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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Tuxped Serviços Editoriais (São Paulo - SP)

O48i Oliveira, Leandra Cristina de; Bunn, Daniela; Farias, Priscila Fabiane (orgs.).
A Iniciação à Docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades: em foco, as línguas
estrangeiras/adicionais /
Organizadoras: Leandra Cristina de Oliveira, Daniela Bunn e Priscila Fabiane Farias;
Prefácio de Gilvan Müller de Oliveira.
1. ed. – Campinas, SP : Pontes Editores, 2023; figs.; gráfs.; tabs.; quadros.

Inclui bibliografia.
ISBN: 978-65-5637-778-0.

1. Educação. 2. Ensino de Línguas. 3. Formação de Professores. 4. Prática Pedagógica.


I. Título. II. Assunto. III. Organizadoras.

Bibliotecário Pedro Anizio Gomes CRB-8/8846


Índices para catálogo sistemático:

1. Educação. 370
2. Formação de professores – Estágios. 370.71
3. Didática - Métodos de ensino instrução e estudo– Pedagogia. 371.3
4. Linguagem / Línguas – Estudo e ensino. 418.007
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2023 - Impresso no Brasil


AGRADECIMENTOS

A cada pibidiana/o que se engajou nesta atividade, que extrapola


os limites da Academia. Incluem-se: estudantes de Letras Línguas Es-
trangeiras (DLLE/UFSC), professoras supervisoras (Rede Estadual de
Santa Catarina) e equipe de coordenação (UFSC).
Ao Departamento de Línguas e Literaturas Estrangeiras (DLLE) da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), pela cessão das bolsas
discentes das áreas de Francês e Italiano – ato que simboliza nossas lutas
de resistência de sempre (nos últimos anos, mais).
À Capes, pelo apoio ao projeto PIBID, bem como à materialidade
física desta obra.
Ao Programa de Pós-Graduação em Linguística (PPGL/UFSC),
que, por meio do auxílio de n. 0349/2021 do PROEX/Capes, Processo
23038.008664/2021-28, possibilita-nos levar a outros espaços o neces-
sário e oportuno diálogo entre teorias e práticas.
SUMÁRIO

PREFÁCIO
SINTONIA E RETRATO O ENSINO DE LÍNGUAS COMO PROCESSO E COMO PRODUTO........ 8
Gilvan Müller de Oliveira

PORQUE A EXPERIÊNCIA FORMATIVA PRECISA ULTRAPASSAR AS FRONTEIRAS


À GUISA DE APRESENTAÇÃO ........................................................................................... 12

PARTE I - COLABORAÇÕES EXTERNAS

O PLURILINGUISMO NA UFSC: DIAGNÓSTICO LINGUÍSTICO PARA UMA


ABORDAGEM DAS LÍNGUAS COMO RECURSO NA INTERNACIONALIZAÇÃO....... 23
Júlia Costa Mendes
Gilvan Müller de Oliveira

PIBID-ESPANHOL: DELINEAMENTO E CONSOLIDAÇÃO DE UM PROJETO DE


FORMAÇÃO.............................................................................................................................. 57
Juliana Cristina Faggion Bergmann
Andréa Cesco

PROBLEMATIZAR A REPRESENTAÇÃO RACIAL NO LIVRO DIDÁTICO:


UMA AÇÃO DECOLONIAL PARA UMA EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA........................ 86
Carolina Parrini Ferreira

IMIGRAÇÃO E A SALA DE AULA DE LÍNGUAS: BREVES COMPREENSÕES PARA


A INICIAÇÃO À DOCÊNCIA A PARTIR DE UM CURSO DE FORMAÇÃO DE
PROFESSORAS/ES................................................................................................................... 102
Maria Inêz Probst Lucena

PARTE II COLABORAÇÕES INTERNAS

RELATOS E DEPOIMENTOS SOBRE A PARTICIPAÇÃO DAS LÍNGUAS FRANCESA E ITA-


LIANA NO PROJETO MULTIDISCIPLINAR PIBID LÍNGUAS ESTRANGEIRAS/ADICIONAIS/
UFSC: DA GAVETA PARA A ESCOLA ................................................................................ 119
Clarissa Laus Pereira Oliveira
Daniela Bunn

PIBID: DA INICIAÇÃO À DOCÊNCIA AO REPENSAR A FORMAÇÃO COMO UM


ESPAÇO COMPARTILHADO................................................................................................. 144
Priscila Fabiane Farias
Hamilton de Godoy Wielewicki
Raquel Carolina de Souza Ferraz D’Ely
Mileidi Heiderscheidt
ENTRE O LOCAL E O GLOBAL: (DES)CONTINUIDADES DA LÍNGUA ITALIANA
NO ESPAÇO ESCOLAR DE SANTA CATARINA................................................................. 170
Renata Santos
Leandra Cristina de Oliveira

SITUAR O LOCAL COMO UM ATO CRÍTICO: REFLEXÕES SOBRE A LÍNGUA


ESPANHOLA EM SANTA CATARINA.................................................................................. 207
Leandra Cristina de Oliveira

PARTE III - CAPÍTULOS DE BOLSISTAS DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA

PIBID UFSC: A INCLUSÃO DA LÍNGUA ITALIANA, FAZERES PEDAGÓGICOS


POSSÍVEIS EM MEIO A PANDEMIA.................................................................................... 226
Mariele Lúcia Tortelli

O ENFRENTAMENTO AO RACISMO NO PROCESSO DE DECOLONIALIDADE.......... 236


Laura Cassol Salaverry Del Busto

QUE ESCOLA QUEREMOS PÓS-PANDEMIA COVID-19?................................................. 242


Rejane Ferreira dos Santos

VIVÊNCIA COMO BOLSISTA DO PIBID: UM OLHAR MULTILÍNGUE.......................... 249


Alessandra Benites de Sales

MEMÓRIAS DE UMA PIBIDIANA E A IMPORTÂNCIA DA INICIAÇÃO À DOCÊNCIA


NA FORMAÇÃO DOCENTE................................................................................................... 257
Beatriz Alissa Alves Silva

O PIBID COMO PROCESSO DE FORMAÇÃO INTERDISCIPLINAR: COMPREENDER


O SINGULAR PARA, ENTÃO, O TRANSFORMAR ............................................................ 264
Letícia Carolina Batista de Oliveira

A IMPORTÂNCIA DA DIVERSIDADE LINGUÍSTICA NAS ESCOLAS PÚBLICAS........ 272


Luis Felipe Schlindwein

PARTE IV - ENTREVISTAS COM PROFESSORAS SUPERVISORAS

ENTREVISTA PROFESSORA MILEIDI HEIDERSCHEIDT - SUPERVISORA DA


ÁREA DE INGLÊS.................................................................................................................... 278
Hamilton de Godoy Wielewicki
Priscila Fabiane Farias
Raquel Carolina de Souza Ferraz D’Ely

ENTREVISTA COM A PROFESSORA REGINA GOMES FLOR - SUPERVISORA


DA ÁREA DE ESPANHOL....................................................................................................... 285
Leandra Cristina de Oliveira

SOBRE OS AUTORES.............................................................................................................. 295


a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

PREFÁCIO

SINTONIA E RETRATO O ENSINO DE LÍNGUAS COMO


PROCESSO E COMO PRODUTO

Gilvan Müller de Oliveira


Cátedra UNESCO em Políticas Linguísticas para o Multilinguismo
Universidade Federal de Santa Catarina

O livro que temos em mãos (ou na tela do nosso aparelho) é pro-


duto não só de um coletivo de trabalho, mas de um coletivo
de coletivos cujas vozes raramente ouvimos cantando em coro. Este
coro, com vozes tão distintas, precisa ser escutado com carinho para
valorizarmos, ao mesmo tempo, a melodia e o contraponto desta
sinfonia linguística.
Ele nos aporta notas musicais de diferentes lugares da complexa
estrutura do ensino de línguas no Brasil: dos que formam professores de
línguas nas licenciaturas, dos que coordenam as diferentes línguas nas
escolas ou secretarias, dos professores formais das escolas, dos neodo-
centes em formação, dos alunos de pós-graduação que refletem em suas
teses sobre aspectos específicos do processo e indiretamente, as vozes
daqueles que são, ao mesmo tempo, o produto e os agentes mais nobres
de toda esta ação educacional: os pequenos cidadãos(ou nem tão peque-
nos assim...) – brasileiros natos ou recém-chegados ao nosso país – os
alunos aprendentes das línguas.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Este é um dos talentos e acertos do PIBID, o Programa Institucio-


nal de Bolsas de Iniciação à Docência, nascido em 2007, no primeiro
governo do presidente Luís Ignácio Lula da Silva, no âmbito da CAPES,
a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior, por
sua vez criada em 1951 pelo presidente Getúlio Vargas. Com o PIBID
a CAPES ampliou o seu escopo de trabalho, passando da sua dedicação
exclusiva às pós-graduações stricto sensu também à formação do docen-
te da Educação Básica, colocando em diálogo essa profusão de vozes,
com efeitos palpáveis para todo o sistema de Ensino Básico e Superior,
incluindo as pós-graduações.
Fez o que é inteligente fazer nas políticas públicas: usou a experi-
ência bem-sucedida das pós-graduações, que fez do Brasil em um tempo
histórico curto uma potência na área, para fortalecer estrategicamente a
iniciação à docência e o ensino público.
Temos em mãos, assim, a partir da enérgeia da sinfonia de vozes, um
érgon: a fotografia sociológica do ensino de línguas no sistema escolar
catarinense e brasileiro, possibilitado pelo programa PIBID, mas realizado
efetivamente pelas professoras da UFSC e das instituições parceiras, que
com paciência e imaginação ampliada, em tempos difíceis de pandemia
e desinformação, revelaram o funcionamento deste campo inteiro da
política e do planejamento linguístico das línguas estrangeiras – PPLLE
– para cunhar uma sigla emblemática. A partir desta publicação, eu diria,
abrem-se inquietações novas, destinadas a aprofundar a pesquisa sobre
este ramo das políticas linguísticas educacionais.
Um dos contrapontos mais produtivos do livro, entre vários, é a
trilha multilíngue seguida pelos organizadores do projeto.
Essa trilha não se restringe ao foco ampliado em quatro línguas es-
trangeiras – o Espanhol, o Italiano, o Francês e o Inglês – na resistência
em relação à política do English-only dominante – mas problematiza
ainda diferentes camadas de políticas linguísticas em que estas línguas
estão envolvidas: a invisibilidade de outras línguas, como as faladas

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

pelos estudantes estrangeiros da universidade, a tensão entre ser uma


língua estrangeira e ao mesmo tempo uma língua brasileira de imigração,
com múltiplos sentidos, como no caso do Italiano, as línguas dos novos
imigrantes internacionais e as problemáticas das salas de aula plurilín-
gues, com destaque para o Espanhol, indo até à crítica ao racismo pelas
metodologias decoloniais para o ensino de línguas, entre tantos outros
aspectos que conduzem o leitor nesta vereda ora larga ora estreita do
multilinguismo.
Em vários momentos do livro efetiva-se o gesto de dar soluções
multilíngues onde tantas vezes se deram, no passado ou em outros con-
textos, soluções monolíngues, colonizadoras e hierarquizantes; gesto im-
portante especialmente para Santa Catarina (mas não só), um dos estados
brasileiros em que a repressão contra as línguas indígenas, de sinais e
de imigração teve a sua face mais cruel, como mostra a permanência do
medo e da vergonha, velados ou não, na memória dos falantes de outras
línguas que não o português.
Este gesto é coerente com os princípios da Cátedra UNESCO
em Políticas Linguísticas para o Multilinguismo, também com sede
na UFSC, e que congrega universidades que ensinam e pesquisam
em 11 diferentes línguas ao redor do mundo, ao mesmo tempo que
apresenta, nos diversos textos, o trabalho de um grupo maduro para
as agendas do desenvolvimento sustentável do século XXI, que não
pode dispensar as línguas e as relações culturais, políticas e eco-
nômicas que elas permitem entretecer com outros povos e outras
experiências civilizacionais.
A minha sugestão é que o leitor procure e encontre estes gestos no
seu percurso de leitura, e que se detenha, e reflita sobre cada um deles.
Em cada parada, poderá ir elaborando a seda de uma filosofia do multi-
linguismo e afinando os sentidos para uma estética do multilinguismo,
antecipando as lutas políticas – emancipadoras, cidadãs – das práticas
do multilinguismo, em uma sociedade mais democrática e inclusiva.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Como ter multilinguismo, afinal, exceto em sociedades demo-


cráticas? Como construir essas sociedades democráticas sem incluir a
todos através das suas línguas, sem deixar ninguém para trás? Algumas
respostas estão nas páginas seguintes, boa leitura!

Ilha de Santa Catarina, fevereiro de 2023

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

PORQUE A EXPERIÊNCIA FORMATIVA PRECISA


ULTRAPASSAR AS FRONTEIRAS -
À GUISA DE APRESENTAÇÃO

N o mês de março de 2022, os projetos institucionais situados no Pro-


jeto Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID/CAPES/
Brasil) encerravam as atividades que compunham um cronograma de 18
meses (2020-2022), envolvendo coordenadoras/es das Instituições de
Ensino Superior (IES), supervisoras/es das escolas parceiras e estudantes
de licenciatura. O sentimento paradoxal – entre a frustração pela ausência
física nas escolas e a satisfação de haver concluído integralmente de forma
remota um projeto tão permeado pela proximidade e o contato – talvez
tenha sido um dos mais fortes pontos em comum entre as diferentes áreas
incluídas nesse programa nacional.
Centrando-nos na perspectiva positiva (a da satisfação), a equipe
de coordenadoras1 do Subprojeto PIBID Multidisciplinar Línguas Es-
trangeiras/Adicionais (Espanhol, Francês, Inglês e Italiano)2, situado na
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), inicia um movimento
para exceder os limites internos de conhecimentos, experiências e cum-
primento de ações burocráticas. Surge, então, o desenho inicial da obra A
1 Clarissa Laus Pereira Oliveira (MEN/UFSC – área Francês), Daniela Bunn (MEN/UFSC – área
Italiano), Hamilton de Godoy Wielewicki (MEN/UFSC – área Inglês), Leandra Cristina de
Oliveira (DLLE/UFSC – área Espanhol), Priscila Fabiane Farias (MEN/UFSC – área Inglês)
e Raquel Carolina Souza Ferraz D’Ely (DLLE/UFSC – área Inglês). A maioria feminina jus-
tifica a identificação do grupo sempre na forma linguística que julgamos aqui conveniente – o
feminino inclusivo, neste caso.
2 Daqui por diante, PIBID Multidisciplinar Línguas Estrangeiras/Adicionais.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Iniciação à Docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:


em foco, as línguas estrangeiras/adicionais, a qual busca reunir vozes,
reflexões e ações situadas no referido Projeto.
O PIBID Multidisciplinar Línguas Estrangeiras, por seu ineditis-
mo multilíngue, aporta um tom de militância e resistência às políticas
públicas atuais que reduzem ou subtraem o espaço de diferentes línguas
estrangeiras na realidade da Educação Básica e nas ações vinculadas a
ela, como é o caso do próprio Edital n. 2/2020 (CAPES/PIBID)3, o qual,
no que se refere às disciplinas de línguas estrangeiras, inclui nas “áreas
gerais” apenas as línguas inglesa e espanhola, excluindo-se, portanto,
outras línguas que fazem parte da realidade sociolinguística do Brasil,
como aquelas ofertadas em cursos de licenciatura e bacharelado da UFSC
(Alemão, Espanhol, Francês, Inglês e Italiano, a saber).4 Não ignorando
essa realidade – como retomam diferentes trabalhos que compõem este
livro –, e contando com o apoio do Departamento de Língua e Literatura
Estrangeiras (DLLE/UFSC) no pagamento de bolsa para licenciandas dos
Cursos de Letras Francês e Letras Italiano, empreendeu-se o trabalho
aqui repercutido em entrevistas, ensaios e artigos. À apresentação desses,
estão dedicados os parágrafos a seguir.
Na parte I, dedicada às colaborações externas, a obra conta com
aportes relevantes de pesquisadoras com as quais dialogamos, de dife-
rentes formas, no espaço formativo do projeto PIBID Multidisciplinar
Línguas Estrangeiras. A abertura se dá com o estudo O plurilinguismo na
UFSC: diagnóstico linguístico para uma abordagem das línguas como
recurso na internacionalização, de Júlia Costa Mendes e Gilvan Müller
de Oliveira. Assumindo o plurilinguismo “como a nova língua franca”,
os autores trazem parte dos resultados da tese doutoral de Mendes (2022).
3 Documento disponível em: <https://www.gov.br/capes/pt-br/centrais-de-conteudo/06012019-
-edital-2-2020-pibid-pdf>. Acesso em: maio 2022.
4 Importa registrar que no item 4.2 do Edital n. 23/2022 (CAPES/PIBID), inserem-se campos
disciplinares solicitados no FORPIBID, como Língua Alemã e Língua Francesa. O espaço da
Língua Italiana é ainda agenda que nos concerne. Documento disponível em: <https://www.
gov.br/capes/pt-br/centrais-de-conteudo/editais/29042022_Edital_1692974_Edital_23_2022.
pdf>. Acesso em: maio 2022.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Neste capítulo, encontram-se dados e debates sobre (i) o lugar das línguas
nas ações de internacionalização acadêmica no Brasil, bem como o atual
contexto no qual as universidades estão inseridas; (ii) o diagnóstico lin-
guístico da Universidade que aqui representamos – a UFSC, a saber; (iii)
as práticas e políticas linguísticas nessa instituição; e (iv) o plurilinguismo
na universidade como recurso para internacionalização acadêmica. O
capítulo, além de apresentar o panorama sobre as línguas que circulam
na UFSC, aporta para esta publicação com a retomada do histórico da
internacionalização universitária no contexto brasileiro, problematizando
criticamente o espaço das línguas nesse processo.
Seguindo essa interlocução com participantes externos, o capítulo
intitulado PIBID-Espanhol: delineamento e consolidação de um projeto
de formação, das professoras Juliana Cristina Faggion Bergmann e An-
dréa Cesco, retrata aspectos da implementação do subprojeto Espanhol
do PIBID da UFSC entre os anos de 2012 e 2019, época da sua primeira
gestão. Nele são apresentados os objetivos que motivaram o desenvolvi-
mento do subprojeto em 2012, junto às escolas públicas parceiras, assim
como as ações formuladas pelas coordenadoras para a concretização do
projeto, divididas em três momentos: preparação e planejamento, obser-
vação participante e projeto de intervenção. Para isso, as autoras trazem
dados, depoimentos e imagens que detalham as atividades da época,
analisados com base em teóricos da área da Educação e da Linguística
que discutem a formação de professores pesquisadores críticos e reflexi-
vos, na e sobre a ação, fundamentação teórica que embasou igualmente
o projeto desde o seu início.
Também como parte dessas colaborações, o texto da professora
Carolina Parrini, Problematizar a representação racial no livro didático:
uma ação decolonial para uma educação antirracista, problematiza a
desigualdade nas representações raciais retratadas em livros didáticos.
De maneira a atingir seu objetivo, a autora parte de uma perspectiva
decolonial de ensino de língua para construir seu principal argumento a
favor de uma educação antirracista, pautada no letramento crítico racial.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Nesse sentido, o texto apresenta resultados de estudo desenvolvido em


Parrini (2021), cujos dados denunciam um discurso de exclusão, estere-
otipação ou sub-representação de pessoas negras e indígenas em quatro
coleções de livros didáticos de ensino de Espanhol.
Fecha essa seção de diálogos com convidadas, o capítulo da pro-
fessora Maria Inêz Probst Lucena, intitulado Imigração e a sala de aula
de línguas: breves compreensões para a iniciação à docência a partir
de um curso de formação de professoras/es, cujo objetivo é debater so-
bre a relação entre imigração e aulas de línguas, com ênfase no período
de pandemia. Apoiada em aportes teóricos e reflexões da Linguística
Aplicada, a autora traz à luz falas provenientes de sua atuação como
formadora em um Programa de Formação de Professores, proposto pela
Rede Municipal de Educação de uma cidade do estado de Santa Catarina.
Dessa experiência formativa, a autora capta enunciações de professores/
as e dirigentes da escola, destacando a preocupação em incluir e atender
alunos/as imigrantes, ao mesmo tempo que demonstram conflitos ao
lidar com discursos socialmente construídos com base em ideologias de
linguagem de normatização linguística e avaliações de uso da língua.
Entre as colaborações internas (parte II), encontram-se os textos
da coordenação do projeto em tela, cada um plasmando os interesses,
inquietações e reflexões individuais/coletivas da prática e da pesquisa
dessa equipe. Abre esta seção o texto que destaca os Relatos e depoi-
mentos sobre a participação das línguas francesa e italiana no projeto
Multidisciplinar PIBID Línguas Estrangeiras/Adicionais/UFSC: da
gaveta para a escola, das professoras Clarissa Laus Pereira Oliveira e
Daniela Bunn, coordenadoras voluntárias das respectivas áreas. Esse
texto marca um olhar empírico, muitas vezes à margem nos âmbitos da
reflexão pedagógica, sobre o projeto realizado que incluiu, pela primeira
vez na UFSC, o Francês e o Italiano. O capítulo colhe múltiplos olhares
na tentativa de reconstruir o discurso por meio das vivências realizadas,
tanto nas escolas como nos encontros coletivos semanais. Também tem
por objetivo entender e avaliar como essa experiência de trabalho pluri-

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

lingue pode ter contribuído com a formação docente dos bolsistas e com
a formação continuada dos professores envolvidos.
O capítulo PIBID: Da iniciação à docência ao repensar a formação
como um espaço compartilhado é resultado de uma parceria entre a Profa.
Priscila Fabiane Farias, o Prof. Hamilton de Godoy Wielewicki, a Profa.
Raquel Carolina de Souza Ferraz D’Ely e a Profa. Mileidi Heiderscheidt,
equipe docente de língua inglesa que atuou na coordenação e supervisão
do Subprojeto Multidisciplinar PIBID de Línguas Adicionais. Em seu
texto, os docentes retomam a trajetória de iniciação à docência trilhada
por docentes e estudantes no subprojeto para argumentar em favor de
um espaço de transição cultural gerado a partir de engajamentos entre
universidade e escola, possibilitando assim uma relação mais simétrica,
compartilhada, democrática e significativa na formação docente.
Na continuidade desta seção, o capítulo Entre o local e o global:
(des)continuidades da língua italiana no espaço escolar de Santa Ca-
tarina, que conta com a coautoria entre Renata Santos, doutoranda em
Linguística e voluntária no PIBID na área de Italiano, e sua orientadora
de tese, Profa. Leandra Cristina de Oliveira, questiona o apagamento do
plurilinguismo no espaço escolar, instituído e reforçado por documentos
normativos, como a Lei 13.415 e a BNCC, centrando a reflexão na língua
italiana. O trabalho coteja resultados de estudos anteriores referentes ao
espaço dessa disciplina nas escolas públicas de Santa Catarina e analisa
dados atuais fornecidos pela Secretaria Estadual de Educação. Na dis-
cussão dos resultados, as autoras assinalam conflitos entre o local e o
global, concernentes a ações e decisões que fomentam ou desfavorecem
o espaço do Italiano na Educação Básica.
Nessa mesma linha de reflexão, mas movendo-se a seu campo
disciplinar, a autora Leandra Cristina de Oliveira, no capítulo Situar o
local como um ato crítico: reflexões sobre a língua espanhola em Santa
Catarina, questiona o discurso da importância global de uma única língua,
situando a argumentação no contexto local do estado de Santa Catarina

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

(Brasil). O ensaio, que finaliza esta seção de textos da coordenação, reto-


ma estudos e dados relacionados ao lugar da língua espanhola no contexto
das cooperações internacionais da UFSC, no setor produtivo-cultural de
Florianópolis, nas diferentes instâncias do estado em discussão, e, mais
precisamente, nos currículos escolares de Santa Catarina.
Na parte III desta obra, encontram-se os capítulos produzidos por
bolsistas de Iniciação à docência (IDs) - uma tarefa de escritura, revi-
sitação e reescritura cumprida por todos os participantes no período de
novembro/2021 a março/2022. Os resultados aqui publicados contam
com a autoria daqueles que se dispuseram a cumprir as etapas finais
do cronograma delineado, com vistas à publicação. Entre estes e o que
inicia esta seção, encontra-se o artigo da bolsista do DLLE, Mariele
Lúcia Tortelli, ID da área do Italiano. O texto, intitulado PIBID UFSC:
a inclusão da língua italiana, fazeres pedagógicos possíveis em meio
a pandemia, procurou analisar os trabalhos científicos publicados no
período de janeiro de 2020 a janeiro de 2022 que tratassem do ensino-
-aprendizagem do Italiano e mencionassem o Programa Institucional
de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID/CAPES/MEC). Dentre a
pesquisa, a bolsista destaca a participação inédita do Italiano neste
programa de formação continuada, o que a levou a ter uma experiência
plural em meio a um cenário de instabilidades políticas, geradas não
somente pela falta de políticas públicas de longo prazo na educação, e
principalmente, no campo da língua italiana, mas também gerado pela
pandemia de COVID-19.
Na sequência, encontram-se três trabalhos da área de língua es-
panhola, versando, não apenas sobre suas experiências no âmbito do
referido projeto, como também sobre pautas debatidas nesse coletivo,
tal como a atuação docente em contextos de desequilíbrios e desigual-
dades sociais. Alinhado a esse direcionamento, encontra-se o ensaio O
enfrentamento ao racismo no processo de decolonialidade, que conta
com a autoria da estudante de Letras Espanhol Laura Cassol Salaverry
Del Busto. Com o objetivo de alertar sobre a necessidade do debate

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

pela consciência racial em contextos escolares, a autora problematiza


fatos e situações que perpetuam o racismo no ambiente escolar, situ-
ando, assim, seu lugar de fala como “única estudante preta” em um
projeto com 18 bolsistas – como enfatiza a própria acadêmica –, bem
como textualizando pautas discutidas na agenda formativa do PIBID.
Nesse espírito de denúncia e inconformidade com os desequilíbrios
identificados no ambiente da escola pública, a estudante de Letras
Espanhol Rejane Ferreira dos Santos, no ensaio intitulado Que escola
queremos pós-pandemia COVID-19?, problematiza as dificuldades
enfrentadas por professoras e estudantes no ensino remoto emergen-
cial, uma realidade que, segundo a autora só fez acentuar os problemas
advindos dos desequilíbrios econômicos e as desigualdades sociais da
comunidade atendida pela rede pública. Além de situar o leitor sobre
essa experiência em primeira pessoa, tanto como bolsista ID, como
egressa de escola pública, a acadêmica também traz à luz o movimento
de luta e resistência pela pluralidade das línguas estrangeiras na Edu-
cação Básica, uma preocupação contemporânea, em oposição ao que
determina a Lei 13.415, em que se assenta o Projeto PIBID debatido
ao longo desta publicação. Em direção semelhante, o ensaio Vivência
como bolsista do PIBID: um olhar multilíngue, produzido por Alessan-
dra Benites de Sales, expõe os conflitos internos de uma estudante em
Letras Espanhol em tempos de expressivas mudanças legislativas que
impactam diretamente em seu futuro campo de atuação. A leitura desse
texto nos leva a nos reconhecer nesse conflito constante no percurso
da graduação, considerando, sobretudo, a formação de áreas muitas
vezes desvalorizadas, diminuídas e, mais recentemente, subtraídas das
políticas públicas. O texto, contudo, também nos conduz à esperança
construída na coletividade, traz à tona a importância de projetos como
o PIBID, não apenas para a formação, mas, essencialmente, para a
construção de vínculos, para promoção da consciência crítica e para o
despertar do engajamento a lutas e resistências (as quais nunca deixaram
de atravessar nosso campo profissional, cabe frisar).

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Finalizando a seção de ensaios de IDs, situam-se três textos escritos


por bolsistas da área de língua inglesa. O primeiro ensaio, produzido por
Beatriz Alissa Alves Silva, argumenta pela relevância de programas de
iniciação científica nas universidades brasileiras, ressaltando possíveis
implicações desta experiência na formação docente de estudantes em
cursos de licenciatura. Partindo de suas próprias vivências no subprojeto
multilingue de Línguas Estrangeiras, em seu texto intitulado Memó-
rias de uma pibidiana e a importância da iniciação à docência na
formação docente, a ID elenca o trato das relações humanas inerente à
docência, a compreensão do papel do docente em uma sala de aula e a
prática reflexivo-crítica do fazer docente como os principais aspectos
que nortearam sua experiência no PIBID e que contribuíram para um
entendimento autêntico da práxis pedagógica. Na mesma linha de pen-
samento, o texto da ID Letícia Carolina Batista de Oliveira, que leva
o título O PIBID como processo de formação interdisciplinar: com-
preender o singular para, então, o transformar, propõe uma reflexão
sobre suas vivências no PIBID e o impacto dessas em sua formação,
destacando a importância das singularidades no processo de ensino e
aprendizagem. Em seu ensaio, a estudante reconta experiências que
viveu durante o projeto, na tentativa de argumentar que o olhar sensível
do(a) professor(a) para com seus(as) estudantes, bem como para suas
necessidades e contextos, abre espaço para possível transformação e
aprendizado mútuo. Nesse sentido, a ID reforça o papel transforma-
dor de uma educação crítica e humanizada, tanto na Educação Básica
quanto no Ensino Superior. É também nessa perspectiva que o texto
do ID Luis Felipe Schlindwein apresenta seu principal argumento: a
importância da pluralidade e da interculturalidade no ensino de línguas
adicionais. Em seu ensaio intitulado A Importância da diversidade
linguística nas escolas públicas, o estudante analisa aspectos que nor-
tearam os 18 meses do subprojeto multilingue de línguas estrangeiras
na UFSC, destacando que a diversidade de áreas que participaram
do projeto, bem como de seus participantes, foi um diferencial na

19
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

formação acadêmica dos(as) envolvidos(as). O ID argumenta ainda


que a iniciativa de um subprojeto interdisciplinar e multilingue não
é apenas um instrumento de resistência mediante políticas públicas
nacionais hegemônicas, mas também uma oportunidade de diálogo e
aprendizado coletivo.
Encerramos este debate acadêmico-formativo no tom mais conve-
niente, o do diálogo. Assim, no apartado IV, encontram-se as entrevistas
aplicadas às supervisoras Mileidi Heiderscheidt e Regina Gomes de
Oliveira Flor, professoras de Inglês e Espanhol, respectivamente, na
Escola de Educação Básica Irmã Maria Teresa (Palhoça/SC), assumindo
como necessário conduzir o leitor ao espaço pelo qual circulamos (ainda
que virtualmente) e as interlocuções ali estabelecidas. Na entrevista
com a professora Mileidi, temos a oportunidade de conhecer um pouco
de sua história e motivações para atuar como professora de Inglês na
escola pública. Durante o diálogo com seus interlocutores e parceiros/
as de trabalho no PIBID, professor Hamilton de Godoy Wielewicki e
professoras Priscila Fabiane Farias e Raquel Carolina de Souza Ferraz
D’Ely, Mileidi discute também algumas de suas impressões sobre a
vivência no subprojeto, abordando, ainda, alguns dos conhecimentos
ali construídos, bem como desafios e possibilidades que se abrem com
base nessa experiência pibidiana. A entrevista com Mileidi é finali-
zada com uma mensagem voltada àqueles que almejam se engajar em
experiências de iniciação à docência. Na sequência, encontra-se uma
conversa com a professora Regina Flor, profissional da área de Língua
Espanhola, efetiva na Rede Estadual de Educação. Na interlocução
com sua parceira de área, professora Leandra Cristina de Oliveira, a
supervisora do Espanhol contextualiza sua formação e atuação, pro-
blematiza questões relacionadas a seu campo disciplinar — Espanhol
como língua estrangeira — e nos retorna ao cenário dramático da
pandemia que atingiu fortemente a realidade escolar. Comenta, ainda,
sobre sua primeira experiência no Projeto PIBID e seu apoio para a
execução de um projeto inédito multilíngue. No papel de quem vive a

20
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

prática do ofício docente no âmbito das línguas estrangeiras, conclui


deixando um importante conselho aos licenciandos concernente ao
papel da vivência espaço escolar.
Esperamos que os parágrafos acima convidem leitoras e leitores a
apreciarem a congregação de debates engajados e, algumas vezes, mi-
litantes, aqui reunidos, os quais não perdem de vista o tom do entusias-
mo, pois, como nos faz lembrar a professora, escritora e ativista social
feminista bell hooks (2017, p. 21) “o prazer de ensinar [e de aprender]
é um ato de resistência”5. Ao deleite!

Leandra Cristina de Oliveira


Clarissa Laus Pereira Oliveira
Daniela Bunn
Hamilton de Godoy Wielewicki
Priscila Fabiane Farias
Raquel Carolina Souza Ferraz D’Ely

5 Na obra: hooks, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. São
Paulo: Martins Fontes, 2017.

21
PARTE I

COLABORAÇÕES EXTERNAS
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

O PLURILINGUISMO NA UFSC: DIAGNÓSTICO


LINGUÍSTICO PARA UMA ABORDAGEM DAS LÍNGUAS
COMO RECURSO NA INTERNACIONALIZAÇÃO

Júlia Costa Mendes1


Gilvan Müller de Oliveira2

1. Introdução

E ste artigo surge após sermos convidados pela professora Leandra


Cristina de Oliveira a publicar os resultados da tese doutoral intitu-
lada Entre práticas e políticas linguísticas na Universidade Federal de
Santa Catarina: diagnóstico do plurilinguismo dos alunos internacionais
como recurso para internacionalização, desenvolvida no Programa de
Pós-Graduação em Linguística (PPGL/UFSC). Satisfeitos com a proposta
e convictos de que o plurilinguismo é um recurso para educação superior
(ES) e para a internacionalização acadêmica, apresentamos neste artigo
os principais dados do estudo. Desse modo, discutimos o atual momento
da diversidade linguística na ES no Brasil, um resumo do diagnóstico
das línguas no campus da UFSC e uma abordagem desse contexto em
prol do plurilinguismo como recurso.

1 Doutora em Linguística. Professora de francês língua estrangeira na Escola Internacional de


Florianópolis e na Aliança Francesa de Florianópolis. E-mail: julia.ufpel@gmail.com.
2 Doutor em Linguística. Professor associado da Universidade Federal de Santa Catarina. Coor-
denador Geral da Cátedra UNESCO em Políticas Linguísticas para o Multilinguismo (2018-22).
E-mail: gimioliz@gmail.com.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Diversas pesquisas acerca do plurilinguismo, políticas linguís-


ticas e educação superior buscam descrever as línguas em contextos
educacionais e regionais, além de buscar entender as dinâmicas que
envolvem as línguas minoritárias nesses contextos. Essas pesquisas nos
permitiram compreender o cenário atual de interesse nas políticas lin-
guísticas e perceber uma possibilidade de ampliar a discussão, olhando
para o plurilinguismo como recurso.
Sobre isso, Ruíz (1988, p. 8) afirma que essas políticas costumam
enquadrar os estudos sobre a gestão das línguas em três orientações,
sendo elas: língua como direito, língua como problema e língua como
recurso. À vista disso, esse estudo parte da orientação de língua como
recurso. Ao tomar as línguas e as redes de comunicação existentes entre
os alunos internacionais como objeto de estudo, é possível avaliar a
inserção acadêmica das línguas que circulam no campus.
Ademais, a escolha do termo plurilinguismo para descrever essa
diversidade linguística também condiz com a terceira orientação apresen-
tada por Ruíz. Conforme Hamel (2012, p. 310), o termo multilinguismo
está ligado à língua como problema e direito, cuja orientação ideológica
pressupõe inclusão cultural e subordinação. Já o plurilinguismo consiste
na diversidade linguística como recurso de enriquecimento social e indi-
vidual, em que a orientação ideológica se enquadra em uma base cultural
e intercultural. Por isso, entende-se por plurilinguismo a coexistência
de línguas vista como benefício para os diversos ambientes nos quais as
línguas coexistem.
É a partir desse cenário que se buscou apresentar um diagnóstico
linguístico da UFSC, a partir do uso da Metodologia M-6, proposta por
Oliveira3. Essa metodologia consiste na investigação de seis perguntas
que permitem diagnosticar o plurilinguismo nas Instituições de Ensino

3 Essa metodologia foi apresentada pela primeira vez por Gilvan Müller de Oliveira em uma
palestra em São João del-Rei no ano de 2017. No ano seguinte, essa proposta foi ampliada
e apresentada na Feira Internacional de Educação Superior da Argentina, em Mendoza, em
março de 2018.

24
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Superior (IES), e, desse modo, o contexto linguístico no qual estão in-


seridas. As perguntas são: 1) Que línguas são faladas na universidade e
no seu entorno?; 2) Que línguas são usadas pela universidade?; 3) Que
línguas são ensinadas na universidade e em que contexto?; 4) Que lín-
guas são pesquisadas na universidade?; 5) Que línguas são equipadas
na universidade?; 6) Quais estratégias de cooperação ocorrem em que
línguas? Esse roteiro possibilitou relacionar os dados obtidos em cada
resposta, analisando suas convergências e divergências com o Plano
Institucional de Internacionalização (PII) da UFSC, a fim de investigar
a interconexão entre a realidade das redes comunicativas do campus com
a pesquisa e extensão e as políticas linguísticas para internacionalização
acadêmica descritas no PII.
No âmbito da educação superior muitos debates sobre questões linguís-
ticas, culturais e educacionais emergem. As línguas, por sua vez, deveriam
representar o centro das ações de internacionalização das universidades e
é por isso que se faz importante estudar as implicações e possibilidades do
plurilinguismo no contexto das IES. Nas universidades brasileiras, são as
línguas de maior centralidade que circulam nos cursos de línguas estran-
geiras, na produção acadêmica e no ensino (HAMEL, 2013). Além disso,
poucos são os estudos que optam pelo recorte do plurilinguismo discente
para pensar uma abordagem inovadora da diversidade linguística na ES.
O Inglês, portanto, tem sido a principal escolha para a internacionalização,
considerando sua presença na oferta de disciplinas no ES e na ciência (HA-
MEL, 2013). Apesar disso, a globalização também abriu caminho para o
reconhecimento da diversidade e é esta ótica que adotamos.

2. Cenário das línguas estrangeiras na educação superior brasileira:


principais ações de internacionalização

No imaginário ocidental, no mito da Torre de Babel, imposto àqueles


que desobedeceram a Deus, os homens estão sujeitos ao desentendimento
por meio da divisão das línguas. Assim, o plurilinguismo pode ser visto,

25
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

a depender da perspectiva, como uma onda negativa, que modifica as


línguas e as relações humanas, enquanto o monolinguismo unifica e é
ideal. Porém, o plurilinguismo não é um fenômeno dos nossos tempos e
as contribuições que ele proporciona nos níveis individual, social, cultural
etc. são percebidas há muito tempo.
Nesse sentido, a estreita relação existente entre língua e socieda-
de com que o plurilinguismo seja visto como fenômeno individual e
social ao mesmo tempo. Embora possa haver abordagens específicas,
e ainda que estejamos alinhados com as definições de Hamel (2012)
sobre os termos multilinguismo e plurilinguismo, são apresentadas
agora as definições de multilinguismo definidas por Aronin (2019)
apenas a fim de compreender a relação intrínseca entre o multilinguismo
individual e social. Assim, concordamos com Larissa Aronin (2019,
p. 4) sobre essa relação iminente entre o multilinguismo individual e
social, quando diz:

É conveniente e lógico distinguir multilinguismo indi-


vidual e social. Dito isto, devemos reconhecer que os
domínios do multilinguismo individual e do multilinguis-
mo social não são bem definidos. Eles estão intimamente
entrelaçados. A linguagem humana é um fenômeno
coletivo (Andrews, 2014: 49; Donald, 2004) e é impos-
sível estudar o multilinguismo individual sem considerar
suas dimensões sociais. E o oposto também é verdade: o
multilinguismo social não pode ser entendido sem saber
como o multilinguismo afeta os indivíduos.4 (ARONIN,
2019, p. 4 – Tradução nossa).

4 “It is convenient and logical to distinguish between individual and societal multilingualism.
This said, we must acknowledge that the domains of individual multilingualism and societal
multilingualism are not clear cut. They are closely interwoven. Human language is a collec-
tive phenomenon (Andrews, 2014: 49; Donald, 2004) and it is impossible to study individual
multilingualism without considering its societal dimensions. And the opposite is also true:
societal multilingualism cannot be understood without knowing how multilingualism affects
individuals.” (ARONIN, 2019, p. 4)

26
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Como a autora menciona, é difícil estudar o multilinguismo como


fenômeno individual ou social, pois ambos estão relacionados. Do
mesmo modo, as percepções dos sujeitos sobre as línguas que resultam
do seu contato com a sociedade e as implicações sociais influenciam o
multilinguismo individual. Por isso, a gestão in vivo e a in vitro propostas
por Calvet (2007, p. 69) se fazem pertinentes na presente discussão. Isso
significa dizer que se observam as práticas linguísticas de uma determi-
nada comunidade e se investigam as intervenções sobre essas práticas,
respectivamente, percebendo a gestão do poder, das escolhas políticas
sobre o plurilinguismo. As línguas estão constantemente em contato e
representam um grande campo de pesquisa nas universidades.
Nesse sentido, as línguas não costumam estar no centro das questões
de internacionalização acadêmica no Brasil. Isso faz com que a criação
de políticas linguísticas para o plurilinguismo se mostre cada vez mais
necessária, porém escassa ou reduzida ao monolinguismo do Inglês.
Alternativa essa que já se mostrou ineficiente no Brasil.
No país, a mobilidade acadêmica é uma das principais abordagens
de internacionalização das universidades. Como exemplo de ação para
promover a internacionalização acadêmica no Brasil por meio da mobili-
dade, tem-se o Programa Ciências sem Fronteiras (CsF), firmado em 2011
pelo governo de Dilma Rousseff. Na ocasião, foi instaurada uma parceria
público-privada com um consórcio de grandes empresas brasileiras para
formar mão de obra internacionalizada e importar conhecimento técnico
(MARTINEZ, 2018, p. 18-19).
Com isso, o principal objetivo era de promover a concessão de bolsas
de estudos no exterior para estudantes brasileiros, criando oportunidades
de experiências profissionais e pedagógicas, a fim de que pudessem ser
retribuídas para o povo brasileiro posteriormente, após a conclusão da
formação acadêmica desses alunos. A meta era de capacitar no exterior
101.000 bolsistas até o ano de 2015, por meio da Capes e do CNPq
(MIRANDA; STALLIVIERI, 2017, p. 604).

27
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

O programa estava direcionado para setores como o das engenharias,


ciências biomédicas e ciências agrárias, e constituiu o maior investi-
mento em mobilidade acadêmica internacional já realizado no Brasil. A
iniciativa do CsF serviu como meio de visibilidade para o país e para as
universidades brasileiras, além de oportunizar experiências acadêmicas
no exterior pela primeira vez para muitos estudantes. Porém, o programa
CsF acabou sendo encerrado alguns anos depois, tendo em vista a falta
de simetria entre o investimento econômico feito e o retorno científico
obtido.
Com o tempo, o CsF acabou mostrando as fragilidades da educação
superior brasileira e, sobretudo, a falta de ações de internacionalização
por parte das instituições e do país (MIRANDA; STALLIVIERI, 2017,
p. 605). Também surgiram problemas na validação dos créditos cursados
no exterior, visto que as regras das IES brasileiras são bastante rígidas
neste aspecto. Além disso, houve grande demanda de intercâmbio para
Portugal, o que expôs a falta de conhecimento em uma segunda língua,
principalmente o Inglês, por parte dos estudantes. Com isso, o baixíssi-
mo nível de competência linguística dos alunos limitou suas escolhas de
intercâmbio, fazendo com que, das primeiras 18 mil bolsas oferecidas
pelo Programa, 16 mil tenham sido para Portugal.
Como alternativa para aumentar o intercâmbio de alunos brasileiros
em direção a outros países além de Portugal e de aprimorar a proficiência
desses alunos em língua inglesa, surgiu o Programa Inglês sem Fronteiras
(IsF-Inglês). Esse programa, promovido pelo MEC e pela CAPES, teve
início no ano de 2012 e representa uma ferramenta a favor da interna-
cionalização, pois contribui no desenvolvimento de políticas linguísticas
nas IES brasileiras. Com o tempo, porém, este Programa tornou-se o
Idioma sem Fronteiras (IsF) que, por sua vez, ampliou os objetivos da
proposta inicial, oportunizando a proficiência dos alunos brasileiros em
outras línguas. Tudo isso tendo em vista a tomada de consciência sobre as
possibilidades que o plurilinguismo permite e da baixíssima competência
linguística em línguas por parte dos alunos brasileiros.

28
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Essa iniciativa evidenciou a importância da aprendizagem de lín-


guas, auxiliando na ampliação do fluxo de estudantes brasileiros em
direção a outros países, além de ser uma ótima oportunidade para alunos
dos cursos de Letras terem experiência docente ainda durante a formação.
Ou seja, como ação a favor de políticas linguísticas, esse programa, que
surge como recurso emergencial para colaborar com o CsF, traz também
retorno para os futuros professores de línguas. Aliás, tendo em vista o
contexto no qual surge tal proposta, é ainda uma oportunidade de abordar
questões acerca de política e planejamento linguístico, plurilinguismo
e internacionalização acadêmica tanto nos cursos de Letras, quanto nas
aulas do IsF.
O papel do professor de língua estrangeira, por sua vez, também faz
parte da discussão, pois é ele que tem o poder de ampliar os horizontes
dos alunos em vista desses debates. É nesse sentido que se pode propor-
cionar uma educação ainda mais plural e consciente. Isto posto, o IsF
representou uma ferramenta importante a favor da Política e planejamento
linguístico para ciência e educação superior (PPLICES).
Já a importância das línguas, evidenciada ainda mais pelo caso
do Programa CsF, começa a ganhar destaque como fator crucial para
impulsionar a internacionalização. Se o Brasil pretende ter sucesso nos
diferentes programas de educação internacional e impulsionar as iniciati-
vas de internacionalização educacional e cultural, é preciso desenvolver
programas abrangentes que promovam o multilinguismo (ARCHANJO,
2014). E que, a partir disso, possam garantir a execução de uma das prin-
cipais formas de internacionalização no Brasil, a mobilidade acadêmica.
Foi diante desse cenário que, no ano de 2018, a Capes apresentou
um documento cuja proposta visava suprir esse espaço deixado pelo CsF.
Em 3 de novembro de 2017, o Edital nº41/2017 é lançado pela Portaria
220 do Ministério da Educação, propondo a seleção de Projetos Institu-
cionais de Internacionalização de Instituições de Ensino Superior ou de
Institutos de Pesquisa (Capes-PrInt) de Programas de Pós-Graduação.

29
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Nesse edital, consta que os Projetos Institucionais de Internacionalização


devem considerar, de acordo com o item 3.4.1.11: “e) Proficiência em
línguas estrangeiras dos discentes, docentes de pós-graduação e corpo
técnico da Instituição que tenha relação direta com o Projeto Institucional
de Internacionalização proposto” (CAPES-PRINT, 2017, p. 4).
No item 3.4.1.7 do mesmo edital, o documento impõe a necessidade
de ofertar materiais e disciplinas em línguas estrangeiras nos programas
de pós-graduação, além da tradução de seus sites e produção de material
de divulgação para outras línguas (3.4.1.14). Contudo, esse edital se
direciona somente à pós-graduação e pode ser considerado o programa
substituto do Ciência sem Fronteiras, que promovia mobilidade acadêmi-
ca em nível de graduação. Sendo assim, o Edital Capes-PrInt representa
um importante movimento em direção às ações de internacionalização
acadêmica e, sobretudo, às definições sobre o papel das línguas na ES.
Esse documento, considerado um avanço no que concerne às estra-
tégias necessárias para internacionalização, apresenta orientações espe-
cíficas sobre as políticas linguísticas a serem adotadas na universidade.
A diretriz específica sobre isso, no PII da UFSC, diz:

O objetivo geral de definir uma política linguística ins-


titucional para a UFSC é atender aos pressupostos da
internacionalização do ensino, pesquisa, extensão e gestão
universitária, valorizando as relações interculturais pluri-
língues/multilíngues e a inclusão social, tomando como
referência a formação global, o respeito à diversidade e
solidariedade (UFSC, 2018, p.12).

Vê-se o interesse em valorizar as relações interculturais, plurilín-


gues, a inclusão social etc. por meio de uma política linguística institu-
cional. De fato, a gestão do plurilinguismo, e não das línguas, circunscrita
em determinado contexto é um meio de promoção da interculturalidade.
Sobre isso, esse conceito de gestão do plurilinguismo aponta para duas

30
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

questões: primeiro, pois sugere uma faceta intervencionista das políticas


linguísticas, com a incorporação do conjunto das vozes dos atores; em
segundo, pois reconhece que as línguas não estão sozinhas e integram
conjuntos e repertórios particulares (OLIVEIRA, 2020, p. 13). Isso sig-
nifica que tanto a gestão em si quanto os gestores incidem de maneira
complexa, específica e hierárquica em cada repertório.
Por isso, os interesses institucionais precisam estar alinhados com
este conceito, além de serem delineados a partir de conhecimento do
diagnóstico da instituição. Ou seja, se o objetivo geral de definir tal po-
lítica do PII da UFSC é atender aos pressupostos da internacionalização
e valorizar relações interculturais, o que se sabe a respeito das relações
interculturais reais do campus? Como evidenciá-las e articular alternativas
que ajam de acordo com tal objetivo? Há uma gestão do plurilinguismo
ou das línguas? Pensando nisso, entendemos que ainda há trabalho a ser
feito e é nesse caminho que trilhamos nossas ideias.
No que concerne aos apontamentos visando especificamente o
planejamento linguístico e a promoção do plurilinguismo em nível de
graduação, destacam-se os seguintes pontos no Quadro 1.

31
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Quadro 1 - Planejamento Linguístico do PII da UFSC


(Dados retirados do documento oficial)

Principais pontos

A11. Desenvolver e manter um website e folders em Inglês para auxiliar na atração de


parceiros internacionais;
A13. Oferecer disciplinas em Inglês na graduação e na pós-graduação através das coorde-
nações de cursos para permitir que alunos estrangeiros não luso falantes estudem na UFSC
e, dessa forma, contribuir para a criação de um ambiente internacional e intercultural nos
próprios campi (“internacionalização em casa”);

A14. Traduzir os conteúdos das disciplinas, inclusive as suas ementas, para o Inglês;

A17. Oportunizar a emissão de documentos internos da UFSC também em língua inglesa.

A20. Expandir os cursos de idiomas para a comunidade universitária, incrementando o


número de alunos, os níveis e a variedade de idiomas (com prioridade para o Inglês);

A36. Viabilizar a aplicação de testes de proficiências (TOEFL, IELTS, Cambridge, etc.)


na UFSC;

A37. Promover e auxiliar na reformulação dos testes de proficiência oferecidos pelo


Departamento de Língua e Literatura Estrangeiras (DLLE);

A41. Promover a internacionalização do currículo, incluindo a criação de disciplinas


novas ou tradução e adaptação de disciplinas existentes (nomes, ementas, conteúdo e
bibliografia) para oferecer uma visão globalizada aos alunos;

A45. Usar o programa Idiomas sem Fronteiras (IsF) como mecanismo para alavancar as
iniciativas de internacionalização da UFSC;
Fonte: Plano Institucional de Internacionalização da UFSC, 2018.

Esses são os tópicos que especificam o planejamento linguístico


do PII. Pode-se dizer, em um primeiro momento, que promover a inter-
nacionalização de uma IES exige diversas mudanças internas, além, é
claro, da necessidade de investimento financeiro. Políticas linguísticas
que promovam o plurilinguismo podem custar muito caro para uma ins-

32
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

tituição se houver interesse, por exemplo, em traduzir sites, ementas de


disciplinas e implementação de aulas ministradas em diversas línguas.
Todas essas mudanças exigiriam uma reorganização logística do cam-
pus, de acordo com a oferta e procura por cursos de línguas e atividades
extracurriculares. Apesar disso, conforme tem-se defendido, é preciso
considerar uma política linguística que seja realmente inovadora, que leve
em consideração essas questões das línguas mais faladas na universidade,
podendo assim abrir caminho para o convívio das línguas minoritárias e
para uma internacionalização condizendo com a realidade da instituição.
As ações apresentadas pelo plano, conforme o quadro 1, são im-
portantes e apontam em direção ao plurilinguismo, quando se percebe o
interesse em promover a diversidade linguística e, desde já, ter ementas
de disciplinas e websites traduzidos para o Inglês. Ainda assim, reforçar
a anglicização, seja por meio de políticas linguísticas que priorizem a
língua ou mesmo pela ausência dessas políticas, o que Calvet (2007)
chama de politique par défault [política pela ausência], é uma forma de
andar na contramão da internacionalização e da diversidade.
Para reagir em relação a essa questão, seria pertinente propor
políticas linguísticas com base no mapeamento das grandes redes de
cooperação que a UFSC participa, fortalecendo o papel do Português
como língua estrangeira e a relação da universidade no cenário mundial
– mas também do país, e no diagnóstico linguístico da universidade.
Além disso, elaborar um planejamento linguístico que delineie ações
precisas sobre alternativas possíveis a favor da diversidade linguística
na educação superior e não apenas “priorizar o Inglês”, como se essa
fosse a única alternativa.
A orientação central do edital Capes-PrInt, para o qual a UFSC en-
viou PII, está na cooperação com países do Norte, reforçando a proposta
de estabelecer acordos com as universidades no topo dos rankings de
melhores do mundo – grande número de universidades anglófonas. Como
a experiência do CsF já mostrou, a solução não está em tentar inserir

33
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

alunos brasileiros com pouco domínio em línguas estrangeiras em univer-


sidades de excelência, mas sim em vislumbrar uma internacionalização,
cuja finalidade consista em estabelecer acordos com IES que também os
queiram e, de modo equilibrado, em receber alunos brasileiros e enviar
seus estudantes para instituições brasileiras. As redes AUGM5 e GCUB6,
por exemplo, são iniciativas que fortificam a cooperação Sul-Sul (entre
países do sul global) e a integração regional e têm sido vistas como fortes
motores de internacionalização acadêmica. Contudo, não aparecem no
edital da Capes como ações centrais ou a serem priorizadas.
Com isso, no ambiente acadêmico, as propostas de internaciona-
lização das universidades e seus programas de mobilidade estudantil
precisam considerar as línguas como um dos fatores centrais dos seus
processos. As políticas linguísticas, assim, têm ganhado espaço, de certo
modo, e se traduzido em diretrizes específicas para que o processo de
internacionalização das universidades seja cada vez mais efetivo. O que se
defende, nesse cenário, é a necessidade de considerar o mapa linguístico
que se forma no campus, devido à circulação de alunos e professores
internacionais, nessas políticas. Contudo, o planejamento linguístico
dos planos tende a ser elaborado a partir de interesses econômicos e em
termos que não dialogam com a realidade linguística das instituições.
Eles também não consideram, consequentemente, a promoção da diver-
sidade linguística e cultural, muito embora tenha sido mencionado no PII
da UFSC como prioridade. Isto é, não há convergência entre o objetivo
geral e o planejamento linguístico do plano.

3. Plurilinguismo na UFSC: diagnóstico das práticas e políticas lin-


guísticas na universidade

A UFSC, antes da pandemia da COVID-19, acolhia aproximada-


mente 450 alunos internacionais, de um total de cerca de 46 mil estudan-

5 Associação de Universidades do Grupo Montevidéu.


6 Grupo de Cooperação de Universidades Brasileiras.

34
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

tes. Por ano, a universidade costumava receber em torno de 300 alunos


incoming7 [ingressos], de acordo com a Secretaria de Relações Interna-
cionais (SINTER), além dos 116 alunos PEC-G8 (Programa Estudante
Convênio – Graduação). Após a situação da pandemia, esses números
se alteraram, tendo em vista o ensino remoto e a oferta de disciplinas
para alunos internacionais, nas modalidades aluno especial e totalmente
a distância. Nesse contexto, os dados de mobilidade e internacionalização
aumentaram consideravelmente.
Ao mesmo tempo, durante esse período a própria noção de inter-
nacionalização pôde ser observada por outro ângulo. Ao passo que, em
um primeiro momento, a mobilidade acadêmica se dava a partir de um
intercâmbio para outro país, durante a pandemia o alcance ao sistema
educacional das IES tornou-se completamente diferente. Nesse momento,
a mobilidade passou a ter uma nova perspectiva, sendo totalmente virtual,
assim como o plurilinguismo em sala de aula também passou a ser mais
variado. Sem aprofundar na discussão, vale dizer que não é atribuído
aqui maior ou menor valor às abordagens de mobilidade acadêmica
citadas acima. Mas sim uma discussão pertinente e emergente, levando
em consideração as questões investigadas nesse estudo e a fatalidade
da pandemia da COVID-19 durante o processo da pesquisa. Essas são,
porém, questões relevantes quando se fala em internacionalização aca-
dêmica e plurilinguismo como recurso na atualidade.
Nesse sentido, com o objetivo de diagnosticar as línguas da UFSC e
os acordos de cooperação internacional da universidade com instituições
estrangeiras, buscou-se responder a Metodologia M-6 proposta por Gilvan
Müller de Oliveira e esquematizada por Mendes (2021). Conforme citado
7 Os alunos incoming fazem parte do grupo de mobilidade acadêmica que permanece de um
semestre até um ano na UFSC. Estes alunos vêm por meio de acordos bilaterais feitos com
instituições de todo o mundo. No caso da UFSC, grande parte desses alunos vem de países
da Europa e da América do Sul (SINTER, 2018). Essa modalidade também é chamada de
mobilidade para dentro.
8 Os alunos PEC-G fazem parte de um programa brasileiro de assistência aos países em desen-
volvimento. Esse programa consiste na oferta de vagas gratuitas, para que esses alunos cursem
a graduação completa em uma instituição pública brasileira (SINTER, 2018).

35
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

na primeira parte deste artigo, essa abordagem engloba seis perguntas


que alcançam todos os âmbitos da universidade. Sendo assim, segue o
quadro geral de perguntas e o corpus usado para tal investigação.
Quadro 2 – Metodologia M-6

Pergunta Corpus Coleta de dados


Que línguas são faladas 32 alunos internacionais Entrevistas individuais, ques-
na Universidade e no seu da UFSC tionários
1 entorno? 375 professores da UFSC Consulta ao CV Lattes9
Disciplinas ofertadas na
Que línguas são usadas UFSC nos cursos de gra- Dados informados pela SINTER
2
pela Universidade? duação e pós-graduação na página da secretaria
em 2021
Que línguas são ensina- Cursos de idiomas da Uni-
Sites dos departamentos de cada
das na Universidade e em versidade / Graduação em
3 curso
que contexto? Letras
Banco de dissertações e te-
Que línguas são pesqui- Consulta no banco de dados10 da
ses do curso de Linguística
4 sadas na Universidade? Universidade
da UFSC
Línguas que dispõem de re-
cursos linguísticos na uni-
Que línguas são equipa- Sites dos departamentos de cada
versidade, como as línguas
das na Universidade? curso
5 ensinadas na Graduação e
no Extracurricular
Quais estratégias de Coo- Edital Capes-PrInt / Plano
peração ocorrem em que Institucional de Internacio- Consulta no site da SINTER
6
línguas? nalização da UFSC
Fonte: Elaborado por Mendes, 2021

Percebe-se, no quadro acima, o corpus selecionado para cada


pergunta e a ferramenta usada para coletá-lo. No que diz respeito à in-
vestigação das línguas faladas pelos alunos, principal discussão trazida
nesse artigo, foi usado um questionário elaborado com base na biografia
linguística dos estudantes. Essas costumam abordar a questão da evolu-

9 Informação extraída do item “línguas faladas” na plataforma Lattes. Isto é, os dados referentes
às línguas faladas dos professores são informações declarativas, baseadas na percepção que
os próprios falantes têm das competências nas línguas mencionadas no CV.
10 Banco de dados do repositório de teses e dissertações do Programa de Pós-Graduação em
Linguística da UFSC.

36
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

ção e das mudanças dos indivíduos, pois atentam ao desenvolvimento


do sujeito e levam em consideração fatores como idade e espaços geo-
gráficos e sociais pelos quais os sujeitos transitam (DEPREZ, 1996, p.
2)11. Christiane Perregaux (2006, p. 26) afirma, ainda, que as biografias
linguísticas constituem uma abordagem “que registra a história e a vida
das línguas faladas por um indivíduo ao longo de sua trajetória de vida,
além de levar em consideração o ambiente socio-histórico do sujeito”12.
É nesse sentido que as biografias linguísticas possibilitam a tomada
de consciência sobre a aprendizagem de línguas e a pluralidade que torna
cada sujeito único. Essa fornece dados para a análise do falante multilín-
gue em uma perspectiva individual e social e é uma ferramenta fortemente
ligada à sociolinguística, à dinâmica do repertório verbal (GUMPERZ,
1964), que constitui um lugar de observação dos usos das línguas perce-
bidas por meio do discurso (THAMIN; SIMON, 2009, p. 4)13.
Nesse sentido, a proposta da biografia linguística se mostra perti-
nente, pois evidencia a diversidade linguística e torna-se uma ferramenta
importante na promoção do plurilinguismo, dando outro sentido ao
contato linguístico e agindo a favor da pluralidade de línguas e culturas.
Conforme Perregaux (2002), o social é encoberto pelo véu do monolin-
guismo. É preciso, dessa forma, fazer o caminho contrário, trazer à tona
o plurilinguismo.
Com as entrevistas dos alunos internacionais e as buscas on-line
para preencher os demais dados, foi feito o diagnóstico linguístico da
UFSC. É válido destacar que a principal função de um diagnóstico
linguístico, conforme discorre Seiffert (2014), é a de compreender os
11 “(…) qui prend en compte la durée de l’existence et le déplacement dans l’espace géographique
et social, aborde de plain-pied la question de l’évolution et des changements.” (DEPREZ,
1996, p. 2) .
12 “La biographie langagière est encore un genre nouveau […] et la recherche autour du récit
(auto)biographique peut s’engager dans de multiples allées, toutes s’articulant autour du
rapport aux langues, considérant l’environnement sociohistorique du biographe tant dans
ses dimensions diachroniques que synchroniques.” (PERREGAUX, 2006, p. 26)
13 “Elles sont fortement liées en sociolinguistique à la notion de dynamique du répertoire verbal
tel qu’il a été défini par J.J. Gumperz (1964) et constituent un lieu d’observation des usages
de langues, perceptibles dans le discours. ” (THAMIN; SIMON, 2009, p. 4)

37
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

aspectos relacionados aos usos, atitudes e representações de situações de


línguas em contato. Assim, ainda que também tenha o objetivo de fazer
um levantamento de caráter analítico, com foco na identificação, análise
e possibilidade de intervenção político-linguística, o diagnóstico permite
ainda a investigação e observação de situações de línguas em contato.
Tendo em vista que essas são uma das principais preocupações desta
pesquisa, o termo diagnóstico apresentou-se como o mais pertinente.
Sendo assim, serão apresentados os dados referentes às línguas fala-
das pelos alunos e professores, o que responde a primeira questão da M-6.
Tabela 1 - Línguas faladas pelos alunos internacionais da UFSC

Que idiomas você fala?


