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Psicanálise com crianças - Teresinha Costa Esse foi um momento teórico muito importante no
desenvolvimento da teoria psicanalítica, no qual o relevante
O conceito de infância
não são mais os fatos da infância, mas a realidade psíquica,
constituída pelos desejos inconscientes e pelas fantasias a ela
Na Idade Média, a criança era vista como um pequeno adulto, vinculadas, tendo como pano de fundo a sexualidade infantil.
sem características que a diferenciam, e desconsiderada como Ocorre também uma modificação no conceito de infância,
alguém merecedor de cuidados especiais. Isso não significava que deixa de ser vista a partir de um registro genético e
que as crianças fossem até então desprezadas ou cronológico para ser abordada pela lógica do inconsciente.
negligenciadas, mas sim que não se tinha consciência de uma
série de particularidades intelectuais, comportamentais e
emocionais que passaram, então, a ser consideradas como
inerentes ou até mesmo naturais às crianças.

Renascença - A criança — concebida em sua particularidade


— passa a ser vista como o centro do grupo familiar, e a
infância considerada um período de preparação para o futuro

Agostinho - a infância não tem nenhum valor e é o indício da


corrupção dos adultos. A infância é uma época em que
predomina a maldade da criança, antes de qualquer
adestramento educativo e moral. (Correção rigorosa por parte
dos pais).

Iluminismo - Para Rousseau, “não há perversidade original no


coração humano”. A criança nasce inocente, pura, e tem
maneiras de pensar e sentir que são próprias à sua idade

Capitalismo - Com a ascensão do capitalismo e dos ideais da


burguesia, os valores individuais ganham cada vez mais
importância. A criança transforma-se num investimento
lucrativo para o Estado, ela é vista como uma força de
produção que traria lucros a longo prazo.

ATUALIDADE - Já no século XIX e mesmo no século XX,


observamos uma preocupação mais ampla e sistemática com
o estudo da criança e a necessidade de uma educação mais
formal. A pedagogia, a pediatria e as especializações em torno
da criança desenvolvem-se rapidamente. O discurso
psicológico destaca-se como aquele capaz de produzir um
discurso científico sobre a infância no qual a pedagogia, cada
vez mais, vai se ancorar para produzir práticas educativas e
saneadoras

OS PRIMÓRDIOS DA PSICANÁLISE COM CRIANÇA


Embora tenha iniciado suas teorizações quando as idéias que
vigoravam sobre a criança eram a de uma natureza infantil
passível de ser moldada, seja pela educação ou pela
psicologia, ele não se deixa capturar por elas.

A partir da escuta de suas pacientes histéricas cria a teoria da


sedução.
Abandono da teoria da sedução (etiologia das neuroses de
adultos em experiências sexuais traumáticas ocorridas durante
a infância).
TEXTO 1 parentais internalizadas e as fantasias da criança. Nesta

Sintoma da criança. atualização do processo constitutivo concepção, segundo a autora, não há motivo para o trabalho
com os pais da realidade
parental?
Anna Freud, refere que uma das especificidades da análise da Para Klein (1964), a análise de uma criança deveria prescindir
criança diz respeito à transferência. Visto que os pais da de toda vinculação com os pais, com sua história ou com
realidade estão presentes no cotidiano da criança e visto que a qualquer obstáculo concreto que fosse alheio à situação
criança não dissolveu seu complexo de Édipo, a transferência analítica.
na clínica com crianças cumpre outra função.

A relação entre transferência e resistência é colocada, pois, no


caso da escuta à criança; a resistência está relacionada aos
pais, sendo reconhecida na época como algo externo ao
trabalho analítico propriamente dito.

➔ Reservar algum espaço próximo para trabalhar com


os pais da criança já que não era a criança que
demandava atendimento e propunha um
atendimento prévio a partir do qual seriam
trabalhadas a demanda de atendimento e a
consciência da doença, visto que a criança, para a
autora, não a tem.

Anna Freud (1971) acreditava que as crianças tinham


dificuldades em estabelecer uma relação transferencial com o Poulain-Colombier (1998) lembra que em 1932 houve uma
analista visto que os pais da realidade tinham, ainda, uma discordância entre Burlingham e Melanie Klein sobre a
influência muito forte, ou seja, o pequeno paciente não poderia influência das fantasias parentais no tratamento dos filhos que
reeditar seus vínculos amorosos porque a primeira edição abriria uma terceira possibilidade. Burlingham (1935: 71) passou
desses vínculos não estaria esgotada. a enfatizar a necessidade de análise simultânea, com diferentes
analistas, para a criança e a mãe, pela dificuldade, para a
Para Anna Freud (1971), caso o sintoma e/ou o conflito mãe, de suportar a análise de seu filho, uma vez que “a
apresentado pela criança esteja ancorado não somente na inter-relação entre pais e criança está marcada por poderosas
sua personalidade, mas também sustentado pelas forças forças inconscientes”.
emocionais dos pais, a ação terapêutica analítica pode se
tornar lenta ou mesmo impossível. O surgimento do movimento lacaniano com sua concepção de
“sujeito” fez surgir uma nova polaridade no campo da
Melanie Klein (1964) apostava na capacidade transferencial da psicanálise com crianças. A partir dos questionamentos
criança e prescindir da presença dos pais na análise com o lacanianos a respeito da formação do sujeito, o lugar dos pais
pequeno paciente. na clínica passa a ser privilegiado não como orientação
pedagógica, mas como possibilidade de trabalho.
Tendo feito modificações teórico-clínicas, considera que a
criança passa por um Édipo precoce, o que possibilita o Lacan (1971) refere que seria função do analista se opor a que
trabalho com os pais introjetados, da fantasia o corpo da criança respondesse como objeto a materno. Zornig
(2000) aponta que para que a criança não seja tomada como
trabalhava com os pais da fantasia e, nesse sentido, não havia objeto parcial na fantasia de um dos pais o analista deve se
questionamentos em relação ao estabelecimento da relação colocar como mediador entre a criança e o desejo da mãe.
transferencial com o analista.

