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Inclui bibliografia.
ISBN 978-65-5637-798-8.
Conselho Editorial:
Angela B. Kleiman
(Unicamp – Campinas)
Clarissa Menezes Jordão
(UFPR – Curitiba)
Edleise Mendes
(UFBA – Salvador)
Eliana Merlin Deganutti de Barros
(UENP – Universidade Estadual do Norte do Paraná)
Eni Puccinelli Orlandi
(Unicamp – Campinas)
Glaís Sales Cordeiro
(Université de Genève - Suisse)
José Carlos Paes de Almeida Filho
(UnB – Brasília)
Maria Luisa Ortiz Alvarez
(UnB – Brasília)
Rogério Tilio
(UFRJ – Rio de Janeiro)
Suzete Silva
(UEL – Londrina)
Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva
(UFMG – Belo Horizonte)
PONTES EDITORES
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Para Jane Mari de Souza,
companheira.
“A eficácia total, entretanto, eficácia diante da qual nos
devemos declinar – aquela que é realmente o grande feito
que nós, brasileiros, podemos ostentar diante do mundo
como único – é a façanha educacional da nossa classe
dominante. Esta é realmente extraordinária! E por isso é
que eu não concordo com aqueles que, olhando a educa-
ção desde outra perspectiva, falam de fracasso brasileiro
no esforço por universalizar o ensino. Eu não acho que
houve fracasso algum nesta matéria, mesmo porque o
principal requisito de sobrevivência e de hegemonia da
classe dominante que temos era precisamente manter o
povo chucro.”
(Darcy Ribeiro)
APRESENTAÇÃO
DESPRIVATIZAR A LÍNGUA É DESCOLONIZAR A LÍNGUA E VICE-VERSA ...... 15
REFERÊNCIAS........................................................................................................... 975
POSFÁCIO.................................................................................................................. 979
AGRADECIMENTOS................................................................................................ 981
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APRESENTAÇÃO
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1 A casa é bonita.
A casa é do menino.
A casa é do pai.
A casa tem uma sala.
A casa é amarela.
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Para orientar essa orientação, aquele livro oferece uma boa quan-
tidade de exemplos coletados pelo professor ao longo dos muitos anos
de trabalho com seus alunos.
Neste outro livro – Gramática e estilo –, propõe-se que o professor
trabalhe sobre o texto em que já se transformou a redação escolar dos
seus alunos a partir de uma leitura curiosa por saber o que o escrito do
aluno tem a dizer a respeito do tema para orientá-lo a explorar o que
está incompleto, obscuro ou impreciso. Nesse sentido, em haver não é
nem um eufemismo reparador para ruim nem se presta para proclamar
demagogicamente que todos os textos são bons, cada um ao seu modo.
Em haver designa o que o professor percebe como um rumo que pode
ser dado numa reescrita desse texto. Os postulados da teoria do texto
em haver para orientar a ação do professor são os seguintes:
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1 A casa é bonita.
A casa é do menino.
A casa é do pai.
A casa tem uma sala.
A casa é amarela.
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4 FARACO, Carlos Alberto. História sociopolítica da língua portuguesa. São Paulo: Parábola
Editorial, 2016.
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mandaram para a escola, eu fui; nem me passou pela cabeça aproveitar aque-
la experiência pra arranjar emprego em alguma outra editora. Fui pra escola
dar aula de Português, mesmo sabendo que não ia dar aula de gramática.
Por que não? Por causa do Monteiro Lobato que liam para mim até
que me dei por alfabetizado e me botei a ler pra mim e me atrevi, um ou
dois anos depois, a ler também uma biografia dele, em que era enfatizada
a repulsa dele pela gramatiquice, pelo purismo, pela pedanteria. Aderi a
essa desavença de Lobato, que foi alimentada pelo discurso modernista
dos professores de Português que tive no Colégio de Aplicação da Uni-
versidade Federal do Rio Grande do Sul: eles priorizavam o conteúdo,
relativizando os aspectos normativos do que escrevíamos. Importa dizer
que isso aconteceu ainda nos anos 1950, quando as aulas de Português
de todos os outros colégios da cidade ainda se pautavam pela análise
sintática. Além desses sinais que vinham diretamente de dentro da língua
escrita, minha inserção na cultura familiar fronteiriça do Continente de
São Pedro do Rio Grande do Sul recomendava que me aprecatasse con-
tra quem vinha querendo engambelar com palavreado metido a correto,
floreado e difícil: gente simples, sincera e direita fala igual a todo mundo
– essa era a mensagem que vinha dos pampas.
Fui, então, para o magistério em 1968 e tive muita sorte: fui traba-
lhar na Escola Técnica de Comércio Protásio Alves, que tinha um curso
de Técnico em Publicidade. O coordenador pedagógico era meu amigo:
tinha sido meu contemporâneo de graduação e companheiro de militância
na política estudantil. Ele me designou pra dar aula nesse curso, e eu,
deslizando na onda da comunicação e expressão, que era o apelido dado
na época à disciplina de Língua Portuguesa, anunciei que ia também en-
sinar a escrever. E não disse que não ia dar aula de gramática até porque
eu já sabia que tinha um livro didático adotado no colégio e que o seu
autor dava aula na sala ao lado. Passei, então, tentando me orientar por
Comunicação em prosa moderna (1967)8, de Othon Moacir Garcia, a
8 GARCIA, Othon Moacyr. Comunicação em prosa moderna. São Paulo: Fundação Getúlio
Vargas, 1967.
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botar os alunos a escrever e a ler o que eles escreviam, mas não lembro
sobre o quê. Também não lembro o que eu dizia do que eles escreviam.
E dava as aulas do livro didático do meu colega, fazendo alguns dos
exercícios em aula. O que eu lembro bem é que, lendo um dos textos dos
alunos, encontrei um erro de concordância em um dos casos que tinha
sido estudado na aula daquela mesma manhã. Copiei e, na aula seguinte,
botei no quadro para explicar. Toda atenção que eles nunca tinham dado
a qualquer exercício do livro didático, eles dedicaram ao erro de concor-
dância daquele colega que fabricava as sandálias de couro que usava.
Quando comecei a examinar os textos dos meus alunos do curso
de Jornalismo e, mais tarde, de Letras para tentar descobrir por que eu
gostava de uns e não gostava de outros – processo que me fez postular
as qualidades discursivas (unidade temática, objetividade, concretude
e questionamento) como requisitos mínimos para uma redação escolar
virar texto –, eu não pude deixar de perceber que, além da falta dessas
qualidades, problemas reconhecidos como gramaticais depreciavam
aqueles textos. Mais do que isso, constatei que havia também outras
ocorrências não mencionadas nas gramáticas – aquilo a que me referi
como construções problemáticas – que mereciam ser registradas como
entraves à produção de um bom texto; essas ocorrências também come-
çaram a ser copiadas à espera de uma designação e de uma adequada
classificação.
Em 1975, escrevemos – Claudio Moreno e eu – para trabalharmos
no segundo grau do Colégio Anchieta, um livro didático chamado Curso
básico de redação9, que se propunha ensinar a escrever com base na
bibliografia principalmente americana que fundamentava nosso trabalho
ensinando Redação técnica no Ciclo Básico da UFRGS. Tentávamos
também, nesse livro, ensinar gramática a partir da identificação dos
problemas que costumam aparecer na escrita escolar e em exercícios de
reescrita de frases afetadas por esses problemas. Muitas das frases que
9 MORENO, Claudio; GUEDES, Paulo Coimbra. Curso Básico de Redação. São Paulo, Ática,
1978.
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Ler é trabalhar para atribuir sentido ao que se lê; o leitor vira leitor
justamente para aprender a fazer isso e aprende a fazer isso porque os
textos significativos que leu mostraram como se esforçaram para produzir
sentido. Atribuir sentido a um texto é descobrir qual é o assunto que nele
se trata e o que nele se diz a respeito desse assunto.
Por causa disso, é preciso que o texto guarde a unidade temática
porque se escreve para dizer alguma coisa que se avalia ser do interesse
do leitor e não para dizer qualquer coisa ou várias coisas sem relação entre
si. Mudanças sucessivas de assunto obrigariam o leitor a ir construindo
sucessivas hipóteses sobre qual seria, afinal, o tema do texto. A unidade
temática dá ao leitor uma chave e um rumo que o oriente no trabalho
de atribuir sentido a cada uma das palavras que lê e de estabelecer uma
relação entre elas.
Muitas vezes, a unidade temática é o assunto que resultou de uma
escrita exploratória em que o autor foi juntando dados a respeito de uma
ideia geral até descobrir o que tinha de mais interessante a dizer a respeito
do tema que acabou circunscrevendo. Escrever é trabalhar para atribuir
sentido ao que se escreve.
O professor pode apelar à experiência de seus alunos com a língua
falada, lembrando-os de algumas intervenções em alguma conversa em
que foi inquirido deste modo: Tá, mas o que que isso tem a ver com
o assunto? Que assunto? O tema que amarra as intervenções dos que
estão empenhados naquela conversa. Num texto, esse tema é o ponto de
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1.3.1.2 Objetividade
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1.3.1.3 Concretude
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em última instância, vai ler só o que pode ou o que quer. Nesse sentido,
a melhor disposição do autor seria justamente impedir que o leitor leia
o que quer.
A concretude garante que a mensagem seja expressa com precisão
para que não restem dúvidas no leitor a respeito dos sentidos e valores que
o autor atribuiu aos recursos expressivos com que a constituiu. A redação
escolar tem como uma de suas características a imprecisão de sentido
principalmente pelo lugar-comum e pelo uso de noções confusas e ex-
pressões vagas e genéricas; por isso, é dependente do leitor para produzir
sentido, pois só tem o sentido que o leitor atribuir a ela. A qualidade da
concretude é o remédio para essa patologia: se é verdade que o sentido
do texto resulta de uma negociação entre leitor e texto, a qualidade da
concretude faz com que o autor tome parte ativa nessa negociação.
1.3.1.4 Questionamento
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seria lido em aula, e o professor enviaria cópias de todos eles para todos
os alunos da turma. Essa condição obrigatória afirmava a convicção do
professor da disciplina a respeito do caráter público que deve ter a produ-
ção escrita na escola. O tema proposto e a declaração da circunstância em
que o relato seria tornado público deveriam funcionar como antídotos à
produção de redação escolar porque envolviam a necessidade de alguma
reflexão a respeito da própria experiência de leitura e escrita.
Histórico escolar
C.L.
Minha trajetória escolar iniciou-se no ano de 1975, no interior de
EG, cidade em que moro até hoje, não lembro de conteúdo algum isso
no currículo o qual acabei em 1979, somente lembro das brincadeiras
e então não pude mais estudar por motivos pessoais ficando seis anos
afastada da escola, após este período voltei a estudar, cursando então o
supletivo assim chamado na época no qual eram cursados duas séries no
mesmo ano, nestes dois anos de aula tudo visto superficialmente lembro-
-me que eu gostava muito de estudar sobre verbos e construir textos,
acabando o ensino fundamental passei para o 2º Grau assim chamado na
época, neste lembro que meu gosto continuava pelos verbos e produção
de texto estes dois itens sempre foram meu forte no português acabando
então o 2º Grau em 1990.
Passaram-se mais dezesseis anos sem voltar para a escola, foi
quando surgiu esta oportunidade de cursar na graduação o curso de
letras, em Regime Especial, que significa cursar as aulas aos sábados
e nas férias, optei pelo curso de letras pois algo me dizia que eu iria
gostar, só que tem um porém, sofri muito porque fiquei muito tempo sem
estudar e ainda mais sem ler um livro sequer em todo esse tempo não
posso esquecer de falar na família que constitui nesse período que estive
afastada da escola, e quando voltei a estudar meus filhos e marido me
deram o maior apoio já mais imaginava tanto assim, durante esse período
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eu sempre pensava em voltar a estudar nem que fosse junto com o meu
filho mais velho quando ele fosse ingressar na faculdade, mas aconteceu
antes, surgindo esta oportunidade, onde pude então cursar o curso de
letras e durante o mesmo tive vontade de desistir pois, encontrei muitas
dificuldades mas consegui superá-las sempre fui uma pessoa com muita
vontade de aprender por mais difícil que fossem os obstáculos sempre os
venci pois nunca me faltou fé e força de vontade para seguir em frente.
Na graduação eu gostei muito da produção de textos talvez isso surgiu
porque eu reprovei nas duas produções de texto e ao fazê-las novamente
com outra professora me apaixonei pela produção de textos e foi por
esse motivo que escolhi ler vários autores que escreveram sobre texto.
Na pós-graduação, vou dar continuidade a produção de textos porque
realmente gosto muito e acredito que será um sucesso assim como minha
vida também é um sucesso por ter optado pelo curso de letras.
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Histórico escolar
C.L.
Minha trajetória escolar iniciou-se no ano de 1975, no interior
de EG, cidade em que moro até hoje, não lembro de conteúdo algum isso
no currículo o qual acabei em 1979, somente lembro das brincadeiras
É obrigatório lembrar de algum conteúdo das séries iniciais? Quem
não lembra tem de confessar isso, como se fosse um pecado? De que
adianta para o leitor o narrador dizer que lembra de alguma coisa –
das brincadeiras, no caso – e não contar como eram essas lembranças
e por que motivo ficaram na memória? Narrativa é pra contar e não
apenas pra fazer uma lista e então não pude mais estudar por motivos
pessoais É claro que houve motivos, mas todo mundo sabe que se
diz motivos pessoais pra não ter de dizer quais foram esses motivos,
ou seja, é melhor nem mencioná-los. Quem escreve uma narrativa,
seja qual for o assunto, não é obrigado a dizer o que não quer dizer
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nem a justificar por que não diz. Bastava ter dito que não pôde mais
estudar ficando seis anos afastada da escola, após este período voltei a
estudar, Aqui, sim, seria interessante dizer por que voltou a estudar,
já que esse é o nosso assunto comum aqui cursando então o supletivo
assim chamado na época no qual eram cursados duas séries no mesmo
ano, nestes dois anos de aula tudo visto superficialmente De quem é
esta avaliação sobre a superficialidade do supletivo? Certamente a
narradora, que só conhecia as aulas do supletivo, não tinha nenhum
termo de comparação lembro-me que eu gostava muito de estudar sobre
verbos e construir textos, acabando o ensino fundamental passei para
o 2º Grau assim chamado na época, neste lembro que meu gosto con-
tinuava pelos verbos e produção de texto estes dois itens sempre foram
meu forte no português acabando então o 2º Grau em 1990. Esses dois
“conteúdos” – verbos e produção de textos – são importantes para
a narradora, mas são sempre referidos de modo muito geral; por
isso, seria bem interessante contar com detalhes o que exatamente
ela estudou dos verbos, que são um assunto muito amplo e, mais
ainda, a produção de textos. Lá no início, a narradora nada disse
sobre os conteúdos das séries iniciais porque nada lembrava. Então,
de verbos e produção de textos ela lembra. Por que não conta nada?
Passaram-se mais dezesseis anos sem voltar para a escola, foi quando
surgiu esta oportunidade de cursar na graduação o curso de letras, em
Regime Especial, que significa cursar as aulas aos sábados e nas férias,
optei pelo curso de letras pois algo me dizia que eu iria gostar, Esta
justificativa de nada adianta para o leitor nem é uma informação
relevante, já que a narradora, por ter feito o curso, já sabe se gostou
ou não, e isso ela pode dizer. Afinal, o professor solicitou este texto
para subsidiar uma conversa a respeito do trabalho do professor de
Português, que se viabiliza por causa do curso de Letras que todos
devem ter feito só que tem um porém, sofri muito porque fiquei muito
tempo sem estudar e ainda mais sem ler um livro sequer em todo esse
tempo não posso esquecer de falar na família que constitui nesse período
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É claro que cada professor vai ter de desenvolver o seu modo pró-
prio de formular suas observações e vai enfatizar o que lhe parece mais
adequado. Não se trata, a meu ver, de compor um paradigma uniforme,
mas, pelo contrário, agir como um leitor que dialoga com suas leituras
e como um professor que orienta os seus alunos. Não há necessidade de
que os bilhetes sejam tantos, como neste caso. Essa grande quantidade
de bilhetes se deve ao ânimo exemplificativo. Uma grande quantidade
de bilhetes pode desanimar o autor.
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professor e os seus alunos, abre caminho para que em alguns desses es-
critos sejam percebidas outras qualidades, cuja incorporação aos demais
escritos da turma pode passar a ser reivindicada na subsequente reescrita.
Trata-se, então, de reescrever o próprio escrito, explorando, no ma-
terial já produzido, as suas possibilidades temáticas para circunscrever o
mais interessante dos temas latentes ou depreensíveis dessa versão inicial,
fornecendo ao leitor todas as informações necessárias para que ele tome
conhecimento do que o autor tem a dizer a respeito de tal tema apenas
lendo o que está no escrito, pois essas são as exigências da unidade
temática e da objetividade, respectivamente. Trata-se de selecionar as
palavras, as expressões, as explicações, os exemplos, os casos, os episó-
dios mais capazes de especificar a peculiar e particular visão do autor a
respeito dos elementos arregimentados pelo escrito para que o leitor possa
se confrontar com essa visão do autor para ampliar seus conhecimentos
a respeito do tema em vez de apenas preencher os vazios do escrito com
os seus próprios conceitos: essa é a exigência da concretude. Trata-se,
enfim, de descobrir (ou de inventar) o envolvimento que o leitor poderia
ter com tal tema, o interesse que poderia trazê-lo para dentro da questão
a ser tratada, pois é isso o que pede o questionamento.
O aluno é orientado a mergulhar em sua subjetividade em busca
da motivação que o levou a escrever esse esboço inicial e do que ficou
latente nessa primeira versão. É incentivado a explorar em profundidade
e em extensão esse tema, nem que seja para descobrir que tratá-lo ainda
está além do acervo das informações que tem disponíveis a respeito dele
e/ou além de sua capacidade de articular e organizar tais informações. O
aluno é instado, enfim, a reconhecer limites e a decidir com consciência se
aquele é o melhor momento para empreender a expansão desses limites.
Escrever, ler os escritos em aula para o público leitor composto
pelo professor e pelos colegas, assimilar um sistema de avaliação para
analisar seu próprio trabalho e o de seus colegas, reescrever o próprio
escrito, ter essa reescrita avaliada pelo professor e pelos colegas, reava-
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liar as reescritas dos colegas, todo esse exercício lida com a diversidade,
com a pluralidade de temas, de gêneros, de soluções formais, de visões
a respeito de um mesmo problema, de opiniões a respeito das soluções
encontradas por uns e por outros. Isso quer dizer que todos aprendem a
olhar para a diversidade e não para a uniformidade. O professor também
não tem outra alternativa a não ser dar conta dessa diversidade ao expres-
sar publicamente a sua leitura de cada um desses escritos.
O resultado esperado é um salto de qualidade: ao exercitar a rees-
crita de suas versões iniciais guiando-se por esse roteiro, o escritor acaba
transformando-o em leitor de si mesmo, isto é, em avaliador da eficácia
de suas escolhas.
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cada uma delas com as suas orações umas atrás das outras, compostas de
palavras umas atrás das outras. Isso na versão final, porque, no processo
de composição, sempre acontece de termos de deslocar algumas para
antes de algumas outras e outras para depois de algumas outras.
Falando, a gente corre o risco de se atropelar, de falar uma coisa e
se dar conta de que, antes de ter dito isso, deveria ter dito o que esclarece
isso. A gente pode responder uma pergunta e se arrepender de ter dado
essa resposta do jeito que deu; percebe que poderia ter dito de outro jeito
para que as consequências fossem outras, mas com tudo isso a gente já
está acostumado, pois a gente nem sabe nem onde nem quando a gente
começou a falar nem quando nem como aprendeu a falar do jeito como
a gente fala agora. Além disso, é sempre bom lembrar que a gente se
acostumou a falar com outra(s) pessoa(s) e a perceber – não só pelo que
elas nos respondem ou nos perguntam ou nos contestam mas também pela
cara com que nos olham – se estão entendendo o que a gente está dizendo,
se estão gostando do que afirmamos, insinuamos, se estão achando que
nossas perguntas fazem sentido ou se acham que a gente está viajando.
Não podemos esquecer que a humanidade passou alguns muitos
milhares de anos falando, sem nem pensar na ideia de registrar as coisas
que andava dizendo e que na vida de cada um de nós a fala também
chegou muito antes da escrita e, diferentemente de escrever, falar ou
não falar pode ter sido, em determinadas situações, questão de vida ou
morte. Nossa prática de fala é muito mais extensa e intensa do que nossa
prática da escrita.
Então, é melhor esquecer essa balela de que pensar claro é pré-
-requisito para a gente desenvolver uma relação saudável com a prática
da escrita e, em vez disso, adotar esta outra verdade, ainda não consa-
grada: depois que eu conseguir botar por escrito vai ficar claro. Não,
assim ainda parece muito mais simples do que é; revisemos a frase para
que ela fique mais clara e expresse com mais precisão o que realmente
acontece: vai ficar claro depois que eu conseguir botar por escrito de
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forma clara. Com um pouco mais de realismo poderia ser assim: vai
ficar claro se eu conseguir botar por escrito de forma clara.
A escrita não foi inventada para substituir a fala, a escrita foi
criada para expandir as possibilidades da língua além dos limites da
capacidade que a fala tem de botar uma ordem nas coisas. Já foi só uma
questão de abrangência e permanência: a escrita permitiu que muitos
discursos atravessassem os séculos e o mundo todo. Foi também e
continua sendo uma questão de refletir, entender, organizar, planejar,
projetar, administrar. As primeiras coisas que foram postas por escrito
foram os objetos que precisavam ser inventariados em sociedades cuja
complexidade esgotava as possibilidades da memória13 individual dar
conta: quantos sacos de farinha tem no celeiro, quantas lanças tem
no arsenal. Para administrar os reinos que se expandiram além dos
limites do acampamento de uma só tribo, mensagens precisaram ser
transmitidas.
Até aí, a escrita só serviu para levar a fala mais longe, mas logo
alguém se lembrou de escrever as leis, e a escrita passou a trabalhar
pela organização da sociedade, pela consolidação do poder, não apenas
pela sua capacidade de registrar, mas pela sua capacidade de olhar as
coisas de cima, de juntar as partes para enxergar o todo, de examinar
cada parte em função do todo, isto é, pela capacidade de olhar para a
linguagem não apenas como um modo de dar nome para as coisas, as
ações, os processos mas como um modo de organizar o mundo, como
um conjunto de operações mentais.
A escrita permitiu enxergar essas operações mentais materializadas
nos textos colocados diante dos olhos daqueles que os escreveram e os
leram e possibilitou-lhes dialogar com o que tinham escrito para concor-
dar e expressar o teor de sua concordância, para discordar e expressar
13 Eu não sei quem foi a perversa criatura que criou a regra que prescreve que não se junte a
preposição – no caso de – ao artigo – no caso a – se esse artigo fizer parte do sujeito da ora-
ção. Segundo essa perversa regra, produto da mente doentia de um fazedor de regras, a forma
correta seria as possibilidades de a memória. Não contem com a minha contribuição para a
difusão e manutenção desse despautério.
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escreveu mas também como leitor do que lhe diz o texto em composição
a respeito do que precisa ser escrito.
Entre essas leituras plurais e heterogêneas se insere e, de certa for-
ma, se dilui a leitura do professor, o que favorece o processo pedagógico:
suas orientações de reescrita estarão apoiadas ou serão confrontadas nas
opiniões expressas durante a discussão de cada escrito.
Para reescrever o escrito que produziu, o aluno que levou em consi-
deração tanto a discussão que o seu escrito provocou em aula quanto os
bilhetes do professor releu-se também com outros olhos além dos seus e
avaliou-se também pela interpretação que foi capaz de fazer do que foi
dito sobre o que escreveu. Essa reescrita será orientada por um diálogo
entre a leitura que a sua versão original suscitou e pelo seu esforço para
pôr no papel com clareza o que acabou descobrindo que queria dizer.
O objetivo a ser alcançado neste processo não é ensinar a – como se
diz nas artes marciais – finalizar um texto, isto é, nocauteá-lo, imobilizá-
-lo, fazê-lo jazer em paz, em alguma fôrma tradicional, para impedir que
ele diga qualquer coisa além daquilo que o redator (ou o seu editor) quer
que ele diga. Trata-se, pelo contrário, de ensinar-se a escrever escutando
o que o texto em construção tem a dizer a respeito desse tema, fazendo
o possível para ser o seu mais fiel porta-voz.
Nesse mergulho em sua subjetividade em busca do que tem para
dizer, o aprendiz vai encontrar o leitor em que ele vai se transformando
à medida que – ao exercitar conscientemente a especificidade do diálogo
que se dá na língua escrita – se torna mais capaz de teorizar a sua expe-
riência de leitor. Ao compreender que a forma não está apenas lá fora,
imutável e prescritiva, e que conteúdo não é apenas o discurso que a escola
determinou que fosse repetido, o escritor vai percebendo que também o
leitor não está apenas no mundo lá fora. O leitor está, em transformação,
aqui dentro, onde se dá o mais forte dos diálogos, pois esse leitor interno
ao autor não vai cessar de interrogar o autor em exercício e o texto em
construção, a respeito do que um e outro conversam sobre o tema que
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18 NEVES, Maria Helena de Moura. A gramática: história, teoria e análise, ensino. São Paulo:
Editora Unesp, 2002.
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tinham tudo isso para fazer, não tinham nem tempo nem disposição para
ocuparem-se de aprender a ler e escrever em latim.
Foi aquela gramática do latim baseada na gramática dos alexandri-
nos que serviu como modelo para a criação de gramáticas das línguas
dos estados nacionais europeus que começam a se constituir ao longo
dos séculos XV e XVI. A burocracia oficial e o projeto imperialista que
decorre da atividade mercantil acarretam a necessidade do uso escrito
dessas línguas, e o latim, língua do antigo império, foi o modelo para
a criação de gramáticas para essas línguas nacionais com pretensão a
línguas imperiais.
A criação de gramáticas para as línguas dos estados nacionais fo-
ram atos políticos que tiveram a finalidade de contribuir na constituição
desses estados nacionais como nações independentes umas das outras.
Uma das muitas línguas faladas no âmbito desses estados – a língua dos
que se apossaram do poder econômico e político – foi posta por escrito e
passou a ser considerada como a língua oficial. As primeiras gramáticas
das línguas neolatinas são as do espanhol Juan de Nebrija, de 1492, e as
dos portugueses Fernão d’Oliveira e João de Barros, de 1536 e de 1540,
respectivamente.
É também uma época de releitura, de tradução e de imitação dessa
antiga cultura grega e latina de modo que as formas escritas dessas lín-
guas vão também incorporando muitas formas diretamente do grego e,
principalmente, do latim.
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compor o nosso texto. Eles não faziam isso: a invenção que os gregos
arremataram, inventando letras para representar as vogais, que o alfabeto
dos fenícios, que eles copiaram, não tinha, foi o registro escrito da fala,
dos sons que saem das bocas das pessoas. Nós lemos, e isso também nos
distingue daqueles gregos, que não liam porque o registro feito pelos
escribas do que lhes era ditado pelos que tinham o que registrar para a
posterioridade era ilegível para quem não soubesse o que estava regis-
trado ali ou não dominasse a técnica de separar aquele fluxo de sinais
gráficos grudados uns nos outros, e esse é o enredo do primeiro capítulo
da história do texto, que eles não inventaram.
E essa é uma história que não nos contaram e que nos faz muita falta.
Vamos contá-la para entender como é que a gente aprende a aprender e
a (nos) ensinar a escrever.
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preferência, para não ser trabalhada, como o único estilo em que se podia
escrever. A que preço? A eterna vigilância, a perene censura sobre as
interferências da língua que falavam.
Possenti (1988, p. 167) nos explica, no entanto, que a própria língua
toma providências para que a vigilância se torne mais inócua a cada dia
que passa:
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Eraumavezumpionhoqueroiaocabelodaumemninopinhetodapasouu-
meninolipoeneipionhoaipasouumemninopionhetodaíomeninopegou-
pionhodaamunhérpegoupionhodatodomundosaiogritãdotodomundo-
pegoupionhodiatiésofinhobegoupionho
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O que nos transformou nos leitores e escritores que somos hoje foi
a evolução textual, de que trata Ken Morrison, que se prolonga do século
IV d.C. até o século XIII e tem uma significativa mudança qualitativa na
segunda metade do século XIV, com a invenção da imprensa. A história
dessa evolução nos ajuda a entender as etapas do aprendizado da leitura
e da escrita e a lidar mais produtivamente com o que pode aparecer nos
escritos de nossos alunos.
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O relato a respeito dos piolhos, assim como foi registrado por escrito
por uma criança que está tomando contato com a língua escrita, teria, nos
tempos helênicos da cultura grega, um apreço completamente diferente
do que teve para a professora/o professor que a reprovou por não estar
alfabetizada. Em Atenas, numa escola de formação de escribas, ela, muito
provavelmente, teria recebido a sua licença para exercer a profissão.
Naquela escola rural onde ela foi reprovada, esse seu escrito teria
sido muito mais útil do que aquela burocrática sequência de asserções
sobre casa bonita para uma aula a respeito da delimitação de palavras,
dos sons das letras, da separação das frases, etc. Emilia Ferreiro (2001)27,
a educadora argentina que estudou a alfabetização, mostra que as crian-
ças fazem hipóteses a respeito do que estão tentando ensinar para elas
e alerta que essas hipóteses reproduzem as hipóteses que a humanidade
fez a respeito do que se está tentando ensinar. Se, na primeira aula da
alfabetização, for solicitado aos alunos que escrevam, por exemplo, casa,
é bem possível que alguma criança desenhe o que lhe parece uma casa,
tal como escreviam, por exemplo, os babilônios por volta de 3000 a.C.
