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PARTE 1
1 INTRODUÇÃO À ANTROPOLOGIA
O SER HUMANO COMO PROBLEMA E OBJETO
“QUESTÕES PRELIMINARES”? O HOMEM, QUEM É ELE? QUEM É VOCÊ?
QUEM É O OUTRO? QUEM É VOCÊ PERANTE O OUTRO? QUEM É O OUTRO
PERANTE VOCÊ?
O ser humano e a questão da consciência (sabe das coisas; sabe que sabe;
consciência de si/autoconsciência; consciência da morte; prolongar a vida...).
O ser humano e a questão da insatisfação.
O ser humano e a questão do conhecimento.
Mistério-Pergunta-Resposta-Insatisfação (movimento do conhecimento)
“Conhece-te a ti mesmo” (Delfos).
“O ser humano, enquanto ente, é o único ser cujo ser está em questão em seu
próprio ser” (Heidegger).
O termo “Antropologia”: “Anthropos” + “Logos”. “Anthropos” significa homem,
no sentido de espécie; oposto ao animal; substância composta de alma intelectual.
“Logos” significa razão/fala/discurso racional, faculdade intelectual do homem –
seu caráter. Vários sentidos: discurso, fala, faculdade, raciocínio, conceito. Assim,
a antropologia é o estudo racional sobre o ser humano, ou seja, a exposição
sistemática dos conhecimentos que se tem sobre o homem (cf. Abbagnano, 2007,
p. 74).
Antropologia é um termo polissêmico...
- Estudo denominado De anima, psicologia empírica, psicologia racional (enfoques
em estudo da alma)
- Substituição do termo psicologia por antropologia – Casmann, séc. XVI; Kant,
séc. XVIII (enfoque no homem todo)
- Kant: Antrop. Fisiológica e Pragmática
- Ambas fazem uso filosófico do termo.
DISTINÇÕES DISCIPLINARES DA ANTROPOLOGIA:
- Antropologia Física/Biológica (estudo do homem do ponto de vista físico-
somático; paleontologia, raça, origem e evolução biológica, relação ambiental etc.);
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Mestre em Educação pela UNIFAL. Especialista em Filosofia pelo CEUCLAR. Licenciado em Filosofia pela
UEMG. Bacharelando em Teologia pela UCDB. Desenvolve pesquisa de doutoramento em Ciências da
Religião. Professor efetivo da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). Professor convidado no
Instituto Filosófico São José, Diocese da Campanha/MG.
3 FENOMENOLOGIA DO HOMEM
DISPOSIÇÕES INVESTIGATIVAS BÁSICAS PARA O ESTUDO DO FÊNOMENO
HUMANO:
- Epoché: libertar-se de pressupostos preconceituosos, manter-se aberto às
novidades das manifestações do humano, suspender o juízo definitivo;
- Admiração: ter os olhos atentos à realidade, deixar-se maravilhar e se
surpreender, olhar atentamente a realidade para enxergar além, para captar o que
há de extraordinário no ordinário, o que há de incomum no comum, desbanalizando
o banal.
Fenomenologia: a experiência das coisas existentes (fatos) possibilita à
consciência captar a realidade em uma essência (o universal se anuncia à
consciência por meio de fenômenos particulares manifestados).
“HOMO SOMATICUS”
- A dimensão corpórea é a primeira realidade que encontramos no fenômeno
humano.
- Dois aspectos do corpo
- realidade física/coisal/objetiva
- realidade vívida/consciente/subjetiva
- Um corpo não especializado/pronto/pré-fabricado – (re)estruturação, fragilidade.
- “O que o homem não tem no início como dádiva da natureza, pode conquistar
engenhosamente”.
- Um corpo que se especializa no cérebro – hipercompensação da fragilidade
somática.
- Um corpo em posição vertical – singularidade radical humana, corresponde à toda
estrutura corpórea; o corpo predispõe, mas o porte ereto é um ato livre e
consciente (aprendemos, com esforço).
