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9 786556 373553

Este livro é um dos produtos viabilizados pelo projeto interinstitucional (Univer-


sidade Federal de Sergipe, Universidade de São Paulo e Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo), contemplado pelo Edital CAPES/FAPITEC/SE N° 06/2012
- Programa de Estímulo a Mobilidade e ao Aumento da Cooperação Acadêmica da
Pós-Graduação em Sergipe.
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Tuxped Serviços Editoriais (São Paulo - SP)

L695m Liberali, Fernanda Coelho (org.) et al.


Multiletramentos, Práticas de Leitura e Compromisso Social /
Organizadores: Fernanda Coelho Liberali, Paulo Roberto Gonçalves-Segundo, Raquel Meister Ko.
Freitag e Viviane Letícia Silva Carrijo; 1. ed. – Campinas, SP : Pontes Editores, 2021.
il.; figs.; tabs.; quadros.

Inclui bibliografia.
ISBN: 978-65-5637-355-3.

1. Educação. 2. Leitura. 3. Prática Pedagógica. I. Título. II. Assunto. III. Organizadores.

Bibliotecário Pedro Anizio Gomes CRB-8/8846

Índices para catálogo sistemático:

1. Educação. 370
2. Didática - Métodos de ensino instrução e estudo– Pedagogia. 371.3
3. Leitura. 372.4
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2021 - Impresso no Brasil


sumário

APRESENTAÇÃO......................................................................................................... 7

1 - OS MULTILETRAMENTOS E SEU POTENCIAL TRANSFORMADOR........... 15


Cintia Camargo

2 - DESAFIOS PARA O DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA LEITORA


EM TEMPOS DE PANDEMIA: reflexões para a prática........................... 31
Beatriz de Oliveira Matos
Calyne Porto de Oliveira
Sidney Silva Martins

3 - ALFABETIZAÇÃO EM TEMPOS DE PANDEMIA: uma análise multimodal


das narrativas digitais produzidas pelas crianças e suas
famílias...................................................................................................................... 45
Sandra Cavaletti Toquetão
Shirlei Nadaluti Monteiro

4 - Formação de leitores: o entrelace das práticas de leitura,


letramento e multiletramentos em um contexto multialfabeti-
zador........................................................................................................................... 57
Iranara Saraiva Alves Feitoza
Nordeci de Lima Silva

5 - MULTILETRAMENTOS COMO INSTRUMENTOS PARA A DESENCAPSULAÇÃO


CURRICULAR............................................................................................................... 69
Sarah Bento
Fernanda Liberali

6 - PORTUGUÊS COMO LÍNGUA ADICIONAL SOB A ÓTICA DA PEDAGOGIA


DOS MULTILETRAMENTOS PARA SURDOS......................................................... 85
Toni Silva Demambro
Elias Paulino da Cunha Junior

7 - INFOGRAFIA: ESTRATÉGIAS PARA LEITURA E COMPREENSÃO DE


TEXTOS MULTIMODAIS............................................................................................ 95
Talita Santos Menezes
Vanesca Carvalho Leal
8 -A IMPORTÂNCIA DA LEITURA NA APLICAÇÃO PEDAGÓGICA DA NARRATIVA
TRANSMÍDIA NO ENSINO FUNDAMENTAL......................................................... 117
Ana Lúcia Tinoco Cabral
Barbara Falcão

9 - O booktube na sala de aula: as resenhas literárias multimodais


e a formação do leitor crítico................................................................... 129
Isabela Silva de Oliveira
Paulo Roberto Gonçalves-Segundo

10 - COMPREENSÃO LEITORA DE DISCURSOS POLÊMICOS POR MEIO DA PRO-


DUÇÃO DE PODCAST................................................................................................. 141
Joyce Kelly Alves dos Santos
Isabel Cristina Michelan de Azevedo

11 - METÁFORAS E ENSINO: PERSPECTIVAS PARA O TRABALHO COM LEITURA


NO ENSINO MÉDIO..................................................................................................... 153
Zilda Aquino
Renata Palumbo
Janayna Cozer

12 - NARRATIVAS DE FORMAÇÃO E ENSINO DE LEITURA NA EDUCAÇÃO DE


JOVENS E ADULTOS.................................................................................................. 165
Allan de Andrade Linhares
Fabricia Pereira Teles

13- A ELABORAÇÃO COLETIVA DE UM MATERIAL DIDÁTICO COM BASE EM


ATIVIDADES SOCIAIS PARA EDUCANDOS HAITIANOS DA EJA..................... 175
Daniela Aparecida Vieira
Cristiane Maria Coutinho Fialho
Silvania Francisca de Jesus

Referências.............................................................................................................. 187

Sobre os autores.................................................................................................. 199


multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

APRESENTAÇÃO

Os impactos da pandemia de Covid-19 reverberam em todo o


globo e em todos os aspectos da vida humana. No Brasil, e no campo
educacional, a primeira reação de paralisia frente ao cenário foi seguida
por um movimento de redimensionamento e adaptação de práticas para
um cenário não planejado e profundamente assimétrico na busca por
assegurar o direito à educação num período de emergência sanitária com
distanciamento físico e barreiras tecnológicas, tanto para professores,
quanto para alunos.
Assegurar a educação, seja qual for o contexto, é um compromisso
social. O trabalho com a linguagem é uma prática social. E é sob essa
ótica que os textos desta coletânea se agrupam. No escopo do projeto
institucional Concepções de língua e literatura: ação de pesquisa cola-
borativa e interinstitucional (CAPES/FAPITEC/PROMOB), que envolve
pesquisadores da Universidade Federal de Sergipe (UFS), da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e da Universidade de São
Paulo (USP), o desenvolvimento de práticas de leitura e escrita conside-
rando a língua como prática social e o compromisso social da educação
contribuiu para este processo de adaptação e planejamento das ativida-
des pedagógicas, especialmente aquelas desenvolvidas sob a chancela
do Mestrado Profissional em Rede em Letras – Profletras, e os projetos
institucionais voltados ao letramento, como o Programa Digitmed e “A
língua do universitário: fala, leitura e escrita para o letramento acadêmi-
co”, projeto de apoio pedagógico. No entanto, mesmo antes da pandemia,
os desafios encontrados em contextos de alfabetização, cursos de língua
adicional para Surdos e para acolhimento de imigrantes, por exemplo,

7
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

já motivavam o desenvolvimento de propostas de trabalho pedagógico


com a leitura que considerassem as especificidades e as assimetrias, que
se acentuaram com o contexto pandêmico.
As medidas sanitárias de distanciamento social que levaram ao
fechamento de escolas motivaram a exploração dos recursos virtuais. Ao
mesmo tempo, nunca tanta informação foi produzida e compartilhada em
um período tão intenso de tempo, o que demanda a exploração de nossa
capacidade de leitura e adaptação a gêneros emergentes que tomaram
grandes proporções com a pandemia.
Para lidar com essas diferentes dimensões sociais e assimetrias, os
multiletramentos consolidam-se como eixo orientador de práticas, pois
possibilitam o desenvolvimento do leitor crítico e apresentam potencial
de transformação social, com a ressignificação de práticas. No primeiro
capítulo desta coletânea, Cintia Camargo, em “Os multiletramentos e seu
potencial transformador”, apresenta a proposta de pensar os letramentos
múltiplos do New London Group e tece reflexões sobre a maneira como
diferentes pesquisadores a ressignificam em seus contextos de trabalho.
O capítulo mostra como a expansão do conceito permite pensar educa-
ção para além da decodificação de textos e compreensão de situações,
mas uma proposição de novas e engajadas formas de agir individual
e coletivamente, reforçando o compromisso social. Por este potencial
transformador, os Multiletramentos são a orientação que alinha as ex-
periências didático-pedagógicas dos demais capítulos da coletânea, que
consideram a leitura nos estudos de linguagem e literatura oferecendo
novas maneiras de vivenciar os processos de aprendizagem, de forma
crítica, participativa e transformadora.
Em “Desafios para o desenvolvimento da competência leitora em
tempos de pandemia: reflexões para a prática”, Beatriz de Oliveira Matos,
Calyne Porto de Oliveira e Sidney Silva Martins discutem os impactos
das medidas sanitárias de distanciamento social por conta da pandemia
no desenvolvimento da competência leitora dos alunos brasileiros e
sugerem propostas pedagógicas para a educação básica lidar com as assi-
metrias de aprendizagem relacionadas à leitura provocadas pelo contexto

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multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

pandêmico. Sandra Cavaletti Toquetão e Shirlei Nadaluti Monteiro, em


“Alfabetização em tempos de pandemia: uma análise multimodal das
narrativas digitais produzidas pelas crianças e suas famílias” tocam em
uma questão muito delicada, que é como deve ocorrer a alfabetização sem
as crianças frequentarem as escolas de forma presencial, considerando
dois cenários: aquele em que as crianças puderam prosseguir seu processo
de investigação sobre a escrita, por meio do ensino remoto emergencial,
e aquele em que as crianças tiveram seus processos de aprendizagem
escolar interrompidos, seja por dificuldade de encontrar algum adulto
que tivesse esta disponibilidade, seja por dificuldade ao acesso às mídias
tecnológicas, ou mesmo por questões emocionais causadas pela pande-
mia. As autoras defendem a importância de que a entrada da criança na
cultura da escrita e a apropriação do sistema alfabético ocorram por meio
de interação entre as pessoas, dentro de um contexto social.
Mesmo antes do contexto pandêmico, a demanda por propostas
críticas e reflexivas para a transformação do processo de ensino-aprendi-
zagem na alfabetização sempre foi uma questão latente. Em “Formação de
leitores: o entrelace das práticas de leitura, letramento e multiletramentos
em um contexto multialfabetizador”, Iranara Saraiva Alves Feitoza e
Nordeci de Lima Silva defendem o compromisso da leitura como alia-
da ao processo de alfabetização. Ao contextualizar os primeiros anos
escolares relevando a literatura como eixo fundamental na formação de
leitores, as autoras apresentam possibilidades de expansão das práticas
literárias com os multiletramentos a partir da escolha de obras literárias
que se entrelaçam às realidades vividas.
Construir significado a partir das multiplicidades vigentes pro-
movendo a presença não passiva dos sujeitos na sociedade a partir da
multiculturalidade consiste em premissa fundamental do Multiletramento
Engajado, cuja aplicação prática é apresentada no capítulo “Multiletra-
mentos como instrumentos para a desencapsulação curricular”, por Sarah
Bento e Fernanda Liberali, que mostram como os Multiletramentos con-
tribuem para a formação de um currículo desencapsulado no Programa
Digitmed. As autoras mostram como a proposta traz aos participantes a
possibilidade de repensar o contexto sócio-histórico-cultural no qual se

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multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

encontram inseridos e de transformá-lo. A partir disso, de forma colabo-


rativa, os sujeitos são capazes de construir novos significados, à luz da
formação de novos espaços em que se viam, inicialmente, aprisionados.
Também antes do contexto pandêmico, situações de ensino de
português como língua adicional e a educação de jovens e adultos se
mostravam particularmente desafiadoras do ponto de vista pedagógico.
Partir da realidade do sujeito para criar um ambiente de aprendizagem
aplicado leva a um resultado que tende a fazer sentido para o sujeito Surdo
– é essa a tese que defendem Toni Silva Demambro e Elias Paulino da
Cunha Junior no capítulo “Português como língua adicional sob a ótica
da pedagogia dos multiletramentos para Surdos”.
Com o contexto pandêmico, infográficos passaram a fazer parte
do nosso cotidiano de maneira ainda mais intensa, assim como narrativas
transmídias, podcasts e booktubes, e até mesmo os textos de redes sociais.
Trabalhar com estes recursos no espaço pedagógico requer não só uma
concepção de multiletramentos, mas de multimodalidade, na medida em
que a dimensão dos suportes é ampliada e diversa.
Em “Infografia: estratégias para leitura e compreensão de textos
multimodais”, Talita Santos Menezes e Vanesca Carvalho Leal conside-
ram que, por agregar representações verbais e visuais em sua composição,
o infográfico configura-se como um gênero multimodal, cujo sentido é
constituído pela articulação entre as diferentes linguagens presentes em
sua materialidade, demandando estratégias de leitura específicas para
sua compreensão. As autoras apresentam uma proposta didática com
infográficos, um roteiro de leitura com foco em estratégias para o traba-
lho com textos multimodais, valendo-se de farto material de infografia
produzido neste contexto pandêmico.
Ainda na dimensão multimodal, Ana Lúcia Tinoco Cabral e Barba-
ra Falcão defendem a importância da leitura para a construção de conhe-
cimentos basilares para a produção escrita, mostrando como a leitura de
contos e minicontos revelou-se uma prática fundamental para a produção
de narrativas transmídia. O capítulo “A importância da leitura na aplica-
ção pedagógica da narrativa transmídia no ensino fundamental” mostra

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multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

como é possível integrar o ensino sobre as novas tecnologias digitais ao


ensino de língua portuguesa e como coordenar atividades de leitura e
escrita com o ensino sobre as mídias digitais, com o uso pedagógico da
narrativa transmídia, uma história cujas partes são contadas a partir de
diferentes mídias. As autoras enfatizam que a proposta pode ser adaptada,
inclusive para o ensino remoto, como o contexto pelo qual passamos com
a pandemia, assim como para situações nas quais não haja acesso ou haja
acesso restrito às mídias digitais, uma vez que ela possibilita englobar
diferentes gêneros discursivos e mídias, digitais e impressas.
Na busca por formas de trabalho que articulam a leitura literária e
a leitura e a produção de textos multimodais na educação básica, Isabela
Silva de Oliveira e Paulo Roberto Gonçalves-Segundo, em “O booktube
na sala de aula: as resenhas literárias multimodais e a formação do leitor
crítico”, exploram as comunidades digitais conhecidas como booktubes e
um de seus principais gêneros: a resenha literária multimodal. Assumindo
os multiletramentos como fundamentais para a inserção sociopolítica,
cultural e econômica do cidadão, a proposta dos autores promove o tra-
balho articulado entre o social, o digital, o discursivo e o multimodal e
ressalta o esforço de promover uma mudança na relação de nossos alunos
com a leitura e com a literatura, e também a necessidade, cada vez mais
intensa, de aprender a ler, analisar e produzir gêneros multimodais.
A cultura digital tornou-se uma nova cultura, um novo modo de
compreender as práticas educativas e uma nova forma de compreender
o mundo a partir das tecnologias digitais. A assimetria no acesso à tec-
nologia acentuou-se ainda mais no contexto pandêmico. Em “Compre-
ensão leitora de discursos polêmicos por meio da produção de podcast”,
Joyce Kelly Alves dos Santos e Isabel Cristina Michelan de Azevedo
mostram como utilizar o podcast enquanto ferramenta pedagógica para
acompanhar o desenvolvimento dos estudantes na análise e compreensão
de textos. Configurando-se como um recurso que pode ser explorado
inclusive off-line, uma vez que os textos são produzidos em formato de
áudio (mp3), as autoras destacam que, mesmo com as limitações das
aulas remotas, os estudantes participantes se esforçaram para responder,
apresentando conclusões sobre os textos lidos a partir dos posiciona-

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multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

mentos do autor. Trata-se de uma experiência muito rica de superação


das limitações que a nova realidade de aulas virtuais no ensino remoto
emergencial com utilização produtiva de mídias digitais.
As transformações da cultura digital e seu impacto nas práticas
pedagógicas também estão presentes no capítulo “Metáforas e ensino:
perspectivas para o trabalho com leitura no ensino médio”, de Zilda
Aquino, Renata Palumbo e Janayna Cozer. As autoras apresentam
uma proposta de atividades de leitura de textos que circulam na mídia
digital com foco nas metáforas, consideradas do ponto de vista discur-
sivo, social e cognitivo como elementos constitutivos de muitos dos
discursos que circulam na sociedade e que, utilizadas estrategicamente,
cumprem um papel não só marcadamente persuasivo, mas também
construtor da cognição social. Textos das redes sociais são produções
atuais e digitais que despertam interesse nos alunos de diversos níveis
de escolaridade. Seu trabalho em sala de aula permite engajar a escola
num contexto da era digital, contribuindo para a transformação social.
Como se dá o ensino de leitura na perspectiva dos discursos pro-
duzidos por meio dos relatos de vida e de formação de professores de
EJA de escolas públicas? Em “Narrativas de formação e ensino de leitura
na educação de jovens e adultos”, Allan de Andrade Linhares e Fabricia
Pereira Teles investigam as concepções e práticas de leitura, discursiva-
mente construídas nos relatos de vida e de formação de professores para
desenvolver o ensino de leitura, mostrando como os professores se viam
em um novo local social, com um olhar mais crítico, mais analítico, mais
atento às várias influências sociais, culturais, ideológicas materializadas
nos textos.
Já Daniela Aparecida Vieira, Cristiane Maria Coutinho Fialho e
Silvania Francisca de Jesus relatam, no capítulo “A elaboração coletiva
de um material didático com base em atividades sociais para educandos
haitianos da EJA”, o processo de elaboração de um material didático
voltado a estudantes haitianos do Centro Integrado de Educação de Jovens
e Adultos (CIEJA) Perus I. As autoras esperam oferecer aos educandos
haitianos e brasileiros, num processo crítico, colaborativo e dialógico,

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multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

condições para que sejam construídas pontes entre a leitura de mundo


que eles trazem consigo e a leitura da palavra, tanto em português quanto
em crioulo haitiano.
O conjunto de experiências apresentadas nesta coletânea sob a
ótica da pedagogia dos Multiletramentos reverbera seus princípios de
pluralidade cultural e diversidade de linguagens tão necessários nos dias
de hoje, contribuindo para uma educação para transformação pessoal e
reforçando o nosso compromisso social enquanto formadores.

13
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

1
OS MULTILETRAMENTOS E SEU
POTENCIAL TRANSFORMADOR

Cintia Camargo
(Mackenzie)

1.1 Introdução

Os Multiletramentos têm se tornado um campo fértil de estudos


entre os pesquisadores brasileiros nas últimas décadas. Para Duboc e
Ferraz (2018), tal entusiasmo pode ser conferido por meio da quantidade
de eventos ao redor do país, nos quais os Multiletramentos figuram como
tema principal de conferências. Segundo Rojo (2012), esse interesse
imediato por parte de profissionais brasileiros da educação em uma
pedagogia dos Multiletramentos tem a ver não somente com seus princí-
pios de pluralidade cultural e diversidade de linguagens tão necessários
nos dias de hoje, mas também com o fato de que essas teorias muito se
identificam com os conceitos de Paulo Freire, conhecidos e almejados
por grande parte dos docentes no Brasil.
Considerando a proposta desta coletânea de trabalhar com a leitura
em diversas perspectivas de estudo da linguagem, importa abordar os Mul-
tiletramentos e sua repercussão, assim como suas diferentes abordagens
dentre o trabalho de pesquisadores e estudiosos da área. Desse modo, neste
capítulo, primeiramente realizamos um breve levantamento teórico dessas
teorias a partir de seus autores fundadores (THE NEW LONDON GROUP,
2000 [1996]; COPE; KALANTZIS, 2000, 2009, 2013, 2015), e em seguida,
apresentamos como pesquisadoras brasileiras significam e expandem a
proposta do grupo de Nova Londres em seus contextos de trabalho.

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multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

1.2 As teorias e a pedagogia dos Multiletramentos


Os Multiletramentos nascem em meio a um contexto no qual pes-
quisas e discussões sobre as teorias de letramentos já se desenvolviam
por algum tempo no mundo todo. Os pesquisadores desse campo já se
preocupavam em distinguir os estudos sobre alfabetização e os estudos
sobre o impacto social da escrita (KLEIMAN, 1989). É na década de
1980 que os estudos de letramentos ganham força com a corrente que
ficou conhecida como “New Literacy Studies” ou “NLS”, principalmente
por meio da obra de um de seus principais precursores, o antropologista
Brian Street, que, de acordo com Rojo (2009), inaugura esse momento
com uma obra “divisora de águas”, na medida em que propõe uma divisão
entre dois enfoques de letramentos: o modelo autônomo e o modelo ide-
ológico. O modelo ideológico que Street defende em oposição ao modelo
autônomo diz respeito ao entendimento de letramento a partir de práticas
sociais concretas, o que significa dizer que as práticas de letramento para
ele são determinadas social e culturalmente (GEE, 2015).
Em uma época em que os pesquisadores dessa área já aplicavam
a perspectiva dos NLS para práticas que envolvessem tecnologias outras
que não as impressas, como as digitais (GEE, 2015), e a preocupação com
as crescentes desigualdades em âmbito educacional demandava uma nova
pedagogia em letramentos, surge uma nova corrente nesse cenário – o
New London Group (doravante NLG). Trata-se de um grupo de educado-
res e pesquisadores em letramentos de diferentes partes do mundo como
Estados Unidos, Austrália, Inglaterra e África do Sul, que se reuniram
pela primeira vez na cidade de Nova Londres, em Nova Hampshire, em
1994, após alguns anos de pesquisa e interlocuções nesse campo.
Preocupados com o estado vigente e o futuro de uma pedagogia
em letramentos, o NLG redige um documento denominado por eles
como um manifesto intitulado de “Uma Pedagogia de Multiletramentos
– desenhando futuros sociais” (1996)1, que foi publicado pelo periódi-
1 Tradução nossa para o original: “A Pedagogy of Multiliteracies – Designing social futures”.
Recentemente o manifesto foi traduzido para o português com o título “Uma Pedagogia dos
Multiletramentos: Projetando Futuros Sociais.” (GRUPO NOVA LONDRES. Uma Pedagogia
dos Multiletramentos: Projetando Futuro Sociais. Revista Linguagem em Foco, Fortaleza, v.
13, n. 2, p. 101-145, 2021 [1996]. DOI: 10.46230/2674-8266-13-5578).

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multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

co Harvard Educational Review. Nesse documento, os pesquisadores


Courtney Cazden, Bill Cope, Norman Fairclough, Jim Gee, Mary Ka-
lantzis, Gunther Kress, Allan Luke, Carmen Luke, Sarah Michaels e
Martin Nakata introduzem seus estudos como uma tentativa de expandir
a compreensão sobre letramento, com finalidade de incluir o que eles
chamam de uma negociação de multiplicidades de discursos. Para abrir as
discussões, o grupo aponta para questões sobre como é possível garantir
que diferenças de cultura, linguagem e gênero não sejam barreiras para
o sucesso educacional (THE NEW LONDON GROUP, 2000 [1996]).
Na visão de Rojo (2012), o NLG cunhou o termo Multiletramentos
a fim de nomear um conceito que deveria dar conta de dois “multi” – as
multiculturalidades, advindas dos processos de globalização, e a multimo-
dalidade dos textos veiculados por essas multiculturalidades. Nessa época,
muito embora já houvesse estudos críticos acerca do uso pedagógico das
novas tecnologias (KRESS, 1996; GEE, 1999), de modo geral, as práticas
em torno de novas mídias digitais e sociais estavam apenas começando
a emergir, e com isso, o enfoque dos estudos do NLG estava na visão de
que as pessoas são designers ativos no processo de produção de sentido
ao se utilizarem de linguagem oral, escrita ou mediada, constituindo-se,
portanto, de um pensamento crítico para tal (GEE, 2015). Nesse sentido,
Cope e Kalantzis resumem:

O foco era o todo: um mundo em transformação e suas novas


demandas sendo impostas às pessoas fazendo delas fazedores
de sentido em locais de trabalho também em transformação,
como cidadãos em espaços públicos transformados em dimen-
sões transformadas das nossas vidas em comunidade – nossos
mundos vivenciados2 (COPE; KALANTZIS, 2000, p. 4).

Preocupados em fomentar o pensamento crítico, o NLG concorda


que professores e alunos devem conseguir se enxergar como participantes
de uma mudança social – ao se tornarem designers ativos, alunos e pro-
2 Tradução nossa para o original: “The focus was the big picture: the changing world and the
new demands being placed upon people as makers of meaning in changing workplaces, as
citizens in changing public spaces and in the changing dimensions of our community lives –
our life worlds.” (COPE; KALANTZIS, 2000, p. 4).

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multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

fessores são criadores de futuros sociais (THE NEW LONDON GROUP,


1996). Como resultado de muitas trocas e novas reuniões entre o grupo,
no ano de 2000, Bill Cope e Mary Kalantzis editam um livro que compila
e evolui o trabalho do NLG, com contribuições de todos seus integrantes
e suas experiências trazidas de diferentes lugares do mundo.
Retomando o manifesto de 1996 para fins de compreender não
apenas os argumentos ‘como’ e ‘o quê’ da proposta apresentada pelo
NLG, mas também para elucidar a forma como o grupo elabora o argu-
mento que representa o seu ‘porquê’, ressalta-se a discussão em torno
das mudanças sociais no mundo do trabalho, da vida pública e da vida
pessoal e como elas devem influenciar as práticas letradas, “suplementan-
do as pedagogias de letramento tradicionais” ao acessarem as diferentes
multiplicidades textuais (THE NEW LONDON GROUP, 1996, p. 63).
Ao discutir o novo ethos educacional a partir das crescentes e múltiplas
formas de se fazer sentido (quando o verbal se relaciona também com
o visual, o auditivo, o espacial, o comportamental, entre outras), e das
crescentes diversidades locais e globais, o NLG traz teorizações que, a
partir de uma análise do mundo contemporâneo, enfocam o ‘o que’ e o
‘como’ dessa proposta:

O artigo é uma visão geral teórica do contexto social vigente


de aprendizagem e as consequências das mudanças sociais
para o conteúdo (‘o que’) e a forma (‘como’) da pedagogia de
letramentos. (THE NEW LONDON GROUP, 1996, p. 63)3.

Já a publicação, organizada por Cope e Kalantzis em 2000, retoma


o documento de 1996 e aprofunda os conceitos e ideias inicialmente apre-
sentados junto às primeiras experiências práticas que os pesquisadores
têm com a pedagogia em suas comunidades. Contudo, ao abordar os ar-
gumentos ‘porquê’, ‘o quê’ e ‘como’, que no manifesto estão claramente
dispostos como perguntas norteadoras da Pedagogia dos Multiletramentos
especificamente, no livro editado por Cope e Kalantzis, o ‘porquê, o ‘ o
3 Tradução nossa para “The article is a theoretical overview of the current social context of
learning and the consequences of social changes for the content (the “what”) and the form
(the “how”) of literacy pedagogy.” (THE NEW LONDON GROUP, 1996, p. 63).

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multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

quê’ e o ‘como’ são apresentados como eixos que dividem o construto


teórico dos Multiletramentos como um todo.
No manifesto, as teorizações que correspondem ao ‘o quê’ da
pedagogia dos Multiletramentos são apresentadas por meio de noções
de “Designs de significado”, que estão categorizadas em três elementos:
os designs disponíveis, os designs em construção, e os redesigned, ou
redesenhados4 (THE NEW LONDON GROUP, 1996, p. 74). Traduzin-
do, o New London Group propõe nesse primeiro documento tratar os
processos de ensino e aprendizagem como atos de construção por meio
da noção de Design, que deveria substituir concepções tradicionais de
ensino de letramento. Para os autores, essa noção se torna central para as
inovações no mundo do trabalho, assim como para as reformas necessárias
nas escolas diante do mundo contemporâneo.
Com base em estudos anteriores no campo da teoria do discurso
(FAIRCLOUGH 1992a, 1995), o NLG propõe tratar qualquer atividade
semiótica por meio da estrutura mencionada anteriormente (Available
Designs, Designing e The Redesigned). Dessa forma,

as atividades semióticas são vistas como uma prática cria-


tiva e uma combinação de convenções (recursos – Designs
Disponíveis), que no processo de Design, transformam ao
mesmo tempo que reproduzem essas convenções (THE NEW
LONDON GROUP, 1996, p. 74)5.

Rosa (2016) entende como Design o propósito de repensar o ensino


considerando o mundo da vida do aluno como base para o currículo (os
designs disponíveis a ele e à sua comunidade), de forma que uma trans-
formação das práticas seja alcançada por meio de novos conhecimentos
construídos e ressignificados.

4 Tradução nossa para o original “Available Designs, Designing and The Redesigned” (THE
NEW LONDON GROUP, 1996, p. 74).
5 Tradução nossa para o original “(…) It sees semiotic activity as a creative application and
combination of conventions (resources – Available Designs) that, in the process of Design,
transforms in the same time it reproduces these conventions (…)” (THE NEW LONDON
GROUP, 1996, p. 74).

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multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Ainda sobre o argumento ‘o quê’, Fairclough (2000) explora a


centralidade da identidade, da diferença e da mudança para uma teoria
dinâmica de linguagem por ele desenvolvida, a partir da noção de Design.
Kress (2000) contribui com essa seção quando discorre sobre um impor-
tante princípio – a multimodalidade. Sem intenção de se aprofundar nas
teorias da multimodalidade, ou ainda, em uma gramática desenvolvida por
Kress e Van Leeuwen (1996), importa observar as teorizações do autor
acerca do ambiente comunicacional contemporâneo e suas novas manei-
ras de entender linguagem, que, para ele, é invariavelmente multimodal.
Com relação ao argumento ‘como’, a pergunta é abordada no ma-
nifesto de 1996 por meio do que o NLG denomina como ‘uma teoria de
pedagogia’, que, de acordo com o grupo, deve estar baseada em “visões
sobre como a mente humana trabalha na sociedade e na sala de aula,
assim como sobre a natureza de ensinar e aprender” (THE LONDON
GROUP, 1996, p. 82). A visão do grupo de que o conhecimento humano
se constitui em contextos sociais, culturais e materiais, desenvolvido a
partir das interações com o outro, trouxe como resolução argumentar em
favor de uma pedagogia apresentada como uma complexa integração de
quatro fatores: a Prática Situada, a Instrução Evidente, o Enquadramento
Crítico e a Prática Transformada.
De acordo com Pinheiro (2016), os quatro elementos da Pedago-
gia dos Multiletramentos constituem a operacionalização do processo
de Design proposto pelo NLG. Segundo o autor, este processo se dá
na medida em que o aluno reconhece e usa os ‘designs disponíveis’ de
várias modalidades materiais e simbólicas para planejar e construir, e
finalmente “replanejar e reconstruir criticamente suas identidades, suas
oportunidades e seus futuros como cidadãos participativos de um mundo
globalmente conectado” (p. 526).
Apresentados mais sucintamente no manifesto de 1996, os qua-
tro elementos da pedagogia dos Multiletramentos (a Prática Situada, a
Instrução Evidente, o Enquadramento Crítico e a Prática Transformada
– definição no Quadro 1), são aprofundados no livro publicado em 2000.
Cope e Kalantzis (2000) argumentam que o esquema proposto por meio

20
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

dos quatro elementos não constitui um modelo rígido a ser seguido pelos
professores, e sim um suplemento para sua prática, uma possibilidade
de novas ideias e pontos de vista acerca do que já é conhecido por parte
dos professores em sala de aula.

Quadro 1 – Elementos da pedagogia dos Multiletramentos

Imersão na experiência e na utilização dos designs dis-


poníveis de sentido, inclusive aqueles que fazem parte da
Prática Situada vida dos alunos, e das relações a serem determinadas nos
espaços de trabalho e espaços públicos.

O entendimento sistemático, analítico e consciente dos


processos de Design e dos Designs de sentido. No caso dos
Instrução Evidente Multiletramentos, isso requer a introdução de metalingua-
gens específicas, que descrevem e interpretam os elementos
de Design de diferentes modos de sentido.

A interpretação do contexto social e cultural de um De-


sign de sentido particular. Isso requer que os alunos se
Enquadramento Crítico distanciem do que eles estão estudando para conseguirem
enxergar criticamente em relação ao seu contexto.

A transferência de uma prática de produção de sentido, o


que faz com que o sentido transformado (redesenhado ou
Prática Transformada redesigned) trabalhe junto com outros contextos ou culturas.

Fonte: The New London Group (1996)

Um momento marcante a ser pontuado ao tratarmos dos Mul-


tiletramentos consiste na publicação do artigo de Cope e Kalantzis,
“Multiletramentos: Novos letramentos, novos aprendizados”6, no
International Journal of Learning, em 2009. Neste texto, os autores
reformulam conceitos originais da proposta do NLG ao renomearem
os quatro aspectos da pedagogia. A ideia original é de certa forma
reenquadrada e “traduzida em atos pedagógicos mais imediatamente
6 Tradução nossa para o original: “Multiliteracies: New Literacies, New Learning” (COPE;
KALANTZIS, 2009) (www.Learning-Journal.com).

21
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

reconhecíveis”, ao que os autores chamam de “processos de conheci-


mento” (Experiencing, Conceptualizing, Analysing e Applying) (COPE;
KALANTZIS, 2009, p. 184).
Não menos importante do que a discussão feita até aqui, é a
abordagem em torno do componente “porquê” dos Multiletramentos, o
qual, segundo Rojo (2012), merece maior destaque ao se considerar o
tema. Seguindo a perspectiva de Gee (2000) sobre os direitos que todos
aprendizes têm sobre certos tipos de conhecimento e instrução, frente
ao novo capitalismo, Rojo (2012) leva em conta a familiaridade que
alunos de gerações mais novas possuem com a multiplicidade de mídias
e modos desta era.
No manifesto publicado pelo NLG (1996), o ‘porquê’ dos Mul-
tiletramentos está representado por meio da abordagem das mudanças
presentes no mundo do trabalho, da cidadania e na vida privada das
pessoas. Para Gee (2000), a lógica de um novo e supercompetitivo capi-
talismo tem papel central no mundo do trabalho, e em como a sociedade
pensa o aprender e o pensar, influenciando diretamente em como a escola
e as aulas são pensadas. O autor defende, dessa forma, o projeto dos
Multiletramentos como uma alternativa que considera como primordial,
a contextualização da linguagem utilizada nos processos pedagógicos.
Assim, Gee (2000) entende os Multiletramentos como “um conjunto
de princípios pedagógicos que funcione como algo que possa possibilitar às
crianças terem seus direitos garantidos, especialmente as crianças de grupos
minoritários e menos favorecidos” (p. 65). Nessa perspectiva, Kalantzis
e Cope (2000) advogam por uma educação que promova participação
cívica, assim como transformação pessoal, na medida em que repertórios
individuais são expandidos, e horizontes são transpassados.

1.3 Em terra brasilis

Os estudos de letramentos também começaram a acontecer no


Brasil desde longa data e têm como ponto de partida a diferenciação
entre os conceitos de letramento e alfabetização com os trabalhos

22
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

pioneiros de Kato (1986), Soares (1998, 2008, 2003), Kleiman (1995,


2005) e Rojo (1998). Tradicionalmente, o conceito de alfabetização
era entendido, de acordo com Soares (2004), por meio de métodos
sintéticos e analíticos, que dissociava os processos de alfabetização
e letramento, entendendo-os como processos independentes. Nessa
esteira, primeiro era necessário alfabetizar, ou seja, dominar o pro-
cesso de leitura como decodificação, e o da escrita como codificação,
para então iniciar a etapa de letramento, que deveria compreender o
desenvolvimento das habilidades textuais de leitura e escrita. Com o
tempo, tal distinção deu lugar ao entendimento de que os processos
de alfabetização e letramento acontecem simultaneamente, cada qual
com suas especificidades, o que implica a ideia da necessidade de
alfabetizar letrando (SANTOS, 2007).
Ao longo dos anos, os estudos acerca dos conceitos de alfabetiza-
ção, para além de facetas como as habilidades de decodificação e codifi-
cação da língua escrita e das relações fonema-grafema (SOARES, 2004),
foi desenhando entre os pesquisadores brasileiros o que se constituiu
como uma corrente filosófica que ficou conhecida como simplesmente
“letramentos”. Mais recentemente, Soares (2021) propõe o termo alfa-
letrar para definir a aprendizagem da escrita e da leitura por meio dos
processos simultâneos de alfabetização e letramento, como podemos ver
no capítulo 4 desta coletânea.
Nessa perspectiva, o trabalho de Monte Mór convida a uma re-
avaliação dos valores em torno de processos tão latentes e já um tanto
naturais para o mundo atual, a saber, a globalização e a digitalização
das sociedades, refletindo sobre a prática pedagógica e a diminuição
das distâncias entre as teorizações acadêmicas e a realidade da sala de
aula, fato reconhecido pela pesquisadora como desafio para o cenário
educacional brasileiro (2015, p. 207). Dentre os trabalhos da autora,
destaca-se o artigo “Globalização, ensino de língua inglesa e educação
crítica” (2012), em que é defendida a ideia de que os professores de
língua inglesa necessitam fundamentalmente refletir de forma crítica
sobre as relações entre o ensino do inglês e a globalização, o que
significa dizer que olhar criticamente para questões intrínsecas aos

23
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

processos globalizantes, como os conceitos de global e local, estado-


nação e homogeneidade e heterogeneidade, são fundamentais.
Este posicionamento pode ser verificado também nos resultados de
um estudo realizado por Monte Mór (2007) com estudantes de graduação
do curso de Letras, em que, após a realização de determinada atividade
envolvendo um documentário, identifica em seus alunos grande dificul-
dade em fazer conexões interpretativas em termos políticos com o texto
em questão, o que, segundo ela, pode estar relacionado à maneira com que
a leitura e interpretação de texto são ensinados nos ensinos Fundamental
(Anos Iniciais e Finais) e Médio, mas que também reforça a necessidade
de se promover uma prática de criticidade com alunos de graduação, que,
sendo futuros professores, possuem a chance de poder fazer a diferença.
A respeito dos Multiletramentos, importa mencionar o artigo
“Learning by Design: Reconstructing Knowledge Processes in Tea-
ching and Learning Practices”, publicado no livro “Uma Pedagogia de
Multiletramentos”, de 2015, editado por Cope e Kalantzis. Para além de
um panorama desenhado por Monte Mór (2015) acerca dos estudos de
letramentos e Multiletramentos no Brasil, em que ela identifica três mo-
mentos importantes desse contexto como três gerações, sendo a primeira
geração o movimento em volta das teorias freirianas de letramentos; a
segunda, a ótima aceitação e identificação da academia no Brasil com as
ideias de Street, muito por conta da proximidade com as concepções de
Freire; e a terceira relativa à corrente de estudos do NLG e suas propos-
tas de letramentos/Multiletramentos/novos letramentos, a autora ilustra
neste artigo como as teorias e a pedagogias de Multiletramentos podem
ser verificadas positivamente na prática, especificamente demonstrando
evidência “da relevância de uma proposta baseada em design de Multi-
letramentos” (MONTE MÓR, 2015, p. 207).
É possível observar que as perspectivas de Monte Mór possuem
um enfoque crítico-reflexivo, que se preocupa em promover um repen-
sar de questões que envolvem as inovações tecnológicas, os processos
de globalização e a formação de professores de línguas. Para a autora,
a comunicação dessa era se constrói pela linguagem da tecnologia digi-

24
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

tal, o que implica refletir sobre questões de convergência e diversidade


envolvidas nesse processo (MONTE MÓR, 2014).
Rojo, outra pesquisadora que tem se debruçado sob o tema, apre-
senta uma perspectiva de Multiletramentos que ficou conhecida pelo
enfoque em língua materna, assim como pelo fato de relacioná-la com
conceitos de Bakhtin. Para a autora, para que seja possível aplicar a pe-
dagogia dos Multiletramentos proposta pelo NLG, é preciso organizar
e selecionar a variedade de multiplicidades e diversidades de práticas
letradas nas sociedades urbanas contemporâneas, a fim de que se possa
escolher quais práticas devem constituir os currículos escolares. Nesse
sentido, Rojo afirma:

Tenho sustentado, nos últimos anos, que dois organizadores


muito úteis para a seleção de objetos de ensino dentre essas
múltiplas práticas e, logo, para a construção do currículo, são os
conceitos de “esfera de comunicação ou de atividade humana”
e de “gênero de discurso” (BAKHTIN, 1992 [1952-53/1979]).
(ROJO, 2010, p. 30).