Como o aparelho psíquico está, desde a origem


da criança, constituído pelos mecanismos introjetivos e
projetivos, trata-se de trabalhar analiticamente com as imagens
A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO Quando a criança não consegue corresponder a essa imagem
idealizada não é ela quem está em fracasso, são os pais
Uma das especificidades da psicanálise com a criança se mesmos que fracassam.
refere à constituição de um infantil que possibilitará uma
estruturação subjetiva quando do processo de recalcamento Cabe ressaltar que os pais trazem a criança à consulta quando
eles não conseguem mais assumir a transferência deles com
Em relação ao recalque, Bernardino (2004) aponta que na obra seus próprios filhos. Para Porge (1998) na análise com a criança
Freudiana o infantil encontra-se posicionado entre o recalque está colocada uma transferência particular e indireta, visto que
originário e o recalque propriamente dito, constitutivo do é contemporânea ao estabelecimento de uma transferência
inconsciente e do fantasma fundamental. O infantil aponta na relação com os pais.
para um movimento que parte dos agentes do Outro
(cuidadores) para a criança, sinalizando-lhes o lugar que ocupa É necessário que ocorra uma operação que permita
no desejo deles. transformar os pais da infância nos pais da fantasia, questão
colocada em toda a análise com crianças.
Cabe lembrar que o projeto de um filho se concretiza, na
maioria das vezes, quando falta alguma coisa ao casal. Assim,
a aposta narcísica nesse projeto evidencia o renascimento da TEXTO 2
busca da completude perdida quando da constituição do seu a psicoterapia de crianças na abordagem winnicottiana
próprio infantil.

No âmbito psicanalítico, pode-se indicar que a psicanálise de


A expressão freudiana “sua majestade o bebê” nos lembra o
crianças teve início nos trabalhos de seu próprio fundador,
renascimento narcísico quando da vinda de um filho. Porém,
Sigmund Freud.
para a criança se constituir como sujeito diferenciado, a aposta
narcísica precisa minimamente fracassar para que as
Donald W. Winnicott e Arminda Aberastury como inovadores da
características da criança possam aparecer.
técnica da análise de crianças, devido ao foco dado ao
brincar como forma de comunicação e intervenção dentro do
Este fracasso da completude narcísica permite abrir um espaço
setting analítico.
a partir do qual a criança passa a se perguntar sobre o lugar
que ela ocupa frente ao desejo dos pais, lugar este que, até
Anna Freud acreditava que a criança não tinha consciência de
então, não era questionado. Esse preenchimento começa a
sua enfermidade e nem desejos de se curar e por essa razão
acontecer quando a criança passa a questionar sobre sua
era necessário um trabalho prévio, antes de colocá-la em
origem e, consequentemente, elaborar suas teorias sexuais
análise.
infantis
➔ Sua técnica tinha caráter educativo, pois não
acreditava que a criança pudesse efetivar uma
Para Jerusalinsky (2008), as operações formadoras do fantasma
transferência com o analista, como o adulto. Tendo
para a criança são a suposição de um sujeito pelo outro
em vista que as relações originais ainda não haviam
materno; a alternância da presença e ausência; o
sido desfeitas, não seria possível realizar uma segunda
estabelecimento da demanda, e a função paterna. A
edição enquanto a primeira não tivesse esgotada
suposição de um sujeito diz respeito à possibilidade de a mãe
antecipar, naquilo que a criança apresenta, uma
A técnica criada por Melanie Klein baseava-se na utilização do
intencionalidade que supõe um sujeito.
jogo, por acreditar que a criança, ao brincar, vence realidades
dolorosas e projeta no exterior seus impulsos instintivos. Assim, o
jogo desenvolve-se no consultório, dentro de limites
A DEMANDA E A TRANSFERÊNCIA NA CLÍNICA COM CRIANÇAS
determinados de tempo e espaço

Balbo (1992), considerando que quem demanda atendimento


Aberastury e Winnicott, embora tenham começado seus
para seus filhos são os pais, reconhece que, nesses pedidos, seja
estudos e trabalhos partindo da teoria kleiniana, trouxeram
feito um trabalho de escuta a respeito da criança narcísica que
novas contribuições, que os diferenciam das propostas de Klein.
os pais desejariam, ou gostariam de ser e de reconhecer em
Sobre a técnica desenvolvida por Aberastury (1989), esta autora
seus filhos.
indica que foram efetuadas adaptações concernentes à
entrevista com os pais e ao valor dado à primeira hora de jogo. ➔ O holding representa a continuação, após o
nascimento, da provisão de cuidados proporcionados
Outro marco da adaptação técnica proposta por Aberastury ao bebê no útero da mãe
(1989) centra-se na introdução da caixa lúdica individual, que
consiste em uma caixa na qual são colocados brinquedos e ➔ O handling é definido como a capacidade da mãe
materiais gráficos que satisfazem as necessidades de de propiciar um manejo adequado do corpo do
comunicação da criança. bebê e de suas funções, permitindo que ele alcance
a personalização.
Por outro lado, tem-se o trabalho de Donald W. Winnicott,
considerou o ambiente como fator primordial para o ➔ A apresentação de objetos é quando a mãe traz um
desenvolvimento saudável, referindo-se às condições tanto de pedacinho do mundo ao lactente, de forma limitada
ordem emocionais quanto aquelas relativas a aspectos físicos e adequada, proporcionando uma experiência inicial
ou concretos, como a presença real de pessoas necessárias ao de onipotência, denominada de período de ilusão.
amadurecimento emocional do bebê
Assim, quando o cuidado materno é suficientemente bom, o
bebê experimenta uma continuidade de ser.
➔ Muita coisa acontece no primeiro ano de vida do ser
humano, que dispõe de uma tendência ao Na perspectiva winnicottiana, para um bom manejo clínico, é
desenvolvimento que é inata e que corresponde ao importante a compreensão acerca dos possíveis fracassos
crescimento do corpo e de certas funções. Todavia, ambientais vivenciados pela pessoa, tendo em vista que
esse crescimento natural não se constata na ausência cada situação demanda um tipo de posicionamento do
de condições suficientemente boas, que leve o terapeuta.
indivíduo da dependência à independência
➔ . TEXTO 3
Assim, o processo de amadurecimento físico e emocional Ludoterapia centrada na criança
ocorre quando o indivíduo passa pelas fases de dependência
absoluta, dependência relativa, rumo à independência,
A ludoterapia provavelmente tenha se originado de tentativas
sendo três os processos que acompanham estas etapas:
de aplicar a terapia psicanalítica a crianças, o brincar era
integração, personalização e realização ou início das
uma técnica para produzir um envolvimento emocional
relações objetais.
positivo entre a criança e o analista, e assim, tornar possível a
terapia propriamente dita.
➔ A primeira se refere à integração do ego, que antes
imaturo necessita do apoio egóico que o meio deve
Uma das características essenciais da terapia rankiana, ou
ser capaz de fornecer, para que assim o bebê se
também chamada de terapia de relacionamento, é sua
torne capaz de permanecer, durante algum tempo,
concepção de um certo tipo de relação terapêutica que, por
não integrado, sem ameaças a sua continuidade de
si só, poderia ser curativa, uma vez que é importante para o
ser;
paciente retomar suas etapas do desenvolvimento e reviver
relações emocionais anteriores dentro da hora analítica.
➔ A personalização se refere à trama psicossomática,
isto é, a psique residindo no corpo e este como lugar
FUNDAMENTOS DA PSICOTERAPIA NA ABORDAGEM CENTRADA
de residência do eu;
NA PESSOA

