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VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:

ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

Susiele Machry da Silva


Ana Paula Correa da Silva Biasibetti
Raquel Gomes Chaves
(Organizadoras)
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Tuxped Serviços Editoriais (São Paulo - SP)
S586v Silva, Susiele Machry da; Biasibetti, Ana Paula Correa da Silva;
Chaves, Raquel Gomes (org.).
Variação Sonora e suas Interfaces: estudos em homenagem à
professora Cláudia Brescancini / Organizadoras: Susiele Machry da
Silva, Ana Paula Correa da Silva Biasibetti e Raquel Gomes Chaves;
Prefácio de Leda Bisol.
1. ed. – Campinas, SP : Pontes Editores, 2022.
figs.; gráfs.; tabs.; quadros.
E-Book: 4 Mb, PDF.

Inclui bibliografia.
ISBN: 978-65-5637-515-1.

1. Estudo de Línguas. 2. Fonética. 3. Linguística.


I. Título. II. Assunto. III. Organizadores.
Bibliotecário Pedro Anizio Gomes CRB-8/8846
Índices para catálogo sistemático:
1. Linguística. 410
2. Fonologia e fonética. 414
3. Linguagem / Línguas – Estudo e ensino. 418.007
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Impresso no Brasil – 2022


SUMÁRIO

PREÂMBULO 7
Leda Bisol
PREFÁCIO 9
Ana Paula Mello Alencastro Moreno
Vergília Spiering Damé
APRESENTAÇÃO 13
Susiele Machry da Silva
Ana Paula Correa da Silva Biasibetti
Raquel Gomes Chaves

ESTUDOS VARIACIONISTAS SOB UM OLHAR ETNOGRÁFICO E


IDENTITÁRIO NA ILHA DE SANTA CATARINA: A CONTRIBUIÇÃO DE
CLÁUDIA BRESCANCINI 17
Edair Maria Görski
Carla Regina Martins Valle

VARIAÇÃO SONORA EM L1

A DEGEMINAÇÃO DE CLÍTICOS PORTADORES DE VOGAL MÉDIA


FINAL /e/ E /o/ EM PORTO ALEGRE 47
Everson Ribas da Rocha
AS VOGAIS MÉDIAS PRETÔNICAS EM PORTO ALEGRE-RS: UM
ESTUDO SOBRE O ALÇAMENTO SEM MOTIVAÇÃO APARENTE 77
Marion Costa Cruz
FONÉTICA: IMPLICAÇÕES PARA O ENSINO

A MANUTENÇÃO DOS EFEITOS DA MULTIDIRECIONALIDADE NA


TRANSFERÊNCIA VOCÁLICA DO PORTUGUÊS BRASILEIRO COMO LA
PARA A L1 (ESPANHOL): UM ESTUDO DE CASO À LUZ DOS SISTEMAS
DINÂMICOS ADAPTATIVOS-COMPLEXOS 103
Letícia Pereyron
ALÇAMENTO DA VOGAL “O”: IMPLICAÇÕES NA ESCRITA DE
CRIANÇAS DE 3º E 4º ANOS DO ENSINO FUNDAMENTAL DA CIDADE
DE TRÊS COROAS/RS 133
Rosemari Lorenz Martins
Édina Morgana Porcher
Lovani Volmer

SOCIOFONÉTICA

A CONTRIBUIÇÃO DA SOCIOFONÉTICA PARA OS ESTUDOS SOBRE A


VARIAÇÃO SONORA EM L1, L2 E LÍNGUAS EM CONTATO 157
Ana Paula Correa da Silva Biasibetti
Susiele Machry da Silva
GRADIÊNCIA FONÉTICA DE <aj> NO ITEM LEXICAL “MAIS” NO FALAR
FLORIANOPOLITANO 183
Raquel Gomes Chaves
Izabel Christine Seara

FONÉTICA FORENSE

A ANÁLISE INSTRUMENTAL NA COMPARAÇÃO FORENSE DE LOCUTOR 213


Márcio Oppliger Pinto (in memoriam)
Cintia Schivinscki Gonçalves

SOBRE OS AUTORES 231


PARECERISTAS 235
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

PREÂMBULO

Leda Bisol

Doutora em Letras pela Universidade Católica do Rio Grande do Sul,


Mestre pela Universidade Federal de Santa Catarina e Pós-Doutora pelo
Language and Linguistic Department University of York, Inglaterra,
Cláudia Brescancini é Professora Adjunta do Programa de Pós-Graduação
em Letras/Português e dos cursos de Graduação em Letras/Português
e Letras/Inglês da Escola de Humanidades da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul. Exerce, atualmente, o cargo de coordena-
dora da equipe do RGS do projeto VARSUL (Variação Linguística no Sul
do País).
Como orientadora de sua tese de doutorado, tive a oportunidade
de registrar sua capacidade de lidar com dados à luz da teoria linguística.
Vem produzindo artigos na linha da sociolinguística e fonologia com ên-
fase na sociofonética. Em sua produção, revela equilíbrio na exposição
de ideias, figurando entre os pesquisadores de renome da área. Também
tive a oportunidade de constatar a satisfação dos alunos à mercê de sua
orientação.
Para não me alongar, limito-me a citar algumas produções
de sua autoria: Coordenou vários projetos, entre os quais: (i) Produção/
Percepção das vogais pretônicas do português brasileiro na aquisição
adulta de uma variedade do português brasileiro, uma análise sociofo-
nética; (ii) Variação presente em vogais pretônicas do português bra-

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sileiro que gera dois sistemas distintos, o nordestino e o sulino; (iii)


O processo de aquisição da variedade porto-alegrense por indivíduos
adultos migrantes nascidos na região nordeste do país; (iv) Sistema tô-
nico e pretônico da variedade do português falado em Florianópolis, SC;
(v) Aspectos fonológicos do português brasileiro: sincronia e diacronia;
(vi) O sistema vocálico do PB e do PE: semelhanças e dessemelhanças;
(vii) Variação fonológica na perspectiva da mudança linguística.
Como membro do Projeto VARSUL, coordenou projetos en-
tre os quais: (i) Aspectos característicos da fala do sul do país na área
da fonologia e variação; (ii) O português falado no sul, na variedade
porto-alegrense: uma análise sociofonética; (iii) Fonologia e variação:
recortes do português brasileiro; (iv) A variação vocálica no açoriano-
-catarinense, análise sociofonética e outros.
Entre os artigos de sua autoria figuram: (i) Percepção das conso-
antes plosivas do português brasileiro falado por nativos do mandarim.
Alçamento da vogal pretônica em Porto Alegre, RS; (ii) A palatalização
em coda silábica em Florianópolis, SC; (iii) A elisão da vogal média no sul
do país e outros. Mais se poderia mencionar, mas por aqui ficamos.
O mérito de seu trabalho é reconhecido por todos que labutam
na área da sociofonética e da variação, em que sua produção emerge
em estilo primoroso.

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PREFÁCIO
Cláudia Brescancini: pelo outro
elo de uma dicotomia

Ana Paula Mello Alencastro Moreno


Vergília Spiering Damé

As dicotomias permeiam os estudos em análise linguística ao lon-


go dos anos. Fomos, pois, desafiados a pensar sobre língua/fala, sin-
cronia/diacronia, significado/significante, mas talvez aquela que seja
a mais importante para o desenvolvimento de uma pesquisa, nesse caso,
não só na área da linguística, seja orientador/orientando. Para ilustrar
a importância dessa relação, cabe citar uma célebre passagem de Paulo
Freire: “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibili-
dades para a sua própria produção ou a sua construção”. Possibilidades
só são efetivamente criadas quando essa dicotomia se encontra em equi-
líbrio, e atingi-lo talvez seja uma árdua tarefa, exceto quando um dos
elos é Cláudia Brescancini.
Nascida em 06 de setembro de 1968, na cidade de Jundiaí, Cláudia
Regina Brescancini iniciou sua trajetória acadêmica com a graduação
em Letras, habilitações tradutora e intérprete, pela Faculdade Ibero-
Americana de Letras e Ciências Humanas, na cidade de São Paulo.
Em 1996, orientada pelo Professor Doutor Paulino Vandresen e pela
Professora Mestre Sidneya Gaspar de Oliveira, defendeu com louvor

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a dissertação intitulada A Palatalização da fricativa alveolar não-morfê-


mica em posição de coda no português falado em três regiões de influên-
cia Açoriana do município de Florianópolis–uma abordagem não linear,
obtendo, assim, o título de mestre em Linguística pela Universidade
Federal de Santa Catarina.
Seguindo dedicada às pesquisas sobre variação fonológica do por-
tuguês brasileiro, ingressou no doutorado do Programa de Pós-Graduação
em Letras da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
em 1998. O trabalho de tese A fricativa palato-alveolar e sua complexi-
dade: uma regra variável, desenvolvido sob a orientação da Professora
Doutora Leda Bisol, foi defendido em abril de 2002, como o último pré-
-requisito para a obtenção do título de doutora e o início de uma traje-
tória de contribuições sem as quais, certamente, o português brasileiro
não seria tão bem descrito.
Somam-se aos títulos supracitados tantas outras relevantes con-
tribuições, como o pós-doutorado, realizado na University of York,
na Inglaterra; os projetos de pesquisa coordenados; os seminários in-
ternacionais organizados; os grupos de pesquisa que proporcionaram
muito do que se sabe sobre fonética acústica no Brasil; além das mais
de cinquenta orientações de trabalhos de conclusão de curso, iniciação
científica, mestrado e doutorado concluídas, formando pesquisadores
atuantes em todo o território brasileiro. Os títulos distinguem sua traje-
tória profissional e a destacam como uma das mais relevantes pesquisa-
doras da Sociolinguística Variacionista do Brasil, principalmente na área
de Sociofonética. Não são capazes, porém, de traduzir de maneira fiel
seu lado humano, bem como não seremos capazes de fazê-lo com pa-
lavras no espaço que aqui nos cabe. Para alcançar o mínimo da inten-
sidade que exige a incumbência que nos foi atribuída, apelamos, mais
uma vez, às dicotomias: Cláudia oscila de forma brilhante, com a medi-
da certa de que a docência, a pesquisa e a orientação necessitam, entre
rigidez e brandura, compreensão e cobrança, relação pessoal e relação
profissional, para que o seu ensinar crie possibilidades.
Os estudos aqui presentes são, utilizando um termo específi-
co da área de estudo à qual se dedicam, uma “amostra representativa”

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de sua trajetória como orientadora, resultantes das diversas possibili-


dades que ajudou a construir. É por essa razão que, além de prestarem
uma homenagem à pesquisadora que o universo da linguística admira,
simbolizam a gratidão por todas as ideias trocadas, com discussões fun-
damentadas e reflexivas, e a vontade de atuar com seu melhor para de-
sempenhar de forma inigualável o papel que lhe cabe na vida acadêmica.
As características como orientadora somam-se a uma postura docente
inspiradora em sala de aula. Poucas vezes contamos com a oportuni-
dade de um aprender tão organizado, claro, didático e, ao mesmo tem-
po, desafiador. Considerando o histórico, resumidamente apresentado
aqui, não é difícil compreender e louvar a ideia de homenageá-la, pela
qual agradecemos às organizadoras deste livro: Susiele Machry da Silva,
Ana Paula Correa da Silva Biasibetti e Raquel Gomes Chaves.
Passar pela orientação de Cláudia Brescancini é transformador,
aprendemos para além de metodologia de pesquisa, teorias linguísticas,
postura docente e trabalho em grupo; fomos motivados a ler os dados,
a ouvir não só o que nos dizem as teorias, mas também os informan-
tes e suas comunidades. Nossas pesquisas serão sempre carregadas
de Cláudia, seja no detalhamento dos procedimentos metodológicos
e das análises, seja nas construções textuais permeadas de vocábulos
que nos ensinou a aplicar. Não fomos orientandos: ainda somos. Não há
texto a ser publicado sem que tenhamos o desejo de passar pela sua ava-
liação precedente, não há orgulho maior do que sua aprovação e a con-
clusão de uma etapa sob sua orientação.
O melhor ensinamento foi termos sido o outro elo dessa dicotomia.

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ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

APRESENTAÇÃO

Esta obra reúne estudos acerca da variação sonora bem como


sua relação com diversas áreas de interface. Desenvolvida por orientan-
dos, colegas e amigos, esta obra é uma afetuosa homenagem à Cláudia
Regina Brescancini, professora Adjunta do Programa de Pós-Graduação
em Letras da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS).
Para além do reconhecimento de sua irreparável atuação enquanto
pesquisadora, formadora de professores e especialistas na área de Letras
e Linguística, este livro é um gesto de agradecimento de muitas pessoas
que ao longo de suas trajetórias acadêmicas foram significativamente
tocadas pessoal e profissionalmente pela competência e integridade
de Cláudia Brescancini.
Esta iniciativa surgiu em meados de 2020, e os capítulos des-
ta obra foram escritos ao longo de 2020 e 2021, em meio à Pandemia
de COVID-19. Durante este período, no entanto, a apreensão inerente
ao momento, a sobrecarga de trabalho e a doença em si não permitiram
que todos aqueles que manifestaram o desejo de registrar sua admiração
pela professora Cláudia assim o fizessem em forma de texto.
Ao longo do processo de organização deste livro, infelizmente, per-
demos nosso grande colega Márcio Oppliger Pinto. Fonoaudiólogo e in-
vestigador forense, Márcio foi um dos primeiros orientandos de Cláudia
na Pós-Graduação. Com esta publicação, expressamos nosso alento,
em meio à dor, ao contar com a participação de Márcio na escrita de um
capítulo, em coautoria com Cíntia Schivinski Gonçalves. Assim, por ex-

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ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

tensão, esta também é uma demonstração de apreço ao nosso querido


colega. Temos certeza de que, ao percorrermos estas páginas, as melho-
res recordações estarão presentes. Fica aqui o registro de que, o modo
leve e alegre de Márcio encarar a vida, foi fonte de inspiração para todos
nós que tivemos o privilégio de conviver com o amigo, colega, perito,
professor e pesquisador.
Prefaciado por Ana Paula Mello Alencastro e Vergília Spiering
Damé, Variação sonora e suas interfaces: estudos em homenagem à profes-
sora Cláudia Regina Brescancini conta com um capítulo inicial de autoria
de Edair Maria Görski e Carla Regina Valle, vinculadas à Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC). Neste texto, as autoras resgatam
a importância e a repercussão da pesquisa variacionista desenvolvida
por Cláudia desde o Mestrado, realizado sob orientação do Prof. Paulino
Vandresen, até a atualidade, tratando do falar típico do florianopolitano
sob as perspectivas etnográfica e identitária.
Os demais capítulos estão organizados em quatro blocos temáticos:
(i) Variação Sonora em L1, (ii) Implicações da Fonética para o Ensino; (iii)
Sociofonética e (iv) Fonética Acústica Aplicada à Investigação Forense.
Em cada bloco, estão reunidos estudos relacionados às áreas de atuação
e de interesse da professora Cláudia.
O primeiro bloco, Variação Sonora em L1, trata da questão da va-
riação sonora em português, abordando especificamente as vogais mé-
dias /e/ e /o/ na variedade porto-alegrense. Para tanto, Everson Ribas
da Rocha explora as referidas vogais nos casos de degeminação de clí-
ticos, ao passo que Marion Cruz investiga o alçamento sem motivação
aparente das mesmas vogais em contexto pretônico.
As implicações da Fonética para o ensino de português como
língua materna e adicional são contempladas no bloco subsequente,
Implicações da Fonética para o Ensino. No que concerne à sustentação
da distinção entre as vogais médias altas e médias baixas do português
brasileiro como língua adicional, Letícia Pereyron discute o papel da ins-
trução formal na produção de um falante nativo de espanhol mexicano.
Rosemari Lorenz Martins, sua orientanda Édina Morgana e sua colega

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Lovani Volmer, por sua vez, investigam as implicações do fenômeno va-


riável de alçamento da vogal /o/ na escrita de 93 estudantes do Ensino
Fundamental na cidade de Três Coroas/RS.
O terceiro bloco situa-se no campo da Sociofonética. Ana Paula
Correa da Silva Biasibetti e Susiele Machry da Silva recuperam cinco es-
tudos orientados por Cláudia Brescancini que se beneficiaram do arca-
bouço teórico-metodológico da pesquisa sociofonética, a fim de avan-
çarem no entendimento sobre diferentes processos sonoros variáveis
em L1, L2 e no contexto de língua em contato. No capítulo seguinte,
Raquel Gomes Chaves e Izabel Christine Seara apresentam, com base
nos pressupostos da Sociofonética, uma análise da gradiência fonética
na produção e percepção do ditongo decrescente <aj> no item lexical
mais (advérbio) em dados de florianopolitanos nativos. Com este estudo,
as autoras buscam estabelecer relações com o trabalho de Brescancini
(2009), além de discutir um dos fenômenos fonéticos mais marcantes
do falar do manezinho.
A Fonética Acústica aplicada à investigação forense norteia o úl-
timo bloco deste livro. Desenvolvido por Márcio Pinto Oppliger (in me-
moriam) e Cíntia Schivinski Gonçalves, o capítulo Análise instrumental
na comparação forense de locutor discute o uso de ferramentas automa-
tizadas na análise acústica, cuja resposta quantitativa vem sendo cada
vez mais empregada na perícia de comparação de locutores.
Concluída a apresentação da estrutura do livro, gostaríamos
de agradecer aos colegas pareceristas Aline Lorandi, Ana Paula Correa
da Silva Biasibetti, Felipe Kupske, Izabel Seara, Luciene Brisolara, Luiz
Carlos Schwindt, Marisa Amaral, Raquel Chaves, Reiner Perozzo, Susie
Enke, Susiele Machry da Silva, Taíse Simioni, Tatiana Keller e Ubiratã
Alves pela leitura atenta e pelas contribuições à obra. Todos aqueles
que assim o fizeram expressam sua admiração pela professora Cláudia
Brescancini e a clara intenção de homenageá-la.
Manifestamos igualmente nossa gratidão às colegas Ana Paula
Alencastro e Vergília Spiering Damé pelo Prefácio, bem como pelo apoio
técnico na etapa de revisão textual desta obra. Por fim, estendemos nos-

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sos agradecimentos à Professora Leda Bisol pelo Preâmbulo deste livro


dedicado à Cláudia.
Ao publicar este livro, celebrando os 20 anos da defesa da tese
de doutoramento de Cláudia, intitulada “A fricativa palato-alveolar e sua
complexidade: uma regra variável”, nós, as organizadoras, externamos
o nosso reconhecimento pela distinta trajetória de Cláudia Regina
Brescancini.

Susiele Machry da Silva


Ana Paula Correa da Silva Biasibetti
Raquel Gomes Chaves

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ESTUDOS VARIACIONISTAS SOB UM OLHAR


ETNOGRÁFICO E IDENTITÁRIO NA ILHA
DE SANTA CATARINA: A CONTRIBUIÇÃO
DE CLÁUDIA BRESCANCINI

Edair Maria Görski


Universidade Federal de Santa Catarina
edagorski@hotmail.com
Carla Regina Martins Valle
Universidade Federal de Santa Catarina
carlavalle10@gmail.com

1 INTRODUÇÃO

Cláudia Brescancini fez seu mestrado na Universidade Federal


de Santa Catarina (UFSC) e deixou impressa sua marca, não só na análise
robusta de um fenômeno fonológico variável, mas especialmente no que
diz respeito à pesquisa variacionista com foco em questões etnográficas
e identitárias, fato bastante significativo, uma vez que a ilha de Santa
Catarina1 é fortemente influenciada pela colonização açoriana e madei-
rense que se iniciou em 1748 e que os moradores ainda apresentam tra-
1 A ilha de Santa Catarina é parte do município de Florianópolis, o qual abrange também uma
parte continental.

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ços açorianos na variedade linguística local. A dissertação de mestrado


de Brescancini (1996) inaugurou, no âmbito do Projeto Varsul2, os estu-
dos de caráter etnográfico voltados a aspectos identitários associados
a fenômenos linguísticos variáveis na ilha de Santa Catarina, sendo refe-
rência obrigatória para quem envereda por esse campo de investigação.
A ilha de Santa Catarina apresenta algumas semelhanças com a
ilha de Martha’s Vineyard, no estado norte-americano de Massachussets,
locus da pesquisa pioneira de Labov sobre a centralização dos ditongos
[ay] e [aw], realizada entre 1961 e 1963. Com base em informações de or-
dem etnográfica, Labov considerou a estrutura socioeconômica da ilha
e as pressões que motivaram as mudanças sociais observadas à época:
inexistência de indústrias e decadência do mercado pesqueiro; baixos
salários, alto índice de desemprego e maior taxa de emprego temporá-
rio nos meses de veraneio; invasão de proprietários não nativos, entre
outros aspectos – o que levava a uma dependência crescente do turis-
mo com consequente ameaça à identidade da população nativa. Essa
situação motivava reações de resistência em diferentes graus ao modo
de vida americano voltado para o sucesso, fato que influenciava a rea-
lização da variável linguística em questão, cuja centralização, varian-
te não prestigiada socialmente, indiciava uma marca identitária local
como forte resistência à presença dos veranistas. Essa postura era mais
acentuada entre os pescadores da comunidade de Chilmark, área basica-
mente rural (LABOV, 2008 [1972]).
Em Santa Catarina, no que diz respeito à população local, a pessoa
nascida e criada em Florianópolis (ou mesmo integrada à cidade) é co-
nhecida como manezinho da ilha. A designação, que em certa época as-
sumia um tom pejorativo em referência aos descendentes de açorianos
estabelecidos na ilha, com o tempo passou a ser avaliada positivamente,
sendo associada à intenção de valorização das tradições culturais e iden-
tidade do ilhéu. A postura identitária observada em moradores floriano-
politanos se aproxima, em alguma medida, àquela demonstrada pelos
vineyardenses.
2 http://varsul.org.br

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Em sua primeira pesquisa, Brescancini (1996) analisou a pala-


talização do /S/ não morfêmico em posição de coda3 na fala de indi-
víduos de três regiões do município de Florianópolis-SC: o distrito
de Florianópolis (zona central urbana), a Freguesia do Ribeirão da Ilha
e o Sertão do Ribeirão da Ilha, as duas últimas localidades integran-
do o distrito Ribeirão da Ilha. Os dados da região central são oriundos
do Projeto Varsul; já a amostra do distrito de Ribeirão da Ilha foi coleta-
da por Brescancini e posteriormente integrada ao Projeto Varsul como
amostra complementar. Ambas as amostras são constituídas por fa-
lantes do português, descendentes de açorianos, nascidos e residentes
no município de Florianópolis e filhos de pais também nascidos nesse
município; e apresentam uma estratificação social equivalente: de 15
a 24 anos; de 25 a 54 anos; e de 55 anos em diante.
Posteriormente, para sua tese de doutorado realizada na PUC-
RS, Brescancini (2002) ampliou a amostra do Ribeirão da Ilha com no-
vas entrevistas efetivadas em 2001 e 2002, e acrescentou aos distritos
de Florianópolis e Ribeirão da Ilha também o distrito da Barra da Lagoa,
onde realizou uma série de entrevistas (cf. Seção 2).
Obviamente a importância do trabalho acadêmico da pesquisa-
dora não se restringe aos aspectos etnográficos e identitários mencio-
nados. Suas contribuições teórico-metodológicas na área da fonologia,
bem como as análises empíricas levadas a cabo, são de indiscutível re-
levância e de ampla divulgação. Nosso objetivo, no entanto, é colocar
luz no seu fazer metodológico de natureza etnográfica e consequente
impacto em práticas analíticas voltadas a fenômenos variáveis identitá-
rios no falar florianopolitano.
O capítulo se organiza da seguinte maneira: iniciamos com o es-
tudo etnográfico realizado por Brescancini no distrito florianopolita-
no de Ribeirão da Ilha; em seguida, abordamos seu estudo no distrito
da Barra da Lagoa – regiões tipicamente pesqueiras da ilha de Santa

3 Segundo Brescancini (1996, p. 60), o /S/ pós-vocálico em final de sílaba e de palavra pode
realizar-se como: a) alveolar surda (fe[s]ta); b) alveolar sonora (me[z]mo); c) palatal sur-
da (fe[ʃ]ta); d) palatal sonora (me[ʒ]mo); e) fricativa laríngea (me[h]mo); f) zero fonético
(meØmo).O foco de interesse da autora é a palatalização.

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VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
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Catarina; na sequência, mencionamos outros trabalhos que se utiliza-


ram das entrevistas sociolinguísticas realizadas pela autora; por fim,
fazemos um rápido balanço, focando o movimento identitário que vem
ocorrendo em Florianópolis e a importância de estudos de natureza et-
nográfica para melhor descrever e entender esse processo.

2 PONTO DE PARTIDA: A COLETA NO RIBEIRÃO DA ILHA


E ALGUNS RESULTADOS

O distrito do Ribeirão da Ilha está localizado no sudoeste da Ilha


de Santa Catarina, a pouco mais de 20 km do centro de Florianópolis,
estendendo-se desde a Praia de Naufragados, no extremo sul da Ilha,
até a foz do Rio Tavares, na divisa com o bairro Costeira do Pirajubaé.
A Freguesia do Ribeirão é a sede do distrito, e o Sertão do Ribeirão é uma
região mais isolada e situada nas encostas dos morros, distante 2 km
da igreja matriz da Freguesia do Ribeirão. Brescancini (1996; 2019)
apresenta uma contextualização histórica detalhada, focalizando a in-
fluência cultural e étnica da imigração açoriana e madeirense, que ainda
hoje se mostra presente no distrito do Ribeirão da Ilha, o qual, nos ter-
mos da autora (2019, p. 271) é uma das localidades de Florianópolis
“representativa da variedade do Português Brasileiro conhecida como
açoriana-catarinense”.
Na descrição das comunidades que integram o distrito do Ribeirão
da Ilha, Brescancini (1996; 2019) menciona, entre outros aspectos: i)
em relação à Freguesia do Ribeirão – o deslocamento diário de muitos
habitantes nativos para o centro para trabalho no funcionalismo pú-
blico e no comércio; o estabelecimento de casas de veraneio e residên-
cias fixas de novos moradores, em decorrência da melhoria de estrada
que liga a localidade ao centro urbano; a manutenção da pesca e do cul-
tivo de mariscos como principal fonte de renda de alguns moradores;
a confecção artesanal de rendas de bilro pela geração mais antiga de mu-
lheres; a congregação das famílias ribeironenses em torno de eventos
religiosos católicos; as características locais como atrativos turísticos;
ii) em relação ao Sertão do Ribeirão (com difíceis condições de acesso

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VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

e apenas 92 habitantes à época da pesquisa) – presença de alguns mo-


radores funcionários públicos, mas predomínio do trabalho rural, en-
volvendo agricultura e pecuária; o funcionamento artesanal de alguns
engenhos de farinha de mandioca e de cachaça; a existência de mora-
dias isoladas; a igreja de construção recente, com missas, batizados e ca-
samentos esporádicos; escassez de comércio. Tais atividades contras-
tam, em diferentes graus, com aquelas que caracterizam a zona central
de Florianópolis, envolvendo especialmente comércio, turismo e serviço
público.
Em termos metodológicos, a autora buscou um ponto de inter-
secção entre a pesquisa de campo sociolinguística (que caracteriza
o Projeto Varsul) e técnicas de pesquisa de campo etnográfica propostas
por Spradley (1979), as quais, segundo ela, auxiliam no entendimento
de como interagem os moradores em cada uma das regiões. Nessa em-
preitada, entende-se que houve uma junção de estratégias para compor
o que Brescancini (1996; 2019) classifica como um estudo etnográfico,
de acordo com Green e Wallat (1981), que se difere da etnografia, já que
o pesquisador não assume a postura insider, participando temporaria-
mente da comunidade como um de seus membros.
O trabalho de coleta da amostra do distrito de Ribeirão da Ilha
envolveu uma fase inicial de observação, em que a pesquisadora pro-
curou conhecer o cotidiano da comunidade, suas características e modo
de funcionamento, hábitos dos moradores e relações entre eles, entre
outros aspectos, registrando suas impressões num diário de campo.
Em um segundo momento, passou à seleção dos informantes, com base
nas observações previamente realizadas, e posterior realização das en-
trevistas. Como já mencionado, o trabalho de pesquisa na Freguesia e no
Sertão, em sua primeira etapa, iniciou-se em agosto de 1994 e estendeu-
-se até 19964; na segunda etapa, a coleta se deu entre 2000 e 2001.
Brescancini procurou explicar sua presença na comunidade como
parte de um trabalho realizado pela universidade a respeito do modo

4 Na primeira etapa da coleta de dados, Brescancini contou com a colaboração ocasional de


Loremi Loregian, mestranda no Programa de Pós-graduação em Linguística na UFSC, à
época.

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de vida das pessoas na região. Nas 20 entrevistas de experiência pessoal


realizadas no primeiro período (12 na Freguesia e 8 no Sertão), a autora
aponta o desenvolvimento de um processo de empatia entre a entre-
vistadora e os entrevistados, buscando chegar a uma fase de confian-
ça mútua entre as partes. Foi elaborado um roteiro prévio de questões,
mas seguido sem rigidez, atentando para o rumo natural que a conver-
sa tomava em cada interação. As questões contemplavam temas como:
o Ribeirão na época de infância dos entrevistados e brincadeiras de en-
tão; diferenças e semelhanças entre o Ribeirão da infância e o do mo-
mento da entrevista; descrição de práticas locais (como o funciona-
mento de um engenho de cachaça, o trançamento de bilros para fazer
um ponto de renda, atitudes em alto mar frente a mudanças atmosfé-
ricas inesperadas, por exemplo); relato de experiências pessoais (tem-
pestade enfrentada em uma pescaria, por exemplo); questões voltadas
à língua nativa (denominação de objetos locais, explicação de termos
de uso local – como “istepô”, por exemplo); e criação de interações hi-
potéticas, associadas à temática em curso, propondo que o entrevistado
assumisse os papéis de falante e interlocutor (como em: “imagine que os
diretores do Museu do Mar marcaram um encontro com você para nego-
ciar sua baleeira; quanto você acha que eles lhe ofereceriam e qual seria
a sua reação?”).
As observações da pesquisadora na comunidade, associadas às in-
formações dadas pelos entrevistados, forneceram elementos que per-
mitiram controlar, por meio da variável independente contato externo,
os graus de contato dos moradores da região em relação ao cotidiano
urbano da capital, mediante os seguintes fatores: i) contato total – os in-
divíduos trabalham e/ou estudam no centro da capital, permanecendo
nesse local a maior parte do dia e utilizando a Freguesia do Ribeirão
ou o Sertão do Ribeirão apenas como “dormitórios”; ii) contato parcial
– passam parte de seu dia no centro da capital e parte em sua região
de moradia, onde exercem algum tipo de atividade que propicie o au-
mento do grau de interação na comunidade local; e iii) nenhum contato
– quase nunca se deslocam de sua região de moradia (o contato externo
se dá indiretamente, por televisão e rádio, por exemplo).

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Entre os resultados da pesquisa de Brescancini (1996), destacamos


a correlação das variáveis independentes região e contato externo com a
palatalização da coronal anterior em posição de coda.5 No que diz res-
peito à região, enquanto os entrevistados da Freguesia do Ribeirão e de
Florianópolis (área central) apresentaram uma inclinação maior à pala-
talização (0,56 e 0,51, respectivamente)6, os do Sertão do Ribeirão ten-
deram a desfavorecê-la (0,38). Esses resultados, especialmente os do
Sertão, contradizem a hipótese inicial da autora, que esperava que a re-
gião mais isolada mantivesse mais fortemente a tradição açoriana de pa-
latalização. Quanto a contato externo, foi verificado que os graus maiores
de interação sociocultural (contato externo total e parcial) estão relacio-
nados à maior incidência de palatalização (0,55 e 0,51, respectivamen-
te), e o grau menor de interação sociocultural (nenhum contato externo),
de forma oposta, à menor incidência de palatalização (0,39). Novamente
os resultados contrariam a expectativa da autora, que esperava que os
indivíduos que tivessem menos contato com turistas e pessoas prove-
nientes de outras regiões do país fizessem mais uso da palatalização,
como uma postura de identificação com a herança cultural da ilha.
A autora aventa, então, uma explicação para a alta taxa de pala-
talização, liderada pelos informantes da Freguesia do Ribeirão e segui-
da de perto pelos indivíduos que residem na área central, bem como
por aqueles que mantêm um grau maior de contato externo, relacionando
tal comportamento “ao processo de valorização das tradições culturais
da Ilha, desencadeado nos últimos anos, em reação à crescente presença
de pessoas provenientes de outras partes do país (notadamente do Rio
Grande do Sul e de São Paulo)” de modo que “com a ameaça da perda
de sua identidade, o ilhéu reage de forma a protegê-la, resgatando ele-
mentos mais tradicionais de sua cultura” (BRESCANCINI, 1996, p. 163-
164). Nesse sentido, a Florianópolis urbana estaria se aproximando cada
vez mais da Freguesia – tida como uma das comunidades mais tradicio-
5 Em seus trabalhos (1996; 2002), a autora controlou também as variáveis faixa etária, sexo/
gênero e escolaridade, sobre as quais não nos deteremos aqui. Vale registrar, porém, que o
primeiro estudo realizado na comunidade aponta as mulheres jovens como mais favorece-
doras do processo de palatalização da fricativa em posição de coda.
6 Os resultados numéricos apresentados correspondem a pesos relativos (PR) que indicam
probabilidades de uso das variantes.

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nalmente açorianas da ilha de Santa Catarina –, no processo de valori-


zação da cultura ilhoa, ao passo que o Sertão estaria mais voltado para
a subsistência local e o cultivo das relações entre os moradores, de modo
que a identificação com a pequena comunidade isolada seria mais forte
do que a identificação com a tradição cultural mais ampla da ilha.
Diante desses resultados, Brescancini aponta algumas seme-
lhanças entre os comportamentos dos habitantes da Freguesia e de
Florianópolis com os pescadores da ilha de Martha’s Vineyard, já que
esses foram os grupos que apresentaram sentimentos positivos em rela-
ção à tradição da localidade em que vivem; registra, no entanto, que per-
manece sem uma resposta clara à questão relativa ao momento em que
o Sertão do Ribeirão, região mais isolada, reduziu consideravelmente
a produção da variante palatal em posição de coda.

3 EXPANDINDO O ITINERÁRIO ILHÉU: A COLETA NA BARRA


DA LAGOA E ALGUNS RESULTADOS

Localizada a cerca de 20 km do centro e situada na costa leste


de Florianópolis, entre a Lagoa da Conceição e o Oceano Atlântico, a co-
munidade da Barra da Lagoa tornou-se distrito quando a Lei Municipal
nº 4.806/95 de 21/12/1995 desmembrou a praia da Barra da Lagoa e a
Fortaleza da Barra do distrito da Lagoa da Conceição. A área geográfica
do distrito é limitada pela praia a leste, pelo Morro da Galheta a oeste,
pelo canal e continuação do morro ao sul e pelo Parque Florestal do Rio
Vermelho ao norte. Apesar de ligar-se à Lagoa por via rodoviária desde
1847 – data da construção da primeira ponte sobre o canal na região
da Fortaleza da Barra – a localidade permaneceu praticamente isolada
até a década de 1970, situação que impactava a vida dos moradores, que,
em seus relatos, ressaltam as dificuldades enfrentadas para se deslocar
do bairro em direção ao centro, percorrendo grandes distâncias a pé
ou de barco, de acordo com registros da pesquisadora.
A comunidade, que é ainda conhecida como um dos maiores nú-
cleos pesqueiros da ilha, se manteve através de uma cultura de subsis-
tência baseada em atividades de pesca e agricultura até a década de 1980,

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quando a construção da rodovia SC-406 e seu asfaltamento permitiram


abertura para o turismo, fazendo com que o comércio de verão se tornas-
se fonte de renda de muitas famílias da localidade, que passaram a tra-
balhar em bares, restaurantes e a alugar suas casas para os veranistas.
A chegada de visitantes promoveu a progressiva, embora ain-
da não total, substituição da atividade pesqueira por atividades liga-
das ao turismo. Além da abertura para o turismo, a localidade da Barra
da Lagoa tem recebido grande fluxo de moradores de outras cidades e es-
tados, principalmente paulistas e gaúchos, acompanhando as mudanças
mais gerais ocorridas na capital catarinense. A partir da década de 1970,
toda a Bacia da Lagoa já começa a sentir os reflexos do crescimento ur-
bano de Florianópolis: a instalação de instituições como a Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade do Estado de Santa
Catarina (UDESC), as Centrais Elétricas S. A. (ELETROSUL) em bairros
próximos à Lagoa acelerou a ocupação da região e seu entorno, esti-
mulando o comércio de terrenos e a construção de áreas residenciais
(VALLE, 2014).
Apesar de todas essas modificações, Brescancini (2002) ressal-
ta que i) a comunidade ainda preserva sua herança cultural, refletida
nas atividades tradicionais da renda de bilro e da confecção de tarra-
fa e também nas feições e na fala de sua gente; e ii) “é nesse distrito
que se encontra o típico manezinho da ilha, [...] o ilhéu interiorano pes-
cador ou filho de pescador” (p. 215). É possível que as melhorias para
a lida diária do pescador, como a construção do molhe no canal da Barra,
em 1982, tenham contribuído para manter a pesca no local que, apesar
de estar em declínio, manteve por muitos anos a identidade pesqueira
do lugar, diferente de outros bairros da ilha de Santa Catarina, como
Ingleses e Canasvieiras, onde a atividade praticamente terminou há vá-
rios anos (VALLE, 2014).
Em termos metodológicos, a observação do cotidiano no bairro e a
coleta da amostra da Barra da Lagoa, empreendida entre 2000 e 2001,
na primeira etapa, e entre 2010 e 2011, na segunda etapa, seguiu basi-
camente os mesmos passos estabelecidos para o Ribeirão da Ilha, com a
vantagem da experiência prévia adquirida no outro distrito.

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É importante destacar que, para a constituição dessa amostra,


Cláudia Brescancini contou com o auxílio de Carla Valle7, que, por ser
residente no bairro desde os cinco anos de idade, conhecia a comuni-
dade e seus moradores e contribuiu com informações para a fase 1, ob-
servação da comunidade, tendo participado da localização dos sujeitos
de pesquisa e da realização das entrevistas. Ainda mais relevante para
a fase 2, seleção do informante, foi o papel da mãe de Carla Valle, que,
tendo sido cabeleireira no bairro, conhecia e era conhecida pelos mo-
radores nativos e auxiliou na localização e contato de muitos daqueles
que foram entrevistados, também colaborando na apresentação das pes-
quisadoras e mobilizando a confiança dos participantes. O papel desem-
penhado pela mãe da pesquisadora enquadra-se na chamada técnica
‘amigo do amigo’ (TAGLIAMONTE, 2006), quando pessoas que desem-
penham um papel de intermediadores na comunidade auxiliam o pes-
quisador a participar da esfera social do grupo a ser investigado, o que
mitiga o paradoxo do observador. A amostra coletada na Barra da Lagoa
foi identificada como Brescancini-Valle e incorporada ao banco de dados
Varsul como amostra complementar.
Nas duas etapas, foram realizadas 45 entrevistas com cerca de uma
hora cada, mas foram encontradas dificuldades para a composição das cé-
lulas sociais. De modo geral, foi possível equilibrar o número de homens
(21) e mulheres (24), bem como a distribuição etária entre os sujeitos
de pesquisa, com uma faixa mais jovem (de 14 a 24), intermediária (entre
25 e 40), intermediária mais velha (entre 41 e 60 anos de idade) e mais
velhos (com mais de 61 anos)8. No entanto, foi difícil encontrar, entre
os moradores nativos, pessoas mais velhas com mais de quatro anos
de escolarização; já entre os mais jovens a situação era oposta, pois to-
dos eles tinham mais de sete anos de escolarização – fato que retrata
a realidade local.

7 Carla Valle era mestranda no Programa de Pós-Graduação em Linguística da UFSC na época


da primeira etapa de coleta, e doutoranda no mesmo programa, na ocasião da segunda
etapa.
8 Brescancini e Valle usam parte da amostra em suas pesquisas e distribuem os entrevistados
de modos diferentes pelas células sociais.

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Assim como foi feito no Ribeirão da Ilha, Brescancini, apoiada


em Spradley (1979), organizou um roteiro básico para a realização das en-
trevistas, com base nas informações previamente observadas e coletadas
em contato com os moradores locais e com os sujeitos-ponte, contendo
questões sobre as características do bairro “nos tempos de antigamente”
em comparação com o bairro “nos tempos atuais”, sobre “causos” e ati-
vidades locais, sobre comidas e festas típicas, tal como a Festa da Tainha,
tradicional na comunidade. Também havia questões sobre a atividade
da pesca e os perigos enfrentados no mar, o que geralmente rendia rela-
tos bastante intensos envolvendo risco de morte, situação que, segundo
os argumentos de Labov, contribui sobremaneira para reduzir o para-
doxo do observador e alcançar o desejado vernáculo. Em geral, também
havia um momento nas entrevistas para abordar a identidade local,
com questões que versavam sobre o convívio com os moradores de fora
e os turistas, sobre o que era “ser manezinho”, podendo incluir até mes-
mo questões sobre o modo de falar dos nativos da Barra.
Mais interessante do que a composição do roteiro era o modo
como as entrevistas eram conduzidas. De fato, como observam Valle
e Görski (2014), alguns entrevistados se sentiam tão à vontade no mo-
mento da entrevista que passavam a conduzi-la, sendo que “o momento
da entrevista foi interpretado por alguns como uma conversa ou como
uma espécie de terapia” (p. 102), abrindo espaço para assuntos de cunho
bastante pessoal, como orientação sexual, perigos, traumas de infância
e doenças graves consigo ou com familiares. Brescancini (2019) pontua
que o roteiro aplicado no Ribeirão e adaptado para a realidade da Barra
“sempre foi considerado de forma flexível, de modo que os temas abor-
dados nas entrevistas seguissem primeiro o interesse do entrevistado”
(p. 169).
Além disso, é possível perceber que, de modo geral, o roteiro
das entrevistas também acaba sendo naturalmente adaptado às diferen-
ças geracionais entre os entrevistados. Nas entrevistas realizadas com os
indivíduos mais velhos, boa parte do tempo é dedicada à descrição da
“Barra de antigamente” comparando-se com o bairro nos dias atuais
e também para a contação de causos e narrativas sobre a pesca e as ati-

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vidades tradicionais. Entre os da faixa intermediária e faixa intermedi-


ária mais velhos, a temática sobre “a Barra de antigamente” é presente,
mas o foco geralmente está nas mudanças pelas quais o bairro passou
e na relação com os moradores de fora e os turistas, além da atenção
a problemas do cotidiano do bairro. Já entre os mais jovens, a temática
preferida parece ser as dinâmicas envolvendo a escola, planos futuros
para formação, esportes e lazer.
Em relação aos resultados da pesquisa de Brescancini envol-
vendo a Barra da Lagoa (2002; 2015), o Ribeirão da Ilha e o centro
de Florianópolis, destacam-se como relevantes dois grupos de fato-
res: a região e a faixa etária. A autora verificou que na Barra da Lagoa
(0,55) – que em comparação com o Ribeirão da Ilha (0,49) e com o cen-
tro de Florianópolis (0,48) – que ocorre a produção mais significativa
da variante fricativa palato-alveolar [ʃ, ʒ] em posição de coda. Quanto
à faixa etária, os resultados indicam que os adultos (41-60 anos)
da Barra da Lagoa tendem a liderar a produção da variante em pauta
(0,68), em comparação com os adultos do Ribeirão da Ilha (0,57) e com
os adultos da região central de Florianópolis (0,41). Contudo, os resul-
tados se invertem na faixa etária dos adultos jovens (25-40 anos), já que
aqueles da área central de Florianópolis apresentam os maiores índices
de favorecimento da variante palato-alveolar (0,54), enquanto os falan-
tes dessa faixa no Ribeirão da Ilha (0,47) e, principalmente, na Barra
da Lagoa (0,38) desfavorecem essa variante.
Como explicação para tais resultados, a autora sugere que o
processo de modernização ocorrido nas décadas de 1960, 1970 e 1980
na área central de Florianópolis justifica o desfavorecimento da variante
no distrito sede entre os indivíduos da faixa etária adulta, que teriam
adquirido seu sistema linguístico naquela época. Os moradores nativos
urbanos passaram a sofrer maior influência daqueles vindos de outras
cidades (do Rio Grande do Sul, de São Paulo, do Paraná e do interior
de SC) e que gozavam de prestígio social por virem de centros maio-
res e por ocuparem cargos de destaque na cidade, o que levou a uma
postura de imitação das variantes externas à comunidade. Essa forte
influência sentida pelo ilhéu urbano entre 41 e 60 anos parece ocorrer

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VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
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mais tardiamente entre os adultos-jovens (25-40 anos) do Ribeirão e da


Barra por conta do isolamento mantido nesses distritos por mais tempo,
principalmente na Barra que, devido à condição das estradas, melhora-
das apenas na década de 1980, apresenta comportamento bastante dis-
tinto dos outros dois distritos. As conclusões em relação à faixa etária
são ratificadas pelos resultados relativos à escolaridade, já que as re-
giões que recebem novos fluxos populacionais há mais tempo, centro
de Florianópolis e Ribeirão da Ilha, parecem valorizar a variante pala-
to-alveolar, favorecida entre os mais escolarizados, enquanto na Barra
da Lagoa a variante é favorecida entre os menos escolarizados.

