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SIMONE MICOS DOS SANTOS

PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

1ª Edição

2018
Curitiba-PR
Editora São Braz

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FICHA TÉCNICA

Direção Geral
Silvio Nobuyuki Akiyoshi

Diretor Comercial
Vagner Cauneto

Coordenação do Curso
Leandra Felicia Martins

Coordenação de Educação a Distância


Wanderlane Gurgel do Amaral

Projeto Instrucional
Materson Christofer Martins
Wanderlane Gurgel do Amaral

Diagramação
Lucas Conceição Gomes

Catalogação na fonte da Biblioteca da Faculdade

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Palavra da professora-autora

Olá querido, querida estudante!


Quero lhe dar boas-vindas à disciplina Dificuldades de Aprendizagem Esta
matéria visa proporcionar um conhecimento sobre os principais conceitos da
Psicologia e sua correlação com a Educação.
Mas, lembre-se, é muito importante que você leia atentamente este livro,
assista às videoaula e faça as atividades propostas, pois, estas são as
ferramentas pedagógicas que lhe darão suporte para a aquisição dos
conhecimentos propostos para esta disciplina.
Espero que possamos fazer um bom trabalho juntos e desejo-lhe bons
estudos!

Professora Simone Micos dos Santos.

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Aula 1 – Elaboração do conhecimento em psicologia

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Olá, seja bem-vindo, seja bem-vinda à primeira aula de “Psicologia da
Educação”. Nesta aula abordaremos os fundamentos da construção do
conhecimento em Psicologia e alguns de seus mais importantes autores.

Figura 1.1: Alegoria da caverna


Fonte: © Freepik

Para que possamos refletir, o convido a iniciar seus estudos com a leitura
de um pequeno trecho da Alegoria da Caverna do filósofo grego Platão (c. 428–
348 a.C.):

“Prisioneiros acorrentados no interior de uma caverna conseguem olhar somente


uma parede iluminada por uma fogueira, em que ficam visíveis as sombras projetadas
do mundo fora da caverna. Essas sombras são tudo o que os prisioneiros enxergaram a
vida inteira. Imagine que um destes prisioneiros sai das amarras que o prendem e é
obrigado a sair do interior da caverna. Ele veria que as sombras eram na verdade seres
reais, corpóreos. Perceberia que passou a vida inteira julgando sombras e ilusões,
desconhecendo a verdade e que se voltasse e contasse a seus companheiros sobre o que
vira, seria julgado como louco, irracional [...]”.

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Que nesta aula e, em nossa prática, possamos enxergar para além do que
nossos olhos podem ver.

1.1 Epistemologia da Psicologia

A epistemologia é uma das principais áreas da filosofia e tem como


objetivo estudar a origem, o método e a validade do conhecimento científico.
Platão exerceu grande influência no pensamento científico ao opor crenças e
opiniões ao conhecimento, ou seja, para que um conhecimento seja considerado
válido é preciso que haja um objeto de estudo definido e este passe por análises
e validações.
A psicologia foi proposta como ciência por Wilhelm Wundt e William
James. Segundo José Antônio Damásio Abib (2009) a Epistemologia da
Psicologia é pluralizada, pois além de contar hoje com inúmeras vertentes
teóricas, já no momento de sua proposição enquanto ciência, Wundt e James
apresentavam concepções diferentes de ciência psicológica.
Wundt e James concordaram com uma coisa: que a psicologia deveria
ser afastada de temas metafísicos. Mas, para Wundt ela é empírica, ou seja, é
focada na causalidade psíquica, analisa a experiência a partir da própria
experiência. Já para James, a psicologia é natural e estuda fatos mentais,
descrevendo-os e examinando-os em relação com o ambiente físico e as
atividades cerebrais e corporais que deles decorrem.
Além de Wundt e James, alguns importantes autores publicaram e
realizaram estudos que favoreceram a criação da Psicologia. Alguns dos mais
importantes, são:
 René Descartes publica As paixões da alma, afirmando que corpo e alma
são entidades distintas (1649).
 O filósofo e psicólogo alemão Johann Friedrich Herbart escreve o
Compêndio de Psicologia, e relata que a mente dinâmica possui um
consciente e um inconsciente (1816).
 José Custódio de Faria, nascido em Goa, também conhecido como o Abade
Faria, investiga a hipnose no livro Da causa do sonho lúcido (1813).

