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Linguística Cognitiva

redes de conhecimento d’aquém e d’além-mar


UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

Reitor
João Carlos Salles Pires da Silva

Vice-reitor
Paulo Cesar Miguez de Oliveira

Assessor do Reitor
Paulo Costa Lima

EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

Diretora
Flávia Goulart Mota Garcia Rosa

Conselho Editorial
Alberto Brum Novaes
Angelo Szaniecki Perret Serpa
Caiuby Alves da Costa
Charbel Niño El-Hani
Cleise Furtado Mendes
Evelina de Carvalho Sá Hoisel
José Teixeira Cavalcante Filho
Maria do Carmo Soares de Freitas
Maria Vidal de Negreiros Camargo
A. Ariadne Domingues Almeida
Elisângela Santana dos Santos
(Organizadoras)

Linguística Cognitiva
redes de conhecimento d’aquém e d’além-mar

SALVADOR
EDUFBA
2018
2018, autores.
Direitos para esta edição cedidos à Edufba. Feito o Depósito Legal.

Grafia atualizada conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990,


em vigor no Brasil desde 2009.

Projeto gráfico, capa e diagramação


Edson Nascimento Sales

Revisão
Líliam Cardoso

Normalização
Juliane Nunes do Nascimento

Linguística cognitiva: redes de conhecimento d’aquém e d’além-mar /


A. Ariadne Domingues Almeida, Elisângela Santana dos Santos, organizadoras. – Salvador:
EDUFBA, 2018.
287 p. : il.

ISBN: 978-85-232-1699-3

1. Linguística. 2. Cognição. 3. Semântica. 4. Gramática cognitiva. I. Almeida, Aurelina Ariadne


Domingues. II. Santos, Elisângela Santana dos. III. Título.

CDD 410

Elaborado por Sandra Batista de Jesus – CRB-5/1914

Editora filiada à

Editora da UFBA
Rua Barão de Jeremoabo
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CEP: 40170-115
Tel.: +55 71 3283-6164
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Sumário

Apresentação 7

Princípios de composicionalidade e continuidade,


indeterminância do significado: tópicos em Semântica Cognitiva 11
Heloísa Pedroso de Moraes Feltes

Significado y motivación: la importancia


de la corporeización en la semántica 37
Iraide Ibarretxe-Antuñano

La función de las metáforas


en la construcción identitaria de Argentina 53
Elena del Carmen Pérez

Interconexões possíveis, quando a teoria da complexidade


encontrou a Linguística Cognitiva, um caso de migração
científica na noosfera 71
A. Ariadne Domingues Almeida

Análise de metáforas e esquemas imagéticos multimodais


no discurso de membros da frente parlamentar evangélica:
uma abordagem cognitiva 103
Maíra Avelar Miranda

La expresión de la conducta social: axiología y modelo cognitivo 121


Jorge Osorio
Quando morrem as metáforas vivas e nascem
as metáforas mortas: a rece(p)ção no processo metafórico 139
José Teixeira

Polissemia na mente, na cultura e no discurso


para uma abordagem cognitiva mais dinâmica e contextualizada
da individuação, relação e mudança de sentidos 161
Augusto Soares da Silva

Conceptualizações de leitura: aportes da Linguística Cognitiva


para compreensão do significado 183
Elisângela Santana dos Santos

Metáforas do medo: um estudo das conceitualizações sobre


violência urbana na cidade de Belo Horizonte, MG, BRASIL 209
Luciane Corrêa Ferreira

Por uma abordagem cognitiva da morfologia:


revisando a morfologia construcional 225
Juliana Soledade

Ligando o morfômetro: análise morfossemântica


das construções com -metro no português do Brasil 259
Carlos Alexandre Victorio Gonçalves
Maria Lucia Leitão de Almeida

Sobre os autores 285


Apresentação

O livro Linguística Cognitiva: redes de conhecimentos d'aquém


e d'além-mar é constituído por textos de pesquisadores
da América e da Europa latinas, em homenagem ao cente-
nário do falecimento de Michel Bréal e aos 35 anos da publi-
cação da obra Metaphors we live by, de autoria de George Lakoff
e de Mark Johnson, ocorrido em 2015.
Os artigos da presente coletânea versam sobre pesquisas
elaboradas na área da Semântica Cognitiva e apresentam um
panorama atual dos estudos cognitivistas da linguagem produ-
zidos no espaço ibero-americano, o que justifica o seu título,
pois, nesta obra, procuram-se estabelecer redes de saberes
que conectem o conhecimento produzido em dois cantos do
mundo latino: o da América do Sul e o da Península Ibérica.
Assim, a expõem-se trabalhos realizados por professores dos
dois continentes, integrantes de variados grupos de pesquisa,
vinculados a Programas de Pós-Graduação de diferentes
universidades.
Como sabemos, tanto no continente europeu quanto
no continente americano as investigações nessa área do conhe-
cimento têm crescido bastante, evidenciando uma nítida pro-
jeção dos estudos acerca da significação, nos últimos anos, sob
o escopo cognitivista. Em Portugal e na Espanha, assim como no
Brasil, na Argentina e no Chile, dentre outros países de língua
latina, encontramos vários pesquisadores que têm dado impor-
tantes contribuições para a expansão da Semântica Cognitiva.

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

Integram esta obra e comprovam a consolidação dos estudos semânticos


os seguintes pesquisadores: Heloísa Pedroso de Moraes Feltes, da Universidade
de Caxias do Sul (UCS), do Brasil, que apresenta o artigo intitulado "Princípios
de composicionalidade e continuidade, indeterminância do significado: tópicos
em semântica cognitiva"; Iraide Ibarretxe-Antuñano, da Universidad de Zaragoza
(Unizar), da Espanha, que traz o texto "Significado y motivación: la importância
de la corporeización en la semântica"; Elena del Carmen Pérez, da Universidad
Nacional de Córdoba (UNC), da Argentina, que oferece o artigo "La función de
las metáforas en la construcción identitaria de Argentina". Encontram-se, neste
livro, também, A. Ariadne Domingues Almeida, da Universidade Federal da Bahia
(UFBA), do Brasil, com "Interconexões possíveis: quando a teoria da complexi-
dade encontrou a Linguística Cognitiva, um caso de migração científica na noos-
fera"; Maíra Avelar Miranda, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
(UESB), do Brasil, com "Análise de metáforas e esquemas imagéticos multimo-
dais no discurso de membros da frente parlamentar evangélica: uma abordagem
cognitiva"; Jorge Osório, da Universidad Católica de la Santísima Concepción
(UCSC), do Chile, com "La expresión de la conducta social: axiologia y modelo
cognitivo"; José de Sousa Teixeira, da Universidade do Minho (UMinho), de
Portugal, com "Quando morrem as metáforas vivas e nascem as metáforas mortas:
a rece(p)ção no processo metafórico"; Augusto Soares da Silva, da Universidade
Católica Portuguesa (UCP), também de Portugal, com "Polissemia na mente, na
cultura e no discurso: para uma abordagem cognitiva mais dinâmica e contex-
tualizada da individuação, relação e mudança de sentidos"; Elisângela Santana
dos Santos, da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), do Brasil, com
"Conceptualizações de leitura: aportes da Linguística Cognitiva para compreensão
do significado"; Luciane Corrêa Ferreira, da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), do Brasil, com "Metáforas do medo: um estudo das concei-
tualizações sobre violência urbana na cidade de Belo Horizonte, MG, Brasil";
Juliana Soledade, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), do Brasil, com "Por
uma abordagem cognitiva da morfologia: revisando a morfologia construcional";
e, finalmente, Carlos Alexandre Victório Gonçalves e Maria Lúcia Leitão de
Almeida, ambos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também do
Brasil, com "Ligando o morfômetro: análise morfossemântica das construções
com -metro no português do Brasil".

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Apresentação |

Vale ressaltar que esta coletânea é apoiada pela Coordenação de


Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) por meio do processo
1094/2015 do Programa de Apoio a Eventos no País (PAEP).
Esperamos que a publicação dos textos que aqui se encontram contribua
com a Semântica Cognitiva, estabelecendo redes de conhecimentos não apenas
d'aquém e d'além-mar, mas em diversos espaços.

Aurelina Ariadne Domingues Almeida


Elisângela Santana dos Santos

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Princípios de
composicionalidade
e continuidade,
indeterminância do
significado: tópicos em
Semântica Cognitiva
Heloísa Pedroso de Moraes Feltes

Introdução

Ao se comemorarem os 35 anos da obra Metaphors we live by


já podemos avaliar um longo percurso de investigações em
Linguística Cognitiva. Embora as fundações da Linguística
Cognitiva e, mais especificamente, da Semântica Cognitiva
já estivessem lançadas ao longo da década de 1970, a obra
Metaphors we live by tornou-se um marco para muitas pes-
quisas, fazendo com que uma grande quantidade de pesquisas
em Linguística Cognitiva se concentrasse, incialmente, no
tema das metáforas conceituais e seus desdobramentos.
Na verdade, devemos a Lakoff, ainda no âmbito dos
debates sobre a Semântica Gerativa, o nascimento de uma
nova perspectiva de estudos para a Linguística. Para aqueles
que, como eu, ingressaram na Linguística Cognitiva tendo
percorrido um longo caminho pelo paradigma gerativista

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

e pelas semânticas formais, não resta dúvida de que as bases para o Realismo
Experiencialista já estavam sendo ali consolidadas como uma reação ao paradigma
racionalista gerativista. No coração desse confronto, encontra-se a posição e o
papel da semântica no sistema da gramática. Para Chomsky (desde a primeira
proposta em 1957 até o recente Programa Minimalista), a gramática é um sis-
tema formal cujo desenvolvimento independe do significado dos elementos de
suas fórmulas. A semântica seria apenas um componente derivado, realizado por
outro módulo da cognição, a partir de um sistema de princípios e regras grama-
ticais. O movimento de oposição a essa tese, chamado Semântica Gerativa, foi
comandado por Paul Postal, George Lakoff, Háj Ross e James McCawley, deno-
minados, então, jocosamente, "Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse", dando-se
o primeiro passo para o reposicionamento da semântica nesse sistema. Harris
(1993), em The linguistics wars, afirma que os referidos fundadores da Semântica
Gerativa levaram a sintaxe, cada vez mais, para um nível profundo, até que suas
"estruturas profundas se tornassem virtualmente indistinguíveis da representação
semântica". (HARRIS, 1993, p. 102) O conhecido artigo de Lakoff "Toward
Generative Semantics", escrito em 1963 e publicado em 1976, tornou-se o marco
desse movimento underground. Nesse caminho de debates e disputas, a semântica
foi se tornando progressivamente mais "primária" e mais central.
Uma das razões por que a Linguística Cognitiva se confunde com estudos
de Semântica Cognitiva está, sem dúvida, nesse deslocamento contínuo em
direção ao significado, às funções comunicativas e aos fatores cognitivos e socio-
culturais envolvidos no funcionamento da linguagem.
Em geral, entende-se a Linguística Cognitiva como uma subárea das
Ciências Cognitivas, que Lakoff e Johnson (1999, p. 568) afirmam ser "a ciência
da mente e do cérebro". Conforme Lakoff e Johnson (1999, p. 496), a Linguística
Cognitiva é uma teoria linguística que faz uso das descobertas da segunda geração
das Ciências Cognitivas para "explicar tanto quanto possível a linguagem". Ela
se inscreve na chamada "segunda geração das Ciências Cognitivas". A primeira
geração caracteriza-se como sendo uma ciência da "mente computacional".
A segunda geração é a da mente corporificada ou corpórea.
Desde a década de 1980, acompanhamos, então, o nascimento de uma
nova gramática com Ronald Langacker, uma nova semântica com importantes
discussões promovidas por Fillmore e Fauconnier. Tendo a metáfora como pedra

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Princípios de composicionalidade e continuidade, indeterminância do significado |

de toque para situar a linguagem como uma "janela para a mente humana", um
novo paradigma se estabelece e se desenvolve, avançando para o exame dos cha-
mados "níveis linguísticos", que, como veremos mais adiante, serão, agora, tra-
tados em um continuum.
A Linguística Cognitiva constitui-se como um domínio científico há
aproximadamente 25 anos se, conforme Janssen e Redeker (1999), forem con-
siderados como marcos de sua fundação a International Cognitive Conference,
em Duisburg, na Alemanha, em 1989, assim como a edição da revista Cognitive
Linguistics, em 1990. Entretanto, se considerarmos que seus estudos antece-
deram os eventos ou publicações respectivos, a Linguística Cognitiva já alcança
mais de 30 anos. Como em muitos outros campos de investigação, a Linguística
Cognitiva não se configura como um campo de investigação efetivamente homo-
gêneo, já que há uma relativa diversificação de teorias, variações de teorias e dife-
rentes escolas. Entretanto, como afirmam os editores da série Cognitive Linguistic
Research (da Mouton de Gruyter), Dirven, Langacker e Taylor (1999),

[...] a rubrica Linguística Cognitiva subsume uma variedade de interesses


e abordagens teóricas compatíveis que têm uma perspectiva básica comum:
a de que a linguagem é uma faceta integral da cognição que reflete a interação
de fatores sociais, culturais, psicológicos, comunicacionais e funcionais e que
apenas pode ser compreendida no contexto de uma visão realista da aqui-
sição, desenvolvimento cognitivo e processamento mental [...]. Internamente,
procura uma abordagem unificadora da estrutura da linguagem que evite tais
dicotomias problemáticas como léxico vs. gramática, morfologia vs. sintaxe,
semântica vs. pragmática e sincronia vs. diacronia. Externamente, procura,
tanto quanto possível, explicar a estrutura da linguagem nos termos de outras
facetas da cognição das quais ela se vale, assim como a função comunicativa
a que ela serve. A análise linguística pode, portanto, tirar proveito dos insights
de disciplinas vizinhas ou sobrepostas, tais como: sociologia, antropologia
cultural, neurociência, filosofia, psicologia e ciência cognitiva.

Fauconnier (1999) afirma que a Linguística Cognitiva, ao contrário de


outras abordagens, não advoga uma visão autônoma da linguagem, mas, sim, res-
suscita a tradição em que a linguagem tem a tarefa de construir e comunicar sig-
nificado, sendo, para o linguista, e linguista cognitivo, em especial, uma "janela
para a mente". Entretanto, diz o autor, ver através dessa janela não é algo óbvio,

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

pois se faz necessário trazer e correlacionar traços profundos de nosso pensamento,


processos cognitivos e comunicação social, associando-os com suas manifes-
tações linguísticas. O autor enfatiza: "O empreendimento da linguística cogni-
tiva [...] já é bem-sucedido. Não é forçado dizer que talvez, pela primeira vez,
uma ciência genuína da construção do significado e sua dinâmica é lançada".
(FAUCONNIER, 1999, p. 96)
Integrada à Linguística Cognitiva, tendo por base as primeiras publicações
de Lakoff (1977, 1980, 1982) – para citar alguns dos referenciais que julgamos
relevantes –, a construção de uma Semântica Cognitiva se iniciou multidisciplinar,
controvertida pela quebra de vários paradigmas e suficientemente rica em insights
para promover debates com vários domínios da Linguística e entre diferentes
áreas do conhecimento. O enquadramento da Semântica Cognitiva no amplo
domínio da Linguística Cognitiva deve-se a um conjunto de compromissos que
advêm de diferentes tendências.
Neste trabalho, nosso objetivo é levantar alguns tópicos de Semântica
Cognitiva que colocam em foco (i) o princípio de continuidade (HARDER,
1999); (ii) o princípio de composicionalidade; (SWEETSER, 1999) e (iii) a Teoria
Neural da Linguagem. (FELDMAN, 2006) Apresentamos, na sequência, alguns
exemplos com construções nominais, verbais e morfemáticas, com diminutivos
que ilustram, de forma sintética, a natureza de alguns fenômenos em Semântica
Cognitiva, segundo as três abordagens referidas, com ênfase em pontos de refe-
rência cognitivos, zonas ativas, polissemia e indeterminância do significado.

Continuidade em Linguística Cognitiva

Harder (1999) trata do "continuísmo" (continuism) como uma tendência meto-


dológica em Linguística. O termo "continuísmo", em uma tradução direta, não
é adequado, dado o sentido que adquire em língua portuguesa. Por isso, usaremos
o termo "continuidade" como expressando a ideia de continuum. A essa pers-
pectiva em Linguística Cognitiva chamaremos de "Princípio de Continuidade".
O autor adota o termo "continuidade" para denotar uma tendência forte em
Linguística Cognitiva de não destacar certos aspectos da linguagem que são, em
seu entendimento, parcialmente autônomos.

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Princípios de composicionalidade e continuidade, indeterminância do significado |

Diz Harder (1999) que muitos dos traços da Linguística Cognitiva residem
no fato de não estabelecer uma distinção nítida entre competência e performance.
Em vez disso, é um modelo baseado no uso, sem marcar uma distinção entre
a linguagem, de um lado, e a experiência humana, de outro, já que seu propósito
é justamente imbricar a linguagem em um contexto cognitivo e experiencial mais
amplo. Também não faz uma distinção nítida entre fenômenos cognitivos e fenô-
menos biológicos, "porque a linguagem é fundada no corpo humano, e porque
todas as habilidades podem ser vistas como mediadas por padrões neurológicos (os
quais podem ser modelados por simulações conexionistas altamente sofisticadas)".
(HARDER, 1999, p. 196) Ou seja, os fenômenos são tratados num continuum.
O mais importante traço da chamada "continuidade" em Linguística
Cognitiva é que esta "está explicitamente preocupada com o uso da linguagem
como uma janela para as estruturas cognitivas [...], de modo que se pode movi-
mentar-se livre e gradualmente de fatos sobre a vida humana para fatos sobre
a cognição humana". (HARDER, 1999, p. 196)
Harder (1999) sustenta que no coração da posição da Linguística Cognitiva
está a tese de negar a existência de um nível sintático puramente formal, mas
reforça que essa posição cognitiva da "continuidade" é responsável por muitos
equívocos.
A preocupação de Harder (1999) concentra-se em tratar da questão sobre
que tipos de coisas existem no mundo no contexto da Linguística Cognitiva,
levantando uma questão ontológica e metodológica. Antes de simplesmente
negar a "continuidade" o autor quer discuti-la com mais cuidado, a partir de uma
orientação explícita em direção a uma ontologia baseada na autonomia parcial.
Esta é entendida como

[...] um fato central sobre as relações entre domínios relacionados: fatos cog-
nitivos são parcialmente autônomos de fatos brutos; fatos linguísticos são par-
cialmente autônomos de fatos experienciais; fatos sintáticos são parcialmente
autônomos de fatos sobre o significado de elementos, e fatos sociais são par-
cialmente autônomos de fatos mentais. (HARDER, 1999, p. 196)

Para Harder (1999), a autonomia parcial tem o mérito de aceitar a neces-


sidade de níveis separados de análise dentro do contexto de uma continuidade
global. Trata-se, entretanto, de um conceito complexo, mas essencial, afirma

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

Harder (1999), não apenas em Linguística, mas em Ciências Cognitivas. Aceitar


diferentes níveis de organização apresentaria algumas vantagens para a Linguística
Cognitiva, como no caso de incluir, mais explicitamente, os fatos sociais como
um nível ontológico específico em sua visão de mundo. A autonomia parcial,
nesse sentido:

[...] forneceria um modo melhor de capturar o quadro integrado semantica-


mente baseado da sintaxe que é privilegiado na linguística funcional e cog-
nitiva, enquanto deixando, explicitamente, espaço para aquelas correspon-
dências menos diretas entre padrões sintáticos e significado de itens a partir
dos quais os autonomistas tendem a tirar conclusões erradas. (HARDER, 1999,
p. 218)

Colocando a questão no plano da descrição linguística do significado


como função interativa, Harder (1999, p. 211) diz que se sabe que a linguagem
é usada em interações sociais, mas um dos aspectos a serem considerados é "a
natureza de e a relação entre significados". O outro aspecto é o "status da sintaxe
como um componente que torna possível a integração automática e eficiente de
fragmentos de significado em significados de enunciados no todo". (HARDER,
1999, p. 211)
Lembrando sempre que a Linguística Cognitiva é uma ciência jovem, dis-
cussões como as que Harder (1999) provoca, defendendo a tese da autonomia
parcial como uma contribuição ontológico-metodológica para essa ciência em
recente construção, não devem ser negligenciadas. Ela busca, em nosso enten-
dimento, uma espécie de conciliação entre a autonomia extremada dos gerati-
vistas e dos funcionalistas (como Fodor) e o "achatamento" ontológico que, não
se pode negar, existe em Linguística Cognitiva, naquilo que o autor chama de
continuidade em Linguística Cognitiva, que horizontaliza, num continuum, os
fatos propriamente linguísticos, cognitivos e sociais.

Composicionalidade e Linguística Cognitiva

Como bem coloca Sweetser (1999, p. 133), a Linguística Cognitiva "mudou


radicalmente nosso entendimento de semântica", tanto que o que tem emergido

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Princípios de composicionalidade e continuidade, indeterminância do significado |

é "uma semântica que está tentando ser cognitivamente realista". É nesse con-
texto "do que é cognitivamente realista" que a composicionalidade em semântica
tem sido fortemente discutida. A autora afirma:

Não conheço nenhum linguista que veja a semântica como intrinsecamente


não composicional, embora possivelmente possa haver filósofos ou críticos
literários que abracem tal visão. Todos os linguistas concordam, assim como
leigos medianos, que a razão de O gato roubou o chapéu significa algo dife-
rente de O gato comeu o chapéu é que roubou e comeu trazem diferentes
contribuições para a interpretação do todo, e que essas contribuições estão
sistematicamente relacionadas aos arranjos convencionais de interpretação
de comer e roubar em outros usos possíveis dos falantes de Português [Inglês].
(SWEETSER, 1999, p. 133)

Entretanto, Sweetser (1999, p. 122) segue com sua discussão de forma


mais crítica:

Podemos discordar de questões maiores relacionadas: por exemplo, sobre


a medida em que expressões idiomáticas são processadas composicional-
mente [...]; a medida em que é importante falar sobre significados de constru-
ções sintáticas; a relação entre componentes 'semânticos' e 'pragmáticos' de
uma mensagem comunicada linguisticamente; a relação entre interpretação
linguística e processos gerais de raciocínio de inferências baseadas-em-con-
texto; ou sobre a discussão a respeito de qual seja a quantidade de conteúdo
de um enunciado cotidiano que seria produzido e processado pelo acesso
a rotinas anteriormente realizadas, em relação à composição de elementos
efetivamente novos.

E a autora conclui: "Mas o fato básico da composicionalidade permanece,


e permanece também em casos aparentemente mais complicados do que aqueles
que envolvem gatos, chapéus e cobertores [Referência ao famoso exemplo 'The
cat is on the mat.']". (SWEETSER, 1999, p. 133) Mencionamos alguns exem-
plos da autora:

(1) I put the pencil on the desk. [Eu coloquei o lápis sobre a escrivaninha.]
(2) I put the pencil in the pencil-sharpener. [Eu coloquei o lápis no
apontador.]

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

Após o processamento de (1), compreende-se que o lápis inteiro foi colo-


cado sobre a escrivaninha; em (2), por outro lado, compreende-se que apenas
a ponta do lápis usada para escrever foi inserida no apontador. A compreensão
de (2) depende do que Langacker (1991) denominou de "zona ativa" contex-
tualmente relevante, que é tomada como um referente do sintagma o lápis. Isso
significa que estamos nos referindo a partes de um objeto ou referente, tal que
o sintagma o lápis traz diferentes contribuições para o significado da sentença
como um todo.
O exemplo (3) abaixo traz mais complexidade para o processo de interpre-
tração. Ele se ocupa de um sintagma adjectival (A) que se adjunge a um nome (N):

(3) A-N Phrase: Intellectual sleeping pills [Pílulas de dormir intelectuais]

O sintagma referido em (3) seria utilizado para referir-se a sermões. O que


temos, nesse exemplo, é um blending metafórico. Intellectual/Intelectual é um
adjetivo que especifica uma série de espaços mentais estruturados em frames.
Sumariamente, há um espaço genérico (não especificado pela autora), um espaço
de input 1 para [sleeping pills/pílulas para dormir-NOUN] como o domínio físico;
um espaço de input 2 para o domínio intelectual [ADJECTIVE]; e um espaço de
blending para [sermões como pílulas para dormir]. Pode-se dizer que o ouvinte
interpretaria o sintagma em (3) ao mesclar o espaço de sleeping pills com o espaço
que envolve a atividade intelectual, ao criar uma mescla metafórica, em que pills,
mapeada a partir de SERMÃO, causaria a inatividade física ou inconsciência cau-
sada por um sermão. No contexto adequado, a zona conceptual ativa de pílulas de
dormir é SERMÕES, uma entidade apropriadamente elaborada por intellectual/
Intelectual. (SWEETSER, 1999, p. 146) A autora conclui que esse tipo de trata-
mento para os sintagmas Adjective-Nouné, ao mesmo tempo, unificado, composi-
cional e suficientemente flexível para dar conta de dados reais. E mais:

Sem evocar mecanismos tais como metáforas ou frames, teríamos de ou


desistir de afirmar que há quaisquer princípios gerais sobre como combinar
a semântica de adjetivos e nomes em uma construção de modificação, ou
desistir da composicionalidade em si mesma. (SWEETSER, 1999, p. 155)

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Princípios de composicionalidade e continuidade, indeterminância do significado |

Sweetser (1999, p. 154-156) defende que

Uma teoria genuinamente plausível de composicionalidade semântica não


pode se basear em poucos casos que lógicos consideram convenientes, com
a suposição de que ela possa ser, algum dia, estendida para lidar com o resto
dos dados. Ela tem de lidar com a imensa complexidade combinatorial das
construções cotidianas em línguas reais, como usadas pelos falantes enga-
jados na construção linguística de estruturas de espaços mentais dentro de
um contexto rico […]. Isso não significa que nossa teoria não seja econômica.
Ela certamente será uma teoria mais rica e mais complexa da categorização
e combinação semântica do que muitas daquelas da semântica formal, mas
essa complexidade adicional envolverá estruturas e processos cognitivos que
são necessariamente parte de qualquer teoria plausível da cognição em geral:
categorização fuzzy e baseada em protótipos, exemplos salientes, ligações
metafóricas e metonímicas, frames, zonas ativas, papéis e valores, espaços
mentais e assim por diante. Não há, naturalmente parcimônia global para
a exclusão desses fatores dessa semântica linguística, se eles forem aspectos
reais da cognição subjacente à linguagem. Nossa teoria pode certamente
ainda seguir o raciocínio de Occam, no sentido de que não deveríamos
colocar estruturas não motivadas para nossa própria segurança, mas, antes,
fazer isso enquanto necessário para a análise dos dados.

[…] parece, para mim, quase impossível construir uma teoria adequada do
significado que seja simultaneamente objetivista e regularmente composi-
cional. Unidades menos flexíveis simplesmente não produzirão a série de sig-
nificados composicionais efetivos por composição regular.

As ideias de Sweetser representam aqui, prototipicamente, o que os pesqui-


sadores em Linguística Cognitiva têm discutido sobre composicionalidade. Casos
como:

(4) Red Apple/Maçã vermelha


(5) Red Ball/Bola vermelha

servem para demonstrar, por exemplo, que há casos em que a zona ativa pode
ser sempre uma construção convencional com uma predefinição de significados
sobrepostos de nomes e adjetivos: em (4) ela lida com o exterior da fruta, a cor

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

de sua casca; ou em (5) de uma zona a ser construída pelo contexto: a cor da
bola, a faixa vermelha sobre a superfície da bola (que possui o fundo de outra
cor) ou mesmo para se referir metonimicamente a uma bola que pertence a um
time cujo uniforme é vermelho. Em (5) operações de blending seriam necessárias,
segundo a autora.
Opera-se, portanto, com um tipo de "composicionalidade" fundada em
dados reais, em que certos sintagmas são compreendidos dada a certa realidade
cognitiva e psicofisiológica, em situações reais de processamento (neural).
Lakoff (1987), nesse sentido, ressalta que processamos gestalts, ou seja,
as gestalts são estruturas usadas no processamento da linguagem, no processa-
mento do pensamento, no processamento perceptual, na atividade motora etc.
Conforme o autor:

(1) As gestalts são holísticas e analisáveis: são todos não redutíveis à soma
de suas partes. Há "propriedades adicionais em virtude de serem todos, e as
partes podem tomar significância adicional em virtude de estarem dentro
desses todos".
(2) As gestalts podem ser corretamente analisadas em partes de maneiras dife-
rentes, a partir de diferentes pontos de vista.
(3) Uma análise gestáltica pode variar, na medida em que é fruto do pensa-
mento humano, guiada pelos recursos do organismo, pelos seus propósitos
e pontos de vista.
(4) As gestalts devem distinguir propriedades prototípicas de propriedades
não prototípicas.
(5) As propriedades das gestalts podem ser de vários tipos. No caso das ges-
talts linguísticas, elas podem ser gramaticais, pragmáticas, semânticas, fonoló-
gicas e funcionais. (LAKOFF, 1987, p. 246)

Processamento neural da informação

A Teoria Neural aqui referida é a desenvolvida por Feldman (2006), como um


modelo de como nossas funções mentais/cerebrais são tratadas numa perspec-
tiva não modular e não estritamente simbólica-computacional, seguindo, em vez
disso, uma versão de conexionismo. Algumas teses dessa abordagem são:

— 20 —
Princípios de composicionalidade e continuidade, indeterminância do significado |

O cérebro é constantemente ativo, computando inferências, predições


e ações com cada situação envolvida. Tem havido enorme pressão evolu-
cionária sobre os cérebros que podem responder rápida e efetivamente em
situações complexas. (FELDMAN, 2006, p. 5)

Porque a linguagem é complexa, linguistas tem tradicionalmente quebrado


seu estudo artificialmente em 'níveis' ou 'módulos', dado nomes tais como
fonética, fonologia, morfologia, sintaxe, léxico, semântica, discurso, pragmá-
tica. A maioria dos linguistas se especializa no estudo de apenas um nível ou
na fronteira entre dois subcampos adjacentes. Tais estudos focalizados têm
dito muito sobre a linguagem e são ainda a norma. Entretanto, a linguagem
real é corpórea, integrada e multimodal [...]. As regras ou padrões de lin-
guagem são chamados construções, e estas integram diferentes facetas da lin-
guagem, por exemplo: fonologia, pragmática, semântica e sintaxe. Uma cons-
trução de pergunta poderia especificar uma forma gramatical, um padrão de
entonação, restrições pragmáticas e o significado intencionado. (FELDMAN,
2006, p. 9)

As propriedades macroscópicas da mente e da linguagem originam-se […] de


propriedades microscópicas de neurônios e de mecanismos de sinalização
neural, adaptação neural e crescimento neural. (FELDMAN, 2006, p. 49)

[C]onexões mentais são conexões mentais ativas. Há razão para acreditar que
ideias, conceitos e similares são representados por atividades neurais. O cir-
cuito exato envolvido é incerto, mas nos satisfaz assumir que algum padrão de
conexão estável está associado a certa palavra, conceito, esquema e assim por
diante. (FELDMAN, 2006, p. 91)

Cada palavra pode ativar subredes de significado alternativos. Essa subredes


são elas próprias lincadas a outros circuitos que representam a semântica de
palavras e frames que estão ativos no contexto corrente. O mecanismo neural
de associação melhor ajustado ativa conceitos adicionais relacionados como
parte da escolha do significado mais apropriado. (FELDMAN, 2006, p. 287)

De acordo com Feldman (2006), conceitos como RED/VERMELHO


e expressões como "stone bridge"/"ponte de pedra" e "stonelion"/"leão de pedra"
evidenciam que a "teoria semântica necessita de regras para combinar significados

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

que não dependam da forma gramatical em que é usada num dado caso".
(FELDMAN, 2006, p. 285) Ele cita o exemplo:

(6) Red fire engine

Em (6), Feldman afirma que há um pequeno puzzle: qual é o significado


de red que é de algum modo combinado com fire engine na nomeação de uma
determinada tonalidade? Nesse caso, a tonalidade não é a mesma que aquela refe-
rida em, por exemplo: red face, red sky or red hair. Pelos mecanismos da Teoria
Neural, a tonalidade que seria escolhida é aquela que provê a resposta neural mais
forte. A justificativa é que:

A partir de nossa perspectiva neural corpórea, o significado dependente de


contexto de 'red' é natural; a ativação de duas palavras juntas ativa o meca-
nismo neural do cérebro que melhor se ajusta para decidir o padrão global
mais coerente envolvendo contextos alternativos nomeáveis por essas pala-
vras no contexto em questão. (FELDMAN, 2006, p. 286)

Vejamos o exemplo (7):

(7) Red Guard

Em (7) há um caso de integração conceptual ou blending, que se torna


um item do vocabulário ao evocar um frame complexo apenas fracamente rela-
cionado aos significados originais de cada elemento, no caso, red and Guard.
Feldman provavelmente se refere à Red Guard da revolução Bolshevike (1917),
um termo gerado de Red Army. A referência é sobre as cores do movimento comu-
nista. Outros movimentos na Finlândia e Bavária utilizaram esta designação.
A expressão, portanto, resulta de um blend complexo, provavelmente por processo
metonímico. Em determinados contextos, essa expressão demandaria processos
inferenciais complexos para sua interpretação mais relevante.
Já em (8) e (9) temos algo diferente:

(8) Stone lion

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Princípios de composicionalidade e continuidade, indeterminância do significado |

(9) Stone bridge

Para Feldman, nesses casos, (8) e (9), os adjetivos negariam traços essen-
ciais dos nomes que eles modificam, tais como: artificial, fake, imitation e toy, que
envolveriam as intenções das pessoas que usam o objeto (bridge e lion). Dessa
forma, o autor afirma que "modificadores adicionais operam dessa maneira para
alguns objetos mas não para outros". (FELDMAN, 2006, p. 286) O que ele quer
dizer é que stone lion (8) não é um leão, mas uma imitação ou estatueta, algo feito
de pedra na forma de um leão, e que stone bridge (9), por outro lado, é ainda uma
ponte. A partir desses exemplos, resulta a questão de como os significados são
combinados. Primeiramente, Feldman toma a teoria amplamente aceita de que
as palavras possuem significados múltiplos fixados: word senses. Nessa abordagem,
todos os significados residem nas palavras, e as regras da gramática apenas espe-
cificam quais combinações de palavras são permitidas – na perspectiva de uma
autonomia sintática. Discordando dessa abordagem, Feldman (2006) levanta
algumas questões de uso contextual relacionados ao exemplo (8):

(a) Deveria haver para cada nome de animal um outro sentido que cubra
objetos na forma de leão?
(b) E o que dizer de outros atributos animais usados de uma maneira usual
em sentido "não literal": tamanho, habitat, agressividade, força?
(c) Deveria haver também sentidos de palavras separados para estatuetas de
leão, armas falsas, etc?
(d) E como proceder com relação a usos contextuais como stone lion refe-
rentes a um leão sentado sobre uma pedra ou um leão que come uma
pedra etc?

A resposta de Feldman (2006) é que a teoria neural corporificada da lin-


guagem fornece uma alternativa para os múltiplos significados das palavras que
é mais simples e intuitivamente mais plausível. O autor usa um exemplo de uso
de stone lion em um contexto conversacional:

(10)

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

A: How has Peter been behaving as the director of the company?


B: Peter is a stone lion.

Quais são as inferências derivadas plausíveis e como elas seriam derivadas


utilizando a linguagem operacional da Teoria Neural? "B" utiliza uma linguagem
metafórica, cuja interpretação é altamente dependente do contexto a partir do
qual a questão de "A" é formulada. Na verdade, a questão formulada por "A"
é uma parte constituinte do contexto. O que a Teoria Neural deveria oferecer, em
nosso ponto de vista, é uma resposta para as seguintes questões: como as subredes
neurais se conectam a outros circuitos e como são determinados os frames ativados
no contexto em questão? Como os padrões neurais operam para ajustar o melhor
mecanismo de associação que ativaria os conceitos relacionados adicionais como
parte da escolha do significado mais apropriado? Como o significado de uma
palavra em contexto é capturado pela atividade conjunta do circuito relevante
global: contextual, imediato e associativo? Essas questões são complexas e sejam
quais forem os mecanismos adotados pela Teoria Neural, o framework global deve
ter potencial para respondê-las no curso de seu desenvolvimento.
O ponto central é que a concepção de um léxico mental "estocado" na
memória deve ficar fora da equação. Do meu ponto de vista, a proposição de uma
conexão estável associada a palavras ou conceitos, conforme Feldman (2006), não
deveria ser confundida com a existência de um léxico mental estável. Edelman
e Tononi (2000) afirmam que, devido à mudança de contextos, uma propriedade
da memória no cérebro é a de que ela é uma forma de recategorização construtiva
durante a experiência contínua e não uma replicação de sequências prévias de
eventos, e, ainda,

A memória tem propriedades que permitem à percepção alterar a memória


e à memória alterar a percepção. Não tem qualquer capacidade fixa limitada,
visto que ela realmente gera 'informação' por construção. É robusta, dinâ-
mica, associativa e adaptativa. [Se esta visão estiver correta], em organismos
superiores todo ato de percepção é, em algum grau, um ato de imaginação.
A memória biológica é, portanto, criativa e não estritamente replicativa.
(EDELMAN; TONONI, 2000, p. 101)

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Princípios de composicionalidade e continuidade, indeterminância do significado |

Assim, qualquer modelo computacional deverá lidar com estruturas que,


aparentemente simples, implicam operações cognitivas automáticas, mais ou
menos complexas.
Croft e Cruse (2004) explicam que o conhecimento é basicamente uma
estrutura conceitual. Segundo eles, "os linguistas cognitivos argumentam que
a representação sintática, morfológica e fonológica é basicamente conceitual".
(CROFT; CRUSE, 2004, p. 3) Além disso, outra característica da Linguística
Cognitiva apontada por Croft e Cruse é que, nessa teoria, o conhecimento lin-
guístico emerge da própria linguagem em uso. Para eles, "categorias e estruturas
em semântica, sintaxe, morfologia e fonologia são construídas a partir de nossa
cognição de enunciados específicos em ocasiões específicas de uso". (CROFT;
CRUSE, 2004, p. 4-5)

Exemplificando a natureza das questões em Semântica


Cognitiva

Vejamos alguns exemplos muito comuns em nosso dia a dia que, embora des-
contextualizados, podem ajudar a entender alguns fenômenos com os quais
a Semântica Cognitiva se ocupa. Trouxemos exemplos do cotidiano para ilus-
trar uma questão mais complexa: a das construções. Embora não analisemos tais
construções nos termos da Gramática das Construções, levantamos alguns fenô-
menos que seriam analisados por meio de seu aparato teórico-metodológico, que
não apenas descreve o que ocorre, mas explica a natureza de tais ocorrências na
linguagem. Naturalmente, o corpus deveria ser mais amplo e as questões melhor
delimitadas. Porém, a ideia é oferecer uma ilustração, mais do que uma análise
detalhada.
Consideremos, primeiramente, a Figura 1 como representativas da des-
crição mais precisa de cada parte do olho humano, o que se refletiria semântica
e lexicalmente em uma estrutura meronímica:

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Figura 1 – Estrutura meronímica B

Fonte: acervo pessoal da autora.

(11) 'olhos azuis' [ÍRIS (mas não toda a íris, apenas partes dominantes)]
(12) 'olhos vermelhos' [ESCLERÓTICA (mas não a esclerótica toda, já
que a zona ativa seria sua vascularização)] ou [ÍRIS (em áreas dominantes)]
(13) 'olho roxo' [TECIDO EM VOLTA DO OLHO]
(14) 'olho pintado' [PÁLPEBRAS/CÍLIOS]
(15) 'olho fechado' [PÁLPEBRAS]
(16) 'olho inchado' [TECIDO EM VOLTA DO OLHO/PÁLPEBRAS]

O que se observa é que o modificador [ADJETIVO X] opera sobre


o [NOME olho], alterando o ponto de referência cognitivo ou a zona ativa. Não se
trata de simplesmente adjungir um atributo, mas de designar qual parte do olho
está sendo qualificada, e isso se dá por compressão. Resulta dessa compressão um
mapeamento metonímico, a PARTE sendo referida como o TODO e é pela ação
do modificador [ADJETIVO X] que se define o ponto de referência cognitivo
para a compreensão do significado do [NOME olho]. Ao meu ver, não se trata de
um caso de polissemia de olho, mas de indeterminância de significado, a qual só se
resolve, em geral, na adjunção, nesses casos, do [ADJETIVO X]. Isso porque em
construções do tipo coçar o olho a designação é ainda mais imprecisa e o [VERBO
coçar] não atua, de forma mais decisiva, para delimitar a região em que se coça, no
caso, a pálpebra superior, a pálpebra inferior ou ambas? Dificilmente seria a íris
ou a esclerótica, diretamente, embora, por exemplo, a esclerótica fosse o [ALVO].

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Princípios de composicionalidade e continuidade, indeterminância do significado |

De qualquer modo, em (11)-(16) vemos ilustrada a questão de significados que se


sobrepõem e a questão da existência de uma zona ativa ou de um ponto de refe-
rência cognitivo. Essas construções ilustram, também, a questão problemática do
significado literal. Podemos entender isso com base em (15'-15'''):

(15') Acho que Maria está dormindo. Ela está com os olhos fechados.
[PÁLPEBRAS RECOBRINDO O OLHO, Mapeamento metonímico.]
(15'') Maria não se dá conta do que está acontecendo. Ela está com os olhos
fechados. [e.g., NÃO PERCEBE A REALIDADE, Mapeamento metafórico. Cf.
metáfora COMPREENDER É VER]
(15"') Maria faria isso de olhos fechados. [COM CONFIANÇA/SEM
DÚVIDAS]

Não temos, portanto, um "significado literal" em (15') e um "significado


figurado" em (15") e (15"').
Nesse sentido, mapeamentos metonímicos e metafóricos atuam por um
princípio de produtividade e economia cognitiva, deixando, desse modo, margem
para inferências de natureza contextual.
O mesmo ocorre nas construções nominais de (17) e (20), tendo como
referência as Figuras 2, 3 e 4.1

Figura 2 – Caneta A Figura 3 – Caneta B Figura 4 – Caneta C

Fonte: acervo pessoal da autora.

(17) 'caneta azul'


(18) 'caneta prata'

1 Devido à impressão deste livro ser nas cores preta e branca, as cores azul e prata não se
tornaram visíveis nas figuras.

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

Usamos essas diferentes expressões com diferentes propósitos. Com (17),


[ADJETIVO azul] pode qualificar [NOME caneta] apenas com relação à tinta
utilizada na escrita, conforme a Figura 2. Pode, entretanto, ser utilizada para
designar a cor externa no objeto, como na Figura 32. Já (18) pode ser utilizada
para designar apenas uma parte da cor externa da caneta, conforme a Figura 4.
Em cada uso das expressões, a zona ativa ou o ponto de referência cognitivo
saliente é alterado. Nosso conhecimento sobre a configuração física de CANETAS
sugeriria que todas as canetas, nas Figuras 2, 3 e 4,3 possuem tinta de cor azul para
a escrita.
Alteremos a construção para (19) e (20):

(19) 'caneta de cor prata'


(20) 'caneta de prata'

Parecem estruturas similares, mas a construção (19) é [N caneta [PP [P de


[N cor [ADJ prata]]]]], e a (20), [N caneta [PP [P de [N prata]]]]. Em (19), há
uma referência ambígua ou indeterminada, ou à cor da tinta ou à cor externa da
caneta. Em (20), a referência diz respeito ao material de que é feita a parte externa
da caneta.
Considerem-se, agora, as figuras (6) a (8) e as construções (21) a (23):

Figura 5 – Cigarro A Figura 6 – Cigarro B

Fonte: acervo pessoal do autor.

2 As partes escuras da imagen da caneta, na Figura 3, correspondem à cor azul. Já, na


Figura 2, a parte clara remete à transparência da caneta Bic.

3 Na Figura 4, as partes claras que aparecem na imagem da caneta correspondem à cor


prata, e as partes escuras, à cor azul.

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Princípios de composicionalidade e continuidade, indeterminância do significado |

Figura 7 – Cigarro C

Fonte: Super Interessante (2016).

(21) tamanho de um cigarro [O TODO DO CIGARRO]


(22) cheiro de um cigarro [A FUMAÇA DO CIGARRO]
(23) acender um cigarro [A PONTA DO CIGARRO OPOSTA AO
FILTRO]

Temos o [NOME] cigarro e as expressões tamanho de [NOME]' cheiro de


[NOME] e acender [NOME]. Diferentemente do uso de um modificador, temos,
respectivamente, duas estruturas nominais [N [PP[P[NOME]]] e uma estru-
tura transitiva verbal [V[N[Det[N]]]. Em (21), há uma referência ao tamanho
do objeto cigarro (apagado) como um todo, como no exemplo (1) de Sweetser
(1999). Em (22), a referência não é ao cheiro do cigarro quando apagado, mas, por
exemplo, à fumaça do cigarro quando aceso, havendo um processo metonímico
do tipo CAUSA [(QUEIMA DO) CIGARRO] PELO EFEITO [FUMAÇA DO
CIGARRO]; e, em (23), há uma referência a uma parte específica do cigarro que
é queimada por um instrumento específico, como no exemplo (2) de Sweetser
(1999). Essas expressões mudam o entendimento do que está sendo levado em
consideração com relação ao objeto cigarro. Evidentemente, estão em jogo estru-
turas conceituais relativas ao nosso conhecimento/experiência de CIGARRO.
E se considerarmos a expressão, também transitiva verbal,

(24) comprar cigarro,

teremos, ainda, uma outra possibilidade de referência: a embalagem em que vem


uma certa quantidade de cigarros, havendo um processo metonímico do tipo
CONTEÚDO [CIGARRO] PELO CONTINENTE [MAÇO].

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

Uma listagem de significados ou postulados de significados não basta para


que entendamos a natureza dessas construções. São mecanismos cognitivos que
estão envolvidos na compreensão das qualificações ou designações referenciais ou
conceituais em cada caso, além de, obviamente, situações de uso mais ou menos
convencionais. A Semântica Cognitiva aceita a indeterminância dos significados
e a sobreposição de significados de lexemas e expressões e possui um aparato teó-
rico para descrever e explicar o como e o porquê de determinados usos. Nesses
contextos, processos metafóricos e metonímicos atuam para uma maior produ-
tividade/economia cognitiva. Mas resta o fato de que podemos, ainda, destacar
"segmentos" de sentenças e enunciados para análise, conforme discussão sobre
a questão problemática da composicionalidade na seção Composicionalidade e
Linguística Cognitiva.
Adiante com exemplos, passemos a construções morfológicas. O caso que
quero trazer tem como base os estudos de Silva (2003) com as estruturas relativas
ao diminutivo (-inh). Silva examina vários usos do diminutivo, como um caso de
polissemia, conforme a seguir, de modo simplificado e com exemplos adicionais.
Ao trazer os exemplos de usos do diminutivo, buscamos refletir sobre uma
diferença importante entre os casos anteriormente mencionados e os casos envol-
vendo o diminutivo. Em nosso entendimento, o uso do diminutivo é mais fre-
quente na oralidade e em situações informais de uso, razão pela qual deveríamos
lidar com um corpus bastante amplo com registros de linguagem oral para cap-
turar seu funcionamento e as estruturas de sua formação. Assinala-se que corpora
dessa natureza estão sendo formados com esforços conjuntos de diferentes grupos
de pesquisa.

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Princípios de composicionalidade e continuidade, indeterminância do significado |

Quadro 1 – Estrutura semântica do diminutivo no Português

PEQUENEZ
Diminuição
Explicação

Diminuição (semelhanças na escala de diminuição)


Imitação
Partitivo 8
Individuação
FORMAÇÃO DE ENTIDADES
8 'carrinho de bebê/de supermercado', 'camisinha', 'dedinho (mindinho)', 'cafezinho'

Explicação (metáfora e metonímia)


Apreciação/depreciação 3
Relativização/aproximação 4
Intensificação 5
AVALIAÇÃO

Figuração 6
Interação 7
META-SEMÂNTICA
3 'mãezinha', "gentinha'
4 'quilinhos', 'cortezinho'
5 'pertinho', 'cheinho'
6 'anjinho'
7 'esmolinha', 'favorzinho', 'chauzinho'
Fonte: Silva (2003, p. 101).

O uso do diminutivo, como a análise de Silva (2003) propõe, é um caso


de polissemia morfológica. Porém, mais exemplos precisam ser examinados, deta-
lhadamente, em situações de uso efetivas para que possamos construir um enten-
dimento razoável das construções de que participa e, principalmente, para veri-
ficarmos casos de indeterminância semântica. Vejamos alguns casos. Expressões
como

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

(25) boazinha
(26) banhozinho
(27) horinha
(28) minutinho
(29) trabalhinho
(30) bonitinha

podem, todas, em dados contextos, significar uma relativização, segundo


a estrutura semântica proposta por Silva (2003), conforme o Quadro 1; porém,
(25), (29) e (30) podem significar, também, conforme o contexto de uso, uma
depreciação.
Adicionalmente, temos os seguintes casos:

(31) (à/pela) noitinha: MAIS CEDO NA NOITE


(32) (à/pela) tardinha/'(de) tadezinha: MAIS TARDE NA TARDE
(33) (de/pela) manhãzinha': MAIS CEDO NA MANHÃ

E, de forma depreciativa:

(34) que manhãzinha/que tardezinha/noitezinha [RUIM]


(35) que diazinho [RUIM]

Nos exemplos (34) e (35), trata-se, respectivamente de toda a manhã, toda


a tarde, toda a noite e todo o dia. Ou seja, é preciso analisar os usos efetivos dessas
construções na oralidade e na escrita para compreender o funcionamento e for-
mação do diminutivo no português.
Olhando especificamente as expressões (36) e (37):

(36) fiz agorinha


(37) faz rapidinho

Em (36), há uma uma indicação de algo realizado num "agora" imediato.


Em (37) há uma intensificação do tipo BEM RAPIDAMENTE ou, ainda, não

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Princípios de composicionalidade e continuidade, indeterminância do significado |

se pode excluir essa possibilidade, do tipo FAZ RÁPIDO [DE QUALQUER


MANEIRA/SEM CUIDADOS]. Não é possível dizer que se trata de uma rela-
tivização ou intensificação sem que se conheçam os contextos de uso efetivo.
Também é contextual o significado do diminutivo em construções como (38)
a (41):

(38) Tudo certinho? [Tudo [está/ Ø] Adj1]?]


(39) Faça certinho desta vez. [Fazer Adj 2 Adv] ou [Fazer Adv Adv]?
(40) Ele é todo certinho. [Ser [todo] Adj 3]
(41) Cabe certinho na caixa. [N/Ø Cabe Adj 4 Adv] ou [N/Ø Cabe
Adv Adv]?

Em cada caso, certinho terá um sentido particular a ser definido pelo uso
numa dada situação de fala. Enquanto (40), embora fora de contexto, sugere que
se trata de um sujeito muito correto, com traços de um julgamento de apreciação
(favorável ou desfavorável), (38) e (39) possuem alta indeterminância, dificul-
tando seu enquadramento em categorias de uso do diminutivo. Porém, seguindo
alguma linha de interpretação, (38) aproxima-se de Tudo está bem?, (39) de Faça
corretamente e (41) de Cabe perfeitamente.
Algumas questões ficam em aberto, tais como: por que usamos na ora-
lidade o diminutivo com tanta frequência? A que efeitos visamos? São atitudes
presentes em um modelo cultural de um povo que se expressa "afetivamente"
na oralidade? Devemos entender esses usos como implicaturas conversacionais?
Serão blends?
Todos os exemplos que ilustram o objeto desta conferência – problemas
relativos ao Princípio de Composicionalidade e ao Princípio de Continuidade,
bem como o potencial da Teoria Neural para o tratamento de construções –
são casos cujo tratamento já possui, na Semântica Cognitiva ou na Linguística
Cognitiva, em diferentes modelos de análise, alternativas profícuas na tensão ade-
quada entre descrição e explicação. Esse tratamento dá conta de fatores neuroló-
gicos, cognitivos, comunicacionais e socioculturais que privilegiam manifestações
linguísticas em eventos de fala naturais.

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

Considerações finais

O ponto na breve discussão que realizamos é que a composicionalidade, tal como


tradicionalmente entendida, não só não permite descrever determinadas estru-
turas, como não oferece explicações transparentes para os usos em construções
nominais e verbais, assim como em derivações tais como as levantadas neste tra-
balho. Uma possibilidade é a adoção de uma nova concepção de composiciona-
lidade, já que, como verificamos na breve ilustração de exemplos, é possível exa-
minar certos segmentos de sentenças ou enunciados e mesmo de lexemas desde
que se levem em consideração noções tais como as de estruturas gestálticas em
"movimentos" do "todo para a parte" e da "parte para o todo"; de saliência percep-
tual; de zonas ativas; de pontos de referência cognitivos etc. Por outro lado, a con-
tinuidade ou mesmo a autonomia parcial com as quais a Linguística Cognitiva
se compromete conduzem a explicações bastante robustas nos atravessamentos
de fatores linguísticos, cognitivos, socioculturais e comunicacionais em geral,
e essa robustez implica em trabalhar necessariamente de forma transdisciplinar.
A Teoria Neural, por sua vez, desenvolve-se em direção à criação de um aparato
teórico-metodológico que permite uma análise empiricamente adequada aos fatos
linguísticos, tais como se apresentam em situações efetivas de uso. Os debates
sobre a questão da composicionalidade e da autonomia parcial ainda estão em
aberto, e a Teoria Neural, em desenvolvimento, oferece boas perspectivas para
a Linguística Cognitiva.
Cada vez mais, necessitamos contar com dados convergentes, incluindo-se
aí a contribuição da Linguística de Corpus, para que nossos estudos ofereçam
generalizações confiáveis. Eventos de fala reais, efetivos, com base na oralidade,
precisam ser progressivamente registrados para a formação de corpora suficien-
temente amplos e variados para nossos empreendimentos de pesquisa futuros.
Além disso, os eventos de fala orais são tipicamente multimodais, o que acrescenta
uma maior complexidade descritiva a esses fenômenos. Em suma, o mais impor-
tante é que a Semântica Cognitiva e, mais amplamente, a Linguística Cognitiva
abraçam essa complexidade, bem como a riqueza da linguagem humana, tor-
nando viáveis, hoje, pesquisas que tensionam adequadamente descrição e expli-
cação, associadas à plausibilidade empírica de seus achados.

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Princípios de composicionalidade e continuidade, indeterminância do significado |

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SUPER INTERESSANTE. São Paulo: Ed. Abril, 2016. Disponível


em: <https://abrilsuperinteressante.files.wordpress.com/2016/12/cigarro2.
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SWEETSER, E. Compositionality and blending: semantic composition in a cognitively


realistic framework. In: JANSSEN, T.; REDEKER, G. (Ed.). Cognitive linguistics:
foundations, scope, and methodology. New York: Mouton de Gruyter, 1999.
p. 129-162.

— 36 —
Significado y motivación1:
la importancia de la
corporeización en
la semántica
Iraide Ibarretxe-Antuñano

¿Qué es la metáfora?

La metáfora es un concepto ubicuo en los estudios de lingüís-


tica y literatura. Cualquier estudioso de estos campos sabe más
o menos qué es hablar con metáforas pero no todos coinciden
en algunos aspectos fundamentales como, por ejemplo, su
naturaleza, su función y su formación (véanse Ortony, 1993 y
Bustos, 2000, para un repaso por diferentes perspectivas sobre
metáfora). Tradicionalmente, la metáfora se ha descrito como
un recurso retórico utilizado deliberadamente para embellecer
un texto. La definición del Diccionario de la Real Academia
Española es muy ilustrativa a este respecto:"Tropo que consiste
en trasladar el sentido recto de las voces a otro figurado, en
virtud de una comparación tácita".
En esta definición, la Academia propone que la metá-
fora es una cuestión de palabras (voces), con un propósito retó-
rico (tropo) y basada en analogías deliberadas y conscientes
(comparación tácita). Sin entrar en juzgar la adecuación de esta

1 Por se tratar de outro idioma, as normas deste texto foram man-


tidas conforme as de seu país de origem (N. do E.)

37
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

definición, aunque es prácticamente imposible resistirse a señalar la utilización de


la expresión el sentido recto y preguntarse qué es recto y torcido en semántica, estos
elementos que propone el DRAE son algunas de las características que las visiones
tradicionales de la metáfora toman como rasgos definitorios de este "tropo". Su
función entonces sería superflua a la vez que intencional para la comunicación
y se utilizaría solamente en algunos contextos, ya que al ser consciente se podría
evitar. Además, el hecho de que la metáfora se forme a partir de una traslación
de sentidos rectos de las palabras, requeriría el esfuerzo no solo para crearla sino
también para comprenderla.
Ahora bien, la metáfora es mucho más que un simple juego de palabras
tácito. Numerosos ejemplos en cualquier lengua del mundo atestiguan que este
"tropo" es ubicuo y se utiliza constantemente en el lenguaje cotidiano. Expresiones
como la crisis es profunda, dar una cálida bienvenida o mantener una estrecha rela-
ción son comunes y fáciles de entender y usar. No son expresiones que se utilicen
para embellecer una conversación sino para describir algunos aspectos cotidianos
que, de otra manera, no se podrían expresar. La cuestión interesante realmente
con respecto a la metáfora es, por un lado, el saber por qué se relaciona lo nega-
tivo con la parte inferior, el calor con lo agradable y la falta de distancia con la
cercanía social, y por otro, el descubrir por qué cuesta tan poco entender estas
expresiones.
Algunas de estas cuestiones las plantearon ya en los años 80 Lakoff y
Johnson en su clásico libro Metaphors We Live By (1980). Según estos autores, la
metáfora, o mejor dicho, la metáfora conceptual, no es un juego de palabras, sino
el manejo de conceptos que se usan no solo para describir una realidad sino para
entenderla. En otras palabras, es un mecanismo cognitivo de pensamiento y razo-
namiento. Además, la metáfora se utiliza inconscientemente, sin esfuerzo y en
situaciones cotidianas, va más allá de un parecido físico o funcional y está basada
en nuestra experiencia del mundo que nos rodea. En sus propias palabras:

"[…] no metaphor can ever be comprehended or even adequately represente-


dindependently of its experiential basis […] [They] are grounded by virtue of
systematic correlates within our experience". (LAKOFF Y JOHNSON, 1980, p.
19, p. 58)

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Significado y motivación: la importancia de la corporeización en la semántica |

De todas las características que describen a la metáfora conceptual desde


este paradigma, este trabajo se va a centrar solamente en dos principios, uno
teórico y otro metodológico, que son fundamentales para el estudio del signi-
ficado (véase, SORIANO, 2012, para una visión comprehensiva). Por un lado,
el principio epistemológico de la motivación y la corporeización (embodiment);
el hecho de que la metáfora tiene una base experiencial, es decir, está basada en
nuestra experiencia física y cultural. Por otro lado, el principio metodológico
que distingue entre el concepto y la expresión lingüística (oral+gestual). Una de
las herramientas más fructíferas de la teoría de la metáfora conceptual consiste
en distinguir entre la metáfora conceptual y la expresión metafórica. La primera se
define como la(s) correspondencia(s) entre dos dominios conceptuales diferentes
(de un dominio fuente a un dominio meta) compartida(s) por diversas lenguas del
mundo. La segunda como la codificación de esa(s) correspondencia(s) a partir de
los recursos lingüísticos (orales+gestuales) propios de una lengua determinada.
Así, enunciados como dar una cálida bienvenida o ser una persona fría se conside-
rarían expresiones metafóricas de la misma metáfora conceptual el afecto es calor
(y su negativo, la falta del afecto es frío).
La centralidad de estos dos aspectos, la codificación y la motivación de la
metáfora, para el estudio del significado van a ser el objetivo principal de estudio
de este trabajo. Aquí se plantean como dos de los pilares básicos, y a la vez revo-
lucionarios, de la teoría de la metáfora conceptual de Lakoff y Johnson. Sin
embargo, conviene recordar que, aunque es cierto que en la semántica actual es a
partir del libro de Metaphors We Live By, cuando se retoman estas cuestiones de la
motivación, muchas de las ideas que subyacen a este modelo cognitivo, ya habían
sido mencionadas o propuestas por autores anteriores (véase, JÄKEL, 1999;
IBARRETXE-ANTUÑANO, 2013a, para un repaso de algunos antecedentes).
Aquí, dado que también se homenajea el centenario de la muerte de Michel Bréal
valga como ejemplo la siguiente cita de su libro Essai de sémantique (Science des
significations) publicado en Paris en 1897 (cita de la edición en español de 1904):

"Cuando la lingüística convierta hacia el sentido de las palabras una parte de la


atención que dirige demasiado exclusivamente hacia la letra, podrá construir,
para los diversos idiomas, un interesante e instructivo catálogo que muestre

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

el contingente de metáforas suministrado por cada clase de ciudadanos, por


cada profesión u oficio". (BRÉAL, 1897, cap. 12 [1904, p. 118])

Corporeización: el cuerpo y el filtro cultural

Según la lingüística cognitiva, el lenguaje refleja estructuras conceptuales que


la gente construye basándose en la experiencia y el conocimiento, más o menos
común, del mundo exterior que les rodea y de su propia cultura. A esta expe-
riencia y conocimiento del universo de los hablantes es lo que se ha denominado
la corporeización que es un concepto clave en la lingüística cognitiva. La idea prin-
cipal que subyace a este concepto es que el significado está basado en la naturaleza
de nuestros cuerpos y en nuestra percepción e interacción con el mundo físico,
social y cultural que nos rodea. En palabras de Johnson (1987):

"Understanding doesn't consist merely on after-the-fact reflections on prio-


rexperiences; it is, more fundamentally, the way (or means by which) we have
those experiences in the first place. It is the way our world presents itself to us.
And this is the result of the massive complex of our culture, language, history,
and bodily-mechanisms that blend to make our world what it is". (JOHNSON,
1987, p. 104)

Los diferentes conceptos que expresamos con el lenguaje están, por lo


tanto, basados en nuestra experiencial corporal y cultural y se estructuran sistemá-
ticamente a través de mecanismos cognitivos como la metáfora.
A pesar de que el factor de la cultura está íntimamente ligado al de cor-
poreización desde los primeros estudios en lingüística cognitiva, durante la pri-
mera década del 2000, algunos autores dentro de este modelo teórico se centraron
más en los aspectos físicos y sensorio-motores de la motivación del significado,
dejando así de lado el rol de la cultura (véase IBARRETXE-ANTUÑANO,
2013b, para una crítica más extensa). Solo hace falta echar un vistazo a algunos
trabajos básicos como el diccionario de términos de lingüística cognitiva de Evans
(2007) para ver que la cultura simplemente desaparece de la ecuación.

