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Maria Vidal de Negreiros Camargo
A. Ariadne Domingues Almeida
Elisângela Santana dos Santos
(Organizadoras)
Linguística Cognitiva
redes de conhecimento d’aquém e d’além-mar
SALVADOR
EDUFBA
2018
2018, autores.
Direitos para esta edição cedidos à Edufba. Feito o Depósito Legal.
Revisão
Líliam Cardoso
Normalização
Juliane Nunes do Nascimento
ISBN: 978-85-232-1699-3
CDD 410
Editora filiada à
Editora da UFBA
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Sumário
Apresentação 7
7
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR
— 8 —
Apresentação |
— 9 —
Princípios de
composicionalidade
e continuidade,
indeterminância do
significado: tópicos em
Semântica Cognitiva
Heloísa Pedroso de Moraes Feltes
Introdução
11
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR
e pelas semânticas formais, não resta dúvida de que as bases para o Realismo
Experiencialista já estavam sendo ali consolidadas como uma reação ao paradigma
racionalista gerativista. No coração desse confronto, encontra-se a posição e o
papel da semântica no sistema da gramática. Para Chomsky (desde a primeira
proposta em 1957 até o recente Programa Minimalista), a gramática é um sis-
tema formal cujo desenvolvimento independe do significado dos elementos de
suas fórmulas. A semântica seria apenas um componente derivado, realizado por
outro módulo da cognição, a partir de um sistema de princípios e regras grama-
ticais. O movimento de oposição a essa tese, chamado Semântica Gerativa, foi
comandado por Paul Postal, George Lakoff, Háj Ross e James McCawley, deno-
minados, então, jocosamente, "Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse", dando-se
o primeiro passo para o reposicionamento da semântica nesse sistema. Harris
(1993), em The linguistics wars, afirma que os referidos fundadores da Semântica
Gerativa levaram a sintaxe, cada vez mais, para um nível profundo, até que suas
"estruturas profundas se tornassem virtualmente indistinguíveis da representação
semântica". (HARRIS, 1993, p. 102) O conhecido artigo de Lakoff "Toward
Generative Semantics", escrito em 1963 e publicado em 1976, tornou-se o marco
desse movimento underground. Nesse caminho de debates e disputas, a semântica
foi se tornando progressivamente mais "primária" e mais central.
Uma das razões por que a Linguística Cognitiva se confunde com estudos
de Semântica Cognitiva está, sem dúvida, nesse deslocamento contínuo em
direção ao significado, às funções comunicativas e aos fatores cognitivos e socio-
culturais envolvidos no funcionamento da linguagem.
Em geral, entende-se a Linguística Cognitiva como uma subárea das
Ciências Cognitivas, que Lakoff e Johnson (1999, p. 568) afirmam ser "a ciência
da mente e do cérebro". Conforme Lakoff e Johnson (1999, p. 496), a Linguística
Cognitiva é uma teoria linguística que faz uso das descobertas da segunda geração
das Ciências Cognitivas para "explicar tanto quanto possível a linguagem". Ela
se inscreve na chamada "segunda geração das Ciências Cognitivas". A primeira
geração caracteriza-se como sendo uma ciência da "mente computacional".
A segunda geração é a da mente corporificada ou corpórea.
Desde a década de 1980, acompanhamos, então, o nascimento de uma
nova gramática com Ronald Langacker, uma nova semântica com importantes
discussões promovidas por Fillmore e Fauconnier. Tendo a metáfora como pedra
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Princípios de composicionalidade e continuidade, indeterminância do significado |
de toque para situar a linguagem como uma "janela para a mente humana", um
novo paradigma se estabelece e se desenvolve, avançando para o exame dos cha-
mados "níveis linguísticos", que, como veremos mais adiante, serão, agora, tra-
tados em um continuum.
A Linguística Cognitiva constitui-se como um domínio científico há
aproximadamente 25 anos se, conforme Janssen e Redeker (1999), forem con-
siderados como marcos de sua fundação a International Cognitive Conference,
em Duisburg, na Alemanha, em 1989, assim como a edição da revista Cognitive
Linguistics, em 1990. Entretanto, se considerarmos que seus estudos antece-
deram os eventos ou publicações respectivos, a Linguística Cognitiva já alcança
mais de 30 anos. Como em muitos outros campos de investigação, a Linguística
Cognitiva não se configura como um campo de investigação efetivamente homo-
gêneo, já que há uma relativa diversificação de teorias, variações de teorias e dife-
rentes escolas. Entretanto, como afirmam os editores da série Cognitive Linguistic
Research (da Mouton de Gruyter), Dirven, Langacker e Taylor (1999),
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Princípios de composicionalidade e continuidade, indeterminância do significado |
Diz Harder (1999) que muitos dos traços da Linguística Cognitiva residem
no fato de não estabelecer uma distinção nítida entre competência e performance.
Em vez disso, é um modelo baseado no uso, sem marcar uma distinção entre
a linguagem, de um lado, e a experiência humana, de outro, já que seu propósito
é justamente imbricar a linguagem em um contexto cognitivo e experiencial mais
amplo. Também não faz uma distinção nítida entre fenômenos cognitivos e fenô-
menos biológicos, "porque a linguagem é fundada no corpo humano, e porque
todas as habilidades podem ser vistas como mediadas por padrões neurológicos (os
quais podem ser modelados por simulações conexionistas altamente sofisticadas)".
(HARDER, 1999, p. 196) Ou seja, os fenômenos são tratados num continuum.
O mais importante traço da chamada "continuidade" em Linguística
Cognitiva é que esta "está explicitamente preocupada com o uso da linguagem
como uma janela para as estruturas cognitivas [...], de modo que se pode movi-
mentar-se livre e gradualmente de fatos sobre a vida humana para fatos sobre
a cognição humana". (HARDER, 1999, p. 196)
Harder (1999) sustenta que no coração da posição da Linguística Cognitiva
está a tese de negar a existência de um nível sintático puramente formal, mas
reforça que essa posição cognitiva da "continuidade" é responsável por muitos
equívocos.
A preocupação de Harder (1999) concentra-se em tratar da questão sobre
que tipos de coisas existem no mundo no contexto da Linguística Cognitiva,
levantando uma questão ontológica e metodológica. Antes de simplesmente
negar a "continuidade" o autor quer discuti-la com mais cuidado, a partir de uma
orientação explícita em direção a uma ontologia baseada na autonomia parcial.
Esta é entendida como
[...] um fato central sobre as relações entre domínios relacionados: fatos cog-
nitivos são parcialmente autônomos de fatos brutos; fatos linguísticos são par-
cialmente autônomos de fatos experienciais; fatos sintáticos são parcialmente
autônomos de fatos sobre o significado de elementos, e fatos sociais são par-
cialmente autônomos de fatos mentais. (HARDER, 1999, p. 196)
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Princípios de composicionalidade e continuidade, indeterminância do significado |
é "uma semântica que está tentando ser cognitivamente realista". É nesse con-
texto "do que é cognitivamente realista" que a composicionalidade em semântica
tem sido fortemente discutida. A autora afirma:
(1) I put the pencil on the desk. [Eu coloquei o lápis sobre a escrivaninha.]
(2) I put the pencil in the pencil-sharpener. [Eu coloquei o lápis no
apontador.]
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Princípios de composicionalidade e continuidade, indeterminância do significado |
[…] parece, para mim, quase impossível construir uma teoria adequada do
significado que seja simultaneamente objetivista e regularmente composi-
cional. Unidades menos flexíveis simplesmente não produzirão a série de sig-
nificados composicionais efetivos por composição regular.
servem para demonstrar, por exemplo, que há casos em que a zona ativa pode
ser sempre uma construção convencional com uma predefinição de significados
sobrepostos de nomes e adjetivos: em (4) ela lida com o exterior da fruta, a cor
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de sua casca; ou em (5) de uma zona a ser construída pelo contexto: a cor da
bola, a faixa vermelha sobre a superfície da bola (que possui o fundo de outra
cor) ou mesmo para se referir metonimicamente a uma bola que pertence a um
time cujo uniforme é vermelho. Em (5) operações de blending seriam necessárias,
segundo a autora.
Opera-se, portanto, com um tipo de "composicionalidade" fundada em
dados reais, em que certos sintagmas são compreendidos dada a certa realidade
cognitiva e psicofisiológica, em situações reais de processamento (neural).
Lakoff (1987), nesse sentido, ressalta que processamos gestalts, ou seja,
as gestalts são estruturas usadas no processamento da linguagem, no processa-
mento do pensamento, no processamento perceptual, na atividade motora etc.
Conforme o autor:
(1) As gestalts são holísticas e analisáveis: são todos não redutíveis à soma
de suas partes. Há "propriedades adicionais em virtude de serem todos, e as
partes podem tomar significância adicional em virtude de estarem dentro
desses todos".
(2) As gestalts podem ser corretamente analisadas em partes de maneiras dife-
rentes, a partir de diferentes pontos de vista.
(3) Uma análise gestáltica pode variar, na medida em que é fruto do pensa-
mento humano, guiada pelos recursos do organismo, pelos seus propósitos
e pontos de vista.
(4) As gestalts devem distinguir propriedades prototípicas de propriedades
não prototípicas.
(5) As propriedades das gestalts podem ser de vários tipos. No caso das ges-
talts linguísticas, elas podem ser gramaticais, pragmáticas, semânticas, fonoló-
gicas e funcionais. (LAKOFF, 1987, p. 246)
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Princípios de composicionalidade e continuidade, indeterminância do significado |
[C]onexões mentais são conexões mentais ativas. Há razão para acreditar que
ideias, conceitos e similares são representados por atividades neurais. O cir-
cuito exato envolvido é incerto, mas nos satisfaz assumir que algum padrão de
conexão estável está associado a certa palavra, conceito, esquema e assim por
diante. (FELDMAN, 2006, p. 91)
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que não dependam da forma gramatical em que é usada num dado caso".
(FELDMAN, 2006, p. 285) Ele cita o exemplo:
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Princípios de composicionalidade e continuidade, indeterminância do significado |
Para Feldman, nesses casos, (8) e (9), os adjetivos negariam traços essen-
ciais dos nomes que eles modificam, tais como: artificial, fake, imitation e toy, que
envolveriam as intenções das pessoas que usam o objeto (bridge e lion). Dessa
forma, o autor afirma que "modificadores adicionais operam dessa maneira para
alguns objetos mas não para outros". (FELDMAN, 2006, p. 286) O que ele quer
dizer é que stone lion (8) não é um leão, mas uma imitação ou estatueta, algo feito
de pedra na forma de um leão, e que stone bridge (9), por outro lado, é ainda uma
ponte. A partir desses exemplos, resulta a questão de como os significados são
combinados. Primeiramente, Feldman toma a teoria amplamente aceita de que
as palavras possuem significados múltiplos fixados: word senses. Nessa abordagem,
todos os significados residem nas palavras, e as regras da gramática apenas espe-
cificam quais combinações de palavras são permitidas – na perspectiva de uma
autonomia sintática. Discordando dessa abordagem, Feldman (2006) levanta
algumas questões de uso contextual relacionados ao exemplo (8):
(a) Deveria haver para cada nome de animal um outro sentido que cubra
objetos na forma de leão?
(b) E o que dizer de outros atributos animais usados de uma maneira usual
em sentido "não literal": tamanho, habitat, agressividade, força?
(c) Deveria haver também sentidos de palavras separados para estatuetas de
leão, armas falsas, etc?
(d) E como proceder com relação a usos contextuais como stone lion refe-
rentes a um leão sentado sobre uma pedra ou um leão que come uma
pedra etc?
(10)
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Princípios de composicionalidade e continuidade, indeterminância do significado |
Vejamos alguns exemplos muito comuns em nosso dia a dia que, embora des-
contextualizados, podem ajudar a entender alguns fenômenos com os quais
a Semântica Cognitiva se ocupa. Trouxemos exemplos do cotidiano para ilus-
trar uma questão mais complexa: a das construções. Embora não analisemos tais
construções nos termos da Gramática das Construções, levantamos alguns fenô-
menos que seriam analisados por meio de seu aparato teórico-metodológico, que
não apenas descreve o que ocorre, mas explica a natureza de tais ocorrências na
linguagem. Naturalmente, o corpus deveria ser mais amplo e as questões melhor
delimitadas. Porém, a ideia é oferecer uma ilustração, mais do que uma análise
detalhada.
Consideremos, primeiramente, a Figura 1 como representativas da des-
crição mais precisa de cada parte do olho humano, o que se refletiria semântica
e lexicalmente em uma estrutura meronímica:
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(11) 'olhos azuis' [ÍRIS (mas não toda a íris, apenas partes dominantes)]
(12) 'olhos vermelhos' [ESCLERÓTICA (mas não a esclerótica toda, já
que a zona ativa seria sua vascularização)] ou [ÍRIS (em áreas dominantes)]
(13) 'olho roxo' [TECIDO EM VOLTA DO OLHO]
(14) 'olho pintado' [PÁLPEBRAS/CÍLIOS]
(15) 'olho fechado' [PÁLPEBRAS]
(16) 'olho inchado' [TECIDO EM VOLTA DO OLHO/PÁLPEBRAS]
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Princípios de composicionalidade e continuidade, indeterminância do significado |
(15') Acho que Maria está dormindo. Ela está com os olhos fechados.
[PÁLPEBRAS RECOBRINDO O OLHO, Mapeamento metonímico.]
(15'') Maria não se dá conta do que está acontecendo. Ela está com os olhos
fechados. [e.g., NÃO PERCEBE A REALIDADE, Mapeamento metafórico. Cf.
metáfora COMPREENDER É VER]
(15"') Maria faria isso de olhos fechados. [COM CONFIANÇA/SEM
DÚVIDAS]
1 Devido à impressão deste livro ser nas cores preta e branca, as cores azul e prata não se
tornaram visíveis nas figuras.
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Princípios de composicionalidade e continuidade, indeterminância do significado |
Figura 7 – Cigarro C
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Princípios de composicionalidade e continuidade, indeterminância do significado |
PEQUENEZ
Diminuição
Explicação
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(25) boazinha
(26) banhozinho
(27) horinha
(28) minutinho
(29) trabalhinho
(30) bonitinha
E, de forma depreciativa:
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Princípios de composicionalidade e continuidade, indeterminância do significado |
Em cada caso, certinho terá um sentido particular a ser definido pelo uso
numa dada situação de fala. Enquanto (40), embora fora de contexto, sugere que
se trata de um sujeito muito correto, com traços de um julgamento de apreciação
(favorável ou desfavorável), (38) e (39) possuem alta indeterminância, dificul-
tando seu enquadramento em categorias de uso do diminutivo. Porém, seguindo
alguma linha de interpretação, (38) aproxima-se de Tudo está bem?, (39) de Faça
corretamente e (41) de Cabe perfeitamente.
Algumas questões ficam em aberto, tais como: por que usamos na ora-
lidade o diminutivo com tanta frequência? A que efeitos visamos? São atitudes
presentes em um modelo cultural de um povo que se expressa "afetivamente"
na oralidade? Devemos entender esses usos como implicaturas conversacionais?
Serão blends?
Todos os exemplos que ilustram o objeto desta conferência – problemas
relativos ao Princípio de Composicionalidade e ao Princípio de Continuidade,
bem como o potencial da Teoria Neural para o tratamento de construções –
são casos cujo tratamento já possui, na Semântica Cognitiva ou na Linguística
Cognitiva, em diferentes modelos de análise, alternativas profícuas na tensão ade-
quada entre descrição e explicação. Esse tratamento dá conta de fatores neuroló-
gicos, cognitivos, comunicacionais e socioculturais que privilegiam manifestações
linguísticas em eventos de fala naturais.
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Considerações finais
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Princípios de composicionalidade e continuidade, indeterminância do significado |
Referências
HARRIS, R. A. The linguistic wars. New York: Oxford University Press, 1993.
LAKOFF, G. Linguistic gestalts. Papers from the Thirteenth Regional Meeting of Chicago
Linguistics Society, [Chicago], v. 13, p. 236-287, 1977.
LAKOFF, G.; JOHNSON, M. Philosophy in the flesh: the embodied mind and its
challenge to Western thought. New York: Basic Books, 1999.
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Significado y motivación1:
la importancia de la
corporeización en
la semántica
Iraide Ibarretxe-Antuñano
¿Qué es la metáfora?
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Significado y motivación: la importancia de la corporeización en la semántica |
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Significado y motivación: la importancia de la corporeización en la semántica |
(1) Ni nos aclaró usted antes lo de la edad, ni veo por qué habla de odiar al
hijo y asesinar al padre [CREA, 15/11/2010]
(2) 'It is difficult to see how the integrity of the statement can be assured or
enforced,' it added [BNC, 15/11/2010]
'Es difícil entender cómo se puede garantizar e imponer la integridade de
esta declaración'
(3) Orain, berriz, urtetik urtera garbiago ikusten dut zein bestelakoa den
Francoren proiektua Proustenaren aldean [CRP, 15/11/2010]
'Ahora, por otra parte, con el paso de los años veo mucho más claro lo dife-
rente que era el proyecto de Franco al lado del del Proust'
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Significado y motivación: la importancia de la corporeización en la semántica |
Por lo tanto, estos datos nos señalan dos cuestiones a tener en cuenta.
La primera es que la metáfora entender es ver no es universal. Lo que parece que
está claro es que las diferentes lenguas del mundo escogen modalidades percep-
tuales distintas para conceptualizar el entendimiento. Por lo tanto, es posible que
sí exista una metáfora más general como conocimiento es percepción sensorial.
Ahora bien, lo que no está tan claro es qué modalidad perceptual elige cada lengua
para conceptualizar el conocimiento. La modalidad perceptual solo se especifica
una vez que esta metáfora se materializa en una cultural concreta (IBARRETXE-
ANTUÑANO, 2011). La segunda, y la más importante, es que toda base expe-
riencial no solo está basada en aspectos físicos y sensorio-motores sino que nece-
sariamente ha de pasar por un filtro cultural. Este filtro ha de entenderse como
un mecanismo activo que manipula los diferentes elementos culturales de dos
formas. Por un lado, filtra los elementos culturales apropiados con respecto a las
premisas culturales de la lengua que se está estudiando y, por otro lado, impregna
de información cultural las correspondencias culturales en ciertos dominios par-
ticulares para diferenciarlas de otros sistemas sociales y culturales (CABALLERO
e IBARRETXE-ANTUÑANO, 2014; IBARRETXE-ANTUÑANO, 2013b).
En la siguiente sección, se va a ilustrar la importancia de este filtro cultural a
través de algunos ejemplos en los que si no se tiene en cuenta la información cul-
tural, la interpretación de las correspondencias metafóricas y su base experiencial
queda distorsionada.
