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Repensando a Teoria

Literária Contemporânea
João Sedycias, Ph.D.
[organizador]

Repensando a Teoria
Literária Contemporânea

Apresentação de Cíntia Moscovich

Projeto internacional em conjunto da


International joint project of

Southern Illinois University Edwardsville Universidade Federal de Pernambuco


Edwardsville, Illinois Recife, Pernambuco
Estados Unidos da América Brasil

Recife, PE, Brasil | 2015


Universidade Federal de Pernambuco
Reitor: Prof. Anísio Brasileiro de Freitas Dourado
Vice-Reitor: Prof. Sílvio Romero Marques
Diretor da Editora: Prof. Lourival Holanda

Comissão Editorial
Presidente: Prof. Lourival Holanda

Titulares: Ana Maria de Barros, Alberto Galvão de Moura Filho, Alice Mirian Happ Botler,
Antonio Motta, Helena Lúcia Augusto Chaves, Liana Cristina da Costa Cirne Lins, Ricardo Bastos
Cavalcante Prudêncio, Rogélia Herculano Pinto, Rogério Luiz Covaleski, Sônia Souza Melo
Cavalcanti de Albuquerque, Vera Lúcia Menezes Lima.

Suplentes: Alexsandro da Silva, Arnaldo Manoel Pereira Carneiro, Edigleide Maria Figueiroa
Barretto, Eduardo Antônio Guimarães Tavares, Ester Calland de Souza Rosa, Geraldo Antônio
Simões Galindo, Maria do Carmo de Barros Pimentel, Marlos de Barros Pessoa, Raul da Mota
Silveira Neto, Silvia Helena Lima Schwamborn, Suzana Cavani Rosas.

Editores Executivos: Edigleide Maria Figueiroa Barretto, Rogério Luiz Covaleski e Silvia Helena
Lima Schwamborn

1ª Edição XXXX
Xª Edição (Ano corrente)

Catalogação na fonte:
Bibliotecária Fulana de Tal, CRB4-XXXX

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ficha catalográfica
(pode alterar a fonte para compor o projeto do gráfico do livro, mas deve-se evitar a mudança nos hhj - hhbc wh,at
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Recife, PE | CEP: 50.740-530
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www.ufpe.br/edufpe | livraria@edufpe.com.br
Sumário

217 6. A Nova Crítica


9 Sobre o[a]s Autore[a]s José de Paiva dos Santos
23 Apresentação Universidade Federal de Minas Gerais
Cíntia Moscovich
235 7. Estruturalismo e Semiótica
25 Prefácio Regina Lúcia de Faria
João Sedycias (Organizador) Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
State University of New York College at Oneonta, USA
289 8. Literatura e psicanálise: confrontos
33 1. O que é e o que não é literatura? Adélia Bezerra de Meneses
Anco Márcio Tenório Vieira Universidade de São Paulo
Universidade Federal de Pernambuco Universidade Estadual de Campinas

87 2. A teoria literária: desprestigiada e imprescindível 321 9. Estética da Recepção e do Efeito ou há um leitor no


Lourival Holanda horizonte?
Universidade Federal de Pernambuco Carmen Sevilla Gonçalves dos Santos
Universidade Federal da Paraíba
105 3. Crítica literária: seu percurso e seu papel na
atualidade 365 10. Marxismo
Roberto Acízelo de Souza Edu Teruki Otsuka
Universidade do Estado do Rio de Janeiro Universidade de São Paulo

121 4. Reflexividade, Romantismo e Modernismo 407 11. Feminismo e literatura: apontamentos sobre crítica
Sueli Cavendish feminista
Universidade Federal de Pernambuco Cecil Jeanine Albert Zinani
Universidade de Caxias do Sul
179 5. Fenomenologia e Hermenêutica: impactos sobre os
estudos literários 437 12. Formalismo russo: uma revisão e uma atualização
Maria da Glória Bordini Aurora Fornoni Bernardini
Universidade Federal do Rio Grande do Sul Universidade de São Paulo
477 13. Walter Benjamin e sua teoria crítica
Márcio Seligmann-Silva
Universidade Estadual de Campinas

515 14. Uma literatura pensante: as desconstruções e o


pensamento de Derrida
Evando Nascimento
Universidade Federal de Juiz de Fora
Sobre o(a)s Autore(a)s

557 15. A literatura e o pensar: notas sobre a trajetória


intelectual de Jonathan Culler
Sueli Cavendish
Universidade Federal de Pernambuco
JOÃO SEDYCIAS — Organizador da presente coletânea. Ph.D. em
607 16. Multitransintercultura: literatura, teoria pós-colonial literatura comparada pela Universidade do Estado de Nova York em
e ecocrítica
Roland Walter Buffalo (State University of New York at Buffalo), com a tese Crane,
Universidade Federal de Pernambuco Azevedo, and Gamboa: A Comparative Study (Crane, Azevedo e
663 17. Vozes autóctones das Américas: o discurso Gamboa: um estudo comparativo). Em Buffalo, além de lidar com
contracanônico da crítica indígena
Eloína Prati dos Santos
teoria literária no programa de literatura comparada, trabalhou, tam-
Universidade Federal do Rio Grande do Sul bém, no Departamento de Línguas Modernas, como colaborador de
689 18. Futuros (im)possíveis da (in)disciplina teoria da pesquisa e assistente administrativo de Peter Boyd-Bowman na área
literatura
de filologia hispânica (história da língua espanhola). De 1990 a 1997,
André Monteiro
Universidade Federal de Juiz de Fora chegou ao nível de Associate Professor de língua e literatura espanho-
la e hispano-americana na Universidade do Estado da California em
Sacramento (California State University, Sacramento). Regressando
ao país de sua infância, de 1999 a 2002 foi professor titular visitante
de espanhol e inglês no Departamento de Línguas Estrangeiras e
Tradução da Universidade de Brasília, onde ajudou a estabelecer e
desenvolver o programa de pós-graduação em linguística aplicada
ao ensino de línguas estrangeiras. De 2002 a 2006, foi professor
adjunto e, de 2003 a 2006, chefe do Departamento de Letras, na
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde atuou nas áreas
de inglês e espanhol. De volta aos Estados Unidos, de 2006 a 2011
ocupou o cargo de professor titular de espanhol e inglês e chefe da
Divisão de Ciências Humanas da Faculdade do Condado de Essex
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(Essex County College) em Newark, Nova Jersey. Subsequentemente, exterior. Colaborou, como verbetista, na BIBLOS — Enciclopédia
de 2011 a 2014 foi professor titular efetivo de línguas espanhola VERBO das literaturas de língua portuguesa (Coimbra, 1999, v. 3;
e portuguesa na Universidade do Sul de Illinois em Edwardsville 2001, v. 4; e 2004, v. 5). É autor de Luiz Marinho: o sábado que não
(Southern Illinois University Edwardsville), onde também atuou entardece (FCCR, 2004), Adultérios, biombos e demônios (PPGL,
como chefe do Departamento de Línguas e Literaturas Estrangeiras. 2009), Orley Mesquita: prosa e verso (CEPE, 2012), e é coautor dos
Em agosto de 2014, aceitou o convite e assumiu o posto de Professor livros O caminho se faz caminhando: 30 anos do Programa de Pós-
Titular de Espanhol & Português e Decano Fundador da Escola de Graduação em Letras da UFPE (Ed. UFPE, 2006) e Hermilo Borba
Artes & Humanidades na Universidade do Estado de Nova York em Filho e a dramaturgia: diálogos pernambucanos (FCCR, 2010). Foi
Oneonta (State University of New York College at Oneonta) e hoje Gerente-Assistente do Instituto de Documentação (INDOC), da
mora na região das Montanhas Catskill, na parte central desse esta- Fundação Joaquim Nabuco (1994-1997; 2000-2002). No momento,
do. Além de organizar a presente coletânea, é autor e organizador de organiza a correspondência ativa e passiva entre Joaquim Nabuco e
vários livros sobre língua, literatura e cultura publicados no Brasil Graça Aranha (1890-1910) e o Teatro Completo de Luiz Marinho
e no exterior, entres eles: The Naturalistic Novel of the New World (em 3 volumes).
(1993), Tópicos em linguística aplicada – Issues in Applied Linguistics
(2000), O ensino do espanhol no Brasil (2005) e A América hispânica LOURIVAL HOLANDA — Possui Graduação em Filosofia pela
no imaginário literário brasileiro / Brasil en el imaginario literario Universidade de Paris VIII (1976), Mestrado em Letras (Língua
hispanoamericano (2007). Interesses atuais incluem a teoria literá- e Literatura Francesa) pela Universidade de São Paulo (1986)
ria, principalmente nas suas vertentes contemporâneas, a aplicação e Doutorado em Letras (Língua e Literatura Francesa) pela
da tecnologia da informação e da Internet ao ensino de línguas Universidade de São Paulo (1992). Editor da Revista Estudos
estrangeiras (especialmente espanhol e inglês para lusofalantes), Universitários da UFPE. Publicou Fato e Fábula (Ed UFAM, 1999);
história da língua espanhola, literatura e cultura latino-americana e Sob o signo do silêncio (EDUSP, 1992); e Álvaro Lins: crítico literário
literatura do Siglo de Oro espanhol. e cultural (Ed UFPE, 2008). Organizou para o Itaú Cultural a coletâ-
nea Deslocamentos críticas (São Paulo: Babel, 2011); Tem feito con-
ANCO MÁRCIO TENÓRIO VIEIRA — É Mestre em Teoria da Literatura ferências nos Estados Unidos (Nova York e Austin) e, sobretudo na
(UFPE), Doutor em Literatura Brasileira (UFPB) e, atualmente, é França (Paris e Clermont-Ferrand). Membro do Conselho Editorial
professor Associado I do Departamento de Letras da UFPE. Co- da revista online de Literatura e Linguística Eutomia (ISSN 1982-
editor da revista Investigações, do Programa de Pós-Graduação 6850). Membro do Instituto Arqueológico Geográfico e Histórico de
em Letras, tem trabalhos publicados na Revista USP, Ciência & Pernambuco. Atualmente é Professor Associado I da Universidade
Trópico, Luso-Brazilian Review, Estudos Portugueses, Cultura Vozes, Federal de Pernambuco e Diretor da Editora UFPE. Desenvolve
Encontro, Cadernos Daimon, entre outros periódicos do Brasil e do pesquisas em poéticas, memória e sociedade, com ênfase na Crítica
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e Teoria Literária, Literatura Brasileira Contemporânea, Literaturas do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Pós-Graduação em Letras da mesma
Estrangeiras Contemporâneas, Cultura, História e Linguagem. universidade, com bolsa de pesquisador visitante FAPERJ (2003-
2004). Lecturer dos Departamentos de Estudos Culturais e de Inglês,
ROBERTO ACÍZELO DE SOUZA — É licenciado em letras pela da University of North Carolina at Charlotte, EUA, apresentando as
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, instituição onde é pro- conferências: “From Walter Benjamin to the translation of William
fessor titular de literatura brasileira, tendo também lecionado teoria Faulkner into Portuguese: Talks by Dr. Sueli Cavendish” e “Close
da literatura na Universidade Federal Fluminense, de 1976 a 2002. Encounters at a Crossroads: Poe, Faulkner, Rosa and Machado
Doutor em teoria da literatura pela Universidade Federal do Rio de Assis”. Tem capítulos publicados nos livros Crossings and
de Janeiro, com estudos de pós-doutorado na Universidade de São Contaminations: Studies in Comparative Literature (Ed. por Eduardo
Paulo, entre seus principais trabalhos publicados figuram: Teoria da Coutinho e Pina Bausch, Aeroplano, 2009), Do Jeito Delas: Vozes
literatura (1986, 10ª edição em 2007), Formação da teoria da litera- da Poesia Feminina de Língua Inglesa (Sete Letras / Faperj, 2008), e
tura (1987), O império da eloquência: retórica e poética no Brasil oi- Nove Abraços no Inapreensível (Azougue, 2008). Tem artigos cientí-
tocentista (1999), Iniciação aos estudos literários: objetos, disciplinas, ficos publicados em diversas revistas (USP, Eutomia, Investigações,
instrumentos (2006) e Introdução à historiografia da literatura bra- Terceira Margem, Continente Multicultural, entre outras) e tradu-
sileira (2007). Organizou ainda duas edições anotadas de trabalhos ções de diversos contos inéditos de William Faulkner, publicados
do historiador e crítico romântico Joaquim Norberto — História da nas revistas USP, Eutomia, Continente Multicultural, e Investigações.
literatura brasileira (2002) e Crítica reunida; 1850-1892 (2005; em É editora-chefe de Eutomia, Revista de Literatura e Linguística, que
colaboração com José Américo Miranda e Maria Eunice Moreira) criou no Departamento de Letras da UFPE em 2008.
— bem como uma edição dos ensaios sobre história literária na-
cional de Fernandes Pinheiro: Historiografia da literatura brasileira: MARIA DA GLÓRIA BORDINI — Possui licenciatura em letras pela
textos inaugurais (2007), além da antologia Uma ideia moderna de Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1969), mestrado em
literatura: textos seminais para os estudos literários (1688-1922). letras / teoria da literatura pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul (1983) e doutorado em letras na mesma área de
SUELI CAVENDISH — Doutora em Letras pela Universidade Estadual concentração também pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
do Rio de Janeiro (UERJ) e Mestre em Sociologia pela Universidade Grande do Sul (1991). É professora aposentada como Adjunta IV
Federal de Pernambuco (UFPE). Professora efetiva Adjunta III de na UFRGS e ex-professora titular de teoria da literatura da PUCRS.
Literaturas de Língua Inglesa do Departamento de Letras da UFPE. Atualmente exerce o cargo de professora colaboradora convidada da
Visiting Scholar e Visiting Fellow, respectivamente, da University UFRGS no Programa de Pós-Graduação em Letras. Tem experiência
of Southern Mississippi e da Yale University, entre 2001 e 2002. na área de letras, com ênfase em teoria da literatura, atuando prin-
Professora Visitante do Curso de Letras da Universidade Federal cipalmente nos seguintes temas: Erico Verissimo, Mario Quintana,
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acervos literários, literatura brasileira e portuguesa, estudos culturais século 19 e 20, Literatura Afro-Americana, Literatura e Religiosidade,
e lírica. É pesquisadora 1B do CNPq. Entre os 27 livros publicados e Literatura Comparada. Obteve Ph.D. em Literatura Comparada e
ou organizados, figuram importantes marcos nos estudos literários Teoria Literária na Purdue University (2001), e Mestrado na mesma
brasileiros, tais como: Poética da cidade em Erico Verissimo (Rio de área na Brigham Young University (1997). Coorganizador do livro
Janeiro: Edições Makunaima, 2012), Melhores contos de Walmir Migrações Teóricas, Interlocuções Culturais: Estudos Comparados
Ayala (São Paulo: Global, 2011), Identidades fraturadas: ensaios sobre Brasil / Canadá (2009) e autor de vários artigos publicados na área
literatura portuguesa (São Paulo: EDUSP, 2011), Leitura e desenvol- de literatura estadunidense, afro-estadunidense e canadense.
vimento da linguagem (São Paulo: Global / ALB, 2010), As cidades
imaginadas de Erico Verissimo (Porto Alegre: Gráfica Comunicação REGINA LÚCIA DE FARIA — É professora adjunta de Literatura
Impressa, 2007), Mario Quintana: o anjo da escada (Porto Alegre: Brasileira no curso de Letras da Universidade Federal Rural do Rio
Telos Empreendimentos Culturais, 2006), Crítica do tempo presente: de Janeiro (UFRRJ) desde 2010. Fez mestrado e doutorado na PUC-
estudo, difusão e ensino de literaturas de língua portuguesa (Porto RJ e doutorado-sanduíche na Universidade de Stanford, Califórnia.
Alegre: Nova Prova / AIL / IEL, 2005), Caderno de pauta simples: De 1999 a 2002, foi professora leitora no Instituto de Línguas
Erico Verissimo e a crítica literária (Porto Alegre: Instituto Estadual do Românicas da Universidade de Aarhus, Dinamarca. Sua pesquisa
Livro, 2005), Cultura e identidade regional (Porto Alegre: EDIPUCRS, é centrada, sobretudo, em crítica literária brasileira contemporânea.
2004), O tempo e o vento: história, invenção e metamorfose (Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2004), O arco e as pedras: fontes primárias, teoria ADÉLIA BEZERRA DE MENESES — Formada e doutorada pela USP,
e história da literatura (Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004), Lukács pesquisadora do CNPq, lecionou Literatura Brasileira na Technische
e a literatura (Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003), 35 Melhores Contos do Universität de Berlim e Teoria Literária e Literatura Comparada na
Rio Grande do Sul (Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro CORAG, USP e UNICAMP. Aposentada, continua atuando vinculada à Pós-
2003), A liberdade de escrever (São Paulo: Globo, 1999), O cortejo do Graduação dessas duas universidades paulistas. Publicou os livros:
divino e outros contos escolhidos (Porto Alegre: L&PM, 1999), Criação A Obra Crítica de Álvaro Lins e sua Função Histórica (Rio de Janeiro:
literária em Erico Verissimo (Porto Alegre: L&PM, 1995), Confissões Vozes, 1979); Desenho Mágico: Poesia e Política em Chico Buarque
do amor e da arte (Porto Alegre: Mercado Aberto, 1994), Literatura: (São Paulo: Hucitec, 1982; Prêmio Jabuti; 3ª ed. ampliada, São Paulo:
a formação do leitor (Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993), e O gigolô Ateliê, 2002) ; Do Poder da Palavra: Ensaios de Literatura e Psicanálise
das palavras (Porto Alegre: L&PM, 1993). (São Paulo: Duas Cidades, 1995; 2ª ed., 2004) ; Figuras do Feminino
(São Paulo: Ateliê, 2000; 2ª ed., 2001); As Portas do Sonho (São
JOSÉ DE PAIVA DOS SANTOS — Professor de Literaturas de Língua Paulo: Ateliê, 2002); Cores de Rosa: Ensaios sobre Guimarães Rosa
Inglesa na Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de (São Paulo: Ateliê, 2010). Organizou os livros: Utopia Urgente (em
Letras, onde atua nas seguintes áreas: literatura estadunidense do colaboração com T. Jensen e Frei Betto), São Paulo: Casa Amarela /
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EDUC, 2002; e Saudades de Rosa e Sertão (Fotos de Germano Neto, Mestrado em Letras – Teoria da Literatura, na PUCRS; Doutorado
textos de Guimarães Rosa), São Paulo: EDUSP, 2007. em Letras, Literatura Comparada, na UFRGS. Realizou estágio de
Pós-Doutoramento na linha de pesquisa Memória e História, na
CARMEN SEVILLA GONÇALVES DOS SANTOS — Possui Doutorado em PUCRS. É docente e pesquisadora do Curso de Letras, do Programa
Teoria da Literatura (2007) pela Universidade Federal de Pernambuco, de Pós-Graduação Mestrado em Letras, Cultura e Regionalidade na
Mestrado em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba Universidade de Caxias do Sul e do Programa de Pós-Graduação
(1995) e Graduação em Psicologia pela Universidade Federal da Doutorado em Letras, Associação Ampla UCS-UNIRITTER. Entre
Paraíba (1990). Atualmente é Professora Associada I no Departamento suas publicações, destacam-se: Literatura e gênero: a construção da
de Fundamentação da Educação do Centro de Educação da identidade feminina, História da literatura: questões contemporâneas;
Universidade Federal da Paraíba. Tem experiência na área de em coorganização, as obras: Da tessitura ao texto: percursos de
Psicologia da Educação, Habilidades Sociais e Educação, Transtornos crítica feminista, Mulher e literatura: história, gênero, sexualidade,
de Desenvolvimento e Necessidades Educativas Especiais. Também Dicionário biobibliográfico dos escritores da Região de Colonização
atua como professora da modalidade de Educação a Distância (vincu- Italiana no Nordeste do Rio Grande do Sul: das origens a 2005 e
lada ao Curso de Letras Virtual). Autora de capítulos, artigos e livros Multiplicidade dos signos: diálogos com a literatura infantil e juvenil.
em educação, psicologia e teoria da literatura. Também publicou capítulos de livros e artigos em periódicos. Entre
seus interesses, destacam-se: estudos de gênero, questões de leitura e
EDU TERUKI OTSUKA — É mestre em Letras – Teoria Literária e ensino da literatura, literatura infantil e juvenil história da literatura
Literatura Comparada (USP, 2000), doutor em Letras – Literatura e literatura e regionalidade.
Brasileira (USP, 2005) e professor do Departamento de Teoria
Literária e Literatura Comparada da Faculdade de Filosofia, Letras e AURORA FORNONI BERNARDINI — Professora titular da USP, formada

Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. É autor de Marcas em Letras Anglo-Germânicas e Estudos Orientais, leciona Literatura
da catástrofe: experiência urbana e indústria cultural em Rubem Russa, Teoria Literária e Literatura Comparada em nível de pós-gra-
Fonseca, João Gilberto Noll e Chico Buarque (São Paulo: Nankin duação. Dedica-se à ensaística e à tradução, em particular, de obras
Editorial, 2001) e Era no tempo do rei: atualidade das Memórias de russas e italianas. Em 2006, publicou pela Martins Fontes Indícios
um sargento de milícias (São Paulo: Ateliê Editorial, no prelo). Entre Flutuantes, ensaio e traduções de poemas de Marina Tsvetáieva,
seus interesses, destacam-se: teoria crítica, romance brasileiro e so- recebendo o Prêmio Paulo Rónai e o Prêmio Jabuti de tradução. No
ciedade, formas culturais contemporâneas. mesmo ano, recebeu o Prêmio da APCA, juntamente com Homero
Freitas de Andrade, pela tradução que realizou para a Cosac & Naify
CECIL JEANINE ALBERT ZINANI — Graduou-se em Letras – Português- de O Exército de Cavalaria de Isaac Bábel. Recentemente traduziu
Inglês, cursou Especialização em Literatura Infantil e Juvenil, na UCS; A Estrutura do Conto de Magia de E. Meletínski para a Editora da
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Universidade Federal de Santa Catarina. Atualmente dedica-se à Iluminuras, 1998, finalista do Prêmio Jabuti na categoria Tradução,
tradução de poesia. 2000), Philippe Lacoue-Labarthe, Jean-Luc Nancy, J. Habermas,
entre outros. Coordenou de 12/2006 a 11/2010 o Projeto Temático
MÁRCIO SELIGMANN-SILVA — Possui graduação em História pela FAPESP “Escritas da Violência”. Possui vários ensaios publicados
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1986), mestrado em em livros e revistas no Brasil e no exterior. Foi professor visitante
Letras (Língua e Literatura Alemã) pela Universidade de São Paulo em Universidades no Brasil, Argentina, México e Alemanha. Atua
(1991), doutorado em Teoria Literária e Literatura Comparada pela principalmente nos seguintes temas: romantismo alemão, teoria e
Freie Universität Berlin (1996), e pós-doutorado pelo Zentrum Für história da tradução, teoria do testemunho, literatura e outras artes,
Literaturforschung Berlim (2002) e por Yale (2006). É professor teoria das mídias, teoria estética do século XVIII ao XX e a obra de
livre-docente de Teoria Literária na UNICAMP e pesquisador do Walter Benjamin.
CNPq. É autor dos livros Ler o Livro do Mundo. Walter Benjamin:
romantismo e crítica poética (Iluminuras/FAPESP, 1999, vencedor EVANDO NASCIMENTO — É ensaísta, escritor e professor da
do Prêmio Mario de Andrade de Ensaio Literário da Biblioteca Universidade Federal de Juiz de Fora. Seu trabalho se desenvolve em
Nacional em 2000), Adorno (PubliFolha, 2003), O Local da Diferença. torno das áreas de Filosofia, Literatura e Artes Visuais. Doutorou-se
Ensaios sobre memória, arte, literatura e tradução (Editora 34, 2005, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Nos anos 1990, com-
vencedor do Prêmio Jabuti na categoria Melhor Livro de Teoria/ pletou sua formação em Paris, onde foi aluno de Jacques Derrida
Crítica Literária 2006), Para uma crítica da compaixão (Lumme na École des Hautes Études en Sciences Sociales. Lecionou durante
Editor, 2009) e A atualidade de Walter Benjamin e de Theodor W. três anos na Université Stendhal, de Grenoble. Em 2007, realizou
Adorno (Editora Civilização Brasileira, 2009); organizou os vo- um Pós-Doutorado em Filosofia, sobre Benjamin e Derrida, na
lumes Leituras de Walter Benjamin: (Annablume/FAPESP, 1999; Universidade Livre de Berlim. Já ministrou cursos e palestras em
segunda edição 2007), História, Memória, Literatura: o Testemunho diversas instituições internacionais e nacionais: Universidade de
na Era das Catástrofes (UNICAMP, 2003) e Palavra e Imagem, Paris, Universidade de Manchester, Universidade de Bruxelas,
Memória e Escritura (Argos, 2006) e coorganizou Catástrofe e UFMG, UERJ, PUC-Rio, Unicamp, USP, UFBA, Unesp, entre ou-
Representação (Escuta, 2000), Escritas da violência. Vol I. O teste- tras. Foi o organizador do “Colóquio Internacional Jacques Derrida
munho (7Letras, 2012) e Escritas da violência. Vol II. Representações 2004: Pensar a Desconstrução”, em que Derrida fez a conferência
da violência na história e na cultura contemporâneas da América de abertura. Publicou, entre outros: Derrida e a literatura (2ª. Ed.,
Latina (7Letras, 2012); Imagem e Memória (Belo Horizonte: FALE/ EdUFF), Derrida (Zahar), Filosofia e literatura: diálogos (EdUFJF e
UFMG, 2012). Traduziu obras de Walter Benjamin (O conceito Imprensa Oficial), Pensar a desconstrução (Ed. Estação Liberdade)
de crítica de arte no romantismo alemão, Iluminuras, 1993), G.E. e Clarice Lispector: uma literatura pensante (Civilização Brasileira).
Lessing (Laocoonte. Ou sobre as Fronteiras da Poesia e da Pintura, Coordena atualmente a Coleção Contemporânea – Literatura,
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Filosofia & Artes, pela Civilização Brasileira. Lançou pela Record e literatura ameríndia. Organizou, entre outros, Perspectivas da
os livros de ficção Retrato desnatural (2008) e Cantos do mundo literatura ameríndia no Brasil, Estados Unidos e Canadá (2003, com
(contos) (2011). dois volumes online), e Outras literaturas anglófonas: (des)ecrevendo
império, com Sonia Torres (2006). Foi membro do Corpo Editorial
ROLAND WALTER — É Professor Associado do Departamento de da Revista Interfaces (Revista da Associação Brasileira de Estudos
Letras da UFPE e Pesquisador do CNPq. É doutor em Literatura Canadenses) para a publicação dos números 1 a 11.
Comparada pela Johannes Gutenberg Universität, Mainz, Alemanha
(1992) e fez pós-doutorado na University of California, Santa Cruz ANDRÉ MONTEIRO — É homo lattes e homo ludens. Com a máscara do

(2000). Roland Walter é autor de três livros — Magical Realism in primeiro é proletário da cognição. Como homo ludens, busca criar
Contemporary Chicano Fiction (Vervuert, 1993), Narrative Identities: e se deixar criar por afetos alegres. Na corda bamba entre acasos e
(Inter)Cultural In-Betweenness in the Americas (Peter Lang, 2003) e constelações, as duas máscaras, simultaneamente, lhe caem muito
Afro-América: Diálogos Literários na Diáspora Negra das Américas bem e fazem dele doutor e pós-doutor em Estudos da Literatura
(Bagaço, 2009) — editou o e-book “As Américas: Encruzilhadas pela PUC-Rio, professor de literatura da Universidade Federal de
Glocais” (Ed. UFPE, 2007) e (em coautoria com Ermelinda Ferreira) Juiz de Fora (FALE/Dep. de Letras), escritor e compositor em horas
o livro Narrações da Violência Biótica (Ed. UFPE, 2010) e publicou raras. Publicou os livros A ruptura do escorpião – Torquato Neto e o
numerosos artigos e capítulos de livro no Brasil, na Argentina, em mito de marginalidade e Ossos do Ócio.
Cuba, no Canadá, nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Alemanha
e na Holanda. Em 2004, foi convidado como Professor Visitante na
Eberhard-Karls Universität de Tübingen, Alemanha. E-mail: wal-
ter_roland@hotmail.com.

ELOÍNA PRATI DOS SANTOS — É professora aposentada da


Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde foi Vice-Diretora
do Instituto de Letras e Coordenadora do Núcleo de Estudos
Canadenses e  atuou como Professora Visitante no Mestrado de
História da Literatura na Fundação Federal Universidade de Rio
Grande. Obteve seu PhD em Literaturas de Língua Inglesa pela State
University of New York, Buffalo e realizou Pós-Doutoramento na
Universidade Federal Fluminense. É especialista em ficção contem-
porânea dos Estados Unidos e do Canadá, literatura pós-colonial
23

Apresentação

Em tempos nos quais reflexão e conhecimento passaram a um plano


vil de consideração na sociedade, a iniciativa de organizar um volume
de estudos sobre teoria literária parece-me notável e absolutamente
necessária. Este Repensando a Teoria Literária Contemporânea, or-
ganizado pela generosa mão do professor João Sedycias e que reúne
18 capítulos, joga luz não só nos estudos da disciplina, mas na con-
cepção da própria academia, aprofundamento importante em meio
ao cipoal de informações que molda a modernidade.
Iniciando nas discussões sobre o estatuto da literatura e suas ba-
ses, passando por diversas escolas estético-filósoficas que contribuí-
ram para a conformação atual da teoria e culminando num exercício
de possibilidades vindouras, o presente volume brinda-nos com
conhecimento articulado e, o que é melhor, atualizado e vigoroso.
Pessoalmente, e peço desculpas por falar em primeira pessoa,
a teoria literária tem sido fonte permanente de inquietações e de sa-
tisfações, as duas em igual medida. Como escritora — como alguém
que, ainda que modestamente, produz literatura — percorri as pági-
nas deste livro com o encanto que provém das inflexões do espírito,
gratificando-me pelas possibilidades de abstração e de descoberta.
Diversos graus de argumentação (incisivos, poéticos, eloquentes,
apaixonados) conduziram-me a reavaliações técnico-teóricas, in-
clusive em níveis que tocam a própria experiência dos dias. A mim
24 25

me interessa, é claro, o ato criativo: aquele do autor, que em tese


inicia o ciclo; do leitor, que recria o criado; e do estudioso, que tenta
captar (e mediar e repercutir) esssas duas extremidades.
Penso que, se a busca do autor é pela originalidade e pelo viço
do novo, nada melhor do que se embrenhar nas diversas expressões Prefácio
que a obra literária suscita ao leitor especializado — leitura ideal,
digamos, e que escapa do senso médio e comum. Ler um livro como
este é, portanto, uma espécie de volta em segundo grau à própria
origem do fato literário, uma instância em que a linguagem não O ano de 2005 marcou de forma significativa o nosso trabalho no
mais engendra a ficção, mas fala sobre ela, desdobrando-se em no- campo de línguas e literaturas estrangeiras, principalmente no que diz
vos significados. Tão criativo quanto o autor, tocado pela mesma respeito às línguas portuguesa e espanhola e suas literaturas corres-
inquietude que move aquele que escreve, o teórico é capaz disso, pondentes, e mais especificamente a brasileira e a hispano-americana.
de despertar e de nomear essa espécie de consciência tão esquiva Vários colegas da área de espanhol e eu tivemos, naquela ocasião,
quanto real. a grata satisfação de publicar, através da Parábola Editorial, de São
Como vivo ao sul do Brasil e como tenho me dedicado ao estu- Paulo, o livro O ensino do espanhol no Brasil. Essa obra teve excelen-
do e à leitura da teoria ao longo dos anos, também li esse livro com te recepção por parte da comunidade acadêmica e hoje serve como
bastante afinco e curiosidade, buscando nele os ecos de nossa gente referência no campo dos estudos da língua espanhola e literaturas
e nossa terra. Ao longo dos 18 textos, é possível reconhecer e apre- hispanófonas no nosso país. Alguns anos depois, em 2007, publi-
ciar a realidade da teoria literária em nosso país, matéria complexa camos, através da Editora da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE), outro livro na mesma área, A América hispânica no ima-
em ambiente complexo, mas que, por isso mesmo, nos obriga e nos
ginário literário brasileiro / Brasil en el imaginario literario hispa-
confronta com a nossa precariedade e com nossa exuberância.
noamericano. Ambas as obras problematizam assuntos importantes
Convido a todos os que amamos a literatura e o estudo a des-
relacionados ao estudo do espanhol e das literaturas hispanófonas
frutar das páginas deste livro. Aqui dentro, há iluminação e encanta-
no ambiente acadêmico brasileiro. Procuram, também, acrescentar
mento, que são, a bem dizer, as bases de todo o conhecimento.
novas perspectivas ao diálogo que vem se desdobrando com relação
a esse assunto nas instituições de ensino superior do Brasil nos úl-
Cíntia Moscovich
timos vinte anos.
Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil
Agora, com esta obra, pretendemos acrescentar mais uma
dimensão à temática linguístico-literária acima referenciada.
Explorando aspectos dessa problemática que extrapolam os limites
26 27

do modelo crítico-filológico usado nas duas publicações anteriores, pelo organizador deste livro e que está em funcionamento desde
neste livro aplicamos uma ótica bem mais ampla. Enfocamos, es- abril de 2012. Com a merecida e oportuna ascensão do Brasil no ce-
pecificamente, o estudo dos vários paradigmas filosóficos e episte- nário mundial nos últimos anos, essa instituição norte-americana,
mológicos que contribuíram para delinear e dar forma à teoria e à onde até recentemente eu lecionava (desde agosto de 2014 aceitei
crítica literária nos nossos dias, em suas diversas manifestações. o posto como Decano da Escola de Artes & Humanidades na State
Assim, trazemos ao mercado acadêmico brasileiro a presente University of New York College at Oneonta), tem se empenhado em
coletânea de artigos cujo eixo em comum é a teoria literária con- estabelecer laços e programas de intercâmbio com universidades
temporânea. Porém, esta obra vai bem mais além de uma mera brasileiras. Esta obra é, portanto, uma confirmação desse empe-
enumeração histórica das diferentes e mais relevantes formas de nho e, também, esperamos, um prenúncio alvissareiro de outros
abordagem literária das últimas décadas. Trata, de maneira abran- possíveis projetos num futuro próximo entre instituições de ensino
gente, dos aspectos mais expressivos da teoria e crítica literárias que superior americanas e brasileiras.
atualmente ocupam o primeiro plano nas atividades de pesquisa O livro é dividido em três partes. A primeira parte consiste de
acadêmica ou que estão sendo discutidos e problematizados nos reflexões abrangentes sobre a literatura e a teoria literária, como é
círculos literários nos Estados Unidos, na Europa e principalmente o caso dos três primeiros capítulos da coletânea: “O que é e o que
no Brasil. Como já frisamos, o tema principal do livro é a teoria não é literatura?”, de Anco Márcio Tenório Vieira; “A teoria literária:
literária, porém abordada e problematizada do ponto de vista espe- desprestigiada e imprescindível”, de Lourival Holanda; e “Crítica
cífico brasileiro, levando em conta, sobretudo, a maneira como, em literária: seu percurso e seu papel na atualidade”, de Roberto Acízelo
suas raízes e desenvolvimentos, foi recebida e adaptada em territó- de Souza.
rio nacional. A segunda parte do livro, a mais ampla e substancial da obra,
Com o intuito de proporcionar uma visão ao mesmo tempo examina mais detidamente as perspectivas críticas que delinearam e
panorâmica e circunstanciada, este livro reúne artigos sobre as vá- deram forma à teoria literária contemporânea. Esta parte contém 14
rias vertentes da teoria e crítica literárias dos nossos dias. Serve, por capítulos e fornece uma visão ao mesmo tempo global e detalhada,
um lado, como uma apresentação do espectro teórico contempo- que abrange desde os mais expressivos desdobramentos literários
râneo — mesmo que de nível relativamente avançado, direcionada do final do século XVIII — afinal de contas, somos filhos e filhas
aos alunos de pós-graduação brasileiros — e, por outro, como uma intelectuais do Romantismo de Jena (“Jenaer Romantik”) e de suas
reflexão mais detalhada e profunda dos principais temas abordados figuras exponenciais: Schlegel, Schelling, Novalis — às formas de
e problematizados por cada uma dessas formas de pensamento e pensamento mais relevantes da atualidade, tais como a desconstru-
perspectivas teóricas. ção de Jacques Derrida. Aqui alcançamos uma reflexão ponderável
A presente coletânea é, também, resultado do programa de a respeito dos fundamentos estéticos, filosóficos e históricos que
cooperação internacional entre  a Southern Illinois University subjazem os diversos veios em que se ramifica a teoria literária na
Edwardsville e a Universidade Federal de Pernambuco, estabelecido contemporaneidade.
28 29

A terceira parte do livro consta do capítulo “Futuros (im)possí- “Não se trata de falar do futuro, mas de deixar falar um futuro.
veis da (in)disciplina teoria da literatura”, de André Monteiro, onde Deixar um futuro ser. Criar dispositivos, não para prendê-lo,
o colega da Universidade Federal de Juiz de Fora discute o futuro da prevê-lo em seus possíveis já pensados. De outro modo, entregar
teoria literária, principalmente no contexto da academia brasileira. A um futuro à graça e ao mistério de seu próprio futurar. [...]
questão do futuro da teoria literária também é abordada por Roberto Os futuros (im)possíveis e (in)disciplinados das literaturas e da
Acízelo de Souza no terceiro capítulo deste livro, no qual o crítico da teorias da literatura serão sempre os mais contemporâneos de
Universidade do Estado do Rio de Janeiro assinala que: uma época. Os mais contemporâneos de uma época são justa-
mente os mais extemporâneos de toda e qualquer época. Não
“Numa época como a nossa, que levou a desarticulação de valores porque fogem à época, mas porque dela incorporam e assumem
— e não só artísticos, naturalmente — a extremos sem preceden- o que qualquer “retrato de época”, ou pensável “estilo de época”,
tes, talvez nunca se tenha precisado tanto de crítica. Não, é claro, seria incapaz de revelar.
da crítica como sensacionalização de banalidades, conforme se vê
[...]
nas manifestações desinibidas do jornalismo cultural. Tampouco
de uma crítica acadêmica dada à absolutização dos seus axio- É preciso aprender a fazer com que os futuros (im)possíveis do
mas, segundo os desvios verificados no âmbito dos dois grandes viver não se envergonhem em nós, não desistam de nós, não
modernos sistemas de conceitos sobre a literatura e seu estudo, morram em nós. Ou, ainda, nos façam sucumbir de vez, virar
a crítica literária e a teoria da literatura. Menos ainda — por sua farrapo, virar molécula diante da enorme onda de sua grandeza.
tática de substituir a reflexão por um apelo fácil ao sentimento A vida nos exige uma (in)disciplina de guerra. Não a guerra
de repúdio às injustiças — de uma crítica culturalista, dada ao do ressentimento, mas a guerra do esquecimento. Não adianta
contrassenso de pregar o absolutismo ético e praticar o relativis- brigar com a vida. É preciso ir com ela e esquecê-la. Esquecer
mo estético, no seu afã programático de revisar ou desconstruir o para lembrar o que ainda não é. Esquecer como a criança que
cânone. Em vez disso, precisamos de uma crítica fundamentada surfa esquece o caldo da última onda para pegar uma onda nova.
numa teoria consistente, prevenida contra a transformação de Esquecer para não esquecer, como não esquecia Nietzsche, do
dados em axiomas, e que seja capaz de integrar compromisso lema de Píndaro que ele tanto amava: “torna-te aquilo que és”.
com o presente e reflexão do passado. Quanto ao futuro, a Deus E o que és, o que é, o que somos senão o próprio “tornar”? Ou
pertence.” melhor: um próprio e sempre único tornar-se povoado pelo
eterno tornar-se da vida. O que distingue uma disciplina forte de

André Monteiro oferece uma visão ligeiramente diferenciada, outra disciplina forte (assim como uma pessoa de outra pessoa,

porém, ao mesmo tempo, complementária à postura de Roberto uma música de outra música, uma teoria de outra teoria, uma

Acízelo no que diz respeito aos possíveis futuros da teoria literária literatura de outra literatura...) é a singularidade de seu próprio e

no Brasil. O colega de Juiz de Fora argumenta que: necessário tornar-se...”


30 31

Além dos colaboradores acima citados, o nosso projeto teve a nomes de maior destaque no atual firmamento das letras no Brasil,
honra de contar com a participação de professores e críticos literários por ter uma ampla bagagem de treinamento formal e experiência
de projeção significativa no ambiente acadêmico brasileiro e interna- com a teoria e crítica literárias — possui mestrado em teoria literária
cional. Esses colaboradores contribuíram com os seguintes capítu- pela PUC-Rio Grande do Sul, tendo atuado como professora, consul-
los: “Reflexividade, Romantismo e Modernismo” e “A literatura e o tora literária, tradutora, revisora e assessora de imprensa — Cíntia é
pensar: notas sobre a trajetória intelectual de Jonathan Culler” (Sueli singularmente qualificada para aquilatar o valor e a utilidade deste
Cavendish, Universidade Federal de Pernambuco); “Fenomenologia projeto. Autora do Reino das Cebolas (1996), Duas iguais (1998),
e Hermenêutica: impactos sobre os estudos literários” (Maria da Anotações durante o incêndio (2000) e Arquitetura do arco-íris (2004),
Glória Bordini, Universidade Federal do Rio Grande do Sul); “A entre outros contos e romances, a nossa apresentadora dá ênfase
Nova Crítica” (José de Paiva dos Santos, Universidade Federal de em muitas de suas obras à ótica judaica e feminina, fecundas pers-
Minas Gerais); “Estruturalismo e Semiótica” (Regina Lúcia de Faria, pectivas de alteridade que também figuram proeminentemente em
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro); “Literatura e psica- vários capítulos do nosso livro, como os que tratam do feminismo, da
nálise: confrontos” (Adélia Bezerra de Meneses, Universidade de São psicanálise e das obras de Jacques Derrida e de Walter Benjamin. A
Paulo/Universidade Estadual de Campinas); “Estética da Recepção e presença de Cíntia Moscovich neste livro é particularmente relevante
do Efeito ou há um leitor no horizonte?” (Carmen Sevilla Gonçalves para o nosso projeto pelo fato de ela poder oferecer aos nossos leito-
dos Santos, Universidade Federal da Paraíba); “Marxismo” (Edu res uma perspectiva única e privilegiada, que advém de sua formação
Teruki Otsuka, Universidade de São Paulo); “Feminismo e literatura: híbrida: por um lado, como autora e produtora de ficção literária e,
apontamentos sobre crítica feminista” (Cecil Jeanine Albert Zinani, por outro, como cuidadosa leitora e crítica da produção literária.
Universidade de Caxias do Sul); “Formalismo russo: uma revisão e Tivemos uma experiência similar em 2007 quando da publi-
uma atualização” (Aurora Fornoni Bernardini, Universidade de São cação do nosso livro A América Hispânica no imaginário literário
Paulo); “Walter Benjamin e sua teoria crítica” (Márcio Seligmann- brasileiro / Brasil en el imaginario literario hispanoamericano, quan-
Silva, Unicamp); “Uma literatura pensante: as desconstruções e do o escritor Moacyr Scliar nos honrou com sua presença ao fazer a
o pensamento de Derrida” (Evando Nascimento, Universidade apresentação do mesmo. Nessa ocasião, já havíamos assinalado que,
Federal de Juiz de Fora); “Multitransintercultura: literatura, teoria como todo escritor ou crítico literário em Terra Brasilis bem sabe, é
pós-colonial e ecocrítica” (Roland Walter, Universidade Federal de imprescindível para um projeto como o nosso contar com esse tipo
Pernambuco); e “Vozes autóctones das Américas: o discurso contra- de apoio e incentivo para poder se tornar realidade. Infelizmente,
canônico da crítica indígena” (Eloína Prati dos Santos, Universidade muitas vezes, isso não acontece no nosso país, quer seja por parte
Federal do Rio Grande do Sul). das agências oficiais, dos órgãos de fomento, ou até mesmo dos nos-
Gostaria de agradecer à escritora, jornalista e crítica literária, sos pares na academia. Portanto, nesse contexto, a simpatia e boa
Professora Cíntia Moscovich, que muito gentilmente aceitou o nosso vontade de Cíntia se tornam ainda mais notáveis, fato que muito
convite para fazer a apresentação deste livro. Além de ser um dos sensibilizou a mim e aos outros colaboradores deste livro.
32

Gostaria, também, de registrar o meu carinhoso agradecimen-


to à Professora Maria José de Matos Luna, ex-Diretora da Editora
da Universidade Federal de Pernambuco. Esta excelente profissional Capítulo 1
muito generosamente forneceu todo o apoio ao nosso trabalho, co-
locando à nossa disposição o aparato da EdUFPE, que ela dirigia,
O que é e o que não é
assim como a sua ampla experiência como editora. Tudo isso permi- literatura?*
tiu a realização e finalização exitosa do projeto segundo os objetivos Anco Márcio Tenório Vieira
Universidade Federal de Pernambuco
com que foi concebido.
Termino este prefácio com a lembrança de uma pessoa mui-
to estimada de todos nós, atuais ou ex-professores de letras da
Universidade Federal de Pernambuco. Da última vez que publiquei
um livro pela Editora UFPE, em 2007, o meu agradecimento foi
direcionado, também, à Professora Gilda Lins, que então dirigia
essa casa editorial. Hoje, só posso repetir o meu agradecimento à
nossa “pequena notável” de maneira póstuma. E é assim, portanto,
com uma lembrança querida e duradoura de uma pessoa que tan-
to contribuiu para o Departamento de Letras, o Centro de Artes e
Comunicação, a Editora Universitária e a Universidade Federal de
Pernambuco, que dedico a presente obra à minha conterrânea do
Recife e de Bom Jardim, Professora Gilda Maria Lins de Araújo.