A autora (ROJO, 2010) defende que cada esfera de atividade hu-


mana é uma esfera de circulação de discursos com linguagem própria,
havendo assim, de acordo com os estudos bakhtinianos, gêneros de
discurso admitidos e não admitidos. De acordo com a pesquisadora, se
o professor se apropriar desta concepção, ele poderá adotar a pedagogia
dos Multiletramentos com mais facilidade, pois terá a oportunidade de
escolher quais contextos ou esferas de letramentos trabalhará com seus
alunos.
Em “Gêneros Discursivos do Círculo de Bakhtin e Multiletra-
mentos” (2013), Rojo vai um pouco além e critica alguns conceitos das
teorizações do NLG, como a Prática Situada, por exemplo, que, de acordo
com a autora, não leva em conta a questão das culturas do alunado. Outro
ponto frágil para Rojo é o fato de que as teorias do NLG não dão a atenção
que ela entende como fundamental às questões de hibridismo cultural
característico da modernidade. Tais críticas, entretanto, não se referem

25
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

à pedagogia dos Multiletramentos como um todo, mas à concepção de


linguagem adotada pelo NLG, mais especificamente pelos pesquisado-
res Cope e Kalantzis, que se baseia na perspectiva da semiótica social,
diferente da linha adotada por Rojo.
É importante ressaltar a visão da pesquisadora sobre o principal
objetivo da escola ser o de possibilitar ao aluno a participação das várias
práticas sociais na vida da cidade, levando em conta, de forma ética e
democrática, os Multiletramentos, sem que se apaguem os letramentos
culturais locais de seus agentes. De modo geral, pode-se dizer que a
abordagem de Rojo está voltada à aplicabilidade das teorias por meio
de materiais digitais, ou, ainda, para alternativas digitais para contextos
educacionais.
Liberali, por sua vez, trabalha com uma abordagem de Multile-
tramentos que se entrelaça com os conceitos de Vygotsky e de outros
teóricos como Bakhtin, Marx/Engels e Engeström, em uma abordagem
crítico-colaborativa. Grande parte dos estudos da autora é voltada para a
formação de professores e, em muitos desses estudos, os Multiletramentos
do NLG estão presentes, sempre atrelados a outros conceitos teóricos
e à sua aplicabilidade na prática pedagógica. Com base nos preceitos
marxistas a respeito da atividade humana e características da Teoria da
Atividade Sócio-Histórico-Cultural – TASHC, de Engeström (1999),
Liberali e seu grupo de pesquisa trabalham com uma proposta curricular
baseada em Atividades Sociais (LIBERALI, 2009).
Tal proposta tem foco nos Multiletramentos e no objetivo de
desencapsulação (LIBERALI, 2015a, 2015b) do ensino-aprendizagem,
congregando diferentes áreas de conhecimento por meio de ações que
extrapolam suas áreas de domínio.
Em “Atividade Social e Multiletramento”, Liberali e Santiago
(2018) propõem a articulação de um currículo que, pautado por ativi-
dades sociais com uma visão de Multiletramentos, seja organizado de
forma que efetivamente contribua para o ensino de inglês7 em contexto
7 Conforme exposto, diferentemente de Rojo, que trabalha numa perspectiva que engloba Língua
Materna, Liberali e Monte Mór trabalham com Língua Estrangeira.

26
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

do ensino médio, considerando como objetivo estar vinculado “a vida


que se vive” (MARX; ENGELS, 2006, p. 26).
A partir de seus estudos, é possível afirmar que o trabalho de Libe-
rali apoia-se em uma visão de Multiletramentos que, além de considerar
a presença da tecnologia na educação, preconiza a formação de sujeitos
que possam desenvolver “potenciais de participação em contextos de
extrema complexidade e nele intervém de maneira informada” (LIBERA-
LI; MEGALE, 2019). Nesse sentido, é possível afirmar que a educadora
defende uma educação democrática, cuja finalidade é a formação de
cidadãos críticos e sensíveis às diferenças, capazes de significar ‘multi-
letrando’, o que, de acordo com Liberali e Megale (2019), diz respeito à
inclusão dos sujeitos no mundo letrado a partir de sua inserção política
e sua participação social no mundo.
Considerando a proposta desta coletânea de trazer luz sobre
diferentes perspectivas de letramento, importa abordar neste capítulo
o conceito de Multiletramento Engajado, recentemente cunhado por
Liberali, com base nos fundamentos teóricos e metodológicos do
New London Group (2000 [1996]), Vygotsky (2007), Freire (1987
[1970]) e do Grupo de Pesquisa Linguagem em Atividade no Con-
texto Escolar (LACE) da PUC-SP. Como pode se ver no capítulo 4
deste livro, tal proposta consiste em três etapas fundamentais para
os processos de construção de conhecimento em quaisquer áreas do
saber, e estão em consonância com os processos de conhecimento
da pedagogia proposta pelo NLG (2000 [1996]), a saber, a Prática
Situada, a Instrução Evidente, o Enquadramento Crítico, e a Prática
Transformada.
Assim, o Multiletramento Engajado propõe como primeiro momen-
to, a Imersão na Realidade, quando os indivíduos vivenciam situações
da realidade, criando situações imaginárias, possibilitadas pelo brincar,
superando assim, coletivamente, situações adversas do viver. Em uma
segunda etapa, a Construção Crítica de Generalizações diz respeito ao
contato que os indivíduos têm com conhecimentos pertinentes às situações
do cotidiano, que encenadas e imaginadas, integram os conhecimentos

27
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

científicos às realidades que os constituem. Por fim, o último momento


se dá com a Produção de Mudança Social, na qual os participantes, já
tendo refletido criticamente sobre a realidade e a compreendido por
meio da multiculturalidade (LIBERALI, 2020), têm possibilidade de
agir interventivamente sobre essa realidade.
Após discorrer sobre a maneira como cada docente trabalha com
os Multiletramentos em seus contextos de trabalho, importa abordar a
repercussão em torno da reformulação da pedagogia, feita em 2009 por
Cope e Kalantzis.
Para alguns pesquisadores brasileiros, tal reformulação significa
uma mudança de paradigma, uma vez que mudar os nomes dos quatro
elementos da pedagogia significaria também mudar como os processos
de conhecimento são concebidos. Rosa (2016) entende a renomeação
das orientações pedagógicas como uma ressignificação das práticas. Em
concordância com Rojo (2012), que critica a reformulação dos processos
de conhecimento como sendo um retrocesso feito por Cope e Kalantzis,
Rosa (2016) também argumenta em favor de uma ‘recuada ideológica’
dos autores. Essa autora, por sua vez, entende a escolha dos termos uti-
lizados nesse novo momento, como ‘conceitualizar’, por exemplo, como
uma indicação de uma abordagem positivista.
Barrozo (2019), em sua dissertação de mestrado, atribui tal refor-
mulação a uma aceitação por parte de Cope e Kalantzis ao movimento
reacionário acontecido na Europa e Estados Unidos, chamado Back to
Basics. Contudo, os autores mencionam o movimento no artigo publicado
em 2009 com intuito de contextualizar a realidade das salas de aula frente
às mudanças mais recentes, considerando o que efetivamente acontece nas
escolas, trazendo fatos dessa realidade que podem ser observados ainda
hoje em muitas escolas. Ao descreverem tal panorama, Cope e Kalantzis
(2009) definem o cenário como desolador e argumentam em favor de
uma pedagogia transformadora, que leva em conta um dinamismo cultural
que se baseia tanto em uma visão realista da sociedade contemporânea,
como em uma “visão emancipatória de caminhos possíveis para melhorar
o futuro da humanidade” (p. 184).

28
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Concluindo, em vista das diferentes formas de conceber e signi-


ficar as teorias e a pedagogia dos Multiletramentos, consideramos que
a noção de Design aqui descrita sobrepuja a forma como os processos
de conhecimento são nomeados, uma vez que ela está presente de for-
ma basilar em diferentes conceituações. Desse modo, em consonância
com Cope e Kalantzis (2013), entendemos que, independente da ter-
minologia utilizada para categorizar as atividades de aprendizagem, a
ideia central dos Multiletramentos emerge a partir de seu potencial de
transformação por meio do movimento de ‘weaving’ entre os elementos
da pedagogia, ou ainda, dentro do processo de aprender pelo design, o
qual deve transcender as muitas formas de significação, propiciando
o agir consciente e comprometido com uma participação política na
sociedade.

1.4 Considerações finais

Como vimos, os estudos em letramentos desenvolveram-se ao


longo dos anos na medida em que novas visões de linguagem se tornaram
latentes a partir do acirramento dos processos de globalização e de suas
demandas para as diferentes esferas sociais. Nesse sentido, surgem novos
letramentos, letramentos digitais, letramentos críticos e os Multiletramen-
tos. Neste texto, buscamos levantar de forma breve o construto teórico
em que se baseia a proposta de pensar os letramentos múltiplos do NLG
e refletir sobre a maneira como diferentes pesquisadores a ressignificam
em seus contextos de trabalho.
De modo geral, é possível dizer que, dadas as especificidades de
seus contextos, as docentes ora mencionadas trabalham os Multiletra-
mentos por meio de seu viés crítico e de seu potencial de transformação.
Monte Mór tem seu trabalho focado no ensino de língua estrangeira e
defende uma visão que se pauta nas diferenças entre as sociedades da
escrita e as sociedades digitais, na qual os Multiletramentos figuram como
uma eficaz ferramenta para desenvolvimento de agência dos educandos
(MONTE MÓR, 2015).

29
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Rojo, por sua vez, tem seus estudos concentrados no ensino de


língua materna e na educação básica e defende a abordagem dos Mul-
tiletramentos como uma escolha consciente e nunca neutra que os pro-
fessores devem fazer dentre as muitas práticas existentes para organizar
o que de fato é relevante para o letramento escolar. Diferentemente de
Cope e Kalantzis, Rojo sugere que essa organização seja feita por meio
de conceitos de Bakhtin sobre os gêneros do discurso e as esferas de
comunicação (ROJO, 2010). Já Liberali, ao trabalhar com formação de
professores, baseia-se na proposta do NLG de construir significado a
partir das multiplicidades vigentes e considera as práticas de Multiletra-
mentos para sugerir uma prática que promova a presença não passiva dos
sujeitos na sociedade a partir da multiculturalidade: o Multiletramento
Engajado. Ao expandir o conceito base, Liberali propõe pensar educa-
ção para além da decodificação de textos e compreensão de situações,
mas uma proposição de novas e engajadas formas de agir individual e
coletivamente.
Esperamos que, junto à proposta desta coletânea de reunir experi-
ências didático-pedagógicas em torno da leitura nos estudos de lingua-
gem e literatura, os estudos e pesquisas em torno dos Multiletramentos
possam contribuir para que docentes em diferentes contextos de trabalho
possam expandir seus repertórios a partir deles, e com isso possibilitar
aos alunos o oferecimento de novas maneiras de vivenciar os processos
de aprendizagem, de forma crítica, participativa e transformadora.

30
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

DESAFIOS PARA O DESENVOLVIMENTO DA


COMPETÊNCIA LEITORA EM TEMPOS DE
PANDEMIA: reflexões para a prática

Beatriz de Oliveira Matos


Calyne Porto de Oliveira
Sidney Silva Martins
(Universidade Federal de Sergipe)

2.1 Introdução

Os trabalhos que se dedicam ao ensino de língua portuguesa vêm


constatando há anos um descompasso entre os avanços nas discussões
teóricas da área e o que vem sendo aplicado efetivamente no dia a dia das
salas de aula brasileiras. Para Antunes (2003, p. 15), esse descompasso
tem a ver com uma barreira que persiste na prática docente: “‘uma pedra
no meio do caminho’ da aula de português”. Não é difícil constatar que
esse entrave referido pela autora é resultado da postura empedernida
dos professores que ainda reproduzem um ensino de língua pautado em
nomenclaturas gramaticais e na distinção dicotômica entre o certo e o er-
rado na língua. O quadro apresentado pela autora é sintomático: nas salas
de aula brasileiras não se tem tempo para a leitura (ANTUNES, 2003).
E quando essa mesma sala de aula passa a funcionar numa dinâmica
totalmente nova, apresentando dificuldades até mesmo para o desenvolvi-
mento daquelas atividades mais tradicionais no ensino de língua, devido
a um contexto de pandemia global? Se na aula de português já não se

31
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

vinha dedicando tempo para o desenvolvimento da competência leitora


dos estudantes, que espaço a leitura pode ocupar numa sala de aula em
que a aula expositiva ganha ainda mais espaço na medida em que a in-
teração se vê barrada por microfones e câmeras desligados? Afinal, que
impactos no ensino de leitura no Brasil podem ser vislumbrados para o
mundo pós-pandemia? E, por fim, que alternativas pedagógicas podem
ser pensadas para o ensino de leitura, numa postura de antecipação a um
futuro ainda mais exigente para o ensino no Brasil?
Buscando lançar luz sobre essas questões, tecemos considerações
sobre a necessidade de se assegurar o direito à educação num período
de emergência em saúde como o que o mundo vive; traçamos um pano-
rama para a leitura no país, por meio dos índices de avaliações em larga
escala, para avaliar os impactos no desenvolvimento da competência
leitora dos alunos brasileiros; e apontamos, ainda que sumariamente,
propostas práticas para que o professor de educação básica possa lidar
com as assimetrias de aprendizagem, relacionadas à leitura, provocadas
pelo contexto pandêmico.

2.2 Direito à educação em tempos de pandemia

Os direitos humanos são universais, indivisíveis e interdependentes


entre si, com o intuito de garantir a dignidade humana (ORGANIZAÇÃO
DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948). Entre estes direitos, insere-se o direito
à educação, também assegurado pelo Pacto Internacional sobre Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), de 1966, que garantiu um
tratado internacional pela declaração supracitada. Graças a essas normas
internacionais, os direitos educativos se tornaram um compromisso entre
Estados, deixando de ser apenas objeto de discussão interna dos países
(GRACIANO, 2005, p. 26).
Assim, a formalização dos direitos educativos pela inscrição em
leis e normas jurídicas internacionalmente – garantindo exigibilidade e
justiciabilidade – possibilitou aos indivíduos uma forma de pressionar o
Estado quanto à concretização de seus direitos. No Brasil — país signatá-

32
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

rio dos acordos dispostos acima —, o direito à educação está assegurado


também pela Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB),
no artigo 205º. Por outro lado, Graciano (2005, p. 27) nos alerta que,
no país, “a ampliação do acesso à educação formal tem ocorrido mais
por pressão da sociedade civil, do que pelo cumprimento espontâneo de
compromissos internacionais assumidos pelo Estado’’.
Além dos acordos supracitados e da CRFB, no Brasil, temos a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB), que regulamenta o
sistema educacional do país, tanto no âmbito público quanto no privado.
A LDB, por um ângulo, representa um avanço no que se refere ao ensino
público e gratuito, prevendo maior autonomia para as instituições de
ensino e suas respectivas secretarias no aperfeiçoamento de questões.
Por outro ângulo, no que tange à qualidade e ao acesso ao ensino, a
LDB permanece ainda sem grande avanço (CERQUEIRA et al., 2009).
Esse cenário educacional, portanto, reforça o ponto de vista de Graciano
(2005), para quem falta o cumprimento, por parte do Estado, dos direitos
garantidos na forma de lei.
Na atualidade, sob as circunstâncias da pandemia de coronavírus,
vê-se em ameaça a questão da garantia dos direitos educacionais no país,
visto que o Estado, mais especificamente o Ministério da Educação, não
atendeu à demanda de suporte necessário às escolas no ensino remoto
(TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2021). Dentre os direitos educacionais,
o ensino/aprendizagem de leitura é um dos mais afetados na educação
a distância, conforme uma reunião de estudos estima (TODOS PELA
EDUCAÇÃO, 2021). Tendo em vista esse cenário, ressaltamos, na
próxima seção, a importância da leitura, sob os pontos de vista social e
cognitivo, para compreender melhor os impactos da pandemia, os quais
serão discutidos em seção posterior.

2.3 Leitura

Mesmo em uma perspectiva de multiletramentos, as bases cognitivas


da leitura não são ignoradas. Ler e escrever, ao contrário da fala, um produto

33
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

da evolução, não são habilidades aprendidas espontaneamente, por isso


precisam ser ensinadas. Portanto, faz-se necessário o acesso ao ensino des-
sas habilidades. Ademais, a habilidade de ler pode desenvolver alterações
estruturais nas configurações do cérebro humano, da mesma forma que o
desenvolvimento da linguagem oral parece ter criado as condições especiais
para o armazenamento de memórias (MORAIS; LEITE; KOLINSKY,
2013) A leitura, numa perspectiva cognitiva, pode ser definida como:

uma forma específica de processamento de informação, e a


aprendizagem da leitura é, portanto, a aprendizagem desses
processos. Em uma definição mais aprofundada, ler é transfor-
mar representações gráficas da linguagem em representações
mentais da sua forma sonora e do seu significado (MORAIS;
LEITE; KOLINSKY, 2013, p. 17).

Assim, na aprendizagem da leitura, novas e complexas habilidades


são mobilizadas cognitivamente para auxiliar na leitura, como: memó-
ria de trabalho, conhecimento semântico e enciclopédico, raciocínio,
habilidades inferenciais, capacidade de análise e de síntese, memória
lexical, etc. (MORAIS; LEITE; KOLINSKY, 2013). Nesse sentido, a
leitura não só mobiliza a cognição, mas também a modifica por meio da
aprendizagem de novas habilidades. Por isso, é crucial o desenvolvimento
da competência leitora para o desenvolvimento do próprio indivíduo.
Morais (2013), numa abordagem cognitiva da leitura, discute a
importância da literacia, isto é, a capacidade de ler e escrever e o uso
produtivo dessas habilidades socialmente. Ademais, aborda os efeitos
das desigualdades socioeconômicas e socioculturais na leitura e na cog-
nição. O autor apresenta dois aspectos que influenciam na aprendizagem
da leitura: a plasticidade cerebral – a capacidade do Sistema Nervoso
Central (SNC) do ser humano criar conexões neuronais ao longo da vida
e, assim, aprender continuamente — e o Estatuto Social, isto é, índices
de recursos econômicos e de estatuto sociocultural. Ressalta-se que “a
contribuição dos genes [plasticidade] varia com o Estatuto Social” (MO-
RAIS, 2013, p. 9), o que significa que crianças de Estatuto Social baixo
têm a contribuição da plasticidade limitada pelo ambiente.

34
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Crianças de classe social alta, em contraposição às de classe so-


cial baixa, têm melhor desempenho da consciência fonológica avaliada
na pré-escola (DUNCAN; SEYMOUR, 2000). Por outro lado, com a
escolarização dessas crianças vulneráveis, é possível diminuir a influ-
ência do status social (MORAIS, 2013). É o que nos mostra o exemplo
da Noruega, onde, com o aumento da escolaridade de 7 para 9 anos, os
scores de QI, realizados aos 19 anos, apresentaram um efeito positivo
substancial (BRINCH; GALLOWAY, 2012). Dessa forma, vemos que
é imprescindível o direito à educação, a fim de mitigar os efeitos das
desigualdades sociais.
Para além da classe social, Morais (2013) discute o conceito de
democracia e a importância da literacia1 para este regime político. O pes-
quisador apresenta uma reflexão histórica acerca da democracia, desde
seu aparecimento na Grécia, mostrando que, apesar de seu sentido de um
“governo para todos”, este regime nem sempre considerou todo e qual-
quer cidadão apto a participar de decisões políticas. Com o capitalismo,
houve a necessidade de estender a instrução formal à população, fato
que fortaleceu os movimentos abolicionistas, uma vez que estremeceu
a crença de que o povo era ignorante e incapaz de governar a si próprio
(MORAIS, 2013, p. 20).
É nesse sentido que, para Morais, “a literacia não é uma con-
dição necessária à democracia, mas a sua generalização põe cada um
em condições de debater e de contribuir de maneira informada para a
decisão de todos” (MORAIS, 2013, p. 21), o que é imprescindível para
democratização do direito à educação, uma vez que o leitor hábil e crítico
não só reivindicará seus direitos, como irá monitorar seu cumprimento,
consciente de seu papel para uma sociedade democrática, nos termos de
José Morais.
No contexto pandêmico, porém, com as falhas governamentais na
educação, a democratização do direito à educação e o acesso à literacia
1 Assumimos aqui a concepção ampliada do termo literacia, que, conforme Morais (2013, p.
9), “recobre dois sentidos, o de capacidade para ler e escrever, e o de uso produtivo dessa
capacidade”. Mais especificamente, Morais (2020, p. 5) detalha que “literacia é uma prática
social, mas é também uma prática pessoal (do indivíduo para si mesmo no que ele tem de
único, embora formado ou influenciado pela sociedade)”.

35
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

têm sido ameaçados. Dessa forma, com a crise atual, as desigualdades


educacionais tendem a se agravar, principalmente nas famílias de estatuto
social menos favorecido. A seguir, traçamos um panorama do desempe-
nho dos estudantes brasileiros em leitura antes da eclosão da pandemia,
a fim de avaliar a política brasileira quanto a esse direito.

2.4 Índices de leitura no brasil

No Brasil, faltam políticas públicas para a formação de leitores e


para o incentivo à leitura. Segundo Biff e Menti (2018, p. 465), na história
brasileira, o cumprimento do direito à leitura realizou-se mais pela ação
de distribuição de livros do que pela formação de leitores. Esse fato,
junto às desigualdades sociais e culturais, justifica os baixos índices de
leitura no Brasil e, consequentemente, a falta de proficiência leitora, em
especial nas regiões Norte e Nordeste.
A Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA), criada em 2013,
faz parte do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e é apli-
cada para as turmas do 3º ano do Ensino Fundamental, com o intuito de
avaliar a qualidade e eficiência da alfabetização e letramento em língua
portuguesa, além da alfabetização matemática dos estudantes das redes
públicas.
Os dados levantados para a aplicação da ANA em 2016 mostram
uma grande diferença entre as regiões do Brasil, principalmente, quanto
ao nível socioeconômico dos alunos e à presença de biblioteca nas escolas,
o que acaba acentuando as desigualdades sociais e culturais, conforme
indicam os resultados da Avaliação.
Os níveis socioeconômicos foram divididos em sete: muito baixo,
baixo, médio baixo, médio, médio alto, alto e muito alto. Seguindo essa
divisão, percebeu-se que a maioria das porcentagens das regiões Sul,
Sudeste e Centro-Oeste estão acima do nível médio, enquanto as das
regiões Nordeste e Norte estão nos níveis médio baixo e baixo. Quanto à
presença de biblioteca nas escolas, apenas 30,4% das escolas participantes
das regiões Nordeste disseram possuir biblioteca; da região Norte, 36,2%

36
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

declararam possuir biblioteca. Já nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e


Sul, mais da metade das escolas possuem bibliotecas: 50,2% na região
Sudeste, 51,4% no Centro-Oeste e 77,3% no Sul do país.
A consequência dessas diferenças é observada nos resultados da
Avaliação. A escala de proficiência em leitura tem quatro níveis, do
mais simples ao mais complexo. Vale destacar os três primeiros níveis
no quadro 1.
Quadro 1 – Descrição da escala de proficiência em leitura – SAEB/ANA 2016

É caracterizado pela leitura de palavras com diferentes quantidades de


Nível 1
sílabas e estruturas silábicas.
Os itens passam a exigir compreensão de textos simples, considerando as
Nível 2 características do gênero, e o resgate de informações contidas nele, princi-
palmente no título ou na frase inicial.
Além da compreensão geral de textos mais longos e complexos, constam
também habilidades que requerem relacionar várias informações contidas no
Nível 3
texto em um maior nível inferencial, tais como inferir sentido de expressão
ou palavras e assunto em textos verbais e não verbais.

Fonte: Relatório do SAEB/ANA 2016 (p. 74)

Os estudantes brasileiros concentram-se nos Níveis 2 (33%) e 3


(32%); essa situação também acontece no Centro-Oeste, onde 35% dos
discentes estão no Nível 2, enquanto 36%, no Nível 3. Nas regiões Sudeste
e Sul, a maior parte dos alunos está concentrada no Nível 3, 38% e 40%
na devida ordem. Em contrapartida, no Norte e no Nordeste, predomi-
nam os Níveis 1 e 2, estando 34% dos estudantes no Nível 1 em ambas
as regiões e 36% e 35%, respectivamente, no Nível 2. Esses resultados
demonstram os efeitos da desigualdade social na educação.
Outra avaliação que coleta dados sobre a leitura é o PISA (Pro-
grama Internacional de Avaliação de Estudantes) – traduzido do inglês
Programme for International Student Assessment –, uma avaliação in-
ternacional realizada a cada três anos, com o propósito de examinar três
domínios: leitura, matemática e ciência. Participam da avaliação os países

37
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

membros da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento


Econômico) e convidados. Através dos resultados, os países avaliam os
estudantes e os comparam com os de outras nações.
Na prova realizada em 2018, o Brasil ficou em 57º lugar no ranking
mundial da educação. Segundo o Portal do INEP, 50% dos participantes
brasileiros não conseguiram alcançar o mínimo de proficiência leitora que
os jovens devem atingir até o final do ensino médio, ficando dois anos e
meio abaixo dos países da OCDE quanto ao nível de proficiência leitora.
Por outro lado, esses resultados confirmaram a distinção entre as regiões
do país, uma vez que as regiões Sul (432) e Sudeste (424) mostraram
um desempenho médio maior que o nacional e as regiões Norte (392)
e Nordeste (389) destacaram-se com médias menores que a do Brasil
(413). “A região Centro-Oeste (425), embora tenha um ponto a mais que
a Sudeste, tem média equivalente a nacional, devido à estimativa de erro”
(PORTAL INEP, PISA 2018).
Além da desigualdade entre as regiões, os resultados também
revelaram a discrepância entre as escolas particulares e federais e as
públicas estaduais e municipais. Enquanto a pontuação das particulares
e das federais está acima da média da OCDE, as públicas estaduais e
municipais estão abaixo da média nacional. De acordo com a tabulação
realizada pelo IEDE (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Edu-
cacional), apenas com a nota das escolas particulares de elite2, o Brasil
ficaria em 5º lugar no ranking mundial de leitura, já as escolas públicas
estariam na 65ª posição.
A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Instituto
Pró-Livro a cada quatro anos, também demonstra dados da leitura no
país. Nela é definido como leitor quem leu no mínimo um livro durante
os últimos três meses anteriores à sua realização. A pesquisa é conside-
rada o “maior e mais completo estudo sobre o comportamento leitor do
brasileiro, [com o objetivo] de avaliar impactos e orientar ações e polí-
2 “Por escolas de elite, o estudo considerou aquelas cujos alunos têm nível socioeconômico alto
(o que considera renda/bens, ocupação, escolaridade dos pais) igual ou maior ao registrado
em países membros da OCDE. A entidade reúne as nações mais ricas do mundo.” Disponível
em: https://www.portaliede.com.br/o-estado-de-s-paulo-escolas-privadas-de-elite-do-brasil-
superam-finlandia-no-pisa-rede-publica-vai-pior-do-que-peru/. Acesso em: 21 abr. 2021.

38
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

ticas públicas em relação ao livro e à leitura, visando, assim, melhorar


os indicadores de leitura e o acesso ao livro” (CRB8, 2019).
A quinta e última edição foi realizada entre outubro de 2019 e
janeiro de 2020, e os dados coletados mostraram que, em comparação
com a 4ª edição, houve uma queda de, em média, 4,6 milhões de leitores.
Entre os leitores, 47% consideram a falta de tempo o principal fator para
não ler; para os não leitores, a falta de tempo (34%) vem seguida do fato
de não gostarem de ler (28%) e de não saberem ler (16%).
O aumento do uso das redes sociais e plataformas digitais, como
Netflix e Spotify, também consequência da falta de políticas públicas
para a leitura, pode explicar a queda do número de leitores no Brasil. Os
participantes disseram que, durante seu tempo livre, preferem, principal-
mente, assistir à televisão (67%) e usar a internet (66%) a ler livros (24%).
Mais detalhes desta pesquisa, e de suas implicações para o ensino, podem
ser conferidos no capítulo 9, O booktuber na sala de aula: as resenhas
literárias multimodais e a formação do leitor crítico, neste volume.
Como já dito, as políticas públicas para a leitura no Brasil são vol-
tadas à distribuição de livros, mas, apesar de ter uma enorme importância,
apenas distribuir livro não é o suficiente. O país precisa de políticas que
trabalhem diretamente com a formação do leitor e com o incentivo à
leitura, principalmente, voltadas à educação pública e às regiões menos
favorecidas. O Estado deve trabalhar para a leitura chegar a todos de modo
igualitário, dedicando-se à formação do leitor proficiente, com o intuito
de diminuir a diferença entre as regiões do país e das escolas públicas
e particulares, sobretudo durante o contexto da pandemia do Covid-19,
circunstância que intensificou as desigualdades.

2.5 O impacto da pandemia nos indicadores de leitura

Em novembro de 2019, um novo tipo de coronavírus – família de


vírus já conhecida pelos cientistas – foi identificada na cidade de Wuhan,
na República Popular da China. Em março de 2020, a Covid-19 (Corona
Virus Disease), como foi designada a doença, passou a ser caracterizada

39
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma pandemia, isto


é, uma doença que se alastra pelo planeta (ORGANIZAÇÃO PAN-
AMERICANA DE SAÚDE, 2020). Desde então, o alto grau de conta-
minação da doença obrigou o mundo a tomar medidas de distanciamento
e isolamento social, o que levou à suspensão de vários serviços, entre
eles as aulas presenciais nas escolas e universidades ao redor do mundo.
Após meses de aulas presenciais suspensas, as atividades escolares
passaram a ganhar nova dinâmica, na esteira do que vem sendo chamado
de “novo normal” no mundo em meio à pandemia. No Brasil, o Conselho
Nacional de Educação (CNE) publicou nota, em 18 de março de 2020,
autorizando a realização de atividades à distância na Educação Básica,
em caráter emergencial. No entanto, essa nova dinâmica de ensino não
foi implantada sem dificuldades, uma vez que a necessidade de acesso
à internet para o desenvolvimento das atividades escolares, principal-
mente na educação básica, esbarrou na realidade de privações dos lares
brasileiros no que tange ao acesso à tecnologia.
De acordo com o estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econô-
mica Aplicada (IPEA, 2020, p. 9), “cerca de 6 milhões de estudantes [da
pré-escola à pós-graduação] não têm acesso domiciliar à internet banda
larga ou 3G/4G”, consequentemente, esse contingente de alunos não
teria como atender às atividades de ensino-aprendizagem na modalidade
remota. Além de tais dificuldades de acesso à internet, outros problemas
advindos do ensino remoto contribuem com o quadro problemático da
educação mundial na pandemia. É o caso das dificuldades de aprendi-
zagem, motivadas pela inadaptação do público estudantil a essa nova
modalidade de ensino, e o consequente abandono escolar.
Os impactos da pandemia na educação brasileira podem ser ilus-
trados pela Pesquisa da Fundação Lemann (2021), realizada pelo Centro
de Aprendizagem em Avaliação e Resultados para o Brasil e a África
Lusófona (Clear), em que se simulou o déficit na educação brasileira no
cenário pandêmico, através de dados do Sistema de Avaliação da Educa-
ção Básica (Saeb), por meio da qual se projeta em relação à proficiência
em Língua Portuguesa, no Ensino Fundamental Anos Finais, um retorno

40
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

ao resultado da avaliação de quatro anos atrás (entre 2015 e 2017), no


pior cenário. Mesmo em um cenário intermediário ou otimista, calcula-se
um retorno à proficiência de três anos atrás.
Esse cenário pandêmico, caracterizado pela privação do acesso à
educação e da continuidade dos estudos por parte dos estudantes brasi-
leiros, faz-nos temerosos em relação ao desenvolvimento da competência
leitora do público estudantil, uma vez que, como referido acima, o país
já vem acumulando baixos índices no que diz respeito à avaliação dessa
competência nas últimas décadas. É notório que, com o contexto de pan-
demia, o fosso entre os países desenvolvidos e subdesenvolvidos vai se
alargar nas avaliações internacionais de leitura, também como corolário
da ineficiência destes últimos na prevenção e no combate à doença.
Entre os impactos do não desenvolvimento da competência de
leitura nos estudantes está a dificuldade de se combater práticas de fake
news, as quais, no contexto da pandemia, ganharam contornos ainda mais
dramáticos, uma vez que passaram a impactar diretamente a saúde das
pessoas. Em contexto de crise de saúde pública, não é exagero encarar
a competência de leitura como uma medida de prevenção, afinal, é por
meio da leitura que nos informamos sobre as atualizações da doença e
das suas medidas de prevenção.

2.6 Proposta de prática pedagógica no pós-pandemia

Com vistas a auxiliar o professor no pós-pandemia, sugerimos a


seguir estratégias pedagógicas para lidar com as assimetrias em leitura,
especialmente no que diz respeito ao diagnóstico dos níveis de proficiên-
cia em leitura. As recomendações estão pautadas nas ações pedagógicas
desenvolvidas no projeto “A língua do universitário: fala, leitura e escrita
para o letramento acadêmico” (FREITAG, 2018), realizado na Univer-
sidade Federal de Sergipe, no período letivo de 2019.2 (MARTINS et
al., 2020).
Pensando em práticas que ajudem a melhorar os índices de leitura
no Brasil, aconselhamos começar por testes de diagnóstico de leitura,

41
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

utilizados para auxiliar o professor a identificar quais as dificuldades


dos estudantes no processo de leitura, a fim de planejar estratégias de
ensino que trabalhem essas dificuldades, dessa forma, possibilitando o
desenvolvimento da proficiência leitora. O teste com texto para leitura
em voz alta e o teste cloze são utilizados para diagnóstico de leitura. A
leitura em voz alta é capaz de auxiliar na identificação de processos de
compreensão que não foram bem-sucedidos durante a leitura, porém
foram realizados pelo leitor (MACHADO; FREITAG, 2019). O teste
cloze é capaz de medir os índices de compreensão leitora; “constituído
basicamente por um texto curto, com cerca de 50 a 200 vocábulos, sem-
pre omitindo o quinto vocábulo” (FREITAG et al., 2015), o estudante
deve preencher as lacunas com o termo utilizado no texto base ou com
um sinônimo.
Inicialmente, após a aplicação dos testes de diagnóstico de leitu-
ra, sugerimos a exposição das técnicas de skimming, que consiste “[na]
primeira passada de olho no texto, em busca da identificação do gênero
textual, dos objetivos comunicativos do texto, da temática abordada nele”
(MARTINS et al., 2020, p. 181), e de scanning, que é a “leitura caracte-
rizada pela busca de informações específicas num texto, ao mobilizar-se,
para isso, estímulos gráficos, como negrito, itálico, letras maiúsculas
etc.” (MARTINS et al., 2020, p. 181).
Posteriormente, para uma compreensão profunda do texto, acon-
selhamos explanar sobre a técnica de sumarização de informações (a
substituição e o apagamento de informações) e a de identificação de
palavras-chave. A apresentação dessas estratégias de leitura deve ser
acompanhada pela análise de um texto adequado ao grau de escolaridade
do estudante. Para o Ensino Fundamental Anos Iniciais, apontamos o
trabalho com a consciência fonológica, pois esta gera resultados eficazes,
uma vez que através dela os sons da fala são, conscientemente, refletidos
e mobilizados (PASSOS, 2021, p. 4).
Muitos serão os desafios no pós-pandemia para corrigir as assi-
metrias geradas no sistema educacional brasileiro. Em relação ao ensino
de leitura, teremos primeiramente de lidar com o desafio de diagnosticar

42
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

as deficiências de leitura dos alunos ocasionadas pelo ensino remoto e,


posteriormente, de aplicar atividades pedagógicas focadas nas dificul-
dades identificadas; caso contrário, não resolveremos efetivamente o
problema. É nesse sentido que os caminhos pedagógicos traçados acima
despontam como possibilidade de prática para um mundo pós-pandemia;
o qual, ansiamos, seja lugar propício às transformações de que a educação
brasileira tanto necessita.

43
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

ALFABETIZAÇÃO EM TEMPOS DE PANDEMIA: uma


análise multimodal das narrativas digitais
produzidas pelas crianças e suas famílias

Sandra Cavaletti Toquetão


Shirlei Nadaluti Monteiro
(PUC-SP)

3.1 Introdução

Ainda no sentido de contribuições para superar os desafios do


pós-pandemia, neste capítulo tecemos reflexões sobre o processo de al-
fabetização em busca da construção de significados, a partir da interação
com crianças e suas famílias, para observar como elas produziram suas
culturas durante a pandemia provocada pela Covid-19. Depois de um
ano cansativo e totalmente atípico, devido a uma crise global que ainda
ocorre em razão da pandemia, a indefinição sobre o reinício das aulas
presenciais e o medo do coronavírus ainda causam muitas angústias,
principalmente nas famílias das crianças que se encontram no ciclo de
alfabetização. Sabemos que a educação da infância acontece na interação
direta, ou seja, nas relações dentro do ambiente escolar. Mas, e neste
momento de isolamento social? É possível alfabetizar?
Segundo Vygotsky (2008, p. 124), a escrita “exige uma ação ana-
lítica deliberada por parte da criança”. O professor alfabetizador precisa
acompanhar as hipóteses que as crianças levantam para compreender o

45
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

sistema alfabético. Dessa forma, orienta o processo de aprendizagem, que


muito dificilmente pode ser substituído por um adulto não formado, para
essa ação educativa. A alfabetização é uma das fases mais importantes
do desenvolvimento da criança e se inicia ainda na primeira infância,
antes mesmo de entrar para a escola. Ler e escrever são direitos de toda
criança e o letramento é condição para cidadania, independente do mo-
mento histórico que estamos vivendo.
Dessa forma, os multiletramentos – entendidos como conceito
ampliado da palavra letramento para designar diferentes sistemas de re-
presentação, não só o sistema linguístico: letramento digital, letramento
musical, letramento matemático, letramento científico, letramento geo-
gráfico (SOARES, 2021, p. 32) – devem ser impulsionados nos ambientes
que a criança frequenta, quer sejam virtuais, em plataformas digitais de
forma remota, para quem tem a possibilidade do uso de tecnologias de
informação e comunicação, ou por meio de orientações aos familiares
que chegam em atividades impressas ou, até mesmo, por canais educa-
tivos de televisão aberta. São sugestões de histórias e brincadeiras com
as linguagens corporais, artísticas, musicais e midiáticas, como parte
importante do universo infantil, que circulam entre as crianças e enri-
quecem o período da alfabetização.
Nesse contexto pandêmico, mesmo passado mais de um ano em
isolamento social, ainda há muitas dúvidas sobre como deve ocorrer
a alfabetização sem as crianças frequentarem as escolas de forma pre-
sencial. Diante de tantas indagações desta nova realidade, destacam-se
pelo menos duas situações que atingiram distintamente as crianças.
Temos as que puderam prosseguir seu processo de investigação sobre
a escrita, por meio do ensino remoto emergencial (conjunto de es-
tratégias pedagógicas implementadas para diminuir os impactos das
medidas de isolamento social sobre a aprendizagem, que podem ser
mediadas por tecnologias ou não, e orientadas a manter os vínculos
com a escola durante a pandemia), pela internet, ou por outra mídia,
com assistência e orientação das famílias e crianças que tiveram seus
processos de aprendizagem escolar interrompidos, seja por dificuldade
de encontrar algum adulto que tivesse esta disponibilidade, seja por

46
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

dificuldade ao acesso às mídias tecnológicas, ou mesmo por questões


emocionais causadas pela pandemia.
De acordo com o sociólogo Boaventura Sousa Santos (2020), a
pandemia trouxe consigo diversas lições, naquilo que se denominou a
cruel pedagogia do vírus, pois expôs ao mundo os problemas que asso-
lam o subterrâneo social, no qual determinadas pessoas ainda estão sem
acesso ao mínimo necessário para uma vida digna, tornando pouco viáveis
as medidas lançadas, uma vez que todas elas se pautam em pressupostos
que não alcançam esses grupos vulneráveis da sociedade. A alfabetização
não é um processo simples, e talvez tenha sido uma das áreas que mais foi
afetada com a pandemia. As crianças trocaram os espaços das escolas da
infância pelas salas ou quartos de suas próprias casas, interrompendo a sua
socialização e interação com seus pares, tão importantes para o desenvol-
vimento do processo de aquisição do sistema de escrita alfabética. Nesta
perspectiva, apresentamos o importante conceito de alfaletrar (SOARES,
2021) em tempos de pandemia por meio da análise multimodal.

3.2 Letramento e alfabetização

Na perspectiva de Magda Soares (2021), alfabetização e letra-


mento são processos indissociáveis. Alfabetização é entendida como
a aprendizagem de um sistema de representação, em que signos (gra-
femas) representam sons da fala (fonemas). Desenvolver habilidades
motoras de uso instrumental da escrita; descobrir a diferença de letras
e números; relacionar, nomear e grafar letras; identificar a diferença de
desenhar e escrever; reconhecer as unidades sonoras como letras e sílabas
e identificar a direção da escrita são ações complexas que dependem de
planejamento. Esses componentes importantes da fase inicial da escrita
caminham junto com o letramento, um processo de desenvolvimento
das habilidades de ler, compreender e produzir textos, conhecendo as
práticas e os usos sociais da língua escrita.
Cada um dos processos é distinto, mas devem ser simultâneos
e ter a centralidade no texto com significado. São fundamentados em

47
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

premissas que consideram as crianças como autoras e produtoras de


culturas infantis. Além de compreender o sistema de escrita, a criança
precisa desenvolver sua habilidade de interpretar, compreender, criticar,
ressignificar para produzir o conhecimento de forma coletiva e colabo-
rativa. Na escola, a criança constrói sua história por meio da interação
com seus pares, produzindo e compartilhando uma cultura da infância
que permite não apenas reproduzir os artefatos de sua cultura, como o
sistema alfabético, mas ressignificá-los e reinventá-los dando forma às
infinitas possibilidades de aprendizagem.
Magda Soares (2021, p. 12) define a aprendizagem do “sistema
alfabético de escrita, e contemporaneamente, conhecer e aprender seus
usos sociais: ler, interpretar e produzir textos” como alfaletrar, uma
nova concepção de ensino e aprendizagem da língua escrita que busca
compreender como a criança aprende a língua escrita. A alfabetização
não pode dissociar-se da convivência da criança com os usos sociais
da escrita, em diferentes gêneros e diferentes portadores de texto e de
ações planejadas para o desenvolvimento das habilidades necessárias
para a prática eficiente desses usos sociais. Em síntese, os processos
de alfabetização e letramento não devem dissociar-se, pois a criança
se alfabetiza e se letra de forma simultânea, tendo o texto como o eixo
central do planejamento.
Por conta da pandemia, os pais assumiram a tarefa de criar um
ambiente favorável à alfabetização de seus filhos que estão na educação
infantil e ou no ciclo de alfabetização. Muitos incluíram, na rotina das
crianças em casa, atividades que proporcionem correlação de som e
letra, atividades motoras simples e com cópias do alfabeto ou sílabas.
Outros entenderam a importância das brincadeiras e interações, criando
momentos de aprendizagem de forma mais lúdica e integral.
Nunca se falou tanto em reinventar a ação docente e ressignificar
o espaço escolar. De forma remota, o professor precisou, mais do que
antes, ser o pesquisador da própria prática para proporcionar aos alunos
experiências de leituras e de brincadeiras com diferentes linguagens.
Professores tiveram que se adaptar rapidamente, muitas vezes com os

48
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

seus próprios recursos, para utilizar a tecnologia como ferramenta de


apoio e de desenvolvimento da aprendizagem das crianças. Muitas dessas
formações foram iniciativas dos próprios docentes, compartilhando as
descobertas pedagógicas com seus pares, como apresentamos a seguir.

