.3 A Construção de Conceitos em Sala de Aula

Ninguém educa no vazio, prescindindo de to, como quer que se conceba essa apro-
conteúdos, ou seja, prescindindo de conheci- priação: como definição, percepção cla-
mento. ra, apreensão completa, análise etc.
Se acreditarmos, como Delors (1999), que a
educação é “um processo que deve durar toda a Nesses sentidos, o conhecimento não existe
vida e que será uma das chaves de acesso ao sécu- independentemente do sujeito que conhece. Se
lo XXI”, teremos de admitir que estaremos lidando entendermos o homem como “um ser em constan-
com o conhecimento ao longo de nossa existência. te processo de se produzir, ao tentar superar, pela
Nessa perspectiva, buscando entender me- ação coletiva, a contradição que a natureza lhe an-
lhor esse companheiro de caminhada, propomos tepõe, tornando o mundo habitável e humanizan-
três questões: do a si mesmo” (ARANHA; MARTINS, 1986), podere-
mos afirmar que, nesse processo de autoprodução,
ƒƒ o que é conhecimento? o homem estará produzindo conhecimento.
ƒƒ como se adquire/constrói conhecimen- Sob essa óptica, estaríamos nos aproximan-
to? do do primeiro significado que selecionamos no
ƒƒ para que e a quem serve o conhecimen- Aurélio. Há, de fato, uma base biológica, que per-
to? mite ao homem conhecer. Como afirma Morin
(2000b, p. 73.), “[...] a dimensão cognitiva é insepa-
rável, é indiferenciada, na organização do ser vivo.
A via mais rápida para tentar responder à pri- Por outras palavras, a dimensão cognitiva faz parte
meira questão parece-nos ser consultar o dicioná- da dimensão organizacional da vida [...].”
rio. No Aurélio, o verbete ‘conhecimento’21 apresen-
Por outro lado, sendo um produto humano,
ta treze itens, dos quais selecionamos três que se
há uma base cultural que influi no processo de
aproximam do significado de conhecimento que
aquisição/apropriação/apreensão/construção de
gostaríamos de explorar:
conhecimento. Para Freire (1996), “a nossa capa-
cidade de aprender, de que decorre a de ensinar,
ƒƒ no sentido mais amplo, atributo geral sugere ou, mais do que isso, implica a nossa habi-
que têm os seres vivos de reagir ativa- lidade de apreender a substantividade do objeto
mente ao mundo circundante, na me- aprendido.”
dida de sua organização biológica e no
Ora, essa substantividade não é neutra, cons-
sentido de sua sobrevivência;
titui-se num determinado contexto, a partir de uma
ƒƒ a posição, pelo pensamento, de um obje- determinada gama de intenções. É nesse sentido
to como objeto, variando o grau de pas- que gostaríamos de pensar o segundo significado
sividade ou de atividade que se admite selecionado no Aurélio acerca do que é conheci-
nessa posição; mento. Acreditamos que só há conhecimento, de
ƒƒ a apropriação do objeto pelo pensamen- fato, via um processo de apreensão ativa do objeto

21
O Aurélio também apresenta um verbete ‘conhecimentos’ (no plural), cujo significado proposto é erudição, instrução, saber.

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cognoscível. Essa apreensão pressupõe uma postu- rização” dos conceitos científicos que a escola tra-
ra que faz do aprendiz, como afirma Freire (1996), balha e que o aluno usa para ter êxito nas provas,
“um sujeito crítico, epistemologicamente curioso, mas, após um período de latência, reaparecem em
que constrói o conhecimento do objeto ou partici- outras situações escolares, ocasionando uma pa-
pa de sua construção.” rada no processo de evolução de determinados
Em relação ao terceiro significado que sele- conceitos. Além disso, são resistentes à mudança
cionamos, gostaríamos de destacar a proposta de e ao ensino formal, tenazes, estáveis ao longo do
Machado (1995), que problematiza as ideias de tempo e persistentes, até por formarem um “corpo
aquisição e posse de conhecimento. Tais ideias, de conhecimento socializado”, profundamente en-
frequentes na cultura escolar, têm justificado, mui- raizado na sociedade.
tas vezes, a avaliação negativa de alunos, enten- Ao discutir as concepções alternativas, a
dendo-a como “falta de pré-requisitos”. O autor autora nos dá “pistas” preciosas para a elaboração
explora essa questão a partir de uma perspectiva de uma didática que permita uma construção “real”
epistemológica, em que o conhecimento é concei- de conceitos científicos. Diz-nos ela: “[...] O próprio
tuado “como uma rede de significados em um es- Bachelard sublinha que a sua epistemologia é, de
paço de representações, uma teia de relações cuja fato, uma pedagogia da razão científica e que ele
construção não se inicia na escola, e que se agrega, é, acima de tudo, professor.” (SANTOS, 1991). Pro-
possivelmente, a uma proto-rede inata.” (MACHA- põe-nos ele uma “psicanálise do conhecimento
DO, 1995, p. 31). científico”, que passa pela redefinição do papel
Ao falarmos em uma protorrede inata, surge do “erro” como “forma de constituição e de pro-
novamente a ideia da base biológica sobre a qual gresso do saber científico”, introduzindo o concei-
se assenta a possibilidade de conhecer. A base to de retificação, pois não há verdade sem erro
cultural é evidenciada pela concepção de conhe- retificado.
cimento como uma rede de significados em um Nesse processo, há que se conhecer os “obs-
espaço de representações. No nosso entender, este táculos epistemológicos”, ou seja, conhecer como
espaço de representações constrói-se/é construído o pensamento resiste ao pensamento. Nesses ter-
culturalmente. mos, as concepções alternativas seriam “erros” a se-
Nessa medida, para encaminhar a resposta rem retificados, mas que, pelas suas características,
para a segunda questão, gostaríamos de trazer o resistem ao processo de retificação.
trabalho de Maria Eduarda Vaz Moniz dos Santos As concepções alternativas são, nessa medi-
(1998), no qual a autora procura deixar claro qualda, condições necessárias à aquisição do conheci-
é a concepção teórica de processo de construção mento científico. “São passos obrigatórios, que é
do conhecimento com a qual trabalha, a qual con- preciso ter em conta, o processo dialético, contí-
nuo e ativo que é a conceptualização e a formação
sideramos muito significativa, pois permite organi-
zar ideias acerca da prática em sala de aula. da razão.” (SANTOS, 1998, p. 110). Entretanto, ape-
Os aspectos do trabalho de Bachelard – e sar de adquirirem, assim, uma conotação positiva,
de outros pesquisadores explicitados pela auto- por serem o ponto de partida no processo de cons-
ra – nos permitem olhar para a sala de aula e en- trução/reconstrução ativa do conhecimento, essas
tender melhor o que lá está acontecendo a partir concepções precisam ser retificadas. Como afirma
das interações verbais que se dão, primeiramente a autora,
quanto à compreensão das características gerais
das concepções alternativas dos alunos, entre as as concepções alternativas podem ser
quais destacamos os “sistemas representacionais”, olhadas como obstáculos epistemológi-
com uma lógica própria que os sustenta e eivados cos [...] como passos que, sendo obrigató-
rios e necessários à conceptualização e ao
de crenças e certezas prematuras. Esses esquemas progresso da razão são, também, uma das
perduram para além da aprendizagem formal, têm principais causas de estagnação e mesmo
caráter regressivo e são mascarados pela “memo- de regressão. (SANTOS, 1998, p. 115).
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Como superá-los? Subsidiando essa ação in- de verificação de hipóteses feito conjun-
tencional, a autora nos propõe dois momentos me- tamente;
todológicos distintos, definidos a seguir. ƒƒ usar estratégias de mediação entre o
sujeito e o ambiente da aprendizagem,
Psicanálise do Conhecimento com perguntas habilmente feitas, que
levem o aluno a explicitar os princípios
subjacentes às ideias que tem.
Processo de desestruturação do saber inicial
do aluno, de forma que ele se aperceba de suas
contradições. Familiarização
Tal processo pressupõe três tempos lógicos,
a seguir. Introdução de novas ideias, com a ajuda de
materiais instrucionais, buscando a ruptura com as
Consciencialização ideias espontâneas e que os alunos atribuam senti-
do, por eles próprios, a elas.

Levar o aluno a consciencializar e explicitar Papel do professor:


as suas certezas, explorando suas próprias ideias,
refazendo o “erro” em si mesmo. ƒƒ introduzir novos modelos;
Papel do professor: ƒƒ dar informações e explicações;
ƒƒ ajudar o aluno, por meio de interações
ƒƒ desencadear a discussão; verbais, a construir/reconstruir novos sig-
ƒƒ colher informações de diagnóstico; nificados;

ƒƒ clarificar as ideias do aluno, sem distorcê- ƒƒ não ser dogmático;


-las; ƒƒ expressar um claro interesse pelos dife-
ƒƒ permitir momentos de comparação en- rentes pontos de vista;
tre as ideias; ƒƒ evidenciar consistências e inconsistên-
ƒƒ garantir que os alunos façam um regis- cias de argumentação;
tro A das ideias que foram selecionadas. ƒƒ estar alerta para o momento adequado
de apresentação de novas noções;
ƒƒ defender opções científicas, de forma
Desequilibração
que os alunos deem sentido à sua fala e
possam criar um discurso próprio;
Primeira tentativa de desestabilização das ƒƒ utilizar modos múltiplos de apresentar
representações dos alunos; levá-los a pensar nas os assuntos: verbais, escritos, pictóricos,
ideias dos seus pares, fazendo-os desconfiar das esquemáticos, matemáticos;
suas próprias ideias e descobrir o que não sabem.
ƒƒ “dar a ver” o que é abstrato, por meio de
Papel do professor: analogias e metáforas;
ƒƒ usar uma “variedade de exemplos”, apre-
ƒƒ favorecer o aparecimento de conflitos sentada numa certa progressão e de ma-
cognitivos, levando os alunos mais a neira variada;
justificar-se e a “duvidar” do que dar res-
ƒƒ utilizar “contraexemplos”;
postas;
ƒƒ proporcionar situações em que os alunos
ƒƒ permitir discussões alargadas no grupo;
comentem “textos históricos”, nos quais
ƒƒ permitir ao aluno testar as hipóteses do identifiquem conclusões e suportes ou
registro A, a partir de um planejamento justificações dessas conclusões;
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ƒƒ proporcionar situações que permitam a contextos as informações com as quais se familiari-


descodificação de sistemas codificados; zou na última fase do processo de desestruturação.
ƒƒ proporcionar situações em que os alunos Papel do professor:
condensem várias opiniões numa ideia;
ƒƒ proporcionar situações em que o recor- ƒƒ criar situações nas quais os alunos pos-
rer a palavras com significados múltiplos sam trabalhar os conceitos, variando em
dê oportunidades para a identificação do extensão e compreensão, incorporando
sentido em que estão sendo usadas. exceções e estabelecendo relações (con-
juntos de conceitos);
ƒƒ utilizar questões elucidantes, que permi-
Atenção
tam focar o não observável;
O termo ‘descodificação’ é usado no sen- ƒƒ criar situações de reutilização da apren-
tido de enfatizar a conotação de reversi- dizagem;
bilidade, ao invés da de tradução, que
normalmente é associada ao termo ‘de- ƒƒ recorrer a estratégias que incitem o alu-
codificação’. no a verificar, comparar, validar e estru-
turar os níveis de abstração conseguidos
(análise metacognitiva do processo);
Psicossíntese do Conhecimento ƒƒ explicitar as “regras do jogo”, exemplifi-
cando e demonstrando as vantagens de
Processo de reestruturação no qual o aluno sistemas de codificação (técnicas de es-
procede a uma (re)organização consciente do sa- tudo);
ber (síntese transformadora), através de um diá- ƒƒ proceder a um novo registro, registro B,
logo entre o obstáculo epistemológico e a sua ne- resultante de um debate aberto na clas-
gação (dialética da justaposição). A síntese tem se, construído coletivamente e que siste-
uma função psicológica, pois, ao restabelecer cer- matize as novas aprendizagens;
tezas, restabelece a segurança que fora abalada no ƒƒ solicitar exemplos de previsão de aplica-
processo de desestruturação, dando ao psiquismo ção das hipóteses levantadas, elencadas
uma sensação de progresso por retificação do que no registro B;
foi negado. ƒƒ comparar essas previsões (curto, médio
Há que se ter, nessa fase do processo de cons- e longo prazos) com aplicações técnicas
trução do conhecimento, uma atenção ao ritmo a e consequências sociais de descobertas
ele imprimido, preocupação esta de que, no que- científicas reais ou possíveis;
rer dar conta de “programas” preestabelecidos, a ƒƒ criar situações que permitam aos alu-
escola (os docentes) se descuida(m). Sabemos que nos aplicar os conhecimentos que estão
o lento e cuidadoso amadurecimento dos pensa- sendo apropriando às mais variadas si-
mentos de retrospecção, inspeção e prospecção é tuações, tanto em contextos científicos
que vai preparar a racionalidade do tempo da psi- quanto em contextos familiares;
cossíntese.
ƒƒ clarificar a ideia de que, embora suas
Tal processo pressupõe os seguintes tempos concepções alternativas continuem úteis
lógicos. em contextos não científicos, os concei-
tos científicos revelam-se mais fecundos
Abstração e, mesmo, mais úteis, nesses contextos.