Prof. Dr. João Sedycias


Professor Titular de Espanhol & Português e
Decano Fundador da Escola de Artes & Humanidades La letteratura è sempre — dico sempre! — finzione,
di qualsiasi cosa parli. Può parlare di filatori di
Tenured Full Professor of Spanish & Portuguese and
seta del Seicento, di pastori innamorati di ninfe, di
Founding Dean of the School of Arts & Humanities
pescatori siciliani o di piccoli principi che coltivano
State University of New York College at Oneonta
rose sul loro pianeta: non importa, è sempre inven-
111 Schumacher Hall, SUNY Oneonta
zione! Sublime, utilissima e bellissima invenzione,
Oneonta, New York 13820, USA
fabbricata per dire la verità, ma per dirla parlando
E-mail: sedycias@yahoo.com
d’altro, deviando, depistando: parola indireta.**
Ludovico Ariosto (1474-1533)
Foi no Institvtio Oratória, de Marcus Fabius Quintilianus (30-95
d.C.), que a palavra “literatura” (“Conferimos, pois, a qualquer pro-
fissão o seu território próprio: a gramática, que em latim equivale
o sentido de literatura...”)1 apareceu pela primeira vez no mundo
latino e, por decorrência, no Ocidente e no mundo ocidentalizado.
Litteraturam, palavra que tem em littĕra a sua raiz semântica (em
latim, letra, substantivo feminino), não designava, em princípio,
somente o conjunto dos gêneros ficcionais ou miméticos e, sim,
nascia como o equivalente latino para a palavra grega Grammatikós
(Gramática), que tinha o sentido, para Platão e Aristóteles, de “ciên-
cia das letras” (gramma, em grego, é letra).2 No caso, a arte de saber
ler e escrever, já que no mundo antigo ler e escrever eram compe-
tências distintas; do mesmo modo que saber ler não significava,
necessariamente, uma pessoa educada, muito menos culta.
Como “ciência das letras”, Quintiliano dividia a Gramática (a
notas iniciais primeira das sete artes liberais)3 em duas partes: na “Arte de falar
* Retomamos neste ensaio algumas breves considerações que desenvolvemos em
VIEIRA (2011:10-13; 2012:55-76). 1 “Nos suum cuique professioni modum demus: et grammatice, quam
in Latinum transferentes litteraturam uocauerunt...” (QUINTILIANO.
** “A literatura é sempre – eu digo sempre! – ficção, indiferente do que você fale. Institvtio Oratória. In: http://pt.scribd.com/doc/129709086/
Você pode falar sobre fiadores de seda dos seiscentos, de pastores enamorados QVINTILIANI-INSTITVTIO-ORATORIA-LIBER-SECVNDVS-docx).
de ninfas, de pescadores sicilianos ou de pequenos príncipes que cultivam rosas 2 (CURTIUS 1996:78)
nas terras do sul: não importa, é sempre invenção! Sublime, utilíssima e belíssima 3 Na Idade Média, A Gramática, a Retórica e a Dialética (Lógica) formavam
invenção, fabricada para dizer a verdade, mas para colocá-la falando de outra o Trivium. A Aritmética, a Geometria, a Música e a Astronomia constituiam o
coisa, desviando, despistando: discurso indireto”. Quadrivium.
36 Anco Márcio Tenório Vieira Capítulo 1 . O que é e o que não é literatura? 37

corretamente” e na “de narrar os poetas”.4 Na primeira, temos o ins- mesmo sistema, as tragédias de Sêneca e as demais obras ficcionais,
trumental para se conhecer e se fazer o uso correto da língua (neste distantes no tempo e no espaço, como Édipo rei, Ilíada, A Divina
caso, a Gramática alargava os limites da Retórica); na segunda, o comédia, Orlando Furioso, Dom Quixote, Os Lusíadas, Memórias
meio para explicar as obras dos poetas e, principalmente, como uma póstumas de Brás Cubas, Histórias extraordinárias, A Invenção de
ciência exegética, a ferramenta para interpretar os demais fenôme- Orfeu e A Pedra do Reino? O que há em comum (ou não) entre essas
nos da Natureza.5 Assim, “litteratus”, como nos ensina Ernst Robert obras ficcionais e outras não ficcionais, a exemplo dos Sermões, do
Curtius,6 “é o conhecedor da gramática e da poesia, [mas] não ne- Padre Antônio Vieira, e Os Sertões, de Euclides da Cunha, para que
cessariamente um escritor”; ou, como nota Eric A. Havelock, é “[...] elas compartilhem os compêndios da história da literatura? Como
’o homem de letras’, ou seja, um leitor de letras, [...] o seu oposto, distinguir conceitualmente os gêneros que Aristóteles chamava de
illiteratus, um homem sem nenhuma cultura letrada”.7 Desse modo, “poesia imitativa” (lírico, dramático e narrativo) e a teologia cristã
litteratus é aquele que conhece as letras, as regras da Gramática ou (seja ela patrista, agostiniana ou tomista) passou a designar como
explica as obras dos poetas, e litteraturam é a produção intelectual a literatura dos poetas (a que se vale da allegoria in verbis, alegoria
do homem de letras. Ao designar toda e qualquer produção intelec- verbal, considerada distinta das alegorias comunicadas por Deus,
tual que tinha a palavra como o seu meio de expressão, o termo lit- a allegoria in factis, alegoria factual)8 dos demais gêneros textuais,
teraturam designava, inicialmente, todos os gêneros textuais (afinal, sem que tal conceito termine, por falta de rigor teórico, transbor-
para escrever, era preciso dominar o “uso correto da língua”). Logo, dando ou se aplicando também às demais formas de discurso (no
ao enunciar a palavra “literatura”, fazia-se necessário complemen- caso, confundindo as duas partes da Gramática que Quintiliano fez
tá-la: “literatura de quê?”. “Literatura filosófica”, “literatura política”, questão de distinguir, isto é, todo poeta para ser chamado como tal
“literatura matemática” ou “literatura de ficção?”. precisa, antes de tudo, conhecer e fazer “uso correto da língua”, mas
Ora, o que particulariza a literatura ficcional dos demais gê- nem todo aquele que usa “corretamente” a língua pode ser chamado
neros textuais que eram tomados como litteraturam apenas pelo de poeta)? Por que muitas definições de literatura não conseguem
“uso correto da língua” (“recte loquendi scientiam”)? Por que um dar conta do fenômeno literário em sua totalidade: quando cobrem
autor como Lúcio Aneu Sêneca (4 a.C.-65 d.C.), que transitou por um dado gênero, deixam outros descobertos? Por que a poesia era
vários gêneros textuais, a exemplo da tragédia e da filosofia, tinha vista pelos teólogos, a exemplo de Santo Agostinho (354-430), em
a sua produção dramática designada como “literatura de ficção” e A Cidade de Deus, como uma criação humana cuja ciência faltava
aquela que se voltava para o “amor à sabedoria”, como “literatura com a “verdade”? Por que Agostinho denomina os poetas de criado-
filosófica”? Que conjunto de regras e procedimentos encerra, em um res de “fábulas mentirosas” (mendacissimis fabulis), falsas (fasum),
torpes (turpe) e indignas (indignum)?9 Ou mesmo Tomás de Aquino
4 “recte loquendi scientiam et poetarum enarrationem” (QUITILIANO op. cit.)
5 (Ver GORDON 2012:10) 8 (Ver SANTO AGOSTINHO 1991)
6 (CURTIUS 1996:78) 9 (SANTO AGOSTINHO 2009:241-242). Nos valemos também da edição em latim
7 (HAVELOCK 1996:47) da obra agostiniana: SANCTI AURELLI AUGUSTINI (1877).
38 Anco Márcio Tenório Vieira Capítulo 1 . O que é e o que não é literatura? 39

(1224?-1277), o Doutor Angélico, que defende, a partir de uma lei- que aposta na ideia de que um texto é literatura porque foi conven-
tura da Metafísica, de Aristóteles10, que “A ciência da poesia refere-se cionado como tal ou se aprendeu dessa forma na escola (ou na vida)
a coisas que, dada sua falta de verdade [...], não podem ser compre- e assim é, ou deve ser, se lhe parece. Afinal, como nota Luiz Costa
endidas pela razão; convém seduzir a razão por meio de algumas Lima, “quando uma comunidade não tem a prática da discussão, o
analogias?” Eis algumas perguntas que ainda precisam de respos-
11
uso da linguagem crítica sempre lhe parece ameaçador”.13 Vamos ao
tas pertinentes. Afinal, diante de tantos desencontros conceituais, desafio.
parece que explicar conceitualmente, hoje, a literatura tornou-se
quase que o mesmo que tentar definir o conceito de tempo: “Se nin- II
guém me perguntar [o que é o tempo], eu sei; se quiser explicá-lo a
quem fizer a pergunta, já não sei”12, dizia Santo Agostinho, em suas Em ensaio publicado em 1971, Richard Ohmann observa, recor-
Confissões. Aparentemente todos nós, nos dias que correm, sabemos rendo à teoria dos atos de fala (speech acts)14, de J. L. Austin, que o
o que é literatura e quais gêneros ela encerra (ninguém, salvo os in- problema dos conceitos sobre literatura é que ora eles se centram
gênuos, se dirige para o setor das ciências exatas, biológicas ou jurí- no texto em si (“sua referência, sua verdade e seu significado”)15,
dicas quando precisa encontrar um romance ou um livro de contos os chamados atos locutivos, ora em seus efeitos, os atos perlocuti-
ou de poesia em uma livraria ou biblioteca), mas, de algum modo, vos. Ainda dentro desse corte epistemológico, Ohmann nota que
sentimos dificuldades em explicá-la conceitualmente. Se não temos as definições sobre literatura estão encerradas em seis proposições
dúvidas quanto ao estatuto literário de alguns gêneros textuais, já correntes. A saber: 1º Em uma obra literária, particularmente na po-
que eles são trans-históricos e se calçam em cima da ficcionalida- esia, as palavras não se referem tais como elas se referem em outras
de (como o romance, a epopeia, o conto, a novela, a poesia e suas formas de discurso; 2º O que define a literatura é o modo como são
formas fixas), formando uma só família, ficamos sempre hesitantes expressas as asserções. Assim, há os que defendem que a literatura
em acatar ou mesmo explicar por que certos gêneros não ficcionais é uma rede de mentiras (sendo a falsidade a sua marca distintiva)
são estudados nas histórias da literatura — a exemplo da crônica, do e há os que asseguram que “o poeta não afirma nada”; logo, uma
sermão, dos textos bíblicos, das cartas, de algumas obras filosóficas,
13 (LIMA 1981:193)
etc. — quando eles também participam (ou são rebentos) de outras 14 Os atos de fala são classificados em três categorias. Locutivos ou locucioná-
rios são os enunciados que, tanto gramaticalmente quanto fonologicamente, e
áreas do conhecimento humano. No caso, o jornalismo, a teologia, dentro de certo código linguístico, são reconhecíveis pelo interlocutor/ouvinte.
a filosofia etc. Toda essa dúvida fica mais acentuada quando essa Perlocutivos ou perlocucionários são os atos em que o autor do enunciado espera
do seu interlocutor/ouvinte alguma reação, isto é, são atos em que o enunciador
reflexão se dá em um país um tanto que avesso à reflexão teórica, tem pouco controle, ou um controle limitado, sobre as consequências dos seus
enunciados. Ilocutivos ou ilocucionários são os atos de asserção: perguntar, dar
10 Aristóteles observa na Metafísica (983ª, 3-4) que um provérbio grego dizia que ordens, agradecer etc. Ao definir os atos de fala, dentro de certas convenções e
“[...] os poetas dizem muitas mentiras [...]” (ARISTÓTELES 2005:13). circunstâncias, eu estou realizando um ato de asserção. Ainda sobre os atos de
11 (Apud CURTIUS 1996:279) fala, ver OHMANN (1990:85-102)
12 (SANTO AGOSTINHO 1988:278) 15 (OHMANN 1987:24; 1971:1-19)
40 Anco Márcio Tenório Vieira Capítulo 1 . O que é e o que não é literatura? 41

obra literária “não pode se justificar por critérios de verdade”, suas textuais encerram significados implícitos, a exemplo das notas di-
proposições são apenas pseudoproposições, “despojadas de alguma plomáticas, dos anúncios publicitários e das cartas dos enamora-
maneira de seu poder assertivo”;16 3º O discurso literário se carac- dos22; 4º “Todo discurso produz seu impacto nas emoções do leitor e
teriza pelo seu caráter e o significado implícito das palavras; 4º Na ouvintes, e alguns discursos não literários possuem, provavelmente,
literatura, os escritores usam as palavras buscando despertar e orde- maior carga emotiva do que qualquer [outro] discurso literário”23;
nar sentimentos emotivos no leitor, diverso do que ocorre nas obras 5º “[...] uma obra literária tende a atrair as diversas atenções [do
discursivas ou científicas, “[...] que se dirigem primordialmente às leitor] porque ele sabe que [se trata de] uma obra literária, em lugar
crenças do leitor” ; 5º dentro da comunicação verbal, que encerra
17
de provar que é uma obra literária por atrair um tipo de atenção
seis categorias (remetente, destinatário, contexto, contacto, código adequada”24; 6º “[...] apesar da importância que têm para a literatura
e mensagem), a função poética da linguagem se dá no “enfoque da a repetição, a variação e os padrões de todo tipo, estes traços não
mensagem por ela própria [...]”18; 6º “Todo discurso está estrutu- delimitam a classe de discursos a que queremos chamar ‘literatura’,
rado de acordo com a gramática da língua em que está escrita ou já que existem muitas conexões tanto voluntárias como inadvertidas
é falada. As obras literárias revelam, com frequência, estruturas em todo discurso”25.
excessivamente alijadas das exigidas pela gramática; a métrica e a Apesar de concordarmos com as objeções de Ohmann, acredi-
rima são claros exemplos”19. tamos, no entanto, que as insuficiências conceituais aqui elencadas
Para Ohmann, todos esses conceitos são antes um relatório (re- residem no fato da “natureza” da literatura só poder ser apreensível
porting) sobre o uso genérico da palavra literatura do que uma de- se considerarmos o fenômeno literário (assim como qualquer outro
finição que proporcione um “discernimento” ou uma “penetração” modo formal do conhecimento humano) como um todo sistêmico.
(insight) da sua natureza20. Assim, buscando definir a natureza da Temos que apreender as particularidades do texto, a intenção de
literatura, Ohmann, de maneira sucinta, expõe as suas objeções aos quem o produz e, como parte dessa intenção, a recepção de quem
conceitos recolhidos acima: 1º não há como distinguir entre o modo o lê. Mesmo sabendo que, isoladamente, cada um desses aspectos
como as palavras se referem em literatura e o modo como elas se sejam variáveis conceituais, em conjunto, eles parecem se constituir
referem em outras formas de discurso, pois, em ambas as situações, (e é o que tentaremos demonstrar) em uma invariável. Partindo
as palavras são usadas nos dois sentidos: conotativo e denotativo ;21
dessa premissa, perseguiremos quatro tópicos que, em conjunto,
2º falsas proposições podem ser encontradas tanto em uma obra poderão melhor definir o que constitui, de fato, um texto literário:
literária quanto em outras formas de discurso; 3º todos os gêneros 1. A imitação e a ficcionalidade do texto (compondo a unidade dos
16 (OHMANN 1987:17) gêneros literários) e, como parte dessa ficcionalidade, a recepção de
17 (OHMANN 1987:19)
18 (JAKOBSON 1991:127-128. Apud OHMANN 1987:20) 22 (OHMANN 1987:18)
19 (OHMANN 1987:21) 23 (OHMANN 1987:19)
20 (OHMANN 1987:11) 24 (OHMANN 1987:20)
21 (OHMANN 1987:15-16) 25 (OHMANN 1987:21)
42 Anco Márcio Tenório Vieira Capítulo 1 . O que é e o que não é literatura? 43

quem o lê perfazendo o pacto ficcional; 2. A intencionalidade do No caso específico das “ciências poiéticas” ou “ciências produ-
autor (o estatuto histórico-temporal da obra e, por desdobramen- tivas”, objeto aqui do nosso estudo, Aristóteles assinala que “[...] o
to, as marcações dadas pelo autor empírico e que delineiam a sua princípio do movimento se encontra no artífice [o poeta] e não na
recepção); 3. A verdade e a realidade textuais (o caráter imanente coisa produzida, e esse princípio consiste ou numa arte ou nalgu-
do texto); 4. Os significados e significações do texto (sua condição ma outra potência”. O mesmo princípio ocorre na “ciência prática”:
artística e trans-histórica). Vamos por etapas. “[...] o movimento não reside no que é objeto de ação, mas nos
agentes”.29 Em outras palavras: “[...] o princípio das produções está
III naquele que produz, seja no intelecto, na arte ou noutra faculdade;
e o princípio das ações práticas está no agente, isto é, na volição,
A Imitação e a Ficcionalidade do Texto enquanto coincidem os objetos da ação prática e da volição”30.
Na Metafísica, Aristóteles afirma que todo conhecimento racional Dentro desse preceito, a tékhne (τέχνη, arte) é um ofício dirigido
ou era “[...] prático, ou produtivo, ou teorético [...]”26. O domínio das antes ao fazer (a produção) — no caso, à arte poética (poietiké
ciências “produtivas” era o “fazer”; o das ciências “práticas”, o “agir”; tékhne, ποιητική τέχνη) — do que à ação (praktiké, πρακτική), ao
e o das ciências “teóricas”, a natureza. Esta, no caso, compreendia a agir. Daí a contraposição entre as artes que imitam a natureza (a
física, a matemática e a teologia; as ciências “práticas” encerravam, arte poética)31 e as que complementam a natureza (a que nasce da
por exemplo, a ética e a política; e as “ciências produtivas” a poiética, experiência). A experiência — a arte do artesão, do pedreiro... — é
as artes. No entanto, são as ciências teoréticas que Aristóteles con- pragmática, em geral repetitiva e mecânica, requer uma habilida-
siderava como as mais excelentes entre as demais ciências e, dentre de e um conhecimento técnicos adquiridos pela prática, não indo
elas, a teologia como a mais excelente de todas.27 Observe-se, no além do conhecimento do “quê”, do “dado de fato”, e busca integrar
entanto, que há uma diferenciação entre o “agir” e o “fazer”. Em a a natureza. As artes imitativas, em contraposição, se dirigem ou
Ética a Nicômaco, Aristóteles distingue se aproximam do conhecimento do porquê, se constituindo, desse
modo, em uma forma de conhecimento ou de saber, “[...] um saber
[...] o que é produtível e o que é realizável pela ação. A produção que não é fim em si mesmo nem sequer um conhecimento buscado
é diferente da ação [...]. Assim, a disposição prática conformada em vista da ação moral (como a política e a ética), mas antes em
por um princípio racional é diferente da disposição produtora prol do objeto produzido”32.
conformada por um princípio racional. Assim, nenhuma das
29 (ARISTÓTELES 2005:511, 1064ª, 11-14)
duas é envolvida pela outra, porque nem a ação é produção nem 30 (ARISTÓTELES 2005:270-271, 1025b, 22-25)
31 Em Física, Aristóteles (2009:47, II, 194ª, 21) afirma que “[...] a técnica [arte] imita
a produção é ação.28
a natureza [...]”. Para Lucas Angioni (2009:237), o argumento de Aristóteles
é que “[...] a técnica imita a natureza, isto é, técnica e natureza obedecem a
26 (ARISTÓTELES 2005:271, 1025b, 25-26) padrões similares, de tal modo que o conhecimento técnico serve de modelo
27 (ARISTÓTELES 2005:513, 1064b, 1-5) adequado para conceber o conhecimento da natureza”.
28 (ARISTÓTELES 2009:132, 1140ª, 1-6) 32 (REALE 2001:107)
44 Anco Márcio Tenório Vieira Capítulo 1 . O que é e o que não é literatura? 45