32 respostas
Português 29 90,6%
Inglês 29 90,6%
Espanhol 20 62,5%
Francês 12 38,7%
Alemão 4 12,9%
Italiano 3 9,7%
Grego 2 6,5%
Crioulo 2 6,5%
Indonésio 1 3,1%
Russo 1 3,1%
Tártaro 1 3,1%
Finlandês 1 3,1%
Galego 1 3,1%
Shona 1 3,1%
Indonésio 1 3,1%
Suaíli 1 3,1%
Ashanti 1 3,1%
Fon 1 3,1%
Ifé 1 3,1%
Pida 1 3,1%
Hebraico 1 3,1%
Minan 1 3,1%
Sueco 1 3,1%
Galego 1 3,1%
Fonte: Elaborado por Mendes, 2021

38
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

A tabela acima mostra a quantidade de línguas faladas pelos alunos


internacionais. Percebe-se que a grande maioria fala Português ou Inglês,
o que era esperado, pois são estudantes em mobilidade no Brasil e pelo
Inglês ser uma língua hipercentral. Percebe-se também que o Espanhol
e o Francês são línguas bem representadas no campus, apesar de termos,
no caso do Francês, apenas três alunos nativos da França e um oriundo
de um país africano ex-colônia francesa. Esses números também coinci-
dem com a quantidade de acordos bilaterais que a UFSC tem com países
francófonos e hispanófono, conforme será apresentado a seguir.
No que concerne às línguas faladas pelos professores da UFSC, por
sua vez, utilizou-se a plataforma Lattes como fonte de dados, na qual
os próprios servidores informam as línguas nas quais consideram ter
proficiência. Para tal, aferiu-se o total de Centros e Departamentos da
UFSC, a fim de encontrar o corpo docente de cada curso nos respectivos
sites. Essa pesquisa foi realizada no site da UFSC14, o qual apresenta a
estrutura da universidade. Da mesma forma que com o grupo de alunos
internacionais, essa análise também não visou um diagnóstico exaustivo
do corpo docente da universidade para fins qualitativos. Além disso, é
importante destacar que esses dados dizem respeito à autodeclaração
desses professores sobre as línguas que citam na plataforma Lattes. Isto
é, a plataforma oferece as quatro competências linguísticas, compreende,
fala, escreve e lê em três graus diferentes - bem, razoavelmente e pouco.
Desse modo, os professores preencheram seus currículos conforme as
próprias avaliações sobre o nível de proficiência em cada uma delas, o
que pode não representar a realidade. Ou seja, os professores podem ser
mais ou menos proficientes nas línguas declaradas no Lattes.
Para o presente estudo, coletamos uma amostra de 375 currículos
Lattes, tendo em vista as listas de professores disponibilizadas no site
dos devidos departamentos da instituição. Atentamos, porém, para o fato
de que, em muitos departamentos, não foram localizadas nem a lista de
14 Website da UFSC, disponível em: https://estrutura.ufsc.br/centros-de-ensino/ Acesso em: 10
jul. 2021.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

professores nem a própria página do departamento. Sendo assim, esses


currículos representam aproximadamente 15% da totalidade de profes-
sores da UFSC, com 375 professores de um total de 2495.
A seguir no Gráfico 1, as línguas citadas pelos professores da UFSC
no Lattes:
Gráfico 1: Total de línguas faladas pelos professores da UFSC

Fonte: Elaborado por Mendes, 2021.

Quanto aos dados do gráfico acima, destacamos que as informa-


ções são oriundas de declarações nos currículos dos docentes. Isto
é, apenas 121 dos 375 indicaram o Português no tópico de línguas.
No entanto, acredita-se que todos eles saibam Português, visto que
lecionam na UFSC, ainda que possam não ser nativos do Português.
E, por isso, tendo em vista os próprios parâmetros de proficiência
linguística, não tenham citado tal língua. Outra justificativa é o fato

40
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

de não acharem necessário citar a primeira língua no Lattes. Além


disso, apenas dez professores não preencheram o campo “línguas”
no currículo. Eles podem ter esquecido ou apenas considerar que
sabem falar somente a primeira língua, o Português.
Antes de apresentar o gráfico com as línguas que os docentes
consideram dominar bem, tendo todas as quatro habilidades bem de-
senvolvidas ou com apenas uma declarada como “razoável”, pode-se
notar que o total de línguas mencionadas por eles foi de 21, ao passo
que no grupo dos alunos foi de 24. Isso mostra uma certa simetria na
quantidade de línguas declaradas por ambos os grupos, apesar dos
diferentes recortes populacionais.
Percebe-se ainda que, além de o grupo de discentes ter maior
diversidade linguística, considerando, principalmente, o grupo de
alunos PEC-G (o grupo de menor retorno da parte dos discentes nesta
pesquisa) e os novos estudantes internacionais da modalidade on-
-line, as línguas mais faladas pelos professores são Inglês, Espanhol
e Francês, nessa ordem. Essas são as mesmas três línguas que estão
no topo da lista de línguas faladas pelos alunos internacionais da uni-
versidade. Isso significa que as redes de cooperação dos professores
da UFSC acarretam mobilidade dos alunos e, por isso, essas também
são as línguas que mais apareceram entre os estudantes internacionais.
Apresentamos, a seguir, o Gráfico 4 das línguas consideradas com
bom desempenho pelos próprios professores:

41
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Gráfico 2: Línguas faladas pelos professores da UFSC com melhor desempenho

Fonte: Elaborado por Mendes, 2021

Esse gráfico corrobora o resultado apresentado anteriormente. Assim


como na lista de línguas faladas pelos alunos internacionais da UFSC,
os docentes também têm maior domínio do Inglês, Espanhol e Francês.
Para os alunos internacionais, a língua mais falada em quarto lugar é o
Alemão e o quinto é o Italiano, ao passo que para os professores o Italiano
está em quarto e o Alemão em quinto.
Além dessa simetria entre as línguas mais faladas pelos alunos
e professores da universidade, também percebemos a grande quan-
tidade de acordos de cooperação entre IES internacionais e a UFSC
que convergem, em parte, com esses resultados. Conforme os dados
levantados no ano de 2019 a partir do site da SINTER15, os países
com maior quantidade de acordos firmados com a UFSC são França,
Alemanha e Colômbia com 57, 44 e 30 acordos, respectivamente. No
entanto, é preciso mencionar que a própria SINTER informou que
não se sabe, ao certo, quais desses acordos estão disponíveis em cada
semestre. Isso significa que apesar dos dados informados pelo setor e
15 Secretaria de Relações Internacionais.

42
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

mencionados acima, não necessariamente são todos que estão vigentes


em cada ano. Em todo caso, vemos novamente um país hispanófono
e francófono com uma expressiva quantidade de acordos de coopera-
ção com a UFSC, mas não há nenhuma diretriz específica no PII que
fomente a promoção das línguas faladas nesses países.
Ainda ilustrando o diagnóstico das línguas do campus, a seguir é
apresentado o quadro geral, com o resumo das principais línguas que
circulam no campus, tendo em vista a M-6.

43
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Quadro 3 - Diagnóstico Linguístico da UFSC

Inglês – 180 professores


Espanhol – 110 professores
Línguas faladas pelos professores Francês – 33 professores
Italiano – 16 professores
Libras – 16 professores
Português – 29 estudantes
Inglês – 29 estudantes
Línguas faladas pelos alunos internacionais Espanhol – 20 estudantes
Francês – 12 estudantes

Alemão, Espanhol, Francês, Guarani, Inglês,


Línguas ensinadas Italiano, Kaingang, Laklãnõ/Xokleng, Português

Português – 55 resultados
Libras – 32 resultados
Línguas pesquisadas Espanhol – 17 resultados
Inglês – 10 resultados

Inglês – 71 resultados
Línguas usadas para o ensino Espanhol – 3 resultados

Inglês
Línguas privilegiadas nas PL do PII Português
França – 57 instituições
Países com maior quantidade de acordos Alemanha – 44 instituições
bilaterais Colômbia – 30 instituições
Espanha – 28 instituições

Cabo Verde – 26 estudantes


Angola – 12 estudantes
Quantidade de alunos PEC-G Paraguai – 13 estudantes
Benin – 11 estudantes

Portugal – 25 estudantes
França – 23 estudantes
Quantidade de alunos incoming Espanha – 15 estudantes
Alemanha – 14 estudantes
Fonte: Elaborado por Mendes, 2021

44
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

O quadro acima apresenta um resumo dos principais dados do diag-


nóstico linguístico da UFSC. Elencamos as respostas dadas para a M-6
e acrescentamos dados de mobilidade acadêmica e acordos bilaterais,
considerando a quantidade de alunos internacionais no primeiro semestre
de 2018 e do topo na lista de acordos bilaterais da UFSC com IES inter-
nacionais no mesmo período. A partir isso, destacamos alguns pontos:

a) Nessa pesquisa, foram necessárias mudanças na meto-


dologia, em decorrência da pandemia do COVID-19. A
abordagem aqui usada focada no diagnóstico linguístico
é mais qualitativa e menos quantitativa. Além disso, esses
dados foram coletados por meio de entrevistas presen-
ciais sobre a biográfica linguística dos alunos, além do
preenchimento do formulário on-line por parte de alguns
estudantes no final do estudo.

b) Os dados de mobilidade acadêmica dos alunos dizem


respeito aos dois semestres de 2018 e ao primeiro semes-
tre de 2019. As línguas mais faladas pelos estudantes no
campus podem não condizer com o mapa linguístico do
país de origem dos alunos vindos do Cabo Verde, Angola,
Portugal ou França, por exemplo, tendo em vista que as
entrevistas dessa pesquisa foram feitas conforme interesse
e disponibilidades dos alunos. Assim, ainda que todos
os estudantes internacionais entrevistados nesse estudo
sejam plurilíngues, acredita-se que o mapa das línguas
do campus seja ainda mais amplo.

Com isso, pode-se afirmar que as políticas linguísticas do PII da


UFSC convergem com a realidade do campus, na medida que essas
priorizam o Inglês como estratégia inicial a favor da internacionalização
acadêmica. No entanto, o restante do diagnóstico linguístico diverge da
PII, tanto nas políticas linguísticas, quanto nas ações estratégicas de in-
ternacionalização. Como mencionamos na segunda parte desse artigo, de
acordo com o PII da UFSC, há interesse em promover a cooperação no

45
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

eixo Sul-Sul, mas a universidade mantém a maior quantidade de acordos


com IES do norte global, como França e Alemanha.
Além disso, os discentes e docentes falam diversas línguas, mas a
universidade oferece 71 disciplinas optativas em língua inglesa, majorita-
riamente na graduação, e apenas três em espanhol. Nesse ponto, o debate
sobre o plurilinguismo docente também se torna crucial. Os professores da
UFSC, apesar de citarem 22 línguas nos seus currículos Lattes, declaram
ter competência avançada nas quatro habilidades principalmente em Inglês,
Espanhol, Francês, Italiano e Libras. Ainda que represente um repertório
linguístico limitado, tendo em vista as 22 línguas com diferentes graus e
níveis de competência linguística, esses lecionam apenas em Português.
Das 71 disciplinas optativas ofertadas em língua inglesa nos anos de 2020
e 2021 na UFSC, 64 são do curso de Engenharia Mecânica. Isto é, são pou-
quíssimas as disciplinas em LE da universidade. Logo, a língua utilizada
somente reforça a ação de internacionalização contrária àquela apresentada
no PII – que fortalece a cooperação Sul-Sul.
Como apresentado anteriormente, o caso do CsF denuncia que os
altos números de mobilidade acadêmica não significaram um retorno
científico ou bons posicionamentos nos rankings, seja para a instituição
ou a para comunidade como um todo. Da mesma maneira que permitir
o acesso ao ensino público brasileiro não significa inclusão, no caso dos
alunos PEC-G, estudantes oriundo de programa que favorece países em
desenvolvimento. As experiências que já conhecemos no Brasil nesse
âmbito mostram, portanto, que é preciso mais do que foi feito, até en-
tão, para o investimento valer a pena. O primeiro passo foi o de investir
no ensino de línguas, isto é, no plurilinguismo. Era preciso fortalecer a
mobilidade entre países não-anglófonos e não-lusófonos. O segundo foi
canalizar os investimentos em mobilidade acadêmica na pós-graduação,
considerando que, nesse momento dos estudos, os alunos teriam mais a
oferecer para comunidade acadêmica e a aprender, pois estariam inseridos
na área de ensino e pesquisa, ao contrário dos estudantes de graduação,
que nem sempre fazem parte de grupos pesquisa.

46
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

4. O plurilinguismo como recurso para educação superior

O campus universitário é um ambiente rico em diversidade linguística


e cultural. Os dados obtidos nesta pesquisa, sobretudo aqueles referentes
ao dos estudantes intercambistas, evidenciam a diversidade linguística no
campus composta por alunos e professores. Ao mesmo tempo, evidencia
a divergência entre as práticas e políticas linguísticas da instituição.
Cada um dos intercambistas entrevistados, o principal recorte deste
estudo, representam indivíduos que optam por um intercâmbio ou por
uma formação completa em uma IES no Brasil. Cada sujeito, por sua
vez, traz consigo sua bagagem de vida, expectativas e crenças, tanto em
relação à formação no exterior, aos desafios acadêmicos, quanto com
o retorno dessa experiência para suas vidas. Para além dos números
da internacionalização e das línguas que eles falam, esses alunos têm
necessidades particulares de diversas ordens no país de destino e, ao
mesmo tempo, contribuem para um cenário plurilíngue e pluricultural.
É imprescindível, desse modo, olhar e compreender essa interculturali-
dade, pois o entendimento desse conceito proporciona uma abordagem
adequada a esse grupo de alunos vindos de diversos países:

O uso da palavra “intercultural” implica necessariamente,


se atribui ao prefixo “inter” o seu sentido pleno, interação,
troca, eliminação de barreiras, reciprocidade e solidarieda-
de genuína. Se o termo “cultura” é plenamente reconhe-
cido, isso implica o reconhecimento dos valores, estilos
de vida e representações simbólicas a que se referem os
seres humanos, tanto indivíduos como sociedades, nas
suas relações com os outros e na concepção do mundo
(DE CARLO, 1998, p. 43 - Tradução nossa)16.
16 L’emploi du mot “interculturel” implique nécessairement, si on attribue au préfixe « inter »
sa pleine signification, interaction, échange, élimination des barrières, réciprocité et véritable
solidarité. Si au terme « culture » on reconnaît toute sa valeur, cela implique reconnaissance
des valeurs, des modes de vie et des représentations symboliques auxquels les êtres humains,
tant les individus que les sociétés, se réfèrent dans les relations avec les autres et dans la
concepction du monde. (DE CARLO, 1998, p. 43)

47
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Esse conceito, que entrou gradualmente nos estudos em didática


das línguas estrangeiras no decorrer dos anos 80 (DE CARLO, 1998,
p. 43), representa adequadamente o contexto no qual esse estudo se
insere. Com efeito, a troca intercultural e a reciprocidade entre os
estudantes, professores e técnicos da instituição fazem parte da expe-
riência dos alunos internacionais. Ao contrário, quando não há reco-
nhecimento desses valores ou mesmo inserção deles no planejamento
linguístico para internacionalização, não são apenas modos de vida e
representações sociais de cada sujeito que ficam de lado. São ainda
possibilidades em termos acadêmicos, linguísticos, culturais e éticos
que ficam à margem das discussões, por se tratar de uma invisibilização
de certos grupos sociais.
Conforme as entrevistas detalhadas sobre a biografia linguística
desses alunos, o plurilinguismo discente como recurso na pesquisa se
insere nas discussões da PPLICES. Assim como Jesus (2018), Hamel
(2013) e Arnoux (2014) sugerem, é preciso democratizar a ciência e
permitir que essa seja feita seguindo os preceitos do verdadeiro fazer
científico e não o rumo das exigências do mercado. Isto é, o mono-
linguismo do Inglês na produção científica acadêmica não corrobora
a democratização da ciência, mas a repetição de um modelo único de
pesquisa. Conforme o estudo de Singh (2017), o uso do repertório
linguístico dos alunos plurilíngues age a favor da democratização da
ciência. Assim, é preciso tomar conhecimento do repertório linguístico
discente e docente, além de incentivar a utilização desse plurilinguismo
nas produções acadêmicas. Nesse sentido, entende-se que as línguas não
são apenas veículos do conhecimento, mas elas criam conhecimento.
Por isso, é de extrema importância a criação de orientações pluri-
língues para a pesquisa no meio acadêmico, de modo que a diversidade
linguística ganhe espaço conscientemente e que integre a produção cien-
tífica. Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer a diversidade linguística
do campus trazida, em grande parte, mas não apenas, por professores e
alunos em mobilidade acadêmica. Importa saber quais são as práticas

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

e escolhas pedagógicas que mantém as relações desiguais das línguas


dentro da atual economia do conhecimento.
Além disso, para a promoção do plurilinguismo na ciência, é
preciso pensar no plurilinguismo no ensino ofertado pela extensão das
IES. Na extensão, o pilar da universidade que proporciona a troca com
a comunidade, as línguas ensinadas são as línguas mais centralizadas,
no caso da UFSC e de boa parte das IES brasileiras. Além disso, ainda
que o ensino de língua estrangeira (LE) integrado, que contempla todas
as habilidades linguísticas, seja sempre a melhor alternativa para o
ensino de línguas em nossa opinião, é preciso pensar em alternativas
que atraiam estudantes para cursos das mais variadas línguas, os quais
devem ser ofertados pelos estudantes de línguas minoritárias. Desse
modo, é preciso pensar em abordagens para o ensino de línguas, no
qual sempre haveria um professor de LE formado ou em formação
participando da proposta.
A questão da intercompreensão, conforme Escudé e Del Olmo
(2019) mencionam, é a chave para a comunicação em contextos
plurilíngues e essa pode servir como uma das principais ferramentas
para aproximar as línguas. Conforme os autores, a “(...) opacidade das
chamadas línguas estrangeiras pode ser transposta desde que se dê a
devida atenção a certos aspectos” (ESCUDÉ; DEL OLMO, 2019,
p. 60). Isto é, adotar estratégias metodológicas é uma das primeiras
alternativas para tratar do plurilinguismo no ensino. Os estudantes
plurilíngues podem, por sua vez, integrar projetos nos quais se ensinam
as línguas que falam. Em um primeiro momento, com base na análise
das biografias linguísticas dos alunos internacionais da UFSC, esses
estudantes podem ministrar cursos de extensão vinculados ao Centro
de Letras, direcionados para objetivos específicos, tendo em vista o
interesse que demonstraram ter no assunto.
Esses alunos são estudantes que ocupam vagas gratuitas em IES
brasileiras. É pertinente que eles sejam agentes a favor do plurilinguismo

49
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

como recurso, contribuindo para internacionalização das nossas IES,


para a democratização da ciência e valorização das línguas minoritárias
enquanto completam suas formações acadêmicas no Brasil.
Como recurso no ensino, o plurilinguismo está voltado para a diver-
sidade linguística dos professores. O primeiro ponto que emerge, quanto
às alternativas para o plurilinguismo como recurso, é a necessidade de
ampliar o ensino de LE para o corpo docente da universidade. Os profes-
sores da UFSC, cujos currículos foram consultados, apresentaram como
principais línguas Inglês, Espanhol e Francês. Muitos deles, no entanto,
conhecem línguas do mesmo diassistema e poderiam aprimorar seus
conhecimentos em LE a partir de abordagens didáticas que consideras-
sem suas competências plurilíngues e pluriculturais, como também se
fizessem uso da intercompreensão como um facilitador para o ensino e
aprendizagem de línguas.
Nesse sentido, os docentes teriam habilidades linguísticas melhor
desenvolvidas nas demais línguas dos seus repertórios linguísticos, po-
dendo fazer uso de tais ferramentas para impulsionar a internacionalização
acadêmica na UFSC. Junto a isso, estabelecer redes de cooperação com
IES do sul global, a fim de favorecer uma internacionalização acadêmica
equilibrada e preocupada com as necessidades sociais do meio em que
está inserida. Como discutimos nesse artigo, é preciso enfatizar a ne-
cessidade do “compreender para agir” que deveria envolver as escolhas
das políticas linguísticas institucionais. Além disso, as escolhas por trás
dessas políticas não se justificam apenas pelo pouco conhecimento a
respeito da realidade linguística das IES. Há, necessariamente, escolhas
políticas pontuais, que se distanciam da promoção da diversidade lin-
guística e cultural.

Considerações finais

Cada vez mais o plurilinguismo se apresenta como a nova língua


franca. Na experiência da coautora como professora de Francês Língua

50
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Estrangeira (FLE), percebe-se essa mudança nos próprios métodos de


ensino de (FLE). De modo cada vez mais recorrente, o plurilinguismo é
usado como recurso em sala de aula a partir de exercícios que sugerem
tradução ou mesmo debate acerca da relação entre o Francês e o repertório
linguístico dos alunos. No mesmo sentido, a tradução e a intercompre-
ensão também servem para auxiliar a aprendizagem nas aulas de língua
estrangeira. O plurilinguismo é um recuso para o ensino e aprendizagem
de línguas, assim como é fator crucial para impulsionar a internaciona-
lização na educação superior.
Por fim, defende-se que a abordagem do plurilinguismo discente
como uma estratégia em prol da diversidade linguística no ES, na
pesquisa e extensão, seja coerente com os objetivos de internaciona-
lização acadêmica apresentados pelo próprio PII da UFSC. Nele, há a
menção à valorização da diversidade, inclusão social e promoção de
cooperação no eixo Sul-Sul. Somado a isso, as biografias linguísticas
evidenciaram os objetivos dos estudantes em aprimorar as habilidades
linguísticas (MENDES, 2021), além das principais estratégias para
tal. Por isso, considerar políticas linguísticas para o plurilinguismo
na educação superior, a partir da diversidade linguística trazida pelos
estudantes internacionais em mobilidade acadêmica, parece-nos uma
alternativa pertinente.
Essa pertinência se dá em dois níveis: pessoal e social/acadêmi-
co. No primeiro, dos alunos internacionais, por dar visibilidade e voz
para as línguas e culturas dos estudantes em mobilidade, enquanto
também se oferece uma formação acadêmica pautada na diversidade.
As biografias evidenciaram os objetivos e interesses dos estudantes em
aprimorar suas competências linguísticas nas mais diversas línguas, o
que também se mostrou um objetivo de intercâmbio para muitos. E,
no segundo, representa uma ferramenta importante para a internacio-
nalização acadêmica, tanto na pesquisa, a partir das PPLICES para o
plurilinguismo, quanto na extensão e ensino, a partir do trabalho entre
professores e alunos.

51
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

A internacionalização acadêmica é um desafio para as IES e, ainda


que sejam muitas as variáveis que constituem as ações de internacio-
nalização, as línguas se mostraram cada vez mais um recurso central
dessas ações. Elas contribuem para o sucesso dos projetos de mobilidade
acadêmica, sendo um motor para impulsionar as IES no cenário mundial
na educação superior. Por isso, é preciso articular projetos e redes entre
professores, alunos e servidores em prol do mesmo objetivo, o plurilin-
guismo. Sabe-se, porém, que também fazem parte da discussão outras
variáveis, anteriores até mesmo às decisões internas das IES. São neces-
sários o apoio financeiro e o apoio dos órgãos competentes, delineados
de modo consistente, para que possam ser mantidos independentemente
do governo atuante.
Além disso, a internacionalização acadêmica também deve ser
equilibrada, isto é, proporcional na quantidade e destino de envio e re-
cebimento de alunos. Ao mesmo tempo, é preciso priorizar a qualidade
do intercâmbio desses estudantes e não mais focar nos números, como
o CsF também deixou claro que não é a melhor alternativa. Novamente,
as línguas são centrais para proporcionar uma mobilidade acadêmica
condizente às estratégias de internacionalização. Nisso, é preciso haver
políticas linguísticas para o plurilinguismo desde a graduação, no nível
do ensino e oferta de disciplinas em LE, além de projetos que criem a
oportunidade de diálogo intercultural entre os alunos e a comunidade.
O espaço do Português como língua estrangeira, por exemplo, também
precisa ser tomado como língua de instrução tanto na visão dos pro-
fessores e pesquisadores quanto dos estudantes visitantes na UFSC. O
Português, assim como outras línguas que circulam no campus, acaba
sendo negligenciado quando não há intenção em verificar o nível
de proficiência na língua por parte dos alunos incoming [ingresso]
na UFSC, conforme informações da SINTER, além da ausência de
línguas minoritárias nos cursos de idiomas e de projetos que visem a
equipagem de línguas.

52
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

A respeito do PII da UFSC, destaca-se que esse plano foi elaborado


em função das exigências da Capes, no que concerne às ações para
internacionalização. Ou seja, propôs-se exatamente aquilo que constava
no plano institucional da universidade, para cumprir as exigências da
agência de fomento, a Capes. Tendo em vista a compatibilidade com as
diretrizes da Capes e o potencial da instituição em internacionalizar-se
ainda mais, a UFSC foi contemplada com uma verba específica para fins
de cooperação acadêmica. Isso demonstra as ideologias das políticas
públicas, que delineiam o cenário atual, como também a necessidade de
instituições elaborarem seus projetos a partir de diretrizes específicas,
que podem ou não as beneficiar. Apesar disso, é preciso olhar para as
alternativas pertinentes e adequadas de cada instituição e considerar,
por sua vez, as variáveis linguísticas como centrais nas discussões.
Por fim, a UFSC não é uma das dez IES mais internacionaliza-
das do mundo, conforme o ranking do Times Higer Education World
University, apesar de estrar entre as dez mais internacionalizadas do
país.17 Mas tomá-la como exemplo para discutir a importância do co-
nhecimento do diagnóstico linguístico da universidade torna possível
ter um olhar mais democrático sobre as línguas em todos os âmbitos
da educação e ensino superior. Além disso, dá visibilidade para todos
aqueles estudantes que enfrentam seus medos, deslocam-se nas mais
variadas condições em busca de experiências, aprendizado, conhe-
cimento, oportunidade, formação, dignidade e mudança de vida. As
línguas representam direitos, identidades e recursos e são cruciais nos
debates de internacionalização. Abordar o percurso linguístico dos
estudantes internacionais como o motor da internacionalização e como
um movimento a favor da diversidade cultural e inclusão social é de
extrema relevância.

17 Website do Times Higher Education World University. Disponível em: https://www.timeshi-


ghereducation.com/world-university-rankings/2022/world-ranking#!/page/1/length/25/sort_by/
rank/sort_order/asc/cols/stats Acesso: set. 2021.

53
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

PIBID-ESPANHOL: DELINEAMENTO E CONSOLIDAÇÃO


DE UM PROJETO DE FORMAÇÃO

Juliana Cristina Faggion Bergmann1


Andréa Cesco2

1. Introdução

A formação de um professor de línguas estrangeiras é plural e dinâmi-


ca, assim como a sociedade contemporânea e multifacetada em que
estamos inseridos. Para acompanhar o processo de constante mudança
e desenvolvimento em todos os níveis da sociedade, é necessário que o
profissional de língua aprenda a problematizar o contexto no qual vive
e trabalha e possa buscar soluções para os problemas nele identifica-
dos, adquirindo, assim, uma autonomia para aprender continuamente,
desenvolvendo-se pessoal e profissionalmente de forma contínua, além
de colaborar para que os outros também aprendam.
Essa problematização, entendida aqui na visão de Freire (1970)
como uma prática da liberdade e do dialogismo, traz consigo a neces-

1 Coordenadora PIBID/UFSC Subprojeto Espanhol 2012-2019. Doutora em Sciences du


Langage. Professora do Departamento de Metodologia de Ensino (MEN) e do Programa de
Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
E-mail: juliana.bergmann@ufsc.br
2 Coordenadora PIBID/UFSC Subprojeto Espanhol 2012-2019. Doutora em Literatura. Professora
do Departamento de Língua e Literatura Estrangeiras (LLE) e do Programa de Pós-Graduação
em Estudos da Tradução (PGET) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail:
andrea.cesco@gmail.com / andrea.cesco@usfc.br.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

sidade de um indivíduo crítico, que consiga compreender seu contexto


de atividade unindo teoria e pesquisa com a reflexão sobre sua prática
em sala de aula. Essa compreensão do professor como um profissional
reflexivo é um processo longo e contínuo, que traz melhores resultados
quanto mais cedo começa a ser estimulado, função essa também da for-
mação inicial desse profissional, desenvolvida através da reflexão na e
sobre a ação, como proposto por Schön (2000).
O subprojeto PIBID-Espanhol/UFSC (2012-2019), nos seus sete
anos de atuação, procurou desenvolver a formação integradora do fu-
turo profissional das línguas, entrando gradualmente em contato com o
contexto de sala de aula de línguas estrangeiras em escolas públicas de
Educação Básica, refletindo sobre e na ação – sua, de seus colegas e do
professor colaborador da escola parceira, aprendendo com as práticas
pedagógicas da escola e sugerindo intervenções que apontassem ino-
vações no ensino da língua espanhola nas escolas públicas de Ensino
Básico – Fundamental ou Médio.
Considerando essas questões, busca-se mostrar neste texto como
se deu o planejamento e a consolidação do subprojeto PIBID-Espanhol
(2012-2019), enfatizando a criação de projetos de intervenção, isto é,
de ações/mediações que se deram mediante a compreensão e o aprofun-
damento dos conhecimentos dos bolsistas sobre as diferentes correntes
didático-metodológicas e na organização das ideias e atividades pensadas
e desenvolvidas, e na sua aplicação posteriormente em sala de aula. Dessa
forma, o capítulo encontra-se dividido em três partes: 1. Implementação
do PIBID-Espanhol na UFSC e suas contribuições para a licenciatura
de Letras-Espanhol; 2. proposta metodológica, através de três estágios:
a) período reservado à preparação, b) a observação participante, e c)
projetos de intervenção – momento em que os bolsistas, através de todo
o conhecimento adquirido, ganham espaço nas escolas, com o devido
acompanhamento das professoras supervisoras, para atuar como docentes
em sala de aula –, através de cinco propostas que foram efetivamente
aplicadas pelos bolsistas em suas turmas; e 3. as considerações finais.

58
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

2. Implementação do PIBID-Espanhol na UFSC

O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PI-


BID) foi criado pela CAPES em 2007 e instituído pelo Decreto nº 7.219
de 2010. No ano seguinte à sua criação, em 2008, a UFSC, entre outras
IES, participa do primeiro edital do programa. Em 2012 (Edital CAPES
Nº 011 /2012), sob a coordenação do professor Adir Valdemar Garcia, o
subprojeto Letras-Espanhol passa a fazer parte do grupo de licenciaturas
do programa.
De 2012 a 2019 o subprojeto Espanhol – pensado e desenvolvido
através da parceria de duas coordenadoras, que atuam em diferentes
departamentos da UFSC: Metodologia de Ensino (MEN) e Língua e
Literatura Estrangeira (LLE) – foi todo voltado para a ideia de que o
futuro profissional da educação deve desenvolver-se enquanto professor
reflexivo, conforme proposto por Schön (2000), entre outros pesquisa-
dores, buscando olhar de forma crítica para o seu ambiente laboral e,
assim, compreender as necessidades e expectativas de seus alunos e da
escola em que está estabelecido, buscando soluções para os desafios
nele identificados.
Nesta perspectiva, se estabelece uma base para a construção de uma
autonomia do futuro professor, que analisa sua prática e a problematiza,
possibilitando uma reflexão sobre o conteúdo teórico aprendido e discu-
tido no decorrer do curso de Letras-Espanhol. Igualmente importante é
a participação do professor supervisor da escola, que assume o papel de
co-formador dos futuros docentes, apresentando a realidade das escolas
públicas de Educação Básica nas quais atuarão os bolsistas.
Para alcançar os objetivos a que o subprojeto se propunha, algumas
ações foram pensadas e realizadas, como:

59
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

• Leituras e discussões sobre obras relevantes da área, assim como de


artigos acadêmicos, que podem enriquecer o conhecimento e desenvolver
uma visão crítica sobre perspectivas teóricas adotadas, assim como pro-
porcionar uma visão nova e diferenciada do ensino de língua estrangeira;

• Análise de conteúdo do Ambiente Virtual de Ensino e Aprendizagem


(AVEA) do curso de Letras-Espanhol – licenciatura a distância, para
que reconheçam e reflitam sobre novas práticas pedagógicas e sobre as
experiências metodológicas e tecnológicas, a fim de aprimorar o exercício
profissional com a utilização das Tecnologias Digitais de Informação e
Comunicação;

• Levantamento e compreensão da realidade pedagógica e social da escola


participante do projeto, envolvendo o estudo do seu Projeto Político-Pe-
dagógico, de suas necessidades sociais e de suas capacidades materiais;

• Diagnóstico e análise de práticas pedagógicas desenvolvidas na escola


para o ensino do Espanhol como língua estrangeira, registradas por meio
de gravações e posteriormente transcritas;

• Vivência do cotidiano da escola, participando junto com o professor das


distintas atividades que compõem a sua prática: planejamento, avaliação,
conselho de classe, conselho de escola, reuniões com pais e reuniões
pedagógicas de HTPC – Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo;

• Desenvolvimento de um projeto de intervenção na escola que agregue


os diferentes conhecimentos teóricos e práticos para o seu desenvolvi-
mento e aplicabilidade;

• Participação em eventos acadêmicos e científicos da área, não só como


ouvintes, senão como participantes, no sentido de proporcionar aos bol-
sistas uma reflexão sobre o seu trabalho, o desenvolvimento da escrita
acadêmica, assim como a exposição a colegas da área do relato das suas
pesquisas e experiências como professor.

60
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

2.1 Contribuições para a licenciatura de Letras-Espanhol da UFSC

Com relação aos bolsistas, o projeto buscou estimular a compreensão


da importância de ser um professor reflexivo e pesquisador, consciente
da necessidade de formar-se de maneira contínua; de conhecer de forma
mais apurada o contexto de trabalho da Escola Básica – Ensino Funda-
mental e Médio; de desenvolver a reflexão e a criticidade sobre as práticas
pedagógicas desenvolvidas em sala de aula de língua estrangeira nas
escolas públicas; de conhecer e sugerir práticas pedagógicas inovadoras
que incluíssem o uso de diferentes recursos e materiais didáticos de apoio
à atividade do professor em sala de aula de língua espanhola; de refletir
sobre a importância da construção coletiva do saber e do conhecimento;
de contribuir com o futuro professor no sentido de propiciar ao seu aluno
diferentes oportunidades para o desenvolvimento das quatro habilidades
(compreensão escrita, compreensão auditiva, produção escrita e produção
oral), através de novas propostas e abordagens.
O projeto também buscou estreitar as relações entre Universidade e
Escola Básica, atuando como parceiro da escola no desenvolvimento de
práticas inovadoras para a melhoria do processo de ensino-aprendizagem
de línguas estrangeiras – Espanhol; promover a aprendizagem colabo-
rativa e a construção coletiva do conhecimento; despertar no educador
uma visão mais ampla do seu papel como formador de opinião e mostrar
novos caminhos a serem trilhados para uma compreensão maior do que
seja ensinar línguas.
Como será possível perceber mais adiante neste trabalho, a partir
do depoimento de diferentes bolsistas, suas experiências na escola retro-
alimentavam as discussões e aprendizagens teóricas que viviam dentro
da Universidade e do curso de Letras, possibilitando que estabelecessem
compreensões mais consistentes e mais significativas, conectadas às
situações por eles vividas em contexto escolar.

61
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

3 Proposta metodológica

3.1 Período de preparação

Após aprovado, o projeto foi efetivamente iniciado em setembro


de 2012, já apresentando algumas dificuldades que depois conhecería-
mos mais de perto e com muito mais detalhe. Uma delas era o fato de o
edital do PIBID, naquela época, exigir que o bolsista supervisor fosse um
professor efetivo da rede pública, o que no caso do Espanhol se mostrou
como um grande desafio, visto que o número de professores efetivos era
(e ainda é) ínfimo e que o corpo docente de língua espanhola da rede
era (e é ainda) composto por cerca de 90% de professores temporários.
Essa exigência quase inviabilizou o projeto e a solução encontrada foi
a parceria com escolas em cidades vizinhas a Florianópolis (Biguaçu e
São José), desencadeando um outro problema para a equipe: o desloca-
mento do grupo. Esse é um fator bastante relevante dentro do processo
de inserção dos futuros professores na escola, tanto do ponto de vista
financeiro (não há recursos específicos e em separado para o transporte
às escolas) quanto do ponto de vista de tempo (os alunos perdem horas
indo e vindo das escolas). Posteriormente, após reivindicações, os editais
do PIBID passaram a aceitar professores ACTs, admitidos em caráter
temporário, o que facilitou, em parte3, a escolha de escolas parceiras no
município de Florianópolis.
Assim, estabeleceu-se desde o início do PIBID-Espanhol, em suas
reuniões semanais ocorridas na UFSC, a busca por aprofundar e discutir
com os dez bolsistas (número padrão de bolsistas), leituras teóricas, fil-
mes e documentários sobre temas pertinentes à educação, à escola e ao
ensino de Espanhol como língua estrangeira, no sentido de prepará-los
para a vivência e o trabalho que seria desenvolvido nas escolas parceiras
3 Ver: CESCO, A.; BERGMANN, J. C. F. A diminuição da oferta do ensino da língua espanhola
no estado de Santa Catarina: e a Lei nº 11.161, onde está? In: GARCIA. A.V.; D’AGOSTINI,
A. (orgs.). Reflexões sobre a formação de professores e o Pibid-UFSC. v. 1, 1. ed. Tubarão:
Copiart, 2014,p. 37-59.

62
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

a partir de 2013. As leituras perpassaram autores como Rubem Alves,


Paulo Freire e Philippe Meirieu, entre outros. Nesse período, estreitou-
-se também o contato com as professoras-supervisoras, que participaram
de algumas reuniões com os alunos, na UFSC. Por se mostrar eficaz e
acolhedor para os futuros professores, todo esse processo se repetiria,
posteriormente, com cada novo grupo que começava suas atividades.
Como um meio de valorização do projeto e difusão das atividades
que seriam desenvolvidas a partir daquela oportunidade, também foram
criados um blog (figura 1) – canal de divulgação do subprojeto para a
comunidade – que ao mesmo tempo resumia as atividades realizadas
dentro e fora das escolas e também no âmbito acadêmico e estimulava a
escrita dos bolsistas, e um logotipo do projeto que passaria a integrar os
banners apresentados em eventos locais e fora da UFSC.
Figura 1: Blog e logotipo

Fonte: PIBID-Espanhol UFSC4

4 Disponível em: http://pibidesp.blogspot.com/

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Aliás, é importante mencionar que nos sete anos de coordenação do


subprojeto PIBID-Espanhol (2012-2019), mais de vinte banners foram
apresentados pelos bolsistas em eventos, juntamente com as coorde-
nadoras do projeto (fora as comunicações orais, palestras, simpósios
e mesas-redondas organizadas e as publicações que resultaram disso,
através de livros, capítulos de livros, artigos, etc.).5
Após esse período inicial, de intensas leituras e discussões, que
prosseguiram nos demais anos do projeto, foi iniciado o período de co-
nhecimento e visita das escolas parceiras, assim como o contato mais ativo
dos bolsistas e das coordenadoras com as professoras-supervisoras das
escolas parceiras (através de reuniões quinzenais). Utilizando-se de vários
instrumentos de coleta de dados para pesquisas qualitativas em educação
(BOGDAN; BIKLEN, 1994; WELLER; PFAFF, 2011), os participantes
foram conduzidos a conhecer ao mesmo tempo a realidade da escola e
se desenvolver como profissionais pesquisadores reflexivos. Este seria,
assim, o momento de preparar-se para a próxima etapa da formação, com
a ida à escola de maneira sistematizada, crítica e reflexiva, utilizando-se
especialmente de técnicas de observação participante.

3.2 Período de observação participante

Com a chegada à escola, os bolsistas foram orientados a aplicação


de técnicas de observação participante, em que desenvolviam seu olhar
para perceber as ações que aconteciam no ambiente escolar e, posterior-
mente, refletir sobre elas (SCHÖN, 2000; PAQUAY et al., 2001). Este
tipo de observação, segundo Gil , “caracteriza-se pela interação entre
pesquisadores e membros das situações pesquisadas” (GIL, 2002, p. 55).
Assim, a princípio, em duplas, os bolsistas observavam as aulas da
sua turma e o ambiente escolar com o apoio de diferentes instrumentos de

5 Será publicado, entre 2023-2024, o livro-memorial, escrito pelas ex-coordenadoras do PIBID-


-Espanhol (2012-2019), autoras deste capítulo, onde mais informações sobre as produções
acadêmicas e todo o trajeto percorrido no projeto serão oferecidos.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

coletas de dados, consultando documentos e analisando o PPP da escola,


refletindo sobre sua própria história de vida como aluno (de maneira
mais genérica e de línguas estrangeiras), conhecendo melhor a profes-
sora supervisora por meio de entrevista, anotando suas impressões em
um diário de bordo (notas de campo), relatando, discutindo e trocando
informações com seus colegas de dupla, com as outras duplas, com as
supervisoras da escola e com as coordenadoras, nas reuniões semanais.
Dentro de nossa prática, assumimos o conceito de diário reflexivo
como preconizado por Zabalza (2004, p. 94) para quem o diário é “um
instrumento para veicular o pensamento do professor que permite auto-
explorar a ação profissional, autoproporcionar feedback e estímulos de
melhoria, e estudar o pensamento e os dilemas do professor a partir de sua
perspectiva”. Os resultados dessa dinâmica de formação (BERGMANN
e SILVA, 2013) foram marcantes nos pibidianos e isso se refletiu em
diários e relatórios cheios de memórias de crescimento e desenvolvimento
pessoal e profissional escrito por eles, como nos relata a pibidiana 3:

O projeto me fez enxergar o que na sala de aula (UFSC),


na teoria, não conseguia ver, que é a realidade. Quais
os tipos de problemas que um professor enfrenta; mas
não só isso, também a satisfação que é dar uma aula.
Me ajudou a ter mais certeza de que eu escolhi o curso
certo. O projeto me dá uma visão do que vou enfrentar
mais adiante, seja no estágio, ou trabalhando. As minhas
observações me ajudaram também em algumas matérias
que estava cursando na universidade, como Linguística
Aplicada, Estudos Linguísticos, etc. Eu consegui me
colocar no lugar do professor e também do aluno, dessa
forma conhecendo a deficiência de cada parte, a carência
que cada um sentia. Estar no PIBID me deu mais certeza
da minha escolha, porque a teoria é muito importante, mas
a prática é fundamental (Relato da bolsista 3, em 2013).6
6 A bolsista “3” seguiu a carreira docente e, atualmente, é aluna do Programa de Pós-Graduação
em Educação (PPGE) da UFSC.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

O depoimento da bolsista 3, fazendo referência ao seu processo de


observação e reflexão, traz a sua percepção pessoal de que a prática por
ela vivida na escola é diferente daquela imaginada durante a sua forma-
ção acadêmica, dentro da Universidade, mas expressa também o quanto
a experiência dentro da escola está retroalimentando a sua formação
teórica e ajudando na compreensão dos conteúdos discutidos no curso.
Outro relato, do pibidiano 5, vai na mesma direção do primeiro,
como nos mostra esse segundo excerto:

Muitos, assim como eu, antes de entrar no PIBID, nunca


haviam estado numa sala de aula como observadores e
tampouco como professores. Após as primeiras aulas
observadas meu pensamento começou a mudar: estava
diante das ocorrências de uma classe de Ensino de Espa-
nhol público Fundamental, me deparando com a realidade
que antes eu vivenciava somente como um aluno. Passei
a me posicionar como professor, como aluno observan-
do por fora o que acontecia durante as aulas, mas logo
percebi que não tinha como estar do lado de fora, mas
sim, completamente inserido naquele contexto. Isso se
deu por conta de toda minha percepção e análise durante
o período letivo. Além disso, o PIBID me trouxe e me
fez aprender a importância de um significado bem ela-
borado, uma imagem bem nítida em uma atividade e sua
boa formulação, tudo isso para o total entendimento dos
alunos para que não houvesse constrangimento e falta de
informação (Relato do bolsista 5, em 2013).7

No trecho selecionado do bolsista 5, vemos o perfil recorrente dos


bolsistas do projeto: alunos de formação inicial de professores que estão
tendo suas primeiras experiências docentes e olhando a escola, de onde
recém saíram, de uma forma diferente, descobrindo suas novas camadas,

7 O bolsista “5” seguiu a carreira docente e, atualmente, atua como professor na rede privada
de Ensino Básico.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

sua complexidade e o ponto de vista docente. Novamente a experiência


proporcionando um repensar da formação acadêmica, como citado pela
bolsista 3, acrescentando um outro elemento bastante presente e do qual
ainda não falamos: a elaboração de recursos didáticos.
Assim, de forma concomitante ao período de observação das aulas,
os bolsistas trabalharam na confecção de materiais didáticos que viriam
a complementar e dar apoio aos esforços das professoras-supervisoras
em sala de aula, ilustrando os conteúdos ministrados, de forma lúdica e
cativante, e na montagem de murais nas escolas, onde eram divulgadas
algumas curiosidades e também notícias que poderiam ser do interesse
dos alunos, como, por exemplo, o mural sobre o arquiteto espanhol
Antoni Gaudí (figura 2).
Figura 2: Mural/painel sobre Gaudí

Fonte: Elaborado pelo bolsista e pelas coordenadoras do PIBID-Espanhol

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

O objetivo desta proposta era o de colocar o bolsista em contato


com outro elemento fundamental do clássico triângulo didático professor
– aluno – conteúdo. O conteúdo, representado na prática pela atividade
pedagógica, precisa ser transposto didaticamente (CHEVALLARD,
1991), o que é uma tarefa difícil de se aprender, que exige prática e um
olhar treinado. O espaço proporcionado pelo PIBID se mostra, portanto,
ideal para afinar este olhar e incentivar os bolsistas a criarem práticas pe-
dagógicas e recursos didáticos pertinentes e significativos aos seus alunos.
As propostas de desenvolvimento destes recursos foram as mais
diversas. Com o objetivo de estimular uma autoformação nos bolsistas
(fazendo-os refletir sobre suas próprias aprendizagens), foram sugeridas
abordagens ao longo de todo o projeto que trabalhassem com as várias
áreas de especialidade do Curso de Letras, com o ensino da língua, da
literatura, da tradução, da cultura, assim como o uso de recursos digitais.
Neste sentido, os bolsistas elaboraram atividades com temáticas propostas
pelas orientadoras ou pelas supervisoras, tendo como público o grupo
com o qual atuavam e acompanhavam na escola.
Uma das atividades elaboradas neste período de observação está
relacionada aos costumes do Chile. Os bolsistas fizeram uma pesquisa e
coletaram dados sobre quatro tópicos: festas, comidas, esportes e artesana-
tos (resumidos em uma folha A4). Os alunos, após a leitura do texto (que
se deu primeiro individualmente, sublinhando os termos desconhecidos
por eles, e depois em voz alta, com cada um lendo um pequeno trecho,
e com bolsistas e professora aclarando o léxico), deveriam completar o
seguinte Crucigrama, criado pelos bolsistas (figura 3):

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Figura 3: Crucigrama

HORIZONTAL
1) Aquello que sirve para sazonar la comida y darle buen sabor.
2) Animales muy usados en actividades ganaderas. También es una pieza del juego de ajedrez.
3) Bebida alcohólica que se hace del zumo de las uvas, exprimido y cocido naturalmente por la
fermentación.
4) Alimento que suele ser consumido en el desayuno en Brasil y con la mayoría de las comidas
chilenas.

VERTICAL
1) Un país de América cuya capital es la ciudad de Santiago.
2) Mineral de color azul intenso; suele usarse en objetos de adorno.
3) Pelo de las ovejas y de otros animales, que se hila y sirve para tejer.
4) Deporte que consiste en montar, a pelo, potros salvajes y hacer otros ejercicios. Una de las
fiestas campesinas más representativas de Chile.
Fonte: Elaborado por dupla de bolsistas.

A prática de se utilizar a literatura apenas como meio para o


aprendizado de aspectos formais de uma língua é bastante refutada por
pesquisadores e professores; porém, ainda é uma realidade em salas
de aula da rede básica de ensino. Diante da necessidade de se cumprir
o conteúdo programático, falta espaço para abordagens que centrem a

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

literatura como um fim, isto é, que tenham em seu horizonte a formação


de leitores.

O texto literário não deve se prestar à ilustração de aspec-


tos gramaticais, por exemplo, pois isso significa colocá-lo
no mesmo patamar que um artigo de jornal bem escrito.
Tampouco deve ser utilizado para falar de história da
literatura, nem de correntes estéticas. Dar espaço à obra
literária envolve, em primeiro lugar, atividades de leitura,
com as quais o professor precisa se engajar. Nada mais
motivador para os alunos do que perceber que o profes-
sor também está engajado no processo, também irá ler
e/ou reler para conversar, propor questões, ouvir o que
os alunos têm a dizer, traçar paralelos com assuntos que
lhes dizem respeito. Enfim, assim, pode-se construir um
processo efetivamente dialógico em sala de aula e reto-
mar a dimensão cultural da literatura no ensino de língua
estrangeira (CESCO; BERGMANN; VILAROUCA,
2015, p. 36).

Por outro lado, o desenvolvimento deste espaço pelo professor en-


frenta o desafio subjacente de, em uma mesma atividade, trazer, de lados
opostos, o aluno mais interessado e aquele cuja atenção parece impossível
de se obter. Sendo assim, com a finalidade de promover uma experiência
cultural e literária em língua espanhola, menciona-se aqui duas atividades
planejadas e aplicadas por duas duplas em duas turmas diferentes de 1º
ano do Ensino Médio, na EEB Jacó Anderle, em Florianópolis: uma
trabalhou com o conto do escritor colombiano Gabriel García Márquez
(1927-2014), María dos Prazeres, e a outra com o conto La hija del
guardagujas, do escritor chileno Vicente Huidobro (1893-1948)8.
A primeira dupla de bolsistas optou por apresentar o conto (María
dos Prazeres) à turma, organizada em duplas e trios, por meio de trechos
8 Posteriormente, os bolsistas apresentaram as atividades desenvolvidas em forma de comuni-
cação oral no PIBID-SUL, realizado em Lages-SC.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

– o texto completo foi dividido entre os grupos. Cada grupo recebeu


um excerto do conto junto com dez ilustrações no formato storyboard,
sendo cada uma numerada de acordo com o trecho que representava. Os
bolsistas fizeram uma introdução sobre o conto e o autor, e os alunos
realizaram a leitura em sala de aula auxiliados pela professora da disci-
plina e orientados, pelos bolsistas, a encontrar a ilustração representativa
do trecho lido. Após este momento, cada grupo foi estimulado a falar
para os demais sobre a sua escolha. Feitas as apresentações, os alunos
formaram a ordem do conto e puderam refletir não apenas sobre a sua
interpretação, como também opinar sobre a dos colegas, visto que a
compreensão do texto e a revelação de curiosidades que surgiram sobre
a sua história dependiam da leitura dos outros grupos.
A segunda dupla de bolsistas, através do conto La hija del guar-
dagujas, criou um jogo – elaborando um tabuleiro, com cartas que
continham trechos do texto literário e definições de palavras – que tinha
como objetivo destacar as características principais do conto, abordando
e difundindo a cultura hispânica, conforme estava previsto nas atividades
curriculares da professora supervisora. Através do jogo foram abordadas
informações sobre o autor e o contexto em que a obra foi escrita, o espa-
ço em que ocorre o conto, os personagens, as metáforas, o vocabulário
do texto, entre outros elementos da narração. Além disso, os bolsistas
procuraram estimular a imaginação e a produção oral dos alunos. Estes
foram divididos em grupos de quatro e, à medida que o jogo avançava,
os alunos embarcavam na história do conto, no percurso literário das
entrelinhas. Segue abaixo o relato dos bolsistas:

Logramos integrar os alunos, envolvendo-os, para terem


um momento de leitura aliado a um ambiente descontra-
ído, onde o Espanhol foi o instrumento utilizado para a
comunicação entre culturas. Neste exercício percebemos
que a literatura divulga a cultura. Acreditamos que as
atividades lúdicas auxiliam o desenvolvimento dos alunos
em várias dimensões da personalidade: afetiva, motora e

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

cognitiva (TEIXEIRA, 1995). Assim, observou-se, nesse


processo, que a aquisição do Espanhol como língua estran-
geira deve estar relacionada com o contexto e o interesse
dos alunos, pois, durante a atividade, eles participaram, se
divertiram, interagiram, sentiram e refletiram em Espanhol
(Segunda dupla de bolsistas).

Nesses exercícios empíricos, apoiados no aporte teórico que ques-


tiona o texto como pretexto e propõe a inserção da literatura na escola
(CARVALHO, 2018; CESCO; BERGMANN; VILAROUCA, 2015)
também pelo seu valor cultural, os bolsistas buscaram avaliar o envol-
vimento dos alunos com as atividades desenvolvidas e os seus objetos,
ou seja, os contos como gênero literário e, neste contexto, como obras
latino-americanas; e o seu desempenho na condição de mediadores entre
os textos e os alunos – se a elaboração do material para a atividade foi
satisfatória; se a apresentação dos contos por meio das atividades alcan-
çaram o equilíbrio entre o papel de conduzir, dos futuros professores, e
a liberdade de interpretação dos alunos.
Finalmente, junto com as observações e a elaboração de materiais
didáticos, os bolsistas foram incentivados a participar de eventos (locais,
regionais ou nacionais), apresentando trabalhos – especialmente em for-
mato de pôster – para começar a compreender melhor como esses eventos
funcionam, assim como para perceber na prática o seu papel como pes-
quisador, incentivando possíveis participações ao longo de sua carreira.
Isso porque não são raros os depoimentos de professores da Educação
Básica que alegam não se sentirem à vontade para apresentar suas práticas
em eventos acadêmicos. Assim, o projeto se propunha, também, a ser um
espaço de incentivo à presença dos futuros professores em tais eventos.
O poster que apresentamos a seguir ilustra uma destas ações (figura 4).
Ele expõe uma experiência com painel interativo/mural, desenvolvido
por bolsistas que atuaram no Colégio Municipal Maria Luiza de Melo,
em São José (e que posteriormente foi apresentado no IV Encontro Na-
cional das Licenciaturas e III Seminário Nacional do PIBID, em 2013):

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Figura 4: Painel/mural

Fonte: Elaborado pelo bolsista e pelas coordenadoras do PIBID-Espanhol.

Portanto, esta primeira etapa, além de ser o desenvolvimento em


si da observação participante, uma habilidade importante para o futuro
professor de línguas estrangeiras, que diagnostica e compreende critica-
mente a sua realidade com a criação de recursos didáticos e a apresentação
de trabalhos científicos, é também a fonte de informação fundamental
para um segundo momento, quando devem trabalhar no planejamento
(em conjunto com as supervisoras e as coordenadoras) e na execução de
projetos de intervenção em sala de aula, momento de aplicação prática de
suas reflexões e aprendizagens como futuro professor e que detalhamos
a seguir.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

3.3 Projetos de intervenção

A atividade central do PIBID subprojeto Espanhol (2012-2019), para


a qual todas as outras atividades estavam direcionadas, eram os projetos
de intervenção, pensados e aplicados nas turmas em que os bolsistas
atuavam. Para alguns autores, falar em projeto de intervenção na escola é
quase uma redundância, já que nesse âmbito todo projeto é uma proposta
de intervenção (VILLAS BOAS, 2014). O trabalho com projetos tem
como objetivo final a resolução intencional de um problema detectado em
determinado contexto, podendo ser uma atividade individual ou coletiva.
E se ele é interventivo, ele é também investigativo, com os participantes
investigando os melhores procedimentos para o enfrentamento das dife-
rentes etapas do projeto e sua resolução e aprendendo com eles.
Em geral, todo projeto está organizado em quatro momentos-chave:
(I) identificação ou problematização; (II) elaboração do projeto; (III) de-
senvolvimento e (IV) sistematização. Apesar de serem etapas específicas,
elas são interdependentes e estão articuladas aos objetivos do projeto,
sendo necessária uma avaliação constante para que esse equilíbrio e
conexão sejam mantidos e garantidos até o fim da execução.
No caso específico dos projetos de intervenção, o subprojeto Es-
panhol (2012-2019) pretendeu não só envolver e motivar os alunos das
escolas parceiras a aprender o espanhol, como também que os bolsistas
pudessem compreender e aprofundar seus conhecimentos sobre as dife-
rentes correntes didático-metodológicas e suas aplicações em contextos
escolares. Dessa forma, acreditamos que os projetos de intervenção des-
pertaram nos bolsistas o interesse por desenvolver estratégias de ensino
que permitiram que a língua espanhola fosse ensinada de forma contex-
tualizada e real, e de forma prazerosa. Ou seja, os projetos permitiram a
sistematização das ideias e atividades pensadas e desenvolvidas, e a sua
aplicação em sala de aula.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Os primeiros projetos de intervenção realizados nas escolas parceiras


foram pensados e desenvolvidos através de temas mais gerais, sugeridos e
escolhidos pelas próprias duplas de bolsistas. Eles elaboravam um esboço
do projeto com as seguintes etapas: proposta, objetivos e metodologia,
com o passo a passo, incluindo a criação de materiais (quais habilidades
linguísticas seriam trabalhadas e de que maneira isso aconteceria), que
depois seriam discutidas coletivamente e aprimoradas. Posteriormente,
os assuntos, divididos em grandes blocos, passaram a ser sugeridos pelas
coordenadoras: literatura, cultura, turismo, tecnologia, tradução, etc.
Na sequência, cinco projetos de intervenção são apresentados, elabo-
rados por grupos de diferentes anos do projeto, com o intuito de ilustrar
apenas uma pequena parcela do trabalho desenvolvido com os quase 50
bolsistas que fizeram parte do subprojeto PIBID Espanhol (2012-2019).
A intenção aqui é ilustrar, de maneira não exaustiva, o trabalho desen-
volvido pelos bolsistas, sem a pretensão de aprofundar a análise de cada
um deles, por não ser o objetivo deste texto.
O banner com o projeto de intervenção 1 (figura 5) foi elaborado,
juntamente com as coordenadoras do PIBID Espanhol, e apresentado
pelas bolsistas 3 e 4, na IX Semana Acadêmica de Letras, em 2015.
Ele trata de um projeto de intervenção realizado na Escola de Educação
Básica Aderbal Ramos da Silva (bairro Estreito), com uma turma de 2º
ano do Ensino Médio, e teve como foco principal o tema turismo, que
pretendia abordar e difundir a cultura hispânica e tinha relação direta
com as atividades curriculares previstas pela professora da disciplina
(supervisora). Vinculado aos gêneros textuais, com foco nas habilidades
de compreensão e produção escrita, o projeto de intervenção buscou
trabalhar algumas opiniões/comentários a partir da análise do site de
viagem TripAdvisor, levando em conta o tipo de registro da língua, do
vocabulário e do formato para, posteriormente, resultar em uma produ-
ção escrita, em que os alunos deveriam fazer seus próprios comentários.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Figura 5: Projeto de intervenção 1

Fonte: Cesco, Bergmann, Nunes e Policarpo (2015, p. 263)

O segundo projeto de intervenção (figura 6) que aqui mostramos


– também apresentado na IX Semana Acadêmica de Letras, em 2015 –
foi desenvolvido pelos bolsistas 20, 23 e 44, em suas respectivas turmas
de observação, conjuntamente com as coordenadoras e a supervisora/
professora da escola. No banner, eles apresentaram o resultado de uma
atividade baseada em um dos conteúdos pré-determinados pela professora
da escola parceira, aplicada em uma turma de primeiro ano do Ensino
Médio da EEM Jacó Anderle, de Florianópolis. O tema abordado, através

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

da ludicidade (um jogo de dados e cartas), foi a casa. A proposta era


trabalhar a oralidade e a compreensão da língua espanhola com relação
ao léxico que envolvia ambientes de uma casa e, dessa forma, promover
a interação entre os alunos. Todo o material utilizado foi criado e pro-
duzido pelos bolsistas: planta baixa de uma casa e as trinta e seis cartas
referentes a seis cômodos da casa, com descrições de seis objetos usados
em cada cômodo.
Figura 6: Projeto de intervenção 2

Fonte: Cesco, Bergmann, Nunes e Policarpo (2015, p. 269)

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

O terceiro projeto de intervenção (figura 7), elaborado pelas


bolsistas 15 e 22 e apresentado na 16ª SEPEX-2017 (na UFSC), foi
desenvolvido e trabalhado com os alunos do segundo ano da escola
E.E.M Jacó Anderle, de Florianópolis. Com base nos quadrinhos da
personagem Mafalda, o tema abordado foi a Ditadura Argentina,
previamente desenvolvido pela professora e supervisora durante o
bimestre 2017.1. O projeto contou com uma reflexão sobre as técnicas
discursivas utilizadas na história para burlar a censura nesse período,
associando com o conteúdo já estudado para a realização das atividades
que, em suma, compreendiam a interpretação de imagens críticas. As
bolsistas trabalharam também a produção textual em espanhol para a
contextualização do tema. O resultado obtido, segundo elas, foi positi-
vo, pois todos os alunos foram capazes de fazer associações com o que
aprenderam anteriormente, construindo uma visão crítica em relação
às representações dos quadrinhos, além de trabalhar com questões de
interculturalidade – alguns realizaram comparações com o seu próprio
país –, e com a prática da escrita e organização de suas ideias, saindo,
assim, dos exercícios gramaticais.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Figura 7: Projeto de intervenção 3

Fonte: Elaborado pelo bolsista e pelas coordenadoras do PIBID-Espanhol

O quarto projeto de intervenção, que foi apresentado posteriormente


na 18ª SEPEX-2019 (na UFSC) em formato de minicurso (4 horas), por
um grupo de seis bolsistas, recebeu o título de Atividades pedagógicas
para o ensino da língua estrangeira através de curtas-metragens. O
minicurso foi desenvolvido com base em atividades pedagógicas tra-
balhadas em algumas turmas do Instituto Estadual de Educação – IEE
(Florianópolis), através de quatro curtas-metragens: La Huida (2010,
de Victor Carrey), Hoy No Estoy (2007, de Gustavo Taretto), Número

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Desconocido (2014, de Javier Oliver García) e Latidos del Corazón


(2017, de Arturo Cardelús). Os curtas, com tempo estimado de 10 a 15
minutos cada, foram selecionados em função da linguagem acessível aos
estudantes e, principalmente, das temáticas que, além de serem muito
atuais, proporcionam um espaço de discussão e debate em sala de aula.
Eles levantam questões bem importantes para o público jovem, como
a necessidade de se fazer visível nas redes sociais, os relacionamentos
perigosos, a educação inclusiva, além de incentivar a percepção estética
através de enredos criativos e não-lineares.
O objetivo foi, além de pensar e propor novas atividades com base
em curtas, proporcionar aos bolsistas uma reflexão sobre a realidade
percebida em sala de aula, repensando novas formas de trabalhar um
mesmo conteúdo de maneira a atingir alunos com diferentes estilos de
aprendizagem. Em todas as atividades foram desenvolvidas estratégias
de ensino-aprendizagem da língua espanhola as quais permitiram que
os processos fossem realizados de maneira contextualizada, real e de
forma prazerosa, pois entende-se que devem ser evitadas as fórmulas
pré-estabelecidas.
Na sequência, mostra-se, de forma resumida (figura 8), uma das
atividades realizadas por dois bolsistas, no que se refere a um dos curtas,
com uma das turmas do IEE. Primeiramente, eles trabalharam o tema
enredo, dentro da ficção narrativa, para depois mostrar o curta-metragem
La Huida (2010, de Victor Carrey). Após os alunos assistirem ao curta e
exporem suas opiniões acerca do mesmo, os bolsistas trabalharam com as
seguintes atividades, que envolviam a compreensão do curta e também
a associação das imagens com as informações fornecidas:

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Figura 8: Projeto de intervenção 4

Fonte: Elaborado pelos bolsistas e pelas coordenadoras do PIBID-Espanhol

E como quinto e último projeto de intervenção que ilustramos aqui


– aplicado na escola parceira EEM Jacó Anderle, de Florianópolis, em
uma turma de primeiro ano do Ensino Médio e, posteriormente, apre-
sentado em formato de comunicação oral no VI Encontro Nacional das
Licenciaturas (ENALIC) e V Seminário Nacional do PIBID, em 2016
– mostra-se uma atividade idealizada por dois bolsistas e pelas coordena-
doras do PIBID Espanhol (2012-2019) e realizada com base na tradução
pedagógica. Assim como bem pontua Branco (2011), acredita-se que a
tradução é considerada como uma atividade comunicativa, ocasionando
o aperfeiçoamento do conhecimento da língua portuguesa, bem como o
auxílio no ensino de línguas estrangeiras.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Conforme Lucindo (1997), o uso da tradução em sala de


aula torna os alunos mais ativos e eles passam a participar
mais das atividades em sala de aula. Albir (1998), por sua
vez, acredita que o uso da tradução em sala de aula inclui
dois aspectos: i) tradução interiorizada – feita por todo
aprendiz de língua estrangeira; e ii) tradução pedagógica
– utilizada em sala de aula como ferramenta pedagógica
para reforçar e verificar a aprendizagem utilizando textos,
análise contrastiva e reflexão. A tradução pode ainda ser
utilizada como atividade para explicação de conteúdo
específico ou como exercício (BRANCO, 2011, p. 186).