Levar o aluno a organizar e objetivar a infor-


mação recebida e ser capaz de transferir para novos
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Dialetização Além disso, e apesar de o foco da autora ser


a construção do conhecimento científico, pode-
Levar o aluno a monitorar a sua aprendiza- mos estabelecer amplas relações com o processo
gem, no sentido avaliativo. Reconstruindo o cami- de construção do conhecimento, como um todo,
nho, os alunos pensarão sobre seu próprio pensar. e com a construção do conhecimento de ser pro-
Papel do professor: fessor, em particular, pois, assim como as concep-
ções alternativas são, para os alunos, obstáculos à
ƒƒ provocar um diálogo entre as “novas” e aprendizagem formal dos conceitos científicos, as
“velhas” ideias (obstáculos e sua nega- concepções advindas dos saberes da experiência
ção), em um processo comparativo; (PIMENTA, 1999) sobre o ser professor podem se
ƒƒ fazer com que os alunos visualizem os tornar obstáculos para a mudança da prática do-
registros A e B e registrem as mudanças- cente.
-chave ocorridas por meio de estratégias Abordando a última questão que propu-
de sistematização, que resultarão em um semos acerca do conhecimento, gostaríamos de
registro C; ressaltar que, dependendo da concepção que,
ƒƒ refletir com os alunos acerca da natureza consciente ou inconscientemente, adotarmos, de-
dos conhecimentos (científico e do senso penderá, por sua vez, a resposta que a ela daremos.
comum) e sobre os processos de adquiri- Tão importante quanto construir conhecimento é
-los. a questão do uso que daremos ao conhecimento
construído e é nesse sentido que a reflexão se faz
Síntese transformante necessária.
A concepção expressa, bem como as impli-
As estratégias desta fase têm como propósito cações dela resultantes para o processo de ensino,
proporcionar uma compreensão recorrente do erro aponta para uma função emancipatória do conhe-
das concepções superadas e é óbvio que, somente cimento, o qual, nessa medida, tornar-se-ia um ins-
para efeitos de análise teórica, pode ser separada trumento a favor da transformação social, na busca
da fase anterior. Objetiva à passagem de conceitos de uma sociedade mais democrática.
menos elaborados para conceitos mais elaborados. Entretanto, há outras concepções possíveis,
Papel do professor: por exemplo, aquela citada por Machado (1995),
cuja metáfora é um balde a ser cheio de água: o
ƒƒ captar as contradições presentes entre acúmulo constante de um conhecimento já pronto
as representações iniciais do aluno e as e acabado, de cuja produção os sujeitos não parti-
representações ao final do processo, ex- cipam e que serve de instrumento de dominação
plicitando o salto qualitativo dado; e discriminação, quando utilizado para a manuten-
ƒƒ dar a conhecer sínteses transformantes ção do status quo, ampliando as diferenças entre os
históricas. que têm e os que não têm, servindo à reprodu-
ção, como bem o denunciaram Bourdieu e Passe-
Tais ideias nos permitem ter um quadro de ron (1975) .
22

referência mais completo, inclusive em relação à Há que se ressaltar a força do instituído como
prática escolar, no sentido de criar propostas de obstáculo epistemológico à construção de uma
ensino que, de fato, desafiem a curiosidade episte- nova concepção, bem como as dificuldades de
mológica. transformar uma adesão intelectual, que se expres-

22
Partindo da ideia de que toda e qualquer sociedade estrutura-se como um sistema de relações de força material entre grupos
ou classes, como afirma Saviani, os autores tentam demonstrar como a escola pode se tornar um espaço de legitimação desse
sistema de força, por meio de violência simbólica, ou seja, por um mecanismo de dissimulação que produz e reproduz o
reconhecimento da dominação no plano simbólico, “pela imposição arbitrária da cultura (também arbitrária) dos grupos ou
classes dominantes aos grupos ou classes dominados.” (SAVIANI, 1983).

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sa discursivamente, em instrumento para mudan- É no contrato didático que essas forças se ex-
ça da prática a ser encetada. plicitam.

3.4 O Contrato Didático

Qual a importância do contrato didático?


O contrato didático define a dinâmica da Curiosidade
relação didática, estabelece as regras do jogo e ex-
plicita aquilo que cada um tem direito de esperar Contrato: “convenção estabelecida en-
dos outros. Ele é indispensável no sentido de nos tre duas ou mais pessoas após negocia-
ções. O contrato implica uma adesão de
auxiliar a responder às seguintes questões:
diferentes parceiros do projeto e supõe
uma obrigação de respeito a suas regras
ƒƒ o que se passa na relação didática? durante o seu desenrolar e, consequen-
ƒƒ como os diferentes atores presentes (pro- temente, o estabelecimento de procedi-
fessor, aluno e saber) interagem entre si? mentos de controle do seu seguimento.”
(DANVERS, 1992, p. 61 apud JONNAERT;
ƒƒ que dinâmica permite que as relações BORGHT, 2002, p. 155).
com os saberes e os conhecimentos evo-
luam de tal maneira que possam ocorrer
aprendizagens escolares?
ƒƒ quais são as condições para que essas
trocas entre diferentes parceiros real-
mente existam? Rousseau rejeita toda autoridade que re-
pousa sobre privilégios da natureza ou so-
ƒƒ é o contrato didático um anticontrato? bre o direito do mais forte. Para ele, a única
autoridade legítima nasce de um acordo
recíproco das partes contratantes, de uma
Discutindo o Termo ‘Contrato’ convenção. Portanto, pacto de associação
que não é acompanhado de nenhum pac-
to de submissão. Não apenas o povo é a
O conceito de contrato se reveste de diversos
fonte da soberania, mas ele também apa-
significados. Stricto sensu, um contrato nada mais rece como aquele que exerce essa sobera-
é do que uma convenção mediante a qual uma ou nia. (JONNAERT; BORGHT, 2002, p. 157).
várias pessoas se obrigam, em relação a uma ou
várias outras, a realizar ou não um ato, a dizer ou Outra citação, extraída de Emílio, de Rous-
não algo, a conceder ou não um bem... e vice-versa; seau, permite delimitar melhor o impacto do con-
mas o contrato é, também, o ato que registra ofi- trato social sobre a reflexão didática. Falando do
cialmente os termos dessa convenção. aprendiz, Rousseau afirma: “Se você nunca subs-
Outro significado de contrato é aquele pro- tituir em seu espírito a autoridade pela razão, ele
posto por Rousseau no seu Contrato social. As pro- não raciocinará mais; ele será apenas o joguete da
posições do autor se aproximam de um contrato opinião dos outros.” (ROUSSEAU, 1966, p. 215 apud
não convencional e são premissas do contrato JONNAERT; BORGHT, 2002, p. 157).
didático. O contrato social se fundamenta na ideia A escola é um meio regido por inúmeros
de uma associação, de um pacto estabelecido de contratos e esse contexto não é necessariamente
comum acordo, de tal modo que nenhuma das par- propício à implantação de contratos não conven-
tes possa submeter a outra. cionais. Mais convencional e mais próximo do con-

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trato stricto sensu, o conceito de contrato pedagó- saber, torna-se indispensável substituir o contrato
gico, que não devemos confundir com o didático, único e implícito que vincula o professor a toda a
já está fortemente presente no meio escolar. sua turma por contratos individuais e diversifi-
O contrato pedagógico23 é considerado cados. Esses contratos comprometeriam todos os
uma técnica de ensino-aprendizagem, que permi- alunos e especificariam os apoios com os quais po-
te que o professor negocie com um aprendiz um deriam contar. Por suas proposições, Meirieu de-
trabalho pessoal que corresponda a um objetivo senvolve a ideia do comprometimento individual
determinado. Em relação a esse objetivo, o próprio de um aluno, com a ajuda de um contrato; Par-
aluno escolhe a natureza e a dificuldade da tarefa khurst fundamentava sua abordagem no mesmo
que deseja cumprir. Depois, compromete-se, me- princípio. A diferença essencial entre as duas abor-
diante contrato com o professor, a realizar a tarefa dagens reside no fato de que, enquanto Parkhurst
escolhida e a desenvolver competências úteis ao buscava o domínio de um mesmo objetivo por to-
seu tratamento. O professor, por sua vez, compro- dos os alunos, Meirieu busca vias diferenciadas de
mete-se a assegurar seu apoio e sua disponibilida- acesso ao saber.
de, propondo uma série de situações diferenciadas
em face do objetivo específico; compromete-se, Em resumo, o contrato pedagógico repre-
ainda, a colocar à disposição do aluno uma estru- senta a diferenciação nos atos; ele com-
promete o aluno e o educador em torno
tura de materiais didáticos necessários ao trabalho
de um projeto comum, entrelaçando as
a ser desenvolvido. exigências do saber, a personalidade do
Filoux (apud JONNAERT; BORGHT, 2002) aprendiz e a intervenção do formador. É, ao
identificou no contrato pedagógico um duplo mesmo tempo, um valioso instrumento de
análise, um meio de estabelecer finalida-
contrato: um contrato institucional, que define o
des ao tempo escolar, uma oportunidade
papel do professor e do aluno, no qual o estatuto de explicitar objetivos e de sair em busca
de um e de outro é definido em relação à institui- dos meios para atingi-los, enfim uma ferra-
ção; e um contrato pedagógico, que visa a regu- menta para dar sentido à avaliação. (MEI-
lar as trocas entre o professor e os alunos por um RIEU, 2002, p. 44).
período de tempo limitado, definindo os direitos e
deveres recíprocos. O contrato didático tem uma parte dos
Meirieu (1998), por sua vez, considera que, componentes do contrato pedagógico, mas os
a partir do momento em que, na pedagogia di- organiza de uma maneira não convencional e de
ferenciada, admitem-se muitas vias de acesso ao forma muito diferente, acrescentando-lhes novos

23
O conceito de contrato pedagógico é inspirado nas experiências de Parkhurst (1923) em Dalton, Massachusetts, EUA, e
é encontrado, hoje, nos manuais de pedagogia sob o título Plano Dalton. Foi em uma escola de ensino fundamental rural,
onde lecionava para 40 alunos, que Helen Parkhurst amadureceu as tentativas de individualização esboçadas desde o final do
século XIX. Ela substituiu a classe passiva por laboratórios de aprendizagem, concebidos inicialmente para o grupo etário
de 8 a 12 anos e estendidos depois ao ensino médio. No início do ano escolar, o trabalho a cumprir era apresentado, depois
dividido em dez partes, que os alunos se comprometiam em contrato a dominar, utilizando, livremente e sem horário fixo, os
recursos (manuais, fichas de trabalho, exercícios, material intuitivo) disponíveis em cada um dos laboratórios destinados a uma
parte específica e onde se encontrava o professor encarregado de ensinar. O trabalho em pequenos grupos era encorajado.
Trabalhos escritos, cujos temas eram definidos em reuniões com o professor, constituíam uma parte importante da tarefa. De
fato, todas as apresentações e produções dos alunos – composições, relatórios, exercícios – eram rigorosamente avaliadas. Os
resultados eram registrados em fichas e a progressão do aluno, em cada uma das partes, era representada graficamente. A
jornada se desenvolvia de acordo com um plano determinado. A manhã era consagrada ao trabalho individual, referente às
partes consideradas prioritárias (língua materna, matemática, ciências, história, geografia) e terminava com uma avaliação do
trabalho cumprido e um encontro coletivo com os professores. A tarde era dedicada a aprendizagens práticas e a atividades
recreativas que reuniam toda a turma. A flexibilidade permitida por esse sistema levou a inegáveis êxitos dos alunos fortemente
motivados, mas a muito menos resultados dos alunos lentos ou menos perseverantes em seus esforços. Parkhurst também foi
criticada por não ter suprimido os programas tradicionais nem os manuais escolares correspondentes e por, simplesmente, ter
proposto um método de trabalho que tornava mais participativo o ensino magistral. Infelizmente, essa participação consistia,
sobretudo, em redigir notas, responder questionários e fazer exercícios, e o professor consagrava a maior parte de seu tempo
para a correção deles, em vez de interagir com os alunos.