Investigando as causas e os princípios da Poiética, Aristóteles e o “modo” também seriam observáveis (daí serem variáveis) nos
irá discorrer sobre quais são os objetos de conhecimento dessa ciên- demais gêneros textuais. Afinal, não são apenas as poesias imitativas
cia. O propósito do seu estudo não é somente se ater com vagar so- que lançam mão do mito, do maravilhoso, da elocução, dos proce-
bre as estruturas e os procedimentos formais dos gêneros trágicos
33
dimentos retóricos, do pensamento, do caráter, do reconhecimento,
e épicos, mas, e principalmente, buscar “[...] a essência que é própria da peripécia, da catástrofe... Em O Banquete, por exemplo, Platão se
do gênero de coisas [...]” de que se ocupa34. Para tal perquirição, o vale de um “modo” enunciativo na segunda pessoa (a obra, por se
conceito de imitação (mímesis, μίμησις) se mostra central em sua valer do método dialético, é constituída por diálogos entre Sócrates
“ciência poética”. e os seus interlocutores) e tem como “objeto” um tema superior:
Enunciando que a poesia é imitação, Aristóteles define os seus Eros e o Amor ao Bem. Assim, delimitando o que é inerente à na-
aspectos segundo o “meio” (critério formal: o uso do ritmo, do canto tureza do fato artístico, Aristóteles defende que não é a versificação
e do metro como fatores de diferenciação entre os poemas), o “obje- que define os gêneros miméticos, pois
to” (critério temático: a mimetização da ação dos homens segundo
a sua índole elevada ou baixa) e o “modo” (princípio enunciativo, a [...] se alguém compuser em verso um tratado de Medicina ou
maneira como se efetua a imitação: na primeira, na segunda ou na Física, esse será vulgarmente chamado ‘poeta’; na verdade, porém,
terceira pessoas).35 Mas o que é inerente à natureza do fato artísti- nada há de comum entre Homero e [o fisiólogo] Empédocles, a
co está delimitado nos “primeiro” e “nono” capítulos da Poética. A não ser a metrificação: aquele merece o nome de ‘poeta’, e este, o
necessidade de tal delimitação parece decorrer de uma constatação de ‘fisiólogo’, mais que o de poeta36.
implícita: as classificações da imitação segundo o “meio”, o “objeto”
33 Lubomír Dolezel nota que há na “[...] mereologia aristotélica uma associação du- O que diferencia a obra do poeta da obra de Empédocles é que
radoura entre a poética e o ‘modelo orgânico’; a poética teórica será fortemente
“[...] não é ofício de poeta narrar o que aconteceu; é, sim, o de re-
influenciada pelas analogias entre as estruturas da poesia e as estruturas da na-
tureza viva”. Citando Abraham Edel em nota de rodapé, ele assinala: “’as partes presentar o que poderia acontecer, quer dizer: segundo a verossimi-
[da tragédia] são tratadas quase da mesma maneira como são tratados, nas
obras de biologia, os órgãos ou partes dos animais, tendo em conta o desem- lhança e a necessidade”37. Exemplificando mais uma vez a sua tese,
penho das suas funções em relação ao organismo como um todo’”. (DOLEZEL ele toma dois gêneros textuais distintos — a Poesia e a História — e
1990:43).
34 (ARISTÓTELES 2005:511, 1064ª, 5-6) os seus “meios” de mimetizarem a realidade:
35 (ARISTÓTELES 1994:103-106, 1447ª-1448b). Lubomír Dolezel acrescenta à tríade
um quarto aspecto: a “função”. Embora reconheça que a “função” não conste
da classificação inicial da Poética, ele nota que “noutro contexto, a função é ex- [...] não diferem o historiador e o poeta, por escreverem verso ou
plicitamente referida e caracterizada como ‘o prazer que se retira das obras de
imitação (1448b). A inclusão da ‘função’ no modelo das artes miméticas explica prosa (pois que bem poderiam ser postas em verso as obras de
o aparecimento do ‘item catarse’ na definição da tragédia [...]. Caso contrário, a
Heródoto, e nem por isso deixariam de ser História, se fossem
introdução da ‘catarse’ aparece como uma anomalia no procedimento derivativo
de Aristóteles [...]”. DOLEZEL (1990:39, nota 2). Para o nosso presente estudo,
recorremos também às seguintes edições da Poética: ARISTOTE (1980), (2002), 36 (ARISTÓTELES 1994:104, 1447b, 16-21)
ARISTÓTELES (2008), (1997) (2010). 37 (ARISTÓTELES 1994:115, 1451ª, 36-39)
46 Anco Márcio Tenório Vieira Capítulo 1 . O que é e o que não é literatura? 47

em verso o que eram em prosa) — diferem, sim, em que diz um se dá nos gêneros miméticos pela “[...] coerência, [pela] íntima cone-
as coisas que sucederam, e outro as que poderiam suceder”. (grifo xão dos fatos e das ações, [sendo] as próprias ações entre si ligadas
nosso)38 por liames de verossimilhança e necessidade”43. Desse modo, são as
espécies de poesia imitativas que se valem do Mito (mýthos, μυθος)
A comparação, aqui, não se restringe apenas ao fato de que (compreendido por Aristóteles como “[...] imitação de ações [...]” e
um (o historiador) diz “as coisas que sucederam, e outro [o poeta] como “[...] a composição dos atos [...]”)44 as que melhor permitem
as que poderiam suceder”, mas também porque a poesia, por tra- ao poeta construir a “íntima conexão dos fatos e das ações”. Por ser
tar do que poderia acontecer, é mais filosófica e mais séria do que Uno, por encerrar uma ação com princípio, meio e fim (como de-
a História, já que o poeta se refere principalmente ao “universal” vem ser a tragédia e a epopeia), o Mito não se imputa “[...] a uma
(kathólou,  καθολου), e  o historiador ao “particular” ou “singu- só pessoa [o “particular”] [...], pois há muitos acontecimentos e
lar” (kath’hékaston, κάϑ’έκαστov). No tratado Da interpretação, infinitamente vários, respeitantes a um só indivíduo, entre os quais
Aristóteles define os conceitos de “universal” e “particular” nos não é possível estabelecer unidade alguma. Muitas são as ações que
seguintes termos: “[...] denomino de universal aquilo que natural- uma pessoa pode praticar, mas nem por isso elas constituem uma
mente é predicado em muitas coisas, e de singular aquilo que não é, ação una”45. Por perseguir essa ação Una é que o poeta não deve
por exemplo: homem pertence às coisas universais e Cálias [famoso versificar todos os sucessos da vida de um Mito, mas somente os que
guerreiro grego] às singulares” . A História, aqui, é predicado ape-
39
são necessários e verossímeis à ação46. Dessa forma, a oposição entre
nas de um dado “evento”, já a poesia, enquanto “conhecimento dos História e poesia é, segundo Eudoro de Sousa,
universais”, de vários objetos . Ou como se lê na Metafísica: “[...] a
40

substância [ousía, Οὐσία, aquilo que é] primeira de cada indivíduo [...] entre o acontecido e disperso no tempo (História) e o aconte-
é própria de cada um e não pertence a outros; o universal, ao con- cível, ligado por conexão causal (poesia). ‘Acontecido’ e ‘aconte-
trário, é comum: de fato, diz-se universal aquilo que, por natureza, cível’ são ambos verossímeis; mas só os acontecimentos ligados
pertence a uma multiplicidade de coisas”. Assim, o “Homem” é
41
por conexão causal são necessários. [Assim,] [...] pelo lado da
um “universal”; um “homem específico” (Cálias), um “particular”, verossimilhança, haveria um ponto de contato entre História e
um “singular”, pois este encerra “[...] aquilo que não é dito de um poesia; contudo, a poesia ultrapassa a História, na medida em
sujeito ou não está presente num sujeito [...]” . Em “comentário” à
42
que o âmbito do acontecível excede o do acontecido.47
sua tradução da Poética, Eudoro de Sousa observa que o “universal”

38 (ARISTÓTELES 1994:115, 1451ª, 39-40; 1451b, 42-45) 43 (SOUSA 1994:170)


39 (ARISTÓTELES 2013:9-10) 44 (ARISTÓTELES 1994:111, 1450ª, 2-3)
40 (Ver PETERS 1983:124) 45 (ARISTÓTELES 1994:114, 1451ª, 16-18)
41 (ARISTÓTELES 2005:347, 1038b, 10-13) 46 (ARISTÓTELES 1994:115, 1451ª, 22-29)
42 (PETERS 1983:180) 47 (SOUSA 1994:170)
48 Anco Márcio Tenório Vieira Capítulo 1 . O que é e o que não é literatura? 49

Só o “acontecível” dá ao poeta a liberdade de não se ater a todos os gregos tinham uma cultura anti-histórica, pois suas concepções
os eventos que constituem a trajetória de um Mito (suas particula- cíclica e repetitiva da história não acatavam o presente como algo
ridades), e se voltar apenas àqueles que são “ligados por conexão diverso do passado e do futuro e, por sua vez, o futuro como um
causal”. evento que seria distinto do presente (os sofistas, p. ex., acreditavam
Como os poetas buscam o “universal” (uma espécie de arqué- na ideia de progresso técnico, mas não na de progresso moral), por
tipo eterno) e não o “particular” (o “evento”), sua imitação “[...] que eles criaram a História? Para Jacques Le Goff, duas foram as
incidirá num destes três objetos: [1º] coisas quais eram ou quais motivações. A primeira, étnica. Era preciso se distinguir dos bár-
são, [2º] quais os outros dizem que são ou quais parecem, [3°] ou baros. Neste caso, “a concepção de história está ligada à ideia de
quais deveriam ser” . Mesmo quando o poeta despreza o Mito e
48
civilização”. A segunda, como arma política e memória das famílias
busca matéria em objetos distintos (fatos que ocorreram ou estão a nobres e dos sacerdotes dos templos50. José Carlos Reis nota que o
ocorrer, fatos que a tradição oral diz que ocorreram ou parecem que conceito grego de História desconhecia as ideias de “humanidade
ocorreram e fatos puramente criados pela imaginação do poeta), a universal”, “progresso”, “evolução” ou mesmo a proposição de que
exemplo das comédias, das tragédias que prescindiam do Mito, e da a humanidade tinha um destino. Preocupações que só nasceriam
produção dos poetas ditirâmbicos ou líricos, ele, o poeta, deve se com os historiadores latinos (a exemplo de Políbios) e cristãos. Para
submeter ao que é inerente à natureza do fato artístico: representar os gregos, a “sua história apenas ensinava, em relação ao futuro, a
o que poderia acontecer. necessidade da memória, da prudência, da cautela, da resignação”51.
Para se entender melhor os argumentos de Aristóteles, lem- Cultores de uma teoria dos ciclos da idade, os gregos (a exemplo
bramos que é na oposição firmada, desde fins do século VI a.C., de Heráclito) acreditavam que cada ciclo durava 18.000 anos —
entre “Mito” e “Lógos” (λόγος), que se calçou o antagonismo entre “Princípio e fim se reúnem na circunferência do círculo”, afirmava
a História e os gêneros poéticos (particularmente a tragédia e a Heráclito52. À Idade do Ouro, seguiriam as Idades de decadência e,
epopeia); entre o “acontecido” e o “acontecível”. “Lógos”, no senti- na ordem cíclica, ao fim dessas Idades, ressurgiria a Idade do Ouro.
do de razão, racionalidade, ordem racional do cosmo e da beleza; “Sob a ação do fogo, elemento fundamental, o mundo conhece, atra-
“Mito”, como narrativa sobre matéria ilusória, fantasiosa, da ordem vés dos contrários em perpétuo fluxo de interação, fases alternadas
do irracional e do incognoscível. A História nasce e se constitui de criação (gênesis) e de desintegração [consumação] (ekpýrosis)
por negação do mítico. O historiador, diverso do poeta, é “aquele que se exprimem por uma alternância de períodos de guerra e de
que vê”, que “procura saber”, “informar-se”, que investiga49. Mas se paz”53. Filhos do “Logos”, da razão, da racionalidade, da explicação
Aristóteles não acatava a História como matéria da filosofia, por natural, os historiadores gregos buscavam dar ao mundo um sentido
tratar do particular e por não ser predicado de vários objetos; se
50 (LE GOFF 1994:62)
51 (REIS 2006:16)
48 (ARISTÓTELES 1994:143, 1460b, 8-10) 52 (HERÁCLITO 1991:87, frag. 103)
49 (LE GOFF 1994:17) 53 (LE GOFF 1994:297)
50 Anco Márcio Tenório Vieira Capítulo 1 . O que é e o que não é literatura? 51

metafísico, tal como a ordem e a beleza imutáveis do universo. Ao futuro não seriam melhores do que os passados e os atuais. Os

compararem a História —“[...] o lugar sublunar da mudança, da de- oráculos tinham o dom de ver a vida predestinada dos indivíduos

sordem”54 — com o cosmo, os historiadores abstraíam a história e o que as musas lhe sopravam. Estas conheciam tudo: o passado e

tempo e buscavam estabelecer a ordem das coisas, a ordem que esta- o futuro. Os eventos presentes e passados tinham as mesmas

ria na “substância” das mudanças. “A palavra ‘destruição’ significava características. Heródoto só queria evitar o esquecimento das

só ‘mudança’ e todas as idades voltariam a existir com as mesmas singularidades humanas. O significado dos eventos lhes era im-

coisas e os mesmos homens”55. Assim, as destruições advindas dos plícito e não os transcendia.58

eventos históricos seriam apenas aparentes, pois elas encerravam


uma ordem imutável. “A mudança não poderia levar ao ser, pois um Se a mudança implicava na ideia de que era possível alterar a
ser que muda já não é. O ser-que-é é alheio à mudança, imutável, imutabilidade da ordem cósmica, ideia desdenhada por historiado-
estável, permanente, sempre presente”56. A “natureza humana” está res e filósofos gregos, o Mito, que se inscrevia na ordem do irracional
subordinadas a ciclos (crescimento, decadência e morte), mas, aos e do incognoscível (ordem “[...] incompatível com um pensamento
olhos da razão grega, ela é imutável, pois as pulsões e as necessida- que buscasse a verdade”59), encerrava tanto a “fortuna”, o “acaso” e a
des dos homens foram, são e serão sempre as mesmas, assim como “contingência” quanto a “sorte-azar” e a “vicissitude”: as peripécias
a ordem existente no universo. O sentido de que a história tinha da riqueza para a pobreza, da vitória para a derrota, da escravidão
como fim trazer para a humanidade a felicidade inexistia para os para a liberdade e vice-versa60. O Mito, distinto do evento histórico,
gregos. Se existia uma felicidade a ser conquistada, esta era indivi- podia ser tomado como objeto do “acontecível” sem que tal condi-
dual, proporcional aos feitos heroicos de cada um. Feitos que davam ção ferisse a verdade histórica ou filosófica, pois ele continha em si
ao indivíduo o direito de ser lembrado pelos pósteros57. Os gregos, o acaso que os homens estão sujeitos ao longo da existência. Desse
nota José Carlos Reis, modo, esse caráter incognoscível do Mito permite que o poeta colha
dele mais significados do que ele pode oferecer. É dessa forma que as
[...] não se perguntavam ‘o que fazer?’, questão que indica o fu- Musas proclamavam “muitas falsidades, que se parecem com a ver-
turo, mas ‘o que aconteceu?’, questão que aponta para o passado, dade; mas também, quando queremos, proclamamos verdades”61.
que preferiam recente. Não se interessavam historicamente pelo Em outras palavras: se, para Tucídides, o destino de determinados
futuro como ‘humanização’, nem pelo longínquo passado, que eventos ou personagens é uma preconização dos oráculos e das
tratavam miticamente. Acreditavam que o futuro individual já interferências míticas, para os gêneros poéticos eles, os oráculos e
estava dado e podia ser antevisto pelos oráculos. Os homens do as interferências míticas, ficam parede-meia entre a falsidade e a

54 (REIS 2006:16). 58 (REIS 2006:17-18)


55 (LE GOFF 1994:298). 59 (REIS 2006:17)
56 (REIS 2006:17) 60 (REIS 2006:17)
57 (REIS 2006:16) 61 (HESÍODO 2005:102)
52 Anco Márcio Tenório Vieira Capítulo 1 . O que é e o que não é literatura? 53

verdade: dentro do horizonte do “acontecível”. Livrando-se dessa mas “pela imitação praticada”65. E é a “imitação praticada”, a mímesis
camisa de força imposta pela História, o Mito (como guardião da enquanto lugar do “acontecível”, que é inerente à natureza do fato
natureza inconsciente dos desejos e dos valores coletivos) pode artístico, à essência da poietike tecné.
encerrar o “predicado de vários objetos”. Assim, ao se ater ao even- Se o conceito de mímesis será também acolhido no mundo lati-
to que marca “[...] a mutação dos sucessos no contrário” , isto é, 62
no, não podemos esquecer que é naquele espaço literário que nasce
aquele em que o Reconhecimento e a Peripécia provocam na vida uma nova designação para a arte dos poetas: atribuir aos gêneros
do personagem “[...] a passagem do ignorar ao conhecer [...]”63 e, miméticos um caráter de fingimento, de fingir fazer, de simular:
por extensão, suscitam o terror e a piedade no leitor/expectador — o fingere. Ora, fictio (Ficção, ficción, fiktion, finzione, fiction) deriva
a Catarse (kátharsis, Κάθαρσις), a purificação —, o poeta toma do de fingere, mas também significa, no sentido próprio, “criação” e, no
Mito a moral universal que ele contém em si. sentido figurado, “ação de fingir”. Se a palavra fictio (ficção) significa
Partindo do princípio de que cada ciência encerra “[...] a criar (e quem cria cria algo para), ela também encerra nesse criar o
essência que é própria do gênero de coisas [...]” de que se ocupa, fingimento, o fingir fazer e o simular que provêm da sua raiz semânti-
Aristóteles distingue não apenas a Arte Poética (ciência “produti- ca (fingere). De modo que a sua “ação de fingir” a distingue de outras
va”) das ciências “teóricas” e “práticas”, mas também da História, formas de criação que estão submetidas aos conceitos e critérios de
que por se valer também da narrativa — o “modo” —, não difere da verdade/mentira. Afinal, quem finge, finge para alguém, o que implica
produção do poeta por ser escrita em verso ou em prosa, mas por que esse alguém tem que se inscrever nessa ação; ser parte dessa ação.
buscar narrar o “acontecido” e não o “acontecível”. É essa natureza No entanto, quais são as implicações da palavra fingere e da sua
específica da poietike tecné que urde as diversas espécies de poesia derivação fictio no campo da criação literária? Onde este conceito dife-
imitativa numa só família: a que mimetiza a realidade empírica (a re ou complementa o de mímesis, já que ele, no mundo latino, se aplica
natureza humana e a vida) não como se ela fosse a “semelhança mais ao mesmo conjunto de gêneros que os gregos acatavam como mimé-
semelhante” , mas pela sua recriação, por “representar o que pode-
64
ticos: o lírico, o dramático e o épico? Vamos para o próximo tópico.
ria acontecer”. Não se é poeta “pelo metro usado”, diz Aristóteles,
IV
62 (ARISTÓTELES 1994:118, 1452a, 22)
63 (ARISTÓTELES 1994:118, 1452a, 31)
64 Refiro-me, aqui, à passagem em que Sósia, personagem da comédia Anfitrião,
A Intencionalidade do Autor
de Plauto, depara-se com alguém que era a sua “semelhança mais semelhante”.
Ante tal fato inusitado, ele observa: “Quando o examino e reconheço a minha
Richard Ohmann, dentro dos chamados atos de fala, assinala que
figura, tal e qual eu sou — tenho-me visto muitas vezes ao espelho —, nada há
mais semelhante a mim mesmo” (PLAUTO 1986:46). Ou seja, nenhuma “seme- o problema das definições correntes sobre literatura é que ora elas
lhança mais semelhante” era possível entre dois homens se não fosse por meio
de uma imagem, a de Sósia, refletida no espelho. A arte seria não o que acontece se centram nos atos locutivos, ora nos atos perlocutivos. Saindo
quando nos olhamos no espelho, uma imagem da “semelhança mais semelhan- dessa dicotomia texto/efeito, vamos nos ater, agora, nos “atos
te”, mas o que poderia acontecer caso o espelho deformasse a nossa imagem: “a
dessemelhança do que até então nos parecia semelhante”. 65 (ARISTÓTELES 1994:104, 1447b, 15).
54 Anco Márcio Tenório Vieira Capítulo 1 . O que é e o que não é literatura? 55

ilocucionários”, isto é, nos atos que encerram os enunciados, as Na ausência desses traços comuns, cabe ao autor decidir se a sua
perguntas, as promessas, as ordens, os pedidos de desculpa, os obra é ou não ficção, mas, para Searle, só ao leitor recai a decisão
agradecimentos, etc. Para tal, vamos nos valer das reflexões desen- sobre se uma obra é ou não literatura. Assim, não há, para ele, um
volvidas por John R. Searle no ensaio “O estatuto lógico do discurso limite que caracterize as obras literárias das não literárias.
ficcional” . Caminhemos.
66