3.3 Percurso Metodológico

As iniciativas para descobrir novos caminhos em tempo de pan-


demia foram observadas por meio de relatos de professores, famílias e
crianças, coletados para uma pesquisa sobre mídias e infância. Relata-
mos aqui um estudo realizado em uma escola municipal de educação
infantil, analisando quais eram as brincadeiras e interações das crianças
durante o isolamento social. O contexto dessa pesquisa ocorreu com
dezoito professoras, quatrocentas famílias e crianças de uma escola
pública municipal de educação infantil localizada no município de
São Paulo1. Para a produção de dados, foram solicitados às famílias
vídeos ou fotos que representassem o que as crianças estavam fazendo
em casa durante o isolamento social. Foram realizadas também uma
aplicação de questionário para as famílias e entrevistas com as crian-
ças pela plataforma digital de vídeo-chamadas Google Meet, adotada
oficialmente pela Prefeitura de São Paulo durante o Ensino Remoto
Emergencial. O material, chamado de narrativas digitais multimodais,
foi produzido, recolhido e analisado. Segundo Liberali e Toquetão
(2018), narrativas digitais multimodais são os registros pedagógicos
digitais que combinam diferentes mídias e recursos multimodais que
narram processos educativos.
Com esse material em mãos, foi realizada uma análise multimodal
das atividades desenvolvidas por professores em conjunto com as famí-
lias durante o acesso remoto em plataformas digitais. “Nessas produções
encontram-se marcas multimodais que evidenciam as pretensões comu-
nicativas e, sobretudo, contribuem para a elaboração de significado no

1 A primeira autora deste capítulo é coordenadora pedagógica e pesquisadora. Ambas as autoras


contribuíram e participaram do processo de formação dos professores da unidade escolar em
questão pesquisada no ano de 2020.

49
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

planejamento do professor” (TOQUETÃO; LIBERALI, 2018, p. 14). As


escolhas das imagens e vídeos que as famílias enviaram foram represen-
tadas pela vontade enunciativa, ou seja, por qual situação comunicativa
ela quer representar no registro digital, quer seja na imagem, nos áudios,
vídeos ou questionários respondidos.
A análise multimodal proporciona uma reflexão do modo como
a linguagem é usada para a criação, compreensão e interpretação da
prática pedagógica. Com o isolamento social, as práticas reveladas em
suas brincadeiras geralmente são limitadas por suas culturas familiares
imediatas, com treino ortográfico, por conta da ansiedade das famílias
em relação à aquisição da leitura e escrita. Essas atividades de treino
motor acontecem mesmo com a indicação da professora para realizar
atividades lúdicas envolvendo, por exemplo, resgate de brincadeiras
e histórias, buscando construir um ambiente letrado mais significativo
e afetivo em casa. Foram observadas evidências no material coletado
como, por exemplo, relatos das famílias que optaram por adquirir, por
conta própria, materiais como a cartilha Caminho Suave2 ou apostilas
retiradas da internet com atividades de coordenação motora, com treino
de letra cursiva ou identificação do alfabeto. A seguir, compartilhamos
um recorte dessas evidências, destacando as marcas produzidas pelas
crianças e famílias no processo de alfabetização.

3.4 Análise das práticas

Nas imagens e vídeos compartilhados, observam-se marcas


distintas das concepções de educação que ressoam práticas com abor-
dagens mais tradicionais, numa tentativa de reprodução da maneira
como a maioria dos pais/adultos responsáveis foram alfabetizados.
Algumas famílias ensinam as letras por meio de treinos, outras pro-
curam construir significados e apresentam uma maior diversidade
de materiais, relacionando-os com os nomes próprios dos familiares

2 Caminho suave – cartilha de alfabetização pela imagem com associação de palavra-chave e


memorização de sílabas. Publicada em 1948 por Branca de Alves Lima, vendeu 40 milhões
de cópias até o momento e 132 edições.

50
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

em casa, enquanto outras famílias apresentam letras e números sem


relacioná-las com momentos significativos para as crianças, como, por
exemplo, apresentar o conjunto das vogais e consoantes e solicitar para
as crianças copiarem repetidas vezes.
Ao ler e analisar as narrativas digitais enviadas pelas famílias,
destacamos a de Maria, mamãe da Júlia, de 5 anos, que estava no último
ano da educação infantil da escola pesquisada.

“Sei que teremos um ano muito difícil e estou preocupada


com a alfabetização que acontecerá no próximo ano, então
comprei um ‘livro de alfabetizar’. O mesmo que usei quando
era criança”.

As imagens e vídeos enviados mostram que aquele objeto


tinha um significado tão afetivo que, tanto Julia quanto sua mamãe
ficaram mais próximas para apreciar o material. A professora que
recebeu fotos da Julia realizando as atividades do livro não criticou
o material, mesmo sendo de uma concepção diferente das propostas
pedagógicas encaminhadas pela escola. Ao invés de criticar, para-
benizou a iniciativa da família e passou a indicar as atividades de
brincadeira e interação que completariam essa relação afetiva. As
famílias não são professores alfabetizadores, portanto, elas precisam
estar disponíveis para interagir com a criança e se esta interação
acontece por meio de uma cartilha, com um valor afetivo e histórico
para a família, que seja o começo desta relação. A partir desta ação,
a professora poderá orientar outras atividades para a criança que
também serão mediadas pelas famílias.
Neste momento, precisamos nos preocupar menos com o método
utilizado e mais com a relação afetiva construída entre o adulto e a crian-
ça, incentivando que ocorra a mediação dos objetos significativos nesta
relação, seja por meio de um delicioso livro de história ou de uma afetiva
cartilha, cujas atividades realizadas pela criança serão acompanhadas
pelo adulto. O objetivo maior é fazer com que a criança se interesse por
investigar e descobrir este processo de forma prazerosa.

51
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Temos relatos de familiares que usaram diferentes metodolo-


gias, orientados ou não pelos professores, e tiveram sucesso com a
alfabetização de seus filhos, o que nos levou a considerar que a me-
diação do objeto e a construção de relações positivas de aprendizagem
tornaram-se muito mais exitosas do que as relações que demonstraram
sofrimento, irritação ou limitação das crianças, proibindo brincadeiras
e interações. Afinal, a interação é essencial, pois as crianças aprendem
na relação com o outro – professor-criança e criança-criança – e não
com o objeto isolado.
Quando o processo de letramento acontece na escola, as pro-
fessoras planejam e criam um ambiente provocativo propício para a
criança refletir sobre o próprio processo e aquisição da leitura e escrita.
São atividades lúdicas que acontecem de forma sistematizada, dentro
de um ambiente desafiador, com interações entre os professores que
fazem a mediação do espaço, da seleção de atividades e da relação com
outras crianças. A elaboração pela Secretaria Municipal de Educação
de material gravado ou o envio de material impresso como o livro
Trilhas de Aprendizagens (https://educacao.sme.prefeitura.sp.gov.br/
trilhas-de-aprendizagens) não promoveu engajamento duradouro. Esse
processo de contato com a história e o reconhecimento do sistema al-
fabético é importante, porém não de forma isolada. Ele acontece por
meio de brincadeiras com significado para as crianças. São histórias,
parlendas, músicas, rimas, jogos, receitas que brincam com o som da
palavra, desenvolvem habilidades essenciais para a construção deste
sistema tão complexo e, principalmente, apresentam significados que
vão além do domínio do sistema alfabético.
Não podemos afirmar que teremos prejuízo com todas as crianças,
por conta da pandemia, pois não sabemos ao certo o que as crianças
estão produzindo nos seus lares e as relações construídas em busca de
um novo espaço para aprender. No entanto, o grande desafio será refletir
sobre essas vivências construídas durante a pandemia e como aproveitar
as produções das crianças em meio ao isolamento social, pois como su-
jeitos que constroem sua própria história, elas fazem parte deste intenso
momento. O que afirmamos, com as entrevistas, é que as crianças que

52
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

tiveram algum tipo de orientação dos professores com a mediação dos


familiares, incentivando e sendo desafiadas para a investigação da leitura
e escrita, percorreram um caminho mais favorável à sua aprendizagem,
dentro do seu ritmo e da sua curiosidade.
No momento de isolamento, por causa da pandemia da Covid-19,
essa parceria pode ser construída com um diálogo entre os familiares.
A tecnologia vem desempenhando um papel extremamente importante
com o objetivo de encontrar ferramentas que facilitem e amenizem os
efeitos devastadores do isolamento social que as comunidades vêm
enfrentando. Na escola pesquisada, criou-se um projeto chamado “Ex-
periências de Aprendizagem em Família”, no qual, semanalmente, um
grupo com cinquenta pais e seis professoras encontravam-se, de forma
virtual, para conversar sobre as atividades elaboradas na plataforma ou
enviadas para as famílias, buscando uma continuidade das vivências
que contribuem no processo de alfabetização de suas crianças.
As famílias que dialogavam com as crianças abriram caminhos
para que as professoras construíssem novas propostas e contribuíssem
para a organização de uma rotina para as crianças em casa. Um exemplo
disso foi a indicação para as famílias construírem um diário com as
crianças, registrarem suas marcas de desenhos na capa, seus diferentes
momentos, atividades, brincadeiras que acontecem e se relacionam
com o contexto vivido. Esse diário, construído com a família, virou
um objeto de afeto, pois foi representativo e poderá ser compartilhado
no retorno presencial das crianças. Enquanto o retorno não é possível,
o espaço virtual ainda é o ambiente que as famílias se reúnem para
tirarem suas dúvidas, discutirem as propostas, apontarem suas difi-
culdades e, principalmente, criando um momento de escuta familiar,
para acolher os sentimentos e encaminhar novas atividades a partir das
informações observadas. As conversas geradas neste ambiente virtual
com as famílias possibilitaram ouvir as diferentes posições sobre os
processos de aprendizagem de suas crianças.

53
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

3.5 Considerações finais

Dentro de tantas inquietações, podemos considerar alguns pontos


de apoio, como a orientação às famílias para desenvolverem relações
com a leitura e a escrita em situações reais. É importante que as crianças
escutem histórias diariamente, mas além de ouvirem, é preciso conversar
sobre seus personagens, os conflitos e os desafios que aparecem nas boas
literaturas.
As atividades de leitura e escrita precisam estar presentes em
diversos momentos da infância, mas “em situações reais de uso social
para a participação da criança nos multiletramentos, sempre de nature-
za lúdica, transformando-as numa prática social, onde a escrita passa
a adquirir significado” (SANCHES; TOQUETÃO, 2019, p. 107). Na
escola pesquisada, a entrega de “sacolinhas” com livros de história e
um caderno para ser o diário da criança enriquece as possibilidades de
novos registros em casa, além de tentar compensar a falta de recurso de
algumas famílias.
Como sugestão, no diário da criança, as famílias podem registrar
uma lista de brincadeiras realizadas com os adultos, anotando as falas das
crianças. Enquanto o adulto escreve, incentiva a atenção às características
da escrita como sons, palavras e sílabas. As regras dos jogos e os bilhetes
para familiares são outro exemplo de escrita significativa, pois podem
escrever e analisar características do próprio nome, de familiares e de
amigos. Hoje esses “bilhetes” podem ser mensagens pelos aplicativos de
comunicação e rede social, que são as novas formas de contarem os fatos
que acontecem em cada casa. Outra possibilidade são as listas em geral
para a organização de uma casa como compras de mercado, cardápio da
semana ou tarefas do dia. Mesmo que a criança ainda não domine o sis-
tema alfabético, essas práticas podem ser um caminho possível para dar
significado e desenvolver o interesse, percebendo como a escrita funciona.
As sequências didáticas podem e devem ser construídas de forma
coletiva pelos professores para, então, serem orientadas aos adultos que
irão acompanhar a criança em casa. “São atividades que valorizam a

54
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

simplicidade das relações, ambientes alegres pela presença das crian-


ças, os projetos de brincadeiras, músicas e boas histórias que circulam
e fortalecem a construção de diálogos dentro de um ambiente brincante
e significativo” (MONTEIRO; SANCHES; TOQUETÃO, 2020, p.
65). Esse apoio não precisa ser, necessariamente, o pai ou a mãe, mas a
pessoa que estiver mais disponível para conversar com as crianças. Este
par avançado poderá manter a qualidade do vínculo, não artificializar o
brincar, mas construir uma rotina para que o processo de aprendizagem
não se rompa. Assim, o mais importante é que a entrada da criança na
cultura da escrita e a apropriação do sistema alfabético ocorram por meio
de interação entre as pessoas, dentro de um contexto social.

55
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Formação de leitores: o entrelace


das práticas de leitura, letramento
e multiletramentos em um contexto
multialfabetizador

Iranara Saraiva Alves Feitoza


Nordeci de Lima Silva
(PUC-SP)

4.1 Introdução1

A leitura age como objeto disparador das discussões e permite o


ingresso dos envolvidos na temática de forma participativa e ativa. Para
isso, é primordial que a construção do percurso e a formação leitora dos
educandos possam se fundamentar em propostas críticas e reflexivas para
a transformação do processo de ensino-aprendizagem.
Após contextualizar os primeiros anos escolares, a literatura
é relevada como eixo fundamental na formação de leitores. Por fim,

1 Texto derivado de duas pesquisas de mestrado realizadas no Programa de Formação de For-


madores da Pontifícia Universidade de São Paulo, cujo objetivo foi elaborar propostas pedagó-
gicas que integrassem a literatura aos multiletramentos como forma de expansão das práticas
pedagógicas existentes para a formação de leitores nos primeiros anos do Ensino Fundamental:
“Práticas literárias de professores alfabetizadores: alicerce para o compartilhamento formativo
com base nos multiletramentos” (FEITOZA, 2020) e “Pedagogia dos multiletramentos em um
projeto de leitura nos anos iniciais do Ensino Fundamental: construção de base para um projeto
de compartilhamento pedagógico” (SILVA, 2019).

57
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

apresentamos possibilidades de expansão das práticas literárias com os


multiletramentos a partir da escolha de obras literárias que se entrelaçam
às realidades vividas.

4.2 Os multiletramentos no contexto alfabetizador

Anterior às discussões sobre a leitura como disparadora para re-


flexões e propulsoras de novas aprendizagens, é importante conhecer o
contexto que permeia os primeiros anos escolares. Ao considerar a histo-
ricidade dos estudos em educação concernentes ao tema, é possível nos
debruçar em caminhos sinuosos e conflitantes que na atualidade dividem
posicionamentos diversos sobre alfabetização. Aliados à política vigente,
apresentam grandes perigos e uma busca desenfreada por rupturas aos
processos educativos, à ciência e à pesquisa em educação.
Por essa razão, é primordial iniciar as reflexões sobre a formação
de leitores tendo em vista que os tempos atuais são de “resistência”
e que não há como se pensar em ações pedagógicas desassociadas da
“práxis de viver”, ou seja, das experiências que compõem a formação
de um sujeito crítico e sensível à diversidade (LIBERALI; MEGALE,
2019, p. 10).
Como meio de modificar a visão monocultural que concebe o
professor como centro da aprendizagem (CANDAU, 2011), torna-se
necessário a reavaliação dos papéis dos envolvidos no processo educa-
tivo. De acordo com Libâneo (2013, p. 3), apesar de todos os impactos
e transformações políticas, sociais, econômicas e culturais, a escola se
mantém como “instituição necessária à democratização”. Essa premissa
precisa embasar a formação de leitores, tendo em vista que a leitura longe
de ser um hábito ingênuo, permite a ampliação da visão sobre si mesmo,
sobre o outro e o mundo que o cerca.
Por considerar a necessidade de inserir o sujeito em um contexto
multialfabetizador que ultrapassasse o entendimento grafocêntrico e
que possibilitasse a valorização sócio-histórica-cultural, adotou-se a
perspectiva dos multiletramentos, uma pedagogia pluralista capaz de

58
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

mobilizar multiplicidades culturais e linguísticas para transcender os


espaços escolares e possibilitar a transformação do conhecimento, como
vimos no capítulo 1 desta coletânea, uma vez que compreende que o
“potencial de construção de participação social plena e equitativa” deve
permear as práticas escolares (LIBERALI et al., 2015, p. 5).

4.3 A literatura nos anos iniciais do Ensino Fundamental: for-


mação de leitores no contexto multiletrado

A literatura desempenha um papel fundamental na formação de


leitores e na compreensão das relações humanas. Ao utilizar o termo
letramento literário, Cosson (2014) ressalta que o leitor poderá encontrar
nos enredos lidos correspondência com o que vive e com os espaços que
frequenta, para que possa questionar, intervir e transformá-los.
De acordo com Cosson (2014), a leitura permite um diálogo que
se estende para além do escritor e leitor, pois os resultados posteriores ao
contato com a literatura desencadeiam compartilhamentos diversos entre
os humanos e suas percepções sobre o tempo e o espaço. Uma leitura
nunca será realizada da mesma forma, e essa volubilidade enriquece a
ação pedagógica.
Lajolo (2008) destaca que, por meio da literatura, o sujeito pode
voltar-se a realidades por vezes esquecidas ou inferiorizadas e enfatiza
que cabe ao professor favorecer o contato com textos literários, contri-
buindo também na reformulação de pensamentos, sentimentos e atitudes.
Isso porque a reflexão acerca do que é lido permite reforçar, atenuar,
reverter e diversificar formas de enxergar a realidade vivenciada.
Muitas vezes o hábito da leitura se inicia e se constitui na escola,
o que fortalece a necessidade de se pensar em múltiplas práticas para
explorar e diversificar as ações literárias, pois, segundo Lajolo (2008,
p. 7): “Quanto mais abrangente a concepção de mundo e de vida, mais
intensamente se lê, numa espiral quase sem fim, que pode e deve começar
na escola, mas não pode (nem costuma) encerrar-se nela”. Portanto, para
trazer à tona o poder que a leitura exerce, uma das tarefas dos professores

59
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

é a de desafiar e de transformar suas práticas pedagógicas em recursos


potencializadores de resiliência e reflexão.

4.4 expansão das práticas literárias na perspectiva dos multi-


letramentos

Apresentamos duas propostas que integram a literatura aos multi-


letramentos como forma de expansão das práticas pedagógicas existentes
para a formação de leitores. Na pesquisa de Feitoza (2020), voltada à
formação dos professores alfabetizadores dos anos iniciais do Ensino
Fundamental, a proposta inicial consistiu na escolha de duas obras lite-
rárias: Malala, de Carranca (2015), e É um livro, de Smith (2010). Além
da preocupação com a formação e o desenvolvimento leitor, a escolha
dos livros ocorreu por dois motivos distintos. Um deles é que a partir
da leitura de Malala é possível conhecer a história de uma menina que
lutou por seu direito à educação mesmo em um contexto cultural desfa-
vorável, possibilitando a imersão em problematizações que permeiam os
diferentes papéis desempenhados pela mulher na sociedade, um tema de
grande relevância atual. O outro motivo é que através do segundo livro,
É um livro, é possível instigar reflexões acerca da leitura nos diferentes
meios tecnológicos, que remetem à necessidade de se considerar a grande
variedade de escritas existentes na escola e para além dela, sendo essencial
ao professor estar atento a essas necessidades e implicações.
Nessa mesma perspectiva, Silva (2019) utilizou como objeto
disparador de um projeto de leitura realizado com crianças do 3º ano do
Ensino Fundamental o livro A Fantástica Fábrica de Chocolate, de Dahl
(1998). A leitura dessa obra configura-se como ponto de partida para a
articulação de discussões de temas abordados no livro como: desigualda-
de social, moradia, inclusão e exclusão. Nesse aspecto, Liberali e Fuga
(2018, p. 9) destacam que “o vivido com o outro se tornará algo vivido
consigo próprio e, em novo cronotopo, novamente com o outro em uma
cadeia de relações que expande as possibilidades de ser e agir de todos”.
A escolha criteriosa dos livros é um ponto a ser considerado pelo
professor. Segundo Mendes (2020, p. 90), é necessário oferecer textos que

60
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

facilitem a entrada no “mundo da fantasia e que possibilitem o contato


com uma linguagem ambivalente e plurissignificativa que permitirá à
criança estabelecer laços afetivos com o ato de ler, mas também desen-
volver a sua capacidade inferencial e a sua competência leitora”. Essa é
uma das principais responsabilidades de quem desempenha o papel de
mediador na formação de leitores.
Além do lado estético e lúdico da literatura, as práticas desen-
volvidas a partir dela permitem o aprofundamento em questões sociais,
que inquietam e muitas vezes ferem os direitos humanos, modificando
a visibilidade e os modos de ser e agir no mundo. Consequentemente,
realizar um trabalho que tenha a literatura como alicerce favorece, além
da imaginação poética, traçar rotas para uma educação mais humaniza-
dora e democrática.
A depender da mediação e condução posterior da leitura, é possí-
vel alcançar posicionamentos que coloquem em questão o respeito pelo
outro, a tolerância, a valorização, a igualdade, entre outros, ao mesmo
tempo que permite a construção e a descoberta da identidade e a repre-
sentatividade dos envolvidos: “Quem são?”, “O que pensam?”, “Por
que pensam dessa forma?”, “Qual o paralelo existente entre os enredos
das histórias e a vida?”, “O que faço?”, “Qual o significado das minhas
ações?”, “Como me tornei quem sou e quem sou?”, e outros questiona-
mentos que possam vir a permear a experiência literária. Dentro desses
objetivos, os multiletramentos emergem pela força do multiculturalismo
e pela facilidade em acolher a diversidade.
Para Debus (2018, p. 22), “[…] se ler o outro e sobre o outro tem
importância fundamental na formação leitora do indivíduo, o contato com
textos literários, que apresentam personagens oriundos de diferentes con-
textos, permite uma visão ampliada do mundo”. Assim, os sujeitos passam
a interrogar o mundo e a pensá-lo de formas alternativas e possíveis.
A pesquisa de Feitoza (2020) identifica a percepção do professor
alfabetizador da literatura como um meio de desenvolver o prazer pelo
ato de ler, o que pode ser explicado devido ao foco nas formações ofe-
recidas nos últimos anos. Porém, para além do prazer, é fundamental

61
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

que as práticas pedagógicas possam valorizar diferentes conhecimentos,


representar a função social do que é escrito e dialogar com a realidade.
Para alcançar essas finalidades, foram desenvolvidas propostas
com os multiletramentos. A pesquisa de Feitoza (2020) englobou um
conjunto de ações com diferentes linguagens, entre elas: a leitura das
obras literárias, a pesquisa prévia dos assuntos, a dança circular como
momento de acolhimento e trabalho com o corpo e o movimento, a rea-
lização de dinâmica com caixa surpresa, a contação de causos a partir
de objetos afetivos e a contação de histórias coletiva.
Por meio dessa sequência, é possível perceber a presença da mul-
timodalidade que se materializa pela exploração de sons e movimentos
corporais, tom de voz e gestos dos participantes, cores, cheiros e texturas
dos objetos. Dentro de um contexto multicultural, torna-se possível o
estudo sobre as transformações digitais, as diferenças regionais entre as
histórias contadas, as escolhas e recortes das memórias e as tradições
que permeiam a dança e a oralidade. Como recursos, são propiciados
materiais diversos que compõem a multimídia, entre eles: livros, rádio,
computadores, caixa, objetos afetivos etc. O Quadro 1 sintetiza outras
ações que compuseram o processo formativo realizado.

Quadro 1 – Proposta de intenção crítica colaborativa

Etapa Tarefa Multimídia Multiculturalidade Multimodalidade


Dramatização Uso do próprio Perspectivas sobre • Expressões fa-
de situações corpo e objetos a mulher na socie- ciais;
Prática situada enfrentadas por à sua volta. dade. • Gestos;
mulheres na so- • Sons.
ciedade atual.
Estações rotati- • Notebooks; A mulher nas di- • Entonações;
vas de aprendi- Fones de ou- ferentes esferas: • Vozes e sons;
Instrução zagem. vido; sociais, acadêmi- • Imagens.
evidente • Revistas; cas, históricas e
• Material para culturais.
cartazes;

62
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Criação de • Mesas e ca- Argumentação e Argumentação


“júri” a favor e deiras; posicionamento para defender
contra determi- crítico; posicionamentos,
Enquadramento
nadas situações. quer por meio de
crítico
imagens, músi-
cas, poemas, tex-
tos etc.
Contação de • Músicas; Retratar mudanças • Figurinos;
histórias por • Microfone; de comportamento • Tom de voz;
meio do teatro • Figurinos; no modo de con- • Personagens
• Tecidos; ceber a mulher na com personali-
• Objetos va- sociedade. dades distintas;
riados. • Expressões fa-
ciais;
Prática
• Gestos;
transformada
• Movimentos
corporais;
• Luminosidade;
• Elementos sur-
presas;
• Mudanças no
cenário.

Fonte: Feitoza (2020, p. 134)

Observa-se que, em cada proposta realizada, foram esmiuçados


os pilares componentes dos multiletramentos: multimodalidade, mul-
timídia e multiculturalidade. Além disso, há a ênfase em propiciar
momentos de prática situada, instrução evidente, enquadramento
crítico e prática transformada. Essas mesmas características são evi-
denciadas na pesquisa de Silva (2019), que partiu da interação dialógica
com a fala de uma criança ao questionar para a professora-pesquisadora
se ela sabia que o livro O pequeno príncipe fez parte da infância de seu
pai e que o educando gostaria de lê-lo.
Desde então, os livros lidos e utilizados em projetos futuros eram
escolhidos pelas próprias crianças em rodas de conversa e por meio de
um diário de leitura se criava um registro das leituras para socialização.
Para a construção desse projeto de leitura específico, buscou-se
sustentação teórica no conceito de Cadeia Criativa, que, segundo Liberali

63
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

(2018, p. 71), “implica parceiros em uma atividade, produzindo significados


compartilhados”. Desta forma, tudo foi pensado, discutido e decidido com
os educandos, e a professora atuou como mediadora, desafiando-os. Para
Liberali (2018, p. 74-75), “é essencial a percepção de que as atividades têm
uma orientação e um objeto de desejo de um determinado grupo”.
As perguntas “ Por quê?”, “o quê?”, e “como?” nortearam o
desenvolvimento das propostas permitindo a reflexão e o engajamento
dos educandos. O Quadro 2 apresenta um recorte dessas vivências em
contextos expansivos de aprendizagem partindo de um tema e objeto
disparador nos pilares que compõem os multiletramentos.
Quadro 2 – Descrição das práticas de multiletramentos

TEMA Moradia – os diferentes contextos sociais


OBJETO Livro – A Fantástica Fábrica de Chocolate
DISPARADOR
Música – A Casa, nas vozes de Vinicius de Moraes e Capital Ini-
ACOLHIMENTO cial, para que os educandos sentissem o som, o ritmo e as imagens
dos videoclipes.
Saquinho-surpresa: alguns educandos receberam saquinhos com
DINÂMICA chocolate e outros vazios para contextualizar a leitura do livro.
Qual é a sensação de não ter algo e não ter como conseguir naquele
momento?
Quem são essas pessoas na sociedade? Como vivem? O que
sentem?
QUESTIONAMENTOS DE Qual foi a sensação de ter algo e o colega ao lado não ter?
IMPACTO Como é saber que seu colega não tinha como adquirir o chocolate
naquele momento?
O educando precisa ser impactado com o contexto do outro.
Os questionamentos de impactos surgiram na roda de conversa
de acordo com as reflexões dos educandos.
– Multimodalidade
ASPECTOS DA – Multiculturalidade
AULA – Multimídia
Roda da conversa sobre os contextos sócio-histórico-culturais e
exploração do tema moradias a partir das vivências dos educandos.
CONCLUSÃO Qual o lugar de fala de cada educando?
Qual o impacto da dinâmica vivenciada e que levam para seu
contexto?

Fonte: Silva (2019, p. 90)

64
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

A descrição das tarefas contempladas é apresentada no Quadro 3.


Quadro 3 – Proposta didática para aula apoiada nos multiletramentos

Descrição da Multimídia Multiculturalidade Multimodalidade


Como? / O quê?
tarefa
Acolhimento: Música Exposição de A escolha dos sa-
Música A Casa. Saquinhos ideias sobre a dinâ- quinhos por cores.
Dinâmica do sa- Notebook mica e relação com
quinho surpresa Vídeo o lugar das pessoas
Prática em cores variadas Caixa de som na sociedade.
situada e roda de conver- Chocolate Lugar de fala do
sa sobre os con- educando.
textos sociais.

Formação dos Livros, Revis- Discussão sobre os Análise das ima-


grupos por co- tas e Notebook padrões estabeleci- gens: como são as
res, organização dos pela sociedade casas, cores, pin-
das tarefas para para classificar tura, localização,
apresentação, pessoas como ricas o que tem dentro
Instrução
apropriação dos ou pobres por suas delas e tamanho.
evidente
conceitos sobre moradias.
moradia e pa-
drões estabele-
cidos pela socie-
dade.
Explorar o gêne- Videoclipes Reflexão sobre di- Exploração do
ro da música A Websites ferentes contextos gênero e música
Casa, leitura de Notebooks de leitura e escrita. (popular e rock),
textos e pesquisas Textos Im- Exploração da ora- som, voz e ritmo,
sobre contextos pressos lidade. gestos, expressão
de moradia di- Cartolinas corporal dos ar-
Enquadramento versos. Massinha tistas.
crítico Fazer compara- Fotografias
tivos e organizar
cartazes, vídeos,
maquetes e varal
para discutir as
diferenças entre
textos.

65
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Exposição dos Cartazes Per- Posicionamento Apresentação de


trabalhos. sonagens e diante das práticas ideias por meio
Encontrar uma casas de mas- de exclusão com as de textos, gestos
solução em gru- sinha, varal de pessoas por ocupa- e falas, posicio-
po para resolver imagens e tex- rem diferentes lu- namento de per-
o problema do tos impressos gares na sociedade. tencimento àquela
Prática chocolate e po- sociedade.
transformadora sicionar-se frente Performances de
às práticas de ex- transformação de
clusão. seus contextos
sociais.

Fonte: Silva (2019, p. 92)

Os multiletramentos permitem olhar a literatura na escola para


além de um projeto de leitura e possibilitam o despertar conscientizador
do papel do cidadão diante dos contextos sociais de exclusão. Por esse
motivo, contextualizam-se a partir de práticas situadas, ou seja, de
situações existentes, que contribuam para o “aprender e conhecer” em
diferentes contextos, favorecendo aos sujeitos colocarem-se no lugar
do outro e desenvolverem empatia pelas realidades distintas às suas. A
dramatização e a dinâmica com saquinhos de chocolate, por exemplo,
foram algumas das tarefas que permitiram a reflexão, a oportunidade
de vivenciar o tema em discussão e integrar o outro em um processo de
aprendizagem expansivo e colaborativo, favorecendo e ressignificando
as aprendizagens.
Feitoza (2020) e Silva (2019) abordam a participação em estações
de aprendizagem e a pesquisa prévia de assuntos referentes às temáticas
que permitem o desenrolar de outra particularidade dos multiletramentos:
a instrução evidente. Essa participação permitiu a exploração teórica
sobre as temáticas e seus impactos.
Em cada estação foi oferecida a oportunidade de contato e explo-
ração com diferentes linguagens. Entre as propostas foram desenvolvidas
pesquisas na internet, vídeos com legendas em línguas diferentes com

66
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

a possibilidade de exploração de outros recursos como cinema mudo,


podcasts, músicas, revistas, livros e outros tipos de textos impressos em
diferentes fontes (letra cursiva e bastão). Esse conjunto de ações propor-
cionou a expansão das práticas literárias, para além da leitura por prazer.
Outro aspecto diz respeito ao enquadramento crítico destacado
pela simulação de júri com a organização de diálogos e argumentos entre
os possíveis pontos de vista. Compõe esse momento também a exploração
multimodal dos gêneros e portadores textuais por suas características
inerentes: fontes, imagens, texturas, tipologia, ritmos, som e iluminação.
Para culminância do processo, é desenvolvido o momento de prá-
tica transformada, uma oportunidade de ressignificar as aprendizagens
e materializá-las. Nas pesquisas, esse momento ocorre por meio do teatro
e a resolução de uma situação problema, como observado na dinâmica
com os chocolates que instigam posicionamentos frente às situações do
seu entorno social.
Em conclusão, é papel do professor recorrer à literatura com a
compreensão de que, a partir dela, os educandos poderão conceber as
diferenças como elemento para unir pessoas, oferecendo espaço para
partilhar experiências e evoluírem como seres humanos, o que pode
ser ainda mais facilitado ao considerar um ambiente que abarque os
multiletramentos.

4.5 Considerações finais

Ao terminar este capítulo, retoma-se a ideia que aguçou a escri-


ta deste texto: o compromisso da leitura como aliada ao processo de
alfabetização. Discutir sobre as práticas presentes nos primeiros anos
escolares nos faz querer ir além dos espaços de sala de aula e avançar
com propostas formativas de intenção crítica colaborativa para expansão
literária em contextos multiletrados. As reflexões apresentadas abrem
possibilidades de ressignificar os espaços de ensino-aprendizagem. Com
o intuito de contribuir com a formação de leitores, destaca-se a impor-
tância de oferecer oportunidades de vivenciar práticas diversificadas de

67
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

leituras e experimentar as interfaces da literatura e dos multiletramentos


em diferentes práxis de aprendizagem.
A literatura é fundamental no processo de alfabetização e letra-
mento. São os enredos que têm o poder de transportar os sujeitos para
realidades distintas e semelhantes às vividas, o que permite um olhar
atento, crítico, ativo e participativo para/na aprendizagem. As duas pes-
quisas exploraram essas características na construção de propostas que
mobilizem professores e educandos no desenvolvimento da percepção da
leitura para além do prazer pelo ato de ler, mas a leitura para formação
e para a vida.
Por fim, somente dessa forma sairemos do campo das ideias para
o campo real da prática e do fazer pedagógico. Espera-se que esse texto
possa contribuir para a elaboração de práticas transformadoras, críticas
e colaborativas em busca da formação de leitores.

68
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

MULTILETRAMENTOS COMO INSTRUMENTOS


PARA A DESENCAPSULAÇÃO CURRICULAR

Sarah Bento
Fernanda Liberali
(PUC-SP)

5.1 Introdução

Em um mundo moderno, complexo e globalizado, marcado pela


violência estrutural e pela miséria extrema, as tecnologias e os meios
de comunicação contribuíram para intensificar a desigualdade social e,
também, perpetuá-la. De acordo com Pereira (2018), fundamentada em
Blommaert (2010), Burbules e Torres (2004), a globalização favoreceu
o aumento das diversas formas de manifestação de violência, o que re-
sultou em grande parte da população mantendo-se aprisionada em um
labirinto de discriminação e preconceito. Isso decorre em grande parte
do não acesso aos bens culturais e sociais que a modernidade oferece.
Nesse contexto, de acordo com Pereira (2018), a educação de qualidade
é afastada ainda mais das classes desprivilegiadas, contribuindo para
fortalecer o quadro de pobreza e desigualdade social. Além disso, diante
dessa nova realidade, a escola manteve-se inerte, por meio da aplicação
de conteúdos encapsulados (LIBERALI, 2015) e práticas pedagógicas
descontextualizadas, as quais contribuíram para acentuar e tornar evi-
dentes essa situação de opressão no mundo.

69
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

No entanto, com vistas a contribuir para transformar esse contexto


sócio-histórico-cultural, como vimos no capítulo 1 desta coletânea, o
manifesto do New London Group destacou a necessidade de os currí-
culos escolares serem fundamentados nos Multiletramentos. Com isso,
os currículos estariam engajados com a realidade do mundo, no intuito
de superarem as adversidades do contexto global contemporâneo e
possibilitarem formas para os sujeitos refletirem sobre essa realidade e,
assim, criarem condições para atuarem nela a fim de transformarem as
necessidades do contexto em que se encontram inseridos, proporcionando
formas de vida equânimes e justas.
Nesse sentido, entende-se que o ensino-aprendizagem, inserido
em um contexto de Multiletramentos, necessita favorecer a formação
de sujeitos capazes de atuar em uma realidade complexa e globalizada
permeada por multiculturalidade, multimodalidade e multimídia.
A multiculturalidade constitui-se pela diversidade de modos
de conhecimentos que se relacionam e interagem entre si, rompendo
fronteiras, de modo a integrar e criar novos conceitos científicos e não
científicos locais e globais tradicionais e alternativos. A multimodali-
dade, por sua vez, é representada pela integração de variados modos de
construção de significados, como materialidade verbal, imagens, espaço,
som, postura, cores, dentre outros. Por fim, a multimídia é a ampla va-
riedade de artefatos que apresentam, organizam, dirigem, materializam
e institucionalizam conteúdo (GRUPO LACE, 2015).
A partir dessa concepção, o New London Group (2000
[1996]) apresenta também quatro eixos norteadores denominados por
Prática Situada, Instrução Evidente, Enquadramento Crítico e Prática
Transformada.
A Prática Situada corresponde à imersão do sujeito no exercí-
cio de análise e estudo do contexto, no qual existe a conexão entre os
conteúdos estudados na escola e as experiências práticas que os alunos
têm dentro e fora dela. É caracterizada pela imersão dos alunos e dos
professores em situações de ensino-aprendizagem significativas dentro
do contexto no qual se encontram.

70
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Já a Instrução Evidente é a conceitualização trabalhada de forma


significativa, por meio de uma metodologia de ensino que possibilite aos
educandos refletirem e operarem dialeticamente sobre conceitos e teo-
rias, estabelecendo uma relação de transferência direta do conhecimento
conceitual a outros conhecimentos relacionados à realidade empírica,
passíveis de serem recontextualizados.
O Enquadramento Crítico é a análise das funções dos conheci-
mentos, questionando-os criticamente, para se posicionar em relação a
eles (LIBERALI, 2009). E a Prática Transformada compreende, critica,
articula e desenvolve reflexões sobre novas práticas de criação de possi-
bilidades para a intervenção crítica no contexto, visando transformá-lo.
Nessa perspectiva, os sujeitos aplicam e revisam o que aprenderam,
por meio do diálogo, compreendido como instrumento responsável por
desenvolver a construção de conhecimentos.
Nesse contexto global, o New London Group (2000 [1996]) pro-
põe que a escola atue como um microcosmos para a transformação das
relações intersubjetivas, de forma a criar possibilidades para a formação
de futuros sociais que envolvam atividades fundamentadas na concep-
ção de colaboração, compromisso e envolvimento criativo. Com isso, o
ensino-aprendizagem atuaria como instrumento para a análise crítica da
realidade, veiculada pelas mídias digitais, contribuindo, assim, para a
formação de um currículo desencapsulado (LIBERALI, 2015).
Cabe ressaltar que, no contexto sócio-histórico-cultural atual, não
inserir na escola as questões inerentes a diversas formas de violência
enraizadas na sociedade, assim como acontecimentos que dão forma à
desigualdade social no país e no mundo, significa desarticular o currículo
escolar da realidade que o cerca, alienando-o das questões da vida em
sociedade.
Nessa direção, Liberali (2020), fundamentada pelos preceitos
teóricos e metodológicos do New London Group (2000 [1996]), assim
como de Vygotsky (2007), Freire (1987, 1970) e do Grupo de Pesquisa
Linguagem em Atividade no Contexto Escolar (LACE) da PUC-SP,
propõe práticas pedagógicas que possibilitam uma ação crítica, refle-

71
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

xiva, coletiva e interventiva na realidade, por meio do Multiletramento


Engajado, composto por três processos fundamentais para o ensino-
aprendizagem de qualquer área ou temática escolar.
O processo que ocorreria primeiro seria o de Imersão na Realida-
de, que pressupõe inserir o sujeito na realidade, de forma a descortiná-la,
a fim de que possa conhecê-la e revisitá-la para, assim, compreendê-la.
Por isso, é preciso que ele experimente essa realidade, para que possa
refletir sobre ela, criando caminhos para vivenciá-la de forma concreta
durante o processo de ensino-aprendizagem. Assim, tal como sugere o
New London Group (2000 [1996]) com o processo de Prática Situada, essa
ação demanda que os sujeitos ressignifiquem as vivências construídas.
Essa ação criaria situações imaginárias, possibilitadas pelo brin-
car (VYGOTSKY, 1978), engajando todos os referenciais cognitivos
e emocionais dos participantes, a fim de viver ativamente as situações
que representam a vida real. Dessa forma, os sujeitos estariam também
atentos às necessidades que se agregam ao contexto, em um contexto
permeado por injustiças e desigualdades sociais. Nesse enquadre, o
sujeito submerso a uma realidade projetada vivencia as regras do jogo
teatral do viver e lança mão de seus recursos intelecto-afetivos para, por
meio da imaginação, da criatividade e do engajamento coletivo, superar
as situações limítrofes que o cercam.
Na segunda ação do Multiletramento Engajado, os sujeitos realizam
uma Construção Crítica de Generalizações (LIBERALI, 2020), a partir
da qual, em um duplo movimento (VYGOTSKY, 1978), participam de
situações discursivas, que relacionam debates sobre situações cotidianas
da realidade, criadas e projetadas nas tarefas, de forma a integrar os co-
nhecimentos científicos amplos à realidade em que estão inseridos. Nesse
cenário, o brincar (VYGOTSKY, 2007) projeta os conhecimentos a outra
dimensão da realidade, permitindo que os saberes sejam reaplicados em
outros contextos e, a partir de multimodalidades, sejam vivenciados em
diferentes linguagens, ampliando, assim, formas múltiplas de ser, saber,
fazer e reconstruir saberes, a fim de possibilitar justiça social e melhores
formas de vida em sociedade.

