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Psicologia escolar Tinha como objetivo desenvolver instrumentos que

possibilitaram a seleção, adaptação, orientação e


classificação de crianças que necessitassem de
Psicologia educacional: voltada para a pesquisa teórica, educação especial em normais e anormais.
a psicologia escolar coloca-se como vertente aplicada
desse conhecimento, sendo utilizada diretamente no ● A partir da década de 1980 que se iniciou um
espaço de escolarização. movimento de análise crítica de atuação do
psicólogo escolar.
A Psicologia educacional e escolar tem intrinsecamente ● A psicologia escolar foi uma das primeiras áreas no
relacionadas, no entanto não são idênticas, não podem Brasil a esboçar uma crítica à formação profissional
reduzir-se uma a outra, cada uma possui sua autonomia e ao modelo de atuação psicológica em
relativa. educação.
● Os “problemas de aprendizagem” passaram a ser
A Psicologia Educacional pode ser considerada como vistos como um fenômeno complexo.
sub-área a psicologia, que tem como vocação a ● O papel do psicólogo foi repensado, com vista a
produção de saberes relativos aos fenômenos promover o desenvolvimento de práticas
psicológicos constituintes do processo educativo. pedagógicas de melhor qualidade.

A Psicologia da educação, diferentemente, refere-se a As questões postas a partir da crítica à psicologia


um campo de ação determinado, isto é, o processo de escolar/educacional, possibilitaram nos anos 1990,
escolarização, tendo por objeto a escola e as relações pesquisas sobre os seguintes temas:
que aí se estabelecem; fundamento sua atuação nos
conhecimentos produzidos pela psicologia da a) fracasso escolar;
educação. b) identidade profissional;
c) escolarização do deficiente mental;
Relação entre Psicologia e Educação no Brasil d) formação profissional;
e) atuação profissional na educação de uma
Década de 1830 - Primeiras discussões (embora perspectiva crítica;
incipientes e pouco sistemáticas) sobre a criança e seu f) avaliação psicológica de problemas escolares;
processo educativo, incluindo assuntos como g) vida diária escolar, dentre outros.
desenvolvimento, aprendizagem e ensino. h) Rompimento da culpabilização das crianças
adolescentes e suas famílias pelas dificuldades
Em meados do século, essa preocupação se torna mais escolares.
sistemática e frequente, e nos anos finais do mesmo
século percebe-se a incorporação de objetos que mais
tarde seriam próprios da psicologia da educação.

Reforma de Benjamin Constant - 1890:


Transformou a disciplina filosofia em psicologia e lógica,
que, por desdobramento, gerou mais tarde a disciplina
pedagogia e psicologia.

A primeira escala métrica de inteligência infantil foi


desenvolvida por Binet, na França em 1905.

“Sua passagem para o laboratório de pedagogia


experimental, foi um passo decisivo na constituição do
primeiro método em psicologia escolar" (Psicometria)
Referências técnicas para a atuação do Psicólogo na que possam acolher as tensões, buscando novas saídas
educação básica para os desafios da formação entre educadores e
educandos;

