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roupa nos coagula ? A roupa deve ser uma forma visível do homem interior.

Própria do homem, eis que nenhum animal a usa, a roupa é um elemento


revelador, no mundo moderno, na grande maioria dos casos, do quanto, ao
usá-la, somos influenciáveis, isto é, de como nos coagulamos segundo a moda.
O chumbo foi sempre considerado por todas as tradições alquímicas
como um dos exemplos máximos da coagulação. Associado ao planeta
Saturno, o deus da delimitação, era o mais “vil” dos metais para os povos da
antigüidade, símbolo da lentidão, do que é pesado, a matéria isenta, enfim, de
toda força espiritual. Trabalhar com o chumbo significava para o alquimista se
destacar das próprias limitações individuais para buscar valores coletivos e
universais.
Como o planeta Saturno, o chumbo simboliza os obstáculos de toda
ordem, os retardamentos, as paradas, as carências, a impotência, a paralisia,
que são do astro, sempre evocador de desgostos e de provações. Ao
representar a prisão numa forma, o chumbo tem a ver com a “fixatio”, já
mencionada, um dos sinônimos da coagulação. Uma das grandes imagens da
fixação é o nó, que sempre traduz uma idéia de constrangimento, de
condensação, um agregado, como dizem os budistas. Na psicologia, os nós
sempre indicam bloqueio, condensação, um lugar onde a energia para. É
segundo este entendimento que os complexos podem ser vistos como nós, um
conjunto de idéias reprimidas, de forte valor emocional, interligadas num todo,
causado por um acontecimento, um trauma, capaz de gerar um comportamento
mórbido.
Segundo crenças que nos chegam da antiguidade, o nó como a
fechadura (também de Saturno) têm uma grande força mágica, pois fixam o
imaterial, ligam não somente o corpo, mas a alma; esta ação será boa ou má
conforme a ligação que ela estabelecer. O contrário, desfazer um nó será
libertar-se de uma crise, será a morte, solução ou libertação. No plano
espiritual, será sempre se libertar de apegos para viver num nível mais
elevado. Na medida em que o nó simboliza um obstáculo, ele é uma
“coagulatio”. Viver sem nós é viver sem entraves. Na antiga Roma, o “flamen
dialis” (sacerdote de Júpiter) não devia ter qualquer nó na sua roupa. A mesma
interdição aparece (aparecia) no caso dos peregrinos que iam a Meca.
A “coagulatio” tem a ver sobretudo com as pessoas ligadas ao
elemento terra, pessoas que precisam sempre de regulamentação, de direção,
Nelas prevalece o utilitarismo, o pragmatismo, o senso de de dever. Sua
natureza é construtiva, vivem no mundo do tangível, do quantificável, do sólido,
do mensurável. Procuram sempre colocar limites, planejar, estruturar. Gostam
de organogramas, de cronogramas. Devotadas ao trabalho, são metódicas,
econômicas (muitas podem sofrer do complexo de Harpagon), detalhistas. O
pensamento é conservador, rotineiro. As pessoas “terra” ou “chumbo”, numa
palavra: resmungonas, voltadas para tarefas ingratas. Raramente visitadas,
talvez só em caso de morte, por motivo de uma herança ou de falta de dinheiro.
Gostam de aconselhar, sendo, no geral, insípidas e maçantes. De moral
extremamente rígida, tudo é proibido. Pouco ou nada sociáveis, quase nenhum
divertimento. Viver é ter deveres, tudo pautado pelo relógio e pelo calendário.
Responsáveis, confiáveis, o passado é o guia supremo. Depressivas, solitárias,
cinzentas, esquizóides, são o modelo da autodisciplna. No fim, quem sabe, um
nome numa rua, numa lápide com a saudade aliviada dos que ficaram.
Na mitologia grega, Hefesto, deus metalúrgico, Vulcano dos
romanos, aparece sempre associado à coagulação. Deus das artes do fogo,
das soldas, liga-se também à joalheria e à fabricação de armas e utensílios
para os deuses e alguns mortais. São dele os broches, os braceletes, os
colares, os laços, as cordas, as redes, tudo o que liga, une e prende. È o deus
das barras incandescentes, que reina sobre os vulcões, onde estão as suas
oficinas, lá trabalhando ajudado pelos Cíclopes. A absoluta perfeição técnica
dos seus produtos, aliada a uma total indiferença com relação aos seus
aspectos éticos e morais, fazem dele o símbolo do tecnocrata que usa o seu
poder para impor a sua vontade aos outros. Ele impregna os seus produtos de
um fascínio tal que quem os usa não consegue se libertar mais.
O universo da coagulação é vastíssimo. Foi um escorpiano como
Jean-Paul Sartre que, em “A Náusea”, nos deu uma das mais claras ilustrações
do tema. Para Sartre, não obstante existam as metafísicas, as receitas para
justificar o mundo, ele as recusa, porque todas nos falam do inverificável.
