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IV SNS/UFS

GT 01 – O futuro da vida nas cidades: desafios do con-viver

Recomposição das cidades e pós-pandemia global: Investigações sobre os modos


de vida, consumo e espaço público.

Eder Malta
(PPGS/UFS)
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1. Introdução

A pandemia da Covid-19, doença causada pelo SARS-CoV-2 da família


Coronavírus, impactou severamente a vida cotidiana nas cidades em todo o mundo à
medida que o vírus se espalhava pela China e pelo continente europeu, dando início à
primeira onda de infecções e mortes de pessoas. As cidades viviam sob o desconhecimento
de suas origens, reais causas e consequências, o que inclui a maioria da população e os
próprios gestores. Neste primeiro momento, tal fenômeno impôs às nossas rotinas diárias
e à própria economia global a condição de indeterminação das sociedades contemporâneas
e nos mais diversos locais.
Uma questão inicial que cabe aos estudos urbanos em geral é como podemos
compreender a cultura urbana contemporânea pós-pandemia. Ao buscarmos responder tal
problemática, novos apontamentos para a investigação sociológica e antropológica devem
ser mobilizados para que se compreenda a crise sanitária como um processo de mudança
social que traduza as profundas e recentes transformações dos espaços públicos. Investigar
o entretempo de crise sanitária, urbana e econômica requer um olhar atento para os estudos
e conceitos clássicos da sociologia e da sociologia urbana, assim como para possíveis
novas proposições teórico-metodológicas no estudo sobre as cidades.
Nas cidades, das pequenas vilas às grandes metrópoles, a pandemia alterou a vida
cotidiana e o fluxo de pessoas, bens, capitais e tecnologias etc. Devido às medidas de
lockdown, as tecnologias de comunicação digitais tornaram-se o meio proeminente de
sociabilidade, trabalho, estudos e acesso aos serviços básicos, constituindo grande parte do
cotidiano “público-privado” da cidade nas redes sociais, sendo então o ponto de virada da
recomposição urbana ao redor do mundo.
Com base nisso, é central nesta pesquisa indagar de que modo a teoria sociológica
tem tentado compreender e interpretar os atuais processos de mudanças nos espaços
públicos e nos modos de vida urbanos provocadas pelo novo coronavírus. Outros
apontamentos mais específicos tornam-se importantes fazer dentro do escopo deste artigo:
1) Quais novas características da sociedade de consumo podemos identificar no entretempo
da pandemia? 2) Em que medida a pandemia intensificou as interações entre os espaços
físicos e virtuais no cotidiano urbano?
Exploramos uma extensa pesquisa bibliográfica brasileira produzida entre 2020 e
2022 nas áreas de sociologia urbana e antropologia urbana como metodologia buscar
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responder a estes questionamentos com o objetivo de aprofundar a compreensão dos


processos sociais envolvidos. Durante o período de pesquisa bibliográfica tivemos acesso
às coletâneas e dossiês de periódicos nacionais, como o Cadernos de Campo (v. 29 n. supl,
2020), Cadernos Metrópole: “Metrópole e Saúde” (v. 23, n. 52, 2021), Horizontes
Antropológicos: “Covid-19. Antropologias de uma pandemia” (n. 59, 2021), a coletânea
“Distopias Urbanas” (Leite e Vieira, 2021) e a Revista Observatório Itaú Cultural (n. 28,
2021)1. Outras duas publicações que tratam do tema focando as cidades deram base às
nossas argumentações como as obras de Schwarcz (2020) e Simone (2022).
Com base em nossas pesquisas2, partimos da premissa de que as mudanças
provocadas pela pandemia na vida urbana promoveram um processo de recomposição dos
espaços públicos e dos modos de vida nas cidades. Tais mudanças são refletidas tantos nos
espaços urbanos quanto os virtuais, o que inclui observar os usos dos dispositivos digitais
acentuados durante o isolamento social, colaborando para a manutenção, ressignificação e
experimentação das múltiplas práticas sociais nesses espaços.

2. Espaços públicos e modos de vida: definições iniciais

Conforme Carlos Fortuna (2021, p.15), a pandemia da Covid-19 “alterou de forma


inesperada e com grande intensidade quer no domínio das práticas sanitárias (pessoal
médico, equipamentos hospitalares e soluções técnicas), quer no plano da reação política
e social (medidas restritivas e confinamentos, negacionismos)”. No Brasil e no mundo,
desde o seu início, enfatizou-se a condição de incerteza radical na geografia das cidades,
nos modos de vida, nos espaços públicos e no seu planejamento urbano, obrigando a todos

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Dentre algumas produções com enfoque sociológico destaca-se a coletânea espanhola Sopa de Wuhan
(Agamben et al., 2020) de ensaios críticos sobre a pandemia e o capitalismo publicados em jornais entre
fevereiro e março de 2020, contando com destacados acadêmicos como Giorgio Agamben, Slavoj Zizek,
Judith Butler, Alain Badiou, David Harvey, Byung-Chul Han entre outros. No Brasil, a editora Terra sem
Amos publicou alguns dos textos presentes na coletânea espanhola, em “Coronavírus e a luta de classes”
(Davis, et al. 2020). Dado o período de publicação e o próprio enfoque de seus autores, não há reflexões
sobre as consequências da pandemia na vida urbana de maneira mais específica. Para um enfoque crítico
mais abrangente sobre a produção do “norte global”, ver Rui et al. (2021).
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Para o recorte deste paper, não utilizamos o dossiê “Pandemia da Covid-19”, publicado na Revista
Brasileira de Sociologia (v. 9, n. 21, 2021) por se tratar de análises mais gerais, embora ele faça parte de
nossos estudos. Além disso, corremos o risco de ter excluído muitos outros periódicos e produções
relevantes, bem como artigos dos periódicos analisados. Enfatizamos, porém, nossa pesquisa visa os
questionamentos sobre as cidades, as práticas sociais, as condições de vida e outros aspectos relacionados à
vida urbana.
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a inventarem novas maneiras de lidar com os desafios mais inesperados, local e


