Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
SOFRIMENTO
PSÍQUICO
NA ATUALIDADE
COM JULIA CATANI
Este material de apoio foi preparado pela curadoria da Casa do Saber e tem
como objetivo acompanhar você ao longo da sua jornada de aprendizagem
nos cursos, masterclasses e palestras disponíveis na plataforma de streaming
Casa do Saber +.
Com o intuito de expandir o conteúdo que foi abordado nos cursos, incluímos
aqui algumas referências bibliográficas, audiovisuais e também indicações
dos professores e professoras.
Esperamos que este material de apoio sirva como importante ferramenta que
possa potencializar o seu processo de aprendizagem e
de educação continuada.
sofrimentos
profissionais.
1. O corpo em cena:
A discussão dos sofrimentos nas crianças hoje e os motivos pelos quais eles
podem estar presentes. A definição acerca do ambiente será uma perspectiva
para estabelecer as razões que levam ao mal-estar e de que modo a
educação e a articulação entre psicanalistas, psiquiatras, professores e
educadores de modo geral podem potencializar modos de prevenção e
cuidado dentro e fora da escola.
É preciso colocar em circulação a ideia de que é possível sofrer. Ou seja, de que isto
possa ser falado, cuidado e compartilhado, não apenas silenciado pelas formas de
repressão e pelos discursos eventualmente levianos que levam a movimentos das
pessoas chegarem a se perguntar se deveriam sofrer?
O trabalho clínico não deve ser isolado. Trata-se de uma dimensão de cuidado com
quem quer que seja, pois antes de mais nada é o paciente que está em questão e
não as disciplinas, as especialidades e/ou os profissionais que o assiste. As
desagregações, as críticas, o silêncio e os estigmas podem levar a efeitos e prejuízos
substanciais aos pacientes.
Foram estas algumas das motivações principais que levaram a um mestrado sobre
as edições dos manuais psiquiátricos (a Classificação Internacional de Doenças – CID
e o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM), os seus
diagnósticos e as formas de nomeação, numa maneira de melhor compreender as
aproximações do entendimento médico com as explicações psicanalíticas.
Não é possível falar de uma mente separada do corpo e vice-versa, pois a todo o
instante um está impactando o outro. O corpo é o que temos de mais familiar, desde
o nosso nascimento experimentamos o mundo e as relações com os outros deste
modo e ao mesmo tempo é algo “partilhado” por todos. Nele construímos
lembranças, identificações, significados e representações, portanto, o estar no
mundo. É corporalmente que sentimos o que ainda não conseguimos nomear. É em
nossos corpos que construímos histórias, ideais, cuidados físicos, estéticos e mentais.
Cada pessoa carrega em si e na relação com o seu corpo uma história que
merece ser observada / ouvida pelo sujeito e uma dimensão do ponto de vista
histórico desde a Antiguidade também permite compreender os mal-estares e
possíveis sofrimentos que são comuns nos dias de hoje.
Nos últimos anos frases como ‘eu tenho’, ‘alguém tem’, portanto que aludem a uma
condição provisória e temporária deixaram de ser empregadas com tanta frequência,
para a escolha predominante do verbo “SER” – “eu sou, ele é”, e não mais o verbo
“ESTAR”. Tal alteração produz formas e novos modos de lidar com o sofrimento,
sobretudo através do processo de identificação e de reconhecimento de si e do
outro.
(a) Saúde
É uma definição muito criticada e que sofreu diversas variações na história, ela já
chegou inclusive a ser classificada como ausência de enfermidade, mas, atualmente,
saúde é um estado completo de bem estar biopsicossocial. Isso se refere a um
ambiente social, psicológico, econômico, físico e individual. A interferência de algum
destes fatores, coloca em risco a saúde do indivíduo. O cuidado físico e mental é algo
extremamente importante, pois a forma como lidamos com o nosso corpo interfere
no nosso bem estar e no funcionamento psicológico
Antes mesmo que se criasse a Psiquiatria como disciplina, por volta do século XIX, os
diagnósticos relativos à saúde psicológica eram estabelecidos como: insanidade ou
loucura (hoje conhecidos como maníacos, esquizofrênicos, delirantes, perda do
contato com a realidade); doença dos nervos (histeria, distúrbios de ansiedade,
depressão e somatoformes).