Searle nota que “[...] há um conjunto sistemático de relações 2. No caso da segunda distinção — os discursos ficcional e
entre os significados das palavras e sentenças que emitimos e os figurado —, Searle observa que, em ambos os casos, “[...] as re-
atos ilocucionários que realizamos na emissão dessas palavras e gras semânticas são alteradas ou sustadas de alguma maneira”.
sentenças” . Partindo dessa premissa, ele observa que essas relações
67
No entanto, no discurso ficcional, essas regras se dão de modo
levam a uma encruzilhada teórica quando focamos o discurso fic- diferente e independente das figuras de linguagem70. Para melhor
cional, pois “[...] como é possível que as palavras e outros elementos exemplificar a sua tese, ele assinala que a expressão metafórica é
tenham, numa estória de ficção, seus significados ordinários e, ao “não literal” [nonliteral], enquanto as emissões ficcionais são “não
mesmo tempo, as regras associadas a essas palavras e outros ele-
Wittgenstein. Nesta obra, o filósofo vienense constrói o conceito de “jogos de
mentos, regras que determinam seus significados, não sejam cum- linguagem”. Diz ele: “[..] todo processo de uso de palavras em (2) [a lingua-

pridas?”68 Antes de responder a esse “problema de difícil solução”, gem como um meio de entendimento entre um emissor e um receptor] seja um
dos jogos por meio dos quais as crianças aprendem sua língua materna. Quero
que é o objeto do seu ensaio, Searle assinala duas distinções que chamar esses jogos de ‘jogos de linguagem’, e falar de uma linguagem primiti-
va às vezes como de um jogo de linguagem.// E poder-se-ia chamar também
devem ser feitas em relação ao discurso ficcional. 1. “distinção entre de jogos de linguagem os processos de denominação das pedras e de repeti-
ficção e literatura”; 2. “distinção entre discurso ficcional e discurso ção da palavra pronunciada. Pense em certo uso que se faz das palavras em
brincadeiras de roda.// Chamarei de ‘jogo de linguagem’ também a totalidade
figurado”. Vamos a elas. formada pela linguagem e pelas atividades com as quais ela vem entrelaçada”
(WITTGENSTEIN 1996:18-19 [§ 7]). A parte específica a que alude Searle, é a do
§ 66. Vejamos: “Observe, p. ex., os processos a que chamamos ‘jogos’. Tenho
1. Para Searle, a diferença entre ficção e literatura se faz neces- em mente os jogos de tabuleiro, os jogos de cartas, o jogo de bola, os jogos de
combate, etc. O que é comum a todos estes jogos? — Não diga: ‘Tem de haver
sária porque o discurso literário é de difícil análise. É que nada obs- algo que lhes seja comum, do contrário não se chamariam ‘jogos’ —, mas olhe se
tante muitas obras literárias serem ficção, o fato é que, para ele, nem há algo que seja comum a todos. — Porque quando olhá-los, você não verá algo
que seria comum a todos, mas verá semelhanças de família, parentescos, aliás,
toda obra ficcional é literatura e nem toda obra literária é ficcional. uma boa quantidade deles. Como foi dito: não pense, mas olhe! Olhe, p. ex., os
jogos de cartas: aqui você encontra muitas correspondências com aquela pri-
Ou seja, inexiste, no seu entender, um conjunto de traços comuns meira classe, mas muitos traços comuns desaparecem, outros se apresentam. Se
que encerrem todas as obras literárias, pois, citando Wittgenstein, passarmos agora para os jogos de bola, veremos que certas coisas comuns são
mantidas, ao passo que muitas se perdem. — Prestam-se todos eles ao ‘entrete-
“[...] a noção de literatura é uma noção por semelhança de família”69. nimento’? [...] E assim podemos percorrer os muitos, muitos outros grupos de
jogos, ver as semelhanças aparecerem e desaparecerem.// E o resultado desta
66 (SEARLE 1995:95-119; 1997:58-75) observação é: vemos uma complicada rede de semelhanças que se sobrepõem
67 (SEARLE 1995:95) umas às outras e se entrecruzam. Semelhanças em grande e em pequena escala”
68 (SEARLE 1995:95-96) (WITTGENSTEIN 1996:51-52).
69 (SEARLE 1995:97). O autor se refere ao livro Investigações filosóficas, de Ludwig 70 (SEARLE 1995:98)
56 Anco Márcio Tenório Vieira Capítulo 1 . O que é e o que não é literatura? 57

sérias” [nonserious]. Por exemplo: quando Ricardo Piglia escreve, usam palavras e enunciados literais. A diferença entre um excerto
em seu romance Respiração artificial, “passei a noite quase insone e outro é que o texto do jornal é “[...] um tipo de ato ilocucionário
por causa do calor e agora estou sentado de frente para o frescor da que se submete a certas regras semânticas e pragmáticas bastante
janela” , isso não significa que, no momento em que ele escrevia,
71
específicas”. A saber:
houvesse algum frescor entrando pela janela, fizera calor na noite
anterior, ou muito menos ele passara a noite quase insone. Não há 1 - A regra essencial: quem faz uma asserção se compromete com
nenhum compromisso do Piglia romancista com este enunciado a verdade da proposição expressa. 2 - As regras preparatórias: o
dito pelo narrador do seu romance. É desse modo que a ficção é um falante deve estar preparado para fornecer evidências ou razões
discurso “não sério”, nada obstante a frase enunciada pelo escritor da verdade da proposição expressa. 3 - A proposição expressa não
argentino ser literal. Diverso ocorre quando um ensaísta escreve deve ser obviamente verdadeira para ambos, falante e ouvinte, no
que o seu artigo irá analisar e interpretar a obra de Machado de contexto da emissão. 4 - A regra da sinceridade: o falante com-
Assis. Neste caso, o enunciado é, ao mesmo tempo, sério e literal. promete-se com a crença na verdade da proposição expressa.75
No entanto, quando o mesmo ensaísta escreve que “Hegel é uma
carta fora do baralho no jogo filosófico”, esse enunciado, que é Para Searle, caso o texto do New York Times não observasse to-
uma metáfora, é sério, mas não é literal, já que é uma expressão das as regras acima, sua asserção seria defectiva [defective], isto é, in-
metafórica . 72
correria no falso, no errado, no incorreto ou na mentira. Neste caso,
Feitas as devidas ressalvas, Searle retoma a pergunta de “difícil “as regras estabelecem os cânones internos da crítica das emissões”76.
solução” posta no início do seu ensaio. Para respondê-la, ele deixa O inverso ocorre no texto de Iris Murdoch, pois “sua emissão não é
de lado as diferenças entre emissões literais [literal] e figuradas [fi- um compromisso com a verdade da proposição”. Isso não significa
gurative] e se propõe a explorar as dissimilitudes entre as emissões dizer que a proposição seja verdadeira ou falsa, e, sim, que a escritora
[utterances] sérias [serious] e ficcionais [fictional] . Para tal empre-
73
“[...] não tem qualquer compromisso com a sua verdade”. Ora, como
endimento, ele escolhe, inicialmente, dois exemplos: uma matéria ela não tem “compromisso com a sua verdade”, ela não é “[...] capaz
jornalística do New York Times, assinada por Eileen Shanahan, e um de fornecer evidências de sua verdade”. Desse modo, “não vem ao
excerto do romance The Red and the Green [O Vermelho e o verde], caso que já estejamos ou não informados de sua verdade”77.
de Iris Murdoch74. Ambos os exemplos se valem de asserções que
excerto do romance, lemos: “Mais dez dias gloriosos longe dos cavalos! Era no
71 (PIGLIA 1987:28) que pensava o segundo-tenente Andrew Chase-White, recentemente comissio-
72 (SEARLE 1995:98) nado no ilustre regimento King Edward’s Horse, enquanto vagueava contente
73 (SEARLE 1995:99) por um jardim dos subúrbios de Dublin, numa tarde ensolarada de domingo, em
74 No texto do New York Times, lemos: “Washington, 14 de dezembro — um grupo abril de 1916” (SEARLE 1995:100).
de membros dos governos federal, estaduais e municipais rejeitou hoje a ideia 75 (SEARLE 1995:101)
do presidente Nixon de que o governo federal fornecesse ajuda financeira que 76 (SEARLE 1995:102)
possibilitasse aos governos locais reduzir impostos sobre propriedades”. No 77 (SEARLE 1995:102)
58 Anco Márcio Tenório Vieira Capítulo 1 . O que é e o que não é literatura? 59

No entanto, uma pergunta se estabelece: se há uma asserção em ilocucionários, normalmente do tipo assertivo”. Assim, “[...] o
The Red and the Green, que tipo de ato ilocucionário é manifestado critério para identificar se um texto é ou não uma obra de ficção
no romance de Murdoch? Como pode existir uma asserção, se não deve necessariamente estar fundado nas intenções ilocucionárias
há nenhum compromisso com as regras específicas que caracteri- do autor”82. Mas conhecer as “intenções ilocucionárias do autor
zam as asserções? Para Searle, uma resposta equivocada seria admi- não significa saber, no que diz respeito à análise da obra, “[...] as
tir que existe um uso distinto das classes de atos ilocucionários nos intenções últimas de um autor [...]”, e, sim, as intenções quanto à
jornais e nos textos ficcionais. Neste caso, os atos ilocucionários na identificação do texto: se é um romance, um conto, uma novela,
ficção não são para enunciar, descrever ou explicar, mas apenas para uma epopeia, um poema.
contar uma estória. Assim, o ficcionista encerra o “[...] seu próprio Outra questão colocada por Searle é: “[...] o que torna possí-
repertório de atos ilocucionários, que estão no mesmo plano que os vel essa forma peculiar de fingimento?” Para ele, o que faz a ficção
atos ilocucionários de tipo padrão (fazer perguntas, fazer pedidos, possível “[...] é um conjunto de convenções extralinguísticas, não
fazer promessas, fazer descrições, etc.), mas se acrescentam a eles” .
78
semânticas, que rompem a conexão entre as palavras e o mundo
Caso essa premissa fosse correta, diz Searle, teríamos que admitir estabelecida pelas regras [...]”; que fazem de um enunciado uma
que uma mesma sentença literal usada, ao mesmo tempo, na ficção asserção sincera e não defectiva, isto é, “[...] regras [verticais] que
e no jornal, encerraria significados distintos. Desse modo, um leitor relacionam palavras (e sentenças) ao mundo”, que conectam a lin-
só poderia entender uma obra de ficção se aprendesse “[...] novos guagem à realidade83. Desse modo, as convenções que estabelecem o
conjuntos de significados correspondentes a todas as palavras e discurso ficcional se dão em cima de regras horizontais que rompem
outros elementos contidos na obra”79, o que o obrigaria, no caso do com as regras verticais. Tais convenções, no entanto, não encerram
falante da língua portuguesa, a ter que aprender novamente a sua nem as regras do significado, nem as que estabelecem a competência
própria língua materna. semântica do falante. Assim, Searle assinala que “[...] as elocuções
A resposta correta, para Searle, é que Iris Murdoch “[...] está fingidas que constituem uma obra de ficção são possíveis em virtu-
fingindo [pretend] fazer uma asserção, ou agindo como se estivesse de da existência de um conjunto de convenções que suspendem a
fazendo uma asserção, ou imitando o ato de fazer uma asserção”80. operação normal das regras que relacionam os atos ilocucionários
Fingir não no sentido de fraude, mas no sentido de “[...] envol- ao mundo”84. Em outras palavras: “[...] contar histórias [stories] é
ver-se numa encenação [...], de agir como se estivesse fazendo ou realmente um jogo de linguagem à parte”. Jogo de linguagem este
fosse essa coisa, sem nenhuma intenção de enganar”81. Neste caso, que “[...] não está no mesmo pé que os jogos de linguagem ilocucio-
“[...] o autor de uma obra de ficção finge realizar uma série de atos nários, mas é parasitário em relação a eles”85.

78 (SEARLE 1995:103) 82 (SEARLE 1995:106)


79 (SEARLE 1995:104) 83 (SEARLE 1995:107)
80 (SEARLE 1995:105) 84 (SEARLE 1995:108)
81 (SEARLE 1995:105) 85 (SEARLE 1995:108)
60 Anco Márcio Tenório Vieira Capítulo 1 . O que é e o que não é literatura? 61

Ainda dentro desse raciocínio, uma pergunta precisa ser res- o acontecível, já delimita em qual ciência a sua obra se inscreve: os
pondida: “[...] quais são os mecanismos pelos quais o autor invoca gêneros produtivos.
as convenções horizontais — que procedimentos ele segue? Se, Concordamos que para uma emissão se constituir “não séria”
como eu disse, o autor não realiza de fato atos ilocucionários, mas é necessário que um autor empírico não tenha “[...] qualquer com-
apenas finge realizá-los, como realiza o fingimento?” Sua resposta
86
promisso com a sua verdade” (aquela enunciada pelo narrador ou
é exemplificada pela encenação dramática. Neste, um personagem pelo eu lírico) e, por decorrência, não seja “[...] capaz de fornecer
finge (e não o autor) bater em outro personagem e este, por sua vez, evidências de sua verdade”. No entanto, como o leitor vai saber
finge apanhar. Se a surra é fingida, os movimentos dos braços são que tal enunciado é “não sério”? Como ele distingue a seriedade
reais. O mesmo procedimento ocorreria na ficção, onde “o autor ou a não seriedade dos atos ilocucionários em textos que tratem
finge realizar atos ilocucionários por meio da emissão efetiva de do mesmo assunto: um romance histórico sobre D. Pedro II e uma
sentenças”. Ou seja, “[...] os atos ilocucionários são fingidos, mas o biografia histórica sobre este? Creio que tal distinção só é possível se
ato de emissão é real”, já que eles se efetivam através de “[...] atos houver uma cooperação entre o autor e o leitor no ato de fingimen-
fonéticos e fáticos” . 87
to. Ou seja, não basta que um autor empírico finja enunciar uma
Se a mímesis aristotélica se atém ao texto em si (suas estruturas, verdade, faz-se necessário que o leitor saiba que ele está fingindo. A
seus procedimentos formais e a sua natureza: o horizonte do acon- intencionalidade do autor empírico de fingir uma estória tal como
tecível), a ficção, segundo Searle, também incorreria no mesmo ca- ela deveria ter acontecido só se perfaz na disposição do leitor, co-
minho: o de encerrar no texto, por meio de enunciados “não sérios” nhecedor de tal intencionalidade, em acatá-la (o verbo “fingir”, por
[nonserious], emissões que não têm “compromisso com a verdade si, já encerra uma intencionalidade, pois quem finge finge para al-
da proposição”. Assim, tanto na mímesis quanto na ficção, haveria guém). E aqui temos que nos ater novamente à palavra fictio. Se ela,
uma ruptura entre o signo e o referente, entre o signo e aquilo a que no sentido próprio, significa criação e, no sentido figurado, “ação
ele se refere. É assim que Sófocles conta a estória de Édipo sem se de fingir”, não podemos perder de vista, como dissemos acima, que
preocupar em ser fiel ao seu referente: a narrativa oral e imemorial quem finge finge antes para alguém do que para si mesmo. Se o lei-
do Mito (forma simples). O mesmo ocorre com o texto ficcional: tor/expectador desconhece que os atos de fala e/ou determinados
seus enunciados não têm nenhum “compromisso com a verdade gestos dramáticos são fingidos, a cooperação textual ou dramática
da proposição”. Desse modo, para Searle, cabe ao autor empírico, e não se estabelece (nesse caso, o texto, enquanto criação, pode ser
somente a ele, decidir se a sua obra é ou não ficção, pois é nela que ele acatado como um enunciado crível e o ator, como louco). Sem que
lança mão dos atos de falas que a caracterizam como tal. Proposição as regras do jogo fiquem estabelecidas para ambos os jogadores —
que também se aplica à mímesis, pois o poeta, ao escolher enunciar autor empírico e leitor empírico —, não é possível que o estatuto do
fingimento se firme. Por quê? Porque só por meio desse pacto de
86 (SEARLE 1995:109)
87 (SEARLE 1995:109)
fingimento mútuo as fronteiras entre a ficção, a mentira e a fantasia
62 Anco Márcio Tenório Vieira Capítulo 1 . O que é e o que não é literatura? 63

podem ser dissipadas. Como sabemos, o inverso da mentira é a ver- Outro ponto a observar é que a intencionalidade do autor
dade, e não a ficção ou a fantasia. O avesso de fingir é “desenganar”, empírico de fingir enunciados em uma determinada estória e a
no sentido de “esclarecer”. Mentir é iludir, trapacear. A mentira só disposição do leitor (seja o leitor-modelo ou o leitor empírico)88
é “jogada” (ou melhor, só é tomada como verdade) porque um dos em aceitar tal intencionalidade (instituindo a cooperação textual)
atores do “jogo” (o que está sendo enganado) desconhece as regras só se dão porque certos gêneros textuais encerram determinadas
do próprio “jogo”, desconhece que o pacto da verdade foi colocado marcações que foram estabelecidas socialmente e, por sua vez,
em suspensão. Logo, ele é levado a crer que tal enunciado — a men- acatadas. No caso dos gêneros miméticos, os gregos os definiram
tira — é verdadeiro. Um enunciado ou uma asserção só são acatados como épicos, dramáticos e líricos. Ora, se o “nível mais básico”
como mentira porque ferem um pacto, ou contrato, que envolve um das intenções de um autor é identificar o seu texto como romance,
acordo social, ou interpessoal, calçado em cima de um determinado conto, filosofia, teologia, história, sociologia, tese, dissertação etc.
critério de verdade. Um exemplo: uma nota monetária só pode ser (e cada um desses gêneros textuais encerra naturezas e, por sua vez,
tomada como falsa porque quem a falsificou rompeu com um pacto propósitos distintos), isso “já é afirmar algo sobre as intenções do
de verdade estabelecido entre a sociedade e a Instituição que a go- autor”, para usarmos as próprias palavras de Searle. Observando
verna, o Estado, já que este, por meio de vários mecanismos, é quem que as intencionalidades são instituídas não somente por aquele
emite o dinheiro e dá fé da sua validade monetária. que compôs a obra, mas também por quem a editou. Um livro é
No caso das fronteiras entre a ficção e a fantasia, podemos dizer denominado de romance, conto ou novela e, como tal, ele é pu-
que a ficção encerra a fantasia (a faculdade de imaginar ou criar pela blicado por um dado editor. Assim, toda a composição visual da
imaginação), mas a fantasia não encerra necessariamente a ficção. obra traz marcas das intenções do autor, reiteradas por seu editor: a
Um exemplo é o que se manifesta no portador de esquizofrenia. O orelha e a contracapa que explicam sobre o que versa o livro; a ficha
esquizofrênico é alguém que possui uma personalidade fragmenta- catalográfica; o local que, dentro de uma livraria, lhe é destinado; as
da e, por decorrência, perdeu o contato com a realidade. Assim, o resenhas de jornais e revistas que lhe são consagrados. É dessa ma-
esquizofrênico toma a fantasia pela realidade empírica e, como tal, neira que a obra chega ao leitor: identificada, no nível “mais básico”,
inscreve-a no horizonte do “acontecido”. Esquizofrênicos não fin-
88 Valemo-nos aqui da distinção feita por Umberto Eco. Para o teórico italiano,
gem acreditar nas fantasias que estão narrando ou vendo, pois aqui- “O leitor-modelo de uma história não é o leitor empírico. O leitor empírico é
você, eu, todos nós, quando lemos um texto. Os leitores empíricos podem ler
lo que eles narram ou veem é a sua própria realidade empírica. Por de várias formas, e não existe lei que determine como devem ler, porque em
não perceber os limites entre a fantasia e a realidade empírica é que geral utilizam o texto como um receptáculo de suas próprias paixões, as quais
podem ser exteriores ao texto ou provocadas pelo próprio texto”. O inverso
o portador de tal distúrbio mental é colocado à margem do pacto, é o leitor-modelo. Este é “[...] uma espécie de tipo ideal que o texto não só

ou do contrato, que rege a sociedade, ou que por ela foi instituído: prevê como colaborador, mas ainda procura criar. Um texto que começa com
‘Era uma vez’ envia um sinal que lhe permite de imediato selecionar seu próprio
seja o pacto da verdade (ou o que uma dada sociedade entende por leitor-modelo, o qual deve ser uma criança ou pelo menos uma pessoa disposta a
aceitar algo que extrapola o sensato e o razoável” (ECO 2010:14-15; ver também
verdade em um dado momento histórico), seja o ficcional. 2008:35-49).
64 Anco Márcio Tenório Vieira Capítulo 1 . O que é e o que não é literatura? 65

