Você está na página 1de 10

A Cidade como objeto de estudo: conceções e correntes

de pensamento sobre as cidades - 2 - O pensamento


alemão
em fevereiro 09, 2016

          1. Os Utopistas

              Thomas More, Robert Owen, Charles Fourier, Jean Baptiste Godin,

              James Silk Buckingham, Benjamin W. Richardson, Ebenezer Howard

          2. O pensamento alemão

               1ª Geração: Max Weber e Werner Sombart

               2ª Geração: Georg Simmel e Walter Benjamin

          3. O pensamento em Inglaterra

              Desenvolvido por pensadores alemães em Inglaterra: Karl Marx e Friedrich

Engels

          4. A Escola Americana - Chicago

              Robert Park, Ernest Burgess, Louis Wirth

          5. O pensamento francês

              Henri Lefebvre e Manuel Castells

          6. Escola America - Los Angeles

              Michael Dear

1ª geração do pensamento alemão


Max Weber (1864-1929)

Weber nasceu em Erfurt, na Alemanha, em 1864 e morreu em Munique, em 1920. 

Nas Universidades de Göttingen e Heiderberg concentrou-se nos estudos de economia,

história, filosofia e direito. Depois de um esgotamento nervoso, regressou ao trabalho

em 1903, com Werner Sombart, como editor de uma importante revista, onde passou a

publicar regularmente os seus trabalhos. 

Há quem defenda que algumas das ideias de Weber pertenciam, na verdade, a Werner

Sombart, pensador que nunca foi tão conhecido como o primeiro. Sombart também

escreveu sobre a cidade, enquanto centro de desenvolvimento do capitalismo.

Em "Economia e Sociedade" - uma das suas obras principais - e em "La cité", fala sobre

a cidade: um conjunto caracterizado pelo tamanho, pela troca regular de bens e serviços

e pela diversificação de funções. É, aliás, para as funções que Weber dirige a sua

atenção nas cidades.

Weber desenvolveu uma famosa tipologia para as cidades ocidentais, descrevendo-as

em vários momentos históricos, nos quais assumem diferentes funções que se vão
acumulando ou alternando. Cada um dos tipos de cidade preenche, principal e

maioritariamente, uma função: 

 A cidade do príncipe – por aí se instalar o poder monárquico ou por ser a sede

do governo (Versalhes, Brasília); 

 A cidade do consumo – por ser uma cidade meramente consumidora, sem

produção própria, como cidades onde há muitos reformados ou estudantes

(cidades universitárias como Heidelberg); 

 A cidade produtora – por ser uma cidade essencialmente industrial, produtora

(como Manchester ou Chicago); 

 A cidade comercial – por ser uma cidade de mercado, exportadora ou portuária

(como Hamburgo ou Marselha). 

Empiricamente, há tipos mistos, que acumulam funções ou foram alternando essas

funções do decorrer da sua evolução histórica, como as metrópoles modernas que

tendem a ser, ao mesmo tempo, sede de governo e cidades consumidoras, por exemplo.

Weber não estudou propriamente as cidades, mas sim as suas funções. Ao conjunto de

todas essas funções chamou “urbanismo pleno”.

Werner Sombart (1863-1941)

Sombart nasceu em Ermsleben, em 1863, e morreu em Berlim, em 1941.

Autor de "Amor, Luxo e Capitalismo", foi com esta obra que evidenciou a sua

metodologia de pensamento, privilegiando os métodos qualitativos para analisar sinais

exteriores de riqueza na sociedade. Sendo bastante criativo do ponto de vista

metodológico, abordou o consumo como motor da sociedade industrial e urbana.


Werner Sombart foi uma figura controversa do pensamento social da chamada escola

histórica alemã, associada à formação da sociologia compreensiva. A sua vasta obra está

publicada em alemão e é de acesso difícil. A informação disponível em português é

praticamente inexistente. Mais informações sobre Werner Sombart aqui.

Ao lado da produção destes autores, começou a desenvolver-se o pensamento histórico

sobre as cidades, principalmente com Henri Pirenne e Fernand Braudel.

Nesta fase, a cidade era estudada por oposição ao campo, pelas suas diferenças em

termos de configuração económica e política. Hoje, a produção científica sobre a cidade

já não trabalha essa discussão sobre o campo. Ocorreu um processo de autonomização

do objeto de estudo.