O projeto de intervenção explorou dois temas: um referente aos


dias da semana – conteúdo programático previsto para ser trabalhado
nas aulas da professora supervisora – e outro que trata da alimentação
saudável. Para isso os bolsistas buscaram materiais que pudessem auxiliá-
-los no projeto e que trouxessem em sua temática orientações para uma
dieta saudável. Após a escolha de dois textos, o primeiro de receitas e o
segundo uma reportagem publicada no blog Mejor Con Salud, a dupla
criou um novo texto para os alunos traduzirem, cujo título foi Plan de
alimentación para una dieta saludable.
A aplicação do projeto de intervenção se deu em duas etapas: no
primeiro dia, os alunos foram separados em duplas e receberam um
dicionário e duas folhas – uma com o texto e outra para a prática tra-
dutória. Em seguida, os bolsistas fizeram a leitura do texto, explicaram
a atividade e os deixaram realizar a tradução. Antes da segunda etapa,
em uma ação conjunta entre coordenadoras, professora supervisora e
bolsistas, as traduções foram revisadas, com o intuito de observar e de-
tectar as maiores dificuldades e a capacidade dos alunos no que se refere
à escrita e à compreensão das duas línguas. No segundo dia, já com os
textos revisados e contendo alguns apontamentos, cada grupo continuou
a sua tradução; os que já haviam terminado, revisaram o texto traduzido
e realizaram alguns ajustes.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Os bolsistas, ao analisarem os textos traduzidos, perceberam que


muitos mantiveram a estrutura da língua espanhola e que houve uma
tendência à literalidade: “Dicen que en la variedad está el gusto…
¡y también la salud en este caso! / Dizem que a variedade está no
sabor… E também a saúde em este caso! (Dizem que a variedade está
no sabor… E também a saúde neste caso!)”. No primeiro caso, eles
constataram que o aluno manteve a estrutura da língua espanhola, en-
quanto no segundo, o aluno apresentou uma tradução que se manteve
situada entre o texto fonte e o texto meta. Outra questão observada
por eles refere-se à troca dos pronomes, ocasionada pela interferência
do Português: “Después de todo, es domingo, el día del descanso, así
que puedes consumir hasta 3 porciones de arroz integral en el día y
preparar batidos de frutas y vegetales sin endulzar. / Depois de tudo,
é domingo, o dia de descanso, assim que pode consumir até 3 porções
de arroz integral no dia e preparar batidas de frutas e vegetais sem
adoçar.” Assim relataram os bolsistas:

Cabe ressaltar que o processo de interlíngua pode ser


explicado pelo fato de que estes estudantes se encontram
em um momento de descobrimento da língua estrangeira
que está sendo explorada e vivenciada e, portanto, as
estruturas da língua materna servem como suporte para
este processo de tradução. Ao final do nosso projeto de
intervenção, analisamos as traduções e concluímos que
os resultados foram além do esperado. Logo, constatamos
que o exercício da tradução deve ser cada vez mais usado
como instrumento para o ensino-aprendizado de uma
língua estrangeira (Dupla de bolsistas que trabalhou no
quinto projeto de intervenção).

Aqui, novamente, analisar as dificuldades dos alunos os fez repensar


suas próprias dificuldades como aprendizes da língua no curso de Letras,
retroalimentando, como citamos anteriormente, o processo formativo
pelo qual passam durante a formação inicial na Universidade. Dizem

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

que ensinar alguém é a melhor maneira de aprendermos e o PIBID, de


certa forma, mostra isso aos professores em formação.

Considerações finais

Como apontado ao longo deste texto, essa experiência facultou aos


futuros professores a oportunidade de refletir de maneira crítica sobre o
conteúdo teórico aprendido no decorrer do curso de Letras Espanhol e
aplicá-lo de forma prática, vivenciando contextos e situações da realidade
da carreira docente, promovendo, assim, a integração entre a Educação
Superior e a Educação Básica e elevando a qualidade das ações acadê-
micas nos cursos de licenciatura. Os bolsistas tiveram a oportunidade
não só de conhecer melhor a realidade das escolas públicas de Educação
Básica, compreendendo de maneira mais apurada o seu funcionamento,
como também colaborar para a melhoria do ensino nas escolas parceiras.
Acredita-se, dessa forma, que depois dessa experiência os bolsistas
sintam-se mais preparados não só para seguir atuando na carreira docente,
como também para seguir a carreira acadêmica, ingressando em uma
pós-graduação, pois perceberão a necessidade de investir continuamente
em sua formação profissional, em que teoria e prática se retroalimen-
tam. Também os professores de escolas públicas de Educação Básica,
coformadores dos futuros docentes, foram convidados a participar como
protagonistas nesse processo de formação inicial para o magistério, atu-
ando como anfitriões do espaço da escola, apresentando sua realidade.

Referências

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
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85
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

PROBLEMATIZAR A REPRESENTAÇÃO RACIAL NO


LIVRO DIDÁTICO: UMA AÇÃO DECOLONIAL PARA UMA
EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA

Carolina Parrini Ferreira1

1. Introdução

N este capítulo, objetivo tecer uma reflexão sobre a desigualdade nas


representações raciais retratadas em livros didáticos de Espanhol,
tendo em vista os (graves) impactos sociais da reprodução de discursos
racistas no ambiente escolar. Para construir minha argumentação, lanço
mão de elucidações fornecidas por pesquisadores dos estudos de raça e
estudos decoloniais, apresento resumidamente os resultados que obtive
em Parrini (2021) e convido os/as leitores/as a assumirem uma postura
decolonial para o enfrentamento do racismo no ambiente escolar.
Assim sendo, este texto está organizado da seguinte maneira: co-
meço apresentando definições de raça e racismo, defendendo que estas
noções não são naturais ou ontológicas, mas sim pontos de vista parti-
culares socio-historicamente naturalizados com propósitos ideológicos.
Em seguida, menciono alguns pressupostos dos estudos decoloniais,
de forma a assumir que os efeitos da colonialidade podem e devem ser

1 Doutora em Letras Neolatinas, opção Língua Espanhola, pela Universidade Federal do Rio
de Janeiro. Professora do Departamento de Língua e Literatura Estrangeiras (DLLE) da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: carolina.parrini@ufsc.br

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

questionados e superados. Na sequência, apresento resumidamente os


resultados do estudo que desenvolvi em Parrini (2021) sobre a represen-
tação racial em livros didáticos de Espanhol. A partir do observado no
estudo citado, finalizo esta reflexão convocando o/a leitor/a a assumir
uma postura decolonial frente a práticas pedagógicas acríticas em relação
à questão racial, propondo, como forma de atuação para uma educação
antirracista, a adoção do Letramento Racial Crítico.
É importante esclarecer que, com este ensaio, objetivo, principal-
mente, provocar nos/nas leitores/as reflexões sobre: as questões raciais
no seu entorno atual e/ou de outrora, o seu processo de escolarização
e o tratamento dado à diversidade racial presente ou ausente em seu
ambiente escolar, os materiais didáticos com os quais estudaram ou que
produziram/produzem, o processo de escolarização atual e o tratamento
dado à diversidade racial latino-americana, entre outras questões.

2. Raça e racismo são construtos sociais

(...) De pronto unas voces en la calle


Me gritaron ¡Negra!
¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra! ¡Negra!
¡Negra!
“¿Soy acaso negra?”- me dije
¡Negra!
SÍ!
“Qué cosa es ser negra?” (...)
(SANTA CRUZ, s/d)

Eu devo dizer que antes de ir para os Estados Unidos,


eu não me identificava,
conscientemente, como uma africana
(ADICHIE, 2018, p. 7)

A ideia do negro bárbaro é uma invenção europeia.


(CÉSAIRE, [1955] 2010, p. 45)

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Eu, autora deste texto, devo dizer que antes de ter contato com os
estudos de raça, eu não me identificava conscientemente como pessoa
branca. Devo chamar a atenção para a palavra conscientemente, que,
tanto em minha confissão como no relato de Chimamanda, apresentado
como epígrafe acima, significa se dar conta de situações de vantagem
ou desvantagem que uma pessoa inevitavelmente vai experienciar ao ser
lida socialmente como branca ou negra numa sociedade racista. Saliento
aqui outra menção importante: ser lida socialmente como branca ou ne-
gra. Essa leitura vai muito além de uma mera percepção das diferenças
fenotípicas das pessoas.
Categorias como branco e negro não são concepções ontológicas.
Como afirma Nascimento (2019), o signo negro não é um conceito na-
tural, e sim uma criação da branquitude. O autor explica que, antes do
sequestro e escravização dos negros africanos, eles não se denominavam
negros ou reivindicavam uma identidade negra como algo naturalmente
deles. Ribeiro (2019) também elucida que a categoria negro resulta de um
processo de discriminação, no qual seres humanos eram tratados como
mercadorias no empreendimento colonial.
No mesmo sentido, Moreira (2019, p. 56) elucida que “a raça
não é um simples parâmetro de classificação biológica, mas sim uma
identidade social que posiciona os indivíduos dentro das relações hie-
rárquicas existentes em uma sociedade”. Concebendo raça e racismo
como construtos sociais, este autor explica que a ideia de raça deve ser
entendida como “uma construção social que procura validar projetos de
dominação baseados na hierarquização entre grupos com características
físicas distintas” (MOREIRA, 2019, p. 41). Dessa forma, não existiriam
brancos e negros, o que existem são “mecanismos de atribuição de sentido
a traços fenotípicos para que a dominação de um grupo sobre outro possa
ser legitimada” (MOREIRA, 2019, p. 41). Racismo é caraterizado pelo
autor como “um tipo de dominação social que procura manter o poder
nas mãos do grupo racial dominante” (MOREIRA, 2019, p. 40).

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Além disso, Moreira (2019) assevera que o processo de racialização


cria diferentes tipos de identidades, às quais serão associados diferentes
valores. Historicamente, a branquitude atribuiu a si uma série de valores
culturais, estéticos, morais, intelectuais e socioeconômicos positivos. Já
as identidades raciais negra e indígena foram construídas historicamente
pela branquitude relacionando os traços fenotípicos das pessoas negras
e indígenas a valores culturais, estéticos, morais, intelectuais e socioe-
conômicos negativos. Aliás, mais do que isso, a branquitude se coloca
como padrão universal da humanidade e estabelece para as outras raças
o lugar da diferença. Dessa desigualdade na atribuição de valores socio-
-histórico-culturais aos diferentes traços fenotípicos resulta o racismo.
Em consonância com os autores mencionados nesta seção, também
considero raça e racismo como construtos sociais, mais especificamente,
como criação e efeito, respectivamente, do colonialismo/imperialismo.
Raça e racismo são entendidos neste texto como ideologias (no sentido
dos Estudos Críticos do Discurso), ou seja, como sentidos elaborados,
reproduzidos e naturalizados a serviço da manutenção das assimetrias
de poder e de projetos particulares de dominação, que são a base do
colonialismo/imperialismo.
Se, por um lado, é importante entender o racismo como uma cons-
trução social para poder identificar seus modos de operar e buscar meios
de combatê-lo, por outro lado, assumir que se trata de uma ideologia
ainda fortemente vigente e que acomete todas (ou a maior parte d)as
sociedades do mundo, pode nos levar a pensar que a luta antirracista
é uma tarefa sem fim e com poucas perspectivas efetivas de mudança
num futuro próximo. É preciso lembrar, porém, que, apesar dos efeitos
devastadores da ação colonial/imperialista, existem (sempre existiram!)
movimentos de resistência, lutas contra hegemônicas. Assim, frente ao
colonial, existe a perspectiva decolonial, aquela que vem questionar,
problematizar, intervir, com vistas a propor construções alternativas
sobre a realidade que nos cerca.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

3. Decolonizar: desnaturalizar os efeitos do colonialismo

No existe nada que haya sido creado socialmente que


no pueda ser socialmente cambiado.
(FAIRCLOUGH, 2003, p. 198)

Embora os processos de colonização não ocorram mais (não nos


moldes dos séculos XVI a XIX), os seus efeitos se fazem sentir nas
sociedades atuais. O racismo, a xenofobia, a homofobia, as desigual-
dades de gênero, o classismo e a pobreza extrema em países que foram
colônias europeias são resultados da colonização, e a isto chamamos de
colonialidade. Maldonado-Torres (2007, p. 131) sinaliza que “aunque
el colonialismo precede a la colonialidad, la colonialidad sobrevive al
colonialismo. (...) respiramos la colonialidad en la modernidad cotidia-
namente”. Ao exemplificar âmbitos da vida moderna em que a colonia-
lidade se mantém viva, o autor menciona: os manuais de aprendizagem,
a cultura, o senso comum e a autoimagem dos povos.
Para Maldonado-Torres, a ideia de raça, aliada ao mercado capi-
talista mundial, está no cerne da atuação da colonialidade. No mesmo
sentido, Quijano (2005, p. 118) afirma que “na América, a ideia de raça
foi uma maneira de outorgar legitimidade às relações de dominação
impostas pela conquista”.
Como forma de insurgência à colonialidade, nasce o pensamento
decolonial, fruto da articulação de movimentos latino-americanos (es-
tudos étnicos, estudos de gênero, estudos culturais, estudos críticos do
discurso, sabedoria dos povos originários indígenas etc.). Walsh (2009,
p. 15) define o decolonial como “un camino de lucha continuo en el
cual podemos identificar, visibilizar y alentar “lugares” de exterioridad
y construcciones alternativas”. Na agenda dos estudos decoloniais, uma
meta importante é a libertação da produção de conhecimento da episteme
eurocêntrica, como forma de reagir à colonialidade do poder, do saber e
do ser. Nessa luta, Walsh (2009) defende

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

una noción y visión de pedagogía que van más allá de


la enseñanza y la transmisión del saber. Un sentido que
se basa en la pedagogía como política cultural, como
práctica social y política de producción y transforma-
ción, como modo de lucha crítica, dialógica y colectiva
(WALSH, 2009, p. 16).

Nos passos dessas referências dos estudos decoloniais, penso que


implementar uma prática decolonial pode começar, por exemplo, pelo
questionamento da maneira como a história da América Latina nos é
contada (lembremos de Chimamanda: o perigo de uma história única!).
É certo que não podemos mudar os fatos, mas podemos rever a maneira
como eles são contados, podemos questionar quem são os autores das
histórias que nos chegam e quais são os seus lugares de fala. Encontramos
muitos relatos sob a ótica dos colonizadores. E a versão dos fatos do ponto
de vista dos colonizados? Nós temos acesso a essa versão da história?
Uma simples provocação, e que pode ser interessante para pro-
blematizar o relato colonial acerca do Descobrimento da América, é
o questionamento sobre o termo descobrimento, que ganha sentido de
grande feito, como se alguém tivesse encontrado algo novo. Descobrir
teria o mesmo sentido quando pensamos na descoberta de uma doença
ou uma vacina e na descoberta de territórios já habitados por diversos
povos? Para quem exatamente a América seria uma descoberta? Quais
foram os impactos dessa descoberta para os que aqui já viviam e para os
que aqui chegaram? O que essa descoberta representa nos dias de hoje?
Aprendemos na escola sobre a colonização (em geral numa visão bem
colonial), mas não se fala sobre a colonialidade. E esta é uma questão
fundamental para compreender o funcionamento das dinâmicas sociais
atuais, dentre elas, as relações que se estabeleceram entre os diferentes
grupos étnico-raciais.
Seguindo as reflexões no âmbito lexical, uma outra atividade que
pode ser interessante é pesquisar sobre como o dia 12 de outubro de

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

1492 é denominado nos diferentes países da América Latina. Encontrare-


mos denominações que exaltam o colonizador (Día de Colón, Día de la
Hispanidad), denominações que ratificam a origem colonial da noção de
raça (Día de la Raza), denominações que encobrem os aspectos negativos
da colonização (Encuentro de dos mundos), denominações com matizes
decoloniais (Día de la Resistencia Indígena), entre outras. Estas diferen-
tes maneiras de nomear a data da chegada dos europeus à América pode
gerar um bom debate sobre diferentes formas de entender esse episódio da
história. Na esteira dessas reflexões, é interessante buscar, também, como
essa data é celebrada nos diferentes países e questionar essas celebrações.
Essas são só algumas sugestões simples de incitação a uma abor-
dagem decolonial sobre a história da América Latina, partindo de uma
reflexão crítica sobre o léxico empregado na contação dessa história.
Nascimento (2019) nos alerta que foi a narrativa do colonizador que de-
finiu o que era a Europa e o que era o Ocidente, e a partir disso definiu o
que é a identidade e o que é a diferença. Dessa forma, é através da língua
que o racismo materializa suas formas de dominação. Conscientes disso,
estejamos atentos aos aspectos ideológicos dos discursos, pois desvelá-
-los pode ser o primeiro passo para reagir às ideologias.

4. Problematizar as representações raciais nos livros didáticos de


Espanhol: uma ação decolonial

O discurso (re)produzido pela escola é legitimado socialmente como


o saber científico, aquele ao qual temos o direito de ter acesso e o dever
de aprender e colocar em prática para nos tornarmos bons cidadãos e/
ou bons profissionais. Portanto, o discurso escolar tem papel central na
construção dos valores sociais, morais e intelectuais dos estudantes, razão
pela qual se faz importante lançar um olhar crítico sobre os conteúdos
previstos nos currículos e nos materiais didáticos, os quais são conside-
rados fontes de conhecimento e, portanto, têm seu discurso legitimado
e revestido de poder.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Com vistas a identificar as representações de raça, os papéis sociais


e o modo como os atores sociais são representados nas imagens presen-
tes em livros didáticos de Espanhol, em Parrini (2021), analisei quatro
coleções de livros didáticos de Espanhol, (cada uma contendo quatro
livros) direcionados ao Ensino Fundamental, produzidas ao longo de
mais de 10 anos. São elas: ¡Adelante! (2002), Saludos (2008), Ventana
(2011) e Contraseña (2015).
A análise se centrou em dois aspectos: quantitativo e qualitativo.
No que diz respeito ao quantitativo, foram contabilizadas as imagens em
cada livro nas quais eram retratadas pessoas negras, indígenas, brancas e
asiáticas. Os resultados podem ser observados no gráfico abaixo.
Figura 1: Gráfico do percentual de representações das raças nas quatro coleções

Fonte: Parrini (2021, p. 898)

Conforme os dados do gráfico acima, o estudo constatou uma grande


disparidade no número de representações de pessoas brancas e pessoas
das demais raças. Como fica demostrado, o número de imagens em que
há representação de pessoas brancas corresponde a pelo menos 80% em
todas as coleções, as pessoas negras não chegam a 20% e as representa-
ções de indígenas e asiáticos não chegam a 10%.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Portanto, ficou demonstrado que, em mais de uma década (2002


a 2015), a presença de pessoas brancas em livros didáticos de ensino
de Espanhol, se manteve esmagadora, a frequência de representação
de pessoas negras teve um aumento sutil e a de indígenas e asiáticos se
manteve ínfima.
A análise qualitativa visou identificar os papéis sociais desempe-
nhados por pessoas de cada raça e o modo como atores sociais eram
representados. Nos tópicos abaixo sintetizo os resultados dessas análises.

• Indígenas estão, praticamente, excluídos das coleções analisadas.


Nas poucas aparições que há, são culturalmente categorizados (em
festas folclóricas, mariachis, tocando flauta indígena), homogeneiza-
dos (grupos em festas folclóricas, trajando as mesmas vestimentas)
e passivizados (imagens que mostram apenas os seus rostos, sem
qualquer agenciamento).

• Asiáticos também estão, praticamente, excluídos das coleções ana-


lisadas. Nas poucas representações que há nos livros, eles são cultu-
ralmente categorizados (alunos, gueixa, professor de artes marciais),
(positivamente) estereotipados (quase sempre como alunos, sugerindo
o estereótipo do asiático estudioso, inteligente) e passivizados (ima-
gens apenas do rosto, prescindindo de agenciamento).

• Negros são representados genericamente como certos tipos sociais


(os bons atletas, a integrante de escola de samba, os africanos mi-
seráveis, os profissionais de atividades socialmente desprestigiadas,
como taxista e grafiteiro), culturalmente categorizados (africanos em
festa, dançarina de carnaval), homogeneizados (grupo de africanos
todos pintados da mesma maneira, fila de pessoas negras miseráveis
e jogadores de futebol) e passivizados (retratados apenas pelo rosto,
desprovidos de agenciamento).

• Brancos são representados em diversos papéis sociais (exercem


distintas profissões, tanto as socialmente prestigiadas como outras
menos prestigiadas, figuram em distintos núcleos familiares), mais

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

como agentes do que em posição de passividade, têm representações


mais individualizadas e específicas (não são retratadas de forma
homogeneizada por atributos padronizados, como trajes típicos, p.
ex.) e têm alta frequência de aparição nas coleções e diversidade de
representações.

Como se pode ver, os livros analisados não contribuem para


minimizar os efeitos do racismo na sociedade brasileira, ao contrá-
rio disso, reforçam um discurso hegemônico de exclusão e racismo,
ao privilegiar a predominância da branquitude, deixando à margem
representações sociais diversas e positivas das identidades negra,
indígena e asiática. Dessa maneira, as coleções acabam por contribuir
com a manutenção de um imaginário social discriminatório, no qual
perpetua-se a crença da superioridade racial branca sobre as demais
identidades.
Segundo van Dijk (2008), as desigualdades étnicas e raciais não
procedem de práticas discriminatórias isoladas, mas de uma série de
práticas sociais integradas, em diversos gêneros de discurso e eventos
comunicativos. Assim, os discursos veiculados nos livros analisados,
junto a outras práticas sociais, têm potencial para reverberar ideologias
racistas.
Os efeitos sociais disso são graves, como mostraram Silva, Tei-
xeira e Pacífico (2014) e Pereira (2008, apud Jovino, 2014, p. 124).
Em uma pesquisa com crianças negras de 5ª a 7ª séries, em uma escola
pública estadual no Paraná, Silva, Teixeira e Pacífico (2014) coletaram
dados da rememoração de representação do negro em livros didáticos.
As crianças fizeram desenhos e responderam a uma entrevista sobre
suas lembranças a respeito das imagens de pessoas negras nos livros
didáticos. O estudo identificou que a percepção das crianças era a de
que os livros trazem imagens estereotipadas e estigmatizantes sobre
negros, pois em seus desenhos as crianças retrataram, majoritariamente,
cenas da escravidão, com pessoas negras sendo açoitadas. Não houve

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

nenhum desenho em que alguma criança tivesse mostrado pessoas


negras como membros atuantes na sociedade. Estes resultados evi-
denciam uma construção negativa da identidade racial negra, através
de discursos que circulam no ambiente escolar, dentre os quais está o
dos livros didáticos.
A repercussão dessa problemática é, entre outras mazelas sociais, o
fracasso no desempenho e evasão escolar de muitos estudantes negros,
conforme explica Pereira (2008, apud Jovino, 2014):

a partir de 1980, foram realizadas pesquisas de caráter


qualitativo sobre a presença negra na escola. Uma das
causas responsáveis pelo fracasso escolar foi: “a ina-
dequação do currículo escolar, dos livros didáticos e a
postura diferenciada dos professores frente aos alunos
de diferentes origens raciais. (...) a evasão escolar, a re-
petência e o desestímulo da criança negra na escola (...)
foi constatado que esses problemas derivavam da falta de
identificação dos alunos com o imaginário social trans-
mitido pela escola e pelos materiais didáticos em relação
à identidade sociocultural dos alunos negros. O modelo
de representação europeia muitas vezes é predominante,
situação que acaba agravando o afastamento das classes
desfavorecidas (PEREIRA, 2008, apud JOVINO, 2014
p. 124).

Tendo em vista o exposto nessa seção, é importante que o/a


professor/a faça uma análise crítica nos livros didáticos antes de adotá-
-los em suas aulas. Diante de materiais cujos conteúdos apresentem
algum tipo de exclusão social, o/a professor/a pode produzir materiais
complementares e planejar atividades paradidáticas nos quais contem-
ple a diversidade étnico-racial de forma positiva e respeitosa, e fazer
de suas aulas um espaço de formação cidadã crítica, empoderada e
emancipada.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

5. Letramento racial crítico: uma proposta promissora e propulsora


da educação antirracista

(...) una postura pedagógica que parte de un compro-


miso social y político desde la premisa de que sí es
posible transformar y crear condiciones más justas
y desde la aceptación de asumir la responsabilidad
de acompañar, apoyar y promover los procesos de
lucha decolonial, impulsando transformaciones en los
campos sociales, políticos, epistémicos y de la vida. Es
desde esta postura que he venido trabajando (...)
(WALSH, 2009, p. 16)

Partindo do entendimento de que raça e racismo são construções so-


ciais, podemos afirmar que as pessoas não nascem racistas, mas aprendem
a sê-lo ao longo de suas vivências. Assim sendo, se aprendem o racismo,
podem aprender também a respeitar as diversidades e, mais que isso,
podem desaprender a ser racistas. Neste caso, a desaprendizagem começa
pelo reconhecimento da existência do racismo, de seus diversos níveis de
atuação e da assunção de que, em alguma medida, todos somos racistas.
No que tange ao trabalho pedagógico, Ferreira (2015) defende o
Letramento Racial Crítico (LRC), o qual a autora define como

Letramento racial crítico é refletir sobre raça e racismo e


nos possibilita ver o nosso próprio entendimento de como
raça e racismo são tratados no nosso dia a dia, e o quanto
raça e racismo têm impacto em nossas identidades sociais
e em nossas vidas, seja no trabalho, seja no ambiente
escolar, universitário, seja em nossas famílias, seja nas
nossas relações sociais (Ferreira, 2015, p. 138).

Ferreira (2022) destaca a importância do LRC em relação ao livro


didático

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

nos possibilita entender como somos educados a reprodu-


zir a desigualdade racial através de um artefato cultural
que é o livro didático. As práticas de letramento racial
crítico exercidas no cotidiano de sala de aula podem
colaborar para uma educação e reflexão crítica para que
tenhamos equidade de representação em livros didáticos
no que se refere às questões de identidade racial negra
(Ferreira, 2022, p. 213).

Em consonância com Ferreira (2015, 2022), acredito no potencial


do LRC como uma prática pedagógica antirracista, como uma importante
ação decolonial em favor de uma nova forma de construção de saberes.
Para a implementação do LRC, entendo que se deva pôr em prática uma
série de ferramentas pedagógicas que favoreçam um trabalho de cons-
cientização sobre as questões raciais, o que vai desde o desvelamento da
noção de raça até a promoção da autoestima de estudantes não-brancos/as.
Tendo em vista o observado em Parrini (2021) e em inúmeros outros
estudos sobre as representações raciais em livros didáticos (de diversas
disciplinas), convido os/as leitores/as a assumirem uma postura decolonial
frente aos discursos escolares (em textos e outras práticas sociais) que
reproduzem visões hegemônicas. Essa postura significa, por exemplo,
lançar um olhar crítico e problematizar, conforme o observado, os con-
teúdos do currículo escolar, os materiais escolares, as festas e eventos
culturais promovidos nas escolas, a presença ou ausência de pessoas de
diferentes raças no ambiente escolar, o tratamento dispensado às crianças
de diferentes raças da comunidade escolar, entre outras ações.
Por fim, considerando que práticas escolares podem promover a
mudança social, gostaria de concluir esta reflexão oferecendo algumas
sugestões que acredito serem possibilidades para o desenvolvimento do
LRC nas aulas de Espanhol.
Frente ao livro didático que apaga, exclui e subrepresenta pessoas
negras e indígenas, sugiro a seleção de textos (verbais e não verbais) nos

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

quais pessoas negras e indígenas sejam representadas de forma socialmente


positiva, que as apresentem felizes, altivas, como agentes sociais ocupando
espaços de poder, levantando a voz, promovendo mudanças em seu entorno.
Algumas possibilidades: diante da presença majoritária de artistas brancos/
as nos livros didáticos, pode-se apresentar Carolina Contreras, ativista e
empreendedora da República Dominicana, e seu trabalho pela valorização
do cabelo afro natural. Quando as representações de pessoas na política se
limitarem à branquitude e a uns poucos homens negros, vale a pena mostrar
vídeos da vice-presidente colombiana Francia Márquez respondendo de
forma empoderada e segura às provocações da mídia elitista de seu país.
Se o manual do professor indica apenas filmes ou vídeos que privilegiam
produções cinematográficas europeia ou estadunidense, pode-se lançar mão
do curta-metragem “Argentina no es blanca” e problematizar a crença de
que argentinos são todos descendentes de europeus. Diante de representa-
ções estereotipadas do Paraguai limitado à fronteira onde se compra barato
e de pessoas indígenas em posições subalternas ou estereotipadas, sugiro
apresentar o Projeto Semilla Róga (Casa das sementes), uma iniciativa de
mulheres camponesas indígenas no Paraguai pela preservação, cultivo e
distribuição gratuita de sementes livres de agrotóxicos. Em datas como
Dia do Índio ou Dia da Consciência Negra, convidar um pensador negro
ou indígena para falar sobre esse dia será mais respeitoso para com essas
etnias e relevante para os/as estudantes do que produzir apetrechos, fantasiar
crianças ou reproduzir relatos coloniais de escravidão.

Considerações finais

Fechando esta discussão, cabe enfatizar que atuar de forma deco-


lonial é apresentar contradiscursos, é questionar projetos particulares de
dominação dissimulados como formas legítimas de poder. A escola tem
papel crucial nessa empreitada. Estejamos atentos aos seus discursos e
sejamos atuantes sempre que necessário. Que as palavras de Catherine
Walsh, registradas no início da seção anterior, nos sirvam de inspiração!

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

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101
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

IMIGRAÇÃO E A SALA DE AULA DE LÍNGUAS:


BREVES COMPREENSÕES PARA A INICIAÇÃO À
DOCÊNCIA A PARTIR DE UM CURSO DE FORMAÇÃO
DE PROFESSORAS/ES

Maria Inêz Probst Lucena1

1. Introdução

Neste artigo, desenvolvo reflexões acerca da relação imigração e


sala de aula de línguas, evidenciando os tempos de pandemia, com base
em falas de participantes de uma comunidade escolar enunciadas em
um programa de formação de professores de línguas. Nesse programa,
“professores-autores-formadores”2, nos termos de Garcez e Schlatter
(2017) e Schlatter e Garcez (2020), ao assumirem o protagonismo durante
1 Doutora em Linguística. Professora colaboradora do Departamento de Língua e Literatura
Estrangeiras (DLLE) e do Programa de Pós-Graduação em Linguística (PPGL) da Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora visitante da Universidade Federal da Bahia
(UFBA). E-mail: lucena.inez@gmail.com.
2 Garcez e Schlatter usam o termo professores-autores-formadores para definir professores/as em
formação e explicam que “[a]o colocar no horizonte imediato da nossa atividade de formação
de professores o desenvolvimento de sujeitos autores, queremos nos referir a professores como
cidadãos que podem participar e interferir de modo responsável e ético na vida em sociedade
e na formação de cidadãos, sua tarefa precípua. Quanto ao que seja autoria, reafirmamos
novamente o que consta da referida seção de ‘princípios educativos’ para a área de Lingua-
gens, códigos e suas tecnologias dos Referenciais Curriculares do Rio Grande do Sul (2009,
p. 39): A autoria implica construir a própria singularidade nas atividades em que se participa
e assumir a responsabilidade pela singularidade produzida” (GARCEZ; SCHLATTER, 2017,
p. 18, grifos nossos).

102
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

a formação e refletirem sobre suas experiências, destacaram como lidam


com o trânsito entre as culturas na rotina escolar e com as “vivências de
sofrimento e esperança” (BUIN; BIONDO, 2021, p. 158) de estudantes
imigrantes.
A discussão está inserida e inspirada em debates na Linguística
Aplicada que envolvem educação de línguas, mobilidade, escola e
comunidades migrantes multilíngues (SCHLATTER; GARCEZ, 2012,
2020; COLLINS, 2015; WINDLE; MUNIZ, 2018; BUIN; BIONDO,
2021). As falas de participantes, durante a formação, destacam a
preocupação de professores/as e de toda a escola em incluir e atender
alunos/as imigrantes, ao mesmo tempo que demonstram conflitos ao
lidar com discursos socialmente construídos acerca da descrição de
suas experiências com línguas e nacionalidades (LUCENA; CAMPOS,
2018). Uma vez que as ideologias de linguagem têm papel central
na reprodução das desigualdades sociais, linguísticas e educacionais
(BLOMMAERT, 2010; IRVINE; GAL, 2000; IRVINE, 2021), im-
porta refletir sobre essa dinâmica que gera diferentes tensões nos/nas
participantes, sendo a maioria delas relacionadas ao uso e avaliação
da língua diante da diversidade linguística e cultural, constitutiva das
migrações recentes.
A base empírica na qual se apoia este trabalho é formada por notas
provenientes da minha participação no Programa de Formação de Pro-
fessores3, proposto pela rede municipal de educação de uma cidade de
pequeno porte, no Oeste de Santa Catarina, Sul do Brasil, desenvolvido
em 2021, com continuidade em 2022. Nesse programa, participo como
formadora universitária4. As falas usadas para ilustrar a discussão foram
enunciadas durante os encontros de formação e em outras interações
informais entre formadora e professores-formadores-autores. No cenário
3 Ao longo do trabalho chamarei apenas de “formação”.
4 Uso esta denominação com base em Garcez e Schlatter (2017, p. 21), que definem formador/a
universitário/a como aquela/e que tem “a tarefa [...] de articular o que se observa na prática
autoral de professores-autores e promover oportunidades para que eles se encontrem, mani-
festem suas produções autorais coletivamente e registrem suas experiencias.”

103
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

educacional, onde acontece a formação, além de alunos/as brasileiros,


estudam imigrantes provenientes do Haiti e da Venezuela, filhos/as de
uma população com inserção laboral marcada pela rotatividade e pelas
duras condições de trabalho em frigoríficos.

2. Imigração e o papel social da sala de aula de línguas

No quadro grave de uma pandemia tão letal como a que vivencia-


mos, as questões educacionais da sala de aula de línguas relacionadas
a imigrantes só podem ser entendidas com base na compreensão de
condições sociais e econômicas, além dos aspectos culturais e lin-
guísticos. Temos a responsabilidade social de pensarmos, enquanto
linguistas aplicadas e formadoras, sobre a situação dos imigrantes,
cujos desafios foram substancialmente ampliados com a COVID-19.
A adaptação cultural e linguística e o grau/modo de acesso aos direi-
tos desta população à informação e educação tornaram-se ainda mais
complexos na crise sanitária, dada a necessidade do distanciamento
social e, ao mesmo tempo, a necessidade urgente de manutenção de
atividades laborais, condição essencial para a subsistência de grupos
migrantes, grande parte em vulnerabilidade social.
A crise sanitária agravou desigualdades regionais, econômicas e
sociais em geral. Porém, na situação específica de trabalho em frigo-
ríficos, grupos de imigrantes foram ainda mais expostos aos riscos de
contaminação, seja pela proximidade em esteiras de produção, seja pela
falta de ventilação em câmaras frias (BAENINGER et al., 2021).
Imigrantes procuram vir para o Brasil, fundamentalmente, por
meio de relações de trabalho e pela possibilidade de acesso a serviços
públicos de educação e de saúde. A inexistência de políticas públicas e
eficientes para atender essa população, nesses dois aspectos, pode levá-
-la a situações dramáticas. Estando esses imigrantes situados em uma
“globalização da indiferença”, levam “vidas nuas” e lutam para transpor
os muros da burocracia e conseguir documentos, as “chaves de papel”

104
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

que podem abrir-lhes portas e tirá-los do limbo de ilegalidade, onde vi-


vem sem direitos e sem proteção.5 Conforme Baeninger et al. apontam,

[E]ntre 2000 a março de 2020, as migrações Sul-Sul cor-


responderam a 70% de todos os imigrantes registrados na
Polícia Federal brasileira, o que representa mais de um
milhão de novos imigrantes internacionais no país, nos
últimos vinte anos, com enorme diversidade ético-racial,
cultural, linguística e religiosa. Essa heterogeneidade dos
fluxos migratórios reflete os imigrantes periféricos na
periferia do capital e a posição geopolítica do Brasil na
configuração dos espaços das migrações Sul-Sul (BAE-
NINGER et al., 2021, p. 6-7).

Portanto, importa refletir, de modo crítico e comprometido, sobre a


realidade desses imigrantes que chegam às escolas e o modo como eles
são “acolhidos”6 na instituição (ver Anunciação (2018)), para discussão
sobre o termo “acolhimento”).
Embora o fato de estarem em uma instituição educacional já in-
dique uma abertura, a porta para imigrantes ainda não está totalmente
aberta na maioria das situações. Para dentro da escola vem também o
medo de parte da sociedade, que relaciona imigrantes com a imagem
da criminalidade, da desordem, do contágio (que parece sempre vir do

5 A expressão “globalização da indiferença” foi usada pelo Papa Francisco, ao se referir à


situação dos imigrantes em Lampedusa; “vidas nuas” foi empregada por Giorgio Agamben
para se referir à situação de falta de direitos desses grupos; e “chave de papel” foi usada por
Alejo Carpentier para se referir à burocracia exigida aos imigrantes. Todas as três expressões
foram utilizadas por Stefania Chiarelli em uma reportagem para a Revista Piauí, no início de
2021(CHIARELLI, 2021).
6 Conforme Buin e Biondo, “acolher”, por si só, pode também conotar uma relação hierárquica
de poder bastante próxima das perspectivas binaristas que dividem e essencializam colonizador/
colonizado, negro/branco, homem/mulher, indígena/não-indígena migrantes/não-migrantes,
entre outros (já bem conhecidos) estabilizadores de identidades e marcadores de diferença
e de precariedade em uma sociedade que se estrutura, antes de tudo e a qualquer preço, em
perspectiva neoliberal. Além disso, como afirma Anunciação (2018, p. 45), baseada nos estudos
de Maher (2007), a transplantação do conceito de língua de acolhimento para o Brasil pode
condicionar o conhecimento do Português como “pressuposto de nacionalidade e de adequação
social” (BUIN; BIONDO, 2021, p. 248).

105
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

outro, que parece sempre vir de fora) e, claro, da invasão do mercado


de trabalho. Essas imagens, insufladas no senso comum por uma mídia
irresponsável e por políticos inescrupulosos, faz com que imigrantes
encontrem cada vez menos a liberdade e circulem cada vez menos
livremente, especialmente em tempos como os que vivemos, em que
a desigualdade brasileira se mostra alarmante e a violência cresce em
ritmo intenso. Nesses tempos abissais, ao refletir sobre nossa posição
na cena pública, cabe discutir como nós, professores/as de línguas,
estamos identificando e compreendendo os desafios educacionais
impostos a imigrantes. Cabe perguntar: Como a pedagogia de línguas
pode, de algum modo, contribuir para que alunos/as imigrantes não
desistam da escola, para que ‘não morram na praia, metafórica e literal-
mente’? (CHIARELLI, 2021). Assim, entendo que, enquanto linguistas
aplicadas, temos a responsabilidade de produzir relatos válidos e criar
inteligibilidades (MOITA LOPES, 2006) que encorajem o diálogo en-
tre escola e comunidade, com vistas à inserção e inclusão linguística,
cultural e laboral de imigrantes, em tempos de crise.

3. O papel da linguagem em processos de estratificação

Para compreender processos de inclusão/exclusão e entender os


desafios de imigrantes é preciso, antes de tudo, abarcar a ideia de que
a linguagem tem papel central em processos de estratificação (HEL-
LER; MCELHINNY, 2017). A interdependência entre linguagem e
o reconhecimento de direitos dos imigrantes, por exemplo, pode ser
considerada como “uma nova forma de estratificação social” (BAE-
NINGER et al., 2021, p. 29) que precisa ser reconhecida e trazida para
as discussões em programas de formação de professores/as de línguas.
Para a compreensão dessas dinâmicas que oprimem e excluem, siste-
maticamente, grupos e comunidades racialmente e linguisticamente
marginalizadas (LUKE, 2008; SOUZA, 2011; WINDLE; MUNIZ,
2018), é preciso evitar simplificações e expandir questões teórico­

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

‑metodológicas para além das questões herdadas da ciência moderna


(LUKE, 2008; BLOMMAERT, 2010; SIGNORINI, 2013) e incluir
orientações históricas e culturais – e não apenas linguísticas. Nos termos
de Blommaert, precisamos de uma “sociolinguística da mobilidade”,
que nos permita estudar não somente “linguagem e sociedade”, mas
também “linguagem em sociedade”, e que nos faça pensar a linguagem
em movimento e não como algo abstrato e estático (BLOMMAERT;
2010, p. 12, grifos do autor).
Nessa perspectiva, na pedagogia de línguas, um ponto de partida
para a compreensão histórica pode ser a reflexão acerca de ideologias de
linguagem e avaliações que são feitas sobre o uso da língua pela comuni-
dade escolar. Elas nos ajudam a entender como as lógicas excludentes são
estruturadas dentro de uma economia política e em ideologias seculares
que formam e movem as instituições (IRVINE, 2021; HELLER, 2011;
SIGNORINI, 2008; LUCENA; CAMPOS, 2018).
Podemos discutir aspectos subjacentes a ideologias de normatização
linguística e a avaliações de uso da língua que são estruturais e, em boa
parte, constituídos por discursos dentro e fora da escola. Por exemplo,
agentes educacionais e professores/as efetivamente demonstram dispo-
sição em dar conta da diversidade cultural e linguística, demostrando
ir além de uma perspectiva monolítica e essencializante de língua e
cultura. Entretanto, o cenário escolar é ainda orientado e regulamentado
por padrões rígidos e normatizados. Ainda que esse seja um cenário
marcado pelo multilinguismo, pela interculturalidade e pela mobilidade
sociolinguística, as fronteiras linguísticas e culturais aparecem demar-
cadas, em falas de estudantes, de professores/as e da equipe diretiva (ver
LUCENA; CAMPOS, 2018).

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

4. Dinâmicas sociolinguísticas de inclusão/exclusão de imigrantes


na escola

Em meio aos desafios7, professores/as mostram, em suas falas, dis-


ponibilidade e atenção com a interculturalidade e explicam que buscam
meios de viver e negociar suas experiências interculturais na relação com
alunos/as imigrantes. As discussões apresentadas na escola em relação
à inclusão/exclusão de grupos de imigrantes envolvem, na maioria das
vezes, o déficit cultural e linguístico, recursos limitados de letramento,
currículos excludentes, preconceito na escola (Como fazer se o aluno
imigrante está no quarto ano e não está alfabetizado em português?)8;
poucos recursos (linguísticos/ humanos) para lidar com as famílias de
estudantes imigrantes (Teríamos que ter uma professora que soubesse
francês, acompanhando imigrantes); falta de material e de acesso tec-
nológico (A gente tinha muitos alunos que nem tinham celular [durante
as aulas remotas]! [O aparelho] Era do pai ou da mãe e eles não podiam
ficar sem), entre outros.
Incluem também avaliações em relação ao comportamento e person-
alidades de alunos/as imigrantes, que podem ser afetivas e bem positivas
(são pessoas receptivas e muito amadas [...] são destaques nas turmas
pela inteligência e responsabilidade ), ou utilizadas para categorizar e
destacar diferenças entre os grupos (Eles encontraram muita dificuldade
com relação a horários, principalmente quem veio do Haiti. Já os que vi-
eram da Venezuela, são bastante regrados).As preocupações, que servem
para complexificar e problematizar, evidenciam ainda, na categorização
7 Se os desafios nessa interação já existiam antes, eles foram ainda mais agravados durante a
pandemia do coronavírus. Como sabemos, as atividades foram mantidas em modo virtual e,
embora saibamos que há movimentos celebratórios a favor desta modalidade de ensino, a
realidade da escola pública indica o quanto ela pode ser excludente. É o que destaca Dong em
um estudo sobre os efeitos da COVID-19 no ensino e aprendizagem: “em relação à educação
online quando dizem ser ela igualmente acessível tanto para o rural e para o urbano, para o
rico e para o pobre, para quem está longe e para quem está perto, importa estarmos atentos
que nem todos podem estar conectados com a internet, nem todos são letrados digitalmente
ou têm um lugar calmo silencioso para a aprendizagem” (DONG, 2021, p. 107).
8 Os enunciados apresentados em itálico referem-se a falas de professores/as e de outros parti-
cipantes da formação e serão incluídos na discussão como dados ilustrativos.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

feita pela professora, a reprodução de um posicionamento sociolinguís-


tico, a partir do qual ela atribui valores diferenciados entre os grupos do
Haiti e da Venezuela. Nesse caso, mostra-se presente a essencialização
de identidade na escola em relação a culturas dominantes.
Como já mostramos em Lucena e Campos (2018, p. 726), na dis-
cussão sobre as dinâmicas sociolinguísticas e culturais em uma comuni-
dade de estudantes descendentes de russos, “dependendo da situação e do
interlocutor, as fronteiras tornam-se mais ou menos visíveis”. Ou, como
explicam Baeninger et al. (2021, p. 12), os processos migratórios ainda
se revestem do caráter assimilacionista – entre os imigrantes desejados e
os indesejados. Nesse caso em tela, portanto, podemos dizer que, ainda
que a diminuição de fronteiras aponte para um processo sociopolítico de
inclusão em curso, alunos/as acabam sendo racializados, ao serem sepa-
rados em categorias e colocados em grupos diferenciados, com base em
um discurso essencializado e excludente (ver WINDLE; MUNIZ, 2018).
Nesse caso, são mais facilmente acolhidos ou desejados aqueles que
estão de acordo com a cultura do lugar que os acolhe. Portanto, importa
refletir que, para haver realmente inclusão, é necessário um movimento
em que a interação, como apontado por Reis, gere um “acolhimento [
como] uma construção social que se dá na relação, no compartilhamento
de experiências, na escuta à outra, na abertura para as trocas e no respeito
às diferenças.” (REIS, 2021, p. 114).
E é no compartilhamento de experiências que professores-au-
tores-formadores vão tentando lidar com os limites sociais e linguísticos
naquele cenário educacional. Buscando fortalecer a diversidade, em um
espaço em que se espera que sujeitos sejam enquadrados em padrões
estabelecidos da língua dominante, participantes do curso de formação
buscam desenvolver meios de fortalecer a interculturalidade e apontam
para a necessidade de discussões sobre o ensino da “língua na perspec-
tiva da interação”; da “língua viva”, uma língua que acompanha “as
mudanças na sociedade”, nos termos de uma professora- participante.
A perspectiva da língua viva, mutante, no entanto, envolve mais de

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

um código como legítimo, mais de uma forma de conhecimento como


legítima, e essa pluralidade esbarra em ideologias de linguagem como
a padronização e o monolinguismo. Novamente se evidencia o conflito.
Por um lado, participantes do curso de formação almejam discussões
sobre meios de lidar com diversidade linguística e cultural, por outro
sentem-se presos ao ensino da norma e à variedade de prestígo. Ou seja,
há sensibilidade e boa vontade por parte de gestoras e professores/as e
há discussão acerca da necessidade de uma pedagogia crítica que inclua
as epistemologias de diferentes povos. No entanto, o extensivo trabalho
realizado em prol de uma educação inclusiva, que celebra a diversidade,
contrasta com a realidade da sala de aula, que permanece orientada por
modelos hegemônicos, cuja concepção de ensino de línguas é pautada
em uma perspectiva unificadora e homogeneizante. Consequentemente,
ainda que revestidas de boas intenções, quando orientações e ações ped-
agógicas que visam a diversidade linguística e cultural são calcadas em
perspectivas racionalistas e hegemônicas, elas podem levar à negação de
fenômenos atuais em que a linguagem tem um papel central na recusa
de reprodução de práticas colonialistas (LUKE, 2008).
Pensar o ensino de línguas a partir de uma perspectiva crítica inclui
pensar nas difíceis trajetórias desses estudantes imigrantes e de suas fa-
mílias. Importa refletir que, inseridos no espaço transnacional Sul-Sul,
trabalhando para a produtiva atividade agropecuária, eles/as representam
a periferia do capitalismo global. Ainda que tenham garantido a “chave
de papel”, nos termos de Carpentier Agamben (citado em CHIARELLI,
2021), já que recebem salários e são reconhecidos pelo estado e têm suas
“vidas nuas” documentadas, isso não lhes garante que sejam plenamente
acolhidos na sociedade. Vivem, em sua maioria, em meio a dinâmicas
socioeconômicas que os colocam em vulnerabilidade e convivem com a
dura realidade de que seus familiares precisam submeter‑se, muitas vezes,
a condições de trabalho análogas à escravidão. A rotatividade nos em-
pregos causa a rotatividade na escola e contribui para a não permanência
de estudantes em escolas fixas (Ela demonstrava aversão em relação a

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

alguns alunos, e o mesmo acontecia com a turma [em relação a ela]. A


turma a deixava de lado. Quando começou a se enturmar, foi embora).
Diante de tais realidades torna-se compreensível o não envolvimento
dos pais e mães com a escola das filhas/os (Eles são bem resistentes! E
eles vêm bem pouco pra escola, mesmo), assim como é compreensível
as insurgências de alunos/as (Temos uma [aluna] no 4º ano, haitiana,
que é bastante rebelde. Ela não aceita comandos e, principalmente, não
tem muito interesse nas aulas. Essa fala francês).
Preconceitos, pedagogia autoritária, currículo hegemônico, ausência
de boa interação em sala de aula e monolinguismo têm sido amplamente
considerados na literatura (LUKE, 2008) como aspectos que podem si-
lenciar e, ao mesmo tempo, contribuir para criar as resistências na escola.
Nesse caso, importa refletirmos sobre recusas, sobre a resistência que
acontece em cenários escolares e sobre como ela acontece.
5. A importância do reconhecimento da resistência em cenário de
imigração

Processos excludentes têm lógicas próprias que envolvem “procedi-


mentos, esquemas explicativos, e até mesmo ciências que explicam por
que, como e para quais fins comunidades e etnias particulares contam
menos” (LUKE, 2008, p. 2). No entanto, essas lógicas, sendo elas me-
diadas por sujeitos, podem ser subvertidas e alteradas, de acordo com
as trocas interacionais (LUKE, 2008; GUEROLA; LUCENA, 2021).
Nesse sentido, conforme argumentamos, em publicação recente sobre
educação indígena, importa
[...] analisar e interpretar como as pessoas [...] fazem cultura
no âmago desses processos [de exclusão], no intuito de
subvertê-los: ou seja, como fazem com que seus interesses
e objetivos prevaleçam sobre aqueles objetivos e interesses
que grupos de poder e instituições exógenos buscam impor
a elas (GUEROLA; LUCENA, 2021, p. 427).

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Para compreender a linguagem da vida real dos imigrantes na rea-


lidade situada, para que a sala de aula se torne “plurilíngue e transcultu-
ral”, entendo que a escola necessita de paradigmas epistemológicos que
permitam entender o campo situado além de uma perspectiva monolítica
e essencializante de língua e cultura (LUCENA, 2015). Do contrário, o
entendimento periférico ou superficial do modo como imigrantes fazem
suas vidas e como lidam com práticas coloniais impostas a eles/as pode
incapacitá-los/as ao invés de empoderá‑los/as (BLOMMAERT, 2013).
A escola, como um relevante campo social, faz muita diferença na
produção e reprodução de estruturas sociais (LUKE, 2008). Dada essa
realidade, é um alento virmos encontrando exemplos de resistência de
grupos minoritarizados em espaços educacionais que garantem algum
sucesso na educação escolar (GUEROLA; LUCENA, 2021).
Nossas pesquisas têm revelado dinâmicas sociolinguísticas e culturais
em diferentes espaços de educação públicas. Nesses espaços, imigrantes
provenientes de países que fazem parte da periferia do capitalismo apresen-
tam um movimento de resistência ao qual devemos estar atentos para uma
possível abertura ao multilinguismo e à interculturalidade. A compreensão
dessas dinâmicas pode contribuir para promover a inclusão de imigrantes e
de descendentes de imigrantes na escola pública, especialmente diante das
duras consequências trazidas pela pandemia. Talvez a principal alteração
consistente a ser considerada reside na distribuição hierarquizada das línguas
socialmente nomeadas e na legitimação das práticas culturais. Como temos
visto, há abertura nas escolas e iniciativas louváveis para a diversidade cultural
e para os diferentes repertórios linguísticos. Porém, ainda assim, é constan-
temente reafirmada a condição dos imigrantes enquanto grupo minoritário
desprestigiado, do ponto de vista sociocultural e político. (CAMPOS, 2015;
LUCENA; CAMPOS, 2018; GREUEL, 2018; REIS, 2021).
Com base em estudos desenvolvidos em contextos minoritarizados,
seguimos refletindo como que, na “obediência subversiva” (GUEROLA,
2017; GUEROLA; LUCENA, 2021), grupos minoritarizados conseguem

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

exercer práticas de “reexistência” (SOUZA, 2011) e fazer a resistência pelo


diálogo inteligente com as autoridades burocráticas, buscando a garantia de
uma educação que faça sentido para eles. Nossos estudos têm desnudado
episódios em que práticas translíngues, por exemplo, são estrategicamente
utilizadas na tentativa de lidar com a produção de significados alternativos,
na busca de justiça social em contextos educacionais. Esses exemplos
importam, sobremaneira, para pensarmos como ideologias linguísticas
sustentam conceitos como o “domínio pleno da escrita” (SIGNORINI,
2012, p. 105), associado ao domínio de “padrões de teorização e avaliação
prestigiados em instituições escolares e acadêmicas” (SIGNORINI, 2012,
p. 98) identificados com a norma (GREUEL, 2018; REIS, 2021).
E, nesse caso, o principal desafio posto para a pedagogia de línguas,
está em trazer para a cena educacional experiências que estão fora de
arquivos históricos, como nos ensina Luke (2008). Segundo Irvine (2021),
aprender a dinâmica das ideologias de linguagem é compreender o que
não está sendo dito. Nessa perspectiva, além de um mero discurso de
reconhecimento e correção política da estrutura social, precisamos tratar
dos comportamentos, da luta que a recusa exige. E precisamos tratar do
sofrimento a partir da perspectiva de quem tem sofrido a experiência de
enfrentamento (LUKE, 2008). No ensino de línguas, isso envolve pensar
currículos a partir de diferentes contextos históricos e geográficos, a partir
de concepções políticas e históricas de linguagem. Envolve investigar o
que as pessoas fazem com a linguagem ao participar de atividades sociais,
reguladas tanto pelo contexto social como pelas ideologias subjacentes;
significa problematizar o conhecimento em relação ao contexto em que
ele é produzido e para quem ele é produzido; significa “repensar, desin-
ventar e reconstruir” noções de linguagem, desnaturalizando conceitu-
ações de linguagem sedimentadas (MAKONI; PENNYCOOK, 2007);
significa entender como que a relação entre sujeitos e cultura escolar,
ainda que resulte de normas e de regras, excede as estruturas normati-
zadoras, de acordo com a agência dos participantes e da contingência
local (LUCENA, 2015).

113
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Considerações finais

A discussão sobre dinâmicas de inclusão/exclusão é um convite ao


debate sobre a realidade contemporânea, um convite para pensarmos uma
educação de línguas avessa a homogeneizações, atenta às dinâmicas da
contemporaneidade e à situação de grupos minoritarizados diante de uma
política globalizada. Nesse sentido, o debate que expõe enfrentamentos
e resistências pode contribuir para o entendimento das particularidades
e limites de intervenções educacionais ou abordagens educacionais em
cenário de migrações. Pode ajudar a evitar que gastemos nossas energias
reconfigurando práticas educacionais e desenvolvendo pedagogias e cur-
rículos particularmente críticos, do nosso ponto de vista, mas que podem
frustrar-nos por não parecer funcionar em contextos sociais inseguros
para a juventude racial e linguisticamente marginalizada (BULCHOLTZ
et al., 2014; LUKE, 2008; CAMPOS, 2015).
Temos a responsabilidade social de escutarmos, enquanto linguis-
tas aplicados, o que nos têm a dizer os grupos marginalizados. Temos a
responsabilidade de pensarmos sobre a adaptação cultural e linguística,
sobre o acesso a informações, sobre o acesso aos direitos desses grupos.
É nos momentos de crise, como o da atual pandemia, que o tema da
inclusão exige ainda mais atenção. Face aos discursos autoritários e de
indiferença generalizada, inseridos em uma crise de valores em que vidas
valem pouco, mais do que nunca, precisamos de investigações que tratem
da diversidade linguística como um fenômeno que envolve conflitos e
tensões, mais por aspectos políticos e econômicos do que simplesmente
culturais e linguísticos. Juntamente com Heller e McElhinny (2017), im-
porta pensar que, embora foquemos na diferença, sem a devida discussão
e atenção ao valor que é dado às línguas em espaços e tempos específicos,
sem a devida atenção a aspectos históricos e econômicos, sem a devida
atenção à discussão sobre resistência, nem sempre conseguiremos manter
um comprometimento real e efetivo com os processos sociolinguísticos,
políticos e econômicos em que os sujeitos estão inseridos.

114
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

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117
PARTE II

COLABORAÇÕES INTERNAS
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

RELATOS E DEPOIMENTOS SOBRE A PARTICIPAÇÃO


DAS LÍNGUAS FRANCESA E ITALIANA NO PROJETO
MULTIDISCIPLINAR PIBID LÍNGUAS ESTRANGEIRAS/
ADICIONAIS/UFSC: DA GAVETA PARA A ESCOLA

Clarissa Laus Pereira Oliveira1


Daniela Bunn2

1. O contexto

E m 2020, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) apre-


sentou à Capes/PIBID um Subprojeto Multidisciplinar de Línguas
Estrangeiras (Espanhol, Francês, Inglês e Italiano) que, além das línguas
Inglês e Espanhol, historicamente contempladas no edital, incluiu, pela
primeira vez, o Francês e o Italiano.
Políticas públicas de formação de professores, como é o caso do
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), cujo
objetivo é antecipar o vínculo entre os futuros professores e a sala de aula,
1 Mestre em Sciences du Langage - FLE pela Université Nancy II (França), doutora em Litera-
tura Comparada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pós-doutorado
em Interculturalidade pela Université Paul Valéry - Montpellier 3 (França), professora do
Departamento de Metodologia do Ensino, do Centro de Ciências da Educação, da UFSC. Co-
ordenadora do PIBID Multidisciplinar Línguas Adicionais UFSC – área do Francês. E-mail:
clarissa.oliveira@ufsc.br
2 Doutora em Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), professora do
Departamento de Metodologia do Ensino, do Centro de Ciências da Educação, da UFSC. Co-
ordenadora do PIBID Multidisciplinar Línguas Adicionais UFSC – área do Italiano. E-mail:
daniela.bunn@ufsc.br.

119
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

fazendo uma articulação entre a Educação Superior e as escolas estaduais


e municipais, não contemplavam línguas como o Italiano, o Francês e o
Alemão, ao menos até o edital do PIBID de 2022, que ainda manteve a
língua italiana de fora. Sendo assim, um movimento coletivo de militância
e resistência, advindo de uma representante da língua inglesa, possibili-
tou o envolvimento dessas línguas ditas minoritárias. Duas professoras
do Departamento de Metodologia de Ensino, do Centro de Ciências da
Educação, Daniela Bunn e Clarissa Laus Pereira Oliveira, do Italiano
e do Francês, respectivamente, foram convidadas para atuarem como
voluntárias no projeto e se envolveram com a elaboração e a execução
da proposta. No total, o projeto foi constituído por onze professores: seis
professores universitários, sendo três da área do Inglês, uma do Espanhol,
uma do Italiano e uma do Francês; duas professoras bolsistas da rede,
uma do Espanhol e uma do Inglês; além de três professoras voluntárias
da rede, da área do Inglês, que participaram no início do projeto.
Espaço de res(ex)istência nas discussões sobre o fazer docente e o
ensino de língua-cultura na escola (MENDES, 2004, 2015), esse sub-
projeto possibilitou o questionamento de pertencimentos, perspectivas e
(des)ilusões, principalmente, no campo de trabalho para licenciados dos
cursos de Letras Italiano e Letras Francês. Os objetivos específicos do
subprojeto multidisciplinar circundaram em torno das seguintes questões:
compreender o funcionamento do ambiente escolar em suas nuances e
diversidades, percebendo no dia a dia da escola a construção do conhe-
cimento e o aperfeiçoamento profissional; realizar intervenções na sala
de aula e desenvolver conhecimento prático do fazer docente (objetivo
que foi de certa forma adaptado por conta da pandemia de COVID-19);
fundamentar teoricamente as ações educativas desenvolvidas durante
a realização do projeto; atuar de maneira significativa na comunidade,
diminuindo o espaço entre a teoria e a prática, e o espaço entre a UFSC
e a comunidade; produzir material para o ensino de línguas para serem
utilizados nos contextos de ensino; atuar em outros espaços formativos
que incentivem a pesquisa e a docência (como eventos ou mesmo a

120
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

organização deste livro, com textos e relatos dos coordenadores, dos


professores e dos IDs).
Durante a escrita do subprojeto de línguas estrangeiras, questiona-
mos várias vezes o lugar das línguas adicionais não contempladas nesses
editais. A professora Dra. Priscila Fabiane de Farias, do Departamento
de Metodologia de Ensino/UFSC, da área do Inglês, idealizadora da
proposta multidisciplinar, disse em seu depoimento que

O PIBID já tem uma trajetória consolidada em nossa


Universidade, resultado de um trabalho cuidadoso e com-
prometido com a formação docente crítica de nossos(as)
estudantes, especificamente através do PIBID ao longo da
última década. Da mesma forma, é nosso entendimento
que se trata de uma experiência riquíssima que possibilita
a iniciação à docência, mas também vai além desta, pro-
movendo ainda a interação horizontal e democrática entre
universidade, escola e comunidade e, ao mesmo tempo,
possibilitando o fortalecimento da identidade docente
e, até mesmo, da permanência de nossos(as) estudantes
das Licenciaturas em língua (Priscila Fabiane de Farias,
dez. 2021).3

Recém-chegada na instituição e motivada pelas possibilidades va-


liosas de formação inicial e continuada que o PIBID oferece, a professora
Priscila foi encorajada a propor o subprojeto para as línguas, buscando
parcerias de atuação, pois, afirma em seu depoimento que “a perspectiva
de ensino e a aprendizagem que compartilhamos e que norteia a nossa
prática é a certeza de que é na troca e na coletividade que o conhecimento
construído se torna significativo e verdadeiramente relevante”. Ainda
segundo a professora, uma vez criado esse espaço de troca e parcerias,
ficou evidente a importância deste movimento dialógico multicultural-
-multilinguístico e completa:

3 Depoimento via e-mail.

121
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

As parcerias estabelecidas com colegas das licenciaturas


em Letras fizeram, então, todo sentido, partindo desta
perspectiva dialógica do fazer docente. A partir das con-
versas e primeiros movimentos para concretização do
subprojeto das línguas como uma possibilidade multidisci-
plinar, concretizou-se ainda a relevância deste movimento
também como uma possibilidade de resistência através de
um subprojeto que fortalece a diversidade e a multicultu-
ralidade, proporcionando espaços de integração entre as
línguas e suas especificidades de forma contextualizada
e significativa, tanto para nossos(as) estudantes quanto
para as escolas que nos recebem e, sem dúvida para nós
também (Priscila Fabiane de Farias, dez. 2021).

Nas semanas de formação mútua no projeto, com reuniões semanais


realizadas via Moodle Grupos, no grupo de participantes, houve muitas
trocas de experiências, leituras teóricas, depoimentos, escuta ativa e
atividades escritas como relatos pessoais e relatos críticos. Muitas ex-
pectativas e possibilidades envolviam-se na proposta multidisciplinar
que se caracterizava como um work in progress: refletimos sobre como
a equipe poderia contribuir no processo de ensino e aprendizagem de
nossas respectivas línguas, num contexto remoto de ensino, numa voz
coletiva, ainda que geograficamente distantes, e sobre como poderíamos
fomentar o diálogo das línguas estrangeiras em nossa Universidade.
Tivemos encontros com professoras universitárias e professoras
da escola pública sobre teorias e cotidianos escolares, percursos de for-
mação e também uma live com a Profa. Dra. Edleise Mendes (UFBA),
via Instagram do PIBID LE, que nos muniu de ideias e de novas pos-
sibilidades a partir da perspectiva da prática da educação intercultural
no ensino de línguas, visando ensinar e aprender línguas para a justiça
social. Professora Edleise destacou em sua fala três questões que consi-
dera fundamentais para tentar enfrentar os vários desafios da educação
linguística no século XXI: formar professores para a diversidade, pois

122
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

atuam em cenários multilingues e multiculturais; ensinar línguas para


incluir e para subverter a injustiça, o racismo, a intolerância, ou seja, fazer
da educação linguística uma arma de emancipação, de empoderamento;
e pensar sempre em soluções locais, considerando os problemas globais.
Conhecer o contexto e suas soluções locais é um fator de extrema im-
portância na sala de aula, as atividades propostas no grupo PIBID/UFSC
foram pensadas de forma coletiva pelos coordenadores, em reuniões
semanais, a fim de propor atividades significativas para os participantes
e, posteriormente, para a escola, fato que nos possibilitou entrar em con-
tato com diferentes dinâmicas do processo de ensino-aprendizagem dos
diferentes coordenadores, que foram usadas na íntegra ou adaptadas ao
contexto do projeto. A escola sempre esteve no centro de nossas reflexões
no âmbito das Licenciaturas e das nossas práticas educativas. É impor-
tante ressaltar que todos os seis professores universitários envolvidos no
subprojeto já tiveram vivências em sala de aula, seja na Educação Infantil,
no Ensino Fundamental e Médio, no EJA e na educação profissional,
isso certamente permite uma maior aproximação entre teoria e prática.
Além de professores, participaram do projeto estudantes bolsistas
de iniciação à docência (doravante denominados IDs) selecionados pelo
Edital Nº 04 IDEST/PIBID-UFSC/2020-2021, Língua Estrangeira Inglês
e Espanhol, de 29/06/2020. Havia também estudantes voluntários, todos
dispostos a serem preparados para a experiência de campo na Escola
de Educação Básica Irmã Maria Teresa, em Palhoça/SC, e no Colégio
Municipal Maria Luiza de Melo, em São José/SC. Enquanto dezesseis
IDs das duas línguas oficiais foram contemplados com bolsas CAPES,
os do Italiano e do Francês contaram com o auxílio do Departamento
de Línguas e Literaturas Estrangeiras (DLLE) que pagou bolsas de pro-
grama de extensão a duas alunas, uma de cada idioma. Dessa maneira,
foi possível que as IDs voluntárias integrassem com equidade à equipe
formada pelos participantes do Espanhol e do Inglês. Infelizmente, con-
forme já ressaltado anteriormente, essas duas línguas quase nunca são
contempladas com bolsas em se tratando de projetos federais.