globalmente, visto que problemas socioeconômicos extraordinários foram criados.
Por isso, inicialmente, torna-se necessário definir os conceitos de espaço público e
sociabilidade que aqui utilizamos, pois para além do concreto das edificações, das
rodovias, ruas e praças, existem os lugares nos quais os sujeitos manifestam seus usos
correntes e produzem diferentes espacialidades e significações através das práticas sociais.
O espaço urbano constituído como espaço público não pode ser compreendido apenas no
seu aspecto físico ou material.
Conforme, R. P. Leite (2010), a noção de espaço público enquanto categoria
sociológica constitui-se pelas práticas interativas entre os agentes envolvidos que o
qualificam socialmente ao atribuírem sentidos diferenciados aos usos físicos, simbólicos e
na estruturação dos lugares. Tais práticas atribuem “diferentes e assimétricos sentidos de
pertencimento, orientando ações sociais e sendo por estas delimitados reflexivamente”
(Leite, 2010, p. 84). O autor argumenta que essa noção se refere a um espaço interativo a
partir das interfaces entre espaço e ação, e enquanto espaço social, portanto não se
restringe à rua. Ele se estrutura pela presença de ações que lhe atribuem sentidos e é
marcado pelas assimetrias do poder entre diferentes e desiguais sujeitos e instituições, e é
constitutivo da dimensão socioespacial da cultura urbana.
J. M. Pais argumenta que a sociologia deve ser capaz “de ler nas entrelinhas do
social”, e encontrar-se numa “posição privilegiada para explorar essa leitura da cidade,
tomando o presente em relação de vinculação com o passado e o futuro” (Pais, 2010, p.151)
para assim analisar o espaço público. Entendemos então que através desse vínculo é preciso
atentar-se para as novas permeabilidades entre as interações públicas e privadas, assim
como para as novas interações face a face e nas redes sociais postas nos momentos pré e
pós-pandemia. Para nós, é preciso entender o espaço público para além da rua e da própria
cidade como territorialidade concreta e do planejamento urbano, pois são espaços de
sociabilidade, convivência e conflito que se dão no âmbito das interações físicas e virtuais
e dos diferentes modos de vida, ou seja, se define em seu caráter político, sociocultural,
econômico, tecnológico etc.
Seguindo tais noções de cotidiano urbano, destacamos o conceito de modo de vida
com base na definição de Isabel Guerra (1993) a partir de três dimensões, geralmente
pouco articuladas nas Ciências Sociais: o sistema e os atores sociais; a história e o
cotidiano; e o objetivo e o subjetivo na percepção do real. A articulação dessas dimensões
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possibilitaria combinar as estruturas sociais ao nível das ações dos indivíduos e da vida
cotidiana, além da relação entre as variáveis de análise – o econômico, o político, o cultural
etc.; entre os níveis percepção do real – o sistêmico e o estratégico.
Além disso, o conceito deve levar em conta “a hierarquia das redes de poder que
estabelecem as articulações entre as diferentes ‘esferas’ do social” (Guerra, 1993, p. 64).
A todas essas dimensões se somam as contradições estruturais e o conjunto de práticas que
são unificadas pelos indivíduos ou que os unificam em torno de uma prática cultural, o que
acaba por colocar o estudo dos modos de vida perante um dilema entre vida cotidiana e os
modos de vida.
De acordo com Braga, Fiúza e Remoaldo (2017), seguindo os apontamentos de
Guerra (1993), as pesquisas sobre os modos de vida mais recentes enfocam dois aspectos
principais: “Por um lado, à análise da relação entre as diferentes práticas cotidianas,
trabalho, vida familiar, consumo, lazer e etc. e, por outro lado, às relações que o conjunto
dessas práticas cotidianas estabelece com as relações sociais mais gerais” (Braga, Fiúza e
Remoaldo, 2017, p. 372). Nesse sentido, o estudo do grau de consciência dos atores sobre
a condução dos seus destinos individuais ou coletivos e a compreensão dos níveis de
racionalidade e irracionalidade presente nas práticas tornam-se necessários aos estudos do
cotidiano urbano. Tal concepção já fazia sentido para Georg Simmel (2006) ao falar sobre
a diferenciação dos modos de vida, a qual tem início na autonomização dos conteúdos
(códigos culturais, signos, linguagem etc.) e ocorre com base na “interpretação de
realidades” dos indivíduos (ou dos grupos sociais).
Partindo desses conceitos, torna-se imprescindível compreender a recomposição
das cidades com base em informações do seu próprio cotidiano desde o início da crise
sanitária. Esse período de fim das restrições contra a Covid-19 poderá apontar importantes
indícios sobre as novas interações urbanas e as relações de convivência, sociabilidade e de
conflitualidades marcada pela intensa fragmentação social e política do Brasil nos últimos
anos desde as eleições de 2013. Poderá apontar também para o que estamos chamando de
processo de recomposição dos espaços públicos e dos modos de vida urbanos, ou seja da.

3. As cidades e a pandemia da Covid-19

Desde a eclosão da pandemia da Covid-19 em fevereiro de 2020, muitas reflexões


foram construídas sobre seus impactos na vida das pessoas tanto na esfera da comunicação,
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alarmando os setores midiáticos e as redes sociais, quanto na pesquisa acadêmica (Fortuna,


2021). Segundo Fortuna (2021), ainda em 2020, as produções acadêmicas vigoraram
principalmente pelo paradigma biomédico que se sustentaram com argumentos técnicos
sobre as medidas profiláticas e preventivas para lidar com o coronavírus. Conforme o
autor, neste período, nas humanidades as produções sociológicas sobre as cidades careciam
do arcabouço teórico-metodológico para compreender de forma conceitual o significado
da pandemia de um modo geral e na vida urbana.
A crítica tecida por C. Fortuna (2020, 2021) é sobre a ausência de mobilização
conceitual e metodológica da Ciências Sociais em geral a ver também para além da “rua
dos outros” e direcionar o seu enfoque para as “outras cidades” de modo que se reconheça
sua materialidade estrutural, suas hierarquias e a condição de marginalidade, mas também
os modos de ser e estar nelas dos sujeitos duramente afetados pelos efeitos do vírus,
principalmente aqueles em condições de sub-vivência como as camadas mais pobres das
metrópoles.
Para Irlys Barreira (2021, p. 32), esse cenário nos faz refletir sobre o espaço
inesperado e radicalmente acentuada que ocupa a distopia urbana “que se apresenta nos
desencontros entre formas e conteúdos”. Dado que tal distopia se apresenta reflexivamente
no embate de suas opressões e as contradições sociais com os mecanismos de confiança da
modernidade (Giddens, 1991), as Ciências Sociais precisam intervir sobre suas próprias
inquietações e sobre o processo de desvalorização que hoje vivenciam. Conforme a autora:

Precisamos hoje dialogar com a biologia e outras ciências, recuperando o poder


de liderança e convocatória da sociologia frente à sociedade. A pandemia
colocou a necessidade de explicações complexas para um mundo complexo:
multiplicidade de fatores hoje reconhecidos como importantes para a análise da
vida social (Barreira, 2021, p. 42).