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 O filósofo e teólogo dinamarquês Kierkegaard publica o livro O desespero
humano e marca o início do existencialismo (1849).
 O médico e antropólogo francês Pierre Paul Broca descobre que os
hemisfério esquerdo e direito do cérebro desempenham funções distintas
(1861).
 O antropólogo, meteorologista, matemático e estatístico inglês Francis
Galton sugere em seu livro O gênio hereditário que a criação é mais
importante do que a natureza (1869).
 O médico, anatomista, psiquiatra e neuropatologista polonês Carl Wernicke
demonstra evidências de que danos em áreas específicas do cérebro
causam a perda de habilidades especificas (1874).
 O médico e cientista francês Jean-Martin Charcot, que mais tarde
influenciará os estudos de Sigmund Freud, produz suas Lições sobre as
doenças do sistema nervoso (1877).
 O médico e filósofo Wilhelm Wundt abre o primeiro laboratório de psicologia
experimental na Alemanha (1879).
 O psiquiatra alemão Emil Kraepelin, ao publicar o Compêndio de Psiquiatria
(1883), classificou duas formas de psicose: a maníaco-depressiva e a
demência precoce.
 O alemão Hermann Ebbinghaus descreveu os primeiros testes de
inteligência no livro Memória (1885).
 O psicólogo estadunidense G. Stanley Hall, publica a primeira edição do
American Journal of Psychology (1887).
 O psicólogo, psiquiatra e neurologista francês Pierre Janet sugere teoria de
que a histeria envolve dissociação e divisão de personalidade em 1889.
 Médico estadunidense, foi um dos fundadores da psicologia moderna,
William James, um dos pais da psicologia, publica Os princípios da psicologia
em 1890.
 O pedagogo e psicólogo francês Alfred Binet abre um laboratório de
psicodiagnóstico em 1895.

Desde então, a psicologia cresceu e se desenvolveu por meio de


diferentes abordagens e formas de pensar no ser humano. Em alguns momentos

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estas abordagens mostram-se conflitantes entre si. Estudaremos alguns dos
importantes autores da psicologia, focando naqueles que apresentaram também
grande contribuição para a educação.

1.2 Grandes autores da Psicologia da Educação

Como pensar na psicologia da educação sem trazer as contribuições dos


grandes autores sobre o assunto? O que Skinner, Freud e Piaget têm a dizer
sobre o tema? É importante lembrar que cada autor pensa sua teoria de um
modo particular e que elas podem ser conflitantes entre si, o que não quer dizer
que uma esteja errada e outra certa, mas que existem diversas formas de pensar
uma mesma coisa. Com qual teoria será que você se identifica mais?

Figura 1.2: Atendimento Psicológico


Fonte: © Freepik

1.2.1 A psicologia da educação por Freud

É importante frisar de que o próprio Sigmund Freud (1856–1939) nunca


publicou nada relacionado claramente à aprendizagem, pois suas preocupações
se voltavam para o contexto clínico. Mas obviamente, muitos de seus

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ensinamentos se tornaram extremamente úteis para a aplicação prática da
educação, como em tantos outros campos.

Saiba mais
Sigmund Freud, médico neurologista, nasceu em Freiberg in Mähren, cidade que
hoje pertence à República Tcheca. Começou os estudos utilizando a hipnose no
tratamento de pessoas com histeria, para acessar seus conteúdos mentais. Ao
perceber a melhora de pacientes do médico francês Charcot, elaborou
a hipótese de que a causa da histeria era psicológica e não orgânica. A partir de
então elaborou o conceito de inconsciente. Criou ainda um novo método:
a psicanálise, a cura pela fala, utilizando a interpretação de sonhos e a livre
associação para acessar ao inconsciente.

Anna Freud, sua filha, procurou mostrar aos educadores a forma como
Freud pensava o desenvolvimento da criança e investigou o surgimento das
preocupações que a criança possui e sua curiosidade. Para Sigmund Freud, o
momento de maior determinação na vida do indivíduo é o momento da
descoberta da diferença sexual anatômica entre os sexos, que causará diversos
efeitos em meninas e meninos – tema amplo e denso, que não é nosso objetivo
principal nesta aula. Mas o que é importante frisar é que ao descobrir a diferença
sexual, as crianças ficam marcadas por esta e é a partir disto que se marca a
falta, um dos temas centrais na teoria freudiana.
Para a psicanálise é a falta (a descoberta da diferença sexual anatômica)
que irá mover o sujeito e, fazê-lo ir atrás de seu desejo. Sem falta não haveria
desejo. Mas a falta é também a grande causadora da angústia, que pode se
tornar insuportável ao sujeito e é por isso que, tanto as crianças quanto os
adultos irão fazer a sublimação.

Glossário
A sublimação como mecanismo de defesa é a transformação de impulsos
indesejados em algo menos prejudicial, por exemplo, desenhar ou escrever pode
ser uma forma de sublimar instintos reprimidos.

Ao descobrir a diferença sexual anatômica, as crianças passarão a


investigar questões da sexualidade infantil a fim de mascarar a angústia advinda
das descobertas e da falta. Em outro tempo, esta investigação é reprimida da
consciência e a criança passa a exercer certa curiosidade para outros campos,
sublimando sua angústia para uma pulsão de saber, pois para Freud o saber e

