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Notas para a compreensão dos classicos

A antropologia é compreendida como o estudo da diferença, da alteridade, na


qual busca observar o outro dentro de uma sociedade. Em um primeiro momento, em
meados do século XVIII, início do século XIX a disciplina baseava seus conhecimentos
a partir da escola evolucionista, e esta era composta pelos teóricos que ficaram
conhecidos como os antropólogos de gabinete, pois estes utilizavam de relatos e escritos
de viajantes e missionários para a compreensão da diversidade humana, sem necessitar
da visita ao campo para construir suas reflexões. Essa escola pensava a história com um
contexto linear, ou seja, como um processo único de evolução humana, tomando a sua
sociedade como sendo a civilizada e que serviria de parâmetro para analisar todas as
outras.
A escola evolucionista está localizada na colonialidade, e acreditava num
progresso unilinear para todas as sociedades, sendo essa sua hipótese central. Teve
como expoentes Herbert Spencer (1820 – 1903), Lewys Henry Morgan (1818 – 1881) e
James George Frazer (1854 – 1941), cada qual a seu modo de percepção. Morgan e
Frazer eram advogados e estavam em busca de encontrar o que seria uma espécie de
marco zero do direito, nesse sentido, eles queriam saber o quê que era a nossa
sociedade, antes de se tornar o que era no tempo em que eles pesquisavam, ou seja, uma
sociedade com governo, constituição, entre outros aspectos. Nesse sentido, pegavam
sociedades por eles chamadas de primitivas e colocavam como se fossem ancestrais das
sociedades europeias, criando a teoria evolucionista.
Morgan, pensa a partir da concepção de três estágios de desenvolvimento de
uma sociedade considerando: a selvageria, que seria composta pelos caçadores e
coletores; a barbárie, composta pelos que praticavam a cerâmica, a agricultura e poderia
saber utilizar o ferro; e o civilizado, que seria quando se alcançava o grau máximo do
desenvolvimento tendo o domínio do alfabeto e da escrita. Para fazer a classificação dos
grupos sociais estudados, esses pensadores pensavam a partir de algumas questões que
levavam em consideração as formas de subsistência, as formas de governo, a
linguagem, a noção de família, religião, as características arquitetônicas dos locais onde
estavam inseridos e qual seria a noção de propriedade privada.
A escola evolucionista ou o método comparativo, acima brevemente
apresentado, é alvo de críticas por diversas escolas posteriores. Nessa perspectiva, as
contribuições de Frans Uri Boas (1858 – 1942) foram muitas e expressivas, cria outras

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possibilidades diante do que já vinha sendo feito até a sua época. Se amparava em
concepções defendidas pela escola de antropologia americana, da qual fazia parte,
respaldada nas ideias do particularismo histórico cultural.
Ele iniciou seus estudos aos dezenove anos e não parou mais. Passou pela física,
tendo pensado a partir de óticas da psicofísica, migrou para o campo da geografia,
estudou antropologia física e nesse caminho foi criando suas próprias rotas de acordo
com as oportunidades que lhe foram apresentadas, suas buscas o levaram a deixar o
legado teórico que hoje estudamos. Viveu 84 anos ativamente. Seus estudos foram em
campos abrangentes e não essencialmente formulou grandes teorias, mas concebeu
bases para, de forma fundamental, concretizar mudanças importantes nas gerações
posteriores, na perspectiva de pensar o outro a partir de sua própria cultura e não mais
da centralidade do eu. Seu legado é digno de grande estima e influenciou algumas novas
escolas de antropologia como a escola de cultura e personalidade que teve o papel ativo
de expoentes como Ruth Benedict e Margareth Mead, que foram suas alunas.
Franz Boas fez pesquisa de campo pensando a perspectiva cuturalista, e é
considerado o pai da escola de cultura. Após os seus trabalhos, muitos aspectos diante
da compreensão do universo da cultura se modificou. Nesse sentido, pode ser
compreendido como um marco na transformação do pensamento no mundo da
antropologia, conforme comenta o Celso Castro, na apresentação da obra de Franz Boas
publicada no Brasil:
A concepção boasiana de cultura tem como fundamento um
relativismo de fundo metodológico, baseado no reconhecimento de
que cada ser humano vê o mundo sob a perspectiva da cultura em que
cresceu - em uma expressão que se tornou famosa, ele disse que
estamos acorrentados aos "grilhões da tradição". (Castro, 2006, p. 18)