pelas intenções do autor. Desse modo, é a intencionalidade no nível compartilham o fato de que, embora toda a arte poética se valha da
“mais básico” que dá o estatuto histórico-temporal da obra, e, por natureza como matéria-prima de imitação (imitação da natureza e
desdobramento, as marcações que vão promover a sua recepção por das ações humanas), esta, ao se inscrever no campo do “acontecí-
parte do leitor-modelo ou do leitor empírico, explicitando, assim, o vel” ou do fingere, cria a sua própria verdade ou realidade textual.
desejo de um dado autor em pertencer a um determinado campo Verdade e realidade textuais essas que precisam ser pactuadas com
do conhecimento e, por extensão, de poder usar os atos ilocutivos o leitor para que possam se perfazer. Ambos os conceitos — mímesis
de modos fingidos ou não. Logo, o pacto entre o autor empírico e e fictio — tratam de uma verdade textual, mas só o conceito latino
o leitor empírico (ou o leitor-modelo) se estabelece quando aquele considera o leitor ou expectador como parte desse jogo que é insti-
enuncia em que gênero o seu texto se inscreve e, por sua vez, o lei- tuído pela verdade textual (o “acontecível”).
tor, a par desse estatuto, assume determinadas maneiras de pensar e E aqui vamos ao terceiro ponto da nossa análise: a verdade e a
agir ante o texto. Caso seja uma obra ficcional — onde o autor “está realidade textuais (o caráter imanente do texto).
fingindo [pretend] fazer uma asserção, ou agindo como se estivesse
fazendo uma asserção, ou imitando o ato de fazer uma asserção” V
—, ele, o leitor, aceita a intencionalidade do texto e, junto com ele,
finge aceitar tais enunciados; caso seja uma obra que se submeta “a A Verdade e a Realidade Textuais
certas regras semânticas e pragmáticas bastante específicas”, ele, o Se o ofício do historiador e, por extensão, a História, nasce quan-
leitor, irá se relacionar com o texto observando se o autor cumpre do da passagem do Mito para o Logos, da substituição da nar-
as condições especificadas nas regras, ou, caso contrário, ele incorre rativa fantasiosa, ilusória, irracional e incognoscível dos eventos
em uma asserção defectiva. Logo, diverso do que pensa Searle, não é para a narrativa que se calce em cima da razão e da racionalidade,
o leitor que diz se tal obra é ou não literatura, mas o seu autor, nada Aristóteles defendeu o caminho inverso para as poesias imitativas
obstante a necessidade da cooperação textual entre este e o leitor. (particularmente para o gênero trágico): o retorno do Logos para
A questão é saber quais são as regras (regras que valem para todos o Mito. No entanto, esse retorno não significava a defesa de uma
os gêneros textuais, em qualquer área de saber) que definem se um literatura que retomasse a narrativa mítica, a forma simples, e,
texto é ou não literatura. Duas dessas regras, como vimos, foram sim, que acolhesse o mito como “[...] o princípio e como que a
estabelecidas pela poética clássica, a mímesis e a fictio, e ambas se alma da tragédia”89. Tal retorno implicou em uma série de proce-
complementam. A primeira, porque trata do horizonte do “aconte- dimentos que terminam por caracterizar os textos literários até
cível”; a segunda, porque vê nesse “acontecível” não somente um ato os dias que correm. Se a narrativa mítica — a exemplo da história
ilocucionário fingido por parte do autor empírico, mas também um de Édipo — não tem autor empírico, já que ela se caracteriza por
pacto de fingimento (ou uma cooperação textual) que se estende ao ser uma história imemorial, a tragédia Édipo Rei não só tem um
leitor, que lê e finge acreditar no que lê. Mais: ambos os conceitos 89 (ARISTÓTELES 1994:112, 1450a, 35-36)
66 Anco Márcio Tenório Vieira Capítulo 1 . O que é e o que não é literatura? 67

autor empírico — Sófocles —, como este se distingue do narra- A primeira distinção a se observar é que as narrativas de
dor textual (puramente linguístico) que, no caso do drama, se dá Homero são em verso e as dos historiadores gregos, em prosa. Mas
“mediante todas as pessoas imitadas, operando e agindo elas mes- esta não é uma boa distinção, pois, como nota Aristóteles, não é o
mas” . Assim, os gêneros miméticos vão distinguir não só o autor
90
uso do verso que caracteriza a obra, mas a intenção do poeta em
empírico do narrador textual, como o autor empírico do eu lírico inscrevê-la no campo do acontecível. A segunda distinção é que na
textual (o poeta “chega a fingir que é dor a dor que deveras sente”, Ilíada o narrador textual não se confunde com o autor empírico da
ensina-nos Fernando Pessoa). Tais distinções foram necessárias obra. Seu narrador são as Musas, evocadas por outro narrador (que
para que os gêneros miméticos estabelecessem a diferença entre na falta de um nome melhor, chamaremos de “Homero”) para que
a “verdade textual” e a “verdade” que se “[...] deixa governar pelo elas tornem o passado presencial92. No entanto, ao longo da narrati-
critério válido para os discursos da realidade, o critério de verda- va, “Homero” as interpela: seja para pedir mais detalhes sobre os fa-
deiro/falso”91. Ou seja, se a realidade inscrita na literatura pode tos, seja para mudar o rumo da narrativa. Esta distinção entre autor
se alimentar da realidade empírica (Ao lermos Dom Casmurro, empírico (Homero) e narradores textuais (“Homero” e as Musas)
vemos que ele se passa no Rio de Janeiro da segunda metade do já impõe um pacto textual com o leitor-modelo ou empírico: ele
século XIX) e pode até se decifrar por meio dela (os princípios deve fingir acreditar que um dado narrador — “Homero” — é capaz
morais de Bentinho se calçam na moral predominante à época de evocar as Musas, dialogar com elas, registrar as suas falas e, ao
em que a estória decorre), ela, ao se perfazer como uma verda- mesmo tempo, se distinguir delas. Como nem o seu autor empírico
de textual, não se confunde mais com a verdade empírica que a — Homero — nem o narrador textual interpelador — “Homero” —
alimentou. Por mais que uma obra imite um dado referente, a não foram testemunhas dos fatos narrados (ocorridos em um tempo
ação dos seus personagens não se manifesta na realidade empí- mítico), eles precisam se valer de uma testemunhante “confiável”.
rica, mas em uma realidade puramente textual que lhe é própria, Ora, sendo o narrador textual um narrador fingido, não há nenhum
pois esta não busca imitar a realidade empírica como um espelho, compromisso do autor empírico com as emissões destes narradores,
mas como ela poderia ser: uma imagem alterada, borrada; uma que podem até ser literais, mas são “não sérios”. Parafraseando D.
imagem que só existe no texto e nele se encerra, pois a realidade
92 “Homero”: “Canta, ó deusa, a cólera de Aquiles, o Pelida/ (mortífera!, que tantas
empírica foi colocada em suspensão. Logo, dilatada, duplicada, dores trouxe aos aqueus/ e tantas almas valentes de heróis lançou no Hades,/ fi-
cando seus corpos como presa para cães e aves/ de rapina, enquanto se cumpria
ficcionalizada. Vejamos os exemplos de duas narrativas históri- a vontade de Zeus),/ desde o momento em que primeiro se desentenderam/ o
cas — as de Heródoto e Tucídides — e uma narrativa literária, a Atrida, soberano dos homens, e o divino Aquiles.// Entre eles qual dos deuses
provocou o conflito?” Musas: “Apolo, filho de Leto e de Zeus. Enfurecera-se o
Ilíada, de Homero (a Odisseia segue a mesma estrutura narrativa deus/ contra o rei e por isso espalhara entre o exército/ uma doença terrível de

da Ilíada, daí não precisamos evocá-la aqui). que morriam as hostes,/ porque o Atrida desconsiderara Crises, seu sacerdote./
Ora este tinha vindo até às naus velozes dos Aqueus/ para resgatar a filha, tra-
zendo incontáveis riquezas./ Segurando nas mãos as fitas de Apolo que acerta
90 (ARISTÓTELES 1994:112, 1447a, 24-25) ao longe/ e um cetro dourado, suplicou a todos os Aqueus,/ mas em especial aos
91 (LIMA 2002:666) dois Atridas, condutores de homens: [...]” (HOMERO 2005:30, Canto I, 1-16).
68 Anco Márcio Tenório Vieira Capítulo 1 . O que é e o que não é literatura? 69

Couty, esta distinção entre o autor empírico e os narradores textuais Tucídides teriam escritos obras de testemunhos; testemunhos deles,
mostra a distância fundamental entre o saber do autor empírico e o Heródoto e Tucídides, que participaram dos eventos e, também, dos
dos narradores textuais93. A relação das Musas com os seus perso- testemunhantes oculares, informantes das guerras narradas. Nota
nagens (o ponto de vista) é que elas sabem mais do que eles (“visão Richard Bauckham, parafraseando Samuel Byrskog, que os historia-
por trás”). Já “Homero” manifesta saber menos do que as Musas e os dores gregos e latinos, de modo semelhante ao método da moderna
seus personagens (“visão de fora”). historiografia oral,
Já nas obras de Heródoto e Tucídides os narradores são os
próprios autores empíricos. Por quê? Porque sendo testemunhantes [...] estavam convencidos de que a verdadeira história poderia
dos eventos que, por ventura, estão narrando, eles nem precisam ser escrita somente enquanto os acontecimentos ainda se encon-
evocar as musas (o Mito), nem fingirem serem narradores textu- travam dentro de uma memória viva, e consideravam como suas
ais, o que implicaria na falta de compromisso com a verdade das fontes os relatos orais de experiência direta dos acontecimentos
proposições. Daí por que muitos estudiosos de Heródoto o acusam por parte dos participantes envolvidos neles [e quanto mais
de ter incorrido, em várias passagens da sua obra, em falsidades, parcial fosse esse testemunhante, melhor]. Idealisticamente, o
manipulações e acréscimos. Acusações essas que jamais poderiam próprio historiador deveria ter sido um participante dos eventos
ser aplicadas a Homero. Pelo contrário. Assim, no parágrafo ini- que ele narra — como foram, por exemplo, Xenofonte, Tucídides
cial das obras de Heródoto e Tucídides, ambos se apresentam na e Josefo —, mas, visto que ele não poderia estar em todos os
terceira pessoa e expõem os motivos que os levaram a escreverem acontecimentos que ele narra ou em todos os lugares que ele des-
tais livros94. Em seguida, no parágrafo seguinte, eles se inscrevem creve, o historiador tinha de confiar, portanto, em testemunhas
na narrativa (primeira pessoa) para que o leitor tome ciência de oculares, cujas vozes vivas ele podia ouvir e a quem ele próprio
que o que vai ser narrado é resultado daquilo que eles viram ou podia questionar: “Autopsia [testemunho de testemunha ocular]
ouviram de testemunhantes críveis . Aos olhos de hoje, Heródoto e
95
era o meio essencial para remontar o passado”.96

93 (COUTY 1988:94).
94 Heródoto: “Esta é a exposição das investigações de Heródoto de Halicarnasso, Cabia ao historiador selecionar (autopsiar) os relatos dos tes-
para que os feitos dos homens se não desvaneçam com o tempo, nem fiquem
sem renome as grandes e maravilhosas empresas, realizadas quer pelos Helenos temunhantes, juntá-los às suas impressões de partícipe do evento, e,
quer pelos bárbaros; e sobretudo a razão por que entraram em guerra uns com
os outros” (HERÓDOTO 2002:53). Tucídides: “O Ateniense Tucídides escreveu
a história da guerra entre os peloponésios e os atenienses, começando desde os as margens do Mediterrâneo e ocupada a região que agora habitam, de imediato
primeiros sinais, na expectativa de que ela seria grande e mais importante que empreenderam longas navegações: com mercadorias egípcias e assírias, aponta-
todas as anteriores, pois via que ambas as partes estavam preparadas em todos ram a diversas regiões, entre as quais estava Argos [...]”. (HERÓDOTO 2002:53).
os sentidos; além disto, observava os demais helenos aderindo a um lado ou ao Tucídides: “É óbvio que a região agora chamada Hélade não era povoada esta-
outro, uns imediatamente, os restantes pensando em fazê-lo [...]”. (TUCÍDIDES velmente desde a mais alta antiguidade; migrações haviam sido frequentes nos
1999:19). primeiros tempos, cada povo deixando facilmente suas terras sempre que for-
95 Heródoto: “Os conhecedores entre os Persas consideram que os Fenícios foram çado por ataques de qualquer tribo mais numerosa [...]”. (TUCÍDIDES 1999:19).
os causadores do diferindo: sustentam que, vindos do mar chamado Eritreu para 96 (BAUCKHAM 2011:23)
70 Anco Márcio Tenório Vieira Capítulo 1 . O que é e o que não é literatura? 71

criticamente, dar um sentido à sua narrativa. “O sentido é a atmos- ocorre com o discurso histórico se manifesta também em todas as
fera em que os fatos são postos para que assumam uma presunção outras formas de discursos, mesmo aqueles mais esotéricos, a exem-
significativa”97. Sabemos que, entre os métodos da historiografia plo da teologia e dos textos místicos, que se firmam e se decifram em
clássica e aqueles que foram instituídos pela moderna historiografia, cima dos textos sagrados (no caso do cristianismo e do judaísmo, na
muitas coisas mudaram. No entanto, uma permaneceu: o autor em- Bíblia), e, por sua vez, esses textos sagrados (expressão do verbo) se
pírico da obra (chame-se ele Edward Gibbon, Arnold Toynbee, R. G. firmam e se explicitam em cima do Verbo.
Gollingwood, Fernand Braudel ou Sérgio Buarque de Hollanda) é o Assim, se a realidade inscrita na literatura pode se alimentar da
próprio narrador dos fatos narrados (seja a narrativa na primeira ou realidade empírica e até se decifrar por meio dela, a realidade textual,
na terceira pessoa), e os seus atos ilocucionários se submetem a certas ao se inscrever no horizonte do “acontecível”, não se confunde mais
regras semânticas e pragmáticas específicas, sob o julgo da sua obra com essa realidade extratextual. Não há nenhuma possibilidade de
se inscrever no campo do defectível. Não só: sua narrativa é tomada um leitor de Guimarães Rosa se deparar, no mundo empírico, com
como crível porque aquilo que é narrado encontra respaldo e teste- Riobaldo ou com Diadorim (salvo no caso de perturbação mental).
munho (seja ele documental, seja oral) no objeto narrado: o acon- O inverso ocorre com os textos das ciências exatas, biológicas, so-
tecido. A verdade do texto histórico não está calçada em si mesma, ciais, humanas, teológicas e filosóficas: todos não só partem da reali-
mas no seu referente. Isso não significa dizer que a narrativa histórica dade empírica (mesmo que seja só no campo especulativo), como só
está no lugar do evento em si (afinal, desde Santo Agostinho que se se decifram ou se firmam por meio dessa realidade empírica.
sabe que a palavra é um signo, isto é, ela é a representação da coisa Mímesis, fictio, verdade textual. Estes três conceitos se interpe-
em si, mas não é a coisa em si), e, sim, que ela só se perfaz porque o netram e, principalmente, se complementam, formando uma unida-
evento que lhe serve de objeto de análise e interpretação se plasma na de. No entanto, tais conceitos não se aplicam somente à literatura e,
realidade empírica. Logo, essa narrativa tem sua análise e interpreta- por decorrência, aos gêneros artísticos, mas também a certos gêne-
ção delimitadas pelo referente: a documentação que lhe fundamenta. ros que são puramente ficcionais, a exemplo das novelas televisivas,
Desse modo, onde terminam, para o historiador, os limites da análise das estórias em quadrinho, das fotonovelas, dos videoclipes... Então
e da interpretação dos eventos históricos é onde tem inicio a narrativa o que faz determinados gêneros textuais serem literatura — isto é,
literária. Por exemplo: se o historiador, refém do referente, não pode serem alçados ao campo da arte — e outros serem apenas ficções?
afirmar que D. Pedro II morreu governando o Brasil, o escritor literá- Vamos ao nosso quarto e último tópico.
rio, diversamente, pode contar a estória do nosso monarca como ela
poderia ter sido. No caso, uma estória onde o Imperador jamais fora VI
exilado e a República nunca fora proclamada no Brasil. Como “[...] o
discurso ficcional ocupa uma posição ex-cêntrica quanto à verdade, Os Significados e Significações do Texto
o traço ‘referência’ sofrerá uma modificação considerável”98. O que Como toda forma de conhecimento, a literatura — e as artes, de ma-
97 (LIMA 1991:143) neira geral — também encerra um modo de usar ou de se relacionar
98 (LIMA 1991:144)
72 Anco Márcio Tenório Vieira Capítulo 1 . O que é e o que não é literatura? 73

com os signos: imitando o referente (representando o que poderia nosso caso, a literatura caminham no sentido inverso do discurso
acontecer), fingindo (construindo, por meio de um pacto ficcional, persuasivo (os discursos das telenovelas, da política, do judiciário,
enunciados não sérios) e plasmando uma realidade e uma verdade da propaganda, da maioria das ficções policiais, das estórias em
puramente textuais (estabelecendo a cesura entre o signo e o refe- quadrinho, das fotonovelas, dos seriados de TV). Se este “[...] quer
rente, nada obstante, na maioria dos casos, se valer deste enquanto levar-nos a conclusões definitivas; prescreve-nos o que devemos
matéria). O resultado desse modo de se relacionar com os signos é desejar, compreender, temer, querer e não querer”100, a arte e, no
que, na literatura, o leitor, ao ler um poema, é levado, caso queira caso específico, a literatura não repetem para o leitor “[...] aquilo
entender o seu sentido, a decifrar e a recifrar permanentemente o que ele já sabe e aquilo que deseja saber”,101 mas revelam aquilo que
verso, e, no caso da prosa, a se deparar com o sentido polissêmico ele não sabe (ou pelo menos ele nunca imaginou ou nunca pensou
que as estórias narradas encerram. Em ambos os casos, temos sig- daquele modo) e o que ele nem desejaria (ou pensou desejar) saber.
nos carregados de significados e significações “até o máximo grau Mutatis mutandis, as artes plásticas podem, aqui, nos fornecer um
possível”99, como defendia Ezra Pound, sem que, necessariamente, bom exemplo. Ao pintar um cachimbo e escrever no rodapé da
isso implique, como queriam os Formalistas, determinadas proprie- tela que aquilo não é um cachimbo (“Ceci n’est pas une pipe”), René
dades sintáticas ou semânticas específicas do texto (como são exem- Magritte não só contraria o “automatismo perceptivo”102 do seu
plos, no caso da prosa, as poéticas das Escolas Realista e Naturalista, expectador, mas cria “[...] uma percepção particular do objeto [sua
que perseguiam antes uma narrativa denotativa do que conotativa, singularização], busca[ndo] a criação da sua visão e não de seu reco-
nada obstante o sentido da obra estar carregado de significados e nhecimento”103. Desse modo, o artista não somente rompe a relação
significações). Essa condição de encerrar no signo significados e entre o signo (o cachimbo pintado) e o seu referente (o cachimbo
significações além daqueles que encontramos nos dicionários, tira empírico), mas lhe dá significados e significações além daqueles que
da literatura o caráter que, muitas vezes, lhe é atribuído, particular- a linguagem persuasiva busca dar; ou, como nota Luiz Costa Lima,
mente pelos estudos sociológicos (o de ser apenas um “documento”, a arte da imitação “[...] não só recebe o que vem da realidade mas
um “indicador” ou um “epifenômeno” da realidade empírica), e é passível de modificar nossa própria visão da realidade”104. “Se isto
lhe confere tanto a sua condição trans-histórica (o que lhe dá uma não é um cachimbo, então é o quê?”, perguntaria o apreciador da sua
autonomia em relação ao referente) quanto o seu estatuto artístico. obra. A resposta poderia ser: “tente fumá-lo”. O mesmo ocorre com
Estatuto que a leva a perseguir não apenas o Belo (afinal, outras Homero ao narrar a Guerra de Troia: ele não oferece ao leitor uma
manifestações também buscam a beleza estética: a moda, a deco- estória em que ele reconheça a narrativa mítica (“o caso eu conto
ração, o design), mas retesar o signo com o intuito de extrair dele como o caso foi”), e, sim, que seja o “acontecível” do “acontecido”.
o máximo possível de significados e significações além dos limites 100 (ECO 1986:280)
101 (ECO 1986:282)
aceitáveis nas demais formas de discurso. Desse modo, a arte e, no 102 (EIKHENBAUM 1978:15)
103 (EIKHENBAUM 1978, p. 15)
99 (POUND 1983:32) 104 (LIMA 2000:25)
74 Anco Márcio Tenório Vieira Capítulo 1 . O que é e o que não é literatura? 75

