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ANDRAGOGIA E

EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL

Marcia Paul Waquil


A formação docente:
uma análise
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Examinar o percurso histórico da formação docente.


 Identificar o(s) papel(éis) do professor.
 Articular as mudanças na sociedade contemporânea e seus impactos
na escola e na atuação docente.

Introdução
Analisar a formação docente é extremamente importante, pois sobre ela
recai a eficácia da escola em atingir seus objetivos educacionais. Você
sabe como ocorre a formação de professores? Como são desenvolvidos
os saberes necessários para a prática docente?
Neste texto, você vai ler sobre esses questionamentos, além de
entender o desenvolvimento histórico dos processos de formação de
professores no Brasil e os fatores que contribuem e podem constituir o
docente. Além disso, você vai estudar sobre os papéis que são atribuídos
ao docente na atualidade, uma vez que a sociedade e as formas de
aprendizagem também se alteram e se reconfiguram, proporcionando
novos contornos à educação global.

Um breve percurso histórico da docência no


Brasil
O panorama histórico da formação docente no Brasil segue as tendências que
vinham sendo desenvolvidas na Europa, sendo muito importante a Escola
Normal nesse momento. A Escola Normal teve início no século XIX, na
França, após a Revolução Francesa, com o intuito de preparar professores.
Logo, estendeu-se à Itália, Alemanha, Inglaterra e aos Estados Unidos.

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Para compreender melhor esse percurso histórico da formação de profes-


sores no Brasil, veja a Figura 1.

Criação dos Reforma do Lei de


cursos de ensino: Diretrizes e
Escola
bacharelado habilitação Bases da
Normal no
e do Educação
Brasil
licenciatura magistério Nacional
1996

Figura 1. Percurso histórico da docência no Brasil.


Fonte: Adaptado de Saviani (2005).

A Escola Normal no Brasil surge em 1835, na Província do Rio de Janeiro,


em sua capital, Niterói. Essa era uma escola bastante simples, “[...] regida por
um diretor que era também o professor, com um currículo que praticamente
se resumia ao conteúdo da própria escola elementar, sem prever sequer os
rudimentos relativos à formação didático-pedagógica” (SAVIANI, 2005, p.
12). Era mais importante, nessa época, que o professor dominasse os conteú-
dos básicos que deveria ensinar, como leitura, escrita, operações aritméticas
básicas, geometria e moral cristã.
Esse modelo de Escola Normal inicial não era eficaz no sentido de levar a
instrução necessária aos alunos, sendo que sofreu várias reformas no decorrer
do seu período em vigor, buscando o aperfeiçoamento de suas práticas e a
formação mais efetiva dos professores. Na década de 1930, a educação no
Brasil passou por importantes reformas idealizadas por Anísio Teixeira, que
procurou uma escola ideal para a formação de professores que efetivamente
formasse para o magistério. “E é sobre essa base que, em 1939, foram insti-
tuídos os cursos de Pedagogia e de Licenciatura na Universidade do Brasil
e na Universidade de São Paulo” (SAVIANI, 2005, p. 17). Com isso, surgem
as escolas experimentais, os institutos de Educação, servindo como espaços
onde podiam ser colocadas em prática, pelos aprendizes de professores, as
técnicas que estavam sendo estudadas em sala de aula, o que enriqueceu muito
a formação docente. Porém, os processos formativos de professores enfatiza-
vam constantemente a ideia de educação voltada para o público infantil, não
considerando ainda a inserção dos adultos não escolarizados neste contexto,
o que começou a ser discutido nas décadas posteriores.