Nos estudos antropológicos, Toledo e Souza Junior (2021) chamam a atenção para
o lugar da Antropologia Urbana no sentido de que precisa tanto reavaliar suas
metodologias etnográficas para pesquisar as futuras crises e se “imunizar” frente ao anti-
intelectualismo e anticientificista que se fez nas ciências em geral dado um contexto
político e pandêmico marcado por controvérsias e desinformação nos primeiros meses de
2020. Para eles, cabe às Ciências Sociais reivindicarem alguma parcela de colaboração a
essa “espécie de sanitarismo epistemológico na busca pela ‘cura’ do novo coronavírus”
(Toledo e Souza Junior, 2020, p.55).
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Tais ponderações nos levaram a pesquisar as publicações nacionais da sociologia e


antropologia urbanas entre 2020 e 2022 nos principais portais acadêmicos brasileiros,
como o portal Scielo.br, o Google Scholar e a base de periódicos CAPES, encontrando-se
no primeiro ano poucas produções científicas sobre as cidades e a pandemia embasadas
com o corpo teórico socioantropológico clássico e contemporâneo. Nos anos seguintes as
pesquisas renovaram suas metodologias e aplicaram conceitos chave nos estudos sobre as
cidades à medida que os desdobramentos da pandemia começam tomar forma e conteúdo
na vida urbana.

3.1. Novas sociabilidades, espaço público e urbanidade (pós)pandêmica?

Este tópico se inicia questionando em que medida as análises da urbanidade na


pandemia servirão de base teórico-metodológica e de novos aportes conceituais ao estudo
das cidades. Oliveira et al. (2020, p. 2) argumentam que as ciências e “nossas práticas de
conhecimento, análises e, em última instância, de mundos” foram desafiadas a uma nova
compreensão das características da sociabilidade contemporânea durante o pico da crise
sanitária. Para os autores, a pandemia impôs desafios complexos na construção aos
modelos interpretativos das comunidades humanas a partir das noções de diferença,
alteridade próxima, práticas culturais, tradições e regimes de conhecimento, a exemplo dos
rituais de morte que muitos povos e etnias não puderam realizar. Os novos enfoques
antropológicos devem reconhecer essa crise e problematizar “a complexa relação entre
natureza e cultura, cidade e floresta, humanos e não humanos” (Oliveira et al., 2020, p. 2).
Com esse espírito, Valentin Gatlan (2020) captura em um ensaio fotográfico o
tempo lento que as cidades vivenciaram no início da pandemia. Trancado em seu
apartamento em Bucareste, na Romênia, ele passa a fotografar o cotidiano de seus vizinhos
moradores do Berceni, antigo bairro industrial do regime comunista romeno:

Um homem de camisa preta está sentado em uma cadeira de ferro na varanda


enquanto toma sua cerveja. Ao seu lado, está uma senhora idosa usando um
capuz de tecido preto, como tantas outras mulheres do bairro costumam fazer.
Ela tem 60 anos de idade e olha fixamente para a rua, alguns andares abaixo.
Essa cena poderia ser de um domingo comum, ou um fim de tarde de verão, mas
não é. É quarta-feira, 1º de abril à tarde. [...] As famílias são separadas por
paredes e se conectam através de varandas, que agora são uma espécie de alívio
quando ninguém pode sair, exceto de mercearias, farmácia ou assistência médica
(Gatlan, 2020, p. 16).
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O autor retratou o cotidiano dos vizinhos à medida que o decreto de confinamento


renovava. As janelas e varandas tornaram-se uma espécie de via de conexão entre o mundo
interior e o exterior. Conexão separada por paredes e pessoas nas janelas das casas, uma
moldura da vida cotidiana “em uma nova linguagem composta de ‘distanciamento social’,
‘casos notificados’, ‘máscara’, ‘escudo facial’ e ‘espera’” (Gatlan, 2020, p. 16), mas
composta por rotinas domésticas, sentimentos de solidariedade, silêncios, solidão, medo e
esperança a serem registradas em toda a Europa. Algo que para milhares de pessoas na
Europa e ao redor mundo o tipo de conexão seguiu-se sob outra temporalidade: acelerada,
digital, manipulada pela disponibilidade online e mais imediata, sem grandes pausas ou
silêncios, mas em meio aos sentimentos expressos anteriormente e o aguçado quadro de
ansiedade vivenciado pelos sujeitos ao redor do mundo3. Somente, talvez, com a esperança
dos reencontros presenciais.
Nesse sentido, Toledo e Souza Junior (2020) discutem como as medidas de
distanciamento social e lockdown provocam a Antropologia Urbana a reconfigurar o lugar
das etnografias na chamada sociedade em rede, da informação e das realidades virtuais e
aplicar modelos etnográficos considerando que a ideia de sociabilidade aponta numa
direção de práticas sociais que ultrapassam os encontros presenciais face-a-face numa
amplitude que ultrapassa o período de massificação do acesso à internet na primeira década
do século XXI. As pessoas com o acesso à internet intensificaram suas interações virtuais
nas redes concomitantes de WhatsApp como lugar de encontro dos corpos. Muitos desses
encontros resultaram em formas de sociabilidades esporádicas nas ruas ou em formas de
aglomerações em praças, avenidas e outros espaços urbanos geralmente como sinônimo de
protesto ao confinamento.
A análise do jogo das formas de sociabilidade (Simmel, 2006) associado a
ludicidade e à conflitualidade decorrente das transfigurações políticas dos “corpos
negacionistas” levou às ruas o jogo das formas de sociabilidade negacionista (Toledo e
Souza Junior, 2020), movidas por ideologias políticas, religiosas, classistas e pelas práticas
antitéticas ao confinamento. No Brasil, vimos um repertório de discursos sobre encontros
minados pela extensão das leis de isolamento e distância social às estratégias de