A dificuldade de diagnosticar é mais evidente nos sofrimentos já que não se dão por
exames laboratoriais e dependem do relato do paciente e da interpretação do
psiquiatra. Isto possibilita, por vezes, divergências entre os profissionais. Por este
motivo, os sistemas classificatórios se oferecem como mais importantes do que em
outras clínicas.
(d) Os sistemas classificatórios em psiquiatria: uma perspectiva histórica e o
impacto do discurso psiquiátrico hoje
Sabe-se que o ato de classificar é algo inerente a qualquer ser humano. Ao abrir o
DSM, por exemplo, não é incomum que as pessoas possam se identificar com um ou
mais transtornos. A tal ponto que não seria descabido perguntar: sofremos mais ou
estamos a cada dia ficando mais saudáveis, já que gastamos mais com saúde?
Saúde mental: é o modo como as pessoas reagem às exigências da vida e como são
capazes de conciliar seus desejos, capacidades, ambições, ideias e emoções
1. Reconhecer os limites e potenciais de si e do outro
2. Evitar consumo excessivo de: álcool, cigarros, medicamentos sem prescrição
3. Manter hábitos saudáveis: horas de sono, atividade física regular, alimentação
4. Reservar tempo de lazer e convivência com amigos e familiares
A psiquiatria por muitos anos apostou nesta direção, mas a imposição dos modelos
classificatórios algumas vezes corre o risco de levar o profissional, se muito preso
apenas ao modelo diagnóstico, a uma desatenção a história clínica e mais filiada,
somente, às manifestações sintomatológicas, já que hoje a CID e o DSM, não
dependem da história necessariamente para o tratamento, conforme aprendemos
na aula passada.
Para Freud, o perigo sempre está presente em sociedade, portanto, estamos tendo
que lidar todo tempo com as impossibilidades de descarga e satisfação →
Mecanismo de defesa: recursos e estratégias para lidar com esse excesso de energia
do corpo e que sejam melhores aceitos em sociedade, preservando o Eu de gasto de
energia:
De qualquer forma é sempre preciso avaliar isso com o repertório da própria pessoa,
como aponta Ferenczi: somos sempre estrangeiro na terra/linguagem do outro.
O motivo pelo qual eu destaco este paciente é porque a fobia, a forma de angústia
que ele apresentava por cavalos nos momentos mais graves do sintoma o impedia
de sair inclusive de casa. Sabe-se que na época os cavalos eram um dos meios de
transportes mais habituais, ou seja, ter uma ansiedade relativa a este animal e não
um outro sintoma era algo compatível com o contexto em que ele vivia.
Isto não é muito diferente de quem desenvolve uma fobia, por exemplo, de avião e
tem que viajar constantemente em decorrência do trabalho. Seu contexto exige pelo
trabalho o uso do avião, a fobia, hoje também podendo ser nomeada pela psiquiatria
como síndrome do pânico, causa tanto sofrimento que a pessoa fica impedida de
enfrentar. O sofrimento e o sintoma parecem fundar a pessoa em sua subjetividade.
3. Sintoma é a expressão de uma contradição, algo que ficou fixado e se repete, com
uma nova roupagem, que nos pega de surpresa, mas que no momento em que ele
se apresenta a gente identifica como algo familiar e repetitivo. É algo muito
particular e subjetivo, único. O que imprime de certo modo a nossa identidade.
