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APOSTILA DE INTRODUÇÃO À ANTROPOLOGIA

Prof. Ms. Elvis R. Messias1

PARTE 1

1 INTRODUÇÃO À ANTROPOLOGIA
 O SER HUMANO COMO PROBLEMA E OBJETO
 “QUESTÕES PRELIMINARES”? O HOMEM, QUEM É ELE? QUEM É VOCÊ?
QUEM É O OUTRO? QUEM É VOCÊ PERANTE O OUTRO? QUEM É O OUTRO
PERANTE VOCÊ?
 O ser humano e a questão da consciência (sabe das coisas; sabe que sabe;
consciência de si/autoconsciência; consciência da morte; prolongar a vida...).
 O ser humano e a questão da insatisfação.
 O ser humano e a questão do conhecimento.
 Mistério-Pergunta-Resposta-Insatisfação (movimento do conhecimento)
 “Conhece-te a ti mesmo” (Delfos).
 “O ser humano, enquanto ente, é o único ser cujo ser está em questão em seu
próprio ser” (Heidegger).
 O termo “Antropologia”: “Anthropos” + “Logos”. “Anthropos” significa homem,
no sentido de espécie; oposto ao animal; substância composta de alma intelectual.
“Logos” significa razão/fala/discurso racional, faculdade intelectual do homem –
seu caráter. Vários sentidos: discurso, fala, faculdade, raciocínio, conceito. Assim,
a antropologia é o estudo racional sobre o ser humano, ou seja, a exposição
sistemática dos conhecimentos que se tem sobre o homem (cf. Abbagnano, 2007,
p. 74).
 Antropologia é um termo polissêmico...
- Estudo denominado De anima, psicologia empírica, psicologia racional (enfoques
em estudo da alma)
- Substituição do termo psicologia por antropologia – Casmann, séc. XVI; Kant,
séc. XVIII (enfoque no homem todo)
- Kant: Antrop. Fisiológica e Pragmática
- Ambas fazem uso filosófico do termo.
 DISTINÇÕES DISCIPLINARES DA ANTROPOLOGIA:
- Antropologia Física/Biológica (estudo do homem do ponto de vista físico-
somático; paleontologia, raça, origem e evolução biológica, relação ambiental etc.);

1
Mestre em Educação pela UNIFAL. Especialista em Filosofia pelo CEUCLAR. Licenciado em Filosofia pela
UEMG. Bacharelando em Teologia pela UCDB. Desenvolve pesquisa de doutoramento em Ciências da
Religião. Professor efetivo da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). Professor convidado no
Instituto Filosófico São José, Diocese da Campanha/MG.

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- Antropologia Cultural/etnológica (ver o homem do ponto de vista histórico-
cultural; arqueologia, linguística, etnias, manifestações culturais, visões/valores
etc.);
- Antropologia Filosófica/Metafísica (ver o homem do ponto de vista dos
princípios últimos, essência, o próprio ideal de humanidade à luz de suas
manifestações fenomênicas, o conceito de homem etc.).
- Antropologia Teológica (ver o homem do ponto de vista teológico, ou seja,
como parte singular da criação de Deus, criado à imagem e semelhança de Deus e
chamado à comunhão com Ele; entende que, sem essa consideração não se pode
compreender o que o ser humano verdadeiramente é).
 O CÍRCULO HERMENÊUTICO-ANTROPOLÓGICO
- A pergunta antropológica pressupõe já alguma resposta. “O homem pergunta pela
sua própria essência. Isto somente é possível porque ele já sabe algo de si
mesmo. Não é um saber que suprime a pergunta, mas que a possibilita” (Rabuske,
1986, p. 16).
- A resposta antropológica gera novas perguntas. “O homem não se compreende
perfeitamente, permanece um enigma para si” (Ibid.).
- A ciência dessa dualidade mantém a investigação. “Imerso na obscuridade do ser
e devir material, que lhe impede uma autocompreensão plena... Dualidade... A
possibilidade e a necessidade do seu perguntar” (Ibid.).
- “A pergunta pelo homem exige que a pressuposição seja recuperada, que a pré-
compreensão seja tematizada. [...] Há um círculo hermenêutico, na forma concreta
de um círculo antropológico. Isto significa que não há um ponto de partida
totalmente sem pressuposto. É sempre o homem concreto, condicionado, que
pergunta pela essência do homem. Já trazemos conosco a nós mesmos, a nossa
situação, a nossa experiência, o nosso horizonte de compreensão. Este horizonte
não deve ser excluído, pois ele é a condição da pergunta” (Rabuske, 1986, p. 17).
 “ANTROPOLOGIA INTEGRAL”
- Articular diversos polos (cultural, subjetivo, natural...)
- Tratar de diversos problemas
- As “ciências do homem” - Psiquismo
- Gêneses/arkhés variadas - História
- Cultura - Religião
- Conhecimento - Ethos
- Sociedade - Limites (...)

2 AS CONCEPÇÕES DE HOMEM AO LONGO DA HISTÓRIA DA


HUMANIDADE

2.1 CONCEPÇÃO CLÁSSICA DE HOMEM (SÉC. VI a.C AO SÉC. VI d.C.)


 Legado cultural da Grécia para o Ocidente, em busca da ARETÉ – excelência na
vida política, social (areté guerreira, areté civilizadora).

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 DIÓGENES de Apolônia – primeiro autor representativo de um pensamento
antropológico definido; o destaque da posição ereta do homem para a
contemplação do cosmos (em pé, olhar para o alto, as mãos humanas, a
linguagem, o logos)
 Os PRÉ-SOCRÁTICOS, em geral, viviam contemplando o cosmos, procurando o
princípio de todas as coisas (arkhé)... Diversos pré-socráticos, mas com pouca
importância antropológica – o espanto é o que move a imaginação/reflexão dos
filósofos.
 Ao longo do tempo o PROBLEMA COSMOLÓGICO foi cedendo lugar ao
PROBLEMA ANTROPOLÓGICO (transição). Daí vieram os sofistas.
 SOFISTAS: voltados ao problema da educação (formação integral/cultural);
mercadores da palavra; PROTÁGORAS; o conceito de natureza humana, narração
histórica, convencionalismo humano na organização das cidades e do Direito,
relativismo em relação à verdade, o homem como ser carente na natureza que
se completa pela cultura.
 SÓCRATES – ateniense, pai do racionalismo ocidental, nada escreveu;
homenagens a problemas morais; a ciência só tem sentido se for fundamentada
em verdades; valorização da razão, da verdade e do conceito; filosofar para o
cuidado da alma; o homem como ser de autoconhecimento; cultivar o
conhecimento para contemplar o bem, o belo e o verdadeiro; identificação da
virtude com o conhecimento; caráter prático-moral-ético; o pensamento para
enfrentar os tempos e aprimorar a si mesmo; método dialético; a sabedoria como
reconhecer e vencer a ignorância; o homem como centro da investigação, o grande
universo humano; o homem é a sua alma – o homem interior (a nossa intelecção
e moralidade nos distinguem de tudo, fundamentam a razão e, por consequência, a
moral – o homem como animal lógico; sei que não sei; admitir que não se sabe é o
princípio do saber; o conhecimento já está em nós).
 PLATÃO – muitas influências dos pré-socráticos, mas, sobretudo, de Sócrates (a
Ideia do Bem); dualismo (sensível e inteligível). O homem é uma realidade
dualista, sensível e inteligível, material e espiritual, que encontra no aspecto
essencial sua condição mais elementar.
 ARISTÓTELES – intenso humanista; o homem como ser necessitado dos outros
(carente, necessitado, portanto, da comunidade); o homem é um animal político;
tudo tem um fim específico (teleologia); a vida social, racional e, portanto,
linguística, distingue o homem.
 HELENISMO – o individualismo; preocupação ética; crise da cidadania; a escola do
EPICURISMO (o homem é um ser que busca prazer e, por consequência,
tranquilidade e felicidade, mas deve-se procurar os prazeres naturais e
necessários); a escola do ESTOICISMO (exercitar verdadeiramente as paixões da
alma; o homem como cidadão do mundo, um microcosmo, harmonia com a
natureza, resignando-se ao que não está ao seu alcance; primazia do logos, o
idealismo do sábio, o universalismo humano, a ideia do dever e da interioridade).
 NEOPLATONISMO – estágio final da concepção clássica; um novo ideal de
humanidade que vai encontrar no cristianismo sua expressão; novo clima cultural

