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ANDRAGOGIA

E EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL

Pablo Bes
Tendências do pensamento
político-pedagógico
sobre a educação de
jovens e adultos
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Conhecer o percurso histórico da EJA no Brasil. 


 Compreender a visão das políticas de escolarização básica para a EJA. 
 Identificar a EJA de forma sistêmica como espaço para além da
escolarização.

Introdução
A educação de jovens e adultos (EJA) ainda busca sua afirmação como
modalidade de ensino que deve ser entendida como um direito à edu-
cação de qualidade, o qual é disponibilizado ao público adolescente e
adulto, em comparação ao que é oferecido aos alunos durante o ensino
fundamental. Esse é um processo que vem se caracterizando de forma
particular nas últimas décadas no Brasil.
Neste capítulo, você vai analisar o percurso histórico da EJA e suas
políticas e tendências pedagógicas inerentes a esses períodos. Também
vai mapear algumas visões que restringem e associam a EJA como etapa
compensatória e reparadora, mostrando que essa etapa é bem mais
abrangente, que vai muito além da escolarização básica e se relaciona
com a cidadania e a busca de uma maior autonomia ao aluno adulto para
que possa viver e agir sobre o mundo de forma mais crítica.

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Percurso histórico da EJA no Brasil


Conhecer um pouco da história da EJA no Brasil é essencial para entender
melhor como são construídas as visões que recaem sobre ela.
A Constituição da República de 1934 traz a obrigatoriedade e gratuidade
do ensino primário para todos (BRASIL, 1934). Essa ideia vai tomando força
e acaba contribuindo para que, em meados dos anos 1940, a questão da EJA
se estabeleça como política nacional. Visando ao atendimento dessa nova
modalidade de ensino, o governo federal lançou programas e investiu em ações,
criando o Fundo Nacional do Ensino Primário (1942), o Serviço de Educação
de Adultos (1947), a Campanha de Educação de Adultos (1947), a Campanha
de Educação Rural (1952) e a Campanha Nacional de Erradicação do Anal-
fabetismo (1958). Essas campanhas posicionavam a educação do adulto como
fundamental para que se elevassem os índices sobre o analfabetismo que o País
enfrentava naquele momento, não somente pela sua própria escolarização, mas
atrelada à participação das crianças na escola, a partir da iniciativa dos pais.
A década de 1960 é marcada pelas discussões em torno da educação de
adultos, e o principal expoente em nível nacional é Paulo Freire. Organizam-se
inúmeros espaços de discussão dessa questão e percebe-se a participação de
vários grupos populares nessa problematização.
Sobre esse período, Di Pierro, Joia e Ribeiro (2001, p. 60) comentam que:

Embaladas pela efervescência política e cultural do período, essas ex-


periências evoluíam no sentido da organização de grupos populares
articulados a sindicatos e outros movimentos sociais. Professavam a
necessidade de realizar uma educação de adultos crítica, voltada à trans-
formação social e não apenas à adaptação da população a processos de
modernização conduzidos por forças exógenas. O paradigma pedagógico
que então se gestava preconizava com centralidade o diálogo como
princípio educativo e a assunção, por parte dos educandos adultos, de
seu papel de sujeitos de aprendizagem, de produção de cultura e de
transformação do mundo.

A partir desse pensamento, pode-se perceber como as ideias colocadas por


Paulo Freire se apresentavam com muita força. Tais ideias diziam respeito à
dialogicidade com os educandos e ao próprio reconhecimento da educação
como força capaz de mudar a cultura (o jeito de ser, viver e pensar sobre o
mundo) dos estudantes e, dessa forma, modificar também a nação. Tais ideias
ainda se encontram vivas e fazem parte das práticas enquanto professores.

