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Jaqueline Cássia de Oliveira

Atuação do terapeuta
abordagem sistêmica

Interação Sistêmica Edições


2015

1
INTERAÇÃO SISTÊMICA LTDA.
CNPJ –20.299.805/0001-95
BELO HORIZONTE, MG, BRASIL
WWW.INTERACAOSISTEMICA.COM.BR
CONTATO@INTERACAOSISTEMICA.COM.BR
(0055) 31 99941 4532

ATUAÇÃO DO TERAPEUTA – ABORDAGEM SISTÊMICA


©2015 – INTERAÇÃO SISTÊMICA EDIÇÕES

ELABORAÇÃO DESTE MATERIAL DIDÁTICO:


JAQUELINE CÁSSIA DE OLIVEIRA
CRP – 04/7521
PSICOTERAPEUTA FAMILIAR SISTÊMICA

REVISÃO ORTOGRÁFICA – MARIA TERESA SANTOS


TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

2
"Só o mais tolo dos ratos se
esconderia na orelha de um gato.
Mas só o mais esperto dos gatos,
se lembraria de procurá-lo lá."
Frase do explorador Scott Love

3
CARO LEITOR,
Não seria um exagero metaforicamente dizer que, muitas vezes, os terapeutas, em
seus consultórios, parecem gatos que estão jogando com ratos. Como se o terapeuta se
colocasse na posição de gato que vigia a toca que o rato está escondido, com a esperança de
que, a qualquer momento, vai conseguir pegá-lo.
O rato quando se apresenta para a brincadeira, se mostra frágil, pequeno, indefeso e
o terapeuta, por sua vez, se mostra forte, astuto e sabedor das coisas.
Então a brincadeira do gato e rato começa.
Porém não são poucas as vezes que os pobres ou espertos (?) ratinhos fogem, deixando
o gato sem entender por onde escapou.
Este material didático foi organizado com a intenção de despertar a atenção dos
terapeutas para os jogos inconscientes dos *clientes que, como ratos, chegam aos
consultórios, dissimulando tudo e preparadíssimos para a fuga.
E como os terapeutas se entusiasmam com esse jogo de esconde-esconde!
A jogada do cliente é pedir ajuda, sem pedir, apenas queixando. Dizer que quer mudar,
contanto que nada mude. Dizer que seu problema está num ponto, desviando
completamente a atenção do terapeuta da real questão.
Continuando nessa metáfora, o cliente esconde-se na “orelha” do terapeuta, que o
escuta, escuta, escuta, mas não encontra nada, porque ali não tem nada para ser
encontrado.
Assim, desejo que este material didático auxilie os terapeutas a perceberem que, na
vida, existem muitos jogos sim, e que o consultório de psicoterapia é mais um lugar para
tais jogos.
Que desenvolvam habilidades não apenas de perceber os jogos de seus clientes, mas
principalmente de atuarem de forma lúcida dentro dos jogos que eles estão jogando.
Boa atuação a todos!
Jaqueline Cássia de Oliveira

* Neste material didático são usados tanto o termo paciente quanto cliente.
Essa nomenclatura é de uso livre no Brasil.

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ÍNDICE
A SANTA CEIA ........................................................................................................................................................7

INTRODUÇÃO..............................................................................................................................................................................8
 O MUNDO ESTÁ MUITO COMPLEXO.....................................................................................................................9
PARTE 1 – COMO VOCÊ PENSA?
 PENSAMENTOCARTESIANO..................................................................................................................................12
 PENSAMENTO SISTÊMICO ....................................................................................................................................13
 PENSAMENTO COMPLEXO.....................................................................................................................................13
 MEIO CÉREBRO É MELHOR DO QUE NADA, MAS É MELHOR USAR O CÉREBRO TODO.............15
 O PONTO DE VISTA É A VISTA DE UM PONTO..............................................................................................16
 O FRIO PODE SER QUENTE? Jandira Masur....................................................................................................17
 AS POSSIBILIDADES PARA UM PENSAR SISTÊMICO COMPLEXO.........................................................18
 QUADRO – OS 4 CAPTADORES DO TODO.........................................................................................................22
 PENSAMENTO CRIATIVO E PENSAMENTO REPETITIVO.........................................................................23
 COMO ENXERGAR O PONTO CEGO?...................................................................................................................23
 PENSAMENTO CRIATIVO.......................................................................................................................................23
 PENSAMENTO REPETITIVO...................................................................................................................................24
 QUAL O LUGAR DO PENSAMENTO?...................................................................................................................24
 O PROCESSO CRIATIVO............................................................................................................................................25
 ELENCO CRIATIVO.....................................................................................................................................................27
 PENSAMENTO LINEAR, SISTÊMICO E COMPLEXO......................................................................................28
 ALGUNS PRINCÍPIOS DO PENSAMENTO COMPLEXO.................................................................................29

PARTE 2 – ABORDAGEM SISTÊMICA


 A NATUREZA HUMANA................................................................................................................................31
 AS DIFICULDADES DA COMUNICAÇÃO HUMANA........................................................................................33
 SER HUMANO É DIFERENTE DE SER HUMANO EM PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO...................34

PARTE 3 – A PESSOA DO TERAPEUTA


 TERAPEUTA É GENTE QUE LIDA COM GENTE..............................................................................................36
 A DOR DO OUTRO E A DOR DO TERAPEUTA..................................................................................................37
 O TORNAR-SE TERAPEUTA....................................................................................................................................37
 QUAL O SEU ESTILO COMO TERAPEUTA?.......................................................................................................38
 A ATENÇÃO DO TERAPEUTA SISTÊMICO........................................................................................................38
 RELAÇÃO TERAPEUTA E CLIENTE.....................................................................................................................38
 O TRABAHO DO TERAPEUTA É COM O REAL................................................................................................39
PARTE 4 – O ENCONTRO TERAPÊUTICO
 UM ENCONTRO HUMANO.......................................................................................................................................40
 FOT – FAMÍLIA DE ORIGEM DO TERAPEUTA................................................................................................42
 DESDOBRAMENTOS DO CONHECIMENTO DA HISTÓRIA PESSOAL....................................................43

PARTE 5 – O PROCESSO TERAPÊUTICO


 PAPEL E FUNÇÃO ......................................................................................................................................................44
 PRIMEIROS CONTATOS – entrevista telefônica........................................................................................ ...45
 ENTREVISTA INICIAL.................................................................................................................................. ........... 45
 DEFINIÇÃO DE OBJETIVOS.....................................................................................................................................47
 CONTRATAÇÃO...........................................................................................................................................................47
 A REMUNERAÇÃO DO TERAPEUTA...................................................................................................................48
 INTERVALO ENTRE AS SESSÕES.........................................................................................................................49
 FASE DIAGNÓSTICA...................................................................................................................................................49

5
 USO DE RECURSOS.....................................................................................................................................................49
 INTERVENÇÕES SISTÊMICAS................................................................................................................................50
 RESISTÊNCIA E TREINAMENTO DA MUDANÇA..........................................................................................51
 A CAPACIDADE DE MANOBRA DO TERAPEUTA...........................................................................................52
 PREMISSA E CONTEXTO DO CLIENTE...............................................................................................................52
 O TEMPO NECESSÁRIO............................................................................................................................................52
 OS PERIGOS DE UMA MELHORA..........................................................................................................................53
 PLANIFICAÇÃO DE ATENDIMENTO...................................................................................................................53
 CONHECENDO O TERRENO – CAMPO MINADO............................................................................................53
 RISCOS E EVOLUÇÃO DO SINTOMA...................................................................................................................54
 TEORIA DAS RECAÍDAS...........................................................................................................................................54
 O USO DA LINGUAGEM CONDICIONAL.............................................................................................................54
 O USO DA SUGESTÃO................................................................................................................................................54
 ATENÇÃO AO VÍNCULO, PERTINÊNCIA E RESISTÊNCIA..........................................................................54
 AVALIAÇÃO, ACOMPANHAMENTO E REDEFINIÇÃO DE METAS..........................................................55
 INTERRUPÇÃO DO PROCESSO TERAPÊUTICO..............................................................................................55
 FINALIZAÇÃO DO PROCESSO TERAPÊUTICO................................................................................................55
PARTE 6 – TERAPIA DA METÁFORA
 METÁFORA E AS LINHAS PSICOTERAPÊUTICAS.........................................................................................56
 PSICOTERAPIA PSICANALÍTICA..........................................................................................................................56
 PSICOTERAPIA JUNGUIANA..................................................................................................................................57
 PSICOTERAPIA ERICKSONIANA..........................................................................................................................57
 TERAPIA SISTÊMICA E A TERAPIA DA METÁFORA...................................................................................57
 O QUE SÃO METÁFORAS.........................................................................................................................................58
 A IMAGINAÇÃO CRIATIVA......................................................................................................................................58
 IMAGENS METAFÓRICAS........................................................................................................................................59
 TRANSFORMANDO A IMAGEM METAFÓRICA...............................................................................................60
 DIFICULDADES COM O USO DA METÁFORAS................................................................................................60
 O CARTEIRO E O POETA..........................................................................................................................................61

PARTE 7 – PENSAMENTO CRIATIVO


 DESDOBRAR, FLUIR, DISSOLVER, SOLUCIONAR..........................................................................................62
 TÁTICAS..........................................................................................................................................................................62
 PERGUNTAS SISTÊMICAS.......................................................................................................................................63
 USO DO RECURSO – FOTOGRAFIAS....................................................................................................................63
 GENOGRAMA FOTOGRÁFICO................................................................................................................................64
 PAINEL CRONOLÓGICO DE FOTOGRAFIAS.....................................................................................................65
 POSSIBILIDADES DO TRABALHO DE FOTOGRAFIAS.................................................................................65
 USO DO RECURSO – IMAGENS..............................................................................................................................66
 USO DO RECURSO – MÚSICA.................................................................................................................................67
 RECURSOS DIVERSOS...............................................................................................................................................67

“EU QUASE QUE NADA NÃO SEI”................................................................................................................................69


BIBLIOGRAFIA........................................................................................................................................................................72

6
A SANTA CEIA

Existe uma lenda referente à pintura da Santa Ceia, ou Última ceia de Jesus com seus
apóstolos que narra o seguinte fato:

Ao conceber esse quadro, Leonardo Da Vinci deparou-se com uma grande dificuldade:
precisava pintar o bem na imagem de Jesus e o mal na figura de Judas, o amigo que resolvera
traí-lo durante a ceia. Da Vinci interrompeu o seu trabalho no meio, até que conseguisse
encontrar os modelos ideais.

Certo dia, enquanto assistia a um coral, viu num dos rapazes a imagem perfeita de Cristo.
Convidou-o para o seu atelier e reproduziu seus traços.

Passaram-se três anos...

A “Última ceia” estava quase pronta, mas Da Vinci ainda não havia encontrado o modelo
ideal de Judas.

O cardeal, responsável pela igreja, começou a pressioná-lo, exigindo que terminasse logo o
mural. Depois de muitos dias procurando, o pintor finalmente encontrou um jovem
prematuramente envelhecido, bêbado, esfarrapado, atirado na sarjeta.
Imediatamente, pediu aos seus assistentes que o levassem até a igreja.

Da Vinci copiava as linhas da impiedade, do pecado, do egoísmo, tão bem delineadas na face
do mendigo, que mal conseguia parar em pé.

Quando terminou, o jovem já um pouco refeito da bebedeira, abriu os olhos e notou a pintura
à sua frente. E disse, numa mistura de espanto e tristeza:

- Eu já vi esse quadro antes!


- Quando? Perguntou surpreso, Da Vinci.

Há três anos, antes de perder tudo o que tinha, numa época que eu cantava num coral. Tinha
uma vida cheia de sonhos e o artista me convidou para posar como modelo para a face de
Jesus!

O bem e o mal têm a mesma face.


Tudo depende apenas da época em que cruzam o caminho de cada ser humano.

7
INTRODUÇÃO
Até o ano de 1.500, a visão do mundo, tanto na Europa quanto na maioria das outras
civilizações, era orgânica. Sua característica era a interdependência dos fenômenos
espirituais e materiais. A estrutura da visão orgânica do mundo assentava-se em Aristóteles
e na Igreja.
O trabalho científico apoiava-se na razão e na fé, tinha como meta a compreensão do
significado das coisas. As questões prioritárias eram de ordem espiritual e estavam ligadas a
Deus e à alma.
Na medida em que a visão de um universo orgânico, vivo e espiritual foi substituído por
uma noção de mundo-máquina, houve uma mudança radical na perspectiva medieval, nos
séculos XVI e XVII.
A era moderna adota como metáfora a máquina. Essa evolução deu-se a partir de
mudanças revolucionárias na Física e na Astronomia, estimuladas pelos trabalhos de
Copérnico, Galileu e Newton.
Segundo Galileu, a natureza poderia ser descrita matematicamente. Postulou, também,
que os cientistas deveriam restringir-se ao estudo das propriedades essenciais dos corpos
materiais (forma, quantidade, movimento) que poderiam ser medidas e qualificadas.
Ao mesmo tempo, na Inglaterra, Francis Bacon descrevia o método empírico da Ciência.
A partir dele, o objetivo da Ciência passou a ser o conhecimento que possibilitaria o controle
e a dominação da natureza. Essa mudança seria prosseguida por Descartes e Newton.
Descartes, fundador da Filosofia Moderna, foi profundamente afetado pela Nova Física e
pela Nova Astronomia. Para ele, seria rejeitado todo conhecimento que fosse meramente
provável e só o que fosse perfeitamente conhecido e passível de medição, comprovado e
quantificado seria aceito como a sua Nova Ciência. Estava implantado o método Cartesiano
de causa e efeito e o pensamento científico linear e reducionista. Na verdade, Descartes
iniciou o esboço de seu trabalho, mas foi Newton que o realizou.
Através de Newton, surgiu o referencial teórico matemático consistente que se manteve
como base do pensamento científico até boa parte do século XX. Ele acreditava no
esoterismo, mas seus estudos alquímicos nunca foram publicados. Foi considerado o “último
dos mágicos”.
A visão Newtoniana consistia em uma concepção mecanicista da natureza, onde a
máquina cósmica era vista como causal e determinada. Era a lei da previsibilidade absoluta:
tudo tinha causa e efeito definidos e passíveis de serem detectados a qualquer momento,
desde que conhecessem os seus detalhes (negação do inesperado).
Os séculos XVIII e XIX utilizaram-se da mecânica Newtoniana para explicar o
movimento dos planetas, luas e cometas; o fluxo das marés e de outros fenômenos ligados à
gravidade. E persistiram durante o século XIX as elaborações mecanicistas nas áreas da
Física, Química, Psicologia e Ciências Sociais.
Novas descobertas e novas formas de pensamento começaram a evidenciar as
limitações do modelo Newtoniano e a preparar o caminho para as revoluções científicas do
século XX.
8
A partir de descobertas como: fenômenos elétricos e magnéticos, Teoria Espacial da
Relatividade de Einstein, a exploração do mundo atômico e subatômico, os cientistas
reformularam as suas premissas. Surge a Física Quântica, elaborada durante as três
primeiras décadas do século XX.
A nova Física exigiu grandes mudanças nos conceitos de tempo, matéria, objeto, causa e
efeito. A visão do mundo surgida a partir da Física Revolucionária caracteriza-se por
conceitos como: orgânica, holística, ecológica ou visão sistemática no sentido geral dos
sistemas: o universo passa a ser visto como indivisível, dinâmico, cujas partes estão
interligadas.
A concepção sistêmica vê o mundo em termo de relações e de integração. Os sistemas
são totalidades integradas, cujas propriedades não podem ser reduzidas às de unidades
menores. Todo e qualquer organismo, desde a menor bactéria até os seres humanos,
passando pela imensa variedade de plantas e animais é uma totalidade integrada. E todos
esses sistemas naturais são totalidades cujas estruturas específicas resultam das interações
e interdependências de suas partes.
Esse estado de interligação não linear dos organismos vivos indica que as tentativas
convencionais da Ciência Biomédica de associar doenças a causas únicas são muito
problemáticas.
Quanto mais estudamos o mundo vivo, mais nos apercebemos de que a tendência para a
associação e interdependência é uma característica essencial dos organismos vivos. As
maiores redes de organismos vivos formam ecossistemas, em conjunto com animais, plantas
e micro-organismos, através de uma intrincada rede de relações que envolvem a troca de
matéria e energia em ciclos contínuos.
Sabendo que tudo é um todo, o pensamento sistêmico trouxe para a era moderna a
renovação da visão de realidade, dentro de uma consciência de interpelação e de
interdependência essencial de todos os fenômenos físicos, biológicos, psicológicos, sociais,
culturais e espirituais.
A psicoterapia de abordagem sistêmica baseou-se nesses princípios.