72
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Nesse cenário, Liberali (2020), com base no New London


Group (2000 [1996]), argumenta que, por meio da multiculturalidade,
os estudantes atuam a partir de diferentes formas de compreender a
realidade. Segundo a autora, fundamentada em Freire (1987, 1970),
esses saberes acumulados contribuem para a compreensão da reali-
dade, ampliando, de forma crítica, a maneira como os sujeitos res-
significam as implicações históricas e a realidade. Nesse processo,
a proposta de Construção Crítica de Generalizações expandiria a
proposta do New London Group referente tanto à Instrução Evidente
quanto ao Enquadramento Crítico.
Tendo em vista esse processo de análise crítica sobre a reali-
dade, a partir das multiculturalidades, os participantes partem para
a ação interventiva sobre a realidade, a partir da qual põem em prá-
tica a Produção de Mudança Social, que estaria em consonância
com a proposta do New London Group (2000 [1996]) para Prática
Transformada, mas demandaria uma ação concreta sobre as práti-
cas da comunidade dos participantes. Nesse ínterim, constroem em
conjunto formas amplas para compreender a realidade, a partir de
preceitos históricos. Com isso, revestem-se de responsabilidades,
que os remetem a criar o inédito-viável em ações concretas sobre o
mundo em que vivem.
Trabalhar com o Multiletramento Engajado significa trazer para
a educação a função de ultrapassar barreiras de sentidos e significados
cristalizados, que aprisionam os sujeitos no determinismo sócio-his-
tórico-cultural, e ir além das formas simples de decodificar textos ou
compreender situações (LIBERALI, 2020). Ademais, segundo Liberali
(2020), pressupõe possibilitar formas de ensino-aprendizagem que
insiram os sujeitos em situações que os permitam agir de forma enga-
jada e solidária, ao lançar mão de um estudo cuidadoso e abrangente
sobre novas formas de agir individual e coletiva na sociedade. Partindo
dessas bases, este capítulo apresenta de que forma os Multiletramen-
tos contribuem para a formação de um currículo desencapsulado no
Programa Digitmed.

73
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

5.2 Multiletramentos no Programa Digitmed

O Programa Digitmed é constituído pela concepção filosófica


do Inédito Viável proposta por Freire (2019), pela perspectiva de Pes-
quisa Crítica de Colaboração (MAGALHÃES, 2011) e pela concepção
vygotskyana de Zona de Desenvolvimento Proximal (VYGOTSKY,
2007). Em 2013, o Programa Digitmed, em sua primeira fase, iniciou
suas atividades como Projeto Interinstitucional Internacional, sob o título
de “Perspectivas Globais e Desenvolvimento por meio de Mídia Digital:
Uma perspectiva Qualitativa sobre o Dia a Dia de Jovens em Situações
Marginalizadas”, cuja sigla era Digit-M–Ed.
Esse projeto, marcado pela diversidade étnica, acadêmica, religio-
sa, etária e de gênero de seus participantes, é formado por alunos surdos
e ouvintes do Ensino Fundamental, Médio e Superior, de instituições
públicas e privadas. Além disso, é composto por professores, coorde-
nadores, gestores, intérpretes de LIBRAS, pesquisadores e membros
da comunidade, que constroem formas de agir, ser e estar no mundo de
maneira simétrica, pois agem como formadores mútuos.
Segundo Liberali (2019), o Programa Digitmed, alicerçado so-
bre a perspectiva filosófica de Inédito Viável (FREIRE, 2019), propõe
romper práticas de ensino fragmentadas e estéreis. Com isso, de acordo
com a autora, os sujeitos desenvolvem-se de forma crítica, colaborativa,
construtiva e transformadora sobre os contextos nos quais se encontram
inseridos, a fim de superarem, em conjunto, as situações limítrofes im-
postas pelo contexto sócio-histórico-cultural. Para conhecer na prática,
apresentamos uma proposta pedagógica desenvolvida no Programa e
fundamentada nos Multiletramentos.

5.3 Uma prática do programa Digitmed

No dia 20 de outubro de 2018, às 9h da manhã, o Programa Digit-


med reuniu um público de quarenta pessoas, caracterizado pela Multicul-
turalidade de saber, ser, estar, sentir e agir (LIBERALI, 2018a). Ao som

74
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

da música Alagados, do grupo Paralamas do Sucesso, o projeto iniciou


com uma brincadeira, a partir da qual cada integrante recebeu uma peça de
quebra-cabeças, que tinha o propósito de, além de formar os grupos com
seis integrantes reunidos, revelar uma imagem de um tipo de moradia.
Essa ação desencadeou discussões que, inicialmente, fundamentaram-se
nos conhecimentos prévios dos participantes sobre o tema em questão e
nos processos injustos de moradia nas cidades brasileiras.
Nesse momento, iniciou-se o processo Imersão na Realidade,
uma vez que se desencadeou a imersão dos sujeitos em uma atividade
significativa, a partir da qual aplicaram seus conhecimentos prévios em
atividades de cunho experiencial. As atividades lúdicas com jogos de
quebra-cabeças foram respaldadas por experiências prévias vividas pelos
participantes, conectadas aos conteúdos vividos dentro e fora da escola,
que ganharam uma nova dimensão de conhecimentos ressignificados.
Nesse contexto, os participantes analisaram detalhadamente os
elementos que compunham a figura do quebra-cabeças e trocaram im-
pressões sobre as condições de moradia representadas na imagem. Nesse
intercâmbio multimodal, trocaram analogias sobre as estruturas materiais
e físicas a partir das quais as casas retratadas nas imagens foram proje-
tadas, considerando fatores socioeconômicos, sociais e a necessidade de
intervenção do poder público para cada uma das classes sociais, trazendo
um sistema de Segurança, Saúde e Educação.
Nessa atividade, os sujeitos debruçaram-se sobre a fotografia
para analisá-la por diferentes olhares em uma experiência multicultural.
Assim, a realidade projetada na foto foi reconstruída por cada um dos
integrantes do grupo, que apresentaram visões de mundo subjetivas e as
articularam às informações projetadas pela figura.
Durante as atividades do quebra-cabeças, houve a presença de
diferentes recursos tecnológicos, utilizados para pesquisar os diversos
tipos de moradias, reveladas pelo jogo sobre habitação. Os recursos tec-
nológicos contribuíram para pesquisar sobre a localização e os tipos de
recursos utilizados para a construção das casas, assim como a cultura e o
nível de desenvolvimento socioeconômico dos moradores. As discussões

75
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

e as análises críticas do contexto sócio-histórico-cultural revelaram as


consequências da ação humana sobre o meio ambiente, em decorrência
da falta de saneamento básico e a ausência do Poder Público nessa região.
Os achados de cada integrante foram compartilhados com o grupo,
enriquecendo as discussões com conhecimentos epistemológicos sobre
saneamento básico, tratamento de esgoto e poluição dos lençóis freáticos.
Percebe-se que as múltiplas mídias utilizadas potencializaram a ação
dos sujeitos sobre a realidade do mundo, contribuindo para expandirem
saberes e irem além do contexto sócio-histórico-cultural emergente.
Nesse sentido, tanto os sujeitos quanto os instrumentos tornaram-se parte
intrínseca do objeto de conhecimento em construção. De acordo com Li-
berali (2018a, p. 170), fundamentada em Vygotsky (2007 [1930]), “pelo
instrumento, os sujeitos criam a realidade e a si mesmos. Constituem-
se e constituem as atividades nas quais estão inseridos”. Dessa forma,
chama a atenção o fato de que o instrumento potencializa a ação humana
sobre o meio.
Logo após a pesquisa e a discussão sobre as fotos, os debates foram
interrompidos para que fossem apresentados os conhecimentos constru-
ídos para o grupo maior. Nesse momento, todos tiveram a possibilidade
de apresentar as conclusões que obtiveram ao analisarem a imagem,
ressaltando nelas os recursos materiais utilizados para a construção das
moradias, os tipos de vegetação existentes no local descrito, as influên-
cias histórico-culturais das populações ancestrais para as construções das
casas. Além disso, salientaram a existência da divisão de classes sociais
na imagem analisada, representada pela ausência de segurança, asfalto
e lazer para os moradores.
Com essa pesquisa, os sujeitos adentraram o processo de Constru-
ção Crítica de Generalizações, focalizando na Instrução Evidente, a partir
do qual valeram-se de conhecimentos epistemológicos para analisar as
condições estruturais das moradias, assim como as necessidades apre-
sentadas no contexto das comunidades e bairros analisados.
Nesse ínterim, a coordenadora e idealizadora do projeto apre-
sentou a todos os participantes os significados das ações realizadas até

76
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

aquele momento. Ao traçar uma linha do tempo, descreveu o propósito


das atividades desenvolvidas pelo Programa Digitmed, assim como as
realizações, as transformações, as parcerias e as pesquisas realizadas ao
longo dos anos.
A partir disso, relembrou o tema e a pergunta norteadora do projeto
no ano de 2018: “Como é que a gente resiste e expande em paisagens que
são compartilhadas?” Em seguida, explicou que a proposta do projeto
consiste em possibilitar aos integrantes condições para que apresentem
recursos e desenvolvam repertório para agir e transformar a vida em
que vivem. Por isso, evidenciou que o foco do projeto está em arquitetar
intervenções nos bairros, nas cidades, no país, considerando diferentes
proposições, tais como pensar sobre problemas dos bairros ao longo
do primeiro semestre de 2018, com vistas a melhorar as condições de
infraestrutura apresentadas nele.
Ademais, ressaltou a ausência de hierarquia entre os membros
do grupo do Programa Digitmed, indicando que todos são responsáveis
pela formação uns dos outros, para que possam criar repertório e ter
mobilidade para andar e atuar, onde quer que seja, e que exista demanda
para todos. Então, anunciou a próxima atividade: assistir, no auditório,
a um vídeo denominado “Desenvolvimento Urbano’’. Nele, foram
apresentadas questões sobre os problemas de crescimento das cidades
e a periferização, em cidades brasileiras, como Rio de Janeiro e Belém.
Após assistirem ao vídeo, os participantes foram novamente
divididos em grupos e direcionados, juntamente com um pesquisador,
para diferentes salas, localizadas atrás do auditório. Nelas, foram mais
uma vez divididos em cinco subgrupos e tiveram acesso a multimídias
como celulares, Ipads, óculos 3D e computadores, por meio dos quais
puderam ler reportagens e assistir a documentários que abordavam pro-
blemáticas da habitação em diversas regiões do Brasil e do mundo. A
utilização desses recursos multimidiáticos e multimodais possibilitou o
aprofundamento do olhar dos participantes sobre os diferentes contex-
tos de habitação, de forma a contribuir para o despertar da consciência
crítica sobre a realidade contemplada nas multimídias. Esse foi o caso,

77
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

por exemplo, do que ocorreu ao assistirem a reportagem “Moradores


de palafitas lutam contra a natureza”, produzida pelo programa Câmera
Record, na qual foram salientados os fatores socioeconômicos que de-
sencadearam a migração da população de diferentes regiões do país, a
partir do ano de 1960.
Para terem acesso às diferentes fontes de pesquisas, os grupos
realizaram circuitos de tarefas e trocaram de material e, portanto, de
“estação” a cada dez minutos. Nesse movimento dinâmico, registraram
em folhas suas compreensões sobre os assuntos abordados nas diversas
mídias, compartilharam ideias e construíram argumentos fundamentados
nas discussões desencadeadas pelos vídeos e textos multimodais.
À medida que circulavam pela sala, formavam novos subgrupos,
nos quais trocavam impressões sobre os textos lidos e sobre as ideias
surgidas durante a exposição aos vídeos. Enquanto isso, nas salas adja-
centes ao auditório, outros grupos também realizavam as mesmas tarefas
e foram submetidos às multimídias. Ao finalizarem a dinâmica, os grupos
compartilharam as ideias discutidas com todos os presentes.
Ao retornarem ao auditório, os participantes confeccionaram
móbiles com as fotos que haviam trazido sobre as diferentes moradias
pesquisadas por eles. Em seguida, foram orientados pela coordenadora
a circularem pelo espaço para conhecerem as produções de cada um dos
grupos, a fim de as observarem e deixarem mensagens com propostas
de ação nos trabalhos.
Nesse contexto, atendendo à presença dos surdos, o piscar das
luzes indicou o momento de os grupos trocarem de produção e circula-
rem pelo Auditório. Nesse intercâmbio, houve um movimento contínuo
de pessoas, que se deslocaram de uma estação a outra para observar
as imagens e refletir com o grupo multicultural sobre a construção do
espaço marcado por multimodalidades textuaiAo finalizarem as obser-
vações, os grupos foram orientados pelos pesquisadores a retornarem
aos seus lugares para refletirem sobre o que viram e o que sentiram
diante da exposição às multimodalidades e multiculturalidades pre-
sentes naquele contexto.

78
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Esses movimentos e as multimídias impulsionaram a transição do


processo de Instrução Evidente para o de Enquadramento Crítico, pró-
prios da Construção Crítica de Generalizações, criando uma visão mais
histórica e ampla dos problemas de moradia em um processo de emersão
e generalização. Nesse processo, os sujeitos refletiram criticamente sobre
os contextos apresentados pelos textos multimodais, articulando os co-
nhecimentos epistemológicos à realidade concreta, de forma a questioná-
la. Assim, desencapsularam (LIBERALI, 2015) os saberes inertes nas
matrizes curriculares à realidade do mundo, superando o determinismo
sócio-histórico-cultural (Quadro 1).
Quadro 1 – Revelando o Enquadramento Crítico em debates reflexivos

Aluno I: A desigualdade. (…) Não só os parlamentos ou as pessoas que


estão lá para resolver, mas de gente que está aqui para decidir o que eles
vão fazer. Porque a democracia diz isso, o governo é do povo. A gente
tem que lutar pelo que quer.
Aluno II: A comunidade poderia decidir o que deveria ser feito para poder
chegar até as pessoas e decidir quais seriam os problemas, para poder ver
se vai poder fazer, para poder ter um resultado para a reunião de todos,
sabendo a opinião de todos, e cada um dando a sua opinião para tentar
resolver como se fosse um lugar como esse, de debate, de perguntas, de
respostas e de soluções (…).
Fonte: Acervo Programa Digitmed, 2018

Logo em seguida, os participantes receberam uma proposta para


criarem ideias para a transformação dos problemas observados nas comu-
nidades, as quais seriam compartilhadas por meio de recursos semióticos
digitais. Então, inseridos em um ambiente dialógico, os grupos discutiram
suas propostas e refletiram sobre diferentes estratégias para apresentá-las
por meio de configurações multimodais.
As propostas de transformação das necessidades das comu-
nidades foram desenvolvidas por meio de rodas de conversa, com
apresentações musicais com dança coreografada, cartaz digitalizado,

79
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

peças de teatro, dentre outros. Todas as apresentações foram filmadas


e compartilhadas na rede social (WhatsApp) do Programa Digitmed.
Nos Quadros 2 e 3, há exemplos de duas atividades realizadas no dia
desse encontro:
Quadro 2 – Letra de uma canção composta pelo grupo de participantes

Aluno I (ETEC): Ei! Você aí!


Professora I: Que está ao meu lado!
Pesquisadora I: Não fique aí sozinho, isolado!
Aluno II: Aqui no nosso bairro não queremos desigualdade.
Aluno III: Queremos todo mundo unido pelo bem da sociedade.
Pesquisadora e aluna IV juntas: Pra isso passamos uma fita.
Pesquisadora: O que você acha de romper com o seu muro².
Professora II: Sair do seu casulo e investir em moradia, saúde, educação
e qualidade de vida?!!!
Fonte: Acervo Programa Digitmed, 2018

80
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Quadro 3 – Peça de teatro: Designers de futuros sociais.

Aluna I: Vamos fazer alguma coisa?


Aluno II: Vamos! Mas pra onde?
Aluna I: Não sei! Vamos num parque?
Aluna II: Que parque? Aqui não tem!
Aluna I: Vamos em um ginásio, então?
Alunos II: Que ginásio? Não dá!
Aluna I: Vamos chamar os meninos então, a gente vê!
Aluno II: Tá bom, então! Vamos lá!
Aluno II: Nós estávamos aqui combinando para ir em um parque, em um
ginásio, mas aqui não tem. A nossa cidade é muito precária!
Aluna I: Não tem área de lazer!
Pesquisadora: (Moradora do bairro): Então, a gente poderia chamar o
representante do bairro e ele poderia ter uma ideia melhor!
Aluno III (Representante do bairro): Oi, gente! Tudo bom? Do que vocês
estão conversando?
Pesquisadora (Moradora do bairro): Eles chegaram com um convite pra
gente dar um rolê, correr, fazer um esporte.
Aluno III (Representante do bairro): Ah! Eu também quero, gente! Eu tô
precisando! Estou muito estressado!
Pesquisadora (Moradora do bairro): Então, só que aí eu descobri que não
tem como fazer isso aqui! Então a gente estava conversando pra ver se
você tem uma ideia!
Aluno III (Representante do bairro): Pessoal, eu tenho uma ideia! Vamos
nos juntar. Todo mundo, vamos até a Prefeitura propor uma ideia pra
eles!? E ver se eles apresentam uma solução pra gente?
(…)
Fonte: Acervo Programa Digitmed, 2018

A produção da música com dança coreografada e da performance


teatral contribuíram para os sujeitos apresentarem, de maneira crítica,
colaborativa e multimodal, possibilidades para emersão do contexto
concreto da realidade. Assim, iriam refletir sobre ele e, a partir disso,
formar propostas para a tentativa de intervir sobre a realidade imediata
determinada pelo contexto sócio-histórico-cultural. Com isso, puderam
imaginar formas de suprir as necessidades emergentes dos variados
contextos, e, então, transformá-las.

81
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Nesse processo, torna-se saliente a Produção de Mudança Social,


que, expandindo a Prática Transformada (THE NEW LONDON GROUP,
2000 [1996]), permitiu aos integrantes do grupo analisar criticamente as
necessidades dos contextos, e, a partir disso, construir textos multimodais,
por meio da letra da música coreografada e das performances. Com isso,
percebe-se que os conhecimentos construídos foram aplicados mediante
a recriação de situações da realidade no brincar. Com essa brincadeira,
puderam, então, partir para a consequente imersão dos sujeitos na rea-
lidade do mundo, que realizaram em suas escolas e compartilharam em
outros encontros do Programa Digitmed.

5.4 Considerações finais

Neste capítulo, mostramos como o trabalho com a proposta dos


Multiletramentos possibilita a desencapsulação do ensino-aprendizagem,
por meio do compartilhamento dos registros de um encontro do Programa
Digitmed realizado no dia 20 de outubro de 2018.
A proposta procurou caminhos para superar o contexto sócio-
histórico-cultural opressor, reprodutor de injustiças e desigualdades
enraizadas na realidade do nosso país, a partir do qual os sujeitos não
veem alternativas para emergir das situações-limite, permanecendo
imobilizados diante dos desafios que surgem, configurados na forma de
violência física e velada do determinismo sócio-histórico. Esses conflitos
impedem que se desperte no sujeito o desejo para a criação de formas de
vida dignas, sustentáveis e equânimes, mantendo-os aprisionados em uma
consciência que foi formada socialmente para sucumbir e perenizar as
desigualdades. Em uma oposição a isso, na proposta, há a possibilidade
de formação da consciência crítica sobre a realidade, capaz de iniciar um
processo de libertação, tendo as matrizes curriculares como bases que
se projetam na vida em sociedade e constroem oportunidades de criar
e de lutar para concretizar projetos que conduziriam os sujeitos rumo à
construção de um novo amanhecer.

82
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Nesse contexto, a desencapsulação da aprendizagem ocorrida no


Programa Digitmed por meio dos Multiletramentos traz aos participan-
tes a possibilidade de repensar o contexto sócio-histórico-cultural no
qual se encontram inseridos e de transformá-lo. A partir disso, de forma
colaborativa, os sujeitos são capazes de construir novos significados,
constantemente ressignificados à luz da formação de novos espaços em
que se viam, inicialmente, aprisionados.
Propor uma formação de professores norteada por princípios de
um currículo desencapsulado por meio dos Multiletramentos pressupõe
superar dilemas implícitos em uma base ideológica marcada pela cultura
de repreensão e silenciamento inibidores da produção de sujeitos críticos
e colaborativos. Nesse contexto, a formação crítica do professor desem-
penha um papel fundamental para a ruptura desse processo, por meio da
construção desencapsulada de modos de ser, estar, saber, agir, sentir que
servirão para transformar vidas e contextos em uma relação recíproca.
Diante dessa perspectiva, a superação de formas encapsuladas de co-
nhecimento atua como um mecanismo que liberta o sujeito da opressão,
da reprodução da violência, da miséria e das condições de vida escrava.

83
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

PORTUGUÊS COMO LÍNGUA ADICIONAL SOB


A ÓTICA DA PEDAGOGIA DOS MULTILETRAMENTOS
PARA SURDOS

Toni Silva Demambro


Elias Paulino da Cunha Junior
(PUC-SP)

6.1 Introdução

A partir da prática em sala de aula aplicando as etapas da Pedagogia


dos Multiletramentos, este capítulo descreve como se dá a argumentação
escrita de Surdos1 sinalizantes usuários de LIBRAS. A observação em-
pírica em sala de aula permitiu identificar as produções dos Surdos nas
redes sociais, revelando que a educação de Surdos é assumida em uma
proposta bilíngue. A proposta do bilinguismo para Surdos é entendida
por favorecer “espaços em que a língua de sinais, em conjunto com os
recursos semióticos disponíveis, faça sentido para a sua aprendizagem”
(DEMAMBRO, 2019, p. 38). Por compreender o ensino do português
como parte dos recursos semióticos na produção de sentido e significa-
do para os estudantes Surdos, a legislação recente que abrange ensino
de português é a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e o Plano
Nacional de Educação (PNE).
1 A convenção proposta por James Woodward (1972) diferencia o surdo com “s” minúsculo por
sua condição audiológica de não ouvir, do Surdo com “S” maiúsculo como sendo um grupo
particular de pessoas Surdas que compartilham uma língua e uma cultura.

85
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

À BNCC compete proporcionar a todos os estudantes “expe-


riências que contribuam para a ampliação dos letramentos, de for-
ma a possibilitar a participação significativa e crítica nas diversas
práticas sociais permeadas/constituídas pela oralidade, pela escrita
e por outras linguagens” (BRASIL, 2017, p. 65). Segundo a BNCC,
é “possível, em âmbito nacional, realizar discussões relacionadas à
necessidade do respeito às particularidades linguísticas da comuni-
dade surda e do uso dessa língua nos ambientes escolares” (BRASIL,
2017, p. 68).
A garantia de aprendizagem da Língua Portuguesa por Surdos
aparece no PNE em sua quarta meta e em sua sétima estratégia. Segundo
o PNE e seu Observatório, fica evidente a lacuna entre teoria (legislação
escrita) e a prática (aplicação efetiva da lei). Dessa lacuna surge a questão:
qual momento vivemos?
Como alerta Santos (2019), “vivemos em uma fase em que a glo-
balização impõe-se como perversa”, pois desemprego e pobreza, acres-
cidos da ausência do Estado, permitem uma educação voltada aos que
têm maiores condições financeiras, um ciclo da “tirania da informação
e do dinheiro” (SANTOS, 2019, p. 15). A fim de uma mudança social,
iniciada na prática em sala de aula, propomos, a seguir, a base teórica
desta proposta de prática pedagógica.

6.2 Pedagogia dos Multiletramentos no Ensino de Língua Por-


tuguesa para Surdos

Na perspectiva da Língua Adicional, o ensino-aprendizagem prio-


riza o acréscimo das línguas às outras que o professor e/ou estudantes
já tenham por experiência (SCHLATTER; GARCEZ, 2012), ou seja,
LIBRAS e Língua Portuguesa são acrescidas e ampliam as experiências
dos estudantes Surdos. Quando outra língua é ensinada, precisa-se ir
além de itens lexicais ou sintáticos, afinal mudamos não só as palavras,
“mas também nossos gestos, nosso tom de voz e a nossa maneira de ser”
(LEFFA; IRALA, 2014, p. 31). Exercer o tom de voz (sentido auditivo)
não está atrelado à cultura Surda, mas pode ser ampliado como forma de

86
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

expressar sentidos e significados conectados com a realidade do Surdo,


também, em seu processo de ensino-aprendizagem.
Assim, o português como Língua Adicional para Surdos amplia
as possibilidades de aprendizagem, repertório e mobilidade. Repertório
refere-se a recursos que o sujeito dispõe para “compreender, interagir e
se relacionar com o mundo a partir de sua trajetória/experiência de vida
em práticas sociais diversas” (DEMAMBRO, 2019, p. 15). Para Busch
(2015, p. 5), “o repertório é compreendido como um todo, compreendendo
as línguas, dialetos, estilos, registros, códigos e rotinas que caracterizam
a interação na vida cotidiana”. Para Blommaert (2014), repertório é um
conjunto de recursos linguísticos, semióticos e socioculturais, à dispo-
sição do sujeito a fim de serem utilizados na comunicação. Já a mobili-
dade pode ser entendida como as línguas entrelaçadas nos espaços que
orbitam, pois, para Blackledge e Creese (2017, p. 32), a língua pode ser
considerada como um “complexo de recursos móveis” que permitem às
pessoas se moverem. Ademais, os autores salientam que “a mobilidade
implica não apenas o movimento de pessoas de um País para outro para
fazer uma nova vida, mas sim a mobilidade dos recursos linguísticos e
outros semióticos no tempo e no espaço” (BLACKLEDGE; CREESE,
2017, p. 34).
Ao entrelaçar as discussões até aqui e aproximando a parte prá-
tica da aplicação das teorias, tem-se a pedagogia dos Multiletramentos.
Além de contribuir para a análise do ensino da Língua Portuguesa para
Surdos, essa pedagogia coadjuva para o entendimento de que a Língua
Adicional, em mobilidade linguística e por meio de repertório cultural,
cria possibilidades de aprendizagem aplicadas à realidade na qual o
sujeito está inserido.
A Pedagogia dos Multiletramentos, pensada no campo da surdez,
pode ser ampliada com as discussões de Cunha Júnior (2017) sobre
legitimidade pedagógica. Conforme o autor, ao pensar na escola, em
sala de aula e em como organizar um currículo que insira a realidade do
estudante Surdo no ambiente educativo, “cumpre-nos defender que há
emergência de se ter profissionais em ambiente escolar”. Nessa direção,

87
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

engajar pela transformação e consciência dos envolvidos “em ambiente


escolar, deveria convergir aos alunos, no sentido de melhor atender em
ensino, materiais escolares, infraestrutura escolar, apoio pedagógico”
(CUNHA JÚNIOR, 2017, p. 63).
Três conceitos são centrais na pedagogia dos Multiletramentos:
multimodalidade, multimídia e multiculturalidade (Quadro 1); a estes é
acrescido o conceito de legitimidade pedagógica, os quais são discutidos
para a transposição no âmbito do ensino-aprendizagem de/para Surdos.
Quadro 1 – Conceitos centrais da Pedagogia dos Multiletramentos

Conceito Central Conceituação Exemplo Aplicado


Integração de variados modos Ao ler ou escrever, o Surdo pode
Multimodalidade para construir significados: observar e/ou utilizar: letras, emojis,
materialidade verbal, imagens, figuras; como é o caso do uso em
espaço, som, postura, cores, redes sociais.
entre outros. (LIBERALI et al.,
2015).
Diversidade de modos de co- Cada língua traz consigo múltiplas
Multiculturalidade nhecimento que se relacionam, formas de pensar. Logo, a relação
criando novos saberes e fazeres. entre as línguas (de Sinais e Por-
(DEMAMBRO, 2019, p. 54). tuguesa) possibilita a diversidade
deste conceito.
Variedade de artefatos, que Todo instrumento e/ou recurso
Multimídia apresentam, organizam, dirigem, tecnológico utilizado para o ensino
materializam e institucionalizam do Surdo.
conteúdos (LIBERALI; SAN-
TIAGO, 2016).

Fonte: Produzido pelos autores, 2021

Espera-se que o professor, pela prática da Pedagogia dos Mul-


tiletramentos, possa (re)pensar a realidade de seus estudantes para
que o repertório e a mobilidade do sujeito se expandam como Língua
Adicional, de modo que o processo de ensino-aprendizagem esteja
atrelado à realidade do Surdo, fazendo sentido para ele. Portanto, pensar
o ensino de Língua Portuguesa organizado por meio da Pedagogia dos

88
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Multiletramentos significa criar possibilidades de um agir reflexivo e


transformador.

6.3 Análise do Caso

Apresentamos um exemplo de prática da pesquisa de Demambro


(2019) realizada no município de São Paulo, em uma Escola Bilíngue
para Surdos (EMEBS), com o 9º ano do ensino fundamental. Os nomes
dos participantes e da escola serão preservados.
Segundo o portal das EMEBS, é ofertado “às crianças, adolescen-
tes, jovens e adultos com surdez, com surdez associada a outras deficiên-
cias, limitações, condições ou disfunções e surdocegueira”, atendimento
“realizado por Professores Bilíngues com base na Pedagogia Visual, que
faz uso de materiais visuais, da língua de sinais, da imagem, do letramento
ou leitura visual” (SÃO PAULO, 2021, s.n.).
Os 10 estudantes Surdos são oriundos das extremidades da cida-
de de São Paulo, em realidades diferentes da região onde a escola está
localizada; não têm familiares Surdos, todos são de famílias ouvintes;
alguns fazem cursos fora da escola em que há presença do intérprete de
LIBRAS, onde a maioria são ouvintes.
A professora regente de sala relata a preocupação com a continui-
dade dos estudos dos Surdos. Ela salienta que, findado o 9º ano, muitos
param de estudar para trabalhar ou vão para inclusão (escola com intér-
prete de LIBRAS) e não conseguem acompanhar os estudos.
A proposta de aula foi composta por dois encontros e, entre eles,
discussões pelo WhatsApp, nas quais o gênero discursivo abordado foi o
comentário em postagens, como parte dos gêneros digitais (MARCUS-
CHI; XAVIER, 2010). O objetivo da proposta era criar possibilidades
de os Surdos argumentarem em postagens no grupo do WhatsApp criado
para a sala.

89
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

6.3.1 Prática Situada

Esta etapa teve início com o questionamento aos estudantes


sobre suas experiências fora da escola, a fim de trazê-las para dentro
da realidade do espaço escolar (LIBERALI; SANTIAGO, 2016). Os
estudantes ressaltaram vários pontos de assuntos que costumeiramente
vivem. Alguns exemplos foram: bullying, preconceito racial, agressão a
menores de idade etc. Além disso, relataram que utilizam redes sociais
como WhatsApp, Instagram, bem como YouTube, pois conseguem ativar
a legenda nos vídeos, o que facilita a compreensão do assunto.
No que tange ao uso do WhatsApp, eles comentaram que, muitas
vezes, não participam de grupos por ocorrerem muitas discussões, brigas,
e que não gostam dessas situações. Após isso, o professor perguntou
sobre a diferença de escrita quando se fala em grupos e quando se fala
com amigos no privado. Os estudantes, em sua maioria, responderam que
há de fato diferença para conversar com familiares e amigos. Após as
discussões, foi apresentada a primeira atividade a ser cumprida em dupla.

6.3.2 Instrução Evidente

Neste momento, tem-se início a instrução evidente, uma vez que


há a explicação com base conceitual (LIBERALI; SANTIAGO, 2016).
O professor apresentou um print de um post, que era uma reportagem
e seus comentários. A postagem apresentada tinha como temática o
depoimento do diretor de uma multinacional abrindo sua orientação
sexual homoafetiva, seguida de vários comentários dos leitores, ora em
concordância, ora em oposição ao dito pelo diretor.
O professor solicitou a leitura pelos participantes da forma como
achassem melhor. Os estudantes deliberaram por uma leitura em conjunto,
em que viam a escrita da língua portuguesa e sinalizavam conforme a
entendiam – percebe-se assim uma estratégia para compreender o texto,
também visto como “modos de criar significado” (multimodalidade)
(LIBERALI; SANTIAGO, 2016). Após a leitura, foi solicitado que as

90
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

duplas discutissem sobre a notícia e justificassem suas opiniões. Feito


isto, o professor solicitou que cada estudante, individualmente, escre-
vesse um comentário sobre a postagem e apresentou onde deveriam
colocar o nome e justificar a proposição, independentemente de ser em
concordância ou discordância e/ou outro posicionamento. Aqui, não
foram colocadas regras, como número de linhas, posição de escrita na
folha (se vertical ou horizontal).
A atividade tinha como objetivo criar um espaço para que os estu-
dantes pudessem expressar suas ideias usando seus diversos “modos de
conhecimento” e como se relacionam (multiculturalidade) (LIBERALI;
SANTIAGO, 2016). Para elucidar a prática em sala, transcrevemos um
comentário produzido por um estudante:

Concordo, ele ser é gay mas ele não quero sabe que as pessoas
fiz bullying para ele ser gay. ele não quero sofredor, porque
deus presente deu para dele homem mas ser gay nós respei-
tamos te jeito dele.

A possibilidade criada pela Pedagogia dos Multiletramentos foi um


ambiente em que o estudante teve uma escrita livre com possibilidade de
ampliação em suas discussões. Ainda no momento da prática, observa-
se, ancorado em Lodi (2011), que ao Surdo deve ser oportunizado o
contato com as duas línguas (LIBRAS e língua portuguesa) e que esta
não deve ser ensinada desvinculada da realidade do Surdo, muito menos
por meio de palavras soltas – vocabulários isolados. Antes, os estudan-
tes podem refletir exatamente sobre o que dizer em LIBRAS e, depois,
como seria essa ideia pensada em língua portuguesa. Ainda, a questão
problematizada por Cunha Júnior (2017) sobre a legitimidade pedagógica
pode ser um ponto de reflexão sobre a importância do profissional com
conhecimento dos muitos recursos para o ensino do Surdo e seu impacto
na aprendizagem dele.
Após a atividade, professor e estudantes discutiram sobre quais
eram as estruturas utilizadas e reconhecidas para sustentar o argumen-
to escolhido. São apresentados aos estudantes tipos de argumentos e

91
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

conjunções/locuções que auxiliam na utilização da construção de um


argumento. Salienta-se que, neste momento, foi feita uma solicitação de
esclarecimento sobre os usos dos porquês.

6.3.3 Enquadramento Crítico

Entre a etapa anterior e esta, houve discussões remotas via What-


sApp. A proposta era que, pelo WhatsApp, os estudantes postassem
temas de seu interesse a fim de discutirem sobre a concordância ou não,
bem como sua justificativa.
Destaca-se que, de início, os estudantes não participavam ativamente,
demonstrando passividade em responder somente ao que lhes perguntavam
diretamente. Todavia, aproximada a aula, o interesse pelas discussões, ques-
tionamentos e articulações, aumentaram. Percebe-se, então, um movimento
de um espaço passivo de receptor para uma esfera ativa no meio em que
convive (mobilidade) (BLACKLEDGE; CREESE, 2017).
Em sala, tem início a etapa na qual são apresentados aos estu-
dantes trechos das discussões do WhatsApp obtidas no período entre
as aulas. Houve a identificação dos recursos utilizados para argumentar
ou sustentar a opinião que eles manifestaram. Na discussão, é possível
perceber que os estudantes assimilaram as ideias da sustentação por meio
da argumentação. Em cada comentário, eles identificaram um marcador
de opinião. Este fator ressalta o enquadramento crítico, ao apresentar o
conteúdo da disciplina visando a uma reflexão dos estudantes sobre a
relação do aprendido em sala em relação ao cotidiano.

6.3.4Prática Transformada

Ao final, após a discussão sobre como sustentar uma opinião/pro-


posição, os usos dos porquês e um breve debate sobre conjugação verbal,
houve a produção final dos estudantes. Para tanto, foi distribuído um
texto base que mostrava as várias configurações familiares existentes no
Brasil, como famílias heterossexuais, homossexuais, com ou sem filhos,

92
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

ou pais sozinhos com filhos. O excerto transcrito a seguir refere-se ao


comentário do mesmo estudante anteriormente apresentado.

Familia descendência porque mães estão gravidas para filhos


(as) por exemplo maior os homens mais que as mulheres menos
porque alguns os homens e as mulheres tem responsável para
trabalharam e cuidam para filhos (as).

Nota-se que o estudante Surdo, ao refletir e formular sua opinião,


utilizou recursos linguísticos do português com uma construção sintática
que não refletem a norma culta da língua. As discussões em sala sobre o
uso dos porquês e os recursos usados para sustentar um argumento podem
ser notados na escrita. Faz-se necessário pontuar que tal forma de escrita
pode restringir a mobilidade do sujeito Surdo, uma vez que falantes da
língua portuguesa podem não entender o que foi dito. Contudo, vale
destacar que entre a primeira atividade escrita e a segunda, o estudante
demonstrou assimilar o que foi discutido em grupo como, por exemplo,
o uso dos porquês e de exemplos para sustentar uma argumentação.
Com isso, a finalização da atividade apresentada aqui demonstra
que há possibilidade de aprendizagem que faça sentido ao estudante, bem
como aplicada à sua realidade.

6.4 Reflexões Inacabadas?

Partir da realidade do sujeito para criar um ambiente de aprendi-


zagem aplicado leva a um resultado que tende a fazer sentido (aplicação
real da teoria na prática) para o sujeito Surdo. Recomenda-se partir da
realidade do sujeito Surdo para se pensar nas aulas de português. Isso
exige do professor acompanhamento dos gêneros emergentes e estudo
aprofundado. O português, como Língua Adicional e como parte da
vida dos sujeitos Surdos, em realidade-abstração-aplicação, pelo uso
da Pedagogia dos Multiletramentos, permite aos professores de Surdos
(re)pensar sua prática para ampliar seu repertório e mobilidade frente a
sociedade perversa que resistimos objetivando a transformação social.

93
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

INFOGRAFIA: ESTRATÉGIAS PARA LEITURA E


COMPREENSÃO DE TEXTOS MULTIMODAIS

Talita Santos Menezes


Vanesca Carvalho Leal
(Universidade Federal de Sergipe)

7.1 Introdução

Temos notado uma crescente circulação de infográficos em dife-


rentes campos da vida cotidiana. Eles têm sido utilizados no jornalismo
impresso e digital, em propagandas televisivas, reportagens, manuais
técnicos, publicações científicas, redes sociais e em livros didáticos.
Isso significa que nossos alunos mantêm contato com esse gênero tanto
dentro quanto fora da escola.
Pelo fato de agregar representações verbais e visuais em sua com-
posição, o infográfico é considerado um gênero multimodal, cujo sentido
é constituído pela articulação entre as diferentes linguagens presentes em
sua materialidade. Trata-se, portanto, de um texto que demanda estraté-
gias de leitura específicas para sua compreensão, e a escola – na figura
do professor – tem papel fundamental no desenvolvimento de habilidades
de compreensão leitora de textos multimodais.
Neste trabalho, assumimos que toda representação linguística
é múltipla (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006 [1996]) e que todos os

95
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

textos são multimodais (DIONISIO, 2011) – uma vez que todo texto,
escrito ou oral, engloba, no mínimo, dois modos de representação em sua
composição. Definimos, então, texto como produto multimodal, isto é,
“um sistema de conexões entre vários elementos […], construído numa
orientação de multissistemas, ou seja, envolve tanto aspectos linguísticos
como não linguísticos no seu processamento […]” (MARCUSCHI, 2008,
p. 80, grifos do autor).
A fim de auxiliar professores da educação básica em suas práticas
didáticas no que diz respeito à compreensão leitora do gênero infográfico,
como também de outros textos cuja composição seja múltipla, este estudo,
inicialmente, aborda a definição de infográfico adotada, sua composição
significativamente multimodal, o modelo tipológico proposto por Nas-
cimento (2013) e as diferentes funções que o gênero desempenha. Na
sequência, discutimos questões teóricas relacionadas ao processamento
de leitura de textos multimodais (MAYER, 2005; PAIVA, 2009), dando
ênfase à infografia. Por fim, apresentamos uma proposta didática, isto é,
um roteiro de leitura com foco em estratégias para o trabalho com textos
multimodais, na linha da perspectiva dos multiletramentos, como é foco
desta coletânea.