4 O POTENCIAL DAS ENTREVISTAS PROJETADAS POR CLÁUDIA


BRESCANCINI PARA OUTRAS PRÁTICAS ANALÍTICAS

As chamadas entrevistas sociolinguísticas têm recebido lugar


central na tradição das pesquisas em Teoria da Variação e Mudança.
No texto clássico “Fieds Methods of the Project on Linguistic Change
and Variation”, Labov (1984) define a entrevista sociolinguística como
uma estratégia bem desenvolvida para a obtenção do vernáculo, carac-
terizada por dez objetivos principais: 1) gravar com razoável fidelida-
de uma a duas horas de entrevista; 2) obter o maior número possível
de dados do informante (idade, ocupação, relações familiares etc.); 3)
obter respostas comparáveis a questões polêmicas e a questões de inte-
resse em várias culturas (risco de vida, preconceito racial etc.); 4) pro-
mover momentos em que o falante faça narrativas de experiência pes-
soal (para chegar mais próximo do vernáculo); 5) promover a interação
entre as pessoas presentes no momento da gravação e registrar também
os dados não direcionados ao entrevistador; 6) usar os tópicos que mais
interessam ao entrevistado para fazê-lo falar mais espontaneamente; 7)
traçar o padrão da comunidade e estabelecer o lugar do falante nela; 8)
descobrir julgamentos/atitudes do falante sobre questões linguísticas;
9) obter informações específicas sobre certas estruturas ou formas atra-
vés de momentos de leitura de textos e de lista de palavras; 10) realizar
experimentos para verificar a percepção e avaliação do falante em rela-
ção a certos fenômenos (pares mínimos, testes de reação subjetiva etc.).

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VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
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As pesquisas na corrente laboviana priorizam o olhar quantitativo


e lidam com informantes que i) fornecem dados, ii) pertencem a uma
determinada comunidade pelo fato de terem nascido e morado nela e iii)
são tomados como tipos sociais estratificados em categorias amplas e ge-
rais como sexo, faixa etária e classe social. Com o objetivo de observar
os padrões de mudança linguística da comunidade, as entrevistas ser-
vem muito mais para o fornecimento de dados linguísticos do que para
algum tipo de análise interpretativa de seu conteúdo, do posicionamen-
to dos indivíduos e de sua relação com os espaços nos quais transitavam,
com algumas exceções como é o caso do estudo de Labov em Martha’s
Vineyard. A utilização de entrevistas mais modulares, com perguntas
padronizadas que visam a obtenção de respostas comparáveis – o que
desconsidera a complexidade identitária dos entrevistados, a relação
que se desenvolve na situação da entrevista e a inserção no contexto
social mais amplo –, tem recebido críticas (BASTOS; SANTOS, 2013).
Em uma visão construcionista e mais atual, alinhada com os estu-
dos pós-modernos, a entrevista é tida como espaço para a (re)construção
de sentidos e da própria realidade na interação, havendo menor rigidez
na sua estruturação e na definição de papeis e funções de entrevistador
e entrevistado (SILVERMAN, 2001; ROLLEMBERG, 2013). Nesse sentido,

a construção de narrativas está intimamente relacionada


à construção identitária. O estudo das narrativas é uma
ferramenta importante para entendermos como as pes-
soas processam construções identitárias através da nar-
ração de suas histórias (cf. Linde, 1993). Em pesquisas
de natureza interpretativista, a questão da identidade
social, mesmo quando não tematizada, está sempre pre-
sente, já que, ao narrarem suas histórias, as pessoas o
fazem de modo a estabelecer sua adequação identitária e
determinada estrutura social (SANTOS, 2013, p. 24).

A partir desse olhar, os sujeitos da pesquisa são vistos como agen-


tes de suas escolhas linguísticas e, durante a entrevista, não fornecem
apenas dados linguísticos, mas informações valiosas a respeito da co-

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munidade, de sua relação com ela e das categorias locais que podem
estar atuando como condicionadores extralinguísticos para os fenô-
menos em análise. Tal posicionamento é coerente com a compreensão
de Mishler (1986; 1999) que, sob uma perspectiva interacionista, enten-
de a entrevista como um evento social em que discursos são cooperati-
vamente construídos. Como ressalta Rollemberg (2013), o que há duran-
te a entrevista é um processo de construção de subjetividades em que
se estabelecem processos discursivos de pertencimento a diversas ca-
tegorias identitárias e, nessa perspectiva, “o entrevistador não é mais
tido como alguém que extrai informações de uma “vasilha”. A entrevista
como um todo é uma coconstrução da qual o entrevistador e entrevista-
do participam ativamente” (p. 41).
Ressalta-se, portanto, o caráter atualizado das entrevistas proje-
tadas por Brescancini para as coletas empreendidas no Ribeirão da Ilha
e na Barra da Lagoa, que, para além de fornecerem os dados linguísticos
necessários à análise de seu objeto de estudo, também foram pensadas
para a obtenção de todo o conteúdo possível sobre a realidade local e so-
bre os aspectos históricos, culturais e identitários que poderiam estar
influenciando os usos linguísticos, podendo ser utilizadas para outras
pesquisas sobre fenômenos relevantes na região.

4.1 Expandindo as análises com a amostra do Ribeirão


da Ilha (1996)

As entrevistas realizadas no distrito do Ribeirão da Ilha já foram


utilizadas em outros estudos variacionistas, compondo, junto a outras
amostras, o corpus de análise de fenômenos diversos associados a ques-
tões identitárias: concordância verbal com o pronome tu (LOREGIAN,
1996); formas pronominais de referência à segunda pessoa do singular
(LOREGIAN-PENKAL, 2004); realização da consoante oclusiva alveolar9

9 A consoante oclusiva alveolar apresenta três tipos de realização (diante de [i]), consideran-
do-se o par surda e sonora: a) não africada ([t] [d]); b) africada não palatal ([ts] [dz]); e c)
africada palatal [tʃ] [dʒ].

31
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
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(PAGOTTO, 2001); entre outros trabalhos. A título de ilustração, apre-


sentamos brevemente uma síntese desses estudos.
A dissertação de mestrado de Loregian (1996) inclui também dados
de Porto Alegre. Seus resultados probabilísticos mostram as seguintes
tendências em relação à marcação de concordância verbal com o prono-
me tu: Ribeirão da Ilha10 (0,81), Florianópolis central (0,71) e Porto Alegre
(0,12). Os pesos relativos evidenciam um comportamento bastante pola-
rizado entre os informantes do distrito do Ribeirão e da capital gaúcha,
e um comportamento intermediário na fala dos florianopolitanos. Já em
sua tese de doutorado, Loregian-Penkal (2004) encontra os seguintes re-
sultados para o uso dos pronomes tu versus você nas mesmas localidades
acima mencionadas: Ribeirão da Ilha11 (0,78), seguida de perto por Porto
Alegre (0,61) e por último Florianópolis (0,32), percebendo-se, em rela-
ção ao uso pronominal, que o distrito do Ribeirão continua na dianteira,
ao passo que Florianópolis cai para a terceira posição. O que nos interes-
sa enfatizar é que ambos os trabalhos evidenciam a postura mais conser-
vadora dos informantes do Ribeirão da Ilha em relação a Florianópolis,
no que diz respeito tanto à concordância verbal canônica com o prono-
me tu, como ao uso do pronome tu em detrimento de você.
Os resultados da tese de Pagotto (2001) indicam: uso preferen-
cial da variante não africada ([t]) no Sertão do Ribeirão (0,72), segui-
do por Freguesia do Ribeirão (0,59) e com desfavorecimento desse tra-
ço na área urbana de Florianópolis (0,44). A realização intermediária
como africada não palatal (ts]) mostrou-se relativamente equilibrada
entre os três locais, oscilando entre os percentuais de 17 e 23%. Já a
variante africada palatal ([tʃ]) mostrou uma frequência mais diferencia-
da, com 21% das ocorrências na região urbana, 14% na Freguesia e ape-
nas 5% no Sertão. O autor chama a atenção para o caráter conservador
da variante não africada, retida fortemente no Sertão e na Freguesia
do Ribeirão, e para a entrada da variante inovadora, a oclusiva africada

10 Loregian (1996), além de não separar os dados de Freguesia do Ribeirão e do Sertão do


Ribeirão, considera 12 dos 20 informantes da amostra Brescancini (1996), a partir da faixa
etária de 15 anos.
11 Loregian-Penkal (2004) também trata conjuntamente os dados da Freguesia e do Ribeirão,
porém considera 11 informantes na faixa etária acima de 25 anos.

32
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palatal, pela região urbana, espraiando-se lentamente até as vilas mais


afastadas. Nesse sentido, é interessante o registro do autor: “Na fala
dos informantes do Ribeirão da Ilha [...], é comum referir-se ao centro
da cidade como ‘Florianópolis’, ou seja, o sentimento de identidade lo-
cal, construindo o próprio lugar como algo à parte, ainda é muito forte,
especialmente na fala dos mais idosos” (PAGOTTO, 2001, p. 319).

4.2 Expandindo as análises com a amostra da Barra


da Lagoa (2001-2010)

As entrevistas realizadas no distrito da Barra da Lagoa foram uti-


lizadas por Valle (2014) em sua tese – que recebe uma atenção especial
neste capítulo em razão das fortes implicações identitárias evidenciadas
em uma análise multidimensional –, a qual investiga a multifunciona-
lidade, os processos de mudança e o uso variável de marcadores discur-
sivos derivados de verbos cognitivos (sabe?, sabes?, entende?, entendeu?,
entendesse?, tá entendendo? e tás entendendo?), chamados mais especifi-
camente de requisitos de apoio discursivo (RADs).
A pesquisadora verifica que variáveis extralinguísticas pensadas
a partir da configuração da amostra e das características da comunida-
de têm grande relevância para a descrição das forças sociais que atu-
am no uso linguístico, com destaque para a variável complexa12: Grau
de identificação com o local, que, a partir de um somatório de traços, mos-
trou que os indivíduos que mais se identificam com a comunidade são os
que mais fazem uso de entendesse?, de sabes? e de tás entendendo?, con-
sideradas marcas de identidade dos nativos florianopolitanos, em con-
traste com as demais formas investigadas que são consideradas neutras.
Buscando medir o vínculo dos sujeitos entrevistados com a co-
munidade, foram estabelecidas três variáveis independentes, sendo al-
gumas delas compostas por um somatório de traços: A) características
da fala dos florianopolitanos, que abarca i) velocidade da fala, prosódia
característica e escolhas lexicais; ii) palatalização da consoante fricativa

12 O rótulo “variável complexa” abriga um conjunto de variáveis independentes que são agru-
padas em fatores gradientes.

33
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ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

alveolar não morfêmica em posição de coda; iii) realização das oclusi-


vas alveolares diante de /i/ (como em tia e dia); B) localismo/mobilidade,
que engloba i) mobilidade e abertura para fora dos limites da comuni-
dade; ii) participação/apego à comunidade; iii) atividades exercidas pelo
informante e/ou pelos seus familiares; e C) avaliação/vínculo em relação
aos moradores não nativos13.
Interessa destacar que as variáveis independentes B e C foram
compostas a partir do olhar para além dos dados linguísticos específicos,
aproveitando o conteúdo e as manifestações dos entrevistados. Sobre lo-
calismo/mobilidade, Valle (2014) parte do pressuposto de que indivíduos
com menos mobilidade, que se identificam com a localidade e que parti-
cipam de atividades mais integradas ao local, apresentem maior uso dos
RADs associados à identidade local; enquanto indivíduos com maior
mobilidade, menos apego à comunidade e que participem de atividades
voltadas para fora da comunidade, façam menor uso desses itens. A vari-
ável B apresenta resultado numérico escalar depreendido do somatório
de valores atribuídos a três critérios relacionados a localismo e mobi-
lidade, depreendidos de manifestações feitas pelos entrevistados, tais
como nos trechos a seguir.

a) Mobilidade e abertura para fora dos limites da comunidade: ma-


nifestação de pouca mobilidade e abertura para fora dos limites
da comunidade

1. F: Como o ano passado teve- foi proposta pra mim e pra uma outra
menina que trabalhava comigo, inclusive ela foi e eu assim “não eu
vou preferir ficar aqui” (hes) eu ganhava passagem de ônibus, eu...
sabe? ganhava tudo... pra- a minha patroa ia pagar, só porque::
pra mim passar pelo colé- Coração de Jesus e pegar o menino dela.

E: [Ah, tá]

13 Maior detalhamento sobre a caracterização e o controle das variáveis pode ser conferido em
Valle (2014).

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F: [Eu assim] “não, não, eu prefiro ficar aqui na Ba::rra porque...


vai ficar meio contratempo pra mim também”... acabei ficando,
a outra menina foi. (BARRA04FJ9)14

b) Participação/apego à comunidade: manifestação de grande apego pela


comunidade

2. Aqui eu tô em casa, né? aqui eu me dou com todo mundo, com a


população... tendesse? (hes) Sair daqui pra onde? Morar no Centro
que é mais movimentado, que é mais- ah, então aqui não, aqui eu
tô mais tranquilo com a família, que (hes) que é uma excelente fa-
mília, então eu vivo tranqui::lo... tendesse? aqui eu vou ali:: falo
com os pes- pescadores, tô aqui vou na minha mãe que mora perto
da praia, falo com um amigo, falo com outro, jogo um dominó, um
baralho, que fica passando o dia até o outro dia do- dormir pra ir
trabalhar, né? (BARRA27MA8)

c) Atividades exercidas pelo informante e/ou pelos seus familiares: mani-


festação de envolvimento de familiares com a pesca

3. Basicamente a minha família hoje se encontra mais trabalhando


assim no Centro ou em outros:: né? outros, outros tipos de serviço,
antes (hes) há cinco anos atrás até, pra falar a verdade, era mais na
pesca, entendeu? (E: Ãh!) o meu irmão pescava bastante, o meu
pai pescava bastante. (BARRA13MJ11)
A variável C avaliação/vínculo em relação aos moradores não na-
tivos, que também serviu para compor a variável complexa, foi pensa-
da partindo da suposição de que os sujeitos que apresentam avaliação
negativa sobre os moradores vindos de outras cidades e/ou pouco con-
vivem com eles tenderiam a preservar mais seu uso linguístico local;
já aqueles que simpatizam com os novos moradores e/ou estabelecem
vínculos de amizade com eles se distanciariam do uso de suas marcas na-

14 O código identifica o local seguido do número do informante, sexo (F: feminino e M: mas-
culino), faixa etária (J: jovem, A: Adultos e B: mais velhos) e anos de escolarização.

35
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tivas. Os trechos abaixo ilustram os comentários dos entrevistados sobre


os novos moradores, que serviram de base para o controle da variável.
Avaliação negativa sobre os novos moradores

4. F: Olha, tem aquelas assim que:: pensam que tão no lugar delas,
que tão onde nasceram, entendeu?... algumas até:: tratam mal
o pessoal daqui porque::... “ah, porque é pescador vive fedendo a
pei::xe e::”, sabe?... são coisas assim absurdas que eles falam, uma
coisa que não devia de acontecer porque se eles vem pro no::sso
lugar eles tem que respeitar primeiramente nós:: e não a gente
respeitar eles... no ca- eu acho... que:: o respeito deve ser igual, en-
tendeu?... mas no caso- o respeito vem primeiro pra nós, não pra
eles porque se eles tão fora do lugar onde eles nasceram, eles quem
devem de... ficar mais quietos, entendeu? (est)... (BARRA04FJ9)

Avaliação positiva e vínculo com os novos moradores

5. É:: a maioria é de:: vamos dizer:: aqui perto, Porto Alegre, São
Paulo, que vem pra cá, né? gostam daqui... compram casa... aí
tem:: tem:: vamos dizer:: assim:: da minha idade gente assim, eu
faço amizade, sabe? eu conhe::ço, (est)... “onde é que tu mora?” e
ele fala, pô eu já faço amizade, entendeu?... eu meio- não gosto de
ser assim:: todo- todo amigo que eu vejo eu faço amizade, sabe? eu
não gosto de::... quando tem aluno novo aqui mesmo eu faço ami-
zade assim só anda comigo, aí vou apresentando e eles vão fazen-
do amizade, (eu acho que) já tem gente com- parece que é da Barra,
né?... morava aqui, já é manezinho já (risos F). (BARRA12MJ9)
Como já mencionado, objetivando promover uma análise mul-
tidimensional relacionada a aspectos identitários, foi realizada a jun-
ção das variáveis A, B e C para a composição da variável complexa Grau
de identificação com o local – artefato metodológico capaz de fornecer
uma visão ampla da identificação dos informantes com a localidade
da Barra da Lagoa. Vejamos os resultados na Tabela 1.

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Tabela 1 – Correlação da variável complexa Grau de identificação com o local


com o uso de marcas de identidade vs. formas neutras

Variável complexa: Grau de identificação


Ap/T % PR
com o local

Maior grau de identificação com o local 271/427 64 0,97


Grau intermediário 68/420 16 0,70
Menor grau de identificação com o local 8/763 1 0,07
TOTAL 347/1.610 22
Fonte: Adaptado de Valle (2014, p. 356)

Os resultados obtidos revelam que o uso de RADs tomados inicial-


mente como marcas de identidade (entendesse?, sabes?, tás entendendo?)
é fortemente favorecido entre indivíduos com maior grau de identificação
com o local (0,97) e praticamente nulo entre aqueles com menor grau
de identificação (0,07). Tal resultado e a gradiência percebida através
do grau intermediário (0,70) conferem aos três RADs, principalmen-
te a entendesse? (que se apresenta em maior número), o efetivo status
de marcadores de identidade local, nesse caso, de identidade floriano-
politana nativa.
No cômputo geral, o número de RADs caracterizados como marcas
de identidade é relativamente pequeno, somando 347 ocorrências (22%
do total de 1.610 dados), o que, em conjunto com a diminuição de ou-
tros traços locais, poderia estar associado a uma atitude de submissão
de parte dos indivíduos a uma cultura homogeneizada implementada
pela entrada de novos moradores. Tal comportamento mostra-se mais
evidente entre os jovens, que parecem não demonstrar atitude de per-
tencimento à comunidade local mediante o uso de marcadores, se con-
siderarmos que entre eles há apenas um dado de entendesse?. Fato se-
melhante ocorre em relação à suavização da centralização do ditongo
/ay/, verificada na ilha de Martha’s Vineyard por Blake e Josey (2003),
40 anos depois da realização da clássica investigação de Labov, mos-
trando que a centralização vai diminuindo com o tempo, principalmente

37
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entre os mais jovens. Ainda assim, o fato de que os RADs que são marcas
de identidade sejam usados por indivíduos que alcançam índices altos
na variável complexa – manifestando explicitamente sua afetividade
pelo bairro e pelas tradições locais ao mesmo tempo em que rejeitam
o contato com os moradores não nativos – indica uma postura de per-
tencimento e identificação com o local, que só foi possível perceber gra-
ças à forma como a constituição da amostra foi projetada, consideran-
do aspectos da história, cultura e identidade locais para a organização
das entrevistas.

4.3 Olhar etnográfico, entrevistas sociolinguísticas e movi-


mentos identitários

Retomando sucintamente: O estudo etnográfico empreendi-


do por Brescancini, ainda na década de 1990, tomando como locus
o Ribeirão da Ilha, e posteriormente expandido para a Barra da Lagoa,
envolveu pesquisa documental sobre o contexto geográfico e sócio-his-
tórico, obtendo registros sobre a população, a vegetação e o clima; so-
bre a colonização da região, o processo de urbanização, os fluxos mi-
gratórios e a configuração urbana e social da região ao longo dos anos
– o que constituiu o primeiro momento da fase de observação. Em um
segundo momento, houve um período de inserção e observação do co-
tidiano e das práticas das comunidades, especialmente sobre os prin-
cipais espaços de convívio social dos moradores nativos, o que serviu
para dar o direcionamento necessário para a seleção dos entrevistados
e para a organização das entrevistas. Essa perspectiva etnográfica per-
mitiu a definição de instrumentos de coleta que servem como valoro-
sa fonte de dados não somente linguísticos, mas também reveladores
da relação dos sujeitos com as comunidades investigadas, notadamente
de movimentos de pertencimento em que eles estão engajados. Na fase
da realização das entrevistas, os cuidados dispensados para diminuir
o paradoxo do observador também foram cruciais, garantindo que os
entrevistados pudessem assumir o controle das entrevistas e apresen-

38
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tassem as comunidades de forma natural. Junta-se a isso a atenção dada


ao roteiro das entrevistas, que, embora projetado a partir das realidades
locais, era flexível o suficiente para adequar-se ao direcionamento dado
pelos entrevistados (BRESCANCINI, 2019).
Alinhadas com as ideias de Rampton (2006) e Makoni e Meinhof
(2006), entendemos que nesse olhar de cunho mais etnográfico e am-
plo, os dados e as práticas locais é que forjam a metodologia e, nesse
sentido, o trabalho de Brescancini nos inspira: i) a fortalecer o enten-
dimento de que a formulação das entrevistas está atrelada a questões
relevantes para a comunidade e somente pode ser feita depois de pes-
quisa e observação atenta do pesquisador; ii) a perceber que é possí-
vel e desejável ir além da coleta de dados, explorando todo o potencial
das entrevistas, identificando a recorrência de certos tópicos, bem como
todo o tipo de informação que pode auxiliar na organização de possíveis
grupos de fatores extralinguísticos ligados à situação da comunidade
e que podem estar correlacionados com os usos linguísticos. A gravação
de uma hora de entrevista, além de dados linguísticos, pode fornecer
informações valiosas sobre aspectos extralinguísticos relevantes, como
os elencados a seguir.

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a) O indivíduo entrevistado: sua configuração sociodemográfica, sua histó-


ria de vida, seus gostos, sua identidade pessoal, sua personalidade etc.
b) A comunidade: a história da localidade, os fatos mais marcantes, os cos-
tumes e o cotidiano dos moradores, os conflitos existentes no local, a cultura
e as tradições locais etc.
c) A relação do indivíduo com a comunidade: o status do indivíduo na co-
munidade, a participação e o engajamento em atividades e instituições locais
(igreja, grupo jovem, grupo de escoteiros, time de futebol, conselho comuni-
tário etc.), o apego ao local, a postura sobre o lugar, a atuação em atividades
de tradição local, a mobilidade para fora do local etc.
d) A relação do indivíduo com os demais moradores do local: as redes
de relacionamento estabelecidas na comunidade, o contato e relação com mo-
radores nativos, moradores não nativos e turistas.
e) Tópicos abordados na entrevista e sua organização: a presença de tópi-
cos que podem estar relacionados ao fenômeno em análise (condicionando-o)
e a recorrência desses tópicos em muitas entrevistas é relevante para a siste-
matização de possíveis grupos de fatores extralinguísticos pensados a partir
da comunidade, a minutagem dos tópicos e informações sobre quem introduz
os tópicos também são relevantes.
f) A relação do indivíduo com certos tópicos: alguns tópicos podem ser ir-
relevantes para alguns indivíduos e muito importantes para outros e esta re-
lação com o tópico pode revelar informações importantes acerca do fenôme-
no investigado.
g) A situação da entrevista: percepção de como a situação da entrevis-
ta é compreendida pelo entrevistado (entrevista formal ou conversa entre
amigos).
h) O estado emocional do entrevistado durante a entrevista: se há e quan-
do ocorrem momentos de envolvimento emocional dos sujeitos.
i) A relação do indivíduo com o entrevistador: se a relação é simétrica
ou não simétrica, por conta da idade, escolaridade, empatia etc.
j) Os comentários e avaliações metalinguísticas
k) A presença e interferência de terceiros durante a entrevista, dentre
muitos outros aspectos (VALLE, 2016)–Adaptado.

40
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ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

Esse rico quadro de potenciais informações que podem ser obti-


das e os passos dados nas coletas das amostras do Ribeirão da Ilha e da
Barra da Lagoa são relevantes para problematizar e repensar o papel e a
configuração da entrevista sociolinguística – diante das novas agendas
dos estudos sociolinguísticos na pós-modernidade –, entendida como
locus para, além da obtenção de dados linguísticos, permitir o aprovei-
tamento de aspectos históricos, culturais, sociais, identitários e indivi-
duais que emergem do conteúdo das entrevistas e que podem auxiliar
na explicação dos usos linguísticos (VALLE; GÖRSKI, 2019).
Nessa direção, e pensando na dimensão estilística da variação,
Schilling-Estes (2007, p. 971) sugere que se revisite a entrevista socio-
linguística como uma fonte valiosa “para obter uma variedade de estilos
de fala [para além do vernacular, incluindo falas performativas cons-
cientes, por exemplo] e percepções sobre o que motiva esses estilos”,
partindo para uma abordagem multidimensional que capte também tra-
ços identitários.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscamos, neste texto, revisitar trabalhos de Cláudia Brescancini


com foco no caráter etnográfico de seus estudos, i) ressaltando as poten-
cialidades das amostras constituídas a partir de entrevistas sociolinguís-
ticas projetadas por ela, especialmente no que diz respeito a aspectos
identitários na Ilha de Santa Catarina; e ii) trazendo alguns resultados
de estudos não só da pesquisadora, mas também de outros autores que se
valeram de suas amostras para realizar análises de diferentes variáveis
linguísticas sensíveis a fatores identitários. Mostramos, então, que fenô-
menos de diferentes níveis linguísticos – palatalização de /S/ não morfê-
mico em coda, realização da consoante oclusiva alveolar diante de [i],
alternância pronominal de referência à segunda pessoa do discurso (tu/
você), concordância verbal com o pronome tu e de usos de marcadores
discursivos interacionais (sabe?/ entendeu? e formas associadas) – carre-
gam fortes traços de identidade local, refletindo aspectos sócio-históri-
cos e culturais da colonização, do processo de urbanização e dos fluxos

41
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

migratórios na ilha de Santa Catarina e, particularmente, o impacto des-


ses movimentos na composição da paisagem sociolinguística que carac-
teriza as comunidades pesqueiras do Ribeirão da Ilha e da Barra da Lagoa.
Do ponto de vista metodológico, esperamos que as reflexões apre-
sentadas possam ter alcance mais amplo, auxiliando tanto i) na revisi-
tação a bancos de dados já estabelecidos, buscando examinar cada en-
trevista em sua totalidade de conteúdo e forma; como ii) na organização
de novos protocolos de entrevistas, considerando aspectos etnográficos
e identitários.

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VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
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VARIAÇÃO SONORA EM L1
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
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A DEGEMINAÇÃO DE CLÍTICOS
PORTADORES DE VOGAL MÉDIA FINAL
/e/ E /o/ EM PORTO ALEGRE

Everson Ribas da Rocha


professoreverson@yahoo.com.br

1 INTRODUÇÃO

A língua portuguesa apresenta processos de juntura entre vocá-


bulos. Eles são chamados de sândi vocálico externo e envolvem a elisão,
a ditongação e a degeminação. A elisão trata do apagamento de vogais
em posição não acentuada de final de vocábulo, quando o vocábulo se-
guinte inicia por vogal de diferente qualidade (certa imagem > cer / ti /ma
/gem). A ditongação é a junção da vogal final de um vocábulo e a inicial
de outro, quando a vogal inicial do vocábulo seguinte apresenta diferen-
te qualidade (certa imagem > cer / tai / ma / gem). A degeminação é a fusão
de vogais de mesma qualidade (casa amarela > ca / sa / ma / re / la).
Este trabalho versa especificamente sobre a degeminação dos clí-
ticos portadores de vogal média final /e/ e /o/. Os clíticos selecionados
para exame são os seguintes: que, de, se, do e no. A cidade de Porto Alegre
foi escolhida para constituir o corpus deste trabalho, e os dados foram

47
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

coletados de entrevistas pertencentes ao banco de dados do projeto


VARSUL (Variação Linguística Urbana na Região Sul).
Com o intuito de contribuir para o estudo do processo de degemi-
nação em língua portuguesa, estabeleceram-se como objetivos:

a. levantar os condicionamentos linguísticos e sociais que compõem


a regra variável da degeminação dos clíticos portadores de vogal
média final /e/ e /o/;
b. verificar se a elevação das vogais médias /e, o/, em posição final
do clítico, apresenta relação de favorecimento ao processo de
degeminação;
c. investigar o comportamento dialetal da capital com relação ao
processo de degeminação das vogais médias finais /e, o/.

Este capítulo está organizado, além desta introdução, em mais


quatro seções, a saber: a seção 2 apresenta a base teórica – a Teoria
da Variação; na seção 3, está posta a metodologia utilizada nesta pes-
quisa: a constituição da amostra, a definição das variáveis operacionais
e o instrumento estatístico adotado; a seção 4 discute os resultados; e a
seção 5 aponta as considerações finais.

2 BASE TEÓRICA
2.1 A Teoria da Variação Linguística

Em 1966, nos Estados Unidos, o linguista William Labov desen-


volveu o modelo teórico-metodológico chamado Teoria da Variação, co-
nhecido também como Sociolinguística Quantitativa (TARALLO, 1986,
p. 7). O termo Sociolinguística foi por muito tempo rejeitado por Labov,
pois o autor considerava impossível a existência de uma teoria ou práti-
ca linguística sem levar em consideração o contexto social. O linguista
tem sua proposta baseada na análise do caráter heterogêneo das lín-
guas humanas, com o argumento de que a variação na fala de indivíduos
de uma sociedade é sistematizada.

48
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

A base da teoria variacionista laboviana encontrou resistência


nos pressupostos teóricos gerativistas de Noam Chomsky, o qual pos-
tulava a homogeneidade do sistema linguístico. No gerativismo, as ati-
tudes dos falantes e os dados extralinguísticos, referentes à variação,
não eram relevantes, na medida em que a língua era tratada como
um sistema homogêneo. Para Chomsky (1978, p. 84), não era importan-
te detectar quando uma forma apresentava mais utilização do que outra
para descrever o conhecimento intuitivo de cada falante. O imprescin-
dível estava no descobrimento de quais são os processos que subjazem
à construção das regras da língua.
Figueroa (1994, p. 80) afirma que a referida contraposição teórica
dos gerativistas em relação aos pensamentos variacionistas não levou
em consideração a natureza das duas teorias linguísticas – uma de cunho
sociológico (laboviana) e outra de cunho psicológico (chomskyniana).
A validade da discussão se mostra nula quando se analisa a natureza
de cada uma delas, visto que a base teórica de uma não nega a legitimi-
dade da outra.
Segundo Figueroa (1994, p. 78), o modelo teórico-metodológico
proposto por Labov também foi rebatido por linguistas estruturalistas
da escola saussuriana (SAUSSURE, 1916). Tais estudiosos contestaram
o modelo laboviano porque o consideravam uma teoria não linguística.
Além disso, diziam que contrariava princípios saussurianos, especifica-
mente os dicotômicos: sincronia/diacronia e langue/parole.
Quanto à primeira dicotomia, os variacionistas afirmaram que o
estudo de sistemas linguísticos podia captar sinais de mudança linguís-
tica, ou seja, a língua podia apontar mudanças linguísticas em progres-
so. Tal observação podia ser feita por estudos realizados em tempo apa-
rente, isto é, por meio de um recorte transversal da amostra sincrônica
em função da faixa etária dos falantes (TARALLO, 1986, p. 65). Em re-
lação à segunda, que propõe um estudo da langue separado da parole,
os variacionistas registraram que há um paradoxo nessa separação es-
tabelecida pelos saussurianos, já que seria impossível estudar as mani-

49
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festações da língua sem usar a fala, nem pesquisar a fala sem considerar
o contexto social em que a língua está presente.
A fala real utilizada pelos indivíduos em situações naturais é o
principal objeto da metodologia variacionista. Desse modo, propõe-se
a coleta do vernáculo, ou seja, sugere-se a coleta da língua na práti-
ca, na sua realização concreta. Labov ressalta a necessidade de criação
de mecanismos que desviem a atenção do ato da fala, bem como o cui-
dado que se deve ter no planejamento descritivo dos critérios de seleção
dos informantes, cuja língua tem-se a pretensão de descrever. Tais infor-
mantes fornecem os elementos linguísticos que farão parte da amostra.
O registro do vernáculo não pode causar constrangimento ou lesar
princípios éticos com a presença do instrumento de gravação ou do en-
trevistador (LABOV, 1982, p. 37). As falas devem ser cuidadas e/ou casu-
ais; há de se conduzir as entrevistas quando se inicia a gravação. Nas fa-
las cuidadas, dirige-se a entrevista por meio da leitura de um texto ou de
situações especificamente criadas. Já nas falas casuais, perguntas rela-
tivas ao cotidiano ou à vida pessoal do informante suscitam a utilização
do vernáculo. Busca-se, portanto, envolver o entrevistado, deixando-o
à vontade para revelar, de forma emocional, fatos da sua vida.
A Teoria da Variação oferece ao pesquisador os dados para estu-
dar a língua como estrutura heterogênea e ordenada. Através da análise
de elementos linguísticos e extralinguísticos, podemos descrever as re-
gularidades de uma língua. A Sociolinguística Quantitativa estabeleceu
um conceito extremamente importante para a análise dessas descrições,
o de regra variável. Sua introdução na teoria linguística tem por objetivo
mostrar que todos os tipos de variação são condicionados por fatores
linguísticos e/ou fatores sociais. A Sociolinguística é capaz de transcen-
der todos os níveis de análise linguística, lexical, discursivo, fonológico
e sintático.
A metodologia variacionista será apresentada na próxima seção,
quando da exposição dos procedimentos adotados na condução deste
trabalho.

50
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3 METODOLOGIA

Este capítulo visa a expor a metodologia utilizada nesta pesquisa:


apresenta o banco de dados do qual se extraiu a amostra, a definição
das variáveis envolvidas, a forma de codificação e o modelo estatístico
adotado para a análise quantitativa dos dados.

3.1 Constituição da amostra

O trabalho se apoiará na coleta de dados conforme propõe o mo-


delo teórico-metodológico laboviano. O vernáculo (fala espontânea)
será o nível de linguagem explorado.
Para constituir a amostra, foi utilizado o banco de dados da cida-
de de Porto Alegre do VARSUL (Variação Linguística Urbana na Região
Sul do Brasil). A amostra considerada foi constituída de 24 entrevistas
de experiência pessoal, entretanto duas delas foram excluídas em razão
de não contemplarem o pré-requisito de o entrevistado ser filho de bra-
sileiros. As referidas entrevistas estão armazenadas em CD-ROM ou fitas
cassete com duração aproximada de uma hora. Elas também estão trans-
critas em um programa computacional chamado Editor.
Esta pesquisa, com base nos pré-requisitos considerados pelo
VARSUL para a constituição do banco de dados, estabeleceu como infor-
mantes aqueles que contemplavam as seguintes características:
a. falar somente português;
b. ser filho de brasileiros;
c. ter morado na cidade, pelo menos, 2/3 de sua vida;
d. não ter residido fora da região por mais de um ano na fase de aqui-
sição da língua.
A pesquisa teve apoio no instrumento de pacote computacional
VARBRUL 2S. Para submeter os dados coletados nas entrevistas à análise
estatística do referido pacote de programas computacional, é necessário
estabelecer as variáveis representativas dos condicionadores linguísti-
cos e sociais. Para tanto, a definição das variáveis é apresentada a seguir.

51
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3.2 Definição das variáveis

A degeminação dos clíticos portadores de vogal média final /e/


e /o/ é o objeto de estudo desta pesquisa, que buscou, na observação
da fala dos informantes da amostra, selecionar os possíveis condiciona-
dores linguísticos e sociais dessa variação. Nesta seção, procurar-se-á
definir as variáveis operacionalmente.

3.2.1 Variável Dependente

Este trabalho apresenta como variável linguística dependen-


te a degeminação de clíticos portadores de vogal média final /e/ e /o/.
Apresentam-se, a seguir, as variantes em competição.

Degeminação
Então ela se iniciou [sini′syow]. [17, 0699]1
[Sei lá] do outro [′dotRu] lado o Marinha do Brasil ou a Redenção
[15, 0668]
Ditongação
Eu chegava no hotel [nwo′tEw], ficava lá. [07, 1060]
Hiato
Ninguém tem maior amor do que este [ki ′estSi]. [17, 0397]

3.2.2 Variáveis Independentes

Segundo Mollica (2003, p.11), as variáveis independentes são cons-


tituídas a partir dos condicionadores da variação, que podem ser de na-
tureza interna ao sistema (variáveis linguísticas) ou de natureza externa
ao sistema (variáveis extralinguísticas).

1 As ocorrências examinadas nesta pesquisa serão identificadas da seguinte forma: [17, 0699],
por exemplo, informante 17 e ocorrência obtida na linha 699.

52
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3.2.2.1 Variáveis linguísticas

Admitindo-se que o contexto linguístico possa influenciar na de-


geminação de clíticos portadores de vogal média final /e/ e /o/, foram
consideradas as variáveis:

3.2.2.1.1 Tipo de Clítico

Nesta variável independente, pretende-se observar quais são os


clíticos favorecedores ao processo de degeminação. Brisolara (2004, p.
58) aponta, em estudo realizado na cidade de Bagé, para o alto índice
de degeminação da vogal /e/ elevada, quando pertencente a um clítico.
Portanto, estabelece-se a hipótese de que os clíticos terminados em vogal
média /e/ favorecem o referido processo de sândi, justamente por serem
passíveis de elevação. Os clíticos terminados em vogal média /o/, tam-
bém passíveis de elevação, foram incluídos nesta pesquisa, a fim de que
se possa estabelecer um quadro comparativo entre o processo de dege-
minação e o de elevação da vogal média. Observa-se, ainda, que todos
os clíticos desta pesquisa apresentam dois segmentos: /ke/, /de/, /se/, /
do/ e /no/. Registra-se, como diferença entre esses clíticos, o fato de que
somente os finalizados em /o/ apresentam a contração de uma preposi-
ção: do (de+o) e no (em+o).

QUE
Eu gosto muito de fazer tricô, então é a hora que eu [kew] sento
pra botar a cabeça [em]–em dia, digo, em ordem. [22, 0709]
DE
Então é uma experiência, né? Troca de experiência [dZispeRi′ẽsya],
né? [22, 0278]
SE
Porque em São Paulo, por exemplo, se eu [sew] pegar o jornal,
eu tenho opções ali de teatro ou cinema. [15, 0297]

53
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DO
Não que eles não sejam [o do]–de um ou do outro [′dotRu] partido.
[22, 0934]
NO
Reprisando [na] – na televisão, né? é, nessa época (hes) de praias
[de] – de férias, né? então a gente tem bastante opção, não tem
filme bom num canal, tem no outro [′notRu]. [04, 0693]

3.2.2.1.2 Acento da Vogal 2

De acordo com Bisol (1992, p. 87), o acento é fator relevante para


determinar o processo de sândi aqui estudado. Como os clíticos não são
portadores de acento, a primeira vogal envolvida na juntura (a V1)
só pode ser átona. Esta variável busca, então, verificar a influência da se-
gunda vogal quanto ao aspecto acentual. Postula-se a hipótese de que
ocorra mais favorecimento ao processo de degeminação quando a se-
gunda vogal for átona. Portanto, os fatores constituintes da variável as-
sim seguem:
ÁTONO
Ele bate essa porta dele que estremece [kistre′mEsi] tudo aqui.
[05, 0877]
TÔNICO
Aí começa a dizer que o aparelho é uma porcaria, que isso [′kisu]
aquilo, mas a porcaria é ele, né? [23, 0914]

3.2.2.1.3 Qualidade da Vogal 2

Esta variável procura analisar qual contexto vocálico seguinte


ao clítico é mais favorecedor à degeminação. Percebe-se que neste es-
tudo não é possível a combinação de vogal 2 [o] com clíticos terminados
em /e/, já que isso não apresenta contexto para degeminação. A mesma
situação ocorre com vogal 2 [i, e] com os clíticos terminados em /o/. A re-

54
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ferida falta de combinação será resolvida na seção 4.2. Assim, apontam-


-se os fatores a seguir:
Vogal 2 [e]
...se tu entras [com a] – como diz, com a tua bagagem vazia, tu sais com a
bagagem, né? cheia de experiência [despeRi′ẽsya]. [23, 0306]
Vogal 2 [i]
A draga é desse meu amigo, ele que ia [kya] montar. [04, 0442]
Vogal 2 [o]
Reprisando [na] – na televisão, né? é, nessa época (hes) de praias [de] –
de férias, né? então a gente tem bastante opção, não tem filme bom num
canal, tem no outro [′notRu]. [04, 0693]
Vogal 2 [u]
Não houve ocorrência.
É necessário salientar que as vogais nasais não foram consideradas
nesta pesquisa, uma vez que não são foneticamente de mesma natureza
das vogais orais estudadas neste trabalho.

3.2.2.1.4 Tipo de Sequência

Segundo Azeredo (2000, p.12), a palavra contém morfema lexical


ou morfema gramatical. Este se refere às palavras que só adquirem sen-
tido no uso (artigo, preposição, pronome, conjunção, advérbio), enquan-
to aquele remete aos vocábulos independentes, ou seja, os que detêm
significado (substantivo, adjetivo e verbo). Adotou-se, nesta variável,
a nomenclatura de palavra funcional para aqueles vocábulos que depen-
dem do contexto para adquirirem sentido e palavra lexical para os clas-
sificados como independentes. Busca-se verificar qual sequência é mais
favorecedora ao processo de degeminação. Para tanto é mister analisar
as palavras funcionais também quanto à postura acentual. Inicialmente
a hipótese era de que a fronteira entre clíticos e palavras funcionais
sem acento era contexto favorecedor ao processo de degeminação. Como

55
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não houve dados que contemplassem esse fator, a variável foi mantida
com o intuito de analisar os demais fatores constituintes. Portanto, esta
variável fica estabelecida da seguinte forma:
Clítico + Palavra Funcional com Acento
Não sei se isso [′siso] aí é da minha cabeça ou. [05, 1148]
Clítico + Palavra Lexical
E assim mesmo tem que esperar [kispe′Ra] férias. [24, 0201]

3.2.2.1.5 Classe Morfossintática do Vocábulo Seguinte

Segundo Bisol (1992, p. 85), o processo de degeminação ocorre


com as mais variadas classes morfossintáticas. A autora ressalta que o
importante é os vocábulos fonológicos estarem sob o domínio de uma
categoria prosódica mais alta, seja a superior imediatamente – a fra-
se fonológica – seja a mais alta de todas – o enunciado. Esta variável
tem como propósito verificar qual categoria de palavra no vocábulo fo-
nológico se apresenta como favorecedora ao processo de degeminação.
Os três fatores selecionados estão relacionados a seguir:
PRONOME
...e eu acho que esse [′kesi] Brasil. [05, 0728]
VERBO
Aí, depois eu posso sair, na época de colégio eu posso sair se não eu tenho
que esperar [kispe′Ra] até às duas horas que a filha chegue. [05, 0273]
NOME
Não, que esperança [kispe′Rãsa]. [05, 0797]
ADVÉRBIO
Não houve ocorrência.

56
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3.2.2.2 Variáveis sociais

Os condicionamentos externos são representados por variáveis


extralinguísticas. Segundo Mollica (2003, p. 27), as variáveis extralin-
guísticas agem em conjunto com as variáveis linguísticas para inibir
ou favorecer o emprego de formas variantes semanticamente equivalen-
tes. Os estudos de variação estável, de mudança e de atitude linguística
são realizados com base em variáveis sociais como escolaridade, sexo,
faixa etária e classe social. Diante dessas considerações, analisaram-se
as variáveis sociais postas a seguir.

3.2.2.2.1 Faixa Etária

25 – 40 anos
41 – 60 anos
Acima de 60 anos

3.2.2.2.2 Sexo

Masculino
Feminino

3.2.2.2.3 Escolaridade

Fundamental
Médio

3.2.2.2.4 Informantes

Esta variável se justifica por permitir o acesso à regra variável


no nível do indivíduo. Como cada informante se torna um fator, é possí-

57
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vel verificar, por meio do pacote de programas VARBRUL 2S, cada variá-
vel social de maneira mais detalhada.

3.3 A codificação

Os fatores das variáveis definidas na subseção 3.2.2 são identifica-


dos por códigos, necessários para a computação dos resultados estatís-
ticos. Desse modo, todas as 1.225 ocorrências foram codificadas. Segue
abaixo um exemplo extraído da amostra:

Eu fui conhecer televisão com seis, sete anos de idade. [15, 0081]
Eu fui conhecer televisão com seis, sete anos d[Zi]dade.