●Romper com a patologização, medicalização e


A escola, hoje, como um sistema aberto, se constitui em
judicialização das práticas educacionais nas situações
um mercado de serviços, projetos e produtos para seus
em que as demandas por diagnósticos fortalecem a
usuários. Na escola “mercado” se multiplicam as práticas
produção do distúrbio/transtorno, da criminalização e
de avaliação dos produtos para o controle de
da exclusão.
qualidade e otimização dos processos, incluindo as
avaliações diagnósticas, consideradas práticas de
POSSIBILIDADES DE ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NA
“segurança” que identificam os indivíduos e definem as
EDUCAÇÃO BÁSICA
ações do momento seguinte. Frente a todas as
Art. 205 - A educação, direito de todos, dever do
incertezas produtoras de medos, indecisão e agitação, a
Estado e da família será promovida e incentivada
medicalização tem sido um procedimento generalizado
com a colaboração da sociedade, visando a ao pleno
funcionando como mantenedor da ordem produtora de
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para
exclusões e violação do direito à educação.
o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho. (BRASIL, Constituição Federal, 1988).
●Compor com a equipe escolar a elaboração,
implementação e avaliação do Projeto Político
Na direção de contribuir para a melhoria da qualidade
Pedagógico da escola, e, a partir dele, construir seu
da educação em todos os níveis, nossas ações devem
projeto de atuação, como um profissional inserido e
pautar- se em tornar
implicado no campo educacional.
disponível um saber específico da Psicologia para
questões da Educação que envolvam prioritariamente
●Problematizar o cotidiano escolar, colaborando na
o fortalecimento de uma gestão educacional
construção coletiva do projeto de formação em
democrática que considere todos os agentes que
serviço, no qual professores possam planejar e compor
participam da comunidade escolar, e de formas
acções continuadas;
efetivas de acompanhamento do processo de
escolarização.
●Construir, com a equipe da escola, estratégias de
Esse saber fundamenta-se no entendimento da
ensino-aprendizagem, considerando os desafios da
dimensão
contemporaneidade e as necessidades da
subjetiva do processo ensino-aprendizagem. Temáticas
comunidade onde a escola está inserida;
como: desenvolvimento, relações afetivas, prazeres e
sofrimentos, comportamentos, ideias e sentimentos,
●Considerar a dimensão de produção da subjetividade,
motivação e interesse, aprendizagem,
sem reduzi-la a uma perspectiva individualizante,
socialização, significados, sentidos e identificações
afastando-se do modelo clínico-assistencial;
contribuem para
valorizar os sujeitos envolvidos nas relações escolares.
●Valorizar e potencializar a construção de saberes, nos
diferentes espaços educacionais, considerando a
A(O) PSICÓLOGA(O) E O PROJETO POLÍTICO-
diversidade cultural das instituições e seu entorno para
PEDAGÓGICO
subsidiar a prática profissional;
Ao se deparar com o contexto escolar para elaborar
planos de intervenção, levando em conta o projeto
●Buscar conhecimentos técnicos-científicos da
político pedagógico, é necessário compreender e
Psicologia e da Educação, em sua dimensão ética
conhecer dados objetivos relativos à organização
para sustentar uma atuação potencializadora;
escolar. Entre eles destacamos: o número de
estudantes, de turmas, de professores, serviços
●Produzir deslocamento do lugar tradicional do
prestados à comunidade, reuniões que estão
psicólogo no sentido de desenvolver práticas coletivas
planejadas; índice de aprovação, reprovação e Com pais, familiares ou responsáveis, a(o) psicóloga(o)
evasão; membros das equipes pedagógicas, pode refletir sobre o papel social da escola e da família,
administrativas e de prestação de serviços gerais; o assim como sobre as problemáticas que atravessam a
perfil socioeconômico da comunidade escolar; vida de pais e filhos. Frente a possíveis dificuldades
informações sobre características do território em que a escolares, a discussão coletiva pode facultar novas
escola está localizada, bem como sua história. É ideias e ações favorecedoras de uma prática
importante ainda conhecer o corpo docente e equipe compartilhada que contribua para a qualidade do
pedagógica, considerando sua formação acadêmico- processo ensino e aprendizagem.
profissional, salários e condições de trabalho, carga
horária; informações sobre o trabalho pedagógico, O TRABALHO NA FORMAÇÃO DE EDUCADORES
enfocando como ocorre a prática pedagógica Nem sempre educadores e psicólogas(os) têm clareza
incluindo a metodologia, recursos, conteúdos. da visão de homem e educação que permeia a sua