3
Segundo Rui et al. (2021), em 2020, a Organização Pan-Americana da Saúde junto à OMS classificou esse
contexto de infodemia, caracterizada pela velocidade do surgimento e compartilhamento das novas
informações e sua contraproducente necessidade, pois revelou-se “no sentido contrário do aprofundamento
de um debate crítico, provocando mais ansiedade” (2021, p. 19).
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ajuntamentos à distância incorporados na dinâmica do vírus desde manifestações em


carreatas, chás de bebês, panelaços, cultos religiosos drive-in aos saraus de poesias e
compartilhamento de livros digitais, lives políticas, científicas e culturais (Toledo e Souza
Junior, 2020).
Estes aspectos refletem o cenário das cidades brasileiras que tem forte expressão
na evitação às ruas devido à política de confinamento ou na negação a tal política. A rua,
que outrora seria o espaço da criatividade cultural e cívica, passa a ser a “rua dos outros”
no imaginário urbano em geral e na confluência de artigos de opinião, considerada então a
fonte principal dos malefícios da pandemia, dos sujeitos negacionistas, ameaçadores e/ou
transmissores dos vírus (Fortuna, 2021).
Neste sentido, Barreira (2021, p. 30) retoma uma importante e clássica questão
sociológica sobre a vida social: “como e de que modo é possível estarmos juntos?”. Ao
olhar para o lugar dos afetos nas interações nos espaços urbanos diante da condição de
incerteza que paira nas cidades brasileiras no contexto pré e pós pandemia. Desde as
chamadas jornadas de julho de 2013, a conflitualidade ganha força com expressão do ódio
e intolerância às diferenças socioculturais e ideológicas. Se, naquele momento, sinaliza a
autora, “o ‘estar nas ruas’ não representou apenas uma sinalização de protesto, mas adesão
significativa a um lugar de posicionamento” (Barreira, 2021, p. 33).
Posicionamento este que residiu na conflitualidade e indisposição ao diálogo, mas
o “ficar em casa” também se revelou como este lugar de inquietação e conflito próprios do
espaço público urbano, tanto devido à conduta (anti)ética de agrupamentos sociais e
políticos negacionistas, quanto às práticas sociais resistentes à ordem normativa muito bem
percebido por De Certeau (1994) para traduzir os modos táticos de ser, viver e estar no
espaço urbano.
As reflexões de Lilia Schwarcz lançadas em julho de 2020 num pequeno livro
intitulado “Quando acaba o século XX”, durante o pico da pandemia, endossam alguns
desses apontamentos acerca do impacto de um vírus em nosso cotidiano, invisível a olho
nu, que paralisou e transformou o planeta. Tal situação só se conhecia nas alegorias do
passado ou nas fantasias e distopias científicas. Nesta nova realidade mundial, o mundo
urbano acelerado vive uma nova temporalidade: Ficar em casa. Conforme atestou a autora,
“ficar em casa é reinventar a rotina, se descobrir como uma pessoa estrangeira. [...] Agora,
preciso me reinventar numa temporalidade diferente. É um movimento interior de
redescoberta (Schwarcz, 2020, p. 3)”. Neste contexto, a autora questiona o sentido das
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noções de casa e lar, o sentido da própria rotina entre atividades físicas, o trabalho e a
exaustão do modo de vida urbano moderno. As “cidades”, em geral, vivenciaram essa
mesma estranheza.
Neste primeiro momento, a impressão que nos dá é que tal fenômeno impôs uma
condição de indeterminação à vida urbana contemporânea, mas a certeza de que o espaço
privado foi implodido pelo espaço público (Fortuna, 2020). Não foi à toa que precisamos
nos redescobrir e reinventar a própria temporalidade e a espacialidade da casa, do trabalho,
dos locais de consumo, de lazer, de cuidado com a saúde, da educação e até mesmo dos
encontros virtuais, o que inclui o acesso acelerado aos chats, chamadas de vídeos e ao
compartilhamento de mídias, informações e desinformações sobre o vírus, prevenção e
higienização.
Outros importantes aspectos foram identificados como o que G. Rocha (2021)
chama de coautoria da “casa urbana”, na qual seus moradores, de diversas classes sociais,
inscreveram práticas urbanas no âmbito da casa durante a quarentena que vão do ócio,
lazer, produções diversas e o trabalho. Diz a autora que sendo a casa o principal espaço
cotidiano a se explorar nos primeiros meses de pandemia, de maneira mais errante ou mais
atenta, a relação mecânica do morador com o seu imóvel tomou forma de usos similares
aos de elementos dos espaços públicos urbanos.
“Ficar em casa” também contribuiu para transformações de usos inerentes aos
espaços públicos das políticas culturais e das práticas de consumo nas áreas das artes,
museus, patrimônio histórico, mercado musical, audiovisual e editorial, além do ativismo
urbano foram fortemente mediadas pelas tecnologias digitais. Muitas dessas questões
foram tratadas por Néstor G. Canclini (2021) e George Yúdice (2021) com o objetivo de
nos fazer refletir os campos da arte e da cultura num cenário futuro para os seus
profissionais e públicos cativos.
Canclini argumenta que a pandemia acelerou a reconfiguração dos mercados
culturais, dos vínculos entre criadores, distribuidores e públicos que precisaram se
recompor para manter as atividades à custa de quebras contratuais, demissões e adaptações
online4. Neste período de acelerada concorrência com a internet, o streaming e as mídias