2ª geração do pensamento alemão

Trata-se de uma 2ª Geração da Escola Alemã, não pela distância temporal, mas pela

forma de encarar a cidade. Georg Simmel e Walter Benjamin tratam a cidade por si só, e

não a cidade como lugar de outros fenómenos sociais que estudam – como Weber ou

Sombart que falam da cidade por ser o lugar do capitalismo.

Georg Simmel (1858-1918)


Simmel nasceu eu Berlim e morreu em Estrasburgo. Filho de judeus convertidos ao

catolicismo, teve grandes dificuldades em afirmar-se no mundo académico da capital

imperial alemã. 

Durante algumas décadas, viveu da herança da família, possuindo alguns títulos

académicos não remunerados ou com baixa remuneração. Poucos anos antes de falecer

(1914), recebeu uma oferta de trabalho bem remunerado na Universidade de

Estrasburgo, mas o deflagrar da I Guerra Mundial viria a interferir na sua atividade

docente.

Era um refinado ensaísta, cujos trabalhos faziam grande sucesso em França e nos EUA,

onde era mais conhecido do que na Alemanha. Era conhecido com um expositor

brilhante, como intelectualmente brilhante mas academicamente fraco. No final da sua

vida, Weber intercedeu para lhe conseguir uma posição numa universidade alemã, mas

Simmel não se adaptou ao lugar.

Apesar de ter escrito pouco sobre cidades, esse pouco marcou profundamente a

sociologia urbana que se fez depois. Os ensaios mais importantes nesta área são:

 “A metrópole e a vida do espírito”, 1903 – analisa a forma como a cidade

transforma os indivíduos e as formas como estes se adaptam; 

 “A sociologia do espaço”, 1903; 

 “Porta e ponte”, 1909. 

O terreno privilegiado de Simmel era Berlim e, mais lateralmente, Viena.

Metodologia de Simmel: 
Faz um confronto da cidade mas não com o campo. Faz um confronto entre as grandes

cidades e as pequenas cidades. 

O seu pensamento é sempre um misto de sociologia e psicologia. 

A sua abordagem sobre a cidade incide sobre as vivências dos seus habitantes, as suas

representações mentais, códigos morais e modos de perceção que se desenvolvem nos

contextos urbanos e que estão subjacentes à modernidade. 

Segundo ele, o que domina nestas novas cidades é uma lógica calculista da vida, uma

lógica objetiva e racional. 

Simmel defendia que, nas grandes cidades, os indivíduos têm que se refugiar no seu

individualismo, como forma de se protegerem das múltiplas relações possíveis e dos

múltiplos estímulos que recebem. 

Sinteticamente, segundo Simmel, há 4 traços que caracterizam a vida nas metrópoles: 

 Individualismo; 

 Reserva mental – indiferença face aos outros; 

 Espírito calculista; 

 Atitude blasé – atitude de avaliação superficial, tratamento de tudo por igual. 

As suas ideias podem ser resumidas nos seguintes pontos: 

 As cidades grandes criam as condições psicológicas para a intensificação e o

aumento da vida nervosa e da vida mental dos indivíduos que as habitam. 

 Essas cidades foram, desde os seus primórdios, a sede da economia monetária. 


 As grandes cidades exigem aos indivíduos pontualidade, calculabilidade,

exatidão, impessoalidade e anonimato. 

 As grandes cidades são o lugar da atitude blasé, que se manifesta entre os

habitantes da metrópole como uma distância pessoal, como um desinteresse por

aquilo que os rodeia. 

 O anonimato passa a ser uma vantagem na vida urbana, onde todos são

estrangeiros entre si, o que permite aos indivíduos escapar ao controlo social das

pequenas comunidades. 

 As grandes cidades são lugares da mais elevada divisão económica e social do

trabalho. Nelas, impõe-se a necessidade da especialização e da alta competência

individual. 

 As cidades são formações históricas próprias, cada uma com a sua

individualidade – representam a cultura específica do seu tempo.

Walter Benjamin (1892-1940)

Nasceu em Berlim e morreu na fronteira franco-espanhola. Filho de judeus ricos, teve

uma infância protegida. Confessava que só conhecia Berlim Oriental pela literatura.

Estudou línguas clássicas, filosofia e teoria literária. 

