Você está na página 1de 30

COGNITIVO

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM

PSICOTERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL

Mônica Maria Gargur dos Santos

Graduada em Psicologia

A TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL PARA O MUTISMO SELETIVO

INFANTIL: DIAGNÓSTICO E INTERVENÇÕES

Andriza Saraiva Corrêa

Orientadora
COGNITIVO

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM

PSICOTERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL

A TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL PARA O MUTISMO SELETIVO

INFANTIL: DIAGNÓSTICO E INTERVENÇÕES

MÔNICA MARIA GARGUR DOS SANTOS

Monografia apresentada ao Programa de Pós-Graduação


do Cognitivo/FADISMA como requisito parcial para
obtenção do grau de Especialista em Psicologia Clínica.

Andriza Saraiva Corrêa

Orientadora

Salvador/Bahia, 27 de março de 2018


Resumo

O mutismo seletivo (MS) é um tipo de transtorno de ansiedade que se manifesta

prevalentemente na infância. As pessoas com este transtorno apresentam um déficit na

comunicação oral com outras que não pertençam ao seu contexto familiar principal, causando-

lhes prejuízos no desenvolvimento acadêmico e no social. Sua rara prevalência dificulta o

estímulo ao desenvolvimento de comportamentos adaptativos, como também impede o uso

adequado de formas de manejo e tratamento do paciente. Deste modo, considerando a

importância de se ter um maior conhecimento sobre o MS, bem como sobre práticas de

intervenção fundamentadas na psicologia cognitivo-comportamental (PCC), foi elaborada esta

revisão literária. Foram consideradas, na maioria, publicações de livros e artigos científicos

nos idiomas português, inglês e espanhol dos últimos 10 anos. O trabalho foi construído

visando descrever e identificar critérios diagnósticos para o mutismo seletivo, compreender a

especificidade do tratamento terapêutico de crianças na PCC e levantar métodos e técnicas

interventivas. Por meio desta pesquisa, percebeu-se que a indicação e realização desta prática

clínica no tratamento do mutismo seletivo provêm condições necessárias para a eficácia do

seu tratamento.

Palavras-chave: mutismo seletivo; ansiedade social; terapia cognitivo-comportamental


Abstract

Selective mutism (SM) is a type of anxiety disorder that manifests itself predominantly in

childhood. People with this disorder have a deficit in oral communication with others who do

not belong to their main family context, causing them impairment in academic and social

development. Its rare prevalence makes it difficult to stimulate the development of adaptive

behaviors, but it also impedes the proper use of patient management and treatment modalities.

Considering the importance of having a greater knowledge on SM, as well as on practices of

intervention based on cognitive-behavioral psychology (CBP), this literary review was

elaborated. For the most part, publications of books and scientific articles in the Portuguese,

English and Spanish languages of the last 10 years have been considered. The study was

designed to describe and identify diagnostic criteria for selective mutism, to understand the

specificity of the therapeutic treatment of children in the CCP and to develop methods and

intervention techniques. Through this research, it was noticed that the indication and

accomplishment of this clinical practice in the treatment of selective mutism provide

necessary conditions for the effectiveness of its treatment.

Keywords: selective mutism; social anxiety; cognitive behavioral therapy


5

Introdução

O mutismo seletivo é um transtorno de ansiedade raro, que acomete cerca de 1% da

população mundial. Os indivíduos apresentam comportamento tímido e uma seletividade na

comunicação oral, que geralmente ocorre somente com familiares de primeiro grau, causando

prejuízos de ordens acadêmica e social. Em média, é percebido em crianças por volta dos 5

anos de idade, momento em que estão iniciando suas experiências escolares (APA, 2014).

Pelo fato de que o transtorno é pouco conhecido, sua identificação pela família ou pela

escola pode ocorrer tardiamente (Busse & Downey, 2014). Sua não compreensão pode

promover a criação de rótulos ou estereótipos sobre a criança, como também a adoção de

práticas parentais que reforçam seu comportamento de não falar (Foreman, 2015, Busse &

Downey, 2014; Peixoto, 2006).

Tão raro quanto o transtorno são as pesquisas feitas no Brasil, dificultando o

entendimento e o desenvolvimento de práticas terapêuticas adequadas pelos profissionais. A

terapia cognitivo-comportamental no MS tem sido reconhecida no meio científico por sua

maior eficácia, segundo Levitan et al. (2011). No entanto, ainda são encontradas variações na

persistência dos sintomas, as quais indicam uma “superação” do transtorno, como também a

permanência dos seus sintomas ao longo da vida, conforme a APA (2014).

Diante disso, estre trabalho será apresentado com o objetivo de descrever o mutismo

seletivo, apresentar seus critérios diagnósticos e identificar métodos e técnicas interventivas

de tratamento, conforme o referencial teórico da terapia cognitivo-comportamental (TCC).

Método

Este trabalho foi desenvolvido no período de dezembro de 2017 a março de 2018, por

meio de uma pesquisa da literatura publicada sobre o tema. Para este estudo foram utilizados,

como fonte de consulta e referências, periódicos e artigos científicos oriundos de sites de


6

busca e armazenamento de pesquisas científicas, como Scielo, Google Acadêmico, Lilacs,

Bvsalud, Bvs-Psi, Pepsic, Sciencedirect, DeepDyve, USP, Periódicos Capes e RBTC. Os

descritores utilizados no diretório de busca foram: selective mutism, anxiety e cognitive

behavioral therapy. Foram selecionadas pesquisas nos idiomas português, inglês e espanhol.

Além disso, também foram acessados livros do acervo pessoal da pesquisadora. Os critérios

de inclusão na seleção dos estudos foram publicações constantes em periódicos científicos,

cujas pesquisas apontavam o uso da TCC no tratamento do mutismo seletivo e os de exclusão

foram pesquisas ou artigos sem comprovação científica ou que utilizassem outras abordagens

psicoterápicas no tratamento do mutismo seletivo. As produções científicas pesquisadas

datam suas publicações a partir de 1995, sendo que a maioria data dos últimos 10 anos.

Resultados

O levantamento das publicações científicas sobre o tema identificou 24 estudos que

alicerçam este trabalho, o qual perpassa pelo entendimento do mutismo seletivo e da

ansiedade patológica, do fundamento teórico da terapia cognitivo-comportamental, bem como

dos processos específicos de tratamento, como avaliação, diagnóstico e intervenções técnicas

da TCC no mutismo seletivo de crianças. Este conteúdo será apresentado nos tópicos

seguintes.

Análise Histórica Sobre o Mutismo Seletivo

As primeiras investigações sobre o mutismo seletivo datam do final do século XIX.