➔ A realização relaciona-se ao momento no qual o


Na Abordagem Centrada na Pessoa, o terapeuta atua como
indivíduo começa a perceber o objeto como
facilitador do processo de desenvolvimento do cliente.
separado dele mesmo.

Este clima facilitador possibilita que o cliente encontre, em si


Estas três realizações são interdependentes e só podem ser
mesmo, seu ponto de referência, que é criado a partir da
alcançadas com os cuidados de um ambiente
relação eu-tu, de respeito e confiança. Para facilitar que a
suficientemente bom, cujas funções Winnicott sintetiza em:
pessoa entre em busca de si mesmo, o terapeuta necessita
holding, handling e apresentação de objetos.
apresentar três atitudes que são necessárias e suficientes para A Ludoterapia centrada na criança não se baseia em
a mudança terapêutica: a consideração positiva técnicas, mas em atitudes terapêuticas vivenciadas de forma
incondicional, a compreensão empática e a congruência. genuína pelo terapeuta. Na essência de cada encontro
terapêutico estão as atitudes básicas de fé no potencial da
Esta abordagem se pauta na crença de que os indivíduos criança para encontrar um caminho saudável, aceitação das
possuem dentro de si vastos recursos para autocompreensão ações e palavras da criança, e respeito pelo estilo,
e para modificação de seus autoconceitos, de suas atitudes e peculiaridade, forma de ser e de se expressar da criança
de seu comportamento autônomo.
OS PRINCÍPIOS DA LUDOTERAPIA CENTRADA NO CLIENTE
A base do atendimento psicoterápico envolve elementos
fundamentais que, sem os quais não se faz possível uma Acolhida amistosa – O terapeuta deve desenvolver um
verdadeira facilitação do cliente. Esses elementos são amistoso e cálido rapport, de modo que se estabeleça uma
baseados na confiança de que o ser humano é aproximação. É importante que o terapeuta deseje trabalhar
essencialmente bom, positivo, e que nele existe uma com crianças para que consiga de forma natural e
tendência à realização e ao crescimento, chamada congruente desenvolver este ambiente de acolhida.
tendência atualizante.

Aceitação – Cabe ao terapeuta aceitar a criança


Para a Abordagem Centrada na Pessoa, há três tipos de exatamente como ela é, pois esta não escolheu sua
intervenções verbais que podem ajudar o cliente a esclarecer realidade, sua família, sua condição social. Independente de
os seus sentimentos, são elas a reiteração, o reflexo de suas características, a criança deve ser aceita pelo fato de ser
sentimentos e a elucidação. uma pessoa. Não é somente através de palavras que a
criança se sente aceita, mas também através de atitudes que
➔ A reiteração é uma forma simples de dar o terapeuta expressa, ou não, no relacionamento.
continuidade ao que o cliente está trazendo, fazendo
uso das mesmas palavras do cliente, para que ele se Permissão – Estabelecer uma sensação de permissividade no
sinta compreendido e acompanhado. relacionamento, deixando a criança livre para expressar os
➔ O reflexo de sentimentos tem por objetivo acessar o seus sentimentos. A hora terapêutica é a hora da criança,
conteúdo inerente às palavras, percebendo a para ela a use como quiser. O terapeuta se abstém de dar
intenção e os sentimentos que podem estar presentes sugestões a fim de que a criança possa assumir a
na verbalização, favorecendo dessa maneira a responsabilidade de fazer suas próprias escolhas.
ampliação do campo de percepção do cliente
➔ A elucidação consiste em perceber, cristalizar e tornar Reflexo de sentimentos – O terapeuta deve estar sempre
evidentes certas atitudes ou sentimentos, que ainda alerta para identificar os sentimentos expressos pela criança e
não estão verbalmente presentes no discurso, mas para refleti-los, de tal forma que ela adquira conhecimento
que podem ser traduzidos pelo conteúdo ou contexto sobre o seu comportamento.
que o cliente expressa (Rogers e Kinget, 1977)
Consideração positiva – O terapeuta mantém profundo
LUDOTERAPIA ENQUANTO FERRAMENTA respeito pela capacidade da criança em resolver seus
próprios problemas, dando-lhe oportunidade para isso. A
A Ludoterapia trata-se do tratamento psicoterápico voltado à responsabilidade de escolher e de fazer mudanças é deixada
criança. É a psicoterapia realizada através do lúdico, do à criança, que tem capacidade para tal.
brincar, e tem como objetivo facilitar a expressão da criança.
É através do brincar que a criança tem maior possibilidade de Não diretividade – O terapeuta não deve, nem precisa, dirigir
expressar seus sentimentos e conflitos e buscar melhores ações ou conversas da criança. O cliente indica o caminho e
alternativas para lidar com essas demandas. o terapeuta o segue

