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ANDRAGOGIA

E EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL

Pablo Bes
Revisão técnica:
Marcia Paul Waquil
Graduação em Serviço Social (PUCRS)
Mestrado em Educação (PUCRS)
Doutorado em Educação (UFRGS)

B554a Bes, Pablo.


Andragogia e educação profissional / Pablo Bes. – Porto
Alegre : SAGAH, 2017.
102 p. : il. ; 22,5 cm.

ISBN 978-85-9502-182-2

1. Andragogia. 2. Educação profissional. I. Título.


CDU 374.7

Catalogação na publicação: Poliana Sanchez de Araujo – CRB 10/2094

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Orientações curriculares
para a andragogia
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Problematizar o conceito de currículo e a educação de jovens e adultos.


 Articular o currículo andragógico (EJA e educação profissional) com
a cultura.
 Identificar os temas fundamentais para a EJA.

Introdução
Para toda a modalidade de ensino, é necessário planejar e organizar os
conhecimentos que serão disponibilizados para que se cumpram as
finalidades da educação escolarizada. Para a educação de jovens e adultos
não é diferente, mas você sabe como são selecionados e articulados os
conteúdos a desenvolver para este público específico?
Buscando responder a esta pergunta, este texto aborda como o currí-
culo escolar deve ser constituído para atender à especificidade dos jovens
e adultos. Você vai ver que, para este grupo de alunos, sempre devem
ser envolvidas as questões da sua vida social; suas experiências pessoais
e profissionais deverão estar envolvidas nas propostas curriculares e
devem fazer parte das metodologias que se utilizam para atender às
exigências curriculares. Você vai estudar também os pontos considerados
fundamentais para a educação de jovens e adultos, seja na busca pela
educação fundamental ou na educação profissional, como as questões
que envolvem a cultura, a leitura, a escrita, a tecnologia e o mundo do
trabalho.

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O conceito de currículo e a educação de jovens e


adultos
Você sabe o que é um currículo e como são selecionados e articulados os
conteúdos que pretendem fazer com que a educação escolarizada contemple
seus objetivos? As construções históricas são de reflexão fundamental nesse
momento, pois inúmeros fatores sociais, econômicos e culturais se articulam
na tentativa de definir um certo tipo de aluno que será formado através desse
rol de saberes que serão desenvolvidos na escola.
As diversas teorias envolvidas nos estudos do currículo não serão aqui
abordadas, porém, é preciso conhecê-las minimamente e fazer uma distinção
entre as principais correntes que discutem o currículo. O Quadro 1 enfatiza
os conceitos utilizados e associados ao currículo em algumas dessas teorias.

Quadro 1. Conceitos associados ao currículo e teorias que o estudam.

Teorias tradicionais Teorias críticas Teorias pós-críticas

Ensino Ideologia Identidade, alteridade,


diferença

Aprendizagem Reprodução Subjetividade


cultural e social

Avaliação Poder Significação e discurso

Metodologia Classe social Saber-poder

Didática Capitalismo Representação

Organização Relações sociais Cultura


de produção

Planejamento Conscientização Gênero, raça, etnia,


sexualidade

Eficiência Emancipação e Multiculturalismo


libertação

Objetivos Currículo oculto

Resistência

Fonte: Adaptado de Silva (2003).

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As teorias pós-críticas que abordam o currículo evidenciam outros con-


ceitos como o de saber-poder, em que se entende que todo conteúdo ensinado
traz consigo uma instância de poder que é capaz de modificar uma prática
ou conduta. Reforçam a ideia de cultura e do multiculturalismo que deve ser
contemplado no currículo e colocam em discussão nas questões curriculares
os temas de gênero, raça, etnia e sexualidade que servem, muitas vezes, como
marcadores sociais que influenciam as identidades contemporâneas. Problema-
tiza, ainda, as questões relativas à formação da identidade, das subjetividades
e das diferenças a serem incluídas nas discussões sobre o currículo.
Vilar e Anjos (2014, p. 89) comentam sobre o currículo da EJA:

A reflexão sobre o currículo demanda uma análise mais profunda das


concepções sobre a escola, sobre os sujeitos da EJA e sobre as inten-
cionalidades educativas da instituição escolar. O currículo, desde uma
perspectiva mais ampla, deve envolver, além das dimensões técnicas e
instrumentais elencadas pelos professores, as concepções de educação
e de mundo dos sujeitos, ou seja, deve relacionar o currículo com a vida
das pessoas.