Era bem possível, nos anos 1950 e 1960 na periferia urbana onde ela
lecionava, me disse um aluno meu, um dos raros homens alfabetizadores
na Rede Municipal de Porto Alegre nos anos 1990, quando já era muito
difícil entrar na escola uma criança que ainda não tivesse tido algum
contato com a língua escrita. Só uma vez, em muitos anos, uma criança
desenhou uma casa; as outras todas já saíam rabiscando alguma coisa
parecida com letras. Nesse sentido, é muito útil a gente saber também
que a ortografia foi uma necessidade decorrente da invenção da imprensa.
Já lemos aquela citação de Faraco (2016, p. 188): “enquanto o toscano
(italiano) fixou sua ortografia no fim do século XVI; o francês, no início
do XVII e o espanhol no XVIII [...]”. Antes do fim do século XVI, não
havia ortografia, e a grafia oscilava em todas as línguas.
27 FERREIRO, Emilia. Cultura escrita e alfabetização: conversas de Emilia Ferreiro com José
Antonio Castorina e Rosa Maria Torres. Porto Alegre: Artmed, 2001.
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É muito útil a gente ter na cabeça que a escrita passou muito mais
tempo de sua existência sem o texto do que com o texto e muito mais
tempo ainda sem ortografia. Se a separação das frases e até mesmo das
palavras na língua escrita não foi óbvia para a humanidade, por que seria
para uma criança do interior no início dos anos 1980, que provavelmente
não tinha tido muito contato com a língua escrita até então?
Além disso, se, por exemplo, Aristóteles alguma vez escreveu, isto
é, se, um dia, alguma ideia especialmente interessante e original brotou na
cabeça dele bem na hora do almoço do escriba, e ele, Aristóteles, pegou
aquela protocaneta que estava ali em cima da mesa, ao lado do rolo de
papiro e, de próprio punho, riscou as letras que registraram o ditado que
fez para si mesmo, como foi que ele escreveu? Não foi exatamente como
fez essa menina que achou engraçado contar a história da epidemia de
piolhos? Escreveu todas as letras grudadas umas nas outras, sem nem ima-
ginar que 20 séculos depois inventariam uma coisa chamada ortografia.
Além dos limites das palavras, a professora/o professor poderia,
com todomundosaiogritãdo, trabalhar a nasalidade, expressa pelo til em
gritãdo ensinando a distinguir o uso do til do uso do n, do m, e assim
por diante. O nh em pionho e o lh que deveria ter aparecido em piolho
poderiam ter sido muito oportunamente trabalhados tanto na questão
ortográfica quanto na dialetal: se no dialeto da guria que escreveu se
fala pionho, essa grafia, do ponto de vista alfabético, está certa. Ela teria
tido o maior interesse em aprender tudo isso, vendo que a professora
se ocupava do que ela tinha feito, assim como os meus marmanjos do
Colégio Protásio Alves deram tanta atenção pro erro de concordância
daquele colega. Não só ela se interessaria pela valorização da história
que contou; todos os colegas achariam muito interessante que as histórias
que teriam para contar fossem reescritas desse modo, e esse seria o mais
eficiente dos incentivos para aprenderem a fazer tudo isso, inclusive o
comportadinho aquele que escreveu o que era pra escrever, aquelas frases
soltas sobre a casa bonita.
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Poeta da roça
Mio (eu escreveria miio) rima com estio; milho não rima com estio,
ou seja, se a escrita alfabética foi criada para representar a fala, por vezes
só uma escrita alfabética, isto é, não ortográfica, pré-ortográfica, pode
representar a fala. É bom não esquecer que a ortografia é também uma
opinião sobre a língua: ela só representa um dos registros da língua e
não recebeu poderes para expulsar da escrita os outros muitos registros.
Além disso, a escrita alfabética está no caminho histórico que levou
à ortografia, e, no caso da nossa língua, como vimos, essa caminhada
levou 400 anos a mais. Isso impediu de escrever os que escreveram em
português durante aquele tempo todo? É justo privar de escrever a língua
que falam os que vieram depois deles só porque também não dominam a
ortografia ou porque a ortografia não dá conta da poesia do dialeto deles?
Considerar que o domínio da ortografia é pré-requisito para o exercício
da escrita só emperra o ensino e o exercício da escrita.
A oralidade sempre foi uma das referências da língua escrita, mas
foi o texto que criou o leitor. Assim como a escrita alfabética decorre
de uma longa tradição de invenção, uso e aperfeiçoamento de modos de
escrever, o texto também é um produto de uma história, assim sintetizada
por Ken Morrison (1995, p. 191-193):
28 SILVA, Antonio Gonçalves da (Patativa do Assaré). Inspiração nordestina. São Paulo: Hedra,
2003.
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Na minha casa da infância, ainda nos anos 1940, já estava lá, ainda
antes das primeiras lembranças que tenho desta vida, uma máquina de
escrever portátil. Por causa dela aprendi os nomes das letras, que meu
pai ditava quando eu queria escrever uma frase sobre algum dos perso-
nagens do Sítio do picapau amarelo, que ele, minha mãe ou minha avó
liam pra mim. Eu não sei em que mês do ano de 1950 aprendi a ler, mas
foi ainda no primeiro semestre. Lembro de que, mais pro fim do ano,
pais de alunos que ainda não tinham aprendido a ler reclamavam que
eles não tinham aprendido porque a professora ainda não tinha ensinado
o nome das letras. Muito tempo depois, fiquei sabendo que essa minha
escola primária da rede estadual, o Instituto de Educação, seguia a Escola
Nova e, por isso, adotava o Método de Contos para uma alfabetização
sem soletração, uma alfabetização para formar leitores e não apenas para
que as crianças não confundissem o armazém com a farmácia.
Meu pai contava da alfabetização dele em São Borja – calculo que
em torno de 1916, já que ele nasceu em 1909 –, que eles soletravam,
por ordem da professora, a página da cartilha com as letras separadas e
as sílabas que formavam, na primeira linha. Na segunda linha, estava a
palavra inteira e, abaixo, a imagem do objeto designado: p + a = pa; n + e
= ne; l + a = la. Então, olhavam para o objeto abaixo e diziam: caçarola!
O nome das letras eles tinham aprendido. É claro que se alfabetizou o
meu pai, que era leitor e dado a contar histórias desse tipo.
Informa-nos o mesmo Fischer (2009, p. 247) que, em 1873, nos
Estados Unidos, “a Companhia Remington pôs à venda a primeira má-
quina de escrever ‘prática’ inventada pelo americano Cristofer Lathan
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A casa é bonita.
A casa é do menino.
A casa é do pai.
A casa tem uma sala.
A casa é amarela.
Que disse Geraldi a respeito dessa pilha? Disse que o jogo da escola
não incentiva o uso da modalidade escrita para estabelecer uma interlo-
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textos. Ou seja, escrever à mão, o que a cabeça ditar – sem plano, sem
intenção... – o que vem vindo à cabeça, isso exatamente nós não vamos
conseguir fazer. Se nos permitirmos, no entanto, negligenciar algumas
vírgulas, alguns pontos, parênteses, novas linhas, travessões, hifens,
cedilhas, concordâncias, conjunções, margens de parágrafo, maiúsculas
e os demais instrumentos que tiveram de ser inventados para controlar
a livre fluência do nosso pensamento ao longo das linhas que vamos
preenchendo, teremos feito um exercício libertador e produtivo.
A eficiência pedagógica desse exercício de escrita vertiginosa
pode estar nessa tentativa de liberar a cabeça para que ela descubra o
que gostaria de registrar daquilo que tem lá dentro e como gostaria de
registrar isso. Essa descoberta também desobrigaria a cabeça de registrar
o que não gostaria de registrar. Registrar o que desce voluntariamente da
cabeça para esparramar-se tal qual desce faz a prática da língua escrita
encontrar-se com a sua ancestralidade: escrever o que vem na cabeça
sem plano nem intenção é um ditado que a cabeça faz à mão que escreve,
como Aristóteles ditava a um ou mais escribas.
Diferentemente de Aristóteles, que produzia em sua cabeça um
ensinamento a ser registrado para a posteridade, neste exercício, o que
desce da cabeça pra mão e a mão registra tem apenas a finalidade de
puxar o que a cabeça acha que tem a declarar como continuidade do que
foi registrado. Não havia um leitor na expectativa que Aristóteles tinha
para o destino do seu ditado; havia os ouvintes da leitura daquilo, tal
qual os alunos que ouviam o que ele dizia em suas aulas. Neste exercício
também não há ouvintes e, muito melhor ainda, não há um professor
pra cornetear erros, ou seja, não há erros nem acertos nem qualidades
nem defeitos, tal como, talvez, no paraíso. Só tem o que saiu da cabeça,
documentando que na cabeça tinha coisas que foram passadas para o
papel e que na cabeça tem mais coisas a serem passadas para o papel.
O que há naquela pilha de frases sobre a casa bonita? Só os dispositi-
vos de construção do texto bloqueando qualquer manifestação discursiva,
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Ou seja, não estou propondo que a gente volte a viver sem a frase
porque sem frase não há texto nem, consequentemente, leitor. O objetivo
aqui é ensinar a escrever bons textos, que ajudem o leitor a ler. Pra isso
é preciso ajudar o leitor a escrever porque não é nem a frase nem o texto
que produzem o texto e a frase. O que produz o texto – o discurso escrito
que tem unidade temática, objetividade, concretude e questionamento – é
o que desce da cabeça pra mão e o que mão e cabeça fazem com o que
desceu para que o leitor – que, neste processo, é o cara que escreve – leia,
com seus olhos, o que o escritor – que, nesse outro e mesmo processo, é
o cara que lê – chegou à conclusão, escrevendo e reescrevendo, que era
bem isso (mesmo que, às vezes, tenha que se contentar com quase isso)
o que ele queria dizer.
Recorrendo a Emilia Ferreiro (2001), o encadeamento livre proposto
por este exercício nos leva para a mais primitiva, mais despojada, mais
descomprometida das hipóteses que a humanidade concebeu a respeito
do exercício da língua escrita. Esse exercício desnudo da escrita pode
nos desafogar das demais constrições que foram sendo historicamente
impostas ao seu exercício, bem mais constringentes do que a frase, do
que a pontuação e do que a ortografia, como, por exemplo, a ideia de
que alfabetizar é ensinar a escrever uma pilha de frases sobre um mesmo
assunto ou que a ortografia tem o poder de banir da língua escrita qualquer
outro tipo de registro escrito.
Talvez seja o caso de fazer periodicamente este exercício até para
repensar nossos modos comuns de construir frases e de encadeá-las. E
podemos fazer isso com a tranquila certeza de que – depois de tudo o
que, secularmente, foi dito e continua a ser proclamado a respeito de
nossa incapacidade de nos expressarmos na língua que deveríamos ter
aprendido – não vamos incorrer na prepotência daqueles gregos, que
proclamavam que só a língua deles era língua, que todos os outros povos
nada mais faziam do que blablabá, os blablabárbaros.
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um leitor um acervo escrito até então acessível apenas aos ouvidos dos
estudiosos dispostos a compartilhar da ciência e da arte contida nele.
Esse modo de escrever, fundamentado na separação das palavras
umas das outras e na criação de sinais e outros recursos gráficos para
identificar segmentos que expressavam declarações que tratavam de
um mesmo assunto e para indicar que tipo de relação ligava esses
segmentos, não apenas criou o leitor mas também ensinou esse leitor
a escrever. Foi a leitura individual silenciosa em intimidade com o
texto que atiçou em outros daqueles monges o desejo de escrever
com a própria mão até mesmo o que não se atreveria a confessar para
que um escriba registrasse no papel. Essa prática de leitura e escrita
fez mais: ensinou o leitor que escreve a ler o que tinha escrito e, por
ler-se, aprender a reescrever, libertando definitivamente o escrito do
encadeamento da fala e da ordem em que as ideias descem da cabeça
para a mão que registra.
Foi isso que propiciou postular outros ordenamentos para o que se
escreve, reordenando os ordenamentos que já estavam postos em ordem.
Ao reformularem o que escreviam, reformulavam o que pensavam e o
que pensavam a respeito do que pensavam os textos que liam. Foi isso – a
formulação e a reformulação – do que se escreve, causa e consequência
da formulação do que se pensa – que criou o estilo, que é o resultado da
escolha pelo autor, dos recursos expressivos mais capazes de produzir
os efeitos de sentido que ele deseja criar. Por isso texto produz estilo,
gramática produz estilo, qualidades discursivas produzem estilo, mas
principalmente estilo produz estilo.
Criou-se o texto para que mais gente pudesse partilhar da tradição
escrita, e para que ainda mais gente pudesse ser incluída nessa tradição;
nem bem dois séculos tinham passado e foram criadas máquinas capazes
de multiplicar exemplares legíveis dos componentes desse acervo e de
textos que foram sendo agregados a esse acervo. A história da língua
escrita é a história da ampliação do alcance da língua escrita.
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ENCADEAMENTO
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é tratar de conteúdo mesmo que, como já pudemos ler, nada haja a ser
dito a respeito disso: não lembro de conteúdo algum.
Nesse momento, a escritora se deu conta de que essa afirmação
poderia ser interpretada genericamente e tratou de se prevenir contra essa
interpretação – isso no currículo –, e o último elemento dessa unidade
virou o assunto da unidade seguinte: o qual acabei em 1979. E assim
o texto vai: um assunto é posto em pauta, um verbo diz algo a respeito
desse assunto, e as informações solicitadas pelo verbo são providas pela
escritora. Essa teorização implica também que o texto está pronto no mo-
mento em que esse encadeamento de unidades de declarações a respeito
de cada um dos assuntos alinhados terminar de tratar da última coisa
que veio à cabeça. Chamemos de composição por mero encadeamento
o resultado prático da aplicação dessa teorização.
Vamos, então, revisar este escrito. Em sala de aula, é interessante
que cada um faça a sua revisão individual e que, depois, juntem-se em
grupos de três, dois ou quatro para refazerem uma versão consensual, de
tal modo que tenham que se expressar sobre o que cada um fez e entrar
num acordo para uma versão comum ou, se isso não for possível, discutir
e registrar as divergências.
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de textos 5 e foi por esse motivo 6 que escolhi ler vários autores 7 que
escreveram sobre texto. 8
Na pós-graduação, vou dar continuidade a produção de textos 1
porque realmente gosto muito 2 e acredito 3 que será um sucesso 4 as-
sim como minha vida também é um sucesso 5 por ter optado pelo curso
de letras. 6
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vou ter sucesso assim como minha vida também é um sucesso por ter
optado pelo curso de letras.
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Optei pelo curso de letras pois algo me dizia que eu iria gostar.
Passei, no entanto, por muitas dificuldades porque tinha ficado todo esse
tempo sem estudar e sem ler um livro sequer. Sofri tanto que algumas
vezes tive vontade desistir, mas consegui superar as dificuldades. Sempre
fui uma pessoa com muita vontade de aprender e, por mais difícil que
fossem os obstáculos, sempre os venci pois nunca me faltou fé e força
de vontade para seguir em frente.
Na graduação, mesmo tendo sido reprovada em duas disciplinas
de produção de textos, acabei me apaixonando graças à professora com
quem cursei novamente essas disciplinas. Foi por isso que escolhi ler
vários autores que escreveram sobre texto. Na pós-graduação, vou dar
continuidade a esses estudos porque realmente gosto muito. Acho que
vou ter sucesso assim como minha vida também é um sucesso por ter
optado pelo curso de letras.
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Exercício 1
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Vamos examinar mais de perto essa relação entre a oração, que fala, e
a frase, que escreve, para tentar ver, do ponto de vista da produção do texto,
essa distinção entre quem meramente encadeia os conteúdos na ordem em
que vêm à cabeça e quem trata a escrita diretamente como uma linguagem
para os olhos, para os próprios olhos e para os olhos do leitor. Imagine-
mos que haveria um aluno que, por desvario ou por paciente e caprichoso
exercício da ironia, produzisse um escrito mais extremistamente escolar
do que aquele da casa bonita, despovoando as suas frases:
Já sabemos que isso não existe, nunca existiu, já que o texto, como
vimos, nasceu da fala, que encadeia orações, e não da gramática escolar,
que cerca, tolhe, delimita em frases até mesmo o que ainda não foi escrito.
Nenhum dos dois tipos de leitores mencionados por Foucambert (1994)33,
nenhum dos hipotéticos tipos de escritores em que uns e outros se torna-
riam escreveria isso. Só escreveria isso quem quisesse montar um artifício
didático para distinguir frase e oração com a finalidade de esclarecer a
relação que há entre frase e oração. Assim poderiam ocorrer escritos reais:
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No caso, por sua vez também poupa algum trabalho adicional, dando
ao leitor o trabalho adicional de ler por sua vez e de interpretar essa
expressão no contexto dessa frase.
Ainda segundo Jean Foucambert (1994, p. 22-23), são necessárias
500 horas de estudo para formar quem “utiliza a característica alfabética
da língua para compreender a escrita graças ao oral que lhe corresponde” e
10 mil horas (a grande maioria delas, portanto, fora da escola) para formar
quem “trata a escrita diretamente como uma linguagem para os olhos”.
Quem trabalhou o suficiente para tratar a escrita como uma linguagem
para os olhos aprendeu a atribuir sentido ao encadeamento de palavras
delimitado pela maiúscula inicial e pelo ponto-final, isto é, à frase. Já a
noção de oração, como vimos, foi apresentada pela aula de Português
através de um processo de fracionamento da frase, de isolamento de
cada uma das orações que a compõem. O trabalho de ler para produzir
sentido nos habilitou a escrever porque nos forneceu algumas hipóteses
a respeito da produção de escritos: a teorização de que fala Foucambert.
Ao escrevermos, tratamos do assunto do modo como julgamos que
a leitura daquilo que vai ficar registrado no papel vai atingir os leitores
a quem nos dirigimos. Para fazer isso escrevemos frases, uma depois da
outra. É claro que para escrever frases temos de escrever as orações e as
palavras que as compõem, mas o nosso foco são as frases. Se fizermos
alguma alteração numa oração, se substituirmos uma palavra por outra,
fazemos isso para tentar mexer na frase em que está essa oração, em
que está essa palavra, com a finalidade de qualificar o texto. A noção de
oração aparece aqui para nos ajudar a perceber os conteúdos com que
lidam as frases que escrevemos, o modo como elas são organizadas e
como podemos reorganizá-las sempre que for necessário.
O exercício de delimitação de frases que fizemos no escrito com-
posto por mero encadeamento de frases superpovoadas nos mostrou que
a maiúscula inicial e o ponto-final devem ser determinados pelo assunto
tratado pela frase. Como já foi dito, a transformação daquelas quatro
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34 Não tem frase sem verbo, então? Tem sim, mas só funcionam aquelas que a gente lê e sabe
qual é o verbo que elas não têm.
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A escola nos ensinou a ler e nos botou a ler como condição básica
para tomarmos parte em sua dinâmica de nos transformar em pessoas
informadas a respeito do que a escola julga importante conhecermos. O
mundo em que vivemos, que é organizado pela língua escrita, também nos
exigiu muita leitura para nos orientarmos em nossos caminhos por ele e
continua nos exigindo cada vez mais leitura. Não nos exige, no entanto,
que escrevamos com a mesma intensidade, embora essa intensidade ve-
nha aumentando cada vez mais. E a escola, tal como o mundo, também
não nos exigiu que escrevêssemos com a mesma intensidade com que
nos exigiu a leitura porque a escola tradicionalmente tem por objetivo a
transmissão do conhecimento e não a produção do conhecimento.
Por causa disso, quando nos botou a escrever, a escola nos fez
produzir uma escrita a serviço da leitura: cópia, interpretação de textos
e de perguntas de prova, sínteses, dissertações a respeito de algum tema
estudado, isto é, muito mais compilação de informações lidas do que
composição de textos para a descoberta do que temos a dizer a respeito
de alguma questão que nos afeta pessoalmente. Nas aulas de Português,
ao focar nossa atenção num componente natural e, de certa forma, es-
pontâneo da frase – a oração – e não num constituinte do texto, que, tal
como o texto, precisa ser construído e reconstruído – a frase –, a escola
não nos propiciou a oportunidade de exercitarmos a teorização de nossa
experiência de leitura. Tudo se passou como se a habilidade de ler fosse
a condição necessária e suficiente para exercitar a escrita.
A leitura é, sim, condição necessária para escrever, mas não é
condição suficiente para encadearmos mais do que apenas orações que
registram o que nos vem à cabeça na ordem em que nos vem à cabeça.
Para escrever textos, isto é, para organizar as orações em frases e encadear
frases que conduzam em segurança o leitor ao longo dos episódios, das
paisagens, dos cenários ou dos fatos, evidências, exemplos, argumentos,
provas, etc. desde o início até o fim, é preciso praticar a escrita de textos,
prática que nos propicia e até mesmo nos obriga a teorizar o que acontece
em nossa leitura de textos.
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de oração, que separa uma oração da outra dentro da frase, que são, de
acordo com a relação que têm entre si as orações, ou ponto e vírgula ou
dois-pontos.
O ponto e vírgula, diferentemente da vírgula, indica com toda a
clareza a existência de um limite entre as orações. É usado sempre que
o escritor achar que a relação entre as orações que separa é genérica e/ou
óbvia o suficiente para ser entendida sem necessidade de sua explicitação
por meio de um nexo mais preciso como, por exemplo, uma conjunção.
Torna-se especialmente útil entre orações encadeadas que não são elemen-
tos de um mesmo conjunto e sempre que a oração seguinte relacionar-se
não com a oração que vem antes dela mas com a que vem depois dela,
como os exemplos e os exercícios vão demonstrar.
Dois-pontos também indicam com toda a clareza a existência de
um limite entre as orações e têm o significado adicional de estabelecer
que a seguinte é ou uma explicação da anterior ou uma conclusão a que
a anterior leva. Já a vírgula, como veremos, precisa quase sempre de uma
conjunção para separar orações.
Vamos tratar aqui de três dificuldades de construção relacionadas
à pontuação final: (1) frases superpovoadas, que tratam de demasiados
assuntos; (2) frases siamesas, que apresentam orações contíguas sem
uma conjunção ou um sinal de pontuação final de oração entre elas; e
(3) frases fragmentadas, que são orações ou parte de orações assinaladas
indevidamente por uma maiúscula inicial e um ponto-final como se fos-
sem uma frase. Uma adequada solução para estas dificuldades contribui
para a fluência do texto.
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1b Escolhi como eixo norteador desse texto uma das perguntas pro-
postas pelo professor: “Por que tu quis ser professor de Português?”
Pelo simples fato de que eu nunca quis. Para entender essa afirmação,
primeiramente, explicarei o porquê da escolha pelo curso de Letras,
no vestibular de 2002; posteriormente, farei um resgate de algumas
das poucas lembranças da escola e das disciplinas da minha área
de atuação profissional, para, em seguida, explicar como me tornei,
não só professor de Português como também de Inglês.
1c Escolhi como eixo norteador desse texto uma das perguntas pro-
postas pelo professor: “Por que tu quis ser professor de Português?”
Pelo simples fato de que eu nunca quis. Para entender essa afirmação,
primeiramente, explicarei o porquê da escolha pelo curso de Letras,
no vestibular de 2002; posteriormente, farei um resgate de algumas
das poucas lembranças da escola e das disciplinas da minha área
de atuação profissional para, em seguida, explicar como me tornei,
não só professor de Português como também de Inglês.
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1d Escolhi como eixo norteador desse texto uma das perguntas pro-
postas pelo professor: “Por que tu quis ser professor de Português?”
Pelo simples fato de que eu nunca quis. Para entender essa afirmação,
primeiramente, explicarei o porquê da escolha pelo curso de Letras,
no vestibular de 2002. Posteriormente, farei um resgate de algumas
das poucas lembranças da escola e das disciplinas da minha área
de atuação profissional para, em seguida, explicar como me tornei,
não só professor de Português como também de Inglês.
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4 Não sei como são feitas as pesquisas, mas não costumo acreditar
nos índices. Eles parecem não mostrar a realidade, mesmo sendo
alto o índice de escolarização no RS, a situação da escola é outra.
4a Não sei como são feitas as pesquisas, mas não costumo acreditar
nos índices porque eles parecem não mostrar a realidade: mesmo sen-
do alto o índice de escolarização no RS, a situação da escola é outra.
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4b Não sei como são feitas as pesquisas, mas não costumo acreditar
nos índices porque eles parecem não mostrar a realidade. Apesar
do alto índice de escolarização no RS, a situação da escola é outra.
5 Não sei bem como foi que a coisa começou, mas o fato é que eu
gostava de escrever. Era especialista em bilhetes.
5a Não sei bem como foi que a coisa começou, mas o fato é que eu
gostava de escrever: era especialista em bilhetes.
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Pode ser que a frase fique mais clara com o às vezes em outro lugar:
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2 Hoje ela vive num apartamento de três quartos, tem uma enfermeira
que cuida dela todas as noites. A faxineira vai fazer a limpeza uma
vez por semana, ela come fora diariamente. Sem contar as massagens
três vezes por semana
2a Hoje ela vive num apartamento de três quartos, come fora diaria-
mente, recebe massagens três vezes por semana e tem uma enfermeira
que cuida dela todas as noites. Uma vez por semana, a faxineira vai
fazer a limpeza.
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2b Hoje ela vive num apartamento de três quartos, onde uma faxi-
neira vai fazer uma limpeza semanal, come fora diariamente, recebe
massagens três vezes por semana e tem uma enfermeira que cuida
dela todas as noites.
Exercício 2
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Nós discutimos. Ele xingou minha mãe. Dei um soco nele. Ele caiu.
Bateu com a cabeça numa pedra. Ele morreu.
Ele morreu porque bateu com a cabeça numa pedra quando caiu
por causa do soco que dei nele depois de ter xingado minha mãe
enquanto discutíamos.
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Sabemos todos, no entanto, que esta outra frase talvez expresse com
maior fidelidade o que acontece na vida real das salas de aula:
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Ele era o aluno mais aplicado da turma; por isso, todos o respeitavam.
148
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Não faz sentido falar de erro, já que a pontuação não é nem objeto
de uma legislação, como a ortografia, nem instrumento de uma distinção
entre formas de diferente prestígio social, como a concordância, por
exemplo. Trata-se do uso dos sinais de pontuação para orientar a leitura
com mais precisão. Na primeira frase, a vírgula pode levar o leitor a julgar
que a frase está fazendo uma lista com a localização de determinadas casas
em vez de estabelecer entre essas duas casas apenas uma determinada
relação de distância. Na segunda frase, o leitor precisaria ler a frase até
o fim para, só então, estabelecer a relação entre a localização da casa e
a comodidade para as compras do dia a dia.
Quem sabe com um ponto-final?
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O que não faz cabimento, por ser redundante, é usar, num limite de
oração, um ponto e vírgula e uma conjunção que seja um limite confiável
de oração, como o e, por exemplo:
2.3.1.1 A conjunção e
A primeira “regra” de pontuação que aprendemos é a do ponto-final,
que encerra uma frase; a segunda é a da vírgula, que separa os itens de
uma lista, os elementos de uma série, como nas frases que seguem:
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Talvez fique um pouco mais claro que não são os mesmos, se bo-
tarmos na disciplina do estágio entre vírgulas:
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Miele pintou no Rio em meados dos anos 50, com a cara (de pau) e
a coragem. A TV Continental estava no auge e, na pindaíba, ele con-
seguiu um bico como contrarregra dos programas e dos comerciais.
Miele pintou no Rio em meados dos anos 50, com a cara (de pau) e a
coragem. A TV Continental estava no auge, e, na pindaíba, ele con-
seguiu um bico como contrarregra dos programas e dos comerciais.
Então, cuidado com a posição da vírgula; por maior que seja a pausa
que se faça antes do primeiro e depois do último elemento de uma série
durante uma leitura em voz alta, nada de vírgula nesses lugares. Como já
vimos, desde que se inventou o texto, a língua escrita foi criando recursos
para comunicar-se com os olhos do leitor e não mais para os ouvidos dos
que só tinham acesso ao texto através da leitura em voz alta do único
exemplar disponível na biblioteca do convento.
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Também há quem ache que não é bom que a frase fique com vír-
gulas demais:
Nesta outra frase, há uma significativa troca de tema, da mãe para eu:
Aquilo me estimulou, pois ela era uma garota inteligente, e sua letra
era admirada por todos, e eu queria ser igual.
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Para que nós viéssemos a executar tal ordem seria necessário que
renunciássemos a todo o nosso passado, a toda a nossa formação,
a todas as nossas convicções, a nossa dignidade humana. E seria
preciso também que esse tipo de tarefa fosse de nossa competência.
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Queria voltar cedo para casa, mas não consegui fechar o balancete.
Não queria voltar para casa mas para a cabana nas montanhas.
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Talvez o motivo que torne estranha a segunda frase seja que a oração
iniciada por mas opõe-se não ao que vem imediatamente antes (a falta de
tempo e maturidade) mas à ideia geral de infelicidade que se depreende
do que foi expresso antes. Na primeira versão, a frase começada com
mas continua a contar a história. Uma solução mais adequada poderia
ser tratar o que vem depois do mas como um comentário e não como a
introdução a uma discussão nem como a continuação da história:
Vamos ver como fica com vírgula este outro interessante caso de
mas que não relaciona dois predicados:
Desse modo, fica mais claro que determinadas por seus cartógrafos
se refere ao que vem imediatamente antes: imaginárias.
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Mário saiu mais cedo do serviço, pois seu carro não está no esta-
cionamento.
Ele nunca sente frio porque toma banho gelado todas as manhãs.
