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Nó de Oito
há cerca de um mês
Durante muito tempo, Orientalismo foi uma palavra usada para se referir às expressões
artísticas e literárias europeias voltadas para o chamado Oriente, incluindo-se aí o Oriente
Médio, o sul, leste e sudeste asiático, e mesmo o norte da África. A partir da década de 1970,
no entanto, o termo foi ressigni cado para sempre quando o intelectual Edward Said
publicou em seu livro, Orientalismo, que o que conhecemos por Oriente é na verdade uma
invenção do chamado Ocidente.
Para fazer tal a rmação, Said se debruçou sobre inúmeras das tais expressões artísticas e
literárias orientalistas e identi cou que a maioria delas trouxe uma representação não só
misti cada e inferiorizada, como também generalizadora desse vasto e diverso território ao
leste da Europa. Produzidas por europeus no auge de sua dominação imperialista na região,
tais expressões foram reconhecidas por Said como essenciais para cimentar a base onde se
apoiariam todas as noções estereotipadas sobre o Oriente que vemos reproduzidas nas
artes e mídias até os dias de hoje. A essa maneira estereotipada de representar essa região
do globo Said deu o nome de Orientalismo.
A capa original do livro é bem autoexplicativa. (Descrição da imagem: The Snake Charmer: pintura a óleo do
artista francês Jean-Léon Gérome, de 1879. O quadro retrata um amplo salão revestido de magní cos azulejos
azuis. No seu centro, um garoto nu se encontra de costas para o observador, segurando uma cobra que se enrola
ao redor de sua cintura e ombros, enquanto um homem mais velho senta ao lado tocando uma auta. Um grupo
de guerreiros islâmicos assiste à performance sentados no chão.)
Embora Said tenha focado o seu olhar principalmente na representação dos povos do
Oriente Médio e do norte africano, o termo orientalismo abrange a forma como todo o SOBRE O NÓ DE OITO
continente asiático é representado na cultura ocidental. Dessa forma, tanto estereótipos do
Oriente Médio como do Sul, Sudeste e Leste Asiático que vemos na cultura pop também
são relacionados ao orientalismo.
E o que é, então, o Oriente, de acordo com o Ocidente? Bem, o Oriente seria um lugar
fundamentalmente diferente. Um lugar que tem todos os seus povos e culturas reduzidos a
uma massa uni cada, habitado por pessoas exóticas, incompreensíveis, inassimiláveis,
in exíveis, e muitos vezes mágicas e selvagens. Em suma, o Oriente foi construído como o
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Outro perfeito, na medida em que suas características se opõem diretamente às da traz análises, re exões, críticas,
‘civilizada’, ‘racional’, ‘moralmente superior’ e ‘humana’ Europa. resenhas e recursos diversos sobre
mídia e cultura pop com foco na
representatividade de mulheres e
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A versão original da música de abertura de Aladdin diz: “Oh eu venho de uma terra, de um lugar bem distante /
onde circulam as caravanas de camelos / Onde cortam sua orelha / Se não gostam do seu rosto / É selvagem,
mas ei, é o lar”.
É importante notar que, nessa construção, o chamado Ocidente seria a norma, o padrão,
enquanto o Oriente é de nido pelo seu desvio da norma, como algo anormal, exótico e
estrangeiro. Dessa forma, a ideia de Ocidente também é tão arti cialmente construída
quanto a de Oriente, pois é na oposição a esse hiperbólico exoticismo oriental que se cria a
fantasia do Ocidente como um pináculo da moralidade, racionalidade e civilidade. Em um
contexto de dominação militar e/ou ideológica que já dura séculos, esse tipo de
contraponto é fundamental para justi car invasões e a discriminação contra povos e
indivíduos orientais ou de ascendência oriental em solo ocidental.
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Essa história de transformar outras culturas em um Outro, como inimigo ou simplesmente
como algo menos humano, não é nenhuma novidade na história da humanidade. Mas de
acordo com Said, o orientalismo formalizou esse processo ao apresentá-lo como
conhecimento objetivo. E o mais assustador é que esse tal conhecimento sobre o Oriente POSTS RECENTES
criado pelo orientalismo continua sendo reproduzido ainda hoje na cultura pop.
