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ADOLESCER NO MUNDO ATUAL

(Cybelle Weinberg na introdução do livro Geração Delivery - fragmentos)

Seja jovem, seja feliz, seja magro, seja bem informado, seja alguém de sucesso!
Estas são as palavras de ordem do mundo contemporâneo. Se o mundo está difícil para
nós adultos, o que pensar para os adolescentes? Vivemos numa época em que as
mudanças, decorrentes de novas descobertas e invenções, ocorrem num ritmo
vertiginoso.
A minha questão é: o que os jovens estão fazendo com essas novas informações, em que
estão sendo beneficiados e/ou perturbados pelas transformações sociais?
O que tenho ouvido na clínica e fora dela são queixas de adolescentes que se sentem
perdidos, apáticos ou ansiosos quanto ao seu futuro. Os pais parecem ainda mais
perdidos do que eles.
O que significa então adolescer no mundo atual? ( ... )
Ser adolescente, hoje, é muito mais difícil do que o foi em épocas passadas, ainda que
aparentemente as coisas estejam bem mais fáceis para os jovens. Os pais são mais
compreensivos, mais tolerantes, há maior liberdade sexual, maior liberdade de expressão,
maior liberdade para escolha profissional, maior liberdade para isto, maior liberdade para
aquilo. Os adultos dizem que no seu tempo não era assim, que era tudo mais difícil, que
seus pais não os compreendiam, que era preciso “ pegar cedo no batente”, que logo
deixaram a casa dos pais e foram cuidar da própria vida. Então, parece que realmente
hoje está tudo mais fácil. No entanto, o que vemos são jovens com pouca iniciativa,
angustiados diante da escolha profissional, deprimidos, estressados, com dificuldade para
sair da casa dos pais e definir seu próprio caminho. Evidentemente, isso não pode ser
generalizado, mas é espantoso o número de meninos e meninas nessa situação.
Analisemos, então, algumas dessas “ facilidades do mundo moderno – sexo, por exemplo.
Realmente, falar sobre sexo, hoje, é muito mais fácil do que antigamente. Discute-se sexo
na escola, em casa, na televisão. É mais fácil fazer sexo também. Existe a pílula
anticoncepcional e uma maior tolerância dos pais com relação a prática sexual dos filhos.
Por outro lado, o sexo, hoje, está associado ao perigo da aids. Morte e sexualidade
caminham juntas. À insegurança das primeiras experiências sexuais juntou-se o medo da
contaminação. Além disso, sabendo dos riscos de uma gravidez precoce, alguns pais,
aflitos ( e com razão!), se antecipam aos pedidos dos filhos, levando a pobre menina de
12 anos ao ginecologista, assim que ela diz que “ficou” com aquele menino. Ou

