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Como falar sobre sexualidade com crianças e adolescentes

Luciana Ap. Nogueira da Cruz


Profa. Dra. Assistente do Departamento de Educação
Ibilce/UNESP

RESUMO

Para muitos pais e professores, falar sobre sexualidade com crianças e adolescentes
não é tarefa fácil. Uma das maiores dificuldades de pais e professores é responder a
perguntas do tipo “Como eu nasci? ”, “De onde veem os bebês? ” “O que é camisinha?”
“O que é transar?”. Para responder a perguntas como estas, alguns buscam
informações em livros, nas mídias impressas ou eletrônicas ou até mesmo com
profissionais como psicólogos, sexólogos ou hebiatras, outros ainda se orientam pela
própria experiência de vida. E quando os pequenos chegam na adolescência, as
dificuldades em lidar com o tema sexualidade continua. Aquela conversa sobre a
primeira transa, uso de preservativos e/ou anticonceptivos é outra barreira a ser
enfrentada por muitos adultos. Muitos pais acreditam ser assunto que deve ser tratado
na escola e muitos professores esperam que a família é quem deve dialogar sobre tais
questões. É fato que a adolescência é um período em que o tema da sexualidade
emerge tanto na família quanto na escola, e as práticas sexuais entre os jovens mais
dia, menos dia acontecerão. Discutiremos com naturalidade e sem rodeios sobre estas
e outras questões sobre o desenvolvimento da sexualidade da criança e do adolescente.
Esperamos contribuir com os diálogos entre adultos e crianças/adolescentes e assim
promover um desenvolvimento sexual e afetivo mais saudável nas famílias e nas
escolas.

Palavras-chave: Sexualidade; adolescência; ensino médio; educação sexual;


prevenção

Introdução
Sexualidade, tema que para algumas pessoas traz questões simples, para
outros é um assunto complexo e difícil de abordar. Falar sobre sexualidade com
adolescentes e jovens ainda é tabu para muitos adultos. E quando falam, o discurso
geralmente se remete à doenças e gravidez precoce. É certo que tal preocupação é
verídica tanto para as famílias quanto para professores, mas do ponto de vista do
adolescente, há grande distância entre doenças ou gravidez e sua sexualidade.
A compreensão de como jovens percebem e conduzem a sua vida sexual é um
fator importante para o desenvolvimento de trabalhos preventivos, pois esta falta de
conhecimento tem levado a estratégias de prevenção que ou trazem uma linguagem
metafórica, o que dificulta a compreensão delas, ou, outras vezes, vulgariza e instiga
preconceitos de inúmeras ordens (LIMA e CARDOSO, 1999).
A melhor maneira de tratar sobre o tema é conhecer como se dá o
desenvolvimento psicossexual do ser humano e estabelecer um discurso tanto com
crianças, quanto com adolescentes sobre o desenvolvimento sexual, visando a saúde,
os afetos e o prazer.
A teoria que muito contribui para o entendimento da sexualidade humana é a
Psicanálise. O médico austríaco, Sigmund Freud (1856-1939), percebeu em seus
pacientes que as energias psíquicas responsáveis pelo desenvolvimento da
personalidade são de origem sexual, isto significa que sexualidade é sinônimo de
afetividade. Ao apresentar a teoria do desenvolvimento sexual, no início do século XX,
Freud sofreu críticas e resistências por parte de seus colegas da área médica.