- “Não temos um corpo. Somos um corpo” (Merleau-Ponty).
- O ser (onto) homem (antrop.) depende direta e necessariamente da somática.
- Mas, somos mais que nosso corpo, superando-o cotidianamente.
“HOMO VIVENS”
- A dimensão da vida humana evidencia nossa humanidade.
- O HOMEM SABE QUE VIVE!
- Vitalismo x Mecanicismo
- Vitalismo: o organismo vivo, ao contrário da máquina, pressupõe
autoconstrução, autoconservação, autorregulação, autorreparação; tem uma
enorme capacidade de adaptação. A máquina imita a vida, não o oposto.
- Diversas características da vida:
- poder de crescer e desenvolver-se
- poder de responder a estímulos externos
- poder de se reproduzir
- uma espécie de movimento e esforço
- “Também o mundo vegetal faz uma série de esforços, como a flor que se abre.
Mas não a pedra. Isso nos sugere a experiência e poderemos começar certificando
que a diferença entre ‘vida’ e ‘não vida’ consiste nessa capacidade de fazer um
esforço”, e a morte é a perda disso” (I. Asimov).
- O PROBLEMA DA ORIGEM DA VIDA:
CRIACIONISMO x EVOLUCIONISMO
- Criação direta por parte de Deus
- Evolução segundo um plano estabelecido por Deus
- Geração espontânea
- Geração por acaso, sem intencionalidades
- A vida humana: (auto)consciente, insatisfeita
“HOMO SAPIENS”
- A dimensão do conhecimento/saber nos destaca consideravelmente.
- Conhecer é ser consciente de algo
- (conheço “A” quando tenho consciência do objeto “A”)
- Tríplice forma de conhecimento
- sensitivo (sentidos – voltado para o particular)
- imaginativo (formar imagens – voltado para o particular)
- intelectivo (intelecto, razão – voltado para o universal)
“HOMO VOLENS”
- A dimensão da vontade, da decisão, do caráter, da moralidade, da liberdade, da
paixão, pertence ao homem enquanto tal.
- Terminologias importantes:
- Apetite (forma de inclinação/encaminhamento)
- Apetite natural (inclinação da própria natureza, não exige conhecimento)
- Apetite sensitivo (inclinação originada, objetal)
“HOMO LOQUENS”
- A dimensão da linguagem distingue o homem nitidamente.
- Animais em geral possuem voz (phoné) – exprimem dor e prazer...
- O homem possui a palavra (lógos) – exprime o bom e o mau, o justo e o
injusto...
- Traço histórico-dialético da linguagem: a linguagem está na disputa entre
teorias/doutrinas que pretendem dizer a verdade sobre o real (conflitos de ideias,
desavenças linguísticas).
- Pressupostos da linguagem:
- O sujeito que fala (e se expressa falando)
- O objeto do qual se fala (e é representando pela linguagem)
- O interlocutor a quem se fala (e para o qual se quer transmitir algo sobre
o objeto comunicado e o sujeito comunicante)
- Dois conjuntos de fatores linguísticos:
- A relação entre linguagem e pensamento: a linguagem é expressão de
um pensamento? A linguagem é o acesso ao pensamento? – Foco no sujeito
linguístico.
- A linguagem em uso na comunicação: a linguagem está sempre voltada
ao fazer algo, à comunicação intersubjetiva. – Foco na prática da linguagem como
comunicação/interação.
“Nunca duas pessoas julgaram uma mesma coisa da mesma maneira e é impossível
observarem-se duas opiniões idênticas, não só de indivíduos diferentes, mas ainda de um
mesmo homem em dois momentos diversos” (MONTAIGNE. Ensaios – Da experiência).
“HOMO SOCIALIS/POLITICUS”
- A dimensão social e política do homem lhe são propensões ontológicas.
- O agrupamento aparece na vida humana desde os primeiros aparecimentos do
homem na terra.