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elementos; contudo, para compreendê-lo, preci- ƒƒ sua ação sobre as mudanças de rela-
samos ter claros os conceitos de contrato stricto ção com o saber: a principal função de
sensu e de contrato pedagógico. O contrato di- uma relação didática é permitir que o
dático surge a partir da mescla dessas diferentes aluno modifique sua relação com o sa-
abordagens, de seu questionamento e de sua arti- ber. No fim do processo de aprendiza-
culação com a relação didática. gem, o aluno deverá ter modificado sua
relação com o saber. O contrato didático
Outro Tipo de Contrato deve otimizar essas mudanças de relação
com o saber;
ƒƒ sua inserção no tempo: a relação didáti-
Quando adentramos a sala de aula buscan-
ca evolui no tempo e termina com o fim
do a compreensão da relação didática, as intera-
do curso. Já o processo de construção de
ções que lá acontecem podem ser, à primeira vista,
conhecimentos estabelecido pelo aluno
transparentes e unívocas, como o prescrito em um
continua sua trajetória para além do mo-
contrato stricto sensu?
mento do curso. A relação didática vive,
nesses termos, uma dupla dimensão
Quando se consideram as interações, ou temporal: escala curta, que corresponde
se entra em um palácio de espelhos onde
a imagem reflete-se ao infinito... [...] mes-
ao momento do curso, e escala longa,
mo que prossigamos em nossa análise até que corresponde ao processo de cons-
a terceira, quinta ordem, ou mais adiante trução de conhecimentos desencadeado
ainda, sempre se pode imaginar interações no aluno. O conhecimento do aluno de-
esquecidas de uma ordem mais superior. senvolve-se, necessariamente, no tempo,
(CRONBACH apud JONNAERT; BORGHT,
2002, p. 163). em uma série de interações de adaptação
com as situações que o professor prepa-
ra para a atividade de ensino-aprendiza-
O contrato didático é de outra ordem; ele tem gem. Em um primeiro momento, o aluno
todas as características de um anticontrato, ou de pouco ou nada domina nessas situações;
um não contrato. Para delimitar seu significado, em um segundo momento, elas passam
precisamos abortar o conceito em três direções: a ser dominadas por ele;
ƒƒ sua influência sobre a “zona de de-
ƒƒ suas características; senvolvimento proximal”: as relações
ƒƒ suas funções; entre professores e alunos são assimétri-
ƒƒ sua dinâmica. cas, pois, de início, tudo se passa como
se a aprendizagem escolar estivesse pri-
meiramente sob o controle exclusivo do
Características professor e, progressivamente, o aluno
ganhasse autonomia. Por meio da zona
Sua caracterização tem por base cinco pon- de desenvolvimento proximal, a rela-
tos: ção didática encontra sua verdadeira di-
mensão e função. Ela é compreendida,
ƒƒ sua localização na relação didática: fundamentalmente, pelas relações que
um contrato didático só pode existir no os indivíduos mantêm com um saber em
contexto da relação didática e, nela, or- construção e um professor que os ajuda
ganiza a qualidade das interações entre nesse processo dinâmico de elaboração
professor, aluno e objeto de ensino e de conhecimentos. Essa dialética entre
aprendizagem (saber); um professor e alunos, a propósito de um
saber e por meio da zona de desenvol-

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vimento proximal, é gerida pelo contra- tamente. O contrato didático preocupa-


to didático; é por uma série de regras do -se com esses “não ditos” e lhes atribui
jogo por ele estabelecida que o aluno faz um valor tão importante quanto às re-
a trajetória da dependência em face do gras formuladas explicitamente e pelas
professor até a sua autonomia em rela- quais professores e alunos estão ligados;
ção ao saber; ƒƒ a relação com o saber: o que é específi-
ƒƒ sua influência sobre a dinâmica das co do contrato é levar em conta a relação
situações didáticas: a relação didática é que cada um dos parceiros mantém com
apenas o ponto de partida, um momento o saber; o contrato didático considera a
de ativação da psicogênese dos conheci- assimetria das relações de saber em jogo
mentos de um indivíduo. O contrato di- na relação didática. Ao contrário de um
dático gera esse dinamismo e permite contrato stricto sensu, o contrato didático
pôr em perspectiva os conhecimentos deve seu dinamismo a funcionamentos
que um aluno constrói ao longo da rela- contraditórios, em certos momentos, da
ção didática. Uma relação didática tem relação didática, essencialmente porque
êxito quando permite aos alunos situar o aluno muda progressivamente sua re-
seus conhecimentos em construção para lação com o saber;
além da escala temporal de curta dura- ƒƒ criar ou ampliar espaços de diálogo
ção, na escala temporal longa. entre os parceiros em questão: um
contrato didático não se define, a priori,
em uma análise simplista e externa das
Atenção
variáveis didáticas; ao contrário, exige
A distância entre aquilo que o indivíduo de cada um dos parceiros a elaboração
é capaz de fazer de forma autônoma e de uma zona de encontro entre eles,
aquilo que ele realiza em colaboração respeitando cada um. A função de um
com os outros elementos de seu grupo
contrato didático não é transformar todo
social caracteriza o que Vygotsky chamou
de Zona de Desenvolvimento Proximal implícito em explícito, mas estabelecer
(ZDP), sendo, portanto, aquelas funções um equilíbrio entre ambos, a fim de criar
que o indivíduo está em vias de construir. uma zona de troca entre os parceiros. Es-
sas zonas de troca se tornarão, por outro
lado, lugares privilegiados de interações
Funções entre professor, alunos e saber;
ƒƒ estabelecer um vínculo entre os costu-
mes da aula e o professor: criado o es-
Há diversos elementos importantes no con-
paço de diálogo, trata-se, então, de gerir
ceito de contrato didático, entre eles, destacare-
o sistema de regras que assegure o fun-
mos:
cionamento da relação didática; sistema
esse que vai do implícito ao explícito. O
ƒƒ a ideia de compartilhar responsabili- sistema de regras da sala de aula passa,
dades: a relação didática não está sob necessariamente, pela boa compreensão
controle exclusivo do professor, pois a por parte do professor dos costumes da
responsabilidade do aprendiz é levada aula;
em conta. Ele deverá aceitar realizar seu
ƒƒ gerir um sistema de regras: o contrato
ofício de aluno;
didático organiza a limitação e a divisão
ƒƒ levar em conta o implícito: a relação di- de responsabilidades entre professor
dática funciona tanto sobre os “não ditos” e aluno, mas isso só pode ser feito com
quanto sobre regras estipuladas explici- base em uma série de regras que regem
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o próprio funcionamento da aula. Tais re- Dinâmica


gras podem ser:
- regras explícitas e formuladas: são Há a possibilidade da geração de conflitos na
claras e expressas sem ambiguidades relação didática, pois as características das regras
pelas partes em questão; que o regem supõem que certo número delas per-
- regras tácitas, mas convencionais: maneça implícito; contudo, essas regras implícitas
não são formuladas, mas são manifestam-se regularmente e, assim, podem en-
evidentes e aceitas por todos; trar em conflito com as regras explícitas do contra-
- regras tácitas e não convencionais: to.
regras com as quais, em princípio, A ruptura didática do contrato ocorre a par-
nenhuma das partes manifesta estar tir do momento que um dos parceiros é confronta-
de acordo; instalam-se e geram, do (em sua própria relação com o saber) com uma
implicitamente, uma parte das situação paradoxal. É o que ocorre, particularmen-
interações da relação didática; te, em situações de resolução de um problema.
- regras implícitas e inconscientes:
Por outro lado, há a devolução didática,
modos de operar individuais –
quando o professor se recusa, voluntariamente, a
características da personalidade de
apresentar atos de ensino – os quais o aluno teria o
uns e de outros –, fazem com que
direito de esperar dele –, para que o aluno apresen-
um dos parceiros da relação didática te efetivamente atitudes de aprendizagem.
adote uma atitude que é implícita e, A devolução didática é uma cessão voluntá-
geralmente, inconsciente; ria. Voluntariamente, o professor recusa o ato de
ƒƒ pôr em interação: o contrato didático ensinar e, com isso, coloca o aluno em uma situa-
permite pôr em interação uma persona- ção tal em que é ele que deve incumbir-se de sua
lidade singular (um professor e seu im- própria aprendizagem, mas a devolução só tem
plícito) e uma personalidade plural (uma sentido se o aluno a aceitar e se, por sua vez, em
aula com seu costume), a propósito de uma espécie de contradevolução, o aluno possa
um objeto de ensino e aprendizagem, pedir ao professor que reassuma seu ofício de pro-
respeitando as particularidades de cada fessor.
parceiro.

3.5 Resumo do Capítulo

Neste capítulo, estudamos os componentes da relação didática. Destacamos que o ponto de parti-
da de toda relação didática é a intenção, alimentada por alguém (em geral, um professor), de estabelecer
as condições para que uma ou várias outra(s) pessoa(s) (em geral, alunos) aprendam com êxito.
A relação didática engloba um grande número de interações entre o docente e os discentes. É um
processo multifacetado em que dois componentes são determinantes: o conteúdo e o contrato didático.
O conteúdo, geralmente denominado saber, não pode estar ausente de uma relação didática, pois
é ele que define a sua identidade. Destacamos que o conhecimento não existe independentemente do
sujeito que conhece.
Analisando o contrato didático, observamos que ele define a dinâmica da relação didática, estabe-
lece as regras do jogo e explicita aquilo que cada um tem direito de esperar dos outros. Ele é indispen-
sável no sentido de nos auxiliar a responder a algumas questões. Destacamos que o mesmo precisa ser

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construído coletivamente, possibilitando uma experiência democrática em sala de aula. Dessa forma, o
aluno se sentirá sujeito ativo do processo de construção das regras que orientarão a relação entre ele e
os seus pares e o professor em sala de aula.
Vamos, agora, avaliar a sua aprendizagem.

3.6 Atividades Propostas

1. O contrato didático é fundamental para que a aula possa ser bem-sucedida e cumpra seu ob-
jetivo, que é ensinar. Vimos que há diversos elementos importantes no conceito de contrato
didático. Um deles é a ideia de compartilhar responsabilidades, ou seja, a relação didática não
é só de responsabilidade do professor, pois o aprendiz também deve assumir o controle. É o
que chamamos ofício de aluno. Comente os dois outros elementos.

a) Levar em conta o implícito.


b) A relação com o saber.

2. Algumas características se fazem presentes quando falamos de contrato didático. Quais são
elas?

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vamos refletir!

Vimos muitos conceitos e conteúdos importantes para uma atuação competente em sala de aula,
porém precisamos refletir: existe um consenso acerca de uma didática geral, que disponha de um corpo
teórico suficiente para existir por si mesma, independentemente das didáticas das disciplinas?
Entretanto, as didáticas das disciplinas utilizam, cada vez mais, conceitos comuns e revelam uma
abertura para a interdisciplinaridade. Vamos destacar os elementos comuns que podem contribuir para
a definição geral da Didática.

Atenção

ƒƒ Toda didática insere-se, necessariamente, em uma série de relações com o


saber;
ƒƒ Os objetos de estudo da Didática localizam-se na relação didática;
ƒƒ Uma relação didática é determinada por uma ação direcionada a uma
finalidade;
ƒƒ A Didática é orientada para a ação;
ƒƒ A Didática pode adotar abordagens variadas dos componentes da relação
didática.

Cada um de nós, professores, deve buscar a construção da nossa didática, com a consciência da
intencionalidade da prática educativa. Nesse caminho, uma certeza: o fazer docente deve, necessaria-
mente, ser um processo reflexivo.

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RESPOSTAS COMENTADAS DAS
ATIVIDADES PROPOSTAS

Capítulo 1
1. Na presente resposta, você deveria considerar que, de acordo com Piaget, os métodos de en-
sino se classificam em:

ƒƒ métodos verbais tradicionais, cujos fundamentos advêm da epistemologia associacio-


nista;
ƒƒ métodos ativos, originários da aplicação, em educação, das conclusões que foram produto
das pesquisas da psicologia do desenvolvimento;
ƒƒ métodos intuitivos ou audiovisuais, que têm por base a psicologia da forma;
ƒƒ ensino programado, fruto da psicologia comportamental.

2. Observe que a relação professor-aluno, segundo a tendência tradicional de aprendizagem, se


caracteriza pela postura autoritária do professor, pois ele é o detentor e transmissor do conhe-
cimento. O aluno é, assim, um mero ouvinte. Toda a relação centra-se no professor. Portanto,
trata-se da criticada educação bancária que somente estimula a memorização.