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(filosofia e religião); os traços espirituais do homem (colaboração dos sentidos –
uno-inteligência-alma); PLOTINO (dualidade da alma: homem interior e o homem
exterior); o homem como ser de transcendência e unicidade; comunhão com os
semelhantes e com o Uno; a atividade contemplativa como a atividade central do
ser humano.

2.2 CONCEPÇÃO MEDIEVAL-CRISTÃ DE HOMEM (séc. V ao XV d.C.)


 A questão da divisão histórica entre Antiguidade e Medievo é complexa (aspectos
históricos e epistemológicos possuem critérios divisores distintos).
 Não se deve caracterizar a Idade Média como um período único. É um período
com duração de um milênio, com características diversas, além de muito rico no
que se refere à produção humana.
 CONCEPÇÃO BÍBLICA DE HOMEM: a unidade do homem provém da unidade de
Deus, de onde o próprio homem vem. É uma antropologia teológica, tomando
como pressuposto fundamental a ideia de o homem é imagem e semelhança
de Deus (“Imago Dei”) e chamado/direcionado à comunhão com Deus,
encontro nisso os critérios básicos para discernir a melhor maneira de viver
socialmente.
 PATRÍSTICA: toda uma antropologia que se desenvolve à luz do mistério da
encarnação de Jesus (Jesus é o modelo perfeito de homem, arquétipo da
humanidade, de tal forma que somente no mistério de Cristo o mistério do homem
se resolve). SANTO IRINEU DE LYON (o homem é reflexo da glória de Deus);
AGOSTINHO (procurou combater o ceticismo e o maniqueísmo; o homem é uma
realidade complexa de corpo e alma e é todo objeto do desígnio salvífico de Deus;
nossa existência é inquestionável – o homem em sua plena potência no conhecer,
mas com sua base existencial no ser (imagem de Deus), um ser de fides et ratio).
O homem é uno, itinerante, um ser-para-Deus (Inquieto está o nosso coração
enquanto em Deus não se repousar).
 TOMÁS DE AQUINO: o homem como ser uno, superior na hierarquia pela sua
racionalidade (Deus no mundo – Deus no homem); o homem é uma complexidade
complementar (racional, corporal, sentimental, social, imagem de Deus
 PEDRO ABELARDO: um ser inquieto, duvidoso (a dúvida como método), que
almeja a universalidade.
 NICOLAU DE CUSA: um ser de consciência crítica de sua limitação/ignorância
(douta ignorantia, uma disposição do espírito, que se sabe limitado e que
desenvolve sua ilimitação) – oposição entre realidade racional (finita) X realidade
investigada (infinita); a fé é o início do conhecimento intelectual; um ser que se
realiza somente na medida da sua semelhança a Deus pelo Cristo (antropologia
cristocêntrica); sentido, razão (conhecimento do múltiplo finito) e intelecto (é o
sinal do Uno em nós)
 ANSELMO: busca provar a existência de Deus e sua bondade; o homem como
ser de pensamento (algo divino); um pobre homem.

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 FÉ e RAZÃO = Homem (exercer o pensamento e a fé simultaneamente)
 Paralelos – o próprio homem em um pêndulo

2.3 CONCEPÇÃO RENASCENTISTA DE HOMEM (séc. XIV ao XVI)


 O Renascimento (movimento artístico, intelectual, científico, superação do
teocentrismo pelo antropocentrismo; o humanismo – valorização do ser humano;
renascimento comercial e urbano na Europa; burgueses são os mecenas,
financiadores dos artistas; valorização da ciência; retomar o surto de
desenvolvimento da cultura greco-romana)
 Classicismo  Otimismo progressista
 Antropocentrismo  Hedonismo
 Racionalismo  Individualismo
 Naturalismo  Cientificismo
 Humanismo
 NICOLAU MAQUIAVEL (questões políticas; Is 40, 23-24 – manual prático de
governo, conquistando e mantendo o poder; o critério é o bem-comum; virtú e
fortuna; o homem é corruptível, inclinado a interesses egoístas, mediano – a
natureza do homem é fruto de repetição de atos; conspiração de Pazzi/Paci; o
homem é mau por natureza, a menos que precise ser bom)
 MICHEL DE MONTAIGNE (filósofo, escritor; Ensaios – análise sobre várias coisas,
não fechada; o pensamento é racional, mas pouco ordenado; o que pensa o
homem quando se permite pensar sem amarras? O homem é um pensamento
em busca de sentido, é um ensaio, uma realidade inacabada que tem a si
mesmo como objeto; é melhor uma cabeça bem-feita do que uma cabeça bem
cheia; crítica cultural, relativismo cultural – Dos canibais, crítica ao eurocentrismo e
o que se entende por “bárbaros”; a morte – filosofar é pensar sobre a existência, e
o grande problema da vida é o fim dela, a morte. Neste sentido, é preciso pensar
sobre ela, porque vivemos no terreno da morte e temos a estranha mania de
transformá-la numa inimiga, criando ilusões para ludibriar a nossa própria
consciência sobre a morte; fugir da morte é um gasto desnecessário, sugerindo
que deixemos de considera-la como inimiga, tornando a vida mais intensa, mais
pensante, mais humana, dando o melhor de si).
 LUTERO: doutrina da justificação pela fé; o homem não tem mérito nenhum,
uma natureza decaída profundamente dependente de Deus.
 LEONARDO DA VINCI (grande artista; o homem como modelo do mundo, que
reproduz a natureza em sua própria natureza, a medida de todas as coisas; a
terra é mais antiga do que a Bíblia dizia ser).
 THOMAS HOBBES (uma linha puxada para a conservação do homem; viveu
envolto ao medo da guerra; o homem natural vive em estado de guerra / de
autoconservação / sem governo externo; o homem é um animal em busca de
autoconservação; não numa perspectiva meramente moral, mas de defesa de
sua própria dignidade; o absolutismo monárquico é a única forma de frear o estado

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natural; as comparações do homem com o animal é uma das características do
Renascimento, diante do cenário do desenvolvimento da anatomia e da fisiologia).
 GUTENBERG (aprendiz dos ourives de sua cidade; aperfeiçoar os moldes arcaicos
de gravação; impressão, caracteres móveis, prensa; o homem como realidade
comunicadora).
 GALILEU GALILEI (aperfeiçoou a luneta; um dos fundadores do método
experimental; o homem especulador, curioso e inventor – cientista; princípio da
inércia; lei do sincronismo do pêndulo).