- Sociabilidades distintas: cópula, família, clã, tribo, aldeia, cidade, Estado...
Isolamento
- “Desde que nascemos a sociedade nos impõe várias determinações” (E.
Durkheim).
“HOMO CULTURALIS”
- A dimensão cultural nos leva à essência do homem pelos seus efeitos.
- Intervenção consciente na natureza.
- Não nos encerramos resignadamente às “condições e limitações naturais”.
- Repertório da ação humana no seu meio.
- Virada significativa na história da Antropologia
“HOMO LUDENS”
- A dimensão lúdica, do divertimento, do jogo, é tipicamente humana.
- Elemento que denota o desejo de realização de si mesmo, a vida sobre a
brutalidade da vida.
- A busca pela felicidade (eudaimonia, sumo bem da existência humana).
- Além da utilidade, realização de si.
“HOMO RELIGIOSUS”
- A dimensão religiosa marca o homem em dimensões integrais, além do aspecto
meramente institucional.
- Religare e relegere.
- “Imagem de Deus” x “Imagem do Homem”
- O fascínio diante do misterium marca o homem.
- O “Sagrado”, o “Absoluto”, o “começo”, o “fim”.
- A religião no processo de hominização.
- O HOMEM E SUAS INTERROGAÇÕES MAIS RADICAIS.
4 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO-CIENTÍFICO DA
ANTROPOLOGIA
4.1 ANTROPOLOGIA, HISTÓRIA E CIÊNCIA
O homem nunca deixou de interrogar-se sobre si mesmo (o homem, suas
organizações sociais, seus desenvolvimentos históricos e biológicos, O OUTRO...
Mistérios para o próprio homem).
A própria humanidade possui uma história – ou várias histórias (Ser Humano e
História).
O próprio estudo sobre o homem possui uma história (Antropologia e História).
Nem sempre a Antropologia foi considerada uma Ciência ao longo da História
(Desenvolvimento Histórico-Científico da Antropologia).
• A Antropologia como ciência pode até ser recente, mas uma “investigação
antropológica” é uma realidade antiga, e acontece quando um “estranho” qualquer
se aproxima de nós...
Na Antiguidade:
- Heródoto (485/84-425 a.C.): grande viajante, “pai da História”, conhecedor
de diversos povos... Quem são os “outros”? Como nos relacionarmos com eles?
No Medievo:
- O Cristianismo torna-se religião oficial do Império (313 d.C.,
Constantino; 380, Teodósio): a Europa se fragmenta em múltiplas culturas locais,
centenas de soberanias sociais; A Igreja, tida como a última depositária da
estrutura “universalista” de Roma, é quem mantém certa união do continente,
interligando espaços de saber.
- Vários escritos precursores da Antropologia: Marco Polo (1254-1323)
faz uma meticulosa descrição de sua longa viagem à China; A obra The Voyage
and Travels of Sir John Mandeville, Knight, do séc. XIV, sobre a Ásia Ocidental.
No Renascimento:
- Mercantilismo e expansão marítima: muitas e longas viagens
exploratórias promovidas, o problema das “descobertas”, dos “bárbaros”...
“as viagens desse período alimentaram a imaginação dos europeus com descrições
vívidas de lugares cuja própria existência lhes fora até então totalmente
desconhecida. Essas narrativas de viagens, além disso, chegaram a um público
insolitamente numeroso, uma vez que a imprensa, inventada em 1448, transformou
o livro num produto comum e relativamente barato em toda a Europa” (Ibib., p. 13).
Na Idade Moderna:
- Grande expansão das sociedades europeias: contatos interculturais
tornam-se cada vez mais comuns, padrões de comportamento são cada vez mais
Princípio fundamental:
- Reduzir as diferenças culturais entre os povos, a fim de que todos
chegassem a um estágio de evolução histórica seguindo o mesmo caminho
evolutivo.
A ideia era superar o “diferente/outro”, tirando-o do seu estado de
“primitivismo/selvageria” conforme o padrão do homem branco, europeu e
cristão (o “nós”).