É importante perceber, porém, que as teorias críticas ou pós-críticas não


abrirão mão da organização e dos planejamentos propostos pelas teorias tra-
dicionais, pois ampliam as discussões e abordam outros conceitos importantes
sobre ele. O mais importante a ser destacado, porém, é que o currículo deve
se relacionar com a vida dos alunos.
O currículo normalmente é entendido dentro do universo discursivo das te-
orias tradicionais, em que os esforços giram em torno do ensino-aprendizagem,
da didática, das metodologias a serem utilizadas para o desenvolvimento
dos conteúdos, das ações de planejamento para que se atinjam os objetivos
propostos, enfim, preocupa-se com a operacionalização dos processos.

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A teoria crítica sobre o currículo leva à indagação sobre os conteúdos propriamente


ditos. Como foram selecionados e articulados? Sobre quais ideologias se apoiam?
Existe um efeito de poder que favoreça alguma classe dominante na sua constituição?
Enfoca, ainda, a necessidade de busca de uma conscientização por parte de alunos e
professores e a busca por emancipação e libertação através da educação. Traz a ideia
de currículo oculto, ou seja, tudo aquilo que se aprende na escola e que não faz parte
do currículo formal estabelecido, através das trocas informais entre colegas, professores
e comunidade escolar e suscita a busca por resistência.

Articulando o currículo andragógico e a cultura


Pensar em um currículo escolar que seja adequado para a EJA é propor uma
conjunção de saberes que compreenda, além dos conteúdos escolares e das
questões envolvidas nas teorias tradicionais sobre o currículo, um olhar sobre
os aspectos que envolvem a cultura dos diversos grupos étnicos envolvidos.
Deve-se também definir o conceito de cultura, que hoje é central na so-
ciedade. Esse conceito ultrapassa a simples divisão clássica e ultrapassada de
Alta Cultura, referente a determinada elite letrada em contraposição a uma
baixa cultura (das massas populares) ou iletrada. “Cultura” atualmente pode
ser entendida como o somatório de práticas que compõem um determinado
grupo social e que contribuem para a formação de identidades. Logo, todas as
culturas têm o seu valor independentemente de quaisquer questões envolvidas.
Para que as culturas possam ser consideradas e não venham a apresentar
assimetrias de poder entre elas, relembre o conceito de interculturalidade
citado por Walsh (2001, p. 10-11 apud OLIVEIRA; CANDAU, 2010, p. 26,
grifo nosso):

Um processo dinâmico e permanente de relação, comunicação e


aprendizagem entre culturas em condições de respeito, legitimidade
mútua, simetria e igualdade. Um intercâmbio que se constrói entre
pessoas, conhecimentos, saberes e práticas culturalmente diferentes,
buscando desenvolver um novo sentido entre elas na sua diferença. Um
espaço de negociação e de tradução onde as desigualdades sociais,

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econômicas e políticas, e as relações e os conflitos de poder da sociedade


não são mantidos ocultos e sim reconhecidos e confrontados. Uma
tarefa social e política que interpela o conjunto da sociedade, que parte
de práticas e ações sociais concretas e conscientes e tenta criar modos
de responsabilidade e solidariedade. Uma meta a alcançar.

A interculturalidade representa o esforço político de luta pelo confronto


das desigualdades sociais que existem historicamente no Brasil e que afetam,
sobretudo, boa parte daqueles sobre os quais a EJA se projeta, especialmente os
mais pobres, os afro-brasileiros e os indígenas. Pensar de forma intercultural
é buscar a igualdade através das práticas construídas pela escola, é pensar
num currículo que articule e discuta temas que envolvem processos coloniais
e históricos, procurando desenvolver o respeito mútuo e a solidariedade entre
os alunos dos mais diversos estratos sociais.

Os temas fundamentais curriculares para a EJA


Alguns importantes temas que devem fazer parte do currículo da EJA serão
abordados aqui, dividindo-se a análise em dois pontos considerados fun-
damentais para que o aluno, jovem e adulto, possa viver bem na sociedade,
conforme se encontra atualmente constituída: a leitura e a escrita, o mundo
do trabalho e a tecnologia.