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Temos, nesta frase, como eles mesmos relatavam, o que pode levar
o leitor a uma previsão equivocada: questões urgentes para eles como
eles, isto é, uma leitura em que o como é comparativo e não conformativo,
já que a comparação é muito mais usada do que a conformidade. Para
tentar dirimir essa ambiguidade, adotemos o critério de usar uma vírgula
antes do caso mais raro – o conformativo – como uma contribuição para
a fixação dessa prática como regra:
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Então, preste atenção nessas conjunções, que elas são muitas: antes
que, depois que, logo que, assim que, sempre que, até que, desde que,
primeiro que, todas as vezes que, cada vez que, uma vez que, dado que,
visto que, tanto mais que, por isso que, contanto que, a menos que, sem
que, ainda que, posto que, se bem que, por muito que, para que, do mesmo
modo que, tanto que, posto que. A elas podem ser acrescentadas exceto
se, salvo se e as demais formadas de alguma coisa + se.
Sintetizando, então, ao revisarmos frases nossas ou alheias, vamos
juntar ou separar orações, mantendo ou alterando sua sequência nas frases,
vamos diminuir ou aumentar frases, alterando ou não sua sequência no
texto, marcando os limites entre frases por ponto-final e os limites entre
orações por dois-pontos, ponto e vírgula e/ou conjunção.
A vírgula que separa tudo de tendo em vista que induz o leitor a ler
a oração iniciada por tendo em vista como se estivesse relacionada com
o que foi expresso pelo que vem antes: a necessidade de usar o quadro-
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-negro para tudo. Quando a leitura chega a nem preciso dizer que, o leitor
percebe que aquela oração está relacionada com essa oração seguinte:
tendo em vista essa necessidade dos alunos, a maior parte da aula era
tomada pelo copia – apaga – copia – apaga. O leitor, então, percebe que
a sua previsão estava errada.
Um sinal de pontuação final depois de usar o quadro-negro para
tudo evitaria que o leitor formulasse essa previsão equivocada. Como
há uma mudança de assunto – da relação entre xerox e cerveja para a
necessidade de copiar a matéria – cabe ali um ponto-final, o que, além de
sinalizar para o leitor a previsão correta, também evita uma frase muito
comprida e sobrecarregada com dois assuntos:
Temos, então, duas frases, cada uma com seu tema, que se relacio-
nam ao tratarem de duas condicionantes do trabalho do professor naquela
sala de aula. É conveniente marcar com ponto e vírgula os limites entre
orações onde estão conjunções que podem deslocar-se dentro da oração
seguinte, como é o caso aqui de portanto – só gastavam com cerveja,
portanto, o pobre...
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Ou, ainda, podemos trocar o tópico da frase pela sua parte menos
comprida:
A adequação dessa troca vai ser determinada pela frase que antecede
e pela que vem depois desta no texto, como vamos examinar em 6.1 A
frase e as outras frases, especificamente na seção 6.1.2 Referência.
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foi dito antes. No segundo, podemos começar outra frase porque não é
conveniente usar mais do que um ponto e vírgula ou do que dois-pontos
ou mais do que um e outro na mesma frase. Por quê? Porque empenhar-
-se em descobrir qual é exatamente a relação que se percebe entre dois
enunciados a respeito do tema da frase é mais esclarecedor para quem
escreve e para quem lê. A relação estabelecida apenas por ponto e vírgula
ou por dois-pontos não é precisa. A frase seguinte vai ter de determinar
o seu tema, o que vai fazer avançar o texto.
Aquela vírgula depois de madeira faz a frase dizer que a escola era
escurecida pelo tempo, isto é, marca uma série de duas características
da escola, tal como faria um e ali:
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pelo tempo, se diz que a escola é escurecida pelo tempo. Nesta versão
sem e há maior economia de meios expressivos, mais concisão.
O exemplo a seguir, que também fala de escola, é mais expressivo
ainda:
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é exigido também por conjunções que, como portanto, não são limites
confiáveis de oração porque podem se deslocar dentro da oração. Pode-
mos, nesses casos, com o uso adequado de um ponto e vírgula, poupar o
leitor de previsões erradas causadas pela trava na fluência na sua leitura:
Não é demais reforçar que essas conjunções que não são limites
confiáveis de oração, quando deslocadas para dentro da oração, costumam
ser postas entre vírgulas; quando estão no início da oração, a vírgula
separa-a da oração que inicia:
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11a No final do ensino médio, tinha certeza de que queria ser pro-
fessora de língua portuguesa e literatura; muito embora não tivesse
tido aula de produção textual, passei a escrever como uma forma de
terapia, como algo extremamente prazeroso e divertido.
Sem o ponto e vírgula, pode parecer que muito embora não tivesse
aula de produção textual se refere a queria ser professora de língua
portuguesa e literatura e não a passei a escrever como uma forma de
terapia, como...
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9 Durante dois anos, abandonei tudo: tive que plantar fumo para
ajudar no sustento da minha família.
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Assim sendo, é conveniente não usar, por frase, mais do que apenas
um sinal de pontuação final de oração sem conjunção entre orações, além
de só usá-lo entre orações que mantêm relações muito óbvias. Vejamos
estes casos:
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19b Agora que comecei este curso, sinto-me ainda bastante insegura
para produzir os trabalhos escritos; por isso, demoro bastante para
colocar as ideias no papel e organizá-las.
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Exercício 4
1. Ele não tem amigos porque nunca sai de casa nem recebe visitas.
2. Em face da pluralidade étnica e política dos governantes secu-
lares, o discurso universalista da Igreja oferecia a unidade espiritual e a
ação efetiva dos bispos junto aos governantes garantia certa estabilidade
institucional.
3. Laurinha teve ótimos conceitos neste bimestre pois estudou cinco
horas por dia durante todo o mês.
4. Nada se comparava a isso, nem ganhar um presente que há muito
tempo era esperado.
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Após dois meses de aula, meus textos não estão totalmente corretos
mas algo brotou dentro de mim, o prazer também pela escrita.
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Meu pai, certa vez, me colocou numa situação difícil. Ele estava no
laboratório da Corsan, onde trabalhava como ferreiro, com o seu
colega que chefiava o laboratório, quando eu cheguei. Então, meu
pai mandou que eu lesse uma palavra que estava escrita em um dos
vidros da sala. Um medo tomou conta de mim, pois senti que estavam
me testando, me analisando, e eu não podia decepcionar. Olhei a
palavra e era diferente de tudo que eu tinha lido até aquele momento;
depois de alguns segundos, soletrei a palavra corretamente. Com
alegria vi um largo sorriso de satisfação em meu pai, recebi elogios
de seu colega e pude perceber como era importante ler.
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Como minha mãe não sabia ler nem escrever, minha alfabetização
esteve vinculada, de um modo ou de outro, ao meu pai, que, apesar
de não ter estudado além da terceira série, tentou me alfabetizar
mesmo antes de eu entrar para a escola. Minha mãe só conseguia
me ajudar pelo incentivo e pelas rezas e promessas que fazia para eu
passar de ano; já o meu pai me fez o grande desafio que me mostrou
a importância de saber ler.
Cresci vendo minha mãe dizer que eu ia ser professora para resolver
as dificuldades pelas quais passava o lugar onde morávamos por cau-
sa da falta de professores. Minha mãe nunca tinha estudado; por isso,
eu acho que ela estava depositando em mim um sonho não realizado.
Cresci vendo minha mãe dizer que eu ia ser professora: ela dizia
que era porque o lugar onde morávamos não tinha professores, mas
acho que ela estava depositando em mim o seu sonho não realizado
de estudar.
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Com seu jeito autoritário me ensinou a ler, mas acima de tudo a ter
persistência naquilo que se deseja.
Ao entrar na escola achei tudo muito difícil, como meu pai traba-
lhava em outra cidade, só me restava pedir ajuda à minha mãe, mas
como ela não sabia ler nem escrever, ela me ajudava como podia,
me incentivava dizendo que eu ia conseguir, rezava, fazia promessa
para eu passar de ano.
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isso por um lado incomodava meus pais, porque minhas irmãs eram
reprovadas de ano, não mostravam interesse pelos estudos e também
deixavam eles preocupados.
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meus textos não estão totalmente corretos, mas algo brotou dentro
de mim: o prazer também pela escrita.
Durante dez anos dei aulas pra meus alunos sem fazer muitos ques-
tionamentos sobre o meu trabalho. Mas uma dúvida sempre me
incomodava, por que eu evitava escrever, fugia da escrita?
Durante dez anos dei aulas pra meus alunos sem fazer muitos ques-
tionamentos sobre o meu trabalho. Apesar disso, uma dúvida sempre
me incomodava: por que eu evitava escrever, fugia da escrita?
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COORDENAÇÃO
FRANGOS E ASSADOS
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Como não são só as palavras que nos fazem botar sentido num texto,
podemos recorrer, também ao que sabemos a respeito, por exemplo, da
história, mais ou menos recente, desse tipo de comércio de alimentos na
cidade. Sabemos que, naqueles grandes fornos elétricos com portas de
vidro, que, com alguma crueldade, batizamos de televisão de cachorro,
os primeiros assados que ficaram historicamente disponíveis foram as
galinhas. Só mais recentemente, depois que passamos a chamar galinha
assada pela generalizada designação brasileira de frango assado, é que
algumas lancherias mais criativas passaram a assar ali também salsi-
chões, costelas, picanhas, maminhas, lombos de porco e outros pedaços
de carne além dos de frango. Alguns assam polenta também. Esse co-
nhecimento histórico apoia a interpretação produzida pela sintaxe e pelo
nosso senso comum a respeito de comida que podemos comprar pronta:
trata-se dos mesmos frangos assados de sempre e desses outros assados
relativamente novos.
Para os que não se contentam apenas em botar esse sentido assim,
digamos, pragmático no cartaz para singelamente catalogarem na me-
mória mais um endereço a que recorrerem em caso de necessidade, a
gente pode ir um pouco mais longe e conjeturar que a palavra outros não
foi escrita porque, bem mais antigamente do que quando se começou a
assar galinhas na porta das lancherias, quase que só se assava (em casa,
no forno ou na churrasqueira, ou em restaurantes) essas outras coisas,
pois galinha assada era coisa rara, de dia de festa, ou seja, assado, assim
sozinho, como substantivo, designava aquelas outras coisas assadas. A
novidade, a galinha, é que precisou (principalmente depois que passou a
ser chamada de frango) do assado como adjetivo. É claro que o cara que
escreveu ou que mandou escrever isso não desenvolveu todo esse racio-
cínio, que não faz nenhuma falta pra ele. Ele, simplesmente mergulhado
na corrente da comunicação verbal36, considera que precisa anunciar os
36 “Na verdade, a língua não se transmite; ela dura e perdura sob a forma de um processo evo-
lutivo contínuo. Os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; eles penetram na
corrente da comunicação verbal; ou melhor, somente quando mergulham nessa corrente é que
sua consciência desperta e começa a operar. É apenas no processo de aquisição de uma língua
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assados que passou a produzir, além dos frangos assados que já produzia.
Além de não se usa em anúncios desse tipo; o que se usa é e. Para o leitor,
sobra mobilizar o que já aprendeu que precisa mobilizar para entender o
que está escrito onde está escrito. Assim é a comunicação verbal: ela nos
obriga a considerar que, coordenados por um e, frangos e assados passam
a pertencer a um mesmo conjunto, em que assado deixa de expressar um
estado em que se transforma o cru depois de ser processado pelo fogo e
passa a ser uma coisa da mesma laia que frango, sem ser frango. Obri-
gados a construir sentido a partir disso, nós nos viramos para encontrar
um jeito de botar sentido nisso. E a gente encontra.
Encontra sentido porque a coordenação tem sentido, produz sentido.
Vamos ver como: estas duas frases incompletas têm em comum uma
palavra incomum:
Pazistas não é uma palavra comumente usada; por isso, não vai
faltar quem pergunte se essa palavra existe nem quem conjeture se ela
está no dicionário, o que, para muita gente, é uma espécie de registro
civil das palavras. Não estando no dicionário, não havendo por perto
quem já tenha sido apresentado a ela, o máximo que podemos constatar
é que parece uma palavra formada por mecanismos regulares da língua.
Sendo assim, nenhuma das duas frases nos dá condições de atribuir um
sentido a ela. A coordenação poderia nos dar a chave:
estrangeira que a consciência já constituída – graças à língua materna – se confronta com uma
língua já toda pronta, que só lhe resta assimilar. Os sujeitos não adquirem sua língua materna;
é nela e por meio dela que ocorre o primeiro despertar da consciência.” VOLÓSHINOV,
Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1986. p. 108.
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Umas mais isto e outras mais aquilo é uma construção que esta-
belece contrastes entre elementos de um mesmo conjunto; sabendo o
sentido de agressivo e atentando para a possibilidade de que paz seja o
radical do outro termo do contraste, postulamos que -ista seja o sufixo
que indica partidário de alguma coisa que vem antes e descobrimos que,
na primeira frase, pazista opõe-se a agressivo porque é o adepto da paz.
Na segunda frase, o adjetivo ou substantivo pazistas é inserido no mesmo
conjunto a que pertence enxadistas, palavra que nos dá acesso a enxada;
percebemos, então, que pazistas, nesta frase, deriva de pá e designa o
trabalhador (substantivo) que a maneja. É assim que a coordenação faz
funcionar a nossa capacidade de produzir sentido.
A seguir, vamos pôr em evidência alguns aspectos peculiares da
coordenação, começando pela pontuação, que – não é demais repetir
para repelir de vez as tão antiquadas instruções para as pausas na leitu-
ra – orienta o olho do leitor para que ele reconheça com maior precisão
a relação que o autor quis estabelecer entre frases, orações e palavras.
Como já vimos, uma das características do mero encadeamento é o uso da
vírgula como sinal de pontuação final de oração (e até mesmo de frase),
o que confunde o leitor que vai ler a oração seguinte como se ela fosse
apenas mais um elemento do conjunto a que pertence a oração anterior.
Vamos examinar estas frases em que a vírgula é indevidamente
usada para separar o que não pertence ao mesmo conjunto:
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4 Em geral sou cautelosa, não corro muito e fico atenta para não
causar transtornos aos demais motoristas.
4a Em geral sou cautelosa: não corro muito e fico atenta para não
causar transtornos aos demais motoristas.
Exercício 5
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Exercício 6
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1 Meu nome é E, tenho 21 anos, sou nascida em MU, moro com meus
pais. Comecei a frequentar a escola aos seis anos de idade, quando entrei
na pré-escola (1993) já sabia escrever meu nome completo e reconhecia
algumas letras, antes de entrar para a escola não tinha muito contato
com livros, porém muito incentivo para estudar, pois meus pais sempre
estiveram presentes em minha vida escolar, nas reuniões escolares a
frequência dos mesmos era constante.
2 Então, passei para a primeira série (1994), e o incentivo para a
escrita e a leitura de pequenos textos começou a nascer, pois convivia
com outros colegas que já sabiam ler e escrever e eu também queria
saber, quando eu chegava em casa, meu pai e minha mãe sempre re-
visavam meus cadernos e me ajudavam a fazer as tarefas, sempre com
motivação e entusiasmo, comecei a escrever palavras novas, gostava
de pintar figuras em livros e já tinha aprendido a ler pequenos textos.
3 Quando eu estava na primeira série do ensino fundamental,
aconteceu algo que poderia ser confuso para mim e para os colegas,
que foi a troca de professores, pois nesta época tive quatro professoras,
confuso porque na alfabetização que tem que ter todo um cuidado e uma
metodologia adequada, era estranho para eu ter que se despedir de uma
professora para seguir o ritmo de outra, mas felizmente deu tudo certo
e minha alfabetização não foi prejudicada.
4 Minhas notas e meus pareceres sempre foram muito bons, pois era
muito determinada e sempre fazia as tarefas propostas, gostava muito
de ler e conhecer palavras novas, porém não gostava de copiar textos
imensos dos “famosos livros didáticos”, ou então fazer um texto o qual
as professoras chamavam de redação de tema livre, pois isto para mim
não era ter aula, gostava de conteúdo exposto no quadro para copiar.
5 Sempre tive boa relação com os professores e colegas, gostava de
fazer trabalhos em grupo para assim corrigir os colegas, isto é, sempre
gostei de revisar, corrigir a ortografia e as redações dos colegas.
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porque na alfabetização que tem que ter todo um cuidado e uma me-
todologia adequada, era estranho para eu ter que se despedir de uma
professora para seguir o ritmo de outra, mas felizmente deu tudo certo
e minha alfabetização não foi prejudicada.
Esta imensa frase tenta dar conta de algo mais do que um relato de
fatos: esta frase parte de um fato – a troca de professores –, que leva a
escritora a conjeturar que isso poderia ter prejudicado a sua alfabetização
e a justificar essa conjetura com a afirmação de que alfabetizar exige um
cuidado incompatível com esse rodízio de professoras.
Tal receio, no entanto, revelou-se infundado já que o seu processo
de alfabetização nada sofreu com o que tanto poderia ter sofrido. O
relato do que poderia ter acontecido mas não aconteceu talvez fosse um
depoimento significativo numa discussão a respeito de alfabetização.
Desse modo, poderia interessar os leitores deste texto – alunos de um
curso de especialização em ensino de língua portuguesa – se tal dificul-
dade tivesse sido real e se a autora se dispusesse a fornecer os dados
necessários a respeito de sua experiência com ela para que os leitores
pudessem entendê-la para acompanhar a reflexão que ela faria a partir
desses dados. Não é o caso: a narradora conta que superou um obstáculo
que não existiu.
Há um problema gramatical interessante em era estranho para eu
ter que se despedir de uma professora para seguir o ritmo de outra:
trata-se de uma ultracorreção a partir de uma regra que prescreve a for-
ma reta e não a oblíqua em pronomes em função de sujeito antecedidos
de preposição. Na verdade, o sujeito da oração é ter que se despedir de
uma professora para seguir o ritmo de outra, isto é, um sujeito oracio-
nal. Isso – ter que me despedir de uma professora para seguir o ritmo
de outra – era estranho para mim; para mim, portanto, é um adjunto
adverbial, parte do predicado da oração e deve ser escrito assim mesmo:
para mim e não para eu.
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Ainda nesse ano, tivemos três trocas de professora. Isso poderia ter
sido prejudicial para mim e para meus colegas porque aconteceu
justo no ano em que se deveria ter todo um cuidado e uma metodo-
logia adequada para uma boa alfabetização. Era estranho ter que
se despedir de uma professora para seguir o ritmo de outra, mas,
felizmente, deu tudo certo, e meu aprendizado não foi prejudicado.
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Exercício 7
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durante as refeições, ter que tentar domar suas quatro feras para que não
ficassem falando durante as refeições.
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A escola era constituída por uma sala de aula, que era um pequeno
cômodo com materiais da escola, como livros didáticos, mimeógrafo,
giz, mapas geográficos, as 25 classes para os alunos e um quadro-
-negro, por uma cozinha, por dois banheiros para os alunos e pela
sala dos professores.
Deixamos, assim, bem claro que que era um pequeno cômodo é uma
caracterização dessa sala de aula e ressaltamos a pertinência de sala de
aula, cozinha, dois banheiros e sala de professores ao mesmo conjunto
usando a preposição por antes de cada um dos elementos desse conjunto
para estabelecer o paralelismo entre essas peças da escola.
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Esta frase é clara, mas fica mais simples e ainda mais clara se os
elementos coordenados forem construídos paralelamente:
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Para deixar bem claro que a falta de vizinhos não contribuiu para a
quebra do silêncio, basta alterar a ordem pondo a conjunção e entre os
elementos de mesma função:
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Por outro lado, se fosse o caso de querer deixar bem claro que a
falta de vizinhos, por absurdo que parecesse, contribuía para quebrar o
silêncio, seria necessário repetir a preposição:
Nesta frase não há e, ou, mas, nem, nenhuma das conjunções que
produzem construções paralelas, mas a possibilidade de que o mesmo
verbo da primeira oração esteja elíptico na segunda pode induzir a uma
leitura estranha: Não se ouvia nenhum ruído; apenas se ouvia(m) as lá-
grimas rolando ininterruptamente. A justaposição paralela dessas duas
orações evitaria essa interpretação estranha.
Não precisamos, por outro lado, ficar criando formas paralelas para
o que não está coordenado:
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ela pode repassar com maior clareza para o seu leitor essa distinção entre
as ações da mãe e a convicção da filha, usando, por exemplo, em vez da
coordenação, parênteses, um recurso da língua escrita que dá conta de
semelhantes distinções:
228
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Muito provavelmente quem escreveu esta frase quis dizer que nosso
povo não tem nem educação nem experiência, mas a frase, assim como
está, não bloqueia a interpretação de que o nosso povo não tem educação
mas tem experiência: há falta de educação e há experiência ou há falta
de educação, mas há experiência. Uma clara identificação do coorde-
nante por meio de um lembrete bloquearia esta segunda interpretação.
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7 Hoje, pelo menos, já aprendi que não se deve confiar nas pessoas
que não conhecemos muito bem e a matar aulas indo para um lugar
onde o assistente não me veja.
7a Hoje, pelo menos, já aprendi que não se deve confiar nas pessoas
que não conhecemos muito bem e que é melhor matar aulas num lugar
onde o assistente não me veja.
Como, na verdade, pessoas que não conhecemos muito bem não são
exatamente pessoas desconhecidas, podemos exagerar na marcação do
elemento coordenante para manter clara essa diferença:
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Nós falamos assim: concordo com isso, discordo disso, ela des-
pertou para a vida, reconheço o teu direito à liberdade; as palavras
negritadas são as preposições que relacionam os verbos aos seus comple-
mentos, que, nesses casos, como nos ensinaram na escola, são chamados
de objetos indiretos. Como nós falamos assim, nós escrevemos assim.
Tentaram nos ensinar na escola que o verbo obedecer também deve
ter um objeto indireto a ele ligado pela preposição a; por causa disso,
deveríamos escrever Todos os motoristas devem obedecer ao Código
Nacional de Trânsito e não Todos os motoristas devem obedecer o Có-
digo Nacional de Trânsito, tal como falamos. Tentaram nos ensinar na
escola também que visar o cheque é correto, mas que Ele visa a um futuro
brilhante como atleta é a forma correta da frase que tem esse mesmo
verbo visar empregado com o sentido de ter como objetivo.
Tentaram nos ensinar também que isso deve ser assim, mesmo que
ninguém fale assim e que muitas vezes encontremos isso escrito – em
jornais, em revistas, em livros – sem aquela preposição a. Se alguma vez
questionamos na escola essa diferença entre a nossa fala e essa obrigação
de escrever de modo diferente, o mínimo que nos disseram foi que essa
é a regência culta desses verbos, o que implica que a regência da nossa
fala é inculta. Quando não disseram esse mínimo, disseram que essa é a
regência certa e que nós falamos de outro modo porque falamos errado.
Nós, é claro, não concordamos com isso.
Chama-se regência o dispositivo que liga o verbo ao seu comple-
mento, dispositivo complementar à concordância, que liga o verbo ao
seu sujeito. O verbo concorda com o sujeito e rege o seu complemento;
assim temos uma oração. Também temos oração só com a concordância,
sem complemento como em O sol nasceu. Se não há complemento, o
verbo passa a ser classificado como intransitivo. Se não há preposição
entre o verbo e o seu complemento, diz-se que a regência é direta; o
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Exercício 8
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Exercício 9
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Não tem muito sentido fazer esta comparação de coisas tão díspa-
res; muito provavelmente a ideia é comparar coisas comparáveis, como,
por exemplo, o poder da televisão americana com a mesma capacidade
que teria a televisão brasileira. É preciso expressar isso com clareza
dizendo que o poder da televisão americana é muito maior que o po-
der da televisão brasileira. O que se pode omitir no segundo termo da
comparação é aquilo que se recupera por elipse, no caso, poder. Não
esquecer do lembrete.
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Exercício 10
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Exercício 11
1. Era o meu primeiro dia de escola: eu tinha seis anos, usava uma
saia azul-marinho pregueada, camisa branca, sapatos pretos, duas marias-
-chiquinhas, o coração aos saltos e os olhos arregalados. Ia sendo levada
pela mão de minha mãe.
2. Esfregou as panelas, os talheres, os pratos, as paredes, os olhos.
Percebeu, então, que há uma semana não saía de casa.
3. Com a carteira roubada foram todos os documentos e ficou a
sensação de identidade perdida.
4. Como as mais intensas e clichês paixões surgem durante a ado-
lescência, comigo não seria diferente.
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5a Pensei nos fatos de minha vida que pudessem servir para dividi-la
em antes e depois. O que me ocorreu de imediato foi a morte de minha
mãe, o que, sem dúvida, marcou-me, pois, inclusive, obrigou-me a
mudar de cidade, de estado.
Exercício 12
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Exercício 13
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SUBORDINAÇÃO
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Aqui tem o começo de uma história; vamos ver (1) o papel que nela
tem o substantivo que designa o objeto que é o centro de interesse desta
cena inicial e (2) o papel do adjetivo que adjetiva esse substantivo para
refletirmos a respeito dessa relação substantivo-adjetivo-verbo.
Ainda não era hora de levantar, mas Teresa foi até o banheiro. Não
se sentia muito cansada; por incrível que parecesse, ela sentia menos
dores no corpo do que quando dormia. Além disso, não tinha havido
o impacto de acordar, de sair da atmosfera do sonho, de se tocar e
sentir o corpo de novo.
Ligou a luz e olhou no espelho. Até que era bonito de ver, o cabelo
loiro fino caía reto no lado esquerdo da cabeça, emoldurando o rosto.
Mas, do lado direito, havia uma orelha protuberante, sobressaindo
por entre os fios e quebrando a simetria do rosto. Teresa não pren-
deu os cabelos como de costume; jogou eles para o lado esquerdo e
inclinou-se para lavar o rosto. A água pegava no cabelo. Antes de
secar o rosto, Teresa ainda se olhou por cima da toalha: seria bom
se o cabelo sempre estivesse ali, e ela não precisasse ver como era
aquilo que ele tapava.
Prendeu os cabelos, tentando olhar o mínimo possível para o espelho.
Quando percebia sua imagem, apertava os olhos para tentar embaçar
a visão. Abriu a caixinha amarela e pegou a prótese. Assim, dentro
da caixinha, ela nem parecia que podia ser uma parte do corpo de
alguém. Teresa abriu a bisnaguinha e, automaticamente, começou
a passar a tal “cola hidratante” na prótese. Era engraçado: como
tinham conseguido vender aquilo pra ela? Ela sabia que não podia
existir uma cola hidratante... É que, desde o acidente, ela meio que
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Ligou a luz e olhou no espelho. Até que era bonito de ver, o cabelo
loiro fino caía reto no lado esquerdo da cabeça, emoldurando o rosto.
Mas, do lado direito, havia uma orelha protuberante, sobressaindo
por entre os fios e quebrando a simetria do rosto.
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Parece que a moça usa uma prótese, que o narrador tenta deixar em
suspense com a digressão sobre a cola hidratante, mas logo depois vem
a confirmação do acidente e o motivo pelo qual o cabelo loiro fino caía
reto no lado esquerdo da cabeça.
É que, desde o acidente, ela meio que se deixou levar pelas mãos
de outras pessoas. Teresa tirou o algodão do ouvido e aproximou a
prótese. Lentamente, fixou a orelha: tão pequena, tão mais delicada
que a sua original.
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E a outra orelha era também uma desgraça? Era uma orelha enorme,
protuberante, de um lado, e ela vai logo perder a outra, que não era tão
delicada quanto a prótese, mas, pelo menos também não era protuberante?
Aí, o leitor pode começar a suspeitar que foi induzido a um erro pela
orelha protuberante, passando a suspeitar que talvez a protuberância da
orelha remanescente não passasse da protuberância que qualquer orelha
teria quando comparada a uma ausência de orelha no outro lado. Se era
esse o efeito de sentido desejado pelo autor, talvez fosse melhor reescrever
a cena sem adjetivar a orelha:
Até que era bonito de ver, o cabelo loiro fino caía reto no lado esquer-
do da cabeça, emoldurando o rosto. Mas, do lado direito, havia uma
orelha, sobressaindo por entre os fios e quebrando a simetria do rosto.
Até que era bonito de ver, o cabelo loiro fino caía reto no lado
esquerdo da cabeça, emoldurando o rosto. Mas, do lado direito, a
orelha sobressaía por entre os fios quebrando a simetria do rosto.
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Até que era bonito de ver, o cabelo loiro fino caía reto no lado es-
querdo da cabeça, emoldurando o rosto. Mas, do lado direito, havia
a protuberância da orelha por entre os fios quebrando a simetria
do rosto.
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Chatos está por homens, caras chatos ou qualquer outra coisa chata
que o contexto indique.
Que efeito de sentido tem a permuta que ocorre nestes pares de frase?
1 A casa é uma maloca. / A maloca é uma casa.
2 A casa é um palacete. / O palacete é uma casa.
3 O jantar foi um banquete. / O banquete foi um jantar.
Como podemos ver nestas frases, não é apenas o adjetivo que usa-
mos como predicativo; podemos usar também o substantivo, que passa
a referir o conjunto de propriedades que indica atribuindo-as, neste caso,
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Nesta versão com vírgula entre destes e fregueses, fica muito claro
que destes não é determinante de fregueses mas referente dos nomes já
mencionados, os merecedores da preferência acima proclamada: na falta
de gestantes, idosos e portadores de necessidades especiais, fregueses
com até dez volumes.