A partir de Boas, pensar sob a ótica da cultura se tornaria o fundamento para


observar as diferenças existentes na formação das sociedades, possibilitando estudos
detalhados das particularidades de cada povo sem comprometimento com hierarquias.
O momento histórico em que o autor desenvolve seu pensamento ainda está
situado na colonialidade, com os estudos evolucionistas, que ele critica e vai em busca
de construir novas perspectivas teóricas. Nesse momento, as teorias raciais estavam
baseadas em concepções que pensavam a miscigenação como algo que gerava a
degenerescência, havia uma inclinação ao branqueamento social por meio da

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higienização pela genética, assim, as teorias raciais faziam parte do paradigma
evolucionista e se configurava como uma condição para pensar a diversidade humana.
Contudo, para Franz Boas, a teoria racial não estava dando conta de explicar a
diversidade humana, para ele a pesquisa antropológica precisava pensar a partir do
contexto. Nesse sentido, o contexto é que gera a diversidade, e esse não é apenas uma
criação, um fenômeno da natureza, mas um esforço para diferenciação social, outrora
colonial. Desassociado das concepções que relacionavam raça e cultura como algo
biológico, ele está se contrapondo a ideia de pureza racial e à escola evolucionista.
O estudioso propõe um novo método para pensar a diversidade humana, onde
estão relacionados a cultura, a língua, a raça, a localidade, ou seja, o contexto da
sociedade que se estuda. Nesse sentido, ele propõe o método indutivo, no qual consiste
num método histórico que tem preocupação com a mente humana, e que esta não
obedece a leis universais, como preconizava o evolucionismo, assim ele faz uma ruptura
com tal corrente. Nesse sentido, Franz Boas discorre que:
Quando esclarecemos a história de uma única cultura e
compreendemos os efeitos do meio e das condições psicológicas que
nela se refletem, damos um passo adiante, pois podemos então
investigar o quanto essas ou outras causas contribuíram para o
desenvolvimento de outras culturas. Assim, quando comparamos
histórias de desenvolvimento, podemos descobrir leis gerais. Esse
método é muito mais seguro do que o comparativo, tal como ele é
usualmente praticado, porque, em lugar de uma hipótese sobre o modo
de desenvolvimento, a história real forma a base de nossas deduções.
(Boas, 2006. p.37).

Ele critica a ideia de que traços culturais tenham sido desenvolvidos em um só


lugar e difundida para o todo. Para ele, a cultura é dinâmica, plástica e mutável, sendo
assim, cada experiência cultural pode estar atrelada a fatores culturais diferentes. Nesse
sentido, após suas reflexões, a cultura passa a ser compreendida no campo da
pluralidade, tida como algo que é dinâmico e que se adapta ao contexto.
Ao se deparar com a pluralidade na perspectiva de observar o desenvolvimento
humano e seus aspectos culturais, os estudos de Boas nos possibilitou perceber que, por
exemplo, as contradições históricas, as particularidades climáticas, linguísticas, entre
outros aspectos precisavam ser reparados para se apreender noções sobre uma
determinada cultura.

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Outra contribuição muito importante foi a sua percepção a respeito da forma de
organização social de cada povo, sendo esta influenciada pela sua cultura, construída
diante de uma organização própria das relações entre si, e não como algo inato como se
pensava anteriormente.
Para ele, cada cultura tem suas características próprias, especificas, singulares e
que estão relacionadas ao seu próprio contexto. Assim, seus estudos deram margem para
se pensar uma interpretação que considera o indivíduo e sua relação com a própria
cultura, para a construção de noções compreendidas não apenas pensando a partir de um
todo coletivo.
O autor foi um dos precursores da perspectiva do relativismo cultural, fazendo
assim uma importante ruptura na centralidade do pensamento evolucionista. Conforme
podemos perceber em seus escritos:
O método histórico atingiu uma base mais sólida ao abandonar o
princípio enganoso de supor conexões onde quer que se encontrem
similaridades culturais. O método comparativo, não obstante tudo o
que se vem escrevendo e dizendo em seu louvor, tem sido
notavelmente estéril com relação a resultados definitivos. Acredito
que ele não produzirá frutos enquanto não renunciarmos ao vão
propósito de construir uma história sistemática uniforme da evolução
da cultura, e enquanto não começarmos a fazer nossas comparações
sobre bases mais amplas e sólidas, que me aventurei a esboçar. (Boas,
2006. p.39.)