Segundo Dow (et al., 1995); Peixoto (2006), o transtorno foi identificado inicialmente em

1877 por Adolph Kussmaul, o qual nomeou de “afasia voluntária” o problema onde pessoas

não falavam em determinadas situações, apesar de terem habilidade e condições orgânicas

para tal. Nesta época acreditava-se que a decisão do indivíduo em não falar era arbitrária.
7

Estes mesmos autores apontam que, em 1934, Tramer, observando tais sintomas, o nomeou

de “mutismo eletivo”, pois acreditava que as crianças estavam elegindo não falar. Foreman

(2015) destacou que este cenário favoreceu a construção de uma visão das crianças com

comportamento de teimosia, cujas escolhas eram de não falar.

Assim, foram-se criando, nas escolas das décadas de 50 e 60, um cenário onde os

professores empregavam uma postura disciplinar, confrontavam o silêncio da criança e

tentavam quebrá-lo, diante de uma suposta “desobediência intencional”. Quando, ainda na

década de 60, houve a mudança do termo “eletivo” para “seletivo”, combinado com um maior

entendimento sobre a questão, o comportamento adotado pelos professores e outros

profissionais mudou expressivamente, inclusive tornando mais simpático e estratégico o

tratamento dado a estas crianças, segundo Foreman (2015).

Em 1994, a American Psychiatric Association (APA) publicou a 4ª versão do Manual

Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM). Este manual foi fundamentado nos

estudos e pesquisas mais recentes da época, os quais apontavam que a etiologia do transtorno

incidia mais sobre questões de ansiedade do que de comportamento de oposição, como se

pensava anteriormente.

Logo a seguir, Dow (et al., 1995), em seu estudo sobre diretrizes práticas para a

avaliação e tratamento desta patologia empregou o termo Mutismo Seletivo por considerar,

através de suas pesquisas, que a criança não falava em situações “selecionadas”. Ou seja, isso

não acontecia em todas as situações, em todos os momentos e nem com todas as pessoas.

No ano de 2014 foi lançada a 5ª versão do DSM- que está em vigor atualmente, o qual

manteve o termo mutismo seletivo. A APA (2014, p. 189) caracterizou o MS como sendo o

“fracasso consistente para falar em situações sociais nas quais existe expectativa para que se

fale (p. ex., na escola), mesmo que o indivíduo fale em outras situações”.
8

O mutismo seletivo, ainda hoje, é considerado um transtorno de ansiedade relativamente

raro, segundo a APA (2014). Apesar de não ser incluído na categoria de transtornos da

infância, seu surgimento é notado antes dos 5 anos de idade. Porém, torna-se evidente quando

a criança inicia sua vida escolar, onde passa a ter maior interação social e receber tarefas,

como realizar leituras em voz alta, fazer apresentações, interagir com colegas, dentre outras.

Segundo Busse & Downey (2014), devido à raridade do transtorno, muitos profissionais

escolares e cuidadores na família desconhecem tal condição, pois os comportamentos

internalizantes como MS e ansiedade são geralmente encobertos pelos comportamentos

externalizantes, como o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).

Desta forma, transmitir o devido conhecimento sobre o problema, a estes profissionais,

contribui significativamente para aumentar as chances de se trabalhar com o paciente desde

cedo, evitando-se uma piora no seu quadro e um maior prejuízo ao seu desenvolvimento

social e acadêmico, consoante Crundwell (2006, citado por Busse & Downey, 2014, p. 57).

Assim, afasta-se, inclusive, a aceitação do MS como parte da identidade da criança, segundo

Omdal (2008, citado por Busse & Downey, 2014, p. 57).

O tratamento para o MS enfrenta dificuldades também devido ao fato das pesquisas

disponíveis concentrarem-se mais em estudos de casos únicos. Esta questão dificulta a

realização de análises de resultados agrupados ou a generalização de resultados (Anstendig,

1998; Cohan, Chavira, & Stein, 2006, citados por Zakszeski & DuPaul, 2017), o que poderia

servir para compreender o transtorno e o tratamento de modo mais amplo.

Características do Mutismo Seletivo

As crianças com MS são vistas como tímidas, retraídas, ansiosas, opositivas,

controladoras e com pobres performances escolares. Seus traços de temperamentos mais

encontrados são: preocupações, evitação social, medo, apego e negativismo (BLACK &
9

UHDE, 1992; DALLEY & POWELL, 1999; TANCER, 1992, citados por Peixoto, 2006,

p.24); APA (2014). Também são notadas por sua inibição, sensíveis, inaptas sociais, receosas

de tudo que é estranho ou novo, têm dificuldades em iniciar um diálogo, como também em ser

recíprocas quando lhe falam. (APA, 2014; Wergeland, 1979; Morris, 1953; Hayden, 1980;

Friedman & Karagan, 1973, citados por Dow et al., 1995, p. 838).

Segundo estudos de Cunningham (et al., 2006), crianças com MS apresentam déficit nas

habilidades sociais, inclusive nas situações onde não há a expectativa da fala. São menos

confiantes socialmente, tem dificuldade em fazer amigos e menos propensas a participar de

grupos, embora não se auto avaliem como menos aceitas pelas demais.

A recusa na fala pode causar prejuízos acadêmicos, pois as crianças têm menor

propensão a participar de atividades extracurriculares. Os professores enfrentam dificuldades

em avaliar o conhecimento adquirido por essas - a exemplo da leitura - como também suas

próprias necessidades pessoais deixam de ser atendidas, como tirar dúvidas, ir ao banheiro,

etc., conforme Cunningham (et al., 2006).

O prejuízo social é notado pelo comportamento dos pares, que os importunam

frequentemente. Outros prejuízos vividos por crianças com mutismo são a ansiedade de

separação, sintomas depressivos (devido ao seu isolamento) e sintomas obsessivos e

compulsivos. Um destaque para o estudo de Cunningham (et al., 2006) está em que seus

resultados não apontaram para uma relação entre o mutismo seletivo e os problemas

externalizantes, como o comportamento opositor ou déficit de atenção e hiperatividade, pois

crianças com mutismo seletivo se engajam menos em comportamentos verbais desafiadores, e

sua inibição social reduz o risco de envolvimento com problemas externalizantes.

No que se refere à prevalência do transtorno do MS, a APA (2014) discorre ser maior

em crianças menores e em cerca de 0,3 a 1% da população mundial. Não há relatos de haver


10

variações entre sexo ou entre raças/etnias. Em relação à frequência, nos transtornos de

ansiedade, a maior prevalência está em pessoas do sexo feminino (aproximadamente 2:1).

De acordo com a APA (2014), pode haver uma variação na persistência dos sintomas do

MS. Apesar de relatos clínicos apontarem para a “superação” do transtorno, ou o

desaparecimento dos seus sintomas, os sintomas de ansiedade social podem acompanhar o

indivíduo até a idade adulta. No que esse refere ao seu prognóstico, pesquisas de Kolvin &

Fundudis (1981), que acompanharam crianças por até 10 anos, indicam o MS como uma

condição um pouco intratável, apesar de Peixoto (2006), em estudos mais recentes, ressaltar

que algumas crianças apresentam resultados que demonstram um decréscimo dos sintomas.