A leitura e a escrita
Conforme Paulo Freire, ensinar exige que o docente estimule uma leitura
crítica de mundo. Antes de deter-se no caráter formal da apropriação do
código de escrita, é preciso alertar para essa questão mais abrangente que
recai sobre a leitura considerada fundamental para os públicos jovem e adulto.
Ler ultrapassa a simples capacidade de tradução daquilo que está escrito,
relaciona-se à capacidade de observação, percepção de como a sociedade
se organiza, como a cultura funciona e como as pessoas vão ocupando seus
lugares na composição social.

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Como os alunos da EJA, sobretudo no primeiro segmento (anos iniciais do ensino


fundamental), necessitam muito da apropriação dos conceitos de leitura e escrita para
que possam inserir-se no mundo com condições mínimas de igualdade, é necessário
que as atividades que ocorrem em sala de aula contemplem esse componente cur-
ricular de forma permanente, fazendo aproximações de forma interdisciplinar com
os demais conteúdos de Matemática, Ciências Naturais e Sociedade, que também
deverão ser ensinados.

Segundo a Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos, do


Ministério da Educação (RIBEIRO, 2001, p. 170):

[...] é importante que o professor procure sempre articular debates orais


a alguma atividade de escrita, por exemplo, sintetizando informações ou
opiniões em pequenos textos ou esquemas, que podem ser elaborados
coletivamente, com sua ajuda. O professor pode levar para a sala de aula
livros e jornais para serem manuseados e explorados visualmente, além
de ler em voz alta pequenos trechos que sirvam para enriquecer os
debates. Ele poderá também elaborar problemas matemáticos a partir
de fenômenos sociais ou naturais estudados.

O documento destaca a importância que deve ser dada à questão da leitura


e da produção escrita por parte dos alunos. O docente deverá estar sempre
estimulando essa prática, seja através de sua leitura, do encaixe de questões
sociais pertinentes aos alunos que possam contribuir na construção de sua
criticidade, seja através de outros gêneros literários que a leitura e a escrita se
evidenciem. Com base na lógica do diálogo, aos alunos deverão ser conduzidas
discussões e debates sobre temas diversos, sempre produzindo algo escrito
através desses movimentos. Porém, pesquisas apontam que os professores, ao
trabalharem com a EJA, tendem a focar seus trabalhos somente nas questões
da leitura, escrita e matemática, o que acaba desmotivando os alunos adul-
tos, pois estes têm necessidade de se manterem informados e anseiam por
conhecer também outros assuntos e conteúdos. Esse é um direito do aluno
da EJA, isto é, ter acesso a uma educação de qualidade que abranja todas as
áreas do conhecimento.

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O mundo do trabalho e a tecnologia


Os alunos que frequentam as classes de EJA, e mesmo os que buscam a
educação profissional, costumam ter um ponto em comum: inseriram-se pre-
cocemente no mercado de trabalho, normalmente por questões de necessidade
familiares inerentes à própria sobrevivência e atendimento de questões básicas
como alimentação e moradia. Esse fato acaba contribuindo para que desistam
dos estudos, abandonando as classes regulares e se lançando ao mercado de
trabalho. O mercado está cada vez mais exigente em termos de habilitação e
conhecimentos obtidos de maneira formal ou escolarizada. É muito simples
a constatação de que as melhores vagas, com salários mais atraentes, são as
que mais exigem em termos de investimento pessoal na busca de formação.
Esse contingente de jovens e adultos, muitas vezes experientes e bons
trabalhadores nas funções em que ocupam, acabam sendo pressionados tanto
pelas empresas onde trabalham, quanto pela própria oferta de mão de obra
mais qualificada. Dessa forma, só resta uma alternativa – voltar a estudar. É
o momento em que ocorre a procura por uma classe de EJA, visando a sanar
e recuperar essa condição que os coloca em posição inferior e incapazes de
competir no mercado de trabalho. Deve-se ter o cuidado de não colocar na EJA
somente o rótulo de preparação para o mercado de trabalho, a ideia vai muito
além disso, pois o aluno jovem ou adulto deve reconhecer seu local social e
ser capaz de perceber como o mundo do trabalho se relaciona constantemente
com sua vida, exigindo dele posicionamento e atitudes.
Deve perceber, por exemplo, que se apropriar das tecnologias de informação
e comunicação é essencial para o desempenho de quase todas as vagas ofe-
recidas no mercado de trabalho. Os currículos voltados para jovens e adultos
devem tematizar essas aproximações com as tecnologias, suas discussões e
seus usos, tanto na vida pessoal quanto profissional, pois elas fazem parte
da vida em sociedade, e a habilidade que o indivíduo apresenta (ou não) na
utilização delas também o diferencia nas questões profissionais. Ou seja, não
se apropriar tecnologicamente também pode ser um fator que poderá gerar
uma exclusão ou desigualdade para esse público de alunos.

