Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
CONSELHO EDITORIAL:
Angela B. Kleiman
(Unicamp – Campinas)
Clarissa Menezes Jordão
(UFPR – Curitiba)
Edleise Mendes
(UFBA – Salvador)
Eliana Merlin Deganutti de Barros
(UENP – Universidade Estadual do Norte do Paraná)
Eni Puccinelli Orlandi
(Unicamp – Campinas)
Glaís Sales Cordeiro
(Université de Genève – Suisse)
José Carlos Paes de Almeida Filho
(UNB – Brasília)
Maria Luisa Ortiz Alvarez
(UNB – Brasília)
Rogério Tilio
(UFRJ – Rio de Janeiro)
Suzete Silva
(UEL – Londrina)
Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva
(UFMG – Belo Horizonte)
PONTES EDITORES
Rua Dr. Miguel Penteado, 1038 – Jd. Chapadão
Campinas – SP – 13070-118
Fone 19 3252.6011
ponteseditores@ponteseditores.com.br
www.ponteseditores.com.br
A COMISSÃO 11
TERRA EM “TORTO ARADO”: REFLEXÕES TRAZIDAS PARA A EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA CRÍTICA 151
Rosane Rocha Pessoa
Julma Vilarinho Borelli
AUTOBIOGRAPHIES, ELF FEITO NO BRASIL AND PEDAGOGICAL ACTIVISM IN THE ELT CLASSROOM 185
João Victor Schmicheck
1 Essa apresentação está reproduzida no livro “Decolonialidade e Linguística Aplicada” pois, como livros-irmãos, os dois
fazem parte de uma mesma ação desenvolvida pela Comissão Organizadora do evento que deu origem a ambos os li-
vros, como explicamos no decorrer do texto.
2 Optamos por utilizar linguagem não-binária num exercício de alteridade e empatia. Embora saibamos que essa escolha
pode causar estranhamento em algumes leitorus, preferimos arriscar causar tal estranhamento a reforçar a invisibili-
dade conferida a pessoas que não se identificam com os gêneros masculino e/ou feminino. Conscientes da polêmica
em torno do gênero gramatical masculino ser um gênero vazio (e portanto alegadamente neutro), preferimos reforçar,
com o uso da linguagem não-binária nesta Apresentação, que mais nos importa a percepção sociocultural da linguagem
em sua performatividade do que questões “puramente linguísticas”, até porque a linguagem, sendo sempre política,
não pode ficar dissociada das pessoas que lhe dão existência.
7
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
8
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
seu diálogo com as apresentações e discussões no evento de forma mais explícita do que outros;
certos capítulos se debruçam mais em questões teóricas, outros ressaltam experiências vividas;
há textos que refletem diretamente a perspectiva do evento sobre as relações (im)possíveis entre
a Linguística Aplicada e a (de)colonialidade, enquanto outros nem tanto, mas cabem neste livro
mesmo assim, pois não queremos silenciar a diversidade de olhares sobre campos tão diver-
sos e complexos quanto esses. Além disso, os capítulos também são diferentes entre si quan-
to ao seu formato: alguns são textos escritos em moldes mais facilmente identificados com a
escrita acadêmica, enquanto outros são transcrições das falas do DELA ou, ainda, slides co-
mentados. Cremos que essa diversidade ajuda a reforçar o que pensamos sobre uma academia
que busca desenvolver ações, iniciativas e projetos decoloniais – uma vez que, como defendido
por Mignolo (2021), por exemplo, não seria possível decolonizar de todo a academia, já que
ela se constitui como produto da modernidade/colonialidade e assim, uma vez decolonizada,
seria inteiramente outra coisa, perdendo seu caráter de academia como a conhecemos.
Enquanto organizadorus, nos dividimos apenas pro forma nos dois livros, pois trabalha-
mos em conjunto comentando todos os textos, independentemente do livro em que apareceriam.
Também tomamos as nossas decisões em conjunto sobre como organizar os textos nas obras:
optamos por apresentá-los conforme a ordem cronológica das apresentações no DELA, mesmo
considerando que nem todas as pessoas convidadas e que efetivamente participaram do DELA
conseguiram enviar seus textos para publicação. Nossa sugestão a todes foi de que, nos casos
em que a revisão dos textos apresentados ou a transposição de suas falas para a escrita não fosse
possível, realizássemos nós mesmes uma transcrição de suas falas no evento para publicar aqui,
e assim o fizemos em alguns casos: quando pertinente, portanto, acrescentamos essa informa-
ção no início de cada um dos capítulos.
Outra observação que nos parece pertinente fazer nessa apresentação é sobre as introdu-
ções a cada um dos livros. Elas foram escritas por convidades, conforme sugestão da comissão
organizadora durante o processo de organização, por serem pesquisadorus que têm tensionado
a Linguística Aplicada à luz de suas experiências e entendimentos de (de)colonialidade, justa-
mente um dos propósitos desses livros. Tal tensionamento, nos parece, ficou bastante evidente
nos textos que produziram para os livros do DELA.
A penúltima observação a fazer é sobre essa apresentação, que vai reproduzida nos dois
livros, uma vez que as diretrizes seguidas pela comissão para organizar ambos foram as mesmas
e, portanto, nos pareceu natural repeti-la.
Como resultado disso tudo, temos dois livros com capítulos em formatos variados e com
enfoques também variados. Esperamos que gostem.
9
A COMISSÃO
Vamos finalizar essa apresentação com nossos loci de enunciação. Sabemos da impor-
tância de conhecer elementos que, em nossas vidas pessoais e acadêmicas (cuja distinção talvez
não seja tão fácil quanto parece), ajudam a entender de onde falamos e de onde viemos (não
necessariamente para onde vamos). É por isso que trazemos a seguir os textos que escrevemos,
cada membro da comissão, para nos apresentarmos no DELA em 2021. Eles têm uma proposta
de hibridizar o pessoal e o público, o particular e o profissional.
11
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Solteira, numa parceria estável há mais de 20 anos; tutora de três gatos – dois felinos e um humano,
todos apaixonantes; tem estudado música e canto lírico para enlouquecer um pouco mais depois
de aposentada. Continua lecionando, pesquisando e orientando na área de linguística aplicada dentro
da pós-graduação em letras na UFPR, com interesse especial em pós estruturalismo, inglês como língua
franca/internacional e práxis decolonial.
É doutoranda em Letras (Estudos Linguísticos) pela UFPR, mestre em Letras (Literatura) pela UESPI
e professora de língua inglesa no Colégio Técnico de Floriano (UFPI). Em Linguística Aplicada, seus
interesses atuais permeiam temas como letramento crítico, letramento racial crítico, questões de identidade,
interculturalidade e " educação como prática de liberdade". Uma mente em processo de decolonização.
Denise A. Hibarino
(Doutora em Linguística Aplicada, docente e pesquisadora na UFPR)
Sou aquilo que faço e acredito. Observo e analiso mais do que falo. Entrego, confio, dou uma surtada
e agradeço – nem sempre nessa ordem 😊
12
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Filho, pai, esposo, irmão, tio, tocador de violão e percussão, amante de viagens e de música (cervejas
e vinhos aos fins de semana). Professor (e sempre estudante) de linguística aplicada.
Phelipe Cerdeira
(Doutor em Letras, docente e pesquisador na UERJ)
Entre literatura e história, sou também o outro atravessado pelo entrelugar, escrito e falado com a língua
castelhana. Invadido pela curiosidade, vivo a descoberta contínua da sala de aula, escuto o hallazgo
do coração.
Marcos Nogas
(Licenciado em Letras-Polonês na UFPR)
13
SOUTHERN APPROACHES TOWARD LANGUAGE:
GOING BEYOND ANTHROPOCENTRIC ORIENTATION TO
LANGUAGE AND COMMUNICATION RESEARCH
Sinfree Makoni
Penn State University
Cristine Severo
Universidade Federal de Santa Catarina
Introduction
Disciplinary decadence, as we have seen, is the process of critical decay within a field or disci-
pline. In such instances, the proponent ontologizes his or her discipline far beyond its scope.
Thus, a decadent scientist criticizes the humanities for not being scientific; a decadent literary
scholar criticizes scientists and social scientists for not being literary or textual [...] (GORDON,
2015, p. 48).
15
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
“tree communication,” “trans-species communication”, and “city talk” as other genres of analysis
in the expansion of approaches to language which we are seeking to decolonize.
How does water shape our conceptual images of language in the Global South? It is re-
levant to frame language using water because the planet is largely water, and every one of us is
approximately 80% water; thus, water is not out there, it is “in us” (NEIMANIS, 2017). Further,
it is important to consider water because what we think water is has an impact on how we shape
and treat it as well as how we frame language. Waterscape epistemology, or “wet epistemology”
and “liquid materiality” (STEINBERG; PETERS, 2015) mark a dramatic shift from the percep-
tion of language as single rooted monolingual speaker to that of a multilingual migrant: ‘Wet
epistemology’ encapsulates the paradoxical relationship between liquidity and solidity. We seek
to explore the implications of such epistemology to the notion of language, as the following:
“Water needs riverbanks or coastlines to be perceived. These are not limitations but neces-
sary for an orientation in the endless vastness of the ocean. The same holds true for languages
and their interaction. Fluidity has to be complemented by solidity, and vice versa. Water always
contains soil in some form and land is always permeated by water” (GUILDIN, 2020, p. 228).
Following Steinberg and Peters (2015), we will not only treat the sea as a background
against which we frame language, but also investigate the impact of the “seaness of the sea”
(HOFMEYER, 2020) on our framing of language. The ocean provides a fertile environment
for reconceptualizing our understandings of space, time, movement, and the experiences of being
in a transformative and mobile world. Liquid materiality allows for novel ways of thinking,
not only about water, but also with and through the land.
We argue that critical perspectives can be gained by taking the ocean’s liquidity seriously.
Nevertheless, we also are self-critical. We question the basis of wet ontology, particularly the dis-
tinction between land and ocean, for the ocean is not simply liquid, it is also solid (ice) and air
(mist). It generates winds, which transport smells, and these may travel miles inland. Although
earlier attention to the ocean’s liquidity was a necessary antidote to surficial ontology, we take
the discussion further by exploring what emerges if, instead, we were to approach the ocean
as offering more than wet ontology, wherein its fluid nature is continually produced and dissipa-
ted (STEINBERG; PETERS, 2015). Giving attention to wet ontology and going beyond it affect
how we frame language because there are “diverse approaches to writing about or of the sea sha-
pe, the way we engage with the sea, and our relationship with the sea” (STEINBERG; PETERS,
2015, p. 1). In other words, the wet ontology, in writing in the Global South, has an impact
on our daily engagement with seaness and oceanness. We also compare different approaches
to wet ontologies, including (a) indigenous (b) urban, and (c) in relation situations of conflict.
16
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
The notion of oww [One-World World] signals the predominant idea in the West that we all live
within a single world, made up of one underlying reality (one nature) and many cultures. This
imperialistic notion supposes the West’s ability to arrogate for itself the right to be “the world”
and to subject all other worlds to its rules, to diminish them to secondary status to nonexistence,
often figuratively and materially. It is a very seductive notion.” (ESCOBAR, 2018, p. 86).
The objective of our introduction is to argue that another world of language scholarship
is possible — that it is feasible to move beyond the oww. Movement beyond the oww is possible
if we create a path and walk it together with human and other “human Earth-beings,” including
trees and other species. Movement beyond the oww demands that we consider social and lin-
guistic phenomena from “other” epistemological and ontological perspectives and build know-
ledges from below, from the grassroots, and, in some cases, from below trees in forests.
This development of epistemologies, ontologies, and knowledges from below requires re-
-linking, which is different from de-linking. Re-linking is a radically different move, as it invol-
ves the cultivation of worlds rooted in an engagement with other than “human Earth- beings.”
“Relinking also implies acting in and with all the other Earth-beings. This means that trees, sto-
nes, our ancestors, the elements can be categorized as social” (SUÁREZ-KRABBE, 2020, n.p.).
If trees are all part of the social, sociolinguistics will involve investigating how trees interact with
each other (what may be referred to as tree talk) or how humans interact and communicate with
other species that are not human but are our other fellow Earth-beings. Investigations into tree
talk and interactions between humans and other species, including, for example, dogs, or in-
teracting among different species who find themselves sharing the same space will, therefore,
constitute an indispensable part of a project of studying language in the Global South — a pro-
ject that seeks to go beyond an anthropocentric orientation to language and communication
research.
One example of how the debate on the limits of anthropocentrism may contribute to ex-
pand our concept of language has to do with a critical subarea of music studies named eth-
nomusicology, which problematizes universal aspects of music, such as the idea of absolute
and pure music: “What is this essence that so powerfully discriminates between what is and
is not Music?” (CHUA, 1990, p. 4). The concept of music is political since it favors and legiti-
mizes certain sounds in detriment to others. The underlying discussions on the concept of mu-
sic include questioning the limits between nature and culture in the definition of what counts
as music. The idea of zoömusicology, for example, recognizes that animals carry an aesthetic
function. This means that animal songs cannot be reduced to a repetitive, intrinsic and mechan-
ical practice. Rather, the acoustic environment may influence the way certain animals produce
17
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
signals, such as grasshoppers; also, there are several “disordered sounds” produced by insects,
fish, mammals and birds that do not fit the traditional taxonomy (MÂCHE, 1993).
Anthropocentrism has contributed to create an ideology of human sound as being differ-
ent from animal noise, in which the former’s rational and ordering dimension worked as a crite-
ria to define the meanings and limits of music. Actually, the balance between order and disorder
that characterizes most animal’s acoustic signals is one core aspect of musical traits (MÂCHE,
1993). Another example is the notion of entomusic, concerning how music can be made by, with
or for insects, such as the project carried out by the Brazilian musician Pedro Filho Amorim
(2021) who produced a concert for the insects following two steps: first, recording and codifying
the insect sounds in specific soundscape, by detecting a wide range of ultrasound, and second,
converting human music phonograms into sounds appreciable by insects. Such concert for the
insects also problematizes human notions of listening, by expanding its limits to integrate sev-
eral sounds that generally cannot be processed by human ears.
Technology allied to animal sounds and human’s sensibility may contribute to expand
our capacity to comprehend and interact with the world beyond the limits of our senses, even
though we may continuously interrogate “To what extent can one ever apprehend the sensory
world of the ‘other’?” (CLASSEN; HOWES, 2006, p. 201). Concerning the role played by tech-
nology in contemporary and future times, it is worth mentioning Lovelock’s thesis (2019) on the
emergence of an age of hyperintelligence, the novacene, which would surpass the age of anthro-
pocene. For Lovelock, the novacene has already started and can be defined by how technology
moves beyond our control, generating intelligences far greater and much faster than our own
(APPLEYARD, 2019). It differs from technoceno because at the present time of novaceno human
beings and technology are impelled to work together in favour of life (SCARANO, 2019).
The ethical dimension concerning the use of technology will be under continuous debate,
mainly because “The world of the future will be determined by the need to ensure Gaia’s sur-
vival, not by the selfish needs of humans or other intelligent species” (LOVELOCK, 2019, p.
88). Gaia is understood by Lovelock as a “single living organism” (LOVELOCK, 2019, p. 21),
which means that nature and human beings are not independent, separate and autonomous
entities, but are internally connected, communicating at several levels with each other. Such in-
terconnectedness also characterizes the African philosophy of Ubuntu which “speaks to the idea
of non-isolationism of man from everything and everyone around him, including nature. What
this portends is that a man is never complete or whole in himself ” (OJAKOROTU; OLAJIDE,
2019, p. 29). We argue that the ethical dimension becomes a core criteria to define what counts
as communication in decolonization and Southern spistemologies.
The concept of communication cannot be limited to the linear production of speech nor be
dependent on an abstract concept of language as verbal sign. Decolonial and Southern concepts
of language are concerned with notions of communication that transcend an anthropocentric
18
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
perspective that reduces language to abstract, rational, individualistic and cognitive realities.
This means we should be able to problematize the concept of language underpinning modern
notions of rationality:
The form of speech lay behind the mistake we made in continuing to reason classically and put
the exceptions that science revealed – like quantum theory – into different worlds that appeared
to coexist with us. We made this mistake because of the nature of speech, either spoken or writ-
ten, combined with the tendency of human thought to break things down into their component
parts (LOVELOCK, 2019, p. 83).
19
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
the equivalent of nature’s internet: “wood wide web.” When the mother (the oldest) tree is dying,
it dumps resources so that they can be provided to younger trees. Trees, according to Simard,
should be construed as a superorganism that can chat and exchange information within the same
species and, at times, even across different species through fungi. Mycorrhizas allow not only
for tree fungi symbiosis but also for communication between trees. Simard draws parallels be-
tween tree communication and neural networks in the human brain. Trees can use chemicals
to communicate to warn their neighbors that an attack is imminent, so they should protect
themselves. From such a perspective, trees should not be seen as solitary actors but as “chatty,”
big superorganisms.
Trans-species Pidgins
Kohn (2013) investigates the nature of communication between humans and dogs, which
he refers to as “trans-species” communication. Trans-species communication is a type of pid-
gin, analogous to “motherese,” which is a distinctive type of language that caregivers use when
interacting with children. A trans-species pidgin, although it facilitates communication across
species, for Kohn, between dogs and humans, puts the brakes on processes which render it di-
fficult to establish firm boundaries between different kinds of being. By using a trans-species
pidgin that is characterized by reduced grammatical structure, boundaries between humans
and, in Kohn’s case, with dogs are retained even though reduced and are not collapsed. By using
trans-species pidgins to put the brakes on blurring boundaries between humans and dogs, Kohn
implicitly concurs with Descola’s (2013).
Firm distinctions between humans and non-humans, nature and culture, may be ethno-
centric because there is no universally agreed criteria of what constitutes human (DESCOLA,
2013), where being human ends and being non-human starts, and what constitutes personhood.
If we are to frame either Linguistics or Applied Linguistics that goes beyond being human, it is
necessary to understand what it means to be human, theoretically and ideologically. Ingold
(2015) frames what it means to be human and what it means to be alive through his notion
of lines. He argues that a universe of life is woven from knots and not, as is frequently thought,
from blocks. Knotting is important because it metaphorically captures how things join one ano-
ther. To study life and to study what it means to be human, we must study the weather.
The critical question that needs to be investigated is whether the nature and form that
trans-species pidgins assume are comparable across different contexts. Kohn’s (2013) study
was carried out in South America; it is, therefore, relevant to ask whether the form and gramma-
tical structures of trans-species pidgins will assume comparable or identical characteristics
in form and function in Africa or South America. In other words, do trans-species pidgins share
common universal characteristics? Is universalism something that we should aim for or seek
to undercut?
20
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Sassen (2013) argues that speech is not uniquely human. Cities, Sassen argues, have spee-
ch, albeit of a different nature from that of humans and corporations and perhaps dissimilar
from the tree talk of the wood wide web. This means that we have not yet exhausted all of
the different speech types and language typologies. To comprehend how the city can have spee-
ch, Sassen expands the analytical terrain of the notion of the city and what constitutes speech.
He defines cities as follows:
Cities are complex systems. But they are incomplete systems. In this incompleteness lies the pos-
sibility of making the urban, the political, the civic. The city is not alone in having these cha-
racteristics, but these characteristics are part of the DNA of the urban (SASSEN, 2013, p. 209).
When we are studying how cities talk, this line of research is different from research that
investigates and characterizes the different language varieties used by youth in urban centers
(HURST-HAROSCH, 2019). Such studies focus on how urban youth use different urban lan-
guage varieties to mark their identity, social status, gender, and so forth. In such studies, it is
the youth, human beings, and not the cities themselves that talk, which is the argument that
we are trying to make in this concluding chapter of our monograph.
The traffic jam is an example of a city talking:
A car, built for speed, exits the highway and enters the city. It hits a traffic jam, composed
not just of cars but of people bustling around. Suddenly, this car is crippled. Built for speed,
its mobility is arrested. The city has spoken. (SASSEN, 2013, p. 210).
The city, particularly the street, is a space where the powerless have the capacity to cre-
ate and make history, which is difficult to do in rural areas (SASSEN, 2013). In cities, crowds
can be visible and political, enabling them to make history. “The city’s speech is a capability
to alter the shape, to invite, all following a logic that aims at enhancing or protecting the city’s
complexity and its incompleteness” (SASSEN, 2013, p. 214). Sassen (2013, p. 214) cites another
example of city talk:
One example is the early high-end gentrification in Manhattan—a whole new visual order that
could not, for a while, render invisible the homelessness it had produced. A second example
is the immigrant street vendor on Wall Street catering to the high level financier in a rush, alte-
ring the visual corporate landscape with the robust smell of roasted sausages.
We are, however, aware of the danger that, by emphasizing that cities talk, if taken too far,
we may be criticized for anthropomorphizing the city. This anthropomorphizing is what we are
trying to move away from as we seek to develop a Linguistics and Applied Linguistics that
21
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
A Note of Caution
Drawing on integrational semiology, what constitutes language in tree talk, city speech,
or the use of proverbs cannot be determined in advance of the communication and is not in-
dependent of tree talk or trans-species pidgins. Communication, in both tree talk and trans-s-
pecies pidgins, is a creative process that involves a large number of unknown factors that form
the basis of the communicational context of the interaction between humans, animals, and other
species or between trees. Within this approach, signs are not given in advance but are created
in the here and now. For example, the communicability of the sign by a tree is for the purpose
of forewarning other trees of imminent danger or for the sharing of resources by a dying “mo-
ther tree,” which depends upon a constellation of existing factors: biomechanical, macrosocial,
and circumstantial. An expanded approach to communication among animals, involves analy-
zing how different animals communicate with the diverse species with whom they must share
their universe.
B. Makoni (2023) argues that, even when we extend studies of language to include a lin-
guistics of tree talk, trans-species pidgins, and interaction between humans and other species
as well as between different non-human species, drawing on three important sociolinguistic
handbooks: Cambridge Handbook of Sociolinguistics (MESTHRIE, 2011), Oxford Handbook
of Sociolinguistics (BAYLEY et al., 2013), and Sage Handbook of Sociolinguistics (WODAK et al.,
2011), such an expansive sociolinguistics is still normatively White and masculine with few white
females and Black men. The under-representation of women, particularly Black African female
scholars, makes sociolinguistic enquiry normatively White and masculine and, thus, a perpetu-
ation of colonial hierarchization, regardless of the positionality of the authors and ontological
orientations that they adopt.
Sociolinguistics for B. Makoni and for us in this chapter, despite its ostensible progressive
orientation, becomes complicit in the perpetuation of racial inequalities and “epistemic vio-
lence” against Black female bodies. B. Makoni (2021) argues convincingly that Black women’s
invisibility in scholarship is a product of the intersection of race and gender, racial and gender
stereotyping that occurs in society, resulting in black women’s publishing less and their pu-
blished work being cited less frequently than that of men and white women (MAKONI, 2021).
B. Makoni argues that Black women are, however, not a homogeneous group. The experience
of African women is slightly different from that of African American women, who may find them-
selves occupying prominent positions in academic associations, unlike African women, such
as the American Anthropological Association and the Modern Language Association. Despite
22
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
the prominent positions that some African American women occupy, they may find themselves
still marginalized because they are symbolically included, but excluded epistemologically.
Similarly, those who ply their trade in the Global North are visible because they might
be physically, culturally, or phenotypically different. They typically find themselves having
to serve as research assistants to senior scholars.
In this introduction to this book, we seek to challenge ethnocentric approaches that tre-
at distinctions between humans in one culture as true in all other cultures, either explicitly
or implicitly. The introduction follows the Amazonian tendency to treat certain elements in the
environment as persons endowed with cognitive, moral, and social qualities, analogous to tho-
se of the human and, thus, to be incorporated within the category of persons, spirits, plants,
and animals as part of a cosmology (VIVEIROS DE CASTRO, 1988).
If we seek to fight against the disciplinary decadence faced by the fields of Linguistics
and Applied Linguistics, the construction of “pluriversal” futures requires that we epistemologi-
cally decolonize language studies to enable us to analyze the nature of communication, not only
between humans but between other species, for example, communication in the wood wide
web among trees. Such a pluriversal linguistic system, which we are seeking to bring about,
is in sharp contrast to the “mono-cultural, universal, extractivist” world of Global Language
Northern scholarship. This epistemological marginalization is a consequence of imperialism
or colonialism or the “death project” (SUÁREZ-KRABBE, 2020). We, therefore, are not able
to dictate how Linguistics or Applied Linguistics can or should be decolonized. Decolonization
cannot adopt an intellectual “recipe” approach because decolonization is an option (MIGNOLO,
2008).
The decolonization of Linguistics and Sociolinguistics that we propose in this chapter
is grounded in a strong belief that decolonial movements are neither fashions nor buzz words
which are likely to dissipate in the near future. The critique of Linguistics that we make is not
limited to dominant liberal narratives about language and social life but, rather, can be extended
to Marxist and critical approaches to language because the models that colonialists use involve
a set of analytical frameworks drawn from Gramsci, Foucault, Derrida, and Strauss. In most
cases, the frameworks are Western, but the raw material for analysis is India, Latin America
or Africa. The reverse rarely occurs; for example, African or Indian and Latin American intel-
lectual thought by Nkrumah, Gandhi, Paulo Freire and Césaire are rarely used to frame Western
social languages and political issues.
Finally, decolonial theory, even though indispensable in challenging Eurocentrism
in Applied Linguistics, has not yet produced a coherent framework, but there are recurring fe-
atures that are central to the theory: (a) it constitutes a critique of western knowledge; (b) it is
23
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
in search of distribution and transformation of knowledge; and (c) it criticizes the racism that
is part of the legacy of colonialism. Further, the momentum of decoloniality and Southern epis-
temologies is driven by three factors, according to (a) the fall of the West and the rise of the rest,
(b) the collapse of the socialist bloc and the demise of Marxism, and (c) the crisis of Western
civilization.
References
24
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
MAKONI, B. Black female scholarship matters–a black female’s reflections on language and sexuality
studies. Journal of Language and Sexuality, v.10, n.1, p. 48 – 58, 2021.
MAKONI, B. Black female scholarship matters: erasure of black African women’s sociolinguistic
scholarship. In: ANTIA, B. E.; MAKONI, S. (eds.). Southernizing sociolinguistics: Colonialism,
racism and patriarchy in language in the global South. Londres: Routledge, 2023.
MAKONI, S. B. Language and human rights discourses in Africa: Lessons from the African experience.
Journal of Multicultural Discourses, v. 7, n. 1, p. 1–20, 2012.
MESTHRIE, R. The Cambridge Handbook of Sociolinguistics. Cambridge: Cambridge University
Press, 2011.
MIGNOLO, W. I am where I think: Globalization and the De-Colonial Option. Londres: Duke
University Press, 2008.
NEIMANIS, A. Bodies of Water: Posthuman Feminist Phenomenology. Nova York: Bloomsbury
Academic Publishing, 2017.
OJAKOROTU, V.; OLAJIDE, B. Ubuntu and nature: towards reversing resource curse in Africa.
Ubuntu: Journal of Conflict and Social Transformation Special, v. 8, n. 2, p. 25-46, 2019.
PABLE, A.; HUTTON, C. Signs, meaning and experiences: Integrational approaches to linguistics
and semiotics. Nova York: Mouton de Gruyter, 2015.
PENNYCOOK, A. Posthumanist Applied Linguistics. Applied Linguistics, v. 39, n. 4, p. 445–461, 2018.
RAM, K. Gender, colonialism, and the colonial gaze. In: CALLAN, H. (ed.). The International
Encyclopedia of Anthropology. Nova York: John Wiley & Sons, 2018. p. 2464-2470.
SASSEN, S. Does the city have speech? Public Culture, v. 25, n. 270, p. 209–221, 2013.
SCARANO, F. R. Regenerantes de Gaia. Rio de Janeiro: Editora Dantes, 2019.
SIMARD, S. Finding the mother tree. Discovering the wisdom of the forest. Diversified. 2021.
STEINBERG, P.; PETERS, K. Wet ontologies, fluid spaces, giving depth to volume through oceanic
thinking. Environment and Planning D: Society and Space, v. 33, n. 2, p. 247-264, 2015.
SUÁREZ-KRABBE, J. [COVID-19 Pandemic: Worlds Stories from the Margins] Relinking as healing:
Ruminations on crises and the radical transformation of an antisocial and antirelational world. Convivial
Thinking. 2020. https://convivialthinking.org/index.php/2020/10/05/relinking-as-healing/#_ednref19
VIVEIROS DE CASTRO, E. Some reflections on the notion of species in history and anthropology.
Nova York: New York University, 1988.
WODAK, R.; JOHNSTONE, B.; KRESWILL, P. (eds.). The Sage handbook of sociolinguistic. Nova
York: SAGE Publications Ltd., 2011.
WOHLLEBEN, P. The hidden life of trees: what they feel, how they communicate. Vancouver:
Greystone Books, 2016.
25
REFLEXÕES SOBRE O ENSINO COLABORATIVO DE
PORTUGUÊS COMO LÍNGUA DE ACOLHIMENTO
Jibril Keddeh
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Mariana Lyra
Universidade Federal do Paraná
Introdução
Este artigo aborda uma prática docente colaborativa vivenciada no projeto de exten-
são “Português Brasileiro para Migração Humanitária” (PBMIH), vinculado à Universidade
Federal do Paraná (UFPR), no ano de 2019. O objetivo desse trabalho é debater a colabora-
ção na formação de professores de Português como Língua de Acolhimento (PLAc) (LOPEZ,
2016; DINIZ; NEVES, 2018; CAMARGO, 2019) em uma experiência de elaboração do curso
de Básico 1, ocorrida entre dois professores em formação. A partir de uma experiência locali-
zada, esta pesquisa busca contribuir e ampliar compreensões acerca da formação colaborativa
de professores de PLAc, ressaltando as perspectivas expandidas e as tensões vividas ao longo
e após a prática pedagógica em colaboração1.
1 Este trabalho deriva da apresentação ocorrida no evento Decolonialidade e Linguística Aplicada (DELA–2021) e da dis-
sertação de mestrado intitulada “Prática colaborativa na formação de professores de português como língua de acolhi-
mento: reflexões a partir de uma experiência com (um) migrante(s) de crise” (ALBUQUERQUE, 2021). O texto comple-
to da dissertação encontra-se disponível em: https://www.acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/72740/R%20
-%20D%20-%20MARIANA%20LYRA%20VARELA%20DE%20ALBUQUERQUE.pdf ?sequence=1&isAllowed=y.
Acesso em 25 mar. 2022. Apresentaremos alguns dos instrumentos utilizados nesta pesquisa para exemplificar situ-
ações ocorridas ao longo da nossa experiência colaborativa, os quais são: (1) relatos autobiográficos escritos por nós
dois; (2) notas no diário reflexivo acerca dos encontros de preparação de materiais didáticos e das aulas ministradas
no projeto; (3) entrevista semiestruturada com Jibril, a qual foi gravada em áudio e transcrita; (4) questionários físicos
(em papel)–entregues aos migrantes de crise da nossa turma de PLAc–para levantamento das percepções dos alunos
a respeito do trabalho feito entre docentes ao longo do semestre, bem como para a compreensão do perfil socioeconô-
mico e socioeducacional dos estudantes.
27
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Corpos no mundo
Avisamos aos leitores que este texto terá um cunho bastante narrativo e pessoal.
Localizamos nossas vozes e as histórias que vivemos em uma tentativa de “trazer o corpo
de volta” para o âmbito do conhecer, conforme advoga Menezes de Souza (2019), ou seja, re-
tomar a dimensão ontológica que foi separada e invisibilizada do que é considerado conheci-
mento pela colonialidade. Com isso, ao localizar vozes e histórias, tentamos também combater
a universalidade colonial que separa enunciados de seus contextos e sujeitos de enunciação.
Diferentemente de um saber desencarnado, neutro e universal, tentamos trazer a alma, a locali-
dade e assumir a não neutralidade da nossa escrita, já que não somos “espíritos descorporifica-
dos” (HOOKS, 1999, p. 115); contrariamente, somos “corpos no mundo”, como aponta a canção
de Luedji Luna.
Tendo dito isso, me apresento2: sou Mariana, uma mulher cis, branca, heterossexual,
pertencente à classe média, professora de português, nascida em Curitiba, filha de emigrantes
nordestinos. Quando eu era pequena, eu recortava partes de revistas de lugares que queria
conhecer e colocava tudo em uma caixa de sapatos. Eu voltava constantemente aos meus re-
cortes em um intuito de viajar para além de mim mesma e do espaço em que estava inserida e,
com isso, encontrar minha própria voz e meus próprios desejos no encontro com o diferente.
Acredito que desde pequena tenho essa urgência de explorar, de conhecer o Outro, que, por ve-
2 Este artigo mescla a primeira pessoa do plural (nós) e do singular (eu) em uma tentativa de demarcar as nossas vozes
enquanto um coletivo e enquanto indivíduos. Por vezes sentimos a necessidade de nos expressarmos colaborativamente
e por vezes precisamos distinguir a opinião de Jibril e de Mariana a fim explorar particularidades da nossa experiência
e entendimento.
28
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
zes, parece tão radicalmente distinto, mas que ao mesmo tempo me constitui, me inquieta e me
transforma. Talvez essa criança também tenha me levado ao trabalho de professora de línguas,
sobretudo junto a migrantes, uma vez que o exercício de identificação, desidentificação, de alte-
ridade se faz de maneira bastante contínua e pronunciada nesse campo.
Incrível como a vida traça nossa trajetória. Eu, Jibril, também conhecido como Gabriel,
nunca imaginei que viria ao Brasil, porque muitas vezes recusei a ideia quando eu era criança.
Aliás, sou sírio-brasileiro, filho de mãe brasileira de descendência síria e pai sírio. Morei por 18
anos na Síria, cheguei a presenciar a guerra por 5 anos, que foi uma das principais razões para
chegar aqui ao Brasil, especificamente em Curitiba. Com relação à escolha de graduação, por al-
guma razão do acaso cheguei para o curso de Letras Inglês/Português. Eu, na realidade, pode-
ria ter um contato significativo com a área, porém na época tinha outros planos e interesses,
mas acabei me inscrevendo em Letras, espontaneamente e por incentivo de uma amiga. Dito
isso, sem dúvida me achei no curso, e vi caminhos muito interessantes para eu percorrer, como
o ensino de Português como Língua Adicional (PLA)3 e Português como Língua de Acolhimento
(PLAc)4. O que me traz para a experiência de docência que eu tive com a Mariana em 2019,
no primeiro ano da minha vida acadêmica, junto a migrantes de crise. Também foi muito inte-
ressante e emocionante retornar ao PBMIH na condição de professor. Em anos anteriores, estu-
dei no projeto como aluno e vivi situações muito parecidas com aquelas vividas pelos nossos es-
tudantes. Escrevendo sobre isso já no meu último ano, é de refletir muito, porque a visão mudou
bastante, tive mais conhecimento sobre a área ou o tema. Contudo, sem delongas, vamos refletir
juntos sobre a experiência contando-a a partir de cada ponto de vista, que se diferenciam mui-
to durante o semestre da prática. E, tendo em mente que hoje olhamos para essa experiência,
também, de maneira diferente.
De acordo com o Relatório Tendências Globais (Global Trends), publicado pela Agência
da ONU para Refugiados (ACNUR) em 2021, cerca de 82,4 milhões de pessoas tiveram que dei-
3 Com base em apontamentos feitos por Schllater e Garcez (2009), discute-se que, ao usar língua adicional, em oposi-
ção à língua estrangeira, não se está referindo à língua do outro, mas sim a um dos recursos pertencente ao repertório
dos aprendizes. Nesse sentido, o termo língua adicional parece reconhecer que a língua supostamente do outro e mar-
cada por fronteiras bem estabelecidas pode ser acrescentada ao repertório do aprendiz a fim de expressar questões
referentes a si mesmo e à sua própria comunidade. Embora haja discordância com relação à visão de Schllater e Garcez
(2009), optamos por língua adicional por ser amplamente utilizado por pesquisadores da área de ensino a estrangeiros;
principalmente quando este ambiente é de imigrantes aprendendo a língua do país onde moram, usa-se geralmente
língua adicional ( JORDÃO, 2014, p. 30).
4 De forma bastante resumida e em diálogo com Bizon (2013), Lopez e Diniz (2018), Lopez (2016), Anunciação (2017),
Albuquerque (2021), acreditamos que Português como Língua de Acolhimento (PLAc) é uma área que “se dedica
à pesquisa e ao ensino de português para imigrantes, com destaque para deslocados forçados, que estejam em situação
de vulnerabilidade e que não tenham o português como língua materna. Seu objetivo é a produção e circulação de sa-
beres linguístico-discursivos que, em última instância, contribuam para produzir e democratizar mobilidades e multi-
territorialidades, fazendo face a processos de reterritorialização precária” (BIZON, 2013, p. 123). Trata-se de um “gesto
político de visibilização de uma demanda social” (LOPEZ, 2016, p. 54).
29
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
xar seus lares em busca de melhores condições de vida. Tais sujeitos foram motivados por situa-
ções de desastre natural, conflito armado, perseguição política e/ou religiosa, violações massivas
de direitos humanos no local de origem, entre outros motivos. Trata-se do maior deslocamento
forçado no mundo, depois da Segunda Guerra Mundial, porém com características específicas.
Nos últimos dez anos, e em consonância com os deslocamentos ocorridos no resto
do mundo, o Brasil recebeu uma população migrante de crise composta principalmente por su-
jeitos vindos do Haiti, Síria, Senegal, República Democrática do Congo, Bangladesh, Colômbia,
Angola, Cuba e, mais recentemente, Venezuela. Essa população chegou a terras brasileiras
em busca de melhores condições de vida, porém, muitos dos migrantes encontraram um país
deficitário em termos de políticas públicas voltadas a grupos em situação de risco social. Faltam
iniciativas que garantam direitos básicos, como o reconhecimento e a proteção jurídica de mi-
grantes, bem como o direito à moradia, alimentação, à saúde, ao trabalho e à aprendizagem
da língua majoritária do país.
E é nesse contexto em que nos encontramos, já que o público que atendemos no proje-
to de ensino de PLAc é de migrantes de crise, isto é, sujeitos que vêm de espaços de extrema
vulnerabilidade e se instauram, também, em locais de crise. Além disso, eu, Jibril, também vivi
a experiência de guerra, do desterro, de aprendizagem de PLAc e vim ao Brasil com esperanças
de uma nova vida, assim como nossos alunos.
O projeto
30
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Na ocasião, ambos nos voluntariamos como professores de PLAc e fomos colocados em uma
turma de Básico 1 voltado, sobretudo, a falantes de árabe. Nesse espaço, ministrávamos e criávamos
de forma colaborativa as aulas e os materiais. Para tanto, nos encontrávamos duas vezes por semana.
Uma vez para a discussão dos temas e criação dos materiais e outra para ministrar as aulas, nos sábados
à tarde, durante 3h. No fim do semestre, passaram pela nossa turma: 7 sírios, 2 palestinos, 2 marroqui-
nos, 2 iranianos, 1 egípcia, 1 libanês, 2 argelinos.
Durante a nossa colaboração, a qual foi construída de forma bastante contingencial e fluída, surgi-
ram algumas inquietações e dúvidas sobre o nosso trabalho. Nós nos perguntávamos, em maior ou me-
nor medida, o seguinte: Como construir um ambiente de valorização de saberes distintos e de minimi-
zação de hierarquias? Como lidar com os desencontros, os dissensos, os conflitos na colaboração? Quais
devem ser as posições ocupadas por cada sujeito participante da colaboração? Como se afastar de um
papel de cognição teórica diante do Outro?
Prática colaborativa
31
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
32
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
de silenciar o Outro presumindo uma univocidade [...]”, como nos lembra Viveiros de Castro
(2014, p. 10), que nós construímos nossa prática colaborativa.
[...]
J: Eu acho que eu fui meio entre você e os alunos, né. Como quando eles não conseguiam entender,
eu conseguia explicar pra eles em árabe [...] O uso na língua árabe é totalmente diferente e eu conse-
gui apontar, mas o meu papel foi diferente do teu, eu acho [...]
M: Mas foi uma construção que acabamos fazendo entre nós, foi uma coisa que eu impus? Pode
falar a verdad/
J: Nããão, não é por tua culpa, eu já sabia que ia ser assim. Como que eu não conseguia pensar
pra fazer aula, eu nunca fiz aula, e eu me dependia em você bastante pra conseguir pensar na aula,
pra conseguir ver como que você pensaria a aula, né
M: Mas você não acha que poderia ter sido mais igualitário?
J: Eu não tenho problema com isso, não era ser igual, não era meu foco ser igual e como eu te falei,
você tem muito mais experiência que eu... logicamente não tem como pra mim ficar igual [...]
M: Mas você passou por um processo que eu não passei.
J: Exato, esses pontos eu consegui dar para você, te ajudei bastante nisso... mas [...] por isso que eu
falo, né, não foi igual e não tem como ficar igual, né.
Fonte: o autor.
É relevante destacar, novamente, que os papéis desempenhados por nós eram contin-
gencialmente construídos e costumavam estar alinhados a necessidades, afinidades, momentos
de vida. Semanalmente nos encontrávamos ao longo de uma hora a uma hora e meia com o
intuito de debater impressões das aulas passadas e possibilidades de temáticas a serem traba-
lhadas. Esses encontros também tinham como objetivo construir o material que seria usado
no sábado seguinte. O tempo disponível para essas reuniões, no entanto, não era suficiente para
a finalização das unidades temáticas. Assim, eu, Mariana, ficava responsável pela construção
dos materiais usados em sala de aula, enquanto Jibril trabalhava mais intensamente com os
33
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
34
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
[...] Omar levantou a mão pedindo ajuda a Jibril para realizar uma atividade. Apesar de ele ter dito
isso em árabe, entendi que ele estava com dificuldades no exercício proposto e me dispus a aju-
dar, uma vez que Jibril estava ocupado com outro aluno. Quando me aproximei oferecendo auxí-
lio, ele começou a balançar a cabeça em sinal de “não” e disse “não você, Jibril, ele sabe mais, sabe
em árabe”. Na hora brinquei com Omar e disse “nossa, fiquei triste!”. O aluno pediu desculpas,
mas disse que prefere Jibril, porque ele consegue explicar melhor e mais rápido.
É curioso perceber que, por vezes, pessoas que teoricamente estão em um lugar de he-
gemonia e poder não necessariamente exercem dominação. Em teoria, era esperado que eu,
Mariana, pesquisadora associada à universidade, professora mais experiente e falante “nativa”
de português, fosse a mais requisitada entre os alunos. No entanto, ocorreu o contrário.
35
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Aqui venho eu, Jibril, refletir um pouco sobre o meu papel, que acabou se destacando
com os alunos de forma mais interativa. Acredito que o fato de ser falante nativo de árabe e ter
o português como língua de herança acabou chamando a atenção dos alunos e conectando-
-os a mim, pois eles sempre me chamavam para tirar suas dúvidas em árabe. Eu pude sentir
o reconhecimento deles em mim, já que entendo os desafios que estavam passando. Apesar
de o meu caso ser um pouco diferente, pois tive contato com português a minha vida inteira,
ouvindo, entendendo comportamentos culturais, eu tive uma dificuldade enorme quando che-
guei ao Brasil, principalmente com a língua. Talvez esses fatores tenham sido percebidos pelos
migrantes de crise. Eles se identificaram em mim e me viram como exemplo de superação.
As experiências relatadas, portanto, escancaram a fluidez e contradições presentes na ação
docente colaborativa. Ao refletirmos juntos acerca das possíveis razões da aproximação dos alu-
nos junto a Jibril, levantamos as seguintes hipóteses: (a) simpatia, amorosidade, disponibilidade
do professor; (b) desejo de reconhecimento e filiação junto a um sujeito que passou por pro-
cessos semelhantes; (c) maior “facilidade” de construção de sentido ao dirigir-se a um docente
falante de árabe; (d) viés de gênero.
Um outro momento no qual há negociações é o trecho do diário reflexivo, que data de 12
de setembro de 2019, no qual Jibril sugere trabalhar com os verbos “ser” e “estar”. Esse excerto
evidencia, para usar as palavras de Sousa Santos, traduções interculturais entre nós dois.
Jibril enfatizou a importância de falarmos sobre as diferenças entre os verbos ser e estar, os quais,
segundo o docente, são apenas um verbo em árabe. Por isso era necessário falar sobre os usos
de cada um dos verbos, compará-los, conjugá-los, além de enfatizar que em orações como “eu
(sou) sírio” ou “eles (são) professores” o verbo “ser” deve ser explicitado, o que se difere do árabe,
uma vez que em tal língua a omissão é regra. Fiquei bastante encantada com a explicação de Jibril,
pois não fazia ideia dessas características do árabe. Contei para ele que agora entendia certas
construções que havia percebido, por parte de alunos falantes de árabe, ao longo da minha car-
reira na condição de PLA/PLAc. Perguntei, no entanto, que tema mais geral poderíamos abordar
e como poderíamos inserir aquele debate. Em resposta, Jibril sugeriu intitular a unidade de “ser
e estar” e abordar apenas as diferenças entre verbos, além de fazer muitos exercícios de compara-
ção. Argumentei que, para mim, o ensino de gramática deveria estar sempre contextualizado e que
não deveria sobrepor-se à construção de sentidos, foco principal da nossa aula, sob meu ponto
de vista. Ele ficou pensativo e logo depois concordou. Afirmou que em sua experiência como
aluno de PLA/PLAc, as aulas mais importantes e significativas estavam muito bem contextuali-
zadas e conectadas a temas da vida dele e que a gramática era melhor apreendida daquela forma.
Concordamos, ao final, em trabalharmos o assunto família, já que era um tema recorrente no rela-
to dos nossos alunos. Escolhemos textos sobre famílias migrantes e pensamos que, naturalmente,
questões referentes aos dois verbos surgiriam.
36
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Considerações finais
37
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Fica claro, portanto, que os ensinamentos construídos naquele contexto seguem e segui-
rão informando-nos enquanto professores de PLAc, pesquisadora da área, assim como em tan-
tas outras identidades performativas. Os aprendizados que surgiram ao longo da nossa inte-
ração e da interação com os alunos estão ligados principalmente (a) à importância da prática
colaborativa em uma tentativa de desestabilizar relações de poder/saber e, assim, promover
um ensino mais bem informado, de escuta ativa; (b) compreensão do conflito e desencontro
em seu potencial transformativo e essencial para a construção colaborativa.