Pesquisadores estão relacionando cada vez mais a ocorrência do MS na infância com o

transtorno de ansiedade social entre os adultos, de acordo com Black & Uhde, 1992; Crumley,

1990; Golwyn & Weinstock, 1990; Leonard & Topol, 1992, citados por DOW et al., 1995).

Sanetti and Luiselli (2009, citados por Zakszeski &DuPaul, 2017); Peixoto (2006, p.5)

apontam que pessoas com MS desenvolvem a reputação de não serem responsivas ao

tratamento, tendo em vista alguns fatores, como o decréscimo da demanda da fala em virtude

dos pais ou seus pares, que respondem em seu nome.

Etiologia

Não há um consenso entre os pesquisadores sobre as causas originárias do mutismo

seletivo. Busse & Downey (2014); Leonard & Dow (1995, citado por Busse & Downey,

2014, p55); Serreti (2010) destacam como possíveis razões a família ou experiências com

traumas, ambiente familiar hostil, abuso físico, sexual ou eventos trágicos como a morte de

uma pessoa amada. De acordo com Krysanski (2003, citado por Busse & Downey, 2014,

p55), a teoria psicodinâmica pode considerar como fonte a reação a um conflito não resolvido

com pais e cuidadores, a fim de ganhar controle sobre algum aspecto da vida da criança.
11

Anstendig (1998, citado por Busse & Downey, 2014, p.55), por sua vez, discorre que a

teoria familiar sistêmica conceitua o mutismo seletivo como o resultado de um

relacionamento familiar conflituoso. Sobre a teoria do comportamento, Krysanski (2003,

citado por Busse & Downey, 2014, p.55), salienta o MS como o resultado do reforço negativo

dado pelos pais que ensinaram a criança a usar o silêncio como método de reduzir ou

controlar sua ansiedade, em reação a um estímulo específico.

Segundo Kristensen (2001, citado por Peixoto, 2006, p. 27), pesquisas apontam que não

há evidências empíricas associando traumas ou abusos a fatores desencadeantes do transtorno.

O autor destaca ainda que a identificação das causas deve considerar a existência de origens

multifatoriais, ao invés de se ter apenas uma visão simplista de trauma ou abuso.

Usando um modelo explicativo da gênese e desenvolvimento do MS, Urban (et al.

2009, p.7) listam alguns fatores que predispõem e precipitam o transtorno - gerando um

comportamento de mutismo, evitação e ansiedade -, e fatores que o reforçam e o mantém.

Fatores predisponentes são as condições pessoais, familiares e escolares que tornam o

sujeito mais vulnerável a desenvolver o transtorno. Como exemplo tem-se, no contexto

pessoal, as características de personalidade tais como vulnerabilidade e inibição, e as

dificuldades de aprendizagem, como linguagem oral e habilidades sociais. No contexto

familiar são apontados o modelo de evitação de relações sociais e estilo educativo

superprotetor ou autoritário, e as características de personalidade dos pais ou cuidadores. No

contexto educativo são notados o estilo educativo variável, autoritário ou condescendente e a

competência e o estilo de relacionamento do professor (Urban et al, 2009, p.7).

Os fatores precipitantes são as condições e circunstâncias pontuais e negativas na vida

do indivíduo que, juntamente com os fatores predisponentes, podem desencadear o transtorno.

Como exemplo destacam alguns acontecimentos vitais, traumáticos ou estressantes, como o


12

início do processo de escolarização, hospitalização, separação da mãe, mudança de endereço,

outras circunstâncias adversas, etc. (Urban et al, 2009, p. 7).

Como fatores que reforçam e mantém o transtorno, tem-se a diminuição da ansiedade ao

se evitar situações onde a fala é exigida, a acomodação do ambiente ao comportamento da

criança, receber excesso de atenção, pensamentos, expectativas e comentários de aceitação do

problema e a aceitação das suas respostas não verbais dadas (Urban et al, 2009, p. 7).

Estudiosos do campo da aprendizagem tem considerado que o comportamento não-

verbal das crianças com MS é mantido por reforçadores sociais significativos, como pais e

professores. Sendo assim, espera-se que, modificando a relação da fala da criança com seus

fatores ambientais, possa surgir um comportamento verbal mais adaptativo (PLATT et al.

1999; citados por Peixoto, 2006, p. 28-29).

A Ansiedade Como Um Sintoma Do Mutismo Seletivo

De acordo com Barlow (et al., 2008, p. 132), mais do que um transtorno, a ansiedade é

uma emoção que carrega componentes biológicos e psicológicos. É caracterizada por um

humor negativo orientado para o futuro, causando apreensão no indivíduo e o surgimento de

sintomas físicos, incluindo tensão corporal, além da sensação de que não se pode controlar ou

prever os eventos futuros. Os autores destacam que, em um nível moderado, a ansiedade traz

benefícios para o ser humano, pois o prepara para eventos que possam dar errado, como a

realização de uma prova, entrevista de emprego ou sair para um encontro.

Friedberg & McClure (2004, p. 173) assinalam que os sintomas de ansiedade são

descritos com queixas corporais ou somáticas, como inquietação, mas também com “sudorese

profusa, tontura, vertigem, desconforto estomacal, taxas cardíacas aumentadas, falta de ar e

irregularidades estomacais”. Emocionalmente elas experimentam preocupação, apreensão,

pânico, medo e irritabilidade.


13

No aspecto comportamental a evitação é mais evidente. As crianças vão a um

profissional quando não conseguem mais evitar as situações temidas ou quando há um alto

custo para manter tal comportamento, gerando problemas ou conflitos na família, na escola,

entre os pares, dentre outros. Outras ações comportamentais comuns são roer unhas, chupar os

dedos, desenvolver compulsões e hipervigilância (Friedberg & McClure, 2004).

Caracterização do Transtorno Psicológico

A natureza de um transtorno psicológico inclui a existência de uma disfunção

psicológica que “está associada com angústia e diminuição da capacidade adaptativa e uma

resposta que não é culturalmente esperada”, segundo Barlow (et al., 2008, p. 2-3). No entanto,

os autores recomendam cautela do que considerar normal ou não do ponto de vista cultural,

pois nem tudo que aparenta ser atípico ou não esperado é, por si só, uma anormalidade.

Barlow (et al., 2008) compreende a disfunção psicológica como uma mudança

expressiva no funcionamento cognitivo, emocional ou comportamental do indivíduo. A

angústia, entretanto, é destacada como critério de classificação de um transtorno quando

implica em uma perturbação para o indivíduo, trazendo-lhe prejuízos que esse reconhece

como tais, pois a angústia e o sofrimento, em si, sem uma perturbação, são normais. ACKER-

MAN (1986, citado por Serreti, 2010, p. 152) destaca que, “em geral, há forte suspeita de

patologia quando o comportamento se torna fixado e repetitivo, perde sua plasticidade e valor

adaptativo e se torna menos reativo aos estímulos internos e pressões do ambiente”.