Sartre descreve então a vida e a consciência, as únicas realidades das quais o
homem pode ter experiência. A principal características desta consciência é a
de nunca ser ela mesma, mas estar sempre ligada a algo fora, atenta a um
objeto exterior. É a sua fórmula magistral: “Toda consciência é consciência de
alguma coisa”. Ou, de outro modo, a consciência para existir tem necessidade
dos objetos do mundo. As coisas estão no mundo, maciças, informes, fechadas
em si mesmas. É a consciência do homem que as aclara, é ela que destaca
esta ou aquela coisa do mundo e lhes dá um sentido, que retira de uma
aglomeração um objeto determinado. Perceber é então destacar e destacar-se
ao mesmo tempo. A consciência é um poder que tem o homem de recortar o
mundo, de lhe dar um sentido. Outra frase: “O homem não é nada, ele é aquele
que tem que se fazer.” Cabe a ele, pois, dar um sentido às coisas do mundo. A
vida humana é, neste sentido, um esforço perpétuo. Noutra passagem: “a
consciência não é o que é”, Ela está só e vazia se não temos coragem de
comprometê-la num projeto.
Se os homens se cansam desta obrigação, de fazer este esforço,
nada mais tem sentido. Quando o homem não quer mais se comprometer com
o mundo, quer apenas viver de modo a não ter que justificar a sua existência,
ele passa a existir como existem as coisas, sem história, sem preocupações,
sem responsabilidades. Este esforço muitas pessoas tentam afastá-lo da sua
vida. Procuram se apegar a modos de vida preguiçosos, obedecendo a
modelos já feitos, ou, como diz Sartre “estes que querem submeter a sua vida
a um modelo, estes cadáveres.” A psicologia, por isso, para Sartre, não será
mais que o estudo dos escapismos, das “condutas de má fé, pelas quais os
homens procuram um destino fácil. Diante da dificuldade de existir, os homens
então se coagulam numa personalidade construída em cima de um conjunto de
convenções, de tiques, de estereótipos. São os habitantes de Le Havre que,
nos domingos saem às ruas para obter, no seu desfile matinal, “a consideração
pública”.
Campo fértil para o estudo da “coagulatio” é o da paixão. Numa
primeira abordagem, o que se destaca no tema é a oposição natural que há
entre o passional e o racional, o lógico. Se o “logos” pressupõe harmonia,
clareza, universalidade, o “pathos” aponta para o negativo, para o irracional,
para a desarmonia, para a obscuridade, para a particularidade, para a doença,
para a loucura, para a morte. As paixões tiram a liberdade do ser humano,
colocando-o numa situação passiva. Paixões são suportadas, invadem,
vitimam, prendem numa forma da qual muitas vezes não há como sair. Por
isso, são representadas por geleiras, “icebergs”. Uma operação alquímica
ligada à paixão é uma variante da “coagulatio”, a “mortificatio”, relacionada com
idéias de derrota, de impotência, de mutilação, de sofrimento. Mortificar é
macerar o corpo próprio ou alheio com penitências ou castigos. Tornar-se
entorpecido, insensível, inerte.
O tema da avareza inscreve-se na rubrica da “coagulatio”. Uma frase
de J.J. Rousseau é reveladora: “A infelicidade não está na privação das coisas,
mas na necessidade que temos delas.” A avareza é uma patologia do Ter, que
diz respeito às necessidades concretas da vida, que, por sua vez,
correspondem às satisfações das exigências do corpo (alimentação, abrigo
etc.). Mas, por razões as mais diversas, tendemos muitas vezes a acumular
demais, não só dinheiro ou bens imóveis, mas informações, conhecimentos os
mais variados, guardando-os egoisticamente, sem compartilhá-los com
ninguém. É a perversão do Ter. As teorias econômicas modernas, qualquer
que seja a escola, abriram todas o caminho para a avareza, esta maquiada
como busca da estabilidade, anseio pela solidez. Coagulamo-nos cada vez na
posse de bens, mas estes jamais nos bastam, nunca nos satisfazem.
Precisamos seguir acumulando sempre com o pavor de perder e de não
conseguir continuar acumulando. Teorias econômicas ou patologias? Privilegia-
se o “meu” em detrimento do de “todos”. Buscamos sempre, por todos os
meios, transformar o não-meu em meu. O que interessa é, pois, captar,
estocar, conservar, entesourar. O avarento continua preso a este esquema,
acumulando também insegurança e medo. Afasta-se então de si mesmo,
voltando-se somente para o Ter. A finalidade não mais será acumular haveres,
mas fruir a concentração como projeto de vida, a venerar a aviadez e a
insaciabilidade. Um tratado da avareza? Eugénie Grandet, de Honoré de
Balzac (1.799-1.850).
As paixões, associadas às “commotiones animi” ou “perturbationes
animi” sempre foram consideradas como provenientes da alma que perdeu a
sua dignidade ontológica, que perdeu a sua independência, a sua autonomia.
As paixões participam, sob o ponto de vista energético, do mesmo universo da
obsessão (estar sitiado, cercado), que sempre tiveram um caráter demoníaco.
Vitimados pela obsessão, como pela paixão, estamos bloqueados pelo que
sentimos, constantemente assediados, cercados. As paixões aparecem na
religião e na filosofia sempre como algo a ser observado com muito cuidado,
como algo deplorável que é, pois tiram a liberdade da alma, a voz de comando
na sai. A galeria das vítimas da paixão é imensa: Orfeu, Heathcliff, Otelo,
Medéia, Fedra, Lupicínio Rodrigues, Orion, Rodin, Racine, Dostoivski, Edgar
Alan Poe. Estes personagens, através de suas vidas e/ou de suas obras
viveram a paixão num cenário ambivalente, sado-masoquista muitas vezes,
cheio de dissonâncias, onde sentimentos mais puros se misturavam a desejos
mórbidos, onde o gozo e a agonia acabaram por se equivaler.

