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AS ABORDAGENS DA NEUROCIÊNCIA QUE RESOLVEM OS

PROBLEMAS DOS SEUS PACIENTES EM CONSULTÓRIO

Meu espanto ao começar estudar neurociência foi perceber que muitas


vezes o que aprendemos no curso de psicologia não está conectado
com a biologia do corpo e com as necessidades biológicas. E isso é o
início de todos os nossos processos emocionais e mentais.

SOBRE A N E U R O C IÊ N C IA
Vamos começar a entender a neurociência. Ela é um campo muito
vasto. A neurociência estuda como a mente e o cérebro funcionam e
como essa conexão cérebro e corpo funcionam para nossa vida.

A neurociência nasceu através da medicina. Foram através de


intervenções cirúrgicas cerebrais em pacientes com algum dano
cerebral. Ao mesmo tempo foi se desenvolvendo o conhecimento sobre
o cérebro humano e assim avanços neste campo de conhecimento. Há
mais de dez anos a psicologia tem na neurociência um campo de
extensão e aprofundamento.

São quatro as áreas da neurociência dentro da psicologia:


• A neurociência da psicologia e aprendizagem: irá estudar como
aprendemos.
• A neurociência dentro do comportamento: irá buscar
compreender como o cérebro atua comparado a maneira que a
gente se comporta. Ou seja, como o cérebro atua num vício por
exemplo, em vontades de fazer coisas, na prática esportiva.
• A neurociência da cognição: como os pensamentos, a memória,
o sono atuam na maneira de pensar, na clareza de pensamentos.
• A neurociência afetiva: que tem objeto como as emoções atuam
no cérebro e na vida. Por exemplo, eu sou psicóloga de formação
e minha especialização dentro da minha profissão é a
neurociência. Eu me especializei em duas dessas áreas. Fiz
mestrado em neurociência cognitiva e meu experimento foi em
neurociência afetiva.

Assim, a neurociência que estudei irá buscar entender como o cérebro,


a partir da história faz com que o corpo tenha sintomas, respiração, tenha
processo de taquicardia, sudorese, sintomas físicos diferentes; como

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dores, musculatura, saúde física diferente e vai entender porquê algumas
coisas são mais difíceis para uns do que para outros.

A neurociência explica como a parte biológica, que está programada


pelo seu DNA para fazer várias coisas, conecta-se com a biologia, com
aquilo que com o meio quer que você faça, com a educação que você
recebe, com a amorosidade e cuidado que recebe e com o que você
tem de história de vida.

Ou seja, ela busca entender três partes: a biologia, as nossas emoções e


nossos pensamentos. Vamos falar um pouco disso.

O C É R EB R O :
O cérebro é o grande comandante da saúde mental. Porque é no
cérebro que todas as informações são processadas. O cérebro é um
órgão vivo, dinâmico e em constante mudança. Ele é muito plástico.
Hoje sabemos pelos estudos da neurociência de plasticidade cerebral
que se pode mudar quase tudo daquilo que a gente é ao longo da vida.
O cérebro muda de acordo com os estímulos que recebe. Assim, se
treinamos o cérebro pra algo muito bom ele vai se desenvolver neste
caminho. Mas o contrário também é verdadeiro.

É como se na mente vivessem dois lobos, o do bem e o do mal. O lobo


que vai permanecer é aquele que eu decidir alimentar. Ao estudarmos
o cérebro podemos perceber que o que é construído ao longo da vida
vai se demonstrando, tanto na adolescência quanto na vida adulta, em
resultado de vida, em capacidade de aprendizagem, em sintomas
emocionais e também, nas patologias.

O cérebro é um sistema muito complexo ao mesmo tempo em que é um


sistema linear. Vou dar um exemplo: a gente nasce com pouquíssimas
partes do cérebro se conectando. Temos apenas a parte do medo e do
afeto se conectando. Quando nascemos, isso é o que a neurociência
demonstrou, eu já tenho medo de ficar sozinho e me sinto inseguro se não
estou sendo acolhido, acarinhado. Nascemos com necessidade de
afeto, carinho, alimento e segurança.

À medida que vamos sendo cuidados, que vamos recebendo mais afeto
e carinho de nossos pais e cuidadores, o cérebro vai se desenvolvendo e
fazendo novas conexões. Mas do zero aos seis anos nosso cérebro não
conecta uma parte com a outra com muita facilidade. O cérebro
aprende a se conectar dos 0 aos 6 anos. E somente entre os seis e 12 anos
que as áreas do cérebro começam a funcionar conectando-se com

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facilidade, começam a uma passar mensagem para outra, que é como
as memórias vão sendo formadas. É como a gente vai criando uma
história de vida, um repertório.

