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XXXXXXXXXXXXXXXXX
presidente do conselho regional XXXXXXXXXXXXXXXXX
abram szajman XXXXXXXXXXXXXXXXX
XXXXXXXXXXXXXXXXX
diretor regional XXXXXXXXXXXXXXXXX
danilo santos de miranda XXXXXXXXXXXXXXXXX
XXXXXXXXXXXXXXXXX
superintendentes XXXXXXXXXXXXXXXXX
técnico-social joel naimayer padula XXXXXXXXXXXXXXXXX
comunicação social ivan giannini XXXXXXXXXXXXXXXXX
gerentes
ação cultural rosana paulo da cunha adjunto paulo
casale assistente Marcelo Bressanin artes gráficas
hélcio magalhães assistente Marilu Donadelli Vecchio
AUDIOVISUAL Silvana Morales Nunes ADJUNTO Ana
Paula Malteze DESENVOLVIMENTO DE PRODUTOS Marcos
Lepiscopo ADJUNTO Walter Macedo Filho DIFUSão Marcos
Ribeiro de Carvalho ADJUNTO Fernando Fialho RELAções
COM O PúBLICO Paulo Ricardo Martin ADJUNTO Carlos
Rodolpho T. Cabral ESTUDOS E DESENVOLVIMENTO Marta
Raquel Colabone ADJUNTO Andrea de Araujo Nogueira.
gicas:
orpos
Japão
Brasil
osição
Apresentação
Danilo Santos de Miranda 07
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Tokyogaqui: o avesso do avesso
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Para “olhar” a cidade, Walter Benjamin enumera três grandes alegoristas – o flâneur, o viajante
e a criança, caminhantes desprevenidos e receptivos prontos a enxergar a alma dos lugares.
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Poéticas da brevidade: entre poemas
concretos, parangolés e cosplayers
Christine Greiner
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Tokyogaqui: o avesso do avesso
Nunca se sabe ao certo quando e como começa uma viagem. Algumas
vezes, as mudanças são visíveis: malas e álbuns de fotografia empilhados.
Mas existem também as viagens íntimas, que acontecem sem que ninguém
saia do lugar.
A chegada da cultura japonesa ao Brasil passou por essas duas fases.
Pode ser descrita a partir do dia, em 1908, em que o navio Kasato Maru
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atracou no porto de Santos, bem como a partir do trânsito de tatames,
Os primeiros japonismos
As culturas asiáticas já vinham, desde as Grandes Navegações, trilhando
conexões simbólicas e intercâmbios de procedimentos de criação no
Ocidente. No entanto, no final do século 19, quando o Japão abriu as suas
portas ao Ocidente com a Restauração Meiji (1868-1912), o mercado interna-
cional aqueceu-se.
Havia começado na Europa o gosto pela arte asiática, principalmente
em relação às tradições de artesanato no século 16. Os objetos de jade e
de laca, as pedras semipreciosas, as porcelanas e cerâmicas, assim como
a literatura e o teatro, muito chamavam a atenção dos consumidores. No
mundo das artes, o termo orientalismo foi usado para identificar um estilo
e uma certa qualidade associada ao que se julgava ser “um jeito ou uma
visão oriental”. Evidentemente, algumas “reinvenções do oriente” tinham
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conotações políticas questionáveis, embaladas pela arrogância ocidental,
Tokyogaqui: o avesso do avesso
como foi bastante discutido por autores como Edward Said (1978), Abdel-
Malek (1963) e Homi Bhabha (1998), entre outros. No decorrer da história,
os debates sobre orientalismo deixaram de restringir-se apenas ao dualismo
Oriente e Ocidente, mas passaram a interessar a todos os países que um dia
foram colonizados e ainda hoje sofrem com abusos pós-coloniais.
Mas até o começo do século 20, tratava-se, sobretudo, de uma relação
comercial. A Europa parecia mais encantada com as culturas indiana e
chinesa. A chinoiserie (“chinesice” ou “arte exótica chinesa”) envolvia
cerâmicas, porcelanas e indústria têxtil. Em 1862 em Londres, e em 1876 em
Paris, a moda japonesa começou a aparecer nas exibições, muitas vezes
misturada com objetos chineses e, na verdade, ninguém se incomodava em
distinguir uma da outra. Tudo fazia parte do mercado asiático emergente.
Em 1888, foi fundado o jornal Le Japon artistique (O Japão Artístico), com
versões em francês, inglês e alemão. Ele chamou a atenção do público e dos
artistas para a necessidade de se entender a arte japonesa não apenas como
algo exótico, mas ainda como uma tentativa de aproximação dos processos
de criação e dos materiais usados pelos artistas. O fundador desse jornal,
Samuel Bing – que, tendo nascido em Hamburgo logo se mudou para Paris,
onde abriu na rua Provence uma loja freqüentada por artistas como Van
Gogh –, construiu através de suas curadorias e publicações um verdadeiro
berçário de pintores impressionistas.