De acordo com a APA (2014, p.189), nos transtornos de ansiedade os indivíduos

superestimam os perigos percebidos, experimentam medo e ansiedade excessivos e

perturbações comportamentais equivalentes aos seus padrões cognitivos e emocionais.

Enquanto o medo é uma resposta emocional diante de um perigo iminente, real ou percebida,
14

a ansiedade é percebida como a antecipação de uma ameaça futura, gerando tensão muscular,

vigilância, preparação para o perigo futuro e comportamentos de cautela ou esquiva.

Conforme relatado anteriormente, a ansiedade, em si, é saudável e adaptativa. O que

diferencia uma ansiedade normal de uma desadaptativa é o prolongamento da sua duração,

bem como seu excesso, considerando o nível de desenvolvimento do indivíduo. No caso do

MS, o fracasso na fala ocasiona prejuízos e consequências significativas nos ambientes

acadêmicos ou profissionais, além de impactar na sua comunicação social normal.

Avaliação e Diagnóstico de Crianças na Terapia Cognitivo-Comportamental

De acordo com Petersen & Wainer (2011), a avaliação na TCC consiste em,

inicialmente, obter uma visão ampla e descritiva dos problemas apresentados pela criança,

bem como do seu funcionamento geral. Em seguida, procede-se à identificação dos sintomas

e fatores cognitivos presentes na etiologia das perturbações emocionais e comportamentais

(Shapiro, Freidberg & Bardenstein, 2006, citados por Petersen & Wainer, 2011).

Lempp (et al., 2017) apontam que a avaliação de crianças e adolescentes merece uma

atenção especial, pois estes não são adultos pequenos; falam numa linguagem própria e

raramente buscam ajuda por eles mesmos. Deste modo, durante uma avaliação, o profissional

deve ter firme e claro os seus objetivos, porém ser flexível nos seus métodos, visando buscar

o equilíbrio entre a normatização e a individualização.

A importância de se fazer uma avaliação diagnóstica completa e profunda antes de se

iniciar o tratamento - o que demanda um tempo significativo - é destacada por Lempp (et al.,

2017). Caso o diagnóstico seja incorreto ou não compreendido ou aceito por todas as partes

envolvidas, aumentam-se as chances do tratamento fracassar. Fazer o diagnóstico diferencial,

então, é necessário para que sejam excluídos os transtornos que, nas crianças, tem sintomas e

características comuns.
15

Segundo Dow (et al., 1995), a avaliação consiste em entrevista com os pais e avaliação

com a criança. Com estes primeiros, sua importância é destacada pelo fato da criança não

falar. Então, é por meio dessa entrevista que informações relevantes serão obtidas, como por

exemplo o histórico do início dos sintomas.

Um aspecto relevante nesta entrevista consiste em identificar se as expectativas dos pais

excedem as habilidades da criança, se seus estilos parentais causam um desajuste entre os pais

e a criança (e neste caso os pais buscam mudar a criança para ajustá-la a este estilo) ou se os

próprios pais ou educadores tem seus problemas de saude mental. Neste caso, os problemas

parentais interferirão negativamente na sua percepção da criança, segundo Dow (et al., 1995).

Informações adicionais citadas pelos pais sobre padrões de comportamento que não são

características de mutismo seletivo (tais como não falar com parentes de primeiro grau, cessar

abruptamente a fala em um ambiente específico ou ausência da fala em todos os ambientes),

podem apontar a possibilidade de outros transtornos psiquiátricos ou neurológicos, como

autismo e afasias (Dow et al., 1995).

Lempp (et al., 2017) acrescentam que a avaliação deve incluir também outros ambientes

de interação da criança, tais como o escolar, comunitário e cultural. Estes autores consideram

que a maioria das crianças se comporta de modos diferentes em espaços diversos. Desta

forma, pode-se avaliar quais contextos melhoram ou pioram sua problemática, além de poder

identificar quais são os recursos (pontos fortes) que a criança possui.

Petersen & Wainer (2011) acrescentam que, na avaliação realizada com a criança

podem ser utilizados testes de avaliação psicológica, os quais servem como instrumento de

pesquisa do paciente, podendo seus dados serem utilizados ao longo do tratamento.

Kanfer & Saslow (2002, citados por Serreti, 2010, p. 147) propõem, na formulação do

caso clínico, o levantamento de comportamentos-problema, por ocorrerem por excessos ou

déficits. Os excessos comportamentais são a classe de comportamentos que ocorrem de forma


16

problemática devido ao seu próprio excesso. Déficits comportamentais, por sua vez, são uma

classe de respostas descritas como problemáticas porque deixam de ocorrer. Identificar as

reservas comportamentais, que são os comportamentos considerados não problemáticos, os

comportamentos sociais adequados e os talentos especiais que ela possui, pode contribuir

como recurso inicial para o desenvolvimento de novos repertórios na criança. Todos os itens

são observados em relação à frequência, intensidade, duração ou ocorrência.

Friedberg & McClure (2004) destacam a importância de incluir uma avaliação médica

pediátrica, considerando que as crianças ansiosas experimentam sintomas físicos e queixas

corporais como: sudorese, desconforto estomacal, irregularidade intestinal, tontura e aumento

das taxas cardíacas, semelhantes a determinadas condições médicas. Assim, numa avaliação

adequada pode-se: excluir algum problema físico que está ocultando o transtorno de

ansiedade; identificar um problema físico que esteja aumentando a ansiedade e identificar,

caso a criança esteja tomando algum remédio, suas possíveis influências nos sintomas de

ansiedade. Para o terapeuta, essa avaliação serve também para notar se a ansiedade da criança

piora sua condição clínica. Em caso de ansiedade aguda, pode ser indicada alguma

medicação, a fim da criança melhor aproveitar os benefícios terapêuticos.

A classificação diagnóstica do mutismo seletivo, segundo a APA (2014, p. 195), inclui a

identificação dos seguintes critérios:

a. “Fracasso persistente para falar em situações sociais específicas nas quais existe a
expectativa para tal, apesar de falar em outras situações.
b. A perturbação interfere na realização educacional ou profissional ou na comunicação
social.
c. A duração mínima da perturbação é de um mês (não limitada ao primeiro mês de
escola).
d. O fracasso para falar não se deve a um desconhecimento ou desconforto com o idioma
exigido pela situação social.
e. A perturbação não é mais bem explicada por um transtorno da comunicação (p. ex.,
transtorno da fluência com início na infância) nem ocorre exclusivamente durante o
curso de transtorno do espectro autista, esquizofrenia ou outro transtorno psicótico.”.
17

Estudos sobre o processo adaptativo da criança ao ambiente escolar, nas fases iniciais,

indicam que o período de um mês pode ser insuficiente para se ter um diagnóstico mais

preciso, pois indivíduos com mutismo transitório (devido a um evento traumático ou pela

entrada recente na escola), fruto de um processo adaptativo, podem acabar sendo incluídos

indevidamente nesta classificação, segundo Peixoto (2006). Kolvin & Fundudis (1981)

apontam que, nestes casos, uma proporção significativa de crianças apresenta remissão de

sintomas após acostumarem com o estresse e a estranheza habituais do início da vida escolar.