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Ao mesmo tempo o autor defende que conforme suas pesquisas na Cidade do México, a pandemia acelerou
também a “quebra” do discurso acadêmico e midiático do fim da cultura escrita, da televisão, da telefonia
fixa dado a flexibilidade de usos e consumo dos bens e dispositivos por parte de jovens e adultos confinados,
pois “tanto a cultura escrita quanto a presencial são complementares ao que se faz on-line” (Canclini, 2021,
p. 153).
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digitais o público das artes e cultura tornou-se mais itinerante e mais promíscuo às
investidas da indústria digital. Segundo ele, “nas disputas entre cultura escrita, midiática e
digital, a pandemia tornou as tendências dos anos anteriores ainda mais incertas e menos
universalizantes” (Canclini, 2021, p. 151) e isso não se deve às substituições parciais ou
total de bens de consumo (livros por PDFs, DVDs por downloads etc.), pagos ou gratuitos.
Canclini chama a atenção que a reconfiguração dessas áreas no entremeio da crise
se deve à necessidade de oferecer aos leitores-espectadores-internautas oportunidades
plurais de escolha através de um tratamento algorítmico que conferem privilégios às
plataformas de consumo online visando as possibilidades futuras de ofertas de serviços
diferenciados. Isso se reflete ainda no ativismo urbano (Rocha, 2021) de arte e cultura que
sem poder intervir livremente nos espaços foi preciso promover as intervenções e ações
urbanas ao vivo pela internet, promovendo espaços culturais, microintervenções urbanas
com shows e manifestações diversas, sustentando-se através de vaquinhas online pagas via
QRCode e Pix.
Nessa esteira, G. Yúdice (2021) defende que é necessária uma nova
institucionalidade para enfrentar a crise nos setores de arte e cultura que tire proveito da
diversidade de saberes, do protagonismo das indústrias culturais e criativas na criação de
confiança, laços de afetos, relações horizontais entre os mediadores culturais e
comunidades de bairros para se gerar oportunidades num cenário pós-pandêmico que leve,
por exemplo, “os jovens a desenvolver redes, explorando as conexões entre o território
local e a cidade” (Yúdice, 2021, p. 183).
Estes autores provocam-nos refletir sobre o consumo cultural ao considerar o
interativismo como ponte para o futuro das políticas de arte e cultura, bem como do próprio
espaço público. No entanto, ao olharmos para a realidade das cidades brasileiras – e
certamente do mundo de cidades (Fortuna, 2020) em situações excepcionais – é preciso
olhar para temas que alcem os efeitos da urbanização capitalista amplificados pela
pandemia sobre as condições da saúde, de vida e bem-estar urbano, bem como as
desigualdades sociais e econômicas.

3.2. As desigualdades e as distopias do “velho-novo normal” urbano

Em diferentes tempos de nossa história, como em 1903, “o Brasil era chamado de


‘grande hospital’ e tinha todo tipo de doença: lepra, sífilis, tuberculose, peste bubônica,
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febre amarela” (Schwarcz, 2020, p. 7). As práticas sanitaristas iniciadas em 1904 por
Oswaldo Cruz buscaram melhorar esta imagem do país ao instituir a obrigatoriedade da
vacinação contra a varíola. A estratégia de contenção das epidemias considerada autoritária
e invasiva contra a população resistentes à vacinação – o que ocorreu paralelamente às
obras de modernização do Rio de Janeiro que ficaram conhecidas como “bota-abaixo” para
a população carioca mais pobre – gerou tensões sociais e políticas que eclodiram na
Revolta da Vacina sob o governo de Rodrigues Alves.
Há quase 100 anos, na segunda gestão de Rodrigues Alves em 1918, o surto da
Gripe Espanhola chegou ao Brasil de forma semelhante à Covid-19: do exterior para o
território nacional com rápido contágio nas periferias urbanas e desinformação acerca da
letalidade do vírus, porém com ações controversas do governo de Jair Bolsonaro entre
discursos, medidas e a gestão da pandemia. Outra diferença é que enquanto a Gripe
Espanhola se espalhava através dos navios atracados nos portos comerciais marítimos, o
novo coronavírus chega através da principal referência das desigualdades
socioeconômicas, culturais e da mobilidade: as elites nacionais que voltaram contaminadas
do exterior. Para Schwarcz,

A desigualdade tem muitas dimensões e a pandemia escancara as nossas. Ela


chegou ao país de avião, por meio de pessoas da elite que estavam no estrangeiro
e voltaram contaminadas — tanto que os primeiros dados incidem sobre os
bairros mais nobres. Mas o que está acontecendo agora é que o vírus chegou
com força nas periferias, nos subúrbios, nas comunidades e favelas espalhadas
pelo país (Schwarcz, 2020, p. 7).

A condição urbana relatada por Schwarcz deve ser analisada diante do agravamento
drástico das desigualdades e dos problemas estruturais que o planejamento convencional
nas cidades brasileiras e latino-americanas tendem a obscurecer em favor do capital (Cobos
e López, 2021; Dominguez e Klink, 2021; e Flexor, Silva e Rodrigues, 2021). Isto foi
detectado em escala global, mas a forma com cada governo e a população governada iria
se comportar diante do novo cenário tornou-se uma das principais indagações.
Como explica AbdouMaliq Simone (2022), há uma preocupação quando se trata de
detecção de tendências e padrões e de rupturas dos sistemas urbanos. As condições atuais
das cidades passam a serem lidas em torno da detecção de tendências e padrões de crises
e oportunidades, mas também sobre como são detectadas a cadeia de informações que
recebem, como se veem e como se sentem parte ou separadas das representações
particulares da realidade. Segundo ele, nas ciências sociais, há quem tenha detectado a
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pandemia como uma crise definitiva e prenúncio de um novo mundo e sistema econômico,
ou mesmo de mudança de época e não mais uma época de mudanças (Mignolo, 2020), ou
aqueles que observam atentamente à forma mais cíclica das contradições do capitalismo
em suas próprias vidas, além do que detectam o recomeço do jogo de poder entre a justiça
social e a desigualdade que anulam praticamente todos os ativismos e esforços de décadas
ou de uma geração (Simone, 2022).
Para Simone (2022), ficou clara a crença dos gestores e usuários de tecnologias na
conversão inabalável do espaço urbano em nós logísticos e novas cidades completamente
inteligentes, smartificadas, a desempenhar um papel cada vez mais importante em nossas
vidas em nossa capacidade de se deslocar, circular, restabelecer padrões familiares de
trabalho e sociabilidade presencialmente. Mas isso é algo que depende das capacidades
dos gestores, da mídia e cientistas de detecção da presença de vírus, de trajetórias de
transmissão e picos de contaminação e morte.
Nesse contexto, as metrópoles latino-americanas podem ser analisadas a partir de
seus traços comuns: as regularidades estruturais, históricas e a fragmentação urbana. A
campanha antivírus concentrou-se em três slogans (e hashtags): o “fique em casa!, forma
voluntária ou repressivamente forçada de quarentena; não saia se não precisar!; e mantenha
uma distância saudável, tanto em casa como na rua!” (Cobos e López, 2021, p. 885). De
certa forma, esses slogans nos ajudam a identificar o comportamento e os níveis de
compreensão das pessoas e grupos sociais – aquelas em quarentena total; as que têm que
sair, mas estão vivendo em estado de medo, tensões constantes ou estão anestesiadas do
cotidiano; e o grupo negacionista (Rocha, 2021) – diante do controle social exercido pelas
autoridades sanitárias, mídia, especialistas e a sociedade civil.
Para Cobos e López (2021), adotar tal campanha não necessariamente protegeria a
população mais desassistida sem moradia, água, esgoto, excluídos no mercado de trabalho,
educacional e digital. Em metrópoles como São Paulo e Cidade do México, com mais de
20 milhões de habitantes manter a “distância saudável” tem se mostrado de difícil
aplicação, por um lado, dado a informalidade do trabalho e da moradia urbana, além dos
que vivem nas ruas. Por outro lado, dado a existências de áreas de grande fluxo de pessoas
como os centros históricos e seus espaços públicos, serviços comerciais como feiras,
mercados públicos formais e informais, transporte coletivo etc. Por isso, as grandes
concentrações populacionais tornam-se muito vulneráveis à transmissão comunitária.
14