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o dominar estariam no mesmo patamar. Desta forma, é possível encontrar uma
forma de dominar a angústia: o saber! Mas atenção, este saber pode se voltar
aos mais variados campos.
Porque é importante saber disto? Para compreender que a criança tem
em si um impulso de investigação e que a curiosidade pode se apresentar das
mais variadas maneiras. É importante, portanto, que os professores estejam
atentos sobre como isto se manifesta na criança, para que não a prive de sua
vontade de aprender.
Na psicanálise, não há um percurso pré-fixado do desenvolvimento
infantil, como ocorre na teoria Piagetiana, por exemplo. Para Freud não há uma
concepção de que já existe uma programação de como o desenvolvimento
infantil irá suceder, muito pelo contrário, a criança é ativa no seu próprio
desenvolvimento, pois é ela quem faz investigações e são estas que a ajudam
em seu desenvolvimento psíquico. Portanto, existem determinantes que fazem
com que a criança deseje – por si própria – aprender, mas além disso ela
necessita de alguém que faço o papel de intermediário na aprendizagem, no
caso, os professores.
Para a psicanálise, aprender é um processo no qual um professor ocupa
para o estudante uma posição que pode ou não propiciar aprendizagem. A
relação de aprendizagem sempre conta com um outro, mesmo no caso dos
autodidatas é criada a figura de alguém, em forma de livro ou uma figura
imaginária. A aprendizagem acontece na relação ensinante–ensinado. Um
professor só é capaz de transmitir conhecimento se é autorizado pelo estudante,
esteja ele dizendo a verdade ou não. Quem ouve o professor precisa ter dado a
este um lugar especial em sua vida. Dessa forma, o mestre ganha papel de
influência em relação ao estudante.
Em determinada fase do desenvolvimento, o mestre recebe um afeto que
antes era dirigido aos pais, um afeto explicado pelo Complexo de Édipo. Kupfer
(1998) chega a dizer que a relação professor-estudante pode ser vista como uma
reedição de uma relação afetiva primitivamente ligada à figura paterna.
Chamamos esta relação de “transferência” e do mesmo modo que um sujeito
pode transferir a relação com o pai para a figura do psicólogo, pode fazer isto
também na figura do professor, tudo isso inconscientemente. Quem tem certa
experiência em salas de aula, sabe que é comum em turmas de crianças

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pequenas que os estudantes se equivoquem e chamem a professora de mãe ou
o professor de pai, a psicanálise nomeará isto de ato falho, ou seja, um ato que
evidencia um desejo inconsciente.

Saiba mais
Para saber mais sobre Complexo de Édipo, leia o artigo Uma Breve
Compreensão sobre o Complexo de Édipo, disponível em:
<https://psicologado.com/abordagens/psicanalise/uma-breve-compreensao-
sobre-o-complexo-de-edipo>

Na transferência com o professor está implicado um desejo que possui


um sentido especial, pois envolve um vínculo de poder. Este vínculo faz com que
o estudante seja muito suscetível ao que o professor fala e acredita e pode tornar
possível que o docente seja impulsionado a abusar deste poder para reprimir e
rebaixar o estudante, infligindo a ele seus próprios valores e ideias e até mesmo
destruindo o desejo do estudante e instaurando seu próprio desejo. Este tipo de
pedagogo não será capaz de aceitar discussões e colocará o estudante no papel
de objeto e não de sujeito da aprendizagem.

Mídias integradas
Assista o filme “A Onda” trata-se de um filme alemão de 2008 dirigido por Dennis
Gansel. Um professor, ao dar aula sobre autocracia, decide fazer um
experimento em sala de aula, criando um grupo fascista. O experimento perde
totalmente o controle. O filme exemplifica de forma clara como a relação
transferencial com um professor pode exercer a influência na vida dos
estudantes. Para assisti-lo acesse o site:
<https://www.youtube.com/watch?v=QBKEi8qamKM>.

A relação professor e estudante é complicada, pois cada um tem seu


próprio desejo inconsciente. O professor dá aula devido a um desejo de ensinar,
mas deve abrir mão, em partes, deste desejo para que permita ao estudante ser
sujeito de sua própria aprendizagem. As crianças são curiosas, mas sua
curiosidade é espontânea e não sistemática, o professor deve trabalhar com
essa curiosidade para formar a aprendizagem.
Assim como no tratamento analítico, a educação age sem poder prever
qual efeito será gerado em seus estudantes.

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Para Kupfer (1998), o importante não são os conteúdos ensinados, pois
estes são somente a ponta do iceberg. A autora ainda evoca uma questão
importante, que deve ser pensada e repensada por todos os professores:
 Como usar o controle e ao mesmo tempo renunciar dele em sala de aula?
 Como manter o respeito diante dos estudantes, mas sem interferir na
subjetividade deles?

As respostas para estas perguntas devem advir da busca de cada


professor, o caminho precisa ser trilhado por cada um, porque a resposta não
está dada, a pergunta é um start para que cada um possa trilhar e seguir sobre
seu próprio caminho, mas sempre respeitando seu próprio desejo e o desejo do
outro.
Os professores guiados pela psicanálise precisam estar cientes de que os
estudantes darão mais importância para aquilo que lhes for conveniente e não o
que for conveniente a ele, pois cada indivíduo conta com sua própria
subjetividade. Permitir isto aos estudantes é essencial para que o sujeito se
desenvolva intelectual e pessoalmente. A subjetividade de cada um processa o
ensinamento e cria novos conhecimentos. Quando o professor nega o poder que
lhe é dado, preserva a essência do estudante e permite a este conquistar a
própria autonomia.
Desde a formação do professor até a imagem que a sociedade constituiu
sobre este profissional, percebemos a idealização dele como um ser humano
especial, que não comete falhas e, sua imagem está vinculada a uma ação
maternal e sacerdotal. Se todos somos seres faltantes, como podem os
professores não o serem? A história construiu essa imagem para os
professores, de forma que esses são vistos como modelo para uma humanidade
tão faltante, mas o problema é que conviver com este estereótipo constitui
grande carga para estes profissionais, quando se sentem envergonhados, por
exemplo, ao não saberem algo. Ao negar esta falta, os professores podem
acabar abusando de seu poder e reprimindo questões de seus estudantes, por
medo de não darem conta do conteúdo. Neste processo, tanto o professor
quanto o estudante perdem, pois, a relação de aprendizagem é bilateral, os dois
podem usufruir de novos conhecimentos.