Capítulo 2
1. Os principais elementos que devem constar no plano de ensino são: objetivos específicos,
conteúdo, estratégias de ensino, recursos de ensino e avaliação. Lembre-se de que o plano de
ensino precisa sempre ser analisado pelo professor.

2. Os valores indicados por Miguel (1999) quando se fala em avaliação são: acadêmicos, estéti-
cos, vocacionais, práticos, espirituais, morais, sociais e emocionais. Note que a avaliação é um
subsídio para ditar os rumos do trabalho do professor, e não uma forma de classificar os seus
alunos.

Capítulo 3
1. Levar em conta o implícito. Isso significa dizer que a relação didática funciona também sobre o
implícito, ou seja, sobre os não ditos, além das regras estabelecidas coletivamente. Quanto ao
outro elemento, “a relação com o saber” aborda a questão de que se deve levar em conta a for-
ma como cada um dos envolvidos no processo de ensinar e aprender se relaciona com o saber.

2. As características do contrato didático são: localização na relação didática; ação sobre as mu-
danças de relação com o saber; inserção no tempo; influência na zona de desenvolvimento
proximal; e influência sobre as dinâmicas das situações didáticas.

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ANEXO

MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA (1932)

A Reconstrução Educacional no Brasil – ao Povo e ao Governo

Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da edu-


cação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a primazia nos planos de reconstrução
nacional. Pois, se a evolução orgânica do sistema cultural de um país depende de suas condições econô-
micas, é impossível desenvolver as forças econômicas ou de produção, sem o preparo intensivo das for-
ças culturais e o desenvolvimento das aptidões à invenção e à iniciativa que são os fatores fundamentais
do acréscimo de riqueza de uma sociedade. No entanto, se depois de 43 anos de regime republicano,
se der um balanço ao estado atual da educação pública, no Brasil, se verificará que, dissociadas sempre
as reformas econômicas e educacionais, que era indispensável entrelaçar e encadear, dirigindo-as no
mesmo sentido, todos os nossos esforços, sem unidade de plano e sem espírito de continuidade, não
lograram ainda criar um sistema de organização escolar, à altura das necessidades modernas e das neces-
sidades do país. Tudo fragmentário e desarticulado. A situação atual, criada pela sucessão periódica de
reformas parciais e frequentemente arbitrárias, lançadas sem solidez econômica e sem uma visão global
do problema, em todos os seus aspectos, nos deixa antes a impressão desoladora de construções isola-
das, algumas já em ruína, outras abandonadas em seus alicerces, e as melhores, ainda não em termos de
serem despojadas de seus andaimes...
Onde se tem de procurar a causa principal desse estado antes de inorganização do que de desor-
ganização do aparelho escolar, é na falta, em quase todos os planos e iniciativas, da determinação dos
fins de educação (aspecto filosófico e social) e da aplicação (aspecto técnico) dos métodos científicos aos
problemas de educação. Ou, em poucas palavras, na falta de espírito filosófico e científico, na resolução
dos problemas da administração escolar. Esse empirismo grosseiro, que tem presidido ao estudo dos pro-
blemas pedagógicos, postos e discutidos numa atmosfera de horizontes estreitos, tem as suas origens na
ausência total de uma cultura universitária e na formação meramente literária de nossa cultura. Nunca
chegamos a possuir uma “cultura própria”, nem mesmo uma “cultura geral” que nos convencesse da “exis-
tência de um problema sobre objetivos e fins da educação”. Não se podia encontrar, por isso, unidade e
continuidade de pensamento em planos de reformas, nos quais as instituições escolares, esparsas, não
traziam, para atraí-las e orientá-las para uma direção, o polo magnético de uma concepção da vida; nem
se submetiam, na sua organização e no seu funcionamento, a medidas objetivas com que o tratamento
científico dos problemas da administração escolar nos ajuda a descobrir, à luz dos fins estabelecidos, os
processos mais eficazes para a realização da obra educacional.
Certo, um educador pode bem ser um filósofo e deve ter a sua filosofia de educação; mas, traba-
lhando cientificamente nesse terreno, ele deve estar tão interessado na determinação dos fins de educa-
ção, quanto também dos meios de realizá-los. O físico e o químico não terão necessidade de saber o que
está e se passa além da janela do seu laboratório. Mas o educador, como o sociólogo, tem necessidade

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de uma cultura múltipla e bem diversa; as alturas e as profundidades da vida humana e da vida social não
devem estender-se além do seu raio visual; ele deve ter o conhecimento dos homens e da sociedade em
cada uma de suas fases, para perceber, além do aparente e do efêmero, “o jogo poderoso das grandes
leis que dominam a evolução social”, e a posição que tem a escola, e a função que representa, na diversi-
dade e pluralidade das forças sociais que cooperam na obra da civilização. Se tem essa cultura geral, que
lhe permite organizar uma doutrina de vida e ampliar o seu horizonte mental, poderá ver o problema
educacional em conjunto, de um ponto de vista mais largo, para subordinar o problema pedagógico ou
dos métodos ao problema filosófico ou dos fins da educação; se tem um espírito científico, empregará os
métodos comuns a todo gênero de investigação científica, podendo recorrer a técnicas mais ou menos
elaboradas e dominar a situação, realizando experiências e medindo os resultados de toda e qualquer
modificação nos processos e nas técnicas, que se desenvolveram sob o impulso dos trabalhos científicos
na administração dos serviços escolares.

Movimento de renovação educacional

À luz dessas verdades e sob a inspiração de novos ideais de educação, é que se gerou, no Brasil, o
movimento de reconstrução educacional, com que, reagindo contra o empirismo dominante, pretendeu
um grupo de educadores, nestes últimos doze anos, transferir do terreno administrativo para os planos
político-sociais a solução dos problemas escolares. Não foram ataques injustos que abalaram o prestígio
das instituições antigas; foram essas instituições, criações artificiais ou deformadas pelo egoísmo e pela
rotina a que serviram de abrigo, que tornaram inevitáveis os ataques contra elas. De fato, porque os
nossos métodos de educação haviam de continuar a ser tão prodigiosamente rotineiros, enquanto no
México, no Uruguai, na Argentina e no Chile, para só falar na América espanhola, já se operavam trans-
formações profundas no aparelho educacional, reorganizado em novas bases e em ordem a finalidades
lucidamente descortinadas? Por que os nossos programas se haviam ainda de fixar nos quadros de se-
gregação social, em que os encerrou a república, há 43 anos, enquanto nossos meios de locomoção e
os processos de indústria centuplicaram de eficácia, em pouco mais de um quartel de século? Por que a
escola havia de permanecer, entre nós, isolada do ambiente, como uma instituição enquistada no meio
social, sem meios de influir sobre ele, quando, por toda a parte, rompendo a barreira das tradições, a ação
educativa já desbordava a escola, articulando-se com as outras instituições sociais, para estender o seu
raio de influência e de ação?
Embora, a princípio, sem diretrizes definidas, esse movimento francamente renovador inaugurou
uma série fecunda de combates de ideias, agitando o ambiente para as primeiras reformas impelidas
para uma nova direção. Multiplicaram-se as associações e iniciativas escolares, em que esses debates
testemunhavam a curiosidade dos espíritos, pondo em circulação novas ideias e transmitindo aspirações
novas com um caloroso entusiasmo. Já se despertava a consciência de que, para dominar a obra educa-
cional, em toda a sua extensão, é preciso possuir, em alto grau, o hábito de se prender, sobre bases sólidas
e largas, a um conjunto de ideias abstratas e de princípios gerais, com que possamos armar um ângulo de
observação, para vermos mais claro e mais longe e desvendarmos, através da complexidade tremenda
dos problemas sociais, horizontes mais vastos. Os trabalhos científicos no ramo da educação já nos fa-
ziam sentir, em toda a sua força reconstrutora, o axioma de que se pode ser tão científico no estudo e na
resolução dos problemas educativos, como nos da engenharia e das finanças. Não tardaram a surgir, no
Distrito Federal e em três ou quatro Estados as reformas e, com elas, as realizações, com espírito científico,
e inspiradas por um ideal que, modelado à imagem da vida, já lhe refletia a complexidade. Contra ou a
favor, todo o mundo se agitou. Esse movimento é hoje uma ideia em marcha, apoiando-se sobre duas
forças que se completam: a força das ideias e a irradiação dos fatos.

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Diretrizes que se esclarecem

Mas, com essa campanha, de que tivemos a iniciativa e assumimos a responsabilidade, e com a
qual se incutira, por todas as formas, no magistério, o espírito novo, o gosto da crítica e do debate e a
consciência da necessidade de um aperfeiçoamento constante, ainda não se podia considerar inteira-
mente aberto o caminho às grandes reformas educacionais. É certo que, com a efervescência intelectual
que produziu no professorado, se abriu, de uma vez, a escola a esses ares, a cujo oxigênio se forma a
nova geração de educadores e se vivificou o espírito nesse fecundo movimento renovador no campo
da educação pública, nos últimos anos. A maioria dos espíritos, tanto da velha como da nova geração
ainda se arrastam, porém, sem convicções, através de um labirinto de ideias vagas, fora de seu alcan-
ce, e certamente, acima de sua experiência; e, porque manejam palavras, com que já se familiarizaram,
imaginam muitos que possuem as ideias claras, o que lhes tira o desejo de adquiri-las... Era preciso, pois,
imprimir uma direção cada vez mais firme a esse movimento já agora nacional, que arrastou consigo os
educadores de mais destaque, e levá-lo a seu ponto culminante com uma noção clara e definida de suas
aspirações e suas responsabilidades. Aos que tomaram posição na vanguarda da campanha de renova-
ção educacional, cabia o dever de formular, em documento público, as bases e diretrizes do movimento
que souberam provocar, definindo, perante o público e o governo, a posição que conquistaram e vêm
mantendo desde o início das hostilidades contra a escola tradicional.

Reformas e a Reforma

Se não há país “onde a opinião se divida em maior número de cores, e se não se encontra teoria
que entre nós não tenha adeptos”, segundo já observou Alberto Torres, princípios e ideias não passam,
entre nós, de “bandeira de discussão, ornatos de polêmica ou simples meio de êxito pessoal ou político”.
Ilustrados, às vezes, e eruditos, mas raramente cultos, não assimilamos bastante as ideias para se torna-
rem um núcleo de convicções ou um sistema de doutrina, capaz de nos impelir à ação em que costumam
desencadear-se aqueles “que pensaram sua vida e viveram seu pensamento”. A interpenetração profun-
da que já se estabeleceu, em esforços constantes, entre as nossas ideias e convicções e a nossa vida de
educadores, em qualquer setor ou linha de ataque em que tivemos de desenvolver a nossa atividade já
denuncia, porém, a fidelidade e o vigor com que caminhamos para a obra de reconstrução educacional,
sem estadear a segurança de um triunfo fácil, mas com a serena confiança na vitória definitiva de nossos
ideais de educação. Em lugar dessas reformas parciais, que se sucederam, na sua quase totalidade, na es-
treiteza crônica de tentativas empíricas, o nosso programa concretiza uma nova política educacional, que
nos preparará, por etapas, à grande reforma, em que palpitará, com o ritmo acelerado dos organismos
novos, o músculo central da estrutura política e social da nação.
Em cada uma das reformas anteriores, em que impressiona vivamente a falta de uma visão global
do problema educativo, a força inspiradora ou a energia estimulante mudou apenas de forma, dando
soluções diferentes aos problemas particulares. Nenhuma antes desse movimento renovador penetrou
o âmago da questão, alterando os caracteres gerais e os traços salientes das reformas que o precederam.
Nós assistíamos à aurora de uma verdadeira renovação educacional, quando a revolução estalou. Já tí-
nhamos chegado então, na campanha escolar, ao ponto decisivo e climatérico, ou se o quiserdes, à linha
de divisão das águas. Mas, a educação que, no final de contas, se resume logicamente numa reforma so-
cial, não pode, ao menos em grande proporção, realizar-se; senão pela ação extensa e intensiva da escola
sobre o indivíduo e deste sobre si mesmo nem se produzir, do ponto de vista das influências exteriores,
senão por uma evolução contínua, favorecida e estimulada por todas as forças organizadas de cultura e
de educação. As surpresas e os golpes de teatro são impotentes para modificarem o estado psicológico e

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moral de um povo. É preciso, porém, atacar essa obra, por um plano integral, para que ela não se arrisque
um dia a ficar no estado fragmentário, semelhante a essas muralhas pelágicas, inacabadas, cujos blocos
enormes, esparsos ao longe sobre o solo, testemunham gigantes que os levantaram, e que a morte sur-
preendeu antes do cortamento de seus esforços...