A partir de então, a fascinação pela arte asiática disparou. Entre 1919 e
1928, pôsteres da famosa revista Harper’s Bazaar vão inspirar-se nas gravuras
eróticas imaginadas pelo mestre Tsukioka Yoshitoshi (1839-1892). E da noite
para o dia o Japão transforma-se em objeto de fetiche.
A experiência concreta
Não se sabe exatamente como tudo começou no Brasil. As experiências
mais antigas relativas à cultura asiática, a exemplo do que aconteceu em
países europeus, estavam relacionadas à pintura, porcelanas, esculturas e
tecelagem. Em 1903, o diplomata e historiador Oliveira Lima escreveu No
Japão, impressões da Terra e da Gente, um livro reeditado em 1997 pela
editora Topbooks. Lima tratava da sua experiência de dois anos no país,
descrevendo os japoneses como “pequenos de estatura, curtos de pernas,
mas todos músculos e tendões”.
Em 1936, Gilberto Freire incluiu um capítulo em seu livro Sobrados e
Mucambos chamado “O Oriente e o Ocidente”, onde também chamou a
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atenção para o tema dos contrastes culturais. E, particularmente sobre a
nunca mais voltou à sua posição antípoda. Irradiando-se para uma língua
não ocidental (o japonês) que na sua escrita preservava os caracteres ideo-
gráficos chineses, a poesia concreta produziu um movimento que se tornou
uma espécie de reverso complementar, ou seja, nada além da exploração
dos elementos combinatórios do ideógrafo na condição de possibilidades
formais. Daí em diante, forma e conteúdo não poderiam mais ser separados.
Na prática poética, excluía-se de uma vez a questão da origem e os limites
entre motivação externa e interna.
Através dessas novas referências, o pensamento japonês passou ser
reconhecido entre nós, antes mesmo da chegada do Kasato Maru. Recen-
temente, o professor Shuhei Hosokawa (ver o artigo traduzido neste livro)
relembrou o exemplo pitoresco da pesquisa de Rokurô Kôyama. Além de
criar o primeiro jornal nipo-brasileiro usando um mimeógrafo a bordo do
próprio Kasato Maru, ainda em alto mar, intuiu e começou a desenvolver
um estudo em torno da hipótese de que o tupi-guarani e o japonês teriam a
mesma origem na antiga Polinésia. Mais do que uma investigação lingüística
relevante, a noção de uma língua originária tupi-japonesa buscava sustentar
uma espécie de narrativa mítico-poética para ancorar a posição marginal
dupla, tanto na comunidade brasileira como na japonesa, uma vez que os
japoneses imigrantes pareciam ter-se tornado irremediavelmente estrangei-
ros, tanto aqui como lá.
Anos depois, atravessando a ponte tupi-japonesa, a passos oswaldianos,
Décio Pignatari concluiu que a arte é sempre o oriente dos signos. Pouco
importa de onde veio ou para onde vai. O signo artístico é o signo da criação e
da liberdade. Ele rompe o automatismo verbal que durante séculos conduziu
o pensamento ocidental para a ilusão de que as coisas só têm significado
quando são traduzidas para o mundo das palavras. O oriente dos signos
mostra que os antípodas não estavam do outro lado do mundo, mas eram,
ao mesmo tempo, o nosso avesso do avesso, do avesso...
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Tupão, tupi
Não sei que mais
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Já me esqueci de onde sou
O TUPI E EU
Rokurô Kôyama (1886, Kumamoto – 1976, São Paulo) imigrou para o
Brasil em 1908 como um dos quarto intérpretes (ele estudou espanhol) a
bordo do Kasato Maru, o primeiro navio que trouxe imigrantes japoneses
para o Brasil. Era conhecido como o “pai do jornalismo Nikkei” porque foi
responsável por um jornal mimeografado nesse navio. Em 1921 ele fundou
em Bauru, pequena cidade no Estado de São Paulo, um jornal chamado
Seishû Shinpô (Semanário de São Paulo ou São Paulo Weekly). O jornal
perdurou até 1941, quando o governo proibiu a publicação de meios de
comunicação em línguas estrangeiras. Em 1935 Kôyama mudou-se para a
cidade de São Paulo, capital do Estado, levando consigo um círculo amador
de escritores de haiku, que após a Segunda Guerra Mundial publicou três
antologias privadas.