Por ser não-diretiva e acreditar na capacidade positiva de Respeito ao ritmo pessoal – O terapeuta não tenta abreviar a
cada um, favorece que a criança entre em contato com seus duração da terapia
sentimentos, no momento em que se sentir em condições,
com disposição e segurança para isso (Axline, 1982).
Não antecipar preocupações – Estabelecer somente as espaço e naquela relação, ajudando-a a não julgar seu
limitações necessárias para fundamentar a terapia no mundo processo nem desprezar ou alienar aspectos de si mesma.
da realidade e fazer a criança consciente de sua
responsabilidade no relacionamento.

TEXTO 4
O processo psicoterapêutico em Gestalt-Terapia com O papel da confirmação em psicoterapia

crianças
Se estivermos trabalhando, por exemplo, com uma criança
extremamente introjetiva, o que nossos elogios poderão
O processo terapêutico em Gestalt-terapia com crianças tem gerar? Se ela tem um padrão relacional básico que tende
o objetivo de resgatar o curso satisfatório do desenvolvimento para a introjeção sem discriminação, em que ela funciona
da criança, propiciando oportunidades, conforme diz com base no que é estabelecido como certo e errado pelo
Oaklander (1992), de reencontrar a vivacidade e o contato outro, possivelmente vai prestar atenção naquilo que agrada
pleno com o mundo por meio da desobstrução de seus ao psicoterapeuta, e como tem a necessidade de ser
sentidos. “boazinha”, “certinha”, “a melhor cliente” acabará tentando
reproduzir os comportamentos elogiados para ganhar a
A metodologia empregada é a fenomenológica que se aprovação dele.
caracteriza pelo uso de linguagem descritiva.
Por outro lado, ao confirmar a criança, o psicoterapeuta lhe
permite ter uma noção exata da sua potência a cada
momento e daquilo que ela ainda pode conseguir. Vejamos
que, com o auxílio de técnicas facilitadoras, visa proporcionar o exemplo de um menino de 7 anos que não sabia amarrar o
uma maior awareness (tomada de consciência dos problemas cadarço do tênis e sempre pedia ajuda ao psicoterapeuta,
para si, retirando-o de terceiro para enfrentá-lo no setting argumentando que não sabia fazer aquilo nem ia conseguir,
terapêutico) da criança a respeito de si mesma e do mundo, pois era “muito difícil”. Confirmar é acolher seu pedido de
expandindo e flexibilizando suas possibilidades de contato e, ajuda, assinalando que ele ainda não pode amarrar o tênis,
com isso, criando outras formas de ser e estar no mundo. mas à medida que vai experimentando e tentando de outras
formas ele criará condições para que isso aconteça.
Esse processo pode ser caracterizado como semidiretivo.
Isso é confirmação em psicoterapia. Descrever um pouco do
O método descritivo da Gestalt-terapia possibilita à criança, processo do menino, mostrando-lhe sua resistência em
por meio das intervenções descritivas do psicoterapeuta, experimentar, assinalando sua escolha por arriscar, as
construir gradativamente o significado do material que traz tentativas que não foram bem-sucedidas e finalmente o
para a sessão, sem a interferência de qualquer “a priori” do momento em que ele conseguiu. Assim, o papel do
terapeuta. psicoterapeuta na confirmação é de funcionar como um
“espelho”, descrevendo à criança seu processo e
PRINCÍPIOS TERAPÊUTICOS BÁSICOS - A POSTURA confirmando suas potencialidades
FENOMENOLÓGICA
A RELAÇÃO TERAPÊUTICA
Denominamos de postura fenomenológica a atitude do
psicoterapeuta de abertura e interesse genuíno pelo que a Seja qual for o recurso lúdico escolhido pela criança ou a
criança traz, de forma verbal e não verbal, sem nenhum a técnica utilizada pelo psicoterapeuta, o ponto central de
priori. qualquer processo terapêutico é a relação que se estabelece
Utilizando o método fenomenológico, o psicoterapeuta entre eles.
acompanha a criança ao longo da sessão, sem direcioná-la,
sem sugerir atividades nem recursos, sem iniciar assuntos ou Para que ela se estabeleça, é preciso adotar uma atitude
encaminhar a discussão para um ou outro tema, facilitando dialógica caracterizada pela presença genuína do
com isso a obtenção de awareness por parte da criança a psicoterapeuta na relação, pela sua inclusão, ou seja, pela
respeito de sua experiência naquele momento, naquele sua capacidade de se pôr no lugar da criança e de confirmar
a ela seu potencial (Jacobs, 1997)
OS RECURSOS TÉCNICOS
Essas características permitem que o processo terapêutico
seja regido pelos princípios básicos da aceitação, da Denominamos técnica aquilo que podemos “fazer com isso”
permissividade e do respeito pela criança. para mobilizar “aquilo”. Assim, quando falamos de desenho,
por exemplo, não estamos nos referindo a uma técnica, mas a
uma atividade realizada com alguns recursos lúdicos, que
ACEITAÇÃO, RESPEITO E PERMISSIVIDADE poderia inclusive acontecer em outros ambientes
frequentados pela criança que não o espaço terapêutico.
O caráter terapêutico da aceitação foi amplamente descrito
por Rogers (2001) e Axline (1984, 1986) e desenvolvido na Do ponto de vista fenomenológico da Gestalt-terapia, a
Gestalt-terapia na forma da teoria paradoxal da mudança técnica serve para facilitar, fomentar, fazer emergir e
(Beisser, 1980). Ela se refere não só à aceitação do cliente por desenvolver o material oferecido pelo desenho.
parte do psicoterapeuta, mas também da aceitação do
próprio cliente como a grande possibilidade de mudança. Ela Também é importante não confundir técnica com recursos
sublinha que mudar não é tentar vir a ser algo diferente do lúdicos: a argila, por exemplo, não é uma técnica, mas um
que somos, mas exatamente aceitar aquilo que podemos ser recurso que pode ser utilizado de diversas formas pela criança
a cada momento, com nossos limites e possibilidades.
Da mesma forma, a técnica poderá incidir sobre a linguagem
O psicoterapeuta deve estabelecer um clima de aceitação e verbal da criança, sobre seu comportamento total na sessão
permissividade no seu relacionamento com a criança, de terapêutica, sobre sua relação com o psicoterapeuta ou com
forma que ela sinta-se livre para expressar por completo seus os responsáveis. Conforme já apontamos, ela incidirá sempre
sentimentos sobre o conteúdo e a forma na sessão terapêutica, em um
ininterrupto movimento de figura e fundo.
A questão da permissividade implica a real possibilidade de a
criança ser o centro de sua psicoterapia, escolhendo aquilo Para utilizar as técnicas, precisamos paradoxalmente
que quer fazer e os recursos que vai utilizar para isso e esquecê-las, deixá-las no fundo, de forma que possam
opinando a respeito da participação ou não do emergir de modo criativo nos contextos em que sua presença
psicoterapeuta na atividade. Ele precisa ficar bastante atento se fizer necessária para que o psicoterapeuta e a criança
ao que é permitido a fim de emitir mensagens claras para a continuem caminhando juntos, em direção à expansão das
criança e poder honrar aquilo que foi dito fronteiras da criança.