Na década de 1920 tentou defender uma tese de pós-doutoramento em Frankfurt, cuja

universidade era considerada especialmente liberal e tolerante com os descendentes de

judeus abastados. No entanto, o seu estudo foi rejeitado pelo júri. Com a eleição de

Hitler e a emergência do anti-semitismo do regime nazi alemão, Benjamin desistiu de

voltar a Berlim, onde correria o risco de prisão ou deportação. Acabou por ficar em

Paris, a cidade que elegeu como “a capital do século XIX”. 


Em 1940, Benjamin foi preso pelos franceses, correndo o risco de ser enviado para

Auschwitz. A solução veio de Max Horkheimer (também sociólogo alemão) que

financiou a sua libertação e um bilhete de Lisboa para a América do Norte. A caminho

de Paris para Lisboa, Benjamin foi detido na fronteira espanhola e, em pânico com a

ideia de Auschwitz acabou por suicidar-se.

Benjamin já não escreve numa fase de transição do pré-moderno para o moderno mas

sim de cidade moderna consolidada.

Não pode ser considerado como um “sociólogo urbano” em sentido restrito. Foi antes

alguém que deambulava pelas ruas de Paris, consagrando o conceito de flâneur, já

cunhado antes por Baudelaire.

Como um pensador da cidade e como um flâneur, foi a sua obra publicada

postumamente que teve maior divulgação – As Passagens de Paris.  Nesta obra,

Benjamin centra-se nas armações de ferro da torre Eiffel, das estações de comboio, das

passagens de pedestres – em suma, das galerias que interligavam as ruas de Paris. Para

ele, essas galerias eram o elemento essencial do mundo da mercadoria, do capitalismo.

Nessas galerias, nas montras, os bens e as mercadorias eram expostos, oferecidos ao

olhar do consumidor. 

É nas galerias que Benjamin vê deambularem as personagens alegóricas definidas por

ele para a cidade, tipos-ideais – a prostituta, o catador de papéis, o jogador, o flâneur.

SÍNTESE
Cada um destes pensadores tem a sua forma própria de encarar a cidade. Mas, juntos,

confirmam a ideia de uma escola: pela reciprocidade do pensamento e pela

intertextualidade praticada – integram uma mesma escola de pensamento. 

Todos conseguiram filiar-se num grupo de estudos que reúne discípulos – que se

encantaram com os seus trabalhos, influenciando depois outros pensadores dentro e fora

da Alemanha. O caso mais famoso, influenciado por estes pensadores alemães, é o da

Escola de Chicago, nos EUA. 

É difícil saber se foi Weber que influenciou Simmel ou se foi Simmel que incentivou

Weber a mergulhar no estudo das cidades. Sendo conterrâneos e contemporâneos,

moradores de Berlim na mesma época, é difícil crer que não tenha havido partilha de

ideias. Em todo o caso, importa realçar que os dois pensadores elegem a cidade como a

sede do dinheiro, da economia monetária e da racionalidade económica. 

Benjamin assistiu a algumas aulas de Simmel, sendo certamente influenciado por ele.

Simmel viria a influenciar também Robert Park, da Universidade de Chicago.

Entre a 1ª e a 2ª gerações da Escola Alemã, surgiu uma Escola Inglesa feita por

pensadores não ingleses (que estavam em Inglaterra). No entanto, no que respeita à

literatura sobre as cidades, esta escola inglesa foi ofuscada pela 2ª Geração da Escola

Alemã, no seio da qual Simmel teve um papel preponderante.

Bibliografia:

BORJA, Jordi (1997), “Las Ciudades como Actores Políticos”, América Latina Hoy,

Vol. 15, 15-19.

FREITAG, Barbara (2006), Teorias da cidade. Campinas (SP): Papirus.


GOMES, Carina (2013), Cidades e Imaginários Turísticos: Um estudo sobre quatro

cidades médias da Península Ibérica. Faculdade de Economia da Universidade de

Coimbra: Tese de Doutoramento em Sociologia - Cidades e Culturas Urbanas.

HORTA, Ana Paula (2007), Sociologia Urbana. Lisboa: Universidade Aberta.

MELA, Alfredo (1999), A Sociologia das Cidades. Lisboa: Estampa.

RÉMY, Jean; VOYÉ, Liliane (1994), A cidade: rumo a uma nova definição?.

Porto: Afrontamento.

Você também pode gostar