Um dos meus pacientes teve um filho e ficou duas semanas afastado, ele mora no
exterior e estava me contando da experiência até porque ele está em um país onde
não domina em absoluto o idioma, mas que ele e a esposa teriam conseguido se
comunicar bem. E conforme ele ia me contando a experiência que foi registrar o
filho, ir ao cartório, como ficaria o nome pelas questões impostas pela relação
burocrática do país e a angústia que sentiu, ao final do relato ele me diz: “nossa, eu te
contando nem parece que foi tão difícil e me escutando agora eu me vejo mais bobo
por ter sofrido tanto”.
Para finalizar essa aula, o sociólogo francês Pierre Bourdieu publicou uma obra
chamada O que falar quer dizer. Muito tempo depois, a propósito de suas relações
intelectuais com Michel Foucault, Mathieu Lindon tomou para si a inspiração de
Bourdieu e assim intitulou seu livro: O que amar quer dizer (2014), um livro muito
delicado e sensível que convido todos a lerem. E com base nisso a minha tese de
doutorado recebeu o nome: O que tratar quer dizer, mais do que uma pergunta é o
prenúncio de uma tese que se quer sustentar. Acredita-se que para tratar dos
pacientes é preciso escutar o que eles teriam a dizer, ouvir os seus relatos de modo
que a partir do acolhimento e do trabalho analítico se encontrem possibilidades de
que eles mesmos possam falar a respeito de si (possam se tratar), acolherem o seu
sofrimento. Tratar implica empatia, disponibilidade, tempo, escuta, esforços
conjuntos de nomeação.
Aula 04. Se até o momento nas aulas anteriores abordamos a questão do corpo e a
dimensão do sofrimento, como a psiquiatria e a psicanálise entendem este
problema e cuidam, interessa apresentar como isso comparece entre as crianças e
no ambiente escolar. Aposta-se que quanto antes tivermos atenção aos modos de
mal-estares dos pequenos e uma articulação entre os profissionais, talvez seja
possível em grande medida prevenir que as crianças adoeçam precocemente,
discutir a noção de ambiente pode ser fértil neste cuidado.
A psicanálise partilha com muitas outras ciências a ideia de que o meio que nos
cerca exerce uma condição determinante e fundamental. E para a estruturação do
nosso psiquismo, no caso, deve tratar-se de um ambiente fértil e acolhedor. O
contrário também é verdadeiro, o ambiente desestruturante e deixar marcas
traumáticas que dificultarão a vida social e o convívio da criança desde os tempos
iniciais até a vida adulta.
Devo assinalar que boa parte do que vou mostrar aqui se liga aos trabalhos de Ana
Laura Godinho Lima e às minhas próprias produções de Pós-Doutorado. A educação
em sua proposta de ensinar e cuidar inclui aspectos éticos, morais, sexuais e
religiosos pautados nos valores da sociedade, que participam e interferem no
desenvolvimento e na produção do sofrimento. O tempo de presença dos pais
concorre para organizar e conferir qualidade ao ambiente. E tanto os médicos e
pediatras quanto os psicanalistas de modo geral ressaltam que a diminuição do
dispêndio de tempo dos pais é algo que deve ocorrer de forma gradual.
A psicanálise busca compreender o universo particular no qual o sujeito encontra-se
inserido e em casos de dificuldades visa analisar formas de agir diferentes daquelas
que, por ventura, estão trazendo sofrimento ou impedindo a autonomia. O processo
de crescimento e a autonomia liga-se à capacidade das crianças para conhecerem
os elementos e o mundo que as cerca e para isto contam com a apresentação que os
pais ou figuras responsáveis possam mostrar.
Quanto mais segura uma criança estiver, maior a sua iniciativa para explorar o
entorno e melhor será a sua habilidade para lidar com os problemas. A escola
colabora para que as crianças, pouco a pouco, aprendam as formas de organização
do tempo, determinação de regras, diferenças entre elas e outros colegas, além dos
aspectos de aprendizagem, alfabetização e exploração propriamente dita. O
ambiente escolar é transformador na vida de uma criança e onde os pequenos
passarão boa parte de seu dia a dia.