Referências
38
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
39
TÚ NUNCA SABES SOBRE EL PODER DE TU SONRISA: RE-
IMAGINANDO EL “FEEDBACK” EN LA FORMACIÓN
DOCTORAL DESDE UNA PERSPECTIVA DECOLONIAL1
Roxana Chiappa
Universidad de Tarapacá
Aprendí esta frase – Nunca sabes el poder de tu sonrisa – al comienzo de mis estu-
dios de doctorado en Estados Unidos. Asimismo, esta frase – Tú nunca sabes sobre el po-
der de tu sonrisa – captura mi experiencia trabajando como académica y supervisora doctoral
en Sudáfrica. En este país, me hice consciente del sesgo colonial europeizante de mi forma-
ción académica (ver GROSFOGUEL, 2006; HELETA, 2016; MATTHEWS, 2018). El contexto
Sudáfrica post-apartheid y las demandas estudiantiles para descolonizar la educación superior
(FATAAR, 2018; HLATSHWAYO; FOMUNYAN, 2019) me invitaron y me siguen invitando
a ser especialmente crítica de las rúbricas y parámetros que informaban mis conceptos de exce-
lencia académica cuando evalúo a estudiantes y a otros pares.
Utilizo esta frase en el título de este ensayo – Nunca sabes del poder de tu sonrisa – porque
sintetiza mi argumento acerca del poder de las acciones cotidianas de los supervisores doctora-
les, especialmente durante el ejercicio de proveer feedback a los avances escritos de sus estudian-
tes. En la mayoría de los programas de doctorado alrededor del mundo, la escritura académica
es una de las principales actividades de la educación doctoral. Kamler and Thompson (2008)
lo llaman un trabajo de texto/un trabajo de identidad, donde el símbolo slash indica que ambos
procesos ocurren de manera entrelazada. Este proceso de socialización opera en una estructura
académica que no está exenta de reproducir legados coloniales.
No obstante, los estudios sobre formación doctoral han sido mayoritariamente guiados
por dos marcos teóricos relacionados – un modelo teórico de socialización doctoral (WEIDMAN;
TAWLE; STEIN, 2001) y la teoría comunidades de aprendizaje (LAVE; WEGNER, 1991).
El foco de estas teorías está centrado en mejorar el proceso de adquisición e internalización
de los códigos académicos y disciplinarios, dejando menos espacios a cuestionar los legados
1 Transcrição livre da fala realizada no segundo ciclo do evento Decolonialidade e Linguística Aplicada.
41
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Para quienes no están familiarizados con los estudios decoloniales, decir que la realidad
social sigue influenciada por legados coloniales puede sonar abstracto y hasta cuestionable. La
“colonialidad” es un concepto complejo y sus manifestaciones (e.g. la predominancia del inglés,
el racismo que enfrentan personas indígenas y afrodescendientes, la invisibilización de los co-
nocimientos indígenas en la academia) son frecuentemente discutidas como si éstas estuviesen
desconectadas de los procesos de colonización que pusieron a Europa como centro del mundo2
(MIGNOLO, 2021) y a sus valores como punto de referencia.
La falta de perspectiva histórica en la discusión de los eventos de la realidad diaria, en este
caso el proceso de dar feedback a un estudiante doctoral, puede ser un atajo necesario desde
un punto de vista práctico. No obstante, también puede ser un punto ciego que termina sirvien-
do a reforzar la persistencia de los legados coloniales. Para desarrollar este argumento, quisiera
explicar dos ideas a) sobre la persistencia de la colonialidad y b) el origen colonial que subyace
a los procesos de formación doctoral.
Sobre la persistencia de la colonialidad. Como es ampliamente sabido, la colonización
de unos pocos países europeos sobre los territorios de África, América, parte de Asia y Oceanía
2 Walter Mignolo (2021) en un artículo titulado “Coloniality and Globalization: A decolonial take” explica con datos
históricos que antes de la invasión de unos pocos países europeos en África, América, Asia y Oceanía, todas las grandes
civilizaciones del mundo eran falo-céntricas. Vale decir, cada civilización creía que era el centro del mundo. La co-
lonización europea estableció lo europeo como punto de referencia no sólo en términos económicos sino también
epistémicos.
42
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
43
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Podría continuar mencionando las desiguales condiciones de trabajo que las y los investi-
gadores enfrentan en sus países, considerando su proficiencia idiomática en inglés3, su orienta-
ción sexual, su estatus de discapacidad, y o su afiliación con instituciones de educación superior,
campos disciplinares, o perspectivas teóricas. Mas mi propósito en esta sección es hacer visible
que la matriz de poder colonial (QUIJANO, 2007) continúa operando en el presente cotidiano.
Nunca se ha ido. Aún las manifestaciones de la colonialidad cambien en formato, las estructu-
ras jerárquicas que subyacen a las condiciones de desigualdad en el mundo social, incluyendo
la academia, están directamente influenciadas por estas jerarquías de origen colonial.
El origen colonial que subyace a los procesos de producción/construcción de co-
nocimiento. Las formas en que académicos y estudiantes hacemos ciencia hoy día, tanto en la
formación doctoral como en las otras instancias de la academia, está fuertemente influenciada
por la matriz de poder colonial en cuánto al valor y visibilidad que han logrado alcanzar dife-
rentes epistemologías y metodologías.
Autores decoloniales (e.g. CUSICANQUI, 2008; DUSSEL, 2014; GROSFOGUEL, 2002;
2013; MENEZES DE SOUZA, 2019; MIGNOLO, 2012; QUIJANO, 2007; SANTOS 2014),
al explicar la persistencia de colonialidad en lo epistémico, revelan que la modernidad (perio-
do histórico entre siglo XVII y principios del XX) promovió una agenda de propuestas, como
si éstas fueran intrínsecamente positivas, ocultado el lado oscuro de las mismas. Por ejemplo,
la modernidad trajo consigo una noción de ciencia moderna de carácter universal y objetiva,
donde las filosofías y teorías emergentes de Europa Occidental se transformaron en los mar-
cos de referencia. Como explica Santos en su conocido libro “Epistemologías del Sur” (2014),
la colonización no solo mató a cientos de indígenas, sino que cometió un epistemicidio. Impuso
una jerarquía de saberes que sobre-enfatiza el carácter universal de teorías anglo-eurocéntricas
sobre otros tipos de saberes. Esta jerarquía colonial se refleja en una línea abisal, donde la visibi-
lidad y legitimidad de las formas de pensar, lenguas y cosmovisiones pertenecen exclusivamente
al colonizador, negando la posibilidad de los conocimientos non-anglo europeos, y con ello
la posibilidad de coexistencia de diversos sistemas de conocimiento.
La educación doctoral, al ser uno de los principales agentes de producción científica de los
países (NERAD; HEGGELUND, 2008; PERNA, 2014), está particularmente expuesta a re-
producir esta jerarquía epistémica. Los saberes indígenas de África, América, Asia y Oceanía
han sido marginados y/o invisibilizados por la academia (GROSFOGUEL, 2013; MÜLLER,
2021). Asimismo, la educación doctoral, al ser el grado académico más alto, hereda las des-
igualdades de raza, clase, género, de los sistemas educativos nacionales (CLOETE et al., 2015).
Preguntas sobre quiénes pueden aspirar a hacer un doctorado en un determinado contexto ne-
cesariamente tocan alguna de las estructuras coloniales aquí mencionadas.
3 El inglés se ha convertido en el idioma predominante en la comunicación científica. La presión por publicar en revistas
científicas de alto impacto directamente influencia en la carrera de académicos e investigadores que no aprendieron
el inglés a temprana edad en sus carreras. (e.g. MÜLLER, 2021)
44
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
En este contexto, los teóricos decoloniales nos advierten que es imposible escapar de los
legados coloniales por completo (MIGNOLO; WALSH, 2018; MENEZES DE SOUSA, 2021).
El entramado de jerarquías coloniales se manifiesta hoy día tanto en a) la disputa entre China
y Estados Unidos que buscan dominar la economía global, b) en el tratamiento que acadé-
micas mujeres negras y académicas indígenas reciben en las universidades (BELLUIGI;
THONDHLANA, 2019), c) en las bibliotecas de la mayoría de las universidades del mundo
(MATTHEWS, 2016), y d) también en las subjetividades individuales de las personas.
Si bien no podamos escaparnos de los efectos de la colonialidad, el pensamiento decolo-
nial, como dice el colega Lynn Mario Menezes de Souza, nos invita a ser más intencionales para
identificar los legados coloniales, interrogarlos y buscar estrategias para interrumpirlos (2019).
Lo que viene a continuación es una de esas estrategias de interrupción en el espacio doctoral.
Un análisis a las distintas instancias formativas del proceso de formación doctoral, indica
que los procesos de escritura académica son una de las instancias de socialización más impor-
tantes para alcanzar el grado de doctorado (AITCHISON et al., 2012; INOUYE; MCALPINE,
2017). Los estudiantes doctorales sistemáticamente deben reflejar el avance de su aprendiza-
je disciplinar y metodológico mediante la presentación de documentos escritos (e.g. exáme-
nes de calificación, presentación en conferencias, manuscrito de artículos, la tesis doctoral).
Por otro lado, si bien la escritura académica se practica individualmente, las y los estudiantes
experimentan una instancia de socialización importante cuando sus supervisores doctorales
proporcionan feedback a sus avances escritos.
Algunas investigaciones sobre escritura académica dan cuenta que el contenido y forma
de entregar feedback impacta no sólo en los avances académicos de los estudiantes sino también
en sus estados emocionales. Un tipo de feedback impreciso o confuso gatilla emociones negativas
en los estudiantes doctorales, especialmente para aquellos en primeras etapas de su formación
doctoral (EYRES et al., 2001). Cuando el feedback solamente incluye corrección a errores orto-
gráficos, gramaticales y de puntuación, los estudiantes doctorales pueden presentar emociones
negativas al percibir que sus ideas y argumentos no fueron considerados. Otras investigacio-
nes muestran que un feedback totalmente centrado en asuntos gramaticales e idiomáticos po-
dría negativamente afectar la confianza de aquellos estudiantes que no son hablantes nativos
del idioma de instrucción, lo que afectaría autoestima como académicos (WANG; LI, 2011).
Por el contrario, los estudiantes tienen actitudes positivas hacia un tipo de feedback que valora
y respeta sus ideas y al mismo tiempo ofrece nuevos puntos de vista y sugerencias concretas
sobre cómo avanzar en sus manuscritos (CAN; WALKER, 2011; EYRES et al., 2001; KUMAR;
STRACKE, 2007).
45
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Carter y colegas (2021) argumentan que los supervisores doctorales debieran dar feed-
back como si estuvieran teniendo una conversación con los doctorandos, reconociendo que el
feedback es una práctica social. En su trabajo, Carter y asociados comentan que esta práctica
es particularmente importante cuando supervisores doctorales y estudiantes pertenecen a cul-
turas distintas y/o hablan distintas lenguas. Y yo agrego: el proceso de dar feedback debe ser vis-
to como otra interacción social no exenta de producir y reproducir los legados coloniales en la
educación doctoral.
En efecto, para quienes investigan sobre los procesos formativos y modelos de educación
doctoral, la inclusión de teorías decoloniales viene a complementar los enfoques de socialización
doctoral (WEIDMAN; TWALE; STEIN, 2001) y comunidades de práctica (LAVE; WEGNER,
1991); las dos teorías más usadas en el subcampo de la educación doctoral (CHIAPPA; NERAD,
2020). Ambas teorías buscan comprender “cómo” las y los estudiantes doctorales logran inte-
riorizar y representar el habitus de la academia y sus respectivas disciplinas, de manera tal que
puedan ser reconocidos como investigadores independientes y miembros legítimos de sus co-
munidades disciplinarias (LAVE; WAGNER, 1991).
No obstante, el énfasis explicativo del proceso formativo de estos dos marcos teóricos
– modelo de socialización doctoral y comunidades de práctica – no se presta para cuestionar
en qué medida las estructuras que subyacen a los programas de doctorado podrían reproducir
legados coloniales en todo nivel, particularmente en lo que respecta al uso de ciertos conoci-
mientos y metodologías en las distintas disciplinas. En ese sentido, las teorías decoloniales invi-
tan a los estudiosos de la educación doctoral a identificar aquellas normas, códigos y estructuras
a través de las cuales se reproduce la colonialidad en la formación doctoral.
Asimismo, las teorías decoloniales podrían contribuir en términos prácticos a la relación
entre supervisor y estudiantes doctorales. Cuando supervisores doctorales reconocen (reco-
nocemos) que la expertise temática y/o disciplinar adquirida está constreñida en una historia
colonial que ha invisibilizado sistemas de conocimientos no-anglo europeos, los supervisores
adoptan (adoptamos) una posición de humildad epistémica, que potencialmente puede favore-
cer una relación de confianza y apertura entre supervisores y estudiantes doctorales. Vale decir,
no hay teorías, metodologías o formas de escribir que sean superiores, sino que hay teorías,
metodologías y formas de escribir que han llegado a ser más usadas y visibles en un contexto
disciplinar debido a la historia colonial que nos precede. Las y los supervisores escriben y acon-
sejan desde esta limitación epistémica de origen colonial.
46
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
back implica evaluar y dar orientaciones en el progreso de los estudiantes, donde los marcos re-
ferenciales que informan el feedback del supervisor doctoral están menos expuestos a la crítica.
Es en este espacio cuando los marcos referenciales que informan el feedback se transfor-
man neutrales y niegan la historia colonial que los precede. Si la praxis del feedback no se expone
a la crítica decolonial, entonces se transforma en un espacio fértil para reproducir las jerarquías
coloniales, particularmente en la dimensión epistémica. Déjenme dar dos ejemplos de mi expe-
riencia personal trabajando en Sudáfrica y Chile.
Una de mis primeras experiencias dando feedback a un estudiante doctoral pasó
en Sudáfrica. Este estudiante, hombre descendiente indígena africano, utilizó el pronombre “no-
sotros”, tercera persona plural, para exponer sus ideas en un texto de 10 páginas. Corregí el pro-
nombre “nosotros” y lo reemplacé por la primera persona singular – yo – múltiples veces en el
texto. En ese entonces era ya consciente de la importancia del feedback y el impacto que este ge-
nera en los estudiantes, por lo que mis comentarios fueron escritos en un tono conversacional.
Indiqué que el pronombre “nosotros” era impreciso, pues era él – uno solo – quien proponía
un estudio particular.
Días después, noté que mi comentario era informado por una experiencia de socialización
académica en Estados Unidos, donde la escritura se caracteriza por oraciones cortas y el uso del
pronombre en primera persona. Tras escuchar y aprender de la filosofía africana Ubuntu – bre-
vemente resumida aquí en la frase, yo soy porque nosotros somos –, me di cuenta de que el uso
del pronombre “nosotros” en el texto de mi estudiante reflejaba su cosmovisión sobre la natu-
raleza de la vida y la forma de crear conocimiento. En términos estrictos, el uso del pronombre
“nosotros” no era impreciso, sino que transparentaba su ontología. Era yo quien estaba equivo-
cada. Me disculpé y comenté este aprendizaje con él.
En otro momento, esta vez trabajando con un estudiante doctoral en Chile, también hom-
bre, quien analizaba las transiciones de estudiantes escolares indígenas a la educación superior,
resalté la importancia de utilizar las teorías de reproducción social y cultural del sociólogo fran-
cés Pierre Bourdieu. Mi feedback indicaba la fortaleza de la teoría y su influencia en el campo
de la educación superior. Cuando nos juntamos a hablar para comentar mi feedback a su avance
escrito, mi estudiante me preguntó si existían otros marcos teóricos que fuesen más cercanos
a la realidad de los estudiantes indígenas en Chile. Su pregunta fue iluminadora y me hizo cons-
ciente de mi desconocimiento respecto a los estudios sobre estudiantes indígenas en la educa-
ción superior y mi apego, hasta ahora poco cuestionado, a una teoría altamente socializada en el
campo de la educación superior.
Ambas experiencias me invitaron a ser más intencional y quise modelar un tipo de praxis
de feedback que me ayudara a materializar mi intención descolonizadora. Al entender el efec-
47
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Figura 1
Fonte: o autor.
Noto que mi impulso por corregir todas las fallas de ortografía y errores de estilo se ha
reducido. Si antes corregía cada una de las faltas de ortografía, hoy mi foco no está en ello, si no
en la articulación de las ideas presentadas en el texto. Y esto quizás ha sido la parte más pertur-
bante, pues antes me molestaba mucho notar la falta de prolijidad en el uso del lenguaje, lo que
me predisponía a tener a una mala evaluación de las y los estudiantes doctorales. Hoy, trato
de valorar la articulación de argumentos por sobre la forma en que están escritos.
Asimismo, la rúbrica de preguntas también me ha propiciado a buscar teorías y enfoques
metodológicos menos visibles en mi campo disciplinar. Esto ha enriquecido no solo mi feedback,
sino mi propio entendimiento de cuerpos de conocimiento que no conocía. Ciertamente, esta
forma de dar feedback a las y los estudiantes doctorales me toma mucho más tiempo que antes,
pero ha hecho más consciente de las estructuras coloniales que se percolaban como si nada
en mis comentarios en la simple práctica de dar feedback.
48
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Comencé este ensayo aludiendo a esta frase – Tú nunca sabes el poder de tu sonrisa –,
pues marcó mi experiencia doctoral. Escribir una tesis doctoral en otra lengua significó mu-
cho feedback de mis supervisores doctorales, y en más de unas de estas interacciones, me sentí
pequeña y fracasada al notar que nunca alcanzaría a escribir en inglés perfecto. Sentía mucha
frustración al tener que justificar la importancia de estudiar un fenómeno social en Chile en otro
país, aunque habían otras realidades que no necesitaban ser justificadas. Me tomó un tiempo
darme cuenta de que estas experiencias tenían que ver con una estructura e historia colonial
de la cual yo también era parte.
Por ello, sé que nombrar y hacer visibles las jerarquías coloniales en el campo epistémico
y subjetivo que subyacen a la academia no garantiza que se pueda interrumpir la reproducción
de estas jerarquías. Mas, el ejercicio de identificación de legados coloniales en prácticas tan co-
munes, como el ejercicio de dar feedback a estudiantes doctorales, habilita oportunidades de crí-
tica y de reimaginación más allá de lo que conocemos.
En momentos en que académicos y académicas están/estamos crecientemente más pre-
sionados por demostrar su (nuestra) productividad académica en todo el mundo (clases ense-
ñadas, número de artículos, proyectos, estudiantes graduados), la inclusión del pensamiento
decolonial en el análisis y praxis de la formación de doctoral permite recordar el potencial poder
disruptivo de nuestras acciones diarias, aun estas solo puedan interrumpir de manera temporal
las profundas raíces de la matriz colonial del poder.
Este capítulo fue gracias al apoyo del proyecto FONDECYT 3210600 y el proyecto
ANID/FONDAP 15130009.
49
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Referencias
AITCHISON, C.; CATTERALL, J.; ROSS, P.; BURGIN, S. ‘Tough love and tears’: Learning doctoral
writing in the sciences. Higher Education Research & Development, v. 31, n. 4, p. 435–447, 2012.
https://doi.org/10.1080/07294360.2011.559195
BELLUIGI, D. Z.; THONDHLANA, G. ‘Why mouth all the pieties?’ Black and women academics’
revelations about discourses of ‘transformation’ at an historically white South African university. Higher
Education, v. 78, n. 6, p. 947–963, 2019. https://doi.org/10.1007/s10734-019-00380-w
BOUD, D.; MOLLOY, E. Feedback in Higher and Professional Education Understanding it and
doing it well. 1. ed. Londres: Routledge, 2013.
CAN, G.; WALKER, A. A model for doctoral students’ perceptions and attitudes toward written
feedback for academic writing. Research in Higher Education, v. 52, n. 5, p. 508-536, 2011. doi:
10.1007/s11162-010-9204-1
CAFFARELLA, R. S.; BARNETT, B. G. Teaching Doctoral Students to Become Scholarly Writers:
The importance of giving and receiving critiques. Studies in Higher Education, v. 25, n. 1, p. 39–52,
2000. https://doi.org/10.1080/030750700116000
CAREY, J. M.; CARMAN, K. R.; CLAYTON, K. P.; HORIUCHI, Y.; HTUN, M.; ORTIZ, B. Who wants
to hire a more diverse faculty? A conjoint analysis of faculty and student preferences for gender and racial/
ethnic diversity. Politics, Groups, and Identities, v. 8, n. 3, p. 535–553, 2020. https://doi.org/10.1080/2
1565503.2018.1491866
CARTER, S.; KUMAR, V. ‘Ignoring me is part of learning’: Supervisory feedback on doctoral writing.
Innovations in Education and Teaching International, v. 54, n. 1, p. 68–75, 2017. https://doi.org/10.10
80/14703297.2015.1123104
CHIAPPA, R.; NERAD, M. Doctoral Student Socialization. In: DAVID, M. E.; AMEY, M. J.
The SAGE Encyclopedia of Higher Education. New York: SAGE, 2020. p. 392–395. http://dx.doi.
org/10.4135/9781529714395.n154
CLOETE, N.; MOUTON, J.; SHEPPARD, C. Doctoral Education in South Africa. Cape Town: African
Minds, 2015.
DURODOYE, R.; GUMPERTZ, M.; WILSON, A.; GRIFFITH, E.; AHMAD, S. Tenure and promotion
outcomes at four large land grant universities: Examining the role of gender, race, and academic discipline.
Research in Higher Education, v. 61, n. 5, p. 628–651, 2020. https://doi.org/10.1007/s11162-019-09573-9
DUSSEL, E. Europa, modernidad y eurocentrismo. Madrid: Editorial Trotta, 1993.
DUSSEL, E. Anti-Cartesian Meditations: On the origin of the philosophical anti-discourse of modernity.
Journal for Culture and Religious Theory, v. 13, n. 1, p. 11–52, 2014.
50
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
EYRES, S. J.; HATCH, D. H.; TURNER, S. B.; WEST, M. Doctoral students’ responses to writing critique:
Messages for teachers. The Journal of Nursing Education, v. 40, n. 4, p. 149–155, 2001. https://doi.
org/10.3928/0148-4834-20010401-04
FATAAR, F. Placing Students at the Centre of the Decolonizing Education Imperative: Engaging the (Mis)
Recognition Struggles of Students at the Postapartheid University. Educational Studies, v. 54, n. 6, p.
595–608, 2018. https://doi.org/10.1080/00131946.2018.1518231
GROFOGUEL, R. La descolonización de la economía polótica y los estudios postcoloniales:
Transmodernidad, pensamiento fronterizo y colonialidad global. Tabula Rasa, p. 17–48, 2006.
GROSFOGUEL, R. Colonial Difference, Geopolitics of Knowledge and Global Coloniality in the Modern/
Colonial Capitalist World-System. Review (Fernand Braudel Center), v. 25, n. 3, p. 203–224, 2002.
GROSFOGUEL, R. The Structure of Knowledge in Westernized Universities: Epistemic Racism/
Sexism and the Four Genocides/Epistemicides of the Long 16th Century. Human Architecture. Human
Architecture: Journal of the Sociology of Self-Knowledge, v. 11, n. 1, 2013.
HELETA, S. Decolonisation of higher education: Dismantling epistemic violence and Eurocentrism
in South Africa. Transformation in Higher Education, v. 1, n. 1, p. 1–8, 2016. https://doi.org/10.4102/
the.v1i1.9
HLATSHWAYO, M. N.; FOMUNYAM, K. G. Theorising the #MustFall student movements
in contemporary South African Higher Education: A social justice perspective. Journal of Student
Affairs in Africa, v. 7, n. 1, p. 61–80, 2019. https://doi.org/10.24085/jsaa.v7i1.3693 6
INOUYE, K.; MCALPINE, L. Developing Scholarly Identity: Variation in Agentive Responses
to Supervisor Feedback. Journal of University Teaching and Learning Practice, v. 14, n. 3, 2017.
KAMLER, B.; THOMSON, P. The Failure of Dissertation Advice Books: Toward Alternative
Pedagogies for Doctoral Writing. Educational Researcher, v. 37, n. 8, p. 507–514, 2008. https://doi.
org/10.3102/0013189X08327390
KOHN, M.; REDDY, K. Colonialism. The Stanford Encyclopedia of Philosophy. 2017.
KUMAR, V.; STRACKE, E. An Analysis of written feedback on a PhD thesis. Teaching in Higher
Education, v. 12, p. 4, p. 461–470, 2007. doi: 10.1080/13562510701415433
LAVE, J.; WENGER, E. Situated learning: Legitimate peripheral participation. Cambridge: Cambridge
University Press, 1991.
MAHABEER, P.; NZIMANDE, N.; SHOBA, M. Academics of colour: Experiences of emerging Black
women academics in Curriculum Studies at a university in South Africa. Agenda, v. 32, n. 2, p. 28–42,
2018. https://doi.org/10.1080/10130950.2018.1460139
MATTHEWS, S. Confronting the Colonial Library: Teaching Political Studies Amidst Calls for a
Decolonised Curriculum. Politikon, v. 45, n. 1, p. 48–65, 2018. https://doi.org/10.1080/02589346.201
8.1418204
51
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
MENEZES DE SOUZA, L. M. Glocal Languages, Coloniality and Globalization from Below. In:
GUILHERME, M.; MENEZES DE SOUZA, L. M. Glocal Languages and Critical Intercultural
Awareness: The South Answers Back. Londres: Routledge, 2019. p. 17–41.
MENEZES DE SOUZA, L. M. Foreword: A decolonial project. In: BOCK, Z.; STROUD, C. Language
and Decoloniality in Higher Education. Londres: Bloomsbury Academic, 2021.
MIGNOLO, W. Local Histories/Global Designs: Essays on the Coloniality of Power, Subaltern
Knowledges and Border Thinking. Princeton: Princeton University Press, 2012.
MIGNOLO, W. D. Coloniality and globalization: A decolonial take. Globalizations, v. 18, n. 5, p. 720–
737, 2021. https://doi.org/10.1080/14747731.2020.1842094
MIGNOLO, W. D.; WALSH, C. E. On decoloniality. In: On Decoloniality. Durham: Duke University, 2018.
MÜLLER, M. Worlding geography: From linguistic privilege to decolonial anywheres. Progress
in Human Geography, v. 45, n. 6, p. 1440–1466, 2021. https://doi.org/10.1177/0309132520979356
NERAD, M.; HEGGELUND. Toward a Global PhD: Forces and Forms in Doctoral Education
Worldwide. Washington: University of Washington Press, 2008.
QUIJANO, A. Coloniality and Modernity/Rationality. Cultural Studies, v. 21, n. 2-3, p. 168–178, 2007.
https://doi.org/10.1080/09502380601164353
PERNA, L. W.; OROSZ, K.; JUMAKULOV, Z. Understanding the human capital benefits of a
government-funded international scholarship program: An exploration of Kazakhstan’s Bolashak program.
International Journal of Educational Development, v. 40, p. 85–97, 2015. https://doi.org/10.1016/j.
ijedudev.2014.12.003
RIVERA CUSICANQUI, S. El potencial epistemológico y teórico de la historia oral: De la lógica
instrumental a la decolonización de la historia. In: CARVALHO, S. Teoria crítica dos direitos humanos
no século XXI. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2008. p. 154–175.
SANTOS, B. de S. Epistemologies of the South. Justice Against Epistemicide. Londres: Routledge, 2014.
STANISCUASKI, F.; KMETZSCH, L.; SOLETTI, R. C.; REICHERT, F.; ZANDONÀ, E.; LUDWIG, Z.
M. C.; LIMA, E. F.; NEUMANN, A.; SCHWARTZ, I. V. D.; MELLO-CARPES, P. B.; TAMAJUSUKU,
A. S. K.; WERNECK, F. P.; RICACHENEVSKY, F. K.; INFANGER, C.; SEIXAS, A.; STAATS, C. C.;
DE OLIVEIRA, L. Gender, Race and Parenthood Impact Academic Productivity During the COVID-19
Pandemic: From Survey to Action. Frontiers in Psychology, v. 12, 2021. https://www.frontiersin.org/
article/10.3389/fpsyg.2021.663252
WANG, T.; LI, L. Y. ‘Tell me what to do’ vs. ‘Guide me through it’: Feedback experiences of international
doctoral students. Active Learning in Higher Education, v. 12, n. 2, p. 101–112, 2011. https://doi.
org/10.1177/1469787411402438
WEIDMAN, J. C.; TWALE, D. J.; STEIN, E. L. Socialization of Graduate and Professional Students
in Higher Education: A Perilous Passage? ASHE-ERIC Higher Education Report, v. 28, n. 3, 2001.
52
PESQUISA ETNOGRÁFICA E OS PROCESSOS DE RESSIGNIFICAÇÃO
Bianca de Campos
Universidade Federal do Paraná
Introdução
53
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
das sobre contextos linguisticamente complexos como o da Escola Arco-Íris, uma escola pública
localizada na cidade de Ponta Grossa.
Iniciei a minha fala apresentando quem eu sou e as vozes que me constituem e contri-
buem para o desenvolvimento da pesquisa, pois acredito que todo conhecimento é comparti-
lhado e (re/des)construído localmente na matriz social. Citei os grupos de pesquisa aos quais
eu faço parte e os sobrenomes dos meus colegas por acreditar que o estar na academia e fazer
pesquisa não deve ser uma trajetória solitária, e no meu caso não é, pois conto com a interlocu-
ção de vários sujeitos sociais.
Slide 1
Fonte: a autora.
Logo após a breve apresentação sobre minha trajetória, motivações e as vozes que me
constituem, passei então à singularidade do contexto investigado. Primeiramente localizei ge-
ograficamente o estado do Paraná e evidenciei a cidade de Ponta Grossa1, momento no qual
nomeio a comunidade como Colônia Marechal.2
1 Em relação aos procedimentos formais para a obtenção da autorização para o desenvolvimento da pesquisa, importa
ressaltar que o presente projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos (CEP/
SD) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e aprovado sobre o Número do Parecer: 4.899.658
2 Todos os nomes utilizados neste trabalho para designar participantes, comunidade e instituição escolar, são nomes fictí-
cios. Os usos desses nomes visam à preservação das identidades e da integridade de todas as pessoas que contribuíram
para idealização desta pesquisa.
54
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Slide 2
Fonte: a autora.
Cabe ressaltar que se trata de uma comunidade rural subdividida em duas comunidades,
quais sejam: Quilombo e Comunidade dos Russos, que estão localizadas entre duas cidades pa-
ranaenses e são separadas somente por uma rodovia estadual (PR-115) e ficam a 19 quilômetros
de distância da cidade de Ponta Grossa, como explicado na imagem a seguir:
Slide 3
Fonte: a autora.
55
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
A comunidade quilombola teve início por volta do século XVIII, momento que Manoel
Gonçalves Guimarães, português casado e com uma família constituída por sua esposa e seus
5 filhos, trouxe para a sua fazenda, localizada nas terras da Colônia Marechal, africanos para tra-
balho escravo. Após a sua morte, as terras foram herdadas pelos seus filhos, Joaquim Gonçalves
Guimarães e Maria Clara do Nascimento. Coronel Joaquim Gonçalves Guimarães viveu solteiro
e, antes de falecer, em 1850, libertou os escravos com a condição de que eles servissem a família
até a libertação oficial dos escravos no Brasil. Sua irmã Maria Clara deixou em seu testamento
a doação das terras para seus escravos libertos, porém a comunidade ainda luta para regula-
mentação das terras junto ao INCRA.
Slide 4
Fonte: a autora.
56
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Slide 5
Fonte: a autora.
Slide 6
Fonte: a autora.
57
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Dediquei esta seção para a identificação do contexto foco da minha investigação etno-
gráfica, por acreditar que posicionar geograficamente, historicamente e socialmente os sujei-
tos sociais participantes é de suma importância, pois a etnografia está interessada nas vidas
das pessoas e seus mundo (HYMES, 1996). Na próxima seção discorro sobre o que entendo
por etnografia como epistemologia e política de ação.
A etnografia está interessada “[n]o significado humano na vida social e a sua elucidação
e exposição por parte do pesquisador” (ERICKSON, 1990, p. 77-78), cujo objetivo está em des-
crever e interpretar os significados culturais de grupos em particular. Já que o fazer etnográfico
acontece dentro da matriz social, trata-se de um plano flexível, construído e negociado por meio
das relações entre pesquisadora e participantes em “tempo e espaço compartilhado” (FABIAN,
2006), nos quais os sujeitos sociais são coautores na produção de conhecimento. É justamente
esse caráter colaborativo da etnografia que considero uma política de ação. Essa perspectiva et-
nográfica me possibilita pensar em caminhos alternativos para uma justiça epistêmica de corpos
silenciados ou assimilados dentro do contexto da Escola Arco-Íris.
Slide 7
Fonte: a autora.
58
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Slide 8
Fonte: a autora.
Slide 9
Fonte: a autora.
59
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Slide 10
Fonte: a autora.
60
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Slide 11
Fonte: a autora.
Essencialização e renegociação
61
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Slide 12
Fonte: a autora.
As fotos das comunidades nos auxiliam a compreender os desenhos feitos pelos partici-
pantes de pesquisa Rafaela, Matheus e Beatriz. Tais ilustrações foram produzidas em um mo-
mento de interação no campo da pesquisa no qual eu solicitei para os alunos a elaboração/
representação de seus locais de pertencimento. Posteriormente, eles explicaram para todos
os colegas de turma o que as ilustrações significavam para eles.
Slide 13
Fonte: a autora.
62
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Slide 14
Fonte: a autora.
O que encontrei em comum nos desenhos dos alunos foi que todos exploraram os aspec-
tos naturais da localidade. Acredito que tal processo de reconhecimento do seu lugar no mun-
do possibilita entender quais papéis e locais sociais eles transitam. Um dos aspectos que me
chamou a atenção foi um “carro potente” ilustrado por Mateus, aluno descendente de russo,
no qual podemos perceber que tal movimento é atravessado por questões sociais e econômicas
vivenciadas pelo aluno.
Sobre esses dados, a professora Glenda destacou como as crianças de comunidades dife-
rentes colocam os bens de consumo como pertencimento e indicou o livro de Jessé de Souza “A
Elite do atraso” (2019), para discutir como tais bens estão relacionados ao acesso à cultura e aos
processos de aprendizagem, e como essas diferenças marcam esses corpos.
Durante essa atividade, outro dado evidenciado é uma conversa entre duas alunas sobre
a representação feita por Amanda, aluna quilombola filha de um relacionamento inter-racial.
Amanda possui cabelos castanhos lisos, olhos esverdeados e pele parda. A mãe da aluna foi des-
crita pela professora como uma mulher branca de olhos azuis e seu pai como um homem negro
e quilombola. Naquele momento, Amanda foi questionada por sua amiga Julia, aluna negra
e também quilombola. O slide a seguir demostra o diálogo entre as alunas:
63
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Slide 15
Fonte: a autora.
Esse diálogo entre Amanda e Julia representa a ideia naturalizada de raça que é atrelada
ao corpo biológico. De acordo com Louro (2000), esse corpo é marcado ao nascer. As carac-
terísticas de Amanda são lidas como não-autênticas para a concepção de um corpo quilom-
bola de Julia. A resposta de Amanda, ao se posicionar como quilombola, está atrelado a noção
de Lócus social (GROSFOGUEL, 2007), o qual questiona a noção de raça enquanto invenção
sócio-histórica (ALMEIDA, 2019; FANON 1956/2021; 2008).
Sobre essa discussão, a professora debatedora sugeriu a leitura do livro de Lia Schucmam
“Famílias Inter-raciais” (2018) para procurar aprofundar ainda mais esse ponto do trabalho,
para compreender como essas relações são negociadas e como os sujeitos pertencentes a famí-
lias inter-raciais lidam com seus posicionamentos sociais e culturais.
Outro dado apresentado foi o do processo de ensino e aprendizagem do sistema numérico
pelos alunos descendentes de russos ao longo das aulas observadas e como eles lidam com seus
repertórios multilíngues. Naquele momento, a professora estava introduzindo os diferentes sis-
temas numéricos por meio de escritas de exemplos no quadro e pela leitura do livro didático
de matemática. Ela enfatizava, a cada exemplo, a função social dos sistemas numéricos para
nosso cotidiano. Quando o sistema em questão era o decimal, ela solicitou que a aluna Rafaela
se aproximasse de Giovanna (duas alunas descendentes de russos), sob a justificativa que a se-
gunda não tinha conhecimento daquele sistema numérico e precisaria de ajuda. Como eu estava
presente nesta aula, participei dessa cena e estabeleci interlocuções com as alunas. Naquele
momento, Rafaela me contou porque a professora lhe pediu ajuda com sua colega de classe.
Giovanna se sentiu incomodada com a justificativa de Rafaela e olhou em minha direção, para
me contar um pouco sobre seu repertório linguístico, como apresento no próximo slide.
64
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Slide 16
Fonte: a autora.
Outra ocasião que vivenciei com os alunos da Escola Arco-Íris relacionado a constituição
de seus repertórios linguísticos, foi uma conversa que tive com Felipe (quilombola), na qual
ele me questionou sobre meu repertório e minhas práticas linguísticas. Ele me perguntou quan-
tas línguas eu sabia falar e me contou um pouco sobre a formação de seu repertório linguístico.
Ele afirmou que sabia falar várias palavras em russo e atribuiu esse conhecimento na língua
à relação de trabalho que seus pais têm com a colônia de russos e também por ter vários amigos
que dividem o mesmo espaço escolar, como descrito no slide abaixo.
Slide 17
Fonte: a autora.
65
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Slide 18
Fonte: a autora.
66
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Slide 19
Fonte: a autora.
Slide 20
Fonte: a autora.
Nestes trechos de falas da aula 52, percebo que a narrativa da formação do povo brasilei-
ro foi pensada por meio das lentes coloniais, as quais consideram os processos de colonização
como positivos para a formação histórica do sistema mundo vigente, desconsiderando toda
e qualquer violência sofrida por corpos indígenas e negros. Esse discurso perpetua e justifi-
ca os crimes históricos exercidos pela colonização (MIGNOLO, 2003; MIGNOLO; WALSH,
2018; GROSFOGUEL, 2016, dentre outros).
Posteriormente, a Professora Glenda ratificou que a ideia de modernidade presente na co-
lonialidade se faz presente nos discursos apresentados nas aulas da TVE. Ela deixou algumas
67
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
inquietações sobre essas manifestações, quais sejam: “O que é encenar performances como in-
dígenas, como negros e como brancos europeus? Isso não seria um processo de essencialização?
Como fugir dela no contexto online?” (MELO, 2021).
A interlocução com a professora me levou a pensar como as performances são negociadas
em diferentes contextos, pois quando temos a relação localizada na sala de aula, existem possi-
bilidades outras para a (des/re)construção de concepções naturalizadas sobre o que é ser indí-
gena, branco ou negro no Brasil atualmente. Já nos momentos de aulas online/remotas, os enun-
ciados me pareceram ser embasados no projeto colonial de dominação (GROSFOGUEL, 2016).
Baseada nestes pontos, a professora indicou a potencialidade de abordar o “circular entre
o presencial e o online e a possibilidade de leitura de como funcionou o momento online para
um grupo tão complexo, acho que isso é um ponto importante para você investigar” (MELO,
2021). Pensar a etnografia multissituada, neste sentido circular, contribuirá na análise das “ques-
tões linguísticas casadas com as questões culturais. Essas não estão desarticuladas das questões
de raças, nem de gênero, nem de sexualidade, nem de classe e nem de nacionalidade e de outras
questões...” (MELO, 2021).
As contribuições do debate da pesquisa com a professora não se delimitam somente
aos tópicos abordados aqui; pelo contrário, constituem apenas uma parcela da nossa discussão
da minha pesquisa.
Como se trata de uma pesquisa de doutorado em andamento, não tinha, no momento
do evento DELA, considerações finais ou conclusões (acredito que nunca terei) para apresen-
tar. Sendo assim, abordei as principais temáticas que emergiram dos dados e quais os possíveis
direcionamentos futuros, conforme slides a seguir:
Slide 21
Fonte: a autora.
68
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Slide 22
Fonte: a autora.
Como já mencionei neste texto, entendo a etnografia como política de ação. Essa postura
me convoca a repensar as funções de um trabalho acadêmico que deve ir além da escrita, de-
fesa e entrega da tese. Entendo que uma das minhas possíveis ações para e no contexto situado
consiste em discutir localmente os tensionamentos percebidos ao longo do desenvolvimento
desse estudo. Sendo assim, pretendo propor junto com a Secretaria Municipal de Educação
de Ponta Grossa a elaboração de um projeto de Política Linguística, pensada e negociada local-
mente de acordo as necessidades dos diferentes cenários escolares como o da Escola Arco-Íris
apresentado aqui.
Slide 23
Fonte: a autora.
69
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Contar com o olhar atento da Professora Doutora Glenda foi–e é–de grande importância
para o desenvolvimento da pesquisa, bem como para a minha formação enquanto educadora
linguística. A possibilidade de diálogo traçada com a pesquisadora e com as pessoas ouvin-
tes e participantes do DELA me fizeram (e ainda fazem), “estranhar o familiar” (ERICKSON,
1990), uma das bases do estudo etnográfico, porque quando estamos debruçados sob uma te-
mática e/ou contexto situados, cada um/a de nós tende a “se acostumar” ou se “adaptar” às re-
corrências dos fatos observados em nossa participação in loco. Estes “olhares outros” facultados
com a minha participação no evento é o que considero como processo de reflexividade do fazer
etnográfico. Com a discussão inicial dos dados da pesquisa consegui perceber outras potencia-
lidades e lacunas a serem exploradas.
Os principais apontamentos foram: a) rever a amplitude dos objetivos e a sua quantida-
de; b) pensar a educação na infância e as práticas de linguagem; c) ampliar as questões raciais
problematizando as noções de negritude e branquitude; d) pensar o movimento circular da et-
nografia multissituada; e) refletir sobre processos educacionais e pandemia; f ) acesso social
em tempos pandêmico; g) linguagem como local de resistência; h) elaboração de currículos,
dentre outros.
As contribuições da professora não se limitam a essa pequena lista de tópicos, sendo
que ao longo da arguição as inquietações apontadas pela debatedora me fizeram (e ainda fazem)
me posicionar de outras formas diante dos dados de pesquisa. Agradeço imensamente à orga-
nização do DELA e à Professora Doutora Glenda Melo por todas as contribuições e sentidos
outros sobre o meu fazer etnográfico.
Referências
ALMEIDA, S. Racismo estrutural. São Paulo: Pólen Produção Editorial LTDA, 2019.
BLOMMAERT, J. The sociolinguistics of globalization. Cambridge: Cambridge University Press, 2010.
MOITA LOPES, L. P. (ed.). O português no século XXI: cenário geopolítico e sociolinguístico.
São Paulo: Parábola, 2013.
DE JESUS SOUZA, J. A elite do atraso. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2019. 272p.
ERICKSON, F. Qualitative methods. Research in teaching and learning, v. 2, p. 77-194, 1990.
FABIAN, J. A prática etnográfica como compartilhamento do tempo e como objetivação. Mana, v. 12, p.
503-520, 2006.
FANON, F. Pele negra, máscaras brancas. Trad. R. Silveira. Salvador: EDUFBA, [1952] 2008.
FANON. F. Racismo e Cultura. Parnaíba: Editora Terra sem Amos, 2021.
70
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
71
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
72
PERFORMATIVIDADE, RAÇA E INTERSECCIONALIDADES:
REFLEXÕES SOBRE AÇÕES QUE FAZEMOS NA E PELA LINGUAGEM1
Em primeiro lugar, gostaria de parabenizar a todes: este é, sem dúvidas, um evento mui-
to importante. Meus sinceros agradecimentos a toda a Comissão Organizadora, ao Professor
Eduardo, às Professoras Clarissa e Ana Paula e às intérpretes de LIBRAS.
Começarei falando um pouco sobre a minha pesquisa: “Performatividade, raça e intersec-
cionalidades: reflexões sobre ações que fazemos na e pela linguagem”. Minha apresentação está
dividida em seis momentos. Primeiramente, farei uma contextualização e apresentarei os meus
objetivos. Em seguida, abordarei a concepção de linguagem utilizada nesta pesquisa e farei arti-
culações acerca da questão racial no contexto brasileiro. Depois, falarei sobre a questão de per-
formatividade de raça e interseccionalidade, trazendo parte das análises realizadas já realizadas.
Por fim, tecerei algumas considerações – que, como bem sabemos, nunca são finais.
Para fins de contextualização, julgo necessário citar a Professora Emérita da UFMG,
Nilma Lino Gomes, uma pedagoga que também esteve à frente do Ministério das Mulheres,
da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos nos dois últimos anos do governo Dilma Roussef
(2011-2016). Em artigo recente, ela assim escreveu:
Quando a educação insiste em reforçar a ideia de civilização como algo próprio do mundo
Ocidental; quando trabalha com a lógica de que a ciência ocidental é a única forma de conheci-
mento legítimo e validado; quando subjuga os conhecimentos produzidos no eixo Sul do mundo
a meros saberes rudimentares; quando reforça valores, idiomas, padrões estéticos e culturas oci-
dentais e urbanas, apagando a diversidade de formas de ser e de constituição linguística, de formas
de Estado, de processos culturais e políticos; quando despreza os conhecimentos locais, não oci-
dentais, as culturas produzidas pelos setores populares, as religiões que não se baseiam na visão
cristã de mundo e a diversidade de heranças e memórias, ela atua de forma excludente e violenta.
E ao fazer isso, organiza-se, reproduz e perpetua a colonialidade (GOMES, 2021, p. 437).
1 Transcrição livre da fala realizada no segundo ciclo do evento Decolonialidade e Linguística Aplicada.
2 Agradeço ao Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) e à Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa
no Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) para as bolsas de pesquisa [302674/2019-/202.772/2019] que fizeram a pesqui-
sa relatada neste artigo possível.
73
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
74
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
dam as questões sociais articuladas com a linguagem e interseccionadas por gênero, sexualida-
de, classe e por outros marcadores corpóreos que aparecem nos dados que analisamos.
Portanto, meu objetivo é analisar a performatividade de raça e interseccionalidades em da-
dos oriundos da web. Ao mesmo tempo, busco propor uma reflexão sobre a performatividade
articulada com questão da decolonialidade.
A base teórica de linguagem a qual me filio vem do filósofo J. L. Austin (1962) que tratou
dos atos de fala performativos. Isso significa que a linguagem é ação e performance. O filósofo
francês Jacques Derrida (1972) releu a teoria de Austin e argumentou que todos os atos de fala
são performativos e que não há intencionalidade fora do discurso.
(Um breve parêntese: sim, estou trazendo autores do Norte para tratar dessa questão.)