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Para estabelecer uma relação de aprendizagem mais próxima do ideal é
importante que os professores “deem conta de não dar conta”, que saiam do
lugar da onipotência para o lugar de claudicante, assim tanto o professor quanto
o estudante poderão constituir uma relação mais serena com a aprendizagem.
É difícil também para o professor dar conta deste lugar que a sociedade lhe
confere, mas, mais difícil ainda é abdicar dele, pois seria uma forma de mostrar
sua falta e, como a psicanálise nos ensina, o ser humano está sempre buscando
negar sua falta.
Para a psicanálise, o material ensinado trabalha aquele que ensina e
aquele que aprende, nenhum dos dois está isento das ebulições que aquele
conteúdo poderá desenrolar em sua subjetividade.
A transmissão, seja ela qual for, é sempre de um “saber que não se sabe”,
não se sabe no sentido que não é dado por completo, irrefutável e imutável.
Nossa relação com o conhecimento precisa estar sempre com possibilidade de
mudança, reflexão e reestruturação. Dessa forma, a constituição de um saber
por aquele que aprende passa por processos que aquele que ensina ignora e, a
construção daquele que ensina precisa dar conta de admitir que não é possível
saber a totalidade. A transmissão não é de conhecimento, mas de algo que toca
o sujeito. Quando o professor se coloca em uma posição de detentor de todo o
saber, acaba por transmitir um conhecimento que não possui. Para Freud, o
ensino é um ato. Uma ética.

1.2.2 A psicologia da educação por Skinner

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Figura 1.3: Burrhus Frederic Skinner (1904-1990)
Fonte: Silly rabbit / Wikimedia Commons

Burrhus Frederic Skinner (1904-1990), psicólogo estadunidense, foi o


fundador da análise do comportamento, também conhecida como behaviorismo.
Baseou seus estudos no trabalho do fisiologista russo Ivan Pavlov (1849-1936)
e do psicólogo estadunidense John B. Watson (1878-1958). Para Watson, todo
comportamento de interesse é aprendido e para que possamos visualizá-lo é
necessário analisar seus antecedentes.
O cerne da teoria behaviorista é o conceito de comportamento operante,
que é caracterizado por um comportamento voluntário, do qual as
consequências serão determinantes sobre a probabilidade de sua ocorrência.
O processo de condicionamento operante pretende condicionar
determinada resposta em um indivíduo, podendo ser a fim de aumentar sua
ocorrência ou até mesmo extingui-la.
Quando o desejo é aumentar a probabilidade de uma resposta
apresentam-se reforços toda vez que o sujeito emite a resposta adequada. Um
estímulo só é reforçador se aumentar a possibilidade de o comportamento
acontecer e, será positivo quando algo é apresentado ao indivíduo, ou negativo

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quando algo é retirado. Essa diferença marca que reforçador não é sinônimo de
recompensa.
Um exemplo de reforçador positivo em sala de aula é quando o
professor insere o uso de jogos, atividades lúdicas, ou qualquer outra técnica
que favoreça a aprendizagem dos estudantes. Este reforçador aparece para que
os sujeitos se sintam cada vez mais dispostos a repetir tal comportamento. Já o
reforçador negativo, envolve a retirada de algo do ambiente, como, por exemplo,
uma criança não faz as atividades e passa horas jogando videogame, então a
mãe o proíbe de jogar até que todos os exercícios estejam prontos e a criança
passa então a realizar suas tarefas.
Ocorre, muitas vezes, em sala de aula, o uso da punição. A punição
acontece da seguinte forma: o professor pretende extinguir um comportamento
e toda vez que o estudante emite tal comportamento ele é punido pelo professor.
A punição pode ser também positiva ou negativa, quando se apresenta ou retira
um estímulo, respectivamente. O próprio Skinner fazia várias ressalvas quanto
ao uso da punição, principalmente em ambiente escolar, pois esta pode
apresentar efeitos colaterais nocivos ao sujeito.
É importante enfatizar a diferença entre o reforço negativo e punição. O
reforço negativo é a retirada de uma condição negativa para reforçar um
comportamento, enquanto que a punição é apresentar ou retirar um estímulo
para enfraquecer um comportamento.
A aprendizagem é uma mudança na possibilidade de determinada
resposta, mas o que afirma a execução de um comportamento não é a execução
em si. Skinner acredita que o foco não está na ação do estudante, mas nas
contingências das quais o comportamento é função. A contingência de reforço
possui três variáveis:
1) a ocasião em que o comportamento ocorreu;
2) o comportamento em si;
3) as consequências deste comportamento.
Para Skinner, um dos grandes problemas da aprendizagem está em criar
condições que sejam favoráveis para as consequências do comportamento,
portanto, os professores devem arranjar contingências, fornecendo situações em
que fique claro o que deve ser observado e adquirido enquanto experiência, para
que assim o sujeito possa exercitar os comportamentos ensinados.