A VIVÊNCIA DOS LIMITES

Em psicoterapia, utilizamos o critério da integridade para o


estabelecimento de limites. Ele diz respeito a três modalidades
de integridade: a da criança, a do psicoterapeuta e a do
espaço terapêutico. Dessa forma, apesar de falarmos o
tempo inteiro em permissividade, isso não significa ausência
total, mas um número reduzido e inquestionável de limites que
visa à segurança do campo total criança-psicoterapeuta.

OS RECURSOS LÚDICOS

Os critérios básicos para a escolha dos recursos lúdicos são:


segurança e relevância para a tarefa terapêutica;

Quanto à relevância dos recursos para a tarefa terapêutica,


os critérios de aquisição precisam enfatizar aquilo que eles
podem oferecer como estímulo para que a criança
compartilhe sua experiência.
TEXTO 5 discutidos de forma direta para que as alternativas de

Direcionamento para a condução do processo terapêutico mudança possam ser implementadas.

comportamental com crianças.


Os recursos lúdicos, presentes em todas as fases, ganham
destaque especial na fase intermediária. Conte (1993) afirma
que o uso destes recursos na terapia infantil tem como
Os passos iniciais do processo terapêutico infantil, para Conte objetivos: 1) parear a terapia e o terapeuta com atividades
e Regra (2000), incluem a entrevista inicial com os pais ou agradáveis, favorecendo uma generalização nesta direção;
família, o estabelecimento do contrato com os pais e a 2) explorar o comportamento de brincar e os brinquedos
criança e a entrevista inicial com a criança. Segundo Souza e como forma de expressão indireta da criança sobre suas
Baptista (2001), o terapeuta deve, logo na primeira sessão, relações com o mundo, suas reações públicas e privadas; 3)
apresentar-se à criança, explicar sobre sua profissão, buscar avaliar a relação terapeuta-criança e o curso do processo
entender qual a representação que ela tem da terapia, deixar terapêutico; 4) explicitar as situações antecedentes e
claro quem a contratou e qual a queixa apresentada pelos conseqüências de suas respostas para ajudá-la a identificar a
pais ou responsáveis. Deve ainda esclarecer sobre o sigilo ocorrência de comportamentos semelhantes fora de sessão; e
profissional, expondo seus direitos quanto às informações 5) estudar, com a criança, alternativas mais adaptativas de
advindas das sessões com os pais, as quais serão fornecidas comportamento e treiná-las.
pelo terapeuta imediatamente após tais encontros.