Em 1979, Dolto criou a primeira Casa Verde que seria adaptada em outros países. A
instituição servia para acolher crianças de zero a quatro anos de idade
acompanhadas de seus familiares que poderiam trocar experiências, sugestões e
atividades que envolvessem expressões corporais em conjunto. O espaço criado
para ser intermediário e transitório entre a relação familiar consistia em um trabalho
de prevenção para evitar futuros traumas que se alocam na entrada da pré-escola.
O que estamos fazendo com e pelas nossas crianças? No que diz respeito à antiga
escola primária, embora os médicos reconhecessem a sua necessidade para o
desenvolvimento e para a preservação da sociedade faziam ressalvas quanto ao
regime disciplinar que exigia muita dedicação à aprendizagem de conteúdos
formais mantendo o corpo imóvel.
Quanto mais à vontade ela estiver melhor será a capacidade cognitiva de absorver
novos conteúdos. Convém lembrar que a escola é o espaço no qual as crianças
passarão boa parte de seu tempo e terão as suas primeiras relações extrafamiliares.
Trata-se de um local onde as narrativas e os diálogos devem acolher tanto o seu
modo de pensar e perceber o mundo quanto um sofrimento eventual.
Associada a esta questão, figura uma preocupação de que crianças desde cedo
sejam as mais produtivas possíveis, o que parece ser uma preocupação típica da
modernidade. Pensar em estratégias para fazer render o maior número de
atividades, aprender muitas coisas em um curto período, desempenhar inúmeras
funções simultâneas, consumir o maior volume de informações e entretenimentos
são questões que se tornaram cada vez mais presentes e passaram a integrar
padrões saudáveis de desenvolvimento. Sabe-se que a passagem do tempo para
cada sujeito e para cada etapa da vida é experimentada de modo muito particular →
qual escola colocar o filho de 7 anos para o vestibular?
Quanto antes melhor. Será mesmo? Alianças, portanto, entre pais, professores,
educadores, pediatras, psiquiatras, psicólogos e psicanalistas são incentivadas. A
nomeação do sofrimento psíquico para os indivíduos ajuda a diminuir parte da
angústia diante de emoções e sentimentos que, por vezes, não encontram formas de
tradução prévia e que tem a sua determinação por questões subjetivas. Em
contrapartida, os esforços pela objetivação e quantificação do sofrimento produzem
um número cada vez maior de fragmentações.
(1) flexibilização de leis trabalhistas, diminuindo a atuação dos sindicatos (que passa a
depender da negociação entre patrão e empregado);
(2) redução de impostos e gastos públicos (o reflexo disso é que o país só precise
pagar o mínimo para cumprir os requisitos e com isto, faltem investimentos e
cuidados na educação creches, escolas, bolsas no país vacinação por exemplo
pandemia / na saúde sistemas únicos de saúde, medicações de alto custo e na
cultura falta de investimento);
Ainda neste exercício de imaginação pensemos: este profissional para lhe receitar tal
medicamento perguntou somente o motivo pelo qual o procurou e há quanto
tempo vinha sentindo os sintomas. Você tentou contar algumas coisas mais
detalhadas ou dar informações que julgava importantes, mas você não teve tempo.
Ao sair do consultório sente-se um pouco frustrado, confuso e inseguro.
Busquemos então tornar o exemplo mais verídico, se assim desejarmos: como fica
uma pessoa que para receber um diagnóstico de luto patológico (aquele que
perdura por um tempo excedente ao esperado) precisava de um ano desde a perda
de um ente querido? E agora, que na ótica da psiquiatria atual (DSM-5) considera
que o luto, se torna luto patológico quando a pessoa ainda sofre com a perda de um
ente querido depois de duas semanas. É possível assimilar uma perda extremante
significativa e ficar bem em 14 dias? A serviço do que estaria então essa proposta?
