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Diálogos
Linguísticos

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ISBN: 978-85-7745-535-5

Diálogos
Linguísticos

Hercilio de Medeiros
Keila Gabryelle Leal Aragão
(Organizadores)

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©2012 – Todos os direitos reservados.

Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem


autorização expressa dos autores e dos organizadores.

Capa: Alexsandro M. Fernandes


Editoração e preparação dos originais: Hercilio de Medeiros, Keila
Gabryelle Leal Aragão e Alexsandro M. Fernandes.

Os artigos e suas revisões são de responsabilidade dos autores.

D536 Diálogos linguísticos [recurso eletrônico]/ Hercílio de Medeiros e Keila


Gabryelle Leal Aragão (organizadores). - - João Pessoa: Editora da
UFPB, 2012.

137p. ; il.
Obra disponível em DVD.
ISBN:978-85-7745-535-5

1. Linguística. 2. Leitura. 3. Linguagem. I.Medeiros, Hercílio de.


II.Aragão, Keila Gabryelle Leal.

UFPB/BC CDU: 801

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Apresentação

Onireves Monteiro de Castro

A multiplicidade de textos que compõem o livro Diálogos Linguísticos


parecem demonstrar um das muitas especificidades teóricas da era contemporânea:
a heterogeneidade de informações que se complementam no Carrefour de teorias
que vão da ordem interativa da educação a distância aos pressupostos linguísticos e
discursivos estudados pontualmente no século XXI.
Os pontos de vistas múltiplos também determinam uma composição
substancial dos elementos conceituais com que cada autor constitui o tratamento de
seu pensamento.
Assim, o livro Diálogos Linguísticos, além de explicitar, mesmo que
teoricamente, uma série de concepções variadas sobre aspectos integradores
didáticos e linguísticos, estabelece novas incursões nos planos da leitura em geral.
A sua composição estrutural está montada de forma a dar, num plano
contínuo, a apresentação dos trabalhos do modo como os seus autores
originais os produziram. Assim, o livro Diálogos Linguísticos, inicialmente, dar a
conhecer sobre alteridade e heterogeneidade. Os autores, neste caso,
sugerem que os textos são materialidades a partir das quais os sujeitos se
manifestam em processos de interação. Em tal caso, o artigo Considerações
sobre texto e sentido: alteridade e heterogeneidade, busca apresentar uma breve
discussão sobre os aspectos de construção de sentido implicados para a
análise de conteúdo discursivo, a partir do que consideramos chamar a
manifestação lingüística humana ou, mais precisamente, o resultado das
práticas sociais de interação cotidianas por meio da língua.
Por sua vez, o artigo intitulado Reflexões sobre Concepções de Leitura nos
Documentos Oficiais e nos Discursos dos Professores, apresenta um perfil
docente específico do Ensino Médio, na condição de formador de sujeitos leitores.
Essa condição perpassa os ditames veiculares da leitura de documentos oficiais e a
do discurso do educador.
Seguindo a ordem estabelecida o artigo Construindo a Argumentação: uma
proposta de análise semântica de enunciados publicitários, prece querer
demonstrar a relevância dos operadores argumentativos na construção de sentido
do texto/discurso. O trabalho também tende a explicitar ser necessária a inserção

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dos recursos discursivos no que concerne ao ensino de língua materna na Educação
Básica.
A L1 como Mediadora da Aprendizagem de L2 é um texto no qual o se
autor pressupõe que o quadro atual do ensino e aprendizagem de Língua
Estrangeira se caracteriza pelo esquecimento dos aspectos cognitivos e rejeição de
L1 na sala de aula de L2. Fundamentado em uma visão sociointeracionista
deVygotski, mostra a relação entre pensamento e fala no processo de aquisição de
uma determinada língua.
A leitura e a consequente interpretação de textos têm recebido muitos
tratamentos em função dos múltiplos estudos sobre elas. Em O discurso
sacralizado e a supremacia da leitura as autoras buscam determinar os
implicativos formais que determinam a importância da leitura enquanto definidora de
papeis socioculturais dos sujeitos alunos e ponte para os processos de ensino e
aprendizagem. Zilberman (2009), Orlandi (2009), Abreu (2009), Chartier (1999),
Sousa (2008, 2009, 2010) são referenciais a partir dos quais as autoras, também
determinam a importância e a representativa da leitura pela escola.
Em A Leitura da Cidade do Rio de Janeiro Através das “Charges-
cartunescas” e suas Implicações Sociais, o autor tem o objetivo de demonstrar
como a leitura da cidade do Rio de Janeiro é realizada através deste tipo de charge.
Na verdade, discute-se as suas implicações sociais, especialmente relativas a
violência como exposta na mídia.
No artigo intitulado Luz, Câmera, Ação: o espetacular está no ar, o seu
autor investiga o processo de espetacularização da mídia impressa sobre a imagem
do Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O trabalho é estabelecido a partir da
análise de capas da Revista Veja, como publicadas ao longo do ano de 2010. O
autor chama atenção para o fato da existência de mecanismos de pressuposição
que marcam as instâncias da comunicação e do poder.
Por seu turno, em A Língua Escrita nos Livros Didáticos de Português
Língua Estrangeira (PLE) Hoje, o autor demostra os processos percorridos para a
efetiva análise de um livro didático de português como língua estrangeira, buscando
determinar se as atividades propostas para o desenvolvimento da escrita estão, de
fato, elaboradas para motivar o aluno na produção de leitura e de textos.
As áreas de interesses aqui são, de fato, amplas e contemplam aos mais
variados campos da atividade verbal, especialmente, as de referência acadêmica ou
àquelas cujas noções circunscrevem o texto em seu entorno de estudo
teórico/prático. Assim é que o material disponível neste livro será de valia para
fomentar novas descobertas sobre a língua, a linguagem e as múltiplas
possibilidades de seu uso irrestrito.

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Sumário

CONSIDERAÇÕES SOBRE TEXTO E SENTIDO: ALTERIDADE E


HETEROGENEIDADE
ALDRIGUE, Ana Cristina de Sousa / CASTRO, Onireves Monteiro de
/ DE MEDEIROS, Hercílio 09 a 21
REFLEXÕES SOBRE CONCEPÇÕES DE LEITURA NOS DOCUMENTOS OFICIAIS
E NOS DISCURSOS DOS PROFESSORES
ARAGÃO, Keila Gabryelle Leal / FERREIRA, Ayanne Mayelle da Silva 22 a 33
CONSTRUINDO A ARGUMENTAÇÃO: UMA PROPOSTA DE ANÁLISE SEMÂNTICA
DE ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS
SOUZA, José Wellisten Abreu / FERRAZ, Mônica Mano Trindade 34 a 49
A L1 COMO MEDIADORA DA APRENDIZAGEM DE L2
GOMES, Almir Anacleto de Araujo 50 a 65
O DISCURSO SACRALIZADO E A SUPREMACIA DA LEITURA
FERREIRA Ayanne Mayelle da Silva / ARAGÃO, Keila Gabryelle Leal 66 a 81
A LEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO ATRAVÉS DAS
“CHARGES-CARTUNESCAS” E SUAS IMPLICAÇÕES SOCIAIS
LIMA, Isabella Cristina Amorim de Lucena / FERNANDES, Alexsandro Marcelino 82 a 91
LUIZ, CÂMERA, AÇÃO: O ESPETACULAR ESTÁ NO AR
SOARES, Magnay Erick Cavalcante / GOMES, Jailson de Lucena
/ CASTRO, Onireves Monteiro de 92 a 106
A LÍNGUA ESCRITA NOS LIVROS DIDÁTICOS DE PORTUGUÊS LÍNGUA
ESTRANGEIRA(PLE) HOJE
PRAXEDES, José Gualberto Targino 107 a 119
ELOS DE UMA MESMA CORRENTE: UM BREVE PERCURSO DA LINGUÍSTICA
E A INTERDISCIPLINARIDADE NO SÉCULO XX
FREITAS, Mauriene Silva de / MENDONÇA, Greciane Pereira 120 a 137

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CONSIDERAÇÕES SOBRE TEXTO E SENTIDO: ALTERIDADE E
HETEROGENEIDADE

ALDRIGUE, Ana Cristina de Sousa (Proling/UFPB)1


CASTRO, Onireves Monteiro de (UFCG)2
DE MEDEIROS, Hercílio (PROLING/TLB/UFPB)3

RESUMO:
O nosso objetivo é apresentar uma breve discussão sobre os aspectos de
construção de sentido implicados para a análise de conteúdo discursivo, a partir do
que consideramos chamar a manifestação lingüística humana ou, mais
precisamente, o resultado das práticas sociais de interação cotidianas por meio da
língua. As nossas considerações repousam em linhas teóricas de suporte único. Não
está dissociada da lingüística e da disciplina de Análise do Discurso ou mesmo de
arquétipos psicológicos comuns aos princípios de análise, pois a língua é a
materialidade a partir da qual os discursos e as análises possíveis poderão ser
inferidas. Autores como Scheller (1966), Bakhtin (1992), Schneuwly (2004), Goffman
(1975/1988) e Authier-Revuz (1990) pontuarão as nossas impressões sobre as
formas de representação a que nos referimos como tipos de gêneros manifestos em
textos (orais e/ou escritos), através dos quais os sujeitos (mesmo assujeitados)
produzem e reproduzem as práticas sociais: representam-se nas manifestações da

1
Graduada em Licenciatura Em Língua Portuguesa pela Universidade Federal da Paraíba, mestrado em
Linguística pela Universidade Federal de Pernambuco e doutorado em Linguística e Língua Portuguesa pela
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Atualmente é professora associada da Universidade
Federal da Paraíba. Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em Análise do Discurso, atuando
principalmente nos seguintes temas: heterogeneidade, identidade, tradição discursiva e ensino.
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Graduado em Letras, Pós-Graduado em Metodologia do Ensino Superior e doutorado em Letras (Língua
Portuguesa e Linguística) pela Universidade Federal da Paraíba. Atualmente é professor da Universidade
Federal de Campina Grande. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em língua materna e linguística,
atuando principalmente nos seguintes temas: educação - leitura - escrita, letramento; ensino - educação,
discurso, linguística e alteridade.
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Mestrando em linguística pelo PROLING/UFPB, especialista em Educação a Distância (SENAC), graduado em
sistemas para internet (FATEC) e licenciando em Letras LIBRAS (UFPB). Atualmente é tutor orientador no curso
de letras virtual (CLV/UFPB).

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alteridade (Cf. BRAIT, 2001). Se a dimensão da interação é estabelecida na
reciprocidade, pode-se inferir que a sua forma é comunitária (de comunidade). Por
sua vez, se a interação implica união dos indivíduos para um fim determinado
(incluindo produção, laser, estudos, dentre outros), ou um aspecto no qual o
indivíduo não se relaciona com a totalidade de seu ser (a lei, um estatuto, um
contrato, a escolha de um dirigente, etc) a dimensão é de sociedade (eu social).

Palavras-chave: discurso, alteridade, heterogeneidade

INTRODUÇÃO
O nosso propósito na composição do presente artigo é o de apresentar uma
breve discussão sobre os aspectos de construção de sentido implicados para a
análise de conteúdo discursivo, a partir do que consideramos chamar a
manifestação lingüística humana ou, mais precisamente, o resultado das práticas
sociais de interação cotidianas por meio da língua.
A construção do nosso pensamento não repousa em uma linha teórica de
suporte único. Não está dissociada da lingüística e da disciplina de Análise do
Discurso ou mesmo de arquétipos psicológicos comuns aos princípios de análise,
pois a língua é a materialidade a partir da qual os discursos e as análises possíveis
poderão ser inferidas. Assim, é, antes de tudo, uma compilação de pequenos
recortes de uma organização textual já internalizada a partir da nossa percepção
mais pontual com abordagens e fundamentos diversos já cristalizados em estudos
anteriores sobre Análise do Discurso.
O nosso trabalho é eminentemente teórico. Por certo, é de natureza
transdisciplinar porquanto admite a percepção do tema em vias de correntes de
pensamento complementares para o tratamento formal da linguagem em termos de
sentido.
Por seu turno, e demonstrando interesse integrador entre aspectos
lingüísticos, sociais e culturais, tomamos por referência autores e obras sobre
Análise do Discurso de amplo conhecimento e utilização na academia para
demonstrar as nossas orientações e conceituações sobre heterogeneidade e
alteridade. Nesse sentido, o tratamento dado aos conceitos com os quais nos

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dispomos lidar incluirá a idéia, mesmo que superficial, de um sujeito (ou grupos) e
suas competências para o que chamamos aspectos usuais da língua.
Começamos por buscar tratar a língua como o esteio segundo o qual as
manifestações dos sujeitos na construção de saberes, suas trocas de informações e
outras ordens, são materializadas em função de um gênero textual ou mesmo de um
tipo específico e, ao qual o discurso adere e emerge quando interpretado.
Não vamos nos margear pelos princípios constitutivos e filosóficos
dimensionais do tratamento humano dado ao efetivo social da linguagem, mas do
humano como ser de cultura.
Assim, convém ressaltar a existência de concepções variadas sobre a linguagem,
válidas sem dúvida, mas que implicam ser ela uma atividade simbólica, pois é
constitutiva de signos lingüísticos e, portanto, uma instituição social humana.

OS TEXTOS, O QUE SÃO


O tratamento aqui estabelecido deverá manter-se no nível da construção de
sentido e, portanto, de uma discussão que é travada nos limites do que se tem como
texto e discurso e, especialmente, no esteio da transcendência humana em utilizar-
se desses elementos textuais e discursivos para fazer sentido.
O texto não é um amontoado de palavras que preenche um espaço numa
superfície material qualquer. Tampouco é uma massa acústica desordenada de
palavras e expressões sem sentido. Independe do número de palavras (se menos
ou mais). É, na essência, uma entidade de forma variável e sentido pleno, adequado
ao contexto de interação comunicativa.
Podemos considerar ainda que sejam estruturas complexas e dinâmicas
moldáveis aos processos e necessidades de representação do pensamento humano
para o contínuo comunicativo cultural e social de determinada comunidade.

O HOMEM – UM PRODUTOR DE TEXTOS


Nem todas as ciências humanas tratam o homem como objeto de estudo em
sua totalidade. Cada qual estuda, sim, um aspecto de sua realidade fundamental. Ao
que parece, o homem o homem sempre esteve ligado ao meio ambiente e
amplamente aberto ao mundo. Tal visão é um princípio fundado segundo o qual o
homem, como ser vivo, se inscreve num espaço com outro humano (outros, de fato).

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Trata-se de uma presença que é inerente ao ser vivo. Pode ocorrer em
sentido restritivo e introspectivo (no sentimento, nele mesmo), quanto em se
tratando do outro (na percepção) pode ser para ele. Scheller (1966) pontua que o
fato de tal percepção já é uma diferença singular, não somente por uma condição do
espírito, mas a sua autonomia em ração ao orgânico e à vida e, igualmente, no seu
próprio mundo interior.
Para começo de conversa é singular observar que a língua faz sentido a partir
do momento em que os seus usuários a empregam com finalidades específicas. A
noção aqui pontuada estabelece que a linguagem, como manipulada pelo homem,
não é se apresenta em bases de neutralidade. É implicada na organização dos
elementos sintagmáticos das mais variadas esferas de convívio sócio-cultural e,
assim, fruto da objetivação dos sujeitos que a manipulam (em termos de fala ou de
escrita) com determinadas finalidades.

OS GÊNEROS TEXTUAIS EM PROCESSO DE INTERAÇÃO


Os gêneros textuais são produtos pensados por sujeitos específicos e em
contextos igualmente específicos e, portanto, devem ser inferidos a partir de um
constitutivo humano de cultura, de ação de linguagem. Aqui estamos considerando
irrelevantes as considerações de primários e ou secundários, como se tem feito a
partir de Bakhtin (1992). A nossa discussão não implica determinar se existe maior
ou menor complexidade na emanação situacional na qual um ou outro gênero
emerge. Vale o princípio fundamental de interação a partir do qual o homem
interagem construindo sentido pela linguagem verbal humana.

Segundo Orlandi (op. cit. 2000, p. 15), “na análise de discurso, procura-se
compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico” e, portanto,
ocupa-se em determinar as regras que comandam a produção de textos verbais
humanos numa seqüência estruturada a partir de estratégias semânticas, sintáticas
e pragmáticas. Sendo a Lingüística a ciência que lida diretamente com a linguagem,
por sua vez, define técnicas e métodos mais apropriados a esta modalidade de
análise.
Mesmo assim, as noções entre texto e discurso têm conotações, por vezes
diversas, em se tratando do que convencionalmente se chama gênero. Por vezes,
sinônimo de discurso, por vezes sinônimo de texto. Vale ressaltar, a título de

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esclarecimento, que em a noção de gêneros textuais será aqui adotada para melhor
dar a conhecer o nosso objeto formal de discussão e, assim, segundo Marcuschi
(2002), são os gêneros textuais, em graus maiores e menores de suas
especificidades e funcionalidades, que permitem aos usuários interagirem entre si, a
partir do que a tradição histórica tem disponibilizado aos humanos na história.
Consideramos a forma escrita um modo peculiar de registro. Nos dois níveis, falado
e escrito, como atestado a partir de Schneuwly, Dolz e colaboradores, os gêneros
como condicionados aos princípios funcionais da linguagem decorrentes de seus
usuários, para “relatar, narrar, argumentar, expor e descrever ações ou
instruir/prescrever ações (2004, p. 60)”, parece ser a noção mais adequada aqui
adotada.
Por sua vez, o discurso, deve ser entendido como uma forma de ação social
decorrente, assim, de uma série de práticas de linguagem e, por certo, perceptível a
partir de um gênero. O discurso parece mesmo o sustentáculo de uma espécie de
poder de mão tríplice: representando a realidade de modos variados, os sujeitos
produzem e reproduzem conhecimentos e crenças, ao mesmo tempo em que,
estabelecendo também relações sociais, criam, reforçam e reconstituem as
identidades.
De outro modo, emerge como figurativo das práticas discursivas e sociais,
geralmente, manifestado através de um suporte lingüístico-textual. Na visão de
Foucault (1969, p. 153), tais práticas sociais de linguagem devem ser entendidas
como:

um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas


no tempo e no espaço que definiram, numa dada época, e para uma
área social, econômica, geográfica ou lingüística dada, as condições
de exercício da função enunciativa.

A partir do que postulava a semântica histórica no século XIX , assim como


das idéias dos formalistas russos nos anos 30 do século XX, surgem trabalhos mais
pontuais com vistas a discutir sobre a necessidade de se investigar o sentido para
além do texto, isto é, perceber como os sentidos se constituem e se manifestam nos
gêneros em uso.

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A exclusão da fala do campo dos estudos lingüísticos, como postulada nas
dicotomias saussureanas e, a colocação da língua, abstraída como sistema
sincrônico e homogêneo, gerou, na lingüística moderna, a partir das formulações de
Bakhtin (Cf. VOLOSHINOV, 1929), os primeiros passos de uma teoria do enunciado,
reclamando estudos que, na atual conjuntura das pesquisas lingüísticas, se
fundamentam na idéia da língua como fato concreto e social, “fruto da manifestação
individual de cada falante, valorizando dessa forma a fala” (BRANDÃO, s.d. p. 09).
Bakhtin, igualmente, aponta relações entre o signo ideológico e a consciência,
isto é, tende a considerar a palavra como sendo essencialmente ideológica, já que
“a ideologia manifesta-se por meio de signos e estes são sempre ideológicos”
(BAKHTIN, 1992, p. 31).
Aqui começa a incursão do sujeito no discurso (e na organização intencional
de seu dizer) e a situação na qual a materialidade perceptível para a realização
interacional é empregada para fazer sentido.
Para o estudioso russo, a interação verbal (a fala) é a realidade fundamental
da língua e, como tal, não pode ser analisada sem levar em consideração “a
situação imediata e o meio social mais amplo (que) determinam (...) a estrutura da
enunciação (ibidem, p. 32-34)”. A priorização da proposta bakhtiniana privilegia o
estudo da enunciação humana enquanto produto da interação língua/contexto.

INTERAÇÃO E REPRESENTAÇÃO DA ALTERIDADE

É coerente afirmar que a vida cotidiana nos apresenta um processo de


partilha independente de nossa vontade. O contato com os outros nos processos de
comunicação e interação, mesmo os não presentes fisicamente, acontecem na
sociedade. Numa biblioteca, por exemplo, a subjetividade de um autor (um outro)
pode ser manifestada através do texto lido e, em tal caso, tipificada como um padrão
cultural humano.
Face a face, a presença do outro em relação ao eu é manifestada por
sintomas e expressões. O outro está disponível para um eu em se tratando dos
conhecimentos e esquemas tipificadores da cultura na qual e a parir da qual a
interação é estabelecida. Assim, o eu se distingue do outro por razões de gênero
(homem/mulher), de papel/status (colega, pai, motorista, professor, etc), dentre
outras tipificações que garantes a intersubjetividade.

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O plano interacional de circulação dos discursos parece ser um arcabouço no
qual é possível identificar e explicar as representações das alteridades. A
convergência da Análise de Discurso, sobretudo a corrente sócio-interacional, como
vem sendo desenvolvida por muitos estudiosos, como Gumperz (1998), Goffman
(1975/ 1988), dentre outros, nos faz, igualmente, apontar para autores que enfatizam
o caráter negociativo da interação e de questões diversas envolvidas na
organização, funcionamento e significação do discurso.
A noção de interação aqui posta ultrapassa a visão intimista limitada entre um
e outro sujeitos interactantes (face a face) e se constitui em uma dialogização
interna do discurso, abrangendo uma orientação voltada tanto para outros discursos
como para o outro presente na interlocução.
Por alteridade podemos inferir o ser que se manifesta em relação a outro.
Mas dizer assim parece simples. Na verdade essa manifestação interativa é
observada em se tratando da diferença. Assim, como em Charadeau e Maingueneau
(2004, p.34), “o eu não pode tomar consciência do seu ser-eu a não ser porque um
não-eu que é outro, que é diferente”.
Tal noção aparece como diametralmente oposta à forma conceitual do que se
convencionou chamar identidade. De certo, é na distinção entre o que suponho ser
eu e não o outro que emerge a identidade. Não há consciência de si sem que exista
a consciência sobre o outro. Assim, na diferença entre um eu e um outro é que a
noção de sujeito pode ser considerada constitutiva.
De fato, em Análise do Discurso a idéia de alteridade implica também uma
noção segundo a qual o ato de linguagem é o mecanismo de interlocução e troca
entre os sujeitos que interagem. Isto quer dizer que existe um sujeito que comunica
(um eu, iniciador do processo de construção de sentido) e um sujeito que interpreta
(dialoga, é um tu e interpretante do sentido do ato de interação comunicativa). O
processo, não simétrico (cada qual desempenham um papel diferente), reclama os
dois para que o sentido seja como que co-construído. Essa construção é relevante
nos caso dos interactantes e traz a baia as suas representações históricas,
formações discursivas.
A formação discursiva dos sujeitos são figurações históricas do que foi
vivenciado por eles em suas comunidades discursivas. Nelas as informações
circulam do modo como os sujeitos se organizam e interagem nas redes dos
enunciados.

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Isto implica ao analista, por um lado, uma observação mais detalhada dos
modos de incursão dos sujeitos em práticas sócio-ideológicas contínuas. Eles se
representam mutuamente em seus discursos e, por si, mostram-se heterogêneos.

Na verdade a questão da representação está intimamente relacionada com as


situações comunicativas, isto é, o problema das representações (inclusive da
ideologia) é também dos fenômenos da linguagem. A ideologia está relacionada ao
contraste que estabelece entre universo reificado e consensual do conhecimento
hegemônico.

HETEROGENEIDADE
Para começo de conversa é preciso aceitar o fato de que a heterogeneidade
discursiva denota a presença de outros discursos como que inscritos dentro de um
mesmo discurso, seja ele qual for ou de que ordem for. Fala-se em heterogeneidade
mostrada e constitutiva.
Authier-Revuz (1990), a partir das bases estabelecidas com os postulados
bakhitinianos, foi quem postulou uma série de considerações teóricas sobre a
heterogeneidade mostrada e constitutiva, nas quais mergulhamos para tentar melhor
compreender as contextualizações discursivas, objeto do nosso estudo.
Authier, como anteriormente citada, opta por postular que a heterogeneidade
mostrada, que aqui nos importa mais relevantemente, subdividindo-a em três tipos:
a) aquela em que o locutor ou usa de suas próprias palavras para traduzir o discurso
de um Outro (discurso relatado) ou então recorta as palavras do Outro e as cita
(discurso direto);
b) aquela em que o locutor assinala as palavras do Outro em seu discurso por meio,
por exemplo, de aspas, de itálico, de uma remissão a outro discurso, sem que o fio
discursivo seja interrompido;
c) aquela em que a presença do Outro não é explicitamente mostrada na frase, mas
é mostrada no espaço do implícito, do sugerido, como nos casos do discurso indireto
livre, da antífrase, da ironia, da imitação, da alusão (Cf. MUSSALIM, 2001, p. 128).
Por sua vez, em Charadeau e Maingueneau (2004, p.261), a heterogeneidade
constitutiva diz respeito ao espaço do interdiscurso, isto é, “o discurso não é
somente um espaço no qual viria introduzir-se, do exterior, o discurso do outro”. É,
antes de tudo, um constituinte gerido na alteridade, “independentemente de qualquer

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traço visível de citação, alusão etc.” O interdiscurso é manifestado pela inter-relação
com as formações discursivas dos interactantes.
Especificamente, em Goffman4 (Op. Cit. 1975/ 1988), referência para o intento
de nossas considerações vem do fato de que, em seus trabalhos, tem apontado,
também, para estudos que denotam os papéis que os sujeitos articulam nas
estratégias comunicativas e, de que modo desempenham tais papéis, no processo
de produção e reprodução da identidade social na interação humana (self). Isto
permite uma ancoragem mais imediata em campos microlingüísticos (aqui, as
abordagens sociológicas), visando analisar as interações contextualmente situadas,
haja vista que os sujeitos dessas interações vão se alterando a partir do que é
apreendido em forma de consciência.

As posições dos sujeitos e, conseqüentemente, as suas representações,


quase sempre estão referendando aqueles discursos que se norteiam em práticas
discursivas primárias, incluindo-se os sujeitos considerados como históricos e
ideológicos - forma de localizar o sujeito frente ao processo de representação do
mundo, através do discurso e dos saberes socialmente partilhados.
Em situações face a face a intersubjetividade pode ser vista como a efetiva
relação de interação entre dois sujeitos, que interagem como tais, por meio de um
código. De certo, temos consciência de nós e dos outros no processo de interação.
O outro é objeto múltiplo de conhecimento e mediador, pois que permite ao eu se
descobrir como constitutivo.
Nas palavras de Bornheim (1971, p. 315) “o outro é, por princípio, aquele que
me vê”. Assim, mesmo na condição de objeto para o outro, se instaura o conflito, isto
é, a condição de ser-para-o-outro ou sujeito-objeto.

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A Sociologia de Goffman interessa a nossa perspectiva de Análise de Discurso, quando percebemos que o
trabalho deste antropólogo e linguísta ocupa-se de aspectos singulares dos discurso em circulação nos
contextos cotidianos. Como salienta Smart (1978, p.32) IN:.Sociologia, fenomenologia e análisemarxista: uma
discussão crítica da teoria e da prática de uma ciência da sociedade. Rio de Janeiro (1978), Goffman tem
procurado “mostrar, em perticular, a natureza da vida social. É uma sociologia para entender um mundo onde
a vida é um drama e homens e mulheres lutam para criar e projetar uma imagem convincente de seu ‘eu’ para
os outros. Ele procura mostrar a significação que rituais ostensivamente insignificantes têm para a preservação
não só da identidade, mas também de uma aparência de ordem social”. Igualmente, “trata da adaptação,
acomodação e da tentativa de impressionar, focaliza os conflitos e contradições experimentados por indivíduos
em contextos sociais, e que tentam exercer e preservar certa margem de controle sobre sua situação, apesar
das pressões exercidas por um sistema social dominador”.

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Na dimensão história o homem partilha da história coletiva. Manter-se vivo e
interiorizar sentidos para existir é um princípio humano que constitui a sua história.
As suas interações tecem a sua história inscrita com os outros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do que se considera, na filosofia humanista, o reconhecimento e a
produção de saberes, a subjetividade vai também sendo tratada como uma forma de
apreensão do real pela consciência. Há, como bem afirma Brandão (1998, p. 35)
“uma separação entre sujeito e objeto, tidos agora como termos independentes”.
De certo, o objeto considerado do ponto de vista exterior (exterioridade) passa
a ser o que é representado pelo sujeito e que, de certo modo, lhe conferem sentido.
A representação é compreendida aqui como uma espécie de operação interativa na
qual o sujeito se apropria do objeto mesmo heterogêneo e converte-o em idéia,
homogêneo à sua consciência.

Por outro lado, a partir da vinculação dos discursos com os sistemas


representacionais da língua, seja em quais níveis de analises, nos autoriza dizer
serem necessárias novas posturas para a análise e formulações teóricas que
abordem fatos de construção de sentido em gêneros textuais.
Assim, para explicar as relações de sentido no discurso: a questão da
subjetividade e da alteridade, não deverá ser estudada fora do contexto teórico da
Teoria das Representações Sociais (Cf. JODELET, 1998). Sob tal aspecto, a
ideologia é caracterizada pela sociedade como um conhecimento criado e
legitimado, sobretudo, pelo seu caráter científico. Os efeitos dessa ideologia, que
aparecem induzidos na memória, põem o nosso sistema representacional em estado
assimilativo e, a partir do qual, elementos novos vão se inscrevendo num contexto
de diálogos interacionais (outros discursos) e marcando o nosso mundo nas formas
de representação do dizer.
As formas de representação a que nos referimos são, na essência, tipos de
gêneros manifestos em textos (orais e/ou escritos), através dos quais os sujeitos
(mesmo assujeitados) produzem e reproduzem as práticas sociais: representam-se
nas manifestações da alteridade (Cf. BRAIT, 2001).

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Em Análise de Discurso a referência à Representação Social5 está
intimamente ligada à noção de interdiscursividade e de dialogismo como indicadas
na obra de Bakhtin. As representações denotam (nos sujeitos que constroem) uma
organização do real por meio das próprias imagens mentais vinculadas por um
discurso.
Em sentido mais antropológico e, considerando a relação com o outro, nos
interrogamos sobre a relação entre intersubjetividade e liberdade. Cremos, que
estudos na direção de explicar a relação dos sujeitos com as suas liberdades. Não
constitui nossa meta dar cabo da questão aqui posta, mas apresentá-la como
inerente aos pressupostos teóricos que lidam com as noções de eu e outro
(identidades e alteridades). Se a dimensão da interação é estabelecida na
reciprocidade, pode-se inferir que a sua forma é comunitária (de comunidade). Por
sua vez, se a interação implica união dos indivíduos para um fim determinado
(incluindo produção, laser, estudos, dentre outros), ou um aspecto no qual o
indivíduo não se relaciona com a totalidade de seu ser (a lei, um estatuto, um
contrato, a escolha de um dirigente, etc) a dimensão é de sociedade (eu social).
A liberdade seria uma ilusão do indivíduo que se imagina “um ser”? Se assim
o for, em que contexto real, então, podemos nos considerar integrantes da
comunidade e da sociedade ou mesmo da massa, e nos reconhecer como “a
gente”? Um bem pode ser partilhado por outros (bem comum simultâneo, p. e. bens
espirituais), mas cada um (co-possuidor) nem sempre pode dispor do que é
possuído comunitariamente. O encontro das consciências e a concretização das
liberdades precisam ser investigados do ponto de vista também dos direitos.
Não nos cabe aqui responder gora aos princípios aqui formulados. Instigamos
a pensar.

5
BRANDÃO, H. N. (1998) e MAINGUENEAU, D. (2004) tratam da questão da cãoresentação social, partindo
de pontos de vista distintos, mas complementares. De certo, colocam o estudodas representações sociais,
do ponto de vista da Psicologia Social, da Filosofia e da Pragmática, como importantes para o os estudos
em Análise de Discurso. Os trabalhos de Marin (1993) e Charaudeau (1997) darão uma ideia mais
específica ao campo das representações sociais do ponto de vista da Análise de Discurso.

19
REFERÊNCIAS
AUTHIER-REVUZ, J. Heterogeneidade(s) enunciativa(s). In: ORLANDI, E. P. &
GERALDI, J. W. Cadernos de Estudos Lingüísticos. Campinas: UNICAMP – IEL, n.
19, jul./dez., 1990.
_______________. Palavras incertas: as não-coincidências do dizer. Campinas:
UNICAMP, 1998
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________________. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1992.
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BRANDÃO, Helena H. N. Subjetividade, argumentação, polifonia: a propaganda da
Petrobras. São Paulo: UNESP, 1998.
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2001.
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Janeiro: LTC Ed., 1988.
GUMPERZ, John J. Discourse Strategies. Cambridge: Cambridge Univ. Press, 1982.
MAINGUENEAU, Dominique. Novas Tendências em Analise do Discurso. 2ª ed.,
Campinas, São Paulo: 1993.
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BEZERRA, Maria Auxiliadora; DIONISIO, Angela Paiva; MACHADO, Anna Rachel.
Gêneros textuais e ensino. 2. Ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.
MUSSALIN, F. e BENTES, A. M.(Orgs.). Introduçao à lingüística. Vol. 02.São Paulo:
Cortez, 2001.
ORLANDI, Eni Pulcinelli et alli. Vozes e Contrastes: discurso na cidade e no campo.
São Paulo: Cortez Editora, 1989.
PECHEUX, Michel. O Discurso: estrutura ou acontecimento. Trad. de Eni Pulcinelli
Orlandi.Campinas, São Paulo: Pontes, 1990.
SCHELER, Max. Die Stellung dês Menschen im Kosmos. Bern, 1966 (El Puesto Del
Hombre em El Cosmos. Buenos Aires: Losada, 1964).

20
SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim e colaboradores. Gêneros orais e escritos
na escola. Trad. de Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas: Mercado das
Letras, 2004.
SPINK, Mary Jane (Org.). O conhecimento no cotidiano: as representações sociais
na perspectiva da psicologia social. Brasiliense: São Paulo, 1993.