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Com o início do regime militar no Brasil, após 1964, consideráveis mudan-


ças sobrevieram sobre a estruturação do ensino, passando esse a se desenvolver
em primeiro e segundo graus e dando surgimento a formações técnicas em
nível de segundo grau. Nesse mesmo período, o Curso Normal deixou de
existir, sendo substituído pelo Magistério, que permitia aos futuros docentes
darem aula nas quatro primeiras séries do primeiro grau ou para exercerem
a docência até a sexta série, após cursarem em três e quatro anos, respectiva-
mente, as disciplinas que os habilitariam ao magistério. Para o segundo grau,
a formação exigida passou a ser a graduação em licenciatura. Essas mudanças,
ocasionadas durante as décadas de 1970 e 1980, trouxeram muitas críticas
quanto à qualidade e capacidade do Magistério como formador de professores.
Em relação à formação de professores para a educação de adultos, alguns
movimentos foram iniciados a partir da década de 1960, através das ideias
de Paulo Freire relacionadas à educação popular, que seriam implementadas
após a década de 1970, no Brasil. Foi o momento em que se iniciaram as
discussões sobre a importância da escolarização dos adultos e redução das
taxas de analfabetismo existentes.
Com o advento da Constituição de 1988, passando para a União a incum-
bência de legislar sobre a educação, começou-se a pensar sobre os novos
rumos que a formação de professores deveria tomar, o que culminou com a
homologação da LDBEN de 1996, que previa a formação em nível superior
para aqueles que exercessem a docência após 10 anos de sua publicação, o
que pretendia trazer maior qualificação para a atuação docente. Isso não se
efetivou ainda sendo admitido até os dias atuais a formação mínima em nível
médio para atuação como professor de educação infantil e anos iniciais.

Os papéis do professor
Os inúmeros saberes adquiridos pelo professor em sua formação inicial, seja
ela em nível médio ou nas graduações em licenciaturas, por si só não representa
aquilo que constitui esse profissional. A essa formação devem ser somados os
saberes adquiridos pelo próprio exercício da profissão em sua práxis, formação
continuada e busca de aperfeiçoamentos constantes durante a carreira.
São justamente esses saberes – adquiridos durante o exercício da profissão
docente – que fazem com que se alarguem os papéis que este profissional
representa e modificam sua atuação no cenário da escola. Dessa forma, um
docente recém-formado pode estranhar ao verificar que um professor mais
antigo na escola realize tarefas que ele considere “não fazerem parte” de suas

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atribuições, como, por exemplo, aconselhar um aluno sobre uma situação


familiar específica, orientar sobre algum emprego que se tenha curiosidade.
Nesse momento, entram em choque as formas de entender a atuação docente
enquanto somente focado nas relações de ensino-aprendizagem a serem de-
senvolvidas, dos conteúdos a serem trabalhados e uma atuação que transcende
estes papéis, rompendo com essa lógica.
Tardiff e Raymond (2000, p. 213) comentam que:

[...] os saberes que servem de base para o ensino, tais como são vistos
pelos professores, não se limitam a conteúdos bem circunscritos que
dependeriam de um conhecimento especializado. Eles abrangem uma
grande diversidade de objetos, de questões, de problemas que estão
todos relacionados com seu trabalho. Além disso, não correspondem,
ou pelo menos muito pouco, aos conhecimentos teóricos obtidos na
universidade e produzidos pela pesquisa na área da Educação: para os
professores de profissão, a experiência de trabalho parece ser a fonte
privilegiada de seu saber-ensinar.

Pode-se perceber que os papéis desempenhados pelo docente não são fixos,
mas modificados, reconfigurados através dos tempos, a partir das trocas de
experiências entre colegas, do desenvolvimento de suas atividades e análise
sobre erros e acertos, da observação de boas (e más) práticas pelos espaços
educativos onde tem oportunidade de passar durante sua carreira docente.
Da mesma forma, o docente deve procurar se adequar constantemente aos
diversos perfis de alunos com os quais irá desempenhar suas atividades, uma
vez que as crianças, os adolescentes e os adultos têm posturas diferenciadas
em relação à aprendizagem. Ao trabalhar com adultos, seja na EJA ou na
educação profissional, o professor deve basear-se na dialogicidade e procurar
o envolvimento do educando desde os primeiros contatos com os processos
educativos até a conclusão desses, diferentemente da criança, que normalmente
aceita bem o que é proposto, sem grandes questionamentos. O adulto precisa
ser contextualizado sobre o que está aprendendo, precisa sentir-se participante
e enxergar onde e como irá aplicar aquilo que está aprendendo.