La corporeización en práctica
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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR
El vocabulario relacionado con las partes del cuerpo es uno de los domi-
nios fuente más prolijo y frecuente en las lenguas del mundo. Entre otros
dominios meta, las partes del cuerpo han proporcionado estructura conceptual
al dominio del espacio (el pie de la montaña), de la cognición (tener buena cabeza
para los negocios) y de las emociones (tener un corazón de piedra). En vasco, las
partes del cuerpo también ofrecen una gama similar de extensiones metafóricas.
Así, podríamos encontrar exactamente los mismos ejemplos en estos tres domi-
nios meta: mendiaren oina (montaña.gen pie.abs) 'el pie de la montaña', buruargi
(cabeza.luz) 'listo' y bihotzgogor (corazón.duro) 'de corazón duro'. Sin embargo,
lo que desde un punto de vista superficial—codificado aquí con estas expresiones
metafóricas—se podría interpretar como el mismo tipo de correspondencias
metafóricas, encierra unas diferencias conceptuales en cuanto a la organización
conceptual así como a la experiencia corporeizada. Estas diferencias, como se
demuestra a continuación, solo pueden ser reveladas si se parte y se tienen en
cuenta de algunos retazos de la cultura vasca.
La cabeza es una parte del cuerpo muy polisémica. Entre sus diversos significados
está el de usarse como un punto espacial que marca la parte superior, es decir, el
significado de 'arriba' como, por ejemplo, en inglés la expresión the head of the
mountain 'la cima de la montaña'. Este significado espacial de cabeza como 'arriba'
ha desarrollado a su vez otro significado metafórico que se ve en casos como the
head of the department o el cabeza de lista, y que se incluyen como ejemplos de las
metáforas lo importante está arriba y/o el control está arriba. En estas metáforas,
el dominio meta de la importancia / el control se conceptualiza en un eje espa-
cial vertical siguiendo un esquema de organización jerárquica piramidal. De tal
manera, que todo aquello que esté colocado o relacionado con la parte superior se
considera lo más importante o lo más controlador, y consecuentemente, la falta
de importancia y/o control con la parte inferior.
En vasco también existen estos dos casos, el de utilizar la cabeza como
punto espacial, p. ej., mendiburu (monte.cabeza) 'la cima de la montaña' y para
designar a personas que tienen control o son importantes, p. ej., sailburu (sección.
cabeza) 'jefe de departamento'. Sin embargo, si solamente se hiciera un análisis
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SigniFicADO Y mOtiVAción: LA impORtAnciA DE LA cORpOREizAción En LA SEmánticA |
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| LingUíSticA cOgnitiVA: REDES DE cOnHEcimEntO D’AQUÉm E D’ALÉm-mAR
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Significado y motivación: la importancia de la corporeización en la semántica |
¿Mismo significado?
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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR
(4) a. Buru
Buruargi (cabeza.luz) 'inteligente, listo'
Burugabe (cabeza.sin) 'idiota'
Bururatu (cabeza.ald.v) 'ocurrise, recordar'
b. Bihotz
Bihotz-bihotzez (corazón-corazón.ins) 'con todo mi corazón'
Bihotz galdu (corazón perder) 'desalentar'
Bihotzhandi (corazón.grande) 'generoso'
Bihotz-biguin (corazon-blando) 'blando, compasivo'
Bihoztun (corazón.pos) 'valiente'
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Significado y motivación: la importancia de la corporeización en la semántica |
Conclusiones
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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR
Referencias
CLASSEN, Constance. Worlds of sense. Exploring the senses in history and across cultures.
London: Longman, 1993.
EVANS, Nick; WILKINS, David. In the Mind's Ear: The Semantic Extensions of
Perception Verbs in Australian Languages. Language, v. 76, n. 3, p. 546-92, 2000.
GUERRERO, Lilian. El amor no surge de los ojos sino de los oídos: Asociaciones
semánticas en lenguas yuto-aztecas. Onomazéin, v. 21, n. 1, p. 47-69, 2010.
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Significado y motivación: la importancia de la corporeización en la semántica |
IBARRETXE-ANTUÑANO, Iraide. Vision metaphors for the intellect: Are they really
cross-linguistic? Atlantis, v. 30, n. 1, p. 15-33, 2008a.
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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR
JOHNSON, Mark. The body in the mind: The bodily basis of meaning, Imagination, and
Reason. Chicago: Chicago University Press, 1987.
LAKOFF, George; JOHNSON, Mark. Philosophy in the flesh. The embodied mind and its
challenge to western thought. Nueva York: Basic Books, 1999.
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La función de las metáforas
en la construcción
identitaria de Argentina1
Elena del Carmen Pérez
Introducción
1
Por se tratar de outro idioma, as normas deste texto foram man-
tidas conforme as de seu país de origem (N. do E.)
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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR
El marco teórico
Durante los últimos treinta años, las investigaciones lingüísticas y también las retó-
ricas se han visto visiblemente conmovidas por los aportes que desde la Semántica
cognitiva hicieron Lakoff y Johnson al poner ante nuestros ojos la ubicuidad de
la metáfora en el lenguaje cotidiano y la naturaleza metafórica de nuestro sistema
conceptual. La publicación de Metáforas de la vida cotidiana (1980) llevó a revisar
algunos supuestos: la metáfora no era propiedad exclusiva del lenguaje poético
aunque sí una figura esencial en la argumentación retórica; expresiones tan
usuales como "mente hueca" fueron estudiadas como metáforas, ya que, según lo
que expresaban Lakoff y Johnson, estaban basadas en la idea de que la cabeza era
un recipiente, es decir, eran expresiones lingüísticas de un concepto metafórico en
el que la mente era pensada como un contenedor; según Lakoff y Johnson exis-
tían no sólo metáforas lingüísticas sino -novedosamente- metáforas conceptuales.
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La función de las metáforas en la construcción identitaria de Argentina |
2
En adelante, los conceptos metafóricos se expresarán en versales, tal como es habitual
en los textos de la Semántica Cognitiva.
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Metáfora y cultura
3
Hace poco, los argentinos hemos escuchado hasta el cansancio la metáfora de los
"fondos buitre". La expresión no es nueva ya que comenzó a usarse en periódicos nacio-
nales desde 2001, sin embargo su registro se ha hecho frecuente a partir de 2012, y rea-
parece cada vez que, en Washington, se trata el problema de la negociación de la deuda
de argentina con los abogados de esos fondos. Durante estos últimos tres años algunos
periódicos apoyaban la fijación y el significado de la metáfora con representaciones
gráficas de bandadas de buitres o renombraban la metáfora con otras que aludían al
carácter delictivo de los acreeedores, como Pandillas de Nueva York. Simultáneamente,
otros medios de comunicación intentaban desmontar la metáfora y sus efectos, usando
la expresión "fondos de inversión" o su equivalente en inglés "holdouts" pero sin
resultados. Lo mismo ha ocurrido con la metáfora cepo al dólar que se ha impuesto
a pesar de los esfuerzos del discurso oficial, entre ellos el de la Presidenta que dijo
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La función de las metáforas en la construcción identitaria de Argentina |
"vayan buscándose otro título" porque esta medida no es un cepo, es el fin de la jauja…
"la timba financiera". Sin embargo, como con la metáfora de los fondos buitre, la metá-
fora forma parte ya de un repertorio que hace historia.
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Beer & De Landtsheer en su trabajo Metaphors, Politics, and World politics (2004) sos-
tienen que las metáforas referidas al cuerpo humano sirven de base a gran parte del
discurso político contemporáneo e histórico. Esto se debe a que existe una estructura
metafórica profunda basada en la experiencia humana común de "estar en el cuerpo"
(embodiment) que provee una metáfora de "raíz global" o "arquetípica" fundamental
para explicar nuestra relación con el mundo. Por ejemplo, derivadas de esta experiencia
primordial existen las metáforas que vinculan lo recto y lo diestro con los moral, e inver-
samente lo torcido e izquierdo con lo inmoral.
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Y más recientemente
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Charteris Black ha estudiado cómo la inmigración ha sido conceptualizada en diversos
países "aluvión", "inundación", "correntada"; Otto Santa Ana ha estudiado cómo la
inmigración mejicana en Estados Unidos es vista, por ciertos periódicos, como "marea
marrón"; para no abundar en ejemplos, recordemos que nuestra historia ha nom-
brado el fenómeno como "ola/ oleada inmigratoria", es decir, descripta en términos de
desastre natural.
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La función de las metáforas en la construcción identitaria de Argentina |
surge en los cincuenta la metáfora del gorila6 se utiliza para todo aquel adversario
político del peronismo.
6
Gorila es un epíteto o término proveniente de la política interna argentina, usado his-
tóricamente para referirse de manera despectiva o peyorativa a los detractores del
peronismo (en particular, los de los dos primeros gobiernos del general Juan Domingo
Perón, entre 1946 y 1955). Con el paso de los años, la expresión se ha ido extendiendo
en mayor o menor medida a otros países de América Latina, como sinónimo de "reac-
cionario de derecha". Los propios peronistas le atribuyen el significado de "persona
que no razona". Por extensión, en América Latina comenzó a llamarse gorilas a los gene-
rales reaccionarios que ejecutaron golpes de Estado, y que ejercieron una dura repre-
sión contra sus adversarios políticos. (adaptado desde Wikipedia)
7
Alrededor de los años'40 la Argentina quedó excluida de los principales mercados euro-
peos de post-guerra, los cuales fueron captados por Estados Unidos.
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La mano de Dios
La expresión que casi todos los argentinos atribuimos a un episodio protagonizado
por Diego Maradona, tiene su origen en una pelea entre un afamado boxeador
argentino (Jorge Locomotora Castro) y el estadounidense John David Jackson.
Cuando el argentino estaba casi derrotado, lanzó un golpe que sorpresivamente
nockeó al rival norteamericano. Al final de la pelea, el argentino dijo que aquel
golpe había sido dado por "la mano de Dios", haciendo referencia a una ayuda
extraordinaria.
La metáfora se hizo más conocida cuando Maradona, en el Campeonato
Mundial de Fútbol de 1982, hizo un gol con la mano al equipo contrario,
Inglaterra. Inmediatamente algún admirador del boxeo memorioso, rebautizó la
mano de Maradona como "la mano de Dios", lo cual, considerando el fanatismo
de sus hinchas podría haberse interpretado literalmente. Pero ahora la metáfora se
complejizaba porque se recortaba sobre un fondo social en el que los argentinos
sentimos que los ingleses han arrebatado las Islas Malvinas y que son nuestras; de
hecho, la única guerra en la que Argentina participó en el siglo XX, fue el intento
de recuperación de las islas del Atlántico Sur, en poder de la Corona Británica
desde mediados del siglo XIX. Entonces, de la metáfora también podía inferirse
que Dios "metía su mano", intervenía para ayudar a los argentinos en contra de
los ingleses que tan injustamente se habían apropiado de nuestras islas.
8
La vitalidad de la metáfora que nos define se manifiesta en el uso frecuente que
hacemos de ella, como cita, como definición o a los efectos de su réplica. Con este pro-
pósito, la presidenta Cristina de Kirchner la usa en el XXXV Cumbre del Mercosur, en
Tucumán (Argentina) en 2008. "Nos decían que éramos el granero del mundo, porque
dábamos alimentos a todo el mundo, pero el pueblo argentino vivía sumido en la
miseria y el hambre".
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La función de las metáforas en la construcción identitaria de Argentina |
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9
La sanción de la Ley de Residencia (1902) daba discrecionalidad al Poder Ejecutivo de
expulsar a cualquier extranjero considerado peligroso (Devoto, 2006.: 33): al igual que
la Ley de defensa social de 1910 nombraba al inmigrante como "extranjero" (Fausto;
Devoto, 2004: 37)..
10
Las acciones de pedagogía cívica formaban parte de un programa de formación patrió-
tica impulsada por Ministros como Ramos Mejía. En este programa, las instituciones
escolares tuvieron un gran papel pues se les confió la creación de la asignatura "Moral
cívica" propiciada en La restauración nacionalista de Ricardo Rojas.
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La función de las metáforas en la construcción identitaria de Argentina |
título del aviso "los rubios de mi país" y el nombre de los rubios: "trigo, cebada,
maíz, avena, centeno". Este diálogo permite evocar la idea de los rubios de la
pampa o más directamente el concepto metafórico de la pampa gringa.
En su conjunto, los componentes del texto íconoverbal –la Argentina per-
sonificada en una mujer, los colores de la bandera, el brillo del sol – se vinculan
con representaciones sociales relativas a la patria grabadas en la memoria de los
argentinos a partir del currículo escolar, currículo que también contenía la lista
de productividad de cada zona geográfica, y en la que la región pampeana era la
zona cerealera por excelencia. En este sentido, creemos que el texto publicitario
recupera y sintetiza una masa de discursos nacidos a comienzos del siglo pasado y
memorizados en políticas como las del currículo escolar. En esa vigencia, creemos,
reside la posibilidad de que su sentido sea masivamente interpretado.
Según nuestra lectura, el texto propone una fuerte articulación con los dis-
cursos celebratorios del segundo centenario, y además enmarca esa celebración en
la pervivencia de un modelo productivo de abundancia y de un ideal étnico en el
que la ascendencia europea conserva el valor simbólico que está negado a la inmi-
gración de otros países de América Latina11. En ese contexto, el anuncio podría
ser leído como el llamado a la construcción de un nosotros: ganadero, rico, des-
cendiente de europeos.
Sin embargo, es posible leer, más allá del tono celebratorio, los sutiles
procedimientos de la ironía y, en consecuencia, podríamos preguntarnos si no
existe un cuestionamiento a la legitimidad de "los rubios de mi país", o si en
11
Como parte de este programa étnico de blanqueamiento, se pone en marcha un pro-
lijo aparato de discriminación e invisibilización de afrodescendientes que habitaba la
argentina fue desapareciendo durante el siglo XIX: los esclavos, por ejemplo, ingre-
saban a cofradías religiosas para el cuidado de los predios y santos y con ello perdían
sus costumbres y su fe; o se los enrolaba en el ejército (el célebre cuerpo militar deno-
minado Regimiento de Pardos y Morenos) y operaban como "carne de cañón" en las
guerras que Argentina sostiene durante todo el siglo XIX con España y con los países
limítrofes. Simultáneamente, en el plano discursivo, vocablos como "negro", "pardo",
"moreno" comienza a ser reemplazado en los documentos oficiales por la palabra "tri-
gueño". En la actualidad, la población afrodescendiente no supera el 6% de la pobla-
ción. Muestra claramente la discriminación hacia esta población la metáfora "cosa de
negros" como algo que está mal hecho; o "negro de alma" cuando alguien se empeña
en un mal comportamiento o conducta. Es interesante que perviva en esta metáfora la
idea de que aun cuando la piel no sea blanca, uno podría tener un negro adentro que
nos hace actuar como si lo fuéramos.
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Consideraciones finales
Dijimos al comenzar esta comunicación que las metáforas que un grupo cultural
utiliza condensan sus creencias, las visiones de mundo de ese grupo; como tales,
tienen la capacidad de generar y fijar sentidos cuya función en la producción dis-
cursiva es cognitiva y también ideológica.
Y que toda metáfora en su trayectoria histórica inscribe no sólo sus rela-
ciones con otros discursos adyacentes sino también sus vinculaciones con el orden
social en que es producida, circula y es leída.
En esta breve comunicación, hemos tratado de mostrar cómo, a partir de
metáforas que proceden de distintas esferas discursivas y de distintos momentos
de la historia, es posible rastrear conceptos metafóricos cuya vigencia se actualiza
o se pone en cuestión; en este caso la pervivencia de la representación sobre la raza
blanca como bien simbólico.
La lectura de este aviso publicitario es posible porque evoca un conjunto
de representaciones arraigadas entre los argentinos: que somos un granero para
el mundo,que el granero está situado en la pampa y que la pampa es gringa. La
pervivencia de esas representaciones sirve tanto para reforzarlas como para impug-
narlas. Y por eso el pseudo aviso de Koleston muestra claramente la refutación de
la leyenda: exhibe la tensión (y quizás también la frustración) entre el deseo de
una identidad blanca y la realidad de no tenerla.
Si, como lo plantean Lakoff y Johnson, la repetición de las metáforas opera
a modo de resonancia cognitiva, y los efectos de esa resonancia, a su vez, operan
como factores que coadyuvan a la sedimentación ideologizada de una realidad,
nos preguntamos cuál es el impacto de esta publicidad y de otros textos seme-
jantes que no hemos podido traer a colación en este trabajo en la fijación de la
metáfora de elcrisol de razas. Si contribuye a fijar la aspiración de una etnia
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Bibliografía
Beer, F. A. & De Landtsheer, C. (2004). Metaphors, Politics, and World Politics. En:
Beer & De Landtsheer, Metaphorical World Politics (pp. 5-58). Michigan: Michigan
State UP.
Devoto, F. (2006). Historia de los italianos en la Argentina. Buenos Aires, Biblos, Cámara
de Comercio Italiana.
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Interconexões possíveis,
quando a teoria da
complexidade encontrou
a Linguística Cognitiva, um
caso de migração científica
na noosfera
A. Ariadne Domingues Almeida
A Lakoff e a Johnson,
por inspirarem uma nova linguística
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1
Conforme Morin (2011b, p. 29), o imprinting é a matriz que estrutura o conformismo,
"[...] é um termo que Konrad Lorentz propôs para dar conta da marca incontornável
imposta pelas primeiras experiências do jovem animal, como o passarinho que, ao
sair do ovo, segue como se fosse sua mãe, o primeiro ser vivo ao seu alcance. Ora há
um imprinting cultural que marca os seres humanos, desde o nascimento, com o selo
da cultura, primeiro familiar, depois escolar, prosseguindo na universidade ou na
profissão".
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2
Apesar de ser extensa, creio que a seguinte passagem de Schröder seja esclarecedora
sobre a questão aqui posta em pauta, pois, conforme pontua a referida autora, "desde
o surgimento da Teoria Conceptual da Metáfora (TCM) há mais de trinta anos (LAKOFF;
JOHNSON, 1980, 1999), houve uma série de autores que apontaram o ecletismo con-
tínuo da abordagem pela falta de uma contextualização historiográfica (CHAMIZO
DOMINGUEZ; HÜLZER-VOGT, 1987; JÄKEL, 2003; NERLICH, 2010; SCHMITZ, 1985;
SCHRÖDER, 2004, 2008, 2010a, 2012a), uma vez que a maioria das hipóteses sobre
a metáfora conceptual e até boa parte dos exemplos já foram debatidas a partir do
século dezessete em reflexões filosóficas (Clauberg, Vico, Locke, Leibniz, Lambert,
Kant, Nietzsche, Mauthner, Vaihinger, Richards, Blumenberg), antropológicas (Herder,
Boas, Sapir, Whorf, Gehlen), psicológicas (Stählin, Bühler) e linguísticas (Paul, Wegener,
Gerber, Biese, Lady Welby, Black, Weinrich). Todos esses autores apresentam plena
consciência da função cognitivo-epistêmica da metáfora, do seu caráter onipresente
na fala cotidiana e de sua atuação tanto no nível da conceitualização quanto no nível da
língua". (SCHRÖDER, 2014, p. 115-116)
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3
A respeito do pensamento Coseriano sobre a metáfora, Ibarretxe-Antuñano (2013,
p. 253, grifo nosso) afirma: "Esta extensa cita señala algunas similitudes con la teoría
de la metáfora conceptual: su relación con la cognición ('conocimiento'), su carácter
universal, su correspondencia con la imaginación ('fantasía')… Sin embargo, también
vemos que una de las diferencias fundamentales es que la metáfora en esta teoría se
sigue considerando algo exclusivamente lingüístico y, por eso, las metáforas pueden
'convencionalizarse' o desaparecer [...]". Tradução: "Esta extensa citação assinala
algumas semelhanças com a teoria da metáfora conceptual: sua relação com a cognição
('conhecimento'), seu caráter universal, sua correspondência com a imaginação ('fan-
tasia')... Contudo, também, vemos que uma das diferenças fundamentais é que a metá-
fora nesta teoria segue sendo considerada algo exclusivamente linguístico e, por isso,
as metáforas podem 'convencionarlizar-se' ou desaparecer [...]".