3) A Sublimatio – Pertence ao elemento ar, a transformação da


matéria pela sua elevação ou volatização. Uma analogia: na astronomia, o
cometa é uma bola de gelo e de poeira cósmica de alguns quilômetros de
diâmetro quando no seu afélio (ponto de sua órbita mais afastado do Sol).
Quando está bola toma o caminho do periélio (dar uma volta em torno do Sol),
para descrever a sua órbita, ela, na medida em que o calor solar aumenta, vai
passando do sólido ao gasoso sem passar pelo líqüido, formando-se, em
conseqüência, uma extensa cauda (coma) de poeira cósmica que pode atingir
milhões de quilômetros. A bola terá, então, reduzido o seu diâmetro ao de um
pouco mais que uma bola de tênis talvez.
Para Freud, a sublimação está sempre “amarrada” a uma pulsão
erótica. É um processo psíquico inconsciente (também consciente, entendo)
que para ele explica a capacidade da pulsão erótica de substituir um objeto
desejado, sexual, portanto, menos “nobre”, por um outro não-sexual, sem
perder de forma a sua notável intensidade. Este outro objeto não-sexual é
considerado sempre como de natureza mais “elevada”, geralmente
determinado o seu “valor” pelo mais aceitável sob o ponto de vista social.
Troca-se um objetivo por outro. Grande parte de nossa vida, tanto individual
como social, é, assim, sublimação. A capacidade plástica da sublimação é
enorme. Muito do que certos cientistas e artistas realizaram tem a ver, para
Freud, por exemplo, com a substituição de uma curiosidade sexual infantil por
outro objeto, de outra natureza, pelo desejo de saber, de investigar
intelectualmente. Para Freud, a pulsão erótica coloca à disposição do trabalho
cultural uma quantidade extraordinária de forças, sem que se perca
essencialmente a sua intensidade.
De um modo geral, a sublimação está muito ligada ao quente, que
trabalha sempre expansivamente, dilatando, ao contrário do frio, que opera por
contração, por interiorização. Aquecer um sólido é torná-lo mais leve, pois
grande parte de sua água (frio e úmido) é eliminada. A destilação se baseia
neste princípio ao elemento líqüido: aquecendo-o, ele se torna vapor, elevando-
se, voltando depois a se condensar em áreas mais frias.
A sublimação (sub, acima; limen, porta de entrada; passar pela parte
superior da porta) é sempre um processo de mudança que implica um
movimento ascendente. Confunde-se com a transcendência. Daí, a doutrina da
transcendência, cara às religiões patriarcais monoteístas: Deus, para elas, não
está no mundo como princípio vital animador, mas está, segundo a expressão
de Leibnitz, “na posição do que um inventor está com relação à máquina que
inventou, que um príncipe está com relação aos seus súditos, que um pai está
com relação aos seus filhos.” Deus está assim fora da existência, é “um ser de
transcendentes e de ilimitadas perfeições; sua natureza, portanto, é
incompreensível aos espíritos finitos” (Berkeley).
Para a doutrina existencialista, ao contrário, segundo a teoria
fenomenológica, o transcendente é o movimento para o qual a consciência visa
o objeto que, ao estar relacionado com os seus atos, correlato, lhe é
radicalmente exterior, de modo que a consciência sempre se constitui em
consciência de alguma coisa. É a frase já citada de Sartre: “a filosofia da
transcendência nos joga na estrada, em meio a ameaças, sob uma luz
ofuscante.” Para as religiões da transcendência, Deus não está na criação. A
tradição metafísica (principalmente no neoplatonismo e na escolástica), a
transcendência é o caráter inerente a um princípio ou ser divino que ultrapassa
radicalmente a realidade sensorial, com a qual esse princípio ou esse ser
mantém, em decorrência de sua perfeição e superioridade absolutas, uma
relação de soberania e distância. Para Kant, por exemplo, transcendência é a
qualidade apresentada por idéias que, embora pertencentes ao âmbito da
especulação racional humana, caracteriza-se por ultrapassar os dados
oferecidos pela experiência, sendo pois inapropriadas para o conhecimento.
Quando entramos nestas questões, não há como deixar de lado
Spinosa, filósofo do séc. XVII, de origem judaica (ascendência portuguesa) e
dos problemas que teve de enfrentar quando se envolveu com estas questões.
Ao combater o transcendentalismo para fora da existência, ele, questionando a
natureza de Deus, disse que ele não poderia ter forma humana ou existir fora
da natureza. Ou seja, Deus era imanência. Foi banido da sinagoga. Einstein,
três séculos depois, acompanhando o pensamento de Spinoza, escreveu:
“acredito no deus de Spinoza, um Deus que se manifesta na harmonia de tudo
o que existe, e não num Deus que se preocupa com o destino ou as ações dos
homens.” Para Spinoza, para Einstein, Deus não existe em separado, em
estado de transcendência.