Fonte: Curso Zélia Nascimento

O MUNDO ESTÁ MUITO COMPLEXO

Complexidade é o número de coisas conectadas umas às outras. Quanto mais partes um


sistema tem, e quanto mais ligações existem entre essas partes, mais complexo é. Um
exemplo de coisa complexa é o recheio do seu crânio: 86 bilhões de neurônios, cada um
deles conectados a vários outros, um emaranhado quase infinito de possíveis caminhos a
percorrer.
Existe uma Lei Universal dos sistemas complexos: a complexidade de um sistema
realizando uma tarefa deve ser tão grande quanto a complexidade da tarefa.
A sociedade humana vem constantemente aumentando sua complexidade há milênios.
Na sociedade caçadora, vivíamos em grupos de no máximo uma dezena de pessoas e cada
9
grupo vivia isolado dos outros. A complexidade da sociedade era muito simples. No geral, um
chefe mandando e todo o resto da turma obedecendo.
Quando surgiram os impérios vastos (Egito, Mesopotâmia, China, Índia) com maior
diversidade de necessidades e papéis sociais, a complexidade foi aumentando. Diante disso,
já não funcionava mais o sistema simples de controle direto. No Egito, um faraó é menos
complexo do que a sociedade egípcia. Portanto, não seria possível, para o faraó, regular e
controlar todos os aspectos da sociedade. Por isso, foram surgindo hierarquias
intermediárias: o mestre de obras para organizar a “peãozada”, o capitão do navio para
mandar nos marujos, a madame para cuidar das meninas.
E a sociedade seguiu ficando mais complexa, mais intrincada e mais especializada. E
para dar conta disso, as hierarquias foram ganhando mais e mais níveis: Presidente, diretor,
vice-diretor, gerente, etc. Então as hierarquias pararam de funcionar e colapsaram. O mundo
ficou tão confuso que ficou impossível para um chefe dominar a complexidade abaixo dele.
Vivemos hoje na sociedade mais complexa de todos os tempos.
Todo sistema complexo tem duas características: a escala e a complexidade.
Para fazer o sistema complexo funcionar é preciso ter uma estratégia para a escala e
outra para a complexidade. Exemplo: o corpo humano tem dois sistemas de proteção, uma
para a escala, outro para a complexidade.
O sistema neuromuscular serve para a escala: o cérebro comandando nervos que
acionam músculos que movem ossos. Ele nos defende de ameaças grandes – surras, quedas,
ladrões, etc. Nesse sistema, a lógica é hierárquica, centralizada e linear – o cérebro manda,
nervos e músculos obedecem todos juntos, orquestrados, somando esforços numa mesma
direção, para gerar uma ação em grande escala. Os executivos mandam nos engenheiros, que
por sua vez controlam os mecânicos. Essa lógica hierárquica, centralizada e linear não tem
flexibilidade alguma para lidar com a complexidade. A sociedade de hoje está toda ajustada,
ainda para lidar com a escala, mas é absolutamente incompetente na gestão da
complexidade. As hierarquias são péssimas para gerir redes de gente com autonomia e para
identificar e resolver problemas relacionais (complexidade). Em todo lugar há
complexidade, parece estar ocorrendo uma espécie de colapso.
O sistema imunológico lida com a complexidade: glóbulos brancos, independentes,
agindo cada um por conta própria, nos protegem dos inimigos (bactérias, vírus, fungos).
Cada célula age com liberdade e se comunica com as outras – o que gera milhões de ações a
cada segundo, uma diferente da outra, cada uma delas microscópica – em pequena escala – e
o resultado final é a imensa complexidade com o corpo protegido de uma quantidade infinita
de possíveis ameaças.
Por ter funções diferentes, os dois sistemas adotam estratégias diferentes. Para viver
saudável é preciso ter os dois sistemas: o neuromuscular com a estratégia de proteção em
escala e o imunológico com a estratégia de proteção na complexidade das relações. Um sem
o outro, não adianta. Como todo sistema complexo, precisa de algo hierárquico para lidar
com a escala das coisas e de algo conectado em rede para lidar com o que é complexo. Não
adianta combater infecção a tapas.
O século da escala foi talvez a invenção mais transformadora da era contemporânea,
não tem um único inventor, porém recebeu um batismo com o nome “linha de montagem”,
dado por uma revista técnica de engenharia em novembro de 1913.
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Essa invenção foi gradual, coletiva e aconteceu quase espontaneamente – emergiu da
realidade de uma resposta social a uma necessidade preeminente, por exemplo: aumentar a
produção de carros que no ano de 1900 – só 5 mil americanos tinham carro e 13 anos
depois, já eram mais de 1 milhão.
Quem ganhou essa corrida foi a empresa de Henry Ford que, com a linha de montagem,
possibilitou dobrar o salário dos operários e, ao mesmo tempo, baixar o preço dos carros,
transformando operários em clientes. O sucesso foi tão grande que essa lógica se espalhou
em todo o mundo. Nossa vida está cheia de linhas de montagem, desde o carrinho de
supermercado passando entre os corredores de produtos até educação, escolas e produção
de comida até a explosão das “doenças complexas”: males difusos, de causas múltiplas como
câncer, doença autoimune, degenerativas e psiquiátricas.
Assim como aconteceu 100 anos atrás com a linha de montagem respondendo à nossa
necessidade de escala, desde a década de 1990, uma série de inovações parece estar
surgindo espontaneamente em resposta às nossas necessidades de complexidade. Primeiro
veio a internet que nos conectou em rede, criando uma alternativa para as estruturas
hierárquicas. E as inovações continuam a pipocar. Tem todos os esquemas de
compartilhamento de recursos – quartos, carros, bicicletas, ferramentas, espaço para
trabalhar – nos ajudando a “otimizar” o uso dos recursos. Tem os moradores que assumem
por cuidar dos espaços públicos e criar praças melhores do que qualquer prefeito seria
capaz. Grupo de pais que adotam escolas de seus filhos.
Tem as redes de pacientes de doenças raras, trocando informações pela internet. Tem
grandes empresas, trocando o comando vertical por estruturas de controle mais distribuído.
Quando somos parte de um time complexo, o mundo se torna um lugar mais
confortável, porque nos esforçamos para conseguir agir de maneira mais eficaz, dentro da
complexidade do mundo. A origem do problema não está em nós, mas na organização. A
solução também não está em nós, mas no esforço de nos organizarmos, repensando nossas
relações como cidadãos.

Fonte: Revista Super Interessante


Denis R. Burgierm

11
PARTE 1

COMO VOCÊ PENSA?

PENSAR
A origem desse verbo vem do termo em Latim pensare que traduz um significado de
suspender ou “pendurar” e se refere aos pratos da balança, fato que originou em nossa
língua também a palavra pesar. Seguindo por esse caminho de sentido figurado, o “pesar os
prós e os contras” traduziu-se num enfoque de ponderar, examinar e por fim gerou pensar
no sentido de refletir, meditar.

PENSAMENTO CARTESIANO
 A visão é de causa e efeito.
 A pergunta principal feita é POR QUÊ?
 Pega uma parte e diz que é o TODO.
 Possui visão reducionista.
 Racionaliza sem refletir.
 Vê separadamente, em partes, sem noção de conjunto, de sistema, de redes, de
complexidade, de TODO.
 É simples – não percebe a complexidade da vida.
 É ISTO OU AQUILO.

12
PENSAMENTO SISTÊMICO
 A soma das partes é maior que o TODO.
 A pergunta principal feita é PARA QUÊ?
 Considera as partes e o TODO.
 Apoia-se no conceito de redes, de web.
 Faz reflexões.
 É ISTO & AQUILO.

PENSAMENTO COMPLEXO
O pensamento complexo não nega os modelos de pensamentos linear e sistêmico. Ele dá
um passo além: inclui a aleatoriedade, a incerteza, a imprevisibilidade e impossibilidade de
separação entre sujeito e objeto. Homem, máquina e ambiente estão intrinsecamente
interligados.

Admite-se a importância desses dois modelos de pensamento. O homem precisa reduzir o


objeto a diferentes variáveis, concebê-las analiticamente e criticamente, também precisa uni-
las e buscar a compreensão da totalidade e das relações entre as partes com o todo e do todo
com as partes. É altamente importante que consigamos trabalhar com previsibilidade,
ordenação e classificação do mundo, é uma questão até mesmo de sobrevivência. Mas não
somente: é necessário abandonar a ilusão de que podemos ter controle e previsibilidade
absolutos sobre o mundo; é necessário desautorizar o nosso conhecimento como imponente
e tomar consciência de que a razão não é uma “lei divina” que irá nos dar todas as soluções –
contudo, isso não significa ser irresponsável e se jogar ao acaso, mas clarificar, jogar luz com
toda amplitude possível, sabendo que não somos o centro do universo, que podemos falhar.
Isso deveria aumentar ainda mais a nossa busca por um conhecimento complexo e não
simplificador.

Características do pensamento complexo:

 estabelece relação entre as partes:


 foco e amplitude,
 ponto e contraponto,
 parte e contraparte,
 verso e reverso.

 avalia possibilidades,
 abraça a complexidade,
 considera o novo e inusitado (que não se sabe onde vai dar).
 É ISTO & AQUILO & MAIS ALGUMA COISA.

13
DIFICULDADES PARA UM PENSAR COMPLEXO
O cérebro humano, seus hemisférios cerebrais direito e esquerdo e o corpo caloso.

Para a maior parte das pessoas, o hemisfério esquerdo é dominante para o


processamento verbal e aspectos cognitivos da linguagem. E o hemisfério direito, para o
processamento de informação não verbal e a percepção de formas e direção. A dominância
cerebral é cruzada para a visão, audição, funções motoras e percepção somática. O
cruzamento de informação cognitiva se dá por meio do corpo caloso.
O hemisfério dominante em 98% dos humanos é o esquerdo. Ele é responsável pelo
pensamento lógico e pela competência comunicativa. Já o hemisfério direito é responsável
pelo pensamento simbólico e pela criatividade, embora algumas pesquisas recentes estejam
contradizendo isso, comprovando que existem partes do hemisfério esquerdo destinados à
criatividade e vice-versa.
O hemisfério esquerdo é considerado dominante, pois nele localizam-se: a Área de
Broca (B), o córtex responsável pela motricidade da fala e a Área de Wernicke (W), o córtex
responsável pela compreensão verbal.
O CORPO CALOSO, estrutura responsável pela consexão entre os dois hemisférios
cerebrais, encontra-se no fundo da fissura inter-hemisférica, ou fissura sagital. Essa estrutura,
composta por fibras nervosas de cor branca (feixes de axônios envolvidos em mielina), é
responsável pela troca de informações entre as diversas áreas do córtex cerebral.
Mas o trabalho maior de conexão entre os dois hemisférios cerebrais fica por nossa
conta em considerar todo o tempo que tudo tem dois lados, o verso e o reverso, tudo é e não
é, além da complexidade da vida.
Portanto o ser humano nasce com dificuldade de fazer conexões, de perceber os dois
lados, de ver figura e fundo. Assim, pensar sistêmico e pensar a complexidade da vida é uma
função a ser considerada e desenvolvida dia a dia.

14
MEIO CÉREBRO É MELHOR DO QUE NADA,
MAS SERIA MELHOR USAR O CÉREBRO TODO.

Com uma sequência de aulas verbais e numéricas, as escolas que frequentamos não
estão equipadas para ensinar a modalidade de processamento de informações característica
do hemisfério cerebral direito. Afinal, o hemisfério cerebral direito não tem controle verbal
muito bom e não é capaz de emitir proposições lógicas como: "isto é bom ou ruim pelas
razões a, b, c”. O hemisfério cerebral direito não é muito capaz de observar sequências - de
começar pelo começo e prosseguir passo a passo. Pode começar pelo meio ou pelo fim; não
tem uma noção muito boa de tempo e não é muito capaz de dar nome às coisas e separá-las
em categoria.
Ainda hoje, embora os educadores se mostrem cada vez mais interessados na
importância do pensamento intuitivo e criativo (hemisfério cerebral direito), os sistemas
escolares, em geral, continuam estruturados em torno da modalidade típica do hemisfério
cerebral esquerdo. Numa direção linear, as primeiras matérias que estudamos são verbais e
numéricas: aprendemos a ler, escrever e contar. As aulas têm seus horários; as carteiras são
arrumadas em fila; as respostas são estereotipadas; os professores dão notas e todos sentem
que alguma coisa está faltando.
O hemisfério cerebral direito - o sonhador, o artista, o intuitivo, sente-se perdido em
nosso sistema educacional e pouco desenvolve. Talvez encontremos, aqui e ali, algumas
aulas de arte, de artesanato, de música, redação criativa; mas provavelmente não
encontraremos cursos de imaginação, de visualização, de intuição, de inventividade. No
entanto, essas são aptidões às quais os educadores aparentemente dão valor, esperando que
os alunos desenvolvam sua imaginação, percepção e intuição como consequência natural do
ensino de matérias verbais e analíticas. Felizmente, esse desenvolvimento realmente ocorre
em muitos casos, quase a despeito do sistema educacional - o que demonstra a grande
capacidade de sobrevivência do hemisfério cerebral direito.
Talvez, agora que os neurocientistas nos deram uma base conceitual para o treinamento
do hemisfério cerebral direito, possamos começar a construir um sistema educacional capaz
de educar todo o cérebro. Tal sistema deverá incluir o ensino de desenho, da pintura e
outros, que é uma forma eficaz de adquirir acesso às funções do hemisfério cerebral direito.
Assim, essa integração das funções do hemisfério cerebral esquerdo e hemisfério cerebral
direito, formará um indivíduo com maior poder de raciocinar e também intuir; de repetir e
também de criar; de usar a lógica e também a emoção, enfim, uma utilização maior de todo o
cérebro.

Desenhando com o lado direito do cérebro


Betty Edwards

15
O PONTO DE VISTA É A VISTA DE UM PONTO
Exercício 1
Você é capaz de ver duas figuras, ao mesmo tempo, em cada uma das imagens abaixo?

Exercício 2
Quantas pessoas há nesta imagem?

No paradigma clássico: há nove pessoas.


No paradigma sistêmico: há nove pessoas, mais o observador, ou os observadores, o
fotógrafo que fez a foto, quem a publicou, etc.
Dentro de um paradigma cartesiano, o observador é dissociado da observação ou do
observado. Mas dentro de um paradigma sistêmico não existe o mundo sem ninguém o
observando.

Pensar de forma sistêmica é perceber a relação e interação entre as partes,


usando o conceito de redes.
16
O FRIO PODE SER QUENTE?
Jandira Masur

As coisas têm muitos jeitos de ser,


depende do jeito que a gente vê.
O comprido pode ser curto e o pouco pode ser muito.
O manso pode ser bravo e o escuro pode ser claro.
O fino pode ser redondo e o doce pode ser amargo.
O quente pode ser frio e o que parece um mar também pode ser um rio.
Uma árvore é tão grande se a gente olha lá para cima, mas do alto de uma
montanha ela parece tão pequenina.
Grande ou pequena depende do quê?
Depende de onde a gente vê.
O domingo é tão curto, os outros dias duram tanto,
nas horas eles são iguais
a diferença deve estar naquilo que a gente faz.
O amanhã de ontem é hoje, o hoje é o ontem de amanhã
dentro dessa complicação quem tem uma explicação?
Dá até para perguntar se o amanhã nunca chega
e também para pensar hoje, ontem, amanhã depende do quê,
depende do jeito que você vê.
O pouco pode ser muito, o quente pode ser frio,
será que tudo está no meio e não existe só o bonito ou só o feio?
O comprido pode ser curto, o fino pode ser redondo,
parece mesmo que no fim o bom pode ser ruim,
e neste caso por que não o ruim pode ser bom?
Curto e comprido, bom e ruim, vazio e cheio, bonito e feio
são jeitos das coisas ser, depende do jeito da gente ver.
Ver de um jeito agora e de outro jeito depois,
ou melhor ainda,
ver na mesma hora os dois.

17
AS POSSIBILIDADES PARA UM PENSAR COMPLEXO
É muito difícil pensar complexo, porque pensamento por si só, não consegue INTEGRAR.

Nosso cérebro é dividido em dois hemisférios. O hemisfério cerebral direito com as funções
subjetivas e amplas de sentir e intuir e o hemisfério cerebral esquerdo com as funções
objetivas e focais de raciocinar e perceber.

Portanto temos quatro captadores do TODO.


 Sentimento: prazer - relacionado ao HCD
 Pensamento: dever - relacionado ao HCE
 Percepção: foco – relacionado ao HCE
 Intuição: ampliação – relacionado ao HCD

SENTIMENTO

 Sentir vem do latim sentire, que originalmente significava ouvir, escutar, porém logo
passou a significar a percepção de todos os sentidos. Para sentir preciso "escutar" e
para fazer a escuta é preciso silêncio externo e interno (silenciar o pensamento).
Sentir é uma ação interior.
 Sentimento é diferente de emoção, de sensação, de impulsividade e erotismo. Esses
são manifestações reais ou teatrais de sentimento.
 Há pessoa que pode ser sensível a si mesma, mas é uma "toupeira" em relação aos
outros; ou é sensível ao outro e não escuta a si mesma.
 Esse primeiro captador do TODO conecta você com o SENTIDO da sua vida; ou seja, o
que faz "sentido" para você e, portanto, lhe dá prazer.
 Sentimento está ligado a prazer, sabor e felicidade.
 Prazer e felicidade: ser feliz é gostar de algo e fazer algo que gosta. A felicidade é
movida pelo sentimento, pela escuta de si mesmo, considerando o outro.
 Símbolo elementar: água.

Recursos para conectar com sentimento:


 Ficar em silêncio e sozinho para desintoxicar.
 Tirar tempo para se escutar (sentir) pelo menos 10 minutos por dia. Ou seja, fazer
contato com sua essência, com o seu mundo interno.
 Fazer perguntas a si mesmo, como exemplo:
- O que estou sentindo? O que me agrada e o que me desagrada?
 Desenhar, pintar, escrever sobre o que está sentindo.
 Escutar o outro (seus sonhos, suas histórias, suas dores, etc.).
 Tomar banhos fazendo contato com seus sentimentos (chuveiro, cachoeira, mar) e
tomar mais água, porque água ajuda a limpar as toxinas do corpo e da alma.

18
 Fazer escalda-pés (colocar os pés imersos em água quente, com sal grosso e ervas
aromáticas por 10 minutos antes de dormir).

PENSAMENTO

 É a capacidade intelectual, a ordenação mental (a objetividade) e a capacidade de


comunicação. Somos seres de linguagem. Linguagem é pensamento.
 O pensamento envolve todas as atividades mentais associadas à formação de
conceitos, à resolução de problemas, à decisão, compreensão, descoberta,
planificação, criatividade, imaginação, memória e muitos outros processos mentais,
dado que o pensamento exprime o funcionamento total da mente.
 Tem a ver com dever: quando faço algo que me parece que é um dever, sou movido
pelo pensamento (pela razão). Quem tem afinidade com dever é pensamento. Dever é
um senso de prestação de serviço.
 Símbolo elementar: ar.
 Alguns tipos de pensamentos:
1. Linear: implica causa e efeito. O que caracteriza o pensamento linear é a
análise, o julgamento: certo ou errado; bom ou ruim; bonito ou feio.
Pensamento linear tem a ver com perfeição.
2. Sistêmico: liga as partes, diminui a distância entre elas e permite pensar o
conjunto (sistema) sem perder de vista todos os seus componentes. Admite-se
nesse modelo que, na articulação entre as partes, podem surgir novas
propriedades (ideias novas), o que seria impossível de ser visualizado a partir
do pensamento linear.
3. Criativo: é aquele que se utiliza na produção de novas ideias para criar ou
modificar algo existente.
4. Dedutivo: é aquele que parte do geral ao encontro do particular.
5. Indutivo: é o processo inverso do pensamento dedutivo, indo do particular
para o geral.
6. Filosófico: é uma forma de observar a realidade que procura pensar os
acontecimentos além da sua aparência imediata. Ela pode se voltar para
qualquer objeto: pode pensar sobre a ciência, seus valores e seus métodos;
pode pensar sobre a religião; a arte; o próprio homem, em sua vida cotidiana.
7. Mágico: forma primária, rudimentar com que uma criança pensa, que é
através da fantasia (imaginário). Mas se apresenta também em adultos, por
exemplo, em um homem garboso contando proezas ou no romantismo,
sentimentalismo e ingenuidade de algumas mulheres.
8. Simplório ou superficial: pensamento muito primitivo, não analisa, nem
reflete. Próprio de pessoas ingênuas, que acreditam em tudo e em todos.