3.A fase final do tratamento tem início quando as melhoras já


Iniciada a terapia, o terapeuta terá como tarefa principal ocorreram e necessitam apenas ser fortalecidas (Kernberg e
abordar a criança sobre o seu problema e promover uma Chazan, 1993). O encerramento oportuniza o lidar com
análise conjunta das variáveis que o mantêm. Posteriormente, sentimentos antagônicos: de um lado a separação e perda e
realizará com a criança o levantamento de alternativas de outro a conquista e o prazer pelo alcance dos objetivos.
comportamentais e treinará com ela novas soluções para o Além destes aspectos, as autoras ressaltam que na fase final,
seu problema (Conte e Regra, 2000). Souza e Baptista (2001) as atividades lúdicas podem continuar de forma mais
ressaltam a importância de se ter conhecimento do nível de relaxada, tranqüila, e as intervenções verbais podem se tornar
desenvolvimento cognitivo da criança para que as estratégias mais diretas. Uma revisão do tratamento, tanto com os pais,
empregadas sejam compatíveis como com a criança (Cornejo, 2003), é importante para expor
comparativamente as mudanças e oferecer orientações para
1.Para as autoras, a prioridade na fase inicial do trabalho com o futuro, caso novas intervenções sejam necessárias.
crianças, além de coletar todas as informações necessárias
para a avaliação, é estabelecer um clima de confiança para Etapas para Condução do Processo Terapêutico com Criança
que a aliança terapêutica seja fortalecida. Após a avaliação
ser completada, a criança deve ser informada sobre regras, Passo 1 – Explique à criança sobre o funcionamento da
limites, estrutura e processo da terapia. Enfatizam que na fase terapia.
inicial, a terapia deve ser organizada de modo previsível, a
criança deve ser convidada a realizar uma parceria especial Quando a criança vem para sua primeira sessão após
em torno da resolução de seu problema, e o terapeuta deve avaliação inicial com os pais, o terapeuta deve começar
tornar-se um modelo importante de conduta apropriada a ser explicando para ela a respeito do funcionamento da terapia.
seguida. Estas explicações geralmente envolvem a apresentação do
terapeuta e do ambiente, esclarecimento dos objetivos (ou
2. a fase intermediária se inicia quando a criança começa a para que serve a terapia), etapas do processo, exemplos de
responder de forma mais ativa à intervenção do terapeuta, atividades que serão realizadas durante a intervenção,
estando visivelmente empenhada nas ações que levarão à informação sobre a necessidade da participação de
melhora. Nesta fase, o terapeuta irá trabalhar para que a familiares ou professores, sobre a responsabilidade da criança
criança se torne mais consciente de seu comportamento, no processo e também do terapeuta, e sobre o sigilo
sentimentos e pensamentos, facilitando sua capacidade para profissional (Nemiroff e Annunziata, 1995; Cornejo,2003).
brincar, expressar-se e resolver seus problemas. As autoras
afirmam que na fase intermediária, é comum que o foco da
terapia se concentre no cotidiano da criança fora das
sessões, e que os problemas e suas consequências sejam
Passo 2 - Defina com a criança qual o problema a ser problema e da participação do cliente, e das situações
trabalhado (objetivos). imprevisíveis extra terapia que poderão ocorrer. O terapeuta
É necessário definir claramente com a criança o problema a tentará incentivar a ocorrência dos novos comportamentos
ser tratado, pois ela deve concordar com a necessidade de fora da sessão
ajuda para que aceite e colabore com o tratamento
(Digiuseppe, Linscott e Jilton, 1996). Para tal, o terapeuta Passo 7 – Realize a análise e refinamento das tentativas de
poderá expor à criança os objetivos dos pais para com a mudanças
terapia questionando-a sobre a sua concordância quanto à
ocorrência de tais problemas. O terapeuta deve também O terapeuta ajudará a criança a analisar suas mudanças,
auxiliar a criança a definir seus próprios objetivos, sejam eles levantar possíveis causas de sucesso e fracasso e,
condizentes ou não com os dos pais. principalmente, se houve aumento de sua capacidade de
solucionar problemas.
Passo 3 – Trabalhe identificação e expressão de sentimentos e
auto-exposição Passo 8 – Fortaleça as mudanças ocorridas: inicie o processo
de alta
Identificar e expressar sentimentos são habilidades importantes
para que a criança discrimine os efeitos encobertos que as É necessário avaliar o progresso por meio das observações da
contingências às quais está exposta exercem sobre ela, assim criança e pelos relatórios de membros da família, do pessoal
como responde-lhe de forma socialmente mais adequada da escola e outros. Uma terminação abrupta poderá produzir
(verbalizando como se sente, ao invés de apenas chorar ou um impacto emocional muito mais forte numa criança do que
agredir). num adulto, portanto é melhor ressaltar que a terminação se
deve à melhora e não porque você não gosta mais dela.
Passo 4 – Inicie a análise de conseqüências e levantamento
de alternativas comportamentais

A análise de consequências no processo terapêutico tem por


objetivo ensinar a criança a analisar as contingências que
estão envolvidas no seu problema, que explicam porque
certas coisas estão acontecendo desta maneira e não de
outra (Conte e Regra, 2000).

Passo 5 – Treine habilidades específicas em sessão

O treino de habilidades específicas será executado a partir da


operacionalização dos comportamentos-problema (como
descrito acima), levantamento das alternativas
comportamentais e escolha do comportamento incompatível
a ser treinado/ ensaiado. Esta etapa consiste em ensaiar com
a criança, dentro da sessão, o comportamento que ela
escolheu como substitutivo ao comportamento-problema. O
treino direto geralmente é necessário para que a criança
desenvolva novos repertórios e adquira confiança em seu
desempenho a fim de que possa arriscar-se fora da sessão
(próxima etapa do processo).

Passo 6 – Incentive a ocorrência do novo comportamento fora


da sessão

Neste momento, será posto em prática, fora da sessão, o novo


comportamento que foi modelado e ensaiado na sessão. A
duração desta etapa é variável, vai depender do tipo de
TEXTO 6 A importância do brincar para o desenvolvimento infantil