Diante do exposto, é possível considerar Boas como pioneiro no método


etnográfico, pois suas experiências no campo foram realizadas com critério de
observação participante trinta e nove anos antes de Malinovski, contudo foi este quem
cunhou o termo. É importante comentar ainda que, apesar de reconhecer a importância
do método difusionista, Boas o criticou, dentre outros aspectos, em relação a
construções generalistas para explicar a complexidade do homem e das manifestações
sociais e culturais, ou seja pela limitação de acreditar que é do centro que se emana para
o todo.
Na perspectiva difusionista, havia influência de um certo determinismo cultural,
já o evolucionismo se difere desta escola também no sentido de que pensava a cultura
como algo resultante da natureza, ou seja, a cultura relacionada a uma espécie de
herança psíquica do homem.

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Nesse sentido, consideramos pensar a respeito do funcionalismo, escola que
proporcionou uma nova orientação para a antropologia, e que se difere do
evolucionismo e do difusionismo, escolas as quais estariam mais preocupadas com a
origem das sociedades e os problemas das transformações socioculturais. Nesse sentido,
o funcionalismo preconizava a explicação do funcionamento de uma determinada
cultura relacionada ao tempo, buscando assim explicar fenômenos do passado a partir
do olhar comparativo no presente, articulando perspectivas entre o social, o psicológico
e o biológico.
O funcionalismo vai se desenvolver pensando a sociedade a partir da concepção
de um sistema integrado e coerente diante das relações sociais, ou seja, um sistema
complexo permeado por funções especificas que assegura singularidade. Assim, é
possível perceber que o funcionalismo se inspira em métodos das ciências naturais, que
se assemelha a perspectivas de estudos como, por exemplo, pensado por Émile
Durkheim (1858 – 1971).
Durkheim foi um dos grandes expoentes da escola francesa de sociologia, que
pensava a ciência sociológica a partir do estudo dos fatos sociais. Para ele, a sociedade
era concebida como um organismo vivo, onde cada ser humano exerce seu papel para o
seu bom funcionamento. Os fatos sociais direcionam a forma de agir, pensar e sentir,
criando regras e normas coletivas para a vida em sociedade.
Três aspectos importantes para a compreensão dos fatos sociais são: a coerção, a
exterioridade e a generalidade. A coerção está relacionada a compreensão de que o fato
social tem poder coercitivo sobre o indivíduo, assim todos precisam seguir as normas e
regras que se apresentam. A exterioridade, está relacionada ao fato de que essas regras
são criadas pela coletividade e não de forma isolada pelo indivíduo. E a característica da
generalidade está relacionada a condição de que os fatos sociais existem em todas as
sociedades, contudo, não de maneira semelhante, pois compreende a diversidade do
grupo, período e localidade em que se insere.
Para Durkheim, os fatos sociais são aprendidos por meio da educação, ou seja,
as pessoas não nascem sabendo a forma de se comportar em sociedade, elas vão
aprendendo os hábitos, sentimentos e comportamentos necessários para se viver em
sociedade. O autor pensava a partir da compreensão da solidariedade como maneira de
convivência na sociedade. Nesse sentido, a solidariedade compreendia a divisão social
do trabalho, que exercia uma função social, podendo ser ela solidariedade mecânica ou
orgânica.

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Para o autor, nas sociedades onde prevalece a solidariedade mecânica, os
indivíduos compartilham de uma consciência coletiva comum, tem identificação
familiar, religiosa e de costumes, e de certa forma as pessoas são autônomas em relação
a divisão social do trabalho. Essa forma de convivência social pensada por meio da
solidariedade mecânica é mais comum em sociedades menos desenvolvidas, de acordo
com o teórico. Para ele, nas sociedades onde prevalece a solidariedade orgânica, há uma
maior especialização do trabalho, com possibilidades de autonomia pessoal e uma
menor significação da consciência coletiva. Nesses termos, os indivíduos são
interdependentes e integrados na sociedade, caracterizando um comportamento mais
comum às sociedades modernas.
Nesse sentido, a percepção da sociedade a partir da dimensão da solidariedade
compara o funcionamento da sociedade ao de um organismo humano, onde cada órgão é
especializado e exerce um tipo de função. Nesse sentido, a solidariedade seria a
conexão, a maneira de convivência social.
O funcionalismo como escola antropológica vem sendo gestada desde o início
do século XX, mas teve grande destaque a partir de 1930 com os estudos propostos por
Bronislaw Malinowski (1884 -1942), em especial, nas Ilhas Trobriand. Além de
Malinowski, outro nome de destaque na Inglaterra foi o antropólogo Radcliffe-Brown
(1881 – 1955). É importante aferir que os trabalhos desses dois antropólogos entregam
uma espécie de reação positiva aos aspectos do pensamento evolucionista acerca da
sobrevivência de determinados aspectos culturais. Ou seja, compreendia e considerava
aquilo que ultrapassava tempos e permitia relacionar o passado e o presente, como
heranças do costume, algo que não ocorria por obra do acaso, mas como uma
sobrevivência de um tempo já decorrido.
É importante destacar que a escola funcionalista orientada pelos britânicos tinha
interesse aos trabalhos de campo, tornando esta maneira de pesquisa como algo
essencial para a formação do antropólogo, e em algumas Academias, como uma espécie
de trabalho com caráter de estagio, o que se contrapõe mais uma vez a escola
evolucionista que previa trabalhos a partir de uma antropologia tida como de gabinete.
Nesse sentido, o trabalho de campo era visto quase como uma exigência-ritual.
Para Malinowski a compreensão da natureza humana estava relacionada a
determinismos de cunho biológico, que colocaria para toda a civilização humana e aos
indivíduos a realização de funções corporais essenciais como respirar, dormir, comer, se
relacionar, dentre outros. A compreensão da função como satisfação das necessidades