Recursos para melhorar o pensamento:


 Refletir (movimento de vai e vem). Se uma pessoa de um sistema se apresenta de
uma forma, como será o outro lado do sistema?
 Ampliar a questão, sem perder o foco. Buscar o outro lado da "moeda".
19
 Levantar hipóteses: será que... E se...
 Perguntar: O que preciso fazer? O que devo fazer? E o que posso fazer?
 Discutir com o outro suas ideias, falando, mas também ouvindo e ponderando.
 Colocar no papel os seus pensamentos (teorias, ideias, criações, hipóteses) =
objetivar.
 Considerar o improvável, o imponderável, o inexplicável.
 Fazer cursos para "exercitar" seu pensamento (estudar, compreender, ir além).
 Ler, informar-se, fazer exercícios mentais (quebra-cabeças, jogos, etc.).
 Praticar exercício aeróbico porque ajuda a oxigenar o cérebro.
 Fazer exercícios de respiração.

PERCEPÇÃO

 Percepção é foco: é pegar os detalhes, captar o essencial, o objetivo, o detalhe


significativo, o limite, o ponto de partida.
 É observar colocando "maldade". Exemplo: dirigir um carro, percebendo as placas, a
direção, os buracos.
 Usar os cinco órgãos dos sentidos: tato, olfato, visão, audição, paladar.
 Tem a ver com o conceito de SER, com DIREITOS, com o EXISTIR no MUNDO FÍSICO.
 SER – é estar no mundo, ao vivo, em cores e se mexendo!
 É colocar ação, movimento e praticidade.
 TER DIREITOS: quando não gosto e não faço algo é um direito! Direito é não ter
obrigação, é regalia, é ócio. Não é preguiça, é mais sofisticado. Está ligado à
percepção de que sou gente (não deus). Eu vou saber que valho pelo que sou; não,
pelo que eu faço.
 Símbolo elementar: terra.

Recursos para despertar a percepção

 Observar à sua volta os pequenos detalhes, as pequenas mudanças.


 Observar as pessoas, o que vestem, como falam, o tom de voz, o movimento do corpo.
 Focar a questão apresentada para você e ir "esmiuçando" (ser curioso): quando,
como, por que e para quê (pôr "maldade").
 Prestar atenção em você, no seu corpo, no momento presente (COMO EU SOU - O
SER).
 Prestar atenção no outro: como a pessoa se apresenta para você - o que “combina e o
que não combina.”
 Praticar exercícios físicos que o faça "suar", materializar, estar aqui presente.
 Andar descalço, mexer com terra (jardinagem, cerâmica, barro, argila).
 Lembrar-se de que humano vem da palavra humos: terra. Humanos são seres da
terra.

¨Da terra viemos, para a terra retornaremos.”

20
INTUIÇÃO

 É um captador da amplitude: capta o subjetivo, o invisível. É o que chamamos de


"sensação": desconfiar, farejar, sentir o cheiro.
 A intuição tem a capacidade de "andar de avião”, ou seja, varre o espaço amplo, fareja
no ar o que pode vir a acontecer ou o que está acontecendo e ainda não é visível neste
plano.
 Intuir é a forma de captar informações (e decidir) sem recorrer aos métodos de
raciocínio lógico.
 É ter informações, dados e conhecimentos teóricos e práticos armazenados no
inconsciente, mas agir sem a necessidade de trazê-los ao consciente.
 É fazer conexão não local.
 É a capacidade de antecipar o futuro através de imagens e insights.
 Quem não intui, não acredita no invisível.
 Tem a ver com DESEJAR/ IMAGINAR (imaginário).
 Desejar e querer: aquilo que gosto, mas não faço é um desejo (não invisto). Fico
sonhando, portanto, desejo é do imaginário, da intuição.
 Símbolo elementar: fogo, energia ígnea (ativa e instantânea).

Recursos para acionar a intuição:

 Uso do imaginário - criar imagens, criar metáforas.


 Exercícios de estar sozinho e estar em silêncio para intuir, para farejar.
 Todo e qualquer exercício que acione o hemisfério cerebral direito: pintar, desenhar,
representar, etc.
 Prestar atenção na linguagem dos sonhos, nas sincronicidades, aos sinais que a vida
lhe dá, ao sutil.
 Atividades que use fogo: cozinhar, queimar papéis, fogueiras (o fogo aciona o nosso
espírito, a energia ígnea).
 Massagear o 3º olho (a Kundalini) acionando a energia para esse ponto.
 Meditação, caminhadas em silêncio, yoga, Tai Chi Chuan, Lian Gong, etc.

O pensamento e a intuição: compreensão (HE + HD)


Quando a pessoa articula o pensamento (reflexão mental, raciocínio lógico) com a
intuição (ilógico, indescritível), tem então uma compreensão maior.
Sentimento e a percepção: realização (HD + HE)
Quando a pessoa articula o sentimento (escuta) com todo esse conteúdo da percepção (o
prático, o detalhe, o foco, o essencial, "maldade"), está abrindo um canal para o TODO, para o
REAL, para a REALIZAÇÃO.

EXERCÍCIO – na página seguinte, observando os quadros correspondentes, escreva:


O QUE GOSTA E FAZ; O QUE GOSTA E NÃO FAZ; O QUE NÃO GOSTA E FAZ; O QUE NÃO GOSTA E NÃO FAZ.

21
GOSTO NÃO GOSTO

F
A
Ç
O

N
Ã
O

F
A
Ç
O

QUADRO – OS 4 CAPTADORES DO TODO


 O que gosto e faço – está ligado ao sentimento e aos prazeres (delícias).
 O que gosto e não faço – está ligada à intuição e aos desejos (imaginário).
 O que não gosto e faço – está ligado ao pensamento e aos deveres (tenho que).
 O que não gosto e não faço – está ligado à percepção (foco) e aos direitos (regalia).

22
PENSAMENTO CRIATIVO E PENSAMENTO REPETITIVO
"Penso 99 vezes e nada descubro.
“Deixo de pensar, mergulho no silêncio, e a verdade me é revelada”.
Einstein

VER MELHOR
Todo olho tem um "ponto cego", portanto cada um de nós tem uma das quatro funções
dos captadores do TODO menos ativada. Precisamos saber qual delas é menos desenvolvida,
para saber onde estamos deixando vazar energia.

O terapeuta sistêmico ajuda o cliente a se ver melhor. Uma de suas funções é de


negociador e diplomata. É importante mostrar ao cliente o seu ponto cego, mas também
ajudá-lo a se abrir para melhores negociações com a vida. Já a “função” do cliente é resistir
em enxergar seu ponto cego e tentar provar que não tem responsabilidade sobre aquilo,
além de achar que a culpa é do outro.

COMO ENXERGAR O PONTO CEGO?

 Fazendo pausas, rupturas. A pausa nos tira do repetitivo e nos capacita a ver melhor.
 A pausa nos tira da morbidez, do apego, da inércia.

Quando o cliente busca a terapia, ele geralmente chega com algo repetitivo, algo mórbido
e apegado que é o seu SINTOMA. Assim, o terapeuta sistêmico entende que aí tem um mal
maior escondido, que é um ponto cego para o cliente.
O terapeuta precisa criar uma pausa nesse PENSAMENTO DESARTICULADO do cliente e
mudar a direção da "prosa" (dar uma volta de 180º). O terapeuta introduz o novo, o inédito, o
inusitado, usando metáforas, analogias, imagens, exercícios, fotos e tantos outros recursos,
como forma de ajudar o cliente a fazer uma pausa em seus pensamentos padronizados,
repetitivos e sem saída. E, assim, introduz uma nova forma de ver a situação.

PENSAMENTO CRIATIVO

"Definir é matar, sugerir é criar.”


Mallarmé

 O pensamento do terapeuta sistêmico deverá ser um pensamento CRIATIVO:


sentindo, pensando, percebendo e intuindo.
 Não criamos o novo, mas criamos condições para que o novo surja, através da pausa,
da respiração, da inspiração.
 Uso da respiração: é fazer contato com o corpo. Tudo o que está vivo respira.
 Uso da inspiração: é fazer contato com a alma.

23
PENSAMENTO REPETITIVO

"Nascemos originais e nos tornamos cópias."

 Nós não nos identificamos com o nosso corpo. Nós nos identificamos com o nosso
pensamento. Assim, usamos mais o pensamento e ficamos “pobres”, dissociados,
iludidos.
 Desde os tempos de Newton, Descartes e depois com a revolução industrial, o homem
vem ficando cada mais vez mais deslumbrado com o pensamento mecanizado. Isso
porque o pensamento mecanizado, linear é mais econômico e rápido, levando-nos à
inércia e à padronização. Quanto mais intelectualizada for uma pessoa, mais
“preguiçosa” no aspecto físico, ela é.
 Pensamento desarticulado é apegado, vê sempre do mesmo jeito (ponto cego). Ele
não acompanha o momento, não é ao vivo e em cores. É igual macaco. Pula de galho
em galho, pra frente, pra trás.
 O corpo é que nos dá presença, de estar onde devemos estar. E o centro da
presença é a respiração.
 Pensamento repetitivo é ladrão de alegria. Contrai a respiração, vem angústia.
Observação: o ponto da angústia pela Medicina Tradicional Chinesa, localiza-se na
altura do osso esterno.
 Achamos que somos o que pensamos. Isso não é verdade, porque pensamos de forma
repetida, como a nossa família, a nossa cultura (valores, regras). Temos padrões de
funcionamento pensados pelo nosso contexto familiar, social, etc. É repetição, é
inércia, é pensamento desarticulado. Não é criativo.
 Pensamento não quer saber do REAL, embora uma das funções dele seja facilitar o
contato com o TODO, o REAL. Pensamento quer saber de ILUSÃO, de parte. Ex: a gula
não vem do corpo, vem do pensamento. Ou seja, o corpo nos dá noção do REAL e o
pensamento pode nos levar para a ILUSÃO.

QUAL O LUGAR DO PENSAMENTO?

O lugar do pensamento em nossa vida é ao lado do sentimento, da percepção e da


intuição e não ao centro como tendemos colocá-lo. Tudo tem um poder e uma função útil
quando está no seu lugar.
Nós, terapeutas, precisamos tomar cuidado para não colocarmos o pensamento no
centro, porque senão vira "psicologismo”. Entendemos muito, explicamos muito, mas não
criamos nada.

“A verdadeira criatividade é criar uma resposta em alguém."


Ernest Dichter

24
O PROCESSO CRIATIVO
"Meu conselho aos jovens em começo de carreira é que procurem perceber o simples contorno
das grandes coisas com espírito aberto, desarmado e sem preconceito."
Hans Selye, Físico.

Os quatro passos do processo criativo


1. Explorador: ao sair em busca de novas informações, seja um explorador.
2. Artista: ao transformar dados em ideias novas, seja um artista.
3. Juiz: ao ponderar sobre uma ideia, seja um juiz.
4. Guerreiro: ao colocar sua ideia em prática, seja um guerreiro.

O que posso fazer para meu desempenho criativo ficar a mil?

O conselho é: seja explorador, artista, juiz e guerreiro.

Para essa ideia ficar mais simples de ser apreendida, proponho o seguinte exercício:
Há cinco perguntas listadas abaixo.
Se você praticou qualquer uma das atividades apresentadas em cada questão, assinale ao
lado da pergunta.

1. ALGUMA VEZ VOCÊ ...


- Caçou sucata ou coisas de segunda mão?
- Examinou asa de borboleta em microscópio ou procurou constelação em telescópio?
- Pesquisou o mercado para um produto novo?
- Assistiu a uma conferência fora de sua área de interesse?
- Fez a mesma pergunta com três formulações diferentes a uma pessoa, para saber o
que ela realmente pensava do assunto?

2. ALGUMA VEZ VOCÊ ...


- Preparou um jantar de especialidades gastronômicas?
- Fez a pergunta "e se"? diante de uma planilha de cálculos?
- Dançou à luz da lua, tarde da noite?
- Escreveu um poema, uma frase interessante ou inventou uma piada?
- Ficou imaginando coisas do tipo: por que as árvores e os rios têm formas parecidas?

3. ALGUMA VEZ VOCÊ...


- Saiu para fazer cotação de preços (de qualquer coisa)?
- Comprou um disco de um cantor desconhecido ou livro de autor desconhecido?
- Investiu em alguma coisa?
- Tomou uma decisão que radicalizou ou mudou totalmente a sua vida?
- Votou numa eleição não obrigatória?

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4. ALGUMA VEZ VOCÊ...
- Vendeu ou comprou alguma coisa por telefone ou internet?
- Esteve envolvido em esportes de competição?
- Abriu um negócio (empresa, loja, escritório, consultório, etc.)?
- Negociou um contrato (de trabalho, de aluguel, de compra e venda etc.)?
- Participou de alguma encenação ou peça de teatro?

5. ALGUMA VEZ VOCÊ...


- Usou tintas e variedades de cores para pintar (paredes, telas, móveis, etc.)?
- Falou na língua do "P"?
- Brincou de girar até ficar "tonto"?
- Andou de marcha à ré?
- Criou melodias, paródias, músicas?

Agora uma chance para você se avaliar em cada papel criativo (Explorador, Artista, Juiz,
Guerreiro):

1- Como você classificaria seu Explorador?


- Meus amigos me chamam de "cabeça de avestruz".
- Só vejo o que está diante do meu nariz.
- Dou um tempo para explorar as coisas.
- "Vou e vejo", esse é meu apelido.
- Junte os exploradores: Cristovão Colombo e a Apollo 11. Sou eu!

2- Como classificaria seu Artista?


- Minha imaginação está de "molho".
- Até que consigo seguir uma receita.
- Sou bom em ideias novas.
- Sou parte mágico, parte poeta, parte criança.
- Picasso e Einstein, abram alas que aí vou eu.

3- Como classificaria seu Juiz?


- Decidir? Sei lá, são mil coisas...
- Vamos tirar cara ou coroa para facilitar.
- Demoro muito para decidir.
- Decido e acerto mais do que erro.
- Sou do tipo Salomão, justo e preciso para julgar e decidir.

4- Como classificaria seu Guerreiro?


- Um perfeito palerma.
- Vou muito bem, até alguém começar a me atrapalhar.
- Levanto sempre que me derrubam.
- Eu realmente faço as coisas acontecerem.
- Sou um guerreiro do tipo César, Napoleão...
26
ELENCO CRIATIVO
Cuide bem do seu elenco criativo (Explorador, Artista, Juiz e Guerreiro).
Com esse elenco em forma, você consegue se sair bem em qualquer situação! Para viver
bem é preciso ter muito "jogo de cintura", perspicácia, curiosidade e ação.

E para ser um bom psicoterapeuta, então! Só com muita criatividade...

Então, imagine as consequências de ter um "canastrão" no seu elenco criativo. Um


explorador sempre com a cabeça enfiada na areia, não pode trazer novas informações. Um
artista sem inspiração fará obras banais, desprovidas de impacto. Um juiz que não tenha
senso crítico é incapaz de distinguir entre lixo e ideias potencialmente boas. E se o guerreiro
é moleirão, pode dar adeus à realização dos seus planos. Portanto, faça o possível para
colocar e manter esses personagens em forma dentro de você.

Agora, tão importante quanto conhecer os papéis, é saber quando entrar em cena:
senso de oportunidade é fundamental. Usar determinado personagem na hora errada - como
o juiz para garimpar informações ou o artista para pôr uma ideia em prática - é incoerente. É
como dirigir em marcha ré numa via expressa. Quem entra com a personagem errada na
hora errada não vai longe. Logo, preste atenção ao tipo de pensamento adequado a cada
situação e só então assuma o papel.

Algumas pessoas são tão apegadas a um tipo de personagem que acham difícil mudar
de papel. Isso pode ser desastroso para seu desempenho criativo.
Exemplo: se você ficar preso ao papel de explorador, talvez jamais consiga extrair uma
ideia das informações que colher. Se aderir ao artista, gastará todo o seu tempo inventando e
reinventando sua ideia, sem nunca sair do lugar. Se vestir sempre a toga do juiz, vai inibir o
artista e ficar pesando suas ideias durante tanto tempo que, quando decidir, será tarde
demais. Se incorporar o guerreiro, que é louco para ver as coisas funcionando, irá agir sem
antes saber se os outros personagens deram conta de suas funções devidamente.

O TERAPEUTA SISTÊMICO

 É explorador: é curioso, contextualiza, faz perguntas sistêmicas.


 É artista: cria situações, inventa oportunidades, “pinta e borda”.
 É juiz: avalia riscos, custos, benefícios e prejuízos.
 É guerreiro: é representante de empenho e entusiasmo para viver e ir além.

27
PENSAMENTO LINEAR, SISTÊMICO E COMPLEXO

1. Em primeiro lugar, lembremos o exemplo de Joseph O’Connor e Ian McDermott. A


Terra é plana? É claro que sim: basta olhar o chão que pisamos. No entanto, como
mostram as fotografias dos satélites e as viagens intercontinentais, ela é obviamente
redonda. Concluímos então que do ponto de vista do pensamento linear, de
causalidade simples e imediata, a Terra é plana. Uma abordagem mais ampla, porém,
mostra que ela é redonda e faz parte de um sistema.
2. Precisamos dessas duas noções para as práticas do cotidiano. Mas elas não são
suficientes, o que nos leva a ampliar o exemplo desses autores e dizer que:
 do ponto de vista do pensamento linear a Terra é plana;
 pela perspectiva do pensamento sistêmico ela é redonda;
 por fim, do ângulo do pensamento complexo — que engloba os dois
anteriores — ela é ao mesmo tempo plana e redonda.

Recapitulemos:
O pensamento linear, ou linear-cartesiano, é a tradução atual da lógica de Aristóteles. Trata-
se de uma abordagem necessária (e indispensável) para as práticas da vida mecânica, mas
que não é suficiente nos casos que envolvem sentimentos e emoções. Ou seja, não é capaz de
entender e lidar com a totalidade da vida humana.