Há contudo uma outra maneira de entendimento da transcendência
(trans=além de, e scandere=remontar, subir), a de que ela pode ser
considerada como um movimento do eu individual que, meditando sobre a sua
existência, experimentando muitas vezes um sentimento de angústia diante
dela, ultrapassa a situação existencial em que se encontra. Sempre uma idéia
de vir-a-ser, de mudar, conforme, aliás, os princípios herméticos nos informam.
A sublimação alquímica propõe uma transcendência terrena, o
conceito de elevação para ela, de ir do inferior para o superior, de verticalidade,
está sempre centrado no plano terrestre. A psicologia ascensional têm
imagens da “sublimatio”, inclusive nos seus aspectos patológicos: escadas,
elevadores, degraus, montanhas, vôos, anjos, foguetes, balões, aviões, ficção
científica, incenso, corrida espacial, esportes (alpinismo, asa delta), pássaros,
apartamentos de cobertura, arranha-céus etc. Escadas e asas, por exemplo,
simbolizam espiritualidade. Espiritual é o desprovido de materialidade, de
corporeidade. Sempre uma idéia de vida menos material.
No cristianismo, a escada, por exemplo, é um símbolo que liga o céu
à terra, isto é, a possibilidade de se chegar ao céu. Na Bíblia, se registra o
sonho de Jacó, uma escada de setenta e dois degraus por onde anjos desciam
e subiam, do céu à terra. O símbolo da escada aparece também em certas
alegorias, como a da escada das virtudes com os seus sete degraus, que
precisamos galgar para ter acesso a um nível espiritual superior. Os cultos de
Mitra e os órficos usavam a escada de sete degraus como símbolo, que, nos
respectivos contextos, representavam os sete planetas.
A “sublimatio” pode nos colocar “acima” das coisas, “acima” dos
problemas, dando-nos uma perspectiva mais ampla; das alturas,
descortinamos uma outra vista, as coisas ficam “menores”, do alto da
montanha as coisas têm uma outra dimensão. O problema é que quanto mais
subimos menos possibilidade temos de intervir na realidade. Isto que aqui se
coloca traduz o conflito entre os elementos ar, água e terra. Se
intelectualizamos a nossa relação com o mundo, corremos o risco de não
entender as expressões da água, emoções, sentimentos, não somos
simpáticos, muito menos empáticos. O diálogo ar-terra lembra, por exemplo, na
Astrologia o problema que muitos aquarianos têm de enfrentar com as suas
“invenções” maravilhosas que, muitas vezes, não têm aplicação prática,
simplicidade. Aquário, lembremos, é um signo de ar. Se este elemento é a
função superior no nosso psiquismo, as funções inferiores estarão
relacionadas, primeiro, com o elemento água e, depois, com o elemento terra.
Ou, traduzindo: é o caso do aquariano insensível (falta de água) ou do tipo que
vive nas alturas (falta terá, chão). Lembremos que dentre as fobias, a ligada à
altura, acrofobia, é uma das mais trágicas. Medo de pássaros, de tocá-los,
pavor de elevadores, de aviões, de olhar pelas janelas de andares altos.
Pessoas que estão coaguladas e que não sabem sair dessa situação, da
forma, muitas vezes dolorosa, em que se encontram. Não se deve esquecer
que há dois tipos de sublimação, a forçada e a conquistada. A primeira é vivida
como derrota, como capitulação. A segunda, como conquista, um exercício de
liberdade.
A carne e os seus prazeres têm muito a ver com os nossos desejos.
Aliás, o concreto, o material e o pessoal em nós estão sempre no âmbito do
desejo, o inimigo a superar se pretendemos a “sublimatio”. Evoluir
culturalmente, educar-se, buscar oportunidades de crescimento (cinegética),
trabalhar com a idéia da sublimação, por exemplo, era uma das artes
ensinadas pelo centauro Kiron ao herói grego. O herói, lembremos, no mito, é
um ser que vive em permanente estado agônico, em luta, contra as paixões
que o coagulam, às vezes reivindicadas inconscientemente como um direito (o
de se exceder) diante dos deuses, sob a justificativa das façanhas cometidas.
As paixões, como vimos, nos coagulam, tiram a nossa liberdade.
Os estóicos nos deixaram o conceito de “apatheia” como uma
proposta da “sublimatio”. Um conflito, no fundo, entre o “logos” (ar) e os
elementos passivos, as emoções (água) e os sentimentos (terra). Apatia é a
impassibilidade, um ideal estóico que o sábio deve conquistar. Cícero nos
deixo a frase: “Para nós, ousemos não só cortar os galhos de nossas
infelicidades, mas arrancar todos os filamentos de suas raízes.” É, por isso,
que um cético como Montaigne, lembrando da resistência de Posidonius nos
seus textos sobre a dor e as paixões (filósofo grego estóico, muito erudito, que
viveu entre 135-51, em Roma) encontrou muito “mais firmeza verbal que
essencial”.
Diz-nos a Alquimia que a “sublimatio” pode ser obtida não só pelo ar,
pelo “logos”, como queriam os estóicos, mas também por algumas operações
subsidiárias, como a “malhação” ou a “moagem”. O material, isto é, a
“coagulatio”, poderá ser atenuado por estas duas operações. Por elas, o
“grosso”, o “rude” pode ser pulverizado e, com isto, elevar-se ou dissolver-se
Uma perspectiva fora dos nossos gostos e aversões, por exemplo, ou uma
reflexão dissociativa, podem contribuir de algum modo para a “sublimatio”.