Do “outro” ao “nós”; do “estranhamento” ao “padrão” – o “primitivo” está para o
“civilizado” (James G. Frazer).
Uma escola padronizante e classificatória:
- Estabelece, na cadeia evolutiva, uma sociedade/cultura tomada como
padrão, ou seja, como modelo de povo evoluído a partir do qual todos os
outros povos deveriam ser comparados e classificados. – Dissecar em
detalhes (Edward Tylor)
Uma escola “feita em gabinete”:
- Os antropólogos evolucionistas não fizeram pesquisa de campo,
chegando às suas conclusões comparando e classificando povos e culturas
a partir dos trabalhos de outras pessoas.
Graus de evolução (linha evolutiva):
“Iahweh, que é o homem para que o conheças, o filho do mortal, para que o consideres?
O homem é como um sopro, seus dias como a sombra que passa” (Sl 144, 3-4).
“Que é o homem, para que faças caso dele, para que dele te ocupes, para que o
inspeciones cada manhã, e o examines a cada momento?” (Jó 7, 17-18).
“Só enquanto nós homens nos sentimos “nós” e estamos, portanto, unidos a
Cristo, podemos ser “tu” para Deus, que, mesmo amando a nós mesmos, nos ama
em seu Filho. O pecado é justamente um obstáculo a essa solidariedade entre nós.
[...] Filiação divina e fraternidade humana são, por conseguinte, duas noções que se
implicam reciprocamente. E, como nos é dito na primeira Epístola de João (cf. 4, 19-
21), a segunda é a verificação necessária da primeira. A doutrina da graça, ainda
que tradicionalmente tenha sido formada em torno da pessoa, se quer abrangê-la
integralmente não pode esquecer-se dessas dimensões comunitárias. Aqui entra
inevitavelmente a eclesiologia, que nos apresenta a Igreja como comunhão fundada
na comunhão trinitária” (LADARIA, 2016, p. 125).
“Hoje vai-se tornando cada vez mais viva a consciência de que a dignidade da
pessoa não se perde, mesmo depois de ter cometido crimes gravíssimos”
(CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, n. 2267. Rescriptum de agosto de 2018).
“O Evangelho ensina que o homem vale pelo que é e não pelo que tem ou pelo
que faz. O homem merece amor e respeito porque vive, não porque possui. A
sua dignidade está ligada ao fato de que é pessoa. Portanto, desde o momento
em que se acende a primeira centelha da vida no seio da mãe, até o momento da
morte física, toda pessoa conservará sempre a sua honorabilidade, mesmo se
for pobre ou enferma, mesmo se erra ou é delinquente. A pessoa humana não
perde nunca a sua grandeza nativa e ninguém lha pode tirar” (SORGE, 2018, p.
27).
Talvez humanos que não são “direitos” sejam produtos de uma sociedade que
não respeita nem promove efetivamente os direitos do homem e, como tal,
desconheça a dimensão ontológica da dignidade integral da pessoa humana.
Em síntese, “a dimensão teológica revela-se necessária para interpretar e
resolver os problemas atuais da convivência humana” (JOÃO PAULO II, 1991,
p. 72, n. 55)
BOAS, Franz. A Mente do ser humano primitivo. 2 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
FRANÇA, Maria Célia Veiga. O selvagem como figura da natureza humana: o discurso
da conquista americana. Porto Alegre: Editora Fi, 2018.
GOBRY, Ivan. Vocabulário grego da filosofia. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007.
JOÃO PAULO II. Centesimus annus (1º mai. 1991). São Paulo, Loyola, 1991.
LADARIA, Luis F. Introdução à Antropologia Teológica. 7 ed. São Paulo: Loyola, 2016.
SORGE, Bartolomeo. Breve curso de Doutrina Social. Tradução: Jaime A. Clasen. São
Paulo: Paulinas, 2018. (Fé e Justiça)