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Significado y motivación: la importancia de la corporeización en la semántica |

"Embodiment.Pertains to the body, especially species-specific physiologyand


anatomy. Physiology has to do with biological morphology, which is to say
body parts and organization, such as having hands, arms and (bare) skin rather
than wings and feathers. Anatomy has to do with internal organization of the
body. This includes the neural architecture of an organism, which is to say the
brain and the nervous system. The notion of embodiment plays an important
role in many cognitive linguistic theories". (EVANS, 2007, p. 68)

El hecho de que la cultura se relegase a un segundo plano ha traído conse-


cuencias no del todo positivas a la lingüística cognitiva. Una de ellas es el empeño
en declarar como "universal" las denominadas metáforas primarias (GRADY,
1997), es decir, las metáforas que están basadas en correlaciones entre la expe-
riencia subjetiva y sensorio-motora con escenarios experienciales recurrentes. Una
de las denominadas metáforas primarias es la que se basa en la relación entre
la visión y el entendimiento. La metáfora entender es ver se ha considerado por
muchos autores en este modelo como una metáfora universal (véase SWEETSER,
1990, p. 38-39, p. 45; LAKOFF Y JOHNSON, 1999, p. 54, p. 238-240), ya que
se encuentra en muchas lenguas del mundo (IBARRETXE-ANTUÑANO, 1999,
2002a; VANHOVE, 2008). Por ejemplo, un enunciado como el que aparece en
(1) en español, también se puede encontrar en inglés (2) y en vasco (3).

(1) Ni nos aclaró usted antes lo de la edad, ni veo por qué habla de odiar al
hijo y asesinar al padre [CREA, 15/11/2010]
(2) 'It is difficult to see how the integrity of the statement can be assured or
enforced,' it added [BNC, 15/11/2010]
'Es difícil entender cómo se puede garantizar e imponer la integridade de
esta declaración'
(3) Orain, berriz, urtetik urtera garbiago ikusten dut zein bestelakoa den
Francoren proiektua Proustenaren aldean [CRP, 15/11/2010]
'Ahora, por otra parte, con el paso de los años veo mucho más claro lo dife-
rente que era el proyecto de Franco al lado del del Proust'

En todos estos ejemplos, la metáfora entender es ver se codifica a través de


expresiones metafóricas diferentes (el verbo ver en español y sus equivalentes en
inglés y vasco respectivamente, see e ikusi).

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

Ahora bien, el hecho de que en una lengua se puedan encontrar ejemplos


de una metáfora conceptual no indica de una forma automática que esa metáfora
es la que los hablantes utilizan de una forma continua y prominente para des-
cribir esos dominios conceptuales. Por ejemplo, en el caso de entender es ver, el
dominio de la visión no es el único que establece correspondencias con el dominio
del entender o saber en español y en vasco. En español, el verbo saber que viene
del latín sapere es que normalmente se utiliza para este tipo de casos y en vasco
existen formas como la expresión aditua (oír/escuchar.determinante) "escuchado,
oído" que hacen referencia a una persona que sabe mucho o que tiene muchos
conocimientos de un tema (CABALLERO e IBARRETXE-ANTUÑANO,
2014). Es más, incluso autores como Viberg (2008) han demostrado que el uso
de expresiones de la visión en este contexto es mucho más frecuente en hablantes
ingleses que en hablantes suecos. En este estudio, Viberg compara las traduc-
ciones al sueco del verbo inglés ver en este contexto metafórico. Sus resultados
demuestran que aunque esta metáfora conceptual se usa en sueco, los traductores
sistemáticamente prefieren otros verbos no relacionados con la visión como förstå
'entender' para traducir el verbo see. En definitiva, además del hecho de que exista
una metáfora conceptual en una lengua, también ha de estudiarse su ubicuidad.
Sin embargo, el problema de considerar la metáfora entender es ver como
universal va más allá de las diferencias de frecuencia de uso que se acaban de
mencionar. En el momento en el que dejamos de centrarnos en lenguas europeas
esta relación entre la vista y el conocimiento se vuelve menos estable. Uno de los
primeros estudios en contradecir esta universalidad ha sido el de Evans y Wilkins
(2000) sobre más de 60 lenguas australianas. Estos autores señalan que en estas
lenguas los verbos relacionados con el oído son los que realmente producen
extensiones como 'saber' y 'entender', mientras que la mayoría de las extensiones
semánticas de verbos de la visión se relacionan con el deseo y la atracción sexual,
la supervisión y la agresión. El caso australiano no es el único, otras culturas como
la de los sedang moi de Indochina (DEVEREUX, 1991) u otras familias de len-
guas como la uto-azteca (GUERRERO, 2010) también utilizan el oído para con-
ceptualizar el conocimiento. Además, para complicar aún más esta cuestión, otros
estudios demuestran que el entendimiento también se conceptualiza a través
del olfato (PANDYA, 1993), el tacto (CLASSEN, 1993) o por medio de varias
modalidades sensoriales (GEBHART-SAYER, 1985).

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Significado y motivación: la importancia de la corporeización en la semántica |

Por lo tanto, estos datos nos señalan dos cuestiones a tener en cuenta.
La primera es que la metáfora entender es ver no es universal. Lo que parece que
está claro es que las diferentes lenguas del mundo escogen modalidades percep-
tuales distintas para conceptualizar el entendimiento. Por lo tanto, es posible que
sí exista una metáfora más general como conocimiento es percepción sensorial.
Ahora bien, lo que no está tan claro es qué modalidad perceptual elige cada lengua
para conceptualizar el conocimiento. La modalidad perceptual solo se especifica
una vez que esta metáfora se materializa en una cultural concreta (IBARRETXE-
ANTUÑANO, 2011). La segunda, y la más importante, es que toda base expe-
riencial no solo está basada en aspectos físicos y sensorio-motores sino que nece-
sariamente ha de pasar por un filtro cultural. Este filtro ha de entenderse como
un mecanismo activo que manipula los diferentes elementos culturales de dos
formas. Por un lado, filtra los elementos culturales apropiados con respecto a las
premisas culturales de la lengua que se está estudiando y, por otro lado, impregna
de información cultural las correspondencias culturales en ciertos dominios par-
ticulares para diferenciarlas de otros sistemas sociales y culturales (CABALLERO
e IBARRETXE-ANTUÑANO, 2014; IBARRETXE-ANTUÑANO, 2013b).
En la siguiente sección, se va a ilustrar la importancia de este filtro cultural a
través de algunos ejemplos en los que si no se tiene en cuenta la información cul-
tural, la interpretación de las correspondencias metafóricas y su base experiencial
queda distorsionada.

La corporeización en práctica

Acabamos de ver a través del ejemplo de la metáfora de la percepción y cognición,


que el filtro cultural, es decir, el tener realmente en cuenta la información cultural
que forma parte de la base experiencial de las metáforas conceptuales es impres-
cindible a la hora de estudiar la variación intercultural. En esta sección vamos a
desarrollar aún más esta idea pero tomando como base empírica las metáforas que
surgen de las partes del cuerpo y pasando a realizar un análisis mucho más porme-
norizado y centrado en el vasco o euskera, una lengua europea aislada que se habla
a ambos lados de la cordillera montañosa de los Pirineos occidentales.

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

El vocabulario relacionado con las partes del cuerpo es uno de los domi-
nios fuente más prolijo y frecuente en las lenguas del mundo. Entre otros
dominios meta, las partes del cuerpo han proporcionado estructura conceptual
al dominio del espacio (el pie de la montaña), de la cognición (tener buena cabeza
para los negocios) y de las emociones (tener un corazón de piedra). En vasco, las
partes del cuerpo también ofrecen una gama similar de extensiones metafóricas.
Así, podríamos encontrar exactamente los mismos ejemplos en estos tres domi-
nios meta: mendiaren oina (montaña.gen pie.abs) 'el pie de la montaña', buruargi
(cabeza.luz) 'listo' y bihotzgogor (corazón.duro) 'de corazón duro'. Sin embargo,
lo que desde un punto de vista superficial—codificado aquí con estas expresiones
metafóricas—se podría interpretar como el mismo tipo de correspondencias
metafóricas, encierra unas diferencias conceptuales en cuanto a la organización
conceptual así como a la experiencia corporeizada. Estas diferencias, como se
demuestra a continuación, solo pueden ser reveladas si se parte y se tienen en
cuenta de algunos retazos de la cultura vasca.

¿Misma base experiencial?

La cabeza es una parte del cuerpo muy polisémica. Entre sus diversos significados
está el de usarse como un punto espacial que marca la parte superior, es decir, el
significado de 'arriba' como, por ejemplo, en inglés la expresión the head of the
mountain 'la cima de la montaña'. Este significado espacial de cabeza como 'arriba'
ha desarrollado a su vez otro significado metafórico que se ve en casos como the
head of the department o el cabeza de lista, y que se incluyen como ejemplos de las
metáforas lo importante está arriba y/o el control está arriba. En estas metáforas,
el dominio meta de la importancia / el control se conceptualiza en un eje espa-
cial vertical siguiendo un esquema de organización jerárquica piramidal. De tal
manera, que todo aquello que esté colocado o relacionado con la parte superior se
considera lo más importante o lo más controlador, y consecuentemente, la falta
de importancia y/o control con la parte inferior.
En vasco también existen estos dos casos, el de utilizar la cabeza como
punto espacial, p. ej., mendiburu (monte.cabeza) 'la cima de la montaña' y para
designar a personas que tienen control o son importantes, p. ej., sailburu (sección.
cabeza) 'jefe de departamento'. Sin embargo, si solamente se hiciera un análisis

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SigniFicADO Y mOtiVAción: LA impORtAnciA DE LA cORpOREizAción En LA SEmánticA |

superficial de la motivación de estas extensiones semánticas compartidas con


otras lenguas como el inglés o el español, se podría concluir que la estructura
jerárquica en vasco codificada a través de la parte del cuerpo buru es también
piramidal. Ahora bien, la historia semántica de buru es un poco más complicada.
Para empezar, buru no solamente se utiliza para la parte superior, sino también
para cualquier extremo. La única manera de interpretar a qué extremo nos refe-
rimos es teniendo en cuenta el significado de los elementos que co-ocurren con
buru, es decir, a través de lo que se ha llamado la polisemia composicional de buru
(IBARRETXE-ANTUÑANO, 2002b, p. 468). Así, tenemos el caso de 'arriba'
en hitzburu (palabra.cabeza) 'título', pero el de 'final' en asteburu (semana.cabeza)
'fin de semana' y el de 'principio' en iturburu (fuente.cabeza) 'manantial, origen/
fuente'. El que la cabeza no solamente signifique 'arriba' se puede atribuir al hecho
de que esta parte del cuerpo recibe dos tipos de conceptualizaciones dependiendo
del modelo corporal que se tome como ejemplo. En otras palabras, si se parte de
un modelo antropomórfico, la cabeza se interpreta como la 'parte superior', pero
si se toma un modelo zoomórfico, entonces la cabeza sería la 'parte delantera'
como ocurre con los ejemplos ilustrados en la Figura 1 en español.

Figura 1 – La cabeza como parte delantera

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| LingUíSticA cOgnitiVA: REDES DE cOnHEcimEntO D’AQUÉm E D’ALÉm-mAR

A pesar de este hecho, el concepto de buru como extremo en vasco es


más complejo, ya que la explicación según la base antropomórfica o zoomórfica
solo explicaría la interpretación como parte superior o parte delantera, respec-
tivamente, y en esta lengua, hay casos donde no hay parte superior o inferior,
ni delantera ni trasera, simplemente un extremo. Un ejemplo ilustrativo sería la
expresión buruz buru (cabeza.inst cabeza) 'de cabo a rabo, de los pies a la cabeza'
donde buru es 'cualquier extremo'.
Sin embargo, la complicación de buru no se detiene aquí. Esta parte del
cuerpo también tiene otro significado espacial, el de 'centro' como en los ejem-
plos, azaburu (col.cabeza) 'el corazón de la col' o bideburu (camino.cabeza) 'cruce
de caminos'. Entonces, la cuestión que inmediatamente se puede plantear es si el
significado de buru como importante está basado en la conceptualización como
extremo, lo cual indicaría que es una caso de la metáfora lo importante/el control
está arriba, o si por el contrario, es un ejemplo de la metáfora lo importante/el
control está en el centro.
La respuesta habría que encontrarla después de indagar un poco más en
la cultura vasca. Aunque no se puede estar del todo seguro, parece ser que lo que
funciona es la segunda metáfora como sugieren los siguientes ejemplos. La palabra
etxeburu (house.cabeza) se refiere a la parte más prominente de la fachada de la
casa tradicional vasca; es en este lugar donde se coloca, por ejemplo, el escudo de
armas de la familia. Como se puede ver en la Figura 2, la parte más "prominen-
te"de la fachada no es la parte superior sino la parte central de la misma.

Figura 2 – La cabeza como centro en etxeburu

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Significado y motivación: la importancia de la corporeización en la semántica |

Otro ejemplo, lo tenemos en la palabra buruzagi 'jefe'. Como hemos men-


cionado antes, hoy en día la organización jerárquica suele interpretarse y represen-
tarse de forma piramidal. Posiblemente, esto también es así en la actualidad para
el hablante vasco, pero hay evidencia arqueológica que indica que la estructura
jerárquica no siempre fue así, sino centrípeta. La organización en clanes se solía
representar a través de pequeños círculos de piedra. Cada piedra del círculo repre-
sentaba un miembro del clan y su función por un determinado tiempo. La piedra
que representaba alburuzagi era la que se encontraba en el centro del círculo
(FRANK, com. per.; véase también OTT, 1993; ZALDUA ETXABE, 2006).
En resumen, aunque nunca tengamos una prueba irrefutable de que el
dominio fuente de buru como lo importante sea la cabeza como centro, lo que sí
se demuestra es que no se puede dar por sentado que, todas las partes del cuerpo
dan lugar a las mismas conceptualizaciones espaciales simplemente por el hecho
de que todos los humanos y los animales compartan las mismas partes corporales,
es decir, porque compartan una misma base experiencial física.

¿Mismo significado?

Otro caso que también demuestra la importancia de tener en cuenta la cultura a la


hora de trabajar con la motivación, el significado y las metáforas conceptuales es
el caso de la palabra gogo en vasco. Antes de desvelar su significado, partiremos de
algunos de los significados de dos partes del cuerpo, la conocida buru 'cabeza' y bihotz
'corazón'. Estas dos partes del cuerpo desarrollan múltiples metáforas conceptuales
relacionadas con el intelecto y las emociones. Normalmente, la cabeza, a través de un
proceso metonímico de todo por la parte (o incluso, el todo por la función de una
parte), es decir, la cabeza por el cerebro, se suele ligar a diferentes metáforas concep-
tuales relacionadas con el intelecto tales como la inteligencia, el pensamiento racional,
el sentido común o la consciencia; así, tenemos ejemplos como tener una buena
cabeza para los negocios, meter en la cabeza una idea o perder la cabeza. El corazón, por
su parte, tiene relación con el campo de las emociones, especialmente–aunque no
unicamente –con las pasiones y los deseos físicos e irracionales, como, por ejemplo, en
las expresiones tener un corazón [duro, blando, grande…],romperle a uno el corazón o
simplemente tener corazón. Como se ve en esta somera descripción, la dicotomía que
se representa a través de la cabeza y el cuerpo es típica de la dualidad cartesiana de la
cultura occidental en la que el cuerpo y el alma son dos conceptos antagónicos.

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

En vasco, tanto buru como bihotz pueden utilizarse para conceptualizar


esta dualidad como recogen los ejemplos en (4):

(4) a. Buru
Buruargi (cabeza.luz) 'inteligente, listo'
Burugabe (cabeza.sin) 'idiota'
Bururatu (cabeza.ald.v) 'ocurrise, recordar'
b. Bihotz
Bihotz-bihotzez (corazón-corazón.ins) 'con todo mi corazón'
Bihotz galdu (corazón perder) 'desalentar'
Bihotzhandi (corazón.grande) 'generoso'
Bihotz-biguin (corazon-blando) 'blando, compasivo'
Bihoztun (corazón.pos) 'valiente'

Como en otras lenguas europeas, buru se relaciona con la inteligencia y


todo el campo relacionado con el proceso mental y bihotz tiene relación no solo
con las pasiones y los sentimientos, sino también con la generosidad y la valentía
(veáse IBARRETXE-ANTUÑANO, 2008b, para un examen más detallado).
Hasta este punto, se podría argüir que el vasco se comporta como otra
lengua europea más. Sin embargo, la historia no está completa; existe la palabra
cultural gogo, una de las más ricas y complejas del vasco (véase, IBARRETXE-
ANTUÑANO, 2012). Las palabras culturales se pueden describir como los
medios o mecanismos que tienen las lenguas para descubrir las conceptualiza-
ciones que están íntimamente relacionadas y bien incardinadas en el pensamiento
y el cultural. La palabra gogo recoge una larga lista de significados, pero lo que nos
interesa es sobre todo el hecho de que los mismos significados que tenemos en (4)
se puede codificar exactamente con gogo, solamente tenemos que sustituir buru y
bihotz como se ve en (5):

(5) a. Gogo por buru


Gogoargi (gogo.luz) 'listo'
Gogoratu (gogo.ald.v) 'recordar'
b. Gogo por bihotz
Gogoagaldu (gogo.det perder) 'descorazonarse'
Gogohandi (gogo.grande) 'generoso'

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Significado y motivación: la importancia de la corporeización en la semántica |

Como se ve en estos ejemplos, la palabra gogo conceptualiza a la vez la


parte de la cognición y la parte de las emociones; de alguna manera, parece que
en esta palabra la parte racional y la parte irracional no se separan sino todo lo
contrario, se funden en un único concepto. Hasta qué punto los hablantes de
vasco consideran que gogoes sinónima de buru y bihotz es una cuestión empírica
abierta. Lo que está claro es que añade algunas connotaciones especiales ya que
es una suerte de 'pensamiento primitivo' o 'alma racional'; es decir, una especie
de proceso racional e intelectual basado en la intuición, o un proceso emocional
tocado por el intelecto.
En cualquier caso, lo que este ejemplo de muestra es que en una misma
lengua pueden coexistir varios sistemas conceptuales, a veces muy diferentes, para
conceptualizar un mismo significado y que para descubrirlos es necesario ir más
allá de lo superficialmente compartido e indagar en las cuestiones culturales a
través de la lengua. El vasco, como la mayoría de las lenguas, ha estado siempre
en contacto con otras lenguas y con otras culturas, pero eso no quiere decir que
no podamos encontrar vestigios de un sistema conceptual diferente a través de
palabras culturales como gogo.

Conclusiones

El objetivo principal de este trabajo ha sido demostrar que el significado de las


expresiones que utilizamos para describir los objetos que usamos, las sensaciones
que sentimos y, en definitiva, el mundo que nos rodea, está motivado y estructu-
rado. En otras palabras, las palabras no adoptan significados ad hoc, sino que los
hablantes establecen relaciones entre los conceptos que ya existen en el mundo
real y aquellos que no tienen una realidad física. Estas relaciones se basan expe-
riencialmente en nuestra experiencia tanto física y sensorio-motora como social
y cultural, es decir, en la denominada corporeización. Además, estas relaciones
se estructuran de forma regular a través de mecanismos cognitivos tales como la
metáfora conceptual.
La corporeización y las metáforas conceptuales son dos instrumentos muy
útiles que la lingüística cognitiva pone al servicio del análisis del significado. Bien
usados son capaces de desvelar correspondencias conceptuales comunes a las
diversas lenguas del mundo como, por ejemplo, la relación entre percepción y

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

conocimiento, entre partes del cuerpo y el espacio, la cognición y las emociones.


Ahora bien, el buen uso de estas herramientas también comporta el tener en
cuenta que la motivación física y sensorio-motora ha de filtrarse siempre a través
de la cultura. Solo así el poder de la corporeización y las metáforas conceptuales
puede alcanzar su máximo potencial de análisis, descubriendo y revelando un
mundo, a veces fosilizado y a veces escondido, de conceptualizaciones propias de
cada lengua.

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— 52 —
La función de las metáforas
en la construcción
identitaria de Argentina1
Elena del Carmen Pérez

Introducción

El propósito de esta comunicación es plantear ciertos inter-


rogantes sobre el lugar que algunas metáforas han ocupado y
ocupan en el entramado discursivo de la cultura argentina. Dos
nociones teóricas constituyen el punto de partida para pensar
estos interrogantes. La primera es la hipótesis formulada por la
teoría de la metáfora conceptual y sus desarrollos posteriores
(entre los cuales se han integrado la teoría de la mezcla, la teoría
neural y la teoría de los espacios mentales) que ha sostenido
que las metáforas poseen una capacidad privilegiada para con-
densar saberes, creencias, opiniones y, en consecuencia, para
expresar de manera breve y memorable representaciones acerca
de las personas, las relaciones, los acontecimientos, el mundo.
En segundo lugar, un planteo que resulta del cruce dis-
ciplinar de la TMC con la semiótica de la cultura (Lotman,
1996) y que sostiene que las metáforas, como otros textos, ins-
criben los significados de la cultura en que nacen y circulan y

1
Por se tratar de outro idioma, as normas deste texto foram man-
tidas conforme as de seu país de origem (N. do E.)

53
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

por lo tanto, puede ser consideradas como dispositivos cognitivos e ideológicos


que se comportan, en su devenir histórico, como coordenadas supradiscursivas.
Estos textos de significado condensado constituyen unidades de sentido cuyas
relaciones con discursos adyacentes en el plano sincrónico y diacrónico, pueden
seguirse.
A partir de esta base teórica, vamos a considerar, en perspectiva histórica,
algunas metáforas del discurso de los argentinos para observar, en la medida de
nuestras posibilidades, qué sentidos, qué representaciones sociales han conden-
sado en los diferentes momentos históricos en los que surgieron y circularon.
Finalmente, analizaremos dos metáforas, célebres durante el siglo XX, que han
forjado cierta identidad "soñada", "imaginada" por los argentinos tales como
"Argentina es el granero del mundo", "Argentina es un crisol de razas"; y su actua-
lización, cien años después en dos textos -publicitario y pseudopublicitario- que
de manera solemne y paródica, respectivamente, vuelven a poner de manifiesto la
tensión entre las diferencias étnicas, aún no resuelta en la Argentina.

El marco teórico

De la metáfora al concepto metafórico

Durante los últimos treinta años, las investigaciones lingüísticas y también las retó-
ricas se han visto visiblemente conmovidas por los aportes que desde la Semántica
cognitiva hicieron Lakoff y Johnson al poner ante nuestros ojos la ubicuidad de
la metáfora en el lenguaje cotidiano y la naturaleza metafórica de nuestro sistema
conceptual. La publicación de Metáforas de la vida cotidiana (1980) llevó a revisar
algunos supuestos: la metáfora no era propiedad exclusiva del lenguaje poético
aunque sí una figura esencial en la argumentación retórica; expresiones tan
usuales como "mente hueca" fueron estudiadas como metáforas, ya que, según lo
que expresaban Lakoff y Johnson, estaban basadas en la idea de que la cabeza era
un recipiente, es decir, eran expresiones lingüísticas de un concepto metafórico en
el que la mente era pensada como un contenedor; según Lakoff y Johnson exis-
tían no sólo metáforas lingüísticas sino -novedosamente- metáforas conceptuales.

— 54 —
La función de las metáforas en la construcción identitaria de Argentina |

Así, el concepto metafórico la mente es un recipiente2, formulado como a es b,


permitía hablar de a, la mente en términos de b, el recipiente y habilitaba la cohe-
rencia de expresiones como "no le llenes la mente con ideas raras", "es una persona
de mente amplia", "tiene la mente estrecha" etc. El proceso mental por el cual es
posible hablar de una cosa en términos de otra se sustenta en la noción misma
de concepto metafórico que lleva implícita la posibilidad de una proyección de
rasgos semánticos entre los dos conceptos que se ponen en contacto. Es decir, el
concepto metafórico la mente es un recipiente permite proyectar las caracterís-
ticas del dominio cognitivo recipiente – tamaño, puede contener objetos, estar
vacío, estar lleno, ser amplio etc. – sobre el dominio cognitivo mente. De este
modo, la llamada teoría de la metáfora conceptual inauguraba nuevos planteos
que la vinculaban a la forma en que pensamos y aprendemos y en esto residía la
parte más deslumbrante de la hipótesis de Lakoff y Johnson. "[…] sólo el tránsito
desde un tratamiento puramente lingüístico, restringido a las preocupaciones de
la retórica y la poética, a uno de mayor amplitud, que inscribe el fenómeno en
el marco de los procesos de conocimiento, puede explicar que la metáfora per-
manezca todavía en el centro de la observación científica". (Santibáñez Yañez y
Osorio Baeza, 2011:17)
Precisamente en esto reside la llamada función cognitiva de la metáfora, en
esa capacidad de proyectar características de un dominio concreto a otro dominio
abstracto. "Nuestra experiencia de los objetos físicos y de las sustancias propor-
ciona una base adicional para la comprensión más allá de la mera orientación
[…] Una vez que hemos identificado nuestras experiencias como objetos o sus-
tancias podemos referirnos a ellas, categorizarlas, agruparlas y cuantificarlas y-de
esta manera, razonar sobre ellas". (Lakoff y Johnson, 1998:63)
Por otro lado, cuando Lakoff y Johnson sostienen que la esencia de la metá-
fora es entender y experimentar una cosa en términos de otra (1998:41) están
desplazando el centro de atención hacia la relación entre metáfora y verdad ya que
una metáfora puede fijar una interpretación de la realidad con un nombre posible
que es siempre una elección entre otros nombres. En esto reside la segunda fun-
ción de la metáfora que es su potencial ideológico.

2
En adelante, los conceptos metafóricos se expresarán en versales, tal como es habitual
en los textos de la Semántica Cognitiva.

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

Metáfora y cultura

En el entramado políglota de los textos de una cultura, la metáfora navega en un


cruce: por un lado contiene gran cantidad de información que concentra en un
término; por ejemplo, la metáfora "la mano de Dios" que analizaremos más ade-
lante, produce nuevos significados de lo divino como instrumento de lo humano.
Por otro lado, la metáfora contribuye a estabilizar algunos significados de la cul-
tura a través de aquellas que están en la base de los relatos fundacionales del estado
nacional como la de "Argentina es el granero del mundo" a la que también nos
referiremos en breve.
De este modo, en la economía global de los lenguajes, la metáfora estaría
cumpliendo una doble función: orienta la cognición del mundo al nombrarlo
con una palabra que sustituye otro nombre posible; y simultáneamente fija una
representación ideologizada de lo nombrado. Una vez que ciertos significados de
una cultura se expresan a través de una metáfora, su repetición opera a modo de
resonancia cognitiva, y los efectos de esa resonancia, a su vez, operan como fac-
tores que coadyuvan a la sedimentación ideologizada de una realidad. Los avatares
de ese proceso de repetición, sedimentación, fijación de determinadas metáforas
están ligados a múltiples circunstancias en la vida de los pueblos aunque – nos
atrevemos a decir – a circunstancias vinculadas con variados locus de poder.
En efecto, las maniobras por las que una metáfora trata de fijarse o trata de
ser desmontada son por demás interesantes porque revelan la importancia que las
metáforas tienen en la comprensión ideológica de la realidad y a la vez prueban la
hipótesis de que todo discurso es no sólo la arena de la lucha sino el objeto mismo
por lo que se lucha3. Como se comprenderá, la importancia de este tropo en los

3
Hace poco, los argentinos hemos escuchado hasta el cansancio la metáfora de los
"fondos buitre". La expresión no es nueva ya que comenzó a usarse en periódicos nacio-
nales desde 2001, sin embargo su registro se ha hecho frecuente a partir de 2012, y rea-
parece cada vez que, en Washington, se trata el problema de la negociación de la deuda
de argentina con los abogados de esos fondos. Durante estos últimos tres años algunos
periódicos apoyaban la fijación y el significado de la metáfora con representaciones
gráficas de bandadas de buitres o renombraban la metáfora con otras que aludían al
carácter delictivo de los acreeedores, como Pandillas de Nueva York. Simultáneamente,
otros medios de comunicación intentaban desmontar la metáfora y sus efectos, usando
la expresión "fondos de inversión" o su equivalente en inglés "holdouts" pero sin
resultados. Lo mismo ha ocurrido con la metáfora cepo al dólar que se ha impuesto
a pesar de los esfuerzos del discurso oficial, entre ellos el de la Presidenta que dijo

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La función de las metáforas en la construcción identitaria de Argentina |

discursos de un pueblo, no radica en su componente estético sino en su capacidad


ideológica para definir realidades. Así, una vez que cierta visión de un proceso his-
tórico se ha fijado en un sintagma metafórico, y éste circula en los discursos como
única forma de ser comprendido y nombrado, entonces será difícil transmitir otra
visión de ese mismo fenómeno. Ya que, como han dicho tempranamente Lakoff y
Johnson, "quien logra imponer sus metáforas impone su verdad".
A partir de este marco teórico tan brevemente sintetizado, trataremos de
mostrar las relaciones entre algunas metáforas y el orden social en que se gestaron
y circularon.

La argentina y sus metáforas

¿Es posible hablar de metáforas de la cultura o de la historia argentina? ¿Y en


este caso, cómo estaría formado ese repertorio de lo que denominamos metáforas
argentinas?
Un posible desglose sincrónico de este campo retórico, nos muestra
claramente:

Primer caso: metáforas (cuasi)universales

En principio, Argentina utiliza un grupo de metáforas que comparte con casi


todas las culturas y son aquellas que surgen de la experiencia más elemental del
ser humano, que es la percepción de su cuerpo, y de las relaciones de éste con
el espacio. Las experiencias carnales del agotamiento o el descanso, las experien-
cias mentales como la de recordar u olvidar, las emocionales como la de amar
u odiar, y muchas más proyectan su significado sobre dominios más complejos
como el de la sociedad, las instituciones, los grupos sociales desde clubes depor-
tivos hasta minorías raciales. En resumen, la infinita complejidad del "afuera del
cuerpo" puede ser pensado según la experiencia corporal. Un breve recorrido por
lenguajes que nos circundan como el de los medios de comunicación muestra el

"vayan buscándose otro título" porque esta medida no es un cepo, es el fin de la jauja…
"la timba financiera". Sin embargo, como con la metáfora de los fondos buitre, la metá-
fora forma parte ya de un repertorio que hace historia.

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

proceso de embodiment descrito por Lakoff y Johnson, es decir, la importancia del


cuerpo como referente para conceptualizar otras realidades4. Algunos ejemplos de
estas metáforas cuasiuniversales, habituales en los medios de comunicación, son:

·· el calor es conflicto (Turquía caliente, Página 12, 4 junio 2015);


·· lo amargo es conflictivo (Cosecha amarga, Página 12, 29 de julio de 2015);
·· entender es ver (Ojos bien cerrados, Página 12,30 de julio 2015).

Lo mismo podríamos decir sobre los nombres de las facultades intelec-


tuales del ser humano (sociedad inteligente), las actitudes (una nación combativa),
el carácter (un pueblo sumiso), los modales (una ciudad hospitalaria), la fatiga
(un pueblo agobiadopor su deuda externa), el dolor (una sociedad que ha sufrido
las catástrofes), el calor (el recalentamiento de la economía) y el frío corporal (las
relaciones entre los países se han enfriado) sirven para expresar metafóricamente las
circunstancias de la vida social.
Del mismo modo, son comunes a otras culturas metáforas ontológicas y
estructurales que nos permiten además utilizar un concepto muy estructurado y
claramente delineado para estructurar otro (Lakoff y Johnson, 1998:101).

·· el peso es importancia (Un banco de peso, Página 12, 24 de julio de 2015);


·· la corrupción es suciedad (La pelota sí se mancha, Página 12, 28 de mayo de
2015).

O bien, a partir de la suciedad es corrupción, delito vs. la limpieza


es ética, virtud, han aparecido combinaciones de metáforas y sinécdoques
como:

·· la pelota sí se mancha (la pelota es la AFA, la suciedad es la corrupción).

4
Beer & De Landtsheer en su trabajo Metaphors, Politics, and World politics (2004) sos-
tienen que las metáforas referidas al cuerpo humano sirven de base a gran parte del
discurso político contemporáneo e histórico. Esto se debe a que existe una estructura
metafórica profunda basada en la experiencia humana común de "estar en el cuerpo"
(embodiment) que provee una metáfora de "raíz global" o "arquetípica" fundamental
para explicar nuestra relación con el mundo. Por ejemplo, derivadas de esta experiencia
primordial existen las metáforas que vinculan lo recto y lo diestro con los moral, e inver-
samente lo torcido e izquierdo con lo inmoral.

— 58 —
La función de las metáforas en la construcción identitaria de Argentina |

Otro ejemplo de metáfora estructural compartida es la metáfora de la


enfermedad.
La frecuencia de aparición del dominio fuente ENFERMEDAD en casi
todos los lenguajes de la actividad humana, plantea un caso de sistematicidad
global Cameron, 1999; 129-130); este fenómeno discursivo ocurre cuando un
dominio fuente sirve para caracterizar una gran variedad de dominios meta y
además aparecen en todos –o casi todos – los discursos. La noción de "variaciones
de una misma metáfora" resulta redituable en nuestro trabajo para describir este
fenómeno de ubicuidad provocado por las frecuentes metáforas que nombran la
salud o la enfermedad del estado como un ser humano.
Los enemigos conceptualizados como microorganismos dañiños que ame-
nazan la salud del cuerpo social y otras referidas a la enfermedad tienen un alto
rendimiento cognitivo porque están asociadas al miedo, el sufrimiento, la muerte.

Segundo caso: resemantización de metáforas de otras culturas

A partir de la base arquetípica lo recto es virtuoso, ético, Argentina ha producido


durante la última dictadura, la metáfora:

·· los argentinos somos derechos y humanos.

O bien, a partir de las relaciones sexuales son relaciones promiscuas, en los


'90, la relaciones diplomáticas con los Estados Unidos se metaforizaron según la
expresión del propio Canciller de la época como

·· relaciones carnalescon estados unidos.

Y más recientemente

·· El gobierno se ha "encamado" con el sindicalismo.

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

Tercer caso: metáforas que han migrado de otras lenguas

Los ejemplos de metáforas como "fondos buitres" –mencionada más arriba-


"crisol de razas" –sobre la que volveremos más tarde- nos muestran, en primer
lugar, que las metáforas migran de una cultura a otra y cruzan fronteras aun en las
épocas en que las nuevas tecnologías no existían tal como las conocemos actual-
mente. En segundo lugar, el hecho que las hayamos adoptado metáforas de otros
discursos muestra la vinculación metáfora/sociedad. Algunas de estas metáforas
han sido adoptadas y adaptadas a nuestra realidad. Por ejemplo, la conceptua-
lización de la inmigración como torrente de agua es común a muchas culturas
y se la ha designado con metáforas como oleada, corriente, marea y otras que
fijan una representación de ellos como una catástrofe natural, una corriente de
agua casi incontrolable que tiene las propiedades de penetrar, arrasar con todo,
arruinar, inundar etc.5 Derivada de esta conceptualización se origina en los 50,
en Argentina, a raíz de la migración de la población del interior sobre la capital,
Buenos Aires, la metáfora.

·· los inmigrantes del interior son un aluvión zoológico.

De este modo, nuestra primera conclusión es que la Argentina comparte


sus metáforas en la medida en que comparte problemáticas y en la medida en que
esas problemáticas sean conceptualizadas de la misma manera.

Cuarto caso: metáforas de la historia Argentina


·· El adversario político es un gorila

Derivada de la metáfora primaria el hombre es un animal, y en analogía


con algunas como el burgués es un cerdo, originaria de Francia, en Argentina

5
Charteris Black ha estudiado cómo la inmigración ha sido conceptualizada en diversos
países "aluvión", "inundación", "correntada"; Otto Santa Ana ha estudiado cómo la
inmigración mejicana en Estados Unidos es vista, por ciertos periódicos, como "marea
marrón"; para no abundar en ejemplos, recordemos que nuestra historia ha nom-
brado el fenómeno como "ola/ oleada inmigratoria", es decir, descripta en términos de
desastre natural.

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La función de las metáforas en la construcción identitaria de Argentina |

surge en los cincuenta la metáfora del gorila6 se utiliza para todo aquel adversario
político del peronismo.

·· El gorilismo kirchnerista. (Página 12, 30 de julio de 2012);


·· Apuntes para un hipotético Manual de Gorilismo (Página 12, 27 de julio de 2012).

Argentina es el granero del mundo


El modelo agro-exportador impuesto por los gobiernos argentinos de fines del
siglo XIX colocó a este país en el lugar de proveedor de cereales y carne para los
mercados internacionales. A comienzos del siglo XX, los alimentos volvían de
Europa convertidos en divisas o en objetos suntuosos para los espacios públicos y
privados que disfrutaba la misma oligarquía que había diseñado este modelo de
país7. En ese contexto, se origina y populariza la metáfora.

·· Argentina es el granero del mundo.

La metáfora tiene la virtud de destacar la abundancia y el prestigio de un


país que podía darle de comer al mundo. Y a la vez tiene la propiedad de ocultar
la estructura social y laboral que hacía posible ese granero: contratos de arrenda-
miento que imponían términos inequitativos y condiciones de vida miserables
para los peones, las comunidades campesinas y los pueblos indígenas.

6
Gorila es un epíteto o término proveniente de la política interna argentina, usado his-
tóricamente para referirse de manera despectiva o peyorativa a los detractores del
peronismo (en particular, los de los dos primeros gobiernos del general Juan Domingo
Perón, entre 1946 y 1955). Con el paso de los años, la expresión se ha ido extendiendo
en mayor o menor medida a otros países de América Latina, como sinónimo de "reac-
cionario de derecha". Los propios peronistas le atribuyen el significado de "persona
que no razona". Por extensión, en América Latina comenzó a llamarse gorilas a los gene-
rales reaccionarios que ejecutaron golpes de Estado, y que ejercieron una dura repre-
sión contra sus adversarios políticos. (adaptado desde Wikipedia)
7
Alrededor de los años'40 la Argentina quedó excluida de los principales mercados euro-
peos de post-guerra, los cuales fueron captados por Estados Unidos.

— 61 —
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Probablemente la pervivencia de esta metáfora, responde a un paradigma


de creencias argentinas según la cual argentina es un país con una posición ventu-
rosa en el concierto mundial de las naciones8.

La mano de Dios
La expresión que casi todos los argentinos atribuimos a un episodio protagonizado
por Diego Maradona, tiene su origen en una pelea entre un afamado boxeador
argentino (Jorge Locomotora Castro) y el estadounidense John David Jackson.
Cuando el argentino estaba casi derrotado, lanzó un golpe que sorpresivamente
nockeó al rival norteamericano. Al final de la pelea, el argentino dijo que aquel
golpe había sido dado por "la mano de Dios", haciendo referencia a una ayuda
extraordinaria.
La metáfora se hizo más conocida cuando Maradona, en el Campeonato
Mundial de Fútbol de 1982, hizo un gol con la mano al equipo contrario,
Inglaterra. Inmediatamente algún admirador del boxeo memorioso, rebautizó la
mano de Maradona como "la mano de Dios", lo cual, considerando el fanatismo
de sus hinchas podría haberse interpretado literalmente. Pero ahora la metáfora se
complejizaba porque se recortaba sobre un fondo social en el que los argentinos
sentimos que los ingleses han arrebatado las Islas Malvinas y que son nuestras; de
hecho, la única guerra en la que Argentina participó en el siglo XX, fue el intento
de recuperación de las islas del Atlántico Sur, en poder de la Corona Británica
desde mediados del siglo XIX. Entonces, de la metáfora también podía inferirse
que Dios "metía su mano", intervenía para ayudar a los argentinos en contra de
los ingleses que tan injustamente se habían apropiado de nuestras islas.

8
La vitalidad de la metáfora que nos define se manifiesta en el uso frecuente que
hacemos de ella, como cita, como definición o a los efectos de su réplica. Con este pro-
pósito, la presidenta Cristina de Kirchner la usa en el XXXV Cumbre del Mercosur, en
Tucumán (Argentina) en 2008. "Nos decían que éramos el granero del mundo, porque
dábamos alimentos a todo el mundo, pero el pueblo argentino vivía sumido en la
miseria y el hambre".

— 62 —
La función de las metáforas en la construcción identitaria de Argentina |

Metáforas de la identidad soñada

Argentina es un crisol de razas

La metáfora de el crisol de razas que circuló en los discursos de formación de la


Nación Argentina desde comienzos del siglo pasado, no es privativa de nuestro
país; la expresión – cuyo uso hemos registrado en Brasil, Costa Rica, Panamá,
entre otros países – proviene de la obra teatral The Melting pot, de Israel Zangwill,
estrenada en Nueva York en 1908 y ha expresado desde entonces el concepto
según el cual la convivencia de diferentes etnias podría comportarse como los
metales que se funden en el crisol, es decir, convertirse en un nuevo metal que no
registrara huella visible de sus componentes.
Esta noción, de que diferentes etnias o culturas podían comportarse como
metales, es decir fundirse y amalgamarse en otra expresaba el anhelo de una
sociedad por licuar las identidades diferentes y, en consecuencia, los conflictos de
esos contactos.
Como la de el granero del mundo, la de el crisol de razas memo-
riza una etapa de la historia argentina en que se pone en marcha un modelo de
desarrollo que demanda la mano de obra de una inmigración masiva. El objetivo,
soñado ya por Alberdi, era que la inmigración viniera "a consolidar la influencia
civilizadora de Europa" (citado por Halperin Donghi, 1998, 191) ya que, según
lo sostenía otro de los ideólogos del modelo, José Ingenieros, el proletariado inmi-
gratorio, tenía aptitudes para el trabajo infinitamente mayores que las del proleta-
riado criollo.
Como hemos afirmado más arriba, la metáfora destaca aspectos de la rea-
lidad y oculta otros; en este caso, por un lado pone de manifiesto la ansiedad por
borrar las identidades foráneas y por otro lado, muestra la sobrevaloración del
inmigrante europeo ya que nos pone frente a la inferencia de que la fundición
mejoraría el "metal de origen", es decir, la etnia criolla. La metáfora oculta, como
sostiene Mariátegui (1979) que esperar el mejoramiento de los nativos a partir
de un activo cruzamiento de la raza aborigen con inmigrantes blancos es un pro-
pósito alentado por los ganaderos. La funcionalidad ideológica de la metáfora
subraya los aspectos benéficos de la convivencia de diferentes etnias, fija la idea

— 63 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

del mejoramiento de la raza criolla por la acción inmigratoria y a su vez oculta


el racismo elemental de considerar la superioridad de la raza blanca. Leída en su
contexto histórico, la metáfora condensa un aspecto central de las políticas del
Estado argentino: la necesidad de la mano de obra europea y el desprecio de la
mano de obra criolla e indígena.
A la vez, la metáfora memoriza una etapa de la historia argentina en la que
convivían la fe en el mito civilizatorio de la inmigración y a la vez, la ansiedad por
la cercanía de sujetos e idearios foráneos. En efecto, creemos que en la metáfora
Argentina es un crisolde razas – en el que desaparecen las huellas de sus com-
ponentes – se advierte claramente el conflicto en el que convivían políticas repre-
sivas –como las emanadas de la Ley de Residencia9 – con acciones de pedagogía
cívica10 como el calendario de efemérides, la celebración de actos patrios, el canto
del Himno Nacional y de las marchas patrióticas, el juramento a la bandera.
La vitalidad de esta metáfora y seguramente de las creencias que condensa,
hace posible que, cien años después, su sentido sea recuperado y actualizado en
otra esfera discursiva.

Los rubios de mi país

De la profusa masa discursiva del segundo centenario de la Revolución de Mayo,


en el 2010, rescatamos una publicidad de tinturas para el pelo que circuló con el
título "Los rubios de mi país".
Inspirados en una conexión obvia, los autores del aviso eligieron a la
modelo Carolina Ardohain más conocida como Pampita.
La producción de signos icónicos: la modelo teñida de rubia, el hombro
cubierto por un gran moño celeste y blanco y la enorme bandera argentina que
sostiene en una postura fashion dialoga con la producción de signos verbales: el

9
La sanción de la Ley de Residencia (1902) daba discrecionalidad al Poder Ejecutivo de
expulsar a cualquier extranjero considerado peligroso (Devoto, 2006.: 33): al igual que
la Ley de defensa social de 1910 nombraba al inmigrante como "extranjero" (Fausto;
Devoto, 2004: 37)..
10
Las acciones de pedagogía cívica formaban parte de un programa de formación patrió-
tica impulsada por Ministros como Ramos Mejía. En este programa, las instituciones
escolares tuvieron un gran papel pues se les confió la creación de la asignatura "Moral
cívica" propiciada en La restauración nacionalista de Ricardo Rojas.

— 64 —
La función de las metáforas en la construcción identitaria de Argentina |

título del aviso "los rubios de mi país" y el nombre de los rubios: "trigo, cebada,
maíz, avena, centeno". Este diálogo permite evocar la idea de los rubios de la
pampa o más directamente el concepto metafórico de la pampa gringa.
En su conjunto, los componentes del texto íconoverbal –la Argentina per-
sonificada en una mujer, los colores de la bandera, el brillo del sol – se vinculan
con representaciones sociales relativas a la patria grabadas en la memoria de los
argentinos a partir del currículo escolar, currículo que también contenía la lista
de productividad de cada zona geográfica, y en la que la región pampeana era la
zona cerealera por excelencia. En este sentido, creemos que el texto publicitario
recupera y sintetiza una masa de discursos nacidos a comienzos del siglo pasado y
memorizados en políticas como las del currículo escolar. En esa vigencia, creemos,
reside la posibilidad de que su sentido sea masivamente interpretado.
Según nuestra lectura, el texto propone una fuerte articulación con los dis-
cursos celebratorios del segundo centenario, y además enmarca esa celebración en
la pervivencia de un modelo productivo de abundancia y de un ideal étnico en el
que la ascendencia europea conserva el valor simbólico que está negado a la inmi-
gración de otros países de América Latina11. En ese contexto, el anuncio podría
ser leído como el llamado a la construcción de un nosotros: ganadero, rico, des-
cendiente de europeos.
Sin embargo, es posible leer, más allá del tono celebratorio, los sutiles
procedimientos de la ironía y, en consecuencia, podríamos preguntarnos si no
existe un cuestionamiento a la legitimidad de "los rubios de mi país", o si en

11
Como parte de este programa étnico de blanqueamiento, se pone en marcha un pro-
lijo aparato de discriminación e invisibilización de afrodescendientes que habitaba la
argentina fue desapareciendo durante el siglo XIX: los esclavos, por ejemplo, ingre-
saban a cofradías religiosas para el cuidado de los predios y santos y con ello perdían
sus costumbres y su fe; o se los enrolaba en el ejército (el célebre cuerpo militar deno-
minado Regimiento de Pardos y Morenos) y operaban como "carne de cañón" en las
guerras que Argentina sostiene durante todo el siglo XIX con España y con los países
limítrofes. Simultáneamente, en el plano discursivo, vocablos como "negro", "pardo",
"moreno" comienza a ser reemplazado en los documentos oficiales por la palabra "tri-
gueño". En la actualidad, la población afrodescendiente no supera el 6% de la pobla-
ción. Muestra claramente la discriminación hacia esta población la metáfora "cosa de
negros" como algo que está mal hecho; o "negro de alma" cuando alguien se empeña
en un mal comportamiento o conducta. Es interesante que perviva en esta metáfora la
idea de que aun cuando la piel no sea blanca, uno podría tener un negro adentro que
nos hace actuar como si lo fuéramos.

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

la ambigüedad de su retórica, el texto no está afirmando que "los rubios de mi


país" son criollos travestidos de europeos nórdicos. En este último caso, el aviso
refutaría la metáfora de el crisol de razas y se enmarcaría en las versiones del
humor cínico, es decir, aquel que festeja aquello mismo que critica.
¿La filiación de Pampita con los rubios cerealeros es una afirmación de
orgullo argentino? ¿Es una broma del publicista atravesada por la obviedad? ¿Es la
posibilidad de reinventar la identidad, esto es ocultar la identidad, tiñéndose de
rubio? ¿Es una invitación a borrar una identidad nativa y asumir la identidad del
blanco?
Sea cual fuere la respuesta a estos interrogantes, la publicidad de la tintura
nos permite retomar dos nociones clave con las que comenzamos esta exposición:
el hecho de que la metáfora inscribe los significados de la cultura en que circula y
es leída y el hecho de que, como todo texto, guarda relación de contigüidad con
metáforas adyacentes aun con las que provienen de una tradición a la que se acata
o impugna.
Entretejido simbólico que trata de recuperar la reputación de la descen-
dencia europea, particularmente nórdica y un ansia de recuperar ese pasado glo-
rioso de comienzoas de siglo veinte, cuando Buenos Aires era denominada la Paris
de Sudamérica, y la alta burguesía criolla había incorporado a sus familias los
célebre apellidos del norte de europa y vivía, según cuenta los historiadores, en
lujosos palacetes, como la corte de Luis XVI con doscientos años de atraso.
El rubio La metáfora "los rubios de mi país" condensa una gran narra-
tiva: la conformación de la identidad nacional moderna basada una elite de ascen-
dencia europea nórdica; la étnica blanca es, en un país tan abierto a la inmigra-
ción, requisito de acreditación social.
El color del pelo actúa como la sinécdoque que remite a un todo, que es la
un cuerpo blanco, alto, estilizado, como una parte del todo que es una genética
a la que la burguesía criolla quería parecerse.
Sorprende que en esa totalidad identitaria que construye que emerge
a comienzos del siglo XX, demande, junto a las zonas privilegiadas para vivir, los
clubes de reunión cerrados, y aún el exclusivo cementerio, demande un cuerpo
que se valora en la medida en que se aleja del cuerpo latinoamericano. El cuerpo
material de carne y hueso se transmuta en un bien simbólico y pasa a ser metáfora
de la distinción, de un proceso de aspiración de una burguesía enriquecida con la
posesión de la tierra que aspira a parecerse a la nobleza europea.

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La función de las metáforas en la construcción identitaria de Argentina |

Los rubios de mi barrio

Un muro de Facebook denominado "Re Negra" nos permite completar la refle-


xión. En este muro encontramos publicada una parodia de la tintura con la
variantelos rubios de mi barrio. Las mujeres son muy conocidas porque están
ligadas a la vida sentimental de Maradona: Claudia Villafañe, Rocío Oliva, La
Princesita y Verónica Ojeda.
Desde el punto de vista del humor, corresponde a los textos de humor
cínico, aquel que celebra lo mismo que impugna; en este caso, se está burlando de
una pretensión extendida: la del encubrimiento y la contracara: el ansia de mime-
tización. Los nombres de los colores, ahora no están emparentados con la pampa
gringa, donde residen los inmigrantes y sus descendientes rubios sino a los subur-
bios de Buenos Aires próximos a las villas: Conourbano y Villa Fiorito, donde
el Instituto de Discriminación de la Argentina tiene una zona roja y donde las
denuncias de trato discriminatorio se multiplican en los lugares públicos, como
restaurantes, en ámbitos laborales, en la escuela y donde se denuncia también la
persecución policial por lo que se ha denominado "portación de rostro". El rostro
que denota los rasgos de los pueblos originarios.
Los otros colores se denominan "catinga" que en lunfardo significa de
poco valor, ordinario y choripán que es un sándwich de chorizo muy popular en
la Argentina que se come en la calle, a la salido de los bailes, en las marchas, en
todo espectáculo masivo y popular.
La aclaración "En Europa no se consiguen" hace explícita la implicatura
de la distancia y la oposición de este "universo criollo y popular" en oposición al
refinado mundo europeo emparentado con los grupos cerealeros.
El texto paródico desestabiliza el relato solemne, lo pone en cuestión,
muestra el revés de la trama, da una vuelta más de tuerca al simulacro porque los
nombres de los colores remiten a las zonas más pobres de buenos aires, donde la
piel blanca y el cabello rubio es lo menos frecuente.
El texto paródico viene a representar un disloque en ese proceso de cons-
trucción de una identidad blanca; muestra el truco del mago, devela el simulacro,
la engañifa.
Los dos avisos muestran el feedback raza y clase como categorías que con-
formar una representación de identidad y pertenencia vinculada a la posesión de
los medios de producción (la tierra, la literatura, la administración del Estado, la

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

prensa)y esta nueva identidad vinculada a un nuevo polo de poder: el futbolista


nacido en Villa Fiorito que está en condiciones de ingresar en los espacios "reser-
vados" a la alta burguesía. Puestos en contacto, los textos disputan escenarios de
poder y nos muestran un momento bisagra de la Argentina y quizás de la sociedad
donde otras usinas de poder son tan posibles como imprevisibles.

Consideraciones finales

Dijimos al comenzar esta comunicación que las metáforas que un grupo cultural
utiliza condensan sus creencias, las visiones de mundo de ese grupo; como tales,
tienen la capacidad de generar y fijar sentidos cuya función en la producción dis-
cursiva es cognitiva y también ideológica.
Y que toda metáfora en su trayectoria histórica inscribe no sólo sus rela-
ciones con otros discursos adyacentes sino también sus vinculaciones con el orden
social en que es producida, circula y es leída.
En esta breve comunicación, hemos tratado de mostrar cómo, a partir de
metáforas que proceden de distintas esferas discursivas y de distintos momentos
de la historia, es posible rastrear conceptos metafóricos cuya vigencia se actualiza
o se pone en cuestión; en este caso la pervivencia de la representación sobre la raza
blanca como bien simbólico.
La lectura de este aviso publicitario es posible porque evoca un conjunto
de representaciones arraigadas entre los argentinos: que somos un granero para
el mundo,que el granero está situado en la pampa y que la pampa es gringa. La
pervivencia de esas representaciones sirve tanto para reforzarlas como para impug-
narlas. Y por eso el pseudo aviso de Koleston muestra claramente la refutación de
la leyenda: exhibe la tensión (y quizás también la frustración) entre el deseo de
una identidad blanca y la realidad de no tenerla.
Si, como lo plantean Lakoff y Johnson, la repetición de las metáforas opera
a modo de resonancia cognitiva, y los efectos de esa resonancia, a su vez, operan
como factores que coadyuvan a la sedimentación ideologizada de una realidad,
nos preguntamos cuál es el impacto de esta publicidad y de otros textos seme-
jantes que no hemos podido traer a colación en este trabajo en la fijación de la
metáfora de elcrisol de razas. Si contribuye a fijar la aspiración de una etnia

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La función de las metáforas en la construcción identitaria de Argentina |

blanca o si colabora en un proceso de impugnación al simulacro de parecer rubios


a costa de ocultar los colores originarios.

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— 70 —
Interconexões possíveis,
quando a teoria da
complexidade encontrou
a Linguística Cognitiva, um
caso de migração científica
na noosfera
A. Ariadne Domingues Almeida

A Lakoff e a Johnson,
por inspirarem uma nova linguística

Para iniciar as conexões do texto

A escrita deste artigo visa à geração de discussões acerca da


recepção da Teoria da Metáfora Conceptual (doravante, TMC),
na obra de Fritjof Capra (2005), especificamente, em seu livro
The hidden connections: a science for sustainable living, traduzido
para o português sob o título As conexões ocultas: ciência para
uma vida sustentável.
A fim de alcançar o objetivo proposto, de início, dia-
logo com as noções de imprinting e de normalização de pensa-
mentos que foram expostas por Edgar Morin (2011b), em seu
Método 4: as ideias, habitat, vida, costumes. Depois, ainda, uti-
lizando-me das discussões realizadas pelo mesmo Morin, faço
uso do conceito de noosfera.

71
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM MAR

Procuro, ademais, demonstrar, considerando essa concepção, algumas


redes de comunicação estabelecidas, na contemporaneidade, a partir da recepção
de pensamentos de Lakoff e Johnson, especialmente, de suas ideias aduzidas no
livro Metaphors we live by, de 1980, traduzido para o português como Metáforas
da vida cotidiana.
Na sequência, convido, então, para encorpar a minha discussão relativa-
mente ao tema posto em tela, Steven Pinker (2008), António Damásio (2015),
Marcelo Gleiser (2014), Umberto Eco (2013), Manuel Castells (2009), Pierre
Levy (2014) e Robert Kozinets (2014), procurando compreender o modo como
a noosfera constitui-se, logo, buscando entender como parte da rede de comu-
nicação estabelece-se por meio do diálogo desses autores com pensamentos
lakoff-johnsonianos.
Dedico-me, finalmente, a refletir a propósito da forma como compreendo
a presença de ideias de Lakoff e Johnson na mencionada obra de Capra (2005).
Por fim, apresento as minhas considerações finais a respeito da questão aqui pro-
posta e exponho as referências que utilizei para tecer este texto.

Ideias podem ser imperiosas

A obra de Lakoff e de Johnson (1980) aparece, no cenário acadêmico, como uma


espécie de ruptura em relação ao conhecimento já solidificado acerca da metá-
fora; assim sendo, havia uma tradição constituída que impunha o que se preci-
sava saber a respeito desse fenômeno e como deveria acontecer esse conhecimento.
Isso é o que Morin (2011b, p. 28) trata como o "formidável determinismo" que
pesa sobre o conhecimento.
Ocorria, portanto, no espaço antro-psíquico-sócio-histórico noosférico,
um imprinting1 cultural, bem como havia uma normalização que o impunha,

1
Conforme Morin (2011b, p. 29), o imprinting é a matriz que estrutura o conformismo,
"[...] é um termo que Konrad Lorentz propôs para dar conta da marca incontornável
imposta pelas primeiras experiências do jovem animal, como o passarinho que, ao
sair do ovo, segue como se fosse sua mãe, o primeiro ser vivo ao seu alcance. Ora há
um imprinting cultural que marca os seres humanos, desde o nascimento, com o selo
da cultura, primeiro familiar, depois escolar, prosseguindo na universidade ou na
profissão".

— 72 —
INTERCONEXÕES POSSÍVEIS, QUANDO A TEORIA DA COMPLEXIDADE ENCONTROU A LINGUÍSTICA COGNITIVA... |

o que fez, inclusive, com que a metáfora fosse, praticamente, obliterada no


âmbito dos estudos linguísticos, ficando relegada às pesquisas de cariz literário ou
aparecendo lateral e/ou marginalmente no plano das reflexões sobre a linguagem.
Havia, assim, um conformismo cognitivo que, como chama atenção Morin
(2011b), não é marca de uma subcultura limitada, especialmente, a estratos tidos
como "inferiores" da sociedade, de tal modo que, como destaca o mesmo autor,
há, nas chamadas "altas" esferas intelectuais e universitárias, casos exemplares de
conformismo que acabam, com o adentrar do tempo, sendo categorizados como
fenômenos de conformismo pelas gerações que sucedem as anteriores.
No que concerne à metáfora, havia, então, um tipo de barreira intelec-
tual proporcionada pelo imprinting a obstruir o avanço de outras concepções
sobre esse fenômeno que se apresentassem distintas daquela compreensão que
o concebia como um desvio, um caso de linguagem figurada, da língua e do seu
léxico, dos textos literários, uma vez que tal entendimento era, ideologicamente,
imposto pela tradição dos estudos acerca da linguagem, ainda que pensadores já
assinalassem a função cognitiva da metáfora, como o fez o próprio Aristóteles,
como destacado por Eco (2013), e que, ao longo de 2500 anos, outros estudiosos
também o fizessem, a exemplo de Johann Heinrich Lambert e de Philipp Wegener,
respectivamente, no século XVIII e XIX, como aponta Schröder (2014)2 e que,
até mesmo no seio do estruturalismo, Eugénio Coseriu, no século XX, tenha

2
Apesar de ser extensa, creio que a seguinte passagem de Schröder seja esclarecedora
sobre a questão aqui posta em pauta, pois, conforme pontua a referida autora, "desde
o surgimento da Teoria Conceptual da Metáfora (TCM) há mais de trinta anos (LAKOFF;
JOHNSON, 1980, 1999), houve uma série de autores que apontaram o ecletismo con-
tínuo da abordagem pela falta de uma contextualização historiográfica (CHAMIZO
DOMINGUEZ; HÜLZER-VOGT, 1987; JÄKEL, 2003; NERLICH, 2010; SCHMITZ, 1985;
SCHRÖDER, 2004, 2008, 2010a, 2012a), uma vez que a maioria das hipóteses sobre
a metáfora conceptual e até boa parte dos exemplos já foram debatidas a partir do
século dezessete em reflexões filosóficas (Clauberg, Vico, Locke, Leibniz, Lambert,
Kant, Nietzsche, Mauthner, Vaihinger, Richards, Blumenberg), antropológicas (Herder,
Boas, Sapir, Whorf, Gehlen), psicológicas (Stählin, Bühler) e linguísticas (Paul, Wegener,
Gerber, Biese, Lady Welby, Black, Weinrich). Todos esses autores apresentam plena
consciência da função cognitivo-epistêmica da metáfora, do seu caráter onipresente
na fala cotidiana e de sua atuação tanto no nível da conceitualização quanto no nível da
língua". (SCHRÖDER, 2014, p. 115-116)

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM MAR

relacionado a metáfora à cognição, ao conhecimento, como pontua Iberretxe-


Antunaño (2013).3
Apesar da existência de qualquer pensamento desviante, havia o imprinting
que determinava uma espécie de desatenção seletiva, de tal maneira que tudo
o que não condizia com as crenças estabelecidas acabava sendo desconsiderado;
de algum modo, pensadores que faziam circular ideias incontestadas conduziram
pensamentos desviantes de outros pensadores ao silêncio e ao esquecimento.
A normalização realiza uma prevenção contra o desvio e o elimina ou o silencia;
a normalização, assim, preserva e impõe a norma do que é considerado, de um
lado, válido, verdadeiro e, de outro, inadmissível, errado etc.
Logo, também, no âmbito dos estudos sobre a metáfora,

O imprinting e a normalização asseguram a invariância das estruturas que


governam e organizam o conhecimento, as quais, rotativamente, asseguram
o imprinting e a normalização. Assim, a perpetuação dos modos de conhe-
cimento e verdades estabelecidas obedece a processos culturais de repro-
dução: uma cultura produz modos de conhecimento entre os homens dessa
cultura, os quais, através do seu modo de conhecimento, reproduzem a cul-
tura que produz esses modos de conhecimento. As crenças que impõem são
fortalecidas pela fé que suscitaram. Assim, se reproduzem não somente os
conhecimentos, mas as estruturas e os modos que determinam a invariância
dos conhecimentos. (MORIN, 2011b, p. 31-32)

Considero, inclusive, impressionante como no espaço do ensino brasileiro,


ainda, nada ou, para não ser tão categórica, quase absolutamente nada tenha
mudado no âmbito do ensino-aprendizagem da metáfora e de outras chamadas

3
A respeito do pensamento Coseriano sobre a metáfora, Ibarretxe-Antuñano (2013,
p. 253, grifo nosso) afirma: "Esta extensa cita señala algunas similitudes con la teoría
de la metáfora conceptual: su relación con la cognición ('conocimiento'), su carácter
universal, su correspondencia con la imaginación ('fantasía')… Sin embargo, también
vemos que una de las diferencias fundamentales es que la metáfora en esta teoría se
sigue considerando algo exclusivamente lingüístico y, por eso, las metáforas pueden
'convencionalizarse' o desaparecer [...]". Tradução: "Esta extensa citação assinala
algumas semelhanças com a teoria da metáfora conceptual: sua relação com a cognição
('conhecimento'), seu caráter universal, sua correspondência com a imaginação ('fan-
tasia')... Contudo, também, vemos que uma das diferenças fundamentais é que a metá-
fora nesta teoria segue sendo considerada algo exclusivamente linguístico e, por isso,
as metáforas podem 'convencionarlizar-se' ou desaparecer [...]".