Derrida (1972) propôs dois processos para compreender como os atos de fala poderiam
ser construídos: a iterabilidade e a citacionalidade. Para esse filósofo francês, no processo de re-
petição podemos reproduzir a ‘cópia da cópia’ que, por seu turno, pode naturalizar e solidificar
discursos e atos de fala que já construímos, os quais são sedimentados. Tomemos como exem-
plo as falas racistas, homofóbicas e misóginas. Ainda assim – e esta é uma de minhas apostas
– também é possível trazer outra face desse processo ao criarmos e usarmos o poder transfor-
mador da linguagem.
Butler (1997, p. 8) nos traz este interessante insight sobre linguagem: “Nós fazemos coisas
com a linguagem, produzimos efeitos pela linguagem e nós fazemos coisas para a linguagem,
mas a linguagem é também a coisa que fazemos.” Saliento que aqueles conceitos propostos
por Austin (1962[1990]), por Derrida (1972[1988]) e pela própria Butler (1997) foram tam-
bém revisitados por Pennycook (2007), Rajagopalan (2012; 2016), Moita Lopes (2006; 2021),
Alencar (2015), Pinto (2007), Muniz (2016; 2021), Borba (2014), para citar alguns nomes.
Ao escreverem e discutirem acerca de tais conceitos, elas/es os reinventam para fazerem ou-
tras coisas com a linguagem. Isto é importante dentro do nosso trabalho: articular a linguagem
com outros temas, como no meu caso, por exemplo, com a questão racial.
Acredito que o trecho a seguir nos leva a pensar na linguagem como performance e no
efeito que ela causa:
O fio da faca que esquarteja, ou o tiro certeiro nos olhos, possui alguns aliados, agentes sem ros-
tos que preparam o solo para esses sinistros atos. Sem cara ou personalidade, podem ser encon-
trados em discursos, textos, falas, modos de viver, modos de pensar que circulam entre famílias,
jornalistas, prefeitos, artistas, padres, psicanalistas etc. Destituídos de aparente crueldade, tais
aliados amolam a faca e enfraquecem a vítima, reduzindo-a a pobre coitado, cúmplice do ato,
carente de cuidado, fraco e estranho a nós, estranho a uma condição humana plenamente viva”
(BAPTISTA, 1999, p. 46).
75
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Efeitos da linguagem: o que podemos fazer com os nossos discursos, com as nossas fa-
las, com os nossos textos multimodais, com os textos diversos que produzimos? Quais efeitos
que esses textos em circulação junto aos nossos discursos têm nas vidas das pessoas?
Dito isso, passo à concepção de performatividade, também elaborado por Austin
(1972[1990]). Cumpre destacar que o fazer da linguagem traz efeitos incalculáveis nas práticas
sociais. Tomando por base e, ao reler a perspectiva austiniana, Butler (2004) concebe o gêne-
ro como regulado. A performatividade, nesse sentido, é composta de duas faces: (a) uma face
em que o ato é um momento único que se remete ao acontecido, ao que acontece e ao que irá
acontecer, naturalizando algo já existente; (b) uma segunda face em que o ato de fala, ao se
repetir, falha, rompendo, desse modo, com a cópia, e possibilitando o novo e o transgressivo,
que podem mitigar sofrimentos de vidas consideradas precárias ou ‘menos vidas’.
A performatividade não é um jogo livre nem uma autoapresentação teatral; não pode também
ser igualada à performance. Além disso, a regulação não é necessariamente aquilo que coloca
um limite à performatividade; a regulação é, ao contrário, aquilo que impele e sustenta a perfor-
matividade (BUTLER, 1993, p. 93).
[...] permite pensar o mundo, a linguagem, a forma como a gente se relaciona com ela sem ser
calcada em verdades e falsidades constatativas. Sem o aprisionar de novos sujeitos que já
são aprisionados por questões raciais, questões sexistas e machistas, marcadas por desigualda-
des sociais (MUNIZ, 2021, p. 278).
76
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
77
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
discurso e os efeitos desses discursos são incalculáveis em nossas vidas, seja em um contexto
macro, translocal, seja no contexto local.
Raça seria, portanto, uma construção histórica, social, discursiva e performativa imbrica-
da ao gênero, à classe, à sexualidade, à nacionalidade e a outros marcadores corpóreos que vão
se articulando à questão racial à medida em que os dados vão aparecendo, à medida em que
as nossas vivências vão acontecendo.
Um ponto para se compreender a questão da performatividade de raça é justamente a in-
terseccionalidade. Ela vai se articulando à questão racial, assim como o gênero e a sexualida-
de, por exemplo, para compreendermos as práticas sociais, discursivas e performativas na sua
complexidade. Essa interseccionalidade – como apontam Gonzalez (1979/2020), a própria
Akotirene (2018), Hooks (2015), Muñoz (1999), Moita Lopes (2021) – é generificada e sexua-
lizada e faz articulação com classe e vice-versa.
Em outras palavras, o gênero social seria racializado e vice-versa. Com essas intersecções,
é possível compreender melhor a complexidade desses discursos, dos atos de fala performativos
e da formação que a linguagem faz com tudo que nós construímos no mundo na e pela lingua-
gem, e como agimos nele também na linguagem.
Neste momento, eu preciso tratar de duas incompreensões quando falamos de perfor-
matividade de raças. As pessoas pensam assim: “Ah, mas então quer dizer que eu vou mudar,
eu vou mudar a cor da minha pele?” Certamente que não. Ao considerarmos a performativida-
de de raça, podemos ter duas incompreensões: a da possibilidade de mudarmos a cor de nossa
pele e a do agir por pessoas de outra raça. Isso é bastante complexo, porque às vezes se com-
preende que estamos fazendo uma desessencialização, mas não é isso. Na verdade, quando
trabalhamos com a perspectiva da performatividade, as pessoas – principalmente as pessoas
negras, indígenas e nipônicas – deixam de ser colocadas em um único lugar e podem encenar
as performances que quiserem. Não é ‘passar uma tinta branca na minha pele’; é sobre eu poder
encenar inclusive a performance de professora universitária que, pelos discursos padronizados
da questão racial negra, eu não poderia exercer, porque eu sequer teria condição de refletir,
de ter um intelecto, se recuperássemos aqueles discursos sociais sobre as pessoas negras.
A primeira dessas incompreensões está relacionada à raça como conceito biológico.
Aparentemente ultrapassado, já que foi desconstruído pela própria genética, se atentarmos à mí-
dia, perceberemos que o discurso de raça como biológico e da ciência da raça estão presentes
e constantes nas nossas práticas linguageiras, nas práticas sociais. Com base em Mbembe (2015)
e Gonzalez (1979/2020), podemos dizer que raça é uma invenção eurocêntrica que partiu
das pessoas brancas para denominar as pessoas não brancas. Ela ganha sua existência pelos pro-
cessos de iterabilidade e de citacionalidade da linguagem, propostos por Derrida (1972/1988).
A segunda incompreensão a que me referi é entender raça como marcador corpóreo fixo.
Raça não é isso. Ela é fluida. Assim como o gênero e a sexualidade, a percepção racial muda
78
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
de acordo com o contexto. Se determinadas pessoas brasileiras viajam para os Estados Unidos,
elas deixam de ser consideradas o que nós chamamos de ‘branco’ para serem construídas como
‘latinos’. Dependendo de lugares onde formos na África, principalmente na África negra, eu pos-
so ser construída como ‘mestiça’ – como eu já fui, o que me deixou chocada, porque nunca
me imaginei dessa forma.
Trago esses exemplos para mostrar como a ideia de raça é fluida, como ela está nessa in-
tersecção com outras ações que podem, por exemplo, dependendo da escolaridade e do cargo
que uma pessoa negra tem, transformar uma pessoa negra em ‘morena’.
Então, conceber performatividade de raça significa dizer que raça é o ato de fala perfor-
mativo regulado pelas estruturas raciais hegemônicas que circulam em determinada situação
e também pelos discursos que constroem e sustentam as questões raciais. Tudo isso é perpas-
sado pela história e pela cultura, lembrando que a história, a cultura e o social vão depender
de aspectos distintos de cada lugar, de cada contexto, sempre em prática situada.
Segundo Mbembe (2015, p. 38), “a primeira grande classificação das raças, levada a cabo
por Buffon, ocorreu em um ambiente em que a linguagem acerca dos mundos outros era cons-
truída a partir dos preconceitos mais ingênuos e sensualistas”, a partir da própria ciência da raça.
Naquele contexto, de acordo com o filósofo camaronês, a pessoa negra é representada, constru-
ída social, histórica, cultural, discursiva e performativamente como pré-humano, como um pro-
tótipo animalesco que não estava à altura da humanidade do branco, que se autoconcebe como
humano. Se considerarmos essa performatividade de raça, veremos que a pessoa branca é cons-
truída como ‘mais inteligente’. Por exemplo, como mostraram os dados da Bianca. Essa pessoa
é aquela cuja vida importa, dentro desse contexto em que nós vivemos.
Reforço que pensar em performatividade de raça no contexto brasileiro é pensar jus-
tamente em nossa sociedade e em como ela vai se estruturar social, política, econômica e ju-
ridicamente. Isso é importante para a gente compreender como esses discursos que circulam
ancorados por essa performatividade humanizam, por exemplo, a Marcela Temer como “bela,
recatada e do lar” e desumanizam, objetificam, hipersexualizam, castram e subestimam pessoas
negras, seus costumes, suas religiões, suas línguas e demarcam seus espaços e suas funções.
Pensando nessas duas imagens que a gente colocou aqui, nós vemos que estão sendo rea-
lizadas ações direcionadas à questão racial. Na Figura 1, vemos uma mulher branca, loira, “bela,
recatada e do lar”, quase primeira-dama, 43 anos mais jovem que o marido, que aparece pouco,
gosta de vestidos na altura dos joelhos e sonha em ter um filho com o vice. Trata-se de uma
mulher recatadamente vestida e que tem um parceiro. É uma mulher branca construída para
uma família que tem filhos4.
79
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Na Figura 25, vemos uma mulher comparada a uma bebida e a seguinte legenda: “É pelo
corpo que se conhece a verdadeira negra”. Sensualmente vestida, objetificada. Negra, devassa,
encorpada, cremosa, assim como a bebida. E para essa bebida, vale lembrar, há uma represen-
tação do falo apontando para o que Bell Hooks (2015), Sueli Carneiro (1995; 2003) e várias
outras autoras, como Pacheco (2013), vão escrever acerca da hipersexualização e objetificação
da mulher negra.
80
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Trago agora um trecho de outra pesquisa recente. Eu tenho acompanhado algumas mu-
lheres negras no espaço online. Fiz uma roda de conversa com uma delas e este dado aqui
me chamou a atenção, pois tanto reforça a questão da desumanização, da objetificação e da hi-
persexualização, quanto traz uma outra face da performatividade: a da transformação. Ela disse:
Eu ficava com um cara da faculdade, a gente ficou dois anos, a classe inteira sabia que eu tava
direto na casa dele e chegou no momento em que a família dele ia vir aqui para x, que é a ci-
dade, e ele praticamente falou… tipo, não vai rolar, de você ficar aqui, porque minha família
não sabe que você é pretinha”. Isso aponta para esses discursos de que a mulher negra não é
para um relacionamento sério, que é para aquela hipersexualização que a gente viu na imagem
anterior. Ela continua: “e a gente tava junto um bom tempo e eu era moreninha, assim… tipo
para f **** serve, para pegar na mão, andar no shopping e apresentar para a família não serve”.
Então ela não era “Bela, recatada e do lar.
E eu não aceito esse tipo de situação mas… é assim… qualquer coisa assim, no primeiro indício
que eu percebo que é assim, eu caio fora. Para quê? Para não atrapalhar a minha estrutura e não
atrapalhar o caminho que eu estou passando, porque estas situações bagunçam a gente, né?
Aqui há uma fase da performatividade em que essa mulher não é apresentada para a famí-
lia porque ela é negra. Igualmente, há a performatividade da sua parte transformadora, em que
essa mulher negra vai se reestruturar e se redefinir, tomar agência e agir para não viver rela-
cionamentos assim, para que ela não fique ‘bagunçada’, no sentido de ‘ferida’, de ‘machucada’,
que afeta muito a autoestima dessas mulheres. De acordo com Hooks (1995), tanto na e no pós-
-escravização, as mulheres negras eram construídas apenas como corpos, ou seja, sem mentes
ou intelecto. Elas eram constantemente violentadas pelos senhores de engenho e para justificar
essas brutalidades e a exploração desses homens, a cultura branca produziu o discurso de que
as mulheres negras eram hipersexualizadas e dotadas de um erotismo primitivo e descontrolado.
Giacomini (1988) tem conduzido extensa pesquisa sobre as escravas e sobre as mulhe-
res negras no Brasil. Ela traz algo importante nesta articulação entre gênero, raça e profissão,
em especial quando aborda as mulheres que se apresentam em shows. Ao longo dos shows, apre-
sentadores fazem a relação dessa mulher como parte da cultura do país, do samba, da miscige-
nação. Segundo Melo e Ferreira (2016), essas mulheres são veiculadas como produtos no tu-
rismo sexual brasileiro. Neste contexto, tais mulheres também exercem ou exerceram um papel
central, como aponta também as autoras.
Isso mostra justamente a face da performatividade que reforça esse discurso de que,
por exemplo, quando falamos das mulheres negras, devemos recuperar a história e os discursos
das/sobre as mulheres negras na sua construção no país. Desse modo, podemos perceber como
ela faz parte da cultura ligada àquela imagem que tem que ser ‘experimentada’, que tem que sam-
bar e desse contexto da miscigenação.
81
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
[...] certas vidas não são de modo algumas consideradas vidas, elas não podem ser humaniza-
das; elas não se encaixam em enquadre dominante nenhum para a humanidade, e sua desuma-
nização acontece primeiro nesse nível. Nesse nível então suscita uma violência física que em
certo sentido entrega a mensagem de desumanização já operante na cultura.
Faz parte da minha pesquisa recente estudar a solidão da mulher negra e a violência
obstétrica sofrida pelas mulheres. É muito interessante observar que a agressão na hora de um
parto começa com agressão no nível do discurso; e que depois, ao longo do parto, partir para
uma violência física quando se trata da questão das mulheres negras. Por exemplo, acredita-se
que elas são ‘fortes’ e que elas não precisam de anestesia.
Chamo a atenção para isto: “o sujeito é um efeito-de-verdade de tramas de poder, saber
e discurso que são cultural e historicamente específicas”, de acordo com Borba (2014). Ele ainda
diz: “o que o sujeito repetidamente diz e faz o constituiu como real e natural”. Dessa maneira,
considero de suma importância que a gente conte outras narrativas da população indígena,
da população negra, para que o que o sujeito repetidamente diz e faz possa constituir as pessoas
negras, as pessoas indígenas e também as pessoas brancas, de formas diferentes dos discursos,
das existências que temos visto na contemporaneidade.
No conjunto de ações que garantem identidades, a linguagem é sem dúvida um elemento fun-
damental, porque as ações não linguísticas que postulam o sujeito, quando descritas, são ao
mesmo tempo repetidas nos atos de fala que as descrevem. A linguagem não reflete o lugar
social de quem fala, mas faz parte desse lugar. Assim, a identidade não preexiste à linguagem;
falantes têm que marcar suas identidades assídua e repetidamente, sustentando o eu e o nós.
A repetição é necessária para sustentar a identidade precisamente porque esta não existe fora
dos atos de fala que a sustentam (PINTO, 2007, p.16).
Eu trouxe um vídeo6 curto para mostrar parte de uma análise que eu estou realizando.
Por volta de 2014, 2015, 2016, a SEPPIR, juntamente com o Ministério da Saúde, propôs e re-
alizou uma campanha intitulada: ‘SUS sem racismo’. Ela fez um vídeo e fez circular peças pu-
blicitárias com cartazes diversos e posts que circularam nas rádios, na TV e nas mídias sociais.
Eu selecionei dois cartazes, Figura 3, veiculados na Campanha SUS sem Racismo, pro-
movida pelo Ministério da Saúde, Secretária de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
e Secretária dos Direitos Humanos, em 25 de novembro de 2014, durante governo Dilma:
6 Para mais informações, acesse: Campanha de enfrentamento ao Racismo no SUS | Filme Oficial 2014–YouTube.
82
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Figura 3: Cartazes da Campanha Sus sem Racismo promovida entre Ministério da Saúde e Seppir.
Nessa campanha do ‘SUS sem racismo’, os protagonistas são duas pessoas negras: uma mu-
lher negra, cujos traços negroides estão bem marcados, como a cor da pele, a boca, o nariz, o ca-
belo; e um homem negro, com o característico cabelo baixo, raspado, e fazendo o sinal contrário
ao da enfermagem – aquele que significa o pedido de silêncio. Há um deslocamento aqui justa-
mente para que as pessoas não fiquem em silêncio sobre o racismo. Vemos também o azul e o
verde-água, as cores da saúde, e a mensagem-denúncia “Racismo faz mal à saúde”. Quero ressal-
tar a importância de a campanha ter duas personagens negras como protagonistas. Entretanto,
chamo a atenção para o fato de que quando pensamos em gênero, nós temos uma perspectiva
conservadora. Reparem: ele, o homem, é o médico; ela, enfermeira. Isso poderia ser diferente.
Patricia Hill Collins (2015) aborda em seus estudos os processos de patriarcado, da domi-
nação e da questão racial. Certamente que vejo uma inovação em colocar duas pessoas negras
protagonistas. Porém, ao olharmos para a questão do gênero, vemos um homem sendo marca-
do como ‘médico’ e a mulher como ‘enfermeira’. Isso quer dizer que há uma performatividade
racial articulada com gênero que coloca pessoas negras como protagonistas, mas há também
uma performatividade que repete que o problema racial é apenas das pessoas negras. Isso não é
verdade. É de todos nós.
Como parte dessa pesquisa, analisei os comentários. Foram mais de 800 comentários
na página do SUS, e eu escolhi os comentários que haviam recebido maior número de ‘curtidas’.
Uma mulher branca comenta o seguinte:
83
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Lamentável uma entidade pública realizar um anúncio desse tipo. Não liguemos questões ét-
nicas como justificativa para a displicência do governo para com a saúde de nosso país, onde
milhares de pessoas morrem por falta de leitos em hospitais, falta de medicamento, FALTA
DE INVESTIMENTOS NA SAÚDE, os quais têm sua verba desviada para o bolso de políticos
corruptos.
É muito importante trazer qual era, naquele momento (2014, 2015 e 2016), o contex-
to histórico e social do país. A presidenta Dilma Roussef enfrentava uma série de campanhas
e uma forte ‘resistência’ dos profissionais da saúde. Vejamos este comentário recorrente na pá-
gina do SUS:
Não apoio o racismo, pelo contrário, repudio quem ainda se julga superior pela cor da sua pele.
O que questiono em relação a tal campanha é: será mesmo este o maior problema da saúde
brasileira? Pessoas morrem todos os dias nos corredores de hospitais devido ao desprezo pela
coloração da pele, ou por não terem sequer onde deitar para receber sua medicação?
Percebam aqui um discurso que se repete: apagar o racismo quando ele aparece na ques-
tão. O racismo é apagado e vira ‘falta de investimento’, ‘falta de medicamento’, ‘dinheiro desviado
para os políticos’, e com isso há a tentativa de esvaziar tanto o discurso quanto a discussão sobre
o racismo, que era a proposta feita pela SEPPIR e pelo Ministério da Saúde.
Neste momento, dirijo a atenção para o seguinte fato: nossas práticas de linguagem
são sociais desde o nascimento; encenamos para outras pessoas, aprendemos em comunidades
de prática.
Não somos como somos por conta de um eu interior, mas por conta do que fazemos
(PENNYCOOK, 2007, p. 70).
Se encararmos performatividade como performances de identidade que podem ser inventadas,
revistas e descartadas quando deixam de ser úteis, corremos o risco de não notar seus efei-
tos, mas abrimos a possibilidade de ver como podemos refazer futuros por meio da linguagem
(PENNYCOOK, 2007, p. 50).
Agora, trago a análise que eu e a professora Luciana Rocha do Colégio Pedro II, fize-
mos de um material didático no capítulo de livro Sentidos de Gênero e Raça em Atividades
de Leitura em um Site de Ensino de Língua Inglesa, de 2017:
84
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
85
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Mais uma vez, defendo que poderia ser diferente: a imagem anterior poderia mos-
trar uma mulher negra conversando e lendo para os seus filhos, e mulheres brancas disléxi-
cas ou homens brancos disléxicos. Entretanto, nos deparamos – mais uma vez – com aquele
discurso que reforça uma falta na população negra e/ou uma dificuldade de realizar tarefas
intelectualizadas.
Para encerrar, apresento um dado para pensarmos na importância da formação de profes-
soras/es. Esta participante da minha pesquisa chama-se Preta. Ela é uma professora, uma peda-
goga negra e ela se descobre negra aos 25 anos de idade. Isso é muito comum. Numa narrativa,
ela cria um blog7 e conta sua história enquanto uma mulher negra. Reparem no quanto ela ‘mar-
ca’ o ser mulher preta:
Ao entrar na escola percebi a dor cruel do racismo. Só quem é preto ou preta vai entender
o significado de um apelido na escola (neguinha fedida, cabelo Bombril, macaca, safada…).
Saber que você é xingada por conta da cor da sua pele. A dor do racismo é uma ferida que só
dói quando a tocamos. Por isso é fácil entender por que muitos preferem não falar sobre o que
sofrem. Como é dolorido o despertar.
Ela estava falando do despertar e como ele acontece; como é que na escola, ao invés de ser
uma criança negra, uma menina negra, ela é uma ‘negrinha fedida’, um ‘cabelo de Bombril’, ‘ma-
caca’ e ‘safada’. Os defeitos na vida da Preta foram, por exemplo, ela se descrever ao longo dessa
mesma narrativa com modalizações em que ela preferia ser, por exemplo, uma branca meio suja
a ser negra ou preta.
7 O blog pode ser acessado em: Eu, Mulher Preta: 2018 (eumulherpreta.blogspot.com).
86
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Nesses momentos duros, finalizo na expectativa de que a gente possa contar outras nar-
rativas, nos reinventarmos e nos decolonizarmos também. Obrigada.
Referências
87
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
88
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
89
IDENTIDADES E SABERES INDÍGENAS: UM OLHAR
PARA O LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA ESPANHOLA EM
CONTEXTO DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA1
Rogério Back
Universidade Federal do Paraná
Palavras iniciais
91
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
bito da educação, algumas legislações têm tornado obrigatório o trabalho pedagógico com ques-
tões étnico-raciais, apontando para a necessidade de valorização e de reconhecimento da diver-
sidade étnico-cultural em nosso país. Exemplo disso é a implementação da Lei 11.645 (BRASIL,
2008), que normatiza o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena no âmbito de todo
o currículo escolar. Nesta esteira, os livros didáticos (LD) precisam atender a esta e outras
normativas para que possam ser aprovados pelo Programa Nacional do Livro e do Material
Didático (PNLD) e possam auxiliar no processo de ensino-aprendizagem, inclusive de escolas
indígenas. Contudo, a lei por si só não garante que a inserção dessas temáticas nestes recursos
didáticos sejam trabalhadas dentro de suas especificidades e sem a (re)produção de narrativas
únicas (ADICHIE, 2009) e impostas sobre estes dois grupos sociais apontados pela lei de 2008.
Diante dessa constatação, com vistas a engrossar as discussões propostas pelo evento
Decolonialidade e Linguística Aplicada (DELA), no dia 20 de outubro de 2021 apresentei2 mi-
nha pesquisa de mestrado3 homônima ao título deste capítulo. Esse estudo tem como objetivo
geral analisar as identidades indígenas e o papel das literaturas e saberes indígenas no mate-
rial didático adotado para o processo de ensino-aprendizagem de língua espanhola no Ensino
Médio de uma escola indígena paranaense. Neste sentido, analisamos tanto a presença da te-
mática indígena neste recurso didático (identidades e saberes étnicos) quanto as atividades pro-
postas, momento em que observamos, também, a finalidade da inserção das questões indígenas
na coletânea.
Destarte, a pesquisa visa refletir, desde normativas específicas, como este livro didático,
embora não seja específico, pode contribuir para o ensino da língua espanhola guiado pelas
especificidades da Educação Escolar Indígena. Para esta tarefa, buscamos assumir um olhar
contra-decolonial (SANTOS, 2015; QUIJANO, 2005), com vistas a uma postura menos vio-
lenta e mais empática. Dessa forma, para compor o recorte teórico deste estudo, evocamos,
prioritariamente, autoras e autores indígenas e quilombolas, como Graúna/Potiguara (2011;
2012; 2013), Luciano/Baniwa (2006; 2017; 2019), Munduruku (2003; 2012), dentre outros,
que advogam acerca de assuntos relacionados à língua, identidade e literatura. Assim sendo,
entendemos como essencial que sejam inseridos teóricos indígenas na construção deste quadro
teórico para que possam ser criadas inteligibilidades a partir desse olhar étnico e plural dos po-
vos originários.
Como a proposta do DELA foi a de trazer convidados externos para dialogar com pós-
-graduandos, professores e pesquisadores da UFPR no tangente de suas pesquisas atuais, esta
discussão contou com a riquíssima e emocionante participação da professora Dra. Tânia
2 Neste capítulo, abordaremos tanto ações individuais (orientando) quanto coletivas (orientadora e orientando). Assim,
a conjugação dos verbos (primeira pessoa do singular ou do plural) delimitará essa diferenciação.
3 Esta pesquisa, que teve apoio financeiro da CAPES/PROEX, foi defendida no dia 01/02/2022 no Programa de Pós-
Graduação em Letras, Estudos Linguísticos, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), sob orientação da professora
Dra. Ana Paula Marques Beato Canato.
92
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Rezende. Dito isso, por se tratar de uma investigação de mestrado ainda em andamento na oca-
sião do encontro, alguns dos resultados apresentados naquele momento eram pré-conclusivos.
Dessa maneira, as contribuições e o olhar sensível da professora Tânia proporcionaram novos
horizontes e novas lentes à pesquisa.
Ante o exposto, pensando em um texto visualmente mais dinâmico, a partir da próxima
seção utilizaremos os slides utilizados no encontro do DELA para compor o recorte teórico-
-metodológico e ilustrativo deste capítulo. Dessa forma, haverá tanto imagens autoexplicativas
quanto outras que demandam maior aprofundamento das discussões, momento em que re-
corremos a diferentes boxes de apoio para o esclarecimento das ideias retratadas, bem como
para a transposição textual dos slides com maior volume de informações. Além disso, cabe
informar que muitos desses boxes abarcarão transposições das falas proferidas na apresentação.
Finalizando o capítulo, transcrevemos alguns convites, na esperança que tenha sido uma leitura
atrativa, questionadora e problematizadora ao mesmo tempo.
De onde partimos
Gostaria de iniciar perfazendo uma alusão da minha apresentação com o livro “Catando piolhos,
contando histórias”, de Daniel Munduruku. Nesse livro de 2006, Munduruku comenta o quão
o ato da “catação de piolho” é um ato de entrega, confiança, carinho e afeto. Que são nesses
momentos de partilha que se criam laços e se estabelecem relações para toda uma vida. Então
eu gostaria que nosso encontro fosse um momento de catação de piolhos, no sentido criar la-
ços e partilhar deste momento de construção coletiva e tenho certeza que a professora Tânia
Rezende comunga desse mesmo pensamento. Dessa maneira, gostaria de comentar que não
93
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
pretendo e não almejo trazer maiores discussões teóricas para o debate, mas vivenciar algu-
mas das ações decorrentes da minha pesquisa de mestrado defendida em 01/02/2022 e que
vislumbram estar junto, construir juntos, unir forças e, com isso, esperançar dias melhores.
94
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Antes de explanar a minha pesquisa, eu gostaria de narrar de onde parto e quem sou, ho-
mem branco e não indígena, nesse contexto dos povos indígenas e de seus saberes. Para
isso, gostaria de contar-lhes uma pequena história (figura 2). Se para nós, em um evento
de Decolonialidade e Linguística Aplicada ler/ouvir esse poema da escritora Eliane Potiguara,
do povo Potiguara, já é doloroso, pois nos sufoca, nos causa sensações diversas, imagi-
nemos como esse mesmo poema seria lido por um/a indígena. Eu não consigo mensurar,
qualificar/descrever esse sentimento. São vozes e corpos negados, invisibilizados, vio-
lentados, sufocados e impedidos de serem vividos. E aqui eu gostaria de questionar: será
que esse texto pode ser lido como uma obra ficcional? Será que se trata de responder
às perguntas propostas pela autora (por que o indígena queria se matar; por que estava
na marginalidade) ou será que ela nos convida a refletir o quão violentos somos, enquanto
sociedade branca, o quão contribuímos para que corpos continuem a ser violentados?
Será que a pergunta não seria: estou contribuindo para alguma mudança ou estou in-
diferente a essa luta que “não é minha”? E é sobre isso o meu trabalho: olhar para nosso
entorno em uma tentativa de união, de mudança, na tentativa de adoção de uma postura mais
empática, amorosa e menos agressiva e violenta. Portanto, me reconheço como alguém que,
assim como todo cidadão, deveria unir forças para denunciar e combater o assujeitamento,
os binarismos, as exclusões e tantas outras violências históricas que continuam a ceifar vidas,
culturas, saberes, visões de mundo...
95
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Bem, sobre a educação escolar aos povos originários, eu poderia iniciar falando de um
longo processo de imposição linguística, religiosa e de catequização. Ou seja, o quão vio-
lento foi e é esse processo de escolarização imposta aos indígenas. Porém, gostaria de fo-
car na educação enquanto direito. Nesse sentido, recorro ao olhar do professor Gersem José
dos Santos Luciano, indígena do povo Baniwa e a quem sou muito grato inclusive por fazer
parte de minha banca de qualificação e defesa da pesquisa. Para o professor Gersem (2019),
a educação é, também, um direito dos povos indígenas. Negar-lhes esse direito é conti-
nuar com a política de tutela, é dizer: de nós, enquanto não indígenas, decidirmos o que
é bom ou não para eles. Por isso acredito ser necessário evocar a voz indígena pois são eles,
em suas diferentes visões e perspectivas, que estão nos dizendo seus atuais anseios, deman-
das e lutas. Dito isso, trago algumas conquistas dos povos indígenas no tangente do direito
de sua educação escolar. A começar pela Constituição Federal (CF) de 1988. Nela, fora as-
segurado aos povos indígenas brasileiros o direito de permanecerem enquanto “índios”,
ou seja, línguas, culturas e tradições próprias. Esse reconhecimento legal garante, inclusi-
ve, uma educação específica e diferenciada. Fica garantido, portanto, o ensino na própria
língua indígena, bem como processos próprios de aprendizagem, currículos específicos, ca-
lendários adaptados e, sobretudo, um ensino guiado pela valorização dos saberes tradicionais
produzidos por cada povo. A partir da CF uma série de normativas emergiram, com vistas
a favorecer essa educação diferenciada, e aqui destaco algumas delas. Friso a importância
que foi a descontinuada CAPEMA - Comissão Nacional de Apoio à Produção de Material
Didático Indígena. Por meio dela, eram fomentadas e incentivadas a produção de materiais
didáticos e paradidáticos nas diferentes línguas. Já a lei 11.645/08, embora não seja específica
da Educação Escolar Indígena, é uma normativa que assegura a obrigatoriedade da temática
história e cultura afro-brasileira e indígena em todo o currículo escolar, de todas as escolas
brasileiras.
Por outro lado, como problematizamos em minha pesquisa, não basta o atendimento
de uma lei, mas proporcionar reflexões, diálogos e aproximações de maneira integral, e não
apenas em momentos específicos como o “dia do índio”, por exemplo. Lembro ainda que todas
essas legislações são oriundas do próprio movimento indígena, que entende que uma possível
abstenção ao debate e/ou negação enquanto forma de protesto poderia gerar irreparáveis re-
trocessos e danos à fragilizada política nacional da Educação Escolar Indígena (LUCIANO/
BANIWA, 2019). Por isso um direito, que deve ser atendido dentro de suas especificidades.
96
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Específicas porque cada povo elege seus modelos próprios de instituição e de ensino-apren-
dizagem; diferenciadas pois não são (ou não deveriam ser) réplicas de escolas não indíge-
nas apenas com alunos indígenas; bilíngues pois o aprendizado na própria língua indígena
é um direito constitucional e interculturais pois, assim como afirma Luciano/Baniwa (2019),
os saberes indígenas não são exclusivos dos povos indígenas (desde que não usurpados), as-
sim como os saberes universais também são direitos dos povos originários. Esse direito legal
demanda: 1) Recursos humanos próprios (gestão; docentes; etc.); 2) Material didático-
-pedagógico específico, que deve contemplar dois níveis distintos: o primeiro relacionado
à produção de material de alfabetização em língua indígena e o segundo diz respeito à cru-
cial necessidade dos professores indígenas acompanharem a produção, supervisão e revisão
desse material e 3) Currículo diferenciado, estando em função do momento social em que
ele está inserido e a depender dos anseios de cada comunidade escolar. Exemplo é a inser-
ção do espanhol. Embora não seja mais obrigatória a sua oferta, 17 das 39 escolas indígenas
paranaenses* ainda mantêm esta língua na grade curricular. No que concerne ao processo
de ensino-aprendizagem, preza-se pela globalidade do ensino, ou seja, os saberes não se res-
tringem a uma disciplina em específico, mas integradas ao cotidiano e a realidade dos alunos.
* Fonte: SAE/SEED/PR (2021).
97
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Vale lembrar que, a cargo da invasão e de todas as nuances decorrentes dela, lamentosamente
sabemos do extermínio linguístico/cultural dos povos originários. Exemplo disso posso ci-
tar o Povo Xukuru do Ororubá, que atualmente possui poucas palavras preservadas de sua
própria língua em seu vocabulário, as quais são insuficientes para manter uma comunicação.
98
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Desde o que explanei, aponto em minha pesquisa dois dos eixos problemáticos que as esco-
las indígenas enfrentam atualmente com relação ao ensino de línguas, sejam elas línguas origi-
nárias ou não: Primeiro os docentes. Embora assegurado por normativas, a maioria dos pro-
fessores das escolas indígenas não são indígenas, principalmente os docentes de línguas
outras, como bem classificam Rezende e Rodrigues/Tapuia (2020). No Paraná, por exemplo,
no último levantamento da SEED/PR em 2018, dos 704 docentes das escolas indígenas, ape-
nas 252 (35%) são indígenas e 452 (65%) não indígenas. Esse fato implica muitas questões,
sobretudo se pensarmos que a grande maioria dos não indígenas não falam a língua da co-
munidade. O segundo eixo problemático é o livro didático. Como comentei, a CAPEMA
99
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
foi descontinuada em 2008 e, a âmbito nacional, nenhuma outra ação foi feita desde então
para o fomento desses materiais, que, por lei, devem ser específicos, bilíngues e diferenciados
(BRASIL, 1994). Não havendo fomento lhes resta três alternativas: produzir material próprio
sem recursos (algo muitas vezes inviável); ficar sem esse suporte didático ou adotar uma das
obras do PNLD, que, por não serem voltadas especificamente para essas escolas, tendem
a inserir a temática indígena apenas por imposição da lei 11.645/08, sem maiores problema-
tizações e contribuições aos indígenas. É, portanto, na ciência e constatação desses dois eixos
problemáticos que esta pesquisa nasce.
Mortes de indígenas por Covid são o dobro do que número divulgado pelo governo
https://saude.ig.com.br/coronavirus/2021-04-12/mortes-de-indigenas-por-covid-sao-o-do-
bro-do-que-numero-divulgado-pelo-governo.html
Percebemos, por meio dessas poucas notícias, que mesmo em um cenário pandêmico que cei-
fa e continua ceifar vidas, o direito à preservação dos territórios indígenas continua a ser
100
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
negado. Assim, além se se preocuparem com a manutenção de suas vidas (por meio do ato
de reclusão, evitando, dessa forma, uma exposição maior à COVID-19), povos inteiros preci-
sam se articular para que suas terras não sejam invadidas para a exploração ilegal de recursos
naturais. Nesse cenário, consciente do meu papel enquanto pesquisador, em conversa com o
cacique e demais lideranças, em uma decisão difícil, pois alteraria muito do idealizado con-
juntamente para a pesquisa, decidi não estar nesse momento na aldeia em que este estudo
inicialmente se realizaria. Não sabíamos quanto tempo a pandemia iria durar (e ainda dura),
por isso é urgente e necessário preservar vidas em primeiro lugar. Pesquisas podem ser adia-
das e/ou modificadas, como neste caso. Lembrando, foi uma decisão consciente e necessá-
ria, que levou em conta, também, o tempo curto de 2 anos para uma pesquisa de mestrado
em meio a uma pandemia. Assim, fizemos o que foi preciso fazer: mudar, sem deixar de lado
a parceria, o diálogo e a aproximação, como veremos a continuação.
Ambientando a pesquisa
101
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Lembrando que não se trata de uma hierarquização e comparação entre teorias, tampouco
de uma imposição das identidades. O exercício foi favorecer o protagonismo da episteme in-
dígena ao olhar para as questões discutidas. Além disso, preciso apontar que minha pesquisa
não partiu de uma perspectiva decolonial, até porque nem tinha leituras sobre, mas aos pou-
cos, no decorrer do percurso, eu fui conhecendo essa epistemologia dos povos originários.
Assim, entendo a necessidade de trazer um olhar problematizador e histórico para meu es-
tudo, por isso evoco essas autoras e autores indígenas prioritariamente, mas sem pretender
ser decolonial (no doutorado sim objetivo me aproximar dessa perspectiva). Reitero que es-
tou nessa caminhada e por isso penso que precisamos eleger e priorizar essas epistemologias.
Além de uma ação política, essa postura objetiva valorizar um saber historicamente inferio-
rizado e, com isso, pensar uma educação antirracista (GOMES, 2012), já que para ser deco-
lonial entendemos ser preciso adotar uma postura antirracista. Ademais, como bem apontam
a professora Tânia Rezende e a professora Eunice Rodrigues Tapuia (2020, p. 1212, grifo
nosso), os indígenas não são um objeto ou uma categoria de análise, mas “sujeitos, profes-
sores, intelectuais, que constroem e compartilham seus conhecimentos” e é essa perspectiva
que advogo e trago em minha pesquisa.
102
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Posteriormente, após a decisão por epistemologias indígenas, foram utilizadas estas e outras
teorizações*:
2º Legislações específicas:
Constituição Federal; LDB; Pareceres e Resoluções do CNE; Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e tribais; Lei 11.645/2008; Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na Educação Básica; Referencial
Curricular Nacional para a Educação Indígena; FUNAI.
3º Epistemologia de autorias negras/pretas:
Contra-colonialidade (SANTOS, 2015); Identidade (HALL, 2000, 2004); Letramentos
de Reexistência (SOUZA, 2011).
4º Teorização indigenista:
Identidade (GUERRA, 2013); Literatura indígena (LIBRANDI-ROCHA, 2014;
HERNÁNDEZ DE LA CRUZ, 2014; BACK; BEATO CANATO; AMORIM, 2021); Ensino
aprendizagem e Educação (SILVA; COSTA, 2018); Interculturalidade e formação docente
(REZENDE).
5º Teorização universal:
Literatura e ensino - periféricas e na perspectiva da LA (AMORIM; SILVA, 2019);
Indissociabilidade entre Língua e Literatura (SANTORO, 2007; BOMBINI, 2009).
* Lembrando, o exercício não foi, jamais, categorizar, hierarquizar, excluir e separar iden-
tidades e saberes, mas priorizar e evidenciar uma epistemologia indígena, sendo as demais
teorizações adotadas para fomentar o diálogo interepistêmico.
103
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
A eleição da obra se deu pelo fato de ser o livro didático adotado por um colégio indígena
paranaense para auxílio no processo de ensino-aprendizagem da língua espanhola de alunos
indígenas do Ensino Médio (EM). Foram analisados os três manuais do aluno (uma para
cada ano do EM) e o respectivo manual do professor (o mesmo para todos os anos).
104
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Não podemos essencializar e idealizar as escolas indígenas como sendo o cenário perfei-
to! Primeiro porque a educação para os povos originários, historicamente serviu para dife-
rentes propósitos e que visavam a catequização e imposições religiosas, culturais e linguís-
ticas (SANTOS, 2017). Assim, muito embora havendo normativas específicas, afirmamos
estar distante de um cenário de consolidação dessas legislações. Além disso, como pensar
uma educação “ideal” sendo que*:
1.970 escolas indígenas não possuem água encanada;
1.076 não possuem energia elétrica;
1.634 não possuem esgoto sanitário;
3.077 escolas não possuem biblioteca e
3.083 não possuem acesso à internet.
Além destes números assustadores,
1.546 instituições não utilizam e não possuem qualquer material didático-pedagógico
específico?
* Fonte: http://portal.mec.gov.br/busca-geral/206-noticias/1084311476/75261-mec-traba-
lha-por-avancos-na-educacao-escolar-indigena. Acesso em: 17 jan. 2022.
105
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Algumas discussões
Entre dilemas e possibilidades
Muito embora nossa pesquisa tenha vistas para com a Educação Escolar Indígena e objetive
o fomento e valorização de suas legislações próprias, precisamos lembrar que o material ana-
lisado não foi escrito exclusivamente pensando nessa realidade. Assim, entendemos que para
ser aprovado no PNLD estes recursos precisam atender a uma série de outras obrigações
além da lei 11.645/08. Dessa maneira, procuramos tensionar o documento e, ao mesmo tem-
po, buscar possibilidades de diálogo com a temática indígena dentro de suas especificidades
e na perspectiva da Educação Escolar Indígena.
“Antes de analisar as atividades propostas, cabe elogiar o fato de uma reflexão sobre o con-
ceito de linguagem estar presente no livro do aluno, o que vem a ser um enorme avanço,
já que comumente não é observada esta prática nos LD destinados a alunos do Ensino Médio.
Ademais, o conceito apresentado permite que o aluno perceba que língua é mais que comuni-
cação e que reflete a cultura, tradição e valores de uma determinada sociedade. É necessário
indicar, também, que esta conceituação se aproxima da visão de língua(gem) para alguns
povos indígenas, além de dialogar com o conceito que permeia as Diretrizes para a Política
Nacional de Educação Escolar Indígena (BRASIL, 1994), sobretudo quando se relaciona
a língua enquanto parte da cultura de um povo” (BACK, 2022, p. 81).
106
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
107
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
108
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
colonizador (GRAÚNA, 2011). Assim, nosso exercício foi o de denúncia a essa prática, o que
ilustra o quanto ainda temos muito que avançar no sentido de valorizar a história e a cultura
dos povos afro-brasileiros e indígenas, ainda que a legislação que torna essa prática (BRASIL,
2008) obrigatória já tenha completado mais de uma década desde a sua promulgação.
Outra das questões que pontuamos em nossas análises é o fato de um mesmo livro didático
iniciar uma discussão sobre a importância das literaturas indígenas ao passo que no momen-
to de trazer a temática para as atividades, ainda observamos uma predileção das literaturas
indianistas, como o Ubirajara, de José de Alencar e muito pouco se abordam as de autoria
dos povos originários.
109
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Se considerarmos o quão agressivos eram os LD com relação à imagem do indígena e seus sa-
beres (SANTOS, 2017), observamos muitos avanços no material analisado. Contudo, desde
nossa percepção, apontamos que nenhuma lei é autossuficiente (SILVA; COSTA, 2018) e que
ainda temos um longo caminho para a consolidação da lei (BEATO-CANATO; BACK, 2021,
no prelo) e, sobretudo, para uma sociedade mais empática, amorosa e que valorize as diferen-
ças e as riquezas culturais e identitárias como as dos povos indígenas. Por isso, entendemos
ser urgente e necessário legitimar, valorizar e fomentar políticas para a Educação Escolar
Indígena e, desde nossa vivência, de aproximações de forma respeitosa e a união de forças
que visam dias melhores, menos violentos e agressivos, principalmente aos grupos historica-
mente invisibilizados e negados de serem quem são (BEATO-CANATO; BACK, 2021).
110
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Aqui eu gostaria de falar que minha pesquisa não se trata “apenas” sobre analisar um livro
didático utilizado por uma escola indígena, mas de nossa sensibilidade e como tentamos
dialogar, respeitando e construindo algo juntos. Esperançar dias melhores, no sentido
freireano, ou seja, arregaçar as mangas, não desistir e reagir àquilo que parece não ter saída
(FREIRE, 2001). Nesse sentido, temos advogado a favor de uma aproximação respeitosa
com os povos indígenas e asseguramos que uma dessas formas de aproximação é por meio
das produções artístico-literárias produzidas por pessoas indígenas, que, por meio de suas
artes, nos convidam a refletir sobre as suas lutas, demandas, resistência, histórias, belezas
de ser, seus saberes e muito mais (BACK; BEATO-CANATO; AMORIM, 2021). Nesse mo-
mento eu poderia falar do meu percurso junto a diferentes comunidades muito antes de iniciar
no mestrado e do período pandêmico. Eu poderia relatar ações locais, sejam elas em minha
cidade, seja em outros locais em que tive o prazer de estar convivendo com indígenas. Eu po-
deria narrar vivências e meu caminhar de maneira afetiva com eles. Mas por ética e respeito,
prefiro não nomear essas e outras ações nesse momento. Pelo contrário, prefiro ilustrar ações
institucionais/acadêmicas, muitas delas construídas com a professora Ana Paula Marques
Beato Canato, a quem sou muito grato por estarmos conjuntamente nos descobrindo en-
quanto pesquisadora e pesquisador, enquanto pessoas e cidadã e cidadão de um mundo vio-
lento e agressivo e, com isso, refletirmos qual nosso papel nesse caminhar.
No ano de 2020, no meio das incertezas iniciais do coronavírus, nos arriscamos, orientando
e orientadora, a ofertar um curso livre, na modalidade ensino remoto síncrono, sem preten-
dermos gerar dados para a pesquisa, mas partilhar saberes e dialogar. O curso Leitura e dis-
cussão de obras indígenas e indigenistas em espanhol inicialmente objetivava discutir a literatura
indígena, ler textos e compreender como as identidades indígenas se estabelecem no âmbito
literário. Nesse sentido, contribuir para a ampliação da discussão e quiçá para a formação
de professoras/es. O curso se transformou em algo muito maior, como a construção coletiva
de um espaço para conhecer, compartilhar e discutir temáticas, lutas, saberes e cosmo-
visões indígenas plurais. Construímos os encontros do curso de maneira dialogada com os
participantes e fomos agraciados com cursistas indígenas de algumas partes do Brasil, Peru
e Argentina, unidos por um pensamento contra/decolonial e por interesses prévios que dia-
logavam de alguma forma com o propósito do curso.