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INTERCONEXÕES POSSÍVEIS, QUANDO A TEORIA DA COMPLEXIDADE ENCONTROU A LINGUÍSTICA COGNITIVA... |
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No que tange, especificamente, ao objeto de estudo aqui posto em pauta, ou seja,
a metáfora, e, pensando nas últimas décadas do século XX, uma das primeiras rupturas
da contemporaneidade com a tradição dos estudos retóricos sobre a metáfora acha-se
no pensamento de Reddy (1979).
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ainda, por outros que, paulatinamente, foram aderindo ao neófito modelo, assis-
timos ao processo de constituição e de legitimação cultural de uma tendência:
"uma nova concepção torna-se respeitável e respeitada, institucionaliza-se, estabe-
lece a regra, ou mesmo seu princípio de normalização, na sua esfera de influência".
(MORIN, 2011b, p. 38) A ideia de desvio vai sendo apagada pela oficialização
da ideia de criação e de originalidade e, assim, o estatuto oficial vai gerando uma
nova norma, logo, uma nova conformidade.
Com base no comércio dialógico, na troca de argumentos, institui-se
a regra crítica que obriga os agentes do debate intelectual a adotarem o princípio
dialógico; essa regra, perpetuando-se, transforma-se em tradição crítica. A LC,
como a sua TMC, se (re)elabora através da constituição de uma tradição crítica,
o que é perceptível com os diferentes debates, com os intercâmbios dialógicos
instituídos no devir do seu fazer. Os trabalhos de Forceville (1996), Grady (1997),
Kovëcses (2005) e do próprio Lakoff (2008) são exemplos da dialética do repensar
e do recriar de premissas iniciais que foram postuladas no âmbito da TMC, logo,
da própria LC.
No mundo da noosfera
[...] uma vez formadas, as construções intelectuais vivem uma vida própria,
engajam-se em relações dialéticas com as outras 'construções' e espíritos
humanos. Geram consequências com frequência imprevistas para os seus
autores... 'Tornam-se conhecimentos públicos e, desse modo, propriedade
pública. Transcendem assim o espírito individual...'.
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Lançada na noosfera, a TMC participa do comércio das ideias, o qual ocorre, como
preleciona Morin (2011b), porque, sendo ecodependente, uma teoria é aberta "e
depende do mundo empírico onde se aplica. A teoria vive das suas trocas com
o mundo: metaboliza o real para viver. É o tipo aberto de autoecoorganização que
dá à teoria uma resistência constitutiva ao dogmatismo e à racionalização".
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[...] se ele [Lakoff] estiver certo, a metáfora conceitual pode fazer qualquer
coisa, desde virar de cabeça para baixo 2500 anos de equivocada confiança na
verdade e na objetividade no pensamento ocidental a colocar um democrata
na Casa Branca.5
5
Este último comentário diz respeito ao fato de o livro Don't think of an elephant de
Lakoff (2004) ter virado um best-seller e, segundo Pinker, um talismã liberal, e pelo fato
de Lakoff ter se reunido com líderes e marqueteiros do partido Democrata dos Estados
Unidos e de ele ter falado em colégios eleitorais, depois da derrota desse partido, em
2005, nas eleições presidenciais. (PINKER, 2008)
6
É interessante notar que, embora boa parte das discussões iniciais propostas por Lakoff
sejam em parceria com Johnson, Pinker direciona seus comentários e suas críticas, tão
somente, para aquele.
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Lakoff tem razão em insistir que as metáforas conceituais não são apenas flo-
reios literários, mas auxiliares do raciocínio – são as metáforas 'pelas quais
vivemos'. E as metáforas podem dar vida a interferências sofisticadas, não só
às óbvias.
Mas, por outra parte, assevera que a onipresença da metáfora não quer
dizer que qualquer pensamento se fundamente na experiência corpórea, nem que
ideias diversas sejam simples enquadramentos contraditórios; ele crê que as metá-
foras conceptuais só podem ser aprendidas e utilizadas se forem examinadas em
seus elementos mais abstratos, que constituiriam, segundo pensa, a "verdadeira"
moeda do pensamento e, ainda, pelo que acredita, o uso metódico da metáfora
pela ciência demonstra que esse fenômeno se constitui em um modo de adaptar
a língua à realidade e que pode apreender o que Pinker chama de "leis genuínas
do mundo". (PINKER, 2008)
E mais, ainda, assegura que:
As pessoas certamente são afetadas pelo modo como as coisas são enqua-
dradas, como sabemos por séculos das artes da retórica e da persuasão.7 E as
7
Sobre a tradição retórica, Pinker afirma que "os ingredientes também fazem com que
a metáfora literária seja mais picante que uma metáfora conceitual cotidiana". (PINKER,
2008, p. 301) Essa observação de Pinker, pelo que penso, demonstra que há uma con-
cepção bem tradicional permeando o seu pensamento. Além disso, creio que seja pre-
ciso questionar quais seriam os critérios para se categorizar a metáfora literária como
mais picante e, ainda, acredito que seja necessário pontuar que, ao dizer que a metá-
fora literária é mais "picante" do que a cotidiana, ele fez uso de uma expressão metafó-
rica de uma metáfora conceptual.
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[...] acho que a metáfora é, sim, a chave para explicar a relação entre pensa-
mento e língua. A mente humana vem equipada da capacidade de penetrar
a couraça de aparência sensorial e discernir a construção abstrata que está
debaixo dela – nem sempre quando se quer, e não da forma infalível, mas com
a frequência e a clarividência suficientes para moldar a condição humana.
Nosso poder de analogia nos permite aplicar estruturas neurais antiqüíssimas
a matérias récem-descobertas, desnudar leis e sistemas ocultos na natureza
e, não menos importante, ampliar o poder de expressão da própria língua.
(PINKER, 2008, p. 317, grifo nosso)
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Lakoff aparece, no caso, referenciado junto a Núñez. Gleiser menciona a obra intitu-
lada Where mathematics comes from: how the embodied mind brings mathematics into
being e afirma que, para alguns pensadores que compreendem a visão romântica da
matemática como expressão de uma fé semireligiosa, que pouco tem a ver com a reali-
dade, "a matemática é, antes de mais nada, produto do funcionamento do cérebro e de
sua aliança inseparável com o corpo: nosso modo de pensar depende conjuntamente
da nossa cabeça e dos nossos corpos, da forma como evoluímos por milhões de anos.
Como o linguista George Lakoff e o psicólogo Rafael Núñez escreveram no prefácio
de seu estudo sobre as raízes do pensamento matemático [...]". (GLEISER, 2014, p. 290)
Percebo, no texto de Gleiser, certa crítica em relação ao modo como Lakoff e Núñez
posicionam-se em relação à matemática.
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"Tambiém quiero subrayar la influencia en todo este capítulo de mis lecturas y con-
versaciones con George Lakoff e Jerry Feldman, distinguidos científicos cognitivos y
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11
Ver Lakoff e Johnson (1980)
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É importante que compreendamos que essas redes vivas não são estruturas
materiais como uma rede de pesca ou teia de aranha. Elas são redes funcio-
nais, redes de relações entre vários processos [...] Em uma rede social, os pro-
cessos são processos de comunicação. Em todos os casos a rede é um padrão
não-material de relações. (CAPRA, 2007, p. 1)
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Afirma Capra (2005, p. 9): "a George Lakoff, por ter-me apresentado à lingüística cogni-
tiva e pelas muitas e luminosas conversas".
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Nas palavras do próprio Capra (2005, p. 74): "Quando os cientistas da cognição dizem
que a mente é encarnada (embodied), não querem dizer somente que nós precisamos
de um cérebro para poder pensar – isso é óbvio. Os estudos recentes empreendidos
no novo campo da 'lingüística cognitiva' nos fornecem fortes indícios de que a razão
humana, ao contrário da crença de boa parte dos filósofos ocidentais, não transcende
o corpo, mas é fundamentalmente determinada e formada por nossa natureza física
e nossas experiências corpóreas. É nesse sentido que a mente humana é fundamental-
mente encarnada. A própria estrutura da razão nasce do nosso corpo e cérebro".
14
Conforme Capra (2005, p. 79): "Como demonstram as mais recentes descobertas da lin-
güística cognitiva, a mente humana, mesmo em suas manifestações mais abstratas, não
é separada do corpo, mas sim nascida dele e moldada por ele".
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mas faz uso dela... Assim, a razão não é uma essência que nos separa dos outros
animais; antes, coloca-nos no mesmo nível deles". (CAPRA, 2005, p. 79)
Posteriormente, mais uma vez, refere-se a esses autores, os quais considera
grandes, lúcidos e eloquentes, ao apresentarem provas do fato de ser a mente
encarnada. Conforme Capra (2005), essas provas seriam pautadas na descoberta
do fato de ser a maior parcela dos pensamentos humanos inconsciente e de atuar
em um plano que não pode ser acessado para a atenção consciente normal; esse
inconsciente cognitivo incluiria as operações cognitivas automáticas, as crenças
e os conhecimentos tácitos; o inconsciente cognitivo modelaria e estruturaria
o pensamento consciente, sem que se tenha consciência.15
Também, quando trata do fato de, ainda, faltar clareza, no que concerne aos
detalhes neurofisiológicos da constituição de conceitos abstratos, Capra (2005)
é otimista e afirma que pesquisadores da cognição já estão começando a entender
parte desse processo e, mais uma vez, se volta para Lakoff e Johnson.16 Além disso,
comenta que, enquanto as categorias cromáticas são fundamentadas na neurofi-
siologia, outras se constituem a partir de experiências corpóreas, como ocorre nas
relações espaciais; no mais, segue a tessitura dos seus comentários, recorrendo aos
mesmos autores.17
15
Assim se expressa Capra (2005, p. 74-75): "As provas de que a mente é encarnada e as
profundas reverberações filosóficas dessa idéia são apresentadas com lucidez e elo-
qüência por dois grandes lingüistas cognitivos, George Lakoff e Mark Johnson, no livro
Philosophy in the Flesh. Essas provas baseiam-se, antes do mais nada, na descoberta
de que a maior parte dos nossos pensamentos são inconscientes e operam num nível
inacessível para a atenção consciente normal. Esse 'inconsciente cognitivo' inclui não
só todas as nossas operações cognitivas automáticas como também todas as nossas
crenças e conhecimentos tácitos. Sem que disso tenhamos consciência, o incons-
ciente cognitivo molda e estrutura todo o nosso pensamento consciente. Essa idéia deu
origem a um grande campo de estudos na ciência da cognição, que gerou opiniões radi-
calmente novas acerca de como se formam os conceitos e processos de pensamento".
16
Capra (2005, p. 75) afirma: "A esta altura, os detalhes neurofisiológicos da formação de
conceitos abstratos ainda não estão claros. Entretanto, os cientistas da cognição come-
çaram a compreender um dos aspectos mais importantes desse processo". Nas palavras
de Lakoff e Johnson: "Os mesmos mecanismos cognitivos e neurais que nos permitem
perceber as coisas e nos movimentar no mundo também criam as nossas estruturas
conceituais e modos de raciocínio".
17
Afirma Capra (2005, p. 76): "Ao passo que as categorias cromáticas baseiam-se na neu-
rofisiologia, outras categorias se formam com base em nossas experiências corpó-
reas. Isso é especialmente importante no que diz respeito às relações espaciais, que
— 90 —
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constituem uma das nossas categorias mais básicas. Como explicam Lakoff e Johnson,
quando percebemos um gato 'em frente a' uma árvore, essa relação espacial não existe
objetivamente no mundo, mas, sim, é uma projeção derivada da nossa experiência cor-
pórea. Como nosso corpo tem uma parte da frente e uma parte de trás, projetamos
essa distinção nos outros objetos". Assim, "nosso corpo define um conjunto de rela-
ções espaciais fundamentais que usamos não só para nos orientar, mas também para
perceber as relações entre os objetos. [...] Alguns desses conceitos 'encarnados' cons-
tituem também a base de certas formas de raciocínio, o que significa que também
o nosso modo de pensar é 'encarnado'. Quando fazemos, por exemplo, uma distinção
entre 'dentro' e 'fora', nossa tendência é a de visualizar essa relação espacial como um
receptáculo ou recipiente que tem um lado de dentro, um lado de fora e um limite que
separa os dois. Essa imagem mental, baseada na experiência do nosso próprio corpo
como um receptáculo, torna-se o fundamento de uma certa forma de raciocínio [...]".
18
"[...] Lakoff e Johnson afirmam que o mesmo vale para muitas outras formas de racio-
cínio. A estrutura do nosso corpo e do nosso cérebro determina os conceitos que for-
mamos e os raciocínios que podemos fazer". (CAPRA, 2005, p. 77)
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como metáforas primárias que são vistas, também, por Capra, como elementos
básicos do pensamento metafórico.
Ele compreende, portanto, que formamos a maioria das metáforas primá-
rias que usamos automática e inconscientemente nos primórdios das nossas vidas,
e retoma o exemplo dos bebês e da experiência de afeto que vivenciam e que são,
em geral, acompanhadas pela experienciação do calor e do contato ao serem pegos
no colo. Ele segue afirmando que, dessa maneira, são formadas associações entre
dois domínios da experiência, estabelecendo-se ligações correspondentes entre
redes neurais; enfim, recobra que, no transcorrer da vida, essas associações são
perpetuadas como metáforas, evidenciando-se em falas como "sorriso caloroso"
e como "amigo chegado". (CAPRA, 2005, p. 77) Assume que o pensamento
e a linguagem humanos possuem centenas de metáforas primárias e que essas são
usadas inconscientemente. Aceita que essas metáforas tendem a ser as mesmas,
na maior parte das línguas, por serem oriundas de experiências corpóreas mais
básicas da humanidade.
Concorda com pressupostos da TMC e arroga que, nos processos abstratos
do pensamento humano, combinam-se metáforas primárias, para que sejam cons-
tituídas outras mais complexas, bem como reconhece que essa combinação é res-
ponsável por tornar os seres humanos capazes de fazer uso de um vasto imaginário
e de estruturas conceituais sutis, no momento em que eles se colocam a refletir,
a propósito das experiências que vivenciam.
Entende, pois, que "o ato de conceber a vida como uma viagem, por
exemplo, nos permite fazer uso de todo o conhecimento que temos das viagens
para refletir sobre como levar uma vida significativa". (CAPRA, 2005, p. 77)
Apesar de parecer compreender bem os pilares da TMC, Capra, aqui, não deixa
claro se sabe que, apenas, se faz uso de parte do conhecimento do domínio –
fonte no plano dos mapeamentos.
Ainda, acerca das metáforas e de outras concepções atinentes às ciências da
cognição, ele assegura que Lakoff e Johnson sintetizaram três importantes achados
alcançados pelos pesquisadores cognitivos: 1) a mente é inerentemente encarnada;
2) em sua maior parte, o pensamento é inconsciente; e 3) um volume considerável
dos conceitos abstratos são metafóricos. (CAPRA, 2005, p. 78) Ele considera que,
no momento em que essas concepções forem adotadas de uma maneira genera-
lizada e incorporadas em uma teoria corrente da cognição, axiomas basilares da
— 92 —
INTERCONEXÕES POSSÍVEIS, QUANDO A TEORIA DA COMPLEXIDADE ENCONTROU A LINGUÍSTICA COGNITIVA... |
19
Afirma Capra (2005, p. 14): "Em meu segundo livro, O Ponto de Mutação** (1982),
mostrei de que maneira a revolução da física moderna prefigurava revoluções seme-
lhantes em muitas outras ciências e uma correspondente transformação da visão de
mundo e dos valores da sociedade em geral. Explorei, em específico, as mudanças de
paradigma na biologia, na medicina, na psicologia e na economia. No decorrer desse
processo, percebi que todas essas disciplinas, de uma maneira ou de outra, lidam com
a vida – com sistemas biológicos e sociais vivos – e que, portanto, a 'nova física' não era
a ciência mais adequada para estabelecer um novo paradigma e constituir a principal
fonte das metáforas usadas nesses outros campos. [...]".
20
E diz o mesmo Capra (2005, p. 53): "[...] o conceito de cognição na teoria de Santiago
vai muito além da mente racional, na medida em que inclui todo o processo do viver.
A comparação entre a cognição e o sopro vital parecer ser uma metáfora perfeita".
21
E assevera Capra (2005, p. 81): "Como a respiração é de fato um aspecto essencial do
metabolismo de todas as formas de vida, com exceção das mais simples, o sopro da
vida parece ser uma metáfora perfeita para a rede de processos metabólicos que define
todos os sistemas vivos [...]".
— 93 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM MAR
22
Segundo Capra (2005, p. 72), "[...] Como Fouts nos diz detalhadamente, seu trabalho
com chimpanzés, desenvolvido no decorrer de várias décadas, mostra que eles são
capazes de usar símbolos abstratos e metáforas [...]".
23
Conforme Capra (2005, p. 98), "no clássico texto Culture, o historiador Raymond
Williams vai buscar o sentido da palavra no uso que tinha na antigüidade, quando era
um substantivo que denotava um processo: a cultura (ou seja, o cultivo) de cereais,
ou a cultura (ou seja, a criação) de animais. No século XVI, esse sentido recebeu uma
extensão metafórica e a palavra passou a designar o cultivo da mente humana [...]".
24
Diz Capra (2005, p. 133): "Sempre que precisamos expressar imagens complexas e sutis,
recorremos às metáforas; por isso, não é de se admirar que as metáforas desempenhem
papel de destaque na formulação da 'visão' de uma empresa. Muitas vezes, a visão
permanece obscura enquanto tentamos explicá-la, mas de repente fica clara quando
encontramos a metáfora correta. A capacidade de expressar uma visão em metáforas,
de formulá-la de tal modo que seja compreendida e adotada por todos, é uma quali-
dade essencial da liderança".