De acordo com suas memórias póstumas, Kôyama passou, em seu
segundo dia no Brasil, a interessar-se pelo “povo primitivo que se parecia
com o japonês” quando um outro intérprete, que estava no Brasil havia anos,
tentou acalmar a ansiedade de seus compatriotas, ainda no trem à saída do
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porto, contando-lhes piadas sobre uma estranha tribo de nativos brasileiros
Estratégias antropofágicas: do tupi-japonês às metamorfoses das cidades e dos corpos
MOMENTO DE EPIFANIA
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Vinte anos após a publicação de O Léxico Tupi, Kôyama tomou uma
Estratégias antropofágicas: do tupi-japonês às metamorfoses das cidades e dos corpos
intelectual de grande procura no Japão dos anos 60, onde a mudança era
uma norma social.
Os laços ideológicos que por meio dos cocos Yanagita postulou entre o Japão
e o Sul tornam-se um motivo-chave no filme de 1964 Godzilla vs. Mothra, em
que outro objeto gigantesco em forma de coco medeia as duas regiões numa
forma problemática semelhante. O ovo da Mothra é varrido da terra para
as Ilhas do Pacífico Sul por um tufão e levado pelas correntes marítimas,
chegando casualmente ao litoral do Japão. Segue a passagem imaginária
que parece conectar o Pacífico Sul e o Japão e que traz numerosos outros
monstros ao Japão. Tomando um empréstimo de Yanagita, eu chamo de Kaijô
no michi (passagem dos monstros) essa passagem para o mar. Enquanto o
Kaijô no michi de Yanagita conceitualmente posiciona a história compartil-
hada da Ilha principal do Japão e Okinawa, o Kaijô no michi nos filmes de
monstro dos anos de 1960 de Tohö estabelecem a conexão imaginária entre o
Japão e o Pacífico Sul. As narrativas dos filmes trabalham para a restauração
da indivisibilidade específica de cada uma das duas regiões. Os filmes de
monstros de Tohô dos anos de 1960 descobrem as imagens exóticas das ilhas
do Pacífico Sul, apropriando-se delas, como uma fonte de contra-identidade
para uma sociedade contemporânea completamente corrompida pelo mer-
cantilismo. O ovo da Mothra ainda desempenha função similar à daquela
imagem dos cocos de Yanagita ao trazer de volta imagens nostálgicas para
neutralizar o efeito histórico do rápido desenvolvimento econômico.
É claro, o ovo da Mothra e outros monstros de Tohô não estão isolados ao
seguir a passagem imaginária. Durante os anos 60, uma quantidade constante
de produtos do Sul chega aos mercados japoneses. Com sua derrota na Guerra
do Pacífico na Ásia, as ambições e fantasias do Japão colonial desvanecem.
O Pacífico Sul (Nanyô) que um dia estimulou a imaginação colonial do Japão
imperial, drasticamente desapareceu do inconsciente popular. No entanto,
assim que o Japão começou a restabelecer seus laços econômicos com
a região, o Sul retornou à imaginação japonesa no final dos anos 50 e no
início dos 60. Embora o movimento das pessoas estivesse ainda limitado (as
restrições para viagens internacionais ainda eram altas até abril de 1964),
objetos traziam de volta para o país imagens do passado do Japão colonial.
Ironicamente estranho, imagens da postura anticomercial do Sul retornavam
como mercadorias.
O consumo de bananas, por exemplo, quadruplicou nos últimos dois anos
que antecederam 1963, suspensas as restrições de sua importação6. Exceto
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pelas bananas desidratadas (banana-passa), que havia disponíveis durante
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Apesar de o filme ser ávido em mostrar uma mensagem didática e antico-
mercial, as imagens que se projetam na tela firmam-se em sua conduta de
alta moralidade. Por exemplo, a seqüência das duas mulheres apresentando-
se no palco mostra o contraste entre o mundo moderno e corrupto – EUA e
também o Japão – e o mundo sagrado da ilha. O trabalho de câmera, contudo,
84 ironicamente revela a complicada relação entre esses dois mundos: o desejo
do mercantilismo moderno começa a penetrar na identidade dos nativos. A
Estratégias antropofágicas: do tupi-japonês às metamorfoses das cidades e dos corpos
AGRADECIMENTOS
NOTAS
1 Ver Richard Sennett, ed., Classic Essays on the City. Nova York: Appleton-Century-
Crofts, 1969.
2 Para uma discussão adicional deste, ver Looser, “From Edogawa to Miyazaki:
Cinematic and Anime-in Architectures of Early and Late Modern Japan” em edição
especial de Japan Forum (14:2), London: Routledge, Spring, 2002.