Assim como não colocamos vírgula – e nenhum outro sinal de pon-
tuação – entre o sujeito e o predicado de uma oração como, por exemplo,
em Esta caixa é preferencial, mesmo que, falando, façamos uma pausa
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exatamente depois de Esta caixa para deixar claro ao nosso ouvinte que
ali termina o sujeito e que o predicado é preferencial vai ser enunciado,
também não separamos os elementos do sintagma por nenhum sinal
de pontuação. Pelo contrário; usamos uma vírgula para indicar que o
elemento que poderia ser determinante em um sintagma – como em
destes fregueses – ou complementador em um sintagma – como cava-
los velozes – não faz parte do sintagma. Tratemos, então, do sintagma,
começando por esta oração:
Gato mia.
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Exercício 14
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Ela morava numa casa grande (palavra) com muitas peças (prepo-
sição + nome) que sua mãe reformara na década de 1930 (oração
adjetiva).
4.2.1 Adjetivos-palavra
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Exercício 15
Exercício 16
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justamente porque sua esperteza lhe soprou que era melhor dar o fora
naquele momento. Seria como se aquela posição normal do substantivo
contaminasse o adjetivo com o caráter substantivo, o que fica expresso
pela necessidade de recorrer ao substantivo esperteza para explicar o
sentido da expressão. Na verdade, os valentes soldados não temem o
inimigo justamente porque são valentes, ou seja, aqui também se pode
perceber aquela conotação causal.
Vamos ver mais adiante que os adjetivos não restritivos podem ex-
pressar aquilo que as orações adverbiais especializaram-se em expressar.
Exercício 17
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Exercício 18
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Exercício 19
40 MORENO, Cláudio. A cerveja que desce REDONDO. Sua Língua, c2023. Disponível em:
https://sualingua.com.br/a-cerveja-que-desce-redondo/. Acesso em: 22 jan. 2023.
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Exercício 20
A alegria dos cavalos diante daquela forte chuva que vinha aliviar a
prolongada estiagem expressava-se de várias maneiras: os cavalos
velozes corriam, e os lerdos trotavam atirando as patas dianteiras.
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Exercício 21
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Nesta frase:
a. de pedra expressa um atributo de casa;
b. de meu bisavô expressa o possuidor de pertenceu;
c. no século XVIII expressa o tempo com relação a construiu;
d. por um vice-rei expressa o agente de construiu;
e. pelas montanhas expressa a meta de apaixonado;
f. de Minas Gerais expressa um atributo de montanha.
Faz dois meses que ele não sai de casa– é um advérbio e expressa
lugar.
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4.2.2.2 Ambiguidade
Exercício 22
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Exercício 23
Examine a relação entre o sujeito e o predicado destas frases e
reescreva-as se for o caso.
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4.2.2.4 Concordância
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O que está mais próximo do verbo na oração que vem depois dos
dois-pontos é o complemento, composto por uma série de plurais:
6 Hoje em dia nossa vida diária está muito agitada; isto geram neu-
róticos, loucos e toda a espécie de doentes.
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6a Hoje em dia nossa vida diária está muito agitada; isto gera neu-
róticos, loucos e toda a espécie de doentes.
Exercício 24
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7. Não sei se você já reparou, mas a faculdade, para nós, que pode-
mos nos dedicar totalmente ao estudo, apesar de guardar muitas diferenças
em relação ao trabalho, também apresentam semelhanças.
8. Não podemos negar que os meios de comunicação, em especial
a televisão, nos dá um grande número de informações numa pequena
quantidade de tempo.
Nesta segunda versão, o e deixa bem claro que temos aqui dois
predicados a respeito da minha cama: o primeiro – tinha estado muito
sozinha nos últimos tempos – é descritivo e até mesmo verificável; já
o segundo predicado– ansiava por um pouco da minha atenção, uma
proximidade maior – é opinativo e tem o anterior como justificativa.
Predicados que opinam são bem mais interessantes do que predicados que
apenas constatam; costumam constituir, por isso, o eixo do predicado, a
oração principal. Já o predicado meramente descritivo tem vocação para
294
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1b A minha cama, que tinha estado muito sozinha nos últimos tempos,
ansiava por um pouco da minha atenção, por uma proximidade maior.
295
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1 O livro que tem uma capa dura azul pertenceu a meu bisavô.
A oração adjetiva que guardo com carinho vem depois de casa, mas
refere-se claramente a dois ou três exemplares de cada. Uma pequena
alteração de ordem resolve o problema:
296
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Ela até pode ter achado a sexta série maçante, mas de difícil leitura
foi certamente A moreninha. Uma alteração de ordem bota as coisas no
lugar:
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Exercício 26
A oração adjetiva não só está mal colocada mas também a sua rela-
ção com a principal não é de subordinação mas paralela, já que as duas
se referem ao mesmo sintagma nominal, o restaurante:
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3 Minha mãe foi minha primeira professora, que ao seu lado, en-
quanto costurava, ensinou-me a ler, escrever e contar.
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Exercício 27
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Quem esteve aqui ontem trazendo notícias não pode continuar inter-
nada; logo, a internada só pode ser a Joana, a filha. Neste caso, a infor-
mação que desambiguiza está dentro da própria frase. Nesta outra frase,
também não há ambiguidade por causa do que referencia o antecedente:
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Exercício 28
O motivo que leva ao uso de os quais nesta frase são as duas sílabas
de para: se a preposição que antecede o pronome relativo tiver mais de
uma sílaba, o qual substitui o que, como nestas frases:
Foi uma época muito boa, durante a qual o que menos fiz foi estudar.
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Exercício 29
1 Mas explico a eles que o tipo de pessoa que deve chegar à universi-
dade – ou ao menos deveria ser dessa forma – é aquela que consegue
se pensar em um contexto mais amplo, que se pensa integrante de uma
sociedade que apresenta problemas, os quais necessitam de soluções.
311
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2 Ao entrar para a escola, tive que aprender a ler pelo bê-á-bá. Era
um aluno muito bagunceiro, e isso atrapalhou consideravelmente
a minha alfabetização. Apenas dominei a leitura quando descobri
a coleção de gibis da Turma da Mônica que minha tia possuía, os
quais passei a ler incessantemente.
312
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ser mais clara e mais precisa, o que ela também não ficaria se houvesse
uma simples substituição de o qual pelo que – ...mesmo no último ano
do segundo grau, que torcia que se prolongasse... – porque o segundo
grau é que continuaria torcendo.
É preciso mexer mais na frase, a começar pelo pronome que iden-
tifica o narrador para que o narrador, em primeira pessoa, e segundo
grau, em terceira pessoa, não se confundam, já que a forma do verbo é
comum: eu torcia, eu deveria / ele torcia, ele deveria. Além disso, há
outras formas além da oração adjetiva para expressar o tempo.
4.2.3.4 Quem
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Exercício 30
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Exercício 31
4.2.3.5 Onde
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O avô dela retirou-se para Minas Gerais, de onde nunca mais voltou.
316
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Se a frase quis dizer que a maioria nunca ouviu falar do lugar onde
moram essas depreciadas pessoas e não que essas pessoas moram num
lugar onde a maioria dos moradores nunca ouviu falar nem sabe onde
fica, então, é melhor usar do qual:
Ela vai nas visitas a gente entende, mas a visitas não se vai como
se vai a museus ou espetáculos; há uma deliberação mais específica no
ato de visitar, que se expressa por fazer visitas:
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2 Foi uma época muito boa, onde o que menos fiz foi estudar.
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2a Foi uma época muito boa, durante a qual o que menos fiz foi
estudar.
319
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Onde costuma ser usado também com antecedente que nada tem a
ver com lugar: onde, por causa disso, não pode ser substituído nem por
em que:
10 Nos anos 1960 sofreu forte censura com a ditadura militar, onde
ela só mostrava e contava o que era conveniente à situação do país.
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Neste caso, o onde escamoteava uma ideia mais abstrata que aqui
ficou expressa pela palavra princípio, que permitiu o uso do singelo e
transparente de que.
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10a Nos anos 1960 sofreu forte censura com a ditadura militar, que
só deixava mostrar e contar os aspectos da situação do país que eram
convenientes aos seus interesses.
Aquele onde estava ali apenas para valorizar a frase; nesta versão o
que aparece é o lugar-comum que valoriza, pelo uso no mundo lá fora,
o que se usa no Brasil.
Exercício 32
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Tem um que ... que bem ruim aí: vamos tentar outra vez:
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3 Minha mãe tinha uma estante de livros, que ficava na sala de estar
do nosso humilde apartamento, cuja maioria tratava-se de história,
filosofia, economia e autoajuda.
Temos dois problemas nesta frase: a oração adjetiva trata dos livros,
mas seu antecedente é a sala de estar do nosso humilde apartamento.
Se a oração adjetiva estivesse no lugar – na sala de estar do nosso hu-
milde apartamento, minha mãe tinha uma estante de livros cuja maioria
tratava-se de história... –, a impropriedade seria a maioria como um
atributo de livros: livros têm folhas, capa, texto, autor, leitor, mas não
têm maioria.
Está na GUP: “constituintes relativos precedidos de de que não
marquem relação possessiva não correspondem, normalmente, a cons-
tituintes relativos introduzidos por cujo. Estão nesse caso, por exemplo,
construções em que a preposição de introduza complementos partitivos”
(NEVES, 2000, p. 369). Moura Neves exemplifica com: “Galeno escreveu
cerca de quatrocentos tratados médicos, a maioria dos quais se perdeu”.
Assim podemos resolver a frase:
3b A maioria dos livros que minha mãe tinha numa estante que ficava
na sala de estar do nosso humilde apartamento tratava de história,
filosofia, economia e autoajuda.
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5 Aos seis anos, entrei para a pré-escola cuja frequência não era
obrigatória na época, visto que hoje a pré-escola seria a primeira
série do ensino fundamental.
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3a Aos seis anos, entrei para a pré-escola, que não tinha frequência
obrigatória na época: só hoje a pré-escola é a primeira série do
ensino fundamental.
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Nesta outra frase, o cujo obriga o escritor a dizer que o poder pre-
tende vingar-se, mas, pelo que sabemos da história desse príncipe, é ele
quem pretende vingar-se.
7 O príncipe quer saber – mas quer saber antes de agir – se o seu ódio
é motivado pelo ciúme ou o mesmo está legitimamente relacionado
a uma disputa política pelo poder, cuja vingança deve ser a morte
de Cláudio devido à traição.
O cujo, de fato, até pode não existir, mas mais numerosos do que
os casos de cujo mal empregados são os casos em que o cujo poderia
comparecer para exercer o seu acúmulo de funções como (1) um pro-
nome, que substitui o antecedente; (2) um relativo, que junta as orações
contíguas; (3) um possessivo, que indica uma relação de posse ou de
pertinência entre seu antecedente e seu consequente: o antecedente pos-
sui, e o consequente é possuído assim como o consequente faz parte dos
330
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8 O diretor de cinema Aldo Alberto casou-se com uma das mais belas
atrizes da Europa na semana passada que sua obra é admirada em
todo o mundo ocidental.
A oração adjetiva que aparece nesta frase – que sua obra é admirada
em todo o mundo ocidental – refere-se ao diretor de cinema Aldo Alberto,
trata de um atributo dele, como demonstra o possessivo sua obra; só não
está no lugar adequado da oração adjetiva, que é à direita do antecedente,
isto é, do possuidor. Pondo a oração no lugar certo e substituindo o que
pelo cujo, temos esta frase:
9 Embora não me veja nem como italiana nem como alemã, acredito
ser um pouco mais alemã, devido ao forte convívio com minha avó
paterna, que sempre me ensinou palavras da língua, me levou aos
cultos e me fez muitas cucas. Cucas, aliás, que meu pai me delegou
a tarefa de aprender a receita, que há anos é passada de geração
a geração, mas que, nesta nossa, nenhuma filha, nora ou neta
interessou-se em aprender.
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10a Teve relativo sucesso naquele meio em que ele mesmo nunca se
integrou e cujos egoísmo e desumanidade criticava.
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14a Meu prazer era decorar todas as gramáticas que caíam na minha
mão para encher a Andréia de perguntas cujas respostas certamente
ela não saberia, o que fazia com que ela ficasse constrangida em
frente à turma.
15 Mas como tudo que é bom dura pouco, no ano seguinte minha
professora mudou-se para o Rio de Janeiro e foi substituída por
uma professora da qual o nome não lembro e que a única coisa que
procurou ensinar foi ortografia.
15a Mas como tudo que é bom dura pouco, no ano seguinte minha
professora mudou-se para o Rio de Janeiro e foi substituída por
uma professora cujo nome não lembro e que só procurou ensinar
ortografia.
Exercício 33
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6. Não vejo nenhum motivo para debater tal assunto com esses
pseudotécnicos: discordo frontalmente das ideias deles.
7. Receberemos amanhã nossos amigos recém-chegados da Espanha:
estivemos hospedados, no ano passado, na casa deles.
Exercício 34
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uso inadequado dos pronomes relativos; (4) a ambiguidade que pode ser
provocada pelo uso de que e de quem; (5) o uso do onde como conjunção
cola-tudo.
Há outros problemas, decorrentes de diferenças tanto genéricas
quanto específicas entre o português brasileiro e o português europeu,
do qual se deriva o padrão escrito que nos foi historicamente imposto.
Diferenças genéricas causam problemas de concordância; diferenças
específicas como, por exemplo, a restrição que o conjunto dos pronomes
relativos vem sofrendo no português brasileiro “com a consequente ge-
neralização do que” e o “desaparecimento do cujo no PB contemporâneo
[...] mesmo no padrão culto” (CASTILHO, 2010, p. 367) causam outros
problemas, que vamos examinar. Comecemos pela concordância.
4.2.3.7.1 Concordância
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3a A civilização industrial nos leva a fazer coisas que não são na-
turais.
339
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4 Essas reformas devem ser feitas por pessoas sensatas que se pre-
ocupe realmente com o bem-estar do povo.
As orações são estas: Essas reformas devem ser feitas por pessoas
sensatas e pessoas sensatas se preocupam realmente com o bem-estar
do povo. A segunda frase transforma-se em oração adjetiva; nela o que
substitui pessoas sensatas, que é sujeito e, sendo plural, leva o verbo
para o plural:
340
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Exercício 35
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7. Esta foi uma experiência que não pretendo mais passar nem desejo
que aconteça a ninguém, pois o estado nervoso em que me pus durante
aquelas horas nunca mais se apagarão de minha memória.
8. Esse afastamento dos mais jovens com relação à vida torna-se
óbvio justamente pela pouca responsabilidade destes para com os seus
filhos, uma vez que pensam não ter nada que os prendam à família além
da necessidade econômica.
4.2.3.7.2 Regência
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1 Teu filho menor brincava com um novo jogo. Esse jogo pareceu-
-me interessante.
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6 No ponto que ela estava tentando atravessar a rua não tinha ne-
nhuma sinaleira.
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Exercício 36
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Exercício 37
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4. Aliás, era uma ideia que me causava certo pavor, pois o que eu
carregava comigo (e, às vezes, parece que ainda carrego) era aquela
terrível sensação de que professor de português era aquele que a gente
sente pena.
5. Amizade, para mim, hoje, envolve sentimentos, carinho por
alguém; não envolve interesses pessoais, pelo qual eu possa vir a me
beneficiar.
6. A religião é um sistema onde este tenta demonstrar-nos a exis-
tência de um ser superior.
7. Eles estavam anunciando, para o início de setembro, um rodeio crioulo
em Bojuru, interior de São José do Norte, distante cerca de 29 km de Rio
Grande, cuja travessia só é possível através do Canal da Lagoa dos Patos.
8. De fato, desenhar era uma atividade de que gostava muito, cujos
primeiros traços eu já arriscava desde pequeno.
9. Aqueles rabiscos eram coisas escritas e que somente eu entendia
o significado (se é que tinha algum significado).
4.2.3.7.3 E que
350
gramática e estilo
351
gramática e estilo
352
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Está implícito nesta frase que todos os torcedores a que ela se refere
dançavam e estavam entusiasmados ao dançar a caminho do estádio.
Para que esta interpretação seja mantida, qualquer alteração de ordem
envolvendo o adjetivo entusiasmados implicaria o uso de vírgula(s) para
marcar o seu caráter predicativo:
A(s) vírgula(s) indica(m) que esse adjetivo não faz parte do sintagma
que expressa o sujeito. Se o adjetivo fizesse parte do mesmo sintagma do
substantivo torcedores, que é o sujeito da frase, passaria a restringir um
subconjunto dentro do conjunto designado pelo substantivo:
353
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Exercício 38
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3. O sol que é responsável pela vida neste planeta pode vir a ser
aproveitado como uma inesgotável fonte de energia.
4. O sol que brilha no Equador é mais quente do que o sol que
brilha no Sul.
5. O Palácio Piratini que foi construído no início do século não tem
instalações elétricas adequadas.
6. Era um senhor muito bem vestido, de gestos contidos e fala
pausada, que me fez evocar as leituras de minha juventude: “Um, gen-
tleman!” – pensei. – “Já não se fazem mais homens assim no mundo”.
Essa foi a primeira impressão que eu tive daquele homem que teria uma
tão decisiva influência na minha vida a partir daquele dia.
7. No domingo, demos uma chegada ao hipódromo e não fomos nada
felizes: o cavalo em que apostamos muito dinheiro foi escandalosamente
segurado pelo jóquei.
8. Escondeu no bolso a mão em que usava o anel com um brasão
da família.
9. A mão esquerda em cujo dorso ele tinha uma cicatriz de infância
acabou por denunciá-lo.
10. A casa grande de que falaste ainda não foi alugada.
359
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Uma vírgula antes da oração adjetiva – que ainda fazem falta – in-
dicaria que ela abrange o conjunto antecedente, isto é, que ela se refere
exclusivamente a esses três tios perdidos, que ainda fazem falta. A falta
dessa vírgula, tal como se vê na frase, delimita um subconjunto – esses
três tios que ainda fazem falta – dentro de um conjunto maior, ou seja,
implica que houve a perda de outros tios, que não se caracterizam por
fazer falta. Estes mesmos leitores atentos e proficientes, na falta do
imprescindível esclarecimento, prefeririam pensar num problema de
pontuação a admitir que o escritor fosse capaz de confessar tão a frio
um desapego desses.
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Exercício 39
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A oração adjetiva – que deixou sua mãe indignada – não tem como
antecedente apenas o sintagma ninguém, que o antecede imediatamente,
mas tudo o que foi expresso pelas orações anteriores, ou seja, é caso de
o que. Em vez simplesmente usar o, o autor da frase pode declarar em
que categoria enquadra, no caso, o comportamento da menina:
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Exercício 40
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Nesta outra frase, o seu autor não foi muito feliz na categorização
que providenciou para o antecedente geral.
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Exercício 41
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Assim como está – sem vírgula entre todos os dias e enquanto minha
mãe cozinhava – podemos pensar que a direção permitia que a criança
ficasse na sala de aula apenas durante o tempo em que a mãe estava
cozinhando, isto é, a oração temporal se refere a todos os dias especifi-
cando ainda mais o tempo em que se dá a condição expressa pela oração
principal: a direção permitiu que eu ficasse na sala de aula do Jardim. O
sentido muda se houver uma vírgula entre as duas indicações de tempo.
4 Meu irmão, um ano e nove meses mais velho que eu, foi meu colega
no primeiro desses dois anos e, em seguida, passou para a turma do
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Pré. Foi muito bom ter ele como colega, mas foi triste vê-lo partir
enquanto eu permanecia no Jardim.
4a Foi muito bom ter ele como colega, mas foi triste vê-lo partir,
enquanto eu permanecia no Jardim.
Nesta versão com vírgula, a oração temporal não faz uma indicação
que especifica o tempo em que se deu a experiência anteriormente rela-
tada: foi triste vê-lo partir; enquanto isso, eu permanecia... Nestas outras
frases, as temporais são especificadoras ou restritivas:
5 Mas, graças a Deus, a língua escrita existe sem mim, e minha re-
lação com ela será sempre estreita enquanto meus olhos já míopes
permitirem.
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1c Nunca se dera bem com seus colegas de pensão; por causa disso,
brigou com eles e mudou-se para um quarto alugado no Centro.
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A oração temporal que inicia a frase está separada dela por uma vírgula; a outra oração,
intercalada, está separada por vírgulas. Um terceiro motivo para o deslocamento
pode ser a necessidade de desambiguizar uma frase, como ocorre, por exemplo, na
que segue:
A oração adverbial não está separada por vírgula porque está no fim
da frase. Nesse local não fica claro se o sujeito da concessiva é o mesmo
da anterior ou o da principal. Como muito provavelmente é o mesmo da
principal, basta deslocá-la para perto dele:
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Exercício 42
Marque com vírgulas o que for não restritivo (ou não especificador):
1. Dependendo do ponto de vista, minha relação com a língua escrita
pode ter começado antes disso quando eu brincava de juntar várias letras
e perguntar à minha mãe o que eu havia escrito.
2. Ressalto, infelizmente, a decepção que tive em relação às aulas
de Língua Portuguesa desde a quarta série com o início dos estudos das
classes gramaticais, até a oitava série quando terminamos de estudar as
funções gramaticais dos elementos em orações complexas.
3. Essa desvalorização tem origem no início da escola quando os
alunos começam a ser recriminados pela forma como falam, como escre-
vem, como comportam-se, como interagem ou como não interagem, etc.
4. Normalmente eu volto a mim quando ela já está tentando engan-
char a bolsa na cadeira.
5. Aos sete anos quando comecei a frequentar a escola já tinha
adquirido mais estrutura corporal, mais força.
6. Esse já era meu primeiro receio, eu não admitia a ideia de ficar
sentada estudando enquanto meus colegas brincavam lá fora.
7. A minha história inicia basicamente no ano de 1995 quando
cursava a sexta série do ensino fundamental.
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Lá, naquele capítulo anterior, usamos o mas, que, tal como o mesmo
assim, serve para que o escritor comunique ao leitor que ele também acha es-
tranho que um aluno mais aplicado não seja respeitado. Uma conjunção vai
ser indispensável se o escritor quiser questionar o consenso; pode ser uma
oração adjetiva que exponha as características desse aluno mais aplicado:
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1 Rogério Marcelo, que decorava tudo tal como estava escrito nos
livros didáticos e reproduzia tal qual em todas as provas, era con-
siderado pelos professores o aluno mais aplicado da turma, mas
nenhum dos colegas o respeitava.
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4.4.1 O aposto
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A escola era constituída por uma sala de aula, que era um pequeno
cômodo com materiais da escola, como livros didáticos, mimeógrafo,
giz, mapas geográficos, as 25 classes para os alunos e um quadro-
-negro, por uma cozinha, por dois banheiros para os alunos e pela
sala dos professores.
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2 Com o passar dos meses, fui ouvindo a opinião das minhas colegas,
que eram todas desfavoráveis à permanência da atual direção.
2a Com o passar dos meses, fui ouvindo a opinião das minhas colegas,
todas desfavoráveis à permanência da atual direção.
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Mais uma vez, como o leitor não pode apelar para a conjunção que
para interpretar a relação que o autor vê entre estar irritado e não pagar,
ele apela para a predicação que a oração adjetiva faz a respeito do seu
antecedente – os moradores da rua. Todo mundo sabe que a irritação
faz com que as pessoas acabem decidindo-se por agir; desse modo, es-
taríamos novamente diante de uma relação de causa e efeito, que o leitor
pode novamente traduzir por um porque:
Quem escreveu a versão anterior a esta pode ter achado que, de fato,
não havia necessidade de explicitar essa relação de causa e efeito porque
qualquer leitor faria essa interpretação, e a oração adjetiva localizada ali
produziria uma frase mais equilibrada do que esta segunda versão, que
acabou com um segmento menor – a oração causal porque estavam ir-
ritados com a demora da prefeitura – no fim e com um segmento maior
no início – Os moradores da rua decidiram não pagar suas contas de
água e luz enquanto a situação não fosse resolvida –, além de esconder
no meio da frase a necessária ênfase na solução do problema: enquanto
a situação não fosse resolvida.
Para equacionar melhor esta parecença semântica entre as orações
adjetivas não restritivas e as orações adverbiais, vamos trabalhar esta
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gramática e estilo
frase destacando uma semelhança formal entre elas: tanto os não restri-
tivos quanto os adverbiais em geral podem deslocar-se dentro da frase.
Como a oração adjetiva – estavam irritados com a demora da prefeitura
– tem um predicado nominal, vamos transformá-la em uma reduzida de
particípio e deslocá-la:
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Exercício 43
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6 Antônio não pôde tomar conta de seu sobrinho órfão, sendo menor
de idade.
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Exercício 44
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3a Ele não é aluno que tire nota baixa. (Neste caso, o presente do
subjuntivo indica uma continuidade no tempo.)
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Exercício 45
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4.5 ADVERBIAIS
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8 O samba, que veio para o Brasil junto com os escravos, é visto até
hoje com desprezo pelas elites nacionais.
8a O samba é visto até hoje com desprezo pelas elites porque veio
para o Brasil junto com os escravos.
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18 O jeito foi mandar consertar mais uma vez o seu velho sapato;
realmente, a vida estava muito difícil – relação de conclusão.
19 Ela está treinando duas horas por dia desde o mês passado; certa-
mente, tem boas chances de se classificar – relação de causa e efeito.
Exercício 46
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Exercício 47
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3 Sua reação foi violenta porquanto muito grande era a injustiça que
estavam cometendo com ele.
7 Visto que ele não cumpriu sua parte no acordo, foi levado a jul-
gamento.
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8 Guardou com tal zelo o segredo que ninguém ficou sabendo onde
se refugiara seu tio.
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10a Acomodou-se num dos bancos de trás do ônibus de tal jeito que
não lhe escapasse nenhum movimento dos dois suspeitos.
4.5.1.2 Concessivas
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1 Ainda que não haja nuvens pretas no céu, a tempestade não tarda.
Bem que apresenta uma objeção que, mesmo assim, considera bem
resolvida situação tal como está:
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4.5.1.3 Condicionais
4 Sem que nos garantam a posse da terra, não haverá paz nestes
campos.
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A menos que propõe uma condição que envolve uma volta a uma
situação anterior à estabelecida no momento da sua enunciação:
7 Uma vez que sequer levaram o meu projeto para uma discussão,
resta-me pedir demissão.
4.5.1.4 Conformativas
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4.5.1.5 Comparativas
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4.5.1.6 Proporcionais
4.5.1.7 Temporais
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Exercício 48
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Exercício 49
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ORDEM E NEXOS
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b) A oração não se caracteriza por limites gráficos mas pelo que que-
remos dizer com elas; a oração é a uma unidade de fala, de conteúdo,
que, na escrita, se combina com outras orações para compor uma frase.
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3 Foi mais ou menos por essa época, lá pela sétima, oitava série, que
comecei a escrever mais, colocar no papel tudo aquilo que eu, que
sempre enchi a boca para falar das minhas habilidades precoces de
escrita, tinha vergonha de colocar por medo de arruinar essa ima-
gem que eu tinha construído de mim apesar de eu ainda ter medo de
escrever, não mais por esse motivo, mas por achar o tempo todo que
o texto nunca vai sair como eu planejava.
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As crianças só querem saber se, depois que o sol vai dormir, ele volta
ou acorda novamente.
As crianças só querem saber se, depois que vai dormir, o sol volta
ou acorda novamente.
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Esta frase topicaliza a FIFA com um verbo que expressa o que ela
fez compondo o comentário da frase com o complemento desse verbo,
em que uma oração adjetiva trata do efeito produzido por esse ato sobre
os jogadores de futebol.
O assunto, enfim, pode ser tratado a partir de diferentes pontos de
vista: como um acontecimento entre outros, como um evento que afeta
os envolvidos, como uma ação de responsabilidade de alguma pessoa
ou instituição, neste caso acontecido no início dos anos 1980, quando a
FIFA determinou que a adequada maneira de comemorar gols não era o
extravasamento das emoções do goleador mas um formal aperto de mão
entre ele e o capitão do seu time. A revolta dos jogadores submetidos à
autoridade da FIFA foi planetária, e houve quem comentasse que não era
só no Brasil que leis não pegavam, ou seja, esse evento certamente não
foi apenas mais um entre tantos outros, mas isso não impediu a ação de
437
gramática e estilo
quem quis fazer de conta que era, assim como nada impede que alguém
queira dar um caráter escandaloso a um ato corriqueiro.
Na escola, nada nos falaram sobre tema e rema nem sobre tópico
e comentário, mas nos ensinaram que frases e orações se compõem de
sujeito -– a menina e o cachorro naquelas nossas frases de referência
– e predicado – saiu de casa, caminhou até a esquina, viu o cachorro
vermelho e correu na direção dele –, na frase que fala da menina – viu
a menina, abanou o rabo, latiu e correu em sua direção – e na frase que
fala do cachorro. Nessas frases, os sujeitos são os tópicos, tal como na
frase sobre a venda de laticínios, mas, na frase que abre este parágrafo,
o tópico é na escola, e o sujeito é aqueles que nada falaram mas nos
ensinaram ou aquele que nada falou mas nos ensinou, porque esta
terceira pessoa do plural que fala de um que é igual a muitos outros ex-
pressa a irrelevância individual de quem fez isso. Na escola é o tópico
porque, entre Na escola e o comentário, o leitor não encontra ninguém;
só encontra nada.
Além disso, a escola é o único lugar onde alguém, bem ou mal
e para o bem ou para o mal, ensina isso pra todo mundo e não vem
ao caso quem está lá pra ensinar isso porque os que estão lá pra en-
sinar isso só ensinam isso porque estão lá. Nenhum deles pensaria
em chamar um filho, um sobrinho, um afilhado, sentar com ele na
mesa da cozinha e ensinar-lhe o sujeito e o predicado, nem, menos
ainda, sentar com ele na areia da praia pra fazer isso (a não ser, é
claro, que um desastre escolar já tenha acontecido). Nesta frase, o
comentário, isto é, o que se diz a respeito do que acontece na es-
cola, é composto tanto pelo sujeito – os que nada falaram mas nos
ensinaram – quanto pelo predicado – nada nos falaram sobre tema e
rema nem sobre tópico e comentário mas nos ensinaram que frases
e orações se compõem de...