25
Nas palavras de Capra (2005, p. 113): "[...] os administradores sempre fizeram uso de
metáforas para identificar grandes perspectivas gerais. Gareth Morgan, teórico da orga-
nização, analisou as principais metáforas utilizadas para descrever as organizações
e publicou suas análises num livro esclarecedor intitulado Imagens of Organization.
Segundo Morgan, "o veículo da organização e da administração é a metáfora. A teoria
e a prática da administração são moldadas por um processo metafórico que influencia
praticamente tudo o que fazemos".
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INTERCONEXÕES POSSÍVEIS, QUANDO A TEORIA DA COMPLEXIDADE ENCONTROU A LINGUÍSTICA COGNITIVA... |
Minha intenção aqui, é a de ir além do nível metafórico para ver em que medida
as organizações humanas podem ser compreendidas literalmente como sis-
temas vivos. Antes disso, porém, ser-nos-á útil recapitular a história e as princi-
pais características da metáfora da máquina. (CAPRA, 2005, p. 114, grifo nosso)
26
Assegura Capra (2005, p. 113-114): "As principais metáforas que ele estuda são as da
organização como máquina (voltada para o controle e a eficiência), como organismo
(desenvolvimento, adaptação), como cérebro (aprendizagem organizativa), como cul-
tura (valores, crenças) e como sistema de governo (conflitos de interesse, poder). Do
ponto de vista da nossa estrutura conceitual, percebemos que as metáforas do orga-
nismo e do cérebro dizem respeito respectivamente às dimensões biológica e cognitiva
da vida, ao passo que as metáforas da cultura e do sistema de governo representam
aspectos análogos da dimensão social. O principal contraste é o que opõe a metáfora
da organização com uma máquina à da organização como um sistema vivo".
— 95 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM MAR
27
Afirma Capra (2005, p. 116, grifo do autor): "Conclui Senge: 'A metáfora da máquina
é tão poderosa que molda o caráter da maioria das empresas. Elas se tornam mais
semelhantes a máquinas do que a seres vivos porque é assim que os seus membros
as concebem'". E mais: "quando olhamos bem para o contraste entre as duas metá-
foras – máquina versus ser vivo –, fica evidente o porquê de um estilo de administração
determinado pela metáfora da máquina ter problemas para fazer mudanças na organi-
zação. A necessidade de que todas as mudanças sejam projetadas pela administração
e impostas à organização tende a gerar uma rigidez burocrática. A metáfora da máquina
não deixa espaço para as adaptações flexíveis, para o aprendizado e para a evolução
[...] Peter Senge publicou sua comparação das duas metáforas no prefácio a um livro
notável, intitulado The Living Company".
28
Nas palavras de Capra (2005, p. 125): "Nos últimos anos, os biólogos e ecologistas têm
trocado a metáfora da hierarquia pela da rede e compreenderam que as parcerias –
a tendências dos organismos de associar-se, estabelecer vínculos, cooperar uns com
os outros e entrar em relacionamentos simbióticos – é um dos sinais característicos da
vida".
29
Diz Capra (2005, p. 130): "Às vezes falamos do 'projeto' estrutural da folha de uma planta
ou da asa de um inseto, mas trata-se aí de uma linguagem metafórica [...]".
— 96 —
INTERCONEXÕES POSSÍVEIS, QUANDO A TEORIA DA COMPLEXIDADE ENCONTROU A LINGUÍSTICA COGNITIVA... |
30
Afirma Capra (2005, p. 179-180): "O determinismo genético tem sido o paradigma domi-
nante na biologia molecular desde há quarenta anos, no decorrer dos quais deu origem
a um bom número de poderosas metáforas. O DNA costuma ser chamado de 'programa'
ou projeto genético do organismo, ou mesmo de 'livro da vida', e o código genético
seria a 'linguagem universal da vida' [...]" e ainda comenta: "Partindo do princípio de
que os próprios mecanismos reguladores eram genéticos, Jacob e Monod conseguiram
manter-se dentro do paradigma do determinismo genético, e salientaram esse ponto
mediante o uso da metáfora da 'programação genética' para descrever o processo de
desenvolvimento biológico. Uma vez que, nessa mesma época, a ciência da compu-
tação estava criando raízes como uma disciplina empolgante e de vanguarda, a metá-
fora da programação genética ganhou muita força e em pouco tempo tornou-se a expli-
cação predominante do desenvolvimento biológico". (CAPRA, 2005, p. 183)
31
Segundo o próprio Capra (2005, p. 184): "A constatação da redundância genética con-
tradiz frontalmente o determinismo genético e, em particular, a metáfora do 'gene
egoísta' proposta pelo biólogo Richard Dawkins [...]".
32
Conforme Capra (2005, p. 241): "Quando falamos da 'sabedoria da natureza', ou da
maravilhosa 'concepção' de uma asa de borboleta ou da teia de uma aranha, temos de
nos lembrar que estamos usando uma linguagem metafórica. Não obstante, isso não
altera o fato de que, do ponto de vista da sustentabilidade, os 'projetos' e 'tecnologias'
da natureza são infinitamente superiores aos da ciência humana [...]".
— 97 —
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Considerações finais
No artigo que ora findo, procurei refletir sobre uma pequena parcela do desen-
volvimento do pensamento científico, inspirando-me nas seguintes palavras de
Capra (2007, p. 9):
Além disso, no texto, uma micro parcela da tradição crítica da TMC foi colo
cada em destaque, de tal maneira que foi apresentada uma breve amostra que
— 98 —
INTERCONEXÕES POSSÍVEIS, QUANDO A TEORIA DA COMPLEXIDADE ENCONTROU A LINGUÍSTICA COGNITIVA... |
Referências
CAPRA, F. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. Tradução de Marcelo
Brandão Cipolla. São Paulo: Cultrix, 2005.
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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM MAR
CAPRA, F. Uma nova concepção de vida. Psico, Porto Alegre, v. 38, n. 1, p. 7-9, jan./abr.
2007. Disponível em: <http://www.andredeak.com.br/pdf/fritjof_capra.pdf>. Acesso
em: 6 jun. 2015.
LAKOFF, G. The neural theory of metaphor. In: GIBBS JR., R. W. (Ed.). The
Cambridge handbook of metaphor and thought. New York: Cambridge University Press,
2008. p. 17-38.
— 100 —
INTERCONEXÕES POSSÍVEIS, QUANDO A TEORIA DA COMPLEXIDADE ENCONTROU A LINGUÍSTICA COGNITIVA... |
LAKOFF, G.; JOHNSON, M. Philosophy in the flesh:the embodied mind and its
challenge to western thought. New York: Basic Books, 1999.
LEVY, P. Cibercultura. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Ed. 34, 2014.
PINKER, S. Do que é feito o pensamento: a língua como janela para a natureza humana.
Tradução de Fernanda Ravagnani. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
— 101 —
Análise de metáforas
e esquemas imagéticos
multimodais no discurso
de membros da frente
parlamentar evangélica:
uma abordagem cognitiva
Maíra Avelar Miranda
Introdução
103
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM MAR
Referencial teórico-metodológico
— 104 —
ANÁLISE DE METÁFORAS E ESQUEMAS IMAGÉTICOS MULTIMODAIS NO DISCURSO... |
Esquemas imagéticos
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Metaforicidade
Excursão gestual
O primeiro passo para realizar uma análise de gestos manuais consiste em distin-
guir esses gestos dos demais movimentos realizados com as mãos. Gestos consti-
tuem, então, "movimentos distintos de esforço identificável das mãos e antebraços,
ou seja, o curso [stroke] dos gestos". (CIENKI, 2005, p. 425) A realização dos
gestos compreende três fases, em que é empreendida uma "excursão do movimento"
(moviment excursion), denominada unidade gestual (KENDON, 2004, p. 110):
— 106 —
ANÁLISE DE METÁFORAS E ESQUEMAS IMAGÉTICOS MULTIMODAIS NO DISCURSO... |
Preparação
Antebraço direito subindo, mão direita posicionada em frente ao
corpo, pontas dos dedos se tocando.
Stroke
Antebraço direito posicionado em frente ao ombro, mão direita
posicionada em frente ao rosto, pontas dos dedos se tocando.
Retração
Antebraço direito descendo, mão direita posicionada ao corpo,
pontas dos dedos se tocando.
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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM MAR
Metodologia
A fim de testar a hipótese inicial, no qual foi estabelecida uma relação direta-
mente proporcional entre o grau de entrincheiramento e o grau de metaforici-
dade, bem como de demonstrar a emergência de metáforas e esquemas imagéticos
nas modalidades verbal e gestual, foram selecionadas amostras provenientes de
dois vídeos, exibidos em 2013 e 2014, de sessões legislativas de dois deputados
autodenonimados "deputados pastores": Marco Feliciano, do Partido Socialista
Cristão (PSC) e presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias na
época, e Eduardo Cunha do Partido, presidente da Câmara dos Deputados, eleito
líder do PMDB na Câmara na época.
O vídeo de Eduardo Cunha corresponde à sessão plenária do dia 25 de
junho de 2013, na qual o deputado, em nome do PMDB, posiciona-se con-
trariamente à aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 37, em
que se propunha que o poder de investigação criminal se restringisse às polícias
militar e civil, retirando o poder de investigação de órgãos como, por exemplo,
o Ministério Público.
Já o vídeo de Marco Feliciano corresponde a um pronunciamento reali-
zado na Sessão Legislativa do dia 14 de julho de 2014, em que o deputado tece
considerações sobre a entrevista concedida pelo autor de novelas Manoel Carlos
no jornal Estadão, de grande circulação nacional. Feliciano posiciona-se contraria-
mente à exibição de um beijo homoafetivo na novela Em Família, em exibição na
época, e ressalta a importância da família tradicional brasileira.
A duração total de cada uma das amostras selecionadas para análise é de
quatro minutos e 16 segundos de duração. Para compor cada uma delas, foram
— 108 —
ANÁLISE DE METÁFORAS E ESQUEMAS IMAGÉTICOS MULTIMODAIS NO DISCURSO... |
Procedimentos de análise
As análises das amostras foram realizadas por meio da ferramenta Elan 4.8.1,
que permite que sejam criadas trilhas de análise correspondentes a cada um dos
aspectos a serem analisados: conteúdo verbal – apresentado na trilha "transcrição"
e traduzidos para o inglês na trilha "tradução" –, esquemas imagéticos – em que
é possível selecionar um dos seis esquemas propostos – e famílias gestuais – em
que é possível selecionar uma das quatro famílias descritas. A seguir, um exemplo
de tela do Elan e das trilhas criadas:
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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM MAR
Da mesma maneira, para que fosse realizada uma análise dos esquemas
imagéticos, que corresponde à quarta trilha de análise do Elan, eles foram cate-
gorizados, primeiramente, com base apenas na marcação dos strokes gestuais, ou
seja, a partir da visualização dos gestos sem o som. Posteriormente, sobretudo nos
casos em que houve mais de uma possibilidade de categorização, os dados gestuais
foram analisados conjuntamente com os dados verbais. Por exemplo:
Nesse exemplo, Eduardo Cunha realiza um gesto que pode ser iconica-
mente interpretado como "CICLO" ou "OBJETO". Entretanto, ao verificarmos
a ausência de palavras relativas à duração temporal, ativadoras do esquema
"CICLO", bem como a referência verbal a uma entidade, "vencidos", foi possível
categorizar o esquema imagético como "OBJETO".
Resultados e discussão
— 110 —
ANÁLISE DE METÁFORAS E ESQUEMAS IMAGÉTICOS MULTIMODAIS NO DISCURSO... |
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Por meio do teste realizado, é possível constatar que a amostra dois, cor-
respondente a Marco Feliciano, apresenta maior homogeneidade em relação
ao número de strokes do que a amostra um, correspondente a Eduardo Cunha.
Entretanto, não há pouca variação entre os dois índices, o que demonstra que
a diversidade entre as amostras varia pouco, apesar de a amostra dois apresentar
maior proporção numérica de gestos.
Os resultados da proporção de cada trecho corroboram os resultados do
gráfico (Figura 5) apresentado anteriormente: a concentração de diversidade,
em ambas as amostras, é maior no trecho 3: 50,63%, no caso da amostra um,
e 48,84%, no caso da amostra dois. No caso dos demais trechos, a proporção se
inverte: na amostra um, 36,71% dos gestos são realizados, no primeiro trecho,
e 12,66%, no segundo. Já na segunda amostra, 18,60% dos gestos ocorrem, no
primeiro trecho, enquanto 32,56% dos gestos ocorrem no segundo.
— 112 —
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Considerações finais
Por meio das análises, demonstramos como as variáveis verbais e gestuais podem
interagir, a fim de gerar esquemas imagéticos e metáforas multimodais, que
podem ser mais ou menos ativadas, dependendo do contexto de emergência
delas. Os resultados quantitativos e qualitativos demonstraram que há uma alta
— 118 —
ANÁLISE DE METÁFORAS E ESQUEMAS IMAGÉTICOS MULTIMODAIS NO DISCURSO... |
Referências
CIENKI, A. Image schemas and gestures. In: HAMPE, B. (Ed.). From perception to
meaning: image schemas in cognitive linguistics. Berlin: Mouton de Gruyter, 2005.
p. 421-442.
CIENKI, A. Why to study metaphor and gesture? In: CIENKI, A.; MÜLLER, C. (Ed.).
Metaphor and gesture. Amsterdam: John Benjamins, 2008. p. 3-26.
CIENKI, A.; MÜLLER, C. Metaphor, gesture, and thought. In: GIBBS JR., R. W.
(Ed.). The Cambridge handbook of metaphor and thought. Cambridge: Cambridge
University Press, 2008. p. 483-501.
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La expresión
de la conducta social1:
axiología y modelo cognitivo
Jorge Osorio
Introducción
1
Por se tratar de outro idioma, as normas deste texto foram man-
tidas conforme as de seu país de origem (N. do E.)
121
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2
Como es el caso de los análisis componencialistas, que proponen componentes suple-
mentarios derivados de usos sociales, los cuales pasan a constituir marcas especiales en
el léxico acompañando la denotación, pero sin alterar el núcleo de significado.
— 122 —
La expresión de la conducta social: axiología y modelo cognitivo |
3
Este ejemplo y los siguientes corresponden a expresiones habituales o posibles en el
español de Chile.
— 123 —
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Sobre esta base biológica, encontramos también una extensión más visible
al ámbito de las relaciones sociales y las preferencias culturales que las regulan.
Para Bartmiński (2009), los valores constituyen la identidad cultural y social del
hablante, en la medida que expresan sistemas valóricos. Este autor afirma que la
cosmovisión lingüística es derivada de forma abierta o encubierta del sistema de
valores asumido.
— 124 —
La expresión de la conducta social: axiología y modelo cognitivo |
Por otro lado, se puede afirmar que la motivación experiencial y los sis-
temas axiológicos conforman un continuo en la relación intersubjetiva. En
algunos casos es posible rastrear algún sistema de creencias o una ideología que
sustenta el ejercicio valorativo. Por ejemplo, la afirmación categórica "Pedro es un
burgués" (donde "burgués" está signado negativamente) puede tener un sustento
ideológico y correlacionarse con una actitud de rechazo y con otras apreciaciones
igualmente negativas ("despreciable", por ejemplo). No obstante, esta alineación
no siempre es posible ni necesaria: un enunciador puede neutralizar el compo-
nente ideológico y sostener una actitud conmiserativa. En este último caso, el
ejercicio valórico resulta de un reordenamiento del sistema evaluativo (MARTIN,
2010). Como puede desprenderse del mismo ejemplo, la evaluación está sujeta
a diferentes cambios de perspectiva, por lo que no resulta extraño que el valor
implicado en la afirmación "Pedro es un burgués"se determine, finalmente, sobre
la base de la pertenencia a grupos de interés, o de compromisos ideológicos que
hacen calzar la categoría "burgués"con marcos evaluativos diferentes. Similar pro-
ceso se puede observar en la dimensión diacrónica, pues el valor asignado a una
expresión puede variar, a veces gradualmente, hasta llegar al polo contrario. Con
todo, dentro de las variables que los hablantes debemos considerar cada vez que
hacemos uso de una expresión particular (sea en el marco de un juicio categórico
o no) está el valor implicado.
— 125 —
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La expresión de la conducta social: axiología y modelo cognitivo |
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La expresión de la conducta social: axiología y modelo cognitivo |
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La expresión de la conducta social: axiología y modelo cognitivo |
Modelo absoluto
Modelo relativo
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invasión del territorio ajeno, mientras que la contracción del radio corresponde
a una incapacidad. La axiología en ambos casos es negativa, pues el modelo idea-
lizado supone tanto la utilización del radio propio como la no invasión. A conti-
nuación resumo el contenido conceptual de cada expresión:
"Corto"
Figura 2 – "Corto"
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La expresión de la conducta social: axiología y modelo cognitivo |
"Patudo"
Figura 3 – "Patudo"
4
Son sinónimos de "patudo", "balsa" y "balsudo" que remiten a la figura derivada de
una persona con pies tan grandes como balsas.
— 133 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR
"Metido"
Figura 4 – "Metido"
"Lanzado"
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La expresión de la conducta social: axiología y modelo cognitivo |
traspaso de todos los límites. Da cuenta de los abusos típicos, especialmente los
relativos a las pretensiones amorosas y sexuales, que se dan sin consentimiento y,
a veces, súbitamente. La carga axiológica es siempre negativa.
Figura 5 – "Lanzado"
Conclusiones
— 135 —
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La expresión de la conducta social: axiología y modelo cognitivo |
Referencias
LAKOFF, G. Women, fire, and dangerous things: What categories reveal about the mind.
Chicago y Londres: The University of Chicago Press, 1987.
MARTIN, J. R. Duelo: Cómo nos alineamos. Discurso & Sociedad 4 (1), p. 120-150,
2010.
— 137 —
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Quando morrem as
metáforas vivas e nascem
as metáforas mortas1:
a rece(p)ção no processo
metafórico
José Teixeira
1
Por se tratar de português europeu, as normas deste texto foram
mantidas conforme as de seu país de origem (N. do E.)
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milénios de tradição retórica. Basta ver como ainda se fala e se ensina a metáfora
"figura de estilo da linguagem" nos programas oficiais de ensino para comprovar
que, afinal, e ao contrário do que dizia Galileu, o mundo, em certas áreas da
ciência, não se move.
Steven Pinker, embora não jogando na mesma equipa de Lakoff (e por
isso mais imparcialidade terá a sua observação), reconhece que o contributo de
Metaphors We Live By foi uma das ideias mais importantes da história da linguística
e que pode alterar completamente todo o percurso dos estudos sobre a metáfora:
Pode dizer-se, por isso, que Metaphors We Live By é uma espécie de Páscoa
para a teoria da metáfora. Na verdade, se a palavra páscoa significa passagem
(para o judaísmo) e ressurreição ou passagem para uma nova vida (para os cristãos),
a teoria da metáfora, estando cientificamente morta por séculos de retóricas mais
— 140 —
Quando morrem as metáforas vivas e nascem as metáforas mortas: a rece(p)ção no processo metafórico |
ou menos repetitivas, ressuscita, ganha nova vida, o que representa uma "pas-
sagem" para uma "realidade nova": o fenómeno metafórico será, doravante, visto
como um dos elementos centrais da cognição e perceção e não apenas das línguas,
mas de todas as formas de comunicação.