7.2 O gênero infográfico

O infográfico é um gênero multimodal e está, cada vez mais,


presente no cotidiano social, seja em jornais, revistas, livros didáticos e
principalmente na mídia impressa e digital, que “explora ferramentas vi-
suais para atrair novos leitores, considerando-se que esses estão inseridos
numa cultura em que a imagem é um elemento marcante” (FOGOLARI,
2009, p. 27).
Uma das características propostas ao gênero é tornar simples uma
informação complexa por meio da combinação paralela entre os elemen-
tos verbais e os visuais. Entretanto, a sua utilização no meio midiático
pode, também, direcionar o olhar do leitor a uma determinada ideia e/
ou ponto de vista. Assumimos, então, a definição de infográfico como

96
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

um gênero estruturado “por um fluxo maior e mais variado de recursos


verbais e visuais […] que apresente informações de forma sucinta, ob-
jetiva, demonstre um ponto de vista […] e seja o mais acessível possível
ao leitor” (LEAL, 2021, p. 52).
O infográfico teria surgido nos jornais diários quando ocorreram
mudanças no sistema de comunicação social como, por exemplo, a
mecanização da imprensa, o uso inicial do telégrafo e a inserção da
fotografia em jornais e revistas. Devido à quantidade de informações
expostas, elementos imagéticos poderiam, supostamente, auxiliar a
demanda de leitura para pessoas com repertório limitado (MORAES,
2013), visto que, na leitura e na compreensão de um infográfico, são
ativadas diversas manifestações da linguagem, como as visuais e as
verbais, manifestações matemáticas, bem como modos de representa-
ção cartográfica que se tornam pontos de partida para construção de
sentidos (SOUZA, 2016).
Uma alternativa de modelo tipológico que proporcione ao leitor
a observação e a análise não só dos aspectos formais que constituem o
gênero, como também os sentidos e as funcionalidades é o de Nascimento
(2013). Para ele, existem três grandes categorias: a) Infográficos com
função de exposição: são os que expõem dados de ordem estatística –
apresentam dados numéricos sobre situações do cotidiano; ou geográ-
fica – estes, por sua vez, recorrem aos mapas como gênero base para
apresentar informações; b) Infográficos com função de explicação: têm
por função explicar fenômenos e processos de dados informativos; e c)
Infográficos com função de narração: apresentam como determinados
fatos aconteceram no tempo e no espaço.
A integração paralela entre elementos verbais e visuais no info-
gráfico destoa dos demais textos mais frequentemente encontrados nos
livros didáticos e requer estratégias de leitura específicas que sejam ca-
pazes de abranger toda a complexidade do gênero. A defesa não é “que
a infografia simplesmente facilite a atividade leitora […]. Sustenta-se
que a otimização informativa requer […] inovadoras capacidades de
produção e compreensão do texto” (SOUZA, 2016, p. 204).

97
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Tendo em vista que os estudantes da educação básica compõem


um conjunto de leitores ainda em formação – prova disso é o Programa
Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) apontar que cerca
de 50% dos estudantes estão no Nível 21, enquanto os outros 50% não
possuem o mínimo de proficiência, bem como indicar a dificuldade em
compreensão de questões que envolvem textos multimodais, obtendo uma
porcentagem de 20% de omissões de respostas em questões desse tipo
(BRASIL, 2020) –, acreditamos que a relação desses estudantes com o
infográfico possa gerar determinadas demandas de leitura e compreensão.
Nesse sentido, apresentamos estratégias de leitura e de compreensão que
sirvam de recursos facilitadores do processo de ensino e, consequente-
mente, uma aprendizagem significativa.

7.3 Leitura e compreensão de textos multimodais: a infografia


em destaque

Do ponto de vista cognitivo, a leitura é considerada uma habilidade


complexa que envolve processos interativos entre diferentes níveis de co-
nhecimento, os quais permitem que o sujeito construa sentidos para o que
leu (KLEIMAN, 2016). Esses níveis de conhecimento ativados durante
a leitura são: conhecimento linguístico – um conhecimento implícito que
abrange todo o saber sobre o uso e o funcionamento da língua; conhecimento
textual – trata-se do conhecimento acerca do texto, em termos de tipologia,
características estruturais, funcionalidade etc.; e conhecimento enciclopé-
dico ou de mundo – aquele que abrange uma série de noções e conceitos
sobre diversos temas, fatos e situações, e que pode ser obtido formalmente
(na escola, por exemplo) ou informalmente (com experiências de vida).
Em relação aos textos multimodais, a compreensão ocorre por meio
de processos cognitivos que envolvem seleção, organização e integração
de informações verbais e não-verbais, sendo que tais processos ocorrem
em dois sistemas separados de processamento de informação: um visual
e um verbal (MAYER, 2005).
1 Quando o aluno inicia a demonstração da capacidade de usar suas habilidades de leitura para
aquisição do conhecimento (BRASIL, 2020).

98
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

O primeiro processo – a seleção – ocorre quando o estudante


presta atenção aos aspectos da informação verbal e da informação visual
que lhe são apresentados e seleciona palavras e imagens relevantes
para uma representação verbal e uma visual. O segundo processo,
organização, entra em ação a partir do momento em que o aluno re-
organiza tanto a base linguística quanto a base imagética e constrói o
modelo mental (um verbal e um visual) da situação descrita no texto.
Já o terceiro processo, integração, relaciona-se à conexão da infor-
mação organizada a outras estruturas de conhecimento pré-existentes
na memória – e esse conhecimento prévio abrange os conhecimentos
linguístico, textual e enciclopédico supracitados. Assim, o que ocorre
nesse processo é a construção de correspondências individuais entre as
representações verbais e visuais do material. Além disso, vale ressaltar
que o desenvolvimento desses processos cognitivos está intimamente
relacionado ao modo como a mente humana armazena as informações
na memória. A figura 1 sistematiza uma representação verbo-visual
de todos esses processos.
Figura 1 – Processamento de textos multimodais

Fonte: adaptado de Mayer (2005, p. 37, tradução nossa)

Os estudos empíricos realizados com base na Teoria Cognitiva de


Aprendizagem Multimídia (TCAM) sugerem que estudantes aprendem
mais com palavras e imagens do que apenas com palavras (MAYER,
1997, 2005, 2014). Todavia, “esta aprendizagem, às vezes, requer uma
situação formal como uma situação escolar, em que há um treinamento
sistemático” (DIONISIO, 2014, p. 66). Torna-se necessário, então, o
desenvolvimento de estratégias de leitura específicas para que o aluno

99
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

compreenda a inter-relação de diferentes linguagens em um texto mul-


timodal, a exemplo do infográfico. Paiva (2009) propõe um modelo de
leitura para o infográfico que explicita bem o processamento de textos
multimodais defendido por Mayer (2005). Para melhor exposição, su-
marizamos o modelo apresentado pelo autor no quadro 1.
Quadro 1 – Modelo de leitura para infográficos

Domínios para a leitura do modo verbal Domínios para leitura das imagens
Processamento lexical – reconhecimento do Processamento de partes das imagens – respon-
leitor das palavras do texto, bem como seus sável pelo reconhecimento de partes das imagens:
morfemas. elementos primários como brilhos, cores, linhas
limítrofes etc.
Processamento sintático – reconhecimento do Processamento das relações entre partes da
leitor das ligações sintáticas possíveis entre as imagem – construção das relações entre as par-
palavras de uma sentença. tes da imagem, estrutura das imagens (como os
elementos primários, processados anteriormente,
se relacionam aqui).
Construção da coerência (ou significado) Construção do sentido local – construção do
local – reconhecimento do leitor das propo- sentido entre as partes de uma imagem; qual o
sições possíveis para uma sentença formada sentido da relação entre as partes, por exemplo:
por palavras. a relação entre brilho e cor forma uma explosão?
Construção da coerência temática – reconhe- Construção do sentido global – construção do
cimento do leitor das relações entre sentenças; sentido entre as imagens do infográfico. Como
formação de inferências. as imagens se relacionam umas com as outras?
Construção da coerência externa ou processamento integrativo – reconhecimento do leitor da
produção de informações feita por ele durante a leitura, comparando-a com as informações que
já dispõe para efetuar juízos de valor acerca do que leu (Foi-lhe útil? Mudou sua forma de pensar
sobre o assunto? Alterou sua memória a respeito daquele assunto?).
Domínio que integra os dois processamentos (verbal e visual)
Construção da integração entre as modalidades – construção da integração entre o processamento
do verbal e do visual.

Fonte: adaptado de Paiva (2009, p. 51-54)

Convém salientar que a divisão da leitura em domínios tem apenas


fins didáticos, uma vez que, durante o processamento da leitura, esses
domínios ocorrem simultaneamente. Além disso, “no infográfico, a inte-

100
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

gração verbo-visual ocorre a todo o momento e não sabemos prever sua


linearidade de ocorrência. O que não quer dizer que não haja recorrências
e tipificações” (PAIVA, 2009, p. 54).
Esse modelo de leitura para infográficos – o qual também pode
servir de base para o trabalho com a leitura de outros gêneros – inclui
competências estabelecidas pela Base Nacional Comum Curricular
(BNCC), o que reforça a validade de sua aplicação em contextos didáticos
na educação básica para o desenvolvimento de estratégias de leitura de
textos multimodais. No eixo da leitura, a BNCC estabelece orientações
para definir práticas de uso e reflexão da leitura que podem estar inter-
relacionadas a textos multimodais.
Quadro 2 – Práticas de uso e reflexão de leitura e compreensão de texto multimodal

EIXO DA LEITURA
Práticas de uso e reflexão Dimensões inter-relacionadas à multimodalidade
Selecionar procedimentos de leitura adequados a
diferentes objetivos e interesses, levando em conta
características do gênero;
Estabelecer expectativas, apoiando-se em seus conheci-
mentos prévios sobre gênero textual, suporte e universo
temático, bem como sobre saliências textuais, recursos
gráficos, imagens, dados da própria obra, confirmando
antecipações e inferências realizadas antes e durante a
leitura de textos;
Localizar/recuperar informação;
Estratégias e procedimentos de leitura
Inferir ou deduzir informações implícitas;
Inferir ou deduzir, pelo contexto semântico ou lin-
guístico, o significado de palavras ou expressões
desconhecidas;
Reconhecer/inferir o tema;
Articular o verbal com outras linguagens – diagramas,
ilustrações, fotografias, vídeos, arquivos sonoros etc.;
Manejar de forma produtiva a não linearidade da leitura
de hipertextos e o manuseio de várias janelas, tendo em
vista os objetivos de leitura.

101
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Identificar implícitos e os efeitos de sentido decorrentes


de determinados usos expressivos da linguagem, da
Compreensão dos efeitos de sentido
pontuação e de outras notações, da escolha de deter-
provocados pelos usos de recursos lin-
minadas palavras ou expressões e identificar efeitos de
guísticos e multissemióticos em textos
ironia ou humor;
pertencentes a gêneros diversos
Identificar e analisar efeitos de sentido decorrentes de
escolhas e formatação de imagens (enquadramento,
ângulo/vetor, cor, brilho, contraste).

Fonte: BRASIL (2018)

Tendo por base o modelo proposto por Paiva (2009), bem como
as habilidades indicadas pela BNCC (Quadro 2) – e considerando tam-
bém como ocorre o processamento de textos multimodais, na seção a
seguir, apresentaremos uma proposta didática para o desenvolvimento
de estratégias de leitura de textos multimodais que possa ser aplicada
pelo professor que atua na educação básica.

7.4 Proposta de trabalho: roteiro de leitura de textos multimodais

A proposta de trabalho tem por objetivo contribuir para a prática de


leitura e de compreensão de textos multimodais em sala de aula. Embora
o gênero escolhido neste estudo seja o infográfico, a sequência de ativi-
dades pode servir para outros gêneros multimodais. Ademais, o roteiro
de leitura aqui proposto é adaptável a diversas áreas do conhecimento
e turmas, bem como pode ser realizado em sala presencial ou on-line.
Os procedimentos metodológicos adotados podem seguir as se-
guintes sugestões:

• Gênero: infográfico;
• Período de desenvolvimento: cinco aulas de 50min. cada;
• Turmas: 8° e 9° ano.

Na fase de preparação do material, sugerimos que o professor


escolha dois textos: um para servir de base ao desenvolvimento das es-
tratégias de leitura e outro para a fase de verificação da aplicação de tais

102
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

estratégias. Ressaltamos que o mais viável é que os textos apresentem


características similares (temática, tipologia, quantidade de elementos
linguísticos e não-linguísticos etc.) para que os estudantes consigam
utilizar as estratégias sem muita dificuldade.
Para a escolha do gênero, o professor pode considerar os seguintes
aspectos:

• Suporte textual – o suporte textual tem influência sobre o processo de leitura,


uma vez que ler um texto num suporte físico é uma experiência diferente da
leitura na tela do computador, do tablet ou do celular; a interação do leitor
com o texto e com as linguagens empregadas (imagem, escrita, som, linhas,
cores, tamanho, ângulos, possibilidade de ampliação etc.) é diferenciada.
Nós optamos por um infográfico no formato digital, para ser lido na tela de
um computador2;

• Contexto de produção – será variável a depender da fonte bibliográfica, da


data de publicação, do meio de circulação etc. Para nossa proposta, optamos
pela busca por infográficos publicados no jornal digital Folha de São Paulo,
no período entre janeiro e março de 2021;

• Assunto geral – o ideal é que o tema abordado no gênero mantenha relação


com o conteúdo trabalhado na disciplina. No caso da nossa proposta, optamos
por um infográfico que trata da eficácia da vacina Coronavac, por ser um tema
em destaque na atualidade;

• Categorização do infográfico – o professor também pode fazer a escolha


do infográfico a ser trabalhado em sala de aula a partir da função que o
gênero exerce, bem como de seus aspectos formais. A partir das tipologias
apresentadas por Nascimento (2013), a categoria do texto escolhido por nós
é de exposição de dados estatísticos;

2 Sabemos da grande dificuldade de recursos tecnológicos disponíveis na escola, principalmente


nas públicas. Então, outras possibilidades e/ou sugestões para a leitura do gênero seria por meio
do celular (visto que muitos dos alunos têm acesso) e, como o infográfico é estático, pode ser
trabalhado de forma impressa. Entretanto, é necessário levar em consideração as divergências
das estratégias desses tipos de leitura – impressas e digitais.

103
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

• Elementos verbo-visuais – identificar os elementos que compõem o


infográfico permite ao professor prever quais conhecimentos podem ser
trabalhados junto aos alunos para a compreensão do texto. Há infográficos
que apresentam maior variedade de elementos do que outros. No caso do
infográfico sobre a eficácia da vacina Coronavac, há gravuras, variação de
fontes e tamanhos, ícones, realces com cores, fórmulas matemáticas e uma
significativa exposição de dados estatísticos – o que aponta, por exemplo,
para a importância de um reforço de noções matemáticas durante o processo
de compreensão desse texto;

• Presença/ausência de texto complementar – em alguns casos, o infográfico


pode vir acompanhado por um texto complementar, o que demanda um tra-
balho de compreensão em que o aluno, além de compreender o infográfico
em si, também estabeleça relação com as informações dadas nesse texto
complementar. No caso do infográfico escolhido para nossa proposta, ele é
acompanhado por uma reportagem.

104
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Figura 2 – Infográfico “Cálculo de eficácia da vacina”

Fonte: jornal Folha de São Paulo, 12 jan. 2021

105
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

O infográfico da Figura 2 tem por objetivo primordial descrever


e explicar o significado, a porcentagem e como é calculada a eficácia da
vacina, apresentando recursos verbais e visuais que podem auxiliar no
convencimento do público leitor.
Após a fase de escolha do gênero, as atividades para o desenvolvimento
de estratégias de leitura podem ser realizadas em três etapas, seguindo a téc-
nica do “eu faço —> nós fazemos —> vocês fazem”. O professor apresenta
o gênero; em seguida, trabalha as estratégias de leitura juntamente com os
alunos – mostrando o passo a passo; e, por fim, verifica se os estudantes
conseguem aplicar as estratégias sozinhos, sem a intervenção docente.

7.4.1 Aula 1: O gênero em destaque

A introdução da primeira ação realizada é a exposição de infográ-


ficos pertencentes a diferentes categorias, a exemplo das indicadas por
Nascimento (2013). Nesse primeiro momento, o professor pode definir
teoricamente o gênero, falar sobre sua composição, os modelos tipológicos,
as funcionalidades que desempenha, em quais domínios circula, contextos
de produção e recepção, entre outras informações que julgue necessárias.
Em seguida, o professor solicita aos alunos que procedam à leitura
do infográfico que servirá de base para o desenvolvimento das estratégias
de compreensão. Após a leitura, o docente pode utilizar a técnica do pro-
tocolo verbal (Quadro 3), a qual “se mostra o mais adequado método para
se registrar o processamento cognitivo, ou seja, as escolhas, caminhos e
motivações, enfim as estratégias do leitor na sua tarefa de ler o infográfico”
(PAIVA, 2009, p. 88). A depender da quantidade de alunos, todos podem
responder oralmente a todas as perguntas ou o professor pode direcionar
cada pergunta a determinado aluno. Em caso de aulas não presenciais, pode
ser repassado para os alunos um formulário on-line com as questões para
diagnóstico do professor sobre o contato da turma com o gênero.
O objetivo, nesse momento, é que os estudantes ativem o nível de
conhecimento textual, percebam as várias possibilidades de leitura do
infográfico, como também compartilhem as dificuldades que tiveram
durante o processo de leitura.

106
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Quadro 3 – Roteiro do protocolo verbal

Perguntas Objetivos
Você costuma ler infográficos? Verificar a familiaridade do leitor com o
gênero.
O que lhe chamou mais a atenção? Perceber se o leitor seleciona procedimentos
de leitura adequados a diferentes objetivos e
Como as informações são apresentadas? interesses, levando em conta características
Que recursos linguísticos e não linguísticos estão do gênero.
presentes?
Qual seria o objetivo de desenvolver um texto Verificar se o leitor consegue inferir ou
como esse? deduzir informações implícitas.
Você confia nas informações desse infográfico? Analisar as relações de poder entre produ-
Por quê? tor/leitor, relativo aos papéis sociais que
assumem.
De que trata o infográfico? Reconhecer/inferir o tema.
Por qual parte do infográfico você iniciou a lei- Verificar o percurso de leitura seguido pelo
tura? Depois passou para qual parte até chegar leitor.
ao final?
Se você começasse por outra parte, seria possível Verificar o comportamento do leitor diante
entender o texto do mesmo modo? Por quê? da hipertextualidade do infográfico.
Você seguiu a ordem vertical das perguntas? Verificar se o leitor segue a ordenação das
questões indiretas expostas no texto.
Houve alguma parte do infográfico que você não Verificar a legibilidade do design do info-
entendeu? Por quê? gráfico.
O que tornou a leitura do infográfico fácil ou Perceber a opinião do leitor acerca do design
difícil? Por quê? do infográfico.
Sem as figuras seria mais fácil ou mais difícil Verificar se o leitor percebeu a integração
de entender as informações? E sem o texto entre os modos semióticos do infográfico.
complementar?
O infográfico expressa algum ponto de vista Analisar os papéis assumidos na relação
acerca do assunto tratado? Por que você acha produtor/leitor em relação à emissão de ponto
que isso acontece? de vista sobre o assunto tratado.

Fonte: elaboração própria, tendo por base Brasil (2018) e Paiva (2009)

107
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Após essa fase diagnóstica, o professor pode seguir para a segunda


etapa, que envolverá os processos de seleção, organização e integração
discutidos por Mayer (2005) e apresentados na Figura 1.
Embora concordemos com Paiva (2009), quando assegura que o pro-
cessamento de textos multimodais é simultâneo e que há diversas possibilida-
des de leitura de um infográfico, para fins didáticos, sugerimos que o professor
inicie o trabalho de desenvolvimento de estratégias pelas informações de
cunho verbal, depois siga para o trabalho com os recursos visuais e, por fim,
trabalhe a integração de ambos para a compreensão textual. Mais uma vez,
ressaltamos a possibilidade de adaptação dessa proposta. O professor pode
adotar outra rota de leitura para o desenvolvimento das atividades, iniciando,
por exemplo, pelas estratégias de leitura do conteúdo visual.

7.4.2 Aula 2: Estratégias de leitura de linguagem verbal

As estratégias da BNCC a serem desenvolvidas nessa etapa estão


sumarizadas no Quadro 4.
Quadro 4 – Estratégias e procedimentos de leitura para conteúdo verbal

Selecionar procedimentos de leitura adequados a diferentes objetivos e interesses, levando


em conta características do gênero;
Estabelecer expectativas, apoiando-se em seus conhecimentos prévios sobre gênero tex-
tual, suporte e universo temático, […] confirmando antecipações e inferências realizadas
antes e durante a leitura de textos;
Localizar/recuperar informação;
Inferir ou deduzir informações implícitas;
Inferir ou deduzir, pelo contexto semântico ou linguístico, o significado de palavras ou
expressões desconhecidas;
Reconhecer/inferir o tema;
Identificar implícitos e os efeitos de sentido decorrentes de determinados usos expressivos
da linguagem, da pontuação e de outras notações, da escolha de determinadas palavras
ou expressões […].

Fonte: Adaptado de Brasil (2018)

108
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Nesta aula, o professor solicita que os alunos façam uma nova


leitura do texto com o objetivo de processar a informação escrita. Esse
processo envolverá os domínios para a leitura do modo verbal descritos
por Paiva (2009) – apresentados no Quadro 1 – os quais exigem do lei-
tor a mobilização dos conhecimentos linguístico, sintático-semântico e
enciclopédico, além da construção de inferências coerentes com o texto
escrito.
Seguindo o sistema ocidental de leitura – da esquerda para a di-
reita, no caso do infográfico adotado neste estudo, a leitura pode iniciar
pelas caixas de texto da parte superior, seguindo pela manchete, título
auxiliar e o corpo da reportagem. É importante destacar que o gênero
infográfico é global e não-linear. Entretanto, por limitação das autoras e
de muitos leitores adaptados ao modo ocidental de leitura, a sugestão de
linearidade é atribuída à proposta de trabalho. Ressaltamos que outras
rotas de leitura podem ser desenvolvidas, por meio dos resultados da
atividade diagnóstica aplicada na aula anterior.
Nesse ponto, pode haver uma discussão sobre o gênero em si
(acerca do contexto de produção, circulação e recepção do texto), como
também sobre as ideias expostas na reportagem – o tema tratado, as
palavras-chave, o ponto de vista defendido, argumentos de autoridade
presentes no texto, processos referenciais, a variedade linguística utili-
zada, a tipologia textual predominante e o que isso representa para a fun-
cionalidade do texto, o significado de termos técnicos que possam gerar
dúvidas (como “placebo” ou “comorbidades”, por exemplo), a relação
entre as informações dadas no texto com o conhecimento enciclopédico
que os alunos têm sobre a temática, entre outros aspectos que o professor
julgue relevantes para a discussão.
O gênero é construído em folha única, em eixo vertical e dividido
em seis partes com perguntas (in)diretas que orientam o percurso da
leitura. Assim, a partir da disposição de cada pergunta, o aluno passa à
leitura das informações verbais dispostas ao lado, a fim de identificar as
possíveis respostas.

109
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Para finalizar essa fase, o professor pode, juntamente com a turma,


relacionar as informações do infográfico com as que foram expostas na
reportagem, a fim de que os estudantes identifiquem se o infográfico
reforça o que foi apresentado na reportagem ou acrescenta novos dados.

7.4.3 Aula 3: Estratégias de leitura da linguagem visual

Nesta aula, são trabalhadas as estratégias para a compreensão dos


aspectos visuais dispostos no infográfico. Semelhantemente à leitura
das informações verbais, o processo de leitura das informações visuais
envolve os domínios descritos por Paiva (2009) – apresentados no quadro
1, que mobilizam o processamento de imagens e a construção de sentidos.
As competências preconizadas pela BNCC que são foco desta aula são
apresentadas no Quadro 5.
Quadro 5 – Estratégias e procedimentos de leitura para conteúdo visual

Selecionar procedimentos de leitura adequados a diferentes objetivos e interesses, levando


em conta características do gênero;
Estabelecer expectativas, apoiando-se em seus conhecimentos prévios sobre gênero tex-
tual, suporte e universo temático, bem como sobre saliências textuais, recursos gráficos,
imagens, dados da própria obra, confirmando antecipações e inferências realizadas antes
e durante a leitura de textos;
Localizar/recuperar informação;
Inferir ou deduzir informações implícitas;
Identificar e analisar efeitos de sentido decorrentes de escolhas e formatação de imagens
(enquadramento, ângulo/vetor, cor, brilho, contraste).

Fonte: adaptado de Brasil (2018)

Inicialmente, o professor pode solicitar aos alunos que identifiquem


os aspectos visuais presentes no infográfico, bem como a função e a
contribuição de cada um desses elementos para os sentidos do texto. É
possível identificar os efeitos de sentido decorrentes da variação de fon-
tes, tamanhos e cores, bem como o uso do recurso “negrito”. A reflexão

110
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

sobre esses aspectos pode revelar aos estudantes as estratégias utilizadas


pelo autor do texto para destacar porções textuais consideradas, por ele,
como mais importantes e dignas de maior atenção. Um exemplo disso é
visto na seção “Qual é a eficácia no caso da Coronavac”, quando a por-
centagem “não significativa” (100%) é apresentada em uma fonte bem
pequena, enquanto os dados que demonstram a eficácia são apresentados
com a fonte em destaque, em um tamanho bem maior.
Na sequência, é possível trabalhar os sentidos gerados pelas três
figuras expostas no infográfico. Para entendê-las, o aluno precisará fazer
inferências, recorrendo ao conhecimento enciclopédico acerca do domínio
hospitalar (ativado pela referência ao procedimento de atendimento de
urgência a pacientes com Covid, incluindo sujeitos – médico, paciente
e socorrista [e o que permite reconhecer cada um] – e equipamentos
envolvidos – maca, equipamentos de proteção individual, soro injetável
etc.); dos sintomas da Covid (como febre e tosse, representadas tanto
pela cor avermelhada da testa do rapaz, quanto pelo “vento” que sai da
boca); e da proliferação do vírus (através da representação imagética do
vírus saindo da boca de uma pessoa).
Depois de gerar sentidos para as figuras, o professor pode auxiliar
os alunos na interpretação da informação dada através dos ícones huma-
nos junto à figura de seringas – expostos junto ao questionamento “o que
significam esses números”. Nesse momento, o professor pode mostrar
como essa representação ativa um modelo visual mental de pessoa huma-
na, por ter, minimamente, uma “cabeça” – representada pelo círculo na
parte superior, um tronco e duas pernas. Já o reconhecimento da seringa
vem por traços característicos também, como êmbolo, cilindro e agulha.
Com essas noções em mente, o aluno consegue inferir que a proximidade
entre a “pessoa” e a seringa faz referência à ação da injeção. Além disso,
também nota-se a diferença de cores no interior das seringas, fazendo
uma referência ao líquido contido nelas. Nesse ponto, já conseguimos
perceber que, para chegar a essas interpretações, o aluno ativa os pro-
cessos cognitivos descritos por Mayer (2005) – expostos na Figura 1, os
quais envolvem seleção, organização e integração dos aspectos visuais
[neste momento] ao conhecimento prévio.

111
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

As esferas inseridas ainda na seção “o que significam esses núme-


ros” representam os conjuntos dos voluntários, e estão interligadas entre
os números dos vacinados/não-vacinados e os resultados após os testes
por meio de conectores dispostos na vertical. Dentro de algumas esferas,
ainda há esferas menores que representam a proporção dos resultados.
Como o infográfico apresenta cálculos relativos à eficácia da vacina
Coronavac, identificamos representações matemáticas ao longo do texto.
Assim, caso o infográfico escolhido pelo professor também apresente
representações matemáticas, julgamos que seja significativa uma breve
revisão de conceitos matemáticos a fim de auxiliar alunos com dificuldade
nesse assunto. Caso o professor ministre outra disciplina (por exemplo,
português), é possível realizar um trabalho interdisciplinar juntamente
com um docente que ministre a disciplina de matemática. No caso do
infográfico adotado neste estudo, para a compreensão textual, os estu-
dantes precisam ter (ainda que minimamente) noções de porcentagem,
leitura de números com diferentes casas decimais, proporção, equações
e gráfico de barras.
Por fim, a disposição espacial das informações ao longo do infográ-
fico – que não deixa de ser um aspecto visual também – pode ser discutida
pelo professor juntamente com os alunos, para que estes informem se o
modo como as informações estão ordenadas pode ou não prejudicar a
compreensão do texto.

7.4.4 Aula 4: Estratégias de integração verbo-visual

O último domínio da leitura de um infográfico, apontado por


Paiva (2009), é a construção da integração entre as modalidades. Já no
processamento de textos multimodais descrito por Mayer (2005), esse
é o estágio em que o leitor integra o modelo de base verbal, o modelo
de base visual e o conhecimento prévio armazenado na memória. Como
os alunos já interpretaram as informações verbais e visuais nas aulas
anteriores, os conhecimentos gerados nessas aulas também já passam
a fazer parte do conhecimento prévio dos estudantes. Para trabalhar a

112
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

integração entre as modalidades expostas no infográfico, pautamo-nos


nas estratégias apresentadas no Quadro 6.
Quadro 6 – Estratégias e procedimentos de leitura para material multimodal

Selecionar procedimentos de leitura adequados a diferentes objetivos e interesses, levando


em conta características do gênero;
Estabelecer expectativas, apoiando-se em seus conhecimentos prévios sobre gênero tex-
tual, suporte e universo temático, bem como sobre saliências textuais, recursos gráficos,
imagens, dados da própria obra, confirmando antecipações e inferências realizadas antes
e durante a leitura de textos;
Localizar/recuperar informação;
Inferir ou deduzir informações implícitas;
Articular o verbal com outras linguagens – diagramas, ilustrações, fotografias, vídeos,
arquivos sonoros etc.

Fonte: adaptado de Brasil (2018)

Nessa aula, o professor pode solicitar aos estudantes uma nova lei-
tura do texto, agora levando em consideração os sentidos extraídos tanto
da informação verbal quanto das fontes visuais, objetivando relacionar
as diferentes modalidades.
Tomando como exemplo o infográfico exposto anteriormente,
nesse processo de integração, os estudantes podem relacionar a expressão
verbal “diferentes tipos de proteção” – destacada em negrito – com a des-
crição de cada tipo de proteção, bem como com as figuras representativas
dos males dos quais se quer proteger a sociedade. O estudante também
pode integrar as informações verbais referentes à eficácia da Coronavac
com a variação de cores – as quais representam cada tipo de eficácia,
bem como com as porcentagens apresentadas abaixo dessas informações.
Esse destaque de informações com cores variadas também aparece em
outras porções textuais do infográfico.
Outra parte do infográfico que mostra nitidamente a integração en-
tre informação verbal e visual são as duas caixas de texto inseridas abaixo

113
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

do questionamento “o que significam esses números”. Para diferenciar os


dois grupos de voluntários, há a disposição da informação verbal sobre
cada grupo seguida da figura de uma seringa contendo líquidos de cores
diferentes. Integrando essas informações, o leitor consegue compreen-
der que a vacina é representada pela cor lilás e o placebo é identificado
pela cor cinza. A partir daí, cada vez que a figura da seringa surge outra
vez, agora acompanhada de novas informações (a exemplo de dados
numéricos), o aluno já sabe reconhecer o significado dessa relação entre
seringa, cor e grupo de voluntários.
Ao final de todo o processo de integração entre informações ver-
bais e visuais, juntamente com as inferências realizadas e a ativação do
conhecimento prévio, os objetivos pretendidos para a compreensão são:

• Identificar a posição argumentativa defendida no texto – a Coronavac é


segura;
• Reconhecer como o escritor do texto articula as informações verbais e
visuais para que o leitor, ao perceber a importância da vacinação em massa,
não tenha mais preocupações com a eficácia da vacina;
• Chegue à conclusão dada pelo texto: a vacina é segura e eficaz.

7.4.5 Aula 5: aplicação das estratégias e verificação de compre-


ensão leitora

Após o trabalho de desenvolvimento de estratégias de leitura de


textos multimodais – em especial, do infográfico –, chegou a hora de
verificar a compreensão leitora dos alunos. Para isso, sugerimos que o
professor utilize testes de compreensão, a exemplo do questionário de
interpretação. Esse instrumento pode ser composto por perguntas de
múltipla escolha, como também questões discursivas relativas a infor-
mações expostas no infográfico por meio verbal e visual. Sugerimos que,
na elaboração das perguntas, o professor se oriente pelas competências
estabelecidas pela BNCC, dispostas no Quadro 2.
O professor repassa aos alunos um novo infográfico (similar ao que
foi trabalhado nas etapas anteriores) e relembra com eles, rapidamente, a

114
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

rota de leitura – aspectos verbais > aspectos visuais > integração verbo-
visual. Em seguida, repassa o questionário para que os estudantes, ao
final da leitura do texto, respondam às questões. Vale salientar que essa
atividade pode ser realizada em sala (individualmente ou em grupos),
como também pode ser atribuída como atividade extraclasse.
Ao final dessa tarefa, o professor poderá verificar (a partir do resul-
tado individual ou dos grupos) se houve a compreensão das informações
dispostas no infográfico ou se os estudantes ainda tiveram dificuldade
para dominar alguma(s) habilidade(s).

115
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

A IMPORTÂNCIA DA LEITURA NA APLICAÇÃO


PEDAGÓGICA DA NARRATIVA TRANSMÍDIA NO ENSINO
FUNDAMENTAL

Ana Lúcia Tinoco Cabral


Barbara Falcão
(USP)

8.1 Introdução

Assumimos que a leitura e a escrita mantêm entre si uma forte rela-


ção e buscamos evidenciar como as atividades de leitura podem refletir-se
na produção escrita. Não há dúvida da participação da leitura nas práticas
de escrita, pois toda escrita inclui a leitura, leitura da proposta, leitura
do texto em produção, leitura de outros textos que sedimentam conhe-
cimentos prévios fundamentais para a escrita, somente para mencionar
alguns exemplos. Este relato traz uma pesquisa que contemplou práticas
de escrita e tem por objetivo evidenciar a importância da leitura para a
construção de conhecimentos basilares para a produção escrita. Verifi-
camos especificamente como a leitura de contos e minicontos revelou-se
uma prática fundamental para a produção de narrativas transmídia.
O ensino sobre as novas mídias é preconizado pela Base Nacional
Comum Curricular (BNCC), indicando que esses conhecimentos são
considerados essenciais para a plena cidadania do século XXI. A pre-
sença cada vez maior das tecnologias de informação e comunicação em

117
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

todos os âmbitos de nossas vidas alterou significativamente as práticas


de leitura e escrita. A pergunta constante é: como podemos integrar, de
modo significativo, o ensino sobre as novas tecnologias digitais ao ensino
de língua portuguesa? Como coordenar atividades de leitura e escrita
com o ensino sobre as mídias digitais? Para responder a essas questões,
propomos o uso pedagógico da narrativa transmídia (NT).
A NT é uma história na qual cada parte é contada em uma mídia
diferente (JENKINS, 2009). Ressaltamos que não se trata de “adaptar”
uma narrativa para uma mídia diferente, como o que costumamos ver
com livros que são adaptados para sua versão em filmes, por exemplo,
mas recorrer a mídias diferentes para que cada mídia conte uma parte
diferente da história. O conjunto delas compõe o todo da narrativa.
A NT apresenta um grande potencial para o trabalho com o ensi-
no de língua portuguesa; neste capítulo, apresentamos um conjunto de
atividades para composição da estrutura de uma NT para ser usada em
diferentes contextos e variados temas no ensino de língua portuguesa,
com vistas à formação de cidadãos críticos, visando: identificar os ele-
mentos narrativos que compõem uma NT para usá-la como instrumento
pedagógico; desenvolver e aplicar atividades para a produção de uma
NT coletiva; e analisar o processo e o produto final da NT produzida
pelos estudantes.
A apreensão dos elementos que compõem uma NT, o que inclui, por
consequência, os componentes da estrutura narrativa, diz respeito sobretudo
a atividades de leitura que ampliem os conhecimentos dos estudantes relati-
vamente a esquemas textuais, ou seja, conhecimentos relativos a estruturas
gerais e convenções observados na construção de tipos específicos de textos
(COIRIER; GAONAC’H; PASSERAULT, 1996).

8.2 Notas metodológicas

O desenvolvimento das atividades segue a metodologia da


pesquisa-ação, fundamentada pela pesquisa bibliográfica realizada
previamente. Participaram da pesquisa quatro turmas de 9o ano de uma

118
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

escola pública municipal da periferia da capital paulista, localizada entre


dois bairros considerados de alta vulnerabilidade social, de acordo com
os dados da Mapa da Desigualdade de São Paulo (2020): Guaianazes e
Cidade Tiradentes.
Cada turma de 9o ano produziu coletiva e colaborativamente uma
NT sobre o tema “Gravidez na Adolescência”, usando quatro mídias
e gêneros discursivos diferentes, que juntos configuraram a NT: um
miniconto, uma conversa de WhatsApp, um vídeo e uma história em
quadrinhos, publicados, posteriormente, em um site da internet.
Apresentamos a ação pedagógica realizada na turma A, composta
de 25 estudantes, com idades entre 14-15 anos, apresentando equilíbrio
entre estudantes do gênero masculino e feminino. Durante o segundo
semestre do ano letivo de 2019, os estudantes produziram sua narra-
tiva transmídia autoral nas aulas de língua portuguesa, com algumas
atividades realizadas nas aulas de leitura e artes, totalizando 37 aulas
nos dois últimos bimestres. Expomos no quadro a seguir as atividades
que compuseram a aplicação pedagógica da narrativa transmídia, com
o respectivo número de aulas.
Quadro 1 – Atividades realizadas com número de aulas

Atividade Aulas
Apresentação do projeto e escolha do tema 3
Leitura e análise de contos 5
Leitura, análise e escrita de minicontos 3
Leitura e escolha do miniconto 2
Definição coletiva do enredo, debate e leitura 6
Definição de grupos e funções 1
Produção conversa WhatsApp 1
Leitura e escrita de roteiro audiovisual 2
Gravação e edição do vídeo 3
Produção HQ 8
Publicação do produto final, avaliação e ajustes 2
Autoavaliação 1

Fonte: As autoras (2021)

119
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

A proposta de trabalho foi bastante ampla (Quadro 1) e, embora o


objetivo da proposta tenha sido a produção de uma NT, englobou diversas
atividades de leitura. Apresentamos, no presente relato, três atividades
de leitura que configuram os conhecimentos fundamentais de base para
a criação coletiva da NT: a leitura de contos, de minicontos e de gêneros
diversos sobre temas correlatos ao tema principal.

8.3 Leitura de contos

Primeiramente, apresentamos aos estudantes o conceito de NT


proposto por Jenkins (2009), além de explicar que seria necessário apro-
fundar o estudo sobre as partes que compõem uma história e apresentar
as mídias e gêneros discursivos que seriam utilizados.
Após a apresentação da proposta, os estudantes realizaram a primei-
ra atividade de leitura, fundamental para a posterior criação e produção
da NT. Realizamos a leitura coletiva de dois contos presentes no material
didático dos estudantes, chamado Caderno da Cidade (2019), fornecido
pela prefeitura: “Plano Digital” (p. 68), de Bruno Miranda, e “Como tudo
começou: a história de Sherazade” (p. 84), uma adaptação de Paulo Sérgio
de Vasconcellos da famosa “História das Mil e uma Noites”.
O gênero literário conto foi abordado por apresentar a estrutura
composicional completa de um texto considerado narrativo, apresentando
todas as partes constitutivas de uma narração, segundo Adam (2019), as
macroproposições do protótipo narrativo (Quadro 2).
Quadro 2 – Macroproposições do protótipo narrativo

Situação Inicial Nó Desfecho/ Resolução Situação Final

Fonte: Adam (2019)

A leitura desses dois contos permitiu que os estudantes analisas-


sem como essas macroproposições são estabelecidas por meio da ação
do texto narrativo, constituindo o enredo. Essa atividade de leitura, do

120
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

mesmo modo, ofereceu fundamentos para a elaboração do plano de texto


da NT, já que cada uma das macroproposições correspondeu a um dos
textos que compuseram a NT (Quadro 3).
Quadro 3 – Macroproposições em relação aos textos produzidos

Desfecho/
Situação Inicial Nó Situação Final
Resolução
Conversa de História em
Miniconto WhatsApp Vídeo quadrinhos

Fonte: Adam (2019), adaptado pelas autoras

A leitura de contos e minicontos possibilitou aos estudantes a


compreensão de constituintes importantes a serem identificados em
uma narrativa, conforme Adam (2019). Eles são seis, a saber: sucessão
de eventos; unidade temática; transformação dos predicados; processo;
causalidade narrativa de um conflito; e avaliação final. A leitura de contos
propiciou igualmente que os estudantes compreendessem que uma nar-
rativa envolve personagens com suas intenções, ações para se atingirem
objetivos ou solucionar intrigas, resolução de problemas, relações de
causa e consequência, intrigas. Todos esses elementos se dão em deter-
minada sequência temporal na qual os fatos se relacionam entre si e com
os personagens (CABRAL, 2015). Essa autora ressalta a importância do
conflito como elemento sem o qual a narrativa perde seu impacto e tem
seu desenvolvimento prejudicado. O conflito constitui, como explicam
Coirier, Gaonac’h e Passerault (1996), um acontecimento negativo que
desencadeia uma complicação para determinado personagem ou para a
história como um todo, relacionado aos personagens. A compreensão
desses componentes e sua inter-relação foi fundamental para a distribui-
ção das partes da narrativa nas diversas mídias. As atividades de leitura
de contos e minicontos foram, pois, decisivas para a construção dos co-
nhecimentos relativos à narrativa, para o planejamento das partes da NT
produzida e para a compreensão das funções de cada um dos elementos
da narrativa para a unidade desta.