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Guilherme Wisnik
Toyo Ito e Kazuyo Sejima
O nomadismo urbano de Tóquio:
Por que Tóquio é uma cidade capaz de expressar tão bem o espírito da
contemporaneidade? Inicialmente, deve-se dizer que a cidade é policêntrica
e difusa, e não se organiza da maneira mais tradicional que conhecemos:
a de uma relação hierárquica entre partes (centro e periferia). Característi-
ca que impede a fixação de pontos nodais como marcos estruturadores da
cidade (monumentos, “fatos urbanos primários”), tornando problemático o
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uso das clássicas metáforas antropomórficas para descrever e analisar o seu
bem analisados pelo arquiteto espanhol Iñaki Ábalos, no livro que discute
os diversos paradigmas domésticos elaborados no século XX.7 Ali, Ábalos
aponta como, nos dias de hoje, o consumo improdutivo é funcional ao
sistema em sociedades afluentes, produzindo cada vez mais esse sujeito
social novo – que Ito metaforizou na imagem da “mulher nômade”, e que
poderíamos enxergar também como, por exemplo, o investidor da bolsa
de valores –, que não cria raízes sólidas no espaço da cidade. Antes,
parece ser um hóspede temporário em sua trama, um parasita hospedeiro
da metrópole. E, no entanto, vem a ser o seu “cidadão” mais legítimo.
Por isso, a casa dessa “mulher nômade” (jovem, independente, ociosa
e consumista), figurada por Ito, é uma frágil cabana móvel, leve e sem
privacidade, contendo apenas um pequeno conjunto de artefatos: um
toucador, uma mesa de telecomunicação e uma cadeira de repouso. Não se
configura, portanto, como um refúgio da cidade, na forma de uma recons-
trução da intimidade doméstica perdida. Mas, ao contrário, como um posto
temporário de observação do espaço urbano.
Como observa Ábalos, esse novo nômade “não se insere na cidade do
trabalho, do transporte, da família e do ócio, nessa cidade-máquina-de-
produzir em que habita: se as suas barracas se dispõem na cidade, elas o
fazem flutuando, pousando sobre lugares privilegiados, sobre as atalaias
conformadas pelos arranha-céus do centro comercial. Como insetos, ou vaga-
lumes, colocam-se ali de onde a cidade oferece um magnífico espetáculo
de luz e agitação, transformada em uma segunda natureza que convida a
passear e a consumir”.8
Essa cidade (global, genérica) é, desse modo, protagonizada pelos “novos
nômades”: aqueles que estão nela sem estar, ou que não estão, estando.
Sejam hordas de turistas invadindo os seus espaços, ações correndo no
pregão da bolsa de valores, corporações rentistas que alugam edifícios
e “fogem” ao menor sinal de crise econômica, ou navegantes da internet.
“Tarzãs numa floresta midiática”, na imagem criada por Toyo Ito.9 Eis o
atual paradoxo da especulação financeira, isto é, da geração espontânea
de riqueza no capitalismo tardio, em que, no fundo, a estabilidade global
depende da desarticulação e flexibilização das estruturas locais. Significati-
vamente, a imagem da “mulher nômade de Tóquio” distingue-se radicalmen-
te da figura histórica do burguês, cuja agorafobia (aversão ao espaço público)
alimentou uma fetichização da intimidade como refúgio da cidade. Urbana e
desapegada de bens sólidos, ela aponta para uma outra “elite”, que não mais
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aquela encastelada em palacetes, e que despreza solenemente o trinômio
Notas
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Três momentos das Artes do Corpo no Japão
Não é fácil interpretar corretamente a Rose-colored Dance (Dança da
Rosa Colorida) de 1965, mesmo sabendo-se que ela tem uma posição
importante dentro da história do butô de Tatsumi Hijikata. Naqueles dias,
o butô não era ainda butô. O estilo de dança de Hijikata era indefinido,
sem uma expressão reconhecida. Não havia ainda o conveniente termo
“performance”. Assim, embora sendo uma performance de dança, ela era
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apresentada como não-dança. Se pudéssemos imitar o uso do termo “anti-
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conseguir dar o salto ou passar por uma saia justa . Então, o buraco
negro—aquele buraco negro do qual eu tenho desesperadamente
fugido estará esperando com sua enorme boca aberta.”O animal”,
“a violência”, e “o inconsciente”, supostamente exorcizados pela
simulação super-visível, estão em um turbilhão lá embaixo, esperando
para engolir o “eu”, o sujeito. Uma vez engolido meu “magro” sujeito—
o corpo—é tão facilmente destruído. Cuidado! Eu devo me agarrar ao
mais próximo simulacro, devo de alguma forma emergir à superfície,
e me manter deslizando na super-visível e super-achatada superfície
(Kumakura:124, tradução do autor).