As terapias baseadas na palavra, como sabemos, são de Hermes. A
destruição de coágulos pela palavra tem tudo a ver com a técnica psicanalítica,
método criado por Freud para facilitar a verbalização daquilo que está
recalcado, inacessível, portanto, ao sujeito. A teoria freudiana pressupõe a
existência de um psiquismo inconsciente, que nos determina sem que o
saibamos. A técnica nos diz que muitas das dificuldades, que muitos sintomas
só poderão desaparecer se o recalque for trazido à superfície. Para superar o
problema, tornar consciente o inconsciente, Freud propôs a livre associação e
a atenção flutuante. A primeira é uma técnica pela qual uma idéia ou uma
imagem lançadas evocam outras. A segunda é a suspensão das motivações
que habitualmente dirigem a atenção do terapeuta em função da escuta mais
livre possível do discurso do paciente.
Uma das mais fantásticas demonstrações do poder de cura das
palavras está na história de Scheherezade, de “As Mil e Uma Noites”. O rei
persa Chariyar, convencido da infidelidade de sua mulher, mata-a. Depois, a
cada noite, une-se a uma nova mulher, sacrificada logo no dia seguinte.
Scheherezade, a filha do vizir, se oferece como sua esposa. À note, começa a
contar histórias que cativam o soberano que, muito interessado e curioso,
decide não entregá-la ao carrasco para que ela as consiga terminar. A mesma
cena se repete todas as noites, os dias se sucedem. Quando chegam à
milésima primeira noite, o soberano, fascinado pela arte da suave contadora de
histórias, renuncia ao seu projeto. Scheherezade é a “Senhora do tempo”,
dona da palavra que seduz, memória e encantamento. Tessitura de enredos,
labirintos verbais, prodígio de eloqüência. Ela inverte a terapia tradicional: o
doente ouve, o rei é o doente. Será curado pelas arte maravilhosa da filha do
vizir.
Outro exemplo de como a “sublimatio” funciona como terapia nós o
encontramos no mundo grego, no santuário do deus médico Asclépio. Deus da
nooterapia, da cura pela mente, as terapias que seus sacerdotes adotavam em
Epidauro provocavam a transformação dos sentimentos dos “doentes”. A idéia
básica era a de que os erros, as faltas, as desmedidas provocavam problemas
que, interiorizados, tornavam-se agentes mórbidos detonadores de doenças.
As causas das doenças estariam, pois, na mente. A nooterapia purificava o
mental e, em conseqüência, o físico, o homem por inteiro.
Como patologias da sublimação podemos destacar a exagerada
teorização, as especulações mentais, as tautologias, produto de muita vaidade
(vanitatem=cheio de vento). A sublimação não controlada tem a sua melhor
expressão no mito grego do cavalo alado Pégaso. Fonte da inspiração artística,
Pégaso só pode ser montado por heróis, ou seja, pelo artista que tenha
“techné”. Do contrário, será o desastre, a queda. A “sublimatio” pede às vezes
que aprendamos a descer das alturas, pois ficar preso nelas pode ser terrível,
principalmente se temos que continuar na terra. O movimento ascendente joja
com o eterno, a descendente com a encarnação. A “circulatio” será a
alternância entre elas. Repetidas subidas e repetidas descidas. Hermes é o
condutor desse ciclo, o da alternância dinâmica, cujo melhor símbolo é o
caduceu. Trevas-luz, alto-baixo, feminino-masculino. É pela “circulatio” que se
constrói o edifício da socialização. Regras, normas, trocas, ajustes, uma
adaptação constante entre o superior e o inferior, entre o feminino e o
masculino.

4) A Solutio – A dissolução pertence à água, que está na síntese


“solve et coagula”, resumo da Obra. A água aparece simbolicamente em três
níveis, como origem, purificação e como regeneração. Como substância
original está em todas as cosmologias, confundindo com a “prima materia”. Por
isso, no plano psicológico, a água é o símbolo das camadas mais profundas do
inconsciente onde vivem seres misteriosos. Em inúmeras tradições, as águas
subterrâneas aparecem associadas ao caos, sendo os lagos, os mares, as
cavernas, as grutas, os pântanos, como lugares de entrada desse mundo.
Como elemento a partir do qual o mundo é criado (“o espírito de
Deus pairava sobre as águas”), a Alquimia, desde sempre, entendeu que os
corpos não podem ser mudados senão pela redução à sua primeira matéria, a
água. Paracelso: “se queres mudar, transforma-te antes numa massa pastosa.”
Uma idéia que está presente em todos os processos terapêuticos na medida
em que todos procuram dissolver aspectos ou estados fixos de uma
personalidade. A partir da redução (dissolução) de um corpo à “prima materia”
as transformações podem então acontecer.
Como ponto de partida da criação, a água tem como complemento a
terra, mistura em que se unem um princípio receptivo, esta última, e aquela
como princípio dinâmico, que leva às mudanças e às transformações. Se no
processo de dissolução prevalece o ponto de vista da água, a forma pode se
perder. Se prevalecer o da terra, a forma pode ser conquistada.