prática profissional.
A INTERVENÇÃO DA(O) PSICÓLOGA(O) NO A forma como a escola se organiza, nos dias de hoje,
PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM está atrelada a circunstâncias históricas que produziram
O conhecimento da psicologia na compreensão dos tendências pedagógicas que ora privilegiavam o
processos de ensino e aprendizagem se constitui, professor e o conteúdo, como era o caso da
historicamente, desde concepções higienistas até Pedagogia Tradicional; ora privilegiavam o estudante,
àquelas que analisam esse processo como síntese de como é o caso da Escola Nova e do Construtivismo, por
múltiplas determinações: pedagógicas, institucionais, exemplo, ou ora privilegiavam a técnica, como é o
relacionais, políticas, culturais e econômicas. As práticas caso da Pedagogia Tecnicista.12 Cada tendência
de intervenção, portanto, decorrem dessas pedagógica carrega uma visão acerca da atuação
concepções. dos educadores que permeia todo o trabalho
Nessa perspectiva, a(o) psicóloga(o) avança na pedagógico e que influenciará a prática desenvolvida
compreensão desse processo quando o analisa a pela(o) psicóloga(o) na escola (FACCI, 2004).
partir de condições histórico-sociais determinadas. Sua
superação depende de ação que envolva os diferentes O TRABALHO DA(O) PSICÓLOGA(O) E
aspectos do processo de escolarização: relações A EDUCAÇÃO INCLUSIVA
familiares, grupos de amigos, práticas institucionais e É importante considerar que na intervenção na escola é
contexto social. preciso que a(o) psicóloga(o) identifique,
No trabalho com estudantes, é fundamental resgatar a primeiramente, concepções “de sociedade, de
função do conhecimento científico como instrumento educação, de grupo, de indivíduo, de coletividade”
que possibilita a compreensão e transformação da dos professores, estudantes e familiares, assim como as
realidade (VYGOTSKY, 2000).11 suas próprias concepções. É preciso compreender a
À(ao) psicóloga(o) cabe uma prática que conduza a constituição histórica do psiquismo humano e resgatar
criança e o jovem a descobrir o seu potencial de propostas de ações societárias e coletivas para uma
aprendizagem,16 auxiliando na utilização de atuação crítica da(o) psicóloga(o) em contextos
mediadores culturais (música, teatro, desenho, dança, educativos buscando romper com práticas excludentes
literatura, cinema, grafite, e tantas outras formas de na escola (BARROCO, 2007, p. 179).
expressão artísticas) que possibilitam expressões da O trabalho da(o) psicóloga(o) com a temática do
subjetividade. No caso da avaliação das dificuldades preconceito e a promoção de discussões coletivas a
no processo de escolarização, é fundamental avaliar o respeito do processo de
aluno prospectivamente, naquilo que ele pode se inclusão escolar, em que seja garantido o direito de
desenvolver, e não se restringir àquilo que o aluno não pertencimento
consegue do estudante com deficiência à escola regular, pode
realizar, ou mesmo centrar-se somente no aluno, sem promover condições para que a relação social entre o
refletir sobre a produção social do fracasso escolar. estudante com deficiência e o ambiente escolar
promovam situações desafiadoras que “empurram a
criança para a via da compensação” no sentido de instituições que oferecem cursos em nível Referências
desenvolver potencialidades que auxiliem na Técnicas para atuação de psicólogas(os) na educação
superação da deficiência, conforme anuncia Vygotski básica 51 de graduação ou mesmo cursos técnicos e
(1997, p. 106). Dessa forma, em seu trabalho, a(o) outros aspectos relativos a essa temática. Mais uma vez,
psicóloga(o) focalizará a força que esse estudante ressalta-se a necessidade de considerar que as escolhas
possui para criar condições para o enfrentamento de são estabelecidas socioculturalmente.
sua deficiência e expansão de seus limites, que tem O fundamental é realizar ações que caminhem em
como objetivo buscar uma posição social mais colaboração com a finalidade da escola, ou seja, a
valorizada pela sua comunidade. socialização do conhecimento.
Além do exposto, é importante destacar que o Grupos de apoio psicopedagógicos com alunas(os) que
profissional pode desenvolver ações como: apresentam dificuldades no processo de escolarização
acompanhamento de estudantes visando à inclusão e também pode ser uma outra atividade desenvolvida.
permanência com qualidade de todos e todas no A(o) psicóloga(o), nesse sentido, poderá trabalhar, em
contexto escolar; participação na articulação de parceria com pais, professores e equipe
serviços para o atendimento do estudante com pedagógicas, com atividades que colaborem para o