— 141 —
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Quando morrem as metáforas vivas e nascem as metáforas mortas: a rece(p)ção no processo metafórico |
— 143 —
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E é este jogo de "adivinha" para o recetor (de se partir da fonte para o alvo)
que é um dos componentes mais atrativos da metáfora. E as palavras "adivinha"
e "descoberta" são importantes neste processo de encontrarmos prazer e desafio
no processamento cognitivo metafórico.
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Quando morrem as metáforas vivas e nascem as metáforas mortas: a rece(p)ção no processo metafórico |
A Fase 1 não pode representar fonte e alvo como duas realidades indepen-
dentes na mente. Na mente, nada de informativo é independente, mas está sempre
associado direta ou indiretamente através das sinapses já realizadas. A represen-
tação da Fase 1 só pode ser entendida como uma representação de dois domínios
diferentes (lágrimas/chuva), não implicando isso que a diferença de domínios
não pressuponha o conhecimento de interconexões entre os componentes que os
— 145 —
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Para haver metáfora percebida como tal, como se acentuou, tem de haver cons-
ciência da perceção metafórica/insight metafórico, o que acontece nas metáforas
vivas, quando o são para emissor e recetor. Portanto, em rigor só há metáfora
completa, numa interação linguística, quando ela existe simultaneamente para
o emissor e para o recetor. Ora, isso implica que, para um processo metafórico
completo, seja necessário que quer no emissor, quer no recetor, haja consciência da
interseção entre determinados elementos da fonte e do alvo. Se só houver o acio-
namento de fonte e alvo num dos intervenientes da interação linguística e num
outro apenas um sentido automaticamente disparado e já cristalizado no léxico
mental, neste último falante, em rigor, não foram acionados os mecanismos e os
processos cognitivos e linguísticos que designamos como metáfora. Apenas um
sentido associado a uma forma, como no léxico não metafórico. Para um falante
urbano contemporâneo, uma construção como "vasculhar o meu passado" é capaz
de ser percebida sem a necessidade de acionar nenhuma relação metafórica, até
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Quando morrem as metáforas vivas e nascem as metáforas mortas: a rece(p)ção no processo metafórico |
porque o falante provavelmente não sabe a relação original que ligava a palavra
vasculhar... à cozedura do pão. Mas para quem souber e perceber o que é e como
funcionam os vasculhos quando se vasculha o forno, então o processo pode ser
cognitivamente metafórico.
Segue-se, portanto (como mais à frente se procurará explicitar melhor), que
falar de metáfora não é o mesmo que falar de metáfora cognitiva. Pode ter havido
diacronicamente uma metáfora que já não seja assim percebida por nenhum dos
intervenientes, ou pode ser percebida como tal apenas por um. Isto implica que
quando se fala em metáfora, se identificam e catalogam as metáforas, nem sempre
estamos perante processos que envolvem o funcionamento cognitivo da metáfora
e, por isso, é necessário distinguir a existência diacrónica da metáfora do seu fun-
cionamento enquanto processo cognitivo específico.
Ora, isto equivale a reconhecer que, em rigor, não é possível dizer "aqui está
uma metáfora" quando se pega num fragmento conversacional que contenha uma
expressão metafórica diacronicamente considerada. Pode dizer-se que a expressão
se originou numa metáfora, numa equivalência metafórica, mas não é líquido que
ainda assim continue a funcionar para emissor e recetor. Estes são os que, verda-
deiramente, usam a expressão numa dimensão cognitivo-linguística de metáfora
ou apenas de termo com o significado cristalizado.
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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR
como valor importante da metaforização. Por isso é que a mesma fonte pode ori-
ginar metáforas diferentes, conforme um dos valores, positivo ou negativo, é sele-
cionado no processo de receção.
Atente-se nos processos relativos a vasculhar para verificar o que se procura
evidenciar.
O Dicionário Aulete (on-line) apresenta assim a entrada:
vas.cu.lhar.v.
1. Procurar com atenção em (algo); INVESTIGAR; ESQUADRINHAR [td. : A
moça vasculhou os bolsos do infeliz.]
2. Originalmente, varrer ou limpar com o vasculho, escova de forno. [] [td. int.]
3. P.ext. Limpar com escova ou vassoura qualquer. [td. : Vasculhou o teto, os
cantos, a casa toda.]
4. Examinar com o olhar atentamente; OBSERVAR [td. : Vasculhou a noite
à procura do espectro.]
[F.: vasculh(o) + -ar. Hom./Par.: vasculho (fl.), vasculho (sm.)]
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QUAnDO mORREm AS mEtáFORAS ViVAS E nAScEm AS mEtáFORAS mORtAS: A REcE(p)çãO nO pROcESSO mEtAFóRicO |
Isto indicia que era a função de limpar fornos que era a prototípica e não
a de limpar, genericamente, ou limpar os sítios altos, como os tetos. Aliás, ainda
hoje, no norte de Portugal, de onde deve ter irradiado a palavra,2 o vasculho/bas-
culho é entendido (agora apenas pelas pessoas menos jovens) precisamente neste
sentido, uma coisa (não é bem uma vassoura) que serve para limpar o forno antes
de meter o pão. Só depois de se aceitar isto é que se compreende o porquê de
vasculhar ter ficado com os valores que apresenta, prioritariamente ligados à "suji-
dade" que os dicionários não explicitam bem. Aliás, curiosamente, nenhum
dicionário visto tenta justificar o porquê de a palavra provir etimologicamente
de "pequeno vaso ou bilha", vasculu- e vasculeare. O que é que vasculhar terá a ver
com "pequeno vaso ou bilha"?
A etimologia prova, parece-nos, o indubitável uso prototípico de vasculhar
como relativo a limpar o forno do pão. Com efeito o vasculho/basculho era proto-
tipicamente constituído por um pano velho atado à ponta de um cabo comprido
(de madeira). Como o vasculho se destinava a varrer as brasas do forno antes
de meter o pão, ele devia ir molhado para não arder. Varria as brasas e deixava
a superfície do forno o mais limpa possível para depois a parte de baixo do pão
não ficar com o carvão das brasas não varridas. Esse pano, a ponta do vasculho,
tinha que se manter molhado conforme ia varrendo as brasas e por isso costu-
mava estar imerso num recipiente com água, num vasinho (vasculu-) com água.
2
A duplicidade gráfica, quase sempre apresentada, vasculhar/basculhar e vasculho/bas-
culho parece-nos que prova que o termo era, sobretudo, usado no norte de portugal,
onde o v-b se neutralizam. Ainda hoje aí o termo basculho é usado no sentido reco-
lhido por Bluteau, quer aplicado prototipicamente aos objetos ou a pessoas.
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Quando morrem as metáforas vivas e nascem as metáforas mortas: a rece(p)ção no processo metafórico |
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Os exemplos do PB parecem comportar, sobretudo, valores neutros, não nega-
tivos: "Saiba como vasculhar seu sistema Linux em busca de softwares maliciosos, BY
RICARDO 30 DE MAIO DE 2013" in http://www.linuxdescomplicado.com.br/2013/05/sai-
ba-como-vasculhar-seu-sistema-linux.html;
"A Lu Ferreira, do site Chata de Galocha, veio me visitar e vasculhou tudo que tinha de
maquiagem no meu banheiro e eu amei, pois ela me ensinou um monte de coisa sobre
makes que eu tinha e nem sabia pra que serviam" in http://www.daniellenoce.com.br/
tag/vasculhar/;
"Robô volta a vasculhar área onde pode ter caído o Boeing desaparecido" in http://
www.portugues.rfi.fr/mundo/20140415-robo-submarino-volta-vasculhar-area-onde-po-
de-ter-caido-o-boeing-desaparecido.
4
Na maior parte dos casos, pelo menos em PE, o significado tem a vertente de "procurar
com minúcia mas indevidamente para encontrar coisas desagradáveis de alguém". É
exemplificativa esta passagem de uma carta de um primeiro ministro português a um
jornal: "Exmo. Senhor Director Insiste o jornal que V. Exa. dirige em vasculhar o meu
passado em constantes e desesperadas tentativas para descobrir qualquer coisa,
mínima que seja, que permita atacar-me pessoal e politicamente. É uma forma de estar
na política – mais do que uma forma de estar no jornalismo – que já não passa desperce-
bida a ninguém". Carta de José Sócrates ao jornal Público, fevereiro 2008.
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5
Os valores que funcionam no blending metafórico nem são exatamente os da fonte
ou os do alvo, mas a respetiva interseção. Tal aparece simbolizado nos esquemas das
Figuras 3 e 6, onde os valores [a, c, f] (que forneceram os aspetos estruturadores da
metáfora) são diferentes (ovais) de alvo e fonte (círculos).
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Quando morrem as metáforas vivas e nascem as metáforas mortas: a rece(p)ção no processo metafórico |
que a metáfora já não tem a novidade, que implicou na fase primeira da criativi-
dade e já se encontra solidificada. A nossa mente, para todas as atividades, gosta de
criar rotinas que são atalhos mais económicos para o desempenho de uma tarefa.
É, por isso, natural que, também no processo metafórico, crie rotinas que evitem
que tenhamos de processar conscientemente cada metáfora entre a fonte e o alvo.
As grandes equivalências metafóricas que Lakoff & Johnson (1980) identificam
(A VIDA É UMA VIAGEM; PERCEBER É VER; MUITO É PARA CIMA etc)
são exemplos destas metáforas solidificadas. Percebemos os dois domínios como
diferentes (uma coisa é muito, outra coisa é para cima), mas os automatismos das
equivalências (um ordenado alto) não implicam que processemos os dois domínios
separadamente até encontrar e "descobrir" os valores que possibilitam a metáfora.
São metáforas semiautomáticas. A prova de que não existe consciência metafórica
no processamento destas metáforas é que elas não são reconhecidas como tais
pelos falantes. Os professores de linguística cognitiva têm a experiência de como
não é fácil fazer ver aos alunos que existe metáfora em "preços altos", e que em
"vamos andando" está a metáfora A VIDA É UMA VIAGEM.
Na metáfora solidificada, não há a consciência explícita da metáfora viva
porque não há perceção metafórica/insight metafórico explícito e consciente: ao
perguntar "Como vais?", respondendo "vou andando", os falantes não precisam de
consciencializar que estão a equiparar andar/viajar a viver. O que se passa é que
têm uma estruturação semântica sólida (solidificada) destas equivalências, de
modo que podem continuar a usar expressões desta metáfora com verbos de movi-
mento: "vamos indo" (ir), "agora já sou velho, mas cá me vou arrastando" (arrastar),
"tu ainda tens muito tempo para andar por cá" (andar) etc.
Para além das grandes equivalências metafóricas mais ou menos universais,
estarão também neste subgrupo as metáforas que, se socorrendo de fontes cultu-
ralmente específicas, de tão usadas, já se comportam como fraseologias, expressões
fixas, embora ainda processemos fonte e alvo como domínios diferentes, como
em "mar de gente".
Nas metáforas mortas, temos a fase final do funcionamento metafórico.
Aliás, a designação de mortas já indica, na tradição, que não podem ser conside-
radas prototipicamente como metáforas, embora este aspeto seja frequentemente
esquecido em estudos de pendor cognitivo. Apenas na diacronia podemos ver os
rastos da sua constituição e percurso. Nelas já não existe nenhuma ligação entre
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alvo e fonte, como "3.2." representa no esquema da Figura 6. Elas são um atalho
muito mais rápido para o significado, atalho que dispensa a passagem pela fonte
de que o falante não tem consciência. E então, o que foi metáfora vai seguindo
o seu caminho como termo "simples" da língua, que pode escolher os percursos
que lhe apetecer, contrariando mesmo aspetos fundamentais de quando funcio-
nava como metáfora. Se em vasculhar vimos como o processo ia evoluindo, já um
pouco desligado da fase de metáfora, noutros casos as evidências são mais ilustra-
tivas. Note-se o que acontece em chumbar = não passar um grau académico, uma
etapa, um concurso [...]. Para a maior parte dos falantes, não é uma metáfora viva:
perdeu-se a relação de blending, desconhecendo mesmo (quase todos) os falantes
qual a fonte. Ora, chumbar = "não passar" deriva de chumbar = fixar com chumbo
as dobradiças de uma porta, no tempo em que o chumbo era o único material que
permitia fixar com segurança algo que exercia muita força. Portanto, chumbar era
uma atividade agentiva e a metáfora correspondia a "o aluno foi chumbado" ou
"o professor chumbou o aluno", fixou-o naquele ano ou fase tal como o ferreiro
chumba a porta, fixando-a num determinado sítio. O usar-se, hoje, construções
em que o aluno é o agente ("o aluno chumbou outra vez") prova como já não
existe o modelo mental que originou a metáfora, caso contrário dever-se-ia dizer
obrigatoriamente "o aluno foi chumbado/chumbaram-no outra vez".
Metaphors We Live By será, sem dúvida, a obra que marcará um antes e um depois
sobre o estudo da metáfora. Foi uma das obras (senão mesmo a pioneira) que
mais contribuiu para pormos em questão o predomínio da lógica e da racionali-
dade na cognição e na comunicação humana, ajudando-nos a compreender que
o que mais nos carateriza não é a racionalidade lógica,6 mas sim as relações cog-
nitivas, sobretudo metonímicas e metafóricas. Ou seja, que muito mais do que
animais racionais, somos animais relacionais.
6
Ver, a este propósito, Teixeira (2013), "Metaphors, We Li(v)e By: Metáfora, verdade
e mentira nas línguas naturais".
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Polissemia na mente, na
cultura e no discurso
para uma abordagem
cognitiva mais dinâmica
e contextualizada da
individuação, relação
e mudança de sentidos1
Augusto Soares da Silva
Introdução
1
Por se tratar de português europeu, as normas deste texto foram
mantidas conforme as de seu país de origem (N. do E.)
161
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Cuyckens & Zawada 2001; Nerlich, Todd, Herrman & Clarke 2003; Cuyckens,
Dirven & Taylor 2003; Riemer 2005; Geeraerts 2006; Silva 2006). Todavia,
a Semântica Cognitiva precisa de explorar sistematicamente outras implicações
da sua perspetiva experiencial, enciclopédica e centrada no uso do significado
(Geeraerts 2010).
Neste estudo, argumentaremos sobre a necessidade de uma perspetiva
cognitiva mais dinâmica e maximamente contextualizada relativamente a três
questões centrais do estudo da polissemia: (i) a individuação ou diferenciação de
sentidos; (ii) os processos cognitivos de relacionamento entre sentidos; e (iii) os
mecanismos cognitivos, sociais e discursivos de mudança semântica conducente
a estádios de polissemia. Revisitando categorias polissémicas do português, não
só lexicais como também gramaticais e discursivas, já analisadas em Silva (2006),
mostraremos como a abordagem cognitiva da polissemia tem que integrar os
aspetos do contexto sociocultural ou a situacionalidade sociocultural do signifi-
cado e os aspetos do contexto discursivo e, assim, o uso efetivo do significado.
Simultaneamente, e na linha do desenvolvimento de métodos quantitativos em
Semântica Cognitiva (Gries 2006; Glynn & Fischer 2010; Glynn & Robinson
2014), apresentaremos métodos quantitativos e multifatoriais avançados para
o estudo da polissemia, implicados pela própria integração das dimensões socio-
cultural e discursiva no paradigma cognitivo. Tais métodos permitirão analisar
a correlação entre variação conceptual, variação sociocultural e variação discursiva
do significado.
Costuma colocar-se a polissemia num dos lados da língua, mas ela está (ou
acaba por estar) presente também no outro lado. Em primeiro lugar, a polis-
semia é o fenómeno principal da dimensão semasiológica das categorias linguís-
ticas, isto é, a dimensão que parte da componente formal ou significante de uma
categoria para os sentidos e referentes que podem estar associados a essa forma.
Mas a dimensão oposta, dita onomasiológica, que parte do significado ou con-
ceito para as diferentes formas que o nomeiam, não pode ser descurada, visto que
a polissemia de uma categoria é condicionada pelas relações entre essa categoria
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Foi o filólogo francês Michel Bréal quem, nos finais do séc. XIX, criou
o termo polissemia e lançou as bases para o estudo da polissemia como fenómeno
linguístico, histórico, sociológico e cognitivo. No seu Essai de Sémantique, de
1897, Bréal afirmava:
Acabámos de ver algumas das causas que levam uma palavra a adquirir um
sentido novo. Não são certamente as únicas, dado que a linguagem, para além
do facto de ter as suas próprias leis, também recebe o impacto de eventos
exteriores que escapam a qualquer classificação. Mas, sem prosseguir este
exame, que será infindável, queremos apresentar aqui uma nota essencial. O
sentido novo, seja ele qual for, não põe em causa o antigo. Ambos coexistem.
O mesmo termo pode utilizar-se ora no sentido próprio ou metafórico, ora no
sentido restrito ou alargado, ora no sentido abstrato ou concreto… À medida
que uma significação nova é dada à palavra, esta parece multiplicar-se e pro-
duzir exemplares novos, similares na forma, mas diferentes quanto ao valor. A
este fenómeno de multiplicação damos o nome de polissemia. Todas as lín-
guas das nações civilizadas participam neste processo: quanto mais um termo
acumula significados, mais devemos supor que representa diversos aspetos
da atividade intelectual e social. (Bréal 1924: 143-4)
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Apesar dos decisivos avanços referidos na secção anterior, será que a abordagem
que a Semântica Cognitiva tem feito da polissemia é plenamente cognitiva, no
sentido de explorar uma perspetiva dinâmica e maximamente contextualizada
da polissemia? Responderemos com a resposta que Geeraerts (2010) dá para
a Semântica Cognitiva como teoria de semântica lexical: ainda não.
Para o realizar, é necessário assumir uma mudança epistemológica de con-
ceção da própria cognição, explorada nos últimos anos pela "segunda geração" de
ciências cognitivas e da própria Linguística Cognitiva. Trata-se de passar da hipó-
tese da cognição corporizada, mais precisamente da vertente individual e universal
da cognição, do seu lado fisiológico e neurofisiológico de operações neuronais
meramente individuais, para o reconhecimento de que as experiências coletivas,
sociais e culturais são igualmente determinantes, e assim para a hipótese da cog-
nição socioculturalmente situada ou cognição coletiva, sinérgica ou ainda cognição
social; em termos de noções chave das ciências cognitivas, trata-se de passar da
noção de corporização (embodiment) para a noção de situacionalidade (situatedness)
ou então corporização situada (Bernárdez 2008; Frank et al. 2008; Zlatev et al.
2008; Pishwa 2009; Silva 2009).