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INTERCONEXÕES POSSÍVEIS, QUANDO A TEORIA DA COMPLEXIDADE ENCONTROU A LINGUÍSTICA COGNITIVA... |

figuras de linguagem, mesmo depois de terem sido transcorridas mais de três


décadas da publicação das primeiras obras seminais da Linguística Cognitiva
(doravamente LC).

Mas as ideias mudam...

Apesar de qualquer imprinting e normalização, o cenário, em que ideias impe-


riosas sobre as metáforas foram produzidas e reproduzidas por séculos, passou
por mudanças, de tal sorte que, embora houvesse determinações como as ante-
riormente citadas, o conhecimento relativo à metáfora, ainda que se mantendo
de forma inabalável e quase profético para alguns, conheceu novas diretrizes,
transformando-se para outros e apresentando-se de maneira totalmente diferente
para outros ainda. Afinal, no âmbito das ideias, crenças e novas teorias surgem;
enquanto outras agonizam, outras morrem, e outras, ainda, se perpetuam, mas
transformadas.
Como observa o mesmo Morin (2011b), essa diversidade na vida das ideias
atrela-se a dois aspectos opostos que se verificam no elaborar da história do conhe-
cimento humano. Por uma parte, há certezas que são absolutas, oficiais e sacrali-
zadas, por outra, há o avanço do pensamento corrosivo, bem como há subversão
da dúvida caracterizadora da existência da humanidade. Assim, também, con-
forme defende esse pensador (MORIN, 2011b, p. 33), ocorre

[...] por um lado, o imprinting, a normalização, a invariância, a reprodução.


Mas, por outro lado, os enfraquecimentos locais do imprinting, as brechas
na normalização, o surgimento de desvios, a evolução dos conhecimentos, as
modificações nas estruturas de reprodução.

Em um espaço de ideias, logo, de forças antagônicas e concorrentes, novas


ideias acabam ganhando vitalidade; isso porque, no que concerne ao desenvol-
vimento do pensamento humano, ocorre pluralidade e diversidade de pontos
de vista, por conseguinte, a geração de discussões de ideias contraditórias, de
modo que, em sociedades que possibilitam o encontro, a comunicação, o debate
e, especificamente, nas ciências dessas sociedades, as ideias e as teorias acabam
sendo contrariadas e isso alimenta a dialógica, de tal maneira que se forma uma

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM MAR

esfera de permissividade em que a normalização abranda-se e começam a ocorrer


expressões daqueles que não foram, completamente, marcados pelo imprinting.4
Assim sendo, essas expressões e as trocas de ideias delas advindas enfraquecem esse
mesmo imprinting e o seu abrandamento possibilitará outras expressões e outras
trocas de ideias, de modo a favorecer o dinamismo dialógico.
Afinal,

[...] em qualquer sociedade, qualquer comunidade, qualquer grupo, qualquer


família, existem diferenças muito grandes de um indivíduo para outro quanto
à aceitação, integração, interiorização da Lei, da Autoridade, da Norma, da
Verdade estabelecidas. Por isso, há em qualquer lugar uma minoria de des-
viantes potenciais e, dentro dessa minoria, uma minoria pode marginalizar-se
ou eventualmente, rebelar-se. (MORIN, 2011b, p. 37)

Um rebelar-se ocorreu, no âmbito da Linguística Gerativa, quando


Lakoff e outros desviantes – um "grupúsculo apaixonado", para usar a expressão
moriniana (MORIN, 2011b), em relação aos cérebros dissidentes que habitam
o mundo das ideias –, insatisfeitos com a pouca atenção dispensada pelo gerati-
vismo às questões da significação, romperam com seus pressupostos e, paulatina-
mente, foram propagando novas ideias sobre a linguagem, inicialmente, marginais,
mas que, com o devir do tempo, culminaram na fundação de uma nova vertente
do saber, a LC, sendo o livro Metaphors we live by de Lakoff e Johnson, de 1980,
uma de suas obras seminais, primeiro texto a popularizar a ideia da metáfora no
uso cotidiano (SCHRÖDER, 2013), e, hoje, já considerado um clássico no seio
desse ainda novo modelo dos estudos linguísticos. Compreendo, então, em face
do exposto, que foi, em uma condição de dialógica aberta no campo das teorias
sobre a linguagem, com trocas de ideias e de conhecimentos que aquilo, que foi
um desvio por parte de alguns integrantes do Gerativismo, tornou-se uma nova
tendência, um novo modelo teórico.
No transcorrer desses 35 anos desde a publicação do livro Metaphors we
live by e de outras obras elaboradas por pensadores dissidentes do Gerativismo e,

4
No que tange, especificamente, ao objeto de estudo aqui posto em pauta, ou seja,
a metáfora, e, pensando nas últimas décadas do século XX, uma das primeiras rupturas
da contemporaneidade com a tradição dos estudos retóricos sobre a metáfora acha-se
no pensamento de Reddy (1979).

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INTERCONEXÕES POSSÍVEIS, QUANDO A TEORIA DA COMPLEXIDADE ENCONTROU A LINGUÍSTICA COGNITIVA... |

ainda, por outros que, paulatinamente, foram aderindo ao neófito modelo, assis-
timos ao processo de constituição e de legitimação cultural de uma tendência:
"uma nova concepção torna-se respeitável e respeitada, institucionaliza-se, estabe-
lece a regra, ou mesmo seu princípio de normalização, na sua esfera de influência".
(MORIN, 2011b, p. 38) A ideia de desvio vai sendo apagada pela oficialização
da ideia de criação e de originalidade e, assim, o estatuto oficial vai gerando uma
nova norma, logo, uma nova conformidade.
Com base no comércio dialógico, na troca de argumentos, institui-se
a regra crítica que obriga os agentes do debate intelectual a adotarem o princípio
dialógico; essa regra, perpetuando-se, transforma-se em tradição crítica. A LC,
como a sua TMC, se (re)elabora através da constituição de uma tradição crítica,
o que é perceptível com os diferentes debates, com os intercâmbios dialógicos
instituídos no devir do seu fazer. Os trabalhos de Forceville (1996), Grady (1997),
Kovëcses (2005) e do próprio Lakoff (2008) são exemplos da dialética do repensar
e do recriar de premissas iniciais que foram postuladas no âmbito da TMC, logo,
da própria LC.

No mundo da noosfera

A LC e a sua TMC inserem-se na noosfera, o qual, por sua parte, equivale a um


mundo formado por produtos culturais, linguagens, noções, teorias e, também,
por conhecimentos objetivos; essa noosfera possui existência própria, é real,
dispõe de autonomia e surge como produto da atividade humana e, como destaca
Morin (2011b, p. 135, grifo do autor),

[...] uma vez formadas, as construções intelectuais vivem uma vida própria,
engajam-se em relações dialéticas com as outras 'construções' e espíritos
humanos. Geram consequências com frequência imprevistas para os seus
autores... 'Tornam-se conhecimentos públicos e, desse modo, propriedade
pública. Transcendem assim o espírito individual...'.

Metonimicamente pensando, os cérebros humanos e as culturas formam


ecossistemas do mundo das ideias. A ideia teria, em si mesma, emergência

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e teleonomia, sendo capaz de se manter, se desenvolver e de adquirir maior com-


plexidade. O mundo noosférico é um produto, embora seja um produto que, de
modo recursivo, se faz necessário à produção do seu produtor antropossocial.
A noosfera emerge viva, a partir das atividades antropossociais. (MORIN, 2011b)
No âmbito da noosfera, uma teoria é considerada uma entidade logomorfa
que, como todas as outras entidades dessa mesma noosfera, é autoeco-organiza-
dora, sendo que o meio cultural e os espíritos/cérebros formam o ecossistema
onde se criam, se propagam e se reproduzem ideias. No mundo antropossocial,
a noosfera articula-se com a psicosfera e a sociosfera, sendo a penúltima a esfera
dos espíritos/cérebros individuais, fonte do pensamento etc., e a segunda a res-
ponsável por concretizar ideias, teorias etc. As entidades abastecem-se do cha-
mado pensamento empírico-racional.
Na noosfera, nos espaços atinentes às elaborações teóricas, existe a con-
cepção de migração entre ciências, explicitada por Morin (2011a, 2009).
Essa noção coopera, para que seja estabelecido um entendimento da recepção da
obra de Lakoff e Johnson (1980), particularmente, no que concerne à elaboração
de uma compreensão do modo como o conceito de metáfora evidencia-se e ins-
pira pensadores contemporâneos, em especial, Fritjof Capra. Diversas migrações
já ocorreram no devir da constituição histórica da ciência, e, diferentemente do
que se pode pensar, uma ideia não é parte exclusiva do espaço disciplinar onde
nasceu. Há concepções migradoras, bem como transposições de esquemas cogni-
tivos, que avançam em outros espaços e acabam fazendo parte de outros campos
do conhecimento, passando de uma disciplina para outra, pois, como observa
Morin (2011a, p. 117): "os conceitos viajam e é melhor que viajem sabendo que
viajam. É melhor que não viajem clandestinamente. É bom também que eles
viajem sem serem percebidos como aduaneiros!"
Considerando o poder das teorias, constato a ampla adesão dos espaços
noosféricos acadêmicos à TMC, quer por gerar discussões, próprias da tradição
crítica constituída, a partir da sua criação e da sua publicização, quer por propor-
cionar uma adesão generalizada, e, em alguns casos, trata-se até mesmo de uma
adoção dogmática e praticamente cega, inclusive, em trabalhos de Pós-Graduação,
até mesmo, em estudos de doutoramentos. Em face dessa noosfera, verifico o diá-
logo da TMC com outras teorias, e como já pontuei aqui, ponho em destaque
a sua presença em uma obra de Fritjof Capra (2005), e, para além disso, reflito

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INTERCONEXÕES POSSÍVEIS, QUANDO A TEORIA DA COMPLEXIDADE ENCONTROU A LINGUÍSTICA COGNITIVA... |

sobre os questionamentos de Steven Pinker (2008) que constituem parte da tra-


dição crítica criada em torno da TMC; penso, ademais, sobre a sua adoção por
eminentes pensadores da contemporaneidade, como Manuel Castells (2009), e,
ainda, pondero a respeito das diferentes menções que lhe são feitas por outros
pesquisadores de vulto na atualidade como António Damásio (2015), Marcelo
Gleiser (2014), Pierre Levy (2014) e Umberto Eco (2013).

Lakoff e Johnson no mundo da noosfera:


a contemporaneidade lendo a TMC

Lançada na noosfera, a TMC participa do comércio das ideias, o qual ocorre, como
preleciona Morin (2011b), porque, sendo ecodependente, uma teoria é aberta "e
depende do mundo empírico onde se aplica. A teoria vive das suas trocas com
o mundo: metaboliza o real para viver. É o tipo aberto de autoecoorganização que
dá à teoria uma resistência constitutiva ao dogmatismo e à racionalização".

A TMC perfurando o imprinting e a normalização das ideias na noosfera


Para exemplificar como a TMC tem conseguido, apesar das discussões que suscita,
estabelecer-se na noosfera e perfurar o imprinting e a normalização, trago, ao meu
texto, a minha leitura do capítulo "A metáfora da metáfora", parte integrante do
livro Do que é feito o pensamento, publicado em 2007, de autoria do psicólogo
Steven Pinker, que, nessa sua obra, tece, em várias páginas, reflexões voltadas ao
fenômeno metafórico.
Pinker, de modo um tanto polêmico, pelo menos a meu ver, chama a TMC
de messiânica e assegura que essa teoria compreende que "PENSAR É ACHAR
UMA METÁFORA", o que seria, para ele, "a metáfora da metáfora". (PINKER,
2008, p. 275) A partir de uma perspectiva dual e, também, metafórica, ele con-
fronta a TMC com a chamada teoria estraga-prazeres.
Segundo Pinker (2008), a ideia de uma mente vendedora de metáforas gera
muitos desdobramentos. De início e, por um lado, ele afirma que "se a apreciação
da metáfora traz uma era messiânica, o messias é George Lakoff". (PINKER,
2008, p. 288) Depois, por outro, coloca Lakoff como fundador de movimentos
revolucionários – a Semântica Gerativa e a LC – e como um autor de uma série
de livros envolventes, principiada pelo Metaphors we live by que escreveu em

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coautoria com Mark Johnson e acredita ser a descoberta da onipresença da metá-


fora na língua cotidiana algo surpreendente e repleto de implicações. Considera,
ainda, que Lakoff estudou o mundo metafórico com uma "profundidade magní-
fica", que ele teve "sacadas impressionantes" e que "chegou a conclusões notáveis"
e, da mesma forma, assegura que "Lakoff é de longe o maior defensor da metáfora
da metáfora". (PINKER, 2008, p. 283) Para além, pontua que "a teoria da metá-
fora conceitual de Lakoff é extraordinária". (PINKER, 2008, p. 284)
Em outras passagens do seu capítulo, entretanto, exalando, nitidamente,
um ar polêmico, aparentemente envolto por certa descrença, Pinker (2008, p.
284) assegura:

[...] se ele [Lakoff] estiver certo, a metáfora conceitual pode fazer qualquer
coisa, desde virar de cabeça para baixo 2500 anos de equivocada confiança na
verdade e na objetividade no pensamento ocidental a colocar um democrata
na Casa Branca.5

Pinker, assim, apesar de proceder a elogios ao pensamento lakoffniano, 6


adota, ao longo do texto, um tom receoso, desconfiado e, como eu já disse, não
poucas vezes, polêmico, em relação à TMC, de tal modo que, em uma dada pas-
sagem desse capítulo, assegura: "embora eu acredite que a metáfora conceitual
realmente tenha profundas implicações na compreensão da relação entre língua
e pensamento, acho que Lakoff leva a idéia um pouco longe demais". (PINKER,
2008, p. 284) Pinker acredita que Lakoff excede limites, inicialmente, por rejeitar
as concepções de verdade, de objetividade e de razão desencarnada.
Para Pinker, a versão do relativismo de Lakoff é vulnerável; ele cita pas-
sagens de Philosophy in the flash e, ao tratar do relativismo, argumenta: "Lakoff
e Johnson não têm como fugir. No próprio ato de apresentar sua tese, pressupõem

5
Este último comentário diz respeito ao fato de o livro Don't think of an elephant de
Lakoff (2004) ter virado um best-seller e, segundo Pinker, um talismã liberal, e pelo fato
de Lakoff ter se reunido com líderes e marqueteiros do partido Democrata dos Estados
Unidos e de ele ter falado em colégios eleitorais, depois da derrota desse partido, em
2005, nas eleições presidenciais. (PINKER, 2008)
6
É interessante notar que, embora boa parte das discussões iniciais propostas por Lakoff
sejam em parceria com Johnson, Pinker direciona seus comentários e suas críticas, tão
somente, para aquele.

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INTERCONEXÕES POSSÍVEIS, QUANDO A TEORIA DA COMPLEXIDADE ENCONTROU A LINGUÍSTICA COGNITIVA... |

as noções transcendentes de verdade, objetividade e necessidade lógica que


buscam destruir". (PINKER, 2008, p. 286) Eu, particularmente, não penso que
Lakoff e Johnson pretendam destruir essas concepções, mas ousam questioná-las
e, ao fazer isso, acabam por contestar essa tradição autoritária do pensamento oci-
dental constituída em mais de 2500 anos, sobre a qual Pinker discorre e se apre-
senta como fiel representante; esse comportamento, a meu ver, claramente, reflete
o jogo da normalização e do imprinting a respeito dos quais trata Morin (2011b).
Apesar de ver problemas em se afirmar que a maior parte do pensamento
humano é metafórico, Pinker (2008, p. 292), por uma parte, volta a dizer que

Lakoff tem razão em insistir que as metáforas conceituais não são apenas flo-
reios literários, mas auxiliares do raciocínio – são as metáforas 'pelas quais
vivemos'. E as metáforas podem dar vida a interferências sofisticadas, não só
às óbvias.

Mas, por outra parte, assevera que a onipresença da metáfora não quer
dizer que qualquer pensamento se fundamente na experiência corpórea, nem que
ideias diversas sejam simples enquadramentos contraditórios; ele crê que as metá-
foras conceptuais só podem ser aprendidas e utilizadas se forem examinadas em
seus elementos mais abstratos, que constituiriam, segundo pensa, a "verdadeira"
moeda do pensamento e, ainda, pelo que acredita, o uso metódico da metáfora
pela ciência demonstra que esse fenômeno se constitui em um modo de adaptar
a língua à realidade e que pode apreender o que Pinker chama de "leis genuínas
do mundo". (PINKER, 2008)
E mais, ainda, assegura que:

As pessoas certamente são afetadas pelo modo como as coisas são enqua-
dradas, como sabemos por séculos das artes da retórica e da persuasão.7 E as

7
Sobre a tradição retórica, Pinker afirma que "os ingredientes também fazem com que
a metáfora literária seja mais picante que uma metáfora conceitual cotidiana". (PINKER,
2008, p. 301) Essa observação de Pinker, pelo que penso, demonstra que há uma con-
cepção bem tradicional permeando o seu pensamento. Além disso, creio que seja pre-
ciso questionar quais seriam os critérios para se categorizar a metáfora literária como
mais picante e, ainda, acredito que seja necessário pontuar que, ao dizer que a metá-
fora literária é mais "picante" do que a cotidiana, ele fez uso de uma expressão metafó-
rica de uma metáfora conceptual.

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM MAR

metáforas, em especial as metáforas conceituais, são uma ferramenta essencial


da retórica, da comunicação corriqueira e do próprio pensamento. Mas isso
não significa que as pessoas fiquem escravizadas por suas metáforas ou que
a escolha da metáfora seja uma questão de gosto ou doutrinação. Metáforas
são generalizações: elas incluem um caso específico numa categoria universal.
Metáforas diferentes são capazes de descrever o mesmo objeto, gramáticas
diferentes são capazes de gerar o mesmo corpo de frases e teorias cientí-
ficas diferentes são capazes de explicar o mesmo conjunto de dados. Assim
como outras generalizações, as metáforas podem ter suas previsões testadas
e seus méritos inspecionados, incluindo sua fidelidade à estrutura do mundo.
(PINKER, 2008, p. 300)

Preso à questão da verdade e da objetividade, Pinker (2008, p. 317, grifo


nosso), ainda, pontua que:

O messias não veio. Embora as metáforas sejam onipresentes na língua,


muitas delas estão realmente mortas na mente dos falantes atuais, e as vivas
jamais poderiam ser aprendidas, entendidas ou usadas como ferramenta de
raciocínio se não fossem construídas a partir de conceitos mais abstratos que
captassem as semelhanças e as diferenças entre o símbolo e o que está sendo
simbolizado. Por esse motivo, as metáforas conceituais não tornam obsoletas
a verdade e a objetividade, nem reduzem o discurso filosófico, legal e político
a um concurso de beleza entre dois enquadramentos.

E apesar de parecer descrente em relação à TMC, em diferentes passagens,


creio que ele acabe por fornecer exemplos de como essa teoria está conseguindo,
paulatinamente, vencer o imprinting e a normalização na noosfera, como penso
acontecer na seguinte passagem:

[...] acho que a metáfora é, sim, a chave para explicar a relação entre pensa-
mento e língua. A mente humana vem equipada da capacidade de penetrar
a couraça de aparência sensorial e discernir a construção abstrata que está
debaixo dela – nem sempre quando se quer, e não da forma infalível, mas com
a frequência e a clarividência suficientes para moldar a condição humana.
Nosso poder de analogia nos permite aplicar estruturas neurais antiqüíssimas
a matérias récem-descobertas, desnudar leis e sistemas ocultos na natureza
e, não menos importante, ampliar o poder de expressão da própria língua.
(PINKER, 2008, p. 317, grifo nosso)

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Em síntese, para ele, é possível entrever uma versão mais moderada da


metáfora conceptual; ele crê, inclusive, em uma suposta "interpretação realista"
desse fenômeno; enfim, com Pinker é possível ter acesso a um exemplo de como
ocorre o processo de instituição da regra crítica, do debate com a teoria, e a adoção
da premissa dialógica, o que sobre os quais trata Morin (2011a), em seu Método 4.

A TMC vencendo o imprinting e a normalização no comércio das ideias


Com a finalidade de exemplificar o fato de o pensamento lakoff-johnsoniano
se encontrar em pleno processo de adesão que tem, paulatinamente, vencido
o imprinting e a normalização na noosfera e, ainda, que tem ultrapassado bar-
reiras impeditivas para a aceitação de concepções preconizadas sobre metáfora,
sobre mente corporificada e sobre outros aspectos da cognição e da linguagem,
selecionei passagens de textos de eminentes pesquisadores de diferentes áreas da
ciência contemporânea que conhecem, referenciam e, alguns, inclusive, aderem,
em alguma medida, saberes elaborados, a partir da publicação do Metaphors we
live by.
Dentre esses estudiosos, o neurocientista António Damásio deixa claro o seu
conhecimento dessa obra, quando a cita na quarta nota do capítulo "O organismo
e o objeto" do seu livro O mistério da consciência, e procede ao seguinte comen-
tário: "[...] os filósofos Mark Johnson e George Lakoff estabelecem uma relação
íntima entre cognição e representação do corpo [...]". (DAMÁSIO, 2015, p. 279)
Também, o físico, astrônomo, escritor e roteirista Marcelo Gleiser (2014),
no seu livro A ilha do conhecimento: os limites da ciência e a busca por sentido,
nomeadamente, na quarta nota do capítulo "A mente e a busca por sentido",8 faz
referência a Lakoff, em consequência, indiretamente, faz menção a pensamentos

8
Lakoff aparece, no caso, referenciado junto a Núñez. Gleiser menciona a obra intitu-
lada Where mathematics comes from: how the embodied mind brings mathematics into
being e afirma que, para alguns pensadores que compreendem a visão romântica da
matemática como expressão de uma fé semireligiosa, que pouco tem a ver com a reali-
dade, "a matemática é, antes de mais nada, produto do funcionamento do cérebro e de
sua aliança inseparável com o corpo: nosso modo de pensar depende conjuntamente
da nossa cabeça e dos nossos corpos, da forma como evoluímos por milhões de anos.
Como o linguista George Lakoff e o psicólogo Rafael Núñez escreveram no prefácio
de seu estudo sobre as raízes do pensamento matemático [...]". (GLEISER, 2014, p. 290)
Percebo, no texto de Gleiser, certa crítica em relação ao modo como Lakoff e Núñez
posicionam-se em relação à matemática.

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lakoff-johnsonianos e à tradição crítica que se institui, a partir de publicação do


livro Metaphors we live by.
Umberto Eco (2013), por sua parte, no livro Da árvore ao labirinto: estudos
históricos sobre o signo e a interpretação, ratifica que a metáfora é um instrumento
cognitivo que constrói similaridades e remete o seu leitor, entre outras, à obra
de 1980 de Lakoff e Johnson, a qual aparece referenciada no original em inglês
e em suas traduções italiana e portuguesa, sendo essa última referência uma con-
tribuição do tradutor do português.
Já o filósofo Pierre Lévy, no seu livro Cibercultura, trata da inadequação
de algumas metáforas no âmbito das tecnologias, ao afirmar que: "a questão não
é tanto avaliar a pertinência estilística de uma figura de retórica, mas sim escla-
recer o esquema de leitura dos fenômenos – a meu ver, inadequado – que a metá-
fora do impacto nos revela". (LEVY, 2014, p. 21) E, além disso, conduz o seu
leitor, na primeira nota desse seu livro, à tradução francesa do livro seminal de
Lakoff e Johnson (1980).
Por sua vez, o sociólogo Manuel Castells (2009), no livro Comunicación
y poder, escreve linhas e linhas dialogando com conhecimentos elaborados pelas
ciências cognitivas, de modo que o pensamento lakoff-johnsoniano não poderia
deixar de se fazer presente e, inclusive, na primeira nota do seu terceiro capítulo
–"Redes de mente y poder" – já faz menção a Lakoff:

Também, quero sublinhar a influência em todo este capítulo de minhas lei-


turas e conversas com George Lakoff e Jerry Feldman, distintos cognitivistas
e meus colegas, em Berkeley. Remeto o leitor à análise de George Lakoff, apre-
sentada em Lakoff (2008). Deve ficar claro que não pretendo ter nenhuma
competência especial em neurociência nem em ciência cognitiva. Meu único
objetivo ao introduzir este elemento como parte de minha análise é conectar
o que sei de comunicação política e redes de comunicação com o conheci-
mento que temos atualmente sobre os processos da mente humana. Só com
essa perspectiva científica interdisciplinar, poderemos passar da descrição
à explicação para compreender como se constroem as relações de poder
pelas ações humanas sobre a mente humana. Naturalmente, qualquer erro
nesta análise é de minha exclusiva responsabilidade.9 (CASTELLS, 2009, p. 191-
192, grifo nosso)

9
"Tambiém quiero subrayar la influencia en todo este capítulo de mis lecturas y con-
versaciones con George Lakoff e Jerry Feldman, distinguidos científicos cognitivos y

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INTERCONEXÕES POSSÍVEIS, QUANDO A TEORIA DA COMPLEXIDADE ENCONTROU A LINGUÍSTICA COGNITIVA... |

E Castells (2009, p. 197) retoma, ainda, Lakoff e Johnson (1980), quando


assegura que o cérebro humano pensa com metáforas que podem ser acessadas
pela linguagem, mas que são estruturas físicas do cérebro. 10 Ademais, cita dife-
rentes produções de Lakoff: The political Mind, Why you can't understand, de
2008; War on terror, rest in peace, de 2005; Don't think of an elephant! know your
values and frame the debate, the essential guide progressives, de 2004; Metaphor and
war, the metaphor system used to justify war in the gulf, de 1991; além da já mencio-
nada e clássica obra dele em coautoria com Mark Johnson, de 1980.
Já no âmbito da aplicação, especificamente, no da metodologia científica
dos estudos em rede, Robert Kozinets (2014, p. 51), no seu livro Netnografia: rea-
lizando pesquisa etnográfica online, ao tratar do modo como as entrevistas on-line
podem colaborar para que se respondam perguntas de pesquisas realizadas sobre
culturas e comunidades virtuais, sugere uma questão que pode gerar reflexões
sobre as metáforas do pensamento e da ação para quem respondê-la: ("Quais as
metáforas mais comuns que os noruegueses usam para compreender a cultura
online?".
Destaca, ademais, a perspectiva metafórica no âmbito da realização de
estudos netnográficos, quando argumenta que: "a natureza do empreendimento
etnográfico, sua técnica e abordagem, bem como sua necessidade de interpretação
sutil, metafórica e hermenêutica, rapidamente torna transparente o nível de habi-
lidade retórica do pesquisador [...]". (KOZINETS, 2014, p. 61) E, ainda, ao tratar
da análise e interpretação de dados qualitativos, assegura: "como na metáfora fre-
quentemente ensinada nos seminários de pós-graduação, os dados são como um
material bruto, próximo do nível sensório da experiência e da observação, que

colegas míos en Berkeley. Remito allector al análisis de George Lakoff presentado en


Lakoff (2008). Debe quedar claro que no pretendo tener niguna competencia especial
en neurociencia ni en ciencia cognitva. Mi único objectivo al introducir este elemento
como parte de mi análisis es conectar lo que sé de comunicación política y redes de
comunicación con el conocimiento que tenemos actualmente sobre los processos de
la mente humana. Sólo com esa perspectiva científica interdisciplinar podermos pasar
de la descripción a la explicación para comprender cómo se construyen las relaciones
de poder por las acciones humanas sobre la mente humana. Naturalmente, cualquier
erron en este análisises di mi exclusiva responsabilidad".
10
Castells (2009, p. 197, grifo nosso), no texto em espanhol: "nuestro cerebro piensa con
metáforas, a las que se puede acceder por el lenguaje, pero que son esctructuras físicas
del cérebro".

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deve ser extraído" (KOZINETS, 2014, p. 114), de modo a demonstrar a pre-


sença de metáforas na noosfera de cariz acadêmico.
Além do mais, ao enfocar a questão analítica em netnografia, preleciona:
"vista dessa maneira, a análise de dados torna-se um ato de troca de código, de tra-
dução, de metáfora e tropo11 [...]" (KOZINETS, 2014, p. 115), ressaltando mais
uma vez a importância do fenômeno metafórico, e, para além, ao tratar da falácia
do público x privado, ele expressa que:

[...] grande parte do debate sobre investigação ética na internet se ocupa do


fato de que deveríamos tratar as interações mediadas por computador como
se elas ocorressem em espaço público ou privado. Essa metáfora espacial
é comumente aplicada à internet e parece, de fato, ser uma cognição humana
fundamental (Munt, 2001). Outra metáfora muito comum para compreender
a internet é vê-la como um texto. Aplicadas ao tema da ética em pesquisa
na internet, essas metáforas nos levam a certas conclusões e nos encorajam
a adotar certos procedimentos. (KOZINETS, 2014, p. 133, grifo nosso)

E continua Robert Kozinets (2014, p. 137): "estas seções proveram um


panorama necessariamente breve de quatro questões importantes para a com-
preensão da ética em pesquisa netnográfica: metáforas do privado contra público
e textual versus espacial [...]". E, quando aborda a ocultação do pesquisador na
virtualidade, assegura que, em um estado, "[...] para enfatizar as ações protetoras
do pesquisador, mais do que o status do participante, optou por usar a metáfora
dos graus de camuflagem [...]". (KOZINETS, 2014, p. 144) Por fim, ao apre-
sentar momentos do desenvolvimento de normas no plano da pesquisa etnográ-
fica, observa que "[...] os critérios subjacentes à antropologia interpretativa [...]
favorecem significados fundamentados, descrição ricamente detalhada ou densa,
e uso da metáfora da leitura [...]" (KOZINETS, 2014, p. 148); em todos os exem-
plos aqui aduzidos o autor destaca a importância da metáfora para a pesquisa net-
nográfica. Assim sendo, nitidamente, há a presença do pensamento lakoff-john-
soniano, influenciando a concepção metodológica de pesquisa de Kozinets. Logo,
em suas referências, como não podia deixar de ser, aparece arrolada a obra de
Lakoff e Johnson, no original em inglês de 1980.

11
Ver Lakoff e Johnson (1980)

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Todos os livros citados possuem ampla circulação, em diferentes espaços


noosféricos, o que, para além de demonstrar a influência do pensamento lakof-
f-johnsoniano na escritura dessas produções desses mencionados autores, evi-
dencia quantas outras redes propagadoras da TMC podem ser formadas devido
à capacidade de leitura dessas obras por outras pessoas, constituindo, como pon-
tuou Morin (2011b) em seu Método, o comércio dialógico, a troca de argumentos,
instaurando, inclusive, a regra crítica que constituirá a tradição crítica dessa teoria.

Ainda, no comércio das ideias... Capra: leitor de Lakoff e Johnson


Entre os diversos pensadores contemporâneos que dialogam com a TMC, os
textos de Fritjof Capra demonstram trocas de ideias com Lakoff e Johnson, de
modo a formar, com essas trocas, redes vivas de comunicação. Assim sendo, nesses
textos e nas redes deles constituídas são estabelecidas conexões entre a Teoria da
Complexidade (doravante, TC) e a Linguística Cognitiva. Inclusive,

É importante que compreendamos que essas redes vivas não são estruturas
materiais como uma rede de pesca ou teia de aranha. Elas são redes funcio-
nais, redes de relações entre vários processos [...] Em uma rede social, os pro-
cessos são processos de comunicação. Em todos os casos a rede é um padrão
não-material de relações. (CAPRA, 2007, p. 1)

Nas diferentes sociedades, as redes vivas de comunicação são autogerativas


e criam, sobretudo, produtos imateriais, sendo que comunicações originam pen-
samentos e significados geradores de novas comunicações, de tal modo que a rede,
em sua totalidade, é geradora de si mesma, sendo a dimensão do significado
essencial para compreensão de uma rede social. (CAPRA, 2007)
Ao procurar estabelecer um produto material decorrente dessas redes ima-
teriais, em um primeiro momento, será posto em destaque, neste artigo, a relação
entre Capra e Lakoff e, depois, será pontuada, com o adentrar das linhas cons-
tituintes deste texto, a ligação de Capra também ao pensamento de Johnson,
mais especificamente lakoff-johnsoniano; essa separação inicial ocorre devido
ao fato de o nome de Lakoff aparecer mais vezes, individualmente, na obra de
Capra e, também, de outros pensadores, como Pinker, o que, talvez, aconteça

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porque, metonimicamente, Lakoff tenha adquirido maior destaque nos espaços


de comunicação.

Capra e Lakoff: teias de significação em tecitura


de migração conceitual em rede
Ao tratar de um modelo interdisciplinar para dar conta de uma compreensão
recente de vida na universidade, no texto "Uma nova concepção de vida" Capra
(2007) conceptualiza o pesquisador estadunidense entre aqueles que lançam novas
ideias nas ciências cognitivas, de modo que o categoriza entre os vanguardistas de
um novo entendimento da cognição:

Entre os cientistas pioneiros em entender as dimensões cognitivas da vida,


desenvolvendo uma teoria pós-cartesiana de mente e consciência, estão
Francisco Varela, que trabalhou na Escola Politécnica de Paris, Gerald Edelman
no Instituto de Neurociências em San Diego, George Lakoff na Universidade
da Califórnia em Berkeley e Antonio Damásio na Universidade de Iowa,
Faculdade de Medicina. (CAPRA, 2007, p. 9, grifo nosso)

Nessa passagem, Capra reconhece a importância de Lakoff e de outros pen-


sadores, no sentido de vencerem a imperiosa dicotomia cartesiana e de elaborarem
uma compreensão das dimensões cognitivas da vida, de modo que o coloca entre
os desbravadores de caminhos desconhecidos no mundo científico.
A aceitação da legitimidade do pensamento lakoffiniano por parte de Capra
não se limita ao reconhecimento da importância de ser Lakoff um dos protago-
nistas na tentativa de se ultrapassarem as barreiras que a visão dicotômica carte-
siana impõe às ciências, nem à sua procura por entender a cognição, de modo que,
em outra parte da obra capraniana, nomeadamente no livro As conexões ocultas:
ciência para uma vida sustentável, especificamente em seus agradecimentos, esse
pensador sistemista cita Lakoff e expressa a importância dos seus diálogos com
esse linguista norte-americano, inclusive, por ter-lhe apresentado a LC.12

12
Afirma Capra (2005, p. 9): "a George Lakoff, por ter-me apresentado à lingüística cogni-
tiva e pelas muitas e luminosas conversas".

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Capra, Lakoff e Johnson: mais algumas tecituras


de redes significativas de migração conceitual
Ainda em As conexões ocultas, Capra ressalta a importância da obra de Lakoff
e Johnson, quando expressa que "em Philosophy in the Flesh, os autores dão os pri-
meiros passos rumo a esse repensar da filosofia ocidental à luz da ciência da cog-
nição" (CAPRA, 2005, p. 78), considerando que esses estudiosos sistematizaram
os ganhos obtidos por pesquisadores cognitivos: "a mente é intrinsecamente
encarnada"; "o pensamento é, na maior parte, inconsciente" e "os conceitos abs-
tratos são, em grande parte, metafóricos". (CAPRA, 2005, p. 78)
Também, nesse mesmo livro, Capra recorre, mais uma vez, a Lakoff
e Johnson; adota o conceito de mente encarnada, aponta para resultados da LC,
área por ele qualificada como um novo campo do saber, de modo a explicitar que
a razão é, basicamente, delimitada e constituída pela natureza física e experiências
corpóreas dos seres humanos, de tal sorte que não transcenderia os nossos corpos.13
Depois, volta a tratar de recentes achados da LC, ressalta que a mente não é sepa-
rada do corpo, ao contrário, tem origem nesse mesmo corpo e por ele é moldada,
até em suas manifestações mais abstratas.14
Ao tratar da crença da filosofia ocidental, que compreende ser a capacidade
de raciocinar exclusiva da humanidade e, ainda, ao abordar o fato de os estudos
acerca da comunicação com chipanzés explicitarem a falsidade dessa crença,
Capra assume que a LC ratifica o fato de serem as diferenças entre as espécies
uma questão gradativa e evolucionária e cita Lakoff e Johnson, de 1999 "a razão,
mesmo em suas formas mais abstratas, não transcende a nossa natureza animal,

13
Nas palavras do próprio Capra (2005, p. 74): "Quando os cientistas da cognição dizem
que a mente é encarnada (embodied), não querem dizer somente que nós precisamos
de um cérebro para poder pensar – isso é óbvio. Os estudos recentes empreendidos
no novo campo da 'lingüística cognitiva' nos fornecem fortes indícios de que a razão
humana, ao contrário da crença de boa parte dos filósofos ocidentais, não transcende
o corpo, mas é fundamentalmente determinada e formada por nossa natureza física
e nossas experiências corpóreas. É nesse sentido que a mente humana é fundamental-
mente encarnada. A própria estrutura da razão nasce do nosso corpo e cérebro".
14
Conforme Capra (2005, p. 79): "Como demonstram as mais recentes descobertas da lin-
güística cognitiva, a mente humana, mesmo em suas manifestações mais abstratas, não
é separada do corpo, mas sim nascida dele e moldada por ele".

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mas faz uso dela... Assim, a razão não é uma essência que nos separa dos outros
animais; antes, coloca-nos no mesmo nível deles". (CAPRA, 2005, p. 79)
Posteriormente, mais uma vez, refere-se a esses autores, os quais considera
grandes, lúcidos e eloquentes, ao apresentarem provas do fato de ser a mente
encarnada. Conforme Capra (2005), essas provas seriam pautadas na descoberta
do fato de ser a maior parcela dos pensamentos humanos inconsciente e de atuar
em um plano que não pode ser acessado para a atenção consciente normal; esse
inconsciente cognitivo incluiria as operações cognitivas automáticas, as crenças
e os conhecimentos tácitos; o inconsciente cognitivo modelaria e estruturaria
o pensamento consciente, sem que se tenha consciência.15
Também, quando trata do fato de, ainda, faltar clareza, no que concerne aos
detalhes neurofisiológicos da constituição de conceitos abstratos, Capra (2005)
é otimista e afirma que pesquisadores da cognição já estão começando a entender
parte desse processo e, mais uma vez, se volta para Lakoff e Johnson.16 Além disso,
comenta que, enquanto as categorias cromáticas são fundamentadas na neurofi-
siologia, outras se constituem a partir de experiências corpóreas, como ocorre nas
relações espaciais; no mais, segue a tessitura dos seus comentários, recorrendo aos
mesmos autores.17

15
Assim se expressa Capra (2005, p. 74-75): "As provas de que a mente é encarnada e as
profundas reverberações filosóficas dessa idéia são apresentadas com lucidez e elo-
qüência por dois grandes lingüistas cognitivos, George Lakoff e Mark Johnson, no livro
Philosophy in the Flesh. Essas provas baseiam-se, antes do mais nada, na descoberta
de que a maior parte dos nossos pensamentos são inconscientes e operam num nível
inacessível para a atenção consciente normal. Esse 'inconsciente cognitivo' inclui não
só todas as nossas operações cognitivas automáticas como também todas as nossas
crenças e conhecimentos tácitos. Sem que disso tenhamos consciência, o incons-
ciente cognitivo molda e estrutura todo o nosso pensamento consciente. Essa idéia deu
origem a um grande campo de estudos na ciência da cognição, que gerou opiniões radi-
calmente novas acerca de como se formam os conceitos e processos de pensamento".
16
Capra (2005, p. 75) afirma: "A esta altura, os detalhes neurofisiológicos da formação de
conceitos abstratos ainda não estão claros. Entretanto, os cientistas da cognição come-
çaram a compreender um dos aspectos mais importantes desse processo". Nas palavras
de Lakoff e Johnson: "Os mesmos mecanismos cognitivos e neurais que nos permitem
perceber as coisas e nos movimentar no mundo também criam as nossas estruturas
conceituais e modos de raciocínio".
17
Afirma Capra (2005, p. 76): "Ao passo que as categorias cromáticas baseiam-se na neu-
rofisiologia, outras categorias se formam com base em nossas experiências corpó-
reas. Isso é especialmente importante no que diz respeito às relações espaciais, que

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INTERCONEXÕES POSSÍVEIS, QUANDO A TEORIA DA COMPLEXIDADE ENCONTROU A LINGUÍSTICA COGNITIVA... |

Enfim, Capra, unindo-se a Lakoff e Johnson, compreende que a estru-


tura do corpo e do cérebro humanos determina os conceitos e os raciocínios da
humanidade.18

A concepção de metáfora em As conexões ocultas:


a migração científica em evidência
Capra (2005, p. 77) explicita o que entende por metáfora, ao afirmar que "quando
projetamos a imagem mental de um recipiente sobre o conceito abstrato de uma
categoria, usamo-lo como uma metáfora". E, ainda, trata da importância desse
fenômeno, quando considera que o "[...] processo de projeção metafórica é um
dos elementos cruciais da formação do pensamento abstrato" e quando pondera
que "a descoberta de que a maior parte dos pensamentos humanos é metafórica
foi outro avanço decisivo das ciências da cognição". (CAPRA, 2005, p. 77)
Além disso, compreende que "as metáforas possibilitam que nossos con-
ceitos corpóreos básicos sejam aplicados a domínios abstratos e teóricos" e exem-
plifica a questão, ao expor que: "quando dizemos 'acho que não peguei essa idéia',
usamos a nossa experiência corpórea de pegar um objeto para raciocinar sobre
a compreensão de uma idéia"; não se limitando a tal exemplo, ele oferece mais
uma exemplificação, ao considerar que "do mesmo modo, falamos de uma 'calo-
rosa acolhida', ou um 'grande dia', projetando experiências sensoriais e corpóreas
em domínios abstratos" (CAPRA, 2005, p. 77); sendo esses casos categorizados

constituem uma das nossas categorias mais básicas. Como explicam Lakoff e Johnson,
quando percebemos um gato 'em frente a' uma árvore, essa relação espacial não existe
objetivamente no mundo, mas, sim, é uma projeção derivada da nossa experiência cor-
pórea. Como nosso corpo tem uma parte da frente e uma parte de trás, projetamos
essa distinção nos outros objetos". Assim, "nosso corpo define um conjunto de rela-
ções espaciais fundamentais que usamos não só para nos orientar, mas também para
perceber as relações entre os objetos. [...] Alguns desses conceitos 'encarnados' cons-
tituem também a base de certas formas de raciocínio, o que significa que também
o nosso modo de pensar é 'encarnado'. Quando fazemos, por exemplo, uma distinção
entre 'dentro' e 'fora', nossa tendência é a de visualizar essa relação espacial como um
receptáculo ou recipiente que tem um lado de dentro, um lado de fora e um limite que
separa os dois. Essa imagem mental, baseada na experiência do nosso próprio corpo
como um receptáculo, torna-se o fundamento de uma certa forma de raciocínio [...]".
18
"[...] Lakoff e Johnson afirmam que o mesmo vale para muitas outras formas de racio-
cínio. A estrutura do nosso corpo e do nosso cérebro determina os conceitos que for-
mamos e os raciocínios que podemos fazer". (CAPRA, 2005, p. 77)

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como metáforas primárias que são vistas, também, por Capra, como elementos
básicos do pensamento metafórico.
Ele compreende, portanto, que formamos a maioria das metáforas primá-
rias que usamos automática e inconscientemente nos primórdios das nossas vidas,
e retoma o exemplo dos bebês e da experiência de afeto que vivenciam e que são,
em geral, acompanhadas pela experienciação do calor e do contato ao serem pegos
no colo. Ele segue afirmando que, dessa maneira, são formadas associações entre
dois domínios da experiência, estabelecendo-se ligações correspondentes entre
redes neurais; enfim, recobra que, no transcorrer da vida, essas associações são
perpetuadas como metáforas, evidenciando-se em falas como "sorriso caloroso"
e como "amigo chegado". (CAPRA, 2005, p. 77) Assume que o pensamento
e a linguagem humanos possuem centenas de metáforas primárias e que essas são
usadas inconscientemente. Aceita que essas metáforas tendem a ser as mesmas,
na maior parte das línguas, por serem oriundas de experiências corpóreas mais
básicas da humanidade.
Concorda com pressupostos da TMC e arroga que, nos processos abstratos
do pensamento humano, combinam-se metáforas primárias, para que sejam cons-
tituídas outras mais complexas, bem como reconhece que essa combinação é res-
ponsável por tornar os seres humanos capazes de fazer uso de um vasto imaginário
e de estruturas conceituais sutis, no momento em que eles se colocam a refletir,
a propósito das experiências que vivenciam.
Entende, pois, que "o ato de conceber a vida como uma viagem, por
exemplo, nos permite fazer uso de todo o conhecimento que temos das viagens
para refletir sobre como levar uma vida significativa". (CAPRA, 2005, p. 77)
Apesar de parecer compreender bem os pilares da TMC, Capra, aqui, não deixa
claro se sabe que, apenas, se faz uso de parte do conhecimento do domínio –
fonte no plano dos mapeamentos.
Ainda, acerca das metáforas e de outras concepções atinentes às ciências da
cognição, ele assegura que Lakoff e Johnson sintetizaram três importantes achados
alcançados pelos pesquisadores cognitivos: 1) a mente é inerentemente encarnada;
2) em sua maior parte, o pensamento é inconsciente; e 3) um volume considerável
dos conceitos abstratos são metafóricos. (CAPRA, 2005, p. 78) Ele considera que,
no momento em que essas concepções forem adotadas de uma maneira genera-
lizada e incorporadas em uma teoria corrente da cognição, axiomas basilares da

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INTERCONEXÕES POSSÍVEIS, QUANDO A TEORIA DA COMPLEXIDADE ENCONTROU A LINGUÍSTICA COGNITIVA... |

filosofia ocidental serão revistos, assumindo então um posicionamento diferente


daquele apresentado por Pinker (2008).
Enfim, Capra (2005, p. 82) ratifica saberes elaborados pela LC e expressa
que "[...] como também a nossa mente é encarnada, nossos conceitos e metáforas
estão profundamente inseridos nessa teia da vida, junto com o nosso corpo e o
nosso cérebro".

A aplicação da concepção de metáfora em As conexões ocultas:


um caso de migração conceitual
Em diferentes passagens de As conexões ocultas, Capra (2005) demonstra que
o conceito de metáfora faz parte da sua compreensão de ciência. Assim sendo,
quanto à adoção de metáforas de uma área da ciência para outra, ou seja, quanto
à migração de conceitos sobre a qual discute Morin (2011b), ele expressa que
a nova física não seria a esfera do saber hominal mais adequada para ser a mais
relevante matriz geradora de metáforas para outras esferas do conhecimento.19
E por adotar o conceito de metáfora, ao abordar o pensamento de
Humberto Maturana e Francisco Varela (1987), Capra afirma que a comparação
entre cognição e sopro vital seria, possivelmente, uma metáfora perfeita.20 Essa
metáfora do sopro da vida foi, inclusive, retomada em outra passagem desse
mesmo livro.21

19
Afirma Capra (2005, p. 14): "Em meu segundo livro, O Ponto de Mutação** (1982),
mostrei de que maneira a revolução da física moderna prefigurava revoluções seme-
lhantes em muitas outras ciências e uma correspondente transformação da visão de
mundo e dos valores da sociedade em geral. Explorei, em específico, as mudanças de
paradigma na biologia, na medicina, na psicologia e na economia. No decorrer desse
processo, percebi que todas essas disciplinas, de uma maneira ou de outra, lidam com
a vida – com sistemas biológicos e sociais vivos – e que, portanto, a 'nova física' não era
a ciência mais adequada para estabelecer um novo paradigma e constituir a principal
fonte das metáforas usadas nesses outros campos. [...]".
20
E diz o mesmo Capra (2005, p. 53): "[...] o conceito de cognição na teoria de Santiago
vai muito além da mente racional, na medida em que inclui todo o processo do viver.
A comparação entre a cognição e o sopro vital parecer ser uma metáfora perfeita".
21
E assevera Capra (2005, p. 81): "Como a respiração é de fato um aspecto essencial do
metabolismo de todas as formas de vida, com exceção das mais simples, o sopro da
vida parece ser uma metáfora perfeita para a rede de processos metabólicos que define
todos os sistemas vivos [...]".

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Ainda, por fazer uso constante do conceito do fenômeno metafórico,


Capra reconhece, com Fouts (1997), que primatas possuem a capacidade de abs-
trair e de metaforizar22 e, também, comenta a existência do processo de extensão
metafórica na espécie humana.23
Ao acatar o fato de serem as metáforas usadas nos diferentes espaços do
cotidiano humano, ele dedica uma seção do seu livro às metáforas da adminis-
tração, de tal modo que, sobre esse espaço, ele afirma que profissionais desse
campo fazem uso de metáforas para descobrir perspectivas gerais dessa área.24 Cita
o pesquisador Gareth Morgan (1998) que estudou as mais relevantes metáforas
empregadas na descrição das organizações e apresenta a conclusão de Morgan,
para quem o processo metafórico tem influência em quase tudo o que é feito em
administração.25
Ainda dialogando com Morgan (1998), Capra demonstra que, no mundo
da administração, a organização é compreendida em termos de máquina, de

22
Segundo Capra (2005, p. 72), "[...] Como Fouts nos diz detalhadamente, seu trabalho
com chimpanzés, desenvolvido no decorrer de várias décadas, mostra que eles são
capazes de usar símbolos abstratos e metáforas [...]".
23
Conforme Capra (2005, p. 98), "no clássico texto Culture, o historiador Raymond
Williams vai buscar o sentido da palavra no uso que tinha na antigüidade, quando era
um substantivo que denotava um processo: a cultura (ou seja, o cultivo) de cereais,
ou a cultura (ou seja, a criação) de animais. No século XVI, esse sentido recebeu uma
extensão metafórica e a palavra passou a designar o cultivo da mente humana [...]".
24
Diz Capra (2005, p. 133): "Sempre que precisamos expressar imagens complexas e sutis,
recorremos às metáforas; por isso, não é de se admirar que as metáforas desempenhem
papel de destaque na formulação da 'visão' de uma empresa. Muitas vezes, a visão
permanece obscura enquanto tentamos explicá-la, mas de repente fica clara quando
encontramos a metáfora correta. A capacidade de expressar uma visão em metáforas,
de formulá-la de tal modo que seja compreendida e adotada por todos, é uma quali-
dade essencial da liderança".
25
Nas palavras de Capra (2005, p. 113): "[...] os administradores sempre fizeram uso de
metáforas para identificar grandes perspectivas gerais. Gareth Morgan, teórico da orga-
nização, analisou as principais metáforas utilizadas para descrever as organizações
e publicou suas análises num livro esclarecedor intitulado Imagens of Organization.
Segundo Morgan, "o veículo da organização e da administração é a metáfora. A teoria
e a prática da administração são moldadas por um processo metafórico que influencia
praticamente tudo o que fazemos".

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INTERCONEXÕES POSSÍVEIS, QUANDO A TEORIA DA COMPLEXIDADE ENCONTROU A LINGUÍSTICA COGNITIVA... |

organismo, do cérebro, da cultura e de um sistema de governo.26 Entretanto,


também abordando esse tema, em alguns momentos, parece-me que Capra
não considera, propriamente, as metáforas como mecanismos que constroem
o mundo em que vivemos; isso creio que, provavelmente, aconteça na seguinte
passagem:

Minha intenção aqui, é a de ir além do nível metafórico para ver em que medida
as organizações humanas podem ser compreendidas literalmente como sis-
temas vivos. Antes disso, porém, ser-nos-á útil recapitular a história e as princi-
pais características da metáfora da máquina. (CAPRA, 2005, p. 114, grifo nosso)

Em outros lugares, inclusive, tudo indica que há algum tipo de conflito, no


que tange à sua aceitação do poder da metáfora em criar realidades:

Para ter uma idéia de o quanto é profunda a influência da metáfora da


máquina sobre a teoria e a prática da administração, vamos compará-la
agora com a concepção da organização humana como um sistema vivo – por
enquanto, ainda no nível da simples metáfora. Peter Senge [...] elaborou um
impressionante rol das consequências e implicações de cada uma dessas duas
metáforas empresariais. Para salientar o contraste entre elas, Senge caracteriza
a primeira como 'uma máquina de ganhar dinheiro' e a segunda como 'um ser
vivo'. (CAPRA, 2005, p. 115, grifo nosso)

Assim, por um lado, afirma ele que, inicialmente, os seus comentários


ficarão limitados ao "nível da simples metáfora". Mas, por outro, ele diz que
a influência da metáfora da máquina sobre a teoria e prática da administração
é profunda e que o uso de certas metáforas gera consequências e implicações
para o mundo da administração. E, ainda, cita Senge (1996, 1990), para quem

26
Assegura Capra (2005, p. 113-114): "As principais metáforas que ele estuda são as da
organização como máquina (voltada para o controle e a eficiência), como organismo
(desenvolvimento, adaptação), como cérebro (aprendizagem organizativa), como cul-
tura (valores, crenças) e como sistema de governo (conflitos de interesse, poder). Do
ponto de vista da nossa estrutura conceitual, percebemos que as metáforas do orga-
nismo e do cérebro dizem respeito respectivamente às dimensões biológica e cognitiva
da vida, ao passo que as metáforas da cultura e do sistema de governo representam
aspectos análogos da dimensão social. O principal contraste é o que opõe a metáfora
da organização com uma máquina à da organização como um sistema vivo".

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a metáfora da máquina seria poderosa e moldaria o perfil das diferentes empre-


sas.27 Por fim, assegura que "para De Geus, não importa muito saber se a 'empresa
viva' é simplesmente uma metáfora útil ou se as organizações empresariais de fato
são sistemas vivos [...]". (CAPRA, 2005, p. 117) Apresenta, pois, uma visão dico-
tômica entre real e metafórico e não parece, aqui, aceitar que o real interconec-
ta-se, simbioticamente, ao metafórico, sem que seja possível separar, nitidamente,
as suas fronteiras.
Ao sair do espaço da administração e passar ao da biologia e ao da ecologia,
por uma parte, Capra demonstra que, nessas áreas, a metáfora da hierarquia tem
sido substituída pela da rede, e comenta que os pesquisadores compreenderam
que as parceiras são características da vida,28 o que, obviamente, demonstra que
na natureza a vida está passando a ser entendida em termos de rede e não de
níveis hierárquicos. No entanto, por outra parte, Capra, ao tratar de um dado
uso linguístico,29 aponta a existência de uma linguagem metafórica, parecendo
fragmentar a linguagem que, por essência, é complexidade, ou seja, um tipo de
complexo que é tecido junto. (MORIN, 2009)
Volta, todavia, a escrever sobre o poder do fenômeno metafórico e asse-
vera que o determinismo genético originou um número considerável de metá-
foras poderosas, sendo o DNA entendido em termos de programa, de projeto, de

27
Afirma Capra (2005, p. 116, grifo do autor): "Conclui Senge: 'A metáfora da máquina
é tão poderosa que molda o caráter da maioria das empresas. Elas se tornam mais
semelhantes a máquinas do que a seres vivos porque é assim que os seus membros
as concebem'". E mais: "quando olhamos bem para o contraste entre as duas metá-
foras – máquina versus ser vivo –, fica evidente o porquê de um estilo de administração
determinado pela metáfora da máquina ter problemas para fazer mudanças na organi-
zação. A necessidade de que todas as mudanças sejam projetadas pela administração
e impostas à organização tende a gerar uma rigidez burocrática. A metáfora da máquina
não deixa espaço para as adaptações flexíveis, para o aprendizado e para a evolução
[...] Peter Senge publicou sua comparação das duas metáforas no prefácio a um livro
notável, intitulado The Living Company".
28
Nas palavras de Capra (2005, p. 125): "Nos últimos anos, os biólogos e ecologistas têm
trocado a metáfora da hierarquia pela da rede e compreenderam que as parcerias –
a tendências dos organismos de associar-se, estabelecer vínculos, cooperar uns com
os outros e entrar em relacionamentos simbióticos – é um dos sinais característicos da
vida".
29
Diz Capra (2005, p. 130): "Às vezes falamos do 'projeto' estrutural da folha de uma planta
ou da asa de um inseto, mas trata-se aí de uma linguagem metafórica [...]".

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livro da vida, e o código genético em termos de linguagem universal da vida;30


e argumenta, inclusive, que a confirmação da redundância genética contrariou
de frente o determinismo genético e a metáfora do "gene egoísta",31 parecendo
compreender que a metáfora tem interferência forte na compreensão humana
do mundo, logo, na ciência, ainda que use aspas para falar da metáfora do gene
egoísta e que, por outro lado, através de uma teia textual constituída por idas
e vindas, ele volte a prelecionar que, ao dizer coisas como "sabedoria da natureza",
"concepção" da asa de borboleta, da teia de aranha, usamos uma linguagem meta-
fórica e, também, ao afirmar que esse uso não muda o fato de serem "projetos"
e "tecnologias" da natureza, absolutamente superiores aos da ciência.32 Enfim,
o uso de todas as expressões metafóricas com aspas pode indicar um entendi-
mento de as palavras se encontrarem empregadas fora do contexto usual, habitual,
o que geraria um paradoxo com as próprias ideias adotadas pela TMC, o que
demonstra, de alguma maneira, o quanto é complexo adentrar em espaços noos-
féricos em que há a presença de imprinting e de normalização.

30
Afirma Capra (2005, p. 179-180): "O determinismo genético tem sido o paradigma domi-
nante na biologia molecular desde há quarenta anos, no decorrer dos quais deu origem
a um bom número de poderosas metáforas. O DNA costuma ser chamado de 'programa'
ou projeto genético do organismo, ou mesmo de 'livro da vida', e o código genético
seria a 'linguagem universal da vida' [...]" e ainda comenta: "Partindo do princípio de
que os próprios mecanismos reguladores eram genéticos, Jacob e Monod conseguiram
manter-se dentro do paradigma do determinismo genético, e salientaram esse ponto
mediante o uso da metáfora da 'programação genética' para descrever o processo de
desenvolvimento biológico. Uma vez que, nessa mesma época, a ciência da compu-
tação estava criando raízes como uma disciplina empolgante e de vanguarda, a metá-
fora da programação genética ganhou muita força e em pouco tempo tornou-se a expli-
cação predominante do desenvolvimento biológico". (CAPRA, 2005, p. 183)
31
Segundo o próprio Capra (2005, p. 184): "A constatação da redundância genética con-
tradiz frontalmente o determinismo genético e, em particular, a metáfora do 'gene
egoísta' proposta pelo biólogo Richard Dawkins [...]".
32
Conforme Capra (2005, p. 241): "Quando falamos da 'sabedoria da natureza', ou da
maravilhosa 'concepção' de uma asa de borboleta ou da teia de uma aranha, temos de
nos lembrar que estamos usando uma linguagem metafórica. Não obstante, isso não
altera o fato de que, do ponto de vista da sustentabilidade, os 'projetos' e 'tecnologias'
da natureza são infinitamente superiores aos da ciência humana [...]".

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Considerações finais

No artigo que ora findo, procurei refletir sobre uma pequena parcela do desen-
volvimento do pensamento científico, inspirando-me nas seguintes palavras de
Capra (2007, p. 9):

As disciplinas que integram o trabalho desses cientistas em um arcabouço


conceitual coerente devem também incluir uma breve história da evolução
das idéias científicas, desde a Renascença e a Revolução Científica e a partir
daí até a evolução do mecanismo cartesiano do século XVII ao século XX,
o surgimento do pensamento sistêmico, o desenvolvimento da teoria da com-
plexidade e a emergência da nova concepção de vida na virada desse século.

Como seria impossível contribuir para o desenvolvimento da história das


ideias da ciência, do Renascimento ao desenvolvimento da TC, uma vez que
não seria concebível, por diferentes motivos, fazer isso aqui, debrucei-me sobre
o comércio dialógico que ocorre no âmbito da TMC e procurei demonstrar como
redes de ideias se entrecruzam na formação de uma nova concepção científica que
surge no século XX e que se desenvolve com pujança nos primórdios desse novo
século, o qual ajudo a construir a história.
No artigo que aqui concluo, então, busquei refletir sobre a forma como as
ideias lakoff-johnsonianas encontram espaço para avançar na noosfera, apesar do
imprinting e da normalização que se fazem presentes no mundo das ideias. Assim,
compreendi a publicação do Metaphors we live by como a expressão de um pro-
cesso de ruptura de crenças; entendimento esse que encontra respaldo no seguinte
pensamento morriniano:

A revolução mental de maior importância começa quando certos indivíduos


deixam de submeter-se às ordens, mitos e crenças que emanam do Grande
Computador e tornam-se sujeitos do conhecimento: o espírito individual per-
mite-se considerar, refletir e pensar os problemas políticos, sociais, religiosos,
filosóficos aos quais não tinha acesso. (MORIN, 2011b, p. 44, grifo do autor)

Além disso, no texto, uma micro parcela da tradição crítica da TMC foi colo­
cada em destaque, de tal maneira que foi apresentada uma breve amostra que

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demonstra como baluartes do pensamento contemporâneo recepcionam-na, de


tal maneira que foram expostas críticas e adesões e, até mesmo simples menções
à TMC, expressando assim uma rede de comunicação que propaga o pensamento
lakoff-johnsoniano para que se formem muitas outras redes, na rapidez dos
tempos e da modernidade líquidos. (BAUMAN, 2001, 2007) Por fim, foi adu-
zida outra pequena amostragem da adesão à TMC, de modo que foi colocada em
pauta a presença dessa perspectiva teórica na obra As conexões Ocultas, de Fritjof
Capra, um pensador sistemista, que compartilha, assim, dos ideários científicos
da TC.
Após o estudo desenvolvido, compreendi que Capra faz uso livre da TMC,
aceitando nitidamente os seus pressupostos, ainda que, aqui e ali, eu perceba,
em seus escritos, a existência de imprinting e de normalização que impõem uma
compreensão da metáfora ligada à tradição retórica. Entendo que, no geral, em
seu livro, ele evidencia como as metáforas estão interconectadas ao cotidiano da
espécie humana, quer seja em espaços da ciência, quer seja no dia a dia das mais
diferentes atividades que envolvem a vida hominal, bem como parece corroborar
com o entendimento de terem os usos das metáforas consequências na percepção
humana da vida, ainda que, em algumas poucas passagens, isso não fique tão
claro.
Enfim, considerando a abrangência do campo de atuação da própria TC,
logo, também, de Capra, acredito que as suas reflexões acerca do fenômeno meta-
fórico, assim como a sua adoção e a sua aplicação do conceito de metáfora cola-
bore para o processo de visibilidade da LC e de constituição da tradição crítica da
TMC.