deficiência, na busca da garantia de seu direito à desenvolvimento das funções psicológicas superiores,
educação, a saúde e a assistência social; mobilização enfocando a relação entre
de encontros e participação em reuniões com cognição e afeto.
docentes e outros profissionais, visando a auxiliar a Professoras(es) e psicólogas(os) possuem histórias de
equipe de docentes da escola na construção do vida, singularizações produzidas nas relações com os
planejamento educacional para a(o) estudante com demais e circunscritas nas instituições político-histórica, e
deficiência; reflexão e adequação do processo de estão socialmente em luta pela sobrevivência frente às
avaliação psicopedagógica; inserção de discussão e adversidades cotidianas, dessa forma, cabe a nós,
possibilidades de atuação nos Projetos Políticos psicólogas(os):
Pedagógicos, contribuindo com a construção do plano [...] compreendermos como se constitui a subjetividade
da escola e desenvolvendo programas e outras e trabalhar em prol do desenvolvimento da
situações para promover a apropriação do humanidade de cada indivíduo. Esta compreensão
conhecimento por todos alunos. também demanda muito esforço, muito
aprofundamento teórico e muita sensibilidade, assim
O TRABALHO DA(O) PSICÓLOGA(O) COM GRUPOS DE como solidariedade para se colocar no lugar do outro,
ALUNOS e contribuir para que ele consiga enxergar outras
facetas da sua vida, de forma que possa tomar
Uma outra possibilidade de atuação refere-se ao consciência do seu lugar, nesta sociedade dividida em
acompanhamento dos alunos em conselhos de classe, classes, e possa ter o desejo e condições de transformar
no cotidiano da escola, nas dificuldades que surgem no essa sociedade. (FACCI, 1998, p. 235).
processo de escolarização. Um trabalho que
geralmente obtém bons resultados é aquele que
envolve as turmas de alunos trabalhando no sentido de
promover orientação em relação a temáticas que
circunscrevem o espaço escolar. Nesse sentido, o
trabalho com orientação profissional, constitui-se em
um espaço muito rico de intervenção. Bock (2003)
ressalta a necessidade da compreensão da relação
entre educação e trabalho em um contexto neoliberal.
Dessa forma, a discussão travada acerca da
orientação profissional pode trazer informações sobre o A produção do fracasso escolar
mundo do trabalho, o processo de alienação,
informações sobre as várias profissões existentes, sobre
● O fracasso escolar como problema psíquico: a era um mito, que camuflava as desigualdades sociais,
culpabilização das crianças e de seus pais; negando as diferenças de classe, e culpabiliza o sujeito
● O fracasso escolar como um problema técnico: por sua condição de fracasso escolar.
culpabilização do professor;
● O fracasso escolar como uma questão institucional: a 1960 - Psicologismo na Educação e determinismo
lógica excludente da educação escolar; sociológico
● O fracasso escolar como questão política:cultura A Psicologia passa a minimizar os fatores biológicos
escolar, cultura popular e relações de poder. como explicação dos comportamentos do estudante e
inicia-se um discurso sobre fatores ambientais e
Início do séc XX (1900) - Movimento Higienista socioeconômicos como produtores de "déficits
As ideias médicas da época, legitimadas por seu comportamentais".
estatuto de ciência, que deveria explicar a conduta e
estabelecer normas para ela, constitui a escola como Teorias da Assistência Científica e da Carência Cultural.
objeto de saneamento físico e moral, com base em
projetos higienistas, com foco na formação moral, 1962: Regulamentação da profissão do Psicólogo
visando à normalização do comportamento dos alunos Início com a Psicologia "do" Escolar
pela ação repressiva às condutas tidas como
perniciosas. A expansão da psicometria e os saberes psi Foco na” criança-problema”, ou criança que não
serviram aos fins higienistas. aprende e nos problemas de aprendizagem. Medição
de aptidões tidas como naturais e busca de um
"Biologização" dos fenômenos escolares e normatização ajustamento dos anormais através da Higiene Mental.
das crianças- 1920 Até que chegou o dia em que foi dito: - É preciso ir à
Individualizou o fracasso escolar no corpo das crianças e escola. Todos os meninos vão. Para se transformarem em
isentou a comunidade escolar da responsabilidade. A gente. Deixar as coisas de criança. Em cada criança
psicologia contribuiu para tal "biologização" com a brincante dorme um adulto produtivo. É preciso que o
classificação de crianças "normais" e "anormais" a partir adulto produtivo devore a criança inútil. E assim
do uso de testes psicométricos. aconteceu. (ALVES R., 1995, p.35)