123
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

2. Da gaveta para a escola

Neste momento, pode-se questionar sobre como se deu a participa-


ção efetiva do Francês e do Italiano no projeto, uma vez que na escola
trabalhada apenas o Espanhol e o Inglês são oferecidos. Esse texto marca
uma perspectiva empírica, muitas vezes à margem nos âmbitos da refle-
xão pedagógica, sobre o projeto realizado e colhe múltiplos olhares na
tentativa de reconstruir o discurso por meio das vivências multiculturais
realizadas, tanto nas escolas como nos encontros semanais. Também
tem por objetivo entender e avaliar como essa experiência de trabalho
interdisciplinar plurilingue pode ter contribuído com a formação inicial
dos bolsistas e com a formação continuada dos professores envolvidos.
É sabido o vasto incentivo a experiências interdisciplinares de ensino,
no entanto, o que não é sabido é o quão tal experiência é trabalhosa,
desgastante, discutida, revisada, refeita, repensada nos bastidores de todo
e qualquer engajamento desse feito, por isso, talvez experiências dessa
natureza sejam tão raras.
A professora Raquel Carolina Souza Ferraz D’Ely, ao falar em nos-
sas reuniões sobre o processo de planejamento e a cognição do professor,
ressalta a tomada de decisões e o agir espontaneamente na prática, já
que reflexão e prática caminham juntas, processo esse que nos permite
(re)planejar as futuras ações a fim de compreender e conhecer quem são
nossos alunos (D´ELY; GIL, 2006; BAILER; TOMITCH; D´ELY, 2012).
Sobre a questão do planejamento e o início da pandemia, a professora
de Inglês, Mileidi Heiderscheidt, uma das duas professoras bolsistas
supervisoras na Escola de Educação Básica Irmã Maria Teresa, deu seu
depoimento e confirmou a dificuldade de planejamento integrado, como
mencionamos anteriormente.

O trabalho remoto que iniciou em abril, após nossa semana


de ‘férias antecipadas forçadas’, demandou adaptação
(processo ainda incompleto) de todos os envolvidos, for-

124
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

mação on-line concentrada para conseguirmos trabalhar


nas plataformas, e (re)planejamento constante. Das duas
realidades em que me encontro inserida, a de SJ [São
José], Escola Albertina, é mais confortável no quesito pla-
nejamento por serem alunos já conhecidos, muitos desde o
Fundamental, ao passo que a EEBIMT [EEB Irmã Maria
Tereza] é mais desafiadora, 95% dos alunos são novos na
escola. Ainda estávamos em processo de sondagem. Na
minha disciplina, na EEBIMT, os outros três professores
de Inglês optaram por não realizar reuniões de planeja-
mento ou trocas. Regina e eu trocamos ideias e propomos
as mesmas temáticas, à nossa turma, em comum algumas
vezes. Na Albertina há mais cooperação entre os colegas
de Inglês e, também, com os colegas de Espanhol. Mas o
pensamento norteador que rege a criação/adaptação das
atividades é o mesmo: levar em conta o nível do aluno,
contemplando, principalmente, os que retiram atividades
impressas na escola por não terem acesso à internet. Com
efeito, propus atividades mais livres aos meus alunos, na
tentativa de acessar seu conhecimento prévio e estabele-
cer conexão, para que, sentindo-se à vontade, pudessem
confiar e participar sem reservas, opinando a respeito do
trabalho proposto, deixando à mostra quem são e o que
querem na disciplina, ao mesmo tempo em que aprendem
discutindo temas atuais e socialmente significativos (Mi-
leidi Heiderscheidt, 2020).4

Como confirma a professora, o trabalho coletivo, que demanda


tempo e organização, nem sempre é possível em todos os espaços.
Encontrar um grupo engajado como este que se formou no PIBID
Multidisciplinar, que segura a mão de outras línguas, em um contexto
nacional que, praticamente, exclui as tais línguas ditas minoritárias do
Ensino Básico, é algo que merece destaque e visibilidade. Italiano e
Francês, no contexto escolar, precisam encontrar formas de manterem-se

4 Relato escrito por Mileidi Heiderscheidt, disponível no Moodle Grupos/PIBID.

125
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

ativos para não serem esquecidos nas gavetas da burocracia, precisam


procurar brechas onde se deveria encontrar espaço. O PIDIB foi esse
lugar onde as duas línguas puderam atuar conjuntamente com o Inglês
e o Espanhol, promovendo diálogos sobre o multilinguismo, debates e
olhares vindos de diferentes caminhos em prol da melhoria da formação
do docente de língua estrangeira (doravante LE). Tivemos algo muito
peculiar na formação dos bolsistas envolvidos e que oportunizou, pela
primeira vez, o envolvimento do Francês e do Italiano no PIBID/UFSC.
Outras experiências positivas na UFSC foram relatadas, porém contendo
apenas experiências do Inglês e do Espanhol como as compiladas por
Garcia e D´Agostini (2014).
Dessa forma, seguimos o seguinte cronograma e cenário:

a. outubro a dezembro de 2020 - encontros formativos na modalidade


remota que envolveram módulos temáticos, discussões, tarefas e a
fala de convidados;

b. janeiro a março de 2021 - propostas formativas no Moodle e am-


pliação da equipe, com a entrada da ID do Italiano, cenário escolar
de SC com possibilidade de retorno presencial, contexto escolar a ser
observado na modalidade remota;

c. abril de 2021 - etapa de observação na escola; retomada das aulas


presenciais na rede estadual de ensino, o aluno podia optar entre o
remoto, o presencial e o híbrido;

d. maio a julho de 2021 - sondagem e etapa de implementação das


atividades, professores convidados, encontros formativos;

e. agosto de 2021 a março 2022 - ampliação da equipe, com a entrada


da ID do Francês, continuidade das etapas de formação, professores
convidados, reflexão e finalização.

126
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Dentro desse cronograma, no contexto das formações promovidas


pelo PIBID, em 2020, ministramos um módulo, denominado Mãos na
massa, cujo objetivo foi o de pensar em ferramentas viáveis tanto para o
ensino presencial, o ensino híbrido, o ensino remoto, como para a Ead,
no exercício constante de fazer escolhas, de gerar diálogo, de promover
interação. Realizamos uma sondagem com alunos, disponibilizamos
alguns infográficos para entender as diferenças entre as modalidades
de ensino, organizamos uma pasta com tutoriais sucintos e práticos, e,
no fim da unidade, propomos mais um momento de reflexão a partir de
dois curtas de animação. Durante a oficina, os alunos criaram vídeos
para explicar aos colegas ferramentas digitais que podem ser úteis em
sala de aula de LE, presenciais ou remotas. Para que essa tarefa final
acontecesse, criamos uma Wiki Colaborativa para a socialização de
recursos educacionais. Em seguida, os grupos escolheram uma delas
para desenvolver suas atividades interativas. A tarefa final consistiu na
postagem de uma ou mais sugestões de recursos educacionais com dicas
sobre eles, além de montar uma atividade interativa para ser apresentada.
Efetivamente, por a mão na massa é o que há de mais efetivo no que
tange à aprendizagem, ainda mais em nós, adultos, que já temos grande
parte de nossas convicções formadas e somos muito mais críticos em
relação aos conteúdos ofertados.
Após meses de encontros formativos semanais, abordando temá-
ticas como: o ambiente escolar, as expectativas de atuação na escola, a
educação na pandemia, a perspectiva intercultural e decolonial no ensino
de línguas, as abordagens de ensino, a produção de material didático, as
ferramentas digitais de apoio; partindo sempre da proposta de uma escuta
ativa, de trabalho de escrita e reescrita, e contando com encontros com
convidados, o desejo da professora Priscila, do fortalecimento da diver-
sidade e da multiculturalidade, enfim, tomava corpo em sala de aula. Isso
porque, nas premissas do pensamento crítico, como processo interativo,
que exige participação tanto do professor quanto dos estudantes (hooks,
2020), a equipe de coordenadores, juntamente com as duas professoras

127
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

bolsistas supervisoras na Escola de Educação Básica Irmã Maria Teresa,


Mileidi Heiderscheidt (Inglês) e Regina Gomes de Oliveira Flor (Espa-
nhol), começaram a vislumbrar a possibilidade de uma inserção em sala
de aula, mesmo que de forma remota.
Cabe informar que nesta etapa de andamento do subprojeto, já em
2021, enquanto a UFSC mantinha-se remotamente, por conta da CO-
VID-19, as escolas estaduais de Santa Catarina oscilavam entre a forma
remota, a híbrida e, por fim, a presencial, que inviabilizou a continuidade
da proposta de alguns bolsistas. Após o primeiro período de observação
on-line, passou-se à elaboração das aulas. Para tanto, o Francês e o Ita-
liano uniram-se ao Espanhol, formando o grupo das Línguas Românicas,
realizando um trabalho interdisciplinar plurilingue. A atuação do grupo
se deu na escola Irmã Maria Tereza, em uma única aula síncrona, na
qual as três línguas foram apresentadas juntas. O relato das bolsistas do
Espanhol, do Francês e do Italiano, contam um pouco desse momento.

O princípio do envolvimento do sujeito na ação educativa


foi um dos alicerces fundadores para a criação de planos
de aulas remotas efetuadas pelo grupo de IDs do PIBID de
Línguas Estrangeiras da UFSC. [...] O grupo de pibidianos
das línguas românicas trabalhou com todas as turmas do
Ensino Médio, e, além do novo mundo do ensino remoto,
precisavam considerar, conforme citado, como trabalhar
três línguas ao mesmo tempo. Para a criação dos planos
de aula, foram necessários cerca de seis encontros entre os
IDs e durante um dos primeiros encontros, ficou definido
que, para integrar os estudantes nas atividades, seria feito
um formulário com opções de temas a serem discutidos
nas aulas, e, os mais votados entrariam em pauta. Os te-
mas mais votados foram a saúde mental e a imigração. A
temática da saúde mental foi cotada justamente por estar
relacionada ao momento em que passamos, e por questões
específicas ocorridas na escola: muitos alunos tendo o
desempenho escolar prejudicado por precisar trabalhar,

128
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

perda de pessoas próximas para a COVID, e tantas outras


situações. Já a temática da Imigração foi cotada, pois nas
turmas existem estudantes provenientes de outros países
como Haiti e Venezuela. Nesta mesma temática, há a
possibilidade de entrelaçar a temática da língua como
um fenômeno social, trazendo também a dificuldade dos
estrangeiros em se comunicar em nosso país, um país
que desafortunadamente prioriza o ensino de uma língua
estrangeira. Após avaliar toda a experiência promovida
pelo PIBID com os alunos do Ensino Médio da EEB Irmã
Teresa, foi aberto um espaço para o contato com outras
línguas estrangeiras, no caso o Italiano e o Francês. Essa
experiência foi super bem recebida pelos alunos, que
demonstraram interesse, principalmente pela falta de
contato com as ditas línguas, e que, ao final, ficaram muito
contentes com a experiência (Camilla Neves Fortes).5

Também importa trazer à tona o trabalho em equipe que


vem sendo desenvolvido por todos os integrantes: assim
como em meu estágio foi abordado esse assunto e sua
relevância, também percebo aqui a utilização da aprendi-
zagem colaborativa. [...] Como apontado, a abordagem é
essencial não somente para que os alunos a realizem, mas
tudo começa com o processo em conjunto feito pelos IDs
e pelos professores que coordenam o programa. É muito
gratificante observar um projeto tomando forma através
da contribuição de todos os seus participantes (Mylenna
Pimentel Sarmento).6

Durante o planejamento escolheu-se elaborar um tema


ligado às emoções e aos pequenos prazeres e alegrias que
cercam o ser humano. [...] Para isso, criou-se um material
plurilingue (Francês, Espanhol e Italiano) que conduziu
os alunos a relembrarem e colocarem em prática os
5 Fragmento do ensaio de Camilla Neves Fortes, bolsista Letras-Espanhol, disponível no Moodle
Grupos.
6 Fragmento do relato de Mylenna Pimentel Sarmento, bolsista Letras-Francês, disponível no
Moodle Grupos.

129
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

pequenos prazeres. Para tal, decidiu-se criar um vídeo


apresentando cada participante da subequipe línguas
românicas, utilizando as respectivas línguas faladas por
cada um deles. O material criado necessitou de algumas
habilidades adquiridas em outros tópicos mais teóricos
do projeto. Além disso, desenvolveram-se uma série
de atividades no Jamboard também contendo as três
línguas, concomitantemente, visando contemplar não
somente os aspectos multidisciplinares e plurilingues
do projeto, mas também evidenciar as diferenças e as
semelhanças entre as estruturas gramaticais e fonéticas
das línguas, não esquecendo jamais que uma prática em
língua estrangeira deve ser desenvolvida com qualidade
e eficiência e que um dos principais objetivos de uma
aula é fazer com que os alunos ponham em prática o que
aprenderam. Como dizem tantos educadores italianos,
tal qual Bruno Munari, ‘Se ascolto dimentico, se vedo
ricordo, se faccio capisco.’ A prática foi planejada
visando relembrar a todos que as alegrias das pequenas
coisas despertam nossos sentimentos positivos (Mariele
Lúcia Tortelli).7

A bolsista Mariele ressalta também a importância do projeto para


sua formação docente8.

Mas, o florescer desta árvore ainda estava por vir. Foi


durante a implementação dessas atividades que as bor-
boletas se reviraram no estômago, pois, quando se põe
os pés ou, atualmente, se faz login, em uma sala de aula,
por mais experiência que o professor tenha: não há como
não ficar nervoso! Saber se a prática será fluida, divertida,
7 Fragmento do relato de Mariele Lúcia Tortelli, bolsista Letras-Italiano, disponível no Moodle
Grupos.
8 Em A participação da língua italiana no Projeto Multidisciplinar PIBID/UFSC, texto enviado
para Revista Italiano UERJ (em apreciação) e apresentado como Comunicação Oral no Encontro
Internacional de Italianistas. e Professores de Italiano do Brasil (EIIPIB_Virtual, 2021), Bunn
& Tortelli discutem a importância da participação do Italiano em um projeto interdisciplinar
como este desenvolvido pelos professores da UFSC.

130
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

leve, lúdica, maçante, entediante; se os alunos vão ouvir,


compreender e colocar em prática as atividades; se irão
existir imprevistos técnicos ligados – presentes em maior
quantidade na modalidade on-line; se o que foi planejado
com antecedência, dedicação e carinho irá se desenvolver
dentro dos parâmetros adotados no plano; se algum fator
pessoal irá interferir no estado emocional do aluno ou do
professor, enfim, são tantos ses que são importantes nas
dinâmicas professor-aluno e ensino-aprendizagem. Mas,
apesar das dificuldades conseguiu-se dar uma aula em
três línguas diversas, mostrando que as várias reuniões,
discussões, idas e vindas até se chegar a um consenso
foram de suma importância para o sucesso da iniciativa.
Foi por meio de uma construção discursiva baseada na
troca de experiências entre os vários participantes do pro-
jeto que se desenvolveu um material rico e de qualidade.
Através dessa experiência pude aprender que dúvidas são
importantes, críticas devem ser bem fundamentadas e que
cada detalhe do planejamento e da implementação de um
projeto são importantes.
Finalmente vieram os frutos, os trabalhos finais escritos
pelos alunos, vários em Francês e Italiano. Esse resultado
foi surpreendente e animador e mostrou que mesmo com
as dificuldades é possível criar um ambiente democrático,
plural e múltiplo, no qual, o conhecimento não vibra na
frequência da concorrência, mas repercute explorando
ideias e culturas paralelamente (Mariele Lúcia Tortelli).9

A professora da turma de Espanhol, Regina Flor, da escola Irmã


Maria Tereza, na qual a proposta foi implementada, nos transmitiu por
aúdio os sentimentos dos alunos em relação a essa experiência trilíngue,
que transcrevemos a seguir na íntegra:

9 Fragmento do relato de Mariele Lúcia Tortelli, bolsista Letras-Italiano, disponível no Moodle


Grupos.

131
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Falando da participação do PIBID de Italiano e Francês


no Maria Tereza, nos anos de 2021 e 2022, foi uma ex-
periência muito legal para os estudantes porque muitos
dos estudantes, acredito que todos, nunca tiveram contato
algum com as duas línguas, o Italiano e o Francês, porque,
geralmente, no Ensino Básico, o que eles têm como língua
estrangeira moderna é o Inglês e, em algumas escolas
agora com o Novo Ensino Médio, o Espanhol. O estudan-
te opta por qualquer língua estrangeira, agora no Novo
Ensino Médio, como disciplina eletiva, porém, a maioria
está optando pelo Espanhol. Inclusive, eu fiz a discussão
na escola de, nos três anos do Novo Ensino Médio, que os
alunos tivessem aulas de Francês também porque eu vi que
eles foram bem receptivos. Nas atividades que foram feitas
pelos pibidianos, na época com a [turma] 301 e a 201, eles
alegavam que o Francês e o Italiano, geralmente, para ter
aula ou se ter contato, teria que ser uma escola de idiomas
e que, provavelmente, aquele contato que eles estavam
tendo ali através das atividades, seria a única vez. Foi,
provavelmente, a única oportunidade desses estudantes
terem contato com essas duas línguas estrangeiras, que é
o Francês e o Italiano. Inclusive, foi relato deles mesmos
acharem interessante de ouvirem as pibidianas falarem em
Francês, em Italiano. Foi proposta uma atividade onde eles
deviam bater uma foto deles fazendo alguma coisa que
eles gostassem muito, e muitos deles optaram pelo Fran-
cês, por acharem diferente. Eles mesmos relataram que
achavam o Francês uma língua muito bonita. E o Italiano
eles descreveram como uma língua muito semelhante ao
Espanhol, pois todos ali têm aula de Espanhol. (Regina
Gomes de Oliveira Flor, jun. 2022).10

A professora Regina nos traz algumas informações importantes,


que merecem ser destacadas. Ao afirmar que os alunos “nunca tiveram
contato algum com as duas línguas, o Italiano e o Francês” e que “foi,
10 Depoimento por áudio, jun. 2022).

132
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

provavelmente, a única oportunidade desses estudantes terem contato


com essas duas línguas estrangeiras”, a professora toca em um ponto de
discussão que emerge da falta de políticas públicas que valorize a história
dessas línguas em muitos contextos de imigração em nosso Estado. O
resultado é o espaço mínimo que essas línguas, bem como outras linguas
tidas como minoritárias, ocupam no currículo das escolas catarinenses.
O interesse pelo Francês e pelo Italiano, por exemplo, das turmas
envolvidas no projeto, é respaldado pelo relato da professora Regina
deixa isso muito evidente, pois ela percebeu quanto os seus alunos de
Espanhol foram receptivos ao grupo do PIBID, optando por realizar as
atividades em Francês e em Italiano. Cabe lembrar a reflexão de Oliveira
(2021), que em seu artigo Estudo para ampliação do atendimento de
uma segunda língua estrangeira nas escolas considerando a composição
étnica da região, discute pesquisa realizada pela Secretaria de Estado
da Educação junto às escolas atendidas pela Rede de Santa Catarina, e
indica um número de 349 escolas solicitando o ensino de Espanhol, 68
de Italiano, 47 de Alemão e 13 do Francês. Dessa forma, corroboramos
com a ideia de que “tal panorama sinaliza que as línguas estrangeiras que
compõem a realidade sociolinguística do estado, especialmente o alemão,
o espanhol e o italiano estão na memória da comunidade escolar, haja
vista a sinalização do interesse por essas línguas entre as disciplinas”
(OLIVEIRA, 2021, p. 422).
Mesmo sem a possibilidade de estar curricularmente nas escolas, a
democratização do Francês e do Italiano junto à comunidade próxima à
UFSC, por exemplo, em sua maioria, dá-se via estágios supervisionados,
coordenados pelo Departamento de Metodologia do Ensino, do Centro
de Ciências da Educação. As autoras desse texto coordenam projetos de
extensão (Nous parlons français e Italiano per Tutti) no qual são desen-
volvidas as ações de estágio já que, com exceção do Francês presente
no Colégio de Aplicação da UFSC, em nenhuma outra escola pública na
grande Florianópolis essas línguas são curriculares. Assim, os estágios
curriculares supervisionados são desenvolvidos em forma de projetos

133
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

de extensão, no contraturno em escolas, Ongs, Centros Comunitários


ou outros programas e projetos de extensão da própria UFSC, como o
NETI11 e o NILT12. Nous parlons français e Italiano per Tutti (@italia-
nopertutti.ufsc) são, assim como o PIBID Multidisciplinar, possibilidades
de democratização dessas línguas em espaços alternativos.

3. Relatos sobre as vivências

Aprender com os colegas também foi um grande ganho do processo.


Trocar referências, conhecer novos pensadores e olhares diferenciados
para o mesmo objetivo: a formação de professores que atuem de forma
crítica nas escolas básicas de educação. Outro fator relevante nessa
formação são as nossas experiências como alunos que moldam, de cer-
ta forma, o profissional que seremos, por isso propomos que cada um
compartilhasse sua história de aprendizagem de língua(s) estrangeira(s).
Saber a história de cada aluno em relação à LE, seus traumas, seus ídolos,
as marcas positivas e negativas auxilia no envolvimento e unificação do
grupo, bem como ajuda o futuro professor a traçar suas linhas de atuação,
a perceber quem quero e quem não quero ser junto a meu futuro aluno.
Vejamos alguns relatos escritos por IDs ainda no início do subprojeto,
em 2020.

11 O Núcleo de Estudos da Terceira Idade (NETI) foi criado em 1983 e, nesse núcleo, a UFSC
faz a mediação de um processo educacional no qual o idoso é protagonista de seu próprio
envelhecer, além de valorizar o potencial dos idosos socialmente produtivos. Entre as várias
ações estão também incluídos cursos de línguas.
12 O Núcleo Institucional de Línguas e Tradução (NILT), vinculado à Secretaria de Relações
Internacionais da UFSC (SINTER) foi criado em 2021 com o intuito de promover e fomentar
o processo de internacionalização da universidade por meio do desenvolvimento de Políticas
Linguísticas e cursos de línguas com enfoque internacional. Atualmente, o Núcleo oferece
cursos relativos às línguas Inglês, Português como língua estrangeira, Francês, Alemão, Italia-
no e Espanhol, voltados a estudantes, professores, TAEs e a comunidade externa. Os cursos,
ofertados de maneira presencial e remota, favorecem também a integração dos diversos Campi
da UFSC. O NILT prevê ainda a realização de atividades de tradução e a aplicação de exames
de proficiência, que ainda estão em fase de implementação. As professoras Clarissa e Daniela
coordenam a área do Francês e Italiano, respectivamente.

134
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Acredito que como todos que passaram pela escola pública,


tive aulas de Inglês e de Espanhol que me deram uma base
nestas línguas, mas que nunca me ensinaram propriamente
a falar nada. Minhas aulas não eram ruins, mas definitiva-
mente poderiam ser muito melhores, e isso me desmotivava
bastante. Tínhamos que aprender regras gramaticais e lidar
com frases sem contexto, ou então dentro de contextos
muito supérfluos como frases do cotidiano (um cotidiano
que não tinha nada a ver com o nosso – envolvendo pegar
trânsito, trabalhar num escritório e visitar shoppings, sen-
do que nossa cidade não tinha nenhuma dessas coisas) ou
relacionadas ao turismo (frases para usar em Nova York).
Alguns livros didáticos de língua estrangeira só têm frases
assim, e comigo, pessoalmente, não fazia nenhum sentido
(Luis Felipe Schlindwein).13

Nesses quase três anos de graduação o meu maior desafio


tem sido romper quaisquer crenças que dificultam a minha
melhor aprendizagem. Creio que o aprendizado de uma
segunda língua não se limita a gramática, léxico etc., o
que nunca pode ser desprezado é o contexto que cada
aluno tem, o conhecimento de mundo e as experiências de
cada um facilita ou dificulta essa aprendizagem em níveis
e momentos diferentes para cada um. Para mim esse é o
maior desafio do ensino de uma segunda língua, inserir
no plano de ensino o contexto de cada aprendiz e aplicar
isso na sala de aula dentro do possível, levando em conta
que normalmente não se tem tempo suficiente nem para
ensinar o elementar (Carlos Alberto Martins Gomes).14

Em contraponto com os relatos acima, que falam de experiências e


expectativas, o momento final de nosso projeto foi dedicado às vivências
no PIBID e como elas possibilitaram um entendimento multidisciplinar
de língua, ensino e aprendizagem. Dessa forma, os bolsistas foram con-
13 Relato de Luis Felipe Schlindwein, bolsista Letras-Inglês, disponível no Moodle Grupos.
14 Relato de Carlos Alberto Martins Gomes, bolsista Letras-Espanhol, disponível no Moodle
Grupos.

135
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

vidados a realizar um ensaio falando de suas experiências, muitos deles


apresentam-se na íntegra neste livro. Abaixo alguns trechos dos relatos
finais que demonstram o significado do PIBID para esses professores em
formação inicial, como a experiência plurilingue foi significativa, como
as propostas foram apreendidas e aproveitadas, como observar aulas com
um olhar voltado para o processo é um aprendizado, e como vivenciar
na prática os conceitos teóricos15:

Entre tantos momentos de reflexão que marcaram minha


jornada enquanto bolsista do Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação à Docência, acredito que o período de
observação das aulas de Inglês ministradas pela professora
Mileidi foi o que mais me marcou, devido ao nítido cari-
nho que ela tem pelos seus alunos — demonstrado a partir
da valorização da singularidade de cada um. Acredito que
isso me marcou devido à tão esperada união entre a teoria,
cuidadosamente discutida ao longo dos nossos encontros
remotos — os quais, mesmo sendo caracterizados pela
distância física, devido ao contexto de pandemia vivido de
2020 até o momento, ainda tornaram possível a existência
de uma conexão cada vez mais sólida entre os participantes
—, com a prática analisada durante o momento de ensino.
Em vista disso, este ensaio tem o objetivo de propor uma
reflexão acerca de uma perspectiva que impactou minha
formação docente: a importância de buscar compreender
as singularidades de cada aluno para que, a partir deste
movimento de conscientização (e valorização), alunos e
professores se engajem em um processo de transformação
e aprendizado mútuo (Letícia Carolina Batista).16

15 Cabe ressaltar que muitos dos fragmentos dos relatos colhidos na plataforma Moodle, em
março de 2022, para este artigo, estão também apresentados nesta coletânea, por seus autores,
na forma de ensaio.
16 Fragmento do ensaio de Letícia Carolina Batista, bolsista Letras-Inglês, disponível no Moodle
Grupos.

136
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Por meio de encontros semanais, recebemos dos professo-


res e coordenadores instruções pedagógicas, orientações
acerca dos vários enfoques pelos quais se pode ensinar
uma segunda língua, e informações sobre planejamento,
organização e mobilização docente com as quais podemos
informar nossas intervenções. Há também, em diversos
momentos das reuniões, a socialização e discussão de
ideias fundamentadas nas teorias de educação e pedagogia
pelas quais o projeto se estrutura. Retomando a experi-
ência neste semestre, os bolsistas, de maneira embasada
e informada, recebem o amparo teórico e metodológico
necessário para construir suas reflexões acerca do proces-
so de ensino aprendizagem. Além dos recursos teóricos,
as atividades de sistematização de ideias, a formulação
de ensaios autorreflexivos e as vivências dos bolsistas
no meio da educação, como professores e também como
alunos, são imperativos para o processo de iniciação à
docência, uma vez que refletir sobre a sua própria jornada
oportuniza idealizar mudanças, autocriticar-se e relem-
brar de momento das experiências que formaram quem
se é hoje, sendo bolsista, aluno, professor e ser humano.
Dessa maneira, constatamos que as inúmeras vivências
educacionais, e as reflexões acerca das mesmas, foram
(e adiciono que são) necessárias para o entendimento do
ensino e aprendizagem de línguas como elementos mul-
tidisciplinares (Joana Menin Dezewielewiski).17

A partir das reflexões que as reuniões do PIBID trouxeram,


entendemos mais sobre o funcionamento do ensino-apren-
dizagem dentro das escolas públicas. Nos questionamos:
como fazer a inclusão multidisciplinar entre eles e o ensino
de língua? [...] Através desse entendimento começamos a
perceber como se forma um ensino-aprendizagem e mais
importante com a característica de multidisciplinaridade.
Pensar em como criar um objeto de aprendizagem, como
17 Fragmento do ensaio de Joana Menin Dezewielewiski, bolsista Letras-Inglês, disponível no
Moodle Grupos.

137
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

por exemplo as tarefas, foi o primeiro passo para pensar em


outros conceitos básicos de um ensino multidisciplinar e
também pudemos aplicá-lo já que temos dentro do próprio
PIBID multilingue, assim começamos a pensar além do
ensino de língua espanhola e passamos a pensar em como
introduzir as línguas italiana e francesa, até então desconhe-
cidas pelos alunos da escola na qual trabalhamos. Dado o
primeiro passo na aprendizagem de formação e reflexões
entre os pibidianos, ingressamos nas reflexões sobre a
inclusão e como aplicá-la junto ao entendimento multidis-
ciplinar de língua, ensino-aprendizagem, temos então um
outro conceito, o de língua-cultura. Ao entender que dentro
do ensino de línguas, é imprescindível ter a cultura presente,
ampliamos o entendimento de um ensino multidisciplinar
e inclusivo, para que ele seja também intercultural (Aila
Lima do Nascimento Reis).18

Passando para um ambiente de conexão entre a Escola e a


Academia (universidade), no qual algumas destas questões
emergem mais consolidadamente, é possível, através de
uma vivência como pessoa negra, perceber o choque entre
a realidade e a tentativa de ‘combate’ às suas opressões
na mesma esfera sistêmica. Como bolsista do Projeto
Multidisciplinar PIBID Línguas Estrangeiras/Adicionais,
pude participar de reflexões e debates conjuntos que me
proporcionaram um entendimento mais profundo sobre
Decolonialidade em sala de aula e compreensões contex-
tualizadas do cenário educacional atual. No decorrer do
projeto, em contato mais contínuo com o tema em tópicos
como ‘A Escola e a perspectiva Intercultural no ensino de
línguas’, compreendi a necessidade de ir para além do dis-
curso. ‘Ir para além do discurso’ pode ser entendido como
modificar estruturas tão ‘básicas’, naturalizadas, mas que
fazem a diferença (Laura Cassol Salaverry Del Busto).19
18 Fragmento do ensaio de Aila Lima do Nascimento Reis, bolsista Letras-Espanhol, disponível
no Moodle Grupos.
19 Fragmento do ensaio de Laura Cassol Salaverry Del Busto, bolsista Letras-Espanhol, disponível
no Moodle Grupos.

138
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Acredito que o maior saldo positivo de todos esses quase


um ano e meio de PIBID foi o contato com as diferen-
tes realidades. Conheci muitas pessoas com diferentes
backgrounds, diferentes formações, aspirações, sonhos
e ideais. [...] Acredito que as relações humanas que ex-
perienciei no PIBID podem ser vistas como importante
contribuição para formação docente oriundas de uma
experiência de iniciação à docência. Isso porque a ini-
ciação à docência permite ao estudante a compreensão de
diversas formas de ensinar e enxergar o ensinar (Beatriz
Alissa Alves Silva).20

Concernente ainda aos encontros formativos, foi muito


bacana a experiência de conhecer um pouco mais sobre
o debate acerca da decolonialidade no ensino de línguas,
e entender mais sobre a perspectiva que os docentes e
discentes de Língua Espanhola puderam trazer. Acho
muito válido ressaltar aqui que entrei no PIBID no mes-
mo semestre em que iniciei a disciplina de Estágio I em
meu curso de Francês, o que foi muito importante para o
meu processo como estudante e professora em formação.
Graças a essas duas experiências concomitantes, pude
perceber que, em diversos momentos, o conteúdo que eu
aprendia em uma delas, se fixava através da outra, ou mes-
mo se complementavam (Mylenna Pimentel Sarmento).21

Olhando para trás, percebo que o PIBID não somente


abre portas, ele expande os horizontes dos graduandos.
Antes disso, existe todo um trabalho minucioso promovido
pelos coordenadores em relação às atividades a serem
desenvolvidas para que elas cumpram com os objetivos
do projeto. Tudo tem um porquê, cada unidade trabalhada
no ambiente virtual Moodle Grupos ajuda o graduando
a entender mais sobre diferentes áreas de pesquisa em
20 Fragmento do ensaio de Beatriz Alissa Alves Silva, bolsista Letras-Inglês, disponível no
Moodle Grupos.
21 Fragmento do ensaio de Mylenna Pimentel Sarmento, bolsista Letras-Francês, disponível no
Moodle Grupos.

139
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

línguas estrangeiras e adicionais e em educação, o que


é fundamental para a construção de uma carreira como
docente. Sem esse aporte teórico não teria sido possível
realizar as práticas interdisciplinares e plurilingues apli-
cadas no ambiente escolar (Mariele Lúcia Tortelli).22

Com estes relatos fizemos questão de ressaltar alguns pontos le-


vantados pelos pibidianos acerca da experiência multidisciplinar que
corroboram com o objetivo deste texto, o de avaliar como ela deu-se na
prática e quais possíveis ganhos. Ao trazer essas vozes para o texto, foi
possível entender como essa experiência de trabalho plurilingue contri-
buiu com a formação docente dos bolsistas e com a formação continuada
dos professores envolvidos. Iniciativas como a proposta interdisciplinar
visam gerar esse olhar crítico para a educação, esse olhar pontual para
o microuniverso da sala de aula, para que nossos pibidianos, em suas
práticas educativas, possam chegar em sala de aula com propostas signi-
ficativas de trabalho e não, como lembra Freire, com “Lições que falam
de Evas e de uvas a homens que às vezes conhecem poucas Evas e nunca
comeram uvas” (FREIRE, 2021, p. 137). Segundo Tramonte (2006, p.
98) “o ensino da língua estrangeira não é um ‘território neutro’ do saber,
mas pode representar um campo fértil da atuação crítica, propositiva e
democratizante”.

Considerações finais

Este texto se pensou no processo de olhar para o caminho percorrido,


as vozes ocultas no projeto, as poucas câmeras abertas, o chat, as tarefas,
os desejos e os anseios de fazer a diferença em sala de aula. Foi um ano
muito especial, atípico mesmo. Nunca ninguém imaginou que fôssemos
passar pelo o que a humanidade passou a partir do mês de março de 2020.
Como escrevem Wielewicki, Arvey e Zotis (2020),
22 Fragmento do relato de Mariele Lúcia Tortelli, bolsista Letras-Italiano, disponível no Moodle
Grupos.

140
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

é um momento complexo e delicado que exige uma res-


posta firme, ponderada e oportuna da sociedade como um
todo. Muitas vezes, porém, quando há implicações para a
educação, a responsabilidade é transferida para escolas e
educadores, não raramente sem o adequado provimento
de recursos, como se boa vontade, por si só, fosse capaz
de produzir soluções (WIELEWICKI; ARVEY. ZOTIS,
2020, p. 137).

Neste projeto, encontramos profissionais dedicados, preocupados


e comprometidos com o fazer docente. Nas palavras de Paulo Freire,
em Educação como prática da liberdade (2021), o que caracteriza o
comportamento comprometido é a capacidade de opção, que exige um
certo teor de criticidade, é quando o indivíduo torna-se sujeito e não mais
objeto, segundo ele. Na década de 1960, Freire já afirmava, “Estávamos
convencidos, e estamos, de que a contribuição a ser trazida pelo educador
brasileiro à sua sociedade [...] haveria de ser a de uma educação crítica
e criticizadora” e “A da pesquisa em vez da mera, perigosa e enfadonha
repetição de trechos e de afirmações desconectadas das suas condições
mesmas de vida. A educação do ‘eu me maravilho’ e não apenas do ‘eu
fabrico’” (FREIRE, 2021, p. 113 e 122).
Quase sessenta anos depois, o que mudou na mentalidade da
formação de professores, nas instituições, nos cursos de licenciatura?
Muito se fala de decolonidade, ensino crítico, propostas interculturais,
o professor como intelectual, no entanto, é preciso se perguntar: de que
forma colocar isso em prática, de maneira a ultrapassar a perspectiva do
ensino tradicional?
Professoras como as que tivemos em nosso projeto são exemplos
de atitudes que fazem a diferença, que olham para o aluno com um olhar
acolhedor, entendem o contexto, mas não deixam de criar o desafio crí-
tico e a participativo. Para Freire, “não há nada que mais contradiga e
comprometa a emersão popular do que uma educação que não jogue o

141
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

educando às experiências do debate e da análise dos problemas e que não


lhe propicie condições de verdadeira participação” (FREIRE, 2021, p.
123). Nosso compromisso como professores de língua estrangeira, mesmo
que em algumas realidades tenhamos apenas quarenta e cinco minutos
semanais, como é o caso do Italiano, do Francês, e de outras línguas, é o
de sermos educadores. Além de nos preocuparmos com léxico, verbos,
frases e situações aparentemente comunicativas, ou contextos supérfluos,
como apontou nosso bolsista, é primordial conhecermos o contexto dos
alunos, escolher temas com os quais eles se sintam próximos, que lhes
diz algo para além do formalismo linguístico, e, principalmente, saber
administrar a heterogeneidade presente na sala de aula. Por exemplo,
ao ensinar os meses do ano, falar de seus aniversários, de suas estações
preferidas, dos dias da semana preferidos e por quais motivos são os
preferidos. Como desenvolver também o letramento em aulas de línguas
estrangeiras e ali construir um diálogo singular que prioriza o ser social
que é o nosso aluno é um de nossos grandes desafios.

* Agradecemos ao DLLE pela concessão das bolsas de Italiano e


Francês e à professora Leandra, por pleiteá-las incansavelmente, junto
ao Colegiado dos cursos de Letras. Agradecemos às múltiplas vozes
que compuseram esse texto e que se tornaram referências para nosso
trabalho. Merci e grazie mille!

Referências

BAILER, C.; TOMITCH, L. M.; D´ELY, R. C. S. F. . O planejamento como processo


dinâmico: a importância do estudo piloto para uma pesquisa experimental em
linguística aplicada. Intercâmbio, São Paulo, v. 24, p. 129-146, 2012.
D´ELY, Raquel. C. S. F.; GIL, Glória. Investigating the impact of an ELT
Methodology Course on student-teachers’ beliefs, attitudes and teaching practices.
The Especialist, São Paulo, v. 26, n.1, p. 23-53, 2006.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 49. ed. São Paulo: Paz &
Terra, 2021.

142
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

GARCIA, Adir V.; D´AGOSTINI, Adriana (orgs.). Reflexões sobre a formação de


professores e o Pibid-UFSC. Tubarão: Copiarte, 2014.
hooks, bell. Ensinando pensamento crítico: sabedoria prática. São Paulo: Elefante,
2020.
MENDES, Edleise. A ideia de cultura e sua atualidade para o ensino-aprendizagem
de Le/L2. EntreLínguas, Araraquara, v.1, n.2, p. 203-221, jul./dez. 2015.
MENDES, Edleise O. S. Abordagem comunicativa intercultural (ACIN): uma
proposta para ensinar e aprender língua no diálogo de culturas. 2004. 432f. Tese
(doutorado em Linguística Aplicada) – Programa de Pós-Graduação em Linguística
Aplicada. Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2004.
OLIVEIRA, Leandra C. de. Por uma perspectiva plural das línguas estrangeiras na
formação escolar. Porto Das Letras, Porto Nacional, v. 7, n. 1, p. 401-426, 2021.
TRAMONTE, Cristiane. Desafios para a democratização da prática de ensino de
línguas estrangeiras - experiências de construção da cidadania. In: DIAS, Maria
de Fátima Sabino; SOUZA, Suzani Cassiani de; SEARA, Izabel Christine (orgs.).
Formação de Professores - Experiências e Reflexões. Florianópolis: Letras
Contemporâneas, 2006.
WIELEWICKI, Hamilton de Godoy; ARVEY, Sarah A.; ZOTIS, Vanice Rosa.
Pandemia e esperança transformadora em educação. In: LACERDA, T. E.;
TEDESCO., A. L. (Eds.). . Educação em Tempos de COVID-19: desafios e
possibilidades, v. 2, 1. ed. Curitiba: Bagai, 2020. p. 131–154.

143
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

PIBID: DA INICIAÇÃO À DOCÊNCIA AO REPENSAR A


FORMAÇÃO COMO UM ESPAÇO COMPARTILHADO

Priscila Fabiane Farias1


Hamilton de Godoy Wielewicki2
Raquel Carolina de Souza Ferraz D’Ely3
Mileidi Heiderscheidt4

1. Introdução

O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PI-


BID é uma iniciativa de política pública no campo da formação
de professores(as). Suas origens datam de 2007, mas o PIBID foi efeti-
vamente criado através do Decreto nº 7.219, de 24 junho de 2010, que
definiu como objetivos do programa:
1 Doutora em Estudos Linguísticos. Professora do Departamento de Metodologia de Ensino (MEN)
da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Coordenadora do PIBID Multidisciplinar
Línguas Adicionais UFSC – área língua inglesa (2020-2022). E-mail: priscila.farias@ufsc.br.
2 Doutor em Educação. Professor do Departamento de Metodologia de Ensino (MEN) da Uni-
versidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Coordenador do PIBID Multidisciplinar Línguas
Adicionais UFSC – área língua inglesa (2020-2022). E-mail: h.g.wielewicki@ufsc.br.
3 Doutora em Letras/Inglês e Literatura Correspondente. Professora do Departamento de Língua
e Literatura Estrangeiras (DLLE) e do Programa de Pós-Graduação em Inglês: Estudos Linguís-
ticos e Literários (PPGI) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Coordenadora do
PIBID Multidisciplinar Línguas Adicionais UFSC – área língua inglesa (2020-2022). E-mail:
raqueldely@gmail.com.
4 Especialista em Inglês. Professora na Escola Básica Municipal Vereadora Albertina Krummel
Maciel (São José) e Escola de Educação Básica Irmã Maria Teresa (Palhoça). Supervisora do
PIBID Multidisciplinar Línguas Adicionais UFSC – área língua inglesa (2020-2022). E-mail:
2012catarina35@gmail.com.

144
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

I - incentivar a formação de docentes em nível superior


para a educação básica;
II - contribuir para a valorização do magistério;
III - elevar a qualidade da formação inicial de professo-
res nos cursos de licenciatura, promovendo a integração
entre educação superior e educação básica;
IV - inserir os licenciandos no cotidiano de escolas
da rede pública de educação, proporcionando-lhes
oportunidades de criação e participação em experiên-
cias metodológicas, tecnológicas e práticas docentes
de caráter inovador e interdisciplinar que busquem a
superação de problemas identificados no processo de
ensino-aprendizagem;
V - incentivar escolas públicas de educação básica,
mobilizando seus professores como coformadores
dos futuros docentes e tornando-as protagonistas nos
processos de formação inicial para o magistério; e
VI - contribuir para a articulação entre teoria e prática
necessárias à formação dos docentes, elevando a qualidade
das ações acadêmicas nos cursos de licenciatura.
(BRASIL, 2010, Art. 3o, grifo nosso).

Como se vê, o foco do PIBID, desde sua gênese, não está apenas
na formação, mas num modelo no qual a Educação Básica e a Educação
Superior colaborem mutuamente em uma relação simétrica na formação
de professores, de tal modo que os impactos desse trabalho conjunto
possam ser percebidos em ambos os espaços.
A primeira edição do PIBID, antes ainda do decreto5, foi voltada a
estudantes dos cursos de licenciatura em Biologia, Física, Matemática
e Química de universidades federais brasileiras, com todas as demais
licenciaturas atuando apenas de forma complementar. Contudo, logo em
seguida, os editais passaram a incorporar como prioritárias outras áreas
5 Há alguma imprecisão nas informações e uma consulta ao sítio do PIBID no Portal da CAPES
ajuda a esclarecer que o início efetivo do funcionamento do PIBID se dá através do Edital
MEC/CAPES/FNDE PIBID 2007, de 12 de dezembro de 2007 para início em 2008 e 2009.

145
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

e, na sequência, a incluir também universidades estaduais, depois as co-


munitárias e, por fim, mesmo instituições privadas com fins lucrativos.
No auge do programa, em torno de 2013, o PIBID chegou a oferecer
mais de 90 mil bolsas, porém o programa foi passando por cortes até as
atuais cerca de 30 mil bolsas. Regido por editais e, portanto, suscetível a
mudanças de políticas de governo, as grandes mobilizações em defesa do
PIBID, que aconteceram de 2016 em diante por todo o país, tiveram e têm
tido como principal bandeira a transformação do PIBID em política de
estado, logo, menos suscetível a cortes e ameaças discricionárias. Sobre
este ponto é necessário acrescentar que, apesar das avaliações positivas
do programa, essa luta tem avançado com dificuldades.
A Universidade Federal de Santa Catarina participa do PIBID
desde a primeira edição. Neste contexto, a área de línguas adicionais6,
representada pelos subprojetos Espanhol e Inglês, tem participado inin-
terruptamente desde 2010, construindo interação efetiva com escolas
públicas estaduais e municipais nas cidades de Florianópolis e São José.
Ao longo da história do PIBID na UFSC, embora as áreas de Espanhol
e de Inglês tenham traçado caminhos relativamente distintos, muitos
aspectos em comum se salientam: a concepção de língua como prática
social, a incorporação do conceito de línguas adicionais e a compreen-
são da importância de que a perspectiva do multilinguismo estivesse no
horizonte dos respectivos subprojetos. Neste sentido, cabe ressaltar que
foram estes, também, os aspectos norteadores do subprojeto proposto
para o Edital de 2020, tendo o subprojeto nesta edição uma característica
multidisciplinar: Espanhol e Inglês trabalhando juntos, com a colaboração
das áreas de Francês e Italiano que, mesmo não contempladas com bolsas
pelo edital, somaram-se ao grupo7.
Foi neste contexto que, na transição entre editais em março de 2020,
o mundo foi surpreendido pela pandemia de COVID-19, com a suspensão
6 Optamos aqui por usar o termo línguas adicionais de maneira a evitar reforçar a ideia de que
uma língua pode ser estrangeira e, portanto, estranha a alguém.
7 Vale informar que, em 2022, também o Alemão passa a fazer parte do subprojeto multidisci-
plinar, desta feita com possibilidade de contemplação com bolsa, junto com a área de Francês.

146
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

das atividades presenciais em escolas de quase todos os países por tempo


indeterminado. Entre atônito e perturbado, o mundo se perguntou: o que
fazer diante de uma situação dessas? A dúvida e a preocupação não foram
diferentes para o PIBID, especialmente pela clareza de que a iniciação à
docência (bem como a formação, como um todo) é um processo que não
prescinde de modo algum do contato problematizado com o ambiente de
trabalho onde a docência acontece. Se já há dificuldades para conceber
a educação sem a relação mediada presencialmente entre aprendizes e
docentes, envolvendo a comunidade escolar num sentido ampliado, muito
maior é o desafio de construir pontes quando não se pode contar – ao
menos num horizonte próximo – com esse contato. Assim, o primeiro
desafio encontrado pelo subprojeto multidisciplinar e multilingue das
línguas adicionais no PIBID UFSC foi garantir, antes de tudo, que o bem
estar físico e mental de todos estaria à frente das preocupações. Além
disso, seria preciso trabalhar um dia de cada vez, mas sem perder de
perspectiva tudo o que poderia estar se avizinhando. Ao mesmo tempo,
como a situação da pandemia se agravava nitidamente a cada dia, uma
abordagem realista da situação demandava pensar em uma solução que
pudesse resistir à dinâmica dos fatos e, da mesma forma, potencializar
que aquilo que porventura viesse a acontecer fizesse parte do repertório
formativo de todas as pessoas envolvidas.
Em meio a tantas preocupações e questões para se considerar, ha-
via também a necessidade de construir um espaço de atuação para que
o subprojeto pudesse acontecer, ainda que de maneira emergencial. A
busca de parceria para a realização do PIBID nos levou a escolas em
dois municípios, mas a alternativa que frutificou teve relação tanto com
podermos contar com professoras parceiras de Inglês e de Espanhol da
mesma instituição, quanto pelo papel destacado que essa escola estadual
ocupa no seu entorno. Localizada na periferia do município de Palhoça,
a escola parceira no edital de 2020, EEB Irmã Maria Teresa, é uma alter-
nativa fundamental de escolarização secundária para a região do bairro
Ponte do Imaruim. Com mais de 1400 estudantes (dados de 2018), a

147
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

escola tem alta procura, sabidamente em função do aporte de qualidade


que tem buscado imprimir em suas atividades, destacando-se pelo per-
centual bastante satisfatório de estudantes aprovados, por exemplo, no
vestibular da UFSC, em relação ao total de inscritos, que é em torno de
20% (dados de 2022).
Cabe ressaltar aqui que, mesmo com toda articulação, a escola
também se viu desafiada a produzir alternativas para a permanência de
seus estudantes durante a pandemia e, nesse sentido, empreendeu esfor-
ços consideráveis para criar um ambiente de acolhimento que fizesse
sentido. Foi nesse cenário que bolsistas do Subprojeto Multidisciplinar
PIBID de Línguas Adicionais foram recebidos, de tal modo que, mesmo
funcionando remotamente, com atividades síncronas e assíncronas, a
escola, bem como seu corpo docente e administrativo, se abriram para
receber as atividades do PIBID.
Mediante o cenário delineado, o desafio colocado para o subprojeto,
portanto, tinha a ver com a ideia de constituição de um espaço no qual
a profissão docente, com todas as dificuldades e questões trazidas pela
pandemia, viesse a fazer parte do repertório da formação do conjunto
de bolsistas PIBID, num movimento de mútua implicação e de compro-
misso entre todas as pessoas envolvidas. Neste sentido, não se tratava
apenas de mitigar efeitos da pandemia mas, sobretudo, de constituir
aprendizagens que fizessem sentido diante desse quadro. Assim, a ideia
que passou a ganhar corpo foi a de criar um ambiente seguro, por meio
do qual se pudesse pensar a docência em um espaço compartilhado,
acolhedor e problematizador daquilo pelo que escolas, universidades,
docentes, estudantes e comunidades pudessem estar passando. É nesse
quadro de referência que o Subprojeto Multidisciplinar PIBID de Línguas
Adicionais se estruturou, partindo de diálogo intenso, continuado e plural.
Até aqui, o que trouxemos foi uma recapitulação da trajetória per-
corrida pelo Subprojeto Multidisciplinar PIBID de Línguas Adicionais
na UFSC, iniciada em 2020. Nossa tentativa com esta introdução foi a de

148
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

contextualizar aspectos que constituíram a origem e as singularidades do


subprojeto, de maneira a compreender a complexidade e a caracterização
do que se viveu no período de desenvolvimento do projeto. Neste sentido,
a partir de agora, nosso texto direciona o foco de discussão para a expe-
riência vivida durante os dezoito meses do subprojeto, com o objetivo
principal de retomar os caminhos construídos coletivamente e trilhados
pela equipe de língua inglesa – formada por docentes da universidade e
da escola, nas funções de coordenação e supervisão, respectivamente,
bem como estudantes do curso de Letras Inglês – na tentativa de argu-
mentar a favor de uma formação docente como um espaço compartilhado,
isto é, que seja democrática, humanizada e plural para todas as pessoas
envolvidas neste processo.

2. A trajetória da equipe de língua inglesa

Participar do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Do-


cência exige a compreensão de que há necessidade de estreitar a relação
entre teoria e prática, compreensão esta pautada pelo entendimento de
que “prática sem teoria é ativismo impensado; por outro lado, teoria sem
prática pode levar a um verbalismo idealista e vazio” (TAGATA, 2018,
p. 257, nossa tradução). Neste sentido, entende-se aqui que a docência é
inerentemente permeada pela práxis (FREIRE, 1970), conceito freireano
que compreende esta relação como um movimento não linear e contínuo
de reflexão e ação docente. Por outro lado, é preciso reconhecer que
esta relação entre teoria e prática é também desafiadora (ELLIS, 1995),
sendo um movimento que envolve relações de poder, diferentes vozes
e diferentes lugares em que são construídos os discursos do aprender-
-ensinar (KRAMSCH, 1995). Dessa forma, hooks (1994) ressalta que
“engajar-se no diálogo é uma das maneiras mais simples que podemos
começar como professores, acadêmicos e pensadores críticos a cruzar
fronteiras, as barreiras que podem ou não ser erguidas por raça, gênero,
classe, posição profissional e uma série de outras diferenças” (hooks,

149
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

1994, p. 130, nossa tradução).


Norteada pela relevância e possibilidades muitas do diálogo crítico
para formação docente, a equipe constituída por docentes e estudantes
de língua inglesa construiu seus caminhos no subprojeto multilingue
do PIBID. Antes de mais nada, é importante reiterar novamente que é
objetivo do PIBID a construção coletiva de saberes sobre o fazer do-
cente entre todas as pessoas envolvidas; isto é, docentes da escola e da
universidade e estudantes dos cursos de licenciatura (BRASIL, 2020).
Neste sentido, entende-se que o fazer informado deva fazer parte deste
processo formativo, ou seja, o fazer advindo do conhecimento teórico,
mas também deflagrado por meio da prática, onde todos possam se en-
gajar como agentes em movimentos relevantes de produção de saberes;
possam questionar suas práticas, o que se constitui em um instrumento
para contínuo aprendizado; e, por fim, possam vivenciar este processo de
maneira que leve ao empoderamento, uma vez que perguntas feitas e res-
postas co-construídas possam conversar e fazer sentido para os contextos
de ação. Assim sendo, movidos por esta perspectiva que se encontra no
coração da Linguística Aplicada como campo de conhecimento (MOI-
TA LOPES, 1996), a equipe de língua inglesa construiu caminhos para
pensar e agir no contexto da prática docente, com um olhar sensível para
a observação e a reflexão que, por sua vez, vem para informar o planejar
e o agir, gerando ainda mais reflexão.
De maneira a compreender a trajetória trilhada pela equipe de língua
inglesa no Subprojeto Multidisciplinar PIBID de Línguas Adicionais, é
necessário recapitular, inicialmente, a vivência do subprojeto como um
todo, já que as diversas escolhas feitas pela equipe de língua inglesa são
também reflexo das perspectivas compartilhadas e concebidas pelo grande
grupo. Aqui, portanto, cabe ressaltar novamente o caráter multilíngue
do subprojeto de línguas adicionais desenvolvido na Universidade Fe-
deral de Santa Catarina, proposta esta que, coconduzida pelos cursos de
licenciatura em Letras Espanhol, Francês, Inglês e Italiano, buscou: 1)
valorizar a diversidade e multiculturalidade, proporcionando espaços de

150
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

integração entre as línguas e suas especificidades de forma contextuali-


zada e significativa; 2) possibilitar a troca e construção do conhecimento
por meio da coletividade e do diálogo crítico entre estudantes e docentes
das diferentes línguas adicionais, contribuindo para a formação e a pro-
moção da ciência sobre o fazer docente; e 3) valorizar as licenciaturas
em línguas adicionais da UFSC, que tem uma realidade formativa para
além do Inglês e do Espanhol (únicos contemplados pelo edital 2020
do PIBID), funcionando assim como espaço também de resistência e
agência. Cabe aqui relembrar novamente o contexto singular no qual
o subprojeto foi conduzido: durante a pandemia da COVID-19, o que,
dentre outras implicações, ocasionou a necessidade de ações realizadas
no modo remoto por toda a equipe, seja nos encontros promovidos pelo
subprojeto, seja na própria escola parceira.
Em virtude dos aspectos ressaltados, os movimentos construídos
pelo grande grupo do Subprojeto Multidisciplinar PIBID de Línguas
Adicionais foram realizados em resposta às necessidades contextuais que
foram se configurando ao longo dos quase dois anos de PIBID. Assim
sendo, o que trazemos nesta seção é uma discussão destes movimentos,
na tentativa de fazer sentido da caminhada trilhada pela equipe de língua
inglesa.
Durante os meses de Outubro a Dezembro de 2020, que demarcaram
o início do subprojeto, o grande grupo (formado por docentes e estudantes
dos cursos de Espanhol, Italiano, Francês e Inglês, todos participantes do
subprojeto) concentrou esforços em três aspectos principais: 1) identifi-
cação de expectativas e crenças sobre o fazer docente e sobre o próprio
PIBID, de maneira a delinear possibilidades de atuação e ação futuras,
2) compreensão inicial do contexto de ensino do subprojeto: a Escola
de Educação Básica Irmã Maria Teresa, e 3) compreensão preliminar
sobre algumas teorias que informam o fazer docente crítico do professor
de línguas adicionais (por exemplo: o que é escola, a perspectiva inter-
cultural do ensino de línguas, abordagens para o ensino de línguas, o
uso de tecnologias no/para o ensino de línguas). Em seguida, durante o

151
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

primeiro semestre letivo do ano de 2021, o grande grupo concentrou-se,


primeiramente, em aprofundar as discussões e ações iniciadas em 2020,
preparando-se para a segunda etapa do subprojeto que envolveu movi-
mentos de prática docente na escola. Esta segunda etapa se deu no final
do primeiro semestre de 2021, quando bolsistas de iniciação à docência
(doravante denominados IDs) participaram das aulas remotas de Inglês e
Espanhol das professoras da escola, produzindo relatórios reflexivo-crí-
ticos sobre as observações feitas, relatos estes que foram compartilhados
e discutidos entre o grande grupo. Este movimento resultou, então, em
uma etapa de planejamento, que objetivou o desenvolvimento de uma
proposta de ação do PIBID na escola. Neste momento, o grande grupo
do subprojeto se dividiu em duas equipes de trabalho: equipe de língua
inglesa, formada por IDs, coordenadores e supervisora do Inglês, e equipe
de línguas românicas, formada por IDs, coordenadoras e supervisora do
Espanhol, Italiano e Francês.
A trajetória trilhada pela equipe de língua inglesa foi pautada nos
seguintes princípios norteadores: 1) Análise de Necessidades (LONG,
2015) e Análise Crítica de Necessidades (BENESCH, 1996; CROOKES,
2013), 2) Planejamento cíclico, contextualizado e democrático (WOO-
DS, 1996; VASCONCELLOS, 2014; MELO; URBANETZ, 2012), e 3)
Ação reflexiva (FREIRE, 1970; HOOKS, 2020). Estes princípios, bem
como as ações realizadas pela equipe norteadas por estes preceitos, serão
detalhados a seguir.
Conforme aponta Long (2015), a condução de um processo de
análise de necessidades deve ser o primeiro passo de qualquer movi-
mento pedagógico, na tentativa de centralizar a experiência de ensino e
aprendizagem no estudante e, dessa forma, possibilitar o reconhecimento
de diferenças individuais e de grupo, bem como da responsabilidade
em atender as necessidades de estudantes. Oferecendo uma perspectiva
crítica ao termo, Crookes (2013) explica que a análise crítica de neces-
sidades é um movimento contínuo e informativo que acontece durante
todo o fazer docente visando a compreensão detalhada do contexto de

152
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

ensino, de maneira a informar a ação dos envolvidos no processo de


aprender-ensinar. Neste sentido, conforme ressalta Benesch (1996), a
análise crítica de necessidades trata de um processo que vai além da
identificação de necessidades e interesses de estudantes no início de um
período letivo, já que o propósito é analisar, compreender criticamente e
agir sob as diferentes camadas que constituem o contexto de ensino e que,
portanto, podem impactar a prática docente e a relação docente-discente.
Assim sendo, a análise crítica de necessidades compreende movimen-
tos diversos, tais como leitura e discussão de documentos norteadores,
aplicação de questionários e entrevistas com agentes do contexto, pro-
posição negociada de proposta de atuação, observação reflexivo-crítica
do contexto em suas diversas instâncias, além de ação reflexiva sobre as
informações identificadas, entre outros.
No caso da trajetória trilhada pela equipe de língua inglesa, o mo-
vimento de análise crítica de necessidades foi realizado, inicialmente,
juntamente com o grupo do subprojeto como um todo, durante os meses
de Outubro de 2020 à Julho de 2021, período no qual, conforme descrito
anteriormente, buscou-se identificar e compreender aspectos relevantes
do contexto de ensino e do fazer docente de uma perspectiva mais ampla.
A partir de Agosto de 2021, a equipe deu início a segunda fase da análise
crítica de necessidades, focando nas especificidades e particularidades
encontradas a partir das oportunidades que surgiram com as aulas da
professora de Inglês, Mileidi. Assim sendo, neste processo, a equipe
buscou, através da leitura de documentos, da aplicação de questionários
e da observação de aulas, 1) mapear as principais necessidades de estu-
dantes de Inglês da professora em relação à língua inglesa e 2) possibilitar
oportunidades de reflexão e auto-avaliação para tais estudantes, visando
o desenvolvimento de uma consciência explícita sobre seus processos
de aprendizado.
É relevante destacar aqui que, como aspecto essencial durante este
processo de análise crítica de necessidades, buscou-se direcionar um
olhar sensível e cuidadoso ao contexto de ensino. Assim sendo, tanto

153
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

informações referentes ao contexto escolar, encontradas em documentos


oficiais e/ou na própria página da escola, quanto informações trazidas pela
professora da escola em seus relatos e contribuições feitas nos encontros
semanais do grande grupo do subprojeto sinalizaram para desafios e
demandas enfrentados por seus grupos de estudantes, docentes e pela
própria instituição durante o período pandêmico. O mesmo pode ser dito
da análise das respostas encontradas nos questionários respondidos por
estudantes da professora Mileidi, sendo que estes também apontaram para
desafios e demandas similares que pareciam constituir a experiência de
cada pessoa envolvida.
Da mesma forma, durante esta experiência, é importante mencionar
que a etapa de observação foi vivenciada como: 1) um processo situado
e complexo, principalmente por ser permeado por conhecimentos e
experiências prévias de quem se via como parte dele e que, portanto,
sofre influência das crenças construídas nesses movimentos de ensinar/
aprender; 2) um processo de descoberta e entendimento (e não de julga-
mento) do contexto da sala de aula sendo observado; e 3) um processo
que exigiu a cooperação e a confiança entre quem observa, estudantes
e a professora. Neste sentido, o período de observação das aulas da
professora Mileidi, o qual foi pautado pela tentativa de compreender o
contexto da observação primeiramente, para somente então engajar-se
em discussões crítico-reflexivas sobre este contexto, possibilitou uma
perspectiva reflexiva que considera a complexidade e os desdobramentos
do processo de ensino e do próprio processo reflexivo docente. Assim
sendo, tanto o processo de observação quanto o de reflexão nos quais
IDs da equipe de língua inglesa se engajaram foram pautados por mo-
vimentos dialógicos e coletivos, norteados pela compreensão do fazer
docente reflexivo crítico como um movimento também social, não apenas
individual (ZEICHNER; LISTON, 1996).
Conforme já mencionado, o processo de análise crítica de neces-
sidades é contínuo, perdurando o período letivo de maneira a informar
a prática docente. Dessa forma, é concomitante a este movimento a

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

realização de planejamento docente reflexivo. De acordo com Vascon-


cellos (2004), muito mais do que uma previsão e uma organização do
fazer docente, planejar implica em um movimento de reflexão do antes
mas também do durante, sendo portanto uma oportunidade significativa
para tomada de decisões teoricamente fundamentadas e coerentes com
o contexto de ensino. Assim, esta perspectiva da ação do planejar vai
ao encontro da visão de Woods (1996), que percebe o planejar por duas
facetas, uma estrutural e guiada, outra cíclica, recursiva e dinâmica.
Da mesma forma, Melo e Urbanetz (2008) destacam a importância do
planejamento envolver aprendizes na tentativa de promover não apenas
agência e autonomia de estudantes, mas também um ensino democrático
e contextualizado.
A etapa de planejamento vivenciada pela equipe de língua inglesa
iniciou-se como uma resposta às informações identificadas durante as pri-
meiras fases da análise crítica de necessidades. Neste sentido, partindo das
questões identificadas, a equipe decidiu atuar em dois eixos: a promoção
de encontros-reforço e o desenvolvimento de material de ensino e apoio
visual. Para o primeiro eixo, a promoção de encontros-reforço, utilizou-se
o mapeamento previamente realizado das dificuldades e estratégias de
aprendizado das turmas observadas para formular propostas de aulas de
reforço on-line. Neste sentido, criou-se um cronograma de planejamento
e implementação destas aulas, as quais foram desenvolvidas seguindo a
perspectiva da abordagem de ensino baseada em tarefas.
Conforme explica East (2021), o Ensino de Línguas Baseado em
Tarefas é uma abordagem que faz parte de uma perspectiva comuni-
cativa de ensino de línguas adicionais, visando o desenvolvimento da
competência comunicativa de estudantes por meio de tarefas. Neste
sentido, tarefas são atividades que: 1) percebem a língua como discurso
e ferramenta de comunicação; 2) direcionam a atenção do aprendiz para
o significado pragmático da língua, mas proporcionam momentos de
foco na forma que são motivados pelas necessidades comunicativas;
3) percebem aprendizagem como momentos de ação discente na qual

155
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

o aprendiz se engaja em processos cognitivos de desenvolvimento de


língua; 4) percebem o aprendiz como centro do processo de aprendiza-
gem, sendo este realizado pelo próprio uso da língua, isto é, a ideia do
learn by doing (DEWEY, 1938); e 5) oferecem ao aprendiz um objetivo
comunicativo para se realizar através da língua que se assemelha a vida
real, tendo, portanto, um resultado comunicativo.
Para a construção de uma tarefa, diversos autores (e.g. SKEHAN,
1996; WILLIS, 1996) sugerem o uso de ciclos de ensino divididos em
três principais fases: a fase pré-tarefa, que visa preparar ou ativar conhe-
cimento prévio; a fase tarefa, onde os objetivos de ensino são atingidos
e o resultado comunicativo da tarefa é alcançado; e a fase pós-tarefa,
na qual questões e/ou necessidades identificadas durante o processo de
aprendizagem são aprofundadas/abordadas. Assim sendo, ciclos de ta-
refas são percebidos como relevantes para o desenvolvimento de língua
no sentido de oferecer oportunidades de: suporte para a aprendizagem
conforme as necessidades de estudantes, mediação respeitando proces-
sos individuais e coletivos da turma, organização pautada no estudante
como centro do processo de ensino e, finalmente, avaliação processual
e formativa do desenvolvimento.
O planejamento de encontros-reforço da equipe de língua inglesa
do PIBID considerou a implementação de pequenos ciclos de tarefa ao
longo de cada encontro que respondessem a dificuldades enfrentadas
por estudantes da turma no seu processo de aprendizagem do Inglês.
Dessa maneira, as aulas-reforço foram pensadas com momentos de pré-
-meio-pós tarefas, além de oportunidade para discussão e finalização do
encontro. A título de exemplificação, uma das aulas-reforço preparadas
por IDs da equipe de língua inglesa tinha como objetivos: ensinar o que
são falsos cognatos de modo que estudantes consigam diferenciá-los; e
ensinar estratégias para compreender falsos cognatos durante a leitura
de textos na língua inglesa. Tais objetivos foram delimitados conside-
rando o mapeamento de dificuldades e necessidades da turma realizado
anteriormente pela equipe. Neste sentido, o planejamento do encontro,

156
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

pensado para durar 60 minutos, contemplou a fase pré-tarefa, na qual se


propôs a introdução do tema do encontro, uma abordagem exemplificada
do conceito de falsos cognatos e a compreensão construída coletivamente
de estratégias de interpretação de falsos cognatos durante a leitura; a fase
tarefa, na qual os estudantes realizariam atividades de leitura de memes
em Inglês que fizessem uso de falsos-cognatos, colocando as estraté-
gias trabalhadas em prática; e a fase pós-tarefa, na qual aos estudantes
seriam apresentados outras estratégias de leitura e sites e ferramentas
de aprendizagem que pudessem utilizar para o aprofundamento de seus
conhecimentos.
Além dos encontros-reforço, a equipe de língua inglesa planejou
também intercalar estes momentos com encontros para plantão tira-
-dúvidas, durante os quais estudantes poderiam comparecer e buscar
auxílio no desenvolvimento de atividades assíncronas propostas pela
professora Mileidi. Neste sentido, a proposta da equipe de língua inglesa
visou, partindo de necessidades e questões identificadas no contexto de
ensino, colaborar para suprir demandas que surgiram ou se agudizaram
durante o ensino remoto em virtude da pandemia.
Contudo, no que tange esta etapa do planejamento realizado pela
equipe de língua inglesa, é necessário destacar que não foi possível a
implementação das aulas-reforço e encontros de plantão conforme o
planejado em virtude de mudanças estruturais no contexto de ensino,
o qual, ao longo deste período, passou de remoto para híbrido. Assim
sendo, estudantes da professora Mileidi passaram a não frequentar aulas
remotas de língua inglesa e, neste sentido, a implementação do material
planejado foi inviabilizada, já que não era possível aos IDs estarem
presencialmente na escola, uma vez que a Universidade mantinha as
atividades exclusivamente no modo remoto, em face do monitoramento
das condições da pandemia. Ainda assim, destaca-se a relevância for-
mativa dos movimentos construídos coletivamente para fazer sentido
da docência.