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM MAR

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— 101 —
Análise de metáforas
e esquemas imagéticos
multimodais no discurso
de membros da frente
parlamentar evangélica:
uma abordagem cognitiva
Maíra Avelar Miranda

Introdução

Frente Parlamentar Evangélica (FPE), ou simplesmente ban-


cada evangélica, é um termo aplicado a uma frente parlamentar
do Congresso Nacional do Brasil composta por políticos evan-
gélicos de partidos distintos. A Frente expressa os interesses das
igrejas evangélicas em geral, embora seja principalmente consti-
tuída de deputados pertencentes a igrejas pentecostais. A maior
parte dos congressistas evangélicos são pastores ou leigos vincu-
lados à Assembleia de Deus (23 deputados) e à Igreja Universal
do Reino de Deus (22 deputados e um senador).
Se fosse um partido político, a FPE teria a terceira
bancada de deputados do Congresso Nacional Brasileiro.
Considerando esse número expressivo de membros, optamos
por selecionar vídeos de deputados da bancada evangélica que
ocupavam cargos de destaque no congresso na legislatura de

103
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM MAR

2010-2014. Para este artigo, dois vídeos foram selecionados: um de Eduardo


Cunha, então líder do PMDB na Câmara, e um do Pastor Marco Feliciano, então
presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM).
Será analisada, especificamente, a emergência de metáforas e de esquemas
imagéticos multimodais pertencentes ao gênero discursivo "sessão legislativa",
levando em consideração duas variáveis: a verbal – que pertence à modalidade
auditiva – e a gestual – que pertence à modalidade visual. Partimos da hipótese
de que quanto mais entrincheirada a expressão metafórica está em nosso sistema
conceptual, menor é o grau de ativação da metaforicidade e menos recursos ges-
tuais são mobilizados. Por outro lado, quanto menos entrincheirada a expressão
está em nosso sistema conceptual, maior é o grau de ativação da metaforicidade
e mais recursos verbo-gestuais são mobilizados.

Referencial teórico-metodológico

As abordagens corporificada e experiencialista da linguagem funcionam como


abordagens-suporte, a partir das quais serão selecionadas categorias de análise do
corpus. A primeira abordagem parte do pressuposto filosófico da não dicotomi-
zação entre corpo e mente. (ROHRER, 2007) Dessa maneira, é proposta uma
relação de continuidade entre corpo – ou a capacidade sensório-motora –, mente
– ou as conexões neuronais e os processos de conceptualização –, e ambiente – ou
os meios de interação físicos e socioculturais.
Na abordagem experiencialista, por sua vez, a linguagem e os processos
cognitivos são moldados pela experiência. Sendo assim, no mito experiencialista,
a compreensão emerge da interação; da negociação constante com o ambiente
e com outros homens. Segundo Lakoff e Johnson (1980), a natureza dos nossos
corpos interage com o ambiente e impõe uma estrutura à nossa experiência: expe-
riências recorrentes levam à formação de categorias, que são gestalts experienciais.
Essas gestalts, então, fornecem coerência à nossa experiência.
Com base nessas duas abordagens, foram selecionadas as seguintes cate-
gorias para orientarem a análise dos dados: os esquemas imagéticos, a metafori-
cidade multimodal em compostos verbo-gestuais e as famílias gestuais, que serão
detalhadas a seguir.

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ANÁLISE DE METÁFORAS E ESQUEMAS IMAGÉTICOS MULTIMODAIS NO DISCURSO... |

Esquemas imagéticos

Esquemas Imagéticos (EI's) são estruturas corporificadas pré-conceptuais, cons-


truídas a partir de padrões sensório-motores recorrentes da interação dinâmica
entre organismo e ambiente. Essa recorrência possibilita a ativação de mapas neu-
ronais que topolozigam os esquemas no cérebro. Sendo assim, eles funcionam
como estruturas de nossa experiência sensório-motora que são utilizadas para
a formulação do pensamento abstrato, indispensáveis à construção dos mapea-
mentos metafóricos. (JOHNSON, 2007)
Partindo da hipótese de que os EI's servem não apenas como elementos
estruturantes de expressões semânticas verbais, mas também como elementos
estruturantes dos gestos, Cienki (2005) selecionou cinco dos 27 esquemas ima-
géticos propostos por Johnson, considerados como intermediários, a fim de que
o foco atencional do interlocutor – ou do analista – pudesse se voltar apenas
para a forma ou natureza dos esquemas, revelando, assim, o potencial icônico das
expressões manuais. A seleção pode ser visualizada a seguir:

Figura 1 – Esquemas imagéticos

Fonte: Cienki (2005).

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM MAR

Com base nos esquemas propostos, foram realizados testes de frequência


de ocorrência comparando as amostras selecionadas para análise.

Metaforicidade

O conceito de metaforicidade parte do questionamento da circularidade resul-


tante da Teoria da Metáfora Conceptual (LAKOFF; JOHNSON, 1980), em que
se afirma tautologicamente que "expressões metafóricas verbais são uma evidência
de metáforas conceptuais […]. Sabemos disso porque vemos metáforas concep-
tuais expressas na linguagem verbal". (CIENKI apud CIENKI, 2008, p. 16)
É questionada, mais especificamente, a estaticidade dos mapeamentos realizados –
do domínio-fonte concreto ao domínio-alvo abstrato.
Dessa forma, aborda-se a metaforicidade como um princípio cognitivo
geral em que os mapeamentos metafóricos são processados on-line e as metáforas
são produzidas em várias modalidades independentes e de maneira sucessiva no
tempo. (MÜLLER; CIENKI, 2009) Consequentemente, a metaforicidade apre-
senta graus distintos de ativação, pois constituem uma propriedade dinâmica dos
itens linguísticos, que podem estar mais ou menos em primeiro plano atencional.
A metáfora, então, é melhor compreendida em termos do comportamento social
dos participantes, em vez de se restringir aos processos mentais do indivíduo.

Excursão gestual

O primeiro passo para realizar uma análise de gestos manuais consiste em distin-
guir esses gestos dos demais movimentos realizados com as mãos. Gestos consti-
tuem, então, "movimentos distintos de esforço identificável das mãos e antebraços,
ou seja, o curso [stroke] dos gestos". (CIENKI, 2005, p. 425) A realização dos
gestos compreende três fases, em que é empreendida uma "excursão do movimento"
(moviment excursion), denominada unidade gestual (KENDON, 2004, p. 110):

a) a Preparação: fase opcional, em que os membros se movem a partir de uma


posição de relaxamento ou descanso;
b) o Curso (stroke): fase obrigatória, em que a expressão gestual é realizada,
havendo a manifestação clara de movimentos dinâmicos que demandam
esforço e foco de energia. Nesta fase, considerado como o ápice do gesto, as

— 106 —
ANÁLISE DE METÁFORAS E ESQUEMAS IMAGÉTICOS MULTIMODAIS NO DISCURSO... |

mãos tendem a descrever formas e completar padrões de movimento ou ces-


sarem brevemente o movimento, em que os membros são mantidos parados,
antes de relaxarem e retornarem à posição inicial. Essa segunda possibili-
dade foi denominada Suspensão Pós-Curso (post-stroke hold). (KITA apud
KENDON, 2004, p. 112) A combinação do curso com o Pós-Curso pode ser
considerada como a "frase gestual" (KENDON, 2004), pois são as frases que
veiculam o sentido ou a expressão do gesto;
c) a Retração: fase opcional, em que há uma retração do movimento para
a posição inicial de relaxamento ou descanso.

A hierarquização descrita pode ser visualizada na sequência a seguir:

Figura 2 – Exemplos de excursão gestual

Preparação
Antebraço direito subindo, mão direita posicionada em frente ao
corpo, pontas dos dedos se tocando.

Stroke
Antebraço direito posicionado em frente ao ombro, mão direita
posicionada em frente ao rosto, pontas dos dedos se tocando.

Retração
Antebraço direito descendo, mão direita posicionada ao corpo,
pontas dos dedos se tocando.

Fonte: telas capturadas pela autora.

Com base na categorização proposta, foram realizados testes de fre-


quência de ocorrência comparando as amostras selecionadas para análise. Por fim,

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM MAR

considerando todas as categorias apresentadas nesta seção, uma análise compa-


rativa da emergência das metáforas no discurso dos deputados Eduardo Cunha
e Marco Feliciano foi realizada, conforme descrito na seção seguinte.

Metodologia

A seguir, aborda-se a metodologia adotada para a realização do estudo.

Seleção e descrição do corpus

A fim de testar a hipótese inicial, no qual foi estabelecida uma relação direta-
mente proporcional entre o grau de entrincheiramento e o grau de metaforici-
dade, bem como de demonstrar a emergência de metáforas e esquemas imagéticos
nas modalidades verbal e gestual, foram selecionadas amostras provenientes de
dois vídeos, exibidos em 2013 e 2014, de sessões legislativas de dois deputados
autodenonimados "deputados pastores": Marco Feliciano, do Partido Socialista
Cristão (PSC) e presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias na
época, e Eduardo Cunha do Partido, presidente da Câmara dos Deputados, eleito
líder do PMDB na Câmara na época.
O vídeo de Eduardo Cunha corresponde à sessão plenária do dia 25 de
junho de 2013, na qual o deputado, em nome do PMDB, posiciona-se con-
trariamente à aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 37, em
que se propunha que o poder de investigação criminal se restringisse às polícias
militar e civil, retirando o poder de investigação de órgãos como, por exemplo,
o Ministério Público.
Já o vídeo de Marco Feliciano corresponde a um pronunciamento reali-
zado na Sessão Legislativa do dia 14 de julho de 2014, em que o deputado tece
considerações sobre a entrevista concedida pelo autor de novelas Manoel Carlos
no jornal Estadão, de grande circulação nacional. Feliciano posiciona-se contraria-
mente à exibição de um beijo homoafetivo na novela Em Família, em exibição na
época, e ressalta a importância da família tradicional brasileira.
A duração total de cada uma das amostras selecionadas para análise é de
quatro minutos e 16 segundos de duração. Para compor cada uma delas, foram

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ANÁLISE DE METÁFORAS E ESQUEMAS IMAGÉTICOS MULTIMODAIS NO DISCURSO... |

selecionados trechos pertencentes ao início, ao trecho intermediário e ao trecho


final de cada vídeo.

Procedimentos de análise

As análises das amostras foram realizadas por meio da ferramenta Elan 4.8.1,
que permite que sejam criadas trilhas de análise correspondentes a cada um dos
aspectos a serem analisados: conteúdo verbal – apresentado na trilha "transcrição"
e traduzidos para o inglês na trilha "tradução" –, esquemas imagéticos – em que
é possível selecionar um dos seis esquemas propostos – e famílias gestuais – em
que é possível selecionar uma das quatro famílias descritas. A seguir, um exemplo
de tela do Elan e das trilhas criadas:

Figura 3 – Exemplo de tela

Esquerda: Elan 4.8.1/Direita: trilhas criadas


Fonte: tela capturada pela autora.

A fim de criar um padrão razoavelmente confiável de marcação dos strokes


gestuais, que corresponde à terceira trilha de análise do Elan, a velocidade do
vídeo foi diminuída para 40%, os movimentos das mãos foram visualizados sem
o som e os strokes foram identificados dentro de cada unidade ou frase gestual.

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM MAR

Da mesma maneira, para que fosse realizada uma análise dos esquemas
imagéticos, que corresponde à quarta trilha de análise do Elan, eles foram cate-
gorizados, primeiramente, com base apenas na marcação dos strokes gestuais, ou
seja, a partir da visualização dos gestos sem o som. Posteriormente, sobretudo nos
casos em que houve mais de uma possibilidade de categorização, os dados gestuais
foram analisados conjuntamente com os dados verbais. Por exemplo:

Figura 4 – Exemplo de categorização a partir de dados gestuais e verbais

"E que não tenha 'vencidos'"


Braço esquerdo movendo-se circularmente em direção ao tronco,
dedo indicador apontado, demais dedos fechados e dobrados em
direção à palma.

Fonte: tela capturada pela autora.

Nesse exemplo, Eduardo Cunha realiza um gesto que pode ser iconica-
mente interpretado como "CICLO" ou "OBJETO". Entretanto, ao verificarmos
a ausência de palavras relativas à duração temporal, ativadoras do esquema
"CICLO", bem como a referência verbal a uma entidade, "vencidos", foi possível
categorizar o esquema imagético como "OBJETO".

Resultados e discussão

A seguir, apresentam-se as análises desenvolvidas.

Análise quantitativa dos dados

Primeiramente, foi realizada a quantificação dos strokes gestuais. No gráfico


(Figura 5) plotado a seguir, é possível visualizar a frequência de ocorrência dos
strokes realizados nas duas amostras. Trata-se da frequência bruta, gerada a partir
de dados categóricos, ou seja, do número de strokes realizados por cada um dos
deputados-pastores em cada um dos três trechos analisados:

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ANÁLISE DE METÁFORAS E ESQUEMAS IMAGÉTICOS MULTIMODAIS NO DISCURSO... |

Figura 5 – Frequência de ocorrência dos esquemas imagéticos

Fonte: elaborada pela autora.

Conforme dados fornecidos pelo Elan, Eduardo Cunha realizou 79 strokes


gestuais, enquanto Marco Feliciano realizou 86, repartidos nas amostras con-
forme o gráfico apresentado (Figura 5). Conforme pode ser observado, ambos
os candidatos realizaram maior número de gestos no trecho final dos discursos
deles. Esse também foi o trecho em que ambos produziram um número de gestos
bastante semelhantes. Por outro lado, Cunha abre o discurso dele realizando mais
gestos do que Feliciano. Já no segundo trecho, Feliciano realiza mais gestos do
que Cunha.
A fim de refinar a análise bruta dos dados, foi aplicado o teste de Simpson,
teste estatístico não paramétrico – ou seja, aplicado a dados qualitativos – gerado
a partir de dados categóricos – nesse caso, do número de strokes realizados – para
medir a diversidade das variáveis – nesse caso, dos strokes:

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM MAR

Quadro 1 – Resultados do teste de Simpson para os strokes

Eduardo Cunha Marco Feliciano


Trechos investigados 3 3
Total de strokes 79 86
Índice de Diversidade de Simpson 0.5929 0.6209
p1 – Trecho 1 0.3671 0.1860
p2 – Trecho 2 0.1266 0.3256
p3 – Trecho 3 0.5063 0.4884
Fonte: Elaborado pela autora.

Por meio do teste realizado, é possível constatar que a amostra dois, cor-
respondente a Marco Feliciano, apresenta maior homogeneidade em relação
ao número de strokes do que a amostra um, correspondente a Eduardo Cunha.
Entretanto, não há pouca variação entre os dois índices, o que demonstra que
a diversidade entre as amostras varia pouco, apesar de a amostra dois apresentar
maior proporção numérica de gestos.
Os resultados da proporção de cada trecho corroboram os resultados do
gráfico (Figura 5) apresentado anteriormente: a concentração de diversidade,
em ambas as amostras, é maior no trecho 3: 50,63%, no caso da amostra um,
e 48,84%, no caso da amostra dois. No caso dos demais trechos, a proporção se
inverte: na amostra um, 36,71% dos gestos são realizados, no primeiro trecho,
e 12,66%, no segundo. Já na segunda amostra, 18,60% dos gestos ocorrem, no
primeiro trecho, enquanto 32,56% dos gestos ocorrem no segundo.

Análise dos esquemas imagéticos

Após a quantificação dos strokes, foi medida a frequência de ocorrência dos


esquemas imagéticos em ambas as amostras, que pode ser visualizada por meio
da plotagem de um gráfico (Figura 6) com a frequência de ocorrência dos dados
categóricos correspondentes a cada um dos esquemas selecionados:

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ANÁLISE DE METÁFORAS E ESQUEMAS IMAGÉTICOS MULTIMODAIS NO DISCURSO... |

Figura 6 – Frequência de ocorrência dos esquemas imagéticos

Fonte: elaborada pela autora.

Conforme dados fornecidos pelo Elan, Eduardo Cunha realizou 26 es­


quemas imagéticos verbo-gestuais, enquanto Marco Feliciano realizou 43 esquemas,
repartidos conforme o gráfico apresentado (Figura 6). A partir da visualização dos
dados, é possível constatar que o esquema "FORÇA" é o mais recorrente em ambas
as amostras, apresentando, inclusive, um número de ocorrências quase idêntico.
Posteriormente, o esquema "TRAJETÓRIA" é o que apresenta maior
número de ocorrências em ambas as amostras. O terceiro esquema mais recor-
rente é "OBJETO". Finalmente, os esquemas "RECIPIENTE" e "CICLO"
foram os menos recorrentes: o primeiro, inclusive, ocorreu apenas uma vez em
ambas as amostras.
A fim de refinar a análise bruta dos dados, foi aplicado o teste de Simpson,
teste estatístico não paramétrico – ou seja, aplicado a dados qualitativos – gerado
a partir de dados categóricos – ou seja, de dados discretos – para medir a diversi-
dade das variáveis – ou seja, dos esquemas imagéticos, nesse caso:

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Quadro 2 – Resultados do teste de Simpson para os EI's

Eduardo Cunha Marco Feliciano


EI's investigados 5 5
Total de EI's 26 43
Índice de Diversidade de Simpson 0.6746 0.7658
p1 – EI RECIPIENTE 0.0385 0.1395
p2 – EI CICLO 0.0385 0.0698
p3 – EI FORÇA 0.4231 0.2791
p4 – EI OBJETO 0.1538 0.2326
p5 – EI TRAJETÓRIA 0.3462 0.2791
Fonte: elaborado pela autora.

Assim como no caso dos strokes, a amostra dois, correspondente a Marco


Feliciano, apresenta proporções mais homogêneas em relação aos diferentes
esquemas imagéticos analisados, se comparada ao índice da amostra um, corres-
pondente a Eduardo Cunha. Entretanto, apesar de Feliciano ter produzido um
número significativamente maior de esquemas, o índice de diversidade das amos-
tras é semelhante.
Em relação à proporção de cada esquema imagético produzido, os resul-
tados corroboram àqueles apresentados na análise do gráfico (Figura 6) ante-
rior: o EI "FORÇA" ocorre na mesma proporção que o EI "TRAJETÓRIA" na
segunda amostra: 27,91%, correspondendo a 55,82% das ocorrências. No caso
da primeira amostra, o EI "FORÇA" corresponde, sozinho, a 42,31% das ocor-
rências, enquanto o EI "TRAJETÓRIA" corresponde a 34,62% das ocorrências.
A soma dos dois esquemas imagéticos corresponde a 77,03% das ocorrências.
Em seguida, o EI "OBJETO" é o mais recorrente, correspondendo
a 15,38% das ocorrências na primeira amostra e a 23,26% das ocorrências na
segunda. Já os EI's "RECIPIENTE" e "CICLO" apresentam proporções baixas
de ocorrência: 13,95% e 6,98%, respectivamente, na primeira amostra. Na
segunda amostra, ambos ocorrem em 3,85% dos casos.

Análise qualitativa dos dados

Ao correlacionarmos o conteúdo verbal à proporção numérica de gestos, é possível


constatar que, no primeiro trecho de seu discurso, Marco Feliciano apresenta-se

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ANÁLISE DE METÁFORAS E ESQUEMAS IMAGÉTICOS MULTIMODAIS NO DISCURSO... |

cumprimentando a presidente da Câmara, Benedita da Silva, e introduz o tema


a ser discutido: queda de audiência em decorrência do beijo homoafetivo da
novela Em Família, discutida em entrevista pelo autor Manoel Carlos. Somente
ao final do trecho, Feliciano posiciona-se, manifestando-se contrariamente à afir-
mação de que a sociedade brasileira é misógina. Como a linha de ação verbal pre-
dominante é a de apresentar, apenas, o número de gestos realizados é menor do
que nos demais trechos.
No segundo trecho, Marco Feliciano argumenta que a população brasileira
não é misógina: ela só não suporta mais ver a família tradicional ser desconstruída na
TV. Além disso, o deputado faz críticas a outros programas televisivos, como o Big
Brother Brasil e finaliza a argumentação dizendo que, na verdade, o que chamam
de libertação ou progressismo "bate de frente, frontalmente com a família brasi-
leira". Nesse caso, a linha predominante de ação verbal é a de exemplificar. Como
Feliciano necessita destruir o adversário – no caso, a TV brasileira, que privilegia
cenas homoafetivas –, ele realiza maior número de gestos do que no trecho anterior.
No trecho final, Feliciano faz considerações gerais sobre a população
brasileira, que "prima pelo pai e pela mãe", e também faz críticas veementes à Rede
Globo de televisão e aos demais meios de comunicação, dizendo que "deveriam
colocar a mão na consciência antes de tocar naquilo de mais sagrado que há no país, que
é a sociedade chamada família". Por fim, ele parabeniza a família brasileira por ter
repudiado a novela e mostrado que "somos conservadores", e pede a bênção de Deus.
Nesse trecho, o deputado mobiliza recursos, tanto afetivos quanto norma-
tivos, para reforçar o seu ponto de vista e para endereçar os interlocutores – outros
deputados e, sobretudo, os telespectadores da TV Câmara –, generalizando as posi-
ções adotadas como se fossem relativas às da família brasileira, ou seja, às de toda
a população. A linha de ação verbal é de argumentar em defesa do ponto de vista
adotado. Dessa forma, ele finaliza o discurso mobilizando grande número de gestos.
No caso de Eduardo Cunha, no primeiro trecho do vídeo, ele cumprimenta
e elogia o então presidente da Câmara, Henrique Alves, também do PMDB e, em
seguida, argumenta que uma PEC só é aprovada a partir do consenso na Câmara,
descreve elogiosamente a tentativa do presidente de debater sobre a PEC 37 em
votação e, sobretudo, critica a ausência de texto pelos proponentes da PEC. Como
Cunha demonstra as paixões de elogio e de crítica, há uma mobilização razoavel-
mente grande de gestos.

— 115 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM MAR

No segundo trecho do vídeo, o deputado aborda brevemente a questão da


persistência pela busca do consenso por parte do presidente da Câmara e finaliza
fazendo menção a dois diferentes órgãos de investigação: "Que ganhe a polícia,
que ganhe o Ministério Público". Depois disso, é aplaudido pelos colegas. Cunha
constrói para si uma imagem de paladino da justiça e clama diretamente para
que ela seja feita, ao expressar o desejo de que os órgãos de investigação saiam
ganhando. Apesar de não realizar tantos gestos quanto nos demais trechos, ele
mobiliza paixões no auditório suficientes para arrancar aplausos.
No trecho final de seu discurso, Cunha é novamente aplaudido ao dizer:
"Todos nós queremos todos investigando! Todos nós queremos todos combatendo a cri-
minalidade! ". Ele afirma, de maneira veemente, que os deputados devem se posi-
cionar: "Nós queremos combater a criminalidade no país! Com o Ministério Público,
com a polícia, com todos! ". Por fim, ele aborda a posição democrática adotada
pelo PMDB na discussão do assunto em pauta e afirma que o partido que ele
lidera se posiciona contrariamente à PEC 37. Em suma, no trecho em questão,
ele mantém a imagem de paladino da justiça e a veemência no discurso, o que
condiz com o alto número de gestos realizados.
Em relação à emergência dos esquemas imagéticos e das metáforas multi-
modais, a alta recorrência do EI "FORÇA", em ambas as amostras, pode ser corre-
lacionada à metáfora "ARGUMENTO É FORÇA". Dessa maneira, a força argu-
mentativa é correlacionada à força física, pois ambos os deputados apresentam as
ideias de maneira veemente e, muitas vezes, realizam iconicamente o gesto do soco:

Figura 7 – Exemplo do EI "FORÇA"

"Que, 'em repúdio', fez o senhor Manoel Carlos 'amputar 30


capítulos' da novela".
Braço direito movendo-se para cima, antebraço posicionado na ver-
tical, mão fechada e dedos fechados e dobrados em direção à palma.

Fonte: tela capturada pela autora.

No caso do EI "TRAJETÓRIA", que também apresentou alta frequência


de ocorrência em ambas as amostras, ele foi utilizado tanto para conduzir

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ANÁLISE DE METÁFORAS E ESQUEMAS IMAGÉTICOS MULTIMODAIS NO DISCURSO... |

o interlocutor em uma determinada linha argumentativa, quanto para demons-


trar normativamente ao interlocutor qual trajetória ideológica ele deve seguir.
Sendo assim, o esquema remete à metáfora ARGUMENTO É TRAJETÓRIA
e também ao versículo bíblico "Eu sou o caminho, a verdade e a vida", que, no
contexto, tem a função doutrinadora de indicar o caminho a ser seguido ou acom-
panhado pelo auditório, conforme ilustrado a seguir:

Figura 8 – Exemplo do EI "TRAJETÓRIA"

"Não é 'que a família brasileira' é misógina"


Braços se movendo para o lado esquerdo do corpo, palma esquerda
aberta e voltada para dentro, palma direita segurando objeto, voltada
para dentro.

Fonte: tela capturada pela autora.

No caso do EI "OBJETO", o gesto de "apresentar" – ou gesto Presenting


Palms (KENDON, 2004) – ocorreu em muitos casos, combinado à apresentação
do tópico conversacional na fala. Dessa forma, o esquema pode ser correlacio-
nado à metáfora IDEIAS SÃO OBJETOS. Um exemplo ilustrativo pode ser
visualizado a seguir:

Figura 9 – Exemplo do EI "OBJETO"

"'Em Família', que é a novela, (...)"


Braço esquerdo movendo-se para baixo, antebraço perpendicular ao
corpo, palma da mão esquerda aberta e voltada para cima.

Fonte: tela capturada pela autora.

No caso do EI "CICLO", ele foi utilizado ou para remeter a aconteci-


mentos do passado, com gestos em espiral feitos para dentro, em direção ao corpo,
ou para abordar fatos recorrentes, com gestos em espiral feitos para fora, na direção
contrária à do corpo. No primeiro caso, o gesto corporifica a ação de "voltar". No

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM MAR

segundo, a ação de "repetir-se no presente". Em ambos os casos, o esquema cor-


relaciona-se à metáfora primária "DURAÇÃO TEMPORAL É CICLO". Um
exemplo ilustrativo pode ser visualizado a seguir:

Figura 10 – Exemplo do EI "CICLO"

"'Antes do Estado' já havia família"


Antebraços movendo-se em movimento circular em direção ao tronco,
palmas das mãos abertas horizontalmente para cima e, posterior-
mente, para baixo. Dedos abertos.

Fonte: tela capturada pela autora.

No caso do EI "RECIPIENTE", houve apenas uma ocorrência em cada


uma das amostras: em ambas, uma esfera em 3D foi desenhada com as mãos,
associada a preposições como "em" e "de", conforme pode ser visualizado a seguir:

Figura 11 – Exemplo do EI "RECIPIENTE"

"Conta com o apoio 'da grande imprensa'"


Braços e antebraços movendo-se para fora, de cima para baixo, dese-
nhando um cubo. Palmas voltadas uma para a outra e, ao final, palma
direita voltada perpendicularmente para dentro e palma esquerda
voltada para baixo.

Fonte: tela capturada pela autora.

Considerações finais

Por meio das análises, demonstramos como as variáveis verbais e gestuais podem
interagir, a fim de gerar esquemas imagéticos e metáforas multimodais, que
podem ser mais ou menos ativadas, dependendo do contexto de emergência
delas. Os resultados quantitativos e qualitativos demonstraram que há uma alta

— 118 —
ANÁLISE DE METÁFORAS E ESQUEMAS IMAGÉTICOS MULTIMODAIS NO DISCURSO... |

frequência de ocorrência de gestos no último trecho de fala de ambos os depu-


tados analisados, havendo a mobilização de paixões no auditório.
Além disso, a alta frequência de ocorrência dos esquemas imagéticos
"FORÇA" e "CAMINHO", quando relacionada ao contexto, pode ser atribuída
à função doutrinadora dos pastores que, mesmo num ambiente diferente do culto
das igrejas, exercem a função de pastores, apresentando os argumentos com vee-
mência e guiando os interlocutores por caminhos que devem ser seguidos.

Referências

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meaning: image schemas in cognitive linguistics. Berlin: Mouton de Gruyter, 2005.
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— 119 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM MAR

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2007. p. 25-47.

— 120 —
La expresión
de la conducta social1:
axiología y modelo cognitivo
Jorge Osorio

Introducción

Uno de los supuestos de trabajo en el que coinciden varias de


las escuelas lingüísticas de mayor desarrollo contemporáneo
es la necesidad de partir desde el hecho lingüístico en tanto
hecho social. Consecuentemente, el uso lingüístico es ubicado
al centro de las preocupaciones del análisis, a veces como único
objeto de estudio, otras veces como puerta al conocimiento de
estructuras subyacentes. Esta aproximación a los hechos del
lenguaje deriva en la atención sobre el complejo fenómeno
de la comunicación de significados lingüísticos, dentro del
cual se concibe a los sujetos participantes como conceptuali-
zadores (VERHAGEN, 2007), con roles activos en la organi-
zación de la información, su codificación en el lenguaje y su
interpretación.
En la tradición de los estudios semánticos, la preten-
sión de describir los elementos constitutivos del significado
a menudo ocultaba la naturaleza social del mismo, aun cuando

1
Por se tratar de outro idioma, as normas deste texto foram man-
tidas conforme as de seu país de origem (N. do E.)

121
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

algunos modelos hayan pretendido reservar un espacio a la influencia de la cul-


tura en el uso de las palabras2. Con todo, algunos fenómenos implicados en el
significado lingüístico son efecto directo del consenso social, que de esta manera
sanciona los productos de su sistema de preferencias, al incorporar al código lin-
güístico ciertos atributos relevantes.
Uno de estos atributos es la carga valorativa de las expresiones. Se puede
afirmar que el valor positivo o negativo atribuido a las expresiones lingüísticas
no es una propiedad secundaria del significado, sino que lo constituye, tal como
otros atributos tradicionalmente considerados centralmente constitutivos.
De este modo, la comunicación del significado de tales expresiones es la
comunicación de un valor en relación a algún sistema o escala. Normalmente, se
entiende que estos sistemas o escalas representan ámbitos de interés socialmente
relevantes, al punto de que la comunicación del valor atribuido llega a ser ine-
ludible. Como sostiene Krzeszowski (1990), los valores constituyen un compo-
nente indispensable de la descripción del significado, comprendido como una
conceptualización de la realidad. Por otro lado, resulta interesante considerar el
hecho de que la evaluación, una dimensión tradicionalmente asociada al razo-
namiento puro, pueda estar estrechamente vinculada a las emociones, al punto
de que estas se activan una vez que las personas evalúan las situaciones en las que
participan (LAZARUS 1984; NEZLEK y VANSTEELANDT, 2008). Este vín-
culo entre emoción y valor también ha sido destacado por Ortony (1991), quien
distingue entre tres tipos de emociones: a) las emociones que resultan de evalua-
ciones basadas en objetivos; b) las que están basadas en estándares y normas; y c)
lasque provienen de los gustos y actitudes. Tal distinción, que sostiene la interde-
pendencia de cognición y emoción, nos provee una buena orientación respecto
de la polaridad de las respuestas emocionales, por cuanto comportarían valores
positivos y negativos en los diferentes campos.
En el presente trabajo pretendo describir de modo general la contribución
de la carga valorativa en un conjunto de expresiones del léxico popular chileno,
caracterizados como un microsistema de expresión de la conducta social. El foco

2
Como es el caso de los análisis componencialistas, que proponen componentes suple-
mentarios derivados de usos sociales, los cuales pasan a constituir marcas especiales en
el léxico acompañando la denotación, pero sin alterar el núcleo de significado.

— 122 —
La expresión de la conducta social: axiología y modelo cognitivo |

específico es la formación de estas unidades, que de acuerdo al presente análisis


provienen de conceptos espaciales proyectados metafóricamente al dominio del
comportamiento social. Sobre la base de la propuesta de dos modelos cognitivos
idealizados, sostengo que la carga axiológica se origina en los ordenamientos espa-
ciales previos, es decir, en el dominio físico, en el cual está anclada la valoración.

Bases axiológicas del significado

Como he señalado, la existencia de valores asociados a las unidades léxicas (es


decir, el hecho de que a una expresión le sea asignado un valor positivo, negativo
o, eventualmente, neutro) es un hecho constatable en la experiencia de la comuni-
cación lingüística. Los hablantes contamos con esa asignación de valores, al punto
que orientamos nuestra acción lingüística (deliberadamente o no) hacia un polo
u otro del eje axiológico. Este comportamiento se hace más explícito cuando apli-
camos recursos específicos que "marcan" las expresiones. Por ejemplo, recursos de
atenuación ("sírvame un cafecito"3) e intensificación ("fue un golazo"), o el uso
de eufemismos, que pretenden disminuir la carga negativa ("servidor público" en
vez de "político"). La elección de una u otra expresión muchas veces está determi-
nada exclusivamente por el valor que se le asigna; en ciertos casos, se podría decir
que elegimos el valor, no la expresión per se. Por otro lado, la asignación del valor
es resultado de las variables de convencionalidad, nada distante respecto de los
acuerdos básicos sobre otras dimensiones del significado.
Tanto el hecho particular de la elección de una expresión como la dimen-
sión social de la asignación valórica son asuntos que deben estar explicados en
un mismo marco interpretativo. En esta línea, la lingüística cognitiva propone
la existencia de modelos cognitivos idealizados (MCI), es decir, unidades con-
ceptuales complejas en las que convergen dimensiones más estables (significado
denotativo, formal) y otras más sensibles al contexto y a los factores culturales.
Los MCI capturan con mayor apego ecológico los usos comunicativos relevantes
de las expresiones lingüísticas. Si bien la propuesta inicial de Lakoff (1987) está

3
Este ejemplo y los siguientes corresponden a expresiones habituales o posibles en el
español de Chile.

— 123 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

concentrada en la dimensión categorial y sus múltiples efectos en el significado, se


puede observar cómo este mismo constructo permite incorporar la variable axio-
lógica, tal como es la iniciativa especialmente de Krzeszowski (1990).
Esta perspectiva es compatible con el supuesto de una base antropológica
para la axiología, en la medida en que los humanos respondemos ante los hechos
del mundo en términos evaluativos. Por ejemplo, mostramos agrado o desagrado
frente a objetos, hechos y personas; asimismo, juzgamos como buena o mala una
conducta. Casi todo a nuestro alrededor es susceptible de provocar en nosotros
alguna emoción que consideramos o positiva o negativa. En línea con las pro-
puestas de la denominada "hipótesis de la corporeización" (ROHRER, 2007),
asumo que la oposición básica bueno-malo se sustenta en las interacciones recur-
rentes con nuestro ambiente, de modo que nuestra respuesta biológica a los estí-
mulos ambientales (considérese, por ejemplo, la huida frente al peligro, el rechazo
a los malos olores o las respuestas diferenciadas frente a los sabores de los ali-
mentos) determinan, en último término, el eje axiológico y las posiciones rela-
tivas que ocupan en éste los conceptos valorativos.
Esta observación tiene también respaldo desde la neurobiología. Damasio
(2010) sostiene que el valor que le asignamos a los objetos y las actividades deriva
del proceso más básico de continuidad del organismo vivo en el intervalo homeos-
tático, asociado al bienestar. De allí que el autor plantee que la expresión lingüís-
tica deriva la experiencia biológica del valor:

Los parámetros asociados con un intervalo homeostático se corresponden


a las experiencias de placer y dolor. Cuando los cerebros son capaces de uti-
lizar el lenguaje, es posible asignar a aquellas experiencias marcas lingüís-
ticas concretas y llamarlas por sus nombres: placer, bienestar, malestar, dolor
(DAMASIO, 2010; 88-89).

Sobre esta base biológica, encontramos también una extensión más visible
al ámbito de las relaciones sociales y las preferencias culturales que las regulan.
Para Bartmiński (2009), los valores constituyen la identidad cultural y social del
hablante, en la medida que expresan sistemas valóricos. Este autor afirma que la
cosmovisión lingüística es derivada de forma abierta o encubierta del sistema de
valores asumido.

— 124 —
La expresión de la conducta social: axiología y modelo cognitivo |

Por otro lado, se puede afirmar que la motivación experiencial y los sis-
temas axiológicos conforman un continuo en la relación intersubjetiva. En
algunos casos es posible rastrear algún sistema de creencias o una ideología que
sustenta el ejercicio valorativo. Por ejemplo, la afirmación categórica "Pedro es un
burgués" (donde "burgués" está signado negativamente) puede tener un sustento
ideológico y correlacionarse con una actitud de rechazo y con otras apreciaciones
igualmente negativas ("despreciable", por ejemplo). No obstante, esta alineación
no siempre es posible ni necesaria: un enunciador puede neutralizar el compo-
nente ideológico y sostener una actitud conmiserativa. En este último caso, el
ejercicio valórico resulta de un reordenamiento del sistema evaluativo (MARTIN,
2010). Como puede desprenderse del mismo ejemplo, la evaluación está sujeta
a diferentes cambios de perspectiva, por lo que no resulta extraño que el valor
implicado en la afirmación "Pedro es un burgués"se determine, finalmente, sobre
la base de la pertenencia a grupos de interés, o de compromisos ideológicos que
hacen calzar la categoría "burgués"con marcos evaluativos diferentes. Similar pro-
ceso se puede observar en la dimensión diacrónica, pues el valor asignado a una
expresión puede variar, a veces gradualmente, hasta llegar al polo contrario. Con
todo, dentro de las variables que los hablantes debemos considerar cada vez que
hacemos uso de una expresión particular (sea en el marco de un juicio categórico
o no) está el valor implicado.

El lugar de la axiología en la descripción léxica

Con algunas excepciones, la axiología no había tenido lugar en las concepciones


dominantes de la lingüística. Por definición, la semántica lingüística de corte lógi-
co-veritativa no incorpora una dimensión valorativa como parte de la estructura
del significado. Pese a la constatación de que el lenguaje se emplea para expresar
actitudes o caracteres personales de los hablantes, manifestar sus emociones,
estados de ánimo etc, esta dimensión del significado ocupa un lugar periférico
en los enfoques tradicionales, que reservan el núcleo del significado a aspectos
supuestamente neutros. Para Leech (1974), por ejemplo, existe un significado
conceptual (que también denominalógico o denotativo) en el que residen las
funciones semánticas básicas de designación y referencia, necesarias para la

— 125 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

comunicación lingüística (según sus palabras); en cambio, el amplio abanico de


lo que él denomina "significadosasociativos" no incide directamente en esas fun-
ciones, por lo que constituyen variaciones, a menudo subjetivas. La delimitación
de los tipos de significado no denotativo es una tarea compleja. La propuesta de
Leech es representativa de un enfoque teórico hasta hace poco dominante en el
panorama de la semántica y cuya importancia se extiende más allá de la discusión
especializada, pues en ella se basa el principal modelo folk del significado lin-
güístico, el cual mantiene el esencialismo literal como principio rector (LAKOFF,
1988).
Si bien la influencia de estas perspectivas se revela a lo largo de la historia
de la semántica lingüística, es posible reconocer algunos aportes relevantes de
diversos autores, que han permitido respaldar la necesidad de tratar sistemáti-
camente el significado axiológico. A juicio de Felices Lago (1992), la axiología
es crucial para explicar la esencia misma del significado y la relación de éste con
el mundo extralingüístico. Así como ocurre con las emociones, las lenguas res-
ponden a la necesidad fundamental de transmitir el valor que atribuimos a las
cosas, personas y situaciones. Las lenguas codifican las diversas formas de evalua-
ción y para ello cuentan con variados recursos (OCHS y SCHIEFFELIN, 1989).
A modo de ejemplo, sufijos apreciativos ("tec-ito"; "cas-ucha"); dativos no argu-
mentales ("se lo comió todo"; "mi hijo no me come nada"); epíteto ("soberbia
respuesta"); duplicación nominal y atributiva ("café-café"; "pobre-pobre").
Por sobre estas expresiones de amplio espectro, existen repertorios de expre-
siones caracterizados por su especialización axiológica. En la lengua española se
puede apreciar un conjunto de expresiones cuyo atributo saliente es su valor posi-
tivo o negativo. La siguiente es una breve lista que incluye expresiones con marcas
sociolectales y cronolectales diferentes, pero que comparten el significado axioló-
gico, capaz de cubrir un amplio espectro de contextos valorativos.

Expresiones de especialización axiológica (+):


macanudo, choro, genial, mundial, total, bacán, topísimo, fabuloso.

Expresiones de especialización axiológica (-):


fome, penca, charcha, chanta.

— 126 —
La expresión de la conducta social: axiología y modelo cognitivo |

Es importante hacer notar que la especialización es un proceso progresivo,


a partir de usos del significado propiamente léxico, que recurrentemente pueden
asociarse a un polo axiológico. Por ejemplo, "charcha", que designa las carnes
sueltas del cuello de algunos animales y, por extensión, el tejido adiposo sobrante
de las personas, se presenta en contextos de valoración negativa en el ámbito esté-
tico e incluso moral ("¡Qué charcha el dibujo!"; "¡Qué charcha lo que hizo tu
hijo!"), para finalmente cubrir un amplio rango dentro del significado axiológico
de 'malo'.

El dominio de la conducta social

Si bien la conducta social es un dominio complejo, con varias dimensiones inter-


relacionadas, me interesa considerarla básicamente como materia de moralidad,
en la medida que concierne a la relación entre los individuos, cómo es el trato
entre ellos y la valoración que se hace de ese trato (PREMACK y PREMACK,
1994). Como señalan también estos autores, la habilidad para hacer juicios
morales acerca de la conducta social es parte de la competencia social humana.
De allí que resulte relevante que la conducta social y su valoración sea figurada
léxicamente tomando como dominio fuente el territorio y los movimientos de los
cuerpos en el territorio (un mapeo metafórico que se podría formular como LA
CONDUCTA SOCIAL ES MOVIMIENTO).
Siguiendo a Johnson (1993), tomo en consideración el principio de que
las comunidades construyen imaginativamente el significado moral. Esta cons-
trucción social y cultural se revela a través del lenguaje, en especial, a través del
vasto repertorio de expresiones figurativas. Sin embargo, esta construcción del
significado moral no es inmotivada; al contrario, se advierte un continuo entre
las formas físicas de movernos en el mundo y las formas simbólicas (incluidas las
lingüísticas) de relacionarnos socialmente.
A mi entender, la metáfora de fondo LA CONDUCTA SOCIAL ES
MOVIMIENTO resulta extremadamente relevante para la comprensión de las
relaciones interpersonales, pues supone la base física sobre la que se entienden
las actitudes de aceptación o rechazo social. Una explicación es que, cuando el
espacio físico es compartido por dos o más individuos, las disposiciones gestuales,

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

proxémicas, los desplazamientos, cobran vital importancia, al punto de permitir,


restringir o imposibilitar el encuentro. Es así como está dado comprender la
comunicación como un juego de distancias, cuyas reglas sirven tanto para con-
seguir proximidad como para obtener lejanía. Se puede considerar que las dis-
tancias más cortas se asocian a la conversación más implicada, más eficaz. La
comunicación más estrecha típicamente permite a los participantes asegurar la
claridad del mensaje y la atención del interlocutor. En cambio, la desimplicación
asociada a la lejanía entre los participantes resta posibilidades en el logro de los
objetivos comunicacionales. Esta aproximación al fenómeno está basada en la
propuesta de Hall (1989), quien puso atención en el modo en que el espacio per
se comunica. Para este autor, las culturas han organizado de modo particular su
tratamiento del espacio, por lo que hay reglas explícitas e implícitas que se aplican
a la relación de las personas con su espacio.
La lógica que organiza el dominio de las distancias físicas establece una
escala de proximidad, que sirve para expresar una cuantificación del compromiso,
por ejemplo, en el dominio de las relaciones interpersonales. Alguien está cerca de
otro cuando comparte una opinión o al menos la respalda; al contrario, cuando
alguien se siente lejos de otro es porque existe una implicación personal mínima.
Estamos en presencia de una escala de compromiso, en la que nos ubicamos más
cerca (allegado, al lado, junto a) o más lejos (muy distante, al otro lado).
En el lenguaje constantemente nos referimos a relaciones personales en
términos espaciales. Considero que esta figuración lingüística se debe a disposi-
ciones cognitivas que subsumen la experiencia de la espacialidad física en otros
planos más abstractos. En efecto, el dominio de las relaciones personales, más
abstracto, simbólico, se aparea con el dominio más concreto del espacio físico.
Entre las consecuencias de esta forma de conceptualización están las abundantes
referencias lingüísticas y no-lingüísticas a la espacialidad, a propósito o dentro de
una situación comunicativa.
Para la esquematización de la conducta social propongo la visualización
de un espacio bidimensional (TERRITORIO), en el que se identifican espacios
individuales y un radio de acción para cada uno de ellos. Así, el contacto entre los
individuos es el resultado de la extensión del radio de acción, como se representa
en la Figura 1.

— 128 —
La expresión de la conducta social: axiología y modelo cognitivo |

Figura 1 – Territorio y radio de acción

La proyección metafórica, que lleva las propiedades espaciales al dominio


de las conductas sociales, produce una categoría popular enriquecida por la expe-
riencia de la realidad tangible. Lo que puede ser considerada una categoría con-
ductual con cierto grado de abstracción adquiere la "corporeidad" de la expe-
riencia sensible, de tal forma que ya no tenemos un mero individuo, sino un
individuo que se conduce en un territorio.
En lo que sigue, me concentraré en la caracterización somera de las cate-
gorías que emergen de las conceptualizaciones idealizadas de la conducta social.
Para ello, considero las expresiones más usuales en el castellano de Chile que lexi-
calizan tales categorías. En la siguiente tabla señalo las expresiones y proporciono
un contexto lingüístico posible en el español de Chile. Adicionalmente, señalo la
carga axiológica de cada unidad, esto es, el valor (positivo o negativo) asignado
por la comunidad al contenido semántico de la palabra y, en consecuencia, a la
conducta de la persona designada:

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

Tabla 1 – Unidades léxicas, carga axiológica y contextos de uso

Movido + "Juan es movido. Consiguió fondos con la municipalidad para el proyecto."


Quedado - "Ese muchacho es muy quedado. Así no encontrará novia muy fácilmente."
Corto - "Es un poco corto, no se atreve a hablar en reunión."
Patudo - "Es muy patuda; apenas la conozco y ya me ha pedido dinero prestado."
Metido - "¿Por qué el vecino es tan metido? Quiere saber hasta qué comemos."
Lanzado - "¡Qué es lanzado, amigo! ¡Cómo se le insinúa así a una joven que recién conoce!"

A partir de la esquematización ya señalada, el análisis asume la participa-


ción de dos modelos cognitivos idealizados en los que convergen las preferencias
culturales asociadas a la conducta social, esto es, las concepciones estereotipadas
según las cuales se caracterizan y valoran a las personas en su relación con los
demás.
Esta propuesta se basa en el principio axiológico sustentado por
Krzeszowski (1990), según el cual las palabras se cargan positiva o negativamente
(eventualmente, mantienen una carga neutra) de acuerdo al compromiso humano
involucrado. Es así como los adjetivos tienden a ser evaluativos, al igual que los
nombres referidos a sentimientos, emociones, productos de la actividad humana
(en contraste con los nombres que refieren a objetos naturales, concretos, mate-
riales, los cuales son casi invariablemente neutrales). En el caso de las palabras
cargadas axiológicamente hacia un polo u otro, se asume un proceso de interpre-
tación por parte de los sujetos respecto de la utilidad, deseo, importancia, interés,
belleza, de un objeto o evento.
En el presente análisis, la conducta social basada en la metáfora territorial
está sujeta a valoración al punto de no concebirse neutralidad alguna. Como se
puede observar preliminarmente, predomina la carga negativa en estas conductas,
debido a los modelos de idealización, según los cuales tanto la intrusión como la
inacción son sancionables.
Cada modelo de idealización tiene su foco de interés en dimensiones de la
conducta diferentes aunque complementarias: el primero (que denomino modelo
absoluto) se centra en la proactividad, mientras que el segundo (que llamo modelo
relativo) da cuenta de las opciones de contacto, en especial, la invasión.

— 130 —
La expresión de la conducta social: axiología y modelo cognitivo |

Modelo absoluto

Este modelo tiene su foco principal en la proactividad orientada al logro de


objetivos. Las personas tenemos diversas motivaciones y actuamos en sociedad
según ellas. El modelo idealiza nuestra pertenencia a la comunidad en términos
de acción, en la medida en que la probabilidad de éxito radica en nuestras pro-
pias habilidades y estrategias. El modelo se funda en la metáfora conceptual LA
CONDUCTA SOCIAL ES MOVIMIENTO, de la cual se derivan dos polos
de significación, claramente diferenciados en el léxico como opuestos binarios.
Por un lado, la presencia de movimiento orientado a la consecución de fines es
lexicalizado en la expresión "movido" y, por otra, la ausencia de movimiento, que
implica una incapacidad y la improbabilidad de éxito, se lexicaliza en la expresión
"quedado". Los contextos más usuales de ambas unidades léxicas remiten a la opo-
sición más general actividad-pasividad: una persona "movida" realiza las acciones
necesarias para conseguir sus objetivos, en cambio, una persona "quedada" no
toma la iniciativa y, por ello, suele perder oportunidades. La axiología de estas
unidades es, obviamente, contrapuesta: la conducta activa del "movido" es valo-
rada positivamente, mientras que el quedado es signado negativamente. Así, el
modelo absoluto se haya construido sobre el acuerdo de que las personas son res-
ponsables por el logro de sus propios objetivos, lo que constituye un beneficio
para ellas (y, eventualmente, para terceros).

Modelo relativo

La metáfora LA CONDUCTA SOCIAL ES MOVIMIENTO está también en


la base de un segundo modelo idealizado, que califico de relativo, pues implica
la interrelación personal. Así, la conducta individual, más allá de los objetivos,
se define en función del efecto que tiene sobre los demás. El léxico metafórico
que responde a este modelo codifica tanto propiedades del sujeto como opciones
de movimiento dentro de un territorio, de acuerdo con la lógica del concepto
metafórico. Así, se puede entender que a cada individuo le corresponde un terri-
torio propio y un radio de acción que debe ser regulado. No tenemos un término
cotidiano para el estado ideal que es resultado de esta regulación, pero sí para los
casos en que esto no ocurre, y que son los casos prominentes que el léxico popular
captura. En términos sociales, la extensión del radio de acción corresponde a una

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

invasión del territorio ajeno, mientras que la contracción del radio corresponde
a una incapacidad. La axiología en ambos casos es negativa, pues el modelo idea-
lizado supone tanto la utilización del radio propio como la no invasión. A conti-
nuación resumo el contenido conceptual de cada expresión:

"Corto"

El sujeto no utiliza su radio de acción en toda su extensión lo que le impide


tomar contacto efectivo con otros. En términos sociales, la persona "corta" posee
un carácter tímido o es extremadamente cauto para tratar temas; inhibido verbal-
mente, se ve imposibilitado de conseguir sus propósitos. La axiología es negativa,
pues este individuo está alejado del ideal social, basado en la proactividad.

Figura 2 – "Corto"

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La expresión de la conducta social: axiología y modelo cognitivo |

"Patudo"

El origen conceptual de esta expresión (el atributo de tener los pies


grandes4) se proyecta en el dominio social a la conducta abusiva. Esta es resul-
tado de la acción previa de invasión: alguien con los pies grandes ocupa (ilegíti-
mamente) el territorio ajeno. De allí que la invasión sea consustancial al patudo.
Esta invasión puede ser parcial o inicialmente consentida. Se trata, entonces, de
la entrega de confianza, la cual finalmente será retirada. De allí que "patudez" sea
un término adecuado para caracterizar el abuso de confianza en general.

Figura 3 – "Patudo"

4
Son sinónimos de "patudo", "balsa" y "balsudo" que remiten a la figura derivada de
una persona con pies tan grandes como balsas.

— 133 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

"Metido"

El sujeto se mueve hacia el interior del territorio ajeno y permanece allí.


Esta invasión se da, socialmente hablando, como la intromisión en los asuntos
ajenos. De allí que el metido se entienda como impertinente y sólo eventualmente
como abusivo, como sí lo es el patudo. La axiología es negativa, pues meterse en
territorio ajeno constituye una violación de las normas que regulan el comporta-
miento social ideal.

Figura 4 – "Metido"

"Lanzado"

Esta expresión codifica centralmente la aplicación de mayor fuerza en


la entrada al territorio ajeno (lo que se muestra en las flechas de la Figura 5).
Se entiende, entonces, como la categoría léxica más adecuada para expresar el

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La expresión de la conducta social: axiología y modelo cognitivo |

traspaso de todos los límites. Da cuenta de los abusos típicos, especialmente los
relativos a las pretensiones amorosas y sexuales, que se dan sin consentimiento y,
a veces, súbitamente. La carga axiológica es siempre negativa.

Figura 5 – "Lanzado"

Conclusiones

Dentro de las opciones de conceptualización de la conducta social, en su dimen-


sión moral, la prevalencia de la metáfora LA CONDUCTA SOCIAL ES
MOVIMIENTO se evidencia en un conjunto amplio de expresiones que figuran
la intersubjetividad como un complejo entramado de relaciones espaciales. En el
caso de las conductas valoradas negativamente, la imaginación moral influye en
el establecimiento del principio de la no-invasión. A partir de este principio se

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

definen modelos cognitivos idealizados que explican la formación de un verda-


dero mini-sistema.
Los modelos cognitivos idealizados capturan las preferencias culturales en
relación a la evaluación de la conducta social. Si bien las categorías conductuales
signadas negativamente pueden admitir la asignación de un valor positivo, este
cambio axiológico requiere siempre una argumentación adicional: alguien puede
considerar que un individuo es patudo y asignarle un valor positivo, pero debe
aclarar que la conducta es positiva en un sentido distinto del habitual. En este
caso, el parámetro axiológico se mueve en relación a las expectativas contextuales
(situaciones en las cuales la intrusión implica un desafío, por lo tanto, eventual-
mente positivo).
De acuerdo con la hipótesis del embodiment, la estructura conceptual
anclada en la experiencia corporal hace significativos los hechos lingüísticos, en
la medida en que éstos codifican tal experiencia. La capacidad imaginativa de
los hablantes, asociada a esta base experiencial, permite que las cualificaciones de
"patudo", "entrador" o "metido", por ejemplo, mantengan su significado territo-
rial y produzcan nuevas categorías en el dominio de la conducta social. Tal como
está lexicalizado en cada una de las unidades estudiadas, nuestra experiencia ter-
ritorial incluye la experiencia de entrar a un contenedor y la experiencia de entrar
en contacto con otros cuerpos.
Las posibilidades esquemáticas y la generación de los modelos idealizados
son variadas; sin embargo, sólo algunas han derivado en codificaciones léxicas. En
efecto, el léxico que se sustenta en los esquemas de imagen señalados es reducido
y no constituye, en principio, una clase abierta. Ciertamente, podemos encon-
trar material expresivo adicional (canchero, el que parece sentirse cómodo en los
territorios ajenos; pasado para la punta, al parecer una variante de lanzado; tener
llegada, como la capacidad para ser admitido y eventualmente favorecido; etc.),
pero con certeza se tratará de elaboraciones de las unidades léxicas básicas tratadas
o de giros compuestos a partir de estas mismas categorías.
Finalmente, es posible pensar en que la axiología en el lenguaje no es una
simple manifestación de significados secundarios o asociados, sino que constituye
una dimensión esencial del significado, especialmente de las palabras llamadas
"culturales", es decir, expresiones que son reconocidas por la comunidad como
fuertemente identitarias.

— 136 —
La expresión de la conducta social: axiología y modelo cognitivo |

Referencias

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Quando morrem as
metáforas vivas e nascem
as metáforas mortas1:
a rece(p)ção no processo
metafórico
José Teixeira

Metaphors we live by: a páscoa da teoria da


metáfora

Embora já tenham passado 35 anos desde a publicação de


Metaphors We Live By, para além de tudo o que já se disse sobre
o legado que a obra trouxe às ciências da cognição, muito ainda
haverá por perceber sobre o como a nova visão alterou e muito
a perceção sobre o funcionamento metafórico.
Na verdade, e apesar de os referidos 35 anos já terem
passado, o funcionamento metafórico continua, por muita
gente, a ser encarado na tradicional perspetiva retórica, na boa
tradição de tropo ou figura de estilo, parecendo que, ao con-
trário do que acontece noutras áreas científicas, nas ciências
humanas as evidências mais recentes custam a ser admitidas
como tal, permanecendo apenas como visões de alguns teó-
ricos que não podem, assim do pé para a mão, pôr de lado

1
Por se tratar de português europeu, as normas deste texto foram
mantidas conforme as de seu país de origem (N. do E.)

139
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

milénios de tradição retórica. Basta ver como ainda se fala e se ensina a metáfora
"figura de estilo da linguagem" nos programas oficiais de ensino para comprovar
que, afinal, e ao contrário do que dizia Galileu, o mundo, em certas áreas da
ciência, não se move.
Steven Pinker, embora não jogando na mesma equipa de Lakoff (e por
isso mais imparcialidade terá a sua observação), reconhece que o contributo de
Metaphors We Live By foi uma das ideias mais importantes da história da linguística
e que pode alterar completamente todo o percurso dos estudos sobre a metáfora:

A lingüística já exportou várias grandes idéias para o mundo intelectual.


[...] Até por esses padrões, a teoria da metáfora conceitual de Lakoff é extraor-
dinária. Se ele estiver certo, a metáfora conceitual pode fazer qualquer coisa,
desde virar de cabeça para baixo 2500 anos de equivocada confiança na ver-
dade e na objetividade no pensamento ocidental (Pinker, 2008:284).

O grande mérito da referida obra de Lakoff & Johnson foi o de mostrar


que a metáfora não é uma anormalidade, mas um fenómeno quotidiano, não
é apenas uma técnica linguística, mas um processo de perceção manifestável em
múltiplas formas de expressão. Parecendo pouco, esta nova visão fez, realmente,
aquilo que a obra, desde as primeiras páginas, defendia que era necessário fazer:
centrar o fenómeno metafórico no cerne de uma teoria da cognição e, através
desta, nos fenómenos da linguagem quotidiana:

[...] a metáfora desempenha um papel fundamental na linguagem e no pensa-


mento do dia-a-dia – dados de que não podiam dar conta nenhuma das teo-
rias anglo-americanas da significação, nem em linguística nem em filosofia.
Nestas duas disciplinas, considerou-se tradicionalmente a metáfora como um
problema de interesse menor. Pensamos que se trata, pelo contrário, de um
problema central, que fornece, talvez, a chave de uma teoria da compreensão
(Lakoff; Johnson, 1980:7).

Pode dizer-se, por isso, que Metaphors We Live By é uma espécie de Páscoa
para a teoria da metáfora. Na verdade, se a palavra páscoa significa passagem
(para o judaísmo) e ressurreição ou passagem para uma nova vida (para os cristãos),
a teoria da metáfora, estando cientificamente morta por séculos de retóricas mais

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Quando morrem as metáforas vivas e nascem as metáforas mortas: a rece(p)ção no processo metafórico |

ou menos repetitivas, ressuscita, ganha nova vida, o que representa uma "pas-
sagem" para uma "realidade nova": o fenómeno metafórico será, doravante, visto
como um dos elementos centrais da cognição e perceção e não apenas das línguas,
mas de todas as formas de comunicação.

Metáfora e processos assimétricos entre emissor e recetor

Como todos os fenómenos linguísticos, o processo metafórico, enquanto processo


integrado na comunicação, implica prototipicamente um sujeito linguístico pro-
dutor/emissor (chamemos-lhe emissor, para utilizar uma terminologia clássica) e um
outro interveniente que processa a metáfora produzida (chamemos-lhe recetor).
O entendimento tradicional do funcionamento da metáfora relativamente
a emissor-recetor é a de que o emissor é o criador da metáfora como uma figura
da linguagem, identificando o significado de um termo com o de um outro, num
processo de "X é Y": "As gotas de chuva são lágrimas que caem do céu". O fenómeno,
supõe-se, processa-se de forma inversa no recetor: este, mentalmente, identifica/
compara X com Y e reconstrói o que o emissor codificou.
Se bem que nem sempre se explicite o facto, o corrente é que se entenda
haver simetria entre o que o emissor codifica e o recetor descodifica. Se – assu-
me-se – a língua é um sistema ou estrutura comum partilhada por todos os
falantes, baseada em regras comuns (no sentido gerativista ou estruturalista),
então o funcionamento metafórico implica que o recetor descodifique o que
o emissor codificou.
Com Metaphors We Live By há, evidentemente, diferenças a nível da relação
emissor-recetor na metáfora. A ideia fundamental sobre a metáfora substitui
o foco da criatividade pelo uso: retira-se ao emissor o papel quase exclusivo que
tinha na metáfora como figura da linguagem passando esta a ser focada, sobretudo,
como uma atividade cognitiva de uso quotidiano, expressa (também) pela lin-
guagem verbal. Quer dizer que, na metáfora, não é apenas valorizado o processo
de criação, mas todo o processo metafórico globalmente considerado, o que signi-
fica a atribuição do estatuto pleno de metáfora às metáforas mortas que, embora
não constantemente criadas, são constantemente usadas. Equivale isto a dar novo

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

valor ao processo de uso das metáforas (mortas) e não apenas ao processo de


criação das metáforas novas.
No entanto, vendo bem, não houve grande alteração à forma como a tra-
dição encarava os papéis de emissor-recetor no processo. Pode dizer-se que a visão
cognitivista antiestruturalista continuou a entender a metáfora, neste aspeto, de
uma forma estruturalista, porque não muito cognitiva. A metáfora continua a ser
frequentemente vista como uma "figura" que existe por si, não um processo meta-
fórico dinâmico, e continua, portanto, como uma criação do emissor (ou Locutor,
LOC) e não um processo que engloba interações complexas entre o emissor e o
recetor. Ora, a complexidade do processo é um fator a que se tem de prestar bas-
tante atenção. Poderá parecer paradoxal, mas, como veremos, a questão "existe
aqui uma metáfora?", em rigor, em muitas verbalizações, pode não poder ser
respondida.
Repare-se, para ver até que ponto é possível isso acontecer, na visão clássica
sobre a metáfora no que respeita aos papéis do emissor e recetor. Esta visão elege
a língua como o domínio exclusivo da metáfora. Esta é tida como um fenómeno da
linguagem e, portanto, joga-se entre os significados das palavras. Considerando-se
que o mesmo significado é composto de unidades menores (elementos do signifi-
cado, semas, traços etc), é entre estas unidades menores que o processo metafórico
se desenrolará, pela confluência, identificação ou similitude entre estes elementos
de duas unidades lexicais diferentes que a figura a seguir (Figura 1) poderá ajudar
a explicitar.

Figura 1 – Elementos de unidades lexicais

Fonte: elaborada pelo autor.