Maria Helena Souza Patto (1981) - Psicologia e Ideologia: “[educar] é o ato de produzir, direta e intencionalmente,
uma introdução crítica à Psicologia Escolar. em cada indivíduo singular, a humanidade que é
produzida histórica e coletivamente pelo 15 conjunto
Principais críticas: dos homens'' (SAVIANI 1991, p.21.
A) As explicações a respeito das dificuldades de
aprendizagem, focadas na criança e na teoria da A educação institucionalizada serve – no seu todo – o
Carência Cultural; propósito de não só fornecer o conhecimento e o
pessoal necessário à máquina produtiva em expansão
B) ao modelo clínico, psicoterapêutico e reeducativo de do sistema do capital, como também gerar e transmitir
atuação psicológica no atendimento à queixa escolar. um quadro de valores que legitimam os interesses
dominantes. (MÉSZÁROS 2006, p.196)
1930: Movimento da Escola Nova- Os pioneiros da
Educação No Brasil, a educação transita entre práticas sociais
conservadoras, de benemerência e tutela, e práticas
O Brasil passava por mudanças estruturais de comprometidas com a emancipação humana e a
urbanização e industrialização. Nesse cenário, o construção de uma sociedade mais justa e igualitária
movimento da Escola Nova começou a se expandir com (NUNES, 2009, p.91)
promessas de revolução educacional e progresso. O
movimento tinha um discurso de escola democrática Teorias da Assistência Científica e da Privação Cultural
com oportunidades iguais para todos. Logicamente, isso
A ASSISTÊNCIA CIENTÍFICA foi formulada no início do adotam propostas curriculares que têm como
século XX fundamentando práticas assistencialistas no característica principal a homogeneização e o
desenvolvimento de uma pedagogia da submissão, silenciamento das diversidades culturais empobrecendo
tendo por objetivo disciplinar os pobres para a as representações culturais das crianças e das famílias
aceitação da exploração social e ausência do Estado atendidas na educação sendo estas descritas, apenas
na gestão de programas. por suas supostas carências.