121
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

8.4 Leitura de minicontos

Seguidamente à leitura e ao estudo do plano de texto dos dois


contos, foram lidos três minicontos: “Maioridade” (p. 78), “Pedido Ir-
recusável” e “Boas Vindas” (p.80), de Rodrigo Ciríaco (2014), também
presentes no Caderno da Cidade (2019). Além de o gênero miniconto
também ser um texto narrativo, é possível expandi-lo em outros textos,
devido a sua característica de brevidade e concisão, propiciando que a
intriga apresentada seja expandida nos outros textos que compõem a
narrativa transmídia. Essa peculiaridade foi decisiva em nossa decisão
de escolha pelo gênero miniconto para a apresentação da situação ini-
cial. O Quadro 4 apresenta um dos minicontos lidos e explorados com
os estudantes.
Quadro 4 – Miniconto Maioridade

Maioridade
Peste! Já chega! Vou convocar seus pais agora.
Então, chama. Pode chamar, prussora. Desde que nasci num sei nada sobre eles…

CIRÍACO, Rodrigo. Maioridade. In: RUFFATO, Luis; SANTOS, José (org.). Partículas
Subatômicas. São Paulo: O Fiel Carteiro, 2015.

Fonte:

O miniconto “Maioridade” apresenta uma situação de sala de


aula, reconhecível pela presença de uma “prussora”, no diálogo entre
os dois personagens. O diálogo permite compor, por inferência, a
narrativa completa, desde a situação inicial, na sala de aula, em que
há, em princípio, tranquilidade. O aluno insubordinado quebra essa
tranquilidade, irritando a professora. Diante dessa situação de conflito,
a professora age, chamando o aluno de “peste” e ameaçando chamar os
pais à escola. Como reação, o estudante não se intimida com a chamada
da professora e retruca dizendo que pode convocá-los, e acrescenta que
“Desde que nasci num sei nada sobre eles…”, o que permite inferir
que o estudante foi abandonado pelos pais ao nascer. É possível ainda

122
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

inferir que o estudante vive uma situação de vulnerabilidade, pela


ausência parental.
Podemos observar que o miniconto traz os elementos da estrutura
narrativa, deixando, no entanto, o desfecho aberto, ou seja, o desfecho
apresentado propõe um novo conflito para a professora diante da resposta
desconcertante do aluno. Tem-se a impressão de que o miniconto pode
continuar, cada leitor pode imaginar um desfecho.
Essa atividade de leitura não apenas forneceu modelos para a
produção textual posterior, mas também permitiu o estudo do estilo,
além da forma composicional do gênero. Assim, foram trabalhados com
os estudantes, de forma significativa, questões linguísticas referentes a
discurso direto e indireto, vocativo, pontuação. Relacionamos, também,
a concisão dos minicontos com problemas de repetições e redundâncias,
comuns nos textos discentes, ao mostrar, por meio da leitura e análise
dos minicontos, como as escolhas lexicais auxiliam para que o texto seja
informativo e sucinto.
Anteriormente à proposta de escrita dos minicontos, foram lidos
dois textos sobre contraceptivos. A orientação dada aos estudantes foi
que a atividade oferecia informações importantes sobre o tema, e esses
conhecimentos eram fundamentais para ajudá-los a criar suas narrativas
sobre gravidez na adolescência, ao auxiliar o processo criativo e o pla-
nejamento e distribuição dos momentos nas diversas mídias.

8.5 Escolha do miniconto

Após a escrita dos minicontos, foi realizada a escolha de qual dos 23


minicontos produzidos comporia a NT e seria publicado no site junto aos
outros textos. O miniconto foi escolhido por meio de uma votação feita
pelos alunos da turma e envolveu uma atividade diferenciada de leitura.
Cada um dos minicontos produzidos pelos estudantes foi lido por
nós para toda a turma, sem identificação de autoria, para não influenciar
na escolha nem expor os estudantes. Essa estratégia surtiu efeito por pouco
tempo, uma vez que os estudantes se empolgaram com a leitura: alguns

123
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

se identificaram como autores do texto que estava sendo lido e outros


votaram no próprio texto. Apesar dessa necessidade de identificação
dos minicontos pelos estudantes ir de encontro ao que planejamos, ela
demonstra como eles se envolveram e se engajaram na proposta.
Todos escutaram com muita atenção os textos produzidos pela
turma e anotaram o título do que mais gostaram para votar no fim da
leitura. Alguns, depois de finalizada a leitura e a votação, vieram até
nós perguntar como poderiam melhorar o texto que escreveram, pois
notaram, durante a leitura feita, elementos na sua escrita que gostariam
de aprimorar. A leitura dos textos discentes, atividade diferenciada
das propostas de leitura “tradicionais” em sala de aula, uma vez que
os estudantes escutaram seus próprios textos sendo lidos, em voz alta,
para a turma, propiciou, também, que eles analisassem suas produções
e refletissem sobre sua escrita de forma mais crítica.

8.6 Enredo

A criação coletiva do enredo aconteceu após a eleição na qual


os estudantes escolheram qual miniconto integraria a NT. Ressaltamos
que, inclusive, conforme já expusemos anteriormente, essa eleição contou
com uma atividade de leitura que se mostrou também muito produtiva:
a leitura coletiva dos minicontos produzidos por eles para a realização
da votação. Essa atividade os motivou a revisarem, por conta própria,
suas produções escritas e buscarem orientações sobre como realizar essa
reescrita.
Com base no miniconto mais votado, que retratava um estupro
que resultou em uma adolescente grávida, e na discussão inicial feita em
sala para a concepção do enredo, consideramos a leitura de textos sobre
violência sexual, para ampliar as vozes sociais presentes nos discursos
dos estudantes. Lemos a reportagem “Como silenciamos o estupro”, da
Revista Superinteressante1.

1 Disponível em: https://super.abril.com.br/comportamento/como-silenciamos-o-estupro/. Acesso


em: 25 ago. 2019.

124
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Essa leitura, aliada às discussões feitas em sala para a escrita


coletiva do roteiro, permitiu que os estudantes pudessem analisar cri-
ticamente suas posições em relação ao tema. Como deveriam explicar
por que defendiam determinado desdobramento do enredo, os estudantes
se posicionavam e reviam esses posicionamentos após a leitura. Muitos
estudantes do gênero masculino, por exemplo, defendiam que a prota-
gonista deveria usar a gravidez para chantagear o estuprador, posição
abandonada após as discussões feitas a partir da leitura da reportagem.

8.7 Leitura de roteiro audiovisual

Para a gravação do vídeo, trabalhamos o gênero “roteiro audio-


visual” com os estudantes, a fim de que eles se apropriassem de todo o
processo de produção de um texto audiovisual.
Lemos coletivamente a primeira cena do roteiro do filme nacional
Cidade de Deus2, analisando os elementos composicionais do gênero,
como rubricas, cabeçalho, ação e personagens. Posteriormente à leitura,
assistimos à mesma cena na obra audiovisual, comparando o que foi
gravado com o texto presente no roteiro.
Essa comparação se revelou muito produtiva em vários aspectos,
pois, além de fornecer modelos para os estudantes escreverem seus
roteiros, essa atividade permitiu: (1) identificar as razões da forma com-
posicional do gênero (indicação de cena no cabeçalho, destaque para a
fala da personagem, etc.); (2) realizar uma leitura mais aprofundada dos
elementos multimodais do filme, como efeitos de sentido configurados
na edição e montagem da cena; (3) observar com bastante clareza que,
apesar de o roteiro ser um guia para a gravação, há diferenças e adapta-
ções realizadas no filme.
Consideramos relevante destacar como a proposta de produção do
vídeo englobou atividades de leitura que abrangeram não apenas o texto
verbal, mas também a leitura do texto audiovisual e de seus elementos

2 Disponível em: http://www.roteirodecinema.com.br/banco/cidadededeus12.pdf. Acesso em:


18 jun. 2021.

125
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

multimodais. As análises realizadas com os estudantes permitiram o


estudo dos elementos linguístico-textuais do texto verbal, como o uso de
variantes linguísticas nos diálogos, a descrição prévia do cenário como
as indicações de ambiente externo e interno e mesmo algumas indicações
de edição, como corte rápido ou fade. Assim também observamos o texto
audiovisual, no qual analisamos esses cortes na edição, verificando os
sentidos estabelecidos pela sequência de imagens, como na famosa cena
do filme Cidade de Deus, em que há cortes rápidos entre a imagem de
uma faca sendo afiada e de uma galinha, sugerindo que o animal seria
morto por essa faca, explicitando os efeitos semânticos criados pela
estrutura sintagmática também no texto multimodal.

8.8 Considerações finais

As atividades de leitura de contos e minicontos foram decisivas


para a construção dos conhecimentos relativos à narrativa, para o plane-
jamento das partes da NT produzida e para a compreensão das funções
de cada um dos elementos da narrativa para a unidade desta.
As análises das discussões feitas em sala e do produto final, dis-
ponível no link https://tinyurl.com/pxzbdaa8, apontam que os estudantes
não somente se apropriaram do conhecimento textual-linguístico, mas
também foram protagonistas de seu aprendizado, por meio da participação
ativa que a aplicação pedagógica da NT proporcionou. Os estudantes
pautaram os temas das leituras feitas em sala e criaram uma narrativa
autoral na qual estão refletidos os problemas sociais que os preocupam
e seus posicionamentos críticos em relação a esses problemas.
As atividades de leitura e de escrita realizadas no desenvolvimento
da pesquisa possibilitaram aos estudantes uma experiência na qual o texto
foi compreendido como um evento de linguagem em uso (COIRIER;
GAONAC’H; PASSERAULT, 1996), inserido na realidade vivida. Além
disso, os estudantes puderam viver uma experiência de escrita voltada
para um leitor real, aquele que visitará o site em que se encontra a NT
produzida por eles. Podemos afirmar que eles puderam incluir o leitor

126
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

em seus textos, quando o consideraram no momento de avaliação de


suas produções. A escrita foi compreendida como uma atividade autoral
e social, voltada para o leitor, e, portanto, também interacional; um pro-
cesso de escolhas, combinação e organização de elementos linguísticos
e multimodais, visando à construção de um todo dotado de sentido (CA-
BRAL, 2016); um processo altamente dependente de ações de leitura.
Consideramos que o uso da NT propiciou aos estudantes se engaja-
rem em propostas de leitura, que foram fundamentais para o desenvolvi-
mento das produções textuais. Essas atividades não somente embasaram
sua produção autoral, como também ampliaram seus discursos em relação
a temas que eles consideram importantes.
Para concluir, frisamos a abrangência da proposta, que coordena
e inclui a leitura e produção de diferentes textos e pode ser adaptada,
inclusive para o ensino remoto, como o contexto pelo qual passamos com
a pandemia. A proposta pode, do mesmo modo, ser adaptada a situações
na qual não haja acesso ou haja acesso restrito às mídias digitais, uma
vez que ela possibilita englobar diferentes gêneros discursivos e mídias,
digitais e impressas.

127
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

O booktube na sala de aula:


as resenhas literárias multimodais e a
formação do leitor crítico

Isabela Silva de Oliveira


Paulo Roberto Gonçalves-Segundo
(USP)

9.1 Introdução

Como vimos no capítulo 2, o Instituto Pró-Livro realizou, em 2020,


a 5ª edição da pesquisa “Retratos da Literatura no Brasil”, com o objetivo
de “conhecer o comportamento do leitor” e “identificar os hábitos dos
brasileiros especificamente em relação à Literatura” (INSTITUTO PRÓ-
LIVRO, 2020, p. 6). Para a realização da pesquisa, foi considerado leitor
“aquele que leu, inteiro ou em partes, pelo menos 1 livro nos últimos
3 meses” e estimou-se que, em 2019, 52% dos brasileiros podiam ser
considerados leitores. Entre os leitores entrevistados, o Instituto revelou
uma média de 2,04 livros inteiros lidos nos últimos 3 meses.
Quando perguntados sobre o que faziam no seu tempo livre, a
pesquisa revelou que 75% dos leitores entrevistados citaram o uso da
internet, enquanto 40% citaram ler livros físicos ou digitais. Além disso,
também indicou um decréscimo na frequência de leitura geral, espe-
cialmente em livros de literatura lidos por vontade própria e em livros
didáticos indicados pela escola.

129
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Vamos imaginar o cenário a seguir. Se fizermos as seguintes per-


guntas a uma turma entre o 5° ano do Ensino Fundamental e o 3° ano
do Ensino Médio – “quantos livros vocês leram nos últimos meses?”
e “quantos vídeos no YouTube vocês assistem por dia/semana?” –, o
quão díspar seria a resposta para cada uma delas? A pesquisa “Retratos
da Literatura” (INSTITUTO PRÓ-LIVRO, 2020, p. 49-50) mostra que,
na faixa etária de 11 a 13 anos, 24% dos entrevistados leem livros de
literatura por vontade própria uma vez por semana, enquanto apenas 22%
relatam fazer o mesmo na faixa etária de 14 a 17 anos. Quando falamos
de livros de literatura indicados pela escola, 24% dos entrevistados entre
11 e 13 anos e 31% dos entrevistados entre 14 e 17 anos relatam não ler.
Apesar de esses índices estarem longe de serem o que nós, educa-
dores, desejamos, ou de estarem perto da realidade que encontramos em
algumas comunidades escolares, é importante lembrar que, no mundo
digital, esse não é o único tipo de leitura e interpretação que precisamos
fazer e, portanto, não deveria ser o único tipo de leitura a ser estudado. A
escola é quem deve fazer o papel de inserção crítica do aluno nas práticas
digitais e no desenvolvimento de competência para a leitura e produção
de textos multimodais em seus aspectos técnicos e estéticos. Na escola,
podemos reconstruir uma visão já consolidada de uma determinada
prática discursiva, ao mesmo tempo que mostramos e discutimos outras
práticas, talvez desconhecidas pelo aluno.
Na Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017, p. 157), as
habilidades EF69LP45 e EF69LP46 de Língua Portuguesa descrevem que
os alunos devem ser capazes de se posicionar criticamente em relação a
diversos gêneros, entre eles, a resenha crítica e o comentário em vlogs, e
utilizar essas informações para selecionar obras literárias e outras mani-
festações artísticas, além de participar de práticas de compartilhamento
e avaliação da experiência de leitura por meio de, entre outros exemplos,
canais de booktubers, rodas de leitura e resenhas. Para que o direito
do aluno de opinar, avaliar e se manifestar a partir dessas práticas seja
estimulado, exercitado, exercido e transposto, posteriormente, a outras
práticas da vida, é importante trabalhar habilidades relacionadas tanto
ao letramento digital quanto ao letramento multimodal.

130
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Neste capítulo, discutimos formas de trabalho que articulam a lei-


tura literária e a leitura e a produção de textos multimodais para alunos
dos últimos anos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. Para isso,
tomamos como objeto as comunidades digitais conhecidas como booktu-
bes e um de seus principais gêneros: a resenha literária multimodal1.

9.2 Apresentar: o que é o booktube

A expressão booktube – resultante da composição entre book


(livro) e tube (de YouTube) – designa o nicho literário da plataforma
de vídeos YouTube, uma comunidade de canais e de pessoas que não
só consomem literatura, como também interagem com outros leitores (e
possíveis leitores) antes, durante e depois da leitura. Para Jeffman (2017,
p. 187), um canal dentro da comunidade booktube é “um espaço no qual
o diálogo é norteado pelas leituras realizadas, autores preferidos, eventos
literários frequentados, pelas reflexões que o contato com a literatura
oferta, entre outras possibilidades relacionadas ao consumo cultural”.
É importante notar, portanto, que nem todo vídeo que fala sobre livros
e literatura integra o booktube. Para um canal ser parte desse nicho, é
necessário conteúdo regular sobre a cultura literária. Alguns dos canais
brasileiros que integram o booktube são: Redatora de M*%$#, comanda-
do por Adriana Cecchi; Um Bookaholic, apresentado por Alec Costa; Ju
Cirqueira, nome também da protagonista do canal; PAM GONÇALVES,
da apresentadora Pâmela Gonçalves; e Geek Freak, canal comandado
por Victor Almeida.
Nos canais do booktube, podemos encontrar vídeos de distintos
gêneros discursivos. Jeffman (2017, p. 45) destaca mais de uma dezena de
possibilidades, dentre as quais destacamos: (i) os vídeos de atualização,
1 Essa discussão consiste em um recorte da Iniciação Científica desenvolvida na Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo por Isabela Silva de
Oliveira, com orientação do Prof. Dr. Paulo Roberto Gonçalves-Segundo. A pesquisa resultou
na criação de uma sequência didática de 15 aulas, voltada aos alunos do 9° ano do Ensino
Fundamental, que pode ser encontrada em https://sites.google.com/usp.br/sequenciadidatica-
booktube/. Tal sequência didática tem por objetivo a discussão crítica sobre o booktube e as
resenhas literárias multimodais, abrangendo desde a compreensão da prática social, da prática
discursiva e do gênero até a leitura e produção de textos multimodais.

131
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

nos quais os booktubers mostram para seus seguidores livros adquiridos e


recebidos naquele mês, além de arrolar as leituras realizadas no período;
(ii) os projetos de leitura, nos quais os booktubers relatam a evolução de
uma sequência de leituras combinadas previamente com os seguidores
e/ou com outros criadores de conteúdo; e (iii) as resenhas literárias, nas
quais discutem, avaliam e recomendam determinadas obras literárias.
Nas próximas seções, debateremos com mais detalhamento essa última
categoria.

9.3 Conhecer: o booktuber e a relevância do booktuber no


mercado editorial brasileiro

Nos últimos anos, a internet foi tomada pelos influenciadores digi-


tais, os formadores de opinião das redes sociais. Duncan e Hays (2008)
afirmam que os influenciadores digitais constroem vínculos significativos
com sua audiência, sendo capazes de moldar comportamentos dentro e
fora da internet, além de atuarem como porta-vozes das marcas que os
apoiam, criando e distribuindo conteúdo para promovê-las.
A contratação dos influenciadores para promoção de marcas
cresceu em diversos mercados, como os de moda e maquiagem, e com
o ramo editorial não foi diferente. As editoras e autores independentes
passaram a contratar booktubers para a produção de resenhas literárias
para promover seus produtos com base na capacidade de engajamento
e na credibilidade do produtor de conteúdo, o que consiste em uma das
variantes da estratégia de marketing conhecida como publieditorial.
Para Jeffman (2017, p. 110), os booktubers “revelam-se como
novos intermediários culturais, vasculhando a cultura literária a fim de
produzir novos bens simbólicos, reinterpretando seus usos”. Segundo
a autora, para a maioria dos leitores que acompanham os booktubers
e suas redes sociais, especialmente o YouTube, esses influenciadores
atuam como “uma ponte entre os leitores, o mercado editorial e a cultura
literária, propondo questionamentos e desmistificando um campo que foi
caracterizado como algo alcançável e discernível apenas para o ‘leitor
de alta literatura’”.

132
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

A redação da revista Carta Capital, em artigo de 20152 sobre


o booktube, afirma que “muitas editoras começaram a trabalhar
com blogueiros ou booktubers da mesma forma que colaboram com
jornalistas profissionais especializados em literatura”, uma vez que
os booktubers vêm conseguindo atingir substancialmente o público
entre 18 e 34 anos, impulsionando vendas, especialmente nos gêneros
mais populares entre adolescentes e jovens adultos, como fantasia
e romances ilustrados.
Se observamos alguns canais do booktube no Brasil como o PAM
GONÇALVES, o Literature-se, e o tatianagfeltrin, podemos atestar que
o número de inscritos varia entre 150 e 480 mil. Apesar de não terem
os mais de 40 milhões de inscritos de canais como os do Whindersson
Nunes ou Felipe Neto, o nível de influência de booktubers é suficiente
para movimentar o mercado editorial.
A editora do selo Galera (Record), Ana Lima, ratifica esse efeito
em entrevista para reportagem do G13: “temos um case bom, de uns
dois anos atrás. A [booktuber] Bel Rodrigues fez um programa inteiro
falando sobre Anne Frank, e isso interferiu demais na venda de ‘O diário
de Anne Frank’. Voltou pra lista de mais vendidos e ficou um tempão
lá.” A editora também afirma que, sem dúvida, no segmento infanto-
juvenil, como é o caso do selo Galera, um vídeo de um booktuber tem
uma influência muito maior do que uma crítica literária especializada.
Recentemente, a booktuber Pâm Gonçalves mostrou como um vídeo
pode impactar o caminho de uma obra. Em maio de 2020, a booktuber
fez um vídeo sobre o livro Flores para Algernon, publicado pela pri-
meira vez em 1959, expondo sua experiência transformadora e toda a
emoção sentida com o livro. Após o vídeo, o livro já apareceu cinco
vezes na lista de mais vendidos da revista Veja (nunca tendo estado
na lista anteriormente ao vídeo) e teve uma recolocação no mercado,
passando por duas reimpressões.

2 Fonte: https://www.cartacapital.com.br/cultura/como-os-booktubers-estao-mudando-o-
mercado-literario-4062/. Acesso em: 01 ago. 2021.
3 Fonte: https://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2018/10/01/booktubers-sao-os-novos-criticos-
literarios-jabazeiros-ou-so-youtubers-que-falam-de-livros.ghtml. Acesso em: 01 ago. 2021.

133
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

9.4 Estudar: o gênero discursivo “resenha literária multimodal”


no booktube

Nosso foco, neste capítulo, é abordar um gênero discursivo espe-


cífico dentro do booktube, a resenha literária multimodal, que constitui
uma prática discursiva resultante da apreciação do booktuber sobre sua
experiência de leitura de uma dada obra.
Em geral, as obras a serem resenhadas são selecionadas com base
em gosto pessoal, relevância da obra na cultura pop ou no cânone literário,
enquete com os espectadores ou indicação de outros booktubers. Além
disso, muitas resenhas literárias digitais são publieditoriais, conforme
mencionamos na seção anterior. Nesses casos, o espectador é avisado com
a hashtag #publi ou #publieditorial no título ou na descrição do vídeo.
Partindo da concepção bakhtiniana de gênero discursivo
(BAKHTIN, 2016 [1952-53]), depreendemos que as resenhas literárias
multimodais do booktube se organizam, em termos composicionais, em
apresentação, experienciação e divulgação, nas quais se abordam, respec-
tivamente, o livro, a leitura e o canal em si. Na sequência, discutiremos tal
estrutura a partir de excertos dos vídeos “A Menina da Montanha (Edu-
cated – A Memoir) | Tara Westover” do canal tatianagfeltin4 e “NOAH
2 (Leandro Pileggi) e outros THRILLERS COM DESGRAÇAMENTO”
do canal Redatora de 3 M*%$#5.
A primeira etapa estrutural é a apresentação, que se divide em
apresentação do livro, resumo do livro, pontos interessantes e mensagem
do livro. Em geral, ela é construída no início ou no meio do vídeo e busca
despertar o interesse do leitor, evitando spoilers, ou seja, procurando
não revelar ao espectador partes relevantes, surpresas ou a resolução da
narrativa.

4 Referido no texto como vídeo 1. Disponível em: https://youtu.be/JD6CmwnP3rw?list=PLSiK


Z4Md5GdNfpCKswpXsW-rPU8K-iulr. Acesso em: Trata-se de vídeo publicado sob a licença
padrão do YouTube. As transcrições dos excertos foram produzidas pelos autores deste capítulo.
5 Referido no texto como vídeo 2. Disponível em: https://youtu.be/PqlE41ChjPs?list=PLSiKZ
4Md5GdNfpCKswpXsW-rPU8K-iulr. Acesso em: Trata-se de vídeo publicado sob a licença
padrão do YouTube. As transcrições dos excertos foram produzidas pelos autores deste capítulo.

134
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Na apresentação do livro, os booktubers apresentam informações


como título, autor, editora e coleção, além da indicação de “publiedito-
rial”, se for o caso. Também se pode comentar sobre a materialidade da
obra como capa, encadernação e edição. Os trechos do vídeo 2 transcri-
tos a seguir apresentam características como natureza do vídeo (pago),
título e autor 6.

vídeo 2: “oi oi eu/sou a/Adriana do Redatora de Merda hoje eu


vou falar sobre Noah do Leandro Pileggi… antes de mais nada
eu gostaria de agradecer ao autor pelo convite oportunidade
de leitura E pela confiança no meu trabalho…”

Em resumo do livro, o booktuber sintetiza brevemente a obra,


expondo os pontos principais da narrativa sem spoilers. Observemos, no
vídeo 1, um breve segmento tópico no qual a booktuber resume o livro.

vídeo 1: “então a primeira coisa que passa pela nossa cabeça


quando a gente lê um blurb desse… é que AH ok esse aqui é
um livro então que vai contar pra gente uma história de supe-
ração… uma pessoa que nunca estudou de repente né começa
a ir pra escola aos 17 Anos de repente tem o doutorado em
CAMbridge… aliás de repente não gente desculpa né isso aqui
demandou TEMpo dedicaÇÃO muito esforço”

Em pontos interessantes, é comum que os booktubers exponham


suas opiniões sobre personagens e pontos do enredo que mais chamaram
sua atenção. Esse segmento pode ocorrer tanto nos primeiros quanto nos
momentos finais do vídeo, muitas vezes sendo reiterado ao longo da
resenha. O trecho do vídeo 2 traz um exemplo:

vídeo 2: “em determinado momento ele começa a/abrir os pen-


samentos e reflexões o que traz uma conexão COM a gente e
com outros momentos do livro… a construção dessa narrativa
6 A transcrição do texto oral segue, com adaptações pontuais, as normas do projeto NURC
(PRETI, 1999). Não se usa pontuação convencional. Pausas são indicadas por reticências;
maiúsculas indicam ênfase; barras laterais (/) indicam truncamentos; dois-pontos (:) sinalizam
alongamento silábico.

135
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

é bem bacana porque TOdas as peças elas vão se encaixando


PÁgina por PÁgina… funciona como um quebra-cabeça mes-
mo e falar qualquer coisa mais do que isso vai que? estragar
sua experiência de leitura…”

A última subparte da apresentação é a mensagem do livro, etapa


que apresenta a maior mobilidade dentro do gênero. Sua posição parece
diferir a depender do booktuber e do gênero da obra. Por exemplo, obras
de horror ou suspense parecem trazer essa subcategoria para o início do
vídeo, enquanto obras dramáticas parecem empurrar essa subcategoria
para o final. Esse recurso é aparentemente utilizado para captação do
leitor, ativando o desejo de leitura ao resumir os sentimentos aflorados
pela narrativa, ao debater as possíveis intenções do autor, ao estimular
a reflexão e/ou ao fomentar debates. O trecho a seguir exemplifica essa
subcategoria:

vídeo 2: “Noah é um suspense que vai fazer você querer ler


de uma vez só… assim não vai ter jeito não… traz psicologia
e desgraçamento por conta das cargas de reflexão que são jo-
gadas na no::ssa cara chegando no final do livro… esse livro
vai abordar medo dor vergonha solidão INsegurança muita
insegurança e outras questões MUito importantes…”

A segunda etapa estrutural é a experienciação, que se divide em


motivação de leitura e experiência de leitura; em alguns vídeos, também
observamos uma outra subetapa, que podemos designar como correlação
temática. A experienciação engloba a experiência literária como um
todo, abarcando a trajetória do booktuber como leitor: o que despertou
seu interesse pela leitura, o que sentiu enquanto lia e as reflexões cons-
truídas no processo.
No segmento de motivação de leitura, o booktuber discute as
razões – para além do pagamento conferido pelas editoras, no caso de
publieditoriais – que o levaram a resenhar um dado livro, considerando
os interesses de seus seguidores. Em geral, as motivações variam entre
ser parte de uma coleção atrativa, ser de um autor familiar, ser alvo de

136
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

recomendações externas, dentre outras. Observamos esse movimento no


seguinte excerto do vídeo 1:

vídeo 1: “quando/eu recebi o primeiro e-mail da editora então


me propondo uma parceria… para divulgação deste livro…
eu fui atrás… né das informações a respeito dele… então uma
primeira coisa que me chamou a atenção foi o título em inglês
né que é ‘Educated… A memoir’… cla::ro que li a sinopse
também fui atrás de algumas opiniões do pessoal que já tinha
lido o livro ali pelo goodreads e coisas do tipo… e fiquei
muito interessada”

Enquanto o booktuber fala sobre os pontos interessantes do livro,


fica clara sua apreciação a respeito da narrativa; contudo, quando fala
sobre sua experiência de leitura, temos acesso às emoções que foram
sentidas no processo, ou seja, se o texto o fez chorar ou rir, se foi uma
leitura envolvente ou desanimadora, entre outros. A experiência de lei-
tura também pode trazer aspectos descritivos da materialidade do livro.
No segmento abaixo, podemos observar algumas dessas características:

vídeo 1: “é aquele tipo de livro que não dá von-ta-de de lar-


gar… então:: você vai emendando um capítulo no ou::tro ali
quando cê vê cê já leu o livro inteiro tá revolTA::do com aquela
família com aquele irmão mais velho principalmente…”

A correlação temática é uma subcategoria opcional, que abarca


menções a outras obras que a leitura do livro em questão trouxe à tona.
Nesse sentido, ela insere o livro em uma rede de outros artefatos cultu-
rais com temáticas semelhantes, por exemplo, pinturas, séries, filmes,
quadrinhos, jogos e música. Vejamos um exemplo do vídeo 2:

vídeo 2: “quando eu li a parte ‘não vá, Noah’ eu lembrei de um


jogo de terror que eu joguei há um tempo atrás assim isso é
um miLAgre porque eu não jogo NAda não sei jogar NAda…
o jogo chama Layers of Fear e eu lembrei porque tinha uma
parte que eu tava jogando e tava escrito ‘não vá por aí’ e aí
que que eu fiz eu fui porque eu sou afrontosa… eu lembrei

137
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

por isso mas assim fica a indicação do jogo que também é um


thriller psicológico que eu achei demais…”
A terceira etapa estrutural (divulgação) refere-se ao potencial de
replicação e distribuição do vídeo e de consumo do livro resenhado,
acontecendo com mais frequência ao final do vídeo. Essa categoria é de
extrema importância nos vídeos do YouTube, inclusive no booktube, e
divide-se em divulgação do livro e finalização do vídeo.
Na divulgação do livro, sendo um vídeo pago ou não, o booktuber
indica onde o livro pode ser adquirido, o que pode ser acompanhado de
um link comissionado, ou seja, booktubers recebem uma comissão por
cada compra realizada através desse link.
vídeo 2: “se você ficou afim de ler esse livro ele está disponível
na Amazon para Kindle e Kindle Unlimited e ele tá por CINco
e noventa e nove na data desse vídeo tá muito baratinho vale
a pena demais…”

A última subcategoria é a finalização do vídeo, o tão referenciado


“deixa seu like e se inscreve no canal”. Promover um canal no YouTube
para que este tenha um bom engajamento e continue crescendo é de ex-
trema importância para o sucesso do empreendimento na arena digital.
Nos trechos a seguir, podemos observar como cada booktuber se vale
de um estilo pessoal para finalizar o seu vídeo.
vídeo1: “então é isso vejo vocês nos PRÓximos vídeos do
canal… um beijo grande e até mais.”

vídeo 2: “então já sa::be espero que vocês tenham gostado


desse vídeo dessas dicas e que compartilhem OUtras de teor
psicológico e desgraçado aqui pra galera a gente continua
conversando nos comentários um beijo e até a próxima…
BOM se você desgraçou até aqui então talvez você queira
desgraçar um pouco mais olha só esses outros vídeos que eu
te indico se você curte esse tipo de conteúdo que eu produzo
se inscreve no canal se não for inscrito e dá um like se você
gostou do vídeo porque isso me ajuda mui::to a propagar o
desgraçamento no youtube.”

138
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

9.5 Aplicar: o booktube e a resenha multimodal na sala de aula

O booktube e a resenha multimodal têm grande potencial de


aplicação em sala de aula. Uma discussão inicial com os alunos pode se
basear na pesquisa do Instituto Pró-Livro sobre os hábitos de leitura dos
brasileiros e o papel da escola em estimular a sensibilidade crítica do
aluno para desenvolver e aprimorar tais hábitos. Também é relevante o
debate sobre o booktube e seu papel de influência nos leitores de hoje,
podendo ser utilizado em sala de aula para refletir sobre nosso consumo
de vídeos na internet e nosso papel enquanto produtores de conteúdo no
ambiente virtual. O docente pode propor um debate sobre o consumo de
livros, e o consumo e a produção de vídeos no YouTube.
Caso a escola tenha um trabalho com literatura em sala, uma outra
possibilidade de aplicação do booktube deriva desse próprio papel de in-
fluência. Sugerimos que o docente deixe que os alunos – individualmente,
em grupo ou como uma classe – debatam sobre as resenhas assistidas,
chegando a um consenso sobre o que ler a partir das recomendações de
booktubers. O docente pode utilizar esse momento para trabalhar a leitura
de textos persuasivos, identificando e debatendo estratégias de captação
e de adesão do espectador.
O trabalho com o gênero resenha literária multimodal pode envol-
ver a depreensão das características do gênero em sala de aula. Para isso,
recomendamos a utilização ou a adaptação da estrutura composicional
que foi apresentada. Nesse processo, o professor pode trabalhar com
características lexicais e gramaticais de cada etapa e discutir com os
alunos diferenças e semelhanças entre resenhas de um mesmo livro em
canais distintos, debatendo o espaço de reprodução de padrões típicos
da plataforma e da estilização de cada canal.
Por fim, é relevante que os estudantes possam produzir suas pró-
prias resenhas literárias multimodais, passando por todos os estágios
necessários para a sua concretização – criação de roteiro, pré-produção,
gravação e edição do vídeo –, tanto aprendendo sobre os potenciais de
significado da interação entre as diversas modalidades, quanto explo-

139
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

rando as técnicas digitais para a composição do vídeo Uma sequência


didática detalhada para o trabalho com todas essas dimensões pode ser
encontrada no website de apoio a esta pesquisa: https://sites.google.com/
usp.br/sequenciadidaticabooktube/.

9.6 Considerações finais

A internet e seus variados gêneros multimodais são um prato cheio


para pesquisas teóricas e aplicadas. Neste capítulo, tratamos de apenas
um desses gêneros multimodais e reconhecemos que o estudo de outros
gêneros em ascensão também seria de grande interesse para a educação.
Um exemplo correlato são as resenhas literárias produzidas no Tik Tok,
pelos denominados booktokers, cujos vídeos apresentam diferenças
significativas em relação aos publicados no YouTube.
Considerando que o booktube é uma comunidade de canais e
pessoas, uma alternativa de trabalho em aula consiste na análise dos
comentários nos vídeos dos booktubers e na discussão de como se dá
a relação entre os espectadores nesse nicho. Nesse processo, o docente
também pode incentivar os alunos a participarem dessas comunidades,
aprendendo como os comentários são construídos verbalmente e como
os participantes se posicionam. Nada impede que a escola construa o seu
canal no booktube, com produções discursivas distintas construídas pelo
conjunto de docentes, discentes, funcionários e corpo diretivo.
Neste capítulo, combinamos (i) o esforço de promover uma
mudança na relação de nossos alunos com a leitura e com a literatura
e (ii) a necessidade, cada vez mais intensa, de aprender a ler, analisar e
produzir gêneros multimodais, pois reconhecemos os multiletramentos
como fundamentais para a inserção sociopolítica, cultural e econômica
do cidadão. É esse trabalho, que agrega o social, o digital, o discursivo
e o multimodal, que possibilitará ao aluno, na interação com o docente
e com seus pares, desenvolver as habilidades esperadas para se tornar
um indivíduo capaz de posicionamento crítico em relação às práticas
discursivas que o cercam.

140
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

10

COMPREENSÃO LEITORA DE DISCURSOS POLÊMICOS


POR MEIO DA PRODUÇÃO DE PODCAST

Joyce Kelly Alves dos Santos


Isabel Cristina Michelan de Azevedo
(UFS)

10.1 Introdução1

A leitura é uma prática essencial no processo de aprendizagem, e


se faz cada dia mais urgente a formação de leitores que tenham autono-
mia e criticidade no ato de ler para que possam exercer sua cidadania e
enfrentar os desafios da vida na visão desta educadora. Como o homem
é um ser de relações e sua consciência reflexiva tem a necessidade de ser
motivada, a fim de que possa refletir sobre sua realidade e transformá-la,
ao sujeito que expande essas reflexões é dada a possibilidade de planejar
um futuro e se colocar como um ser social e histórico (FREIRE, 2001).
Para nós, promover a leitura de textos que registram conflitos
entre pontos de vista, historicamente constituídos, é uma alternativa
para interagir com posicionamentos divergentes materializados em
exemplares de gêneros variados. Esse tipo de leitura também promove
1 Apresentamos uma proposta metodológica realizada no âmbito do Mestrado Profissional em
Letras em aulas remotas. Por meio de um módulo didático, que seguiu as orientações de Aze-
vedo e Freitag (2020), os estudantes do 9º ano do ensino fundamental de uma escola pública de
Sergipe, durante o período de pandemia de Covid-19, desenvolveram a leitura argumentativa
(cf. GRÁCIO, 2010).

141
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

a assunção de posicionamentos críticos pelos estudantes quando estão


diante da leitura de textos circunscritos ao âmbito político ou que de-
nunciam desigualdades sociais, por exemplo. Desse modo, é possível
contribuir com a formação de um leitor reflexivo e crítico e tornar os
estudantes capazes de construir hipóteses acerca de variadas questões
sociais e de recorrer a conhecimentos prévios a fim de formar juízos de
valor e construir sentidos.
Em nossa experiência, constatamos que os estudantes costu-
mam ter dificuldade na compreensão de textos de natureza polêmica,
que geram conflitos entre diferentes pontos de vista em torno de um
mesmo tema, por isso, neste trabalho resolvemos partir dos textos em
que se encontram posições favoráveis ou contrárias a uma temática,
visto que isso oferece a possibilidade de o leitor entender as múltiplas
perspectivas relacionadas às temáticas em circulação na sociedade, bem
como lidar com as opiniões acerca de diferentes temas materializadas
nos discursos.
Para superar as dificuldades observadas em aulas de Língua Por-
tuguesa (LP), além de propor recursos didáticos para o aprimoramento
da capacidade de leitura argumentativa dos estudantes, desenvolvemos
um módulo didático (MD) com práticas pedagógicas organizadas em
perspectiva multidisciplinar, visando à participação social por permitir a
transposição da concepção de educação de Paulo Freire para o espaço da
educação formal (AZEVEDO; FREITAG, 2020). As atividades diversi-
ficadas permitiram aos estudantes reconhecer e analisar os elementos que
constituem pontos de vista e aplicar os conhecimentos em um projeto de
leitura mais amplo que envolveu outros parceiros da comunidade escolar.
Neste módulo, é proposta a produção de uma coletânea de episódios
em podcast, em formato de mesa de discussão, sobre temas polêmicos
escolhidos pelos estudantes. É fato que a tecnologia está na escola, mas
ela trouxe também desafios aos profissionais da educação, no sentido
de organizar e filtrar informações e em saber como utilizá-las na sala de
aula. Segundo Santaella (2013), o ciberespaço digital fundiu-se de modo
indissolúvel com o espaço físico. O termo Digital, integrado à Cultura,

142
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

define um momento particular da humanidade em que o uso de meios di-


gitais de informação e comunicação se expandiram, passaram a permear,
na atualidade, processos e procedimentos amplos, em todos os setores
da sociedade. O termo Cultura Digital é atual, emergente e temporal.
Segundo Kenski (2018), por estar em permanente e rápida expansão,
a cultura digital dialoga e avança progressivamente na integração com
alguns aspectos da cultura popular, rompendo fronteiras.
Assim, a cultura digital tornou-se uma nova cultura, um novo modo
de compreender as práticas educativas e uma nova forma de compreender
o mundo a partir das tecnologias digitais, por isso decidiu-se utilizar o
podcast como ferramenta pedagógica para acompanhar o desenvolvi-
mento dos estudantes na análise e compreensão de textos.