Lúcia Bógus e Luís Magalhães (2021, p. 49) utilizam recursos metodológicos


chamados “Níveis de Integração dos municípios que formam as Regiões Metropolitanas e
o Índice de Bem-Estar Urbano, o IBEU”5, que servem à análise macrossociológica sobre
as desigualdades socioespaciais para demonstrar como a pandemia alterou decisivamente
as condições de vida e o bem-estar urbano de seus habitantes e demonstrar os impactos
demográficos da disseminação do vírus que resultaram na redução do crescimento
populacional nos espaços metropolitanos do país, de modo que chamam a atenção para
refletirmos também sobre os impactos da diversidade desses espaços no enfrentamento e
combate à doença. Assim, “será preciso olhar para as cidades e analisar a forma desigual
como elas foram e ainda são, cotidianamente, produzidas e vivenciadas” (Bógus e
Magalhães 2021, p. 49), o que inclui o desigual acesso ao sistema médico-hospitalar, às
condições de habitação, trabalho, deslocamento, educação, de home office, praticamente
inexistentes em certas regiões periféricas dificultando o isolamento social.
A velocidade em que o vírus se disseminou nos primeiros meses faz gerar
discursividades de que essa crise nos igualaria nas diversas partes do mundo, pouco
importando a classe social de pertencimento. Isso gerou uma sensação de que “um dos
efeitos esperados da pandemia foi o recrudescimento das desigualdades em escala global”
(Flexor, Silva e Rodrigues, 2021, p. 907), inclusive no acesso ao consumo digital e ao novo
mercado criativo. Ao contrário, ocorreu uma disseminação desigual no território nacional
e em muitos países quando olhamos para os quadros de insegurança alimentar, desemprego
e informalidade, evasão escolar diante das dificuldades de parcela considerável população
em adotar o homeschooling e, de forma mais impactante, em adotar medidas básicas com
lavar as mãos. Além disso, Menezes, Magalhães e Silva (2021) relatam que o
pronunciamento do presidente da República, minimizando os impactos do novo
coronavírus, provocou o afrouxamento no distanciamento físico que havia sido aderido em
um primeiro momento pela população das favelas.
Tendo isso em mente, moradores de favelas das Regiões metropolitanas de São
Paulo e do Rio de Janeiro construíram os espaços subversivos, um modelo de planejamento
subversivo que se incorpora ao planejamento convencional e hierarquizado das cidades
(Dominguez e Klink, 2021). Tais espaços surgiram em decorrência dos problemas

5
Ambos elaborados por pesquisadores do INCT Observatório das Metrópoles, com dados do Censo
Demográfico de 2010.
15

estruturais das favelas na crise sanitária quanto no ordenamento dos espaços urbanos. Eles
resultam das redes de apoio6 de parte dos moradores de favelas dessas regiões que
adotaram estratégias territoriais e em redes sociais mobilizando iniciativas e medidas
coletivas para amenizar as vulnerabilidades diante da nova crise sanitária, expondo a
visibilidade de suas carências materiais, mas também suas práticas populares de
sobrevivências. Essas redes organizaram painéis comunitários7, articulação com
profissionais de saúde e o intercâmbio social e político entre favelas que “envolve uma
intensa troca de saberes, tecnologias, experiências e redes de contatos” (Menezes,
Magalhães e Silva, 2021, p. 84). Além de expor dilemas antigos do planejamento urbano
convencional, essas experiências periféricas expuseram nas redes os

novos processos comunicativos entre os territórios de favelas e periferias


urbanas. Lugares em que os sujeitos coletivos desenvolvem inovações
tecnológicas e espaciais eficazes no enfrentamento de problemas estruturais
urbanos [...] ao mesmo tempo, indicou espaços subversivos, potencialmente
inovadores (Dominguez e Klink, 2021, p. 929).

G. Rocha (2021) alega com base no conceito de coautoria urbana que a apropriação
da cidade “pode ser feita tanto pela forma na qual o espaço foi pensado originalmente
quanto subvertida, e esta subversão pode ser tomada pelos detentores de poder como algo
negativo, o que gera os citados conflitos” (Rocha, 2021, p. 1019). O conceito de coautoria
defende a existência do planejamento da cidade de forma compartilhada entre sujeitos e
instituições detentoras de poder e os cidadãos que dela se apropriam, os coautores urbanos:
cidadãos formais, marginalizados e ativistas urbanos.
A vida nas cidades e o debate em torno dos efeitos da Covid-19 devem ser
explorados através de teorias, temas e metodologias “que colocam em relevo
conhecimentos, práticas e vidas situadas” (Segata et al., 2021, p. 9). Não à toa, o enfoque
antropológico demonstra como a ausência do poder estatal nas práticas sanitaristas nos