Pensar o corpo neoliberal e sem significação contribui para que este se torne cada
vez menos investido cada vez mais como um recurso para o trabalho, portanto, para
a produtividade. Assim, diante de um breve incômodo o melhor a ser feito, na ótica
neoliberal é recorrer a ansiolíticos e antidepressivos, por exemplo, deixar o incômodo
de lado e voltar a identificar-se com os demais pares e colegas de trabalho. Qualquer
coisa que seja contrária a esta prática deve ser suprimida.
É possível questionar: você está me dizendo que o corpo se torna cada vez menos
investido em um tempo em que se fala tanto do culto ao corpo, do cuidado com a
saúde, com a alimentação, com o exercício físico. Isto é não incoerente? Não. Posso
falar dos cuidados, da importância de praticar exercício físico como garantia de
saúde, mas a preocupação com esse bem-estar deve ser a de permitir trabalhar mais
e, portanto, ser mais rentável e produtivo para o mercado. Nesta lógica neoliberal, os
discursos de normalidade e normatização do DSM se organizam a partir da lógica de
inclusão, ou não de sintomas para a determinação de um transtorno. O mesmo está
presente em uma prática do mercado de trabalho, que leva em conta a
produtividade e os índices para que sejam incluídos (contratados e mantidos) ou
excluídos (demitidos) os trabalhadores.
Assim, gestantes e mães (uma vez que seus filhos podem ficar doentes e elas são
obrigadas a se ausentar) ou pessoas menos jovens, certamente podem ter os seus
cargos ameaçados em trabalhos cujos regimes não são por meio de concursos
públicos que, tendem a desaparecer nas sociedades neoliberais em que a obrigação
do estado passa a ser reduzida ao mínimo.
Quadros como a mania, por exemplo, também passam a ser associados já que neste
transtorno a excitação e a energia para o trabalho pode ser um dos benefícios,
portanto o transtorno-afetivo bipolar que pode ser associado a este sofrimento pode
ter uma função positiva. Ainda nesta direção em que a sua função está sempre em
risco, porque as pessoas podem ser demitidas a qualquer momento, o que se produz
são sentimentos de forte insegurança, paranoias de que uma reunião pode
representar uma comunicação de desligamento da empresa. A relação entre os
colegas também fica fragilizada, pois a fantasia é a de que eles possam ter algum
tipo de comportamento que prejudique uns aos outros para obterem vantagens e,
portanto sensações de ansiedade, angústias podem ser mal-estares presentes e
efeitos deste modelo onde os vínculos empregatícios não produzem garantias.
A cada semestre há uma apreensão, nas últimas semanas, para saber quem serão os
professores demitidos (certamente haverá uma quantidade razoável), etc. Então a
solução seria ir para uma faculdade pública? Ledo engano, quase não há concursos
para novos professores, os salários estão defasados, a quantidade de bolsas no país é
absolutamente mínima e os contratos que abrem atualmente são altamente
concorridos e em geral, para vagas temporárias.
Isto porque, novamente, o Estado não tem mais uma responsabilidade tão grande
no investimento. Ainda a respeito do nível de capacitação de professores, cabe
perguntar quais as diferenças na aprendizagem dos alunos que se formam com
especialistas sem experiência prévia de docência ou com professores com anos de
trabalhos, pesquisas e formação acadêmica? Não estou reduzindo ou
desqualificando um mestre e tampouco um especialista, mas existem determinados
cursos e profissões, por exemplo, a própria psicologia e psicanálise, em que
supervisionar e cuidar do caso de um aluno ou de um paciente em uma clínica
escola com anos de experiência é muito importante de prática.