Assim como existe o cachimbo de Magritte que não é um cachimbo VII

(apenas a representação mimética do cachimbo), existe a Guerra de


Troia de Homero que não é a Guerra de Troia da narrativa míti- Conclusão

ca, mas a sua imitação. Do mesmo modo, quem inicia a leitura de 1. Não é por semelhança de família, como são os jogos (afinal, o que
Dom Casmurro buscando encontrar um discurso persuasivo contra há em comum entre uma partida de xadrez, atividade puramente
o adultério e a favor da família patriarcal e cristã, encontra uma cerebral, e uma de futebol, atividade em que predomina o esforço
linguagem polissêmica que puxa o tapete de todas as suas certezas. físico? Serem ambas apenas um entretenimento?), que podemos
O que resta ao leitor? Ou ficar na dúvida (e não é Dom Casmurro colocar sob o mesmo guarda-chuva a poesia, a epopeia, o drama, o
um romance sobre a dúvida?) ou recomeçar a leitura do romance romance, o conto e a novela. Apesar de guardarem formas distintas,
em busca de indícios mais convincentes da traição de Capitu. A todos esses gêneros encerram os quatro critérios que elencamos
verdade textual do romance cria os seus próprios significados e as ao longo deste texto: (a) todos imitam (ora tomando a natureza
suas próprias significações (independentes dos valores morais do como modelo, ora por meio da intertextualidade, ou mesmo ten-
seu tempo), o que dá à obra o seu caráter trans-histórico. Pouco nos tando traduzir em linguagem os sonhos e as alucinações da mente)
interessa agora saber qual era, ao tempo em que a obra foi escrita, a e contêm emissões fingidas que são acatadas, em forma de pacto,
moral que alimentava Bentinho, pois o que parecia ser reconheci- pelo leitor-modelo ou pelo leitor empírico; (b) todos trazem as in-
mento — uma estória de adultério passada na segunda metade do tencionalidades do autor empírico; (c) todos constroem realidades
século XIX brasileiro — singulariza-se, agora, como o discurso da textuais; e (d), por fim, todos perseguem uma linguagem carregada
dúvida. Dúvida não só nossa, leitor, mas que se inscreve no próprio de significados e significações. Se estes critérios em conjunto (e não
modo discursivo como a obra é organizada pelo autor empírico por individualmente) caracterizam e estão presentes em todos os gê-
meio do narrador textual. A forma irônica é o modo que Machado neros literários (poesia, epopeia, drama, romance, conto e novela),
de Assis encontrou para compor a sua obra e lhe prover de signifi- terminando por agregá-los sob o mesmo manto e, principalmente,
cados e significações. Assim, essa forma irônica — isto é, a cesura dando-lhes um estatuto artístico, como podemos encerrar, dentro
entre o signo e aquilo a que ele se refere, a realidade empírica — nos desse mesmo manto conceitual, livros como os do Padre Antônio
leva a concluir, parafraseando Octávio Paz, que “não sabemos o que Vieira e Euclides da Cunha, por exemplo, que se inscrevem em
é realmente o real”: se o que veem os olhos de Bentinho ou o que campos do conhecimento que lhes são distintos? No caso de Vieira,
a sua (ou a nossa) “imaginação projeta”105. Se o reconhecimento, a a oratória religiosa (o sermão); no de Euclides, a história social.
matéria do discurso persuasivo, é sinônimo de significado unívoco, Ambos, como sabemos, ocupando papéis de destaque em todas as
a singularização é sinonímia de linguagem carregada de significados histórias da literatura brasileira (e, no caso de Vieira, também nas
e significações. No caso, a arte; a literatura, particularmente. histórias da literatura portuguesa), apesar de as obras que predomi-
105 (PAZ 1991:108) nam nesses manuais serem, em quase totalidade, as que encerram
76 Anco Márcio Tenório Vieira Capítulo 1 . O que é e o que não é literatura? 77

os quatro critérios declinados ao longo deste texto. Então, por que do estilo senecano, ‘coupé’ e sentencioso, à ênfase, à sutileza, ao pa-
Vieira? Por que Euclides? Talvez os críticos e os historiadores da radoxo, ao contraste, à repetição, à assimetria, ao paralelo, ao símile,
literatura encontrem neles, como quer Searle, a “semelhança de ao manejo da metáfora [...]”. Assim, Vieira “[...] produziu páginas
família”. Afinal, Searle, como vimos, distingue obras ficcionais de que são tesouros da eloquência sagrada em língua portuguesa”108.
obras literárias, já que, para ele, nem toda obra de ficção é literatura Por fim, Candido toma-o como um “escritor ardente, correto, a sua
(no que concordamos com ele) e nem toda obra literária é ficção linguagem cheia de vigor e harmonia tornou-se um dos modelos da
(do que discordamos). Desse modo, parece que temos, aqui, uma escrita clássica portuguesa”109.
questão não respondida: o que faz um conjunto de obras ficcionais No caso de Euclides da Cunha, Bosi nota que “a expressão
serem acatadas como literatura e, em contrapartida, outro conjun- ‘barroco científico’, com que já se procurou batizar a sua linguagem,
to de obras não ficcionais serem tidas também como literatura? indica-lhe a essência, se em ‘barroco’ visualizamos, antes de mais
Sabemos a resposta de Searle: cabe ao autor decidir se a sua obra nada, um conflito interior que se quer resolver pela aparência, pelo
é ou não ficção, mas só ao leitor recai a decisão de afirmar se uma jogo de antíteses, pelo martelar dos sinônimos ou pelo paroxismo
obra é ou não literatura. Assim, não há, para Searle, um limite que do clímax”110. Para Merquior, Euclides da Cunha é dono de uma
caracterize as obras literárias das não literárias: tudo depende do “[...] frase contundente, angulosa, convulsa [...], singularizada pela
gosto e do critério de quem a lê. Talvez Vieira e Euclides sejam dois elasticidade da sintaxe assindética (quase sem conectivo), dos cres-
bons exemplos que venham responder o que o texto de Searle não cendo dramáticos e dos ritmos espasmódicos [...]”111. Coutinho vê
respondeu. Vamos à análise. Para tal, evoquemos quatro estudiosos n’Os Sertões, “[...] como arquitetura e como construção, [...] o cará-
e historiadores da nossa literatura: Alfredo Bosi, José Guilherme ter de narrativa, de ficção, de imaginação. Os Sertões são uma obra
Merquior, Afrânio Coutinho e Antonio Candido. de ficção, uma narrativa heroica, uma epopeia em prosa, da família
Bosi define Vieira como um “[...] estupendo artista da pala- de A Guerra e paz, da Canção de Rolando e cujo antepassado mais
vra” . Já Merquior toma muitos dos seus sermões como “[...]
106
ilustre é a Ilíada”112. E Candido assinala em Os Sertões “[...] o voo
exemplos incomparáveis de artifício retórico posto a serviço do retórico do estilo, inclusive no rebuscamento do vocabulário e das
pensamento”. Entre estes, encontram-se “[...] a guirlanda de metáfo- construções sintáticas, bem-vindos aos ‘cultores da forma’”113.
ras, desfraldadas em amplo movimento alegórico; o amor à antítese; Em resumo: tirante a definição de Afrânio Coutinho para Os
a frase de ritmo rápido, sincopado, enérgico; enfim, a indicação Sertões, que lhe atribui um caráter ficcional (apesar do autor se va-
teatral do paradoxo [...], plataforma, por sua vez, de novas salvas ler apenas da autoridade de crítico e de professor universitário para
metafóricas, e de novos arabescos de figuras de pensamento e de 108 (COUTINHO 2001:116)

dicção” . Coutinho, assinala que ele, Vieira, aliou “[...] a essência


107 109 (CANDIDO 2004:26)
110 (BOSI 1984:349)
111 (MERQUIOR 1979:196)
106 (BOSI 1984:50) 112 (COUTINHO 1981:82)
107 (MERQUIOR 1979:18) 113 (CANDIDO 2004:83)
78 Anco Márcio Tenório Vieira Capítulo 1 . O que é e o que não é literatura? 79

fazer tal asserção, deixando de lado qualquer problematização sobre tal, ele se instrumenta nos preceitos da retórica clássica: o “exórdio” ou
o que asseriu, isto é, onde se encontra e como se dá a ficcionalida- “princípio” (o começo) do discurso, que é constituído de duas partes: a
de na obra de Euclides), todas as demais definições confluem para “proposição” dos temas e a sua “divisão” (as partes que vão constituir o
o mesmo ponto: Vieira e Euclides estão nas histórias das literaturas discurso); segue o “desenvolvimento” do discurso, que é formado tanto
brasileira e portuguesa pela qualidade retórica do texto . Ora, se o 114
pela “narração” quanto pela “argumentação” (esta podendo encerrar o
princípio finalista dos gêneros miméticos é a imitação, a ficciona- silogismo, o paralogismo, o paradoxo e exemplos); e, por fim, a “pero-
lização, a autonomia do texto em relação ao seu referente e, por sua ração”, “conclusão” ou “epílogo” do discurso. Assim, se o discurso, en-
vez, a construção de uma linguagem que não seja persuasiva, o que quanto oratória, se pauta pelo bem dizer (bene dicere) e pelo persuadir
encontramos nos textos de Vieira e de Euclides é exatamente o inverso (persuadere), todo esse bem dizer e todo esse persuadir têm como fim
(sem esquecer que ambos não pretendiam, se pensarmos, aqui, pelo ensinar (docere), agradar (delectare) e comover (movere)115. No caso de
viés da intencionalidade, subordinar os seus textos a nenhum gênero Euclides, se a qualidade retórica do texto é indiscutível, não podemos
ficcional. Muito pelo contrário). No caso de Vieira, sua obra segue o acusá-lo nem de ter construído um pacto ficcional com o leitor (toda
plano do discurso apregoado pela oratória: persuadir e comover. Para a forma tripartite da obra segue uma lógica que se subordina aos prin-
cípios científicos do seu tempo — o meio determina a degradação da
114 Talvez pudéssemos evocar para essas obras o conceito formalista de litera-
raça, e ambos explicam as causas do evento a ser narrado: a Guerra
turidade (literaturnost), desenvolvido por L. Jacobinski, em 1916, no ensaio
“Conclusões sobre a teoria da língua poética”. Para este teórico, a literaturida- de Canudos), muito menos de perseguir, em sua obra, o “acontecível”.
de perseguia antes como o efeito de estranhamento da linguagem construía
a percepção artística do que os princípios finalistas da poesia: a mímesis. É
Assim, tanto Vieira quanto Euclides escreveram obras em que
dentro desse princípio que Jacobinski e os demais formalistas irão definir a li- podemos acusar, em determinados momentos da sua prosa, uma
teraturidade a partir da confrontação entre a língua poética e a língua prática,
cotidiana, que tem como fim a comunicação interpessoal. “’Os fenômenos lin- linguagem carregada de significados e de significações (particular-
guísticos devem ser classificados do ponto de vista do objetivo visado em cada
mente no uso de tropos), mas que não respondem ou se inscrevem
caso particular pelo sujeito falante. Se os utiliza com objetivo puramente prático
da comunicação, ele faz uso do sistema da língua quotidiana (do pensamento nos demais tópicos que, em conjunto, perfazem o grosso dos gêneros
verbal), na qual as formas linguísticas (os sons, os elementos morfológicos, etc.)
não têm valor autônomo e não são mais que um meio de comunicação. Mas textuais que compõem as histórias da literatura. Neste caso, tomá-los
podemos imaginar (e eles existem realmente) outros sistemas linguísticos, nos como literatura “por semelhança de família” (no caso, pela qualidade
quais o objetivo prático recue a um segundo plano (ainda que não desapareça
inteiramente) e as formas linguísticas obtenham um valor autônomo’”. (Apud retórica do texto) é subordinar os seus atos ilocutivos (enunciados
EIKHENBAUN 1978:9). No entanto, há um ruído na aplicabilidade do conceito de
literaturidade à prosa (diverso do que ocorre nas formas poéticas). Na prosa, as
sérios, literais ou não literais) aos atos locutivos ou perlocutivos. E
palavras não têm autonomia, pois, enquanto instrumento, estão subordinadas à tais atos ou se atêm ao texto (a qualidade retórica) ou aos seus efeitos
construção de um sentido: construção linear calcada em cima de ideias, críticas,
fatos e análises. Todo narrador (indiferente de sua prosa ser ficcional ou não), ao (a persuasão e a comoção). Logo: (a) a substância específica dessas
tempo em que narra, escolhe, analisa e interpreta. Diverso da poesia, onde o pro-
obras não é a mimeses, nem a fictio; (b) esses livros não têm uma po-
cesso de decifração da palavra e do verso só se dá pelo processo de recifração.
Ou, como bem diz Octávio Paz, “[...] o sentido do poema é o próprio poema”, sição ex-cêntrica em relação aos fatos, pessoas e valores que povoam a
pois “há muitas maneiras de dizer a mesma coisa em prosa; só existe uma em
poesia” (PAZ 1976:48). 115 Ver MOISÉS (1992:152-155); CARMONA (2003); TRINGALI (1988)
80 Anco Márcio Tenório Vieira Capítulo 1 . O que é e o que não é literatura? 81

realidade empírica. Logo, não são fatos e pessoas puramente textuais; a realidade empírica. Se Machado e Jorge de Lima fingem as suas
(c) o pacto de intencionalidade estabelecido com o leitor não é o do asserções, o mesmo não podemos dizer de Vieira e Euclides. Daí por
fingimento, mas o do critério de verdade e realidade prevalecentes em que a dicotomia verdadeiro/falso poder ser aplicada aos seus textos,
seus tempos: seja ela a “verdade” perseguida pela ciência e a filosofia, mas não aos de Machado e Jorge de Lima.
seja a da teologia ou das Escrituras. Se, por ventura, esses autores Concluindo: como afirmamos no início deste artigo, os estudos
faltam com a verdade nos seus textos, eles incorreram na mentira, e sobre o que é e o que não é literatura pecam por querer definir a litera-
não na criação ficcional, pois, como vimos, o avesso da verdade é a tura apenas por um dos seus aspectos: ou centrando-se no texto ou na
mentira; já o avesso de fingir é “desenganar”, no sentido de “esclare- sua recepção. É o que faz Searle, ao defender que cabe ao autor decidir
cer”. Por fim, o único elo entre essas obras e os gêneros literários seria se a sua obra é ou não ficção e, ao leitor, a decisão de afirmar se uma
a suposta qualidade retórica dos seus textos, as supostas propriedades obra é ou não literatura. No primeiro caso, a palavra ficção é tomada
sintáticas ou semânticas específicas. Porém, essas não são necessa- por Searle apenas no sentido de “criação” (daí por que ele desconsi-
riamente propriedades (específicas) da literatura, são procedimentos derar o leitor) e não em sua dupla acepção: a de “criação” (sentido
que podemos encontrar ou não em um texto literário, como também próprio) e a de “ação de fingir” (sentido figurado). Ora, como quem
em obras filosóficas, religiosas e de ciências exatas. Por fim, (d) um finge finge para alguém, tomar a ficção também no seu sentido figura-
texto literário carregado de significados e significações exclui do do já implica na construção de um pacto com o leitor. Logo, não é só o
seu horizonte a “semelhança mais semelhante”, que é o estatuto do autor que delimita a ficcionalidade do seu texto, mas também o leitor,
“reconhecimento” (tanto os Sermões, de Vieira, que se decifram pela que é convidado a participar desse pacto ficcional. Sem esse pacto
teologia e a Bíblia, quanto Os Sertões, de Euclides da Cunha, que se entre autor e leitor, a ficcionalidade não se perfaz e, por extensão, os
calçam nas teorias cientificistas que lhe eram contemporâneas, são gêneros que formam as histórias da literatura e que são calçados na
exemplos de “reconhecimentos”, e não de “singularizações”). ficcionalidade: a poesia, a epopeia, o drama, o romance, o conto e a
Desse modo, se as obras citadas no início deste ensaio com- novela. Gêneros estes que só poderão ter as suas “naturezas” apreen-
partilham dos mesmos genes, obras como a de Vieira e Euclides didas e tomadas como partes de uma mesma família se consideramos
não trazem marcações que as inscrevam na mesma família em que o fenômeno como um todo sistêmico: 1º A imitação e a ficcionalidade
Memórias póstumas de Brás Cubas e Invenção de Orfeu participam. do texto (compondo a unidade dos gêneros literários) e, como parte
Por se nutrirem de um referente, mas não se subordinarem a este (e dessa ficcionalidade, a recepção de quem o lê perfazendo o pacto fic-
aqui a dicotomia verdadeiro/falso perde completamente o seu senti- cional; 2º A intencionalidade do autor (o estatuto histórico-temporal
do), as obras de Machado de Assis e de Jorge de Lima terminam por da obra e, por desdobramento, as marcações dadas pelo autor empíri-
“neutralizar” 116
o modo como os demais discursos (sejam eles cien- co e que delineiam a sua recepção); 3º A verdade e a realidade textuais
tíficos, sejam religiosos ou morais) buscam tematizar ou apreender (o caráter imanente do texto); 4º Os significados e significações do
116 Ver LIMA (2002:666)
texto (sua condição artística e trans-histórica). Mesmo sabendo que,
82 Anco Márcio Tenório Vieira Capítulo 1 . O que é e o que não é literatura? 83

isoladamente, cada um desses aspectos sejam variáveis conceituais ARISTOTE. 1980. La Poétique. Texte, traduction, notes par Roselyne Dupont-Roc
et Jean Lallot. Préface de Tzvetan Todorov. Paris: Éditions du Seuil [Collection
(podemos encontrar cada um desses aspectos nos demais gêneros
Poétique].
textuais, como vimos no caso de Vieira e Euclides), em conjunto (e só
______. 2002. Poétique. 2° ed. Traduction, introduction et notes de Barbara Gernez.
em conjunto) eles se constituem (e é o que tentamos demonstrar ao Paris: Les Belles Lettres.
longo deste artigo) em uma invariável. Invariável esta que está presen- BAUCKHAM, Richard. 2011. Jesus e as testemunhas oculares: os Evangelhos como
te tanto nos gêneros que compõem a poética clássica (o épico, o lírico testemunhos de testemunhas oculares. Trad. Paulo Ferreira Valério. São Paulo:
Paulus.
e o dramático) e medieval (a novela de cavalaria) quanto nos que
BOSI, Alfredo. 1984. História concisa da literatura brasileira. 3°ed. São Paulo:
surgiram a partir do Renascimento (o romance, o conto e a novela). Cultrix.
CANDIDO, Antonio. 2004. Iniciação à literatura brasileira. 4° ed. Rio de Janeiro:
Referências Ouro Sobre Azul.
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O advento, tão irresistível quanto imprevisível, por sua rapidez e
extensão, da cultura cibernética fez repensar alguns valores tidos
anteriormente por consensuais. A essa altura é ocioso pensar se se
trata de uma revolução cultural, de uma transformação social, de
uma mutação; o fato é que é próprio de tais situações pôr em xe-
que costumes e conceitos. A realidade virtual veio sacudir o torpor
conceitual porquanto altera nossa percepção da teoria. Claro, isso
só pode fazer sentido se pensado em sua complexidade: a academia
não encerra toda a teoria; assim como nenhuma teoria casa com o
real literário; o mais comum, no espaço cibernético, são posturas
pontuais cuja rapidez de circulação faz crer serem verdades incon-
testes. A prevalência do mundo da informática, da comunicação,
das conexões em todos os níveis, tudo leva a crer que Prometeu cede
lugar a Hermes. A teoria literária recente viveu de supostas certezas
representacionais advindas de um modo cultural que precisava de
âncoras conceituais incontestes como suporte de seu mundo. A
cultura no modo virtual permite permutas mais ricas, diminui as
pretensões de uma teoria total, global, e faz inflectir as supostas
certezas das escolas teóricas apenas em ganhos pontuais — não em
verdades estabelecidas.
De evidente, o serviço público que a tecnologia presta à ins-
tância crítica ao democratizar uma panóplia de informações e uma
90 Lourival Holanda Capítulo 2 . A teoria literária 91

pluralidade de enfoques teóricos. Se a teoria puder se definir como da teoria literária parece inapreensível — sobretudo em seu modo
modulações de uma reflexão sobre o fazer literário, o pensamento anterior; as causas da crise conceitual são difusas como é complexa
teórico fica mais livre para equilibrar, relativizar, modelar aborda- a cultura contemporânea; porque o abalo sísmico provocado pelas
gens no momento mesmo em que a literatura se serve de outras possibilidades de produção literária no espaço cibernético leva
mídias para a construção de seu objeto. Uma consideração sobre a os teóricos a redefinir seu objetivo (a que serve ainda a teoria?) e
emergência hoje de outras teorias pode conduzir à conclusão de que mesmo seu objeto (há alguma unanimidade no que se pretende
sua função continua a de ser uma atenção refletida ao imprevisível literário?). Enquanto foi compreendida como extensão da prática
da criação. O empenho teórico é como o fervor que resulta da febre heleno-judaica do comentário e interpretação de textos, ela deteve
que um texto forte provoca: seja que a reação tenha sido de exe- um sentido agregador junto à comunidade e teve um papel relevante
cração ou de exultação, o momento teórico tenta então depurar a no prosseguimento de uma dada noção de cultura.
paixão na aventura de um exercício intelectual de reflexão analítica. A Poética de Aristóteles é sempre a referência — chamada ou
E menos com o intuito de restituir o texto que de recompor sua xingada: dois mil e quinhentos anos de presença pesam. Se já é um
possibilidade. texto de teoria, isso só pode ser aceito sob reservas prudentes para
Com a entrada do século XXI, já o conceito de teoria literária evitar anacronismo. Seu objeto não é tanto aquilo que, sobretudo
tinha entrado em deliquescência. As novas tecnologias fizeram vir depois de Valéry vamos chamar de poética, mas a representação, a
à tona problemas teóricos que não poderiam ter sido abordados mímese, da ação; e, por extensão, do mundo. Onde uma poética
antes. A web 2.0 permitiria outros modos de permuta, de leitura, estende e classifica, a outra, mais próxima, aprofunda. O modo mais
de produção de textos e de uma possível frequentação imediata descritivo de Aristóteles, ocupado com gêneros de representação,
dos teóricos, e, em consequência, mudaria a prática de pensar o epopeia ou drama, tragédia ou comédia, marca ainda os estudos
texto literário. E o estudioso de literatura se vê confrontado a outra teóricos. A essas abordagens é oportuno acrescentar as novas lei-
realidade, tendo que pensar o que não previu e que ser sensível ao turas do real, advindas da Física atual: A natureza apresenta-nos, de
inesperado, na fusão de registros do protocolo literário atual. A fato, a imagem da criação, da imprevisível novidade.1 A tônica sobre
profusão de experimentos pôs em xeque a estabilidade conceitual a imprevisível novidade deixa mais nítido o desafio da tentativa de
anterior: já se sabe cada vez menos como classificar o que se está fa- compreensão do real literário contemporâneo. Com a eclosão da
zendo — mas, o que mais importa, se está produzindo em torno da cultura virtual, volta Valéry: as diversas dimensões das linguagens,
literatura. As definições anteriores, vigorosas e veementes, perdem agora mais modais, como possibilidade de enriquecer as virtualida-
seu poder ante o impacto das transformações operadas no campo des da criação literária.
da criação literária. As discussões críticas já não têm a contundência Desde os anos 20, no século passado, se viu surgir a necessi-
excludente de ontem, mas os discursos se toleram mais, quando não dade de um consenso e de maior segurança teórica. Há aqui uma
fraternizam francamente em suas diferenças.
À primeira vista, e como consequência, a situação presente 1 (PRIGOGINE 1996:75)
92 Lourival Holanda Capítulo 2 . A teoria literária 93