A sequência é codificada da seguinte forma: 1dailn1mm. O primei-


ro item sempre faz menção a uma das variantes da variável dependente;
no caso acima, apresenta a ocorrência da degeminação (1).
Logo após, o tipo de clítico é indicado pela letra d, a qual se refere
à preposição de. Em seguida, tem-se a indicação do acento da vogal 2;
o código a indica que a vogal é átona. A próxima variável indica a quali-
dade da vogal 2. Nesta, o código i indica que a vogal inicial do vocábulo
seguinte é a vogal [i]. O l indica qual o tipo de sequência de palavra,
sendo, no caso mencionado, clítico + palavra lexical. O n faz menção
à categoria gramatical do vocábulo seguinte, a qual se refere ao nome.
Encerradas as indicações das variáveis linguísticas, as variáveis
sociais têm a apresentação de seus códigos. O número 1 revela a faixa
etária; no caso em questão, a de 25-40 anos. As duas últimas indicam
respectivamente sexo e escolaridade: o código m faz menção ao sexo
masculino, e o último m se refere ao ensino médio. A variável informan-
te não apresenta codificação visto que o estudo não se propõe inicial-
mente a investigar a regra variável no nível do indivíduo.

58
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4 ANÁLISE DOS RESULTADOS


O objetivo deste capítulo é expor e analisar os resultados obtidos.

4.1 Frequência global

A amostra assinala o total de 1.225 dados. O resultado obtido


para cada uma das variantes da variável dependente está apresentado
no Gráfico 1 a seguir. Verifica-se que a ditongação aparece em primeiro
lugar, com 49% das ocorrências. A degeminação, processo analisado nes-
te trabalho, apresenta-se em segundo lugar, com 35% das ocorrências.
Finalmente, o hiato aponta para 16% das ocorrências.

Fonte: autor (2022)

4.2 Seleção das variáveis

Para a análise da degeminação dos clíticos portadores de vogal


média final /e/ e /o/, a amostra se constitui de 1.225 dados codificados
em nove variáveis independentes.
A situação ideal para operar o VARB2000 é aquela em que as variá-
veis independentes apresentam ortogonalidade. Essa é a situação em que
todos os fatores coocorrem livremente, ou seja, todas as células forma-

59
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das pelo cruzamento das variáveis apresentam dados; entretanto, esse


ideal nem sempre é alcançado (GUY, 1998, p. 31-32). Quando se percebe
um caso de pouca ortogonalidade, deve-se buscar a causa para que isso
ocorra, isto é, detectar os fatores das variáveis envolvidas que estão oca-
sionando a pouca ortogonalidade.
Com o auxílio do programa CROSS3000, verificou-se a pouca orto-
gonalidade entre duas variáveis linguísticas: Tipo de Clítico e Qualidade
da Vogal 2. Um primeiro indicativo foi dado quando, após uma rodada
geral, vários níveis do step up não apresentaram convergência. Mostrar-
se-á, a seguir, os casos de pouca ortogonalidade entre as variáveis
supracitadas.

4.2.1 Variáveis Linguísticas


4.2.1.1 A ortogonalidade

Para comprovar a pouca ortogonalidade entre as variáveis Tipo


de Clítico e Qualidade da Vogal 2, apresenta-se o Quadro 1 com o cruza-
mento entre as referidas variáveis.

Quadro 1 – Tipo de Clítico e Qualidade da Vogal 2 em Porto Alegre:


1.225 dados

Vogal 2
Tipo de clítico
[e] [i] [o]
QUE 905 69 0
DE 46 35 0
SE 113 7 0
NO 0 0 33
DO 0 0 17
Fonte: autor (2022)

O quadro anterior mostra que não há dados para todas as células


formadas pelo cruzamento entre os fatores da variável Tipo de Clítico

60
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e Qualidade da Vogal 2. Dessa forma, os fatores que compõem as variá-


veis não coocorrem, já que os clíticos finalizados em /e/ não podem apre-
sentar a vogal 2 [o], e os clíticos finalizados em /o/, a vogal 2 [e] ou [i],
ou seja, os clíticos finalizados em /e/ só podem apresentar degeminação
se a vogal do vocábulo seguinte for [e] ou [i], e os clíticos finalizados em
/o/ só podem degeminar se a vogal do vocábulo seguinte for [o]. Quanto
à vogal [u], essa não apresenta dados de degeminação na amostra anali-
sada. Na única ocorrência dessa vogal, apresentou-se um hiato (no últi-
mo [nu ‘uwtimu]), o que gerou um knockout, extraído da rodada.
Em virtude das constatações sobre as variáveis acima, apresentou-
-se a necessidade de se realizar duas rodadas, cada uma delas excluindo
uma variável do Quadro 1.
A apresentação da seleção das variáveis será feita a seguir.

4.2.1.2 A primeira rodada

A primeira rodada foi realizada considerando, no arquivo de con-


dições, as variáveis linguísticas Tipo de Clítico, Acento da Vogal 2, Tipo
de Sequência, Classe Morfossintática do Vocábulo Seguinte e todas as vari-
áveis sociais. O programa selecionou como estatisticamente relevantes
as variáveis a seguir, as quais apresentaram o input de 0,34 e a significân-
cia de 0,006:
1. Tipo de Clítico;
2. Acento da Vogal 2;
3. Faixa Etária.
A análise regressiva step down selecionou como estatisticamente
não relevantes as variáveis Tipo de Sequência, Classe Morfossintática
do Vocábulo Seguinte, Sexo e Escolaridade.

61
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
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4.2.1.3 A segunda rodada

Para a realização da segunda rodada, não foram consideradas,


no arquivo de condições, as variáveis linguísticas Tipo de Clítico e nova-
mente a variável social Região. Com isso, foram selecionadas como esta-
tisticamente relevantes as variáveis a seguir, que apresentaram o input
de 0,34 e a significância de 0,017:
1. Acento da Vogal 2;
2. Qualidade da Vogal 2;
3. Classe Morfossintática do Vocábulo Seguinte;
4. Faixa Etária.
A análise regressiva selecionou como estatisticamente não rele-
vantes as variáveis Tipo de Sequência, Sexo e Escolaridade.
A apresentação dos resultados das variáveis, tanto das linguísticas
quanto da social, será realizada na seção seguinte. Iniciar-se-á a exposi-
ção pelas variáveis linguísticas, seguidas da variável social.

4.3 Apresentação e discussão dos resultados de Porto


Alegre

As variáveis selecionadas como relevantes serão apresentadas


de acordo com a ordem exposta a seguir: Tipo de Clítico, Acento da Vogal
2, Qualidade da Vogal 2, Classe Morfossintática do Vocábulo Seguinte
e Faixa Etária. Os pesos relativos foram extraídos da iteração que apre-
sentou significância mais próxima a zero, no último nível do step up em
que ocorreu a seleção da variável.

4.3.1 Tipo de clítico

A variável linguística independente Tipo de Clítico foi seleciona-


da como a primeira variável estatisticamente relevante pelo programa
VARB2000 na primeira rodada.

62
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A Tabela 1, a seguir, indica que os clíticos finalizados em /e/ apre-


sentam peso relativo maior que os finalizados em /o/. O pronome que
– com peso relativo 0,53 – apresenta-se como o mais favorecedor à de-
geminação, ao lado da preposição de, com peso relativo 0,52. O clítico
se apresenta-se abaixo do ponto neutro, com peso relativo 0,48. Os clí-
ticos no e do apresentam os pesos relativos de menor favorecimento –
0,23 e 0,09 respectivamente.

Tabela 1 – Degeminação dos Clíticos Portadores de Vogal Média Final /e/ e /o/
em Porto Alegre e Tipo de Clítico

FATOR APLIC. / TOTAL PORCENTAGEM PESO RELATIVO

DE 42/82 51% 0,52

SE 44/120 37% 0,48

QUE 336/972 34% 0,53

DO 2/17 12% 0,23

NO 2/34 6% 0,09

TOTAL 426/1225 35%


INPUT: 0,34
SIGNIFICÂNCIA: 0,006

Verificou-se que os clíticos que e de apresentam pesos relativos


praticamente idênticos: 0,53 e 0,52 respectivamente. Ao observar o clíti-
co se, notou-se a proximidade do peso relativo desse fator com os outros
já referidos, visto que o se registra 0,48 de peso relativo. A comprova-
ção dessa proximidade entre os valores probabilísticos é obtida através
do teste X2 2. O resultado desse teste assinalou a possibilidade de amálga-
ma entre os fatores referentes aos clíticos finalizados em /e/; entretanto
tal procedimento não foi realizado, uma vez que a união dos clíticos que,

2 O cálculo foi realizado da seguinte forma: 739.458 (log likelihood da rodada onde que, de e se
estão amalgamados) − 739.082 (log likelihood da rodada onde que e de estão amalgamados)=
0,376. A multiplicação desse valor por 2 resulta em 0,752. Grau de liberdade = 5 − 3 = 2.
Portanto, a porcentagem de chance de que os fatores possam ser amalgamados é conside-
rável. (50<p<95)

63
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de e se representa um superfator, ou seja, a soma dos totais dos fatores


ultrapassa 94% dos dados (GUY, 1998, p. 37-39), o que deflagraria a perda
total de convergência.
Como já foi mencionado, foram realizadas duas rodadas, sendo
que, em uma delas, a variável ora analisada fora excluída em consequ-
ência da relação pouco ortogonal apresentada no Quadro 1. Na seleção
das variáveis, Tipo de Clítico e Qualidade da Vogal 2 (ambas excluídas
em uma das rodadas) apresentaram-se como estatisticamente relevan-
tes nas rodadas de que participaram. Diante disso, fez-se necessário
o cruzamento entre as variáveis.
Tal procedimento complementa a informação da Tabela 1. O re-
ferido cruzamento está posto em 4.3.3, após a Tabela 3, que apresenta
os resultados da variável independente Qualidade da Vogal 2.

4.3.2 Acento da Vogal 2

A variável linguística independente Acento da Vogal 2 foi a segun-


da variável selecionada como estatisticamente relevante pelo programa
VARB2000 na primeira rodada.
A Tabela 2, a seguir, indica que a vogal 2 átona apresenta contexto
favorecedor à degeminação, já que o peso relativo desse fator é 0,81. Já a
vogal 2 tônica apresenta o peso relativo de 0,45, abaixo do ponto neutro,
apontando para um contexto pouco favorecedor à degeminação.

Tabela 2–Degeminação dos Clíticos Portadores de Vogal Média


Final /e/ e /o/ em Porto Alegre e Acento da vogal 2

FATOR APLIC. / TOTAL PORCENTAGEM PESO RELATIVO


ÁTONO 98/147 67% 0,81
TÔNICO 328/1078 30% 0,45
TOTAL 426/1225 35%
INPUT: 0,34
SIGNIFICÂNCIA: 0,006

64
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Nesta pesquisa, optou-se pela não inclusão do acento princi-


pal como fator da variável ora estudada, visto que o número de dados
foi muito pequeno, apenas seis ocorrências. Os exemplos postos a seguir
registram os casos de acento principal.

(1) Bota a cozinhá-lo, tudo separadamente, um do outro [′wotRo].


[01, 1033]
(2) Então a gente tem bastante opção, não tem filme bom num
canal, tem no outro [′notRu]. [04, 0693]
(3) E às vezes a gente tá no ônibus [nu ′onibus] [07, 0630]
(4) Federal, quem é que eu [kew]? [09, 0757]
(5) ... faleceu meu cunhado, aí que a gente deixou de ir [di ih].
[09, 1105]
(6)... por causa do problema dos olhos também por isso que eu
parei de ir [di ih]. [10, 0470]

Os exemplos apontados registram o processo de ditongação na pri-


meira frase, enquanto o processo de degeminação está indicado na se-
gunda e na quarta frase. Os exemplos registrados na terceira, na quin-
ta e na sexta frase não revelam processo de sândi, ou seja, apresentam
hiato. Chama a atenção o fato de os resultados apresentarem, em seis
ocorrências, 50% de casos de hiato e 50% de casos envolvendo processos
de sândi, sendo que a degeminação mostrou-se em duas ocorrências e a
ditongação em apenas uma ocorrência.
Nesta variável, ainda se constatou a concentração de muitos dados
em um dos fatores: o tônico. Na Tabela 2, esse fator apresentou 1.078
dados dos 1.225 pertencentes à amostra, ou seja, 88% dos dados dessa
variável estão concentrados no fator tônico. Apesar do percentual alto,
não ocorreu um superfator, visto que não atingiu 95% dos dados. (cf.
GUY, 1988, p. 37-39).

65
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4.3.3 Qualidade da Vogal 2

A variável linguística independente Qualidade da Vogal 2 foi a se-


gunda variável selecionada como estatisticamente relevante pelo pro-
grama VARB2000 na segunda rodada.
A Tabela 3, a seguir, indica que a vogal [i] é a mais favorecedora
ao processo de degeminação com peso relativo 0,75. A vogal [e] apre-
senta-se neutra à degeminação, com peso relativo 0,49. A vogal [o] apre-
senta-se pouco favorecedora, com peso relativo abaixo do ponto neutro,
0,13.

Tabela 3 – Degeminação dos Clíticos Portadores de Vogal Média Final


/e/ e /o/ em Porto Alegre e Qualidade da Vogal 2

FATOR APLIC. / TOTAL PORCENTAGEM PESO RELATIVO


[i] 57/111 51% 0,75
[e] 365/1063 34% 0,49
[o] 4/51 8% 0,13
TOTAL 426/1225 35%
INPUT: 0,34
SIGNIFICÂNCIA: 0,017

A Tabela 3 aponta a vogal [i] amplamente favorecedora à degemi-


nação, levando à conclusão de que a elevação da vogal média /e/ favore-
ce o processo de degeminação. Todavia, a ausência de dados com a vogal
2 [u] não permite fazer conclusões a respeito dessa vogal.
Tal resultado leva a crer que a degeminação e a elevação da vogal
média /e/ apresentam uma relação estreita, isto é, a degeminação é mais
favorecida quando a vogal média /e/ do clítico é elevada.
A pouca ortogonalidade entre as variáveis linguísticas indepen-
dentes Tipo de Clítico e Qualidade da Vogal 2, já mencionada em 4.3.1,
leva à realização de um cruzamento entre ambas, já que as duas sempre
foram selecionadas como estatisticamente relevantes quando participa-

66
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ram da análise progressiva step up realizada pelo programa VARB2000.


A seguir, a Tabela 4 apresenta o referido cruzamento.

Tabela 4 – Degeminação dos Clíticos Portadores de Vogal Média Final /e/ e /o/
em Porto Alegre e cruzamento entre Tipo de Clítico e Qualidade da Vogal 2

QUALIDADE DA VOGAL 2
[i] [e] [o]

TIPO
T % PR T % PR T % PR
DE CLÍTICO

QUE 69 55% 0,79 905 33% 0,49 __ __ __

DE 35 46% 0,69 46 57% 0,56 __ __ __

SE 7 43% 0,49 113 36% 0,46 __ __ __


DO __ __ __ __ __ __ 18 11% 0,21
NO __ __ __ __ __ __ 33 6% 0,12
INPUT: 0,34
SIGNIFICÂNCIA: 0,038

A Tabela 4 mostra que o clítico que, em relação estabelecida


em fronteira vocabular com a vogal [i], ou seja, nos casos em que sofre
elevação, apresenta contexto favorecedor à degeminação, com peso re-
lativo de 0,79. O mesmo favorecimento não ocorre quando esse clítico
é relacionado com a vogal [e], caso em que o peso relativo é de 0,49.
O clítico de aponta 0,69 de peso relativo, mostrando-se favorecedor
ao processo de degeminação quando sofre elevação. O favorecimento
à degeminação desse clítico é menor na relação estabelecida com vocá-
bulo iniciado por vogal [e], com o peso relativo de 0,56, ainda indicativo
de favorecimento.
Dos clíticos finalizados em /e/, se é o menos favorecedor à degemi-
nação, tanto quando sofre elevação, caso em que apresenta peso relativo
neutro (0,49), quanto diante de [e], com peso relativo de 0,46.

67
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É mister ressaltar que os clíticos supracitados – finalizados


em vogal média /e/ – não podem ser relacionados com vocábulos
iniciados por vogal [o], visto que o processo de degeminação não pode
ocorrer com vogais de naturezas diferentes.
Quanto aos clíticos finalizados em /o/, o do aponta peso relativo
bem abaixo do ponto neutro, 0,21. O clítico no revela um valor ainda
mais baixo, 0,12. Vale lembrar que esses clíticos – finalizados em vogal
média /o/ – foram relacionados apenas com vocábulos iniciados por vo-
gal [o], já que não houve dados com vocábulos iniciados por vogal [u] e a
relação com vocábulos iniciados por vogal [e] ou [i] é impossível median-
te à natureza diferente das vogais envolvidas na juntura.
Verificou-se, na Tabela 4, que o clítico de – quando estabelecida
relação com vocábulos iniciados por vogais [i] e [e] – apresenta contexto
mais favorecedor à degeminação, já que os pesos relativos apontam 0,69
e 0,56. Já o clítico que, que na Tabela 1 figurava como o mais favorecedor
à degeminação, não apresenta contexto favorecedor quando relaciona-
do com vocábulo iniciado pela vogal [e], visto que o peso relativo fica
em 0,49. Os demais clíticos (se, do e no) não apresentam alterações sig-
nificativas quanto ao não favorecimento ao processo de degeminação,
já apontado na Tabela 1.
Os resultados indicam que a elevação da vogal do clítico mostra-se
favorecedora à degeminação para os clíticos que e de (0,79 e 0,69 respec-
tivamente). A não elevação mostra-se favorecedora apenas para o clítico
de (0,56).

4.3.4 Classe Morfossintática do Vocábulo Seguinte

A variável linguística independente Classe Morfossintática


do Vocábulo Seguinte foi a terceira variável selecionada como estatistica-
mente relevante pelo programa VARB2000 na segunda rodada.
A Tabela 5, a seguir, apresenta o pronome seguinte ao clítico
com peso relativo mais alto, 0,53. O verbo e o nome apresentam-se pou-
co favorecedores ao processo de degeminação, com peso relativo abaixo
do ponto neutro, respectivamente, 0,39 e 0,20.

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Tabela 5 – Degeminação dos Clíticos Portadores de Vogal Média Final


/e/ e /o/ em Porto Alegre e Classe Morfossintática do Vocábulo Seguinte

FATOR APLIC. / TOTAL PORCENTAGEM PESO RELATIVO


PRONOME 303/1006 30% 0,53
VERBO 102/173 59% 0,39
NOME 21/46 46% 0,20
TOTAL 426/1225 35%
INPUT: 0,34
SIGNIFICÂNCIA: 0,017

Esta variável tem como objetivo apontar a categoria gramatical


que, no vocábulo fonológico, favorece mais o processo de degeminação
na amostra considerada para análise. Verificou-se, nesta variável, que os
dados apresentaram uma grande concentração no fator pronome: 82,2%
das ocorrências. Além disso, observa-se que o percentual de aplicação
mais alto não corresponde ao peso relativo mais alto. O fator pronome
aponta para o percentual de aplicação de 30% e peso relativo 0,53, en-
quanto o fator verbo apresenta o percentual de aplicação de 59% e o peso
relativo 0,39.
A fim de se buscar a motivação para tal comportamento dos fa-
tores em exame, visto que os percentuais mais altos devem correspon-
der aos pesos relativos também mais altos, realizou-se novo exame
da segunda rodada. Verificou-se, portanto, que, quando a variável Classe
Morfossintática do Vocábulo Seguinte realizou a iteração com a variável
Acento da Vogal 2 (nível 2 do step up), o início da alteração supracitada
ocorreu, conforme mostra o Quadro 2 a seguir, ou seja, o fator prono-
me passa a ter peso relativo mais alto (0,49) do que o fator nome (0,35).
Somente no nível 3, em que ocorre a iteração entre o Acento da Vogal 2 e
a Qualidade da Vogal 2 é que o pronome assume o peso relativo mais alto
da variável (0,53 x 0,39 e 0,22).

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Quadro 2 – Variável Classe Morfossintática do Vocábulo Seguinte:


pesos relativos por nível

Classe Nível 1 Nível 2 Nível 3


Morfossintática
(Acento (Acento da Vogal
do Vocábulo
da Vogal 2) 2 e Qualidade
Seguinte
da Vogal 2)
Verbo 0,73 0,58 0,39
Nome 0,62 0,35 0,22
Pronome 0,45 0,49 0,53
Fonte: autor (2022)

A partir dessa constatação – interferência da variável Acento


da Vogal 2 na variável Classe Morfossintática do Vocábulo Seguinte –, fez-
-se necessário o cruzamento entre ambas as variáveis para que se pudes-
se complementar a informação da Tabela.
A seguir, a Tabela 6 apresenta o referido cruzamento.

Tabela 6 – Degeminação dos Clíticos Portadores de Vogal Média Final /e/ e


/o/ em Porto Alegre e cruzamento entre Classe Morfossintática do Vocábulo
Seguinte e Acento da Vogal 2

ACENTO DA VOGAL 2

ÁTONA TÔNICA
CLASSE
MORFOSSINTÁTICA T % PR T % PR
DO VOCÁBULO SEGUINTE

VERBO 106 72% 0,84 69 39% 0,28


NOME 40 55% 0,68 ___ ____ ____
PRONOME ___ ____ ____ 1005 30% 0,47
INPUT: 0,34
SIGNIFICÂNCIA: 0,002

70
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A Tabela 6 mostra que o fator verbo, quando iniciado por vogal


átona, apresenta contexto favorecedor à degeminação com peso relativo
0,84. O fator nome também apresenta contexto favorecedor à degemi-
nação quando iniciado por vogal átona, visto que o peso relativo é de
0,68. O favorecimento não ocorre quando o fator verbo é relacionado
com a vogal 2 tônica, já que o peso relativo é de 0,28. Por fim, o pronome
não se mostra como favorecedor à degeminação, já que o peso relativo,
relacionado com a vogal 2 tônica, é de 0,47. Duas relações entre dois fa-
tores não foram realizadas pela ausência de dados: a relação entre o fa-
tor nome e o fator da vogal 2 tônica, e a relação entre o fator pronome e o
fator da vogal 2 átona.
Com o intuito de verificar a relação entre a elevação e a classe
morfossintática do vocábulo seguinte, optou-se pela realização de mais
um cruzamento. Tal procedimento será feito entre as variáveis Classe
Morfossintática do Vocábulo Seguinte e Qualidade da Vogal 2. A seguir,
a Tabela 7 apresenta o referido cruzamento.

Tabela 7 – Degeminação dos Clíticos Portadores de Vogal Média Final /e/ e


/o/ em Porto Alegre e cruzamento entre Classe Morfossintática do Vocábulo
Seguinte e Qualidade da Vogal 2

QUALIDADE DA VOGAL 2
[i] [e] [o]
CLASSE
MORFOSSINTÁTICA T % PR T % PR T % PR
DO VOCÁBULO SEGUINTE
VERBO 70 37% 0,53 103 74% 0,85 __ __ __
NOME 12 83% 0,91 23 48% 0,62 __ __ __
PRONOME 29 72% 0,84 937 30% 0,45 41 10% 0,17
INPUT: 0,34
SIGNIFICÂNCIA: 0,269

A Tabela 7 mostra que a vogal 2 [i], quando inicia verbos, nomes


e pronomes, caso em que há elevação do clítico que inicia a sequência,

71
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apresenta pesos relativos indicativos de favorecimento à degeminação.


O fator verbo apresenta peso relativo um pouco acima do ponto neu-
tro, de 0,53; nomes iniciados por [i] apresentam o peso relativo mais
alto da tabela, de 0,91, e o fator pronome aponta o peso relativo de 0,84.
Entretanto, deve-se considerar esse resultado de forma relativa, uma vez
que esse fator envolve apenas sequências do tipo clítico + isso ou clítico
+ isto (por exemplo, [‘kisu]). Conclui-se ainda que, nesse fator, o acento
da vogal 2 não inibiu a degeminação.
A vogal 2 [e] revela-se favorecedora ao processo de degeminação
quando é a vogal que inicia verbo e nome, com pesos relativos de 0,85
e 0,62 respectivamente. O pronome iniciado por [e] não se mostra favo-
recedor à degeminação, uma vez que o peso relativo fica abaixo do ponto
neutro, 0,45. Provavelmente esse resultado sofre influência do acento
do pronome, já que as sequências envolvidas neste fator sempre portam
o acento na vogal inicial do vocábulo posterior ao clítico: clítico + eu,
clítico + ele, clítico + eles, clítico + esse. O fator pronome, quando iniciado
pela vogal [o], apresenta peso relativo de pouco favorecimento (0,17).
Como não há dados da relação da vogal 2 [o] com o verbo e nome, não é
possível a realização da análise desses fatores.
A Tabela 7 aponta para o entendimento de que a elevação da vogal
média /e/ do clítico não é fator determinante para que ocorra o processo
de degeminação, visto que a vogal 2 [e] apresentou peso relativo alto
quando foi a vogal inicial das classes morfossintáticas verbo e nome. Os re-
sultados dos cruzamentos expressos nas Tabelas 6 e 7 permitem concluir
ainda que, na Tabela 5, o fator pronome não apresentou peso relativo
revelador quanto ao seu real papel condicionador, já que se mostrou,
na referida tabela, pouco favorecedor ao processo de degeminação.

4.3.5 Faixa Etária

A variável social independente Faixa Etária foi a quarta variável


selecionada como estatisticamente relevante pelo programa VARB2000
na segunda rodada.
A Tabela 8, a seguir, apresenta os mais jovens (25-40 anos)
com peso relativo maior, 0,54. Em seguida, a faixa intermediária (41-60

72
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anos) aponta o peso relativo de 0,52. A terceira e última faixa (acima


de 60 anos) mostra-se pouco favorecedora ao processo de degeminação,
já que o peso relativo é de 0,38.

Tabela 8 – Degeminação dos Clíticos Portadores de Vogal Média Final /e/ e /o/
em Porto Alegre e Faixa Etária

FATOR APLIC. / TOTAL PORCENTAGEM PESO RELATIVO


25-40 anos 153/398 38% 0,54
41-60 anos 223/634 35% 0,52
Acima de 60 anos 50/193 26% 0,38
TOTAL 426/1225 35%
INPUT: 0,34
SIGINIFICÂNCIA: 0,006

A Tabela 8 permite apontar que os falantes mais jovens de Porto


Alegre apresentam mais probabilidade a realizar a degeminação nos con-
textos apontados neste trabalho. Essa constatação, contudo, não deixa
claro que exista mudança em progresso uma vez que não há pesquisas
anteriores sobre a degeminação de clíticos na capital gaúcha para que se
possa estabelecer a comparação.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados obtidos nesta pesquisa permitiram concluir que o


processo de degeminação em exame é bastante favorecido na capital
do Rio Grande Sul. As variáveis estatisticamente selecionadas foram
as seguintes: Tipo de Clítico, Acento da Vogal 2, Qualidade da Vogal 2,
Classe Morfossintática do Vocábulo Seguinte e Faixa Etária.
O propósito da variável Tipo de Clítico era verificar qual clítico
era mais favorecedor ao processo de degeminação. O cruzamento en-
tre essa variável e a Qualidade da Vogal 2 mostrou que os clíticos que e
de apresentaram maior favorecimento à degeminação quando relacio-
nados com a vogal 2 [i].

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A variável Acento da Vogal 2 apontou para o resultado de que


a atonicidade da vogal 2 é um fator que favorece a degeminação dos clí-
ticos finalizados em vogal média.
A variável Qualidade da Vogal 2 apresentou resultados muito im-
portantes para a análise. Apontou-se o amplo favorecimento da vogal 2
[i] à degeminação e um favorecimento bem menos expressivo da vogal
2 [e]. Verificou-se que há relação entre o processo de elevação da vogal
média /e/ do clítico e a degeminação, já que a degeminação é mais prati-
cada quando a vogal média /e/ do clítico está elevada.
Outra variável selecionada como estatisticamente relevante foi a
Classe Morfossintática do Vocábulo Seguinte. Essa variável assinalou
que nenhuma das classes apontadas nesta pesquisa (nome, verbo e pro-
nome) acabou se destacando em relação às demais. Contudo, o cruza-
mento entre a variável em questão e a variável Acento da Vogal 2 provou
que o verbo e nome iniciados por vogal média átona mostraram-se fa-
vorecedores ao processo de degeminação, enquanto o pronome iniciado
por vogal média átona, por falta de dados, não apresentou análise.
A única variável social selecionada como estatisticamente rele-
vante foi a Faixa Etária. Ela apresenta papel importante no processo
de degeminação na capital gaúcha, o que foi constatado pelo favore-
cimento à degeminação na faixa etária mais jovem, enquanto os mais
velhos não se mostraram favorecedores ao processo em exame.

REFERÊNCIAS

AZEREDO, J. C. Iniciação à sintaxe do português. 6. ed. Rio de Janeiro: Jorge


Zahar Editor, 2000.
BISOL, L. Sândi vocálico externo: degeminação e elisão. Cadernos de Estudos
Lingüísticos. Campinas: UNICAMP, n.23, p.83-101, 1992.
BISOL, L. A degeminação e a elisão no VARSUL. In: BISOL, L. E BRESCANCINI,
C. (Orgs.) Fonologia e variação: recortes do português brasileiro. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2002.

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BRISOLARA, L. B. A prosodização dos clíticos pronominais no sul do Brasil: uma


análise variacionista com base na elevação da vogal átona /e/. Pelotas: UCPEL,
2004. Dissertação (Mestrado em Letras), Universidade Católica de Pelotas, 2004.
CHOMSKY, N. Aspectos da teoria da sintaxe. 2. ed. Tradução de José Antônio
Meireles e Eduardo Paiva Raposo. Coimbra, Armênio Amado, Editor Sucessor,
1978. Tradução de Aspects of the theory of syntax, 1965.
FIGUEROA, E. Sociolinguistic Metatheory. Language & communication Library
Oxford: University of Oxford, 1994.
GUY, G. R. VARBRUL: análise avançada. Tradução de: Ana Maria Stahe Ziles. In:
Matte, N. (Org.). Cadernos de Tradução. Porto Alegre: UFRGS, 1998, p.27-49.
Original Inglês.
LABOV, W. Sociolinguistics Patterns. Philadelphia: University Pensylvania Press,
1982.
MOLLICA, M. C. Introdução à sociolingüística variacionista. Rio de Janeiro. UFRJ,
2003.
SAUSSURE, F. Curso de lingüística geral. 11. ed. Tradução de Antônio Chelini,
José Paulo Paes e Izidoro Blikstein. São Paulo, Cultrix, 1977. Tradução de Cours
de linguistique générale, 1916.
TARALLO, F. A pesquisa sociolingüística. São Paulo: Ática, 1986

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AS VOGAIS MÉDIAS PRETÔNICAS EM


PORTO ALEGRE-RS: UM ESTUDO SOBRE O
ALÇAMENTO SEM MOTIVAÇÃO APARENTE

Marion Costa Cruz


Universidade Federal do Rio Grande do Sul
marioncruzlivros@gmail.com

1 INTRODUÇÃO

Este capítulo apresenta o resultado da pesquisa sobre o alçamento


sem motivação aparente das vogais médias pretônicas /e/ e /o/, caracte-
rizado pela ausência da vogal alta na sílaba seguinte, como em peque-
no ~ piqueno e boneca ~ buneca. A pesquisa considera duas amostras
do projeto VARSUL, da cidade de Porto Alegre–RS, uma referente ao fi-
nal da década de 80, com 18 informantes que possuem nível de escola-
ridade de ensino fundamental ao médio, e outra mais recente, coletada
entre 2007 e 2009, com 18 informantes que possuem nível de escolari-
dade de ensino superior.
As duas amostras seguem os critérios estabelecidos pelo projeto
VARSUL e permitem a verificação do tipo de item lexical alçado em es-
colaridades diferentes. O presente estudo desenvolve-se à luz dos pres-
supostos teóricos e metodológicos da Teoria da Variação (LABOV, 1972,

77
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1994) e tem por objetivo geral a identificação dos condicionadores lin-


guísticos e sociais para o fenômeno.
Os trabalhos de Klunck (2007) sobre o dialeto gaúcho e Marchi
e Stein (2007) sobre o dialeto paranaense são referências para a análise
aqui descrita e ambos utilizam dados do projeto VARSUL1. O primeiro
registra baixas taxas de aplicação para as vogais /e/ e /o/ em Porto Alegre
– RS e mostra indícios de condicionamento lexical, enquanto o segun-
do também registra percentuais baixos de aplicação em Curitiba – PR e
indica o papel da concentração elevada de determinados itens lexicais
para a vogal /o/.
A partir dos resultados dos estudos mencionados, a hipótese ini-
cial da pesquisa é a de que o dialeto gaúcho apresenta uma aplicação
baixa do alçamento sem motivação aparente e de que o processo pos-
sui condicionamento fonético e lexical. Com base na hipótese inicial,
as hipóteses específicas são as seguintes: i) o alçamento sem motivação
aparente ocorre mais para a vogal /o/ do que para a vogal /e/; ii) cada
vogal média sofre condicionamentos linguísticos e sociais distintos; iii)
a concentração elevada de determinados radicais influencia o alçamento
da vogal /o/ em verbos e a concentração elevada de radicais em nomes
influencia o alçamento da vogal /e/.
Na próxima seção, apresenta-se a Teoria da Variação, de cunho
neogramático e, na terceira seção, a metodologia da pesquisa será des-
crita. Os resultados das duas amostras serão apresentados e discutidos
na quarta seção e, por fim, as considerações finais na última seção.

2 TEORIA DA VARIAÇÃO

A Teoria da Variação Linguística foi desenvolvida por William


Labov (1972, 1994) a partir dos estudos de Weinreich, Labov e Herzog

1 O projeto VARSUL (Variação Linguística na Região Sul do Brasil) tem por objetivo geral a
descrição do português falado e escrito de áreas socioculturalmente representativas do Sul
do Brasil. Conta com a parceria de quatro universidades brasileiras: Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Universidade
Federal de Santa Catarina e Universidade Federal do Paraná. http://www.varsul.org.br

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(doravante, WLH, 2006 [1968]) apresentados em Empirical Foundations


for a Theory of Language Change, obra em que os autores defendem
a mudança linguística como um processo contínuo e um subproduto
inevitável da interação linguística. Os autores propuseram que a lín-
gua pode ser percebida, tanto diacrônica como sincronicamente, como
um objeto constituído de heterogeneidade ordenada. A partir daí, surgi-
ram as bases para uma teoria da mudança linguística que supera a ideia
de homogeneidade.
Para os autores (2006 [1968], p.122), “a mudança se dá (1) à medi-
da que um falante aprende uma forma alternativa, (2) durante o tempo
em que as duas formas existem em contato dentro de sua competência,
e (3) quando uma das formas se torna obsoleta”. Portanto, esse processo
de mudança não ocorre de um sistema inteiro para outro, mas ocorre
através de um conjunto limitado de variáveis que alteram os seus valo-
res gradualmente.
O estudo da mudança, conforme os autores, compreende a inves-
tigação de cinco problemas fundamentais, a saber: dos condicionantes
possíveis (a questão dos fatores condicionantes); dos caminhos pelos
quais uma língua muda e dos motivos que levam a língua a mudar (a
questão da transição); de como a mudança se encaixa no sistema social
e linguístico (a questão do encaixamento); de como a mudança é avalia-
da pelos falantes da comunidade (a questão da avaliação) e de que forma
a mudança é implementada (a questão da implementação).
O início de uma mudança linguística ocorre no momento em que
um dos vários traços característicos da variação da fala difunde-se atra-
vés de um subgrupo específico da comunidade de fala. Quanto ao seu
avanço, os autores acreditam que o caminho até o resultado final da mu-
dança pode ser acompanhado pelo aumento de consciência social dos tra-
ços envolvidos e do estabelecimento de um estereótipo social. Ao final,
quando a variável adquire o status de uma constante, tem-se a perda
de qualquer significação social do traço (WLH, 2006 [1968], p.125).
Os estudos que se seguiram a WLH contribuíram para sedimentar
a ideia de que a mudança linguística não pode ser considerada como

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uma deriva aleatória procedente da variação inerente da fala, pois acon-


tece quando a generalização de uma alternância particular em um dado
subgrupo da comunidade de fala toma uma direção e assume o caráter
de uma diferenciação ordenada.
A observação dessa “diferenciação ordenada”, no modelo labovia-
no, foi formalmente expressa no estudo Contraction, Deletion and Inherent
Variability of the English Copula, de Labov (1969), que aborda o apaga-
mento da cópula na fala dos negros na cidade de Nova Iorque, e em outro
estudo The Social Motivation of a Sound Change (1972), sobre a centra-
lização da vogal base dos ditongos [aw] (mouse) e [aj] (mice), no qual
foi investigado o padrão de distribuição de [a], [ɐ] e [ə] na fala dos nativos
da ilha de Martha’s Vineyard, esse último foi realizado em tempo real.
Quanto ao estudo em tempo real, Labov distingue duas abordagens
básicas na coleta de dados: o recontato dos mesmos falantes em um pe-
ríodo posterior – estudo de painel; e a constituição de uma amostra nova
e semelhante à de um estudo já realizado – estudo de tendência. De acor-
do com o autor, quanto à primeira abordagem, localizam-se os mesmos
informantes da primeira amostra para acompanhar qualquer mudança
ocorrida em um determinado espaço de tempo e aplica-se o mesmo mé-
todo de coleta de dados. Na segunda abordagem, o pesquisador enu-
mera a população geral de acordo com a primeira amostra analisada,
conduzindo a coleta e análise dos dados com os mesmos procedimentos
realizados anteriormente – apenas com a diferença cronológica entre
as amostras.
Labov também organizou os falantes de Martha’s Vineyard de acor-
do com a idade, possibilitando a realização de um estudo em tempo apa-
rente, que envolve apenas um período no tempo. Nesse tipo de estudo,
os falantes são selecionados por meio de um recorte da população em di-
ferentes faixas etárias. Dessa forma, o autor encontrou evidências de que
a centralização era mais marcada na fala dos adultos (entre 31 e 45 anos
de idade) do que na fala dos jovens ou mais velhos, portanto, obtendo
um parâmetro do comportamento da regra variável sincronicamente.

80
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ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

Labov (1994, p. 63) revela que a combinação de observações


em tempo aparente e tempo real é um método básico para o estudo
de uma mudança em progresso, mas quando os dados em tempo real
não estão disponíveis, deve-se realizar um estudo detalhado e aprofun-
dado em tempo aparente. Desse modo, a grande contribuição de Labov
para os estudos linguísticos foi justamente o conceito de tempo aparen-
te que permitiu a verificação de questões de diacronia da língua atra-
vés de um estudo sincrônico, já que diacronia e sincronia, de acordo
com Saussure (1973), eram percebidas de forma independentes na aná-
lise estruturalista.
Ao considerar os pressupostos da Teoria da Variação, o presente
estudo abordará a elevação sem motivação aparente das vogais médias
/e/ e /o/ no dialeto gaúcho através de duas amostras de Porto Alegre –
RS de épocas distintas: a primeira amostra de 1988 - 1989; e a segunda
amostra, mais recente, de 2007 a 2009.

3 METODOLOGIA

Nesta seção, serão apresentados os aspectos metodológicos uti-


lizados para a realização da pesquisa, incluindo a descrição da comu-
nidade de fala, a constituição das amostras, as variáveis analisadas e o
programa computacional Goldvarb X.
A comunidade de fala analisada foi Porto Alegre, capital do estado
do Rio Grande do Sul. O estudo analisa duas amostras que compreendem
os períodos de 1988 a 1989 e 2007 - 2009, com dados do banco VARSUL.
A primeira amostra possui 18 informantes com ensino fundamental
ou médio e a segunda amostra também possui 18 informantes com ensi-
no superior completo. As duas amostras são distribuídas pelas seguintes
faixas etárias: 18–35 anos, 36–50 anos e 51 ou mais anos. Em relação
ao gênero, as amostras possuem distribuição uniforme entre indivíduos
masculinos e femininos. Este estudo conta com 2.083 ocorrências para
a vogal /e/ e 1.366 ocorrências para a vogal /o/ na amostra 1988 - 1989
e com 3.243 ocorrências para a vogal /e/ e 1.976 ocorrências para a vogal
/o/, na amostra 2007 a 2009.

81
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O presente estudo considera apenas as ocorrências com as vogais


médias /e/ e /o/ na pauta pretônica, sem a presença de /i/ ou /u/ na síla-
ba tônica seguinte, contextos caracterizados pela literatura como har-
monização vocálica. Os vocábulos que possuem EN (como em enxoval
e ensaboar) e ES (como em escola e esmalte) em sílaba inicial são excluí-
dos por apresentarem taxa de elevação quase categórica, assim como
os hiatos (como em voar e passear) e as palavras iniciadas pelo prefixo
DES- (como em descobrir e desmentir).
A definição da variável dependente envolve a delimitação do fe-
nômeno linguístico variável a ser analisado e as variáveis independen-
tes linguísticas são as seguintes: Qualidade da Vogal, Contexto
Seguinte, Contexto Precedente, Altura da Vogal Seguinte, Altura
da Vogal Precedente, Altura da Vogal Não Contígua, Tipo de Sílaba,
Nasalidade, Classe Gramatical e Paradigma. As variáveis indepen-
dentes extralinguísticas são Gênero e Idade. A Tabela 1 abaixo apre-
senta os fatores considerados em cada variável:

Tabela 1–Fatores das variáveis linguísticas e extralinguísticas

Variáveis linguísticas
Fatores
e extralinguísticas

Qualidade da Vogal /e/, /o/

Contexto Seguinte labial, coronal, palatal, dorsal, líquida

Contexto Precedente labial, coronal, palatal, dorsal, líquida

Altura da Vogal Seguinte alta, média

Altura da Vogal Precedente alta, média

Altura da Vogal Tônica Não Contígua alta, média/baixa, não se aplica

Tipo de Sílaba sílaba leve, sílaba pesada

Nasalidade vogal oral, vogal nasal

substantivo, verbo, adjetivo,


Classe Gramatical
advérbio, numeral

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acontec-, compr-, conseg-, convers-,


com-, começ-, conhec-, pod-, cobert-,
coleg-, pequen-, senhor/senhora,
Paradigma
futebol, des-, /e/+consoante coronal
/s,z,d,t,n/,
não se aplica

Gênero masculino, feminino

de 18 a 35 anos
Idade de 36 a 50 anos
51 anos ou mais
Fonte: o autor (2022)

O instrumento de análise estatística utilizado é o GoldVarb X,


que faz parte do pacote VARBRUL, desenvolvido por Sankoff e Rousseau
(CENDERGREN e SANKOFF, 1974; ROUSSEAU e SANKOFF, 1978).
A próxima seção apresenta os resultados obtidos na análise estatística
das duas amostras e a discussão realizada para as variáveis consideradas
neste trabalho.

4 RESULTADOS

A análise do comportamento das vogais médias /e/ e /o/ em posi-


ção pretônica mostra que as taxas de aplicação do alçamento sem moti-
vação aparente são baixas em Porto Alegre – RS. Observa-se que as vo-
gais possuem comportamentos diferenciados, sendo que a vogal média
/e/ registra percentuais de 8,1% e de 7,9% para a amostra 1988 - 1989
e para a amostra 2007 - 2009, respectivamente. Já para a vogal média /o/,
os valores são comparativamente mais altos, de 17,8% e de 10%, para
a amostra 1988 - 1989 e para a amostra 2007 - 2009, respectivamente.
A comparação entre as taxas de elevação em cada amostra revela
que o comportamento da vogal média /o/ é diferente do comportamento

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da vogal média /e/. O Gráfico 01 mostra a seguir os resultados para cada


vogal comparativamente:

Gráfico 1–Elevação de /e/ e /o/ para as amostras 1988 - 1989 e 2007 - 2009–
frequência global

Fonte: Cruz (2010)

A comparação entre as duas amostras revela que o proces-


so de alçamento sem motivação aparente sofrido pelas vogais médias
não apresenta características de propagação no dialeto gaúcho, mas sim
de variação estável para a vogal /e/, já que em um espaço de vinte anos
não registrou alteração significativa da taxa de elevação. Para a vogal
/o/, nota-se diminuição da taxa de aplicação da regra de 17,8% para 10%.
Devido ao fato de as amostras possuírem informantes porto-
-alegrenses com nível de escolaridade diferente, a proposta de o estu-
do de tendência indicar uma situação de mudança ou variação estável
mostra-se comprometida. Conforme Klunck (2007, p. 76), que controlou
a variável escolaridade, os percentuais de elevação foram mais preser-
vados para os informantes do ensino médio, indicando que a ortografia
talvez influencie a retenção do fenômeno analisado.
Como neste trabalho não é possível manter a mesma faixa de es-
colaridade para as duas amostras, percebe-se indiretamente nos resulta-
dos de aplicação indícios de que a escolaridade possa exercer papel para
a vogal média /o/, já que a amostra 2007 - 2009, que possui informantes

84
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com nível superior completo, apresenta taxa de aplicação reduzida para


a vogal posterior.
A seleção das variáveis durante a iteração estatística também re-
vela que as vogais médias sofrem condicionamentos tanto linguísticos
como sociais, mas diferentes para cada vogal no processo de alçamento.

