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Quiet Quitting

12/10/22

"Talvez seja cedo para classificar 'quiet quitting' como algo negativo"

'Quiet quitting' é o assunto do momento e para entender melhor o que significa

e o impacto que tem, falámos com Filipa Sobral, professora auxiliar na

Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa.

Ao longo dos anos, a forma como se encara o trabalho tem vindo a mudar, o
que leva ao nascimento de fenómenos como o 'quiet quitting'. Como é muito
importante saber o que significa este conceito e as suas consequências,
falámos com Filipa Sobral, professora auxiliar na Faculdade de Educação e
Psicologia da Universidade Católica Portuguesa.

Ao Lifestyle ao Minuto, a professora explica que a "primeira onda de


mudança", aconteceu quando os 'millenials' começaram a entrar no mercado
de trabalho e a questionar determinadas ideias. Por exemplo, no geral, esta
geração não acredita que um trabalho seja para toda a vida - até porque a
evolução do mercado de trabalho assim o determinou.

Graças a estes e outros fatores surgiu o fenómeno 'quiet quitting' que, segundo
Filipa Sobral, é "mais do que um conceito", aliás pode até "ser o nascer de
uma nova atitude face ao trabalho".

Além disto, para assinalar o Dia Mundial da Saúde Mental, a professora reflete
sobre a importância de falar sobre saúde mental no trabalho, reforçando que
"as empresas têm de ativamente prevenir a deterioração da saúde mental dos
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seus trabalhadores". O trabalhador cinge-se a realizar apenas e só as tarefas


que estão definidas na sua função, não assumindo responsabilidades para lá
do seu papel

Como surgiu o conceito 'quiet quitting'? E o que significa?

O conceito de 'quiet quitting' surge num contexto muito particular resultante de


dois anos de pandemia, de confinamentos e de teletrabalho, aliado à chegada
de novas gerações ao mercado, para quem o trabalho deixou de ser, como o
foi para gerações anteriores, o centro da sua vida. Mais do que um conceito, o
'quiet quitting' pode ser o nascer de uma nova atitude face ao trabalho, com a
qual as empresas têm de aprender a lidar, ajustando expectativas e alterando,
elas próprias, aquilo que julgam ser o ideal da relação de trabalho que
estabelecem com os seus trabalhadores.

Não há ainda uma definição académica e estabilizada de 'quiet quitting', mas


os testemunhos que são partilhados e as análises e comentários a respeito
deste fenómeno apontam para um comportamento em que o trabalhador se
cinge a realizar apenas e só as tarefas que estão definidas na sua função, não
assumindo responsabilidades para lá do seu papel, não fazendo horas extra e
não estando disponível para participar em iniciativas/atividades para lá do seu
horário ou função.

Pode ser prejudicial? Para quem? Para os trabalhadores ou para os


empregadores?

Talvez seja cedo para classificar o 'quiet quitting' como algo negativo ou
positivo na relação entre empresas e trabalhadores. Penso que é preciso pôr
num dos pratos da balança aquilo que até aqui seria assumido como 'normal',
ou seja, ter uma cultura organizacional onde se valoriza aquele que é o último a
sair da empresa, que realiza um número de horas extra que põe em causa a
sua capacidade de ter uma vida pessoal equilibrada e saudável, que assume
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continuamente responsabilidades para lá da sua função, mesmo não existindo


um retorno; e colocar no outro prato, uma nova atitude, onde o indivíduo e as
suas necessidades são cada vez mais reconhecidas e respeitadas pelas
empresas, onde a saúde mental assume um papel fundamental na gestão das
pessoas e onde se reconhece que a médio/ longo prazo, este é o caminho que
garantirá um maior desempenho, compromisso e motivação por parte dos
trabalhadores, mesmo que esse compromisso e dedicação aconteçam apenas
das 9h00 às 18h00 e de segunda a sexta-feira.

Não é por acaso que este conceito surge quando outras discussões estão
a ser feitas, como a adoção de novos regimes de trabalho como o remoto
ou híbrido ou até a semana dos quatro dias.

Quais são os fatores que fazem com que um trabalhador comece a adotar
'quiet quitting'? E o que se pode fazer para o evitar?

Talvez o 'quiet quitting' seja um comportamento extremo, um forte sinal de


alerta que aponte para a necessidade de repensarmos a vida em sociedade, o
papel do trabalho e dos objetivos de vida de cada um de nós. Não é por acaso
que este conceito surge quando outras discussões estão a ser feitas, como a
adoção de novos regimes de trabalho como o remoto ou híbrido ou até a
semana dos quatro dias. De forma, mais ou menos consciente, os Estados, as
empresas e a comunidade estão a fazer esta reflexão e talvez os
trabalhadores, como elemento mais frágil desta equação, estejam a expressar
deste modo a sua vontade de mudança.