21
REFLEXÕES SOBRE CONCEPÇÕES DE LEITURA NOS
DOCUMENTOS OFICIAIS E NOS DISCURSOS DOS PROFESSORES

ARAGÃO, Keila Gabryelle Leal (PROLING/UFPB) 1


FERREIRA, Ayanne Mayelle da Silva (PROLING/UFPB) 2

RESUMO:
Este artigo, intitulado Reflexões sobre concepções de leitura nos documentos
oficiais e nos discursos dos professores, apresenta algumas reflexões acerca da
concepção de leitura professores, a fim de contribuir com a formulação de perfis dos
docentes em exercício no Ensino Médio e com a reflexão acerca desses sujeitos
leitores e formadores de leitores. Para tanto, do ponto de vista metodológico, o
trabalho de campo se caracterizou pela realização de entrevistas e questionários
com docentes de escolas públicas e privadas do município de João Pessoa. Os
objetivos específicos procuraram dar conta da concepção de leitura existente nos
documentos oficiais e no discurso do professor. Para a análise dos dados,
amparamo-nos em estudos desenvolvidos por Batista (1998), Lajolo (2008), Lajolo &
Zilberman (1998), Orlandi (1988), Sousa (2002, 2008, 2009, 2010) e nas
Orientações Curriculares Nacionais – OCNEM – (2006), no que diz respeito às
concepções de leitura e à formação do leitor. A partir dos dados, percebemos que o
professor recupera os vários discursos oficiais e naturalizados sobre o valor da
leitura, mas também revela-se um sujeito leitor que sempre está atualizando o
discurso de que lê mais por obrigação, em função de sua atuação profissional.

Palavras-chave: concepções de leitura; documentos oficiais e professor-leitor.

1
Licenciada em Letras - Língua Vernácula pela Universidade Federal da Paraíba (2011) e atualmente é
mestranda no Programa de Pós-Graduação em Linguística. Desenvolve pesquisas na área Linguística e Práticas
Sociais cuja linha de pesquisa é Discurso e Sociedade. Realiza atividades de Docência Assistida na mesma
instituição em que é bolsista, na disciplina Leitura e Produção de Texto I.
2
Licenciada em Letras pela Universidade Estadual da Paraíba; Especialista em Linguística Aplicada ao ensino de
língua materna pela Universidade Federal de Campina Grande; Mestranda em Linguística pela Universidade
Federal da Paraíba PROLING/UFPB.

22
INTRODUÇÃO

Chegando uma tarde vi Lúcia assustar-se e esconder sob as amplas


dobras do vestido um objeto que me pareceu um livro.
— Estava lendo?
— Não, estava esperando-o.
— Quero ver que livro era.
Meio à força e meio rindo consegui tomar o livro depois de uma fraca
resistência. Ela ficou enfadada.
Era um livro muito conhecido - A Dama das Camélias. Ergui os olhos para
Lúcia interrogando a expressão de seu rosto. Muitas vezes lê-se não por
hábito e distração, mas pela influência de uma simpatia moral que nos faz
procurar um confidente de nossos sentimentos, até nas páginas mudas de
um escritor. (ALENCAR, 1988, p. 69)

Em pleno século XIX, José de Alencar escreve Lucíola, um de seus romances


urbanos; as relações entre leitura e leitores neste século atravessaram caminhos
vários, diversificando-se entre diferentes formas que satisfaziam públicos distintos.
Mulheres tomadas pelas leituras proibidas necessitavam esconder-se para ler já que
essas leituras eram tidas como empecilho para a manutenção ou permanência da
moral vigente. Assim, a leitura do texto literário nem sempre foi compreendido como
um item de formação cultural, como é apresentada em muitos discursos recorrentes
que a colocam como um elemento indispensável à formação dos educandos e
educadores, ao mesmo tempo em que estabelece experiências que possibilitam
uma suposta transformação do sujeito leitor.
Em uma sociedade letrada, a leitura tem sido alvo de muitos debates, alguns
deles encontraremos inseridos nos vários discursos que circulam socialmente. É
certo que a leitura problematiza o mundo, incitando o leitor à reflexão, e propicia a
percepção de diferentes aspectos da liberdade. Mas, de que leitura estamos
falando? Esta será uma das questões que pretendemos esclarecer a partir dos
vários dizeres inseridos em nossa pesquisa.
Segundo Eni Pulcinelli Orlandi (1988, p.09), “A leitura [...] não é uma questão
de tudo ou nada, é uma questão de natureza, de condições, de modos de relação,
de trabalho, de produção de sentidos, em uma palavra: historicidade.” A partir desta
citação, podemos perceber todos os aspectos envolvidos no ato da leitura,
destacando que ela se afirma como momento crítico da “produção da unidade
textual, da sua realidade significante.”

23
Portanto, o desenvolvimento de práticas de leituras escolares é crucial para a
construção da competência leitora dos alunos. Orlandi (1988) acrescenta que a
leitura pode ser entendida como “atribuição de sentidos”, isto é, uma relação em que
o leitor não interage diretamente com o texto, mas com outros sujeitos ali existentes.
Assim, nessa relação de confronto, o leitor se constrói crítico à medida que
questiona o escrito, partindo de sua própria historicidade, como defende a autora.
Ao assumirmos uma perspectiva discursiva de leitura, algumas noções
passam a ser determinantes para o desenvolvimento deste trabalho. Nessa
perspectiva, o sujeito-leitor, seja ele professor ou não, possui suas especificidades e
sua história, assim, tanto o sujeito quanto os sentidos são determinados histórica e
ideologicamente, como defende Orlandi (1999)

NOS DOCUMENTOS OFICIAIS


A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – nº 9.394 de 20 de
dezembro de 1996 – estabelece o Ensino Médio como etapa final da Educação
Básica e no artigo 35, inciso III, defende: “[...] o aprimoramento do educando como
pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia
intelectual e do pensamento crítico”. Vemos, nesse artigo, um lugar para
possivelmente se pensar o papel da leitura na formação do educando.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (2000) falam em
ativação de conhecimentos de mundo durante o processo de leitura, ou seja, para
compreender o que lê, o leitor precisa buscar referências em seu conhecimento de
mundo: quanto mais amplo ele for, mais o leitor compreenderá o que lê.
Quando nos referimos às competências a serem alcançadas no ensino da
Língua Portuguesa, principalmente a competência leitora, observamos que os PCN+
(2002, p 42) explicitam o que se espera do aluno: “ [...] Identificar a ocorrência ou
predominância da denotação ou da conotação é essencial para garantir a eficiência
da leitura das realidades codificadas pela linguagem.”
Já as OCEM (2006, p.17) descrevem que “O sentido que produzimos para os
textos que lemos é, de alguma forma, efeito do foco que estabelecemos na/para a
atividade de leitura, o que dirige e condiciona nossos movimentos/gestos de leitor.”
Todos esses documentos oficiais citados retomam direta ou indiretamente discursos
teóricos sobre a leitura. Nesse sentido, vamos tentar explicitar esses discursos

24
retomando um pouco a discussão a partir do que apresentam algumas pesquisas,
ao falarem de outros momentos da educação.
No artigo Práticas de leitura na escola brasileira dos anos 1920 e 1930, de
Diana Gonçalves Vidal (1998), inserido no livro Modos de ler/ formas de escrever:
estudos de história da leitura e da escrita no Brasil, vemos que o ideal da escola
nova revela a organização de novas práticas discursivas em torno do livro e da
leitura, assumindo uma nova postura em relação ao uso escolar do livro. Sobre o
valor dado ao livro, nesse contexto, Azevedo (1933, apud VIDAL, 1998, p.90) faz a
seguinte afirmativa:
A ofensiva da educação nova contra o livro de leitura ou de texto tem
sido freqüentemente interpretada, por ignorância ou má fé, como
uma investida contra o livro e a cultura. Mas a verdade é que a
educação nova, longe de deprimir o valor do livro, o reabilita pela
‘nova função’ que lhe atribui, como um instrumento de trabalho. [...] o
livro escolar na educação renovada é um ‘instrumento de trabalho’ na
atividade total da escola [...]

A função renovada atribuída ao livro escolar coloca a leitura como um processo


imprescindível na formação cultural dos educandos e educadores, ao mesmo tempo em que
remete para experiências que possibilitam a crítica ao cotidiano em que estão inseridos.
Entretanto, é preciso estabelecer a relação dessa prática às esferas das políticas públicas
de leitura, da história da educação e do livro didático, à produção de outros suportes de
textos, além do livro.
No livro Leituras do Professor, organizado por Marildes Marinho e Ceris
Salete R. da Silva (1998), verificamos uma série de dados que exemplificam a
representação de que os professores são ‘não-leitores’, manifestada na imprensa,
em denúncia do baixo grau de letramento revelado por suas práticas de leituras ou
usos de escrita, como bem tratam os exemplos citados no decorrer de todo o livro.
Um dos textos publicados nesse livro é o de Antonio Augusto Batista (1998),
no qual encontramos alguns questionamentos sobre essa representação do docente
brasileiro. Segundo o autor, se houver o reconhecimento de que de fato os docentes
não são leitores, isto dificultaria a possibilidade do desempenho de suas atribuições
como formador de alunos leitores e sujeitos críticos.

Se essa representação do docente brasileiro é adequada, ler não


faria parte de suas necessidades cotidianas e não seria uma das
formas utilizadas por ele para construir um sentido para a realidade e
o estar no mundo. Não seria também um instrumento por meio do

25
qual ele buscaria conhecimentos e informações, seja como indivíduo,
como cidadão ou profissional. A realização de práticas de leitura não
lhe possibilitaria uma inserção no mundo da cultura escrita,
particularmente da cultura do impresso [...] (BATISTA, 1998, p. 26)

Em nossa pesquisa, corroboramos com a posição de Batista (1998) de que o


professor é leitor, principalmente, porque este se encontra inserido num espaço
escolar construído em torno de uma rede de práticas que faz uso intensivo de vários
recursos que exigem a leitura do escrito: o livro didático, os textos literários, livros
paradidáticos, os apontamentos no quadro-negro, as gramáticas e os livros
complementares, entre outros. Nesse sentido, ao enfatizarmos os professores como
foco do discurso, defendemos, seguindo Sousa (2008, p.4), que o docente é um
leitor que assume o papel de mediador da leitura ao desenvolver práticas que
conduzam o aluno nesse percurso.

NOS DISCURSOS DOS PROFESSORES


Como vimos, desde a LDB aos vários ditos recorrentes sobre a leitura, estamos
revivendo a cada instante uma solidificação dos discursos sobre a função da leitura,
aos quais estão submetidos, constantemente, a modelos históricos e sociais.
Iniciaremos, trazendo as falas naturalizadas com que é tida a função da leitura vista
em nossa análise. Essa naturalização, citada por Sousa (2009), decorre da
“valorização absoluta” da leitura, posta em circulação em várias instâncias sociais,
dentre elas, também na escola.
Assim, ao serem questionados sobre o significado da leitura em suas vidas, os
docentes revelaram:

E3: O que significa a leitura para você?


P2: Necessidade, necessidade.

P3: Pra mim uma fase de descoberta, né, eu acho que era um
primeiro passo pra você realmente escolher o que você quer porque
você sem leitura você não é nada, se você não tem uma boa leitura,
se você não tem uma boa escrita você não tem uma boa qualidade,
então, pra mim a leitura era tudo [...]

P3: A leitura é fundamental em todas as disciplinas, pois é por meio


da mesma que o indivíduo aprende a expressar-se melhor (quem
gosta de ler sabe falar bem).

Esses depoimentos podem ser resumidos no discurso de outra professora: “[...]


Quem não lê não pensa, e quem não pensa será para sempre um servo”4. Esse

3
Legenda:
E = entrevistador
P1, P2, P3 ...P15 = diferentes professores
... = pausa durante a fala / = truncamentos de fala
:: = alongamento de vogal [...] = trecho não apresentado
( ) comentários do entrevistador

26
discurso recupera o processo de naturalização do dizer de que fala Maria Ester
Vieira de Sousa (2009): observamos que, nesse último depoimento, os elementos
implícitos nos traduzem uma postura de distinção cognitiva entre os seres humanos:
o que pensa (lê) e o que não pensa (não lê). A prática do pensamento, segundo
essa professora, não teria alcance sem a leitura. Além disso, atentemos para a
leitura como uma forma de distinção social – o não escravo (aquele que lê) e o
escravo (aquele que não lê). Esse modo de conceber a leitura revelou-se
consensual entre os professores, daí porque se caracteriza como um discurso
naturalizado, aquilo sobre o qual já não mais se discute, conforme Sousa (2009).
Observemos alguns outros exemplos que contribuem para exemplificar essa
postura de “naturalização”:

P14: A leitura permite que todos descubram o mundo escrito a sua


volta e tentem atribuir significados e propósitos ao que lêem. Permite
também que todos aumentem seus conhecimentos, seu vocabulário
e expressões sobre o mundo que os rodeia.

P20: [...] vejo a leitura como um processo inacabado, constante e de


suma importância, para todos nós que vivemos numa sociedade
grafocêntrica que a todo momento esta nos cobrando respostas e
leituras de mundo.

Verificamos que muitos professores consideram a leitura como uma espécie


de “salvação” para o leitor, como algo que necessariamente modifica sua vida no
mundo. Pelos dados estatísticos, 100% dos professores entrevistados revelam
explícita ou implicitamente essa concepção.
Sousa (2009, p.1) destaca que subjaz, na concepção do professor, “[...] um
discurso naturalizado que mantém a leitura sob o manto do sagrado; outro que
afirma que o aluno não lê e ainda outro que coloca o prazer como condição sine qua
non da leitura”.
Quando questionada sobre o valor atribuído à leitura, a docente ratifica o
mesmo discurso assumido pelos professores anteriormente, contudo, o dado que
nos revela é novo à medida que assume o posicionamento de que o sujeito – sem a
leitura – não possui equilíbrio, não age e, talvez, não tenha condições necessárias

4
Pesquisamos esse enunciado na internet e encontramos uma referencia a Paulo Francis, jornalista, crítico de teatro e
escritor brasileiro.

27
para prosseguir com a vida, ou seja, como mesmo descreve o professor, é o “ponto
chave” da vida.

E: E hoje o que significa a leitura?


P3: Pra mim leitura hoje é primordial eu cobro muito de meus alunos
hoje, se você não tem uma leitura você não tem um equilíbrio, você/
é o primeiro passo pra você agir, pra você começar, pra você
prosseguir é a leitura, pra mim é o ponto chave de um aluno hoje é a
leitura.

Como apresenta Sousa (2009, p.2), essa postura descreve uma espécie de
incompletude do indivíduo que a todo instante precisa ser preenchido:

Implicitamente, todos eles recuperam a ideia de que algo falta ao


sujeito não-leitor e de que essa ausência pode se tornar presença
com a leitura. Autonomia, liberdade, bom desempenho social e
profissional, criticidade, criatividade, enriquecimento, cidadania
(palavra moderna que recobre todos os desejos), síntese de tudo que
o sujeito moderno deseja.

Precisamente, outros fatores que condicionam a nossa análise apontam para


um sentido de leitura que se revela em “degrau” para leitores, de forma que
representa a ascensão social desses indivíduos, representa prestígio e respeito
perante a sociedade. Dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil revelam que 1
em cada 3 brasileiros conhece alguém que venceu na vida “graças” à leitura; seja
alguém da família, um amigo ou alguém famoso. Isso revela que esse é um dizer
que já se encontra arraigado na sociedade. Vejamos o que diz P1:

E: O que significava a leitura para você?


P1: [...] hoje é ascensão, crescimento, desenvolvimento, respeito,
quando você tem leitura você é uma pessoa que lê e que tem leitura
de mundo consegue realizar leituras importantes você tem um certo
prestígio tem até aquele, né: livro instrumento de libertação. Então,
eu acho que a leitura te dá prestígio, te dá ascensão social é:: [...]

Mas, pensemos, a que leituras esses docentes estão se referindo, como bem
elencamos em nossa introdução? Seria qualquer leitura que promove ascensão,
prestígio, libertação? Não é preciso irmos muito longe para encontrar uma resposta
para a nossa questão, ela revela-se com a mesma docente, ao citar suas
preferências ou o que lê frequentemente:

28
E: O que você lê?
P1: Clássicos, romances, eu sou mais baseada em clássicos, por
exemplo, Machado de Assis, Manuel Antônio, todos eles assim::
clássicos pra mim hoje está em primeiro lugar porque é o que cai no
PSS, não é, é o que cai no ENEM, então, é o que a gente tenta
buscar baseado nos clássicos.

Não é qualquer leitura, mas sim, as leituras consideradas clássicas da


literatura brasileira. Contudo, esse não é um discurso comum. Verificamos que, em
dados mais gerais, o que se espera de leitura de professores são textos informativos
e, principalmente, formativos que sirvam para algo e contribuam para o lugar que
ocupa esse docente:

E: Hoje, como você se considera um leitor?


P3: Nós que somos professores, assíduos, não é? Porque professor
nunca para de estudar, professor nunca para de ler, professor nunca
para de descobrir, professor, então, como diz: “boa sorte para todos,
sucesso são para poucos [...]

O discurso apresentado pelo docente revela bem mais que uma postura sobre
a leitura, revela o que se deve esperar de um professor-leitor. Esse professor parece
querer reforçar a cobrança que incide sobre a função professor. Ou seja, espera-se
que esse sujeito leia sempre, leia textos e textos que, muitas vezes, não são do
interesse desse leitor, mas possuem uma importância intrínseca na função que ele
exerce como profissional das letras, conforme afirmam outros professores:

P1: A leitura se faz necessário em nossa vida diária, lemos para


obter informações, para nos orientarmos e divertimos. O professor
leitor tem que passar esse hábito para seus alunos.

E: Hoje, como você se considera um leitor?


P3: Esperto e desconfiado, né?Que com o tempo a gente tem de
desconfiar até do que a gente lê na universidade. Diferente de
quando a gente começou que a gente lê e acredita piamente em
tudo, depois a gente vê que não é bem assim.

P1: Olha:: ministrando em língua portuguesa é sempre pouco pra


quem estuda português, porque a gente não para de estudar e pra
quem ensina português a leitura tem que ser sempre constante,
então, hoje, hoje, no momento atual, para consolidar trabalho/ num
trabalho só aqui tem outras atividades e mais dois lugares, assim, o
tempo de leitura se resume bastante e a gente fica às vezes vivendo

29
das leituras anteriores e da prática do dia-a-dia, mas eu continuo
lendo bastante, eu acredito que... pra português ainda é pouco [...]

P5: Olha, eu trabalho três expedientes para fazer um salário


razoável, sabe, então isso desgasta muito a gente eu não sou uma
leitora assídua por causa disso, eu leio para trabalhar em sala
porque a gente tem que planejar a aula, mas a minha leitura, que é a
linguística, os livros que eu coleciono: Preconceito Linguístico, A
Norma Oculta, A língua de Eulália, então, esses livros todos que eu
tenho, Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire [...]

Certamente, os professores envolvidos com a importância da formação de


alunos leitores, como descrito nesse primeiro discurso, deparam-se, em algum ponto
do percurso, com uma questão primordial: como formar jovens leitores e o que
devem ler para esse fim? E como criar o hábito da leitura? Assumimos, aqui,
seguindo Sousa (2008 e 2009), que o gosto é algo inerente ao sujeito, algo que está
muito além da função e da capacidade docente ou de qualquer outro profissional da
educação.
Estes dizeres encontram-se amparados por algo que vai além de um mero
leitor. Remete para a prática de um “verdadeiro” professor-leitor, crítico e
questionador, “esperto e desconfiado”, como estabelece P3, capaz de utilizar a
leitura em favor de uma formação mais ou menos “completa”. Nesse sentido, a
universidade deveria garantir, além da aquisição e compreensão de conteúdos
dessa fase de ensino, essenciais para a contextualização dos conhecimentos
científicos, uma formação crítica e social para um professor que partirá do
pressuposto de que, uma vez “formado”, construirá um caminho mais acessível para
direcionar jovens leitores, proporcionando-lhe, segundo Galvão (1998, p.125), “[...]
parâmetros que lhe permitiam olhar o que cercava e o que até então fora construído
como mapa de referências, de novas formas.”
Galvão, descrevendo as práticas escolares na Paraíba (1890 – 1920),
expressa a contradição em que se insere a figura do professor:

Responsável praticamente por toda a ação educativa na época, o


professor era figura frequentemente exaltada por parte dos que
estavam à frente das instâncias públicas de educação. Ao mesmo
tempo, era também percebido como alguém sem condições de
desenvolver um trabalho profissional competente, em conseqüência
dos baixíssimos salários que recebia [...] (p.123)

30
Após tantas décadas, as relações que se instauram entre professor e escola
parecem ser as mesmas de tantos anos atrás. Nesse sentido, é possível estabelecer
uma relação entre o que diz Galvão e o que apresentam os outros enunciados
apresentados. A leitura nunca é demais para o profissional, ele sempre tem que
estar buscando, investigando, nas palavras de outro professor, deve ser um
professor-pesquisador: “[...] então, assim, para você alcançar o sucesso, professor
nunca para de estudar, ele nunca para de pesquisar, tem que ser um professor-
pesquisador, então, tem que ser uma leitura assídua.”
Todavia, conforme afirmam outros professores, essa postura torna-se um
impasse pelas condições de trabalho, principalmente, salariais: no exercício de sua
atividade, o docente necessita trabalhar em várias escolas ou tantos expedientes
para construir um “salário razoável”, diminuindo assim o tempo disponível para a
leitura ou, na maioria das vezes, restringindo suas leituras aos planos e à atividade
em sala de aula.
De qualquer modo, é preciso registrar que, ao serem questionados sobre a
frequência de suas leituras, esses professores revelam uma leitura assídua e, na
maioria das vezes, prazerosa, contrariando, mais uma vez, o discurso corrente de
que o professor não lê ou que lê pouco:

E: Você lê com freqüência?


P1: Todo dia, todo dia, literalmente.

P2: Você lê com freqüência? (todo dia, uma vez por semana, duas
vezes por semana?)
Umas duas ou três vezes por semana. Só não tenho tempo pra ler
por prazer, mas por obrigação, entre aspas, né, devido a vida
acadêmica mesmo.

P3: Eu leio com freqüência porque como eu trabalho com literatura,


então, eu tenho que está lendo constantemente, né, porque como
que eu posso exigir de meu aluno se eu não estou fazendo, então,
pra o aluno o professor sabe de tudo, mas nem de tudo o professor
sabe, então, cada dia ele tem que pesquisar, então cada dia ele tem
que estar lendo, cada dia ele tem que estar informado.

P5: Professor tem que ler toda hora, agora o que a gente gosta de
ler, não, eu leio todo dia.

P6: A leitura é diária, agora, assim, tem leituras e leituras, tem uma
leitura mais complexa, tem uma leitura mais... quando eu vou pro
dentista mesmo eu não vou ler nada complexo to morrendo de medo

31
de estar ali (sorrisos) de ajeitar alguma coisa, quando eu vou lê, eu
vou lê Caras uma coisa mais simples que não é preciso pensar
muito, mas quando eu estou em casa eu costumo ler uma leitura
mais complexa todo dia eu leio

P7: Leio todos os dias.

Vejamos que a leitura é frequente, principalmente, pela necessidade de atuar,


como destaca o professor 3, entretanto, são leituras vistas como obrigação porque
as leituras de que eles “gostam”, ou seja, as que leriam por puro deleite, essas são
tidas como algo não tanto frequentes, justificadas, em geral, pela falta de tempo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Procuramos discutir sobre as concepções de leitura e de leitor a partir do que
dizem os documentos oficiais. Nesses documentos, verificamos a preocupação em
desenvolver a competência leitora dos alunos na Educação Básica, tornando-os
sujeitos críticos e problematizadores do seu meio. Mas, apesar de todo o discurso,
acreditamos que esse é um trabalho lento e gradativo, tendo em vista os agentes
dessa ação, que pouco possuem de recursos e incentivos para desenvolver essas
habilidades nessa fase de ensino.
O professor concebe a leitura como algo edificante e indispensável,
destacando a leitura como um “Ato emancipador”, principalmente, no que diz
respeito ao exercício profissional. Contudo, por diversos motivos, constatamos, em
alguns discursos, que as leituras voltadas para o prazer muitas vezes são
“sacrificadas” pelas obrigações, já que muitos revelam a “necessidade” de se
manterem sempre atualizados para o exercício profissional.
De qualquer modo, ressaltamos, ao longo desse artigo, o fato de que os
professores são leitores e que é preciso redimensionar o discurso que diz o
contrário, como bem observamos aqui.

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SOUSA, Maria Ester V. de. Desnaturalizando o discurso sobre a leitura. Anais do
Congresso Internacional da Abralin, 2009.
______. Leituras de professores e alunos: entre o prazer e a obrigação. Trabalho
apresentado no Encontro Internacional Texto e Cultura, Fortaleza: UFC, 2008.
VIDAL, Diana Gonçalves. “Práticas de leitura na escola brasileira dos anos 1920 e
1930”. In: FARIA FILHO, Luciano M. de (org.). Modos de ler/formas de escrever:
estudos de histórias da leitura e da escrita no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica,
1998.

33
CONSTRUINDO A ARGUMENTAÇÃO: UMA PROPOSTA DE
ANÁLISE SEMÂNTICA DE ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS1

SOUZA, José Wellisten Abreu (PROLING-UFPB) 2


FERRAZ, Mônica Mano Trindade (PROLING-UFPB) 3

RESUMO:
Este trabalho tem por objetivo apresentar a relevância dos operadores
argumentativos na construção de sentido do texto/discurso e, consequentemente, a
necessidade da inserção de tais recursos como conteúdo programático, no que
concerne ao ensino da língua materna na Educação Básica. Inicia-se com uma
breve contextualização dos estudos semânticos, delimitando a Semântica
Argumentativa como aporte teórico, uma vez que é seu objeto o estudo das marcas
linguísticas que orientam argumentativamente o discurso, a partir da leitura de
DUCROT (1981 e 1987). Ainda nos aspectos teóricos, selecionam-se os operadores
argumentativos como os elementos norteadores para análise, vistos a partir de
KOCH (1992 e 2002). Em sequência, apresenta-se a análise, demonstrando o uso
dos operadores em quatro diferentes anúncios publicitários. Justifica-se o corpus
pelo fato de o anúncio publicitário ser um gênero textual, no qual se prevê alto grau
1
Este artigo consiste de adaptações, revisões e alterações a outro artigo intitulado: Em Busca das Marcas de
Argumentação: Uma Proposta de Análise Textual a partir dos Operadores Argumentativos, o qual foi
apresentado no II Seminário Nacional sobre Ensino de Língua Materna e Estrangeira e de Literatura (VII
SELIMEL) e publicado nos Anais do VII SELIMEL, Campina Grande-PB, UFCG, de 09 a 12 de agosto de 2011. CD-
ROM, ISSN: 2175-6481.
2
José Wellisten Abreu de Souza é licenciado em Letras - Língua Vernácula e Língua Francesa - pela
Universidade Federal da Paraíba (2010), especialista em Língua Portuguesa pela Fundação de Ensino Superior
de Olinda em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Linguística da UFPB (2011), atualmente, é
mestrando no Programa de Pós-Graduação em Linguística (PROLING-UFPB), desenvolvendo pesquisas na área
Linguística e Práticas Sociais cuja linha de pesquisa é a Linguística Aplicada. Atua como Tutor na Educação a
Distância pelo Curso de Letras-Virtual da UFPB desde 2010, onde também tem orientado trabalhos de
conclusão de curso. Realiza atividades de pesquisa voltadas para a Semântica e o ensino de Língua Portuguesa.
3
Mônica Mano Trindade Ferraz é graduada em Letras-Licenciatura em Língua Portuguesa pela UNICAMP,
especialista em Análise do Discurso pela PUCCAMP, mestre em Linguística Aplicada e doutora em Linguística
pela UFSC. Professora da Universidade Federal da Paraíba, atua na área de Língua Portuguesa e Linguística,
ministrando as disciplinas Linguística aplicada ao ensino de língua materna, Linguística aplicada ao ensino de
português como língua estrangeira e Semântica. Orienta projetos de pesquisa e extensão relacionados à
temática semântica e ensino de língua portuguesa. Produziu material didático para as disciplinas: Leitura e
Produção Textual (Unisul Virtual); Semântica (UFPB Virtual) e Estágio Supervisionado VI: vivência em língua
portuguesa no Ensino Médio (UFPB Virtual).

34
de argumentatividade. Assim, busca-se mostrar o quanto os operadores são
responsáveis por evidenciar as intenções de persuasão contidas nos enunciados.
Como considerações finais, discutem-se as possibilidades de aplicação desses
textos e desse tipo de abordagem analítica nas práticas escolares, com a finalidade
de proporcionar ao aprendiz da Língua Portuguesa a compreensão de que os
operadores argumentativos são recursos essenciais na constituição do sentido e na
força argumentativa da linguagem.

Palavras-chave: Semântica, Argumentação, Operadores, Ensino.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Como participantes do processo comunicativo, escolhemos maneiras de nos
comunicar, as quais podem se realizar sob diferentes formas de textos ou gêneros
textuais, determinados pelas situações de uso da linguagem. Para a construção
destes textos, usamos vários recursos linguísticos, dentre os quais os operadores
argumentativos podem ser considerados muito producentes, visto que, além de
garantirem a progressão textual, também marcam e evidenciam a argumentação nos
textos.
No tocante às relações argumentativas em um texto, vemos que este estudo
pode ser relevante se considerarmos que estas não são, muitas vezes, evidentes, o
que revela a grande importância dos elementos coesivos no processo de construção
argumentativa do texto, uma vez que eles apresentam um determinado enunciado, e
ainda preparam o interlocutor para uma determinada conclusão que o levará a
compreender o texto, perfazendo assim uma boa coerência.
Diante do exposto, será objetivo deste trabalho: a) traçar um panorama
sobre os operadores e inseri-los nos estudos da semântica argumentativa (seção 2);
b) apresentar a relevância dos operadores argumentativos na construção de sentido,
analisando a função destas marcas linguísticas no gênero anúncio publicitário
(seção 3); c) propor a necessidade de se inserirem tais recursos como conteúdo
programático, no que concerne ao ensino da Língua Portuguesa (seção 4); d)
algumas considerações finais (seção 5).

35
SEMÂNTICA ARGUMENTATIVA E OS OPERADORES.
Ao utilizarmos a linguagem, sempre buscamos alcançar uma meta e,
consequentemente, não produzimos enunciados de forma aleatória, pois, para que
nossas palavras conduzam o interlocutor, elas devem, necessariamente, explorar
seu aspecto argumentativo.
A teoria da argumentação ganha espaço na linguística a partir dos estudos
de DUCROT e ANSCOMBRE. É com estes autores que se dá a inserção da noção
de topos, ou seja, lugar argumentativo nos estudos referentes à língua.
Segundo ALMEIDA (2001), Ducrot, baseado na enunciação e em oposição
ao modelo tradicional de argumentação — em que a argumentatividade é
dependente dos fatos — propõe um modelo de semântica que considera a
argumentatividade como algo inscrito na própria língua: não falamos sobre o mundo,
falamos para construir o mundo e a partir dele tentar convencer nosso interlocutor da
nossa verdade. Então, o ato da enunciação tem suas funções argumentativas, ou
seja, leva o interlocutor a uma determinada conclusão ou a desviar-se dela.

A Teoria da Argumentação proposta por Ducrot e colaboradores


rejeita a concepção de língua como conjunto de estruturas e regras
independentes de toda enunciação e contexto, negando a ideia de
que a língua tem primeiramente uma função referencial e que o
sentido do enunciado se julgue em termos de verdade ou falsidade.
(NASCIMENTO, 2009, p. 15).

O ponto que podemos considerar central nessa produção embrionária e


inaugural de Ducrot, no tocante à argumentação, é que esta é intrínseca à língua.
Mais a frente, como suscita ALMEIDA (2001), Ducrot e colaboradores veem a
necessidade de reformular a teoria. Com esta reformulação, passa-se a hipótese de
que certas frases de uma língua possuem força ou valor argumentativo, ou seja, os
enunciados possuem uma intenção argumentativa, e isto é produzido graças aos
efeitos de sentido impressos pelos operadores argumentativos.
Para KOCH (2001), o encadeamento conferido ao texto pelos operadores
argumentativos expressa a orientação/direção do sentido (ou efeitos de sentido) que
estas marcas aferem à enunciação, concebendo-as como extremamente
importantes.
Portanto, ao adotarmos uma perspectiva semântico-argumentativa,
estaremos interessados em perceber quais mecanismos linguístico-discursivos

36
marcam a direção argumentativa dos gêneros textuais e, no caso de nosso trabalho,
destinaremos nossas análises ao anúncio publicitário.
Assim, na perspectiva da Semântica Argumentativa, Ducrot desenvolveu,
além dos operadores argumentativos, objeto deste trabalho, estudos sobre escalas
argumentativas e polifonia.
Segundo ILARI & GERALDI (2006), “a noção de escala argumentativa
explica certas escolhas, à primeira vista não-motivadas, que fazemos entre as
diferentes maneiras de construir as frases” (p. 82).
CAMPOS (2007) explica que esta escolha/oposição suscitada acima se volta
à descrição clássica ducrotiana dos operadores argumentativos “pouco” e “um
pouco”, os quais são opostos, posto que podem encadear-se em frases com “mas”,
tais como: Trabalhou pouco, mas [ao menos] trabalhou um pouco.
Essa explicação de Ducrot demonstra o sentido da noção de escalaridade,
pois entre ter trabalhado pouco e ter trabalhado um pouco parece haver um intervalo
ou mesmo uma oposição (sentido positivo e sentido negativo) que poderia ser
entendida como “não trabalhar” e/ou “ao menos ter trabalhado”, vejamos:

Ele trabalhou.
Ele trabalhou um pouco.
Ele trabalhou pouco.
Ele não trabalhou.

Essa “escolha” faria parte das instruções contidas na significação das


palavras que são responsáveis pela orientação argumentativa. Tais instruções estão
contidas na significação do que o autor chama de expressões argumentativas ou
operadores argumentativos – como “pouco” e “um pouco”, por exemplo, que
determinam o valor argumentativo dos enunciados em que aparecem.

O sentido do enunciado, [para DUCROT] ainda está relacionado com


a noção de polifonia. É essa noção que vai permitir que Ducrot
descreva as diferentes vozes que permeiam a enunciação e que
ficam, através de diferentes estratégias, materializadas no próprio
discurso. (NASCIMENTO, 2009, p. 17) [grifos nossos].

A acepção de polifonia é trazida por Ducrot a partir de Bakhtin, da análise


feita por este a respeito do discurso, da natureza dialógica da linguagem, por fim,

37
das relações polifônicas existentes no texto literário. É Ducrot quem amplia esta
noção, trazendo-a para o campo da linguística.
Muitas das vezes, os enunciados que produzimos, tanto na oralidade quanto
na escrita, não constituem ideias novas, mas uma nova maneira de dizer aquilo que
já nos foi dito, ou seja, uma fusão de ideias que já assimilamos e que refletem o
grupo ao qual pertencemos. Assim, quando discutimos algum assunto e
pretendemos convencer nossos interlocutores, acabamos utilizando argumentos já
citados por outras pessoas que defenderam a mesma ideia. A noção de polifonia (ou
múltiplas vozes) demonstra que o discurso também se constitui pela manifestação
de várias vozes/ditos/ideias que nos já foram ditas e que foram assimiladas.
Na próxima seção do artigo, abriremos espaço para os operadores
argumentativos. O nosso foco será mostrar a contribuição destas marcas linguísticas
a partir de textos, dentre os quais faremos o destaque para o anúncio publicitário.
Justifica-se o corpus pelo fato de este gênero congregar alto grau de
argumentatividade. Assim, buscar-se-á mostrar o quanto os operadores são
responsáveis por evidenciar as intenções de persuasão contidas nos enunciados.