Finalidades da Educação

Toda a educação varia sempre em função de uma “concepção da vida”, refletindo, em cada época,
a filosofia predominante que é determinada, a seu turno, pela estrutura da sociedade. É evidente que as
diferentes camadas e grupos (classes) de uma sociedade dada terão respectivamente opiniões diferen-
tes sobre a “concepção do mundo”, que convém fazer adotar ao educando e sobre o que é necessário
considerar como “qualidade socialmente útil”. O fim da educação não é, como bem observou G. Davy,
“desenvolver de maneira anárquica as tendências dominantes do educando; se o mestre intervém para
transformar, isto implica nele a representação de um certo ideal à imagem do qual se esforça por modelar
os jovens espíritos”. Esse ideal e aspiração dos adultos tornam-se mesmo mais fácil de apreender exata-
mente quando assistimos à sua transmissão pela obra educacional, isto é, pelo trabalho a que a socieda-
de se entrega para educar os seus filhos. A questão primordial das finalidades da educação gira, pois, em
torno de uma concepção da vida, de um ideal, a que devem conformar-se os educandos, e que uns con-
sideram abstrato e absoluto, e outros, concreto e relativo, variável no tempo e no espaço. Mas, o exame,
num longo olhar para o passado, da evolução da educação através das diferentes civilizações, nos ensina
que o “conteúdo real desse ideal” variou sempre de acordo com a estrutura e as tendências sociais da
época, extraindo a sua vitalidade, como a sua força inspiradora, da própria natureza da realidade social.
Ora, se a educação está intimamente vinculada à filosofia de cada época, que lhe define o caráter,
rasgando sempre novas perspectivas ao pensamento pedagógico, a educação nova não pode deixar de
ser uma reação categórica, intencional e sistemática contra a velha estrutura do serviço educacional, ar-
tificial e verbalista, montada para uma concepção vencida. Desprendendo-se dos interesses de classes, a
que ela tem servido, a educação perde o “sentido aristológico”; para usar a expressão de Ernesto Nelson,
deixa de constituir um privilégio determinado pela condição econômica e social do indivíduo, para assu-
mir um “caráter biológico”, com que ela se organiza para a coletividade em geral, reconhecendo a todo o
indivíduo o direito a ser educado até onde o permitam as suas aptidões naturais, independente de razões
de ordem econômica e social. A educação nova, alargando a sua finalidade para além dos limites das
classes, assume, com uma feição mais humana, a sua verdadeira função social, preparando-se para for-
mar “a hierarquia democrática” pela “hierarquia das capacidades”, recrutadas em todos os grupos sociais,
a que se abrem as mesmas oportunidades de educação. Ela tem por objeto organizar e desenvolver os
meios de ação durável com o fim de “dirigir o desenvolvimento natural e integral do ser humano em cada
uma das etapas de seu crescimento”, de acordo com uma certa concepção do mundo.
A diversidade de conceitos da vida provém, em parte, das diferenças de classes e, em parte, da
variedade de conteúdo na noção de “qualidade socialmente útil”, conforme o ângulo visual de cada uma
das classes ou grupos sociais. A educação nova que, certamente pragmática, se propõe ao fim de servir
não aos interesses de classes, mas aos interesses do indivíduo, e que se funda sobre o princípio da vin-
culação da escola com o meio social, tem o seu ideal condicionado pela vida social atual, mas profun-
damente humano, de solidariedade, de serviço social e cooperação. A escola tradicional, instalada para
uma concepção burguesa, vinha mantendo o indivíduo na sua autonomia isolada e estéril, resultante da
doutrina do individualismo libertário, que teve, aliás, o seu papel na formação das democracias e sem
cujo assalto não se teriam quebrado os quadros rígidos da vida social. A escola socializada, reconstituída
sobre a base da atividade e da produção, em que se considera o trabalho como a melhor maneira de

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estudar a realidade em geral (aquisição ativa da cultura); e a melhor maneira de estudar o trabalho em si
mesmo, como fundamento da sociedade humana, se organizou para remontar a corrente e restabelecer,
entre os homens, o espírito de disciplina, solidariedade e cooperação, por uma profunda obra social que
ultrapassa largamente o quadro estreito dos interesses de classes.

Valores mutáveis e valores permanentes

Mas, por menos que pareça, nessa concepção educacional, cujo embrião já se disse ter-se gerado
no seio das usinas e de que se impregnam a carne e o sangue de tudo que seja objeto da ação educativa,
não se rompeu nem está a pique de romper-se o equilíbrio entre os valores mutáveis e os valores perma-
nentes da vida humana. Onde, ao contrário, se assegurará melhor esse equilíbrio é no novo sistema de
educação, que, longe de se propor a fins particulares de determinados grupos sociais, às tendências ou
preocupações de classes, os subordina aos fins fundamentais e gerais que assinala a natureza nas suas
funções biológicas. É certo que é preciso fazer homens, antes de fazer instrumentos de produção. Mas, o
trabalho que foi sempre a maior escola de formação da personalidade moral, não é apenas o método que
realiza o acréscimo da produção social, é o único método susceptível de fazer homens cultivados e úteis
sob todos os aspectos. O trabalho, a solidariedade social e a cooperação, em que repousa a ampla utilida-
de das experiências; a consciência social que nos leva a compreender as necessidades do indivíduo atra-
vés das da comunidade, e o espírito de justiça, de renúncia e de disciplina, não são, aliás, grandes “valores
permanentes” que elevam a alma, enobrecem o coração e fortificam a vontade, dando expressão e valor
à vida humana? Um vício das escolas espiritualistas, já o ponderou Jules Simon, é o “desdém pela multi-
dão”. Quer-se raciocinar entre si e refletir entre si. Evita de experimentar a sorte de todas as aristocracias
que se estiolam no isolamento. Se se quer servir à humanidade, é preciso estar em comunhão com ela...
Certo, a doutrina de educação, que se apoia no respeito da personalidade humana, considerada
não mais como meio, mas como fim em si mesmo, não poderia ser acusada de tentar, com a escola do
trabalho, fazer do homem uma máquina, um instrumento exclusivamente apropriado a ganhar o salário
e a produzir um resultado material num tempo dado. “A alma tem uma potência de milhões de cavalos,
que levanta mais peso do que o vapor. Se todas as verdades matemáticas se perdessem, escreveu La-
martine, defendendo a causa da educação integral, o mundo industrial, o mundo material, sofreria sem
dúvida um detrimento imenso e um dano irreparável; mas, se o homem perdesse uma só das suas verda-
des morais, seria o próprio homem, seria a humanidade inteira que pereceria”. Mas, a escola socializada
não se organizou como um meio essencialmente social senão para transferir do plano da abstração ao
da vida escolar em todas as suas manifestações, vivendo-as intensamente, essas virtudes e verdades mo-
rais, que contribuem para harmonizar os interesses individuais e os interesses coletivos. “Nós não somos
antes homens e depois seres sociais, lembra-nos a voz insuspeita de Paul Bureau; somos seres sociais, por
isto mesmo que somos homens, e a verdade está antes em que não há ato, pensamento, desejo, atitude,
resolução, que tenham em nós seu princípio e seu termo e que realizem em nós somente a totalidade de
seus efeitos”.

O Estado em face da Educação

a) A educação, uma função essencialmente pública


Mas, do direito de cada indivíduo à sua educação integral, decorre logicamente para o Estado que o
reconhece e o proclama, o dever de considerar a educação, na variedade de seus graus e manifestações,
como uma função social e eminentemente pública, que ele é chamado a realizar, com a cooperação de
todas as instituições sociais. A educação que é uma das funções de que a família se vem despojando
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em proveito da sociedade política, rompeu os quadros do comunismo familiar e dos grupos específicos
(instituições privadas), para se incorporar definitivamente entre as funções essenciais e primordiais do
Estado. Esta restrição progressiva das atribuições da família, – que também deixou de ser “um centro de
produção” para ser apenas um “centro de consumo”, em face da nova concorrência dos grupos profissio-
nais, nascidos precisamente em vista da proteção de interesses especializados”, – fazendo-a perder cons-
tantemente em extensão, não lhe tirou a “função específica”, dentro do “foco interior”, embora cada vez
mais estreito, em que ela se confinou. Ela é ainda o “quadro natural que sustenta socialmente o indivíduo,
como o meio moral em que se disciplinam as tendências, onde nascem, começam a desenvolver-se e
continuam a entreter-se as suas aspirações para o ideal”. Por isto, o Estado, longe de prescindir da família,
deve assentar o trabalho da educação no apoio que ela dá à escola e na colaboração efetiva entre pais e
professores, entre os quais, nessa obra profundamente social, tem o dever de restabelecer a confiança e
estreitar as relações, associando e pondo a serviço da obra comum essas duas forças sociais - a família e a
escola, que operavam de todo indiferentes, senão em direções diversas e às vezes opostas.

b) A questão da escola única


Assentado o princípio do direito biológico de cada indivíduo à sua educação integral, cabe evi-
dentemente ao Estado a organização dos meios de o tornar efetivo, por um plano geral de educação, de
estrutura orgânica, que torne a escola acessível, em todos os seus graus, aos cidadãos a quem a estrutura
social do país mantém em condições de inferioridade econômica para obter o máximo de desenvol-
vimento de acordo com as suas aptidões vitais. Chega-se, por esta forma, ao princípio da escola para
todos, “escola comum ou única”, que, tomado a rigor, só não ficará na contingência de sofrer quaisquer
restrições, em países em que as reformas pedagógicas estão intimamente ligadas com a reconstrução
fundamental das relações sociais. Em nosso regime político, o Estado não poderá, de certo, impedir que,
graças à organização de escolas privadas de tipos diferentes, as classes mais privilegiadas assegurem a
seus filhos uma educação de classe determinada; mas está no dever indeclinável de não admitir, dentro
do sistema escolar do Estado, quaisquer classes ou escolas, a que só tenha acesso uma minoria, por um
privilégio exclusivamente econômico. Afastada a ideia do monopólio da educação pelo Estado num país,
em que o Estado, pela sua situação financeira não está ainda em condições de assumir a sua responsa-
bilidade exclusiva, e em que, portanto, se torna necessário estimular, sob sua vigilância, as instituições
privadas idôneas, a “escola única” se entenderá, entre nós, não como “uma constrição precoce”, arrolando,
da escola infantil à universidade, todos os brasileiros, e submetendo-os durante o maior tempo possível
a uma formação idêntica, para ramificações posteriores em vista de destinos diversos, mas antes como a
escola oficial, única, em que todas as crianças, de 7 a 15, todas ao menos que, nessa idade, sejam confia-
das pelos pais à escola pública, tenham uma educação comum, igual para todos.

c) A laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducação


A laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducação são outros tantos princípios em que assenta
a escola unificada e que decorrem tanto da subordinação à finalidade biológica da educação de todos os
fins particulares e parciais (de classes, grupos ou crenças), como do reconhecimento do direito biológico
que cada ser humano tem à educação. A laicidade, que coloca o ambiente escolar acima de crenças e dis-
putas religiosas, alheia a todo o dogmatismo sectário, subtrai o educando, respeitando-lhe a integridade
da personalidade em formação, à pressão perturbadora da escola quando utilizada como instrumento
de propaganda de seitas e doutrinas. A gratuidade extensiva a todas as instituições oficiais de educação
é um princípio igualitário que torna a educação, em qualquer de seus graus, acessível não a uma minoria,
por um privilégio econômico, mas a todos os cidadãos que tenham vontade e estejam em condições de
recebê-la. Aliás, o Estado não pode tornar o ensino obrigatório, sem torná-lo gratuito. A obrigatorieda-

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de que, por falta de escolas, ainda não passou do papel, nem em relação ao ensino primário, e se deve
estender progressivamente até uma idade conciliável com o trabalho produtor, isto é, até aos 18 anos, é
mais necessária ainda “na sociedade moderna em que o industrialismo e o desejo de exploração humana
sacrificam e violentam a criança e o jovem”, cuja educação é frequentemente impedida ou mutilada pela
ignorância dos pais ou responsáveis e pelas contingências econômicas. A escola unificada não permite
ainda, entre alunos de um e outro sexo outras separações que não sejam as que aconselham as suas
aptidões psicológicas e profissionais, estabelecendo em todas as instituições “a educação em comum”
ou coeducação, que, pondo-os no mesmo pé de igualdade e envolvendo todo o processo educacional,
torna mais econômica a organização da obra escolar e mais fácil a sua graduação.