Nesta viragem social da Linguística Cognitiva ou nesta perspetiva sócio-cog-
nitiva, a polissemia tem que ser estudada, não apenas no contexto da mente, mas
também no contexto da sociedade e da cultura ou da comunidade e no contexto
da interação discursiva.
No contexto da sociedade e da cultura, é importante saber qual o papel
de fatores sociais e culturais na polissemia lexical ou gramatical, como inte-
ragem fatores conceptuais e fatores socioculturais na geração, na individuação
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& Robinson 2014). Merece especial referência o trabalho de Gries (2006) sobre
a polissemia do verbo do inglês to run (correr) através do método do perfil com-
portamental (behavioral profile). Este método consiste em fazer a anotação de con-
cordâncias em termos de parâmetros morfológicos, sintáticos, semânticos, dis-
tribucionais – os chamados "ID tags"; calcular percentagens de coocorrência de
cada sentido com cada "ID tag"; e fazer a análise estatística dos dados através da
"análise de cluster". O método do perfil comportamental permite assim classificar
automaticamente ocorrências de palavras como sentidos. Constitui, pois, um ins-
trumento heurístico da maior importância para a tarefa difícil de individuação
e diferenciação de sentidos.
Finalmente, o estudo da polissemia no contexto da mente visa encontrar
evidência experimental sobre a realidade cognitiva da polissemia. O grande desafio
é testar experimentalmente todas as hipóteses da Semântica Cognitiva sobre
a polissemia. As questões de investigação incluem saber qual o tempo e ordem de
ativação dos sentidos, qual a importância do contexto na seleção de sentidos, qual
a importância da frequência/dominância na seleção de sentidos, como são arma-
zenados e como são adquiridos os sentidos. Esta agenda exige forte interdiscipli-
naridade entre a Semântica Cognitiva, a Psicologia Cognitiva e a Psicolinguística.
Deve notar-se que muito raramente é utilizado o termo polissemia em estudos de
Psicologia Cognitiva, usando-se aí em vez dele o termo ambiguidade.
Entre os poucos estudos neurolinguísticos de interesse para a polissemia,
destacam-se os de Burgess & Simpson (1988), mostrando que os dois hemisfé-
rios têm respostas opostas para significados subordinados (o hemisfério esquerdo
desativa significados subordinados, ao passo que o hemisfério direito aumenta-os
ao longo do tempo), e de Mason & Just (2007), verificando que a atividade do
cérebro no processamento de palavras "ambíguas" (isto é, polissémicas) difere em
função da dominância semântica e da memória de trabalho (ver outras referências
em Gries 2015).
Conclusão
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Mind I: Embodiment. Berlin/New York: Mouton de Gruyter.
Zlatev, Jordan, Timothy P. Racine, Chris Sinha & Esa Itkonen (eds.) (2008). The Shared
Mind: Perspectives on Intersubjectivity. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins.
— 181 —
Conceptualizações
de leitura: aportes
da Linguística Cognitiva
para compreensão
do significado
Elisângela Santana dos Santos
Palavras iniciais
Não é raro ouvir dizer que "a cigana leu o destino de alguém",
que a "leitura do filme foi boa", que é preciso "fazer a leitura
de um gesto, de uma situação". Também, é comum afirmar, na
área da Educação, que "a leitura da palavra deve ser precedida
pela leitura do mundo", conforme preconizou o educador bra-
sileiro Paulo Freire (1989), cuja obra está permeada de metá-
foras sobre alfabetização, letramento, leitura, pedagogia.1
1
Sardinha (2007), em estudo feito sobre metáforas na escola,
mostra como conceitos peculiares dessa área são metafóricos.
Esses e os outros usos, às vezes, estão tão presentes na vida
cotidiana, que não nos damos conta de que, subjacentes a essas
construções linguísticas, há pensamentos metafóricos que
refletem a forma como as pessoas concebem não só o ato de
ler, mas o estar no mundo, a forma de interagir com os outros
e com os objetos à sua volta. Entre alguns exemplos que ilustram
as concepções combatidas pela pedagogia freireana, podemos
citar: educação bancária e, por conseguinte, escola como banco,
183
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR
[...] a 'leitura' do meu mundo, que me foi sempre fundamental, não fez de mim
um menino antecipado em homem, um racionalista de calças curtas. A curio-
sidade do menino não iria distorcer-se pelo simples fato de ser exercida, no
que fui mais ajudado do que desajudado por meus pais. E foi com eles, preci-
samente, em certo momento dessa rica experiência de compreensão do meu
mundo imediato, sem que tal compreensão tivesse significado malquerenças
ao que ele tinha de encantadoramente misterioso, que eu comecei a ser intro-
duzido na leitura da palavra. A decifração da palavra fluía naturalmente da 'lei-
tura' do mundo particular. Não era algo que se estivesse dando superposta-
mente a ele. Fui alfabetizado no chão do quintal de minha casa, à sombra das
mangueiras, com palavras do meu mundo e não do mundo maior dos meus
pais. O chão foi o meu quadro-negro; gravetos, o meu giz. Com ela, a leitura
da palavra, da frase, da sentença, jamais significou uma ruptura com a 'lei-
tura' do mundo. Com ela, a leitura da palavra foi a leitura da 'palavramundo'.
(FREIRE, 1989, grifo nosso)
professor como depositante, aluno como recipiente, conhecimento como bem doado,
depositado.
2
As metáforas conceptuais serão indicadas, neste artigo, em caixa-alta, conforme o fazem
Lakoff e Johnson (1980, 1999) e outros teóricos da Linguística Cognitiva.
— 184 —
CONCEPTUALIZAÇÕES DE LEITURA: APORTES DA LINGUÍSTICA COGNITIVA PARA COMPREENSÃO DO SIGNIFICADO |
Ainda que não fique explícito o modelo teórico adotado, na referida citação,
o posicionamento assumido pela autora corrobora a relação entre os sentidos que
podem ser acionados pelo ato de ler e as experiências cotidianas do sujeito leitor.
Retomando, ainda, as suas palavras, a leitura, "vai além do texto e começa antes
do contato com ele" (MARTINS, 2012, p. 33); ler, nessa perspectiva, é, portanto
e antes de tudo, "produzir sentido" ou, mais especificamente, "sentir".
Assim, partindo do pressuposto de que o item lexical leitura apresenta uma
evidente complexidade semântica, ilustrada pelos diferentes conceitos que pode
apresentar, é propósito deste artigo investigar as conceptualizações dessa palavra,
em contextos de uso previamente selecionados, à luz dos pressupostos teórico-
-metodológicos da Linguística Cognitiva.
É preciso deixar claro, porém, que não é nosso intuito promover discus-
sões nem teorizações sobre o que é leitura e suas especificidades, segundo as abor-
dagens preconizadas pelos teóricos da Pedagogia, da Educação, da Linguística
Aplicada ou da Linguística Textual. Muito embora sejam feitas referências às con-
tribuições de especialistas dessas áreas, almejo mostrar que, ao contrário da obje-
tividade que, supostamente, poderia ser atribuída a textos do gênero instrucional,
as orientações sobre o trabalho com leitura constantes de alguns Manuais do pro-
fessor, que integram coleções de livros didáticos de língua portuguesa do Ensino
Fundamental, apresentam conceitos metafóricos relativos à leitura, que ratificam
a afirmação de Lakoff e Johnson (2002) de que grande parte das ações cotidianas
e pensamentos humanos são embasados por metáforas conceptuais.3 No entanto,
isso sequer é mencionado nesses livros, quando os seus autores e autoras discorrem
sobre metáfora.
Como se trata de uma pesquisa qualitativa, de caráter descritivo-interpre-
tativo e sincrônico, foi constituído um corpus de língua escrita, com publicações
3
É objetivo deste trabalho, também, dar continuidade às pesquisas realizadas no
Doutorado e no Grupo de Estudos em Semântica Cognitiva (GESCOG/PROHPOR –
UFBA/UNEB), bem como ampliar os projetos que vêm sendo desenvolvidos no âmbito
institucional e da Iniciação Científica, articulando-os à linha de Linguagens, Discurso e
Sociedade e ao Núcleo de Estudos do Léxico (NEL), ambos vinculados ao Programa de
Pós-Graduação em Estudo de Linguagens da Universidade do Estado da Bahia (UNEB).
— 185 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR
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CONCEPTUALIZAÇÕES DE LEITURA: APORTES DA LINGUÍSTICA COGNITIVA PARA COMPREENSÃO DO SIGNIFICADO |
4
A obra fundadora de N. Chomsky, Estruturas sintáticas, foi publicada em 1957.
5
Cabe, aqui, salientar que o experiencialismo, enfatizado na Semântica Cognitiva, refe-
re-se a todo tipo de experiência humana: o movimento dos corpos, a percepção das
coisas, a forma de ver o mundo e agir nele, a integração social etc. Ao estudar a signifi-
cação de verbos, como tomar, dar, pegar e foder, sob o enfoque cognitivo, por exemplo,
isso ficou muito claro. Com o item lexical leitura, não foi diferente.
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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR
Dentre os vários fenômenos semânticos que podem ser estudados sob o enfoque
da Linguística Cognitiva, um, em especial, destaca-se pela sua complexidade
e pelo seu caráter polêmico e inconcluso. Trata-se da polissemia. Durante o desen-
volvimento da Semântica Lexical, o estudo da polissemia passou por diferentes
tratamentos. Vale salientar que, embora, nos períodos antigo e medieval, já exis-
tissem especulações a respeito dos múltiplos sentidos que um item lexical pode
assumir, o termo polissemia só foi criado no século XIX, mais especificamente
em 1897, pelo semanticista pré-estruturalista Michel Bréal, e deriva etimologi-
camente de polys, palavra grega que significa "numeroso", e de seméion, palavra
grega que equivale à "significação".
Depois de um longo período de pouca visibilidade, entre o século XIX
e a primeira metade do século XX, o estudo da polissemia voltou a despertar
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CONCEPTUALIZAÇÕES DE LEITURA: APORTES DA LINGUÍSTICA COGNITIVA PARA COMPREENSÃO DO SIGNIFICADO |
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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR
dizer que estudar a metáfora, sob essa perspectiva, significa sair do plano da retó-
rica e conhecer a maneira como o ser humano que emprega essa figura de pensa-
mento se relaciona em sociedade e concebe aspectos da vida.
A interpretação desse fenômeno sob o viés cognitivista vem confirmar
a interação entre corpo e mente, isto é, o realismo corporizado, conforme já
citado, e refutar a noção restritiva a ele destinada de mero ornamento linguístico
ou figura de linguagem predominante do texto literário. Para melhor compreen-
dê-lo, é preciso, pois, fazer uma distinção entre o que designamos como metáforas
conceptuais e metáforas linguísticas. A esse respeito, Cuenca e Hilferty (2007,
p. 100, tradução nossa) trazem a seguinte observação:
6
"A la hora de abordar la descripción de la metáfora, conviene establecer uma distin-
ción entre expresiones metafóricas, por uma parte, y metáforas conceptuales, por outra.
Esta distinción resulta básica para el análisis cognitivo de la metáfora, ya que permite
desvelar generalizaciones que, de outro modo, quedarían ocultas. Las metáforas con-
ceptuales são esquemas abstratos [...], que sierven para agrupar expresiones metafó-
ricas. Uma expesión metafórica, em cambio, es um caso individual de una metáfora
conceptual".
7
Os exemplos que se seguem foram extraídos da obra basilar Metáforas da vida cotidiana,
dos dois autores supracitados.
— 190 —
CONCEPTUALIZAÇÕES DE LEITURA: APORTES DA LINGUÍSTICA COGNITIVA PARA COMPREENSÃO DO SIGNIFICADO |
EFEITO EMOCIONAL É CONTATO FÍSICO, por sua vez, pode ser identifi-
cada em: "A morte de sua mãe o atingiu em cheio"; "Sua observação tocou-me". As
metáforas orientacionais, por outro lado, partem de experiências culturais e físicas
e estão associadas à orientação espacial. Exemplos como "Eu estou me sentindo para
cima" e "Você está de alto astral" trazem implícita a metáfora conceptual FELIZ É
PARA CIMA, enquanto que em "Eu caí em depressão" ou em "Estou no fundo do
poço", fica subjacente que TRISTE É PARA BAIXO. Por último, mas não menos
recorrentes e importantes, as metáforas estruturais, assim como as outras duas,
fundamentam-se em correlações sistemáticas pautadas na experiência, o que per-
mite usar um conceito estruturado e detalhado de maneira clara para estruturar
um outro, às vezes um pouco menos concreto ou desconhecido. No exemplo "Se
você não alicerçar sua argumentação com fatos sólidos, tudo irá ruir", a metáfora que
está subjacente ao conceito de discussão pode ser descrita como DISCUSSÃO É
UMA CONSTRUÇÃO.
De acordo com a TMC, a relação entre conceitos concretos e abstratos
estabelece-se por meio de uma projeção entre domínios conceptuais, também
conhecida como mapping ou mapeamento,8 que resulta da conceptualização de
um domínio de experiência em lugar de outro. É possível dizer, com isso, que
o mapeamento metafórico estabelece uma relação de similaridade, envolvendo
a interação entre um domínio origem ou domínio-fonte, mais conhecido, expe-
rienciado física-espacialmente, e um domínio-alvo, menos conhecido ou mais
abstrato; ao passo que a metonímia, outro fenômeno conceptual de grande
importância, estabelece uma relação de contiguidade dentro de um mesmo
domínio ou de um domínio matriz, ligando um conteúdo fonte a um conteúdo
alvo menos acessível.9
8
O termo mapping, segundo Grady (2007, p. 190), foi emprestado da matemática para
referir-se às correspondências metafóricas sistemáticas entre ideias relacionadas entre
si.
9
Assim como a metáfora, a metonímia conceptual é um fenômeno semântico concep-
tual, não menos importante. Há teóricos que acreditam em uma oposição entre os dois,
outros, em um continuum (já que as fronteiras entre ambos não são tão rígidas), e há
outros, ainda, que veem na metonímia a primariedade cognitiva sobre a metáfora.
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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR
Ao discorrer sobre essa questão, Vilela (1996, p. 320) explica que a pro-
jeção de usos experiencialmente básicos para domínios abstratos da experiência
humana reflete uma propensão que nós temos em construir metáforas ontológicas,
— 192 —
CONCEPTUALIZAÇÕES DE LEITURA: APORTES DA LINGUÍSTICA COGNITIVA PARA COMPREENSÃO DO SIGNIFICADO |
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Nesses casos, o domínio-alvo herda os esquemas básicos e propriedades semânticas
e sintáticas do domínio-fonte.
— 193 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR
Leitura vem do latim, lectura, que deriva do verbo legere, equivalente a ler em
português. Tal como a maior parte dos predicadores verbais de origem latina, ler
possui um significado proveniente da agricultura. O verbo legere tinha os sentidos
de "colher", "escolher", "recolher", em latim. (CUNHA, 1986) Ao passar para
o português, esses usos especializaram-se e ler passou a significar "obter infor-
mações através da percepção de letras e palavras", sem perder, contudo, algumas
nuances do seu sentido experiencialmente básico, já que esse ato também está
atrelado à capacidade de escolher, selecionar, não mais grãos, frutos ou cachos,
mas sinais gráficos, para deles extrair sentido, conhecimento. Há, inclusive uma
expressão latina, legere oculis, que significa "colher com os olhos". Portanto,
o verbo ler e o substantivo dele derivado, leitura, na língua portuguesa, são prove-
nientes de uma experiência físico-espaço-sociocultural que, como vemos, se abs-
tratizou no contexto educacional.
Todavia, por ser leitura, de modo geral, definida como um ato intelectual
de seleção e combinação de grafemas para extrair significados, o que pressupõe
uma iniciação, um preparo, acessível a poucos, a contar pelos números elevados
— 194 —
CONCEPTUALIZAÇÕES DE LEITURA: APORTES DA LINGUÍSTICA COGNITIVA PARA COMPREENSÃO DO SIGNIFICADO |
11
1. Ação ou resultado de ler. 2. Hábito de ler. 3. Aquilo que se lê; OBRA; TEXTO: Essa
revista, uma leitura leve, me distrai. 4. Modo de interpretar, forma como se vê ou com-
preende uma obra ou uma situação; INTERPRETAÇÃO: "[...] uma personagem de vida
confusa o suficiente para suportar duas leituras, uma cômica e outra trágica [...]" (O
Estado de S. Paulo, 27 maio 2005) 5. Obras lidas: Tornou-se mais crítico com tanta leitura.
6. Fís. Registro das informações dadas por um instrumento de medida. 7. Tec. Processo
de reconhecimento, decodificação e reprodução, por meio de dispositivo apropriado,
de som, imagem ou dados armazenados num suporte.8. Rel. Texto, ger. extraído da
Bíblia, lido ou cantado por uma só pessoa. 9. Matéria de ensino elementar. [F.: Do lat.
med. lectura.].
Leitura à primeira vista
1 Mús. Execução de trecho musical ao se ler a partitura pela primeira vez, sem estudo
prévio.
Leitura da fala
1 Ver Leitura labial.
Leitura dinâmica
1 Método de leitura que, por meio de várias técnicas, visa a uma apreensão mais rápida
e eficiente dos significados do texto, utilizando não a varredura visual linear das pala-
vras, palavra por palavra, com saltos nas mudanças de linha, mas por captação de blocos,
ou pela ampliação do ângulo de visão do texto etc; leitura fotográfica; leitura rápida.
Leitura dramática
1 Teat. Leitura do texto de uma peça diante do público, com todas as inflexões vocais
e descrições necessárias, mas sem ação cênica no palco.
Leitura fotográfica
1 Ver Leitura dinâmica.
Leitura labial
1 Percepção que tem um surdo da fala de alguém pela interpretação dos movimentos
de seus lábios, da mandíbula e dos músculos faciais; leitura da fala.
Leitura nova
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Como lembra Alberto Manguel em seu livro Uma história da leitura, o sentido
da leitura não é restrito às letras impressas numa página de papel: os astró-
logos leem as estrelas para prever o futuro; o músico lê a partitura para tocar
seu instrumento; o médico lê a doença em seu paciente; a mãe lê a necessi-
dade no rosto de seu filho; o agricultor lê o céu para saber como cuidar de
sua cultura. Enfim, todas essas maneiras de leitura estão associadas à possibi-
lidade de decifrar e traduzir signos. (RODELLA; NIGRO; CAMPOS, 2012, p. 10,
grifo nosso)
A leitura se realiza a partir do diálogo do leitor com o objeto lido – seja escrito,
sonoro, seja um gesto, uma imagem, um acontecimento. Esse diálogo é refe-
renciado por um tempo e um espaço, uma situação; desenvolvido de acordo
com os desafios e as respostas que o objeto apresenta, em função de expec-
tativas e necessidades, do prazer das descobertas e do reconhecimento de
vivências do leitor.