SOBRE OS OPERADORES ARGUMENTATIVOS NOS TEXTOS4


Adotaremos, neste trabalho, a mesma noção exposta por ALMEIDA em sua
dissertação, a saber:

Partindo do postulado de que a argumentatividade está inscrita no


uso da linguagem, adota-se aqui a posição de que a argumentação
constitui atividade estruturante de todo e qualquer discurso, já que a
progressão deste se dá, justamente, por meio das articulações
argumentativas, de modo que se deve considerar a orientação
argumentativa dos enunciados que compõem um texto como fator
básico não só de coesão, mas, principalmente, de coerência textual
(2001, p. 35).

Selecionamos alguns anúncios de revistas de circulação nacional. É fato que


o apelo visual dos anúncios, uma vez que grande parte da significação do texto
depende da relação dos aspectos linguísticos com os elementos não verbais, é um
recurso que vem se intensificando, e até cremos que isso seja perceptível pelos
4
No artigo Em Busca das Marcas de Argumentação: Uma Proposta de Análise Textual a partir dos Operadores
Argumentativos, o qual este faz referência, tratamos sobre o valor dos operadores argumentativos nos gêneros
anúncio publicitário e artigo de opinião. Ora, ampliamos as análises tratando, apenas, dos anúncios.

38
interlocutores. No entanto, apresentaremos apenas o texto verbal de cada anúncio,
fazendo o destaque para o uso dos operadores argumentativos e os efeitos de
sentido conferidos por estas marcas ao texto.

Segundo KOCH,

O termo operadores argumentativos foi cunhado por O. Ducrot,


criador da Semântica Argumentativa (ou Semântica da Enunciação),
para designar certos elementos da gramática de uma língua que têm
por função indicar (“mostrar”) a força argumentativa dos enunciados,
a direção (sentido) para o qual apontam. (2001, p. 30).

No processo de elaboração de um anúncio publicitário, é função dos


profissionais da área tentar convencer e/ou persuadir o interlocutor. A estrutura do
texto persuasivo tem como característica básica convencer de imediato o receptor
por meio de seu primeiro argumento e da conclusão dele decorrente para poder,
com maior facilidade, desenvolver sua estratégia persuasiva.
A linguagem publicitária pretende levar o enunciatário à persuasão e, para
atingir seu objetivo, faz uso de mecanismos semântico-argumentativos, utilizados
para orientar o consumidor para uma determinada conclusão. Vejamos alguns
casos.

Chegou o novo Veet Creme Suprem’Essence, enriquecido com óleos


essenciais. Ao contrário das lâminas, Veet não agride sua pele e deixa suas pernas
macias, lisinhas e hidratadas quando você mais precisa. Descubra toda a delicadeza
de uma pétala de rosa.
Fonte: Revista Istoé Gente, 24/01/11, no. 593, ano 12, p. 41.

É possível observar que o primeiro operador argumentativo na construção


deste anúncio é ao contrário. Se nos valermos da distinção apresentada por KOCH
(2001), temos que este operador faz parte do grupo de operadores que “contrapõem
argumentos orientados para conclusões contrárias”. Para Ducrot, o operador
argumentativo por excelência é o MAS, pois é papel desta marca introduzir um
argumento que nos leva a uma conclusão contrária, inesperada. KOCH nos traz:

39
O esquema de funcionamento do MAS (...) e de seus similares é o
seguinte: o locutor introduz em seu discurso um argumento possível
para uma conclusão R, logo em seguida, opõe-lhe um argumento
decisivo para a conclusão contrária não-R. Ducrot ilustra esse
esquema argumentativo recorrendo à metáfora da balança: o locutor
coloca no prato A um argumento (ou conjunto de argumentos) com, o
qual não se engaja, isto é, que pode ser atribuído ao interlocutor, a
terceiros, a um determinado grupo social ou ao saber comum de
determinada cultura; a seguir, coloca no prato B um argumento (...)
contrário, ao qual adere, fazendo a balança inclinar-se nessa direção
(ou seja, entrechocam-se no discurso “vozes” que falam de
perspectivas, de pontos de vista diferentes (2001, p. 36).

Vejamos que o autor do anúncio de Veet Creme Suprem’Essence procura


levar seu público alvo a não mais comprar lâminas, pois estas agridem a pele. Se
alguém pretendesse inferir que Veet Creme Suprem’Essence também faz o
mesmo, o locutor faz cair por terra tal tese, demonstrando que, ao contrário disso,
Veet Creme Suprem’Essence não agride sua pele mas sim deixa suas pernas
macias, lisinhas e hidratadas quando você mais precisa.
Outro operador argumentativo que entra em jogo para cumprir a enunciação
“compre Veet Creme Suprem’Essence” é o operador E, que, conforme KOCH
(2001), soma “argumentos a favor de uma mesma conclusão”. Esse operador
corrobora a conclusão de que Veet Creme Suprem’Essence é um ótimo produto
pelo fato de que não agride a pele e deixa suas pernas maciais, lisinhas e
hidratadas, ou seja, apresenta “a somatória” de benefícios do produto.
Vejamos outro exemplo:

O GNT que você já conhece, agora ainda mais próximo da mulher.


Fonte: Revista Marie Claire. Abril de 2011, no. 241, p. 167.

Neste anúncio do canal por assinatura GNT, podemos observar a ação de


vários operadores argumentativos, objetivando, grosso modo, levar o interlocutor à
escolha por este canal em detrimento de outros. O aspecto a ser destacado é o
papel dos “operadores que têm por função introduzir no enunciado conteúdos
pressupostos” (cf. KOCH, 2001, p. 38), tais como: já, agora e ainda. Quando o
locutor enuncia O GNT que você já conhece, podemos observar um posto, tal que
“Você conhece o GNT” e, ao mesmo tempo, um pressuposto de que “Você já o
conhecia antes”. No caso de (...) agora ainda mais próximo da mulher, podemos

40
perceber a enunciação de um posto, no qual O GNT está ainda mais próximo da
mulher e um pressuposto de que antes já era próximo, mas não estava tão próximo
da mulher como agora. Em outras palavras, o anúncio dialoga com seu público alvo
a fim de demonstrar mudanças na programação do canal GNT (agora mais próximo
da mulher), porém sem diminuir a qualidade, pois se trata do GNT que você já
conhece e, por conseguinte, o público consumidor sabe que é muito bom. Ducrot
chama essa polifonia de o não dito ou o implícito, que pode ser ativado por meio da
ação dos operadores argumentativos.
Vale ressaltar a presença do mais usado para fortalecer o argumento de que
o GNT está mais próximo da mulher. Neste caso, percebemos a noção de uma
escala que orienta para uma conclusão positiva acerca do enunciado supracitado,
pois é como se houvesse:

Estar mais perto da mulher. E aqui está o GNT.


Estar perto da mulher.
Não estar perto da mulher.

Em um outro exemplo, temos:

Vivo Conexão como nenhuma outra.


Fonte: Veja. 30/03/2011, p. 41.

O operador argumentativo que entra em cena é o como. Este operador faz


parte do grupo que estabelece “relações de comparação entre elementos, com
vistas a uma dada conclusão” (cf. KOCH, 2001). Veja que, diferentemente de uma
comparação, na qual diríamos André é inteligente como o pai, por exemplo, no
anúncio recortado acima, a comparação, propositalmente, não é possível de se
concretizar pelo fato de não haver nenhuma outra empresa de telefonia com as
qualidades que possui a Vivo. Percebemos que o comparativo se apresenta
favorável a um e desfavorável a outro (todas as outras empresas do ramo) e, neste
caso, supervaloriza a Vivo em detrimento à falta de concorrência de outras
empresas que não conseguem acompanhar a sua conexão que é, como podemos
subentender a partir do anúncio, muito boa.
No último anúncio, podemos observar:

41
O Bradesco está lado a lado com seus clientes também na hora de antecipar a
restituição do imposto de renda.
Fonte: Época. 28/03/2011. No. 671, contracapa.

O operador argumentativo do anúncio supramencionado é o também. Faz-se


importante observar que, além de somar argumentos em favor de uma conclusão, o
operador também permite a introdução de uma pressuposição, a saber: O Bradesco
está lado a lado com seus clientes em outras horas e também na hora de antecipar
a restituição do imposto de renda, isto é, o cliente pode contar com o Bradesco a
toda hora. Vale ressaltar que o objetivo é mais do que apenas apresentar uma
qualidade do Banco Bradesco, mas é somar uma qualidade que nos faz concluir que
podemos contar com este banco sempre, pois ele está com você em todas as horas,
até na hora mais complicada, como é o caso da hora da restituição do imposto de
renda.
Portanto, pudemos notar que a linguagem publicitária presente no anúncio
pretende levar o enunciatário à compra de um produto, a escolha de uma melhor
empresa de telefonia, melhor canal de TV a cabo e melhor banco etc. Para atingir
seu objetivo, faz uso de recursos linguísticos e visuais, sendo de fundamental
importância os mecanismos semântico-argumentativos, utilizados para orientar o
locutor para uma determinada conclusão.
Assim, ao analisarmos os principais fatores semântico-argumentativos que
perpassam o anúncio publicitário, podemos concluir que este discurso, em particular,
comprova a tese defendida pelos estudiosos da linguagem de que a publicidade
interessa-se, primordialmente, na confecção sutil e habilmente preparada, de
mecanismos linguístico-argumentativos que possam conferir à trama do texto
propagandístico efeitos de sentido, capazes de persuadir o leitor, por meio dos
(aparentemente simples) jogos de linguagem.

REFLEXÃO SOBRE O ENSINO DE LÍNGUA À LUZ DOS SENTIDOS AFERIDOS


PELOS OPERADORES
A gramática normativa considera os operadores, em alguns casos, como
elementos meramente relacionais, ou seja, em um nível linguístico, são
denominados simples conectivos (conjunções) que têm apenas a função de ligar

42
orações. É a macrossintaxe do discurso, ou Semântica Argumentativa, que vai
recuperar esses elementos, por serem justamente eles que determinam o valor
persuasivo dos enunciados.
Uma das discussões mais frequentes na área da Linguística Aplicada (LA)
focaliza a análise reflexiva do ensino de Língua Portuguesa (LP), fazendo com que
tal ensino passe, nos últimos anos, por mudanças que buscam a melhoria de sua
qualidade. Diversos pesquisadores da LA vêm, portanto, se dedicando a trazer
sugestões, por meio das quais se consiga um deslocamento da tradicional aula de
português para uma prática pedagógica reflexiva, na qual a intenção seja apresentar
os conteúdos sem remeter, apenas, à metalinguagem da Gramática Tradicional, o
que, infelizmente, desemboca no fracasso de nossas aulas de Português. Dito de
outro modo, buscar a construção dessa prática pedagógica não significa excluir a
reflexão gramatical (numa perspectiva normativa), mas sim efetivar, na prática, a
promoção de atividades que associem conhecimentos de cunho morfológico ou
sintático não desconsiderando a interpretação de sentidos, isto é, o viés semântico,
visando, desta forma, atender às opções teóricas assumidas pelos Parâmetros
Nacionais (tanto de Ensino Fundamental como de Ensino Médio).
PERINI (2003) ressalta três aspectos que justificariam este problema relativo
ao ensino de Língua Portuguesa voltado para uma abordagem tradicional, citando os
“objetivos mal colocados”, a “metodologia inadequada” e a “falta de organização
lógica" da disciplina, como os vetores deste problema. Grosso modo, o autor nos
apresenta um diagnóstico quanto ao ensino de gramática/língua realizado na escola.
A gramática a ser ensinada deve levar em conta explicações internas e
externas ao sistema linguístico, haja vista devermos buscar instrumentalizar nossos
alunos para o efetivo uso (reflexivo) de sua língua materna. Logo, um item
gramatical não poderá mais ser enxergado como uma forma linguística cujo aspecto
semântico e cujo contexto de uso são irrelevantes (metalinguagem e epilinguagem,
devem vir, pois, juntas).
Segundo NEVES (2002), a gramática que deve ser promovida na escola
deve ser aquela cuja base perpasse uma perspectiva funcionalista, com a qual, ao
invés de metalinguagem das orações, isto é, análise sintática de orações isoladas,
desprovidas de contexto, o texto assuma o papel de unidade mínima nas aulas de
língua e que esta língua seja apresentada nas situações reais de uso.

43
Se pensarmos na análise apresentada na seção anterior, consideramos que
promover aulas reflexivas em que o objetivo seja construir, juntamente com os
alunos, o conhecimento sobre a língua a partir dos textos não só vai ao encontro dos
propósitos estabelecidos pelos Parâmetros Nacionais, como também instrumentaliza
o aluno para ler melhor o texto, pois estará, por meio de tais atividades, lendo não só
sob a perspectiva da decodificação, mas os implícitos permitidos graças ao uso dos
operadores argumentativos que, como vimos, introduzem importantes efeitos de
sentido ao texto pelo fato de demonstrarem a intenção do autor/locutor. Como
consequência do desenvolvimento dessa habilidade leitora, também serão levados a
utilizar melhor tais recursos na produção dos próprios textos.
Assim, os operadores resgatam elementos da gramática, pois eles não são
apenas responsáveis pela coesão do texto, eles possuem uma carga retórica
própria, colaborando para que surjam os efeitos de sentido propiciados pelo
contexto.
A crítica, então, reside no fato de que são justamente essas “palavrinhas”
(tradicionalmente descritas como meros elementos relacionais, conectivos,
destituídas de qualquer conteúdo semântico) as responsáveis, na maioria das vezes,
pela força argumentativa dos nossos textos.
FIORIN (2008) afirma que:

(...) verifica-se que o conhecimento do sistema da língua é


insuficiente para entender certos fatos linguísticos utilizados numa
situação concreta de fala. (...) No sistema linguístico, temos
oposições fônicas e semânticas e regras combinatórias dos
elementos linguísticos. No entanto, nem as oposições semânticas,
nem as regras de combinação conseguem explicar os fatos (...).
Observando-se esses fatos e outros, verificou-se que era preciso
estudar o uso da linguagem. (p. 166).

Entendemos que o objetivo maior do ensino da língua materna deve ser


possibilitar aos alunos a percepção da língua como instrumento de interação social,
logo, cabe ao professor pautar suas aulas em uma abordagem reflexiva, visando,
desta forma, fornecer aos alunos condições de escrever não apenas um texto, mas
sim uma unidade coesa e coerente, cujos sentidos e cuja referência emerjam
durante as práticas discursivas.
Assim como MENDONÇA (2006), consideramos a Análise Linguística (AL) o
caminho pelo qual a língua pode ser ensinada, levando em conta tanto aspectos

44
formais quanto uma alternativa complementar às práticas de leitura e produção de
texto, dado que possibilita a reflexão consciente sobre fenômenos gramaticais (como
já vimos, os operadores são fenômenos comuns à gramática de qualquer língua
natural), porém contextualizando-os como fenômenos textuais/discursivos, ou seja, a
tão almejada epilinguagem nos exercícios e aulas de língua portuguesa.
Para GERALDI (1984), devemos compreender a AL como “(...) a
recuperação, sistemática e assistemática, da capacidade intuitiva de todo falante de
comparar, selecionar e avaliar formas linguísticas e a prática de produção de textos
com uso efetivo e concreto da linguagem com fins determinados pelo locutor ao falar
e escrever (p. 79)”. Complementando anos depois, o referido autor diz:

Com a expressão “análise linguística”, pretendo referir precisamente


este conjunto de atividades que tomam uma das características da
linguagem como seu objeto: o fato de ela poder remeter a si própria,
ou seja, com a linguagem não só falamos sobre o mundo ou sobre
nossa relação com as coisas, mas também falamos sobre como
falamos. Como já vimos, a estas atividades têm sido reservadas as
expressões “atividades epilinguísticas” ou “atividades
metalinguísticas” (GERALDI, 1997, p. 189-190).

O que estamos aqui propondo não é uma mudança de nomenclatura, ou


seja, o professor que vise seguir tal procedimento metodológico não vai apenas
mudar sua aula de “conjunções” para “operadores argumentativos” e aí trazer as
listas de conectivos que causam um efeito ou outro efeito, mas, efetivamente, uma
mudança de procedimentos práticos em sala de aula permitidas pela Análise
Linguística, que é o procedimento que confere aos alunos os conhecimentos
linguísticos discursivos a serem desenvolvidos em ambiente escolar pela sua
natureza reflexiva.
Nossa proposta nasce justamente da reflexão de apresentarmos os
conteúdos sem remeter à metalinguagem da Gramática Tradicional, e que,
infelizmente, desemboca no fracasso de nossas aulas de Português. Faz-se
necessária a quebra com o paradigma tradicional de ensino de língua por meio de
memorização de receitas ou afins. Cabe ao professor reconhecer e refazer
(juntamente com o aluno) os elos (sejam linguísticos – que afetam a coesão, ou
contextuais-pragmáticos – que afetam a coerência) para poder orientar o estudante
para que os problemas possam ser sanados.

45
Em síntese, se é que é possível sintetizar, a discussão sobre novas práticas
quanto ao ensino de gramática/língua em sala de aula é muito maior, a literatura
sobre tal assunto é muito ampla e não teremos como dar conta em um único artigo,
porém, a priori, traçar metas que instrumentalizem nossos alunos por meio de
conhecimentos linguísticos como as marcas argumentativos, tomando o texto como
unidade mínima, tendo por foco a língua em seus reais contextos de uso, configura-
se como o caminho mais seguro para que haja uma real instrumentalização de
nossos alunos assim como preconizam os Parâmetros no que tange à Língua
Portuguesa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim como fora exposto, os operadores argumentativos são elementos
linguísticos que fornecem informações e, ao mesmo tempo, funcionam como
instrumentos de argumentação do enunciador, evidenciando a poderosa força que
eles transmitem. Acreditamos que, por meio da análise (seção 3), foi possível
demonstrar, a partir da exploração de alguns anúncios publicitários, a utilização de
tais recursos argumentativos na construção dos textos, corroborando, desta forma, o
dito por Ducrot de que a argumentação está inscrita na língua.
Ao tentarmos explicar o papel dos operadores argumentativos de maneira a
refletir seu papel no ensino, temos que nos valer do apresentado por ILARI E
GERALDI, a saber:

(...) precisamos esquecer as classificações morfossintáticas


tradicionais e fixar nossa atenção nas condições de uso; [isso
demonstrará] que há interesse em contar com categorias descritivas
que dizem respeito menos à sintaxe ou ao conteúdo objetivo das
frases, e mais ao seu possível uso na interação dos locutores. (2006;
80) [grifos nossos]

E complementam:

O recurso às noções da semântica argumentativa enseja uma


explicação para fatos diante dos quais as classificações tradicionais
ou mesmo algumas análises semânticas mais cuidadosas se revelam
insuficientes. Mas é claro que recorrendo à semântica argumentativa,
somos obrigados a encarar a linguagem humana de um modo
peculiar: as línguas historicamente conhecidas são como são porque,
no âmbito de um dada comunidade linguística, servem a propósitos
de envolvimento e pressão: a linguagem em última análise, é um

46
instrumento não informativo mas político. (ILARI & GERALDI; 2006;
83).

Portanto, dominar as estratégias argumentativas não somente auxilia o


produtor do discurso como também o leitor, pois lhe permite fazer uma leitura crítica
do texto, propiciando que ele acompanhe o seu desenvolvimento e se desvencilhe
de eventuais simulacros discursivos.
De acordo com GERALDI (1984c), o professor deve ensinar a gramática da
língua juntamente com os usos que se dão para a língua, ou seja, nossas aulas de
português (pelo menos as que se pretendem contributivas, ao invés de maçantes)
devem englobar tanto a análise da estrutura como a interação social com propósitos
comunicativos, sejam os textos orais ou escritos.
Notamos que os operadores argumentativos, muitas vezes, ficam em um
plano secundário e, assim, passam despercebidos aos olhos do “aprendiz” que se
limita a decorá-los, sem lhes dar a atenção necessária. Porém, esse fato pode ser
prejudicial para a compreensão total do texto, já que grande parte da força
argumentativa está alicerçada nessas marcas.
Através deste trabalho, tentamos demonstrar que é possível o ensino
eficiente de língua portuguesa a partir do estudo dos gêneros textuais, que
representam o uso da língua em situações concretas de interação social.
É necessária uma mudança de perspectiva: inquietava-nos, no momento
anterior ao início do trabalho, o fato de ser senso comum que os alunos, sejam do
Ensino Médio, sejam do Ensino Fundamental (por que não dizer no Ensino
Superior?), não utilizam ou fazem inadequadamente o uso dos operadores
argumentativos nos textos de opinião que produzem. Diante de tal problemática,
consideramos que uma intervenção pedagógica sistematizada com os anúncios
publicitários (por exemplo), por meio da Análise Linguística, fará com que os alunos
passem a utilizar os operadores argumentativos e, em função disso, desenvolvam
melhor a argumentação, em outras palavras, sejam instrumentalizados para o
efetivo uso da língua portuguesa.
Em síntese, podemos apreender, então, que o caminho a ser feito é
apresentarmos aos alunos atividades nas quais/por meio das quais seja possível
focalizar a linguagem, desta forma, o professor usa a língua para se remeter à
linguagem, como também permitir que o aluno perceba que ele pode usar a

47
linguagem para falar sobre o que lhe apraz. Assumir essa perspectiva de ensino de
Língua Portuguesa promove o desenvolvimento de habilidades de leitura, de
produção, bem como o domínio da língua padrão. Para além dos limites escolares, o
indivíduo poderá solucionar problemas cotidianos, por exemplo, a participação plena
no mundo letrado. Precisamos compreender que a linguagem só é trabalhada na
escola porque existe fora dela, não sendo, portanto, um mero conteúdo escolar.
Desse modo, o ensino da língua deve preocupar-se com ações práticas, visto que é
por meio delas que a linguagem se realiza.

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Lucimar de. Análise semântica de operadores argumentativos em textos
publicitários. Uberlândia-MG, Dissertação de mestrado/ILEEL/UFU, 2001.
CAMPOS, Claudia Mendes. O percurso de Ducrot na Teoria da Argumentação na
Língua. In. Revista da ABRALIN. Volume 6. Número 2. Jul./Dez.de 2007. (p. 139 –
169).
FIORIN, José Luiz. A linguagem em uso. In: FIORIN, José Luiz (org.). Introdução à
Linguística. I. Objetos Teóricos 5a. ed., 2ª. reimpressão. – São Paulo: Contexto,
2008.
GERALDI, João Wanderley. Portos de Passagem. – 4ª. Ed. – São Paulo: Martins
Fontes, 1997.
___________________________. O texto na sala de aula: leitura e produção. 3. ed.
Cascavel: Assoeste, 1984c.
ILARI, Rodolfo & GERALDI, João Wanderley. Semântica. – 11.ed. – São Paulo:
Ática, 2006.
KOCH, Ingedore Villaça. A inter-ação pela linguagem. São Paulo: Contexto, 8ª.
edição, 2001.
MENDONÇA, Márcia. Análise linguística no ensino médio: um novo olhar, um outro
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MENDONÇA, M.(org.); KLEIMAN, A. B. [et al.]. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.
NEVES, Maria Helena de Moura. A gramática – história, teoria, análise e ensino.
São Paulo: Editora UNESP, 2002.

48
OLIVEIRA, Roberta Pires. Semântica. In. MUSSALIM, Fernanda & BENTES, Anna
Christina (orgs.). Introdução à Linguística – 2. ed. – São Paulo: Cortez, 2001. (p. 17-
46).
PERINI, Mário A. Sofrendo a Gramática. 3ª. ed. São Paulo, Ática, 2003.

49
A L1 COMO MEDIADORA DA APRENDIZAGEM DE L2

GOMES, Almir Anacleto de Araujo (PROLING/UFPB) 1

RESUMO:
O presente estudo parte do pressuposto de que o quadro atual do ensino e
aprendizado de língua estrangeira, na maioria dos casos, se caracteriza pelo
esquecimento dos aspectos cognitivos da aprendizagem e pela rejeição de L1 na
sala de aula de L2. Diante disso, este trabalho tem como finalidade discutir até que
ponto a L1 interfere na aprendizagem de L2, tendo em vista a aquisição de sufixos.
A princípio, faz-se um breve histórico sobre as teorias da aprendizagem, desde os
primeiros estudos de ordem comportamentalista até os estudos atuais guiados pela
visão sociointeracionista de Vygotski. Em seguida, discute-se a respeito dos
aspectos cognitivos da aprendizagem. Como fundamento primordial deste trabalho,
está a teoria sociointeracionista de Vygotski (1987, 1996, 1998, 2003, 2005), que
mostra que há uma interação entre o pensamento e a fala no processo de aquisição
de uma determinada língua. A pesquisa consta da análise de vinte e um
questionários respondidos por alunos de uma escola de línguas da cidade de
Campina Grande, PB, divididos em três níveis de proficiência. Os resultados obtidos
através da análise do corpus nos permitem afirmar que tanto a L1 quanto a L2
atuam, ora positivamente ora negativamente, na aprendizagem de L2, independente
do nível de proficiência do aprendiz.

Palavras-chave: primeira língua, segunda língua, aprendizagem, mediação.

INTRODUÇÃO
Observamos que a grande maioria dos estudos voltados para o ensino e
aprendizado de segunda língua, doravante L2, não tem considerado os movimentos
internos de aprendizagem, ou seja, tem se voltado, preferencialmente, para

1
Licenciado em Letras – Língua Inglesa pela Universidade Estadual da Paraíba (2007), especialista em
Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa e Estrangeira pela Faculdade Internacional de Curitiba (2012).
Atualmente é mestrando no Programa de Pós Graduação em Linguística da Universidade Federal da Paraíba.
Desenvolve pesquisas na área de Teoria e Análise Linguística cuja linha de pesquisa é Diversidade e Mudança
Linguística. Professor na Universidade Federal de Campina Grande de disciplinas de língua inglesa e ensino de
língua inglesa e prática de leitura e produção de textos.

50
questões como: o contexto de ensino, a relação professor-aluno, a relação aluno-
aluno e materiais didáticos.
O fato destes estudos não abordarem tais aspectos cognitivos nos parece ser
um legado da análise contrastiva, “que atribui a L1 a causa dos erros no uso da L2”
(C. Santos, 2007:3). Verificamos, portanto, reflexos diretos deste legado no
tratamento dado à língua materna (L1), no ensino de L2. Como resultado, a L1
passa a ser vista como uma verdadeira ‘vilã’ no ensino de L2. De modo que, o aluno
que a usa na sala de aula, passa a não mais ser visto com bons olhos, assim como
o professor, que também lança mão da mesma, é visto como um mau profissional
pela maioria de seus alunos e colegas. Toda essa repugnância à L1 pode ser fruto
de uma prática tradicional estruturalista no ensino de L2 como aponta C. Santos
(2007).
Entretanto, graças à difusão de teorias da aprendizagem, esse legado tem
aos poucos sido revisto por pesquisadores da área. Algumas pesquisas a respeito
de tal problemática nos leva a entender que, aos poucos, os educadores de L2 estão
deixando de rejeitar a L1 na sala de aula de L2 e começando a procurar entender o
papel da L1 na aprendizagem de L2. Podemos citar estudos, como os de Slama-
Cazacu (1979), Dulay (1982), Cook (1996), Ellis (2003), Yokota (2005) e C. Santos
(2007).
Diante deste quadro, surgiu a preocupação de se definir até que ponto a L1
interfere na aquisição de sufixos em L2, já que, mesmo sendo a ‘vilã’ do ensino de
L2, a L1 sempre esteve presente nas salas de aula de L2 ou língua estrangeira (LE)
o contexto brasileiro.
Os termos língua materna (mother tongue) ou primeira língua (L1) se
referem como o próprio nome já indica, à primeira língua com a qual a criança tem
contato desde o nascimento, ou mesmo antes, como sugerem algumas pesquisas
sem relevância para este trabalho. O termo segunda língua ou L2 (second
language) se refere à língua que a criança aprende juntamente ou após a língua
materna, de maneira formal ou informal. Considerando a visão de Dulay (1982), L2
refere-se à aquisição de outra língua ulterior a língua materna (L1). Essa L2 pode
ser aprendida em dois ambientes diferentes: em um ambiente estrangeiro, como no
caso da língua inglesa no Brasil, no qual o aprendiz não se depara com o uso
constante da língua no seu cotidiano; ou em situações próprias de uso, como o

51
francês no Canadá, por exemplo, onde o aprendiz utiliza a tal língua no seu dia-a-
dia, de maneira natural como veículo de comunicação.
Neste trabalho, embarcamos na concepção de aprendizagem enquanto
aquisição. Isso significa que, quando os termos aquisição ou aprendizagem de
linguagem são mencionados, têm o mesmo valor semântico, ou seja, os termos
serão utilizados para a aprendizagem formal de língua. Durante o processo de
aquisição de linguagem, também acontece esforços conscientes de aprendizagem.
Entretanto, em alguns casos, o oposto é verdadeiro. Durante o processo de
aprendizagem consciente de uma língua, há momentos em que o indivíduo
internaliza inconscientemente aspectos linguísticos importantes para a
aprendizagem, fato que até hoje é divergente na literatura consultada.
Portanto, usamos os termos com significados comuns também baseados em
Slama-Cazacu (1979). A autora considera os processos de aquisição de L1 e
aprendizagem de LE como inconfundíveis, mas que podem ser considerados como
um conjunto, segundo alguns aspectos dos mesmos. Ainda neste contexto,
consideraremos a concepção de língua de Ellis (2003), Dulay (1982) e Cook (1996)
ao definirem os termos L2 ou LE explicitados acima.

HISTÓRICO SOBRE AS TEORIAS DE APRENDIZAGEM


Diversas discussões têm sido propostas entre os linguistas em relação à
aprendizagem de língua. Discutiremos a seguir, os pontos centrais da discussão
concernentes às principais correntes de teorias da aprendizagem, a saber: o
comportamentalismo ou behaviorismo, o inatismo, o interacionismo, o cognitivismo,
o sociocognitivismo, o modularismo e o axionismo, que têm apresentado papel de
destaque no estudo psicolinguístico da aquisição de linguagem.
O comportamentalismo ou behaviorismo teve seu auge entre as décadas de
1950 e 1960. Segundo Ellis (2003), essa teoria, disseminada por Skinner, defende a
idéia de que a linguagem é aprendida como qualquer outra habilidade, pela
formação de hábitos. Considerando as ideias defendidas por esta corrente teórica, a
aprendizagem ocorre quando o indivíduo recebe um estímulo, ou seja, o mesmo é
receptor de uma estrutura adequada da língua alvo e responde, imitando-a. É
através de estímulos que o indivíduo vai repetindo a estrutura até memorizá-la e
transformar-se em um comportamento, como afirma Ellis (2003:31). A linguagem
externa ao indivíduo só existe na interação social. Ainda neste raciocínio, Koch

52
(2005), relata o comportamentalismo como uma teoria que estuda o homem a partir
do comportamento possível de se observar e medir externamente, comportamento
esse, resultado das reações a estímulos do meio. O comportamentalismo estuda
apenas o input que o aprendiz recebe e o output produzido pelo mesmo.
Em contrapartida, os defensores do inatismo ou mentalismo, tendo como
idealizador Chomsky e outros seguidores, como Pinker (2004), rejeitam as teorias da
aprendizagem de cunho comportamental, de modo, que para eles, a aprendizagem
da língua se dá de forma mecânica, sem considerar a criação individual dos
aprendizes. Segundo Chomsky (apud Scarpa, 2003), toda criança ao nascer é
dotada de um mecanismo inato de aquisição da linguagem, o chamado language
acquisition device (LAD), que desencadeia uma gramática natural na criança, a
Gramática Universal.
A chamada Gramática Universal (GU), inata a todos os seres humanos,
apresenta princípios universais que são semelhantes a todas as línguas humanas. A
GU, defendida por Noam Chomsky, apresenta dois componentes: a) princípios da
língua que são universais as todas as línguas humanas, como, por exemplo, o
princípio da dependência estrutural da língua, no qual todas as línguas dependem
de uma estrutura básica, que é inata aos seres humanos, ou seja, não precisa ser
aprendido; b) apesar de existir essa universalidade na língua de alguns aspectos,
existem certos parâmetros de variação, entre as línguas, que implica nas
diferenças estruturais entre algumas línguas. (Cook, 1996). Segundo Ellis (2003),
"Chomsky argumenta que a língua é regida por um jogo de princípios altamente
abstrato provido de parâmetros específicos e particulares a cada língua”2.
Essa teoria da Gramática Universal de Chomsky refere-se à L1. No caso de
L2, Ellis (2003) argumenta que, devido ao insucesso de grande parte dos aprendizes
de L2, acredita-se que aprendizagem de L1 e de L2 seja diferente. Quanto à
hipótese da Gramática Universal, há quatro argumentos diferentes em relação à
mesma: 1. Os aprendizes têm acesso integral a GU da mesma maneira que tinham
ao aprender a L1. Eles apenas trocam dos parâmetros de L1 para L2; 2. Os
aprendizes de L2 não têm acesso à GU, pois os processos de aquisição de L1 e L2
são totalmente diferentes. Os adultos utilizam estratégias de aprendizagens; 3. Um

2
“Chomsky argues that language is governed by a set of highly abstract principles that provide parameters
which are given particular settings in different languages” (Ellis, 2003:65).