A função educacional

a) A unidade da função educacional


A consciência desses princípios fundamentais da laicidade, gratuidade e obrigatoriedade, consa-
grados na legislação universal, já penetrou profundamente os espíritos, como condições essenciais à
organização de um regime escolar, lançado, em harmonia com os direitos do indivíduo, sobre as bases
da unificação do ensino, com todas as suas consequências. De fato, se a educação se propõe, antes de
tudo, a desenvolver ao máximo a capacidade vital do ser humano, deve ser considerada “uma só” a fun-
ção educacional, cujos diferentes graus estão destinados a servir às diferentes fases de seu crescimento,
“que são partes orgânicas de um todo que biologicamente deve ser levado à sua completa formação”.
Nenhum outro princípio poderia oferecer ao panorama das instituições escolares perspectivas mais lar-
gas, mais salutares e mais fecundas em consequências do que esse que decorre logicamente da finalida-
de biológica da educação. A seleção dos alunos nas suas aptidões naturais, a supressão de instituições
criadoras de diferenças sobre base econômica, a incorporação dos estudos do magistério à universidade,
a equiparação de mestres e professores em remuneração e trabalho, a correlação e a continuidade do en-
sino em todos os seus graus e a reação contra tudo que lhe quebra a coerência interna e a unidade vital,
constituem o programa de uma política educacional, fundada sobre a aplicação do princípio unificador
que modifica profundamente a estrutura íntima e a organização dos elementos constitutivos do ensino
e dos sistemas escolares.

b) A autonomia da função educacional


Mas, subordinada a educação pública a interesses transitórios, caprichos pessoais ou apetites de
partidos, será impossível ao Estado realizar a imensa tarefa que se propõe da formação integral das novas
gerações. Não há sistema escolar cuja unidade e eficácia não estejam constantemente ameaçadas, senão
reduzidas e anuladas, quando o Estado não o soube ou não o quis acautelar contra o assalto de poderes
estranhos, capazes de impor à educação fins inteiramente contrários aos fins gerais que assinala a natu-
reza em suas funções biológicas. Toda a impotência manifesta do sistema escolar atual e a insuficiência
das soluções dadas às questões de caráter educativo não provam senão o desastre irreparável que resul-
ta, para a educação pública, de influências e intervenções estranhas que conseguiram sujeitá-la a seus
ideais secundários e interesses subalternos. Daí decorre a necessidade de uma ampla autonomia técnica,
administrativa e econômica, com que os técnicos e educadores, que têm a responsabilidade e devem
ter, por isto, a direção e administração da função educacional, tenham assegurados os meios materiais
para poderem realizá-la. Esses meios, porém, não podem reduzir-se às verbas que, nos orçamentos, são
consignadas a esse serviço público e, por isto, sujeitas às crises dos erários do Estado ou às oscilações do
interesse dos governos pela educação. A autonomia econômica não se poderá realizar, a não ser pela ins-
tituição de um “fundo especial ou escolar”, que, constituído de patrimônios, impostos e rendas próprias,

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seja administrado e aplicado exclusivamente no desenvolvimento da obra educacional, pelos próprios


órgãos do ensino, incumbidos de sua direção.

c) A descentralização
A organização da educação brasileira unitária sobre a base e os princípios do Estado, no espírito da
verdadeira comunidade popular e no cuidado da unidade nacional, não implica um centralismo estéril e
odioso, ao qual se opõem as condições geográficas do país e a necessidade de adaptação crescente da
escola aos interesses e às exigências regionais. Unidade não significa uniformidade. A unidade pressupõe
multiplicidade. Por menos que pareça, à primeira vista, não é, pois, na centralização, mas na aplicação
da doutrina federativa e descentralizadora, que teremos de buscar o meio de levar a cabo, em toda a
República, uma obra metódica e coordenada, de acordo com um plano comum, de completa eficiência,
tanto em intensidade como em extensão. À União, na capital, e aos Estados, nos seus respectivos terri-
tórios, é que deve competir a educação em todos os graus, dentro dos princípios gerais fixados na nova
constituição, que deve conter, com a definição de atribuições e deveres, os fundamentos da educação
nacional. Ao governo central, pelo Ministério da Educação, caberá vigiar sobre a obediência a esses prin-
cípios, fazendo executar as orientações e os rumos gerais da função educacional, estabelecidos na carta
constitucional e em leis ordinárias, socorrendo onde haja deficiência de meios, facilitando o intercâmbio
pedagógico e cultural dos Estados e intensificando por todas as formas as suas relações espirituais. A uni-
dade educativa, – essa obra imensa que a União terá de realizar sob pena de perecer como nacionalidade
– se manifestará então como uma força viva, um espírito comum, um estado de ânimo nacional, nesse
regime livre de intercâmbio, solidariedade e cooperação que, levando os Estados a evitar todo desperdí-
cio nas suas despesas escolares a fim de produzir os maiores resultados com as menores despesas, abrirá
margem a uma sucessão ininterrupta de esforços fecundos em criações e iniciativas.

O Processo Educativo

O conceito e os fundamentos da Educação Nova


O desenvolvimento das ciências lançou as bases das doutrinas da nova educação, ajustando à fi-
nalidade fundamental e aos ideais que ela deve prosseguir os processos apropriados para realizá-los.
A extensão e a riqueza que atualmente alcança por toda a parte o estudo científico e experimental da
educação, a libertaram do empirismo, dando-lhe um caráter e um espírito nitidamente científico e orga-
nizando, em corpo de doutrina, numa série fecunda de pesquisas e experiências, os princípios da educa-
ção nova, pressentidos e às vezes formulados em rasgos de síntese, pela intuição luminosa de seus pre-
cursores. A nova doutrina, que não considera a função educacional como uma função de superposição
ou de acréscimo, segundo a qual o educando é “modelado exteriormente” (escola tradicional), mas uma
função complexa de ações e reações em que o espírito cresce de “dentro para fora”, substitui o mecanis-
mo pela vida (atividade funcional) e transfere para a criança e para o respeito de sua personalidade o eixo
da escola e o centro de gravidade do problema da educação. Considerando os processos mentais, como
“funções vitais” e não como “processos em si mesmos”, ela os subordina à vida, como meio de utilizá-la
e de satisfazer as suas múltiplas necessidades materiais e espirituais. A escola, vista desse ângulo novo
que nos dá o conceito funcional da educação, deve oferecer à criança um meio vivo e natural, “favorável
ao intercâmbio de reações e experiências”, em que ela, vivendo a sua vida própria, generosa e bela de
criança, seja levada “ao trabalho e à ação por meios naturais que a vida suscita quando o trabalho e a ação
convêm aos seus interesses e às suas necessidades”.
Nessa nova concepção da escola, que é uma reação contra as tendências exclusivamente passi-
vas, intelectualistas e verbalistas da escola tradicional, a atividade que está na base de todos os seus
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trabalhos, é a atividade espontânea, alegre e fecunda, dirigida à satisfação das necessidades do próprio
indivíduo. Na verdadeira educação funcional deve estar, pois, sempre presente, como elemento essencial
e inerente à sua própria natureza, o problema não só da correspondência entre os graus do ensino e as
etapas da evolução intelectual fixadas sobre a base dos interesses, como também da adaptação da ativi-
dade educativa às necessidades psicobiológicas do momento. O que distingue da escola tradicional da
escola nova, não é, de fato, a predominância dos trabalhos de base manual e corporal, mas a presença,
em todas as suas atividades, do fator psicobiológico do interesse, que é a primeira condição de uma ati-
vidade espontânea e o estímulo constante ao educando (criança, adolescente ou jovem) a buscar todos
os recursos ao seu alcance, “graças à força de atração das necessidades profundamente sentidas”. É certo
que, deslocando-se por esta forma, para a criança e para os seus interesses, móveis e transitórios, a fonte
de inspiração das atividades escolares, quebra-se a ordem que apresentavam os programas tradicionais,
do ponto de vista da lógica formal dos adultos, para os pôr de acordo com a “lógica psicológica”, isto é,
com a lógica que se baseia na natureza e no funcionamento do espírito infantil.
Mas, para que a escola possa fornecer aos “impulsos interiores a ocasião e o meio de realizar-se”, e
abrir ao educando à sua energia de observar, experimentar e criar todas as atividades capazes de satisfa-
zê-la, é preciso que ela seja reorganizada como um “mundo natural e social embrionário”, um ambiente
dinâmico em íntima conexão com a região e a comunidade. A escola que tem sido um aparelho formal
e rígido, sem diferenciação regional, inteiramente desintegrado em relação ao meio social, passará a ser
um organismo vivo, com uma estrutura social, organizada à maneira de uma comunidade palpitante pe-
las soluções de seus problemas. Mas, se a escola deve ser uma comunidade em miniatura, e se em toda a
comunidade as atividades manuais, motoras ou construtoras “constituem as funções predominantes da
vida”, é natural que ela inicie os alunos nessas atividades, pondo-os em contato com o ambiente e com
a vida ativa que os rodeia, para que eles possam, desta forma, possuí-la, apreciá-la e senti-la de acordo
com as aptidões e possibilidades. “A vida da sociedade, observou Paulsen, se modifica em função da sua
economia, e a energia individual e coletiva se manifesta pela sua produção material”. A escola nova, que
tem de obedecer a esta lei, deve ser reorganizada de maneira que o trabalho seja seu elemento formador,
favorecendo a expansão das energias criadoras do educando, procurando estimular-lhe o próprio esfor-
ço como o elemento mais eficiente em sua educação e preparando-o, com o trabalho em grupos e todas
as atividades pedagógicas e sociais, para fazê-lo penetrar na corrente do progresso material e espiritual
da sociedade de que proveio e em que vai viver e lutar.

Plano de Reconstrução Educacional

a) As linhas gerais do plano


Ora, assentada a finalidade da educação e definidos os meios de ação ou processos de que necessi-
ta o indivíduo para o seu desenvolvimento integral, ficam fixados os princípios científicos sobre os quais
se pode apoiar solidamente um sistema de educação. A aplicação desses princípios importa, como se vê,
numa radical transformação da educação pública em todos os seus graus, tanto à luz do novo conceito
de educação como à vista das necessidades nacionais. No plano de reconstrução educacional, de que se
esboçam aqui apenas as suas grandes linhas gerais, procuramos, antes de tudo, corrigir o erro capital que
apresenta o atual sistema (se é que se pode chamar sistema), caracterizado pela falta de continuidade
e articulação do ensino, em seus diversos graus, como se não fossem etapas de um mesmo processo, e
cada um dos quais deve ter o seu “fim particular”, próprio, dentro da “unidade do fim geral da educação”
e dos princípios e métodos comuns a todos os graus e instituições educativas. De fato, o divórcio entre
as entidades que mantêm o ensino primário e profissional e as que mantêm o ensino secundário e su-
perior, vai concorrendo insensivelmente, como já observou um dos signatários deste manifesto, “para

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que se estabeleçam no Brasil, dois sistemas escolares paralelos, fechados em compartimentos estanques
e incomunicáveis, diferentes nos seus objetivos culturais e sociais, e, por isto mesmo, instrumentos de
estratificação social”.
A escola primária que se estende sobre as instituições das escolas maternais e dos jardins de infân-
cia e constitui o problema fundamental das democracias, deve, pois, articular-se rigorosamente com a
educação secundária unificada, que lhe sucede, em terceiro plano, para abrir acesso às escolas ou institu-
tos superiores de especialização profissional ou de altos estudos. Ao espírito novo que já se apoderou do
ensino primário não se poderia, porém, subtrair a escola secundária, em que se apresentam, colocadas
no mesmo nível, a educação chamada “profissional” (de preferência manual ou mecânica) e a educação
humanística ou científica (de preponderância intelectual), sobre uma base comum de três anos. A escola
secundária deixará de ser assim a velha escola de “um grupo social”, destinada a adaptar todas as inteli-
gências a uma forma rígida de educação, para ser um aparelho flexível e vivo, organizado para ministrar
a cultura geral e satisfazer às necessidades práticas de adaptação à variedade dos grupos sociais. É o
mesmo princípio que faz alargar o campo educativo das Universidades, em que, ao lado das escolas des-
tinadas ao preparo para as profissões chamadas “liberais”, se devem introduzir, no sistema, as escolas de
cultura especializada, para as profissões industriais e mercantis, propulsoras de nossa riqueza econômica
e industrial. Mas esse princípio, dilatando o campo das universidades, para adaptá-las à variedade e às
necessidades dos grupos sociais, tão longe está de lhes restringir a função cultural que tende a elevar
constantemente as escolas de formação profissional, achegando-as às suas próprias fontes de renovação
e agrupando-as em torno dos grandes núcleos de criação livre, de pesquisa científica e de cultura desin-
teressada.
A instrução pública não tem sido, entre nós, na justa observação de Alberto Torres, senão um “sis-
tema de canais de êxodo da mocidade do campo para as cidades e da produção para o parasitismo”.
É preciso, para reagir contra esses males, já tão lucidamente apontados, pôr em via de solução o pro-
blema educacional das massas rurais e do elemento trabalhador da cidade e dos centros industriais já
pela extensão da escola do trabalho educativo e da escola do trabalho profissional, baseada no exercício
normal do trabalho em cooperação, já pela adaptação crescente dessas escolas (primária e secundária
profissional) às necessidades regionais e às profissões e indústrias dominantes no meio. A nova política
educacional rompendo, de um lado, contra a formação excessivamente literária de nossa cultura, para
lhe dar um caráter científico e técnico, e contra esse espírito de desintegração da escola, em relação ao
meio social, impõe reformas profundas, orientadas no sentido da produção e procura reforçar, por todos
os meios, a intenção e o valor social da escola, sem negar a arte, a literatura e os valores culturais. A arte
e a literatura têm efetivamente uma significação social, profunda e múltipla; a aproximação dos homens,
a sua organização em uma coletividade unânime, a difusão de tais ou quais idéias sociais, de uma ma-
neira “imaginada”, e, portanto, eficaz, a extensão do raio visual do homem e o valor moral e educativo
conferem certamente à arte uma enorme importância social. Mas, se, à medida que a riqueza do homem
aumenta, o alimento ocupa um lugar cada vez mais fraco, os produtores intelectuais não passam para o
primeiro plano senão quando as sociedades se organizam em sólidas bases econômicas.