Mosaico de imagens: 1) Árabes raivosos com seus facões em Aladdin. 2) Tony Stark é capturado pelos terroristas
PARCEIROS
dos Dez Anéis, em Homem de Ferro. 3) O dothraki Drogo, de Game of Thrones, com suas facas e sua melhor cara
de selvagem. Os dothraki são inspirados, em parte, em povos mongóis.
Além disso, contra os povos do Extremo Oriente temos o estereótipo do Perigo Amarelo,
que foi mudando ao longo do tempo para se adequar ao contexto histórico. Inicialmente,
consistia de criminosos misteriosos e poderosos que não raro possuíam algum poder
místico e usavam o seu conhecimento em artes marciais para o mal. Mais recentemente, o
Perigo Amarelo aparece na forma de membros de gangues, ameaça comunista ou mesmo
executivos sinistros e mal-intencionados. E por último, surge o estereótipo relacionado ao
mito da Minoria Modelo – personagens do sul ou leste asiático que representam uma
ameaça por serem roboticamente competentes nos estudos ou nos negócios. Não raro
esses personagens costumam ser derrotados por serem também socialmente ineptos.
O perigo amarelo em várias versões. Mosaico de imagens: 1) O vilão chinês Fu Manchu em A Máscara de Fu
Manchu (1932). 2) O ma oso chinês Lao Che, em Indiana Jones. 3) Johnny Tran, líder da gangue de asiáticos
antagonista do Vin Diesel, em Velozes e Furiosos. 4) Personagem do episódio The Blind Banker, da série
Sherlock, que apresenta toda uma trama orientalista em que os personagens chineses são ou protagonistas ou
vítimas do crime organizado. 5) As gatas siamesas sinistras e malvadas de A Dama e o Vagabundo. 6) Dennis Kim,
prodígio em Física da Coréia do Norte que serve como antagonista do Sheldon em um episódio de The Big Bang
Theory.
Embora com menos frequência, os estereótipos acima também se aplicam a mulheres, mas
existe pelo menos um destinado apenas a elas: a Dragon Lady.
A Dragon Lady é a uma versão feminina do Perigo Amarelo clássico. Ela é agressiva, sabe
artes marciais e, na maioria das vezes, é hipersexualizada. Em contextos fora de lmes de
ação, ela pode aparecer também como séria, competente, misteriosa e castradora.
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Moisaco de imagens. 1) A vilã Hu Li, em Hora do Rush 2. 2) A sedutora Miss East, em As Loucas Aventuras de
James West. 3) A feroz e inescrutável Ling Woo, da série Ally McBeal. 4) O grupinho de asiáticas malvadas em
Meninas Malvadas.
Na maioria dos casos, personagens que se encaixam nesses estereótipos são apresentados
como vilanescos, e precisam ser derrotados de alguma forma pelos mocinhos ocidentais.
CONECTE-SE
Bizarros, Imutáveis, In exíveis e Inassimiláveis
Uma das principais características do orientalismo é o retrato dos chamados povos Twitter
orientais como culturas que pararam no tempo e são extremamente fechadas e resistentes
Facebook
a interação com ocidentais. Um exemplo desse tipo de representação acontece quando as
produções continuam retratando versões imutáveis de países orientais, que remontam às Instagram
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Um lme que eu queria desver: Sex and the City 2. Descrição da imagem: as quatro protagonistas do lme
curtindo muito no deserto de Abu Dhabi.
Além disso, um estereótipo frequente que fortalece essa ideia é a do Perpétuo Estrangeiro:
aquele personagem que mora no ‘Ocidente’ há anos, mas se recusa a aprender a língua e a
interagir signi cativamente com pessoas de fora do seu grupo étnico e/ou religioso (e se
interage, é de forma bizarra).
Muitas vezes, ele é um alívio cômico. Mosaico de imagens: 1) O patético Haan, da série Two Broke Girls. 2) A
bizarra Lily, do lme A Escolha Perfeita. 3) O doidão Long Duk Dong, personagem chinês muito louco do clássico
dos anos 1980, Gatinhas e Gatões. Em determinado momento ele pula de uma árvore gritando BANZAI. True
story. 4) Mrs. Kim, de Gilmore Girls.