4.1 Amostra 1988 - 1989

A Tabela 2 abaixo mostra os fatores condicionadores que foram


selecionados para cada variável na amostra 1988 - 1989:

Tabela 2–Resultados da amostra 1988 - 1989

Amostra 1988 - 1989 Fatores condicionadores

Variáveis linguísticas vogal /e/ vogal /o/


e sociais

Contexto Seguinte palatal, dorsal e labial palatal e labial

Contexto Precedente coronal e labial dorsal

Altura da Vogal Seguinte média média

Altura da Vogal alta não foi selecionada


Precedente

Altura da Vogal Tônica média/baixa média/baixa


Não Contígua

Nasalidade vogal nasal vogal nasal

Tipo de Sílaba sílaba leve sílaba leve

Classe Gramatical substantivo, adjetivo verbo


numeral e advérbio

Idade 51 ou mais 36–50 anos


Fonte: o autor (2022)

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Na amostra 1988 - 1989, ocorreu a seleção das mesmas variáveis


para as duas vogais médias, com exceção da variável Altura da Vogal
Precedente, que não foi selecionada para a vogal /o/.

4.1.1 Contexto Seguinte

Em relação aos condicionadores linguísticos, percebe-se que a va-


riável Contexto Seguinte exerce papel de favorecimento ao processo
de alçamento sem motivação aparente. Segundo os resultados, a vogal
/e/ registra elevação quando possui os segmentos palatal, dorsal e labial
e, para a vogal /o/, os segmentos palatal e labial favorecem a aplicação
da regra.
Os resultados para Contexto Seguinte de Klunck (2007) estão
em conformidade com os aqui apresentados, embora a autora indique
que os altos índices encontrados em seu estudo quanto ao favorecimen-
to do fator à elevação de /e/ referem-se a itens específicos, como é o caso
do fator palatal em sinhor, sinhora, sinhoria. Marchi e Stein (2007, p.133
e 136) indicam o fator palatal como favorecedor para a vogal média /e/,
mas também salientam a ocorrência de grupos com uma base comum,
como sinhor e sinhora.
Para a vogal /o/, Klunck (2007) também apresenta o fator palatal
como favorecedor do alçamento sem motivação aparente para a vogal
/o/ e o fator labial não desempenha papel no processo. Marchi e Stein
(2007) apresentam o fator labial como favorecedor em Curitiba – PR,
enquanto o fator palatal se mostrou neutro.

4.1.2 Contexto Precedente

Os resultados da variável Contexto Precedente demonstram


que os segmentos coronal e labial favorecem o processo de alçamento
sem motivação aparente para a vogal /e/ e, o segmento dorsal exerce
o mesmo papel para a vogal /o/.

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Ao considerar a vogal /e/, o papel do fator palatal, deve-se ao pro-


cesso de palatalização característico da região metropolitana, conforme
Bisol (1986), já que as ocorrências se concentram em vocábulos como
futibol e em vocábulos iniciados pela sequência des, ou seja, itens
que apresentam oclusivas coronais diante de vogal anterior alta, resul-
tado da aplicação do processo de elevação – contexto propício à forma-
ção da africada palato-alveolar ou da oclusiva palatalizada. Sendo assim,
as ocorrências que indicam papel favorecedor para o fator palatal, são na
verdade, indicativos do fator coronal. Klunck (2007) e Marchi e Stein
(2007) indicam que o contexto coronal também demonstrou favoreci-
mento para o alçamento da vogal /e/.
Os resultados apresentados em Klunck (2007) estão em confor-
midade com a variável Contexto Precedente com relação à vogal /o/.
Marchi e Stein (2007, p. 133) também apontam o fator dorsal como rele-
vante para o processo de alçamento da vogal média /o/, entretanto as au-
toras mencionam que o resultado “se deve à repetição de palavras como
começar, conhecer, conversar e suas flexões”. Na amostra 1988 - 1989,
percebe-se que há uma concentração relevante de vocábulos com os ra-
dicais conhec- (60), começ- (46), com- (18), acontec- (36), convers- (21)
e conseg- (12), indicando que o resultado para fator dorsal pode estar
influenciado pela alta frequência desses radicais.

4.1.3 Altura da Vogal Seguinte

Na variável Altura da Vogal Seguinte, o fator média mostra papel


de favorecimento ao alçamento de ambas as vogais. O trabalho de Klunck
(2007) está em conformidade com o resultado aqui apresentado para
as duas vogais. Marchi e Stein (2007) também apresentam o fator média
como favorecedor ao alçamento da vogal /e/, mas o fator baixa para o da
vogal /o/. A concentração de itens lexicais no fator com maior papel para
o processo de alçamento também pode ser percebida para a vogal mé-
dia /e/, com o radical pequen-, os itens lexicais senhor/senhora/futebol
e os vocábulos iniciados por des influenciam o resultado, e para a vogal
média /o/, com os radicais conhec-, começ-, acontec-, conseg- e convers-.

87
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4.1.4 Altura da Vogal Precedente

Para a variável Altura da Vogal Precedente, o fator alta demons-


tra papel no alçamento da vogal /e/. Verifica-se que, entre as ocorrências
que apresentam alçamento para o fator alta, aparecem os seguintes vo-
cábulos: futibol (9), supimercado (5), supirmercado (3) e simplismente
(2), indicando que a presença da vogal alta na sílaba precedente favorece
a elevação da vogal média, resultado esse em conformidade com o traba-
lho de Klunck (2007). A autora salienta que tal resultado está relaciona-
do com a concentração do vocábulo futibol na amostra, o que compro-
mete a regularidade do processo.
Com relação ao papel do fator alta, Schwindt (2002, p.177) afirma
que, embora a posição tônica favoreça a elevação das vogais médias pre-
tônicas, a contiguidade apresenta papel primordial em relação à tonici-
dade. Casagrande (2003) indica que a presença de uma vogal alta, seja
ela tônica ou não, favorece o alçamento para a vogal média /e/.

4.1.5 Altura da Vogal Não Contígua

O fator média/baixa indica favorecimento à aplicação do alçamen-


to das vogais /e/ e /o/. Entretanto, o fator alta apresenta comportamen-
to diferente para as duas vogais, não demonstrando papel no processo
para a vogal /e/, mas favorecimento para a vogal /o/ em vocábulos como
cunheci (9), cunseguiu (3), cunhecido (3) e cumeçaria (1). Percebe-se
que o fator média/baixa concentra 47 ocorrências do radical conhec-
e 45 ocorrências do radical começ-.

4.1.6 Nasalidade

O fator vogal nasal apresenta papel favorecedor para a regra


nas duas vogais médias. O exame das ocorrências da amostra revela
a frequência elevada de vocábulos como senhor/senhora (32) para a vo-
gal /e/, fato compreendido em relação à posição do fator como favorável
ao alçamento. A mesma concentração ocorre para a vogal /o/, com os

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itens que apresentam os radicais conhec- (60), acontec- (36) e convers-


(21). Observa-se que esses itens concentram 117 ocorrências em um to-
tal de 143 do fator vogal nasal, totalizando um percentual de 81% entre
as ocorrências com aplicação da elevação.
Os trabalhos de Klunck (2007) e Marchi e Stein (2007) confirmam
os resultados para a variável Nasalidade, sem mencionar questões re-
ferentes à concentração de itens lexicais para seus fatores. Ao analisar
os dados de Klunck, observa-se que o vocábulo sinhora possui 18 ocor-
rências elevadas contra duas não elevadas, e o vocábulo sinhor possui
13 ocorrências elevadas e uma não elevada. Sendo assim, percebe-se
que o fator vogal nasal conta com 31 ocorrências elevadas para a vogal
média /e/, em um total de 34 ocorrências dos vocábulos senhor/senhora,
resultado esse que indica influência da frequência elevada.
Da mesma forma, para a vogal /o/, o fator vogal nasal contou
com 115 vocábulos alçados que apresentam concentração de determi-
nados radicais, a saber: 76 ocorrências alçadas para o radical conhec-,
34 para o radical convers- e apenas 4 para o radical acontec-. Com base
nesse levantamento, percebe-se que a frequência também exerce influ-
ência para a vogal posterior na amostra considerada por Klunck (2007).

4.1.7 Tipo de Sílaba

Na variável Tipo de Sílaba, o fator sílaba leve apresenta favoreci-


mento ao alçamento das vogais /e/ e /o/. Os resultados de Klunck (2007)
estão em conformidade com a análise para a vogal /e/. Porém, para a vo-
gal /o/, a autora afirma que os fatores não se mostram relevantes para
o processo de alçamento. Marchi e Stein (2007) também corroboram
para o favorecimento da sílaba leve para a aplicação da regra nas duas
vogais médias.
Ao analisar os itens lexicais, observa-se que os vocábulos com maior
frequência são aqueles que apresentam o radical pequen- (40), os itens
lexicais senhor/senhora (32), e futebol (9) para a vogal /e/; e os vocábu-
los com os radicais começ- (46), com- (18) e conhec- (60), para a vogal

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/o/, o que resulta em 54% das ocorrências elevadas para a vogal /e/ e 78%
das ocorrências elevadas para a vogal /o/ no fator sílaba leve, indican-
do que a frequência desses itens também exerce influência no resultado
para a variável Tipo de Sílaba.

4.1.8 Classe Gramatical

Os fatores substantivo, adjetivo, numeral e advérbio2, amalgama-


dos em função do número reduzido de dados para os fatores adjetivo,
numeral e advérbio, apresentam favorecimento na elevação da vogal /e/.
Para a vogal média /o/, o resultado mostra-se invertido, com o fator ver-
bo indicando favorecimento.
O exame das ocorrências referentes à vogal anterior indica a con-
centração de itens lexicais com o radical pequen- e os vocábulos senhor,
senhora e futebol. Para a vogal posterior, os radicais começ-, conhec-,
convers-, acontec- e conseg- são mais frequentes, tanto para verbos
quanto para nomes. Com o objetivo de se verificar o papel da frequên-
cia elevada de determinados vocábulos, realizou-se uma nova análise
sem os radicais mencionados.
A nova iteração para a vogal média /e/, sem o radical pequen- e os
vocábulos senhor/senhora/futebol, mostra que o fator substantivo, adje-
tivo, numeral e advérbio permanece com o papel favorecedor, enquanto
que, para a vogal /o/, sem os radicais começ-, conhec-, convers-, acontec-
e conseg-, o fator verbo também mantém seu favorecimento. Percebe-se
que a frequência elevada dos radicais considerados nesse procedimento
estatístico não exerce influência nos resultados para as vogais médias.

4.1.9 Idade

Quanto às variáveis sociais, apenas a variável Idade apresenta pa-


pel para a aplicação da regra na amostra 1988 - 1989. Os informantes
com idade a partir de 51 anos fazem mais uso da elevação sem motivação

2 O amálgama entre os fatores substantivo, adjetivo, numeral e advérbio baseia-se em


Câmara Jr. (1976b) e Azeredo (2003).

90
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aparente para a vogal média /e/ do que os informantes na faixa etária


entre 36 e 50 anos, assim como os jovens entre 18 e 35 anos. Para a vogal
média /o/, os informantes adultos, com idade entre 36 e 50 anos, pos-
suem um comportamento relativamente favorecedor ao uso da variante
alçada em relação aos mais velhos e os mais jovens.
Em relação ao comportamento da vogal /e/, há indício de per-
da de força, com os idosos produzindo mais o alçamento de /e/ do que
os mais jovens. Entretanto, o comportamento da vogal /o/ mostra indí-
cios de um processo estável, com a faixa etária dos 36 aos 50 anos produ-
zindo mais o alçamento de /o/ do que os jovens e os idosos.
Para Klunck (2007), essa variável não demonstra papel. Já para
Marchi e Stein (2007), a variável apresenta resultado diferente do obti-
do neste estudo apenas para a vogal /e/, com os adultos (40 – 55 anos)
produzindo mais o alçamento. Diante disso, as autoras afirmam que o
processo de alçamento sem motivação aparente, na cidade de Curitiba-
PR, apresenta indícios de processo estável.

4.2 Amostra 2007 - 2009

A Tabela 3 abaixo mostra os fatores condicionadores que foram


selecionados para cada variável na amostra 2007 - 2009:

Tabela 3–Resultados da amostra 2007 - 2009

Amostra 2007 - 2009 Fatores condicionadores

Variáveis linguísticas
vogal /e/ vogal /o/
e sociais

Contexto Seguinte dorsal e labial palatal, coronal e labial

Contexto Precedente coronal e labial dorsal

Altura da Vogal
média média
Seguinte

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Altura da Vogal
alta baixa
Precedente

Altura da Vogal Tônica


não foi selecionada média/baixa
Não Contígua

Nasalidade vogal oral vogal nasal

Tipo de Sílaba sílaba pesada sílaba leve

substantivo, adjetivo
Classe Gramatical verbo
numeral e advérbio

Gênero masculino feminino


Fonte: o autor (2022)

A amostra 2007 - 2009 registrou a seleção das mesmas variáveis


para as duas vogais médias, com exceção da variável Altura da Vogal
Tônica Não Contígua, que não foi selecionada para a vogal /e/.

4.2.1 Contexto Seguinte

Na variável Contexto Seguinte, os fatores dorsal e labial favo-


recem a aplicação da regra de alçamento da vogal média /e/ em posi-
ção pretônica. Diferentemente do obtido na amostra 1988 - 1989, o fa-
tor palatal não demonstra papel favorecedor nesta amostra. Conforme
o resultado indicado, esse fator apresenta comprometimento com a alta
concentração do vocábulo sinhora. Já na amostra 2007 - 2009, o vocá-
bulo apresenta apenas sete ocorrências desse item lexical, o que pode
influenciar seu baixo desempenho. Tal fato evidencia a influência da fre-
quência elevada de determinados itens lexicais na análise, pois o núme-
ro reduzido de ocorrências de vocábulos como senhora altera o resulta-
do para a variável Contexto Seguinte.
Quanto ao fator dorsal, percebe-se que o resultado registra a con-
centração de vocábulos do radical pequen- (71) e quanto ao fator labial,
observa-se a mesma influência através da frequência elevada do item

92
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lexical futibol (47). Ao que tudo indica, os resultados para esses fatores
apresentam influência da concentração de determinados vocábulos.
Os resultados para a vogal /o/ indicam que os fatores palatal e co-
ronal, aqui amalgamados devido ao fato de ambos serem coronais, indi-
cam favorecimento ao processo de alçamento, assim como o fator labial
que também demonstra papel favorecedor. Para os fatores que possuem
papel na aplicação da regra, também ocorre concentração de determi-
nados radicais, a saber: conhec- (55), acontec- (30), pod- (8) e conseg-
(14) para os fatores palatal e coronal; e começ- (60), com- (5), convers-
(32) e govern- (3) para o fator labial. Portanto, pode-se sugerir, assim
como o realizado para o resultado referente à amostra 1988 - 1989, que a
frequência de determinados itens lexicais e determinados paradigmas
flexionais e derivacionais estejam comprometendo os resultados refe-
rentes aos segmentos envolvidos no processo de alçamento das vogais
médias pretônicas.
Nos resultados apresentados para a variável Contexto Seguinte,
percebe-se que os fatores favorecedores registram concentração de de-
terminados itens lexicais. Por outro lado, os itens citados anteriormente
possuem segmentos fonéticos que se mostram recorrentes, indicando
o papel favorecedor de segmentos como /ɲ/, /n/, /k/, /g/, /m/ e /b/ na po-
sição seguinte às vogais médias pretônicas.

4.2.2 Contexto Precedente

Na variável Contexto Precedente, os fatores palatal e pausa,


amalgamados em função dos pesos relativos aproximados, apresentam
papel de favorecimento ao processo de alçamento da vogal /e/. O fator
labial não apresenta papel significativo na aplicação da regra e o fator
coronal não apresentou papel para a vogal /e/, assim como também os fa-
tores vogal e líquida. Quanto ao fator labial, embora relativamente mais
favorecedor do que os demais fatores, tem seu resultado comprometido
devido à concentração de dados no radical pequen- e suas flexões, pois
esse radical concentra 71 das 88 ocorrências elevadas para o fator.

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A variável é a terceira selecionada como relevante estatisticamen-


te durante a análise para a vogal /o/. O fator dorsal favorece o alçamento
de /o/ quando em contexto precedente e os outros fatores não desempe-
nham papel no processo, respectivamente.
Ao analisar a concentração de determinados vocábulos, obser-
va-se que os radicais começ-, conhec- e convers- apresentam compor-
tamento semelhante ao da amostra 1988 - 1989, com os itens corres-
pondentes alçados predominando em relação aos não alçados. Porém,
os radicais com-, acontec- e conseg- mostram comportamento oposto,
com maior predominância de itens não alçados. Enquanto os radicais
começ-, conhec- e convers- registram taxa elevada de frequência e alto
índice de aplicação do alçamento, os radicais com-, acontec- e conseg-
parecem não exercer o mesmo papel para o fator dorsal, pois apresentam
frequência elevada, mas possuem índices baixos ou equilibrados com as
taxas de não elevação.
Ao que tudo indica, o condicionamento fonético mostra-se mais
relevante do que o condicionamento lexical para a amostra 2007 - 2009
devido à ausência de regularidade do processo, nem todos os radicais
apresentam a mesma frequência nas duas amostras. Tal comporta-
mento dos radicais pode ser consequência do fato de que as amostras
consideram ocorrências produzidas por falantes com diferentes níveis
de escolaridade.

4.2.3 Altura da Vogal Seguinte

O fator média possui o mesmo papel apresentado nos resultados


para as vogais /e/ e /o/, na amostra 1988 - 1989. A iteração estatística
realizada sem o radical pequen-, os itens lexicais senhora/futebol e os
vocábulos iniciados por des para a vogal /e/ não possibilita a seleção
da variável como relevante, indicando assim que a frequência eleva-
da de certos itens lexicais possui papel no processo. Da mesma forma,
para a vogal média /o/, a variável também não é selecionada na ausência
dos radicais conhec-, começ-, acontec-, conseg- e convers-.

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4.2.4 Altura da Vogal Precedente

A variável é a primeira selecionada para a vogal /e/ e o fator alta


demonstra papel no alçamento, confirmando o resultado apresenta-
do na amostra 1988 - 1989. Para a vogal /o/, a variável é selecionada
em quinto lugar e mostra o fator baixa com indício de favorecimento.
O trabalho de Klunck (2007) revela resultado diferente para a vogal mé-
dia /o/, com favorecimento do fator ausência (início de palavra) e Marchi
e Stein (2007) confirmam o resultado para o fator baixa obtido com rela-
ção à vogal média /o/ apresentado nesta pesquisa.
Percebe-se nas ocorrências com aplicação do alçamento que há
concentração de determinados vocábulos, como verificado na amostra
anterior. Para a vogal média /e/, os vocábulos mais frequentes são: futi-
bol (47), adivugado (6), e simplismente (3), como também os itens lexi-
cais referentes ao radical disinvolv- (26). Para a vogal /o/, das 31 ocor-
rências com alçamento do fator baixa, tem-se 30 ocorrências do radical
acontec- e uma ocorrência de acumpanhei. Com base no resultado, a fre-
quência elevada desses itens lexicais parece influenciar os resultados
para a variável Altura da Vogal Precedente.

4.2.5 Altura da Vogal Não Contígua

O fator média/baixa apresenta papel favorecedor ao alçamento


da vogal /o/. O fator alta, diferentemente do obtido para a amostra 1988
- 1989, não indica favorecimento. Conforme realizado para as outras va-
riáveis, verifica-se o papel da frequência elevada de determinados itens
lexicais nos fatores com pesos relativos altos. O exame mostra que o
fator média/baixa registra a concentração de 49 ocorrências do radical
começ-, 17 ocorrências do radical conhec-, 22 ocorrências do radical
convers- e 16 ocorrências do radical acontec-. Conforme os resultados
apresentados para as duas amostras, percebe-se que a frequência eleva-
da de determinados itens lexicais parece influenciar os resultados para
a variável Altura da Vogal Não Contígua. Em relação ao papel da va-

95
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

riável para a vogal /e/, na amostra 2007 - 2009, a análise não registra
favorecimento para a aplicação da regra.

4.2.5 Nasalidade

Diferentemente da amostra 1988 - 1989, o fator vogal oral apresen-


ta um discreto papel no processo de alçamento e o fator nasal não pos-
sui papel para a vogal /e/. Entretanto, para a vogal /o/, o resultado está
em conformidade com o obtido na amostra anterior e o fator nasal man-
teve o seu comportamento de favorecimento.
Observa-se que a inversão entre os fatores vogal nasal e vogal oral
para a vogal /e/ está comprometida com a frequência de itens lexicais.
Os vocábulos como senhora, que parecem ter influenciado o resultado
na amostra 1988 - 1989, apresentam apenas sete ocorrências na amostra
2007 - 2009, e os vocábulos com radical pequen- e o item lexical futebol
apresentam aumento considerável de frequência, com 71 e 47 ocorrên-
cias, respectivamente. Sendo assim, reforça-se a hipótese de que o alça-
mento sem motivação aparente possa estar comprometido com a frequ-
ência elevada de determinados itens lexicais.
Para a vogal /o/, que manteve o seu comportamento em relação
à amostra 1988 - 1989, percebe-se a concentração de itens lexicais para
o fator vogal nasal. Os radicais conhec- (56), acontec- (30) e convers-
(32) concentraram 118 ocorrências alçadas do total de 122 para o fator
vogal nasal.

4.2.6 Tipo de Sílaba

O fator sílaba pesada apresenta um resultado diferente do da


amostra 1988 - 1989, para a vogal /e/, indicando papel na aplicação
da regra. Em relação ao processo na vogal /o/, a análise mostra um com-
portamento semelhante ao da amostra 1988 - 1989, tendo o fator sílaba
leve como favorecedor. Com base nesses valores, percebe-se que o fator

96
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

leve possui papel de favorecimento ao alçamento sem motivação apa-


rente para a vogal posterior.
Observa-se que o comportamento da vogal média /e/ nesta amos-
tra pode ser o resultado da influência da frequência elevada de deter-
minados itens lexicais, conforme indica o levantamento realizado para
cada vogal média na amostra 1988 - 1989.
Para a amostra 2007 - 2009, o radical pequen- (71) e os itens lexi-
cais senhora (7) e futebol (47) para a vogal /e/, e os radicais começ- (60),
com- (5) e conhec- (56) para a vogal /o/ apresentam frequência elevada.
De acordo com os valores citados para cada radical, pode-se depreender
que a concentração desses radicais referentes à vogal anterior junta 63%
das ocorrências elevadas e que a concentração dos radicais referentes
à vogal posterior representa 80% das ocorrências elevadas no fator sí-
laba leve. Desse modo, apenas o resultado para a vogal /o/ demonstra
influência da frequência elevada, pois o fator sílaba leve não se mostra
relevante para a vogal /e/.
Quanto ao favorecimento demonstrado para o fator sílaba pesada
para a vogal /e/ na amostra 2007 - 2009, verifica-se que esse pode estar
relacionado ao número de ocorrências dos vocábulos com a sequência
inicial des. Ao realizar o levantamento desses itens lexicais, percebe-se
que enquanto esses vocábulos registram 15 ocorrências elevadas, de um
total de 19, para o fator sílaba pesada na amostra 1988 - 1989, na amos-
tra 2007 - 2009, esses vocábulos apresentam 43 ocorrências elevadas,
de um total de 52 para o fator. Ao que tudo indica, o aumento de ocor-
rências de itens lexicais com a sequência inicial des com alçamento pode
influenciar o resultado para a vogal anterior.
Com base no resultado para a variável Tipo de Sílaba, observa-
-se que a frequência elevada de determinados itens lexicais comprome-
te a interpretação do peso relativo do fator, indicando a possibilidade
de condicionamento lexical para o processo de alçamento das vogais
médias pretônicas.

97
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

4.2.7 Classe Gramatical

Os fatores não apresentam papel significativo na aplicação da re-


gra para a vogal /e/ na pauta pretônica. Porém, para a vogal /o/, o fa-
tor verbo demonstra favorecimento ao alçamento. Os resultados estão
em conformidade com a amostra 1988 - 1989 e, ao realizar uma investi-
gação sobre os itens lexicais mais frequentes para a amostra 2007 - 2009,
percebe-se que a frequência elevada exerce papel no processo de alça-
mento sem motivação aparente nesta amostra, pois houve a exclusão
da variável Classe Gramatical para as duas vogais médias.

4.2.8 Gênero

A seleção da variável Gênero ocorre apenas para a amostra 2007


- 2009, sendo a quinta selecionada para a vogal média /e/, e a sétima
selecionada para a vogal média /o/. O resultado mostra que os homens
produzem mais o alçamento sem motivação aparente para a vogal /e/,
enquanto as mulheres apresentam comportamento próximo ao neutro.
Em relação à vogal /o/, observa-se o resultado oposto, as mulheres pro-
duzem mais a vogal elevada na pauta pretônica. Já os homens revelam
comportamento próximo ao ponto neutro.
Os trabalhos de Klunck (2007) e Marchi e Stein (2007) não estão
em conformidade com o resultado apresentado. Tanto uma como a outra
pesquisa mostram que os homens produzem mais o alçamento da vo-
gal média /o/, e que a variável Gênero não é estatisticamente relevante
para a vogal /e/. Com base nos resultados apresentados para a variável
Idade na amostra 1988 - 1989 e para a variável Gênero 2007 - 2009,
percebe-se que o comportamento das vogais médias quanto ao processo
de alçamento mostra indícios de perda de força para a vogal anterior
e indícios de variação estável para a vogal /o/, já indicados no Gráfico 10.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente capítulo teve como objetivo apresentar a pesquisa re-


alizada sobre o processo de alçamento sem motivação aparente das vo-

98
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

gais médias pretônicas no dialeto gaúcho, especificamente na cidade


de Porto Alegre – RS, à luz dos pressupostos teóricos e metodológicos
da Teoria da Variação.
Os resultados confirmam a hipótese de que o processo registra
baixa aplicação no dialeto gaúcho, como também indicam que a vogal
média /o/ apresenta uma taxa de aplicação maior do que a vogal /e/
nas duas amostras. De acordo com a análise, percebe-se que cada vogal
média apresenta condicionamentos linguísticos e sociais distintos.
Observa-se que a concentração elevada do radical pequen- e de
vocábulos como senhor, senhora e futebol para a vogal /e/, e dos radi-
cais acontec-, começ-, conhec-, convers-, com- e conseg- para a vogal
/o/ exerceu influência nos resultados das variáveis linguísticas e sociais
nas duas amostras. Ao que tudo indica, o resultado das variáveis selecio-
nadas indica um processo de cunho neogramático presente no modelo
variacionista.
As evidências levantadas nesta pesquisa podem funcionar como
elementos de investigação para próximos estudos sobre o tema. Sugere-
se que sejam considerados os aspectos referentes ao papel da contigui-
dade de uma vogal alta precedente e à escolaridade dos informantes.

REFERÊNCIAS

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178, 1986.
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Real. Porto Alegre. Dissertação de mestrado, 2003.
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99
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

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Motivação Aparente em Curitiba – PR. Cadernos de Pesquisas em Lingüística.
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SCHWINDT, L. C. A Regra Variável de Harmonização Vocálica no RS. BISOL,
Leda; BRESCANCINI, Cláudia (Orgs.). Fonologia e Variação – Recortes do
Português Brasileiro. Porto Alegre: EDIPUCRS. p. 161-182, 2002.
WEINREICH, U; LABOV, W. and HERZOG, M. I. Fundamentos Empíricos para uma
Teoria da Mudança Linguística. São Paulo, SP: Parábola Editor.

100
FONÉTICA: IMPLICAÇÕES PARA O ENSINO
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

A MANUTENÇÃO DOS EFEITOS


DA MULTIDIRECIONALIDADE NA
TRANSFERÊNCIA VOCÁLICA DO
PORTUGUÊS BRASILEIRO COMO LA
PARA A L1 (ESPANHOL): UM ESTUDO DE
CASO À LUZ DOS SISTEMAS DINÂMICOS
ADAPTATIVOS-COMPLEXOS

Letícia Pereyron
Universidade de Sydney
leticiapereyron@gmail.com

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho, à luz da Teoria dos Sistemas Dinâmicos Adaptativos-


Complexos (BECKNER et al., 2009; DE BOT et al., 2013; SILVA, 2014,
LIMA JÚNIOR, 2016a, 2016b; De Bot, 2017; LOWIE; VERSPOOR, 2018),
visa a investigar a premissa de que mudanças geradas no sistema lin-
guístico materno e no adicional de um falante multilíngue, induzidas

103
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

por instrução explícita e contexto de inserção na língua adicional (LA)1


tendem a ser mantidas após cinco anos da instrução formal.
Assim, conduziu-se um estudo de caso longitudinal composto
de instrução formal e cinco coletas de dados, realizadas no primeiro se-
mestre de 2015, e novamente uma coleta de dados em 2020. O estudo
contou com um aprendiz trilíngue, residente no Brasil entre 2015 e 2019,
falante do espanhol (variedade mexicana) como L1, inglês como L2 e
português brasileiro como L3. Tal estudo contou com instrução formal,
de base comunicativa e articulatória, sobre sons vocálicos do Português
Brasileiro (LA), sobretudo a distinção das vogais médias [e] e [ɛ] e [o] e
[ɔ], ausentes na língua materna. Através da instrução, visou-se a cau-
sar, primeiramente, uma modificação apressada (devido ao curto pra-
zo de quatro meses) no sistema fonético-fonológico2 de L3 do aprendiz,
para se verificar se tal modificação ocasionaria efeitos sobre a sua L1.
A instrução deu-se ao longo de quatro meses, com uma aula
de 90 minutos por semana. A primeira etapa do estudo contou com cin-
co coletas de dados (uma antes, três durante e uma após a instrução),
que consistiam na leitura de palavras nas duas línguas referidas, inse-
ridas em frases-veículo. O tratamento acústico dos dados desse expe-
rimento ocorreu por meio do programa Praat (BOERSMA; WEENINK,
2015). Dessa forma, houve a oportunidade de acompanhar o desenvol-
vimento individual desse participante trilíngue, de modo que fossem
traçadas suas curvas desenvolvimentais, conforme sugerem os auto-
res adeptos à Teoria dos Sistemas Dinâmicos Adaptativos- Complexos
(CAS3) (LARSEN-FREEMAN, 1997, 2006; 2011; 2013; DE BOT; LOWIE;
VERSPOOR, 2007; LARSEN-FREEMAN; CAMERON, 2008, LIMA JÚNIOR,
2016a, 2016b).

1 Os termos ‘Língua Adicional’ (LA), ‘Segunda Língua’ (L2) e ‘Terceira Língua’ (L3), não serão
tratados como termos distintos, de modo que tais termos e suas siglas venham a ser empre-
gados de forma intercambiável. A única distinção feita será entre L2 e L3 a fim de indicar
ordem de aquisição.
2 Zimmer e Alves (2006) citam Albano (2001) para explicar o termo ‘fonético-fonológico’, que
diz respeito à existência de uma gradiência e continuidade entre o fone físico e o fonema,
em que o fonema é “ativado de forma distribuída e em paralelo por unidades neuroniais no
cérebro” (p. 101).
3 Do inglês, Complex-Adaptive System.

104
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

A segunda etapa do estudo deu-se em 2020. As mesmas palavras


em português e espanhol foram coletadas com vistas a investigar a reten-
ção das alterações vocálicas em termos de formantes e duração oriundas
da instrução explícita em 2015 e do contexto de inserção no Brasil entre
2015 e 2019. As coletas foram realizadas no México, país onde o infor-
mante já se encontrava no ano de 2020, um ano após ter saído do Brasil.
O programa utilizado para o tratamento acústico foi o Praat (BOERSMA;
WEENINK, 2020).
A seguir, na seção 2, serão apresentados os pressupostos teóricos,
seguidos pela metodologia, que compõe a seção 3. Os resultados serão
apresentados na seção 4, e a conclusão, na seção 5. Após, serão apresen-
tadas as referências na seção 6.

2 TEORIA DOS SISTEMAS DINÂMICOS, ADAPTATIVOS-


COMPLEXOS (CAS)

Larsen-Freeman (1997; 2006; 2011; 2013), Ellis (2011) e De Bot et


al. (2013), entre outros, analisam a língua como um Sistema Adaptativo-
Complexo (CAS). Nesse sentido, conceber a língua como CAS envolve
admitir dois ou mais agentes como formadores do próprio sistema lin-
guístico. A complexidade do sistema não resulta dos múltiplos agentes,
também chamados de fatores, envolvidos no desenvolvimento linguís-
tico, mas sim das inter-relações que tais agentes estabelecem uns com
os outros. Esses sistemas dispõem de propriedades relacionadas à sua
complexidade, entre elas, a dinamicidade, a não linearidade e a análise
individual, descritas a seguir.

2.1 Sistemas dinâmicos

Uma propriedade dos Sistemas Adaptativos-Complexos é a dina-


micidade, o que implica mudança através do tempo (LARSEN-FREEMAN,
1997; DE BOT; LOWIE; VERSPOOR, 2007; BECKNER et al., 2009,
ZIMMER; ALVES, 2012; SILVA, 2014a). Esses sistemas são compostos
de agentes em constante interação (daí vem a noção de ‘mudança’), e tal

105
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

interação de agentes deriva da complexidade desses sistemas, conforme


citado anteriormente. Em sistemas complexos dinâmicos, o resultado
do desenvolvimento ao longo do tempo não pode ser calculado com exa-
tidão, não por falta de ferramentas predefinidas, mas porque as variáveis
participantes desse sistema interagem e se modificam constantemente.
O desfecho dessas variáveis, a menos que formassem parte de um sis-
tema simples, não pode ser resolvido analiticamente. A trajetória dinâ-
mica, nesse sentido, deve incluir as interações frequentes e recorrentes
do próprio sistema e, dessa forma, não há equação que ofereça um valor
exato do sistema (DE BOT; LOWIE; VERSPOOR, 2007).
De Bot e Larsen-Freeman (2011) afirmam que, em um sistema di-
nâmico, todas as suas partes estão interconectadas. Conceber a língua
como um sistema dinâmico significa considerar que todos os subsiste-
mas–o sistema lexical, o sistema fonológico, o sistema semântico, o sis-
tema pragmático e o sistema sintático–estão inter-relacionados. Além
disso, uma alteração no sistema fonético-fonológico de uma dada língua,
por exemplo, poderá resultar em mudanças nas demais línguas do indi-
víduo. A interação entre todos esses subsistemas (de ambos os siste-
mas linguísticos) é vista como dinâmica, uma vez que se modifica devido
ao impacto que os fatores exercem sobre os outros.

2.2 Sistemas não lineares

Outra propriedade desses sistemas é a não linearidade, uma vez


que o desenvolvimento linguístico ocorre das interações constantes en-
tre agentes, o que sugere resultados imprevisíveis e não lineares. A não
linearidade também ocorre no âmbito das influências interlinguísticas.
A abordagem que considera o sistema linguístico como CAS postula
que as línguas influenciam umas às outras, tanto a mais forte e mais
enraizada, como a L1, quanto a mais fraca (LA) sofrem alterações
(FRANCESCHINI, 1999; CENOZ, 2001; BRITO, 2011; GROSJEAN, 2013).
A noção de que a transferência está atribuída apenas à influência uni-
direcional da língua materna é rejeitada, uma vez que aprendizes apre-
sentam influências linguísticas que não se referem somente a suas L1s

106
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

(HERDINA; JESSNER, 2002; BRITO, 2011; GROSJEAN, 2013; PEREYRON,


2017). A direção da transferência é, no mínimo, bidirecional.
Nesse sentido, não há uma relação de linearidade perfeita entre
o que poderia ser julgada “alteração inicial” de um dos componentes
e o seu resultado no sistema completo. O termo ‘adaptativo’ diz respei-
to, justamente, a essa característica: o sistema como um todo está sem-
pre adaptando-se e alterando-se em função das contínuas modificações
de seus componentes, tentando buscar “pontos de equilíbrio”, isto é,
atratores ao longo de seu percurso. O comportamento linguístico, por-
tanto, emerge4.

2.3 A análise individualizada

Lowie e Verspoor (2019), Larsen-Freeman (2011), De Bot, Verspoor


e Lowie (2007), Larsen-Freeman e Cameron (2008) e, em contexto brasi-
leiro, Lima Júnior (2016a, 2016b) e Pereyron (2017) sugerem uma análise
individualizada do desenvolvimento da fala do aprendiz devido à gran-
de dinamicidade e complexidade que compõem o sistema linguístico.
Uma vez que um sistema dinâmico, adaptativo-complexo é influenciável
por uma grande gama de variáveis e é altamente sensível a um estágio
inicial, cada indivíduo apresenta, portanto, um sistema de complexidade
digno de ser analisado individualmente. Tal análise dá-se através da ob-
servação do desenvolvimento linguístico do indivíduo ao longo do tem-
po, conforme os autores acima. Estudos de casos longitudinais permi-
tem conexões a serem feitas através de níveis e escalas de tempo. Além
disso, segundo Barboza (2013) e Pereyron (2017), estudos longitudinais
permitem uma descrição do desenvolvimento dinâmico, característica
intrínseca dos sistemas adaptativos complexos. O modelo longitudinal
apresenta-se capaz de indicar a variação no desenvolvimento e, a partir
de tal modelo, é possível observarmos o comportamento variável e de-
pendente do contexto em que o aprendiz se encontra inserido.

4 Para descrições mais detalhadas sobre as características dos Sistemas Adaptativos


Complexos e Sistemas Dinâmicos, veja Pereyron (2017).

107
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

Nesse sentido, modelos dinâmicos têm por objetivo explicar


as mudanças temporais5. Sob essa ótica, a que retoma a noção de ‘perío-
do’, Lima Júnior (2016a, b) analisa o desenvolvimento fonológico da lín-
gua adicional com um sistema dinâmico, adaptativo-complexo. O au-
tor sugere que a Teoria dos Sistemas Adaptativos-Complexos dá conta
não apenas de processos linguísticos, mas de sistemas/processos na-
turais do mundo. Com uma base teórica ancorada em Larsen-Freeman
(1997), De Bot, Lowie e Verspoor (2007), De Bot (2008) e Larsen-Freeman
e Cameron (2008), pesquisadores mais recentes como Lima Júnior (2016a,
2016b) e Lowie e Verspoor (2018) propõem uma análise individualizada
e longitudinal do desenvolvimento fonológico dos aprendizes, já que,
dessa forma, é possível retratar o processo em contínua mudança e não
apenas um retrato (estágio) em que se encontra a fala do participan-
te no momento da coleta. Conforme apontam Lowie e Verspoor (2018),
a análise transversal e aglutinada apresenta-se limitada quando com-
parada com a análise longitudinal e individual, pela natureza comple-
xa e dinâmica do processo de desenvolvimento de uma LA. Além disso,
a complexidade e dinamicidade desse processo está intimamente ligada
com a não linearidade, que também é mais bem retratada em estudos
individuais e longitudinais.
Nesta seção, foi apresentada uma breve descrição teórica dos sis-
temas adaptativos-complexos, com foco nas propriedades da dinamici-
dade, da não linearidade e da individualidade desses sistemas. A seguir,
serão delineados os procedimentos metodológicos de ambos os estágios
desta pesquisa, conduzida em 2015 e em 2020.

3 METODOLOGIA

Nesta seção, serão apresentados os procedimentos metodológi-


cos envolvidos em ambas as etapas do estudo longitudinal. As informa-

5 “Cognition and time. Cognitive behaviors are not atemporal; they exist and unfold over
time. Dynamical models take as their goal the specification of how and a system’s states
changes occur. Thus, any useful account of cognitive behavior must necessarily explain
such temporal changes; and this is precisely what dynamical models take as their goal”
(ELMAN, 1998, p. 28).

108
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

ções pessoais sobre o participante serão apresentadas na subseção 3.1,


o objetivo, a hipótese e a operacionalização serão apresentadas em 3.2,
as palavras e instrumentos de coleta, em 3.3, as coletas, em 3.4, e a ins-
trução, em 3.5.

3.1 O participante

O estudo longitudinal contou com um participante de nacionali-


dade mexicana, com 38 anos de idade e aluno de Doutorado do Programa
de Pós-Graduação em Biologia em uma instituição privada de ensino
superior de Porto Alegre (dados pessoais na primeira etapa do estudo,
abril a agosto de 2015). O aluno demonstrou forte interesse e motivação
para aprender o português. Seu contato inicial com a língua portuguesa
começou cinco meses antes da sua vinda ao Brasil, através dos cursos
Duolingo e Babel6. Quanto ao emprego das línguas, o aprendiz mexica-
no, usuário de inglês também, conviveu com outros falantes de espa-
nhol na sua residência no primeiro ano em Porto Alegre. Afirma ter usa-
do a língua portuguesa em contexto acadêmico e na forte convivência
com brasileiros nos anos seguintes. O participante residia há dois meses
em Porto Alegre quando iniciou a primeira etapa do estudo longitudinal
e retornou ao seu país de origem em 2019, com 42 anos.

3.2 Objetivo, hipótese e operacionalização

O estudo teve como objetivo inicial verificar a premissa dinâmica


de que uma mudança em um componente do sistema linguístico adicio-
nal pôde modificar os demais componentes tanto do sistema materno
quanto do adicional em um período de quatro meses. Os achados são de-
lineados em Pereyron (2017), Pereyron e Alves (2018) e Pereyron e Alves
(2019). Mais recentemente, o presente trabalho investiga a retenção
da intervenção intensiva (realizada em 2015) no desenvolvimento da LA
e seus efeitos sobre o sistema da L1 do aprendiz cinco anos mais tarde,

6 Ambos os cursos são oferecidos na internet, gratuitamente. Sua metodologia insere jogos e
outras atividades interativas.

109
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

isto é, em 2020. A hipótese é a de que as alterações encontradas tan-


to na L1 quanto na LA em termos de valores formânticos (PEREYRON,
2017; PEREYRON, ALVES, 2018) e em termos de durações vocálicas
(PEREYRON, 2017; PEREYRON; ALVES, 2019) sejam mantidas pelo in-
formante devido à instrução explícita oferecida ao participante em 2015
e ao contexto de imersão na LA entre 2015 e 2019.
Quanto à operacionalização, foram comparadas as produções vo-
cálicas em termos de altura (F1), de anterioridade (F2) e de durações
relativas dos sistemas vocálicos da L1 e LA do aprendiz longitudinal-
mente. As coletas ocorreram na primeira semana–antes do início do pe-
ríodo de instrução -, ao longo do período de instrução–a cada quatro
semanas -, e ao fim de todas as sessões de instrução. Os resultados desta
primeira etapa do estudo são delineados em Pereyron (2017), Pereyron
e Alves (2018) e Pereyron e Alves (2019). Para o presente estudo, isto é,
a segunda etapa, as produções vocálicas do informante foram coletadas
em 2020 com vistas a verificar se as alturas empregadas para a realização
das vogais médias de ambas as línguas, materna e adicional, e as longas
durações vocálicas encontradas nos estudos anteriores mencionados fo-
ram mantidas.

3.3 Palavras e instrumentos de coleta

Para fins da presente pesquisa, foram formulados dois instru-


mentos de leitura: uma sequência de frases-veículo com palavras-alvo
na língua espanhola e uma sequência de frases-veículo com palavras-al-
vo na língua portuguesa. Os vocábulos dos instrumentos em português
e em espanhol são dissilábicos (como, por exemplo, ‘faca’ em português,
e ‘pepa’, em espanhol) e trissilábicos (como ‘sucata’ em português e ‘ma-
chete’ em espanhol). Optou-se por palavras com duas e três sílabas para
atender ao critério de que as palavras tivessem que ser bastante fre-

110
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

quentes7 na língua a ser lida, visto que a variável referente à frequência


de uso foi controlada. Para tal propósito, apenas palavras dissilábicas
não foram suficientes; assim, foram inseridas as palavras com três síla-
bas e bastante frequentes, como a palavra ‘alface’.
A vogal analisada foi a tônica, localizada na primeira sílaba da pa-
lavra dissilábica, por exemplo, a vogal ‘a’ em ‘fato’, ou na segunda síla-
ba da palavra de três silabas, por exemplo, a vogal ‘a’ em ‘sucata’. Para
ambas as línguas foram utilizadas as plosivas [p, t, k] e/ou as fricativas
e africadas [s, ʃ, ʧ, f] como contexto antecedente e seguinte. Os contex-
tos antecedentes e seguintes da vogal tônica eram surdos8, de modo
a não causar um alongamento da referida vogal devido ao vozeamento
da consoante precedente ou seguinte (ALVES, 2015). Foram investigadas
as cinco vogais do espanhol [a, e, i, o, u] e as sete vogais orais do portu-
guês [a, Ɛ, e, i, o, ɔ, u]. Para cada vogal, foram apresentadas seis palavras
(6 types), com três repetições (3 tokens), de modo a serem obtidas dezoito
produções de cada vogal em cada língua. Além disso, não foram inclu-
ídas palavras cognatas com o espanhol no instrumento em português,
a fim de não induzir o informante falante de espanhol como L1 a acessar
sua língua nativa, em termos de priming. ( RODRIGUEZ-FORNELLS et al.,
2005). O mesmo procedimento foi realizado para o espanhol: o instru-
mento contou com seis palavras para cada vogal, três sendo dissilábicas
e três trissilábicas, repedidas três vezes, totalizando dezoito produções,
por participante, para cada vogal.