profusão de teorias sociais, psicanalíticas, antropológicas, que vão suas afirmações e felizes com o eco de sua divulgação nos quadran-
se fecundando mutuamente. O teórico de literatura ganhou um tes latino-americanos; um modo pouco sutil de imperar era reduzir
espaço no debate cultural — mesmo se ainda muito restrito ao perplexidades e complexidades alheias para melhor desmontá-las.
ambiente acadêmico; a concentração acadêmica fez sua força — e O debate entre Afrânio Coutinho e Álvaro Lins, nos meados dos
também sua fraqueza; mas, logo depois, pela estreita relação que anos 60, padeceu desse esquema; nem sempre Álvaro tinha razão; o
os estudos literários mantêm com as demais ciências sociais, que prestígio da novidade das teorias americanas dava a Afrânio força.
também recorrem à linguística, à filosofia, à psicoanálise, o teórico Hoje Antonio Candido ou João Cezar de Castro Rocha restituem a
de literatura ganhou uma plataforma no questionamento das coisas querela, sobretudo com ganho para o teórico mais jovem. Volta a vez
culturais. A teoria, seguindo os ares do tempo, pretendeu criar um de quem ousa e arrisca, na busca de outros modos críticos. Como é
corpus conceitual que, dotado de uma metodologia rigorosa e uma o caso de Eduardo Maia: “A lição orteguiana para a teoria literária é
terminologia operacional nova, desse status de ciência, emulando, a de que não há objetivismo possível sem subjetivismo, mas o subje-
assim, as ciências naturais e as exatas. O afã teórico levou a extremos tivo não existe em si, isolado e independente de sua relação com as
e fez alguns prisioneiros de uma nova escolástica; o totalitarismo coisas ao seu redor. Parece-me uma proposta elegante e realmente
teórico tem, no pior, dupla deriva: política e teológica. Fez mais interessante para a superação da querela entre o contextualismo
mal que bem. O empreendimento teórico é um projeto de ultra- radical, por um lado, e o imanentismo na análise textual, por outro,
passagem, porque de crítica, não de crença. Sua atuação crescente de algumas correntes de teoria literária contemporâneas”.2
desperta admiração e receio, respeito e desconfiança. Se não se pode Como acontece depois de mutações fundas, alguns apontam
falar mais em falência das teorias, não há como negar seu progres- no fim de um modo o fim de um mundo. Os mais impacientes já
sivo descrédito. As correntes teóricas se tinham cristalizado a partir pensam definir esse tempo como depois da teoria;3 o gesto procede
da prevalência de posicionamentos políticos — que resultavam em se se pensar o tempo, recente ainda, quando o debate literário em
redundância: ler um texto enquanto crítico marxista ou cristão ofe- jornais e revistas tinha uma importância central na dinâmica da
rece pouca margem à descoberta e muita margem à confirmação de vida cultural, uma componente incontornável da cultura literária.
uma teoria já consabida de antemão; porque o princípio mesmo do O mundo cibernético operou uma passagem considerável: da rea-
saudável distanciamento crítico já está sacrificado. lidade aos signos, das coisas à linguagem, de Prometeu a Hermes,
Depois do giro linguístico, já nos tumultuados anos 70, a lingua- da energia bruta à informação sutil. No entanto, é cedo demais para
gem ocupou a centralidade da cultura; e houve uma recrudescência falar em fim da teoria; difícil receber isso sem reticências internas,
teórica notável. A lamentar, o saldo: não foi tanto a contribuição quando não com resistências externas, como é o caso de Repensando
generosa à abertura, à recepção do texto, mas a redistribuição dos a teoria, de Richard Freadman, Richard e Seumas Miller.4 Como é
lugares acadêmicos, a conquista de cátedras. Estruturalismos, new 2 (MAIA 2013:81).
3 (EAGLETON 2005)
criticism, formalismos, todos tonitruando na soberana alegria de 4 (FREADMAN; MILLER 1994).
94 Lourival Holanda Capítulo 2 . A teoria literária 95

também o caso do presente projeto que João Sedycias organiza aqui: semiótica, as teorias da recepção, o pós-estruturalismo e, dentro des-
repensar a teoria é postura oposta à ação arbitrária de descartá-la, te, o projeto ou estratégia desconstrucionista, todas as abordagens
por não abarcar todas as dimensões do possível, do imprevisível mantêm um ar de família, para dizer com Wittgenstein: nos jogos
— que caracteriza a criação literária contemporânea. No universo analíticos que propõem ainda há o elo entre linguagens, sociedade e
hierarquizado, burocrático, administrativo onde se estruturou a sua possível tradução do gesto criador — no seu étimo original.
disciplina teoria da literatura, a cristalização de suas descobertas em A ascendência circunstancial dessas escolas está ligada às in-
certezas repassadas em vulgata doutrinal foi, certa, letal; mas assi- junções sociopolíticas: os grandes centros universitários divulgam
milar essas limitações à definição de teoria, não seria justo: a teoria com mais eficiência a pretendida superioridade de seu aporte teó-
é o esforço permanente de repensar o fato literário; e isso, ao modo rico; acontece, não raro, de um movimento ter mais força de circu-
da assíntota: sendo de natureza predominantemente retórica e não lação que de consistência teórica; havia um fetiche de sacralização
simplesmente lógico-dedutiva, a relação assintótica da teoria com o de tudo o que emanava dos grandes centros universitários. Seria
real literário vai cercá-lo sempre, sem abarcá-lo nunca. O rigor da interessante observar do ponto de vista sociológico a ascendência,
lógica sempre fica aquém da força de evidência da coisa literária. A poder e prestígio terrorizantes de certos nomes. Um vocabulário
literatura, ainda que indefinível, transcende as teorias. carregado de aluviões de discurso supostamente filosófico, cientí-
A teoria como a concebemos hoje, instituída enquanto discipli- fico, técnico — como se assumindo postura de que o que concebe
na universitária, deriva de inícios do século passado, entre os anos 20 bem não se explica claramente — deixou para as gerações atuais
e 30. Um grupúsculo de pesquisadores, amadores de literatura, cedo um campo que, depurado de areia e cascalho, fica pouco fecundo.
vai se transformar num coletivo com força de forjar os conceitos que A teoria literária perdeu o contato com o mundo social; tal isolacio-
revolucionarão os estudos teóricos. O grupo de Moscou se torna nismo foi letal. Mesmo se nos centros universitários os programas
representativo, emblemático dessa virada de renovação; infelizmente continuem esperando dos estudantes que salmodiem teorias como
a tradição vai engessá-los — os formalistas — numa função de tri- ventríloquos aplicados.
bunos; a um passo da função judicial. Os estudos se deslocam, no A contradição começa em não pressentir que quando se fala
período entre guerras, e o centro de gravitação dos estudos de teoria em literatura a reflexão sobre os afrontamentos sociais, ideológicos,
pende para a Alemanha; depois para Praga, mas mantendo ainda toma como objeto a linguagem enquanto mobilidade e modalidades
um ar de família, reconhecível no empenho na objetivação do texto. de experiência — e a linguagem do teórico aponta um dado cami-
Quando o foco de pesquisa se desloca e acontece nos Estados Unidos nho metodológico consabido, um chão batido; mas com o prestígio
— o célebre new criticism — as variações de abordagem divergem do poder de plantão naquele centro acadêmico; a segurança suposta
entre a crítica formal e a teoria literária, guardando, contudo, ainda sacrifica, assim, a margem de liberdade; um trabalho teórico ficava
uma invariante: o caráter formal, modal, do texto. Assim, desde o sendo o jogo de completar ou decodificar com os termos aceitos em
formalismo russo, passando pelo new criticism, o estruturalismo, a um quadro conceitual.
96 Lourival Holanda Capítulo 2 . A teoria literária 97

Se a função do teórico muda é porque as novas formas artísticas cientificidade nos estudos literários. Os ismos se sucederam com
pedem outros referenciais. A poesia de Mallarmé ou a música dode- a força de modas, promovendo leituras enquadradas em sistemas
cafônica estavam distantes do grande público, então o teórico fazia que acreditávamos, mais que os melhores, os únicos possíveis. E,
as vezes de mediador cultural criando um modo de compreender o enquanto a ciência buscava uma narrativa que desse alguma uni-
fenômeno novo. Com a mudança de sensibilidade literária, há uma dade ao mundo, as teorias se fracionavam; nada nas investigações
prevalência da experiência sobre a referência. No mundo virtual literárias se assemelhava à empresa utópica da teoria das cordas;
é fácil perceber a eclosão de experiências de expressão em muitos ou a das catástrofes, através de processos descontínuos procurando
registros. O poema compõe com a pintura, que pede a música, um modelo dinâmico contínuo; ou do real velado, de que falam os
que põe o conjunto em movimento gráfico, como nas criações Físicos: também a tarefa do teórico é captar o surgimento de uma
poemáticas de Jussara Salazar ou de André Vallias. A linguagem dimensão social escondida sob a realidade do texto. Ficava, no
do texto já de antemão dialoga com os recursos teóricos, como entanto, a pretensão de cientificidade; ainda que compreendendo
romances de Lourenço Mutarelli ou de Cícero Belmar. A teoria a ciência no estágio do XIX, com a termodinâmica [1880] e seu
tem o desafio permanente de acompanhar, e às vezes de sugerir, as modelo de superação de fases, levando à entropia: cada escola
possibilidades de criação. E respeitando a liberdade de quem dispõe supondo-se superar à anterior. Mas a analogia fica ali, deslocada:
de um material de difícil controle: “a literatura tem um sistema seu entropia só vale para sistemas fechados — não funciona na cultura,
de signos e de regras de sintaxe de tais signos, sistema esse que lhe não serve para pensar a dinâmica de refazimento permanente das
é próprio e que lhe serve para transmitir comunicações peculiares, coisas culturais; aqui melhor recorrer à figuração da neguentropia;
não transmissíveis com outros meios”5. O desafio do teórico con- ou a autopoiésis (advinda também do mundo científico, da biologia,
temporâneo pode ser o de ter a liberdade de adequar métodos lá com Humberto Maturana e Francisco Varela; e diz melhor essa sur-
onde o escritor ousa modos de linguagens. preendente reorganização vital que escapa ao conceitual anterior).
Com o advento das novas mídias, há seguramente uma O cuidado em dar cientificidade às reflexões teóricas sobre
dificuldade em discernir o que seja teoria. Ela ainda sabe que existe; literatura ainda acompanhava o paradigma dominante desde o XX,
embora ignore o que ela é. A complexidade que se apresenta quando com a caução de um arrazoado emulando as exatas — e, se nem
se tenta fixar conceitualmente de maneira absoluta qualquer prática tão somente para angariar suportes financeiros para projetos de
cultural. Fenômeno concomitante à prática literária. Linha divisória pesquisa no bojo das ciências com credibilidade pelas estatísticas
pouco perspícua. Talvez sejam esses os vínculos interiores que, antes e cifras, também porque respondia à suposição de uma transpa-
da teoria, a cultura literária mantinha com o corpo social. rência mensurável do mundo como protótipo de conhecimento
Da nebulosa de conceitos e escolas dos anos 70 pouca coi- verdadeiro. Esse modo de conhecimento era ainda mais prescritivo
sa guarda ainda o mesmo peso. Produziram um belo efeito de que procedural, apontava conceituações e subconceituações catalo-
5 (SILVA 1983:95).
gadoras; não ousava ainda deslocar discursos, submetê-los à prova
98 Lourival Holanda Capítulo 2 . A teoria literária 99

de autorrefazimento próprio às coisas de arte. E assim a teoria foi acompanhava a de Ortega y Gasset. A eficácia de uma leitura inte-
ficando um mundo à parte, la folie raisonnante, orientado pelo ligente e viva vinha substituída pelo vocábulo técnico que, à guisa
primado ou pretensão do modelo científico passado; fiel a uma de servir à literatura, se servia desta para mascarar a ocupação de
forma de dedução lógico-racional, e nenhuma forma de linguagem um espaço. Quanto mais absconso o discurso, maior seu poder de
comum, cotidiana, pragmática ou artística, que se servisse de ima- fascínio. O teórico era definido como um manipulador de conceitos,
gens, analogias e metáforas, acreditava só assim ter pretensões de para quem o fato literário só existia para caber num sistema. Aqui,
conhecimento autêntico. E, no entanto, já ali ao lado, a ciência de como no campo da química, a densidade aumentava a temperatu-
ponta, a quântica, a astrofísica, os pesquisadores como Heisenberg ra: tempo das querelas por nuances conceituais; e a consequente
ou Niels Bohr não se constrangiam, antes se rejubilavam em perce- clausura defensiva. E, se o poder se percebe pela culpabilidade que
ber no mundo real dimensões que não cabiam num mero conceito. inspira, não surpreende que os estudantes tomem por prudência,
A teoria literária ficou presa a um processo dedutivo fechado por osmose ou conforto intelectual, um alinhamento teórico mais
em si mesmo e não podia ousar outras formas de persuasão que susceptível de garantir suportes financeiros pela aceitação junto aos
não derivassem desse processo lógico. Assim, o desvio desnorteou organismos dispensadores de bolsas e benefícios. Há que se lamen-
a geração seguinte que via na abstração cientificizante o sequestro tar a perda dos níveis de integração, entre boa parte dos teóricos;
da contingência que marca as valorações humanas. A tautologia e sobretudo quando se poderia fazer face ao inimigo comum: a indi-
a previsibilidade beiravam o tédio; para onde tende toda vulgata: ferença que hoje grassa nos corredores e desemboca nas outras mí-
perde seu fulgor inicial de descoberta e finda em controle feroz de dias. As segregações departamentais negavam o movimento mesmo
catecismo. De qual crédito goza ainda a teoria literária, junto a seus da cultura contemporânea: moléculas, células, órgãos e sistemas,
leitores eventuais, na diversidade de suas expectativas, nos corredo- tudo se define pela conexão; a sensibilidade contemporânea parece
res universitários? Quanto do particularismo das linhas ideológicas dar provas desse outro modo de inteligência — modi res conside-
demasiado rígidas das escolas pôde agregar em suas sistematizações randi — novas formas de pensar a teoria literária: as redes sociais
rígidas? A nova sensibilidade coletiva, construída a partir das aber- permitem muito — inclusive o melhor. A perspectiva globalizante
turas virtuais, sob a urgência do presente, vai se inventando uma ultrapassa as fronteiras das literaturas regionais e afirma a liberdade
forma de debate teórico cruzando muitas mídias. Como crer que o atual de poder cruzar pontos de vista teóricos e disciplinares. A teo-
close reading dê conta da produção literária atual, tão assombrosa- ria, portanto, está hoje também nas redes, ainda que sem pretender
mente heterogênea? Não há receita para a reflexão — incumbência a sistematizações. Em algumas revistas digitais, como Cronópios,
eminentemente teórica. Sibila e Zunái, a reflexão em torno de teoria literária prossegue,
O encapsulamento operado nos estudos teóricos nos anos 80 entre jovens-cabeça e cabeças grisalhas; um modo frutífero de troca
não prestou grande serviço à credibilidade e difusão da literatura; de experiências — e farpas, certo; mas que, se estão ali, é por crerem
os sintomas dessa expressão de poder vinham de longe; e já desde ainda de algum proveito e sentido estar no espaço da teoria como
os anos 50, em Genebra, a advertência pertinente de M. J. Durry numa encruzilhada de modos e métodos de pensar a literatura.
100 Lourival Holanda Capítulo 2 . A teoria literária 101

Os teóricos refletem sobre literatura como extensão de suas prá- de segurança; as citações possíveis estão na internet, em sua grande
ticas de leitura. Desde Aristóteles: a Poética não vem com programa parte; mas elas já não servem do mesmo modo: antes, davam a im-
de prescrições, mas antes, de descrições; ainda que pontuadas por pressão de segurança; hoje, servem de suporte para a reflexão mais
reflexões que guardam seu frescor de pertinência. Ernst Robert Curtius pessoal. A teoria dissolveu sua segurança, cristalizada pelos últimos
ou Antonio Candido, George Steiner ou Jean Starobinski, o trabalho anos, e a literatura preservou seu talento excepcional para sair-se do
teórico neles não busca dissimular insuficiências e lacunas, e por isso impasse criativamente.
chegam a uma finura de observação, a uma pertinência de valoração E, no entanto, urge acreditar no quanto a teoria literária pode
que acrescentam a quanto os leiam. Mesmo os mais próximos, como trazer à cultura. Mesmo não sendo fácil definir a extensão desse
Marcus Siscar ou Paulo Franchetti, Antonio Carlos Secchin ou João aporte, ele é um gesto afirmativo. No espaço acadêmico, ou no espaço
Cezar de Castro Rocha, se teorizam, o fazem com firmeza, mas virtual, a teoria pode ser um trabalho de criação coletiva; um em-
também com retenção, com reserva, como num afã de partilhar preendimento coligando outros colaboradores; onde o prazer da par-
percepções. Porque distantes da patrimonialização das teorias, a tilha, nesse modo de saber que fraterniza, é maior que as hierarquias.
liberdade deles se soma à nossa; propõem, mais que impõem. O espaço cibernético permite um modo teórico mais livre, onde o
A questão aqui seria: a teoria literária tem futuro? Podem-se discurso científico convive com o controverso, a escrita artesanal com
discernir, em meio aos muitos fracassos, os sinais de sua permanên- a técnica; a teoria anterior carregava o compromisso com a segurança
cia? Desde os anos 60, a teoria literária projetou sobre os estudos conceitual, quando compreender era enquadrar num sistema teórico,
universitários um modo de pensar a realidade do texto e ocupou um integrar nele o texto, transformá-lo enfim em prova de validade da
espaço necessário. Algumas teorias trazendo mais originalidade que teoria, afastando suposições (mais procedurais, mais deslocáveis, na
peso; outras, mais singularidade que crédito. É bom não esquecer o cultura virtual) — antes essa alternância que aquela alternativa. E
lugar de onde emanam as teorias; sua patrimonialização nos centros quem hoje ousa pensar a teoria literária não se constrange em fundir,
universitários de maior suporte financeiro conta muito: o sucesso não num mesmo empreendimento, função e paixão. Deixando espaço à
é tanto que sejam operacionais, mas que circulem; cumulam, assim, acolhida e à surpresa, uma vez que o mundo cibernético fica à beira
a expectativa de certos centros por dividendos imediatos. A teoria de eventualidades, de possíveis, sendo uma sucessão de equilíbrios
padecia da síndrome de quem fica entre Cila e Caríbdis: de um lado, efêmeros. Sem, no entanto, renegar o primado da reflexão que sustém
o recente imperativo mercadológico neoliberal que hoje a condiciona; a análise. A teoria literária, a despeito de suas imperfeições, de suas
e, de outro lado, a superstição de autoridade inconteste das posturas lacunas, de suas insuficiências, a despeito mesmo do anacronismo das
teóricas anteriores. O ciberespaço desvirtua essa direção, relativiza as instituições universitárias, é ainda um espaço da liberdade de refletir
autoridades superficiais e se propõe, na maleabilidade de formatação sobre a prática escritural, o espaço do direito à pesquisa, tão certeira-
das redes, um serviço de maior partilha de um saber. mente requerido por Mário de Andrade.
A teoria literária em tempos de redes sociais pode ser aventura A grande disparidade entre as correntes teóricas e as políticas
de grande fôlego: o exercício do pensamento não se faz com redes que caracterizaram os estudos literários manifesta especialmente a
102 Lourival Holanda Capítulo 2 . A teoria literária 103

fragilidade das instituições universitárias quando, para assegurar cré- FREADMAN, Richard; MILLER, Seumas. 1994. Re-pensando a teoria: uma crítica
da teoria literária contemporânea. Trad. Aguinaldo José Gonçalves e Álvaro
dito, repetem, em pior, os aparelhos de controle contra os de criação;
Hattnher. São Paulo: Unesp.
e, assim, distanciam, mais que agregam, o possível público leitor de
MAIA, Eduardo César. 2013. Crítica e contingência: uma reavaliação da crítica
literatura. A complexidade mesma da matéria com que trabalha o te- humanista através do perspectivismo filosófico de José Ortega y Gasset e do
órico — a literatura — é de difícil conceituação unânime. A tarefa do personalismo crítico de Álvaro Lins. Recife: Programa de Pós-Graduação
em Letras da Universidade Federal de Pernambuco. Tese de doutorado.
teórico começa quando se dá conta da dificuldade de definir essa di-
Orientador: Prof. Dr. Lourival Holanda.
ficuldade: a palavra literária, a que suscita no leitor prazer ou espanto,
MERQUIOR, José Guilherme. 1975. O estruturalismo dos pobres e outras questões.
exasperação ou exultação, enfim que o atinge. A reflexão teórica pode Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.
começar na linguagem, a base mesma do fato literário (ainda que, por MILLER, J. Hillis. 1986. The Ethics of Reading: Kant, de Man, Eliot, Trollope, James,
temer uma suposta aristocracia do espírito, de tradição humanista, a and Benjamin. New York: Columbia University Press.

teoria mais recente tenha se autorizado alianças suspeitas). E, mesmo NINA, Cláudia. 2007. Literatura nos jornais. São Paulo: Summus Editorial.
PRIGOGINE, Ilya. 1996. O fim das certezas: tempo, caos e as leis da natureza. São
se o autor não pretendeu qualquer reflexão abstrata, cabe ao teórico
Paulo: Unesp.
fazê-lo porque essa dimensão metaliterária que está no interior do
PUTNAM, H. 1981. Mind, Language, and Reality. New York: New York University
texto o alarga. Assim, em qualquer que seja o suporte, o teórico pode Press.
contribuir para clarear sentidos e possibilidades de leituras. Há aspec- RORTY, R. 1996. Contingencia, ironía y solidaridad. Barcelona: Editorial Paidós.
tos do fenômeno literário que a teoria pode liberar, fortificar, enrique- SCHOLES, R. 1985. Textual Power. Literary Theory, and the Teaching of English.
cer. E, acreditando na relevância de manter algum referencial de rigor New Haven & London, Yale: University Press.
SELDEN, R. (ed.). 2010. Historia de la crítica literaria del siglo XX: del formalismo
simultaneamente analítico e criativo, pode pôr alegria na função que
al Postestructuralismo. Madrid: Akal.
lhe cabe no sistema da vida social. É de se esperar que especialmente
SILVA, Víctor Manuel Aguiar e. 1983. Teoria da literatura. Coimbra: Almedina.
na plataforma virtual a teoria ganhe em liberdade e persistência.
WATERS, Lindsay. 2004. Enemies of Promise: Publishing, Perishing, and the Eclipse
of Scholarship. Chicago: Prickly Press.

Referências

ALBORG, J. L. 1991. Sobre crítica y críticos. Madrid: Gredos.


COMPAGNON, Antoine. 1999. O demônio da teoria: literatura e senso comum
Trad. Cleonice Paes Barreto Mourão e Consuelo Fortes Santiago. Belo
Horizonte: UFMG.
EAGLETON, T. 2005. Depois da teoria: um olhar sobre os estudos culturais e o pós-
modernismo. Trad. Maria Lucia Oliveira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

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