O pensamento sistêmico é um instrumento valioso para a compreensão da complexidade do


mundo natural. Porém, quando aplicado de modo mecânico, como simples ferramenta (como
se vem fazendo nos dias atuais, principalmente nos EUA, no mundo das empresas),
proporciona resultados meramente operacionais, que não são suficientes para compreender
e abranger a totalidade do cotidiano das pessoas.

Em outras palavras, o pensamento sistêmico pode proporcionar bons resultados no sentido


mecânico-produtivista do termo, mas certamente não é o bastante para lidar com a
complexidade dos sistemas naturais, em especial os humanos.

É indispensável ter sempre em mente que, pesando-se a sua grande importância, o


pensamento sistêmico é apenas um dos operadores cognitivos do pensamento complexo.
Por isso, quando utilizado, como tem sido, separado da ideia de complexidade, diminui a sua
eficácia e potencialidades.

O pensamento complexo resulta da complementaridade (do abraço, como diz Edgar Morin)
das visões de mundo linear e sistêmica. Essa abrangência possibilita a elaboração de saberes
e práticas que permitem buscar novas formas de entender a complexidade dos sistemas
naturais e lidar com ela, o que evidentemente inclui o ser humano e suas culturas. As
consequências práticas dessa visão bem mais ampla são óbvias.

28
ALGUNS PRINCÍPIOS DO PENSAMENTO COMPLEXO

 Tudo está ligado a tudo.


 O mundo natural é constituído de opostos, ao mesmo tempo, antagônicos e
complementares.
 Toda ação implica um feedback.
 Vivemos em círculos sistêmicos e dinâmicos de feedback, e não em linhas estáticas de
causa-efeito imediato.
 Por isso, temos responsabilidade em tudo o que influenciamos.
 O feedback pode surgir bem longe da ação inicial, em termos de tempo e espaço.
 Todo sistema reage segundo a sua estrutura.

A estrutura de um sistema muda continuamente, mas não a sua organização.


 Os resultados nem sempre são proporcionais aos esforços iniciais.
 Os sistemas funcionam melhor por meio de suas ligações mais frágeis.
 Uma parte só pode ser definida como tal em relação a um todo.
 Nunca se pode fazer uma coisa isolada.
 Não há fenômenos de causa única no mundo natural.
 As propriedades emergentes de um sistema não são redutíveis aos seus
componentes.
 É impossível pensar num sistema sem pensar em seu contexto (seu ambiente).
 Os sistemas não podem ser reduzidos ao meio ambiente e vice-versa.

Alguns benefícios do pensamento complexo


 Facilita a percepção de que a maioria das situações segue determinados padrões.
 Facilita a percepção de que é possível diagnosticar esses padrões (ou arquétipos
sistêmicos, ou modelos estruturais) e assim intervir para modificá-los (no plano
individual, no trabalho e em outras circunstâncias).
 Facilita o desenvolvimento de melhores estratégias de pensamento.
 Permite não apenas entender melhor e mais rapidamente as situações, mas também
ter a possibilidade de mudar a forma de pensar que levou a elas.
 Permite aperfeiçoar as comunicações e as relações interpessoais.
 Permite perceber e entender as situações com mais clareza, extensão e profundidade.
 Por isso, aumenta a capacidade de tomar decisões de grande amplitude e longo prazo.

O que se aprende por meio do pensamento complexo


 Que pequenas ações podem levar a grandes resultados (efeito borboleta).
 Que nem sempre aprendemos pela experiência.
 Que só podemos nos autoconhecer com a ajuda dos outros.
 Que soluções imediatistas podem provocar problemas ainda maiores do que aqueles
que estamos tentando resolver.
 Que não existem fenômenos de causa única.
 Que toda ação produz efeitos colaterais.
29
 Que soluções óbvias, em geral, causam mais mal do que bem.
 Que é possível (e necessário) pensar em termos de conexões, e não de eventos
isolados.
 Que os princípios do pensamento sistêmico podem ser aplicados a qualquer sistema.
 Que os melhores resultados vêm da conversação e do respeito à diversidade de
opiniões, não do dogmatismo e da unidimensionalidade.
 Que o imediatismo e a inflexibilidade são os primeiros passos para o
subdesenvolvimento, seja ele pessoal, grupal ou cultural.

Este texto faz parte do livro de Humberto Mariotti


As Paixões do Ego: Complexidade, Política e Solidariedade
(São Paulo, Editora Palas Athena, 2000)

30
PARTE 2

ABORDAGEM SISTÊMICA

“O ser humano tem um jeito de ser. Nunca vai deixar de ser humano.”

Zélia Nascimento

A NATUREZA HUMANA
Fonte: Curso Zélia Nascimento
Belo Horizonte, MG.

Pensando no ser humano de forma sistêmica e complexa consideramos que:

1. NASCE “MERGULHADO” IMAGINÁRIO


 Nascemos com a capacidade de criar imagens (arquétipos) e seguimos vida afora
imaginando. Muitas vezes, confundimos pensar com imaginar. O imaginário sempre
será maior do que o real. O real coloca limites.
 Todo tempo estamos imaginando, criamos expectativas e quando vem o TESTE DO
REAL temos uma decepção ou até mesmo uma frustração, de acordo com nossa
capacidade de lidar com o real.
 O ser humano tem dificuldades de perceber e lidar com o REAL, tendendo a
permanecer no imaginário e criar ilusão, faz de conta.
 O Real pede interação, negociação, parceria.

2. TENDÊNCIA A SER CÓPIA - crenças, moda, mito.

“Pra que cara feia? Na vida ninguém paga meia!”

Paulo Leminsky

 Toda criança é crente, adolescente é descrente e adulto tem valores próprios.


 Mas ser adulto é diferente de “adulterado”. Adulto é quem responde pelas suas
felicidades e infelicidades e “paga inteira”.
 Ser humano prefere ser cópia a ser original, por lealdade familiar ou por não querer
responder por suas escolhas.

31
3. TENDÊNCIA À INÉRCIA

“Tudo tende para a paralisação, para a inércia.”


M. Jakob e P. Virilio

 O termo inércia, da 1ª. Lei de Newton diz: existe na natureza uma tendência de não se
alterar o estado de movimento de um objeto, isto é, um objeto em repouso tende
naturalmente a permanecer em repouso. Um objeto com velocidade constante tende
a manter a sua velocidade constante.
 Homeostase estática é um termo usado em Terapia Familiar Sistêmica, sobre uma
disfunção do ciclo de vida familiar – muda-se o ciclo vital, mas tudo é feito pelo
sistema familiar para se autorregular e manter o “clima”.
 Acomodação: a vida busca evolução, mas o ser humano busca acomodação.
 A conclusão é que o ser humano tem dificuldades com mudança.
 O terapeuta sistêmico deve prestar atenção ao pedido de ajuda do cliente, quando o
cliente chega ao consultório, falando de sua queixa, está implicitamente dizendo:

“Ajude-me a mudar, contanto que nada mude”.

4. DIFICULDADES DE PENSAR ARTICULADO


 Pensamento desarticulado: ou isto ou aquilo X pensamento articulado ou complexo:
isto & aquilo.
 Hemisfério cerebral direito: caracteriza-se pela subjetividade, aquilo que passa pelo
NÃO VERBAL, pelo que eu SOU DE FATO. Aparece na linguagem corporal, por
exemplo. Subjetivo vem de sujeito – sentimento, sensibilidade, processo interior.
 Hemisfério cerebral esquerdo: caracteriza-se pela objetividade, passa pelo VERBAL. O
que EU QUERO que os outros pensem a meu respeito.

5. NARCISISMO PRIMÁRIO - vaidade e inveja

“Somos filhos de Deus, mas educados pelo diabo.”

 Ser humano busca reconhecimento - lado luz - a aparência conveniente ao mundo


exterior e esconde o que se é por essência - lado sombra – segredos.
 Ser humano tende a ser teatral. “Você é uma pessoa ou uma personagem?”
PESSOA – essência. É de foro íntimo – o que eu sinto e o que faz sentido.
PERSONAGEM – aparência. É uma máscara muito útil no mundo externo.
Quando desintegrado da essência é um engano, encenação, psicopatia, loucura.
 Ser humano tende a viver na vaidade excessiva, na busca de perfeição e
autovalorização, no mundo externo, com dificuldade de viver a humildade e de ser
apenas humano.
 Humildade vem do Latim húmus que significa "filhos da terra".

32
6.QUER TER RAZÃO E PODER
 Uso excessivo do pensamento de causa e efeito (o porquê).
 Uso do pensamento trágico – sem saída – rigidez, perfeição, vaidade.
 Uso do pensamento dramático – uso abusivo das emoções, para manipular e ter
razão. A emoção é objetiva, porque é externa, é ação. Desastres, tragédias, perigos,
abusos, pecados são mais interessantes (filmes, novelas, jornais).
 Existem os “construtores” dos dramas e tragédias e existem os “cuidadores” dos
dramas e tragédias (jornal, revistas, polícia, igrejas, psicólogos, assistentes sociais,
médicos, governo...).
 O ser humano em geral, não busca ser feliz, busca ter razão e poder.
 O ser humano troca suas relações amistosas, em geral, por relações de poder ou de
disputa de poder: entre marido e mulher, entre o cliente e o terapeuta, etc.

7. QUER SER IMPORTANTE E LEVA-SE MUITO A SÉRIO


 Gente séria se pensa muito importante e, portanto é deprimida.
 Gente deprimida age como se perguntasse assim: “onde foi que eu perdi a minha
importância?“
 Como se leva muito a sério, considera ofensivo à sua ”importância” as perdas, os
fracassos, as frustrações, os nãos, etc.

8. VIVE DESFOCADO DO TEMPO PRESENTE – no passado ou no futuro.


 Tem uma tendência de viver no passado ou de viver ansioso com o futuro.
 Usa muito de culpas ou de desculpas (culpas do passado e desculpas para o presente).
 Uso de frases como: - “agora é tarde demais!” “me sinto culpado por...” “a culpa é de...”

AS DIFICULDADES NA COMUNICAÇÃO HUMANA

 Gregory Bateson (antropólogo e pesquisador da comunicação humana) constatou


que, em cada comunicação humana, existem duas afirmações. Cada mensagem possui
um nível de objeto e um nível de relação. Exemplo: Uma mulher pergunta ao seu
marido: _ “Esta sopa é uma receita nova – você está gostando?” Ao nível do objeto
(sopa) a resposta é não. Ao nível das relações, ele precisaria dizer sim, pois ele não
quer magoá-la.
Do livro Sempre pode piorar ou a arte de ser (in)feliz. Paul Watzlawick
 Faz uso da comunicação de duplo vínculo. Trata-se de uma situação que se estabelece
quando uma pessoa se vê diante de mensagens simultâneas de aceitação (amor) e
rejeição. O fato de tais mensagens serem simultâneas e contraditórias faz com que
quem as receba fique confuso.
 O ser humano é naturalmente paradoxal : “Se você me ama, não me ame.”

33
SER HUMANO É DIFERENTE DE SER HUMANO
EM PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO

Passos para a humanização:

 lidar com o tempo no presente;


 saber pedir: a quem, o quê, quanto, lembrando que pedido é
passível de ser recusado;
 saber dar: a quem, o quê, quanto. Lembrando-se de que
“dar” deve ser com quem faz trocas, para não causar inveja
(sentimento de inferioridade) a quem recebe, e nem
conferir poder (sentimento de superioridade) a quem dá;
 saber receber: com sentimento de gratidão e não de débito;
 saber agradecer: ser grato é um ato de humildade.

Somente assim estamos preparados para relacionarmos,


fazendo trocas humanas e humanizadas.

34
"Se a psicoterapia deve ser realmente um
encontro humano, ela requer um terapeuta que
tenha retido a capacidade de ser uma pessoa.
Eu considero um guia básico para meu
papel profissional o de maximizar o crescimento
de todos os envolvidos no processo terapêutico,
inclusive o meu próprio. Talvez antes de tudo, o
meu próprio...
Minha capacidade de ser real, de estar vivo
durante a sessão, de responder de forma pessoal
é a essência do que eu tenho para oferecer..."

Carl Witacker

35
PARTE 3

A PESSOA DO TERAPEUTA
“Como é por dentro outra pessoa
quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
com que não há comunicação possível,
com que não há verdadeiro entendimento.
Nada sabemos da alma
senão da nossa;
a dos outros são olhares,
são gestos, são palavras,
com a suposição de qualquer semelhança no fundo.”

Fernando Pessoa

TERAPEUTA É GENTE QUE LIDA COM GENTE

 O terapeuta não perde de vista que é humano e limitado.


 Entende que oferece consultas e, ao ser consultado, deverá oferecer um
conhecimento e ampliação da consciência, que o outro ainda não desenvolveu.
 Sabe também que seu trabalho é de ajuda, não de socorro ou salvação.
 O terapeuta trabalha com a própria “inércia” e com a “inércia” do cliente.
 Presta atenção no próprio padrão de funcionamento, no padrão de funcionamento do
cliente e também no padrão de interação do sistema terapêutico que começa a se
definir no momento em que o cliente liga para marcar uma consulta.
 Tem uma percepção das condições próprias (como terapeuta) para lidar com o caso e
percepção das condições do seu cliente para efetuar as mudanças.
 Faz uma avaliação dos riscos, próprio e do cliente, ao iniciar essa empreitada.
 Faz uma avaliação do nível de humanização do cliente: se ele faz um pedido ou uma
queixa; se sabe receber ou lhe é humilhante precisar de ajuda; se sabe esperar; se
sabe dar e se tem o conceito de gratidão internalizado. Essa avaliação ajuda o
terapeuta a ter uma "medida" do grau de resistência e do grau de intervenção a ser
efetuada com o cliente.
 O terapeuta deve saber que gente precisa de limites (postura firme) e que também
tem limites (temporários ou permanentes).

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 Ao cliente deve ser comunicado que terapeuta e terapia também têm seus limites
(não tem soluções mágicas) e que há regras básicas para o trabalho acontecer (um
contrato terapêutico).
 O terapeuta precisa lembrar que o ser humano é paradoxal. Ele deve perceber as
diferenças entre PRECISAR E DESEJAR: ou seja, precisar e não desejar terapia poderá
ser um grande impasse terapêutico.
 O terapeuta trabalha com as expectativas próprias e as do cliente, evitando
frustrações e desistências. Tem noção de responsabilidade compartilhada e sabe que
o processo evolutivo é cheio de recaídas - Cristo que é filho de Deus, caiu 3 vezes...

A DOR DO OUTRO E A DOR DO TERAPEUTA

“Cada um sabe da dor e da delícia de ser o que é.”


Caetano Veloso

 O terapeuta sistêmico tem dor e sofrimento, mas sabe a diferença entre um e outro.
Sabe que dor passa, mas sofrimento não, porque é algo ligado à forma de como se
pensa sobre um fato. O sofrimento está ligado ao pensamento de importância e
orgulho ferido, sem humildade com a vida. É algo da natureza humana.
 O terapeuta sistêmico tem compaixão tanto com a dor, quanto com o sofrimento.

O TORNAR-SE TERAPEUTA

Ninguém nasce terapeuta, mas torna-se.


A sugestão é pensar em como você se tornou um terapeuta. Abaixo são oferecidas
algumas perguntas como forma de reflexão. A ideia é você localizar no tempo e no espaço de
sua vida, como surgiu essa profissão para você, muitas vezes a escolha pode estar ligada a
resgates e reparações das histórias familiares.

 A profissão de terapeuta foi uma escolha, uma missão, um acaso, um pedido de


alguém, uma herança inter ou transgeracional?
 Onde está o “doido” ou o “doído” da sua história?
 Quem participou desta sua história profissional? Apoiando ou sendo contrário.
 O que foi ou o que ainda é difícil em sua vida profissional?
 O que foi ou o que ainda é fácil em sua vida profissional?
 Você, como pessoa, não como terapeuta, acredita em terapia?

Sugestão de vídeo sobre o tema:


Monty Roberts - O encantador de cavalos
Acesse o link do youtube:
https://www.youtube.com/watch?v=QDJ9nKWswVY

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QUAL O SEU ESTILO COMO TERAPEUTA?

Modelos e cópias e o tornar-se original.

“Aprender a transformar o medo em respeito e o respeito em confiança.


De decisões minhas e não de terceiros.
E eu me sentia suficientemente capaz de solucionar todos os problemas que surgissem.
De encontrar saídas para os apuros em que porventura me metesse.
Se estava com medo? Mais do que a espuma das ondas. Estava branco de medo.
Mas, ao me encontrar, afinal só e independente, sentia uma súbita calma...
Era preciso vencer o medo e começar. O grande medo, meu maior medo da viagem, eu venceria
ali, em meio a bagunça daquela situação. Era o medo de nunca partir.
Sem dúvida, este foi o maior risco que corri: não partir.”
Amyr Klink – Cem dias entre céu e mar

Um terapeuta poderá fazer várias formações, estudar várias abordagens, ter mestres e
supervisores, mas não poderá ser apenas uma cópia.
Quando estiver em frente ao cliente, precisará ter movimento próprio, ser criativo,
pensar com a própria cabeça e sentir com o próprio coração.
Abaixo, algumas perguntas para reflexão:
 Quais são as escolas e teorias que você usa como modelos?
 Você consegue localizar, dentro dessas escolas e modelos, o seu ponto original?
 Você confia ou desconfia de você como terapeuta?

A ATENÇÃO DO TERAPEUTA SISTÊMICO

 É uma atenção que desenvolve a percepção aguçada, fazendo movimentos de


ampliar e focar todo o tempo, desde o momento em que o cliente ligou, fazendo
integração de hemisfério cerebral esquerdo e direito.
 Exemplo: faz escuta de hemisfério cerebral esquerdo, prestando atenção nas
narrativas, nos dados; mas também faz uma “escuta” de hemisfério cerebral direito,
prestando atenção ao não verbal, ao corpo, aos movimentos, ao tom de voz, ao
simbólico, etc.