111
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Embora não matriculado no curso, tivemos a participação de Daniel Iberê, do povo Guarani
M’byá. Certo dia, nas discussões sobre o seu povo, Iberê pede fala, já que sua esposa era uma
das cursistas. Nesse ato de escuta, nos deslocamos, nos sensibilizamos e reconhecemos
o quanto ainda precisamos aprender mais, dialogar mais. Muitas pautas do movimento indí-
gena foram levantadas por Iberê. Assim, com vistas a estreitar laços, convidamos Iberê para
uma live constituinte de um evento de nosso programa. Nesse encontro Iberê dialogou com o
professor Lynn Mário Menezes de Souza, com mediação minha e da professora Ana Paula.
Juntos aprendemos tantas coisas, ficamos ainda mais inquietos e dispostos a engrossar o mo-
vimento não no sentido de engordar nossos currículos, mas de aproximar, dialogar, construir
juntos e uma tentativa de unir forças para discutir pautas, lutas e quebrar narrativas únicas
e violentas. Claro que as publicações são importantes, até para difundir nossas ações e con-
tinuar fomentando a discussão, tanto que alguns artigos foram escritos, inclusive o relato
de toda a vivência do curso foi recentemente publicado na Revista X (BEATO-CANATO;
BACK, 2021) e a transformação do debate com Iberê e Lynn Mário se transformou em en-
trevista publicada na revista Uniletras (MENEZES DE SOUZA et al., 2021). Outras ações
que consideramos importantes é trazer para a academia os saberes indígenas em nos-
sas discussões, em nossas disciplinas para debatermos questões diversas. Assim convidamos
o professor Gersem, que gentilmente esteve conosco em duas disciplinas e em um evento
que tive o prazer de mediar. A partir dessas ações, outras foram sendo construídas coletiva-
mente até chegar no artigo publicado em um dossiê sobre decolonialidade na revista Gragoatá
(BACK; BEATO-CANATO; AMORIM, 2021), momento em que discutimos muitas de nos-
sas inquietações, sem receitas prontas, mas informando como desde nossas vivências pode-
mos afirmar a necessidade de aproximação e que essa aproximação pode se dar por meio
das literaturas indígenas.
O que queremos dizer com tudo isso, reforçamos, não é inflar nossos egos com publicações,
mas relatar que podemos sair para caçar. Iberê nos convida a partilhar de um ato de caça:
ou seja, utilizar a escola e a universidade como lugar de encontro e depois sair para ca-
çar, ver o que que há, o que que permanece apagando e oprimindo os muitos saberes.
Perceber nosso entorno social, denunciar, engrossar movimentos de resistência, convidar
para o diálogo, para partilhar saberes, para sentar e caçar piolhos. É entendermos nosso pa-
pel em um mundo capitalista, negacionista e excludente. É nesse sentido que minha pes-
quisa transcende o acadêmico. É nesse sentido que estou aqui no DELA a partilhar minhas
vivências. Se minhas ações e minha pesquisa são decoloniais eu não sei, o que sei é que estou
em uma caçada e buscando ferramentas para essa caça.
112
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Me encaminhando para o final deste capítulo, gostaria de lembrar que sou um homem branco,
não indígena, falando de questões indígenas e sobre a necessidade de aproximação. Com isso
quero dizer que não faço o papel de curador, tampouco quero impor minha visão, meu en-
tendimento das questões teóricas e que por vezes podem divergir da visão plural da episte-
mologia dos povos originários. O que quero é dialogar, estar nesse movimento de resistência!
Afinal, fomentando e respeitando o diálogo, quiçá poderemos vislumbrar dias melhores e a
construir novas, diferentes e plurais narrativas.
113
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Referências
ADICHIE, C. N. The danger of a single story. TED talk. 7 out. 2009. Disponível em: https://www.
youtube.com/watch?v=D9Ihs241zeg. Acesso em: 24 nov. 2021.
BACK, R. Identidades e saberes indígenas: um olhar para o livro didático de língua espanhola
em contexto de educação escolar indígena. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Federal
do Paraná, Curitiba, 2022. 155p.
BACK, R.; BEATO CANATO, A. P. M.; AMORIM, M. A. DE. Etno-histórias nas escolas brasileiras:
um caminho de aproximação com os povos indígenas. Gragoatá, v. 26, n. 56, p. 1018-1051, 29 set. 2021.
BEATO-CANATO, A. P. M.; BACK, R. Entre dilemas e possibilidades: a BNCC e os povos indígenas,
no prelo.
BEATO-CANATO, A. P. M.; BACK, R. Leitura e Discussão de Obras Indígenas e Indigenistas
em Espanhol: Um relato de experiência em ação extensionista. Revista X, [S.l.], v. 16, n. 6, p. 1861-1887,
dez. 2021.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.
BRASIL. Ministério da Educação. Referencial Curricular Nacional para Escolas Indígenas. Brasília:
Brasília: MEC/SEF, 1998.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade.
Diretoria de Educação para Diversidade Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena. CAPEMA
– Comissão Nacional de Apoio à Produção de Materiais Didáticos Indígenas. Portaria nº. 13, de 21
de julho de 2005. Brasília, DF.
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Comitê de Educação Escolar Indígena. Diretrizes para
a política nacional de educação escolar indígena. 2. ed. Brasília: MEC/SEF/DPEF, 1994.
BRASIL. Lei nº 11.645. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei nº
10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir
no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira
e Indígena”. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 2008.
BRIZOLA, C. Mudanças na Língua Guarani Falada na Aldeia Piraí/Araquari/SC. Trabalho
de conclusão do Curso de Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica. Universidade
Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2015.
COIMBRA, L.; CHAVES, L. S. Cercanía Joven: espanhol. Ensino médio. Manual do professor. 2. ed.
São Paulo: Edições SM, 2016. v. 1, 2 e 3.
FRAGA, L. Quem é/deve ser o professor da escola indígena: uma discussão introdutória. Estudos
Linguísticos, [S. l.], v. 46, n. 2, p. 505–515, 2017.
FREIRE, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedagogia do oprimido. 8. ed. São Paulo:
Paz e Terra, 2001.
114
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
115
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
POTIGUARA, E. Literatura Indígena e nativa vem das entranhas da Terra. Revista Cátedra Digital,
n. 5, 2019. Disponível em: revista.catedra.puc-rio.br/index.php/literatura-indigena-e-nativa-vem-das-
entranhas-da-terra/. Acesso em: 19 jan. 2022.
QUIJANO, A. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, E. (org.).
A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais: perspectivas latino-americanas. Buenos
Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2005.
REZENDE, T. F.; RODRIGUES, E. R. M. Perspectiva intercultural em práticas de Tânia Ferreira
Rezende formação de docentes indígenas. Linguagem & Ensino, Pelotas, v. 23, n. 4, p. 1204-1223, out.-
dez. 2020.
SANTOS, A. B. D. Colonização, quilombos: modos e significações. Brasília: INCT/UnB, 2015.
SANTOS, E. A. D. Livros escolares diferenciados para indígenas. Dissertação (Mestrado em História
Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.
SILVA, G. J; COSTA, A. M. R. F. M. Histórias e culturas indígenas na Educação Básica. Belo
Horizonte: Autêntica, 2018.
SOUZA, A. L. S. Letramentos de reexistência – poesia, grafite, música, dança: hip-hop. São Paulo:
Parábola Editorial, 2011.
UNESCO. Declaración Universal de los Derechos Lingüísticos. Barcelona, jun. 1996.
WERÁ, K. Kaká Werá. Organização de Kaká Werá. Coordenação de Sérgio Cohn e de Idjahure Kadiwel.
Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2017. (Coleção Tembetá).
Notas
116
MATRIPOTÊNCIAS CERRADEIRAS: DECOLONIALIDADES
NO CERRADO DO BRASIL CENTRAL
Considerações iniciais
Da forma como o mundo é estruturado, com sua organização social e econômica, as pes-
soas são valorizadas (classificadas e distribuídas) por suas habilidades para saquear os recur-
sos naturais do planeta. Para isso, as pessoas têm sua cosmopercepção fragmentada e entram
em competitividade. Nessa organização, a meta é se destacar para se dar bem, a qualquer custo,
e o sentido da existência é o da vantagem pessoal e o sucesso individual. É o neoliberalismo como
modo de vida.
As políticas e projetos educacionais oficiais concebem conhecimento e língua como
commodities para imediata geração de royalties, monetários e simbólicos, reproduzindo a ló-
gica neoliberal de sociedade e de vida. O resultado é a formação de um humano destruidor
da vida, da terra e do próprio humano, como denuncia o (en)canto político-poético de Sinvaline
Pinheiro:
117
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
O encanto, da palavra e pela palavra, traz à vida, cura dores e males da alma, faz da pala-
vra-poesia-feitiço um ato político e também desencantamento, pois esburaca as palavras-escon-
derijo (CUSICANQUI, 2021) e desvela as ideologias que nos impedem de ver as artimanhas
dos “homens com fome de terra”, que são “os brancos civilizados”, contra os “ferozes selvagens”,
que atrapalhavam o progresso e, agora, impedem o desenvolvimentismo.
Os povos que atrapalhavam o progresso, antes, na fragmentação moderna de tempo
da colonialidade, são os que se veem parte da natureza, que não têm a terra como mercadoria
nem seus frutos como royalties e patentes, por isso, não os saqueiam. Esses povos são vistos
também como recursos saqueáveis pelo desenvolvimentismo. Os corpos desses povos-entra-
ves do desenvolvimentismo são as trincheiras e as barricadas nessa guerra civilizatória, que,
em nome de sua própria “defesa” e “preservação”, são eliminados.
São novos nomes para as mesmas práticas, pois as palavras-esconderijo mudam de forma
e de lugar, enquanto o povo subjugado continua com sua existência negada, com sua dignidade
118
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
aniquilada, sempre caracterizado pela falta: sem alma, determinou a Santa Sé, sem racionalidade
e sem beleza, declarou a razão moderna, e sem modos (imoral, ignóbil, ignorante), afirmou a nobre-
za, reafirmou seu séquito e reproduziram os súditos, a plebe subserviente, reproduzem ainda
os/as ventríloquos/as sociais com seus/suas manipuláveis bonecos/as alienados/as.
Foi assim que, da perspectiva da estrutura binária euro-judaico-cristã, o povo pindorâ-
mico, conforme Antônio Bispo dos Santos (2015), e o povo tapuiretama, denominação de Kaká
Werá (2021) para os povos do Brasil Central, continuam inferiorizados, subjugados por sua
inferiorização. Por isso, devem ser combatidos, em nome de um bem maior, o desenvolvimento
geral, para todos/as (lucro e enriquecimento dos/as ricos/as; cargos para os/as profissionais
liberais e (sub)empregos para os/as despojados/as e caridade para os/as empobrecidos/as).
Nós somos os frutos da brotação das sementes dessa terra irrigada pelo sangue derramado
do corpo grávido da “índia que parecia gente”. Somos as mulheres cerradeiras. Eu sou uma cer-
radeira e falo desse lugar: do meio de árvores ressequidas, endurecidas, floridas, coloridas e en-
raizadas no chão árido, seco e rachado pela resistência ao progresso e ao desenvolvimento;
e falo com meu corpo: o corpo de bicho que, às vezes, até parece gente (sem alma, sem razão,
sem beleza e sem modos), e com “esse meu jeito de falar...”, tão sem jeito aos ouvidos civilizados
da colonialidade/cristandade. Rogo para que as encantadas, nossas guardiãs, encantem nossas
palavras e enfeiticem nossos dizeres, guiando nossas partilhas de cuidado com nosso corpo,
em nosso chão: o Cerrado do Brasil Central 1.
Ainda é tempo
A fumaça sobe, invade o céu sob o som da máquina que desmata, mata o cerrado...
A cana de açúcar é útil e a soja rentável, alguém disse...
Mas a cana de açúcar e a soja levam, devastam o cerrado...
A paisagem fica nua, triste, sem graça...
Na imensidão plana sem árvores uma semente teima em germinar: o cerrado quer renascer...
Em meio às mãos que cultivam, os braços que lutam, os olhos que choram, onde está o
errado?
Mãos postas aos céus os homens oram, rezam... mas para quê?
Não adianta a prece se desmatam, matam a vida.
Mas a esperança existe e insiste...
Ainda nascerá um novo cerrado, mesmo que ainda longe, numa distância imedível...
Num sonho que já não será o mesmo.
A sementinha empurra, sobe, quer ser árvore e mostrar que a vida renasce,
Que ainda é tempo de plantar e acima de tudo:
Ainda é tempo de
PRESERVAR...
1 Brasil Central, de acordo com Martiniano J. Silva, em Resistência dos quilombos no Brasil Central (2001, p. 157), é o
espaço geopolítico situado no Planalto Central do Brasil, compreendendo o Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso, Mato
Grosso do Sul e Tocantins (estado criado em 1988, desligando-se de Goiás), além do Triângulo Mineiro, em Minas
Gerais (antigo Sertão da Farinha Podre, pertencente a Goiás até 1816).
119
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
O Cerrado é o segundo maior bioma brasileiro e o mais antigo bioma tropical2. É uma
das savanas mais biodiversas do mundo, chegando a abrigar 5% da biodiversidade de todo
o planeta. É considerado o berço das águas do Brasil pela quantidade de fontes de água doce,
de água potável e de nascentes de água mineral. O Cerrado é também um dos mais degradados
biomas brasileiros. É grande, é antigo, é biodiverso e é degrado.
Com tudo isso e apesar de tudo isso, o Cerrado não é considerado um patrimônio nacional,
tal como o são, muito justamente, a Amazônia, o Pantanal e a Mata Atlântica, não sendo, por-
tanto, resguardado pelo poder público. A Constituição brasileira o ignora e negligencia, quando
prevê, no Art. 225, o direito ao meio ambiente equilibrado, facilitando, assim, sua depredação.
A Constituição prevê no § 1º do mesmo Art. 225 que “Para assegurar a efetividade desse
direito, incumbe ao poder público”, dentre outras atribuições, “promover a educação ambiental
em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente”,
abrindo aqui um importante espaço para o cuidado ambiental, o zelo com o Cerrado.
É dessa brecha constitucional que quero me valer para defender uma educação linguís-
tica situada na potência do Cerrado, sob uma perspectiva cosmolinguística, isto é, entenden-
do o Cerrado e nosso corpo como um “território de saber” (KAMBEBA, 2020) e a educação
linguística, nessa concepção, como uma “educação [linguística] territorializada” (CORREA-
XACRIABÁ, 2018). Para Márcia Kambeba (2020, p. 27), um “território de saber é sagrado,
mas nem sempre é respeitado; essa violação prejudica a continuidade da chama da memória”.
Entendo a “chama da memória” como a arkhé de nossos saberes cerradeiros, que precisa per-
manecer viva.
Assim, a educação linguística de que trato aqui é territorializada e marcada, isto é,
não se propõe neutra, nem universalizante nem genérica, é situada no corpo-território de sa-
ber do Cerrado do Brasil Central, na tensão entre a pluriversidade e sua especificidade, com os
conflitos, tensões e lutas no campo, entendendo que a luta na terra pela terra é a luta pela vida,
contra a ganância capitalista que a degrada, esburaca o céu, intoxica o ar e esquenta o planeta.
Nessa concepção, entendo que educar “é também ensinar os alunos e as alunas a respeitar pri-
meiro o seu território de saber” (KAMBEBA, 2020, p. 28), a terra e o planeta, os cosmos.
Há quase três décadas3, a preocupação com o clima está oficialmente na agenda das Nações
Unidas, devido ao que se tem denominado de “crise climática”, em consequência das mudanças
extremas do clima, tendo em vista o aquecimento global (efeito estufa). Essas mudanças de-
correm de fatores naturais – da própria ciclicidade do planeta – e humanos ou antropogênicos.
2 De acordo com o IBGE, biomas são conjuntos de ecossistemas (vegetal e animal) com uma diversidade biológica
própria. No Brasil, há seis grandes biomas terrestres, considerados continentais (Amazônia, Cerrado, Caatinga, Mata
Atlântica, Pantanal e Pampa) e um bioma marinho ou aquático, de águas doces e salgadas.
3 Estou considerando como marco temporal o período entre a 1ª (1995) e a 26ª (2021) Conferência das Nações Unidas
sobre o Clima (COP26).
120
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Ou seja, as mudanças climáticas não são consequências somente de fatores naturais, mas, tam-
bém, das ações humanas e das políticas de governos. Há uma responsabilização humana, social
e política das consequências do aquecimento global. Ainda assim, o genocídio dos povos da terra
segue negligenciado pelo Estado.
121
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
ção e construção do mundo que herdamos e mantemos com a mentalidade moderna colonial
euro-judaico-cristã que sustentamos. Essa cosmopercepção sustenta também a decolonialidade
brancadêmica.
A forma como o ser humano é educado e vem sendo ensinado, como um ser superior,
que deve dominar os demais seres, os inferiores, naturaliza a oposição homem vs natureza, in-
cluindo os povos, para quem a natureza é sagrada, que devem também ser dominados e pos-
tos a serviço do humano. Assim é a educação colonizadora/civilizadora, com a transmissão
dos conhecimentos modernos coloniais, considerados superiores e os únicos válidos, ensinados
(transmitidos) por quem sabe, seres civilizados/superiores, a quem não sabe, seres inciviliza-
dos/inferiores. Esse ser humano civilizado, superior, continua sendo o marco zero da educação
moderna ancorada na matriz de valores da colonialidade/cristandade.
Para o intelectual porto-riquenho Ramón Grosfoguel (2016, p. 28), a filosofia cartesia-
na – com seu pensamento fundante penso, logo existo – desafiou a autoridade do conhecimento
da cristandade, instaurando a secularização do conhecimento com a disputa entre o Deus cristão
e o novo Eu. O “novo Eu”, do ponto de vista da enunciação, não é diferente do “Deus cristão”:
homem branco (com todas as atribuições do que significa ser homem e branco nesse contexto),
cristão, intelectual secularizado (desloca o corpo do conhecimento da Igreja para a universi-
dade, academia de ciência, mas pode ser o mesmo corpo). Esse “novo Eu” produz um conhe-
cimento verdadeiro, além do tempo e do espaço (deslocados e reinventados pelo pensamento
iluminista), objetivo e neutro, posto que produzido à luz da razão e não da crença, mas, ainda
assim, equivale “à visão de Deus”, a verdade única. É o Eu-ropeu padrão e seus similares.
Apesar de reconhecer que o pensamento cartesiano desafia o pensamento teológico,
Grosfoguel admite que a cristandade, que não é o mesmo que cristianismo, formou uma episte-
me que ainda fundamenta epistemologicamente o pensamento, o fazer acadêmico e o compor-
tamento social das sociedades ocidentais. Para o autor (2016, p. 28), “Cristianismo é a tradição
espiritual religiosa”, com uma doutrina, uma ética moral e um corpo de princípios que formam
sua matriz de valores que representa o entendimento do que seja o “cristianismo”, a base da cris-
tandade. Assim, afirma o autor, a “Cristandade é quando o cristianismo transforma-se em uma
ideologia dominante utilizada pelo Estado. A cristandade emerge no século IV d.C., quando
Constantino se apropria do cristianismo e o torna a ideologia oficial do Império Romano”.
Em resumo, a ideologia religiosa, com sua norma de conduta organizadora da ordem
social e da relação entre as pessoas e o sagrado, torna-se a ideologia política do Estado e, além
de matriz de valores, também a matriz de poder de uma época, do Império Romano, subjacente
e atravessando o pensamento moderno colonial vigente. Assim, dado que os países invasores
122
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Javé deus disse para o homem: “já que você deu ouvidos à sua mulher e comeu da árvore cujo
fruto eu lhe tinha proibido comer, maldita seja a terra por sua causa. Enquanto você viver, você
dela se alimentará com fadiga. A terra produzirá para você espinhos e ervas daninhas, e você
comerá a erva dos campos. Você comerá seu pão com o suor do seu rosto até que volte para
terra, pois dela foi tirado, você é pó e ao pó voltará”. (GÊNESIS, [3] 17).
4 Na língua do povo Kuna, Abya Yala significa “Terra madura”, “Terra Viva” ou “Terra em florescimento”. Essa é a autode-
signação ao continente denominado América pelos invasores. É, portanto, um contraponto a “Novo Mundo”. Pindorama
significa “Terra (lugar, região) das Palmeiras”, lugar mítico dos povos Tupi-Guarani, antes da invasão pelos colonizado-
res e de sua renomeação de Brasil, refere-se ao litoral ou Costa do Brasil. Tapuiretama significa “Terra Interior não Tupi”,
designação Tupi do Planalto Central do Brasil. A autodesignação é um movimento político de retomada dos territórios,
das culturas, das cosmopercepções e das linguagens, além de buscar a construção de sentimentos de irmandade e de
pertencimento étnicos.
123
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
for, até mesmo dar a sua vida para proteger seu senhor. A justificação ideológica do escravagismo
africano pelos europeus vem sendo forjada no que está sendo disseminado como “a maldição
de Cam”, filho de Noé, que amaldiçoou Canaã, seu neto, condenando-o à escravidão, para punir
a impostura de Cam diante de sua (impostura) nudez, em estado de embriaguez (GÊNESIS, 9:
20-27). Esse imaginário permanece, principalmente porque se reconfigura no tempo/espaço,
mas não tem sustentação histórica.
Antônio Bispo, assim, configura o espaço da enunciação euro-judaico-cristão que herda-
mos e que lutamos para manter:
Ao observarmos uma sala de aula padrão, podemos verificar todos(as) os(as) estudantes (ci-
dadãos/ãs), postados(as) verticalmente de frente ao quadro ou lousa (Tribuna do julgamento),
onde um(a) professor(a), que possui status e autoridade para falar em nome do saber outorga-
do, fala (ensina) das normas estáticas escritas no manual (livro), cobra dos(as) estudantes (cida-
dãos/ãs) comportamentos e ações voltadas para as regras escola/universidade, avisa que Deus
(Enem, universidade, Enade, concursos e mercado de trabalho) punirá os(as) desobedientes e,
por fim, anuncia as possíveis sentenças, castigos. Porém, em nome de Deus, abre oportunida-
des para que os(as) estudantes pecadores(as) (réus/rés) recorram aos(às) santos(as) (auxilia-
res, monitores(as), coordenadores(as)) e, através de recursos, interfiram perante as instâncias
pertinentes ( Justiça) pela sua salvação (absolvição, aprovação). (Elaboração própria, inspirada
em SANTOS, 2015).
As carteiras escolares (micro quadrados) são construídas para aprisionarem o corpo e ga-
rantir o controle e a disciplina, dentro do quadrado fechado (médio quadrado), que é a sala
de aula na escola (macro quadrado). A carteira dentro da sala fechada tira do corpo algo que lhe
é sagrado: o movimento, a pulsão de vida. A voz de autoridade do/a mestre de escola, repro-
duzindo as autoridades canônicas, completa a peça, tirando dos/as estudantes a criatividade,
a agência e a autoria. A excelência escolar, ancorada no que Maria do Socorro Pimentel da Silva
124
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
125
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
É de suma importância considerar que a circularidade está na base de formação dos po-
vos do Cerrado do Brasil Central, além da estrutura dos terreiros, nas danças e brincadeiras
circulares, como as cantigas de roda, pois o conteúdo das canções também forma o imaginá-
rio das crianças. Ao mesmo tempo, é fundamental o vozeamento e a escuta dos conhecimen-
tos silenciados, a visibilização das existências e a reconfiguração dos valores das diferenças
em conflito.
Em outras palavras, é urgente retomar, com escuta ética-étnica, as cosmopercepções,
as plurais maneiras de viver, ver, sentir e enunciar a vida, dos povos pindorâmicos e tapuire-
tamas, historicamente subjugadas pela negação de suas existências. É urgente a partilha do di-
reito à vida política, é urgente uma educação libertadora, territorializada, conforme propõe Célia
Xacriabá (2018).
Parafraseando Paulo Freire, ninguém educa ninguém, ninguém se educa só, as pessoas se edu-
cam, entendo, compartilhando saberes, com seus corpos-territórios-sentimentos-dizeres, indissociavel-
mente. Nessa concepção, a educação é política e, como tal, questiona “por que” e não “como” edu-
car e escolarizar, criando as condições da reflexão crítica comprometida com a transformação
social, de modo a possibilitar e ampliar a participação de todos/as, como legítimos/as cidadãos
e cidadãs, na ocupação dos espaços e nas tomadas de decisão. Em suma, a educação política cria
possibilidades de ampliação da participação política e, assim, dos espaços para as epistemolo-
gias e linguagens outras, diferentes cosmolinguagens.
Céu limpinho que dá gosto, mas já se escuta, longe, longe, um ou outro trovão. Um trovão aqui, um re-
lâmpago acolá. Cigarra cantando compriiiido. Já já, é jazinho que chega a chuva. Se Deus quisé!
É tempo de plantar. Precisa afofar a terra, furar as covas, preparar tudo pra semear o milho. Tempo
é tempo, um tempo puxa o outro, não pode deixar passar a hora, nem de plantar nem de colher,
porque é com a colheita do milho que chega o tempo da pamonha, da farinha, do fubá, e que se garante
o alimento da criação.
Naquele dia, amanheceu tempo bom, sem chuva e sem calor demais. Lá fomos nós, atrás da Tia,
semeando e cobrindo a semeadura na cova. Ah, mas num era só isso, não! A gente sabia. Tinha todo
o palavrório da Tia, ensinando o que era a vida e a lida na terra. E tinha traquinagem e risaiada, porque
pra nós todo dia era dia de viver.
Ô, Tia, a Tanajura jogou terra no meu cabelo, oia....
Tanajura? Num tô veno nenhuma tanajura aqui, não...
[risos, muitos risos] Tia, o Lobó jogou mii ni mim...
Que lobó? Aqui é corgo, por acaso, pra ter lobó? Tô veno lobó aqui não... Cuidado com esses nome
feito arma, feito ferramenta, pra feri coração, nome num é arma, num é instrumento, nome é espírito
da pessoa, cuidado! [o riso morre no canto da boca, muxoxo... bico comprido... silêncio] E assim cor-
ria, apressada, a manhã.
126
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Os mais grandinho, que já podia mexer com ferramenta, preparava a terra e abria as covas. Os mais
miudinho, encovava os grãozim seco de milho e cobria com terras, senão os passarim comia. Punha
os grãozim com a mão e cobria a cova com o pé, naquele movimento dançante de corpo inteiro.
Presta atenção, não pode jogar o mii como se tivesse jogan’ fora, não. Semente num é lixo, semen-
te é vida, é alimento. Por um acaso, ‘cê joga comida fora? ‘cê joga vida fora, no lixo? Não, nè? Então,
a semente tombém não! Tem de colocar com cuidado, ‘cê tá encuban’ vida pra gerar mais vida, esse é o
mistério da semente. Vida que vira vida, que vira alimento e alimenta vidas. Semente encovada na terra
é vida que renasce vida.
Cê pensa só, uma pessoa que morre a gente enterra, encova na terra, por apego material, porque não é
mais semente que gera vida, já cumpriu sua missão de vida e sua energia agora, depois do desencar-
ne, é espiritual, sua missão é outra, não é mais gerar vida material. Mas, nosso apego encova o cor-
po na terra, queren’ enraizar a vida. Cada um de nós tem de gerar nova vida em vida e girar sempre
a energia de vida pra quando fizer a passagem, a energia continuar giran’ na missão do outro e do
bem do mundo, com desapego ao material. A vida vegetal não, ela vai reproduzindo enterrada, geran’
nova vida e dessa outra e outra e outra, porque seu corpo de germinação é a terra. A nossa tem de
ser desenterrada, nosso corpo é o corpo de geração de vida dentro do outro corpo de geração que é
a terra também.
A Tia ía falan’ assim caquela voz mansa, quandé fé o plantio terminava e a gente via, corria todo mun-
do pro corgo, na maior risaiada, pra lavar o corpo e a alma. Parava um pouco na berada do barranco,
por respeito e pra pedir licença, a Tia ensinou, e entrava pra banhar!
Tânia Rezende
Amanhece o dia
O sol preguiçoso ensaia acordar
Ao longe se ouve uma conversa
São as cunhãs descendo para banhar.
O banho no rio é sagrado
Ainda no colo a criança aprende a nadar
Percebe que a água é vida
E dela precisa cuidar
127
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
De acordo com Rosane Rocha Pessoa, Kleber Aparecido da Silva e Carla Conti de Freitas,
em Praxiologias do Brasil Central sobre Educação Linguística Crítica, (2021, p. 16), na Rede Cerrado
de Formação Crítica de Professores/as de Línguas (CNPq), praxiologia representa um avanço
epistêmico, teórico e conceitual, pois rompe com o paradigma binário hierárquico herdado à ra-
zão moderna colonial. Para as autoras e o autor,
As praxiologias do Brasil Central são nossas epistemologias fundidas com nossas práticas, mis-
turadas de tal forma que não podem ser expressas senão em uma palavra. O termo substitui
teorias, pois compreendemos que, pelo menos na nossa área, teorias não podem ser dissociadas
da prática. Essa é nossa forma de interpretar o argumento de Freire (2005) de que não há prá-
tica sem teoria, nem teoria sem prática. Usar os dois termos é dicotomizá-los, isto é, reforçar
um binarismo que, além de não explicar, hierarquiza conhecimentos em nossa área. (PESSOA;
SILVA; FREITAS, 2021, p. 16).
128
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
129
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Com base em suas vivências com os povos indígenas e em suas experiências e construções
com a educação indígena, escolar e não escolar, Pimentel da Silva (2017, p. 204) afirma que a
educação escolar que os povos indígenas almejam é a educação libertadora, que
situa-se, prioritariamente, nos direitos dos povos indígenas, na vivência cultural; na considera-
ção do saber dos anciãos e das anciãs; no cuidado com as crianças e com os jovens; na inclusão
de projetos sociais/comunitários; na qualidade de vida; na proteção de rios, lagos e lagoas;
na proteção do território e de suas riquezas; na proteção das árvores etc. Tem-se, assim, a prá-
tica de uma educação ambiental de abordagem sócio-histórica, o que equivale dizer, uma edu-
cação para manejos de mundos. (PIMENTEL DA SILVA, 2017, p. 204).
Com base nessas reflexões, entendo e proponho que Educação Linguística e Educação
Ambiental, concebidas como educação política libertadora, são indissociáveis, porque corpo-
-terra-território-espiritualidade-sentimento-conhecimento-linguagem não se dissociam nem se
fragmentam. Além do mais, língua não é instrumento nem ferramenta e, como afirma o intelec-
tual A’uwẽ Cristóvão Tserero’odi Tsõrõpré, não é só entendimento, é também sentimento, e a
educação não é pra um ser melhor que o outro, não é competição nem é evolução. É transforma-
ção. Por isso, o lócus do entender-sentir-enunciar o Cerrado, que são todos os seres com cor-
po-terra-território-espiritualidade-sentimento-conhecimento-linguagem. Essa concepção de
“educação para manejos de mundos”, tendo em vista a pluralidade de mundos, exige a perspec-
tiva transcultural, o translinguajamento, a biointeração e a confluência.
Para além da coexistência e convivência entre povos, culturas, línguas e epistemologias,
transculturalidade é a relação dialógica, respeitosa, orientada pela ética-étnica entre os povos.
É a malungada levantar cedo, plantar milho, ouvindo os ensinamentos da Tia, nossa Mãe Véia,
correr, rir e banhar no córrego, voltar pra casa, correndo e rindo, e tomar banho no chuveiro
de latão, antes de almoçar para ir pra escola, para as aulas de Língua Portuguesa, Matemática,
Ciências, Educação Religiosa e outras. É ter de entender e de aprender, sem perguntar nem ques-
tionar... Rir?! Nem pensar.
De tarde, na volta da escola, já faz logo o dever de casa, em frente à televisão, vendo algu-
ma coisa tipo pica-pau ou speed racer, mas, por pouco tempo, porque bom mesmo é ir pra rua,
encontrar a turma e brincar de salve latinha, cantigas de roda, pique-pega, o máximo que puder
antes que acabe a força (energia elétrica). São nossas práticas transculturais de letramento e nossos
compartilhamentos de vivências construindo saberes. Sem essencializar nem restringir os conheci-
mentos às vivências de família ou das comunidades, mas reconhecê-los e valorizá-los também
como conhecimentos e como modos de aprendizagem e de significação de mundo. Esse enten-
dimento não se confunde com a interculturalidade brancadêmica.
Para Márcia Kambeba (2020, p. 28), “interculturalidade é uma atitude, e uma atitude
dependente de uma construção, que, por sua vez, precisa ser sentida para ser realizada no de-
130
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
correr da vida de cada criança, jovem ou adulto”. Como projeto político, epistêmico e pedagógi-
co, com base em Pimentel da Silva (2017; 2016) e Tubino (s/d), a interculturalidade questiona
a atribuição de valores a camadas diferentes da sociedade por sua diferenciação, tendo como
parâmetro o padrão ou modelo herdado à colonialidade, bem como as razões pelas quais as di-
ferenças constroem, mantêm e sustentam desigualdades. Dessa forma, é uma proposta mante-
nedora de políticas públicas de sustentação de políticas de diversidade. Não há interculturalida-
de sem o reconhecimento do bilinguismo epistêmico, para Pimentel da Silva.
A dialogia entre os saberes, na concepção intercultural funcional, é entendida como har-
monia entre as diferenças. Na transculturalidade, a harmonia entre as diferenças encobre o si-
lenciamento (diferente de silêncio) de muitos/as para o favorecimento de poucos/as. Portanto,
não se trata de encontro, mas de confronto, com disputa de espaço. A manipulação do conflito,
pelo corpo dominante, é uma forma de manter o padrão dominante, o status quo. Na visão
da colonialidade/cristandade, disputa é conflito, portanto, deve ser evitado ou solucionado.
Na transculturalidade é luta.
O translinguajamento, inspirado no nepantla, de Gloria Anzaldúa (2012), para quem bilin-
guajamento é diferente de bilinguismo, porque não se trata de habilidade de falar mais de uma
língua ou em duas línguas, é o viver entre línguas, habitando as línguas, é uma travessia cons-
tante entre mundos, a confluência entre diferentes cosmopercepções, compartilhando saberes
diversos em vivências diferentes, em biointeração, como defende Antônio Bispo (2015). Nessa
concepção, língua é epistemologia, conhecimento, espiritualidade. Por isso, Pimentel da Silva
(2019; 2017) defende a noção de bilinguismo epistêmico.
A biointeração é o viver em comunidade, comunitariamente, uma vida baseada na parti-
lha e no bem comum, sem individualismo nem acumulação, com respeito à natureza, pedindo
licença ao rio ou ao córrego para adentrar suas águas para o banho, entendendo que o relaxa-
mento e a alegria do banho não liberam nem autorizam o desrespeito com as águas e o rio ou
o córrego nem com o/a outro/a. A biointeração é entre as pessoas e entre as pessoas e a nature-
za, conforme propõe Antônio Bispo (2015).
131
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Com esse entendimento, educa-se para o bem viver, aprendendo sempre não só a solu-
cionar, mas a evitar os problemas ambientais gerados pela vida contemporânea. Ao educar para
a respeitabilidade consciente e não para obediência alienada, educar é um ato político de trans-
formação, mais que técnica, método ou estratégia de modelagem para conformação à sociedade
e atendimento ao mercado predatório de trabalho.
Nesse sentido, entendemos que educação linguístico-ambiental é educação política e tem
por compromisso ético-étnico questionar a dicotomia antropocêntrica hierarquizante humano/
não humano que concebe o ser humano como superior e centro do cosmo, a serviço do qual
estão todos os demais seres, vivos ou não, existentes no universo. Essa lógica está na base da re-
lação centro/bordas-margens-periferias, que situa nas bordas os seres humanos desumaniza-
dos, criando e/ou fortalecendo o elo geográfico do racismo, conforme Adilson Moreira (2019).
A biointeração é base fundante da Cosmolinguística, perspectiva da educação linguístico-am-
biental que pensamos, que será aprofundada em outra oportunidade.
No processo de promoção dos letramentos, no âmbito da educação linguístico-ambiental,
nas perspectivas transcultural e cosmolinguística, temos de estabelecer alianças com o sistema
educacional brasileiro, uma vez que não podemos de imediato transformá-lo por completo.
Entendemos e assumimos que essa aliança está envolvida em conflitos e disputa de espaços,
pois não idealizamos relações harmoniosas. Em outras palavras, podemos dar uma rasteira
no sistema, como fez Viviane Silvestre, em suas ações de PIBID, na Universidade Estadual
de Goiás (2017). Esse é um modo de confluir mais que transfluir na academia.
De acordo com Antônio Bispo (2015, p. 89),
Confluência é a lei que rege a relação de con- Transfluência é a lei que rege as relações
vivência entres os elementos da natureza e nos de transformação dos elementos da nature-
ensina que nem tudo que se ajunta se mistura, za e nos ensina que nem tudo que se mistura
ou seja, nada é igual. Por assim ser, a confluên- se ajunta. Por assim ser, a transfluência rege
cia rege também os processos de mobilização também os processos de mobilização provenien-
provenientes do pensamento plurista dos povos tes do pensamento monista do povo monoteísta.
politeístas. É a partir dessas leis que se geram os grandes
debates entre a realidade e a aparência, ou seja,
entre o que é orgânico e o que é sintético.
132
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
ou contrastantes: o branco e o preto, o vermelho e o verde etc.” Assim, para a autora, o resultado
é “um cinza matizado, resultante da mistura imperceptível do branco e do preto, que se confun-
dem na percepção sem nunca se misturar por completo”. E conclui: “A noção ch’ixi, como muitas
outras (allqa, ayni), obedece à ideia aymara de algo que é e não é ao mesmo tempo, ou seja,
a lógica do terceiro incluído”.
Dado que língua é epistemologia e cosmopercepção, em biointeração, não se pode cair
na armadilha de enquadrar a lógica do terceiro incluído aymara – a noção ch’ixi – no frame
da lógica do terceiro incluído europeu, ocidental, a não ser pela perspectiva da tradução trans-
cultural, mas essa discussão foge ao escopo deste artigo. A equivalência lógica, nesse caso, dis-
tanciaria da noção da confluência e a aproximaria das noções de hibridismo e de transfluência.
Tomar a confluência por transfluência é o que torna opaco o entendimento da diferença
entre multiculturalidade e interculturalidade, entre interculturalidade funcional e interculturali-
dade crítica, conforme as distinções de Fidel Tubino (s/d) e de Pimentel da Silva (2017), e entre
interculturalidade e transculturalidade. A transfluência, como fundamento da retórica da pós-
-modernidade e do pós-colonialismo, fortalece e sustenta as políticas de diversidade multicultu-
ralistas, ainda que se apresentem como interculturais, pois que tributárias da interculturalidade
funcional, segundo Tubino. Dessa forma, as ações de promoção da diversidade são meramente
adaptativas, são projetos que visam à adaptação dos/as diferentes aos modelos herdados, con-
siderados sempre fundamentais e necessários.
Considerando a Sociolinguística Alterativista (ALMEIDA, 2021), da perspectiva cos-
molinguística de estudos da linguagem, na malha socioenunciativa, com suas complexidades
sociolinguísticas e epistêmicas, o desafio que vislumbro e que está por ser enfrentado, para
a superação da concepção de diversidade como adaptação, é como contribuir com a promo-
ção da “confluência e da interlocução entre a perspectiva desenvolvimentista e as experiências
da biointeração”, que defende Antônio Bispo dos Santos (2015), e que entendemos por educa-
ção linguístico-ambiental intercultural, envolvendo os diferentes povos ainda em luta com as vio-
lências, principalmente no campo, decorrentes da permanência da colonialidade/cristandade
racista, sexista e desenvolvimentista. São esses os povos que guardam e protegem o Cerrado,
ao mesmo tempo em que são protegidos pelo Cerrado.
O Cerrado, nosso território de saber, é nosso corpo sagrado, nosso velho maltratado bisa-
vô, cheio de segredos e mistérios, nos contando suas tantas antigas histórias, de “índia que pa-
rece gente” e de “homem com fome de terra”. Para entender seus segredos e mistérios temos
de saber mais, muito mais que português, seja o português brasileiro, o pretoguês, o pretuguêis,
o potyguês ou outra x/@/guês. Temos de saber sentir sua linguagem, temos de saber escutar
seus cochichos e assobios de entre as grotas e veredas, piar de pássaros, a sinfonia dos bichos,
a sabedoria das plantas, as mensagens das águas. É preciso saber desvendar a magia das palavras
encantadas e das palavras-esconderijo de suas guardiãs, as curandeiras, rezadeiras, benzedei-
133
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
ras, parteiras, raizeiras e erveiras, que com suas mãos calejadas e enrugadas partejam saberes
de curas, tecem histórias que as escolas e os livros não ensinam.
As narrativas do Cerrado não são contadas, são encantadas, elas enfeitiçam, curam, ensi-
nam e amedrontam. As narrativas do Cerrado são as memórias ancestrais caladas pelo homem
civilizado e cochichadas em segredos pelos encantados. As narrativas do Cerrado são loci epis-
têmico, epistemológico, pedagógico e afetivos – afetáveis e afetuosos.
O Cerrado é uma grande biblioteca, cada anciã e cada ancião é uma enciclopédia viva pul-
sante, que com as enchentes e secas, com as queimadas, o fogo e a degradação, por mais que ele
resista, porque em toda sua vida aprendeu a resistir, já está ameaçado. As mulheres cerradeiras,
troncos retorcidos e resistentes, raízes profundas, sobreviventes subterrâneas, são as guardiãs
e são a resistência – à violência e às intempéries. São os corpos, ao mesmo tempo, agredidos
e fortalecidos pelo fogo e pela seca. A linguagem encantada da mulher cerradeira é potência
que traz à vida e que cura as dores da vida. É matripotência cerradeira.
A força da patriz moderna herdada à colonialidade/cristandade atua sobre nossos co-
nhecimentos como o fogo atua sobre o Cerrado, queima, não mata, fortalece. Da mesma forma
que o Cerrado, nós resistimos, armazenando em nossos caules emocionais e psicológicos, águas
e nutrientes necessários e suficientes para sobrevivermos à temporada da seca intelectual hege-
mônica que se quer superior e, nesse período, enfrentamos as violências, como as investidas do
“homem civilizado com fome de terra” e de ouro: nosso corpo-objetificado, nossas epistemolo-
gias e nossas linguagens monetizadas.
Nossas raízes ancestrais, guardadas em nosso corpo-voz-memória, nos sustentam, ras-
gando os subterrâneos do corpo ardente pelas queimadas civilizadas, normativizadas, e nos
proporcionam meios cognitivos e epistemológicos de enfrentar a secura do ar que respiramos,
a dureza do chão que pisamos e as redes que a nossa volta entrelaçamos. O esforço é tanto no en-
frentamento a tantas toxinas linguístico-epistêmicas e psico-emocionais, trazidas por essa longa
seca moderna-colonial, com suas violentas queimadas criminosas, que nosso tronco e nossos
galhos se retorcem e se contorcem, desviando-se, sem retorno, do padrão ético-estético ditado
pela patriz colonial.
As colonialidades hegemônicas negam a validade das linguagens e dos saberes ances-
trais do Cerrado. As colonialidades contra ou não hegemônicas, progressistas e liberais, aceitam
as epistemologias e as linguagens do Cerrado, porque enxergam nelas potencialidades inova-
doras para suas crises epistemológicas. As posturas contracoloniais, como as defende o mestre
Nêgo Bispo (2015), lutam, desde o começo, para manter a vitalidade dessas linguagens e desses
saberes, ainda que em descompasso e em conflito com as expectativas, tensionando o padrão.
Esse tensionamento do padrão, contrariando a patriz, é configurado e discursivizado
na escola como “dificuldades de aprendizagem”, “falta de adaptação”, “defasagem cognitiva”, “fra-
134
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
casso escolar”, resultando, por fim, em “evasão escolar.” Essa tensão está envolvida em outras,
de outras ordens, como, por exemplo, a econômica, com a invasão do Cerrado pelo agrone-
gócio, promovendo o ecocídio e, em consequência, o epistemicídio, o etnocídio e o genocídio
dos povos cerradeiros. A patriz moderno-colonial é um projeto de morte.
Nessas lutas e disputas, nossos sistemas de significação e nossas práticas de construção
de sentido se organizam em forma de teia, tecendo com a agilidade, a rapidez e os movimentos
da aranha, como nosso ancestral Ananse; ou com a arte manual demorada, atenta do tear e da
tarrafa, como nossas ancestrais cerradeiras. Nossas significações e nossos sentidos são tecidos
com fios polifônicos, coloridos, em diferentes movimentos e direções. Somos as mulheres cer-
radeiras, tecelãs aracnídeas, tarrafeiras, cesteiras, argileiras. Assim como tecemos com os fios,
em teia, sem amarrar as bordas, sem fechar os entornos, tecemos os significados espiritualiza-
dos da vida, com nossos sentidos abertos, incompletos. Mas, também, guardamos em segredo
nossas palavras encantadas, para que, mantendo o feitiço, seja resguardado o efeito.
Ao mesmo tempo, ensinamos nossos conhecimentos a todas que queiram aprender,
não os guardamos para a cova, pois, nos ensina a raizeira e doceira Dona Cecília Kalunga: “O
saber é uma coisa que se num ensinar num vale nada, e se ensinar num gasta. Quem aprende,
ganha e quem ensina não perde”. Todo esse conhecimento, entretanto, está ameaçado, porque
é um conhecimento cravado no corpo-voz-memória fincado na terra.
A privatização do lugar é a privatização de tudo que está no lugar, incluindo as pessoas.
Não se pode entrar no espaço privado e isso impede de recolher as ervas e as raízes, nossas
já envenenadas plantas. O impacto ambiental pelo agronegócio, sejam pequenos ou grandes
agricultores, com o uso de agrotóxicos e de máquinas, é a destruição da natureza: o ecocídio,
o genocídio, o epistemicídio. Muitas espécies já desapareceram e outras estão desaparecendo
e vão desaparecer em pouco tempo. Sem as plantas, as raízes e as ervas, os saberes e as línguas,
com o tempo, se perdem.
A educação linguístico-ambiental intercultural somente poderá ser promovida e o direito
ao meio ambiente equilibrado somente poderá ser efetivado se as linguagens do Cerrado, suas
cosmolinguagens, nos termos de Antônio Nêgo Bispo (2015), forem entendidas, ainda que seus
segredos jamais possam ser decifrados ou revelados.
Referências
135
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
BRASIL. Constituição Federal. Brasília: Palácio do Planalto/Casa Civil, 1988. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 22 fev. 2022.
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Disponível em: https://www.ibge.
gov.br/. Acesso em: 22 fev. 2022.