6
Sobre as ações coletivas contra a vulnerabilidade e defesa da vida, o trabalho de J. Santos (2021) analisou
as redes de organizações e os estilos de ativismo envolvidos nas mobilizações pela defesa da vida em
contexto de pandemia realizadas entre os meses de março e julho de 2020 em Sergipe. O autor catalogou e
criou um repositório de ações coletivas a partir de dados coletados em redes sociais como o Instagram e o
Facebook, além de recortes de jornais. Os resultados apontam para três estilos e bases organizativas: os
grupos de voluntariado e o ativismo filantrópico; os sindicatos e o ativismo trabalhista; e as organizações
comunitárias e o ativismo de base, que incluiu também a participação da Universidade Federal de Sergipe
que organizou o Comitê de Prevenção e Redução de Riscos para a Covid-19, em 2020.
7
Menezes, Magalhães e Silva (2021, p. 86) argumentam que os painéis comunitários podem ser lidos como
“expressão do modo como os moradores de favelas do Rio de Janeiro disputam a verdade da pandemia nesses
territórios”.
16

centros urbanos atinge desde o lado sensível da vida às condições disruptivas da morte no
cotidiano urbano (Rui et al., 2021; Neves, 2021).
Segundo Rui et al. (2021), categorias conceituais como biopoder, biopolítica e
necropolítica têm sido mobilizadas de forma incontornável para se discutir como essas
populações vivenciaram estratégias de gestão estatal, a pressão de empresários e políticos
negacionistas para reabrir o funcionamento das empresas durante o confinamento8. Esses
conceitos tornaram-se “chaves de entendimento [...] para revelar a extensão dos efeitos do
neoliberalismo sobre o tecido social tanto de países que já experimentaram um Estado de
bem-estar social quanto daqueles que nunca conseguiram chegar a ele” (Rui et al., 2021,
p. 26). Ou seja, discute-se as condições de pobreza, saúde e envelhecimento, o racismo
estrutural e ambiental, as desigualdades de gênero e as exclusões sociais acentuadas na
pandemia.
Percebe-se que os autores aqui citados reconhecem as graves desigualdades,
demonstram como os impactos da pandemia não foi o mesmo para uma grande parcela da
população brasileira e mundial, sendo ainda mais sofrido para as comunidades populares
e faveladas dependentes dos espaços físicos para suas atividades laborais formais ou
informais. Porém, não excluem de forma generalizada a possibilidade de acesso à internet
de muitos moradores de favelas, por exemplo. Tanto que as redes de apoio mencionadas
são organizadas também pelos meios virtuais, o que possibilitou a divulgação das ações
“subversivas”. Há outros como Yúdice (2021) que propõe uma nova institucionalidade
para enfrentar a crise nos setores de arte e cultura, o que inclui os moradores de tais espaços
que puderam também conhecer (e sonhar), em muito menor escala, as mudanças nos
setores de tecnologias, informação e do consumo cultural.

4. Algumas proposições acerca da sociedade de consumo pós-pandemia

No final da década de 1990, R. Sennett (2015) teceu uma importante análise sobre
o “flexitempo” no mercado de trabalho norte-americano que iniciou as transformações

8
Partindo dos conceitos de biopoder, biopolítica e necropolítica, respectivamente de Michel Foucault, Paul
B. Preciado e Achille Mbembe, os autores explicam que o biopoder articula o poder dos discursos científicos
e institucionais, as práticas estatais e a criação de inimigos internos à sociedade; a biopolítica retém a noção
de política dos corpos que domina a gestão política da vida e da morte das populações; e a necropolítica é
uma forma de exercício do poder que se baseia na negação radical da igualdade de certas populações e da
instrumentalização e da eliminação sistemática dos mais vulneráveis (Rui et al., 2021).
17

tecnológicas do modo de produção flexível com turnos de trabalho em home office,


flexíveis no tempo e no espaço. Mas existem diferenças nos modelos de home office
analisados por Sennett na atual pandemia. A noção de flexitempo tornou-se uma das
formas de manter as pessoas em casa sob a perspectiva de um novo modelo de trabalho
com forte individualização de seus afazeres no domínio íntimo. Por um lado, nada novo
para muitos cidadãos norte-americanos que há 3 décadas já experienciam o trabalho
fisicamente descentralizado, de autogerenciamento do tempo e a liberdade de cumprir (ou
não) e escolher as suas tarefas (Sennett, 2015). Por outro lado, para muitos cidadãos do
mundo, estar em casa e trabalhar em casa por obrigação tornou-se um dos motes para se
proteger ou se negar em estar em casa, sem poder circular nos lugares costumeiros, pós-
trabalho ou pós-escola, por exemplo.
É neste sentido que Fortuna (2021, p. 20) chama-nos a atenção “para o lado sensível
da vida que continua ausente da compreensão que a sociologia urbana convencional pode
enunciar-se através das ‘sensibilidades sensoriais’”. Baseado em Hartmut Rosa, o autor
argumenta que tais sensibilidades podem ser “entendidas como modalidades e dispositivos
que operam a relação humana com o mundo” (idem, p. 20). Este seria um ponto de encontro
privilegiado para os estudos socioantropológicos sobre a cidade e seus modos de vida. É
neste sentido que vários autores que se debruçam sobre a cultura urbana e a vida cotidiana
têm observado e compreendido os comportamentos das identidades urbanas, das formas
de expressão, da defesa de direitos socioculturais, do consumo e dos relacionamentos que
ocorrem nas ruas e nos espaços virtuais.
Com exceção de Canclini e Yúdice, os trabalhos nos dossiês analisados não
discutem as mudanças provocadas pela pandemia nos espaços de consumo (cultural,
hospedagem, gastronômicos, étnico, mobilidade, lazer e de serviços rotineiros) que foram
bastante afetados durante o auge da crise. No âmbito da sociologia urbana, encontramos
alguns trabalhos como o de Hofstaetter et al. (2022), De Lima Pinto (2021) e Massarani et
al (2021) que contextualizam os usos dos espaços públicos e os modos de vida dos
consumidores no período referido.
Hofstaetter et al. (2022), explicam como o potencial técnico-produtivo das diversas
atividades turísticas sofreu impactos significativos nas ocupações dos trabalhadores do
turismo devido às necessárias e urgentes medidas de distanciamento social, adotadas em
todo mundo. Os empreendimentos do consumo turístico sofreram baixas durante a
pandemia da Covid-19 e buscam se reinventar seguindo a agenda global praticada pelas
18

agências multilaterais de preservação do patrimônio cultural e das paisagens com propostas