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O artigo “O Projeto Pedagógico da escola e o currículo


como instrumento de sua concretização”, de Marinez
Murta, aborda as mudanças curriculares na escola,
conforme a evolução da sociedade. O artigo está
disponível no link ou código a seguir.

https://goo.gl/sxr6e2

1. As teorias do currículo dividem-se d) O currículo da EJA deve ser


em tradicionais, críticas e visto de forma mais abrangente,
pós-críticas. Assinale a alternativa sendo capaz de relacionar os
que apresenta características da conhecimentos propostos
teoria curricular crítica. com a vida das pessoas.
a) Ensino e aprendizagem. e) O currículo não deve se limitar
b) Articulação de gênero, a análises sobre a concepção de
raça, etnia, sexualidade. escola e dos próprios alunos.
c) Emancipação e libertação. 3. Os componentes que envolvem a
d) Metodologia e didática. cultura são importantes dentro da
e) Identidade e subjetividade. organização do currículo para jovens
2. Sobre as concepções de currículo e adultos. Sobre esse aspecto, analise
voltadas para a EJA, analise as as alternativas e marque a correta.
afirmativas e assinale a correta. a) A cultura dos diversos grupos
a) O currículo deve voltar-se étnicos que se encontram
unicamente para os conteúdos em sala de aula não é
da escolarização formal. importante para o currículo.
b) O currículo não deve b) A Alta Cultura deve fazer
considerar aspectos inerentes parte do currículo da EJA.
à cultura dos alunos. c) Ao currículo de EJA basta
c) O currículo para EJA deve deter-se na chamada
focar somente nas questões baixa cultura, que é mais
técnicas e instrumentais. adequada ao seu público.

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d) A cultura letrada será e) A oralidade não contribui para


adquirida após as aulas, com a a escrita e leitura perseguidas.
apropriação dos conteúdos. 5. As questões que envolvem
e) No currículo para a EJA, deve a tecnologia e o mundo do
ser levado em conta o conceito trabalho também devem ser
de interculturalidade. contempladas no currículo da EJA.
4. A leitura e a escrita são pontos Sobre essas questões, analise as
fundamentais a contemplar com alternativas e aponte a correta.
o currículo da EJA. Sobre esses a) Muitos dos alunos que
pontos, analise as alternativas frequentam as classes de
e marque a correta. EJA evadiram-se de seus
a) A leitura deve resumir-se estudos para inserirem-se no
a simples decifração mercado de trabalho de forma
do código escrito. precoce, por necessidade.
b) A leitura e a escrita são b) As empresas não costumam
importantes para que os pressionar os trabalhadores em
jovens e adultos se insiram busca de escolarização formal.
em condições mínimas de c) A EJA tem caráter utilitarista,
igualdade na sociedade. somente preparando
c) As atividades de leitura e escrita para o trabalho.
não devem ser articuladas d) As tecnologias não
com outras disciplinas. diferenciam ninguém no
d) A leitura deve ser realizada mercado de trabalho.
unicamente pelos alunos e) A apropriação tecnológica
em sala de aula. não gera exclusão.

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OLIVEIRA, L. F. de; CANDAU, V. M. F. Pedagogia decolonial e educação antirracista e


intercultural no Brasil. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 26, n. 1, p.15-40, abr. 2010.
RIBEIRO, V. M (Coord.). Educação para jovens e adultos: ensino fundamental: proposta
curricular – 1º segmento. 3. ed. São Paulo: Ação Educativa; Brasília, DF: MEC, 2001.
SILVA, T. T. da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 2.
ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
VILAR, J. C.; ANJOS, I. R. S. Currículo e práticas pedagógicas na educação de jovens
e adultos. Revista Espaço do Currículo, João Pessoa, v. 7, n. 1, p. 86-96, jan./abr. 2014.

Leitura recomendada
PINTO, A. V. Sete lições sobre educação de adultos. 9. ed. São Paulo: Cortez, 1994.

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Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
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