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Para que um reforço ocorra, é importante que a consequência ocorra logo
após do comportamento emitido. Portanto, o papel dos professores em sala de
aula envolve a montagem de um ambiente que estimule e propicie a
aprendizagem do estudante.
Os professores devem se questionar sobre os reforçadores que serão
utilizados e de que forma estão dispostas as contingências de reforço, tornando
a estratégia de ensino mais eficaz. Após a aquisição de um comportamento,
Skinner ressalta a importância de que exercícios que repitam a emissão sejam
feitos, para que o estudante possa fazer a manutenção e fixação de seu próprio
conhecimento.
Quando se fala sobre o Behaviorismo e aprendizagem é importante
também diferenciar os conceitos de modelação e modelagem. Modelação é um
aprendizado que tem origem na herança cultural, por exemplo, sabemos que
precisamos nos vestir para sair de casa e que não podemos colocar a mão no
fogo. Ou seja, aprendizagem por modelação é aquela que atua nos níveis
básicos de sobrevivência e da convivência em sociedade.
Já a aprendizagem por modelagem é aquela que ocorre através de
reforçamentos progressivos de uma ação, até que aquilo se torne um novo
comportamento, por exemplo, o bebê percebe que a mãe espera dele algum tipo
de comunicação e balbucia, a mãe se alegra com a nova conquista – o que age
como reforçador – e o bebê passa então a emitir novos sons até conseguir dizer
sua primeira palavra.
O comportamento de incentivo da mãe agiu como reforçador e o bebê,
através de tentativas sucessivas, estabeleceu um novo comportamento: a fala.
Podemos pensar no mesmo em sala de aula, a própria alfabetização, por
exemplo, é adquirida através do processo de modelagem.

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1.2.3 A psicologia da educação por Piaget

Figura 1.4: Jean Piaget


Fonte: © Unidentified (Ensian published by University of Michigan) / Wikimedia Commons

O modelo de educação segundo a teoria piagetiana baseia-se na


aprendizagem ativa do estudante. Para o autor, é preciso que a criança organize
suas próprias atividades, com um objetivo mais ou menos preciso (o que pode
ser visto como “perda de tempo” para alguns professores). Quando o professor
apresenta verdades estruturadas ao estudante para “ganhar tempo”, o estudante
perde a oportunidade de realizar suas próprias tentativas e estruturar seu
conhecimento.
Para Piaget, o ideal seria que os professores adaptassem o material
escolar em função do caminho percorrido por cada estudante, mas, para isso é
necessário compreender a criança e observá-la. A tese piagetiana acredita que

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o desenvolvimento cognitivo é marcado por etapas que caracterizam estruturas
mentais diferentes. Em cada uma destas etapas, a criança compreenderá e
resolverá os problemas de forma diferente e, por isso, é importante entender em
que etapa está cada criança (o diagnóstico pode ser obtido por meio do uso das
provas piagetianas).
Cada estrutura tem seu momento próprio para aparecer. A interação
adequada com o ambiente proporcionará que ela possa ser utilizada em sua
plenitude. Caso determinada capacidade não seja estimulada em certo
momento, acarretará a necessidade de maior esforço por parte do indivíduo
posteriormente.
Embora a sequência de desenvolvimento seja igual para todas as
crianças, a cronologia poderá ser variada para cada um. Por exemplo, três
crianças de 5 anos, podem estar em etapas de desenvolvimento diferentes.
É importante que o professor avalie a melhor forma de aprendizagem para
o estudante. É comum que o professor não alcance sucesso ao ensinar
determinada matéria e isto pode se dar pelo fato de que, talvez, este professor
esteja ensinando da maneira que lhe parece mais simples, mas como cada um
possui uma maneira de aprender, talvez aquela não seja a maneira mais
adequada para tal estudante, pode ser que para ele a solução seja outra. É
importante perceber como está o aprendiz em seu processo de desenvolvimento
e também o que é necessário fazer para que ele progrida.
Para que uma criança aprenda, ela precisa compreender o conteúdo. O
professor não pode se contentar com simples automatismos. Uma aprendizagem
compreensiva necessita que o professor conheça o processo de pensamento do
estudante e lhe ofereça questionamentos interessantes para que o estudante
possa explorar a questão para além da explicação dos professores.
O ensino precisa ser um facilitador do processo de desenvolvimento, não
um acelerador e nem uma barreira. Adquirindo o conhecimento de cada etapa,
a criança será capaz de aprendizagens mais complexas adiante, mas é preciso
que o estudante tenha seu tempo respeitado. Não é suficiente conhecer a
resposta do estudante, é preciso entender o caminho percorrido por ele para
chegar até ela.
Piaget sugere que há quatro estágios nos quais os sujeitos evoluem na
aquisição de conhecimentos, de um estado de total desconhecimento até a

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capacidade de conhecer o que ultrapassa aquilo que está a sua volta. Estão
listados a seguir os estágios:

1) Estágio sensório-motor - é o estágio do nascimento até


aproximadamente os dois anos de idade. Nele, o indivíduo atinge um
nível de equilíbrio biológico e cognitivo que permite constituir uma
estrutura linguística, propriamente conceitual. O campo da inteligência
da criança se aplica a situações concretas e há o desenvolvimento da
coordenação e relação entre ordem e ação, além da diferenciação
entre objetos e o próprio corpo.
2) Estágio pré-operatório - acontece entre os dois até os seis/sete anos.
Neste estágio, as crianças reproduzem imagens mentais e usam seu
pensamento intuitivo para se expressar em uma linguagem
comunicativa mais egocêntrica. O pensamento está ligado a elas
mesmas.