2.4 CONCEPÇÃO MODERNA DE HOMEM (séc. XV ao XVIII)


 Um tempo de problemas científicos e metodológicos, cuja preocupação central
voltou-se para o problema dos limites e possibilidades do conhecimento humano e
das ciências organizadas pelo homem. Forte embate entre Racionalismo e
Empirismo.
 Desenvolvimento do capitalismo burguês, em substituição ao sistema feudal.
 Idade Moderna (sécs. XV ao XVIII).
 Nova visão do homem sobre si mesmo, como ser responsável pelo
desenvolvimento social; o mundo social é obra das mãos e dos intentos humanos.
 Metalismo; pactos coloniais; monopólios comerciais; balança comercial favorável
(políticas Modernas). Encaminhou-se para a Globalização.
 DESCARTES: os filósofos antigos e escolásticos nunca foram capazes de
proporem uma teoria definitivamente válida; o homem é dupla natureza: coisa
pensante (alma como pensamento) e coisa corpórea (corpo extenso).
 ROUSSEAU: o homem é bom por natureza, mas a sociedade o corrompe,
buscando a garantia da liberdade natural perdida através do contrato social
(garantia de liberdade social).
 ADAM SMITH: pai do liberalismo; o homem próspero, que na busca do seu
interesse gera progresso para todos.
 KANT: o homem como realidade complexa e complementar: ser cognoscente
(sentidos e razão), ser livre e racional (prático), de abertura transcendental
(histórico e religioso).

2.5 CONCEPÇÃO CONTEMPORÂNEA DE HOMEM (séc. XVIII aos dias


atuais)
 A Idade Contemporânea é um período de datação complexa. Dois fatores
históricos marcam seu início: Revoluções Industrial e Francesa (transformações
sociais/culturais e econômicas).
 ROMANTISMO ALEMÃO: o homem é um ser particular, que manifesta a
humanidade em sua particularidade sensível, emotiva e passional

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(individualismo – o homem como indivíduo, sentimento do Eu), buscando
comunicar-se com o Todo.
 HERDER: o homem como ser de linguagem, criação humana que atesta nossa
condição natural e superioridade.
 HEGEL: o homem como autoconsciência, ser-em-relação, dialético, sempre em
busca da superação do dualismo e ao encontro do Absoluto.
 FEUERBACH: afirma um antropocentrismo radical, numa concepção
rigorosamente materialista do homem, visto como ser sensível; o homem é, em
última instância, o único deus para o homem, de tal forma que os atributos divinos
são, na verdade, atributos do próprio homem e que o próprio homem sacraliza.
Isso significa que, para Feuerbach, é Deus que é criado à imagem e semelhança
do homem, e não o contrário. O antropocentrismo se encaminha para um
antropoteísmo.
 KARL MARX: o homem como ser laboral (social, cultural), que se encerra na
dimensão histórico-material-dialética, cuja manifestação está nas características
como intencionalidade, fabricação, uso de instrumentos, comportamento gregário.
 DARWIN: o homem como um animal cuja natureza está em constante evolução
natural a partir de sua luta por sobrevivência biótica no meio social e no
embate adaptativo com outros seres e semelhantes.
 NIETZSCHE: o homem como uma realidade vazia que tem vontade de potência
e inventa sentidos para seu nada numa radical imanência. Rejeita o conceito
de alma espiritual e faz uma crítica radical aos pretensos valores absolutos e ao
conceito clássico de verdade.
 HEIDEGGER: o homem é um um ser-aí (dasein) um estar sempre em situação,
uma contextualização que encontra realização na atuação temporal,
perguntando sobre o seu próprio ser (o ser humano é o único ser que se
pergunta sobre o próprio ser). No seu ser-aí o homem também se descobre um
Ser-possível, um Ser-no-mundo, um Ser-com-os-outros e, em última instância, um
ser-para-a-morte, encerrando-se no não-ser. Em síntese, a análise existencial do
ser-aí, desse ser humano que se questiona, não revela o sentido da existência,
mas o contrário, a ausência de sentido.
 SARTRE: representante do Existencialismo; o homem é uma existência antes de
ser uma essência, ou seja, é um ser livre, condenado a ser responsável pelo
que faz.
 PAUL RICOEUR: uma antropologia que define o homem como o sujeito capaz,
que rejeita a uma leitura fatalista do humano, como se não pudéssemos agir,
relutar, resistir (pluriversalidade do sujeito humano).
 EMANUEL MOUNIER: o ser é pessoa, uma unidade vasta, não objetável, aberta
(ao mundo, a si, ao outro, ao Totalmente Outro) e criadora/operadora/fazedora (o
homem é artifex).
 MAURICE MERLEAU-PONTY: o homem é a sua somaticidade, ou seja, não
temos um corpo, mas somos um corpo, e é nele que toda a nossa humanidade se
manifesta.

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 BAUMAN: o ser humano é um sonhador e construtor que se faz um
consumidor e um consumido; o consumo organiza a vida social cotidianamente;
isso gera uma objetificação do homem, o homem vira mercadoria; tudo se baseia
em um mercado; padronização do homem contemporâneo (o currículo, a
heteronomia); superficialidade nos relacionamentos, fruto de uma sociedade
imediatista, que não suporta coisas a longo prazo (sociedade líquida).

3 FENOMENOLOGIA DO HOMEM
 DISPOSIÇÕES INVESTIGATIVAS BÁSICAS PARA O ESTUDO DO FÊNOMENO
HUMANO:
- Epoché: libertar-se de pressupostos preconceituosos, manter-se aberto às
novidades das manifestações do humano, suspender o juízo definitivo;
- Admiração: ter os olhos atentos à realidade, deixar-se maravilhar e se
surpreender, olhar atentamente a realidade para enxergar além, para captar o que
há de extraordinário no ordinário, o que há de incomum no comum, desbanalizando
o banal.
 Fenomenologia: a experiência das coisas existentes (fatos) possibilita à
consciência captar a realidade em uma essência (o universal se anuncia à
consciência por meio de fenômenos particulares manifestados).

Noumenon (a coisa em si) x Phainoumenon (a coisa como se manifesta)

 Fenomenologia do homem: uma exploração, a mais ampla possível, do


fenômeno humano, tomando para exame todas as suas principais manifestações,
decifrando o sentido profundo do ser do homem. (cf. Mondin, 1980, p. 21-22).

 “HOMO SOMATICUS”
- A dimensão corpórea é a primeira realidade que encontramos no fenômeno
humano.
- Dois aspectos do corpo
- realidade física/coisal/objetiva
- realidade vívida/consciente/subjetiva
- Um corpo não especializado/pronto/pré-fabricado – (re)estruturação, fragilidade.
- “O que o homem não tem no início como dádiva da natureza, pode conquistar
engenhosamente”.
- Um corpo que se especializa no cérebro – hipercompensação da fragilidade
somática.
- Um corpo em posição vertical – singularidade radical humana, corresponde à toda
estrutura corpórea; o corpo predispõe, mas o porte ereto é um ato livre e
consciente (aprendemos, com esforço).
- “Não temos um corpo. Somos um corpo” (Merleau-Ponty).
- O ser (onto) homem (antrop.) depende direta e necessariamente da somática.
- Mas, somos mais que nosso corpo, superando-o cotidianamente.

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- O corpo fala de nossa inquietante finitude, contingência e indigência.
- “A somaticidade é símbolo de uma realidade mais profunda que a ultrapassa”
(Mondin, 41).