Para dar continuidade ao que vimos até aqui, destacarei, a seguir, as metá-
foras linguísticas e conceptuais identificadas no corpus, os quais atestam as dife-
rentes conceptualizações do conceito de leitura nas coleções de livros didáticos
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LEITURA É CONSTRUÇÃO
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LEITURA É ALIMENTO/ALIMENTAÇÃO
12
Ver em: <www.mundoeducacao.bol.uol.com.br/historiageral/as-aldeias-neoliticas.htm>.
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LEITURA É DESLOCAMENTO
Ler um texto sem um objetivo é como se lançar ao mar sem uma bússola: fica
muito mais difícil encontrar o caminho que nos levará à compreensão do que
está escrito. (FIGUEIREDO; BALTHASAR; GOULART, 2012, p. 11)
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CONCEPTUALIZAÇÕES DE LEITURA: APORTES DA LINGUÍSTICA COGNITIVA PARA COMPREENSÃO DO SIGNIFICADO |
Por ser complexa, a atividade de leitura deve ser orientada por objetivos claros,
a fim de conduzir o aluno na busca de pistas significativas que servem de
subsídios para a construção das interpretações. (FINKLER, 2012, p. 14, grifo
nosso)13
13
Nessa citação, além da metáfora LEITURA É CAMINHADA, aparece, também, a metáfora
LEITURA É CONSTRUÇÃO.
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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR
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Lakoff e Johnson (2002) destacam, por exemplo, DISCUSSÃO É VIAGEM e AMOR É
VIAGEM, dentre outras.
15
Vários autores ressaltam a importância da leitura como um ato que deve ser desejado
e prazeroso. Para Geraldi (1999, p. 98, grifo nosso), por exemplo, "recuperar na escola
e trazer para dentro dela o que dela se exclui por princípio – o prazer – parece ser ponto
básico para o sucesso de qualquer esforço honesto de 'incentivo à leitura'". O mesmo
ressalta Martins (2012, p. 28), quando destaca que o papel da escola deveria ser o de
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CONCEPTUALIZAÇÕES DE LEITURA: APORTES DA LINGUÍSTICA COGNITIVA PARA COMPREENSÃO DO SIGNIFICADO |
e não a trabalho"; "o estudante é o viajante"; "a leitura prazerosa dos textos é o
destino da viagem"; "o professor é o guia turístico"; "o prazer proporcionado pela
leitura é a diversão da viagem"; "o estudante, que lê todos os textos e fica com
vontade de fazer novas leituras, é o viajante que terminou a viagem com prazer
e deseja fazer outras viagens".
Diante do que foi exposto, considero que o item lexical leitura apresenta
alguns sentidos que resultam de conceptualizações metafóricas, conforme foi mos-
trado ao longo desta seção, motivadas, sobretudo, por correlações entre domínios
da experiência humana que apresentam similaridades, o que atesta, mais uma vez,
a corporização dos sentidos tão propalada pela teoria lakoffiana.
Em síntese, com base no corpus examinado, leitura apresenta as acepções,
a seguir, que emergem de experiências físicas e corroboram a natureza polissêmica
desse item lexical:
Considerações finais
estimular a leitura sem pretexto, isto é, a leitura sem cobranças, relativa a vivências fami-
liares e a situações do cotidiano, o que pode vir a ser muito mais proveitoso e prazeroso.
— 205 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR
Referências
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São Paulo: Educ: Pontes, 1992.
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 23. ed. São
Paulo: Cortez, 1989.
— 206 —
CONCEPTUALIZAÇÕES DE LEITURA: APORTES DA LINGUÍSTICA COGNITIVA PARA COMPREENSÃO DO SIGNIFICADO |
JOHNSON, M. The body in the mind: the bodily basis of meaning, imagination, and
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LAKOFF, G. Women, fire, and dangerous things: what categories reveal about the mind.
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— 207 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR
SANTOS, E. S. dos; LINS, H. A. Os usos do verbo foder sob um olhar cognitivista. In:
SANTOS, E. S. dos; ALMEIDA, A. A. D. Linguística cognitiva: redes de conhecimentos
daquém e dalém-mar. Salvador: Edufba, 2018.
— 208 —
Metáforas do
medo: um estudo das
conceitualizações sobre
violência urbana na cidade
de Belo Horizonte,
MG, BRASIL
Luciane Corrêa Ferreira
Introdução
209
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Metáforas do medo |
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Metáforas do medo |
Perguntas de pesquisa
A questão central que buscamos investigar diz respeito a como, nas trocas intra-
-discursivas, participantes, vítimas diretas ou indiretas, falam sobre suas experiên-
cias com violência urbana. Como tais atitudes são comunicadas e negociadas por
meio de metáforas e outras formas de linguagem figurada utilizadas na conceitua-
lização da violência no discurso.
Tentamos responder às seguintes perguntas:
1. Como o medo da violência urbana afeta a vida das pessoas e como isso se
reflete no seu discurso?
2. Que metáforas/metonímias aparecem sistematicamente nas interações sobre
a experiência com a violência urbana e com o medo da violência na fala dos
participantes em Belo Horizonte?
3. Como a metáfora/metonímia motiva a fala do medo?
Metodologia
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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR
Procedimentos de análise
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Metáforas do medo |
Excerto 1
Marcela
115. Mas quem é assaltado,
116...eu fico traumatizada.
117. Outro dia eu fui assaltada no fundo de casa,
118...indo para o trabalho,
119...umas quatro horas da tarde,
120. um rapaz bem arrumado,
121. bonito,
122. novo,
123...que eu nem imaginava que era um ladrão.
124. ele veio correndo assim,
125...também achei que ele ia pegar o ônibus,
126. aí quando o ônibus parou,
127...ele foi e tirou uma arma,
128. e pediu meu telefone.
129. tipo assim,
130...você já espera,
131. que seja uma pessoa mal vestida que vá te assaltar,
132...aí chega um arrumado,
133...bonito,
134...novo,
135. e,
136...aí você fica suspeitando de todo mundo,
137...eu não tiro telefone na rua,
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No excerto 1, Manuela explica que ela foi assaltada no fundo de casa (l.
117). A casa é uma metonímia motivada pelo esquema de imagem de conteni-
mento (JOHNSON, 1987) e simboliza um lugar seguro, portanto as pessoas
geralmente não esperam ser roubadas no pátio de sua casa. A metonímia EM (NO,
NA) é repetida sistematicamente na sequência da discussão entre os participantes
do grupo focal, a fim de falar sobre lugares seguros na casa, no carro, no estádio
de futebol. (FERREIRA, 2012) NA CASA está associado à segurança na mesma
medida em que FORA DE CASA, i.e., "na rua", está associado a um lugar peri-
goso (veja l. 137-139). No excerto 1, Marcela descreveu o ladrão como "um rapaz
bem arrumado,/ bonito,/ novo,/.que eu nem imaginava que era um ladrão". Ela
mencionou que "você espera que uma pessoa desarrumada vá roubar você, então
alguém bem arrumado, bonito, jovem chega e...você fica suspeitando de todo
mundo" (l. 132-134). Como Cameron (2003) aponta, no discurso educacional,
o desenvolvimento do veículo frequentemente forma uma parte chave ao explicar
as ideias por meio de metáforas e metonímias. A participante Marcela lança mão
da repetição do veículo (CAMERON, 2008, p. 57), já que o veículo é introdu-
zido no discurso com o objetivo de desenvolvê-lo por meio da repetição e expli-
cação. A fim de falar sobre o tópico "medo da violência urbana", Marcela elabora,
descrevendo, por meio dos veículos "pessoa mal vestida" (l. 131) e "um arru-
mado" (l. 132), a maneira como os ladrões se vestem para inspirar a confiança das
vítimas. Portanto, os agentes da violência "desempenham papéis", como andar
bem vestidos para cometerem suas ações.
Na sequência, as maneiras de desempenhar papéis como "ser bonito"
e "novo" podem ser classificadas como veículos metafóricos utilizados para definir
um tipo de medo da violência, que é o medo da pessoa que se aproxima e o medo
de ser assaltado na rua. Todas essas metáforas, distribuídas com sistematicidade
na sequência da fala, constituem evidências linguísticas da metáfora sistemática
MEDO DA VIOLÊNCIA É DESEMPENHAR PAPÉIS. No excerto a seguir,
Bruno retoma a mesma metáfora sistemática, ao falar sobre a sua experiência com
violência urbana:
— 216 —
Metáforas do medo |
Excerto 2
Bruno
143. Eu trabalho com comércio e,
144...ser assaltado é,
145...assim,
146. uma coisa normal pra gente.[risos]
147. Aí você acaba de ser assaltado e chega alguém lá,
148. o que que aconteceu aí, que vocês tão assim?
149. Fomos assaltados,
150...sabe,
151...o de sempre.[risos]
152. Mas,
153...assim,
154...a maioria das vezes,
155...é pessoa bem arrumada
156...pessoa assim,
157...que tem um,
158...um porte social mais fino,
159...mais elegante,
160...não é um mendigo que passa pedindo as coisas que assalta você,
161. é sempre,
162. uma pessoa mais arrumada,
163...é a maquiagem que a pessoa--
164. a pessoa faz.
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| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR
social mais fino, ..mais elegante, ..não é um mendigo que passa pedindo as coisas
que assalta você, é sempre, uma ... pessoa mais arrumada …é a maquiagem que
a pessoa–a pessoa faz..." (l. 163). O veículo "ladrão" (l.123, excerto 1) é relexica-
lizado em "um arrumado" e o participante acrescenta uma "explicação do veículo"
(CAMERON, 2008), que envolve elaborar uma explicação do veículo metafórico
como aparece na expressão metafórica "..a maquiagem que a pessoa faz", cujo
significado é incongruente no texto acima. Portanto, "maquiagem" é um veículo
novo e criativo, usado na construção do frame metafórico "medo da violência
urbana". (RITCHIE; CAMERON, 2014) A "..maquiagem que a pessoa faz" se
encaixa no frame metafórico VIOLÊNCIA URBANA É UMA FORÇA QUE
RESTRINGE, por ser um dos recursos utilizados pelos agentes de violência (o
disfarce) que provoca medo nas vítimas.
Parte-se aqui da pressuposição que categorizações sobre o tema da violência
urbana são polissêmicas, i.e., existe uma indeterminação semântica envolvida,
e seu uso e interpretação são altamente dependentes do contexto de uso. Também
se assume que cenários metafóricos "captam preferências de atitudes e tendên-
cias no discurso que são características de determinadas comunidades discursivas".
(MUSSOLF, 2006, p. 35) Portanto, busca-se descrever como os cenários meta-
fóricos em que a violência urbana ocorre são configurados pelos interlocutores
à medida que esses compartilham suas experiências.
Veja a seguir como os participantes falam sobre sua experiência com a vio-
lência urbana na cidade de Belo Horizonte:
Excerto 3
203. Mariana: A tendência é piorar..né,
204. Isabela: É..a tendência é piorar,
205. porque as pessoas às vezes já se acostumam,
206. Mariana: É ficar banal.
207.Adriana: Ta banalizando,
208...e também acaba,
209...acho que uma outra tendência que a gente já consegue ver,
210. é você se privar da sua liberdade por causa da violência que ta na cidade,
211...na rua,
212. então..você vive atrás de um muro com uma cerca eletrica,
213. você vive exatamente com a questão do medo,
214....quanto mais vai se agravando a situação..então,
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Metáforas do medo |
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Considerações finais
O fato de que neste estudo sobre o medo da violência urbana foram identificadas
metáforas sistemáticas como MEDO DA VIOLÊNCIA É DOENÇA MENTAL
(cf. Seção 6), muito semelhantes a metáforas sistemáticas que emergem na
interação sobre terrorismo na Inglaterra, em que Cameron (2012) identificou
a metáfora sistemática TERRORISMO É DOENÇA, é um forte indício de
que o mesmo tipo de metáfora, i.e., uma metáfora sistemática motivada pela
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Metáforas do medo |
Referências
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Metáforas do medo |
GIBBS JR., R. W.; FERREIRA, L. C. Introduction: why should applied linguists care
about metaphor and metonymy in social practices? Revista Brasileira de Linguística
Aplicada, Belo Horizonte, v. 15, n. 2, p. 303-309, 2015. Disponível em: <http://ref.
scielo.org/nv636n>. Acesso em: 10 nov. 2015.
JOHNSON, M. The body in the mind: the bodily basis of meaning, imagination, and
reason. Chicago: The University of Chicago Press, 1987.
LAKOFF, G. Women, fire, and dangerous things: what categories reveal about the mind.
Chicago: The University of Chicago Press, 1987.
LAKOFF, G.; JOHNSON, M. Philosophy in the flesh: the embodied mind and its
challenge to western thought. New York: Basic Books, 1999.
(A) MIGRAÇÃO da violência. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 23. jul. 2013.
Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,a-migracao-da-
violencia-,1056277,0.htm>. Acesso em: 2 dez. 2014.
— 223 —
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Por uma abordagem
cognitiva da morfologia:
revisando a morfologia
construcional
Juliana Soledade
Apresentação
225
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Por uma abordagem cognitiva da morfologia: revisando a morfologia construcional |
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Por uma abordagem cognitiva da morfologia: revisando a morfologia construcional |
[...] Quando uma palavra como o fr. indécorable ou port. indeclinável surge
na fala [...], supõe um tipo determinado e este, por sua vez, só é possível pela
lembrança de um número suficiente de palavras semelhantes pertencentes
à língua (impecável, intolerável, infatigável, etc.). (SAUSSURE, 1969, p. 145)
Essa teoria tem raízes bastante antigas, as quais remontam aos estudos de
Herman Paul (1880), que afirmou que o falante/aprendiz irá começar a aprender
palavras individuais e formas de palavras, mas gradualmente começará a abstrair
das palavras concretas que ele aprende o caminho para formar novas palavras de
acordo com esquemas abstratos.
Essa concepção de um princípio formativo que passa por processos analó-
gicos com outras palavras da língua irá permanecer como uma premissa básica em
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Por uma abordagem cognitiva da morfologia: revisando a morfologia construcional |
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A objeção geral a esse enfoque é que não faz jus à compreensão de que
nossa memória lexical é vasta, e que não há, portanto, razões para adotar um
enfoque parcimonioso para o léxico. Essa objeção está relacionada a um cri-
tério geral para a adequação em modelos linguísticos. Um modelo linguís-
tico deve se permitir a uma integração elegante (Jackendoff, 2011), isto é, ele
deve estar em harmonia com os achados de outras disciplinas linguísticas,
tais quais a Psicolinguística, a Teoria da Aquisição da Linguagem, a Linguística
Histórica e aquelas da ciência cognitiva, em geral.
Por sua vez, a denominada full entry theory (teoria de entrada plena),
defendida por Jackendoff (1997) e Aronoff (2007), irá argumentar em favor de
uma maior capacidade de armazenamento de itens do léxico na memória dos
falantes. Consideremos que, para formarmos novas palavras, precisamos abstrair
dos modelos os esquemas morfológicos que possibilitarão as construções. Esses
modelos correspondem a um conjunto de palavras complexas memorizadas, i.e.,
palavras complexas plenamente especificadas. Em português, os falantes pri-
meiro adquirem nomes deverbais em – dor particulares, tais como jogador, ven-
dedor, cobrador etc., e depois de uma suficiente exposição a um conjunto de tais
palavras, o esquema para nomes deverbais em – dor será apreendido. Em face
da postura parcimoniosa da teoria da entrada econômica, teríamos de admitir
que, uma vez abstraídos os esquemas, seriam apagadas as informações previsíveis
— 232 —
Por uma abordagem cognitiva da morfologia: revisando a morfologia construcional |
Uma vez que uma generalização foi feita sobre as bases de instâncias armaze-
nadas, essas instâncias podem ser redundantes, mas não há um mecanismo
para apagá-las da nossa memória, então nós assumimos que, pelo menos,
esses casos armazenados persistam. (HUDSON, 2007, p. 22)
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Por uma abordagem cognitiva da morfologia: revisando a morfologia construcional |
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A morfologia construcional
Na seção anterior, refletimos acerca das concepções de léxico ao longo das prin-
cipais teorias linguísticas, e muito embora nos pareça claro que a Linguística
Cognitiva precisa trabalhar com uma concepção ampliada de léxico, ao que
parece, se tem optado por manter o enfoque na teoria da entrada plena. Conforme
Tomasello (2000), a aquisição da linguagem começa com o armazenamento de
representações mentais de casos concretos de usos linguísticos, e gradualmente
o falante vai fazendo abstrações sobre um conjunto de constructos linguísticos
com propriedades similares e passa a armazenar no seu léxico mental o sistema
abstrato gerado por esses constructos, ou seja, convivem na mente do falante
lista de palavras aprendidas e esquemas (abstratizações) obtidos em termos de
generalizações.
Por sua vez, também é a teoria da entrada plena o ingrediente básico do
modelo do léxico hierárquico na morfologia construcional, como desenvolvido
em Booij (2010), que pode ser caracterizado da seguinte maneira: (i) esquemas
construcionais especificam a informação previsível de classes de itens lexicais
complexos existentes plenamente especificados, e especificam como novas pala-
vras similares podem ser cunhadas; (ii) esquemas construcionais podem dominar
subesquemas que especificam propriedades adicionais ou mais específicas de sub-
classes de itens lexicais.
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Por uma abordagem cognitiva da morfologia: revisando a morfologia construcional |
Premissas básicas
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1
"Morphological schemas are acquired on the basis of a set of memorized complex
words, i.e. fully specified complex words".
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Por uma abordagem cognitiva da morfologia: revisando a morfologia construcional |
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[...] há casos em que a categoria do input deve ser uma categoria anulável.
Portanto, presumo que a categoria do input de um esquema de formação de
palavras pode não corresponder à categoria de uma palavra complexa indi-
vidual. No entanto, nesse caso, a palavra complexa terá um menor grau de
motivação.2
2
"[…] there are cases where input category should be a defeasible category. Therefore,
I assume that the input category of a word formation schema can be overridden by an
individual complex word. However, in this situation, the complex word will have a lower
degree of motivation".
— 240 —
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3
"The only candidates for absolute, non-defeasible properties in word formation
schemas are the output category of complex words and the phonological shape of their
constituent morphemes. However, phonological shape can vary within the boundaries
of allomorphy".
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A segunda questão5 a que nos dedicamos a refletir nesse artigo tem relação
direta com a concepção de língua dentro da Linguística Cognitiva. Langacker,
em Foundations of cognitive grammar (1987), irá argumentar a favor da ideia de
que a gramática de uma língua é reflexo de distintos processos de conceptuali-
zação, ou seja, os padrões de combinações das diversas estruturas de uma dada
língua são resultados de processos que ocorrem no nível do sistema conceptual
humano. Essa afirmação sugere que a linguagem é simbólica em todos os seus
aspectos, incluindo aspectos morfossintáticos. Tal perspectiva tem implicações
sobre a descrição de padrões linguísticos e, no nosso caso, sobre a descrição de
padrões morfológicos.