brincadeira e desenvolvimento infantil: um olhar sociocultural reside no fato de esta atividade contribuir para a mudança
na relação da criança com os objetos, pois estes perdem sua
construtivista
força determinadora na brincadeira. “A criança vê um objeto,
mas age de maneira diferente em relação ao que vê. Assim, é
Para o autor, quando a criança brinca, além de conjugar alcançada uma condição que começa a agir
materiais heterogêneos (pedra, areia, madeira e papel), ela independentemente daquilo que vê.” (Vygotsky, 1998, p. 127).
faz construções sofisticadas da realidade e desenvolve seu
potencial criativo, transformando a função dos objetos para Para Vygotsky (1998), a criação de situações imaginárias na
atender seus desejos.Benjamin (1984). brincadeira surge da tensão entre o indivíduo e a sociedade e
a brincadeira libera a criança das amarras da realidade
A brincadeira das crianças evolui mais nos seis primeiros anos imediata, dando-lhe oportunidade para controlar uma
de vida do que em qualquer outra fase do desenvolvimento situação existente (Cerisara, 2002)
humano e neste período, se estrutura de forma bem diferente
de como a compreenderam teóricos interessados na Vygotsky chama a atenção quando afirma que definir “o
temática (Brougère, 1998). A partir da brincadeira, a criança brinquedo como uma atividade que dá prazer à criança, é
constrói sua experiência de se relacionar com o mundo de incorreto” (p. 105), porque para ele, muitas atividades dão à
maneira ativa, vivencia experiências de tomadas de decisões. criança prazeres mais intensos que a brincadeira: por
Em um jogo qualquer, ela pode optar por brincar ou não, o exemplo, uma chupeta para um bebê mesmo que isso não
que é característica importante da brincadeira, pois leve à saciação da fome. Ele destaca, ainda, que há
oportuniza o desenvolvimento da autonomia, criatividade e brincadeiras em que a própria atividade não é tão agradável,
responsabilidade quanto a suas próprias ações. como as que só agradam às crianças (entre cinco e seis anos
de idade) se elas considerarem o resultado interessante.
Fein (Spodek & Saracho, 1998) afirma que é muito “difícil
definir a brincadeira, mas, em certo sentido, ela se Assim, o prazer não pode ser visto como uma característica
auto-define” (p. 210). definidora da brincadeira (Cerisara, 2002). Entretanto, não se
deve ignorá-lo, pois ela preenche necessidades da criança e
Spodek e Saracho (1998) apontam que a dificuldade em se cria incentivos para colocá-la em ação, que é de
chegar a uma definição consensual sobre a brincadeira fundamental importância, uma vez que contribui para
advém da falta de critérios para se classificar uma atividade mudanças nos níveis do desenvolvimento humano.
como tal; assim, em alguns contextos ou momentos uma
atividade pode ser considerada brincadeira, e deixar de sê-lo
em outros, o que depende da relação que se estabelece Um esforço para compreender a importância da atividade do
com a situação, do significado que assume para quem brincar para o desenvolvimento infantil, numa perspectiva
brinca. co-construtivista, pode-se considerar que a criança, desde seu
nascimento, se integra em um mundo de significados
Vygotsky (1998), um dos representantes mais importantes da construídos historicamente. É por meio da interação com seus
psicologia histórico-cultural, partiu do princípio que o sujeito se pares que ela se envolve em processos de negociação,
constitui nas relações com os outros, por meio de atividades dentre os quais, os de significação e ressignificação de si
caracteristicamente humanas, que são mediadas por mesma, dos objetos, dos eventos e de situações, construindo
ferramentas técnicas e semióticas. Nesta perspectiva, a e reconstruindo ativamente novos significados.
brincadeira infantil assume uma posição privilegiada para a m
análise do processo de constituição do sujeito;

Valsiner (1988) acrescenta que para analisar o


O autor afirma, ainda, que o desenvolvimento humano é um desenvolvimento infantil deve-se considerar os ambientes em
processo dialético, marcado por etapas qualitativamente que ocorre a atividade da brincadeira, que são fisicamente
diferentes e determinadas pelas atividades mediadas. estruturados, segundo os significados culturais das pessoas
responsáveis pela criança. Valsiner (2000) aponta, ainda, que
Desta maneira, os objetos com os quais a criança se relaciona ela ocupa um papel ativo na organização de suas atividades,
são significados em sua cultura e a relação estabelecida com construindo uma versão pessoal dos eventos sociais que lhe
eles se modifica à medida em que a ela se desenvolve. são transmitidos pelos membros de sua cultura.
TEXTO 7 sublimatório, ou seja, uma possibilidade de produção de

O Sujeito em Constituição, o Brincar e a Problemática do novas significações a partir de um ato criativo.

Desejo na Modernidade
A relação com os brinquedos no âmbito da fantasia e da
O brincar precisa ser compreendido como a expressão dos simbolização como fundamental para a apropriação da
modos atuais de organização da personalidade da criança e criança de seu mundo externo, bem como para a
um modo estruturante em relação às organizações mais organização de seu mundo interno, em seu processo de
tardias. constituição subjetiva.