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Em 1964, o Ministério da Educação criou o Programa Nacional de Al-


fabetização de Adultos, construído com base nas ideias e conceitos sobre a
educação de Paulo Freire. Porém, com a assunção dos governos militares
no mesmo ano, Paulo Freire foi exilado. No exílio, continuou a desenvolver
estratégias possíveis de serem utilizadas na alfabetização de adultos. O uso
das palavras geradoras é uma dessas estratégias – partindo do conhecimento
da experiência do educando em sua vida social cotidiana, selecionavam-se
palavras que cercassem esse campo de vida bem particular e, a partir daí, além
de buscar uma alfabetização em si, eram problematizadas de forma crítica
a própria vida dos alunos, visando a modificar/acrescentar outras possíveis
ideias às visões de mundo deles. As ideias de educação popular freireanas
irão continuar acontecendo como iniciativas de educação não formal em
associações comunitárias, igrejas e outros espaços.

Durante o governo militar, as taxas de analfabetismo continuavam a existir e até mesmo


aumentar. Pressionado pelos organismos internacionais como a Organização das
Nações Unidas (ONU) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência
e a Cultura (UNESCO), o Ministério da Educação organizou, em 1967, o Movimento
Brasileiro de Alfabetização (Mobral). O Mobral recebeu muitos investimentos e foi
estruturado em três níveis: uma administração central, as coordenações estaduais e as
comissões municipais por todo o País, encarregadas de sua implantação e execução,
através dos materiais didáticos fabricados de forma centralizada. O programa atuava
de forma diversificada e se estendia por todo o território nacional. Devido a inúmeras
críticas relativas aos seus resultados na alfabetização de seus públicos, porém, o
programa foi extinto em 1985.

A Lei Federal nº 5.692, de 11 de agosto de 1971, que estende a obrigatorie-


dade do ensino da educação básica de quatro para oito anos, trouxe também
avanços para a educação de adultos, instituindo a educação supletiva possível
para esse primeiro grau (BRASIL, 1971). O maior destaque dessa lei foi a
flexibilização que cedeu para aqueles que não tinham conseguido concluir o
ensino obrigatório na idade apropriada. Isso podia ser feito através de: “[...]
cursos supletivos, centros de estudo e ensino a distância, entre outras” (DI
PIERRO; JOIA; RIBEIRO, 2001, p. 62). Os programas utilizados nessas
modalidades de ensino oferecidas, porém, basicamente reproduziam as estru-

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turas curriculares existentes na educação básica para o público adulto. Uma


problemática enfrentada pelos estudos supletivos e que deveria ser conhecida
era que, como esses estudos nasceram com base nas ideias freireanas, previam
em seu meio aqueles adultos que não eram escolarizados, porém, devido às
pressões sociais em relação ao trabalho, os supletivos começaram a receber
também jovens em busca de uma aceleração em seus estudos, logo, um público
completamente diferente do que havia sido planejado.
Sobre essa questão relativa aos jovens, Di Pierro, Joia e Ribeiro (2001, p.
65) destacam que:

A entrada precoce no mercado de trabalho e o aumento das exigências


de instrução e domínio de habilidades no mundo do trabalho constituem
os fatores principais a direcionar os adolescentes e jovens para os cursos
de suplência, que aí chegam com mais expectativas que os adultos mais
velhos de prolongar a escolaridade pelo menos até o ensino médio para
inserir-se ou ganhar mobilidade no mercado de trabalho.

Essa questão, que iniciou nos anos 1970, ainda se encontra presente na
realidade da EJA, em que cada vez mais jovens procuram essa modalidade de
ensino para poderem conciliar com suas exigências relacionadas ao mercado
de trabalho. É somente a partir das mudanças ocorridas nos anos 1990 que
os contornos da EJA conhecidos hoje se concretizam. No ano de 1990 houve
também, em Jontiem, na Tailândia, a Conferência Mundial proposta pela ONU,
UNESCO, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD),
Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e Banco Mundial, que
resulta na Declaração Mundial sobre a Educação para Todos, na qual foi pro-
posto um aumento global dos níveis de educação básica para todo o mundo,
o que também afetou o Brasil. Porém, uma leitura crítica da declaração revela
seu caráter focado na educação primária e ao público infantil prioritariamente,
relegando ao segundo plano a EJA.