53
terceiro argumento é que os aprendizes de L2 tenham acesso parcial à GU, de
maneira que a aprendizagem é regulada parte pela GU e parte por estratégias de
conhecimentos; por último, 4. acredita-se em um acesso dual, ou seja, GU e
estratégias de aprendizagens sendo utilizadas pelo aprendiz. As estratégias de
aprendizagem podem bloquear a GU, impossibilitando o sucesso da competência na
língua.
Ainda nesta perspectiva dos estudos de aquisição, Jean Piaget (apud Scarpa,
2003) dá uma nova visão à aquisição da linguagem. Segundo a abordagem
cognitivista construtivista, a aquisição da linguagem é um processo que decorre do
desenvolvimento da inteligência da criança (Scarpa, 2003). Conforme a autora, não
existe um mecanismo específico para linguagem, mas assimilações e acomodações
resultantes da interação entre o ambiente e o organismo são fatores de
desenvolvimento da aquisição da linguagem.
No entanto, após o comportamentalismo de Skinner, o inatismo chomskiano,
e o cognitivismo piagetiano, surgiu o interacionismo, que tem defendido a aquisição
como um processo que engloba interação entre o comportamentalismo, o
mentalismo e aspectos discursivos. Em trabalhos recentes de Scarpa (2003),
observamos a crença de que fatores sociais, comunicativos e culturais são fatores
considerados como interferentes na aquisição da linguagem, ou seja, um princípio
para que o desenvolvimento da língua ocorra é a interação social e a troca
comunicativa entre a criança e seus interlocutores. Ainda nessa perspectiva, Hatch
(1978 apud Paiva, 2005) concebe a aquisição de língua como a interação entre
falantes proficientes da língua e o aprendiz através da negociação de sentido.
Segundo este autor, tal interação é especialmente importante para a aprendizagem
de vocabulário. Segundo Scarpa (2003:215), “a fala que a criança está exposta
(input) é vista como importante fator de aprendizagem da linguagem.”
A aquisição se dá, para Piaget e Vygotski, de maneira interativa, ou seja, a
linguagem se desenvolve no ser humano através do seu convívio social. O ser
humano traz uma predisposição para o aprendizado de línguas, mas isso não é
tudo. Através da interação com o meio em situações diferentes é que a linguagem
se desenvolve. Além disso, a inteligência da criança também é um fator do qual,
depende a aquisição da linguagem, como nos mostra Scarpa (2003). Essa teoria
cognitivista construtivista baseada nos estudos de Piaget considera a aquisição
como “a interação do ambiente e o organismo através de assimilações e

54
acomodações, responsáveis pelo desenvolvimento da inteligência em geral”
(Scarpa, 2003). Há diversas etapas durante o ciclo de aprendizagem, que vão desde
uma ‘proto language’ durante o primeiro estágio de aprendizagem até a fluência em
diversas situações comum.
O sociointeracionismo é uma das correntes do interacionismo social que
assegura que o conhecimento de mundo da criança é constituído pela linguagem, ou
seja, a criança se constrói como sujeito através da linguagem (Scarpa, 2003). De
acordo com o mesmo, “linguagem e conhecimento de mundo estão intimamente
relacionados e os dois passam pela mediação do outro, do interlocutor” (Scarpa,
2003:219). A criança, então, vai construindo sua relação com o mundo, com o outro;
vai se afirmando enquanto sujeito através da linguagem.
Têm-se ainda, a hipótese do input de Krashen (1997) que considera que há
dois tipos de conhecimento linguísticos: conhecimento adquirido e conhecimento
aprendido. O primeiro tipo, que surge de maneira natural na mente do indivíduo,
consiste de regras e princípios que não fazem parte do consciente do aprendiz,
estando no subconsciente do mesmo. O segundo tipo – conhecimento aprendido,
depende de um processo de aprendizagem, consiste de informações linguísticas
explicitas que fazem parte do consciente do aprendiz, segundo Cook (1996) A
hipótese do input de Krashen determina como fator de aprendizagem, um “input
compreensível adicionado a um nível de dificuldade (i+1)”, como sintetiza Paiva
(2005:25). O que ajuda o aprendiz a compreender esse nível a mais de dificuldade é
o contexto ou outras informações extralinguísticas. Outro fator a se relatar é que a
hipótese do input se refere apenas à aquisição de línguas e não à aprendizagem.
Em oposição ao comportamentalismo, surgiu o cognitivismo clássico, com o
objetivo de explicar como estão estruturados na mente humana, os conhecimentos
que o indivíduo possui, e também como são acionados esses conhecimentos na
solução de problemas oriundos do ambiente de interação (Koch, 2005). O ambiente
é projetado na mente do aluno através de símbolos, que os cognitivistas clássicos
tentaram entender como funcionam, como se organizam e quais são. Uma nova
visão de aprendizagem surge considerando aspectos sociais e culturais enquanto
incorporados à compreensão.
De acordo com essa teoria sociocognitivista, muitos dos fenômenos
cognitivos acontecem no social e não nos indivíduos. Isso sugere que a cognição
não ocorre por inteiro na mente, mas exterior a mesma. Segundo Hutchins (1995

55
apud Koch, 2005), os processos cognitivos ocorrem na interação de várias ações,
como a comunidade, as ferramentas envolvidas no mesmo, os recursos do
ambiente, bem como o conjunto de diversas mentes e corpos ordenados entre si
com um único fim (Koch, 2005). Não se deve desconsiderar a natureza social dos
processos cognitivos para que não se descrevam fenômenos de grupo como se
fossem fenômenos abstratos, pois a cognição acontece fora da mente, como explica
Koch (2005). A língua deve ser entendida como um tipo de ação conjunta, isto é, ela
deixa de ser encarada como um mero sistema de regras. A língua deve ser
entendida como uma ação que se dá na troca comunicativa entre indivíduos, na
interação e compartilhamento de conhecimentos, com uma finalidade única, porém
com papéis sociais definidos.
Portanto, acreditamos que é o contexto de uma atividade que vai prover
pistas que ajudam no delineamento de uma interpretação dirigida para uma
determinada unidade de informação. São as pistas textuais que Gumperz (1992
apud Koch, 2005) propõe: isto é, diversos fatores presentes no contexto que levam
ao sentido do mesmo. Esses fatores podem ser as formas linguísticas utilizadas,
escolhas lexicais ou gênero escolhido. Acreditamos então, que as pistas textuais são
aliadas no processo de aprendizagem de L2, possibilitando que os aprendizes
tragam à memória o conhecimento adquirido de formação de palavras, por exemplo,
através de afixos de língua materna, aplicando na L2, de forma a facilitar a aquisição
de vocabulário.

ASPECTOS COGNITIVOS DA APRENDIZAGEM


Não é nosso objetivo nos adentrarmos nas teorias que tratam dos aspectos
cognitivos de maneira detalhada, mas é preciso que tracemos a existência de
diversos fatores adjacentes a aprendizagem de uma língua, seja ela L1 ou L2, uma
vez que estamos observando o papel da L1 na aquisição da L2. Para comprovar
essa afirmação, diversas discussões têm sido levantadas na área psicolinguística a
respeito de como acontece o processo de aprendizagem na mente do aprendiz.
Diversos fatores estão diretamente ligados à aprendizagem de L1 assim como L2,
aos quais nos deteremos.
Há fatores de ordem externa e outros de ordem interna. No que concerne aos
fatores de ordem externa, têm-se aspectos de natureza macro-ambiental como: a) a
naturalidade da língua que o aprendiz tem contato; b) o papel do aprendiz na

56
comunicação; c) a disponibilidade de referentes concretos para esclarecer
significados; e d) a fonte da qual o aprendiz recebe o input da língua, ou seja, os
modelos de língua absorvidos pelo aprendiz. Há também características de ordem
micro-ambiental, que são as propriedades de estruturas específicas da língua. Os
atributos micro-ambientais estudados são: saliência, frequência e correção. (Dulay,
1982).
Referente aos fatores de ordem interna há três processos, dois de ordem
subconsciente e um consciente. O primeiro processo é de ordem subconsciente:
The filter: O aprendiz não absorve tudo o que escuta, mas toda a situação
comunicativa, os interesses do aprendiz e as suas atitudes, criando um filtro que
afeta a aprendizagem da língua, encobrindo certas particularidades da mesma. A
motivação como um dos fatores que influencia o filtro de aprendizagem divide-se em
três tipos: a motivação integrativa, a motivação instrumental e a motivação por
identificação com o grupo social (Dulay, 1982)
O segundo processo, também de ordem subconsciente, the organizer, tem a
função de organizar gradualmente o sistema da língua adquirida. Por último há o
monitor, que faz parte sistema interno do aprendiz e, de forma consciente, é
responsável pelo processamento linguístico. Os aprendizes utilizam através da sua
capacidade de monitoração do seu discurso, os conhecimentos linguísticos
aprendidos da L2 para controlar e editar a forma do seu discurso (Dulay, 1982).
Segundo Ellis (2003), as condições sociais influenciam as oportunidades de
contato com a língua, variando, assim, as atitudes desenvolvidas em relação à
língua pelo aprendiz. Outro fator é o tipo de input recebido pelos aprendizes. Este,
também, influencia consideravelmente a aprendizagem da língua.
Em suma, diversos teóricos, têm avaliado sobre os estudos da aquisição, tais
como Dulay (1982), Krashen (1997), Beaugrande (1997), Yokota (2005), Littlewood
(2006), Ellis (2003). Com foco na aprendizagem de L2, Slama-Cazacu (1979) tem
suas pesquisas direcionadas à aprendizagem de L1 e L2, Paiva (2005) entende a
aquisição de língua sob uma perspectiva fractal, isto é, os modelos de aquisição
propostos pelos diversos teóricos não contemplam todas as peculiaridades da
mesma: No modelo fractal de aquisição de línguas proposto por Paiva (2005),
entende-se cada um desses modelos como uma parte do todo. Então, os modelos
behavioristas propostos a princípio por Skinner, o modelo inatista de origem
chomskiana, a hipótese do input de Krashen (1985 apud Paiva, 2005), o

57
sociointeracionismo e cognitivismo defendido por Vygotsky são vistos, na verdade,
como partes do modelo de aquisição. Esses modelos se complementam no
processo de aprendizagem.

APRENDIZAGEM DE VOCABULÁRIO
A linguagem está presente em todos os aspectos da nossa existência.
Segundo Pinker (2004), a linguagem está de tal forma ligada ao ser humano, que
fica praticamente impossível conceber o ser humano sem a linguagem: “A linguagem
está tão intimamente entrelaçada com a experiência humana que é quase
impossível imaginar vida sem ela” (Pinker, 2004:7). Para Cook3 (1996:1), “língua é o
centro da vida humana”4. Ela vem corroborar com a ideia de língua vista
anteriormente em Pinker (op. cit.) a respeito da impossibilidade de se separar a
linguagem do ser humano. C. Santos (2007) também compartilha dessa visão de
linguagem em uma visão de que não se pode separar o aluno do que ele já sabe, ou
seja, manter a L1 do aluno em um estado de “hibernação” enquanto o mesmo está
aprendendo a L2 seria impossível.
Quando se aprende uma língua, diversos fatores estão presentes, como
gramática, pronúncia, vocabulário, etc. A gramática é um dos elementos
considerado mais importante, pois é ela que dá a sustentação à língua, é a
‘armação’ da língua (Cook, 1996)5. O vocabulário é essencial para a comunicação
em uma determinada língua, uma vez que, para a gramática funcionar, é necessário
o domínio do vocabulário da língua. Segundo Cook (1996), aspectos gramaticais
têm sido amplamente pesquisados, enquanto que vocabulário, pronúncia e discurso
têm sido um tanto esquecidos do campo de estudo de aquisição. Os estudos
existentes nessa área são parciais e se referem à descrição de língua ou
metodologia de ensino, quase nunca à aquisição de língua.
O sentido da palavra é adquirido dentro do contexto no qual ela está inserida,
podendo, assim, variar o sentido na medida em que varia de contexto. Ao contrário,
o significado não acompanha as transformações de sentido da palavra.

3
“Language is at the centre of human life.” (Cook, 1996:1)
4
Tradução nossa.
5
Knowledge of grammar is considered by many linguists to be the central area of the language system around
which the other areas such as pronunciation and vocabulary revolve. (Cook, 1996:14)

58
Dependendo do contexto, uma palavra pode significar mais ou
menos do que significaria, se considerada isoladamente: mais,
porque adquire um novo conteúdo; menos porque o contexto limita e
restringe o seu significado (VYGOSTSKI, 2005:181).

O vocabulário de uma língua precisa estar dentro de uma estrutura gramatical


para que tenha sentido. Deduz-se então, que a palavra não existe por si só, ou seja,
a palavra só tem sentido quando relacionada a outras, ou ao meio. Por isso, alguns
linguistas, segundo Cook (1996), defendem que nenhuma palavra em L2 pode ser
traduzida exatamente como ela é, pois uma série de convenções está presente no
sentido daquela palavra. O contexto é que constrói os sentidos da palavra. Sem
considerar o contexto cultural em que a palavra está inserida, ela não passa de um
aglomerado de símbolos sem conexões. Esses sentidos surgem de uma espécie de
acordo entre os usuários da palavra em uma determinada comunidade linguística
(Cook, 1996).
Aprender o vocabulário de L2, para Cook (1996), não é memorizar uma lista
de vocabulário ou simplesmente aprender as definições das palavras, mas vai além
deste aspecto. Aprender vocabulário, como foi colocado acima, é aprender a
relacionar a palavra com outras palavras na língua para a obtenção de sentidos; ou
seja, aprender as relações de significado entre uma palavra e as outras da língua
dentro de um determinado contexto da comunidade linguística6 (Cook, 1996:50). Em
suma, a aprendizagem de vocabulário de L2 não se restringe à memorização das
palavras equivalentes nas duas línguas, ou a aprender a definição da palavra, ou
ainda simplesmente colocar a palavra dentro de um contexto, mas perpassa esses
níveis superficiais. Aprender vocabulário é adquirir a capacidade de reconhecer a
relação de significados entre uma determinada palavra e todas as outras dentro de
um determinado contexto cultural segundo Cook (1996).
Quando um aprendiz de L1 está adquirindo vocabulário, segundo Cook
(1996), é preciso uma fragmentação da língua para que o mesmo compreenda a
relação de significados entre alguns termos, como foi exemplificado anteriormente.
O indivíduo adquiriu ‘big’ e ‘small’, mas não consegue fazer a associação que os

6
“Learning the vocabulary of a second language is not just memorizing equivalent words between languages,
or learning the definition of the word or putting it in context but learning the meaning relationship between
‘red’ and all the other words in English within the full context of cultural life.” (Cook, 1996:50)

59
dois pertencem a um mesmo esquema lingüístico ‘size’. Através da fragmentação da
língua é que o indivíduo consegue fazer essa relação entre os componentes da
língua. Segundo Cook (op. cit.) durante a aquisição de L2, esse processo é
facilitado, pois o aluno já tem a ideai de qual é a diferença entre um objeto ‘pequeno’
e ‘grande’, facilitando a aprendizagem. Endossamos a opinião de C. Santos (2007)
de que não podemos apagar da mente do aluno a sua L1 no momento da sua
aprendizagem de L2, pois quando ele estava adquirindo L1, na verdade, ele estava
adquirindo muito mais que L1. Ele estava adquirindo conhecimento de mundo.
Conhecimento que facilita o processo de aprendizagem de L2.
No entanto, alguns aspectos significativos da língua não podem ser
separados, com isso, devem ser entendidos como um todo. Segundo a teoria do
protótipo de vocabulário defendida por Rosch (1977 apud Cook, op. cit.), as crianças
aprendem primeiramente as palavras que têm um significado básico, que refletem
aspectos do mundo. Esse vocabulário básico é mais fácil de entender e de usar.
Outro ponto questionado por Cook (op. cit.) é a respeito da memorização do
vocabulário de uma língua, pois, segundo a autora, o problema não subsiste em
apenas aprender o vocabulário, mas em lembrá-lo depois, na hora de usá-lo. Ainda
segundo Cook (1996), a lembrança de determinada palavra vai depender do nível de
profundidade que o aprendiz processou a palavra ao ser apresentado a mesma. De
acordo com Bahrick (1984 apud Cook, op. cit.), trabalhar a palavra na forma como
ela se encaixa na estrutura gramatical de uma frase, relacionando com o contexto,
permite ao aprendiz ter uma relação mais profunda com a palavra, possibilitando
lembrar-se melhor da mesma no futuro, do que simplesmente a repetição da
palavra. O professor deve fazer a apresentação do vocabulário memorável para o
aluno, em vez de preocupar-se apenas em proporcionar a prática do mesmo
diversas vezes.
Além desses pontos discutidos acima, Cook (1996) discute a influência da L1
na aprendizagem de vocabulário de L2. De acordo com a autora, há dois fatores que
influenciam a transferência de significados de L1 para L2; a proximidade do
significado básico da palavra e a frequência com que ocorrem em L1. Segundo Cook
(1996), quando a L1 tem proximidade com L2, é comum que os aprendizes usem
palavras de L1 para preencher lacunas de conhecimento vocabular. Quando se trata
de palavras cognatas, essa transferência de L1 para L2 é bem sucedida. O modo
como a mente organiza o vocabulário de L1 influencia a maneira como o de L2 é

60
encarado. Quanto mais perto do seu significado base da palavra em língua materna,
mais a transferência é ocasionada em L2. Em muitas línguas, há uma grande
proximidade vocabular, o que facilita a transferência de L1 para L2. O português, por
exemplo, é de origem latina e mais de 50% do vocabulário de língua inglesa também
é de origem latina, o que pode ser um ponto facilitador para o aluno falante de língua
portuguesa aprender o inglês como L2.
Segundo Cook (1996), estudos a respeito da organização vocabular na mente
do aluno (Caramazza & Brones, 1980 apud Cook, 1996) mostraram que há na
mente apenas um “compartimento de armazenamento” de palavras. Por outro lado,
estudos como de Kirsner at. al. (1980 apud Cook, 1996) mostraram que há dois
dicionários mentais, um para L1 e outro para L2 e que a velocidade com que o
vocábulo é processado pela mente é facilitada pela associação da palavra à outra da
mesma língua. A ideia é que, mesmo havendo dois dicionários mentais em línguas
diferentes, eles interagem entre si no momento do processamento linguístico do
aluno, tudo de maneira inconsciente. Isso corrobora com a ideia mostrada
anteriormente que o vocabulário é adquirido ao se relacionar um vocábulo com os
demais em uma mesma categoria. Outro ponto a respeito da aquisição de
vocabulário diz respeito à questão de significado da palavra, pois, além de aprender
a palavra em si, o aluno deve aprender uma série de significados que a mesma
carrega consigo. É um pouco complicada a transferência de L1 para L2, uma vez
que é necessário que a palavra leve consigo toda a sua carga semântica, suas
relações e implicações em L1 para a língua alvo. No entanto, mesmo que o aluno
conheça a palavra e seus significados, mas não saiba usá-la, a aquisição de língua
será comprometida. Segundo o modelo de aquisição de linguagem baseado na
Gramática Universal, é crucial aprender como cada palavra comporta-se na
sentença (Cook, 1996).

A L1 COMO MEDIADORA NA AQUISIÇÃO DE SUFIXOS


A teoria vygotskiana vem nos ajudar a compreender os fenômenos da nossa
mente quanto ao aprendizado de línguas. Segundo Vygotski (2005) o pensamento, a
princípio, não tem relação intrínseca com a palavra, isto é, pensamento e palavra
são dois processos inerentes aos seres humanos surgidos de forma independente,
mas que, a certo momento, se cruzam no sentido de, evoluírem a ponto de um

61
conter o outro. A teoria proposta por Vygotski (2005), diz respeito ao
desenvolvimento do pensamento até atingir a palavra, que precisa se ajustar a uma
estrutura gramatical que não existia nesses moldes externos enquanto era apenas
pensamento.
Com isso, confirmamos a teoria proposta por Vygotski (2005) de que a
linguagem se desenvolve através da interação do indivíduo com o outro e ou com o
meio. Assim, acrescentamos que a interação proposta nesta literatura também pode
ser vista no pensamento do aluno adulto, de modo que a aprendizagem de L2 ocorre
a partir de uma mediação entre L2 e a L1. A teoria sociointeracionista considera
como fator de aprendizagem o convívio social do aprendiz, a sua relação com o
outro. Legitimamos essa visão interacionista de aprendizagem e acreditamos que os
conhecimentos metalinguísticos de L1 podem atuar como mediador na mente do
aprendiz de L2. Então, durante o processo de aprendizagem de L2 podem ocorrer
na mente do aprendiz movimentos internos, ou seja, na sua fala interior e ou através
de seu pensamento verbal, que é exatamente o que caracterizamos como
movimentos de L1 realizando o seu papel de mediador no processo de aquisição.
Segundo a literatura de Pinker (2004), Vygotski (2005), C. Santos (2007), é
acionado na mente do aprendiz o conhecimento de mundo e linguístico que o
mesmo já adquiriu de alguma forma na sua vida. Isto ocorre em sua maioria
inconscientemente, na tentativa de facilitar o processo de aprendizagem de L2.
Observamos que na maior parte dos sufixos utilizados houve mediação de L1,
pois alguns dos participantes deixaram de escrever palavras com a soletração
semelhante ao termo em L2 para escrever semelhantemente ao termo em L1,
corroborando, assim, nossa hipótese de haver um papel da L1 na aquisição em L2.
Porém, durante a análise, pudemos observar uma incidência não esperada, como os
casos em que a própria memória metalinguística de L2 passou a também agir como
mediadora do seu processo de aquisição. Dado que nos favorece ao refletir sobre a
certeza de que também ocorre, na mente do aprendiz, a formação de uma
consciência linguística da L2.
Comparando os níveis dos participantes, verificamos as mesmas
interferências, tanto no nível iniciante quanto no médio, o que, a princípio, descarta a
noção de quanto maior a proficiência menor a recorrência à L1. Isto nos leva a supor
que a L1 não deixa de interferir na aprendizagem de L2 conforme o indivíduo vai se
tornando mais proficiente na L2, já que, comparando os resultados obtidos nos dois

62
níveis, verificamos não só as mesmas interferências, mas também uma
porcentagem maior de ocorrência no nível médio. Segundo Piaget (apud Vygotski,
2005), a fala egocêntrica da criança caminha em sentido regressivo, isto é, ela tende
a um fim. Deste modo, a fala egocêntrica desaparece por volta dos sete anos de
idade da criança. Por outro lado, Vygotski (2005) entende esse movimento da fala
egocêntrica em outra direção. Se para Piaget a fala egocêntrica consiste de uma
involução, para Vygotski consiste em uma evolução. Ou seja, a fala egocêntrica, que
é perceptível até os sete anos de idade se transforma, nesse período, em fala
interior e pensamento verbal, agora não tão claro e perceptível como antes.
Assim, através da análise dos questionários, as interferências ocorreram em
todos os níveis e de maneira semelhantes, isto é, uma interferência que ocorreu no
nível iniciante ocorreu também nos outros níveis, corroborando a nossa ideia de que
a L1 media o aprendizado de L2 independente do nível de proficiência linguística.
Contudo, também identificamos casos isolados em que a própria L2 começa a atuar
como sua própria mediadora, como visto na literatura, corroborando a hipótese
Krasheniana da existência do monitor mental da L2. Não só isso nos levou a essa
conclusão, mas também as justificativas dadas pelos participantes quanto ao uso
dos sufixos também semelhantes às interferências foram próximos às justificativas e
muitas delas corroboram a nossa hipótese de L1 como mediadora do processo de
aprendizagem de L2.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebemos uma interação entre os conhecimentos de L1 do aprendiz com o
novo conhecimento sendo adquirido, aqui L2, ou seja, a aprendizagem de sufixos
em L2 ocorre via mediação de L1. Esse interacionismo surge a partir das ideias de
Piaget e Vygotski, que defendiam que mesmo o ser humano trazendo uma
predisposição para o aprendizado de língua, isso não ocorre caso não haja uma
interação via convívio social, como nos mostra Scarpa (2003).
Atribuímos uma relevância, uma que vez que, levando em consideração os
dados analisados, a L1 está presente mediando à aprendizagem de L2 nos níveis
iniciante, médio e avançado. Isso nos leva a refletir, como professores de língua,
sobre a nossa atuação em sala de aula, podendo influenciar-nos a romper os
preconceitos quanto ao uso de L1 na aprendizagem de L2 e paradigmas estruturais
sobre as mesmas.

63
Apesar de tudo o que foi exposto acima, esta pesquisa ainda conta com
muitas limitações. Primeiramente, o corpus da pesquisa apresenta-se em número
limitado, o que nos impede de generalizarmos nossas conclusões a todos os
aprendizes de L2; os dados obtidos também apresentam seus limites, uma vez que
consideramos apenas palavras isoladas e não em contexto. Assim, mediante o
quadro limitado em que se insere este estudo acreditamos em possíveis pesquisas
futuras que possam aprofundar a problemática e ou redirecionar suas dimensões
limitadas com o intuito de promover discussões que abordem as relações entre L1 e
L2.

REFERÊNCIAS
BEAUGRANDE, Robert de. New Foundations for a Science of Text and Discourse:
Cognition, Communication and the Freedom of Access to Knowledge and Society.
Volume LXI, Advances in Discourse Processes, University of Viena, Roy O. Freedle,
Ablex Publishing Corporations, New Jersey, 1997.
COOK. Vivian J. Second Language Learning and Language Teaching. 2ed. London,
Oxford University Press, 1996.
DULAY, Heidi, BURT, Marina & KRASHEN, Stephen. Language Two. Oxford, Oxford
University Press, 1982.
ELLIS, Rod. Second Language Acquisition. 8 ed. Oxford, Oxford University Press,
2003.
KRASHEN, Stephen, D. Principles and Practice in Second Language Acquisition.
Prentice: International Hall, UK, 1997.
LITTLEWOOD, William. Foreign & Second Language Acquisition. 20 ed. Cambridge:
Cambridge University Press, 2006.
PAIVA, V.L.M.O. Modelo Fractal de Aquisição de Línguas. IN: BRUNO, Fátima
Cabral (org.). Ensino & Aprendizagem de Línguas Estrangeiras: Reflexão e Prática.
São Carlos, Claraluz, 2005.
PINKER, Steven. O Instinto da Linguagem: Como a Mente cria a Linguagem. Martins
Fontes, São Paulo, 2004.
SANTOS, Cleydstone Chaves dos. As faces da L1 no processo ensino-
aprendizagem de L2. I CONEL Linguagem Como Prática Social: Fronteiras e
Perspectivas, UFRN, Natal, 2007.

64
SLAMA-CAZACU, Tatiana. Psicolingüística Aplicada ao Ensino de Línguas. São
Paulo, Pioneira, 1979.
VYGOTSKI, L. S. Pensamento & Linguagem. 3ed. Martins Fontes, 2005.
YOKOTA, Rosa. Aquisição & Aprendizagem de Línguas Estrangeiras – aspectos
teóricos. IN: BRUNO, Fátima Cabral (org.). Ensino & Aprendizagem de Línguas
Estrangeiras: Reflexão e Prática. São Carlos, Claraluz, 2005.

65
O DISCURSO SACRALIZADO E A SUPREMACIA DA LEITURA

FERREIRA, Ayanne Mayelle da Silva Ferreira (PROLING/UFPB)1


ARAGÃO, Keila Gabrielle Leal (PROLING/UFPB)2

RESUMO:
Os discursos que circulam sobre leitura são manifestados de um sujeito a outro, a partir
de práticas discursivas, relações de poder e uma dinâmica que se apresenta entre o
“velho” e o “novo”, entre aquilo que já se cristalizou na história da leitura e o desejo de
tornar a prática da mesma um referencial cada vez mais desencadeador de múltiplas
funções culturais, cognitivas e, inclusive como prática determinante na ascensão da
classe social dos sujeitos. Estes discursos são, em sua maioria, controlados e
organizados por aquilo que diz a instituição - sociedade, família, escola e a sala de aula,
bem como pessoas autorizadas que detém o conhecimento/saber, como é o caso do
professor. A fim de verificarmos que discursos repercutem a este respeito, sobretudo, na
instituição escolar, mais especificamente nas vozes dos alunos, aplicamos um
questionário escrito para os alunos do ensino fundamental II de uma escola pública do
interior paraibano, desta feita, a questão que norteou o objetivo do presente artigo foi a
seguinte: Que importância você atribui à leitura? Para subsidiar tal reflexão embasamo-
nos teoricamente nos seguintes autores: Zilberman (2009), Abreu (2009), Chartier (1999),
Foucault (2011), Sousa (2002; 2008; 2009) entre outros. Os sentidos e os significados
conferidos à leitura apresentam-se de forma “canonizada” e “sacralizada” na qual o sujeito
aluno (re)conhece a importância da mesma, enaltecendo-a como fonte de vida e de
conhecimento, enxergando-a como definidora de papéis sociais e culturais, como prática
emancipadora e decisiva para o sucesso no processo ensino aprendizagem e,
consequetemente, no seu desenvolvimento pessoal e profissional.

Palavras-chave: Discurso; Sujeito; Leitura.

1
Graduada em Letras pela Universidade Estadual da Paraíba; Especialista em Linguística Aplicada ao
Ensino de Língua Materna pela Universidade Federal de Campina Grande; Mestranda em Linguística pela
Universidade Federal da Paraíba PROLING/UFPB.
2
Licenciada em Letras - Língua Vernácula pela Universidade Federal da Paraíba (2011) e atualmente é
mestranda no Programa de Pós-Graduação em Linguística. Desenvolve pesquisas na área Linguística e
Práticas Sociais cuja linha de pesquisa é Discurso e Sociedade. Realiza atividades de Docência Assistida
na mesma instituição em que é bolsista, na disciplina Leitura e Produção de Texto I.

66
INTRODUÇÃO
A leitura supõe relação com a linguagem, com os sentidos e com os fatores
históricos, sociais e culturais que envolvem o sujeito. A mesma, quase sempre, foi
encarada na nossa sociedade como um exercício determinante para o sucesso e
desenvolvimento dos sujeitos, porém muitas são as resistências e contradições no que
tange os discursos que circulam e a prática efetiva da leitura.
A fim de constatarmos este fato, analisamos no decorrer deste artigo, discursos
sobre leitura para alunos do ensino fundamental II. Discurso aqui entendido não como
conjunto de palavras e frases que possuem significados soltos e independentes em sua
materialidade linguística, mas como construção e prática discursiva de sujeitos sociais e
de conhecimento.
Inicialmente, 30 alunos participaram da pesquisa e responderam a questão
proposta “Que importância você atribui à leitura”, porém, dada a natureza sintética deste
trabalho e também a repetição exaustiva das informações presentes no corpus,
selecionamos apenas 15 discursos. Vale lembrar que mantivemos a forma escrita dos
discursos fornecidos pelos sujeitos.
Para tanto, embasamo-nos teoricamente em alguns autores autorizados e que
respondem, de forma pertinente, sobre a temática em pauta. Destaca-se, portanto,
Zilberman (2009), Abreu (2009), Chartier (1999), Sousa (ano) entre outros.
Estes autores dialogam constantemente e reafirmam a ideia de que existem
discursos sobre leitura que já foramcristalizados historicamente e têm sido reproduzidos
de forma sacralizada, enaltecedora e emancipadora a partir de uma dimensão valorativa e
absoluta. Nesse sentido, o discurso sobre a positividadeeimperatividade da prática de
leitura “circula como uma sentença de vida” definidora de funções sociais e culturais.
(SOUSA, 2009. p. 2268).

LEITURA: INSTRUMENTO DE REPRODUÇÃO E LUGAR DE EMANCIPAÇÃO

A universalidade do ato de ler provém do fato de que todo indivíduo


está implicitamente capacitado a ele, a partir de estímulos da
sociedade e da vigência de códigos que se transmitem, de
preferência, por intermédio de um alfabeto. (ZILBERMAN, 2009.
p.31)

67
Com base na autora acima citada podemos afirmar que a leitura e suas práticas
obedecem não só a um código linguístico vigente, mas segue uma “lógica” e estímulo
social ideologicamente desenvolvido. Desta feita, a leitura se constitui, em nossa
sociedade, como uma atividade de extrema relevância e serve como referencial
necessário ao desenvolvimento e formação humana, tanto nos seus aspectos cognitivos,
como social e histórico, implicando, portanto, “processo político” que requer compromisso
com a transformação social.
A partir destas afirmações, construídas histórica e ideologicamente, decorre o
compromisso social diante da importância ética da leitura que “está no seu valor de
descobertas e de renovação para a nossa experiência intelectual e moral” (NUNES, 2009.
p. 193), tais experiência são (re)construídas ao longo do tempo.
Tendo em vista a supremacia conferida à leitura, Sousa (2009) considera que este
discurso revela “o modo do discurso verdadeiro, ou daquilo que se deve saber como
verdade, apresentado ora como um dizer anônimo, ora como um discurso de autoridade”.
Assim, temos “verdades” que circulam acerca da leitura e de tão repetidas se tornaram
inquestionáveis e super valorizadas. Nas palavras de Foucault (2009, p. 17-18), essas
verdades são apontadas como vontades que se apoiam sobre um “suporte institucional”
sendo “ao mesmo tempo reforçada e reconduzida por todo um compacto conjunto de
práticas [...]”, assim, essas vontades de verdade tendem a exercer poder e coerção sobre
os outros discursos.
Sabemos que na antiguidade o acesso ao ensino era restrito, desse modo, a leitura
era também considerada uma prática limitada e seu acesso era direcionado apenas a um
grupo específico da sociedade. A mesma estava ainda, intimamente ligada a classe
dominante, sendo esta tida como a classe privilegiada e que, consequentemente, detinha
o conhecimento em função de determinadas práticas de leitura. Em detrimento destas e
outras questões históricas,

Atribui-se à leitura um valor positivo e absoluto: ela traria benefícios óbvios


e indiscutíveis ao indivíduo e à sociedade – forma de lazer e de prazer, de
aquisição de conhecimentos e de enriquecimento cultural, de ampliação
das condições de convívio social, de ampliação das condições de convívio
social e de interação. (ORLANDI, 2005. p.19)

68
Nesse sentido, os discursos que circulam acerca de leitura são manifestados, ainda
hoje, como um exercício que oferece ao sujeito um “despertar” de vida, uma atividade que
promove desempenho intelectual e que determina as funções sociais na vida dos sujeitos,
além de ser ainda sinônimo de “felicidade” e melhoria de vida.
A função da leitura, principalmente, na instituição escolar serve à realização de
novas e múltiplas aprendizagens. Partindo desse domínio, a prática de leitura, em todas
as instâncias sociais, não pode ser considerada uma atividade neutra, pois ela é feita a
partir de determinadas exigências, modos, posições, convenções, objetivos etc. É através
da leitura que o indivíduo revela subjetividades e se constitui enquanto sujeito histórico.
A leitura sugere, portanto, “uma prática encarnada em gestos, em espaços, em
hábitos” (CHATIER, 1999. p. 13). Estes condicionamentos são determinados, na maioria
das vezes, em função do “sacramento”, poder e autoridade confiados à leitura, assim, não
se lê qualquer coisa, em qualquer lugar e de qualquer jeito, há sempre finalidades, tipos e
modos de leituras específicos já estabelecidos de acordo com cada esfera comunicativa.
Os discursos reproduzidos pelos alunos são produzidos pela instituição e por quem
nela está inserido, assim, a escola e os professores possuem a “voz autorizada” e
respondem por um lugar de poder e saber. Nessa dimensão, poder e saber serão
produtores da realidade e por isto, apresentação uma relação muito íntima, Corroborando
com esta ideia, afirma Foucault (2011, p. 185) “Na verdade o poder produz; ele produz a
realidade; produz campos de objetos e rituais de verdade. O indivíduo e o conhecimento
que dele se pode ter se originam nessa produção”.
Desta feita, a relação poder/saber resulta em discursos organizados e controlados
que apontam a leitura como uma atividade imbuída de recusa e/ou desejo, a depender
dos objetivos, finalidades e funções estabelecidas pela por determinadas instâncias
comunicativas ou mesmo pelo sujeito em particular. Em relação a sociedade discursiva e
de controle, que produz e conserva discurso, nos assegura Foucault (2009, p. 9)

[...] suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo


tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo
número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e
perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e
temível materialidade.