Referências Bibliográficas
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Christine Greiner
Os corpos do J-Pop
Lolitas asiáticas, góticos de quimono e ninjas mutantes. Entre todos os
exercícios antropofágicos e transcriadores que foram experimentados no
Japão, algumas imagens que surgiram nos últimos trinta anos parecem par-
ticularmente exemplares, uma vez que cruzam diferentes culturas e eixos
temporais, redefinindo questões mais antigas.
No Japão, todo o período conhecido como angura (arte underground
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japonesa), que marcou as décadas de 1960 e 1970, deu início a um processo
Yubiwa Hotel
inspirado num filme de Andy Warhol. A sua versão feminina é uma boneca
com cara de menina, também de plástico, que não tem nenhum órgão sexual,
embora esteja semi-nua. Em compensação, tem seios enormes dos quais sai
um líquido branco que faz referência ao leite materno. O seu nome é Hiropon,
nome de uma anfetamina popular durante o período do pós-guerra.
O que acontece com este novo pop, como ficou conhecido por alguns
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autores a partir da geração de Murakami, é que ele direcionou novos modos
Três momentos das Artes do Corpo no Japão
Bibliografia
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Três momentos das Artes do Corpo no Japão
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Três momentos das Artes do Corpo no Japão
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Yubiwa Hotel
Please Send Junk Food
Tokyogaqui, 2008
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As experiências pioneiras
Pode-se afirmar, sem correr o risco de gerar muita polêmica, que foi
após a primeira visita de Ohno ao Brasil, em 1986, que cresceu o número
de artistas interessados pelo universo butô e pela cultura japonesa em
geral. Entre as primeiras artistas que foram estudar no estúdio de Ohno
em Yokohama, estão a atriz Ligia Verdi e, em seguida, a coreógrafa Maura
Baiocchi e a dançarina Julia Pascali. Mas apesar da fascinação pelo butô, o
teatro clássico não deixou de exercer seus encantos e, no começo da década
de 1990, a atriz Alice K inspirou o pequeno grupo de artistas e pesquisado-
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ras brasileiras descendentes de japoneses, que decidiram viajar para o Japão
As artes japonesas no Brasil
Takao nunca mencionou a palavra butô nos primeiros anos de seu trabalho
no Brasil, e pouco se sabe sobre qual foi, de fato, a sua experiência com
butô no Japão. No entanto, as transformações que provocou entre os artistas
brasileiros são indiscutíveis. E se não fosse a sua presença entre nós,
consolidada pela amizade e empatia com Kazuo Ohno após 1986, dificil-
mente o butô teria um impacto tão significativo no Brasil. Pouco a pouco,
Takao introduziu alguns princípios da relação do corpo com o espaço e
explorou as possibilidades de cada intérprete, a relação com a vida, a morte
e a percepção do outro, até criar, nos seus últimos anos de vida, a sua
Companhia Tamanduá . Pode-se dizer que Takao deixou marcas fundamen-
tais em artistas como o diretor de teatro Antunes Filho – que já tinha forte
vinculo com Japão a partir do contato com o diretor Tadashi Suzuki e o
próprio Kazuo Ohno –, como o coreógrafo Ismael Ivo, como Denilto Gomes,
Patrícia Noronha e Emilie Sugai e como tantos outros artistas da dança e do
teatro brasileiro que conviveram com o mestre.
O segundo imigrante japonês, que continua atuante, fertilizando processos
de criação entre artistas brasileiros, é Toshiyuki Tanaka (conhecido como
Toshi). Já está no Brasil há pouco mais de uma década e tem apresentado
a inúmeros artistas e estudantes de arte o seitai-ho, o do-ho e outros
exercícios de preparação corporal para explorar a percepção, a consciência
e os diferentes estados do corpo a partir dos ensinamentos de Noguchi, o
seu mestre no Japão. Esta pesquisa não está voltada exclusivamente para
a formação artística. Juntamente com a sua parceira Ciça Ono, Toshi tem
trabalhado também com outros públicos, uma vez que faz parte do estudo
um aspecto terapêutico e de apoio a situações diversas, como é o caso, por
exemplo, do acompanhamento a mulheres grávidas.
A noção de caminho e a percepção da natureza sempre foram os pontos
de partida para esses treinamentos, tanto para Takao como para Toshi, e
têm rendido frutos mesmo entre aqueles que não se dedicam especifica-
mente à cultura japonesa, como é o caso do diretor de teatro e professor
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Francisco Medeiros, e da
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foto ©: ??????
atriz e professora da Universidade de Brasília, Rita de Cássia de Almeida
Castro, ambos ex-alunos de Toshi. Há muitos outros exemplos, como o da
atriz Ondina Castilho, que relacionou a experiência das aulas de Toshi com
suas vivências anteriores com o diretor Antunes Filho e com o Japão, onde
viveu durante dois anos.
