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grande assim para ter medo de parecer medroso para mim mesmo.
Ele ergueu um pouco mais o pé, dobrando levemente o
joelho e plantou-o bruscamente no soalho — um centímetro à frente
do outro! Não podia imaginar como isso ocorreu. Uma tentativa com
o pé esquerdo obteve o mesmo resultado. Mais uma vez ele estava
à frente do direito. A mão sobre o encosto da cadeira a apertava. O
braço estava esticado, ligeiramente virado para trás. Alguém que o
visse perceberia que ele relutava em soltar. A cabeça maligna da
serpente ainda se erguia da espiral interna como antes, com o
pescoço reto. Ela não se movera, mas seus olhos eram agora como
fagulhas elétricas irradiando uma infinidade de agulhas luminosas.
O homem adquirira uma palidez acinzentada. Mais uma vez
deu um passo adiante e mais outro arrastando parcialmente a
cadeira que, após ser finalmente liberada, caiu com estrépito no
soalho. Ele gemeu; a serpente não emitira som nem se movera,
mas seus olhos eram como dois sóis ofuscantes. O próprio réptil era
totalmente ocultado por eles, que emitiam anéis cada vez maiores,
de cores fortes e vívidas e que ao se expandirem ao máximo
desapareciam sucessivamente feito bolhas de sabão. Parecia que
se aproximavam de seu rosto e pouco depois estavam a uma
distância incalculável. Em alguma parte ele ouviu o bater contínuo
de um grande tambor com as irrupções intermitentes de música
distante, inconcebivelmente doce, como os sons de uma harpa
eólica. Reconheceu a melodia do sol nascente da estátua de Mênon
e pensou que estivesse em meio aos juncos da beira do Nilo
ouvindo, com sentido exaltado, ao hino imortal através do silêncio
dos séculos.
A música cessou; antes tornou-se em graus imperceptíveis o
ribombar distante dos trovões de uma tormenta que se extinguia.
Uma paisagem, reluzindo com sol e chuva, estendeu-se diante dele,
arqueada com um arco-íris vívido que emoldurava em sua curva
gigante uma centena de cidades visíveis. A meia distância uma
imensa serpente, usando uma coroa, erguia a cabeça acima de
suas volumosas convoluções e o encarava com os olhos de sua
falecida mãe. Subitamente a paisagem encantadora pareceu erguer-
se rapidamente, como a cortina em um teatro, e desapareceu no
vazio. Alguma coisa o atingiu com um forte golpe no rosto e no
peito. Ele caíra no chão, e o sangue escorria de seu nariz quebrado
e dos lábios machucados. Por um momento atordoado e aturdido,
ele ficou deitado, de olhos fechados, com o rosto contra a porta.
Alguns instantes depois já tinha se recuperado e então
compreendeu que a queda ao desviar-lhe a vista rompera o feitiço
que o prendia. Agora ele sentia que mantendo os olhos afastados
era capaz de retirar-se. Mas a ideia da serpente a poucos passos de
sua cabeça ainda que ele não a visse — e que talvez estivesse no
ato mesmo de se lançar sobre ele e jogar as espirais ao redor de
seu pescoço — era horrível demais. Ele levantou a cabeça, encarou
novamente aqueles olhos sinistros e mais uma vez ficou sob seu
controle.
A serpente não se movera e parecia que de alguma forma
havia perdido o poder sobre sua imaginação. Já não se repetiam as
ilusões magníficas de poucos minutos atrás. Debaixo da
sobrancelha reta e estúpida os olhos pretos, semelhantes a contas,
simplesmente reluziram como da primeira vez, com uma expressão
de indizível malignidade. Era como se a criatura, sabendo de seu
iminente triunfo, estivesse determinada a não praticar mais
artimanhas sedutoras.
Agora se seguiu uma cena horrorífica. O homem prostrado no
chão a um metro da inimiga ergueu o tronco, apoiando-se nos
cotovelos com a cabeça para trás e as pernas totalmente esticadas.
Seu rosto estava branco entre as gotas de sangue; seus olhos,
repuxados e abertos ao máximo. A espuma sobre os lábios caía em
flocos. Fortes convulsões percorreram-lhe o corpo criando
ondulações praticamente serpentinas. Ele se dobrou sobre a
barriga, movendo as pernas de um lado a outro. E cada movimento
o aproximava um pouco mais da serpente. Ele jogou as mãos para a
frente, apoiando-se para manter a posição, mas avançou sobre os
cotovelos de modo constante.
IV.
O dr. Druring e a esposa estavam sentados na biblioteca, e o
cientista estava de raro bom humor.
— Acabo de conseguir um esplêndido espécime de