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Desse modo, percebemos que há várias vozes que permeiam o ambiente escolar e
no que tange a leitura não é diferente, há várias vozes que ecoam e até já foram
cristalizadas historicamente. A partir desta afirmação dizemos que os discursos
construídos sobre leitura possuem em si uma carga ideológica determinada e controlada
pelo “o que diz a instituição” – escola, família e a sociedade de um modo geral. A
importância da leitura advém, portanto, desses discursos que são ditos e repetidos, foram
sendo construídos e reconstruídos ao longo do tempo.
Ao classificarmos as leituras institucionalizadas, podemos afirmar que em sua
maioria, são aquelas imbuídas de obrigação e trabalhadas de forma tradicional, enquanto
as que causam prazer são aquelas escolhidas e “intensamente vividas” pelos próprios
leitores, neste caso, busca-se o prazer sem a prevalência de cobranças e limitações
didáticas pedagógicas. Assim, continuamente, a leitura caminhará com o leitor
possibilitando o prazer e/ou obrigação, acrescenta Sousa (2008).

VEJAMOS O QUE DIZ OS SUJEITOS ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL II A


RESPEITO DE LEITURA

1. A leituraprecede o “falar e o escrever bem”

Sujeito A
A leitura é muito importante para nós. Para não passarmos vergonha
quando estivermos escrevendo ou falando. A leitura serve muito e
têm muitos tipos de leitura. Com a leitura podemos ficar muito
informados.

Sujeito B
A importância da leitura é que a gente aprende mais sobre a leitura,
aprende a falar direito etc.

Sujeito C
A leitura é importante porque eu aprendo a escrever e a ler. Através
dela eu leio livros e consigo viajar. Escrevo coisas que sinto, penso e
passo. Eu gosto da aula de português e gosto de ler também.

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Os discursos mostram que a leitura está intimamente ligada às práticas de escrita e
oralidade – herança deixada desde o século XVI - nessa perspectiva, a prática da leitura
favorece o “escrever bem” e o “falar bem”, e, consequentemente, o “sentir-se bem”, como
diz o sujeito aluno C A leitura é importante porque eu aprendo a escrever e a ler, desta
feita evitar-se-á que o sujeito “passe vergonha” tendo em vista as diversas práticas
simbólicas linguísticas/discursivas existentes e exigidas na sociedade. Vemos, portanto,
que ler, falar e escrever são atividades que estão intimamente ligadas, é quase que
inevitável falar do exercício de uma sem falar no exercício das outras.
As exigências de escrita requeridas nas práticas de leitura se referem a norma
culta padrão vigente, tais exigências são refletidas na vida social dos sujeitos tendo em
vista a sociedade grafocêntrica em que vivemos. A afinidade existente entre ler e escrever
demonstra uma relação de poder/saber entre os sujeitos e suas práticas sociais, pois
demonstra o real compromisso e necessidade com o próprio sistema de escrita, em
outras palavras diria De Certeau (2012, p. 240) “[...] ler é peregrinar por um sistema
imposto”. Partindo desse ponto de vista, as práticas de leitura são perpassadas pelo
domínio de regras não só linguísticas, mas também por convenções históricas sociais etc.
Nesse sentido, acrescenta Zilberman (1985. p.13).

[...] a leitura se revela como um fenômeno historicamente delimitado e


circunscrito a um modelo de sociedade que se valeu dela para sua
expansão. A consolidação deste modelo relacionou-se a um elenco de
fatores de ordem econômica, social, cultural e ideológica.

Assim sendo, os discursos que circulam acerca da leitura, inevitavelmente,


carregam uma carga ideológica que mobiliza/revela a subjetividade dos sujeitos. Isso
implica dizer que, cada sujeito fala e escreve a partir de uma posição social e histórica em
que está inscrito. Suas concepções em geral, serão materializadas de acordo com esse
suporte ideológico que foi convencionado socialmente e que o constituiu enquanto sujeito
histórico e político.

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2. A leitura como fonte vida, conhecimento e felicidade

Sujeito D
É importante porque ajuda muito na vida. Tudo precisa de leitura.
Sem leitura a gente não é nada.

Sujeito E
A leitura para mim é muito importante porque sempre ficamos bem
informados. Gosto muito de leitura porque aprendo coisas novas.

Sujeito F
Eu acho a leitura muito importante porque faz parte do conhecimento
e faz parte da vida.

Sujeito G
A leitura em nossas vidas tem uma importância incomparável porque
através dela que descobrimos diversas coisas e com a leitura
podemos também desenvolver nossos conhecimentos, tirar algumas
dúvidas que surgem muitas vezes. Enfim, a leitura tem um
significado muito importante na vida de cada um de nós.

Sujeito H
A leitura é muito importante na vida de qualquer pessoa, com a
leitura a gente se informa, aprende mais sobre vários assuntos, e
muito mais. Para tudo na vida é preciso saber lê, e quem não lê não
é feliz, pois muitas informações e experiências adquirimos com a
leitura.

A prática da leitura se manifesta de forma necessária e importante à vida dos


sujeitos. Como vemos nos discursos dos alunos, a leitura vai além de uma atividade de
mera decodificação, uma vez que, sua importância responde a interesses vários, de modo
a atingir o sujeito em todos os aspectos de sua vida, tanto cognitivo como social – como

72
afirma o sujeito D Tudo precisa de leitura. Sem leitura a gente não é nada, acrescenta
ainda o sujeito F a leitura faz parte do conhecimento e faz parte da vida.
Desse modo, a importância da leitura, como afirma o sujeito G, se caracteriza
como algo incomparável e tem um significado muito importante na vida de cada um de
nós, sendo através da mesma que “descobrimos diversas coisas”, inclusive é através dela
que podemos desenvolver nossos conhecimentos a respeito de algo. Nos discursos em
análise, a leitura é vista como uma “mola propulsora” para o desenvolvimento e sucesso
dos sujeitos em todos os aspectos de vida, na esfera social e na esfera escolar, aspectos
como estes justificam, a supremacia evocada a leitura.
Tendo em vista que a leitura é tida como prática discursiva que constitui o sujeito e
que a mesma é inerente a sociedade e a escola, as mais variadas práticas sociais exigem
que exercício da mesma esteja voltado para a realidade sócio discursiva que cerca o
sujeito. Com efeito, afirma Nunes (2009.p. 193) a leitura “seria um adestramento reflexivo,
um exercício de conhecimento do mundo de nós mesmos e dos outros”, assim a mesma
manifesta, sobretudo, uma função social e provoca no sujeito leitor algo que transcende a
apreensão de códigos, atingindo suas emoções, vivências e, consequentemente,
promovendo a aquisição de novos conhecimentos e construções de possíveis sentidos e
significações.
Partindo desse domínio, a leitura passou a ser encarada como o meio e não
somente a finalidade para a emancipação do sujeito, ela produz saber e promove a
aquisição de novos conhecimentos. É, pois, considerada um processo ativo, ético, crítico
e participativo que envolve o leitor, suas histórias, o autor e a escrita. Sendo assim, ler é
uma prática reflexiva do e sobre o sujeito, implica compreender; interpretar; construir
significados; interagir. Dada estas conceituações e importância manifestadas no discurso
dos sujeitos, esperamos que haja sempre a crescente preocupação, social e escolar, em
se desenvolver hábitos e estratégias de leitura a fim de, verdadeiramente, formarmos
leitores competentes e assíduos para que assim estejam aptos a participarem com
frequência e criticamente na sociedade em que vivem.
Tendo em vista todos os benefícios, sociais, emocionais e pessoais ocasionados
pela leitura, ela é também vista como sinônimo de felicidade, ou seja, quem não lê não é

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feliz (Sujeito H). A leitura possibilita a criação, ativa a imaginação e manifesta emoções e
sensações sempre singulares e novas, através da leitura o sujeito manifesta seus modos
de subjetivação e encontra lugar no mundo. Nessa ótica, a leitura é vista como o “desejo
de viver”, o sujeito alimenta o seu imaginário e alcança a felicidade.

3. A leitura como acesso ao passado

Sujeito I
Para mim a importância da leitura serve para conhecer coisas do
passado e também estudar um pouco das pessoas que ficaram
marcadas na história da leitura.

Sujeito J
Na minha opinião a leitura é muito importante, a gente fica bem
informado, descobre sobre assuntos muitas vezes nunca vistos,
conhece histórias, depoimentos de vidas de pessoas etc. Além de
adquirir conhecimento.

A leitura é vista ainda como a ferramenta que possibilita o “conhecimento”, a


obtenção de novas “informações” e o alcance de “coisas do passado”, é, pois, através
dela que a história desaparece e reaparece fazendo com que o sujeito toma
conhecimento dos fatos históricos. A leitura é, pois, considerada ainda como uma
experiência de vida das pessoas, ela passa a ser a própria pessoa materializada em
códigos e, principalmente, história. Nesse sentido, “Ler é, em última instância, não só uma
tomada de consciência, mas também um modo de existir no qual o indivíduo compreende
e interpreta a expressão registrada pela escrita e passa a compreender‐se no mundo”
(SILVA, 1987, p. 45). A leitura pode, portanto, ser considerada como a mediadora entre
cada ser humano, sua história, seu passado e seu presente.
É, portanto, através da leitura que é possível viajar no mundo do imaginário,
construir sentidos, adquirir novos conhecimentos, ficar bem informado e encontrar o

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sentido da vida. Nas palavras do sujeito J a leitura é muito importante, a gente fica bem
informado, descobre sobre assuntos muitas vezes nunca vistos, conhece histórias,
depoimentos de vidas de pessoas etc. É ainda através dela que se conhece o outro e
também a si mesmo, resgatamos nossas lembranças mais valiosas e alcançamos o
passado. Desse modo,

A leitura traz uma essência que talvez lhe seja original: a de oportunizar ao
leitor um confronto do passado e presente, oportunizando descobertas e
sensações, onde as páginas, ao reunirem letras, confrontam experiências
que operam comportamentos legitimados por um filtro que está em cada
leitor, como sinal de significação e sentido, que nada mais é do que uma
experiência singular. (PANDINI, 2004. p. 9)

Ao considerarmos a leitura como aquela que facilita o “acesso ao passado”,


verificamos a natureza dinâmica e elástica que a leitura possui dada a sua historicidade.
Em seu discurso, o sujeito I revela Para mim a importância da leitura serve para conhecer
coisas do passado e também estudar um pouco das pessoas que ficaram marcadas na
história da leitura, assim, é através da escrita que a história é arquivada e através da
leitura que a história é concebida aos sujeitos em tempo real.
Os sentidos das palavras são construídos, portanto, na história, em fatos e
acontecimentos, e não no código linguístico em si. Partindo desse domínio, a leitura
também é considerada uma questão coletiva e individual, ou seja, mistura-se aquilo que é
específico do sujeito – suas experiências e vivências – a um contexto também específico
que se revela de acordo com um determinado marco histórico.
O que está registrado nas palavras escritas são significações a serem desvelados
pelos sujeitos leitores a partir do processo de (re)construção constante do conhecimento.
Com base nesta informação, acrescenta Chartier (1999. p.27) “[...]a leitura não é jamais
limitada, não podendo assim ser deduzida dos textos das quais ela se apropria”. A leitura
envolve, portanto, algo que transcende os textos, ela atinge as emoções, as experiências,
o conhecimento e, consequentemente, a história.

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4. A leitura como facilitadora do processo ensino-aprendizagem

Sujeito L
A leitura é importante porque através dela conseguimos muitas
coisas: bom desenvolvimento e bom rendimento escolar.

Sujeito M
É importante a leitura, pois a influencia o desenvolvimento e a
aprendizagem.

A história da leitura, até pouco tempo, esteve diretamente associada a escola e,


consequentemente, ao processo de alfabetização. Ainda hoje esta ideia, está faz presente
nos discursos oficiais que regulamentam as práticas escolares. Nesse sentido, vale
destacar que

A escola é a instituição encarregada da alfabetização da criança;


entretanto, os meios ara difusão da leitura provêm de um setor mais
amplo. Dizem respeito a um conjunto de política de leitura, que transcorre
preferencialmente na escola, mas resulta de um posicionamento de toda a
sociedade civil. Isto determina decisões em nível de Estado e se traduz por
intermédio de uma ação cultural e pedagógica. (ZILBERMAN, 2009. p. 42)

No que tange as políticas de leitura, fala-se muito em desenvolver práticas que


estimulem a criatividade e desenvolva o potencial crítico do sujeito, como forma de
facilitar o processo ensino aprendizagem e o desempenho linguístico não só nas aulas de
língua portuguesa, mas também nas demais disciplinas. Independente dessas questões,
afirma Manguel (2000. p.20) “somos leitores a todo o momento, sendo ou não
alfabetizados, no sentido da palavra”, desse modo, o que nos constitui leitores não é
meramente o processo de alfabetização, mas a forma como nos constituímos enquanto
sujeitos históricos e compreendemos o mundo.

76
Dentro das salas de aula, os discursos reproduzidos acerca da leitura, relacionam-
se com a ideia de que quem não lê não alcança bom rendimento escolar e não
desenvolve a aprendizagem, condições estas instituídas como necessárias à formação do
leitor ético, ativo, crítico e participativo. Partindo disso, por mais que não sejam leitores
assíduos, os alunos tendem a reproduzir aquilo que é dado institucionalmente, ou seja,
reconhecem a importância da leitura e a consideram como aquela responsável pelo
desenvolvimento do senso crítico e pela prática emancipadora, provocando,
consequentemente, acesso maior aos bens culturais e de transformação. Assim sendo,
afirma Zilberman (2009. p.37) a prática da leitura converte-se como “fiadora do sucesso
profissional” desencadeando um “processo de democratização do saber”.

5. A leitura meche com as emoções e os sentimentos

Sujeito N
A importância da leitura para nós mostra um mundo novo,
aprendemos novos textos que às vezes nos deixam calmos e
algumas vezes nos dedica a ler mais e até queremos mostrar aos
outros como a leitura é boa. Com a leitura a gente viaja no mundo da
imaginação, se emociona, rir, chora, fica triste e fica feliz.

Sujeito O
A leitura ajuda a desenvolver a nossa inteligência, faz a gente
aprender mais coisas, aprende a ler mais, faz ler muitos livros que
são muito importantes para a sociedade. Livros que falam de amor,
paz, amizade, heroísmo, ação, aventura, livros que fazem a gente
ver melhor as coisas. A leitura é ótima e é muito boa para nós.

Outra questão que ganhou destaque no decorrer de nossas análises, foi a leitura
vista a partir do prisma da sensibilidade e do sentimentalismo. A leitura possui o poder de
mexer com o emocional dos sujeitos, suas leituras estão, portanto, condicionadas a

77
reações, estilo, curiosidades e estímulos, específicos e pessoais, que permitem e facilitam
ver as coisas como elas são ou como desejam que elas sejam. Desse modo,

A prática da leitura é ainda vista como “forma de preencher a solidão do


indivíduo (...) O ser humano precisa conversar consigo, ter seu momento
de solidão, e a leitura é uma grande auxiliar da reflexão, da meditação, do
voltar-se para dentro de si. (CAGLIARI, 2009. p.154).

Vemos que a leitura possui uma característica fugidia da realidade física/concreta e


institucionalizada, ou seja, o sujeito leitor faz uso da leitura com objetivos e finalidades
diferenciadas, não mais só para ficar informado, adquirir conhecimento ou desenvolver a
sua inteligência, mas para refletir e fazer brotar sentimentos amor, paz, amizade,
heroísmo sujeito O - e/ou sensações, como diz o sujeito N Com a leitura a gente viaja no
mundo da imaginação, se emociona, rir, chora, fica triste e fica feliz. A leitura possibilita ao
sujeito que ele mergulhe no íntimo do seu ser e (re)viva a cada leitura, uma nova
sensação, um novo sentimento e uma nova história.

6. A leitura e sua função social

Sujeito P
A leitura está exatamente em tudo na nossa vida. Quando a gente
sai para qualquer lugar tem certas coisas avisando. Acho que a
leitura é fundamental e muito importante para arranjar qualquer
emprego, até para varrer a rua.

Como podemos verificar no discurso acima, a leitura transcende a mera


decodificação, ela requer, sobretudo, a compreensão dos fatos que nos cercam -A leitura
está exatamente em tudo na nossa vida. Quando a gente sai para qualquer lugar tem
certas coisas avisando. - assim, percebe-se que a mesmapossui função social e promove
a ascensão de classe - Acho que a leitura é fundamental e muito importante para arranjar
qualquer emprego, até para varrer a rua.

78
Tais discursos refletem as práticas de letramento que estão no domínio discursivo
da leitura, sendo esta não mais considerada apenas uma prática escolar restrita a uma
classe dominante, mas uma prática reflexiva e de uso constante que se estendeu e
ocasionou diversas necessidades de comunicação social entre os indivíduos. Desse
modo, para que o sujeito esteja inserido e participe de forma ativa na sociedade, é preciso
que ele compreenda os mais variados gêneros discursivos que circulam na sociedade.
Diante da multiplicidade de gêneros textuais existentes e das novas práticas de
leitura a escola recebe múltiplos desafios, tendo em vista as novas práticas de letramento
que emergem dia-a-dia de acordo com as necessidades sócio comunicativas. Desde
então a escola, necessariamente, passou a oferecer novos e adequados procedimentos
pedagógicos em suas práticas de leitura a fim de que os sujeitos alunos se tornassem
leitores assíduos com determinadas competências e habilidades linguísticas e
discursivas.
Partindo desse domínio, ao pensar a escola a partir de um processo de
democratização e emancipação, vemos claramente a sua função crítica, social e
transformadora diante das práticas de leitura. O sujeito, assim como a leitura revelam
espaços de/para significação social e histórica.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS


Diante dos dados fornecidos nesta análise, podemos verificar os discursos mais
recorrentes que circulam acerca da leitura. Discursos estes que já foram cristalizados e
são reproduzidos refletindo a supremacia, convencionalidade e grande importância,
principalmente social e ética da leitura.
Nesse sentido, as concepções materializadas pelos sujeitos alunos são produtos
de uma visão escolarizada/institucionalizada da leitura, é, pois, a partir da educação
infantil que as concepções sobre leitura começam a ser construídas tanto no seio escolar,
como no seio familiar e social.
Assim, desde cedo, a leitura cumpre um papel específico envolvendo os sujeitos
em atividades que lhes façam compreender as mais variadas funções, formas e uso que
ela possui. Nas palavras de Cagliari (2009, p. 130) a leitura tornou-se “a extensão da
escola na vida das pessoas” e sua importância alcança “novos ares” a cada dia. Desta
feita, a leitura apresenta uma relação direta com a sociedade, com a escola, a família e os
sujeitos, uma vez que a mesma oferece vários benefícios em todos os seus contextos de
uso e de integração social favoráveis ao desenvolvimento humano.

79
Nesse sentido, o que torna o a leitura tão importante na sociedade, sobretudo, uma
sociedade globalizada, é a soma das ideologias e experiências pessoais dos sujeitos, que
dialogam umas com as outras, manifestando sentidos que ora comungam dos meus
ideais, ora se contradizem em seus sentidos e significações.
Estes fatores favorecem o enriquecimento das práticas de leitura, sendo cada uma
delas, de igual modo, necessárias à constituição de sujeitos, sendo estes, em certa
medida, corpo, alma, espírito, emoções e, sobretudo, história.

REFERÊNCIAS
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: Mercado de Letras, 1999. p. 193-205.
CAGLIARI, Luiz Carlos. A leitura. In: Alfabetização e Linguística. São Paulo : Scipione,
2009. p. 130-162.
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CHARTIER, Roger. Comunidades de leitores. In: A ordem dos livros: autores e bibliotecas
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MANGUEL, Alberto. No Bosque do Espelho: Ensaios sobre palavras e mundos. São
Paulo:
Cia das letras, 2000.
ORLANDI, EniPulcinelli. Leitura: perspectivas interdisciplinares. 5ª ed. São Paulo: Ática,
2005.
PANDINI, Carmen Maria Cipriani. Ler é antes de tudo compreender... uma sintese de
percepçào e criação. Disponível
em:http://www.periodicos.udesc.br/index.php/linhas/article/viewFile/1242/1054 publicado
em março/2004.
SILVA, Ezequiel Teodoro. O ato de ler: fundamentos psicológicos para uma nova
pedagogia de leitura. 7. ed. SãoPaulo : Cortez, 1996.
SOUSA, Maria Ester V. de. Desnaturalizando o discurso sobre a leitura. Anais do
Congresso Internacional da Abralin, 2009.

80
______. Leituras de professores e alunos: entre o prazer e a obrigação. Trabalho
apresentado no Encontro Internacional Texto e Cultura, Fortaleza: UFC, 2008.
ZILBERMAN, Regina. Sociedade e democratização da leitura. In: Estado de Leitura.
BARZOTTO, Valdir Heitor (org). Campinas – SP : Mercado de Letras, 1999. p. 31-45.
___________. Regina. A leitura na escola. In: ZILBERMAN, Regina (org). A leitura em
crise na escola: as alternativas do professor. Porto Alegre: Mercado aberto, 1985.

81
A LEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO ATRAVÉS DAS
“CHARGES-CARTUNESCAS” E SUAS IMPLICAÇÕES SOCIAIS

LIMA, Isabella Cristina Amorim de Lucena (PROLING/UFPB) 1


FERNANDES, Alexsandro Marcelino (CLEAD/UFPB)2

RESUMO:
Este artigo tem como objetivo demonstrar como a leitura da cidade do Rio de
Janeiro é realizada através das charges-cartunescas bem como suas implicações
sociais. Selecionamos, como corpus, três “charges-cartunescas” (gênero com traços
simultâneos de charge e cartum) sobre a violência no Rio de Janeiro, expostas na
mídia. Como embasamento teórico tomamos os pressupostos relacionados à leitura
discursiva e à teoria dos gêneros textuais.

Palavras-chave: leitura, charges-cartunescas, aspectos sócioculturais.

INTRODUÇÃO
Possenti (2001, p.74) em seu artigo, “O humor e a língua”, afirma que “uma
língua não é como nos ensinaram: clara e relacionada diretamente a um fato ou
situação que ela representa como um espelho”. Deparamo-nos com informações
provenientes de diversos meios, nas mais distintas formas, de forma explícita ou
muitas vezes nas entrelinhas do texto, estamos cercados por uma variedade de
textos, ora verbais, ora não-verbais que contribuem para nossa formação como
cidadão.

1
Graduada em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa (1998), em Turismo pela Universidade Federal
da Paraíba (2006) e em Letras Vernáculas e Língua Inglesa pela Universidade Federal da Paraíba (2008).
Especialista em Gestão em Marketing pelo Centro Universitário de João Pessoa (2001) e em Língua Espanhola e
Literatura Hispano-americana pela Universidade Estadual da Paraíba (2010). Mestre em Linguística pelo
Programa de Pós Graduação em Linguística da Universidade Federal da Paraíba (2008). É aluna do doutorado
pelo Programa de Pós-graduação em Linguística (UFPB). Atua como tutora no curso de Letras a distância da
Universidade Federal da Paraíba-Virtual e exerce o cargo de secretário executivo na Universidade Federal da
Paraíba.
2
Especialista em Ciências da linguagem com ênfase em EaD (CLEaD/PROLING/UFPB), especialista em Segurança
da Informação (FATEC), possui graduação em Sistemas para Internet (FATEC).

82
Há pouco tempo nossa educação era pautada em livros com textos verbais
muitas vezes fora da realidade da época, seja por causa da censura, ou pela falta de
criatividade dos autores/editores. A sede por informações e o crescimento do
mercado editorial de livros fizeram com que a inserção de outros tipos de textos se
fizesse presentes na vida acadêmica do aluno. Hoje, observamos as histórias em
quadrinhos, as charges, os cartuns e até mesmos as piadas sendo estudadas nos
níveis linguístico (através da semântica, sintaxe, morfologia e fonologia) e social (por
intermédio das situações extralinguísticas, vividas em nosso cotidiano).
Implementamos inovações nos sistemas educativos, principalmente, quando
nos referimos aos conteúdos utilizados em sala de aula, isto é, os contextualizamos
para tornar a aprendizagem mais significativa, mais próxima à realidade dos alunos
e chegamos à conclusão de que o trabalho com o humor em sala de aula, através
das charges, dos cartuns, das piadas, das tiras cômicas atrai a atenção do aluno e
ajuda-o a formar uma consciência crítica-social do meio em que vive, motivando-o,
cada vez mais, a buscar gêneros textuais com linguagens verbais e não-verbais em
suportes diversos do nosso cotidiano.
Para a confecção deste trabalho, optamos por duas seções envolvendo
alguns aspectos relacionados à leitura e à teoria correspondente aos gêneros
textuais para uma melhor compreensão de como se entrelaçam os elementos
linguísticos e extralinguísticos.
Demonstraremos, nesse artigo, como a leitura das charges com
características de cartum (charges-cartunescas) referentes à cidade do Rio de
Janeiro contribui para a uma visão estereotipada da cidade conhecida por ser
maravilhosa, ressaltando a violência de forma irônica.

SOBRE LEITURA

A leitura e a compreensão de um texto está intrinsecamente relacionada aos


conhecimentos prévios do leitor. O conhecimento adquirido ao longo do tempo pelo
leitor é imprescindível para a interação mediante a leitura e sua interpretação.
Segundo Paulo Freire (1983, p. 11-12), “A leitura do mundo precede a leitura da
palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da
leitura daquele”. Assim, ler o mundo é entendermos nossa realidade, ora através de
atos ou fatos, ora através de palavras. Ao lermos o mundo, estaremos aptos a

83
lermos, entendermos e contextualizarmos as palavras que nos são postas em xeque
cotidianamente, assim, nos tornaremos sujeitos desse mundo. A leitura da palavra
escrita tem como suporte o conhecimento acumulado ao longo da vida, ao mesmo
tempo em que amplia e modifica esse conhecimento.
Não há dúvidas de que o primeiro passo para formação de leitores é a
sedução, a motivação, fazendo com que esse ato de leitura seja um prazer. É
importante ressaltarmos que no processo cognitivo, o leitor, depois de decifrar os
signos, tenta entender de que trata o texto. Para isto, é necessário um esforço de
abstração. Diferentes atitudes podem ser estabelecidas, ditadas pela complexidade
ou não do texto.
Se o texto é um romance, cuja história prende o receptor, o leitor percorrerá as
páginas até saber o final da história. Se o texto for complexo, o leitor poderá
sacrificar a progressão em favor da interpretação. Se for uma história em quadrinhos
o leitor utilizará, além das palavras, as imagens (linguagem não verbal) para que
seja alcançada a compreensão. Em todos os casos, a leitura exige uma certa
competência, um saber mínimo para prosseguir.
Para Kuenzer (2002, p.101), “ [...] leitura, escrita e fala não são tarefas
escolares que se esgotam em si mesmas; que terminam com a nota bimestral.
Leitura, escrita e fala – repetindo – são atividades sociais, entre sujeitos históricos,
realizadas sob condições concretas”, fazendo com que sejam formados leitores
críticos e reflexivos.

SOBRE O GÊNERO
Os gêneros textuais consistem em materializações linguísticas com uma certa
estabilidade, que ocorrem nos ambientes discursivos de nossa sociedade. No
campo dos estudos da linguagem, os gêneros textuais talvez sejam um dos objetos
de estudo que melhor representem a interdisciplinaridade entre as áreas de
conhecimento envolvidas com fenômenos sócio-culturais, cognitivos e linguísticos.
Para Marcuschi (2003, p.19),

São entidades sócio-discursivas e formas de ação social


incontornáveis em qualquer situação comunicativa. No entanto,
mesmo apresentando alto poder preditivo e interpretativo das ações
humanas em qualquer contexto discursivo, os gêneros não são
instrumentos estanques e enrijecedores da ação criativa.
Caracterizam-se como eventos textuais altamente maleáveis,

84
dinâmicos e plásticos. Surgem emparelhados a necessidades e
atividades sócio-culturais, bem como na relação com inovações
tecnológicas, o que é facilmente perceptível ao se considerar a
quantidade de gêneros textuais hoje existentes em relação a
sociedades anteriores à comunicação escrita.

Marchuschi ressalta a questão de maleabilidade que é dada aos gêneros para


cumprir a sua ação social. Os gêneros discursivos se distribuem nas modalidades de
oralidade e escrita, que estão relacionadas entre si, desde os mais formais aos mais
informais contextos da vida cotidiana. Mas, em alguns casos, os gêneros que foram
produzidos na forma escrita são recebidos na forma oral, como as telenovelas, as
orações etc. “Eles não são entidades naturais como as borboletas, as pedras, os rios
e as estrelas, mas são artefatos culturais construídos historicamente pelos homens”
(MARCUSCHI, 2003, p.30).
Um mesmo gênero pode circular em diferentes suportes. Uma notícia pode
circular em jornais ou na Internet; uma crônica pode ser publicada em um livro ou
revista literária. Assim, para Marchuschi (op. cit., p.9), “todo gênero tem um suporte,
mas a distinção entre ambos nem sempre é simples e a identificação do suporte
exige cuidado”. O referido autor comprova essa tese, pois, segundo ele, “os gêneros
se dão materializados em linguagem e são visíveis em seus habitats”. Ele diz ainda
que o suporte “é imprescindível para que o gênero circule na sociedade e deve ter
alguma influência na natureza do gênero suportado” (p. 10). Em outras palavras, é
através do suporte que o gênero atinge a sociedade.
Para Marcuschi (2003, p. 11), “suporte de um gênero é uma superfície física
em formato específico que suporta, fixa e mostra um texto”. É uma superfície física
por se tratar de algo real, ou virtual (Internet). Tem formato específico, porque
sempre aparece em uma forma pré-determinada, seja livro, revista, jornal, outdoor,
folder etc. E, por fim, a principal função de um suporte é tornar um texto acessível
para fins comunicativos, por isso o fixa e mostra.
Trabalharemos, neste artigo, com o gênero caracterizado pelo cartunista Ivan
Cabral (2007) denominado de “charges-cartunescas”, que se configuram por
possuírem traços das charges e do cartum simultaneamente. Além disso, são
dotados de humor gráfico e por estão presentes no cotidiano dos mais diversos
suportes tais como livros, jornais, internet, dentre outros.
Para um melhor embasamento mister se faz destacar algumas características
referentes à charge e algumas peculiaridades concernentes ao cartum. A charge

85
tem como base um fato real, preciso, assim, a temporalidade e a espacialidade são
condições sine qua non para seu acontecimento, como afirma Rios (2008, p.300):
[...] a charge compartilha uma ideia de pauta. E a pauta está intimamente ligada ao
fato que aconteceu ou ainda deve acontecer em breve [...] a charge é feita para ser
lida naquele dia, naquela semana ou naquele mês. Depende da periodicidade do
veículo. Passando mais alguns dias, ela pode se tornar ilegível [...] a charge é uma
espécie de mito jornalístico. Diz muito com pouco “texto”[...]
Já o cartum é universal, ou seja, não há comprometimento em sua
interpretação com o passar do tempo nem com a localização geográfica do leitor.
Para Saraceni (2003) para compreendermos os cartuns contamos com informações
extratextuais, como o fato (assunto, problema social) que gerou as produções dos
mesmos.
A partir desses apontamentos surgiu o neologismo charge-cartunesca, pois
as que estão presentes em nosso corpus tratam de um tema universal, a violência
na cidade do Rio de Janeiro, um problema antigo, real e de repercussão mundial, de
solução lenta e complicada.

ANÁLISE DO CORPUS
É bem verdade que o Rio de Janeiro sempre teve um espaço garantido na
mídia. Conhecida como a “cidade maravilhosa”, o Rio de Janeiro mostrava através
dos recursos midiáticos belas garotas, uma paisagem espetacular composta pelo
contraste dos morros e do mar, uma riqueza cultural ímpar e o fantástico carnaval,
disputado por indivíduos de todos os lugares do mundo. Porém, o que era só beleza
foi transformado pela mídia em só tragédia, manchetes jornalísticas e chamadas
televisivas anunciam dia e noite, sem trégua, a violência crescente na cidade do Rio
de Janeiro, transformando a bela cidade em um campo de guerra.
A propaganda negativa relacionada ao Rio de Janeiro extrapolou as fronteiras
dos jornais e da televisão. Observamos a violência estampada em cartuns, charges,
cartazes, blogs e até mesmo oralizada em sala de aula e na sociedade,
principalmente pelo fato do Rio de Janeiro ter sido eleito como a sede da Copa do
Mundo de 2014 e das Olimpíadas em 2016, fato esse que desagradou fortes grupos
políticos e países desenvolvidos, como Estados Unidos e Espanha.
Nosso corpus é composto por três charges-cartunescas, obtidas pela internet,
demonstrando a disseminação da violência em um nível global, através da

86
tecnologia que poderia ser também nossa aliada para mostrar que o Rio de Janeiro
não é só guerra, tráfico de drogas e violência e sim uma cidade repleta de atrativos
naturais e turísticos.
Iniciamos nossa análise com a citação de Michel de Certeau (1994, p.261),
“Hoje, o texto é a própria sociedade”, para demonstrar que não só o homem é o
produto do meio, o texto também o é. Vivenciamos fatos que são solidificados na
escrita por meio do verbal e do não-verbal. Lemos o mundo, os gestos e as palavras
e, muitas vezes, nossa leitura é bem diferente da intenção do autor.
Ao nos depararmos com situações cotidianas em gêneros distintos,
destacamos alguns elementos interessantes para o estudo da linguagem, a figura 1
exemplifica bem que queremos dizer. Nessa charge-cartunesca, observamos um
recurso linguístico bem importante para ilustrar a importância do conhecimento de
mundo e como esse fator interfere no nível de compreensão do texto, a
intertextualidade. O leitor pode não identificar o intertexto (“Aquele abraço”,música
composta do Gilberto Gil), mas o entende, ainda que denote um outro sentido na
figura mostrada.
As qualidades que exaltam o Rio de Janeiro expostas na canção “Aquele
abraço”(1969), de Gilberto Gil, através de suas belezas naturais e culturais, são
substituídas na figura 1 pela ironia cantada pelo criminoso de que a cidade continua
linda para a prática da violência, através das armas mostradas, ratificando a noção
de representação proposta por Chartier (1990) que consiste na construção de uma
realidade no que tange os âmbitos social e cultural em diferentes lugares e
momentos por diferentes grupos sociais.