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O caso específico da fascinação pelo butô
As artes japonesas no Brasil
As imagens do butô
Kazuo Ohno nasceu em 1906 na ilha de Hokkaido. Após concluir a Escola
de Atletismo, tornou-se professor de ginástica em uma escola cristã. Em 1929,
assistiu ao espetáculo da dançarina espanhola La Argentina e, pouco depois,
ao do alemão Harald Kreutzberg. Já nessa época pouco importava a iden-
tificação com uma escola, modelo estético ou técnica específica. Em 1933,
decidiu estudar com Baku Ishii e, mais tarde, com Takaya Eguchi. Os dois
artistas são considerados no Japão os precursores da dança moderna alemã
de Mary Wigman.
A escolha de Ohno não foi aleatória. No começo dos anos 1930, o panorama
da dança em seu país era composto pelas danças clássicas japonesas, algumas
provenientes dos teatros nô e kabuki, aulas de balé clássico ocidental e de
dança moderna. As técnicas ocidentais eram bastante procuradas, apontando
para novas abordagens de trabalho corporal. No caso específico das experiên-
cias inspiradas por Wigman, havia muitas possibilidades de improvisação
para a investigação de novos movimentos que não partiam de modelos pré-
estabelecidos no sentido de uma espécie de encadeamento de “passos de
dança”. Por isso pareciam particularmente interessantes.
De 1938 a 1946, Ohno serviu ao exército. Ao voltar para o Japão, foi
convidado a dar aulas na famosa academia de Mitsuko Ando. Supostamente,
o seu curso seria de dança moderna, mas o trabalho já tinha uma marca
bastante singular. De fato, Ohno havia estudado dança durante apenas cinco
anos e se ausentado durante os seis anos seguintes devido à guerra. Isso
não significa que a dança deixara de fazer parte de sua vida. Ao contrário,
as imagens tornavam-se mais e mais complexas. Aos 43 anos, estreou o
seu primeiro recital explorando principalmente o que chamou de “modos
de expressão”. O seu objetivo era relacionar sentimentos, mas admite que,
nessa época, ainda não sabia exatamente o que buscava.
Em 1954, a história tomou um novo rumo. Ohno conheceu Tatsumi Hijikata,
um estudante recém-chegado de Akita (nordeste do Japão), que freqüentava
as aulas de jazz. Hijikata era um jovem estranho. Nunca participava das
aulas de Ohno, ficando o tempo inteiro em um canto da sala, escrevendo. Nas
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famosas aulas de Ando, dona da academia, os colegas já sabiam: na vez de
As artes japonesas no Brasil
acontece. Por isso não haveria como dizer quando começa a criação de uma
dança. Butô não começa a ser feito para um espetáculo. É durante toda a
vida. A preparação, o estudo e a vida precisam andar juntos.
A outra imagem recorrente em sua obra é a do coração. Segundo Ohno, no
começo ele pensou em corpo, coração e cabeça como se estivesse olhando no
espelho, sendo visto de fora. Mais uma vez, como no caso do inseto, aparecia
a questão do que está dentro e do que está fora. A dança começava com o
coração. Mas é importante lembrar que kokoro em japonês é coração que
pensa e sente. O propósito do butô é aprender como um inseto. Há ações in-
teligentes, mas não necessariamente racionais. O pensamento é o pensamento
do corpo. Por isso o trabalho é sempre individual, mas ao mesmo tempo, não
é isolado. No corpo, não estamos sós, dizia Ohno. Aprendemos o tempo todo,
mesmo com os mortos. É necessário experimentar, manter os olhos abertos
sem ver nada, como os insetos que buscam a luz. Se acendermos uma luz,
ela chamará os insetos, que a ela se dirigem, sem psicologia. Ao dançar
de olhos fechados perde-se uma parte essencial do corpo, mas ao mesmo
tempo, algo diferente é reconhecido. Ele conta que teve um cachorro que
morreu de olhos abertos e translúcidos. E que a partir de então, aquele foi o
olhar que passou a interessar-lhe para criar a dança. O olhar realista e o olhar
teatral não serviam mais. Ohno buscava o olhar de morto. Quando se entra
em contato com essas metáforas, existe um grande risco de desentendimen-
tos e elucubracões. Não se trata de um “vale tudo”. Matar o corpo para criar
uma dança significaria matar a submissão da expressão do corpo à vontade
de um sujeito, sem o reconhecimento de que o corpo é um sistema e as suas
conexões com o ambiente são decisivas, como a luz para o inseto.