Evidentemente, há que se buscar o ponto médio para que, prevalecendo a
terra, a forma não fique excessivamente endurecida (coagulatio). Estes
procedimentos, que muitas crianças aprendem na sua infância de um outro
modo, nos dão visões importantes de um processo de individuação com toda a
sua ambivalência de criação e de destruição. Se considerada a mistura dos
dois elementos, e tomado como ponto de partida a terra, temos o nascimento
de uma forma, um processo evolutivo. Se, ao invés da terra, a água prevalecer,
a mistura aparecerá como um processo involutivo, degradante, degenerativo. É
deste último processo que é extraído todo um simbolismo ético, no qual a lama,
as águas sujas, que acumulam detritos, são símbolos de uma vida em níveis
inferiores. É neste sentido que a água fixa, relacionada com o signo de
Escorpião, é considerada: água outonal, fétida, estagnada, escura. É a água
lodosa dos pântanos, que corrompe a matéria, putrefazendo-a, lugar onde se
desenvolvem larvas, micróbios, que, num outro nível, estão preparando o
renascimento.
A autonomia do nosso eu, conquistada a duras penas, através de
lutas e angústias com o mundo externo e, sobretudo, contra as ameaças e
pressões internas, vê-se permanentemente ameaçada pela “solutio”. Sob o
ponto de vista astrológico, se tomarmos o Sol como símbolo da vida
consciente, as principais ameaças de sua dissolução terão que ser
consideradas, sempre, a partir das influências lunares, já que há uma
polaridade natural entre estes dois astros. As influências lunares têm a ver com
a vida inconsciente, são mutáveis (a Lua tem fases), ela muda de forma,
lembrando, por outro lado, a periodicidade e a renovação. A Lua nos fala do
que é passivo, noturno; os sonhos, as fantasias, a imaginação, a receptividade,
o transitório e o influenciável são dela. A ação lunar têm sempre um caráter
regressivo, do qual fazem parte memórias, culpas, hábitos, atavismos
poderosos. Ameaças permanentes de retorno, de reabsorção. É a volta à gruta
de onde um dia saímos, à indiferenciação. A autonomia solar, obtida com muito
esforço e sofrimento, se vê assim abalada, ameaçada de dissolução.
Essa ameaça da “solutio” é muitas vezes tentadora: abandonar-se,
não escolher mais, entregar-se. Muitas vezes, até colaboramos para que isto
aconteça, freqüentamos lugares ou aproximamo-nos de pessoas que nos
“puxam” para baixo. Esta situação é muita descrita alquimicamente como a
retomada da criança pela Grande Mãe. Saudade, nostalgia, banzo, melancolia
costumam se manifestar; volta aos quintais da infância, lugares onde um dia
fomos felizes, tempos em que “vivíamos felizes”, em que “não pensávamos em
nada”. Essas as ameaças das origens nós as carregamos todos, podendo elas
se voltar contra nós e nos destruir. Podem efetivamente essas ameaças gerar
uma tendência involutiva, uma forma de fixação, uma fascínio que pode
paralisar o desenvolvimento do eu.
O urso, na Alquimia, é um símbolo dessa ameaça. Animal das
cavernas, o urso representa a vida instintiva e as fases iniciais do processo
alquímico, tendo relação com a nigredo. Se de um lado ele é violento,
selvagem, de outro ele é uma possibilidade de domesticação, ele dança,
brinca, pode ser simpático. É, em suma, o urso uma possibilidade evolutiva e
também um ser temível, que pode regredir perigosamente.
A “solutio” pode tomar caminhos ameaçadores. Os mitos de Narciso
e de Hermafrodito são exemplos. Um caso de “solutio” fatal nos é descrito no
Antigo Testamento; trata-se do caso do rei David quando viu Betsabá nua, no
banho. Rei de Israel, vencedor de gigantes (Golias), grande guerreiro, poeta,
músico, David, quando viu a belíssima mulher de Urias, literalmente
desmoronou, tudo o que o constituía entrou em “solutio”. Apaixonou-se
perdidamente. Mandou Urias para a guerra para poder ficar com ela, tornando-
a sua esposa favorita, mãe do grande Salomão. Os judeus, como sempre,
encontram uma justificativa para os descaminhos dos seus patriarcas. O caso
de David não fugiu à regra. Registros no Talmud “limparam” a barra do grande
rei.
Os processos de aniquilação pela “solutio” são muito usados no caso
de conversões religiosas, filosóficas ou políticas. O eu velho, profano, é
inteiramente dissolvido em muitos destes casos. Perde-se o nome, abandona-
se a família, uma dissolução que leva a uma absorção por um todo maior (a
seita, o grupo, a comunidade). Mergulhos e banhos costumam ser usados para
reforço da conversão. Dissolvido o eu velho, uma nova coagulação então
acontece. Em algumas ordens religiosas, hábitos e cordões vestem a nova
forma. Nos cordões, nós que vão indicando e reforçando a coagulação, um nó
a cada cinco anos, a cada dez anos...
Pesquisas de opinião, Ibope, “Oscar”, moda, “best-sellers”,
congressos, festivais, publicidade, propaganda, “blockbusters” são hoje
poderosos agentes da “solutio”. A finalidade, evidentemente, é o nivelamento
por baixo, quando não a idiotização, a imbecilização. Transformar o público
numa massa informe, pronta para ser modelada pela pressão mais hábil. Sob a
vigilante direção do poder econômico, gera-se no grande público dos grandes
centros, principalmente, uma angústia difusa, que se traduz geralmente pela
fuga, pelo escapismo, pela evasão que o consumismo oferece. No mais, é a
busca da chance, do golpe decisivo, com que sonha o homem de todas as
classes. Não é por acaso que a família Simpson é tomada como parâmetro por
um grande jornal da TV brasileira, o de maior audiência, para calibrar o teor de
seu noticiário.