7 Um critério tomado na escolha das palavras em português foi o fato de essas palavras não
serem cognatas com a língua espanhola. Além disso, precedeu-se a uma busca das palavras
que respeitassem o número de sílabas estipulado e cujos contextos antecedentes e seguin-
tes da vogal alvo fossem surdos. Satisfeitos tais critérios, procedeu-se à verificação da fre-
quência das palavras escolhidas, de modo a serem selecionadas as que mais se mostraram
frequentes na língua. A frequência das palavras, que desempenha um papel muito impor-
tante na aquisição de uma língua adicional, segundo Bybee (2010), foi verificada através do
banco de dados corpus brasileiro do LAEL (Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem) da
PUCSP.
8 Houve apenas uma exceção com referência ao vozeamento. Trata-se da palavra ‘beco’ (por-
tuguês) que apresenta contexto antecedente vozeado, pois não foi encontrada uma palavra
dissilábica com a vogal [e] e contexto antecedente surdo que não fosse cognata.

111
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ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

As palavras foram inseridas em frases-veículos (Diga “palavra-


-alvo ”), apresentadas em slides, como “diga tosse” e “diga pipoca”,
9

em português, e “diga coche” e “diga machaca”, em espanhol. A lista


de palavras do espanhol contou com 105 tokens, dos quais 90 eram pala-
vras-alvo e 15, distratores; por sua vez, a lista de palavras do português
contou com 145 tokens, dos quais 126 eram palavras-alvo e 19, distra-
tores10. Além disso, todas as palavras foram inseridas nos respectivos
instrumentos, em ordem aleatória, e a ordem dos instrumentos também
era oferecido aleatoriamente.

3.4 As coletas

As coletas da primeira etapa do estudo, em 2015, foram realizadas


em uma sala silenciosa em Porto Alegre, onde apenas o participante e a
pesquisadora estavam presentes, na qual o participante fora solicitado
a ler as frases-veículos contendo as palavras com os alvos dos instru-
mentos da pesquisa. A primeira coleta foi realizada antes do período
de instrução, e as seguintes coletas ocorreram a cada quatro semanas
durante os meses de instrução, de modo que a quinta coleta ocorreu
ao final do período de instrução. As coletas foram realizadas com pausas
de cinco minutos11 entre as leituras dos instrumentos. O ordenamento
de aplicação dos instrumentos em espanhol e em português deste estu-
do foi realizado de forma alternada, a fim de que o participante não se
familiarizasse com a ordem dos instrumentos de leitura. A sexta coleta,

9 As frases-veículos foram, primeiramente, formadas por “Diga ______, por favor”. No entanto,
os instrumentos de leitura tornaram-se muito extensos (conforme verificado com três par-
ticipantes argentinos, que realizaram a tarefa como piloto), e foi decidido encurtar a frase
para apenas “Diga ______”. Cabe mencionar que não foram encontrados efeitos de lista nas
produções dos participantes, tais como entonação descendente ou ascendente ao final da
frase.
10 Devido ao extenso número de palavras-alvo a serem lidas e ao fato de que o instrumento
havia ficado muito longo, conforme mencionado na nota-de-rodapé anterior, decidiu-se
inserir uma palavra distratora para cada 8 palavras-alvo, em ambos os instrumentos. Dois
distratores também foram inseridos no início do instrumento, a fim de evitar que o partici-
pante começasse a leitura com as palavras que iriam sofrer análise acústica.
11 Reconhece-se que a coleta de cada língua deveria ocorrer em dias distintos. Entretanto, isso
não se mostrou viável em termos de logística e deslocamento do participante. Dessa forma,
respeitou-se, pelo menos, um intervalo de tempo entre cada coleta.

112
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ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

em 2020, ocorreu em uma sala silenciosa, onde o participante sozinho


gravou a leitura das palavras em espanhol primeiramente e, em seguida,
em português. O software utilizado para todas as gravações de áudio foi o
Audacity12, e as gravações em 2015 foram realizadas em um computa-
dor Sony Vaio, com um microfone Sony, modelo ECM XM1, ligado dire-
tamente no computador. Todo o material acústico foi salvo em arquivo
wav, com taxa de amostragem de 44.100 Hertz. Já a gravação em 2020,
foi realizada no computador do participante, microfone interno, modelo
não informado.

3.5 A instrução

A instrução, com base no ensino de pronúncia de cunho comu-


nicativo (CELCE-MURCIA et al., 1996), além de voltada ao desenvolvi-
mento de aspectos de pronúncia não em contexto isolado, mas integra-
do a funções comunicativas (ALVES, 2015), teve por objetivo diminuir
as dificuldades dos falantes nativos do espanhol na produção vocá-
lica em português, como na produção das vogais médias baixas. Teve,
também, o objetivo de acelerar o processo de desenvolvimento fonéti-
co-fonológico do participante, para que, no curto intervalo de quatro
meses, pudessem ser vistas modificações na produção das vogais da LA
do aprendiz. Desse modo, foram enfatizados os sons [ɛ] e [ɔ] inexistentes
na língua espanhola, mas existentes na portuguesa, no intuito de forçar
mudanças no sistema de LA com vistas a verificar se tais mudanças alte-
rariam o sistema materno. As mudanças encontradas nessa parte do es-
tudo longitudinal são discutidas em Pereyron (2017), Pereyron e Alves
(2018) e Pereyron e Alves (2019).
Quanto às sessões, essas foram ministradas em 16 encontros
com duração de uma hora e 30 minutos cada, cujas oito primeiras sessões
ocorreram no curso de português para estrangeiros (com foco em escrita
e leitura), juntamente a outros alunos que faziam parte da instrução.
Em seguida, por mais oito sessões, o participante mexicano participou

12 Software livre. Download gratuito em www.audacity.sourceforge.net.

113
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ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

da instrução de forma individual, cujas aulas aconteceram na biblioteca


da instituição.
A seguir, serão apresentados os resultados, em termos de valores
formânticos e valores de duração relativa, referentes às vogais da língua
de instrução, o português, para a verificação da manutenção das alte-
rações vocálicas no espaço acústico da LA do informante encontradas
em Pereyron (2017), Pereyron e Alves (2018) e Pereyron e Alves (2019).
Em seguida, serão apresentados os resultados em termos de valores de F1
e de F2 bem como as durações relativas referentes à L1 do aprendiz, o es-
panhol, que indicaram alterações nos estudos mencionados anteriores,
possivelmente devido à interconexão dos sistemas do falante bilíngue.

4 RESULTADOS

Conforme mencionado anteriormente, os resultados referentes


à língua de instrução, o português, serão apresentados primeiramente
nesta seção, em termos de mudanças encontradas nos formantes um e
dois, com discussão apenas acerca do primeiro formante, que diz respei-
to à altura. Segundo Ladefoged e Maddieson (1996), é a dimensão da al-
tura (F1) que contrasta as vogais entre as línguas, portanto, os valores
do eixo anteroposterior (F2) do presente estudo serão apenas apresen-
tados nas tabelas, mas não discutidos. Aqueles e as durações relativas
serão discutidas na seção 4.1. Já a seção 4. 2 traz os resultados referen-
tes à língua materna, o espanhol, em termos de alterações formânticas
e durações relativas. Assim como na discussão sobre a LA, apenas serão
discutidos os valores referentes ao primeiro formante, que diz respeito
ao eixo da altura da língua do trato oral.

4.1 O português
4.1.1 Alterações formânticas

Os achados da primeira etapa do estudo longitudinal (PEREYRON,


2017; PEREYRON; ALVES, 2018) evidenciaram que houve a realização

114
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
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e, consequentemente, a distinção das vogais médias anteriores do por-


tuguês, aceleradas pela instrução fornecida. As alterações ocorreram
em termos de primeiro e segundo formantes, conforme mostra a Figura
1 a seguir:

Figura 1–Plotagens do sistema vocálico do português do informante durante o


período de instrução (2015)

Fonte: autora (2022)

De acordo com as plotagens da Figura 1, houve a distinção das vo-


gais médias anteriores [e] e [ɛ], sobretudo nas três últimas coletas da pri-
meira etapa do estudo. Esse fato indica que o participante iniciou a dis-
tinguir as vogais médias anteriores a partir da terceira coleta, dois meses
após o início da instrução, conforme já descrito em Pereyron (2017)
e Pereyron e Alves (2018). Conforme já explicado nos estudos anterio-
res, a produção distinguida em termo de F1 das vogais médias anteriores
vai ao encontro do que afirma Lindblom (1986), com relação à melhor
percepção das vogais anteriores do que as vogais posteriores. Segundo
o autor, as vogais anteriores, por estarem localizadas na parte frontal
do trato oral, apresentam maior facilidade na percepção.
Para fins de comparação, toma-se o valor da média de F1 em Hertz
na terceira coleta da primeira etapa do estudo (2015), período o qual
foi marcado por um momento de mudança no sistema do informan-
te em termos de eixo de altura da língua no trato oral, com o valor
de 527Hz para [e] e 579Hz para [ɛ]. Tais valores contemplam a distinção

115
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entre as médias anteriores do português (PEREYRON, 2017; PEREYRON;


ALVES, 2018).
Já a produção das vogais médias posteriores [o] e [ɔ] continua so-
breposta ao longo das cinco coletas de 2015, o que indica que o partici-
pante não chegou a distinguir tais vogais do sistema adicional no pe-
ríodo de instrução13. No entanto, também é na terceira coleta de 2015
que essas vogais apresentam valores de F1 mais altos, de forma a indicar
que a realização das médias posteriores ocupa o espaço acústico mais
baixo do trato oral, com 572,9HZ para [ɔ] e 587,8Hz para [o]. (PEREYRON,
2017; PEREYRON; ALVES, 2018).
A seguir, a Figura 2 e a Tabela 1 apresentam a plotagem e as médias
em Hertz, respectivamente, do sistema vocálico do português do parti-
cipante cinco anos após a instrução, com vistas à comparação, no eixo
de altura, entre as realizações vocálicas de 2015 e 2020.

Figura 2–Plotagens do sistema vocálico do português do informante 5 anos


após o período de instrução

Fonte: autora (2022)

Conforme pode ser observado na plotagem da Figura 2, o partici-


pante não reteve a distinção em termos do primeiro formante no âmbi-
to das vogais médias anteriores, de modo a realizar uma sobreposição
das vogais [e] e [ɛ]. A média de 514Hz encontrada tanto em [e] quanto em

13 A discussão completa acerca da produção das vogais médias posteriores bem como todos os
valores formânticos vocálicos encontra-se em Pereyron (2017) e Pereyron e Alves (2018).

116
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[ɛ] indica que o informante utiliza a mesma altura para produzir a vogal
média baixa e a vogal média alta anteriores do português em seu espaço
acústico.
Com referência às vogais médias posteriores, assim como no pe-
ríodo de instrução, o participante continua realizando [o] e [ɔ] de forma
sobreposta. Os valores das médias de F1 em 2020 são bastante próximos,
com 513Hz para [o] e 520Hz para [ɔ]. A produção das vogais médias pos-
teriores, no entanto, se mostra mais alçada em 2020, conforme é mos-
trado na Figura 2 anterior, em contraste à produção de 2015 (mostrada
na Figura 1 anterior), em que os valores formânticos de [o] e [ɔ] ocupa-
vam uma faixa de altura aproximadamente de 580HZ, conforme já des-
crito. Fato esse indica que o informante não emprega a faixa mais baixa
do espaço acústico que empregava cinco anos antes para a realização
das médias posteriores.
A Tabela 1 a seguir apresenta as médias, em Hertz, de F1 e de F2 do
sistema vocálico do português do informante em 2020, cinco anos pas-
sados da instrução.

Tabela 1–Médias (em Hertz) e Desvios-padrão das vogais do português


produzidas pelo participante do estudo longitudinal (n. de cada vogal = 18)
após 5 anos da instrução

[a] [ε] [e] [i] [ͻ] [o] [u]

676,4 514,9 514,7 411,4 520,6 513,0 464,1


F1
(DP: 15,3) (DP: 11,8) (DP:29,2) (DP:28,1) (DP:11,4) (DP:16,0) (DP:22,7)
1230,8 1782,6 1842,2 2032,7 866,6 886,2 865,8
F2
(DP:147,5) (DP:109,7) (DP:77,6) (DP:43,2) (DP:60,1) (DP:74,6) (DP:155,3)

Com base na Tabela 1 anterior, pode-se observar que a média


em termos de F1 da vogal [ɛ] (514Hz) do informante em 2020 aproxima-
-se da média desta vogal na segunda coleta da primeira etapa do estudo
em 2015, isto é, no início do período de instrução, em que o participante
ainda não distinguia as vogais médias anteriores do português, com ape-
nas valor de 518,7 Hz. (PEREYRON, 2017; PEREYRON; ALVES, 2018).

117
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Ao tomar-se o valor da terceira coleta de 2015, em que [ε] foi produzida


com valor de F1 de 579,7Hz, pode-se afirmar que o participante chegou
a produzir a referida vogal consideravelmente mais baixa dentro do seu
espaço acústico, mas não reteve esta característica em 2020.
A vogal média baixa [ε] demonstrou o mesmo valor de F1 da vo-
gal média alta [e] que, conforme a Tabela 1 anterior, apresentou o valor
de 514,7Hz. Resultado esse que indica a sobreposição das vogais [e] e [ɛ]
nesta coleta de 2020 e confirma a perda dos efeitos de instrução em ter-
mos de alturas formânticas.
Quanto às vogais médias posteriores [ͻ] e [o], sobrepostas
no período de instrução, continuam com as médias próximas de 520,6Hz
e 513,0Hz, respectivamente, cinco anos após a instrução explícita, o que
indica que são realizadas como uma mesma vogal. No entanto, per-
cebe-se uma produção alçada das vogais médias posteriores em 2020
em oposição a 2015, o que pode indicar que, em 2015, o informante re-
alizava tais vogais em uma tentativa de utilizar uma faixa mais baixa
no seu espaço acústico, justamente a faixa da vogal média baixa aber-
ta, mas não o faz mais em 2020. Nesta última coleta, pode-se perceber
um espaço vazio no espaço acústico entre as faixas de 550 Hertz e 650
Hertz, o que não aconteceu em 2015, sobretudo na última coleta. Tais
achados corroboram os postulados de Lindblom (1986) acerca da per-
cepção dificultada das vogais posteriores do trato oral.
Em suma, o participante, que demonstrou distinção em termos
de altura formântica, mesmo que leve, nas vogais médias anteriores
em 2015, parece não ter retido tais distinções, de modo a produzir am-
bas as vogais médias anteriores como uma categoria apenas. Referente
às vogais médias posteriores, que já não eram distinguidas em 2015,
continuam sendo realizadas como uma mesma vogal, mas em 2020,
se mostram mais alçadas.

4.1.2 Alterações nas durações

As durações relativas, segundo Silva (2014b), são um alicerce para


o controle da taxa de elocução do informante. “Esta normalização é indi-

118
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cada para evitar que fatores prosódicos, como velocidade de fala, possam
enviesar os resultados” (p.15). A seguir, a Tabela 2 apresenta os valores
de duração relativa14 do sistema vocálico do português do participante
em 2020.

Tabela 2–Médias (em porcentagens) e Desvios-Padrão das durações relativas


das vogais do português produzidas pelo participante do estudo longitudinal
(N de cada vogal = 18) após 5 anos da instrução

[a] [ε] [e] [i] [ͻ] [o] [u]


Dissíla- 12,59 12,34 15,61 15
8,40 12,80 12,17 8,65
bos (DP: 1,45) (DP:1,79) (DP:1,99) (DP:1,80) (DP:2,43) (DP:1,57) (DP:1,57)
Trissíla- 12,22 10,22 10,33 8,12 9,27 9,68 8,24
bos (DP:0,64) (DP:1,27) (DP:1,24) (DP:2,26) (DP:1,51) (DP:1,04) (DP:2,48)

As durações produzidas no sistema vocálico do português


do informante no período de instrução tampouco foram mantidas, já que
o informante produziu as vogais do português em 2020 com médias se-
melhantes às vogais do português da primeira coleta em 2015, e não
das últimas coletas, em que as vogais médias foram bastante alongadas.
O valor da média da vogal [ε] de 12,34% para os dissílabos e 10,22% para
os trissílabos, em 2020, mostrados na Tabela 2 anterior, aproxima-se
das médias apresentadas na primeira coleta em 2015, período anterior
à instrução, no qual o informante ainda realizava durações mais curtas,
com valores de 13,96% para os dissílabos e 13,24% para os trissílabos.
Após a terceira coleta no período da instrução, em 2015, o informante

14 Para a obtenção dos valores de duração relativa, procedeu-se à medição da duração de toda
a frase-veículo, desde o pré-vozeamento da primeira consoante da frase até o último pico
de vozeamento da palavra-alvo. Após, através de uma regra de três, os dados de duração
absoluta do evento acústico foram multiplicados por 100 e divididos pelo valor da duração
absoluta da frase, para que se obtivesse, como resultado, o percentual ocupado pela vogal
no interior da frase-veículo.
15 Os valores de durações dos dissílabos com a vogal [e] possivelmente sofreram um aumento
devido à presença da consoante vozeada [b] em beco, que tende a alongar a vogal seguinte.
Essa palavra foi mantida em função da alta frequência na LA, mesmo quando todas as ou-
tras palavras dos instrumentos apresentavam consoantes surdas antecedendo e sucedendo
a vogal. Ademais, as vogais dos demais dissílabos, ‘eta’ e ‘epa’, também devem ter sofrido
uma maior duração na frase “diga epa/eta”, já que o informante uniu a vogal da palavra
anterior à vogal [e].

119
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chegou realizar a vogal [ε] com o valor de 18,55%, nas palavras dissílabas
e 17,57% nas palavras trissílabas, durações quase tão altas quanto às du-
rações dos nativos porto-alegrenses. (PEREYRON, 2017; PEREYRON;
ALVES, 2019). Essa realização de vogais alongadas não foi retida, con-
forme mostram os resultados do presente estudo.
Quanto à vogal [e], com 15,61% de duração vocálica no caso
dos dissílabos e 10,33% no caso dos trissílabos na coleta de 2020, confor-
me mostra a Tabela 2 anterior, a duração atual assemelha-se à duração
da primeira coleta do informante em 2015, com 16,09% para os dissí-
labos e 11,61% para os trissílabos. Cabe ressaltar que a primeira coleta
se refere ao período pré-instrução, em que o informante ainda mantinha
pouco contato com a língua alvo. A partir da terceira coleta de 2015, con-
forme mostrado em Pereyron (2017) e Pereyron e Alves (2019), o período
foi marcado por uma desestabilização do sistema linguístico, e o infor-
mante empregou 20,30% de duração de [e] para os dissílabos e 14,62%
para os trissílabos. Esse resultado novamente revela que o participante
chegou a realizar durações semelhantes às dos nativos porto-alegrenses
em 2015 (PEREYRON, 2017; PEREYRON; ALVES, 2019), mas não as rete-
ve, de acordo com os valores apresentados na Tabela 2, anterior.
Similarmente, a vogal média baixa posterior também apresentou
durações ainda mais curtas na coleta de 2020, em que [ͻ] exibiu 12,8%
nos dissílabos e apenas 9,27% nos trissílabos, em contraste a 15,10%
no caso dos dissílabos e 12,85% no caso dos trissílabos referentes à pri-
meira coleta do informante em 2015, período pré-instrução16. A par-
tir da terceira coleta em 2015, a referida vogal obteve durações como
18,19% nas palavras dissílabas e 14,7% nas palavras trissílabas, de modo
a revelar que o informante alongava a vogal média baixa posterior da LA,
assim como os falantes monolíngues do português, conforme é contem-
plado em Pereyron (2017) e Pereyron e Alves (2019).
Quanto à vogal média alta [o], os valores 12,17% para os dissílabos
e 9,68% para os trissílabos, de acordo com a Tabela 2 anterior, chegam
a ser mais baixos do que os valores da primeira coleta de 2015, quando

16 Essas e as demais vogais, que a partir da terceira coleta em 2015, durante a instrução, apre-
sentam valores bastante elevados, semelhantes aos valores apresentados pelos nativos por-
to-alegrenses, são encontrados em Pereyron (2017) e Pereyron e Alves (2019).

120
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[o] teve durações de 14,36% no caso dos dissílabos e 13,31% no caso


dos trissílabos. Novamente, o informante chegou a produzir durações
de [o] como 17,77% para as palavras dissílabas e 14,66% para as palavras
trissílabas na terceira coleta de 2015, conforme contemplam Pereyron
(2017) e Pereyron e Alves (2019).
Os resultados apontam que o informante não manteve as durações
vocálicas próximas as dos nativos monolíngues do português de Porto
Alegre realizadas em 2015, no período de instrução. Fato esse que pode
ser justificado devido a não manutenção das alturas formânticas exigi-
das para a realização das médias baixas anteriores e posteriores. O parti-
cipante, ao não usufruir do trato oral mais aberto para produzir as vogais
médias baixas, parece usar o mesmo espaço acústico das vogais mé-
dias altas, com trato oral mais fechado e, consequentemente, durações
mais curtas.
Para concluir, o informante, mesmo tendo vivido no Brasil até 2019
e relatado que conviveu mais com brasileiros do que falantes de espa-
nhol, parece ter perdido os efeitos da instrução com foco articulatório
do sistema vocálico do português, sobretudo, das vogais médias baixas
do sistema em desenvolvimento. Os valores apresentados anteriormen-
te, referentes à coleta de 2020, mostram-se muito semelhantes aos va-
lores encontrados na primeira coleta de 2015, período no qual o infor-
mante ainda não havia experienciado a instrução formal e o período
de imersão estava no seu início.
Ancorado em Lowie e Verspoor (2018), que afirmam que uma pe-
quena mudança na interação social do indivíduo pode levar a mudanças
subsequentes na sua motivação, realização e estilo de aprendizagem,
entende-se a perda de alterações formânticas e temporais do sistema
vocálico do aprendiz deste estudo. No entanto, o que não se pode prever
é em que ponto da trajetória o informante perdeu os efeitos da instrução
formal no que diz respeito à realização das vogais [ɛ] e [ɔ]. Essa é uma
grande limitação do presente estudo, visto que foi realizada uma coleta
apenas em 2020, e não antes.

121
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
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A seguir, os resultados, tanto em termos de valores formânticos


quanto de duração relativa, referentes ao sistema vocálico do espanhol,
serão contemplados.

4.2 O espanhol
4.2.1 Alterações formânticas

Possivelmente devido à formação de categorias novas mais bai-


xas na LA, sobretudo na terceira coleta, período fortemente marcado
por uma desestabilização do sistema linguístico, conforme mostram
Pereyron (2017) e Pereyron e Alves (2018), o informante parece realizar
as vogais médias do espanhol nas suas formas mais baixas, de acordo
com a visualização das plotagens a seguir:

Figura 3–Plotagens do sistema vocálico do espanhol do informante durante o


período de instrução (2015)

122
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Ao tomar-se por base as faixas de altura nas quais o informante


realiza as vogais médias do espanhol durante o período de instrução,
pode-se observar que a realização da vogal média anterior nas plotagens
de 2015, conforme mostra a Figura 3 anterior, dá-se em torno de 500
Hertz. A referida vogal, no entanto, é alçada, como se o participante evi-
tasse de preencher o espaço acústico formado para a produção da média
baixa do português, [ɛ], que tende a ocupar a faixa de altura entre 500 e
600 Hertz.
Já quanto à média alta posterior, [o] ocupa a faixa de altura de 500
Hertz, segundo a Figura 3 anterior, mas na terceira e quinta coletas,
a referida vogal é realizada nas formas mais baixas no espaço acústi-
co, de modo a ocupar a faixa de altura entre 500 e 600 Hertz. Mesmo
o participante não tendo formado a categoria para a vogal média bai-
xa posterior do português, conforme visto em 4.1.1, parece ter utilizado
uma porção do espaço acústico destinado à média baixa posterior para
a produção da média posterior da L1.
Para fins de verificação da hipótese que prevê a manutenção das al-
terações formânticas na língua materna, a Figura 4 apresenta a plotagem
do sistema vocálico do espanhol do informante após o período de ins-
trução (2020):

Figura 4–Plotagens do sistema vocálico do espanhol do informante após o


período de instrução (2020)

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VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

As vogais médias do espanhol parecem ter sofrido um leve al-


çamento, de modo a deixar um “vazio” na faixa de altura entre 550 e
650 Hertz, justamente o espaço acústico das médias baixas do português
do informante, de acordo com as plotagens da Figura 1 anterior.
A Tabela 3, a seguir, apresenta as médias (em Hertz) e Desvios-
padrão dos valores formânticos do sistema vocálico materno do infor-
mante referentes a 2020:

Tabela 3–Médias (em Hertz) e Desvios-Padrão (DP) dos valores formânticos


das vogais do espanhol produzidas pelo participante do estudo longitudinal
em 2020 (N de cada vogal = 18 por coleta)

[a] [e] [i] [o] [u]


681,6 508,3 408,2 532,4 504,3
F1
(DP: 27,7) (DP: 24,8) (DP: 30,9) (DP:15,8) (DP: 69,5)
1336,9 1661,0 1699,0 908,9 882,6
F2
(DP: 67,1) (DP: 342,2) (DP: 137,5) (DP: 41,9) (DP: 306,8)

O que se pode salientar é a produção da vogal média [e], que apre-


sentou variação nos valores de F1 entre 460 e 492 Hertz no período
de instrução em 2015 (PEREYRON, 2017; PEREYRON; ALVES, 2019), e,
em 2020, apresentou o valor de F1 de 508,3Hz, de acordo com a Tabela 3.
Tais valores indicam que a vogal da L1 sofreu alterações tanto no perío-
do de instrução (PEREYRON, 2017; PEREYRON; ALVES, 2019), quanto
continuou sofrendo mudanças ao longo dos cinco anos que o informante
residiu no Brasil, conforme prevê a premissa dinâmica que a interação
de agentes de um sistema linguístico pode causar alterações nos demais
componentes dos outros sistemas. Tal valor de F1 de 508,3Hz sugere
um leve abaixamento da vogal [e] no trato oral, como se o falante usasse
o espaço acústico destinado para a vogal [ɛ] do português, espaço acús-
tico já explorado e descoberto pelo informante em 2015.
Em relação à vogal média posterior, o informante realiza a vo-
gal [o] com as mesmas médias de F1 da terceira (531,3Hz) e da quin-
ta (530,0HZ) coletas de 2015, período que indicou grandes alterações
nos sistemas vocálicos do informante (PEREYRON, 2017; PEREYRON;

124
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

ALVES, 2019). Em 2020, conforme mostra a Tabela 3 anterior, o valor


de F1 desta vogal continua o mesmo, com 532,4Hz. Esse resultado reve-
la que o informante manteve as alterações referentes ao eixo de altura
do período de instrução para a vogal [o].
Em suma, tais insumos parecem refletir uma breve perda de efeitos
de altura no desenvolvimento vocálico da vogal média anterior da LA,
percebidos no período de instrução, mas não cinco anos mais tarde,
e uma manutenção das alturas formânticas da vogal média posterior
com os mesmos valores de F1 tanto em 2015 quanto em 2020. Assim, po-
de-se perceber uma retenção de efeitos, mesmo que leve, na vogal mé-
dia posterior da língua mais enraizada do falante. Esses achados vão ao
encontro dos pressupostos de Herdina e Jessner (2002), Brito (2011),
Grosjean (2013) no que se referem à influência linguística não ser uni-
lateral, mas, no mínimo, bilateral. Tais resultados corroboram os acha-
dos em Pereyron (2017), no sentido de que a transferência linguística
é multilateral.
A seguir, os resultados referentes às durações do sistema materno
serão apresentados.

4.2.2 Alterações nas durações

A seguir, na Tabela 4, serão apresentados os valores de duração


relativa do sistema vocálico do espanhol do participante em 2020.

Tabela 4–Médias (em porcentagens) e Desvios-Padrão das durações relativas


das vogais do espanhol produzidas pelo participante do estudo longitudinal
(n. de cada vogal = 18) após 5 anos da instrução

[a] [e] [i] [o] [u]


13,63 10,95 9,04 12,19 9,19
Dissílabos
(DP: 1,37) (DP: 1,27) (DP: 1,99) (DP: 1,04) (DP: 1,53)
11,62 9,83 9,03 10,85 7,05
Trissílabos
(DP: 1,81) (DP: 1,14) (DP: 1,24) (DP: 1,53) (DP: 1,10)

125
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
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As durações vocálicas do sistema materno do informante contem-


pladas na Tabela 4 apresentam valores semelhantes aos da primeira e se-
gunda coletas no início da instrução, em 2015. A vogal [e], em dissílabos,
por exemplo, apresentou a média de 10,31% na segunda coleta de 2015
(PEREYRON, 2017; PEREYRON; ALVES, 2019) e 10,95%, em dissílabos,
em 2020, o que indica que o informante voltou a empregar as durações
do período em que ainda não havia influência das vogais alongadas
do português.
No caso dos trissílabos, [e] apresentou 9,65% também na segunda
coleta de 2015 e 9,83% em 2020, de modo a indicar que o informante
manteve as durações mais curtas que realizou em 2015. Cabe mencionar
que o informante chegou a realizar, para a referida vogal, durações como
14,98% nos dissílabos e 12,39% nos trissílabos na última coleta de 2015,
possivelmente devido à instrução formal e ao contexto de imersão, cor-
roborando Santos (2014) e Santos e Rauber (2014) ao afirmarem que as
vogais do português são produzidas de forma mais alongada do que
as do espanhol.
O mesmo padrão de perda foi verificado para a vogal [o], a qual
em 2015, na última coleta, apresentou valores altos como 17,19%
no caso dos dissílabos e 15,15% no caso dos trissílabos, valores esses se-
melhantes às durações dos nativos porto-alegrenses, segundo Pereyron
(2017) e Pereyron e Alves (2019). No entanto, a realização dessa vogal
na primeira coleta de 2015 (13,70% para os dissílabos e 11,89% para
os trissílabos) mostrou durações baixas antes da exposição do partici-
pante à língua alvo, e que se repete em 2020, com o valor de 12,19% para
os dissílabos e 10,85% para os trissílabos, de modo a indicar que o parti-
cipante não manteve as durações alongadas presentes no final do perío-
do de instrução em 2015.
Seguindo a abordagem teórica de língua como sistema dinâmi-
co, adaptativo-complexo, os estudos longitudinais mostram sua rique-
za na variação (flutuação) da língua que pode ser coletada e observada
em pontos determinados ao longo do tempo (LOWIE; VERSPOOR, 2018).
Assim, é válido trazer uma grande limitação deste estudo: a de apenas
uma coleta tardia, cinco anos após o estudo longitudinal em 2015. Neste

126
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período, em que a instrução formal foi conduzida, foi possível deline-


ar as alterações no sistema linguístico do informante ao logo das cin-
co coletas. No entanto, a coleta tardia, realizada cinco anos mais tarde,
não mostra em que ponto do desenvolvimento o informante perdeu tais
alterações delineadas na primeira etapa do estudo de cunho longitudi-
nal, apenas que ele não as reteve.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos resultados encontrados percebeu-se que o informante


desta pesquisa não manteve, após cinco anos, as modificações na LA en-
contradas no período de instrução formal, com foco articulatório nas vo-
gais médias do português, tanto em termos de mudanças formânticas
quanto em termos de alterações de duração. Seu sistema adicional vo-
cálico mostrou-se muito semelhante ao sistema no início das coletas
em 2015, quando o contato com a língua alvo era ainda baixo. No en-
tanto, o informante apresentou um sistema vocálico híbrido materno
em termos de alterações formânticas, digno da Teoria dos Sistemas
Adaptativos-Complexos, já que esse manteve algumas alterações de F1
em 2020. Quanto às durações, esperava-se que o informante as manti-
vesse, dado que viveu em contexto de imersão no qual apresenta vogais
mais longas do que as do espanhol, o que não ocorreu, visto que o parti-
cipante voltou a empregar as durações curtas do espanhol em 2020.
Tal achado, ademais, revela a importância da instrução formal, vis-
to que o informante residiu no Brasil por quatro anos após essa, mas não
reteve as alterações, o que indica que tais alterações foram oriundas
da instrução e não do contexto de imersão.

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131
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

ALÇAMENTO DA VOGAL “O”:


IMPLICAÇÕES NA ESCRITA DE CRIANÇAS DE
3º E 4º ANOS DO ENSINO FUNDAMENTAL
DA CIDADE DE TRÊS COROAS/RS

Rosemari Lorenz Martins


Universidade Feevale
rosel@feevale.br
Édina Morgana Porcher
Universidade Feevale
Lovani Volmer
Universidade Feevale
lovaniv@feevale.br

1 INTRODUÇÃO

Embora muitas vezes não seja percebido pelo homem, a língua


está em constante evolução. Essas mudanças, contudo, não ocorrem
de forma brusca e imediata, elas se dão por meio de uma transformação
continuada, sempre acompanhando a evolução do homem e da socieda-
de. As variações da língua não estão restritas a fatores linguísticos; elas
também podem sofrer influências de fatores sociais, como idade, sexo,

133
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

escolaridade e localização geográfica do falante. Também não se restrin-


gem à fala, podendo ocorrer, em alguma medida, na escrita.
Entre as diversas variações existentes no português brasileiro, op-
tou-se por investigar, nesta pesquisa, o fenômeno linguístico conheci-
do como alçamento vocálico ou harmonização vocálica, que “consiste
na substituição da vogal média /e, o/ pela vogal alta /i, u/ respectiva-
mente” (BISOL, 2015, p. 188). Apesar de ser um fenômeno da fala, acre-
dita-se que possa ser transferido para a escrita, especialmente no início
do processo de alfabetização, quando a criança busca apoio na fala para
escrever, como verificaram, por exemplo, Tenani e Reis (2011).
Nesse contexto, desenvolveu-se este estudo, que tem como obje-
tivo verificar em que medida o alçamento da vogal “o” na fala de alunos
de 3º e 4º anos do Ensino Fundamental de escolas municipais de Três
Coroas/RS pode refletir também em sua escrita. Busca-se, também,
identificar quais são os fatores linguísticos e sociais que condicionam
a ocorrência do alçamento da vogal “o” na fala das crianças.
Para apresentar os resultados desta investigação, traz-se, em um
primeiro momento, uma definição do fenômeno investigado, na seção 2.
Na sequência, na seção 3, descreve-se a metodologia utilizada para de-
senvolver a pesquisa. E, na seção 4, apresentam e discutem-se os resul-
tados obtidos. Para fechar o capítulo, são apresentadas as considerações
finais, as referências que embasaram o estudo e os apêndices.

2 BASE TEÓRICA

O alçamento vocálico ocorre quando as vogais pretônicas “assi-


milam o traço de altura da vogal seguinte, tornando-se altas como a vo-
gal tônica” (DA HORA, 2012, p. 19). Segundo Monaretto (2013), duran-
te o alçamento, há um direcionamento da língua para a parte superior
da cavidade bucal, produzindo variações como c[o]lher ~ c[u]lher e f[o]
gão ~ f[u]gão. Esse fenômeno é bastante usual no português brasileiro.
A variação das pretônicas, consoante Bisol (2010, p. 67), “uma
das peculiaridades do português do Brasil, é o reflexo de uma regra mui-

134
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

to antiga, oriunda do latim do século IV d. C. e que caracterizou o por-


tuguês quinhentista”. Trata-se de um processo de assimilação regres-
siva, denominado por Bisol (1981) de harmonização vocálica, em que
ocorre a mudança de o > u e de e > i. Essa é, de acordo com Bisol (1981),
uma regra variável, condicionada por múltiplos fatores, especialmente
pela presença de uma vogal alta na sílaba posterior.
No dialeto gaúcho, a harmonização vocálica ocorre moderada-
mente, revelando a preservação da vogal média pretônica, em função
do contato com imigrantes italianos, alemães e espanhóis (BISOL, 1981).
Bisol observou, contudo, em seu estudo, a ocorrência de alçamento tam-
bém em palavras que não contêm vogal alta, como na produção de m[u]
leque ~moleque.
Monaretto (2013, p. 3) traz três regras para o alçamento de /e/ e
/o/, quais sejam:
1. quando ocorre vogal alta na sílaba adjacente precedente (harmo-
nia vocálica) – menino, coruja;
2. /e/ inicial precede sibilante /s/ e nasal – espada, enxada (regra
prestes a se tornar categórica, conforme estudo de Battisti (1993));
3. quando não ocorrem 1 e 2 – pequeno, tomate (sem motivo aparen-
te, aparentemente sem influência fonético/fonológica).
A elevação decorrente de motivo não aparente, conforme
Monaretto (2013, p. 4), ocorre “em contextos variados: em início de pa-
lavra ([e]levador ~[i]levador); no interior de palavra (ac[o]ntecer ~ac[u]
ntecer); em hiato (t[e]atro ~t[i]atro); em sílaba leve ou pesada (p[e]nsan-
do ~ p[i]nsando/ p[e]sado ~p[i]sado)”. A pesquisadora destaca também
os contextos fonológicos precedentes e seguintes como possíveis condi-
cionadores, atribuindo papel importante “às vogais (quebrado, governo),
às labiais precedentes (pelado, boneca) e às vogais seguintes palatais
(senhora, sonhar)” (MONARETTO, 2013, p. 4).
Em 2010, Bisol reexaminou os possíveis condicionamentos para
o alçamento de vogais médias em palavras sem vogal alta /u, i/. Assumiu,
a partir disso, que, nesse caso, não há uma regra variável com condicio-

135
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
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namento específico, mas uma “expansão pelo léxico por onde se estende
via grupo de palavras com uma base comum” (BISOL, 210, p. 78). Esse
processo está mais adiantado, consoante a pesquisadora com a vogal /o/,
o que leva ao aumento de palavras isoladas com vogais alçadas.
O primeiro trabalho de caráter variacionista sobre alternância
das vogais pretônicas da região Sul foi realizado por Bisol (1981), a qual
estudou a variação entre as vogais médias altas e as vogais altas no Rio
Grande do Sul, tendo, como objetivo principal, investigar os contextos
favoráveis para a elevação da vogal pretônica. Em seu estudo, realizado
em quatro comunidades (região metropolitana, de italianos, de alemães
e fronteiriça) e em dois níveis de fala (popular e culta), Bisol (1981) in-
vestigou as variantes e ~ i e o ~ u em posição pretônica, considerando
os fatores linguísticos nasalidade, tonicidade, sufixação, contexto fono-
lógico precedente, contexto fonológico seguinte e fatores extralinguísti-
cos etnia, sexo, situação e idade.
A partir desse estudo, muitos outros foram realizados, como o de
Aguiar e Castro (2007), o de Carmo e Tenani (2013) e o de Monaretto
(2013). Aguiar e Castro (2007) discorrem a respeito da ocorrência
do alçamento vocálico na fala de indivíduos da zona rural de Balsas (Sul
do Maranhão), com idades acima de 65 anos. O objetivo das autoras
foi analisar preliminarmente os aspectos fonético-fonológicos favorá-
veis para a harmonização vocálica em palavras em que a vogal “o” esti-
vesse em posição pretônica. Como resultado, verificaram que o alçamen-
to se mostrou mais favorável em palavras em que o contexto anterior
da vogal “o” fosse fonemas bilabiais e alveolares e, também, nas quais
o contexto posterior fosse fonemas alveolares e nasais.
Carmo e Tenani (2013) buscaram, em sua pesquisa, verificar a ocor-
rência do fenômeno em nomes e verbos, além de verificar a influência
dos fatores sociais na produção do alçamento vocálico. Os informantes,
com idades entre 7 e 65 anos, moradores do noroeste paulista, produ-
ziram oralmente palavras com a vogal “e” e “o” em posição pretônica,
e alçaram a vogal “o” em 16,6%. Como conclusão, as autoras verificaram

136
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

que a vogal “o”, em posição anterior à sílaba tônica, foi relevante para
a ocorrência do fenômeno. Outro fato apresentado pelas pesquisadoras
foi que os fatores sociais não mostraram influência significativa para
a ocorrência do alçamento vocálico, mas identificaram que os homens
se mostraram mais favoráveis ao alçamento, com peso relativo 0,543,
enquanto as mulheres se mostraram menos favoráveis, com peso relati-
vo de 0,459.
Já Monaretto (2013), buscou analisar a ocorrência de alçamento vo-
cálico na fala dos mesmos indivíduos em tempos distintos, 1970 e 2000.
Os informantes, moradores de Porto Alegre/RS, possuíam, no momento
da primeira coleta de dados, idades entre 26 e 58 anos, e, no ano 2000,
idades entre 53 e 85 anos. De maneira geral, como resultado da pes-
quisa, o alçamento ocorreu, em 1970, em 15,4% dos dados e, em 2000,
em 12,8%; o contexto fonológico mostrou-se relevante para a ocorrên-
cia do fenômeno nas vogais “e” e “o”; e o contexto fonológico anterior,
principalmente em palavras com consoantes palatais, com peso relati-
vo de 0,78. Entretanto, a autora ressaltou que o número de aplicações
não foi relevante a ponto de ser possível fazer generalizações acerca
do assunto. Ela também afirmou que o contexto fonológico posterior
se mostrou irrelevante para a produção de alçamento; e verificou que,
em 2000, os homens alçaram mais a vogal “o” do que as mulheres, resul-
tado oposto ao de 1970. Por fim, Monaretto (2013) afirmou que o fenô-
meno de alçamento vocálico em palavras com as vogais “o” e “e” em po-
sição pretônica é um fenômeno estável no Português Brasileiro.
Em relação aos reflexos do fenômeno de alçamento na escrita,
Reis e Tenani (2011) analisaram a grafia não convencional de palavras
com vogais em posição pretônica. Os dados foram obtidos no “Banco
de Produções Escritas do Ensino Fundamental II”, coletados por meio
de textos produzidos por alunos de 6º ano de uma escola localizada no no-
roeste paulista. A análise dos dados indicou que houve uma baixa inci-
dência de ocorrências de alçamento nas palavras analisadas (261/16296,
o que equivale a 1,6%), porém, nas palavras que sofreram alçamento,
o contexto fonológico que se mostrou relevante foi o posterior, princi-

137
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

palmente em casos em que as vogais “e” e “o” eram seguidas por vogais,
formando, assim, hiatos, como na palavra “moeda”. A pesquisa também
revelou, consoante as pesquisadoras, que “a heterogeneidade da escrita
nega a possibilidade de interferência da fala na escrita, na medida em que
se caracteriza a partir do encontro entre as práticas sociais do oral/fala-
do e do letrado/escrito” (REIS; TENANI, 2011, p.41). Assim sendo,

as grafias não convencionais por transcrição fonética,


longe de serem ‘erros’ por influência da fala, são conce-
bidas como resultados da percepção, por parte do escre-
vente, da relação que o alfabeto mantém com o fonético/
fonológico da língua, e as grafias por hipercorreção, por
outro lado, também não são reduzidas à aplicação ‘erra-
da’ de uma regra ortográfica, na medida em que são re-
sultados da percepção da não-biunivocidade entre letras
e sons. (REIS; TENANI, 2011, p. 41-42).

Para finalizar, traz-se a pesquisa de Fonte (2017), que analisou


dados de escritos dos séculos XIII, XV, XVI. A pesquisadora analisou
obras representativas desses séculos, levando em consideração as va-
riações entre o Português Brasileiro e o Português Europeu. Ao verificar
a ocorrência do fenômeno nas obras escolhidas, a autora constatou que,
no Português Europeu, o alçamento vocálico era regra geral em palavras
nas quais as vogais “e” e “o” estavam em posição pretônica ou postôni-
ca, enquanto, no Português Brasileiro, a harmonização vocálica era uma
regra geral entre as vogais postônicas finais e uma regra variável entre
as vogais pretônicas.
Com o intuito de verificar se o alçamento ocorre também na fala
de crianças em processo de alfabetização e se isso se reflete em sua es-
crita e, levando em conta que, segundo Bisol (2010), são necessárias
mais pesquisas para que se possa encontrar algum condicionador foné-
tico para o alçamento de vogais pretônicas sem motivação aparente e,
considerando, ainda, o fato de o alçamento do /o/ estar mais adiantado
em relação ao do /e/, desenvolveu-se esta pesquisa.