RELAÇÃO TERAPEUTA E CLIENTE

 O ser humano pode ter vários tipos de relações, algumas delas são:
a. Viva - onde duas pessoas interagem com vivacidade, fazem trocas, aprendem,
ensinam, doam, recebem. O sentimento entre as pessoas é de gratidão.
b. Morta ou relação de co-dependência - onde tem um “morto”, desvitalizado,
pesado, inerte, doente, problemático e um outro que se faz de vivo e que o arrasta.
O terapeuta precisa prestar atenção para não ser o “vivo” que arrasta morto,
criando uma relação de poder.
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c. Combativa ou tóxica - relação com disputa de poder, que também pode surgir
entre terapeuta e cliente.

O TRABALHO DO TERAPEUTA É COM O REAL

 O terapeuta ajuda o cliente a entrar em contato com o REAL.


 O Real é integrador e ajuda o cliente a se desdobrar na vida.
 Quando o terapeuta introduz o Real, as chances de sucesso terapêutico aumentam
muito.
 O Real é o TODO – o que é e não é, o bom e o ruim, o dia e a noite, a alegria e a tristeza,
o fácil e o difícil, o sim e o não...
 A ilusão é pegar uma parte e dizer que é o todo. Como número de ilusionista, mostra-
se o coelho saindo da cartola, mas não é visto de onde ele veio. O mágico mostra uma
parte e a outra não aparece.
 Ser humano adora número de ilusionismo. Mas é no Real que a vida se processa.

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PARTE 4

O ENCONTRO TERAPÊUTICO
A pessoa do terapeuta precisa "contar consigo"
muito mais e muito além das técnicas!
Carl Witacker

UM ENCONTRO HUMANO
Texto organizado a partir do livro:
Dançando com a Família
Carl Witacker

A pessoa do terapeuta é quem detém a dinâmica da psicoterapia - a presença e a


expressão de sua personalidade dão forma e vida às teorias e técnicas que são utilizadas
como recurso para desenvolvimento do processo clínico.
Para que a psicoterapia seja efetivamente um encontro humano, como tal, um desenrolar
evolutivo de no mínimo dois indivíduos, o maior desafio do terapeuta é manter e reter a sua
capacidade de ser uma pessoa.
A estrutura do papel profissional que o terapeuta escolherá, deverá ser selecionada a
partir de dois pressupostos:
1. a tipologia da família e do sofrimento que a trouxeram ao pedido de ajuda
terapêutica;
2. a individualidade do terapeuta, seu sistema de crenças, sua habilidade de se envolver
com a família sem perder a mobilidade de transitar com ela como guia e não adotar a
responsabilidade de salvá-la.
Alguns instrumentos e questionamentos são essenciais para a conscientização do
profissional de suas áreas de habilidade e de risco - o conhecimento claro de:
a) sua história;
b) seus pontos de referência (premissas de vida);
c) seus preconceitos;
d) sua visão básica sobre as pessoas que estão sendo atendidas (clientes, pacientes), sua
compreensão sobre a intencionalidade oculta que os mantém no movimento que os
sacrifica (o movimento disfuncional relacional);
e) seu entendimento sobre o motivo que os conduz a se tratarem da maneira como se
tratam.

40
O processo terapêutico basicamente acontece em torno de pessoas e relacionamentos
e não de técnicas interventivas, compreensões teóricas e direções para alívio de sofrimentos.
Para que o terapeuta possa ser útil à família, a busca deve ser de instrumentalizar o
encontro terapêutico. Ou seja, o terapeuta utiliza as cenas formadas durante as sessões para
atingir os elementos envolvidos no jogo de maneira significativa.
A família, ao procurar a terapia, já fez a distribuição de cargos e títulos e tem uma
consciência do caminho para a solução dos impasses a serem trabalhados. Também já
existem culpados e vítimas, já há um quadro de responsabilidades e danos e todos os
envolvidos no jogo viciado que os mantém aprisionados.
A ótica do sistema familiar precisará ser alterada, a família precisa poder enxergar a si
e aos seus relacionamentos de novas formas, sua "comodidade" deverá ser perturbada para
que o crescimento aconteça num movimento crescente, contínuo e contagiante. Somente
através da coragem de tentar "viver" uma mesma situação de outra maneira é que o esforço
do desenvolvimento será acionado.
Um terapeuta sem coragem terá dificuldades para provocar o potencial de expansão
de um sistema em tratamento. Quando a pessoa do terapeuta se intimida para pressionar,
provocar, instigar ou até mesmo convidar a família a identificar os sentimentos gestados na
sessão(repetições dos padrões familiares vividos fora do consultório), o sistema de crenças
que estará sendo validado é que o terapeuta escolheu decidir pela família por acreditar que
ela esteja demasiadamente adoecida para decidir , mover-se e progredir.
A pessoa do terapeuta, que tem recursos pessoais para indicar caminhos para
evolução, precisará conter-se para não invalidar os recursos e habilidades que a família
possui para ativar a sua fórmula particular de se curar.
Segundo Witacker ajudar, não ajuda! Um dos desafios do terapeuta é não aceitar a
força, a grandiosidade, a sabedoria e condição de cura que a família deposita nele. Se aceita
por ele, tal condição colocará a família na posição de incapacidade de mover-se e de
incompetência para treinar “o se cuidar".
Só há crescimento real quando família e terapeuta interagem vivamente: o confronto
e o apoio se alternam, as pessoas relacionam e "vêm" o relacionamento acontecer.

“Quando a pessoa do terapeuta concilia firmeza com gentileza,


empatia com provocação, a terapia realmente acontece.
A tarefa terapêutica que é propiciar ao cliente conhecer cada vez mais o seu
próprio funcionamento foi atingida.”
Solange M. Rosset

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FOT – Família de Origem do Terapeuta

E por falar em terapia familiar,


o que o terapeuta conhece de sua própria história familiar?

O trabalho com a família de origem do terapeuta tem espaço assegurado na terapia


sistêmica. A meta é a liberação do terapeuta de seus aprisionamentos passados, para que
deixe de reagir à sua história e passe a agir e se conduzir dentro de uma proposta sistêmica
atualizada e pessoal com sua família de origem e com sua vida. Busca-se o desenvolvimento
da individuação, mantendo a conexão com a família, integrando o ser autônomo e o
pertencer.
Através da compreensão intergeracional e transgeracional, o terapeuta alcança maior
integridade, que se traduz por vínculos mais saudáveis com cônjuges e filhos, interrompendo
a repetição de condutas que o convertem em vítima de sua história e de si mesmo, o que
poderia levá-lo a encontrar e fazer outras vítimas.
A possibilidade de ver a própria família com outros olhos, rever suas regras, entraves e
riquezas, facilita renunciar às delegações que ela transmitiu a cada um de seus membros,
favorecendo que a nova geração esteja liberada da repetição.

A pergunta que o terapeuta sistêmico deve fazer


ao começar um atendimento é:
- qual o meu problema com esta história que o cliente está narrando?
E somente depois dessa reflexão, passar ao levantamento de hipóteses
sobre o problema do cliente.
Jaqueline Cássia de Oliveira

O terapeuta sistêmico se depara com a necessidade de examinar sua relação com a


família de origem já nos primeiros anos de formação. Em geral ele fica “cego”, quando um
caso passa pelo seu “ponto cego” familiar. Quando isso acontece, o terapeuta pode
apresentar uma série de indicadores de que fatores pessoais estão interferindo na sua
capacidade de conduzir a sessão, tais como: enrijecimento, fechamento, mudança brusca de
postura ou de tema, foco e intensidade inapropriados, dispersão, irritação, cansaço, sono.
Todos os terapeutas, quando passam a entender que terapeuta e cliente fazem parte
de uma mesma dinâmica, não tendo separação entre observador e observado, então
ampliam a visão e veem a si mesmos na vida de seus clientes. Então é fundamental a
consciência de como os valores subjetivos do terapeuta influem no processo terapêutico, e
como suas questões pessoais e familiares se entrelaçam com os problemas e a realidade dos
clientes.

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A terapia sistêmica baseia-se num processo integrado da pessoa do terapeuta e de suas
habilidades técnicas. No trabalho clínico o terapeuta tem em sua pessoa o mais rico
instrumento de trabalho. É útil ao terapeuta voltar-se para seu genograma, examinando
como seus modelos relacionais e o lugar que ocupou em sua família de origem interferem no
posicionamento frente a cada família e a cada cliente que atende.
Murray Bowen organizou sua Teoria Intergeracional dando destaque ao tema da
família de origem do terapeuta. Em 1967, em congresso realizado na Filadélfia, apresentou
um trabalho a respeito da própria família de origem, surpreendendo a comunidade científica
presente. Ele verificou que os terapeutas que tinham mais êxito na clínica eram os que mais
haviam trabalhado as próprias famílias, pois estavam mais diferenciados das histórias das
famílias dos clientes. Reconhecendo como a própria vida do terapeuta afeta e é afetada pela
terapia que está conduzindo, com respeito aos seus problemas não resolvidos, transformou a
debilidade do terapeuta em um instrumento útil para a condução da terapia.
O terapeuta sistêmico, quando trabalha sua família de origem, passa a reconhecer com
mais clareza e prontidão a ressonância provocada nele pela interação com as famílias que
atende. Seu “eu pessoal” torna-se uma ferramenta para seu “eu terapêutico”. O que o seu “eu
pessoal” registra e vivencia na terapia informa seu “eu terapêutico” sobre as experiências
que o cliente vive na família dele.
A resolução de algumas questões fundamentais, que o trabalho com a família de
origem do terapeuta promove, contribui para humanizar sua experiência e sua formação,
pondo destaque na sua capacidade de reconhecer a riqueza, diversidade e capacidade das
famílias.
O trabalho clínico está repleto de desafios pessoais para os terapeutas. O terapeuta
sistêmico, ciente da interdependência existente entre o técnico e o pessoal, evolui quando
integra o conhecimento da sua família de origem à habilidade técnica, propiciando a si
próprio uma experiência de crescimento compartido.

DESDOBRAMENTOS DO CONHECIMENTO DA HISTÓRIA PESSOAL

 Desidealização: de si mesmo e da família de origem.


 Acolhimento e aceitação, propondo mudanças.
 Criação de redefinições libertadoras: “o que posso fazer para ir além da minha
história familiar?”
 Aproximações X despedidas.
 Novas direções de vida.

43
PARTE 5

O PROCESSO TERAPÊUTICO
"A noite é escura e estou longe de casa,
guia-me até lá..."

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PAPEL E FUNÇÃO
Terapeuta (papel) e terapêutico (funcionamento)

1. O TERAPEUTA TEM O PAPEL DE DIRETOR E A FUNÇÃO DE COORDENADOR

 Tem a responsabilidade de criar o “clima” favorável à mudança.


 Deve procurar linguagem intuitiva, sensorial e adequada ao contexto do cliente.
 Buscar funcionar com inesperados, alternativas, hipóteses, novas ideias, a “diferença
que faz a diferença”.

2. O CLIENTE TEM O PAPEL DE EXECUÇÃO E A FUNÇÃO DE MUDANÇA

 Ele teve a ideia e a iniciativa da procura de solução para seus problemas.


 A 2a. Cibernética trouxe o entendimento de que observado (cliente) e observador
(terapeuta) constituem um sistema (terapêutico) único e de interação contínua.
Portanto ocorre troca inconsciente de energia emocional que precisa estar
evidenciada para o terapeuta, para não correr o risco de contaminação e paralisia do
processo terapêutico.
 Neutralidade x contaminação – quando as questões trazidas pelo cliente esbarram
nas questões do terapeuta, seja de ordem afetiva, familiar, de valores, de crenças e o
terapeuta não consegue se manter na posição de neutralidade, ocorre contaminação,
o processo terapêutico emperra, porque “bateu” no ponto cego do terapeuta.
 A Terapia Sistêmica então passa a ser uma postura terapêutica e não um arsenal
de técnicas e experimentações.
 O foco está na importância do “SER” do terapeuta e não no “FAZER” do terapeuta.

44
PRIMEIROS CONTATOS – entrevista telefônica

Criada pelo Grupo de Milão (Palazzoli, Prata, Boscolo e Cecchin), a entrevista telefônica
pode ser usada para colher dados, trabalhar o pedido de terapia, fazer levantamentos de
hipóteses e criação de estratégias para a primeira sessão.
Quando o cliente liga marcando a sessão, se não for possível naquele momento fazer
uma entrevista telefônica, pode ser solicitado ao futuro cliente, um horário adequado para
que possam falar melhor sobre o pedido de terapia.

1. O TERAPEUTA INVESTIGA
 quem encaminhou ou como esse cliente chegou até a terapia;
 há quanto tempo recebeu o encaminhamento ou indicação;
 quem fez o pedido (por exemplo, telefonou para marcar);
 para quem é o pedido de ajuda;
 há quanto tempo o problema ou sintoma se apresentou;
 que tipo de ajuda já foi providenciada;
 quais os resultados obtidos;
 investiga quem está disposto a vir à sessão (individual, casal ou família).

2. PERTINÊNCIA À TERAPIA
 O terapeuta também faz uma avaliação do grau de pertinência à terapia.
Exemplo: se foi o médico ginecologista quem encaminhou, pode significar que o
pedido de ajuda é do médico, não do cliente que ligou. Assim é necessário avaliar qual
o real desejo ou interesse dessa pessoa em fazer uma psicoterapia.

3. LEVANTAMENTO DE HIPÓTESES
 A partir dessa breve entrevista telefônica, o terapeuta começa o processo de
levantamento de hipóteses, usando de perguntas (não direcionadas ao cliente) como:
- para que a pessoa/casal/família me procurou? O que ela quer? O que ela não
quer? Para que esse cliente criou esse sintoma, esse problema? O que poderia
ser pior na vida dele, ou do casal, família, do que esse problema ou sintoma?
 Para a primeira sessão do consultório, o terapeuta usará de hipóteses que serão
incorporadas ou descartadas.
 O processo de “hipotização” é ininterrupto e não tem certo ou errado, bom ou ruim.
São possibilidades de ver de outra forma a problemática apresentada.

A ENTREVISTA INICIAL

1. LEVANTAMENTO DA QUEIXA
 O terapeuta não pode ficar preso somente a histórias (quando, desde quando, etc.) e
sim, perceber as "nuanças": como o cliente fala, qual o tom dado à história, o gestual,
etc. Melhor dar valor a essa comunicação não verbal, porque é daí que surgirão
"pistas" do funcionamento inconsciente do cliente.

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2. CIRCULAÇÃO DA QUEIXA E AMPLIAÇÃO DO FOCO
Fazendo perguntas sistêmicas, como por exemplo:
 O que significa para você ser depressivo ou ter depressão (linguagem do cliente) ou
estar deprimido (linguagem do terapeuta sistêmico)?
 Quem mais no seu sistema apresenta esse sintoma?
 Quem é o seu contra ponto? Se você está deprimido, quem está na euforia?
 Quais os tratamentos que você já fez? Teve melhora ou piora?
 Se você melhorar, o que de pior pode acontecer na sua vida?

3. REDEFINIÇÃO DA QUEIXA - VOLTA DE 180°


 A redefinição não é uma verdade, não tem uma redefinição certa, geralmente é uma
hipótese. Mas o terapeuta precisa tirar o cliente do foco que ele está vendo e ampliar
sua visão, ajudando-o a redefinir a forma como ele vê suas questões, mostrar algo
sobre ele mesmo que ainda não viu. Por exemplo: fazer uma pergunta afirmativa para
o cliente: - você, estando deprimida, justifica a sua volta para a casa da mãe e assim
você não a deixa mais sozinha? Você abre mão da sua vida em função da vida da sua
mãe?
 Por fim, pedir ao cliente que pense a respeito do que foi aberto nessa sessão inicial e
se alguma coisa fez sentido para ele.

4. QUANDO ENCERRAR A ENTREVISTA


 O terapeuta não deve encerrar a primeira sessão (ou entrevista) quando o cliente
ainda fala de sua queixa, senão o cliente vai entender que a sala do terapeuta é um
lugar para se queixar.
 Encerrar na circulação da queixa é menos perigoso, mas o terapeuta tem que fazer
uma redefinição dela.
 Encerrar após a redefinição da queixa não tem problema, desde que o terapeuta
passe uma tarefa, por exemplo: - pense a respeito do que falamos. Reflita e escreva
sobre o que você está precisando aprender nesse momento da sua vida.
 O momento mais adequado de encerrar a entrevista é quando o cliente se posicionou
sobre o que pediu (ou queixou) e sobre o que também ouviu do terapeuta naquela
entrevista.

5. FICHA CLÍNICA – AS HISTÓRIAS DE CADA UM.

"Os cientistas dizem que somos feitos de átomos,


mas um passarinho me contou que somos feitos de histórias."
Eduardo Galeano

 Na primeira sessão, assim que o cliente entra, é interessante o terapeuta, antes de


ouvir o pedido ou queixa, avisar ao cliente que irá preencher uma ficha clínica com
dados pessoais e do seu genograma familiar.
 A ficha clínica, além de auxiliar o terapeuta em suas hipóteses, muda o foco do cliente,
que queria falar de sua queixa, levando-o direto para sua história e contexto.
46
 Também é uma forma de o terapeuta ter a condução da terapia desde o início e o
cliente funcionar como o que fornece dados da história nessa empreitada.
 Dados da ficha a serem explorados:
- Nome completo – quem deu o nome, os sobrenomes são de quem, veio de
onde, etc.
- Data de nascimento – o terapeuta localiza a idade cronológica e se o ciclo
vital e idade psicológica correspondem.
- Profissão – se tem autonomia, se trabalha com família, etc.
- Local onde trabalha e, caso necessário, a renda familiar.
- Estado civil.
- Nome do esposo (a), a idade e profissão.
- Nome dos filhos – de qual relação, a idade, escolaridade ou profissão.
- Nome dos pais – idade (se já morreram, quando, que tipo de morte), a
profissão, de onde são e local em que vivem.
- Nome dos irmãos – idade, profissão, estado civil, local em que vivem.
- Endereço, telefone, email.
- Quem deu indicação de terapia e do terapeuta.
- Essa ficha é apenas um roteiro de uma conversa que o terapeuta vai
conduzindo e ampliando a compreensão do contexto de vida, familiar,
sócioeconômico do indivíduo ou sistema.

DEFINIÇÃO DE OBJETIVOS

 O terapeuta, junto com o cliente, escolhe o foco sistêmico ou o que é mais


“prioritário” a ser feito naquele momento: encaminhar ao médico; fazer uma
avaliação psiquiátrica; desenvolver autonomia; etc.
 “Batismo” da terapia – dar um nome para a terapia, auxiliando assim terapeuta e
cliente a não perderem o foco. O nome poderá ser trocado de acordo com o
andamento da terapia.
 Avaliação dos riscos terapêuticos do cliente e do terapeuta: riscos do cliente surtar;
de suicidar; de se separar; riscos do terapeuta se contaminar com a história do
cliente, etc.

