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“Reversão” é o termo nativo para caracterizar aqueles que fazem o movimento de adesão ao Islã em suas
vidas, pois, de acordo com o alcorão, considera-se que todos seres humanos já nascem muçulmanos (que em sua
significação se refere a “submisso a Deus”) e que as relações históricas e sociais podem alterar o caminho
religioso a seguir. Portanto, quem adere ao Islã, volta a ser muçulmano. Em algumas mesquitas no Brasil, como
continua reverberando - de tal maneira a me questionar qual Antropologia me coloco a fazer
conjuntamente com o grupo que participa da pesquisa e para que ela serve.
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O ‘lado de cá do mundo’, visto por essas pessoas como Ocidente, foi em muito
influenciado pelas representações e interpretações advindas de países europeus e, também,
dos Estados Unidos da América (EUA) - por exemplo, os eventos do dia 11 de setembro de
2001, em Nova York, foram um marco para a atualização de como a religião muçulmana e
povos do Oriente Médio, de maneira exageradamente generalizada, seriam vistos pelo
ocidente. Edward Said, pensador e ativista palestino, considerado um “clássico” dentro dos
estudos pós-coloniais juntamente com Albert Memmi, Aimé Césaire e Frantz Fanon2, em sua
obra mais famosa “Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente” (2007), propõe uma
análise sobre o modo de pensar e produzir conhecimento orientalista como “[...] um modo de
abordar o Oriente que tem como fundamento o lugar especial do Oriente na experiência
ocidental europeia.” (p.27).
Desde o século XIX com a expansão colonial europeia, passando pelo período da
Segunda Guerra Mundial em que o imperialismo estadunidense ganhou força e conheceu
outros continentes, os países e povos considerados orientais têm uma imagem e um
conhecimento que é produzido sobre si por outros. Assim, de acordo com Said, o Oriente
“ajudou” a definir o ocidente como imagem, experiência, idéia e personalidade contrastante.
Mas não é como se esse Oriente fosse imaginado. O Oriente é parte integrante da cultura
material e da civilização europeia. Nas palavras do autor, “o orientalismo expressa e
representa essa parte em termos culturais e mesmo ideológicos, num modo de discurso
baseado em instituições, vocabulário, erudição, imagens, doutrinas, burocracias e estilos
coloniais” (p.28).
A produção de conhecimento orientalista, portanto, se trata de uma dentre outras
formas de conhecimento que compõem - ou, pelo menos, compuseram por longos anos - a
estrutura epistêmica do mundo moderno. Ramón Grosfoguel, sociólogo porto-riquenho, em
seu artigo “A estrutura do conhecimento nas universidades ocidentalizadas: racismo/sexismo
epistêmico e os quatro genocídios/epistemicídios do longo século XVI” (2016), argumenta
em São Paulo, este é o termo utilizado (Ferreira, 2009), e em outras, como no Rio de Janeiro (Barros, 2013) o
termo é “conversão”. Em Barretos consideram a reversão;
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Ver em Ballestrin (2013).
que o Ocidente possui um privilégio epistêmico construído a base de genocídios e
epistemicídios dos sujeitos coloniais. O autor destaca quatro situações coloniais que
influenciaram a estrutura de conhecimento propagada e tida como hegemônica no Ocidente:
os genocídios/epistemicídios contra judeus e muçulmanos na região de Al-Andalus, contra
povos nativos das Américas, contra povos nativos na África e a escravização dos mesmos nas
Américas e, contra mulheres europeias consideradas ‘bruxas’.
Uma grande provocação que Grosfoguel desenvolve é sobre o porquê de, na
universidade ocidentalizada, - e, assim, podemos falar das universidades brasileiras e a
produção de conhecimento dentro das Ciências Sociais - a base de questões e problemas
sociais que julgamos ser cânone para nossas análises seja fundamentada no conhecimento
produzido por homens brancos de países da Europa Ocidental (Itália, França, Alemanha e
Inglaterra) e dos Estados Unidos da América. E acrescenta:
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Lila Abu-Lughod (2012) acrescenta à teoria "antiorientalista", podemos assim chamar, nos incentivando a
repensar o papel da Antropologia enquanto uma ciência frente às ocupações e intervenções colonialistas e
imperialistas. Sua análise sobre como as lideranças mundiais interpretam se as mulheres muçulmanas precisam
realmente de salvação, ao repensar a justificativa de intervenção e ocupação ocidental no Afeganistão após os
eventos de 11 de setembro. Assim, questiona a comunidade acadêmica antropológica e nota que a mesma
ofereça apoio crítico para desenvolver uma avaliação das diferenças entre as mulheres no mundo, pois são
produtos de diferentes histórias, culturas e de manifestações de desejos e compreensão de mundo estruturados
de maneiras distintas.
também deve seguir o mesmo caminho. Como exemplo, a comunidade é responsável por um
trabalho de disseminação da religião na região, com intuito de aproximá-la com o contexto
em que está inserida. Assim iniciaram a atividade de divulgação por meio de palestras na
língua portuguesa, publicação de artigos em jornais, vídeos publicados nas mídias e redes
sociais, atraindo a atenção de brasileiros não-muçulmanos que se mobilizaram para conhecer
o Islã. Na mesquita, os rituais realizados em árabe são acompanhados de um sermão
traduzido em português.
Neste movimento, podemos nos remeter novamente à discussão de Said (2007). O
Islã, a partir dos olhos ocidentais, é visto como uma religião do Oriente, do distante e que
comumente se associa a organizações influenciadas pelo “terrorismo”. Quando movimentos
atuam de tal maneira no Brasil, objetivam aproximar o Islã do contexto em que está inserido,
longe de territórios árabes-orientais, trata-se de um movimento que propõe uma
contraposição ao orientalismo, justamente por disseminar os preceitos islâmicos de maneira a
torná-los familiares. Portanto, se a maioria dos cidadãos da cidade de Barretos e do Brasil são
cristãos, ou pelo menos educados em uma moral ocidental, moderna, secular e
majoritariamente cristã, se observa um conjunto de ações que objetivam distanciar o
etnocentrismo do olhar em relação àqueles que seguem a religião muçulmana.
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O autor sinaliza que a vivência do etnógrafo engloba as ações de andar, ver e escrever.
Assim,
Nascimento faz menção à Glória Anzaldúa (2012) para explicitar sobre a maneira
mestiza de se fazer Antropologia. Segundo Anzaldúa, uma perspectiva mestiza se desvencilha
de formações habituais de pesquisas antropológicas que partem da racionalidade e buscam
uma universalidade e convergência de formas de pensar; isso caracteriza o modo ocidental de
produção de conhecimento. A mestiza propõe a coexistência e a mistura de pensamentos
divergentes, visando uma perspectiva mais completa, uma que inclui as epistemologias
marginalizadas, em vez de excluí-las.
ANZALDÚA, Gloria. Borderlands/La Frontera – The New Mestiza. San Francisco, Aunt
Lute Books, 2012.