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Os papéis desempenhados pelo docente e a maneira como irá desenvolver seus


processos de ensino-aprendizagem têm a ver, também, com as memórias que ele
possui de sua escolarização inicial, das lembranças de professores e práticas que lhe
marcaram e lhe estabeleceram modelos a seguir (ou não seguir), bem como outras
situações vivenciadas, nas quais aspectos pedagógicos foram evidenciados.

Os saberes que compõem os docentes são muito diversos e tendem a ser


heterogêneos e diferenciados, singularizados. Cabe à escola saber mapear esses
diferentes modelos de identidades docentes e conduzir o corpo de professores
para que as metas estabelecidas para o ensino sejam atingidas e a educação
se realize da melhor maneira.

As mudanças na sociedade, na escola e na


atuação docente
As mudanças pelas quais a sociedade tem passado, principalmente num espaço
temporal mais específico, após o último período da globalização, na década de
1990, afetam também a escola e a atuação docente, uma vez que estabelecem
novas lógicas e novos formatos de aprender e ensinar.
A globalização acirra mais ainda a competitividade no mercado em busca
de uma melhor colocação profissional, o que exige maior preparo e busca
por qualificação, tanto na educação formal quanto na educação não formal.
Percebe-se, acompanhando essa lógica no Brasil, o estabelecimento de progra-
mas governamentais, como o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico
e Emprego (Pronatec), criado pelo Governo Federal, em 2011, por meio da
Lei 12.513/2011, “[...] com o objetivo de expandir, interiorizar e democratizar
a oferta de cursos de educação profissional e tecnológica no país” (BRASIL,
2016b). Para atuar nesses cursos da área da educação profissional, o docente
também necessita conhecer muito bem como funciona a aprendizagem de
jovens e adultos.
O Pronatec oferta a educação profissional com cursos de qualificação e
cursos técnicos, conforme mostra a Figura 2.

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Qualificação Profissional de Trabalhadores

 Carga horária de 160 a 400 h


 Duração de 3 a 6 meses
Técnicos Profissionalizantes

 Carga horária de 800 a 1.200 h


 Duração de 1 a 3 anos
Para estudantes matriculados ou
que concluiu o Ensino Médio

Figura 2. Qualificação oferecida pelo Pronatec.


Fonte: Brasil (2016a).

Outra mudança percebida é o estabelecimento de novas tecnologias da


informação e comunicação, ligadas em rede através da internet e que passam
a exercer papel central na vida das pessoas, reconfigurando as formas de
comunicação e o próprio jeito dos indivíduos. A informação que anteriormente
era escassa, de difícil acesso, agora é disseminada aos milhares, numa profusão
de possibilidades de hipertextos a que todos têm acesso, professores e alunos.
Alunos nascidos nessa lógica digital encontram, algumas vezes, professores
distantes dela, devido a choques geracionais e culturais. Além disso, há escolas
que se manifestam favoráveis ao seu uso nos processos de ensino-aprendizagem
e também as contrárias a eles. O fato é que a web está presente, regulando cada
vez mais a vida das pessoas, influenciando seus comportamentos. E como fica
o papel do professor frente a esta mudança? Cabe ao docente aproximar-se
destas tecnologias que tanto servirão para melhor desenvolver os seus afazeres
docentes quanto para inseri-los dentro da cultura de seus alunos e perceber
como funcionam seus modelos de representação sobre a vida.

A necessidade de aproximação do docente com as tecnologias de informação e comu-


nicação é fundamental na modalidade de ensino a distância, que surge basicamente
na última década no Brasil com muita força e que proporciona ao aluno adulto um
formato novo de interação com os conteúdos a serem aprendidos e com a própria
relação professor-aluno. O docente se torna responsável pela condução e mediação
dos processos de autoestudo do aluno, que segue estudando em local distante do
docente e no tempo que considerar oportuno.