Freud (1920/1980), em Além do princípio do prazer, defende Entretanto, a relação da criança com os brinquedos na
que no decorrer da infância, a criança deve ir aprendendo a atualidade parece ser de outra ordem. Jerusalinsky (2007) fala
deixar paulatinamente o “princípio do prazer”, aprendendo a das crianças do ready made, que pouco ou nada se
considerar a realidade e postergar a satisfação imediata das interessam pelos brinquedos que já vêm prontos,
suas pulsões, equilibrando as agressivas e amorosas. A mola evidenciando isso através do tédio. Os meios eletrônicos,
propulsora dessa atividade infantil pode ser compreendida como a tv, videogame e computador, anestesiam os
como a compulsão de repetição, característica do movimentos corporais das crianças, que quando não estão
funcionamento da pulsão. Lacan (1982) defende, no diante dos mesmos acabam movendo-se em dobro, sendo
Seminário XI, que o que é fundamental e fundante do brincar facilmente rotuladas como hiperativas
na infância refere-se ao registro do real, que sua essência
repetitiva nos revela. Acredita ser um erro tomar o fortda TEXTO 8
simplesmente como exemplo de simbolização primordial:
o brincar como um recurso terapêutico para crianças em
“esse carretel não é a mãe reduzida a uma bolinha... é
alguma coisinha do sujeito que se destaca embora sendo saúde mental
dele, que ele ainda segura... o carretel, é ali que devemos
designar o sujeito” (LACAN, 1964, p. 63). As brincadeiras atuam como ferramentas para proporcionar
às crianças motivação, desenvolvimento da criatividade,
Freud (1908/1980) também aborda o brincar em Escritores desinibição, revisão dos conhecimentos e favorecimento e
criativos e devaneios, onde aponta que o trabalho está para fortalecimento da formação da personalidade (BERNARDES,
o adulto assim como o brinquedo está para a criança. Ele 2013).
compara o brincar ao trabalho criativo dos escritores, aos
sonhos e às fantasias, articulado a um desejo oculto como as Conforme Dohme (1998, p. 163) o fato da criança aprender a
demais formações do inconsciente. As crianças inventam a brincar, e “[...] a brincadeira está intimamente ligada a
realidade brincando; o ato de brincar institui um espaço comunicação com outros indivíduos e ao contato com suas
gerador de desejo. próprias emoções, o que favorece na criança o
desenvolvimento de sua autoestima e a formação de vínculos
Para Freud: (1908/1980, p. 152), “toda fantasia é a realização positivos com o mundo que a rodeia.” É através da
de um desejo, uma correção da realidade insatisfatória.” A brincadeira que as crianças soltem sua imaginação e
sublimação é um modo diferente de satisfação da produção criatividade, e desenvolvem a capacidade de
substitutiva, ou seja, do sintoma no recalque, uma vez que ela relacionamento interpessoal, o que, muitas vezes, são
marca o ato criativo, o surgimento de algo novo. Na esquecidas por causa do avanço tecnológico.
sublimação, enquanto ato criativo, o brinquedo surge como
representante do objeto ‘a’, perdido para sempre e O ato de brincar para Vygotsky (1991) cria a chamada “zona
contornado pelo circuito pulsional. E esse deve ser o objetivo de desenvolvimento proximal”, que impulsiona a criança para
do brincar na infância: que o brinquedo seja obra de seu além do estágio de desenvolvimento que ela já atingiu. Ao
criador e não apenas objeto de consumo! brincar, a criança se apresenta além do esperado para a sua
idade e mais além do seu comportamento habitual. Através
Segundo Pavone (2004, p. 259), ali onde o sintoma da criança da brincadeira a criança se liberta das limitações do seu
revela sua aderência imaginária ao objeto capaz de mundo real, visto que cria situações imaginárias. Além disso, é
responder ao ideal parental, é importante que o brincar uma ação simbólica essencialmente social, que depende das
encontre, nas vias da cadeia significante, um destino expectativas e convenções presentes na cultura.
Nesse contexto, (FREUD, 1908; KLEIN, 1932, 1955 apud Atualmente existem diversos recursos que possibilitam o
MARQUES e EBERSOL, 2015), ressaltam a importância do trabalho no ludodiagnóstico, dentre eles estão: a observação
brincar como sendo uma forma de expressão da criança, no e a entrevista psicológica – que podem ser realizadas com a
qual ela elabora seus conflitos e demonstra seus sentimentos, criança, com os pais, ou com aqueles que o profissional julgar
ansiedades desejos e fantasias. necessário; os testes psicológicos - capazes de avaliar não só
a capacidade intelectual e seu desenvolvimento como
Ainda, Vygotsky (1991, p.126) acrescenta em sua teoria que é também possíveis comprometimentos neurológicos e
“[...] no brinquedo que a criança aprende a agir numa esfera limitações do indivíduo e a caixa lúdica – material
cognitiva, ao invés de uma esfera visual externa, dependendo tradicionalmente utilizado nos processos de ludodiagnóstico –
das motivações e tendências internas, e não dos incentivos que implica ao profissional o manejo da escolha dos
fornecidos pelos objetos externos”. O autor realizando uma brinquedos como facilitador para o processo.
distinção entre brincadeira e outras atividades infantis afirma
que na primeira existem as regras e a imaginação, tanto de ➔ O jogo é fundamental no psicodiagnóstico
forma implícita quanto explícita; compreensivo e interventivo e no tratamento
psicoterápico de crianças. Sua relevância e
Para Winnicott (1975, p. 79-80) “é no brincar, e talvez apenas abrangência ultrapassam os limites da clínica com as
no brincar, que a criança ou o adulto fruem na sua liberdade crianças (Affonso, 2012).
de criação” [...] “é no brincar, e somente no brincar, que o
indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar sua Froebel (citado por Pickard,1975 & Affonso, 2012) destaca a
personalidade integral: e é somente sendo criativo que o importância da observação da fase de desenvolvimento
indivíduo descobre o eu (self)” cognitivo da criança para a realização do processo de
ludodiagnóstico e de psicoterapia.
O Brincar e o Desenvolvimento Afetivo
É importante que a escolha do brinquedo feita pelo
O ato de brincar, segundo Gomes et al (2006, p. 6), se psicoterapeuta seja coerente com a idade da criança, para
encontra presente “no ser humano desde o período fetal, evitar a mobilização de angústia perante a sua apresentação,
quando algumas atividades como sugar o dedo, chutar, entre pois poderá mobilizar frustrações pela falta de capacidade
outras, são realizadas.” cognitiva da criança em utilizar aquele brinquedo.

Conforme Conti e Souza (2010, p. 101) o ato de brincar desde O brinquedo por si só pode ajudar a criança a representar e
o início da vida, permite com que o bebê gradualmente tentar encontrar soluções para os próprios conflitos, mas
desenvolva a percepção de um outro significado, que é o somente a presença mental de alguém mais que brinque com
acolhimento das manifestações afetivas e o auxílio “na ela é o que permite que o jogo seja plenamente
discriminação entre fantasia e realidade”. transformador de angústias

TEXTO 9 Affonso (2012) complementa que é necessário evitar restrições

O psicoterapeuta e a escolha do material no processo de na maneira de brincar, preparando devidamente o local que
será utilizado pela criança. O local deve permitir que a
ludodiagnóstico.
criança movimente-se, pinte a mesa ou a parede, jogue bola,
molhe com água, etc. de forma a permitir eventualidades,
Por meio da utilização de simbolismos, crianças e descontroles lúdicos e a reparação diante do descontrole.
adolescentes poderão expressar conteúdos inconscientes, Outro aspecto que o psicoterapeuta deve observar na
possibilitando que o psicoterapeuta identifique angústias e escolha do brinquedo é o seu tamanho - Klein (citada por
limitações que serão de suma importância serem trabalhadas Affonso, 2012) sugere que os materiais sejam pequenos,
para o desenvolvimento destes e para que seja possível a permitindo que a criança os manipule, ou seja, tenha controle
orientação de seus familiares a fim de facilitar o processo para sobre os mesmos, mas não tão pequenos que possam colocar
ambos. sua vida em risco. É importante que os materiais estruturados
sejam uma miniatura da realidade, para que a criança possa
encontrá-los e reconhecê-los como representantes da sua
realidade.

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