Na mitologia grega, a Sereia é o símbolo clássico da “solutio”.
Monstro feminino, belíssima da cintura para cima, de seios nus, peixe da
cintura para baixo, a Sereia seduz, isto é, desvia do caminho. Ulisses teve que
se amarrar no mastro de seu barco para resistir ao canto da “cruel cantora”.
Imagem dos perigos da navegação e, por extensão, também, de todos os
perigos que encontramos na vida, pois “viver é navegar”... São também as
sereias criações da nossa vida inconsciente, sonhos, fascínio alimentado por
pulsões obscuras e desconhecidas. Vendo-as, ouvindo-as, mergulhamos atrás
delas, sempre um sonho insensato, mas irrecusável. A não ser que nos
lembremos de Ulisses...
Em todas as religiões e mitos, encontramos o tema da “solutio”
como catástrofes que põem fim a uma civilização, a uma era, a um ciclo. Os
nomes estão aí, Apocalipse, Ragnarok, Tohu-Bohu e outros, sempre uma idéia
acontecimento espantosos, a destruição do mundo, a grande “solutio”, da qual
fazem parte não só a água, mas o fogo e o ar. Inundações, incêndios, furacões,
raios, monstros à solta, deuses e demônios numa batalha final em que tudo
perecerá, a subversão total da ordem cósmica, uma situação absolutamente
anárquica, a volta a indiferenciação primordial.
O grande símbolo da dissolução é o tridente, que aparece na mão de
três grandes divindades, Shiva, na Índia, e de Hipnos e de Poseidon, na
Grécia. Quando Shiva vem montado no touro Nandi, com o tridente na mão,
temos a terceira pessoa da trindade hinduísta na sua ação solvente,
destruidora. Toda a matéria se dissolve, tudo volta ao indiferenciado, para que
novas formas possam aparecer. Nas mãos de Hipnos, deus do sono, o tridente,
ao tocar as nossas pálpebras, as fecha. O presente, o passado e o futuro são
postos em comum. Nesse momento, é dada passagem a Morfeu, o deus do
sonho, seu filho, o “de mil formas”, que costuma aparecer sob dois aspectos
principais, como Oniro, o sonho enganador, e como Hypar, o sonho profético.
Nas mãos de Poseidon, deus dos oceanos e mares, o Netuno dos romanos,
ele simboliza o princípio da dissolução universal que pode se manifestar como
adesão a uma entidade superior, mais vasta, como comunhão, como empatia,
como identificação, como perda da individualidade, como mistura do eu e do
não-eu, como êxtase.
Lembremos que o planeta Netuno foi descoberto em 1.846, período
em que historicamente o arquétipo da dissolução por ele representado trouxe
como propostas políticas, sociais e artísticas o Socialismo, o Impressionismo e
o Simbolismo. Quanto ao primeiro, abolição de classes sociais, conjunto de
doutrinas de fundo humanitário que visam reformar a sociedade capitalista para
diminuição de suas desigualdades; supressão das classes, coletivização dos
meios de produção e de distribuição. O segundo, um movimento artístico que
trouxe como propostas a observação da natureza (flores, água, nuvens) na sua
verdade mutável segundo a luz; divisão do toque pictórico, abandono do
estúdio, pintura ao ar livre, rompimento do contorno do desenho etc. O
Simbolismo é sobretudo literário e musical. Reação contra o realismo, poesia
como modo intuitivo de conhecimento, uma experiência do absoluto,
correspondências, ultrapassagem das aparências para chegar a percepção da
unidade do mundo.
Os aspectos gerais da “solutio” podem ser assim resumidos: 1)
retorno ao estado primordial; 2) dissolução, dispersão, desmembramento
(“separatio”); 3) dissolução e absorção por algo maior; 4) purificação, limpeza;
5) solução ou fim dos problemas; 6) a volta em outra forma, renascimento; 7)
derretimento, suavização (positiva), amolecimento, enfraquecimento (negativa),
a “liquefactio”.
Pela “solutio” como a de Afrodite, por exemplo, é possível obter a
fusão de duas substâncias distintas, que se unirão (conjunctio) para formar
uma terceira, de propriedades distintas das que entraram na união (amálgamas
e ligas). É preciso, contudo, que as substâncias recebam algum preparo prévio
(função do signo de Virgem, astrologicamente) para que sejam, na medida do
possível, evitadas reações indesejáveis e constatadas incompatibilidades não
previstas.
Há dois tipos de conjunção: 1) inferior – união ou fusão de
substâncias ainda não totalmente separadas. São as misturas imperfeitas,
casos de contaminação, substâncias não totalmente puras. Haverá
necessidade de intervenções adicionais. O resultado é fragmentado, inferior, de
baixa qualidade; a interação não se dá, podendo, muitas vezes, uma
substância “matar” a outra. A conjunção, nestes casos, se torna “mortificatio”
ou “putrefactio” ou, ainda, pode levar à “separatio”. Caveiras, pássaros negros,
ataúdes, paisagens sombrias, morcegos simbolizam a “putrefactio”. 2) superior,
muito facilitada se houver purificações prévias (banhos). É a união que
regenera a unilateralidade, que purifica os opostos, que ajusta as diferenças.