 “HOMO VIVENS”
- A dimensão da vida humana evidencia nossa humanidade.
- O HOMEM SABE QUE VIVE!
- Vitalismo x Mecanicismo
- Vitalismo: o organismo vivo, ao contrário da máquina, pressupõe
autoconstrução, autoconservação, autorregulação, autorreparação; tem uma
enorme capacidade de adaptação. A máquina imita a vida, não o oposto.
- Diversas características da vida:
- poder de crescer e desenvolver-se
- poder de responder a estímulos externos
- poder de se reproduzir
- uma espécie de movimento e esforço
- “Também o mundo vegetal faz uma série de esforços, como a flor que se abre.
Mas não a pedra. Isso nos sugere a experiência e poderemos começar certificando
que a diferença entre ‘vida’ e ‘não vida’ consiste nessa capacidade de fazer um
esforço”, e a morte é a perda disso” (I. Asimov).
- O PROBLEMA DA ORIGEM DA VIDA:
CRIACIONISMO x EVOLUCIONISMO
- Criação direta por parte de Deus
- Evolução segundo um plano estabelecido por Deus
- Geração espontânea
- Geração por acaso, sem intencionalidades
- A vida humana: (auto)consciente, insatisfeita

 “HOMO SAPIENS”
- A dimensão do conhecimento/saber nos destaca consideravelmente.
- Conhecer é ser consciente de algo
- (conheço “A” quando tenho consciência do objeto “A”)
- Tríplice forma de conhecimento
- sensitivo (sentidos – voltado para o particular)
- imaginativo (formar imagens – voltado para o particular)
- intelectivo (intelecto, razão – voltado para o universal)

 “HOMO VOLENS”
- A dimensão da vontade, da decisão, do caráter, da moralidade, da liberdade, da
paixão, pertence ao homem enquanto tal.
- Terminologias importantes:
- Apetite (forma de inclinação/encaminhamento)
- Apetite natural (inclinação da própria natureza, não exige conhecimento)
- Apetite sensitivo (inclinação originada, objetal)

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- Apetite intelectivo (inclinação relativa e consciente, que estabelece
valoração)

 “HOMO LOQUENS”
- A dimensão da linguagem distingue o homem nitidamente.
- Animais em geral possuem voz (phoné) – exprimem dor e prazer...
- O homem possui a palavra (lógos) – exprime o bom e o mau, o justo e o
injusto...
- Traço histórico-dialético da linguagem: a linguagem está na disputa entre
teorias/doutrinas que pretendem dizer a verdade sobre o real (conflitos de ideias,
desavenças linguísticas).
- Pressupostos da linguagem:
- O sujeito que fala (e se expressa falando)
- O objeto do qual se fala (e é representando pela linguagem)
- O interlocutor a quem se fala (e para o qual se quer transmitir algo sobre
o objeto comunicado e o sujeito comunicante)
- Dois conjuntos de fatores linguísticos:
- A relação entre linguagem e pensamento: a linguagem é expressão de
um pensamento? A linguagem é o acesso ao pensamento? – Foco no sujeito
linguístico.
- A linguagem em uso na comunicação: a linguagem está sempre voltada
ao fazer algo, à comunicação intersubjetiva. – Foco na prática da linguagem como
comunicação/interação.

“Nunca duas pessoas julgaram uma mesma coisa da mesma maneira e é impossível
observarem-se duas opiniões idênticas, não só de indivíduos diferentes, mas ainda de um
mesmo homem em dois momentos diversos” (MONTAIGNE. Ensaios – Da experiência).

 “HOMO SOCIALIS/POLITICUS”
- A dimensão social e política do homem lhe são propensões ontológicas.
- O agrupamento aparece na vida humana desde os primeiros aparecimentos do
homem na terra.
- Sociabilidades distintas: cópula, família, clã, tribo, aldeia, cidade, Estado...
Isolamento
- “Desde que nascemos a sociedade nos impõe várias determinações” (E.
Durkheim).

 “HOMO CULTURALIS”
- A dimensão cultural nos leva à essência do homem pelos seus efeitos.
- Intervenção consciente na natureza.
- Não nos encerramos resignadamente às “condições e limitações naturais”.
- Repertório da ação humana no seu meio.
- Virada significativa na história da Antropologia

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 “HOMO FABER”
- A dimensão do trabalho nos eleva enquanto ser diante de muitos seres.
- “O homem é essencialmente artifex, criador de formas, fazedor de obras... A
natureza do homem é o operador” (E. Mounier. La paura del secolo XX, 1955, p.
29).
- Uma dimensão que demorou ser considerada com dedicação pelos filósofos
(otium – negotium; labor, praxis, poesis).
- Espiritualismo x Materialismo
- Dupla dimensão do trabalho:
- Objetiva (conjunto de atividades, recursos, instrumentos e técnicas de que
o homem se serve para produzir, dominar a terra).
- Subjetiva (o próprio agir do homem enquanto ser dinâmico, capaz de levar
a cabo várias ações laborais e de realização humana).

“O trabalho não somente procede da pessoa, mas é também essencialmente ordenado a


ela e a tem por finalidade. Independentemente do seu conteúdo objetivo, o trabalho deve
ser orientado para o sujeito que o realiza, pois a finalidade de qualquer trabalho
permanece sempre o homem. O componente objetivo do trabalho deve ser subordinado à
realização do homem e, portanto, à dimensão subjetiva, graças à qual é possível afirmar
que o trabalho é para o homem e não o homem para o trabalho” (João Paulo II, Laborem
exercens, n. 6).

 “HOMO LUDENS”
- A dimensão lúdica, do divertimento, do jogo, é tipicamente humana.
- Elemento que denota o desejo de realização de si mesmo, a vida sobre a
brutalidade da vida.
- A busca pela felicidade (eudaimonia, sumo bem da existência humana).
- Além da utilidade, realização de si.

 “HOMO RELIGIOSUS”
- A dimensão religiosa marca o homem em dimensões integrais, além do aspecto
meramente institucional.
- Religare e relegere.
- “Imagem de Deus” x “Imagem do Homem”
- O fascínio diante do misterium marca o homem.
- O “Sagrado”, o “Absoluto”, o “começo”, o “fim”.
- A religião no processo de hominização.
- O HOMEM E SUAS INTERROGAÇÕES MAIS RADICAIS.

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PARTE 2

4 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO-CIENTÍFICO DA
ANTROPOLOGIA
4.1 ANTROPOLOGIA, HISTÓRIA E CIÊNCIA
 O homem nunca deixou de interrogar-se sobre si mesmo (o homem, suas
organizações sociais, seus desenvolvimentos históricos e biológicos, O OUTRO...
Mistérios para o próprio homem).
 A própria humanidade possui uma história – ou várias histórias (Ser Humano e
História).
 O próprio estudo sobre o homem possui uma história (Antropologia e História).
 Nem sempre a Antropologia foi considerada uma Ciência ao longo da História
(Desenvolvimento Histórico-Científico da Antropologia).

4.2 HISTÓRIA DA ANTROPOLOGIA


 A questão da “alteridade” sempre cativou a curiosidade da humanidade (o outro, o
diferente.

“A experiência da alteridade (e a elaboração dessa experiência) leva-nos a ver


aquilo que nem teríamos conseguido imaginar [...] e devemos especialmente
reconhecer que somos uma cultura possível entre tantas outras, mas não a única.
[...] A descoberta da alteridade é a de uma relação que nos permite deixar de
identificar nossa pequena província de humanidade com a humanidade, e
correlativamente deixar de rejeitar o presumido ‘selvagem’ fora de nós mesmos”
(LAPLANTINE, 2003, p. 13.14).