Figura 1

87
Um possível caso de intertextualidade também ocorre na figura 2. Ao
observarmos a imagem, podemos recorrer, caso a religiosidade faça parte do nosso
universo cultural, à passagem bíblica de Lucas 18,15-17, em que Jesus fala: “Deixai
vir a mim as criancinhas e não as impeçais, porque o Reino de Deus é daqueles que
se parecem com elas...” Desta forma, percebemos que a intertextualidade
pressupõe um amplo conhecimento de mundo, fazendo com que os leitores em
questão percebam o temor que o Cristo Redentor, um dos símbolos de maior
representatividade da cidade do Rio de janeiro, sente devido ao alto índice de
violência representado na figura abaixo pelas balas perdidas existentes na
localidade, assim, o Cristo protege as crianças, envolvendo-as em seus braços.

Figura 2

Em 2016, a cidade do Rio de Janeiro será a sede de um evento desportivo


(Jogos Olímpicos e Paraolímpicos) que ocorre a cada quatro anos, reunindo atletas
de quase todos os países do mundo para competirem em várias categorias de
desporto, tais como: atletismo, tiro ao alvo, natação etc. Dessa forma, o Rio de
Janeiro estará em alta sob a ótica nacional/internacional e por esse motivo mister se
faz programas sociais que tenham como escopo a diminuição da criminalidade e o
investimento em infraestruturas.
Apesar de todos os esforços que vem sendo realizados, o Rio de Janeiro
ainda possui uma das piores estatísticas quando o assunto é violência.

88
A charge-cartunesca de número 3 destaca o discurso de um criminoso sobre
a livre prática de delitos nas olimpíadas de 2016, apoderando-se de termos que
fazem alusão a algumas modalidades esportivas. Trata-se de um humor gráfico bem
atual em nossa sociedade, porém ele contribui para a construção negativa da cidade
carioca.

Figura 3

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, destacamos que qualquer produção linguística é de suma
importância para a formação de leitores críticos-sociais nas áreas acadêmicas ou na
vida cotidiana do cidadão. Diversos debates vem sendo realizados sobre como
trabalhar os gêneros textuais dentro ou fora da sala de aula e o que percebemos é
que, cada vez mais, os textos não-verbais têm ganhado destaque entre educadores
e alunos, através das charges, tiras cômicas, desenhos, cartuns, dentre outros
algumas vezes desprovidos de elementos verbais.
As imagens, na maioria das vezes, falam por si só e o leitor fará sua leitura
buscando além dos aspectos não verbais o seu conhecimento de mundo, formando
a partir desse binômio uma consciência crítica acerca do texto.
Vale ressaltar que a mídia e os autores modernos aprenderam como dizer por
meio de imagens o que não pode ser dito com palavras e quem lucrou com isso foi o
leitor, pois há uma ampliação em seu leque de interpretação e de formação de um
ponto de vista. Desse modo, concluímos que a implantação de textos pictóricos é
excelente para a aprendizagem pedagógica, cultural e social.

89
REFERÊNCIAS
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http://www.ivancabral.com/2007/06/charge-ou-cartum.html, Acesso em: 19/06/2011.
CERTEAU, Michel. de. A invenção do cotidiano: 1. artes de fazer. Petrópolis: Vozes,
1994.

CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Rio de


Janeiro: Bertrand, 1990.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 1983.
KUENZER, Acácia Zeneida (Org.). Ensino Médio: Construindo uma proposta para os
que vivem do trabalho. 3ª ed. São Paulo:Cortez, 2002.
MARCUSCHI, Luiz. Antônio. Gêneros Textuais: O que são e como se classificam?
Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2002.

_______. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez,


2001.
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Gêneros textuais & ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.
POSSENTI, Sírio. O humor e a língua. In:Ciência Hoje • vol. 30, nº 176. Disponível
em: http://aescritanasentrelinhas.d3estudio.com.br/wp-content/uploads/2009/02/o-
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RIOS, Dellano. Os mecanismos da charge. In: Plenarium, v.5, n.5, p.299-305,
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http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/801/mecanismos_charge.pdf?
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SARACENI, Mario. The Language of Comics. Routledge: London, 2003

SOUSA, Maria Ester Vieira de. Discursos sobre a leitura: vozes de leitores. In:
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90
http://1.bp.blogspot.com/_ZngE4pShE-
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http://4.bp.blogspot.com/_c3XkLHgm_ds/SsqCBYACxpI/AAAAAAAAANs/ZuCvfEuFL
kU/s400/imagem+(1).jpg. Acesso em: 06/01/2010

91
LUIZ, CÂMERA, AÇÃO: O ESPETACULAR ESTÁ NO AR

SOARES, Magnay Erick Cavalcante (CLV/UFPB) 1


GOMES, Jailson de Lucena (CLV/UFPB) 2
CASTRO, Onireves Monteiro de (UFCG)3

RESUMO:

Vivemos em uma sociedade imersa e dependente de recursos tecnológicos, o que


torna-nos muitas vezes insensíveis aos efeitos destes em nossas vidas. A grande
mídia trabalha com o poder de sedução da imagem que bem elaborada transmite
com rapidez sua mensagem. Investigamos o processo de espetacularização da
Mídia Impressa sobre a imagem do Ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, através
das capas da revista Veja publicado em 2010, para verificar os possíveis efeitos de
sentido proporcionados pela seleção de determinados mecanismos de persuasão
(polifonia e implícito) (ANGELIM, 2003; RIBEIRO, 2003) de maneira a demonstrar a
relação estreita existente entre comunicação e poder (GUARESCHI, 1987).
Ancoramos-nos teoricamente nos postulados de Debord (1997) - para quem o
espetáculo se dá pelo exagero que a mídia opera sobre determinada notícia; e
Foucault (2008) - que acredita que não se tem o direito de dizer tudo, em qualquer
circunstância; faremos incursões diversas, quando necessário, em outros suportes
da linha francesa de Análise de Discurso. As imagens têm um papel importante no
estímulo de emoções que atraem o olhar, despertando os sentidos, nos conduzindo
ao pensamento. Pudemos observar que a linha editorial da revista Veja buscou
apresentar em suas capas imagens impactantes, até certo ponto sensacionalistas,
1
Licenciado em Letras - Língua Vernácula e Língua Inglesa pela Universidade Federal de Campina Grande,
Mestrado em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística-PROLING do Centro de Ciências
Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal da Paraíba. Desenvolve pesquisas na área de Linguística e
Práticas Sociais na linha de pesquisa em Discurso e Sociedade. Atua como Tutor a Distância, na condição de
bolsista do sistema Universidade Aberta do Brasil, no Curso de Letras Virtual da UFPB.
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Licenciado em História e especialista em Geopolítica e História pelas Faculdades Integradas de Patos,
cursando Especialização em Ciências da Linguagem em EaD, PROLING/CCHLA da Universidade Federal da
Paraíba. Desenvolve pesquisas na área de História oral e memória. Atua como Tutor a Distância, na condição de
bolsista do sistema Universidade Aberta do Brasil, no Curso de Letras Virtual da UFPB.
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Graduado em Letras, Pós-Graduado em Metodologia do Ensino Superior e doutorado em Letras (Língua
Portuguesa e Linguística) pela Universidade Federal da Paraíba. Atualmente é professor da Universidade
Federal de Campina Grande. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em língua materna e linguística,
atuando principalmente nos seguintes temas: educação - leitura - escrita, letramento; ensino - educação,
discurso, linguística e alteridade.

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explorando fatos verdadeiros, mas imprimindo extrema importância aos
acontecimentos, muitas vezes irrelevantes ao contexto dos fatos, na tentativa de
manipular a opinião pública.

Palavras-chave: Mídia, Veja, Espetacularização, Persuasão, Comunicação e Poder.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Vivemos em uma sociedade cada vez mais imersa e dependente de recursos
tecnológicos, o que, naturalmente, torna-nos muitas vezes insensíveis aos efeitos
destes em nossas vidas. Mas nem tudo são mazelas, o avanço tecnológico
proporcionou, por exemplo, a circulação e o acesso da informação por todos, com
mais rapidez. Durante muito tempo, a imagem que se cuidou de construir sobre a
grande mídia dizia respeito a um veículo de comunicação dirigido e produzido por
profissionais compromissados com a ética, a moral e os bons costumes sociais,
defensores da vida e dos mais fracos e oprimidos. Na mídia, especialmente a
impressa, trabalha-se muito com o poder de sedução da imagem que quando bem
elaborada transmite de forma rápida sua mensagem. Mas, já há algum tempo, a
sociedade vem sendo inundada por uma avalanche de notícias produzidas por
profissionais que parecem como dizem alguns da área, ter rasgado os manuais de
redação da faculdade de comunicação.
Neste artigo, buscaremos investigar o processo de espetacularização que a
Mídia Impressa opera sobre a imagem do Ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
através das capas da revista Veja publicadas no ano de 2001 e 2002, para verificar
de que maneira a revista constrói uma imagem da figura do então presidente, quais
os movimentos de sentido possíveis de serem depreendidos da leitura dessas capas
e até que ponto a revista em questão corrobora para a manutenção da ordem do
discurso.
Tomaremos como ancoragem teórica básica os postulados de Debord (1997)
- para quem o espetáculo se dá pelo exagero que a mídia opera sobre determinada
notícia; e Foucault (2008) - que acredita que não se tem o direito de dizer tudo, em
qualquer circunstância sob pena de romper a ordem do discurso. De igual modo
faremos incursões, quando necessário, em outros suportes da linha francesa de
Análise de Discurso.

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O ESPETACULAR ESTÁ NO AR
Já há algum tempo, as novas tecnologias que surgiram no campo da
comunicação agem sobre a percepção humana e exploram a capacidade de
sentimentos dos indivíduos. Nesse terreno, movediço por natureza, a sociedade vive
cada vez mais, após o advento da revolução industrial, em um movimento frenético
em busca de conquistar aquilo que lhe é imposto pela mídia como necessário: surge
o consumismo desenfreado e a mídia passa a assumir um papel de destaque nessa
batalha. Cabe a ela trabalhar a percepção do coletivo social para consumir
desenfreadamente, mesmo que sem necessidade, os mais diversos produtos
expostos a venda pela indústria.
Por sua vez, a correria do dia-a-dia faz com que as pessoas tenham cada vez
menos tempo para buscar o conhecimento e com isso passem a consumir, também
de forma descriteriosa, todo tipo de informação produzida pelos diversos meios de
comunicação. Guy Debord (1997) definiu bem esse movimento de transformação da
sociedade moderna no que chama de A sociedade do espetáculo. Nela, a imagem
possui um papel centralizador, responsável por intermediar a relação social entre as
pessoas. A sociedade contemporânea passou a trocar a experiência real dos fatos
por uma representação forjada dos acontecimentos. E a mídia, por sua vez, se
esforça em convencer as pessoas que com tantas mazelas, catástrofes e desgraças
acontecendo parece ser mais fácil viver em um mundo de aparências e consumo
permanente de fatos, notícias, produtos e mercadorias que esta lhes oferece na
comodidade e segurança de seus lares, eliminando, assim, ao máximo a
necessidade de interação entre as pessoas.
Surge, então, a cultura do exagero que caracteriza bem alguns setores da
indústria da informação e comunicação em massa, que vive de explorar fragmentos
de notícias em prol de uma relação comercial centrada na máxima do lucro acima de
qualquer coisa. Essa tendência reforça a definição do que seria espetáculo na
compreensão de Debord (1997, p.9), para quem: “[...] nada mais seria que o
excesso do mediático, cuja natureza, indiscutivelmente boa já que serve para
comunicar, é por vezes dada a excessos [...]”.
A revista Veja vem já há algum tempo representando bem esse modelo de
mídia sensacionalista que, por vezes, fabrica notícias inescrupulosamente em favor
de seus interesses. Em artigo publicado na internet, o jornalista Luis Nassif (s/d)
sintetiza bem o que chama de “o modelo Veja de reportagem”:

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1. Levantam-se alguns dados verdadeiros, mas irrelevantes ou que nada
tenham a ver com o contexto da denúncia, mas que passem a sensação
de que o jornalista acompanhou em detalhes o episódio narrado.

2. Depois juntam-se os pontos, cria-se um roteiro de filme, muitas vezes


totalmente inverossímil, mas calçado nos fatos supostamente verdadeiros.

3. Para “esquentar” a matéria ou se inventam frases que não foram


pronunciadas ou se tiram frases do contexto ou se confere tratamento de
escândalo a fatos banais. Tudo temperado por forte dose de adjetivação.
(NASSIF, s/d)

Apostando na incapacidade das pessoas de buscar pela verdade dos fatos,


posto que “[...] o espectador é suposto ignorante de tudo, não merecedor de nada
[...]” (DEBORD, op.cit., p. 183), algumas linhas editoriais de grandes revistas
investem nesse tipo de prática que dá lucros, pois se vende com mais facilidade a
representação da vida não como ela é exatamente, mas como as pessoas,
supostamente, querem ver, recheada de emoção, por vezes aventura, mas
principalmente com muito escândalo. Assim, o bom espectador é aquele que nunca
age, mas acompanha os fatos através da grande mídia, sempre esperando para
saber o que vem depois.
Podemos dizer que a sociedade do espetáculo foi extremamente competente,
desde seu surgimento, no sentido de “educar uma geração submissa as suas leis” e
completamente alienada. O resultado desse processo meticulosamente pensado por
quem pretende vender a novidade conduz, segundo Debord, para o apagamento da
história, fonte da memória de fatos e acontecimentos de uma sociedade e referência
da medida de verdade do novo, portanto, a única forma de conferir o teor de verdade
do produto da grande mídia.

O PAPEL DA IMAGEM NA MÍDIA IMPRESSA: A PRODUÇÃO DE SENTIDO


As imagens têm um papel importante no estímulo de nossas emoções e,
portanto, atraem o olhar e despertam os sentidos, nos conduzindo ao pensamento.
Não é por menos que o uso de fotografias e/ou ilustrações ocupa um lugar de
destaque em peças de comunicação desde o surgimento da mídia impressa. Para
se fazerem compreender, as imagens apelam tanto para o imaginário coletivo,
quanto às experiências vividas pelas pessoas. A imagem é tomada aqui como a

95
representação de um acontecimento4 nos moldes de Pêcheux (1990). Vale lembrar
que as possibilidades de leituras são, em muitos casos, cuidadosamente pensadas,
planejadas e conduzidas pelo editorial das revistas para que atendam a um leque de
movimentos de sentidos e emoções que se pretende provocar nos leitores.
Para se ter uma idéia do poder/importância das imagens para os meios de
comunicação lembramos, por exemplo, que em matérias produzidas em outros
idiomas, mesmo quando o leitor não é capaz de compreender o que dizem os textos,
ainda sim é possível a reconstrução, até certo ponto, do contexto da notícia através
de fotografias e/ou ilustrações. Isso acontece em função do processo de assimilação
e retenção de informações que através da imagem se dá de forma emocional e
subliminarmente. Essa capacidade de transmitir ideias e/ou conceitos de forma
dinâmica e comprovadamente eficiente confere a imagem um papel essencial na
estrutura dos meios de comunicação, reforçando a mensagem e ampliando sua
permanência no pensamento das pessoas, chegando por vezes a compor o
imaginário coletivo.
Mas como se dá a produção dos sentidos a partir da utilização de imagens na
mídia impressa? Partimos do pressuposto de que a imagem em si faz parte de um
sistema de comunicação e que pode ser considerado um texto. De igual modo
lembramos que o princípio dialógico que orienta as concepções bakhtinianas de
linguagem, e pelas quais também nos orientamos, faz-nos considerar uma possível
relação entre sujeitos produtores de sentido (autor/leitor). É necessário observarmos
ainda que a concepção dialógica de linguagem inclui o outro como imprescindível
para a compreensão do eu; são as relações que fazem o eu ser o que é, pelas
ligações mantidas com o(s) outro(s) (Cf. BAKTHIN, 1992, p. 35 - 36).
É preciso considerar o diálogo como constitutivo da própria existência
cotidiana humana: esse envolve os seus complexos políticos, ideológicos, literários e
científicos. Esta mesma visão se faz presente em um trabalho de Castro e Christiano
(2003), quando apontam algumas relações entre texto e discurso e, igualmente
corroboram o pensamento de Possenti (1993, p. 114) sobre o fato de a noção de
discurso ser mais bem compreendida quando se postula uma visão mais semântica
para explicá-lo, devendo o mesmo ser entendido como uma “máquina de produzir
sentidos”. Assim é como concebemos o universo de produção de sentidos da

4
Fato que motiva o processo de enunciação, formador de sentidos, que terá como produto final o enunciado.

96
imagem, enquanto elemento essencial de peças de comunicação que englobam
tanto os enunciados que dizem respeito a uma mesma formação discursiva como as
suas condições de produção. De igual modo, a manifestação verbal do discurso só é
perceptível sob a forma de texto, isto é, os discursos são lidos e ouvidos na forma de
textos. Daí considerarmos a imagem um suporte textual de grande valor para a
mídia impressa.
Nesse processo dialógico de produção de sentidos a partir de imagens é
preciso observamos que quase toda imagem, seja ela estática ou em movimento, é
acompanhada de mensagens linguísticas – tais como legendas, títulos, pequenos
textos, etc. – que geralmente tem como função enfatizar as conotações presentes na
imagem. Para Barthes (1984) essa materialidade linguística que acompanha a
imagem pode assumir duas funções: i. de ancoragem ou ii. de etapa. Na primeira, a
palavra teria a função de conduzir o leitor na percepção dos sentidos, a partir da
intencionalidade do produtor da imagem; na segunda, palavra e imagem estão em
relação de complemento, pois cabe a palavra colocar, na sequência da mensagem,
sentidos que não se encontram na imagem, seja essa estática ou em movimento.
Como se vê, a formação de sentido a partir de imagens se dá através de um
processo complexo, que encontra na palavra um elemento essencial, indispensável
para a transmissão da mensagem de forma adequada. De igual modo, percebemos
que esse processo está impregnado de intencionalidades por parte do
emissor/produtor da mensagem, que busca, o tempo todo, conduzir as
possibilidades de leitura por parte de seu destinatário, tentando a todo curso
minimizar as movências de sentido naturais, quando se trata de linguagem em
processo de constituição de sentidos.

O PODER DA MÍDIA NA FORMAÇÃO DE OPINIÃO: POR UMA (DES)ORDEM DO


DISCURSO
Começamos por lembrar que em todas as esferas da sociedade há a
produção de discursos e, segundo Foucault (2008), estes são regulados,
selecionados, organizados e redistribuídos, conjurando poderes e perigos. Os meios
de comunicação de massa, por excelência, têm a capacidade não só de produzir,
mas também o objetivo de controlar o discurso, uma vez que este “[...] não é
simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo
por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar.” (FOUCAULT,
2008, p.10). Dessa forma, podemos considerar que a mídia, assim como a política, a
religião, a economia, etc., também possui uma ordem discursiva própria, constituída

97
por um conjunto de procedimentos que controlam, selecionam, organizam e
distribuem o discurso que, por tanto, lhe confere poder na interface com outras
esferas sociais.
Todos esses mecanismos de controle do discurso, a princípio, fazem crer na
existência de uma organização que controla a língua e as linguagens em seu
funcionamento no cotidiano. O que escapa a maioria das pessoas é o fato de que ao
controlar, selecionar, organizar e distribuir os discursos, os agentes produtores
silenciam ou simplesmente apagam outros tantos discursos que, por algum motivo,
não lhes interessam em dado momento. Cabe, portanto, ao analista do discurso ir à
busca de resgatar esses silenciamentos/apagamentos para colocá-los em confronto
com os posicionamentos tidos como verdadeiros pela mídia ou, pelo menos, dar-
lhes também a condição de verdades, de posições distintas.
Assim, monitorando, selecionando, controlando a produção de discursos, a
grande mídia busca incessantemente reter para si o poder de influenciar a opinião
publica que consome seus produtos. Mas até que ponto os meios de comunicação
em massa ainda detém esse poder nos dias de hoje? Ao que parece, a grande mídia
tradicional não possui mais o mesmo poder de formação de opinião que outrora no
passado. Isso se deve ao fato de que em regimes de governos democráticos, onde a
circulação da informação se dá de forma mais dinâmica e sem o controle direto do
Estado, ao longo dos anos ocorre, gradativamente, um aumento significativo das
fontes de informação, de maneira que a população como um todo passa a ter
inúmeras opções para se informar acerca do que ocorre em seu país e no mundo a
fora. No Brasil, especificamente, essa “democratização” da informação associada ao
aumento significativo na escolarização e a redistribuição de renda, que vem
atingindo uma parcela considerável da população brasileira ao longo dos anos de
estabilidade econômica, acabou com o monopólio informativo da grande mídia.
Contudo, toda essa mudança de contexto sócio-histórico não significa
necessariamente dizer que a grande mídia, em especial no nosso caso a mídia
impressa, perdeu todo o seu poder de formação de opinião. Ela continua ainda muito
forte, o que a torna, sem sombra de dúvidas, um ator político muito poderoso,
representante de uma parcela reduzida da população, detentora de um grande
poder econômico e que geralmente controla os meios de comunicação em massa, e
que exerce significativa influência nas diversas esferas do poder público,
responsáveis pela formulação de políticas públicas, inclusive no que diz respeito à
comunicação.
Mas o que confere à revista Veja, por exemplo, a autoridade de fazer a
cobertura política do Ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e de seu governo como
um todo, ao longo de seus dois mandatos, assumindo uma postura, na maior parte

98
do tempo, hostil, parecendo querer desempenhando claramente o papel de oposição
partidária? Em se tratando de uma revista de circulação nacional e de prestígio
consagrado ao longo dos anos, a Veja apóia-se em um dos procedimentos de
controle do discurso que Foucault (2008) denomina de o ritual da palavra. Esse
procedimento de controle, segundo o autor, especifica a qualificação que deve
possuir certos indivíduos para que tenham o direito à fala, que no caso de Veja se
dá em função da condição de especialista5, nos moldes de Debord (1997), que lhe
confere autoridade para falar sobre diversos assuntos, dentre os quais se encontra a
política.

PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE
Inicialmente, considerando as várias formas de circulação do discurso nas
sociedades, em especial a que se materializa através da imagem na mídia impressa,
e as várias dinâmicas que se operam entre os leitores na compreensão desses
discursos materializados na forma de texto através dessas imagens, podemos
constatar a concretização de processos de interação entre os sujeitos envolvidos –
no caso da revista Veja, através de sua linha editorial, e o público leitor.
A nossa referência de incursão para análise se voltou para as capas da
revista Veja publicadas entre os anos de 2001 e 2002, que trouxeram em evidência,
com uma considerável freqüência, ou a figura do Ex-Presidente, Luiz Inácio Lula da
Silva, ou a figura de algum integrante de sua equipe de governo ou partido, PT, mas
nesse segundo caso quase sempre evocando a imagem do ex-presidente.
Em função da limitação do suporte material com o qual trabalhamos – artigo
científico – foram selecionadas, para efeito de análise, quatro capas da referida
revista, publicadas em meses diferentes dos anos de 2001 e 2002 que, a nosso ver,
melhor evidenciam o que pretendemos investigar em termos de espetacularização
da mídia, relacionado aos mecanismos de controle do discurso.
Optamos por iniciar as análises a partir das capas da revista Veja publicadas
no ano de 2001, um ano antes das eleições presidenciais que ocorreriam em
outubro de 2002.

5
Papel exercido por um sujeito/instituição que tem, em função de sua autoridade estabelecida sócio-
historicamente, a condição de tranquilizar aqueles indivíduos que já não são mais capazes de reconhecer nada
sozinhos. (Cf. Debord, 1997, p.179).

99
Ex. (1)

04/07/2001

Logo de início, em nosso levantamento no acervo de capas no site da revista


Veja, curiosamente observamos que a revista em questão publicou apenas uma
edição, a de julho de 2001 (pelo menos é a única capa relacionada ao tema,
disponível no acervo digital da revista), dedicando a capa ao então presidenciável,
Luiz Inácio Lula da Silva.
O tom de ironia na manchete de capa, LULA LIGHT, chama bastante atenção
em relação à imagem do candidato, bem vestido, cabelo e barba feita, bem diferente
das imagens de Lula publicadas em momentos de pré-campanha anteriores, onde o
mesmo aparecia com uma imagem mais em sintonia com a sua classe social de
origem, o sindicato.
O pequeno texto, logo abaixo da manchete, vem reforçar o tom de ironia
quando sugere que o candidato do PT mudou sua estratégia de campanha, antes de
esquerda em relação, nesse caso, ao governo FHC, como uma tentativa
desesperada de, finalmente, se eleger presidente da república. Dentre muitas
possíveis leituras a partir dessa fotografia de Lula, e do texto que dialoga com a
mesma nesse contexto de produção, chegamos à conclusão que a revista parece
tentar sugerir aos seus leitores que: i. o candidato está traindo suas origens
sindicalistas para, sobre qualquer custo, ganhar as eleições; e ii. que portanto, um
candidato que trai suas origens não merece a confiança das classes populares, nem
tão pouco das classes elitizadas.

100
Dessa forma, a revista Veja, veículo de comunicação em massa, revestida da
condição de especialista (Cf. DEBORD, 1997), que lhe confere autoridade para
produzir e fazer circular discursos, esforça-se em construir uma imagem
desestabilizada do candidato Lula, com o objetivo de desacreditá-lo e, com isso,
combater o seu crescimento nas pesquisas de intenção de voto para as eleições do
ano seguinte.

Ex. (2)

25/09/2002

Em 2002, ano das eleições presidenciais, a revista Veja dedicou uma atenção
extra aos candidatos, em especial ao presidenciável Luis Inácio Lula da Silva. Só
neste ano foram publicadas dez capaz com temas políticos. Destas, em seis
aparece a imagem do candidato Lula e em outras três é feito menção ao Partido dos
Trabalhadores.
Escolhemos, para a sequência de nossas análises, a capa publicada em
setembro de 2002, menos de um mês antes das eleições, que traz o símbolo do PT
ostentando a faixa presidencial e o seguinte questionamento: o PT está preparado
para a presidência? Observamos que, vendo o candidato do PT com boa aceitação
nas pesquisas eleitorais e, portanto, já na eminência de vencer as eleições, a linha
editorial da revista apela para o recurso da dúvida, questionando claramente sobre a
competência de um partido que tem à frente um candidato sindicalista, de origem

101
pobre, sem formação superior, para conduzir os rumos de um país de dimensões
continentais como o Brasil.
Essa primeira leitura que fazemos dos principais elementos significativos em
evidência nesta capa em questão é reforçada pela chamada de matéria em segundo
plano, no canto superior direito, a respeito da influência de José Dirceu sobre a
figura do candidato Lula. O texto de chamada da matéria sugere que Lula seria uma
marionete nas mãos de Dirceu e que, na realidade, o partido estaria apenas
aproveitando a popularidade crescente do candidato para chegar ao poder, por
tantos anos perseguido, reforçando a ideia de que Lula não seria o presidente, de
fato, do Brasil, mas apenas um instrumento de ascensão do Partido dos Trabalhos
(PT) ao poder.

Ex. (3)

30/10/2002

Em 30 de outubro de 2002, possivelmente já com os resultados finais das


eleições presidenciais publicadas pelo Tribunal Superior Eleitoral trazendo a
consagração nas urnas do candidato Luiz Inácio Lula da Silva, a revista Veja
ameniza um pouco o tom de agressividade em relação à figura de Lula,
reconhecendo sua vitória e fazendo referência à importância do momento para a
história da democracia no Brasil. Esse reconhecimento vem expresso nas duas
manchetes, de primeiro e segundo plano, TRIUNFO HISTÓRICO e O PRIMEIRO
PRESIDENTE DE ORIGEM POPULAR. Esse aparente reconhecimento parece

102
evidenciar uma tentativa de se esquivar de possíveis retaliações em relação a
matérias mais hostis, eventualmente publicadas em momentos anteriores, sobre a
figura de Lula ou do PT, propriamente. Essa conduta nos proporciona evidenciar o
que Foucault (2008) postula a respeito da produção e circulação de discursos nos
meios sociais quando diz que estes são regulados, selecionados, organizados e
redistribuídos, conjurando poderes e perigos.
Contudo, a revista, como um bom “partido de extrema esquerda” – papel que
vinha já há um bom tempo desempenhando quando se tratava da figura de Lula ou
do PT, especificamente, obviamente, não poderia deixar de dar sua alfinetada, na
sutileza é claro, no então presidente eleito, como quem quer dizer: “estaremos aqui,
o tempo todo alertas, para fiscalizar seu comportamento após ser eleito, no sentido
de constatar se realmente você será capaz de cumprir tudo aquilo que prometeu.”.
Essa leitura nos parece autorizada a partir do texto, também de segundo plano, que
sugere como desafio do futuro governo Lula a retomada do crescimento e o combate
às injustiças sociais sem, contudo, comprometer as “conquistas da era FHC”.

Ex. (4)

103
Por fim, ainda no ano de 2002, logo no mês seguinte as eleições, a revista
Veja publicou essa capa, trazendo como manchete principal o que a linha editorial
da revista considerou, novamente usando de ironia, A CÚPULA DA NOVA CORTE.
Em imagem, que acreditamos poder dizer que está caricaturada, a revista traz os
três grandes nomes da primeira equipe de governo do então eleito presidente, Luis
Inácio Lula da Silva, da esquerda para a direita: Antônio Palocci, cotado para o
Ministério da Fazenda, Luiz Gushiken para o Ministério dos Transportes e José
Dirceu para Ministro-Chefe da Casa Civil. Segundo a revista, estes três nomes
estariam à frente do governo, incumbidos da tarefa de blindar a figura do presidente
Lula para, com isso, preservar sua imagem e proteger o governa das investidas da
situação, que agora, depois de anos de hegemonia, passa ironicamente à condição
de oposição.
Mais uma vez, a linha editorial da revista aposta na condição de
desinformado, de ignorância de seu leitor (Cf. DEBORD, 1997, p.183) para tentar
reforçar a idéia de que o eleito presente, Lula, seria um sujeito despreparado,
manipulado pela cúpula do PT e conduzido à Presidência do Brasil, e que agora
essa mesma cúpula se esforça para preservar a imagem de seu representante
maior, como forma de preservar sua própria imagem.
Em segundo plano, de igual modo, a revista traz uma chamada de matéria a
respeito do que considera ser um esboço da futura política de relações externas do
governo eleito, onde sugere que, mesmo antes de assumir, a equipe em formação
do governo Lula já demonstra um posicionamento duro em relação a qualquer
investida das instituições, sejam elas públicas ou privadas, que possam
comprometer as metas de governo traçadas no projeto de campanha.
Dessa forma, observamos uma tentativa de convencer o leitor de que apesar
da equipe de marketing de campanha de Lula se esforçar para convencer os
eleitores da mudança de postura não só do candidato, mas de seu partido como um
todo em relação ao diálogo com todas as esferas da sociedade no momento de
toma de decisões importantes para o futuro do país, após chegar ao poder as
mascaras caíram e o PT, na figura de seus principais nomes, começa a botar as
unhas de fora, mostrando quem, a partir daquele momento, passa a mandar no país.

104
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Inicialmente, precisamos salientar que os resultados até aqui chegados se
mostram incipientes em função do contingente de material selecionado, que serviu
de base para as análises desenvolvidas ao longo desse trabalho. Contudo, o
material pesquisado e selecionado para análise se mostrou suficiente para fazer
evidenciar aquilo que nos propomos no início deste artigo, em relação às inferências
teóricas que evocamos.
Assim, preliminarmente podemos levantar a hipótese de que viramos uma
sociedade do sensacionalismo, do consumismo desenfreado, brilhantemente
trabalhado nas cabeças dos indivíduos desde a infância sobre todas as áreas,
inclusive da informação. Fomos, pois, por muito tempo, considerados pela grande
mídia, uma massa desinformada, em função do apagamento da história que a
sociedade do espetáculo tratou de, sutilmente, operacionalizar, tornando várias
gerações supostamente de fácil manipulação, no que diz respeito à formação de
opinião.
Porém, essa grande mídia que tanto se serviu dos avanços tecnológicos para
alienar e, consequentemente dominar uma parcela significativa da população,
subestimou o poder de fazer circular informação de todo tipo que esses recursos
tecnológicos, que tanto lhe serviram para dominar através do controle da produção e
circulação dos discursos, viriam a pôr, mais cedo ou mais tarde, nas mãos do
grande público. Assim, a grande mídia veio a contemplar, ao longo dos anos após a
revolução industrial, mas especificamente nos tempos pós-modernos, a gradativa
diminuição de seu poder de formar e reformular a opinião pública. Porém, apesar
das mudanças de comportamento na sociedade pós-moderna, não podemos afirmar
que a grande mídia perdeu todo o seu poder de persuasão. Ela continua ainda firme
e forte na sua empreitada para manipular a opinião pública em função, geralmente,
de seu interesse próprio, ou na representação de uma pequena parcela da
sociedade que detém um grande poder econômico e que, portanto, influencia
fortemente as diversas esferas do poder público e privado.
Um exemplo de que a grande mídia tem perdido parte de seu poder de
formação de opinião está nas pesquisas acerca da popularidade do Ex-Presidente
da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ao longo de seus dois mandatos. Apesar de,
por exemplo, a revista Veja, de grande circulação nacional e que atinge uma parcela
significativa da população que busca por informação, exercer, ao longo dos últimos

105
oito anos, como vimos brevemente e de forma clara um papel de oposição partidária
ao governo Lula através de suas capas e matérias, muitas vezes sensacionalistas, o
Ex-Presidente Lula crescia nas pesquisas em relação à confiança da população em
seu governo, batendo recordes comparado a outros governos que o sucederam.
Isso demonstra que, como a grande maioria das pessoas acredita, o papel da
imprensa deve imperativamente ser o de informar, observando-se a imparcialidade
por parte dos jornalistas em relação aos fatos. Mas o que verificamos com certa
frequência é a produção em série, como em uma fábrica, de matérias
sensacionalistas, manipuladoras, que ignoram a capacidade do leitor de verificar a
veracidade dos fatos e se posicionar criticamente em relação às notícias veiculadas.

REFERÊNCIA

BAKTHIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1992.