b) O ponto nevrálgico da questão


A estrutura do plano educacional corresponde, na hierarquia de suas instituições escolares (escola
infantil ou pré-primária; primária; secundária e superior ou universitária), aos quatro grandes períodos
que apresenta o desenvolvimento natural do ser humano. É uma reforma integral da organização e dos
métodos de toda a educação nacional, dentro do mesmo espírito que substitui o conceito estático do
ensino por um conceito dinâmico, fazendo um apelo, dos jardins de infância à Universidade, não à re-
ceptividade mas à atividade criadora do aluno. A partir da escola infantil (4 a 6 anos) à Universidade, com

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escala pela educação primária (7 a 12) e pela secundária (12 a 18 anos), a “continuação ininterrupta de es-
forços criadores” deve levar à formação da personalidade integral do aluno e ao desenvolvimento de sua
faculdade produtora e de seu poder criador, pela aplicação, na escola, para a aquisição ativa de conheci-
mentos, dos mesmos métodos (observação, pesquisa, e experiência), que segue o espírito maduro, nas
investigações científicas. A escola secundária, unificada para se evitar o divórcio entre os trabalhadores
manuais e intelectuais, terá uma sólida base comum de cultura geral (3 anos), para a posterior bifurcação
(dos 15 aos 18), em seção de preponderância intelectual (com os 3 ciclos de humanidades modernas;
ciências físicas e matemáticas; e ciências químicas e biológicas), e em seção de preferência manual, ra-
mificada por sua vez, em ciclos, escolas ou cursos destinados à preparação às atividades profissionais,
decorrentes da extração de matérias-primas (escolas agrícolas, de mineração e de pesca) da elaboração
das matérias-primas (industriais e profissionais) e da distribuição dos produtos elaborados (transportes,
comunicações e comércio).
Mas, montada, na sua estrutura tradicional, para a classe média (burguesia), enquanto a escola pri-
mária servia à classe popular, como se tivesse uma finalidade em si mesma, a escola secundária ou do 3º
grau não forma apenas o reduto dos interesses de classe, que criaram e mantêm o dualismo dos sistemas
escolares. É ainda nesse campo educativo que se levanta a controvérsia sobre o sentido de cultura geral
e se põe o problema relativo à escolha do momento em que a matéria do ensino deve diversificar-se em
ramos iniciais de especialização. Não admira, por isto, que a escola secundária seja, nas reformas escola-
res, o ponto nevrálgico da questão. Ora, a solução dada, neste plano, ao problema do ensino secundário,
levantando os obstáculos opostos pela escola tradicional à interpenetração das classes sociais, se inspira
na necessidade de adaptar essa educação à diversidade nascente de gostos e à variedade crescente de
aptidões que a observação psicológica registra nos adolescentes e que “representam as únicas forças ca-
pazes de arrastar o espírito dos jovens à cultura superior”. A escola do passado, com seu esforço inútil de
abarcar a soma geral de conhecimentos, descurou a própria formação do espírito e a função que lhe cabia
de conduzir o adolescente ao limiar das profissões e da vida. Sobre a base de uma cultura geral comum,
em que importará menos a quantidade ou qualidade das matérias do que o “método de sua aquisição”, a
escola moderna estabelece para isto, depois dos 15 anos, o ponto em que o ensino se diversifica, para se
adaptar já à diversidade crescente de aptidões e de gostos, já à variedade de formas de atividade social.

c) O conceito moderno de Universidade e o problema universitário no Brasil


A educação superior que tem estado, no Brasil, exclusivamente a serviço das profissões “liberais”
(engenharia, medicina e direito), não pode evidentemente erigir-se à altura de uma educação universi-
tária, sem alargar para horizontes científicos e culturais a sua finalidade estritamente profissional e sem
abrir os seus quadros rígidos à formação de todas as profissões que exijam conhecimentos científicos,
elevando-as a todas a nível superior e tornando-se, pela flexibilidade de sua organização, acessível a to-
das. Ao lado das faculdades profissionais existentes, reorganizadas em novas bases, impõe-se a criação
simultânea ou sucessiva, em cada quadro universitário, de faculdades de ciências sociais e econômicas;
de ciências matemáticas, físicas e naturais, e de filosofia e letras que, atendendo à variedade de tipos
mentais e das necessidades sociais, deverão abrir às universidades que se criarem ou se reorganizarem,
um campo cada vez mais vasto de investigações científicas. A educação superior ou universitária, a partir
dos 18 anos, inteiramente gratuita como as demais, deve tender, de fato, não somente à formação pro-
fissional e técnica, no seu máximo desenvolvimento, como à formação de pesquisadores, em todos os
ramos de conhecimentos humanos. Ela deve ser organizada de maneira que possa desempenhar a trí-
plice função que lhe cabe de elaboradora ou criadora de ciência (investigação), docente ou transmissora
de conhecimentos (ciência feita) e de vulgarizadora ou popularizadora, pelas instituições de extensão
universitária, das ciências e das artes.

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No entanto, com ser a pesquisa, na expressão de Coulter, o “sistema nervoso da Universidade”, que
estimula e domina qualquer outra função; com ser esse espírito de profundidade e universalidade, que
imprime à educação superior um caráter universitário, pondo-a em condições de contribuir para o aper-
feiçoamento constante do saber humano, a nossa educação superior nunca ultrapassou os limites e as
ambições de formação profissional, a que se propõem as escolas de engenharia, de medicina e direito.
Nessas instituições, organizadas antes para uma função docente, a ciência está inteiramente subordina-
da à arte ou à técnica da profissão a que servem, com o cuidado da aplicação imediata e próxima, de uma
direção utilitária em vista de uma função pública ou de uma carreira privada. Ora, se, entre nós, vingam
facilmente todas as fórmulas e frases feitas; se a nossa ilustração, mais variada e mais vasta do que no im-
pério, é hoje, na frase de Alberto Torres, “mais vaga, fluida, sem assento, incapaz de habilitar os espíritos
a formar juízos e incapaz de lhes inspirar atos”, é porque a nossa geração, além de perder a base de uma
educação secundária sólida, posto que exclusivamente literária, se deixou infiltrar desse espírito enciclo-
pédico em que o pensamento ganha em extensão o que perde em profundidade; em que da observação
e da experiência, em que devia exercitar-se, se deslocou o pensamento para o hedonismo intelectual e
para a ciência feita, e em que, finalmente, o período criador cede o lugar à erudição, e essa mesma quase
sempre, entre nós, aparente e sem substância, dissimulando sob a superfície, às vezes brilhante, a abso-
luta falta de solidez de conhecimentos.
Nessa superficialidade de cultura, fácil e apressada, de autodidatas, cujas opiniões se mantêm pri-
sioneiras de sistemas ou se matizam das tonalidades das mais variadas doutrinas, se tem de buscar as
causas profundas da estreiteza e da flutuação dos espíritos e da indisciplina mental, quase anárquica, que
revelamos em face de todos os problemas. Nem a primeira geração nascida com a república, no seu es-
forço heroico para adquirir a posse de si mesma, elevando-se acima de seu meio, conseguiu libertar-se de
todos os males educativos de que se viciou a sua formação. A organização de Universidades é, pois, tanto
mais necessária e urgente quanto mais pensarmos que só com essas instituições, a que cabe criar e difun-
dir ideais políticos, sociais, morais e estéticos, é que podemos obter esse intensivo espírito comum, nas
aspirações, nos ideais e nas lutas, esse “estado de ânimo nacional”, capaz de dar força, eficácia e coerência
à ação dos homens, sejam quais forem as divergências que possa estabelecer entre eles a diversidade de
pontos de vista na solução dos problemas brasileiros. É a universidade, no conjunto de suas instituições
de alta cultura, prepostas ao estudo científico dos grandes problemas nacionais, que nos dará os meios
de combater a facilidade de tudo admitir; o ceticismo de nada escolher nem julgar; a falta de crítica, por
falta de espírito de síntese; a indiferença ou a neutralidade no terreno das ideias; a ignorância “da mais
humana de todas as operações intelectuais, que é a de tomar partido”, e a tendência e o espírito fácil de
substituir os princípios (ainda que provisórios) pelo paradoxo e pelo humor, esses recursos desesperados.

d) O problema dos melhores 


De fato, a Universidade, que se encontra no ápice de todas as instituições educativas, está destina-
da, nas sociedades modernas a desenvolver um papel cada vez mais importante na formação das elites
de pensadores, sábios, cientistas, técnicos, e educadores, de que elas precisam para o estudo e solução
de suas questões científicas, morais, intelectuais, políticas e econômicas. Se o problema fundamental das
democracias é a educação das massas populares, os melhores e os mais capazes, por seleção, devem for-
mar o vértice de uma pirâmide de base imensa. Certamente, o novo conceito de educação repele as elites
formadas artificialmente “por diferenciação econômica” ou sob o critério da independência econômica,
que não é nem pode ser hoje elemento necessário para fazer parte delas. A primeira condição para que
uma elite desempenhe a sua missão e cumpra o seu dever é de ser “inteiramente aberta” e não somente
de admitir todas as capacidades novas, como também de rejeitar implacavelmente de seu seio todos os
indivíduos que não desempenham a função social que lhes é atribuída no interesse da coletividade. Mas,
não há sociedade alguma que possa prescindir desse órgão especial e tanto mais perfeitas serão as socie-
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dades quanto mais pesquisada e selecionada for a sua elite, quanto maior for a riqueza e a variedade de
homens, de valor cultural substantivo, necessários para enfrentar a variedade dos problemas que põe a
complexidade das sociedades modernas. Essa seleção que se deve processar não “por diferenciação eco-
nômica”, mas “pela diferenciação de todas as capacidades”, favorecida pela educação, mediante a ação
biológica e funcional, não pode, não diremos completar-se, mas nem sequer realizar-se senão pela obra
universitária que, elevando ao máximo o desenvolvimento dos indivíduos dentro de suas aptidões natu-
rais e selecionando os mais capazes, lhes dá bastante força para exercer influência efetiva na sociedade e
afetar, dessa forma, a consciência social.