O butô não nasce da clausura de um sujeito dentro de si mesmo.
A platéia precisa elaborar outro padrão de escuta e de olhar para estabelecer
uma conexão e reconhecer a complexidade envolvida nos movimentos que
se dão a ver. Isso porque não há interpretação de coisa alguma. A represen-
tação é sempre precária. O que dá a ignição é o que dança.
Bibliografia
Dorothy Lenner
Tokyogaqui, 2008
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As artes japonesas no Brasil
Passaram-se 100 anos desde a chegada dos primeiros japoneses a bordo
do navio Kasato Maru, e 42 anos desde que os meus pés pisaram pela
primeira vez o porto de Santos, após quase 40 dias de enclausuramento na
embarcação Cerejeira, o Sakura Maru.
Tudo era diferente aos meus olhos infantis: os cachos de banana eram
assustadores para quem via a metade de uma banana servida no prato; os
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abraços e beijos intimidavam, por eu não estar habituada ao contato pele a
O Ma
Há certas coisas na vida que não se explicam ou a linguagem verbal não
se presta a esclarecer suficientemente. O Ma, uma noção peculiar da cultura
japonesa, faz parte desse universo, cujo entendimento se realiza, essen-
cialmente, por meio da intuição, do corpo, e, portanto, da vivência. É uma
idéia “não conceitual”, algo que todos sabem o que é, mas não conseguem
explicar, quando lhes perguntam. No entanto, ela faz parte do cotidiano do
povo japonês. A existência desse pensamento num país nipônico justifica-
se pelo não-enraizamento da lógica cartesiana e pela ampla adoção de um
conhecimento baseado em múltiplos sentidos, sem limitar a sua aquisição
ao domínio da visão.
É um tipo de cognição denominado “texto não-verbal” pela semioticista
Lucrécia D’Alessio Ferrara (2007), isto é, aquilo que “se apresenta diluído
no cotidiano”, que “nada impõe à nossa atenção” ou que “é mudo porque
não agride a nossa atenção”. É difícil apreendê-la, principalmente quando se
tenta fazer isso por meios lógicos, mas ela é acessível através de “um olhar
tátil, multissensorial e sinestésico”. Pelo seu dinamismo, exige “uma leitura,
senão desorganizada, pelo menos sem ordem preestabelecida, convencional
ou sistematizada”.
Apesar dessa inefabilidade, o espaço-tempo Ma é reconhecido natural-
mente pelos japoneses no seu dia-a-dia e encontra-se, inclusive, inserido na
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própria linguagem. A expressão Manuke (composta de dois ideogramas que
As artes japonesas no Brasil
A Espacialidade Ma
O Ma torna-se verbalizável no momento em que ele aparece no mundo,
estado esse que será denominado Espacialidade Ma. Quando Ma se faz repre-
sentável ou concretamente visível no mundo da existência, aparece como um
“espaço-entre” e ganha manifestações múltiplas: intervalo, passagem, pausa,
não-ação, silêncio, etc. Essa semântica é identificada na própria composição
do ideograma Ma , que se constitui de duas portinholas, através das quais,
no seu entre-espaço, se avista – o sol ( ).
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(Ma) (portinhola) (sol)
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transparência e opacidade.
A decisão de colocar a protagonista num “entre-lugar” – por tratar-se de
uma japonesa que mora em Hong Kong, cidade chinesa sob domínio do
império colonial britânico, paradigma ao mesmo tempo, do imperialismo
e do cosmopolitismo – traz ao filme a possibilidade de trabalhar com uma
variedade e riqueza de cruzamentos culturais que podem unir a cultura
chinesa, japonesa e as influências ocidentais. A história mistura o drama
japonês dos amantes suicidas – aliás, considerado o Shakespeare japonês
– junto com o drama shakespeareano Romeu e Julieta, e mais alguns
toques característicos do imaginário de Greenaway. Os cruzamentos, então,
são efetuados em diversos níveis da diégese, e as referências e intertextos
propostos vão-se multiplicando. Todos os recursos contribuem para criar
uma representação atual de historias, imagens, dramas e tradições culturais
do Extremo Oriente, junto com a tradição ocidental do orientalismo e o
japonismo, criando uma obra feita a partir de superposições, no dispositivo
e na narrativa.