CONTRATAÇÃO

 Fazer um contrato de trabalho verbal com o cliente: quem participará das sessões; o
número de sessões (se for o caso); negociações financeiras; de férias; de faltas, etc.
 Em alguns casos poderá haver contrato de trabalho por escrito, como por exemplo,
com crianças que estão sob responsabilidade não legal de outro.

47
A REMUNERAÇÃO DO TERAPEUTA

Qual o preço justo por um serviço?

 Os terapeutas têm muita dificuldade em colocar preço em seus serviços.


 O nosso trabalho vale muito, porque somos uma ponte do inconsciente de nosso
cliente até a sua consciência, auxiliando-o a fazer contato com o Real. Assim,
ajudamos acionar o movimento na vida das pessoas (físico-material, emocional-
relacional, mental-profissional e espiritual).
 O terapeuta pode dar o desconto que quiser, ter preço de convênios, contanto que os
seus clientes saibam do valor integral de suas consultas e que o trabalho de ambos, do
terapeuta e do cliente, não tenha descontos ou que seja feito pela metade.
 Veja abaixo uma história que ilustra bem a ideia do preço justo por um serviço
terapêutico.

A ESTÓRIA DO CALDEIREIRO

Um caldeireiro foi contratado para consertar um enorme sistema de caldeiras de um


navio a vapor que não estava funcionando bem.
Após escutar a descrição feita pelo engenheiro quanto aos problemas, e de haver feito
algumas perguntas, dirigiu-se à sala de máquinas.
Olhou para o labirinto de tubos retorcidos, escutou o ruído surdo das caldeiras e o
silvo do vapor que escapava. Durante alguns instantes, com as mãos apalpou alguns dos
tubos. Depois, cantarolando suavemente só para si, procurou em seu avental alguma coisa e
tirou de lá um pequeno martelo, com o qual bateu apenas uma vez numa válvula vermelha
brilhante. Imediatamente, o sistema inteiro começou a trabalhar com eficiência e o
caldeireiro voltou para casa.
Quando o dono do navio recebeu uma conta de R$1.000,00 queixou-se de que o
caldeireiro só havia ficado na sala de máquinas durante 15 minutos e pediu uma conta
pormenorizada. Eis o que o caldeireiro lhe enviou:
Total da conta: R$1.000,00 assim discriminados:

- Uso do martelo.........................R$ 0,50


- Saber onde martelar.......... R$ 999,50
- Total .............................................R$1.000,00

O terapeuta tem uma escuta diferenciada e usa recursos terapêuticos - os seus


“martelinhos” - sabendo o lugar e a hora de “martelar”. Para isso estudou muito, faz seu
próprio percurso terapêutico e é um incansável na sua busca pessoal.

48
INTERVALO ENTRE AS SESSÕES

 O intervalo entre as sessões deve ser de no mínimo 15 dias entre uma sessão e outra,
para terapias individuais e casais. Para terapia familiar poderá ser de um mês entre
uma sessão e outra.
 O objetivo do intervalo maior é o cliente (seja individual, casal ou família) ter um
tempo para rearrumar emocionalmente e relacionalmente o que foi aberto e
circulado na sessão presencial. Se a sessão acontecer em um intervalo curto de
tempo, corre-se o risco de se tornar um lugar de queixas ou de narração de fatos.

FASE DIAGNÓSTICA

 Com o desdobrar do processo, o terapeuta continua checando suas primeiras


hipóteses e levantando outras.
 Uso de recursos como genograma (ou genossociograma – ver material didático
PSICOGENEALOGIA SISTÊMICA), fotografias, colagens, fazendo o mapeamento do
padrão de funcionamento individual, como casal e familiar.
 Confirmação ou não do percurso escolhido.

USO DE RECURSOS - ver mais no capítulo 7 – Pensamento criativo

O terapeuta sistêmico utiliza, além do verbal, vários outros tipos de recursos e tarefas.
 Tarefas – tem como principal função “espichar” a sessão terapêutica fazendo com
que o conteúdo trabalhado em consultório possa ser experimentado na vida prática,
além de auxiliar a aprendizagem feita pelo cliente naquele momento.

 Recursos diagnósticos - durante todo o processo, poderão ser usados recursos


diagnósticos que ajudarão tanto o terapeuta quanto o cliente na ampliação da
consciência a respeito de sua história pessoal, familiar, como por exemplo:
genograma fotográfico, genograma familiar, colagens, desenhos.

 Recursos reestruturantes: uso de filmes, livros, rituais, dramatização, escultura


familiar, etc.

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INTERVENÇÕES SISTÊMICAS
“Seja implacável, mas encantador.
Seja esperto, mas simpático.
Seja paciente, mas ativo.
Seja doce, porém, letal.”
Castaneda

1. DESESTABILIZAÇÃO
O terapeuta deve localizar em que situação se apresenta aquele cliente, aquele
sistema: numa homeostase estática ou já desestabilizado, tentando voltar à
estabilidade. Caso estejam todos organizados para uma homeostase estática, o
terapeuta deverá criar uma forma de impactar, provocar, inventar inesperados,
promovendo uma “confusão” no sistema.

2. DIRETA OU DISCRIMINATIVA
Acontece quando se nomeia, às claras, o que está oculto, principalmente quando se
está trabalhando a individuação de uma pessoa.
Objetivo - organizar o individual.
O trabalho terapêutico nesses termos implica:
 Discriminar “depositações” complementares e circulares, seja de papéis, seja de
funções na relação.
 Reapropriação ou retirada da “depositação”: clarear, junto ao cliente, a sua
participação no jogo circular. Ex: machão e dondoca - aprisionados nesse papel
(tirar a etiqueta).

3. INDIRETA OU METAFÓRICA
Uso de histórias, metáforas, anedotas. Pode ser usada com quase todos os tipos de
clientes e em todos os períodos da terapia. O trabalho metafórico implica trabalhar
junto ao cliente a palavra-corpo, palavra-ação, palavra-poética. Esse trabalho
demanda do terapeuta: senso de humor; condição poética; riqueza de símbolos e,
sobretudo, capacidade de lidar com o imprevisto, de modo que ele possa ajudar o
cliente a lidar também com o inesperado.

4. DISCRIMINAÇÃO DE CONFUSÕES SEMÂNTICAS


Predomínio de sentimentos, conceitos, valores e estereótipos, por exemplo: o cliente
conta sua história e diz que está com muita raiva. Mas não é essa a expressão ou o tom
de voz que ele demonstra. Perguntar a ele o que entende por raiva ou oferecer outra
ideia: se ele não estivesse com raiva, como diz estar, que tipo de sentimento, então,
seria.

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Outros exemplos: ser diferente não significa ser melhor ou pior; admirar alguém não
significa gostar de alguém; quais são as coisas de importância na vida do cliente e quais
são os valores de sua vida, por aí afora.

5. PARADOXAL
Este tipo de intervenção não deve ser usada com pacientes psicóticos e nem
adolescentes, porque já são naturalmente do “contra.”
A intervenção paradoxal é auxiliar para pessoas que tem uma comunicação muito
paradoxal – falam uma coisa e fazem outra.
Exemplo de intervenção paradoxal: com um casal que briga muito e que não sabe
nunca por onde começou a briga, ou porque brigaram, suas falas são muito
paradoxais. Dizem que querem paz, mas buscam a guerra todo o tempo.
Pode-se propor que não parem de brigar. Até que se consiga entender porque
brigam tanto, é importante que continuem a brigar. Também dar a tarefa de que
anotem dados sobre suas brigas: quando começaram a brigar, quem começou e como
começou. Mas que é muito importante que eles briguem várias vezes ao dia, para que
possa ser entendida e diagnosticada tal problemática.
Aqui o casal experimenta, em terapia, o próprio paradoxo: se eles brigarem, estarão
sendo obedientes ao terapeuta e contra aquilo que dizem buscar, que é parar de
brigar. Mas se pararem, também estarão indo a favor do terapeuta e da terapia e
contra aquilo que fazem, que é brigar. Um impasse é criado, podendo aparecer qual é
realmente a questão que a briga mascara.

6. PROVOCATIVA – arte do desafio.


Essa intervenção pode ser usada quando se quer mexer no “brio” do cliente, em algum
ponto de honra, na sua força e coragem.
É um jogo para provocar a competição, o desafio.
É importante conotar positivamente a queixa. Deve ser usada com cautela, sabendo bem
o tipo de cliente com o qual se está trabalhando e o nível de confiança da relação
terapêutica.
Em sistemas rígidos, provocar é mostrar os perigos da mudança.

RESISTÊNCIA E TREINAMENTO DA MUDANÇA

“Passo a passo para se lançar no espaço”.

 A resistência à mudança é condição inerente ao ser humano.


 É direito do cliente resistir ao processo de terapia e de mudança, e é dever do
terapeuta estar atento à esta resistência, usando-a a favor da terapia.
 Bater de frente à resistência do outro é forçá-lo a criar mais resistência.
 Diante da resistência do outro, podemos concordar, brincar, aceitar, acolher, ignorar.
Dependerá do momento, do cliente e do tempo. O terapeuta deve PRESTAR
ATENÇÃO!

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 O cliente, por fim, aceita o convite para a mudança: a partir da ampliação da
consciência sobre sua história, o cliente passa a desejar a mudança (desejo é energia
que leva a buscar algo). Mas é preciso ter vontade (que é a força para a ação). Como
terapeutas, devemos lembrar que SEMPRE aparecerá o desejo de mudança e a
resistência à mudança.
 Muito treino e atenção são necessários, da parte do terapeuta e da parte do cliente,
até que uma mudança aconteça, e seja incorporada ao padrão de funcionamento do
cliente.
 Possíveis recaídas – a recaída é uma condição humana, assim terapeuta e cliente
precisam estar cientes disso. Cada pessoa tem o seu tempo, o seu ritmo.

A CAPACIDADE DE MANOBRA DO TERAPEUTA

 O terapeuta deve estar preparado para fazer mudanças de rumos, ter senso de
oportunidade.
 Atenção ao ritmo! Não “disparar-se”.
 Pequenos passos enquanto se avalia o modo como o paciente anda.
 Reavaliar hipóteses que não apresentam sentido;
 Abandonar estratégias que não funcionam, porque aumenta a resistência ou a perda
de credibilidade aos olhos do paciente.

PREMISSA E CONTEXTO DO CLIENTE

 Prestar atenção ao modelo mental do cliente, suas premissas de vida e o contexto em


que vive.
 Ver com o cliente, primeiro, o que ele pensa acerca do seu problema e o que ele pensa
que precisa ser feito para solucioná-lo.
 Uso de perguntas sistêmicas:
- Você falou do seu problema; eu lhe agradeceria se me dissesse por que crê
que existe um problema.
- E você crê que existe uma solução?

 Essas perguntas não comprometem o terapeuta e deixam intacta sua capacidade de


manobra, dado que pode dar marcha à ré com facilidade sem acionar resistências no
cliente.

O TEMPO NECESSÁRIO

 A capacidade de manobra do terapeuta também depende de que não seja pressionado


para que atue.
 É preciso salvaguardar sua possibilidade de ter o tempo necessário para pensar e
planificar.
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 Espaçamento entre uma sessão e outra (de 15 dias a um mês).
 Não apressar-se.

OS PERIGOS DE UMA MELHORA

 Pode considerar-se como variação ou ampliação do "não apressar-se". Aplica-se a


certas classes de resistência do paciente.
 Pergunta-se ao paciente que ele se encontra em condições de reconhecer os perigos
inerentes à solução do problema. (Não se pergunta se há perigos).

PLANIFICAÇÃO DE ATENDIMENTO

 Planificar é muito importante para aplicar com eficiência a própria influência e ter
melhores resultados terapêuticos.
 Se não se dedica à planificação o tempo necessário, diminuem notavelmente as
possibilidades de êxito e o tratamento se converte em uma aventura prolongada e
errática que acaba por definhamento. Ao examinar nossos próprios fracassos
descobrimos que o fator concreto mais decisivo tem sido a falta de uma planificação
do tratamento.

CONHECENDO O TERRENO – O CAMPO MINADO

Mapear o campo minado para contorná-lo.


A entrada em campo minado levará à manutenção do sintoma, pelo próprio terapeuta.

 O terapeuta sistêmico trabalha todo o tempo prestando atenção, fazendo


levantamento de hipóteses, buscando o que está por trás daquilo que está sendo
apresentado como sintoma.
 A PRIMEIRA PERGUNTA FEITA É PARA QUE e não POR QUE.
Exemplo: - Para que esta criança está fazendo sintoma na escola? Para “colar” o
casamento dos pais? Para denunciar um abuso?
 Dos primeiros contatos (entrevista por telefone), passando pela primeira sessão
(vinculação), o terapeuta não se apressa em buscar solução, mas sim hipóteses
diagnósticas, redefinições (volta de 180 graus na forma de se ver o problema
apresentado).
 O terapeuta sabe a diferença entre uma queixa-pedido e um pedido-queixa. Esse
cliente trouxe um pedido de quem? Do médico? Da escola? Da amiga? Esse cliente
está pedindo algo? Ou está somente buscando um aliado para ter razão?

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 Após os primeiros contatos, o terapeuta faz uma avaliação: - qual a inspiração para
esse caso? Qual a intenção do sintoma? Qual a ajuda que o cliente quer e de qual ajuda
o cliente precisa?
 O terapeuta observa criteriosamente o enunciado do problema, porque, muitas vezes,
ele não corresponde à queixa do cliente ou aparece de forma vaga e imprecisa.
 O terapeuta estabelece as soluções já tentadas pelo cliente: isso agiliza o processo,
pois não serão tentadas novamente da mesma forma. Fique atento ao investimento da
pessoa em cada uma das tentativas anteriores e na presente, com o objetivo de
canalizar seus esforços em uma única direção.

RISCOS E EVOLUÇÃO DO SINTOMA

 O terapeuta deve prever o que ocorrerá se a terapia não der certo. Exemplo: o cliente
ficar louco de verdade, não voltar à realidade com a evolução do sintoma. Ou mesmo
um psicótico, em potencial, suicidar-se por não conseguir unir o casal de pais.

TEORIA DAS RECAÍDAS

 Desde o início do processo terapêutico o cliente deve estar ciente das possíveis
recaídas que acontecerão durante todo o processo terapêutico. A recaída é uma forma
que o ser humano usa, para resistir ao processo de mudança.

O USO DA LINGUAGEM CONDICIONAL

 Os pacientes formulam perguntas que convidam o terapeuta a comprometer-se sem


que deseje fazê-lo, ou forçando-o a assumir uma postura que não deseja em absoluto.
O terapeuta pode manter intacta sua capacidade de manobra se responder de uma
maneira condicionada. Por exemplo: A cliente diz: - "Você acha que meu irmão está
sendo justo comigo?" Responder sim ou não pode ser comprometedor. Uma resposta
condicionada seria: - "Bom, nunca vi seu irmão, não posso dizer quem é justo com
quem, sem ouvir a outra parte.”

O USO DA SUGESTÃO

 O terapeuta sistêmico, ao invés de afirmar, sugere.


Exemplo: "Gostaria de fazer-lhe uma sugestão, mas não estou seguro de quanto lhe
servirá.”

ATENÇÃO AO VÍNCULO, PERTINÊNCIA E RESISTÊNCIA

 Durante todo o processo, do início ao fim, o terapeuta deve prestar atenção ao vínculo
terapêutico, à resistência humana pela mudança (tendência à “inércia) e à pertinência
terapêutica.
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AVALIAÇÃO, ACOMPANHAMENTO E REDEFINIÇÃO DE METAS

 A avaliação do êxito terapêutico deve ser feita pelo próprio cliente.


 O cliente verificará o seu investimento no processo de mudança.
 É importante que o próprio cliente verifique a mudança efetuada. Melhor será que em
lugar dele afirmar que teve melhora, que ele ateste estar tendo condutas que não
conseguia ter antes do atendimento terapêutico.
 Nesse momento, o intervalo entre as sessões poderá ser ampliado de quinze dias para
um mês ou intervalos maiores de acordo com o entendimento entre terapeuta e
cliente.
 Terapeuta e cliente devem sempre avaliar o processo terapêutico. Isso ajuda a
localizar no tempo e no espaço as mudanças efetuadas como também os novos e
possíveis objetivos ou novas metas a serem alcançadas.
 O acompanhamento dos resultados e das possíveis recaídas deve ser feito, espaçando
pouco a pouco o intervalo entre uma sessão e outra.

INTERRUPÇÃO DO PROCESSO TERAPÊUTICO

 É importante que o cliente saiba desde o início que ele pode parar o tratamento
quando quiser.
 A terapia poderá ser interrompida também pelo terapeuta, caso perceba que
aconteceu uma contaminação, também se a terapia ou estilo de terapeuta estão
inadequados para aquele paciente ou sistema.

FINALIZAÇÃO DO PROCESSO TERAPÊUTICO

 Com a ampliação do intervalo entre as sessões, terapeuta e cliente se preparam para


a finalização desse processo terapêutico.
 O cliente já está desperto para a saúde, já conheceu bem a “doença”, sabe das recaídas
e tem a confiança de, sozinho, conseguir administrar sua vida, suas dificuldades e
problemas, além de buscar por si mesmo as soluções.
 O cliente também sabe que poderá buscar AJUDA sempre que aparecerem
DIFICULDADES, sem esperar virarem problema, sintoma ou doença.
 Poderá haver sessões esporádicas e/ou retorno do cliente por um certo período de
terapia para tratar de alguma outra questão.

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PARTE 6

TERAPIA DA METÁFORA

Você presta atenção nas metáforas que o seu cliente usa na terapia?
Você está consciente de que as metáforas são formas de "capturar" o problema,
os sintomas, os sentimentos, pensamentos e crenças de um indivíduo?
Você já convidou o seu cliente para explorar e transformar as representações metafóricas;
e engajá-las na sua imaginação criativa?
Você já observou as mudanças que acontecem nessas breves intervenções?
Você já reparou que as imagens metafóricas borbulham quando você
está numa conversação com seu cliente ?