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básicas humanas está muito presente nos estudos deste autor. Para ele era preciso se
estabelecer concepções básicas norteadoras para o funcionalismo em relação a cultura.
Nesse sentido, podemos conferir alguns aspectos de sua reflexão enfatizando que
a cultura foi observada como forma de auxiliar o ser humano a lidar com as situações de
seu cotidiano, ou seja, sanar suas necessidades e atividades, direcionando o indivíduo a
traçar meios para se alcançar o fim determinado. Assim, a cultura é pensada como sendo
parte integral e interdependente da vida humana, necessitando da cooperação entre as
atividades sociais e as instituições para que sua dinâmica seja observada na amplitude
das instancias da vida social.
Para a escola funcionalista britânica era preciso criar um aparato metodológico
que auxiliasse no trabalho de campo, nesse sentido foi estabelecido a instituição como
unidade básica de análise. As instituições seriam, por exemplo, a família, a escola, o
governo (entre outros) e estas instituições teriam funções especificas e necessárias ao
funcionamento e desenvolvimento da sociedade e, se de alguma forma estas perdessem
sua função a tendência seria o desaparecimento.
A partir dessa perspectiva de analise, de acordo com Malinowski, a função seria
a satisfação das necessidades básicas, sendo assim, o funcionalismo estaria disposto a
uma elucidação voltada para a compreensão das metas, objetivos e fins na vida social.
Nessa direção, Malinowski em sua obra clássica “Os argonautas do pacifico ocidental”,
faz uma síntese técnica do que viria a ser a pratica antropológica, a partir da observação
participativa, ele sintetiza e organiza tal método. Para ele o etnógrafo deveria apreender
o ponto de vista do nativo, ou seja, observar a sua interação social, participar e ter a
capacidade de levantar novas indagações a respeito do que foi coletado. Na observação
participante, tudo deveria ser registrado pelo etnógrafo.
Para a compreensão do método da observação participativa de Malinowski,
destaco alguns aspectos apontados pelo autor na introdução de sua obra clássica:
É enorme a diferença entre o relacionar-se esporadicamente com os
nativos e estar efetivamente em contato com eles. Que significa estar
em contato? Para o etnógrafo, significa que sua vida na aldeia, no
começo uma estranha aventura por vezes desagradável, por vezes
interessantíssima, logo assume um caráter natural em plena harmonia
com o ambiente que o rodeia. Pouco depois de me ver fixado em
Omarakana (ilhas Trobriand), comecei, de certo modo, a tomar parte
na vida da aldeia; a antecipar com prazer os acontecimentos

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importantes e festivos; assumir um interesse pessoal nas
maledicências e no desenvolvimento de pequenos acontecimentos na
aldeia; a acordar todas as manhas para um dia em que as minhas
expectativas eram mais ou menos as mesmas que as dos nativos.
(Malinowski, 1976, p.25).