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Nada nos falaram sobre tema e rema nem sobre tópico e comentário
na escola, mas nos ensinaram que frases e orações se compõem de
sujeito.
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gramática e estilo
Nesta ordem, em que o tópico é nada, o que fica bem claro é que
nós inventamos com esse uso da terceira pessoa do plural – falaram...
ensinaram... – um jeito de não falar a respeito de quem (não) praticou a
ação, no caso, as ações de falar e de ensinar. Inventamos até mesmo a
voz passiva, que é uma forma não só de topicalizar mas também de dar
a função de sujeito àquele que sofre a ação numa frase em que alguém
desconhecido pratica a ação. Pode ser também que o agente da ação
seja conhecido mas irrelevante como aqueles que nada nos ensinaram
além de sujeito e predicado. Com a voz passiva, podemos até resgatar
a ordem direta:
Nada nos foi ensinado na escola sobre tema e rema nem sobre tópico
e comentário.
Nessa frase, nada, que não faz nada, é o sujeito. Sujeito, portanto,
além de não ser sempre o ser de quem se fala, pode também não ser o
ser que pratica a ação, mas é verdade que a frase, assim como se divide
em tópico e comentário, também se divide em sujeito e predicado, e é a
respeito do sujeito que o verbo, que é o núcleo do predicado, diz alguma
coisa. Vamos examinar esta frase, retirada de uma notícia da revista Carta
Capital nº 854, de 17/6/2015, p. 52:
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Há quem não goste de frases grandes, nem mesmo das que são,
mesmo assim, legíveis. Há quem estabeleça um limite de até três linhas
como ainda aceitável, o que não deixa de ser um critério sensato, pois
é bem possível que seja menos trabalhoso dividir uma frase grande do
que torná-la legível. Vamos tentar, mas sem ficar semeando pontos pelo
caminho, como, muitas vezes, simplificam os jornalistas.
Temos agora uma frase de duas linhas e meia e uma frase menor.
Fica melhor assim?
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gramática e estilo
foi reduzido de tal maneira que alguns estudantes pensam ser a lite-
ratura, em toda sua grandiosidade, o mero ensino das características
de cada escola literária e as obras escritas em cada época, decidi
cursar Letras.
Neste caso, esta recomposição acabou por deixar bem claro que
esta frase precisa mais do que apenas esta retificação de ordem: não fica
claro por que o aprendizado de Língua Portuguesa é anteposto ao de
Literatura, já que a frase só trata do ensino de Literatura. Também não
fica clara a relação que a frase quer estabelecer entre o eu que a enuncia
e os alguns estudantes que pensam ser a literatura... O controle do eixo
da frase tem também a virtude de revelar com maior clareza problemas
mais graves do que simplesmente a ordem dos constituintes. Sendo assim,
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gramática e estilo
5 Acredito que tudo que faça o aluno se envolver com a obra, que
faça ele tirar da cabeça o pensamento de que não vai servir para
nada o que ele está aprendendo é válido.
Exercício 50
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3. Posso dizer que o meu grande mérito foi conseguir provocar o gos-
to pela leitura nos alunos, pois há importância de ler para nos tornarmos
pessoas críticas reflexivas diante da realidade que está em nossa volta e
formar cidadãos responsáveis e atuantes na sociedade que se apresente.
4. Muitas coisas do meu aprendizado como aluno de português se
perderam durante esses anos, mas, assim como algumas lembranças se
perdem outras sempre ficam guardadas, consciente ou inconscientemente,
e acabam aflorando, por isso acho bem possível que ao tentar ensinar aos
meus alunos pode surgir uma maneira originalmente minha ou simples-
mente plagiada de um ou outro professor que tive, então, vai me restar
contar aquilo que ainda me lembro das minhas aulas de português mesmo
não sabendo se produzi um conhecimento ou o reproduzi.
5. Eu, em minha curta existência de 21 anos, posso dizer que
foram bem vividos, e foram várias as situações em que considerei um
bom aprendizado, e tive angariado conhecimento e experiência para os
diversos percalços e alegrias da vida.
6. De forma que seja possível a estes jovens encontrarem, enfim,
uma única razão para a vida em sociedade: a possibilidade de enriquecer
enquanto ser humano e a chance de poder criar seus filhos no país que
todos nós um dia sonhamos.
7. Nos próximos quatro anos, o povo brasileiro esperará que o país
passe por uma mudança, agora que trocou de governo o povo está mais
esperançoso.
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Mesmo não tendo dúvida de que esta frase trata de nosso planeta
Terra e assevera que nele havia ar puro, terras férteis e águas cristalinas,
muito provavelmente vai nos ocorrer de perguntar pelo sujeito e pelo
predicado e é bem possível também que nos ocorra de sugerir alguma
revisão, como esta, por exemplo:
Aprendemos na escola que haver forma frases sem sujeito; por isso,
acrescentamos em (no) para impedir que nosso planeta Terra pareça o
sujeito da frase e suprimimos nele, que repete a referência ao planeta.
Para evitar também a muito evidente repetição do no, podemos deslocar
no princípio e eliminar o artigo eliminável:
Se nosso planeta não for o tema mas o âmbito em que o texto trata
a passagem do tempo, podemos topicalizar no princípio:
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Nos três casos, o que temos é um tópico que não é o sujeito da frase
– (5) os característicos físicos dos negros importados para o Brasil, (6)
a arte de sangrar, (7) o livrinho de missa. Os sujeitos são estes: na frase
5, a oração que começa com seguir e vai até o fim da frase: isso tudo é
que é interessante; na frase 6, o sintagma que começa em escravos afri-
canos e vai até dentistas: foram eles que exerceram a arte de sangrar;
na frase 7, aquela(s) indeterminada(s) criatura(s) indicada(s) pelo plural
de sabiam: ela(s) é que não sabia(m) ler.
Não foi bem assim que Gilberto Freyre escreveu estas frases em
Casa-grande & senzala. Vamos, então, ver as frases originais:
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Exercício 51
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No fim de cada uma das duas frases deste trecho, há uma expressão
deslocada para o fim com a finalidade de produzir ênfase:
Na fronteira passamos nada mais nada menos do que dez dias es-
condidos no mato.
A expressão nada mais nada menos lança um foco sobre o que vem
depois, os dez dias escondidos no mato.
A expressão é que produz o mesmo efeito sobre o constituinte que
vem antes dela:
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Desse modo, a frase pode ter como tópico o tema de que queria tra-
tar, isto é, da peculiaridade de serem os professores esquecidos, sem ser
obrigada, para adequar-se à sintaxe da língua escrita, a tratar dos alunos
que esquecem. Essa ordem nos possibilita também enfatizar, no fim da
frase, o nome e a fisionomia, ou seja, exatamente as coisas esquecidas,
e não os imprecisos portadores dessas coisas como na versão anterior.
Se, entretanto, o autor da frase não quiser enfatizar nem o nome nem a
fisionomia mas o esquecimento, ele pode dar um outro equacionamento
a essa cadeia:
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Como a frase assevera que essa definição tem vigência na relação pro-
fessor-aluno, essa condição pode ser estabelecida desde o início da frase:
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Exercício 52
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Desse modo, com toda a lista vindo depois do apenas, fica mais
fácil para o autor avaliar se tudo isso é realmente apenas e, dependendo
dessa avaliação, manter a frase assim mesmo ou compor uma outra.
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Exercício 53
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Já não é tão seguro que ninguém vai ler que a narradora não enten-
dia certas coisas nos livros e, então, pesquisava essas coisas. Pra deixar
bem claro que os livros eram as fontes de informação para entender o
que ela não entendia, uma alteração de ordem ajuda (um eu que outro
vai ajudar o leitor a ter certeza de que a frase trata da narradora e não de
uma terceira pessoa):
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Até o leitor entender que para poder aplicar projetos não se refere
às mínimas condições de vida do povo mas às ideias palatáveis que
outros governos mentiam, um bom esforço interpretativo vai ter de ser
dispendido. O infinitivo, assim como o gerúndio e o particípio, formas
nominais do verbo, não têm desinência de concordância; por causa disso,
a relação sujeito-predicado depende da colocação. Podemos deixar o
sujeito como tópico e rearranjar o meio:
Desse modo, fica claro quem pretende aplicar projetos políticos que
levam à concentração de renda. Como, na verdade, a aplicação desses
projetos é a questão, podemos topicalizá-la:
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Exercício 54
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3 Por um lado, saber ler e escrever, era algo mágico, pois eu podia
ler sozinha e à hora que eu quisesse, mas, por outro lado, isso me
privou de ouvir a voz da minha mãe antes de eu dormir.
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3a Por um lado, saber ler e escrever era algo mágico, pois eu podia
ler sozinha e a hora que eu quisesse, mas, por outro lado, isso me
privou de ouvir a voz da minha mãe antes de eu dormir.
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5 Creio, que é pelo resultado disso tudo que, quando pensamos que
nos conhecemos verdadeiramente, não nos conhecemos e não conhe-
cemos o próximo porque, no próprio ato em que nos conhecemos,
nos desconhecemos.
5a Creio que é pelo resultado disso tudo que, quando pensamos que
nos conhecemos verdadeiramente, não nos conhecemos e não conhe-
cemos o próximo porque, no próprio ato em que nos conhecemos,
nos desconhecemos.
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Mais uma vez é um advérbio do verbo: ela foi barrada mais uma
vez. O que está intercalado é mais uma vez barrada pelos meus pais, entre
pois – a conjunção que abre a oração – e a oração não pude estudar em
um centro maior:
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Exercício 55
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Ela gostava muito de sair com amigos; só não queria saber de namo-
ros. Com muito bom humor, a estudante de Ciências Jurídicas dizia
que namoraria quando conhecesse bem os seus direitos.
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6 Cada vez que olhava para minha mãe lembrava do rosto daquele
infrator, afirmando que não foi nada.
6a Cada vez que olhava para minha mãe, lembrava do rosto daquele
infrator, afirmando que não foi nada.
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10a No final do ensino médio teria que prestar vestibular e teria que
ler livros e fazer uma boa redação para ser aprovada.
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Exercício 56
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5.2.3 Intercalações
1 Escrever era muito penoso nem tanto por causa da ortografia quanto
pela legibilidade do que eu punha no papel: para o desespero da pro-
fessora, esgotei uma série de cadernos de caligrafia, sem melhoras.
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2 Agora, já com passos mais lentos, não se priva em parar nos por-
tões para conversar com as vizinhas que encontra, porém seu jeito
extrovertido causa um certo incômodo a outras senhoras mais jovens
que quando poderiam sair com a simples finalidade de se divertir e
conversar para melhorar o bem-estar e a qualidade da vida dedicam-
-se apenas aos serviços do lar e ao cuidado dos netos.
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Quando comecei a ler com meus pais é uma oração adverbial que
está no fim da frase, ou seja, no seu adequado lugar na ordem direta; não
há necessidade, portanto, de vírgula. Por volta dos 6 anos é um adjunto
adverbial deslocado para o início da frase; como o que segue não desen-
volve o que diz esse adjunto adverbial, a vírgula é conveniente; já em
todas as noites antes de dormir é um adjunto adverbial intercalado entre
que, que inicia a oração e a oração por ela iniciada – que... meu pai lia
um livro de... Como o tema da oração é o sujeito que a inicia – meu pai
–, é o caso de colocar esse adjunto adverbial entre vírgulas.
9 Este termo ouvi, ainda quando criança, da boca de minha avó, uma
senhora muito prestativa e amável, também engraçada e irônica.
510
gramática e estilo
511
gramática e estilo
11a E, se antes achávamos legal tirar menos nota que nossa amiga
de infância, agora fazemos questão de dois décimos a mais para
manter a liderança.
Exercício 57
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Não dá pra dizer que não dá pra entender, mas os parênteses assi-
nalam uma maior distância entre a frase e o intercalado de tal modo que,
se não se pode limitar o uso dos parênteses para assinalar apenas frases
inteiras, pode-se vincular o uso de travessões a constituintes de frases.
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2 Creio, e posso ser imprecisa, pois já faz algum tempo, que tudo
começou quando eu tinha uns 12 anos.
2a Creio – e posso ser imprecisa, pois já faz algum tempo – que tudo
começou quando eu tinha uns 12 anos.
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9 Em 2006 tive uma experiência única que, com certeza, nunca vou
esquecer: me mudei para Rio Branco, no Acre. Antes de nos mudar-
mos, pesquisei tudo sobre o estado e a cidade na internet: distância,
quantas horas de voo, como era o clima, tudo, completamente tudo,
e pensei estar preparada para esta mudança, mas não foi bem assim.
Há uma lista intercalada, pois a frase termina depois que a lista aca-
ba; travessões são particularmente úteis para destacar listas intercaladas:
9a Em 2006 tive uma experiência única que, com certeza, nunca vou
esquecer: me mudei para Rio Branco, no Acre. Antes de nos mudar-
mos, pesquisei tudo sobre o estado e a cidade na internet – distância,
quantas horas de voo, como era o clima, tudo, completamente tudo – e
pensei estar preparada para esta mudança, mas não foi bem assim.
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11 Não sei qual dos dois ele conseguiu calar primeiro, mas – pelo
que vi – a única coisa que aquela música estava fazendo pelo passeio
da família era deixar a criança nervosa.
11a Não sei qual dos dois ele conseguiu calar primeiro, mas, pelo
que vi, a única coisa que aquela música estava fazendo pelo passeio
da família era deixar a criança nervosa.
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Há uma lista distribuída nas duas frases, as quais contêm listas in-
ternas, com alguns de seus itens comentados. A pontuação, no entanto,
não distingue adequadamente entre item e comentário.
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Exercício 58
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pode ser interpretado como uma oração adjetiva com verbo ser elíptico
e, como consequência disso, com um pronome relativo também elíptico.
Não há verbo, portanto, mas o substantivo visão atribui a um momento
histórico o papel temático de coisa vista, avaliada, e a equivocada o
papel de resultado dessa avaliação.
Como já vimos na seção anterior deste capítulo, a escola, bem
ou mal, nos alertou para as relações de concordância, que relacionam
o verbo com o sujeito, e para as relações de regência, que relacionam
o verbo com os seus complementos. Sobre papéis temáticos, a escola
nada disse, mesmo que tenha falado em quem diz, o que é dito, a quem
é dito, quem foca e em que foca, quem olha e para o que olha e outras
coisas semelhantes. O que é preciso ficar claro é que as funções sintáti-
cas – sujeito, objeto direto, objeto indireto, etc. – e papéis temáticos não
se superpõem, como nos mostra um exame da frase 5: Foi apoiado pelo
resto da Europa como alternativa e barreira ao comunismo. O verbo é
foi apoiado, que atribui a o regime fascista o papel temático daquilo que
se beneficia de uma ação e a função sintática de sujeito. Já numa frase
como O resto da Europa apoiou o regime fascista como alternativa e
barreira ao comunismo, o regime fascista continua tendo o mesmo papel
temático, mas tem a função sintática de complemento do verbo.
Na NGPB, um pouco mais adiante, na mesma seção, encontramos:
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ram aos papéis temáticos. Não vamos nos exaurir com nomes já que a
percepção de papéis temáticos é intuitiva, como podemos ver nesta série
de frases com o verbo quebrar:
1 A vidraça quebrou.
2 A bola quebrou a vidraça.
3 O menino quebrou a vidraça.
4 O menino quebrou a vidraça com a bola.
5 A vidraça foi quebrada pelo menino.
6 A vidraça o menino quebrou com a bola.
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a) nem sempre o ser que pratica a ação, isto é, o agente, tem função
sintática de sujeito (frase 1); se escolhemos o objetivo como sujeito
(frase 1), não sobra lugar na frase para mencionar o agente;
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O que explicaria, então, uma frase tão comum como esta: A galinha
botou um ovo? Ou a presunção de que todo mundo sabe onde galinhas
botam seus ovos, ou a avaliação de que, se alguém faz esse anúncio, é
porque sabe onde está ou estava o ovo, ou a percepção de que botar um
ovo não é a mesma coisa que botar um livro na pasta. Seja como for, se
a galinha botar o ovo em algum lugar inusitado, o locativo vai acabar
aparecendo:
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Exercício 59
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Neste caso, uma grande seca perde a preposição por para poder
exercer a função de sujeito da oração e escolhemos um verbo mais com-
patível com esse sujeito: estava se prolongando.
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Exercício 60
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Assim fica claro que é ela – a televisão – que nos faz preferir a
companhia dela e nos obriga a nos deixarmos comandar por ela.
3a Ele caiu no chão batendo com a cabeça numa pedra, o que lhe
deu morte imediata.
Para lermos eles nesta frase como tipo conquistador, fazemos uma
concordância ideológica com a generalidade que tipo expressa. Para
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sujeito composto de uma voz passiva com o verbo ser elíptico tendo
provocada como predicativo, que também não concordaria com esse
sujeito composto. Rebeldia e alienação também não pode ser o sujeito
de aceitarem e serem; finalmente, na primeira oração, está jovens, que
seria um sujeito contraditório com não aceitarem suas novas ideias e
serem conservadores. Muito provavelmente estamos diante de uma con-
cordância ideológica de sociedade, que tem sentido plural, com aceitarem
e serem. Além disso, o verbo ocorrer, que apresenta um evento visto de
cima, não é o mais adequado para expressar uma relação de causa e efeito.
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a matéria para nós e achavam que era o suficiente; por isso, não
faziam com que o aluno fosse além.
Não custa deixar bem claro que o sujeito de nunca tiveram vontade
não é os trabalhos, mas os pais.
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Pode ser também que tudo isso aconteça em sala de aula; nesse caso,
a topicalização dessa circunstância de lugar assegura esse entendimento:
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Exercício 62
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Nesta frase, quem concorda não pratica uma ação, isto é, o sujeito
de concordar não é agente nem o complemento de concordar é um objeto
direto, já que concorda com. Não se trata, portanto, de usar mecanicamente
o verbo ser + o particípio do verbo principal para formar uma voz passi-
va: é preciso também verificar a relação entre o agente da ação verbal e o
paciente da ação verbal. Não havendo, ação não há agente; não havendo
complemento sem preposição, não há um objeto direto para virar sujeito.
Na NGPB ainda podemos ler:
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Então:
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9 Quebraram a vidraça.
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Exercício 63
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5.3.2 Concordância
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escreve. O PB não padrão é a língua que nós falamos, a que foi estudada
pelo Projeto de Gramática do Português Brasileiro Falado e está exposta
na NGPB. No comentário do Quadro 4.2 – Características do PB popular
e do PB culto, que se estende da página 206 a 209, podemos ler:
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Essas vírgulas, que dão a saber como ela se constituía uma cara de
aposto e não de um segundo termo de uma coordenação, levam o verbo
para o singular. Se o que interessa ao autor não é apenas saber como
essa tradição se constituía mas, de fato, a tradição e sua constituição,
uma construção paralela sempre ajuda:
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1 Ainda que a manhã de aulas que vem pela frente não sejam tão
merecedoras de minha presença, que acordar às 5h30 da madrugada
não seja humano, que morar a 30 km da universidade seja uma dura
realidade, têm pessoas por aí que passam muito mais trabalho que
eu, então o negócio é mesmo me conformar e correr.
1a Ainda que as aulas da manhã que vêm pela frente não sejam tão
merecedoras de minha presença, que acordar às 5h30 da madrugada
não seja humano, que morar a 30 km da universidade seja uma dura
realidade, têm pessoas por aí que passam muito mais trabalho que
eu, então o negócio é mesmo me conformar e correr.
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Exercício 64
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Ou assim:
3 Hoje em dia nossa vida diária está muito agitada; isto geram neu-
róticos, loucos e toda a espécie de doentes.
Esta frase mostra que os pronomes como isto não são levados a
sério como sujeito de frase ou, pelo menos, não são páreo para três
substantivos coordenados que tratam de seres tão peculiares. Talvez um
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Exercício 65
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Talvez para o autor haja algum ganho em não ter um erro de con-
cordância indigitado e punido com um desconto na nota.
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Podemos corrigir para que não riam de quem não decorou a regra que
diz que haver é impessoal
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6 Foi um alívio quando avistamos o pai das garotas, pois vimos que,
apesar de tudo, ainda existe seres humanos sensatos no nosso mundo.
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Exercício 66
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5.3.2.5 Infinitivo
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2 Eles não podem entrar em edifícios ditos dos brancos ou, se entrar,
tem de ser pela porta dos fundos.
2a Eles não podem entrar em edifícios ditos dos brancos ou, se en-
trarem, tem de ser pela porta dos fundos.
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11a Ao prestarem atenção mais na fala dele do que no que ele estava
dizendo com a finalidade de desviarem a atenção do que ele dizia
para o modo como ele falava, estavam fazendo uso daquele histó-
rico preconceito linguístico para desqualificarem o que ele dizia e,
principalmente, o que ele poderia vir a dizer.
12a Mas será que algumas regras não poderiam ser transgredidas?
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Exercício 67
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1 Sei que ainda tenho muito que aprender, ler, me reciclar, porque
até para mim como aluna tem sido meio complicado acompanhar
algumas coisas que lá no meu tempo de graduação não foi tratado.
1a Sei que ainda tenho muito que aprender, ler, me reciclar, porque
até para mim como aluna tem sido meio complicado acompanhar al-
gumas coisas que lá no meu tempo de graduação não foram tratadas.
1b Sei que ainda tenho muito que aprender, ler, me reciclar, porque até
para mim como aluna tem sido meio complicado acompanhar algumas
coisas que, lá no meu tempo de graduação, não foram tratadas.
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3 Após concluir o currículo não pude mais estudar por motivos pes-
soais ficando seis anos afastados da escola.
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Não, não, não: Bechara está certo. Vamos fazer a concordância com
o núcleo mais próximo já que o sujeito vem depois do verbo:
8b Queremos bem clara nossa opinião e nossos argumentos deixando
escritas, sem possibilidade de outras interpretações, as palavras que
os expressam.
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Exercício 68
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6 Faz muito tempo que todos vivem dizendo que se deve comprar tais
mantimentos, mas ninguém toma providências concretas.
6a Faz muito tempo que todos vivem dizendo que se devem comprar
mais mantimentos, mas ninguém toma providências concretas.
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Assim como está, com o verbo anteposto, até que fica muito bem,
principalmente porque aquilo que vai ser resolvido fica na posição em que
ficaria o que vai ser resolvido mesmo na ordem direta; claro que, falando,
qualquer um de nós diria, nessa ordem ou em outra qualquer, resolve-se.
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Se a ordem dos elementos da frase fosse esta – Além dos sons na-
turais do campo, ouvia-se a algazarra de pessoas que brincavam ao sol
e na água –, alguém cogitaria o plural?
O plural fica melhor até porque a gente pode pensar numa forma
reflexiva, em que as primeiras trovoadas de verão é o sujeito, que anun-
cia, e aquilo que é anunciado é objeto direto. Compõe-se aqui um belo
quadro: as primeiras chuvas de verão chegam anunciando-se a si mesmas.
11 Parece que nossos alunos têm que copiar, ler e ouvir a professora
falando para prestarem atenção e manter o silêncio dentro da sala
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Não se trata, portanto – nem para quem escreve nem para quem
ensina a escrever – de mera e mecanicamente corrigir a concordância,
mas de indagar o que estão querendo nos revelar as não ilusórias con-
cordâncias heterodoxas que ocorrem no que escrevemos e no que lemos.
Bem melhor do que esperar outros tantos séculos para que nos outorguem
o crachá de artista e passem a louvar o produto de nossas prodigiosas
intenções criadoras, vamos tentar descobrir que traços controladores de
concordância nos revelam estes casos coletados em textos de quem está
58 Na Moderna gramática portuguesa, de Evanildo Bechara, o Sumário anuncia, no capítulo
Concordância verbal, a partir do subtítulo Outros casos de concordância verbal, 28 casos
que mereceram esse tratamento especial.
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1 Seu modo descontraído, seu jeito jovial e seu sorriso aberto leva
encanto à vida.
1a Ela leva encanto à vida com seu modo descontraído, seu jeito
jovial e seu sorriso aberto.
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9 E mesmo quem fala mal deles e faz fofoca fazem isso porque têm
inveja.
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Exercício 70
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59 Silepse, segundo o Dicionário Houaiss (2009), significa figura pela qual a concordância
das palavras na frase se faz logicamente, pelo significado, e não de acordo com as regras da
gramática.
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Seus cabelos, hoje brancos, não podem nos dar a ideia da cor que
devem ter tido na sua juventude, mas, segundo contam, era escuro
como a noite.
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Exercício 71
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5.3.3 Regência
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-ooooo no fim da frase nos parece ainda mais bizarra. Por isso, em nome
da singeleza, podemos nos autorizar a usar o que a NGBP chama de ele
acusativo, da língua que falamos, desde que, é claro, estejamos dispostos
a segurar a bronca dos que acham que isso está errado:
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O sujeito da oração – o que, que está no singular – não faz uma figura
muito forte de sujeito para concorrer com um pronome pessoal – os – no
controle da concordância. Então, restaurando o poder do sujeito, temos:
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de fazer esse esforço para usar o pronome da escola, tivesse optado por
registrar sua fala, é muito provável que tivesse escrito uma frase correta
com a preposição de, que usamos depois do verbo exigir:
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Aqui temos:
1) o verbo ser com predicativo expresso por adjetivo que faz uma
avaliação – preciso – com o sujeito oracional acolher os meninos...
sociedade;
2) acolher, que tem um sujeito impessoal gente expresso pela forma
do infinitivo e como objeto direto os meninos de rua;
3) tentar, que tem o mesmo sujeito impessoal agente do verbo da
oração anterior e como objeto direto a oração de infinitivo ingressar-
-lhes na sociedade;
4) ingressar, que tem o mesmo sujeito impessoal agente das ora-
ções anteriores, os meninos de rua como objeto indireto expresso pelo
pronome oblíquo -lhes e na sociedade como locativo. Aí está o proble-
ma: ingressar, segundo o DGV, “indica ação com sujeito agente e com
locativo” (BORBA, 1990, p. 863), ou seja, não há objeto indireto na
sua valência; por isso, os meninos de rua deveriam exercer a função de
sujeito de ingressar, já que são eles que ingressam. Podemos determinar
que aquele mesmo sujeito impessoal assuma o papel de agente nesta
frase usando a perífrase fazer ingressar:
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Neste caso, temos -los indicando que os meninos de rua são o objeto
direto de fazer e sujeito de ingressar; se quisermos botar por escrito a
língua que falamos, podemos usar eles acusativo:
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Exercício 72
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Exercício 74
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4b Ela vai ficar com a gente; lhe daremos toda atenção do mundo.
4c Ela vai ficar com a gente; daremos a ela toda atenção do mundo.
4d Ela vai ficar com a gente; vamos dar a ela toda atenção do mundo.
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Exercício 76
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Estas frases todas têm, cada uma, o seu complemento; quatro delas
têm objeto direto:
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1 A por em ou para
2 Em por ni
3 De por desde
4 Ante por diante de
5 Após por depois de
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simplesmente o ponto de partida; pelo mato indica que ela passou pelo
mato e pra escola pode indicar apenas a direção que ela tomou.
Apenas a preposição a destoa pelo tom formal que agrega. Lemos
NA NGPB (p.590): “o desaparecimento progressivo de a deve explicar
as dificuldades atuais em operar com a questão da crase, tanto quanto as
flutuações na transitividade de verbos como agradecer que de transitivo
indireto caminha para transitivo direto” (CASTILHO, 2010, p. 590).
Maior relevo se pode dar a essa atividade com o uso de locuções
prepositivas e de preposições menos comuns, de menor complexidade
semântica:
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tempo – Daqui a cem anos, minha obra será entendida –; pode também
indicar a aproximação desse fim: Ao cair da tarde recolheram as vacas.
Aquilo a que se chega perto pode ser um estado de espírito – Fui do
espanto à estupefação –; pode ser uma meta – Depois de 20 anos chegou
ao topo da carreira –; pode ser o beneficiário de uma ação – Emprestei
as garrafas ao vizinho.
O que está perto pode estar na nossa mão, como um instrumento
que faz chegar nossa ação até onde queremos levá-la: Sempre escrevo
minhas cartas à máquina. No caso do instrumento, a indica a generali-
dade do instrumento; instrumentos específicos são indicados por com:
Sempre escrevo minhas cartas à máquina / Este memorando foi escrito
com uma máquina elétrica / Enxotaram-no a pedradas / Davi matou
Golias com uma pedrada na testa.
Para indica algo percebido como o ponto terminal de um movimento
– Vou para a casa de vovó – ou de um intervalo de tempo – Prometeu
o trabalho para amanhã. Na expressão de uma meta, para e a podem
substituírem-se um ao outro, como, por exemplo, na indicação da pessoa
a quem se quer levar algo: Emprestei as garrafas ao vizinho / Emprestei
as garrafas para o vizinho. Essa sinonímia só ocorre, no entanto, em
verbos que indicam movimento: Os colegas deram um presente a/para
o chefe. Ele fornece uísque a/para meu avô. Ela entregou a chave a/para
o zelador. Em verbos que não indicam movimento é preciso usar para:
Meu avô construiu uma casa para mim e não *Meu avô construiu uma
casa a mim; Compramos presentes para as crianças e não *Compramos
presentes às crianças; Guarde estas laranjas para Marina e não Guarde
estas laranjas a Marina.
Por causa da ideia de terminalidade, para tem uma componente
de permanência, que a, que indica proximidade, não tem; assim se
interpreta a diferença, no confronto destas duas frases – Vou à casa de
vovó – sem a intenção de lá ficar e – Vou para a casa de vovó – com a
intenção de lá ficar.