• Há quanto tempo existem antropólogos?


- O que se entende por “antropólogo”?
- As pessoas sempre tiveram curiosidade sobre seus “vizinhos”, sobre os “outros”
(Quem são? O que fazem?).

• A Antropologia como ciência pode até ser recente, mas uma “investigação
antropológica” é uma realidade antiga, e acontece quando um “estranho” qualquer
se aproxima de nós...

4.2.1 PRÉ-HISTÓRIA DA ANTROPOLOGIA

 Na Antiguidade:
- Heródoto (485/84-425 a.C.): grande viajante, “pai da História”, conhecedor
de diversos povos... Quem são os “outros”? Como nos relacionarmos com eles?

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São como “nós”? (Oscila entre um etnocêntrico e um reconhecedor das diferenças,
descrevendo línguas, circunstâncias, vestuários, instituições políticas e judiciais,
valores...).
- Universalismo x Relativismo: Como nos relacionar com os “outros”?
UNIVERSALISMO (identificar aspectos comuns e universais entre diferentes;
Sócrates, Platão); RELATIVISMO (identificar e enfatizar a particularidade;
Sofistas).

“Na Antropologia e em outras disciplinas esse estilo de pensamento universalista,


que procura estabelecer semelhanças mais do que diferenças entre grupos de
pessoas, desempenha um papel de destaque até hoje. Além disso, parece claro
que, ao longo da história, a antropologia oscilou entre o universalismo e o
relativismo, e que os principais representantes da disciplina com frequência
também penderam para uma posição ou outra” (ERIKSEN; NIELSEN, 2012, p. 11).

- Período Helenístico (Século IV a.C.): a Grécia é invadida pela Macedônia


e Alexandre difunde a cultura urbana grega pelo Oriente Próximo e Médio; também
fez isso Roma – Sociedade complexa, multinacional, cosmopolita.
- Estrabão (64/63 a.C. – 21 d.C.): geógrafo grego que escreveu várias obras
sobre povos estrangeiros e distantes, exaltando seus costumes locais, religiões,
instituições, descrições geográficas... Ele é considerado da perspectiva idiográfica
(do grego ídios, “o que é próprio”, “especial”), revelando peculiaridades regionais.

 No Medievo:
- O Cristianismo torna-se religião oficial do Império (313 d.C.,
Constantino; 380, Teodósio): a Europa se fragmenta em múltiplas culturas locais,
centenas de soberanias sociais; A Igreja, tida como a última depositária da
estrutura “universalista” de Roma, é quem mantém certa união do continente,
interligando espaços de saber.
- Vários escritos precursores da Antropologia: Marco Polo (1254-1323)
faz uma meticulosa descrição de sua longa viagem à China; A obra The Voyage
and Travels of Sir John Mandeville, Knight, do séc. XIV, sobre a Ásia Ocidental.

 No Renascimento:
- Mercantilismo e expansão marítima: muitas e longas viagens
exploratórias promovidas, o problema das “descobertas”, dos “bárbaros”...

“as viagens desse período alimentaram a imaginação dos europeus com descrições
vívidas de lugares cuja própria existência lhes fora até então totalmente
desconhecida. Essas narrativas de viagens, além disso, chegaram a um público
insolitamente numeroso, uma vez que a imprensa, inventada em 1448, transformou
o livro num produto comum e relativamente barato em toda a Europa” (Ibib., p. 13).

- O problema das descrições: muitas narrativas repletas de erros factuais e


preconceitos; grande mercado de livros sobre histórias dos povos nativos; as
imagens oscilam entre dois polos: o “bom selvagem” e o “bárbaro”.

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- Américo Vespúcio (1454-1512): imagem dos índios como efeito literário
para fortalecer a imagem da Europa (gentios, promíscuos, nus, sem leis, sem
Deus, canibais...).
 - Montaigne (1533-1592): o “bom selvagem”, os canibais são bárbaros, mas os
Europeus também; bárbaro é o que não pertence à nossa cultura... Montaigne
considera que o relato das pessoas mais simples era mais puro e verdadeiro que o
dos textos dos “eruditos”, que poderiam ser muito ressignificados; cada qual
considera bárbaro tudo aquilo que é diferente do seu próprio grupo; os indígenas
mantiveram-se “puros”, “inalterados”, “naturais” até a chegada dos europeus (os
nativos eram, neste sentido, mais virtuosos e cristãos do que os próprios europeus
– uma vida de conduta virtuosa e simples). Montaigne não aprova a substituição do
natural pelo artificial (o poder da Mãe-Natureza). Um povo governado pela lei
natural; leitura positiva da chamada “lista dos ‘sem’” (por exemplo: a ausência da
consideração dos laços de parentesco evidencia que o respeito não era exigido
apenas para os familiares). Crítica à religião de fachada (os indígenas alcançaram
os valores e as virtudes dos cristãos que os próprios cristãos não conseguiam
realizar).

“A conquista da América contribuiu para uma verdadeira revolução entre os


intelectuais europeus. Além de provocar a reflexão sobre diferenças culturais,
em pouco tempo ela deixou claro que fora descoberto todo um continente que
nem sequer estava mencionado na Bíblia! Essa compreensão ‘não religiosa’
estimulou a secularização cada vez maior da vida intelectual europeia, a
libertação da ciência com relação à autoridade da Igreja e a relativização dos
conceitos de moralidade e de pessoalidade” (Ibib., p. 14).

“A gênese da reflexão antropológica é contemporânea à descoberta do Novo


Mundo. O Renascimento explora espaços até então desconhecidos e começa a
elaborar discursos sobre os habitantes que povoam aqueles espaços. A grande
questão que é então colocada, e que nasce desse primeiro confronto visual com
a alteridade, e a seguinte: aqueles que acabaram de serem descobertos
pertencem à humanidade? O critério essencial para saber se convém atribuir-
lhes um estatuto humano é, nessa época, religioso: O selvagem tem uma alma?
O pecado original também lhes diz respeito?” (LAPLANTINE, 2003, p. 25).

- Duas fontes principais: 1) as reações dos primeiros viajantes, formando o


que habitualmente chamamos de "literatura de viagem“; 2) os relatórios dos
missionários e particularmente as “Relações” dos jesuítas.
- Estereótipos: selvagem (bom/mau), naturais, nativos, índios (sécs. XVI ao
XVIII); primitivos (séc. XIX); subdesenvolvidos (XX); marginalizados, excluídos,
comunidades resistentes (XXI)...

 Na Idade Moderna:
- Grande expansão das sociedades europeias: contatos interculturais
tornam-se cada vez mais comuns, padrões de comportamento são cada vez mais

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questionáveis, os “outros” são cada vez mais numerosos e visíveis, sobretudo para
a Europa...
- John Locke (1632-1704): filósofo social (liberalismo e jusnaturalismo)
empirista (todas as nossas ideias resultam da experiência), a mente humana é uma
tábula rasa, faz uma síntese entre universalismo (todos nascem iguais) e
relativismo (as experiências nos tornam diferentes)...
 Revisando...
- Inúmeras questões que mais tarde se destacariam na Antropologia já
haviam sido temas de debates...
* Povos exóticos descritos normativamente (etnocentrismo) ou
descritivamente (relativismo cultural);
* Discute-se se as pessoas em todos os povos e tempos são
basicamente semelhantes (universalismo) ou profundamente diferentes
(relativismo);
* Tentativas de diferenciar natureza e cultura, congênito e aprendido,
corpo e mente;
* Muitas descrições detalhadas de povos estrangeiros.