O segundo exemplo, Tokyo-Ga (1985) de Wim Wenders, é um documentário
inspirado num filme de ficção. Também podemos mencioná-lo como um
filme situado num “entre-lugar” mais próximo da dinâmica de um mundo
globalizado e midiatizado. O filme Tokyo Monogatari (1953), de Yazuhiro
Ozu, é o enquadramento escolhido por Wim Wenders para seu diário
filmado, Tokyo-Ga, uma reflexão em imagens e sons sobre o Japão dos
filmes de Ozu em relação ao Japão dos anos oitenta, e o olhar de um cineasta
estrangeiro seguindo os passos de um mestre do cinema, procurando os
pequenos segredos num território que pendula entre uma citação de Tokyo
Monogatari e um outro voltado à Tóquio contemporânea.
Num esquema de palimpsesto cinematográfico o filme percorre duas
Tóquios: a documentada por Ozu e a do próprio Wenders. Naquela
documentada por Wenders há uma ambivalência que merece ser estudada.
Afinal, o filme de Ozu é considerado realidade documentada ou ficção? De
fato, trata-se de um documentário inspirado em um filme de ficção. Neste
“entre-lugar” de gêneros cinematográficos, do Oriente mítico de Ozu e o
Oriente moderno e ocidentalizado de Tóquio há basicamente imagens e
reflexões sobre essas imagens, em uma mistura de fascínio e decepção. Há
uma idéia do Oriente, especificamente do Japão, nas imagens dos filmes de
Ozu, que entra em conflito com o Oriente do documentarista. De fato, a busca
de Wenders é pelas imagens transparentes dos filmes de Yazuhiro Ozu, razão
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pela qual, então, o status da busca mimética da realidade é substituído pela
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cartaz filme
The Pillow Book, 1996 (França/Inglaterra/Holanda/Luxemburgo) Direção: Peter Greenway
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um mínimo esforço para entender o outro e sua cultura, para estudar sua
complexidade e seus signos, para decodificar as matrizes culturais do outro e
buscar nelas aquilo que pode ser aplicado e absorvido. Enfim, quando critico
quero questionar essa visão orientalista como uma moda justificadora de
atos sem nenhum suporte na realidade do outro ou sem o entendimento das
matrizes culturais geradoras de significação.
Sem o propósito de estender-me, entendo aqui que matrizes culturais
geradoras, como Iuri Lotman e a Escola de Tártu2, semioticistas russos,
entendem os sistemas modelizantes da cultura. Sistemas semióticos mod-
elizantes criam matrizes de “valor” semiótico que atuam como elementos
gerados de significação.
Feito esse parêntese, é hora de falar mais detalhadamente da obra desses
artistas. Em Walter Hugo Khouri, a influência da cultura japonesa sobre
sua obra é clara em alguns momentos, principalmente no tratamento do
tema. Renato Pucci, que estuda a obra de Walter Hugo Khouri,3 destaca que
vários críticos consideram os filmes de Khouri como cinema filosófico. Mas,
na verdade, trata-se de filmes não baseados no verbal, mas nas questões
filosóficas e visões do mundo através da narrativa cinematográfica. O que
Khouri faz é um cinema de idéias, um cinema que se realiza através do uso de
conceitos abstratos para expressar uma visão pessoal e discutir pensamentos
filosóficos. Na obra de Khouri, a representação da angústia existencial e
da busca por transcendência, por exemplo, apresenta-se misturada a um
erotismo quase sempre levado ao limite e a uma sexualidade às vezes crua.
Pucci destaca um diálogo que acontece nas seqüências finais de Noite
Vazia (1964). É entre Luiz (Mário Benvenutti) e Nelson (Gabrielle Tinti)
acerca do próximo encontro com outras mulheres para a noite seguinte.
Nesse diálogo é ressaltado, segundo Pucci, o erotismo e a sexualidade
ligados a uma questão existencial da infinitude do desejo. Depois daquela
noite que terminou em mesmice (como todas as noitadas anteriores), nota-
se aí a repetição de excitação e decepção. “De um lado, o sexo serve à
diversão, ao encobrir o tédio que sempre ameaça tomar conta dos espíritos;
de outro, surge como esperança de apaziguamento da angústia existencial,
sob a condição de que seja encontrada uma mulher extraordinária”.4
Logo no começo de Noite Vazia (1964), ainda na busca de Luiz e Nelson
por mulheres na noite paulistana, eles param num restaurante japonês e lá
encontram as duas prostitutas com quem passariam aquela noite. Embora
aí já se possa identificar uma referência ao gosto de Khouri pelo cinema
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japonês, não é isso o que marca a filiação desse filme a ele. Nem mesmo a
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cartaz filme
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Arquitetando pensamentos
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??????????????????????
Tokyogaqui, 2008
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Instantâneos
Marcelo Moraes
Tokyogaqui, 2008
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KUU (Vazio)
Yoshito Ohno
Tokyogaqui, 2008
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