157
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Conforme mencionado acima, durante a etapa de planejamento,


além da organização de encontros-reforço, outro eixo de atuação deli-
mitado pela equipe de língua inglesa foi o desenvolvimento de material
de ensino e apoio visual. Neste caso, buscou-se prover aos estudantes da
professora Mileidi conteúdos relevantes e necessários para aprendizagem
de Inglês que respondessem às demandas identificadas no momento de
mapeamento de necessidades, de maneira coerente com o que se fazia em
sala de aula, mas que também possibilitasse acesso facilitado e prático
a este conteúdo. Neste sentido, considerou-se a realidade e os contextos
dos estudantes, identificados durante o processo de análise crítica de
necessidades que, em sua grande maioria, trabalhavam, tinham famílias
dependentes de si e pouco tempo para leituras longas ou estudo. Assim
sendo, a ferramenta escolhida para compartilhamento do conteúdo pro-
duzido foi a rede social Instagram.
De acordo com Chun (2018), para que estudantes façam parte ativa
da construção de uma sociedade democrática, é urgente que o ensino de
línguas problematize os discursos que permeiam o uso das mídias sociais.
Dessa maneira, ao oferecer conteúdos educativos e responsivos para o
ensino de língua inglesa através da conta de Instagram criada para este
fim, além de oferecer oportunidades de interação com os estudantes e
mais um espaço para solução de dúvidas e dificuldades, a equipe de língua
inglesa buscou problematizar o próprio uso desenfreado de mídias sociais,
direcionando um olhar diferenciado para o espaço midiático como espaço
de resistência, aprendizagem, construção coletiva de conhecimento e
acesso à educação. Para tanto, a equipe planejou e organizou cronograma
de postagens para 13 semanas, nas quais três tipos principais de conteúdo
foram produzidos e disponibilizados: 1) postagens de apresentação da
equipe, que foram ao ar nas segundas-feiras, nas quais foram compar-
tilhadas informações sobre IDs e professores do PIBID na tentativa de
aproximar-se de estudantes da escola dentro das possibilidades dadas
no contexto pandêmico; 2) postagens de textos, que foram ao ar nas
terças-feiras e nas quartas-feiras, nas quais abordaram-se conteúdos so-

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

bre culturas e língua que fossem responsivos ao mapeamento realizado


anteriormente; 3) postagens de vídeos em formato reels, que foram ao ar
nas sextas-feiras, nos quais aspectos da língua inglesa foram abordados,
igualmente responsivos ao mapeamento realizado anteriormente. Para
produção deste material, a equipe fez uso de algumas estratégias poten-
cializadoras de um ensino crítico de línguas adicionais, tais como o uso
de legendas de imagens, com vistas à inclusão e o uso de legendas em
Inglês com a tradução em Português, na tentativa de ofertar acesso ao
insumo significativo na língua-alvo. Abaixo, uma imagem que ilustra as
postagens realizadas neste período.
Imagem 1 - Postagem realizada na conta de Instagram da equipe de língua inglesa do
subprojeto no dia 29 de Setembro de 2021

Fonte: Equipe PIBID língua inglesa 2020-2022

Considerando o exposto até aqui, é importante relembrar que a


trajetória construída pela equipe de língua inglesa foi pautada em três
principais princípios norteadores: 1) Análise Crítica de Necessidades, 2)
Planejamento Contextualizado e Democrático, e 3) Ação reflexiva, sendo
estes princípios correlacionados entre si no que tange à vivência da prá-

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

tica docente. Assim sendo, no que diz respeito ao eixo da ação reflexiva,
é relevante destacar que trata-se de ação pautada em reflexão, ou seja,
o entendimento de que a práxis docente envolve o constante exercício
de avaliar escolhas pedagógicas e agir sobre escolhas futuras partindo
destas reflexões. Conforme explica Freire (1970), este movimento não
é necessariamente linear e sim cíclico e contínuo. Ainda, é necessário
ressaltar que a ação reflexiva não é um movimento individualizado já
que a própria necessidade de refletir e agir emana das interações com
sujeitos envolvidos no contexto de ensino. Desta maneira, conforme
destaca hooks (2020), a ação pautada pela reflexão não tem o objetivo de
julgar ou criticar as escolhas docentes e/ou discentes e sim surge como
norteadora de um processo contínuo de aprendizagem e formação. Por-
tanto, buscou-se trabalhar com a reflexão como prática reconstrutora da
experiência que tem o potencial para deflagrar 1) novos entendimentos
de situações; 2) novos entendimentos de si e do contexto educacional
em que se insere; e 3) novos entendimentos acerca do aprender/ensinar
(GIMENEZ; ARRUDA; LUVUZARI, 2004). Isso quer dizer, prepon-
derantemente, que buscou-se construir espaço para uma reflexão crítica
que vai além do refletir per se, pois demanda que se pergunte os fins
para os quais se engaja em determinada ação, e as razões pelas quais o
conhecimento construído está sendo usado. Destaca-se ainda, neste sen-
tido, que a própria ação reflexiva é parte do processo de análise crítica
de necessidades anteriormente iniciado, já que como movimento cíclico
e contínuo, é também pautado pelo acompanhamento e pela avaliação
do que se propõe.
No caso da trajetória trilhada pela equipe de língua inglesa no
subprojeto do PIBID, a etapa de ação reflexiva iniciou com dois focos:
1) a implementação dos materiais desenvolvidos e a discussão entre a
equipe, isto é, a ação norteada pelo acompanhamento do processo de
desenvolvimento da equipe docente; e 2) a implementação dos materiais
desenvolvidos e a interação com a turma, isto é, a ação norteada pelo
acompanhamento da devolutiva dos(as) estudantes.

160
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Neste sentido, no que tange ao ponto 1, durante o processo de


produção e implementação do material desenvolvido, a equipe esteve
em constante processo de diálogo e formação, movimentos realizados
durante encontros coletivos nos quais discutimos possibilidades de ação
e refletimos sobre as possíveis implicações destas para o contexto. Dessa
maneira, a equipe fez uso de diálogo crítico (CROOKES, 2013) para fazer
sentido do processo docente vivenciado. Ademais, a equipe de língua
inglesa, que se reunia semanalmente para discutir seu planejamento e
avaliar seu processo, elencou temáticas formativas que poderiam con-
tribuir com sua preparação para as ações que realizavam. Neste sentido,
destaca-se o desenvolvimento de autonomia e agência discente, já que
estudantes, com o suporte da coordenação e da supervisão, procuraram
estratégias que dessem conta de suprir necessidades encontradas ao longo
do caminho percorrido, vivenciando a práxis no cotidiano da iniciação
à docência.
No que tange ao ponto 2, de maneira a acompanhar os possíveis
impactos do material produzido e implementado no contexto de ensino,
a equipe fez uso da própria rede social Instagram, como estratégia para
verificar e acompanhar a devolutiva de estudantes. Isto é, a equipe desen-
volveu estratégias organizacionais para, através da participação ativa de
estudantes nas postagens sendo realizadas (por exemplo: likes, reações,
comentários), pudéssemos acompanhar o alcance e as possíveis implica-
ções do material desenvolvido e compartilhado. Neste caso, percebeu-se
que foram poucas as interações realizadas com estudantes da escola pela
rede social. Como forma de identificar possíveis razões para este cenário,
ao final desta etapa do projeto, a equipe desenvolveu um formulário para
ser respondido pelos estudantes da escola, buscando uma devolutiva e
também investigando questões de acesso à internet ou à própria rede
social/conta do subprojeto. Para tanto, a professora da escola distribuiu
QR codes pela instituição de maneira a facilitar o acesso ao formulário
por parte de estudantes que já estavam frequentando as aulas presenciais
e divulgou a ferramenta também em suas aulas.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

A equipe obteve 78 respostas ao formulário que esteve disponível


para entradas durante as primeiras semanas do mês de Dezembro de 2021.
Destas 78 respostas, 76 foram de estudantes e as outras 2 de docentes
da escola. Dos 78 participantes, apenas 21 reportaram conhecer e/ou ter
ouvido falar da conta de Instagram criada pela equipe de língua inglesa.
Destas 21 pessoas, a grande maioria (17 pessoas) disse ter ficado sabendo
da existência do perfil pela rede social da própria escola, que tem grande
alcance na comunidade. Dentre os tipos de postagens realizadas, 15 par-
ticipantes disseram ter gostado das postagens que trouxeram curiosidades
sobre a língua, 10 disseram ter gostado dos vídeos feitos, 8 disseram
ter gostado das postagens com humor. Ainda, dos 21 participantes que
afirmaram conhecer a página, 14 consideraram o conteúdo produzido
divertido, 12 consideraram o conteúdo produzido fácil de entender e que
ajuda a aprender Inglês, e 11 pessoas consideram o conteúdo bem feito.
A partir das respostas obtidas, a equipe de língua inglesa engajou-se
em discussões que buscaram avaliar o movimento construído. Destacou-
-se o baixo alcance da página no contexto escolar, e alguns motivos
pensados para tal resultado foram: a) o acesso limitado de estudantes à
internet, b) a distância física que se criou em virtude da pandemia e c) a
existência de outros perfis mais populares e, em alguns aspectos, similares
na rede social escolhida. Ainda assim, a equipe avaliou o movimento e o
processo vivenciado como válidos e importantes para sua formação, já
que possibilitou o desenvolvimento de habilidades e o engajamento em
reflexões pertinentes à prática docente. Ademais, destacou-se a singula-
ridade da proposta em si: o objetivo da conta nunca foi o de um número
expressivo de seguidores ou curtidas e sim possibilitar, dentre outras
estratégias construídas, mais um espaço de comunidade de aprendizagem
com a escola e com estudantes.
Considerando a trajetória aqui compartilhada e discutida, trilhada
coletivamente pela equipe de língua inglesa ao longo dos 18 meses do
Subprojeto Multidisciplinar PIBID de Línguas Adicionais, pautada na
Análise Crítica de Necessidades, no Planejamento contextualizado e

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

democrático e na Ação reflexiva como seus princípios norteadores, de


maneira a finalizar a discussão proposta nesta seção, destacamos abaixo
aspectos definidos pela própria equipe como aprendizados e desafios
que constituíram o processo de iniciação à docência compartilhado. A
equipe pôde perceber:

1. a relevância do mapeamento do que se sabe e do que se precisa


saber, entendendo também que a escuta de estudantes nos desafia a
ir para além da zona de conforto;

2. que, ao se engajar em um planejamento dinâmico e participati-


vo, teve a oportunidade de explorar a cognição de quem ensina e a
recepção de quem aprende, já que somos igualmente ensinantes e
aprendentes;

3. a importância da centralização do papel de estudantes como prin-


cipais agentes – individual ou coletivamente – de sua aprendizagem
ao proporcionar o momento de autorreflexão sobre as dúvidas que
se possui e mostrar presença para auxiliar na resolução de dúvidas;

4. a importância da reflexão contínua sobre como as atividades se


desenvolvem e como impactam envolvidos(as), entendendo que a
dinâmica do planejar e implementar nem sempre é direta e coerente
entre si, e compreendendo que a sala de aula é viva, ou seja, a docência
precisa ser responsiva ao contexto e não o contrário.

Considerações finais: a Iniciação à docência como um espaço de


transição cultural em criação

Na seção anterior, discutimos a trajetória trilhada pela equipe de


língua inglesa ao longo dos dezoito meses do Subprojeto Multidisciplinar
PIBID de Línguas Adicionais, entre os anos de 2020 e 2022. Tal trajetória,
como mencionado acima, foi compartilhada e coconstruída também com
as equipes constituídas pelas línguas espanhola, italiana e francesa, que
participaram do subprojeto. Da mesma forma, é importante relembrar

163
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

que esta caminhada aconteceu durante a pandemia da COVID-19, tendo


esse processo vivenciado características ainda mais específicas. Partindo
destas questões, nossa intenção na seção anterior foi a de, ao recontar os
movimentos nos quais a equipe de língua inglesa se engajou, pudéssemos
compreender a complexidade do processo de formação docente quando
este se dá em uma perspectiva democrática e simétrica de aprendizagem
para todas as pessoas envolvidas. Assim sendo, nesta seção, partindo da
experiência relatada, com vistas à conclusão deste texto, argumentamos
a favor da formação docente como um espaço compartilhado.
Embora a formação de professores – e o PIBID é uma estratégia
dentro desse vasto campo – seja uma atribuição de instituições de Educa-
ção Superior, já há muito se tem claro que o modo mais apropriado para
dar conta de tal missão é o compartilhamento de responsabilidades que
pode ser mutuamente benéfico e respeitoso (cf, por exemplo, ZEICH-
NER, 2010), especialmente diante da desconexão entre os componentes
curriculares dos programas de formação que acontecem na universidade
e aqueles que tem a escola como seu espaço de realização concreta.
Dessa constatação, Zeichner (2010) argumenta que a tarefa de criar
espaços da formação de professores nos quais “os saberes acadêmicos
e dos professores e os saberes que existem nas comunidades se reúnam
de formas novas e menos hierárquicas a serviço da aprendizagem da
docência” representaria “uma mudança paradigmática na epistemologia
dos programas de formação docente” (ZEICHNER, 2010, p. 89).
Concretamente, contudo, o fato de duas instituições compartilharem
um espaço ou até terem objetivos em comum, conforme argumentam
Gorodetsky e Barak (2008, p. 1907-1908) não significa necessariamen-
te que tenham uma cultura compartilhada ou um discurso em comum.
Por razões diversas, a hegemonia na construção e na disseminação de
conhecimento continua do lado das universidades e o imaginário nessas
instituições faz com que as escolas frequentemente sejam vistas apenas
como campos de prática para professores em formação inicial. Apesar
disso, Gorodetsky et al. (2007) indicam que, mesmo em parcerias mais

164
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

avançadas em termos do diálogo entre instituições, as mudanças mais


significativas acabam acontecendo mais nas escolas do que nos programas
de formação docente, permitindo inferir que há nas universidades uma
maior resistência a se repensarem, partindo de uma perspectiva mais
simétrica, na relação com a Educação Básica e a acolherem os saberes
que são (re)construídos nessa relação.
Uma forma de abordar ou superar essa situação seria o aflorar de
um ‘terceiro’ espaço que consistiria numa parceria colaborativa entre
escola e universidade, espaço este baseado no conceito de ‘zonas de
transição cultural’ usado na área da ecologia e que se refere a “zonas
críticas de interações entre paisagens e habitats que influenciam o fluxo
de energia e materiais” situadas na periferia de dois ou mais ambientes
(GORODETSKY; BARAK, 2008, p. 1908, tradução nossa). Do mesmo
modo que as zonas de transição ecológicas, as zonas de transição cultural
seriam caracterizadas pela riqueza em termos de capital intelectual,

uma vez que são nutridas pelo conhecimento e pela experi-


ência de todas as zonas envolvidas. As zonas de transição
influenciam [por sua vez] suas culturas de origem através
do incremento da diversidade e da flexibilidade, aumen-
tando assim também a resiliência das suas [respectivas]
sociedades locais (GORODETSKY; BARAK, 2008, p.
1908, tradução nossa).

O que essa analogia evoca de modo fundamental é a premissa de


que ambas as comunidades (no caso, universidade e escola) poderiam
envidar esforços para a criação de uma comunidade nova, participativa
e situada na periferia de ambas, salientando-se não se tratar de uma de
passagem para qualquer das duas comunidades ou culturas, mas de um
contexto que possa, em função de sua resiliência, ajudar as comunidades
centrais a mudar de direção se/quando/como necessário. É justamente
nessa perspectiva que o desafio colocado para o PIBID é de articular
uma relação que permita que aprendamos uns na companhia dos outros.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Dessa forma, a questão da resiliência da zona de transição, pode ser


“indicativa da quantidade de mudança que ela pode tolerar sem perder
o controle de suas funções e estrutura básica” (GORODESTKY; BA-
RAK, 2008, p. 1909, tradução nossa), ou seja, a capacidade de lidar com
mudança e seguir funcionando num processo contínuo de adaptação às
novas circunstâncias. A implicação, portanto, é que uma zona de transi-
ção cultural educacional demanda o desenvolvimento da capacidade de
lidar com inovação e com novas aprendizagens, tanto na escola como
na comunidade de aprendizagem que se forma. Isso se evidencia, por
exemplo, nas bases organizacionais que precisam ser pactuadas entre os
participantes, uma vez que é através delas que se pode almejar algum
tipo de mudança que impacte e faça diferença para quem está envolvido.
As linhas gerais para dar início a essa comunidade são, essencial-
mente, que ela deve ser uma comunidade participativa de aprendizagem
e que deve ser baseada nos saberes e nos entendimentos que cada partici-
pante traz para as discussões. Com isso é preciso que se aceite que cada
participante tem potencial para contribuição construtiva do processo cola-
borativo de aprendizagem, não importando se proveniente da experiência,
do conhecimento teórico, do senso comum ou de perguntas genuínas de
iniciantes que coloquem o óbvio em questão. Por conseguinte, esse é e
segue sendo um desafio colocado para o projeto como um todo e para o
aflorar de uma zona de transição cultural.
Com isso, é preciso ter clareza de que um aspecto essencial das zonas
de transição cultural educacional é a busca de uma relação simétrica em
um ambiente marcado pela hibridez no qual o ponto central está não nas
agendas que cada um traz isoladamente, mas naquela que é possível ser
construída através de entendimentos comuns sobre algo que pode afetar
igualmente a toda e qualquer pessoa envolvida nessa ‘terceira cultura’
ou ‘terceiro espaço’. O termo hibridez, em que pese recorrentemente
utilizado, traz consigo algo que enfraquece a analogia ecológica desse
espaço vital: formas híbridas não se reproduzem. Talvez caiba fortalecer
essa ideia de um espaço ou zona de transição entre os complexos ‘ecos-

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

sistemas’ da universidade e da escola de Educação Básica, um terceiro


espaço que desloca as histórias que o constituem e cria novas estruturas
de autoridade, novas iniciativas políticas (BHABHA, 1990).
Nesse sentido, conforme acentuado por Zeichner (2010) em sua
defesa da criação de novos espaços de transição ligando os saberes do
professor e da academia,

[…] os terceiros espaços envolvem uma rejeição de bi-


nários como conhecimento profissional e conhecimento
acadêmico e teoria e prática e envolvem a integração de
novas maneiras do que frequentemente era visto como
discursos em conflito – uma perspectiva de ou [isso] ou
[aquilo] é transformada num ponto de vista do tanto [isso]
quanto [aquilo] (ZEICHNER, 2010, p. 92).

Trata-se, portanto, de uma postura não dogmática que faz com que
não se espere da universidade mais do que a vontade e a firmeza de in-
tenção de participar de modo efetivo e igualitário numa relação em que
os saberes mobilizados possam contribuir para uma formação docente
sensível aos desafios que estão postos tanto à universidade quanto à esco-
la, e através do qual se possa genuinamente trabalhar com a esperança de
que um lugar novo e ressignificado para que a formação possa frutificar.

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ENTRE O LOCAL E O GLOBAL: (DES)CONTINUIDADES DA


LÍNGUA ITALIANA NO ESPAÇO ESCOLAR
DE SANTA CATARINA

Renata Santos1
Leandra Cristina de Oliveira2

1. Introdução

O título que encabeça este texto, embora delimitando o campo


disciplinar da língua italiana (no qual aqui nos centramos), não
se deslocaria da realidade experimentada por outras línguas estran-
geiras, no que concerne a seu espaço curricular — como debatido por
Oliveira (2021), bem como outros textos nesta obra —, haja vista sua
inconstância nas políticas educacionais. De certo modo refletindo esse
cenário, a historicidade do Projeto Institucional de Bolsa de Iniciação
à Docência (PIBID) tem se desenvolvido na esteira da instável inser-
ção das diversas línguas estrangeiras contempladas nas licenciaturas
brasileiras.

1 Doutoranda em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística (PPGL) da Uni-


versidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Voluntária do PIBID Multidisciplinar Línguas
Estrangeiras UFSC – área língua italiana (2020-2022). E-mail: brenatasantos@gmail.com.
2 Doutora em Linguística. Professora do Departamento de Língua e Literatura Estrangeiras
(DLLE) e do Programa de Pós-Graduação em Linguística (PPGL) da Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC). Coordenadora do PIBID Multidisciplinar Línguas Estrangeiras
UFSC – área língua espanhola (2020-2022). E-mail: leandra.oliveira@ufsc.br.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Resgatando percursos mais recentes, o Edital n. 2/2020 (CAPES/


PIBID)3 incluía, entre o que se consideram “áreas gerais”, as línguas
inglesa e espanhola apenas, ignorando tantas outras ofertadas em nível
superior pelas universidades brasileiras, como as que compõem o quadro
das Letras Línguas e Literaturas Estrangeiras da Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC): Alemão, Francês e Italiano, a saber. Dois anos
depois, na nova edição do PIBID, o Edital n. 23/2022 (CAPES/PIBID),
insere em seu item 4.2, além do Inglês e do Espanhol, outros campos
disciplinares solicitados no FORPIBID, como o Alemão e o Francês.
A língua italiana, contudo, segue ausente dessa importante política de
formação e preparação à docência, a despeito de sua presença em rea-
lidades sociolinguísticas brasileiras, como teremos a oportunidade de
debater neste texto.4
Pautadas em problemáticas dessa natureza, trazemos à luz questões
relacionadas às reformas educacionais recentes, como a Lei 13.415, de
16 de fevereiro de 2017, legitimada por outros documentos normativos,
como a Resolução CNE nº 3, de 21 de novembro de 2018 e a Base Na-
cional Comum Curricular (BNCC). Embora sejam amplas as pautas de
discussão sobre esses documentos nas esferas políticas e educacionais,
nos centramos, neste estudo, naquela que se refere às línguas estrangei-
ras — disciplina que passa de uma locução flexionada no plural a uma
locução no singular, postulada a partir da lógica do discurso da língua
global, que se apoia tanto na defesa de uma língua da comunicação in-
ternacional, como na solidificação não-ingênua de hegemonias.
Assim, entendemos que, diante do cenário da determinação de
ensino obrigatório de uma única língua em esfera nacional (o Inglês, a
saber), a legislação e os documentos oficiais citados acima acabam por
minorizar línguas estrangeiras que circulam no e/ou se relacionam com
os distintos espaços sociais e territórios geográficos do Brasil: o espanhol
3 Documento disponível em: https://www.gov.br/capes/pt-br/centrais-de-conteudo/06012019-
-edital-2-2020-pibid-pdf. Acesso em: maio 2022.
4 Documento disponível em: https://www.gov.br/capes/pt-br/centrais-de-conteudo/edi-
tais/29042022_Edital_1692974_Edital_23_2022.pdf. Acesso em: maio 2022.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

presente em regiões de fronteira e em localidades de ampla recepção de


turistas hispano-falantes (OLIVEIRA; JENOVENCIO; TISSIER, 2017);
o Francês fronteiriço com o estado do Amapá — sem desconsiderar,
ainda, o Crioulo da Guiana Francesa, língua falada por uma maioria
na sociedade guianense —; as línguas trazidas da Alemanha e da Itália
ainda faladas em regiões de colonização; o polonês na mesma situação,
entre dezenas de outras.
Nosso foco não é colocar em comparação o grau de importância de
uma ou outra língua nos cenários locais ou global, senão problematizar
criticamente o contrassenso que vislumbramos entre a legislação vigente,
a realidade plurilíngue do Brasil e o direito à diversidade linguística —
aqui debatidos à luz do plurilinguismo (HAMEL, 2000). Assumimos que,
com essas últimas medidas, o Estado passa a desconsiderar o fato de que
a diversidade linguística constitui elemento fundamental da diversidade
cultural, bem como o papel que a Educação desempenha na proteção e
promoção das expressões culturais — nos termos do que estabelece a
Convenção de Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Cul-
turais, adotada pela Conferência Geral da Unesco em 2005, e ratificada
pelo Brasil em 2007.
Na esteira dessas questões, optamos por trazer à luz o espaço da
língua italiana5 nas escolas do estado de Santa Catarina (SC), propondo
um levantamento sobre a disciplina em tela nos currículos de cumprimen-
to obrigatório e em projetos extracurriculares na Educação Básica das
redes estadual e municipais, com o objetivo de cotejar nossos resultados
àqueles apontados em pesquisas precedentes (FABRO, 2015; ORTALE;
ZORZAN, 2013; VALLE, 2018). Para tanto, abalizamos duas questões
que guiam o estudo realizado junto a secretarias de educação, quais se-
jam: (i) qual é o lugar ocupado pela língua italiana nas escolas públicas
5 “Língua italiana”, aqui, remete à noção de disciplina, sem com isso negar o legado cultural
— normalmente ignorado, conforme aduz Gonçalves (2011, p. 153) — referente ao multi-
linguismo existente na realidade italiana. Neste texto, quando em referência a uma língua
nacional institucionalmente imposta sobre estados de língua preexistentes — como o siciliano,
o vêneto e outras — recorreremos à locução “italiano standard”.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

catarinenses?; (ii) que relações é possível estabelecer entre o cenário


verificado e os movimentos nas políticas educacionais mais recentes?6
O olhar sobre esse cenário se constrói atendendo ao apelo de nos
inserirmos, enquanto linguistas, em movimentos políticos da sociedade,
como defendem Streck e Adams (2012), citados por Kleiman (2013, p.
44), transgredindo fronteiras e perseguindo respostas para questões que
apontam ser a linguagem reprodutora, mas também questionadora, de
modelos hegemônicos. Nos afiliamos, assim, a uma perspectiva crítica
da Linguística Aplicada, nos passos de Moita Lopes (2006), Pennycook
(2006), Kumaravadivelu (2006) e Kleiman (2013), recuperados na seção
adiante.

2. Por uma linguística crítica

O título deste artigo sinaliza uma dicotomia que merece introduzir


os debates teóricos em que se assenta nossa discussão: o local e o global.
Com “local”, remetemos especificamente ao contexto de Santa Catarina
(na maioria das vezes). Por outro lado, o termo “global”, em um primeiro
momento, vincula-se ao cenário nacional — quando nos referimos, por
exemplo, à Lei 13.415, que apresenta alterações no currículo escolar
válidas para todos os contextos da Educação Básica brasileira — pas-
sando, em alguns outros momentos, a referir-se ao cenário mais amplo
de alcance mundial.
O global pode confundir-se com o local em termos de significação
contextual, mas também em termos de (des)continuidades, de conjunções
e tensões decorrentes, como aqui assumimos, dos movimentos acelerados
da globalização. Sobre essa questão, ao tratar da homogeneidade cultu-
ral promovida pelo mercado global, Woodward (2014, p. 21) perfilha a
tensão entre o local e o global, assumindo que essa conformidade pode
conduzir ao distanciamento da identidade relativamente à comunidade
6 Importa mencionar que as reflexões aqui em tela formam parte da tese doutoral de Renata
Santos (2022).

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

e à cultura local, como também a “uma resistência que pode fortalecer e


reafirmar algumas identidades nacionais e locais ou levar ao surgimen-
to de novas posições de identidade.” Seguiremos com essa discussão,
contextualizando melhor a noção de globalização, vinculando-a a nosso
problema de linguagem.
Globalização, pós-colonialismo e pós-modernismo são termos
que têm produzido debates frutíferos nos diferentes campos de estudo
atuais; esses termos, de acordo com Kumaravadivelu (2006, p. 129),
“representam importantes discursos críticos que dominam a produção
de conhecimento nas humanidades e nas ciências sociais.” O linguista
discute esses três conceitos buscando uma “transformação disciplinar”
no âmbito da Linguística Aplicada — apelo figurado nos trabalhos de
Moita Lopes (2006), Pennycook (2006), Kleiman (2013) e outros.
Com nossos interesses voltados ao debate sobre a globalização,
recorremos as três ondas discutidas por Kumaravadivelu (2006), as quais
podem ser associadas a três fases do colonialismo/imperialismo moderno:
(i) a das explorações comerciais lideradas por Espanha e Portugal; (ii)
a da industrialização liderada pela Grã-Bretanha; (iii) a que dimana do
pós-guerra, com a liderança dos Estados Unidos (ROBERTSON, 2003
apud KUMARAVADIVELU, 2006, p. 130). Em sua fase atual, três mu-
danças decorrentes da globalização podem ser assinaladas: a diminuição
da distância temporal, a diminuição da distância espacial e a diluição das
fronteiras — fortemente associadas à ágil comunicação global promo-
vida pela internet. Nesse cenário, “a língua da globalização — claro, o
inglês — está no centro da Linguística Aplicada [LA] contemporânea”
(KUMARAVADIVELU, 2006, p. 131).
Essa citação parece fomentar o discurso que advoga por um bilin-
guismo assimétrico universal7, contudo o texto em questão vai em direção
contrária. Parágrafos adiante, o autor defende que o maior contato entre
7 Oliveira; Jenovencio; Tissier (2017) equacionam, a partir do modelo gravitacional proposto por
Calvet (2004), o conceito de bilinguismo assimétrico universal da seguinte maneira: [língua
materna + inglês/língua hipercentral = bilinguismo assimétrico universal].

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

as pessoas de culturas diferentes direciona “a uma melhor consciência


dos valores e visões de cada um e a uma decisão mais firme de preservar
e proteger a própria herança linguística e cultural” (KUMARAVADI-
VELU, 2006, p. 135). Reconhecemos que o discurso a favor desse tipo
de bilinguismo pode, muitas vezes, funcionar como uma recomendação
atenta aos movimentos sociais globais, sem, com isso, ignorarmos que

la propagación del inglés en un mercado supuestamente


libre de las lenguas (…) oculta que los beneficios no se
producen para todos por igual. Aumentan la desigualdad
y las ventajas de los ciudadanos angloparlantes en todos
los campos, puesto que obligan a sus interlocutores o
competidores a realizar grandes inversiones individuales,
estatales o empresariales (GRIN, 2003; VAN PARIJS,
2007 apud HAMEL, 2013, p. 42).

Na linha dessa reflexão, convém recuperar a advertência sinalizada


por Kumaravadivelu (2006, p. 135): “da mesma forma que temos que
lidar com o uso global da língua inglesa, também temos de tratar de sua
colonialidade” — idioma que “foi a galope nas costas do colonialismo”.
Nesse sentido, nossa afiliação a uma perspectiva crítica e transgressi-
va da LA decorre do fato de nos situarmos em um espaço-tempo com
consequências de séculos de colonização, que merece ser interpretado,
reinterpretado, questionado e rebatido, que merece, enfim, como adverte
Kleiman (2013, p. 43), marcar nossas epistemes. A pesquisadora questio-
na, ainda, o termo “transgressiva”, por este fazer pressupor “o reconhe-
cimento (se não a aceitação) da legitimidade da ordem hegemônica, da
lei, do conhecimento do centro” (KLEIMAN, 2013, p. 47); seria, assim,
um convite a pensar o que não deveria ser. Contudo, Pennycook (2006,
p. 74-76) estende a discussão sobre os diversos significados advindos do
termo “transgressivo”, da qual se recupera o recorte que aqui julgamos
oportuno.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

A transgressão é reflexiva, questionando seu próprio


papel e o da cultura que a definiu em sua alteridade. Não
é simplesmente uma reversão, uma inversão mecânica
de uma ordem existente a que se opõe. A transgressão,
diferentemente da oposição ou da reversão, envolve hi-
bridização, mistura de categorias e questionamento dos
limites que separam as categorias. Não é, em si mesma,
subversão; não é um desafio aberto e deliberado ao status
quo. O que ela faz, contudo, é implicitamente interrogar
a lei, apontando não só os específicos, e frequentemente
arbitrários, mecanismos de poder no qual a lei se baseia
— apesar das pretensões universalizantes —, mas tam-
bém sua cumplicidade, seu envolvimento com aquilo que
proíbe (JERVIS, 1999, p. 4 apud PENNYCOOK, 2006,
p. 74-75, grifos nossos).

Destacamos algumas passagens na citação acima a fim de assinalar


nossa adesão ao termo, o qual representa, sob nosso entender, o com-
promisso a que estão engajadas teorizações recentes, conforme sinaliza
Moita Lopes (2006, p. 86-87), “calcadas em novos modos de entender a
vida social com base em críticas à modernidade”, tais quais: teorias pós-
-modernas críticas, teorias queer, teorias feministas, teorias antirracistas
e teorias pós-coloniais — a esta última nos afiliamos neste texto. Não se
trata de transgredir e subverter, deliberadamente, uma ordem existente;
trata-se de interrogá-la, de apontar os mecanismos de poder específicos,
muitas vezes arbitrários, e, ao mesmo tempo, neles implicar-se.
As agendas dessas teorizações são diversas e relevantes, sempre
situando o sujeito na produção do conhecimento, dando-lhe voz desde
uma concepção que Moita Lopes (2006, p. 86) trata como coligação
anti-hegemônica. Partidárias dessa pauta, com o empenho por inserir o
processo investigativo no movimento político da sociedade, nossa agen-
da é questionar o apagamento legal, em esfera nacional, da realidade e
do direito ao plurilinguismo no espaço escolar, apagamento instituído
e reforçado pelos documentos normativos antes mencionados. Importa

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

referir que nos orientamos pelo conceito de plurilinguismo (e não multi-


linguismo) em conformidade à discussão de Hamel (2000), para o qual,
na perspectiva do plurilinguismo, a diversidade é assumida como recurso
enriquecedor para toda a sociedade, diferentemente da orientação cultural
do multilinguismo, em que “a diferença cultural e linguística é conside-
rada como problema a resolver de uma maneira pedagógica explícita e
sistemática” (HAMEL, 2000, p. 143, tradução nossa).
O plurilinguismo no cenário brasileiro é tema bastante reivindicado
nos últimos anos na esfera acadêmica (OLIVEIRA; ALTENHOFEN,
2011; OLIVEIRA, 2021) e nas políticas linguísticas, estando estas vin-
culadas ou não a entidades governamentais. Sob o escopo das políticas
linguísticas, a primeira necessidade é compreender esse conceito como
“campo de decisões das relações da sociedade com as línguas” (ALTE-
NHOFEN, 2013, p. 103). O ponto em questão parece útil na exemplifica-
ção sobre as descontinuidades entre o local e o global. Conforme teremos
oportunidade de discutir na análise sobre o lugar da língua italiana em SC,
centrada no contexto escolar, constatam-se políticas linguística locais em
direções distintas às políticas impostas pelo Estado. Em outros termos,
movidos pelo reconhecimento da singularidade local e pela necessidade
de legitimação da própria cultura, assinalam-se nesses espaços descon-
tinuidades (e, possivelmente, tensões) entre a força centrípeta local e a
força centrífuga global, este último aqui reportado ao Estado nacional.
Retomaremos esse ponto na etapa de análise, logo após contextualizar o
objeto e o cenário da pesquisa na seção adiante.

3. Percurso por estudos anteriores

Conforme assinalamos, uma das questões que buscamos responder


se refere ao lugar que a língua italiana ocupa nas escolas públicas catari-
nenses, o que implica, em primeiro plano, recorrer a trajetórias passadas
para melhor debater sobre o presente. Assim, retomamos alguns estudos
a respeito da oferta de Italiano nas escolas de Santa Catarina (doravante

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

SC), enfocando aqueles que se debruçam sobre dados fornecidos por


secretarias de educação.
Antes de adentrarmos no mapeamento que nos interessa, importa
mencionar que a oferta do idioma neste estado remonta aos tempos da
instituição dos primeiros núcleos de imigrantes. Em Virtuoso e Rabelo
(2015, p. 66), encontramos a relação entre o ensino de Italiano e o pro-
cesso de imigração no estado catarinense. Preocupadas com a organi-
zação social marcada pela religião e a educação, as colônias passam a
criar escolas étnicas para “os filhos e filhas de imigrantes europeus que
chegaram ao Brasil no decorrer do século XIX”, com funcionamento
nessas localidades até a Era Vargas. Durante o período do Estado Novo,
porém, com a campanha de nacionalização do ensino e a repressão às
línguas ditas estrangeiras, entre elas as línguas italianas faladas por imi-
grantes italianos e seus descendentes, o ensino de Italiano se encerrou,
sendo retomado muito posteriormente. Segundo Torquato (2017, p. 26),
“a repressão cultural arrasou com a herança linguística que cabia aos
descendentes, [...] no desejo de preservar a memória, afloram equívocos
históricos, por não se compreender bem que língua e que cultura consti-
tuíam os imigrantes”. No bojo desse cenário, promulgam-se leis em prol
do ensino do Italiano – língua que representava as raízes da cultura local,
criando-se, então, um cenário particular de trocas linguísticas. Adiante,
discutimos esse cenário.
Interessados no mapeamento do ensino de Italiano nas escolas
públicas brasileiras, Ortale e Zorzan (2013) realizaram um estudo a
partir de consultas a representantes consulares de cada estado, além de
associações ítalo-brasileiras. Limitando-nos aos resultados relacionados
ao estado de nosso interesse, os autores apontam que, no período da
pesquisa, a língua italiana estava presente em 13 municípios. Em seis
deles, a disciplina fazia parte do currículo, a saber: Arroio Trinta, Lau-
rentino, Morro Grande, Nova Veneza, Salto Veloso e Siderópolis. Nos
municípios de Balneário Camboriú, Concórdia, Jaborá, Jaraguá do Sul,
Joinville, Mafra e Massaranduba, o Italiano configurava-se como ativi-

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

dade extracurricular. Algumas informações que seriam relevantes para


nossa atual discussão, no entanto, não foram explicitadas pelos autores,
tais como: carga horária, turmas atendidas e mecanismos utilizados para
coleta de dados.
Fabro (2015), em sua tese de doutorado, pesquisou sobre o processo
de reconhecimento do plurilinguismo pelo Estado brasileiro pós interdição
das línguas estrangeiras durante o Estado Novo, concentrando-se: na língua
italiana em SC, as consequências da sua interdição no estado e o processo
de retomada da valorização do Italiano. Entre os propósitos de seu estudo,
encontra-se o levantamento histórico do ensino de Italiano a partir de uma
análise documental. A autora realizou, ademais, entrevista estruturada com
docentes de italiano da rede pública do estado catarinense.
Entre as questões de interesse da pesquisadora, figura o tema da
importância do ensino do Italiano na localidade, obtendo-se os seguintes
tópicos como respostas: (i) aprender uma língua é aprender uma cultura,
portanto proporciona enriquecimento cultural; e (ii) muitos alunos são
descendentes, logo o Italiano está presente em situações cotidianas, pro-
porcionando a preservação ou o resgate das raízes culturais. Observa-se,
nesse sentido, forte apelo às heranças culturais, como sintetiza a autora:

[a]o abordar a opinião dos(as) entrevistados(as) sobre


a importância do ensino da língua italiana para os(as)
alunos(as), percebeu-se que a grande maioria das respostas
estão entrelaçadas com a questão da descendência, a pre-
servação e o ‘resgate” da cultura, bem como, o reencontro
com a língua, como relata Marco: ‘Além da aprendizagem
de uma nova língua mantêm-se vivas as tradições e a
cultura’ (FABRO, 2015, p. 165).

Em termos numéricos, os dados levantados por Fabro em 2012


apontam para a presença da língua italiana em 49 escolas públicas de 19
municípios catarinenses, conforme distribuição apresentada na tabela 1.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Tabela 1 Número de escolas com ensino de Italiano em municípios de SC em 2012

Cidade Escolas Municipais Escolas Estaduais


Arroio Trinta 1 1
Ascurra - 1
Concórdia 3 -
Iomerê 1 1
Jaborá 1 -
Jaraguá do Sul 4 -
Lacerdópolis 1 -
Laurentino 1 -
Lindóia do Sul - 1
Morro Grande 1 -
Nova Veneza 9 -
Rio do Oeste - 1
Rio do Sul 2 -
Rodeio 5 1
Salto Veloso 1 -
São Joaquim 4 -
Siderópolis 3 -
Taió 1 -
Urussanga 5 -
Total 43 6

Fonte: Elaboração própria, baseada em Fabro (2015).

A tabela acima indica que o ensino de Italiano se concentra prin-


cipalmente nos municípios do meio oeste e do sul do estado, sendo esta
última a região com maior número de escolas: ao todo são 18 escolas nos
municípios de Morro Grande, Nova Veneza, Siderópolis e Urussanga,
metade delas situadas em Nova Veneza. A explicação para o resultado

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

registrado em Nova Veneza se relaciona à história da localidade, um


município com forte vínculo identitário com as culturas herdadas pelo
processo migratório que fundava a Colônia de Nova Veneza no ano de
1881, a partir da chegada de mais de 2.000 italianos oriundos de Veneza
(VIEIRA FILHO; WEISSHEIMER, 2011, p. 96). Ademais, nessa região,
a imigração italiana foi predominante, como assinalam Ortale e Zorzan
(2013, p. 126):

duas colônias se destacam na história da imigração italiana


no estado de Santa Catarina por se tornarem as únicas com
predomínio da população italiana: Urussanga, que em
1878, contava com 7000 italianos e Nova Venezia, que
em 1884, tinha uma população de 2885 italianos.

Mais recentemente, o levantamento proposto por Valle (2018),


através da consulta à Secretaria Estadual de Educação (SED-SC) e ao
Centro di Cultura Italiana (CCI) do Paraná, constrói um panorama sobre
a oferta curricular de língua italiana nas escolas públicas de SC, discu-
tindo algumas das demandas “para o ensino de língua estrangeira em
contextos de imigração” (VALLE, 2018, p. 3396). O cenário verificado
pela pesquisadora é reproduzido a seguir.
Tabela 2: Número de municípios com oferta da língua italiana e número de alunos
atendidos em 2017

Redes de ensino Municípios Número de alunos atendidos


Rede Municipal 17 5023
Rede Estadual 03 160
Total 20 5183

Fonte: Elaboração própria, baseada em Valle (2018)

As redes municipais com oferta de italiano identificadas por Valle


(2018) são: Arroio Trinta, Concórdia, Cocal do Sul, Jaraguá do Sul,

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Joinville, Lacerdópolis, Laurentino, Macieira, Mafra, Massaranduba,


Morro Grande, Nova Veneza, Rodeio, Salto Veloso, Siderópolis, Treviso
e Urussanga. Os municípios que ofertam a disciplina em escolas estaduais
são: Arroio Trinta, Iomerê e Lindóia do Sul.
A partir dos dados obtidos por Valle, não é possível afirmar como
esse número de alunos está distribuído por séries ou em cada município,
também não há especificações sobre a carga horária destinada ao ensino
de Italiano. Seus dados evidenciam, porém, que a maior oferta ocorre
no âmbito municipal. O que pode explicar tal realidade é o fato de em
algumas cidades do estado terem sido promulgadas leis instituindo o
ensino da língua italiana na rede municipal, tais como: (i) Siderópolis –
Lei 1210 /97: “Art. 1º Deverá constar nos programas das escolas oficiais
do Município, o ensino da Língua Italiana como disciplina obrigatória”;
(ii) Urussanga – Lei 1814, de 20 de junho de 2001: “Art. 1º Fica im-
plantado no currículo escolar da rede municipal de ensino do município
de Urussanga, o ensino da língua italiana”; e (iii) Nova Veneza – Lei
1535, de 01 de março de 2002: “Art. 1º Fica incluído no currículo das
escolas da rede Municipal de Ensino do Município de Nova Veneza, SC,
a disciplina de Língua Italiana”.
Considerando, ainda, aspectos demográficos da região Sul do estado,
é possível presumir que a promulgação dessas leis venha atender a uma
demanda local no que diz respeito a seu vínculo identitário associado a
uma ideia de italianidade.
Com o propósito de observar alguns movimentos na oferta da língua
italiana no cenário catarinense, colocamos em comparação os resultados
mais gerais dos três estudos sintetizados acima. Entre o levantamento
apresentado por Ortale e Zorzan (2013) e Valle (2018) encontra-se um
distanciamento temporal maior se comparados Fabro (2015) e Ortale e
Zorzan (2013). Poderíamos conjeturar, nesse sentido, a constatação de
resultados próximos nestes dois últimos.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Importa esclarecer que, entre os trabalhos resenhados, apenas o


de Fabro encontra espaço suficiente para maiores problematizações,
haja vista se tratar de uma tese focada em SC, razão pela qual a autora
traz maiores informações sobre a oferta de Italiano no estado, citando,
além dos que mencionam Ortale e Zorzan (2013), outros 10 municípios:
Ascurra, Iomerê, Lindóia do Sul e Rio do Oeste (rede estadual); Lacer-
dópolis, Rio do Sul, São Joaquim, Taió e Urussanga (rede municipal); e
Rodeio (ambas as redes). No entanto, o estudo de Fabro não compreende
os municípios de Balneário Camboriú, Joinville, Mafra e Massaranduba,
os quais, conforme Ortale e Zorzan (2013), apresentavam Italiano como
atividade extracurricular na rede municipal. Ademais, esses mesmos
quatro municípios são citados no estudo de Valle (2018). É possível
que essa diferença nos dados esteja relacionada ao fato de Fabro (2015)
não ter obtido respostas do Centro di Cultura Italiana — fonte para as
pesquisas de Ortale e Zorzan (2013) e Valle (2018).
Na linha de comparação de resultados, Valle (2018) observa que,
entre seus dados obtidos por meio da Secretaria Estadual de Educação,
em 2017, e os dados apresentados por Ortale e Zorzan (2013), encontra-
-se uma redução na oferta de ensino de Italiano na rede estadual: de 11
municípios em 2013, para apenas 3 municípios em 2017. A autora explica
que os motivos apresentados pela SED-SC para essa queda são “a falta
de professores (já que muitos se aposentaram e não ocorreram novas
contratações) e a falta de demanda pela língua (pois poucos alunos se
inscreviam na disciplina, preferindo o Inglês).” (VALLE, 2018, p. 3.400)
Além desses estudos já publicados, também contribuem para a
descrição desse cenário os dados do “Relatório final: Leitorado in
loco” (COUTRO, 2015, não publicado), fornecido pela lettora in
loco8 do curso de Letras Italiano da UFSC, Amabile Coutro. No le-
8 Lettore in loco é uma figura docente na área de Letras, selecionado por meio de edital promo-
vido pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Extensão Universitária (FAPEU). Neste caso,
especificamente, trata-se de profissional com habilitação em Italiano, cujas atividades incluem
ministrar cursos de extensão para a promoção da língua e da cultura italianas, organizar eventos
sobre ensino e aprendizagem e participar de atividades didáticas de língua italiana.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

vantamento sobre a oferta de ensino de Italiano nas escolas públicas


de SC, registram-se, em alguns casos, o nível de ensino da oferta e seu
espaço na formação (curricular ou extracurricular). As informações,
contudo, não são uniformes e não dão conta de todas as cidades ca-
tarinenses que ofertavam a língua italiana na ocasião. A ausência de
homogeneidade entre os dados dos estudos corrobora a dificuldade de
levantar informações a respeito desse cenário, tendo em vista o caráter
flutuante das instâncias-fonte. Registram-se no quadro abaixo os dados
cedidos por Coutro:
Quadro 1: Níveis de ensino e caráter da oferta da língua italiana no ano de 20159

Municípios Rede Caráter da oferta


Municipal Curricular
Arroio Trinta
Estadual —
Ascurra* Municipal —
Balneário Camboriú Municipal Extracurricular
Celso Ramos Municipal Curricular
Concórdia Municipal Curricular
Gaspar* Municipal Extracurricular
Iomerê* Municipal Extracurricular
Joinville Municipal Extracurricular
Lindóia do Sul Estadual —
Luiz Alves* Estadual Extracurricular
Meleiro* Municipal Extracurricular
Morro Grande Municipal Curricular
Nova Trento* — —
Nova Veneza Municipal Curricular
Rodeio Municipal Curricular
Salto Veloso Municipal Curricular

9 Nos quadros utilizamos travessão (—) para indicar informação não registrada/obtida.

184
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Siderópolis Municipal Curricular


Treviso Municipal Curricular
Urussanga Municipal Curricular

Fonte: Elaboração própria, baseada em Coutro (2015)

Dos 19 municípios levantados pela autora, 13 apresentam ensino de


Italiano em escolas públicas, com expressivo predomínio na rede muni-
cipal, excluindo as cidades sinalizadas com asterisco que tiveram oferta
interrompida. Considerando o predomínio da oferta nas escolas muni-
cipais, é possível estabelecer que o Italiano é ensinado prevalentemente
no Ensino Fundamental. São três as cidades com oferta do idioma na
rede estadual, porém os dados da leitora confirmam apenas um cenário
de oferta no Ensino Médio (Arroio Trinta). Sobre esse ponto, o resultado
parece sinalizar para a possibilidade de oferta de uma segunda língua
estrangeira no nível Fundamental, mas não no Ensino Médio, quando
apenas a língua obrigatória (o Inglês) encontra seu espaço.
Considerando apenas os municípios sem interrupção de oferta,
na maioria, o Italiano encontrava-se como disciplina curricular, isto é,
inseria-se no ensino regular em 2015; apenas em Balneário Camboriú e
Joinville a língua era ofertada como atividade extracurricular. É possível
que a presença do Italiano no currículo seja um fator para a sua manuten-
ção nesses municípios. Corrobora essa hipótese o fato de, entre os seis
municípios em que se constatou a interrupção do Italiano (sinalizados
no quadro com um asterisco), quatro ofereciam a disciplina em caráter
extracurricular (Gaspar, Iomerê, Luiz Alves e Meleiro); referente aos
outros dois (Ascurra e Iomerê), não foi informado o caráter da oferta.
Infelizmente, a justificativa sobre essa descontinuidade, bem como a
informação sobre o nível de ensino em que se inseria a disciplina, são
questões não apontadas no levantamento da lettora.
Nos dados de Coutro, estão ausentes alguns municípios registrados
por Fabro (2015), a saber: Jaborá, Jaraguá do Sul, Lacerdópolis, Lauren-

185
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

tino, Rio do Sul, São Joaquim, Taió (na rede municipal); e Rio do Oeste
(na rede estadual). Desses municípios, apenas Jaraguá do Sul, Lacerdó-
polis e Laurentino são citados no estudo posterior de Valle (2018). Nossa
hipótese referente a essa constatação diz respeito à incompletude das
informações decorrentes das metodologias de coleta empreendidas nos
trabalhos resenhados. Como mencionamos, os dados obtidos por Valle
têm como fonte o CCI, o qual mantém convênios com alguns municípios
para a promoção da língua italiana, mas não com todos que ofertam a
disciplina na rede municipal. No caso de Coutro, não está explícito como
se levantaram os dados, os quais, por sua vez, não são uniformes, care-
cendo de detalhamento — possivelmente, em consequência da dispersão
de informações nas instituições-fonte.
Apesar da ausência de paralelismo metodológico entre os estudos
aqui sintetizados, suas contribuições não podem ser ignoradas, especial-
mente pelo fato de reunirem informações relevantes sobre o cenário do
Italiano em um estado com expressivo vínculo cultural e identitário com
essa língua. Como pesquisadoras dessa realidade, temos constatado a ca-
rência de estudos dessa natureza, como temos nos deparado com o grande
desafio de obter dados confiáveis entre a dispersão encontrada em certas
Secretarias. Nos esforçamos, nesse sentido, a atender a convocação por
uma pesquisa crítica nos estudos da linguagem, não perdendo de vista as
novas configurações da sociedade, apresentando-lhe respostas capazes
de dar vistas a movimentos de um contexto real.

4. Apontamentos sobre o caminho metodológico

Conforme sugerido na seção anterior, um grande desafio com que se


depara um pesquisador sobre a realidade linguística nas redes de ensino
diz respeito à obtenção de informações precisas e confiáveis. No caso
das redes públicas, a agravante acaba decorrendo do fluxo contínuo de
colaboradores atrelados às mudanças de governo. Nesse sentido, assu-
mimos como relevante nos juntarmos aos esforços de descrever esse

186
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

cenário, especialmente em um período em que o país passa por mudan-


ças (lamentáveis!) relativas às línguas estrangeiras no ensino regular,
conforme já mencionado.
Com vistas ao exposto e partindo dos dados apresentados por Ortale
e Zorzan (2013), Fabro (2015), Coutro (2015) e Valle (2018), a fim de
responder às questões aventadas, consideramos uma lista constituída por
31 municípios que acena[va]m para o ensino de Italiano na rede pública
catarinense, a saber: Arroio Trinta; Ascurra; Balneário Camboriú; Celso
Ramos; Concórdia; Cocal do Sul; Gaspar; Iomerê; Jaborá; Jaraguá do
Sul; Joinville; Lacerdópolis; Laurentino; Lindóia do Sul; Luiz Alves;
Macieira; Mafra; Massaranduba; Meleiro; Morro Grande; Nova Trento;
Nova Veneza; Rio do Oeste; Rio do Sul; Rodeio; Salto Veloso; São
Joaquim; Siderópolis; Taió; Treviso; Urussanga.
Partindo dessa lista, iniciamos a coleta de dados conforme segue:
i) contato por e-mail com as Gerências de Educação do Estado de Santa
Catarina (GEREDs), com obtenção de poucas respostas; ii) ofício pro-
tocolado na SED-SC, com pronta resposta por telefone e envio de dados
solicitados ao e-mail das pesquisadoras; e iii) levantamento dos dados
junto às Secretarias Municipais de Educação dos municípios de interesse
da pesquisa. Tendo em vista a dificuldade de obter respostas por e-mail, e
na impossibilidade de protocolar ofícios nos vários municípios, o contato
com as secretarias municipais aconteceu por telefone.
O instrumento de pesquisa consistiu em um curto questionário, cujo
ponto de partida era a oferta de Italiano na rede. Em caso de resposta
afirmativa à pergunta sobre a existência ou não da disciplina de Italiano
no município, seguiam-se as seguintes perguntas: (i) há quanto tempo se
ensina Italiano no município?; (ii) em que escolas ocorre a oferta?; (iii)
qual é o caráter da oferta (curricular ou extracurricular)?; (iv) em que
turmas o Italiano é ofertado?; (v) o município conta com quantos profes-
sores de Italiano (efetivos e/ou contratados)?; (vi) quais são os e-mails
de contato desses professores?; (vii) o município tem convênios com

187
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

associações italianas para o ensino do idioma?; e (viii) há leis municipais


para o ensino de Italiano? Nos casos de resposta negativa, eram feitas
três perguntas: a) já teve ensino de Italiano no município?; b) por quanto
tempo teria ocorrido a oferta; e c) por que a oferta teria se encerrado?
Destacamos que, com frequência, as pessoas que nos atendiam
nas secretarias não tinham algumas das informações solicitadas; foi o
caso, especialmente, das questões (i) e (vii). Essa realidade nos leva a
considerar como recorte de análise as questões de (ii) a (vii), as quais
foram respondidas pela maioria das secretarias municipais de educação.
No caso da Secretaria Estadual de Educação, foram obtidas respostas às
questões, (ii) e (v).10

5. O ensino de Italiano em Santa Catarina: cenários e perspectivas

Seguindo as etapas e procedimentos arrolados na seção anterior,


junto às secretarias municipais e estadual de educação, obtivemos os
dados sintetizados nos quadros 2 e 3, adiante. Nas redes municipais,
constatamos maior recorrência de oferta do Italiano, no entanto, como
sinalizado, infelizmente os dados obtidos não foram homogêneos. No que
concerne ao caráter da oferta da disciplina (curricular ou extracurricular),
bem como o nível de ensino e a existência de convênios, infelizmente
não obtivemos informações referentes à rede estadual.

10 O passo seguinte da pesquisa foi a realização de entrevistas com docentes de Italiano da


rede pública de Santa Catarina, projeto aprovado pelo Comitê de ética, processo de número
29440720.3.0000.0121, cujos resultados serão apresentados na tese doutoral (em andamento)
conduzida por Renata Santos, sob a orientação da Profa. Leandra Cristina de Oliveira.

188
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Quadro 2: Ensino de Italiano na rede estadual em 2019

Nº de Nº de Nível de Caráter de
Municípios Convênios
escolas prof. ensino oferta
Arroio Trinta 1 1 — — —
Iomerê 1 1 — — —
Lindóia do Sul 1 1 — — —

Fonte: Elaboração própria.


Quadro 3: Ensino de Italiano nas redes municipais em 2019

Caráter de
Nível de ensino
oferta
Nº de Nº de Fund. Fund. Ext.
Municípios Curr. Convênios
escolas prof. I II curr.
Arroio Trinta 1 2 x x CCI
Cocal do Sul 3 1 misto x —
Jaraguá do Sul — 1 misto x CCI
Joinville — — — — x —
Lacerdópolis 1 1 x x CCI
Laurentino 1 1 x x CCI
Macieira — 1 misto x CCI
Mafra — 1 misto x Inexistente
Massaranduba 3 1 — — x CCI
Morro Grande 1 1 x x x —
Nova Veneza todas — x x x —
Rio do Sul 1 1 x x x —
Rodeio 5 2 x x x CCI
Salto Veloso todas 8 x x x —
Siderópolis todas 4 x x x CCI
Treviso 1 1 x x CCI
Urussanga todas — x x —

Fonte: Elaboração própria

189
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Considerando estudos resenhados anteriormente, dos 31 municípios


que apresentavam ensino de Italiano na rede pública, 19 mantêm o ensino
da língua: 16 deles apenas na rede municipal, dois na rede estadual e um
em ambas. Em nosso levantamento, observamos que, entre os seis mu-
nicípios que ofertavam o Italiano na rede estadual, apontados por Fabro
(2015), apenas três preservam a oferta da disciplina: Arroio Trinta, com
144 alunos; Iomerê, com 34; e Lindóia do Sul, com 42. A GERED da
região de Videira, que atende Iomerê e Arroio Trinta, conta com dois
professores efetivos de Italiano, enquanto a GERED de Seara, que atende
Lindóia do Sul, tem um professor, também efetivo. A existência de um
(ou mais) docentes em caráter efetivo da disciplina em municípios rela-
tivamente pequenos é condição favorável à manutenção da disciplina no
espaço escolar, seja no currículo de cumprimento obrigatório seja como
componente extracurricular.
Arroio Trinta — cidade com maior número de alunos atendidos na
rede estadual — é a única que apresenta o ensino de Italiano também na
rede municipal (atualmente no currículo de uma escola, nas turmas de 1º
a 5º ano). Somada aos números de estudantes de Italiano e de docentes
da disciplina, a realidade socio-histórica do município faz inferir uma
indexação identitária promovida pelo Italiano, haja vista se tratar de um
município que tem imigrantes ítalo-brasileiros como protagonistas no
processo de colonização, contando, atualmente, com 95% da população
de descendência italiana e sendo “o primeiro município fora da Itália a
adotar a língua italiana no currículo escolar desde 1994”11.
Está claro que a língua italiana no município não é assumida pro-
priamente como estrangeira (tal como o Inglês, neste contexto), mas
remetida a uma língua/cultura de herança refletida na comunidade em
diferentes níveis de proficiência e em experiências de aquisição e contato
diversificadas (FLORES; MELO-PFEIFER, 2014, p. 18).