Visões das políticas de escolarização básica


para a EJA
Ao traçar o percurso histórico da EJA, pode-se perceber que sempre teve um
caráter secundário em relação à escolarização de crianças e adolescentes.
Além disso, é concebida de forma compensatória, posicionando esse aluno
adulto como aquele que precisa recuperar o ensino que não pôde cursar na

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idade apropriada. Porém, qual é a idade apropriada para aprender, sendo que
vivemos em um mundo que exige o aprendizado ao longo da vida? Esse é um
entendimento preocupante sobre a EJA, uma vez que:

Ao focalizar a escolaridade não realizada ou interrompida no passado, o


paradigma compensatório acabou por enclausurar a escola para jovens
e adultos nas rígidas referências curriculares, metodológicas, de tempo
e espaço da escola de crianças e adolescentes, interpondo obstáculos
à flexibilização da organização escolar necessária ao atendimento das
especificidades deste grupo sociocultural. (DI PIERRO, 2005, p. 1118).

Para atender às propostas de ensino para essa faixa de alunos adultos,


optou-se por focar na alfabetização como metodologia principal, uma vez
que era necessário atender aos reclames de organismos internacionais que
pressionavam o Brasil em relação aos índices de analfabetismo. Isso, porém,
acabou restringindo, obstaculizando que esse público fosse atendido de forma
mais abrangente e voltada para outras questões pertinentes à vida adulta.
Enfim, essa ideia de perseguir e focar somente na alfabetização desse uni-
verso de adultos não alfabetizados acabou distanciando a EJA dos princípios
da educação popular que eram enfatizados nas décadas de 1960 e 1970 por
Paulo Freire, em que muitas outras ideias em relação ao público adulto eram
enfatizadas. Essa ideia ainda persiste e tem seus reflexos no pensamento sobre
a EJA, porém, busca-se uma cultura do direito à educação na vida adulta, o
que já existe em relação ao direito à educação que recai sobre a criança.

Sobre a EJA recaem discursos e ações com caráter prospectivo, típico dos tempos atuais.
Isso significa que cada vez é mais necessário estudar, consolidar e buscar a chamada
alfabetização funcional. Essa alfabetização relaciona-se com a capacidade de exercer
a cidadania plena, ou seja, participar de questões que envolvem a sociedade e decidir,
atuar como cidadão de direitos e deveres em relação à nação.

Segundo o Parecer nº 11, de 10 de maio de 2000, do Conselho Nacional de


Educação, que institui as Diretrizes Nacionais para a Educação de Jovens e
Adultos, a EJA cumpre três funções: reparadora, equalizadora e qualificadora.

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A função reparadora relaciona-se com a questão de reparar o ensino que não


foi efetivado no tempo correto, na infância, entendendo-se que isso ocorre por
questões estruturais. Já a função equalizadora “[...] vai dar cobertura a traba-
lhadores e a tantos outros segmentos sociais como donas de casa, migrantes,
aposentados e encarcerados [...]” que tenham deixado de estudar por uma
interrupção forçada que os fez reprovar ou evadir. A função qualificadora,
provavelmente a menos enfatizada nos programas que ofereciam a EJA, ao
menos até o estabelecimento dessas diretrizes, “[...] é um apelo para a educa-
ção permanente e criação de uma sociedade educada para o universalismo, a
solidariedade, a igualdade e a diversidade” (BRASIL, 2000, p. 9-11).
A EJA passou por mudanças significativas nas últimas décadas, mais
precisamente a partir do ano de 2003, momento em que houve uma mudança
discursiva em relação à forma como a educação era considerada. Ou seja, o
caráter secundário dado à EJA começa a ser deixado para trás, uma vez que
o próprio Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) começa a contemplar esses
alunos em seu cálculo para as escolas que desenvolviam a EJA, bem como a
escrita de livros didáticos para a área que iriam além do teor da alfabetização,
proporcionando que pudessem ser pensados novos caminhos para a EJA, bem
como para a educação profissional do público adulto.