METÁFORA E AS LINHAS PSICOTERAPÊUTICAS

A Teoria da Metáfora não é uma nova escola de psicoterapia e sim uma forma de
intervenção. As diversas abordagens utilizam a metáfora, seja criada pelo cliente ou construída
pelo terapeuta para o cliente. Em todas elas a metáfora ocupa um lugar de destaque,
espelhando as imagens do "eu", da vida e das relações com os outros.
Todas as expressões e conceitos das teorias em psicoterapia são metáforas, explícitas ou
implícitas, um caminho que fala da própria experiência ou da representação mental de uma
experiência.

PSICOTERAPIA PSICANALÍTICA

O conceito Freudiano de inconsciente está vinculado à teoria da repressão e ao conceito da


censura. A repressão é uma atividade do ego que impede impulsos e seus derivativos do
inconsciente alcançar a consciência. A censura é uma operação de defesa do ego que é ativada
durante os sonhos.
Freud teorizava que o ego, no seu esforço de se defender contra a emergência de situações
não aceitáveis dentro da consciência, utilizava o mecanismo de repressão, transformando essas
situações em símbolos que poderiam ser expressos através dos sonhos e revelados pelas
metáforas.

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PSICOTERAPIA JUNGUIANA

Arquétipos e Mitos: arquétipo significa uma "impressão primária". A construção de uma


imagem universal para despertar de um estado. Exemplo: arquétipo do self, pode ser
considerado uma metáfora universal para mapear invariáveis da subjetividade nas
experiências incorporadas por alguém e inferidas nas experiências de outros.
Campbell conceitua mitos e arquétipos como imagens metafóricas universais. Diz ainda que
todos os mitos, com ou sem intenção, são psicologicamente simbólicos. As narrativas e imagens
podem ser lidas como metáforas.

PSICOTERAPIA ERICKSONIANA

Milton Erickson foi o pioneiro no uso de estórias e anedotas como metáfora na terapia.
Sua abordagem difere das abordagens psicodinâmicas em função dos conceitos de
consciente e inconsciente.
A experiência inconsciente não é verbalmente expressa; os sintomas são vistos como
defensores e protetores e assim as intervenções paradoxais atuam, ao mesmo tempo, nos
níveis consciente e inconsciente.
Exemplo: ..."não abra mão das suas culpas, você precisa delas para compreender sua
esposa". (intervenção paradoxal).
As anedotas, as estórias e as metáforas ajudam o cliente na reflexão de suas ideias
enquadrando-as numa nova perspectiva. Contêm na sua estrutura alguma mensagem a ser
transmitida, uma aprendizagem, ou a dica da resolução da questão.
Quando a estória ou a anedota contêm essa intenção de instruir ou apontar algo para quem
ouve, ou o ouvinte "põe a carapuça" ao escutá-la, diz-se então que a estória ou anedota se
tornou uma metáfora para ele.

A METÁFORA É UMA COMUNICAÇÃO INDIRETA

A comunicação indireta é o modo mais direto para se promover mudanças; uma leve, bela e
respeitosa forma de se chegar à compreensão do problema. É uma abordagem polida, de
múltiplos níveis, que inclui verbalizações que constroem um contexto no qual a pessoa acessa
recursos e percebe seus potenciais para mudar.

TERAPIA SISTÊMICA E TERAPIA DA METÁFORA

As famílias constroem a sua realidade. A estrutura familiar é metafórica na sua natureza.


Os terapeutas familiares utilizam as metáforas como direções de mudança. Exemplo: Salvador
Minuchin, atendendo uma família, introduz uma metáfora para capturar a estrutura da relação
mãe e filho dizendo : “Sua mãe é um despertador” - era ela que o "acordava” para tudo.
Outro exemplo: numa relação marido e mulher Minuchin diz para a mulher: “você é o banco
de memória do casal” - ela lembrava o marido de tudo que ele precisava fazer.
Essas situações exemplificam metaforicamente a relação entre os subsistemas.
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Cloè Madanes considera 5 formas para definir o comportamento sintomático através de
metáforas:
 O sintoma é visto como uma analogia; ele pode ser a metáfora de outra situação.
Exemplo: uma criança com problema de atenção, na escola tinha medo de que fosse
denunciada uma moléstia sexual sofrida.
 O sintoma pode ser a metáfora de um estado interno. Exemplo: uma dor de cabeça ser
um estado de preocupação.
 A interação entre duas pessoas, numa família, pode ser a metáfora da interação entre
outra díade na família. Exemplo: duas crianças medindo força, como os pais, marido e
mulher medindo força.
 A interação do sistema em torno do sintoma de um membro da família pode ser a
metáfora que protege outro membro do sistema. Exemplo: um filho faz sintoma de
desmaios inexplicáveis, enquanto o pai tem uma amante. Assim há um desvio da
atenção.
 Pode haver uma variação cíclica no foco de interação da família, às vezes, estão todos
centrados numa criança sintomática; às vezes, num problema do casal; às vezes, na
relação entre pai e filho, etc. Se o padrão interativo permanece o mesmo, através dessas
variações, então cada uma delas é metáfora para as outras, porque cada uma simboliza
e substitui as demais.

O QUE SÃO METÁFORAS

Metáforas são espelhos que refletem nossas imagens internas, imagens das nossas
relações interpessoais e das nossas relações com a vida. Elas podem se tornar a chave que abre
novas possibilidades para um eu criativo e para o "in-sight" (visão de dentro).
A terapia da Metáfora oferece um novo caminho para que o cliente consiga iluminar partes
dentro dele que estão obscuras e transformá-las. É um tipo de intervenção que vai enfatizar a
comunicação metafórica entre terapeuta e cliente.
Duas categorias de metáforas identificadas :
- Produzidas pelo cliente.
- Produzidas pelo terapeuta.

A IMAGINAÇÃO CRIATIVA

Explorando e transformando as metáforas do cliente.

1. Quando o cliente oferece as metáforas espontaneamente.


Exemplo: “sinto como se eu estivesse batendo minha cabeça contra a parede”. Essa é a
metáfora usada por uma mulher reclamando da teimosia dela em continuar um
relacionamento difícil com um namorado.
É importante separar o significado lógico associado ao conteúdo da comunicação e o
significado metafórico associado à imagem metafórica.

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2. Quando o cliente não consegue se aproximar das metáforas espontaneamente, o
terapeuta vai convidá-lo a explorar o tema através de perguntas.
Exemplo: Brincando um pouco com esse assunto, o que lhe parece isso? Você gostaria
de descobrir alguma coisa a mais sobre isso? Se você quisesse saber mais, como poderia
fazê-lo?
O objetivo é encorajar o cliente a criar imagens metafóricas.

IMAGENS METAFÓRICAS

Atenção às metáforas que o cliente, espontaneamente, utiliza.


Procure escutá-las e anotá-las. Metáforas são encontradas em toda parte.

Convide o cliente a explorar as suas imagens metafóricas.


Exemplo: Quando o cliente diz sobre as dificuldades de mudança de namorado, pode-se
perguntar: -”Quando você diz que sente como se estivesse batendo sua cabeça contra uma
parede, que imagem ocorre na sua mente ou diante de você”?
Nesse momento, o terapeuta convida o cliente a criar uma imagem mental da metáfora.
Esse é um ponto fundamental dessa abordagem.

A imagem é do cliente e nunca do terapeuta.

Em todo o processo, o terapeuta somente vai ajudar o cliente a criar a narrativa das suas
próprias imagens.
Quando o cliente tem dificuldades para criar uma imagem metafórica ou não compreende
a questão e continua a responder literalmente ao invés de descrever a metáfora, o terapeuta
vai continuar a ajudá-lo com mais perguntas:

“Se eu (terapeuta) estivesse vendo...(metáfora) do jeito que você vê (ou com os seus olhos), o
que eu veria? Utilizando o mesmo exemplo acima: "Se eu estivesse vendo você batendo sua
cabeça contra a parede da forma como você vê (ou, se eu pudesse ver com os seus olhos), o que eu
veria?
Se o cliente não consegue ainda explorar a imagem, o terapeuta pode dizer:
“Posso dizer a você a imagem que me ocorre quando eu escuto você dizer isso (metáfora)”?
“O que eu vejo é uma parede de uns 5 metros de altura feita de tijolos e você correndo em direção
a ela, com a cabeça abaixada e depois batendo a cabeça, caindo no chão, levantando-se,
afastando, correndo novamente em direção à parede e repetindo o movimento. Você imagina
alguma coisa assim ou criou uma imagem diferente da que eu criei?”
Em seguida, o terapeuta convida o cliente a explorar a metáfora como uma imagem
sensória. A metáfora pode ser explorada nas seguintes dimensões:
 Cenário: descreva a cena ou aspectos da cena associados a tal metáfora.
 Ação/interação: o que mais está acontecendo na ...(metáfora), ou, o que as outras
pessoas estão falando, pensando, fazendo?
 Outras modalidades sensoriais: o que você está escutando, tocando, provando, sentindo
(cheiros), etc.
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 Tempo: o que levou você a ...(metáfora), ou , o que estava acontecendo justamente antes
(da situação da metáfora), ou o que aconteceu depois (da situação da metáfora) ?
 Na prática, a exploração de uma ou duas dessas imagens sensoriais são suficientes para
o cliente desenvolver e iniciar a transformação da metáfora.

Uma vez que a imagem está bem explorada, o terapeuta convida o cliente a descrever os
sentimentos e experiências associados com a imagem metafórica.
 O que isso...(metáfora) parece ser ? Ou, qual a sua experiência com tal imagem
metafórica? Qual seu sentimento?

TRANSFORMANDO A IMAGEM METAFÓRICA

O terapeuta "convida" à transformação da metáfora através de: "convidando" o cliente a


modificar a imagem metafórica e a considerar a mudança sugerida pelo terapeuta.
Exemplo: "Se você pudesse modificar, de alguma forma, essa imagem (metáfora), como você a
modificaria?
O terapeuta deve ajudar a pessoa a vivenciar a situação e criar uma nova imagem (pode ser
em psicodrama).
Ou, então: “Na medida em que você modifica a imagem (metáfora), para a nova situação,
como você se sente”?
Assim que a imagem foi transformada, o terapeuta vai pedir ao cliente que associe a
metáfora a situações passadas:
"Que paralelo você vê entre a sua imagem metafórica e a situação original?"
Assim que as similaridades entre a imagem metafórica e a situação corrente forem
discutidas, o terapeuta pode perguntar: “Como você pode aplicar a imagem... (metáfora
modificada) neste momento atual da sua vida?”.

DIFICULDADES COM O USO DE METÁFORAS

Existem momentos em que é desejável que o terapeuta introduza uma metáfora no diálogo
terapêutico, principalmente com clientes que têm dificuldades para criá-las. Atento às imagens
que vão surgindo dentro dele, descreve para o cliente:

"Quando você estava falando sobre ...me veio uma imagem... Essa imagem se ajusta, ou cabe
na situação que você está vivendo ?

 O terapeuta não afirma que sabe sobre o mundo interno do cliente.


 Encoraja e estimula o cliente a criar sua própria imagem metafórica.
 O cliente está livre para rejeitar a imagem do terapeuta e encontrar uma melhor.

O terapeuta não tem necessidade ou obrigação de criar hipóteses corretas.

60
No decorrer do trabalho, terapeuta e cliente desenvolvem habilidades empáticas na
construção de imagens e nas suas devidas transformações.

O CARTEIRO E O POETA

E por falar em metáforas, um filme que ilustra o tema é “O carteiro e o poeta”. O cenário
do filme é uma ilha isolada na costa italiana onde o poeta Pablo Neruda curte exílio político.
Nasce a amizade entre um carteiro e o poeta. Duas pessoas tão diferentes, de lugares
diferentes, mas o que os une é a palavra.
Na praia, Mario – o carteiro e Pablo Neruda – o poeta, conversam. Pablo recita para
Mario um poema que acabara de fazer e fica pasmo com a observação do jovem de que
sentira algo estranho ao ouvir os versos. Logo depois, se encanta com a sensibilidade do
rapaz, quando este observa o ritmo das palavras semelhante ao vaivém das ondas que o fez
sentir-se como “um barco batendo entre as palavras”. Mario faz metáforas sem se dar conta e
não consegue entender como é possível criá-las sem ter tido a intenção. A ele escapa que as
imagens chegam espontaneamente e é a intenção o que menos importa ao poeta.
A partir desse momento, carteiro e poeta são dois homens definitivamente envolvidos
com palavras – um que as conduz e outro que as produz. Na realidade, o que torna uma
palavra metáfora é o que o poeta é capaz de fazer dela.
Para Mario é tudo muito novo e instigante e o resume na pergunta: – “O mundo inteiro é
então metáfora de qualquer coisa?” A pergunta cala o poeta que promete pensar, para
respondê-la no dia seguinte. Nesse diálogo, Neruda sintetiza a essência do poético enquanto
Mario o desafia a não abandonar a dialética da questão.
Assim é a relação entre o terapeuta e o cliente – um encontro de palavras, de
sentimentos, de imagens, de sons, de cores, de movimentos. E uma nova poesia poderá ser
produzida pelos dois.

Fonte: Curso Beatriz Coutinho


Belo Horizonte, MG.

61
PARTE 7

PENSAMENTO CRIATIVO
"Não basta olhar e ouvir o cliente.
É preciso construir em parceria (terapeuta e cliente),
soluções criativas para as suas necessidades.”
Carl Witacker

DESDOBRAR, FLUIR, DISSOLVER, SOLUCIONAR


Todo ser vivente é um ser estratégico.
O terapeuta sistêmico aproveita e cria oportunidades dentro do contexto do cliente, que
serão mais facilmente absorvidos pelo sistema.
Usa a resistência do cliente em seu próprio benefício, introduzindo micromudanças
preparatórias para uma mudança maior.
Também localiza as ações que não funcionam e se distancia das soluções sem êxito já
tentadas.
Usa uma linguagem adequada à idade, profissão e cultura de cada cliente, facilitando a
fluidez comunicacional.
Busca posturas que se incorporariam com mais facilidade à rotina do cliente ou sistema e
localiza quem desempenha papéis estratégicos para a persistência do problema (os
mantenedores da homeostase ou os beneficiados e protegidos pelo sintoma).

TÁTICAS

Uso de intervenções sistêmicas e recursos dinâmicos (tarefas, filmes, livros, rituais, etc).
 O terapeuta enquadra as sugestões, prescrevendo as tarefas dentro do contexto da
pessoa. Ou seja, “vende a tarefa proposta.” Contextualizadas as tarefas, cabe ao
terapeuta criar o clima necessário para que o cliente as cumpra. Há pessoas que
desafiam o terapeuta ou se esmeram em colocá-lo em situação ridícula. Seria
interessante prescrever a tarefa sem nenhuma ênfase. Para pessoas que “escorregam”
das tarefas, pedir que façam uma lista de todas as formas nas quais acreditam como
possíveis manobras para o fracasso da mesma.

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PERGUNTAS SISTÊMICAS

Quando o terapeuta faz uma pergunta sistêmica, ele não tem uma resposta pronta ou
espera que o cliente dê aquela resposta que ele pensou. São perguntas que abrem, tanto
para o cliente quanto para o terapeuta, novas possibilidades e formas de se pensar a respeito
do que está sendo apresentado e vivido.
Assim, a pergunta sistêmica se abre também para novas perguntas. Como a agulha que
puxa a linha e a linha que puxa a agulha.
Exemplo: No ápice da briga de seus pais, você disse que “enlouqueceu”. Era sua única
alternativa fazer esse papel de doida? Se não era a única alternativa, que outra opção você
teria?

USO DO RECURSO - FOTOGRAFIAS

O trabalho com fotografias é muito rico, porque desde o momento em que o terapeuta pede
ao cliente para trazer fotos para a próxima sessão e até acontecer a procura e a seleção das fotos,
é criado um clima de revivências, com possibilidades de mobilizar percepções, sentimentos e
catarses.
Já no consultório, tanto o terapeuta quanto o cliente, podem visualizar através das fotos
selecionadas várias situações, contextos e épocas representativos da sua vida.
Ou seja, o psicoterapeuta faz um melhor diagnóstico do caso e o seu cliente terá várias
percepções e conscientizações, sem precisarem muita força ou resistência.
Além disso, esse trabalho facilita o vínculo terapêutico.
Pode ser feito de várias maneiras, dependendo do objetivo a ser atingido.

FASE INICIAL – AMPLIAÇÃO DE CONTEXTO

Pedir cerca de 15 a 20 fotos ao seu cliente - qualquer tipo de fotografia que ele tenha:
família, festas, infância, amigos, formatura, viagens, para a 2ª sessão.
Objetivo: auxílio no diagnóstico inicial; contextualização; facilitar o vínculo terapêutico.
Através desse trabalho, o terapeuta poderá se inteirar melhor do contexto (individual,
social, familiar, profissional, afetivo, espiritual) que o seu cliente está inserido. É possível,
através desse trabalho, o terapeuta perceber áreas mais disfuncionais, questões relacionais, etc.
Execução: O cliente vai apresentando as fotos para o terapeuta, que as distribui em grupos
diferentes, de acordo com o que está fotografado e seu contexto (individual, social, familiar,
afetivo, profissional, outro).
Observações:
- O clima deve ser leve e agradável, sem a preocupação de dar um retorno para o
cliente do que foi apresentado no trabalho de fotografias.
- Peça ao cliente para levar fotografias em papel, impressas, para que sejam
manuseadas.

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Apresentação das fotografias
As fotos poderão ser apresentas e colocadas sobre uma mesa ou no chão.

O cliente apresenta, pouco a pouco, ao terapeuta as fotografias que selecionou. O


terapeuta deverá observar bem cada foto e a história que o cliente narra sobre ela. Deverá fazer
perguntas, mas são desnecessários comentários sobre o que está vendo.

Aos poucos, o terapeuta monta os grupos de fotos apresentadas.


 Grupos da família – fotos de parentes, pais, avós, tios, primos, irmãos, filhos.
 Grupo dos amigos e vida social – fotos com amigos, colegas, amizades.
 Grupo das relações afetivas – fotos com um namorado (a); um ex-noivo (a); paqueras, etc.
 Grupo profissional – fotos que façam referência às formaturas, escolas, trabalhos, etc.
 Grupo individual - fotos do cliente sozinho.
 Grupo espiritual – fotos que façam referências a igrejas, paisagens ligadas ao espiritual,
imagens sagradas, etc.