A realização de um diagnóstico adequado perpassa pela diferenciação de outros

transtornos, que podem apresentar sintomas semelhantes. No caso do MS, a APA (2014)

indica que, ao avaliar o diagnóstico diferencial, deve ser levada em consideração a existência

de transtornos da comunicação, do neurodesenvolvimento, esquizofrenia e outros psicóticos.

A ansiedade social pode estar presente, e assim sendo, neste caso devem ser estabelecidos os

dois diagnósticos. Lempp (et al., 2017) ressaltam que a ocorrência de dois transtornos ao

mesmo tempo tem implicações tanto no prognóstico quanto no tratamento.

A Terapia Cognitivo-Comportamental para Crianças

A prática clínica da psicoterapia cognitivo-comportamental parte do princípio que,

conforme Petersen & Wainer (2011, p. 16), as doenças mentais são frutos das estruturas e/ou

processos cognitivos disfuncionais ocorridos nos indivíduos, em determinados momentos de

suas vidas. Neste sentido, a ativação de pensamentos excessivamente disfuncionais provocará

alterações no humor e no comportamento das pessoas (Beck & Freeman, 1993, citados por

Petersen & Wainer (2011, p. 17).

Seguindo o modelo de Aaron Beck, o tratamento da terapia cognitivo-comportamental

consiste inicialmente na identificação dessas crenças e pensamentos e, futuramente, na

modificação desses, de modo a favorecer uma redução dos sintomas apresentados pelos
18

pacientes, segundo Petersen & Wainer (2011). Ao se estabelecer como objetivo terapêutico a

modificação da estrutura cognitiva da criança ou do adolescente, o tratamento será

direcionado para que esses se comportem, se sintam e pensem de modo diferente (Kendall

2006a, citado por Petersen & Wainer, 2011).

Bunge (et al., 2016) apontam que as experiências vividas na infância produzem

esquemas de pensamentos que, ao serem ativados em virtude de alguma situação, podem

apresentar um modo de funcionamento patológico no indivíduo. Há um aumento na ansiedade

das crianças conforme o grau em que “superestima-se a ameaça e o custo ou significado que

lhe é atribuído” e/ou “subestima-se a própria capacidade de enfrentamento e os fatores de

resgate” (Bunge et al., 2016, p. 31). Ademais, a ansiedade perdura conforme a criança

mantém as medidas de segurança, as estratégias de evitação e a atenção seletiva às ameaças,

pois tais ações contribuem para que as crenças catastróficas sejam refutadas.

Do ponto de vista preventivo, considerando o MS como um comportamento aprendido

que aparenta uma ansiedade social, Busse & Downey (2014, p. 56) destacam que “os métodos

de prevenção podem ser direcionados para minimizar os antecedentes e os eventos

consequentes que podem levar ao MS”.

No aspecto intervencionista, Zakszeski & DuPaul (2017) apontam que a ansiedade é um

sintoma do MS, e notam similaridades na etiologia e no tratamento do MS e de outras

desordens da ansiedade. Sendo assim, serão identificadas e apresentadas, neste trabalho,

estratégias e técnicas terapêuticas similares entre ambos.

Cunningham (et al., 2006, p. 253), comparando crianças com mutismo seletivo

generalizado (cujas falas estavam restritas aos seus lares) das com MS específico (que não

falavam com os professores, mas eram propensos a falar com seus pais e pares em casa e na

escola), notaram que as primeiras aparentam ser uma variação mais grave da segunda,

incluindo maior prevalência de comorbidades, tais como problemas internalizantes, mais


19

ansiedade na escola e mais fatores de risco que comprometem os resultados de uma

intervenção psicossocial. Assim sendo, para o segundo grupo, eles sugerem a adoção de um

protocolo de avaliação e tratamento menos agressivo, pois este grupo apresenta

comportamento fóbico social e déficit de habilidades sócias.

Dentre os modelos de psicoterapia utilizados na prática clínica para trabalhar com

crianças com transtornos de ansiedade, Levitan (et al., 2011) enfatizam a TCC como sendo a

que apresenta maior eficácia, sendo também a mais estudada. Dentre as técnicas utilizadas por

esta abordagem terapêutica, os autores destacam a “psicoeducação, relaxamento muscular

progressivo, treinamento de habilidades sociais, exposição imaginária e ao vivo, vídeo

feedback e reestruturação cognitiva” (Levitan et al., 2011, p. 6).

Outros tipos de tratamento também são recomendados, segundo a literatura pesquisada.

O uso ou a combinação de terapias comportamentais, cognitivo-comportamentais, do jogo,

familiar, psicodinâmica e psicofarmacológica são considerados no tratamento do MS (Jubete,

2017; Dow et al., 1995). O uso de medicamentos deve ser considerado principalmente nos

casos mais intratáveis, de tratamento de longo prazo ou no caso em que crianças apresentam,

além do MS, outros transtornos de ansiedade ou depressivos (Carlson, et al., 2008, citados por

Downey & Busse, 2014). Jubete, 2017; Dow et al., 1995, destacam que o tratamento para o

MS deve ser individualizado, permitindo uma interação entre escola e pais neste processo.

Friedberg & McClure (2004, p. 173) destacam que o foco do tratamento deve estar em

acalmar os sintomas angustiantes da criança e ensiná-la habilidades de enfrentamento, tendo

em vista que essa, quando fica ansiosa, vivencia “alterações psicológicas de humor,

comportamentais, cognitivas e interpessoais”.

A psicoterapia fundamentada na TCC para crianças inclui o uso de técnicas cognitivas e

comportamentais relacionados aos problemas apresentados, de acordo com Petersen &

Wainer (2011). Os autores destacam que o tratamento contempla duas etapas, a de educação
20

afetiva e familiarização com o modelo de terapia (usando, para isso, a psicoeducação), e o uso

de estratégias facilitadoras e exposição às situações aversivas ou temidas.

A educação afetiva é um composto essencial para favorecer, de modo saudável, o

desenvolvimento infantil, consoante Caminha & Caminha (2011). Os autores ressaltam, neste

processo, a importância de a criança aprender a nomear, expressar, quantificar e modular suas

emoções.

A psicoeducação tem a função de orientar pacientes e família sobre a TCC, a fim de

favorecer o processo de mudança, segundo Friedberg (et al., 2011). Isso inclui esclarecê-los

tanto sobre os sintomas, quanto sobre o (s) diagnóstico (s) e o tratamento. Este processo

inicial auxilia a criança a, durante o uso de estratégias de exposição às situações temidas,

reconhecer os sinais de ansiedade, identificar os processos cognitivos envolvidos e usá-los

para enfrentá-las, conforme orientam Petersen &Wainer (2011).