EJA como espaço para além da escolarização


A EJA deve cumprir com uma função de caráter de atualização permanente,
procurando preparar esses jovens e adultos para as mudanças no mundo, as
quais têm relação com questões relacionadas aos grupos etários envolvidos,
posições de gênero, critérios socioeconômicos, religiosos, enfim, toda uma
gama de fatores relacionados às práticas socioculturais que constituem esses
alunos no decorrer de suas vidas. As discussões sobre a diversidade cultural
e pela busca de um posicionamento intercultural devem estar presentes nos
espaços educativos da EJA e da educação profissional, havendo cuidado para
que não existam preconceitos ou discriminações de nenhuma ordem.
Existe um mito sobre a EJA que fala sobre a sua extinção, sobre um mo-
mento que essa deixaria de existir, momento em que todos os jovens e adultos
já teriam atingido essa formação básica essencial. Porém, é uma ideia que não
se constitui pelo fato de que existe uma evasão nos alunos que frequentam o
ensino médio e precisam recorrer à EJA para continuação dos seus estudos,
o que apresenta índices crescentes. Sobre esse fator, a literatura cita o “efeito

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desnivelador”, conforme abordado por Flecha Garcia (1996 apud DI PIERRO;


JOIA; RIBEIRO, 2001, p. 71): “[...] cada vez que se amplia a escolaridade
mínima obrigatória, um novo contingente de jovens e adultos fica com uma
escolaridade inferior àquela a que todo cidadão tem direito”. Logo, quando
houve essa última ampliação do ensino fundamental para nove anos, também,
como efeito desnivelador, será percebido um número crescente de jovens e
adultos com escolarização formal aquém do esperado.
Os objetivos da EJA e da própria educação profissional devem ultrapassar a
simples garantia da escolaridade mínima comum e caminhar em busca de uma
autonomia moral desses jovens e adultos, ou seja, fornecer subsídios para que
eles possam realizar suas leituras de mundo com olhar crítico, compreendendo
como agir, participar e relacionar-se na sociedade. Essa realidade é necessária
para que o indivíduo saiba quando e como adaptar-se ao mundo do trabalho
e à vida social que se modifica rapidamente e sempre impõe novas formas de
atuação e novas buscas por aperfeiçoamento que poderão ser feitos também
em outros espaços formativos, além da escola em si.

O livro “O direito à educação: lutas populares pela escola em Campinas”, de Rosa


Fátima de Souza, analisa as formas de escolarização estatal voltadas para as crianças
das camadas populares na primeira metade do século XIX.

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BRASIL. Constituição (1934). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil.


Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.
htm>. Acesso em: 27 jul. 2017.
BRASIL. Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa diretrizes e bases para o ensino
de 1º e 2º graus, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 ago.
1971. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5692.htm>. Acesso
em: 27 jul. 2017.
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CEB nº
11, de 2000. Dispõe sobre as diretrizes curriculares nacionais para a educação de jovens e
adultos. [Brasília, DF], 2000. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/
pdf/eja/legislacao/parecer_11_2000.pdf> Acesso em 14 de julho de 2017.
DI PIERRO, M. C.; JOIA, O.; RIBEIRO, V. M. Visões da educação de jovens e adultos no
Brasil. Cadernos Cedes, Campinas, v. 21, n. 55, p. 58-77, nov. 2001.
DI PIERRO, M. C. Notas sobre a redefinição da identidade e das políticas públicas de
educação de jovens e adultos no Brasil. Educação & Sociedade, Campinas, v. 26, n. 92,
p. 1115-1139, out. 2005.

Leituras recomendadas
FÁVERO, O. Cultura popular e educação popular: memória dos anos 60. Rio de Janeiro:
Graal, 1983.
VIDAL, D.; FARIA FILHO, L. M. A escolarização no Brasil: cultura e história da educação,
2003.

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