4.2.2 PERÍODO DA TRANSIÇÃO ANTROPOLÓGICA


 Passos mais concretos são dados para o encaminhamento da Antropologia como
uma ciência. Isso se dá por meio de correntes intelectuais e epistemológicas dos
séculos XVIII e XIX. Os pensadores que se destacam pertencem a estas correntes:
Iluminismo e Romantismo.
- Iluminismo: florescimento científico e filosófico; nova ordem social
(racional, liberal, antiabsolutista...); progressismo (INDUSTRIALISMO),
enciclopedismo; Giambatista Vico (La scienza nuova, 1725 – síntese etnográfica,
história da religião; “Teoria do desenvolvimento social”: condição bestial, idade dos
deuses, idade dos heróis, idade dos homens); Rousseau (o bom selvagem; a
corrupção social...).
- Romantismo: a força do grupo, da emoção; crítica ao racionalismo
cientificista; discurso universalista da dignidade do homem; Schelling (a arte como
fator unitivo entre sujeito e objeto); Kierkegaard (a angústia, o salto, a escolha).

“Conhecer o mundo é contribuir com sua criação, colhendo amostras, modelando,


interpretando” (Immanuel Kant).

4.2.3 CIÊNCIA ANTROPOLÓGICA (HISTÓRIA DA ANTROPOLOGIA


COMO CIÊNCIA)
 As consequências da industrialização foram tão profundas que várias ciências
surgiram com o intuito de estudar os fenômenos sociais subsequentes.

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 No Neocolonialismo, europeus tiveram contatos com povos muito diferentes dos
padrões sociais (poligamia, agricultura de subsistância, analfabetismo, rituais
diversos, tribos...).
 A antropologia surgiu (séc. XVIII/XIX?) para estudar as novidades dos povos
colonizados, como uma ciência da “alteridade” (investigar o “outro”, o homem
diferente do padrão europeu).
- Inicialmente, descobrir o diferente/outro para melhor entendê-lo e, quiçá,
administrá-lo e explorá-lo? (elitismo, etnocentrismo, eurocentrismo -
evolucionismo).
 TEORIA DARWINISTA (A complexidade da vida surge naturalmente, sem a
necessidade de um projetista)
- os seres se transformam continuamente, buscando garantir sobrevivência,
de tal forma que só os mais fortes sobrevivem às vicissitudes da História.
 DARWINISMO SOCIAL: somente as conjunturas sociais mais bem estruturadas
sobrevivem às intempéries históricas. Deste modo, as sociedades mais complexas
evolutivamente devem garantir a não extinção das sociedades mais rudimentares.
 Diversas correntes/teorias/escolas antropológicas: são diversas, com vertentes
interpretativas do fenômeno humano bastante variadas.

5 AS PRINCIPAIS ESCOLAS ANTROPOLÓGICAS


 Como foi visto, a ciência antropológica nasce como uma “ciência da alteridade”
(“alter”, do latim, significa “outro”), ou seja, a ciência que pretende estudar o “outro”
(diferente do padrão).
 Assim, a Antropologia, nasce marcadamente “eurocêntrica”, mas, pouco a pouco,
vai assumindo novas características (diversas escolas antropológicas vão se
desenvolvendo).
 As diversas escolas antropológicas possuem visões distintas (e
complementares) sobre o fenômeno humano.
 O desenvolvimento cronológico delas não significa que uma superou a anterior.

“O antropólogo é um pesquisador global prototípico que depende de dados


detalhados sobre pessoas em todo mundo. Agora [século XIX] que esses dados se
tornavam disponíveis, a antropologia podia estabelecer-se como disciplina
acadêmica” (ERIKSEN; NIELSEN, 2012, p. 28).

5.1 ESCOLA EVOLUCIONISTA


 A 1ª grande escola antropológica (em voga até a Primeira Guerra Mundial).
 Desenvolvida por:
- Lewis Henry Morgan (1818-1881, EUA);
- Edward Tylor (1832-1917, Inglaterra);

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- James George Frazer (1854-1941, Escócia).
 Influenciada/inspirada por:
- Charles Darwin (1809-1882, Inglaterra);
- Herbert Spencer (1820-1903, Inglat.).

“O evolucionismo típico da antropologia do século XIX construía-se sobre ideias de


desenvolvimento do século XVIII, favorecido pela experiência do colonialismo e (a
começar nos anos 1860) pela influência de Darwin e seu defensor mais célebre, o
filósofo social Herbert Spencer, que fundou o Darwinismo Social, uma filosofia
social que exalta as virtudes de competição individual” (ERIKSEN; NIELSEN, 2012,
p. 29).

 Princípio fundamental:
- Reduzir as diferenças culturais entre os povos, a fim de que todos
chegassem a um estágio de evolução histórica seguindo o mesmo caminho
evolutivo.
 A ideia era superar o “diferente/outro”, tirando-o do seu estado de
“primitivismo/selvageria” conforme o padrão do homem branco, europeu e
cristão (o “nós”).
 Do “outro” ao “nós”; do “estranhamento” ao “padrão” – o “primitivo” está para o
“civilizado” (James G. Frazer).
 Uma escola padronizante e classificatória:
- Estabelece, na cadeia evolutiva, uma sociedade/cultura tomada como
padrão, ou seja, como modelo de povo evoluído a partir do qual todos os
outros povos deveriam ser comparados e classificados. – Dissecar em
detalhes (Edward Tylor)
 Uma escola “feita em gabinete”:
- Os antropólogos evolucionistas não fizeram pesquisa de campo,
chegando às suas conclusões comparando e classificando povos e culturas
a partir dos trabalhos de outras pessoas.
 Graus de evolução (linha evolutiva):

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 Fundamentação da genealogia humana (a humanidade é homogênea, ainda que
em graus diferentes de desenvolvimento civilizatório – monogenismo):
- MONOGENISMO: compreende que todos os seres humanos possuem
uma mesma origem, ou seja, descendem de um mesmo ancestral comum.
- POLIGENISMO: compreende que existem origens diferentes para o
surgimento do homem, do que se explicaria, então, os diferentes graus
evolutivos dos povos.

Inicialmente etnocêntrica, eurocêntrica e evolucionista (patrocínio das elites), a


ANTROPOLOGIA foi assumindo novas linhas teóricas mais apuradas e
compreensivas.

5.2 ESCOLA DIFUSIONISTA


 Resistência à escola evolucionista (não se tornou uma escola muito conhecida).
 Caracteriza o evolucionismo de etnocêntrico (produz erro, preconceito, hostilidade).
 As invenções humanas (materiais ou imateriais) são criadas em situações muito
específicas. E são difundidas a grupos vizinhos e no próprio interior (imitação,
trocas, contatos diversos).
 Essa difusão lenta explicaria semelhanças entre povos (religião, arte, hábitos...).
 Problema:
- Propõe que as coisas todas têm um ponto de partida de onde se
difundem, mas ignora que as coisas que criamos correspondem a
necessidades que são humanas (de espécie), ou seja, as necessidades
humanas são muito parecidas em diferentes grupos porque são soluções
típicas de nossa espécie em geral, e não apenas porque foram transmitidas
e/ou difundidas por grupos restritos.