A assistência científica se desenvolve a partir de três A SUPOSTA CARÊNCIA DA CRIANÇA CONDUZIRIA A UMA
aspectos, a saber: INAPTIDÃO GENERALIZADA:

A primeira é caracterizada como um conjunto de linguística, motora, social. Bem por isso as crianças
medidas fundamentadas, não no direito, mas na pobres fracassaram na escola: eram incapazes, por
subserviência dos que dela necessitam, reproduzindo as força de suas inaptidões, de assimilar os ensinamentos e
desigualdades e um poder disciplinar sobre os pobres; as informações transmitidas pelo sistema escolar. Com
isso, a escola e a própria estrutura social como um todo
O segundo consiste na apresentação de um método eram poupadas em suas responsabilidades, que seriam
científico para sistematizar saberes e intervenções, com convenientemente transferidas à própria criança
objetivo de controle social e moralização da pobreza; carente (MERISSE 1997, p.46)

E o terceiro é representado pela polarização entre o As limitações e os preconceitos presentes nos


papel do Estado e da sociedade civil. atendimentos das escolas para a classe popular
incluíam, não apenas as crianças, como também as
A concepção da PRIVAÇÃO CULTURAL, por sua vez, foi famílias e os próprios educadores
difundida no Brasil na década de setenta com o objetivo
de orientar o desenvolvimento da educação As famílias, a grande maioria muito pobres, eram
compensatória através da valorização de medidas consideradas incapazes de cuidar devidamente da
assistenciais e educativas, que objetivam compensar as saúde e proteção de suas crianças, daí a ideia de que
supostas carências socioculturais das crianças . era necessário educar não só as crianças, mas também
Perspectiva que muda o foco das problemáticas suas famílias. Portanto, a escola, nas décadas de 20 e 30,
relacionadas à população em situação de pobreza, que passa a ter como base de sua pedagogia a ciência da
inicialmente deveria ser disciplinada/moralizada numa higiene, utilizando a sala de aula como um espaço para
visão depreciativa da mesma, camuflando as a higienização das famílias.
desigualdades sociais e históricas que a constituí,
apontando para os problemas, não mais dos sujeitos, O papel da família foi, portanto, redefinido enfatizando
mas para as carências do meio a que pertencem. as dificuldades e o despreparo dos pais na educação
das crianças sendo duplamente penalizadas pelas
[...] Ancorada na ideia de educação compensatória, as desigualdades sociais em que são constituídas e
instituições educativas destinadas às crianças pobres marcadas, assim como as crianças.
buscam compensar suas privações culturais através de
programas preventivos e assistencialistas, que, como dito O PAPEL ÉTICO-POLÍTICO DA EDUCAÇÃO
anteriormente, informam a elas qual o seu lugar na Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença
organização social e produtiva capitalista. (SOARES, nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando
1996, p.36) a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a
necessidade de uma igualdade que reconheça as
Vale registrar que, ainda hoje, apesar do Brasil ser diferenças e de uma diferença que não produza,
considerado como um dos países mais multi-étnico- alimente ou reproduza as desigualdades.
culturais do mundo, como contextualiza Lima (2006), os
projetos educativos desenvolvidos em suas várias regiões
Para que sejam favorecidos os mais favorecidos e
desfavorecidos os mais desfavorecidos, é necessário e
suficiente que a escola ignore, no âmbito dos conteúdos
do ensino que transmite, dos métodos e técnicas de
transmissão e dos critérios de avaliação, as
desigualdades culturais entre as crianças das diferentes
classes sociais. (BOURDIEU, P. 53).

O fracasso escolar aparece como um fracasso da


escola, fracasso este localizado (a). na impossibilidade
de aferir a real capacidade da criança; (b) no
desconhecimento dos processos naturais que levam a
criança a adquirir conhecimento; (c) na incapacidade
de estabelecer uma ponte entre o conhecimento
prático - do qual a criança, pelo menos em parte, já
dispõe - e os conhecimentos formalizados do currículo
escolar.

EDUCAÇÃO E SOFRIMENTO ÉTICO-POLÍTICO - SAWAIA

Sawaia (2009) afirma que a desigualdade social


desencadeia um tipo de sofrimento específico,
nomeado por ela de ético-político.

Em síntese, o sofrimento ético-político abrange múltiplas


afecções do corpo e da alma, que mutilam a vida de
diferentes formas. Qualifica-se pela maneira como sou
tratada e trato o outro na intersubjetividade, face a face
ou anônima, cuja dinâmica, conteúdo e qualidade são
determinados pela organização social. Portanto, o
sofrimento ético-político retrata a vivência cotidiana das
questões sociais dominantes em cada época histórica,
especialmente a dor que surge da situação social de ser
tratado como inferior, subalterno, sem valor, apêndice
inútil da sociedade. Ela revela a tonalidade ética da
vivência cotidiana da desigualdade social, da negação
imposta socialmente às possibilidades da maioria
apropriar-se da produção material, cultural e social de
sua época, de movimentar-se no espaço público e de
expressar desejo e afeto.

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