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5.3.3.5.2 A / para / em
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muito lenta. Por isso, vamos ter de nos ocupar com a preposição a, com
a preposição em e com a preposição para convivendo até numa mesma
frase. Se, tal qual o Patativa (que se chama Antônio Gonçalves da Silva),
a gente se dedicar a escrever para se expressar e não para apaziguar o
fantasma do colonialismo que ainda tenta nos convencer de que língua
boa para nós não é a nossa, é melhor a gente usar cada uma das duas a
nosso favor. O professor que aqui escreve vai dar um depoimento em
primeira pessoa:
Quando escrevi esta parte de um relato de uma das minhas experi-
ências profissionais, apareceu aquela preposição a, que está em negrito
lá no fim da última frase:
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Não há registro nem com a nem com para no DGV (BORBA, 1990,
p. 643). Há com e por causativos: O gado entusiasmava-se com os gritos
de Berto / Os pais e os mestres entusiasmavam-se por essas vocações de
intelectuais e artistas precoces. Considerando-se os estudos do colégio
também como causativo (Os estudos do colégio não o entusiasmavam
porque ele gostava muito de esporte) podemos usar por, que também
aparece no DUPB: Os técnicos agrícolas se entusiasmam passageira-
mente por certas providências (BORBA, 2002, p. 583).
8 É lastimável que um país como os EUA, que nada tem a ver com o
Brasil, se intrometa a nós.
8a É lastimável que um país como os EUA, que nada tem a ver com
o Brasil, se intrometa entre nós.
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4 Acabei adquirindo o hábito pela leitura e foi por isso que acabei
escolhendo o curso de Letras para cursar.
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5 Depois tínhamos que falar sobre o livro que havíamos lido para
os colegas. Estes relatos eram interessantes e nos faziam ter curiosi-
dade dos livros que os colegas tinham lido e acabávamos lendo eles
também, por vontade própria
5a Depois tínhamos que falar sobre o livro que havíamos lido para
os colegas. Estes relatos eram interessantes e nos faziam ter curio-
sidade pelos livros que os colegas tinham lido e acabávamos lendo
eles também, por vontade própria.
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Lendo eles nesta frase, assim como está, no lugar onde está, provoca
alguma dor no ouvido?
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4 Nota-se facilmente que não há uma boa aceitação pela parte mas-
culina sobre a concorrência da mulher no trabalho.
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4 Devemos dar uma atenção para os jovens que hoje cursam nos
colégios e faculdades, que mais tarde serão o futuro da nação.
4a Devemos dar uma atenção para os jovens que hoje cursam colégios
e faculdades, que mais tarde serão o futuro da nação.
706
gramática e estilo
Exercício 77
3 Pediu um coquetel.
Pediu por um coquetel.
4 Esta sala não é adequada para o trabalho que temos para fazer.
A sala não é adequada ao trabalho que temos para fazer.
5 Atendeu o telefone.
Atendeu ao telefone.
Atendeu pelo telefone.
7 Atirou a pedra.
Atirou com a pedra.
707
gramática e estilo
12 Então, ela me pegou pela gola e me disse que tinha tesão por mim.
Então, ela me pegou pela gola e me disse que tinha tesão em mim.
Exercício 78
708
gramática e estilo
V amos tratar das frases do texto em sua relação com as demais frases
do texto, isto é, vamos tratar do texto, que se compõe de frases
encadeadas umas atrás das outras para circunscrever o tema de que tra-
ta, para constituir a voz que nele fala, para interpelar o leitor ao qual se
dirige, para inserir esse leitor no modo de dizer do texto (narrar, mostrar,
expor, discutir, exortar, descrever, argumentar), para determinar o ponto
de vista a partir do qual se examina esse tema. Para o que mais, mesmo?
Com as expressões coerência e coesão, a teoria do texto caracteriza
a relação que as frases do texto precisam manter umas com as outras
para que esse conjunto de frases possa constituir, de fato, um texto. É
essa relação que o leitor, que aprendeu a ler lendo, espera encontrar –
mesmo que não lhes atribua esses nomes – no texto que está lendo e nos
textos que quer ler. O escritor, que também aprendeu a escrever lendo
textos, esforça-se por dar coerência e coesão ao conjunto de frases com
que compõe o texto que está escrevendo, mesmo que não atribua esses
nomes ao objetivo que se esforça para atingir.
A gente pode falar em problemas de coesão, assinalá-los nos textos,
analisá-los e revisá-los, reescrevendo a frase, o trecho, o parágrafo, mas
a falta de coerência obriga a repensar o texto todo, desde a intenção com
que foi/está sendo escrito até a ideia geral a respeito do leitor com quem o
texto quer conversar. Em síntese, não há soluções estilísticas para a inco-
erência. Além disso, o leitor, entre eles, às vezes, até mesmo o professor,
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Todo leitor já aprendeu que cada frase tem de ser lida, isto é, inter-
pretada, levando em consideração que foi dito nas frases anteriores; é por
isso que ninguém vai pensar que a primeira frase desta sequência – Estes
equipamentos devem permanecer nas dependências do... – cancela a
possibilidade de levar o notebook em viagens. Já a segunda frase junta
(1) o que pode nos parecer muito adequado para a primeira frase do tex-
to – A prevenção é a melhor solução – com (2) o que pode nos parecer
muito adequado para a penúltima frase do texto – em caso de assalto,
a recomendação é jamais reagir e entregar o equipamento, evitando a
violência. E, então, finalmente, chegamos à última frase, que, talvez por
coincidência, está no fim: Por fim lembramos que todos os incidentes
devem ser comunicados à Segurança Operacional.
Como já antecipamos, o que temos neste texto é um registro de
algumas dicas para prevenção de roubos e furtos e recomendações de
segurança para o transporte e utilização de notebooks, registradas na
ordem em que foram chegando na cabeça do redator deste texto. É uma
outra modalidade de escrito produzido por mero encadeamento, desta vez
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Ontem à noite, o filho de um dos homens mais ricos do país foi se-
questrado.
Ontem à noite, o filho de um dos homens mais ricos do país foi se-
questrado. Seus sequestradores exigiram dez milhões de reais do
pai do menino.
É bom continuar pelo assunto que foi posto no fim da frase, o pai
do menino:
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Ontem à noite, o filho de um dos homens mais ricos do país foi se-
questrado. Seus sequestradores exigiram dez milhões de reais do pai
do menino. Ele declarou que paga o resgate assim que lhe indiquem
como fazê-lo.
Ontem à noite, o filho de um dos homens mais ricos do país foi se-
questrado. Seus sequestradores exigiram dez milhões de reais do pai
do menino. Ele declarou que paga o resgate assim que lhe indiquem
como fazê-lo. Essas instruções, no entanto, ainda não foram dadas
pelos sequestradores.
Ontem à noite, o filho de um dos homens mais ricos do país foi se-
questrado. Seus sequestradores exigiram dez milhões de reais do pai
do menino. Ele declarou que paga o resgate assim que lhe indiquem
como fazê-lo. Essas instruções, no entanto, ainda não foram dadas
pelos sequestradores; apenas avisaram que matariam a criança se
a polícia fosse avisada.
Ontem à noite, o filho de um dos homens mais ricos do país foi se-
questrado. Seus sequestradores exigiram dez milhões de reais do pai
do menino. Ele declarou que paga o resgate assim que lhe indiquem
como fazê-lo. Essas instruções, no entanto, ainda não foram dadas
pelos sequestradores; apenas avisaram que matariam a criança se
a polícia fosse avisada. A informação foi dada pelo jardineiro da
casa, que comentou o assunto com um inspetor amigo.
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O inspetor é da polícia:
Ontem à noite, o filho de um dos homens mais ricos do país foi se-
questrado. Seus sequestradores exigiram dez milhões de reais do pai
do menino. Ele declarou que paga o resgate assim que lhe indiquem
como fazê-lo. Essas instruções, no entanto, ainda não foram dadas
pelos sequestradores; apenas avisaram que matariam a criança se
a polícia fosse avisada. A informação foi dada pelo jardineiro da
casa, que comentou o assunto com um inspetor amigo. A polícia, para
não chamar a atenção dos bandidos, passou a realizar investigações
sigilosas. Essas investigações estavam conduzindo os policiais para
um rumo completamente diferente daquele onde estariam escondidos
os sequestradores.
É claro que cada frase e cada uma das outras frases é a frase e que a
frase e as outras frases compõem o texto, mas o texto é o abstrato mapa
arquetípico do leitor que vai lendo e avaliando o que está escrevendo.
Do ponto de vista do escritor, o que há é a frase que está sendo escrita e
as frases que já foram escritas e cada uma das que terão de ser escritas
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depois desta. É por isso que este capítulo não trata do texto; trata da fra-
se, das frases. É claro que escrevemos cada frase para escrevermos um
texto, mas sabemos que é a partir do texto escrito que escrevemos cada
frase do texto. Por isso, para tratar do texto e das suas frases e das frases
e seu texto é preciso recapitular o que já sabemos a respeito da frase, das
frases, começando pelo começo.
1 A casa é bonita.
A casa é do menino.
A casa é do pai.
A casa tem uma sala.
A casa é amarela.
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3 Eraumavezumpionhoqueroiaocabelodaiumemninopinhetodapasou-
umumenino lipoeneipionhoaípassouumemninopionhetodaíomenino-
pegoupionhodaamunhérpegoupionhodatodomundosaiogritãdotodo-
mundopegoupionhodiatesofinhobegoupionho
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a compõem. Não é demais repetir que a frase foi criada para identificar
essa unidade de declaração para os olhos de um leitor.
5 Ele morreu. Bateu com a cabeça numa pedra. Ele caiu. Dei um
soco nele. Ele xingou minha mãe. Nós discutimos.
Ele morreu porque bateu com a cabeça numa pedra quando caiu
por causa do soco que dei nele depois de ter xingado minha mãe
enquanto discutíamos.
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si mesmo, mais bem tratado será o leitor de seu texto. A frase e as outras
frases compõem o texto, o que pode ser lido, o que pode ser reescrito.
Nesta seção vamos tratar das dificuldades que os aprendizes apresen-
tam para encadear adequadamente suas frases, de modo a determinar com
clareza qual sua contribuição para o esclarecimento do leitor a respeito do
assunto tratado pelo conjunto de frases a que pertence. Essa contribuição
se dá pela relação que cada uma estabelece entre seu tema e o seu rema e
o seu modo de levar adiante a cadeia de informações sobre aquele assunto.
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4 O bônus da nota final era sempre a redação. Mas nem tudo eram
flores. Uma vez me desentendi com uma professora que vetou o meu
“aloucado” de uma redação. Hoje eu sei que, além da palavra estar
de fato no dicionário, não foi legal o jeito que a professora tratou
minha tentativa de expressão, independentemente da sua presença
nele; outra vez houve um concurso de redações valendo um ponto na
média final. Era sobre clichês: o objetivo era compor uma redação
inteira com chavões populares, e as três que ela gostasse mais iriam
a júri popular na turma. Eu tinha certeza que a minha era a melhor.
Mas nesse dia eu vi o quanto era importante ser popular na escola.
A primeira redação a ser lida já levou o prêmio, porque o escritor,
o Marcos, era o “gordinho pop” da turma.
O bônus da nota final era sempre a redação, mas nem tudo eram
flores: uma vez me desentendi com uma professora que vetou o meu
“aloucado” de uma redação.
A frase seguinte, que começa com Hoje eu sei que, além da pala-
vra estar de fato no dicionário..., incorpora o que introduz o episódio
a ser narrado: outra vez houve um concurso... Ou seja, são duas frases
que tratam de dois assuntos diferentes. Já em Eu tinha certeza que a
minha era a melhor. Mas nesse dia eu vi o quanto era importante...
também seria bem melhor uma vírgula antes do mas porque o impacto
da realidade expressa pelo que vem depois do mas sobre o que vem
antes é maior se não houver a barreira do ponto-final protegendo a
subjetividade da narradora de ser atropelada pela objetividade do jul-
gamento já pré-julgado. Pelo mesmo motivo, as duas últimas frases
também ficam melhor numa só.
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4a O bônus da nota final era sempre a redação, mas nem tudo eram
flores: uma vez me desentendi com uma professora que vetou o meu
“aloucado” de uma redação. Hoje eu sei que, além da palavra estar
de fato no dicionário, não foi legal o jeito que a professora tratou
minha tentativa de expressão, independentemente da sua presença
nele. Outra vez houve um concurso de redações valendo um ponto na
média final. Era sobre clichês: o objetivo era compor uma redação
inteira com chavões populares, e as três que ela gostasse mais iriam
a júri popular na turma. Eu tinha certeza que a minha era a melhor,
mas nesse dia eu vi o quanto era importante ser popular na escola:
a primeira redação a ser lida já levou o prêmio, porque o escritor,
o Marcos, era o “gordinho pop” da turma.
5 Depois de tomar banho e comer um sanduíche para enganar a
fome, já que eu passara a tarde toda sem comer e também não queria
chegar no restaurante como um diabo da Tasmânia, comendo tudo
o que aparecesse pela frente, lembrando de alguns fatos de nossa
infância, deixei o tempo passar e voltei ao presente depois de ouvir
uma buzina tocar em frente à minha casa.
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de Rio Pardo) mas não mais do que isso? Onde um dia se reuniu toda a
população da cidade para ficarem todos assim visíveis? Se isso tivesse um
dia acontecido, daria uma interessantíssima história. Se alguém imaginar
uma história em que isso aconteceu, vai ter de torná-la verossímil, isto
é, semelhante ao que é de verdade. Ela não quis dizer exatamente isso,
mas o que foi mesmo que ela quis dizer? Ela também não quis dizer que
só tem um único ônibus circulando em Rio Pardo e que nele cabem 30
mil habitantes, mas não vai faltar um engraçadinho pra fazer essa inter-
pretação. Podemos tentar algo assim:
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escola pública são decorrências desses dois motivos. Um dos serviços que
a instituição texto (conjunto de frases encadeadas) prestou à produção e à
organização do conhecimento é esse modo de articular a causa e o efeito;
o todo e a parte, o conjunto, os elementos e os subconjuntos; a condição
e o que é condicionado; o tempo e o acontecimento que nele decorre. O
risco de uma oração subordinada no começo da frase aumenta com uma
enumeração imprecisa. Podemos tentar começar a frase pela declaração
do seu tema e juntar frases e orações que tratam dos mesmos assuntos:
Aqui tem quatro frases, uma levando a questão para a outra, quase
que completamente em ordem direta, e não parecem frases comuns ou
chatas.
6.1.2 Referência
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Estar perto da professora era poder apanhar seu giz quando caía ou
apagar, com pesar o quadro para outras lições. Mais que letra, sua
escrita parecia um arabesco.
2 Nosso aluno não ignora a língua: pode ignorar, isto sim, uma
modalidade da qual a escola se diz detentora e, por isso, julga-se no
direito de impor a norma-padrão como valor absoluto e, com isso,
condena-o ao fracasso através da reprovação.
Todo mundo sabe que é o aluno que a escola condena, mas, assim
como está, o que se afirma na frase é a condenação geral do nosso aluno,
tanto os que podem ignorar a norma-padrão como valor absoluto quanto
os outros, que também são o nosso aluno. Aqui tem um problema na
determinação dos conjuntos.
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2a Nosso aluno não ignora a língua: pode ignorar, isto sim, uma
modalidade da qual a escola se diz detentora, a norma-padrão.
Nessa condição, a escola julga-se no direito de impô-la como valor
absoluto, condenando ao fracasso, através da reprovação, os que se
recusam a adotá-la.
Neste encadeamento tem muita coisa que se oferece para ser isso que
passou: o afastamento, a obrigação de ler obras gigantescas, a aversão
à leitura, a preguiça de ler, fazer esquemas dos conteúdos estudados.
Se pode dizer quase o mesmo de sua devida importância, mas a gente
conclui que seja a importância da leitura, até porque se trata de uma con-
clusão obrigatória. Não é bom, no entanto, que o leitor tire conclusões
obrigatórias; texto bom é o que faz o leitor tirar conclusões que o senso
comum dele rejeitaria.
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Exercício 79
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o sentimento de culpa era cada vez maior. O problema é que junto com
a culpa outro sentimento crescia, o desejo de estar com Rodrigo, porém
Isadora sabia que precisava revelar à amiga o que havia acontecido, por
pior que pudesse ser a reação de Bianca, mas ela não tinha forças para
contar e nem para resistir ao sentimento que nutria por Rodrigo.
3. Cremos que essa diminuição da exigência no exame somada ao
fato de eles se saírem bem no grau um em função, principalmente, de
um trabalho que não é efetivamente de escrita, mas que, como vimos, é
essencial para promover a participação do grupo nas aulas, é responsável
pela aprovação de grande parte da turma.
4. Foi em jornal que li sobre um astro do rock que consagrei meu
ídolo no período inicial da adolescência: Jim Morrison, vocalista e letrista
da banda The Doors, que também publicou poesia em livro. Tocador de
violão que já havia sido fanático por Raul Seixas e que idolatrava Bea-
tles passei a ouvir músicas e a ler tudo que estivesse relacionado a Jim
Morrison – um beberrão de primeira, a propósito.
5. Adoro as manhãs. São as poucas horas do dia em que sou dona da
minha rotina. Isso de segunda a sexta, pois no sábado a pós-graduação já
norteia (e bem) meu início de final de semana. Tenho de abrir mão das
manhãs também nas ocasiões em que algum projeto especial do jornal
exige meus esforços. Mas, normalmente, elas são minhas. Aprecio acordar
lentamente – isso significa ir acordando, entendem? –, me deliciar com
um bom café, tomar um banho demorado, ler os jornais do dia, zapear
pelos canais de tevê, dar seguimento a algum livro.
6. Nem gosto de me lembrar que tenho vizinhos. Não sei se todos
são iguais, mas estão sempre enxergando e falando o que não devem. Os
que moram em casa sabem como é difícil conviver com eles.
7. Quando eu vi já tava falando sozinha. Primeiro ainda disfarça-
va, dava “oi” para as plantas, xingava as baratas. Depois, era declarado
mesmo, começava pensando e acabava falando. Minha sede de barulho
começou a ficar cara. Chegava em casa e ia ligando – rádio, TV, toca-
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63 LIEZI. O velho louco que removeu as montanhas. In: CAPPARELLI, Sérgio; SCHMALTZ,
Márcia (org.). Fábulas da China fabulosa. Porto Alegre: L&PM, 2007.
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Exercício 80
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Logo seu filho e seus três netos foram trabalhar com ele. Juntos
quebravam as pedras, tiravam a terra. Enchiam com ela os cestos
e iam jogá-las no mar Bohai. Até o filho de sete anos da viúva, que
nascera depois da morte do vizinho, veio ajudá-los. Eles trabalhavam
de domingo a domingo, de primavera a primavera, voltando para
casa apenas uma vez por ano.
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Além disso, a frase não faz menção a algum outro evento antes do
qual teria acontecido o nascimento do filho de sete anos da viúva, isto é,
não há momento de referência (MR) anterior. Não custa examinar como
a frase nos pareceria com esse verbo no pretérito perfeito:
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escrever não são tarefas extras que possam ser sugeridas aos alunos
como lição de casa e atitude de vida, mas atividades essenciais ao ensino
da língua. Portanto, seu lugar privilegiado, embora não exclusivo, é a
própria sala de aula.
As razões pelas quais – às vezes – a escola fracassa na consecu-
ção desse objetivo são variadas. Como disse acima, as razões podem
ser de ordem metodológica (pedagógica) ou decorrentes de valores
sociais complexos. Alguns desses empecilhos podem ser destruídos
na própria escola. Outros, não. Alguns dos problemas que levam
ao fracasso têm a ver com a forma como se concebem a função e as
estratégias do ensino de língua. A única opção de uma escola com-
prometida com melhoria da qualidade do ensino está entre ensinar
ou deixar aprender... Qualquer outra implica em conformar-se com
o fracasso ou, pior, em atribuí-lo exclusivamente aos alunos.
Para bem caracterizar a voz que fala neste texto, podemos destacar
a única ocorrência que há nele do pretérito perfeito do indicativo –
disse – lá na segunda linha do último parágrafo: As razões pelas quais
– às vezes – a escola fracassa na consecução desse objetivo são varia-
das. Como disse acima, as razões podem ser de ordem metodológica
(pedagógica) ou... Quem disse? De quem é esta voz? Não pode haver
dúvidas de que é a de Sírio Possenti, o autor que assina o texto, até por-
que não há como atribuir uma terceira pessoa a esse disse. Também não
cabe perguntar disse quando?, porque ele disse onde, ele disse acima,
acionando a clássica metáfora espaço-tempo / tempo-espaço. Essa voz
que fala no texto se autodenomina eu e se dirige ao leitor no tempo em
que o leitor está lendo.
Ele não está, portanto, contando uma história; o que este texto
faz, desde o seu título – O papel da escola é ensinar língua padrão –, é
expressar a opinião do autor a respeito da tarefa da escola no ensino de
Língua Portuguesa e fundamentar essa opinião. Costuma-se dizer que
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aprende com velocidade muito grande outras formas de falar, sejam elas
outros dialetos ou outras línguas, desde que expostas consistentemente a
elas. Em resumo, aprender outro dialeto é relativamente fácil. Portanto,
nenhuma das razões para não ensinar o dialeto padrão na escola tem
alguma base razoável.
Em que consistiria o domínio do português padrão? Do ponto de
vista da escola, trata-se em especial (embora não só) da aquisição de
determinado grau de domínio da escrita e da leitura. É evidentemente
difícil fixar os limites mínimos satisfatórios que os alunos deveriam poder
atingir. Mas, parece razoável imaginar, como projeto, que a escola se
proponha como objetivo que os alunos, aos 15 anos de vida e 8 de escola,
escrevam, sem traumas, diversos tipos de texto (narrativas, textos argu-
mentativos, textos informativos, atas, cartas de vários tipos etc.; pode-se
excluir a produção de textos literários dos objetivos da escola, já que
literatos certamente não se fazem nos bancos escolares; o máximo que
se pode esperar é que eles aí não se percam) e leiam produtivamente
textos também variados: textos jornalísticos, como colunas de economia,
política, educação, textos de divulgação científica em vários campos,
textos técnicos (aí incluído o manual de declaração do imposto de renda,
por exemplo) e, obviamente, e com muito destaque, literatura. No final
do segundo grau, deveriam conhecer a literatura contemporânea e os
principais clássicos da língua. Seria bom que conhecessem também,
nesse nível de formação escolar, pelo menos alguns dos principais
clássicos da literatura universal, pelo menos nas edições condensadas
Para que as posições aqui defendidas façam sentido, é preciso
antes ter claro que tal objetivo certamente não é atingido atualmente,
como regra. São relativamente poucos os alunos egressos do segundo
grau que executam esses dois tipos de atividade com frequência e na-
turalidade. Mas, gostaria de deixar claro que não se está propondo um
projeto inexequível, nem novo. É apenas o óbvio. O que proponho é que
o óbvio seja efetivamente realizado. Uma das medidas para que esse
grau de utilização efetiva da língua escrita possa ser atingido é escrever
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O que este texto faz é, desde o seu título, apresentar uma tese e, pra
deixar bem claro que essa tese está apresentada no título, o texto inicia
declarando isso: É importante que este tópico fique claro, e esteja na
memória do leitor, quando estiver eventualmente achando estranha
alguma das teses seguintes. A seguir, reitera: Talvez deva repetir que
adoto sem qualquer dúvida o princípio (quase evidente) de que o objetivo
da escola é ensinar o português padrão, ou, talvez mais exatamente,
o de criar condições para que ele seja aprendido. Para que não haja
dúvidas, reafirma: Como toda a boa tese, a que estou defendendo aqui
é afirmada contra alguma outra, real ou hipotética, às vezes atribuída
aos linguistas. Dentre as que defenderiam que a função da escola não é
ensinar português padrão... É desse modo que este texto expõe, assevera,
argumenta e, quando necessário, supõe, conjetura.
Expor, argumentar, asseverar, conjeturar, supor se faz no presente
atemporal, um tempo sem uma referência temporal. O que é referência
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temporal? Segundo Ilari e Basso, (2014, p. 135), é “[...] tudo aquilo que
podemos descobrir respondendo à pergunta quando?”. Este presente
tempo atemporal, que não responde à pergunta quando?, aqui aparece
com 70% das ocorrências dos verbos do texto. O presente do indicativo
tem 60% dessas ocorrências. São 140, e mais de um terço delas são do
verbo ser, o verbo que assevera que as coisas são tal como o autor as
designa. Presente do indicativo e verbo ser marcam, inclusive, a frase
assertiva que expressa o título: O papel da escola é ensinar língua padrão.
A lista das ocorrências do presente do indicativo – aqui sem
repetições – apresenta os modos pelos quais a voz que fala no artigo
– frequentemente em primeira pessoa – expressa seu modo de abordar
e de encadear as asserções com que desenvolve os argumentos que
fundamentam sua tese: É / adoto / é afirmada / deve ensinar ou exigir
/ conhecem / usam / baseia-se / aprende / têm / preciso dizer / con-
sidero / estamos / põe / trata / fala / insisto / vale/ diz /parece-me /
começa a funcionar / consiste / pode aprender a falar / vale / supõe
/ vão / trata-se / proponha / pode-se excluir / fazem / pode esperar /
é atingido / executam/ proponho / fracassa / podem ser / podem ser
destruídos / levam / concebem / está implicado.
Como expor, asseverar e argumentar precisam do auxílio luxuoso
de imaginar, conjeturar, supor, propor, solicitar, é preciso recorrer ao
presente do subjuntivo, de que há 23 ocorrências, que perfazem 10%
do total do texto: dessas, oito – também pouco mais de um terço – são do
verbo ser. Eis a lista, também sem repetições: fique / esteja / deva / seja
aprendido / haja / sejam expostas / aceite / possa servir / possa ser
atingido / escrevam / percam / leiam / façam / possam ser sugeridas.
O presente do subjuntivo tem o papel de:
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A vaca e os livros
Zilda Piovesan
Vimos meu pai quando ele já estava próximo da casa. Eram umas
10 horas da manhã e aquele não era seu horário habitual para voltar
da lavoura. Não estava carregando a enxada, mas um objeto esbran-
quiçado que, daquela distância, não podíamos distinguir o que era. Os
braços dele estavam um pouco afastados do corpo para evitar que o
objeto encostasse em suas roupas suadas. Quando chegou na cerca do
potreiro se abaixou cuidadosamente, largou o objeto, cruzou a cerca,
apanhou-o novamente e seguiu em direção à casa. E nós amontoados
na porta, só olhando.
– Mãe – chamou meu irmão – o pai tá trazendo uma coisa esquisita
nas mãos.
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Vimos meu pai quando ele já estava próximo da casa. Eram umas
10 horas da manhã e aquele não era seu horário habitual para voltar
da lavoura. Não estava carregando a enxada, mas um objeto esbran-
quiçado que, daquela distância, não podíamos distinguir o que era. Os
braços dele estavam um pouco afastados do corpo para evitar que o
objeto encostasse em suas roupas suadas. Quando chegou na cerca do
potreiro se abaixou cuidadosamente, largou o objeto, cruzou a cerca,
apanhou-o novamente e seguiu em direção à casa. E nós amontoados
na porta, só olhando.
– Mãe – chamou meu irmão – o pai tá trazendo uma coisa esquisita
nas mãos.
Ela saiu da cozinha e se juntou ao grupo de crianças, sem dizer
nada.
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conjunto dos livros e das primeiras leituras que fez neles. Depois, vêm
as impressões mais fortes causadas pelas leituras escolhidas, entre elas
o impacto da descoberta de realidades diferentes daquela em que a nar-
radora vivia e a criação, ao longo desse processo, de formas de degustar
a leitura. Termina narrando a superação dessa minibiblioteca original
pelo ingresso da narradora, ao longo de sua vida de estudante, no imenso
acervo dos livros do grande mundo lá fora.
Temos aqui, então, a narração da iniciação na leitura de uma me-
nina numa zona rural do sul do Brasil, onde o gosto pela leitura não
costuma(va) se desenvolver nem os livros costuma(va)m chegar, o que
quer dizer que a descrição do cenário onde a história se passa e a carac-
terização social da família e das redondezas são fundamentais para que
os leitores possam atribuir o devido valor aos fatos narrados e às ações
das personagens postas em cena. A essa narração que recorre a descrições
e a rememorações de diálogos, agregam-se as reflexões da narradora a
respeito dessas experiências de leitura. Este texto, portanto, descreve
para narrar mais adequadamente, narra para expor com maior clareza e
expõe para conferir valor ao que narra e descreve.
Vamos ver de que modo a narradora usou narração, descrição e ex-
posição para tratar dos temas que encadeou para levar o seu relato desde
o início até o fim. Trata-se, principalmente, de verificar como aspectos,
modos e tempos verbais empregados na construção das frases contribuem
para conduzir os leitores ao longo da narrativa, para orientá-los dentro do
cenário, dotando-os dos elementos necessários para que possam dialogar
com o que o texto narra, descreve e expõe.
Vimos meu pai quando ele já estava próximo da casa. Eram umas 10
horas da manhã e aquele não era seu horário habitual para voltar
da lavoura. Não estava carregando a enxada, mas um objeto esbran-
quiçado que, daquela distância, não podíamos distinguir o que era.
Os braços dele estavam um pouco afastados do corpo para evitar
que o objeto encostasse em suas roupas suadas. Quando chegou
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...enquanto meu pai saía para o galpão em busca das madeiras com
que construiu uma prateleira para a minibiblioteca, ao lado da santa
de devoção da minha mãe, onde os livros passaram a ocupar um
lugar de destaque na humilde sala.