138
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

3 METODOLOGIA

O estudo foi desenvolvido a partir de amostras de fala e de escrita


de 93 crianças de 3º e 4º ano do Ensino Fundamental residentes na ci-
dade de Três Coroas/RS. Para participar do estudo, as crianças deviam
ter nascido nessa cidade e sempre ter morado lá. Sua participação no es-
tudo foi autorizada por seus pais por meio da assinatura de um Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

3.1 Sujeitos de pesquisa

Os sujeitos da pesquisa foram 93 estudantes, 47 meninas e 46


meninos, moradores da cidade de Três Coroas/RS, matriculados em 8
escolas de Ensino Fundamental, mantidas pela administração muni-
cipal. Os participantes foram selecionados de forma aleatória, 12 de
cada uma das escolas, totalizando 96 crianças: 3 informantes do sexo
feminino e 3 do sexo masculino do 3º ano do Ensino Fundamental;
3 informantes do sexo feminino e 3 do sexo masculino do 4º ano do
Ensino Fundamental. Contudo, três crianças, uma menina e dois me-
ninos, não entregaram o TCLE, e, em função disso, não puderam parti-
cipar da pesquisa.
Os critérios de seleção da cidade e das escolas para a realização
da pesquisa deram-se de forma intencional, uma vez que uma das pes-
quisadoras residia nessa cidade e trabalhava em uma das instituições,
facilitando, assim, o acesso aos informantes. A seleção dos sujeitos
contou com o auxílio da direção, da coordenação pedagógica das esco-
las e das professoras titulares das turmas, que selecionaram os alunos
e enviaram aos pais deles uma carta de apresentação, em que constava
uma breve explicação sobre a pesquisa, e o TCLE. A partir do TCLE as-
sinado pelos pais, considerou-se permitida a participação das crianças
na pesquisa.

139
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ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

3.2 Instrumentos e métodos

A coleta de dados foi realizada a partir de um conjunto de 22 figu-


ras (APÊNDICE A), construído com base em um quadro de palavras-alvo
(APÊNDICE B), em que a vogal “o” ocorria em duas posições na palavra,
considerando a tonicidade (pretônica, como sabonete, e postônica, como
em cílios). Para a elaboração do quadro de palavras, levou- -se em conta,
também, o contexto fonológico anterior à vogal “o” (vogal, plosivo, fri-
cativo, lateral, nasal e vibrante) e o contexto fonológico posterior (vogal,
plosivo, fricativo, lateral, nasal e vibrante).
Para a coleta dos dados de fala, as imagens foram apresentadas
uma a uma aos alunos, individualmente, solicitando que produzissem
oralmente frases curtas com as palavras-alvo da pesquisa. Todas as in-
terações foram gravadas em um aparelho celular, Asus Zenfone Live,
em formato MP3. Posteriormente, todas as palavras que continham
os fonemas-alvo da pesquisa foram transcritas fonologicamente para
análise.
Para a coleta dos dados de escrita, as figuras foram organiza-
das em uma folha com um espaço ao lado para a escrita de uma fra-
se (APÊNDICE C). Solicitou-se, então, que as crianças escrevessem
uma frase curta ao lado da figura com a palavra que ela representava.
No final, as palavras-alvo foram transcritas da forma como cada criança
as escreveu.
As palavras coletadas (dados de fala e de escrita) foram, então,
organizadas, codificadas, considerando-se as variáveis sociais (esco-
laridade – 3º e 4º ano; gênero – masculino e feminino; escola e infor-
mante) e as variáveis linguísticas (tipo de dado – fala ou escrita; toni-
cidade – pretônico ou postônico), além do contexto fonológico anterior
e contexto fonológico posterior (vogal, plosivo, fricativo, lateral, nasal
e vibrante), e analisadas, utilizando-se o programa de análise estatística
Goldvarb X.
As variáveis linguísticas tonicidade, contexto fonológico anterior
e contexto fonológico posterior foram definidas com base em pesquisas

140
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
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anteriores, como a de Aguiar e Castro (2007), que verificaram que o al-


çamento vocálico ocorre com maior frequência quando a vogal “o” está
em posição pretônica e que tanto o contexto fonológico anterior quanto
o posterior são relevantes para o alçamento da vogal, o que foi confirma-
do por Monaretto (2013).
A metodologia utilizada para analisar os dados seguiu os pressu-
postos da teoria da variação linguística (LABOV, 1972; SANKOFF, 1988).

4 RESULTADOS

Nesta seção, são apresentados e discutidos os resultados obtidos


para a análise das amostras de fala e escrita coletadas com as crianças
participantes da pesquisa. Para facilitar a leitura, apresentam-se, pri-
meiramente, na seção 4.1, os dados de fala; na sequência, na seção 4.2,
os dados de escrita; e, para finalizar, na seção 4.3, faz-se uma aproxima-
ção entre os resultados obtidos para os dois tipos de dados analisados.

4.1 Dados de fala

A análise dos dados de fala mostrou que houve produção de alça-


mento da vogal “o” em 35,2% (375/1067) das palavras produzidas, como
na produção de [‘fosfuru] para fósforo. Considera-se essa taxa de apli-
cação bastante alta em relação a resultados de pesquisas anteriores,
como as de Silveira (2008), que verificou alçamento em 14% dos dados;
de Carmo (2009), que obteve alçamento em 10% dos dados; de Carmo
e Tenani (2013), que verificaram a ocorrência em 16,3% dos dados e de
Monaretto (2013), que identificou a aplicação em 13,1%. A diferença nes-
ses percentuais pode decorrer da faixa etária dos informantes, uma vez
que, nessas pesquisas, os informantes eram adultos, enquanto nesta,
crianças.
No que diz respeito à tonicidade, o alçamento da vogal “o” ocorreu
preferencialmente em posição postônica, com peso relativo de 0,882,
o que equivale à 58,7% (206/351), enquanto em posição pretônica ocor-
reu em somente 23,7% (170/716), o que equivale a um peso relativo
de 0,271, como pode ser visualizado na Tabela 1.

141
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Tabela 1 – Tonicidade em Dados de Fala

Fatores Peso Relativo Porcentagem Aplicação/Total

Pretônica (ex.: fogão) 0,271 23,7% 170/716

Postônica
0,882 58,7% 206/351
(ex.: pérola)

TOTAL 35,2% 376/1067


Input: 0.285 Significance: 0.022
Fonte: construído pelas autoras (2022)

A análise do contexto fonológico anterior mostrou como mais fa-


vorável para o alçamento da vogal “o” o contexto fricativo, como na pro-
dução de s[u]rvete para sorvete, com peso relativo de 0,621(86/335),
como pode ser visualizado na Tabela 2, que segue.

Tabela 2–Contexto Fonológico Anterior em Dados de Fala

Fatores Peso Relativo Porcentagem Aplicação/Total

Plosiva (ex.: boné) 0,485 29,1% 118/406

Fricativa (ex.: sorvete) 0,621 25,7% 86/335

Rótica (ex.: fósforo) 0,216 17,4% 25/144

Nasal (ex.: mochila) 0,552 78,4% 19/139

Lateral (ex.: martelo) 0,589 88,4% 38/43

41,2%
TOTAL
376/1067
Input: 0.285 Significance: 0.022
Fonte: construído pelas autoras (2022)

142
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Além do contexto fricativo, mostraram-se favoráveis para o alça-


mento da vogal em análise também o contexto “lateral”, com peso rela-
tivo 0,589 (38/43), como em martel[u] para martelo, e o contexto “nasal”,
com peso relativo 0,552 (19/139), como na produção de m[u]chila para
mochila. O contexto “plosivo”, com peso relativo 0,485 (118/406), como
na produção de b[u]né para boné, mostrou-se como não favorecedor
do alçamento, assim como o contexto “rótico”, com peso relativo 0,216
(25/144), que é pouco favorável para a aplicação do fenômeno investi-
gado. Esse resultado é diferente do encontrado por Monaretto (2013),
a qual apontou o fonema palatal como contexto fonológico anterior
mais propício para a aplicação do fenômeno, e, também, do de Carmo
e Tenani (2013), para quem o contexto mais favorável foi a presença
de fonema bilabial /p, b/.
A análise do contexto fonológico posterior mostrou como relevan-
te para o alçamento da vogal “o”, para a amostra de fala, também o con-
texto “fricativo”, com peso relativo 0,948 (130/152), como na produção
de m[u]chila para mochila, como pode ser visualizado na Tabela 3.

Tabela 3–Contexto Fonológico Posterior em Dados de Fala

Fatores Peso Relativo Porcentagem Aplicação/Total

Nasal (ex.: átomo) 0,823 42,7% 82/192

Rótica (ex.: fósforo) 0,141 22,7% 77/339

Lateral (ex.: pérola) 0,447 16,1% 39/242

Fricativa (ex.: mochila) 0,948 85,5% 130/152

Plosiva (ex.: fogão) 0,379 33,8% 48/142

TOTAL 41,2% 376/1067


Input: 0.285 Significance: 0.022
Fonte: construído pelas autoras (2022)

143
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A Tabela 3 mostra como contexto favorecedor para o alçamento


da vogal “o” também o “nasal”, com peso relativo 0,823 (82/192), como
na produção de sab[u]nete para sabonete. Esse resultado corresponde,
em parte, ao encontrado por Aguiar e Castro (2007), cuja pesquisa mos-
trou como favorecedores do alçamento da vogal “o” os contextos fonoló-
gicos posteriores “alveolares” e “nasais”.
Os demais contextos analisados, “lateral”, “plosivo” e “rótico”,
com peso relativo de 0,447 (39/242), 0,379 (48/142) e 0,141 (77/339), res-
pectivamente, mostraram-se pouco favoráveis.
As variáveis sociais analisadas, informante, gênero, escolarida-
de e escola não foram consideradas estatisticamente relevantes pelo
Goldvarb X, por isso não são apresentadas aqui.

4.2 Dados de Escrita

A análise dos dados de escrita mostrou que ocorreu troca da vogal


“o” pela vogal “u”, como na escrita de ‘buné’ para boné, em 6,4% (67/1040)
das palavras escritas pelos informantes da pesquisa. No que tange à va-
riável tonicidade, como pode ser visualizado na Tabela 4, a troca de “o”
por “u” foi mais frequente quando o “o” se encontrava em posição pos-
tônica, com peso relativo de 0,633 (32/337), como na escrita de ‘pérula’
para pérola, mostrando-se esse contexto favorecedor da troca. A posição
pretônica, como na escrita de ‘fugão’ para fogão, por outro lado, mos-
trou-se pouco favorável. Essa troca ocorreu em 35 palavras de 703 anali-
sadas, o que equivale a 5,0% (peso relativo de 0,435).
Tabela 4 – Tonicidade em Dados de Escrita

Fatores Peso Relativo Porcentagem Aplicação/Total

Pretônica (ex.: fogão) 0,435 5,0% 35/703

Postônica
0,633 9,5% 32/337
(ex.: pérola)
TOTAL 6,4% 67/1040
Input: 0.043 Significance: 0.021
Fonte: construído pelas autoras (2022)

144
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
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A análise da variável contexto fonológico anterior mostra como


favoráveis para o alçamento da vogal “o” na escrita das crianças partici-
pantes da pesquisa os contextos “nasal”, “rótico” e “fricativo”, com peso
relativo 0,800 (24/133), 0,735 (112/141) e 0,621 (19/324), respectiva-
mente, como pode ser visualizado na Tabela 5.

Tabela 5–Contexto Fonológico Anterior em Dados de Escrita

Fatores Peso Relativo Porcentagem Aplicação/Total

Plosiva (ex.: boné) 0,242 2,5% 10/402

Rótica (ex.: pérola) 0,735 8,5% 12/141

Nasal (ex.: cômoda) 0,800 18,0% 24/133

Fricativa (ex.: sorvete) 0,621 5,9% 19/324

Lateral (ex.: martelo) 0,320 5,0% 2/40

TOTAL 5,8% 67/1040


Input: 0.043 Significance: 0.021
Fonte: construído pelas autoras (2022)

Já os contextos “lateral” e “plosivo”, com pesos relativos 0,320


(2/40) e 0,242 (10/402), respectivamente, revelaram-se não favorecedo-
res do alçamento da vogal “o” nas amostras analisadas.
Por fim, a análise da variável contexto fonológico posterior mostra
que o alçamento foi mais frequente, na amostra coletada para este tra-
balho, nos contextos “nasal” e “fricativo”, com pesos relativos de 0,793
(9/191) e 0,601 (22/142), respectivamente, como mostra a Tabela 6.

145
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Tabela 6–Contexto Fonológico Posterior em Dados de escrita

Fatores Peso Relativo Porcentagem Aplicação/Total

Nasal (ex.: átomo) 0,793 4,7% 9/191

Lateral (ex.: pérola) 0,398 5,5% 13/238

Fricativa (ex.: mochila) 0,601 15,5% 22/142

Plosiva (ex.: fogão) 0,319 4,2% 6/142

Rótica (ex.: fósforo) 0,418 5,2% 17/327

TOTAL 6,4% 67/1040


Input: 0.043 Significance: 0.021
Fonte: construído pelas autoras (2022)

A Tabela 6 mostra, ainda, que os contextos fonológicos posteriores


“rótico”, “lateral” e “plosivo”, com peso relativo de 0,418 (17/327), 0,398
(13/238) e 0,319 (6/142), respectivamente, não favoreceram o alçamento
da vogal em estudo nos dados de escrita.
Do mesmo modo como verificado para a mostra de fala, na análise
dos dados de escrita, as variáveis sociais também não se mostraram re-
levantes para a aplicação do fenômeno.

4.3 Comparação entre os resultados de fala e de escrita

Comparando-se os resultados obtidos para a análise dos dados


de fala com os obtidos para a análise da amostra de escrita, no que tange
ao alçamento da vogal “o” na fala dos informantes desta pesquisa, quan-
do é considerada a variável tonicidade, verifica—se que há consonância
entre os resultados, o que poderia ser um indicativo de que a produção
do alçamento na fala estivesse influenciando a escrita das crianças.

146
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
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Isso já não fica tão evidente, contudo, quando se comparam


os resultados obtidos para a análise dos dados de fala com os de escrita
no que diz respeito aos contextos fonológicos anterior e posterior, em-
bora, no que diz respeito ao contexto fonológico anterior, tanto o as-
pecto “fricativo” quando o “nasal” tenham se mostrado favoráveis para
o alçamento, mas não na mesma ordem de preferência. Isto é, enquanto
para a mostra de fala os contextos fonológicos anteriores favoráveis para
o alçamento da vogal “o” foram primeiro o “fricativo” (0,621), depois
o fonema “lateral” (0,589) e, na terceira posição, o “nasal” (0,552); na es-
crita, a consoante “nasal”, com peso relativo de 0,800 (24/133), mostrou-
-se mais relevante, a “rótica”, com peso relativo de 0,735 (12/141), ficou
na segunda posição, e a “fricativa”, com peso relativo 0,621 (19/324),
na terceira. Já os contextos “plosivo” e “rótico”, na fala, e “ploviso” e “la-
teral”, na escrita, não se mostraram favoráveis para a troca, como pode
ser visualizado nas Tabelas 2 e 5.
Divergência semelhante, mas menos contundente, observa-se
comparando os resultados obtidos para a análise do contexto fonológi-
co posterior, já que, para as amostras, mostraram-se favorecedores para
o alçamento da vogal “o” os contextos “fricativo” e “nasal”. Todavia,
não na mesma ordem. Na fala, o contexto “fricativo”, com peso relati-
vo 0,948 (130/152), apareceu como mais favorecedor. Em segundo lugar,
ficou o contexto “nasal”, com peso relativo 0,823 (82/192). Na escrita,
por outro lado, o contexto mais frequente foi o “nasal”, com peso relati-
vo 0,793 (9/191), tendo o “fricativo” ficado na segunda posição, com peso
relativo 0,601 (22/142).
Esses resultados indicam que a troca de “o” por “u” na escrita
dos informantes desta pesquisa não ocorreu sempre no mesmo contexto
e nem nas mesmas palavras em que alçaram a vogal “o” na fala.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho procurou analisar a influência do alçamento vocá-


lico da vogal “o” em palavras em posição pretônica e postônica da fala
de alunos do 3º e do 4º ano de oito escolas de Ensino Fundamental man-

147
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tidas pela administração municipal de Três Coroas/RS com a troca da vo-


gal “o” pelo “u” em sua escrita. Os dados obtidos nesta pesquisa foram
analisados e interpretados considerando-se variáveis linguísticas (toni-
cidade, contexto fonológico precedente e contexto fonológico posterior)
e sociais (informante, gênero, escolaridade e escola) pré-determinadas.
Dessa maneira, em um primeiro momento, foram analisados os dados
totais da pesquisa, para, a seguir, verificar quais contextos se mostra-
ram mais relevantes para a aplicação do fenômeno na fala e na amostra
de escrita.
No total, foram obtidos 2550 dados (1443 de fala e 1107 de es-
crita). Ao analisar os resultados, verificou-se a aplicação de alçamento
em 17,37% (443/2550) dos dados totais. No que diz respeito à amostra
de fala, o alçamento ocorreu em 35.2% dos dados. Esse resultado traz
à tona novos elementos quanto à produção do fenômeno, visto que não
foram encontradas pesquisas que tenham encontrado um percentual
tão elevado. É preciso considerar, contudo, que as pesquisa que revela-
ram percentuais mais baixos do que os da presente pesquisa foram rea-
lizadas com informantes adultos, enquanto esta foi realizada com crian-
ças. Na escrita, por outro lado, a troca da vogal “o” pelo “u” ocorreu
em apenas 6,4% (67/1040) das palavras analisadas.
A análise das variáveis independentes, linguísticas e sociais, trou-
xe como relevantes para a fala e para a escrita a tonicidade, o contexto
fonológico precedente e o posterior. Embora, no tocante às variáveis lin-
guísticas analisadas (tonicidade, contexto fonológico anterior e poste-
rior), os contextos favoráveis para o alçamento tenham sido semelhan-
tes para as amostras de fala e de escrita, houve consonância somente
no contexto tonicidade/postônico. Na análise das outras duas variáveis,
os contextos que se mostraram favorecedores até foram praticamente
os mesmos (fala: contexto fonológico anterior fricativo, lateral e nasal;
escrita: contexto fonológico anterior nasal, rótico e fricativo; fala: con-
texto fonológico posterior fricativo e nasal; escrita: contexto fonológico
posterior nasal e fricativo), mas não apareceram na mesma ordem, tam-
pouco com pesos relativos semelhantes. Sendo assim, não se pode dizer
que haja consonância entre os contextos favorecedores do alçamento

148
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da vogal “o” para os dados de fala e de escrita dos participantes desta


pesquisa.
Isso leva a crer que o alçamento da vogal na fala não necessaria-
mente implica trocas na escrita, assim como concluíram também Reis
e Tenani (2011). Possivelmente, porque estudantes de 3º e 4º ano do
Ensino Fundamental, como é o caso dos informantes desta pesquisa,
já aprenderam a convenção ortográfica do português brasileiro e, tam-
bém, já sabem que não escrevemos como falamos.

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José do Rio Preto, 2009.

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FONTES, J. S. O vocalismo átono na história da língua portuguesa. Alfa, São


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Caroline Cardoso. São Paulo: Parábola, 2008.]
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Rio Preto, São José do Rio Preto, 2008.

150
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

APÊNDICE A – FIGURAS

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amtu3 cxGZ4 clnIO eFOR3

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nyDKQ mxDSY wCFNZ ruIJP

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bhrQY sT147 qBCEK rvKOY

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151
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APÊNDICE B – QUADRO DE PALAVRAS-ALVO

CONTEXTO FONOLÓGICO ANTERIOR

PRETÔNICO POSTÔNICO
PLOSIVA BONÉ DEDO
FRICATIVA SORVETE ÁRVORE
LATERAL MARTELO
RÓTICA ENROLADINHO
NASAL MOCHILA CADERNO

CONTEXTO FONOLÓGICO POSTERIOR

PRETÔNICO POSTÔNICO
PLOSIVA FOGÃO CÔMODA
FRICATIVA MOCHILA
LATERAL BORBOLETA PÉROLA
RÓTICA BORBOLETA FÓSFORO
NASAL SABONETE ÁTOMO
VOGAL COELHO

APÊNDICE C – FOLHA PARA COLETA DE DADOS DE ESCRITA

______________________________________________

______________________________________________

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______________________________________________

______________________________________________

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SOCIOFONÉTICA
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
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A CONTRIBUIÇÃO DA SOCIOFONÉTICA
PARA OS ESTUDOS SOBRE A VARIAÇÃO
SONORA EM L1, L2 E LÍNGUAS EM CONTATO

Ana Paula Correa da Silva Biasibetti


biasibetti.ana@gmail.com
Susiele Machry da Silva
Universidade Federal Tecnológica do Paraná
susiele.machry@gmail.com

1 INTRODUÇÃO

O estudo da variação linguística, tal como conduzido pela


Sociolinguística Variacionista (LABOV, 1972), permite a compreensão
sobre como os processos de variação e mudança linguística são imple-
mentados a partir de fatores condicionantes de natureza linguística
e extralinguística, no entendimento de que o uso linguístico está simul-
taneamente condicionado aos fatores internos e estruturantes da pró-
pria língua, bem como às escolhas linguísticas do indivíduo em função
da comunidade de fala a que pertence.
É a partir dos pressupostos teóricos basilares da Sociolinguística
Variacionista que a Sociofonética – enquanto área de pesquisa

157
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

independente – avança na investigação sobre a variação sonora


socialmente estruturada. Diferentemente da proposta laboviana, a qual
admite que o componente social se associa às formas fonéticas variantes
sem atrelar-se à representação fonológica (ECKERT; LABOV, 2017),
a Sociofonética assume que a informação social se associa ao detalhe
fonético fino no nível representacional. (FOULKES; DOCHERTY, 2006;
FOULKES; SCOBBIE; WATT, 2010).
Os estudos de cunho sociofonético até então realizados no Rio
Grande do Sul voltam-se em sua maioria para a análise acústica e mo-
delamento estatístico da variação em termos de produção (DAMÉ, 2020;
ALMEIDA, 2019; BIASIBETTI, 2018; MILESKI, 2017; entre outros).
No que diz respeito à percepção da variação sonora, há estudos sobre
a percepção social da variação fonética em função de vieses implícitos
(BIASIBETTI, 2020; entre outros). A variação alofônica em L2, por sua
vez, foi abordada por Machry da Silva (2014) sob o viés sociofonético
tanto em termos de produção quanto de percepção. Há, por fim, pesqui-
sas que incorporaram a metodologia sociofonética a fim de contribuir
para a elucidação de questões relacionadas à comparação forense de lo-
cutores (GONÇALVES, BRESCANCINI, 2014).
O presente capítulo tem por objetivo destacar a contribuição
dos aportes teórico-metodológicos da Sociofonética através de sua
aplicação nos estudos sobre a variação sonora em L1 e L2, bem como
no contexto de línguas em contato, realizados na última década em nível
de Mestrado e de Doutorado no âmbito do Programa de Pós-Graduação
em Letras/Linguística da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul (PUCRS) sob a orientação da Professora Cláudia Brescancini.
Assim posto, iniciamos o capítulo apresentando resumidamente
os principais aspectos teóricos da Sociofonética. Na sequência, resga-
tamos os trabalhos de Almeida (2019) e Biasibetti (2018) sobre a varia-
ção sonora em L1, o estudo de Machry da Silva (2014) sobre a variação
em L2 e, finalmente, as pesquisas de Damé (2020) e Mileski (2017) sobre

158
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a variação no contexto de línguas em contato. Encerramos o capítulo


salientando o importante papel da Sociofonética na pesquisa linguísti-
ca desenvolvida no Brasil, haja visto as implicações que sua abordagem
teórico-metodológica traz à investigação da variação sonora socialmen-
te condicionada.
Esperamos que, ao exemplificar os métodos e as técnicas de análi-
se aplicados pelos estudos realizados sob o viés da Sociofonética, possa-
mos com este capítulo, para além de elucidar as contribuições dessa área
para o estudo da variação sonora, suscitar no leitor o interesse por co-
nhecer e produzir mais pesquisas na área.

2 A SOCIOFONÉTICA

Entendida como a área de investigação linguística que inte-


gra princípios teóricos e aplicados da Fonética e da Sociolinguística
Variacionista, a Sociofonética abrange pesquisas sobre a produção e per-
cepção da fala, buscando o entendimento sobre como a variação sonora
socialmente estruturada é processada, apreendida, armazenada e ava-
liada pelo falante/ouvinte (FOULKES; SCOBBIE; WATT, 2010).
Em consonância com a Sociolinguística Variacionista (LABOV,
1972), a Sociofonética admite que a variação é uma propriedade ine-
rente ao sistema linguístico e que a sistematicidade do uso das formas
variantes está associada ao comportamento linguístico dos indivíduos
que integram uma comunidade de fala – esta entendida como um gru-
po de indivíduos que compartilham a mesma gramática e as mesmas
normas de uso linguístico (FOULKES; DOCHERTY, 2006; FOULKES;
SCOBBIE; WATT, 2010).
O primeiro estudo sociolinguístico de cunho sociofonético foi re-
alizado por Labov, Yaeger e Steiner (1972) sobre a variação e mudança
das vogais da variedade americana do inglês:

(…) this study applies the techniques and findings of


acoustic phonetics to problems of linguistic theory. In

159
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

so doing, we make the assertion that data from speech


is relevant to linguistic theory, and continue the pro-
gram of developing an empirical base for such theory
in the unreflecting speech of everyday life. (THOMAS,
2010, p. 3)1

Em razão do referido estudo e de pesquisas subsequentes que em-


pregaram técnicas de análise acústica nas investigações sociolinguís-
ticas para além das análises impressionísticas (transcrição de oitiva),
a Sociofonética foi por muito tempo entendida como uma aproximação
entre a Sociolinguística e a Fonética. É a partir da década de 1990 que a
Sociofonética emerge como um campo de pesquisa com teorias, méto-
dos e técnicas próprias de investigação.
Na perspectiva da Sociofonética, as informações sociais dos falan-
tes, tais como seu background, gênero, idade, dentre outras, seriam arma-
zenadas junto ao sinal fonético, influenciando nas decisões linguísticas
tomadas pelos falantes/ouvintes nos níveis da produção e da percepção.
Assim, assume-se que os indivíduos não somente produzem variantes
fonéticas com significado social, como também percebem variantes
através de suas experiências linguísticas com outros dialetos, e também
por meio das características que atribuem aos falantes (DRAGER, 2010).
O entendimento de que falantes/ouvintes armazenam informações
(ou conteúdos indexicais) relacionadas às suas experiências linguísti-
cas e aos usuários da língua estreitou a relação da Sociofonética com as
propostas de modelos multirrepresentacionais (CRISTÓFARO SILVA;
GOMES, 2004), tais como a Teoria de Exemplares (JOHNSON, 1997;
PIERREHUMBERT, 2001) e o Modelo de Uso (BYBEE, 2001, 2010). A pro-
posição destes modelos acabou por orientar os esforços da Sociofonética
em direção oposta aos da Sociolinguística Variacionista ao explorar
a noção de que os falantes armazenam na memória diferentes instâncias
fonéticas de uma mesma categoria fonológica, assim como armazenam

1 “(...) Esse estudo aplica as técnicas e achados de fonética acústica aos problemas de linguís-
tica teórica. Ao fazer isso, afirmamos que os dados de fala são relevantes para a linguística
teórica e continuamos o programa de desenvolvimento de uma base empírica para tal teo-
ria na fala da vida cotidiana”. (tradução das autoras)

160
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
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a informação social atrelada a essas instâncias. Em outras palavras, sob a


perspectiva da Sociofonética, os falantes/ouvintes são sensíveis ao de-
talhe fonético das formas linguísticas e aos conteúdos indexicais que se
associam a essas instâncias.
O detalhe fonético diz respeito às propriedades acústicas (seg-
mentais, prosódicas e temporais) que são percebidas (conscientemente
ou não) e que, portanto, apresentam realidade psicoacústica. Isso sig-
nifica que a variabilidade acústica das produções fonéticas pode sis-
tematicamente se atrelar a condicionadores sociais, tais como o estilo
de fala empregado e o gênero dos falantes, por exemplo. Já a gradiência
fonética diz respeito ao continuum sonoro, o que se opõe fundamental-
mente à categoricidade das variantes fonéticas. Incorpora-se à análise,
portanto, a gradiência de variantes acusticamente complexas: as in-
formações (correlatos acústicos) existem em uma gradiência e incluem
múltiplas medidas acústicas (VILLARREAL; CLARK; HAY; WATSON,
2020). Os conteúdos indexicais são, por sua vez, informações de caráter
não-linguístico:

Indexical knowledge permits a speaker to signal vol-


untary non-linguistic features through the medium of
speech, and permits a listener to interpret the indexical
values of voluntary or involuntary features. (…) Indexical
variation is ubiquitous, pervasive, plastic, multifacet-
ed, and complex. We incorporate indexical information
whenever we speak, and encounter it whenever we lis-
ten to speech. A mature system of speech perception and
production must enable the speaker-listener to encode
and decode linguistic and indexical information through
the same medium. (FOULKES, 2010, p. 14)2

2 “O conhecimento indexical permite que um falante transmita elementos não-linguísticos


voluntários por meio da fala, e permite que um ouvinte interprete os valores indexicais de
elementos voluntários e involuntários. (...) A variação indexical é ubíqua, pervasiva, plásti-
ca, multifacetada e complexa. Incorporamos informação indexical sempre que falamos e a
encontramos quando ouvimos. Um sistema maduro de percepção e produção de fala deve
permitir ao falante-ouvinte codificar e decodificar informações linguísticas e sociais atra-
vés do mesmo meio” (tradução das autoras)

161
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

As pesquisas em Sociofonética incluem, portanto, o trabalho


com dados de produção de fala, em que se analisam aspectos de varia-
ção fonética tais como a gradiência fonética e o detalhe fonético fino,
buscando combinar técnicas de análise fonética e estatística, na investi-
gação de falas que representam, por exemplo, grupos de falantes, indiví-
duo, estilos de fala, correlacionando também, assim como nas pesquisas
sociolinguísticas, fatores de ordem social. Na percepção, as propostas
direcionam para identificação de falantes, identificação de característi-
cas sociais (ex.: região, sexo, idade), identificação de dialetos, já explora-
dos pela Dialetodogia Perceptual (PRESTON, 1989), assim como estudos
voltados para a percepção de estímulos linguísticos, naturais ou sinteti-
zados, e para identificação de sons e do detalhe fonético.
Numa relação unidirecional, a percepção de variantes fonéticas
e informações sociais se influenciam mutuamente, de modo que, con-
forme expõe Drager (2010, p. 476): “the phonetic variants perceived
can affect what caracteristics are attributed to a speaker, and the car-
acteristics attributed to a speaker can influence how sounds are per-
ceived”3. Nesse sentido, entende-se que a percepção de variáveis foné-
ticas é afetada por características sociais que são atribuídas ao falante,
assim como a área dialetal (NIEDZIELSKI, 2010), o status socioeconômi-
co, a idade (HAY; NOLAN; DRAGER, 2006b), entre outros fatores.
Em suma, o detalhe fonético fino tem potencial de indexação so-
cial, sendo que as informações fonética e social são recuperadas e imple-
mentadas pelos falantes/ouvintes tanto na produção quanto na percep-
ção dos sons da fala. Com a incorporação das técnicas de investigação
e análise propostas pela Sociofonética, os pesquisadores passaram a de-
senvolver estudos sobre a variação que vão além da descrição dos fatores
linguísticos e sociais condicionantes de variantes sonoras categóricas
(variante A vs. variante B) definidas através de descrição impressionís-
tica. Passou-se, portanto, a identificar e modelar os fatores envolvidos

3 “As variantes fonéticas percebidas podem afetar que características são atribuídas ao falan-
te, e as características atribuídas ao falante podem influenciar com os sons são percebidos”
(tradução das autoras).

162
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
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na variação captada acusticamente, ou seja, pelo detalhe fino e gradien-


te que é produzido. Além disso, o entendimento de que a informação
social está mentalmente representada junto à informação linguística
permitiu que a investigação sobre a variação sonora avançasse também
em termos de processamento cognitivo.
Tal abordagem permitiu o estreitamento da relação entre
a Sociofonética e outras áreas da Linguística, tais como a Psicolinguística
e a Aquisição, tanto de primeira quanto de segunda língua, propi-
ciando uma aproximação natural entre estas áreas. Essa aproximação
tem contribuído para o entendimento de como estrangeiros, por exem-
plo, em contato com a L2, processam informações sobre a fala não nati-
va, incluindo não somente o detalhe fonético, mas informações linguís-
ticas e sociais de variações dialetais e do próprio falante (idade, sexo,
escolaridade, origem, entre outros).

3 METODOLOGIA

O presente capítulo tem o propósito de destacar como os aportes


teórico-metodológicos da Sociofonética têm sido aplicados em pesqui-
sas sobre a variação sonora em L1 e L2, bem como no contexto de lín-
guas em contato. Mais especificamente, busca-se resgatar a contribuição
dos estudos sociofonéticos realizados no âmbito do Programa de Pós-
Graduação em Letras/Linguística da Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul (PUCRS) sob a orientação da professora Cláudia
Brescancini. Assim, nossa seleção é centrada nestes trabalhos.
Realizamos, dessa forma, um levantamento das pesquisas orien-
tadas no período entre 2016 e 2021 na área da Sociofonética ou que es-
tabeleçam alguma relação com esta. A partir deste levantamento, che-
gamos ao Quadro 1, a seguir, o qual resume o tema de cada pesquisa e a
metodologia nela empregada.

163
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
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Quadro 1 – Seleção dos trabalhos

Área Autor (ano) Título Metodologia/Amostra


Almeida Vogais tônicas Falantes nativos
e pré-tônicas da variedade aço-
Variação (2019)
do açoriano-catari- riano-catarinense
em L1
nense: uma análise de Florianópolis/SC
sociofonética. 3 homens
3 mulheres
Análise acústica de F1
e F2
Biasibetti Produção e percepção Falantes nati-
das fricativas sibilan- vos da variedade
(2018)
tes em Porto Alegre/ porto-alegrense
RS e Florianópolis/SC 12 homens
12 mulheres
Análise acús-
tica do Centro
de Gravidade
Variação Machry da Silva Aprendizagem fo- Imigrantes resi-
em L2 nológica e alofônica dentes em Porto
(2014)
em L2: percepção Alegre-RS, falantes
e produção das vo- nativos do espanhol
gais médias do por- da América
tuguês por falantes
32 informantes,
nativos do espanhol.
16 homens e 16
mulheres.
Percepção e produção
das vogais com medi-
ção de F1 e F2

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Variação Damé (2020) O contato entre Bilíngues português/


nocontexto português e pomera- pomerano de São
de línguas no em São Lourenço Lourenço do Sul/RS.
em con- do Sul/RS: redes
30 bilíngues
tato sociais e a produção
de VOT Análise acústica
do VOT
Mileski Variação no por- Bilíngues português/
tuguês de contato polonês da
(2017)
com o polonês no Rio
Serra Gaúcha (Nova
Grande do Sul: vo-
Prata, Nova Bassano
gais médias tônicas
e Vista Alegre
e pretônicas
do Prata) e Áurea
48 informantes
Análise acústica do F1
Fonte: Autoras (2022)

A seleção dos trabalhos que adotam pressupostos teórico-me-


todológicos da Sociofonética foi realizada junto à Biblioteca Digital
de Teses e Dissertações da PUCRS, um repositório de publicação eletrô-
nica dos trabalhos produzidos no âmbito do Programa de Pós-Graduação
em Letras4. Na seção que segue, apresentamos uma descrição resumida
de cada pesquisa, com foco nos aspectos metodológicos, tipo de aná-
lise desenvolvida e principais resultados. Os trabalhos são apresenta-
dos de acordo com a área de investigação, a partir dos seguintes tópi-
cos: Variação em L1; Variação em L2; e Variação no contexto de línguas
em contato.
Neste levantamento, incluem-se: (i) o fenômeno investigado, deli-
mitação e escolha das variantes; (ii) o tipo de amostra – como a amostra
foi constituída, número de informantes e características sociais destes
informantes, incluindo informações de como estes falantes foram sele-
cionados (critérios de seleção); (iii) o tipo de entrevista, no que se refere

4 Disponível em https://repositorio.pucrs.br/dspace/. Acesso em agosto de 2021.

165
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à forma de obtenção e coleta dos dados; (iv) as variáveis investigadas e;


(v) os resultados obtidos.

4 ESTUDOS SOBRE A VARIAÇÃO SOCIOFONÉTICA


4.1 Variação em L1

Vogais pretônicas do açoriano-catarinense

Almeida (2019) realizou a descrição sociofonética das vogais tôni-


cas e pretônicas do açoriano-catarinense a partir da fala de três homens
e três mulheres com idades entre 34 e 76 anos nascidos e criados na lo-
calidade de Barra da Lagoa em Florianópolis/SC. Foram incluídos falan-
tes com os três níveis de escolaridade, sendo três falantes com Ensino
Fundamental, um falante com Ensino Médio e dois falantes com Ensino
Superior. Os dados utilizados pela autora fazem parte da amostra
Brescancini-Valle5, a qual é composta por entrevistas de experiência
pessoal.
O corpus utilizado para a análise considerou dados de vogais tôni-
cas e pretônicas abrangendo, ainda, dentro deste último grupo, as ocor-
rências do processo de Harmonia Vocálica. A variável dependente consi-
derou os dois primeiros formantes vocálicos, ou seja, F1 e F2. As variáveis
independentes investigadas foram as seguintes: Contexto Precedente,
Contexto Seguinte, Vogal Átona (para análise das vogais tônicas) e a va-
riável social Sexo.
A autora utilizou o software Praat (BOERSMA; WEENINCK, 2017)
para a extração dos formantes. Além disso, fez uso do programa NORM
para normalizar as medidas formânticas, a fim de minimizar diferen-
ças fisiológicas entre os informantes. Para tanto, utilizou o método
Lobanov, comumente empregado em estudos sociofonéticos por preser-
var diferenças sociolinguísticas (WATT; FABRICIUS; KENDALL, 2010).

5 A referida amostra faz parte do banco de dados do Projeto VARSUL (Variação Linguística
Urbana na Região Sul do Brasil).

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VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
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Por fim, para o tratamento estatístico, a autora utilizou o programa


Rbrul (JOHNSON, 2009)6.
Destacamos, na presente revisão, a análise acústica que contempla
os dois primeiros formantes das vogais pretônicas [i] e [u] produzidas
pelos seis informantes. As referidas vogais podem ser fonológicas (b/i/
lhete, p/u/reza) ou resultantes do processo variável de harmonização vo-
cálica, no qual as vogais pretônicas fonológicas /e/ e /o/ são variavel-
mente alçadas à [i] e [u], respectivamente, por força de uma vogal alta
(tônica ou átona) em sílaba seguinte (p/e/pino p[e]pino ~ p[i]pino, c/o/
ruja c[o]ruja ~ c[u]ruja). Assim posto, recuperamos a seguir os valores
de F1 e F2 obtidos pela autora para as vogais pretônicas [i] e [u] alçadas
e fonológicas.
No que se refere à vogal pretônica [i], a vogal alçada apresentou
o valor médio de F1 de 302Hz, ao passo em que a vogal fonológica apre-
sentou 287Hz. Isso significa que a vogal pretônica /i/ fonológica é relati-
vamente mais alta do que a vogal pretônica [i] alçada em função de uma
vogal átona [i] presente na sílaba seguinte. Essa mesma tendência foi ve-
rificada nas ocorrências em que há uma vogal tônica [u] em sílaba se-
guinte: obteve-se o F1 de 385Hz para a vogal pretônica [i] alçada e de
382Hz para a vogal fonológica.
Quanto ao F2, a vogal pretônica [i] alçada apresentou valor mé-
dio de 2125Hz, ao passo que a vogal fonológica indicou o valor mé-
dio de 1974Hz na presença de uma vogal átona [i] em sílaba seguinte.
Por fim, observou-se que a vogal tônica [u] em sílaba seguinte faz com
que o valor médio de F2 para a vogal pretônica [i] seja de 2115Hz quando
alçada e de 2084Hz quando fonológica. Ainda que a diferença não seja
significativa, observa-se que a vogal /i/ fonológica é mais posteriorizada
do que a vogal alçada.
Em relação à vogal pretônica [u], quando seguida pela vogal tônica
[i], a pretônica alçada apresentou F1 de 352Hz, enquanto a pretônica fo-
6 Salientamos que estes são programas muito utilizados em pesquisas sociofonéticas que
estão disponíveis de forma gratuita e online em:
http://lingtools.uoregon.edu/norm/about_norm1.php
https://cran.r-project.org/
https://www.fon.hum.uva.nl/praat/

167
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
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nológica obteve um valor médio de 361Hz. Isso indica que a vogal pretô-
nica [u] alçada é mais alta do que a fonológica. Para F2, quando seguida
pela vogal tônica [i], a vogal pretônica [u] apresentou 866Hz quando al-
çada e 1150Hz quando fonológica. Neste caso, a pretônica /u/ fonológica
é mais anteriorizada do que a vogal alçada.
A análise realizada por Almeida (2019) sobre as vogais pretônicas
do açoriano-catarinense partiu da descrição acústica das vogais reali-
zada por Pereira (2001) e da investigação sobre o processo de harmoni-
zação vocálica realizada por Schwindt (1995), avançando ao identificar
diferenças acústicas entre as vogais pretônicas [i] e [u] fonológicas e al-
çadas. A contribuição da Sociofonética no referido estudo reside no fato
de que o detalhe fonético fino tem potencial de indexicalização social.
Assim sendo, as vogais pretônicas [i] e [u] fonológicas e alçadas devem
ser futuramente investigadas através de um estudo que contemple
um maior número de dados e aspectos sociais relevantes dentro da co-
munidade de fala investigada.

Coda /S/ na variedade porto-alegrense

A pesquisa de Biasibetti (2018) investigou, sob a perspectiva


da Sociofonética, a percepção e a produção das fricativas sibilantes
em Porto Alegre/RS e Florianópolis/SC, a partir de duas amostras: (i)
uma amostra de produção com dados de fala espontânea e fala monito-
rada, constituída por 16 informantes florianopolitanos e 24 informantes
porto-alegrenses; (ii) uma amostra de percepção, constituída por 30 in-
formantes florianopolitanos e 10 informantes porto-alegrenses, sendo
estes submetidos a um teste de classificação por similaridade e um teste
de discriminação acelerada (tipo AX). A pesquisa utilizou ainda testes
de associação implícita e explícita7. Recuperamos, aqui, apenas os resul-
tados referentes à coda /S/ produzida pelos falantes porto-alegrenses.
Em relação à variação da coda /S/ no português brasileiro, Callou
e Moraes (1996) observaram o predomínio da variante fricativa alveolar

7 Para um detalhamento sobre os testes de percepção aplicados, conferir Biasibetti (2018, p.


64 – 75).

168
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
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(86%), seguido da variante fricativa palato-alveolar (13%) e da fricativa


glotal (1%) na variedade falada em Porto Alegre/RS. Além disso, a coda
/S/ em posição medial seria mais frequentemente produzida como frica-
tiva alveolar (77%), seguida de fricativa palato-alveolar (23%) na referida
variedade. Em posição final, por sua vez, a coda /S/ seria predominante-
mente produzida como fricativa alveolar (96%), seguida de palato-alve-
olar (2%) e de apagamento (1%) (CALLOU; MORAES; LEITE, 2002).
A partir de uma amostra coletada entre 2016 e 2017 composta
por 2594 ocorrências de coda /S/ produzidas por 12 mulheres e 12 ho-
mens com idades entre 22 e 65 anos, nascidos e criados em Porto Alegre,
Biasibetti (2018) apontou que a coda /S/ é consistentemente produzida
pelos porto-alegrenses como uma fricativa alveolar nas posições me-
dial e final, pois, através do procedimento de oitiva, não foram observa-
das outras variantes fonéticas categóricas. Assim posto, pode-se dizer
que não há variação sonora relacionada à coda /S/ em Porto Alegre.
Contudo, sob o paradigma sociofonético de que a variação foné-
tica é gradiente (oposta à categórica, portanto), a autora identificou
padrões sistemáticos de variação a partir da análise acústica do Centro
de Gravidade8.
O efeito das variáveis linguísticas Contexto Vocálico Precedente,
Tonicidade, Duração, Posição na Palavra, bem como das variáveis sociais
Registro de Fala, Faixa Etária e Escolaridade, sobre a variação do Centro
de Gravidade, foi calculado separadamente para homens e mulheres
através de regressão linear de efeitos mistos. Uma vez que não há con-
senso sobre qual procedimento de normalização deve-se aplicar às con-
soantes fricativas, os dados produzidos por homens e mulheres foram
analisados separadamente. Nesse caso, a fim de contemplar a variação
inerente aos indivíduos, a variável aleatória Informante foi incluída
no modelamento estatístico.
Os resultados obtidos indicaram que as mulheres porto-alegren-
ses produzem um Centro de Gravidade médio de 9239 Hz (DP=1275
8 O Centro de Gravidade (ou Primeiro Momento Espectral) é o valor médio das frequências
ponderado pela amplitude de cada componente de frequência (BARBOSA & MADUREIRA,
2015).