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Quando morrem as metáforas vivas e nascem as metáforas mortas: a rece(p)ção no processo metafórico |

Entende-se que o metaforizado (alvo) implica que o emissor procure (que


a seta com o n.º 1 representa) uma palavra metaforizante (fonte). Posteriormente,
acionam-se os elementos/semas comuns (representado nas setas com o n.º 2).
O que é comum – a, c, f –, por destaque, permite a construção metafórica, já que
a finalidade e mais-valia da metáfora é precisamente, nesta visão clássica, destacar
os traços ou semas comuns.
E o que faz o recetor? Parece ser tão evidente, que a questão não costuma
ser colocada. Subentende-se que nele o processo é inverso e idêntico (ou equi-
valente), ou seja, o recetor, tal como o emissor, também "confronta" o alvo com
a fonte e chega aos traços comuns. A visão cognitiva, neste aspeto, incluindo
Fauconnier & Turner (1998; 2002), no essencial, manteve a ótica do emissor e da
sequencialização: a tripartição alvo> fonte> metáfora equivale a input 1>input
2> espaço de integração concetual (tudo relacionado com o espaço genérico).
Também se subentende que no recetor o processo é inverso e idêntico (ou equi-
valente). Mas é óbvio que há diferenças, embora, por vezes, seja preciso bastante
atenção para se reparar no óbvio.
Parece lógico considerar que, no emissor, o alvo é a primeira instância
a entrar em ação, e só depois a fonte. Até pela nomenclatura utilizada: temos
um alvo e vamos buscar uma fonte para concetualizar esse alvo. Para o emissor,
parece ser necessário este funcionamento. Ao descrever as gotas de chuva como
lágrimas, tem que haver primeiro a perceção da realidade a expressar (as gotas de
chuva) e depois a escolha de uma outra realidade para a metaforizar (as lágrimas).
A tradição de a metáfora concetual representar a metáfora formalmente como X É
Y (ALVO É FONTE) demonstra a preferência pela perspetiva do emissor.
Mas para o recetor, o processo pode ser idêntico ou, então, inverso: se este
aceder à metáfora através de expressões em que a ordem é ALVO É FONTE
(como "As gotas de chuva são lágrimas") o processo é idêntico ao do emissor: pri-
meiro o alvo e depois a fonte. Mas não é esta a ordem habitual na expressão da
metáfora. Para o recetor, costuma aparecer primeiro a fonte e só depois o alvo: por
exemplo, "As lágrimas que caíam das nuvens..." e o recetor, depois de processar
"lágrimas" faz a descoberta "lágrimas = gotas de chuva". Na mente do recetor,
a fonte (lágrimas) é processada primeiro (porque é a primeira a ser ouvida) que
o alvo (gotas de chuva). A Figura 2 procura ilustrar esta diferença Alvo-fonte no
emissor e recetor.

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

Figura 2 – Diferença alvo-fonte no emissor e recetor

Fonte: elaborada pelo autor.

E é este jogo de "adivinha" para o recetor (de se partir da fonte para o alvo)
que é um dos componentes mais atrativos da metáfora. E as palavras "adivinha"
e "descoberta" são importantes neste processo de encontrarmos prazer e desafio
no processamento cognitivo metafórico.

Quando existe metáfora?

As diferenças de funcionamento do processo entre emissor e recetor podem acon-


tecer também no cerne da perceção de se uma construção é metáfora ou não.
É que o pode ser para um e não ser para outro.
Vejamos.
A metáfora só acontece no espaço de interseção (Blending ou integração
concetual de Fauconnier).
Em rigor, não há "integração", no sentido de que havia um alvo (input
1), havia uma fonte (input 2) sem relacionamento entre si, "e depois" eles inte-
ragiram e integraram-se (integração). Na mente, para haver uma metáfora, os
valores de fonte e alvo já têm que ter tido conexões e relacionamentos antes da

— 144 —
Quando morrem as metáforas vivas e nascem as metáforas mortas: a rece(p)ção no processo metafórico |

realização da expressão metafórica. O que a metáfora faz é destacar esses rela-


cionamentos percebidos e deles dar consciência explícita. É esta a dimensão do
reconhecimento da metáfora enquanto tal. Para que se possa produzir (emissor)
e perceber (recetor) a metáfora GOTAS DE CHUVA SÃO LÁGRIMAS, tem
que, antes da verbalização e mesmo da construção cognitiva da metáfora, existir
a perceção das lágrimas como água ou da chuva como água, das lágrimas como
gotas e da chuva como gotas, de que a chuva cai e que as lágrimas também caem,
de que as lágrimas vêm da cara e que o céu pode ser imaginado como algo ani-
mado e, por isso, também com uma cara ou rosto que pode estar triste.
É isso mesmo que procura representar a Figura 3.

Figura 3 – Perceção na metáfora

Fonte: elaborada pelo autor.

A Fase 1 não pode representar fonte e alvo como duas realidades indepen-
dentes na mente. Na mente, nada de informativo é independente, mas está sempre
associado direta ou indiretamente através das sinapses já realizadas. A represen-
tação da Fase 1 só pode ser entendida como uma representação de dois domínios
diferentes (lágrimas/chuva), não implicando isso que a diferença de domínios
não pressuponha o conhecimento de interconexões entre os componentes que os

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

constituem – em ambos há água, em ambos há gotas que caem, as lágrimas caem


de um rosto, o céu também pode ser visto como uma espécie de rosto etc.
A passagem da Fase 1 para a Fase 2 não representa a construção das associa-
ções cognitivas entre alvo e fonte, mas a respetiva consciencialização, quando na
integração a mente faz ressaltar para a consciência que, neste exemplo, as gotas de
chuva têm qualquer coisa em comum com lágrimas a cair.
Não é, pois, a metáfora que cria associações cognitivas entre domínios dife-
rentes. Estas associações já tinham que existir antes, na mesma mente, na medida
em que o cérebro, quando organiza o stock cognitivo, o organiza relacionalmente
e não em listagens estanques. Portanto, a interseção concetual preexiste à metá-
fora: o que esta faz é torná-la consciente.
O facto de os relacionamentos concetuais entre a fonte e o alvo pré-exis-
tirem à perceção metafórica/insight metafórico não implica haver, desde logo,
metáforas: há um domínio/conceito/modelo mental fonte, um outro, o alvo, mas
estes domínios são preexistentes à metáfora; esta só começa a existir quando, na
mente do falante, se faz a interseção/blending consciente entre os dois.

Emissor-recetor e a perceção cognitiva de metáfora

Para haver metáfora percebida como tal, como se acentuou, tem de haver cons-
ciência da perceção metafórica/insight metafórico, o que acontece nas metáforas
vivas, quando o são para emissor e recetor. Portanto, em rigor só há metáfora
completa, numa interação linguística, quando ela existe simultaneamente para
o emissor e para o recetor. Ora, isso implica que, para um processo metafórico
completo, seja necessário que quer no emissor, quer no recetor, haja consciência da
interseção entre determinados elementos da fonte e do alvo. Se só houver o acio-
namento de fonte e alvo num dos intervenientes da interação linguística e num
outro apenas um sentido automaticamente disparado e já cristalizado no léxico
mental, neste último falante, em rigor, não foram acionados os mecanismos e os
processos cognitivos e linguísticos que designamos como metáfora. Apenas um
sentido associado a uma forma, como no léxico não metafórico. Para um falante
urbano contemporâneo, uma construção como "vasculhar o meu passado" é capaz
de ser percebida sem a necessidade de acionar nenhuma relação metafórica, até

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Quando morrem as metáforas vivas e nascem as metáforas mortas: a rece(p)ção no processo metafórico |

porque o falante provavelmente não sabe a relação original que ligava a palavra
vasculhar... à cozedura do pão. Mas para quem souber e perceber o que é e como
funcionam os vasculhos quando se vasculha o forno, então o processo pode ser
cognitivamente metafórico.
Segue-se, portanto (como mais à frente se procurará explicitar melhor), que
falar de metáfora não é o mesmo que falar de metáfora cognitiva. Pode ter havido
diacronicamente uma metáfora que já não seja assim percebida por nenhum dos
intervenientes, ou pode ser percebida como tal apenas por um. Isto implica que
quando se fala em metáfora, se identificam e catalogam as metáforas, nem sempre
estamos perante processos que envolvem o funcionamento cognitivo da metáfora
e, por isso, é necessário distinguir a existência diacrónica da metáfora do seu fun-
cionamento enquanto processo cognitivo específico.
Ora, isto equivale a reconhecer que, em rigor, não é possível dizer "aqui está
uma metáfora" quando se pega num fragmento conversacional que contenha uma
expressão metafórica diacronicamente considerada. Pode dizer-se que a expressão
se originou numa metáfora, numa equivalência metafórica, mas não é líquido que
ainda assim continue a funcionar para emissor e recetor. Estes são os que, verda-
deiramente, usam a expressão numa dimensão cognitivo-linguística de metáfora
ou apenas de termo com o significado cristalizado.

Emissor-recetor e a metáfora para além da fonte e do alvo

Olhando para o funcionamento do processo metafórico em exemplos que a his-


tória da língua nos fornece, podemos verificar como a metáfora pôde adquirir
valores que não eram comuns à fonte e alvo, mas originados pela fonte (habitual-
mente designados valores "conotativos", simbolizados por [g] nas Figuras 3 e 6).
Como é que se destacam e ficam na síntese metafórica uns valores e não outros?
Naturalmente que isto vai depender da interação emissor-recetor e do acionar
de uma determinada perspetiva pela receção. É o recetor que vai reutilizar, para
novos recetores também reutilizarem, estes valores não comuns entre a fonte e o
alvo. Isto demonstra como a metáfora se constrói à volta de elementos semânticos
que ultrapassam em muito os chamados "semas/traços comuns". Um valor posi-
tivo ou negativo que está na fonte pode permanecer no processo e constituir-se

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

como valor importante da metaforização. Por isso é que a mesma fonte pode ori-
ginar metáforas diferentes, conforme um dos valores, positivo ou negativo, é sele-
cionado no processo de receção.
Atente-se nos processos relativos a vasculhar para verificar o que se procura
evidenciar.
O Dicionário Aulete (on-line) apresenta assim a entrada:

vas.cu.lhar.v.
1. Procurar com atenção em (algo); INVESTIGAR; ESQUADRINHAR [td. : A
moça vasculhou os bolsos do infeliz.]
2. Originalmente, varrer ou limpar com o vasculho, escova de forno. [] [td. int.]
3. P.ext. Limpar com escova ou vassoura qualquer. [td. : Vasculhou o teto, os
cantos, a casa toda.]
4. Examinar com o olhar atentamente; OBSERVAR [td. : Vasculhou a noite
à procura do espectro.]
[F.: vasculh(o) + -ar. Hom./Par.: vasculho (fl.), vasculho (sm.)]

As aceções apresentadas parecem ter só valores positivos: "procurar com


atenção", "varrer ou limpar", "examinar com o olhar atentamente, observar".
Em outros dicionários encontram-se os mesmos valores indicados. Parte-se do
facto de vasculho (basculho) ser uma espécie de vassoura para varrer e desta aceção,
por metaforização, resultarem os valores "investigar, examinar, esquadrinhar".
Mas por que estes e não outros? Se vasculhar, originariamente (funcionando
como fonte), é varrer, limpar por que não foram estes os valores que ficaram,
mas os de investigar?
Os dicionários mais atuais apresentam de uma forma confusa e ataba-
lhoada as razões pelas quais vasculhar ganhou a significação atual. Indicam, para
a origem do termo, os significados de "varrer, limpar tetos da casa" e "varrer
e limpar o forno do pão" sugerindo que a primeira aceção originou a segunda ou
que as duas eram suportadas pela polissemia da palavra.
Não parece ter sido assim. No primeiro testemunho encontrado, no
Dicionário de Bluteau, de 1728 (Figura 4), não aparece vasculhar, mas aparece
vasculho, identificado com basculho. E a primeira função assinalada é a de "limpar
fornos" e só depois "os tetos da casa, etc".

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QUAnDO mORREm AS mEtáFORAS ViVAS E nAScEm AS mEtáFORAS mORtAS: A REcE(p)çãO nO pROcESSO mEtAFóRicO |

Figura 4 – Verbete: VASCULHO

Fonte: Bluteau (1728).

Isto indicia que era a função de limpar fornos que era a prototípica e não
a de limpar, genericamente, ou limpar os sítios altos, como os tetos. Aliás, ainda
hoje, no norte de Portugal, de onde deve ter irradiado a palavra,2 o vasculho/bas-
culho é entendido (agora apenas pelas pessoas menos jovens) precisamente neste
sentido, uma coisa (não é bem uma vassoura) que serve para limpar o forno antes
de meter o pão. Só depois de se aceitar isto é que se compreende o porquê de
vasculhar ter ficado com os valores que apresenta, prioritariamente ligados à "suji-
dade" que os dicionários não explicitam bem. Aliás, curiosamente, nenhum
dicionário visto tenta justificar o porquê de a palavra provir etimologicamente
de "pequeno vaso ou bilha", vasculu- e vasculeare. O que é que vasculhar terá a ver
com "pequeno vaso ou bilha"?
A etimologia prova, parece-nos, o indubitável uso prototípico de vasculhar
como relativo a limpar o forno do pão. Com efeito o vasculho/basculho era proto-
tipicamente constituído por um pano velho atado à ponta de um cabo comprido
(de madeira). Como o vasculho se destinava a varrer as brasas do forno antes
de meter o pão, ele devia ir molhado para não arder. Varria as brasas e deixava
a superfície do forno o mais limpa possível para depois a parte de baixo do pão
não ficar com o carvão das brasas não varridas. Esse pano, a ponta do vasculho,
tinha que se manter molhado conforme ia varrendo as brasas e por isso costu-
mava estar imerso num recipiente com água, num vasinho (vasculu-) com água.

2
A duplicidade gráfica, quase sempre apresentada, vasculhar/basculhar e vasculho/bas-
culho parece-nos que prova que o termo era, sobretudo, usado no norte de portugal,
onde o v-b se neutralizam. Ainda hoje aí o termo basculho é usado no sentido reco-
lhido por Bluteau, quer aplicado prototipicamente aos objetos ou a pessoas.

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

Compreende-se, assim, em nossa opinião, o porquê de, por metonímia, se asso-


ciar o pequeno vaso vasculu-/vasculho ao instrumento para varrer o forno.
Ora esta necessidade do vasinho (vasculu-) com água para embeber o vas-
culho é imprescindível para varrer o forno, mas não para limpar os tetos, o que
prova que a primitiva aceção que justifica a ligação vasinho-vasculho é a de limpar
fornos. E é esta aceção primeira que vai determinar o fundo semântico que cons-
titui a vertente "sujidade" que paira e determina a evolução do modelo mental
que a metáfora irá cristalizar. Quem nunca viu, pode imaginar como fica um
pano embebido em água depois de varrer carvão: completamente negro e cheio
da cinza varrida, tudo molhado, fazendo uma amálgama que se compreende ser
vista como protótipo para a sujidade.
Ora esta sujidade resulta da limpeza efetuada, limpeza essa que exige que
se procure varrer bem todo o forno, desde a parte da frente até a parte mais afas-
tada de quem está a limpar. Por isso é que o vasculho tem um cabo comprido,
para se chegar bem até ao fundo do forno. E é esta caraterística que irá permitir
ligar o vasculho do forno aos utensílios semelhantes que servem para limpar os
tetos das casas e também a outros, como o de espalhar o sal nas salinas. Como ao
limpar os tetos (e os fornos) o cabo comprido permite procurar e chegar a todos
os lugares, mesmo aos mais afastados, surgem daqui os valores de "procurar com
cuidado, procurar o que está afastado, pouco visível" que são os valores nucleares
atuais de vasculhar.
Estes valores nucleares da metáfora de "procurar com atenção" (que os
dicionários registam) foram-se destacando como principais, em vez de os de
"limpar". Esta preferência não decorre das possibilidades da estrutura semântica
da fonte, mas de opções seletivas e destaques, focalizações que foram eleitas como
preferenciais no processo de emissão-receção. Aliás, como se disse, esta vertente
(limpar) foi sendo posta de lado e é a de "sujidade" a que suporta o modelo mental
de vasculhar. Na verdade, se predominasse o valor de "limpeza-limpar" poderia
acontecer "vasculho = pessoa limpa, que limpa tudo"; mas ficou o valor "depois
de limpar, o vasculho fica sujo" o que permitiu a vertente "vasculho-pessoa suja,
fisicamente, moralmente ou que diz mal dos outros".
Vasculhar, procurar com minúcia ou com cuidado, tem, nestas aceções, um
sentido positivo ou, pelo menos, neutro. Parece ser este, sobretudo, o sentido

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Quando morrem as metáforas vivas e nascem as metáforas mortas: a rece(p)ção no processo metafórico |

que se encontra no Português do Brasil (PB)3. Mas, no Português Europeu (PE),


para além de valores neutros que aparecem, nota-se bem a tendência para, ao
conceito de vasculhar, subjazerem valores negativos4. A palavra sugere procurar
com minúcia, com exagero, com intuitos malévolos, procurar mesmo para além
do admissível com a finalidade de prejudicar o investigado pela descoberta de
elementos que podem ser prejudiciais. Os dicionários não avisam sobre esta
dimensão que, parecendo secundária, é fundamental para se distinguir vasculhar
de investigar, procurar, analisar ou outros verbos que, de si, não implicam a nega-
tividade que o primeiro possui.
Esta dimensão negativa advém de, no processo metafórico, se ter destacado
não a vertente "o vasculho limpa", mas sim "o vasculho (instrumento/agente da
limpeza) fica sujo" o que transmite, para a meta metafórica, o valor "agente de vas-
culhar com sujidade", sendo esta vertente (a "sujidade") aplicada numa dimensão
moral quando vasculhar vale, metaforicamente, para ações como "investigar, pro-
curar". Ou seja, vasculhar é um investigar ou procurar em que o agente que pro-
cura fica "sujo" no fim (porque a procura não era moralmente justificada). O
esquema da Figura 5 procura mostrar as conexões fonte-alvo:

3
Os exemplos do PB parecem comportar, sobretudo, valores neutros, não nega-
tivos: "Saiba como vasculhar seu sistema Linux em busca de softwares maliciosos, BY
RICARDO 30 DE MAIO DE 2013" in http://www.linuxdescomplicado.com.br/2013/05/sai-
ba-como-vasculhar-seu-sistema-linux.html;
"A Lu Ferreira, do site Chata de Galocha, veio me visitar e vasculhou tudo que tinha de
maquiagem no meu banheiro e eu amei, pois ela me ensinou um monte de coisa sobre
makes que eu tinha e nem sabia pra que serviam" in http://www.daniellenoce.com.br/
tag/vasculhar/;
"Robô volta a vasculhar área onde pode ter caído o Boeing desaparecido" in http://
www.portugues.rfi.fr/mundo/20140415-robo-submarino-volta-vasculhar-area-onde-po-
de-ter-caido-o-boeing-desaparecido.
4
Na maior parte dos casos, pelo menos em PE, o significado tem a vertente de "procurar
com minúcia mas indevidamente para encontrar coisas desagradáveis de alguém". É
exemplificativa esta passagem de uma carta de um primeiro ministro português a um
jornal: "Exmo. Senhor Director Insiste o jornal que V. Exa. dirige em vasculhar o meu
passado em constantes e desesperadas tentativas para descobrir qualquer coisa,
mínima que seja, que permita atacar-me pessoal e politicamente. É uma forma de estar
na política – mais do que uma forma de estar no jornalismo – que já não passa desperce-
bida a ninguém". Carta de José Sócrates ao jornal Público, fevereiro 2008.

— 151 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

Figura 5 – Conexões fonte-alvo

Fonte: elaborada pelo autor.

Como se pode comprovar, o processo de metaforização de vasculhar até se


fixar numa metáfora morta com os atuais valores (Figura 5) vai implicar equiva-
lências cognitivas várias, das quais se podem destacar as mais salientes represen-
tadas por maiúsculas:

a) equivalências concetuais metafóricas/metonímicas (metaftonímicas?);


b) correlações experienciais;
c) implicações a partir de "B)" que dão origem a equivalências ou à metáfora
conceptual "D)";
d) inferência de uma condição: às vezes as coisas não nos são acessíveis por não
serem nossas;
e) metáfora concetual básica;

O valor resultante, "ação anormalmente minuciosa", é erigido como valor


mais destacado em vasculhar metafórico. Este valor de "anormalidade" não existia
na fonte. Ele resulta do rearranjo do modelo mental metafórico ou do blending,
dando razão a Fauconnier & Turner quando fazem ressaltar que, no blending da
metáfora, podem não estar apenas os valores comuns a fonte-alvo (ou inputs 1 e 2).

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Quando morrem as metáforas vivas e nascem as metáforas mortas: a rece(p)ção no processo metafórico |

Emissor-recetor e a implicação do caráter contínuo do


fenómeno metafórico

Este funcionamento, ou seja, o facto de o processo metafórico continuar para


além da interseção dos valores comuns a fonte e a alvo, mostra várias coisas que
o esquema da Figura 6, completando o da Figura 3, procura representar.

Figura 6 – Interseção fonte e alvo

Fonte: elaborada pelo autor.

Na Fase 1, não podemos dizer que existe metáfora. A existência de dois


domínios/inputs é uma condição para a metáfora, mas não a concretização de
nenhuma. Toda a mente se organiza em padrões de conexões neuronais, sejam eles
o que forem. Só passa a existir fenómeno metafórico a partir da Fase 2, quando
há interseção de dois domínios e essa interceção é apresentada à mente consciente.
Estamos, então, perante a verdadeira e prototípica metáfora, a classicamente desig-
nada metáfora viva. Mas como o processo metafórico é um processo cognitivo,
ele não existe fora de uma mente, ou da do emissor ou da do recetor. Segue-se
que só há verdadeiramente processo metafórico completo quando há metáfora

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

viva no emissor e no recetor.5 Nestes casos, quer no emissor, quer no recetor, há


a perceção consciente de que há um domínio a ser percebido em função de um
outro domínio, que há zonas que se intersecionam e que são essas zonas que per-
mitem a construção metafórica. Quando isso acontece, quando emissor e recetor
se dão conta que estão perante uma construção metafórica, há a perceção de que
se resolveu um puzzle e a satisfação interior que isso acarreta costuma ser des-
crita como prazer estético pela criatividade linguística. Por isso, apreciamos tanto
metáforas criativas e inovadoras.
A existência de metáfora viva não implica que emissor e recetor processam
o blending com os mesmos resultados. Os esquemas tradicionais da síntese meta-
fórica (incluindo o de Fauconnier & Turner dos espaços mentais) podem levar ao
engano, ao apresentarem um esquema único. É uma simplificação metodologica-
mente aceitável, mas que não retrata a realidade do processo. Pode haver, mesmo
em determinado uso, metáfora viva conscientemente processada pelo emissor,
mas que para o recetor é apenas um termo não percebido como metafórico. Ou,
então, o inverso. Como exemplificámos, para quem sabe o que é um vasculho
e como funciona, pode ver vasculhar como metáfora; para quem nunca ouviu
falar de vasculho e apenas teve acesso ao verbo, só o consegue entender como uma
palavra com o respetivo significado de uso.
Embora, na globalidade, emissor e recetor processem uma metáfora de
forma semelhante, o recetor pode fazer pequenas inferências de significado não
investidas pelo emissor. A metáfora, ao constituir-se um modelo mental que se
pode autonomizar, pode ganhar valores que na sua constituição de metáfora não
existiam ([i, j], no esquema da Figura 6). O que o emissor "quis dizer" pode
ser ligeiramente diferente daquilo que o recetor processou. E são estes pequenos
desvios que irão permitir a evolução e mudanças semânticas de que a história da
língua nos fornece exemplos inesgotáveis.
Na passagem da Fase 2 para a Fase 3, embora o processo seja contínuo,
sem etapas discretas, podem distinguir-se duas subfases (à falta de melhor termo).
Uma (representada em 3.1.) que corresponde ao que se pode chamar a fase em

5
Os valores que funcionam no blending metafórico nem são exatamente os da fonte
ou os do alvo, mas a respetiva interseção. Tal aparece simbolizado nos esquemas das
Figuras 3 e 6, onde os valores [a, c, f] (que forneceram os aspetos estruturadores da
metáfora) são diferentes (ovais) de alvo e fonte (círculos).

— 154 —
Quando morrem as metáforas vivas e nascem as metáforas mortas: a rece(p)ção no processo metafórico |

que a metáfora já não tem a novidade, que implicou na fase primeira da criativi-
dade e já se encontra solidificada. A nossa mente, para todas as atividades, gosta de
criar rotinas que são atalhos mais económicos para o desempenho de uma tarefa.
É, por isso, natural que, também no processo metafórico, crie rotinas que evitem
que tenhamos de processar conscientemente cada metáfora entre a fonte e o alvo.
As grandes equivalências metafóricas que Lakoff & Johnson (1980) identificam
(A VIDA É UMA VIAGEM; PERCEBER É VER; MUITO É PARA CIMA etc)
são exemplos destas metáforas solidificadas. Percebemos os dois domínios como
diferentes (uma coisa é muito, outra coisa é para cima), mas os automatismos das
equivalências (um ordenado alto) não implicam que processemos os dois domínios
separadamente até encontrar e "descobrir" os valores que possibilitam a metáfora.
São metáforas semiautomáticas. A prova de que não existe consciência metafórica
no processamento destas metáforas é que elas não são reconhecidas como tais
pelos falantes. Os professores de linguística cognitiva têm a experiência de como
não é fácil fazer ver aos alunos que existe metáfora em "preços altos", e que em
"vamos andando" está a metáfora A VIDA É UMA VIAGEM.
Na metáfora solidificada, não há a consciência explícita da metáfora viva
porque não há perceção metafórica/insight metafórico explícito e consciente: ao
perguntar "Como vais?", respondendo "vou andando", os falantes não precisam de
consciencializar que estão a equiparar andar/viajar a viver. O que se passa é que
têm uma estruturação semântica sólida (solidificada) destas equivalências, de
modo que podem continuar a usar expressões desta metáfora com verbos de movi-
mento: "vamos indo" (ir), "agora já sou velho, mas cá me vou arrastando" (arrastar),
"tu ainda tens muito tempo para andar por cá" (andar) etc.
Para além das grandes equivalências metafóricas mais ou menos universais,
estarão também neste subgrupo as metáforas que, se socorrendo de fontes cultu-
ralmente específicas, de tão usadas, já se comportam como fraseologias, expressões
fixas, embora ainda processemos fonte e alvo como domínios diferentes, como
em "mar de gente".
Nas metáforas mortas, temos a fase final do funcionamento metafórico.
Aliás, a designação de mortas já indica, na tradição, que não podem ser conside-
radas prototipicamente como metáforas, embora este aspeto seja frequentemente
esquecido em estudos de pendor cognitivo. Apenas na diacronia podemos ver os
rastos da sua constituição e percurso. Nelas já não existe nenhuma ligação entre

— 155 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

alvo e fonte, como "3.2." representa no esquema da Figura 6. Elas são um atalho
muito mais rápido para o significado, atalho que dispensa a passagem pela fonte
de que o falante não tem consciência. E então, o que foi metáfora vai seguindo
o seu caminho como termo "simples" da língua, que pode escolher os percursos
que lhe apetecer, contrariando mesmo aspetos fundamentais de quando funcio-
nava como metáfora. Se em vasculhar vimos como o processo ia evoluindo, já um
pouco desligado da fase de metáfora, noutros casos as evidências são mais ilustra-
tivas. Note-se o que acontece em chumbar = não passar um grau académico, uma
etapa, um concurso [...]. Para a maior parte dos falantes, não é uma metáfora viva:
perdeu-se a relação de blending, desconhecendo mesmo (quase todos) os falantes
qual a fonte. Ora, chumbar = "não passar" deriva de chumbar = fixar com chumbo
as dobradiças de uma porta, no tempo em que o chumbo era o único material que
permitia fixar com segurança algo que exercia muita força. Portanto, chumbar era
uma atividade agentiva e a metáfora correspondia a "o aluno foi chumbado" ou
"o professor chumbou o aluno", fixou-o naquele ano ou fase tal como o ferreiro
chumba a porta, fixando-a num determinado sítio. O usar-se, hoje, construções
em que o aluno é o agente ("o aluno chumbou outra vez") prova como já não
existe o modelo mental que originou a metáfora, caso contrário dever-se-ia dizer
obrigatoriamente "o aluno foi chumbado/chumbaram-no outra vez".

Alguns pontos (em forma de conclusão)

Metaphors We Live By será, sem dúvida, a obra que marcará um antes e um depois
sobre o estudo da metáfora. Foi uma das obras (senão mesmo a pioneira) que
mais contribuiu para pormos em questão o predomínio da lógica e da racionali-
dade na cognição e na comunicação humana, ajudando-nos a compreender que
o que mais nos carateriza não é a racionalidade lógica,6 mas sim as relações cog-
nitivas, sobretudo metonímicas e metafóricas. Ou seja, que muito mais do que
animais racionais, somos animais relacionais.

6
Ver, a este propósito, Teixeira (2013), "Metaphors, We Li(v)e By: Metáfora, verdade
e mentira nas línguas naturais".

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Quando morrem as metáforas vivas e nascem as metáforas mortas: a rece(p)ção no processo metafórico |

O sucesso de Metaphors We Live By e a enorme influência que teve e tem


no erigir a metáfora como um dos fenómenos centrais da linguagem levou, con-
tudo, a que se cometessem algumas falhas ou ligeireza de análise em determinados
pontos.
O primeiro, é o de querer ver como metáfora quase tudo o que é expressão
linguística. Em determinados estudos, busca-se a etimologia mais longínqua,
a semelhança mais duvidosa ou mesmo a simples designação terminológica para
meter tudo no saco das metáforas. E até se pode dizer que este procedimento
decorre de uma simplificação que, para muitos, a obra de Lakoff & Johnson
parece permitir: as metáforas mortas são tão metáforas como as metáforas vivas.
Ora, não é bem assim. O fenómeno metafórico não é um fenómeno sim-
ples e discreto, mas complexo e contínuo. E isto por uma razão simples e evi-
dente, que muitos estudos cognitivos parecem esquecer: no funcionamento de
qualquer processo metafórico não entra apenas um sistema cognitivo, mas dois,
o do emissor e o do recetor.
Esta interação na emissão e receção da metáfora introduz fatores que são
obliterados pela visão tradicional, muito esquemática e que vê cada metáfora
como "um fenómeno" da linguagem. Só que cada metáfora não deve ser vista
como "um fenómeno", mas como um processo englobador de vários fenómenos
cognitivos.
E, então, se a metáfora é, na sua essência, um fenómeno não apenas lin-
guístico, mas também cognitivo, ela só existe em pleno, prototipicamente,
quando estão presentes os seus mecanismos caraterizadores (fonte, alvo e espaço
de interseção ou blending), quer no emissor, quer no recetor. Como isto só acon-
tece nas chamadas metáforas vivas, será correto não as confundir com aquelas em
que não há acionamento dos mesmos mecanismos cognitivos, as apelidadas metá-
foras mortas ou catacreses pela retórica clássica. Além disso, pode haver situações
intermédias entre metáforas mortas e vivas: pelo facto de que em cada uso de
metáfora há dois sistemas cognitivos em funcionamento, pode dar-se o caso de
apenas o emissor ou apenas o recetor percecionarem a verbalização como metá-
fora. E é a possibilidade das diferenças entre a emissão e a receção que permite as
mutações, as evoluções e o caminho habitual que cada metáfora viva seguirá até se
tornar num termo lexical no qual os falantes poderão deixar de tê-la de processar
como metáfora. Assim, a morte das metáforas vivas não é uma perda, mas um

— 157 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

mecanismo de economia linguística através do qual a mente faz rotinas de signi-


ficado daquilo que era uma ponte construída por uma metáfora. Por isso, neste
processo, nunca há perdas, mas eficiência, porque quando morrem as metáforas
vivas nascem as metáforas mortas.
Não deve ser obliterado este aspeto da distinção entre metáforas crista-
lizadas (mortas) e criativas (vivas). Em primeiro lugar, porque nos parece que
a visão lakoffiana da metáfora pareceu querer apagar esta distinção que a retórica
e as teorias literárias tanto acentuavam e de que os falantes têm a intuição de ter
um fundamento real. E, na verdade, assim é. E não por outra qualquer razão,
mas exatamente por razões ligadas ao processamento cognitivo. Neste ponto,
pode dizer-se que a retórica clássica permaneceu mais cognitivista do que muitos
autores cognitivos.
E é na receção da metáfora que podemos verificar a diferença entre as cria-
tivas (vivas) e as mortas ou cristalizadas. Verdadeiramente, são as primeiras as que
nos despertam o prazer estético do jogo metafórico. São elas que nos fazem sorrir
perante uma construção engenhosa, a presença num título escrito ou num debate
político; é nelas que os publicitários investem milhões em campanhas nos quais,
por vezes, uma superconcisa metáfora ocupa todo o espaço do anúncio; é muito
por elas que continuamos encantados por uma descrição num romance ou por
um poema.
É verdade que vivemos através de metáforas (Metaphors We Live By). Se
esta vivência se refere às metáforas básicas, àquelas que correspondem às nossas
correlações experienciais mais importantes (QUANTIDADE É NO ALTO,
COMPREENDER É VER, CIMA É POSITIVO), então estamos a falar das
metáforas mortas, importantes sim, mas tão assimiladas que já não estimulam
a nossa perceção cognitiva mais aguda. Se a vivência se refere às metáforas vivas,
então essa vivência é diferente: para estas, pomos em alerta toda a nossa capaci-
dade percetiva e quando resolvemos o puzzle que algumas constituem ficamos
com um bem-estar interior que frequentemente um sorriso de satisfação sublinha.
Adorámos estas metáforas. Por isso, se é verdade que vivemos pelas metáforas
mortas, não é menos verdade que quase que morremos por uma metáfora viva.

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Quando morrem as metáforas vivas e nascem as metáforas mortas: a rece(p)ção no processo metafórico |

Referências

BLUTEAU, R. (1712-1728). Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico,


architetonico… Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesus. 8 v. Disponível
em: http://dicionarios.bbm.usp.br/pt-br/dicionario/1/vasculho. Acesso em: 1 ago. 2015.

FAUCONNIER, G.; TURNER, M. (1998). "Conceptual Integration Networks",


Cognitive Science, 22(2), 133-187.

FAUCONNIER, G.; TURNER, M. (2002). The way we think – conceptual blending


and the mind's hidden complexities. New York, Basic Books.

LAKOFF, G.; JOHNSON, M. (1980). Metaphors We Live By, The University of


Chicago Press, Chicago.

PINKER, S. (2008). Do que é feito o pensamento: a língua como janela para a natureza
humana, São Paulo: Companhia das Letras.

TEIXEIRA, J. (2013). "Metaphors, We Li(v)e By: Metáfora, verdade e mentira nas


línguas naturais", in Revista Galega de Filoloxía, Nº 14/2013, ISSN 1576-2661,
Universidade da Corunha (Espanha), pp.201-225. Disponível em: http://hdl.handle.
net/1822/28321. Acesso em: 1 ago. 2015.

— 159 —
Polissemia na mente, na
cultura e no discurso
para uma abordagem
cognitiva mais dinâmica
e contextualizada da
individuação, relação
e mudança de sentidos1
Augusto Soares da Silva

Introdução

Nos últimos 35 anos, depois da publicação de Metaphors We


Live By, de Lakoff & Johnson (1980), a Semântica Cognitiva
muito tem contribuído para o estudo da polissemia, da metá-
fora (um dos processos cognitivos daquela) e de outras estru-
turas semasiológicas do léxico e da gramática. A teoria do
protótipo, a teoria da metáfora conceptual e os modelos de
rede radial e esquemática das categorias linguísticas têm sido
determinantes para a descrição e a representação mental das
categorias polissémicas e para a teorização da natureza con-
ceptual, experiencial e dinâmica do significado linguístico (e.g.

1
Por se tratar de português europeu, as normas deste texto foram
mantidas conforme as de seu país de origem (N. do E.)

161
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM MAR

Cuyckens & Zawada 2001; Nerlich, Todd, Herrman & Clarke 2003; Cuyckens,
Dirven & Taylor 2003; Riemer 2005; Geeraerts 2006; Silva 2006). Todavia,
a Semântica Cognitiva precisa de explorar sistematicamente outras implicações
da sua perspetiva experiencial, enciclopédica e centrada no uso do significado
(Geeraerts 2010).
Neste estudo, argumentaremos sobre a necessidade de uma perspetiva
cognitiva mais dinâmica e maximamente contextualizada relativamente a três
questões centrais do estudo da polissemia: (i) a individuação ou diferenciação de
sentidos; (ii) os processos cognitivos de relacionamento entre sentidos; e (iii) os
mecanismos cognitivos, sociais e discursivos de mudança semântica conducente
a estádios de polissemia. Revisitando categorias polissémicas do português, não
só lexicais como também gramaticais e discursivas, já analisadas em Silva (2006),
mostraremos como a abordagem cognitiva da polissemia tem que integrar os
aspetos do contexto sociocultural ou a situacionalidade sociocultural do signifi-
cado e os aspetos do contexto discursivo e, assim, o uso efetivo do significado.
Simultaneamente, e na linha do desenvolvimento de métodos quantitativos em
Semântica Cognitiva (Gries 2006; Glynn & Fischer 2010; Glynn & Robinson
2014), apresentaremos métodos quantitativos e multifatoriais avançados para
o estudo da polissemia, implicados pela própria integração das dimensões socio-
cultural e discursiva no paradigma cognitivo. Tais métodos permitirão analisar
a correlação entre variação conceptual, variação sociocultural e variação discursiva
do significado.

Lugar da polissemia na linguagem e na Linguística

Costuma colocar-se a polissemia num dos lados da língua, mas ela está (ou
acaba por estar) presente também no outro lado. Em primeiro lugar, a polis-
semia é o fenómeno principal da dimensão semasiológica das categorias linguís-
ticas, isto é, a dimensão que parte da componente formal ou significante de uma
categoria para os sentidos e referentes que podem estar associados a essa forma.
Mas a dimensão oposta, dita onomasiológica, que parte do significado ou con-
ceito para as diferentes formas que o nomeiam, não pode ser descurada, visto que
a polissemia de uma categoria é condicionada pelas relações entre essa categoria

— 162 —
POLISSEMIA NA MENTE, NA CULTURA E NO DISCURSO ... |

e outras categorias semanticamente próximas. Em segundo lugar, a polissemia


é obviamente um fenómeno sincrónico, mas ela representa o output sincrónico
de mudanças semânticas que se processaram e estabeleceram diacronicamente.
Terceiro, olha-se para a polissemia como um fenómeno lexical, das palavras ou
parte delas, os lexemas, mas ela é também um fenómeno gramatical, dos mor-
femas livres e presos e das construções. Finalmente, admite-se que a polissemia
possa estar na mente, mas ela está também na comunidade, quer na sociedade
quer na cultura. E está sempre na língua em uso ou discurso.
Paradoxalmente, um fenómeno linguístico tão essencial e tão evidente
como é a polissemia foi minimizado e até eliminado pelas duas grandes correntes
linguísticas do séc. XX que deram à Linguística todos os créditos de cientifici-
dade: a linguística estruturalista de Ferdinand de Saussure ou Leonard Bloomfield
e a linguística generativa de Noam Chomsky. A polissemia é aí menosprezada
e até negada em nome do ideal semiótico "uma forma, um significado", da pre-
tensa existência de "significados invariantes" ou "significados fundamentais" abs-
tratos e unívocos, da proclamadíssima tese da autonomia da linguagem (sistema
autónomo, que se basta a si mesmo, ou faculdade autónoma, inata e independente
de outras faculdades mentais), da ideia de língua e de gramática como sistema de
regras formais, ou ainda de famosas dicotomias como "conhecimento linguístico"
vs. "conhecimento enciclopédico", gramática (regras) vs. léxico (listas), "langue"
(sistema social) vs. "parole" (uso) ou "competência" (conhecimento individual do
sistema) vs. "performance" (uso).
Só com o advento da Linguística Cognitiva nos anos 1980 é que a impor-
tância da polissemia é restabelecida, e o que fora um obstáculo à teoria linguís-
tica torna-se uma oportunidade para (re)contextualizar a linguagem na cognição
e na cultura, para colocar a categorização linguística no centro das atenções, para
centralizar o significado e a semântica nos estudos linguísticos. A Semântica
Cognitiva faz assim a redescoberta e a recentralização da polissemia, rompendo
com a posição antipolissemista da semântica estrutural e neoestrutural, da semân-
tica generativa e neogenerativa e da semântica formal e regressando à posição da
semântica histórico-filológica do séc. XIX, que deu à polissemia e à mudança
semântica um lugar central (ver Silva 2006: cap. 1 e Geeraerts 2010 para uma aná-
lise desenvolvida do lugar da polissemia na história da Semântica e da Linguística).

— 163 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM MAR

Foi o filólogo francês Michel Bréal quem, nos finais do séc. XIX, criou
o termo polissemia e lançou as bases para o estudo da polissemia como fenómeno
linguístico, histórico, sociológico e cognitivo. No seu Essai de Sémantique, de
1897, Bréal afirmava:

Acabámos de ver algumas das causas que levam uma palavra a adquirir um
sentido novo. Não são certamente as únicas, dado que a linguagem, para além
do facto de ter as suas próprias leis, também recebe o impacto de eventos
exteriores que escapam a qualquer classificação. Mas, sem prosseguir este
exame, que será infindável, queremos apresentar aqui uma nota essencial. O
sentido novo, seja ele qual for, não põe em causa o antigo. Ambos coexistem.
O mesmo termo pode utilizar-se ora no sentido próprio ou metafórico, ora no
sentido restrito ou alargado, ora no sentido abstrato ou concreto… À medida
que uma significação nova é dada à palavra, esta parece multiplicar-se e pro-
duzir exemplares novos, similares na forma, mas diferentes quanto ao valor. A
este fenómeno de multiplicação damos o nome de polissemia. Todas as lín-
guas das nações civilizadas participam neste processo: quanto mais um termo
acumula significados, mais devemos supor que representa diversos aspetos
da atividade intelectual e social. (Bréal 1924: 143-4)

O conceito de polissemia como uma das forças maiores da mudança lin-


guística levou Bréal a explorar o domínio em que linguagem e mente e linguagem
e sociedade interagem, num período em que o estudo das mudanças linguísticas
estava centrado nos sons e nas formas. Para Bréal, o significado é a força real da
evolução das línguas e a polissemia é um indicador do progresso intelectual e social.
Para Bréal e outros semanticistas das primeiras décadas do séc. XX, como
Darmesteter, Reisig, Paul, Nyrop, Erdmann e Stern, influenciados pelas novas
teorias psicológicas (a psicologia associacionista, a psicologia fisiológica e cul-
tural de Wundt, a psicologia do inconsciente de Freud e a psicologia da gestalt),
a mudança semântica é a evidência da existência da polissemia e esta é o resultado
de processos psicológicos expressos em mecanismos semântico-genéticos de for-
mação de novos sentidos, como a metáfora, a metonímia, a generalização e a espe-
cialização (Nerlich & Clarke 1997: 370-378; Silva 2006: 15-23).
Esta conceção psicológica e enciclopédica do significado e, logo, da polis-
semia, é retomada e sistematicamente desenvolvida, quase um século depois,
pela Semântica Cognitiva, agora no contexto dos enormes avanços das ciências

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POLISSEMIA NA MENTE, NA CULTURA E NO DISCURSO ... |

cognitivas. A polissemia regressa assim ao estatuto de fenómeno natural e cen-


tral das línguas e como importante janela para o estudo das relações entre lin-
guagem e cognição. Olhando para as mais de três décadas de Semântica Cognitiva,
podemos falar de três fases no estudo da polissemia e fenómenos afins.
A primeira fase remonta às duas décadas iniciais, anos 1980 e 1990, e carac-
teriza-se pela enorme sedução pela polissemia e pela sua popularidade na agenda
da Linguística Cognitiva, a ponto de se praticar a banalização da polissemia e de
se promover o excesso de sentidos ou polissemia extrema. Os estudos pioneiros de
Langacker, Lakoff, Talmy e Brugman incluem descrições sobre categorias polis-
sémicas, e são inúmeros os trabalhos cognitivistas sobre palavras polissémicas,
principalmente preposições, como a preposição inglesa emblemática e ainda
hoje popular over (sobre, em cima de). A segunda fase é de discussão e revisão,
questionando-se se existe tanta polissemia, onde começa e onde acaba e, mesmo,
se a polissemia é uma realidade cognitiva, representada na mente dos falantes.
É paradigmática a discussão nos finais dos anos 1990, publicada na revista
Cognitive Linguistics, entre Croft (1998), Sandra (1998) e Tuggy (1999). Croft
(1998) identifica quatro possíveis modelos de representação mental dos sentidos,
sendo a polissemia apenas um deles; Sandra (1998) classifica como falácia da polis-
semia a tendência da Linguística Cognitiva para análises e representações mentais
polissémicas; Tuggy (1999: 355-356) apresenta evidências linguísticas para justi-
ficar "uma preferência imparcial ou pré-expectativa por/de análises polissémicas".
Finalmente, a terceira fase oferece, nos últimos anos, novos desenvolvimentos de
novos desafios no estudo da polissemia, com destaque para a abordagem sócio-
-cognitiva (e.g. Robinson 2010) e a procura da evidência quantitativa baseada
no corpus (e.g. Glynn & Robinson 2014) e da evidência experimental (e.g. Rice
2003, Mason & Just 2007).

Problemas (duros) da polissemia

Aparentemente simples, a polissemia é um conceito intrinsecamente problemá-


tico em toda a linha. A sua própria definição – associação de dois ou mais sen-
tidos relacionados numa única forma linguística – encerra várias e complicadas
questões práticas, metodológicas e teóricas. Os problemas da polissemia são

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principalmente de (i) diferenciação de sentidos (quantos sentidos? onde começa


e acaba a polissemia?); (ii) relacionamento de sentidos (que mecanismos geram
polissemia?); e (iii) representação mental (existe polissemia na mente?) (ver aná-
lise pormenorizada destes problemas em Silva 2006: cap. 2).
O problema da diferenciação ou individuação de sentidos é provavel-
mente o mais duro e o de maiores implicações teóricas e metodológicas (ver Silva
2010). Os testes de diferenciação de sentidos propostos na literatura não resolvem
a questão: o que é polissemia pelo teste lógico pode ser vagueza pelo teste linguís-
tico ou vice-versa; e o que é polissemia pelos testes lógico e linguístico pode ser
vagueza pelo teste da definição ou vice-versa (Geeraerts 1993, Silva 2006: cap. 2).
As descrições de Searle (1983: 145-148) sobre o verbo to open (abrir) e de Lakoff
(1987: 416) sobre o nome window (janela) são emblemáticas de duas posições
opostas, uma monossemista e a outra polissemista e ambas problemáticas. Searle
postula a existência de significados essenciais, mas o possível "significado essen-
cial" de to open acaba por ser não distintivo, porque válido também para o verbo
to cut (cortar). Lakoff tende a ver um sentido distinto em window sempre que
se verificar uma diferença na referência de uma palavra, mas tal procedimento
conduz a uma multiplicação exagerada de sentidos. A mesma posição exagerada
toma-a Lakoff (1987) quando postula 21 sentidos distintos para a preposição over.
A via para tentar resolver este problema implica abandonar a generali-
zada conceção reificada do significado e interpretar corretamente a flexibilidade
e contextualidade do significado. Assim, saber quantos significados distintos tem
uma palavra ou outra expressão é colocar mal a questão. Na verdade, os signifi-
cados não são entidades fixas e perfeitamente determináveis, mas processos flexí-
veis. Em vez de significados como coisas, o que temos é o significado como um
processo de criação de sentido. O significado não é estático, mas dinâmico, não
é dado, mas construído no conhecimento enciclopédico e configurado em feixes de
conhecimento ou frames, não é platónico, mas corporizado nas necessidades, nos
interesses e nas experiências dos indivíduos e das culturas. Não há, pois, sentidos
dados, estáticos, distintos, mas sentidos construídos, dinâmicos, flexíveis, nego-
ciáveis. Devemos entender a semântica e a polissemia de uma categoria como um
potencial de significação (Allwood 2003) ou um espaço semântico que pode ser
visto de diferentes perspetivas e esse condicionamento depende de dois fatores.

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POLISSEMIA NA MENTE, NA CULTURA E NO DISCURSO ... |

Por um lado, o contexto facilita o reconhecimento de determinado sentido ou


sentidos, impondo determinada perspetiva. Por outro lado, o falante tem a liber-
dade de ver a mesma região (sentido) em diferentes níveis de resolução (zooming)
e de diferentes ângulos (ver Gries 2015).
Torna-se necessário estabelecer um compromisso entre as abordagens
monossemista e polissemista, no sentido de se evitar tanto a falácia da generali-
dade ou o mito dos "significados essenciais" como a falácia da polissemia infinita
ou o mito dos "usos puramente contextuais". Especificamente, a flexibilidade do
significado exige que este seja puxado tanto para cima como para baixo. Puxar
o significado para cima é procurar o conteúdo esquemático e outros fatores de coe-
rência semântica de uma categoria, mas sem entender esse conteúdo esquemático
como o significado essencial dessa categoria. Como esclarece Langacker (1987:
371), o esquema funciona não como gerador de sentidos, mas como uma estru-
tura integrada que incorpora a generalidade dos seus membros. Puxar o signifi-
cado para baixo é dar conta dos usos contextuais particulares, psicologicamente
(mais) reais, mas sem exagerar as diferenças de sentidos.
Por outras palavras, o compromisso consiste em postular tão pouca polis-
semia quanto possível e tão muita polissemia quanto necessário. Evitar a polissemia
quanto possível passa por reconhecer que as pequenas diferenças de significado se
podem dever aos significados das palavras adjacentes e ao conhecimento geral, por
outras palavras, aos contextos (linguístico, sociocultural, situacional). Por exemplo,
a variabilidade referencial de window deve entender-se em termos do fenómeno
das zonas ativas (Langacker 1990a: 189-201): diferentes zonas ativas são impli-
cadas em diferentes contextos, nomeadamente o caixilho (pintar a janela), o vidro
(partir a janela), o buraco na parede etc. O significado de window ou janela não
é a soma das zonas ativas (caixilhos, vidro, buraco etc.), mas uma rede de conheci-
mento relativa à localização típica, à função típica e ao modo típico de construção.
Pelo contrário, deve reconhecer-se polissemia quando os diferentes sentidos não
são predizíveis a partir dos sentidos de palavras adjacentes, nem do conhecimento
geral. Por exemplo, escola, universidade e museu designam tanto a instituição
como o edifício e estes sentidos são predizíveis a partir de um processo geral de
polissemização, sendo a palavra governo uma exceção a esse princípio.

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Quanto ao problema dos processos cognitivos de geração e relacionamento


de sentidos e coerência da categoria polissémica, não há dúvidas sobre o poder
e a produtividade da metáfora, metonímia, generalização e especialização, tanto
na polissemia como na mudança semântica. A questão coloca-se em relação a dois
processos mais recentemente identificados: a inferenciação desencadeada (Traugott
& Dasher 2002) e a subjetificação (e.g. Traugott 1989, 1995; Langacker 1990b,
1999). A inferenciação desencadeada implica o mecanismo básico da metoni-
mização (ver Panther & Thornburg 2003). Por exemplo, o sentido de trabalho
manual associado à mão formou-se por inferência metonímia ou, mais propria-
mente, por metonímia inferencial. Por sua vez, a subjetificação, caracterizada por
Traugott em termos de um processo de reforço pragmático e por Langacker como
um processo de atenuação semântica, também não é um processo autónomo, mas
antes um efeito especial e bastante frequente de processos básicos de mudança
semântica e polissemia, com destaque para a metonímia (ver Silva 2011, 2015).
Como processo de expressão da perspetiva ou atitude do falante, a subjetificação
implica o processo básico da metonímia. Por exemplo, o sentido de futuro asso-
ciado ao verbo ir e expresso pela locução ir + Infinitivo formou-se via metonímia,
como mudança do traço pragmaticamente inferível de "futuro" do verbo ir para
o traço semanticamente convencional de "futuro" da referida construção infi-
nitiva. Ainda sobre quais os processos de geração e relacionamento de sentidos,
podemos dizer que todos os mecanismos cognitivos de mudança semântica são
mecanismos cognitivos de polissemia (ver Silva 2013).
Finalmente, o problema da representação mental. A Semântica Cognitiva
oferece os modelos de rede radial, popularizado por Lakoff (1987), e de rede
esquemática, desenvolvido por Langacker (1987). Estes modelos de representação
e descrição das categorias polissémicas permitem analisar os efeitos de prototipici-
dade, a dimensão taxonómica e as associações metafóricas, metonímicas e outras
de sentidos. No entanto, as redes não devem ser entendidas como pontuadas por
sentidos bem delimitados. Além disso, as redes não são bidimensionais, contendo
um centro prototípico e um conteúdo esquemático aos quais estão ligados os
diversos usos, mas multidimensionais, isto é, determinado sentido pode resultar
da combinação de duas ou mais dimensões e, inversamente, uma dimensão
pode entrar em diferentes sentidos de uma categoria. Qualquer complexo polis-
sémico é, por natureza, multidimensional. Como Tomasello (1992, 2003) tem

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demonstrado, as palavras polissémicas abundam na linguagem das crianças. A


criança não adquire as palavras polissémicas (nem a própria língua) por regras
nem por sequências de significados discretos, mas indutivamente com base no
uso e na experiência linguística (ver estudo de Rice 2003 sobre a aquisição de sen-
tidos múltiplos de preposições do inglês).

Resultados e avanços da Semântica Cognitiva

À parte os exageros expressos tendência para a polissemia extrema e os problemas,


ainda em aberto, da individuação e representação dos sentidos de categorias
polissémicas, uns e outros referenciados nas duas secções anteriores, os muitos
estudos de Semântica Cognitiva sobre polissemia (ver síntese em Lewandowska-
Tomaszczyk 2007) e os nossos próprios estudos sobre categorias polissémicas
do português (Silva 2006), designadamente o verbo deixar, o sufixo diminu-
tivo, o objeto indireto e a construção ditransitiva, o marcador discursivo pronto
e a entoação descendente e ascendente, permitem apontar importantes avanços na
compreensão da polissemia e do significado em geral. Enunciaremos aqui alguns.
A polissemia é um efeito (e uma evidência) da categorização com base em
protótipos, "parecenças de família" e outros efeitos de prototipicidade. A polis-
semia mostra-nos como as categorias lexicais e gramaticais são redes radiais, esque-
máticas e multidimensionais e como elas, juntamente com a prototipicidade que
lhes subjaz, são a melhor resposta a três tendências funcionais do sistema cogni-
tivo humano, designadamente densidade informativa, flexibilidade e estabilidade
estrutural; como elas têm a enorme vantagem de facilmente se adaptarem à ine-
vitável variação e mudança, mas também a não menos importante vantagem de
funcionarem como modelos interpretativos dessas novas condições, situações ou
necessidades.
A polissemia revela o poder cognitivo, a eficácia e a produtividade de deter-
minados processos de conceptualização, como a metáfora, a metonímia, a gene-
ralização e a especialização. Metáfora e metonímia são processos de conceptuali-
zação figurada e os principais mecanismos cognitivos de geração de sentidos, de
mudança semântica e, consequentemente, de polissemia.

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A polissemia mostra-nos como o significado de uma palavra ou de uma


construção está para além dela, já que cada conceito ativa vastos feixes de conhe-
cimento, designados em Semântica Cognitiva como modelos cognitivos idealizados
ou frames. Quer isto dizer que o estudo da dimensão semasiológica das categorias
lexicais e gramaticais necessita do estudo da dimensão onomasiológica e vice-versa.
A polissemia revela-nos a natureza enciclopédica, dinâmica e flexível do sig-
nificado linguístico. Quantitativamente, a formação de novos sentidos é o resul-
tado de novas experiências e conceptualizações; é a resposta à constante variação
e inovação. Qualitativamente, a possibilidade de coerentemente associarmos os
diferentes usos de uma categoria depende da própria utilização do conhecimento
enciclopédico e de mecanismos cognitivos. O dinamismo e a flexibilidade do
significado têm diferentes manifestações: adaptabilidade e abertura à mudança,
intrínseca contextualidade, natureza não reificada, mas processual, variabilidade,
não linearidade, multidimensionalidade, indeterminação, negociabilidade, poten-
cial de significado. A polissemia é uma das evidências de que a língua é um sistema
dinâmico complexo, tal como o defende a teoria dos sistemas dinâmicos complexos
(Thelen & Smith 1994, Silva 2012).
Finalmente, a polissemia é uma janela importante para alguns conteúdos
mentais que tornam a linguagem possível: ela é sinal de que os significados não
são objetos mentais estáticos, desincorporados e objetivamente dados e depositados
no cérebro/mente, mas atos de criação de sentido subjetiva e intersubjetivamente
construídos e situados num vasto contexto de experiência vivida, tanto fisioló-
gica/biológica como cultural; ela é um efeito cognitivo real da maneira como cate-
gorizamos o mundo; ela revela-nos importantes e diversos mecanismos cognitivos
e processos e estratégias de conceptualização, como a metáfora e a metonímia.
Acresce o facto crucial de que a polissemia encontra fundamentação bio-
lógica nas teorias neurobiológicas da consciência de Edelman (1992), Pöppel
(1997) e Damásio (2000). Muito sinteticamente, os dados neurobiológicos mos-
tram que significados básicos e de ordem superior resultam da combinação de
conteúdos de ordem inferior e têm um fundamento experiencial; existem, pelo
menos, dois níveis de consciência, nomeadamente nuclear ou primária e alar-
gada ou elaborada, sendo os significados básicos de natureza pré-consciente; existe
um sistema neuronal intermédio de representação lexical (que se interpõe entre
o sistema neuronal conceptual e o sistema neuronal fonológico), organizado por

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categorias no lobo temporal esquerdo e convocando a interação de múltiplas


estruturas e regiões cerebrais (ver mais desenvolvimento em Silva 2006: 314-318).
Tudo isto sugere a predisposição do cérebro para a formação de categorias (perce-
tivas, conceptuais e linguísticas) complexas e, porque não dizer, polissémicas.

Ruturas, desenvolvimentos recentes e desafios:


cultura, discurso e mente

Apesar dos decisivos avanços referidos na secção anterior, será que a abordagem
que a Semântica Cognitiva tem feito da polissemia é plenamente cognitiva, no
sentido de explorar uma perspetiva dinâmica e maximamente contextualizada
da polissemia? Responderemos com a resposta que Geeraerts (2010) dá para
a Semântica Cognitiva como teoria de semântica lexical: ainda não.
Para o realizar, é necessário assumir uma mudança epistemológica de con-
ceção da própria cognição, explorada nos últimos anos pela "segunda geração" de
ciências cognitivas e da própria Linguística Cognitiva. Trata-se de passar da hipó-
tese da cognição corporizada, mais precisamente da vertente individual e universal
da cognição, do seu lado fisiológico e neurofisiológico de operações neuronais
meramente individuais, para o reconhecimento de que as experiências coletivas,
sociais e culturais são igualmente determinantes, e assim para a hipótese da cog-
nição socioculturalmente situada ou cognição coletiva, sinérgica ou ainda cognição
social; em termos de noções chave das ciências cognitivas, trata-se de passar da
noção de corporização (embodiment) para a noção de situacionalidade (situatedness)
ou então corporização situada (Bernárdez 2008; Frank et al. 2008; Zlatev et al.
2008; Pishwa 2009; Silva 2009).
Nesta viragem social da Linguística Cognitiva ou nesta perspetiva sócio-cog-
nitiva, a polissemia tem que ser estudada, não apenas no contexto da mente, mas
também no contexto da sociedade e da cultura ou da comunidade e no contexto
da interação discursiva.
No contexto da sociedade e da cultura, é importante saber qual o papel
de fatores sociais e culturais na polissemia lexical ou gramatical, como inte-
ragem fatores conceptuais e fatores socioculturais na geração, na individuação

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e no relacionamento de sentidos de uma categoria. Por exemplo, a polissemia dos


sufixos diminutivo e aumentativo é motivada por modelos culturais do tamanho
dos objetos, designadamente as ideias de que um objeto pequeno é geralmente
mais controlável do que um objeto grande e geralmente damos mais importância
a coisas grandes do que a coisas pequenas. Daqui as metáforas culturais opostas
PEQUENO É POSITIVO (amável, agradável) e PEQUENO É NEGATIVO
(sem importância), na base dos sentidos afetivo e depreciativo do diminutivo
(mãezinha vs. gentinha); e GRANDE É POSITIVO (importante) e GRANDE
É NEGATIVO (dá medo), na base dos sentidos apreciativo e depreciativo
do aumentativo (paisão vs. povão) (Silva 2006: cap. 8). Um segundo exemplo
é a interessante história semântica do verbo deixar, de que aqui damos apenas
um brevíssimo apontamento: os sentidos psicológicos, sociais e morais de "aban-
donar", "permitir", "não intervir" são desenvolvimentos metonímicos e metafó-
ricos e simultaneamente transformações de esquemas imagéticos de experiências
corporais e interacionais de desbloqueio e libertação de objetos, expressas no
étimo latino laxare, "afrouxar, relaxar; largar, soltar" (ver Silva 1999, 2003, 2006:
cap. 7). Ainda outro exemplo é o adjetivo do inglês awesome com os sentidos
de "fabuloso", "impressionante", "terrível". Robinson (2010) analisa o papel das
variáveis sociolinguísticas, como idade, sexo, educação, estatuto sócio-econó-
mico, profissão, lugar de residência, na polissemia deste adjetivo, e verifica que as
crianças e os jovens até aos 18 anos usam muito mais frequentemente o sentido
de "fabuloso", ao passo que as pessoas com mais de 60 anos usam muito mais
frequentemente o sentido de "terrível".
Para o estudo da interação de fatores conceptuais, sociais e culturais na
polissemia, são importantes os trabalhos da recente Sociolinguística Cognitiva
(Kristiansen & Dirven 2008; Geeraerts, Kristiansen & Peirsman 2010; Silva
2014), extensão emergente da Linguística Cognitiva como modelo centrado
no uso e orientado para o significado, e da Linguística Cultural (Palmer 1996,
Bernárdez 2008, Sharifian 2011), particularmente a ideia-chave de conceptuali-
zação/esquema cultural.
Estudar a polissemia no discurso é um imperativo de um modelo centrado
no uso da língua, como é a Linguística Cognitiva. Qualquer categoria polissémica,
tanto lexical como gramatical, só pode ser devidamente estudada no discurso,
simplesmente porque é aí que se constroem e se dão os sentidos. Existem catego-
rias essenciais para a construção do discurso e para as suas qualidades principais

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POLISSEMIA NA MENTE, NA CULTURA E NO DISCURSO ... |

de coesão e coerência: os chamados marcadores discursivos. Também eles estão


abertos à dinâmica polissémica das demais categorias linguísticas (ver os estudos
de Fischer 2000 e Travis 2005 sobre a polissemia dos marcadores discursivos).
Um exemplo é o marcador discursivo pronto, cuja polissemia é o resultado de um
processo recente de gramaticalização do adjetivo pronto e não tem equivalente nas
restantes línguas românicas. Os diversos usos pragmático-discursivos de pronto são
motivados por dois esquemas imagéticos subjacentes aos dois sentidos do adjetivo
pronto, nomeadamente "terminado, acabado, feito" aplicado a coisas e "prepa-
rado (para uma ação, uma utilização)" aplicado a pessoas ou coisas. O esquema
imagético retrospetivo explica os usos conclusivos, de concordância, de fecha-
mento temático e cedência de vez, ao passo que o esquema imagético prospetivo
motiva os usos impositivo, explicativo, de abertura temática e de tomada de vez
(ver a análise da polissemia de pronto em Silva 2006: cap. 10).
A abordagem necessariamente discursiva da polissemia tem uma impor-
tante implicação metodológica: o desenvolvimento e a utilização de métodos
avançados de linguística de corpus. Não basta uma análise meramente ilustrada
por um corpus, como mais frequentemente sucede, em que o corpus serve de sim-
ples repositório de ocorrências. É preciso fazer análise estatística, desenvolver
e utilizar métodos de análise quantitativa e multifatorial. Efetivamente, são neces-
sárias técnicas quantitativas multifatoriais, como a análise de regressão logística,
para determinar as correlações entre as variáveis conceptuais, estruturais e socio-
variacionais da polissemia de uma categoria. Tais técnicas permitem uma análise
distribucional avançada, explorando os pressupostos da análise distribucional dos
anos 50 de que diferenças de significado se correlacionam com diferenças de dis-
tribuição (Harris 1954) ou o postulado de Firth (1957: 11) de que "you shall
know a word by the company it keeps".
Na base dos mesmos pressupostos distribucionais, a Linguística Compu­
tacional tem desenvolvido técnicas para a deteção automática da polissemia no
corpus. Uma dessas técnicas é o modelo de Espaço Semântico Vetorial (Turney &
Pantel 2010; Heylen Wielfaert, Speelman & Geeraerts 2015): uma técnica com-
putacional que quantifica similaridade entre usos de uma palavra (ou entre pares
de palavras) com base no seu comportamento distribucional em vastos corpora.
Alguns estudos recentes, reunidos em volumes de Semântica Cognitiva
Quantitativa, têm aplicado estas técnicas avançadas de linguística de corpus e de
linguística computacional ao estudo da polissemia (Glynn & Fischer 2010, Glynn

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& Robinson 2014). Merece especial referência o trabalho de Gries (2006) sobre
a polissemia do verbo do inglês to run (correr) através do método do perfil com-
portamental (behavioral profile). Este método consiste em fazer a anotação de con-
cordâncias em termos de parâmetros morfológicos, sintáticos, semânticos, dis-
tribucionais – os chamados "ID tags"; calcular percentagens de coocorrência de
cada sentido com cada "ID tag"; e fazer a análise estatística dos dados através da
"análise de cluster". O método do perfil comportamental permite assim classificar
automaticamente ocorrências de palavras como sentidos. Constitui, pois, um ins-
trumento heurístico da maior importância para a tarefa difícil de individuação
e diferenciação de sentidos.
Finalmente, o estudo da polissemia no contexto da mente visa encontrar
evidência experimental sobre a realidade cognitiva da polissemia. O grande desafio
é testar experimentalmente todas as hipóteses da Semântica Cognitiva sobre
a polissemia. As questões de investigação incluem saber qual o tempo e ordem de
ativação dos sentidos, qual a importância do contexto na seleção de sentidos, qual
a importância da frequência/dominância na seleção de sentidos, como são arma-
zenados e como são adquiridos os sentidos. Esta agenda exige forte interdiscipli-
naridade entre a Semântica Cognitiva, a Psicologia Cognitiva e a Psicolinguística.
Deve notar-se que muito raramente é utilizado o termo polissemia em estudos de
Psicologia Cognitiva, usando-se aí em vez dele o termo ambiguidade.
Entre os poucos estudos neurolinguísticos de interesse para a polissemia,
destacam-se os de Burgess & Simpson (1988), mostrando que os dois hemisfé-
rios têm respostas opostas para significados subordinados (o hemisfério esquerdo
desativa significados subordinados, ao passo que o hemisfério direito aumenta-os
ao longo do tempo), e de Mason & Just (2007), verificando que a atividade do
cérebro no processamento de palavras "ambíguas" (isto é, polissémicas) difere em
função da dominância semântica e da memória de trabalho (ver outras referências
em Gries 2015).