Teoria do desenvolvimento psicossexual

Freud percebia no relato de seus pacientes neuróticos que havia sempre um


tema em comum – a sexualidade – no início até chegou a suspeitar que todos teriam
sofrido abuso na infância, mas logo percebeu que os relatos de seus pacientes eram
fantasias infantis reprimidas na infância, e que na adultez retornavam como sintomas
neuróticos. A terapia possibilitava que as fantasias e os sentimentos reprimidos viessem
à tona e, assim, muitos dos conflitos diluídos, aliviando o paciente do sofrimento
causado pelo sintoma neurótico.
No final do século XIX e início do XX, Freud recebeu muitas críticas, ao afirmar
que as pessoas nasciam com desejos sexuais e que o conhecimento é permeado pelo
desejo. Esse desejo é de origem inconsciente e movido uma por uma energia que
conduz o ser humano em busca de prazer. Essa energia é de natureza sexual,
componente do id, presente desde o nascimento. Ela impulsiona o indivíduo em busca
de satisfação, essa energia foi denominada libido.
A localização da libido em diferentes regiões do corpo em determinados
momentos do desenvolvimento, define as fases do desenvolvimento psicossexual. Vou
apresenta-las de forma muito sucinta, para melhor compreendê-las sugiro o artigo de
Freud (1905) Três ensaios sobre a teoria da sexualidade.
a) Fase oral: é a etapa do desenvolvimento em que a libido está organizada
sob o primado da zona erógena oral. O reflexo de sucção é inato e contribui para que a
amamentação estimule sensações prazerosas. O bebê busca adaptar-se ao mundo e
por isso procura prazer. É com a amamentação que o bebê aprenderá a amar e a
desenvolver vínculos de amor, pois por meio de processos introjetivos, mamar e sentir
prazer é sentir que o leite é bom, que o seio é bom, que a mãe é boa e que o mundo é
bom. É notável traços característicos da fase oral nos adultos, como o beijo, apelidar
carinhosamente alguém de “docinho”, “bombom”, “chuchu”, e ainda o termo
vulgarmente usado para designar o ato sexual “comer alguém”.
b) Fase anal: esta fase coincide com o início da socialização, do andar,
falar, aceitar e recusar (definir escolhas). A criança apresenta controle dos esfíncteres
e se submete a primeira cobrança externa de socialização, que é usar o banheiro. Reter
ou expelir seus excrementos se torna alvo de todas as atenções, a criança recebe ora
aplausos, ora broncas, ela não compreende o porquê. Geralmente as crianças desejam
brincar com as próprias fezes, pois são partes dela que se desprendem de seu corpo.
Não é raro encontrarmos crianças lambuzadas ou até comendo seu próprio cocô. É
importante oferecer massinha de modelar ou argila para a criança brincar, assim ela
substitui o desejo de manipular suas fezes por uma atividade socialmente aceita.
Exemplos de traços da fase anal no adulto são os colecionadores (acumuladores) e
artistas que criam obras artísticas com barro ou argila.
c) Fase fálica ou fase masturbatória: a libido erotiza os genitais, o
interesse da criança é voltado para as diferenças anatômicas. Há um primeiro momento
em que as crianças negam o pênis na mulher, o menino volta a sua atenção para o seu
pênis e a menina para o clitóris, ela acredita que tem um pequeno pênis que crescerá.
Num segundo momento a criança percebe que somente os homens possuem “pipi” e
que foi um erro de interpretação (ou tem ou não tem “pipi”, ou seja, ou é fálico ou é
castrado. A imagem da mãe torna-se depositária do desejo.
A Mãe é objeto central das ligações de conforto, prazer e proteção, existe uma
atração com características sexuais muito fortes e o superego da criança, ainda não tem
bases sólidas, pois o ego é muito sensível às pressões do Id.
Essa fase é marcada pelo surgimento de fantasias incestuosas (triângulo
edipiano) que caracteriza o Complexo de Édipo. Este complexo significa um conjunto
de sentimentos contraditórios, o menino sente ódio e medo pela figura paterna, mas
também amor e admiração. Esse medo de ser castigado por desejar a mãe foi
denominado Complexo de castração. Para o menino o maior ataque que poderá sofrer
é ser privado daquilo que mais valoriza (o pênis). A angústia de castração (amor e ódio
pelo mesmo progenitor), provoca comportamentos como tentar dormir na cama dos
pais, demonstrar ciúmes quando o casal demonstra carícias um com o outro e muitas
vezes pedir beijo na boca para a mãe (fantasia que é sua namorada). É com a
intensificação do amor e com o mecanismo de identificação que o complexo de Édipo
será superado e assim finda a fase fálica. Com o fim da fase fálica as energias libidinais
vão para o inconsciente, reprimidas por normas morais, pois não pode odiar o pai e nem
praticar o incesto com mãe.
Período de latência: ao reprimir o desejo pelo progenitor do sexo oposto e se
identificar com o de mesmo sexo, a criança internaliza normas morais e fortalece o
superego. O Superego é a instância psíquica responsável pelas normas e princípios
morais do grupo social, ele atua como o protetor do ego, sem ele as pulsões tornariam
inviável a vida do indivíduo em sociedade. Este mecanismo é responsável por controlar
a libido. Ele reorganiza a libido que antes erotizava partes do corpo, agora direciona
esta energia para atividades voltadas ao ambiente que cerca o indivíduo, ou seja, o
desejo sexual é sublimado para interesses e atividades socialmente aceitos. É o período
entre a infância e a adultez, há diminuição das fantasias e atividades sexuais, o o
impulso sexual é substituído pelo sentimento de ternura, a criança também sente pudor
e aspirações morais.
Nessa fase a criança se interessa pelo conhecimento e pelo aprendizado, sente
prazer em saber sobre as coisas. É o momento em que acontecem as primeiras saídas
reais para o grupo social fora de casa e eles se organizam em grupos unissexuados
(meninas versus meninos), posteriormente os grupos se constituem por identificações
(por bairro, escola, gosto musical, etc). Nessa fase a criança já discrimina o bem e o mal
e pratica tanto um quanto o outro, também confrontam as regras familiares, porém as
impõe quando estão com crianças menores. É um período intermediário em que os
temores e desejos se realizam e se elaboram simbolicamente, é comum, por exemplo
dormir com ursinho para amenizar o medo do escuro.
d) Fase genital: a libido volta a fixar-se nas zonas genitais, como na fase fálica,
mas agora o adolescente diferente da fase fálica, agora possui regras internalizadas,
uma delas é não se masturbar em público, o que não acontecia com a criança na fase
fálica. A fase genital é quando os desejos infantis reprimidos ao término da fase fálica
retornam, mas as energias surgem no consciente sob outra aparência pela ação do
superego fortalecido. É comum o surgimento de sintomas neuróticos e a aversão à
autoridade (representações transferenciais negativas com o professor que representa
da figura paterna). Prevalece os sentimentos de onipotência, bissexualidade,
dependência, expectativa de realização de todos os desejos, organização da identidade.