11 Informação disponível na página https://turismo.arroiotrinta.sc.gov.br/equipamento/index/


codEquipamento/3255. Acesso em: 31 maio 2022.

190
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Além de Arroio Trinta, outras dez cidades oferecem o Italiano como


componente curricular na rede municipal, são elas: Lacerdópolis, Lau-
rentino, Morro Grande, Nova Veneza, Rio do Sul, Rodeio, Salto Veloso,
Siderópolis, Treviso e Urussanga (11 entre as 18 cidades que ofertam o
Italiano na rede municipal). Em cinco desses municípios, o ensino ocor-
re apenas do 1º ao 5º ano; são os casos de Arroio Trinta, Lacerdópolis,
Laurentino e Treviso (nos quais o Italiano está presente em apenas uma
escola, tendo uma professora de Italiano em cada município) e Urussanga,
onde a língua é ofertada em toda a rede municipal.
Nas outras seis cidades, o ensino ocorre em todo o Ensino Fun-
damental (do 1º ao 9º ano): em Morro Grande e Rio do Sul, o Italiano
está inserido no currículo de apenas uma escola, tendo uma professora
da disciplina em cada município; em Rodeio, que conta com duas pro-
fessoras, em Salto Veloso, com oito professoras, em Siderópolis, com
quatro professoras, e em Nova Veneza, cujo número de docentes não foi
informado, o Italiano integra o currículo de todas as escolas municipais.
A partir do cenário exposto, arriscamo-nos a apontar inferências
sobre a manutenção da língua italiana nesses espaços, ainda que a
desastrosa reforma do Ensino Médio no Brasil, promulgada pela Lei
13.415 pareça representar uma força contrária. Considerando essa lei
mais recente, bem como a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, a
presença da língua estrangeira não é/era uma obrigatoriedade no nível
Fundamental I. Logo, se nos últimos anos algumas secretarias municipais
vêm encontrando espaço para a inclusão de disciplinas vinculadas a seu
eixo cultural – como é o caso do Italiano em regiões de colonização,
com apelo a suas heranças históricas – sem comprometer o currículo
obrigatório, não haveria razões para deduzir uma situação de ameaça à
oferta da disciplina nesse caso.
Referente ao Fundamental II, a Lei 13.415, ao dispor, em seu Art. 26,
§ 5º, que “[n]o currículo do Ensino Fundamental, a partir do sexto ano,
será ofertada a língua inglesa” poderá afetar o cenário daquelas escolas

191
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

que se guiavam ao que esse artigo representa, ou seja, à revogação do


Art. 26, § 5º, da LDB, que assinalava: “na parte diversificada do currículo
será incluído, obrigatoriamente, a partir da quinta série, o ensino de pelo
menos uma língua estrangeira moderna, cuja escolha ficará a cargo da
comunidade escolar, dentro das possibilidades da instituição” (grifos
nossos). Com vistas a atender aos encaminhamentos da Lei 13.415, da
BNCC, da Resolução/CNE n. 3, de 21 de novembro de 2018, que atua-
liza as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, fazendo
cumprir, entre outras questões, a inclusão da carga horária mínima de 80
horas anuais para a disciplina de Inglês, é provável que a navalha recaia
sobre o que hoje se tem como opcional no currículo. São especulações
nossas que merecem ser apuradas em um futuro próximo, quando as
alterações curriculares estiverem consolidadas.
Quanto aos contextos em que o ensino de Italiano se insere no
currículo do Fundamental II (Morro Grande, Nova Veneza, Rio do Sul,
Rodeio, Salto Veloso e Siderópolis), diretrizes nacionais à parte, podemos
admitir como dispositivos favoráveis à manutenção da língua italiana nos
currículos, as resistências movidas por especificidades locais, vínculos
identitários, sentimento de pertencimento à história-língua-cultura her-
dada, existência de professoras efetivas de Italiano no município e/ou
lei municipal que regulamente o ensino de Italiano na rede.
Nos casos de Morro Grande e Rio do Sul, por exemplo, onde o Ita-
liano é ensinado do 1º ao 9º ano, as escolas ofereciam também o ensino
de Inglês; assim, é possível que nesses cenários a oferta do Italiano não
seja afetada pela Lei 13.415 e a BNCC. Embora a Secretaria de Edu-
cação de Rio do Sul não tenha fornecido maiores informações sobre as
motivações para a oferta de duas línguas estrangeiras, a Secretaria de
Morro Grande informou que o Italiano vem sendo ensinado há mais
de dez anos na cidade, primeiramente através de projetos que visavam
colocar as crianças em contato com essa língua no cotidiano, e, com o
sucesso dessa ação, a disciplina passou a integrar-se ao currículo sem a
substituição do Inglês.

192
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Quanto ao município de Rodeio, a Secretaria Municipal de Edu-


cação informou que, para atender às mudanças na legislação quanto à
obrigatoriedade do ensino de Inglês, optou por ofertar uma hora-aula
semanal de Inglês e uma hora-aula de Italiano. Esse esforço na direção
da manutenção do Italiano no currículo parece ser a manifestação de
uma força centrífuga em prol de um vínculo identitário, uma resistência
que pode fortalecer e reafirmar uma identidade local, nos termos de
Woodward (2014, p. 21).
Concernente a Nova Veneza e Siderópolis, cidades associadas
a um histórico de imigração marcadamente italiana, existem leis mu-
nicipais que instituem o ensino de Italiano no currículo. Ademais, a
manutenção de uma cultura dita italiana nessas comunidades se faz
presente nas narrativas a respeito da história dos municípios. No site da
prefeitura de Siderópolis, por exemplo, ao narrar a história da matriz
da cidade, menciona-se que o município era um “povoado conhecido
como ‘Nova Belluno’ (devido ao grande número de imigrantes italianos
provindos da cidade de Belluno) e que posteriormente foi nomeado
como Siderópolis”12. Referente a Nova Veneza, alguns elementos dão
luz à cultura dos ascendentes, como o tradicional desfile de máscaras
e o baile que representam o carnaval de Veneza, bem como a presença
de uma gôndola no centro da cidade, a qual foi doada pela província de
Veneza como símbolo do elo entre a Veneza italiana e a Nova Veneza
brasileira.
Em cenários como os de Nova Veneza e Siderópolis, a existência
de uma lei local que legitime o ensino do Italiano pode cumprir papel
importante na manutenção da oferta dessa língua na rede municipal. As
imposições da legislação em âmbito nacional podem ser um empecilho,
mas não necessariamente um bloqueador, pois existe certa autonomia da
esfera municipal. Afinal, conforme asseveram Garcez e Schulz (2016),

12 Informação disponível na página: https://turismo.sideropolis.sc.gov.br/equipamento/index/


codEquipamento/12454. Acesso em: 31 maio 2022.

193
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

onde há gente, há grupos de pessoas que falam línguas. Em


cada um desses grupos, há decisões, tácitas ou explícitas,
sobre como proceder, sobre o que é aceitável ou não, e
por aí afora. Vamos chamar essas escolhas – assim como
as discussões que levam até elas e as ações que delas re-
sultam – de políticas. Esses grupos, pequenos ou grandes,
de pessoas tratam com outros grupos, que por sua vez
usam línguas e têm as suas políticas internas (GARCEZ;
SCHULZ, 2016, p. 2).

Em consonância a Garcez e Schulz, destacamos projetos extracurri-


culares de ensino do Italiano nos municípios de Cocal do Sul, Jaraguá do
Sul, Joinville, Macieira, Mafra e Massaranduba. Nesses, a língua italiana
é oferecida no contraturno escolar, atendendo, muitas vezes, a estudantes
de várias escolas — conforme expõe o quadro adiante.
Quadro 4: Oferta de língua italiana como componente extracurricular em SC

Uma professora atende turmas mistas, organizadas por faixa etária,


Cocal do Sul com alunos de 6 a 14 anos. Há também duas turmas de adultos,
no noturno, abertas para atender a uma demanda da comunidade.
Por meio de projeto iniciado em 2018, uma professora atende duas
Jaraguá do Sul turmas mistas com alunos de 4º, 5º e 6º anos.
No escopo do Programa Educação Plena, seria implementado
ao longo de 2019 o turno integral em escolas da rede municipal,
o qual incluiria aulas de línguas, entre elas o Italiano, à escolha
Joinville dos alunos. Como o projeto estava em fase de implementação, de
acordo com a Secretaria de Educação, não foi possível obter as
informações solicitadas.

Macieira Uma professora atende quatro turmas mistas.


Mafra Uma professora atende turmas mistas.
Massaranduba Um professor atende oito turmas mistas de três escolas municipais.

Fonte: Elaboração própria

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Com base em informação obtida junto à Secretaria de Educação


de Massaranduba, destacamos que o ensino de Italiano está presente no
município desde meados dos anos 1990, também com o intuito de resgatar
o senso de pertencimento da comunidade e retomar contato com antepas-
sados na Itália. Desde 2009, existe, inclusive, o projeto Gemellaggio13,
indício de uma identificação com a cultura italiana, a qual se manifesta,
entre outros fatores, por meio da presença da língua em questão.
Em diálogo com pesquisas anteriores, dos seis municípios retratados
no quadro 4, quatro (Jaraguá do Sul, Joinville, Mafra e Massaranduba)
são registrados por Ortale e Zorzan (2013) como contextos com oferta
extracurricular da disciplina. Em relação ao estudo de Fabro (2015),
apenas Jaraguá do Sul já tinha o Italiano na rede municipal em 2012;
referente aos outros cinco (Cocal do Sul, Joinville, Macieira, Mafra e
Massaranduba), tem-se o registro de oferta da disciplina em período
posterior, como aponta Valle (2018).
No caso de Jaraguá do Sul, conforme informações da Secretaria
Municipal de Educação, o ensino de Italiano foi inserido em suas escolas
por meio de projeto piloto iniciado em agosto de 2018. No entanto, via
ações anteriores, em 2011, se formava a primeira turma de um curso de
Italiano:

[n]o município de Jaraguá do Sul, a língua italiana não


está na grade curricular de ensino; é um projeto reali-
zado extraclasse, oferecido para as escolas municipais
em parceria com o Centro de Cultura Italiana (CCI), do
Paraná e de Santa Catarina, firmado através de convênio
entre as entidades. No ano de 2011, ocorreu a primeira
formatura dos alunos, o curso tem duração de três anos.
Quanto a continuidade do projeto, dependerá do resultado
de eleições municipais. (FABRO, 2015, p.162)
13 Gemellaggio é um acordo de cooperação entre duas cidades de países diferentes, chamadas,
nos termos de tal acordo, como cidades irmãs. Em Massaranduba, a Lei Nº 1837/2017 constitui
a Comissão de Coordenação do GEMELLAGGIO entre as cidades do Valle del Biois/Itália e
Massaranduba/Brasil.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

De acordo com Fabro, embora a continuidade desse curso de-


pendesse da gestão municipal, sinalizava-se, à época do estudo, sua
manutenção. No entanto, com base nas informações obtidas em nossos
contatos, infere-se que esse projeto foi encerrado em algum momento,
tendo sido reiniciado em 2018. Sob nossa leitura, situações em que a
oferta de Italiano não está vinculada ao currículo podem apresentar
flutuações e vulnerabilidade, encontrando-se, portanto, mais suscetíveis
à descontinuidade, seja pelo (des)interesse da comunidade em relação
à língua italiana, seja pelas mudanças na administração política local.
Para além do caráter da oferta – curricular ou extracurricular – reto-
mamos o quadro 3 para problematizar a relação entre a oferta da língua
italiana em escolas públicas catarinenses e as parcerias e convênios
estabelecidos pelas redes. Dos 17 municípios com ensino de Italiano em
2019, pelo menos nove apresentam convênio com o CCI.
Em termos de colaboração com os municípios conveniados – Arroio
Trinta, Jaraguá do Sul, Lacerdópolis, Laurentino, Macieira, Massaran-
duba, Rodeio, Salto Veloso e Siderópolis – prevê-se distribuição de
materiais didáticos e formação docente. Não descartamos a possibilidade
de que outros municípios considerados nesta pesquisa tenham algum tipo
de convênio com associações ítalo-brasileiras, dado o fato de apenas a
Secretaria de Educação de Mafra ter apontado a não existência de con-
vênios dessa natureza. As outras Secretarias contatadas não souberam
informar sobre esse dado. Concernente ao cenário, considerando que os
dados de Valle (2018), obtidos junto ao CCI, incluem outros oito mu-
nicípios com convênio com essa associação (Concórdia, Cocal do Sul,
Joinville, Mafra, Morro Grande, Nova Veneza, Treviso e Urussanga) é
plausível presumir que alguns desses municípios mantenham relações
com o centro em questão.
Esses convênios parecem buscar, entre outras questões, atender a
uma demanda local, possivelmente favorecendo a manutenção do Italiano
independentemente da legislação nacional. No município de Massaran-

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

duba, por exemplo, a língua italiana parece encontrar-se relativamente


consolidada em projetos extracurriculares, com um histórico de oferta
de mais de 20 anos. O município conta ainda, desde 2009, com o acor-
do Gemellaggio, cujo principal objetivo é promover contato e troca de
informações sobre desenvolvimento entre as cidades irmãs, em alguns
casos promovendo intercâmbio de pessoas entre as cidades. Embora não
seja um convênio diretamente em prol da promoção da língua italiana,
o acordo Gemellaggio atua nas relações identitárias entre essas comu-
nidades e suas origens, movidas por “decisões de cidadãos e grupos ou
entidades sociais que implicam uma motivação de direito e de dever, por
se imporem como regra (prescritiva ou proscritiva)” (ALTENHOFEN,
2013, p. 103).
Os dados obtidos parecem apontar na direção de uma manutenção
do ensino de Italiano, principalmente movida por esforços voltados a
atender demandas locais independentemente das demandas globais, tais
quais a imposição do ensino de uma língua hegemônica. Mesmo com
a manutenção do ensino de Italiano, principalmente nas redes munici-
pais, importa também discutir os municípios com oferta interrompida,
sinalizados no quadro 5.
Quadro 5: Cidades onde o ensino de Italiano foi interrompido (2019)

Redes
Cidade Motivo da interrupção
Est. Mun.
Ascurra x x —
Balneário Camboriú x —
Celso Ramos x Falta de docente de italiano
Concórdia x Falta de docente de italiano
Gaspar x —
Iomerê x —
Jaborá x Falta de docente de italiano

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Luiz Alves x x Falta de docente de italiano


Meleiro x Mudança de gestão
Nova Trento x —
Rio do Oeste x —
São Joaquim x —
Taió x —

Fonte: Elaboração própria

Das 31 cidades apontadas em estudos precedentes com oferta


de Italiano, 13 tiveram a oferta da disciplina interrompida: Balneário
Camboriú, Celso Ramos, Concórdia, Gaspar, Iomerê, Jaborá, Meleiro,
São Joaquim e Taió (na rede municipal); Luiz Alves, Nova Trento e Rio
do Oeste (na rede estadual); e Ascurra (tanto no município quanto no
estado). No caso da rede estadual, a SED-SC não forneceu informações
sobre essa descontinuidade. Já na rede municipal, quando questionadas
sobre o ensino de Italiano nos municípios, várias secretarias responderam
que nunca houve ensino da disciplina na rede e, ao serem mencionadas
informações de estudos precedentes, algumas responderam que não ti-
nham informações a respeito do assunto, sob a justificativa da mudança
de gestão.
Quanto aos fatores que conduziram a tal cenário, a dificuldade
de encontrar docente de Italiano foi razão praticamente categórica. A
Secretaria de Educação de Celso Ramos expôs que todas as escolas
contemplavam a disciplina no currículo do 1º ao 5º ano, com uma única
professora; com seu afastamento, não houve quem preenchesse a vaga.
Situação similar ocorreu em Jaborá, com a aposentadoria da professora
de Italiano e a contratação de uma professora de língua estrangeira da
área de Inglês, conforme informou a Secretaria de Educação. Em Luiz
Alves, o ensino de Italiano era optativo e acontecia no contraturno; no
processo seletivo ocorrido na metade de 2018, os candidatos aprovados

198
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

não quiseram deslocar-se de Florianópolis até o município, haja vista a


reduzida carga horária da disciplina. Em Concórdia, é desenvolvido um
projeto extracurricular com um componente de línguas, atualmente, com
o Espanhol e o Inglês; a interrupção da oferta de Italiano no projeto em
2019 ocorreu pela ausência de inscritos no processo seletivo docente.
Quanto a Meleiro, a Secretaria de Educação informou que, em gestões
anteriores, houve ensino de Italiano como parte de um projeto extracur-
ricular; logo, a descontinuidade de oferta decorre da mudança da gestão,
embora a própria secretaria tenha sinalizado interesse em retomar o ensino
da disciplina no município.
No espaço ocupado pela língua italiana, esse cenário instável como
disciplina obrigatória ou como componente extracurricular leva a uma
situação paradoxal. A inclusão no currículo cria um dispositivo para a
manutenção e legitimação da disciplina em âmbito local, abrindo vagas,
processos seletivos e concursos públicos para professores; nas reformas,
contudo, os currículos locais se submetem às orientações normativas
federais. A oferta de projetos extracurriculares se vê em uma situação
de emancipação concernente às orientações nacionais, apesar de a rea-
lidade legitimar a desoficialização da disciplina, do que pode resultar a
descontinuidade na oferta frente à primeira dificuldade da instituição ou
em decorrência da mudança de gestão.
A ambivalência constatada é também observada no estudo de Fabro
(2015), sinalizando (i) ora para o otimismo de docentes de Italiano em
relação à permanência da disciplina no espaço escolar,

[n]as escolas municipais, a tendência na sua maioria é


que permaneça, pois, como algumas já estão incluídas na
grade curricular — via legislação — tende a ser mantida;
contudo, alguns destacam os problemas que a cada eleição
municipal podem acontecer alterações por não estarem
oficializadas no currículo.(FABRO, 2015, p. 193).

199
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

(ii) ora para a preocupação desses profissionais com possíveis des-


continuidades na oferta, motivadas por fatores como: ausência de apoio
financeiro (principalmente de agências italianas); falta de legislação que
garanta o espaço da língua italiana no currículo escolar; encerramento de
projetos conforme mudanças na gestão; falta de profissionais qualifica-
dos, muitas vezes não há docentes com formação na área, criando uma
situação de dependência à formação oferecida por entidades como o CCI.
Colocando em comparação os dados que obtivemos em 2019 com
os dados apresentados por Fabro (2015), é notável a diminuição da oferta
de Italiano na rede estadual, além do número reduzido de alunos matri-
culados nessa disciplina. Embora seja plausível reconhecer os impactos
da Lei 13.415 na reforma da Educação Básica, as legislações não são
capazes de apagar as memórias e as demandas locais. A título de exem-
plificação, citamos o “Estudo para ampliação do atendimento de uma
segunda língua estrangeira nas escolas, considerando a composição étnica
da região” aplicado pela SED-SC, com resposta de todas as escolas sobre
o interesse de oferta de línguas estrangeiras para além do Inglês. Entre as
opções dadas pela SED-SC (Alemão, Espanhol, Francês e Italiano), cada
escola indicava as línguas de interesse da comunidade. No que concerne
ao interesse pela língua italiana, o documento indica um número de 68
escolas estaduais que a demandam como segunda língua estrangeira.
A partir dos dados cedidos pela SED-SC relativos ao interesse das
escolas em ampliar o quadro de línguas estrangeiras a serem ensinadas,
julgamos conveniente correlacionar essa demanda ao cenário atual.
Assim, destacamos que, das 20 cidades em que permanece a oferta de
Italiano (seja na rede municipal, seja na estadual), em oito há escolas
estaduais que sinalizam interesse por essa língua: Arroio Trinta, Cocal
do Sul, Laurentino, Lindóia do Sul, Nova Veneza, Rodeio, Siderópolis
e Urussanga. No gráfico 1, ilustramos essa relação.

200
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Gráfico 1: Relação entre oferta de Italiano na rede municipal e interesse de escolas


estaduais pela oferta dessa língua

Fonte: Elaboração própria

O gráfico 1 registra 14 escolas estaduais, de oito municípios – dentre


os 20 considerados nesta pesquisa –, as quais sinalizaram interesse pela
oferta de Italiano. Praticamente dois terços dessas escolas estão concen-
tradas na região sul do estado: uma em Cocal do Sul; uma em Siderópolis,
duas em Nova Veneza e cinco em Urussanga. Não é coincidência o inte-
resse expressivo nessas cidades. Como sinalizamos anteriormente, a his-
tória dessa região se vê fortemente associada à imigração italiana; trata-se
de um território onde a presença da língua italiana parece já consolidada
em toda a rede municipal como componente curricular (com exceção de
Cocal do Sul, onde a língua faz parte de projeto extracurricular).
A partir do cenário aqui debatido, reforçamos nossa consonância ao
que pontua Kumaravadivelu (2006, p. 135) sobre o fato de que o contato
entre pessoas e culturas diferentes direciona “a uma melhor consciência
dos valores e visões de cada um e a uma decisão mais firme de preservar
e proteger a própria herança linguística e cultural”. Nesse sentido, nossa
leitura é que a imposição do ensino de uma “língua global” (ou de uma
“língua franca”, como prefere nomear a BNCC) em qualquer contexto
nacional, sobrepondo-se à diversidade demográfica dos estados brasi-

201
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

leiros, representa uma força centrípeta em defesa da unidade. Contudo,


a singularidade do estado de SC, a importância do Italiano como língua
alóctone, as reivindicações identitárias locais contra as forças impositivas
globais, as demandas locais, enfim, nos levam a acenar positivamente
quanto ao espaço do Italiano no estado catarinense, a depender, obvia-
mente, de esforços políticos e coletivos.

Considerações finais

Após recorrermos a resultados assinalados por estudos anteriores


(FABRO, 2015; ORTALE e ZORZAN, 2013; VALLE, 2018), indicamos,
dentro dos limites impostos pela metodologia empreendida, o cenário
da língua italiana nas redes estadual e municipal catarinenses. Consi-
derando que nosso ponto de partida foram os municípios apontados em
estudos precedentes, observamos que o ensino de Italiano se faz presente
basicamente naquelas cidades cuja história está fortemente ligada à imi-
gração italiana e onde se inscreve um vínculo identitário com um ideal
de italianidade oriundo de seus antepassados. Tal vínculo manifesta-se
desde a constituição de narrativas históricas, sentimento de pertença a
uma cultura italiana (expresso também nas festas e monumentos), até a
promulgação de leis municipais que instituem o ensino de Italiano em
alguns municípios. Destacamos, assim, cidades da região sul do estado,
que receberam grande contingente de imigração italiana, onde o ensino
da língua parece estar relativamente consolidado nos currículos de alguns
municípios.
Em direção a segunda questão balizadora desta pesquisa, parece que
as reverberações da Lei nº 13.415/2017 ainda não se fizeram sentir tão
fortemente no lócus da pesquisa, tendo em vista que, na rede municipal,
em muitos casos o Italiano é ensinado apenas no Ensino Fundamental
I ou como atividade extracurricular, contextos sobre os quais a legisla-
ção em tela não incide. No âmbito em que a obrigatoriedade do Inglês
poderia impactar na oferta do Italiano, como é o caso dos currículos do

202
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Fundamental II e do Ensino Médio, os dados sinalizam alguns esforços


para manutenção da oferta da língua alóctone, como a distribuição da
carga horária da disciplina de língua estrangeira entre os dois idiomas,
que acontece em pelo menos uma das cidades consideradas. Sinaliza-
-se, então, a tensão entre as demandas locais e globais, que culmina no
movimento centrífugo de valorização de uma língua minorizada pela
força centrípeta da unidade.
Na rede estadual, esse movimento também aparece; motivado,
neste caso, pela flagelante imposição do Novo Ensino Médio, em que se
abre a possibilidade de oferta de uma segunda língua como componente
curricular eletivo. Apesar das fortes e legítimas polêmicas implicadas
nessa reforma14, sobre a quais não nos debruçamos nesta discussão, a
necessidade de complementação de carga-horária parece ser a brecha
para a alteridade, para a continuidade e o início de novos projetos re-
lacionados às singularidades de cada espaço e às reivindicações locais.
Salientamos, assim, a possibilidade de manutenção de um cenário pluri-
língue a partir de ações e políticas locais, em um movimento centrífugo
às coerções centrípetas e unificadoras do cenário global. Entre essas
ações, situamos, por fim, todos os esforços empreendidos no PIBID
Multidisciplinar Línguas Estrangeiras, que, conforme salientado em
algumas ocasiões desta obra, emergiu da consideração da realidade e
de necessidades locais.

14 Uma contrarforma que só faz aprofundar as desigualdades na formação básica, com um ensino
instrumentalizador no Ensino Médio público e uma formação propedêutica na rede privada,
conforme discutem Cardozo e Lima (2018, p. 138) entre outros trabalhos recentes.

203
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

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206
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

SITUAR O LOCAL COMO UM ATO CRÍTICO:


REFLEXÕES SOBRE A LÍNGUA ESPANHOLA
EM SANTA CATARINA

Leandra Cristina de Oliveira1

O presente ensaio materializa discussões que atravessaram a mesa


Debates sobre o espaço e as contribuições da língua espanhola
nas instâncias sociais, incluída na agenda de capacitação docente da
Associação de Professores de Espanhol do Estado de Santa Catarina
(APEESC), em 2021, na qual intercambiamos – Profa. Dra. Neide Maia
González (USP) e eu – realidades e reflexões sobre os estados de Santa
Catarina e São Paulo, no que concerne ao campo disciplinar de língua
espanhola.2 Para a audiência dessa atividade, foram convidados bolsistas
do PIBID Multidisciplinar Línguas Estrangeiras, haja vista a importância
do debate glotopolítico estabelecido entre as ministrantes.
Centrando em meu lócus de discussão e atuação, na ocasião de
março de 2021, quando também recém iniciava a etapa prática do PIBID,
1 Doutora em Linguística. Professora do Departamento de Língua e Literatura Estrangeiras
(DLLE) e do Programa de Pós-Graduação em Linguística (PPGL) da Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC). Coordenadora do PIBID Multidisciplinar Línguas Estrangeiras
UFSC – área língua espanhola (2020-2022). E-mail: leandra.oliveira@ufsc.br.
2 Na referida mesa, ocorrida em 17 de março de 2021, a Profa. Neide González apresentava o
estudo Contribuições sociais e políticas do ensino e da aprendizagem de línguas estrangeiras:
a Língua Espanhola como Componente Curricular no Ensino Médio do município de São
Paulo; eu, o trabalho Um olhar local sobre o espaço da língua espanhola e suas implicações
no entorno social. A gravação da mesa encontra-se disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=tT2am-d1bAk&t=4s

207
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

projeto no qual atuava como coordenadora da área de língua espanhola,


introduzia minha fala retomando as querelas dos últimos anos que nos
concerniam na qualidade de professores de línguas estrangeiras; refiro-me
à Lei 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, a Resolução CNE no. 3, de 21 de
novembro de 2018, e a Base Nacional Comum Curricular, publicada, em
sua versão final em 2018. Lançava, então, os seguintes questionamentos:
Que efeitos [dessas normativas] incidem sobre as línguas estrangeiras
(LE)? A atual desoficionalização das línguas (RODRIGUES, 2010) é
de fato um movimento recente? Não me parece necessário retomar aqui
as respostas que, na ocasião, polemizei, até mesmo porque creio que a
leitora e o leitor que chegaram até aqui neste livro já as identificaram
ou, por si mesmo, as formularam.
No entanto, parece conveniente contextualizar, ainda que breve-
mente, o impacto desses discursos reguladores no espaço da língua
espanhola, para a qual se direciona este texto. No que diz respeito à Lei
13.415, já em sua ementa, deixa claro o retrocesso em termos de políticas
públicas para o fomento no ensino da língua que nos circunda e com a
qual compartilhamos o mesmo continente:

Altera as Leis n º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que


estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e
11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação, a Consolida-
ção das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-
-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e o Decreto-Lei nº
236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei nº 11.161,
de 5 de agosto de 2005; e institui a Política de Fomento
à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo
Integral. (BRASIL, 2017, grifos meus).

Destaco no recorte acima um dos efeitos mais tangíveis sobre a


oferta da língua espanhola nessa mudança legislativa – a revogação da

208
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Lei 11.161, a qual decretava “O ensino da língua espanhola, de oferta


obrigatória pela escola e de matrícula facultativa para o aluno, será
implantado, gradativamente, nos currículos plenos do ensino médio.”
(BRASIL, 2005).
Sob o olhar macro contextual, compreendo as alterações recordadas
acima como um retrocesso pelo fato de interromper e desconstruir proje-
tos e políticas planejados e instituídos nas décadas anteriores que, enfim,
ajudariam o Brasil a vincular-se a um continente do qual, historicamente,
esteve apartado – América Latina.3 Antes de citar os tratados mais re-
centes que reverberariam na curricularização da disciplina de Espanhol,
retomo interlocuções mais remotas, como a criação e financiamento da
Revista Americana, 29 que buscava ampliar o intercâmbio político e cul-
tural entre o Brasil, a América Espanhola e os Estados Unidos4, através
da publicação de artigos em Português e Espanhol, incluindo trabalhos
de hispano-americanos críticos à política externa brasileira, sobretudo
pelas alianças entre o Brasil e os Estados Unidos e ao pan-americanismo
(BETHELL, 2009, s/p).

3 Para compreender a história do termo América Latina, cuja origem, tradicionalmente, aparece
associada à corrente francesa, recomenda-se a leitura de Bethell (2009). Para esse historiador,
muito antes da noção registrada no livro Lettres sur l’Amérique du Nord (Paris, 1836), escrito
por Michel Chevalier (1806-1879), conselheiro de Napoleão III e “principal propagador da
intervenção francesa no México em 1861” (s/p), alguns escritores e intelectuais hispano-
-americanos não só usaram a expressão “la raza latina” – como o poeta dominicano Francisco
Muñoz Del Monte (1800-65) – como também o termo “América Latina”. Os três grandes
candidatos ao ineditismo desse termo são o poeta, jornalista e crítico colombiano José María
Torres Caicedo (1830-1889), o intelectual socialista chileno Francisco Bilbao (1823-1865) e
o jurista, político, sociólogo e diplomata colombo-panamenho Justo Arosemena (1817-1896).
Referente ao lugar do Brasil nessa compreensão continental, Bethell (2009, s/p) registra que
“nenhum dos políticos, intelectuais e escritores hispano-americanos que primeiro utilizaram
a expressão “América Latina”, e nem seus equivalentes franceses e espanhóis, incluíam nela
o Brasil. “América Latina” era simplesmente outro nome para a “América Espanhola”. Essa
exclusão, a que o Brasil parece nunca ter dado real importância, motivada pelas diferenças
nos processos de colonização, de independência e da própria língua, estendeu-se por décadas.
Entre os anos 1920 e 1930, mas, sobretudo, durante a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria
“os governos e intelectuais hispano-americanos passaram a incluir o Brasil no seu conceito
de ‘América Latina’, e alguns (poucos) brasileiros começaram a se identificar com a América
Latina.” (BETHELL, 2009, s/p)
4 O alinhamento do Brasil com esse país vinha de períodos anteriores, sendo, como é de nosso
conhecimento, uma constante.

209
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Algumas políticas não tão distantes têm sido amplamente citadas


como importantes gatilhos para a oferta da língua espanhola no Ensino
Médio. A pesquisadora Mirella Oliveira (2021, p. 153-154) propõe a
seguinte organização cronológica: (i) em 1991, tem-se a assinatura do
Tratado de Assunção, em que se dá início ao tratado de livre-comércio
assinado entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai – MERCOSUL;
(ii) no mesmo ano, o Instituto Cervantes, como órgão vinculado ao
Ministério de Educação da Espanha e responsável pela difusão da lín-
gua espanhola fora daquele país chega a São Paulo (em 2000, ao Rio
de Janeiro); (iii) em 2005, é sancionada a Lei 11.161, da qual decorre
a ampliação nos investimentos para o ensino aprendizagem da língua
espanhola, formação e capacitação docente – cenário a que não fica
alheio o referido instituto espanhol, o qual “intensifica os esforços
para abocanhar este mercado frutífero e economicamente válido”
(OLIVEIRA, M., 2021, p. 153) e inaugura as unidades de Recife,
Belo Horizonte e Florianópolis5, “tornando o Brasil o país com o maior
número de unidades do Instituto Cervantes em todo o mundo.” (OLI-
VEIRA, M., 2021, p. 154), como ratifica a própria página da referida
instituição espanhola:

O Brasil é na atualidade um dos países onde o estudo


e o uso do espanhol vêm experimentando um maior
crescimento. As perspectivas desse crescimento aumen-
tam, além do mais, pela promulgação da chamada “lei
do espanhol”, realizada em 4 de agosto de 2005, a qual
estabelece a obrigatoriedade de oferecer a disciplina de
espanhol como matéria optativa em todo o ensino médio
do país no prazo de cinco anos. O Instituto Cervantes
vem realizando um importante esforço para incrementar
sua presença para acompanhar esse crescimento. Após
abertura dos primeiros Institutos em São Paulo (1998)
5 Importa mencionar que a sede de Florianópolis fechou há alguns anos, a causa da pouca
demanda por cursos de língua espanhola, segundo sinalizava sua então diretora, na ocasião
em que desenvolvíamos uma atividade cultural sob a cooperação entre o Instituto Federal de
Santa Catarina (IFSC – campus Florianópolis-continente) e o Instituto Cervantes (ano 2009).

210
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

e do Rio de Janeiro (2001), no ano de 2007 abrem-se


quatro novas sedes: Brasília, Curitiba, Porto Alegre e
Salvador. No ano de 2008 abre-se mais uma sede: Recife.
A sede de Belo Horizonte inaugurou-se em 20 de janei-
ro de 2009. Com ele, a rede do Instituto Cervantes em
Brasil consta de oito Centros, sendo o país com o maior
número de Institutos em todo o mundo. (INSTITUTO
CERVANTES, s/d)

A respeito do reposicionamento dos países da América do Sul


e, por consequência de suas línguas, o linguista Gilvan Müller de
Oliveira (2010, p. 28), adverte que “o que acontece com as línguas
não é alheio ao que ocorre com o sistema de produção e com seus
correlatos políticos em termos da organização dos países.” À luz
dessa reflexão, o autor situa o contexto da Lei 11.161 implicado em
um compromisso de reciprocidade entre Brasil e Argentina. Nosso
vizinho hispânico, através da Lei n. 26.468 de 17 de dezembro de
2008, instituía a oferta obrigatória da disciplina de língua portuguesa
em toda escola secundária do país; esse movimento só foi possível,
segundo Gilvan de Oliveira (2010) porque o Brasil promulgava a
lei de 2005, a lei do Espanhol, citada acima neste texto: “para que
sua língua possa estar aqui é preciso que a minha língua possa estar
aí” (OLIVEIRA, G. de, 2010 p. 28). Movido por esse sentido de
cooperação linguística e econômica entre seus vizinhos, o Uruguai
inaugurava no ano de 2009 sua primeira licenciatura em língua
portuguesa em duas localidades – Montevidéu e Rivera. Sobre o
que representa socio-historicamente essa novidade no contexto de
formação acadêmica, Gilvan de Oliveira (2010) pontua:

Para um país como o Uruguai, que se constituiu na


perspectiva de ‘conter’ o português além fronteiras, e
que por muito tempo desconheceu que o norte do país é
efetivamente uma região bilíngue espanhol-português,
esta mudança de ótica, com a criação da licenciatura, é

211
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

um movimento historicamente de grande envergadura. É


assim que se obtiveram importantes parcerias linguísticas,
com base na reciprocidade: o Brasil tornou o espanhol
uma língua estrangeira das mais importantes do país me-
diante uma lei que, no entanto, foi negociada com outro
importante país, que recebeu o português como importante
língua estrangeira, a Argentina. Eles não estariam aqui
se nós não estivéssemos lá e vice-versa (OLIVEIRA, G.
de, 2010, p.29).

As políticas de cooperação entre países sul-americanos da primeira


década do século XXI, algumas delas citadas aqui, outras retomadas por
Mendes e Oliveira – no capítulo que abre as “Colaborações externas”,
neste livro –, acenariam para dinâmicas endógenas, em detrimento
de processos orientados pela lógica do mercado, guiadas por agentes
financeiros exógenos – nos termos do que debatem Oregioni (2019) e
Oregioni e Piñero (2017), centrando-se, essencialmente, nos movimentos
de cooperação universitária. Esses movimentos se veem repercutir em
diferentes instâncias, entre elas, o currículo escolar, com a publicação
da Lei 11.161, a qual colocava em visibilidade o lugar do Espanhol na
Educação Básica brasileira.
Os giros políticos dos últimos anos, alinhados ao que Oregioni
(2019) trata como “pensamento único”, funcional às hegemonias e à
globalização neoliberal, fazem retroceder o que se vinha alcançando
nas últimas décadas. Ignoram-se os investimentos em recursos materiais
e humanos diversos, como: as publicações de materiais didáticos de
Espanhol voltados para brasileiros; a avaliação pedagógica de manuais
empreendida pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD); os
vários cursos de Licenciatura em Língua Espanhola oferecidos pelas
Instituições de Ensino Superior (IES) públicas e privadas e as vagas de
professores efetivos nas redes educacionais, por citar os principais. Um
cenário que vinha, ainda que timidamente, superando a apatia que se
tinha frente à língua espanhola no Brasil, debatida por Eres Fernández

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

(2001), agora redirecionado à perspectiva do Inglês “como língua global


na sociedade contemporânea” (BRASIL, 2018, p. 254).6
Sem negar a importância do Inglês no cenário mundial, parece tam-
bém relevante lançar um olhar local sobre a questão das línguas. Com o
intuito de visibilizar os lugares do Espanhol na realidade mais imediata,
esclareço que a proposta não é centralizá-lo, ignorando o lugar de outras
línguas que circulam neste espaço. A ideia é questionar o olhar de uma
língua global, é, antes de mais nada, localizar e relativizar a discussão,
e o faço a partir do Espanhol que é minha língua de estudo e trabalho
– logo, meu campo de maior aprofundamento. Questionar regulações e
hegemonias que apagam a pluralidade e o plurilinguismo deve ser o nosso
compromisso enquanto profissionais das Letras. Assim, sequencialmente
nos parágrafos adiante, a sensibilização a essa necessária relativização se
dá a partir da retomada de quatro cenários: (i) o Espanhol nas coopera-
ções internacionais da UFSC; (ii) o Espanhol no setor produtivo-cultural
de Florianópolis; (iii) o Espanhol no estado de Santa Catarina; e (iv) o
Espanhol nos currículos escolares de Santa Catarina.
Se lançarmos a pergunta sobre qual língua poderia nos dar acesso
a uma experiência no exterior, é bastante provável que o Inglês, nesse
contexto imaginário, ocupe lugar de destaque nas respostas. Embora
não absolutamente desconexa à realidade, essa crença compartilhada
repercute, de certa maneira, o prisma voltado ao norte global, às oportu-
nidades e cooperações exógenas. Contudo, as oportunidades acadêmicas
não se restringem (ou não vinham se restringindo) a essa realidade.
A título de exemplificação, neste livro, Julia Mendes e Gilvan M. de
Oliveira mencionam as redes AUGM (Associação de Universidades do
Grupo Montevidéu) e GCUB (Grupo de Cooperação de Universidades
Brasileiras) como iniciativas “que fortificam a cooperação Sul-Sul (entre
6 Importa recordar que o referido documento prevê a oferta de “outras línguas estrangeiras, em
caráter optativo, preferencialmente o espanhol, de acordo com a disponibilidade da institui-
ção ou rede de ensino” (BRASIL, 2018, p. 476 – grifos meus). Nosso conhecimento sobre a
realidade da Educação no Brasil nos leva a duvidar que um currículo optativo possa vir a se
concretizar.

213
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

países do sul global) e a integração regional”. Os Programas de Bolsas de


Intercâmbio BRACOL (Brasil-Colômbia) e BRAMEX (Brasil-México)
também nos serve de ilustração7 e, a partir de uma vivência pessoal
nesses programas, resgato uma narrativa socializada oralmente em al-
gumas ocasiões no intento de relativizar a ideia de haver uma (única)
língua que “nos abre portas” – outra crença homogeneizante, simplista
e demasiadamente otimista.
Em algumas ocasiões, tive a oportunidade de participar do processo
seletivo dos Programas BRACOL e BRAMEX, entrevistando estudantes
de graduação da UFSC a fim de avaliar o conhecimento na língua do país
receptivo, o Espanhol, a saber. Para a vaga, exigia-se, entre outros fatores,
o conhecimento intermediário dessa língua. Não raras vezes, ao longo
da entrevista, os candidatos falavam somente em Português – embora
interpelados na língua do país de destino – e tinham dificuldade para
compreender questões que iam um pouco além do Háblanos un poco de
ti, tal como ¿Tienes ahorros para mantenerte mientras te ingresan la
beca? Na sequência de uma conversação relativamente simples, ficava
evidente que o candidato não seria capaz de acompanhar uma aula na
língua do país receptor, que o aproveitamento acadêmico da experiência
possivelmente não seria o esperado, portanto. Não estaria em condições
de quantificar ou de fazer generalizações, porém, na ocasião, me chamava
a atenção o nível de proficiência em língua espanhola de candidatos que
tinham estudado Espanhol como disciplina curricular. Muitos candidatos
com desempenho intermediário – logo, aprovados nessa etapa – tinham
em seu currículo do Ensino Médio o cumprimento da disciplina de língua
espanhola, o que me levava a inferir os efeitos positivos da Lei 11.161 –
“as portas que se abriam” pareciam ser por essa experiência formativa.
Nessa direção e ainda no sentido de relativizar noções globalizantes,
a partir dos dados da tese de Júlia Mendes (2021), poderíamos assumir

7 Lamentavelmente, no ano de 2019, sinalizava-se a suspensão desses programas em virtude


do contingenciamento de gastos e bloqueio dos recursos financeiros por parte do governo
federal – fato que vai na direção dos retrocessos que este texto traz à luz.

214
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

o Espanhol como a língua da internacionalização da UFSC no momento


em tela, pois, segundo os dados da Sinter (2019 apud MENDES, 2021,
p. 122) a maioria dos alunos incoming provém de países hispânicos
(46/127) e a maioria dos alunos outgoing realizaram seus estudos em um
país hispano-falante (20/76). Portugal está em segundo lugar em ambos
os cenários (25/127 e 18/76, respectivamente).
Concernente ao lugar do Espanhol no setor produtivo-cultural de
Florianópolis, retomo discussões apresentadas na dissertação de Mestrado
de Marina Jenovencio (2018) e em interlocuções que estabelecemos em
Oliveira, Jenovencio e Tissier (2017a; 2017b), especialmente.
Visando compreender o lugar das línguas inglesa e espanhola na
paisagem linguística florianopolitana, mais precisamente nos bairros
Lagoa da Conceição e Canasvieiras, Jenovencio (2018) percorre
uma média de 9 km captando dados imagéticos (outdoors, placas
comerciais, placas de trânsito e cardápios, por exemplo) e aplicando
entrevistas a agentes profissionais desses espaços. Na análise, a autora
problematiza a expressiva presença do Inglês no território analisado
como um reforço a seu lugar “neutro, natural e benéfico” nos termos
de Pennycook (1994). O lugar ocupado pelo Espanhol limita-se a
pequenos nichos da comunicação visual. Os usos verificados nas
paisagens indexicalizam, segundo a pesquisadora, diferentes formas
de valoração, “reforçando o inglês como língua global e o espanhol
como língua na qual todos ‘se defendem’” (JENOVENCIO, 2018,
p. 250-251).
A pesquisadora problematiza, ainda, a relação dessas línguas com
a economia local, resgatando dados de uma das principais fontes econô-
micas de Florianópolis – o turismo. Segundo dados da Santur, 96% dos
turistas que visitam a Ilha provêm de países hispano-falantes (JENO-
VENCIO, 2018, p. 151), e, a despeito dessa realidade, o Inglês é língua
predominante tanto no eclético e plural bairro da Lagoa da Conceição,
como em Canasvieiras, conhecida como o bairro dos argentinos.

215
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Em uma linha de interesse semelhante, Oliveira, Jenovencio e Tis-


sier (2017a) pesquisam o cenário da comunicação na rota gastronômica
do bairro florianopolitano Santo Antônio de Lisboa, buscando debater
sobre a realidade comunicativa entre profissionais do setor de Alimentos
e bebidas (A&B) da região e frequentadores nacionais e estrangeiros.
Através da análise de 180 minutos de gravação de entrevistas aplicadas
a garçons, gerentes e proprietários dos estabelecimentos comerciais,
constatam que, durante a temporada de veraneio, 80% dos clientes são
argentinos; 10% brasileiros e os outros 10% são de outras nacionali-
dades. Nas enunciações desses profissionais, admite-se a existência de
problemas de comunicação com o público estrangeiro, especialmente pela
“rapidez na fala dos argentinos”, exigindo a intervenção de outro colega
de trabalho com conhecimento da língua espanhola ou que seja nativo de
um país hispânico (situação bastante comum nesta capital). Assinalam,
ainda, as dificuldades vivenciadas com o Inglês ao atenderem turistas
anglófonos. Buscando verificar possível reciprocidade no problema de
comunicação, as autoras consideraram em seu estudo entrevistas com
turistas hispânicos. Foram incluídas, então, vinte entrevistas como argen-
tinos, totalizando 87 minutos de gravação. Em síntese, as enunciações
levam à interpretação de que a cordialidade se sobrepõe ao problema de
comunicação, ou seja, boa parte dos sujeitos entrevistados prefere desta-
car o esforço dos atendentes, minimizando os problemas comunicativos.
Ainda em relação ao setor produtivo, cabe retomar o estudo levado
a cabo por Oliveira, Jenovencio e Tissier (2017b) no contexto da Tec-
nologia, atividade que ocupa o primeiro lugar na economia da capital
catarinense.8 Apesar da importância do Inglês nesse setor, sobretudo
no que concerne às publicações, realidades locais colocam em xeque
a aceitação absoluta do monolinguismo. Entrevistas aplicadas a gesto-
res de grandes empresas de tecnologia da capital catarinense mostram
que o processo de internacionalização de serviços e produtos a países
hispano-falantes como Argentina, Colômbia e México tem cada vez mais
8 Em segundo, encontra-se o turismo.

216
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

demandado profissionais capazes de se comunicarem em Espanhol, bem


como criações de conteúdo e traduções nessa língua. Algumas enuncia-
ções que respondem sobre a “Importância das línguas no ecossistema de
Tecnologia” ilustram essa constatação.

[...] Então olhando pra realidade da Softplan, o inglês, ele


é a língua principal de referencial técnico, mas o nosso
mercado tá na língua espanhola. (Gestora de projetos da
SOFTPLAN).9

[...] o espanhol está muito vinculado a um de nossos dri-


ves de crescimento, que é a internacionalização. Nosso
foco hoje está na América Latina, nos países hispano-
-americanos, e é fundamental que a gente saiba falar em
espanhol... saiba vender a nossa solução em espanhol,
que consiga participar de reuniões, consiga interagir com
o mercado desses países. Então o espanhol hoje é muito
importante para a Involves. (Guilherme Coan, um dos
fundadores da Empresa Involves).10

Falando um pouquinho de como tem sido a busca de


profissionais aqui, que falem espanhol para a Involves,
é uma procura que tem aumentado bastante. Na verdade,
a Involves cresceu bastante na América Latina, temos
alguns clientes, tanto na Colômbia, Peru, México, enfim,
e desde que começou esse contato com esses clientes a
gente tem buscado profissionais que falam espanhol (...)
o espanhol tem sido pré-requisito em vagas que estamos
abrindo (...) não tem sido fácil encontrar profissional que
fale o espanhol. (Ana Paula, então, Recursos Humanos
da Empresa Involves).11

9 Ver em: Oliveira, Jenovencio e Tissier, (2017b, p. 80).


10 Ver em: Arquivo do projeto de pesquisa SIGPEX/UFSC/ 201700397.
11 Ver em: Arquivo do projeto de pesquisa SIGPEX/UFSC/ 201700397.

217
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Expandindo de Florianópolis ao território estadual, retomo alguns


fatores que demarcam um lugar bastante concreto da língua espanhola
em Santa Catarina, arrolados no documento Carta de exposição de
motivos pela manutenção da disciplina de Língua Espanhola na grade
curricular de cumprimento obrigatório na Educação Básica do Estado
de Santa Catarina, elaborado e difundido pela Associação de Professores
de Espanhol do Estado de Santa Catarina (APEESC).12:

i) Por sua geografia: Santa Catarina é um Estado brasileiro frontei-


riço com a República Argentina: a cidade de Dionísio Cerqueira, no
extremo-oeste, faz divisa com Bernardo de Irigoyen, cidade situada
no Estado de Missiones/Argentina, além da divisa com Barracão,
município paranaense. São em média quinze mil habitantes que
convivem com dois idiomas (português e espanhol) em suas práticas
comunicativas diárias. Ademais, encontra-se a menos de mil quilôme-
tros do Paraguai e a menos de 2000 do Uruguai, distâncias inferiores
a percursos entre Santa Catarina e estados do Norte, Nordeste e parte
do Centro Oeste brasileiro.

ii) Por sua economia: no setor turístico do Estado, com uma geração
de riqueza equivalente a 12% do Produto Interno Bruto (PIB), partici-
pam, em número muito expressivo, argentinos, uruguaios, paraguaios
e chilenos (em menor medida, peruanos), correspondendo a 98%
dos visitantes estrangeiros que visitam por curta ou longa temporada
nosso Estado – conforme Jenovencio (2018) e Oliveira, Jenovencio
e Tissier (2017a), com base em dados da Secretaria do Turismo de
Florianópolis (Santur) e entrevista aplicada ao, então, Secretário de
Turismo de Florianópolis. A cada ano, cruzam a BR101 e demais
rodovias visitantes falantes do espanhol, muito participativos nos
setores do comércio, da hospitalidade e lazer, setores em que costu-
mam atuar profissionais que não dominam a língua espanhola, que
buscam comunicar-se em um portunhol caricato por apresentarem
baixa competência comunicativa e, com isso, revelarem, nas intera-
12 Texto não publicado. Os recortes estão tal como apresenta o documento; as referências neles
citadas estão também contempladas neste ensaio, já que dessa compilação de informações fiz
parte na condição de vice-presidenta da APEESC (2020-2022).

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

ções, significativos problemas de intercompreensão, como atestam


Oliveira e Wildner (2011), Oliveira, Jenovencio e Tissier (2017b).

iii) Por seu eixo produtivo-profissional: vinculada à economia


do território, no setor profissional, vem sendo ampla a procura por
capacitação de profissionais em diferentes áreas de atuação de Flo-
rianópolis, no que diz respeito à comunicação em língua espanhola:
“[A] varejista catarinense Koerich, que vende móveis e eletrônicos,
chegou a treinar os vendedores das unidades de praia para atender
os argentinos” – anuncia a matéria no Folhapress “Comércio de SC
‘adota espanhol’ para receber turistas argentinos” Citando também
outras ações, recuperadas a partir de Oliveira, Jenovencio e Tissier
(2017, p. 74), têm-se: (i) a oferta do curso Ensino de espanhol para
trabalhadores da região gastronômica de Santo Antônio de Lisboa
(Florianópolis/SC), projeto de extensão desenvolvido por equipe
UFSC (DLLE/área Língua Espanhola) em atenção a uma demanda da
referida região; (ii) a procura de um Shopping Center local – Floripa
Shopping – à área de espanhol/UFSC, com interesse pela oferta de
cursos intensivos a seus funcionários; e (iii) no âmbito da tecnologia,
a busca por grandes empresas, como Softplan e RD Resultados Di-
gitais, pelo idioma, considerando suas metas de internacionalização
para diferentes países hispano-americanos.

iv) Pelas interações e convivência: destacamos a importância que


ocupa a formação escolar na preparação de sujeitos que possam atuar
nos espaços contemplados nos tópicos anteriores. A proximidade ge-
ográfica, linguística e mesmo psíquica que brasileiros apresentam em
relação ao espanhol é fator favorável para a apropriação do idioma em
sua experiência formativa na Educação Básica. Como professores de
espanhol, temos verificado o avanço de nossos estudantes nas práticas
comunicativas em língua espanhola, sem necessariamente implicar
plena proficiência, mas com demonstrações de preparo mínimo para
a comunicação quando em jogo se encontra um itinerário da discipli-
na nos currículos de, ao menos, três anos. Por fim, para muito além
do apelo econômico, encontra-se o vínculo do espanhol com nosso
entorno social mais amplo: o espaço que essa língua ocupa nas inte-
rações cotidianas, as quais não se limitam ao ofício profissional, mas

219
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

à convivência em si, nas escolas, nos mercados, nas ruas, igrejas, etc;
o espaço na arte (música, cinema, teatro, literatura, etc); o espaço,
enfim, para uma integração continental que não se submete (ou ao
menos não deveria) a hegemonias globalizantes que desconsideram
as singularidades e demandas locais.

Uma vez situado o lugar do Espanhol (i) nas dinâmicas de coopera-


ção, centrando-me no contexto da UFSC, (ii) no setor produtivo-cultural
de Florianópolis e (iii) nas distintas realidades do território estadual, cabe
seguir o prometido e direcionar a lente para o campo disciplinar, ou seja,
para o espaço dessa língua nos currículos escolares do Estado – seguindo
a linha de raciocínio debatida na mesa a que me referi ao introduzir este
texto. Logo, na esteira das realidades e problematizações lançadas nos
três cenários anteriores, a reflexão desemboca em um dos contextos no
qual as transformações sociais acontecem – a escola.
Lançando mão dos mesmos dados discutidos por Santos e Oliveira,
no capítulo Entre o local e o global: (des)continuidades da língua ita-
liana no espaço escolar de Santa Catarina, neste livro, os quais foram
cedidos pela Secretaria Estadual de Educação de Santa Catarina (SED-
-SC), apresento, na tabela a seguir, a realidade das línguas estrangeiras/
adicionais no ano de 2019.
Tabela 1 – Número de escolas e de matrículas de alunos relativos às disciplinas de
línguas estrangeiras na Rede Estadual de Santa Catarina

Alemão Espanhol Inglês Italiano Total

N. de escolas com
17 196 1101 3 1317
oferta

N. de alunos
3425 30.272 366.558 214 400.469
matriculados

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Como se pode observar, e tal como discute Mirella Oliveira (2021),


as línguas ofertadas na Rede Estadual de Santa Catarina apresentam certa
consonância com a realidade sociolinguística do estado, já que estão
presentes línguas alóctones (Alemão e Italiano) de expressiva vinculação
com a realidade socio-histórica. A disparidade numérica do Inglês é fato
esperado pelas razões já mencionadas neste texto e outras. O destaque
que pretendo dar é sobre a língua aqui em discussão. O número de estu-
dantes matriculados em Espanhol é bastante superior em relação ao das
línguas alóctones; resultado que pode ser motivado: (i) pela promoção
do Espanhol por todo o território, dadas as razões antes aventadas, muito
conectadas a um dos eixos econômicos do estado, o turismo, a saber; e
(ii) a impulsão desta língua nos currículos a partir da publicação da Lei
11.161, conforme Mirella Oliveira (2021, p. 418-419).
Entre as 36 regionais da Secretaria de Estado de Santa Catarina, a
disciplina de língua espanhola está presente no currículo de 196 escolas
gerenciadas por 34 dessas regionais; “apenas as regionais Braço do
Norte e Ituporanga não contemplam essa língua em qualquer uma de suas
escolas” (OLIVEIRA, M., 2021, p. 419). Não ao acaso, senão atentando
às demandas e realidades locais, na regional fronteiriça (Brasil/Argentina)
de Dionísio Cerqueira, a qual inclui os municípios de Anchieta, Dionísio
Cerqueira, Guarujá do Sul, Palma Sola, Princesa e São José do Cedro,
os números de oferta e matrícula se elevam expressivamente, em com-
paração a várias outras regionais: são 858 estudantes distribuídos
em nove escolas, com matrícula predominante no município de
Dionísio Cerqueira (831 frequentantes de seis das nove escolas da
regional). Nessa direção, a regional da Grande Florianópolis, que abarca
os municípios de Águas Mornas, Angelina, Anitápolis, Antônio
Carlos, Biguaçu, Florianópolis, Governador Celso Ramos, Palhoça,
Rancho Queimado, Santo Amaro da Imperatriz, São Bonifácio, São
José e São Pedro de Alcântara, tem matriculados, no período em tela
(ano 2019), 6037 estudantes entre as 23 escolas estaduais ofertantes
da disciplina; “considerando apenas os resultados de Florianópolis,

221
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

são oito escolas com 2557 estudantes matriculados” (OLIVEIRA, M.,


2021, p. 419)
O mesmo informe de que se extraem os dados acima nos sinaliza
numericamente o resultado de um estudo de demanda empreendido
pela SED-SC no ano de 2019, em seu planejamento para a execução da
reforma do Ensino Médio. Através dessa consulta às escolas estaduais
de SC, buscava-se saber quais línguas eram de interesse dessas institui-
ções na composição de um currículo complementar. As sinalizações são
apresentadas na tabela 2, adiante.
Tabela 2 – Relação entre número de escolas e línguas estrangeiras relacionadas à
composição étnica da região

Alemão Espanhol Francês Italiano

47 349 13 68

Os números registrados na tabela acima parecem refletir um qua-


dro das línguas que compõem a realidade sociolinguística do estado, as
línguas que estão na realidade e na memória da comunidade escolar. No
que concerne ao Espanhol, ainda que revogada a Lei 11.161, essa é a
língua mais demandada pelas escolas em situação de ampliação do quadro
de oferta de LE – realidade que, por hipótese, pode se justificar: (i) pelo
vínculo territorial dessa língua no Estado; (ii) pela expansão do Espanhol
no cenário internacional; (iii) pela memória ainda bastante presente da
obrigatoriedade de oferta dessa disciplina no Ensino Médio; (iv) por sua
ampla circulação no estado, especialmente em territórios turísticos; e/ou
(v) pela orientação do Art. 11, § 4º da Resolução CNE/CEB nº 3/2018
de se oferecer, entre o quadro de disciplinas optativas, outras línguas
estrangeiras, “preferencialmente o espanhol” (BRASIL, 2018b).
Retomados os fatos e os estudos em que estes se apoiam, reforço o
antes mencionado a respeito de que a proposta aqui não é desqualificar
uma língua ou supervalorizar outra(s). O que se busca neste ensaio é

222
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

alertar sobre a necessidade de questionarmos discursos globalizados e


globalizantes, que desconsideram, minorizam ou apagam singularidades
locais, questionando, assim, alinhamentos e diretrizes que se apoiam
em modelos exógenos. A língua espanhola e sua relação com setores
e instituições do estado de Santa Catarina é o lugar em que me situo,
como acadêmica e como cidadã. Esse ponto é uma forma de sinalizar
que estou consciente de que os fatos arrolados neste ensaio e o posicio-
namento assumido podem ser (questionavelmente) interpretados como
o redimensionamento da centralidade de uma língua a outra. Assumo
esse risco, ansiando que o presente texto possa servir de inspiração para
novos debates que situem o papel de outras línguas em diferentes terri-
tórios e eixos que corroboram a pluralidade linguística brasileira. Desse
compromisso glotopolítico, estamos também a serviço como formadores
de novos profissionais da área de Letras Línguas Estrangeiras.

Referências

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223
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

JENOVENCIO, Marina. O espaço das línguas espanhola e inglesa em


Florianópolis: um estudo sobre a paisagem linguística dos bairros Canasvieiras e
Lagoa da Conceição. 2018. 267f. Dissertação (Mestrado em Linguística). , Programa
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224
PARTE III

CAPÍTULOS DE BOLSISTAS DE
INICIAÇÃO À DOCÊNCIA
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

PIBID UFSC: A INCLUSÃO DA LÍNGUA ITALIANA, FAZERES


PEDAGÓGICOS POSSÍVEIS EM MEIO A PANDEMIA

Mariele Lúcia Tortelli1

1. O contexto

Um homem precisa viajar para lugares que não co-


nhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o
mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é
ou pode ser.
Amyr Klink

O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID/


CAPES/MEC) funciona na prática como um grande guarda-chuva, dentro
dele são efetivados inúmeros subprojetos que colocam em exercício as
políticas públicas ligadas à área da educação, implementando o vínculo
entre a escola e a universidade pública. O Projeto Multidisciplinar PIBID
Línguas Estrangeiras/Adicionais, realizado pela UFSC, em conjunto com
a Escola de Educação Básica Irmã Maria Teresa, na cidade de Palhoça
e o Colégio Municipal Maria Luiza de Melo, de São José, dedica-se a
introdução de futuros profissionais de línguas estrangeiras à área da
docência por meio de um grupo composto por professores do Ensino
1 Graduada em Letras Italiano pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e bolsista
do Departamento de Língua e Literatura Estrangeiras (DLLE) da área do Italiano no Projeto
PIBID Multidisciplinar. E-mail: marieleluciatortelli@gmail.com.

226
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Fundamental, Básico e Superior e graduandos de Letras oriundos dos


cursos de Espanhol, Francês, Inglês e Italiano. No entanto, é importante
evidenciar que o PIBID, no âmbito nacional, não dá ênfase à língua
italiana, pois foram pouquíssimos os trabalhos publicados ou apresen-
tados em congressos, na área, no período de janeiro de 2020 a janeiro de
2022 sobre esses tópicos: Nobrega (2020), Zeulli (2020), Ramos e De
Carvalho (2021), Oliveira (2021), Bunn e Tortelli (2021)2. É importan-
te sublinhar que as iniciativas desenvolvidas no decorrer desse projeto
coincidiram com a ocorrência da Pandemia da COVID-19, tendo sido
marcada pela implementação do modelo de ensino remoto nas escolas
públicas, o qual modificou profundamente o fazer docente, atrelando-o
ao uso de tecnologias que, muitas vezes, não estavam à disposição dos
alunos (FARIAS; SILVA, 2020 p. 229). Além de analisar os trabalhos
publicados na área, exemplifica-se brevemente como a experiência vivida
durante a caminhada proporcionada pelo projeto deu à bolsista do Italia-
no a perspectiva de como as coisas simplesmente são ou como devem
ser. E, finalmente ressalta-se a importância de projetos que desafiam o
status quo e dão aos alunos da graduação de cursos como o Italiano e o
Francês uma oportunidade de conhecer terras desconhecidas que existiam
somente nas suas imaginações.

2. A língua italiana e os projetos de iniciação à docência (2020 - 2022)

Analisando o material relativo à participação da Língua Italiana


no PIBID, segundo Nobrega (2020), afirma-se que apesar do PIBID
mostrar-se ao longo da sua existência como um programa essencial para
a implementação de políticas públicas com grande importância para a
formação docente, vários cortes foram realizados nas áreas do Italiano,
Alemão e Francês. Mas, não foram só essas as alterações efetivadas, até
mesmo o Espanhol e o Inglês passaram por profundas mudanças em suas
2 A participação da língua italiana no Projeto Multidisciplinar PIBID/UFSC. Texto enviado
para Revista Italiano UERJ (em apreciação) e apresentado como Comunicação Oral no
evento EIIPIB_Virtual, 2021.