Segundo Booij (2010), esquemas são padrões gerais formulados a partir
de unidades de forma-significado-função (form-meaning-function) e implicam
numa relação de coindexação entre forma e significado que será representada no
esquema pela seta dupla (↔), assim, entenderemos que um esquema constru-
cional não pode prescindir das propriedades semânticas, que constituem o aspecto
central da organização do sistema cognitivo.
Assim, quando observamos a representação gráfica de redes polissêmicas,
tal qual proposto pela morfologia construcional de Booij, verificamos a exis-
tência de um esquema dominante cuja contraparte semântica é generalizada, pois
é formulado sem nenhuma especificação de sentido, para dar conta de abrigar os
diversos sentidos polissêmicos dos subesquemas. Vejamos que no caso do sufixo
-eiro, (1) <[Xi-eiro]Sj ↔ [x envolvido em SEMi]Sj>, a posição ocupada por x
4
"No human being perceives Absolute Reality in its totality. Instead we see a kind of
reality limited by the time and space we experience; we interpret and reconstruct that
experience into schema, or patterns, in our own minds".
5
Essa reflexão se origina de um questionamento acerca da legitimidade do esquema
dominante de caráter semântico geral levantada pelo doutorando Mailson Lopes, em
reunião de orientação.
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6
"Inheritance and motivation in construction morphology"
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Outra observação suscitada pela análise dos dados do PA que foi impor-
tante destacar refere-se à necessidade de incluir um subesquema, relativamente
produtivo, referente a agentes experienciadores. Percebemos que, embora sejam
nitidamente distintos dos habituais, o mesmo não se dá em relação ao sentido
profissional. Bases verbais de natureza semântica existencial também licen-
ciam a criação de agentes que atuam profissionalmente em relação ao verbo,
por exemplo, temos formações do tipo: animador (de festa) e passeador (de cães),
construídas sobre bases de verbos experienciais. Ao que tudo indica, novamente,
percebemos que a atribuição do caráter profissional à agentividade depende de
opções de categorização desencadeadas pela necessidade dos indivíduos inseridos
em uma dada cultura, em dado momento sócio-histórico. Representando sim-
bolicamente essa relação, teríamos, outra vez, uma polissemia desencadeada pela
metonímia (parte-todo/ conteúdo-continente).
— 252 —
Por uma abordagem cognitiva da morfologia: revisando a morfologia construcional |
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Considerações finais
Referências
— 254 —
Por uma abordagem cognitiva da morfologia: revisando a morfologia construcional |
BOOIJ, G. Morphological analysis. In: HEINE, B.; NARROG, H. (Ed.). The Oxford
handbook of grammatical analysis. Oxford: Oxford University Press, 2009. p. 563-589.
BYBEE, J. L. The phonology of the lexicon: evidence from lexical diffusion. In:
BARLOW, M.; KEMMER, S. Usage-based models of language. Stanford: CSLI, 2000b.
p. 65-86.
— 255 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR
HUDSON, R. Language networks: the new word grammar. Oxford: Oxford University
Press, 2007.
PINKER, S. Words and rules: the ingredients of language. New York: Basic Books, 1999.
— 256 —
Por uma abordagem cognitiva da morfologia: revisando a morfologia construcional |
ZURARA, G. E. de. Crónica do Conde Dom Pedro de Menezes. [S.l.: s.n.], [1463?].
Disponível em: <http://old.www.cidehus.uevora.pt/textos/fontesul/fsul_cronica_
pmeneses.pdf>. Acesso em: 5 maio 2015.
— 257 —
Ligando o morfômetro:
análise morfossemântica das
construções com -metro no
português do Brasil
Carlos Alexandre Victorio Gonçalves
Maria Lucia Leitão de Almeida
Palavras iniciais
259
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— 260 —
Ligando o morfômetro: análise morfossemântica das construções com -metro no português do Brasil |
1
Em Caetano (2010) e Gonçalves (2011b), há uma descrição pormenorizada sobre o com-
portamento da chamada composição neoclássica, textos para os quais remetemos
o leitor.
2
As alunas de iniciação científica Clarice Barcellos (UFRJ/FAPERJ) e Thaiane Santos Spíndola
(UFRJ/CNPq-PIBIC), a quem muito agradecemos, participaram ativamente da coleta de
dados e também foram responsáveis pela datação de cada uma das formas X-metro aqui
analisadas. Também foram utilizados os dicionários da internet: Wikcionário: o dicionário
livre (2004), Dicionário inFormal (c2006), Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (2008)
e Dicio: Dicionário Online de Português (2009).
— 261 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR
Delinear o caminho percorrido por -metro desde sua entrada na língua até os dias
de hoje não é tarefa das mais fáceis, mas uma abordagem dessa natureza é impres-
cindível para checar uma eventual mudança no estatuto morfológico do formativo
em exame. Nessa empreitada, baseamo-nos, fundamentalmente, (a) no depoi-
mento de filólogos e gramáticos históricos (ALI, 1966; COUTINHO, 1968;
LAPA, 1971; MELO, 1981), (b) nas datações apontadas pelos dicionários etimo-
lógicos (BUENO, 1988; CUNHA, 1994; COROMINAS, 1987; MACHADO,
1967; NASCENTES, 1955) e pelos dicionários morfológicos (GÓES, 1937,
1945; HECKLER et al., 1981) e, sobretudo, (c) no comportamento morfosse-
mântico das formações mais antigas, quando comparadas às mais novas.
A partícula metro provém do termo grego μέτρον (metron), que significa
"medida", e foi diretamente importada pelo francês, na forma de mètre, para
designar, no final do século XVIII, o padrão de medida de longitude.3 Nascentes
(1955) ressalta que a forma grega entrou para o latim como metru e, interessante-
mente, Ferreira (1999) apresenta duas entradas para metro-: uma latina e a outra
grega, a segunda para servir de radical a "metrônomo". Essas diferenças não inte-
ressam a este trabalho nem interferem na análise a ser desenvolvida, pois, pelos
dois caminhos, o substantivo metro circula livremente na língua como unidade de
medida (não necessariamente decimal), sentido esse que serve de base para suas
diversas especializações técnicas, a exemplo de "metro quadrado", "metro cúbico",
"metro padrão" e, até mesmo, para servir de unidade de versificação, sendo esse
o mesmo sentido básico que propicia as extensões futuras.
3
De acordo com a Wikipédia: a enciclopédia livre (2001), metro é uma unidade de dis-
tância que se define como o comprimento da trajetória percorrida no vácuo pela luz
durante um intervalo de tempo que corresponde à fração 1/299792458 de segundo. A
primeira definição do metro tinha como referencial o meridiano e surgiu com o matemá-
tico Gabriel Mouton, em 1670. O termo firmou-se apenas durante a Revolução Francesa
(final do século XVIII). Hoje, metro é uma unidade de medida que corresponde a 100
centímetros.
— 262 —
Ligando o morfômetro: análise morfossemântica das construções com -metro no português do Brasil |
(03)
Século Forma de ingresso na língua Exemplos
centímetro
Empréstimos diretos do francês e do italiano (sobretudo) por conta barômetro
XIX-XX da nomenclatura técnico-científica e filosófico-literária, calcada altímetro
nos padrões de formação chamados de clássicos (greco-latinos) aerômetro
polímetro
ciclômetro
Formas criadas em português a partir de bases presas greco-latinas
hidrômetro
– palavras manufaturadas (intencionalmente planejadas) utilizadas
XX odômetro
em linguagens de especialidade (eruditismos)
pluviômetrotermô-
metro
olhômetro
Formas criadas em português a partir de bases livres (palavras) – desconfiômetro
XX-XXI formações mais espontâneas (menos técnicas) e de uso mais geral mancômetro
(fora da esfera técnico-científica) beijômetro
impostômetro
— 263 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR
4
Essa palavra, cujo significado é "verso que apresenta métrica maior que a dos demais"
(AULETE..., 2009), é a única do corpus com uma consoante precedendo a forma -metro.
5
Essa é a principal acepção de -metro até o início do século XX, caracterizando cerca de
85% dos dados, segundo pesquisa de datação realizada nos dicionários etimológicos já
referenciados.
— 264 —
Ligando o morfômetro: análise morfossemântica das construções com -metro no português do Brasil |
(05)
[a] [e] [i] [o]
litômetro
decâmetro decímetro aerí-
nefômetro
diâmetro gigâ- marêmetro metro algímetro
optômetro
Exemplos metro rotâmetro telêmetro conímetro
pugliômetro
voltâmetro dasímetro
sismômetro
Dados/
16/307 02/307 39/307 260/307
Total
Percentual 3,9% 0,6% 12,7% 82,8%
O que se percebe, com essa breve história de -metro nas estruturas morfoló-
gicas do português, é a fixação de um padrão: a vogal precedente, outrora impre-
visível,7 passa a ser sempre [o], que faz parte do esquema de formação de nomes
instrumentais tanto quanto o elemento seguinte. Dito de outra maneira, essa
vogal é, hoje, parte integrante da construção morfológica utilizada para formar
nomes de aparelhos responsáveis por algum tipo de medição, como os elencados
em (06).
Em termos de categorização, o que devemos fazer com as formas instru-
mentais X-ômetro? Continuamos afirmando que formam compostos eruditos
6
Rastreamos, das fontes indicadas, um total de 436 formações X-metro. Para calcular
os resultados da tabela em (05), levamos em conta apenas as palavras com entrada na
língua até a década de 1950, ou seja, 307 itens lexicais. As 121 restantes, muitas das quais
nem constam dos dicionários eletrônicos utilizados, são todas de base livre e ingresso
recente na língua.
7
A exemplificar tal fato, o instrumento "taquímetro" é preferentemente referenciado
como "tacômetro", como registra a Wikipédia: a enciclopédia livre (2001).
— 265 —
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(08) métrico
metragem
metrificar
metria
8
Em linhas bem gerais, afixoides são elementos morfológicos semelhantes aos afixos, no
que diz respeito à posição e à produtividade, diferindo desses constituintes por apre-
sentar uma forma livre correspondente. São também denominados de pseudoafixos
(SCHMIDT, 1987), semiafixos (MARCHAND, 1969), ou semipalavras. (SCALISE, 1984)
9
Na citação, Sandamann (1989, p. 114) se refere ao formativo -mania, mas o trecho em
questão serve bem à descrição de -metro.
— 266 —
Ligando o morfômetro: análise morfossemântica das construções com -metro no português do Brasil |
10
Nesse esquema, baseado em Booij (2010), base e produto são indexados pelos sím-
bolos V e S, respectivamente, que representam a classe dos verbos e dos substantivos.
Os subscritos i e j indicam que tanto a base quanto o produto fazem parte do léxico.
— 267 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR
[ [passea] Vi dor ] S j
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Ligando o morfômetro: análise morfossemântica das construções com -metro no português do Brasil |
— 269 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR
É exatamente esse o caso que ocorre na relação entre a forma livre metro e o que
podemos chamar de neossufixo -ômetro.
Em "centímetro", metro é a medida linear dividida em cem partes. Então,
nessa palavra, o constituinte metro reflete o mesmo referente que pode ocorrer
também como forma livre em sentenças como "Comprei dois metros de tecido (ou
seja, 200 centímetros)". Nesse caso, centi- é determinado e -metro, determinante.
Tal uso, entretanto, vai paulatinamente se abstratizando e se conjugando a outros
parâmetros, além de unidade de medida linear, somado à inversão da relação
determinado/determinante.
Voltando ao quadro em (03), vemos que, na primeira célula, há itens que
exibem esse valor; portanto, a pesquisa etimológica revela que, nessas palavras,
metro era mesmo a unidade de medida básica para o artefato – como, por exemplo,
em "milímetro" e "quilômetro" –, mas essa utilização de metro foi sendo associada
a outros parâmetros, como em 'barômetro', "instrumento de medição de pressão
atmosférica", e, em consequência, "da altura a que alguém se eleva". Altura é uma
medida linear, mensurável por metro, mas já está subfocalizada em razão de sua
associação à pressão atmosférica.
Tal conjugação de metro a outros fatores vai ocorrendo na nomeação de
objetos que se encontram na segunda célula do quadro em (03), como em 'plu-
viômetro', instrumento de meteorologia usado para "recolher e medir, em milí-
metros lineares, a quantidade de líquidos ou sólidos (chuva, neve, granizo) preci-
pitados durante um determinado tempo e local". (AULETE..., 2009, p. 433)
Esvaziamento maior do significado de metro se dá em "termômetro", apa-
relho usado para medir a temperatura ou as variações de temperatura. O termô-
metro, como se sabe, é um instrumento composto por uma substância que possui
propriedade termométrica, isto é, que varia de acordo com a temperatura. Sua
medida se dá em uma escala que reflete graus de outra categoria, frequentemente
Celsius ou Fahrenheit. Em termos semânticos, o desbotamento de metro aumentou,
passando a palavra a equivaler à escala de medida. Observa-se, já aqui, a abstrati-
zação do constituinte à esquerda.
Como lembra Lichtenberk (1991), assumindo postura teórica tipicamente
cognitivista, os significados dos elementos linguísticos não são meros reflexos das
propriedades dos fenômenos que designam; expressam a conceptualização de
fatos e os termos em pauta, sobretudo os formados por manufaturação, designam
— 270 —
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(10)
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O QUE É O SALARIÔMETRO?
"O salariômetro utiliza informações fornecidas pelo Ministério do Emprego
para calcular o salário médio dos contratados com o mesmo perfil indicado
na sua consulta. Para os trabalhadores residentes no Estado de São Paulo,
o salariômetro calcula o salário médio na Região de Governo do município
indicado pelo interesado". (O QUE..., 2013)
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Ligando o morfômetro: análise morfossemântica das construções com -metro no português do Brasil |
SEXÔMETRO
Anel peniano conta o número de penetrações durante o sexo
"Produto está à venda no Reino Unido. Ele custa 9,99 euros (cerca de R$ 30)
e possui um contador que controla o número de entra-e-sai". (ANEL..., 2009)
TESÔMETRO
Tesômetro – saiba qual é a temperatura da sua relação
O tesômetro é feito todo em vidro e pode ser encontrado em diversas cores.
Um detalhe curioso é que a peça tem formato de banana e até os famosos
pontinhos pretos são reproduzidos. Para usá-lo não há necessidade de colocar
pilhas nem outro tipo de bateria. O tesão já basta! (TESÔMETRO..., 2011)
— 273 —
| LINGUÍSTICA COGNITIVA: REDES DE CONHECIMENTO D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR
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Ligando o morfômetro: análise morfossemântica das construções com -metro no português do Brasil |
11
Título da matéria do jornal O Globo, Seção Esportes, de 12 jan. 2012.
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Título da matéria do jornal O Estadão, Seção Economia, de 18 dez. 2012.
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Ver comentário em: <http://meninastemvagina.blogspot.com.br/2009/08/acho-que-es-
tou-perdendo-meu-bichometro.html>. Acesso em: 25 nov. 2017.
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(12) olhômetro – mecanismo perceptual que mede algo com o aparato da visão;
desconfiômetro – mecanismo perceptual que deve ser "ligado" para
avaliar as situações;
bichômetro – percepção do grau ou da constatação da homossexuali-
dade de alguém;
simancômetro – reação necessária a quem não tem percepção ade-
quada a determinada situação, ou seja, não toma "simancol"– origi-
nário da expressão "se mancar" –, termo cunhado em referência a um
"remédio" (daí o -ol) usado para evitar situações constrangedoras.
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Ligando o morfômetro: análise morfossemântica das construções com -metro no português do Brasil |
Considerações finais
Booij (2010) mostra que as unidades linguísticas são estruturas simbólicas con-
vencionais. Desse modo, não há diferença substancial, por exemplo, entre pala-
vras derivadas (sapat-eiro), compostos (baba-ovo) e expressões semiabertas (dar
uma X-da), uma vez que todas essas unidades, que são complexas, "podem, igual-
mente, ser analisadas em suas estruturas de formação por meio de esquemas cons-
trucionais, desde os mais especificados, como [[Xizar]v-ção]n até os mais abs-
tratos como [N-N]n". (BASILIO, 2010, p. 21)
Não foi objetivo deste trabalho mostrar os processos figurativos que
ocorrem nas diversas instanciações morfológicas em que metro é constituinte.
Na realidade, partimos da ideia, bastante bem assentada na Linguística Cognitiva,
de que processos como a metáfora e a metonímia existem na literatura porque
existem na linguagem cotidiana. (LAKOFF; JOHNSON, 1980) O objetivo foi
mostrar que
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Referências
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Na literatura, o termo tem duas acepções, reportando-se a (a) truncamentos que
remetem, metonimicamente, ao significado da palavra complexa de origem e não
concorrem com nenhuma palavra pré-existente (DUARTE, 1999, 2008); ou (b) ele-
mentos ressemantizados que, necessariamente, coexistem com uma palavra da língua.
(SANDMANN, 1989, 1992) Neste artigo, estamos nos referindo à segunda acepção do
termo.
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Ligando o morfômetro: análise morfossemântica das construções com -metro no português do Brasil |
BEIJÔMETRO – aparelho que acusa mau hálito lançado nos Estados Unidos da
América faz maior sucesso. Civitate, Rio de Janeiro, 2 fev. 2009. Disponível em: <http://
coronelbessa.blogspot.com.br/2009/02/beijometro-aparelho-que-acusa-mau.html>.
Acesso em: 25 nov. 2017.
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BROWN, P. Language as a model for culture: lessons from the cognitive sciences. In:
FOX, R. G.; KING, B. J. (Ed.). Anthropology beyond culture. Oxford: Berg, 2002.
p. 169-192.
DICIO: Dicionário Online de Português. [S.l.: s.n.], 2009. Disponível em: <www.dicio.
com.br/>. Acesso em: 25 nov. 2017.
DORIGO, C. Fonologia Matsés – uma análise otimalista. 2002. 172 f. Tese (Doutorado
em Linguística) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2002.
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Ligando o morfômetro: análise morfossemântica das construções com -metro no português do Brasil |
(O) QUE é o salariomêtro? Dape Software, São Paulo, 29 jan. 2013. Disponível em:
<http://forum.dape.com.br/NonCGI/Forum2/HTML/001147.html>. Acesso em: 25
nov. 2017.
TESÔMETRO – saiba qual é a temperatura da sua relação. Vila Mulher, São Paulo, jan.
2011. Disponível em: <http://vilamulher.uol.com.br/sexo/tesometro-saiba-qual-e-a-
temperatura-da-sua-relacao-16543.html>. Acesso em: 25 nov. 2017.
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Sobre os autores
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Iraide Ibarretxe-Antuñano
Doutora em Linguística pela Universidade de Edimburgo, Reino Unido, e
Professora Titular da Universidad de Zaragoza, onde atua na Pós-Graduação do
Departamento de Linguística Geral e Hispânica.
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Sobre os autores |
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Formato 18 x 25 cm
Alcalino 75 g/m2
Papel
Cartão Triplex 300 g/m2 (capa)
Impressão Edufba
Capa e acabamento Gráfica 3