3) Estágio operatório concreto - presente entre os seis/sete anos até


os onze/doze anos. Aqui as crianças já são capazes de aceitar o ponto
de vista de outras pessoas e de levar em conta mais de uma
perspectiva. Representam transformações e também situações
estáticas. Desenvolvem noções de agrupamento, reversibilidade e
classificação. Conseguem realizar atividades mais concretas, mas que
não exijam abstração.

4) Estágio das operações formais - fase presente entre os onze/doze


anos até a vida adulta. É quando ocorre a transição para o modo adulto
de pensar. Durante esta fase, o indivíduo se torna apto a raciocinar
sobre hipóteses e ideias abstratas. A linguagem tem papel
fundamental, pois serve de suporte conceitual.

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Figura 1.6: Estágio das operações formais
Fonte: © Freepik

Independente do estágio em que o ser humano se encontra, a aquisição


de conhecimentos ocorre na relação entre sujeito e objeto. Esta se dá por
processos de assimilação, acomodação e equilibração, em um desenvolvimento
mútuo e progressivo. A equilibração acontece por meio de sucessivas situações
de equilíbrio – desequilíbrio – reequilíbrio que visam dominar o objeto do
conhecimento.
A psicologia se estabeleceu como ciência por meio dos estudos de Wundt
e James. Já em seu nascimento, fica marcada por uma bifurcação de ideias, pois
seus idealizadores a pensam de forma diferente. Até hoje, é possível notar uma
grande pluralidade de pensamentos nesta área do conhecimento, fazendo com
que haja um grande número de linhas teóricas – muitas vezes, discordantes
entre si – e que enxergam o ser humano de forma particular.
Seria possível explorar diversos autores da psicologia, mas optei por
apresentar a visão de três importantes nomes, que traduzem em sua fala uma
grande correlação com o campo da educação, para que possa ser mais
proveitoso a você, estudante! Portanto, nesta aula foram citados: Freud, Skinner
e Piaget e suas respectivas teorias.

Atividade de Aprendizagem

1. Em sua obra “O desespero humano” Kierkegaard se opõe às ideias da época


e aponta que mais importante do que buscar uma verdade única que explique o

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universo, é buscar verdades que sirvam para cada um de nós e dessa forma, a
nossa existência poderá ser construída. Por meio desta publicação, ele foi
considerado como o pai do existencialismo. Mediante isso, responda, como esta
obra influenciou a construção da psicologia como um saber?

2. Pierre Paul Broca e Carl Wernick fizeram importantes descobertas em relação


ao cérebro humano e são apontados como importantes influenciadores da
psicologia moderna. Broca descobriu que os hemisférios, esquerdo e direito
possuíam funções diferentes e Wernick apontou que lesões em diferentes locais
do cérebro afetariam de forma especifica o desenvolvimento do indivíduo. Como
as descobertas destes cientistas afetaram e continuam afetando a psicologia e
a neurociência?

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Aula 2 – O que é psicologia?

Fonte: © Freepik
Link da imagem: http://br.freepik.com/fotos-gratis/modulo-homem-face-partes-psicologia-
itens_668650.htm#term=psychology&page=5&position=13

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Olá estudante! Vamos dar sequência ao estudo da Psicologia da Educação.
Como já vimos na aula anterior, não é simples definir o que é psicologia e qual
o seu objeto de estudo. O motivo para não termos uma única definição para a
psicologia é a grande diversidade de linhas teóricas. Cada linha tem sua própria
visão sobre o ser humano e o objeto de estudo da psicologia. Vamos entender
melhor como isso funciona?

Figura 2.1: Psicologia e educação


Fonte: © Freepik
https://br.freepik.com/fotos-gratis/3d-rendem-de-uma-cabeca-masculina-e-do-cerebro-com-
parafusos-de-clareamento_1023261.htm#term=cerebro&page=3&position=26

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2.1 O conceito de psicologia

O conceito de psicologia pode ser definido das mais variadas formas de


acordo com cada teoria, portanto, cabe a nós realizar uma aproximação do
conceito, buscando encontrar o que de essencial ela apresenta e estuda.
Psicologia é a união das palavras gregas psyche e logia, sendo que
psyche significa alma ou mente e logia pode ser entendido como estudo. Dessa
forma, nossa primeira conclusão é de que a Psicologia é o estudo da mente ou
o estudo da alma.
O fato de que os conceitos de “mente” e “alma” são bastante abstratos,
nos deixa ainda com dúvidas sobre qual o real objeto de estudo desta ciência.
Mas de que outra forma poderia ser, se a psicologia trata exatamente dos
conteúdos mais íntimos e profundos que existem em cada um de nós? Daquilo
que tentamos, o tempo todo, não tomar consciência?
Para que nossa aproximação do conceito de psicologia fique ainda mais
sólida, falaremos rapidamente sobre algumas das principais linhas teóricas e
autores importantes. Gostaria de pontuar, que devido ao curto tempo, essas
ideias serão passadas de forma resumida e pouco aprofundada. Cabe a você
estudante, aprofundar-se em alguma, caso possua interesse!