BARTHES, R. A mensagem fotográfica. In: O óbvio e o obtuso. Lisboa: Edições 70,


1984.
CAMILO, R, S; CHRISTIANO, M, E, & CASTRO, O, M. Da gramática ao texto. João
Pessoa: Ideia, 2003.

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo: comentários sobre a sociedade do


espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Tradução de Laura Fraga de Almeida
Sampaio. 16. ed. São Paulo: Loyola, 2008.
NASSIF, Luis. O método Veja de jornalismo. S/D. Disponível em:
http://sites.google.com/site/luisnassif02/oestiloveja, Acesso em: 14 de janeiro de
2011.
PÊCHEUX, Michel. O discurso: estrutura ou acontecimento. Trad. Eni Pulcinelli
Orlandi. Campinas, SP: Pontes, 1990.
POSSENTI, Sírio. Discurso, estilo e subjetividade. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

106
A LÍNGUA ESCRITA NOS LIVROS DIDÁTICOS DE PORTUGUÊS
LÍNGUA ESTRANGEIRA (PLE) HOJE

PRAXEDES, José Gualberto Targino1

RESUMO:
A escrita sempre ocupou um papel predominante na aprendizagem de uma língua, seja ela
materna ou estrangeira. Por ser de primordial importância em nossas vidas utilizamos a
escrita desde muito cedo, a partir dos primeiros anos escolares. Sabemos que se faz
necessário a aplicação de várias metodologias para se chegar ao bom domínio da escrita.
No ensino-aprendizagem de uma língua estrangeira não é diferente. O material de apoio e a
formação daquele que se dispõe a lecionar uma língua são indispensáveis para que o
aprendiz compreenda eficazmente os textos que lê e hábil para produzir outros. É nesta
perspectiva que examinaremos um livro didático de Português Língua Estrangeira (PLE),
observando se as atividades que lidam com a escrita estão estrategicamente elaboradas a
fim de que o aprendiz se sinta motivado a ler e produzir textos.

Palavras-chave: escrita; ensino-aprendizagem; PLE.

INTRODUÇÃO
O que pretendia o homem quando ele resolveu codificar, através da escrita, o que
fazia ou pensava, todos apostam, seria deixar grafado em quaisquer artefatos aquilo que
realizara para que, mais tarde, pudesse lembrar-se do que aconteceu. Todavia hoje, isso se
configura como um fator descrito dentro dos fatos culturais de uma sociedade, posto que a
escrita deixa de ser apenas um amontoado de traços que tem por finalidade última o registro
de informações, e passa a caracterizar a própria sociedade em que ela se constitui.

1
Mestre em Linguística (PROLING/UFPB), Bacharel em Direito (UNIPÊ), Advogado, Graduado em
Letras Português e Inglês (UFPB), Professor de Língua Portuguesa, Inglesa, Espanhola e Português
para estrangeiros/L2. Trabalha com Formação de Professores nas redes estadual e municipal da
Paraíba. É Professor da UFPB Virtual (Letras Português) e atua como Professor em cursos de pós-
graduação latu sensu (especialização). É Professor colaborador do Programa Linguístico-cultural
para Estudantes Internacionais - PLEI (DLCV/UFPB) onde é aplicador do Celpe-Bras (Certificado de
Proficiência em Português para Estrangeiros); é colaborador do Curso de Letras Libras (UFPB
Virtual) na elaboração de material didático. Sua pesquisa atualmente está voltada para a análise de
material didático para o ensino de línguas e políticas linguísticas relacionadas com a integração
regional do MERCOSUL no âmbito Brasil/Argentina.

107
A tecnologia da escrita evoluiu com os milênios e continuará a evoluir, embora
mantenha alguns pormenores de seus predecessores, como a escrita criptografada usada
na atual linguagem computacional, resquícios da antiga criptografia das sociedades antigas,
por exemplo, a egípcia. Essa linguagem criada pelo homem e que hoje liga o mundo inteiro,
não nos põe somente mais próximos uns dos outros, mas faz crescer em cada um a
necessidade, mais que urgente, de comunicar-se uns com os outros e fazer uso de suas
línguas para que se mantenha uma comunicabilidade mais real e fidedigna.
Esta necessidade de compreender a língua do outro fez surgir o ensino dos idiomas
estrangeiros desde os mais remotos tempos. Contudo, apenas uma pequena elite das
sociedades antigas dominavam esta habilidade. Apesar disso, o ensino de idiomas
estrangeiros atravessou os séculos e chegou a ser acessado pela maioria das sociedades
modernas. A escrita sempre foi fundamental na aprendizagem de uma segunda língua. Na
verdade, constituía-se no fator primeiro da aprendizagem, assim, como ainda hoje se faz,
inclusive na aprendizagem de língua materna.
Muitos foram os métodos utilizados desde as mais remotas idades para se ensinar a
ler e escrever. Indiscutivelmente, todos fizerem o seu papel. E ainda o fazem. Entretanto,
com o novo olhar que se tem sobre a educação hoje, busca-se construir um conhecimento
baseado em uma consciência cidadã que leve o indivíduo a refletir sobre seus atos dentro
da sociedade. A linguagem escrita tem fundamental importância dentro deste novo modelo
de aprendizagem.
Esse novo modelo está baseado na ideia de letrar, mas essa ideia não é moderna.
Ao contrário, poderíamos remontar à Grécia Antiga, ao conceito clássico de Paidéia2 em
Platão segundo o qual “(...) a essência de toda a verdadeira educação ou paidéia é a que dá
ao homem o desejo e a ânsia de se tornar um cidadão perfeito e o ensina a mandar e a
obedecer, tendo a justiça como fundamento" (cit. in Jaeger, 1995: 147).
Desta feita, continuamos a entender esse letrar dentro desse pensar platônico, não
atentando para o seu sentido etimológico per si. Realmente, se assim compreendermos,
estaremos, de verdade, admitindo o letramento 3como sendo algo que tem implicações
diretas nas nossas relações com os outros e as coisas que estão à nossa volta. É bem por
isso que, a ciência da lingüística, compreendendo o valor inexorável da escrita na formação

2
A palavra paidéia (de paidos - criança) significava simplesmente "criação de meninos". Paidéia era,
assim, o "processo de educação em sua forma verdadeira, a forma natural e genuinamente humana"
na Grécia antiga.
3
Estamos com Kleiman (1995, p. 81) que define letramento “como um conjunto de práticas sociais
que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos,
para objetivos específicos”, configurando assim, a linguagem como o uso adequado da língua para
desempenhar ações no mundo. (Manual do Candidato Celpe-Bras, 2006)

108
de um sujeito letradamente consciente, volta-se para os estudos desta modalidade da
linguagem humana.
A Lingüística Aplicada ao ensino de línguas tem se ocupado, dentre outros fazeres,
de examinar os procedimentos utilizados no ensino de produção de escrita dentro dos
sistemas de educação em todo o mundo. No Brasil, preocupa-se tanto com estes
procedimentos em língua materna, como em língua estrangeira. E, mais modernamente,
detém com os procedimentos utilizados com o ensino de Português como segunda língua
ou língua estrangeira.
O ensino de Português como Língua Estrangeira, doravante PLE, tem como
panorama histórico a colonização dos ameríndios pelos padres Jesuítas. O que os Jesuítas
fizeram não foi senão instituir o primórdio metodológico do ensino de PLE. É óbvio que se
tratava do processo de escravização de um povo que se institui a partir da monolinguação e
conseqüente desaparecimento de sua língua nativa. Devido a este fator histórico a Língua
Portuguesa, variante brasileira, é hoje falada por quase cento e noventa milhões de
pessoas.
Atualmente, o ensino de Português como Língua Estrangeira ultrapassou os limites
do nosso país e alçou asas aos demais continentes. Os estudos de PLE tendem a avançar
com o implemento do Exame de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros –
Celpe-BRAS, único diploma de valor nacional e internacional que é expedido pelo Ministério
de Educação e mede o nível de capacidade do candidato em vários níveis.
O Celpe-Bras é o diploma legal e o precursor do que deverá ser um parâmetro de
diretrizes tanto para o ensino-aprendizagem de PLE no Brasil e no exterior, quanto para a
produção de livros didáticos destinados ao ensino de PLE. A seguir, como principal objetivo
deste artigo, analisaremos como se efetiva o processo de escrita em livros didáticos de PLE,
tomando como exemplo um livro recém editado no Brasil, e que tem grande divulgação no
exterior.

O LUGAR DA LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO


O mundo lusófono é avaliado hoje entre 170 e 210 milhões de pessoas. O português,
oitava língua mais falada do planeta (terceira entre as línguas ocidentais, após o inglês e o
castelhano), é a língua oficial em sete países: Angola (10 milhões de habitantes), Brasil (190
milhões)4, Cabo Verde (346 mil), Guiné Bissau (1 milhão), Moçambique (15,3 milhões),
Portugal (9,9 milhões) e São Tomé e Príncipe (126 mil)5.

4
Fonte: IBGE 2009
5
Fonte: www.cin.ufpe.br

109
Vimos que é pelo número de falantes que o Português se mostra como um forte
idioma. Só este dado põe o Português Brasileiro (PB) à frente de muitos idiomas do mundo
como uma das línguas mais faladas em relação ao número de habitantes, já que somos
mais de 190.000.0002. Não só por este fato, mas, especialmente, pela diversidade cultural
que o Brasil demonstra para o mundo todo, o Português Brasileiro apresenta-se como a
língua mais falada na América Latina (relação com número de habitantes), é língua
oficializada para os países integrantes do Mercosul, além de ser a língua cantada no Samba
e na Bossa Nova, gêneros musicais brasileiros que adquiriram status internacional de boa
música.
O interesse econômico e social pelo Brasil é enorme entre os organismos
internacionais, seja pela biodiversidade, seja pela cultura ou pelo desenvolvimento
econômico e tecnológico que nosso país apresenta. É neste cenário que o Português
desponta como um dos idiomas que vem atraindo um grande número de estudiosos e
estudantes. No entanto, ainda é muito limitado o número de universidades e pós-
graduações brasileiras que apostam no sucesso destes estudos. Por outro lado, várias
universidades norte-americanas, a exemplo de Delaware; inglesas, como as de Manchester
e Leeds; Mexicanas, como a UNAM e muitas outras espalhadas pelo mundo afora,
oferecem além de cursos de PLE, cursos de graduação e pós-graduação.
É visando a este alargamento da língua portuguesa como uma das potências
lingüísticas mundiais que nos dispomos a examinar o processo de aquisição da escrita a
partir dos modelos, existentes no mercado, de livros didáticos de PLE, para, daí, lançarmos
uma proposta que trate a escrita dentro desta nova visão de ensino de línguas e letramento.

LETRAMENTO E LÍNGUA PADRÃO


Observamos que o processo de escrita surge, justamente, da necessidade de
guardar informações precisas sobre uma dada sociedade e que, mais tarde, esta mesma
escrita desenvolve-se em outro processo que mescla cultura e sociedade, resultando em um
fato que a existência de um implica a necessidade da outra, e vice-versa.
Sentindo que a escrita seria capaz de reter informações de um povo por inúmeros
séculos, o homem tenta regulá-la a fim de que esta se faça compreensível para os outros
das futuras gerações. É este fator regularidade que instaura os processos de alfabetização
da modernidade, em que uma língua padrão é estabelecida e aprendida de forma que, mais
tarde, os demais povos possam continuar a entendê-la.
Sabemos que uma língua padrão é estabelecida dentro de uma determinada
sociedade a partir de uma variedade lingüística que é prestigiada seja pelo poder econômico
que seus falantes detenham ou pelo prestígio religioso ou hereditário. Então, hoje, levanta-
se um grande questionamento que se tornou palco de avenças dentro das academias. O

110
ensino de gramática (regras) nas escolas é ou não viável? Por que ensinar ou não
gramática na escola já serviu, inclusive, de título de livro, como o de Sírio Possenti em
20026. Contudo, parece que tudo esbarra na teoria, e, a prática educacional continua
caminhando pelos mesmos dissabores da velha e tradicional forma: levar a norma “culta” a
quem quer que freqüente os bancos escolares.
Possenti, assim, se expressa em relação ao aprendizado da língua portuguesa,

O português é uma língua tão fácil que qualquer criança que nasce
no Brasil (e em alguns outros lugares) a aprende em dois ou três
anos. E é tão difícil que os gramáticos e lingüistas não conseguem
explicá-la na sua totalidade.(...) A questão é exatamente igual em
cada país ou para cada língua. (Não se deve confundir capacidade
ou dificuldade de aprender uma língua com a de aprender a escrever
segundo determinado sistema de escrita...).
A idéia de que não há línguas piores do que outras pode talvez ser
aceita com relativa facilidade, até porque não nos afeta
diretamente.(...) O mais problemático é analisar os dialetos da
mesma forma. Mas, na verdade, o que vale na comparação entre
línguas vale na comparação entre dialetos de uma mesma língua.
Dialetos populares e dialetos padrões (ou cultos) se distinguem em
vários aspectos, mas não pela complexidade das respectivas
gramáticas. Ou seja, não há dialetos mais simples do que outros.
(POSSENTI 2002, p. 27).

Como se colocou Possenti (2002), o problema maior recai sobre a aquisição de um


sistema ortográfico que difere da aquisição da língua natural, pondo esses dois sistemas
(aquisição da fala e aquisição da escrita) em terrenos distintos, daí falarmos em duas
modalidades de língua: a oral e a escrita, uma sempre na tentativa de imitar a outra. É a
partir desse binômio que nasce o mito de que falamos português “errado”.
Desta forma, se não falamos a língua portuguesa como ela é de direito – uma vez
que a Norma Gramatical Brasileira caracteriza um código legal – é porque, de fato, falamos
dialetos7. Mesmo Saussure (1997), já acalentava essa idéia de mudança dentro do seu
sistema abstrato, expressando, de tal sorte, que o mesmo sistema que acomoda (a fala)
enquanto dinâmica, é, insuficiente, para ajustá-la a uma normatização formal.

(...) as realizações concretas, no âmbito discursivo (parole), exercem


uma pressão no sentido das mudanças, enquanto o sistema (langue)

6
Por que (não) ensinar gramática na escola. 2002.
7
Criticamente, tomamos o entendimento comum de dialetos como aquele que provoca uma
interferência tão marcante na língua a ponto de causar uma total incompreensão por parte dos
falantes, para contrastar com “variedade lingüística” que somente implica algumas disparidades em
relação a uma norma padrão.

111
apresenta resistência a tais mudanças, estabelecendo-se, desse
modo, um jogo de forças antagônicas, entre si, na tensão dialética
entre a mutabilidade e a imutabilidade do signo (SAUSSURE 1977 p.
85-98).

É, desta forma, necessário que se recomece a pensar o ensino de língua portuguesa


materna, bem como o de PLE, em que se enseje um aprendizado que comporte essa
característica de multabilidade do idioma, no qual o aprendiz o reconheça e possa com ele
identificar-se enquanto sujeito falante dele, uma vez que [...] nas condições de verdadeira
aprendizagem os educandos e educadores vão se transformando em reais sujeitos da
construção e reconstrução do saber ensinado (FREIRE 1998, p. 23).
Assim, no dizer de Gil Neto (1993), uma retomada deveria ser um dos primeiros
pontos, a partir da conscientização dos corpos docentes tanto das escolas regulares, quanto
daquelas que se propõem ao ensino de PLE,

É oportuno retomar a questão do “para quê” e “para quem” vamos


ensinar o Português. Como também o “como” iremos ensinar. É
preciso ter claras essas respostas. Fazer disso um objeto de reflexão
conjunta. Inseri-la num projeto coletivo em que o grupo de
professores se posiciona no empenho de concretizar e avaliar o
ensino de língua numa determinada unidade escolar. (GIL NETO
1993, p. 18)

Considerando-se a língua como essa prática social que visa à solução de problemas
do mundo, dever-se-ia primar pelo ensino de língua portuguesa, de maneira geral, como
algo que faz parte da vida do aprendiz, levando essa prática num nível de vivência para que
o seu aprendizado se torne um prazer e não uma tortura. Segundo Kleiman,

(...) o letramento é o ponto de partida para resolver o problema da


importância do ato de ler, é um dos processos mais amplo do que a
alfabetização apresenta. Por sua vez, o letramento apresenta e
focaliza os aspectos sócio-culturais na aquisição da linguagem
escrita. Ele procura referências e descreve fatos de uma sociedade a
qual o leitor aprendiz está inserido, colocando-o com um sujeito
alfabetizado sem conhecer a leitura da escrita. (KLEIMAN 1995, p.
113)

Partiremos, então, do princípio de que lidaremos com aprendizes letrados dentro de


outras práticas sócio-culturais, mas que impulsionarão a aquisição dessa segunda língua

112
(PLE)8, de forma que se há diferenças entre ensinar o português a um nativo e ensiná-lo a
um estrangeiro, não as conceberemos aqui como as únicas que incapacitam qualquer
professor de língua materna a lecionar em uma turma de estrangeiros. Desde quando e
quem elaborou uma fórmula para o ensino de idiomas?
Fica patente que alguma diferença extraordinária entre ensinar português para um
nativo e para um estrangeiro deva existir. No entanto, quem nos garante que uma lição
apresentada em língua materna que tem por base todos os princípios de comunicabilidade
aplicados a uma aula de língua estrangeira não seria, de fato, mais proveitosa para os
aprendentes? Não questionamos, é claro, a capacidade meta-cognitiva de interpretação ou
decodificação da língua por parte dos alunos, mas referimos-nos, tão somente, ao suporte
sistêmico-metodológico utilizado para a elaboração e aplicação da citada aula. Pelo menos,
assim seria se fosse utilizado a seqüência didática (cf. Schneuwly & Dolz) que muito se
enfatiza na produção de leitura e escrita no ensino de uma LE (língua estrangeira).
Para Dolz e Schneuwly (2004), as Seqüências Didáticas são instrumentos que
podem guiar professores, propiciando intervenções sociais, ações recíprocas dos membros
dos grupo e intervenções formalizadas nas instituições escolares, tão necessárias para a
organização da aprendizagem em geral e para o progresso de apropriação de gêneros em
particular. Esses autores comentam que a criação de uma Seqüência de atividades deve
permitir a transformação gradual das capacidades iniciais dos alunos para que estes
dominem um gênero e que devem ser consideradas questões como as complexidades de
tarefas, em função dos elementos que excedem as capacidades iniciais dos alunos.

O LIVRO DIDÁTICO DE PORTUGÊS LÍNGUA ESTRANGEIRA (PLE)


No mercado brasileiro de hoje podemos encontrar vários livros didáticos de PLE
editados. Estes livros baseiam suas estratégias de ensino desde as mais recentes vertentes
de ensino de uma LE9 até àquelas mais remotas. No geral, um livro de PLE tenta sutilmente
abranger, dentro da norma padrão, as variedades do Português Brasileiro, evidenciando, de
forma insipiente, as variadas formas de comunicabilidade das diversas comunidades
brasileiras.
Parece-nos, a principio, que os livros brasileiros seguem os padrões dos livros
didáticos internacionais que se destinam ao ensino de uma LE, especialmente aqueles
usados para o ensino de inglês LE. Todavia, o objetivo deste trabalho é analisar como a
escrita vem sendo trabalhada nestes livros. Para isso, tomamos como exemplo atividades

8
Neste trabalho preferimos não fazer distinção entre os termos segunda língua e língua estrangeira,
embora reconheçamos a sua exitência.
9
Língua Estrangeira

113
de um livro: Novo Avenida Brasil 1, recentemente re-editado pela Editora Pedagógica e
Universitária de São Paulo, das autoras Lima, Rohrmann, Ishihara, Lunes e Bergweiler.

O LIVRO DIDÁTICO DE PLE E SUA RELAÇÃO COM O CELPE-BRAS


Os Exames de grande escala, geralmente provas objetivas, conforme aponta
Scaramucci (2004), podem estar relacionados com efeitos negativos, como a simples
preparação dos aprendizes para prestarem o exame, ou ainda, podem surtir um efeito
positivo, como o redirecionamento do ensino, bem como o direcionamento de novos olhares
para a produção de materiais didáticos para o ensino de línguas. Essa reação ou retroação,
denominada na literatura como Efeito Retroativo, tem sido estudado como uma possibilidade
de mudanças na área de ensino. No nosso caso, o Exame de Proficiência de Língua
Portuguesa para Estrangeiros – Celpe-Bras é esse exame de grande escala que tem
causado impactos ou retroações, tanto nas práticas pedagógicas dos docentes como nas
estratégias de estudos dos aprendizes, além de outros impactos. Mas o que é o Celpe-
Bras?
O Celpe-Bras, além de ser um diploma legal que é expedido pelo órgão máximo de
Educação no Brasil que viabiliza e legaliza, tanto o trabalho quanto o estudo de muitos
estrangeiros dentro e fora do Brasil, é também um instrumento que tem na sua base
filosófica o objetivo de reorganizar o Ensino de PLE no Brasil e no exterior. Sua elaboração
e execução se deveram a uma equipe de lingüistas eximiamente destinados a estabelecer e
criar parâmetros para o ensino de PLE. Mas, por quê?
O ensino de PLE, como o de muitas outras línguas estrangeiras, estava, ainda,
vinculado a antigas metodologias que consistiam em ensinar, basicamente, gramática ou
frases feitas. A proposta que o Celpe-Bras traz é exatamente criar um ensino de PLE que
tenha como mola propulsora a língua portuguesa viva, como realmente ela se mostra. O
ensino de uma LE pautado na vivência dos fatos lingüísticos. Uma língua viva que responda
às necessidades básicas de um falante do Português como LE ou L210. Uma língua
situacional, que conte com todos os pormenores que as nuances da nossa língua possam
delimitar. E, principalmente, o ensino de PLE baseado na teoria dos gêneros textuais, que
entende

[...] a linguagem em funcionamento e para as atividades culturais e


sociais. Desde que não concebamos os gêneros como modelos
estanques nem como estruturas rígidas, mas como formas culturais e
cognitivas de ação social (MILLER 2004 apud MARCUSCHI 2008, p.
151).

10
Segunda Língua

114
O Exame, portanto, apresenta-se com um diferencial daqueles mundialmente
conhecidos em que as habilidades lingüísticas são tratadas de forma separadas,

[...] o Celpe-Bras avalia esses elementos de forma integrada, ou seja,


como ocorrem em situações reais de comunicação. Em uma
interação face a face, geralmente estão envolvidos a produção oral e
compreensão oral. Em outras atividades podem estar em jogo três
componentes, por exemplo, quando falamos ao telefone, também
ouvimos ou podemos precisar anotar um recado. No exame, essa
integração de componentes é obtida por meio de tarefas.
(SOBRINHO et al 2006, p.04)

Desta feita, tendo como fundo o Exame Celpe-Bras, o que se deveria observar como
efeito retroativo (cf. SCARAMUCCI 2004) é uma tendência de ensino segundo esses
parâmetros usados na elaboração do exame. Da mesma forma, espera-se que a produção
de material didático de PLE siga pelo mesmo caminho. Contudo, a análise que segue,
mostrará que, embora se explicite que os autores do livro em apreço adotem, além das
diretrizes do Quadro Europeu Comum de Referência para o ensino de línguas, os
parâmetros-guia do Celpe-Bras, concluímos que tudo está muito aquém do que se pretende.

O LIVRO “NOVO AVENIDA BRASIL 1”


O primeiro paradoxo encontrado quando nos debruçamos sobre esta apreciação é
que em sua apresentação, o livro Novo Avenida Brasil 1 apenas cita que tentará se
aproximar mais do Quadro Europeu Comum de Referência,
Para colocar nosso material mais próximo das diretrizes do Quadro Europeu Comum
de Referência11, decidimos reparti-lo em três níveis, correspondentes a A112 (Volume 1),
A213 (Volume 2) 3 B114 (Volume 3). (NOVO AVENIDA BRASIL 1 2008, apresentação).
Confrontando o que se expõe na apresentação do livro 1, com uma pesquisa no sítio
eletrônico daquela editora, o seguinte acréscimo à apresentação é destacado:
O Novo Avenida Brasil agora tem 3 volumes, leva o aluno principiante a atingir os
níveis A1, A2 e B1, estabelecidos pelo Quadro Europeu Comum de Referência para Línguas

11
Common European Framework of Reference for Languages
12
A1 utilizador elementar (iniciação)
13
A2 utilizador elementar (elementar)
14
B1 utilizador independente (limiar)

115
e os parâmetros do Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros –
CELPE–Bras. (cf. www.epu.com.br).
Uma inquietante indagação a esse respeito se põe imperiosa: embora estejamos
conscientes do papel importante que o Quadro Europeu Comum de Referência tenha sobre
o ensino de línguas na Europa, perguntamo-nos se não seriam suficientes as diretrizes
adotadas pelo Celpe-Bras para a elaboração do material em questão e de tantos outros
quantos venham a ser produzidos.
Esta questão não está para ser respondida agora, posto que demandará tempo de
uma pesquisa que se aprofunde nos fundamentos de elaboração para o Quadro Europeu de
Referência, não obstante saibamos das necessidades sócio-econômicas, ideológicas,
políticas, lingüísticas e culturais sobre as quais se assentaram os verdadeiros fatores que
demandaram uma unificação do ensino de línguas estrangeiras na Europa.
Enquanto não respondemos a essa indagações, nos propomos a analisar o que se
passa nessa relação “livro analisado versus conceitos de linguagem adotados pelos
autores”; comecemos por detalhar aspectos formais do livro didático.
O livro está dividido em 06 lições, que têm temas variados e ligados ao dia a dia.
Presume-se até aí certa comunicabilidade. No entanto, em relação à escrita, esta fica
adstrita a exercícios de repetição, imitação e substituição. Uma carga maciça de vocabulário
é apresentada em cada unidade. Os exercícios relativos a este vocabulário também ficam
no campo da repetição e substituição.
Notamos, contudo, que se procurou em dar certa importância à variedade de
gêneros, porém, nunca retomados a cada atividade e desconexos, na maioria das vezes dos
temas de cada unidade. O gênero carta foi o mais trabalhado. Desde a primeira unidade até
a última. Arriscamo-nos a dizer que o aluno sairá bom redator de cartas, em suas mais
variadas formas e suportes.
O exemplo15 que apresentaremos aqui se refere à primeira unidade denominada
“Conhecer Pessoas”. Ora, se o intuito da unidade é fazer o aluno apresentar-se e
apresentar, talvez, um companheiro do grupo a outro, mais razoável seria que no fim da
unidade, na hora da produção escrita, o aluno relatasse sobre sua própria pessoa: quem é,
o que faz, onde vive e com quem, se trabalha e em que etc, ou sobre seu colega, parente ou
cônjuge. Justo porque, bem antes da produção final existe um mini-texto sobre a banda de
rock “Sepultura” que traz, justamente, esse tipo de texto. E mais: a cada lição corresponde
uma atividade no caderno de exercícios que acompanha o próprio livro. Na unidade 1 deste
caderno, além das tarefas propostas no livro com repetição e substituição, há um mini-texto
apresentando um Sr. Clark que poderia servir de modelo, a despeito do texto da banda de

15
exemplos nos anexos

116
rock, para que o aluno pudesse escrever ou sobre si mesmo, ou sobre alguém amigo ou
conhecido.
Sabemos que nenhum livro didático se presta a cumprir todas as exigências as quais
demandam um sistema de ensino perfeito. Tão pouco haverá tal sistema, partindo do
pressuposto de que a escola, embora tente, não é mais do que um modelo do real. Mesmo
assim, cremos ser possível, dentro desse modelo imaginário do real, fazer com que as
situações de atividades propostas sejam desempenhadas de modo a levar o aprendiz mais
perto de sua realidade e assim, talvez, fazê-lo sentir-se menos frustrado, incentivando-o a
escrever com um propósito e um receptor, no mínimo, uma vez que

Escrever constitui, então, um modo de interação social entre as


pessoas. Quem escreve, escreve sabendo para que e para quem
está escrevendo, isto é, tem sempre uma finalidade e um interlocutor,
ainda que esta escrita destine-se a si mesmo. (SILVA & DE MELO
2006, p. 30).

Escrever nunca foi uma tarefa simplória. Pelo contrário, exige do autor certo preparo
e antecedência para que seu escrito saia a contento. BRONCKART (apud SILVA & DE
MELO :1999) elabora, pelo menos, quatro elementos julgados importantes para a realização
de uma escritura. A esses elementos, que o autor resolveu chamá-los de conjuntos de
parâmetros, delimitam-se os seguintes: o lugar da produção, o momento da produção, o
emissor e o receptor.

Outrossim, o gênero escolhido para ser trabalhado deve ser da


familiaridade do aluno. O professor, aqui, deverá lembrar-se que os
mundos dos dois são, às vezes, muito distantes. E, esperar do aluno
um texto que se aproxime do seu próprio é querer exigir que todos
tenham vivido sob o mesmo grau de letramento. (cf. BAZERMAN
2006, p. 24.)

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em nossa avaliação, de Novo Avenida Brasil 1, não encontramos satisfeitas nenhum
dos requisitos acima apresentados. As atividades não seguem uma seqüência desde o
início que culmine em uma produção escrita final.
Com isso, acreditamos que o livro didático Novo Avenida Brasil 1, de longe, segue ou
obedece seja aos parâmetros de elaboração do Celpe-Bras conforme deixa explícito o sítio
da rede mundial de computadores (Internet), tampouco se acerca do Quadro Europeu
Comum de Referência para Línguas. Estes dois modelos, não obstante firmados a partir de

117
objetivos sócio-político-econômico e cultural bem distintos, se servem do linguístico de
forma muito semelhante, ao que nos parece.

REFERÊNCIAS
BAZERMAN, Charles (2006). Gênero, agência e escrita. Tradução Judith Hoffnagel. São
Paulo: Cortez.
DA SILVA, Alexandro e DE MELO, Kátia Leal Reis (2006). In: Produção de Textos: uma
atividade social e cognitiva. Belo Horizonte: Autêntica. Org. LEAL, Telma Ferraz e
BRANDÃO, Ana Carolina Perrusi (2006). In:
DOLZ, J., M. NOVERRAZ & B. SCHNEUWLY (2004) Seqüências didáticas para o oral e a
escrita: apresentação de um procedimento. In: SCHNEUWLY, B. & J. DOLZ (2004) Gêneros
Orais e Escritos na Escola. Mercado de Letras.
FREIRE, Paulo (1998). Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra.
GIL NETO, Antônio. A produção de textos na escola: uma trajetória da palavra. Loyola, São
Paulo, Brasil, 1993.
KLEIMAN, Ângela. Oficina de Leitura: Teoria & Prática. 3 ed. São Paulo, Pontes: 1995.
LIMA EBERLEINE, Emma et al (2008). Novo Avenida Brasil 1. São Paulo: Editora
Pedagógica Universitária.
MARCUSCHI, Luiz Antônio (2008). São Paulo: Parábola Editorial.
POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas- SP: Mercado de
Letras, 2002
SAUSSURE, Ferdinand de (1997). Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix.
SCARAMUCCI, Matilde V. Ricardi (2004). Efeito retroativo da avaliação no
ensino/aprendizagem de línguas: o estado da arte . Trabalhos em linguística aplicada,
Campinas – SP.
SOBRINHO, Jerônimo Coura et al (2006). Manual do Aplicador do Celpe-BRAS. Brasília
Disponível em: http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/momentos/escola
/paideia/conceitodepaideia.htm. Acesso em: 02/02/2009

118
ANEXOS

Novo Avenida Brasil 1 ( )


Isbn: 978-85-12-54520-2
O Novo Avenida Brasil agora tem 3 volumes, leva o aluno
principiante a atingir os níveis A1, A2 e B1, estabelecidos pelo
Quadro Europeu Comum de Referência para Línguas e os
parâmetros do Certificado de Proficiência em Língua
Portuguesa para Estrangeiros – CELPE – Bras.
R$: 85.00
(www.epu.com.br)

Fig. 01 Capa do Livro Novo Avenida Brasil 1

119
ELOS DE UMA MESMA CORRENTE: UM BREVE PERCURSO DA
LINGUÍSTICA E A INTERDISCIPLINARIDADE NO SÉCULO XX.

FREITAS, Mauriene Silva de1


MENDONÇA, Greciane Pereira2

RESUMO:
Este trabalho, de cunho descritivista, trata-se de uma revisão bibliográficas das inúmeras
tentativas que alguns teóricos da linguística no século XX, notadamente, Roman Jakobson,
Roland Barthes e, atualmente, Norman Fairclough de demonstrar a pertinência da
aproximação dos estudos da linguagem com outras áreas do saber.

Palavras-chave: Linguística. Interdisciplinaridade. Estruturalismo. Análise do Discurso


Textualmente Orientada.

INTRODUÇÃO
Esse artigo tem como finalidade fazer uma revisão bibliográfica de algumas
tentativas, ao longo do século XX, de possibilidades teóricas proporcionada pela
interdisciplinaridade entre a linguística e outros campos do saber. Para tanto, nos
debruçaremos, especialmente, nos pioneiros dos estudos estruturais, notadamente Romam
Jakobson e Roland Bhartes e tentaremos estabelecer as conexões entre suas perspectivas
teóricas ontológicas e a atual Análise do Discurso Anglo-Saxã.

1
Licenciada em Letras Clássicas e Vernáculas na Universidade Federal da Paraíba, Mestre em
Linguística pelo Programa de Pós Graduação em Linguística- PROLING onde também cursa
atualmente o doutorado. É professora efetiva na Universidade Estadual da Paraíba onde ministra
aulas de Língua Portuguesa e Latim. Também trabalha na Universidade Aberta do Brasil UAB-UFPB,
como orientadora de trabalhos de conclusão de curso. Trabalha com a Análise do Discurso da escola
anglo-saxã, dando ênfase a construção discursiva da identidade brasileira na língua portuguesa no
Brasil através dos textos literários brasileiros.

2
Mestre em Linguística no Programa de Pós-Graduação em Linguística da UFPB possui graduação
em letras pela Universidade Federal da Paraíba (2007). Atualmente é coordenadora de tutoria do
curso de Letras Virtual da Universidade Federal da Paraíba. Tem experiência na área de
Sociolinguística, com ênfase em Fonética e Fonologia, atuando principalmente nos seguintes temas:
letramento e variação, sociolinguística.

120
Essa temática ainda se mostra irresolvida no campo da linguística. Cada vez mais,
as instituições de ensino superior e seus programas de pós-graduação em letras, são
simpáticas a separação fatídica entre a linguística e outros campos do saber, notadamente a
literatura. Tentaremos ao longo deste artigo, demonstrar que essa união pode permanecer
estável e, demonstraremos também, a base teórica de sustentação desta tese. Sendo
assim, recorremos a corrente linguística fundadora desta ciência e seus teóricos – o
estruturalismo- bem como a atual tentativa de manter essa unidade de análise – a análise
do discurso anglo-saxã.

VOLTANDO ÀS ORIGENS

O contexto histórico europeu que antecede o século XX parece prenunciar a


formidável reorientação que se processaria nos estudos da Linguística e da Poética, como
se verificou nos inícios do século passado, especialmente no Leste Europeu, de onde se
destacariam os trabalhos inovadores de Roman Jakobson.