5.3 ESCOLA FUNCIONALISTA


 Grande representante:
- Bronislaw Malinowsky (1884-1942 – Polônia).
 Principal obra:
- Argonautas do Pacífico Ocidental (1922). – Grande destaque na
etnografia (escrita de um povo, por meio da observação participante). Um relato de
pesquisa (trabalho de campo) desenvolvido de 1914 a 1918 nas Ilhas Trobriand
(Nova Guiné).
 Grande oposição ao evolucionismo que norteava os estudos antropológicos
iniciais.
 Método de análise e princípio metodológico: as sociedades não devem ser
comparadas, mas estudadas de forma particular; cada uma possui sua totalidade e
funcionamento próprio, de acordo com as necessidades essenciais de seus
integrantes. – etnografia

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 Não se deve julgar o não europeu como atrasado só porque sua visão de vida e
das necessidades é diferente (seus valores e necessidades são outros porque
seu contexto é outro).
 Função do antropólogo: observar cada detalhe da vida estrutural da sociedade
estudada, a fim de, em seguida, apontar o que há de mais importante para o
entendimento de sua forma de organização. Sepultamento das teses
evolucionistas – Evitar a aculturação.
 SÍNTESE: Cada sociedade e/ou cultura tem um FUNCIONAMENTO próprio,
tendo em vista suas necessidades específicas e a função de cada
componente.

5.4 ESCOLA ESTRUTURALISTA


 Grande representante:
- Claude Leví-Strauss (1908-2009 – Bélgica).
 Principal obra:
- Tristes Trópicos (1955). – Grande destaque também na etnografia. Um
relato etnográfico romanceado de suas pesquisas sobre sociedades indígenas
brasileiras, discutindo relações entre o Velho e o Novo Mundo, problematizando as
noções de civilização e progresso.
 A estruturação de uma sociedade depende dos recursos naturais e dos
instrumentos de trabalho de que ela dispõe (relação histórica e com o meio
natural).
 Existem sociedades tradicionais e sociedades complexas (não melhores e
piores...).
 Método de análise e princípio metodológico: a pesquisa de campo para viver o
dia a dia da sociedade que se quer estudar; entender como e porque se estrutura
e, consequentemente, funciona de determinada forma.
 Levi-Strauss procurou identificar as formas lógicas que seriam comuns em todos
os tipos de pensamento humano:
- é comum às culturas humanas criar formas de classificação que operam
em formas binárias, como quente-frio, cru-cozido, positivo-negativo.
- é inerente a todos os povos e, por isso, foi chamado de pensamento
selvagem (e não pensamento do selvagem), não domesticado.
 Strauss e os indígenas brasileiros: organização profundamente complexa, não são
“rudimentares”.
 Metades: definições territoriais dentro de um mesmo sistema indígena.
- Exogamia: o membro de uma metade só pode se casar com pessoas de
outra metade.
- Endogamia: o membro só pode se casar com pessoas pertencentes à
mesma metade.
 Clãs: subdivisão no interior da metade, cujos integrantes são determinados por
atributos comuns (clãs de caçadores, clãs de guerreiros...).

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 Linhagem: indivíduos que possuem os mesmos atributos dos membros dos clãs,
mas devem ter, obrigatoriamente, ascendência e descendência bem definidas,
compondo uma genealogia.
 SÍNTESE: O funcionamento de cada sociedade depende da maneira como
cada uma desenvolve seu PROCESSO DE ESTRUTURAÇÃO, tendo em vista
seus recursos naturais e instrumentos.

5.5 TEORIA DA INTERPRETAÇÃO DAS CULTURAS


 Grande representante:
- Clifford Geertz (1926-2006 – EUA).
 Principal obra:
- A Interpretação das Culturas (1973). – Grande destaque na elaboração
teórica da etnografia (princípios metodológicos para o registro qualitativo, visual,
sonoro e escrito das culturas).
 A cultura é uma teia de significados que é tecida pelos homens em diferentes
contextos.
- Uma realidade complexa de atribuição de significados que o ser humano
dá para o mundo à sua volta e a si mesmo.
 Método de análise e principio metodológico: mais que registrar os fatos, deve-
se analisá-los e interpretá-los, buscando os significados contidos nos fatos (ritos,
performances humanas...).
 A cultura aparece, então, como um conjunto de textos, como uma semântica social
(trazer à tona a questão central de um fenômeno).
- não se trata de se tornar um "nativo" para o entendimento do objeto em
foco;
- trata-se de construir uma leitura de um “manuscrito” estranho, cheio
de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos,
escrito com exemplos transitórios de comportamento modelado (alargamento
do universo do “discurso” humano).
 A discussão sobre o conceito acadêmico de cultura não se reduz ao culto, à
erudição...
 Cultura é algo a ser percebido muito mais que definido, pois ela é dinâmica, em
constante transformação.
 Cultura é muito mais que uma mera “coisa” ou algo que se pode apontar, ela não é
plenamente localizável.
 A cultura é um grande mecanismo de produção de significados compartilhados
publicamente (material ou imaterial); muito ligada ao campo da linguagem.
 Cultura é como um software, a partir do qual a nossa “máquina existencial”
funciona e lê toda a realidade.
 SÍNTESE: A complexidade cultural possui uma teia de significados em seus
fenômenos, exigindo um forte exercício INTERPRETATIVO da leitura
antropológica dos fatos, e não somente uma descrição dos mesmos.

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APÊNDICE
ANTROPOLOGIA TEOLÓGICA: ACENOS E PROVOCAÇÕES

“… E o fizestes pouco menos de um Deus, coroando-o de glória e beleza” (Sl 8, 6).

“Iahweh, que é o homem para que o conheças, o filho do mortal, para que o consideres?
O homem é como um sopro, seus dias como a sombra que passa” (Sl 144, 3-4).

“Que é o homem, para que faças caso dele, para que dele te ocupes, para que o
inspeciones cada manhã, e o examines a cada momento?” (Jó 7, 17-18).

ANTROPOLOGIA TEOLÓGICA: O MISTÉRIO DO MUNDO, DO HOMEM...


DE DEUS
 As teologias, em geral, afirmam que na origem de tudo está DEUS, um Amor que
dá ser ao MUNDO.
 “Façamos O HOMEM à nossa imagem, como nossa semelhança…” (Gn 1, 26).
 A PESSOA HUMANA é um “mistério” que reflete o Mistério de Deus mesmo.
 Paradigma da Teologia da Criação – dois relatos:
- Gn 1,1_2,4a (dentro do ciclo cósmico, ápice).
- Gn 2,4b-24 (o homem do barro, paraíso, mulher).

A CONSTITUIÇÃO DO HOMEM PELA PERSPECTIVA TEOLÓGICA


 Imagem e semelhança de Deus (imago Dei).
 Querida e desejada singularmente por Deus.
 Ser dotado de inteligência, sociabilidade e liberdade - comunhão (somos PESSOA
– não algo, mas alguém).
 Ser uno, composto de corpo (sintetiza a materialidade) e alma (transcendência, a
abertura); recebe de Deus o espírito (ruah) = vitalidade distinta. (Gaudium et spes
= GS, 14)
 Cristo é a imagem perfeita do que o Homem é... (GS, 22)
“No Mistério de Cristo o mistério do Homem se revela”
 Possui direitos inalienáveis, por sua dignidade integral.

DIGNIDADE INTEGRAL DA PESSOA HUMANA


 A dignidade humana é identificada e está configurada em uma dimensão
profundamente ontológica e teológica, ou seja, o ser humano é digno, sobretudo,
pelo que ele é, e não reduzidamente pelo que ele faz ou deixa de fazer.