10.2 Módulo didático para o desenvolvimento da leitura


argumentativa

A criação de um módulo didático se deu em vista da necessidade


de se organizar ações que pudessem favorecer a prática pedagógica em
sala de aula. Segundo Azevedo e Freitag (2020), as linhas mestras defi-
nidas, a partir de uma sondagem sistematizada e de referências teórico-
práticas, guiam as ações didático-pedagógicas do módulo didático. O
projeto descrito no módulo didático tem como objetivo aprimorar as
capacidades de leitura argumentativa dos estudantes e, através de recursos
de mídias digitais, promover a interação por meio da produção de um
programa de áudio em podcast com uma coletânea de episódios sobre
temas polêmicos escolhidos pelos estudantes. A problematização inicial
incluiu a apresentação da proposta do projeto aos estudantes e a discussão
do plano do trabalho. Nessa fase, ocorreu a identificação da natureza
polêmica (conjuntura de oposição discursiva) de alguns temas, partindo
da leitura do curta-metragem O preconceito cega e do documentário 8
relatos sobre como é ser negro no Brasil, analisando situações conhecidas
ou vivenciadas pelos estudantes; seguida da leitura de textos diversos
selecionados sobre alguns temas sugeridos pelo professor de modo que
os estudantes pudessem comparar as informações.

143
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Também ocorreu o reconhecimento do recurso podcast por parte


dos estudantes. As atividades desenvolvidas para esse fim incluíram a
análise do texto (mp3) “Criminalizar fake news: solução ou ameaça?”
e a discussão sobre a proposta da criação do programa – “É hora de
Polemizar?”
Na fase de organização do conhecimento, ocorreu uma pesquisa
mais aprofundada em torno de conceitos associados à disciplina de LP, à
argumentação, e ainda aconteceu o aprimoramento das capacidades argu-
mentativas dos estudantes. O entendimento das características e funções
dos modalizadores nos textos foi foco de atenção nessa fase, e isso acon-
teceu por meio da análise dos textos de opinião “Educação (sexual) vem
de casa?” e “Educação sexual na escola”. Esse trabalho permitiu perceber
como se constrói a apreciação ideológica relativa aos fatos sociais e são
incluídas nos discursos as informações ou posições implícitas ou assumidas.
Por meio do roteiro de leitura argumentativa, elaborado por Joyce Santos,
foram praticadas análises de aspectos ligados à perspectivação de assuntos
colocados em questão e de justificativas para as posições contidas no texto
“As redes sociais digitais: necessidade ou vício?”
As sequências de atividades dessa etapa do projeto buscaram mo-
bilizar situações que permitissem aos estudantes perceber que algumas
escolhas de palavras ou expressões dentro do texto, especialmente os
modalizadores, eram pistas para identificar o posicionamento do autor.
As atividades possibilitaram que os estudantes continuassem exercitando
a compreensão e leitura argumentativa, buscando as pistas que lhes auxi-
liaram a identificar o posicionamento do autor do texto. O propósito era
identificar se os estudantes percebiam os conflitos de opinião presentes
nos textos, as escolhas do autor e suas justificativas na defesa do argu-
mento. Num texto de natureza polêmica, os modalizadores funcionam
como indicadores de intenções, sentimentos e atitudes do locutor com
relação a seu discurso, revelando o grau de engajamento do enunciador
em relação ao conteúdo proposicional veiculado.
Após as leituras, novas discussões foram realizadas, além da pro-
dução de pequenos resumos e esquemas, pesquisas, leituras colaborativas,

144
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

apontamentos e impressões sobre os pontos de vista defendidos em cada


texto, de modo que os estudantes pudessem estabelecer suas próprias
opiniões e avaliar criticamente. Esse processo possibilitou reconhecer
que os estudantes necessitavam desenvolver opiniões e argumentos, com
base em dados, fatos sociais e por meio de afirmações claras, ordenadas,
coerentes e compreensíveis ao ouvinte, além de debater e defender seus
pontos de vista com firmeza e respeito, mesmo diante de posições diver-
gentes de outras pessoas, ouvindo e aprendendo por meio da interação
com o outro (BRASIL, 2018).
Na etapa de aplicação dos conhecimentos, houve a oportunidade
de explorar novas situações e de avaliar o desempenho de cada um, pois
“por meio das atividades que integram a terceira etapa do MD, é possível
avaliar a apropriação dos conceitos pelos estudantes, bem como identifi-
car pontos que necessitam de aprofundamento” (AZEVEDO; FREITAG,
2020, p. 115). As atividades propostas para essa fase permitiram a es-
colha dos temas de cada equipe, pesquisa, seleção de textos, análise dos
textos em grupo a partir do roteiro de leitura, discussão dos resultados
encontrados pelos grupos, definição das responsabilidades e funções de
cada um, bem como a elaboração de esquemas a partir dos resultados
encontrados, além da produção coletiva do trabalho final e apresentação
do projeto à comunidade interessada com a publicação do podcast.
A escolha do formato mesa-redonda ou mesa de discussão pos-
sibilitou a participação de todos os membros da equipe, além disso,
proporcionou a difusão do conhecimento, a formação de opinião e posi-
cionamento crítico, uma vez que propôs uma exposição sobre as questões
divergentes que envolvem determinado tema.
Depois de realizadas todas as atividades de composição, organização
e gravação dos podcasts, foi planejada uma apresentação para os colegas,
de maneira que os arquivos de áudio produzidos ao longo do trabalho pu-
dessem ser apresentados e disponibilizados, até mesmo on-line, mediante
autorização prévia, possibilitando que os demais colegas também ouvissem
todos os elementos presentes nos episódios produzidos. Em função das
aulas remotas, essa partilha aconteceu por meio do WhatsApp.

145
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Na avaliação dos resultados, o objetivo do ensino foi criar


possibilidades para que o professor pudesse observar as capacidades
desenvolvidas pelos estudantes. Para tanto, foi elaborada uma ficha de
acompanhamento e avaliação do podcast, para auxiliar o professor e os
discentes a perceber o progresso obtido por meio do trabalho. Por ter sido
assumida uma avaliação formativa, o ato de ensinar e aprender foram
articulados, e todas as atividades foram acompanhadas e registradas pela
professora, com a participação dos estudantes.
O Quadro 1 sumariza as fases e as etapas envolvidas no módulo
didático desenvolvido.
Quadro 1 – Atividades de ensino-aprendizagem da leitura argumentativa

FASE ETAPAS
• • Etapa 1: Proposta do projeto aos estudantes e discussão do plano
do trabalho.
PROBLEMATIZAÇÃO
INICIAL • Etapa 2: Orientação para realização do projeto e reconhecimento
do recurso podcast.
• Etapa 3: Leitura e análise dos modalizadores nos textos; aprimo-
ORGANIZAÇÃO DO ramento de capacidades argumentativas.
CONHECIMENTO
• Etapa 4: Organização do roteiro de leitura argumentativa.
• Etapa 5: Escolha dos temas de cada equipe e pesquisa e seleção
de textos.
• Etapa 6: Análise dos textos em grupo a partir do roteiro de leitura.

APLICAÇÃO DOS • Etapa 7: Discussão dos resultados encontrados pelos grupos.


CONHECIMENTOS • Etapa 8: Definição das responsabilidades e funções de cada um e
elaboração de esquemas a partir dos resultados encontrados.
• Etapa 9: Produção coletiva do trabalho final.
• Etapa 10: Apresentação do projeto à comunidade interessada:
Publicação do Podcast.
AVALIAÇÃO DOS • Acompanhamento no desenvolvimento de todas as atividades
RESULTADOS (avaliação formativa).

Fonte: Dados da pesquisa

146
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

10.3 Ajustes e adaptações do módulo didático

Em função da pandemia, o cronograma que tinha sido planejado


no início de 2020 para o desenvolvimento do módulo didático em sala
de aula precisou ser alterado e as atividades foram reajustadas para as
novas plataformas de ensino, considerando a nova realidade de aulas
remotas, visto que não havia qualquer possibilidade de retorno das aulas
até o final do ano. A participação dos estudantes nas atividades foi em
número reduzido: foram 15 participantes, sendo que, desses, somente 7
enviaram as respostas do roteiro de leitura argumentativa, por exemplo.
No primeiro encontro virtual, utilizando a plataforma de video-
chamadas Google Meet, a conversa ocorreu sobre a proposta do projeto
e qual a ideia que seria desenvolvida em conjunto. Todos os estudantes
gostaram da proposta de trabalho, apesar de acharem que não tinham
esse tipo de habilidade para gravação. A motivação foi essencial para
que algumas dificuldades fossem superadas.
A primeira etapa da sequência de atividades serviu para eviden-
ciar as contribuições dos estudantes, suas hipóteses e suposições sobre
temas de relevância social. Foram discutidos alguns temas sociais, bem
como o conceito de polêmica. Em seguida, os estudantes assistiram ao
curta-metragem O preconceito cega e ao documentário 8 relatos sobre
como é ser negro no Brasil com o intuito de possibilitar a identificação
de situações que favorecessem a organização das ideias sobre o tema.
As análises efetuadas pelos estudantes mostraram como olhavam
criticamente para um tema de relevância social, como o racismo no Brasil.
Também permitiram perceber como os estudantes podem progredir na
análise de temas polêmicos.
Por meio da variedade temática, os estudantes perceberam que
todos os materiais apresentavam diferentes posicionamentos, além disso
notaram que praticamente todo assunto social tem diferentes opiniões.
Isso possibilitou destacar a importância de uma leitura crítica, de acor-
do com os propósitos iniciais desta pesquisa, a partir das discussões
e análise dos textos. Eles foram capazes de formar opinião sobre um

147
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

tema e produzir seu próprio texto, demonstrando pleno controle de seu


posicionamento crítico.
A segunda etapa de atividades, ainda na fase de problematização,
iniciou-se com o estudo das características do podcast. Os estudantes
conheciam essa ferramenta e apenas dois estudantes falaram que nunca
tinham ouvido falar. A maioria lembrava de menções a esse recurso em
programas de televisão, como o “Fantástico”, mas somente uma estu-
dante comentou que gostava de ouvir um podcast que ensinava pequenos
diálogos em coreano. Também foi discutida a importância do desenvolvi-
mento de um ponto de vista na composição de um podcast e que alguns
programas desse tipo eram organizados como uma mesa de discussão2.
As aulas sobre modalização, na terceira etapa, tiveram início a
partir do vídeo “Educação sexual: na escola ou em casa?”. Depois de
assistir ao vídeo, em conjunto, os estudantes foram questionados sobre
o tema, se era polêmico ou não. Todos foram unânimes em afirmar
que sim, era polêmico; para muitos, era considerado um tabu. Também
houve percepção da relevância dos termos no texto e da diferença de
sentido proporcionada principalmente pelas expressões adverbiais. Os
estudantes conseguiram observar como as palavras “certamente”, “de
fato” e “na verdade” reafirmavam a ideia defendida pelo autor do texto.
Além disso, foram destacados alguns verbos e algumas expressões que
faziam referência ao discurso do outro, como argumento de autoridade3
para reforçar um posicionamento, como no caso dos verbos “lembra”,
“questiona”, “assevera”. Também chegaram à conclusão de que, ao usar a
voz de uma especialista dentro do texto, o argumento ganhou mais peso.
Por fim, apresentaram suas hipóteses de sentido sobre o posicionamento
do autor e concluíram que, por meio da escolha de palavras apresentadas,
o texto era mais favorável à educação sexual ter início em casa.

2 Dois exemplos de programas em podcast foram analisados após o compartilhamento pelo Goo-
gle Meet: https://www.b9.com.br/podcasts/ e https://portalcafebrasil.com.br/todos/podcasts/.
3 A definição de argumento de autoridade refere-se à recorrência ao prestígio de alguém que
detenha conhecimento específico como garantia em favor de uma tese. Segundo Perelman
e Olbrechts-Tyteca (1996), esse argumento é representado pela citação ligada ao raciocínio
estabelecendo a persuasão.

148
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Na quarta etapa, voltada à organização do roteiro de leitura argu-


mentativa, os estudantes puderam exercitar e aprimorar as capacidades
relacionadas à leitura argumentativa, percebendo como o discurso se
organiza conforme um assunto em questão e como é possível perceber a
perspectivação do assunto à medida em que o texto vai se sequenciando.
Os estudantes fizeram a leitura do texto “Redes sociais digitais: necessi-
dade ou vício?”, selecionado pela professora, conseguiram identificar o
assunto colocado em questão, observaram como é possível perspectivar
temas e, por fim, construíram justificativas para a sustentação e o refor-
ço de ideias. O roteiro de leitura argumentativa foi dividido em quatro
partes: contextualização, reconhecimento, análise e conclusão, servindo
de referência em outras oportunidades.
As atividades reunidas da quinta à décima etapa foram dedicadas
à produção dos podcasts. Os estudantes escolheram os integrantes de
suas equipes, por afinidades e proximidades ou facilidades nas futuras
gravações. Os estudantes tiveram a autonomia na escolha dos temas
de relevância social. Três equipes, com média de 5 participantes cada,
foram organizadas e ficaram estabelecidos os seguintes temas: Como o
padrão de beleza implica na autoestima da mulher brasileira? (equipe 1);
Publicidade infantil: benéfica ou prejudicial? (equipe 2); Bullying nas
escolas: brincadeira ou agressão? (equipe 3).
Para a gravação dos podcasts, optou-se pelo aplicativo Podbean,
mas nas etapas preparatórias, por sugestão dos discentes, foram gravados
áudios no WhatsApp, pois esse aplicativo facilitava a interação entre os
integrantes das equipes. Antes de iniciar a produção, propriamente dita,
a professora explicou a importância de ser criado um roteiro escrito para
tratar do tema, pois ele permite organizar o pensamento e os argumentos
durante o episódio a ser gravado. A proposta apresentada aos estudantes
incluiu: 1) o planejamento do texto, acompanhado de anotações relativas
aos itens que seriam abordados; 2) a preparação de um roteiro (15-20
linhas) para servir de apoio ao que seria apresentado oralmente; 3) a
definição de um tempo para exposição (ficou acordado de 5 a 8 minutos,
no máximo); 4) a escolha dos podcasters (apresentador e participantes
fixos) e os possíveis convidados.

149
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Não foi fácil montar o próprio roteiro individualmente, por isso os


grupos preferiram realizar a atividade em conjunto, com base no roteiro
utilizado para realizar a leitura argumentativa dos textos sobre o tema
selecionado por cada equipe. Os estudantes enviavam os rascunhos à
professora, ao longo da semana, por mensagens de WhatsApp com prints
e trechos de textos que foram recolhidos da internet e que serviriam de
base para a elaboração do roteiro do podcast. As gravações não puderam
ser realizadas na escola, em virtude da suspensão das aulas presenciais,
então cada equipe escolheu seu próprio ambiente de gravação.
A penúltima etapa do projeto envolveu a edição dos áudios gra-
vados pelos estudantes. A edição de todas as equipes ficou adequada e
não comprometeu a compreensão dos ouvintes. A etapa final envolvia
a apresentação do programa à comunidade interessada. O planejamento
previa realizar uma publicação dos episódios para a comunidade, no
entanto, por impossibilidade de novos encontros para providenciar do-
cumentação assinada dos pais autorizando a publicação on-line, a posta-
gem foi arquivada apenas no Podbean, com possibilidade de publicação
posterior em redes sociais.
Finalizada a experiência, ao se depararem com um texto polêmico,
os estudantes conseguiram demonstrar compreensão leitora com o au-
xílio roteiro de leitura argumentativa: 72% dos estudantes conseguiram
identificar a respeito de que fato ou tema o autor se posicionava, 86%
conseguiram perceber que o ponto de vista do autor estava explícito no
texto, 72% identificaram qual situação social polêmica era abordada no
texto, ainda que não tenham conseguido chegar a uma proposição interro-
gativa. Ao serem questionados se concordavam ou discordavam do ponto
de vista exposto, justificando seu posicionamento, 86% dos estudantes
participantes desenvolveram justificativas bem relacionadas à temática.

10.4 Considerações finais

A experiência com a leitura argumentativa associada ao uso da


ferramenta podcast foi muito proveitosa. Os estudantes, apesar das

150
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

dificuldades, demonstraram entusiasmo durante as leituras e discussões


das temáticas, além de conseguirem elaborar bons episódios de podcasts.
Quanto à análise dos aspectos que envolviam a produção do podcast,
percebeu-se que em todos os grupos ficou bem definido o ponto de vista
do grupo em relação ao tema abordado, mesmo com algumas dificuldades
de poucos participantes no desenvolvimento do tema. No geral, eles sa-
biam bem qual ponto deveriam abordar a respeito da temática escolhida.
Outro aspecto analisado durante a realização das atividades foi a
capacidade dos estudantes na seleção de fontes e nas pesquisas acerca
dos temas. Os grupos poderiam interagir entre si e dar sugestões de como
melhorar o planejamento do material de apoio à criação dos podcasts.
Apesar de algumas dificuldades, houve empenho de todos para cumprir
todas as atividades, realizar suas leituras e trocar materiais pelo What-
sApp. Eles reliam, reescreviam e enviavam novamente até que estivesse
ideal para a equipe.
Além disso, os estudantes exploraram bem a oralidade, modifi-
cando a entonação da voz com intencionalidade, de maneira a articular
adequadamente diversos aspectos ligados às temáticas. Quanto à edição,
foi animador ver como todos os grupos usaram recursos sonoros de modo
adequado. Fizeram questão de colocar música de abertura/encerramento
e até música entre algumas falas para o episódio ficar mais interativo e
dinâmico. O trabalho coletivo e o esforço dos estudantes foram funda-
mentais para o bom desenvolvimento das atividades.
Durante a realização das atividades de organização e preparação
com auxílio do professor, ficou evidente que, mesmo com as limitações
das aulas remotas, os estudantes participantes se esforçaram para res-
ponder, apresentando conclusões sobre os textos lidos a partir dos posi-
cionamentos do autor, identificados por meio de palavras e expressões
destacadas pelo professor.
Conclui-se que a proposta de utilizar o podcast como ferramenta
pedagógica para acompanhar o desenvolvimento dos estudantes na análise
e compreensão de textos transformou-se numa experiência muito rica,
de aprendizado não só dos estudantes, mas também desta professora

151
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

que precisou aprender e se reinventar para se adequar a essa nova reali-


dade de aulas virtuais e utilização constante de mídias digitais em sala
de aula. Os textos, produzidos em formato de áudio (mp3), utilizando
aplicativos de podcast, continham a análise que os estudantes fizeram
dos textos lidos e escolhidos por eles mesmos, informações adicionais
que revelavam o ponto de vista deles e até mesmo algumas intervenções
que eles consideraram viáveis para o problema abordado.

152
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

11

METÁFORAS E ENSINO: PERSPECTIVAS PARA


O TRABALHO COM LEITURA NO ENSINO MÉDIO

Zilda Aquino
(USP)

Renata Palumbo
(FASESP)

Janayna Cozer
(UFES)

11.1 Introdução

“Ler para viver”, assim Flaubert (1857) define o ato de lingua-


gem que é a leitura. O alcance dessa definição é plural como também
são plurais os contextos de leitura. Nessa medida, entendemos que ler
é viver, é estar no mundo, é significar o mundo e nós mesmos. Como
a escola integra esse mundo, trabalhar a leitura em sala de aula requer
situar essa atividade de linguagem no conjunto das práticas sociais que
vivenciamos no dia a dia.
Nas práticas de letramento na contemporaneidade, muitas são
as situações em que leitor, autor, texto e mundo se espelham de forma
mútua, de modo que a leitura vai se constituindo como coprodução. Esse
encontro entre leitor, autor, texto e mundo é perpassado por diversas

153
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

linguagens, múltiplas experiências e também múltiplos sentidos. Em um


mundo em mudanças tão aceleradas, poderíamos nos questionar: quais
seriam as finalidades mais prementes de leitura? E ainda: quais práticas
poderiam ser mobilizadas na escola considerando este mundo em mu-
dança? Refletir sobre essas questões significa pensar alguns caminhos
possíveis de se percorrer na escola.
De todo modo, a motivação para leitura vem se revelando um grande
desafio para nós, professores, especialmente no que diz respeito ao ensino
fundamental II e médio. Pesquisadores (cf. MEZZALIRA; BORUCHO-
VITCH, 2016) têm feito referências a essa questão em seus trabalhos, pro-
pondo ações e propondo ações que permitam um envolvimento dos alunos
com resultados positivos. A produção de leitura, assim, parece depender
da seleção que fazemos e que precisa ser relevante, de algum modo, para
os alunos. Muitas vezes, precisamos partir da leitura de imagens, para pas-
sarmos à leitura da escrita e de textos digitais. Outras vezes, estes últimos
constituem total motivação, em especial, quando nos referimos ao último
ciclo do ensino básico, o ensino médio. Vivemos a era do contexto digital
e já não podemos abdicar dessa percepção, ou melhor, dessa realidade.
A proposta aqui apresentada pauta-se na pedagogia dos multiletra-
mentos, ou seja, busca considerar os letramentos que estão emergindo na
contemporaneidade, de caráter multimodal, e também a multiplicidade
de culturas que coexistem no espaço escolar, tantas vezes marcado pela
intolerância em relação à diversidade dos grupos sociais que o constituem,
especialmente aqueles subalternizados.
O produtor de textos da era digital conhece bem e domina com
mais facilidade a escrita e a leitura desses textos que se organizam de
modo específico, com uma sintaxe discursiva específica também. De
fato, destacam-se elementos verbais e não verbais de toda ordem, que
se complementam para organizar a teia discursiva que muitas vezes
reveste-se de complexidade e opera cognitivamente de modo ainda pouco
delineado por nós, professores.
Neste cenário, apresentamos uma proposta de atividades de leitura
de textos que circulam na mídia digital em que destacamos as metáfo-

154
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

ras – do ponto de vista discursivo, social e cognitivo – como elementos


constitutivos de muitos dos discursos que circulam na sociedade e que,
utilizadas estrategicamente, cumprem não só um papel marcadamente
persuasivo, mas também como construtoras da cognição social. Essa
opção refere-se também a nossa posição quanto ao modo como concebe-
mos leitura – ação sociocognitiva-interacional – que, segundo Mezzalira
e Boruchovitch (2016), deve ser motivadora, apresentar flexibilidade
cognitiva, gerar vitalidade e prazer, pois este sentimento positivo sustenta
e dá continuidade à ação.
Compreendendo, pois, a relevância das práticas de leitura em uma
sociedade letrada e o papel da escola como principal agência de letramento,
apresentamos uma proposta de trabalho de leitura de metáforas para o ensi-
no médio. Entendemos essa proposta como uma sugestão no horizonte de
múltiplas possibilidades e, tal como Geraldi (1997, p. 4) salientou há mais
de duas décadas, lembramos que se trata de “[…] uma proposta, sujeita
às alterações e imposições da situação concreta de cada professor, de sua
história, da história de seus alunos, das possibilidades que se abrem quando,
assumindo o que se vive, busca-se construir outro viver”.
Partimos da concepção de que os processos metafóricos integram a
cognição humana, refletindo nosso modo de pensar e de conceber o mun-
do de que fazemos parte. Além disso, os processos metafóricos são aqui
observados como elementos constitutivos do processamento da leitura
nos diversos gêneros textuais correntes, especialmente nos textos digitais.
As metáforas integram nossos esquemas imagéticos, constitutivos
da categorização a que procedemos para organizar o mundo a nossa volta.
Conforme Lakoff e Johnson (1980), as metáforas fazem parte de nosso
mundo cotidiano e organizam nosso pensamento para compreendermos
o mundo, a partir de uma correlação entre domínios conceptuais fonte
e alvo, entre pensamentos concreto e abstrato, sem nos darmos conta,
inconscientemente. Os dados culturais entram em jogo e auxiliam nesse
processamento cognitivo.
No caso da intervenção sugerida, em que o contexto é o das mídias
digitais, a organização dos gêneros que se desenvolvem, que se produzem

155
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

nesse contexto, aliada ao processamento cognitivo, pode se apresentar


extremamente pertinente e motivadora, tendo em vista que as metáforas
permeiam todos os textos de que se utilizam os alunos em foco e que
selecionamos para análise.
Além disso, compreender a metáfora na mídia merece especial
atenção em sala de aula, visto que tal habilidade torna-se essencial para
a atuação participativa dos estudantes na contemporaneidade, período no
qual as performances argumentativas vêm ocupando os espaços sociais
– de diálogo ou de conflito, públicos ou privados – com configurações
complexas que exigem alto grau de engajamento e amplo repertório
além do conhecimento linguístico ou de outras linguagens (fotografias,
pintura, gráficos etc.).
Nessa direção, relacionamos leitura e metáfora com a finalidade
de propor uma sequência de atividades que podem ser aplicadas em sala
de aula do ensino médio.

11.2 A leitura de metáforas e com metáforas

As metáforas tanto participam do processamento das leituras/


compreensões quanto dos efeitos metafóricos a que os leitores chegam,
partindo das pistas encontradas na tessitura textual.

Dizer que lemos – o mundo, um livro, o corpo – não é sufi-


ciente. A metáfora da leitura requer, por sua vez, uma outra
metáfora, necessita de ser explicada em imagens que se encon-
tram fora da biblioteca do leitor e, no entanto, dentro de seu
corpo, de modo que a função de ler se relacione com outras
funções orgânicas essenciais. A leitura – como vimos – serve
como veículo metafórico, mas, para ser compreendida, tem ela
própria de ser reconhecida através de metáforas. Assim como
os escritores falam de cozinhar uma história […], transformar
os ingredientes de um romance cor-de-rosa em prosa cheia
de melaço […] assim também nós, os leitores, falamos de
saborear um livro […], de devorar o livro de uma assentada
(MANGUEL, 2010, p. 179-180).

156
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Mais do que indicarem a associação existente com o domínio da


gastronomia, as formulações metafóricas acerca da leitura apresentadas
pelo autor levam-nos a observar que os seres humanos se utilizam de
conhecimentos basilares, promovidos por suas experiências corpóreas,
para dar sentido aos textos com os quais têm contato.
Estudos da Linguística Cognitiva, a partir de Lakoff e Johnson
(1980), já nos revelaram essa posição de a metáfora conceptual – associa-
ção de domínios díspares marcada por expressões linguístico-metafóricas
– relacionar-se, em princípio, às experiências do corpo, seus movimentos,
sensações etc. Os estudiosos também vêm afirmando que a metáfora está
presente tanto no cotidiano quanto em situações mais complexas da vida,
tal como no campo político.
Nessa direção, a posição de Manguel (2010) indica-nos, também,
que as metáforas devem ser consideradas tanto como processo quanto
como produto e que elas não só estão presentes na literatura, mas também
em diversos campos da linguagem. Para Marcuschi (2007 [1978], p. 123),
“os estudos sobre a metáfora foram realizados preponderantemente nas
investigações literárias no campo da poética, sendo que isso a revestiu
de um certo halo preconceituoso, obscurecendo sua função no plano da
vida cotidiana”.
Essa relação intrínseca entre metáfora e leitura ultrapassa o campo
semântico; o lócus da leitura insere-se no campo do conhecimento, nas
redes contextuais que um leitor constrói ao longo de sua interação com
textos diversos. A metáfora está, pois, imbricada no processamento da
leitura, no modo como a ativação de domínios e suas associações vão
sendo solicitadas pelos textos, permitindo que ocorram construção de
referentes, inferências, posicionamentos etc. Ao mesmo tempo, podemos
localizar formulações metafóricas, as quais fornecem ao leitor pistas
para que ele reconheça e faça associações e inferências, chegando a um
sentido metafórico do texto ou de parte dele. Para melhor entender esses
casos, passamos à observação da seguinte charge:

157
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Figura 1 – Charge sobre fake news e coronavírus1

Na charge da Figura 1, postada em dezoito de março de 2020


e intitulada “Coronavírus”, a formulação linguística fake news está
incluída na ilustração, a qual nos remete a duas referências: o cor-
po humano de um atleta em posição de início de maratona; o vírus
SARS-CoV 2. No cotexto, ocorre uma fusão de imagens – ambas
possuem a forma do vírus (redondo), as pernas de atletas e estão
em uma pista de corrida; diferem pela superfície e pela cor. Esse
procedimento encaminha para a ideia de o vírus e as fake news, com
aparência do vírus, serem velozes e possuírem a capacidade rápida
de proliferação, de modo a disputarem quem ganhará a corrida. A
indicação de estarem na marcação inicial da pista pode estar rela-
cionada ao momento da postagem da charge, que coincide com os
primeiros momentos da pandemia no país.
O domínio fonte – maratona – relaciona-se a um conjunto de ele-
mentos e ações: atletas, pista de atletismo/rua, regras (percurso, avisos
de largada etc.), público. Na organização da charge, a ênfase recai sobre
o atleta, possibilitando que suas características sejam associadas ao vírus
e às fake news via domínio alvo da pandemia na contemporaneidade.
Considerando que toda pessoa possui um corpo que pode ser fraco ou
forte, saudável ou doente, temos que, no caso analisado, as características
do corpo do maratonista (preparado para correr, posicionado para iniciar
1 Disponível em: https://www.politicadinamica.com/colunas/jonatas-charges/coronavi-
rus1584568959-14175.html. Acesso em: 13 jun. 2021.

158
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

a corrida) correspondem às inferências necessárias para a realização da


leitura e a compreensão da metáfora.
Assim, a leitura de textos midiáticos, na contemporaneidade, requer
do leitor a habilidade de reconhecer pistas linguísticas e imagéticas, entre
outras semioses, e fazer associações, ativando conhecimentos diversos em
ocasião da utilização de estratégias de antecipação e de hipóteses. Esse
percurso e a mobilização de saberes possibilita que o leitor reconheça
a metáfora do coronavírus, construa um contexto novo e compreenda a
posição do locutor. Manguel (2010, p. 177) retoma a posição de Hans
Blumenberg para indicar que as metáforas constituem “meio autêntico
de compreender contextos”.
A (não) ativação de um ou outro contexto interfere nas possíveis
leituras, podendo-se tornar compatíveis ou incompatíveis. Observamos,
assim, que o ensino de leitura e metáfora está relacionado às práticas
escolares de construção e de ampliação de contextos. Para participar da
atividade da leitura de charges, por exemplo, é necessário reconhecer
se os estudantes conseguem realizar as inferências esperadas a partir do
repertório disponível de cada um (seus contextos sociocognitivos) ou se
este precisa ser ampliado.

11.3 A leitura metafórica: sugestão de atividades

Possíveis efeitos podem surgir por ocasião do uso de uma metáfora


no discurso, via expressões linguísticas e/ou imagéticas de caráter metafó-
rico, orientando maneiras de ver, trazendo o interlocutor/leitor a aceitar a
mesma posição apresentada pelo locutor/autor. Ainda mais, o aprendizado
de leitura da metáfora, nessa perspectiva, também prevê particularidades
do gênero textual selecionado, no que se refere ao seu grau de persuasão.
A charge, por exemplo, eclode de um contexto sociopolítico em que uma
temática mereça ser caricaturada, para poder chamar a atenção, motivar
sua leitura. A charge da Figura 1 cria uma perspectiva sobre a situação
de pandemia pelo coronavírus que estamos vivenciando e o faz a partir
da seleção de uma metáfora que orienta a leitura.

159
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Além da possibilidade de leitura de metáforas que se localizam nas


charges, apresentamos no Quadro 1 uma sequência de atividades para o
trabalho com metáforas em sala de aula, selecionadas a partir de tweets
e de crônica postada em periódico de notícias na internet. Essa sequência
está organizada em torno dos tópicos fake news e interação na tecnologia
digital e se apresenta em quatro blocos: nos dois primeiros, procede-se
à discussão por meio de perguntas, de modo que os estudantes possam
falar sobre suas experiências de “navegação” em ambiente on-line e seus
conhecimentos sobre fake news. No terceiro bloco, sugere-se uma roda
de conversa e a análise de um tweet postado pelo Butantan, que visam à
continuidade das discussões, para se chegar à construção do conceito de
metáfora e ao reconhecimento do seu papel na construção e reconstrução
de contextos. Por fim, no quarto bloco, sugerimos outra possibilidade
de atividades de leitura de metáforas que se faz a partir de uma crônica
sobre fake news, em que os alunos são solicitados a localizar e ler as
metáforas mobilizadas pelo autor.
Quadro 1 – Atividades para o trabalho com a leitura de metáforas em sala de aula
I) Bloco 1
1. Você já navegou pela internet?
2. O que significa navegar pela internet? (Há o sentido metafórico de a internet ser
um oceano).
3. Nas seguintes postagens do Twitter, que relação ocorre com a ideia de navegar pela
internet? (O termo onda em A e B corresponde a uma expressão metafórica da metáfora
internet é oceano e se associa à ideia de volume de informações falsas).
4. Quais expressões repetem-se para indicar o que ocorre na internet como um oceano?
(Ocorre relação entre a expressão fake news e o termo onda).
A)
12 de jun.
De fato, tem pessoas com questões de saúde específicas que é recomendável não tomar
a AstraZeneca. Mas fora esses casos têm muitas pessoas que não querem tomar ela por
fake news e uma onda de desinformação sobre os efeitos colaterais da vacina. Esse
é o problema.

B)
8 de jun.
Acredito que foi por conta da onda de fake news, ele deve ter achado que assim uma maior
parcela iria se vacinar. O pessoal daqui que foi sem noção, uma coisa é ir no final do dia.

160
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

II) Bloco 2
1. Como você entende Fake News?
2. Os comentários dos tweets destacam uma característica das fake news? Observe as
postagens e localize o que elas possuem em comum do ponto de vista dos internautas.
(Identificar que os internautas partem da mesma ideia de as fake news serem rápidas)
3. Como podemos entender o sentido metafórico sobre fake news dessas postagens?
(Pode-se entender fake news como pessoa/atleta que “corre” sem controle, sem regras,
rapidamente, sem ser detida/detido).
A)
13 de jun.
mas mesmo assim, é impressionante como fake news sobre o oriente corre a pernas
larguíssimas em todo jornal mas essas notícias sobre crime contra humanidade em
território ocidental morre em minutos.

B)
12 de jun.
Fake News corre solta…

C)
31 de maio
a fake news corre mais rápido que fofoca.

D)
30 de maio
Por que será? A Indústria das fake news de saúde corre solta no Brasil.

161
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

III) Bloco 3
1. Quais são as consequências das fake news para a sociedade? (Roda de conversa a
partir de algum vídeo ou pesquisa).
2. Outra possibilidade diz respeito ao texto divulgado no Twitter pelo Instituto Butantan
em que se pode solicitar aos alunos que localizem a metáfora (Fake News é vírus). O
professor pode solicitar aos alunos um levantamento das características do vírus em que
o domínio da pandemia associa-se às fake news:

3. Ainda no Twitter, alguns comentários indicam um efeito negativo sobre as fake news
a partir da expressão: “cair em fake news”. Após a leitura, como podemos entender “cair
em”? (pode ser direcionado a algo que desestabiliza, gera efeito da sensação do corpo
a partir de uma queda).
A)
10 de jun.
Esse fandom ama cair em fake news

B)
10 de jun.
Se conecte a conteúdo verídico, não se deixe cair em fake news

C)
10 de jun.
Em resposta a (…)
Tudo bem, hoje em dia é fácil cair em fake news.

162
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

IV) Bloco 4 Crônica sobre fake news


Na sequência, a crônica “Fake News”, escrita por Leon Rabelo e publicada em O Popu-
lar, no dia 26 de março de 20182, corresponde a outra possibilidade para se trabalhar a
competência metafórica na interpretação de textos (ZANOTTO, 1995, p. 243), em que se
destaca o processo metafórico por meio do qual é possível criar hipóteses e desenvolver
a capacidade leitora por multiletramentos.
Os alunos podem ser solicitados a localizar metáforas (destacadas em negrito), buscando
explicar os contextos que integram, nos excertos a seguir:
a) “Elas infestam grupos de discussão e envenenam a opinião pública, sendo elaboradas
para os mais diferentes propósitos.”
b) “Às vezes, porém os fomentadores são eles mesmos tragados pela onda que colocam
em movimento e cuja direção logo se torna ingovernável”.
c) “Não que a mistificação seja algo novo. Desde sempre, ela viceja nos subterrâneos
da humanidade.”
d) “As falsas notícias estão mandando no pedaço.”

11.4 Conclusão2
A aplicação de produção de leitura a partir de textos das redes
sociais, destacando-se as metáforas, pode propiciar resultados positivos,
por se constituírem produções atuais e digitais que tanto interesse vêm
despertando nos alunos de diversos níveis de escolaridade.
Desse modo, salientamos a necessidade de ampliação da aborda-
gem sobre a leitura de metáfora na sala de aula, formulando propostas
em que a metáfora se revela não só como recurso de estilo, mas também
como estratégia textual e discursiva, possibilitando a ativação de referên-
cias duplas para compor as propostas enunciativas de variados gêneros
textuais situados em interações específicas.
Se entendemos, por fim, que ler constitui, de fato, uma prática
social que mobiliza conhecimentos diversos, essa atividade pode resultar
muito mais produtiva se o leitor for motivado a se envolver nesse processo
em razão de o professor propiciar produções de leitura a partir de textos
decorrentes das mais variadas experiências culturais que circundam o
aluno. Além disso, a escola não pode prescindir de se engajar num con-
texto da era digital, sob risco de se tornar obsoleta e desmotivadora no
que tange ao ensino de leitura em língua materna.
2 Fonte: https://www.opopular.com.br/noticias/magazine/cr%C3%B4nicas-outras-
hist%C3%B3rias-1.145045/fake-news-1.1488056. Acesso em: 13 jun. 2021.

163
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

12

NARRATIVAS DE FORMAÇÃO E ENSINO DE LEITURA


NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Allan de Andrade Linhares


(UFPI)

Fabricia Pereira Teles


(UESPI)

12.1 Introdução

Segundo Larrosa (2002), para o sujeito definir quem ele é, ele


narra, pois quando narra, volta no tempo, revisita suas memórias, re-
vive experiências, relembra momentos importantes, reflete sobre suas
histórias de vida, histórias essas que o tornam único. Os seres humanos
são contadores de histórias, “nossas histórias são muitas histórias. Em
primeiro lugar porque muitas vezes não a contamos para nós mesmos, mas
a contamos a outros” (LARROSA, 2002, p. 20). A narrativa é, portanto,
a companheira inseparável do ser humano.
Pessoas jovens e adultas em processo de escolarização estão
expostas a situações e materiais de leitura variados em suas casas, nas
ruas por onde andam, no trabalho, na religião, nas atividades de lazer.
Todos esses materiais são relacionados às atividades desenvolvidas
nesses âmbitos nas quais constroem representações sobre o que é ler,
como se lê, sobre ser ou tornar-se leitor, o que pode ser lido e que tipos

165
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

de materiais e textos são valorizados socialmente. São ideias, opiniões e


pontos de vista sobre si mesmos e sobre os outros, sobre ações, materiais
construídos nas experiências compartilhadas com leitores, nas imagens
e discursos veiculados pelos meios de comunicação e nas situações que
compartilham cotidianamente, que influem no modo como se engajam na
aprendizagem da leitura. Para Vóvio (2007, p. 91), “essas representações
são acionadas em variados momentos e podem, por meio das atividades
e interações que se realizam nas turmas de EJA, serem confirmadas,
transformadas, ressignificadas e/ou apagadas […]”.
Assim, o professor precisa conhecer e entender o espaço e as
vivências de jovens e adultos para que possa saber a metodologia apro-
priada a ser implementada, desde que chame a atenção do público e seja
útil socialmente para ele, além de ser capaz de compreender as respostas
desses estudantes às propostas lançadas.
Neste capítulo discutimos os processos formativos de professores
da Educação de Jovens e Adultos – EJA revelados a partir de suas nar-
rativas orais de vida e de formação, motivado pela questão norteadora:
como se dá o ensino de leitura na perspectiva dos discursos produzidos
por meio dos relatos de vida e de formação de professores de EJA de
escolas públicas? Para responder à questão, investigamos as concepções
e práticas de leitura, discursivamente construídas nos relatos de vida e
de formação de professores para desenvolver o ensino de leitura1. As
narrativas permitem prover um desvelamento do oculto do discurso de
professoras, como foi constituída a sua história de vida, a de leitura e a
de formação.

12.2 Concepções e práticas de leitura: uma abordagem narrativa

A história de vida configura-se como abordagem qualitativa que


encaminha o pesquisador para colher o ponto de vista do sujeito, que
transmite, através de suas narrativas, a descrição de suas impressões e
significações do mundo. Experimentadas no cotidiano, refletem sobre
1 Participaram da investigação três professores de escolas de 4º ciclo de EJA do município de
Parnaíba-PI. Contudo, neste texto serão apresentados os dados apenas de uma das professoras.