CORREA XAKRIABÁ, C. N. O Barro, o Genipapo e o Giz no fazer epistemológico de Autoria
Xakriabá: reativação da memória por uma educação territorializada. 2018. 218 f. Dissertação (Mestrado
em Desenvolvimento Sustentável) – Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília,
Brasília-DF. 2018.
CUSICANQUI, S. R. Ch’ixinakax utxiwa – uma reflexão sobre práticas e discursos descolonizadores.
São Paulo: N-1, 2021.
FERREIRA, A. J. Educação Linguística Crítica e identidades sociais de raças. In: PESSOA, R. R.;
SILVESTRE, V. P.; MONTE-MÓR, W. Perspectivas críticas de educação linguística no Brasil –
trajetórias e práticas de professoras/es universitárias/os de inglês. São Paulo: Pá de Palavra, 2018. p.
59-68.
GROSFOGUEL, R. A estrutura do conhecimento nas universidades ocidentalizadas: racismo/sexismo
epistêmico e os quatro genocídios/epistemicídios do longo século XVI. Traduzido por Fernanda Miguens,
Maurício Barros de Castro e Rafael Maieiro. Sociedade e Estado [online], v. 31, n. 1, 2016, p. 25-49.
Disponível em: 10.1590/S0102-69922016000100003. Acesso: 30 jan. 2022.
KALUNGA, C. Conversa pessoal.
KAMBEBA, M. W. Saberes da floresta. São Paulo: Jandaíra, 2020.
KRENAK, A. A vida não é útil. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.
PESSOA, R. R.; SILVA, K. A.; FREITAS, C. C. Praxiologias do Brasil Central. 1. ed. São Paulo: Pá de
Palavra, 2021.
LUCIANO, G. J. S. Língua, educação e interculturalidade na perspectiva indígena. Revista de Educação
Pública, Universidade Federal do Mato Grosso, v. 26, n. 62/1, p. 295-310, 2017.
PESSOA, R. R.; SILVESTRE, V. P. V.; MONTE MÓR, W. (orgs.). Perspectivas críticas de educação
linguística no Brasil: trajetórias e práticas de professoras(es) universitárias(os) de inglês. 1. ed.
São Paulo: Pá de Palavra, 2018.
PIMENTEL DA SILVA, M. S. A Pedagogia da retomada: decolonização de saberes. Articulando
e Construindo Saberes, [S. l.], v. 2, n. 1, 2017. DOI: 10.5216/racs.v2i1.49013. Disponível em: https://
www.revistas.ufg.br/racs/article/view/49013. Acesso em: 03 fev. 2022.
PINHEIRO, S. Vez em quando vem me ver. Goiânia em Prosa e Verso. Goiânia: PM de Goiânia, 2019.
SANTOS, A. B. Colonização, quilombos, modos e significados. Brasília: INCT, 2015.
SABOTA, B. Do meu encontro com a educação linguística crítica ou de como eu tenho revisitado
meu fazer docente. In: PESSOA, R. R.; SILVESTRE, V. P.; MONTE-MÓR, W. Perspectivas críticas
136
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
137
ILF FEITO NO BRASIL E A BNCC: ALGUMAS REFLEXÕES DOS
PROFESSORES DE INGLÊS DA REDE MUNICIPAL DE CURITIBA
Considerações iniciais
139
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Dessa forma, percebemos que o ILF feito no Brasil se destaca justamente por buscar des-
velar a colonialidade existente nas práticas do cotidiano e no ambiente escolar, trazendo luz às
questões que o ILF do Norte muitas vezes opta por não enfatizar.
Segundo Menezes de Souza (2019), essa corrente de pensamento a que nos referimos
como decolonialidade nos ensina a praticar três movimentos em relação a qualquer situação.
O primeiro seria o de identificar a colonialidade e observar como ela está presente em determi-
nada situação; o segundo seria interrogar para refletir sobre as formas tomadas pela violência
que tal colonialidade manifesta, pensando sobre como nos vemos nesse problema, ou ainda,
quais desejos (a favor e contra) são articulados quando nos colocamos neste lugar, reprodu-
zindo o pensamento colonial; já o terceiro seria interromper, questionando-nos sobre como
podemos lidar com essa situação de forma crítica e situada, sem esquecer das complexidades
que a constituem.
Ao pensarmos o ensino de inglês no Brasil, precisamos sempre nos situar em relação
a nossa tradição colonial. É importante fazer esse exercício de identificar a colonialidade no en-
sino de inglês, interrogar de que maneira ela se apresenta violenta e, só então, conscientes desse
momento, desse local onde o ensino ocorre, propor práticas pedagógicas que caminhem na di-
reção de interromper esses processos de forma situada e crítica.
Pensando especificamente no contexto do ensino de inglês da rede pública de Curitiba,
na qual trabalho desde 2012, ao identificar a colonialidade atrelada ao inglês, essa língua que os
alunos estudam obrigatoriamente a partir do sexto ano, percebemos que ela ainda traz muito
fortemente o mito do falante nativo. Acredito que isso ocorre uma vez que os alunos ainda
têm muito presente a ligação da língua inglesa com os EUA e a Inglaterra, distanciando-se dela
por considerarem-na a língua do outro. Para eles, seria então praticamente impossível de se
“imitar”, reforçando o iminente fracasso na aprendizagem.
Isso pode estar acontecendo, dentre outros aspectos, pela cobrança que eles percebem
da sociedade para que aprendamos um inglês padrão, de um suposto falante nativo, que sabe-
mos não ser possível atingir, pois é idealizado e não real. Passando então a interrogar por quê
essa perspectiva está tão presente no pensamento desses estudantes e se a consideram de mais
prestígio, pertencente ao outro, podemos finalmente propor práticas que valorizem seus sabe-
res locais, para que o “insucesso” na aprendizagem de inglês seja interrompido.
Uma das formas que temos encontrado no Brasil para contrapor, resistir às perspectivas
coloniais no ensino de língua inglesa é o supracitado ILF feito no Brasil. Conceber o inglês desta
forma faz com que os/as estudantes se apropriem desse idioma para a sua comunicação, tanto
com nativos quanto com não-nativos, para interação e atribuição de sentidos ao mundo, na luta
140
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
contra o mito do inglês como língua estrangeira neutra, e na resistência aos efeitos simbólicos
que o entendimento de língua como estrutura atrelada ao falante nativo têm causado nos discen-
tes quando eles não se veem pertencentes a essa cultura. Nessa mesma esteira, Takaki, Ferraz
e Mizan (2019) se remetem a Monte Mór (2018, p. 70) quando a autora afirma que
Essas práticas coloniais, ditas tradicionais, podem ser identificadas nas nossas salas
de aula, quando os alunos trazem como referência do inglês somente o que acontece nos EUA,
às vezes supervalorizando aquela cultura, por outras a criticando duramente como desculpa
para reforçar seu desinteresse pela aprendizagem. A partir dessa identificação, continuam as au-
toras, o letramento crítico traz uma nova perspectiva que busca interrogar e interromper essas
práticas cristalizadas no ensino, pois
Pode ser visto como um processo interpretativo da historicidade dos discursos que formataram
nosso pensamento sobre educação linguística. Busca por meio da leitura da palavra (dos textos
e suas “realidades”) e do mundo (FREIRE, 2005, p. 24) expandir nossas concepções e deses-
tabilizar nossas “verdades” mostrando que elas são sempre contextualizadas. A partir disso,
seríamos levados a fazer a leitura de nós mesmos e de nosso loci social (MONTE MÓR, 2010,
p. 5.) que ocupamos enquanto interpretamos (TAKAKI; FERRAZ; MIZAN, 2019, p. 39).
141
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
epistemologias do Sul são uma tentativa de validar conhecimentos nascidos nas lutas contra
o capitalismo, o colonialismo e o patriarcado, que são as formas de eliminação fundamentais.
[...] O capitalismo não funciona sem racismo, e não funciona sem sexismo, e portanto as 3 do-
minações estão muito articuladas. Essa dominação é grave, cruel e produz morte, como na pan-
demia. (SOUSA SANTOS, 2021).
Dessa maneira, o ILF feito no Brasil caminha na linha de valorizar os saberes locais, re-
sistir e, como Sousa Santos nos ensina, “lutar e denunciar a sociologia das ausências e a invisi-
bilidade. Mostrar que do outro lado da linha abissal há muito conhecimento, experiência social,
criatividade, cultura, resistência e solidariedade dentro das comunidades periféricas” (SOUSA
SANTOS, 2021).
Outro exercício constante apontado por Mignolo seria a desvinculação (delinking). O au-
tor afirma que
142
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
caráter formativo obriga a rever as relações entre língua, território e cultura, na medida em que
os falantes de inglês já não se encontram apenas nos países em que essa é a língua oficial. Esse
fato provoca uma série de indagações, dentre elas, “Que inglês é esse que ensinamos na escola?”
(BRASIL, 2017, p. 241).
Esses trechos da BNCC estão presentes na seção introdutória ao componente língua in-
glesa. A partir deles, elaboramos uma questão para ouvir a opinião de dez professores de inglês
da rede municipal de ensino de Curitiba (participantes da pesquisa de mestrado da qual este
texto foi retirado). Já havíamos discutido a BNCC nos eventos de formação da PMC (Prefeitura
Municipal de Curitiba), mas, no âmbito desta pesquisa, sentimos a necessidade de retomar
com os colegas um trecho específico que, nos pareceu, não havia sido discutido a contento ante-
riormente. Foi essa a pergunta realizada no questionário com os professores em questão:
Pensando agora na relação da sua prática docente e nos materiais adotados por você, leia o se-
guinte trecho da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) que defende que “Situar a língua
inglesa em seu status de língua franca implica compreender que determinadas crenças – como
a de que há um ‘inglês melhor’ para se ensinar, ou um ‘nível de proficiência’ específico a ser
alcançado pelo aluno – precisam ser relativizadas. Isso exige do professor uma atitude de acolhi-
143
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
mento e legitimação de diferentes formas de expressão na língua, como o uso de ain’t para fazer
a negação, e não apenas formas “padrão” como isn’t ou aren’t. Em outras palavras, não quere-
mos tratar esses usos como uma exceção, uma curiosidade local da língua, que foge ao ‘padrão’
a ser seguido. Muito pelo contrário – é tratar usos locais do inglês e recursos linguísticos a eles
relacionados na perspectiva de construção de um repertório linguístico, que deve ser analisado
e disponibilizado ao aluno para dele fazer uso observando sempre a condição de inteligibilidade
na interação linguística.” Você concorda com essa passagem?
Das oito respostas recebidas, seis afirmaram que concordavam com o trecho, uma con-
cordou em partes e Elza (pseudônimo) preferiu responder da seguinte forma: “Embora o docu-
mento enfatize a variação, acho muito complexo pensar que os professores de inglês no Brasil
teriam conhecimentos e condições de abordar variações do inglês nesse nível que propõe
a BNCC.” A professora nos dá a impressão de pensar que o documento está distante da realida-
de das nossas escolas e professores, o que muitos professores comentam, mas poucos se posi-
cionam a respeito quando lhes é dada a oportunidade para isso.
Na sequência, pedimos no questionário para que os docentes comentassem sua resposta
anterior. Nesse momento, é possível perceber como a interpretação do documento (BNCC)
varia de professor para professor, dependendo das suas vivências e experiências com o ensino
e os estudos da linguagem. Tivemos respostas como:
Músicas e trechos de filmes ou seriados são boas fontes para elaborar atividades que contem-
plem esse viés da língua franca. O foco na comunicação efetiva e cotidiana da oralidade versus
o da correta na sua forma escrita. Também, atividades comparativas entre textos formais e in-
formais e ocasiões para a aplicação de cada um. Estas atividades adicionam o viés das relações
interpessoais quando apresentam ao aluno lugares e modos diferentes de se comunicar. Ambas
são legítimas e devem estar presentes na mesma medida. (Mariana, questionário).
Tento colocar áudios e vídeos de países falantes do Inglês fora do padrão esperado; procuro
sempre mostrar diferenças da [sic] culturas dos países que falam Inglês com a do Brasil; exem-
plifico que nos EUA existe o Black English, mostro que alguns objetos, seres ou coisas têm no-
mes diferentes de acordo com o país de língua inglesa onde são faladas, porém às vezes recorro
a diferenciar o inglês falado nos EUA e na Inglaterra, por causa da escrita diferente das mesmas
palavras. Discordo que o material didático seja voltado para o Inglês como língua franca, pois
nunca encontrei um texto sobre a cultura da Nigéria, de Camarões, da Jamaica, de Belize ou de
Trinidad e Tobago, por exemplo. Se os professores não forem buscar por conta própria, não ve-
rão na maioria dos livros didáticos que recebemos nas escolas públicas (que é onde eu trabalho).
(Ro, questionário).
É possível perceber nas respostas das professoras que seus entendimentos têm muito a ver
com a sua experiência em sala de aula, no contato com os materiais e com a língua na socie-
dade. Elas estão entendendo ILF como usos locais de inglês, como variedade e deslocamento
144
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
dos países “centrais”, especialmente no segundo caso, e também como usos cotidianos, como
exemplificado no primeiro trecho.
Apresento abaixo algumas outras respostas:
Neste ponto da BNCC faço a leitura de que não há somente o inglês padrão, assim como não so-
mente o português padrão. Que há outros registros que não o da elite e que deve e necessita
ter espaço para uso e apropriação nas aulas.” (Clara, questionário).
As formas fora do padrão fazem parte do contato que os alunos têm com o inglês fora da esco-
la como em jogos, músicas e filmes. Geralmente, eles trazem essas questões para sala de aula
e partir disso conversamos sobre essa diversidade linguística e traço um paralelo com a nossa
diversidade. (Vitória, questionário).
Ensinando a língua através de situações contextualizadas, os esudantes têm acesso à diversidade
linguística. (TLZP, questionário).
Esse grupo de respostas, a nosso ver, trazem à tona questões relacionadas à língua padrão,
diversidade linguística, mas ainda nos parecem muito próximas à ideia de língua como um sis-
tema que pode ter variações, havendo, portanto, um padrão, correto, a ser considerado. Dessa
forma, o entendimento de ILF trazido nesse estudo (ou seja, ILF feito no Brasil, como entendido
aqui) não corrobora com esse posicionamento.
Percebemos aqui uma certa proximidade com as teorias de World Englishes (WE)
(KACHRU, 1985), mas não com a visão contemporânea de ILF feito no Brasil, como houve
nas duas respostas relacionadas ao trecho introdutório da BNCC. Essas respostas, que transcre-
vo a seguir, pareceram-me mais próximas à perspectiva ILF que embasou o estudo e que serviu
de alicerce também para atividades propostas aos professores participantes posteriormente (es-
sas atividades não são objetos do presente texto):
Acho importante desconstruir a crença sobre a língua inglesa pertencer a um determinado povo
e se atentar para uma pedagogia que valoriza os falantes da língua inglesa de diferentes nacio-
nalidades, de diferentes línguas maternas, objetivando a inteligibilidade, a comunicação efeti-
va. Nas minhas aulas, tenho a preocupação de trazer materiais que abordam várias culturas,
com diversos repertórios linguísticos, revendo a noção do que é “certo” ou “errado” no uso
da língua. (Sil, questionário).
Se considerarmos que há um único padrão a ser atingido, voltaremos a aplicar o construto
do falante nativo. Se considerarmos as diferenças como preciosidades que ampliam o nosso
repertório e não como desvios, nossa visão se amplia e o processo de ensino e aprendizagem
da língua enriquece. Pensar na língua como nossa, como parte do nosso repertório faz toda a di-
ferença. Eu concordo com o trecho em destaque na pergunta anterior porque é assim que vejo
a língua e é assim que venho buscando lidar com ela em sala de aula. (Helena, questionário).
145
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Nesses dois comentários, temos conceitos importantes trazidos no ILF, como a desterri-
torialização e a apropriação da língua, além da ideia de repertório linguístico. Podemos observar
aqui a inseparabilidade de teoria e prática nas falas das professoras, considerando que associam
sua visão de língua ao seu ensino na escola.
Até esse momento do presente texto, explicitamos trechos da BNCC que apresentam
o conceito de ILF como um avanço do documento na sua concepção de linguagem, porém, per-
cebemos algumas contradições importantes na Base, quando ela deixa de contemplar outras lín-
guas estrangeiras, por exemplo, como afirma Duboc (2019, p.16): “lamentavelmente, evidencia
uma orientação monolíngue ao substituir as chamadas LEM (Línguas Estrangeiras Modernas)”.
Quando consideramos o ILF, essa orientação monolíngue não combina, visto que na con-
cepção de língua franca existe a “valorização da presença de outras línguas: ao invés da presen-
ça da língua materna no aprendizado ser vista como uma interferência, (...), todas as línguas
(construtos ‘inventados’) possivelmente presentes no repertório dos falantes são (considerados)
recurso” (HAUS; GALOR, 2019, p. 258). Além da concepção monolíngue, nos quadros didáti-
cos apresentados logo após a introdução do documento, que descrevem os conteúdos a serem
trabalhados ano a ano, existem, nas palavras de Duboc,
Tomando por inspiração essa questão trazida pela autora, elaboramos a seguinte pergun-
ta para ser respondida pelos participantes da pesquisa: “Abaixo, você encontra mais um tre-
cho da BNCC. Trata-se de um quadro disponível na seção 4.1.4.1. Língua Inglesa no Ensino
Fundamental – Anos Finais: Unidades Temáticas, Objetos de Conhecimento e Habilidades para
o 9º Ano do Ensino Fundamental. Você concorda com essa parte da BNCC?”
Para essa questão, três dos oito participantes declararam concordar com a passagem e os
cinco restantes afirmaram concordar em parte. Na questão seguinte, foram convidados então
a justificar sua resposta anterior. Para as respostas afirmativas, tivemos as seguintes justifica-
tivas: “Linguagem de gênero digital, por exemplo, geralmente possui vários termos em inglês”
(TLZP, questionário), pontuando para um tema específico no quadro. A segunda resposta afir-
mativa comentou:
146
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Acredito que as propostas explícitas na BNCC ampliam as formas de se aplicar atividades atra-
vés das habilidades, mas ao mesmo tempo direciona por assuntos gramaticais ou temáticos
pontos essenciais para aprofundar o conhecimento da língua. Entender gramática ou organi-
zações de estrutura ajuda a ampliar o próprio conhecimento do vocabulário ou ideia central,
principalmente na produção oral e escrita da língua. Conhecimento necessário para aprofunda-
mento da comunicação até mesmo como língua franca, na minha opinião. Uma pessoa que não
identifica tempo verbal ou quando a ação se passa (presente, passado ou futuro) e não entende
a relação de causa e consequência ou condição e situação real/imaginária pode não se comu-
nicar ou compreender de modo efetivo. Assim, esses objetivos também devem estar presentes
no processo de ensino-aprendizagem proposto. (Mariana, questionário).
147
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
A última resposta afirmativa trouxe a seguinte justificativa: “Concordo porque ela reflete
a necessidade de mudar a crença estabelecida sobre a hegemonia da língua inglesa. Por exemplo,
os objetivos trazem essa preocupação ao usarem a palavra “de forma inteligível”. (Sil, questio-
nário). Aqui também percebemos que a professora se atém ao termo inteligível para expressar
sua opinião.
Quando passamos para as justificativas das participantes que afirmaram concordar
em parte, os seguintes comentários surgiram como respostas: “Não entendo que seja necessário
‘seccionar’ o ensino, dividi-lo em partes a serem cumpridas. Quando penso em uma sequência
de atividades tenho em mente o todo (tema, assunto, escopo mais amplo que desejo traba-
lhar) e depois vou trabalhando as partes (léxico, gramática) de acordo com a turma que estou
atendendo” (Clara, questionário). A resposta de Clara corrobora com Duboc (2019) quando
ela destaca a contradição contida no documento, que ao mesmo tempo celebra o hibridismo
e hierarquiza e organiza os conteúdos.
Para finalizar esta discussão, trazemos o seguinte comentário: “Podemos ter uma base
curricular, mas que seja flexível. No trecho acima fico pensando em como interligar todos os as-
suntos, pois não considero trabalhar de forma segmentada. Eu escolheria somente o primeiro
item para trabalhar em sala” (Vitória, questionário). Com a resposta de Vitória, percebemos
o quão complexo é ter um documento nacional que contemple todas as realidades do nosso
país. Quando ela afirma que a Base pode existir, mas precisa ser flexível, fica clara a necessi-
dade de cada professor de levar o seu contexto local em consideração durante o planejamento
das suas aulas. Podemos utilizar a Base como referência, mas precisamos da liberdade de adap-
tá-la de acordo com nosso contexto específico em cada escola.
Por fim, as questões que esta pesquisa buscou trazer são uma apropriação dessa posição
privilegiada como professora de inglês em um contexto em que só essa língua é possível de ser
ensinada como língua estrangeira nas escolas. A partir disso, busco questionar esse sistema,
problematizando ainda a noção do senso comum de que o inglês seria uma “língua do mundo”
e que poderia abrir espaço para todos, a partir do mero conhecimento dela. Com base em nos-
sos estudos decoloniais, podemos confirmar que somente o conhecimento linguístico não é su-
ficiente. Portanto, a ideia nunca é reproduzir o status quo, mas transformar e valorizar a cultura
local, as pessoas e suas identidades.
Assim, quando nos afastamos dessa ideia de falante nativo e valorizamos o plurilinguismo
e a heteroglossia (BAKHTIN, 2011), observamos que o mundo é muito mais do que o pro-
jeto que estão tentando colocar diante de nós. Nesse sentido, quando se coloca a negociação
como uma implicação para a comunicação, ressalta-se a importância da existência do outro e de
seu repertório, observando-se suas muitas formas diferentes, seja da fala, da escrita, das ima-
gens ou de conversas. Nesse caminho, a translinguagem (CANAGARAJAH, 2007; 2013) acaba
sendo uma boa maneira de permear essas discussões, pois não conseguimos definir uma lín-
148
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Referências
149
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
150
TERRA EM “TORTO ARADO”: REFLEXÕES TRAZIDAS
PARA A EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA CRÍTICA
151
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
152
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
153
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
154
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
155
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
156
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
157
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
158
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
159
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
160
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
161
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
162
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
163
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
164
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
165
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
166
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
167
COLONIALITY, EDUCATIONAL TECHNOLOGY AND ECOLOGIES
OF KNOWLEDGE IN ELT IN THE WAKE OF THE PANDEMIC
Francesca Helm
University of Padova
Initial Considerations
As I have learnt from my Brazilian colleagues and friends, making explicit my locus
of enunciation, my “geopolitical and body-political location” (DINIZ DE FIGUEIREDO;
MARTINEZ, 2021) is a way of decolonizing scholarly knowledge.
I am speaking from Italy, a central European country and I work at the University
of Padova, which is a historic university in the northeast of Italy, that is celebrating 800 years
next year. I started working here a long time ago as a ‘lettore di madre lingua’, but then did a
concorso to become a researcher, and though my official discipline is lingua inglese e traduzione
my research has been more about online language and intercultural learning. Since 2006 I have
been at the Dipartimento di Scienze Politiche, Giuridiche e Studi Internazionali, where I col-
laborate with several colleagues, in particular Claudia Padovani in the organisation of a winter
school–which is how I have built connections with colleagues in Brazil.
I am deeply concerned by the fact that Europe “has decided to turn the Mediterranean
into a graveyard instead of a place in which civilisations meet and encourage the free movement
of people” as Alessandra Sciurba, the president of the Mediterranea platform has said1.
This cemetery is supported by technologies–which Paola Zaccaria (2012), an Italian
scholar, describes as “virtual” forms of power and control that are being exercised over human
bodies, especially migrant bodies. She writes:
This power is exerted through new, often technological, immaterial forms of boundaries such
as the radars used to stop the departures of boats or detect their presence in the sea waters,
1 https://www.infomigrants.net/en/post/22931/europe-has-turned-mediterranean-into-migrant-graveyard-ngo-presi-
dent-claims#:~:text=Alessandra%20Sciurba%2C%20president%20of%20the,the%20free%20movement%20of%20
people.%22
169
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
or the digital fingerprints used to identify “illegals” without ID cards. Human bodies are thus
confronted with the new faces of colonialism and imperialism which, although through different
technologies, still makes use of the panopticon regime of surveillance described by Foucault
to analyze the institutionalized control in the Modern ages. (ZACCARIA 2012, p.110)
I therefore try to collaborate with local and translocal activist organisations both within
and outside of the university–that work with refugees and migrant workers, and more recently
with scholars–and students–at risk2.
Italy is known for its history and artworks, but it also has a strong history of social move-
ments, which draw very much on the work of social movements in Latin America. Much of my
un-learning and expanding my ecology of knowledges has come through my contact with these
groups in Padova and engagement with decolonial scholars as yourselves, but I am suffering
from impostor syndrome here at this conference on decoloniality, as it is so hard for me, as a
European, to shake off habits of the mind I have been educated into.
As an English teacher I am concerned not about the spread of English per se but about
the ways in which English is being used by those in power, by the ideologies of language and re-
gimes of coloniality that are imposed through ‘standards of language’ and which are being rein-
2 https://www.scholarsatrisk.org/sections/sar-italy/
170
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
forced by technologies. These are used for gate-keeping, not only for entrance to Anglophone
countries and institutions but increasingly for students and academics who want to enter or study
in non-Anglophone countries, like Italy, where British or American standards of language have
little to do with the English and the language ecology of the contexts where they will be.
So, this talk will look at the use of technologies, above all in education, language teach-
ing and testing, in particular at how they are being used to reinforce coloniality, in ways that
are perhaps not so different from what Paola Zaccaria described regarding the Mediterranean.
But I hope also to imagine how we might also use them to interrupt coloniality in our universi-
ties and schools.
The pandemic
I will start by making reference to the pandemic and current situation as I think it is im-
portant to situate this talk temporally as Covid has disrupted our way of life, as several of the
contributions to this conference have mentioned, and it has certainly accelerated and mainstre-
amed the adoption of technologies in our institutions. As Mignolo said in his talk, “the pande-
mic accelerated the change of era”, and now is the time when institutions, here in Europe at least,
are making decisions about how we will continue to use technology. One of the problems is that
this is often done without engaging teachers or students in discussions about how and why they
are used.
For a few months people of privilege, on the visible side of the abyssal line, felt what it was
like to not be able to move freely, not to be able to leave their homes, towns, countries, even
to see their loved ones before they die. This has long been a reality for millions in the world
who are constrained by work, finances, family, political situations and visa regimes. But we were
not and still are certainly not all in the same boat–when we think about confinement, living spa-
ces, access to water, access to healthcare, health equipment and vaccines. We have people in the
UK and Italy now being offered their third dose of vaccinations and in some countries barely
3% of the population have had their first.
Inequalities have been exacerbated by the pandemic in all areas of life, however I will
focus on the impact of Covid on education. There were severe inequalities in having access
to education (BOZKURT et al. 2020), and this impacted underserved communities and women
the most (TERÄS et al. 2020). There was also of course uneven access to online education–due
to lack of connections, devices and spaces to connect from. The pandemic led to physical dis-
tancing of people which for many students and also teachers has meant strong feelings of lone-
liness and isolation–from families, friends, peers. And this has led to a dramatic increase in is-
sues related to mental health which I know in Europe we are seeing very much today. Though
as language teachers I believe many of us know how to foster social proximity through relational
pedagogies, this doesn’t seem to have been happening much in higher education overall. Rather
171
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
than focusing on care–for teachers and for students for our planet–universities have been inves-
ting in what Evgeny Morozov (2013) calls technological solutionism and following the neolibe-
ral drive for efficiency.
Technological solutionism
Knowledge systems worldwide are still underpinned by the logic of value extraction.
In fact, knowledge as such is increasingly designed as the principal means for value extraction.
Colonisation is going on when the world we inhabit is understood as a vast field of data awaiting
extraction. Colonisation is going on when we throw out of the window the role of critical reason
and theoretical thinking, and we reduce knowledge to the mere collection of data, its analy-
sis and its use by governments, military bureaucracies and corporations. Colonisation is going
on when we are surrounded by so-called smart devices that constantly watch us and record us,
harvesting vast quantities of data, or when every activity is captured by sensors and cameras
embedded within them. This is what colonisation in the 21st century is all about. It is about
3 https://globaleducationcoalition.unesco.org/members
4 https://www.amazon.com/gp/feature.html?ie=UTF8&docId=1000412651
5 https://gadflyonthewallblog.com/2020/04/04/the-first-taste-is-free-ed-tech-follows-drug-dealer-sales-techniques-
-with-schools-during-coronavirus-crisis/
6 https://www.newframe.com/thoughts-on-the-planetary-an-interview-with-achille-mbembe/
172
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
extraction, capture, the cult of data, the commodification of human capacity for thought and the
dismissal of critical reason in favour of programming.
Naomi Klein, the Canadian journalist and activist famous for the Shock Doctrine has re-
cently written about the virus-tech shock doctrine and the future it holds. “It’s a future in which
our every move, our every word, our every relationship is trackable, traceable, and data-mineable
by unprecedented collaborations between government and tech giants”.7 And all of this has led
to a massive acceleration in the uptake of technology and a corresponding surge in Venture
Capital investment in edtech8.
How we have been using technology and languages in DELA is certainly one of the most
positive uses of technology we have, engaging in these kinds of conversations, making them
more accessible than in-presence events, and also–perhaps–more environmentally sustainable.
But what I will focus on in the first part of my talk is the darker side and how coloniality
is supported by technologies and processes which, no surprise, have been developed predomi-
nantly by white western men. But as I said about the English language earlier, it is not so much
the technologies in themselves that are the problem, rather it is what they are being used for,
the interests of those developing, selling, buying and using them. And that includes us as teach-
ers and our institutions.
Figure 2: Machines
7 https://theintercept.com/2020/05/08/andrew-cuomo-eric-schmidt-coronavirus-tech-shock-doctrine/
8 https://www.holoniq.com/notes/16.1b-of-global-edtech-venture-capital-in-2020/#:~:text=Global%20EdTech%20
started%20the%20last,previous%20investment%20record%20in%202018
173
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
I will start then–following the recommendations for decolonial pedagogy that Lynn
Mario de Souza made in his talk–by identifying and interrogating coloniality in uses of techno-
logies in the Global North and I will give some examples of how groups have tried to interrupt
coloniality.
Sharon Stein reminded us of the coloniality in the mining of the minerals needed for the
technologies we use also for education. Indeed, Sousa Santos (2015, p. 23) writes:
Global capitalism has never been so avid for natural resources as today, to the extent that it is
legitimate to speak of a new extractivist imperialism. Land, water, and minerals have never been
so coveted, and the struggle for them has never had such disastrous social and environmental
consequences.
In 2016 Amnesty International published a report saying it had traced cobalt used in bat-
teries for household brands to mines in DRC, where children work in life-threatening condi-
tions–this is just one of many reports–but these have little impact on our colonial desires for the
latest smartphone or computer9. Of course this is not a surprise as technologies are linked to mo-
dernity and coloniality, particularly modern technologies like computers, which have emerged
from a certain history, from certain institutions in specific places and are likely to re-inscribe
violent exploitative and extractivist colonial practices.
Learning from the literature on coloniality, I have understood the importance of looking
at the histories–something that was strongly lacking in my UK education. England is the only
European country where you can–still today–choose to stop studying history at the age of 14
(OFSTED, 2011) and of course if you do study history colonialism does not feature strongly –
if at all.
Technologies were used to support colonialism and continue to support coloniality and they
carry with them the legacy of their military origins, “Command, Control, Communication,
Intelligence” as Audrey Watters–a north American independent writer about edtech–reminds
us. Many of the technologies we use today originate in a specific locality–Silicon Valley, whose
values, or ideologies, as Watters highlights, include surveillance capitalism, radical individual-
ism, neoliberalism, the exclusion of people of colour and white women from its workforce10.
Algorithms are trained on data–and data are being extracted also from our students. As Watters
writes “students often find themselves uploading their content — their creative work — into
the learning management system. With learning analytics and plagiarism detection software,
they often find themselves having their data scanned and monetized, often without their knowl-
9 https://www.theguardian.com/global-development/2018/oct/12/phone-misery-children-congo-cobalt-mines-drc
10 http://hackeducation.com/2017/06/09/personalization
174
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
edge or consent.”11 The justification often given for data extraction is personalization, a term
with multiple histories and meanings, also in education as Watters explores in her article “The
histories of personalized learning.” She ends her article asking whether we will have “any sem-
blance of collective justice in a “personalized,” algorithmically-driven world?”12.
Monolingual ideologies
Here in DELA we have been talking about many other aspects of coloniality in relation
to language and applied linguistics. The naming and describing of languages has its roots in co-
lonialism, as Gabriella Veronelli reminded us–as do monolingual ideologies. Computer techno-
logies have been designed to condition us “to conceive languages as closed systems, belonging
to certain peoples or countries, considering the mixture between them as something negative”
(HAUS, 2019, p. 255).
Think about when we use tools such as Word processors–they make us choose which
language and underline words that are in a different language if we want to use the spell checker.
The formatting of texts when we try to combine languages with Roman and Non-Roman script
present great challenges for formatting and often produce scrambled texts. Our mobile phones
compel us to choose a single language if we want to use the autocomplete–and often correct
or nudge us to stop mixing languages or stop using language and punctuation creatively.
The design of user interfaces dictates monolingual interactions, forcing users into mutu-
ally exclusive linguistic practices. As Pérez-Quiñones and Carr Salas (2021) point out, switching
languages in open communication is much more fluid than “Change settings in the User inter-
face.” This is due not to the nature of the technologies themselves, but to the–perhaps implicit–
ideologies and practices of the developers.
Whose knowledge?
Sousa Santos’ concept of ecology of knowledges was mentioned in many of the DELA
talks. Juliana Martinez talked about this with reference to internationalisation of higher educa-
tion. Though technology offers us the possibility of coming into contact with people and knowl-
edges from across the globe–what is actually happening is that in education (as in many other
spheres) we are seeing a strengthening of the monoculture of eurocentric knowledge. Juliana
Martinez talked about the hegemonic notions and modes of knowledge production and how
European culture disqualifies the knowledge of the majority of the world. She looked at hegem-
onic globalisation and how universities are adjusting to global capitalism, which has increased
the international market for higher education, reinforcing epistemic racism and western val-
11 http://hackeducation.com/2017/04/07/prince
12 http://hackeducation.com/2017/06/09/personalization
175
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
• Only 20 percent of the world, primarily white male editors from North America
and Europe, edits 80 percent of Wikipedia.
• 75% of those online are from the Global South.
13 https://edtechnology.co.uk/education-technology-login/
14 https://edtechnology.co.uk/international/covid-19-drives-considerable-growth-in-demand-for-moocs/
15 https://edtechnology.co.uk/features/language-tech-examining-the-billion-dollar-digital-industry/
16 https://www.ft.com/content/a7e4268f-92d7-424c-9db1-4fe2c1287386
176
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
• There are more articles written about Antarctica than most countries in Africa and many
in Latin America and Asia.
• Less than one-fourth of all Wikipedia biographies today represent women in nearly every
language version.
Testing regimes
Another theme talked about during DELA has been assessment. Camila Haus talked
about how the symbolic and ritualistic power of evaluation is permeated by colonial and struc-
turalist epistemologies.
High stakes ELT assessment is a massive industry. The cost of TOEFL ranges from $180
to $285 depending on where you are taking it–which certainly doesn’t account for the different
worth of currencies in the countries. In Syria today the cost of the test is equivalent to six month’s
salary of a librarian if we consider the exchange rate. Furthermore, the technical requirements
for computers on which to take online tests are too high for students in many countries.
With a view to maximising efficiency, most online exams–including essays–are marked
by computers, and research has shown that these systems can be fooled by nonsense essays
with sophisticated vocabulary17. Apart from the horrific idea that we might be teaching stu-
dents to spend time writing for nobody, what is emerging clearly now is how these Artificial
Intelligence systems not only perpetuate but amplify bias against certain demographic groups.
Essay-scoring engines don’t actually analyse the quality of writing. They are trained on sets
of hundreds of example essays (data gathered from students) to recognize patterns that correlate
with higher or lower human-assigned (usually native speaker) grades. They then predict what
score a human (white native speaker) would assign an essay, based on those patterns.
Speech recognition systems are also used for spoken tests, and this is a growing area of re-
search for testing organisations. It has been found that the “standard” data used to train speech
recognition technologies are predominantly white. Because they use narrow speech corpora,
these systems exclude many accents and ways of speaking that have unique linguistic features18
A further issue is the use of face detection and facial recognition systems used by algo-
rithmic proctoring systems which many testing companies use. It has been found that facial
recognition software is unable to identify people with darker skin19. As Shea Swauger, a librar-
ian and educator at a community college in the US, writes, “facial recognition literally encodes
17 https://www.vice.com/en/article/pa7dj9/flawed-algorithms-are-grading-millions-of-students-essays
18 https://www.scientificamerican.com/article/speech-recognition-tech-is-yet-another-example-of-bias
19 https://clalliance.org/blog/the-flaws-of-online-course-testing/
177
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
the invisibility of Black people”20. Furthermore, she writes, “facial recognition also has a terrible
history with gender21. This means that a software asking students to verify their identity is com-
promising for students who identify as trans, non-binary, or express their gender in ways coun-
ter to cis/heteronormativity.” Students are often required by universities to allow companies
to collect their biometric data, and the companies use this data to further develop their products
and sell them back to universities, as Swauger points out. This is a clear example of surveillance
capitalism in education–and another form of extractivism.
The impact on human lives of testing regimes and their misuses of technology and arti-
ficial intelligence can be dramatic–in the UK a few years ago there was The ‘English Language
Testing Scandal’ in relation to the TOEIC which has lasted years. Following an investigation
by BBC Panorama on cheating in testing centres, the government asked ETS–the testing provid-
er–to review whether over 50,000 tests taken between 2011 and 2014 were valid. The company
made checks–using artificial intelligence–and concluded that almost every test was suspicious
and 58% were classified as invalid. The government revoked the visas of those accused of cheat-
ing. Over 1000 students had to abandon their studies; they were deported, hundreds were held
in detention centres, tuition fees were lost, students could not graduate or find jobs and they
were stigmatised by their families at home22. Some of those who could afford it have spent thou-
sands of pounds on legal fees–some have attempted suicide, many have issues of mental health.
The Guardian newspaper has a series of articles on this scandal23.
So here we can see how language tests are being used to reinforce colonial ideologies
in multiple ways- technology is used for efficiency and to cut the costs of human graders and de-
humanise test takers, responsibility is being deferred to computers and algorithms, colonial bias
and racist, native speaker ideologies are amplified through these algorithms. Language tests
are being used to reinforce border regimes and keep people out of our Western fortresses.
The pandemic offered us a chance to re-think the way we assess students and I believe
it should have alerted us to the importance of care and the well-being of students–and what
is immediately striking in all of the talks about decoloniality in this conference is the emphasis
that has been placed on community, care, creativity, learning.
Yet, what has been happening in many universities in the global north has been a focus
not on vulnerability, care or community but rather on the idea of ‘academic integrity’ and the
positioning of students as cheats.
20 https://hybridpedagogy.org/our-bodies-encoded-algorithmic-test-proctoring-in-higher-education/
21 https://ironholds.org/resources/papers/agr_paper.pdf
22 https://www.theguardian.com/education/2019/may/21/international-students-accused-cheating-english-toeic-win-
drush
23 https://www.theguardian.com/uk-news/english-language-testing-scandal
178
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
All of these uses of technology in language education and testing regimes reflect the he-
gemonic form of globalisation–which builds on, maintains and also amplifies established hier-
archies and functions through an impetus for regulation. It does so by establishing an “abyssal
line” which separates what is considered to be of value (on this side of the line) from what
is not, and is thus located on the other side of the abyssal line and is invisibilized (MENEZES
DE SOUZA, 2019). Technologies are being used in education to extract student data, maintain
asymmetric hierarchical relationships, to invisibilize and exclude whoever and whatever is lo-
cated on the other side of the abyssal line.
But I don’t want to end this talk on a negative note–some optimism is necessary and this
comes, in my view, from non-hegemonic forms of globalisation–which have also been exempli-
fied in the many talks we have heard during DELA.
Non-hegemonic globalisation is exemplified by Sousa Santos with counter-hegemonic so-
cial movements and other forms of grassroots global exchanges characterised by collaboration
and solidarity which enact what he calls “subaltern cosmopolitanism” aiming at the creation
of south-south dialogues and networks for mutual benefit and emancipation as opposed to lib-
eral elite cosmopolitanism that emphasises the individual–and the acquisition of social and cul-
tural superiority through accumulation of symbolic capital. There are many inspiring examples
of transnational, translocal and translingual collaborations and resistances.
In figure 3 you can see Iasonas, a Greek activist who coordinates the search and rescue
operations for Mediterranea Saving Humans24, a crowdfunded platform which operates not in
terms of humanitarian aid, but in order to save ourselves–Europeans–or at least those Europeans
who do not want to live in a white European fortress with a monoculture of Eurocentric
knowledge and belief in superiority. Activists have used technology for crowd-funding ships
and for coordinating a civil fleet of quite different realtà which collaborate in monitoring ac-
tivities to denounce what is happening and to save lives in the Mediterranean25. They are re-
placing governments in their roles and responsibilities–but they are also showing us that there
are enough people willing to fund and support a Europe that is not just a white fortress. They
also speak to educators and students about the criminalisation of refugee rescue in the Central
Mediterranean Sea26.
24 https://mediterranearescue.org/en/
25 https://fra.europa.eu/en/publication/2020/december-2020-update-ngo-ships-involved-search-and-rescue-mediter-
ranean-and-legal
26 https://mediaspace.unipd.it/media/28+May+2021-+Criminalisation+of+refugee+rescue+in+the+Central+Mediter-
ranean+Sea/1_nsklf6ma
179
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Source: stampa@mediterranearescue.org.
We have movements which started locally, such as the #Black Lives Matter in the US,
and closer to my home #Fridaysforfuture and movements to save the Amazon in Brazil, that
have become global and then local–connecting people on fundamental themes such as white
supremacy, structural racism, the climate catastrophe. As many of the DELA talks have high-
lighted, language education is environmental education.
Edtech companies have been taking legal action against their critics27–but people working
with technology in education have been pushing back against this and crowdfunding legal de-
fence–for example by organising teach-ins against surveillance28.
Wikipedia has its limitations and it is important to identify the coloniality that it rein-
forces. Analysis of Wikipedia(s) and exploring it as a possible ‘ecology of knowledges’ and of
languages, asking questions such as what and whose knowledge and voices are made relevant?
How do Wikipedia’s policies and pages reinforce hegemonic globalisation? It is also possible
to try and interrupt coloniality by seeking to bring different knowledges to Wikipedia? The or-
ganisation Whose Knowledge29 works, also with educators, “as a global campaign with wom-
en, people of color, LGBT*QIA communities, indigenous peoples, and others from the Global
South to build and represent more of all of our knowledge online, including on Wikimedia
projects.”
27 https://www.gofundme.com/f/stand-against-proctorio
28 https://againstsurveillance.net/
29 https://whoseknowledge.org/
180
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Connected educators have been creating online communities and sharing resources
and teaching ideas–DELA has been a wonderful platform for strengthening community and ex-
changing, sharing and building knowledges. Before and during the pandemic and still now I
learnt a great deal from the Equity Unbound group–led by educators and technologists such
as Maha Bali in Egypt, Mia Zamora in the US, Catherine Cronin in Ireland, who have developed
some open educational resources for online community-building30.
Educators are collaborating in the creation of co-designed and networked courses that
break the boundaries of disciplines and geographies, and here again I remember the Winter
School 2021 on Sustainable Glocal Futures this year where Lynn Mario de Souza and Juliana
Martinez organised two days of sessions and brought colleagues and students from Brazil
for the beginning session of our translocal school which also involved the universities of Leiden
and Padova–with a powerful decolonial beginning and impostazione for our school which
was displaced in space and time31. So I will close with the image that was developed by an artist
to represent through images the project of one of the groups of the winter school entitled “from
academic to translocal knowledge”.
30 https://onehe.org/equity-unbound/
31 https://mediaspace.unipd.it/channel/NGGS%2BWinter%2Bschool%2B2021/208028353
181
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
References
ADAM, T. Digital neocolonialism and massive open online courses (MOOCs): colonial pasts
and neoliberal futures. Learning, Media and Technology, v. 44, n. 3, p. 365-380, 2019. DOI:
10.1080/17439884.2019.1640740
BOZKURT, A.; JUNG, I.; XIAO, J.; VLADIMIRSCHI, V.; SCHUWER, R.; EGOROV, G.; LAMBERT,
S.; AL-FREIH, M.; PETE, J.; OLCOTT, JR., D.; RODES, V.; ARANCIAGA, I.; BALI, M.; ALVAREZ,
A. J.; ROBERTS, J.; PAZUREK, A.; RAFFAGHELLI, J. E.; PANAGIOTOU, N.; DE COËTLOGON,
P.; SHAHADU, S.; BROWN, M.; ASINO, T. I.; TUMWESIGE, J.; RAMÍREZ REYES, T.; BARRIOS
IPENZA, E.; OSSIANNILSSON, E.; BOND, M.; BELHAMEL, K.; IRVINE, V.; SHARMA, R. C.;
ADAM, T.; JANSSEN, B.; SKLYAROVA, T.; OLCOTT, N.; AMBROSINO, A.; LAZOU, C.; MOCQUET,
B.; MANO, M.; PASKEVICIUS, M. A global outlook to the interruption of education due to COVID-19
pandemic: Navigating in a time of uncertainty and crisis. Asian Journal of Distance Education, v. 15,
n. 1, p. 1-126, 6 Jun. 2020.
DINIZ DE FIGUEIREDO, E.; MARTINEZ, J. The Locus of Enunciation as a Way to Confront
Epistemological Racism and Decolonize Scholarly Knowledge. Applied Linguistics, [s. l.], v. 42, n. 2, p.
355-359, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1093/applin/amz061
HAUS, C.; G, A. L. O ENSINO DE INGLÊS COMO LÍNGUA FRANCA: UM RELATO
DE PRÁTICAS. PERcursos Linguísticos, [S. l.], v. 9, n. 22, p. 254–274, 2019. Disponível em: https://
periodicos.ufes.br/percursos/article/view/27002. Acesso em: 11 jun. 2022.
MENEZES DE SOUZA, L. M. T. Glocal Languages, Coloniality and Globalization from below.
In: GUILHERME, M.; MENEZES DE SOUZA, L. M. T. (eds). Glocal Languages and Critical
Intercultural Awareness: The South Answers Back. New York: Routledge, 2019.
MOROZOV, E. To Save Everything, Click Here: The Folly of Technological Solutionism. New York:
Public Affairs, 2013.