O professor tem o papel de contribuir para a formação da personalidade?

O professor não constrói a personalidade do aluno, mas ele pode agir de modo
a não agravar certas tendências do caráter do aluno. Quando o professor entra em cena
traços fundamentais do ego do aluno já estão sedimentados. Entretanto, o professor
ocupa o lugar de modelo e possibilitador de diálogo. Portanto, boa parte do equilíbrio da
personalidade do aluno depende da integridade psicológica do professor.
Aprender é aprender com alguém. O ato de aprender sempre pressupõe uma
relação com outra pessoa, a que ensina. O professor pode ser ouvido quando está
investido por seu aluno de uma importância especial o que dá um poder de influência
sobre o aluno, há transferência e identificação nesse processo.
Transferência e Identificação são importantes conceitos psicanalíticos que
podem ser aliados do professor em sua prática. Também destaco além destes dois a
Sublimação.
A transferência é fundamental para o professor compreender por que alguns
alunos o incomodam tanto ou lhes despertam tanto interesse. O conceito de
transferência colabora para tal compreensão, pois na relação professor e aluno,
inevitavelmente há o estabelecimento de vínculos afetivos. Estes vínculos podem ser
positivos ou negativos e se originaram na infância tanto do aluno quanto do professor.
Não é função do professor ser terapeuta, mas cabe a ele compreender que os vínculos
de amor e ódio fazem parte do processo de ensino e de aprendizagem, pois este
processo não se resume apenas a aspectos técnicos e metodológicos.
A transferência se produz quando o desejo de saber se aferra a um elemento
particular, que é a pessoa do professor. O educador herda o lugar dos pais e os
sentimentos que a criança dirigia a eles na ocasião da resolução do Édipo. Ocupar o
lugar designado ao professor pela transferência é uma tarefa incômoda, já que seu
sentido enquanto pessoa é esvaziado para dar lugar a um outro que ele desconhece.
Quando alguém “deposita” algo em alguém está em jogo o investimento sobre o outro,
o que torna possível a identificação.
O mecanismo de identificação é desenvolvido para superar o Complexo de Édipo
com as figuras parentais, mas na relação com o professor, este passa a ocupar o lugar
de ego ideal. Isto significa que o aluno pode enxergar no professor um “eu” que é
possível de ser alcançado, o professor é um “eu” que “eu posso ser”.
E a sublimação é o mecanismo responsável por canalizar as energias libidinais
reprimidas para atividades socialmente aceitas, como o aprendizado.