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Outra questão que advém com as mudanças na sociedade diz respeito


à própria educação e sua extensão, ou seja, vivemos hoje sobre a lógica do
“lifelong learning”, ou seja, da busca de uma educação durante a vida, aliada
ao discurso do “aprender a aprender”, que mobiliza novas práticas de apren-
dizagem autônomas, nas quais o educando é responsável por decidir o que irá
aprender, como, quando e de que forma se fará essa aprendizagem. O professor,
nesse caso, atua como um mediador e orientador, condutor dos processos de
autoaprendizagem escolhidos pelo aluno, o que representa um novo formato
de docência nunca antes vivenciado na história da educação. Plataformas de
aprendizagem adaptativas são um bom exemplo de como o papel do professor
se modifica e exige desse que detenha novos saberes relacionados à área da
tecnologia digital, gamificação, interação, criação de materiais instrucionais
e aperfeiçoamento na construção de relacionamentos interpessoais com os
alunos e demais atores escolares.
Essas mudanças, ocorridas na sociedade contemporânea, colocam lado a
lado inúmeras escolas diferentes, com alunos e docentes distintos. Ao mesmo
tempo em que observamos um individualismo nunca antes percebido entre as
pessoas, nos cabe aproximar, unir os grupos, criar espíritos de turma, trabalhar
cidadania. Enquanto cada vez mais a violência e a criminalidade rondam e
espreitam os muros da escola (muitas vezes a invadindo), cabe ao professor
ajudar a manter e desenvolver uma cultura de paz, estimular e reforçar a
resiliência nos alunos de periferia, servir de base e apoio àqueles que não
possuem esse tipo de referencial em ninguém de suas famílias.

Alunos de escolas particulares e de escolas da periferia, de famílias abastadas ou


vulneráveis, precisam aprender que as diferenças culturais não podem desencadear
atitudes discriminatórias e preconceituosas, tarefa que também se incide sobre a
figura do docente. Enfim, a sociedade se reconfigura, se modifica em diversos aspectos
que acabam por somar, reforçar, redirecionar e reacender a importância do docente
como instrumento de articulação e luta por melhorias sociais e pela busca de novas
mentalidades que irão ecoar nos cidadãos futuros que habitam nosso país e o mundo.

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Numa sociedade em que a lógica da comunidade, do coletivo, da colabo-


ração apresenta-se substituída pelas redes sociais em suas rápidas conexões e
desconexões, também recai sobre o professor problematizar com seus alunos,
sejam adultos ou crianças, sobre as virtudes e valores necessários e importantes
para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e igualitária, na qual a
solidariedade e a alteridade sejam exercícios cotidianos nos relacionamentos.

O vídeo “Ensino superior: formação de professores


para EJA” mostra a você mais detalhes sobre a for-
mação docente. Confira no link ou código a seguir.

https://goo.gl/63xKWS

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BRASIL. Ministério da Educação. Cursos Pronatec. 2016a. Disponível em: <http://portal.


mec.gov.br/pronatec/cursos-pronatec>. Acesso em: 12 jul. 2017.
BRASIL. Ministério da Educação. Pronatec. 2016b. Disponível em: <http://portal.mec.
gov.br/pronatec>. Acesso em: 12 jul. 2017.
SAVIANI, D. História da formação docente no Brasil: três momentos decisivos. Educação,
Santa Maria, RS, v. 30, n. 2, p. 11-26, jul./dez. 2005. Disponível em: <https://periodicos.
ufsm.br/reveducacao/article/view/3735/2139>. Acesso em: 17 jul. 2017.
TARDIF, M.; RAYMOND, D. Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no magistério.
Revista Educação & Sociedade, Campinas, SP, ano 21, n. 73, p. 209-244, dez. 2000.
Disponível em: <http://ltc-ead.nutes.ufrj.br/constructore/objetos/saberes,%20tardif..
pdf>. Acesso em: 17 jul. 2017.

Leitura recomendada
FONSECA, M. V. A. T. Educação de Jovens e Adultos: EJA: formação e prática do educador:
caderno de atividades. Valinhos: Anhanguera Publicações, 2014.

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