Numa perspectiva marcada pela interdisciplinaridade, um grupo de estudantes,


notamente Romam Jakobson, tomaria a iniciativa e fundaria o Círculo Linguístico de Moscou
que teria uma atuação marcante entre os anos de 1910-1920. Elegendo a língua como
objeto científico de reflexão, em suas mais variadas manifestações, as elaborações teóricas
do Círculo Linguístico de Moscou alterariam as visões correntes acerca do linguístico e do
literário.
Apontado como O Homem-Orquestra por François Dosse (2007) já que regeria a
sinfonia dos estudos estruturais no ocidente, Romam Jakobson se apresenta como um
linguista não ortodoxo que estenderia suas pesquisas linguísticas aos campos da literatura,
da filologia, do cinema, do folclore e da mitologia. Nesse gesto interdisciplinar, tornaria sua
obra numa referência importante aos estudiosos dessas áreas de conhecimento.
Não é demais destacar, dentro desse mundo interdisciplinar, os estudos
jakobsonianos acerca da relação dialética entre o som e o sentido, sobre a metáfora e a
metonímia, sobre o diacrônico e o sincrônico, aspectos de capital importância tanto para a
Linguística quanto para a Literatura.
Nesse procedimento, Jakobson enfatiza a necessidade dessa aproximação. Em seu
texto, “A linguística em suas relações com outras ciências” (1970), na verdade, uma
conferência proferida no Brasil, em 1968, Jakobson procede a um resgate da formalização
da proposta de autonomia da Linguística, enquanto dá a Edward Sapir a primazia de busca
de alargamento de seus objetos de estudo, conforme se afere abaixo:

121
A autonomia da Linguística foi lema lançado e propagado por Antoine
Meillet no Primeiro Congresso de Linguistas (Haia, 1928), e o
relatório final de seu secretário, o insigne linguista holandês J.
Schrijnen, no tocante à posição de Meillet, encarava todo esse
histórico conclave como um solene “ato de emancipação” [...] A
necessidade de combinar a consolidação interna da linguística com
um alargamento substancial de seu horizonte foi com lucidez
enunciada por Edward Sapir, pouco depois do Congresso de Haia, e
muito provavelmente como resposta imediata à plataforma desse
certame. Argumentava Sapir que os linguistas, gostassem ou não,
“deviam preocupar-se cada vez mais com os numerosos casos
antropológicos, sociológicos e psíquicos que invadem o campo da
linguagem. Para um linguista moderno é difícil restringir-se a seu
objeto tradicional. A não ser que seja um tanto fantasioso, não pode
deixar de partilhar, no todo ou em parte, dos mútuos interesses que
unem a linguística à antropologia e à história da cultura, à sociologia,
à psicologia, à filosofia e, mais remotamente, à física e à fisiologia
(JAKOBSON, 1970, p. 12 – grifos do autor)

Defensor da combinação interdisciplinar das ciências humanas, Jakobson é favorável


ao alargamento dos horizontes interpretativos da Linguística. Através de um olhar
marcadamente dialético, o teórico se debruça sobre a questão da autonomia da ciência
linguística. Nesse olhar, compreende que a proposta aprovada no Congresso de Haia, em
1928, era pertinente naquele momento linguístico-social, mas que, nos anos Setenta, havia
perdido tal pertinência, conforme explicita o autor:

Era um programa pertinente e oportuno que, no decurso de décadas


subsequentes, aprofundou e realçou os métodos e tarefas da ciência.
Hoje em dia, porém, defrontamo-nos com a urgente necessidade de
um trabalho interdisciplinar de equipe a ser desenvolvido
diligentemente por cientistas de diferentes ramos. Em particular, o
relacionamento entre linguística e as ciências adjacentes está à
espera de um exame intensivo. (JAKOBSON, 1970, p.12)

Esse entendimento não o leva, contudo, a simplificar a relação interdisciplinar


estabelecida pela Linguística com outras ciências, ou mesmo com disciplinas. Analisando a
Linguística como a mais avançada das ciências sociais em nosso contexto, observando os
sentidos das noções complementares, de autonomia e de integração, Jakobson chama a
atenção para os perigos interpretativos, no desequilíbrio dessa relação.
Assim, adverte para se proceder a uma identificação das linhas e perspectivas em
comum, atentar-se para as especificidades do campo em combinação, para o necessário
tratamento igualitário. Em face da relação mútua que se estabelece entre os saberes no

122
exercício da interdisciplinaridade, Jakobson ressalta que não se deve perder a autonomia,
caindo assim, na sujeição a Outro, isto é, na heteronomia:

Acrescentemos que, a menos que estas duas noções


complementares – autonomia e integração – estejam intimamente
ligadas uma a outra, nosso esforço acaba desviado para um fim
errôneo: ou a salutar ideia da autonomia degenera em preconceito
isolacionista, nocivo como qualquer bairrismo, separatismo e
apartheid, ou enveredando pela trilha oposta e comprometemos o
sadio princípio da integração, substituindo a indispensável autonomia
por uma intrometida heteronomia (aliás “colonialismo”). Em outras
palavras, cumpre dispensar igual atenção às particularidades e
peculiaridades na estrutura e desenvolvimento de qualquer província
e, além disso, a seus fundamentos e linhas de desenvolvimento
comuns, bem como a sua dependência mútua (JAKOBSON, 1970, p.
12-13 – grifos do autor).

É, pois, a partir da noção antropológica – o colonialismo, o Outro – que Roman


Jakobson elabora as suas contribuições inovadoras, estimuladoras da abertura linguística a
outros conhecimentos vários, notadamente ao do discurso literário. Seu olhar sobre a
antropologia deveu-se, particularmente, ao encontro que teve, em 1942, com o antropólogo
Claude Levi-Strauss, em Nova Iorque. Contudo, anteriormente a esse fecundo encontro,
Jakobson já demonstrava interesse pelo estudo das línguas ameríndias, além da
etnolinguística, elementos, por excelência, de interesse da antropologia do início do século
XX.
A perspectiva de Jakobson, em seu modelo analítico, aponta e reforça a
aproximação entre a Linguística e a Literatura, a exemplo de seu contemporâneo, Roland
Barthes. A esse respeito, François Dosse (2207) faz sua análise crítica sobre Barthes:

Há a mesma busca do grau zero de parentesco em Levi-Strauss, do


grau zero da unidade linguística em Jakobson e do grau zero da
escrita de Barthes: a busca de um pacto, do contrato inicial que
fundamenta, neste último, a relação do escritor com a sociedade.
(DOSSE, 2007, p. 118)

Em seu texto, “Linguística e Literatura”, publicado em 1968, Barthes refaz o mesmo


percurso de Jakobson:

Linguística e Literatura: esta aproximação parece-nos atualmente


bastante natural. Não será natural que a ciência da Linguagem (e
das linguagens) se interesse por aquilo que é incontestavelmente
linguagem, a saber; o texto literário? Não será natural que a

123
Literatura, técnica de certas formas de linguagem, se volte para a
teoria da linguagem? Não será natural que, no momento em que a
linguagem se torna uma preocupação maior das ciências humanas,
da reflexão filosófica e da experiência criativa, a Linguística ilumine a
ciência da Literatura, tal como ilumina a etnologia, a psicanálise, a
sociologia das culturas? Como poderia a Literatura permanecer
afastada desta irradiação de Linguística é o centro? Não deveria ter
sido ela mesma a primeira a abrir-se à Linguística?(BARTHES, 1980,
p. 9)

Seguidor da perspectiva interdisciplinar, posta em circulação por Jakobson, Roland


Barthes repõe em discussão não apenas a possibilidade, como também a necessidade, de
estreitamento dos laços entre a Linguística e a Literatura. Tal defesa, contudo, não o faz
encarar essa junção com romantismo e nem tampouco ver a Linguística e a Literatura de
forma indistinta. Assim vai reconhecer que as antigas dificuldades, as resistências a essa
junção, só foram superadas graças à reorientação crítica nesses dois campos de estudos da
língua/linguagem.
Problematizando o egocentrismo analítico, do qual fala Barthes, Roman Jakobson se
voltaria para os estudos interdisciplinares do ato de comunicação humana, Nesse caminho,
elaboraria a sua “Linguística e poética”, estudo detalhado, verdadeiro tratado sobre o ato de
comunicação. Integrante da obra, Linguística e comunicação, publicado no Brasil em
1975, esse texto pioneiro apresenta, com grande profundidade, os conceitos extensivos e
relacionais, estabelecendo, assim, uma ampla significação do aspecto comunicacional,
facultando os estudos linguísticos ao discurso artístico e a Antropologia, como analisa
Izidoro Blikstein:

A biografia intelectual de Roman Jakobson espelha, de certo modo, o


próprio encaminhar-se da Linguística para a Arte e a Antropologia [...]
O germe do pensamento linguístico de Jakobson já pode se
rastreado na sua participação nas atividades do Círculo Linguístico
de Moscou, o qual nasceu sobretudo,da preocupação de jovens
intelectuais russos da década de 1910-1920 com o aspecto simbólico
do som na poesia [...] jamais aceitaram eles a velha dicotomia entre
forma e conteúdo: bem ao contrário, viam no poema uma hierarquia
uma de funções, dentro da qual o som se vinculava ao sentido. Não
se tratava, portanto, de atentar para a fonética, e sim, para a
fonologia (BLIKSTEIN, 1975, p. 8-10).

A importância e a profundidade das elaborações de Roman Jakobson podem ser


avaliadas pela trajetória de suas pesquisas e estudos, trajetórias, essas, que influenciaram a
própria Linguística Ocidental. Inicialmente, funda, juntamente com os jovens colegas russos,

124
o Círculo Linguístico de Moscou do qual se originou o movimento denominado de
Formalismo Russo. Cinco anos após a fundação do Círculo de Moscou, Jakobson aceita o
convite para ensinar na Universidade de Praga. Esse convite representava, para Jakobson,
uma saída do difícil contexto de Moscou e, ao mesmo tempo, a possibilidade de continuar
suas pesquisas, num ambiente mais tranquilo e favorável às suas atividades.
Na Tchecoslováquia3, as ideias e os questionamentos de Jakobson seriam
retomados pelos intelectuais do Círculo Linguístico de Praga, fundado em 1926, por Vilém
Mathesius, que presidiria esse Círculo até 1945, data de seu falecimento em Praga.
Numa inequívoca articulação com os integrantes desse Círculo, do qual é
participante e para o qual pesquisa, Jakobson e esses intelectuais desenvolveriam,
conjuntamente, toda uma produção teórica, decisiva para os estudos modernos da
linguagem, como realça Boris Schnaiderman, acentuando, ao mesmo tempo, a grande
intimidade entre os Círculos de Moscou e o de Praga, cujos trabalhos teriam
prosseguimento na Sociedade de Estudos da Linguagem Poética – OPOIAZ:

Aliás, trabalhos do Círculo Linguístico de Praga conseguiram, por


vezes, dar expressão mais adequada a certas ideias do formalismo
russo [...] Mas a relação intima que existira entre o movimento russo
e o Círculo Linguístico de Praga, de cujos primeiros trabalhos
participaram os russos Roman Jakobson, N. S. Trubietzkói e P. G.
Bogatiriév, refletiu-se no prosseguimento de uma série de trabalhos
esboçados pela OPOIAZ e pelo Círculo Linguístico de Moscou
(SCHNAIDERMAN, 19760, p. ix-xxii).

Partindo dos estudos comparativos entre os sons dos versos russos e os sons dos
versos thecos, Jakobson se dedicaria aos estudos dos elementos fônicos da língua.
Juntamente com Trubietzkói, realiza as pesquisas das quais surgiriam a Fonologia.
Em 1939, os nazistas invadem a Tchecoslováquia. Jakobson se refugia na
Escandinávia. Participa do Círculo Linguístico de Copenhague, onde continua seus estudos
de fonologia. A chegada dos nazistas à Noruega interrompe mais uma vez os projetos de
Jakobson. Nessa peregrinação, Jakobson moraria na Suécia onde, em busca de
informações para os seus estudos sobre a afasia, mantém contatos com médicos. Estudos
esse que, futuramente, possibilitariam a ampliação do modelo fonológico à psicanálise,
retomados por Jacques Lacan direcionados pela perspectiva freudiana, depois de um
encontro com Jakobson em 1950.

3
Em 1989, houve mudanças geopolíticas em toda região do Leste Europeu. Em 1993 os Federados
da República Techa e a Eslováquia decidiram dissolver a federação e declaram suas respectivas
independências. Tal fato ficou conhecido como divórcio de Veludo, devido ao seu caráter pacífico.

125
Posteriormente, Jakobson vai para Nova Iorque aceitando o convite da Escola Livre
de Altos Estudos, criada por intelectuais europeus, ali refugiados. Nessa Escola, Jakobson
teve como alunos o antropólogo francês, Claude Lévi-Strauss, e o linguista brasileiro,
Mattoso Câmara Jr. Em 1949, Jakobson se torna professor de língua e de literatura, da
Universidade de Harvard, em Massachusetts.
Numa ousada reinterpretação dos estudos linguísticos e literários, Jakobson
observaria que, longe de ser uma particularidade dos estudiosos da Lógica ou dos
linguistas, o exercício da metalinguagem constituiria uma prática comum em nosso
cotidiano, como se verifica a seguir:

Uma distinção foi feita, na Lógica moderna, entre dois níveis de


linguagem, a “linguagem-objeto”, que fala de objetos, e a
“metalinguagem” que fala da linguagem. Mas a metalinguagem não é
apenas um instrumento científico necessário, utilizado pelos lógicos e
pelos linguistas; desempenhando também papel importante em
nossa linguagem cotidiana [...] praticamos a metalinguagem sem nos
dar conta do caráter metalinguístico de nossas operações
(JAKOBSON, 1978, p. 127 – grifos do autor).

Colaborador da Escola de Praga, André Martinet se interessaria, basicamente, pelo


modo como os falantes conseguem, satisfatoriamente, se comunicar através da língua. Para
Martinet, o que deve orientar o linguista é a competência comunicativa, segundo ressalta
Moura Neves, ao mesmo tempo em que ressalta que o pensamento de Martinet sintetiza a
concepção fundamental das teorias funcionalistas:

Um bom modo de sintetizar o pensamento fundamental das teorias


funcionalistas é lembrar o funcionalista Martinet (1978) que aponta
como objeto da verdadeira linguística a determinação do modo como
as pessoas conseguem comunicar-se pela língua, e que afirma
(Martinet, 19944, p. 14) que o que ‘deve constantemente guiar o
linguista’ é a ‘competência comunicativa’ já que ‘toda língua se impõe
[...] tanto em seu funcionamento como em sua evolução, como um
instrumento de comunicação da experiência’, entendida como
experiência ‘tudo o que [o homem] sente, o que ele percebe, o que
ele compreende em todos os momentos de sua via’(NEVES, 1997, p.
2 – grifos da autora).

Nessa compreensão de que a linguagem é, essencialmente, instrumento de


comunicação, Martinet assinala como cinco as funções da linguagem humana: a de

126
comunicação, a de servir de suporte ao pensamento lógico; a de meio de expressão, a de
afirmação do eu e a função estética.
Também colaborador da Escola de Praga, Karl Bühler procede as suas investigações
das funções da linguagem centradas mais na parole do que na langue. Assim, considera
que o ato comunicacional compreenderia três funções: a representativa (exclusivamente
humana), a expressiva e a apelativa, que não se restringem aos humanos, sendo extensivas
às outras espécies de animais. Para Bühler, essas três funções coexistem no mesmo evento
de fala, como assinala Moura Neves:

Cada evento de fala constitui um drama no qual se reconhecem três


elementos; uma pessoa (Sender) informa outra pessoa (Empfänger)
de algo (Gegenstände und Sachverhalte), e é nessa atividade que se
manifestam as três funções, as quais não são mutuamente
exclusivas, mas coexistem no mesmo evento. ‘Comunicar não se põe
como ‘função’ da linguagem porque a capacidade que a linguagem
tem de funcionar comunicativamente é exatamente o que condiciona
todo o complexo que constitui o evento da fala (NEVES, 1997, p. 9 –
grifos da autora).

Aproveitando o esquema criado por Karl Bülher, Jakobson procederia a uma revisão
das funções do psicólogo alemão. Nesse percurso de revisão, de renomeação e de criação,
o linguista russo terminaria por apresentar seu modelo de comunicação, dividido em seis
funções: a referencial, a emotiva, a conotativa, a fática, a poética e a metalinguística.
Assim, chamará de referencial, a função representativa de Bülher; de emotiva, a
função expressiva e, de conotativa, a visão apelativa. A essas três funções, Jakobson
acrescentaria mais três: a fática; prerrogativa também da comunicação animal; a poética, e
a metalinguística, essa última de capital importância para o entendimento das indagações e
questionamentos dos artistas, acerca de seus próprios ofícios.
No que se refere à função metalinguística, podemos defini-la como a função
comunicacional na qual a linguagem se volta para si mesma, ou seja, focaliza o código,
utilizado na mensagem. Dessa forma, o próprio código torna-se objeto de reflexão. Isto
implica dizer que a função metalinguística coloca o próprio código em questão, como
manifesta Jakobson, ao mesmo tempo em que conceitua a afasia, isto é, a perda da
capacidade de realizar operações metalinguísticas, conforme se observa a seguir:

Sempre que o remetente e/ou destinatário têm necessidade de


verificar se estão usando o mesmo código, o discurso focaliza o
Código; desempenha uma função METALINGUISTICA (isto é, glosa)
[...] Todo processo de aprendizagem da linguagem, particularmente a
aquisição, pela criança, da língua materna, faz largo uso de tais

127
operações metalinguísticas; e a afasia pode ser definida, amiúde,
como uma perda da capacidade de realizar operações
metalinguísticas (JAKOBSON, 1978, 127 – grifos do autor).

Em sua retomada do modelo comunicacional de Karl Bühler, Jakobson desenvolveu


um modelo da comunicação que, além de demonstrar a importância de aspectos, outrora
não explorados, como as variantes que informam a carga de informações transmitida pela
função expressiva, amplifica a noção de comunicação, elencando outras funções que
entrariam em seu tratado comunicacional.
Contemporaneamente aos estudos da Escola de Praga, surgem, na Inglaterra, os
estudos sobre a linguagem de John Rupert Firth. Nessas pesquisas, o linguista britânico
prioriza o tratamento do significado, continuando a observar a língua como um feixe de
opções, cujas funções controlam os atos de escolha e os seus arranjos, como salienta Maria
Helena de Moura Neves:

Na escola britânica de John Rupert Firth, Michael Halliday e


seguidores, o conceito de ‘função’ [...] é semelhante ao dos
tchecoslovacos, embora a formação daqueles estudiosos não tenha
sido em línguas eslavas, mas em língua inglesa e em línguas
orientais. Tal conceito derivaria do grande interesse em ‘prosódia’ ou
‘entonação’, e ao compromisso de, nos termos de Firth, de ’tratar o
significado por meio de uma abordagem completa da ‘disciplina’ e
‘em todos os níveis da análise’. O sistema da língua continua a ser
visto como uma ‘rede’ de opções cujas funções controlam as
operações de escolha e arranjo (NEVES, 1997, p. 13-14 – grifos da
autora).

Os estudos de Rupert Firth teriam continuidade com Michael Halliday, de quem Firth
fora professor. Seguidor das ideias de Firth, membro da Escola de Londres, portanto,
Halliday tem se dedicado aos estudos da linguagem desde a década de sessenta, focando
suas pesquisas nas funções da linguagem, observadas tanto no campo da língua, quanto no
campo da linguagem e denominadas de metafunções.
Nesse caminho, Halliday estabelece três metafunções: a ideacional, que serve à
expressão do conteúdo; a interpessoal, que serve ao estabelecimento e à manutenção dos
papéis sociais, considerados inerentes à linguagem, e a metafunção textual, que capacita o
falante à produção textual, bem como possibilita ao ouvinte o reconhecimento e o
entendimento do discurso.
Posteriormente à publicação de suas metafunções (1985), Halliday acrescenta duas
submetafunções da metafunção ideacional: a experiencial, que possibilita ao usuário a
interação biossocial e a psicoafetiva; e a lógica (abstrata), que serve à expressão de

128
estruturas linguísticas recursivas, originadas, indiretamente, da experiência, como enfatiza
José Romerito Silva, em seu texto, “A intensificação numa perspectiva funcional” (2008).
Considerada como a grande estudiosa e intérprete da Gramática Funcionalista no
Brasil, Maria Helena Moura Neves se volta para as concepções que guiam a Linguística
Sistêmico-Funcional (FSL) de Halliday, incluindo, também em sua leitura, o linguista
funcionalista holandês, Simon Cornelis Dik. Nesse estudo, Moura Neves nos certifica dos
traços de aproximação entre o funcionalismo do linguista da Escola de Londres (como
também o da Escola da Holanda), e o funcionalismo da Escola de Praga:

O primeiro ponto de contato sempre apontado é uma rejeição da


distinção – que está na base da dicotomia chomskiana – entre
competência e atuação, rejeição que se encontra no modelo de
Praga e que é facilmente rastreável nos modelos de Halliday e de
Dik. Halliday também se aproxima da Escola Linguística de Praga [...]
ao considerar a existência de estratos na linguagem, com a fonologia
na base e a semântica no topo, as duas intermediadas pelo léxico e
pela sintaxe. Ainda com a Escola de Praga, Halliday, bem como Dik
entende que os itens que se estruturam nos enunciados são
multifuncionais, não podendo considerar-se esgotada uma descrição
de estrutura que se limite à indicação das funções gramaticais.
Finalmente, como os linguistas de Praga, Halliday e Dik buscam
construir a teoria no interior do próprio sistema, o que revela,
fundamentalmente, uma consideração funcional da própria natureza
da linguagem (NEVES, 1997, p. 16-17).

Não obstante essas similaridades, no mundo da Linguística ainda são frequentes os


debates e as polêmicas entre linguistas funcionalistas e formalistas. Ante esses debates,
Halliday assinala a legitimidade de ambas as abordagens, enfatizando que as duas
investigações se ligam à natureza da própria da linguagem e do contexto que ambas
dividem, como registra Moura Neves:

Halliday (1985, p. xxix), ao chamar a atenção para a polarização que


tem havido entre a abordagem formalista e a funcionalista, considera
que, na verdade, ambas se ligam à própria natureza da linguagem,
além de se ligarem, pela raiz, ao pensamento ocidental (NEVES,
1997, p. 53).

Ao contínuo interesse dos estudos da linguagem, no Ocidente, se devem as


investigações de Norman Fairclough, em nosso contexto contemporâneo. Em 1992,
Fairclough publicaria sua obra, Discurso e mudança social, na qual observa que as

129
mudanças de uso linguístico estão relacionadas com processos sociais e culturais mais
gerais.
Nessa compreensão, Fairclough apresenta a sua proposta metodológica, a Análise
de discurso textualmente orientada (ADTO), ressaltando a importância e a viabilidade da
utilização da análise linguística, tanto para a investigação de mudança da linguagem, como
em estudos de mudança sociocultural, enquanto assinala o pioneirismo de seu método,
dentro do campo linguístico:

Hoje, os indivíduos que trabalham com uma variedade de disciplinas


começam a reconhecer os modos como as mudanças no uso
linguístico estão ligadas a processos sociais e culturais mais amplos
e, consequentemente, a considerar a importância do uso da análise
linguística como um método para estudar a mudança social. Mas
ainda não existe um método de análise linguística que seja tanto
teoricamente adequado como viável na prática. Meu objetivo
principal neste livro é, portanto, desenvolver uma abordagem de
análise linguística que possa contribuir para preencher essa lacuna –
uma abordagem que será útil particularmente para investigar a
mudança na linguagem e que será útil em estudos de mudança
social e cultural (FAIRCLOUGH, 2001, p. 19).

Nesse reconhecimento, Fairclough adota uma perspectiva transdisciplinar, elegendo


como suportes, teóricos e metodológicos, os conhecimentos linguísticos e os conhecimentos
das ciências sociais e políticas, conforme afirma o autor, ao mesmo tempo em que registra a
mudança de tratamento da linguagem na teoria social, fortemente influenciada pelas ideias
do próprio Fairclough, vale ressaltar, e o papel mais central dado à linguagem, nos exames
dos processos e fatos sociais:

Para atingir isso, é necessário reunir métodos para analisar a


linguagem desenvolvidos na linguística e nos estudos de linguagem
com o pensamento social e político relevante, para desenvolver uma
teoria social da linguagem adequada. Entre os primeiros, incluo
trabalhos em vários ramos da linguística [...] que foram
desenvolvidos nos últimos anos principalmente por linguistas [...] e
incluo entre os últimos os trabalhos de Antonio Gramsci, Louis
Althusser, Michel Foucault, Jurgen Habermas e Anthony Giddens [...]
Os limites entre as ciências sociais estão enfraquecendo, e uma
maior diversidade de teoria e prática vem se desenvolvendo nas
disciplinas. Tais mudanças tem-se feito acompanhar por uma “virada
linguística” na teoria social, cujo resultado é um papel mais central
conferido à linguagem nos fenômenos sociais (FAIRCLOUGH, 2001,
p. 19-20- grifos do autor).

130
Compreendendo os discursos como manifestações particulares de uso da linguagem
e como práticas sociais, Fairclough realça que estes não apenas refletem ou representam
relações sociais ou entidades, mas que eles mesmos as constroem e as ‘constituem’. Os
diferentes discursos, segundo o autor, constituem entidades-chaves que, de diferentes
modos, posicionam as pessoas como sujeitos sociais (FAICLOUGH, 2001, p. 22).
Os efeitos sociais desse posicionamento dos sujeitos se tornam, em Fairclough, o
foco de sua análise de discurso, juntamente com a atenção às mudanças sociais e, de
forma particular, em relação aos modos como diferentes textos se aproximam em
determinados contextos, produzindo um novo e complexo discurso. Esses propósitos guiam
a síntese entre linguística e teoria social, pretendida por Fairclough:

Minha tentativa de reunir a análise linguística e a teoria social está


centrada numa combinação desse sentido mais socioteórico de
‘discurso’ com o sentido de ‘texto e interação’ na análise de discurso
orientada linguisticamente. (FAIRCLOUGH, 2001, p.22).

Reconhecendo as iniciativas anteriores, de estabelecimento do diálogo entre a


linguística e as ciências sociais, Fairclough destaca os trabalhos de Halliday, na década de
setenta na Grã-Bretanha, e os estudos de Michel Pêcheux na França na década anterior.
Apesar da importância e positividade dessas iniciativas, estes estudos apresentam um
desequilíbrio entre os elementos sociais e os linguísticos. Em sua observação, Fairclough
anota ainda que os estudos britânicos e as pesquisas francesas são elaborados a partir de
uma visão estática das relações de poder. Essa visão estática é responsável pela
priorização do papel da ideologia nos textos linguísticos e do pouco cuidado aos aspectos
da luta e das transformações dessas relações, como também, e principalmente, da
minimização do papel da linguagem nelas:

Além do mais, ambas as tentativas estão baseadas em uma visão


estática das relações de poder, com ênfase exagerada no papel
desempenhando pelo amoldamento ideológico dos textos linguísticos
na reprodução das relações de poder existentes. Prestou-se pouca
atenção à luta e à transformação de poder e ao papel da linguagem
aí (FAIRCLOUGH, 2001, p. 20).

Além desses pontos problematizados, Norman Fairclough observa também que,


nessas investigações, deu-se uma atenção especial à descrição dos textos, concebidos e
analisados como produtos acabados. Assim, segundo Fairclough, essas abordagens
minimizam os processos de produção e de interpretação textual, ou as tensões que
perpassam tais processos.

131
Nessa interpretação, Fairclough vai considerar os caminhos apontados pouco
adequados para a investigação da linguagem em sua dinamicidade, ou seja, em meio aos
processos de mudança social e cultural, apresentando, portanto, a sua proposta de síntese
entre o linguístico e o social, conforme se afere a seguir:

Conferiu-se ênfase semelhante à descrição dos textos como


produtos acabados e deu-se pouca atenção aos processos de
produção e interpretação textual, ou às tensões que caracterizam tais
processos. Como consequência, essas tentativas de síntese não são
adequadas para investigar a linguagem dinamicamente, em
processos de mudança social e cultural [...] A síntese que tentarei
realizar neste livro estará centrada, como a de Pêcheux, na ‘análise
de discurso’ e no conceito de ‘discurso’. (FAIRCLOUGH, 2001, p.21-
grifos do autor).

Nesse esforço em combinar a linguística e a teoria social, em sua análise de discurso


linguisticamente orientada, Fairclough concebe o discurso, de forma tridimensional,
observando-o simultaneamente, como texto, como prática discursiva e como prática social,
conforme explicita o autor, ao mesmo tempo em que manifesta sua visão de ‘texto’,
encarado como produto linguístico, seja em sua apresentação oral ou em sua forma escrita:

Esse conceito de discurso e análise de discurso tridimensional.


Qualquer ‘evento’ discursivo (isto é, qualquer exemplo de discurso) é
considerado como simultaneamente um texto, um exemplo de prática
discursiva e um exemplo de prática social. A dimensão do ‘texto’
cuida da análise linguística do texto. A dimensão da ‘prática
discursiva’, como ‘interação’, na concepção ‘texto e interação’ de
discurso, especifica a natureza dos processos de produção e
interpretação textual [...] a dimensão de ‘prática social’ cuida de
questões de interesse na análise social, tais como as circunstâncias
institucionais e organizacionais do evento discursivo e como elas
moldam a natureza da prática discursiva e os efeitos constitutivos e
construtivos referidos anteriormente. Acrescentaria que ‘texto’ é
usado neste livro em um sentido bastante familiar na linguística, mas
não alhures, paras refletir a qualquer produto escrito ou falado.
(FAIRCLOUGH, 2001 p. 23-grifos do autor).

Em sua visão tridimensional, Norman Fairclough chamará de discurso o que os


linguistas, tradicionalmente, tratam como uso ou funções de linguagem. Assim, considera a
linguagem enquanto prática social e não enquanto ato meramente, individual, ou mesmo ato
reflexo de realidades sociais, como ressalta abaixo:

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Ao usar o termo ‘discurso’, proponho considerar o uso de linguagem
como forma de prática social e não como atividade puramente
individual ou reflexo de variáveis situacionais [...] O discurso é uma
prática, não apenas de representação do mundo, mas de significação
do mundo, constituindo e construindo o mundo em significado.(
FAIRCLOUGH, 2001, p. 90-91 – grifos do autor).

A perspectiva de Fairclough acerca do discurso, concebido como socialmente


constitutivo e construtivo, traz, de forma subjacente, algumas implicações, como a da
solicitação de uma visão dialética para a apreensão da relação estabelecida entre
linguagem e estrutura social, segundo ressalta o autor, no fragmento abaixo:

Primeiro, implica ser o discurso em modo de ação, uma forma em


que as pessoas podem agir sobre o mundo e especialmente sobre os
outros, como também um modo de representação. Trata-se de uma
visão do uso de linguagem que se tornou familiar, embora
frequentemente em termos individualistas [...] segundo, implica uma
relação dialética entre o discurso e a estrutura social, existindo mais
geralmente tal relação entre a prática social e a estrutura social: a
última é tanto uma condição como um efeito da primeira.
(FAIRCLOUGH, 2001, p. 91)

Ao tratar dos efeitos construtivos do discurso, assunto privilegiado de suas


investigações, Norman Fairclough distinguiria esses efeitos em três aspectos,
correspondentes a três funções da linguagem e a suas dimensões significativas,
significações, essas, inerentes e interativas, em todo e qualquer discurso, como se observa
no texto do linguista:

Assim, Fairclough se utilizaria – como caminho de partida para a criação do seu


modelo de funções, ou efeitos da prática discursiva – dos estudos da Linguística Sistêmico-
Funcional, mais precisamente das metafunções de Halliday, como notifica o próprio
Fairclough, ao nomear e especificar as suas funções:

Denominarei as funções da linguagem ‘identitária’, relacional’ e


‘ideacional’. A função identitária relaciona-se aos modos pelos quais
as identidades sociais são estabelecidas no discurso, a função
relacional a como as relações sociais entre os participantes do
discurso são representadas e negociadas, a função ideacional aos
modos pelos quais os textos significam o mundo e seus processos,
entidades e relações. As funções identitárias e relacional são
também reunidas por Halliday (1978) como a função interpessoal.
Halliday também distingue uma função ‘textual’ que pode ser

133
utilmente acrescentada a minha lista: isso diz respeito a como as
informações são trazidas ao primeiro plano ou relegadas a um plano
secundário, tomadas como dadas ou apresentadas como novas,
selecionadas como ‘tópico’ ou ‘tema’, e como partes de um texto se
ligam a partes precedentes e seguintes do texto, e à situação social
‘fora’ do texto. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 92-grifos do autor).

Apoiando-se nas contribuições da teoria sistêmica da linguagem, Fairclough retoma


a função ideacional de Halliday. Enquanto para este, essa função possibilita ao falante e ao
ouvinte a organização e a incorporação da língua às suas vivências com o mundo real e
com o mundo da consciência (NEVES, 1997, p. 13-14), para Fairclough, a função ideacional
corresponderia, mais vivamente, aos modos pelos quais os textos expressam e significam o
mundo, em sua dinâmica, em suas entidades e relações, como vimos acima.
Nessa recorrência aos estudos sistêmicos da linguagem, Fairclough modifica a
função interpessoal de Halliday, dividindo-a em função identitária e relacional, ao mesmo
tempo em que sugere a adequação da função textual de Halliday ao seu quadro das
funções. Embora não identifique a função textual de Halliday como função, a incorporaria,
contudo, no quadro da ação, como reconhece Izabel Magalhães:

Fairclough observa que a representação corresponde à função


ideacional, enquanto a ação está relacionada à função interpessoal,
enfatizando o aspecto da (inter)ação e incorporando o aspecto
relacional (as relações sociais). A identificação inclui a função
interpessoal. Fairclough não distingue uma função textual, que é
incorporada à ação (MAGALHÃES, 2004, p. 7).

Nesse processo de revisão dos estudos sobre as funções da linguagem,


especialmente dos de Halliday, Norman Fairclough, através de uma dialética de
incorporação e de transfiguração, constrói seu próprio modelo de funções, ou efeitos, nos
apresentando, assim, a sua função identitária.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O modelo de análise de discurso de Fairclough, como reconhece o próprio autor,


vem, de fato, suprir uma lacuna, tanto de cunho teórico, quanto metodológico, nos estudos
linguísticos que se voltam para as funções da linguagem, especialmente os que examinam
os discursos em sua função identitária, como sucedem na discursividade brasileira e em
toda da América Latina.
Recorrendo, desta forma, à linguística e outros campos do saber, Normam
Fairclough tenta mediar sua teoria de análise discursiva recorrendo à ciência que trata da

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linguagem, bem como a ciência outras que abordam os aspectos sociais dos indivíduos. De
forma transfigurada, mas direta, o teórico inglês retoma a discussão do início do século XX,
proposta por Romam Jakobson e, assumida veementemente por Roland Barthes, da
necessidade da interdisciplinaridade da linguística com outras áreas do saber, garantindo
assim o sucesso metodológico da linguística.

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