Essa história que o cérebro vai criando do zero aos seis anos, enquanto
ele está criando essas conexões é, muito provavelmente, o que vai ditar
os sintomas na vida adulta, tanto de sintomas positivos como negativos.
São as experiências dessa fase que vão moldar os caminhos que o
cérebro faz para lidar com as emoções. Esses caminhos que desenham
a capacidade de sentir emoções, os traumas, a predisposição a
ansiedade/depressão ou menos, se teremos mais coragem ou medo, se
seremos pessoas com predisposição para a aprendizagem ou menos. Isso
é uma predisposição e a gente consegue mudar isso ao longo da vida.
Só que dá mais trabalho, muito mais trabalho.

Mas é somente depois dos 12 anos que o cérebro consegue a regular as


emoções. Só esse conhecimento já muda totalmente o que a gente
aprende em psicologia de desenvolvimento humano e infantil. Por quê?
Porque para criança de zero a seis anos, o cérebro dela não tem
capacidade, por exemplo, de se acalmar na raiva, de se acalmar numa
frustração. Mas o que vai ficando no cérebro nessa faixa etária é o que
os pais e cuidadores nomeiam e qualificando a experiência que ela está
vivenciando. E essas experiências marcam essa criança e é o que vai
ditar o que ela pode ou não pode quando ela for adolescente ou adulto.

Por que a gente precisa saber disso? Porque quando vamos falar com
nosso paciente no consultório e ele chega com dificuldade de ficar em
um relacionamento, com dificuldade de falar não, com dificuldade de
falar a verdade para as pessoas, com ansiedade, com pensamentos
repetitivos; vamos saber que esses sintomas, que até então ou eram
patologia ou normalidade, são sintomas daquilo que ele aprendeu há
muito tempo atrás que ele podia ou não sentir, ser e pensar.

Esse é um dos conhecimentos que a neurociência nos traz, que todos os


sintomas que nós temos na vida adulta são caminhos cerebrais que nós
fizemos desde a nossa infância até aqui. Um conhecimento muito
importante, que faz muita falta para um psicólogo. Pois é
completamente diferente compreender um adulto como responsável
por quem ele é e de que ele é resultado do aconteceu com ele na
primeira infância. Ele é o resultado de um processo cerebral e corporal
do que lhe ocorreu nesse período.

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No meu mestrado realizei um estudo das emoções através da
psicofisiologia. Quando estamos sob estresse nosso cérebro reage
fazendo um hiperfoco. Ele foca só naquilo que a gente precisa para
sobreviver. Meu estudo foi como nosso corpo reage e buscou
compreender porque algumas pessoas são mais estressadas que outras,
porque algumas pessoas que tem batimento cardíaco mais acelerado e
outras tem batimento cardíaco menos acelerado quando estão
estressados. E uma das questões que a neurociência nos traz é entender
que todo mundo quando passa por estresse, terá uma aceleração
cardíaca maior, irá suar mais que o normal e ter dilatação de pupila. Mas
a grande diferença de uma pessoa saudável para uma pessoa não
saudável é o que ela faz com esses sintomas corporais. E aqui entra a
questão que muitas vezes abordamos de maneira equivocada na
terapia tradicional: pois o que um adulto faz não é uma decisão da vida
adulta somente. O que ele faz é resultado da sua história de vida e das
suas memórias emocionais. E isso é uma das grandes coisas que a gente
precisa aprender através da neurociência para conseguir entender o
paciente pela perspectiva da sua aprendizagem.

Assim, não basta só decidir melhorar, reagir melhor, lidar com stress de
maneira melhor. Isso não é suficiente para diminuir a ansiedade, ou
melhorar a produtividade, ou ter relacionamentos melhores. Não é a
decisão somente que irá mudar o comportamento de um adulto. Para
mudar o comportamento de um adulto é preciso reprogramar o cérebro
e o corpo desse adulto para ter experiências mais produtivas e mais
significativas, para que ele consiga aceitar o que ele sente, regular ou
controlar o que ele sente e então conseguir mudar o comportamento
que ele tem, que faça mal a ele ou aos outros.

Para mudar essa rota da conseqüência é preciso de algumas coisas.


Primeiro entender o que está acontecendo, esses sintomas, as emoções,
a maneira de regular essas emoções, a história de vida. E depois saber
ajudar essa pessoa a reprogramar, sem colocar nela uma culpa de que
é porque ela não tem vontade, ela não tem disciplina. Na verdade é
porque essa pessoa e o seu cérebro e seu corpo não estão programados
para isso.

O C O R PO E AS EM O Ç Õ E S : A T E OR I A POL I V A GA L
Outro conhecimento muito importante é a teoria polivagal. Através da
neurociência sabemos que nós somos interligados por um mesmo nervo

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no corpo inteiro que se chama nervo vago, que vai da cabeça até o
dedão do pé e que liga todo nosso sistema nervoso e todos os órgãos do
nosso corpo e que é uma das grandes justificativas dos sintomas
psicossomáticos que a gente aprende na universidade e a gente não
sabe nem o que significa. Quer dizer o quê? Que tudo que o que
acontece na mente reflete no corpo e o que acontece no corpo reflete
na mente e que a gente, através dos estudos da neurociência e da teoria
polivagal, começa a entender isso de maneira muito mais científica, de
maneira neurocientífica.