de turismo acessível, ético e sustentável, como a UNESCO, a United Nations World
Tourism Organization (UNWTO) e as empresas associadas às nomeações anuais de
diversas localidades no mundo com potencial criativo e turístico. Os cálculos da UNWTO
apontavam para uma queda de 20% a 30% nas receitas do setor e uma queda dos fluxos
internacionais de turistas de 22%.
De Lima Pinto (2021) discute acerca de como o consumismo em tempos de
pandemia fez predominar posturas individualistas na manutenção de hábitos cotidianos e
na negação da realidade em defesa do suposto novo normal. O consumismo acentuou a
fragilidade da cidadania em torno do cuidado de si e dos outros devido às aglomerações, a
reabertura acelerada de lojas de shoppings e centros comerciais para uma população pouco
afeita aos cuidados de higiene e distanciamento físico provocando o risco de contágio mais
pelo comportamento do que pelo próprio vírus em si.
Massarani et al. (2021) analisou o papel dos gestores, a questão da confiança, as
novas rotinas de consumo online de informação e a percepção do risco. Ao fim do ano de
2021 os serviços de bens e consumo cultural voltaram a fornecer suas programações
presenciais e pouco a pouco o uso das máscaras foi sendo liberado. Fica a questão de quais
hábitos permanecerão e o que será reinventado tanto por parte dos consumidores quanto
dos espaços comerciais, turísticos e de entretenimento para se mitigar o retorno
compulsório ao consumismo pós-pandemia.
Se estamos falando do espaço privado implodido pelo domínio público das redes,
do teletrabalho, dos encontros, das aulas e reuniões remotas mediadas intensivamente pela
conectividade o que nos leva a uma “ampliação do campo das legitimidades culturais”
(Canclini, 2016, p. 15). O “lugar cultural” da internet torna-se uma nova forma de ler o
mundo e de conhecer a própria vida urbana que se entrelaça na produção diária de
conteúdos nas telas pessoais dos receptores como paisagens intermediárias, onde textos,
imagens e sons se combinam. O autor defender que para entendermos essa profusão de
imagens no ecrã do celular é por meio da transdisciplinaridade dos conceitos de cidadãos,
consumidores e usuários que relacionam consumo e participação na produção de imagens,
sons ou discursos sobre um bem de uso, os chamados prossumidores (Canclini, 2016),
engajados e proativos comunicativamente.
Este “lugar” vem se constituindo reflexivamente como espaço público das
inovações sociais mediadas pelas tecnologias da nova economia global que Sharon Zukin
19

(2020) chama de “o complexo de inovação” em suas dimensões materiais e simbólicas e


das rede de marcação das diferenças (Barreira, 2021) e por isso devem ser investigadas
suas ressonâncias na cultura urbana contemporânea. Este complexo de inovação é formado
pelas chamadas big techs como Amazon, Apple, Meta (Facebook) e Alphabet (Google),
além das concorrências virais como o TikTok, Kwai etc. Os aplicativos desses
conglomerados foram aprimorados para atender ao home office e às demandas do novo
consumidor de tecnologias e-commerce, healthtechs, fintechs aplicativos e serviços.
Dentre esses “apps”, os serviços delivery mantiveram parte do comércio funcionando na
pandemia.
Para finalizar essa discussão, merece a atenção dos pesquisadores urbanos o estudo
das políticas urbanas e seus objetos de estudo. Por exemplo, observar o retorno dos
investimentos e consumidores às áreas históricas de valor patrimonial alvos dos processos
de gentrification nos últimos anos e toda a produção de uma excludente espetacularização
do patrimônio cultural e o trato demasiadamente mercadológico, mantidos sob vigilância,
controle e enfática higienização social do espaço urbano (Leite, 2009). Merece a atenção
também o consumo visual em áreas enobrecidas no entorno das favelas, a exemplo do que
ocorre em cidades como o Rio de Janeiro em que suas contra-paisagens (Malta, 2017) são
representadas tanto pelas desigualdades que explicamos em tópico anterior, quanto pelo
potencial turístico, criativo e cultural de seus moradores e intermediários culturais. Esta
investigação torna-se necessária para compreendermos o processo de recomposição urbana
após a pandemia ter desestabilizado mais ainda os modos de vida daqueles moradores.

5. Considerações finais

Os impactos que a pandemia do novo coronavírus provocou no mundo ainda são


sentidos. Não resta dúvidas de que as inquietações civis, políticas, culturais, científicas e
econômicas decorrem de uma crise sanitária de difícil apreensão, inclusive na gestão da
pandemia de países como o Brasil que lidou com os desafios mais inesperados em escala
local e global. Foi com base nesse contexto que apresentamos uma extensa revisão de
literatura e de proposições teórico-metodológicas da sociologia e antropologia urbanas
acerca da crise sanitária. A riqueza investigativa desses trabalhos aborda temas sensíveis
às cidades e nos mais diversos objetos de estudo sobre modos de vida, políticas públicas,
segregação etc. Os dossiês e coletâneas aqui apresentadas não esgotam o tema e as
20

problematizações aqui levantadas, mas apresentam importantes caminhos para a


investigação sobre os espaços públicos e os modos de vida nas cidades e outras localidades.
Partindo desse enquadramento, buscamos discutir como o confinamento impôs
novas temporalidades ao cotidiano urbano, desde o tempo lento à aceleração das rotinas
através de trocas constantes de informações acerca da pandemia e da sua negação. A casa
e a rua tornaram-se lugares de inquietação e ao mesmo tempo de resiliência da vida urbana,
revelando-se esta relação numa nova característica de conexão do espaço público e do
privado. A negação ao lockdown, ou seja, à obrigatoriedade de ficar em casa, é também a
afirmação da presença dos sujeitos e da necessidade dos encontros mesmo que sucedam
riscos para a convivência humana.
Demonstra-se, portanto, a cidade como objeto das práticas sociais no emaranhado
de tecnologias que alteraram as formas de sociabilidade públicas, de consumo, lazer e bem-
estar. Por fim, as chave de entendimento construídas em torno dos conceitos apresentados,
direta ou indiretamente, e da análises empíricas apontam para um cenário possível de
recomposição das cidades, ou seja, de reestruturação urbana de forma geral. Apesar dos
sinais claros de uma mudança social, ainda há elementos claros de que a vida nas cidades
continua marcada pelas desigualdades socioeconômicas e acentuada diferenciação dos
modos de vida que impedem a convivência pacífica em tempos de crise e, portanto, o
“velho-novo normal” da vida urbana se recompõe indeterminadamente.

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