Muitas das ideias que serão vistas a seguir serviram de base para atuais
linhas teóricas e outras permaneceram como abordagens altamente utilizadas.
Algumas das abordagens teóricas atuais mais conhecidas e utilizadas, são:
Behaviorismo, Psicologia cognitivo-comportamental, Gestalt, Psicodrama,
Psicanálise, Psicologia Analítica e terapias humanistas, entre outras.

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2.2 Principais pensadores da Psicologia e seus temas de estudo

2.2.1 Ivan Pavlov (1849–1936) - condicionamento clássico

O fisiologista russo Ivan Pavlov realizou experimentos com cães, quando


os níveis de saliva dos mesmos eram medidos por meio de dispositivos inseridos
cirurgicamente, percebeu que os cães não salivavam somente ao receber
comida, mas também ao sentir seus cheiros e enxergá-las. Salivavam também
com a simples chegada dos cuidadores. Sua teoria e experimentos consistem
em: um estímulo incondicionado (comida exposta aos cães) pode provocar um
reflexo incondicionado (salivar).
Se este estímulo é seguido por um estímulo neutro (toque de um sino),
desenvolve-se um reflexo condicionado, ou seja, com o tempo, bastará somente
o toque do sino para que os cães começassem a salivar. Um estímulo
incondicionado à um estimulo neutro provoca um estimulo condicionado.
A teoria de Pavlov permitiu que Watson comprovasse a ocorrência de
condicionamento clássico com humanos e mais tarde, serviu de suporte para a
teoria de Skinner, já mencionado na última aula, que realizou experimentos com
ratos, condicionando-os a se comportar de maneira especifica.

2.2.2 Edward Thorndike (1874–1949) - conexionismo

Realizou seus estudos aproximadamente na mesma época que Pavlov e


é considerado por muitos o primeiro psicólogo behaviorista (apesar de o termo
não existir em sua época). Estudava os processos de inteligência e
aprendizagem de animais e percebeu que quando um animal reage a um
estímulo, ocorrem duas possibilidades:
a) o resultado pode ser compensatório (por exemplo: conseguir escapar)
e isso faz com que a resposta seja fortalecida; ou
b) o resultado pode ser infrutífero (por exemplo: não consegue escapar) e
isso faz com que a resposta seja enfraquecida. Ou seja, as reações

25
compensatórias serão internalizadas pelo sujeito e as reações infrutíferas serão
suprimidas.
Esta descoberta foi chamada por ele de lei do efeito. Sua descoberta
construiu os fundamentos da teoria behaviorista e mais tarde Skinner formulou
o conceito de ”condicionamento operante”, o cerne do behaviorismo.

2.2.3 Sigmund Freud (1856–1939) - Psicanálise

Um dos conceitos principais desta complexa teoria é o de inconsciente.


Para Freud, tudo aquilo que é demasiadamente inapropriado ou doloroso é
reprimido e armazenado no inconsciente, ou seja, não é possível ser acessado
pela consciência (ser relembrado pelo indivíduo), mas continua a exercer
influência nos atos e até mesmo no corpo do sujeito (por exemplo: enxaquecas
causadas por estresse/angústia/ansiedade). É comum ouvirmos pessoas
falando “não sei porque continuo repetindo o mesmo erro” e Freud diria que isto
acontece por manifestações do inconsciente e que o sujeito que faz análise
(psicanálise) tem a possibilidade de se “libertar” destes sintomas.
O autor divide as estruturas psíquicas em: neurótico (subdividida em
neurótico obsessivo e neurótico histérico), perverso e psicótico.
Neurótico é aquele que foi inserido no mundo ao passar pelo Complexo
de Édipo e pela castração e tem como sintoma o recalque. Para que fique mais
claro (de forma resumida): ao nascer, a criança acha que é o objeto de amor total
da mãe, mas com a entrada do pai na relação (Complexo de Édipo), descobre
que é faltante e “castrada”, ao perceber que a mãe tem outros objetos de amor.
Fica marcada por esta castração (ou falta) e então desenvolve o sintoma do
recalque, ou seja, passa a reprimir conteúdos, como o conteúdo edipiano, para
seu inconsciente.
Para o autor, o neurótico seria aquele “mais adequado” ao mundo, de
certa forma. O perverso é aquele que passa pelo Complexo de Édipo, mas nega
sua castração, ou seja, nega que não é o objeto total de amor da mãe e no caso,
nega sua falta. Portanto, os perversos são conhecidos como manipuladores e
não conseguem enxergar nenhum tipo de falta em si mesmos, seu sintoma é o
fetiche (observação: geralmente, os serial-killers se encaixam nesta estrutura e

26
não na psicose, como alguns costumam achar). Por fim, os psicóticos são
aqueles que não passaram pelo Complexo de Édipo, muito menos pela
castração e desta forma, não são inseridos no mundo das palavras e tem o
delírio como sintoma.