Ela poderia ter usado saiu – ...enquanto meu pai saiu para o galpão
em busca de... –, mas saía – imperfeito do indicativo, indicando ação
que se estendeu por algum tempo no passado – combina melhor com
enquanto, que impõe um intervalo: minha mãe retrucou enquanto meu
pai saía. Duas coisas acontecendo ao mesmo tempo só que uma delas já
aconteceu porque o que é expresso pelo perfeito, que termina ao começar,
não pode se dar, portanto, num intervalo. Provavelmente saía foi puxado
por enquanto, e a impropriedade decorrente do pai sair enquanto a mãe
está retrucando é para o leitor ter alguma informação a respeito do jeito
de ser do pai ao deixar a mãe falando sozinha. Aí o leitor prossegue na
leitura esperando encontrar uma confirmação dessa falta de modos do
pai. Podemos falar em pista falsa, defeito do estilo?
Uma conjunção sem compromisso com intervalo, que apenas
marcasse a sucessão das ações e um verbo com menor teor de ação do
que sair, como ir, por exemplo, evitaria a impressão de repúdio à fala
da mãe: Podemos vender uma das vacas, ficando uma pro leite já tá
bom, retrucou ela, enquanto meu pai foi para o galpão em busca de...
Foi, forma do perfeito, elimina, de vez, a noção de intervalo, trocando-a
pela de sucessão.
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Uns dias depois, meu pai levantou cedo, encilhou o cavalo e saiu
puxando uma novilha. Voltou quase ao meio-dia, com o dinheiro
para pagar a tal minibiblioteca.
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Para minha sorte, quando eu cursava a sétima série, meu colégio ga-
nhou uma biblioteca razoável, permitindo que eu trocasse as Júlias,
Sabrinas e Biancas por leituras mais interessantes. Já no segundo
grau e na faculdade, outros livros foram comprados e guardados na
estante da sala da casa dos meus pais. Hoje, a minibiblioteca perma-
nece lá, com seus 30 livros, agora em posição não tão privilegiada,
em meio a outros tantos adquiridos.
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ra; (3) caísse, que expressa também uma eventualidade; (4) fosse, que
expressa também uma proporção; (5) maneirasse, que faz também um
reportamento de fala: pede pra ela maneirar; (6) colocasse / deixasse
derreter / pudesse identificar / (pudesse) sentir / (pudesse) registrar,
que servem também para compor uma comparação imaginária.
Futuro do pretérito – são 4 ocorrências, que descrevem algo
como o que ainda estava por acontecer num momento futuro dentro do
passado, como chegariam – Eu ficava assustada, pensando se aqueles
mineiros, que tinham o estranho hábito de se entocar na terra para
dela arrancar carvão e cinza, não chegariam até a nossa morada... –,
cresceria, seria e iam estragar, que também reporta fala: se não sabem
usar só vão estragar.
Presente contínuo – são 4 ocorrências: tão fazendo, tá passando,
tá vendo, tá trazendo –, que reproduzem falas.
Mais que perfeito do indicativo – são três ocorrências, na forma da
nossa língua falada, que indicam o que realmente ocorreu antes de uma
referência a um momento no passado: tinha acontecido, tinha constru-
ído, tinha lido - Depois fechava o livro, os olhos e deixava minha mente
viajar pela história, tentando entender melhor, relacionando aquela
passagem com outras lidas anteriormente, tentando me convencer de
que eu tinha mesmo lido aquilo tudo.
Futuro do presente – também com três ocorrências, na reprodu-
ção de falas na nossa língua falada: vai voltar, vamos pagar, vão ter;
o futuro do presente não é de ocorrência rara, mas este texto processa
basicamente o que aconteceu no passado.
Pretérito perfeito do subjuntivo – com uma única ocorrência,
expressa uma conjetura a respeito de algo que ocorreu em um momento
bem determinado do passado: enfim, líamos qualquer coisa escrita que
caísse nas nossas mãos. Talvez isso tenha encorajado meu pai a gastar
o valor de uma vaca por aqueles livros.
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O último pedido
Carla Schwartz
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fica difícil saber como e por que lutar. Poderia ter escolhido, sim, ser
uma irmã missionária, conheceria o mundo e pessoas diferentes todos
os dias, ou, então, lecionaria como uma freira comum. Usaria roupas
mais leves, sairia para comprar suas coisas, saberia o valor do dinheiro
e conheceria a televisão a cores. Mas quis assim, escolheu assim. Tinha
15 anos e precisava escolher. Escolheu o convento da colina porque
amava o vale.
Hoje, é uma carmelita, há quinze anos é uma carmelita. Olhar para
dentro de si mesma, dias e meses voltados para Deus e orações devotadas
à salvação da humanidade. Assim é que deve ser. Mas e1a não esqueceu
o mundo. Irmã Maria ainda olha para o vale.
Sobe o restante dos degraus, entra no quarto, lava as mãos e o
rosto, encaminha-se para o refeitório. Atrasou-se um pouco, a oração
já foi feita, almoçam quietas as quarenta irmãs do convento. Ela reza,
senta-se e come vagarosamente. Ao término da refeição, a madre ordena
que tragam o bolo. Quando o tem nas mãos, levanta-se e dirige-se à irmã
Maria. O bolo é posto a sua frente, todas a cumprimentam com um sor-
riso, uma oração é feita pedindo por saúde e paz para a aniversariante.
A madre toca-lhe formalmente a mão e deseja-lhe perseverança e fé.
Mas lá dentro, no fundo de si mesma, irmã Maria queria abraçar
todas elas e dizer-lhes que as ama. Queria um abraço caloroso desta
velha senhora austera que, como ela, ama as flores e o vale e o sol.
Entretanto, somente agradece a todas e sorri. Mas ao partir a primeira
fatia de seu bolo de aniversário, irmã Maria faz como quando era crian-
ça, formula mentalmente um pedido. Um último pedido que ela repetirá
a cada aniversario: que um dia, aquele portão que as guarda abra-se
para o mundo, e ela possa descer até o vale e, deste, vislumbrar a colina.
Que ela possa, neste dia, erguer novamente os olhos e não precise mais
olhar sempre para baixo como o faz, em todas as manhãs, de seu alto
pedestal, a tristonha, sofrida e distante madre superiora.
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Exercício 82
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Junto à terra e sob o sol que tanto amava, irmã Maria ajeitava as
rosas, as margaridas, cheirava os cravos, espetava-se em espinhos
e sorria. Afofava a terra para que os vegetais da horta crescessem
libertos das ervas daninhas e das pedras que os sufocavam. A manhã
passou-se rapidamente.
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Mais correlações:
Perfeito para perfeito: Atrasou-se um pouco, a oração já foi feita.
Mais que perfeito para mais que perfeito: Atrasara-se um pouco,
a oração já tinha sido feita.
Presente do indicativo para presente do subjuntivo: A madre
ordena que tragam o bolo.
Perfeito do indicativo para imperfeito do subjuntivo: a madre
ordenou que trouxessem o bolo.
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Comecemos por examinar este texto, que relata uma confusa situ-
ação de praia.
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E tudo fica pior quando ela confessa que estava distraída. Ela não
viu o que aconteceu; Liziane – quem é, o que está fazendo aí? – teve de
contar pra ela. Se o leitor já não tinha nenhum motivo para dar atenção a
quem assumiu a palavra, sem dizer quem é nem o que estava fazendo ali
(onde mesmo?) para contar algo que aconteceu, que atenção daria a uma
mera conhecida de uma desconhecida? Sem contar que o modo formal,
burocrático e comercial de identificar a localidade – Itapema, SC – já
tinha criado um certo estranhamento na narrativa.
E aí vem a frase com que ela reporta a frase dita pela sua co-
nhecida: disse-me que o rapaz que tinha ido buscar a bola estava se
afogando e um dos seus amigos entrou no mar para tentar salvá-lo.
A perífrase verbal estava se afogando reporta a fala direta ele está se
afogando, no presente contínuo, que narra o que acontece simulta-
neamente à narração.
Antes de estar se afogando, o rapaz tinha ido buscar a bola – mais
que perfeito, como convém –, mas em que momento um dos seus amigos
entrou no mar? Antes ou depois dele estar se afogando? Entrou ou tinha
entrado/entrara? Há ainda o risco de que o leitor fique em dúvida sobre
qual dos dois é o rapaz e se o rapaz é o que foi jogado pela onda contra
elas. E elas quem são? Os rochedos? E essa onda não tinha vindo antes
da tentativa de salvamento? Veio ou tinha vindo?
E, no parágrafo seguinte, quando veio a equipe de socorro e tiraram
o amigo, isso não aconteceu depois que o rapaz que foi buscar a bola?
Ele não tinha ido buscar a bola? Já vimos que a autora não desconhece
o uso do mais que perfeito, pois, no parágrafo seguinte, podemos ler: a
equipe do corpo de bombeiros conseguiu retirar o corpo do jovem, mas
sem vida. Policiais e médicos, através de perícias, concluíram – perfeito
do indicativo – que o rapaz havia falecido – mais que perfeito do in-
dicativo – de traumatismo craniano. De fato, o rapaz faleceu antes dos
peritos terem chegado àquela conclusão. O problema, portanto, está no
encaminhamento da narrativa, que não se situa adequadamente nem no
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4 Vejo hoje que tudo aprendido sobre escrever textos fora quase
inútil, pois o que eu escrevia não era algo público, nem chamava
atenção de ninguém.
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5 Desde quando meu filho nasceu, há cinco anos, coloquei uma meta
na minha vida: sair da casa da minha mãe.
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A ação expressa por tive ocorre sempre que ocorre a ação expressa
por encontrava; são ações apresentadas como tendo se repetido; como
o aspecto do que se repete é o imperfectivo, a forma fica adequada com
os dois verbos no imperfeito:
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3 Com os anos eu até me esqueci que havia casado com ele, e, com
isso, não lembrei das suas infidelidades, que tanto me magoaram.
Só lembrei delas neste último verão porque ele me perguntou se
realmente me havia magoado muito no passado.
3a Com os anos eu até me esqueci que havia casado com ele e com
isso não lembrava das suas infidelidades, que tanto me magoaram.
Só lembrei delas neste último verão porque ele me perguntou se
realmente me havia magoado muito no passado.
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65 Ela poderia não se ter aventurado no subjuntivo para expressar sua hipótese, recorrendo a um
Acho que foi isso que encorajou meu pai, mas pode ter achado que aí tem excesso de que.
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Como a polícia alega que pode tomar providências contra cães que
atacam as pessoas na rua, mas não está autorizada a agir contra cães
que apenas assustam as pessoas na rua, a resposta da vizinhança tem
sido seguidos envenenamentos coletivos dos cachorros de rua. No
entanto, o cachorro da oficina, o grande vilão causador das queixas
que a polícia não atende, sobreviveu a essa clandestina ação entre
amigos, ou melhor, tem sobrevivido.
Ir + infinitivo
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Vir + infinitivo
Talvez ela nunca saberá que aquele seu gesto foi um dos que deter-
minaram minha escolha profissional.
Talvez ela nunca venha a saber que aquele seu gesto foi um dos que
determinaram minha escolha profissional.
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2 Faz dois anos que meu pai nunca mais colocou uma gota de álcool
na boca e se tornou um pai carinhoso e atencioso com os filhos.
2a Faz dois anos que meu pai não mais coloca uma gota de álcool
na boca e, desde então, se tornou um pai carinhoso e atencioso com
os filhos.
2b Faz dois anos que meu pai não coloca uma gota de álcool na
boca, tendo se tornado, desde então, um pai carinhoso e atencioso
com os filhos.
2c Faz dois anos que meu pai não coloca uma gota de álcool na
boca e vem se tornando, desde então, um pai carinhoso e atencioso
com os filhos.
2d Faz dois anos que meu pai não tem mais colocado uma gota de
álcool na boca e tem se tornado, desde então, um pai carinhoso e
atencioso com os filhos.
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2e Faz dois anos que meu pai não tem mais colocado uma gota de
álcool na boca; tornou-se, desde então, um pai carinhoso e atencioso
com os filhos.
5 Num futuro não muito distante, não haverá mais normas e leis, pois
as pessoas já se adaptaram a viver em seus limites.
5a Num futuro não muito distante, não haverá mais normas e leis,
pois as pessoas já se terão adaptado a viver em seus limites.
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Exercício 85
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4. Enfim, embora eu não lembre com exatidão qual foi minha pri-
meira estória escrita, eu posso dizer que, ao contrário de hoje em dia, eu
sentia prazer em pensar em algo para escrever Isso não quer dizer que
meu gosto pela escrita diminuíra ou não exista mais.
5. Esta talvez foi a grande decepção da minha vida e com os meus
pais.
6. Caso, na infância, a educação não foi boa, quem vai ter esse
dever é o Estado.
7. Talvez muitos problemas de sintaxe apareceram nas redações que
não eram corrigidas, e somente a ortografia era revisada pelas professoras.
8. Não há quem nunca pensou em cometer loucuras com a chegada
do ano novo. Não há quem nunca passou com o sinal vermelho, esteve
acima do limite de velocidade.
9. Aconteceu num dia de idade pré-escolar, quando à sua chegada
falei que sabia ler, disse isso sem pensar muito, talvez, falei pela vontade
que tinha de me relacionar com aquele mundo dos adultos que parecia
tudo saber e no qual ninguém tinha medos.
1 Desta vez não guardei o prêmio, pois foi em dinheiro, embora para
sempre guardarei a magia do momento.
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1b Desta vez não guardei o prêmio, pois foi em dinheiro, mas para
sempre guardarei a magia do momento.
1c Desta vez não guardei o prêmio, pois foi em dinheiro, mas vou
guardar para sempre a magia do momento.
2 Sua didática era regada com os frissons que ela tinha quando al-
guém pronunciava uma frase em que o português não estava correto.
2a Sua didática era regada com os frissons que ela tinha quando
alguém pronunciava uma frase em que o português não estivesse
correto.
Aqui parece que o autor da frase acha que, por vezes, a professora
simulava ouvir um erro de português para poder ter mais frissons. É isso
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5 Eu tinha seis anos quando fui para a primeira série; isso fez com
que minha mãe resolvesse me ajudar em casa com receio de que eu
não estava preparada para aprender a ler.
5a Eu tinha seis anos quando fui para a primeira série; isso fez com
que minha mãe resolvesse me ajudar em casa com receio de que eu
não estivesse preparada para aprender a ler.
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E screvemos texto escrevendo cada uma das frases com que o com-
pomos e cada uma das frases que nos levaram às frases com que
o compomos. Escrevemos e reescrevemos desde que escrevemos com
nossas próprias mãos, atividade que, como vimos, foi provocada por
passarmos a ler com nossos próprios olhos em intimidade com o escrito
que estamos lendo.
Na contemporaneidade, entre o relato a respeito da infestação de
piolhos, escrito quase em scripta continua por uma criança em alfa-
betização, e o escrito composto por mero encadeamento de orações a
respeito da relação que a sua autora desenvolveu com a língua escrita,
está66 a alfabetização concluída e a prática de leitura da aluna do curso
de especialização formada em Letras. Pouca prática de leitura, como ela
relata: sofri muito porque fiquei muito tempo sem estudar e ainda mais
sem ler um livro sequer em todo esse tempo.
Dezesseis anos sem ler um livro sequer é uma lacuna de muito
difícil preenchimento numa história pessoal de leitura. Vale lembrar o
que escreveu Jean Foucambert (1994) a respeito dos dois modos de ler:
medeiam muitas e muitas mais horas de leitura fora da escola entre, de
um lado, a leitura dos sons que as letras representam e a consequente
66 Não sei quantas vezes reli esta frase aqui, no segundo parágrafo deste capítulo final, sem me
dar conta do sujeito posposto composto sem marcas (só uma: Letras) que, por causa dessas
circunstâncias, convocou o verbo no singular. Em homenagem a todos que cantam que a
tristeza e a saudade de você ainda existe, vai ficar assim.
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lendo, que é da língua que a gente escreve. Trata do tópico, que diz
como é que a gente bota um nome no que quer falar, e do comentário,
que diz de que modo a gente quer dizer o que tem a dizer a respeito do
que determinamos como tópico. E aí, damos de cara com a gramática: o
verbo e os papéis temáticos que ele projeta, o sujeito e a concordância,
os complementos e a regência.
Da frase voltamos para as frases e o que as afeta quando se botam a
compor um texto: pra onde levam o leitor, por onde andam com o leitor,
como se movimentam no espaço e como o tempo as movimenta? Quem
fala nelas e o que dizem elas de quem nelas fala? Vemos a repercussão
textual do que se dá no encadeamento de uma frase com a outra, de uma
oração com a outra, especialmente no que se refere à relação tema-rema
e no processo de recuperação das referências. Segue pelos sistemas
de aspectos, modos, tempos e formas dos verbos que se organizam
para comporem as sequências textuais (narração, descrição, exposição,
argumentação, etc.).
Foi por esse caminho que se viabilizou esta organização da minha
coleção de problemas de construção: perseguindo a materialidade das
frases que se sucedem para expressar o que o autor quis dizer com cada
uma delas no seu esforço por configurar palavra por palavra o que ele
descobriu que queria dizer com o seu texto. Afinal de contas, cada um
dos problemas, que aqui foram exemplificados pelas frases, construções
e escritos que fui coletando e que foram trabalhados pelos similares que
reservei para os exercícios, saiu justamente de dentro de frases escritas
por quem estava empenhado em fazer exatamente o mesmo que estive
fazendo aqui. Estivemos escrevendo um texto frase a frase, lendo cada
frase escrita para confirmá-la como uma das frases que compõem o tex-
to ou para reescrevê-la, usando-a como uma frase que levou a uma das
frases com que o texto foi composto.
No meu caso, estive escrevendo este texto – este livro que pretende
ensinar a escrever bons textos – para organizar pedagogicamente aquilo
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Por isso, ninguém precisa inquietar-se se não achar tão bom assim
algum dos textos que vão ser aqui elogiados por suas virtudes, entre elas,
principalmente, a de não serem indiscutíveis. Na minha sala de aula,
sempre que um aluno se retorce antes de ler em voz alta o seu texto – É
que ele não taaá muito bom –, eu digo que eu não quero texto bom: Texto
bom a gente ouve e baba; texto ruim a gente discute e se esclarece. Mas
isso é mentira: eu quero texto bom, que ensina a escrever.
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Que diz aí? Que o gênero é uma cria de uma esfera da atividade
humana refletindo suas condições específicas e suas finalidades, dife-
renciando-se e ampliando-se de acordo com a complexidade dela. Quero
chamar atenção para essa caracterização do gênero como produto e para
a definição da esfera, como a fábrica, o ateliê, a oficina onde os gêneros
são produzidos. E lá, mais para o fim de Os gêneros do discurso (1997,
p. 301), encontramos isto:
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Atextamentos ou atextações
Alfredo S. Barros
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o papel e não o texto – por que o autor não engole e finge ter esquecido
o texto em casa? Ou ainda, para evitar uma indigestão literária em si
mesmo ou na turma – mais pelo texto do que pelo papel – por que não
o transforma em um texto-oculto entregando-o direto para o professor?
Já que este dispõe de estômago preparado profissionalmente para esses
venenos compostos de tinta, celulose, alguma pretensão e muita falta de
estilo. Essa atitude é típica de um grupo de indivíduos que costumam
engolir certas coisas, ainda proibidas, quando flagrados em seu uso na
inesperada presença das autoridades policiais. Esse grupo, os cabeções,
abordado recentemente em um dos textos sobre uma classificação, me
remetem à descrição de um outro tipo de texto: o texto-cabeção ou de
autodelação.
O texto-cabeção, ou de autodelação proposital, é um dos tipos mais
curiosos. O autor, a princípio, faz questão de se colocar de fora de um
grupo, supostamente marginalizado – na verdade e atualmente, dentro
do contexto universitário, muito reverenciado – e usa essa abstenção
intencional de forma brilhante, enquanto recurso estilístico para jus-
tamente enquadrar-se dentro desse grupo, sua intenção subliminar. E
essa atitude, como estilo em prol da intenção almejada, se revela ainda
mais eficiente quando o autor, ao longo do texto, demonstra um profun-
do conhecimento de causa, explorado em tom de paródia à linguagem
dissertativa tipicamente científica. O método é perfeito, principalmente
porque, em última análise, revela, de forma subliminar, o próprio perfil
do tipo em questão, cuja característica mais marcante, hoje, é justamente
não admitir sua inclusão no grupo, marginalizado mais por honra à
autenticidade da contestação que lhe deu origem do que pela rejeição
social propriamente dita. Assim, fazem questão de que, subliminarmente,
todos os identifiquem. É claro que, apesar de meu conhecimento pro-
fundo do tema, eu também não faço parte desse grupo, qualquer tipo de
semelhança com um tipo desses...
O texto-relatório. Este texto... ahm, ahm... geralmente versa sobre
assuntos ou fatos que marcam ou que de alguma forma marcaram a
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71 Com base neste mesmo texto exemplar, escrevi uma comunicação chamada Pedagógica é a
esfera; o gênero é pura decoreba, para o Celsul de 2016, em que apresento outras pedagógicas
esferas, entre elas, a escola, que criou o gênero redação escolar. Essa comunicação está em:
SCHERER, Amanda Eloína; MEDEIROS, Caciane Souza de; OLIVEIRA, Simone de Mello
de (org.). Linguística de nosso tempo: teorias e práticas. Santa Maria: Ed. UFSM, 2018.
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do primário, que eu escrevia bem, que tinha vindo junto, e, vida escolar
afora, continuaram dizendo. Mesmo assim, fiz vestibular para o curso
de Letras porque eu queria aprender a escrever para ser escritor, ou seja,
não acreditei neles, pois ninguém tinha me dito que escritores precisam
aprender a escrever para escreverem. Isso é o que deve ter vindo junto:
minha particular disposição para o exercício da escrita e para o apren-
dizado da escrita, que opinava que eu devia aprender a escrever em vez
me contentar com o que tinha vindo junto.
Mesmo depois que tomei consciência de que o curso de Letras
não ia me ensinar a escrever, pelo menos não em português, continuei
dizendo que não queria ser professor; queria ser escritor. E escrevia e
mostrava pros colegas que escreviam, que mostravam o que escreviam,
e trocávamos impressões, palpites, críticas. Eu não queria ser professor:
só dei aula de Inglês, por um semestre, no Yázigi; por um ano na ACM,
no noturno; fui pro Rondon e pro Protásio Alves quando saí do Instituto
Estadual do Livro; aí me chamaram pro Básico da UFRGS pra dar aula
de Redação técnica: virei professor.
Não. Virei professor quando me mandaram dar aula de Redação
Jornalística, disciplina dos semestres finais do curso de Jornalismo: Tu
nunca teve aula de Redação Jornalística na vida mas tu é professor e
tu já escreveu pra jornal. Entrei numa sala de aula onde talvez nem um
jornalista teria sido bem acolhido e tive de bravatear a minha intenção –
que inventei na hora – de ensinar coisa mais importante do que redação
jornalística. Mandei escrever, recolhi, fui pra casa, li e escrevi recados em
todos os textos, devolvi pra cada um, discuti com cada um que reclamou,
mandei escrever outro texto, fiz tudo de novo, e de novo, e de novo, e
de novo. Só muito tempo depois me dei conta de que fiz isso – mandar
escrever pra eu ler e comentar – porque era isso o que eu tinha: muita
leitura. Eu tinha lido muita coisa boa entre 1950 e 1974 para comparar
com o que eles escreviam e pra arriscar palpites sobre como deveriam
escrever.
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Aí, em algum momento dos meados dos anos 1980, achei que algu-
ma interessante repercussão pedagógica poderia decorrer de eu mesmo
me meter a escrever aqueles textos que eu andava botando os alunos a
produzir. Não apenas escrever mas também ler em aula para discuti-los.
E fiz isso nas aulas de Redação Jornalística, para alunos que já estavam,
no mínimo, fazendo estágio em jornais. Presumia eu que, por causa
disso, eles teriam condições de comentar esses textos mais de igual pra
igual, de arriscarem alguma crítica mais contundente. De fato, como
muito argutamente percebeu o Alfredo dez anos depois, o professor era
bacaninha e escreveu sua apresentação pessoal, relatou um aspecto do
seu cotidiano e sua emoção forte. Li em aula e discutimos.
Então, escrevi, com especial capricho, o próximo da lista: contar
um acontecimento que produziu um aprendizado – e levei para a aula
seguinte. Cheguei um pouco antes do início da aula, entrei na sala, sentei
e tirei o manuscrito da pasta. Um grupo de alunos, pedindo licença (?)
– Queremos falar contigo – entraram e sentaram:
Não passei bem depois disso, mas, como eu já tinha dito o pior que
eu conseguiria formular, o assunto estava encerrado. Esse texto – com o
título E o que somos agora, depois que viramos brasileiros? – eu revisei
para incluí-lo em Nós, os gaúchos72, coletânea de artigos organizada
72 FISCHER, Luís Augusto; GONZAGA, Sergius. Nós, os gaúchos. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1992.
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73 GUEDES, Paulo Coimbra. E o que somos agora, depois que viramos brasileiros? In: FISCHER,
Luís Augusto; GONZAGA, Sergius. Nós, os gaúchos. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1992.
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Pois eu, que nasci em 42, também sem nenhuma vocação pra tro-
glodita, passei toda a minha primeira juventude sem ver muita diferença
entre ganhar no jogo e ganhar no pau. E a minha tese é a seguinte: a
partir de 1958 nós começamos a deixar de ser platinos. A televisão
é que nos fez brasileiros. E éramos platinos não apenas porque aqui
se ouvia mais tango do que samba, porque se ia mais a Montevideo e
Buenos Aires do que ao Rio e São Paulo; nem por causa de nosso en-
gatilhado separatismo, que essa foi uma oportunidade definitivamente
perdida em 1845, sobrevivendo apenas como reserva de ressentimento,
expressando-se, por exemplo, naquele também memorável empate em 72
entre a seleção brasileira e a gaúcha, quando, mordidos pela ausência
até mesmo do tricampeão Everaldo na seleção que disputaria a Copa do
Sesquicentenário da Independência, proclamamos, no Beira-Rio lotado,
que o Brasil era um país que se estendia do Oiapoque ao Mampituba74.
Foi coisa do futebol e nem mesmo nos impediu de saudar Paulo
César Carpegiani como o único a se salvar naquela ridícula seleção de
74 e alegar com razão que perdemos a de 78 porque o pedante tecno-
crata Cláudio Coutinho (que Deus o tenha numa guampa de mijo, dizia
o meu também fronteiriço avô) não convocou o Falcão. Bom, em 1978,
já jogávamos futebol brasileiro, e a prova é que o Colorado bicampeão
era chamado de time europeu, e seu capitão, o chileno Figueroa, era
considerado um gentleman.
E a unânime e chorosa condenação à deslavada sola de Maradona
era a prova de que já não éramos platinos, de que já não reconhecíamos
naquele gesto – inútil e desleal, por certo – a reserva de gana, de raiva,
de – ouso dizer – furiosa e brutal dignidade do degolado que xinga –
também inutilmente – a mãe do degolador. O mitológico negro Neco do
XIV de Julho de São Borja do meu pai, além de não cair, teria batido com
as duas mãos na barriga, provocando Maradona a dar outro pontapé
74 Rio que separa o Rio Grande do Sul de Santa Catarina, perto do litoral. Só mais pro interior é
que os rios Canoas e Pelotas formam o rio Uruguai, que também separa o Rio Grande do Sul
do Brasil, além de separar da Argentina e do Uruguai, e que, tal como aos uruguaios, nos faz
também orientais.
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75 Cetegista é o adepto da ideologia dos Centros de Tradições Gaúchas, que se organizam ad-
ministrativamente como se fossem um tradicional latifúndio pecuarista, em que o dirigente
maior é chamado de Patrão, o segundo de Capataz e os demais de Peões.
76 Tomando chimarrão, aquela coisa.
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e ali ficamos conversando, pois íamos descer uma ou duas paradas antes
do terminal, e o ônibus estava vazio. Pouco depois, entrou um bando de
uns dez, um pedaço de um bloco de carnaval todos vestidos com mor-
talhas do mesmo pano, muito bêbados. Passaram por nós, espalharam-
-se pela parte da frente do ônibus, e um deles, o mais gritão e agitado,
sentou-se em cima da mesinha do cobrador, com os pés na roleta. Uma
tétrica certeza tomou conta do meu coração: é hoje que eu apanho. E
muito. Quando quisermos passar aquela roleta, eles vão mexer, botar
a mão, e eu vou ter que sair no braço, e eles vão me massacrar. Falar
com ela, a gente sai correndo pela porta de trás, assim que ela se abrir,
claro que não, o que ela vai pensar de mim? Que eu estou com medo de
ser chutado, esfaqueado por esses capoeiras aí? Nunca. Como naquele
conto do Borges, o Nordeste quer que eu lute. E continuei conversando:
para um condenado, disfarcei com dignidade.
Aí estávamos chegando à nossa parada. Me levantei, puxei ela pela
mão e falei com o cara de cima da roleta com aquele tom de voz – para-
fraseando o general Flores da Cunha – nem tão decidido que pudesse
parecer provocação nem tão humilde que pudesse parecer covardia:
“Õ amiguinho, dá uma força aí pra gente passar.” “Claro”, disse ele.
“Ô, seus vagabundo, vamos sair da frente aí pro casal passar”. E os
vagabundos saíram da frente, nos sorriram, um deles me ofereceu uma
bolacha. Mario Quintana diz que o receio de sermos vistos não chega
a ser vergonha; vergonha é o que sentimos no escuro. E a minha cara
irradiava ondas de calor. Denise continuava falando, nem reparou no que
eu sentia ali, no claro, pois o sol nos botava todos igualmente vermelhos.