Eu quero dar um exemplo aqui para vocês, vamos supor que chegue
uma pessoa que a gente esteja ajudando, que a gente esteja
atendendo, e que essa pessoa esteja com muita dificuldade de
relacionamento, por exemplo, o que é uma coisa muito comum em
consultório. E você escuta frases como: “como eu me e sobrecarrego,
não consigo pedir ajuda, estou sempre exausto, não consigo me
relacionar com a pessoa de maneira saudável ou; sou muito passivo, sou
muito agressivo, eu não confio”. Então a gente vai construindo reflexão
com essa pessoa, mas ela não consegue mudar. Ela entende, ela
concorda, mas ela não se move para agir diferente! Muitas pessoas
largam o processo terapêutico porque não veem o retorno ou a gente,
quando é psicólogo, fica frustrado porque a pessoa não desenvolve,
porque não consegue ajudar. E isso pode ser tão simples! Precisamos
entender as emoções e as historias por trás das dificuldades do presente
e depois disso, precisamos ajudar a construir uma outra história e a
aprender a lidar com as emoções.

Quando se começa a estudar trauma e desamparo aprendido, a gente


começa a entender que quem não tem trauma e desamparo aprendido
é exceção, e que a maioria desses problemas corriqueiros que a gente
vê no consultório vem de traumas, traumas de infância, traumas de
adolescência, traumas pequenos (desde terem ficado sozinhos em casa,
de não terem tido uma atenção emocional, de terem sido deixados de
castigo diversas vezes sem terem sido escutados). E então, conseguimos
entender através da neurociência o quanto as coisas e os fatos, que vão
acontecendo nessa infância de todos nós, eles afetam a mente e os
caminhos da mente que a pessoa e que existe aí um bloqueio. Então na
vida adulta há um bloqueio e para desbloquear não é só consciência.
Ou seja, voltando ao exemplo do paciente, precisamos pesquisar na
história de vida dele, os bloqueios emocionais, as experiências de
desamparo, de trauma. Porque as emoções de um adulto têm uma linha

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no passado (e não necessariamente na relação com os pais, mas nas
necessidades que se tinha na infância e na maneira que essas
necessidades foram atendidas).

PARA M UD AR
É preciso primeiro ter consciência de como o cérebro está agindo. Um
estudioso do David Rock conseguiu demonstrar através das imagens do
cérebro que as pessoas que entendem o que está acontecendo com
elas porque alguém explica para ela, conseguem ter uma melhora muito
mais rápida. E só isso já é uma quebra com tudo o que a nós estudamos
no curso de psicologia, de que a gente não pode dizer ao paciente, não
pode dizer o que é que ele tem. Ele tem que esperar para descobrir
sozinho. Para mim isso foi um alívio, isso a gente aprende um pouco em
terapia cognitivo comportamental que para as pessoas melhorem a
gente precisa dizer para elas o que elas têm, como o cérebro dela está
funcionando. Mas a neurociência deixa muito claro o quanto isso é
essencial para a cura.

Essa consciência dos processos que aconteceram já ajudam ela a


melhorar, porém ela precisa de estratégia, de exercícios de
reprogramação, ela vai precisar lidar com as dificuldades da vida dela
na hora que as dificuldades acontecerem e saber o que fazer. Esses
também são exercícios que a gente aprende. Como por exemplo, é
preciso entender quando a emoção desse relacionamento vem e a
pessoa trava e não consegue dizer o que quer. Dessa forma é preciso
reprogramar essa emoção, e dar para o cérebro uma outra memória,
uma mais positiva e segura.

“Vejo algo que vai me deixar ansioso, isso vai fazer com que eu consiga
fazer uma estratégia de respiração, de fazer alguma outra estratégia de
reprogramação mental e eu assim posso ir mudando os caminhos que
meu cérebro aprendeu.”

Isso é de uma grandeza no consultório. Porque ao invés de esperar o


paciente conseguir descobrir sozinho o que fazer, servimos de apoio e
ensinamos ele a ter estratégias conscientes para se reprogramar. E isso é
desenvolver autonomia.

Através dos estudos da neurociência é possível entender que é precisa


dizer para pessoa o que ela tem, como é que ela está funcionando
através da ótica mental e emocional. Primeiro porque isso faz parte do

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vínculo da mudança, eu explico toda base neural disso no curso de
neurociência para psicólogos, e segundo para que ela consiga ir a
campo na vida dela com autonomia e fale: “é isso mesmo que está
acontecendo, agora eu entendo, então agora eu vou conseguir criar
novas experiências para meu cérebro modificar.”

E poder fazer isso, com rapidez e consistência, é a real transformação


que a psicologia pode trazer.

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