227
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

estruturas. Dada essa colocação, pontua-se que a inserção dos graduandos


de Letras Italiano no programa de forma oficial tornou-se inviável. Porém,
esse processo não nasce apenas como um simples corte de orçamento. As
mudanças na esfera das leis que regem a educação foram fundamentais
para dar origem a esse cenário. Para Zeulli (2020), a alteração da LDB
de 1996 e a revogação da Lei n. 11.161 de 2005 institui a possibilidade
de oferta de línguas estrangeiras em caráter optativo de acordo com a dis-
ponibilidade que os sistemas de ensino têm de oferecer aos alunos locais
e horários para as aulas. Essas mudanças implementadas em decorrência
da Lei 13.475, de 2017, a qual dá sustentação a Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) de 2018, torna evidente a hegemonia da língua inglesa
no que concerne o ensino de línguas estrangeiras no território brasileiro.
Partindo desse ponto, ressalta-se que a oferta plural de língua estrangeira
deveria levar em consideração outros fatores que favorecem o processo
de ensino-aprendizagem e não somente impor uma opção inegociável.
Sabendo disso, afirma-se que o Italiano encontra cada vez menos espaço
para atuar no ambiente escolar, estando restrito a oficinas no contraturno,
minicursos e pequenas intervenções desenvolvidas por projetos que focam
em atividades extraclasse. Sendo assim, os graduandos de Letras Italiano
encontram grandes dificuldades para ter acesso ao ambiente escolar e,
muitas vezes, não encontram perspectivas de futuro na sua área de estudo.
A área de formação docente é citada por Ramos e De Carvalho
(2021) ao analisar os contextos de formação de professores de línguas
do curso de licenciatura em Letras da UNESP de Assis. O núcleo de
línguas estrangeiras dessa universidade atua no Programa Institucional
de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID/CAPES/MEC) por meio de
um Subprojeto Letras Espanhol do PIBID, coordenado pela docente Dra.
Kelly Cristiane Henschel Pobbe de Carvalho. Compreende-se que “as
dificuldades que os contextos [...] enfrentam, no sentido de continuidade
e manutenção do fomento, das bolsas e do engajamento das instâncias
envolvidas nas parcerias” (RAMOS; CARVALHO, 2021, p. 234) não
é uma exclusividade da UNESP. Em 2020, o Programa Institucional de

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID/CAPES/MEC) da UFSC tinha


como membros do Subprojeto Projeto Multidisciplinar Línguas Estran-
geiras apenas os alunos de Espanhol e de Inglês, contemplados com
bolsas Capes conforme o edital. Para mudar esse cenário os docentes do
Departamento de Metodologia de Ensino (MEN) e do Departamento de
Língua e Literatura Estrangeiras (DLLE), juntamente com a coordenação
PIBID/Línguas Estrangeiras, inseriram na equipe membros voluntários
(coordenadores) do Francês e do Italiano, ato que caracteriza a resistência
ao Edital nº 2/2020 – CAPES. Dada essa colocação, percebe-se que, atra-
vés da resistência, criam-se espaços que visam incentivar a pluralidade e
aumentam a amplitude do projeto com a disponibilização de duas bolsas,
que não viriam por meio da CAPES/ MEC, pois essas duas instituições,
nos últimos anos, têm sofrido com a instabilidade gerada pelas políticas
públicas da Emenda Constitucional n.º 95/2016, também conhecida
como a Emenda Constitucional do Teto dos Gastos Públicos, que alterou
a Constituição brasileira de 1988 para instituir o Novo Regime Fiscal
que limita o fundo para a pesquisa em todas as áreas acadêmicas. Além
disso, é importante citar que durante o ciclo ocorreu atraso nas bolsas
disponibilizadas pelo programa nacional do PIBID, sendo necessário a
aprovação de emergência do Projeto de Lei 17/2021 (BRASIL, 2021), que
teve como objetivo regularizar os pagamentos. Pontua-se que a falta de
políticas públicas permanentes interrompe ações que estavam em prática
e gerando insegurança para todo o grupo envolvido nesse projeto que
tem potencial para melhorar significativamente a qualidade da educa-
ção. Dado esse cenário, e sabendo que o governo federal não forneceu
nenhum edital para as áreas do Francês e do Italiano, procurou-se outra
fonte de fomento à pesquisa.
Dando ênfase ao Projeto Multidisciplinar PIBID Línguas Estran-
geiras/Adicionais e retrocedendo ao início dessa iniciativa, segundo a
Memória e registro de presença 01 (OLIVEIRA, 2022, p. 1-2)3 durante

3 O curso/encontro foi ministrado/coordenado pela professora Leandra Cristina Oliveira, na


plataforma do Moodle Google.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

a abertura de um novo ciclo de atividades no ano de 2020, percebe-se


que os coordenadores e subcoordenadores estavam interessados em criar
um ambiente de trabalho multidisciplinar, solidário, baseado na troca
e na construção de conhecimentos e a novidade era a possibilidade da
inserção de duas novas línguas: o Italiano e o Francês não somente com
a participação de coordenadores, mas através de bolsistas oriundos dos
cursos de graduação de Letras Italiano e Letras Francês. Sabe-se que
a área do Italiano tem uma séria dificuldade para encontrar espaços
de atuação dentro dos ambientes escolares tradicionais. Analisando os
relatórios de estágio do Italiano dos dois últimos ciclos, 2020 e 2021,
realizados em meio à pandemia, percebe-se que a parceria com o Instituto
Federal de Santa Catarina (IFSC) foi essencial para definir os campos de
estágio dos graduandos. No entanto, percebe-se que a figura do professor
regente da disciplina está em falta no Italiano, dado que na região da
Grande Florianópolis não existe a oferta de Italiano na grade curricular,
um acompanhamento importante que falta ao estagiário de Italiano. O
projeto PIBID seria uma forma interessante de aproximar os docentes
durante o período de formação do ambiente escolar criando laços a
aperfeiçoando a ligação entre a escola e a universidade e contribuindo
na formação desses docentes que não têm acesso efetivo a sua língua
como componente curricular.
Como informa Oliveira (2021), ao citar o Estudo para ampliação
do atendimento de uma segunda língua estrangeira nas escolas, consi-
derando a composição étnica da região, o Italiano foi solicitado por 68
escolas no Estado de Santa Catarina, fato que comprova que existe um
interesse da comunidade escolar em ofertar essas disciplinas na grade
curricular permanente. Dada essa solicitação com base em fatores étnicos,
evidencia-se que os aspectos geográficos (fronteiras com países hispano
falantes) e históricos (migração de italianos e alemães) deveriam ser
levados em conta quando o governo desenvolve políticas públicas de
longo prazo na área de educação. Porém, não são só esses fatores que
devem ser considerados na análise do cenário de ensino-aprendizagem da

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

língua italiana. A presença permanente do Italiano na grade curricular de


um local próximo a Universidade e ao DLLE (Departamento de Língua e
Literatura Estrangeira) seria importante para a implementação tanto dos
estágios quanto de projetos ligados à área de iniciação à docência. O Pro-
jeto Multidisciplinar PIBID Línguas Estrangeiras/Adicionais provou que
com pequenas atitudes pode-se abrir espaços inovadores, principalmente
no período pandêmico, no qual a localização física dos participantes é
irrelevante e o livre acesso à tecnologia torna-se o ponto a ser destacado.
Pontua-se que o Edital PIBID Discente – Multidisciplinar Línguas
Estrangeiras – Francês e Italiano (UFSC, 2020) forneceu uma oportuni-
dade sem precedentes para os graduandos de Italiano e Francês da UFSC
permitindo que eles tivessem acesso a um projeto destinado segundo
os editais da Capes exclusivamente às áreas do Espanhol e do Inglês.
Afirma-se que apesar da ID (bolsista de iniciação à docência) do Italiano
ser a única representante da língua italiana no projeto, implementou-se
uma série de atividades em conjunto com os Ids do Espanhol e do Fran-
cês durante a vigência da bolsa. Para tal, utilizou-se uma metodologia
baseada em reuniões dialogadas que visavam a construção de atividades
que dessem conta de trabalhar as três línguas concomitantemente em sala
de aula. A preocupação por parte dos coordenadores com a pluralidade
linguística na educação regular permitiu que essa experiência se desse
na prática, ideia corroborada por Oliveira (2021) que, ao citar Moita
Lopes, lembra que se deve sustentar e buscar sempre um senso de ética
e responsabilidade no que tange às questões de pluralidade linguística
no estado de Santa Catarina.
Os trabalhos desenvolvidos no Projeto Multidisciplinar PIBID
Línguas Estrangeiras/Adicionais sempre levaram em consideração a
pluralidade e a multidisciplinaridade do grupo. As inúmeras reuniões
descritas na seção Memória de reuniões e encontros PIBID Línguas Es-
trangeiras / Adicionais (OLIVEIRA, 2020)4 relatam com precisão como
4 O curso/encontro foi ministrado/coordenado pela professora Leandra Cristina Oliveira, na
plataforma do Moodle Google.

231
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

os temas ligados à educação e a iniciação à docência foram discutidos ao


longo dos encontros. Dentre essas atividades, destaca-se a realização de
um tutorial para a utilização de ferramentas digitais no ensino remoto.
Pontua-se que o grupo formado por duas IDs do Inglês e a ID do Italiano
buscou trabalhar com três línguas concomitantemente: Espanhol, Inglês
e Italiano. Naquela fase do projeto, a ID do Francês ainda não havia
sido inserida no corpo de membros. Para tanto, procurou produzir um
vídeo com o uso da língua materna que utilizava no desenvolvimento da
atividade um vocabulário que abrangia o Espanhol, o Inglês e o Italiano.
Mais adiante, os IDs foram convidados a pensar e a realizar inter-
venções em sala de aula. Para que isso fosse possível, foi necessário
dividir o grupo em dois núcleos de atuação: os IDs do Inglês e os IDs
do Espanhol, do Francês e do Italiano. Essa divisão não se deu de forma
intencional, mas ela representa bem o cenário das línguas estrangeiras
no que concerne às leis brasileiras atualmente. Nesse ponto, os IDs do
Espanhol enfrentaram um desafio inusitado: como integrar o Italiano e o
Francês às práticas realizadas pelo grupo? Optou-se pelo caminho do di-
álogo, da pluralidade e da multidisciplinaridade. Ao longo das atividades
pautou-se como base a criação de um espaço de atuação que fosse plural
e mesmo com as dificuldades a dinâmica desenvolvida pelos membros
do grupo deu origem a uma intervenção positiva com atividades que
contavam com as três línguas e deram origem a trabalhos criativos por
parte dos alunos da Escola de Educação Básica Irmã Maria Teresa, que
surpreenderam ao utilizar o Francês e o Italiano em seus trabalhos finais.
Analisando a colocação de Oliveira (2021, p. 412) ao afirmar que
como professores de língua estrangeira devemos reivindicar espaços
“que reconheçam o mundo plurilíngue e multicultural em que vivemos,
espaços que acolham a diversidade de interesses e saberes, espaços que
permitam a coexistência entre o local e o global”, percebe-se que o Pro-
jeto Multidisciplinar PIBID Línguas Estrangeiras/Adicionais desafiou o
status quo e produziu um espaço plurilíngue que, na prática, deu aos seus
participantes uma visão ampla que transpôs as fronteiras de suas áreas

232
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

de origem e intensificaram os laços que unem a universidade a escola.


Para a bolsista do Italiano, essa vivência a fez perceber que iniciativas
como essa, que prezam a pluralidade e a multiculturalidade, dão uma
oportunidade singular aos futuros professores de língua estrangeira: a
oportunidade de deixar de lado a arrogância que os fazem imaginar como
as coisas são para descobrir durante a viagem, durante a prática, como
tudo simplesmente é, e como tudo pode ser. Que para o viajante, que
para o futuro professor, a oportunidade de ser parte do vento de e para a
mudança, como expresso pela professora coordenadora Raquel Carolina
Souza Ferraz D’Ely durante a prática do dia 5 de julho de 2021 (D’ELY,
2021)5, seja algo que nos faça valorizar a calmaria em meio a ventania
que sopra durante a aventura do aprender.

Considerações finais

Percebeu-se ao longo dessa pesquisa que o Programa Institucional


de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID/CAPES/MEC) não têm editais
que contemplem a participação de línguas como o Italiano e o Francês.
Delimitou-se, então, a busca por produções científicas que relacionassem
o PIBID à língua italiana durante o período pandêmico: de janeiro de
2020 a janeiro de 2022 e se percebeu que pouquíssimos trabalhos foram
publicados: Nobrega (2020), Zeulli (2020), Ramos e De Carvalho (2021)
e Oliveira (2021). Além disso, destaca-se que a maioria deles abordou
apenas as mudanças nas leis e nas diretrizes da educação brasileira e
os cortes de gastos relacionados à área da educação. Posteriormente,
discutiu-se brevemente sobre a situação do ensino-aprendizagem da
língua Italiano no Estado de São Paulo e Santa Catarina.
Evidenciou-se também que o Projeto Multidisciplinar PIBID
Línguas Estrangeiras/Adicionais da UFSC ofereceu uma oportunidade
inédita aos graduandos de Letras Italiano e Letras Francês, por meio do
5 O curso/encontro foi ministrado/coordenado pela professora Leandra Cristina Oliveira, na
plataforma do Moodle Google, e teve a participação da professora Raquel Carolina Souza
Ferraz D’Ely.

233
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Edital PIBID Discente – Multidisciplinar Línguas Estrangeiras – Francês


e Italiano (UFSC, 2020), o qual incorporou ao projeto de forma inédita
uma coordenadora voluntária e uma ID da área do Italiano. Reforçou-se
que o projeto foi construído sobre os pilares da pluralidade, da multidis-
ciplinaridade e da multiculturalidade.
Por fim, a bolsista do Italiano ressalta a importância de vivenciar
as experiências para sair do campo das ideias e encontrar na prática uma
visão mais assertiva das nuances que envolvem o processo de ensino
aprendizagem. E lembra a todos que mesmo em tempos considerados
difíceis, os futuros professores devem ser como os ventos de e para a
mudança. Afinal, as sombras só parecem ser intermináveis quando a
luz que dá origem a elas é muito intensa, o que ilumina o caminho do
conhecimento que só é percebido por meio do contraste.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

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Letra e Linguística, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia

235
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

O ENFRENTAMENTO AO RACISMO
NO PROCESSO DE DECOLONIALIDADE

Laura Cassol Salaverry Del Busto1

N este ensaio acadêmico, discorre-se sobre a convivência conflituosa


entre o racismo e o processo de decolonialidade dos contextos sociais,
alertando sobre a assimetria presente entre indivíduos que ocupam, de
forma não equivalente, ambientes institucionais, tais como o acadêmico.
Para tanto, o debate está apoiado em Gallardo (2014), hooks (2020), Jesus
(2018) e Enevan; Jovino (2019). Serão abordados, primeiramente, recortes
de situações contextuais para exemplificar mecanismos de propagação de
exclusões raciais presentes em ambientes escolares. Na sequência, propõe-
-se uma reflexão acerca do choque causado entre esses mecanismos e o
contato inicial com o tema da decolonialidade. Por fim, relacionam-se os
pontos abordados com as vivências de uma “pibidiana” da área de Letras
Espanhol como língua estrangeira, em um projeto multilíngue e multidis-
ciplinar, intitulado Projeto PIBID Multidisciplinar Línguas Estrangeiras
(Espanhol, Francês, Inglês e Italiano). O foco está em abordar como essas
vivências conduziram às reflexões comentadas, aduzindo, ainda, sobre
que conjunturas julgo imprescindíveis a se levar em conta ao se pensar no
contexto escolar e na prática docente mais igualitária.

1 Graduanda em Letras Espanhol na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Bolsista


de Iniciação à Docência – campo disciplinar Língua Espanhola (CAPES/PIBID/2020-2022).
E-mail: lauhcassol@gmail.com

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

No contexto escolar, a evasão e a reprovação escolar entre jovens


negros é significantemente mais alta do que entre jovens brancos. Se-
gundo Henriques (2001 apud JESUS, 2018, p. 5), “um jovem branco de
25 anos tem, em média, mais 2,3 anos de estudo que um jovem negro na
mesma idade”. Ainda na perspectiva desses desequilíbrios e desigualda-
des vinculados à pauta racial, podemos considerar que outras realidades
impactantes, como a representação desproporcional desses estudantes
em materiais didáticos, filmes, propagandas, postos de trabalho, entre
outros, são fatores que reforçam aquilo que compõe esta realidade e que
está institucionalmente estabelecido: o racismo. Essa realidade por que
passa a maior parte da população brasileira, ao invés de ser debatida em
aula, considerando os interlocutores presentes, é, frequentemente, abor-
dada a partir de um ponto de vista estereotipado, situado em um evento
socio-histórico. Dessa localidade, decorrem-se relações e interpretações
coloniais que, como pontua Parrini (2021), não ocorrem apenas de forma
explícita, mas também, e, principalmente, de forma velada, naturalizando
esse preconceito construído e disseminado.
Frente ao objetivo deste texto – alertar sobre a necessidade do debate
e consciência racial em contextos escolares – apresentam-se situações
em que mecanismos de perpetuação do racismo se fazem presentes
no ambiente escolar, como: (1) a realidade a partir do ponto de vista
branco-dominante, apenas; (2) a não-representação ou melhor, uma re-
presentação estereotipada de pessoas negras; e (3) o repertório limitado
à história dos “vencedores”. Enumerados esses aspectos, problematizo
e ilustro cada um deles, tomando como base as discussões de Enevan e
Jovino (2019).
Referente à prática de se apresentar identidades negras de forma
estereotipada, Enevan e Jovino (2019, p. 33), citando Hall (2010),
pontuam que “dentro da estereotipação há relação entre representação,
diferença e poder”. Apesar de ser algo já tão naturalizado nesta sociedade
pós-colonial, essa ação não costuma ocorrer de forma inconsciente. Essa
constante representação estereotipada da população negra (não apenas)

237
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

em livros didáticos contribui para demarcar estruturas de poder que con-


formam o funcionamento social, e que, se não debatida e questionada em
um ambiente de construção social como a escola, seguirá propagando a
exclusão social de muitos (PARRINI, 2021). Sendo assim, a história que
está informando acerca da população negra costuma situar-se no capítulo
da escravidão, no qual são explicitadas as formas forçosamente servis
dos escravizados para com os brancos. Esses sujeitos, quando retratados
de forma estereotipada em qualquer apartado do livro didático, podem
representar uma oportunidade pedagógica de se questionar essa (re)pro-
dução e realidade, ou, simples e lamentavelmente, seguir essa propagação
institucionalizada. Como reflexão e exemplificação, podemos nos apoiar
no que pontuam Enevan e Jovino (2019):

Tratar como normal o fato de uma mulher negra ocupar


o espaço de servir ao outro, no contexto de ensino de
língua no último país da América a abolir a escravidão
há apenas 131 anos, é mais uma maneira de invisibilizar
a desigualdade social, latente para as mulheres negras
(ENEVAN; JOVINO, 2019, p. 34).

Além da normalização do racismo, essa estereotipação da população


negra separa os dois agentes de forma hierárquica, assim representados no
livro didático. Como ilustração, é ressaltada a diferença entre o “Outro”
e o “Nós”, em termos de Djik (2010 apud GALLARDO, 2014, p. 126),
onde o “Nós” representa o grupo com o qual seu produtor do discurso se
identifica; o “Outro”, isolado e até temido, de certa forma, é representado
por características negativas, normalizadas e postas de forma “fatídica”
para eles. Essa construção do discurso perpetua o sistema de opressão
contra indivíduos negros pois, além de privá-los de sua própria história,
não indicam apoio em relação aos questionamentos dos estereótipos que
os rodeiam. Um aluno que carece não apenas de informações sobre sua
própria história, em relação a aspectos culturais, de desenvolvimento e
produção de suas origens, como também de um repertório que o represen-

238
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

te, sente essa ausência do espaço que representa e ocupa. Há uma extrema
necessidade de ultrapassar o modismo “somos todos iguais”, pois este
ignora as particularidades que foram impostas a cada grupo social. Ao
se tratar do racismo em uma sala com trinta alunos brancos e um aluno
negro é necessário que esse tratamento não se realize de forma a ignorar
a existência desse aluno no ambiente, é imprescindível a compreensão
e adequação ao contexto comunicativo presente.
Dimensionando a discussão para a conexão entre a Escola e a Aca-
demia (universidade), em que algumas dessas questões emergem mais
consolidadamente, é possível, através de uma vivência como pessoa
preta, perceber o choque entre a realidade e a tentativa de “combate”
às suas opressões na mesma esfera sistêmica. Como bolsista do Pro-
jeto Multidisciplinar PIBID Línguas Estrangeiras/Adicionais, pude
participar de reflexões e debates conjuntos que me proporcionaram
um entendimento mais profundo sobre decolonialidade em sala de aula
e compreensões contextualizadas do cenário educacional atual. No
decorrer do projeto, em contato mais contínuo com o tema, abordado
em tópicos como “A Escola e a perspectiva Intercultural no ensino de
línguas”, compreendi a necessidade de ir para além do discurso. “Ir
para além do discurso” pode ser entendido como modificar estruturas
tão “básicas”, naturalizadas, mas que fazem a diferença. Como exem-
plificação, cita-se o trabalho em aula de forma contextualizada para
com o ambiente e consequentemente, com os alunos, isto é, compre-
ender suas realidades e necessidades como o ponto de partida para a
elaboração de alguma atividade. Portanto, professores, entendendo-os
como indivíduos críticos, questionam as afirmações com as quais li-
dam; “eles se esforçam para ser claros, acurados, precisos e relevantes.
Buscam pensar para além do superficial, procuram ser lógicos e justos”
(hooks, 2020, p. 34). Nesse sentido, a escolha de temas, materiais e
referências são pontos significativos na propagação, ou não, de uma
opressão sistematicamente institucionalizada.

239
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

A partir dos aspectos acima citados, desenvolvi um entendimento


multidisciplinar de língua, ensino e aprendizagem, que tornou evidente
a conexão com o contexto social trabalhado, com um olhar direcionado
à carga social atribuída aos indivíduos nesta sociedade. Nessa linha
e também retomando vivências “pibidianas”, a realidade de ocupar
lugares contrastantes com o meu próprio eu, e do que Hall (2010), ci-
tado por Enevan e Jovino (2019, p. 34) chama de “normalização dentro
dos estereótipos”– como sintetizado parágrafos acima-, reúno alguns
pontos que julgo cruciais para um ensino mais respeitoso, igualitário
e que questiona tudo aquilo que propaga exclusões: (1) compreender e
considerar, de fato, o contexto com o qual se está lidando, isto é, refletir
acerca de quem fala o que e para quem, quem está ocupando este lugar
e que lugar ocupo eu em relação aos moldes sociais estabelecidos; (2)
respeitar a realidade e as experiências de cada aluno e repensar se uma
suposta timidez o é realmente ou é consequência de silenciamentos
propagados em aula; (3) diversificar, ou seja, mostrar a realidade, não
privar indivíduos de suas representações e não estereotipá-las; por fim,
(4) repensar as referências utilizadas, isto é, repensar os discursos que
estão sendo propagados.
A necessidade de questionar os estereótipos presentes no cotidiano
dessa sociedade é cada vez mais urgente. Como citado anteriormente, o
contexto escolar desempenha um importante papel nesse questionamento,
podendo e devendo utilizá-lo em aula, na tentativa de inclui-lo no debate e
construção de conhecimento diário de indivíduos. Dessa forma, o presente
texto, que conta com a autoria da única estudante preta em um projeto
multidisciplinar, com 18 bolsistas, tratou de proporcionar uma reflexão
acerca de como seria uma prática docente contextualizada e decolonial
necessária, a qual debatemos e (re)fazemos no projeto multidisciplinar
de (re)existência PIBID.

240
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Referências

ENEVAN, Édina A. da S.; JOVINO, Ione da S. Representações de identidades sociais


de gênero, raça e classe em livros didáticos de espanhol à luz da análise crítica do
discurso. UNILETRAS, Ponta Grossa, v. 1, p. 25-39, 2019.
GALLARDO, Julio. Racismo en la prensa chilena: Deconstrucción de la frontera
simbólica en la representación social del Mapuche como el otro. Contextos: Estudios
de Humanidades y Ciencias Sociales. [S.l.], v. 32, p. 121-134, 2014.
hooks, bell. Ensinando pensamento crítico: sabedoria prática. São Paulo: Elefante,
2020.
JESUS, Rodrigo E. de. Mecanismos eficientes na produção do fracasso escolar de
jovens negros: Esteriótipos, silenciamento e invisibilização. Educação em Revista.
Belo Horizonte, v. 34, s/p, 2018.
PARRINI, Carolina. Representações de atores sociais em imagens de livros didáticos
de espanhol: um olhar crítico para questões raciais. Trabalhos em Linguística
Aplicada, Campinas, v. 60, n. 3, p. 882-900, 2021.

241
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

QUE ESCOLA QUEREMOS PÓS-PANDEMIA COVID-19?

Rejane Ferreira dos Santos1

O presente ensaio apresenta algumas reflexões sobre minha partici-


pação no Projeto PIBID de Línguas Estrangeiras da UFSC, como
graduanda da área de Letras Espanhol, durante o semestre de 2020 até sua
finalização (março/2022). Vivenciando cada etapa no desenvolvimento
deste projeto, em contato com profissionais da educação, buscamos
entender que escola queremos pós-pandemia e qual nosso papel como
mediador do conhecimento. Para contextualizar o projeto em tela, se-
gundo registra o Portal Capes, trata-se de

uma ação da Política Nacional de Formação de Professores


do Ministério da Educação (MEC), que visa proporcionar
aos discentes na primeira metade do curso de licenciatura
uma aproximação prática com o cotidiano das escolas
públicas de educação básica e com o contexto em que
elas estão inseridas (CAPES, 2020).

Uma vez situado esse escopo amplo do PIBID, sinalizo que o obje-
tivo deste texto é trazer à luz especificidades do Projeto Multidisciplinar
Línguas Estrangeiras (Espanhol, Francês, Inglês e Italiano) – no qual

1 Estudante do Curso de Graduação em Letras Espanhol da Universidade Federal de Santa


Catarina (UFSC). Bolsista de Iniciação à Docência – campo disciplinar Língua Espanhola
(CAPES/PIBID/2020-2022). E-mail: rejanesambaqui@gmail.com

242
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

me insiro como bolsista –, tanto no que tange à singularidade de seu


desenvolvimento em tempo de ensino remoto emergencial, como pela
proposta multilíngue em que se desenvolve.
O projeto PIBID proporciona muitas vivências para a formação
do futuro professor, sobretudo neste momento em que vivenciamos
um cenário distinto, novo, que desencadeou desamparo, impotência e
incertezas, por motivos da pandemia provocada pela COVID-19. Nesse
cenário, as escolas e os futuros professores tiveram que se adaptar a um
contexto tecnológico para o ensino emergencial, reinventar-se, elaborar
materiais didáticos, usando os aplicativos da internet e plataformas dis-
ponibilizadas pelas instituições de ensino – tudo isso com tempo redu-
zido e informações em excesso, cabe frisar. Nesse contexto, os docentes
também buscaram reformular sua forma de dar aulas, tentando dar conta
de propostas didáticas síncronas e assíncronas2.
Cabe registrar, ainda, que esse modelo remoto emergencial acaba
por excluir alunos que já tinham dificuldades em acompanhar as ati-
vidades presenciais – um grande contingente no universo da educação
pública, vale lembrar. Neste novo modelo de dar aula, reinventado,
complexo e penoso, os alunos buscavam solucionar suas dúvidas via
recursos tecnológicos, como o aplicativo WhatsApp, por meio dos
quais, exacerbou-se o tempo das professoras, solapando, muitas ve-
zes, questionamentos que se perdiam no excesso de informações. A
respeito de nossa prática nesse cenário singular, através de uma rede
virtual, dos recursos tecnológicos à disposição – significativamente
limitados –, promoveram-se estratégias, que, de certa maneira, propi-
ciaram a participação de todos os envolvidos no projeto (professores
coordenadores, professoras supervisoras, pibidianos e estudantes), os
quais, em suas casas e, em alguns casos, em outras cidades, puderam
compartilhar seus interesses pela Educação.

2 Terminologias abundantes nas enunciações em tempo de pandemia.

243
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

No que diz respeito à observação da prática docente, proporcio-


nada por esta importante experiência, tive a oportunidade de acom-
panhar algumas aulas da professora Regina Gomes de Oliveira Flor,
na disciplina de Espanhol como língua estrangeira, situadas na Escola
de Educação Básica Irmã Maria Teresa (Palhoça/SC). O propósito era
buscar compreender a dinâmica em que nos inserimos como profissio-
nais, mais especificamente, o contexto de uma escola pública. Nesse
momento de pandemia, encontramos um ambiente de muitos esforços,
dedicação e resistências, mas com uma precariedade na realidade estu-
dantil, como por exemplo, a dificuldade no acompanhamento das aulas
devido à ausência de conexão à internet. Experimentamos, portanto,
o cenário excludente que tanto se comentava nas mídias, observamos
realidades duras de jovens do Ensino Médio que desistiram de estudar
para atender a necessidade de trabalhar e ajudar na renda familiar;
uma realidade constante, mas que, seguramente, se agravou nesta crise
sanitária mencionada no presente texto.
A realidade aqui exposta põe em evidência a lamentável divisão de
classes e as desigualdades sociais em nosso país. Nas escolas privadas,
crianças e jovens podem contar com uma realidade econômica favo-
rável, dispondo de tempo e local apropriado para estudar. Nas escolas
públicas, por outro lado, a realidade é bastante distinta, em que mães e
pais, muitas vezes, mal veem seus filhos, pois saem para trabalhar muito
cedo e regressam a seus lares tarde e cansados após enfrentarem trânsito
e serviço de transporte público precário. A disponibilidade e qualidade
de recursos tecnológicos também é, não raramente, insuficiente.
Tratando de realidades duais na contemporaneidade, António Nóvoa
(2009) traz uma advertência sobre polarizar realidades socioeconômicas
nos modelos escolares. Segundo o autor,

Um dos grandes perigos dos tempos atuais é uma escola


a “duas velocidades”: por um lado, uma escola concebida
essencialmente como um centro de acolhimento social,

244
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

para os pobres, com uma forte retórica da cidadania e


da participação. Por outro lado, uma escola claramente
centrada na aprendizagem e nas tecnologias, destinada a
formar os filhos dos ricos. (NÓVOA, 2009, p. 64 ).

Sobre o direito à educação, que aqui julgo conveniente mencio-


nar, segundo Libâneo (2012), a escola pública obrigatória e gratuita
para toda população é ponto definido na Constituição de 1988, e tem
sido bandeira constante entre os educadores brasileiros. No entanto,
ser uma egressa do ensino público, uma estudante de licenciatura e ter
vivenciado o PIBID, são fatos que me levaram a visualizar declínios
nas políticas públicas em relação à educação, sucateando essa instância
e fazendo da aprendizagem uma mercadoria. O projeto PIBID reforça
essa consciência para os futuros professores, levando-os a refletir sobre
suas resistências e insurgências por uma educação de qualidade, uma
escola que valorize formas de organização das relações humanas, nas
quais prevaleça a integração social, a convivência entre diferentes, o
compartilhamento de culturas, o encontro e a solidariedade entre as
pessoas. A escola que queremos é com professores e alunos nas toma-
das de decisões. Uma escola sem muros, mas com pontes, nos termos
de uma pedagogia humana e inclusiva preconizada por Paulo Freire,
autor que atravessa os debates sobre o ensino e que esteve presente em
nossas reflexões na agenda pibidiana.

Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-


-crítica é propiciar as condições em que os educandos em
suas relações uns com os outros e todos com o professor ou
a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se
como seres sociais, pensantes, comunicantes, históricos,
críticos, vem de encontro ao processo de aprender e trans-
mitir conhecimento (FREIRE, 1996, p. 22).

Em nossa experiência PIBID, foi possível verificar esforços para


que os estudantes se vissem como atores sociais, evidentes investidas

245
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

pela sequência das aulas, pelo andamento das atividades escolares em um


ensino emergencial e imediato, em um momento dramático desencadeado
pela realidade da crise sanitária. Momento de perda de entes queridos, de
profundo desequilíbrio e instabilidade econômica, em que, apesar de tudo
isso, não se perdia de vista a continuidade no ensino. Os professores, em
especial, tiveram que se recompor e reconstruir seus métodos de ensino,
tiveram que pensar sobre e atuar no processo de inclusão dos alunos, que
se dispersaram por causa de crises diversas.
Na coletividade, desenvolvemos uma nova rotina, passamos mais
tempo em frente ao computador, com trabalhos home office, aulas síncro-
nas e assíncronas, demanda familiares, com tudo e todos compartilhando
o mesmo ambiente.
Registrada essa realidade que vivenciamos, importa também
situar que o Projeto PIBID de que tive a oportunidade de participar
consolidou-se a partir de um segundo movimento de resistência no
que concerne à pluralidade das línguas estrangeiras na Educação
Básica, apagada pela publicação da Lei 13.415 e repercutida em ou-
tras políticas públicas. O projeto PIBID/LE/UFSC, a partir de uma
base multidisciplinar, contemplou em sua equipe coordenadoras e
graduandos das áreas de Letras Francês e Italiano, além das que são
previstas no edital Capes – Espanhol e Inglês, a saber, constituindo,
assim, o Projeto Multidisciplinar Línguas Estrangeiras (Espanhol,
Francês, Inglês e Italiano). A escola que queremos é a que reconhe-
ce a pluralidade e atua a partir dela, que abre espaço para trabalhar
diferentes línguas-culturas, pois um professor de língua estrangeira
está ensinando muito mais que vocabulário/; está inserindo o aluno
em outras culturas, em sua dimensão simbólica, histórica e complexa
que começa com a língua. A partir dessa experiência, vivenciamos
a interdisciplinaridade acerca do lugar das línguas estrangeiras na
escola, conhecemos um pouco sobre o universo de outras línguas
de formação de nossos colegas com quem compartilhamos o grande
campo da área de Letras Línguas Estrangeiras, com a singularidade

246
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

de cada língua-cultura.3 Ao revisitar a noção de cultura e colocá-


-la em relação com a língua, Mendes (2015, 2021) nos desperta a
reflexão sobre um ensino e a aprendizagem de línguas culturalmente
sensíveis aos participantes do processo educativo.
Retomando o título que encabeça esta reflexão, A escola que quere-
mos pós-pandemia4, é a que garante aquilo que é essencial nas condições
de trabalho do professor e recursos que apoiem na execução de sua função
de educador. Que promova uma educação emancipadora e inclusiva, esti-
mulando as diferenças e a cooperação entre os educandos e os educadores
num processo contínuo na construção dos saberes, porque a educação, tão
negada aos jovens, é a chave para a revolução, por uma sociedade mais
justa. Quando a desigualdade faz parte do ensino, o impacto ocorre dentro
da sala de aula. Dessa forma, devemos pensar em soluções locais sem
deixar de olhar em um contexto mais amplo de mundo. Em sua obra “A
pedagogia do oprimido”, Freire (1987) descreve o ensino “bancário”, no
qual o aluno é uma caixa em que o professor acrescenta fórmulas, letras
e conhecimento científico. O pedagogo denuncia um modelo antigo de
ensinar que se contrapõe a uma didática de cooperação e amorosidade,
em que os professores são mediadores do conhecimento.
Fechando esse ciclo, assumo o Projeto PIBID em que atuei como
um movimento de resistência no espaço de línguas estrangeiras, cujo
objetivo é o de construir uma proposta multidisciplinar em conjunto com
profissionais e estudantes de diferentes línguas. Refleti para o fato de
que a língua está, naturalmente, inserida em uma historicidade, que não
se trata de mera abstração, senão uma atividade que se constrói com o
outro, uma prática sociocultural de negociação das diferenças, que pode
levar ao empoderamento do sujeito aprendiz. Não se trata, nesse campo

3 Importa mencionar que a expressão “língua-cultura” aqui inserida inspira-se nos debates pro-
postos pela professora-pesquisadora Edleise Mendes, que ministrou uma atividade formativa
na etapa inicial da agenda de capacitação de nosso projeto.
4 Para que não se esqueça, a pandemia do vírus COVID-19 isolou a sociedade por praticamente
dois anos sob a ameaça dos efeitos desse vírus e de suas mutações. Afetava-se o cotidiano das
sociedades no mundo todo, de que não se exime o contexto escolar.

247
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

disciplinar, de memorizar estruturas gramaticais, mas de aprendizagem


ampla, de conscientização e esclarecimentos de diferentes modos de ver o
mundo e suas distintas culturas. A essa pluralidade do saber devem estar
atentas as universidades, sobretudo no que concerne à formação docente.

Referências

CAPES. PIBID - Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência.


Ministério da Educação. Brasília, DF. 2020. Disponível em: <https://www.gov.br/
capes/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/educacao-basica/pibid>. Acesso
em: mar. 2020.
FREIRE, Maximina M. O ensino remoto emergencial e a exigência imediata de
letramento: reflexões sobre um tempo de exceção. DELTA, São Paulo, v. 37, n. 4,
s/p, 2021.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.
São Paulo: Paz e Terra (Coleção Leitura), 1996.
FREIRE, Paulo. A pedagogia do oprimido. Rio de janeiro: Paz & Terra, 1987.
LIBÂNEO, José Carlos. O dualismo perverso da escola pública brasileira: escola do
conhecimento para os ricos, escola do acolhimento social para os pobres. Educação
e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 1, p. 13-28, 2012.
MENDES, Edleise. A perspectiva intercultural de ensino e aprendizagem de
línguas. Live disponível em PIBIDLE (Instagram). Disponível em: < https://www.
instagram.com/tv/CIEoOrSn_w-/?igshid=MzRlODBiNWFlZA== de 26 nov.2020>.
Acesso em: jun. 2023.
MENDES, Edleise. A ideia de cultura e sua atualidade para o ensino-aprendizagem
de LE/L2. Revista EntreLinguas, Araraquara, v. 1, n. 2, p. 203–222, 2015.
NÓVOA, António. Professores: imagens do futuro presente. Lisboa: Educa, 2009.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

VIVÊNCIA COMO BOLSISTA DO PIBID:


UM OLHAR MULTILÍNGUE

Alessandra Benites de Sales1

E ste ensaio acadêmico apresenta um breve relato da experiência como


bolsista no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
(PIBID), iniciado em outubro de 2020, com conclusão em março de 2022,
mais especificamente no Projeto Multidisciplinar Línguas Estrangeiras
(Espanhol, Francês, Inglês e Italiano), da Universidade Federal de Santa
Catarina. Como bolsista da área do Espanhol, objetivo socializar essa pro-
posta inédita e de resistência no âmbito do PIBID Línguas Estrangeiras,
que reúne professores e estudantes das línguas italiana e francesa para
além, portanto, das que o Edital Capes compreende, a saber: Espanhol
e Inglês. Também se encontra sob o escopo dos propósitos deste texto
refletir as ações que estão diante da realidade escolar, considerando
práticas, teorias e ensino.
Após os primeiros semestres de meu ingresso na universidade,
me vi com dúvidas, receios e expectativas quanto a estar preparada
para a realidade escolar que viria a seguir. Com isso, estando ciente
de estar adentrando em um ambiente totalmente desconhecido sob
o olhar de docentes, busquei no campus apoio e suporte na intenção
1 Estudante do Curso de Graduação em Letras Espanhol da Universidade Federal de Santa
Catarina. Bolsista de Iniciação à Docência – campo disciplinar Língua Espanhola (CAPES/
PIBID/2020-202. E-mail: drassanlea@hotmail.com

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

de compreender e conhecer os verdadeiros meandros futuros que me


tornariam professora. Assim pleiteei a vaga no projeto PIBID línguas
estrangeiras citado acima.
Através do projeto pude ter acesso a mais informações sobre o que
realmente estava se passando no contexto da lei que rege e regulamenta
o ensino de línguas estrangeiras. Passei, assim, a conhecer a Lei 13.415,
de 16 de fevereiro de 2017 (BRASIL, 2017) e a BNCC – Base Nacio-
nal Comum Curricular (BRASIL, 2019), que excluem dos currículos
a oferta obrigatória da língua espanhola, revogando, desse modo, a
amplamente debatida em nosso contexto Lei 11.161, de 05 de agosto de
2005 (OLIVEIRA, 2021, p. 402). Até então, desconhecia as mudanças
recentes que modificaram o ensino de línguas estrangeiras no cenário
nacional. Somente depois de participar do PIBID, tive o esclarecimento
e a compreensão de como esta mudança influenciaria na carreira que
havia escolhido trilhar.
Situando-me no campo do Espanhol, mas em diálogo com estudantes
e docentes de outras línguas – experiência importante e singular que o
PIBID me proporcionou –, coaduno com o que expõe Oliveira (2021):

Como formadores de docentes, como professores de lín-


gua estrangeira [e como futuros professores, adiciono],
temos como agenda de debates a reivindicação de espaços
efetivos da disciplina de LE, espaços que reconheçam o
mundo plurilíngue e multicultural em que vivemos, es-
paços que acolham a diversidade de interesses e saberes,
espaços que permitam, afinal, o diálogo e as tensões entre
o local e o global (OLIVEIRA, 2021, p. 414).

No que concerne ao meu campo de estudo, destaco a singularidade


sociolinguística do Brasil referente à sua grande extensão de fronteiras
com países de língua hispânica, recebendo significativo insumo econômi-
co e influência cultural por parte de vizinhos e visitantes hispano-falantes.

250
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Logo, me parece bastante pertinente nossa luta pelo espaço curricular da


disciplina de língua espanhola.
Retomando minha experiência no PIBID, já se cumpriam dois anos
de meu início no curso de Graduação em Letras Língua Espanhola, e es-
tava entusiasmada em iniciar meu percurso neste novo projeto. Contudo,
novos questionamentos ocorreram: será que deveria continuar essa gradu-
ação? Será que valeria a pena seguir e enfrentar o que viria pela frente?
Conhecendo melhor o projeto de iniciação à docência, pude entender
a importância de se discutir caminhos possíveis para a permanência da
língua espanhola no currículo escolar das escolas. Entendi que se trata
de resistir e perseverar por aquilo que acredito ser necessário para o bem
social e cultural de nossos futuros alunos, e que estudantes e professores
devem lutar para que se respeitem nossos direitos.
Além de nos fazer perceber a realidade, o referido projeto também
nos oportunizou a inserção no ambiente escolar, possibilitando a inte-
ração com os alunos e o desenvolvimento de projetos voltados para o
cotidiano em sala de aula. Essa experiência proporciona e amplia a troca
de conhecimentos por estar lado a lado com professoras experientes que,
com sua prática, situam e orientam sobre essa realidade.
Devido ao período extraordinário em que se situou o projeto, in-
fluenciado pela pandemia a causa do coronavírus, a participação dos
Iniciantes à Docência (IDs) realizou-se, integralmente, através do formato
remoto. Inicialmente, essa realidade gerou um pouco de incertezas, pois
foi necessário fazer adaptações que afetaram tanto os alunos como os
docentes, os quais buscavam superar este momento de crise sanitária.
A realidade, contudo, não impedia que os professores e responsáveis
pelo projeto se empenhassem para proporcionar o melhor ensino remoto
emergencial, o qual nos estava ao alcance no momento.
Referente ao processo de conhecer as teorias correspondentes
às disciplinas de línguas estrangeiras, analisamos e discutimos temas
relacionados à nossa área no decorrer das semanas formativas. No que

251
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

diz respeito às dinâmicas de vivência escolar, tivemos acesso e deba-


temos sobre o trabalho das professoras de Inglês e Espanhol da Escola
de Educação Básica Irmã Maria Teresa, no município de Palhoça - SC.
Essa experiência nos oportunizou observar as aulas ministradas via we-
bconferência pela supervisora e professora de espanhol Regina Gomes
de Oliveira Flor.
Nessa ocasião de observação, pudemos constatar as dificuldades
e conhecer a realidade que muitos alunos tiveram de enfrentar para se
adequar ao modelo emergencial de ensino remoto, motivada, muitas
vezes, pelo limitado acesso a recursos tecnológicos. Também foi possí-
vel verificar grande empenho e dedicação das professoras envolvidas,
sempre promovendo um ensino de qualidade e respeitando as diferenças
e dificuldades encontradas em diversos lares. Em alguns casos, as pro-
fessoras não só ministravam suas aulas no modelo remoto, como tam-
bém supervisionavam as atividades dos alunos, os quais, por não terem
acesso à internet, somente conseguiam seguir os estudos por meio de
cadernos de exercícios oferecidos pela instituição de ensino. Com isso,
as docentes buscavam manter os alunos vinculados ao ambiente escolar
naquele período pandêmico.
A realidade compartilhada nos parágrafos acima dá conta de ilustrar
que, para ser professor, não basta somente dar aulas, mas estar pronto a
enfrentar as dificuldades e adaptar-se às mudanças e adversidades. Sobre
esse espírito motivado e motivador por levar a educação àqueles que, em
algumas situações, não as podem alcançar, pontua José Carlos Libâneo:

Para isso, professores são necessários sim. Todavia, novas


exigências educacionais pedem às universidades e cursos
de formação para o magistério um professor capaz de
ajustar sua didática às novas realidades da sociedade, do
conhecimento, do aluno, dos diversos universos culturais,
dos meios de comunicação. O novo professor precisaria,
no mínimo, de uma cultura geral mais ampliada, capaci-
dade de aprender a aprender, competência para saber agir

252
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

na sala de aula, habilidades comunicativas, domínio da


linguagem informacional, saber usar meios de comuni-
cação e articular as aulas com as mídias e multimídias.
(LIBÂNEO, 2001, p. 4).

Ainda tratando do contexto de prática escolar observado, constatava-


-se o empenho em se produzir os planos para futuras aulas no formato
remoto, sempre considerando a realidade em que os alunos se encontra-
vam inseridos, reaprendendo e se ajustando ao momento tão adverso;
mirando, enfim, em direção ao futuro na busca de superar todas as
dificuldades e desafios.
No que concerne ao espaço de formação dos IDs, compreendendo
a importância do processo de aprendizagem dos graduandos, os coor-
denadores do projeto PIBID Multidisciplinar Línguas Estrangeiras –
todos, lamentavelmente, atuando de forma voluntária na maior parte do
período, importa frisar – nos apresentaram abordagens e perspectivas
metodológicas diversas, tais como o ensino comunicativo, apoiando-se
em Xavier (2007). Essa discussão nos possibilitou diferenciar tarefas que
ampliam a produção e compreensão de significados em contextos volta-
dos ao mundo real onde alunos estão inseridos, contemplando propósitos
comunicativos mais condizentes com a realidade, indo além, portanto,
de exercícios descontextualizados de memorização e repetição. O pro-
pósito dessas agendas formativas era de incentivar-nos a conhecer e a
fazer uso das tecnologias com o intuito de nos preparar para atender a
demanda de ensino remoto, principalmente no momento pandêmico em
que situávamos.
Apoiados nesta experiência formativa de leitura, reflexão e debates,
passamos gradualmente a realizar o desenvolvimento de pequenos pro-
jetos que envolviam a criação de atividades para a aplicação nas aulas
remotas destinadas a alunos do Ensino Médio da escola receptora citada
anteriormente. Para esse fim, contávamos com a supervisão da professora
Regina e orientação dos professores coordenadores, os quais apontavam

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

suas análises e observações sobre as tarefas criadas em grupos de IDs,


primando pela qualidade e promoção do interesse dos estudantes. Como
ilustração, através de trabalhos em grupo, em uma das atividades, a
proposta era fazer uso de recursos educacionais, utilizando ferramentas
tecnológicas no desenvolvimento de atividades interativas. Após serem
apresentadas as opções de ferramentas, como Word Wall, YouTube, Loom,
Jamboard, Canva, Google Forms, nos foi solicitada a elaboração de
algum recurso didático apoiado nas ferramentas em tela. Destaca-se a
relevância de se conhecer esses recursos para propostas didáticas também
por oportunizar o ensino lúdico e o trabalho em equipe, possibilitando o
compartilhamento de valores de solidariedade e de coletividade, sempre
necessários na formação como educadores.
Faz-se necessário ressaltar, ainda, que o contato com professores
e seus alunos é de suma importância, mas, por estarmos no modelo de
ensino remoto, naturalmente houve um distanciamento que exclui a
possibilidade de vivenciar a realidade da escola, pois deixamos de expe-
rimentar e de participar de momentos internos escolares como reuniões,
comemorações e a participação em outros projetos. Essa realidade, porém,
não subtraiu as compreensões da realidade escolar em um sentido amplo;
permitiu-nos, ao contrário, constatar que:

Ser professor é compreender os sentidos da instituição


escolar, integrar-se numa profissão, aprender com os co-
legas mais experientes. É na escola e no diálogo com os
outros professores que se aprende a profissão. O registo
das práticas, a reflexão sobre o trabalho e o exercício da
avaliação são elementos centrais para o aperfeiçoamento
e a inovação. São estas rotinas que fazem avançar a pro-
fissão. (NÓVOA, 2009, p. 30).

Em consonância com Nóvoa, a experiência de estar próximo ao con-


vívio escolar nos permite criar um senso de pertencimento e nos oferece
a oportunidade de sentir as inquietudes e intercambiar sentimentos que

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

infelizmente o computador, celular ou tablets nos impedem de perceber


e conhecer.
Ainda a título de exemplificação, em uma das atividades planejadas
e desenvolvidas pelo grupo de IDs, em conjunto com os coordenadores
e a professora Regina Flor, apresentamos a exposição educativa em for-
mato virtual sobre sentimentos e apresentações pessoais, usando como
recursos tecnológicos o Jamboard/Google e o YouTube em uma aula
experimental. Fazendo uso dessas ferramentas digitais, cada bolsista,
atuando como professor-aprendiz pôde interagir com os estudantes,
observar suas reações às tarefas propostas e experimentar o lugar de
um educador, de modo a colocar em prática teorias debatidas no âmbito
do PIBID. Importa lembrar que o processo de elaboração e aplicação
dessa atividade envolveu, além da supervisão da professora da disciplina
curricular de Língua Espanhola, o acompanhamento da Profa. Leandra
Cristina de Oliveira, coordenadora da área que represento, bem como das
coordenadoras do Italiano e do Francês, Profa. Daniela Bunn e Profa.
Clarissa Laus Pereira Oliveira, respectivamente. Dessa colaboração
multidisciplinar, resulta uma proposta didática multilíngue que oferecia
a estudantes da escola Irmã Maria Teresa uma experiência inédita que
conciliava as três línguas: Espanhol, Francês e Italiano. Assume-se que
uma aula multidisciplinar dessa natureza é capaz de fornecer subsídios
para a promoção da conscientização e da reflexão, sobre campos plurais,
instigando, ainda, curiosidade intelectual em questões da diversidade
cultural e linguística.
Na nossa prática, foram notáveis o interesse dos alunos e o entusias-
mo em poder ter acesso a outros idiomas, refletindo o efeito positivo de
atividades interdisciplinares sobre o aprendizado dos discentes. A partir
dessa experiência, verificamos que a proposta despertou interesse não
só em conhecer outra língua, mas também de buscar saber mais sobre
características linguísticas, sociais e culturais, ampliando conhecimentos
de mundo e reconhecendo as diferenças. Trata-se, talvez, de uma forma
de levar esse público a ser mais receptivo ao novo.

255
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Cabe encerrar este ensaio apontando as contribuições do PIBID para a


formação de uma futura professora. Destaco: (i) o processo de intercâmbio
de conhecimentos que esse programa proporciona através da reaproximação
do professor da escola pública ao contexto universitário; (ii) a aproximação
de licenciados ao espaço escolar; e (iii) a colaboração recíproca entre os
agentes, em que todos se beneficiam das interações, práticas e debates.
Trata-se de um importante espaço de formação, com oferta de cursos e
leituras, por exemplo, com a importante troca de saberes reforçado por
aparatos teóricos e práticos. Para os iniciantes à docência, os benefícios
são inúmeros. Assim, em um mundo ideal (e necessário), as oportunidades
deveriam ser menos limitadas, com oferta de mais bolsas para todas as
disciplinas, oportunizando a mais licenciandos estar a par da realidade da
escola, compreendê-la e atuar sobre as mudanças que ainda merecem ser
implementadas. Nesta experiência, propomos um olhar multilíngue sobre
a disciplina de língua estrangeira, como um ato transgressivo, como se as-
sinalou acima. Essa foi nossa forma de contribuir para novos movimentos,
mais plurais e inclusivos, ao menos no que concerne às línguas.

Referências

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Ministério da Educação. Brasília,


DF, 2019. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_
EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: abr. 2022.
BRASIL. Lei 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Presidência da República. Brasilia,
DF, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/
l13415.htm>. Acesso em: abr. 2022.
LIBÂNEO, José Carlos. Adeus professor, adeus professora? 5.ed. São Paulo:
Editora Cortez, 2001.
NÓVOA, António. Professores: imagens do futuro presente. Lisboa: Educa, 2009.
OLIVEIRA, Leandra Cristina de. Por uma perspectiva plural das línguas estrangeiras
na formação escolar: olhares sobre o estado de Santa Catarina. Revista Porto das
Letras, Porto Nacional, v. 7, n. 1, p. 401-426, 2021.
XAVIER, Rosely Perez. Revisitando o conceito de tarefas comunicativas. Caderno
de Letras, Pelotas, n.13, p. 35-46, 2007.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

MEMÓRIAS DE UMA PIBIDIANA E A IMPORTÂNCIA DA


INICIAÇÃO À DOCÊNCIA NA FORMAÇÃO DOCENTE

Beatriz Alissa Alves Silva1

Em Julho de 2020, quando me candidatei ao Programa Institu-


cional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), eu tinha uma ideia
bastante enviesada do que é ser professor. Tudo o que eu sabia sobre
dar aula na época era com base em aspectos experienciais: no que havia
visto dos meus pais, que agora se aposentaram mas foram professores
do Estado de São Paulo por muitos anos; dos amigos dos meus pais,
também professores; dos meus próprios professores da Educação Bá-
sica; e brevemente durante a graduação até então. Na época, eu ainda
não tinha cursado a disciplina Metodologia do Ensino de Inglês, então
sentia que realmente não tinha aprendido muito sobre a prática docente.
Fazer parte do PIBID, enquanto estava de fato me formando para ser
professora, foi uma experiência diferente pela qual, pelo menos entre
meus colegas do PIBID - Inglês, eu fui a única a passar. Acredito que
essa singularidade na minha formação, isto é, poder ver o PIBID com
os olhos de uma estagiária de docência, e ver o estágio como uma pi-
bidiana, foi algo muito positivo, considerando as diversas implicações
que a iniciação à docência me proporcionou em ambas as experiências.
Neste sentido, este ensaio buscará discutir possíveis encadeamentos
1 Licenciada em Letras - Inglês da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail:
bia.alissa.as@gmail.com

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

que podem surgir de experiências de iniciação à docência, com o foco


direcionado para formação docente, pautada em minhas experiências
enquanto ID do subprojeto multilingue da Universidade Federal de
Santa Catarina (doravante UFSC).
Acredito que o maior saldo positivo de todos esses quase um ano
e meio de PIBID foi o contato com as diferentes realidades. Conheci
muitas pessoas com diferentes backgrounds, diferentes formações,
aspirações, sonhos e ideais. E, entre estas pessoas, estão inclusas a
professora Mileidi, participante e professora supervisora nesse pro-
jeto, cujas aulas acompanhei por algum tempo, e seus alunos. Tive a
oportunidade de observar cinco aulas da professora no modo remoto
e, enquanto eu observava as aulas, Mileidi me oferecia a oportunidade
de intervir, sempre que considerasse relevante. Em todas as vezes que
fiz alguma intervenção, os estudantes respondiam bem, o que me fez
sentir que fiz alguma diferença, mesmo que só trazendo um rosto novo
para a aula, ou fazendo com que eles soubessem que as aulas estavam
sendo observadas e suas necessidades checadas, ainda que de forma
longe do ideal. Hoje, olhando em retrospecto com os olhos e expe-
riência que adquiri com o ensino remoto, percebo que essa resposta
positiva dos alunos à minha presença não pode ser taken for granted
de forma alguma, especialmente porque pode ser considerado atípico
que muitos alunos por sala de fato tenham se adaptado o suficiente ao
contexto pandêmico para abrir suas câmeras e microfones, ou mesmo
expor suas opiniões através do chat.
Dessa forma, acredito que as relações humanas que experienciei
no PIBID podem ser vistas como importante contribuição para a mi-
nha formação docente, oriundas de uma experiência de iniciação à
docência. Isso porque a iniciação à docência permite ao estudante a
compreensão de diversas formas de ensinar e enxergar o ensinar. A
meu ver, ensinar está além do conhecimento teórico da matéria que
se ensina. Através de experiências de iniciação à docência, como a
que o PIBID proporciona, é possível ver como a profissão docente

258
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

requer, talvez até como prioridade, um trato humano, que vai além
dos conhecimentos científicos. Como em todo campo que se trabalha
com pessoas, na docência é de extrema importância que o profissional
envolvido esteja preparado, e para isso faça um esforço de sua parte
para tanto também, para encarar as adversidades de conviver com ou-
tros indivíduos: alunos não são apenas números, notas e estatísticas.
Alunos vem com conhecimentos prévios, angústias, medos, traumas,
esperanças, aptidões, expectativas. São indivíduos com identidades,
são eles, elas e elus. Tem crenças e são únicos, por mais que estejam
agrupados em anos e salas. Como disseram Wielewicki, Arvey e Zo-
tis (2020), “para todos os envolvidos, uma escola é uma experiência
emocional e, como tal, nenhuma reivindicação de expertise pode ser
aceita inquestionavelmente” (WIELEWICKI; ARVEY; ZOTIS, 2020,
p. 150). Compreender essa questão é de extrema importância para o
professor. Este, ao trabalhar com alunos, deve entender que suas par-
ticularidades são tanto suas dificuldades quanto seus pontos fortes, e,
nesse sentido, planejar a melhor logística possível para que, em con-
junto com os esforços partindo dos próprios estudantes, o grupo atinja
seu maior potencial como seres humanos em desenvolvimento, e não
apenas como notas em um diário ou boletim no final de cada trimestre.
Outro aspecto relevante da iniciação à docência e suas implica-
ções para formação docente é a compreensão das possibilidades do
fazer docente na prática. Ao adentrar uma sala de aula e observar os
movimentos possíveis, o iniciante à docência tem a oportunidade de
fazer sentido dos diversos papéis do professor em sala. Em relação
a este aspecto, é possível afirmar que, através da minha experiência,
pude perceber como o ambiente que a professora Mileidi criou em suas
aulas certamente é o tipo de ambiente que quero criar para as minhas
no futuro, especialmente no que tange a sua postura como professora
e a abertura que ela se dá para aprender e para debater. São poucos os
professores que conheço, tanto no meio acadêmico quanto fora dele,
que fazem esse movimento, de ativamente ouvir os alunos e debater

259
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

de forma a negociar alguma coisa, e eu realmente não esperava que ela


teria essa postura comigo, especificamente, uma aluna universitária,
que não era aluna dela e cujo aprendizado, de certa forma, não era sua
responsabilidade imediata. Nas aulas da professora Mileidi, qualquer
informação nova que eu trazia, ou sugestão de entretenimento, eram
sempre bem-vindas e apreciadas de fato. Imagino que seus alunos
devam se sentir tão confortáveis em suas aulas quanto eu me senti
durante aqueles dias.
Quando me refiro às aulas da professora Mileidi, algo que me
toca é a proximidade que o seu ensinar tem com a teoria de Freire em
Pedagogia da Autonomia (2018), especialmente quando ele diz que
“(...) uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada em experi-
ências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em
experiências respeitosas da liberdade” (FREIRE, 2018, p. 105). Creio
que esse trecho se relaciona com a forma como observei a professora
conduzir suas aulas, porque durante todo o período o foco estava nas
necessidades dos alunos, mas todo o diálogo era voltado para que os
alunos se sentissem livres, tanto para perguntar, desabafar, ficarem de
fato confortáveis, quanto para assumir responsabilidades. Nesse sen-
tido, também é importante destacar que exercer essa postura docente
em sala não é tarefa fácil ou simples, já que, conforme ressalta Freire
(2018, p. 106), “a posição mais difícil, indiscutivelmente correta, é a do
democrata, coerente com seu sonho solidário e igualitário, para quem
não é possível autoridade sem liberdade e esta sem aquela”. Existe
uma linha tênue, e muitas vezes difícil de identificar entre o licencioso,
como posto por Freire, que oferece muito afeto e liberdade, mas não
consegue ser autoridade e “segurar as pontas” da sala, e o autoritário,
que oferece ordem e regras, mas não consegue ser compreensivo e dar
liberdade alguma. Considerando que o fazer docente democrático é um
processo complexo que exige atenção e reflexão do docente o tempo
todo, é preciso esforçar-se para ser, sempre que possível, autoridade
sem ser autoritário e libertador sem ser licencioso.

260
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Por fim, o último aspecto que quero ressaltar, dentre muitos que
perpassam a iniciação à docência, é a questão das ações formativas,
focando no papel da prática reflexiva. Durante minha experiência no
PIBID, tive a oportunidade de preparar materiais para aulas de reforço,
considerando informações coletadas no contexto. No período em que
estávamos planejando como seria a inserção do subprojeto de línguas
na Escola de Educação Básica Irmã Maria Teresa, alguns colegas e eu
achamos que seria interessante montar um formulário de necessidades
e pedimos que os alunos que seriam atendidos por nós o respondessem.
As respostas foram as mais diversas, e percebemos que os alunos esta-
vam de fato muito engajados no projeto, tanto quanto nós, os possíveis
facilitadores do conhecimento em questão. No final, infelizmente, por
conta de questões que fugiram à nossa alçada, como questões políticas,
sociais e financeiras, não pudemos realizar tudo que pretendíamos, e fui
impossibilitada de dar as aulas que havia preparado. Mas, considerando
que o foco da iniciação à docência está no processo de desenvolvimento
docente e não somente no produto deste movimento, posso afirmar que
essa é a parte mais importante: preparei essas aulas, e todo esse processo
teve um valor imenso, especialmente considerando que na teoria frei-
reana também encontramos o conceito de Práxis, que significa “a ação
e a reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo” (FREIRE,
2014, p. 93).
Para o trabalho que realizei de produção de material didático, com
ajuda de meus colegas e orientadores, foi levando em consideração cada
detalhe possível das informações que coletamos, tanto das observações
que fizemos, quanto das informações que os próprios alunos nos forne-
ceram pelo formulário, além da realidade que eu e os alunos vivíamos
então. A apresentação de slides, as atividades, as explicações, estavam
todas planejadas para acolher a maior quantidade possível de alunos,
em suas dúvidas mais frequentes; em questões pontuais ou abrangentes
que víamos, dentro do PIBID, como necessárias para convivência em
sociedade, já que eram em sua maioria adolescentes indo para a vida

261
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

adulta; e para a realização de exames como o ENEM e outros vestibu-


lares. Foi necessária muita reflexão sobre o contexto dos alunos, sobre
as necessidades que eles apresentavam, e sobre suas vontades também,
antes de começar a trabalhar no material em si. Todo esse processo durou
semanas, e foi concomitante com minha experiência de planejar aulas
para o meu período de regência no estágio obrigatório de docência da
faculdade, então pude aplicar o que aprendia em um contexto no seguinte
e vice-versa. Além de serem possivelmente úteis para os alunos, as aulas
foram úteis para mim, que descobri novas formas de planejar uma aula
sobre um assunto específico para um grupo específico, e compreendi
de forma mais aprofundada a importância de uma rede de apoio, espe-
cialmente no início da prática docente. Aprendi muito neste período, e,
mesmo que não tenha ficado plenamente satisfeita por não poder dar
as aulas aos alunos, sei que o trabalho que fiz foi realizado com muita
dedicação, e isso me tranquiliza.
Concluindo, é possível perceber que movimentos da iniciação à
docência são importantes, pois possibilitam uma visão do fazer docente
que vai além da teoria, mas que também vai além apenas da prática. É
uma oportunidade de vivenciar a prática enquanto se tem o suporte da
discussão e acompanhamento da teoria, através das discussões realizadas
em encontros. Neste sentido, mesmo sendo uma experiência diferente
do estágio supervisionado, a iniciação à docência através do PIBID é, a
meu ver, de igual importância na carreira formativa de um professor em
formação. Para finalizar, gostaria de agradecer à professora Mileide, por
nos permitir acompanhar suas aulas e por sua atitude aberta e disponível,
sempre muito franca, solícita e amável com todos nós. Ofereço também
um agradecimento especial às nossas estrelas do projeto, os alunos, pela
sua generosidade, tanto por responderem o formulário que enviamos - eu
nunca tinha visto um formulário com tantas respostas antes - quanto por
terem nos recebido com tanta gentileza e carinho nas aulas e por terem
permitido a todos nós do PIBID - Inglês a oportunidade de participar de
uma fração do seu processo de aprendizagem.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Referências

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz & Terra, 2018.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz &Terra, 2014.
WIELEWICKI, Hamilton de Godoy; ARVEY, Sarah A.; ZOTIS, Vanice Rosa.
Pandemia e esperança transformadora em educação. In: LACERDA, T. E.
de; TEDESCO, A. L. (orgs.). Educação em tempos de Covid-19: desafios e
possibilidades, v. 2. 1. ed. Curitiba: Bagai, 2020. p. 131-154.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

O PIBID COMO PROCESSO DE FORMAÇÃO


INTERDISCIPLINAR: COMPREENDER O SINGULAR PARA,
ENTÃO, O TRANSFORMAR

Letícia Carolina Batista de Oliveira1

A oportunidade de participar do Programa Institucional de Bolsas de


Iniciação à Docência foi pautada por muitos momentos de reflexão
e conscientização que marcaram minha jornada acadêmica. Nesse pro-
cesso, todos os participantes — tanto bolsistas, quanto coordenadores
— se engajaram mutuamente na construção de um conhecimento sólido
acerca de possibilidades para tornar a sala de aula um espaço dinâmico,
interativo e, sobretudo, crítico-reflexivo, principalmente devido ao caráter
interdisciplinar que caracterizou o grupo, o qual acomodou as línguas
estrangeiras Espanhol, Francês, Inglês e Italiano.
Neste rico espaço de troca, vivenciamos experiências que oportu-
nizaram a compreensão mais aprofundada de possibilidades para o fazer
docente em tempos de crise. Dentre estas experiências, destaco aqui
alguns movimentos feitos pelo grupo, durante o período de realização
do projeto: compartilhamos nossas expectativas referentes ao PIBID e à
docência; dialogamos sobre nosso processo de aprendizagem de língua
estrangeira; experimentamos ferramentas tecnológicas para adequar o
ensino ao modelo remoto — consequência do momento pandêmico vi-
1 Licencianda em Letras Inglês pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
E-mail: leticiacbatista@outlook.com.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

venciado —; exploramos algumas abordagens de ensino; relembramos


situações que nos marcaram enquanto estudantes e sobre como, incons-
cientemente, isso reflete na forma em que nos enxergamos como (futu-
ros) professores; discutimos sobre os tantos papéis desenvolvidos pela
escola — enfatizando a perspectiva intercultural no ensino de línguas —;
nos informamos sobre a escola pública onde iriamos atuar e procuramos
entender o contexto de ensino enfrentado pela professora-supervisora, a
fim de compreendermos as características dos alunos que compunham
a turma que tivemos que observar durante as aulas de Inglês.
É possível dizer que todas estas experiências mencionadas possi-
bilitaram não só o entendimento da complexidade que norteia o fazer
docente, mas também abriram espaço para tentativas de ação pedagógi-
ca. Nesse sentido, o grupo de cada língua estrangeira se empenhou de
diferentes formas para, a partir da análise crítica acerca da realidade dos
estudantes, propor algo que lhes desse a oportunidade de aprender mais
(ou reforçar a aprendizagem) de língua fora da aula. Todo esse percurso
ficou ainda mais interessante devido ao compartilhamento de experiências
possibilitado pela interdisciplinaridade do grupo.
Dentre estes tantos momentos que constituíram minha jornada
enquanto bolsista do PIBID, acredito que o período de observação das
aulas de Inglês ministradas pela professora Mileidi foi o que mais me
marcou, devido ao nítido carinho que ela tem pelos seus alunos — de-
monstrado a partir da valorização da singularidade de cada um. Acredito
que isso tenha acontecido devido à concretização da tão esperada união
entre a teoria, cuidadosamente discutida ao longo dos nossos encontros
remotos — os quais, mesmo sendo caracterizados pela distância física,
devido ao contexto de pandemia vivido de 2020 até o momento, ainda
tornaram possível a existência de uma conexão cada vez mais sólida
entre os participantes, com a prática analisada durante o momento de
ensino. Em vista disso, este ensaio direciona o olhar para este aspecto
da experiência vivenciada como bolsista do PIBID, tendo o objetivo
de propor uma reflexão acerca da importância de buscar compreender

265
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

as singularidades de cada aluno para que, a partir deste movimento de


conscientização (e valorização), alunos e professores se engajem em um
processo de transformação e aprendizado mútuo.
Conforme exposto anteriormente, durante três semestres do sub-
projeto de línguas do PIBID, realizamos muitas discussões e reflexões.
Diante de tantas trocas que possibilitaram a construção de conhecimentos,
pode-se destacar a compreensão do caráter multidisciplinar de língua,
ensino e aprendizagem, quando olhamos para esses fenômenos com-
preendendo a singularidade que compõe o todo. No ensino de línguas
nossas possibilidades não se limitam apenas ao idioma que está sendo
ensinado/aprendido, mas pelo contrário, esse contexto pode ser encarado
como uma oportunidade para analisar as distintas realidades que nos
cercam, refletir sobre e, então, procurar alternativas para a transformação
(ROCHA, 2008). Afinal de contas, enquanto pibidianos aprendemos
a enxergar a educação como um fenômeno que, quando significativo,
pode ser transformador (FREIRE, 1987). Ao longo do programa, nos
envolvemos em diversas discussões acerca do papel da Educação, da
escola, do professor e da sociedade. Refletimos sobre inúmeros fatores
que fazem parte do complexo ato de aprender e ensinar. Exploramos
diversas realidades para então nos darmos conta das particularidades de
cada aluno, nos conscientizando de que nossa função enquanto docente
não se limita à sala de aula, mas pelo contrário, é capaz de ecoar muito
além dela, seja ao ajudar, apoiar, acolher, inspirar, alertar… entre tantos
outros verbos que estão implícitos no ato de ensinar.
Nesse sentido, é essencial mencionar que, ao termos consciência da
singularidade de cada aluno que compõe uma turma, nos despimos de
um olhar genérico e, por vezes até preconceituoso, referente à postura
de um estudante. Wielewicki, Arvey e Zotis (2020), sob uma perspectiva
humanizada diante da realidade discente, argumentam, no texto Pande-
mia e esperança transformadora em educação, sobre a desigualdade e a
consequente falta de equidade que marcam nossa sociedade. Os autores
destacam a escassez da inclusão, levando em consideração que

266
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

[...] tratar todos indistintamente como iguais, indepen-


dentemente de como são impactados negativamente por
condições particulares, tende a fazer com que a diferença
se torne déficit e que lacunas sejam mantidas ou aumen-
tadas injustamente (WIELEWICKI; ARVEY; ZOTIS,
2020, p. 138).