Malinowski era funcionalista, então tinha sua percepção fundamentada numa


concepção naturalista da cultura, estando esta relacionada a fenômenos fisiológicos. Ele
critica a arbitrariedade com a qual a escola evolucionista faz escolha de
comportamentos isolados dos nativos para estudar a sociedade, fazendo um
desmembramento em aspectos isolados e organizando-os em categorias, tendo como
base a sua própria sociedade. Assim, sua crítica caminha pela compreensão de que os
elementos culturais não podem ser desmembrados, mas precisam ser observados a partir
do todo cultural.
Apesar de Malinowski ser funcionalista, ele tem uma tendência ao
individualismo, o que diverge um pouco de Radcliffe-Brown, outro importante teórico
expoente do funcionalista britânico, que utilizava de perspectivas da sociologia para
desenvolver suas ideias em relação a estrutura social, seguindo os passos de Émille
Durkheim.
Para Radcliffe-Brown, “O conceito de função aplicado a sociedades humanas
baseia-se na analogia entre vida social e vida orgânica” (p. 220). Desse modo, sua
compreensão sobre estrutura passa pelo entendimento do organismo humano como um
sistema, um processo onde existe diversas relações entre entidades sociais, interações
estas que constituem um organismo que é a vida, fazendo analogias a estrutura de
células que estão unidas dentro de um sistema orgânico. Como podemos observar nos
trechos que se seguem, grifos meus:
(...) o organismo não é em si a estrutura; é um acumulo de unidades
(células e moléculas) dispostas numa estrutura, isto é, numa série de
relações; o organismo tem uma estrutura. (...) A estrutura deve ser
pois definida como uma serie de relações entre entidades. (A estrutura
de uma célula é, no mesmo sentido, uma serie de relações entre
moléculas complexas, e a estrutura de um átomo é uma serie de
relações entre elétrons e prótons). Na medida em que vive, o
organismo mantém certa identidade de suas partes constituintes.
(Radcliffe-Brown, 1973, p. 221).

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Seguindo a linha de seu pensamento, tendo compreendido a estrutura, repara-se
que o significado de função está associado a concepção de uma estrutura permeada por
encadeamentos de relações entre as entidades sociais, que unidas, mantem a
continuidade da estrutura dentro do processo vital constituída por atividades que
integram e proporcionam a atividade total social. Nesse sentido, tomemos o autor para
uma melhor visualização de suas perspectivas:
Como a palavra função está sendo empregada aqui, a vida do
organismo é concebida como o funcionamento de sua estrutura. É
mediante a continuidade do funcionamento que a continuidade da
estrutura se mantem. (...) O conceito de função tal como é aqui
definido implica, pois, a noção de uma estrutura constituída de uma
série de relações entre entidades unidades, sendo mantida a
continuidade da estrutura por um processo vital constituído das
atividades das unidades integrantes. (Radcliffe-Brown, 1973, p. 221,
223).
Radcliffe-Brown é um dos percussores da escola funcional estruturalista e se
baseia em princípios da escola social francesa, especialmente no pensamento de
Durkheim. Ele acredita que a sociedade pode mudar sua estrutura com facilidade, mas
sem grandes problemas comparando-a com um organismo biológico.
Para Radcliffe-Brown, a antropologia é considerada uma ciência natural, e a
função seria um mecanismo que o antropólogo tem para verificar a estrutura, ou seja,
ver empiricamente a organização social e criar uma estrutura de vida. Nesse sentido, há
uma interdependência sistemática dos fenômenos sociais, demostrando assim uma clara
analogia com a biologia. A estrutura seria a vida e uma forma indutiva para pensar a
totalidade, nessa perspectiva o indivíduo não é alvo de interesse, mas sim a estrutura
social da qual faz parte. Esse posicionamento teórico de Radcliffe-Brown cria uma
polemica com Malinowski que pensava a partir do sujeito.
Diante do exposto, podemos dizer que o funcionalismo procura se afastar de
uma concepção totalitária e mais fechada da ciência, em busca de se diferenciar, como
já mencionado, do difusionismo e do evolucionismo.
Para a escola, a realização das funções está disposta para efetivarem a
necessidade de existência de relações entre as entidades, nesse sentido, fica perceptível
que há uma certa aspiração da construção de uma perspectiva de estrutura que tenha
validade universal, ao mesmo tempo que dialoga com condições abstratas e concretas

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que estão no seu entorno. Essa perspectiva de pensamento representou uma inovação na
época, sendo possível dizer que o funcionalismo traz uma novidade para os estudos
antropológicos que parte da possibilidade de a Europa ser deslocado do lugar de centro
de referência de estudos, pensando como campo uma sociedade racional de acordo com
as perspectivas etnocêntricas.
Assim, a partir do funcionalismo percebe-se que a sociedade não está mais sendo
colocada numa escala evolucionista, mas numa busca de relacionar-se com o cientista
do humano, colocado por esses pensadores como nativos. Nesse sentido, uma das
grandes contribuições herança dessa escola, foi o trabalho de campo como uma
possibilidade de abordagem comparativa entre os fenômenos culturais distintos aptos a
fazer uma análise sobre determinada cultura a partir da observação de seus aspectos e
instituições.

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