Por que falar de sexualidade com adolescentes?

Por mais que crianças e adolescentes encontrem facilmente informações


referentes a sexualidade pela internet, a orientação e a reflexão são fundamentais para
a tomada de consciência e autonomia sobre a própria sexualidade.
O estudo de Carleto et al (2010) mostra que embora os adolescentes (entre 11
e 19 anos de idade) saibam nomear várias DST, apenas 60% dos rapazes relataram o
uso de preservativo em todas as relações sexuais, percentual que cai para 29,4% entre
as moças. Além dessa baixa adesão ao uso do preservativo, somente 4,6% deles
acertaram todas as questões de um questionário que avaliava conhecimentos
referentes às formas de transmissão do HIV.
O estudo de Ayres (2002) indica que as campanhas preventivas com viés
terrorista e a segregação e discriminação daqueles que possuíam a patologia, perdem
espaço e apresentam poucos resultados, o histórico do perfil da epidemia aponta para
a necessidade de uma abordagem mais ampla e precoce, justificando a importância de
se trabalhar com o adolescente.
Pesquisas atuais como a de Ayres (2003) e Jeolás (2006) mostram que os
adolescentes e adultos jovens fazem parte de um grupo em situação de vulnerabilidade,
indicando a necessidade de repensar a prevenção apenas no âmbito da saúde, fazendo
chegar a prevenção também no contexto educacional, considerando o objetivo de
estimular o desenvolvimento da autonomia do jovem diante da sua sexualidade.
Esta discussão já está presente na política educacional brasileira, uma vez que
em 1998 o Ministério da Educação publicou os “Temas Transversais” dentro da coleção
dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN (BRASIL, 1998), neste documento é
proposto que todas as disciplinas escolares abordem temas como Ética, Saúde, Meio
Ambiente, Orientação Sexual, Pluralidade Cultural, Trabalho e Consumo, não deixando
discussões restritas a apenas um professor ou área. Especificamente sobre o tema
Orientação Sexual, o documento entende a sexualidade como

[...] algo inerente à vida e à saúde, que se expressa no ser humano, do


nascimento até a morte. Relaciona-se com o direito ao prazer e ao
exercício da sexualidade com responsabilidade. Engloba as relações
de gênero, o respeito a si mesmo e ao outro e à diversidade de crenças,
valores e expressões culturais existentes numa sociedade democrática
e pluralista. Inclui a importância da prevenção das doenças
sexualmente transmissíveis/Aids e da gravidez indesejada na
adolescência, entre outras questões polêmicas (BRASIL, 1998, p.287).

O fato é que mesmo com orientações vindas do Ministério da Educação, a


abordagem da sexualidade humana como um tema transversal não acontece, ficando
restrita às disciplinas de Biologia e Ciências, nestas aulas a abordagem da educação
sexual geralmente fica restrita a apresentação estrutural do corpo humano e sua
genitália, a apresentação dos métodos contraceptivos, entre eles o preservativo, e o
estudo das DST, dentre elas a AIDS. Não desconsiderando a importância destes
grandes temas, o texto de Tonatto e Sapiro (2002) mostra como é possível ir além dentro
das próprias aulas de ciências, considerando a escola como um espaço importante para
que os jovens reflitam sobre a sexualidade para que venham a ter atitudes conscientes
sobre a vida sexual.

Conclusões
O adolescente vivencia afetos e relações que não lhe remetem prejuízos à sua
saúde ou à sua condição de adolescente. O desejo de experimentar os beijos, as
carícias e o prazer sexual é tão fascinante que uma palestra sobre gonorreia e sífilis,
por exemplo, não faz sentido para o adolescente. O sentimento de onipotência
característico da adolescência lhe faz acreditar que jamais será afetado por algum mal.
O professor, independente da área que atua, tem oportunidades de contribuir
para a orientação e desmistificação referente ao tema sexualidade.

Referências

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