Quando o cliente traz as fotografias, é interessante conversar antes da apresentação sobre


como foi para ele fazer essa seleção de apenas poucas (terapeuta escolhe o número) fotos, quais
sentimentos surgiram, quais fotos não trouxe, etc.

GENOGRAMA FOTOGRÁFICO

Pedir fotos de família (pode ser um número indeterminado). Esse trabalho poderá ser mais
prolongado e ser feito em mais de uma sessão.
Objetivo: auxílio no diagnóstico sobre o sistema familiar do cliente. É também muito eficiente
como catarse de sentimentos relacionados à família, à sua origem, à sua infância, à adolescência,
etc.
O cliente também vai apresentando as fotos para o terapeuta, que se preocupa em saber mais
a respeito da história daquela foto e das pessoas fotografadas (quando se deu a foto, quem são
as pessoas, como elas funcionam na vida, qual é o seu papel e função na família, etc.
É muito importante deixar o cliente contar a sua história. Nesse momento, o terapeuta
poderá ouvir mais, de uma maneira acolhedora e interessada.
O terapeuta estará atento às associações livres que surgirão no momento de execução dessa
tarefa.

OUTROS DETALHES A SEREM OBSERVADOS NAS FOTOS.

 Quando aparecer casal e/ou pai e mãe: se há gente no meio em várias fotos do casal;
quem busca quem (quem está querendo a relação).
 Só há fotos familiares em situações de rituais? Há foto da família em situações mais
espontâneas?

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 Observação: Há famílias mais antigas ou com situação financeira difícil para as quais,
realmente, só era possível ter fotos em situações especiais como batizados, casamentos,
formaturas.
 Quem sempre está no meio das fotos? São as pessoas que aparecem para esconder
outros que não apareceram?
 Quem sempre está nas margens das fotos? Qual o poder sutil dele no sistema familiar?
 Quem sempre fica atrás e quem sempre fica na frente? Tem menos ou mais poder na
família?
 Quem nunca aparece nas fotos (e o cliente justifica que essa pessoa não gosta de ser
fotografada ou que essa pessoa foi que "tirou a foto")? Essa pessoa tem sentimentos de
não pertencer à família? Quem fica sempre em posições opostas, são rivais ou até
inimigos?
 Quem fica sempre perto de quem? São aliados ou cúmplices?
 Verificar as fontes de poder, exemplo: pai ou mãe com determinado filho.
 Observar a função da 1ª geração (avós) nessa família.
 Como é a hierarquia nessa família - rígida, flexível, quebrada? Exemplo de rigidez: na foto
aparecem os irmãos enfileirados por ordem cronológica.
 É um sistema familiar aberto ou fechado? Se for aberto, permite fotos com outras
pessoas; se é fechado, nunca há pessoas "de fora".
 Qual a posição das mulheres nessa família? Por exemplo, encostadas em alguém ou, ao
contrário, segurando alguém.
 Qual a posição dos homens nessa família? (Idem a anterior)
 Observar a expressão facial e corporal para perceber a expressão da afetividade (amor,
raivas, ciúmes, medos, culpas, etc).
 Quem busca o olhar de quem?
 Quem se afasta de quem?
 Quem segura quem?

PAINEL CRONOLÓGICO DE FOTOGRAFIAS

Pedir ao cliente para fazer, em casa, um painel cronológico de fotos, onde o foco seja ele
mesmo.
Objetivo: ajudar o cliente a construir a sua história, assim ele poderá perceber padrões
repetitivos, fatos excluídos em determinadas épocas, como processa seus ciclos vitais, mudanças
significativas, tendências à permanência, etc.

POSSIBILIDADES DO TRABALHO DE FOTOGRAFIAS

O trabalho com fotos pode ser expandido para várias áreas, como por exemplo:

 Casal - tempo de namoro, álbum de casamento, fotos do casal em várias épocas e


situações.

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 Terapia individual (tanto de homens como de mulheres) - pedir fotos de mulheres ou de
homens da família e das relações sociais para poder observar padrões de interações,
papéis e funções.
 Fotos de viagens, de festas, de eventos mais atuais, nas quais o terapeuta e o cliente
poderão juntos perceber mudanças significativas com o processo psicoterapêutico.

Observações:
O terapeuta precisa tomar o cuidado para não tornar-se somente um investigador ansioso
por informações. O trabalho com fotos só se torna eficiente se o terapeuta interagir com seu
cliente e realmente se interessar pelas suas fotos, sua vida. E também, se através dessas
informações e entendimentos obtidos, ajudar o seu cliente a fazer redefinições e reformulações
significativas em sua vida.
Por exemplo, se o terapeuta percebe que, no trabalho de fotos para diagnóstico inicial, o
cliente não traz fotos do grupo social (mas não chega a ser uma questão muito séria), poderão
ser lançadas a partir daí, sugestões ou tarefas como: ligar para amigos, inscrever-se em cursos
para conhecer pessoas, etc.

USO DO RECURSO - IMAGENS

O trabalho de imagens pode ser uma forma do terapeuta levantar ou confirmar


hipóteses, de ajudar o cliente a perceber o que está “por trás” daquilo que acontece em sua
vida e inúmeras outras possibilidades.
Partindo do princípio de que o inconsciente se manifesta pelo simbólico, as imagens são
uma forma do indivíduo, fazer um “link”.

1. CAIXA DE RECORTES – SINCRONICIDADE


Pedir ao cliente que tire um recorte de uma caixa, cheia de imagens de revistas, sem
que ele as veja antes.
Ele vai olhar para a imagem e falar sobre o que vê, o que sente com essa figura nas
mãos, se ela lhe “fala” algo.
É uma maneira de o cliente olhar para os seus problemas de uma maneira diferente,
entrando em contato com seu mundo interno.

2. COLAGEM DE NOME E SOBRENOME


Pedir ao cliente para, em casa, em uma folha do tipo A4, colar recortes de imagens
(não de palavras) para cada nome que tem.
Exemplo: Se o cliente se chama Pedro Silva Sousa, ele deverá colar imagens que,
procurando em revista, ele ache que tenha a ver com PAULO, com a família SILVA e
com a família SOUSA. Mesmo que ele não conheça as histórias familiares.

Quando o cliente traz para o consultório sua colagem de nomes, ele deve apresentar
ao terapeuta dando suas explicações do porque escolheu aquelas imagens. Mas o

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terapeuta vai prestar atenção na sutileza da sua fala, do que se repete nas imagens, o
que falta, o que sobra, o que é harmônico, o que é desarmônico, etc.
Cabe ao terapeuta ajudar o cliente a ir buscando, naquelas colagens, o inconsciente
familiar manifesto nas imagens.

3. UMA IMAGEM QUE CHAMA ATENÇÃO


Em uma sessão, na qual a sensação é de “atoleiro”, nada avança, o terapeuta poderá
lançar mão dessa tarefa.
Pede ao cliente que, folheando uma revista, busque uma imagem que lhe chame a
atenção. Daí para frente uma conversa sobre o tema da imagem pode acontecer e
questões inconscientes poderão surgir.

4. OS PARADOXOS
Partindo do princípio de que o ser humano é paradoxal, mas que não tem consciência
disso, o terapeuta pode propor um trabalho de colagens. Como por exemplo: você fala
muito de coisas que precisa fazer, mas nunca fala do que deseja. Faça uma colagem de
imagens de coisas que precisa fazer e de coisas que deseja fazer e traga para a
próxima sessão.
Esse trabalho poderá ajudar o cliente e o terapeuta a ampliar a visão sobre a confusão
que o cliente faz entre prazer e dever.
É uma tarefa para inúmeras possibilidades.

USO DO RECURSO – MÚSICA

Para muitos clientes, falar o que sentem, ou perceber o que estão sentindo é muito
complicado. Uma tarefa interessante para se trabalhar com adolescentes, jovens, intelectuais
é propor que pensem em uma música de que gostem muito e pedir que levem a letra e o cd,
pendrive ou outra tecnologia com essa música.
É importante que sejam músicas em língua de dominância do terapeuta e do cliente.
Em sessão, terapeuta e cliente escutam a música e o cliente fala sobre a “história” dela
na sua vida. O que traz de recordação ou porque está escutando muito, desde quando, etc.
Em seguida, passa-se a perceber o ritmo da música – acelerado, melancólico, lento, triste,
alegre, agressivo, etc. A letra e o símbolos que aparecem também serão observados.
O trabalho com a música é um pouco semelhante à interpretação de um sonho. Os
símbolos e metáforas “saltam” da letra e poesia com as quais o cliente se identificou.
A música escolhida pode estar falando de uma história que o cliente ainda não contou;
pode estar falando de uma tristeza ou luto com que ele não faz contato; pode estar falando
de expectativas que tem para o futuro e assim por diante.

RECURSOS DIVERSOS

 Escrever cartas para pessoas significativas (podem ser guardadas por um tempo e
depois queimadas).
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 Escrever uma historinha infantil com início, meio e fim, com no mínimo 20 linhas,
usando a mão esquerda (para quem é destro e direita para quem é canhoto).
 Fazer a própria declaração de óbito (obituário).

 Tarefas para casa - toda tarefa deve ser escolhida de acordo com o contexto e com um
objetivo a ser atingido, podendo ser: desestabilizadora, reorganizadora ou
estimuladora.

 Exemplos :
 Assistir a filmes.
 Ler livros.
 Fazer mudanças de percursos.
 Fazer mudanças no ambiente (quarto, casa ).
 Cuidar de uma plantinha escolhida pelo próprio cliente (saber a
respeito da planta, como se cuida, significado do nome, etc). A planta
pode ser apelidada pelo nome do cliente.
 Fazer a escolha de um presente para se dar.
 Fazer pesquisas sobre nomes, histórias familiares, etc.

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“EU QUASE QUE NADA NÃO SEI”
Depois de mais de 25 anos de trabalho como psicoterapeuta, desacelero o ritmo e faço
uma reflexão sobre minha profissão e principalmente sobre minha atuação profissional.
Não estou questionando os meus psicoterapeutas, porque eles fizeram e fazem o
melhor por mim.
Sou muito grata a essas pessoas que me acolheram, me questionaram, me instigaram,
me informaram e me auxiliaram a ampliar minha consciência.
Eu estou questionando a minha profissão, sim, mas sentada na cadeira do
psicoterapeuta.
E eu?
Será que consigo estar saudável e ser útil em minha profissão?
Já atendi “esquilhões” de pessoas e acredito que muitas delas não saíram "melhores" de
meu consultório.
Também sei que muitas saíram insatisfeitas com minha atuação, esperavam mais de
mim ou imaginaram que eu faria algo de melhor para a vida delas.
E muitas pessoas que eu atendi, não consegui, sequer, entender o seu pedido de ajuda.
E outras, hoje eu entendo que, na verdade, não tinham nenhum pedido de ajuda...
Mas, na posição de psicoterapeuta, peço desculpas a muitas pessoas, por não ter
diferenciado o que era uma dor (sentimento) daquilo que era um sofrimento (pensação).
Sofrimento este de grande validade no jogo de poder que, imaginariamente, tinham com a
vida.
Posso entender hoje que "forcei a barra" para que uma mudança acontecesse. E posso
ter prejudicado muitas pessoas com essa minha equivocada ideia de ajuda.
Depois de refletir e sair da zona de (des)conforto em que me coloquei
profissionalmente - “o lugar do suposto saber” - concluo que durante muitos e muitos anos
eu realmente acreditei nessa ilusão.
Este foi o pior dos meus pecados profissionais.
Acreditar que eu deveria saber tudo.
E avançando mais na minha tolice, eu acreditava que deveria fazer tudo!
Ah! Essa vaidade humana, que me pegou de jeito.
Daí em diante cometer muitas tolices profissionais foi fácil.
Muitas vezes, me empenhei ao máximo em "resolver" problemas que meus clientes
(alguns profissionais chamam de pacientes) não tinham, ainda, o desejo de resolver, porque
não eram problemas, e, sim, resoluções inadequadas que criaram para outros problemas
(piores?) que eles não queriam enfrentar. Direito deles!
Até então, eu não entendia que problemas não existem. O que existe é uma forma
rígida de vermos determinada situação. Então, problemas para serem resolvidos, primeiro
devem ser solucionados - diluídos, solúveis, menos densos.
Também não entendia que, em geral, o sintoma é um mal menor para aquele sistema,
para aquela pessoa. O mal maior é outra coisa, algo mais vergonhoso ou talvez mais
trabalhoso que eu, como psicoterapeuta, não terei a menor ideia, caso meu cliente não me
permita acessar.
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Aqui me lembro de Riobaldo, personagem de Guimarães Rosa, em Grande Sertão:
Veredas quando diz:

“...Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa.
O senhor concedendo, eu digo: para pensar longe, sou cão mestre
- o senhor solte em minha frente uma ideia ligeira,
e eu rastreio essa por fundo de todos os matos.
Amém!"

Muito diferente de Riobaldo, a minha crença de que eu deveria saber tudo e não
desconfiar de nada, me deixou numa vaidosa acomodação e então eu "rastreiava" pouco.
Para que desconfiar, “rastreiar”, farejar, se criar alguma interessante hipótese a
respeito da questão do cliente, me deixava sempre no meu lugar de poder – o tal lugar do
"suposto saber"?
Eu treinava bem, estudava muito, lia todas as teorias e qualquer questão que chegava
em meu consultório , eu estava preparada e tinha uma boa resposta.
Realmente respostas não me faltavam, mas me faltavam boas perguntas, sistêmicas e
reflexivas.
Por fim, e já não era sem tempo, venho me desprendendo desse vaidoso lugar do
"suposto saber" e aprendendo que a primeira pergunta que devo fazer a uma pessoa que
entra em meu consultório é:
- EM QUE POSSO AJUDAR?
Ou variações em torno dessa pergunta, como por exemplo:
- Foi você que resolveu pedir ajuda ou foi alguém que disse que você deveria buscar
uma ajuda?
- Você é uma pessoa que pede ajuda?
- A quem você já pediu ajuda?
- Essa pessoa ou profissional que você procurou antes, conseguiu ajudá-lo (a) em
alguma coisa?
- Essa pessoa ficou lhe devendo alguma coisa?
- Se eu puder ajudá-lo (a), e eu não sei se posso, o que realmente seria uma ajuda válida
para você?
Quero assinalar que a palavra ajudar vem do latim adjutare, que também
significa prestar socorro.
Talvez essa seja mais uma das minhas confusões em prestar ajuda, porque muitas vezes
confundi ajudar com prestar socorro ou salvar.
Então, além de ocupar o "lugar do suposto saber", eu queria também ocupar o lugar
daquele que socorre ou que salva.
Talvez, assim, ganhasse mais poder e reconhecimento...
Eu acreditava que esses eram os melhores lugares para se ocupar no "show" da vida.
Aqui fica uma dica sugestiva para meus colegas que estão em início de carreira, com
tanto entusiasmo em ajudar e com a crença de que devem assumir o lugar do suposto saber.
Um psicoterapeuta saudável (e não uma babá) tem um importante papel de ajuda
sim. Mas é preciso entender bem o pedido de ajuda que o cliente faz. "Pense longe" e
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verifique se está diante de uma pessoa que está pedindo ajuda de fato e disposta a colaborar
com a própria melhora.
"Rastreie" bem a sua trajetória, por quais consultórios essa pessoa passou, buscando
entender se ela tem ou está disposta a desenvolver a humildade para pedir, a paciência para
esperar as coisas acontecerem, a tolerância em receber o que o outro pode oferecer, sem se
tornar uma pessoa devedora ou cobradora, mas grata.
"Desconfie" das pessoas que não fazem trocas.
Não é fácil, mas dependerá muito do nosso nível de compreensão da complexidade
das interações humanas.
Do meu lugar de psicoterapeuta, digo que valeu a pena cada coisa inadequada feita,
cada tolice cometida, porque os aprendizados aconteceram.
Não é o fim, mas é um bom começo.
Imagino que para muitos dos meus clientes, pode não ter valido tanto a pena. Na
minha condição humana, com direito sagrado de errar, peço desculpas se não favoreci o
crescimento e o amadurecimento de muitos.

Jaqueline Cássia de Oliveira

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BIBLIOGRAFIA
1. Amyr Klink
 Cem dias entre céu e mar – Ed. José Olympio

2. Beatriz Coutinho
 Apostila do curso – Terapia da Metáfora

3. Carl Witacker e Bumberry


 Dançando com a família – Editora Artes Médicas

4. Jandira Masur
 O quente pode ser frio – Atica Editora

5. Jaqueline Cássia de Oliveira


 Material didático – Casais & Famílias – Interação Sistêmica Edições
 Apostila do curso – A atuação do Terapeuta Sistêmico
 Apostila do curso – Pensamento Sistêmico e Terapia Sistêmica

6. J. Carlos Vítor Gomes


 Manual de psicoterapia familiar – Ed. Vozes

7. Jeffrey Zeig
 Seminários didáticos de Psicanálise de Milton Erickson – Ed. Imago

8. Joel S. Bergman
 Pescando Barracudas – Ed. Artes Médicas

9. Luigi Onnis e Paola Mari


 Itinerari di Formazione - L'identità del terapeuta– Accademia Psicoterapia
della Famiglia – Roma, Italia.

10. Luiz Carlos Prado


 O ser terapeuta – Edição do autor

11. Maria José Esteves Vasconcellos


 Pensamento Sistêmico – O novo paradigma da ciência – Editora Papirus

12. Maurizio Andolfi


 Terapia Familiar - Vega Editorial

13. Mony Elkaim


 Se você me ama, não me ame. – Papirus Editorial
72
14. Nuno Cobra
 A Semente da Vitória – Editora Senac

15. Paul Watzlawick


 A realidade inventada – Editorial Psy

16. Revista Super interessante

17. R. Fisch, J.H. Weskland Y.L Segal


 A tática da mudança - Editorial Herder – Barcelona, 1984

18. Roger Von Oech


 Um chute na Rotina – Editora Cultura
 Um toc na cuca – Editora Cultura

19. Salvador Minuchin & H. Charles Fishman


 Técnicas de Terapia familiar – Editora Artes Médicas

20. Solange Maria Rosset


 Izabel Augusta – A família como caminho – Editora Sol
 123 – Técnicas de Psicoterapia Relacional Sistêmica – Editora Sol

21. Zélia Nascimento


 Apostilas e aulas de cursos sobre Pensamento Sistêmico Complexo e
interações humanas.

22. Cadernos pessoais de cursos sobre pensamento Sistêmico e terapia sistêmica.

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