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comprando caixas de camisinhas para o moleque que mal saiu das fraldas! Isso apavora
qualquer criança, principalmente numa fase da vida em que a privacidade é tão prezada.
Aliás, essa é outra questão: há privacidade no mundo contemporâneo? De tudo se fala
abertamente. Pais comentam com os filhos sobre sua vida sexual. Se são separados,
contam aos filhos sobre seus namoros, paqueras, com quem “ficaram”. Não parece que
as coisas estão um pouco invertidas? Não é ( ou era ) esse justamente o papel dos pais,
escutar as aventuras dos filhos? Será que ser amigo é ser confidente? Atendo uma garota
que me diz que ela e a mãe são muito amigas, que a mãe lhe conta tudo, não tem
segredos para com ela. Só que ela não conta tudo à mãe. Primeiro porque não sobra
espaço para ela, pois sente que as suas histórias “são um lixo”, comparadas com as
grandes histórias da mãe. E depois, porque a mãe faz tantas coisas de adolescente, que
ela se pergunta quem deve dar conselhos a quem.
Na televisão e em qualquer revista, já faz parte de toda entrevista perguntar sobre a vida
sexual do entrevistado, quando transou pela primeira vez, se foi bom, com quem foi, se já
teve experiências homossexuais. Na novela todo mundo transa “no ar”. Eu me pergunto o
que esse saber acrescenta na vida de uma criança.
Antigamente, havia coisas que as crianças não podiam saber. É verdade que muitos pais
exageravam. Mas de qualquer forma, havia um limite, um saber que separava o mundo
adulto do infantil. Hoje, caiu-se no extremo oposto. As crianças sabem tudo. ( Aliás, mais
do que nós, adultos: chamamos as crianças para programar o vídeo, para fazer a
gravação da caixa postal do celular, para fazer os gráficos das nossas palestras... ) Esse
saber, penso, “roubou” o infantil das crianças. Aliás, não só o saber, mas também a moda
e o excesso de erotização. O que se vê são crianças falando como adultos, se vestindo
como adultos, dançando e rebolando como adultos. E, em contrapartida, adultos cada vez
mais infantilizados... mas muito moderninhos!
Outra “facilidade”: famílias mais abertas, sem aqueles papéis rígidos de antigamente. É
claro que isso é muito bom. Porém, com medo de repetir a educação repressora que
tiveram, alguns pais caem no extremo oposto. Passam do “ não poder nada” de antes
para o “pode tudo” de hoje. O resultado é que esses pais se perdem no meio do caminho,
e o que mais tenho ouvido são pessoas pedindo, pelo amor de Deus, que alguém os
ensine a ser pais.
Além dessa dificuldade, acrescente-se a competição que se instalou dentro da família. Há
uma falsa promessa veiculada pela mídia, de que ser jovem é ser feliz. Ninguém quer
envelhecer, ninguém quer sair do palco. Pais e filhos estão competindo: quem tem mais

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sucesso com as mulheres, quem usa a saia mais curta, quem tem os seios ou o bumbum
mais arrebitado – nem que para isso se carregue quilos de silicone ou se faça implante na
careca.
Os pais estão se pregando uma peça quando saem do seu papel, quando pretendem ser
coleguinhas dos filhos: os jovens precisam de adultos fortes, que resistam a um
enfrentamento. Do contrário, o que sobra para o adolescente, é um profundo sentimento
de decepção. Passaram a vida toda esperando “crescer” e, quando crescem se
perguntam: “ Mas, espere aí, foi para isso que eu cresci? Para ser igual a vocês? É
melhor continuar criança!”
Ou, como me disse um rapaz: “ Ser adolescente é cair na real, é sair do sonho da infância
e cair na real, que vai durar para o resto da vida”. Esse “ cair na real” é, também, admitir
que os pais são frágeis, que tentaram e fizeram o que puderam fazer, que não são
imortais, mas que, pelo contrário não só vão morrer um dia como já estão envelhecendo.
Porém se os adultos se recusam a envelhecer, como é que fica?
Outro problema é que os pais, que passaram a vida dizendo para os filhos que o
importante é ser feliz, se arrepiam quando eles jogam tudo para o alto e obedecem
direitinho. Outra contradição da modernidade.
Enfim, essa dupla mensagem da sociedade, de um lado acreditando que hoje tudo é mais
fácil e por outro sendo cada vez mais exigente no que diz respeito à competência
profissional, à estética, ao sucesso, etc., é responsável por novos sintomas que se
manifestam nas relações familiares, na escola e no próprio corpo...
Crise de pânico, depressão, violência, anorexia... Talvez sejam essas as formas, bastante
trágicas, que nossos adolescentes encontraram para denunciar. Ao ideal do prazer e da
beleza respondem com a morte e com a dor. Ao seja feliz respondem com a busca de um
prazer ilimitado. Ao seja esbelta, respondem com uma magreza cadavérica.
E os outros adolescentes que não adoecem, que não dão trabalho, onde estão?
Vivemos o fim das ideologias, não há conflito de gerações, não há contra o que se
rebelar. Eles estão em casa, pedindo pizza pelo telefone, assistindo ao filme alugado,
navegando na Internet. Sair de casa? Pra quê?

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