A unidade de formação de professores e a unidade de espírito

Ora, dessa elite deve fazer parte evidentemente o professorado de todos os graus, ao qual, escolhi-
do como sendo um corpo de eleição, para uma função pública da mais alta importância, não se dá, nem
nunca se deu no Brasil, a educação que uma elite pode e deve receber. A maior parte dele, entre nós, é
recrutada em todas as carreiras, sem qualquer preparação profissional, como os professores do ensino
secundário e os do ensino superior (engenharia, medicina, direito, etc.), entre os profissionais dessas
carreiras, que receberam, uns e outros, do secundário a sua educação geral. O magistério primário, pre-
parado em escolas especiais (escolas normais), de caráter mais propedêutico, e, às vezes misto, com seus
cursos geral e de especialização profissional, não recebe, por via de regra, nesses estabelecimentos, de ní-
vel secundário, nem uma sólida preparação pedagógica, nem a educação geral em que ela deve basear-
-se. A preparação dos professores, como se vê, é tratada entre nós, de maneira diferente, quando não é
inteiramente descuidada, como se a função educacional, de todas as funções públicas a mais importante,
fosse a única para cujo exercício não houvesse necessidade de qualquer preparação profissional. Todos
os professores, de todos os graus, cuja preparação geral se adquirirá nos estabelecimentos de ensino
secundário, devem, no entanto, formar o seu espírito pedagógico, conjuntamente, nos cursos universi-
tários, em faculdades ou escolas normais, elevadas ao nível superior e incorporadas às universidades. A
tradição das hierarquias docentes, baseadas na diferenciação dos graus de ensino, e que a linguagem
fixou em denominações diferentes (mestre, professor e catedrático), é inteiramente contrária ao princí-
pio da unidade da função educacional, que, aplicado, às funções docentes, importa na incorporação dos
estudos do magistério às universidades, e, portanto, na libertação espiritual e econômica do professor,
mediante uma formação e remuneração equivalentes que lhe permitam manter, com a eficiência no tra-
balho, a dignidade e o prestígio indispensáveis aos educadores.
A formação universitária dos professores não é somente uma necessidade da função educativa,
mas o único meio de, elevando-lhes em verticalidade a cultura, e abrindo-lhes a vida sobre todos os
horizontes, estabelecer, entre todos, para a realização da obra educacional, uma compreensão recíproca,
uma vida sentimental comum e um vigoroso espírito comum nas aspirações e nos ideais. Se o estado
cultural dos adultos é que dá as diretrizes à formação da mocidade, não se poderá estabelecer uma fun-
ção e educação unitária da mocidade, sem que haja unidade cultural naqueles que estão incumbidos de
transmiti-la. Nós não temos o feiticismo mas o princípio da unidade, que reconhecemos não ser possível
senão quando se criou esse “espírito”, esse “ideal comum”, pela unificação, para todos os graus do ensino,
da formação do magistério, que elevaria o valor dos estudos, em todos os graus, imprimiria mais lógica e
harmonia às instituições, e corrigiria, tanto quanto humanamente possível, as injustiças da situação atual.
Os professores de ensino primário e secundário, assim formados, em escolas ou cursos universitários,
sobre a base de uma educação geral comum, dada em estabelecimentos de educação secundária, não
fariam senão um só corpo com os do ensino superior, preparando a fusão sincera e cordial de todas as
forças vivas do magistério. Entre os diversos graus do ensino, que guardariam a sua função específica, se

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estabeleceriam contatos estreitos que permitiriam as passagens de um ao outro nos momentos precisos,
descobrindo as superioridades em gérmen, pondo-as em destaque e assegurando, de um ponto a outro
dos estudos, a unidade do espírito sobre a base da unidade de formação dos professores.

O papel da escola na vida e a sua função social

Mas, ao mesmo tempo que os progressos da psicologia aplicada à criança começaram a dar à edu-
cação bases científicas, os estudos sociológicos, definindo a posição da escola em face da vida, nos trou-
xeram uma consciência mais nítida da sua função social e da estreiteza relativa de seu círculo de ação.
Compreende-se, à luz desses estudos, que a escola, campo específico de educação, não é um elemento
estranho à sociedade humana, um elemento separado, mas “uma instituição social”, um órgão feliz e vivo,
no conjunto das instituições necessárias à vida, o lugar onde vivem a criança, a adolescência e a moci-
dade, de conformidade com os interesses e as alegrias profundas de sua natureza. A educação, porém,
não se faz somente pela escola, cuja ação é favorecida ou contrariada, ampliada ou reduzida pelo jogo
de forças inumeráveis que concorrem ao movimento das sociedades modernas. Numerosas e variadíssi-
mas são, de fato, as influências que formam o homem através da existência. “Há a herança que a escola
da espécie, como já se escreveu; a família que é a escola dos pais; o ambiente social que é a escola da
comunidade, e a maior de todas as escolas, a vida, com todos os seus imponderáveis e forças incalculá-
veis”. Compreender, então, para empregar a imagem de C. Bouglé, que, na sociedade, a “zona luminosa
é singularmente mais estreita que a zona de sombra; os pequenos focos de ação consciente que são as
escolas, não são senão pontos na noite, e a noite que as cerca não é vazia, mas cheia e tanto mais inquie-
tante; não é o silêncio e a imobilidade do deserto, mas o frêmito de uma floresta povoada”.
Dessa concepção positiva da escola, como uma instituição social, limitada, na sua ação educativa,
pela pluralidade e diversidade das forças que concorrem ao movimento das sociedades, resulta a neces-
sidade de reorganizá-la, como um organismo maleável e vivo, aparelhado de um sistema de instituições
susceptíveis de lhe alargar os limites e o raio de ação. As instituições periescolares e postescolares, de
caráter educativo ou de assistência social, devem ser incorporadas em todos os sistemas de organização
escolar para corrigirem essa insuficiência social, cada vez maior, das instituições educacionais. Essas insti-
tuições de educação e cultura, dos jardins de infância às escolas superiores, não exercem a ação intensa,
larga e fecunda que são chamadas a desenvolver e não podem exercer senão por esse conjunto sistemá-
tico de medidas de projeção social da obra educativa além dos muros escolares. Cada escola, seja qual for
o seu grau, dos jardins de infância às universidades, deve, pois, reunir em torno de si as famílias dos alu-
nos, estimulando e aproveitando as iniciativas dos pais em favor da educação; constituindo sociedades
de ex-alunos que mantenham relação constante com as escolas; utilizando, em seu proveito, os valiosos
e múltiplos elementos materiais e espirituais da coletividade e despertando e desenvolvendo o poder
de iniciativa e o espírito de cooperação social entre os pais, os professores, a imprensa e todas as demais
instituições diretamente interessadas na obra da educação.
Pois é impossível realizar-se em intensidade e extensão, uma sólida obra educacional, sem se ras-
garem à escola aberturas no maior número possível de direções e sem se multiplicarem os pontos de
apoio de que ela precisa, para se desenvolver, recorrendo à comunidade como à fonte que lhes há de
proporcionar todos os elementos necessários para elevar as condições materiais e espirituais das escolas.
A consciência do verdadeiro papel da escola na sociedade impõe o dever de concentrar a ofensiva edu-
cacional sobre os núcleos sociais, como a família, os agrupamentos profissionais e a imprensa, para que
o esforço da escola se possa realizar em convergência, numa obra solidária, com as outras instituições
da comunidade. Mas, além de atrair para a obra comum as instituições que são destinadas, no sistema
social geral, a fortificar-se mutuamente, a escola deve utilizar, em seu proveito, com a maior amplitude

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possível, todos os recursos formidáveis, como a imprensa, o disco, o cinema e o rádio, com que a ciência,
multiplicando-lhe a eficácia, acudiu à obra de educação e cultura e que assumem, em face das condições
geográficas e da extensão territorial do país, uma importância capital. À escola antiga, presumida da
importância do seu papel e fechada no seu exclusivismo acanhado e estéril, sem o indispensável com-
plemento e concurso de todas as outras instituições sociais, se sucederá a escola moderna aparelhada
de todos os recursos para estender e fecundar a sua ação na solidariedade com o meio social, em que
então, e só então, se tornará capaz de influir, transformando-se num centro poderoso de criação, atração
e irradiação de todas as forças e atividades educativas.

A democracia, um programa de longos deveres

Não alimentamos, de certo, ilusões sobre as dificuldades de toda a ordem que apresenta um plano
de reconstrução educacional de tão grande alcance e de tão vastas proporções. Mas, temos, com a cons-
ciência profunda de uma por uma dessas dificuldades, a disposição obstinada de enfrentá-las, dispostos,
como estamos, na defesa de nossos ideais educacionais, para as existências mais agitadas, mais rudes e
mais fecundas em realidades, que um homem tenha vivido desde que há homens, aspirações e lutas. O
próprio espírito que o informa de uma nova política educacional, com sentido unitário e de bases cientí-
ficas, e que seria, em outros países, a maior fonte de seu prestígio, tornará esse plano suspeito aos olhos
dos que, sob o pretexto e em nome do nacionalismo, persistem em manter a educação, no terreno de
uma política empírica, à margem das correntes renovadoras de seu tempo. De mais, se os problemas de
educação devem ser resolvidos de maneira científica, e se a ciência não tem pátria, nem varia, nos seus
princípios, com os climas e as latitudes, a obra de educação deve ter, em toda a parte, uma “unidade fun-
damental”, dentro da variedade de sistemas resultantes da adaptação a novos ambientes dessas ideias e
aspirações que, sendo estruturalmente científicas e humanas, têm um caráter universal. É preciso, certa-
mente, tempo para que as camadas mais profundas do magistério e da sociedade em geral sejam tocadas
pelas doutrinas novas e seja esse contato bastante penetrante e fecundo para lhe modificar os pontos de
vista e as atitudes em face do problema educacional, e para nos permitir as conquistas em globo ou por
partes de todas as grandes aspirações que constituem a substância de uma nova política de educação.
Os obstáculos acumulados, porém, não nos abateram ainda nem poderão abater-nos a resolução
firme de trabalhar pela reconstrução educacional no Brasil. Nós temos uma missão a cumprir: insensíveis
à indiferença e à hostilidade, em luta aberta contra preconceitos e prevenções enraizadas, caminharemos
progressivamente para o termo de nossa tarefa, sem abandonarmos o terreno das realidades, mas sem
perdermos de vista os nossos ideais de reconstrução do Brasil, na base de uma educação inteiramente
nova. A hora crítica e decisiva que vivemos, não nos permite hesitar um momento diante da tremenda
tarefa que nos impõe a consciência, cada vez mais viva, da necessidade de nos prepararmos para enfren-
tarmos com o evangelho da nova geração, a complexidade trágica dos problemas postos pelas socie-
dades modernas. “Não devemos submeter o nosso espírito. Devemos, antes de tudo proporcionar-nos
um espírito firme e seguro; chegar a ser sérios em todas as coisas, e não continuar a viver frivolamente e
como envoltos em bruma; devemos formar-nos princípios fixos e inabaláveis que sirvam para regular, de
um modo firme, todos os nossos pensamentos e todas as nossas ações; vida e pensamento devem ser em
nós outros de uma só peça e formar um todo penetrante e sólido. Devemos, em uma palavra, adquirir um
caráter, e refletir, pelo movimento de nossas próprias idéias, sobre os grandes acontecimentos de nossos
dias, sua relação conosco e o que podemos esperar deles. É preciso formar uma opinião clara e penetran-
te e responder a esses problemas sim ou não de um modo decidido e inabalável”.
Essas palavras tão oportunas, que agora lembramos, escreveu-as Fichte há mais de um século,
apontando à Alemanha, depois da derrota de Iena, o caminho de sua salvação pela obra educacional,

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Sandra da Costa Lacerda

em um daqueles famosos “discursos à nação alemã”, pronunciados de sua cátedra, enquanto sob as ja-
nelas da Universidade, pelas ruas de Berlim, ressoavam os tambores franceses... Não são, de fato, senão
as fortes convicções e a plena posse de si mesmos que fazem os grandes homens e os grandes povos.
Toda a profunda renovação dos princípios que orientam a marcha dos povos precisa acompanhar-se
de fundas transformações no regime educacional: as únicas revoluções fecundas são as que se fazem
ou se consolidam pela educação, e é só pela educação que a doutrina democrática, utilizada como um
princípio de desagregação moral e de indisciplina, poderá transformar-se numa fonte de esforço moral,
de energia criadora, de solidariedade social e de espírito de cooperação. “O ideal da democracia que –
escrevia Gustave Belot em 1919 – parecia mecanismo político, torna-se princípio de vida moral e social,
e o que parecia coisa feita e realizada revelou-se como um caminho a seguir e como um programa de
longos deveres”. Mas, de todos os deveres que incumbem ao Estado, o que exige maior capacidade de
dedicação e justifica maior soma de sacrifícios; aquele com que não é possível transigir sem a perda irre-
parável de algumas gerações; aquele em cujo cumprimento os erros praticados se projetam mais longe
nas suas consequências, agravando-se à medida que recuam no tempo; o dever mais alto, mais penoso e
mais grave é, de certo, o da educação que, dando ao povo a consciência de si mesmo e de seus destinos
e a força para afirmar-se e realizá-los, entretém, cultiva e perpetua a identidade da consciência nacional,
na sua comunhão íntima com a consciência humana.

Fernando de Azevedo
Afrânio Peixoto
Antonio de Sampaio Doria
Anísio Spinola Teixeira
M. Bergstrom Lourenço Filho
Roquette Pinto
J. G. Frota Pessoa
Julio de Mesquita Filho
Raul Briquet
Mario Casassanta
C. Delgado de Carvalho
A. Ferreira de Almeida Jr.
J. P. Fontenelle
Roldão Lopes de Barros
Noemy M. da Silveira
Hermes Lima
Attilio Vivacqua
Francisco Venâncio Filho
Paulo Maranhão
Cecília Meirelles
Edgar Sussekind de Mendonça
Armanda Alvaro Alberto
Garcia de Rezende
Nóbrega da Cunha
Paschoal Lemme
Raul Gomes

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