As qualidades primitivas (quente, seco, úmido e frio) se ajustam, se adaptam,
resolvendo-se as oposições. Na conjunção inferior domina o Eros, na superior,
Afrodite. Na conjunção superior notam-se dois aspectos principais: a)
introvertido: o par, os dois formam uma unidade; b) extrovertido: dois ou mais
formam um todo (partido, seita, comunidade, grupo, nação). A deusa Afrodite
domina o primeiro aspecto, O deus Dioniso, Hermes e seu filho Pã dominam o
segundo. Há toda uma química (pharmakon) que pode favorecer a conjunção,
principalmente a do segundo aspecto. Refiro-me às bebidas enteógenas, como
é o caso do “kykeon” nos Mistérios de Elêusis. A meta final da conjunção é
sempre o “unus mundus”.

A segunda questão que levantei no início deste trabalho (domínio


das condições físicas e dos elementos da natureza) fica por conta do que
chamo de “Maravilhoso”, um capítulo da Alquimia fortemente afetado pela
magia, pelos operadores de milagre (taumaturgia), xamanismo etc. A
taumaturgia, como sabemos (tauma, prodígio, milagre), é a arte de atrair ou de
impressionar pessoas com milagres ou atos prodigiosos. Boa parte deste
capítulo, impregnado também de influências cabalísticas, fica por conta de
temas como juventude eterna, imortalidade física, vitória sobre o
envelhecimento, ressurreição, vampirismo e vida eterna, golem, relógios
mágicos, lâmpadas que nunca se apagam etc. A “imortalidade” de que trata
este capítulo é de dois níveis: a) o adepto venceu o envelhecimento e a morte,
tornando-se capaz de atravessa vitoriosamente os séculos (caso do conde de
Saint-Germain que, na corte de Luis XV e da marquesa de Pompadour,
relatava suas lembranças dos tempos do rei Francisco I); b) libertação total dos
imperativos sensíveis do mundo material e passagem para um outro nível de
existência, livre das coordenadas de espaço e de tempo. Enfim, o homem
gozando não só da extensão mas também da duração...
Há, neste capítulo, elaborações fantásticas, como a de Jacques
Bergier (Les Maîtres Secrets du Temps). Conta-nos ele que uma das
possibilidade para se explicar o fato de Leonardo da Vinci estar tão à frente de
seu tempo estava na Alquimia. Leonardo teria sido um “homem do futuro” que,
mediante um processo secreto, teria se deslocado para o passado; uma alma,
outra hipótese, que depois de ter existido corporalmente no futuro teria
reencarnado muito atrás, no tempo do Renascimento. Nem todas as
afirmações deste capítulo são como a que acabei de registrar. Há muitas, como
a do famoso monge alquimista do século XIII, Roger Bacon, perfeitamente
palatáveis. Ele nos descreveu (uma loucura, para muitos, ao tempo e séculos
depois) uma embarcação que poderia, tripulada por pouquíssimos homens e
acionada por um núcleo mínimo de energia, navegar tanto na superfície das
águas como descer às suas profundezas. Bacon nos antecipava a existência
de um submarino nuclear!
Boa parte do que encontramos neste capítulo do “Maravilhoso” nos
veio da Alquimia exotérica. Muita coisa do que ali se apresentou já foi passado
para os laboratórios modernos. O cientista positivo do nosso tempo não aceita
que um fato “científico” seja confirmado por testemunhos fidedignos; é preciso
mais, que o fenômeno possa ser reproduzido, de modo controlado. De outra
maneira: a física e a química modernas, com a lógica matemática (aristotélica),
decretaram e continuam decretando a insignificância do senso comum.
Interessante até, mas, no fundo, nada dessas propostas é “científico”... O
legado alquímico continua fazendo parte de uma categoria de acontecimentos
fortuitos, que os cientistas não podem examinar, mesmo que as descrições
sejam muitas vezes detalhados e aparentemente confiáveis. Muitas pessoas
que se pretendem informadas, letradas, instruídas, inclusive dicionaristas,
vêem a Alquimia só sob o ponto de vista exotérico (um caso de polícia), uma
espécie de Química primitiva, uma fantasia essa coisa de transformar metais
em ouro.
Afastando-nos dessa visão simplista e preconceituosa, vemos que,
embora falando de substâncias físicas e de sua transformação, a Alquimia
esotérica vai nos falar do ser humano e de sua regeneração espiritual, da
purificação da mente e do corpo. Mais: fala-nos de questões eternas, da
natureza, da vida, da morte, do espírito, do infinito, do universo, da relação do
ser humano com o seu outro e do cosmos. O legado alquímico penetrou a
filosofia, a arte, a medicina, a psicologia, a ciência, a música, a política. Ele nos
deixa claro que o problema não é “saber mais”, ter “mais informações”. A
Alquimia nos fala mais de transformações, de proporções e de seus ajustes.
Este entendimento está subentendido numa de suas grandes frases, com a
qual fechamos este capítulo: “O Todo melhora comigo”.

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