169
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

Hz), de modo que as variáveis linguísticas Vogal Precedente, Tonicidade


e Duração apresentaram um efeito significativo sobre o referido parâ-
metro acústico. Por sua vez, o Registro de Fala foi a única variável social
condicionadora da variação: o Centro de Gravidade produzido pelas mu-
lheres no registro monitorado apresentou um acréscimo médio de 886
Hz em relação ao registro espontâneo.
Quanto aos homens porto-alegrenses, estes apresentaram o Centro
de Gravidade médio de 7836 Hz (DP=1415 Hz). Verificou-se que o Centro
de Gravidade da coda /S/ varia em função das variáveis linguísticas Vogal
Precedente e Duração. Dentre as variáveis sociais investigadas, apenas
o Registro de Fala foi estatisticamente significativo, sendo que o Centro
de Gravidade é 569 Hz maior no registro monitorado do que no registro
espontâneo.
Em termos de condicionamento extralinguístico, os resultados ob-
tidos por Biasibetti (2018) sugerem que a coda /S/ apresenta proprieda-
des fonéticas que variam em função do Registro de Fala empregado pelos
porto-alegrenses. Em síntese, o Centro de Gravidade aumenta no regis-
tro de fala mais cuidada tanto para os homens quanto para as mulheres,
e essa variação somente é captada quando se considera o detalhe foné-
tico fino das formas produzidas.
O referido estudo reflete uma contribuição da Sociofonética para
a investigação da variação sonora, a saber, o reconhecimento da gra-
diência em detrimento da categoricidade fonética e seu modelamento
estatístico com vistas a apreensão de padrões de variação fonética ini-
cialmente não detectados pelo procedimento de oitiva.

4.2 Variação em L2

Vogais médias do português produzidas por falantes nativos


de espanhol

Na Aquisição, os estudos têm contemplado, entre outras, questões


que envolvem o desenvolvimento fonológico e fonético, tal como a for-
ma como falantes de outras línguas processam a variação socialmente

170
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

estruturada (informação dialetal da L2), aliando ainda pesquisas que se


voltam para os aspectos cognitivos, bem como para o papel do indivíduo
e da frequência de palavras.
Em “Aprendizagem fonológica e alofônica em L2: percepção e pro-
dução das vogais médias do português por falantes nativos do espa-
nhol”, Machry da Silva (2014) realizou uma investigação sobre como fa-
lantes nativos do espanhol percebem e produzem vogais do português,
incluindo os pares contrastivos de vogais médias (g/e/lo–g/é/lo; s/o/
co–s/ó/co) e também vogais médias suscetíveis de processos de varia-
ção por Harmonia Vocálica (em formas como m[e]nino ~ m[i]nino, c[o]
ruja ~ c[u]ruja e c[o]rtina ~ c[u]rtina) ou por Alçamento Sem Motivação
Aparente (em formas como b[o]neca ~ b[u]neca, t[o]mate ~ t[u]mate, c[o]
lher ~ c[u]lher).
O estudo ancora-se na Sociofonética, fazendo a interface desta
área com a Aquisição de Segunda Língua, para o entendimento de como
imigrantes adultos, em contato com uma variedade da L2, constroem
suas experiências na língua-alvo. Por receberem um input variável, a hi-
pótese da pesquisa foi de que estes aprendizes avaliam e armazenam
informações linguísticas e não linguísticas, reconhecendo os diferen-
tes usos e associando estes a indivíduos ou grupos de indivíduos, as-
sim formando uma rede de experiências em relação à variedade dialetal
com que está em contato.
A amostra foi constituída por 32 falantes nativos do espanhol,
16 homens e 16 mulheres, domiciliados, no momento da pesquisa, na ci-
dade Porto Alegre/RS e Região Metropolitana. O estudo contou ainda
com um grupo controle, este constituído por falantes nativos do portu-
guês, representativos da variedade porto-alegrense.
As decisões metodológicas da autora, embasadas na Sociofonética
e em estudos de percepção fonológica, contemplaram testes de produ-
ção e de percepção. Os testes de produção foram compostos por tarefas
de leitura de frases, de nomeação e de descrição de imagens contextu-
alizadas; já os testes de percepção, incluíram os referenciados na lite-
ratura de percepção fonológica em L2 e da Sociofonética (FLEGE, 2003;

171
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

THOMAS, 2011), com tarefas que compreendiam discriminação e iden-


tificação. Nos testes, o estudo optou por trabalhar com estímulos reais
de fala, usando palavras do léxico da língua portuguesa, assim como re-
cortes de gravações de fala espontânea realizadas com falantes nativos.
Dentre os instrumentos usados para a composição dos testes
e realização da análise, estão o Praat (BOERSMA; WEENINCK, 2017),
utilizado na elaboração dos testes de percepção e na análise acústica
dos dados; o programa NORM, na plotagem de vogais, com uso do méto-
do Bark Difference Metric (este escolhido por ser mais apropriado para
a comparação de diferentes inventários fonológicos); e as ferramentas
de análise estatística Rbrul (JOHNSON, 2009) e o SPSS. A análise dos da-
dos de produção incluiu a verificação acústica dos dois primeiros for-
mantes, F1 e F2, permitindo observar, com medidas em Bark, a Distância
Euclidiana e o espaço acústico ocupado pelas vogais médias na fala
do grupo investigado.
Um dos avanços da pesquisa de Machry da Silva (2014) está no diá-
logo proposto entre áreas, explícito nas decisões metodológicas e teorias
de embasamento. Por entender, com base na perspectiva da Sociofonética,
que a percepção e a produção são processos influenciados pelas experi-
ências linguísticas e não linguísticas do aprendiz, a pesquisa relacionou
a aquisição fonológica das vogais e a variação sonora com variáveis como
a frequência lexical e a exposição do aprendiz ao português. Estabelece,
por conseguinte, uma relação com a Fonologia de Uso (BYBEE, 2001) e a
Teoria de Exemplares (JOHNSON, 1997; PIERREHUMBERT, 2001), na in-
tenção de explicar como informações sociolinguísticas são armazenadas
e acessadas pelo aprendiz na percepção e produção da fala.
Os resultados mostram que, ainda que de bases diferentes, os pro-
cessos que envolvem a percepção e a produção dos contrastes fonoló-
gicos entre vogais médias, e a percepção e a produção alofônica das vo-
gais médias produzidas variavelmente, coincidem em alguns aspectos,
revelando a relação destes processos com o léxico e com a experiências
do indivíduo na L1 e na L2. O entendimento, no que diz respeito à aqui-
sição fonológica das vogais médias, é de que aprendizes criam uma rede
de associações entre palavras contextualmente e/ou semanticamente

172
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

semelhantes, associando a pronúncia da vogal mais aberta, ou mais fe-


chada, a alguns contextos ou rede de palavras.
Na variação de pretônicas, de forma semelhante, há a compreensão
de que existe uma comparação que o aprendiz realiza entre as instâncias
já armazenadas na L1 e na L2 e o que é produzido por falantes nati-
vos da variedade com que está em contato. Assim, em algumas palavras,
a exemplo de m[i]nino, c[u]rtina, o aprendiz associa o uso da vogal alta,
por serem estas instâncias recorrentemente assim produzidas no por-
tuguês. Não sendo a variação de vogais médias um processo observado
no espanhol, isso também dependerá do grau de semelhança da palavra
da L1 com a L2. Assim, uma vogal alta, mostra estar mais frequentemen-
te associada a uma palavra não cognata (menino, por exemplo).
A contribuição da Sociofonética para o estudo está no diálogo
que permitiu estabelecer com outras teorias (em especial a Fonologia
de Uso e a Teoria de Exemplares), assim como subsídios para o trabalho
com técnicas experimentais de coleta e análise dos dados. Nessa interlo-
cução, analisando os processos de percepção e produção, a partir de va-
riáveis como a frequência da palavra, o tempo de exposição à L2 e o grau
de semelhança tipológica entre L1 e L2 (tipo de cognato), o estudo ajuda
no entendimento de como aprendizes desenvolvem o sistema fonoló-
gico da L2 e de como avalia e reconhece os diferentes usos linguísticos,
associando o detalhe fonético às suas experiências construídas.

4.3 Variação no contexto de línguas em contato

Voice Onset Time no contato português/pomerano


Damé (2020) investigou o papel da idade, zona de moradia (rural
ou urbana) e redes sociais sobre a variação do VOT (Voice Onset Time)
das oclusivas [p, t, k, b, d, g] em posição inicial de palavra no português
de contato de falantes bilíngues português/pomerano em São Lourenço
do Sul/RS. Em português brasileiro, o pré-vozeamento caracteriza
as oclusivas sonoras, e o retardo curto ou longo, as surdas. Em pome-

173
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

rano, por sua vez, as oclusivas são diferenciadas pela aspiração, sendo
que as sonoras apresentam retardo curto e as surdas, longo.
Sob a perspectiva metodológica da Sociofonética, a pesquisadora
aplicou três instrumentos de coleta de dados, a saber: a leitura de listas
de palavras e frases que continham os contextos linguísticos relevantes
para a pesquisa (dados de fala controlada), a entrevista de experiência
pessoal (dados de fala espontânea), e a aplicação de questionários volta-
dos para o delineamento da relação de cada participante com a cultura
e língua pomerana.
A análise acústica do VOT considerou 4619 ocorrências extraídas
de duas amostras-controle (uma amostra com 10 monolíngues portu-
guês e uma amostra com 10 monolíngues pomerano) e uma amostra-
-experimental de bilíngues português-pomerano com 30 falantes. Todos
os participantes eram mulheres com idades entre 48 e 74 anos.
As durações absoluta e relativa dos dados coletados foram extraí-
das através do programa Praat e submetidas ao modelamento estatístico
no programa SPSS, a partir dos seguintes preditores linguísticos e so-
ciais: Contexto Vocálico Seguinte, Idade, Zona de Moradia, Tipo de Rede
Social e Cluster.
Os resultados indicaram que o VOT produzido pelas falantes bilín-
gues tende (i) a aproximar-se daquele falado pelas monolíngues de por-
tuguês em relação às oclusivas surdas investigadas; (ii) a apresentar
duração superior, em especial para as surdas, quanto mais jovens as par-
ticipantes; (iii) é influenciado pelo contexto vocálico, pois a presença
de vogais altas torna o VOT mais longo e a vogal baixa torna o VOT mais
curto, e (iv) apresentar valores superiores na zona rural, em especial
em relação às oclusivas [p] e [t].
O estudo sugere que a zona rural parece ser o ambiente mais pro-
pício à transferência de características de VOT do pomerano para o por-
tuguês devido a uma rede de falantes densa e multiplex, além de clusters,
verificados na localidade: ainda que o VOT dos bilíngues seja semelhan-
te àquele produzido pelos monolíngues de português, o VOT significati-

174
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

vamente superior observado, em especial, nas oclusivas surdas, sugere


que traços da língua pomerana resistem à pressão do português.
Segundo a autora, sob o ponto de vista teórico da Sociofonética,
esse achado dá margem à hipótese de que pode haver indexação social
associada à produção do VOT pelos bilíngues, no sentido de que suas
produções em português são semelhantes àquelas verificadas em pome-
rano. Em outras palavras, há um indício de que a identidade pomerana
se projeta nas formas fonéticas produzidas em português. Para tanto,
a autora conclui afirmando que testes de percepção poderão evidenciar
se esta produção do VOT pode ser apreendida pelos falantes/ouvintes.

Abaixamento das vogais médias no contato português/polonês

O estudo realizado por Mileski (2017) abordou, entre outros,


o abaixamento das vogais médias /e/ e /o/ tônicas produzidas variavel-
mente por bilíngues português-polonês em Áurea, na região do Alto-
Uruguai, e em três localidades da Serra Gaúcha, a saber, Vista Alegre
do Prata, Nova Prata e Nova Bassano. Destaca-se o fato histórico e cul-
tural de que há em Áurea o predomínio absoluto de descendentes de po-
loneses, ao passo que nas localidades da Serra há descendentes de italia-
nos, alemães e poloneses, com predomínio dos primeiros.
A análise acústica do primeiro formante (F1) considerou os da-
dos de 16 informantes (oito informantes de Áurea e oito informantes
da Serra) de três grupos etários: um grupo com idades entre 20 e 40 anos;
um grupo com idades entre 41 e 60 anos; e um grupo com mais de 61
anos. O corpus analisado contempla dados de fala espontânea (entrevis-
ta de experiência pessoal) e de fala elicitada (lista de vocábulos que con-
templa as sete vogais orais fonológicas do português em pauta tônica).
As medidas acústicas foram normalizadas através do método Watt &
Fabricius modified, disponível no pacote Vowels (KENDALL; THOMAS,
2010) na plataforma R.

175
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

O modelamento estatístico dos valores de F1 normalizado foi re-


alizado a partir de regressão linear de efeitos mistos. Quanto às vari-
áveis independentes, a pesquisadora testou Tipo de Vogal, Contexto
Precedente, Contexto Seguinte, Estilo de Fala, Frequência da Palavra,
Idade, Sexo/Gênero, Uso do Polonês e Comunidade. As variáveis de efei-
tos aleatórios Palavra e Informante também foram consideradas.
Os resultados obtidos indicaram que o valor de F1 das vogais mé-
dias /e/ e /o/ tônicas apresenta variação significativa em função do Tipo
de Vogal, do Contexto Precedente e da Idade.
Os ditongos [ej] e [ew] apresentaram valores de F1 relativamente
mais baixos do que a vogal de referência [e]. A vogal nasal [ẽ], por sua
vez, indicou valor de F1 relativamente mais alto do que [e]. Já as conso-
antes velares e pós-alveolares em contexto precedente, reunidas sob um
único fator, revelaram valor de F1 mais baixo do que as consoantes alve-
olares (valores de referência). Além disso, a vogal nasal [õ] apresentou
F1 mais alto do que a vogal oral [o]. Por fim, a vogal /o/ cujo contexto
precedente é bilabial, velar ou pós-alveolar tende a ter o valor de F1 mais
baixo do que o contexto precedente alveolar.
No que diz respeito à variável social Idade, a autora identificou
que informantes da faixa etária mais velha que frequentemente falam
polonês tendem a apresentar taxas mais altas de abaixamento, ao pas-
so que informantes que falam polonês com menor frequência apresen-
tam taxas relativamente mais baixas, sendo que a cada ano, há aumen-
to no valor de F1. Ressalta-se, ainda, que o processo não foi verificado
na fala de monolíngues.
A hipótese apresentada sobre a variável Comunidade – a qual
previa que os informantes de Áurea apresentariam abaixamento mais
acentuado de suas vogais médias em relação aos informantes da Serra
Gaúcha – não foi confirmada, uma vez que a variável Comunidade não foi
selecionada como estatisticamente significativa para a variação de F1.
Corroborou-se, assim, o resultado da análise variacionista igualmente

176
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

conduzida pela pesquisadora que apontou que os informantes de Áurea


e da Serra apresentam taxas semelhantes de aplicação do abaixamento.
Assim posto, a análise sociofonética conduzida por Mileski (2017)
complementa e corrobora a análise variacionista, apresentando aspec-
tos consistentes sobre a dinâmica do processo variável. A exemplo, o re-
sultado apresentado pela variável Comunidade sugere que o abaixamen-
to está mais diretamente relacionado ao indivíduo do que à comunidade.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste capítulo, tivemos o propósito de mostrar como o aporte te-


órico-metodológico da Sociofonética tem sido aplicado em pesquisas
de variação sonora em L1, L2 e línguas em contato. Exploramos, as-
sim, pesquisas desenvolvidas no programa de Pós-Graduação em Letras
da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) sob a
orientação da Professora Cláudia Brescancini. Com isso, tivemos a in-
tenção de demonstrar como o advento da Sociofonética tem contribuído
para os avanços em relação às pesquisas que envolvem a variação sonora.
Nesse recorte, procuramos evidenciar, as decisões dos autores
que envolvem os aspectos metodológicos, a escolha de variáveis, as téc-
nicas e recursos de análise, possibilitando que o leitor conheça sobre
as pesquisas que são desenvolvidas com o aporte da Sociofonética e as
possibilidades de investigação. A partir deste levantamento, observamos
nos trabalhos, quanto à metodologia, o uso de recursos como o Praat,
o Rbrul e o SPSS, assim como outros que permitem a criação e a análise
de testes de percepção e produção.
Com os aportes da Sociofonética, percebemos que as pesqui-
sas desenvolvidas têm procurado incorporar a análise da fala, olhando
para os grupos de fatores linguísticos e sociais, comumente observados
nos estudos de produção na Sociolinguística Laboviana, tais como a ida-
de, a escolaridade, o gênero, o contexto linguístico, dentre outros, assim

177
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

como compreender o papel do ouvinte e a forma como estes percebem


e armazenam os traços indexicais do falante.
Na produção, estas pesquisas demonstram avanços no sentido
de trabalharem com o detalhe fonético, associando, à análise impres-
sionística, recursos e técnicas experimentais que permitem olhar para
a gradiêndia fonética e não apenas para formas categóricas, detectando
detalhes não facilmente captados pela análise de oitiva.
Pela perspectiva voltada para a representação cognitiva do falante
em relação aos fatos linguísticos e sociais, a Sociofonética tem estabele-
cido diálogo com teorias como a Fonologia de Uso (BYBEE, 2001, 2002)
e a Teoria de Exemplares (JOHNSON, 1997; PIERREHUMBERT, 2002),
assim como modelos que seguem a perspectiva de redes de interação,
como a proposta de Milroy (1987). As pesquisas passam, assim, por inte-
grar na análise outras variáveis, como a frequência de palavras, indiví-
duo, tipo de rede social, dentre outras.

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181
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

GRADIÊNCIA FONÉTICA DE <aj>


NO ITEM LEXICAL “MAIS” NO
FALAR FLORIANOPOLITANO

Raquel Gomes Chaves


Universidade Estadual do Paraná
chavesraquelgomes@gmail.com
Izabel Christine Seara
Universidade Federal de Santa Catarina/CNPq
izabelseara@gmail.com

1 INTRODUÇÃO

Neste capítulo, tratamos da investigação da gradiência fonética


na produção da sequência <aj> no item lexical mais (advérbio) em dados
de fala florianopolitana, apoiados em um detalhamento acústico dessas
produções. Sob a perspectiva da Sociofonética (FOULKES; DOCHERTY,
2006; THOMAS, 2011), nossa análise parte dos estudos de Furlan (1989);
Brescancini (2009); Haupt (2009) e Haupt e Seara (2012), os quais abor-
daram a produção do fenômeno de monotongação de ditongos orais
em sílaba fechada em casos como demais ~ demas; seis ~ ses; dois ~ dos,
considerado um fenômeno típico da fala de Florianópolis.
A monotongação é descrita pela literatura como um fenômeno
de natureza fonético-fonológica em que um ditongo passa a ser produ-

183
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

zido variavelmente como uma única vogal. No português brasileiro (PB),


a monotongação de ditongos decrescentes, nosso tema de interesse,
é verificada nas mais diversas variedades e em diferentes ditongos [aj]
(caixa ~ caxa), [ej] (beijo ~ bejo), [oj] (coisa ~ cosa) e [ow] (pouco ~ poco).
Em estudos fundamentados na Teoria da Variação e Mudança
Linguística (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 1968; LABOV, 1972, 1994),
o processo é frequentemente abordado como uma variável binária ca-
tegórica. Assim, distinguem-se duas categorias discretas: realização
do ditongo vs. monotongação. Nos últimos anos, alguns trabalhos acer-
ca do fenômeno no PB têm dedicado mais atenção à gradiência foné-
tica do processo por meio de uma análise acústica fina (HAUPT, 2009;
HAUPT; SEARA, 2012, dentre outros).
A redução do ditongo, apesar de recorrente em muitas varieda-
des do PB, como já mencionado, apresenta uma particularidade em ter-
mos de aplicação contextual na cidade de Florianópolis (SC). A ocor-
rência de monotongação em dados com ditongos decrescentes [aj], [ej]
e [oj], principalmente seguidos de consoante fricativa palato-alveolar
(BRESCANCINI, 1996, 2002; BIASIBETTI, 2018), produzida variavel-
mente como ápico-alveolar (BASSI; SEARA, 2017), como em demais ~
demaS, seis ~ seS, dois ~ doS; é apontada como um dos traços típicos
do falar florianopolitano, caracterizando, muitas vezes, os sujeitos como
manezinhos da ilha (FURLAN, 1989; BRESCANCINI, 2009; HAUPT, 2011,
dentre outros).
Neste capítulo, optamos pela investigação minuciosa do di-
tongo [aj] exclusivamente no item lexical mais, em função desse item
ser apontado como muito frequente nos corpora em exame. Em consulta
ao Corpus Brasileiro1 (corpus de referência), a palavra apresentou fre-
quência superior à de outras que também apresentam ditongos decres-
centes com semivogal [j]: mais apresentou frequência de 2.892.817, dois,
de 618.674, seis, de 141.168 e, por fim, depois, de 101.792. Verifica-se,
portanto, a sua alta frequência no português do Brasil.
No que tange aos corpora sociolinguísticos, Brescancini (2009),
por exemplo, registrou, em sua amostra, a palavra mais em 49% dos da-

1 Disponível em: http://corpusbrasileiro.pucsp.br/cb/Inicial.html. Acesso em: 10 nov. 2021.

184
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

dos investigados. Além disso, essa palavra foi apontada como altamente
favorecedora do processo de monotongação. A autora inclusive questio-
na se o fenômeno seria de fato uma regra variável ou estaria relaciona-
do apenas a um grupo restrito de palavras, como no caso o item lexical
mais, no falar açoriano-catarinense (BRESCANCINI, 2009).
Haupt e Seara (2012), por seu turno, ao investigarem a gradiên-
cia acústica dos ditongos decrescentes [aj], [ej] e [oj], situados em síla-
bas abertas e fechadas na fala de Florianópolis (Amostra Base do Banco
VARSUL), também apontaram o item mais como o de maior prevalência
no corpus: isto é, seu percentual de ocorrência foi de 68% nos dados exa-
minados pelas autoras.
Diante do exposto, nosso objetivo, neste capítulo, é retratar
um exercício de análise acústico-perceptual do ditongo [aj] presente
na palavra mais, a partir da perspectiva teórica da Sociofonética, com vis-
tas a responder às seguintes questões de pesquisa:
a. Como características acústicas (formantes e transição formântica)
estão conectadas a informações linguísticas do fenômeno de mo-
notongação do ditongo [aj] e como são percebidas pelos ouvintes
brasileiros?
b. Como características acústicas (formantes e transição formântica)
estão conectadas às características sociais e/ou identitárias dos
informantes em exame e como informantes de diferentes regiões
brasileiras percebem o fenômeno de monotongação do ditongo
[aj]?
Assim, com vistas à caracterização acústica de ditongos produzidos
por informantes brasileiros florianopolitanos e à investigação de como
esses dados são percebidos por falantes brasileiros, o presente estudo
traz dois tipos de experimentos: um de produção e outro de percepção.
Como dissemos, este texto vai trazer um detalhamento dos dados, apre-
sentando principalmente as etapas de construção de uma análise socio-
fonética do fenômeno da monotongação do ditongo [aj].
Para dar conta de nosso objetivo e responder às questões de pes-
quisa, organizamos o texto da seguinte forma: na Seção 2, exploramos

185
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

as características fonéticas do ditongo [aj]; na Seção 3, discorremos so-


bre a Sociofonética, área de intersecção entre Fonética Experimental
e Sociolinguística; na Seção 4, expomos a metodologia adotada neste
trabalho e, na Seção 5, apresentamos e discutimos os resultados alcan-
çados. Por fim, na Seção 6, respondemos às nossas questões de pesquisa
e expomos reflexões advindas deste estudo.

2 O DITONGO DECRESCENTE [aj]: PERSPECTIVA FONÉTICA

Os ditongos decrescentes do português são descritos, por teóricos


da fonologia, como um conjunto composto de vogal + semivogal, presen-
tes em uma mesma sílaba. No que se refere à posição ocupada por esses
elementos, há autores que advogam que tanto a vogal quanto a semivo-
gal ocupam, concomitantemente, o núcleo silábico (BISOL, 1989, 1994),
enquanto outros defendem que a semivogal assumiria uma posição mar-
ginal, ocupando, assim, a coda silábica (CÂMARA JR. 1982). Essas defi-
nições aplicam-se a qualquer ditongo decrescente, seja ele terminado
em semivogal [j] ou [w].
Segundo Kent (2015), os ditongos não apresentam uma única con-
figuração articulatória. No entanto, vogais (monotongos) e ditongos
são muito semelhantes nos seguintes aspectos: apresentam trato vocal
relativamente aberto, estrutura formântica bem definida e podem ocu-
par a posição nuclear da sílaba.
Nosso interesse particular no ditongo decrescente [aj] justifica
uma descrição mais detalhada, pautada em critérios fonéticos acústicos
e perceptuais. Barbosa e Madureira (2015, p. 236) referem que a língua
assume a configuração de um /a/ e, em seguida, ocorre um movimento
de anteriorização e subida da língua em direção ao alvo /i/ para que o
ditongo [aj] seja articulado. Os autores ressaltam, no entanto, que, mui-
tas vezes, esse movimento em direção à semivogal não apresenta região
estacionária, ou seja, a língua está continuamente em movimento para
um alvo no trato. É por essa razão que as semivogais seriam “articula-
toriamente classificadas como aproximantes” (BARBOSA; MADUREIRA,
2015, p. 236).

186
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

Em análise de dados de fala mineira, Barbosa e Madureira (2015)


detiveram-se em dois parâmetros relativos ao ditongo /ai/: duração e tra-
jetória formântica. Os resultados indicaram que a duração da semivogal
[j] correspondeu a 39% da duração do ditongo [aj] (como no caso da pala-
vra pai). Já em relação às transições formânticas, os autores registraram
taxa de subida de F2 da semivogal correspondente a cerca de 8Hz/ms em
[aj]. No que toca aos valores de F1 da vogal do ditongo [aj], constatou-se
valor aproximado de 750 Hz.
Nas palavras de Kent (2015, p. 266), “os ditongos são sons dinâ-
micos, em que o formato articulatório (e, portanto, o padrão formânti-
co) muda vagarosamente durante a produção do som.” Nas Figuras 1 e
2, pode ser inferida a movimentação da língua na produção do ditongo
[aj], representada pelos valores dos dois primeiros formantes vocáli-
cos (F1 e F2), correspondentes à altura e ao avanço e recuo da língua,
respectivamente.

Figura 2. Trajetória dos valores


Figura 1. Trajetória formântica
médios de F1 e F2 (em Hz) verificada
ditongo [aj]
na produção do ditongo [aj]

Fonte: Adaptado de Moutinho et al.


Fonte: Autoras.
(2005, p. 810).

187
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: A SOCIOFONÉTICA

A Sociofonética é descrita como área de interface que assu-


me, concomitantemente, os fundamentos teóricos da Sociolinguística
Variacionista, no que diz respeito ao estudo da variação fonética,
da Fonética Experimental e de Teorias Baseadas em Uso. Em linhas
gerais, é possível afirmar que os preceitos sociolinguísticos de hetero-
geneidade ordenada, variação socialmente estratificada, dentre outros
conceitos, aplicáveis, na Sociolinguística Variacionista, a todos os níveis
da gramática, restringem-se, nessa nova perspectiva, aos detalhes foné-
ticos finos, captados com o suporte da Fonética Instrumental.
Apesar de uma aproximação das áreas da Sociolinguística
Variacionista e da Fonética, é importante destacar que a Sociofonética,
motivada pelas Teorias Baseadas no Uso (BYBEE, 2001, 2002;
PIERREHUMBERT, 2001) não trata da variação como resultado de um
sistema fonológico abstrato. Segundo tais teorias, não haveria uma se-
paração a priori entre as áreas da gramática, visto que noções tais como
fonemas e morfemas seriam extraídas dos padrões da língua em uso,
ou seja, seriam emergentes (gramática bottom-up).
Em acréscimo, segundo essa perspectiva, de base cognitiva, in-
formações detalhadas, tanto de natureza linguística quanto extralin-
guística, seriam armazenadas na mente dos falantes/ouvintes. Sendo
assim, a codificação da variação na mente dos indivíduos não se redu-
ziria a uma representação linguística variável categórica e econômica,
na qual se opõem formas discretas. Nessa perspectiva, as representações
mentais são ricas em detalhamento linguístico (como, por exemplo, de-
talhamento fino de parâmetros acústicos) e informações indexicais rela-
cionadas a características sociais e individuais diversas.
Desse modo, com o intuito de contribuir para esse detalhamen-
to acústico, na próxima seção, apresentaremos a descrição dos proce-
dimentos metodológicos tanto em relação à análise acústica quanto
à análise perceptual.

188
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Nesta seção, descreveremos os procedimentos metodológi-


cos concernentes às análises acústicas, detalhando as características
das amostras coletadas, a etiquetagem dos segmentos-alvo e as análises
realizadas. Em referência às análises perceptuais, especificaremos as ca-
racterísticas dos ouvintes, os testes realizados e a coleta dos resultados
dos testes.

4.1 O experimento de produção

Para este estudo, levamos em conta quatro inquéritos de fala se-


miespontânea, realizados nos moldes variacionistas, que constituem
a Amostra Chaves (2016)2. As gravações foram registradas por meio
de microfone AKG C520L acoplado a um gravador ZOOM H4N. A grava-
ção foi realizada em um ambiente silencioso. A seleção dos informantes
obedeceu aos seguintes critérios: (i) sexo masculino; (ii) idades entre
26 e 31 anos, (iii) Ensino Superior Completo e Ensino Médio.

Quadro 1. Estratificação dos informantes por idade e grau de escolaridade

Idade Grau de escolaridade


Informante 1 31 Ensino Médio
Informante 2 28 Ensino Médio + Curso Técnico
Informante 3 26 Ensino Superior
Informante 4 28 Ensino Superior
Fonte: Autoras (2022)

Em um primeiro momento, todas as ocorrências da palavra mais,


presentes nos quatro inquéritos de fala, foram levantadas e classifica-
das como monotongos ou ditongos, a partir de uma análise de oitiva
feita pelas pesquisadoras. Em seguida, baseado nesse levantamento,
os dados foram etiquetados, com o auxílio do software Praat (BOERSMA;
2 Amostra Complementar Banco VARSUL – Agência UFSC. Comitê de ética:

189
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

WEENINK, 2020, versão 6.1.30), em dois tiers (um relativo ao segmento


examinado e outro, à palavra), conforme mostra a Figura 3.

Figura 3. Exemplo de uma das etiquetagens dos dados evidenciando os dois


tiers utilizados.

Fonte: Autoras (2022)

Após a etiquetagem, utilizando um script que coleta automatica-


mente os dados em cinco pontos equidistantes, dentro da região indi-
cada, extraímos os valores dos dois primeiros formantes dos segmentos
vocálicos em análise (F1 e F2). A coleta dos dados foi realizada em cinco
pontos para que se pudesse observar a trajetória dos formantes.
Coletados os valores de F1 e F2 de cada um dos segmentos etique-
tados inicialmente, reorganizamos e reetiquetamos os dados em três ca-
tegorias: os que apresentaram valores formânticos típicos dos segmen-
tos que constituem o ditongo [aj], os que exibiram valores formânticos
característicos apenas do monotongo [a] e, por fim, dados cuja configu-
ração não se enquadrava em nenhuma das duas categorias anteriormen-
te definidas.

4.2 O experimento de percepção

O experimento de percepção elaborado para o presente estudo


serviu não só para a validação da etiquetagem dos dados e dos resul-

190
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

tados acústicos observados, mas também para a verificação da percep-


ção de tal fenômeno por ouvintes de diferentes regiões brasileiras. Esse
experimento constituiu-se em um teste de identificação. E, nesse caso,
o ouvinte escutava um estímulo e deveria identificar, na tela do teste,
o estímulo ouvido, conforme mostra a Figura 4. Essa era uma resposta
forçada, ou seja, o ouvinte deveria escolher uma das possibilidades sem a
opção de indicar que não sabia ou que tinha dúvida.

Figura 4. Tela do teste de identificação indicando as possibilidades de resposta

Fonte: Autoras (2022)

Esse teste foi montado a partir de um script realizado com o auxílio


do software Praat (BOERSMA; WEENINK, 2020, versão 6.1.30). Para isso,
foram selecionados 64 estímulos. A seleção dos estímulos foi baseada
no comportamento acústico dos segmentos-alvo da pesquisa. Assim, fo-
ram escolhidos estímulos que apresentavam: (i) duas regiões acústicas
estáveis, uma correspondendo à vogal e a outra à semivogal; (ii) apenas
uma região acústica estável em todo o segmento, correspondendo à vo-
gal; e (iii) uma região acústica estável seguida de formantes em transi-
ção. Observe, na Figura 5, exemplos desses estímulos.

191
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

Figura 5. Exemplos do comportamento acústico dos estímulos usados no Teste


de Percepção

(i) (ii) (iii)


Fonte: Autoras (2022)

Em função das indicações de Oshiro (2015), optamos por uma di-


versidade de ouvintes para verificar se a região dos participantes in-
fluenciaria nos resultados do teste de percepção. Assim, fizeram o teste
de percepção 20 sujeitos, sendo sete florianopolitanos; quatro de outras
regiões brasileiras, mas que viviam em Florianópolis há mais de 30 anos;
oito do Rio Grande do Sul; e um de São Paulo. Nossa opção por essa di-
versidade de ouvintes era observar se a região dos participantes influen-
ciaria nos resultados do teste de percepção. Estudos, como, por exemplo,
de Oushiro (2015, p. 264) indicam que seria “bastante razoável aventar
a hipótese de que, do mesmo modo que os usos linguísticos são hete-
rogêneos, a percepção sobre as variáveis tampouco é homogênea e que,
ademais, deve ser socialmente estratificada”. Nossa amostra foi então dis-
tribuída a partir das características apresentadas pelos ouvintes, conside-
rando suas regiões de origem e o tempo em que vivem em Florianópolis.
Essas características podem ser observadas no Quadro 2.
Quadro 2. Estratificação dos ouvintes por região de origem e tempo em que
vivem em Florianópolis

Ouvintes Região de Origem Tempo em que vivem em Florianópolis


1, 2, 3, 4, 10 11, 13 Florianópolis Sempre
6, 7 Interior de SC 34
8 Minas Gerais 32
12 Rio Grande do Sul 31
5 São Paulo 13
9, 14, 15, 16, 17, 18,
Rio Grande do Sul Nunca
19, 20
Fonte: Autoras (2022)

192
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

Com base no Quadro 2, estratificamos os ouvintes em: florianopo-


litanos (1, 2, 3, 4, 10, 11, 13), não-florianopolitanos (5, 9, 14, 15, 16, 17,
18, 19, 20) e não-florianopolitanos que vivem na cidade há mais de 30
anos (6, 7, 8, 12).

5 RESULTADOS

Buscamos, na apresentação dos resultados, detalhar o percur-


so de um exercício de análise acústico-perceptual do ditongo [aj] sob a
perspectiva da Sociofonética. Para isso, levamos em conta, como já refe-
rido, tanto dados de produção como de percepção, enfatizando a neces-
sidade de análises que se pautem na correlação entre eles. Na Subseção
5.1, exibimos o detalhamento acústico da produção dos ditongos (mo-
notongados ou não) e, na Subseção 5.2, apresentamos os resultados re-
lativos ao teste de percepção aplicado, buscando estabelecer relações
entre ambas as perspectivas de investigação.

5.1 O detalhamento acústico

Para o detalhamento acústico fino dos dados, fizemos primei-


ramente o levantamento dos valores médios dos dados produzidos;
em seguida, traçamos gráficos que exibem as trajetórias percorridas pe-
los formantes, a partir dos valores de F1 e F2, coletados nos cinco pontos
internos às regiões de produção dos segmentos-alvo, decompondo-os
por suas configurações acústicas como ditongos plenos, monotongos
ou intermediários. Finalmente, a partir de dados normalizados, eviden-
ciamos no espaço acústico vocálico os loci vocálicos revelados pelos seg-
mentos em análise.

5.1.1 Ditongos plenos

Nossas análises mostram que as configurações acústicas referentes


aos ditongos compreendiam duas regiões acústicas estáveis, uma corres-
pondendo à vogal e a outra à semivogal. Na Tabela 2, podem ser observa-
dos os valores de F1 e F2 de segmentos que apresentam tal configuração.

193
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

Tabela 1. Valores de F1 e F2 de exemplares de ditongos [aj] (mensurados em Hz)


nos cinco pontos equidistantes adquiridos pelo script elaborado para esse fim

Valores de F1 Valores de F2

Ponto 1 Ponto 2 Ponto 3 Ponto 4 Ponto 5 Ponto 1 Ponto 2 Ponto 3 Ponto 4 Ponto 5

Inf. 1 838 822 735 565 188 1655 1323 1532 1950 2045

Inf. 2 415 688 608 497 373 1002 964 1497 1671 1674

Inf. 3 690 709 430 266 203 926 1226 1560 1663 1694

Inf. 4 - - - - - - - - - -

Fonte: Autoras (2022)

Na Figura 6, foram plotados os valores de F1 e F2 em um gráfico


de linha que nos permite averiguar a configuração esperada para diton-
gos plenos.

Figura 6. Gráfico que ilustra a trajetória formântica (F1 e F2) do ditongo [aj]
produzida por três informantes da amostra

Legenda: Informante 1: verde, Informante 2: azul; Informante 3: vermelho.


Fonte: Autoras (2022)

Observamos, na Figura 6, a trajetória de F1 e F2 em dados de três


informantes (Informantes 1, 2 e 3 da amostra observada) na produção
do ditongo [aj]. Verificamos, de forma geral, uma região de estabili-
dade, amparada tanto nos valores de F1 como nos de F2, no intervalo

194
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

compreendido entre os pontos 1 e 2, o que caracteriza a vogal [a], nú-


cleo do ditongo. A partir do ponto 2, observamos uma movimentação
dos formantes, mais especificamente no intervalo entre os pontos 2 e 4,
o que caracteriza uma transição antecipada/adiantada para a semivogal
[j]: os valores de F1 decaem, alcançando, no ponto 4, valores próximos
de 200Hz, e os de F2 sobem, atingindo valores próximos de 2000Hz, per-
manecendo nessa região de frequências até o ponto 5, o que indicaria
características próprias da semivogal alta anterior [j]. Tais trajetórias
ilustram aquilo o que a literatura descreve como um ditongo [aj] típico.
Com base nesses resultados, plotamos os valores médios normali-
zados obtidos para cada um dos três informantes e observamos que eles
também evidenciam movimentos transicionais entre a vogal e a se-
mivogal. Veja na Figura 7 a plotagem desses dados no espaço acústico
vocálico.

Figura 7. Média dos valores dos formantes normalizados a partir do método de


Lobanov

Fonte: Autoras (2022)

5.1.2 Monotongos

Ainda, a partir das configurações acústicas exibidas pelos segmen-


tos-alvo, verificamos aquelas que se apresentam com apenas uma região

195
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

acústica estável em todo o segmento, correspondendo nesse caso à vogal


e caracterizando a produção do monotongo. Na Tabela 2, são mostrados
dados referentes a tais produções

Tabela 2. Valores de F1 e F2 de exemplares de [aj] monotongados (mensurados


em Hz) nos cinco pontos equidistantes adquiridos pelo script elaborado para
esse fim

Valores de F1 Valores de F2

Ponto 1 Ponto 2 Ponto 3 Ponto 4 Ponto 5 Ponto 1 Ponto 2 Ponto 3 Ponto 4 Ponto 5

Inf. 1 719 691 667 627 787 1288 1360 1458 1486 1513

Inf. 2 706 533 568 502 525 1940 1124 1356 1640 1744

Inf. 4 462 585 636 637 580 892 1012 1208 1205 1573

Fonte: Autoras (2022)

Na Figura 8, foram plotados os valores de F1 e F2 em um gráfi-


co de linha que nos permite averiguar a configuração esperada para
monotongos.

Figura 8. Gráfico que ilustra a trajetória formântica (F1 e F2) da produção do


ditongo [aj] monotongado de três informantes da amostra

Legenda: Informante 1: verde, Informante 2: azul; Informante 4: laranja.


Fonte: Autoras (2022)

196
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

Nos dados apresentados na Figura 8, constatamos a configura-


ção acústica do que a literatura tem assumido como forma monoton-
gada do ditongo [aj]. Notamos que as trajetórias tanto de F1 quanto
de F2 se mantêm estáveis, principalmente na zona intermediária, entre
os pontos 2 e 4, na qual não se verificam movimentos transicionais rele-
vantes como aqueles observados na Figura 6 e com valores dos forman-
tes que indicam a produção de uma vogal [a] (conforme Tabela 2).

5.1.3 Configurações intermediárias

Nas análises realizadas, notamos produções que apresentam


em suas configurações uma região acústica estável e uma região de for-
mantes em transição ou apenas regiões transicionais com grandes movi-
mentações de F1 e/ou F2. Vejamos, na Tabela 4, os valores dos formantes
apresentados por esses dados.

Tabela 3. Valores de F1 e F2 de exemplares de [aj] com configurações


intermediárias, (mensurados em Hz) nos cinco pontos equidistantes
adquiridos pelo script elaborado para esse fim

Valores de F1 Valores de F2

Ponto 1 Ponto 2 Ponto 3 Ponto 4 Ponto 5 Ponto 1 Ponto 2 Ponto 3 Ponto 4 Ponto 5

Inf. 3 397 685 665 631 551 855 1097 1301 1510 1651

Inf. 4 459 319 772 733 592 772 782 1258 1353 1384

Fonte: Autoras (2022)

A Figura 9 mostra a configuração acústica dos segmentos produzi-


dos com uma configuração acústica que identifica trajetórias diferentes
das duas anteriormente discutidas (ditongo e monotongo).

197
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

Figura 9. Gráfico que ilustra a trajetória formântica (F1 e F2) dos segmentos-
alvo produzidos por dois informantes da amostra com uma configuração
intermediária entre o que se considera ditongo ou monotongo

Legenda: Informante 3: vermelho; Informante 4: laranja.


Fonte: Autoras (2022)

A maioria dos dados, presentes em nosso corpus, composto por um


total de 215 dados, corresponderam a casos como os exibidos na Figura
9. Não constatamos, nesses exemplos, regiões estáveis que pudessem
caracterizar ditongos ou monotongos, mas percebemos trajetórias for-
mânticas descendentes para F1 e ascendentes para F2 (Informante 3),
o que parece caracterizar apenas a região de transição entre uma vogal
[a] e uma vogal [i]. Ou ainda constatamos certa estabilidade nos valores
de F1, nos dois primeiros pontos coletados, e movimento da trajetória
de F2 já a partir do ponto 1 (Informante 4), ou seja, na primeira porção
do segmento. Percebemos ainda, a estabilidade formântica da vogal [a]
registrada nos dois primeiros pontos seguida de uma transição anteci-
pada (do ponto 2 para o 5) tanto para F1 (Informante 4) quanto para F2
(Informantes 3 e 4).
As configurações aqui descritas compreendem a gradiência obser-
vada nas produções dos ditongos na fala de informantes florianopolitanos.

198
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

5.2 O detalhamento perceptual

Nas Tabelas 4 e 5, são apresentados os resultados dos testes de per-


cepção referentes aos segmentos em análise. Iniciamos nossa análise
pelos dados que foram etiquetados como ditongos em função dos valo-
res de F1 e F2 e de suas consequentes trajetórias (Tabela 4).

Tabela 4. Resultados em percentuais do teste de percepção realizado por


informantes florianopolitanos e não florianopolitanos com estímulos
etiquetados como ditongos

Não-florianopolitanos que vivem


Ouvintes Florianopolianos Não-florianopolitanos
há mais de 30 anos na cidade
Estímulos Monotongos Ditongos Monotongos Ditongos Monotongos Ditongos
ai2|ai|a 0,00 100,00 0,00 100,00 12,50 87,50
ai3|ai|a 0,00 100,00 0,00 100,00 0,00 100,00
ai4|ai|a 0,00 100,00 0,00 100,00 0,00 100,00
ai5|ai|a 0,00 100,00 0,00 100,00 25,00 75,00
ai6|ai|a 0,00 100,00 0,00 100,00 12,50 87,50
ai7|ai|a 0,00 100,00 0,00 100,00 0,00 100,00
ai9|ai|a 0,00 100,00 0,00 100,00 0,00 100,00
ai10|ai|a 0,00 100,00 0,00 100,00 0,00 100,00
ai11|ai|a 0,00 100,00 0,00 100,00 0,00 100,00
ai12|ai|a 0,00 100,00 75,00 25,00 0,00 100,00
ai14|ai|a 0,00 100,00 0,00 100,00 0,00 100,00
ai15|ai|a 0,00 100,00 0,00 100,00 0,00 100,00
ai16|ai|a 0,00 100,00 0,00 100,00 0,00 100,00
ai17|ai|a 0,00 100,00 0,00 100,00 0,00 100,00
ai18|ai|a 0,00 100,00 0,00 100,00 0,00 100,00
ai19|ai|a 0,00 100,00 0,00 100,00 0,00 100,00
ai20|ai|a 0,00 100,00 0,00 100,00 0,00 100,00
ai21|ai|a 0,00 100,00 0,00 100,00 0,00 100,00
ai23|ai|a 0,00 100,00 0,00 100,00 0,00 100,00
ai24|ai|a 0,00 100,00 0,00 100,00 0,00 100,00
ai26|ai|a 0,00 100,00 25,00 75,00 12,50 87,50
ai29|ai|a 0,00 100,00 25,00 75,00 25,00 75,00

199
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

ai30|ai|a 0,00 100,00 0,00 100,00 0,00 100,00


ai8|ai|a 14,29 85,71 0,00 100,00 25,00 75,00
ai13|ai|a 14,29 85,71 0,00 100,00 25,00 75,00
ai28|ai|a 14,29 85,71 0,00 100,00 12,50 87,50
ai1|ai|a 28,57 71,43 0,00 100,00 25,00 75,00
ai25|ai|a 28,57 71,43 0,00 100,00 12,50 87,50
ai27|ai|a 42,86 57,14 50,00 50,00 25,00 75,00
ai22|ai|a 57,14 42,86 50,00 50,00 62,50 37,50

Fonte: Autoras (2022)

Na Tabela 4, os dados foram ordenados a partir dos maiores per-


centuais apresentados pelos falantes florianopolitanos. Percebemos, en-
tão, pelos altos percentuais3 de respostas como ditongo, que as caracte-
rísticas usadas para a etiquetagem desses dados foram assim percebidas
pelos ouvintes florianopolitanos, como também pelos demais ouvintes
(percentuais em negrito) à exceção de pequenas discrepâncias. Dos 30
estímulos, apenas dois apresentaram valores próximos de 50% para
os florianopolitanos e para os falantes com mais de 30 anos na cidade,
e mesmo os ouvintes de outras regiões do Brasil, apenas um dos estí-
mulos teve um percentual maior como monotongo. Nesse caso, os estí-
mulos ai22 e ai27 merecem um olhar mais detalhado para a observação
do que levou uma parcela significativa dos ouvintes a não os perceber
como ditongos. De todo modo, esses resultados validam as etiquetagens
realizadas e os resultados delas obtidos, já discutidos anteriormente.