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“A pessoa humana é um todo, e não somente uma parte, é em si mesmo um
universo, um microcosmo, no qual o grande universo pode ser contido por inteiro
graças ao conhecimento, e que pelo amor pode dar-se livremente a seres que são
como outras tantas encarnações de si próprio. É impossível encontrar equivalente
dessa relação por todo o universo físico [...] Na noção de personalidade está
encerrada assim a de totalidade e de independência; por mais indigente e
esmagada que seja, uma pessoa é como tal um todo, e como pessoa ela subsiste
de maneira independente” (MARITAIN, 1967, p. 11-12).

“Só enquanto nós homens nos sentimos “nós” e estamos, portanto, unidos a
Cristo, podemos ser “tu” para Deus, que, mesmo amando a nós mesmos, nos ama
em seu Filho. O pecado é justamente um obstáculo a essa solidariedade entre nós.
[...] Filiação divina e fraternidade humana são, por conseguinte, duas noções que se
implicam reciprocamente. E, como nos é dito na primeira Epístola de João (cf. 4, 19-
21), a segunda é a verificação necessária da primeira. A doutrina da graça, ainda
que tradicionalmente tenha sido formada em torno da pessoa, se quer abrangê-la
integralmente não pode esquecer-se dessas dimensões comunitárias. Aqui entra
inevitavelmente a eclesiologia, que nos apresenta a Igreja como comunhão fundada
na comunhão trinitária” (LADARIA, 2016, p. 125).

DIGNIDADE HUMANA E DIREITOS HUMANOS NA PERSPECTIVA DE


UMA ANTROPOLOGIA TEOLÓGICA
 Um problema: “Direitos Humanos é coisa para defender bandido”; “Direitos
Humanos só se for para humanos direitos”. SERÁ???
 Antes de se veicular a necessidade de se defender “a moral e os bons costumes”,
é preciso que se tenha claro o que tais defensores entendem por “moral” e por
“bons costumes”, assim como é preciso questionar qual é a imagem-ideal de ser
humano que um determinado povo ou grupo tem em mente ao categorizar o que
deve e o que não deve ser considerado como “gente de bem”.
 Do mesmo modo, quando se diz que “Direitos Humanos só serve se for para
humanos direitos” é preciso que se tenha claro o que se pode entender por
“Direitos Humanos” e por “humanos direitos”.
 Todo o fundamento dos Direitos Humanos, que são devidamente reconhecidos
como algo bom pela Antropologia Teológica cristã em geral, se encontra na
inalienável e integral dignidade da pessoa humana. E onde se encontra a raiz de
tal dignidade? No fato crucial de que o ser humano é uma realidade criada à
imagem e semelhança de Deus – “Imago Dei” (cf. Gn 1, 26-27).
 Uma vez fundamentada ontológica e teologicamente, a dignidade humana
permanece intocável, ainda que uma pessoa resolva enveredar-se pelo caminho
da delinquência, e, como tal, é digna de defesa e promoção, pois não se trata aqui
de uma realidade meramente concedida pelos Estados ou decidida por
assembleias (os Direitos Humanos são respostas às necessidades naturais do
homem, e não uma concessão institucional).

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Nos direitos humanos estão condensadas as principais exigências morais e
jurídicas que devem presidir à construção da comunidade política. Tais direitos
constituem uma norma objetiva que está na base do direito positivo e que não
pode ser ignorada pela comunidade política, porque a pessoa lhe é ontológica e
teleologicamente anterior: o direito positivo deve garantir a satisfação das
exigências humanas fundamentais (PONTIFÍCIO CONSELHO “JUSTIÇA E PAZ”,
2011, p. 220-221, n. 388).

“Hoje vai-se tornando cada vez mais viva a consciência de que a dignidade da
pessoa não se perde, mesmo depois de ter cometido crimes gravíssimos”
(CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, n. 2267. Rescriptum de agosto de 2018).

“O Evangelho ensina que o homem vale pelo que é e não pelo que tem ou pelo
que faz. O homem merece amor e respeito porque vive, não porque possui. A
sua dignidade está ligada ao fato de que é pessoa. Portanto, desde o momento
em que se acende a primeira centelha da vida no seio da mãe, até o momento da
morte física, toda pessoa conservará sempre a sua honorabilidade, mesmo se
for pobre ou enferma, mesmo se erra ou é delinquente. A pessoa humana não
perde nunca a sua grandeza nativa e ninguém lha pode tirar” (SORGE, 2018, p.
27).

 Os “Direitos Humanos” são a solicitação de que seja realizado na dimensão


histórico-temporal aquilo que o ser humano é em sua realidade mais ontológica,
bem como de que seja reconhecida e dada a ele a condição de
desenvolvimento integral de sua própria humanidade.
 A defesa da dignidade humana não está, de modo algum, a serviço de uma
conivência com as atitudes de egoísmo dos homens, e também não se deixa
levar pelo desespero diante daquelas pessoas que, por alguma razão, praticam
atos indignos de sua humanidade.
 No lugar de um humanismo exclusivo, autorreferencial, reducionista e que
explora os outros em nome do prazer particular e/ou grupal, é sempre posta à
luz a verdade do humanismo integral, que reconhece as múltiplas dimensões da
existência humana e a cada uma delas procura respeitar e efetivar na
concretude da existência, sempre mantendo o foco da compreensão central do
homem como “imago Dei”, isto é, como “imagem de Deus”.
 Importa reafirmar que os Direitos Humanos não são coisas para “bandidos” ou
algo, em contrapartida, que deveria ser reconhecido somente para “humanos
direitos”.
 Ora, não se pode ignorar o fato de que, se existem “humanos que não são
‘direitos’” na nossa sociedade, talvez seja porque, primeira e provavelmente,
essas pessoas tiveram sua dignidade ontológica sistematicamente
desrespeitada por toda uma conjuntura histórico-social que insiste em não
efetivar o respeito aos direitos do homem.
 Ou seja, os Direitos Humanos não são coisas para “humanos direitos”, mas sim
a condição social de possibilidade para que nenhum ser humano sinta
“necessidade” de enveredar-se por caminhos “não direitos”, para que nenhuma

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pessoa tenha espaço para cogitar a possibilidade de trilhar-se por caminhos
indignos de sua humanidade.

A antropologia cristã, desvelando a dignidade inviolável de toda pessoa, introduz


as realidades do trabalho, da economia, da política em uma perspectiva original,
que ilumina os autênticos valores humanos... [...] A ação pastoral da Igreja no
âmbito social deve testemunhar, antes de tudo, a verdade sobre o homem. A
antropologia cristã permite um discernimento dos problemas sociais, para os quais
não se pode encontrar boa solução se não se tutela o caráter transcendente da
pessoa humana plenamente revelada na fé (PONTIFÍCIO CONSELHO “JUSTIÇA E
PAZ”, 2011, p. 293-296, n. 522.527).

 Talvez humanos que não são “direitos” sejam produtos de uma sociedade que
não respeita nem promove efetivamente os direitos do homem e, como tal,
desconheça a dimensão ontológica da dignidade integral da pessoa humana.
 Em síntese, “a dimensão teológica revela-se necessária para interpretar e
resolver os problemas atuais da convivência humana” (JOÃO PAULO II, 1991,
p. 72, n. 55)

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ERIKSEN, Thomas Hylland e NIELSEN, Finn Sivert. História da Antropologia. 5. ed.


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Prof. Ms. Elvis Rezende Messias


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Prof. Ms. Elvis Rezende Messias

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