166
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

sua vida, desvelando a prática socialmente reproduzida no contexto em


que atua como indivíduo e como ser sócio-histórico.
Ao narrar seus relatos, os falantes/sujeitos inscrevem suas singu-
laridades de vida e fazem refletir as relações sociais e a coletividade na
qual foi construída sua vida, sua história. Demartini (2008, p. 45) des-
taca que “os sujeitos se constituem na diversidade e é na diversidade de
situações/experiências que as relações ocorrem no campo educacional,
não se podendo excluir qualquer elemento da trama que o constitui”.
A formação do professor tem sido, nos últimos anos, um campo
fértil para a alavancada que se teve nas pesquisas autobiográficas, por
se acreditar que onde está a história de vida do professor está, também,
o nível da sua contribuição como pessoa e como educador.
Escrever sobre a vida tem muitos rótulos: retratos, memórias, his-
tórias de vida, estudos de caso, biografias, jornais, diários, entre outros;
cada um com suas perspectivas e diferenças. No entanto, se, por um lado,
o escopo da biografia é sempre a vida do sujeito, por outro, as forças
propulsoras das biografias são sempre as memórias, imortalizadas pelas
lembranças, próprias ou do(s) outro(s). Por isso, no que tange às biogra-
fias, cabe à memória colocar o sujeito em contato com suas lembranças
para, assim, evocar as suas recordações-referências, as bases constitutivas
das narrativas de formação (JOSSO, 2004).
As narrativas orais das professoras de EJA, obtidas por meio das
entrevistas narrativas, constituem um caminho fértil para a formação e
possível emancipação dos envolvidos no estudo, professoras colaboradoras
e pesquisadores, pois lhes possibilita “construir-se formando-se, formar-se
construindo, produzir conhecimento para criar sentido, produzir sentido para
criar sentido, produzir sentido para criar conhecimento” (JOSSO, 2004, p.
205). Trilhar esse caminho na investigação significa caminhar em direção
contrária ao definhamento da experiência e da memória.
A fim de analisar e caracterizar as concepções e práticas de leitura
reveladas nos discursos produzidos na narrativa da professora Wanda
(nome fictício adotado na pesquisa para identificar a professora colabo-
radora), seguem suas narrativas.

167
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

12.3 Concepções e práticas de leitura presentes nas narrativas


sobre o fazer docente

A eleição por uma determinada concepção de leitura pode alargar


ou limitar o universo de construção de sentidos das práticas leitoras.
Foram selecionados alguns trechos dos discursos presentes nas narrativas
das professoras que representam as concepções que têm internalizadas:
foco no autor, no texto ou na interação. Essas concepções refletem marcas
da formação teórica em leitura a que tiveram acesso.
Sobre o entendimento de leitura, Wanda manifestou-se desse modo:

Wanda: A leitura ela é a célula […] A leitura é o ato para entender tudo. A
leitura mais profunda é o que tem de mais importante no estudo de um texto.
É preciso tirar o aluno daquela leitura superficial, onde eles apenas leem o
texto de uma forma bem imparcial, que eles não se envolvem, que eles não
participam do texto. Então, assim, a interpretação parte daí, dessa capaci-
dade de ler nas entrelinhas, de fazer descobertas… no texto. Se eles não
forem capazes disso, eles não estão, na minha concepção como professora,
ainda não atingiram o nível de leitura necessário para se desenvolver.

Wanda assumiu postura contraditória às concepções que engessam


o processo significativo em leitura. Entende a leitura como processo de
construção de sentidos quando afirma: “Então, assim, a interpretação parte
daí, dessa capacidade de ler nas entrelinhas, de fazer descobertas… no
texto”. Para ela, só se caracteriza leitura quando o leitor é capaz de fazer
descobertas, de criar, e não reproduzir. Pelo argumento exposto – “a lei-
tura mais profunda é o que tem de mais importante no estudo de um texto.
É preciso tirar o aluno daquela leitura superficial” – a professora se alinha
ao pensamento de Kleiman (2007), o qual considera que as atividades
restritas à decifração de palavras não podem ser consideradas leitura. O
aluno precisa, portanto, criar, interagir com o material linguístico.
Diante da posição assumida pela professora Wanda, consideramos
que o foco privilegiado é o da interação entre autor-texto-leitor. Segundo
Koch (2009), nessa concepção os sujeitos são construtores sociais, dialo-

168
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

gam com o texto ao processá-lo. Os participantes da interação precisam


dialogar com o texto, haja vista que ele não é considerado totalmente
explícito e, para perceber o que está por trás da materialidade, é preciso
que o leitor ative os saberes que acumula. A respeito da necessidade da
interação para ir além da explicitude, a colaboradora reconheceu que
é necessário ler as entrelinhas. Assim, a docente entendeu que o texto
tem vazios que precisam ser preenchidos pelo leitor a fim de satisfazer
intenções, tarefa daquele que se distancia da passividade nos processos
de construção de sentidos.
As narrativas contribuem para a compreensão das experiências
pessoais vivenciadas, revelando que elas ocupam um lugar especial
e único na vida profissional de uma professora. Nessa direção, ainda
sobre as narrativas da professora Wanda, é preciso considerar o público
com quem atua e o significado de ler nessa modalidade. Na perspectiva
dos Estudos do Letramento, ler é saber como funcionam os textos nas
diversas práticas socioculturais. Assim, o(a) professor(a) de EJA precisa
conhecer e entender o espaço e as vivências de jovens e adultos para que
possa saber a metodologia apropriada a ser utilizada, desde que chame a
atenção do público e seja útil para ele, além de ser capaz de compreender
as respostas desses estudantes às propostas lançadas.
A EJA deve priorizar, então, uma formação específica para atender
às reais necessidades dos alunos jovens e adultos: garantir a melhoria das
condições de mercado de trabalho e as necessidades de aprendizagem;
adquirir competências da leitura e da escrita para atingir melhores con-
dições de vida e desenvolver níveis maiores de letramento. Suas práticas
educativas devem privilegiar a realidade de vida dos sujeitos e o diálogo
constante entre professor e aluno.
Por essa razão, dentre as práticas de ensino de leitura está aquela
que se refere às estratégias leitoras, visto que tais estratégias precisam
ser ensinadas pelos professores a fim de evitar que a resposta pronta pre-
domine no estudo de um texto. Ensinam-se estratégias de compreensão
textual para formar leitores autônomos, aqueles que aprendem por meio
da leitura, mantendo relações entre seus conhecimentos prévios e as in-

169
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

formações advindas dos textos (SOLÉ, 1998). Nesse sentido, a professora


Wanda narra sobre suas estratégias no ensino de leitura:

Wanda: […] eu procuro todos os meios possíveis para aproximá-los [os alu-
nos de EJA] da leitura, inclusive trazendo textos que falem muito da vida,
do cotidiano próximo dos deles, trabalho muito com crônicas pra tentar fazer
essa aproximação. As estratégias que eu uso para esse público é exatamente
aquela de fazer os alunos sentirem contato com o texto como alguma coisa
mais concreta porque não têm tempo pra sentar e se deleitar com o livro. Então,
aproveito a sala de aula pra trazer jornais, pequenos livros que eles possam
manusear, ter o contato direto com o texto aqui na escola porque quando eles
saem da escola eles não se deparam com esse tempo, com esse privilégio de
parar pra ler. Pouquíssimos deles a gente pode dizer que fazem isso. Costumo
levar para a biblioteca ou sala de leitura e realizamos oficinas, distribuindo
vários textos para escolherem. Eles fazem a leitura e depois a gente discute
o que construíram, peço para eles exporem as construções para os textos.
Então, tento usar o máximo, uso pelo menos oitenta por cento da minha aula
trabalhando leitura, trabalhando estratégias, trabalhando dicas para leitor e pra
escritor. Algo desse nível! Eu incentivo MUITAS formas de leitura, que eles
assistam a jornais, que eles participem de:::... uso de programas, de revistas
voltadas para o público pra ver se eles conseguem ampliar esse universo da
leitura que é muito restrito para eles.

Entendemos que, na entrevista narrativa, a professora Wanda


escolheu encaminhamentos de leitura que possibilitavam aos alunos
construir sentidos, porém não descreveu as estratégias utilizadas
para esse trabalho: “As estratégias que eu uso para esse público é
exatamente aquela de fazer os alunos sentirem contato com o texto
como alguma coisa mais concreta”. A colaboradora não descreveu
procedimentos para trabalhar a leitura e, segundo Solé (1998, p. 70),
“[…] as estratégias de leitura são procedimentos e os procedimentos
são conteúdos de ensino, então é preciso ensinar estratégias para a
compreensão de textos”. Parece-nos que, para a docente, estratégia
é sinônimo de recurso. Logo, o termo não tem o sentido técnico que
ele tem nas teorias de leitura.

170
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Embora a professora não tenha descrito como encaminhar os alunos


para acessar as estratégias de compreensão leitora, ela foi, ao longo da
sua fala, elencando atividades que, mesmo implicitamente, capacitam
os alunos para empregarem estratégias. Quando afirmou “eu procuro
todos os meios possíveis para aproximá-los da leitura […]”, a professora
manteve postura semelhante com a indicação de que o professor precisa
tornar as fontes de informação acessíveis ao aluno, pois, para ela, isso
facilitará a leitura dos textos. Essa indicação, que consiste na ampliação
do conhecimento de mundo do leitor, está prevista nas estratégias para
alargar a competência leitora, estabelecidas pela Proposta Curricular do
2º segmento de EJA (BRASIL, 2002).
Destaca-se, ainda, outro indício de eleição de estratégias leitoras
em “[…] eu procuro todos os meios possíveis para aproximá-los da
leitura, inclusive trazendo textos que falem muito da vida, do cotidiano
próximo dos deles”. A ampliação de leituras e a aproximação do aluno
de temas que ele já conhece ajudarão a acessar os conhecimentos prévios
fundamentais para fazer previsões sobre o texto (SOLÉ, 1998). Ativar
conhecimentos arquivados por meio de questionamentos, por exemplo,
consiste em uma estratégia de ordem cognitiva.
A professora contou, ainda, que diversificava as orientações pro-
postas a fim de aproximar os alunos da leitura e fazerem reconhecê-las
nos contextos em que se inserem; para isso, fazia uso de gêneros como a
crônica. Quando relatou “[…] eu procuro todos os meios possíveis para
aproximá-los da leitura, inclusive trazendo textos que falem muito da
vida, do cotidiano próximo dos deles, trabalho muito com crônicas pra
tentar fazer essa aproximação”, adequou-se aos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN), pois entendem que todo texto se organiza em deter-
minado gênero por conta das intenções comunicativas que carregam.
Ficou claro que ela parecia tentar selecionar textos de usos sociais mais
frequentes. Podemos pontuar que, ao se preocupar com o trabalho de
percepção das características dos textos, Wanda se integrou ao que os
PCN orientam sobre a necessidade de reconhecer características formais
e funcionais dos gêneros para eleger estratégias para compreendê-los.

171
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Com relação à aproximação do aluno ao mundo a que faz parte,


ao dizer: “[…] textos deles que falem muito da vida, do cotidiano […]”,
a professora foi ao encontro do que Brandão e Micheletti (1997, p. 22)
consideram: “a leitura como exercício da cidadania exige um leitor pri-
vilegiado […] que seja capaz de ultrapassar os limites pontuais de um
texto e incorporá-lo no seu universo de conhecimento de forma a levá-lo
a melhor compreender seu mundo e seu semelhante […]”.
Consideramos oportuna a decisão da professora em disponibilizar
diversos tipos de leitura para os alunos e de lhes dar a oportunidade de
escolhê-los. A Proposta Curricular do 2º segmento de EJA esclarece
que o professor não deve ser o único a escolher os textos, pois é preciso
educar para a liberdade de escolha. Esclarecemos, porém, que as ativi-
dades de construção de estratégias são necessárias, também, para chegar
ao ensino libertador.

12.4 Considerações finais

Talvez o maior atributo do trabalho com narrativas seja o de colocar


os sujeitos com o que Larrosa (2010) chamou de experiência da língua,
ou seja, saber que a nossa língua não nos pertence, que não se submete
a nossa vontade, pois estamos imersos em sistemas de significações que
atravessam tempos, espaços e que nos constituem como subjetividades e
como leitores. A leitura das narrativas das colaboradoras da pesquisa nos
transportou para espaços, sistemas, práticas, sentimentos, afetos, repulsas
experienciadas em nossas próprias memórias de leitura. Esses elementos
são constitutivos também da nossa formação leitora.
Desse modo, afirmamos que os significados que a professora
atribuiu aos fatos não podem ser vistos apenas como sua experiência
privada; são também produto de sistemas comuns de significação, porque
a linguagem não é produto dos agentes individuais; não é apenas algo
intermediário entre o sujeito e o objeto. Esse talvez seja o confronto mais
irremediável do trabalho com narrativas e, ao lado deste, a clareza de que
o homem se constitui nas histórias que conta sobre si, a ele mesmo e aos

172
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

outros. Assim, as narrativas aqui propostas não são meras descrições,


rememorações, única e simplesmente, são o entrelaçamento de consti-
tutividades; são agenciamentos, o que significa dizer que é contando as
nossas próprias histórias que damos a nós mesmos uma identidade.
Enfim, a pesquisa narrativa trouxe significativa compreensão
sobre o ensino de leitura para a professora, pois os discursos produzidos
durante os encontros interativos mostram que foram produzidos a par-
tir de um novo local social, em que se via um olhar mais crítico, mais
analítico, mais atento às várias influências sociais, culturais, ideológicas
materializadas nos textos. Acredita-se, portanto, que a professora saiu
com um olhar que, certamente, proporcionará aos seus alunos a postura
de leitores sociais, ou seja, comunicativamente competentes.

173
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

13

A ELABORAÇÃO COLETIVA DE UM MATERIAL


DIDÁTICO COM BASE EM ATIVIDADES SOCIAIS PARA
EDUCANDOS HAITIANOS DA EJA

Daniela Aparecida Vieira


Cristiane Maria Coutinho Fialho
Silvania Francisca de Jesus
(CIEJA – Perus I)

13.1 Introdução

Com base no conceito de atividade social (VYGOTSKY, 2001


[1923]; LEONTIEV, 1977) e na ideia freireana de que a leitura de mundo
precede a leitura da palavra (FREIRE, 1982), neste capítulo, apresentamos
o processo de elaboração de um material didático voltado a estudantes
haitianos do Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos (CIEJA)
Perus I, que é uma das modalidades de Educação de Jovens e Adultos
(EJA) da cidade de São Paulo.

13.2 O CIEJA

O CIEJA consiste em um equipamento público de ensino fun-


damental da prefeitura de São Paulo. A cidade de São Paulo possui 16
(dezesseis) CIEJAs, os quais são voltados à escolarização das pessoas
que, por diversos motivos e, sobretudo, por vivermos num país marcado

175
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

fortemente pela desigualdade social, não puderam estudar na chamada


“idade certa”. Nesse sentido, são instituições educacionais concebidas
como políticas públicas de caráter reparador.
Por se tratar de uma modalidade da EJA, o CIEJA tem como público-
alvo, majoritariamente, trabalhadores. Daí a necessidade de um atendimento
em vários horários (manhã, tarde e noite); assim, os CIEJAs foram con-
cebidos e constituídos como uma escola exclusivamente voltada a esses
trabalhadores-estudantes (ARROYO, 2017). Ademais, atendem jovens
trabalhadores e adolescentes (a partir de 15 anos de idade) cujo processo
de escolarização, nas escolas regulares, foi marcado por insucessos.
A formação nos CIEJAs tem a duração de quatro anos e estrutura-
se em quatro módulos. Cada módulo dura um ano (200 dias letivos), e
as aulas são desenvolvidas em encontros diários de duas horas e quinze
minutos. Ao final dos quatro módulos, os estudantes concluem o ensino
fundamental.
O CIEJA Perus I foi inaugurado em 2016, sendo, portanto, o
mais novo da cidade. Tem esse nome por estar localizado no distrito de
Perus, entre as zonas norte e oeste, numa região periférica do município
de São Paulo.
Um núcleo migratório de haitianos começou a se formar nesse dis-
trito em 2010 e, com o decorrer dos anos, tornou-se cada vez maior. Esses
migrantes internacionais, embora tenham, de acordo com as leis vigentes
no Brasil, o direito à educação, não encontravam, nessa região, escolas
que os acolhessem. Então, nós, do CIEJA Perus I, desde a inauguração
dessa unidade educacional, procuramos assegurar-lhes tal direito, efe-
tuando a matrícula desses estudantes haitianos e buscando compreender
as suas demandas. Assim, percebemos que a principal demanda deles
era a aprendizagem da língua portuguesa, necessária para que os alunos
pudessem se inserir na sociedade brasileira de maneira que tivessem a
possibilidade de ir em busca de vários outros direitos: trabalho, saúde,
lazer, entre outros.
Desde sua inauguração, o número de matrículas de haitianos nes-
se CIEJA foi aumentando cada vez mais. Atualmente, essa instituição

176
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

possui cerca de 1300 (mil e trezentos) discentes, dos quais quase 700
(setecentos) são haitianos.
A heterogeneidade é uma característica marcante nesse grande
grupo de educandos, que têm diversas faixas etárias: alguns estudantes
haitianos (poucos) sequer são alfabetizados em sua primeira língua (o
crioulo haitiano); outros já concluíram, em seu país, o ensino fundamen-
tal; outros já cursaram o equivalente ao ensino médio brasileiro; e outros
já fizeram cursos de nível superior. Quanto ao conhecimento linguístico,
alguns alunos falam apenas crioulo haitiano, enquanto outros falam essa
língua e francês (língua da escolarização no Haiti), e outros falam, além
dessas duas línguas, inglês e espanhol. As turmas costumam ser bastante
heterogêneas, o que torna o nosso trabalho educacional muito desafiador.

13.3. O grupo de trabalho (GT) de elaboração de materiais


didáticos do CIEJA Perus I

Como vimos, o CIEJA Perus I é um contexto educacional singular:


uma EJA cuja metade do corpo discente é formada por educandos que não
são falantes de português como primeira língua e que têm diversos níveis
de escolaridade. Apesar de haver materiais on-line voltados a alunos
migrantes internacionais, nós, professores do CIEJA Perus I, sentíamos
a falta e a necessidade de um material personalizado, que respondesse
às particularidades de nosso contexto.
Devido a esse grande número de educandos haitianos que procuram
a escola com o objetivo de aprender a língua portuguesa, foi necessária
uma reorganização curricular. Nessa reorganização, estabeleceu-se que os
haitianos recém-chegados ao Brasil e/ou que ainda falassem/escrevessem
pouco em português teriam, exclusivamente, aulas de português como
língua adicional (PLA). O termo “língua adicional”, segundo Leffa e Irala
(2014), refere-se à língua que o discente aprende por acréscimo e que
tem, portanto, como ponto de partida, outras línguas que ele já conhece.
Em 2020, por causa da pandemia, tivemos apenas um mês e meio de
aulas presenciais. Posteriormente, teríamos ministrado aulas on-line se os

177
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

discentes tivessem as condições materiais necessárias para que essas aulas


ocorressem. Como isso não foi possível, tivemos de encontrar outras formas
para que os vínculos entre os educandos e o CIEJA não se rompessem e
para que, ainda que minimamente, eles continuassem em contato com
as atividades escolares. Por isso, criamos grupos no WhatsApp com os
estudantes e, além de postar as atividades didáticas na plataforma Google
Classroom, nós as enviamos aos discentes nesses grupos.
Tais atividades eram elaboradas por nós, professores, e comparti-
lhadas com todos os alunos com quem tínhamos contato pelo WhatsApp.
Todavia, no segundo semestre, por determinação da Secretaria Municipal
de Educação (SME-SP), deveríamos usar, principalmente, o material
Trilhas de aprendizagens, o qual foi produzido por alguns professores
da EJA e por funcionários das Diretorias Regionais de Ensino. Uma
análise desse material evidencia que, além de ter problemas graves de
revisão textual e de conteúdo, o Trilhas não leva em conta os educandos
de outras nacionalidades. Portanto, em nosso contexto educacional, seria
praticamente impossível seguir essa determinação da SME-SP.
Tal material causou indignação, o que levou a primeira autora
deste capítulo a dialogar com a diretora do CIEJA, que sugeriu que
organizássemos um grupo de trabalho que se dedicasse à elaboração de
um material específico para os nossos educandos haitianos da EJA. Foi
assim que nasceu o GT de elaboração de materiais da nossa escola. Esse
grupo conta com a participação de 17 (dezessete) integrantes: docentes, os
dois coordenadores pedagógicos e a diretora da unidade. No GT, temos
professores de todas as disciplinas: português, matemática, ciências, arte,
história, geografia, educação física, inglês e alfabetização.
Assim, as atividades didáticas que já elaboramos e as que ainda ela-
boraremos não são voltadas, exclusivamente, para o ensino-aprendizagem
da língua portuguesa, mas, sim, para um trabalho didático-pedagógico que
busca promover o diálogo entre todas essas disciplinas curriculares. Isso
porque a principal necessidade educacional dos estudantes de outras nacio-
nalidades consiste na aprendizagem do português, porém essa não é a sua
única necessidade, pois temos alunos com diversos níveis de escolaridade.

178
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Para organizarmos esse GT, baseamo-nos numa concepção segun-


do a qual o docente não deveria ser visto como alguém que, simples-
mente, aceita e emprega, em suas aulas, materiais produzidos por outros
profissionais. Pautando-nos em Kumaravadivelu (2006) e em Tomlinson
(2003), podemos dizer que o educador deveria ser visto como um profis-
sional capaz de elaborar seus próprios materiais, sobretudo pelo fato de
que é ele que conhece as singularidades de seus educandos.
Foi com os escopos de fomentar a autoria do professor nesse pro-
cesso de elaboração de materiais e de produzir um material adequado
aos interesses e às necessidades dos educandos haitianos que o referido
GT passou a realizar reuniões semanais, que começaram em setembro de
2020 e se estenderam até dezembro do mesmo ano. Em 2021, em decor-
rência de questões burocrático-administrativas, ainda não conseguimos
dar continuidade a esse processo de elaboração do material; contudo,
pretendemos retomá-lo assim que possível.
Na próxima seção, discorremos sobre o processo em questão, procuran-
do justificar nossas escolhas epistemológicas, que estão atreladas ao conceito
de atividade social (VYGOTSKY, 2001 [1923]; LEONTIEV, 1977) e à ideia
freireana de que a leitura de mundo precede a leitura da palavra.

13.4 A elaboração coletiva de um material didático específico


para educandos haitianos do CIEJA

Para elaborarmos nosso material, tivemos, no total, nove reuniões


com todos os membros do GT. Tivemos, ademais, algumas reuniões com
os minigrupos (subdividimos o grupo em equipes de três ou quatro pes-
soas para otimizar a produção das atividades didáticas). Nessas equipes
menores, havia professores de diferentes áreas do conhecimento e conse-
guimos garantir que, em cada pequeno grupo, houvesse uma professora
de língua portuguesa e uma professora alfabetizadora. Isso porque, como
dissemos, a necessidade educacional principal dos discentes haitianos é
a aprendizagem do português. Ademais, dentre esses nossos alunos, há
alguns que não são alfabetizados; portanto, era importante mantermos
uma professora alfabetizadora em cada minigrupo.

179
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

No processo de elaboração de atividades, procuramos, em larga


medida, contemplar a heterogeneidade dos educandos quanto ao seu ní-
vel de conhecimento do português e ao seu nível de escolaridade. Dessa
forma, estabelecemos que as atividades seriam para:

• estudantes que não são alfabetizados sequer em sua primeira língua (o


crioulo haitiano);

• discentes que são alfabetizados, mas ainda não falam/não escrevem


em português;

• alunos que falam/escrevem em português, ainda que minimamente;

• educandos que já falam/escrevem bastante em português.

Também definimos que a base para a elaboração das atividades


didáticas seriam as atividades sociais. Segundo Vieira e Liberali (2021,
p. 63), as atividades sociais mostram-se

como uma possibilidade de atender, em larga medida, às ne-


cessidades socioculturais, linguísticas e educacionais desses
alunos. Isso porque um currículo pautado em atividades sociais
baseia-se nas experiências de vida dos discentes, visando
propiciar a participação plena deles em todas as atividades de
que eles participam/precisam participar.

O conceito de atividade social é o cerne da Teoria da Atividade


Sócio-Histórico-Cultural (TASHC), desenvolvida por Vygotsky (2001
[1923]) e Leontiev (1977) e com extensões posteriores de Engeström
(2011). Essa teoria “focaliza o estudo das atividades em que os sujeitos
estão em interação com outros em contextos culturais determinados e
historicamente dependentes” (LIBERALI, 2009, p. 11-12).
No que concerne ao conceito de atividade, Leontiev (1977) es-
clarece que se trata de um conjunto de ações realizadas pelos sujeitos

180
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

para alcançar determinado objetivo/motivo que satisfaça as necessidades


deles. De maneira muito sucinta, pode-se dizer que as atividades sociais
são as atividades da vida cotidiana, das quais os sujeitos precisam (e/ou
querem) participar em seu dia a dia.
Escolhemos trabalhar com as atividades sociais, porque todos os
estudantes precisam, de fato, saber (inter)agir nessas atividades para
que possam integrar-se à sociedade brasileira. Aqui, não empregamos
o termo “integrar-se” no sentido assimilacionista, isto é, com a ideia de
que os educandos migrantes devam abandonar a sua língua/cultura para
adaptar-se à língua majoritária e à cultura do Brasil. Usamos o termo
“integrar-se” para indicar que, por meio do trabalho com atividades so-
ciais, os discentes podem passar por um “processo de ajuste de repertórios
culturais e sociais” (ANUNCIAÇÃO, 2017, p. 9), processo em que os
elementos socioculturais dos migrantes (dos quais também faz parte a
sua língua) são valorizados.
Visando a essa valorização da língua/cultura dos alunos haitianos,
na produção de muitas das atividades didáticas, procuramos propor
comparações entre a língua portuguesa e a língua crioula haitiana, entre
a cultura brasileira e a cultura haitiana, bem como reflexões sobre as
próprias experiências/vivências dos estudantes.
Até dezembro de 2020, produzimos atividades didáticas baseadas
em duas atividades sociais: “procurar um emprego” e “ir ao médico”.
Em alguns momentos dessa produção, contamos com a participação dos
educandos: solicitamos que alguns deles fizessem algumas traduções de
palavras/frases para colocarmos em determinadas atividades; consultamos
alguns estudantes para saber que tipo de letra eles preferiam no material
(apenas letras maiúsculas; letras maiúsculas e minúsculas etc.); também
os consultamos para que nos dissessem o que, em sua opinião, o material
deveria conter.
Infelizmente, não nos foi possível consultar todos os alunos, até
porque estamos em contato com menos de 50% deles; mas, ainda assim,
conseguimos contar com alguma participação discente na elaboração de
atividades cujo público-alvo são eles próprios.

181
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Não temos a pretensão de elaborar um material perfeito, pois isso


não seria possível; pretendemos, contudo, elaborar um material que
atenda, em larga medida, às necessidades e aos interesses dos nossos
estudantes. Para que esse propósito seja alcançado, estamos trabalhando
coletiva e colaborativamente na produção das atividades, que se encon-
tram, atualmente, em versão preliminar. Essas atividades didáticas pas-
sarão, em breve, por uma revisão textual e de conteúdo, além de serem
formatadas para que haja certa padronização entre elas.
Na elaboração de todas as atividades didáticas e, principalmente,
nas que são voltadas aos educandos haitianos em processo de alfabe-
tização (a quem foi roubado o direito de aprender a ler e escrever em
crioulo haitiano, sua primeira língua), procuramos nos pautar, também,
nesta ideia freireana:
[…] a compreensão crítica do ato de ler não se esgota na deco-
dificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas
se antecipa e se alonga na inteligência do mundo. A leitura do
mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura
desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele
(FREIRE, 1982, p. 9).

Gostaríamos que esses estudantes também pudessem aprender a


ler e a escrever não só em português, mas também em sua primeira lín-
gua. Todavia, como nenhum de nós, docentes, conhece suficientemente
o crioulo haitiano, isso seria impraticável. Apesar disso, em muitas das
atividades produzidas para tais alunos, procuramos, sempre que possível,
colocar ao menos algumas palavras escritas nessa língua e, para tanto,
contamos com a valiosa colaboração dos estudantes haitianos que já têm
mais familiaridade com o português.
Dessa forma, intentamos que, mesmo que minimamente, nossos
educandos haitianos em processo de alfabetização pudessem ter contato
com a escrita em sua primeira língua. É o que se pode ver, por exemplo,
nas atividades didáticas da Figura 1, que são pautadas na atividade social
“procurar um emprego” e foram elaboradas por nosso GT com base na
pintura “Operários” de Tarsila do Amaral.

182
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Figura 1 – Atividades didáticas para educandos haitianos do CIEJA

1. ESTAS SÃO ALGUMAS DAS PALAVRAS QUE VOCÊ PODE USAR


PARA FALAR DESSE QUADRO DE TARSILA DO AMARAL. VAMOS
LÊ-LAS?

CRIOULO HAITIANO PORTUGUÊS


MOUN YO PESSOAS
TRAVAYÈ YO TRABALHADORES
TRAVAYÈ MANYÈL OPERÁRIOS
FAKTORI FÁBRICA
FATIG CANSAÇO
TRISTÈS TRISTEZA
DESESPWA DESESPERANÇA
EKSPLWATASYON NAN TRAVAY EXPLORAÇÃO NO TRABALHO

2. NA OBRA “OPERÁRIOS”, TARSILA DO AMARAL RETRATA


TRABALHADORES EXPLORADOS NAS FÁBRICAS. VOCÊ TAM-
BÉM JÁ FOI EXPLORADO(A) NO SEU TRABALHO? QUAL ERA O
SEU TRABALHO? SE PUDER, COMENTE UM POUCO SOBRE ESSA
EXPERIÊNCIA. VOCÊ PODE COMENTÁ-LA EM PORTUGUÊS E/OU
EM CRIOULO HAITIANO.

Na primeira atividade mostrada acima, buscamos possibilitar aos


educandos haitianos o contato com a escrita e com a leitura não só na
língua portuguesa, mas também no crioulo haitiano, de modo que eles
pudessem se apropriar, ainda que minimamente, da leitura e da escrita
em sua primeira língua. Segundo Freire (1974, 1982), ao aprenderem
a ler e a escrever em sua língua, os educandos aprendem a dizer a sua
palavra, então, o nosso objetivo consistia em garantir a esses estudantes
o direito à sua própria palavra.

183
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Tal escopo também é pretendido na segunda atividade, em que se


propõe que os alunos se expressem oralmente em sua primeira língua e/
ou em português, que, para eles, é uma língua adicional. Ao fazer essa
proposta, pretendemos, ademais, visibilizar e valorizar igualmente as
duas línguas.
Como se pode ver, essas atividades foram redigidas em letras
maiúsculas e em fonte tamanho 14 (que é maior do que a convencional).
Fizemos questão de escrevê-las assim para atender às sugestões dos pró-
prios discentes, alguns dos quais nos disseram que tinham dificuldade
para ler palavras escritas no tamanho 12.
Além disso, as duas atividades didáticas dialogam com a realidade
vivenciada, infelizmente, por muitos de nossos educandos haitianos e
brasileiros da EJA. Portanto, em ambas, temos o propósito de fazer com
que eles reflitam criticamente sobre a realidade em que vivem e possam
buscar maneiras de transformá-la (FREIRE, 1974). Nesse sentido, as
experiências de vida dos educandos e, por conseguinte, a sua leitura de
mundo (FREIRE, 1982), são evocadas nessas atividades didáticas, visan-
do contribuir para que eles desenvolvam a leitura da palavra ao mesmo
tempo em que problematizam essa realidade de exploração laboral.

13.5 Considerações finais

Neste capítulo, descrevemos sucintamente o CIEJA Perus I e dis-


corremos sobre parte de seu corpo discente: educandos haitianos com
diferentes níveis de escolaridade e de conhecimento da língua portuguesa.
Discorremos, também, sobre o GT de elaboração de materiais dessa
unidade educacional, grupo que está produzindo um material específi-
co para os discentes haitianos. Esse material tem buscado contemplar,
sobretudo, a necessidade de aprendizagem da língua portuguesa desses
alunos, mas também tem visado ao diálogo entre todas as disciplinas
curriculares da EJA.
Para mostrar um pouco desse material, que está em processo de
elaboração, expusemos duas atividades didáticas que farão parte dele e

184
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

que se baseiam na atividade social (VYGOTSKY, 2001 [1923]; LEON-


TIEV, 1977) “procurar um emprego”. Baseiam-se, outrossim, na ideia
freireana de que a leitura do mundo precede a leitura da palavra.
Essa leitura crítica, proposta por Freire (1982), envolve decodifi-
cação, mas vai muito além dela e diz respeito à construção de sentidos
e significados a partir das próprias experiências vivenciadas, a partir da
própria relação do sujeito com o mundo. Com base nessas experiências,
durante o processo de alfabetização, os educandos (migrantes interna-
cionais e brasileiros), aos poucos, se apropriam da leitura e da escrita.
Nesse processo de apropriação, eles aprendem a dizer a sua palavra.
Dizer a sua própria palavra é um direito de todos, afirma Freire (1982).
Todavia, sabemos que, num país marcado pela desigualdade social, como
o Brasil, esse direito é negado a tantas pessoas, que, por não poderem
dizer a sua própria palavra, acabam sendo impossibilitadas de exercer
tantos outros direitos.
A nós, professores da EJA, cabe lutar, junto com os educandos (e
não em lugar deles), para que todos esses direitos que lhes foram negados
sejam, de fato, exercidos. Como docentes, temos o dever de propiciar
condições para que todos os estudantes da EJA conquistem o direito de
aprender a dizer a sua palavra.
Durante esse processo (que está em andamento) de elaboração de
um material específico para os educandos haitianos, foi-nos possível notar
que esse material poderá ser empregado não apenas nas aulas destinadas
aos alunos haitianos, mas também aos brasileiros. Isso porque todos os
discentes precisam participar de forma mais plena de variadas ativida-
des sociais (VYGOTSKY, 2001 [1923]; LEONTIEV, 1977) e precisam
aprender a dizer a sua palavra (FREIRE, 1974, 1982).
Ademais, assim como os estudantes haitianos têm o direito e a
necessidade de aprender o PLA, os alunos brasileiros também têm o
direito de conhecer, mesmo que pouco, o crioulo haitiano como língua
adicional. Assim, todos os educandos terão a oportunidade de ampliar
as suas possibilidades de construir sentidos e significados e de (inter)
agir no mundo.

185
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Portanto, ao usar na sala de aula o material que estamos elaborando,


esperamos oferecer aos educandos haitianos e brasileiros, num processo
crítico, colaborativo e dialógico, condições para que sejam construídas
pontes entre a leitura de mundo que eles trazem consigo e a leitura da
palavra, tanto em português quanto em crioulo haitiano.

186
multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

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Sobre os autores

Allan de Andrade Linhares. Professor da Universidade Federal do Piauí. Doutor


em Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
E-mail: andrades55@hotmail.com

Ana Lúcia Tinoco Cabral. Professora Colaboradora do Programa de Mestrado


Profissional em Letras em Rede Nacional – ProfLetras USP. Doutora em Língua
Portuguesa pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua Portuguesa da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
E-mail: altinococabral@gmail.com

Barbara Falcão. Pesquisadora, autora e professora da rede municipal de São Pau-


lo. Mestra em Letras pelo Programa de Mestrado Profissional em Letras em Rede
Nacional – Profletras na Universidade de São Paulo.
E-mail: professorabarbarafalcao@gmail.com

Beatriz de Oliveira Matos. Graduada em Letras Português pela Universidade


Federal de Sergipe.
E-mail: bibiaoliveiram@gmail.com

Calyne Porto de Oliveira. Graduada em Letras Português pela Universidade Federal


de Sergipe.
E-mail: calyne.ufs@gmail.com

Cintia Camargo. Mestre em Letras pelo Programa de Pós-Graduação da Universi-


dade Presbiteriana Mackenzie.
E-mail: cintiacamargoeduc@gmail.com

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multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Cristiane Maria Coutinho Fialho. Professora de Português no CIEJA Perus I, São


Paulo. Graduada em Letras.
E-mail: cristianemariafialho@gmail.com

Daniela Aparecida Vieira. Professora da rede pública municipal de ensino de São


Paulo desde 2002. Doutora e mestra em Letras pela Universidade de São Paulo (USP).
E-mail: daniela.apvieira@yahoo.com.br

Elias Paulino da Cunha Junior. Professor da Universidade Federal de São Paulo


(UNIFESP). Doutorando em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela
PUC-SP. Mestre em Educação. PROLIBRAS em Ensino.
E-mails: cunha.junior@unifesp.br eliasprofessorlibras@gmail.com

Fabricia Pereira Teles. Professora da Universidade Estadual do Piauí. Doutora em


Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo.
E-mail: fabriciateles@phb.uespi.br

Fernanda Coelho Liberali. Professora da PUC-SP, no Departamento de Ciências


da Linguagem e Filosofia, no PEPG em LAEL, no PEPG em Educação: Formep e
no PEPG em Educação: Currículo. Doutora em Linguística Aplicada e Estudos da
Linguagem pela PUC-SP.
E-mail: liberali@uol.com.br

Iranara Saraiva Alves Feitoza. Professora e formadora de professores alfabetiza-


dores na Rede Municipal de Guarulhos. Mestra em Educação pela Pontifícia Uni-
versidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pelo programa FORMEP – Formação
de Formadores.
E-mail: iranara.saraiva@gmail.com

Isabel Cristina Michelan de Azevedo. Professora da Universidade Federal de Ser-


gipe. Doutora em Letras pelo Programa de Pós-Graduação em Filologia e Língua
Portuguesa da Universidade de São Paulo.
E-mail: iazevedo@academico.ufs.br

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multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Isabela Silva de Oliveira. Graduanda em Letras (Português-Inglês) pela Universi-


dade de São Paulo.
E-mail: isa98oliveira@gmail.com

Janayna Bertollo Cozer Casotti. Professora da Universidade Federal do Espírito


Santo. Doutora em Letras-Estudos Linguísticos pelo Programa de Pós-Graduação
em Letras da Universidade Federal Fluminense.
E-mail: janaynacasotti@gmail.com

Joyce Kelly Alves dos Santos. Professora da Rede Estadual de Sergipe. Mestre
pelo Profletras.
E-mail: joycekelly-jk@hotmail.com

Nordeci de Lima Silva. Professora de educação básica nos anos iniciais do ensino
fundamental na rede pública municipal de São Bernardo do Campo/SP. Mestra em
Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pelo pro-
grama FORMEP – Formação de Formadores (2019).
E-mail: nordeci.ls@gmail.com

Paulo Roberto Gonçalves-Segundo. Professor da Universidade de São Paulo. Doutor


em Letras pelo Programa de Pós-Graduação em Filologia e Língua Portuguesa da
Universidade de São Paulo.
E-mail: paulosegundo@usp.br

Raquel Meister Ko. Freitag. Professora da Universidade Federal de Sergipe. Doutora


em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina.
E-mail: rkofreitag@academico.ufs.br

Renata Palumbo. Professora da Faculdade Sesi de Educação de São Paulo. Doutora


em Letras pelo Programa de Pós-Graduação em Filologia e Língua Portuguesa da
Universidade de São Paulo.
E-mail: prof.renata.palumbo@gmail.com

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multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Sandra Cavaletti Toquetão. Coordenadora Pedagógica (PMSP). Pesquisadora


do Grupo Políticas Públicas da Infância – PUC-SP e Linguagem em Atividade no
Contexto Escolar (LACE – PUC-SP). Doutoranda em Ciências Sociais e Mestre em
Educação: Formação de Formadores (PUC-SP).
E-mail: sandracavaletti@gmail.com

Sarah Bento. Professora de Língua Portuguesa – Ensino Fundamental II – anos


finais. Doutoranda em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Educação: Formação de Formadores
(PUC-SP).
E-mail: sarahbsantos90@yahoo.com.br

Shirlei Nadaluti Monteiro. Formadora da Soma Assessoria Educacional e professora


da Rede Municipal de Educação do Município de São Paulo. Pesquisadora do Grupo
Políticas Públicas da Infância – PUC-SP. Doutoranda em Psicologia da Educação e
Mestra profissional em Educação: Formação de Formadores (PUC-SP).
E-mail: shirleinmont@yahoo.com.br

Sidney Silva Martins. Graduado em Letras Português pela Universidade Federal


de Sergipe.
E-mail: sidneymartinsletras@gmail.com

Silvania Francisca de Jesus. Professora nas redes municipal e estadual de ensino


de São Paulo. Doutoranda pelo Divérsitas (FFLCH-USP). Mestra profissional em
Educação: Formação de Formadores (FORMEP/PUC-SP).
E-mail: sylvanya40@gmail.com

Talita Santos Menezes. Doutoranda em Letras pela Universidade Federal de Sergipe.


Mestre em Letras pela Universidade Federal de Sergipe.
E-mail. menezestalita@hotmail.com

Toni Silva Demambro. Tradutor e intérprete de LIBRAS na PUC-SP. Membro


do Grupo de Pesquisa Linguagem em Atividades no Contexto Escolar (GP LACE/
CNPq/PUC-SP). Mestre em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem PUC-SP.
E-mail: tonidemambro@gmail.com

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multiletramentos, práticas de leitura e compromisso social

Vanesca Carvalho Leal. Doutoranda em Letras pela Universidade Federal de Ser-


gipe. Mestre em Letras pela Universidade Federal de Sergipe.
E-mail. vanesca_letras6@hotmail.com

Viviane Letícia Silva Carrijo. Pesquisadora-formadora no Grupo de Pesquisa Lin-


guagem em Atividades no Contexto Escolar (GP LACE/CNPq/PUC-SP). Doutora
em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem.
E-mail: vivinice@gmail.com

Zilda Gaspar Oliveira de Aquino. Professora Pesquisadora Sênior da Universidade


de São Paulo. Doutora em Letras pelo Programa de Pós-Graduação em Semiótica e
Linguística Geral da Universidade de São Paulo.
E-mail:ziaquino@usp.br

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