3 Consideramos com um percentual alto valores iguais ou maiores do que 70%.

200
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

Figura 10. Gráfico que ilustra a trajetória formântica (F1 e F2) do segmentos-
alvo produzidos pelo Informante 4 da amostra com uma configuração
identificada como ditongo por todos os sujeitos no teste de percepção

Fonte: Autoras (2022)

Podemos destacar que a configuração apresentada na Figura 10,


correspondente ao estímulo a23 (referente ao Informante 4), difere,
em certa medida, daquela representada na Figura 6. Apesar disso, todos
os sujeitos que participaram do teste de percepção identificaram esse
dado categoricamente como ditongo. Aventamos, nesse caso, a hipótese
de que a escolha unânime pelo ditongo pode ser reflexo da estabilidade
da vogal [a] (entre os pontos 1 e 3) seguida de uma subida abrupta de F2
(ponto 3 em direção ao ponto 4), a qual alcançou o valor de 2000Hz, con-
comitante à descida de F1, que, no ponto 5, atinge 200Hz.

201
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

Figura 11. Gráfico de Transição Formântica Figura 12. Gráfico de Transição Formântica
– Estímulo ai22 (Informante 4) – Estímulo ai27 (Informante 4)

Fonte: Autoras (2022)

No que diz respeito ao estímulo a22 (Figura 11), observamos des-


cida de F1 até 200Hz, iniciada depois do ponto 3, e subida de F2 tam-
bém iniciada nesse ponto intermediário. No entanto, em relação ao F2,
o valor máximo atingido é de cerca de 1500Hz (ponto 5). Há aqui duas
informações, de certa forma contraditórias: uma configuração de F1
típica de ditongo [aj], diferentemente daquela que se verifica para F2.
Em outros termos, contatamos elevação da língua como esperado para
uma vogal alta (no caso a semivogal /j/), mas não verificamos o movi-
mento de anterioridade esperado para o mesmo segmento.
Em relação ao estímulo a27 (Figura 12), verificamos estabilidade
da vogal para F1 em praticamente todos os 5 pontos, o que, a nosso ver,
tenderia a induzir os sujeitos a interpretarem o dado como um mono-
tongo. No entanto, em relação a F2, há, na última porção do segmento,
uma transição tardia e abrupta de F2, que parte de 800hz para 1800Hz.
Da mesma forma, temos aqui mais uma vez informações conflitantes,
talvez as responsáveis pelos resultados aleatórios apresentados pelos
ouvintes no teste de percepção.
Os dois únicos casos em que os sujeitos apresentaram divergên-
cia na escolha entre ditongos e monotongos são expostos nas Figuras

202
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

11 e 12. Registramos tendência superior em se considerar o dado a22


(Figura 11) como ditongo (sujeitos de Florianópolis e de 30 anos na cida-
de) e o dado a27 como monotongo (sujeitos de Florianópolis e de outras
localidades).
Passemos agora à Tabela 5 que apresenta os resultados dos testes
de percepção, elaborados a partir dos estímulos que foram etiquetados
como monotongos.

Tabela 5. Resultados em percentuais do teste de percepção realizado por


informantes florianopolitanos e não florianopolitanos com estímulos
etiquetados como monotongos

Não-florianopolitanos que vivem


Ouvintes Florianopolitanos Não-florianopolitanos
há mais de 30 anos na cidade

Estímulos Monotongos Ditongos Monotongos Ditongos Monotongos Ditongos

a19|ai|a 100 0 75 25 75 25

a20|ai|a 100 0 75 25 75 25

a22|ai|a 100 0 0 100 38 63

a26|ai|a 100 0 75 25 88 13

a27|ai|a 100 0 75 25 88 13

a32|ai|a 100 0 100 0 88 13

a10|ai|a 86 14 50 50 50 50

a18|ai|a 86 14 100 0 63 38

a28|ai|a 86 14 100 0 75 25

a31|ai|a 86 14 75 25 75 25

a34|ai|a 86 14 100 0 100 0

a9|ai|a 71 29 25 75 50 50

a23|ai|a 71 29 25 75 63 38

a24|ai|a 71 29 75 25 88 13

a1|ai|a 57 43 75 25 50 50

a2|ai|a 57 43 25 75 75 25

a5|ai|a 57 43 50 50 13 88

a17|ai|a 57 43 50 50 38 63

a21|ai|a 57 43 0 100 38 63

203
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

a33|ai|a 57 43 0 100 38 63

a35|ai|a 57 43 25 75 38 63

a16|ai|a 43 57 0 100 38 63

a25|ai|a 43 57 25 75 50 50

a29|ai|a 43 57 50 50 13 88

a4|ai|a 29 71 75 25 38 63

a8|ai|a 29 71 75 25 50 50

a14|ai|a 29 71 75 25 50 50

a30|ai|a 29 71 0 100 38 63

a7|ai|a 14 86 0 100 25 75

a12|ai|a 14 86 0 100 25 75

a13|ai|a 14 86 75 25 38 63

a3|ai|a 0 100 0 100 0 100

a6|ai|a 0 100 25 75 25 75

a15|ai|a 0 100 0 100 50 50

Fonte: Autoras (2022)

Os dados expressos na Tabela 5 também foram ordenados a partir


dos maiores percentuais apresentados pelos falantes florianopolitanos.
Percebemos, então, que o número de dados discrepantes entre os ou-
vintes aumenta consideravelmente se comparados aos apresentados
na Tabela 4 para os ditongos.
Do total de 32 estímulos, relativos à forma monotongada [a], e,
portanto, assim considerados no teste percepção, houve concordância
entre os sujeitos, independentemente da região, em nove deles (anota-
dos em negrito e na cor preta na coluna Estímulos). Nos estímulos per-
cebidos como ditongos, houve concordância entre as respostas dos ou-
vintes independentemente de sua região de origem em apenas quatro
estímulos (anotados em negrito vermelho, na coluna Estímulos). Para
os demais estímulos, verificamos alto grau de discrepância nas escolhas.
Como podemos constatar a partir dos valores, dentre esses casos, ressal-
tamos: (i) casos em que a decisão dos sujeitos parece ter sido aleatória,
com valores aproximados de 50% para cada uma das opções (estímulo

204
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

a17, por exemplo); (ii) casos de divergência na escolha que parecem estar
correlacionados a características dialetais da amostra (estímulos a5 e
a14, por exemplo), dentre outras situações em um primeiro momento
poderiam ser avaliadas como aparente falta de coerência na interpreta-
ção dos sons avaliados.
A seguir, verificamos com mais detalhamento alguns desses casos,
considerando a gradiência verificada na trajetória dos formantes dos es-
tímulos em análise. Nas Figuras 13 e 14, em um primeiro momento, ex-
pomos a configuração de casos que apresentaram concordância entre
os sujeitos superior a 70%.

Figura 13. Gráfico de Transição Figura 14. Gráfico de Transição


Formântica – Estímulo a32 (Informante 4) Formântica – Estímulo a27 (Informante 4)

Fonte: Autoras (2022)

No caso do estímulo a32 (Figura 13), temos uma representação vi-


sual que facilmente sugere a produção de um monotongo, devido à es-
tabilidade de F1 e de F2. Tal comportamento, como esperado, foi aquele
em que os sujeitos assinalaram quase que categoricamente a opção “mo-
notongo” no teste (100% dos florianopolitanos e não-florianopolitanos
há mais de 30 anos na cidade, e 88% dos sujeitos não-florianopolitanos).
O estímulo a 27 (Figura 14), por seu turno, também apresentou
alto índice de concordância entre os participantes (acima de 75%). Nesse

205
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

caso, constatamos estabilidade da trajetória de F1, mas movimento as-


cendente de F2, iniciado no ponto 3. No entanto, essa subida mais tardia
parece não ter influenciado, de forma significativa, a decisão dos parti-
cipantes que foi pelo monotongo.
Por fim, nas Figuras 15 e 16, exibimos os casos em que os sujeitos
identificaram os monotongos (definidos a priori) como majoritariamen-
te ditongos.

Figura 15. Gráfico de Transição Figura 16. Gráfico de Transição


Formântica – Estímulo a3 (Informante 4) Formântica – Estímulo a6 (Informante 4)

Fonte: Autoras (2022)

A partir da análise das trajetórias tanto de F1 quanto de F2, em am-


bos os dados (Figuras 15 e 16), observamos movimentos bastante se-
melhantes. Há, tanto no estímulo a3 (Figura 15) quanto no estímulo a6
(Figura 16) uma certa estabilidade de F1 até o ponto 4 (com valores pró-
ximos a 600Hz), seguida de um declínio a partir do ponto 4 em direção
ao ponto 5. No que tange ao movimento de F2, vemos também nos dois
casos, uma subida gradual que se inicia já no ponto 2, mas que, no en-
tanto, não atinge o pico próximo de 2000Hz, esperado para uma semi-
vogal [j].
Por fim, considerando os resultados descritos anteriormente, apa-
rentemente para que essas unidades sejam percebidas como ditongos,

206
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

devem apresentar movimentos em direção ao lócus de segmentos vocá-


licos altos anteriores nos dois primeiros formantes. Podemos dizer ainda
que os dados considerados como monotongos são os que encontramos
com maior gradiência de comportamento e de discrepância na percepção
dos ouvintes, ou seja, são aqueles que denotam maior variação nas traje-
tórias dos formantes em transição.

6 RESPOSTAS ÀS NOSSAS QUESTÕES DE PESQUISA


E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste exercício analítico, buscamos mostrar a relevância de se levar


em conta a gradiência acústica, bem como sua interpretação em testes
de percepção. Acreditamos que as estratégias de análise aqui emprega-
das possam contribuir, especialmente, para o estudo de fenômenos vari-
áveis no PB como aqueles que tratam da realização fonética de ditongos.
Como podemos demostrar a partir de um exame minucioso de al-
guns exemplares de nosso corpus, as características formânticas anali-
sadas parecem estar conectadas a informações linguísticas do fenômeno
de monotongação e a como são percebidas pelos ouvintes brasileiros.
No caso dos ditongos, não identificamos, ao menos neste primeiro exer-
cício, diferenças na percepção entre sujeitos de diferentes localidades
do Brasil. Já no que tange especificamente ao caso dos monotongos,
podemos supor que haveria algum efeito da região (e talvez de outras
características sociais e identitárias) sobre a percepção dos monotongos
haja vista a grande discrepância entre as respostas. Esse resultado evi-
denciou a heterogeneidade não só da produção, mas também da percep-
ção dessas unidades.
Cabe destacar também a importância de estudos como este
na compreensão do papel da gradiência no percurso da variação/mudan-
ça sonora, observando assim a variação não entre duas formas em um
mesmo contexto com o mesmo valor referencial, mas entre formas
gradientes com um mesmo valor referencial. Há elementos neste estu-
do que indicam que fenômenos variáveis fonético-fonológicos, como

207
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

no caso o de monotongação de <aj>, não ocorrem de forma discreta


e abrupta. Da mesma forma, observamos que a percepção desses dados
também varia. Assim, poderíamos propor, em estudos futuros, um teste
de percepção que não impusesse aos sujeitos uma escolha entre “a” ou
“ai”, por exemplo, dando a chance de expressarem o que há entre essas
duas categorias. Por fim, outros parâmetros, tais como os aspectos tem-
porais, também merecem ser investigados, garantindo, assim, um maior
detalhamento dos dados para a verificação da integração de pistas per-
ceptuais relacionadas à frequência e à duração das unidades em estudo.

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ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

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210
FONÉTICA FORENSE
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

A ANÁLISE INSTRUMENTAL NA
COMPARAÇÃO FORENSE DE LOCUTOR

Márcio Oppliger Pinto (in memoriam)


Cintia Schivinscki Gonçalves
Instituto-Geral de Perícias do RS
cintia-goncalves@igp.rs.gov.br

1 COMPARAÇÃO DE AMOSTRAS DE VOZ/FALA PARA


DETERMINAÇÃO DE AUTORIA

A perícia atualmente denominada Comparação de Locutor é uma


das tarefas de reconhecimento de indivíduo (biometria), sendo utilizada
quando se deseja definir se a emissão de voz/fala gravada em uma mídia
foi ou não produzida por um dado falante. Nessa perícia, o examinador
trabalha com um ou mais áudios no(s) qual(is) há registro oral produ-
zido por um locutor desconhecido e um ou mais áudios com a voz/fala
padrão do falante suspeito da sua autoria.
O registro de áudio analisado pode ser analógico (armazena-
do em fitas cassete, microcassete, VHS, etc.) ou digital (armazena-
do em mídia óptica do tipo CD/DVD ou, entre outros, memórias flash
do tipo pendrive, MP3 Player, iPod, câmeras digitais, celulares, etc.). Se o
áudio questionado for analógico, deverá ser primeiramente submetido

213
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

à conversão A/D (analógico/digital), para que o examinador tenha o si-


nal acústico para realização das análises. Ainda, ele pode ser exclusi-
vo de áudio ou mesmo um áudio associado a uma gravação de vídeo.
No último caso, deverá ser providenciada a extração do áudio do vídeo,
através de recursos apropriados disponibilizados por alguns dos usuais
softwares de edição de áudio.
Quanto à amostra linguística questionada a ser considerada,
ela pode ser composta por um único arquivo/sinal de áudio (que deverá
ter duração mínima suficiente) ou por múltiplos arquivos, o que é mais
comum em casos envolvendo interceptações telefônicas ou mensa-
gens “de voz” geradas, por exemplo, via aplicativo WhatsApp. Tendo-se
não um, mas vários áudios, é necessário assegurar-se de que os distintos
registros que comporão a amostra provenham de fato de uma mesma
fonte, ou seja, que tenham sido efetivamente produzidos pelo mesmo
locutor.
Quanto à amostra a ser utilizada como padrão, entende-se como
produtivo que essa amostra seja gravada com a participação do exa-
minador que realizará o cotejo. Antes da sessão de coleta de material,
contudo, deve ser feita a análise percepto-auditiva e acústica detalhada
dos elementos e comportamento vocal e linguístico exarados pelo falan-
te no áudio da amostra questionada. No procedimento, podem ser elen-
cados possíveis temas de interesse para serem lançados durante a con-
versação espontânea entre o fornecedor da amostra e os responsáveis
pela gravação; detalhes fonéticos, ambientes fonológicos para aplicação
de processos específicos e léxico ou construções frasais diferenciadas
detectados como delatores; hábitos vocais de uso singular ou recorren-
te, entre outros, para que tenham a correspondência verificada com a
eliciação in lócuo.
De posse então das amostras a serem confrontadas, questionada
versus padrão, passa o examinador a verificar, perceptual e instrumen-
talmente, se há similitude ou discrepância entre os elementos técni-
co-comparativos (vestígios) nelas existentes. O resultado do confronto
indicará um número de evidências pró ou contra a hipótese de mesma

214
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

origem, ou seja, que o locutor produtor da amostra questionada é o mes-


mo que o da amostra padrão.
A conclusão do trabalho pericial considerará não só a quantidade
de evidências, mas, especialmente, o potencial discriminante de indi-
víduo de cada uma delas. Assim, a força do corpo probatório (conjunto
de evidências) e a tendência deste, se para positivo (unicidade de origem)
ou negativo (diversidade de origem), será enquadrada em um dos nove
níveis de uma escala de probabilidade, que vai de +4 a -4 e que tem o
0 para classificação dos casos em que não há elementos suficientes para
o enquadramento mínimo em uma das tendências.

2 O MÉTODO UTILIZADO NA COMPARAÇÃO DE LOCUTOR

Acima foi descrito, em linhas gerais, como se realiza


uma Comparação Forense de Locutor. Foi mencionado que, tanto na eta-
pa de examinação preliminar (quando se prepara o material para a co-
leta do padrão vocal) quanto no momento do confronto entre as amos-
tras, são feitas as análises percepto-auditiva e acústica. A conjunção
dessas duas análises compõe o que na literatura da área é referido como
Método Combinado (BYRNE; FOULKES, 2004; ERIKSSON, 2012; GOLD;
FRENCH, 2011, 2019; KUWABARA; SAGISAKA, 1995; MCDOUGALL,
2005; NOLAN, 2001; RODMAN et al., 2002; ROMITO; GALATÀ, 2004;
ROSE, 2002; WATT, 2010; entre outros).
Até o presente, no Brasil, no âmbito da perícia criminal oficial
dos estados, poucos são os Órgãos Periciais que utilizam, e se o fazem
é em caráter restrito (como suplemento), o método automático de aná-
lise. Por essa razão, não foi feita menção ao uso de tecnologia atinente
ao Reconhecimento Automático de Locutor.
Na Comparação de Locutor, é comum o emprego da análise ins-
trumental de conhecidos parâmetros acústicos, entre eles, as medidas
de longo-termo da frequência fundamental (f0) e os espectros FFT (Fast
Fourier Transform) e LPC (Linear Predictive Coding). Além disso, é rotina

215
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

a execução de automatismos pontuais e customizados, podendo-se citar


como exemplo os difundidos scripts incorporáveis ao software Praat.
Neste capítulo, propõe-se a discussão acerca da utilização
de recursos automáticos na realização da perícia de comparação Forense
de Locutor. O objetivo principal é introduzir a questão, apontando ga-
nhos e prejuízos da examinação quantitativa, tendo como pano de fundo
as especificidades das amostras questionadas analisadas na esfera cri-
minal, as quais são constituídas de áudios com qualidade de sinal costu-
meiramente prejudicada e, não raro, com duração total restrita.
Na exploração do tema, será caracterizada a diferença entre
o Reconhecimento Automático de Locutor e os automatismos aco-
lhidos pelo Método Combinado atualmente utilizado na realização
da Comparação de Locutor, entre eles o uso de scripts; bem como será
desenvolvida discussão quanto às possibilidades reais de emprego
de tais recursos no contexto de atendimento, na esfera criminal, para
determinação de autoria a partir de amostras de voz/fala.

3 ABORDAGEM INSTRUMENTAL: UM MÉTODO EM SI


OU PARTE DO MÉTODO COMBINADO

As análises realizadas no confronto próprio da Comparação


Forense de Locutor podem ser quanti ou qualitativas. Dada a peculiari-
dade das características do material sob exame, o qual é normalmente
acometido de baixa relação sinal/ruído; sobreposição de falas (tendo-se
mostrado consistente exceção os áudios no estilo “mensagem de voz”
gerados via aplicativo WhatsApp); qualidade acústica adversa, decor-
rente do uso da compactação dos arquivos, entre outros, observa-se
que, na prática, significativa porção do cotejo possível tem seus procedi-
mentos preparatórios artesanalmente conduzidos. Soma-se ao cenário
descrito o fato de que, especialmente na amostra gravada sem a ciên-
cia do locutor (já referida como amostra questionada), o estilo da fala
é naturalístico.

216
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

Na fala naturalística, em razão do menor grau de monitoramento


aplicado por parte do locutor, são mais comumente encontrados ele-
mentos delatores do real estado das estruturas do aparato fonador e da
dinâmica dos órgãos fonoarticulatórios. Por isso, tal estilo de fala é pre-
ferível para a utilização quando se pretende o mapeamento do funciona-
mento vocal e do comportamento linguístico do falante.
Em suma, grosso modo, ao se trabalhar com amostras naturalís-
ticas, apresenta-se o seguinte contraponto: ganha-se potencial produ-
tivo relativamente a elementos técnicos de ordem linguística, alguns
por vezes idiossincráticos e bastante relevantes na definição da autoria
(origem das amostras), mas, não raro, se perde a possibilidade de conse-
cução de inúmeras extrações de medidas usualmente previstas em uma
Comparação de Locutor.
Assim, os exames acústicos quantitativos, voltados ao cotejo,
por exemplo, de variáveis como f0 (frequência fundamental), de valo-
res de formantes ou de centroides de energia de consoantes fricativas,
tendem a ser mais comumente utilizados apenas como parte do método
e não de maneira exclusiva, como um método em si. Os excertos abaixo
ilustram o mencionado emprego:

“(...) a análise acústica é empregada de duas formas, a saber,


(a) na verificação de vestígios indicativos do efetivamente
produzido, os quais são na maior parte das vezes detectados
primeiramente de oitiva e que denotam o comportamento
linguístico, paralinguístico e/ou extralinguístico dos falan-
tes e (b) na extração de medidas, que contrastarão as amos-
tras a partir de parâmetros físicos associados às configu-
rações do aparelho fonador, tanto relativos à fonte quanto
ao processo de filtragem.” (BRESCANCINI et al., 2017)
“(...) a análise acústica é utilizada no sentido de objetiva-
mente documentar os fenômenos segmentais e suprasseg-
mentais específicos, que ilustram a paridade/disparidade
encontrada, sendo preferível o emprego de um número sig-
nificativo de tokens de um dado evento (por exemplo, fre-

217
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

quência dos formantes vocálicos) e medidas de longo termo


(por exemplo, f0 habitual a partir de recorte de sinal de áudio
superior a 60 segundos). O objetivo tenderá a ser normal-
mente o de corroborar ou refutar os achados perceptivos.”
(GONÇALVES; BRESCANCINI, 2014)

Inúmeros esforços já foram empenhados por grupos de peritos fo-


renses em registros de áudio no sentido de incorporar tecnologias para
Reconhecimento Automático de Locutor (temática adiante abordada).
Contudo, as condições não canônicas e bastante adversas dos sinais
de áudio que são entregues para serem objeto de exames têm inviabili-
zado a adoção desse método, que até então, ao menos no Brasil (consi-
derando a área criminal), têm caráter restrito a recurso de triagem.

3.1 O reconhecimento automático de locutor

O Reconhecimento Automático de Locutor–RAL, na literatura


também referido como ASR (do inglês Automatic Speaker Recognition),
é um processo que tem servido cada vez mais como apoio ao exame
de determinação de autoria a partir de voz/fala. Gold e French (2019)
referem, em levantamento feito junto a 39 laboratórios de 23 países,
que 41% das instituições respondentes utilizam o RAL como auxílio
quando da realização da perícia de Comparação de Locutor. Em estudo
similar empreendido pelos mesmos autores em 2011, esse índice era de
17%.
Nesta metodologia, a verificação pode ser realizada de duas ma-
neiras: dependente ou independente do texto que está sendo pronun-
ciado. No primeiro caso, há delimitação das condições do sistema, pois
o usuário oferece uma amostra de enunciação, usualmente um texto
pré-definido, quando é incluído na base de dados do sistema. No contex-
to descrito, tem-se a colaboração do indivíduo e uma comparação mais
confiável.
A colaboração do usuário, no caso de um sistema de verificação
independente de texto, não é necessária. Ou seja, não há previsão a res-

218
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

peito do texto que será falado. Tal sistema é desejável especialmente na-
quelas situações em que o locutor questionado (cuja identidade se pre-
tende revelar) é um indivíduo que está sendo investigado e que não quer
ser reconhecido. Como as propriedades analisadas são, em tese, não afe-
tadas pelo conteúdo do que é enunciado, mesmo que o locutor se mostre
não colaborativo, simulando a aplicação de processos/comportamentos
linguísticos, os resultados, desde que amparados em procedimentos pre-
liminares de técnicas cuidadas, tendem a ser fidedignos.
A comparação automática é uma tarefa na qual se tem apenas duas
opções: aceita ou rejeita. Na primeira (aceite), o sistema detecta que a
enunciação desconhecida pertence ao locutor de identidade sabida indi-
cada, enquanto na segunda (recusa), o locutor é descartado como autor
da enunciação.
Este método pressupõe duas fases distintas (BIMBOT et al., 2004):
a fase de treino e a fase de teste. Na primeira fase, de treino, o siste-
ma procede à modelagem dos locutores, com o objetivo de identificar
os parâmetros específicos de cada falante, sendo os dados armazenados
no banco de dados do sistema. Conforme exibido na Figura 1, a partir
da amostra de fala de cada locutor é feita a extração de características,
ou seja, a busca dos coeficientes que melhor distinguem o indivíduo,
gerando assim um vetor característico. Esses coeficientes, por sua vez,
servirão para o modelamento estatístico do falante. O modelo do back-
ground também é determinado através do mesmo método. O background
é a junção de falas de vários locutores, para a criação de um modelo úni-
co e universal (TOGNERI; PULLELLA, 2011).

Figura 1 – Representação modular da fase de treino do sistema de RAL

Fonte: traduzido e adaptado de BIMBOT et al. (2004, p. 431)

Já na fase de teste, ou fase de verificação, é realizada a extração


de características da fala de um locutor desconhecido (locutor a ser veri-

219
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ficado). Como apresentado na Figura 2, os parâmetros gerados para este


indivíduo serão comparados com o modelo do locutor cuja identidade
é conhecida e do background, indicando se está mais próximo de serem
do locutor conhecido (opção = aceita) ou do background (opção = rejeita).

Figura 2 – Representação modular da fase de teste do sistema de RAL

Fonte: traduzido e adaptado de Bimbot et al., (2004, p. 431)

Cada locutor tem associado um valor de likelihood1, que será ava-


liado através de um escore de valor limiar previamente definido para
apoiar a decisão aceita ou rejeita do sistema, baseado num problema
de teste de hipóteses. A diferença entre as duas medidas (likelihood
do locutor alvo e likelihood do background) é comparada com o valor li-
miar estabelecido. Estando acima deste limiar, o locutor alvo é aceito
como verdadeiro, caso contrário, o locutor é rejeitado como falso (SILVA,
2015).
Em um modelamento flexível do locutor a extração de caracterís-
ticas pode ser executada de diferentes maneiras, permitindo a obten-
ção de características diversas, entre elas: da fonte da voz (laríngea),
espectrais de curto e de longo-termo, prosódicas e de níveis mais altos.
A extração de características mais utilizada atualmente é o MFCC–Mel
Frequency Cepstral Coeficients. (HOSSAN; MEMON; GREGORY, 2010).

1 Expressão usualmente traduzida para o português brasileiro como razão de verossimilhança.

220
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3.2 A extração de medidas acústicas de elementos de voz/


fala

O Método combinado prevê uma etapa (que na prática não raro


é concomitante à análise percepto-auditiva) em que são extraídas medi-
das acústicas de determinados parâmetros, afeitos à abordagem quan-
titativa. Alguns dos parâmetros considerados já foram referidos no item
2 deste capítulo, cabendo ressaltar que os procedimentos de extração
podem tanto ser rodados quando se vislumbrada adequação específica
em um determinado trecho de áudio ou amostra (por exemplo, uma to-
mada de f0 em longo-termo ilustrada via histograma no caso de desta-
cada divergência de pitch2) ou como forma de protocolo, situação em que
o analista tem uma lista de procedimentos passíveis de serem utilizados
e aplica os que são possíveis, frente às restrições do material que está
sendo cotejado.

3.2.1 Automatismos customizados pertinentes ao método


combinado: o uso de scripts

Antes de abordarmos os scripts que podem servir de ferramentas


acessórias ao exame de Comparação de Locutor para fins forenses, cum-
pre estabelecer um entendimento básico a respeito da noção de script.
Um script nada mais é que um arquivo contendo um conjunto
de comandos que são particulares a um ambiente com fim específico,
como um editor de texto, editor de planilha ou, no caso do tema aqui
discutido, um programa de análise acústica. Diferem de programas com-
putacionais, pois não são um conjunto de instruções escritas em lingua-
gem de programação com sintaxe própria (como, por exemplo, o Basic,
o C++, o Java e o Python) e que são compilados, resultando em um arqui-
vo executável, normalmente extenso e complexo, independente do am-
biente original em que foi criado.

2 Sensação psicoacústica associada à f0.

221
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Os scripts são um conjunto de comandos, porém tendem a ser


menos extensos e são interpretados internamente pelo programa em que
foram criados, que usualmente oferecem facilidades dentro de suas
ferramentas para a elaboração desses scripts. No caso da Comparação
de Locutor, ou seja, no contexto na Fonética Acústica, o programa
de referência para análise instrumental é o Praat (BOERSMA; WEENINK,
2020)3.
A título de ilustração, é exibido na Figura 3 o resultado visual
da aplicação de uma das rotinas usuais no meio forense4.

Figura 3 – Resultado visual da aplicação de um script de comparação de valores


de formantes

Fonte: Autores (2022)

Na Figura 3, tem-se ilustrada uma das possibilidades gráficas


de apresentação de resultado, com os espectrogramas em banda larga
3 A explanação aqui apresentada considerou o ambiente do programa Praat. Contudo, embo-
ra os scripts mencionados tenham sido elaborados para execução neste software, por perti-
nência, seus recursos e operações básicas não serão contemplados neste texto.
4 O script em questão foi elaborado por um Perito Criminal Federal e gentilmente cedido pelo
autor durante uma das aulas da CNPCFF (Capacitação Nacional para Peritos Criminais em
Fonética Forense)/Senasp-Ministério da Justiça/Polícia Federal, para uso em meio pericial
oficial e acadêmico.

222
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
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de frequência da amostra questionada e padrão à esquerda, estando so-


bre este o cursor sinalizando o instante (e janelamento) considerado
na plotagem dos espectros LPC apresentados no gráfico do quadro à di-
reita. Além das figuras, o script oferece um arquivo (quadro identificado
como “Praat: Info”) onde constam os valores dos formantes, opcional-
mente as larguras de banda de cada um desses e a diferença percentual
entre os valores das amostras.
Este script específico compreende um conjunto de instruções se-
quenciadas para, entre outros, localizar o ponto médio de região estável
de segmentos fonéticos análogos e comparar os valores de alguns dos pri-
meiros formantes do excerto questionado com o do excerto padrão. A ro-
tina facilita o procedimento de comparação de fones, preferencialmente
vocálicos, para ilustração do grau de proximidade dos formantes pro-
duzidos por um locutor em uma amostra questionada (aquela em que
se quer determinar a autoria) e em uma amostra padrão (aquela em que
a identidade do locutor é conhecida). O resultado do cotejo é uma indi-
cação de tendência, dentre várias necessárias para conclusão assertiva,
quanto à convergência ou não entre os aparatos fonadores dos locutores
produtores das amostras confrontadas.
Entende-se que mais importante do que dissecar os resultados
das medidas obtidas a partir do uso do script, é deixar claro que ele
roda dentro do ambiente do Praat, estando os trechos sonoros a serem
comparados nas respectivas janelas de objetos. Cada um dos arquivos
de áudio deve estar com a janela de edição aberta, ou seja, o ambiente
de execução deve estar preparado para que os comandos listados no script
sejam executados com sucesso. Caso algum dos requisitos não esteja
sendo respeitado, o script é interrompido e o usuário recebe informação
indicando o motivo da interrupção.
O segundo script aplicável ao confronto forense de locutor sele-
cionado para apresentação foi o proposto por Lindh e Eriksson (2007).
Os autores objetivaram a análise da f0 em amostras de fala. Eles argu-
mentam que os valores de tendência central, média e mediana, podem
não ser os mais representativos da frequência habitual da fala de um in-
divíduo e propõem um algoritmo para o cálculo de uma medida por eles

223
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
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chamada Linha de Base Alternativa. Na Figura 4, é exibida a janela


do formulário de entrada dos parâmetros necessários para que o script
possa ser executado.

Figura 4 – Formulário de parâmetros do script para cálculo da Linha de Base


Alternativa

Fonte: Autores (2022)

Diferentemente do que ocorre no primeiro script apontado, os ob-


jetos sonoros que servirão para as medidas e cálculos da Linha de Base
Alternativa não precisam estar na janela de objetos, porém o caminho
do diretório onde estão os arquivos a serem analisados deve ser informa-
do. Os resultados serão salvos nesse mesmo diretório, em um arquivo,
cujo caminho e nome também são parâmetros de entrada informados
em um dos campos do formulário.
Como a proposta dessa seção é consubstanciar o entendimento
de como os scripts funcionam, é apresentado, na Figura 5, o início do có-
digo do script de cálculo da Linha de Base Alternativa. Observe-se que as
primeiras linhas do arquivo são de comentários e não contêm instruções
do programa, apenas informações sobre o script (o caractere “#” no iní-
cio de algumas das linhas serve como indicativo de que ela não será in-
terpretada como comando a ser executado).

224
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
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Figura 5 – Início do arquivo de script referente ao formulário de parâmetros da


Figura 4

Fonte: https://sites.google.com/site/phoneticolindh/home/scripts-and-audio/
scripts/ collect_F0_data_incl_altbase.praat. Acessado em: 19/11/2020

Ao compararmos as Figuras 4 e 5, é possível perceber que as linhas


de comando do script referem-se ao título do formulário e aos seus cam-
pos de entrada de parâmetros, que serão utilizados ao longo do script
nas demais linhas de instrução do arquivo.
Para encerrar, cabe apresentar um terceiro tema de confronto
usualmente implementado via script. Trata-se, conforme visualizado
na Figura 6, de um gráfico de dispersão vocálica de F1 (primeiro forman-
te) versus F2 (segundo formante) de duas amostras de fala. Na análise,
são apresentadas várias ocorrências (tokens) de quatro sons vocálicos
([a], [ɛ], [i] e [o]), em sílaba tônica, provindos da amostra de fala pa-
drão (no gráfico, em azul) e da amostra de fala questionada (no gráfico,
em vermelho).

225
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
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Figura 6 – Gráfico de dispersão (espaço acústico) resultante da aplicação de


um script

Fonte: Autores (2022)

Sobre a preparação do ambiente para que esse script5 possa ro-


dar com sucesso, assim como no exemplo anterior, deve ser informado
o caminho do diretório em que os arquivos a serem analisados estão
salvos. Neste caso, porém, é necessário um par de arquivos, que devem
ter o mesmo nome e extensões (“.wav” e “.TextGrid”). A segunda exten-
são refere-se ao arquivo de texto, editado no próprio ambiente do Praat
através do comando “Annotate”, disponível na janela de objetos.
A título de exemplificação do procedimento de marcação
dos segmentos vocálicos a serem considerados pelo script, na Figura 7,
é exibida a janela de edição de um trecho do arquivo de áudio. Destaca-
se que o arquivo de texto pode conter mais de uma camada, neste caso
foram utilizadas três: uma para indicar o locutor que emitiu o turno
de fala, uma para apontar os achados linguísticos e, a mais no alto, para

5 Arquivo “draw_formant_chart.praat”, de Mietta Lennes, disponível em https://lennes.gi-


thub.io/spect/, acessado em 19/11/2020. Especificamente para a elaboração do gráfico apre-
sentado, algumas adaptações foram feitas ao script original, apenas para ajuste, como, por
exemplo, tradução do título, alteração dos limites do gráfico, entre outras que não alteram
o algoritmo do script.

226
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
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proceder à segmentação e etiquetagem dos segmentos vocálicos subme-


tidos à extração de medidas do script.

Figura 7 – De cima para baixo: oscilograma, espectrograma em banda larga e


três camadas de etiquetagem

Fonte: Autores (2022)

Propositalmente não foram discutidos o significado dos resulta-


dos numéricos visualizados nas figuras acima. A proposta desta seção
foi apresentar algumas possibilidades de semiautomatizações pas-
síveis de utilização na extração de medidas que é um dos momentos
da Comparação de Locutor. Além disso, buscou-se oferecer para o lei-
tor menos acostumado com a prática de programação uma noção ini-
cial das vantagens do recurso de scripting, rompendo um eventual re-
ceio frente à tarefa, aparentemente complexa, de construir um script
customizado.

4 DISCUSSÃO

A discussão apresentada procura resgatar as duas dimensões de au-


tomatismo que perpassam a lida do confronto forense de locutor e que
são aqui abordadas: (i) a que estabelece o automatismo como método,
e que nos leva aos trâmites do intitulado Reconhecimento Automático
de Locutor e; (ii) a que acolhe rotinas pré-fabricadas de exame, customi-

227
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zadas para atendimento de determinadas necessidades de análise e aco-


lhidas como parte do intitulado e difundido Método Combinado.
Quanto à utilização do paradigma automático como um método
per se, considerando a díade de ingresso texto dependente ou indepen-
dente anteriormente referida, deve-se pontuar que o nível de colabora-
ção do indivíduo (entenda-se, do locutor fornecedor da amostra durante
a gravação do padrão a ser utilizado no confronto), que é uma das va-
riáveis responsáveis pela possibilidade de obtenção de resultados mais
assertivos, nem sempre é encontrado como satisfatório na área forense.
Dessa forma, o emprego do Reconhecimento Automático de Locutor,
na realidade do contexto forense carece, para maior eficácia, de um sis-
tema independente do texto falado, isto é, um sistema mais flexível.
A referida flexibilidade deve dar conta de desacertos como, entre
outros, o efeito do meio de captação do áudio sobre a qualidade acústica
do sinal (por exemplo, a filtragem decorrente do sistema de telefonia,
nos casos de materiais questionados advindos de interceptações telefô-
nicas) e o comportamento de algumas variáveis, mais afeitas a análises
qualitativas (por exemplo, certos elementos da expressividade da fala
ou mesmo a condição patológica da voz, articulação ou linguagem).
No que diz respeito às rotinas pré-fabricadas de exame, os chama-
dos script, o objetivo foi apresentar superficialmente a natureza dos pro-
cedimentos que podem ser semiautomatizados e, ao mesmo tempo,
oferecer uma ideia de algumas das possibilidades de análises linguísti-
cas que fundamentam a decisão dos peritos que levam a cabo o exame
de Comparação de Locutor.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com este texto, pretendeu-se expor diferentes formas de uso de au-


tomatismos na Comparação Forense de Locutor. Muito há ainda que ser
explorado e acrescentado. Cabe aos analistas que empreendem esse tipo
de confronto a tarefa de mais conhecer para fundamentar, construir cri-
ticamente para fazer evoluir e divulgar para consolidar novos fazeres.

228
VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
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Apesar de aplicados especificamente ao contexto forense, os conceitos


e ferramentas aqui expostos são fundamentados na Linguística e po-
dem ser extrapolados para outras áreas de aplicação que não a forense,
da mesma maneira que outras áreas da Linguística que não a Fonética
Acústica e Articulatória podem contribuir para a aplicação forense.
Espera-se que as ideias aqui apresentadas sirvam, mesmo que modesta-
mente, de estímulo a contribuições futuras em ambos os sentidos.

REFERÊNCIAS

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VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

SOBRE OS AUTORES

Ana Paula Correa da Silva Biasibetti

É doutora em Linguística pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do


Sul. Realizou doutorado-sanduíche na University of British Columbia – Canadá.
Possui Graduação em Letras Português/Inglês pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (2008). Atua nas áreas de Fonética, Fonologia e Sociolinguística.

Carla Regina Martins Valle

É licenciada em Letras com habilitação em Português e Italiano pela Universidade


Federal de Santa Catarina. Possui mestrado, doutorado e pós-doutoramento
também pela Universidade Federal de Santa Catarina. Seus interesses estão
voltados a pesquisas sobre marcadores discursivos, variação estilística,
identidade linguística, gramaticalização e ensino de língua portuguesa.

Cintia Schivinscki Gonçalves

Fonoaudióloga especialista em Linguagem e em Motricidade Orofacial. Mestre


e doutora em Linguística pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul. Perita criminal, atua na área de Fonoaudiologia do Instituto geral de
Perícias do Rio Grande do Sul. Seus interesses compreendem a Fonética Acústica
e Fonética Forense, atuando em grupos de pesquisas relacionadas a essa área.

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VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

Edair Maria Görski

Possui doutorado e mestrado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. É


professora adjunta da Universidade Federal de Santa Catarina, vinculada ao
Programa de Pós-Graduação em Linguística. Atua nas áreas de Sociolinguística,
Contato, Variação e Mudança e tem interesse nas áreas de gramaticalização,
variação e mudança linguística, estilo e identidade, ensino.

Édina Morgana Porcher

É aluna de graduação da Universidade Feevale, Bolsista voluntária do CNPq.


Possui interesse nas áreas da Sociolinguística, Fonética e Fonologia, em temas
que envolvem a variação e o alçamento vocálico.

Everson Ribas da Rocha

Graduado em Letras pelo centro Universitário Uniritter, com Especialização em


Ensino da Língua Portuguesa e mestrado em Linguística Aplicada pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Atua com o ensino de português
e produção textual, com interesses de pesquisa voltados para a eficiência do
ensino da língua materna.

Izabel Seara

É Mestre e Doutora em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina.


Possui pós-doutorado pela Université Paris 3 – Sorbonne Nouvelle (Paris-
França) e pela Universidade de Aveiro. É bolsista de produtividade do CNPq e
professora titular da Universidade Federal de Santa Catarina. Seus interesses
compreendem áreas de entoação- prosódia e suas interfaces, detalhamento
acústico-aerodinâmico-articulatório de segmentos da fala, síntese e
reconhecimento de fala e interfonologia francês, português brasileiro, línguas
indígenas.

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VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

Letícia Pereyron

Doutora em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal do Rio Grande


do Sul, possui mestrado em Linguística Aplicada pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul. Tem experiência e interesse nas áreas da
Sociolinguística, Variação Fonológica, Aquisição fonético-fonológica de
Segunda Língua e Línguas Estrangeiras, Bilinguismo e Multilinguismo.
Atualmente, reside em Sydney – Austrália e tem experiência como professora
de inglês como Segunda Língua.

Lovani Volmer

Possui graduação em Letras Português/Alemão pela Universidade do Vale


do Rio dos Sinos. Tem especialização na área de Informática Educativa pela
Universidade Feevale. Mestre em Letras pela Universidade de Santa Cruz do Sul.
Atualmente, é professora da Universidade Feevale. Seus interesses de pesquisa
compreendem temas como letramento e alfabetização, leitura e formação do
leitor, formação de professores e inclusão.

Marion Costa Cruz

É graduado em Letras-Inglês e mestre em Letras pela Pontifícia Universidade


Católica do Rio Grande do Sul. Atualmente, doutorando em Psicolinguística
na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Tem interesse nas áreas de
plataformas digitais e ensino de Línguas Adicionais, desenvolvimento de
habilidades de Consciência Fonológica em contextos bilíngues e Teoria da
Complexidade.

Márcio Oppliger Pinto (in memoriam)

Possui graduação em Fonoaudiologia pelo Instituto de Educação e Cultura,


mestrado e doutorado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul. Foi Perito criminal e professor da Faculdade Nossa Senhora de
Fátima e pesquisador da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do sul,
tendo atuado nas áreas de Fonética Forense e Fonética Acústica.

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VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

Raquel Gomes Chaves

Possui mestrado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande


do Sul e doutorado em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Atua como professora colaboradora do curso de Letras da Universidade Estadual
do Paraná – UNESPAR. Seus interesses compreendem as áreas de Teoria da
Variação e Mudança Linguística, trabalhando na interface com as áreas de
Fonética, Fonologia, Morfologia e Sintaxe.

Susiele Machry da Silva

Possui mestrado e doutorado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande


do Sul. Atualmente, é professora adjunta da Universidade Tecnológica Federal
do Paraná, vinculada ao Departamento Acadêmico de Letras e ao Programa de
Pós-Graduação em Letras. Seus interesses de pesquisa compreendem as áreas
da Sociolinguística, Fonética, Fonologia e Ensino de Línguas Adicionais.

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VARIAÇÃO SONORA E SUAS INTERFACES:
ESTUDOS EM HOMENAGEM À PROFESSORA CLÁUDIA BRESCANCINI

PARECERISTAS

Aline Lorandi
Ana Paula Biasibetti
Felipe Kupske
Izabel Christine Seara
Luciene Brisolara
Luiz Carlos Schwindt
Marisa Porto do Amaral
Raquel Gomes Chaves
Reiner Perozzo
Susie Enke
Susiele Machry da Silva
Taíse Simioni
Tatiana Keller
Ubiratã Kickhöfel Alves

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