Conforme Friedberg (2006), o trabalho com crianças na terapia deve ser aplicado

considerando seu contexto de desenvolvimento. A diversão, o humor e as brincadeiras devem

permear o trabalho. O estímulo dado à criança deve ter um potencial significativo,

provocativo e emocionalmente evocativo, o que promoverá seu engajamento no processo.

Destaca a importância da informalidade do profissional. No trabalho com crianças ansiosas, o

autor destaca o cuidado profissional de não as aborrecer com a atividade, promovendo, assim

o aumento desnecessário da sua ansiedade.

O início do trabalho da TCC com crianças deve ser iniciado, segundo Friedberg &

McClure (2004) com a formulação e conceitualização do caso, o qual auxiliará o terapeuta na

escolha e adaptação de técnicas e materiais psicoeducativos adequados para cada criança,

como também na percepção e avaliação do seu ritmo e progresso. Ou seja, a elaboração da

conceitualização é um marco relevante para o estabelecimento do plano de tratamento.


21

Padesky (2009, citada por Petersen &Wainer, 2011), sugere que a conceitualização do caso

seja formulada e discutida com o paciente, a fim de evitar divergências.

Sobre a estrutura das sessões, Petersen & Wainer (2011) propõem que as essas sejam

definidas e mantidas até o final do tratamento. Segundo os autores, isso contribui para que a

criança tenha uma previsibilidade do que vai acontecer, além de auxiliar futuramente no seu

monitoramento pessoal. A proposta de estruturação de sessões apresentada por eles

contempla, sequencialmente, a verificação do humor, a verificação da tarefa de casa, o

estabelecimento da agenda da consulta, a realização de trabalhos nos tópicos da agenda

(usando protocolos, exercícios ou brinquedos livres), a prescrição de tarefas de casa, o resumo

da sessão pelo terapeuta e o feedback do paciente sobre a sessão.

A verificação do humor é feita utilizando-se como escala um termômetro dos

sentimentos Subjective Units of Discomfort Scale (SUDS), ou Unidades Subjetivas de

Sofrimento, o qual avalia a percepção da criança sobre seu estado emocional.

A verificação da tarefa de casa tem o objetivo de retomar o foco da sessão anterior e dar

continuidade aos novos tópicos.

A agenda da consulta visa avaliar as ocorrências entre as sessões e verificar a melhor

forma de uso do tempo entre as sessões.

A prescrição das tarefas de casa busca reforçar as habilidades trabalhadas durante a

sessão, o que pode ocorrer por meio da biblioterapia ou da recomendação de atividades

construídas na sessão.

O resumo feito pelo terapeuta, ao término da sessão, visa sintetizar os principais

conteúdos abordados durante a sessão, favorecer o registro na memória das habilidades

desenvolvidas ou registrar alguma sugestão.

O final da consulta contempla o feedback do paciente sobre a sessão, o qual serve para o

terapeuta avaliar o estado do paciente a fim de confirmar suas percepções.


22

Treinamento de Pais

Levitan (et al., 2011 p. 7) assinalam que o envolvimento dos pais no tratamento da

ansiedade social (individual ou em grupo) é bastante eficaz, principalmente se for considerado

o fato de que parte dos pais influencia negativamente o quadro do indivíduo com suas ações

de resolver os problemas por eles, por exemplo, reforçando a esquiva social do indivíduo.

Porto (2005), por sua vez, destaca que, no processo terapêutico, os pais servem de mediadores

na aquisição de muitas habilidades aprendidas durante a infância.

Friedberg (et al., 2004) apontam que, como muitos problemas da criança ocorrem fora

da sessão terapêutica, é importante que os pais ajam em sintonia com o profissional para

evitar que a criança receba informações divergentes, o que pode deixá-la confusa, causando

assim a diminuição da efetividade do tratamento.

Friedberg (2006, p. 108), em entrevista concedida à Revista da FBTC, destacou que os

pais podem participar do processo terapêutico como instrutores no tratamento individual de

exposição, ajudando a criança a se aproximar dos eventos considerados, por ela, ameaçadores.

O autor acrescenta que eles também podem estar envolvidos como pacientes individuais, em

treinamento de pais. Para ele, os pais devem sempre estar envolvidos, não importando o seu

grau de envolvimento. Cada pai poderá ajudar a criança de acordo com as suas condições e

possibilidades.

Técnicas da Terapia Cognitivo-Comportamental no Tratamento do MS com Crianças

Quatro modelos de terapia comportamental infantil têm sido tradicionalmente

concebidos para o tratamento do MS, conforme apontam estudos de Kratochwill (et al.,

2002). O primeiro modelo, baseado nas abordagens neocomportamentais, utiliza técnica como

dessensibilização sistemática, que envolve a exposição gradual a estímulos produtores de

ansiedade enquanto um estado de relaxamento é introduzido. O segundo envolve a aplicação


23

de princípios de aprendizagem do condicionamento operante, como reforço positivo,

extinção, e punição, na expectativa de modificar o comportamento. O terceiro modelo se

baseia na teoria de aprendizagem social, a qual utiliza técnicas de modelagem com o objetivo

de desenvolver habilidades sociais e comportamentos adaptativos nas crianças. O último se

fundamenta no uso da TCC, que tem por objetivo modificar o comportamento da criança por

meio das mudanças das suas cognições e/ou auto-declarações internas.

Como técnicas de intervenção cognitivo-comportamentais para os transtornos de

ansiedade, Petersen & Wainer (2011) recomendam, por exemplo, treinamento em

relaxamento, reestruturação cognitiva, automonitoramento e testes de evidências.

Estratégias comportamentais e cognitivo-comportamentais para tratamento do mutismo

seletivo incluem reestruturação cognitiva, comunicação desfocada, definição de metas,

gerenciamento de contingências, modelagem, auto-modelagem, treinamento de habilidades

sociais, dessensibilização sistemática, exposição hierárquica, priming (preparação), prompting

(encorajamento), role-playing (jogo de papeis ou dramatização), desvanecimento do estímulo

e treinamento de relaxamento (Zakszeski & DuPaul, 2017; Busse & Downey, 2014), que

serão descritas a seguir.