Em ambos os casos, temos o reforço da ideia de que as culturas orientais são estranhas,
atrasadas, retrógradas e/ou excludentes.
Místicos e Mágicos
Um dos grandes pilares do orientalismo é a ideia de que existe algo de místico ou mágico
no Oriente. Essa ideia se traduz em diversos estereótipos do cinema, que trazem
curandeiros milagrosos, feiticeiros ou mesmo personagens que não tem nenhum poder
mágico de fato, mas que são incrivelmente sábios. Quando não é um vilão, normalmente
esse tipo de personagem é secundário e atua em favor do protagonista branco padrão.
Mosaico de imagens: 1) O sábio sr. Miyagi, em Karate Kid. 2) Julia Roberts recebe conselhos espirituais de um
camarada indonésio (?), em Comer Rezar Amar. 3) Personagem do lme Os Aventureiros do Bairro Proibido faz
uma magia muito doida.
Basicamente os mesmos exemplos do Perpétuo Estrangeiro. Ah, e o sul asiático não ca de fora dessa. Descrição
da imagem: o indiano Raj, de The Big Bang Theory.
A representação do homem asiático como um ser quase que efeminado é bastante antiga e
surgiu em oposição ao homem ocidental assertivo e viril, que sabe o que quer e como
consegui-lo. Além disso, os estereótipos atuais que derivam dela tem também relação com
o mito da Minoria Modelo, pois ao serem apresentados como inferiores em relação aos
homens ocidentais em termos de masculinidade, eles se encaixam naquele modelo de
minoria ideal, que não quer e nem tem chances de “roubar” as mulheres ocidentais para si.
Por outro lado, homens brancos não parecem ter problema algum com mulheres orientais
nos lmes, que são costumeiramente representadas como sensuais e sexualmente
dispostas. Não raro, aquelas do leste asiático costumam ser retratadas também como
doces, delicadas e submissas.
Moisaco de imagens. 1) Mulheres sedutoras e misteriosas em Aladdin. 2) A japonesa Taka, interesse romântico do
Tom Cruise em O Último Samurai. 3) Knives Chau, namoradinha deslumbrada e carente do Scott, em Scott
Pilgrim Contra o Mundo.
Assim como no caso do homem oriental efeminado, as mulheres orientais aparecem como
seres subjugados quando confrontadas com os ocidentais. O esforço é no sentido de
apresentá-las quase como crianças sem autonomia, que devem ser dominadas e
controladas.
Em suma, todos esses estereótipos de orientais que vemos vezes sem conta na cultura pop
são originários de todo um imaginário sobre o Oriente que foi construído num contexto de
dominação dessas regiões, até como uma forma de justi cá-la.
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lara vascouto
Internacionalista viciada em desconstrução. Fundadora, redatora e editora do Nó de
Oito.
3 COMMENTS
REPLY
dalva
SEPTEMBER 23, 2017 @ 1:09 AM
parabéns (e obrigada) pelo magní co texto! é sempre uma tarefa frustrante, porém
muito necessária, re etir e fazer um apanhado sobre os estereótipos nocivos ecoados
por gerações na cultura pop hegemônica. quei muito interessada nesse livro. abração!
^^
p.s. odeio o lme “gatinhas e gatões” de uma forma tão intensa que não é possível
expressar elmente com palavras.
REPLY
Alexandre
SEPTEMBER 23, 2017 @ 2:16 AM
algo que me deixa bem confuso ao ler um texto como esse, principalmente nas
questões de padrões e esteriótipos na mídia, é o seguinte: até qual ponto uma obra
pode in uenciar o meu modo de ver o mundo? ou é mais uma questão de reforçar um
pensamento que já possuo sobre os diversos assuntos tratados na obra?
Se puder dizer o que você acha disso, carei grato.
REPLY
Emanuel j. e. Rodrigues
SEPTEMBER 23, 2017 @ 4:09 AM
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