Conclusão

Como conclusão geral, a Semântica Cognitiva muito tem contribuído teórica,


metodológica e descritivamente para o estudo da polissemia tanto lexical como

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gramatical, sendo a teoria de semântica lexical que indubitavelmente mais


e melhor a tem estudado, mas precisa de ser mais consequente com as suas
assunções de modelo centrado no uso da língua e orientado para o significado,
desenvolvendo uma abordagem cognitiva teórica e descritivamente mais recon-
textualizante – polissemia nos contextos mental, sociocultural e discursivo –
e metodologicamente mais empírica. Deixamos três desafios específicos.
Primeiro, a abordagem cognitiva da polissemia tem que integrar a situa-
cionalidade sociocultural, sócio-histórica e interacional do significado e inves-
tigar a correlação entre fatores conceptuais e fatores socioculturais da variação
de sentido. A nova conceção da mente como mente coletiva e da cognição como
cognição socioculturalmente situada ou cognição social, bem como as contribui-
ções da Sociolinguística Cognitiva e da Linguística Cultural oferecem meios para
responder ao desafio. Segundo, a abordagem cognitiva da polissemia tem que ser
quantitativamente testada em dados do uso real da língua através de métodos esta-
tísticos e multifatoriais avançados de análise de corpus. Os desenvolvimentos da
Linguística de Corpus e da Linguística Computacional e os recentes estudos de
Semântica Cognitiva Quantitativa começam a responder a este desafio. Terceiro,
a abordagem cognitiva da polissemia tem que ser experimentalmente testada,
através de estudos psicolinguísticos e neurolinguísticos. Espera-se que haja um
compromisso interdisciplinar entre Semântica Cognitiva, Psicologia Cognitiva
e Neurociências, necessário para responder a este terceiro desafio: a Semântica
Cognitiva precisa de reunir evidência experimental sobre polissemia e a Psicologia
Cognitiva precisa de integrar o fenómeno da polissemia na sua agenda.
Estes desafios fazem ainda mais sentido ao reconhecer-se que da com-
preensão da polissemia depende boa parte da compreensão do significado, da lin-
guagem e da cognição.

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Conceptualizações
de leitura: aportes
da Linguística Cognitiva
para compreensão
do significado
Elisângela Santana dos Santos

Palavras iniciais

Não é raro ouvir dizer que "a cigana leu o destino de alguém",
que a "leitura do filme foi boa", que é preciso "fazer a leitura
de um gesto, de uma situação". Também, é comum afirmar, na
área da Educação, que "a leitura da palavra deve ser precedida
pela leitura do mundo", conforme preconizou o educador bra-
sileiro Paulo Freire (1989), cuja obra está permeada de metá-
foras sobre alfabetização, letramento, leitura, pedagogia.1

1
Sardinha (2007), em estudo feito sobre metáforas na escola,
mostra como conceitos peculiares dessa área são metafóricos.
Esses e os outros usos, às vezes, estão tão presentes na vida
cotidiana, que não nos damos conta de que, subjacentes a essas
construções linguísticas, há pensamentos metafóricos que
refletem a forma como as pessoas concebem não só o ato de
ler, mas o estar no mundo, a forma de interagir com os outros
e com os objetos à sua volta. Entre alguns exemplos que ilustram
as concepções combatidas pela pedagogia freireana, podemos
citar: educação bancária e, por conseguinte, escola como banco,

183
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

No livro do mesmo autor intitulado A importância do ato de ler, por exemplo,


é possível identificar muitas passagens em que aparecem conceptualizações de lei-
tura que exemplificam o seu uso metafórico:

[...] a 'leitura' do meu mundo, que me foi sempre fundamental, não fez de mim
um menino antecipado em homem, um racionalista de calças curtas. A curio-
sidade do menino não iria distorcer-se pelo simples fato de ser exercida, no
que fui mais ajudado do que desajudado por meus pais. E foi com eles, preci-
samente, em certo momento dessa rica experiência de compreensão do meu
mundo imediato, sem que tal compreensão tivesse significado malquerenças
ao que ele tinha de encantadoramente misterioso, que eu comecei a ser intro-
duzido na leitura da palavra. A decifração da palavra fluía naturalmente da 'lei-
tura' do mundo particular. Não era algo que se estivesse dando superposta-
mente a ele. Fui alfabetizado no chão do quintal de minha casa, à sombra das
mangueiras, com palavras do meu mundo e não do mundo maior dos meus
pais. O chão foi o meu quadro-negro; gravetos, o meu giz. Com ela, a leitura
da palavra, da frase, da sentença, jamais significou uma ruptura com a 'lei-
tura' do mundo. Com ela, a leitura da palavra foi a leitura da 'palavramundo'.
(FREIRE, 1989, grifo nosso)

Como podemos perceber, a palavra leitura apresenta, nos trechos trans-


critos, valores semânticos distintos. Tanto encontramos o sentido de "conhecer
e juntar as letras de uma palavra", como encontramos o sentido metafórico de
"compreender o que está além das palavras". Nesse último caso, as expressões
metafóricas "leitura do mundo" e "leitura do real" trazem subjacente à metá-
fora conceptual que norteou o modelo pedagógico freireano: LEITURA É
EXPERIÊNCIA FÍSICO-SENSORIAL.2
Para Martins (2012, p. 17, grifo nosso), os primeiros passos para aprender
a ler são dados assim que começamos a compreender e a dar sentido ao que
e a quem nos cerca:

Quando começamos a organizar os conhecimentos adquiridos, a partir das


situações que a realidade impõe e da nossa atuação nela; quando começamos

professor como depositante, aluno como recipiente, conhecimento como bem doado,
depositado.
2
As metáforas conceptuais serão indicadas, neste artigo, em caixa-alta, conforme o fazem
Lakoff e Johnson (1980, 1999) e outros teóricos da Linguística Cognitiva.

— 184 —
CONCEPTUALIZAÇÕES DE LEITURA: APORTES DA LINGUÍSTICA COGNITIVA PARA COMPREENSÃO DO SIGNIFICADO |

a estabelecer relações entre as experiências e a tentar resolver os problemas


que se nos apresentam – aí então estamos procedendo leituras, as quais nos
habilitam basicamente a ler tudo e qualquer coisa.

Ainda que não fique explícito o modelo teórico adotado, na referida citação,
o posicionamento assumido pela autora corrobora a relação entre os sentidos que
podem ser acionados pelo ato de ler e as experiências cotidianas do sujeito leitor.
Retomando, ainda, as suas palavras, a leitura, "vai além do texto e começa antes
do contato com ele" (MARTINS, 2012, p. 33); ler, nessa perspectiva, é, portanto
e antes de tudo, "produzir sentido" ou, mais especificamente, "sentir".
Assim, partindo do pressuposto de que o item lexical leitura apresenta uma
evidente complexidade semântica, ilustrada pelos diferentes conceitos que pode
apresentar, é propósito deste artigo investigar as conceptualizações dessa palavra,
em contextos de uso previamente selecionados, à luz dos pressupostos teórico-
-metodológicos da Linguística Cognitiva.
É preciso deixar claro, porém, que não é nosso intuito promover discus-
sões nem teorizações sobre o que é leitura e suas especificidades, segundo as abor-
dagens preconizadas pelos teóricos da Pedagogia, da Educação, da Linguística
Aplicada ou da Linguística Textual. Muito embora sejam feitas referências às con-
tribuições de especialistas dessas áreas, almejo mostrar que, ao contrário da obje-
tividade que, supostamente, poderia ser atribuída a textos do gênero instrucional,
as orientações sobre o trabalho com leitura constantes de alguns Manuais do pro-
fessor, que integram coleções de livros didáticos de língua portuguesa do Ensino
Fundamental, apresentam conceitos metafóricos relativos à leitura, que ratificam
a afirmação de Lakoff e Johnson (2002) de que grande parte das ações cotidianas
e pensamentos humanos são embasados por metáforas conceptuais.3 No entanto,
isso sequer é mencionado nesses livros, quando os seus autores e autoras discorrem
sobre metáfora.
Como se trata de uma pesquisa qualitativa, de caráter descritivo-interpre-
tativo e sincrônico, foi constituído um corpus de língua escrita, com publicações

3
É objetivo deste trabalho, também, dar continuidade às pesquisas realizadas no
Doutorado e no Grupo de Estudos em Semântica Cognitiva (GESCOG/PROHPOR –
UFBA/UNEB), bem como ampliar os projetos que vêm sendo desenvolvidos no âmbito
institucional e da Iniciação Científica, articulando-os à linha de Linguagens, Discurso e
Sociedade e ao Núcleo de Estudos do Léxico (NEL), ambos vinculados ao Programa de
Pós-Graduação em Estudo de Linguagens da Universidade do Estado da Bahia (UNEB).

— 185 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

de livros do ano de 2012. Para proceder à interpretação dos contextos de uso,


foi utilizado o método de introspecção, que se apoia naquilo que o pesquisador
pensa sobre os significados encontrados, o que pressupõe uma análise, até certo
ponto, intuitiva das ocorrências identificadas, alicerçada, porém, ao contexto
sócio-histórico-cultural e pedagógico em que os textos foram produzidos e nos
fundamentos teóricos em que o estudo se baseia. A adoção desse modelo baseado
no uso e aliado à análise introspectiva encontra respaldo em alguns princípios
da própria Linguística Cognitiva, que segue a orientação hermenêutica para os
estudos semânticos, uma vez que adota um enfoque interpretativo e, por conse-
guinte, inter/multi/trans/disciplinar no exame dos dados.
Para respaldar teoricamente o trabalho, foram levados em conta estudos
de diferentes autores cognitivistas, a exemplo de Augusto Soares da Silva (1999,
2006), entre outros estudiosos que interpretam a polissemia como um fenômeno
de conceptualização, com o intuito de mostrar como "corporizamos" as culturas
por meio dos significados atribuídos às palavras e às coisas que nos cercam. Para
discorrer sobre as extensões de sentido do substantivo leitura, busquei mostrar
como as metáforas conceptuais embasam os conceitos que conhecemos e como
esse fenômeno está presente no nosso cotidiano (na fala, na escrita, no pensamento
e nas ações), considerando os pressupostos da Teoria da Metáfora Conceptual
(TMC), de Lakoff e Johnson (2002), e intercalando, simultaneamente, afirma-
ções de alguns estudiosos acerca de conhecimentos e experiências humanas refe-
rentes às concepções de leitura.
Visando a uma melhor compreensão do conteúdo abordado, dividi o artigo
em duas seções que se somam às "Palavras Iniciais" e às "Considerações Finais".
Na primeira seção, apresento uma breve revisão sobre o contexto de surgimento
da Linguística Cognitiva, sobre o estudo do significado, segundo essa perspectiva,
e sobre a polissemia. Já na segunda seção, teço alguns comentários sobre os usos
da palavra leitura identificados no corpus, com o intuito de compreender e, ao
mesmo tempo, mostrar como a linguagem se interconecta com a cognição e com
o corpo humano nos espaços socioculturais. Para tanto, procuro analisar os meca-
nismos cognitivos que propiciam a multiplicidade de sentidos desse item lexical,
recorrendo, particularmente, às noções de conceptualização, bem como de metá-
fora conceptual.

— 186 —
CONCEPTUALIZAÇÕES DE LEITURA: APORTES DA LINGUÍSTICA COGNITIVA PARA COMPREENSÃO DO SIGNIFICADO |

O contexto de surgimento da Linguística Cognitiva


e o estudo do significado

Costumamos considerar que o marco inicial para o estudo do significado sob


o enfoque da Linguística Cognitiva teve início por volta da segunda metade do
século XX, mais especificamente, a partir da publicação da obra Methaphors we
live by, de autoria dos norte-americanos Lakoff e Johnson, publicada em 1980,
em inglês, e traduzida para o português, com o título de Metáforas da vida coti-
diana, em 2002. No entanto, linguistas como Cuenca e Hilferty (1999, p. 11)
afirmam que só no ano de 1987 nasceu, de fato, essa ciência, devido à publi-
cação do primeiro volume de Foundations of cognitive grammar, de Langacker,
e do livro Women, fire and dangerous things, de Lakoff, obra que, segundo Batoréo
(2000, p. 131), é referência para outros trabalhos produzidos nessa área. Silva
(2004, p. 1), porém, considera que os pontos de partida para institucionalizar
e consolidar a Linguística Cognitiva, como paradigma científico, foram a criação
da International Cognitive Linguistics Association e a realização da primeira
International Cognitive Linguistics Conference, ocorridas em Duisburg, na
Alemanha, em 1989, seguidas da fundação da revista Cognitive Linguistics e da
coleção Cognitive Linguistics Research, em 1990.
Embora existam discordâncias quanto a demarcações cronológicas para
determinar quando se iniciaram, exatamente, os estudos, no âmbito da Linguística
Cognitiva, o que precisamos saber é que o contexto, no qual esse modelo teórico
surgiu, reflete uma clara insatisfação de um grupo de estudiosos que, em oposição
às teorias formalistas da linguagem, que vigoravam no século XX, a exemplo do
Estruturalismo e do Gerativismo chomskiano,4 criaram um modelo teórico men-
talista/cognitivista que priorizava pesquisas de fenômenos relativos à significação
e defendia o experiencialismo ou realismo corporizado (embodied realism), pre-
conizado por Lakoff e Johnson (1980, 1999), por Lakoff (1987) e por Johnson
(1987).5

4
A obra fundadora de N. Chomsky, Estruturas sintáticas, foi publicada em 1957.
5
Cabe, aqui, salientar que o experiencialismo, enfatizado na Semântica Cognitiva, refe-
re-se a todo tipo de experiência humana: o movimento dos corpos, a percepção das
coisas, a forma de ver o mundo e agir nele, a integração social etc. Ao estudar a signifi-
cação de verbos, como tomar, dar, pegar e foder, sob o enfoque cognitivo, por exemplo,
isso ficou muito claro. Com o item lexical leitura, não foi diferente.

— 187 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

De acordo com o modelo teórico cognitivista, para criar e entender os sig-


nificados não basta levar em conta o processamento mental do falante/ouvinte e o
seu conhecimento meramente linguístico, é preciso, pois, considerar, principal-
mente, o seu conhecimento enciclopédico, isto é, o seu conhecimento de mundo.
Assim, diferentemente dos modelos de análise sêmica ou componencial, em que
o léxico é concebido como uma organização estrutural e o significado pode ser
analisado por meio da identificação de semas ou traços distintivos mínimos,
segundo condições necessárias e suficientes, o estudo da significação, sob
o enfoque cognitivo, busca compreender, por meio de estudos interdisciplinares,
como o ser humano é capaz de significar, a partir de suas experiências sociais, cul-
turais, emocionais, uma vez que, segundo essa abordagem, o significado é concep-
tual, psicológico, perspectivista, experiencialista, contextual e flexível. Ao posicio-
nar-se a esse respeito, Silva (2004, p. 2) compartilha com Langacker (1999, 2007)
a ideia de que a linguagem deve ser vista como parte integrante da cognição e não
como um módulo isolado, devendo, por isso, ser estudada em contextos de con-
ceptualização, o que corrobora a natureza enciclopédica do significado linguístico
e a necessidade de estudá-lo em contextos de uso.

Metáfora conceptual: mecanismo cognitivo


propulsor de polissemia

Dentre os vários fenômenos semânticos que podem ser estudados sob o enfoque
da Linguística Cognitiva, um, em especial, destaca-se pela sua complexidade
e pelo seu caráter polêmico e inconcluso. Trata-se da polissemia. Durante o desen-
volvimento da Semântica Lexical, o estudo da polissemia passou por diferentes
tratamentos. Vale salientar que, embora, nos períodos antigo e medieval, já exis-
tissem especulações a respeito dos múltiplos sentidos que um item lexical pode
assumir, o termo polissemia só foi criado no século XIX, mais especificamente
em 1897, pelo semanticista pré-estruturalista Michel Bréal, e deriva etimologi-
camente de polys, palavra grega que significa "numeroso", e de seméion, palavra
grega que equivale à "significação".
Depois de um longo período de pouca visibilidade, entre o século XIX
e a primeira metade do século XX, o estudo da polissemia voltou a despertar

— 188 —
CONCEPTUALIZAÇÕES DE LEITURA: APORTES DA LINGUÍSTICA COGNITIVA PARA COMPREENSÃO DO SIGNIFICADO |

o interesse de pesquisadores, incluindo linguistas, semanticistas, lexicógrafos, psi-


colinguistas, filósofos, antropólogos, neurocientistas, linguistas computacionais,
dentre outros. Na década de 1980, porém, esse fenômeno voltou a ser objeto de
estudo não só da Linguística Cognitiva, como também da Psicologia Cognitiva,
da Psicolinguística, da Inteligência Artificial e da Linguística Computacional.
Para a Semântica Cognitiva, a polissemia tem, sem dúvida, grande rele-
vância para o conhecimento de uma dada língua, bem como da cultura e da
sócio-história daqueles que a utilizam, uma vez que os múltiplos sentidos de
um palavra, de um morfema, de uma forma fixa ou expressão idiomática podem
refletir capacidades cognitivas e experiências culturais, históricas e sociais que
envolvem os sujeitos conceptualizadores no seu viver cotidiano, revelando-nos
um pouco da sua identidade, de como concebem o estar no mundo e de como se
relacionam na e com a sociedade de que fazem parte. Daí reconhecermos que os
estudos sob a égide da Linguística Cognitiva, além de serem hermenêuticos, são
interdisciplinares, já que compreender um fenômeno semântico sob essa abor-
dagem pressupõe examinar diferentes áreas do saber e suas interconexões.
Para estudar a polissemia de um verbo ou de qualquer outro item lexical,
sob o ponto de vista da Linguística/Semântica Cognitiva, é possível recorrer
a diferentes linhas de investigação, quais sejam: Teoria do Protótipo, Teoria da
Metáfora Conceptual, Teoria dos Esquemas Imagéticos, Teoria dos Modelos
Cognitivos Idealizados, dentre outras. Para o estudo do item léxico-semântico
leitura, entretanto, optei por centrar-me, apenas, nos princípios da Teoria da
Metáfora Conceptual.
O desenvolvimento desse modelo teórico deve-se aos estudos realizados
por George Lakoff e outros representantes das ciências cognitivas, a partir da
década de 1970. O livro Methaphors we life by (1980), já citado na seção anterior,
é considerado por muitos um ponto de partida para os estudos cognitivistas sobre
a metáfora e para a consolidação da Teoria da Metáfora Conceptual (TMC) como
uma das vertentes teóricas da Linguística Cognitiva.
De acordo com essa abordagem, o fenômeno metafórico é concebido como
um elemento essencial para a categorização do mundo e propulsor de polissemia,
uma vez que expressa como aspectos da vida cotidiana podem associar-se a situa-
ções mais complexas ou desconhecidas da experiência humana e refletir as formas
de perceber, de pensar e de organizar o raciocínio. Em outras palavras, podemos

— 189 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

dizer que estudar a metáfora, sob essa perspectiva, significa sair do plano da retó-
rica e conhecer a maneira como o ser humano que emprega essa figura de pensa-
mento se relaciona em sociedade e concebe aspectos da vida.
A interpretação desse fenômeno sob o viés cognitivista vem confirmar
a interação entre corpo e mente, isto é, o realismo corporizado, conforme já
citado, e refutar a noção restritiva a ele destinada de mero ornamento linguístico
ou figura de linguagem predominante do texto literário. Para melhor compreen-
dê-lo, é preciso, pois, fazer uma distinção entre o que designamos como metáforas
conceptuais e metáforas linguísticas. A esse respeito, Cuenca e Hilferty (2007,
p. 100, tradução nossa) trazem a seguinte observação:

Na hora de abordar a descrição da metáfora, convém estabelecer uma dis-


tinção entre expressões metafóricas, por um lado, e metáforas conceptuais,
por outro. Essa distinção é básica para a análise cognitiva da metáfora, já
que permite revelar generalizações que, de outro modo, ficariam ocultas. As
metáforas conceptuais são esquemas abstratos [...], que servem para agrupar
expressões metafóricas. Uma expressão metafórica, em contrapartida, é um
caso individual de uma metáfora conceptual.6

Lakoff e Johnson (2002, p. 71-134) elencam três grandes grupos de me­


táforas conceptuais bastante recorrentes na cultura ocidental, que podem ser
percebidas conjuntamente ou em separado. Trata-se das metáforas ontológicas,
orientacionais e estruturais.7 As ontológicas são bastante comuns no pensamento
humano e relacionam eventos, atividades, emoções, ideias e processos a enti-
dades e substâncias. A metáfora IDEIAS SÃO PESSOAS, por exemplo, pode ser
acionada na expressão metafórica: "Suas ideias viverão para sempre". A metáfora

6
"A la hora de abordar la descripción de la metáfora, conviene establecer uma distin-
ción entre expresiones metafóricas, por uma parte, y metáforas conceptuales, por outra.
Esta distinción resulta básica para el análisis cognitivo de la metáfora, ya que permite
desvelar generalizaciones que, de outro modo, quedarían ocultas. Las metáforas con-
ceptuales são esquemas abstratos [...], que sierven para agrupar expresiones metafó-
ricas. Uma expesión metafórica, em cambio, es um caso individual de una metáfora
conceptual".
7
Os exemplos que se seguem foram extraídos da obra basilar Metáforas da vida cotidiana,
dos dois autores supracitados.

— 190 —
CONCEPTUALIZAÇÕES DE LEITURA: APORTES DA LINGUÍSTICA COGNITIVA PARA COMPREENSÃO DO SIGNIFICADO |

EFEITO EMOCIONAL É CONTATO FÍSICO, por sua vez, pode ser identifi-
cada em: "A morte de sua mãe o atingiu em cheio"; "Sua observação tocou-me". As
metáforas orientacionais, por outro lado, partem de experiências culturais e físicas
e estão associadas à orientação espacial. Exemplos como "Eu estou me sentindo para
cima" e "Você está de alto astral" trazem implícita a metáfora conceptual FELIZ É
PARA CIMA, enquanto que em "Eu caí em depressão" ou em "Estou no fundo do
poço", fica subjacente que TRISTE É PARA BAIXO. Por último, mas não menos
recorrentes e importantes, as metáforas estruturais, assim como as outras duas,
fundamentam-se em correlações sistemáticas pautadas na experiência, o que per-
mite usar um conceito estruturado e detalhado de maneira clara para estruturar
um outro, às vezes um pouco menos concreto ou desconhecido. No exemplo "Se
você não alicerçar sua argumentação com fatos sólidos, tudo irá ruir", a metáfora que
está subjacente ao conceito de discussão pode ser descrita como DISCUSSÃO É
UMA CONSTRUÇÃO.
De acordo com a TMC, a relação entre conceitos concretos e abstratos
estabelece-se por meio de uma projeção entre domínios conceptuais, também
conhecida como mapping ou mapeamento,8 que resulta da conceptualização de
um domínio de experiência em lugar de outro. É possível dizer, com isso, que
o mapeamento metafórico estabelece uma relação de similaridade, envolvendo
a interação entre um domínio origem ou domínio-fonte, mais conhecido, expe-
rienciado física-espacialmente, e um domínio-alvo, menos conhecido ou mais
abstrato; ao passo que a metonímia, outro fenômeno conceptual de grande
importância, estabelece uma relação de contiguidade dentro de um mesmo
domínio ou de um domínio matriz, ligando um conteúdo fonte a um conteúdo
alvo menos acessível.9

8
O termo mapping, segundo Grady (2007, p. 190), foi emprestado da matemática para
referir-se às correspondências metafóricas sistemáticas entre ideias relacionadas entre
si.
9
Assim como a metáfora, a metonímia conceptual é um fenômeno semântico concep-
tual, não menos importante. Há teóricos que acreditam em uma oposição entre os dois,
outros, em um continuum (já que as fronteiras entre ambos não são tão rígidas), e há
outros, ainda, que veem na metonímia a primariedade cognitiva sobre a metáfora.

— 191 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

Ainda que o princípio da unidirecionalidade, isto é, a tendência de criarmos


metáforas típicas, usando uma fonte mais concreta para descrever um alvo mais
abstrato, seja recorrente, é bastante questionado, visto que nem sempre os mapea-
mentos ocorrem dessa maneira. Tanto nas metáforas anteriormente citadas quanto
nas seguintes, adaptadas da obra de Lakoff e Johnson (2002), é possível perceber
que as projeções metafóricas não fugiram a essa regra. Temos como exemplos:
TEMPO É DINHEIRO – "Não vou tomar o seu tempo precioso"; "Estou gastando
muito tempo"; "Eu recebo pelas horas de aula que dou"; AMOR É UMA VIAGEM –
"Nosso casamento chegou ao fim"; "A nossa relação está embarcando num caminho
sem volta"; VIDA É UM RECIPIENTE – "Tive uma vida cheia de atribulações";
"A vida está vazia para mim".
Nesses casos, conforme define Grady (2007, p. 192), as associações entre
domínios não são arbitrárias, mas experiencialmente motivadas, uma vez que
refletem a forma como os indivíduos percebem e interpretam o mundo. Para
explicar esse processo e aprofundar as discussões propostas por Lakoff e Johnson,
em 1980, Grady (1997) criou a Teoria das Metáforas Primárias. Para ele, a geração
de metáforas primárias é algo natural, proveniente de conexões neurais, e conse-
quência inevitável de associações que se repetem na vida diária, em contraposição
às metáforas complexas, convencionais e não experienciais, muitas vezes originadas
a partir da combinação das próprias metáforas primárias. (GRADY, 2007, p. 194)
É possível ver que, nos exemplos apresentados, os conceitos de TEMPO,
AMOR e VIDA podem ser compreendidos e categorizados recorrendo-se a objetos
e situações que remetem a conceitos físicos ou espaciais, como DINHEIRO,
VIAGEM, RECIPIENTE. Nesses casos, ficam evidentes a Metáfora dos Eventos
como Objetos (LAKOFF; JOHNSON, 1999) e a Metáfora do Recipiente, con-
forme descrevem Lakoff e Johnson (2002, p. 81):

Nós somos seres físicos, demarcados e separados do resto do mundo pela


superfície de nossas peles; experienciamos o resto do mundo como algo fora
de nós. Cada um de nós é um recipiente com uma superfície demarcadora
e uma orientação dentro-fora.

Ao discorrer sobre essa questão, Vilela (1996, p. 320) explica que a pro-
jeção de usos experiencialmente básicos para domínios abstratos da experiência
humana reflete uma propensão que nós temos em construir metáforas ontológicas,

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CONCEPTUALIZAÇÕES DE LEITURA: APORTES DA LINGUÍSTICA COGNITIVA PARA COMPREENSÃO DO SIGNIFICADO |

motivadas pela tendência em entendermos conceitos mais obscuros, opacos, em


termos de outros mais palpáveis10 ou mais conhecidos na nossa cultura e meio
social. Para Silva (2006, p. 132), isso se deve à necessidade de simbolizar as con-
ceptualizações de uma maneira mais fácil de serem apreendidas durante a interlo-
cução, pois, ao falar do abstrato em termos do concreto, criamos a ilusão da obje-
tividade e facilitamos a comunicação. Corroborando essa posição, Domínguez
e Elorza (1996, p. 12) defendem, assim como os demais autores citados, que o ser
humano tem uma tendência para compreender conceitos abstratizados, recor-
rendo a saberes adquiridos, a partir da manipulação de objetos e de movimentos
espaço-temporais fisicamente experienciados. Esses autores acreditam que, par-
tindo daquilo que está mais próximo e mais conhecido, é possível entender
melhor o que está distante ou desconhecido.
Em síntese, essa nova maneira de explicar fenômenos antes interpretados
como eminentemente linguísticos, restritos ao texto literário, trouxe para os
estudos semânticos importantes contributos, a exemplo da ruptura com a visão
dualista, cartesiana, acerca da separação entre mente e corpo para a explicação
do que é e como se constrói o significado, bem como a inserção de um olhar
holístico, interdisciplinar sobre a linguagem, em defesa da tão propalada "mente
encarnada" (embodied mind).
Foi partindo dessa compreensão que propus o estudo semântico do subs-
tantivo leitura aqui exposto, verificando, sobretudo, o que está subjacente à sua
polissemia nos Manuais do professor examinados.

Leitura nos dicionários e nos manuais do professor de livros


didáticos de língua portuguesa

Ao estudar a natureza polissêmica de dar, tomar, pegar e foder, em obras literá-


rias e não literárias, em variados períodos da língua portuguesa, considerando as
modalidades oral e escrita, busquei averiguar se fatores sociais, linguísticos, his-
tóricos e cognitivos interferiam na conceptualização dos sentidos encontrados,
em cada sincronia examinada, e se propiciavam alterações no comportamento

10
Nesses casos, o domínio-alvo herda os esquemas básicos e propriedades semânticas
e sintáticas do domínio-fonte.

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

semântico dos verbos estudados. Os resultados foram diversos, mas comprovaram


algo em comum: se, por um lado, os predicadores verbais citados refletem atos
básicos da experiência humana, porque indicam deslocamento espaço-temporal,
emprego de força, contato físico, transferência de posse material e controle; por
outro lado, são semanticamente complexos e, por conseguinte, bastante polissê-
micos, uma vez que a saliência conceptual dos atos físicos que expressam serve de
base experiencial para inúmeras projeções, em diferentes domínios da experiência
humana.
Assim, de modo mais ou menos semelhante ao que foi feito nos estudos refe-
ridos, são objetivos nossos identificar o que está na base das variações dos sentidos
encontrados em um corpus de língua escrita, constituído por Manuais de Professores
que constam do encarte dos livros didáticos das coleções Singular e Plural, da
Editora Moderna (2012); Mundo da Língua Portuguesa, da Editora Positivo (2012);
Textos e Linguagens, da Editora Escala Educacional (2012), e Português: a arte da
palavra, da Editora AJS (2012), destinadas às séries finais do segundo segmento do
Ensino Fundamental, as quais, doravante, serão denominadas C1, C2, C3 e C4.

Origem e acepções de leitura nos dicionários de língua portuguesa

Leitura vem do latim, lectura, que deriva do verbo legere, equivalente a ler em
português. Tal como a maior parte dos predicadores verbais de origem latina, ler
possui um significado proveniente da agricultura. O verbo legere tinha os sentidos
de "colher", "escolher", "recolher", em latim. (CUNHA, 1986) Ao passar para
o português, esses usos especializaram-se e ler passou a significar "obter infor-
mações através da percepção de letras e palavras", sem perder, contudo, algumas
nuances do seu sentido experiencialmente básico, já que esse ato também está
atrelado à capacidade de escolher, selecionar, não mais grãos, frutos ou cachos,
mas sinais gráficos, para deles extrair sentido, conhecimento. Há, inclusive uma
expressão latina, legere oculis, que significa "colher com os olhos". Portanto,
o verbo ler e o substantivo dele derivado, leitura, na língua portuguesa, são prove-
nientes de uma experiência físico-espaço-sociocultural que, como vemos, se abs-
tratizou no contexto educacional.
Todavia, por ser leitura, de modo geral, definida como um ato intelectual
de seleção e combinação de grafemas para extrair significados, o que pressupõe
uma iniciação, um preparo, acessível a poucos, a contar pelos números elevados

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CONCEPTUALIZAÇÕES DE LEITURA: APORTES DA LINGUÍSTICA COGNITIVA PARA COMPREENSÃO DO SIGNIFICADO |

de analfabetos funcionais, ainda hoje, no Brasil e em outras nações em desenvolvi-


mento socioeconômico, é comum tanto educadores quanto autores de livros didá-
ticos e, até mesmo, teóricos da Educação, que discutem esse tema e suas especifici-
dades taxionômicas, recorrerem a experiências físico-espaciais para explicarem-na,
com vistas a estabelecer uma aproximação entre o conhecimento linguístico-textual
e o conhecimento de mundo do estudante-leitor-sujeito interpretante.
Nas obras lexicográficas da língua portuguesa consultadas para este estudo,
aparecem uma média de oito sentidos para o vocábulo leitura (ainda que muitos
possam ser excluídos por representarem repetições e outros sequer sejam regis-
trados), o que evidencia a sua irrefutável natureza polissêmica. No Dicionário
Online de Português Houaiss, por exemplo, estão registradas nove acepções, assim
como no Michaellis Online. Já o Aulete Digital, diferentemente dessas obras,
incluem os chamados sentidos "figurados", isto é, as extensões metafóricas.11

11
1. Ação ou resultado de ler. 2. Hábito de ler. 3. Aquilo que se lê; OBRA; TEXTO: Essa
revista, uma leitura leve, me distrai. 4. Modo de interpretar, forma como se vê ou com-
preende uma obra ou uma situação; INTERPRETAÇÃO: "[...] uma personagem de vida
confusa o suficiente para suportar duas leituras, uma cômica e outra trágica [...]" (O
Estado de S. Paulo, 27 maio 2005) 5. Obras lidas: Tornou-se mais crítico com tanta leitura.
6. Fís. Registro das informações dadas por um instrumento de medida. 7. Tec. Processo
de reconhecimento, decodificação e reprodução, por meio de dispositivo apropriado,
de som, imagem ou dados armazenados num suporte.8. Rel. Texto, ger. extraído da
Bíblia, lido ou cantado por uma só pessoa. 9. Matéria de ensino elementar. [F.: Do lat.
med. lectura.].
Leitura à primeira vista
1 Mús. Execução de trecho musical ao se ler a partitura pela primeira vez, sem estudo
prévio.
Leitura da fala
1 Ver Leitura labial.
Leitura dinâmica
1 Método de leitura que, por meio de várias técnicas, visa a uma apreensão mais rápida
e eficiente dos significados do texto, utilizando não a varredura visual linear das pala-
vras, palavra por palavra, com saltos nas mudanças de linha, mas por captação de blocos,
ou pela ampliação do ângulo de visão do texto etc; leitura fotográfica; leitura rápida.
Leitura dramática
1 Teat. Leitura do texto de uma peça diante do público, com todas as inflexões vocais
e descrições necessárias, mas sem ação cênica no palco.
Leitura fotográfica
1 Ver Leitura dinâmica.
Leitura labial
1 Percepção que tem um surdo da fala de alguém pela interpretação dos movimentos
de seus lábios, da mandíbula e dos músculos faciais; leitura da fala.
Leitura nova

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

Sobressaem-se, em todos os dicionários consultados, acepções relativas


à ação de ler, adotada no contexto educacional, escolar, ou seja, a leitura como
decodificação, com vistas à interpretação do que está escrito. Por se tratar de
um substantivo que deriva de um verbo epistêmico, uma vez que esse ato pres-
supõe uma atividade mental, cognitiva, considero leitura, também, um evento
cognitivo, pois tanto indica uma atividade físico-espacial sensório-motora, já que
pressupõe o contato dos olhos com o código alfabético, como também pressupõe
compreensão e aquisição de conhecimentos, a partir do que é visto e lido, de
modo que engloba, desde o reconhecimento das letras até as conceptualizações
decorrentes. Afinal, conforme preconiza Kleiman (2000, p. 26-27, grifo nosso),
pesquisadora das áreas de leitura, letramento e interação em sala de aula, "o mero
passar de olhos pela linha não é leitura, pois leitura implica uma atividade de
procura por parte do leitor, no seu passado, de lembranças e conhecimentos, [...]".

Conceptualizações de leitura no corpus: projeções metafóricas geradoras


de polissemia

Nas coleções de livros didáticos consultadas, as projeções metafóricas que estão na


base da significação de leitura se concentram nas atividades relativas ao estudo da
coletânea de textos e nas orientações que constam do Manual do professor das cole-
ções C1 (FIGUEIREDO; BALTHASAR; GOULART, 2012); C2 (FINKLER,
2012); C3 (SIMÕES, 2012); e C4 (RODELLA; NIGRO; CAMPOS, 2012).
A recorrência de metáforas ontológicas, orientacionais e estruturais refe-
rentes à leitura identificadas nesses materiais escolares e a sua motivação devem-se,
possivelmente, à similaridade entre alguns conceitos e, por conseguinte, à utili-
zação de conhecimentos baseados na experiência cotidiana de educandos e edu-
cadores, como uma estratégia didática, para facilitar a compreensão de conteúdos
mais complexos. Essa concepção parece estar clara e bem delimitada no Manual
do professor da coleção C4, quando seus autores destacam, no tópico intitulado
Leitura, o seguinte:

1.1 Acervo de documentos portugueses, copiados em letra caligráfica cursiva por


ordem de D. Manuel I.2 P. ext. Cópia do texto de documento em letra vigente na época
da cópia.
Leitura rápida
1 Ver Leitura dinâmica. (AULETE..., [200-], grifo do autor)

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CONCEPTUALIZAÇÕES DE LEITURA: APORTES DA LINGUÍSTICA COGNITIVA PARA COMPREENSÃO DO SIGNIFICADO |

Como lembra Alberto Manguel em seu livro Uma história da leitura, o sentido
da leitura não é restrito às letras impressas numa página de papel: os astró-
logos leem as estrelas para prever o futuro; o músico lê a partitura para tocar
seu instrumento; o médico lê a doença em seu paciente; a mãe lê a necessi-
dade no rosto de seu filho; o agricultor lê o céu para saber como cuidar de
sua cultura. Enfim, todas essas maneiras de leitura estão associadas à possibi-
lidade de decifrar e traduzir signos. (RODELLA; NIGRO; CAMPOS, 2012, p. 10,
grifo nosso)

Vários teóricos, estudiosos do assunto, ao discorrerem sobre essa temática,


fazem também uso de metáforas. Em Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura,
por exemplo, Kleiman (2000, p. 19) as emprega, para explicar os conceitos de
texto e de leitura:

Os textos também podem ser classificados levando-se em consideração


o caráter de interação entre autor e leitor, pois o autor se propõe a fazer algo
e, quando essa intenção está materialmente presente no texto, através das
marcas formais, o leitor se dispõe a escutar, momentaneamente o autor, para
depois aceitar, julgar, rejeitar [...].

Projeções metafóricas são, também, ativadas em O texto na sala de aula,


quando João Wanderley Geraldi (1999, p. 107, grifo nosso) ressalta que "[...]
a leitura é entendida como um processo de interlocução entre leitor/texto/autor",
e é retomada no livro O que é leitura, quando Martins (2012, p. 33, grifo da
autora), por sua parte, afirma:

A leitura se realiza a partir do diálogo do leitor com o objeto lido – seja escrito,
sonoro, seja um gesto, uma imagem, um acontecimento. Esse diálogo é refe-
renciado por um tempo e um espaço, uma situação; desenvolvido de acordo
com os desafios e as respostas que o objeto apresenta, em função de expec-
tativas e necessidades, do prazer das descobertas e do reconhecimento de
vivências do leitor.

Para dar continuidade ao que vimos até aqui, destacarei, a seguir, as metá-
foras linguísticas e conceptuais identificadas no corpus, os quais atestam as dife-
rentes conceptualizações do conceito de leitura nas coleções de livros didáticos

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consultados, bem como farei considerações analíticas embasadas no instru-


mental teórico-metodológico esboçado nas seções anteriores.

LEITURA É CONSTRUÇÃO

Nos trechos extraídos das coleções C1 e C2 transcritos, a seguir, ao fazerem


menção às capacidades de compreensão do estudante ante a leitura de um texto,
as autoras recorrem a um mapeamento metafórico, tal como descrevem Lakoff
e Johnson (2002), entre um domínio-fonte, CONSTRUÇÃO, e um domínio
alvo, LEITURA, conforme podemos visualizar:

[...] as atividades de leitura também têm como objetivo desenvolver as capaci-


dades e os procedimentos de leitura necessários para formação de um leitor
proficiente, ou seja, capaz de construir sentidos para os textos lidos e de se
colocar criticamente diante deles. (FIGUEIREDO; BALTHASAR; GOULART,
2012, p. 10, grifo nosso)

A construção inicial dos sentidos do texto se baseará, então, na confirmação


ou não das hipóteses levantadas. (FIGUEIREDO; BALTHASAR; GOULART, 2012,
p. 10)

[...] Para tanto, o leitor, além de se valer de seus conhecimentos prévios


e específicos desses recursos, vale-se também de suas vivências anteriores
como leitor para (re)construir os sentidos do texto. (FINKLER, 2012, p. 14)

É possível notar que essas projeções decorrem de associações entre um


domínio mais familiar e um outro menos familiar para o falante, com vistas
à compreensão de uma experiência (a leitura), em termos de outra, possivelmente,
mais conhecida, vivenciada (a construção). Nos exemplos dados, os mapeamentos
entre os dois domínios mencionados evidenciam as seguintes correspondências
ontológicas: a leitura é uma construção; o estudante-leitor é um construtor; os
conhecimentos prévios são as experiências materiais do construtor; o texto é uma
casa construída ou em construção; a confirmação das hipóteses levantadas sobre
o texto e as vivências do leitor são os alicerces da construção; os sentidos da leitura
de um texto são paredes ou colunas de sustentação.

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CONCEPTUALIZAÇÕES DE LEITURA: APORTES DA LINGUÍSTICA COGNITIVA PARA COMPREENSÃO DO SIGNIFICADO |

A noção de texto como construção é atestada, também, no livro intitu-


lado O texto e a construção de sentidos, no qual Koch (1998, p. 48), ao retomar as
palavras de Kristeva (1974, p. 60), afirma: "qualquer texto se constrói como um
mosaico de citações e é a absorção e transformação de um outro texto".
Presumo que a metáfora LEITURA É CONSTRUÇÃO, nos livros
didáticos e teóricos consultados, tem uma motivação sócio-histórica, visto que,
desde a pré-história, o ser humano buscou construir coisas, espaços, caminhos,
desenvolvendo, assim, habilidades físicas e cognitivas. Inicialmente, utilizou
madeiras, lascas de pedras e ossos; depois, metal e fogo, a fim de criar objetos
e desenvolver atividades laborais, como a construção das primeiras aldeias neolí-
ticas.12 Creio, porém, que foi dos latinos que herdamos a aptidão e o talento para
construir. Além de abrirem estradas que ligavam o vasto império, os romanos
construíram vilas, aquedutos, que levavam água para as casas e para as termas
nas cidades, assim como edificaram suntuosos templos, grandiosos monumentos
e um complexo e avançado sistema de esgotamento sanitário. De lá para cá, aper-
feiçoamos esses conhecimentos, ampliamos e aprimoramos nossas construções,
modernizamos nossos instrumentos de trabalho e criamos mecanismos tecno-
lógicos para serem empregados em diferentes âmbitos e escalas. Construir, por-
tanto, é um conceito historicamente experiencial para nós, latino-americanos, e,
por exigir empenho, esforço, participação, interação, disciplina, concentração,
objetivos e trazer, em contrapartida, bons resultados, serve de base conceptual,
ao que tudo indica, para o entendimento de leitura dentro e fora da escola, o que
é atestado, não só pelos Manuais do professor consultados, mas pelos teóricos que
discorrem sobre essa temática, como já vimos até aqui.

LEITURA É ALIMENTO/ALIMENTAÇÃO

A alimentação é um dos domínios mais básicos da experiência humana.


Desde o ventre da mãe, a criança já se alimenta, por meio do cordão umbilical.
Depois do seu nascimento, passa a sugar o leite materno, até que tenha dentes
e possa mastigar outros tipos de alimentos. Isso, porém, não é exclusividade dos
humanos. Todos os seres animados e vegetais, para manterem-se vivos, precisam

12
Ver em: <www.mundoeducacao.bol.uol.com.br/historiageral/as-aldeias-neoliticas.htm>.

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de se alimentar. Na natureza, a alimentação é indispensável para a sobrevivência


de qualquer espécie.
Nos fragmentos de textos transcritos a seguir, é possível notar que o ato de
ler é comparado ao ato de alimentar-se. Essa associação, provavelmente, se deve
à grande importância que tem a leitura na nossa sociedade e as similaridades entre
essa atividade e a experiência básica de comer. As autoras da coleção C1, pre-
sumivelmente, para atraírem a atenção dos estudantes adolescentes do segundo
segmento do Ensino Fundamental e tornarem o uso da coleção de língua por-
tuguesa atraente para esse público-alvo, apresentam os conteúdos dos seus livros
no sumário e no Manual do professor como se fossem um cardápio de restaurante,
no qual os clientes (estudantes) vão ter acesso a vários pratos (diferentes gêneros
textuais) para escolher e consumir.
No item "Capacidades/procedimentos de leitura e atividades para desen-
volvê-las", na coleção C1, encontra-se a seguinte afirmação:

Além de servir de alimentação temática e contextualização ou oferecer um


modelo do gênero a ser produzido, as atividades de leitura têm como objetivo
desenvolver as capacidades e os procedimentos de leitura necessários para
formação de um leitor proficiente, [...]. (FIGUEIREDO; BALTHASAR; GOULART,
2012, p. 10, grifo nosso)

Nessa passagem do Manual do professor da coleção C1, percebemos que


o mapeamento entre os domínios-fonte (ALIMENTO) e alvo (LEITURA) pode
ser sintetizado pelas correspondências ontológicas descritas a seguir: "ler, na escola,
é alimentar-se em um restaurante"; "o professor é o garçom"; "o estudante é o
cliente"; "o livro com a oferta de textos de gêneros variados é o cardápio com seus
diferentes pratos"; "leitura é ingestão de comida"; "texto, conhecimento são ali-
mentos; a leitura, a aquisição de conhecimentos e a produção de outros textos na
escola são o pagamento do serviço oferecido pelo restaurante"; "o gosto pela lei-
tura é a satisfação com a comida"; "o desenvolvimento de capacidades de leitura
e produção de textos são os nutrientes adquiridos ao proceder à alimentação"; "ler
é necessário para nos mantermos vivos".

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CONCEPTUALIZAÇÕES DE LEITURA: APORTES DA LINGUÍSTICA COGNITIVA PARA COMPREENSÃO DO SIGNIFICADO |

Em Sugestões de leitura que constam da coleção C3, aparece, também, essa


mesma metáfora conceptual, em que o conteúdo de leitura apresentado no livro
equivale a um "recheio" que poderá tornar a leitura mais saborosa e atraente:
"como você pôde notar, optamos por rechear esta apresentação com citações dos
autores que tomamos como referenciais para a produção dessa coleção [...]".
(SIMÕES, 2012, p. 19, grifo nosso)
Mais uma vez, estamos diante de um modelo metafórico, em que um
domínio cede parte de sua estrutura conceptual para um outro, resultando na
conceptualização do segundo com base no primeiro. Nesses casos, interpretamos
que a leitura deve ser algo tão natural e necessário para a manutenção da vida,
quanto o alimento que comemos para nos mantermos vivos e saudáveis. Além
disso, os livros didáticos que são utilizados na escola devem trazer textos e ativi-
dades prazerosos para estimular o hábito e o gosto da e pela leitura.
Essa metáfora assemelha-se ao que Lakoff e Johson (2002, p. 251) deno-
minaram de metáfora convencional, do tipo estrutural, pois se baseia em simi-
laridades que se originam das metáforas LEITURA É OBJETO (ontológica)
e MENTE É UM RECIPIENTE (ontológica e orientacional). A similaridade
estrutural ocorre devido às correspondências entre alimento e leitura, já que ambos
podem ser deslocados de um recipiente (do prato e de um suporte textual qual-
quer) para outro (estômago e, por via metafórica, mente), propiciando nutrição
do corpo (proteínas) e, metaforicamente, da mente (saber).
Observando esses exemplos, é possível perceber que os olhos, a mente,
o corpo humano costumam ser conceptualizados, na nossa cultura, como reci-
pientes, e o conteúdo a ser lido, como objeto ou substância que sai de um reci-
piente e preenche um outro. São muito comuns, por exemplo, expressões
metafóricas do tipo: "Tire essa ideia da sua cabeça"; "Não encha a sua mente de
pensamentos ruins".
No estudo sobre o verbo tomar, por exemplo, foi possível concluir que
ideias, conceitos, atributos, processos mentais e psicológicos são, recorrentemente,
conceptualizados como objetos que podem ser movidos em uma trajetória linear,
cuja direção é a mente do sujeito, que funciona como um recipiente para armaze-
ná-los, metaforicamente. (SANTOS, 2011) Em outras palavras, retomando o que
Lakoff e Johnson (2002, p. 82) afirmam, ao que parece "nós conceptualizamos

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nosso campo visual como um recipiente e conceptualizamos o que vemos como


se estivesse dentro desse recipiente".

LEITURA É DESLOCAMENTO

A metáfora conceptual LEITURA É DESLOCAMENTO mostrou-se,


também, bastante produtiva nos manuais examinados. Acredito que isso se deva
ao fato de que somos seres localizados espacialmente e as nossas relações físicas
com os outros seres animados e inanimados estabelecem-se em um eixo espacial
e temporal, que tem começo, meio e fim.
Para alguns estudiosos, antes mesmo de empregar expressões que repre-
sentam o espaço, o ser humano, quando criança, já tem conhecimento desse
domínio, porque cedo o experiencia. A sua percepção espacial ocorre desde a vida
intrauterina, quando se encontra limitado a movimentar-se e acomodar-se dentro
do próprio ventre da mãe. Com o seu nascimento, as suas possibilidades de des-
locamento – mesmo ainda restritas – aumentam e a sua motricidade, ao longo
dos anos, desenvolve-se, vinculada ao seu arcabouço corpóreo, o que acaba por
se refletir, conforme postula o Experiencialismo lakoffiano, na conceptualização
e categorização de seres, objetos, situações e eventos, em geral. (SANTOS, 2011)
A noção de espaço é, de modo geral, construída a partir da concepção que
temos do corpo humano. Corroborando essa afirmação, seguem algumas palavras
de Teixeira (2001, p. 169):

O homem, enquanto ser corpóreo, é o medidor e toma-se como medida de


tudo o que conceptualiza. [...] O seu corpo é a visibilidade do seu eu e, por
isso, a ponte com os outros elementos com os quais se inter-relaciona. Daí,
o corpo humano ter sido, em todas as culturas, o objeto que serviu de padro-
nização da realidade em que o homem vivia.

A ideia de que a leitura é um caminho a ser percorrido, que precisa de um


norte e de placas de sinalização, é perceptível nos exemplos que se seguem, con-
tidos nas coleções C1 e C2, respectivamente:

Ler um texto sem um objetivo é como se lançar ao mar sem uma bússola: fica
muito mais difícil encontrar o caminho que nos levará à compreensão do que
está escrito. (FIGUEIREDO; BALTHASAR; GOULART, 2012, p. 11)

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CONCEPTUALIZAÇÕES DE LEITURA: APORTES DA LINGUÍSTICA COGNITIVA PARA COMPREENSÃO DO SIGNIFICADO |

Por ser complexa, a atividade de leitura deve ser orientada por objetivos claros,
a fim de conduzir o aluno na busca de pistas significativas que servem de
subsídios para a construção das interpretações. (FINKLER, 2012, p. 14, grifo
nosso)13

Pressuponho que os autores das coleções consultadas, tendo conhecimento


das supostas lacunas deixadas pela escola, no que se refere ao trabalho com a lei-
tura, orientam os professores que utilizarão esses livros, por meio dos manuais que
os acompanham, a preenchê-las, mostrando aos estudantes que, para chegarem
ao lugar desejado e cumprirem a trajetória de leitura esperada para o Ensino
Fundamental, é preciso traçar metas e adotar estratégias. Daí, projetarem meta-
foricamente o domínio-fonte DESLOCAMENTO no domínio-alvo LEITURA.
Assim, conceptualizamos leitura como uma caminhada, um deslocamento
de um ponto a outro de uma trajetória, guiado, sinalizado, mediado pelo pro-
fessor e, por conseguinte, pela escola; orientar a leitura é, portanto, colocar bús-
sola e pistas para sinalizar esse caminho; metas da leitura são objetivos do deslo-
camento; as leituras do leitor são os passos desse deslocamento, dessa caminhada;
seguir as pistas e orientações para compreender o sentido do texto e da leitura
é chegar ao final do caminho com êxito.
Corroborando essa constatação, tanto Kleiman (2000) quanto Geraldi
(1999) recorrem a essa metáfora, quando discutem o papel da escola, ao trabalhar
com leitura, conforme verificamos nas citações a seguir:

Assim, encontramos o paradoxo que, enquanto fora da escola o estudante


é perfeitamente capaz de planejar as ações que o levarão a um objetivo pré-
-determinado (por exemplo, elogiar alguém para conseguir um favor), quando
se trata de leitura, de interação à distância através do texto, na maioria das
vezes esse estudante começa a ler sem ter ideia de onde quer chegar, e, por-
tanto, a questão de como irá chegar lá (isto é, das estratégias de leitura) nem
sequer se põe. (KLEIMAN, 2000, p. 30)

13
Nessa citação, além da metáfora LEITURA É CAMINHADA, aparece, também, a metáfora
LEITURA É CONSTRUÇÃO.

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Respeito à caminhada do leitor


Assim como nossa história de leitura não começou com o último livro que
lemos, nem por aqueles considerados 'meca' da crítica literária, consideramos
essencial o respeito pelos passos e pala caminhada do aluno enquanto leitor.

Esse respeito se manifesta em duas direções: na seleção dos títulos adotados;


na aceitação natural do fato de um aluno iniciar a leitura de um livro e aban-
doná-la. (GERALDI, 1999, p. 108, grifo do autor)

[...] nessa caminhada é importante considerar que o enredo enreda o leitor.


(GERALDI, 1999, p. 98)

Associada à metáfora do deslocamento, encontramos a metáfora da viagem


que aparece em muitas situações da vida cotidiana14 e encontra-se presente no
Manual do professor da coleção C2, no fragmento transcrito a seguir:

Embarque nesta leitura


Nessa seção, os alunos poderão encontrar textos interessantes, pertencentes
ao gênero textual enfocado ou sobre ele. O objetivo é proporcionar uma lei-
tura prazerosa e enriquecedora. Não deve ser obrigatória. Acreditamos que,
ao final da unidade, o próprio aluno demonstrará interesse em fazê-la. Se
for solicitado ou se notar que seja necessário, auxilie-o. (FINKLER, 2012, p. 13,
grifo do autor)

Nessa passagem, a autora da coleção C2 busca mostrar para o professor


o quanto a leitura deve ser instigada fora e dentro da sala de aula. Para isso, ao
contrário de atividades desinteressantes e enfadonhas, feitas por obrigação ou
como pretexto para algo, as leituras precisam ser prazerosas, como uma viagem de
férias. As correspondências metafóricas entre os domínios-fonte e alvo, nesse caso,
são semelhantes ao que mostrei anteriormente:15 "a leitura é uma viagem de férias

14
Lakoff e Johnson (2002) destacam, por exemplo, DISCUSSÃO É VIAGEM e AMOR É
VIAGEM, dentre outras.
15
Vários autores ressaltam a importância da leitura como um ato que deve ser desejado
e prazeroso. Para Geraldi (1999, p. 98, grifo nosso), por exemplo, "recuperar na escola
e trazer para dentro dela o que dela se exclui por princípio – o prazer – parece ser ponto
básico para o sucesso de qualquer esforço honesto de 'incentivo à leitura'". O mesmo
ressalta Martins (2012, p. 28), quando destaca que o papel da escola deveria ser o de

— 204 —
CONCEPTUALIZAÇÕES DE LEITURA: APORTES DA LINGUÍSTICA COGNITIVA PARA COMPREENSÃO DO SIGNIFICADO |

e não a trabalho"; "o estudante é o viajante"; "a leitura prazerosa dos textos é o
destino da viagem"; "o professor é o guia turístico"; "o prazer proporcionado pela
leitura é a diversão da viagem"; "o estudante, que lê todos os textos e fica com
vontade de fazer novas leituras, é o viajante que terminou a viagem com prazer
e deseja fazer outras viagens".
Diante do que foi exposto, considero que o item lexical leitura apresenta
alguns sentidos que resultam de conceptualizações metafóricas, conforme foi mos-
trado ao longo desta seção, motivadas, sobretudo, por correlações entre domínios
da experiência humana que apresentam similaridades, o que atesta, mais uma vez,
a corporização dos sentidos tão propalada pela teoria lakoffiana.
Em síntese, com base no corpus examinado, leitura apresenta as acepções,
a seguir, que emergem de experiências físicas e corroboram a natureza polissêmica
desse item lexical:

a) decodificação de sinais gráficos;


b) produção de conhecimento para uma finalidade;
c) aquisição de conhecimentos;
d) mudança de um estágio de conhecimento para outro;
e) compreensão de aspectos da vida.

Considerações finais

Neste trabalho, busquei averiguar como a dimensão cognitiva e os conhecimentos


que as ciências cognitivas e, em particular, a Linguística Cognitiva, vêm apresen-
tando sobre o funcionamento das línguas e como podem contribuir para explicar
a polissemia do item verbal leitura.
Observei que questões histórico-sociais, bem como culturais, estão na
base das conceptualizações de leitura que emergem dos Manuais do professor que
constam das coleções C1, C2, C3 e C4, evidenciando quão corporificados são
a nossa mente e, por conseguinte, os conceitos e sentidos que damos às coisas.
Exemplos disso são as metáforas conceptuais LEITURA É CONSTRUÇÃO,

estimular a leitura sem pretexto, isto é, a leitura sem cobranças, relativa a vivências fami-
liares e a situações do cotidiano, o que pode vir a ser muito mais proveitoso e prazeroso.

— 205 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

LEITURA É ALIMENTAÇÃO e LEITURA É DESLOCAMENTO que sub-


jazem aos variados sentidos do item lexical leitura no corpus.

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— 208 —
Metáforas do
medo: um estudo das
conceitualizações sobre
violência urbana na cidade
de Belo Horizonte,
MG, BRASIL
Luciane Corrêa Ferreira

Introdução

O significado é corporificado (GIBBS JR., 2006; GIBBS JR.;


FERREIRA, 2011; LAKOFF, 1987), motivado por nossas
experiências no ambiente em que vivemos. Nossas experiências
norteiam nosso agir no mundo e, consequentemente, o nosso
uso da linguagem. Ao falarem sobre suas experiências com vio-
lência urbana na cidade de Belo Horizonte, verificamos como
os participantes de estudos anteriores sobre o tema (FELTES;
PELOSI; FERREIRA, 2012; FERREIRA, 2015) utilizam
metáforas e metonímias no discurso, geralmente motivadas por
esquemas imagéticos de base cognitiva (JOHNSON, 1987),
para narrarem diversos tipos de eventos traumáticos que aca-
baram por gerar o medo da violência urbana.
No Brasil, o incremento da taxa de criminalidade
e a violência urbana têm gerado um aumento do medo e do
sentimento de insegurança. O Brasil é o sétimo país mais
perigoso do mundo, com uma taxa de homicídio de 27 por
100,000 em 2011 (WAISELFISZ, 2014), tal insegurança
acaba por gerar o medo da violência urbana nos indivíduos.