O treinamento de relaxamento pode incluir a respiração diafragmática ou o relaxamento

progressivo muscular, com o objetivo de influenciar a criança, de modo ativo, a manejar o seu

estresse. Por meio deles a criança aprende a diminuir a tensão e a regular a respiração

(Petersen et al., 2011; Friedberg & McClure, 2001)

A reestruturação cognitiva visa ensinar as crianças a reconhecer e mudar seus

pensamentos desadaptativos, por meio da promoção de alternativas mais flexíveis e

adaptativas. Pode-se usar para isso, o questionamento socrático, o registro de pensamentos, a

descatastrofização (visa diminuir a tendência da criança a superestimar os perigos, tanto em

sua magnitude quanto na sua probabilidade de ocorrer), fazer o exame de evidências


24

(identificar os prós e os contras), reatribuição (estimular a criança a pensar de forma diferente

sobre a mesma situação) (Zakszeski & DuPaul, 2017; Bunge et al, 2016; Wright et al., 2008;

Friedberg & McClure, 2001)

O teste de evidências é uma técnica cognitiva que visa estimular as crianças a “avaliar

os fatos que apoiam e os que invalidam suas crenças” (Friedberg & McClure, 2001, p. 112),

contribuindo para auxiliar na mudança dos pensamentos automáticos. Por meio da construção

de uma lista de evidências contra e a favor da validade de um pensamento automático, esta

técnica permite testar generalizações exageradas, conclusões falhas e inferências infundadas.

(Friedberg & McClure, 2001; Wright et al., 2008).

O automonitoramento tem como objetivo auxiliar a criança a reconhecer os sentimentos

de ansiedade, as reações somáticas, como também os componentes cognitivos e imagens

disfuncionais que surgem nos eventos problemáticos. As Unidades Subjetivas de Sofrimento

(SUDS) serão úteis para a criança construir sua hierarquia de ansiedade e medo (Bunge et al,

2016; Petersen et al, 2011; Friedberg & McClure, 2001).

A comunicação desfocada promove um estilo de comunicação confortável entre a

criança e o terapeuta. Isto pode ser feito evitando-se o contato visual, sentando-se ao seu lado,

ao invés de em frente a ela, e mantendo uma distância adequada entre ambos. (Zakszeski &

DuPaul, 2017).

A técnica de definição de metas serve para reconhecer e ajudar na construção de

comportamentos objetivos na criança. Isso pode ocorrer, por exemplo, na identificação da

meta de falar com um colega de classe durante um exercício, e no levantamento de etapas

necessárias para que este objetivo seja alcançado (Zakszeski & DuPaul, 2017).

As contingências, segundo Friedberg & McClure (2001, p. 108), “representam o

relacionamento entre comportamentos e consequências”. Seu controle implica na definição

das recompensas (ou reforços) oferecidos à criança a partir de respostas comportamentais


25

mais adaptativas, como a verbalização. Estes reforços podem ser tangíveis (como adesivos)

ou reforço de atividade (como tempo no celular ou tablet). (Friedberg & McClure, 2001;

Zakzeski & DuPaul, 2017).

Shapping ou modelagem é uma estratégia que inclui aproximações sucessivas do

comportamento-alvo desejado, associada ao gerenciamento de contingências. Ou seja, um

objetivo (ou meta), que pode ser uma habilidade estabelecida pela criança, é particionado em

etapas menores e, à medida que a criança vai alcançando as etapas, ela é recompensada por

isso, seja por meio de reforços tangíveis ou de atividades (Zakszeski & DuPaul, 2017;

Peixoto, 2006; Busse & Downey, 2014).

Modeling, auto-modelagem ou modelação - visa a construção, pela própria criança, do

comportamento adaptativo. Por meio da exibição do comportamento desejado para a criança

essa encena o comportamento desejado, imitando ações ou sons. Destaca-se que este trabalho

deve ser feito por meio de uma terceira pessoa que seja um modelo significativo para a

criança. (Zakszeski & DuPaul, 2017; Harold, Krohn, Sander, Weckstein & Wright, 1992;

Cline & Baldwin, 2004, Labbe & Willianson, 1984, citados por Peixoto, 2006, p. 38).

A dessensibilização sistemática tem o objetivo de diminuir o medo e a ansiedade por

meio de um procedimento de contracondicionamento. Nele são utilizados, de modo

combinado, estímulos ansiogênicos e agentes contracondicionantes, como exercícios de

relaxamento. (Friedberg & McClure, 2001).

A exposição hierárquica visa descontruir o ciclo de reforço da criança causado por seu

comportamento evitativo, auxiliando-a a enfrentar situações estressantes. Situações temidas

são listadas gradativamente com a criança, tendo essa que se apresentar aos estímulos menos

ansiogênicos até chegar aos mais ansiogênicos (Zakszeski & DuPaul, 2017; Wright et al.,

2008)
26

Priming (preparação) significa o terapeuta permitir que a criança visualize uma

atividade ou uma expectativa antes da sua ocorrência. Como exemplo, pode-se informar à

criança que será solicitado a ela responder a uma determinada pergunta durante a instrução de

grupos grandes (Zakszeski & DuPaul, 2017).

Prompting (encorajamento) significa o uso de verbalizações ou gestos para incitar um

comportamento-alvo. A técnica pode ser usada ao chamar uma criança para falar ou ao

apontar para o ouvido para encorajar a criança a falar ou a falar num volume mais alto

(Zakszeski & DuPaul, 2017).

Stimulus Fading (desvanecimento do estímulo) - é o processo de reduzir o controle de

um estímulo sobre determinado comportamento, por meio da promoção da transição gradual

de um contexto confortável para um temido. Isto pode ser feito aumentando o número de

pessoas presentes e reduzindo a distância em que as pessoas estão localizadas quando a

criança está falando. O estímulo pode ser um cuidador, seus pais ou outro membro da família

com quem a criança fale confortavelmente. Com isso, possibilita-se a generalização da fala e

o desvanecimento do estímulo nos ambientes escolares e comunitários. A modelagem e o

reforço serão também úteis durante o uso desta técnica para ajudar a criança a lidar com a

ansiedade em cada passo (Zakszeski & DuPaul, 2017; Cohan, et al., 2006, citado por Busse &

Downey, 2014; Busse & Downey, 2014; Peixoto, 2006).

O treino de habilidades sociais, segundo Friedberg & McClure (2001) pode ser utilizado

para ensinar a criança a fazer novos amigos, dar e receber cumprimentos, fazer pedidos de

ajuda. O role-playing contribui para o treino de habilidades sociais por meio de

dramatizações, mas também pode ser usado para identificar pensamentos automáticos,

desenvolver respostas racionais e modificar crenças, sejam elas centrais ou intermediárias

(Friedberg & McClure, 2001; Beck, 1997).


27

Discussão

Pesquisas no Brasil sobre o mutismo seletivo ainda são escassas, dificultando a

identificação precoce do transtorno por profissionais da educação e familiares, a promoção do

tratamento em sua fase inicial, bem como o estabelecimento de um plano terapêutico

adequado pelo terapeuta. No entanto, a procura por atendimento psicológico para crianças que

experimentam o sofrimento e vivem as consequências do transtorno tornam relevante a

expansão do conhecimento da prática clínica da TCC no tratamento deste distúrbio. Desta

forma, destaca-se a importância de estimular a realização de amplas pesquisas científicas

sobre o tema no país, a fim de viabilizar a generalização dos resultados obtidos. Como isso,

propicia-se aos envolvidos uma maior compreensão do transtorno e elevam-se as

possibilidades de intervenção do psicólogo junto a este público, proporcionando maior

qualidade técnica e profissional do tratamento terapêutico, a redução dos sintomas na criança

e o favorecimento de um desenvolvimento saudável.