OFSTED. History for All: History in English schools 2007/10. 2011. Disponível em: https://assets.
publishing.service.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/413714/
History_for_all.pdf. Acesso em: 11 jun. 2022.
PATRU, M.; VENKATARAMAN, B. Making Sense of MOOCs: A Guide to Policy Makers
in Developing Countries. New York: UNESCO, 2016. Disponível em: http://unesco.ijs.si/261-2/. Acesso
em: 11 jun. 2022.
PÉREZ-QUIÑONES, M. A.; SALAS, C. C. How the ideology of monolingualism drives us to monolingual
interaction. Interactions, v. 28, n. 3, p. 66-69, 2021.
SCHMICHECK, J.V.; DA SILVA, A.B. Drawing the s(elf ): exploring individual repertories through
autobiographical illustrations within the English as a Lingua Franca perspective. Revista X, [S.l.], v. 16,
n. 2, p. 409-436, 2021. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/revistax/article/view/77286. Acesso em:
11 jun. 2022.
182
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
SOUSA SANTOS, B. Epistemologies of the South. Justice against Epistemicide. London: Taylor
and Francis, 2015
TERÄS, M. et al. Post-Covid-19 Education and Education Technology ‘Solutionism’: a Seller’s Market.
Postdigit Sci Educ, v. 2, p. 863–878, 2020. DOI: https://doi.org/10.1007/s42438-020-00164-x
VRANA, A.; SENGUPTA, A.; BOUTERSE, S. Towards a Wikipedia For and From Us All. Wikipedia
@ 20. 2019. Disponível em: https://wikipedia20.pubpub.org/pub/nch00j03. Acesso em: 11 jun. 2022
WILLIAMSON, B.; HOGAN, A. Commercialisation and privatisation in/of education in the context
of COVID-19. 2020. Disponível em: https://go.ei-ie.org/GRCovid19. Acesso em: 11 jun. 2022
ZACCARIA, P. Medi-terranean Borderization, or Deterritorializing Mediterranean Space. In CAZZATO,
L. (ed). Anglo-Southern Relations from Deculturation to Transculturation. Lecce: Salento Books,
2012. p.106-127. ISBN 978-88-97596-12-7
183
AUTOBIOGRAPHIES, ELF FEITO NO BRASIL AND
PEDAGOGICAL ACTIVISM IN THE ELT CLASSROOM1
For those who do not know me, I am João Victor Schmicheck, but I would rather you just
call me João. I am 25 and I was born and raised in the Southern Brazilian state of Paraná. I am
an English teacher currently working remotely and living in the capital city of Curitiba. Since
I work with autobiographies, I tried to construct this chapter in a narrative way. Here, I will
be talking about real and embodied experiences and I want to make my locus of enunciation
(GROSFOGUEL, 2011) present throughout the entire text. In this sense, it seems logical that
I start by locating myself. For this, I will follow Selasi’s (2014) approach to answer a very im-
portant question: ‘Where am I a local?’ (Image 1).
1 I dedicate this chapter to the love of my life, my grandma Maria Salete Schmicheck. She passed away during the process
of publication of this book. As one can see throughout the text and all my research, she has inspired–and will continue
to inspire – everything that I am and everything that I do.
185
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
I live alone, so I usually have dinner by myself every night while I watch old Modern
Family episodes over and over again. I love to cook. On the weekends, I enjoy using my free
time to practice new recipes. Right now, I am trying to master the art of making sweet potato
gnocchi (Image 3) – I believe I am getting there.
186
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
I have many Relationships which shaped me into the person I am today. It would be an
impossible task to talk about all of them. But what I consider important is to highlight that
I come from a hard-working family that unfortunately has struggled for generations. My parents
(Image 4) were very young when I was born, so they did not finish their studies. My grandpar-
ents helped them to raise me (Image 5). My grandmother worked for a long time as a seam-
stress. If you have seen me in person, you probably saw my sewing machine tattoo in honor
of her (Image 6). She was my favorite person. And she dreamt of being a teacher, a Math teacher
more specifically, but marriage got in the way of her plans. So, I may not teach Maths, but I
am proud to say that I have become the teacher she had always wanted to be.
Despite the fact that they did not have many opportunities, my family always made sure
that I learned to value education, which leads me to talk about some of my Restrictions. During
187
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
my entire educational background, I have always studied in public institutions. In this sense,
I am aware of the fact that we talk a lot about the disparities and injustices that public school
students face during college entrance exams, for example, as they go against students that had ac-
cess to everything. But I want to be more concrete. I attended a 4-year technical high school.
Throughout these four years, there were no regular Portuguese classes. Between medical leaves
and other personal problems, teachers came and teachers went.
This did not happen only with Portuguese. Sometimes we would go to school to have only
one or two classes, and then they would sent us home or to the patio because there was nothing
for us to do (Image 7). They never talked to us about opportunities such as the vestibular (uni-
versity entrance exams in Brazil, for those of us who are not familiar with our context). It was
not a reality that was meant for us. I had to learn from a friend what I had to do if I wanted to go
to college.
When it comes to the English classes at school, I used to hate them. They were really
the worst. My teachers did not seem to care, so I did not care either. The action of going to the
library to get a box full of dictionaries was the peeking moment of the class. Actually, English
gave me my only failing grade during all my school years. Yes, I am still bitter about it. However,
all of this did not mean that I hated English. As stated by García and Otheguy (2019), “[l]an-
guage as taught and used in schools tends to have little to do with the language practices of peo-
ple outside school, a generalization that holds true of general instruction, of foreign language
teaching, and of all types of bilingual education programs.” (GARCÍA; OTHEGUY, 2019, p. 4).
188
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Image 7: My friends and I during one of the many aulas vagas (the moments in which classes
were canceled because teachers did not come)
My first music passion, for instance, was Black Eyed Peas. My aunt gave me their
DVD when I was eight and I memorized all the songs by heart even though I did not understand
a word they were saying. Later when I was 11, I got my first videogame. I loved – and I still love
until this day – farming games (Image 8) and I wanted to play so badly that it did not even mat-
ter if the games were entirely in English. I played by trial and error, with only a few trips to the
dictionary. Soon enough I was a virtual farmer who knew what eggplants and cabbages were.
189
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
When I was 14 years old, back in 2011, I made a friend from Germany through an Adele
fan page. She sent me a direct message on Facebook in English asking me who I was. I remember
what I felt from that message like it was yesterday. How do I reply? I understand what she is say-
ing, but how do I respond? I typed something in Portuguese on Translator, checked if it seemed
ok, copied and pasted in our conversation. Then, I started writing in English on Translator
to check whether or not the machine understood what I was trying to say. I do not remember
when, but eventually I stopped going to the translator. And the most exciting part is that we are
still friends until this day (Image 9).
On this matter, although English was already very present in my life and it affected how I
related and made meanings in the world, at school the language was still treated as something for-
eign, from outside, from the other. I did not know at that point, but I was a Brazilian boy learning
a new language mostly by myself. Nevertheless, I felt like I had no say when it came to English
during classes. I felt like I did not know anything. In sum, it is almost as if there was no space
for a hands-on learner like me at school.
All of these experiences led me to a game changing conversation with a friend where I was
unhappy and unsure about my options for college. He said to me something along the lines of
“you have learned English by yourself. This must be a natural talent. Why not Letras?” If my
memory is not betraying me, this was the first time in which my knowledge of English was val-
idated by someone else, which made me stop and look at myself as a speaker of the language.
But going back to his question: “why not Letras?” Well, because I do not want to be a teacher
and I do not want to be broke for the rest of my life, this was my first answer. The question,
however, lingered with me, “why not Letras?” Seven years later here I am, a teacher who has just
finished a masters and started a PhD in Letras.
190
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Despite never properly or formally studying English prior to college, I was encouraged
to take the placement test during the first week of the Letras course at the Federal University
of Paraná in 2015. I was put in a group with some English-language course veterans. The classes
were, at first, terrifying. I avoided talking because I did not want to be judged for my bad pro-
nunciation or lack of structural knowledge. Until this day, to be honest, I do not think I have
fully overcome this fear and insecurity. Actually, speaking in English during DELA/DEAL was,
to me, an act of both courage and empowerment.
But what is the origin of all these feelings? Well, I believe that they come from the fact
that, according to authors such as Duboc (2018), the dominant paradigm of English Language
Teaching (ELT) in Brazil is, still, the English as a Foreign Language (EFL). This perspective
leads us to think that non-native speakers are inferior and subaltern to the dominant native
speakers. It makes us believe that this language that we learn as foreign belongs to the other,
it is the language of the other as pointed out by Jordão (2014). This other, in turn, is under-
stood as the model, the target, the one we have to imitate so we can be seen as valid speakers.
For Rajagopalan (2005), this native speaker can be seen as a monarch. In a world of EFL,
his authority over the language cannot be questioned or challenged by anyone.
To illustrate what I am talking about here, I like to think about EFL in terms of clothing.
The dominant native speaker is like the original owner of a given outfit. He designed the gar-
ment according to his standards and demands. He acquired the fabrics and the lining. He paid
for the tailor. Actually, he may have tailored it himself. If we want, we may try to borrow this
garment from him and wear it. It is likely that he will try to sell it to us for a very expensive price,
but what we know for sure is that it will never suit us perfectly (Image 10). Like I said, it was
tailored by and for the native. In our bodies, the subaltern bodies of non-native speakers, it is
simply a second-hand piece, which originally belonged to someone else.
Image 10: Donald Trump wearing an ill-fitting suit at a visit to the British Royal Family in 2019
191
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
However, all of this leads us to another turning point in this trajectory. In 2017 I got
to know someone who I am now lucky enough to call my advisor. I met Clarissa Menezes
Jordão (Image 11) when she was the professor of a subject from my third year of Letras. During
her course I could let go of some of my inhibitions in English-speaking performance I men-
tioned before. Honestly, I felt like I was in therapy. Like a sort of language therapy.
Image 11: Clarissa and I at the Letras graduation ceremony on February 3, 2020
I say that it was therapy because during this discipline we talked about things such
as impostor syndrome (BERNAT, 2008), native speakerism (HOLLIDAY, 2006) and pass-
ing (PILLER, 2002), English as an International Language (EIL), and, of course, English as a
Lingua Franca (ELF) (MATSUDA; FRIEDRICH, 2011). It was my first contact with these dis-
cussions. Finally, a lot of my fears, questions and anguishes had names. Since then, I have read
many different things about these topics. Initially what struck me the most about the idea of ELF
was the fact that it made me feel validated as a non-native English speaker – who would soon
become a teacher of the language.
The concept of ELF lifted a weight from my shoulders that, until that point, I was car-
rying, I was feeling, I had fear and anxiety because of, but that I could not name. It was like
an invisible anchor always holding me down. Always lowering the volume of my voice. I did
not learn English because I wanted to live in New York or talk to native speakers. The language
happened to me. Thus, the ELF discussions finally made me realize that, despite the school sys-
tem, despite what the dominant discourse concerning ELT wanted me to believe, despite all the
inner and outer saboteurs, English has never been a foreign language to me.
192
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
There are many ways in which we can understand the idea of English as a Lingua Franca.
When thinking about ELF, of course we are talking about a field of studies ( JENKINS; COGO;
DEWEY, 2011); some may think about the concept more in terms of a perspective or paradigm
( JENKINS, 2015); others understand ELF as a way of conceiving language and its teaching
and learning (CANAGARAJAH, 2007; JORDÃO; MARQUES, 2018); and we can, of course,
understand it as a phenomenon regarding globalization, the global spread of English and all
of its implications (DINIZ DE FIGUEIREDO, 2018).
As stated by Jenkins, Cogo and Dewey (2011), the concept started to appear in the eight-
ies as part of the World Englishes paradigm and one of the main goals was to create corpora
and establish descriptions and sets of rules of all non-native uses of English. These descriptive
initiatives will later be categorized by Jenkins (2015) as the first phase of ELF studies. Moving
forward, researchers started to realize that such an attempt was impossible. Thus, they started
to focus more on the functions and linguistic practices performed in contexts of lingua franca,
i.e. instances in which there is an encounter between speakers from different linguistic back-
grounds who interact through English (FRIEDRICH; MATSUDA, 2010). This shift in purpose
gives basis to what Jenkins refers to as the second phase of ELF studies.
A lot of people assume that the research on ELF has stopped in phases one and two.
Scholars such as Guilherme (2014), for instance, seem to think about ELF as a synonym
to English as an International Language. Jenkins (2015) herself states that back when the field
was still incipient, the concepts of ELF and EIL were employed interchangeably so research-
ers could start a dialogue using terms already consolidated within the field. Others like Sousa
Santos (2002) view ELF as a hegemonic and universalizing form of globalization. Moreover,
some misconceptions may lead people to think as if one of the goals of those who work within
an ELF perspective is to make the whole world speak only in English.
To be fair, I do understand most of this criticism. When thinking about ELF as a phenom-
enon, for instance, I believe that we have to ask ourselves questions such as: why has English,
out of all the other languages, spread globally? Has this been happening since when? Who ben-
efits from this global spread? Who is harmed in this process? And to what extent? What is the
cost of all of this? How can we resist this? Should we resist this? How? Or should we try to move
with and within the language?
In addition, I agree with Figueiredo and Martinez (2019) when they state that the ELF
research started in places very different from Brazil. To be more specific, the first ELF studies
come from the Global North. These studies follow, of course, a very modern and positivist
approach, and although they employ universalizing terms, they are talking about very specific
places in the Global North. However, my contention is that we cannot ignore the fact that the re-
search on ELF has not stopped in phases one and two. Most importantly, ELF research does
not happen only in the Global North. ELF studies are not developed only to serve universalizing
193
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
purposes. To ignore this fact is, for me, as dangerous and violent as the language of universaliza-
tion. To employ Sousa Santos’ (2007) metaphor, I see the resistance to the developments within
the ELF field as a movement of pushing many scholars and all their efforts even further down
an abyssal line that divides what is real and valid knowledge from what is not.
On this matter, according to Jenkins (2015), there is a third phase of ELF in which re-
searchers started to realize the importance of taking into account the translingual nature
of our linguistic practices and how contemporaneity has intensified the world’s multilingualism.
Therefore, the author argues for the decentralization of English within ELF and for notions
such as translanguaging and linguistic repertoires to be included in the discussions and studies.
In addition, authors like Duboc (2019) believe that a considerable part of the Brazilian research
on ELF already departs from an epistemological basis that has this preoccupation with the mul-
tilingual contexts and translingual nature of language from the start.
This is why Duboc (2019), and a little later Duboc and Siqueira (2020), argue for what
is being called ELF feito no Brasil (ELF made in Brazil). For the authors, the research on ELF
being done locally has a strong preoccupation with the political nature of English in Brazil
and also with the implications of the theories on ELF on our pedagogical practices in the class-
rooms. For Duboc and Siqueira (2020), these preoccupations and the decolonial and southern
epistemologies that give basis to our theorizations are what set apart some of the studies on ELF
we do in Brazil from the ones conducted in other localities. This is why, for the authors, local
action is what defines decoloniality and ELF feito no Brasil:
Local action. Here is the greatest tenet of decoloniality which aims at going beyond the rhet-
oric and defeating the supposedly inefficiency in a type of academic research that still keeps
itself comfortably cloistered in strictly discursive, theory-based discussions. This is exactly
from where we wish to depart in the exercise of thinking and doing ELF research otherwise.
(DUBOC; SIQUEIRA, 2020, p. 304).
Thus, I bring ELF feito no Brasil to the center stage of my research because I do not want
to only do ELF research. I want to practice ELF. I want to exercise ELF locally. I want to contrib-
ute to a political-epistemological movement that is trying to shed light on a subaltern knowledge
production. A movement that, in my eyes, is aiming at changing the tone of the ELF conversa-
tion. In order to make it clear what I understand as ELF, I want to go back a little to that exer-
cise of thinking about language through clothing metaphors. If we can see English as a Foreign
Language as a second-hand piece, I believe that we can relate ELF with the processes of upcy-
cling from sustainable fashion (Image 12). Instead of trying to wear a garment that was not made
for us, that was never going to fit us properly, we use our agency and creativity to come up with
new and unique outfits from these materials that once belonged to the other or that had distinct
purposes.
194
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
It is like our practice with English from an ELF perspective: we do not borrow it from
the native, we claim the language, we create it, we transform it into something different, we make
the language our own as much as it is his. Actually, it has not ever belonged to anyone really.
This language has always been existing and expanding in this paradox of (not) belonging. Thus,
I understand ELF as a language and teaching concept. For me, it is a way to understand language
and to reflect about the praxis of teaching this language in our local contexts. It is a concept that
I have been developing over the years, through a complex relation of love with the language.
But how can I bring this relationship to the classroom? What are the emotions that come
with it? What are the impacts of opening spaces for these stories, for these feelings? Can these
experiences shape the way we view and conceive languages? The way we conceive English, more
specifically, and the role it plays in our lives? How come? To what extent? All of this has brought
me to my narrative research with ELF feito no Brasil through autobiographies. One might ask:
why autobiographies? Well, allow me to share another story.
My favorite book is entitled Paixão Pagu (2005) (Image 13). This book was initially writ-
ten as a letter from the multifaceted artist Patrícia Galvão, better known as Pagu (Image 14),
to her husband Geraldo Ferraz. In this letter Pagu reveals many of her secrets as she revisits
and comments on some events of her turbulent life. According to her, she wants to reclaim
her story, she wants to take control of her narrative. This book has impacted me in ways I will
never be able to fully explain. But what strikes me the most is the fact that the author was inten-
tionally reclaiming her story as she narrated the events of her life.
195
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Pagu was just one of the many women publicly villainized simply because she did not fit
the standards of what society thinks a wife, a mother, an artist or a female activist should be.
By narrating her story, she was reshaping her relationship with her family and later with the pub-
lic who got to read and know her according to her. She recovered her strength through the pow-
196
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
er and embodied knowledge of narratives. Until this day, I am constantly inspired by Pagu’s
courage and honesty. This is why as a non-native English teacher, not only do I want to follow
her footsteps, but I also wish to see other non-native speakers of English do it as well.
Initially, I had many ideas for my research. At first, I wanted to work with the students
from the contexts in which I was teaching. I even started to produce empirical material with
two groups of students in the beginning of 2020. During the first day of classes I asked them
to draw on the command “How did you learn English?”. The results amazed me. I explained that
I wanted to conduct my master’s research with them and they seemed open and excited about
the idea of writing autobiographies and sharing their stories. However, the pandemic hit and
the center in which I worked back then stopped classes completely. More details about the ac-
tivity and a discussion on the results from this experience can be found in Schmicheck and Silva
(2021).
I had to stop my field research and this changed all my plans. After months of fear, mourn-
ing, contemplation, and, of course, a lot of hatred towards the government, I decided to partner
up with a colleague, who now is a dear friend, Camila Haus (Image 15), to offer an extension
course on ELF and its pedagogical implications in the second semester of 2020. My idea, then,
was to conduct my field research during our meetings. The course brought together English
teachers and students from totally different backgrounds. We had people from Rio Grande
do Sul, we had people from Bahia and many other places. We even had an international partic-
ipant who was a teacher of English for future pilots in Colombia.
Image 15: Camila and I celebrating the end of the second semester of 2021
197
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
We had participants who were teachers in the university and we had students from the first
year of the Letras course, which means that our group was extremely diverse in many aspects.
What united us was a curiosity about ELF and how to bring these concepts to our classrooms.
We got together once a week, through the Teams platform, over the course of nine weeks. After
the first encounter, I asked the participants to write on their experiences with English through
a form. I encouraged them to write in a narrative way and using the first person. Based on the
work of Canagarajah (2020), I refer to these texts as literacy autobiographies – as they account
for the trajectory of a person having language as the central feature of the narrative – and they
compose the first set of registers for the research.
As the encounters went on, we discussed and reflected about the readings that were pro-
posed. What is interesting is that there was a movement of contrast and comparison between
these readings and our lived experiences. The participants always shared personal stories that
could be related to the texts and concepts we were discussing, which leads me to my second
set of registers: short stories taken from the partial transcripts of these encounters. The concept
of short stories in narrative research is proposed and conceptualized by Barkhuizen (2016)
and names a method that consists in the act of extracting smaller narratives from large sets
of data.
During the reading of the data, I tried to focus on the moments in which things got real.
When, for instance, not only the participants, but also Camila and I, brought our personal ex-
periences to the discussions. Then, after going back to the registers and exploring these stories,
I formulated four questions that have guided my analysis:
(i) What personal experiences came to play when we discussed English and language con-
cepts with the participants in the course?
(ii) Can I address ELF, and more specifically the concept of ELF feito no Brasil, through
the stories that were told? Can the concept help Brazilians understand their relationships
with English and ELT?
(iii) What are the assets and challenges of having ELF feito no Brasil as the guiding princi-
ple to English teaching-learning in the different localities brought up by the participants
during the research?
(iv) Which (new) beginnings for the ELF feito no Brasil perspective can I propose based on the
experiences shared and discussions held during the research?
These were the questions to which I tried to provide possible answers during my research.
Therefore, I will bring examples from the two sets of registers I mentioned. Due to issues relat-
ed to the purpose and length of this chapter, I will present brief extracts from the autobiogra-
phies. They are available in further detail in my master’s dissertation (SCHMICHECK, 2022).
198
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
To start, I will address the literacy autobiographies I mentioned before. In one of these texts,
one author goes back to her childhood and explores her curiosity about the fact that English
was always in her surroundings. She mentions the fact that she always wanted to learn English,
but she did not have this opportunity for a long time. This started to change, however, when
her mother got her some books that were being donated, and then she mentions that “[...] [a]
quela foi a minha chance de aprender mais sobre o inglês, eu estava me divertindo e descobrindo
um novo mundo através da língua inglesa a partir dalí.” (S.S.4).
A second author mentions the many shifts in perspective she went through in relation
to English, at the beginning, when she was learning for fun and later as a necessity, until current
days, when she became a teacher of the language, stating that, at one point, she even had “[...]
um pouco de raiva dessa imposição cultural advinda do contato com os EUA [...]” (T.D.C.5). Then,
a third author starts her narrative saying that her relationship with the English language is full
of highs and lows. To start, she mentions the fact that she was not happy with the English classes
at school: “Eu, com 14 anos, achei que conversar ia ser muito mais divertido do que fazer exercícios
de grammar.” (A.B.S.6).
This led her to an English school in which students from all levels of proficiency were
put together in the same group. According to her, the first class was terrifying. She went home
crying to her father, who answered to her “já paguei o curso, agora você tem que ir.” (A.B.S.7).
Then, she constructs a beautiful narrative about all the intricacies that led her to where she is
today and she finishes with: “De forma resumida, eu diria que minha relação com o inglês é com-
plicada e sempre será. Mas não posso negar que não seja importante para mim, pois de certa forma
é parte de quem eu sou e de como tenho me construído como pessoa, estudante e professora. Na ver-
dade, eu acho que cada dia que passa essa relação fica mais complexa e me abre cada vez mais espaços
para refletir não só sobre eu mesma como pessoa, mas também sobre o mundo, sobre as outras pessoas,
pontos de vista e jeitos de entender a nossa realidade.” (A.B.S.8).
These stories show me that these girls, these teachers, are conscious of the complexities
surrounding English and the presence of the language in their lives. As it is clear throughout
these and the other narratives shared by the authors who engaged with my research, they seem
to be aware that English is not accessible to everyone. Their stories showed me that the process
4 In English: “That was my chance to learn more about English, I was having fun and discovering a new world through
the English language from then on.” (S.S.).
5 In English: “[...] a little anger towards this cultural imposition that came from the contact with the USA [...]” (T.D.C.).
6 In English: “I, at 14, thought that talking would be much more fun than doing grammar exercises.” (A. B. S.).
7 In English: “I have already paid for the course, now you have to go.” (A.B.S.).
8 In English: In short, I would say that my relationship with English is complicated and it will always be. But I cannot deny
that it is not important to me, because in a way it is part of who I am and how I have built myself as a person, student,
and teacher. In fact, I think that every day this relationship becomes more complex and opens up more and more spa-
ces to reflect not only about myself as a person, but also about the world, about other people, points of view, and ways
of understanding our reality. (A.B.S.).
199
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
can be, and very often is, indeed, violent and scary, but that it can also be fun, transformative
and liberating. Going through and learning this language can help and guide us as we navigate
and try to make meanings of the world in which we live.
To see English only as the language of the other is to have a single story of what English
really is. A single story of what English means to certain people. According to Adichie (2009),
the problem is not that the single story is not true, but that it is an incomplete narrative. Yes,
English is a foreign language to a lot of people here in Brazil and in many other contexts.
But to think of English only as foreign is to erase these people’s experiences. It is to deem them
as non-existent.
These reflections lead me to the implications of teaching English informed by ELF –
and, more specifically, ELF feito no Brasil – problematizations. Thus, here are some extracts
from the discussions we had during the meetings. This next author shares some of her expe-
riences with remote teaching and how she makes sense of the discussions and ELF concepts
during her practices. According to J.H.G.L., the pandemic context straightened the relation-
ship between parents and teachers. One of the disciplines that ‘suffered’ this change the most
was English. Once parents tried to help their children with assignments, it was common for the
teacher to receive messages such as “ai, deve estar tudo errado, eu tentei, teacher, isso é muito difícil,
a gente não sabe [Inglês] em casa. [...] ( J.H.G.L.9)”. For this author, these fears of ‘making mistakes’
and being judged by them was very strong, but she tries to break away and alleviate these ten-
sions even with parents, because in her own words “Eu quero que eles falem, se reconstruam como
falantes desse idioma, que eles se sintam a vontade, que eles sintam prazer nisso [...].” ( J.H.G.L.10).
This other author shares some of the reflections about language with his students.
For A.N.M., students get excited when they hear about ELF concepts. Some of them even
state things such as “poxa, que bacana então eu posso tentar do jeito que eu puder.” (A.N.M.11).
Commenting on his students’ reactions, this teacher says: “Eu me emociono quase pra chorar
porque na hora que eu leio uma coisa dessas o aluno até então achava que eu ia brigar com ele se ele
dissesse alguma coisa errada?” (A.N.M.12) and states that, through movements like this, we are
opening the space of the classroom for students’ multiple voices to come out.
Finally, we have this other author who talks about the conflicts and clashes between
the expectations from the institution in which she works and the topics that she has been study-
ing. According to her, it is impossible not to change your attitude and the way you see and teach
9 In English: “oh, it must be all wrong, I tried, teacher, this is very difficult, we don’t know [English] at home. [...]”
( J.H.G.L.).
10 In English: “I want them to speak, to reconstruct themselves as speakers of this language, that they feel comfortable, that
they feel pleasure in this [...]”. ( J.H.G.L.)
11 In English: “gee, that’s cool, so I can try it any way I can.” (A.N.M.).
12 In English: “I get emotional almost to the point of tears because when I read something like this, the student, until then,
thought that I would fight with him if he said something wrong?” (A.N.M.).
200
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
English as you learn more about ELF and its concepts. To exemplify what she is saying, the au-
thor narrates an episode in which a student was a little disrespectful as she stated her discomfort
about a recording from the material that they were using. These feelings came from the fact that
the audio brought a variety that deviated from the standard English with which students were
used to. In the words of this teacher, “[...] não dá mais pra você simplesmente falar ‘é né, que coisa
né gente?’ e segue a aula. Não tem mais como. Você tem que parar e você tem que fazer uma inter-
venção.” (G.C.R.13).
Then, this teacher moves on to talk about other experiences and she finishes her com-
ment making this relationship about freedom and acting otherwise. The more freedom we have,
the more we can try to think about an English teaching and learning otherwise. But I would like
to emphasize these two statements: You have to stop for a moment. You have to make an inter-
vention. I want to use this feeling that G.C.R. shares with us to put forward some of my conclu-
sions. But as I write in my dissertation, I do not like to talk about conclusions because I think
that they are only momentary. Rather, I want to exercise discussing these ideas that I leave open
to be explored through the notion of ‘beginnings’.
In this chapter I showed you just a small portion of stories shared during the course,
and just by them I believe that one can have an idea of how engaged these teachers are. They
understand the limitations that sometimes are imposed by their contexts, and they try to nav-
igate concepts and act between the cracks (DUBOC, 2018). They want to develop a practice
that is more democratic and in sync with their worldviews and their language concepts. These
teachers want to open the classroom space for their students and their voices. They want their
students to feel like they are an important part of the learning process. These teachers want
to promote a comfortable environment where students see themselves as valid speakers of this
language that was once seen as the language of the other.
This is why after meeting these teachers, listening carefully to their stories and contrasting
theirs with mine, I started to refer to their movements, the actions that teachers do in their class-
rooms, as moments of Pedagogical Activism. When we read or listen to the term activism we tend
to think, first, about loud and grandiose political acts that challenge the dominant systems.
And yes, for sure these are great examples of activism. But here I am talking about a different
kind of activism. I am talking about an activism that, according to Horton and Kraftl (2009),
is a little more subtle and implicit, which happens between the lines and the cracks. A type of
“quiet” or “soft spoken” activism as proposed by Pottinger (2017). These teachers, for instance,
are causing changes, local changes. They see their classrooms as arenas for social justice and are
open to position themselves critically.
13 In English: “[...] you can’t just say ‘that’s right, what a thing, folks?’ There is no way anymore. You have to stop and you
have to make an intervention.” (G.C.R.).
201
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
To some eager, anxious or more rebellious minds, this type of activism might not be
enough. For them, the changes proposed by activist teachers may take too long. But we all know
that change is a process. We cannot interrupt coloniality in an afternoon. Sometimes this is a
life-long journey. Thus, to give a temporary conclusion to this chapter, because conclusions
are always temporary, I would like to share with you some of the (new) beginnings I am seeing
from this research in relation to the questions I posed previously.
First, (i) when it comes to the ELF we do in Brazil, there is no theory without (peda-
gogical) practice; (ii) this practice requires the adoption of a very strong and marked count-
er-hegemonic political agenda aiming at social justice; (iii) adopting such an agenda means that
we believe that our pedagogical practices lead to social changes; (iv) these social changes have
as one of their central goals resisting and subverting modernity/coloniality, alleviating the vio-
lence, invisibilization, and erasure they pose; (v) being an ELF researcher and bringing an ELF-
informed practice to the classroom is a form of pedagogical activism.
References
ADICHIE, C. The danger of a single story. TED talks. 2009. Available at: <https://www.ted.com/
talks/chimamanda_ngozi_adichie_the_danger_of_a_single_story?language=pt >. July, 2009. Access
on March 4, 2022.
BARKHUIZEN, G. Narrative Approaches to Exploring Language, Identity and Power in Language
Teacher Education. RELC Journal, v. 47, n. 1, p. 25-42, 2016.
BERNAT, E. Towards a pedagogy of empowerment: the case of ‘impostor syndrome’ among pre-service
non-native speaker teachers. TESOL ELTED, v. 11, p.1-8, 2008.
CANAGARAJAH, S. Transnational literacy autobiographies as translingual writing. New York:
Routledge, 2020.
CANAGARAJAH, S. Lingua Franca English, Multilingual Communities, and Language Acquisition.
The Modern Language Journal, v. 91, p. 923-939, 2007.
DINIZ DE FIGUEIREDO, E. H. D. de.; MARTINEZ, J. The locus of enunciation as a way to confront
epistemological racism and decolonize scholarly knowledge. Applied Linguistics, v. amz, p. 1-6, 2019.
DINIZ DE FIGUEIREDO, Eduardo Henrique. Globalization and the global spread of English:
Concepts and implications for teacher education. In: Telma Gimenez; Michele El Kadri; Luciana Calvo.
(ed.). English as a Lingua Franca in Teacher Education: A Brazilian Perspective. Berlin: De Gruyter
Mouton, p. 31-52, 2018.
DUBOC, A. P.; SIQUEIRA, S. ELF feito no Brasil: expanding theoretical notions, reframing educational
policies. Status Quaestionis, v. 2, n. 19, p. 297-321, 2020.
202
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
DUBOC, A. P. M. Falando francamente: uma leitura bakhtiniana do conceito de “inglês como língua
franca” no componente curricular língua inglesa da BNCC. Revista da Anpoll, v. 1, n. 48, p. 10-22, 2019.
DUBOC, A. P. M. The ELF teacher education: Contributions from postmodern studies. In: GIMENEZ,
T.; KADRI, M. S. El; CALVO, L. C. S. (ed.). English as a Lingua Franca in Teacher Education:
A Brazilian perspective. Berlin: De Gruyter Mouton, p. 159-187, 2018.
FRIEDRICH, P.; MATSUDA, A. When five words are not enough: a conceptual and terminological
discussion of English as a Lingua Franca. International Multilingual Research Journal, v.4, n. 1, p.
20-30, 2010.
GARCÍA, O.; OTHEGUY, R. Plurilingualism and translanguaging: Commonalities and divergences.
International Journal of Bilingual Education and Bilingualism, v. 23, n. 1, p. 17-35, 2019.
GROSFOGUEL, R. Decolonizing post-colonial studies and paradigms of political-economy:
Transmodernity, decolonial thinking, and global coloniality. Transmodernity: journal of peripheral
cultural production of the luso-hispanic world, v. 1, n. 1, 2011.
GUILHERME, M. ‘Glocal’ Languages and North-South Epistemologies: Plurilingual and intercultural
relationships. In: European and Latin American higher education between mirrors. Brill Sense,
2014. p. 55-72.
HOLLIDAY, A. Native-speakerism. ELT journal, v. 60, n. 4, p. 385-387, 2006.
HORTON, J.; KRAFTL, P. Small acts, kind words and “not too much fuss”: Implicit activisms. Emotion,
Space and Society, v. 2, n. 1, p. 14-23, 2009.
JENKINS, J. Repositioning English and multilingualism in English as a Lingua Franca. Englishes
in Practice, v. 2, n. 3, p. 49-85, 2015.
JENKINS, J.; COGO, A.; DEWEY, M. Review of developments in research into English as a lingua
franca. Language Teaching, v. 44, n. 3, p. 281-315, 2011.
JORDÃO, C. M.; MARQUES, A. N. English as a lingua franca and critical literacy in teacher education:
Shaking off some “good old” habits. In: GIMENEZ, T.; KADRI, M. S. El; CALVO, L. C. S. (Ed.). English
as a Lingua Franca in Teacher Education: A Brazilian perspective. Berlin: De Gruyter Mouton, 2018.
p. 53-68.
JORDÃO, C. M. ILA – ILF – ILE – ILG: Quem dá conta?. RBLA, Belo Horizonte, v. 14, n. 1, p. 13-
40, 2014.
MATSUDA, A.; FRIEDRICH, P. English as an International Language: a curriculum blueprint. World
Englishes, v. 30 n. 3, p. 332-344, 2011.
MIGNOLO, W. D.; WALSH, C.E. On decoloniality: concepts, analytics, praxis. Durham: Duke
University Press, 2018.
PAGU, P. Paixão Pagu: a autobiografia precoce de Patrícia Galvão. São Paulo: Agir, 2005.
203
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
PILLER, I. Passing for a native speaker: Identity and success in second language learning. Journal
of sociolinguistics, v. 6, n. 2, p. 179-208, 2002.
POTTINGER, L. Planting the seeds of a quiet activism. Area, v. 49, n. 2, p. 215-222, 2017.
RAJAGOPALAN, K. Non-native speaker teachers of English and their anxieties: Ingredients for an
experiment in action research. Non-native language teachers. New York: Springer, p. 283-303, 2005.
SCHMICHECK, J. V. WEAVING ELF FEITO NO BRASIL AND AUTOBIOGRAPHICAL
NARRATIVES IN TEACHER EDUCATION. 2022. 170 p. Dissertation (Masters in Linguistics) –
Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2022.
SCHMICHECK, J. V.; SILVA, A. B. Drawing the s(elf ): exploring individual repertories through
autobiographical illustrations within the English as a Lingua Franca perspective. Revista X, v. 16, n. 2,
p. 409-436, 2021.
SELASI, T. Don’t ask where I’m from, ask where I’m a local. TED talks. 2014. Available at: https://
www.ted.com/talks/taiye_selasi_don_t_ask_where_i_m_from_ask_where_i_m_a_local>. Access on:
March 4, 2022.
SOUSA SANTOS, B. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes.
Revista crítica de ciências sociais, n. 78, p. 3-46, 2007.
SOUSA SANTOS, B. Towards a Multicultural Conception of Human Rights. In: HERNANDEZ-
TRUYOL, B. (ed). Moral Imperialism: A Critical Anthology, New York, New York University Press, p.
39-60, 2002.
204
EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA CRÍTICA OU EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA
DECOLONIAL? UMA ÓPERA (SÉRIO-BUFA) EM 5 ATOS
Introito
Os temas de que tratamos aqui foram inspirados por nossas experiências enquanto coor-
ganizadoras do DELA 2021. A nosso ver, o DELA foi um sucesso, uma vez que nos inquietou
inúmeras vezes e que as discussões da comissão organizadora também, inúmeras vezes, foram
em torno dos assuntos debatidos no congresso, ao invés de meramente questões propriamente
de planejamento e organização do evento. A relação (semelhanças e/ou diferenças) entre cri-
ticidade e decolonialidade foi um desses temas. Sua complexidade acabou fazendo com que,
algumas vezes, nós duas perguntássemos para as pessoas convidadas como elas percebiam essas
relações. Agora, com a oportunidade de refletir mais longamente num texto em formato de diá-
logo falado a nossa escolha, chegou a vez de elaborarmos melhor as nossas perguntas, partindo
de nossos loci de enunciação (DINIZ DE FIGUEIREDO; MARTINEZ, 2019) e compartilhar
a complexidade envolvida em tentar respondê-las.
Para isso, desenvolvemos uma conversa em texto escrito, num misto de oralidade com es-
crita acadêmica: às vezes mais, outras menos formal; às vezes especulativo, outras referencian-
do epistemologias conhecidas; às vezes leve e divertido, outras mais sisudo e intrigante – mas,
esperamos, sempre apresentando oportunidades de questionamento, aprendizagem, expansão
de perspectivas (MONTE MÓR, 2018). Nossa proposta é construir um texto agradável e pro-
vocador, interativo na medida do possível dentro de um texto escrito e nos limites dos recursos
disponíveis. Ele foi desenvolvido inteiramente à distância, no formato de bate-papo mesmo:
cada uma de nós escrevia um texto em reação/resposta ao que a outra tinha escrito, de forma
alternada. Cada uma num dia. Passo a passo, ato a ato, cena a cena.
205
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
De início, trazemos uma breve narrativa sobre alguns momentos de nossas trajetórias
acadêmicas, focalizando (des)encontros com conceitos relacionados aos temas a que nos pro-
pomos aqui, principalmente educação linguística, criticidade e decolonialidade. Em segui-
da, debatemos uma com a outra conceitos e concepções que nos intrigam, perturbam, irritam,
aprazem, no turbilhão de emoções que nos atravessam – a razão sendo uma delas, como disse
Maturana (2000).
Então, sem much ado (SHAKESPEARE, 1564-1616 – 2005), bora!!!!
CLARISSA: sem querer traçar origens, afinal isso é um vício da modernidade do qual
quero me distanciar, penso que sempre pensei de forma crítica. Sempre questionei as normas
e as autoridades, apesar de segui-las. Explico: fui cordata na prática, problematizadora na teo-
ria. Não acho que tenha sido a melhor atitude – rebeldia no pensamento, irresistência nas prá-
ticas cotidianas. Parodiando os Titãs brasileiros1, eu deveria ter me rebelado mais, chorado
mais, arriscado mais – mesmo que isso significasse ter errado mais; agora, por outro lado, acho
que amei o suficiente, chorei o suficiente, fiz o que eu queria fazer; não aceitei as pessoas como
elas são, nem consigo saber o que elas são – até porque elas mudam o tempo todo. Ah, eu devia
ter complicado menos, talvez... Será? Devia ter me importado menos – será que existem proble-
mas pequenos? Mas que eu devia ter trabalhado menos, isso sim, sem dúvida, pra poder ver o
sol nascer e o sol se pôr. Eu morri de amor algumas vezes. Mas sim, o acaso me protegeu en-
quanto eu estava distraída. Assim fui sendo conduzida pelos caminhos acadêmicos em posição
de rebeldia, interrogando sempre as teorias e o meu posicionamento diante delas.
Eis aqui meu epitáfio em forma de diálogo com a letra dos Titãs. Um resumo da ópera sé-
rio-bufa, ainda sem epílogo, ufa!!! Mas no meu libreto preciso mencionar também, brevemente,
os atos relacionados com os conceitos de criticidade e decolonialidade dentro desses momentos
titânicos. Talvez eu possa dizer que a CENA I se passa na antiga oitava série, quando meu irmão
me ajudava a fazer a lição de matemática e, exausto, desabafou: Clarissa, não precisa entender
o que está por trás da fórmula!!! É só aplicar, ele me disse. E eu não aprendi – mas pelo menos
passei de ano. CENA II, minha primeira experiência como docente na universidade: reuniões
interdepartamentais no curso de Letras para discutir o currículo, um colega furioso exclama:
quando eu morei nos EUA, ninguém tinha aulas de inglês e falavam perfeitamente essa língua
pelos corredores da universidade. Juro. Ele falou isso sim. CENA III, docente em outra univer-
1 A referência aqui e nas próximas linhas é à musica Epitáfio, gravada pela banda Titãs em 2001, cuja letra é: “Devia
ter amado mais. Ter chorado mais. Ter visto o sol nascer. Devia ter arriscado mais e até errado mais. Ter feito o que
eu queria fazer. Queria ter aceitado as pessoas como elas são. Cada um sabe a alegria e a dor que traz no coração. O aca-
so vai me proteger, enquanto eu andar distraído. O acaso vai me proteger enquanto eu andar… Devia ter complicado
menos, trabalhado menos. Ter visto o sol se pôr. Devia ter me importado menos com problemas pequenos. Ter morrido
de amor. Queria ter aceitado a vida como ela é. A cada um cabe alegrias e a tristeza que vier.”
206
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
sidade, cerca de 4 anos depois: uma colega pegando no meu pé, no que hoje eu diria que foi
assédio, me ensina que eu não preciso agradar a todo mundo para ser feliz. A ela eu nunca
agradei. E olhem que eu até tentei por uns dias… Só uns dias, logo desisti. CENA IV, início
do doutorado: orientador, gente grande, me chama para a primeira conversa, e diz: teu projeto
na seleção? Esquece. Vamos montar outro juntos. CENA V, momento presente: aulas de canto
lírico, COVID-19, isolamento social, política do desmonte, país escorrendo pelo esgoto, de-
baRtendo2. Moral da história? Há sempre o que aprender, o que estudar, o que ensinar. Não se
tem paz nessa seara. Depois da bonança vem a tempestade. E que tempestade tem se abatido
sobre nós – nem em The Tempest se viu coisa igual. Ah, Adriana, se me pego falando sobre as li-
ções do presente vou escrever esse texto sozinha…
ADRIANA: Que nada, Clarissa. Eu não deixo. Ainda bem que você teve a iniciativa de co-
meçar essa conversa assim. Iniciar citando Shakespeare e parodiar um trecho da música Epitáfio
dos Titãs, banda e música que igualmente muitíssimo aprecio é, de fato, uma habilidade que al-
guém,como você, “gente grande”, tem. Vou então, inspirada no modo como você iniciou essa
conversa – aliás, diga-se de passagem, você é sempre uma inspiração para mim – tentar esboçar
outro resumo de outra ópera sério-bufa com 5 cenas, também ainda sem epílogo.
Na tentativa do exercício de trazer para a conversa os temas educação linguística, cri-
ticidade e (de)colonialidade, vale dizer, primeiro, que acho não ter sido sempre crítica (será
que sou? E o que isso quer dizer?), mas vou tentar relatar algumas situações que podem nos aju-
dar no diálogo e no resumo desta ópera. CENA I: após a conclusão do meu estágio quan-
do eu cursava licenciatura em Letras Português/Inglês, disse à minha professora de linguística
que eu tinha decidido ser professora de inglês, e não de português. Ela me perguntou o moti-
vo e eu respondi que o estágio em inglês me possibilitou perceber que eu poderia “trabalhar
de outra forma”, e não simplesmente dar aquelas aulas chatas de gramática. Minha ex-professora
de linguística simplesmente disse: “não acredito que perdi minha melhor aluna de linguística
para o inglês!”. Ela perdeu a oportunidade de aprofundar a conversa… penso que poderia, pelo
menos, ter me perguntado por que eu achava que como professora de português não poderia
fazer a mesma coisa. CENA II, recebo uma correspondência e nela havia uma carta com o co-
municado de minha aprovação na seleção do programa de pós-graduação em linguística aplica-
da da Unicamp, e minha mãe: “Como assim fazer mestrado? E em Campinas? Pra quê? Não vai
não”. Meu pai a convenceu de que “era importante eu me especializar”, que assim teria “melhores
oportunidades” na minha carreira como professora. CENA III, eu coordenava o instituto de lín-
guas de numa instituição particular que ofertava cursos presenciais e EAD, e o presidente desta
instituição me pediu para ”criar” um curso de língua inglesa totalmente on-line para ser ofertado
na instituição, pois ele iria fechar, o curso de inglês presencial iria acabar porque “não estava
2 debaRtendo é um programa construído com as colegas Leina Jucá (UFMG), Simone Batista (UFRRJ) e Luciana Ferrari
(UFES) com o propósito de refletirmos sobre as implicações da linguística aplicada na vida cotidiana. Os episódios
estão disponíveis no YouTube em http://tiny.cc/k2douz.