209
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

(CAMINHAS, 2010) O medo pode ser classificado como um fenômeno social,


motivado por fatores político-sociais, estratégias de evitação coletiva, práticas de
categorização coletiva impulsionadas pela elaboração de experiências, por exemplo.
No presente estudo, objetiva-se analisar o medo da violência urbana, a partir
de uma perspectiva transdisciplinar, uma vez que o medo pode ser designado
como um fenômeno individual, a partir de uma perspectiva da Psicologia e da
Medicina (LINDEMANN, 2012; NEUNER, 2015) e da Linguística Cognitiva
(FERREIRA, 2015) e como um fenômeno interacional, a partir de uma perspec-
tiva da Análise da Conversa (CIAPUSCIO, 2015; GÜLICH, 2007), entre outras
possibilidades de abordagem. A violência é entendida aqui em termos da dinâ-
mica complexa da vida social, à medida que as pessoas tentam lidar com as incer-
tezas em consequência da escalada de atos de violência nas cidades. (PELOSI;
FELTES; FERREIRA; CAMERON, 2015)
A inspiração para esse trabalho surgiu a partir de um workshop sobre
a "Linguagem do Medo", promovido pelos professores. Bárbara Job e Joachim
Michael, para o qual fui convidada a falar sobre o discurso do medo da violência
urbana em Belo Horizonte, realizado na Faculdade de Linguística e Literatura da
Universidade de Bielefeld, Alemanha, em maio de 2015. Esse workshop adotou uma
abordagem transdisciplinar e pesquisadores alemães e latino-americanos foram
instigados a refletir, a partir de suas pesquisas, sobre a problemática do medo.
O objetivo do presente estudo é analisar o discurso do medo da violência
urbana em Belo Horizonte por meio da análise de metáforas e metonímias que
emergem sistematicamente na fala dos participantes, vítimas diretas e indiretas
de violência, na interação face a face, ao narrarem diversos tipos de eventos trau-
máticos que acabaram por gerar o medo da violência urbana. Buscamos, assim,
compreender, à luz da Teoria da Metáfora Conceitual (LAKOFF; JOHNSON,
1980, 1999) e do construto da metáfora sistemática (CAMERON et al., 2009;
CAMERON; MASLEN, 2010), a emergência e constituição de expressões figu-
radas ligadas a ideias e crenças de vítimas de violência urbana sobre o medo
experienciado.
Os objetivos específicos deste estudo são identificar que metáforas/metoní-
mias sistemáticas motivam a fala do medo da violência urbana; investigar como
o medo da violência urbana afeta a vida das pessoas e se reflete no seu discurso
do medo e apresentar as metáforas/metonímias linguísticas que emergem no dis-
curso sobre o medo da violência urbana.

— 210 —
Metáforas do medo |

Conceitualizações sobre o medo da violência urbana

O uso da metáfora e da metonímia na conversa revela como as pessoas pensam


sobre uma questão, suas emoções e valores. A metáfora e a metonímia são uma
ferramenta importante na mediação do conhecimento (CAMERON, 2003),
assim como na construção do entendimento entre lados opostos. (CAMERON,
2010) Os falantes expressam sua opinião sobre fenômenos na sociedade por meio
do uso de metáforas e metonímias, por exemplo, ao falar sobre a questão da vio-
lência urbana no Brasil, políticos e a mídia frequentemente falam em termos de
perder ou ganhar uma batalha contra a violência, eles também falam que o país
precisa atacar o problema da violência. Nesse caso, o significado metafórico
é motivado pela metáfora conceitual GUERRA, em que o domínio-fonte con-
creto GUERRA é usado para falar sobre o domínio-alvo abstrato VIOLÊNCIA
(LAKOFF; JOHNSON, 1980), cujo mapeamento conceitual seria VIOLÊNCIA
É GUERRA.
A seguir, discutiremos como os dois tipos de metáfora (cognitiva e sistemá-
tica) coexistem no discurso sobre o medo.

Teoria da Metáfora Conceitual, a metáfora/metonímia


sistemática e o discurso sobre o medo da violência urbana

Com tal contextualização em mente, consideraremos como participantes não


somente vítimas diretas da violência, mas também seus familiares e amigos, i.e
vítimas indiretas. A Teoria da Metáfora Conceitual, veiculada a partir de 1980 no
livro Metaphors we live by, de Lakoff e Jonhson, apresenta a ideia de que o pensa-
mento é, em grande parte, estruturado por metáforas. Portanto, processos meta-
fóricos e metonímicos motivam, por hipótese, modelos cognitivos e culturais
estruturadores de comportamentos individuais e daqueles socialmente compar-
tilhados. A metáfora/metonímia resulta da interação do falante com o ambiente
ao seu redor e da maneira como o seu sistema sensório-motor interage com os
objetos e com as pessoas no mundo, por isso ela é socioculturalmente situada.
(ROMANO, 2014) Devemos conceber o uso da linguagem na forma de metá-
foras, metonímias, esquemas imagéticos e gestos, como elementos integrantes de

— 211 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

sistemas complexos nos quais fatores neurofisiológicos, psicológicos, ecológicos


e socioculturais interagem dinamicamente. (GIBBS JR.; CAMERON, 2008)
Apenas para exemplificar com base em Cameron (2007), traçaremos um
breve esboço de como a autora aborda as questões ligadas à emergência de metá-
foras no discurso, inspirada na teoria dos sistemas dinâmicos complexos. Cameron
(2007) acredita que, para se compreender a metáfora, é necessário entendê-la no
seu uso dialógico como parte integrante do uso da língua. Assim, nas interações
face a face, o fluxo discursivo ocorre como um processo de "pensamento-e-fala",
no qual o uso de hífens na expressão sinaliza, segundo Cameron (2003), a inse-
parabilidade entre pensamento e linguagem. "Pensamento-e-fala" é um processo
dinâmico que requer a interpretação constante, por parte dos participantes, da
palavra do outro, e o ajuste a partir dessa compreensão, à medida que intenções
e emoções se ampliam no fluxo interacional. Na interação, o tipo de evento
discursivo pode influenciar a forma linguística utilizada, o que também pode
influenciar o modo como os participantes falam sobre suas emoções e valores.
Essa proposta considera as emergências metafóricas, identificáveis no discurso,
como um processo dinâmico em constante mudança, decorrente tanto de fatores
cognitivos, socioculturalmente situados, bem como de fatores linguísticos que
interagem e completam. (GIBBS JR.; CAMERON, 2008) Visa-se, a partir do
discurso produzido pelos participantes, vítimas diretas ou indiretas de violência
em situações de interação em grupos, verificar a emergência e constituição de
expressões figuradas ligadas a ideias, valores e crenças dos participantes do estudo
a respeito do fenômeno do medo da violência.
Para se identificar metáforas e metonímias na interação, selecionaram-se
palavras ou frases com significado incongruente na conversa, cujo significado
pode ser interpretado a partir do contexto. Os veículos, e principalmente expres-
sões incongruentes, são chamados de veículos metafóricos. Por exemplo, quando
Bruno fala "é a maquiagem que a pessoa faz" no excerto 2, maquiagem é o veí-
culo metafórico usado para falar sobre o tópico que, no exemplo em questão, são
os "papéis desempenhados para se roubar alguém".
O presente estudo também busca mapear mecanismos de enquadramento
metafórico (RITCHIE; CAMERON, 2014) que emergem nos discursos produ-
zidos por vítimas de violência urbana com o objetivo de entender melhor como

— 212 —
Metáforas do medo |

as vítimas têm a percepção delas mesmas como vítimas do medo e da insegurança


resultante de um problema generalizado de segurança pública no Brasil.
A seguir, apresentaremos as perguntas que nortearam a pesquisa e descreve-
remos os procedimentos metodológicos adotados.

Perguntas de pesquisa

A questão central que buscamos investigar diz respeito a como, nas trocas intra-
-discursivas, participantes, vítimas diretas ou indiretas, falam sobre suas experiên-
cias com violência urbana. Como tais atitudes são comunicadas e negociadas por
meio de metáforas e outras formas de linguagem figurada utilizadas na conceitua-
lização da violência no discurso.
Tentamos responder às seguintes perguntas:

1. Como o medo da violência urbana afeta a vida das pessoas e como isso se
reflete no seu discurso?
2. Que metáforas/metonímias aparecem sistematicamente nas interações sobre
a experiência com a violência urbana e com o medo da violência na fala dos
participantes em Belo Horizonte?
3. Como a metáfora/metonímia motiva a fala do medo?

Metodologia

A análise do discurso guiada por metáforas (CAMERON; MASLEN, 2010;


CAMERON et al., 2009) pretende elicitar como representações da violência são
comunicadas por meio da fala dos participantes em suas narrativas e outras formas
de expressão, como reportagens na mídia. (FELTES; PELOSI; FERREIRA, 2012)
A análise do discurso guiada por metáforas não é indutiva, de baixo para
cima (bottom-up), considerando somente as metáforas linguísticas; nem dedutiva,
de cima para baixo (top-down), que pressupõe que as metáforas na conversa são
expressões linguísticas licenciadas por metáforas conceituais. Esse é um estudo
qualitativo. Os dados foram coletados utilizando metodologia de grupo focal em

— 213 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

que os participantes falaram livremente sobre sua experiência. O grupo contou


com 11 participantes voluntários com idade entre 17 e 43 anos. O encontro
durou cerca de 70 minutos. Os dados transcritos totalizaram 13.880 palavras.
Posteriormente, aplicou-se o procedimento de análise do discurso guiada por
metáforas (CAMERON et al., 2009), por meio do qual se analisam as metáforas
e metonímias sistemáticas coconstruídas na fala dos participantes. Os partici-
pantes são alunos de graduação de diversos cursos em uma universidade pública
da capital mineira, residentes de bairros como Cidade Nova e Gutierrez, bairros
típicos de classe média.

Procedimentos de análise

Metáforas e metonímias foram agrupadas, a fim de se encontrar sistematicidades


no discurso e identificarem frames metafóricos. O método de análise do discurso
baseado em metáforas trabalha com linguagem metafórica, especificamente, com
veículos metafóricos (termos metaforizantes que conduzem à construção de con-
ceitos metafóricos a respeito do tópico) emergentes no discurso. Após a trans-
crição das gravações, as metáforas linguísticas são identificadas e codificadas.
Em seguida, padrões de sistematicidade são identificados e examinados com
o objetivo de se coletarem informações sobre as ideias, atitudes e valores dos parti-
cipantes. Estudos realizados anteriormente apontaram para o fato de que as metá-
foras utilizadas pelos falantes revelam informações úteis sobre suas ideias, atitudes,
emoções e valores. À medida que se identificam, no fluxo da conversa, padrões do
uso de metáforas, é necessário se encontrarem maneiras para manter o contexto
ativo. Isso é importante para que se proceda à detecção de padrões metafóricos
que emergem na dinâmica da interação. (GIBBS JR.; CAMERON, 2008)
Os dados do grupo focal foram gravados e transcritos por uma equipe de
dois pesquisadores com o auxílio do software de análise qualitativa Atlas.ti. O pro-
cedimento consiste em identificar os veículos metafóricos utilizados para falar de
um determinado tópico discursivo e entender como esses veículos são utilizados
pelos participantes da interação na sequência do fluxo de fala, a fim de identi-
ficar a metáfora sistemática coconstruída pelos participantes ao longo da sua fala,
como veremos na próxima seção que apresenta e discute os resultados.

— 214 —
Metáforas do medo |

Análise e discussão dos resultados

Vejamos a seguir alguns exemplos que revelam como a dinâmica da metáfora


e metonímia evolui no discurso e como os participantes coconstroem uma ideia
por meio do uso de metáforas e metonímias sistemáticas no fluxo do discurso.
Como Cameron (2010, p. 6) destaca "[…] nosso foco de estudo não são metá-
foras linguísticas isoladas, mas sequências de metáforas conectadas e padrões de
significado que elas produzem e refletem". Por isso, objetiva-se aqui utilizar metá-
foras e metonímias no discurso como uma ferramenta, a fim de revelar ideias,
emoções e crenças dos participantes sobre a questão do medo da violência urbana,
como aparece nos dados a seguir:

Excerto 1
Marcela
115. Mas quem é assaltado,
116...eu fico traumatizada.
117. Outro dia eu fui assaltada no fundo de casa,
118...indo para o trabalho,
119...umas quatro horas da tarde,
120. um rapaz bem arrumado,
121. bonito,
122. novo,
123...que eu nem imaginava que era um ladrão.
124. ele veio correndo assim,
125...também achei que ele ia pegar o ônibus,
126. aí quando o ônibus parou,
127...ele foi e tirou uma arma,
128. e pediu meu telefone.
129. tipo assim,
130...você já espera,
131. que seja uma pessoa mal vestida que vá te assaltar,
132...aí chega um arrumado,
133...bonito,
134...novo,
135. e,
136...aí você fica suspeitando de todo mundo,
137...eu não tiro telefone na rua,

— 215 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

138...eu não tiro carteira na rua,


139....eu não tiro nada na rua.

No excerto 1, Manuela explica que ela foi assaltada no fundo de casa (l.
117). A casa é uma metonímia motivada pelo esquema de imagem de conteni-
mento (JOHNSON, 1987) e simboliza um lugar seguro, portanto as pessoas
geralmente não esperam ser roubadas no pátio de sua casa. A metonímia EM (NO,
NA) é repetida sistematicamente na sequência da discussão entre os participantes
do grupo focal, a fim de falar sobre lugares seguros na casa, no carro, no estádio
de futebol. (FERREIRA, 2012) NA CASA está associado à segurança na mesma
medida em que FORA DE CASA, i.e., "na rua", está associado a um lugar peri-
goso (veja l. 137-139). No excerto 1, Marcela descreveu o ladrão como "um rapaz
bem arrumado,/ bonito,/ novo,/.que eu nem imaginava que era um ladrão". Ela
mencionou que "você espera que uma pessoa desarrumada vá roubar você, então
alguém bem arrumado, bonito, jovem chega e...você fica suspeitando de todo
mundo" (l. 132-134). Como Cameron (2003) aponta, no discurso educacional,
o desenvolvimento do veículo frequentemente forma uma parte chave ao explicar
as ideias por meio de metáforas e metonímias. A participante Marcela lança mão
da repetição do veículo (CAMERON, 2008, p. 57), já que o veículo é introdu-
zido no discurso com o objetivo de desenvolvê-lo por meio da repetição e expli-
cação. A fim de falar sobre o tópico "medo da violência urbana", Marcela elabora,
descrevendo, por meio dos veículos "pessoa mal vestida" (l. 131) e "um arru-
mado" (l. 132), a maneira como os ladrões se vestem para inspirar a confiança das
vítimas. Portanto, os agentes da violência "desempenham papéis", como andar
bem vestidos para cometerem suas ações.
Na sequência, as maneiras de desempenhar papéis como "ser bonito"
e "novo" podem ser classificadas como veículos metafóricos utilizados para definir
um tipo de medo da violência, que é o medo da pessoa que se aproxima e o medo
de ser assaltado na rua. Todas essas metáforas, distribuídas com sistematicidade
na sequência da fala, constituem evidências linguísticas da metáfora sistemática
MEDO DA VIOLÊNCIA É DESEMPENHAR PAPÉIS. No excerto a seguir,
Bruno retoma a mesma metáfora sistemática, ao falar sobre a sua experiência com
violência urbana:

— 216 —
Metáforas do medo |

Excerto 2
Bruno
143. Eu trabalho com comércio e,
144...ser assaltado é,
145...assim,
146. uma coisa normal pra gente.[risos]
147. Aí você acaba de ser assaltado e chega alguém lá,
148. o que que aconteceu aí, que vocês tão assim?
149. Fomos assaltados,
150...sabe,
151...o de sempre.[risos]
152. Mas,
153...assim,
154...a maioria das vezes,
155...é pessoa bem arrumada
156...pessoa assim,
157...que tem um,
158...um porte social mais fino,
159...mais elegante,
160...não é um mendigo que passa pedindo as coisas que assalta você,
161. é sempre,
162. uma pessoa mais arrumada,
163...é a maquiagem que a pessoa--
164. a pessoa faz.

Um evento discursivo como uma discussão em grupo focal emerge da inte-


ração entre os seus participantes. A linguagem metafórica emergente apresentada
anteriormente fornece formas de falar-e-pensar (CAMERON, 2003) que acabam
por se estabilizar no discurso devido à saliência da linguagem metafórica. A inte-
ração entre Marcela e Bruno também revelou uma convergência em atitudes
e tópicos da conversa (MARKOVÁ, 2007), assim como a coconstrução de um
frame metafórico em torno do tópico do medo da violência urbana. A aparência
do agente de violência (l. 131-134 no excerto 1; l. 155-159 no excerto 2), i.e.,
o papel que o agente de violência desempenha são, por hipótese, elementos na
construção da identidade do grupo de vítimas da violência.
Como Marcela no extrato 1, Bruno também aponta no extrato 2 que os
ladrões são, na maioria, "pessoas bem arrumadas, ..pessoa [...] que tem um porte

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

social mais fino, ..mais elegante, ..não é um mendigo que passa pedindo as coisas
que assalta você, é sempre, uma ... pessoa mais arrumada …é a maquiagem que
a pessoa–a pessoa faz..." (l. 163). O veículo "ladrão" (l.123, excerto 1) é relexica-
lizado em "um arrumado" e o participante acrescenta uma "explicação do veículo"
(CAMERON, 2008), que envolve elaborar uma explicação do veículo metafórico
como aparece na expressão metafórica "..a maquiagem que a pessoa faz", cujo
significado é incongruente no texto acima. Portanto, "maquiagem" é um veículo
novo e criativo, usado na construção do frame metafórico "medo da violência
urbana". (RITCHIE; CAMERON, 2014) A "..maquiagem que a pessoa faz" se
encaixa no frame metafórico VIOLÊNCIA URBANA É UMA FORÇA QUE
RESTRINGE, por ser um dos recursos utilizados pelos agentes de violência (o
disfarce) que provoca medo nas vítimas.
Parte-se aqui da pressuposição que categorizações sobre o tema da violência
urbana são polissêmicas, i.e., existe uma indeterminação semântica envolvida,
e seu uso e interpretação são altamente dependentes do contexto de uso. Também
se assume que cenários metafóricos "captam preferências de atitudes e tendên-
cias no discurso que são características de determinadas comunidades discursivas".
(MUSSOLF, 2006, p. 35) Portanto, busca-se descrever como os cenários meta-
fóricos em que a violência urbana ocorre são configurados pelos interlocutores
à medida que esses compartilham suas experiências.
Veja a seguir como os participantes falam sobre sua experiência com a vio-
lência urbana na cidade de Belo Horizonte:

Excerto 3
203. Mariana: A tendência é piorar..né,
204. Isabela: É..a tendência é piorar,
205. porque as pessoas às vezes já se acostumam,
206. Mariana: É ficar banal.
207.Adriana: Ta banalizando,
208...e também acaba,
209...acho que uma outra tendência que a gente já consegue ver,
210. é você se privar da sua liberdade por causa da violência que ta na cidade,
211...na rua,
212. então..você vive atrás de um muro com uma cerca eletrica,
213. você vive exatamente com a questão do medo,
214....quanto mais vai se agravando a situação..então,

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Metáforas do medo |

215...isso acaba afetando a sua vida sim,


216. e pode diminuir muito a sua qualidade de vida pela simples,
217...não daquela situação ter acontecido,
218. mas simplesmente por você procurar evitar a todo custo que ela aconteça,
219...pode se tornar uma paranóia e te prejudicar.

Mariana (l. 203) introduz um pensamento compartilhado pelos cidadãos


brasileiros, afirmando que é um descrédito nas autoridades de que qualquer
mudança na atual situação com respeito à segurança pública no Brasil venha
a ocorrer. Tal descrença é compartilhada por outras participantes na discussão;
Isabela (l. 205) destaca que as pessoas se acostumam com a violência e ambas,
Mariana (l. 206) e Adriana (l. 207), chamam atenção para o fato de que há uma
banalização da violência na sociedade brasileira – veja-se Cameron e colabora-
dores (2014). A metonímia "viver atrás de um muro" e de uma "cerca elétrica"
(l. 212) em que muro simboliza segurança e proteção, mas também a imagem
do cidadão vivendo como se estivesse em uma prisão é amplamente divulgada
como a representação de como a população vive nas cidades brasileiras. Caldeira
(2000) afirma que os muros e as cercas estão lá para segregar os pobres e pro-
teger os ricos que escolhem viver em comunidades fechadas nos grandes centros
urbanos. A palavra "paranoia" é uma metáfora que resume o sentimento de medo
daqueles cidadãos que vivem em áreas urbanas e têm que enfrentar uma situação
de insegurança constante, simboliza a falta de agência das vítimas e, a partir daí,
emerge no discurso a metáfora sistemática SER VÍTIMA DA VIOLÊNCIA
URBANA É UMA ROLETA RUSSA. Cameron (2012) menciona ter identi-
ficado, nos dados sobre terrorismo, a metáfora sistemática TERRORISMO É
UMA DOENÇA. Adriana menciona como o medo constante da violência leva
a população a "se privar da liberdade" (l. 210) por causa da "violência que está na
cidade, na rua" (l. 211). Mariana (l. 206) resume a questão da insegurança, afir-
mando que a violência "torna-se banal". Adriana (a partir da l. 207) continua ela-
borando nessa linha de pensamento, revelando uma estratégia que muitos brasi-
leiros que vivem em áreas urbanas adotam para escapar da violência, que é alterar
o seu estilo de vida e sua rotina, como ela relata: "você abre mão da sua liberdade
por causa da violência na cidade,/na rua..". No excerto 1, as metáforas sistemá-
ticas VIOLÊNCIA URBANA É UMA FORÇA QUE RESTRINGE e MEDO

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

(COMO RESPOSTA À VIOLÊNCIA URBANA) É SE COLOCAR NUMA


PRISÃO (FELTES; PELOSI; CAMERON; FERREIRA, 2015) oferecem um
exemplo do tipo de análise que será feita a partir dos dados.
O medo pode levar a população a adotar estratégias que empobrecem
a vida coletiva, de modo que as pessoas mudam a sua rotina, evitam ir a certos
lugares, como caminhar pelas ruas, começam a usar equipamento de segurança,
contratam guardas e porteiros etc. Portanto, a sua vida muda, as pessoas evitam
usar transporte público, evitam a vida em coletividade e atividades em público.
O medo da violência também aumenta o preconceito e os estereótipos, assim
a população começa a desconfiar dos jovens, dos estrangeiros, i.e., das pessoas que
pertençam a outra etnia ou raça, e dos pobres. (CÁRDIA, 2002)
A população brasileira está constantemente simulando formas de evitar se
transformar em vítima da violência urbana. Por isso, ela vive em condomínios
com muros, cercas elétricas e seguranças, dirigindo pelo caminho mais seguro
quando sai de casa, "...não porque aquela situação aconteceu,/mas simplesmente
porque você quer evitar a todo custo que ela aconteça," (l. 218). É importante
destacar o caráter de falta de agência acionado por tal asserção, em que, a meu
ver, a violência é conceitualizada como uma ROLETA RUSSA. A participante
conclui a discussão, afirmando que "isso pode virar uma paranoia e afetar você".
A paranoia é um medo exagerado para o qual não há evidência, (MIND, c2013)
i.e., "paranoia" possui um significado incongruente, metafórico, motivado pelo
domínio experiencial do MEDO. Adriana menciona a expressão "atrás do muro"
(l. 212) que é uma metonímia e significa "segurança", mas também pode sugerir
a ideia de "prisão".

Considerações finais

O fato de que neste estudo sobre o medo da violência urbana foram identificadas
metáforas sistemáticas como MEDO DA VIOLÊNCIA É DOENÇA MENTAL
(cf. Seção 6), muito semelhantes a metáforas sistemáticas que emergem na
interação sobre terrorismo na Inglaterra, em que Cameron (2012) identificou
a metáfora sistemática TERRORISMO É DOENÇA, é um forte indício de
que o mesmo tipo de metáfora, i.e., uma metáfora sistemática motivada pela

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Metáforas do medo |

experiência corpórea com a violência pode coexistir em diferentes eventos dis-


cursivos, já que a motivação cognitiva, manifesta pelo domínio experiencial
MEDO – i.e. o medo de diferentes tipos de violência, i.e. violência urbana no
Brasil e terrorismo na Inglaterra, é a mesma. Tal motivação cognitiva de base cor-
pórea, em ação ao se falar sobre um mesmo tópico discursivo em diferentes con-
textos, parece apontar para uma conexão entre metáfora conceitual e metáfora
sistemática. Tal resultado corrobora a afirmação de Gibbs e Coulson's (2012, tra-
dução nossa) de que "precisamos buscar convergências entre diferentes níveis de
análise", por exemplo, entre uma análise conceitual e uma análise discursiva.
Todos os pontos arrolados aqui serviram de motivação para retomar o pro-
jeto desenvolvido anteriormente e investigar a questão do medo da violência
urbana em Belo Horizonte.

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— 224 —
Por uma abordagem
cognitiva da morfologia:
revisando a morfologia
construcional
Juliana Soledade

Apresentação

Há alguns anos, o grupo de morfologia e lexicologia históricas


do Programa para a História da Língua Portuguesa (Prohpor)
vem se apropriando dos pressupostos teóricos e metodológicos
da morfologia construcional proposto por Booij (2010, 2012,
2014) e aplicando esse modelo para a descrição e análise de
dados historicamente datados.
Nessa perspectiva, os estudos até então realizados se
alinham a algumas agendas da Linguística Cognitiva, no sen-
tido de: 1) pautar as análises de língua em seus usos concretos,
considerando que o conhecimento linguístico emerge e se
estrutura a partir do uso da linguagem; 2) propor a obser-
vação e a busca de descrição de processos, simultaneamente,
cognitivos, sociointeracionais, culturais e históricos; 3) con-
siderar que o conhecimento linguístico emerge e se estrutura
a partir do uso efetivo da língua em eventos comunicativos
reais e que, portanto, categorias e estruturas sintáticas, mor-
fológicas, semânticas e fonológicas são construídas a partir de
processos cognitivos gerais que aplicamos às diversas ocasiões
de uso "real" da linguagem.

225
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

Assim, os estudos de morfologia histórica, apropriando-se do modelo cons-


trucional, têm gerado análises interessantes e profícuas no que se refere à obser-
vação do fenômeno da polissemia, entendido não como uma propriedade que
afeta exclusiva e individualmente a palavra, mas como um fenômeno cognitivo
capaz de integrar uma rede de subesquemas construcionais em torno de um
mesmo elemento formativo, fornecendo em parte motivação para uma estrutu-
ração e organização do léxico. Contudo, ainda que o modelo tenha se mostrado
eficiente em certos aspectos da descrição linguística, em estudos de dados em
perspectiva histórica, algumas adequações têm sido aventadas.
Neste trabalho, buscar-se-á refletir acerca de pressupostos da Linguística
Cognitiva e da morfologia construcional com o olhar crítico embasado em tenta-
tivas de aplicação do modelo sobre dados historicamente datados.
Assim, num primeiro momento, partiremos para uma crítica sobre o con-
ceito de léxico construído ao longo da tradição linguística, com o objetivo de
refletir acerca de sua aplicação dentro da teoria cognitivista.
Na segunda parte, serão observadas as proposições do modelo cognitivo
para a morfologia, mais especificamente, a morfologia construcional (BOOIJ,
2010), apresentando os pressupostos básicos desse modelo.
Por fim, na terceira e última seção, buscaremos demonstrar algumas limi-
tações do modelo booijiano, com base em exemplos variados de análises previa-
mente efetuadas acerca de sufixos da língua portuguesa em perspectiva histórica,
buscando, quando possível, trazer propostas de reflexões que visam contribuir
para o aprimoramento do modelo, sobretudo, considerando algumas das pre-
missas básicas da linguística cognitiva, a saber: o caráter semanticocêntrico da
língua e o caráter cognitivo, sociointeracional, cultural e histórico dos processos
linguísticos.

Por uma concepção complexa de léxico

Qualquer estudo de morfologia, em nossa perspectiva, deve partir de uma con-


cepção de léxico e do papel da morfologia enquanto uma sua parte integrante.
No entanto, essa tarefa pode não ser tão simples quanto parece, uma vez que as
concepções de léxico são variadas e mudam/mudaram de acordo com a perspec-
tiva teórica que o enfoca, como é natural nas ciências de um modo geral.

— 226 —
Por uma abordagem cognitiva da morfologia: revisando a morfologia construcional |

Ao longo do desenvolvimento do pensamento científico, a cognição


humana, juntamente com o desenvolvimento tecnológico, permitiu que fatos ver-
dadeiros da ciência fossem reescritos como novos fatos verdadeiros, demonstrando
que o fazer ciência passa necessariamente por modos de percepção que variam de
acordo com a construção subjetiva acerca daquilo que o sujeito apreende como
realidade.
Tomando como exemplo a história da teoria atômica, perceberemos que
desde a sua concepção, em bases filosóficas acerca da constituição da matéria (sem
nenhum experiencialismo ou observação empírica), ela foi concebida como sendo
constituída por unidades individuais e que não poderiam ser divididas em quanti-
dades cada vez menores de forma arbitrária, um todo indivisível. Com o desenvol-
vimento da química, contudo, o conceito de átomo foi modificado e passou a ser
entendido como um corpúsculo constituinte da matéria: um corpo simples e não
misturado que não pode ser feito de outro corpo. Em 1897, quando Thomson
descobriu o elétron e sua natureza subatômica, o átomo deixou de ser um todo
indivisível e passou a ser investigado em termos de seus constituintes, daí terem
sido feitas e refeitas as verdades científicas acerca do átomo para dar conta das
descobertas de elétrons, prótons, nêutrons e fótons. Com o desenvolvimento da
física quântica, descobriu-se que as partículas subatômicas se comportavam até
determinado ponto como ondas tridimensionais. Na década de 1950, o desen-
volvimento de aceleradores de partículas e detectores de partículas permitiu aos cien-
tistas estudar os impactos dos átomos em movimento a alta energia. Verificou-se
que os prótons e os nêutrons eram hadrons ou comósitos de partículas ainda
menores denominadas quarks. Atualmente, cientistas chegaram a determinar que,
nas palavras de Ferreiro (2015, p. 18):

A identidade das partículas subatômicas se desloca dividida entre o estatuto


de matéria e o estatuto de onda. Sua substância aristotélica essencial se dis-
solve, e o elemento antes estável, vira fato aleatório, em torno de um modelo
de átomo eletrostático. A substância subatômica não tem mais localização fixa
e inequívoca nem no tempo, nem no espaço. O modelo de átomo como uni-
dade indivisível dá lugar a um 'delirante mingau subatômico de fótons, elé-
trons, nêutrons, prótons'.

Assim, a física contemporânea vem se afastando da lógica aristotélica


e do modelo dicotômico cartesiano e se pondo em direção a um modelo mais

— 227 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

complexo, que pretende ser holístico, incorporando a subjetividade em opo-


sição a movimentos e modelos anteriores que privilegiavam a objetividade para
o estudo de partes.
Na Linguística, podemos ver esse reflexo da quebra do paradigma racional
cartesiano quando observamos de perto as propostas da Linguística Cognitiva,
que rompe com dicotomias seculares (como léxico e gramática), em um movi-
mento de inserção na epistemologia contemporânea em busca de um pensamento
complexo. Nesse sentido, é importante entendermos que a proposta a que nos
dedicamos, nesse tópico, é a de fazer uma reflexão sobre uma concepção de léxico
que traduza essa nova forma de perceber a realidade, que, enquanto percepção, se
encaixa numa forma de ver o mundo, de um sujeito inserido em um dado con-
texto social, cultural e histórico.
A Linguística nunca cedeu ao léxico um lugar de centralidade, e desde as
primeiras gramáticas, passando pelas históricas até as normativas tradicionais,
o enfoque no léxico se resumia à análise de palavras primitivas e complexas já for-
madas e incorporadas ao léxico, e não havia interesse em observar a capacidade de
se criarem novas palavras, nem de entender como essas palavras são armazenadas
e se relacionam umas com as outras no cérebro dos falantes.
Com o estruturalismo, a morfologia e a fonologia ganharam destaque (pri-
meira e segunda articulações da linguagem), dando margem a uma maior reflexão
acerca de processos de formação de palavras. A concepção de léxico saussuriana
passa por aquilo que o linguista denominou de relações associativas. Nessa formu-
lação, cada palavra suscita na memória do falante toda uma série de relações asso-
ciativas com outras palavras com as quais compartilha certos elementos, sejam
eles de natureza fonológica, semântica ou morfológica.

[...] as palavras que oferecem algo de comum se associam na memória e assim


se formam grupos dentro dos quais imperam relações muito diversas. [...].
Vê-se que essas coordenações são de uma espécie bem diferente das pri-
meiras. Elas não têm por base a extensão; sua sede está no cérebro; elas fazem
parte desse tesouro interior que constitui a língua de cada indivíduo. Chamá-
las-emos relações associativas. (SAUSSURE, 1969, p. 142-143)

— 228 —
Por uma abordagem cognitiva da morfologia: revisando a morfologia construcional |

Nessa citação, é possível perceber que a concepção de léxico passa também


pela noção de tesouro armazenado no cérebro (memória) de cada indivíduo que
contém elementos que estabelecem relações associativas diversas:

Os grupos formados por associação mental não se limitam a aproximar os


termos que apresentem algo em comum; o espírito capta também a natureza
das relações que os unem em cada caso e cria com isso tantas séries associa-
tivas quantas relações diversas existam. Assim, em enseignement, enseigner,
enseignons etc. (ensino, ensinar, ensinemos), há um elemento comum a todos
os termos, o radical; todavia, a palavra enseignement (ou ensino) se pode
achar implicada numa série baseada em outro elemento comum, o sufixo (cf.
enseignement, armament, changement etc.; ensinamento, armamento, desfi-
guramento etc.); a associação pode se fundar também apenas na analogia dos
significados (ensino, instrução, aprendizagem, educação etc.) ou, pelo con-
trário, na simples comunidade das imagens acústicas (por exemplo enseigne-
ment e justement, ou ensinamento e lento). (SAUSSURE, 1969, p. 145)

Do ponto de vista da morfologia, é possível determinar que Saussure


a entende como o domínio das relações associativas entre morfemas para formar
palavras que seriam, por sua vez, as unidades básicas do léxico das línguas.
Sob o ponto de vista da geração de novas unidades lexicais, podemos
encontrar no Curso de linguística geral a seguinte compreensão:

[...] Quando uma palavra como o fr. indécorable ou port. indeclinável surge
na fala [...], supõe um tipo determinado e este, por sua vez, só é possível pela
lembrança de um número suficiente de palavras semelhantes pertencentes
à língua (impecável, intolerável, infatigável, etc.). (SAUSSURE, 1969, p. 145)

Essa teoria tem raízes bastante antigas, as quais remontam aos estudos de
Herman Paul (1880), que afirmou que o falante/aprendiz irá começar a aprender
palavras individuais e formas de palavras, mas gradualmente começará a abstrair
das palavras concretas que ele aprende o caminho para formar novas palavras de
acordo com esquemas abstratos.
Essa concepção de um princípio formativo que passa por processos analó-
gicos com outras palavras da língua irá permanecer como uma premissa básica em

— 229 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

teorias subsequentes, contudo, no âmbito dos estudos estruturalistas, a preocu-


pação acerca de como se dá a formação de novas unidades do léxico não encontrou
terreno fértil, uma vez que a linguística estrutural, pautada do estudo da langue,
preocupou-se essencialmente com a análise de estruturas já existentes na língua.
Na tradição do estruturalismo americano, o léxico era visto como con-
tendo unicamente informação idiossincrática, "an appendix of the grammar, a list
of basic irregularities" (BLOOMFIELD, 1933, p. 274), assumindo-se que todas
as palavras que podem ser regularmente analisadas não devem ser listadas no
léxico. Assim, só as palavras em que a correspondência forma-significado é irre-
gular é que devem fazer parte do léxico. Nesse modelo, também conhecido por
Item and Arrangement (IA), em português Unidade e Distribuição, supõe-se que
todo o enunciado está integrado nos seus constituintes últimos – os morfemas –,
numa determinada distribuição complementar e componencial.
No gerativismo, também, o léxico ocupou/ocupa uma posição marginal,
ainda que tenha gerado inúmeros desconfortos para a aplicação dos modelos
teóricos que a corrente engendrou. Na gramática gerativa transformacional, se
instaura com grande potência a investigação acerca do aspecto criativo da facul-
dade da linguagem, em particular os processos de transformação pelos quais passa
o sintagma. As palavras, quando simples e coincidentes com morfemas, fariam
parte da estrutura profunda, por sua vez, as palavras complexas estariam subme-
tidas às mesmas regras de transformação capazes de gerar sentenças, reflexão pau-
tada em argumentos como a equivalência entre estruturas sintagmáticas como
"O pedreiro construiu a casa" e "A construção da casa pelo pedreiro". Em suma,
o léxico, novamente, é relegado a um papel subsidiário no estudo de como as
línguas funcionam, servindo de matéria acessória para a elaboração de sentenças.
Com a publicação de Remarks on nominalization (CHOMSKI, 1970), der-
rubou-se a tese de que palavras são geradas pelas mesmas regras com a qual pro-
duzimos sentenças, com base em argumentos que, de alguma forma, contribuem
para uma compreensão da organização e funcionamento do léxico, a saber:

1. palavras complexas não podem ser caracterizadas simplesmente como um


formativo composicional em que o significado do todo corresponde ao sig-
nificado das partes, ou seja, o significado das palavras não está limitado pela
aplicação da regra de transformação;

— 230 —
Por uma abordagem cognitiva da morfologia: revisando a morfologia construcional |

2. idiossincrasias assistemáticas afetam de forma profícua e vasta itens lexicais,


assim, a polissemia de termos como estacionamento (ato de estacionare
local para estacionar), impediria a equivalência no âmbito sintagmático entre
a forma do verbo e a forma nominalizada do verbo;
3. existem vazios assistemáticos na correspondência verbo > nominalização;
4. grande parte das palavras, incluindo palavras complexas, são armazenadas na
memória dos falantes e passam a integrar um estoque que é dinamicamente
atualizado.

Desses argumentos desconstrutores, duas teorias de organização e estrutu-


ração do léxico foram engendradas, em cujo cerne está o debate acerca do equilí-
brio entre armazenamento e computação de itens lexicais. Na base dessas teorias,
está também o modelo criado por Halle (1973, p. 9-10), que propõe a existência
de três componentes distintos como partes da morfologia: a) uma lista de mor-
femas; b) as regras de formação de palavras; c) um filtro contendo as propriedades
idiossincráticas da palavra. A lista de morfemas, juntamente com as regras de for-
mação de palavras, definiria o potencial de palavras, que ainda teria de passar por
um filtro avaliativo.
Na teoria da entrada econômica (impoverished entry theory), o léxico é uma
lista básica de irregularidades, isto é, tudo que pode ser computado pela regra não
deve ser armazenado no léxico. Essa ideia se aplica às construções morfológicas
e sintáticas também, e defendida para a morfologia, mais eloquentemente por
Steven Pinker (1999) no seu livro Words and rules (Palavras e regras), em que ele
argumentou que somente as formas irregulares do tempo passado dos verbos do
inglês são armazenadas, ao passo que as formas regulares do tempo passado não
são armazenadas, mas computadas na hora.
Contudo, segundo Booij (2014), há uma grande quantidade de evidências
de que formas regulares de verbos também podem ser armazenados no léxico.
(BAAYEN et al., 2003; BYBEE, 2006; DE VAAN et al., 2007 apud BOOIJ,
2014) Isso levanta a questão de como exatamente palavras, regulares ou irregulares,
são especificadas no léxico. Estarão elas plenamente especificadas, ou somente as
propriedades imprevisíveis?
Notemos, nesse ponto, o quão recorrente, nas percepções acerca do léxico,
é a noção de que itens lexicais inespecificados, idiossincráticos e imprevisíveis

— 231 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

estariam a cargo da memória dos falantes, sendo, portanto, itens de estoque e,


assim, não passíveis de serem gerados on-line.
Enfim, na teoria da entrada econômica, as palavras complexas regulares
não estariam listadas no léxico, visto que são altamente previsíveis, podendo ser
geradas online, a qualquer momento, a partir de regras de formação abstraídas
de modelos lexicais previamente adquiridos. Uma vez abstraídas as regras, não
haveria necessidade de armazenamento de itens plenamente especificados. Nesse
modelo, portanto, privilegia-se o aspecto computacional, preservando o armaze-
namento apenas para formas primitivas e formas complexas imprevisíveis, econo-
mizando espaço na memória dos falantes. Esse é um enfoque parcimonioso para
o léxico, em que toda redundância é evitada.
Porém, não há consenso em torno dessa teorização, segundo Booij (2014,
p. 6-7, tradução nossa):

A objeção geral a esse enfoque é que não faz jus à compreensão de que
nossa memória lexical é vasta, e que não há, portanto, razões para adotar um
enfoque parcimonioso para o léxico. Essa objeção está relacionada a um cri-
tério geral para a adequação em modelos linguísticos. Um modelo linguís-
tico deve se permitir a uma integração elegante (Jackendoff, 2011), isto é, ele
deve estar em harmonia com os achados de outras disciplinas linguísticas,
tais quais a Psicolinguística, a Teoria da Aquisição da Linguagem, a Linguística
Histórica e aquelas da ciência cognitiva, em geral.

Por sua vez, a denominada full entry theory (teoria de entrada plena),
defendida por Jackendoff (1997) e Aronoff (2007), irá argumentar em favor de
uma maior capacidade de armazenamento de itens do léxico na memória dos
falantes. Consideremos que, para formarmos novas palavras, precisamos abstrair
dos modelos os esquemas morfológicos que possibilitarão as construções. Esses
modelos correspondem a um conjunto de palavras complexas memorizadas, i.e.,
palavras complexas plenamente especificadas. Em português, os falantes pri-
meiro adquirem nomes deverbais em – dor particulares, tais como jogador, ven-
dedor, cobrador etc., e depois de uma suficiente exposição a um conjunto de tais
palavras, o esquema para nomes deverbais em – dor será apreendido. Em face
da postura parcimoniosa da teoria da entrada econômica, teríamos de admitir
que, uma vez abstraídos os esquemas, seriam apagadas as informações previsíveis

— 232 —
Por uma abordagem cognitiva da morfologia: revisando a morfologia construcional |

concernentes às palavras complexas particulares que já estavam armazenadas na


sua memória lexical.

Uma vez que uma generalização foi feita sobre as bases de instâncias armaze-
nadas, essas instâncias podem ser redundantes, mas não há um mecanismo
para apagá-las da nossa memória, então nós assumimos que, pelo menos,
esses casos armazenados persistam. (HUDSON, 2007, p. 22)

Destarte, para os defensores da full entry theory, não há pressão psicológica


para apagar uma informação previsível uma vez adquirida, considerada a vastidão
da memória humana. Em termos de processamento, é também vantajoso que não
se necessite computar propriedade de palavras complexas memorizadas depois
de usá-las, pois elas podem ser diretamente recuperadas do léxico mental que irá
acelerar o processamento.
Em face desse debate, podemos dizer que a perspectiva gerativa, embora
não centralize os estudos lexicais, lhes deu um grande impulso, na medida em que
focalizou o léxico como conhecimento, em oposição à visão tradicional do léxico
como vocabulário.
Ainda acerca do equilíbrio entre armazenamento e computação de itens
lexicais na organização das palavras e dos esquemas e padrões de formação de
palavras na mente dos falantes, é preciso levar em conta, segundo investigação
psicolinguística, o papel da frequência de uso, na medida em que palavras ple-
namente especificadas, quando são muito usadas, tendem a se fixar no estoque
lexical, não sendo geradas on-line, como se poderia prever segundo as teorias
anteriores. Como confirmam as observações de Rio-Torto e colaboradores (2013,
p. 70):

[...] a memória tem um papel determinante, na medida em que as formas


mais usadas são aquelas que têm uma inscrição mais sólida na memória (Plag
1999:51-52; Plag 2003: 65-66; Rainer 1988). Portanto, mesmo lexemas cons-
truídos através de padrões produtivos podem estar armazenados na memória,
se forem de uso frequente. O interessante é que para interpretarmos um
lexema novo, não precisamos de o ter armazenado na memória. Isso prova
que a construção de padrões morfológicos é determinante na relação do
falante com a morfologia da sua língua.

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

Diante do exposto, entendemos que a memória humana é vasta e capaz


de armazenar uma infinidade de itens lexicais: palavras primitivas, palavras com-
plexas de uso frequente e palavras complexas com informações imprevisíveis
segundo os seus padrões/esquemas construtores. Acerca dessas últimas, é preciso
ter em mente que se amplia, e muito, o número de itens lexicais armazenados,
uma vez que a polissemia, em grande medida, implica na independência do sen-
tido da palavra em relação ao sentido previsto pelo padrão/esquema, ao passo
que a polissemia, por si, é um fenômeno que possibilita a economia de espaço
na memória dos falantes, evitando a necessidade de uma nova palavra para cada
novo sentido.
Ainda é preciso destacar a relação intrínseca entre frequência e polis-
semia, pois quanto mais frequente e mais sólida for a inscrição de uma palavra
na memória dos falantes da língua mais afeita ela estará a extensões de sentido
de caráter metafórico e metonímico, por outro lado, no caso de palavras com-
plexas, quanto mais se ampliam os sentidos de uma palavra – para além daqueles
previstos pelo padrão/esquema de construção –, maior será a sua frequência na
língua.
Por sua vez, os padrões/esquemas de formação abstraídos de modelos
apreendidos previamente são fundamentais para permitir a criação de novas
palavras com base nos recursos disponíveis e também possibilitar a compreensão
destas. Há que se ponderar, contudo, que muitas palavras complexas, que não
são novas na língua, podem não estar armazenadas na mente do falante e serão
processadas on-line.
Prova disso, encontramos na hesitação de falantes na aplicação de um afixo
ou de um padrão/esquema na hora de usar uma forma complexa num ato de fala,
é comum que construções não usuais/tradicionais sejam empregadas em lugar de
outras mais habituais (p. ex.: justificação em lugar de justificativa). Esse fenômeno
de alternância de afixo com a mesma base para dar conta de um produto com
o mesmo sentido foi bastante recorrente no período arcaico da língua portuguesa,
quando as formas tradicionais/usuais ainda não haviam se estabelecido, ou seja,
não existiam ainda, em alguns casos, as formas complexas fixas na memória do
falantes daquela época, assim, em textos de um mesmo autor, podemos encon-
trar essas variantes, que chamamos de doublets morfológicos – conforme Soledade
(2004), ocorrendo num mesmo texto, num mesmo capítulo e por vezes numa

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Por uma abordagem cognitiva da morfologia: revisando a morfologia construcional |

mesma página ou parágrafo, como se pode ver no exemplo a seguir da Crónica do


Conde Dom Pedro de Menezes, escrita por Gomes Eanes Zurara ([1463?], p. 210):
"[...] eu nom poderia escrever sem lagrimas a espidiçam que estas gemtes fezerão
hũas das outras, [...]" e "[...] a ora daquella partyda, foy amtre elles hũ espedimemto
tam doroso, [...]". Nesse exemplo, as formas espediçam e espedimento – "despe-
dida" – são construídas num mesmo parágrafo, acionando esquemas nominaliza-
dores diferentes sobre uma mesma base verbal espedir.
Ainda sobre o aspecto mentalista da organização do léxico, é preciso que
se diga que entendemos a sua natureza individual e particular, pois não é pos-
sível, em termos de língua, determinarmos quais lexemas estão armazenados na
memória e quais serão computados, pois, como querem Rio-Torto e colabora-
dores (2013), se esse fator depende da frequência, será variável de falante para
falante, assim, um indivíduo que trabalhe em um hospital poderá ter armazenado
em sua memória as formas medicação com o sentido de "ato de aplicar um pro-
duto farmacológico" e medicamento com o sentido de "produto farmacológico",
por sua vez, um falante que não tenha convivência com esse contexto sociocul-
tural poderá entender que essas formas funcionam como sinônimos. Intuímos
que esse caráter individual e particular de cada organização léxica mental tenha
um reflexo importante nas dificuldades que os linguistas têm tido de definir certos
fenômenos linguísticos, por exemplo, a homonímia e a polissemia.
Assim, a imagem mental que nos ocorre quando pensamos acerca da orga-
nização mental do léxico na mente dos falantes corresponde às raízes das árvores
que convivem em um mesmo bosque; as árvores estão compartilhando o mesmo
terreno, são alimentadas – mais ou menos – pelos mesmos tipos de nutrientes
e sofrem com as mesmas alterações climáticas, contudo suas raízes se estendem
e se ramificam em sentidos diversos, podendo estabelecer percursos e entrelaça-
mentos bem distintos umas das outras.
Em todo o caso, esse é apenas um aspecto do que seria o léxico, e defini-lo
apenas com o enfoque na sua organização e estruturação na mente dos falantes,
a nosso ver, considerando a meta holística da linguística cognitiva é, no mínimo,
reducionista, uma vez que se estaria privando o léxico de sua historicidade, de seu
perspectivismo, de sua socialização, de sua funcionalidade, de sua pragmaticidade.
Assim, a nosso ver, é imperativo que a Linguística Cognitiva seja capaz
de, ao menos, tentar elaborar, de acordo com a sua proposta de visão holística da

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

língua, um conceito de léxico capaz de alcançar, ou de ao menos deixar entrever


a sua complexidade.
Seria muita presunção de nossa parte achar que podemos aqui, nesse espaço
exíguo, com as leituras que temos: uma bagagem teórica restrita para tão ampla
tarefa, propor um conceito de léxico ampliado que dê conta de todas essas suas
múltiplas faces, mas não poderíamos deixar de expor que há uma necessidade de
reformulação de seu conceito se se quer manter a proposta de modelo mais holís-
tico e complexo dentro da linguística cognitiva.

A morfologia construcional

Na seção anterior, refletimos acerca das concepções de léxico ao longo das prin-
cipais teorias linguísticas, e muito embora nos pareça claro que a Linguística
Cognitiva precisa trabalhar com uma concepção ampliada de léxico, ao que
parece, se tem optado por manter o enfoque na teoria da entrada plena. Conforme
Tomasello (2000), a aquisição da linguagem começa com o armazenamento de
representações mentais de casos concretos de usos linguísticos, e gradualmente
o falante vai fazendo abstrações sobre um conjunto de constructos linguísticos
com propriedades similares e passa a armazenar no seu léxico mental o sistema
abstrato gerado por esses constructos, ou seja, convivem na mente do falante
lista de palavras aprendidas e esquemas (abstratizações) obtidos em termos de
generalizações.
Por sua vez, também é a teoria da entrada plena o ingrediente básico do
modelo do léxico hierárquico na morfologia construcional, como desenvolvido
em Booij (2010), que pode ser caracterizado da seguinte maneira: (i) esquemas
construcionais especificam a informação previsível de classes de itens lexicais
complexos existentes plenamente especificados, e especificam como novas pala-
vras similares podem ser cunhadas; (ii) esquemas construcionais podem dominar
subesquemas que especificam propriedades adicionais ou mais específicas de sub-
classes de itens lexicais.

— 236 —
Por uma abordagem cognitiva da morfologia: revisando a morfologia construcional |

Premissas básicas

A morfologia construcional assume que: 1) existem generalizações morfológicas


específicas que não podem ser transferidas a níveis fonológicos ou sintáticos; 2) as
gramáticas das línguas têm uma subgramática morfológica, relativamente autô-
noma; 3) palavras complexas são armazenadas no léxico até que sejam depreen-
didos os esquemas por generalização/abstração; 4) esquemas construcionais
morfológicos, uma vez abstraídos, economizam a memória do falante que já não
precisa armazenar palavras previsíveis de um dado esquema; e 5) esquemas podem
gerar palavras complexas que serão armazenadas no léxico, caso sofram alterações
semânticas de natureza idiossincrática (tipos de polissemias).
Na perspectiva da morfologia construcional, ser um signo linguístico moti-
vado, isto é, nãoarbitrário, é uma propriedade gradiente de palavras complexas.
Essa propriedade se correlaciona com o grau em que são preservadas as caracterís-
ticas formais e semânticas relevantes do esquema de formação de palavras e o grau
de conservação da herança semântica da palavra base. Quanto maior for a preser-
vação dessas propriedades, mais motivada será a palavra complexa.
Por motivação, entendemos que existe uma relação nãoarbitrária entre
a forma e o significado de uma construção linguística. Assim, para além das moti-
vações propiciadas pelo esquema, há de se considerar a questão da herança semân-
tica que a palavra complexa pode preservar em relação à palavra base.
Deve-se admitir, contudo, que há um comportamento gradiente, tanto em
relação à preservação das propriedades essenciais do esquema quanto à heredi-
tariedade em relação ao input, uma vez que itens lexicais podem ser subespecifi-
cados e herdar informações parciais da base, que, por sua vez, também pode, na
maioria dos casos, apresentar-se como polissêmica.
Para além das implicações de herança, a princípio, as palavras complexas
são motivadas pelo esquema pelo qual são dominadas. (BOOIJ, 2010) Palavras
complexas recém-derivadas herdam suas propriedades previsíveis através da com-
patibilização de esquemas de formação a bases léxicas. Os esquemas construcio-
nais apresentam essa função de motivação porque forçosamente estabelecem uma
relação entre forma e significado.
Com base no que se sabe acerca da aquisição da linguagem, Booij (2012,
p. 4, ver a nota 1) afirma que "Esquemas morfológicos são adquiridos com base

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

em um conjunto de palavras complexas memorizadas, isto é, palavras complexas


totalmente especificadas".1 Assim, o falante do português primeiro adquire nomes
individuais em -eir- como pedreiro, e, após uma exposição suficiente a um con-
junto de palavras com semelhante formação, o esquema de nomes agentivos em
-eir- pode ser apreendido.
Segundo Booij (2010), esquemas construcionais podem ser descritos como
capazes de:

I. especificar as informações previsíveis acerca das classes de itens lexicais


complexos totalmente enquadrados no esquema, e especificar como novas
palavras complexas podem ser cunhadas;
II. abarcar subesquemas que incorporam propriedades particulares adicio-
nais ou apresentam propriedades mais específicas de subclasses de itens
lexicais.

Esse modelo leva em consideração o fato de que o conhecimento de


esquemas morfológicos abstratos depende do conhecimento e armazenamento
mental de um conjunto de palavras complexas que instanciam esses padrões (full
entry theory).
Assim, esquemas morfológicos não devem ser vistos como mecanismos
formais para alcançar representações lexicais maximamente particularizadas (por
exemplo, lexicalizações idiossincráticas). Em vez disso, têm duas outras funções:
por um lado, motivam a existência de um conjunto relevante de palavras com-
plexas e, por outro, preveem como esse conjunto pode ser estendido. A função
motivadora de esquemas tem o efeito de reduzir o grau de arbitrariedade das
relações forma-significado no léxico. Assim sendo, esquemas também estruturam
o léxico. Por exemplo, o esquema para o português de substantivos em -eiro
define uma família de palavras que compartilham propriedades comuns, e, por-
tanto, fornece uma estrutura parcial ao léxico da língua.
Esquemas morfológicos, além de terem a função de especificar como novas
palavras complexas podem ser formadas, reduzem a demanda de memória para
armazenamento do léxico, uma vez que, como já foi dito, minimizam o grau de

1
"Morphological schemas are acquired on the basis of a set of memorized complex
words, i.e. fully specified complex words".

— 238 —
Por uma abordagem cognitiva da morfologia: revisando a morfologia construcional |

arbitrariedade no conjunto de correspondências entre forma e significado especi-


ficado no léxico.

Formulando esquemas: propriedades essenciais

Do ponto de vista formal, um esquema construcional de derivação sufixal deve ser


assim representado (BOOIJ, 2012, p. 4):

<[Xi Yj]Yk ↔ [significado de Yj relacionado a SEMXi]k>

Os símbolos "menor que" e "maior que" demarcam um esquema de cons-


trução, já o símbolo de seta dupla (↔) intercede para explicitar a correlação entre
forma e significado. A contribuição do significado da palavra de base, à direita
da seta, é coindexado com a parte relevante da estrutura formal do lado esquerdo
da seta. O significado (SEM) das palavras de base só é especificado no léxico, ao
passo que a contribuição do significado fornecida pelos afixos é especificada nos
esquemas de construção, uma vez que seus significados não são acessíveis fora da
estrutura morfológica em que eles ocorrem.
Ao se propor a formulação de esquemas para palavras complexas, é preciso
estabelecer quais propriedades são essenciais, quais podem ser descartadas e, ainda,
quais delas podem ser incidentais. Em primeiro lugar, observemos o aspecto cate-
gorial. Deve-se considerar a classe da palavra base (input) e a classe do constructo
(output) como propriedades essenciais a serem incorporadas ao esquema?
Sobre a relevância da categoria do input, Booij (2014) afirma que é possível
considerar a categoria da palavra base pertinente ao esquema para casos em que
há regularidade e produtividade; em outros casos, o esquema dominante pode
prescindir dessa informação, em face de que mais de uma categoria morfossintá-
tica seja produtiva dentro do esquema.
Um exemplo do primeiro caso seriam formações em -dor em português,
cuja categoria morfossintática da base léxica é sempre um verbo e qualquer ocor-
rência que esteja fora desse padrão não será produtiva, ou seja, não será capaz
de servir de base para formações similares. Portanto, o esquema construcional
que contém o formativo dor poderá ser descrito, considerando a categoria
verbal da base:

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

<[XVi –dor]Sj↔ [Agente envolvido em SEMVi]j>

Nos casos em que ocorrem instanciações fora do padrão, Booij (2012, p. 9,


tradução nossa) considera que:

[...] há casos em que a categoria do input deve ser uma categoria anulável.
Portanto, presumo que a categoria do input de um esquema de formação de
palavras pode não corresponder à categoria de uma palavra complexa indi-
vidual. No entanto, nesse caso, a palavra complexa terá um menor grau de
motivação.2

Um exemplo do segundo caso, em português, são as formações a partir do


sufixo -ismo, que apresenta uma certa promiscuidade, combinando-se com pala-
vras de classes diversificadas:

1. Base Raiz Substantivo derivado


Sc átomo, derrota atomismo, derrotismo
Sp Lula, Carlos (ACM) lulismo, carlismo
A colonial, favorito colonialismo, favoritismo
V batizar, caquizar, batismo, catecismo
C bota-abaixo, sem-vergonha bota-abaixismo, sem-vergonhismo
Sig PT, PMDB petismo, peemedebismo

Embora a formação a partir de bases adjetivas (A) seja a mais produtiva ao


longo da história da língua portuguesa, observamos que, em sua origem (grega),
-ismós tinha por base verbos (V) em -izó:

gr. katékhízó: katékhismós: port. catequizar:catecismo;


gr. hellenízó: hellenismós: port. helenizar:helenismo;
gr. ostrakízó: ostrakismós: port. ostracizar:ostracismo.

2
"[…] there are cases where input category should be a defeasible category. Therefore,
I assume that the input category of a word formation schema can be overridden by an
individual complex word. However, in this situation, the complex word will have a lower
degree of motivation".

— 240 —
Por uma abordagem cognitiva da morfologia: revisando a morfologia construcional |

Daí que persistem essas formações, não obstante tenham baixa ou


nenhuma produtividade atual. Por seu turno, verifica-se o surgimento de novas
possibilidades de formação bastante produtivas, considerando-se as categorias dos
substantivos próprios (Sp) e das siglas (Sig), de tal sorte que não parece produtivo,
no esquema dominante de -ismo, incluir a categoria da base como propriedade
essencial, podendo este prescindir dessa informação, que poderá/deverá ser des-
crita, junto com as especificações semânticas, em subesquemas, quando forem
relevantes e produtivas. Destarte, -ismo apresentaria um esquema dominante
assim configurado:

<[Xi –ismo]Sj↔ [relacionado a SEMi]j>

Já a categoria do constructo, ou seja, do conjunto de palavras que foi e pode


ser gerado por um esquema, parece ser uma propriedade essencial, haja vista, no
caso das palavras formadas por esquemas de sufixação, a sua função essencial de
determinar a categoria morfossintática do item lexical gerado.
Assim, para Booij (2010, p. 12, tradução nossa),

As únicas candidatas a propriedades absolutas, não-anuláveis, em esquemas


de formação de palavras são a categoria do output de palavras complexas
e a forma fonológica de seus morfemas constituintes. No entanto, a forma
fonológica pode variar considerando-se os limites da alomorfia.3

Desse modo, a categoria do output (constructo) de um esquema de for-


mação de palavras e a sua forma fonológica devem ser vistas como propriedades
absolutas, uma vez que estas atuam como definidoras dos esquemas morfoló-
gicos. Por exemplo, de um lado, não faz sentido relacionar, em português, adje-
tivos formados com o sufixo -nte – como vivente "aquele que vive" – ao esquema
de formação de adjetivos em -dor – como pensador "aquele que pensa" –, pois
a forma fonológica distinta requer esquemas distintos; por outro lado, também

3
"The only candidates for absolute, non-defeasible properties in word formation
schemas are the output category of complex words and the phonological shape of their
constituent morphemes. However, phonological shape can vary within the boundaries
of allomorphy".