Eu gostei muito de não ter sido massacrado na Bahia e reconheço
que, brasileiros, não precisamos dar e levar tanta porrada e que, sem
dúvida, esse é um ganho pra comemorar, assim como acho muito mais
divertido dançar lambada mexendo a bunda do que saltitar furiosamente
numa rancheira, mas não consigo perdoar o Batista por aquele eficien-
te contorcer-se de brasileiro nem aturar o jeito como os brasileiros
desculpam-se de serem brasileiros dizendo que, afinal, são brasileiros.
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E acho mesmo que, nós, gaúchos, estaremos para sempre isentos, pelo
menos, dessa “descontração”: na Província da Fronteira da Colônia
nós não vivemos nossa identidade; nós a sofremos, mesmo quando fun-
damentamos nosso discurso sobre ela em dois tão brasileiros temas:
futebol e mulher.
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tratar de certas referências feitas nela. De todo modo, essa história é muito
esclarecedora, tanto do que já está dito quanto do que vem pela frente.
A narrativa do acontecimento, com o aprendizado que aportou,
começa no décimo parágrafo, que apresenta as personagens – o
narrador e sua companheira – e o cenário: Salvador, no Carnaval de
rua. Depois da descrição vem uma comparação entre a complacência
baiana com o direito das mulheres alheias escolherem outro que não
o que se interessa eventualmente por ela e o embestamento gaúcho na
compulsão por reafirmar permanentemente o seu direito à proprieda-
de. Essa observação cria o contexto para o conflito que está por vir.
E vem antecedido de fundamentação teórica: Erico Verissimo
explica no parágrafo 11, e a gente, que leu, entende a diferença,
que tranquiliza a nossa cabeça, que relaxa. Relaxa até que, no dia
seguinte e no parágrafo 12, os vagabundos entram no ônibus: baixa,
então, a ancestralidade farrapa, e o guri cagado de medo estufa o
peito pro que der e vier. Deu no que deu: os vagabundos eram os
mesmos louvados por ele no sábado, na Praça Castro Alves, mas o
nosso herói sai transfigurado da aventura. A cara, pelo menos, saiu
vermelha. Como está escrito no último parágrafo, na Bahia é melhor,
mas deve ter o seu preço.
Acho que a publicação deste meu texto exemplificativo (não
vou chamar ele de exemplar) em Nós, os gaúchos não foi um contra-
bando da minha sala de aula pra lá. O texto propõe que, mesmo que
eventualmente a gente passe vergonha no escuro por causa de nossa
identidade gaúcha, não se trata só de sofrer com ela como sofrem os
cetegistas 24 horas porque nós, que não somos tão... – tão o quê? –
como eles, podemos também descansar na sombra da nossa identidade
brasileira. Além disso, eu gostei de ter escrito isto porque este texto
me proporcionou a alegria de me ter esclarecido existencialmente e
de ter organizado o seu conteúdo num modo instigante e ardiloso de
puxar e empurrar o leitor até o fim. Além disso, e principalmente, me
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Gibran Ayub
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Quando ouvi, em aula, a leitura do Gibran, eu, que li antes de ter ido
ao cinema e que vivi os primeiros 15 anos da minha vida sem televisão
na cidade, no estado, recuperei a decepção que foi a pobreza realista
dos cenários em que se passavam os filmes do Tarzan em comparação
com os cenários descritos nos livros do Tarzan que eu já tinha lido. Não
só os cenários mas também as ações: a chimpanzé que interagia com o
Tarzan dos filmes era uma ridícula compensação pela falta dos gorilas
gigantes que ele enfrentava nas narrativas escritas. O cinema da minha
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infância não dispunha dos efeitos especiais que fazem pelos filmes o que
as histórias em quadrinhos faziam pelas narrativas escritas: materiali-
zavam as lutas do Tarzan com leões, os elefantes amigos, os nativos de
orelhas pontudas, etc.
Foi muito instrutivo acompanhar o caminho inverso percorrido pelo
Gibran, que me pareceu bem mais harmônico do que o meu: o livro que
ele lia produzia um filme bacana dentro da cabeça dele; o filme que eu
via era uma versão degradada, bisonha, do livro que eu já tinha lido. Na
verdade, até hoje filme algum, novela ou série nunca botaram na tela
nem a história nem o personagem que eu conheci pelo livro, mas isso,
pelo que ouço, é comum.
O segundo parágrafo do texto ilustra uma formulação pedagógica
feita por João Wanderley Geraldi a respeito da iniciação à leitura,
algo como (sintetizo de memória): não é a história curta que cria o
leitor; o que enreda o leitor no que ele está lendo é o enredo, por
causa da vontade de ficar sabendo o que mais vem pela frente. Que
diz Gibran? A natureza contínua dos livros do Sítio, com uma aven-
tura sucedendo a outra, me levou sempre para o volume seguinte, e
ler virou um hábito.
A utilidade de escrever sobre a relação pessoal com a língua
escrita aparece a seguir: a sensação que a criança conseguia expressar
por um filme dentro da cabeça ganha, na trajetória do estudante de
Letras, a oportunidade para aprofundar a questão: Agora, conhecendo
algumas palavras a mais, eu tento... E essa avaliação evolui para
uma formulação sofisticada: O efeito que a leitura causava no cére-
bro, dessa forma, se mostrou tão impressionante quanto as próprias
histórias que eu já ansiava por ler. À tomada de conhecimento das
histórias pela leitura agregou-se o desenrolar do filme no cérebro:
é como se houvesse uma hierarquia nessa formulação. O filme que
formou o apreciador de narrativas incorporou-se à sua apreciação da
narrativa escrita quando ele passou a dedicar-se à leitura de narrativas.
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uma certa descrição, ou, pelo menos, uma apresentação de algumas das
características do que o autor considera ser a sua cultura e do que ele
entende por cultura, além de uma caracterização de sua relação com ela.
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Nossa! Que Alá nos protegesse! Era grego mesmo o que esse cara
estava tentando ensinar. Ninguém entendeu. Ainda assim, mandou re-
petir. E repetir. E repetir. E embora tenha tentado, mais tarde, resumir
aquela incógnita por um termo menos complexo: “es cola”, nós conti-
nuamos não entendendo porque nossa língua era outra.
Lembra da vara saliente sobre a mesa? Pois meu colega lembra.
Minutos antes do recreio daquele primeiro dia de aula ele já experimen-
tara o poder de persuasão da dita (ou maldita). O assoalho ficou tão
coletivamente mijado que escorreu por cima inclusive do meu chinelo
de dedo.
Ainda assim, o baile continuou:
“émia igual a má émia til mais ê igual a maenm mamãe”.
“Pea pá mais peai tudochunto igual a papai”
P. t. que pariu! O igual e o mais podiam ter ficado de fora. Devem
ter vindo da desgraçada da Matemática para ajudar. A atrapalhar.
Desse jeito, até o final do ano. Abaixo de gritos, varadas, e tampas
de garrafa para os joelhos. Às vezes, braços estendidos segurando a
enciclopédia para aumentar o peso e a agonia.
Para os “borra-bota” que nem eu, olhares bastavam.
É óbvio que não aprendemos. Obedientes, decoramos “A vaca da
vovó” e “O zebu do vovô”. E como essas eram as últimas lições e letras
do alfabeto (grego) português, aprovado.
Nos anos seguintes vieram os substantivos (só os abstratos), os
artigos (sempre indefinidos), os verbos (todos irregulares), os tipos de
sujeito e os objetos. Tipos de sujeito, na verdade, não. Um sujeito. O
professor. Tipo, único. Objetos? Bom, os objetos eram os objetos da sala
de aula: mesa, cadeira, lápis e nós, os alunos.
E dessa forma, aos poucos, amargamente, meninos e meninas que
sabiam uma língua materna, o alemão (o guarani, o italiano, o tupi, o
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poder aprender português, uma língua que não falam, na escola, lendo
uma grande quantidade de textos, expondo-se à língua escrita assim
como aprenderam a língua que falam ouvindo-a o dia inteiro por toda
parte e tentando falar como falavam as pessoas ao seu redor (GUEDES,
2006, p. 143).
As redações, estrategicamente mescladas com desenhos e carica-
turas, fluíam descompromissadas porque eu não tinha muito interesse
nem tempo, graças a Deus, de corrigir-lhes todos os detalhes. Esse era
o grande lance. Não havia cobrança. Todo mundo participava, do seu
jeito. A única competição que havia, era entre eles: para ver quem tinha
os desenhos e a letra mais bonitos. E essa disputa, salvo prova em con-
trário, era salutar. Todos aprendiam a ouvir, a falar, a ler e a escrever
em português; coisa que os gramatiqueiros da época, nem os de agora,
conseguem. As redações dos vestibulares são a prova mais cabal desse
fracasso. Ensinar português, segundo Guedes (2006, p. 141) é dar con-
dições “aos alunos para que se tornem capazes de entender os textos
que leem e não limitar-se a apenas estigmatizá-los como incapazes de
entender o que leem”.
Na minha aula ninguém bagunçava. Laço? Muito, não! Uma vez
por semana, se eles me deixassem estudar, eu levava o violão, e a gente
se esgoelava em coisas desafinadas. E bonitas, também. O professor da
sala ao lado, único colega na escola, gostou da ideia e perguntou se a
turma dele não podia, àquela hora, participar. Eu disse que sim, porém,
me arrependi. No canto, era ruim de pedra, o tio. De qualquer forma,
lucrei porque, desde então, a baderna deles diminuiu.
Antes de terminar, tenho que dizer por questão de justiça, injustiças,
lá no início, também cometi. Quando perdia a rédea, para me impor,
passava o galho em um e outro abestalhado que achava que podia fazer
na escola tudo o que fazia em casa.
Também, alguns, fi-los caminhar uma vez, num dia desses de
mormaço insuportável, por sobre rosetas maduras. Pediram água, mas
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O autor não se limita a relatar a sua história pessoal mas faz também
a contextualização histórica e política dos acontecimentos correlatos à
sua experiência escolar e docente. Sua origem social e cultural como
descendente de imigrantes alemães no Vale do Rio Pardo, que conti-
nuam se comunicando num dialeto germânico, respingado aqui e ali,
por um falar brasileiro, depois de mais de cem anos da chegada desses
imigrantes no Rio Grande do Sul, é um dado muito eloquente a respeito
das políticas públicas para educação que ainda vigorava no começo dos
anos 1970 no Rio Grande do Sul. Tão eloquente quanto essa narração é a
descrição da classe multisseriada para onde foi tangido sem ter a menor
ideia do que estaria para acontecer.
O realismo miúdo deste relato faz uma diferença significativa com
relação à grande maioria dos textos que resultam desta demanda, que
se limitam a contar os acontecimentos da história pessoal do seu autor,
do que resultaria algo como A minha alfabetização se deu numa classe
multisseriada; por isso, eu não consegui aprender a ler na primeira série,
mas, graças ao meu esforço... Esta descrição aprofunda e especifica: a
mencionada ditadura não trazia grandes novidades com relação à ditadura
que se expressava naquele cotidiano com muito mais naturalidade do que
nas engrenagens da política com que o país era desgovernado, pois a vara
de marmelo ali não era um símbolo mas indispensável material didático.
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7.4 ENSAIO?
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82 FISCHER, Luís Augusto. Inteligência com dor: Nelson Rodrigues ensaísta. Porto Alegre:
Arquipélago Editorial, 2009.
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ele faz uma distinção entre almas bem nascidas e corpos bem nascidos,
insinuando que há almas bem nascidas em corpos plebeus e almas mal
nascidas em corpos nobres. Não é, no entanto, a política que parece vir
ao caso para Montaigne, mas a receptividade desses leitores ao que ele
tem pra dizer: “impus-me a obrigação de dizer tudo o que ouso fazer, e
lamento até que todo pensamento não seja passível de exteriorização”.
O texto do Gibran, por exemplo, tem a cara limpa do ensaísta, a
desfaçatez, a coragem de sair descrevendo aquela sensação absurda de que
ler fazia passar um filme dentro da cabeça dele. E ele não só diz isso; ele
se atreve a descrever isso, e a descrição dele é plena de concretude como
se quisesse dizer que achou que estava ganhando alguma coisa com isso:
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Li, mesmo assim, uma porção de ensaios; acho até que escrevi alguns,
como, por exemplo, E o que somos agora, depois que viramos brasilei-
ros? É um ensaio sobre que emerge de um ensaio de?
O segundo traço do ensaio é trivialidade inicial, profundidade
final. Lá está assim descrito:
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que eu não queria poesia porque eu não sabia dar aula de poesia, que
eles levassem em consideração essa minha limitação.
Passei a achar – depois que eu li que o ensaio, prática literária de
contornos não muito precisos, precisou inventar uma linguagem – que eu
queria que eles fizessem isso mesmo: que inventassem uma linguagem,
ou, pelo menos, se arriscassem numa linguagem livre. Luigi Pirandello,
um dos anteriormente convocados por Fischer (2009, p. 234) para tratar
do humor, demonstra o “nexo íntimo” que há entre o humor e a linguagem
do humor: “o humor se estabelece contra a Retórica”. Substituam Retórica
por redação escolar porque a Retórica – a arte da eloquência, a arte de
bem argumentar, arte da palavra, segundo o Dicionário Houaiss (2009)
– já tinha sido banida inclusive do Colégio Anchieta, o colégio jesuíta
de Porto Alegre, quando eu comecei a dar aula lá, em agosto de 1975.
Quando eu estudava no Colégio de Aplicação da URGS, que, já nos
anos 1950, era escola-novista e modernista, meus amigos e primos que
estudavam nos colégios de padre participavam de concursos de oratória,
discursando sobre velhos temas clássicos morais e religiosos. Assisti dois
ou três, e não consegui atinar com a serventia que eles podiam achar
naquilo. No Anchieta, em agosto de 1975, a coordenação pedagógica
do segundo grau sequer torceu o nariz quando comecei meu trabalho de
ensinar escrita a partir de um contemporâneo manual americano.
Aproveito a citação de Pirandello:
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são que julga que faz parte do nosso, como dizem os sociolinguistas,
vernáculo: tri, por exemplo.
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O editorial é aquela seção do jornal que ninguém lê, a menos que leia.
Como eu, que não leio, mas li, porque achei que o verbete, tal como os
do Dicionário de porto-alegrês, me esclareceria. Não brilha mais lá fora
o sol da racionalidade, da distribuição mais equitativa das riquezas que
geramos, do Estado equipando-se para garantir uma gestão republicana.
Nesta penumbra, é preciso olhar de perto, tentar ver o que se mexe nas
sombras e que negligenciamos naqueles luminosos tempos.
Eu tinha uma implicância surda e muda com a disseminação e o
barateamento dessa exortação ao fazimento da diferença da consequente
louvação dos premiados nessa loteria; este verbete, no entanto, recoloca
a diferença no plano em que se expressa o melhor da nossa igualdade.
Além disso, consolida entre a nós a vigência do cultivo do verbete etno-
gráfico narrativo explicativo.
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quem está na plateia (ou ouvindo o CD, décadas depois) muitas vezes
não são as mesmas.
O fato é que termina o segundo espetáculo e os aplausos são
intensos. Mas superados, duas horas mais tarde, pelos 15 minutos de
aclamação a Hermeto (em várias publicações conta-se a história como
se Elis tivesse fechado a noite, mas foi o contrário: ela primeiro, Hermeto
depois). Sabe lá o que isso provoca na cabeça de duas personalidades
como essas?
O melhor e o pior estavam por vir.
Hermeto, já fora do palco, ainda recebia as palmas do último bis
quando Claude Nobs, diretor do festival, viu Elis na coxia. Ele chama
Hermeto de volta, que vai sentando no piano para tocar um novo solo.
E aí, numa jogada de mestre, chama também Elis.
Era a senha para o que muitas vezes acontece em festivais de jazz:
uma jam session com os artistas da noite. Só que esses dois não tinham
combinado nada, e o momento era de evidente enfrentamento de egos,
diante de uma plateia faminta.
Só não valeu dedo no olho e golpe abaixo da cintura.
Midani conta a história ligeiramente diferente. Diz que, durante os
onze minutos de aplausos para Elis, Hermeto, na coxia, lhe disse: “Essa
mulher é fantástica. Mas eu tenho de ensiná-la a cantar!!!”
Era para ser apenas uma música. Combinam qual no palco, acertam
o tom e Elis ainda comenta, com sotaque nordestino, enquanto Hermeto
equaliza o piano elétrico conforme seu gosto:
– É butão que pernambucano não aguenta.
Hermeto é alagoano.
Fazem então, o “Corcovado” mais cheio de corcovas da história.
Ela tira de letra, ainda que seus primeiros sorrisos sejam amarelíssi-
mos. A forma como Elis volta para a segunda parte da canção depois
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parte da música. Hermeto toca o inferno por baixo. E ela só sorri, dando-
-se ao luxo de redescobrir a sensualidade há muito esquecida da velha
”Garota” descrita por Vinícius e Jobim.
Jogo virado.
Mas, quando ela vai entrar na segunda parte, o acorde que Hermeto
apresenta quase a nocauteia. Elis chega a apertar os olhos num segundo
de incerteza, mas a nota não perde a afinação. Segue ela, impávido co-
losso, rumo ao final. Concentradíssima, olhos fechados, reagindo com
um sorriso a cada acorde. Quando abre finalmente as pálpebras, está
vesguíssima – coisa que, naquele momento de sua vida, só acontecia em
momentos de muita tensão.
Terminam o segundo número, abraçam-se já sem a mesma natu-
ralidade e Elis puxa Hermeto pela mão para fora do palco, pulando.
Claude Nobs passa por eles, extasiado. O público, ensandecido, sabia
que tinha tido o privilégio raro de ver os dois gênios num momento único.
Claude, então, os nomina mais uma vez.
A dupla volta para receber mais palmas e acaba decidindo fazer
mais um número.
Numa última arremetida, o bruxo cai como um carcará faminto em
cima de uma indefesa “Asa branca”. Mas agora nada mais derrubaria
Elis. Nem mesmo o fato de ela saber uma estrofe da letra. E sua segunda
e definitiva entrada na canção, encerra a noite, carregando no sotaque
do mestre da Lagoa da Canoa:
Entonce eu disse
Adeus Héhrméétu
Guahrde consigo
Todo meeuco-ra-ção...
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que tu tá pensando?, onde, até então, o você era obrigatório por causa
dessa nossa concordância errada.
Pra começar a se escrever demorou um pouco, e, na verdade, me
ocorre agora que pode ter sido aquela coisa horrorosa naquela citação
do livro do André Midani – “Essa mulher é fantástica. Mas eu tenho
de ensiná-la a cantar!!!” – que sintonizou de vez o meu ouvido com o
porto-alegrês que eu já vinha escutando naquelas páginas. Midani – me
informa o Arthur – assina ele mesmo a autoria do livro. Ele nasceu na
Síria e foi pra França com três anos de idade; só veio pro Brasil depois
de adulto. Sem ghostwriter, certamente teve um revisor, e revisores têm
ideias drásticas a respeito do que devem fazer, e eu não tenho notícia de
nenhum capaz de deixar que alguém escreva preciso ensinar ela a cantar,
como o Hermeto certamente disse porque nunca na vida dele ele disse
ensiná-la, nem nós nas nossas vidas: isso não é português brasileiro. E
é sempre a contragosto que eu digo e escrevo português brasileiro em
vez de brasileiro, mas, por enquanto, só assim entendem o que a gente
quer dizer.
Eu não estou dizendo que o texto do Arthur é bom porque se ex-
pressa em porto-alegrês; o texto é bom porque assume – e comunica isso
pro leitor – que aquele encontro não podia ser nada menos do que tenso
porque Elis era tensa: “Ideia que podia funcionar com outros. Não com
ela. Entrou com tudo”. E materializa, no vocabulário e na sintaxe, essa
tensão – “revirou tripas e coração”; no aparecimento do oponente no seu
“habitat natural”; nas testemunhas – “executivos de gravadoras e diretores
de festivais do mundo inteiro, Chick Corea e Rick Wakemann” – e nos
fantasmas – “me lembrei que era filha de uma lavadeira”; e culmina com
“a sensação de que o que haviam feito à tarde tinha sido bem melhor”.
Ficamos sabendo também que há quem cronometre a duração dos
aplausos de uns e outros e que esses dados ficam armazenados para a
eternidade e que não foi combinado o que podia ter sido combinado: tudo
arranjado, enfim, pra dar tudo errado.
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86 Pra quem não sabe, Tangos e tragédias é um espetáculo musical com dois cantores, músicos,
instrumentistas, compositores, atores, roteiristas naturais da Sbornia do Sul, que é uma ilha à
deriva no mar, originária do rompimento do istmo que a ligava ao Continente, ambos refugiados
em Porto Alegre: o maestro Pletskaya e o seu fiel escudeiro KaunusSang.
87 GOMEZ, Hique. Para além da Sbornia. Porto Alegre: Besouro Box, 2019.
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de fazer, do que tu quer fazer. Desde sempre foi isso o que botei meus
alunos a escrever como pré-requisito para não chegarem à tese de dou-
torado na condição de imitadores do jeito de ser dos artigos dos outros.
Falando de ti e do que está perto de ti, não há outro remédio a não ser
escrever do jeito que melhor organiza e expressa o que tu tem pra dizer.
É o que faz o prefácio do Hique: ele apresenta as credenciais que
justificam sua empreitada: ele é um artista privilegiado porque foram
24 anos trabalhando com a melhor das parcerias. Disso decorre que sua
vida passou a se orientar pela mesma busca. Logo, a autobiografia é não
só uma decorrência mas um imperativo: a autobiografia surge porque
tudo está intrínseco. Pra quem não conseguiu entender por que a gente
assistia Tangos e tragédias ano após ano em janeiro, explico que o espe-
táculo era sempre o mesmo e muito diferente do que tinha sido nos anos
anteriores, sempre atento aos acontecimentos e em constante mutação
e aperfeiçoamento.
É do impulso autobiográfico que brota a lucidez que qualifica o
cenário: “Nisso, me dou conta do quanto é rica a cena artística do nosso
lugar”. Ao longo desses 24 anos, ele esteve aqui e no mundo lá fora
permanentemente compondo e recompondo, apresentando e reapresen-
tando um espetáculo mutante e inventando outros, originários do mesmo
processo: “disponibilizo este registro, e lanço uma proposta a todos os
artistas, produtores e escritores brasileiros: escrevam suas histórias!
Escritores, escrevam biografias. Contar nossas histórias está na base do
processo civilizatório”. Ou seja, o lugar deste país onde cada um de nós
vive, trabalha e se expressa não é mais um pedaço do todo: cada um de
nós é tão todo quanto o todo. No último parágrafo está a informação de
que foram mais de 500 páginas a respeito da nossa rica cena artística,
reduzidas a 367 pela diligência do editor. Pra quem acha, como eu, que
tamanho é documento, aí tem mais uma afinidade.
Como a finalidade declarada deste meu último capítulo é mostrar
bons textos e tentar explicar por que são bons, não quero insinuar que
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de tudo que foi feito na música pop brasileira. O padrão pop inglês da
arte da contracultura atingiu com ela a mais alta escala de legitimidade
na revolução comportamental daquele período no Brasil, com reflexo
em toda a América Latina.
No álbum “Atrás do porto tem uma cidade”, transparecia que Rita
queria provar para os outros Mutantes que podia fazer música progres-
siva sem perder o traço anárquico e a graça. Para mim, os primeiros
itens do trabalho artístico passaram a ser esses. E ela mostrou... Tocava
Minimoog, harpstrings e clavinete, como um Rick Wackeman. Tocava
violões perfeitamente e ainda fazia uns solos de flauta transversa. Can-
tou em inglês uma música do Bad Company, uma banda que a gente
curtia, e, mesmo não entendendo as letras, tivemos a certeza de que, se
estivéssemos em Londres, estaríamos na vibe mais confirmada do rock
naquele momento. Equivalia a um show do David Bowie, só que com
músicos melhores e um conceito de arranjos mais sofisticado – isso eu
repito até hoje. O som do Bowie era menos elaborado, e os seus músicos,
menos eficientes, embora surfassem no pico da onda roqueira da época.
A iluminação não era tão pujante porque nem havia tanto equipa-
mento naquela época, mas o conteúdo musical sobrepujava todo o resto.
O repertório desse trabalho é genial, uma obra de arte permanente, como
todo trabalho da Rita, mas ela estava saindo dos Mutantes levando con-
sigo o melhor que os Mutantes podiam oferecer. Além disso, ao mesmo
tempo, ela evitava qualquer deslize que a banda pudesse estar vivendo
naquele momento. Aquilo era Mutantes em sua essência. Lógico que
uma banda se forma pela química entre os seus componentes, mas isso
para mim era tão claro como a luz do dia: “Rita Lee é a essência dos
Mutantes”. Eu não tinha quinze anos ainda e não poderia escrever nada
tão acurado sobre esse trabalho naquela época, mas guardo também a
impressão essencial daquele momento que ainda sou capaz de fazer todo
tipo de associação. Esse trabalho compõe a base de minha formação
artística musical e é uma de suas pedras fundamentais, referência de boa
música, criatividade, anarquia, humor, alegria, beleza, complexidade,
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Brenda Espíndula
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O texto que segue foi produzido para dar conta da mesma demanda
da maioria dos textos examinados neste livro: um relato sobre a relação
desenvolvida pela sua autora com a língua escrita. Neste caso, com ên-
fase na experiência escolar, já que foi numa disciplina da graduação em
Letras em que se discutia o ensino de Português na escola. A leitura e a
discussão deste texto em sala de aula determinaram o rumo que tomou
a discussão sobre o assunto daí por diante. Só esse mérito já qualifica,
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O dia da árvore
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que ele achava que eu deveria ter escrito. Imagino hoje que não é bem
assim que um candidato a romancista bem-sucedido negocia com as
editoras e seus pareceristas. Também não saí atrás de outra editora, mas
posso alegar que, quando terminei de escrever, em 1986, eu já estava
botando em ordem as anotações que eu vinha acumulando a respeito do
que eu escrevia nos textos dos meus alunos, redigindo o que ia acabar
compondo Da redação à produção textual, cuja primeira versão só ficou
pronta em 1990, quando eu já estava no doutorado, escrevendo a tese,
defendida em 1994.
Posso alegar também que doutores são muito solicitados: muito
tive de ler, escrever e reescrever a partir de 1995. Em 1998, graças à
insistência de Luís Augusto Fischer, a editora Artes e Ofícios, de Porto
Alegre, dispôs-se a editar o Tratado geral da reunião dançante94. Deixa
eu revisar; são mais de dez anos. Revisei e cortei acho que um terço do
que tinha ali. Paulo Seben, já em 1986, tinha me avisado: Tá prolixo,
tá copioso, tem coisa demais. Eu fui reler e disse pra ele depois: Tirei
três frases. É pouco, insistiu ele. Era, de fato, muito pouco, e agradeci
aos fados, que impediram a publicação antes de eu me tornar capaz de
perceber isso. E daí? Isso – perceber que a gente está tratando o leitor
como um burro que ainda não entendeu o que a gente já disse – isso se
ensina, ou não tem outro jeito a não ser passar dez anos sem olhar pro
texto? No modo de produção que desenvolvi com os meus alunos essa
prática não se encaixa.
Quem me deu a pista pra começar a deslindar o enleio entre o ro-
mancista e o professor foi Valter Avancini, diretor de telenovelas. Numa
esclarecedora entrevista (acho que no Roda Viva) ele aproveitou uma
pergunta simplória a respeito de sua relação com a “filha atriz” – como
ele a tratava: como diretor rigoroso ou como pai coruja? – para dizer
que ele sempre inquiria ela sobre a vocação. O talento – disse ele – pode
não levar longe se não houver a vocação. Na hora, lembrei da Carla
94 GUEDES, Paulo Coimbra. Tratado geral da reunião dançante. Porto Alegre: Artes e Ofícios,
1998.
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95 Eu sempre achei que a solenidade é obrigatória na antepenúltima frase; por isso, ela vai ficar
desse tamanho. Se eu dividir ela, perde-se a solenidade.
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REFERÊNCIAS
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POSFÁCIO
L eitoras e leitores que carregam inquietações sobre a língua que usam para
falar e para escrever (especialmente se for o português brasileiro, que
aprendemos desde que nascemos para, depois, nos dizerem que não aprende-
mos direito ao escrever na escola), ou que carregam questionamentos sobre
que língua devem ensinar, no caso de professores de português, certamente
foram afetados pelas provocações do autor ao longo dessa travessia, em que
nos convida a olhar para o objeto que nos constitui: nossa língua.
Antes de terminar essa conversa, cabe, ainda, um aviso ao leitor e
à leitora: o livro do Paulo, hoje, torna-se expressão ambígua. Explico:
entre as publicações de Paulo Coimbra Guedes, há o Da redação à
produção textual: o ensino da escrita, mencionado, não por acaso, já na
apresentação da obra. Esse é o livro do Paulo. O livro do Paulo, faz anos,
passou a ser meu livro, nosso livro. Não pense, leitora e leitor, que se
trata de uma espécie de Bíblia, que orientaria pela pregação da palavra,
ou de um manual (embora ele já tenha se chamado assim): trata-se de
uma leitura pela qual não passamos incólumes, estudantes ou docentes.
Lanço mão do plural porque, de fato, são muitos os trabalhos de pesquisa
acadêmica e de prática de sala de aula que dialogam diretamente com o
livro do Paulo e, portanto, dialogam também com Wanderley Geraldi,
que há tempos alertou que docentes devem ter e promover atitude de
pesquisa dentro de suas salas de aula.
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AGRADECIMENTOS
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