Conclusão

Este trabalho é considerado relevante por proporcionar novos conhecimentos acerca do

transtorno - tendo em vista a escassez de pesquisas feita no país - e contribuir com a

disseminação do seu conhecimento. Adiciona-se como benefício a possibilidade de propagar,

entre o corpo de profissionais de psicologia, estratégias terapêuticas de manejo e tratamento

dos pacientes, a fim de diminuir os sintomas apresentados e proporcionar-lhes maior

qualidade de vida.

Com base na pesquisa feita, pode-se compreender as características que definem o

transtorno do mutismo seletivo, bem como os requisitos diagnósticos definidos pela

Associação Americana de Psiquiatria. Através deste trabalho também se percebe como a

terapia cognitivo-comportamental pode, por meio de suas ferramentas técnicas, contribuir


28

com o tratamento do mutismo seletivo, a diminuição dos sintomas e a promoção de

comportamentos mais adaptativos nos indivíduos.

Referências

American Psychiatric Association. (2014). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos

mentais (5ª ed.). Porto Alegre: Artmed.

Barlow, D H. & Durand, V. M. (2008). Psicopatologia. Uma abordagem integrada. São

Paulo: Cengage Learning.

Beck, J. (1997). Terapia cognitiva. Teoria e prática. São Paulo: Artmed.

Bunge, E., Gomar, M. & Mandil, J. (2016). Terapia cognitiva com crianças e adolescentes:

aportes técnicos. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Busse, R.; Downey, J. (2014). Selective mutism. A three-tiered approach to prevention and

intervention. Contemporary School Psychology , vol 1., 53-63.

Caminha, R. M & Caminha, M. G. (2011). Baralho das emoções. Acessando a Criança no

Trabalho Clínico. 4ª ed., Porto Alegre: Sinopsys.

Cunningham, C. E., McHolm, A. E. & Boyle, M. H. (2006). Social phobia, anxiety,

oppositional behavior, social skills, and self-concept in children with specific selective

mutism, generalized selective mutism, and community controls. European Child &

Adolescent Psychiatry. vol 15, nº 5 , 245-255.

Dow, S. P., Sonies, B. C., Scheib, D., Moss, S. E. & Leonard H. L. (1995) Practical

guidelines for the assessment and treatment of selective mutism. Journal of the

American Academy of Child & Adolescent Psychiatry. 34 (7), 836-846

Foreman, N. (2015). A. Tackling selective mutism. A guide for professionals and parents

(Eds.) London, UK: Jessica Kingsley (369-370). British Journal of Psychology , vol

106 (2).
29

Friedberg, R. D. & McClure, J. M. (2004). A prática clínica de terapia cognitiva com

crianças e adolescentes. Porto alegre: Artmed.

Friedberg, R. D., McClure, J. M. & Garcia, J. H. (2011). Técnicas de terapia cognitiva para

crianças e adolescentes. Ferramentas para aprimorar a prática. Porto alegre: Artmed.

Friedberg, R. D. (2006). Entrevista com Robert Friedberg. Revista Brasileira de Terapias

Cognitivas. v.2 n.1 Rio de Janeiro. Acessado em 26 de dezembro de 2017, às 20h30

http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-

56872006000100011

Jubete, F. G (2017). Mutismo selectivo. propuesta de intervención para disminuir la

ansiedad en educación primaria. Trabalho de Conclusão de Curso, Universidad de

Valladolid, Espanha

Kratochwill, R. T.; Serlin, R., Slaclezcek, I. & Stone, B. P. (2002). Treatment of selective

mutism: a best-evidence synthesis. School Psychology, Vol. 17. Nº 2, pp.168-190.

Kolvin, I. & Fundudis, T. (1981). Elective mute children: psychological development and

background factors. Journal child psychoogical Psychiatry. Vol. 22, Nº 3, pp. 219-

232.

Lempp, T., De Lange, D., Radeloff, D & Bachmann, C. (2017). La Evaluación Clínica Em

Niños, Adolescentes y Sus Familias. Manual de Salud Mental Infantil y Adolescente

de la IACAPAP, cap. A.5. Acessado em 27 de dezembro de 2017, às 9h30

http://iacapap.org/wp-content/uploads/A.5-Evaluaci%C3%B3n-Cl%C3%ADnica-

Spanish-2018.pdf

Levitan, M. N., et al. (2011) Diretrizes da Associação Médica Brasileira para o tratamento do

transtorno de ansiedade social. Revista Brasileira de Psiquiatria, vol. 33, 292 - 302.
30

Peixoto, Ana Claudia de Azevedo. (2006) Mutismo seletivo: Prevalência, características

associadas e tratamento cognitivo-comportamental. Tese de doutorado, Universidade

Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Psicologia.

Porto, Patricia (2005). Orientação de pais de Crianças com fobia social. Revista Brasileira de

Terapias Cognitivas, vol 1, n 1, 101-110

Petersen, C. S. & Wainer, R. (2011). Princípios básicos da terapia cognitiva-comportamental

de crianças e adolescentes. In C. A. Petersen & R. Wainer. Terapias cognitivo-

comportamentais para crianças e adolescentes. (16-31). Porto alegre: ARTMED.

Petersen, C. S., Bunge E., Mandil, J. & Gomar, M. (2011). Terapia cognitivo-comportamental

para os transtornos de ansiedade. In C. A. Petersen & R. Wainer. Terapias cognitivo-

comportamentais para crianças e adolescentes (232-255). Porto alegre: ARTMED.

Serretti, A. N. & Costa-Júnior, F. M. da (2010). Mutismo seletivo infantil. Avaliação e

intervenção em ludoterapia comportamental. Revista Mimesis, Bauru, v. 32, n. 2, 141-

166.

Urban, C. C., Gallego, C. G. & Gallo, P. M. (2009). El mutismo selectivo. Guía para la

detección, evaluación e intervención precoz en la escuela. Navarra, España: Centro de

Recursos de Educación Especial de Navarra (CREENA). Acessado em março 09,

2018, em http://creena.educacion.navarra.es/web/?s=mutismo

Wright, J. H, Basco, M. R & Thaese, M. E (2008). Aprendendo a terapia cognitivo-

comportamental. Um guia ilustrado. Porto Alegre: Artmed.

Zakzeski, B. N. & DuPaul, G. J. (2017). Reinforce, shape, expose, and fade_ a review of

treatments for selective mutism (2005–2015). School Mental Health , vol 9 (1-15)

Você também pode gostar