— 241 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

não é pertinente relacionar adjetivos participiais em -(a)do (como amado, cansado)


a um esquema para substantivos coletivos em -ado (como punhado, bocado), já
que, embora haja coincidência – parcial – no plano da expressão, há distinção
quanto à natureza categorial e semântica do constructo.
No que diz respeito às propriedades semânticas, é importante ressaltar que
se configuram como aspecto central da organização do sistema cognitivo e
que portanto, um esquema construcional (quer morfológico, quer sintático) não
pode delas prescindir. Contudo, pode-se perguntar se é sempre possível descrevê-
-las em termos de atributo: combinações de valores.
Há casos em que as propriedades semânticas das palavras complexas indivi-
duais não estão previstas pelo esquema morfológico dominante. Esse fato decorre
de que muitas vezes atuam sobre itens lexicais complexos mecanismos universais
de polissemia, decorrentes de extensões metonímicas e metafóricas. Assim, uma
palavra complexa pode ter propriedades semânticas que não são motivadas pelo
esquema morfológico dominante. Há que se distinguir, porém, os casos em que
a polissemia atua sobre um item lexical individual daqueles em que atua sobre um
conjunto de itens lexicais que apresentam na sua formação um mesmo elemento
morfológico, em que caberá a explicitação da polissemia do sufixo, por meio de
subesquemas.
Em suma, sob a ótica da morfologia construcional, as propriedades que
usualmente definem um processo de formação de palavras são: a categoria mor-
fossintática do constructo (output), a expressão fonológica do afixo e a correlação
semântica da construção morfológica, sendo a categoria morfossintática da base
(input) uma propriedade passível de ser anulada.
Por fim, acerca dos subesquemas, vale ressaltar a sua função de especificar
propriedades semânticas decorrentes da polissemia e também a representação de
subpadrões de formação que sejam sistemáticos e produtivos. Assim, na relação
hierárquica entre esquemas e subesquemas, pode-se explicitar a existência de sub-
classes sistemáticas. Os subesquemas, portanto, fornecem características mais
detalhadas das propriedades mencionadas pelo esquema dominante, não sendo
um caso de substituição de padrão.
Vale chamar a atenção para o fato de que o critério básico para a proposição
de subesquemas é a produtividade de cada subpadrão: se é produtivo, é uma boa
razão para supor um subesquema. No entanto, o problema de um uso coerente

— 242 —
Por uma abordagem cognitiva da morfologia: revisando a morfologia construcional |

do presente critério é que a produtividade não é um fenômeno simples do tipo


tudo ou nada, mas uma questão de grau. Além disso, um subesquema que não
apresente produtividade numa dada sincronia pode já a ter apresentado em sin-
cronias pretéritas, o que implicará a existência de itens construcionais herdados
de um subesquema inativo, que poderá ser reativado, como bem exemplificam os
atuais empregos do sufixo -ete. (ALVES, 2010)

Problemas de aplicação da morfologia construcional a dados


empíricos históricos

Como dito anteriormente, o modelo booijiano foi aplicado a dados históricos em


estudos diferentes aplicados à investigação da polissemia de três sufixos distintos,
a saber: -eiro, -dor e -udo. (SOLEDADE, 2013; 2015) Nessas tentativas de apli-
cação da morfologia construcional, tal como apresentada no item 2 deste artigo,
foram identificados alguns problemas de aplicação, quer quanto à sua inserção
na corrente teórica da Linguística Cognitiva, quer quanto à descrição do compo-
nente morfológico em relação a usos concretos da língua.
Elegemos cinco questões a serem problematizadas: as duas primeiras de
caráter mais geral, considerando a concepção de língua e léxico na Linguística
Cognitiva, e as três subsequentes de caráter mais específico, considerando pro-
blemas na representação descritiva de dados empíricos historicamente datados.
Em primeiro lugar, retomemos o último parágrafo da seção anterior para des-
tacar a relevância da produtividade para a proposição de subesquemas. Segundo
Booij (2010, 2014), o critério básico para a proposição de subesquemas é a produ-
tividade de cada subpadrão: se é produtivo, é uma boa razão para supor um subes-
quema. Em segundo lugar, é importante que tenhamos clareza acerca da relação
evidente entre produtividade e frequência (tal qual discutimos anteriormente).
Por exemplo, um esquema ou subesquema derivacional produtivo implica numa
maior frequência de uso de um determinado componente morfológico, isto é, um
afixo. Por sua vez, quando se trata de um afixo polissêmico, podemos ter graus de
frequência com variação bastante significativa.
Observemos o caso da representação da rede esquemática polissêmica do
sufixo –eiro no português arcaico (SOLEDADE, 2013):

— 243 —
| LingUíSticA cOgnitiVA: REDES DE cOnHEcimEntO D’AQUÉm E D’ALÉm-mAR

Figura 1 – Esquema e subesquemas de formações X-eiro

Fonte: elaborada pela autora.

A ordem que atribuímos aos subesquemas acima representados como "a)",


"b)", "c)" e "d)" teve como motivação a produtividade de cada um dos sentidos,
i.e., os agentivos em -eiro tiveram uma maior recorrência, apresentando-se em 47
itens lexicais do corpus analisado, seguidos das construções com sentido de objeto
e local, 12 cada, e, por fim, o sentido de anomalia com apenas uma ocorrência.
Contudo, essa opção de organização gráfica de subesquemas, tomando a ordem
como representativa de um grau de produtividade, não está prevista nas pre-
missas básicas da morfologia construcional, na verdade, não se observa, embora
se aponte a sua importância, nenhuma preocupação de que a produtividade, ou
mesmo a prototipicidade sejam valores a considerar quando da representação das
redes polissêmicas dos construtos morfológicos.
Por outro lado, mesmo essa nossa opção pela ordenação não dá conta dos
graus de produtividade, haja vista que o primeiro subesquema (agentivo) é 47
vezes mais recorrente que o último (anomalia), e que o segundo e o terceiro apre-
sentam o mesmo número de ocorrências no corpus analisado, não sendo possível,
nesse modelo de representação gráfica linear, dar conta desses aspectos.
A pergunta que devemos fazer no momento é se de fato consideramos rele-
vante esse tipo de informação para o modelo de descrição morfológica dentro de
uma perspectiva cognitivista?
Se é objetivo da Linguística Cognitiva pautar as análises de língua em seus
usos concretos, considerando que o conhecimento linguístico emerge e se estru-
tura a partir do uso da linguagem, a resposta só pode ser positiva. Logo, par-
tindo da ideia de que qualquer representação deve ser feita em cima de usos reais

— 244 —
Por uma abordagem cognitiva da morfologia: revisando a morfologia construcional |

de língua e não de informações selecionadas com base em suposições acerca do


conhecimento linguístico de um falante ideal, sempre será possível ter dados para
subsidiar a reflexão acerca da produtividade, ainda que sobre recortes de língua.
Destarte, a problemática se volta para o como incluir essa informação no modelo
proposto por Booij?
A nosso ver, apenas quando tivermos condição de construir representações
em modelos tridimensionais – que se apresentem em constante movimento –,
poderemos de fato estabelecer alguma associação mais eficaz entre o modelo ana-
lítico/descritivo e a realidade da organização mental/cognitiva do léxico.
Por ora, enquanto não conseguirmos transpor a representação mono-
plana (das representações gráficas escritas) para uma representação em terceira
dimensão, podemos propor adequações à formulação dos esquemas constru-
cionais. No caso, da produtividade, seria possível que, para além da ordem dos
subesquemas, pudéssemos acrescentar, ao final da formulação de cada um deles,
o número de ocorrência ou o percentual de produtividade no quadro geral dos
dados analisados:

Figura 2 – Esquema e subesquemas de formações X-eiro com indicação de produtividade

Fonte: elaborada pela autora.

Assim, ainda que de maneira preliminar poderíamos de alguma forma estar


incluindo os usos reais na formulação das redes abstratas, afinal, sem os dados
empíricos, as construções esquemáticas serão apenas objetos do olhar do teori-
zador sobre a realidade que ele deseja descrever, embora concordemos com Lee
(2001, p. 19, tradução nossa), quando diz que

— 245 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

nenhum ser humano percebe a Realidade Absoluta em sua totalidade. Em


vez disso, vemos uma espécie de realidade limitada pelo tempo e espaço
que experimentamos; interpretamos e reconstruímos essa experiência em
esquemas ou padrões, em nossas próprias mentes.4

A segunda questão5 a que nos dedicamos a refletir nesse artigo tem relação
direta com a concepção de língua dentro da Linguística Cognitiva. Langacker,
em Foundations of cognitive grammar (1987), irá argumentar a favor da ideia de
que a gramática de uma língua é reflexo de distintos processos de conceptuali-
zação, ou seja, os padrões de combinações das diversas estruturas de uma dada
língua são resultados de processos que ocorrem no nível do sistema conceptual
humano. Essa afirmação sugere que a linguagem é simbólica em todos os seus
aspectos, incluindo aspectos morfossintáticos. Tal perspectiva tem implicações
sobre a descrição de padrões linguísticos e, no nosso caso, sobre a descrição de
padrões morfológicos.
Segundo Booij (2010), esquemas são padrões gerais formulados a partir
de unidades de forma-significado-função (form-meaning-function) e implicam
numa relação de coindexação entre forma e significado que será representada no
esquema pela seta dupla (↔), assim, entenderemos que um esquema constru-
cional não pode prescindir das propriedades semânticas, que constituem o aspecto
central da organização do sistema cognitivo.
Assim, quando observamos a representação gráfica de redes polissêmicas,
tal qual proposto pela morfologia construcional de Booij, verificamos a exis-
tência de um esquema dominante cuja contraparte semântica é generalizada, pois
é formulado sem nenhuma especificação de sentido, para dar conta de abrigar os
diversos sentidos polissêmicos dos subesquemas. Vejamos que no caso do sufixo
-eiro, (1) <[Xi-eiro]Sj ↔ [x envolvido em SEMi]Sj>, a posição ocupada por x

4
"No human being perceives Absolute Reality in its totality. Instead we see a kind of
reality limited by the time and space we experience; we interpret and reconstruct that
experience into schema, or patterns, in our own minds".
5
Essa reflexão se origina de um questionamento acerca da legitimidade do esquema
dominante de caráter semântico geral levantada pelo doutorando Mailson Lopes, em
reunião de orientação.

— 246 —
Por uma abordagem cognitiva da morfologia: revisando a morfologia construcional |

corresponde à posição na qual deveria ocorrer a especificação do valor semântico


do afixo.
O que devemos nos perguntar é se, de fato, o cérebro humano chega a gerar
esse esquema dominante, com o polo semântico da construção caracterizado por
uma especificação geral o suficiente para abrigar as diversas possibilidades de sig-
nificação das instanciações desse esquema? Não acreditamos que seja o caso.
Booij (2010) afirma que a categoria morfema não deve figurar entre
a relação de construções, uma vez que não consiste em um pareamento indepen-
dente de forma e significado, eles fazem parte de esquemas morfológicos e sua
contribuição significativa é acessível apenas por meio do significado da construção
morfológica como um todo. Por sua vez, a contraparte dessa formulação deve
ser levada em conta, ou seja, esquemas morfológicos só são abstraídos a partir
de construções morfológicas plenamente especificadas. Portanto, um esquema
dominante com a contraparte semântica geral é, a nosso ver, mais um recurso
metodológico do que uma descrição de um componente real da estrutura hierár-
quica do léxico. A solução seria então abolir essa representação.

Figura 3 – Esquemas de formações X-eiro com indicação de produtividade

Fonte: elaborada pela autora.

Contudo, se coloca um novo (terceiro) problema: como representar a polis-


semia de (sub)esquemas relacionados entre si por mecanismos metafóricos ou
metonímicos sem que precisemos criar essa "especificação geral" que na verdade
corresponde a uma inespecificação?
Acreditamos que, na verdade, o elo entre os esquemas polissêmicos são as
relações de sentido (metafóricas e metonímicas) que estabelecem entre si. Como
podemos observar, essas relações não estão, de forma alguma, contempladas na
formulação proposta por Booij (2010) de um esquema dominante de caráter geral.

— 247 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

Assim, em uma tentativa, preliminar, de representar as relações de polis-


semia entre os esquemas de -eiro, segundo os dados analisados no PA, sem um
esquema dominante, chegamos a seguinte formulação, em que as setas represen-
tariam as relações metafóricas e/ou metonímicas que os esquemas estabelecem
entre si:

Figura 4 – Esquema de formações X-eiro explicitando a polissemia e a produtividade

Fonte: elaborada pela autora.

Para Booij (2012, p. 20), existem esquemas de extensão conceitual (possi-


velmente universais) que permitem que objetos/instrumentos sejam concebidos
como agentes impessoais (extensão metafórica), ou que a noção de agente possa
ser ligada ao instrumento ou ao local de ação (extensão metonímica). Os dados
analisados no PA revelam que as relações entre os múltiplos sentidos de -eiro
parecem se dar em uma rede mais complexa, em que a linearidade da represen-
tação esquemática não faz qualquer sentido.
Além disso, os esquemas descritos na Figura 4 se desdobram em subes-
quemas também polissêmicos – agentes podem ser: agentes habituais, agentes
profissionais e agentes vegetais; objetos podem ser: objetos instrumentos e objetos
recipientes; e locais podem ser: locais recipientes e locais relacionados a atividades/
objetos. Assim, a teia de significados desse sufixo, já no português arcaico, não
parece admitir um desencadeamento contínuo da polissemia, mas apresentaria
antes uma rede de relações bem mais complexas, semelhante ao nosso sistema
neuronal. E se se pretende estabelecer esquemas que de fato representem, image-
ticamente, as relações entre os diversos sentidos de um esquema polissêmico, as
formulações teriam de assumir um caráter tridimensional e se aproximar de algo
como as redes neurais ou neuronais utilizadas no âmbito da inteligência artificial:

— 248 —
Por uma abordagem cognitiva da morfologia: revisando a morfologia construcional |

Figura 5 – Esquema de uma rede neural artificial

Fonte: Guimarães (2007).

O quarto problema de aplicação do modelo booijiano a dados empíricos


está relacionado à herança semântica das bases, pois, em alguns casos, a polis-
semia do esquema está intimamente relacionada a um tipo de restrição semântica
imposto pelos tipos de bases a ele associados.
Tomemos como exemplo os esquemas do sufixo -udo em português,
os quais podem atribuir às suas instanciações um sentido construído pelo
esquema, que podemos representar com a paráfrase <<"provido de caracterís-
tica física ressaltada relativa a [sentido da base]">>: BARBUDO, BUNDUDO,
NARIGUDO, CABELUDO etc. Porém, quando as bases não são partes de corpo
humano, o esquema dá origem a instanciações cujo sentido pode ser reproduzido
na seguinte paráfrase: <<"que se assemelha a [sentido da base]">>: ABELHUDO,
CARRANCUDO, PONTUDO, TALUDO, TRONCUDO, VARUDO etc.
Observemos que, nesses últimos casos, o sentido das bases não licencia o sentido
destacado para aquele primeiro grupo de palavras construídas, contudo, obvia-
mente, por extensão metafórica, temos um segundo esquema, derivado do pri-
meiro, mas, ao fim e a cabo, é a natureza semântica da base que determinará
o sentido da construção.
Booij (2014), em seu artigo "Herança e motivação em morfologia constru-
cional"6, assume a importância das relações de herança. Segundo ele, as palavras

6
"Inheritance and motivation in construction morphology"

— 249 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

complexas existentes podem assumidamente herdar informação dos nódulos mais


dominantes, estabelecendo uma relação vertical entre o esquema de formação de
palavra e a palavra complexa (instanciação). Assim, um esquema de formação de
palavras tem duas funções: especificar como novas palavras podem ser criadas
e motivar o seu significado. Por sua vez, a informação concernente à palavra
derivada está também relacionada àquela da palavra base. O significado de eater
(comedor) é parcialmente um reflexo do significado de to eat (comer) – relação de
subparte. Isso implica que herança não é somente uma relação entre o esquema
abstrato e a palavra complexa, mas também entre a palavra complexa e a sua base.
Porém, em sua proposta de representação da polissemia dos esquemas cons-
trucionais, a herança semântica da base não encontra espaço para ser especificada:

Figura 6 – Esquema e subesquemas de formações X-udo segundo o modelo de Booij (2010)

Fonte: elaborada pela autora.

De fato, nesse tipo de formulação esquemática, não há como tratar da


natureza semântica da base, ou seja, a herança da base não se enquadra na espe-
cificação dos subesquemas formulados, no entanto, como vimos, essa polissemia
é parcialmente motivada pela herança da base, o que nos deixa o questionamento
acerca de como adequar o modelo para dar conta desse aspecto. A nosso ver, essa
é uma tarefa muito complicada se quisermos manter o modelo de representação
booijiano, uma vez que a inclusão de especificações semânticas quanto às bases
determinaria que os esquemas assumiriam uma extensão que impossibilitaria as
representações lineares e verticais de subesquemas polissêmicos.
Por fim, a última questão que levantaremos aqui diz respeito à relação
entre os sentidos agentivos das instanciações com o sufixo -dor. Estudiosos acerca
do sufixo em questão têm apontado, com alguma variação, sentidos polissêmicos
para suas formações agentivas. A distinção entre agentes profissionais/ocupacio-
nais e agentes habituais/frequentativos parece ser consensual, diferentemente da
inclusão de agentes experienciadores, que não é unânime. Em todo o caso, esses

— 250 —
Por uma abordagem cognitiva da morfologia: revisando a morfologia construcional |

três sentidos são apontados como polissêmicos e independentes, embora relacio-


nados entre si por metáfora ou metonímia.
Com a análise de dados do PA (SOLEDADE, 2015), observamos que
qualquer agente habitual, em tese, pode ser recategorizado como agente profis-
sional, ou seja, é uma questão de conceptualização que depende do uso, da neces-
sidade expressiva dos indivíduos, das relações interacionais e socioculturais dos
agentivos em dada comunidade linguística, e que essa conceptualização em nada
dependente das relações de herança da base.
A distinção entre agente habitual e agente profissional parece residir no
fato de que todo agente profissional habitualmente pratica a ação expressa pelo
verbo, contudo, dessa prática decorrem pelo menos dois comportamentos socio-
culturais que o especificam, a saber: 1) o retorno financeiro a fim de subsistência
;e 2) o acúmulo de conhecimento ou de prática específica para o exercício da ação.
Assim, o corredor profissional se distingue do corredor amador/habitual,
não por uma maior frequência ou habitualidade da ação, mas sim pelo fato de
o profissional utilizar-se de conhecimentos teóricos e práticos que lhe permitem
realizar a ação com uma maior eficiência; além disso, os corredores profissionais
são financeiramente recompensados, o que lhes possibilita, em casos de atletas de
elite, viver economicamente apenas dessa profissão.
Portanto, a relação polissêmica que se dá entre os agentes habituais e os
profissionais nos parece de natureza metonímica, sendo uma relação entre parte-
-todo, ou ainda de continente-conteúdo, como explicitado na figura a seguir.

Figura 7 – Metonímia entre as noções agentivas habituais e profissionais

Fonte: elaborada pela autora.

— 251 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

Outra observação suscitada pela análise dos dados do PA que foi impor-
tante destacar refere-se à necessidade de incluir um subesquema, relativamente
produtivo, referente a agentes experienciadores. Percebemos que, embora sejam
nitidamente distintos dos habituais, o mesmo não se dá em relação ao sentido
profissional. Bases verbais de natureza semântica existencial também licen-
ciam a criação de agentes que atuam profissionalmente em relação ao verbo,
por exemplo, temos formações do tipo: animador (de festa) e passeador (de cães),
construídas sobre bases de verbos experienciais. Ao que tudo indica, novamente,
percebemos que a atribuição do caráter profissional à agentividade depende de
opções de categorização desencadeadas pela necessidade dos indivíduos inseridos
em uma dada cultura, em dado momento sócio-histórico. Representando sim-
bolicamente essa relação, teríamos, outra vez, uma polissemia desencadeada pela
metonímia (parte-todo/ conteúdo-continente).

Figura 8 – Metonímia entre as noções agentivas experienciais e profissionais

Fonte: elaborada pela autora.

Se retomarmos a esquematização da polissemia dos agentivos em -dor,


segundo o modelo construcional, tal qual vem sendo proposto por Booij (2010,
2012, 2014), teremos:

— 252 —
Por uma abordagem cognitiva da morfologia: revisando a morfologia construcional |

Figura 9 – Esquemas e subesquemas de formações X-dor

Fonte: elaborada pela autora.

Novamente, observamos que não há como incluir a representação das


relações semânticas entre subesquemas. A relação metonímica entre os sentidos
habituais e profissionais e entre os sentidos experienciadores e profissionais fica
completamente apagada, até mesmo perdida, na análise linguística. Assim, obser-
vamos que o modelo de esquematização/representação em hierarquização vertical
proposto por Booij não dá conta, até então, dos efeitos metonímicos ou metafó-
ricos que incidem nos subesquemas e os relacionam entre si. Afinal essa relação
não reside apenas no compartilhamento de um mesmo esquema dominante, mas,
sobretudo, por existirem relações horizontais, ou seja, estarem os subesquemas
ligados uns aos outros, sob efeitos semânticos.
Assim, é importante que a descrição da morfologia e do léxico da língua
dentro da Linguística Cognitiva também faça um movimento em direção a um
modelo mais complexo, que pretende ser holístico, incorporando-a de forma mais
comprometida os aspectos semânticos implicados na organização desses compo-
nentes linguísticos. Há, no modelo de Booij (2010, 2012, 2014), um forte apego
a métodos de representação usuais dentro do modelo gerativista, bem como uma
preocupação, ainda incipiente, de descrição da contribuição semântica para os
processos de construção morfológicos.

— 253 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

Considerações finais

Em suma, o modelo de morfologia construcional de Booij (2010) oferece fun-


damentos essenciais para a compreensão da estruturação do léxico em termos
de construção e esquemas; contudo, ainda não é suficiente para dar conta de
aspectos importantes, levantados nas análises aqui desenvolvidas, sobretudo, as
mais variadas relações semânticas que demandam especificação, como as que se
dão entre bases e palavras complexas, entre esquemas e palavras complexas, entre
esquemas e subesquemas, entre subesquemas e subesquemas.
Enfim, uma análise ainda que preliminar de dados empíricos, aplicados
a uma metodologia em construção, revela que muito há de se avançar em termos
de representação do que seja a língua, o léxico, a morfologia e das relações semân-
ticas que os engendra.

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— 257 —
Ligando o morfômetro:
análise morfossemântica das
construções com -metro no
português do Brasil
Carlos Alexandre Victorio Gonçalves
Maria Lucia Leitão de Almeida

Palavras iniciais

Neste artigo, analisamos as construções X-metro em português,


observando os aspectos formais (morfológicos) e semânticos
de palavras antigas – "amperímetro", "manômetro" – e novas
– "bafômetro", "mancômetro" – terminadas em -metro. Temos,
com isso, o propósito de discutir o estatuto do elemento final,
se unidade da derivação ou da composição, na linha de Bauer
(2005), Kastovsky (2009) e Gonçalves (2011a, 2011b). Esses
autores, ao flexibilizarem as fronteiras entre composição e deri-
vação, observam que há, na verdade, um continuum entre as
unidades de análise morfológica e, consequentemente, entre
os diversos processos de formação de palavras. Para atingir
essa meta, traçamos o percurso histórico das palavras X-metro
e analisamos as formações com base no modelo de Booij
(2010), denominado Morfologia Construcional, que, inscrito
no paradigma da Linguística Cognitiva, descreve a estrutura
das palavras complexas por meio de esquemas gerais que pre-
veem pareamento do polo formal com o semântico.

259
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

O trabalho está organizado da seguinte maneira: na seção 1, fornecemos


um breve histórico das formações terminadas em -metro; na sequência, analisamos
os dados rastreados e identificamos que características -metro compartilha com os
afixos; por fim, comentamos os usos mais recentes das construções X-metro, des-
crevendo-os com base no modelo de Booij (2010). Por fim, utilizamos a noção
de heterossemia (LICHTENBERK, 1991) para demonstrar o paulatino desli-
zamento de -metro como base presa de compostos neoclássicos para a categoria
sufixo, firmando-se como cabeça categorial, morfológica e semântica (SCALISE
et al., 2009) das novas formações. Ao deixar de se comportar como base, metro
passa a caracterizar construções semiabertas (X-ômetro), nas quais a variável pode
ser preenchida por palavra de várias classes, como se observa nos dados em (01),
a seguir, todos recentes:

(01) Substantivo – impostômetro, bafômetro, olhômetro


Verbo– achômetro, desconfiômetro, mancômetro
Adjetivo – gordômetro, barangômetro, boiolômetro

Sobre a categorização das formas x-metro

Nas gramáticas tradicionais de língua portuguesa, as construções morfológicas


finalizadas em -metro, a exemplo de "barômetro" – "instrumento usado para
medir a pressão atmosférica" – e "milímetro" – "milésima parte de um metro" –
são genericamente referenciadas como casos de composição. (BECHARA,
1986; LUFT, 1971) A maior parte dos estudiosos sobre o assunto, no entanto,
denomina formações como essas de compostos neoclássicos (MATEUS et al.,
1990; PEREIRA, 1935; SANDAMNN, 1985), tendo em vista (a) a presença,
quase categórica, de um radical de origem grega ou latina na primeira posição
(CAETANO, 2010) e (b) o sistemático uso de uma alegada vogal de ligação entre
os constituintes. (GONÇALVES, 2011b)
Pereira (1935, p. 233), por exemplo, diferencia os compostos popu-
lares, que "seguem a corrente analítica", pospondo "o elemento determinante
ao determinado" – "caça-níquel", "bolsa-família" –, dos compostos eruditos
(neoclássicos), que, "em regra, só aparecem na linguagem culta [...] e antepõem

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Ligando o morfômetro: análise morfossemântica das construções com -metro no português do Brasil |

o determinante ao determinado" – "anglófilo", "claustrofobia". Nessa perspectiva,


as formas X-metro constituiriam um caso típico de composição neoclássica, pois,
além de apresentar o padrão DT-DM (determinante-determinado), são caracteri-
zadas tanto pela presença de radicais greco-latinos na borda esquerda do produto
quanto da aludida vogal de ligação, predominantemente [o].1
Neste texto, contrariando praticamente toda a literatura da área, preten-
demos demonstrar que -metro experimentou uma importante mudança de esta-
tuto morfológico, deixando de se comportar com base na formação de compostos,
ao assumir comportamento cada vez mais condizente com o das unidades da deri-
vação, os afixos. Para tanto, tomamos por base os estudos de Bauer (2005), Booij
(2005) e Kastovsky (2009), sobre os limites entre a composição e a derivação,
assumindo, com Gonçalves e Andrade (2012, p. 115), que

[...] a categorização com base em protótipos e por meio de continuum se


mostra mais condizente com a heterogeneidade tipológica do sistema de for-
mação de palavras do português, uma vez que as fronteiras entre os vários
tipos de formativos não são tão nítidas e alguns elementos se encaixam numa
categoria com mais precisão que outros.

Os 436 dados que embasam a análise foram recolhidos de dicionários eletrô­


nicos (AULETE..., 2009; FERREIRA, 1999; HOUAISS, 2001; MICHAELIS...,
2007), através de ferramentas de busca encontradas nas próprias obras; posterior-
mente, com o objetivo de chegar ao maior número possível de formações recentes,
utilizamos os rastreadores eletrônicos Google e Yahoo.2 Recolher dados de páginas
publicadas na internet tem a vantagem de reunir tanto material impresso que
reflete a escrita padrão, como sites de jornais e revistas de grande circulação

1
Em Caetano (2010) e Gonçalves (2011b), há uma descrição pormenorizada sobre o com-
portamento da chamada composição neoclássica, textos para os quais remetemos
o leitor.
2
As alunas de iniciação científica Clarice Barcellos (UFRJ/FAPERJ) e Thaiane Santos Spíndola
(UFRJ/CNPq-PIBIC), a quem muito agradecemos, participaram ativamente da coleta de
dados e também foram responsáveis pela datação de cada uma das formas X-metro aqui
analisadas. Também foram utilizados os dicionários da internet: Wikcionário: o dicionário
livre (2004), Dicionário inFormal (c2006), Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (2008)
e Dicio: Dicionário Online de Português (2009).

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nacional, quanto fontes escritas mais próximas da oralidade, a exemplo de blogs,


chats e posts nas redes sociais, como o Orkut e o Facebook.

Breve histórico das formações x-metro em português

Delinear o caminho percorrido por -metro desde sua entrada na língua até os dias
de hoje não é tarefa das mais fáceis, mas uma abordagem dessa natureza é impres-
cindível para checar uma eventual mudança no estatuto morfológico do formativo
em exame. Nessa empreitada, baseamo-nos, fundamentalmente, (a) no depoi-
mento de filólogos e gramáticos históricos (ALI, 1966; COUTINHO, 1968;
LAPA, 1971; MELO, 1981), (b) nas datações apontadas pelos dicionários etimo-
lógicos (BUENO, 1988; CUNHA, 1994; COROMINAS, 1987; MACHADO,
1967; NASCENTES, 1955) e pelos dicionários morfológicos (GÓES, 1937,
1945; HECKLER et al., 1981) e, sobretudo, (c) no comportamento morfosse-
mântico das formações mais antigas, quando comparadas às mais novas.
A partícula metro provém do termo grego μέτρον (metron), que significa
"medida", e foi diretamente importada pelo francês, na forma de mètre, para
designar, no final do século XVIII, o padrão de medida de longitude.3 Nascentes
(1955) ressalta que a forma grega entrou para o latim como metru e, interessante-
mente, Ferreira (1999) apresenta duas entradas para metro-: uma latina e a outra
grega, a segunda para servir de radical a "metrônomo". Essas diferenças não inte-
ressam a este trabalho nem interferem na análise a ser desenvolvida, pois, pelos
dois caminhos, o substantivo metro circula livremente na língua como unidade de
medida (não necessariamente decimal), sentido esse que serve de base para suas
diversas especializações técnicas, a exemplo de "metro quadrado", "metro cúbico",
"metro padrão" e, até mesmo, para servir de unidade de versificação, sendo esse
o mesmo sentido básico que propicia as extensões futuras.

3
De acordo com a Wikipédia: a enciclopédia livre (2001), metro é uma unidade de dis-
tância que se define como o comprimento da trajetória percorrida no vácuo pela luz
durante um intervalo de tempo que corresponde à fração 1/299792458 de segundo. A
primeira definição do metro tinha como referencial o meridiano e surgiu com o matemá-
tico Gabriel Mouton, em 1670. O termo firmou-se apenas durante a Revolução Francesa
(final do século XVIII). Hoje, metro é uma unidade de medida que corresponde a 100
centímetros.

— 262 —
Ligando o morfômetro: análise morfossemântica das construções com -metro no português do Brasil |

Cunha (1994) apresenta -metro como elemento de composição relacionado


ao substantivo masculino metro, que constitui a unidade fundamental de medidas
do chamado sistema métrico decimal. (ZUIN, 2001) Destaca, além disso, que,
na condição de formativo, foi introduzido na linguagem científica internacional,
a partir do século XIX, em palavras como as listadas em (02), a seguir:

(02) centímetro quilômetro heptâmetro amperímetro


parâmetro audímetro hidrômetro aerômetro
hidrômetro marêmetro sismômetro voltâmetro

Com base na datação apresentada pelos dicionários etimológicos tomados


para análise, podemos propor a seguinte linha temporal para as formações X-metro
em português:

(03)
Século Forma de ingresso na língua Exemplos
centímetro
Empréstimos diretos do francês e do italiano (sobretudo) por conta barômetro
XIX-XX da nomenclatura técnico-científica e filosófico-literária, calcada altímetro
nos padrões de formação chamados de clássicos (greco-latinos) aerômetro
polímetro
ciclômetro
Formas criadas em português a partir de bases presas greco-latinas
hidrômetro
– palavras manufaturadas (intencionalmente planejadas) utilizadas
XX odômetro
em linguagens de especialidade (eruditismos)
pluviômetrotermô-
metro

olhômetro
Formas criadas em português a partir de bases livres (palavras) – desconfiômetro
XX-XXI formações mais espontâneas (menos técnicas) e de uso mais geral mancômetro
(fora da esfera técnico-científica) beijômetro
impostômetro

O Quadro em (03) sugere que as formas X-metro passaram, em linhas gerais,


por dois importantes momentos em sua história no português: (a) no século
XIX e primeiro quartel do século XX, com a utilização na linguagem científica

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internacional, sendo predominantemente emprestadas do francês e do italiano;


(b) a partir desse período, com novas formas criadas já em português, o que se
evidencia, por exemplo, no tipo de base utilizado. Até o século XX, palavras com
a terminação em exame eram empréstimos. A maioria delas, por apresentar um
radical preso na primeira posição, é extremamente opaca em termos estruturais,
não havendo, adicionalmente, regularidade em relação ao significado, de modo
a fornecer condições mínimas de isolabilidade das partes. Os dados a seguir com-
provam o que estamos afirmando, pois são pouco transparentes e mostram que
-metro pode fazer referência a uma unidade de medida (primeira coluna), a uma
distância relativa (segunda), a um aparelho (terceira) ou mesmo a um tipo de
verso literário (quarta):

(04) hectômetro diâmetro adipômetro heptâmetro


decâmetro perímetro densitômetro hipérmetro4
decímetro parâmetro oxímetro monômetro

A ampla utilização de -metro na nomenclatura técnico-científica levou


à alta proliferação de formas com significado de "aparelho que mede"5 e, com isso,
novos eruditismos foram criados de maneira deliberadamente arquitetada, carac-
terizando o que se pode chamar, recorrendo a Marchand (1969), de word manu-
facturing – palavras feitas à mão. Tal fato parece ter fornecido condições mínimas
para o reconhecimento de estruturação morfológica, levando à formação de pala-
vras a partir de palavras e à produção em série, o que provavelmente engatilhou
uma mudança no estatuto morfológico desse elemento no último quartel do
século XX.
Nos últimos anos, portanto, -metro aparece vinculado a formas livres, dei-
xando de se combinar apenas com radicais presos. Certamente por ação da ana-
logia, fixa-se a vogal que antecede o formativo, agora reconfigurado fonologica-
mente como -ômetro. Nas formas mais antigas, como se vê nos exemplos a seguir,

4
Essa palavra, cujo significado é "verso que apresenta métrica maior que a dos demais"
(AULETE..., 2009), é a única do corpus com uma consoante precedendo a forma -metro.
5
Essa é a principal acepção de -metro até o início do século XX, caracterizando cerca de
85% dos dados, segundo pesquisa de datação realizada nos dicionários etimológicos já
referenciados.

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Ligando o morfômetro: análise morfossemântica das construções com -metro no português do Brasil |

em (05), não há regularidade nesse constituinte. Nas mais novas, ao contrário,


a vogal é sempre uma média posterior fechada, [o], como atestam os dados em
(06).6

(05)
[a] [e] [i] [o]
litômetro
decâmetro decímetro aerí-
nefômetro
diâmetro gigâ- marêmetro metro algímetro
optômetro
Exemplos metro rotâmetro telêmetro conímetro
pugliômetro
voltâmetro dasímetro
sismômetro
Dados/
16/307 02/307 39/307 260/307
Total
Percentual 3,9% 0,6% 12,7% 82,8%

(06) gasômetro dinamômetro espectrômetro craniômetro


acidômetro esferômetro oleômetro ondômetro
radiômetro refletômetro angulômetro ebuliômetro

O que se percebe, com essa breve história de -metro nas estruturas morfoló-
gicas do português, é a fixação de um padrão: a vogal precedente, outrora impre-
visível,7 passa a ser sempre [o], que faz parte do esquema de formação de nomes
instrumentais tanto quanto o elemento seguinte. Dito de outra maneira, essa
vogal é, hoje, parte integrante da construção morfológica utilizada para formar
nomes de aparelhos responsáveis por algum tipo de medição, como os elencados
em (06).
Em termos de categorização, o que devemos fazer com as formas instru-
mentais X-ômetro? Continuamos afirmando que formam compostos eruditos

6
Rastreamos, das fontes indicadas, um total de 436 formações X-metro. Para calcular
os resultados da tabela em (05), levamos em conta apenas as palavras com entrada na
língua até a década de 1950, ou seja, 307 itens lexicais. As 121 restantes, muitas das quais
nem constam dos dicionários eletrônicos utilizados, são todas de base livre e ingresso
recente na língua.
7
A exemplificar tal fato, o instrumento "taquímetro" é preferentemente referenciado
como "tacômetro", como registra a Wikipédia: a enciclopédia livre (2001).

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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

ainda relacionados com a nomenclatura técnico-científica e filosófico-literária?


São realmente compostas e eruditas as novas formações terminadas em -ômetro?
Seria melhor recategorizar tais formas, já que apresentam uma série de caracterís-
ticas da derivação afixal? Quais são as vantagens e as desvantagens dessa análise?
Um aspecto que pesa contra a categorização das formas em análise como
derivadas é o fato de o elemento mais à direita funcionar como forma livre (07)
e, em decorrência, receber o acréscimo de determinados sufixos (08), o que indi-
ciaria seu possível comportamento como palavra ou radical:

(07) Rilda comprou um metro de tecidos para o vestido de noiva da


boneca.

(08) métrico
metragem
metrificar
metria

Buscando uma categorização para -metro

Sandmann (1989, p. 114) provavelmente caracterizaria -metro como sufixoide8


"por se prestar a formações de palavras em série e seu significado como palavra
livre não ser bem o mesmo que [...] nas palavras complexas".9 Na função de sufi-
xoide, -metro não necessariamente veicula a noção de "unidade de medida", o que
evidencia uma mudança semântica de metro como palavra/radical para metro
como formativo. Autores, como Iordan e Manoliu (1980), Joseph (1998) e Amiot
e Dal (2007), se apoiam em argumentos históricos para mostrar que a existência
de formas com um "sufixo" aparecendo na posição de radical é evidência de que
se processou uma mudança no estatuto morfológico de tais elementos. Para esses

8
Em linhas bem gerais, afixoides são elementos morfológicos semelhantes aos afixos, no
que diz respeito à posição e à produtividade, diferindo desses constituintes por apre-
sentar uma forma livre correspondente. São também denominados de pseudoafixos
(SCHMIDT, 1987), semiafixos (MARCHAND, 1969), ou semipalavras. (SCALISE, 1984)
9
Na citação, Sandamann (1989, p. 114) se refere ao formativo -mania, mas o trecho em
questão serve bem à descrição de -metro.

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Ligando o morfômetro: análise morfossemântica das construções com -metro no português do Brasil |

autores, portanto, dados como os apresentados em (08) não são problemáticos,


uma vez que corroboram o processo de gramaticalização.
Booij (2010, p. 72), por sua vez, observa em várias línguas situações que se
aproximam da de -metro em português, o que nos permitiria rever as duas soluções
apresentadas: a categorização como afixoide e a gramaticalização. De acordo com
o autor, há novas palavras formadas espontaneamente em certas línguas que se
desenvolveram com o acréscimo de um elemento de ligação que não ocorre com
a correspondente palavra lexical que lhes serviu de base, formando um subcon-
junto construcional a partir do lexema inicial. Seguindo esse raciocínio, -ômetro
não deve ser considerado alomorfe do substantivo metro em função sufixal. Booij
(2010) cita o caso da língua amazônica Matsés, amplamente analisada em Dorigo
(2002), em que o prefixo an- (privação) partilha significados com sua contraparte
lexical ana (negação), mas apresenta significados mais abstratizados quando se
torna afixo. Em outras palavras, a alteração do significante corresponde a uma
alteração do significado. Assim, sugere-se que, na evolução da palavra lexical e sua
fixação como sufixo, houve especialização de ambas as formas, que não se con-
fundem na atual sincronia.
Levando-se em consideração o parâmetro boundness (fixidez), o novo
sufixo ômetro, seguindo a linha de Booij (2010), deve receber interpretação no
léxico como parte de um esquema morfológico que expressa generalizações sobre
subconjuntos que partilham um constituinte preso (-ômetro) que assim se asse-
melha a um afixo. Desse modo, as formações devem ser entendidas como instan-
ciações de um idioma construcional semiaberto (em que uma parte é preenchida
por uma variável e a outra é fixa).
Importante a observação de Booij (2010) de que o fato que caracteriza tal
situação é a conformação do parâmetro boundness na formação afixal (e não no
lexema que lhe serviu de origem), de maneira tal que ambos não podem ser coin-
dexados. No modelo de Booij (2010), a relação entre base e produto é represen-
tada pela indexação: como se vê na representação em (09), o índice lexical da base
aparece como parte da informação da palavra derivada.10

10
Nesse esquema, baseado em Booij (2010), base e produto são indexados pelos sím-
bolos V e S, respectivamente, que representam a classe dos verbos e dos substantivos.
Os subscritos i e j indicam que tanto a base quanto o produto fazem parte do léxico.

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(09) passear [ [X]Vdor] S

[ [passea] Vi dor ] S j

Retomando o exemplo em (07), "Rilda comprou um metro de tecido para


o vestido de noiva da boneca", observa-se que metro não pode ser substituído
por ômetro, evidência de que não correspondem a mesma entidade linguística.
Conclui-se, pois, que a vantagem da postulação de subesquemas, no lugar de uma
categoria morfológica do tipo afixoide, é a de expressar um fenômeno mais intui-
tivo: falantes são capazes de generalizações sobre subconjuntos de formas morfolo-
gicamente complexas e, com isso, criam novas palavras, utilizando a lexicalização
de um subconstituinte nas novas produções.
Não estamos negando que haja um processo de gramaticalização em jogo,
largamente entendido como decategorização de um item linguístico associada
à mudança semântica. No caso, é evidente que o -metro de "centímetro" ou "altí-
metro", como já afirmamos anteriormente, perdeu a noção de medida linear de
base decimal para um potencial "instrumento de medida", ao mesmo tempo em
que se fixou estruturalmente e se tornou mais gramatical.
O fenômeno da interpretação "amarrada" (bound) nas palavras polissê-
micas é recorrente em várias línguas, bem como o fato de, na polissemia, a criação
de afixos produtivos conter a ação da semiose, ao instituir significados mais gerais
na produção de novos itens formados pelo esquema construcional emergente.
Esse fenômeno é referido como heterossemia. (LICHTENBERK, 1991) Nas pró-
ximas seções, definimos esse conceito e descrevemos a polissemia do elemento
"metro" e finalmente demonstramos que, com sua passagem a -ômetro, a polis-
semia de fato foi contida, estabelecendo-se, com isso, a construção semiaberta
X-ômetro.

Heterossemia: conceito e evolução

Ao se falar de heterossemia, o que surge mais rapidamente é a ideia, baseada na


interpretação composicional do termo, de itens foneticamente semelhantes em
duas línguas, mas com significados completamente distintos. Um caso exemplar

— 268 —
Ligando o morfômetro: análise morfossemântica das construções com -metro no português do Brasil |

é o de "presunto", que, em espanhol, denomina "presumido" e, em português,


"tipo de carne processada". Da mesma forma, "apelido" em espanhol significa
"nome"' e em português "alcunha". Por suscitar o engano, a relação entre essas
palavras, na literatura de divulgação científica, é chamada de "falsos amigos".
Em Linguística, entretanto, heterossemia é entendida como um caso
especial de polissemia: significados distintos (mas relacionados) de determinada
forma são associados a contextos gramaticais diferentes. (BROCARDO, 2010)
Tal definição, entretanto, embora mais técnica, é ainda vaga, pois a polissemia
pressupõe "conceitos distintos, mas relacionados" e a explicação "contextos gra-
maticais diferentes" é pouco elucidativa. De toda maneira, a importância de lidar
com a expansão de sentidos em unidades produtivas do léxico é um desafio para
os linguistas, como bem constata Rio-Torto (2013, p. 10), ao declarar que "[...]
a presença, num dado momento histórico, de diferentes valores semânticos numa
unidade do léxico pode ser devida a diversos fatores e traduzir diferentes tipos de
correlação entre os sentidos dessa mesma unidade."
O conceito de heterossemia ganha maior valor explicativo, com força de
instrumento analítico, quando Lichtenberk (1991) reconceitua o termo, utilizan-
do-o para se referir a casos (numa mesma língua) em que dois significados ou fun-
ções historicamente relacionados, por derivarem da mesma fonte, desenvolvem-se
de tal forma que passam a se especializar com um dado sentido em diferentes
categorias morfossintáticas. Na citação a seguir, Lichtenberk (1991, p. 476, grifo
e tradução nossos) resume a noção de heterossemia:

[...] adotarei – e adaptarei – o termo 'heterossemia' de Parsson (1988) para me


referir aos casos (numa única língua) em que dois ou mais sentidos ou funções
historicamente relacionados, no sentido de derivarem da mesma fonte, e nascem
em por reflexos daquela mesma fonte e pertencem a diferentes categorias mor-
fossintáticas. [...] Essa definição de heterossemia presume mesmo aqueles casos
em que o reflexo da fonte comum não são fonologicamente idênticos.

Em seus estudos, Lichtenberk (1991) constata que os elementos envolvidos


numa relação de heterossemia, embora reflitam a mesma fonte, não são fonolo-
gicamente idênticos ao se especializarem em diferentes funções e/ou categorias.

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É exatamente esse o caso que ocorre na relação entre a forma livre metro e o que
podemos chamar de neossufixo -ômetro.
Em "centímetro", metro é a medida linear dividida em cem partes. Então,
nessa palavra, o constituinte metro reflete o mesmo referente que pode ocorrer
também como forma livre em sentenças como "Comprei dois metros de tecido (ou
seja, 200 centímetros)". Nesse caso, centi- é determinado e -metro, determinante.
Tal uso, entretanto, vai paulatinamente se abstratizando e se conjugando a outros
parâmetros, além de unidade de medida linear, somado à inversão da relação
determinado/determinante.
Voltando ao quadro em (03), vemos que, na primeira célula, há itens que
exibem esse valor; portanto, a pesquisa etimológica revela que, nessas palavras,
metro era mesmo a unidade de medida básica para o artefato – como, por exemplo,
em "milímetro" e "quilômetro" –, mas essa utilização de metro foi sendo associada
a outros parâmetros, como em 'barômetro', "instrumento de medição de pressão
atmosférica", e, em consequência, "da altura a que alguém se eleva". Altura é uma
medida linear, mensurável por metro, mas já está subfocalizada em razão de sua
associação à pressão atmosférica.
Tal conjugação de metro a outros fatores vai ocorrendo na nomeação de
objetos que se encontram na segunda célula do quadro em (03), como em 'plu-
viômetro', instrumento de meteorologia usado para "recolher e medir, em milí-
metros lineares, a quantidade de líquidos ou sólidos (chuva, neve, granizo) preci-
pitados durante um determinado tempo e local". (AULETE..., 2009, p. 433)
Esvaziamento maior do significado de metro se dá em "termômetro", apa-
relho usado para medir a temperatura ou as variações de temperatura. O termô-
metro, como se sabe, é um instrumento composto por uma substância que possui
propriedade termométrica, isto é, que varia de acordo com a temperatura. Sua
medida se dá em uma escala que reflete graus de outra categoria, frequentemente
Celsius ou Fahrenheit. Em termos semânticos, o desbotamento de metro aumentou,
passando a palavra a equivaler à escala de medida. Observa-se, já aqui, a abstrati-
zação do constituinte à esquerda.
Como lembra Lichtenberk (1991), assumindo postura teórica tipicamente
cognitivista, os significados dos elementos linguísticos não são meros reflexos das
propriedades dos fenômenos que designam; expressam a conceptualização de
fatos e os termos em pauta, sobretudo os formados por manufaturação, designam

— 270 —
Ligando o morfômetro: análise morfossemântica das construções com -metro no português do Brasil |

instrumentos de medição de uma maneira geral, não importando para o falante


se essa ou aquela propriedade está sendo relevada. O sentido "instrumento de
medição" é fixado, então, como generalização associada ao esquema X-ômetro.
Ao combinar-se com formas vernaculares, o formativo -metro é asso-
ciado à vogal precedente, [o], de longe a mais usual na língua desde o século
XIX e encontrada em cerca de 80% das formações. Nos nomes instrumentais,
o percentual de formas com [o] é ainda maior: 92% dos dados – exceções ficam
por conta de empréstimos do inglês ou do francês do primeiro quartel do século
XX, como "taxítmetro", "parquímetro" e "calorímetro". A vogal [o], ao se fixar
como o elemento tônico que precede -metro, regulariza, por analogia, o esquema
de formação de instrumentos de medida e, com isso, o formativo oriundo do
substantivo metro perde o estatuto de item livre e passa a sufixo produtivo, esta-
bilizando seu significado. Confiruga-se, portanto, a heterossemia: metro e ômetro,
agora com formas fonológicas distintas, associam-se a diferentes funções/catego-
rias, sendo o primeiro um substantivo (forma livre) que designa "medida" – "um
metro", "dez metros e meio" – e o segundo um afixo (forma presa) que desgina
"aparelho que mede" – "bafômetro", "impostômetro". Hoje em dia, aparelhos
similares medem outras entidades/experiências/sensações, como se pode ver com
o auxílio das ilustrações a seguir:

(10)

DETECTOR DE MAU HÁLITO (BEIJÔMETRO)


"O pequeno aparelho indica, quando assoprado, se a pessoa está com mau
hálito. O 'beijômetro' indica as seguintes opções 'me beije', 'talvez', 'arriscado'
e 'nunca'". (BEIJÔMETRO..., 2009)

— 271 —
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RONCÔMETRO: ESTUDO DA USP BUSCA SIMPLIFICAR DIAGNÓSTICO DE


APNEIA NO SONO
"Com o roncômetro, sistema desenvolvido pelo Instituto de Física da USP, a fila
de espera para realização do exame que identifica a apneia deve diminuir. A
novidade está ainda em fase de testes". (ESTUDO…, 2013)

O QUE É O SALARIÔMETRO?
"O salariômetro utiliza informações fornecidas pelo Ministério do Emprego
para calcular o salário médio dos contratados com o mesmo perfil indicado
na sua consulta. Para os trabalhadores residentes no Estado de São Paulo,
o salariômetro calcula o salário médio na Região de Governo do município
indicado pelo interesado". (O QUE..., 2013)

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Ligando o morfômetro: análise morfossemântica das construções com -metro no português do Brasil |

SEXÔMETRO
Anel peniano conta o número de penetrações durante o sexo
"Produto está à venda no Reino Unido. Ele custa 9,99 euros (cerca de R$ 30)
e possui um contador que controla o número de entra-e-sai". (ANEL..., 2009)

TESÔMETRO
Tesômetro – saiba qual é a temperatura da sua relação
O tesômetro é feito todo em vidro e pode ser encontrado em diversas cores.
Um detalhe curioso é que a peça tem formato de banana e até os famosos
pontinhos pretos são reproduzidos. Para usá-lo não há necessidade de colocar
pilhas nem outro tipo de bateria. O tesão já basta! (TESÔMETRO..., 2011)

— 273 —
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Esquemas, domínios e a motivação cognitiva


para formação lexical

Em Lichtenberk (1991), o termo "conceptualização" pode ser relacionado ao


pensamento langackeriano de que o significado é um fenômeno mental e de
que o ato de conceituar é baseado na realidade física: no funcionamento de um
cérebro, que faz parte de um corpo, que interage na comunidade de fala e partilha
as mesmas experiências do mundo. A língua, como instrumento de comunicação,
emerge como manifestação da categorização de determinada comunidade de fala,
revelando a perspectivização feita naquela cultura. Assim, a gramática revela seu
aspecto experiencial, e o significado, aspectos comuns a todos que o comparti-
lham numa mesma cultura.
A definição de léxico abaixo, de Basilio (2011), abarca as considerações
feitas até aqui e legitima duas ideias ora defendidas: (a) itens evocam conceitos
e (b) essa evocação é situada linguística e socioculturalmente:

O léxico pode ser entendido como um espaço de formas simbólicas, isto é,


formas que se associam a conceitos. Essas formas, as unidades lexicais, cujas
possibilidades de evocação são infinitas, dependendo de circunstância que
podem envolver desde a história da língua e a história dos falantes envolvidos
numa situação lingüística e sociocultural, até relações entre formas e suas
potenciais evocações, que são usadas na construção de enunciados lingüís-
ticos. (BASILIO, 2011, grifo nosso)

Conforme a Gramática Cognitiva (LANGACKER, 2006), o significado


linguístico envolve tanto o conteúdo conceptual quanto operações de conceptua-
lização impostas a esses conteúdos. O termo "domínio" constitui maneira uni-
forme de se referir ao conteúdo. Uma expressão evoca um conjunto de domínios
cognitivos como base para seu significado, isto é, como o conteúdo vai ser cons-
truído. Coletivamente, um conjunto de domínios é chamado de domínio-matriz,
que pode ser complexo, se composto de múltiplos domínios. De forma simplifi-
cada, domínio indica qualquer tipo de concepção no reino da experiência. Assim
é que -ômetro remete ao domínio dos instrumentos de medição, com proprie-
dades mais ou menos composicionais, como já demonstrado.

— 274 —
Ligando o morfômetro: análise morfossemântica das construções com -metro no português do Brasil |

Como a conceptualização é baseada na experiência e na categorização,


elementos pertencentes a diferentes domínios, completamente desvinculados
da ideia de medição, mas relevados como importantes naquela cultura, como
"olho" (visão), "chute" (percepção) e "bicha" (comportamento sexual), entre
vários outros, aparentemente inesperados, são passíveis de funcionar como instru-
mentos ou objetos mensuráveis. Dito mais tecnicamente, são candidatos elegíveis
para o preenchimento da variável X da construção X-ômetro, como se observa
nos seguintes exemplos:

(11) Preparadores adotam "olhômetro" para cuidar de atletas no Grêmio.11


O Chutômetro das pesquisas continua, CPI nelas.12
Nunca tinha ouvido o termo "bichômetro"; conheço como
"Gaydar". Quer dizer, conheço não, por que eu não tenho, ou o meu
está quebrado.13

A seguir, abordamos a noção de item como esquema que propicia diversas


instanciações, não exatamente iguais, por não obedecerem ao princípio da com-
posicionalidade, mas submetidas a ajustes focais e sujeitas a outras operações de
língua em uso, como seleção, focalização, perspectivação e relevância. Para escla-
recer essas operações, Langacker, em sua Gramática Cognitiva (1987), mostra que
só podemos entender hipotenusa se acessarmos, no domínio de figuras geomé-
tricas, o triângulo retângulo. Em outras palavras, a seleção de um termo – no
caso, "hipotenusa" – focaliza a linha oposta ao ângulo de 90 graus, perspectivi-
zando-o e subfocalizando as outras duas linhas (os catetos), o que confere rele-
vância à hipotenusa. O item linguístico é, portanto, um ativador de domínios
pertencentes ao conhecimento enciclopédico.
Essas afirmações desenvolvem-se na constatação de Langacker (2006, p. 3)
de que todos os itens gramaticais (incluindo o próprio léxico) são significativos.
Por outro, a gramática (entendida aqui como um continuum, desprovido de
fronteiras entre os componentes – fonologia, morfologia e sintaxe) permite-nos

11
Título da matéria do jornal O Globo, Seção Esportes, de 12 jan. 2012.
12
Título da matéria do jornal O Estadão, Seção Economia, de 18 dez. 2012.
13
Ver comentário em: <http://meninastemvagina.blogspot.com.br/2009/08/acho-que-es-
tou-perdendo-meu-bichometro.html>. Acesso em: 25 nov. 2017.

— 275 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

construir e simbolizar os mais elaborados significados de expressões complexas


(como derivados, compostos, expressões idiomáticas e sentenças) por meio das
mesmas rotinas cognitivas. Esse é, então, um aspecto essencial do aparato concep-
tual por meio do qual apreendemos e nos envolvemos no/com o mundo. Com
isso, conclui-se que a gramática é significativa e que, especificamente, expressões
e usos idiomáticos podem ser descritos como todos os outros considerados regu-
lares, tanto aqueles os convencionalizados como as formações com elementos
morfológicos que se gramaticalizaram, passando de radicais ou palavras a sufixos
produtivos, como os vários atestados em Joseph (1998).
Vale sublinhar o fato, registrado por Langacker (1987) e retomado por
Lichtenberk (1991), de os significados linguísticos serem flexíveis, ou seja, não
estarem prontos no léxico. São, na verdade, possibilidades que se ajustam a cada
instanciação e a história de metro/-ômetro ilustra bem tal fato. Se "centímetro"
indica que determinada coisa ocupa o espaço de cem unidades convencionali-
zadas a partir da noção prototípica do substantivo metro, "barômetro" vai rela-
cionar altura com pressão atmosférica e assim por diante, num movimento dinâ-
mico e constante das propriedades cognitivas antes descritas. O mesmo continua
a ocorrer quando, de metro a -ômetro, vai sendo desfocalizada a medida para
serem os objetos concretos ou abstratos perspectivizados como instrumentos de
medição, por meio da heterossemia que fixa a forma -ômetro, especializando-a
para sufixo com tal significado, não mais coindexado à forma livre metro. A adap-
tação semântica do sufixo à base é chamada de "ajuste focal" e é com base nesse
mecanismo que o falante cunhou recentemente os seguintes termos:

(12) olhômetro – mecanismo perceptual que mede algo com o aparato da visão;
desconfiômetro – mecanismo perceptual que deve ser "ligado" para
avaliar as situações;
bichômetro – percepção do grau ou da constatação da homossexuali-
dade de alguém;
simancômetro – reação necessária a quem não tem percepção ade-
quada a determinada situação, ou seja, não toma "simancol"– origi-
nário da expressão "se mancar" –, termo cunhado em referência a um
"remédio" (daí o -ol) usado para evitar situações constrangedoras.

— 276 —
Ligando o morfômetro: análise morfossemântica das construções com -metro no português do Brasil |

Desse modo, como se observa nos exemplos em (12), os conteúdos defi-


nidos pelos domínios construirão o significado das construções, considerando-se
as seguintes dimensões, postuladas em Langacker (2006): especificidade, focali-
zação, proeminência e perspectiva.

Considerações finais

Booij (2010) mostra que as unidades linguísticas são estruturas simbólicas con-
vencionais. Desse modo, não há diferença substancial, por exemplo, entre pala-
vras derivadas (sapat-eiro), compostos (baba-ovo) e expressões semiabertas (dar
uma X-da), uma vez que todas essas unidades, que são complexas, "podem, igual-
mente, ser analisadas em suas estruturas de formação por meio de esquemas cons-
trucionais, desde os mais especificados, como [[Xizar]v-ção]n até os mais abs-
tratos como [N-N]n". (BASILIO, 2010, p. 21)
Não foi objetivo deste trabalho mostrar os processos figurativos que
ocorrem nas diversas instanciações morfológicas em que metro é constituinte.
Na realidade, partimos da ideia, bastante bem assentada na Linguística Cognitiva,
de que processos como a metáfora e a metonímia existem na literatura porque
existem na linguagem cotidiana. (LAKOFF; JOHNSON, 1980) O objetivo foi
mostrar que

–– as palavras são motivadas e não simples convenções;


–– com a explicação langackeriana de domínios, processos e conceptualização
e com o entendimento de itens lexicais/gramaticais como esquemas que
geram instanciações por imanência, ratificamos a afirmativa de Basilio (2011),
a respeito da possibilidade infinita de produção lexical;
–– -metro passa por importante mudança de estatuto morfológico: de base na
formação compostos neoclássicos para elemento preso de uma construção
morfológica semiaberta, conforme modelo de Booij (2010);
–– o conceito de heterossemia é fundamental para essa conclusão, já que ele-
mentos envolvidos numa relação de heterossemia, apesar de refletirem
o mesmo étimo, podem não ser fonologicamente idênticos por se especiali-
zarem em diferentes funções e/ou categorias. É exatamente essa a situação da
forma livre metro, em relação ao neossufixo -ômetro;

— 277 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

–– a vogal [o], antes elemento relacional, passou a fazer parte do esquema


de formação de palavras tanto quanto o elemento seguinte, o que desfaz
a homonímia e inviabiliza a análise do formativo em questão como sufixoide,14
tendo em vista a especialização formal e semântica;
–– ajustes focais explicam as diferentes nuances de significado na combinação
de ômetro com as bases (nominais e verbais), podendo indicar um aparelho
que mede, como em "bafômetro" – "instrumento que mede a quantidade
de álcool contida no "bafo" de alguém" – e "chutômetro" – "falar a primeira
coisa que vem à cabeça ou associar outras palavras e criar uma definição;
escolher ao acaso entre as alternativas ou "chutar" uma resposta".

Em trabalho clássico intitulado Language as a Model for Culture: Lessons


from the Cognitive Sciences, Brown (2002) assinala que a linguagem é a chave
da cultura, na medida em que, sob a ótica cognitivista, a cultura, como base
de conhecimento, é concebida numa homologia linguística: conhecer a cultura
é como conhecer a língua, uma vez que ambas são realidades mentais não acessá-
veis diretamente, mas por meio da experiência e sua conceptualização.
Os significados são estruturados por meio de experiências aprendidas na
cultura, que fornece frames e esquemas para a organização e compreensão dos
conceitos. Assim, novas palavras com formativo tomado para análise, a exemplo
de "beijômetro", "salariômetro" e "simancômetro", amplamente utilizadas na
fala e com várias ocorrências na internet, como se comprova com uma simples
pesquisa no Google, refletem novas categorizações da realidade, provocadas por
mudanças de comportamento na sociedade moderna. Tais formações são possí-
veis pela habilidade de (a) atribuir intencionalidade (GOODY, 1995) e (b) com-
preender que os outros têm mentes similares. (TOMASELLO, 1995)

Referências

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14
Na literatura, o termo tem duas acepções, reportando-se a (a) truncamentos que
remetem, metonimicamente, ao significado da palavra complexa de origem e não
concorrem com nenhuma palavra pré-existente (DUARTE, 1999, 2008); ou (b) ele-
mentos ressemantizados que, necessariamente, coexistem com uma palavra da língua.
(SANDMANN, 1989, 1992) Neste artigo, estamos nos referindo à segunda acepção do
termo.

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— 284 —
Sobre os autores

A. Ariadne Domingues Almeida


Doutora em Letras pela Universidade Federal da Bahia (UFBA),
instituição na qual atua como Professora Associada e está vin-
culada ao Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura
(PPGLinC).

Augusto Soares da Silva


Doutor em Linguística Portuguesa pela Faculdade de
Filosofia da Universidade Católica Portuguesa, onde atua
como Professor Catedrático e está vinculado ao Mestrado em
Linguística Portuguesa – Linguística Cognitiva e ao Doutorado
em Linguística.

Carlos Alexandre Victorio Gonçalves


Doutor em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), instituição na qual atua como Professor Titular e
está vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Letras
Vernáculas.

Elena del Carmen Pérez


Doutora em Ciências da Informação pela Universidade de
La Laguna e Professora da Pós-Graduação da Universidad
Nacional de Córdoba.

285
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR

Elisângela Santana dos Santos


Doutora em Letras pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Professora
Titular da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), onde atua no Programa de
Pós-Graduação em Estudo de Linguagens (PPGEL).

Heloísa Pedroso de Moraes Feltes


Doutora em Linguística e Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (PUCRS) e Professora Titular da Universidade de Caxias do Sul
(UCS); atua nos Programas de Pós-Graduação em Letras, Cultura e Regionalidade,
Mestrado Acadêmico (PPGLET) e Doutorado em Letras, Associação Ampla
UCS/UniRitter (PDLET).

Iraide Ibarretxe-Antuñano
Doutora em Linguística pela Universidade de Edimburgo, Reino Unido, e
Professora Titular da Universidad de Zaragoza, onde atua na Pós-Graduação do
Departamento de Linguística Geral e Hispânica.

Jorge Osório Baeza


Doutor em Linguística pela Universidad de Concepción, Chile, e Professor
Assistente de espanhol da Universidad Católica de la Santíssima Concepción,
atuando na Pós-Graduação.

José de Sousa Teixeira


Doutor em Ciências da Linguagem, Linguística Portuguesa pela Universidade
do Minho, onde atua como Professor Associado e está vinculado ao Programa de
Doutorado em Ciências da Linguagem.

Juliana Soledade Barbosa Coelho


Doutora em Letras e Linguística pela Universidade Federal da Bahia (UFBA),
onde está vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura
(PPGLinC). Atualmente, exerce as funções como docente e pesquisadora na
Universidade de Brasília (UnB).

— 286 —
Sobre os autores |

Luciane Corrêa Ferreira


Doutora em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e
Professora Adjunto da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde está
vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos (POSLIN).

Maíra Avelar Miranda


Doutora em Linguística e Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais (PUC – Minas) e Professora Adjunta da Universidade
Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), onde está vinculada ao Programa de Pós-
Graduação em Linguística (PPGLin).

Maria Lucia Leitão de Almeida


Doutora em Linguística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
onde atua como Professora Titular do curso de Graduação em Letras e no
Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas.

— 287 —
Formato 18 x 25 cm

Tipografia Garamond e Optima

Alcalino 75 g/m2
Papel
Cartão Triplex 300 g/m2 (capa)

Impressão Edufba
Capa e acabamento Gráfica 3

Tiragem 400 exemplares

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