207
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
dando lucro”. Argumentei que esta era uma tarefa que demandaria uma equipe multidisciplinar,
composta por professores, profissionais de informática, designers etc., e que demandaria muito
tempo. Ele desistiu, dizendo que iria custar muito caro, que era inviável compor uma equipe
assim e pediu para eu fazer uma pesquisa sobre plataformas de cursos de inglês on-line que já
existiam no mercado. Depois de alguns meses de pesquisa, contatos, reuniões etc., fiz um re-
latório dizendo que apenas um curso me chamou a atenção por ter uma proposta pedagógica
que eu considerava minimamente de qualidade, pois as práticas eram baseadas em vivências
anteriores que os alunos tinham em inglês e em temas atuais que eram abordados por meio
de publicações de websites, jornais on-line, podcasts, entre outros, e os tópicos gramaticais
eram explicados a partir das necessidades de cada aluno. Quando apresentei o relatório, o pre-
sidente me perguntou se eu não tinha avaliado um determinado curso on-line (bem conhecido
na época, e um dos que vendiam as licenças mais baratas) e eu disse que sim, mas que não reco-
mendaria a compra; justifiquei os motivos. Bom, depois de uns dois meses fui demitida da ins-
tituição e aquela plataforma mais barata foi adquirida e o curso implementado para os alunos
de graduação da instituição. A CENA IV, meu primeiro dia na universidade pública, na sala
dos professores, um colega de outra área me pergunta: “Ah, você é a nova professora de inglês,
certo? Me diz uma coisa, você não acha que nossos alunos deveriam estudar línguas estran-
geiras no centro de línguas da nossa universidade? Por que essas aulas de línguas estrangeiras
nos cursos?”. Ele se referia aos cursos superiores de tecnologia. Respirei fundo e tentei explicar
que, na minha opinião, as línguas estrangeiras devem, sim, fazer parte do currículo dos cur-
sos de formação profissional e tecnológica, “aproveitando” os temas de cada área de formação
e promovendo criticidade por meio das diferentes línguas estrangeiras que são oportunizadas
aos alunos nos seus processos de formação. Na época, eu ainda não usava a expressão “educação
linguística” ou “educação linguística crítica”, mas era isso que eu queria dizer e, sinceramente,
não sei se teria feito diferença, pois percebi que não convenci meu colega. CENA V, conversan-
do em família e tentando explicar para as minhas filhas sobre como, para Paulo Freire, a edu-
cação é vista como ação política, que pode contribuir para a transformação da sociedade, e a
importância da linguagem, ou das práticas de linguagem neste processo. Tentei trazer alguns
elementos, e então minha filha mais velha (de 15 anos) diz o seguinte: “mãe, eu já entendi: se a
gente aprende na escola que o Brasil foi ‘colonizado’, e se este for o discurso único discurso
que a gente vai considerar como o verdadeiro, nossas ações serão baseadas nessa ideia, de que
‘tivemos a sorte de ser colonizados’, que quem já estava aqui não sabia nada etc… mas se a gente
aprende na escola que o Brasil foi invadido e explorado, que as pessoas que estavam aqui foram
tratadas como animais, como seres primitivos e foram igualmente exploradas, nossas atitudes,
nossas ações vão ser diferentes porque não vamos aceitar, por exemplo, que os indígenas sejam
humilhados e não respeitados por pessoas como esse cara que está aí como presidente.”. A con-
versa não parou por aí, claro. Clarissa, o que acha desse resumo da ópera? Há aí elementos
relacionados aos temas sobre os quais estamos nos propondo a conversar?
208
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
CLARISSA: Adriana, que ópera é essa!? Deixou O Anel dos Nibelungos3 pra trás! Ainda
bem que escrever o teu libreto levou menos de 26 anos, senão esse texto não seria publica-
do. E ainda bem também que teus heróis e heroínas estão longe de serem mitológicos, apesar
de serem tão fascinantes quanto. Obrigada por compartilhar conosco, Adriana. Não vou levar
26 anos pra comentar, embora eu ache que seria possível.
Quero começar com um comentário breve sobre o intróito, sobre se ser crítico seria algo
inatingível…. Eu acho que não. Receio que a gente se cobre muito quando diz “não sou realmen-
te crítica”, “jamais serei de fato crítica”. Como disse Rita Lee, “me cansei de lero lero, dá licença
mais eu vou sair do sério”: pra mim não tem essa de realmente ou de fato. Ser crítica é a gente
se perceber crítica em momentos específicos – e isso nossas óperas têm de sobra. E se formos
escarafunchar mais em nossas trajetórias, certamente encontraremos mais “momentos críticos”
(PENNYCOOK, 2004).
A Cena I, sobre as brechas que perdemos como educadoras, hein? Nem sempre o que
nos sensibiliza no momento pode ocasionar um momento crítico, né? Eu fico pensando em quan-
tas brechas eu deixei passar na minha carreira como professora. Mas logo deixo de pensar nisso,
consolada pela ideia de que também aproveitei muitas outras. Ideia não, esperança.
Meu segundo comentário é sobre a Cena II, a suposta inutilidade da academia e a III,
a importância de um doutorado para quem pensa sobre educação. Explico – são dois momen-
tos que, pra mim, indicam como numa perspectiva mais pragmática estudos aprofundados
das coisas não parecem relevantes, uma vez que via de regra não se percebe sua “aplicabilida-
de” em questões do dia a dia. Isso por vezes se acirra nas Ciências Humanas (se comparadas
com as Biológicas e Exatas, por exemplo) e ainda mais na Linguística, mesmo que ela se chame
Aplicada. No tal de mercado, o utilitarismo predomina. A educação de fato, a meu ver, não acon-
tece na iniciativa privada, uma vez que para o mercado o mais importante não parece ser a for-
mação, e sim o lucro financeiro, o que se torna incompatível com uma perspectiva que priorize
os sujeitos e a sociedade como um todo.
Ah, sim, e a Cena IV, sobre o afã de convencer as pessoas. Quando a gente acredita no que
acredita, parece tomar conta de nós um proselitismo assustador, né? Queremos compartilhar
com todo mundo, e com isso deixamos de entender o que pra mim é um dos princípios fun-
damentais da criticidade, e que Freire (1996) já ressaltou há muito tempo com a famosa frase
“ninguém educa ninguém: as pessoas se educam umas às outras”. Então, a gente conversa, a gen-
3 O ciclo de óperas épicas O Anel dos Nibelungos, de Wagner, tem 16 horas de duração. As 4 óperas do ciclo “são
adaptações dos personagens mitológicos das sagas nórdicas e do Nibelungenlied. Wagner escreveu o libreto e a mú-
sica por cerca de vinte e seis anos, de 1848 a 1874. Entretanto, ele não se dedicou exclusivamente a isso durante esse
período. Os dramas musicais que compõem o ciclo do Anel são, em ordem cronológica do enredo: Das Rheingold (O
Ouro do Reno), Die Walküre (A Valquíria), Siegfried e Götterdämmerung (O Crepúsculo dos Deuses). Apesar delas
serem apresentadas como obras individuais, a intenção de Wagner era apresentá-las em série. A primeira apresen-
tação de todo o ciclo aconteceu em Bayreuth, 13 de agosto de 1876.” (WIKIPEDIA, https://pt.wikipedia.org/wiki/
Der_Ring_des_Nibelungen).
209
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
te faz coisas, a gente mostra como a gente faz essas coisas e por que as faz. Mais do que isso,
é com cada pessoa.
E, claro, a belíssima Cena V me fez lembrar da alegria que senti quando minha sobri-
nha de 8 anos chegou em casa depois da escola e disse que naquele dia ela tinha aprendido
que Pedro Álvares Cabral invadiu o Brasil. Imaginem só eu, aos 35 anos, finalmente ouvindo
isso. Felicidade só. E tua filha, associando isso aos dias de hoje e observando os desmandos
do desgoverno, me faz reviver o mesmo tipo de felicidade ao ver a luz brilhando forte no fim
do túnel. Será que isso é ser otimista demais e assim abandonar a criticidade? Me pergunto
isso porque lembrei de outra experiência profissional: estava preparando, com 3 colegas, ma-
terial didático com pegada bem crítica para o Ensino Fundamental, até que, de repente, ao ver
os textos que tínhamos selecionados espalhados sobre uma mesa grande, me dei conta: era tudo
uma tragédia só, da mais pura mesmo, sem os descansos que a ópera muitas vezes traz. Guria
do céu…
ATO II: to sleep, to dream no more (Hamlet, Act III, Scene I [To be, or not to be])
ADRIANA: Guria do céu, mesmo! Esta experiência profissional que você nos conta,
ao preparar material didático “com pegada bem crítica”, me lembrou uma experiência que tive
quando fiz um curso de especialização na mesma faculdade onde cursei licenciatura em Letras,
lá pelos idos fins da década de 1990. Eu fazia parte da primeira turma do curso chamado
“Especialização em Linguística Aplicada ao ensino de línguas estrangeiras”. Os professores con-
vidados para este curso estavam no auge das influências daquele período em que a linguísti-
ca aplicada deixava de ser “circunscrita e periférica” e assumia novas configurações, baseadas
na multidisciplinaridade e na transdisciplinaridade (SIGNORINI; CAVALCANTI, 1998) – te-
nho certeza que você lembra muito bem deste período, não é mesmo, Clarissa? Pois bem, havia
uma preocupação em se contemplar em cursos, programas e currículos, com vistas à formação
de professores, entendimentos outros sobre práticas de linguagem em que estavam presentes
a interseccionalidade entre linguagem, sentido, sujeito e sociedade. Nesse viés, a ideia de crí-
tica estava fortemente presente, como estava neste curso do qual fui aluna e, claro, algumas
ideias de Paulo Freire tiveram espaço garantido. Tanto que – agora voltando mesmo ao ponto
da preparação de material didático, e do “guria do céu” – eu e outras colegas professoras de lín-
gua inglesa decidimos elaborar, como trabalho final de uma das disciplinas, materiais do que
se denominou “método temático”. Esse “método” e os materiais que nos propomos a elaborar
eram para alunos de quinta a oitava série do antigo ensino fundamental, e deveria ter como
objetivo ensinar inglês de forma crítica. O termo “método temático” foi uma releitura do pro-
cesso de alfabetização de adultos proposto por Freire na década de 19604, nos denominados
4 O processo de alfabetização de adultos a partir de palavras geradoras é comentado em várias obras de Paulo Freire,
mas especialmente apresentado com exemplos no livro “Educação como prática da liberdade”, cuja primeira publicação
é de 1967.
210
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
“Círculos de Cultura”, a partir de palavras geradoras. No entanto, para a elaboração dos mate-
riais, propusemos temas (que não foram discutidos com alunos, mas definidos por nós!) e não
palavras – por isso a denominação “método temático” – e fomos, todas faceiras e felizes, prepa-
rar atividades a partir de recortes de textos que tinham o mesmo tema e atividades de livros di-
dáticos (imagina!), achando que estávamos preparando materiais didáticos que iriam promover
a criticidade na sala de aula. Clarissa, eu queria agora poder colocar aquelas figurinhas que a
gente usa em conversas de WhatsApp, sabe? Você percebe o tamanho da nossa ingenuidade
e falta de profundidade ou, como Freire afirmava, rigorosidade de pensamento? Nós não le-
mos ou discutimos a pedagogia freireana adequadamente para nos propormos a uma emprei-
tada como aquela… Que deveria minimamente ter sido iniciada com leituras e discussões sobre
os sentidos de crítica e as implicações dos sentidos para a educação linguística crítica. Clarissa,
talvez você, e quem mais estiver lendo o que escrevi aqui, possa pensar: mas será que lá no final
de 1990 nós já tínhamos textos no sentido de crítica em estudos da linguagem? Sim! Podemos
citar alguns exemplos, como os trabalhos de Moita Lopes (1994; 1996), Rajagopalan (1995),
Pennycook (1990), além de textos de Bakhtin e Foucault, que já na década de 1990 eram li-
dos por pessoas envolvidas com educação, com ensino-aprendizagem de línguas nos cursos
de Letras. E por que não lemos? Por que não discutimos mais? Por que tamanha ingenuidade?
CLARISSA: Seria ingenuidade? Sei não… Afã, talvez. Vontade de acertar, de ajudar…
Meio naquele caráter missionário da profissão, aquela vontade de salvar o mundo e resgatar
es alunes da ignorância…
ADRIANA: De nossa parte, como professoras em formação, fazendo o primeiro curso
de especialização após o curso de licenciatura, concordo com você que nossa vontade era mes-
mo de fazer algo diferente, tentar propor uma prática diferente daquela pedagogia do professor
Jacotot de Rancière (2020). Lembra da minha história de ter optado por me tornar profes-
sora de inglês depois do estágio porque pude “praticar” outra forma de dar aulas de inglês?
Então, pode ter relação com isso, concorda? Ou seja, com a vontade de salvar o mundo e res-
gatar es alunes da ignorância (será que este sonho é diferente do sonho do professor Jacotot?).
Mas e nosses professorus do curso? Elus não perceberam que os materiais que preparamos
não tinham uma proposta minimamente crítica à la Freire? (Ai essa modernidade/colonialida-
de que não sai de mim! Que quer uma resposta, KKKKK). Eu queria muito poder conversar
com alguns delus hoje, sobre aquela experiência, sabe? O que diriam hoje? Porque hoje estou
aqui trocando essas figurinhas com você, depois de 22, 23 anos; ou seja, depois de tudo que já li,
ouvi, discuti, sofri, experimentei, vivi… Depois de uma formação de mestrado e de doutorado,
depois de tantas frustrações, tristezas em sala de aula, mas também de muitas alegrias! Então,
como você afirmou anteriormente, talvez eu tenha condições de fazer essas reflexões hoje jus-
tamente porque nunca estamos prontas, mas, sim, sempre em processo, ou como Paulo Freire
diria, estamos sendo, continuamente porque somos inacabades, incompletes, histórica e social-
211
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
mente constituídes pelas influências dos nossos diferentes e contingentes loci de enunciação.
Então seria essa uma das explicações, Clarissa? O que acha?
CLARISSA: Adriana, não sei. Acho que os pressupostos da pedagogia do Jacotot que o
Rancière destaca são interessantíssimos. Tem muito a ver com o que eu acho mais efetivo na pers-
pectiva da decolonialidade que tenho estudado: pensar que nosses alunes são inteligentes como
ponto de partida é fundamental e, infelizmente, é algo que muito pouco frequentemente a gente
vê nas práticas de sala de aula. Pra mim, uma educação crítica tem que partir desse pressupos-
to: alunes são seres inteligentes. Podem ter inteligências diferentes das que desejamos pra elus,
mas há inteligência ali. Tenho tentado exercitar isso também pra fora da sala de aula, pensando
que as pessoas que divergem de mim ideologicamente são inteligentes. Vejo aqui parte do meu
projeto decolonial: fazer um delinking (MIGNOLO, 2003) e me afastar da perspectiva que vejo
se refratar da palavra A-LUNO, que etimologicamente vem de “sem luz”. Confesso que na sala
de aula sempre foi mais fácil pra mim perceber alunes como seres iluminados. Tem sido bem mais
difícil nesses tempos sombrios de negacionismo, conservadorismo, hipocrisia descarada. Acho
importante que, quando a gente pense nesse presumir que as pessoas, todas elas, são inteligen-
tes, a gente não caia na “razão indolente” (SOUSA SANTOS, 2002), ou seja, na racionalidade
ocidental da modernidade/colonialidade5, o que pode nos levar ao extremo de pensar que não
podemos censurar nem discordar nem argumentar com quem pensa e faz diferente. Não se tra-
ta disso. Considerar que há inteligência não implica em silenciar a diferença, ou em ignorá-la.
Posso pensar que, quem pensa diferente de mim, não é burro nem é necessariamente meu ini-
migo, mas sim, como explica Chantal Mouffe (2013)6, alguém adversário, divergente, com cujas
perspectivas eu preciso interagir até para problematizar as minhas. Difícil, projeto de vida (ou
de vidaS), mas eu tenho tentado porque acho que me ajuda a ampliar meus horizontes e a
não me acomodar nas minhas verdades. E, pra mim, as teorias críticas e decoloniais ajudam jus-
5 Rodrigues (2007, p.71), assim explica a racionalidade indolente segundo Sousa Santos: “o modelo de racionalidade
ocidental (razão indolente) ocorre de quatro formas (SANTOS, 2003): a) razão impotente, que pensa não poder fazer
nada contra uma necessidade concebida no exterior a ela própria; b) razão arrogante que não sente necessidade de se
exercer, pois, imagina-se incondicionalmente livre; c) razão metonímica, que reivindica como a única forma de racio-
nalidade, não buscando descobrir outras, ou descobrindo apenas como forma de matéria prima; d) razão proléptica,
que não busca pensar o futuro, pois julga saber tudo a seu respeito.”.
6 Sobre a perspectiva de Chantal Mouffe sobre agonismo, Jordão & Martinez (2015, p. 71) explicam que “ao invés de dese-
jarmos um mundo sem conflitos, o que geraria a impossibilidade de sermos quem estamos sendo, concebê-los de forma
agonística, como sugere Mouffe (2013), promove a negociação de sentidos em meio ao dissenso, e a possibilidade do es-
tabelecimento de novas práticas. Com isso, ao entendermos nossas identidades como sendo positivamente constituídas
em diferença, legitimamos o direito do outro (e o nosso) à diferença, possibilitando o estabelecimento de um processo
dialógico no qual o embate acontece entre o que Mouffe (2013, p. 7), falando sobre adversários políticos em regimes de-
mocráticos, caracteriza como sujeitos que “lutam uns contra os outros porque querem que sua interpretação dos prin-
cípios [democráticos] se torne hegemônica, mas não colocam em questão a legitimidade do direito de seus oponentes
em lutar pela vitória de sua posição”. Ao compreendermos as identidades como relacionais e constitutivamente ligadas
ao estabelecimento de diferenças, reconhecemos a impossibilidade de eliminar aquilo que nos define como distintos
uns dos outros, impossibilidade que vem acompanhada da necessidade de não apagar as diferenças nas negociações
em ambientes democráticos. O que tais ambientes determinam é, portanto, que se deixe de buscar maneiras de cons-
truir um suposto consenso, e se encontre “modos de lidar com os conflitos para minimizar a possibilidade de que eles
assumam uma forma antagonística” (MOUFFE, 2013, p. 23)”.
212
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
tamente nisso: problematizar sempre, questionar sempre, buscar sempre novas relações entre
as ideias. Agora me lembrei das experiências que tivemos no Congresso sobre Decolonialidade
e Linguística Aplicada que deu origem a esse livro. E a essa nossa ideia de conversarmos sobre
educação crítica e decolonial…
ADRIANA: Então Clarissa, o DELA realmente foi um evento fantástico para exercitarmos
a problematização, o questionamento e a busca para estabelecermos novas (ou outras) relações
entre as ideias; acredito que este exercício pode nos ajudar a interromper essa colonialidade
(MENEZES DE SOUZA, 2021) que faz parte de nós, que está em nossos modos de ver o mun-
do, em nossas ações, mas sem cairmos na “razão indolente” de Sousa Santos. Por exemplo, você
deve se lembrar daquela situação em que, durante a fala do professor Walter Mignolo e da nossa
colega professora Juliana Martinez, houve uma discussão no chat do canal do YouTube sobre
o fato de que a língua (que foi escolhida por eles, e não por nós organizadorus) das falas foi o
inglês. Algumas pessoas ficaram indignadas com o fato de que ele, o professor Walter Mignolo,
falando sobre decolonialidade, e sendo do sul global e falante de espanhol, estava “usando” in-
glês para sua apresentação. Houve entre nós, organizadorus do evento e membres dos grupos
de pesquisa Identidade e Leitura e GPELIN, muitas discussões sobre o assunto, não é mesmo?
Lá entre nós, censuramos, discordamos e argumentamos, contra e a favor, do posicionamento
das pessoas que se manifestaram no chat. Interagimos com este fato e acredito que foi um mo-
mento em que não nos acomodamos na “nossa verdade”, a favor ou contra usar inglês. Mas veja
que este exercício foi possível por meio do diálogo – e aí novamente me inspiro em Paulo Freire
–, aquele diálogo de escuta atenta, sensível ao modo de ver de outre. Então, também para mim,
aí está uma semelhança entre o sentido de criticidade e de decolonialidade: a necessidade
de criarmos espaços de interação e de diálogo para a problematização e questionamentos cons-
tantes com a presença da diferença, do outro, porque, afinal, o outro está dentro de mim, ou seja,
quando eu penso no outro fora de mim sou eu pensando, então o outro, de “fora”, está sendo
construído dentro de mim. Falando assim parece fácil, não é? Mas é muitíssimo difícil… Penso
na situação atual do nosso país, de negacionismo, de fascismo, etc… Como você já mencionou.
Como dialogar com tudo isso? Ai, vamos mudar o rumo dessa prosa, ou melhor, desse Ato?
Que tal falarmos sobre as diferenças entre teorias críticas e decoloniais, Clarissa? Bora?
CLARISSA: Peraí, deixa primeiro eu comentar um pouquinho essa coisa de ser ou não
decolonial em língua inglesa. Será que decolonial tem língua, naqueles moldes herderianos na-
cionalistas de pensar que a cada língua corresponde uma cultura e uma nação? Seria essa pers-
pectiva resultado de uma razão indolente? Eu penso que, junto com a razão indolente, aquela
discussão (cuja análise vem mais aprofundada aqui neste livro mesmo, no capítulo escrito pelo
Luís Frederico Dornelas Conti) remete à qualidade de emoção que Maturana atribui à razão:
213
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
a carga imperialista que está histórica, política, social, internacionalmente atrelada ao inglês
permite esse tipo de protesto por parte de quem se sente circunscrite por esses modos de agir
e pensar. Deixa eu explicar melhor. Seguindo a vibe herderiana (da tríade pensada para construir
um pensamento nacionalista, ou seja, a cada nação corresponderia UMA língua e UMA cultu-
ra), a gente costuma associar a língua inglesa à Inglaterra e aos Estados Unidos – tá, são duas
nações, quebrando a tríade, mas, no caso do inglês, a gente precisa pensar diferente, até quando
pensa em Herder, né? Bom, como eu ia dizendo, essa associação da língua aos países tem tudo
a ver também com as políticas externas das nações: os EUA, mais recentemente, e de forma
mais agressiva, têm expandido seu império neoliberal de forma mais dissimulada do que du-
rante o império, até porque agora o imperialismo americano deixou de ser chamado assim para
adotar o termo mais levinho, “globalização”, certo? Pois bem, a língua inglesa carrega consigo
essa aura, essa memória, essas ações e muitas pessoas não conseguem desfazer a ligação da lín-
gua com a cultura, com as práticas do país que aprenderam ser a origem da língua, sua casa,
o lugar onde a língua nasceu (ou cresceu, no caso dos EUA – não falei que com o inglês a coisa
tem nuances diferentes?).
Mas vamos ao ponto que trazes para falar sobre decolonialidade como um espaço de in-
teração e problematização. Também acho que é isso mesmo: mas é curioso notar que tal espaço
só se torna possível quando a gente parte do pressuposto de que o pensar diferente é um pensar
igualmente inteligente, não? Acho que nós conseguimos aprender muito com nossas discussões
sobre o assunto nos bastidores do DELA porque consideramos as inteligências como inteligên-
cias. Do contrário, teríamos simplesmente dispensado o que foi dito no chat, ignorando a brecha
enorme que se fez para nosso aprendizado.
Já estou aqui ouvindo o que nosses leitorus estão pensando nessa altura: Clarissa tá fugin-
do da provocação da Adriana de falar sobre as diferenças entre teorias críticas e decoloniais…
Sim e não. Como se diz na minha terra, “guaipeca não se mete em briga de cachorro grande.”
Então fujo. Mas também se diz que a gente “dá um boi pra não entrar numa briga, e dá dois
pra não sair”. Adriana, vou te dar dois bois. Bora lá.
Afora terem sido desenvolvidas em lugares geopolíticos diferentes, em épocas diferentes,
a mim parece que as teorias críticas lutam pela inclusão, pela representação, pela presença do in-
visibilizado nas práticas legitimadas, contra o senso comum “ingênuo” e/ou mal-intencionado.
Luta, claro, absolutamente fundamental para a democracia. Mas, para as teorias decoloniais,
a visibilidade não é suficiente: elas querem mais. Querem que as noções naturalizadas pelo sen-
so comum sejam desafiadas, sim, mas querem que, ao invés de trocar seis por meia dúzia, ao in-
vés de simplesmente colocar uma verdade mais legal no lugar de outra, haja o reconhecimento
da co-existência de várias verdades, de várias perspectivas, no multiverso de que nos falou
Maturana (2000), no qual cada mundo construído por ume observadoru é igualmente legíti-
214
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
mo7. E, novamente não, isso não é relativismo absoluto – aliás, nem relativismo propriamente
dito. O fato de termos várias perspectivas válidas não implica em não contrapor umas às outras,
em não achar que uma perspectiva é mais inclusiva, mais democrática, mais benéfica do que
outra; significa que qualquer perspectiva vai sempre precisar ser defendida diante das outras.
Todas são válidas porque estabelecidas na premissa de Jacotot – são inteligentes. Entretanto,
dentro de certos quadros de referência, algumas serão melhores do que outras: se eu penso,
por exemplo, que “toda maneira de amar vale à pena”, vou esposar e defender perspectivas
que considerem que no multiverso a gente precisa expandir sempre nossas capacidades emoti-
vas e cognitivas, na convivência agonística de que nos fala Chantal Mouffe. O multiverso é aque-
le espaço em que estamos sempre abertos para sermos desafiados, em que a gente não descarta
a priori, sem sequer ouvir e tentar compreender, nenhuma perspectiva – nem a da terra plana,
juro. Exercício dificílimo, mas ninguém disse que a decolonialidade é fácil. Por isso se fala muito
na decolonialidade enquanto projeto, enquanto ideal. Também porque as perspectivas decolo-
niais parecem enfatizar mais do que as críticas a questão da historicidade dos mundos que cons-
truímos, fomentar mais a investigação dos porquês pensamos como pensamos, por que vemos
o mundo como vemos, o que nos leva a pensar e ver assim. Sobretudo, me parece, a decolonia-
lidade enfatiza mais a questão da implicação – não é implicância, é implicação mesmo, ou seja,
a ideia de que estamos todes implicades no multiverso, inclusive nas formações que permitem/
levam à construção de mundos diferentes daqueles com que concordamos, daqueles que acha-
mos melhores para nossa visão de sociedade, de justiça, de solidariedade e amor. Estarmos to-
des implicades significa sermos responsáveis umes peles outres, ecologicamente, holisticamen-
te, corazonando8. Então, quando defendo essa perspectiva para as teorias decoloniais, estou
me posicionando diante delas, apresentando e defendendo minha visão de mundo, meu univer-
so dentro do multiverso. Não tem como ser neutra, objetiva – não há, nessa perspectiva, a hu-
bris do ponto zero. Eu percebo as teorias críticas em geral mais voltadas a refletir sobre o outro
do que a perceberem-se implicadas nesse outro; mais propensas a alegar uma racionalidade
não implicada, uma possível neutralidade, o que não me parece possível fazer dentro das teorias
decoloniais como as vejo.
7 Maturana se refere à ideia de multiverso em várias obras, mas por ora vale ler essa breve citação de um de seus livros
mais conhecidos no Brasil, Cognição, Ciência e Vida Cotidiana: “se reconheço que quando gero um domínio expli-
cativo o que faço é reformular a experiência com elementos da experiência — porque não posso distinguir entre ilusão
e percepção —, descubro que tenho tantos domínios de realidade, tantos universos — ou seja, tenho um multiverso —
quantos domínios de coerências operacionais eu possa originar em minha experiência. E a experiência não é o universo.
A experiência é o que acontece com cada um de nós.” (p. 54).
8 Corazonar é um conceito desenvolvido pelo cientista social Patricio Guerrero Arías, do Equador, e que pode ser resu-
mido assim: em “Corazonar no hay centro, por el contrario, lo que busca es descentrar, desplazar, fracturar el centro
hegemónico de la razón. Lo que hace el Corazonar es poner en primer lugar algo que el poder siempre negó, el cora-
zón, y dar a la razón afectividad. Corazon-ar, de ahí que el corazón no excluye, no invisibiliza la razón, sino que por
el contrario, el Co-Razonar la nutre de afectividad, a fin de de-colonizar el carácter perverso, conquistador y colonial
que históricamente ha tenido” (ARÍAS, 2010, p.89).
215
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
216
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
217
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
ética, estética, poesia, imaginação. Certo, estou meio Pollyana9 hoje. Se bem que não, né? Afinal,
ela não desejaria o fim do mundo. Jamais. Eu, no entanto….
Essa reflexão que trazes, Adriana, sobre estarmos apenas revestindo o passado com algo
mais palatável, chamando por exemplo de globalização a exploração imperialista, como eu men-
cionei antes, ou de modernidade o que é escravidão neoliberal, como disseste acima, me reme-
teu àquela história do filósofo coreano Byung-Chul Han (2017) sobre a sociedade do cansaço,
em que ele contrapõe os modelos de sociedade do desempenho e do cansaço. No fundo, o que
muda de um modelo para outro é a forma como se exerce o poder sobre os indivíduos, mas tra-
ta-se sempre de controle. Ele explica que no início o controle se exercia de fora pra dentro,
do patrão para o empregado e da sociedade para o indivíduo; em seguida, o próprio indivíduo
passou a exercer o controle sobre si, projetando (nas redes sociais, por exemplo) um mundo
ideal em que ele dá conta de tudo, trabalho, família, amigos, e sempre exemplarmente, sempre
feliz. Com isso, Han afirma que chega um ponto em que o excesso de positividade e de estímu-
los leva a uma fadiga geral, um cansaço de tudo. Isso faz sentido quando pensamos em socie-
dades de países ricos, ou mesmo na nossa classe média (ou média-alta) brasileira, para quem
a produtividade se impõe de dentro pra fora, ou seja, não precisa mais de um controle externo
porque faz parte do modo de vida que cada indivíduo se cobre constantemente, reforçando
o desejo de ser mais feliz a partir do trabalho exaustivo, da exploração exercida em cima desse
desejo. Para a maioria da sociedade brasileira, entretanto, não existe a possibilidade de cansar
– é preciso ligar o piloto automático e fazer de tudo pra sobreviver. Simplesmente sobreviver,
viver cada dia. Sem planos para o futuro. Carpe Diem. Sem carpe muitas vezes. Talvez a gente
nem consiga chamar de vida essa existência em piloto automático. Não sei. Talvez o piloto au-
tomático também se aplique à sociedade do cansaço e do desempenho. Não sei.
Olha a Pollyana indo embora… Pollyana, volta aqui. Vamos fazer como nos jornais te-
levisivos e acabar sempre com uma boa notícia. Vamos então olhar para as exceções: os 70%
que não jogaram seus votos fora; os 30% arrependidos de terem jogado fora os seus. Olha tuas
filhas, Adriana, que exceções mais lindas. Boa parte de nosses colegas na universidade também.
E uma parte ainda maior des nosses alunes, futures professorus. Vai dando um alento conforme
nos chegamos mais próximas da Pollyana, né? Mas não podemos deixar de aprender com o
multiverso, naquela frase atribuída ao Homi Bhabha, mas cuja referência nunca consegui loca-
lizar: “é preciso esquecer, senão a gente enlouquece; mas não se pode esquecer que esqueceu”,
9 A Wikipédia traz a seguinte sinopse de Pollyana, romance de autoria de Heleanor Porter publicado em 1913: “Pollyanna,
uma menina de onze anos, após a morte de seu pai, um missionário pobre, se muda de cidade para ir morar com uma
tia rica e severa que não conhecia anteriormente. No seu novo lar, passa a ensinar às pessoas o “jogo do contente”
que havia aprendido com o seu pai. O jogo consiste em procurar extrair algo de bom e positivo em tudo, mesmo nas coi-
sas aparentemente mais desagradáveis. Por exemplo Uma vez eu tinha pedido bonecas e ganhei muletas. Mas fiquei feliz
porque não precisava delas. Este é um trecho do livro Pollyana.” (https://pt.wikipedia.org/wiki/Pollyanna).
218
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
o que eu entendo como um movimento de criticidade no sentido de que ele clama para trazer-
mos à consciência, para não deixarmos pra sempre debaixo do tapete aquilo que nos causa dor,
que nos faz sofrer. E, ao mesmo tempo, que saibamos analisar nossas contingências e aprender
não apenas, mas inclusive com aquilo que não queremos lembrar, com aquilo que preferiríamos
esquecer para viver mais confortavelmente. Essa frase também me remete à decolonialidade,
na medida em que clama para entendermos a historicidade das nossas vidas, das nossas cul-
turas, das nossas práticas, e não esquecermos da violência que a modernidade/colonialidade
promove sobre o que é diferente dela, a fim de que possamos imaginar um mundo mais justo,
melhor para todas as existências porque construído com vistas a uma horizontalidade, uma plu-
ralidade, uma diversidade corazonadas. Imaginar os inéditos-viáveis de que nos falou Freire, né,
Adriana?
ADRIANA: Sim Clarissa! Super encarnando a Pollyana, precisamos mesmo esperançar
à moda freireana nesses tempos de tantas situações limites! E acredito que temos muitas razões
para isso, apesar de tudo. Exemplos temos muitos, alguns deles você mencionou, não é mes-
mo? Sem de forma alguma idealizarmos a tarefa educacional que vivenciamos todos os dias,
no contato com as pessoas que compõem nossos grupos de pesquisa, professorus em formação
permanente, pesquisadorus com os quais temos contato num evento aqui, outro acolá; proje-
tos em escolas públicas com temáticas que podem contribuir para uma educação linguística
crítica e decolonial, tal qual Menezes de Souza (2021) tem defendido contemporaneamente:
aquela que interrompe a colonialidade que nos constitui e que questiona o que normalmente
não é questionado – o status quo, o que é dado como certo, o que é dado como única verdade
– e, fundamental, valorizar o que é invisibilizado, o diferente, e apreciar a complexidade, a in-
completude de seres, saberes e culturas. Creio que nesse viés está a horizontalidade que você
mencionou, concorda Clarissa? Será que é pura imaginação? Será um sonho? Talvez não. Como
Freire afirmou, precisamos buscar a possibilidade “de ir além do amanhã sem ser ingenuamente
idealista. Isto é o utopismo, como relação dialética entre denunciar o presente e anunciar o fu-
turo. Antecipar o amanhã pelo sonho de hoje” (FREIRE; SHOR, 2021). Então vamos sonhar
e marcar outra conversa?
CLARISSA: Sejam sonhos ou não, Adriana, é deles que vive a educação – como pensar
num mundo melhor sem utopia? Vamos sonhar em inéditos-viáveis, pensando inclusive na-
quele momento do abraço sem máscaras (literal e metaforicamente), dos corpos de volta à aca-
demia (literal e metaforicamente), do corazonar (literalmente). Com ou sem vinho, com ou
sem pandemia. Bora!
219
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Referências
ARIAS, P.G. Corazonar el sentido de las epistemologías dominantes desde las sabidurías insurgentes,
para construir sentidos otros de la existencia. CALLE14, v. 4, n. 5, p. 80-94, 2010.
BAUMAN, Z. Retrotopia. Rio de Janeiro: Zahar, 2017.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e
Terra, 1996.
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 2020.
FREIRE, P.; SHOR, I. Medo e ousadia–o cotidiano do professor. São Paulo: Paz e Terra, 2021.
HAN, B. Sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2017.
KRENAK, A. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.
MOUFFE, C. Agonistics: thinking the world politically. London: Verso, 2013.
MATURANA, H. Cognição, Ciência e Vida Cotidiana. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000.
DINIZ DE FIGUEIREDO, E. H.; MARTINEZ, J. The locus of enunciation as a way to confront
epistemological racism and decolonize scholarly knowledge. Applied Linguistics, v. 42, n.2, p. 355–
359, 2019.
JORDÃO, C.M.; MARTINEZ, J. Z. Entre as aspas da fronteira: internacionalização como prática
agonística. In: ROCHA, C. H.; BRAGA, D. B.; CALDAS, R. R. Políticas linguísticas, ensino de línguas
e formação docente: desafios em tempos de globalização e internacionalização. Campinas: Pontes, 2015.
MENEZES DE SOUZA, L. T. Ensino-aprendizagem de línguas: uma visão decolonial. Palestra
proferida na mesa Língua adicional, cultura e decolonialidade no III Seminário nacional de línguas
e linguagens da UFMS. Disponível em: https://youtu.be/AoCPZWuLxXk. Acesso: dez. 2021.
MOITA LOPES, L. P da. Pesquisa interpretativista em linguística aplicada: a linguagem como condição
e solução. Delta, 1994, vol.10, n. 02, pp. 329-338.
MOITA LOPES, L. P. da. Oficina de lingüística aplicada: a natureza social e educacional dos processos
de ensino/aprendizagem de línguas. Campinas: Mercado de Letras, 1996.
MONTE MÓR, W. Letramentos críticos e expansão de perspectivas: diálogo sobre práticas. In:
JORDÃO, C. M.; MARTINEZ, J. Z.; MONTE MÓR, W. (orgs.) Letramentos em prática na formação
inicial de professores de inglês. Campinas: Pontes editores, 2018. p. 315-335.
MIGNOLO, W. D. Histórias locais-projetos globais: colonialidade, saberes subalternos
e pensamento liminar. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003.
PENNYCOOK, A. Critical pedagogy and second language education. System, v. 18, issue 3, p. 303-
314, 1990.
220
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
PENNYCOOK, A. Critical moments in a TESOL praxicum. In: NORTON, B.; TOOHEY, K. (eds.).
Critical pedagogies and language learning. Cambridge: CUP, 2004. p. 327-345.
RANCIÈRE, J. O mestre ignorante. Cinco lições sobre a emancipação intelectual. Belo Horizonte:
Autêntica, 2020.
RAJAGOPALAN, K. Critical Discourse Analysis and its Discontents. Working Papers Series, Lancaster,
v. 72, 1995.
RODRIGUES, S. T. O direito internacional dos direitos humanos e racionalidade ocidental (razão
indolente): a epistemologia e a política ocidental no novo modelo hegemônico de democracia
(governação) global. Revista Direito em Debate, v. 13, n. 21, 2004.
SIGNORINI, I.; M. C. CAVALCANTI (orgs.). Lingüística Aplicada e Transdisciplinaridade: questões
e perspectivas. Campinas: Mercado de Letras, 1998.
SHAKESPEARE, W., 1564-1616. Much Ado about Nothing. London-New York: Penguin, 2005.
SOUSA SANTOS, B. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo:
Cortez, 2002.
221
O CRÍTICO E O DECOLONIAL NAS TRAMAS DO DELA E EM
NOSSAS HISTÓRIAS: ENTRELAÇANDO SENTIDOS
Introdução
Para colocarmos nossas vozes sobre o papel e escrevermos em atitude de colaboração, foi-
-nos necessário pensar em um ponto de partida, um para o qual pudéssemos olhar e enxergar
nosso encontro, enquanto professoras que se consideram críticas, com a decolonialidade. Não um
ponto de origem, tampouco um lugar em que nos víssemos saindo de um espaço (o trabalho
com a criticidade) e entrando em outro que nos configurasse enquanto pesquisadoras mais crí-
ticas ainda (o trabalho com a decolonialidade). O lugar escolhido foi a defesa de nossas teses.
Maio de 2021. Pandemia. Todas–banca examinadora, pesquisadora, orientadora, fami-
liares, amigas–unidas pela tela do computador para avaliar o trabalho intitulado Colaboração
e formação continuada de professoras: a pedagogia do encontro sobre formação continuada de e
com professoras de inglês na escola pública, desenvolvido colaborativamente ao longo de qua-
tro anos. Tudo como mandam os conformes… não fosse o ambiente acolhedor proporcionado
pelas que ali estavam, pelo cuidado com que tratavam a pesquisa e as professoras pesquisadora
e colaboradora e pelos questionamentos que partiam do texto, passavam pela escola e trilha-
vam caminhos de desestabilização. “Até que ponto você está reproduzindo o que você critica?”,
“Do que seu trabalho trata realmente?”, “Quem está se beneficiando mais com este trabalho?”–
fui perguntada.
Esses questionamentos apontam para uma defesa otherwise: um encontro em que o afeto,
a colaboração e a ontologia do com se fizeram presentes; um encontro de sorrisos e lágrimas
em meio ao diálogo que era entrelaçado e aos sentidos que eram a todo momento criados, esta-
belecidos e desafiados. Esse sentipensar otherwise, acredito, é o convite que as perspectivas deco-
loniais me fizeram. Para além de um pesquisar situado, da construção de sentidos contingentes
223
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
e da leitura hiper-reflexiva sobre quem sou/estou no mundo, eu, Jhuliane, me vi sendo susten-
tada por um corpo físico e político que carrega histórias e formas próprias, diversas e moventes
de ler a palavra, a mim mesma e o mundo.
Este corpo, para além de racializado em termos de sexo, gênero, raça, classe, espirituali-
dade, posicionamento político e geográfico, para citar alguns, também é um corpo que deseja,
que produz conhecimentos, que é e está sendo, e que afeta e é afetado pela diferença do Outro
no mundo. Com este entendimento, reconheço que imprimo significados frutos de minhas vi-
vências individuais/sociais e leituras em minha práxis de pesquisadora, significados esses pro-
duzidos sócio-historicamente, por isso sempre situados, impuros (CASTRO GÓMEZ, 2007;
SHOTWELL, 2016).
Agosto de 2021. Ainda na Pandemia de Covid-19. Naquela manhã quente e ensolarada,
em que a falta de chuva já nos castigava aqui em Goiás, nos reunimos virtualmente para o que
a academia chama “Defesa Pública de Tese de Doutorado”. Minha tese, uma escrevivência in-
titulada Movimentos decoloniais no estágio de língua inglesa: sentidos outros coconstruídos nas vi-
vências em uma escola pública, tinha por objetivo discutir sobre os sentidos construídos em uma
experiência de estágio de língua inglesa. Concordo com minha orientadora, a professora Rosane
Rocha Pessoa, que a defesa foi “uma conversa afiada e afetiva”, ou como disse um dos membros
da banca, o professor Alexandre Cadilhe, para além de uma arguição, o acontecimento daquela
manhã poderia ser chamado de “produzindo movimentos decoloniais na leitura da tese”. Para
mim, Valéria, aquele foi um espaço de desestabilizações que, desde então, tem me feito inter-
rogar o gênero “defesa de trabalhos acadêmico-científicos” e o papel de uma arguidora. Como
questionou Cadilhe: “seria possível, como membro de [uma] banca, mobilizar sentipensares
outros que possam descolonizar o lugar de um ‘arguidor’, como aquele que analisa, avalia, criti-
ca?”. Os sentidos de arguir foram cossignificados naquela manhã e se tornaram um “movimento
de falarviver”, nos termos da professora Mariana Mastrella-de-Andrade, também integrante
da banca.
Essas conversas afiadas e afetivas são manifestações de saberes (e sabores) nutridos de afe-
tividade por parte das integrantes da banca, que parecem “oficializar a emoção na academia”,
nas palavras da professora Clarissa Jordão em sua arguição. A abertura da orientadora-presiden-
ta para diferentes arranjos na organização da defesa; os questionamentos acadêmico-científicos
sérios (afiados), mas realmente interessados em questões da vida para além da tese (afetivos);
o ritual de cura da terra e de boas vibrações invocando elementos da natureza feito por uma
integrante da banca; uma fornada de rosquinhas goianas preparada por outra; um vídeoafeto
elaborado por amigas amadas para finalizar… tudo isso me levou a atribuir sentidos outros
ao que comumente entendia por defesa de um trabalho acadêmico. Essa defesa otherwise, a meu
ver, está entrelaçada à minha escolha por uma escrevivência de praxiologias cá do Cerrado
Central do Brasil, inspirada em perspectivas críticas e decoloniais, o que, para mim, significa
uma atitude ontoepistemológica e corpopolítica; por isso concordo com uma das professoras
224
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
225
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Antes de ser formação continuada, foi encontro (SILVA, 2021); antes de ser formação ini-
cial, foi relação (ROSA-DA-SILVA, 2021a). Tanto em um contexto quanto no outro, nossas pes-
quisas de doutorado foram entretecidas a partir de linhas que traziam em si poesias, cores, ima-
gens, sorrisos, gostos, descobertas, compartilhamento de conhecimentos, dúvidas e experiências
cotidianas. Em forma de pesquisa, isso tudo se materializou por meio de escolhas específicas,
desde a escuta atenta e genuína de nossas participantes/agentes, vistas enquanto produtoras
de conhecimento e coautoras das pesquisas, até a escrita em primeira pessoa do singular, assu-
mindo a autoria de um texto materializado a partir do nosso corpo-político (GROSFOGUEL,
2007), mas também de nossos encontros e de nossas leituras com diversos Outros.
Nas páginas de nossas teses, quisemos imprimir a vida tão celebrada por Paulo Freire
(2013; 2020; 2021), o saber do cotidiano, o saber construído na vivência e na colaboração;
mais do que isso, foi nosso desejo nos engajar em uma atitude ética de cuidado, responsabilida-
de e amorosidade (SILVA, 2021) para com nossas participantes/agentes, também professoras.
Nas páginas do presente capítulo, desejamos discutir o que temos considerado uma práxis de-
colonial olhando para algumas de nossas experiências anteriores com teorias críticas e escutan-
do as falas e reflexões levantadas no DELA sobre a temática em questão.
A partir da compreensão de que “a modernidade não é o desenrolar ontológico de uma
história universal, mas sim a interpretação de certos eventos por atores e instituições que se viam
e se veem como estando no centro da Terra e no presente de um tempo universal” (PINTO;
MIGNOLO, 2015, p. 382), e de que o discurso da modernidade (junto a suas promessas e pro-
jeções de desenvolvimento, progresso, civilização, Estado-nação, cidadania e direitos humanos,
por exemplo) só se faz possível a partir do exercício de extermínio, apropriação, genocídio, epis-
temicídio, ecocídio e dos mais diversos tipos de violência (i.e. colonialidade), vemos um cres-
cente movimento em torno da crítica e problematização desse discurso. Como nos lembram
Pinto e Mignolo (2015), além de discursivas, essas realidades modernas são articuladas tendo
em vista experiências materiais, vividas na história, em dado momento e espaço, por povos
específicos. Ou seja, as narrativas locais de povos europeus se projetam como universais, des-
corporificadas e, em última instância, como verdades naturalizadas e comuns a todos os povos
do planeta.
Apesar de diversos outros discursos, participantes de outras cosmologias e territórios,
também terem almejado transcender seus espaços e conquistar outros povos, nenhum outro
226
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
discurso atingiu caráter totalitário e excludente como o europeu ocidental desde o século XVI.
Desde o Renascimento, temos aprendido a ler o mundo a partir dos olhos da ontoepistemologia
europeia ocidental, que projeta sua ciência, cultura, arte, filosofia, literatura, organização políti-
ca e econômica, enfim, seus modos de existir e de conceber o mundo como sendo a forma ideal
e estando no estágio mais avançado de humanidade, relegando o que não se enquadra nesses
padrões como inferior ou atrasado (PINTO; MIGNOLO, 2015; SOUSA SANTOS, 2007).