Nesse contexto, conforme mencionado anteriormente, minhas


experiências de observações no PIBID me fizeram refletir sobre a im-
portância de ter esse cuidado com o aluno, acolhendo suas diferenças e
contextualizando ao grande grupo, mesmo que de forma implícita, que
a sala de aula é um pequeno retrato de como nossa sociedade é plural.
Sob essa perspectiva, em seu livro Ensinar-aprender: desafios atuais da
profissão docente, Candau (2018) aponta alguns motivos pelos quais o
discurso de que “somos todos iguais” está ultrapassado, visando todos
os avanços sociais que temos vivido. A autora atenta-se para o fato de
que, ao homogeneizar um grupo de pessoas, “[...] as diferenças são in-
visibilizadas, negadas e silenciadas” (CANDAU, 2018, p. 30). Então,
propondo uma mudança de perspectiva, de modo a enxergar as “[...] as
diferenças como vantagem pedagógica [...]” (CANDAU, 2018, p. 32), a
autora sinaliza que usar diferenciação nas práticas escolares é

[...] fundamental para enfrentar a realidade das escolas


hoje. Exige administrar a heterogeneidade presente na
sala de aula — estimular a participação, realizar tarefas
diferenciadas, acolher iniciativas dos alunos, organizar
grupos de trabalho, utilizar diferentes linguagens etc. —
e ampliar a gestão da sala de aula para um espaço mais
vasto — trabalho cooperativo entre colegas, aproveitar
as experiências dos alunos/as e suas famílias, estabelecer
relações com as questões presentes na sociedade, entre
outros aspectos (CANDAU, 2018, p. 31).

267
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

De modo a colocar essas reflexões acerca da diversidade social em


prática no ambiente escolar, Moreira e Candau (2007) criaram 7 propos-
tas — dentre as quais mencionarei algumas — para orientar currículos
multiculturais, que estão inseridos no livro Currículo, conhecimento e
cultura. O primeiro tópico abordado pelas autoras trata da necessidade
de adotar uma nova postura, a fim de parar de enxergar todos os alunos
como seres iguais e passar a valorizar as diferenças que os compõem.
Ainda nesse sentido, o segundo tópico sugere que o currículo escolar
seja visto como um espaço no qual “[...] se explorem e se confrontem
perspectivas, enfoques e intenções, para que possam vir à tona propó-
sitos, escolhas, disputas, relações de poder, repressões, silenciamentos,
exclusões” (MOREIRA; CANDAU, 2007, p. 32). Dessa forma, os in-
tercâmbios sociais são plenamente valorizados e, então, através de uma
maior compreensão sobre si e sobre o outro, o conhecimento passa a ser
construído e, também, solidificado.
Além disso, fundamentado na corrente pedagógica freireana, o
quarto tópico propõe um espaço de reconhecimento de nossas identidades
culturais, evidenciando o quão essencial é que sejamos “[...] conscientes
de nossos enraizamentos culturais, dos processos em que misturam ou se
silenciam determinados pertencimentos culturais, bem como sermos capa-
zes de reconhecê-los, nomeá-los e trabalhá-los” (MOREIRA; CANDAU,
2007, p. 38). Em conformidade, o sétimo tópico proposto pelas autoras
sugere que o currículo seja um espaço de crítica cultural, incentivando
questionamentos que podem “[...] provocar tensões e desafiar o existente”
(MOREIRA; CANDAU, 2007, p. 42), considerando que eles podem até
“[...] não mudar o mundo, mas podem permitir que o aluno o compreenda
melhor” (MOREIRA; CANDAU, 2007, p. 42). Nesse sentido, ao citar
Bauman (2000), Moreira e Candau (2007) propõem uma reflexão: “[...]
para operar no mundo (por contraste a ser ‘operado’ por ele) é preciso
entender como o mundo opera” (MOREIRA; CANDAU, 2007, p. 42).
Mediante o exposto, nota-se que minhas vivências no PIBID —
tanto através das reflexões teóricas com pautas interdisciplinares (feitas a

268
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

partir dos nossos encontros semanais), quanto por meio das observações
práticas (feitas nas aulas da professora Mileidi) —, contribuíram para
uma formação pedagógica crítica, fazendo-me refletir sobre o currículo
tradicional que nos é imposto e me incentivando à conscientização, ao
analisar as diferentes realidades que permeiam meu ciclo social, do quão
singulares todos somos. Também é importante ressaltar que, por vezes,
algumas singularidades são intensificadas no ambiente escolar, como
ficou evidente para os iniciantes à docência que tiveram a oportunidade
de observar o contexto de ensino enfrentado pela professora Mileidi.
Isso porque a professora, em suas aulas, pareceu priorizar o acolhimento
dos seus alunos a fim de solidificar a relação com eles para que, a partir
disso, estabeleça-se um ambiente de aprendizagem prazeroso.
Os referenciais teóricos mencionados ao longo do texto me possi-
bilitam afirmar que, a partir do conhecimento das circunstâncias que nos
cercam, é possível refletir sobre nossas vivências para, então, pensarmos
em formas de transformá-la. A profª Mileidi, por sua vez, me possibilitou
enxergar que o acolhimento é uma ótima estratégia para possibilitar essa
transformação. Dessa forma, nós, (futuros) docentes, temos a capacidade
de envolver nossos alunos no desenvolvimento do “[...] seu poder de
captação e de compreensão do mundo [...] em suas relações com ele,
não mais como uma realidade estática, mas como uma realidade em
transformação, em processo” (FREIRE, 1987, p. 41).
Ainda, tendo em vista que a equipe que compõe o PIBID Línguas
Estrangeiras da UFSC apresenta um caráter interdisciplinar e multilín-
gue, é essencial mencionar o significativo trabalho de conscientização
cultural feito pelas coordenadoras de cada idioma, que a todo momento
incentivaram os bolsistas a analisarem a língua como um instrumento
social, refletindo sobre as possíveis (res)significações feitas a partir de
seus falantes. Até porque, conforme afirma a Proposta Curricular de
Santa Catarina, o fato de sermos seres sociais automaticamente nos
caracteriza como indivíduos ideológicos, tendo em vista que “[o]s su-
jeitos nunca se enunciam em um vazio sociocultural e histórico, tanto

269
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

quanto os sentidos nunca se originam em um único sujeito” (SANTA


CATARINA, 2014, p. 113).
Portanto, todo o percurso histórico ocorrido antes de nós contribui,
para a construção de quem somos no presente, tendo consciência de
que, ao usar a linguagem como um instrumento social, os indivíduos
“[...] colocam a sua voz em um conjunto de muitas outras vozes que já
se enunciaram; e, ao fazer isso, interferem no que já foi dito, participam
do todo das vozes, ampliam, acrescentam, negam, concordam” (SANTA
CATARINA, 2014, p. 113). Sendo assim, a partir da compreensão acerca
da singularidade de cada língua e, consequentemente, do grupo social
que a usa — despindo-nos de preconceitos sociais que as hierarquiza a
partir de parâmetros coloniais — nós, pibidianos, aprendemos a exercer
o pensamento crítico coletivamente.
Levando todos os aspectos mencionados anteriormente em conside-
ração e, tendo em vista este ensaio, que procurou refletir sobre a impor-
tância da tentativa de compreender as singularidades de cada estudante
— enfatizando a importância deste movimento para a concretização de um
aprendizado significativo — é fruto de vivências em um projeto crítico-
-reflexivo como o PIBID, gostaria de finalizar esta reflexão chamando
atenção para a nítida relevância deste programa para a formação docente
no contexto educacional brasileiro.
Assim sendo, destaco que a oportunidade de participar de um pro-
grama que estimula um olhar sensível para as relações pedagógicas é, a
meu ver, um privilégio para nós, professores em formação. Isso porque,
além de proporcionar a solidificação dos nossos conhecimentos teóricos
ao nos permitir confrontar a teoria com a prática, o Programa Institucional
de Bolsas de Iniciação à Docência é uma prova de que a Educação é uma
ferramenta de transformação social (FREIRE, 1987).

270
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Referências

CANDAU, V. M. Ensinar-aprender: desafios atuais da profissão docente. In:


CANDAU, V. M. (org.). Didática: tecendo/reinventando saberes e práticas. Rio
de Janeiro: 7 Letras, 2018, p. 24-42.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1987.
MOREIRA, A. F. B.; CANDAU, V. M. Currículo, conhecimento e cultura. Brasília:
Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007.
ROCHA, C. H.; BASSO; E. A. Ensinar e aprender língua estrangeira nas
diferentes idades: reflexões para professores e formadores. São Carlos: Claraluz,
2008.
SANTA CATARINA. Governo do Estado. Secretaria de Estado da Educação.
Proposta curricular de Santa Catarina: formação integral na Educação Básica.
Santa Catarina: Secretaria de Estado da Educação, 2014.
WIELEWICKI, H. de G.; ARVEY, S. A.; ZOTIS, V. R. Pandemia e esperança
transformadora em educação. In: LACERDA, T. E. de; TEDESCO, A. L. (orgs.).
Educação em tempos de Covid-19: desafios e possibilidades, v. 2. 1. ed. Curitiba:
Bagai, 2020. p. 131-154.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

A IMPORTÂNCIA DA DIVERSIDADE LINGUÍSTICA


NAS ESCOLAS PÚBLICAS

Luis Felipe Schlindwein1

Neste texto, dissertarei sobre a importância da pluralidade e da


interculturalidade para a construção de espaços produtivos ao ensino de
línguas adicionais na escola pública, e como isso conversa com o projeto
PIBID Multidisciplinar de Línguas Estrangeiras (Espanhol, Francês,
Inglês e Italiano), realizado na UFSC de 2020 a 2022. Abordarei minha
perspectiva como professor de Inglês em formação e argumentarei sobre
as mudanças que vêm ocorrendo no panorama linguístico das escolas
públicas brasileiras. Neste âmbito, temos como principal problemática
dentro e fora do PIBID a mudança recente das diretrizes educacionais
nacionais, que passam a priorizar o Inglês como única língua estrangeira
a ser ensinada, deixando (ainda mais) de lado outras como o Espanhol,
o Francês e o Italiano, línguas que conviveram juntas e compartilharam
objetivos em comum dentro do PIBID– Lei 13.415, por exemplo. Ao
longo dos anos, vem se percebendo no campo acadêmico a importância
de se ter uma perspectiva multilinguística e multicultural no campo dos
idiomas, considerando que línguas vistas como minoritárias devem ser
respeitadas e que o ensino de apenas uma língua estrangeira hegemônica
nas escolas representa uma perda muito grande do potencial de ensino. No

1 Graduando em Letras Inglês (UFSC). E-mail: wein.felipe@gmail.com

272
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Colégio Aplicação da UFSC em Florianópolis, por exemplo, diferentes


línguas são ofertadas tendo a mesma importância curricular para alunos
do Ensino Fundamental e Médio, por se considerar que um ensino foca-
do nas suas diferentes necessidades, preferências e na diversidade é um
ensino enriquecedor. No entanto, isso acaba sendo quebrado no Brasil
por decisões políticas, deixando aos professores de idiomas, como nós
no PIBID, de frente para alguns dilemas relacionados à assimetria da
“importância” de cada língua.
O PIBID sobre o qual trata o presente texto foi um projeto que ocor-
reu durante a pandemia do Coronavírus, entre 2020 e 2022, e, portanto,
realizou-se de forma totalmente on-line. Isso fez com que os diversos
integrantes, entre professores e alunos, estivessem em diversos lugares
geográficos diferentes, e que se abrissem diversos espaços e ferramentas
virtuais para as discussões. Além dos espaços de reuniões, as tarefas do
projeto englobaram diferentes atividades destinadas ao fazer docente,
incluindo, por exemplo, a criação de vídeos e páginas em redes sociais,
na tentativa de facilitar a aproximação para com os estudantes. Igualmente
relevante é a diversidade de vivências encontradas pelos integrantes do
PIBID, ao percebermos que o grupo foi formado tanto por graduandos
que recém estão começando sua caminhada docente e também professores
com uma vasta experiência nas suas respectivas áreas. É perceptível a
bandeira da diversidade que o PIBID ergue, dentro desse pensamento em
que devemos acolher o diferente e aprender com as diferenças ao invés
de homogeneizar todos os ambientes.
Outra característica da diversidade do projeto é seu multilinguismo,
pois no mesmo espaço de discussão, aprendizagem e planejamento, con-
viveram alunos e professores da língua inglesa, espanhola, francesa e ita-
liana. Essa diversidade foi muito marcante para diferenciar a experiência
e o aprendizado de dentro do PIBID das demais atividades acadêmicas de
graduação em Letras, considerando que, por conta da estrutura do curso,
muitos alunos têm pouco contato com colegas de outras línguas durante a
formação, e consequentemente se isolam em ambientes em que somente

273
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

o ensino de sua própria língua é discutido. É importante que esse isola-


mento seja desafiado e que nós nos vejamos frente a frente, com lugar de
fala e espaço para a troca, para que possamos discutir dentro do projeto
exatamente a questão mais básica da nossa jornada acadêmica: por que
nos preparamos para ensinar essas línguas em específico, e por que elas
têm o status social que têm, para o Estado brasileiro e para a sociedade?
O panorama geral no Brasil é de que a língua inglesa (e junto com ela
as ideias culturais associadas a países anglófonos) tem para os brasileiros
um status muito mais alto do que línguas, como o Espanhol, o Italiano, o
Francês e o próprio Português (incluindo também nisso as ideias que se
têm sobre os países que falam essas línguas, como o Brasil). Isso significa
que não só parecemos admirar mais aos estadunidenses, por exemplo,
que ao nosso próprio país ou aos nossos vizinhos latino-americanos,
como também que parecemos ter uma mentalidade colonizada e auto-
depreciativa em relação a nós mesmos. A esse respeito, segundo Moita
Lopes (1996), não só os brasileiros em geral como também os próprios
professores de Inglês expressam “uma admiração a priori pelo que é
estrangeiro” (MOITA LOPES, 1996, p. 41).
Uma demonstração política disso foi o enorme recuo que as dis-
cussões sobre a abordagem de línguas diversas tiveram no Brasil devido
ao projeto Novo Ensino Médio, instaurado pela Lei 13.415 durante um
governo nacional neoliberal em 2017. Colocando o Inglês como única
língua obrigatória para todo o Ensino Fundamental e Médio, a língua
obtém um status de superior diante das outras, até mesmo do Espanhol,
que fica rebaixado para uma posição de “opcional”. As consequências
políticas do movimento são evidentes: o país (ou então o seu governo
vigente) quer se aproximar cultural e linguisticamente de países de
língua inglesa enquanto se afasta dos países de língua espanhola. Para
os professores de Espanhol e graduandos em formação, o ato os coloca
numa posição pouco favorável até mesmo dentro de um projeto como
o PIBID, pois têm, por exemplo, menos opções que os professores de
Inglês para ensinar sua língua. Como diz Galli (2015, p. 119) “qual o

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

sentido de se fazer uma formação universitária em FLE se não há escolas


onde ensinar essa língua?”, se questionando sobre a situação do Francês
dentro do Brasil. E a autora continua questionando: “Será que a escola
deve somente responder a uma demanda determinada, perpetuando a
hegemonia de uma LE em detrimento de outra?” (GALLI, 2015, p.114).
Apesar de tudo isso, um dos objetivos do PIBID foi reverter esse
retrocesso. Para isso, o primeiro passo foi abrir o campo das discussões
e permitir que alunos como eu, do Inglês, possam entender a situação
não-hegemônica dos colegas de Letras - Espanhol, Italiano e Francês
nesse novo panorama nacional. Esse espaço nos permitiu desvendar
alguns estereótipos relacionados às demais línguas; enquanto o Inglês é
visto como uma língua importante e difícil, o Francês é visto como uma
língua de turismo (fortemente associado com Paris) e o Espanhol com
sua suposta e equivocada facilidade de aprender (dada a proximidade
com o Português em alguns âmbitos). Esse tipo de estereótipo, apontado
por Galli (2015), reforça a hegemonia indesejável do Inglês e em nada
contribuem para que línguas ameaçadas por essa hegemonia sequer te-
nham o espaço que merecem no campo do ensino de línguas.
Pensar em estratégias e planos que englobam o ensino de todas
essas línguas, que dentro do sistema educacional brasileiro têm diferentes
tratamentos, foi um desafio e um crescimento para nós que participamos
do PIBID. Galli (2015, p. 113) argumenta que, quanto maior o número de
línguas praticadas, melhor será o aprendizado de uma nova língua, infe-
rindo assim que o monolinguismo brasileiro (e aqui poderíamos incluir
também a falta de diversidade no ensino das línguas estrangeiras) não
contribui para nosso enriquecimento linguístico. Manter a hegemonia e
a falta de diversidade no campo do ensino de línguas é uma perda muito
grande, mesmo quando estamos falando de leituras e referências. Ao
mergulharmos cada vez mais num anglocentrismo, caímos no que Motta-
-Roth (2006, p. 292) crítica como uma prática pedagógica socialmente
perniciosa, em que aceitamos o Outro (quando este é Estadunidense)
como de hierarquia superior, ou então não reconhecemos o valor do Outro

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

(quando este vem de fora da tradição anglo-saxã). Pior ainda: não nos
vemos como seres humanos diversos, multiculturais e com referências
de outras línguas, mas sim como meros indivíduos de uma grande massa
monolíngue e homogênea. Nessa visão limitada, a própria cultura é perce-
bida apenas como um “conjunto de informações, geralmente peculiares,
‘sobre outros povos’” (MOTTA-ROTH, 2006, p. 294).
É nesse contexto que o PIBID se propõe a reverter essa crescente
hegemonia e falta de diversidade dentro do ensino público brasileiro.
O Brasil é um país continental, com mais de duzentos milhões de habi-
tantes e profundas ligações com diversas outras nações. É somente num
espaço de diálogo e aprendizado com outros povos, outras vivências e
outras línguas que poderemos avançar sem nos sujeitar a uma hegemo-
nia pobre que está se instaurando no ensino de línguas como um todo.
Melhorar a paisagem linguística das escolas, como o PIBID se propõe,
é fazer justamente o que fazíamos internamente: aprender com o outro,
ter diferentes perspectivas e valorizar a diversidade.

Referências

GALLI, Joice Armani. A noção de Intercultural e o Ensino-Aprendizagem de


Línguas Estrangeiras no Brasil: Representações e Realidades do FLE. EntreLínguas.
Araraquara, p. 111-129, 2015.
MOITA LOPES, Luis Paulo da. “Yes, nós temos bananas” ou “Paraíba não é Chicago,
não”: Um estudo sobre a alienação e o ensino de inglês como língua estrangeira no
Brasil. In: MOITA LOPES, L. P. D. (ed.). Oficina de lingüística aplicada. Rio de
Janeiro: Mercado de Letras, 1996, p. 37-62.
MOTTA-ROTH, Désirée. Competências comunicativas interculturais no ensino
de inglês como língua estrangeira. In: MOTTA-ROTH, D.; BARROS, N. C. A.;
RICHTER, M. G. (orgs.). Linguagem, cultura e sociedade. Porto Alegre: Editora
e Gráfica Eficiência, 2006, p. 292-294.

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PARTE IV

ENTREVISTAS COM PROFESSORAS


SUPERVISORAS
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

ENTREVISTA PROFESSORA MILEIDI HEIDERSCHEIDT -


SUPERVISORA DA ÁREA DE INGLÊS

Hamilton de Godoy Wielewicki


Priscila Fabiane Farias
Raquel Carolina de Souza Ferraz D’Ely
(Equipe Inglês UFSC)

C onforme aponta Silvestre (2016), a formação do(a) professor(a)


de línguas, quando baseada em uma perspectiva colaborativa e
decolonial, é pautada em “um diálogo complexo entre os agentes que
participam da construção localizada do conhecimento sobre a educação
linguística, fortemente marcada pelo ato de ouvir as diferentes vozes
desse processo dialógico de construção de sentido” (SILVESTRE, 2016,
p. 121, tradução nossa). Assim, a base desta formação é o diálogo crítico,
conceito Freireano que norteia a educação emancipatória, na premissa de
que ao estarmos abertos(as) para aprender com o outro abrimos espaço
para transform(ação).
É com essa perspectiva dialógica que propomos mais esta oportu-
nidade de troca e aprendizagem mútua para a professora Mileidi Hei-
derscheidt, supervisora da área de Inglês no Subprojeto Multidisciplinar
PIBID de Línguas Adicionais, edital 2020. Mila, como a chamamos
carinhosamente, foi nossa colega de PIBID por dezoito meses, mas
Hamilton e Priscila já a conheciam de outras parcerias. Juntamente com
Raquel e com nossas demais colegas das línguas adicionais no projeto

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

(Espanhol, Italiano e Francês), sem esquecer dos(as) nossos(as) IDs,


pudemos, no PIBID, aprender e construir conhecimento coletivamente.
Esta entrevista, portanto, por meio das oportunidades possibilita-
das pelo diálogo, é uma tentativa de fazer sentido da experiência vivida
durante o período do subprojeto. Ainda, com esta conversa, almejamos
neste espaço dar continuidade ao nosso próprio processo formativo. Dessa
forma, registramos aqui, primeiramente, nosso sincero agradecimento à
professora Mileidi por aceitar participar desta entrevista e, também, pela
parceria vivenciada. Também convidamos o(a) leitor(a) para, juntamente
conosco, engajar-se nesta oportunidade de reflexão e ação formativa que
surge da troca. Ao ler esta entrevista, tem-se a oportunidade de saber
quem é a professora Mileidi, suas história e motivações para estar na
escola pública. Conhece-se ainda algumas de suas impressões da vivência
no PIBID, bem com alguns dos conhecimentos ali construídos que ela
destaca, além dos desafios e possibilidades que se abrem com base nessa
experiência pibidiana e, por fim, suas palavras finais, voltadas àqueles
que almejam se engajar nessa rica experiência de iniciação à docência,
que Mileidi qualifica como resistência. Vamos à conversa?

Equipe Inglês UFSC: Para começar nossa conversa, gostaría-


mos de partir das ideias da escritora, ativista e professora bell hooks,
quando ela diz que “somos o que somos porque nossa história é do jeito
que é” (hooks, 2010, p. 14, tradução nossa). Por concordarmos com as
palavras da autora, que valorizam a trajetória de cada um enquanto
indivíduo e cidadão, gostaríamos de saber: quem é a professora Mileidi
Heiderscheidt?
Professora Mileidi: Sou uma mulher de 45 anos (em 24 de julho)
que gosta demais do que faz, companheira de Luiz Fernando Fortkamp
há 17 anos (em 12 de outubro), proprietária/moradora de uma tiny pro-
priedade rural na Grande Florianópolis e professora efetiva em duas redes
públicas de Educação desde 2002 (municipal em São José e Estadual
em Santa Catarina). Quanto à formação acadêmica, sou licenciada em

279
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Letras Inglês pela UFSC, turma 99.2, e especializada em Inglês pela


UNIDAVI. Nos anos 2018 e 2019, a convite da Secretaria Municipal
de Educação de São José, fui formadora voluntária dos professores de
Língua Estrangeira da rede, responsabilizando-me, também, pela redação
do componente curricular Língua Inglesa no Currículo Base da Educa-
ção Josefense (2020). Acredito, ainda, que vale ressaltar que atuo nas
duas Unidades de Ensino em que me efetivei: Escola Básica Municipal
“Vereadora Albertina Krummel Maciel”, na Fazenda Santo Antônio (São
José), e Escola de Educação Básica “Irmã Maria Teresa”, na Ponte do
Imaruim (Palhoça).
Equipe Inglês UFSC: Freitas e Velasques (2018) argumentam
sobre a importância da narrativa docente no posicionamento deste profis-
sional em sociedade. Os autores explicam que a formação da identidade
docente é “(re)construída a partir das histórias que são contadas sobre
ela e como essas histórias são interpretadas socialmente” (FREITAS;
VELASQUES, 2018, p. 154). Partindo desta premissa, gostaríamos de
ouvir um pouco da sua história e saber quais foram as suas motivações
para estar na escola pública e para participar da proposta do PIBID?
Professora Mileidi: Quando criança, graças ao calendário escolar
que não era ainda unificado por todo o estado, participava das aulas que
minha avó, Santília Mariotti Borges, lecionava na comunidade Saltinho,
em Alfredo Wagner. A escola era isolada, sistema multisseriado; ou seja,
todas as turmas existentes dividiam a mesma sala ao longo dos quatro
anos do primário, como eram chamados os anos iniciais. A escolinha
era de madeira, muito bem cuidada pela Dona Santília e por seus alunos.
Todos eram responsáveis pela limpeza, manutenção da horta e merenda.
Era a sopa mais deliciosa que já existiu, feita com temperos e legumes
por eles ali cultivados. Dona Santília, extremamente respeitada por seus
alunos e pela comunidade como um todo, nas décadas de 70 e 80, educou
gerações com austeridade. Assim, ainda criança, sabia o que queria ser.
Porque acredito que ser professor é uma vida. Um caminho sem volta.
Uma visão de mundo. É saber que, por incontáveis vezes, somos o meio

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

pelo qual a transformação social e a dignidade podem tocar a vida de


um ser humano.
A escola pública me propiciou essa dignidade. Foi no Maria Teresa,
como aluna do Fundamental, que soube do curso da UFSC. Uma pro-
fessora de Inglês readaptada me deu atenção e pediu à minha mãe que
pagasse um cursinho de Inglês chamado Instituto Minsky, no centro de
Palhoça, onde a maravilhosa professora Maria Inêz Probst Lucena le-
cionava. Depois, cursei o Ensino Médio entre o Colégio Estadual Aníbal
Nunes Pires (com direito a dependência em matemática no terceiro ano)
e o Instituto Estadual de Educação, ambos em Florianópolis. Ainda em
julho de 94, decidida a cursar Letras na UFSC, fiz o preparatório semiex-
tensivo no Colégio Solução, em Florianópolis, para o qual minha mãe
raspou a parca poupancinha que fizera para mim na infância. Aprovada
no vestibular, de 1995 a 1999, cursei Letras na UFSC. No entanto, iniciei
já a carreira no magistério público como ACT (professora temporária)
antes de assistir a primeira aula na federal, já que a escola próxima de
casa estava sem professor de Inglês. Eram duas turminhas apenas e, em
uma delas, estudava minha irmã. Uma experiência e tanto!
Em 2002, por meio de concurso público, pude me efetivar na EEB
Irmã Maria Teresa e na Escola Básica Municipal Vereadora Albertina
Krummel Maciel. Nessa última, onde estou há 22 anos, pela rede muni-
cipal de São José, tive a oportunidade de dividir a disciplina de Inglês
com a colega e amiga professora Vanice Zottis, supervisora do PIBID
Inglês no edital de 2018. Também nos anos de 2018 e 2019, a convite
da Prefeitura Municipal de São José, conduzi a formação continuada
de professores de língua estrangeira do município. Nesses encontros
mensais, a professora Vanice e os pibidians participavam ativamente.
Inclusive, nos ajudaram a escolher o livro didático de Inglês no PNLD.
Em algumas oportunidades, participei das reuniões do subprojeto de
2018-2019 como convidada. A troca que houve entre os professores de
língua estrangeira da rede e os bolsistas do PIBID foi tão enriquecedora
para todos que despertou meu interesse em participar como professora

281
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

supervisora na edição que viria a seguir. Só não imaginava que seria em


um momento tão delicado como o da pandemia da COVID-19.
Equipe Inglês UFSC: Quais foram as suas impressões do movimen-
to do PIBID como um todo? Mais especificamente, gostaríamos de ouvir
sua percepção sobre a interação com as coordenadoras e coordenador,
com os IDs, a proposta de trabalho e seu cunho interdisciplinar?
Professora Mileidi: As melhores. O ambiente, apesar de ser vir-
tual, foi profundamente democrático e solidário. Todos os participantes
tiveram oportunidade de falar e serem ouvidos. Pude constatar que, tanto
as decisões referentes ao material que iríamos ler e discutir, quanto às
atividades que desenvolvemos – da maneira como as desenvolvemos –
foram assim planejados para que pudessem contemplar a riqueza plural
das línguas que abraçaram esse projeto. Os coordenadores, por sua vez,
conduziram os trabalhos de modo a suscitar reflexões em torno da bio-
diversidade linguística, tão presente no processo de formação de nosso
país colonizado. Em cada encontro, diante de nós, abria-se um mundo
fascinante e instigante e crítico de discussões, reflexões, estudos e com-
partilhamento de experiências, preparando e fortalecendo a base para
um projeto de iniciação de docência no triste marco que tem sido essa
pandemia em todos os setores, principalmente na Educação. Importante
salientar que estarmos juntos num momento em que nos encontrávamos
frágeis e, de certo modo, impotentes, nos propiciou conhecimento para
além do isolamento, da doença e do medo.
Equipe Inglês UFSC: Mila, ao final da sua resposta para a pergunta
anterior, você reforça a importância do conhecimento construído em mo-
mento adverso permeado por incertezas. Neste seu caminhar no PIBID,
quais seriam os conhecimentos construídos que gostaria de destacar?
Professora Mileidi: Nos meses em que não havia ainda condições
de lecionar presencialmente na escola, o compartilhamento de conhe-
cimentos acerca do uso dos recursos midiáticos e ferramentas virtuais
me deu motivação para iniciar as aulas remotas síncronas. Aos poucos,

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

inspirada em nosso próprio processo quando iniciamos o subprojeto


– em plena pandemia – e de como a participação no coletivo tornou o
percurso mais leve e rico, eu parti da realidade posta naquele momento.
Um exemplo de prática realizada no PIBID que me inspirou e que trago
comigo é que procurei, ao longo do primeiro bimestre deste ano letivo
2022, praticar a escuta ativa para redefinir e conduzir meu planejamento,
a fim de ir ao encontro das necessidades e anseios des educandes.
Equipe Inglês UFSC: Em seu livro “Pedagogia da Autonomia”,
Freire (1996) discute a relevância da reflexão crítica sobre a prática.
O autor explica que “é pensando criticamente a prática de hoje ou de
ontem que se pode melhorar a próxima prática” (FREIRE, 1996, p. 18).
Por outro lado, conforme ressaltam Zeichner e Liston (1996), a ação
reflexiva não é movimento apenas individual mas também social, coletivo.
Assim sendo, quais seriam os desafios e/ou novos caminhos em que você
se aventuraria com base neste teu prévio caminhar?
Professora Mileidi: A Educação orientada para a cidadania é o
que mais me “acende” e me atrai após esse caminhar. O PIBID veio
mostrar que não ando sozinha e que podemos, por meio dele, chamar
muites outres educadores para caminhar conosco. Gostaria demais de
aprofundar meus estudos e envolver-me em pesquisas relacionadas a esse
tema. Posso afirmar que minha prática docente carrega consigo, numa
pedagogia “antropofágica”, os momentos transformadores do projeto.
Equipe Inglês UFSC: O PIBID é uma iniciativa no campo da
formação de professores(as) que visa contribuir, por meio da inicia-
ção a docência, com um modelo de formação que seja colaborativa e
simétrica entre escola e universidade para todos os(as) envolvidos(as)
neste processo. Considerando a gênese do programa, para finalizar
(e não deixar a conversa tão comprida), gostaríamos de te convidar a
deixar um recado para futuros(as) participantes deste projeto. O que
dirias para aqueles(as) que pensam em se engajar numa experiência de
iniciação à docência?

283
a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Professora Mileidi: Eu diria que, engajar-se numa experiência


como essa que tivemos é um privilégio que deveria tornar-se prática ampla
nas instituições de Ensino Superior, afinal, todos somos educadores. Em
plena banalização da barbárie, da intolerância e de preconceitos de toda
sorte, torna-se urgente que os desafios enfrentados pela escola pública
sejam conhecidos e questionados por todes. Não podemos permitir a
difamação e o sucateamento aos quais a mesma tem sido submetida.
Assim, enquanto não forem implementadas mais políticas públicas que
permitam às/aos cidadãs/cidadãos e, em especial, futures professores,
acessarem toda a riqueza e aprendizado que nossas instituições educa-
cionais podem – e têm a – oferecer, o chão escolar não será valorizado
de fato. Enquanto a sociedade – e muites professores também – não
mudarem a mentalidade de que a escola pública é para quem não tem
outra alternativa, a mesma segue sendo atacada. Por isso, engajar-se no
projeto de iniciação à docência é ser resistência. Como diriam os me-
xicanos, tentaram nos enterrar mas não sabiam que éramos sementes.

Referências

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa.


São Paulo: Paz & Terra, 1996.
FREITAS, Leticia. F. R.; VELASQUES, Matheus. T. Narrativas Sobre Tornar-se
Professor de Línguas. In: Oliveira, L. S.; De Boer, R. A. (Orgs.). Professores(as)
de Línguas em uma Perspectiva Crítica: Discursos, Linguagens e Identidades.
Campinas: Pontes Editores, 2018, p. 153-172.
hooks, bell. Teaching Critical Thinking: Practical Wisdom. New York: Routledge,
2010.
SILVESTRE, Viviane P. V. Práticas problematizadoras e de(s)coloniais na formação
de professores/as de línguas: teorizações construídas em uma experiência com o
Pibid. 2016. 239f. Tese (Doutorado em Letras e Linguística) – Programa de Pós-
Graduação em Letras e Linguística. Faculdade de Letras. Universidade Federal de
Goiás, Goiânia, 2016.
ZEICHNER, Kenneth. M.; LISTON, Daniel. P. Reflective Teaching, An
Introduction. Mahwah; New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 1996.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

ENTREVISTA COM A PROFESSORA REGINA GOMES FLOR -


SUPERVISORA DA ÁREA DE ESPANHOL

Leandra Cristina de Oliveira


(coordenadora PIBID/Espanhol)

N esta entrevista, posiciona-se a Professora Regina Flor, profissio-


nal da área de Língua Espanhola, efetiva na Rede Estadual de
Educação, precisamente, na Escola de Educação Básica Irmã Maria
Teresa (Palhoça SC - Brasil). Na interlocução, a docente contextuali-
za sua formação e atuação, problematiza questões relacionadas a seu
campo disciplinar — Espanhol como língua estrangeira —, nos situa
no cenário dramático da pandemia, atravessado por todo o planeta e
que atingiu fortemente a realidade escolar, comenta sobre sua primei-
ra experiência no Projeto PIBID e seu apoio para a execução de um
projeto inédito multilíngue. Em seu lugar de quem vive a prática do
ofício docente no âmbito das línguas estrangeiras, conclui deixando
um importante conselho aos licenciandos.
Comprometer-se com a leitura desta entrevista é mover-se a com-
preender o desenvolvimento do PIBID Multidisciplinar Línguas Estran-
geiras em seu embrião, no momento em que buscávamos as instituições
parceiras, as supervisoras que nos abririam suas salas, que acompanha-
riam nossos bolsistas de Iniciação à Docência, que contribuiriam para
sua formação com seus conhecimentos e práticas. Aqui nos movemos a

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

conhecer a professora de Espanhol, Regina Flor, com cujas vivências,


seguimos aprendendo.
Leandra Oliveira: Comecemos com a contextualização de sua
formação e atuação. Poderia nos apresentar seu percurso no estudo e
docência do Espanhol como Língua Estrangeira/Adicional?
Regina Flor: Minha formação foi na Universidade do Extremo Sul
Catarinense (UNESC), situada no município de Criciúma. Fomos a primeira
turma de Letras Português/Espanhol da instituição, razão pela qual creio
termos funcionado como uma espécie de laboratório. A grade do curso
incluía disciplinas que não aproveitamos muito, que não agregaram muito
em minha formação. Ainda sinto falta de cursos de formação na nossa área,
principalmente tendo me formado há 20 anos. Meu percurso na docência
iniciou em 2003, mas lecionei pela primeira vez Espanhol como professora
temporária na rede do Estado em 2008, quando estava implantando a oferta
dessa disciplina no Ensino Médio, em função da aprovação da Lei 11.161.
Lembro que trabalhava em várias escolas porque a oferta, até então, era de
uma aula semanal. Em 2011, a Secretaria Estadual de Educação implantou
um projeto nas escolas de oferta do Espanhol como aula extracurricular,
após isso só voltei a dar aulas de Espanhols em 2014 quando assumi uma
vaga de concurso na rede estadual em Lages. A escola em que trabalhei
até 2016 ofertava como língua estrangeira apenas o Espanhol, do 6° ano
do Ensino Fundamental ao 3° ano do Ensino Médio. Essa foi uma expe-
riência muito rica, a qual me exigia a adaptação ao público infantil e
adolescente. Em 2016, solicitei remoção para Palhoça, onde atuo até hoje
na Escola de Educação Básica Irmã Maria Teresa. Até o ano passado,
essa instituição abria a possibilidade para o estudante escolher a língua
estrangeira que iria cursar durante todo o Ensino Médio. Infelizmente, a
procura pelo Espanhol não era expressiva, pois a maioria acabava optando
pelo Inglês. Agora, com a recente reforma do Ensino Médio, a escola está
ofertando em todas as turmas, com ingresso em 2022, o Espanhol como
segunda língua adicional.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Leandra Oliveira: Que vantagens e desafios você encontrou nessa


trajetória de quase vinte anos de docência? Que vantagens e desafios
você vislumbra no caminhar de novas/novos docentes dessa disciplina?
Regina Flor: Vantagens, não tive muitas, tive nos últimos anos
que resistir bastante, pois o Espanhol, ao longo dos anos, tem sido uma
língua marginalizada, seja pelas políticas educacionais, seja por outros
dispositivos discursivos que afetam as crenças no espaço escolar. A título
de exemplificação, não raras vezes os estudantes que optam por estudar o
Espanhol como língua estrangeira são rotulados como “aqueles que não
gostam de estudar”. Uma enunciação que se apoia em crenças infundadas
como as de que (i) o Espanhol é uma língua fácil e (ii) quem fala Português
sabe falar Espanhol. O Espanhol é uma disciplina como qualquer outra,
que não supõe o conhecimento ou desconhecimento absoluto por parte dos
estudantes. Logo, é uma disciplina que merece ter seu lugar no currículo
escolar, pelas mais diversas razões — geográficas, sociais, culturais e
econômicas. Questionar essas enunciações que ouvimos de discentes e
colegas, desmistificar essas crenças e situar a importância do Espanhol
no território brasileiro representam nossos mais expressivos desafios.
Leandra Oliveira: Quanto à capacitação e à formação conti-
nuada docente, que movimentos você tem encontrado e percorrido no
campo pedagógico em geral e em sua área específica? Professoras/es
de Espanhol como Língua Estrangeira têm sido contemplados nessas
agendas formativas?
Regina Flor: Atualmente, as formações a que tenho acesso são as
da Associação de Professores de Espanhol do Estado de Santa Catarina
(APEESC). Nesses últimos anos, o estado não nos ofertou qualquer tipo
de formação, além disso, trata com desigualdade os campos disciplinares.
A título de exemplificação, houve propostas recentes de oferta de bolsa de
estudos para os professores da rede da área de Inglês para que pudessem
se capacitar em cursos no exterior, oferecendo, inclusive, licença para
esse tempo de intercâmbio. Trata-se de um política de extrema relevância,

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

que impacta direta e positivamente na sala de aula; logo, é necessário


que se estenda a outras áreas, como o Espanhol.
Leandra Oliveira: Sobre seu locus de atuação, qual é o lugar da
língua espanhola nos currículos da Escola de Educação Básica Irmã
Teresa? Em quais séries e turmas a disciplina é ofertada? Desde quando
é disciplina obrigatória e quantos professores atuam (ou já atuaram)
nessa área?
Regina Flor: Hoje no ensino regular temos sete turmas que contam
com a disciplina curricular de Espanhol (segundos e terceiros anos),
distribuídas nos três períodos da escola. Já no novo Ensino Médio,
implantado este ano, todas as turmas de primeiro ano tem na sua grade
a disciplina de Espanhol, totalizando 15 turmas. De 2016 até 2021, eu
era a única professora da disciplina; atualmente, somos três professores,
sendo eu a única concursada. Em suma, no cenário do Espanhol com
oferta obrigatória e cumprimento optativo, havia apenas uma professora
nessa escola, e, com a reforma mencionada, o número de profissionais
se amplia.
Leandra Oliveira: Com base nessa sua última menção, pode-se
assumir, então, que a reforma do Ensino Médio beneficiou de algum modo
a área de Espanhol? Você diria que a menção na BNCC da possibilidade
de oferta de “outras línguas estrangeiras, em caráter optativo, preferen-
cialmente o Espanhol de acordo com a disponibilidade da instituição ou
rede de ensino” (BRASIL, 2018, p. 476), reverbera mais positivamente
sobre o Espanhol do que a própria Lei 11.161?
Regina Flor: Acredito que sim, reverbera de forma positiva, em
certa medida, pelo menos é esse o cenário atual que comentei na ques-
tão anterior. No entanto, não nos deixa totalmente seguros com este
espaço, pois, não sendo uma disciplina obrigatória, sua oferta é incerta,
ou seja, não sabemos até quando estará no currículo do Ensino Médio.
Essa incerteza impacta, obviamente, no espaço docente. Normalmente,
os concursos públicos buscam atender a demandas de disciplinas curri-

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

culares. Não sabemos como ficará essa questão estando o Espanhol no


quadro da oferta de “caráter optativo”. A instabilidade e a dúvida ainda
se fazem presentes, infelizmente. Para se ter uma noção, entre os com-
ponentes curriculares, o Espanhol está entre os poucos que não recebem
material didático.
Leandra Oliveira: Situando-nos em momentos mais imediatos que
vale registrar nesta publicação, precisamente o cenário de pandemia
da COVID-19, que moveu todos os setores de todas as nações e comu-
nidades, em um período de policrise planetária – nos termos de Freire
e Araújo (2021) –, autoras que assinalam a forma como novos meios,
dispositivos e formatos passaram a atravessar as interações interpes-
soais e as práticas educativas. Nas palavras originais, “os recursos
tecnológicos, com plataformas, programas e aplicativos, antigos ou
recentes, mais ou menos sofisticados, tornaram-se, simultânea e prati-
camente, sedes únicas e instrumentos mediadores de nossas ações, pois
o distanciamento social se definiu e foi imposto como forma de garantir
a sobrevivência humana” (FREIRE; ARAÚJO, 2021, s/p, grifo meu).
Como se deu essa sobrevivência no seu contexto escolar? Como foi o
processo de acomodação a esse novo cenário, tanto na perspectiva da
escola, como de seu fazer docente e das práticas/realidades discentes?
Regina Flor: No começo, foi um tremendo desafio. Tivemos
que nos adaptar de diversas maneiras, sem grande apoio da Secretaria
de Educação. Os recursos tecnológicos não nos foram fornecidos, ou
seja, lançamos mão de nossos próprios recursos (computadores, fo-
nes, câmeras e internet), tudo isso sem suporte, o que é uma questão
grave, considerando os diferentes níveis de letramento digital. Como
exemplificação, nos dois anos de ensino remoto emergencial, meu
computador passou por algumas manutenções, e eu tive que arcar
com essas despesas. Nos meses iniciais da pandemia, o estado deu
uma formação para usarmos as ferramentas da plataforma Google,
mas as informações não atendiam nossa realidade, não davam conta
das dificuldades discentes de diferentes naturezas. Tivemos que, por

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

nossa conta e a partir da nossa realidade, buscar outras estratégias e


ferramentas, o que foi uma situação muito árdua, já que padecemos
com a falta de tempo para o planejamento. Em relação à realidade
discente, a grande maioria de nossos estudantes não tinha acesso aos
recursos tecnológicos por questões econômicas. Muitas famílias não
dispunham de internet, já que essa não era a necessidade básica. Dian-
te desse cenário, a escola ofertava o material impresso, porém essa
também não era a melhor solução, pois muitos estudantes buscavam
o material, mas não realizavam as atividades. Hoje nossos estudantes
sofrem os efeitos desse período; com o retorno presencial o que en-
contramos é uma expressiva defasagem no conhecimento. Os impactos
sobre os professores também se fazem perceber. Nem bem concluímos
o primeiro semestre, o esgotamento tem sido uma constante. A cada
semana, temos algum colega de licença médica. Eu mesma cheguei a
um ponto que tive que me afastar, porque não estava mais aguentando
o desgaste físico e mental.
Leandra Oliveira: Em uma publicação recente, Pereira; Leite;
Leite (2021) analisam, a partir de relatórios de estágio, como licen-
ciandos reconfiguram suas práticas docentes no estágio supervisionado
de um curso de licenciatura em Letras (Língua Inglesa) no contexto
do ensino remoto emergencial, tanto na fase de observação quanto de
regência. Na seção intitulada A rotina pedagógica na pandemia ou “O
ensino não podia parar”, os autores problematizam alguns recortes
dos relatórios dessa amostra de graduandos. Entre os fragmentos
registrados, tem-se:

A UERN decidiu por, mais uma vez, manter as disciplinas


de estágio, mesmo não havendo aulas presenciais a serem
observadas. Tivemos a oportunidade de vivenciar junto
com muitos professores espalhados por todo o mundo
aquilo que é a realidade do ensino atual. Decisão acer-
tada, já que enquanto professores em formação, fomos
assim convocados a ter uma vivência em sala de aula,

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

e hoje a sala de aula é um ambiente virtual, nada mais


lógico que estejamos também inseridos nas salas virtuais
(PEREIRA; LEITE; LEITE, 2021, s/p, grifos meus).1

Considerando que a decisão pelo acompanhamento do PIBID, edi-


ção 2021-2022, se deu na mesma direção da que trata o relato acima, que
desafios e aprendizagens atravessam essa nossa experiência? Do ponto
de vista das supervisoras e IDs, julga que essa foi também uma “decisão
acertada”? Em que medida essa experiência pode se distinguir de uma
vivência no lócus físico da escola, que benefícios e desvantagens haveria?
Regina Flor: Penso que o projeto poderia ter sido mais atuante se
tivesse sido presencial, pois, no âmbito da Educação, a relação física
e a presença no espaço escolar são de expressiva importância. Tentar
equilibrar o tempo de capacitação, discussão e prática no mundo remoto
também foi um desafio. Disso, lamentavelmente, decorreu a redução de
tempo de audiência e prática em nossas aulas síncronas, uma experiência
que, sem dúvida, agrega muito na formação dos IDs. Foi realmente uma
pena não termos atuado de forma presencial, com certeza a experiência
teria sido muito mais rica. Porém, não tínhamos o que fazer naquele
momento, era o que estava a nosso alcance, tínhamos que atuar daquela
forma, nos moldar à nova rotina pedagógica. Acredito, contudo, que o
mesmo projeto poderia ter tido a oportunidade de se estender no período
pós-pandemia, para que esses mesmos bolsistas pudessem ter a oportu-
nidade de atuar diretamente no chão da escola, com os estudantes e com
supervisoras.
Leandra Oliveira: Nesta edição do PIBID Línguas Estrangeiras
da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), além da dramática
reconfiguração que nos impunha o momento, desenhávamos, ainda, uma
proposta multilíngue inédita (até onde alcança nosso conhecimento), que
culminou em um projeto com 27 membros, entre IDs, supervisoras, coor-
denadores e uma doutoranda em Linguística que se somou ao trabalho
1 Ver Relatório 3: Pereira, Leite e Leite (2021).

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

voluntário de grande parte da coordenação. Como foi receber o Projeto


PIBID Multidisciplinar Línguas Estrangeiras (Espanhol, Francês, Inglês
e Italiano) UFSC na escola, na sua disciplina? Conte-nos como foi essa
sua estreia no PIBID, que se somava às singularidades aqui anotadas.
Regina Flor: Os estudantes gostaram muito dessa oportunidade de
ter contato com línguas, como o Francês e o Italiano, a que muitos deles,
provavelmente, nunca teriam acesso. A experiência foi plural e muito
interessante. As atividades elaboradas pelos IDs, a partir da elaboração
de instrumentos capazes de captar o interesse temático dos estudantes
e sob nosso acompanhamento, deixavam em aberto a língua que eles
escolheriam nessa experiência. Sendo já alunos de minha disciplina (de
Espanhol, portanto), a maioria optou pelo Francês ou Italiano, já que são
idiomas que não circulam no espaço das escolas públicas.2
Leandra Oliveira: Considerando a discreta pluralidade de línguas
estrangeiras/adicionais na Escola de Educação Básica Irmã Maria Te-
resa, com as disciplinas curriculares de Espanhol e Inglês, assumidas,
respectivamente, por você e pela Profa. Mileidi Heiderscheidt, bem
como os propósitos disciplinares afins, tem sido possível desenvolver
diálogos e práticas interdisciplinares, envolvendo as línguas-culturas
espanhola e inglesa na sua escola? Entende-se como relevante esse
movimento e por quê?
Regina Flor: Em função da nossa carga sobrecarregada de traba-
lho, nossa hora atividade não coincide. Infelizmente, não temos parada
pedagógica para planejarmos atividades interdisciplinares. Contudo,
entendemos como uma possibilidade bastante relevante a de colocar os
campos em diálogo, de se poder propor atividades e projetos interdisci-
plinares, mas, para isso, é necessário uma organização institucional que
conte com o apoio da Secretaria. A esse respeito, cabe sinalizar que a

2 Para compreender melhor essa experiência plurilíngue no espaço das aulas de língua espanhola da
professora Regina, recomendamos a leitura do capítulo Relatos e depoimentos sobre a participação
das línguas francesa e italiana no projeto multidisciplinar pibid línguas estrangeiras/adicionais/
ufsc: da gaveta para a escola, de Clarissa Laus Pereira Oliveira e Daniela Bunn, nesta obra.

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

escola está planejando para o próximo ano letivo a realização de reuniões


semanais de planejamento por área, em nosso caso, a área de Linguagens,
contemplada na BNCC, que, juntamente à proposta do Novo Ensino
Médio, prima por essa interdisciplinaridade.
Leandra Oliveira: Como o PIBID Multidisciplinar Línguas Es-
trangeiras (Francês, Espanhol, Inglês e Italiano) se enquadrou nas
práticas já existentes e que novidades aportou nesse sentido da inter-
disciplinaridade?
Regina Flor: Nossas reuniões eram semanais e de forma coletiva,
contando com membros de todas as áreas, ou seja, com IDs e coordena-
dores de todas essas línguas e as supervisoras do Espanhol e do Inglês.
Essa organização promoveu, de certo modo, a interdisciplinaridade nos
18 meses de projeto. No que diz respeito à prática e mais especifica-
mente na minha disciplina de língua espanhola, a intervenção na sala
remota ocorreu em apenas uma atividade, pois o que a precedeu foram
estudos de realidade e aplicação de questionários aos discentes. Assim,
vislumbro que a proposta se acomodou de forma tranquila, porque os
estudantes já estavam adaptados ao modelo de aula remota. A novidade
encontrada foi o uso de algumas plataformas digitais para trabalhar as
atividades diversas nas quatro línguas. Essas novidades costumam ter boa
aceitação dos jovens, somada à experiência de ter contato com línguas
não praticadas, a proposta teve boa adesão e participação.
Leandra Oliveira: Para finalizar, que contribuições essa experiên-
cia trouxe a você, ocupando o lugar de supervisora de futuros professores
das línguas francesa, espanhola e italiana? Que conselhos daria a esse
grupo de licenciandos e a outros que terão acesso a esta conversa?
Regina Flor: A formação que tive com os coordenadores do projeto
foi um ganho enorme em minha carreira, a troca de experiências com
os IDs também agregou muito em minha carreira profissional. Minha
bagagem pedagógica e a de toda equipe aportou significativamente
nessa vivência de um ano e meio no PIBIC. O conselho que deixo a

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

licenciandos de Letras Línguas Estrangeiras é que não se esqueçam que


o melhor lugar do mundo para se colocar em prática tudo que se aprende
na universidade é a sala de aula. O olho no olho com estudante, o chão
de sala de aula, a prática em si é fundamental. Leva-nos ao conhecimento
que muitas vezes a teoria não dá conta. A realidade da sala de aula é um
mundo diverso e profundo. Uma aula de 45 minutos pode mudar a vida
de um estudante e de um professor/professora. Hoje, não há lugar que
mais me realize profissionalmente que não seja a sala de aula, apesar
de todo descaso e desvalorização dos governos que tivemos nos últimos
anos. Fecho, assim, fazendo coro a Leci Brandão:

“Na sala de aula


É que se forma um cidadão
Na sala de aula
É que se muda uma nação
Na sala de aula
Não há idade, nem cor
Por isso aceite e respeite
O meu professor”

Referências

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Ministério da Educação. Brasília, DF.


2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: jun. 2022.
FREIRE, Maximina M.; ARAÚJO, Antônia D. Uma crise sanitária e seus
desdobramentos pela via da(s) linguagem(ns). Delta: Documentação e Estudos em
Linguística Teórica e Aplicada, São Paulo, v. 37, n. 4, s/p. 2021.
PEREIRA, Regina C. M.; LEITE, Evandro G.; LEITE, Francisco G.. Formação de
professores no contexto pandêmico:: reconfigurações do agir docente por alunos
de graduação no estágio supervisionado no ensino remoto emergencial. Delta:
Documentação e Estudos em Linguística Teórica e Aplicada, São Paulo, v. 37,
n. 4, s/p. 2021.

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em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

SOBRE OS AUTORES

Alessandra Benites de Sales - Estudante do Curso de Graduação em Letras


Espanhol da Universidade Federal de Santa Catarina. Bolsista de Iniciação à
docência – campo disciplinar Língua Espanhola (CAPES/PIBID/2020-202.
E-mail: drassanlea@hotmail.com

Andréa Cesco - Coordenadora PIBID/UFSC Subprojeto Espanhol 2012-2019.


Doutora em Literatura. Professora do Departamento de Língua e Literatura
Estrangeiras (LLE) e do Programa de Pós-graduação em Estudos da Tradução
(PGET) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
E-mail: andrea.cesco@gmail.com / andrea.cesco@usfc.br

Beatriz Alissa Alves Silva - Licenciada em Letras - Inglês da Universidade


Federal de Santa Catarina (UFSC).
Email: bia.alissa.as@gmail.com

Carolina Parrini Ferreira - Doutora em Letras Neolatinas, opção Língua


Espanhola, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora do
Departamento de Língua e Literatura Estrangeiras (DLLE) da Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC).
E-mail: carolina.parrini@ufsc.br

Clarissa Laus Pereira Oliveira - Mestre em Sciences du Langage - FLE


pela Université Nancy II (França), Doutora em Literatura Comparada pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Pós-doutorado em
Interculturalidade pela Université Paul Valéry - Montpellier 3 (França), pro-
fessora do Departamento de Metodologia do Ensino, do Centro de Ciências
da Educação, da UFSC. Coordenadora do PIBID Multidisciplinar Línguas
Adicionais UFSC – área do francês.
E-mail: clarissa.oliveira@ufsc.br

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em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Daniela Bunn - Doutora em Literatura pela Universidade Federal de Santa


Catarina (UFSC), professora do Departamento de Metodologia do Ensino, do
Centro de Ciências da Educação, da UFSC. Coordenadora do PIBID Multi-
disciplinar Línguas Adicionais UFSC – área do italiano.
E-mail: daniela.bunn@ufsc.br

Gilvan Müller de Oliveira - Doutor em Linguística. Professor associado


da Universidade Federal de Santa Catarina. Coordenador Geral da Cátedra
UNESCO em Políticas Linguísticas para o Multilinguismo (2018-22).
E-mail: gimioliz@gmail.com

Hamilton de Godoy Wielewicki - Doutor em Educação. Professor do Depar-


tamento de Metodologia de Ensino (MEN) da Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC). Coordenador do PIBID Multidisciplinar Línguas Adicionais
UFSC – área língua inglesa (2020-2022).
E-mail: h.g.wielewicki@ufsc.br

Júlia Costa Mendes - Doutora em Linguística. Professora de francês língua


estrangeira na Escola Internacional de Florianópolis e na Aliança Francesa
de Florianópolis.
E-mail: julia.ufpel@gmail.com

Juliana Cristina Faggion Bergmann - Coordenadora PIBID/UFSC Subproje-


to Espanhol 2012-2019. Doutora em Sciences du Langage. Professora do De-
partamento de Metodologia de Ensino (MEN) e do programa de Pós-graduação
em Educação (PPGE) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
E-mail: juliana.bergmann@ufsc.br

Laura Cassol Salaverry Del Busto - Graduanda em Letras Espanhol na Uni-


versidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Bolsista de Iniciação à docência
– campo disciplinar Língua Espanhola (CAPES/PIBID/2020-2022).
E-mail: lauhcassol@gmail.com

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Leandra Cristina de Oliveira - Doutora em Linguística. Professora do


Departamento de Língua e Literatura Estrangeiras (DLLE) e do Programa
de Pós-graduação em Linguística (PPGL) da Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC). Coordenadora do PIBID Multidisciplinar Línguas Estran-
geiras UFSC – área língua espanhola (2020-2022).
E-mail: leandra.oliveira@ufsc.br

Letícia Carolina Batista de Oliveira - Licencianda em Letras Inglês pela


Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
E-mail: leticiacbatista@outlook.com

Luis Felipe Schlindwein - Graduando em Letras Inglês (UFSC).


Email: wein.felipe@gmail.com

Maria Inêz Probst Lucena - Doutora em Linguística. Professora Colabo-


radora do Departamento de Língua e Literatura Estrangeiras (DLLE) e do
Programa de Pós-graduação em Linguística (PPGL) da Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC). Professora Visitante da Universidade Federal da
Bahia (UFBA).
E-mail: lucena.inez@gmail.com

Mariele Lúcia Tortelli - Graduada em Letras Italiano pela Universidade Fede-


ral de Santa Catarina (UFSC) e bolsista do Departamento de Língua e Literatura
Estrangeiras (DLLE) da área do Italiano no Projeto PIBID Multidisciplinar.
E-mail: marieleluciatortelli@gmail.com

Mileidi Heiderscheidt - Especialista em Inglês. Professora na Escola Bá-


sica Municipal Vereadora Albertina Krummel Maciel (São José) e Escola
de Educação Básica Irmã Maria Teresa (Palhoça). Supervisora do PIBID
Multidisciplinar Línguas Adicionais UFSC – área língua inglesa (2020-2022).
E-mail: 2012catarina35@gmail.com

Priscila Fabiane Farias - Doutora em Estudos Linguísticos. Professora do


Departamento de Metodologia de Ensino (MEN) da Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC). Coordenadora do PIBID Multidisciplinar Línguas
Adicionais UFSC – área língua inglesa (2020-2022).
E-mail: priscila.farias@ufsc.br

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a iniciação à docência como espaço de lutas, transgressões e pluralidades:
em foco, as línguas estrangeiras/adicionais

Raquel Carolina de Souza Ferraz D’Ely - Doutora em Letras/Inglês e Li-


teratura Correspondente. Professora do Departamento de Língua e Literatura
Estrangeiras (DLLE) e do Programa de Pós-graduação em Inglês: Estudos
Linguísticos e Literários (PPGI) da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC). Coordenadora do PIBID Multidisciplinar Línguas Adicionais UFSC
– área língua inglesa (2020-2022).
E-mail: raqueldely@gmail.com

Rejane Ferreira dos Santos - Estudante do Curso de Graduação em Letras


Espanhol da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Bolsista de
Iniciação à docência – campo disciplinar Língua Espanhola (CAPES/PI-
BID/2020-2022).
E-mail: rejanesambaqui@gmail.com

Renata Santos - Doutoranda em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação


em Linguística (PPGL) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Voluntária do PIBID Multidisciplinar Línguas Estrangeiras UFSC – área
língua italiana (2020-2022).
E-mail: brenatasantos@gmail.com

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