Diria que num ambiente de trabalho capaz de assumir a mudança necessária,


onde o bem-estar dos trabalhadores é de facto uma prioridade, onde nenhuma
chefia quer a sua equipa a fazer horas extra ou a ficar para lá do seu horário de
trabalho, onde se tenta ajustar as dinâmicas do trabalho e os regimes de
trabalho às necessidades dos elementos das equipas, onde as recompensas
(sejam monetárias ou de outra ordem) sejam percecionadas como justas,
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transparentes e adequadas àquilo que é a realidade da força de trabalho, então


não há razão para existir 'quiet quitting'. O trabalho não ocupará na vida destas
pessoas mais espaço do que aquele que deve ocupar, a motivação que daí
pode advir fará provavelmente com que, quando e se necessário, os
trabalhadores possam colaborar mais do que aquilo que está prescrito na sua
função e demonstrarem um verdadeiro e saudável sentido de pertença.

Provavelmente estamos a assistir a um acerto na relação de troca entre


trabalhadores e empresas.

É sempre mencionada uma relação entre o fenómeno e as gerações mais


jovens. Como se relaciona aqui a degradação das condições de trabalho
(incluindo salários mais baixos)?

Como referi inicialmente, de facto estes fenómenos estão associados à entrada


no mercado das gerações mais jovens. Há alguns anos, ainda antes de surgir
este conceito, a entrada no mercado de trabalho da geração Y, ou 'millennials',
trouxe, eu diria, a primeira onda de mudança face ao que era por um lado, a
ideia de trabalho para toda a vida e, por outro lado, a ideia de assumir um
compromisso de lealdade vitalício e inalterável com uma dada organização. É
claro que a degradação das relações laborais e das condições contratuais
oferecidas veio também espoletar a necessidade de os trabalhadores
adequarem a sua resposta às empresas, em concordância com este
desinvestimento em relações de trabalho mais estruturadas e duradouras.

Ou seja, o desejo desta geração de ser mais livre e desprendida face ao


trabalho não é algo inato, é fruto de um conjunto de mudanças que se foram
operando no mercado e que nos trouxeram até ao 'quiet quitting'. Todas as
relações que estabelecemos, inclusive as relações de trabalho, baseiam-se
numa relação de troca. Cada um de nós dá, na medida em que espera também
receber. Provavelmente, estamos a assistir a um acerto na relação de troca
entre trabalhadores e empresas.
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A propósito do Dia Mundial da Saúde Mental, assinalado no passado dia


10 de outubro, aproveito para perguntar se a saúde mental deve ser um
assunto abordado no local de trabalho? Como?

Mais do que um assunto a abordar, a saúde mental tem de estar presente na


gestão das pessoas. As empresas têm de ativamente prevenir a deterioração
da saúde mental dos seus trabalhadores, garantindo que contribuem,
diariamente, para o seu bem-estar. Isso consegue-se garantindo ambientes de
trabalho saudáveis, com departamentos de gestão de pessoas robustecidos,
que sejam verdadeiros parceiros estratégicos e que apoiem nas tomadas de
decisão internas. Muitas empresas continuam a associar a gestão de pessoas,
apenas e só, aos processos burocráticos relacionados com a redação de
contratos, processamento salarial, marcação de férias, faltas e isso,
claramente, já não é suficiente. Na verdade, já não o é há algum tempo, mas
parece que se está a tornar cada vez mais evidente.

Uma empresa que reconheça a centralidade das pessoas que nela trabalham,
que verdadeiramente invista no seu desenvolvimento e que adote práticas e
políticas de gestão que mostrem isso ao trabalhador, vai certamente ser capaz
de melhorar a saúde metal das suas equipas. As universidades, e posso falar
pelo Mestrado em Psicologia e Desenvolvimento de Recursos Humanos que
coordeno, preparam profissionais qualificados para fazer este trabalho
conjuntamente com a gestão das empresas, capacitando-as para uma
mudança no 'mindset' que, eu diria, é inevitável.

Que condições devem ser criadas para os trabalhadores se sentirem mais


confortáveis e motivados?

Não existe uma receita mágica, existem princípios básicos como aqueles que
já referi e a partir daí, as empresas têm de perceber o que melhor resulta tendo
em conta o seu setor de atividade, o seu contexto geográfico e as

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necessidades específicas dos seus trabalhadores, atendendo às características


particulares da sua força de trabalho.

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