Isso não quer dizer, contudo, que inexistam discursos outros que contestem, rejeitem
ou mesmo ampliem a narrativa proposta pelo discurso moderno. Sobre isso, entendemos
que tanto as perspectivas críticas1 (especialmente as pós-modernas, as pós-estruturalistas e as
pós-coloniais) quanto as decoloniais2 problematizam a modernidade. De modo geral, as pri-
meiras o fazem ao questionar a compreensão universal e naturalizada de ciência, de realidade
objetiva, de sujeito centrado, de conhecimento fixo e de verdade única, por exemplo, e assim
localizam e enfraquecem tais narrativas, dando espaço para a incompletude, a contingência e a
pluralidade, ao mesmo tempo que centralizam questões de poder. As últimas, porém, reconhe-
cendo as diferentes concepções e projetos políticos existentes, elaboram suas críticas a partir
tanto do reconhecimento da colonialidade como o lado obscuro e possibilidade de existência
da modernidade, quanto de separabilidades instauradas pela modernidade, como humanidade
e natureza, mente e corpo, razão e emoção, universal e local, sujeito e objeto, conquistador
e conquistado, branco e não branco (negro/índio), a partir das quais tantas outras categorias
foram sendo estabelecidas.
Em termos mais específicos, autores como Jacques Derrida, Michel Foucault e Jean-
François Lyotard, considerados pós-estruturalistas e/ou pós-modernos, têm sido apontados
como os primeiros estudiosos ocidentais interessados em elaborar uma crítica da modernidade,
posicionando-a em termos discursivos e reconhecendo a localidade e subjetividade de suas te-
orias e práticas (PINTO; MIGNOLO, 2015). No âmbito educacional, tais autores têm sido in-
corporados em teorizações e projetos críticos (como os letramentos críticos e a teoria da trans-
linguagem, por exemplo) que centralizam a importância da problematização de verdades
1 Não é nosso objetivo essencializar ou reduzir os estudos críticos em toda a sua diferença ou mesmo esgotá-los no cur-
to espaço deste capítulo. De modo geral, há diversas ontoepistemologias críticas que se contrapõem às teorizações
tradicionais, fundadas no cartesianismo, que perpetuam o status quo e se pretendem livres de ideologias e de seus
efeitos. Para além das listadas acima, há as de base marxista e as liberais-humanistas, por exemplo. Quando destaca-
mos as perspectivas críticas “pós-”, estamos nos referindo às teorizações de filósofos e filósofas como Bhabha, Butler,
Deleuze e Guattari, Derrida, Foucault, Ricoeur, Rancière e Spivak, para citar algumas. Seja questionando a razão e as
bases da filosofia moderna; a autossuficiência do estruturalismo e a fixidez das estruturas; ou analisando os efeitos
linguísticos, culturais, políticos, filosóficos que o colonialismo ocidental deixou sobre os países colonizadores e coloni-
zados em todas as áreas da vida social, essas teorias “pós” se mostram como diferentes movimentos intelectuais críticos
da modernidade que partem ora dos limites das narrativas ocidentais, ora de seus legados coloniais. Todas, porém,
ainda estão fundamentadas em epistemologias modernas. (cf. Capítulo 2 de MIGNOLO, 2012).
2 As perspectivas decoloniais, assim como as críticas, são diversas e abrigam projetos igualmente diferentes dentro
do mesmo termo. Algumas convergências apontam para o fato de que as críticas por elas oferecidas partem de lugares
subalternos, daqueles que sofrem os efeitos da colonização, do capitalismo e do patriarcado (SOUSA SANTOS, 2018),
e que intentam resistir ao legado colonial/moderno (colonialidade) que ainda ordena e constitui nossos quadros de re-
ferência e de ação no mundo (MIGNOLO, 2012).
227
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
228
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
é uma brincadeira”. Esta visão é assumida pelas perspectivas decoloniais, que enfatizam a colo-
nialidade como a face constitutiva da modernidade, a face com a qual não sabemos lidar ou pre-
ferimos desconsiderar.
Diferentemente do processo de colonização, expropriação e escravização empreendido
por Portugal, Espanha, Grã-Bretanha, Holanda, entre outros Estados-nação europeus durante
os séculos XVI-XIX, a colonialidade (ou a continuidade da colonização nos termos de Krenak)
se refere aos “padrões de poder de longa data que emergiram como resultado do colonialismo,
mas que definem cultura, trabalho, relações intersubjetivas e a produção do conhecimento mui-
to além dos limites restritos das administrações coloniais” (MALDONADO-TORRES, 2007,
p. 243). Esses padrões permanecem em nossos dias desde as atuais configurações de poder
que determinam quais são os países “desenvolvidos”, os “em desenvolvimento” e os “subdesen-
volvidos”, que quadros de referência e cosmologias informam nossas leituras de mundo e nos
dizem o que é bom, belo, normal e ideal, até mesmo que desejos e projetos de futuro devemos
nutrir dentro dessa estrutura.
As perspectivas decoloniais, portanto, se configuram enquanto todo e qualquer tipo
de resistência às violências perpetradas pela Europa ocidental desde a invasão das Américas
em 15004, reconhecendo lutas de resistência nas mais diferentes temporalidades e espaços, in-
cluindo, para citar algumas, as de povos indígenas, povos africanos escravizados e dos povos
que habitam as ex-colônias. Isso quer dizer que os estudos e as teorizações desenvolvidas pelos
diferentes grupos dentro da academia são resultado de seus diálogos sobre e/ou com esses po-
vos que sofreram e que têm desde sempre resistido a toda forma de racialização e de separabi-
lidade imposta pela colonialidade.
Diante do exposto, as perspectivas decoloniais nos ajudam a compreender que o discurso
da modernidade jogou para o outro lado da linha abissal (SOUSA SANTOS, 2007, 2018) tudo
o que se afastava de seus próprios padrões de existência, ou seja, o segundo termo de cada equa-
ção (humanidade e natureza, mente e corpo, razão e emoção, universal e local, sujeito e objeto,
conquistador e conquistado, branco e não branco), reduzindo o reino do ser ao reino do saber,
de um saber – o saber moderno, colonial, científico, branco e tido como universal. Desse modo,
para além de meras cisões, compreendemos essas separabilidades como categorias que têm hie-
rarquizado violentamente os modos como nossa sociedade se organiza, justificando o privilégio
de certos saberes e corpos em detrimento de outros.
Esse é um dos aspectos que gostaríamos de destacar neste texto em que, para nós, as pers-
pectivas decoloniais expandem os estudos críticos. Não é nosso intento esgotar as possibilida-
des de discussão sobre essas questões, tampouco classificar uma ou outra perspectiva como me-
lhor ou pior – estaríamos criando mais uma separabilidade, não é? –, mas discutir, desde Abya
Yala, de que maneira nossos encontros com os estudos decoloniais têm nos ajudado a olhar para
4 De acordo com Andreotti, em entrevista à Silva e à Jordão, para algumas cosmologias, esta separabilidade existe antes
mesmo da modernidade. (ANDREOTTI; SILVA; JORDÃO, 2021).
229
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
nosso passado colonial sob uma perspectiva histórica e, assim, entender que nossa sociedade
tem sido organizada sob uma lógica violenta de separabilidades.
Humanidadenatureza
5 Coletivo composto por educadoras, pesquisadoras e artistas, fundamentado em uma psicanálise decolonial, voltado
tanto para a análise, questionamento e transformação dos nossos modos de ser coloniais, quanto para uma práxis
que possibilite futuros decolonias, alternativos. Para mais informações, acessar: https://decolonialfutures.net/
230
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
A Figura 1 nos ajuda a compreender que, enquanto seres humanos, tendemos a possuir
a terra, a fazer dela propriedade nossa, a demarcá-la, a vendê-la, a explorá-la. Chegamos até a
estudá-la e mesmo a protegê-la, mas dificilmente nos consideramos enquanto parte dela, umas
com ela, isto é, o ser humano como natureza e/ou extensão dela. Nessa mesma direção, Krenak
(2019, p. 16) adverte que “[f ]omos, durante muito tempo, embalados com a história de que
somos a humanidade. Enquanto isso [...] fomos nos alienando desse organismo de que somos
parte, a Terra, e passamos a pensar que ele é uma coisa e nós, outra: a Terra e a humanidade”.
Em comunhão com o pesquisador indígena, defendemos que “[t]udo é natureza”
(KRENAK, 2019, p. 17), somos natureza. Temos aprendido com as perspectivas decoloniais,
sobretudo com as cosmovisões indígenas, que nós, seres humanos, precisamos ficar “agarra-
dos nessa terra” (KRENAK, 2019, p. 21), organismo vivo do qual temos sido descoladas desde
os tempos da colonização, em nome de um projeto civilizatório ganancioso e violento, que tem
custado vidas humanas e não humanas. Nessa esteira, parece estar a narrativa de Socorro
Teixeira, quebradeira de coco babaçu do Cerrado: “[pra] gente que é quebradeira, a relação
com a palmeira é como se fosse com outra mulher, com outra companheira. A dor da palmeira
é a dor da gente, a dor da gente é a dor da palmeira” (AGUIAR et al., 2020, p. 15). A relação
palmeira-mulher-cerrado-saber se (con)funde.
Trazendo para a esfera educacional, Tânia Rezende (2021, on-line) contribui com essa
discussão ao alertar sobre a relação entre educação linguística e educação ambiental, o que
nos ajuda a argumentar em favor da inseparabilidade entre ser humano e natureza como pro-
pomos nesta seção. A autora parafraseia e expande a importante citação de Paulo Freire: “[n]
inguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho(a). As pessoas se educam compartilhando
saberes, com seus corpos-territórios-sentimentos-dizeres” (REZENDE, 2021, on-line). Com os
pés fincados no Cerrado Central do Brasil, Rezende defende a indissociabilidade entre educa-
ção linguística e educação ambiental, argumentando que “corpo-terra-território-espiritualida-
de-sentimento-conhecimento-linguagem não se dissociam nem se fragmentam”.
231
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
língua é vida, é o que faz a gente viver, é por meio da língua que a gente constrói as nossas iden-
tidades [...] se língua é o que nos constrói e é o que constrói esse mundo, então do que a gente
tem que falar em sala de aula? [...] Acho que a gente tem que falar da vida, tem que falar da gente,
e a terra é um tema, hoje, extremamente relevante pra vida no planeta. (PESSOA, 2021, on-line,
ênfase adicionada).
Para nós, identificar6 a separabilidade entre humanidade e natureza como parte do projeto
da modernidade/colonialidade é uma forma de interrogar essa forma violenta de organização
do mundo, alargando nossas percepções de como essa e outras categorizações atingem diferen-
tes esferas da nossa vida. Se somos, indissociavelmente, “corpo-terra-território-espiritualida-
de-sentimento-conhecimento-linguagem” (REZENDE, 2021, on-line), no par binário humani-
6 As estratégias decoloniais de identificar, interrogar e interromper a colonialidade, lidas e propostas por Menezes
de Souza (2021), serão trazidas ao longo do texto e discutidas com maior detalhe na última seção deste capítulo.
232
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
dade e natureza, por exemplo, não é só a natureza que é relegada a elemento de menor valor,
mas os corpos a ela associados. Tal entendimento justifica, de um modo perverso, o fato de os
povos indígenas – e tudo o que está associado a seu modo de existência (território, espirituali-
dade, conhecimento, língua, cultura, etc.) – terem sido tratados como selvagens e primitivos e,
por isso, menos humanos e de menor valor.
Por fim, defendemos que uma práxis docente que se pretende decolonial precisa buscar
interromper essas colonialidades que separam humanidade e natureza. Em nossos contextos
como professoras de línguas, temos empreendido esforços para que nossas salas de aula de lín-
guas sejam espaços de luta decolonial (MALDONADO-TORRES, 2016; ROSA-DA-SILVA,
2021), portanto temos buscado legitimar ontoepistemologias relacionadas também à natureza.
Para além de tratar de questões de sustentabilidade e meio ambiente (SILVA, 2021), temos
convidado as estudantes a sentipensar o emaranhamento humanidadenatureza. Concordamos
com Pessoa que, para além de tematizar questões ambientais, como a importância da terra,
por exemplo, precisamos
buscar as cosmologias indígenas pra entender o que se fala, como é a relação com a terra, quem
são as pessoas que estão ali na natureza, lidando, como essa história foi construída, como a gen-
te foi se distanciando da terra. Éramos tão perto, tão próximos, vivíamos natureza até pouco
tempo. Como nos distanciamos? Como se deu essa construção? Por que vivemos como vivemos
hoje? (PESSOA, 2021, on-line).
Para além da tematização de questões ambientais em nossa práxis docente, temos tenta-
do nos engajar em lutas individuais de descentramento de nossos egos e acolhimento dos ou-
tros, humanos e não humanos, que nos rodeiam, sem tentativas de enquadrá-los em caixinhas,
sem reduzir sua infinitude a nossos entendimentos, sem classificá-los em melhores ou piores
a depender de quem são e de onde estão. Temos, ainda, buscado assumir nossa cumplicidade
com as violências que a colonialidade gerou para tentar usufruir das promessas da modernida-
de, bem como nossa responsabilidade, a partir de nosso lugar único no mundo, para com todos
os seres (LÉVINAS, 1980; SHOTWELL, 2016; STEIN, 2021). Tudo isso reconhecidamente
de modo imperfeito e falho, em consonância com nossas contradições constituintes.
Duvidarmos de nossas certezas, autossuficiências e independência tem nos trazido gran-
de desconforto, contudo este desconforto é gerador e nos convoca a permanecer no espaço
difícil de nossas relações com o mundo (BIESTA, 2019; MENEZES DE SOUZA, 2021).
Mentecorpo
Uma outra perspectiva sobre a separabilidade nos é trazida por membros do grupo latino-
-americano Modernidade/Colonialidade. Segundo Grosfoguel (2016), a partir do “cogito ergo
233
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
sum”, Descartes promove uma separação profunda entre a mente que pensa a ciência e o corpo
que a experiencia, abstraindo este corpo produtor de conhecimentos do espaço e do tempo,
ou seja, de qualquer contexto que o subjetifique de algum modo. Em seus termos, “a pretensão
de uma ‘não localização’ da filosofia de Descartes, um conhecimento ‘não situado’ inaugurou
o mito da egopolítica do conhecimento, um ‘Eu’ que assume produzir conhecimento de um
não lugar” (GROSFOGUEL, 2016, p. 30, ênfase no original). Assim fazendo, este conhecimento
se projeta como neutro e universal, equivalente ao olho de Deus (CASTRO-GÓMEZ, 2007).
É o filósofo colombiano Santiago Castro-Gómez (2007) quem indica que a filosofia car-
tesiana se fundamenta em uma epistemologia do ponto zero, que não assume a si própria como
uma perspectiva. Fato é que esta filosofia informa muitos dos critérios de validade ainda hoje
utilizados na ciência ocidental moderna: a cisão entre sujeito e objeto, a objetividade como sinô-
nimo e garantia de neutralidade, a universalidade desconectada de qualquer contexto local e um
sujeito pesquisador que produz um conhecimento universal, abstraído de influências externas,
são alguns exemplos (GROSFOGUEL, 2016).
O filósofo argentino Enrique Dussel dialoga com essas provocações e sugere que o “cogito
ergo sum” cartesiano é precedido pelo apelo colonial “conquisto, logo existo”, estabelecido des-
de o final do século XVI com as grandes navegações/invasões. Esta invenção projeta o homem
europeu, conquistador, como ser imperial, ampliando o espaço para a visão de homem como
fundamento do conhecimento nos séculos que prosseguiram (o Renascimento e o Iluminismo
são movimentos ilustrativos deste tipo de pensamento) (GROSFOGUEL, 2016). Entre uma ló-
gica e outra, argumenta Grosfoguel (2016, p. 31), há ainda uma terceira que conecta todas as an-
teriores: “extermino, logo existo”. Serão os genocídios e epistemicídios ocorridos ao longo do sé-
culo XVI que possibilitarão a transformação de um em outro, do “ego conquiro” para o “ego
cogito”.
Preocupado com as estruturas modernas/coloniais de poder de acordo com as quais
nossas vidas ainda são regidas, o sociólogo peruano Aníbal Quijano (2000) reflete que não
há como separar a exploração capitalista, iniciada a partir da invasão, exploração e coloniza-
ção das Américas, do processo de racialização dos povos, concretizada a partir da distribuição
racial do trabalho. Aos povos indígenas, a escravidão e, posteriormente, a servidão; aos povos
negros africanos, a escravidão; aos povos mestiços, a escravidão (se filhas de homens espanhóis
e mulheres negras) ou o trabalho assalariado (se filhas de homens espanhóis e mulheres indí-
genas); aos cidadãos europeus comuns, o trabalho assalariado; por fim, à nobreza, os cargos
de médio e alto escalão da administração colonial (QUIJANO, 2000).
Nessas linhas, continua Quijano, temos por mais de 400 anos a expansão global do domí-
nio colonial de uma mesma “raça” que impõe seus critérios de classificação social sobre todos
os povos. Como consequência desse processo de racialização, observamos “a distribuição ‘ra-
cial’ do trabalho, a imposição de novas identidades ‘raciais’ geoculturais, a concentração do con-
234
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
trole dos recursos produtivos, o capital como uma relação social” e mesmo o “salário como
um privilégio da ‘branquitude’”, o que acabou por se traduzir, 500 anos depois, “na estrutura
eurocêntrica moderna/colonial capitalista que temos ainda hoje” (QUIJANO, 2000, p. 218, ên-
fase no original).
Com o surgimento do discurso científico, torna-se possível teorizar e validar a ideia
de raça e, por conseguinte, categorizar os povos como pertencendo a raças inferiores ou su-
periores, com base na consideração do corpo como um objeto de estudo, divorciado da noção
de ser humano da época, e da classificação de todos os povos não europeus como pertencentes
ao passado na escala de evolução baseada na civilização europeia (QUIJANO, 2000, p. 221).
Já aqui temos a perspectiva de raças inferiores, portanto, não racionais ou plenamente humanas,
passíveis de serem utilizadas como objetos de estudo e de dominação, e de raças superiores que,
por meio do método científico, produziam conhecimento. Por extensão, chegamos posterior-
mente à ideia de um corpo que nada ou pouco vale para a elaboração científica e uma mente
que pensa e chega à verdade, independente do corpo, das experiências, das subjetividades e dos
espaços e tempos que a sustentam.
Resistindo a esse tipo de compreensão que, como vimos e temos sentido há mais de cinco
séculos, violenta e hierarquiza cosmovisões, seres humanos e não humanos, saberes e modos
de existir, nos valemos das reflexões de Tânia Rezende (2022), quando argumenta que:
Esta perspectiva é corroborada por Grosfoguel (2007), para quem nossa existência
no mundo significa não somente no sentido de habitarmos em um espaço e tempo, mas também
de habitarmos um corpo que ocupa certo espaço em uma hierarquia social e este posicionamen-
to em si também nos posiciona contingencialmente no mundo.
As marcas, como trazidas por Rezende na citação acima, constituem e distinguem nossos
corpos em termos de raça, classe, gênero, espiritualidade, sexo, sempre em relação umas com as
outras, e atribuem significados distintos aos nossos modos de ver-agir-ler-pensar-sentir-afetar-
-dizer e se relacionar no e com o mundo. Ainda assim, esses mesmos corpos e conhecimentos
235
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
não são necessariamente determinados por tais marcas, pois novas histórias, identidades, lei-
turas, encontros e decisões nos modificam e alteram nossos posicionamentos na estrutura mo-
derna/colonial na qual vivemos. Tudo isso sem esquecer que como seres individuais e sociais,
produzimos conhecimentos sempre coletivos, localizados e compartilhados, também classifica-
dos e reproduzidos de acordo com essa mesma estrutura.
Ocorre que alguns corpos foram produzidos como marcados, sendo racializados e in-
feriorizados, e outros foram gerados como não marcados, e, assim, foram naturalizados como
“neutros” e “referenciais”. As perspectivas decoloniais, portanto, clamam duplamente pelo re-
torno do corpo: ao passo que reivindicam a volta dos corpos que foram produzidos como in-
visíveis e indesejáveis, argumentam pela marcação do corpo “referencial”, geralmente branco,
heterossexual e masculino, de modo que este também seja compreendido em sua localidade,
incompletude e atravessamentos.
Assim como o processo de colonização afetou lugares, tempos e povos de formas dis-
tintas, de igual maneira as colonialidades têm afetado nossos corpos-sentires-dizeres-pensa-
res. Em consequência disso, não podemos esquecer que as nossas responsabilidades, respostas
e formas de resistência às violências coloniais/modernas vão depender das histórias que este
corpo conta e quer contar. Portanto, trazer o corpo de volta é um gesto político decolonial
transformador e também um convite para olharmos para o mundo e, por extensão, para nossas
pesquisas e para a academia, de um modo outro.
Buscando aceitar esse convite, em nossa práxis, como professoras e pesquisadoras em con-
textos de licenciatura, temos problematizado essas questões no âmbito da relação universidade
e escola. Na esteira de Borelli (2018), Mastrella-de-Andrade (2019) e Silvestre (2017), acredi-
tamos que, em nossos cursos de formação docente, ainda persiste a visão de que a universidade
é o espaço privilegiado de produção de conhecimentos, relegando à escola o lugar onde esses
conhecimentos são testados e aplicados. Nessa disputa por espaços de conhecimento durante
a formação, a escola pública de educação básica tem sido desconsiderada em sua complexidade
e separada da universidade (ROSA-DA-SILVA, 2021b). Nosso gesto tem sido o de assumir a es-
cola como “um espaço imprescindível de construção coletiva de praxiologias, operando como
lócus formativo por excelência” (ROSA-DA-SILVA, 2021a, p. 2021). Para tanto, temos busca-
do empreender o movimento de deslocamento físico e ontoepistemológico (ROSA-DA-SILVA,
2021a), o que significa
sair de nossa zona de conforto no espaço universitário para o espaço escolar, aproximando-nos
das pessoas e dos conhecimentos que fazem parte daquele espaço, habitando-o, vivenciando-o
integralmente: enxergando suas cores, escutando seus sons, sentindo seus cheiros e gostos, dei-
xando-nos afetar por seus prazeres e dissabores, numa busca por relações com pessoas concre-
tas, em lugares concretos e prenhes de vida. (ROSA-DA-SILVA, 2021a, p. 132).
236
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Nesse espaço vivo e pulsante, a escola pública de educação básica, temos buscado cons-
truir uma “pedagogia do encontro” (SILVA, 2021),
que se origina e se realiza na relação com, não para; que se dá em busca do concreto Outro e do
seu direito de ser sujeito e de ler o mundo; que questiona a indiferença e a desigualdade ao mes-
mo tempo que percebe “o oprimido” como também produtor delas; e que está fundamentada
em torno da busca de uma justiça/liberdade para ser e viver com o Outro no mundo (FREIRE,
2020). (SILVA, 2021, p. 306, ênfase no original).
Para nós, trazer o corpo de volta não implica tão somente lançar luz ao contexto em que
o conhecimento foi produzido, localizando e questionando as ontoepistemes do Norte, mas tam-
bém rejeitar a hegemonia da razão.
Como nos lembra Patrício Guerero Arias (2010, p. 83), “[u]na de las formas más perversas
de la colonialidad del poder y del ser ha sido la negación de la afectividad en el conocimiento”.
Nesse sentido, o autor nos convida a recuperar a sensibilidade e a afetividade sequestradas pelas
epistemes modernas/coloniais, abrindo espaços para o que ele chama de corazonar, atitude que
“desplaza la hegemonía de la razón, y muestra que nuestra humanidad se erige a partir de la
interrelación entre la afectividad y la razón” (ARIAS, 2010, p. 83). O que nos chama a atenção
nesse movimento de corazonar e que queremos destacar aqui, nessa discussão sobre separabi-
lidades e sobre trazer o corpo de volta, é que
não se trata de renunciar à razão, substituindo-a pela emoção – como se as questões do coração
devessem se sobrepor às da mente –, mas de corazoná-la, nutrindo-a de afetividade, reestabele-
cendo, assim a integridade que constitui o ser humano, separada pelos paradigmas modernos/
coloniais de conhecimento. (ROSA-DA-SILVA, 2021a, p. 170, ênfase no original).
237
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Nessas linhas, tentando resgatar alguns fios da trama que fomos tecendo e deixando ou-
tros soltos em sua potência transformadora, ensaiamos suspender a discussão trazida neste
texto com a pergunta: há como separar o tecelão da lançadeira? Há como separar a “teoria”
decolonial dos projetos de ação decoloniais?
Em sua fala durante o evento, o professor Lynn Mario T. Menezes de Souza (2021, on-
-line) problematiza as representações que temos levado a cabo sobre o que tem sido entendido
como decolonialidade. Para tanto, estabelece um paralelo entre o nível analítico e o nível pro-
gramático de atuação dos pesquisadores que se engajam nesta ontoepistemologia.
A partir do que chamou de estratégias decoloniais (identificar, interrogar e interromper
a colonialidade), o pesquisador advoga por um fazer decolonial que ultrapasse a mera consta-
tação da colonialidade–algo que as perspectivas críticas já faziam com relação à modernidade.
Em seus termos, “Não se trata de apenas se opor à modernidade e sim de também ter reconhecidos
o papel dos colonizados e a sua participação ativa na modernidade europeia e na geração de suas
riquezas” (MENEZES DE SOUZA, 2021, ênfases no original, on-line).
Nesse sentido, percebemos a importância do nível analítico e das estratégias de identificar
e de interrogar a colonialidade que nos constitui e que instaura ativamente os mais diversos ti-
pos de injustiça contra os povos colonizados, em seu entrelaçamento com nossos desejos e pro-
jeções de futuro, possibilitados pela violência moderna/colonial. Em se tratando de produção
de conhecimento, o conceito já discutido de lócus de enunciação se faz urgente, não somente
no intento de trazer o corpo de volta para trazer outros saberes e corpos ao centro, mas princi-
palmente de rejeitar a hegemonia da razão, marcadamente ocidental (MENEZES DE SOUZA,
2021, on-line) e diminuir os efeitos da colonialidade/linha abissal permitidos por este gesto.
No nível programático, isto é, o aspecto fundante da decolonialidade, nos engajamos
em um fazer outro, sem desejos de projeção, sem objetivos universais e predefinidos, na tenta-
tiva de criação de alternativas e projetos distintos, locais e capazes de abrigar fazeres, complexi-
dades, aprendizagens, falhas e, inclusive, mudanças de curso (STEIN, 2021, on-line). Esses pro-
jetos se unem em seu reconhecimento da violência colonial, materializada na negação do Outro,
e na busca pela interrupção desses padrões. Por isso, tendem a lutar pela coexistência dos seres
na diferença radical, pelo abandono e questionamento de verdades universais e pelo acolhimen-
to do desconhecido, para citar somente alguns (MENEZES DE SOUZA, 2021, on-line).
Contudo, interromper a colonialidade envolve interromper nossos desejos modernos
que perpetuam a violência colonial e isso exige abrir mão de certos privilégios que beneficiam
somente a uma parcela pequena da população, o que nem sempre estamos dispostas a fazer.
Como a professora Sharon Stein (2021, on-line) exemplifica, “parte de mim pode querer sub-
238
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
verter o jogo colonial e outra parte de mim pode querer continuar aproveitando os benefícios
desse jogo”. Lidar com nossas contradições e desejos e encontrar formas de negociar com eles,
sempre respondendo a um senso de responsabilidade com, é um passo importante na tarefa de-
colonial (analítica e programática) de interromper a colonialidade. Em um nível mais amplo,
Menezes de Souza (2021, on-line) afirma que um fazer decolonial em nosso contexto brasileiro
anda lado a lado com a luta dos povos indígenas e dos povos negros, racializados e excluídos
contínua e cotidianamente desde a colonização até os dias atuais.
Quando tratamos de interromper, percebemos que o fazer decolonial envolve a existência
de diversas dimensões, desde relacionais, afetivas e intelectuais a dimensões políticas, ecológi-
cas e econômicas (STEIN, 2021, on-line). Como sempre agimos a partir de algum lugar da hie-
rarquia colonial a qual pertencemos, e como nossas escolhas são perpassadas e informadas
por nossos contextos e leituras, somos convidadas a “evitar romantizar a nossa práxis ou os
grupos com os quais trabalhamos, evitar extrair conhecimentos desses povos, bem como traba-
lhar em tradução e com rigor relacional” (STEIN, 2021, on-line).
Resgatando as perguntas feitas ao longo deste texto, rascunhamos dizer que a crítica pro-
blematiza, interroga, ressignifica, mas corre o risco de ficar no nível da análise, da episteme,
se fundamentada na razão puramente ocidental, assumidamente divorciada do corpo. As pers-
pectivas decoloniais, não homogêneas ou universais, por sua vez, buscam não separar episte-
mologia de ontologia, tampouco o conhecer dos corpos que conhecem. Assim, chamam a aten-
ção para ontologias relacionais, de resistência e de reexistência às violências da modernidade/
colonialidade, em um convite a criar mundos outros, possivelmente mais “justos” e amorosos.
Como não era nosso objetivo comparar ou refutar duas perspectivas diferentes, mas ler,
a partir do nosso lócus, como perspectivas críticas e decoloniais existiam em tensão em nossas
práxis e estudos, ao final deste texto, nos unimos a Catherine Walsh (2018, p. 102) e perguntamos:
If we can understand decoloniality not as a new paradigm but as a way, an option, a standpoint,
and a practice (and praxis) of analyzing but also of being, becoming, sensing, feeling, thinking,
and doing, how does decoloniality challenge, interrogate, and/or interpolate you?
Referências
AGUIAR, D. et al. A força das mulheres do Cerrado: raizeiras e quabradeiras. Le Monde Diplomatique.
2020. Disponível em: <https://diplomatique.org.br/a-forca-das-mulheres-do-cerrado-raizeiras-e-
quebradeiras/> Acesso em: 11 jun. 2022.
ANDREOTTI, V. O.; SILVA, J. E.; JORDÃO, C. M. Nossa casa está caindo… E agora, Vanessa?
Capitalismo, decolonialidade e futuros re-imaginados. Trab. linguist. apl., v. 60, n. 2, p.595-607, 2021.
https://doi.org/10.1590/010318131002971620210510
239
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
ARIAS, P. G. Corazonar el sentido de las epistemologías dominantes desde las sabidurías insurgentes,
para construir sentidos otros de la existencia. CALLE14, v. 4, n. 5, p. 80-94, 2010.
BIESTA, G. J. J. What is the educational task? Arousing the desire for wanting to exist in the world in a
grown-up way. Pedagogía y Saberes, v. 50, p. 51-61, 2019.
BORELLI, J. D. V. P. O estágio e o desafio decolonial: (des)construindo sentidos sobre a formação
de professores/as de inglês. 222f. Tese (Doutorado em Letras e Linguística) – Universidade Federal
de Goiás, Goiânia, 2018.
CASTRO-GÓMEZ, S. La Decolonizar la universidad. La hybris del punto cero y el diálogo de saberes. In:
CASTRO-GÓMEZ, S.; GROSFOGUEL, R. (orgs.) El giro decolonial: reflexiones para una diversidad
epistémica más allá del capitalismo global (compiladores). Bogotá: Siglo del Hombre Editores, 2007. p.
79-92.
ESCOBAR, A. Worlds and knowledges otherwise. Cultural Studies, v.21, n. 2, p. 179-210, 2007.
EVARISTO, C. Becos da memória. Rio de Janeiro: Pallas, 2018.
FREIRE, P. Pedagogia da tolerância. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 75 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2020.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. 69. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2021.
GROSFOGUEL, R. The epistemic decolonial turn: Beyond political-economy paradigms. Cultural
Studies, v. 21, n. 2-3, 2007, p. 211-223.
GROSFOGUEL, R. A estrutura do conhecimento nas universidades ocidentalizadas: racismo/sexismo
epistêmico e os quatro genocídios/epistemicídios do longo século XVI. Revista Sociedade e Estado, v.
31, n. 1, p. 25-49, 2016.
KRENAK, A. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
KRENAK, A. Do tempo. Seminário Perspectivas anticoloniais. Mostra Internacional de Teatro de São
Paulo. São Paulo, 2020. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=2tjX2VodDYs>. Acesso
em: 20 jun. 2021.
LEVINAS, E. Totalidade e infinito. Tradução de José Pinto Ribeiro. Lisboa: Edições 70, 1980.
LUGONES, M. On complex communication. Hypatia, v. 21, n. 3, p. 75-85, 2006.
MALDONADO-TORRES, N. On the coloniality of being. Cultural Studies, v. 21, n. 2-3, p. 240-
270, 2007.
MALDONADO-TORRES, N. Outline of ten theses on coloniality and decoloniality. Fondation Franz
Fanon, v. 26, out. 2016. Disponível em: http://fondation-frantzfanon.com/wp-content/uploads/2018/10/
maldonado-torres_outline_of_ten_theses-10.23.16.pdf. Acesso em: 8 fev. 2020.
240
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
241
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
242
POSFÁCIO: DAQUILO QUE APRENDI
Marcos Nogas
Universidade Federal do Paraná
243
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
244
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
245
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
246
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
247
SOBRE OS AUTORES E AS AUTORAS
Adriana Cristina Sambugaro de Mattos Brahim é doutora e mestre em Linguística Aplicada (LA) pela
UNICAMP, especialista em LA e licenciada em Letras Português-Inglês pela UNESPAR. É professora
Adjunta da UFPR, e atua no SEPT e no Programa de Pós-Graduação em Letras. É coordenadora
de Políticas Linguísticas da UFPR e diretora do CAPA–Centro de Assessoria de Publicação Acadêmica.
Lidera o Grupo de Pesquisa em Educação Linguística (GPELIN/DGP/CNPq). Tem experiência na área
de Letras e de linguística aplicada e seus principais temas de interesse são: letramentos e estudos
decoloniais na formação em línguas e na formação de professores.
249
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Denise Akemi Hibarino possui doutorado em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual
de Campinas (2018), mestrado em Letras pela UFPR (2004) e graduação em Letras- Inglês pela
mesma instituição (2001). Atualmente, é professora adjunta de Língua Inglesa do DELEM-UFPR.
Tem experiência no ensino de língua inglesa em instituto de idiomas, centros de línguas, ensino técnico
e tecnólogo. Desde 2018, é vice-líder do Grupo de Pesquisa em Educação Linguística (GPELIN).
Seus interesses giram em torno dos seguintes temas na área da linguística aplicada: formação inicial
e continuada de professores de língua inglesa e estudos dos letramentos.
Glaucia Sanchez tem mestrado em Estudos Linguísticos (UFPR) e atua como professora de inglês
da Prefeitura Municipal de Curitiba. É também professora e diretora secretária da Academia de Línguas
do Paraná.
250
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Glenda Cristina Valim de Melo é doutora em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e pós-doutora em Linguística Aplicada pelo Programa
Interdisciplinar de Pós-Graduação em Linguística Aplicada, na Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ). É professora do Programa de Pós-Graduação em Memória Social, na Universidade Federal
do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e do Programa Interdisciplinar de Pós-Graduação em Linguística
Aplicada, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É pesquisadora Jovem Cientista
FAPERJ desde 2019 e pesquisadora produtividade CNPq desde 2020. Sua pesquisa recente está
focada na performatividade de raça e interseccionalidades em contexto on/offline e coordena o grupo
de pesquisa Performatividades, Raça e Interseccionalidades (PRINT/CNPq).
Jhuliane Evelyn da Silva é doutora em Letras – Estudos Linguísticos pela Universidade Federal do Paraná.
Atualmente, é professora Adjunta do Curso de Letras–Licenciatura em Língua Inglesa da Universidade
Federal de Ouro Preto. Participou do Programa Fulbright Language Teacher Assistant no ano 2015-
2016 com bolsa Capes/Fulbright na Brown University, EUA. Participa dos Grupos Identidade e Leitura
e Formação de Professores em Línguas Estrangeiras na UFPR, do Projeto Nacional de Letramentos
na Universidade de São Paulo e é co-chair da Critical Internationalization Studies Network. Possui
experiência na área de Linguística Aplicada, atuando principalmente nos seguintes temas: Letramentos
críticos, Formação inicial e continuada de professores, Colaboração, Educação linguística crítica,
Decolonialidade e Internacionalização do Ensino Superior.
Julma Dalva Vilarinho Pereira Borelli é doutora em Letras e Linguística pela Universidade Federal
de Goiás (UFGO) e atua como professora de Língua Inglesa e Estágio na Universidade Federal
de Rondonópolis (UFR). É participante do grupo virtual de formação de professores “Transição”.
Coordena o Grupo de Estudos de Professores de Língua Inglesa de Mato Grosso (GEPLIMT) e participa
dos grupos de pesquisa Rede Cerrado de Formação Crítica de Professoras/es de Línguas e Grupo
de Estudos e Pesquisa em Práticas de Educação e Linguagem (GEPPEL). Sua linha de pesquisa concentra-
se em Educação e Linguagem, Linguística Aplicada e Decolonialidade, atuando principalmente nas áreas
de Educação, Ensino de Língua Inglesa e Formação de Professores de Línguas.
Marcos Nogas é graduado em Letras – Polonês pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
251
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Mariana Lyra Varela de Albuquerque é mestra em Linguística (2021), com ênfase em Linguagens,
culturas e identidades: ensino e aprendizagem, pela Universidade Federal do Paraná (UFPR)
e licenciada em Letras Português e Inglês pela Universidade Federal do Paraná (2015). Foi assessora
pedagógica da área de Português como Língua Estrangeira no Centro de Línguas da Universidade
Federal do Paraná (CELIN-UFPR) e participa, desde 2014, como aplicadora do exame de proficiência
em Língua Portuguesa para Estrangeiros (CELPE-BRAS) organizado pelo MEC. É professora
de inglês e português na Academia de Línguas do Paraná e no UTFPR–idiomas. Atua como voluntária
no programa de extensão universitária Português Brasileiro para Migração Humanitária (PBMIH)
na Universidade Federal do Paraná. Participa do Grupo de Pesquisa Identidade e Leitura da UFPR,
coordenado pela Professora Doutora Clarissa Menezes Jordão e do Grupo de Pesquisa em Educação
Linguística (GPELIN), liderado pela professora doutora Adriana Cristina Sambugaro de Mattos
Brahim. Tem experiência nas áreas de ensino/aprendizagem de línguas adicionais, português como
língua de acolhimento e formação de professores.
Phelipe de Lima Cerdeira é professor Adjunto do Instituto de Letras da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ), no Departamento de Letras Neolatinas, Área de Língua Espanhola. Doutor em Letras–
Estudos Literários pela UFPR. Entre 2017 e 2018, foi bolsista Capes–Programa Internacional de Bolsas
de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE). Mestre em Letras–Estudos Literários e Licenciado
em Letras-Espanhol pela UFPR. Pós-doutorado em Literatura Comparada pela UNIOESTE.
Especialista em Língua, Literatura e Tradução em Espanhol pela Universidade Tuiuti do Paraná. Possui
também graduação em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2006).
Em 2017, participou como professor convidado da Universidad Nacional de Córdoba, na cátedra Teoría
y Crítica del Discurso Latino-americano. Coordenador do Projeto de Extensão LICOM/LETI (Língua
Espanhola–Níveis I e II), voltado ao ensino de espanhol para a terceira idade. Coordenador do Projeto
Prodocência “Nosotros Literaturamos”, com foco para o ensino de literatura. Como investigador, integra
diferentes grupos de pesquisa no Brasil e na Argentina, concentrando a sua produção bibliográfica
nas áreas de ficção histórica e, ainda, no ensino e aprendizagem de ELE. Autor de livros didáticos para
o ensino de espanhol como língua estrangeira para as séries do Ensino Médio. Em 2019, a sua tese
de doutorado recebeu a menção honrosa do Prêmio Dirce Côrtes Liedel, ofertado pela ABRALIC.
Em 2016, a sua dissertação de mestrado recebeu o Prêmio ANPOLL de Teses e Dissertações. Bolsista
do Programa Prociência (UERJ/FAPERJ), no período 2022-2025.
252
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Rosane Rocha Pessoa é doutora em Linguística Aplicada pela Universidade Federal de Minas Gerais
(2002) e pós-doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês
da Universidade de São Paulo (2017). Atualmente, é professora titular de Língua Inglesa no Curso de Letras
e no Programa de Pós Graduação em Letras e Linguística da Universidade Federal de Goiás, Regional
Goiânia. Desde 2016, coordena juntamente com a Profa. Dra. Viviane Silvestre (UEG), o GEPLIGO
(Grupo de Estudos de Professoras/es de Língua Inglesa de Goiás), com parcerias estabelecidas com a
SME-Goiânia e a SEDUC-GO. Desenvolve pesquisas nas áreas de ensino e de formação de professoras/
es de línguas fundamentadas em perspectivas críticas e decoloniais.
Sinfree Makoni nasceu no Zimbabwe. É bacharel em Inglês com especialidade em Linguística pela
Universidade de Gana e tem doutorado em Linguística Aplicada pela Universidade de Edimburgo,
na Escócia. Já ensinou em diversas universidades no sul da África, mais notadamente na Universidade
do Cabo Ocidental e na Universidade da Cidade do Cabo. Fez pós-doutorado no Centro de Estudos Afro-
Americanos da Universidade de Michigan. Atualmente, é Professor Titular no Departamento de Estudos
Africanos na Universidade do Estado da Pennsylvania, Professor Extraordinário na Universidade do Cabo
Ocidental e na North-West University, além de Professor Visitante na Universidade Nelson Mandela.
Foi Bolsista da Carnegie Diaspora na Universidade Laikipia, no Quênia. Tem publicado extensivamente
em áreas como linguagem e envelhecimento, linguagem e segurança, políticas linguísticas, epistemologias
do Sul e decolonialidade. Suas publicações mais recentes incluem Innovations and Challenges to Applied
Linguistics from the Global South (com A. Pennycook; London and New York: Routledge Press, 2020);
Integrational Linguistics and Philosophy of Language in the Global South (S. Makoni, D. Verity, & A. Kaiper-
Marquez, eds.; London and New York: Routledge Press, 2021); The Languaging of Higher Education
in the Global South: De-Colonizing the Language of Scholarship and Pedagogy (S. Makoni, C. Severo, A.
Abdelhay & A. Kapier-Marquez, eds.; London and New York: Routledge Press, 2022); Language in the
Global Souths (S. Makoni, A., Kaiper-Marquez, & L. Mokwena, eds., London and New York: Routledge
Press, 2022); e Decolonial Voices, Language and Race (S. Makoni, M. Madany-Saa, B. Antia, & R. Gomez,
eds., Bristol, UK: Multilingual Matters, 2022). É fundador do Fórum Global de Estudos Africanos,
que busca engajar docentes do Norte e Sul globais, e co-editor da nova série da Multilingual Matters
sobre epistemologias do Sul. Atualmente, atua como editor associado do periódico Applied Linguistics.
253
TEMPOS PARA (RE)EXISTIR E DECOLONIZAR NA LINGUÍSTICA APLICADA
Valéria Rosa-da-Silva é doutora em Letras e Linguística pela Universidade Federal de Goiás (UFG),
com pesquisas na área de formação crítica de professores/as; ensino crítico de línguas; decolonialidade;
inter e transdisciplinaridade na educação; e bilinguismo e educação bilíngue. É professora da UEG
desde 2002, com atuação, sobretudo, nas áreas de Estágio Supervisionado, Língua Inglesa, Letramentos
e Docência Universitária. Possui também experiência nas disciplinas de Comunicação Empresarial
e Língua Portuguesa, com ênfase na revisão de redações e trabalhos científicos. Atualmente, é coordenadora
da pós-graduação lato-sensu em Linguagem, Cultura e Ensino da UEG, Inhumas. Suas pesquisas
atuais são nos campos de formação crítica de professores/as, ensino crítico de línguas, letramentos
e decolonialidade, especialmente no contexto da relação escola-universidade. É coordenadora do projeto
de extensão “Coletivo Escola Universidade (CEU)”. É membro dos seguintes grupos de pesquisa e estudos,
cadastrados no CNPq: “Gefople” (UEG); “Identidade e Leitura” (UFPR); e “Transição” (UFG/UEG).
Participa também da Rede Cerrado de Formação Crítica de Professoras/es de Línguas, coordenado pela
professora doutora Rosane Rocha Pessoa (UFG) e pelo professor doutor Kleber Aparecido da Silva
(UnB), vinculado ao Projeto Nacional de Letramentos da Universidade de São Paulo (USP).
254
E
ste é um de dois livros que nasceram do evento DELA – Decolonialidade e
Linguística Aplicada, realizado online em 2021 e organizado por professoras e
professores de línguas da Universidade Federal do Paraná e da Universidade
Estadual do Rio de Janeiro. O livro traz reflexões sobre as formas em que a Linguística
Aplicada no Brasil e em outros contextos tem dialogado com estudos decoloniais e com
epistemologias do Sul, para repensar concepções de língua, cultura, educação e formação
docente, etc., a partir de entendimentos plurais que vão para além dos muros da academia.
Em cada um dos capítulos dos dois livros, temas como a história da colonialidade e dos
estudos decoloniais, a racialização dos corpos na educação, lócus de enunciação e as
formas de se fazer ciência para além do Eurocentrismo, afetividade, educação indígena,
multiletramentos, avaliação, dentre tantos outros, são abordados de forma crítica, localizada
e profunda, de modo a promover a constante busca por uma Linguística Aplicada que
olhe para si mesma com o olhar transformador de cada uma das pessoas que a constituem
e com as quais ela dialoga. Tal transformação também se reflete nas próprias formas
em que os textos foram escritos: alguns de modo mais convencional e outros buscando
romper com os gêneros acadêmicos mais tradicionais. Esperamos, portanto, que esse seja
um passo na direção de construirmos uma Linguística Aplicada renovada, cada vez mais
pulsante e plural.
E
ste é um de dois livros que nascer
Linguística Aplicada, realizado onlin
professores de línguas da Universi
Estadual do Rio de Janeiro. O livro traz refl
Aplicada no Brasil e em outros contextos te
A (RE)EXISTIR
epistemologias do Sul, para repensar concep
docente, etc., a partir de entendimentos plura
Em cada um dos capítulos dos dois livros, t
NIZAR PhelipeNA de Lima Cerceira
Entre literatura e história, sou também o outro atravessado
estudos
Sou aquilo que
Denisedecoloniais,
faço de
formas e acredito.
a racialização dos cor
Akemi Hibarino
se fazerObservo
ciência epara
analiso mais
além dodo
Eur
ApeloAPLICADA
entre-lugar, escrito e falado com a língua castelhana.
Invadido pela curiosidade, vivo a descoberta contínua da
que falo. Entrego,
nem sempree nessa
confio,
ordem.
profunda,
dou uma surtada e agradeço
de modo a promover a constan
-
multiletramentos, avaliação, dentre tantos outr
sala de aula, escuto o hallazgo do coração. olhe para si mesma com o olhar transformad
e com as quais ela dialoga. Tal transforma
MI HIBARINO em que os textos foram escritos: alguns de
DINIZ DE FIGUEIREDO
MA CERDEIRA
romper com os gêneros acadêmicos mais tra
S NOGAS um passo na direção de construirmos uma L
ADORES) pulsante e plural.