Estes exemplos servem para que possamos entender como a sociedade neoliberal
produz determinados tipo de sofrimentos condizentes com o que se vive e se
estimula na relação com o trabalho e que isto acaba por ter reflexos, inclusive, em
relacionamentos interpessoais. Posso pensar que é muito bom ter vínculos menos
definitivos no trabalho, afinal, eu não quero necessariamente me prender por muitos
anos em uma mesma empresa, quero ser livre. Isto de fato parece tentador, mas será
que tem a mesma significância quando se tem 20 anos e saiu do mercado de
trabalho e quando se tem mais de 50/60 e a saúde, as necessidades se tornam
maiores em função dos cuidados com o corpo, com médicos, por exemplo?
Se as fotos e publicações tendem a levar a este tipo de sentimento, que não raro
também se apresentam ou se intensificam quando o internauta constata que não foi
convidado ou não participou de um determinado evento/festa. Estas emoções
certamente se tornam ainda mais fontes de sofrimento no caso de adolescentes,
para quem a importância e a representação do grupo é ainda mais determinante.
E por fim, a condição que gostaria de colocar como fonte de possível sofrimento
decorre do uso da inteligência artificial. Certamente esta ferramenta traz benefícios e
eles não devem ser ignorados. Mas, o que interessa aqui é pensar o que este tipo de
ferramenta pode suscitar quando uma pessoa perde o seu companheiro e utiliza das
cartas por ele escritas para torná-lo presente e diminuir o mal-estar de sua ausência,
tal como foi um dos episódios de um seriado de televisão.
Prevalece neste exemplo, a idéia de que a dimensão do tempo e a perda possam ser
amenizadas, o que pode levar a produzir conforto e diminuir a saudade e a solidão.
Ao mesmo tempo, tal recurso pode levar as pessoas que tenham mais dificuldades
em lidar com o afeto, com a saudade e com o luto de ter perdido alguém a não ter
que enfrentar ou a recusar em parte o ocorrido. O exemplo faz com que as pessoas
tenham frustrações e tipos de sofrimento dos quais não falam.
Outra fonte de potencial adoecimento pode ser o whatsapp, um recurso que faz com
que a gente se sinta conectada e permite que possamos contatar uma pessoa
rapidamente onde quer que ela esteja e a qualquer hora, mas em contrapartida faz
com que as pessoas posterguem encontros reais por terem a falsa impressão de
estarem ligadas umas às outras. O risco é que essas ausências deixem traços difíceis
de serem identificados como responsáveis pela solidão, pelo afastamento, pela
desconexão e produzirem silêncios, sofrimentos e prejuízos ainda maiores.
Acredita-se que para tratar dos pacientes é preciso escutar o que eles teriam a dizer,
ouvir os seus relatos de modo que a partir do acolhimento e do trabalho analítico se
encontrem possibilidades de que eles mesmos possam falar a respeito de si, assim
como, eu enquanto analista e pesquisadora adquiro condições de escrever acerca do
que configura tais modos de sofrimento., partilhar o que pode ser útil para outras
pessoas. Tratar implica empatia, disponibilidade, tempo, escuta, esforços conjuntos
de nomeação.
Ter espaços para expressão, narrativa e compartilhamento concorrem para dar voz às
aflições e angústias e ameniza os sintomas dos que adoecem. E certamente alivia
períodos de estresse. Isto não significa dizer que os problemas serão superados ou
que não haverá mais momentos de solidão e desamparo, mas quer dizer que eles
serão vividos de outro modo se houver rede de apoio e muitos deles talvez deixem
de existir ou se amenizem bastante.
CURSOS DA CASA DO SABER +
Uma seleção de cursos que vai ajudar a solidificar os aprendizados colhidos
em Sofrimento Psíquico na Atualidade, passando por temas pertinentes ao
momento atual pela perspectiva da Psicanálise e da Filosofia.
VÍDEOS NO CANAL NO YOUTUBE
PARA VOCÊ CONTINUAR APRENDENDO
INDICAÇÕES DE LIVROS
A CURADORIA INDICA
ANOTAÇÕES
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________