Glossário
Fetiche - objeto a que se atribui poder sobrenatural ou mágico e se presta
culto; objeto inanimado ou parte do corpo considerada como possuidora de
qualidades mágicas ou eróticas.

Note, o trauma causado pela castração (trauma de ser faltante) é


exatamente aquilo que nos “amarra” ao mundo, ou seja, sem este trauma o
indivíduo não se constitui como sujeito de linguagem. A fim de facilitar o
entendimento, tomo o seguinte verso de Carlos Drummond de Andrade (1902–
1987):
Abrir box
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Fechar box

O que Drummond nos ajuda a compreender é: será que se não houvesse


uma pedra no caminho, eu saberia que estou no caminho? De alguma forma, é
pela pedra que o caminho existe e se faz visto. Utilizando esta metáfora,
podemos compreender que é o trauma da castração que nos permite sermos
inseridos no mundo.
O autor também desenvolveu conceitos, como repetição, transferência,
Complexo de Édipo, entre outros, mas devido a magnitude de sua obra, o estudo
de sua teoria leva anos para ser realizado, sendo considerado pelos
psicanalistas como um estudo que nunca tem fim, pois há sempre algo a se
aprender com a teoria de Freud.

27
2.2.4 Alfred Adler (1890–1937): Psicologia individual

Para Adler, o ser humano carrega consigo um sentimento constante de


inferioridade, ou seja, todas as crianças sentem-se inferiores por estarem
rodeadas de pessoas mais fortes e inteligentes. Este sentimento as motiva a
tentarem agir e conquistar coisas, aqui há dois caminhos possíveis: ou o
indivíduo obtém sucesso e abranda os sentimentos de inferioridade, mantendo
uma psique equilibrada e desenvolvendo-se com confiança, ou o sucesso não
abranda os sentimentos de inferioridade, formando uma psique desiquilibrada e
desenvolvendo um complexo de inferioridade. Adler chamou de “compensação”
a vontade de superar seus limites e dificuldades.

2.2.5 Carl Jung (1875–1961) - psicologia analítica (variação da Psicanálise)

Jung se interessa pelos trabalhos de Freud e os dois começam a se


corresponder. Apesar da grande afinidade e concordância entre as ideias dos
dois, ocorre um rompimento, por Jung não aceitar a centralidade que Freud dá
para a sexualidade em sua teoria. Jung formula a teoria analítica, que lembra
muito a psicanálise em alguns pontos.
Para Jung, existe em nós um inconsciente coletivo, formado por
arquétipos. O autor acreditava que muitos mitos e símbolos eram semelhantes
nas mais variadas culturas e épocas, por serem resultantes do conhecimento e
experiências que compartilhamos enquanto espécie e que esse conhecimento é
preservado no inconsciente coletivo, sob formas de arquétipos. Os arquétipos
agem como modelos que nos ajudam a organizar determinados padrões
comportamentais e a compreender o mundo.

Glossário
Arquétipo - o modelo que se utiliza como exemplo para; padrão: a Madre Teresa
de Caucutá é o arquétipo da bondade.

2.2.6 Fritz Perls (1893–1970) - Gestalt-terapia

28
O autor acredita que a verdade só pode ser tolerada se descoberta por
conta própria, pois as pessoas acreditam que seu ponto de vista em relação ao
mundo é uma verdade objetiva, mas é a nossa percepção que configura as
experiências, dessa forma, é possível alterar nossa realidade interna e até
mesmo externa, descartando valores que nos são atribuídos pela sociedade e
pela família, para assim descobrir nossos verdadeiros valores próprios e
construir nossa própria “verdade”.
A Gestalt-terapia usa a experiência, percepção e responsabilidade
individual para incentivar o crescimento pessoal por meio de um senso de
controle interno. O sujeito precisa assumir responsabilidade por seu modo de
agir e reagir. Perls disse certa vez que “quem precisa que os outros lhe deem
incentivos, elogios e tapinhas nas costas, faz dos outros os seus juízes”.

2.2.7 Donald Winnicott (1896–1971): Psicanálise

Influenciado pelas ideias de Freud e Melanie Klein, Winnicott publicou


muitos estudos e segue como um importante autor da psicanálise. Cabe aqui
frisar, que dentro da psicanalise, existem várias vertentes, pois há divergência
entre alguns pontos da teoria psicanalítica entre autores como Freud, Winnicott,
Lacan, Klein etc.
No início de sua carreira, Winnicott trabalhou com crianças separadas de
suas famílias por conta da Segunda Guerra Mundial (1939–45) e pode observar
que crianças vindas de situações de negligência e abuso temem não serem
amadas pela família adotiva e como defesa, reagem com ódio, evocando
também o ódio nos pais. Se os pais forem capazes de reconhecer e tolerar esse
sentimento, a criança adotada entende que pode ser amada e conseguirá formar
laços afetivos fortes.
Winnicott é realista e pragmático em sua teoria: ele se recusa a acreditar
no ideal de família perfeita ou em que algumas palavras gentis sejam capazes
de apagar horrores da vida de alguém. Convida a todos a encarar a verdade
pura com honestidade e coragem.

2.2.8 Jacques Lacan (1901–1981) - Psicanálise

29
Talvez o mais importante nome da psicanalise após Freud, Lacan iniciou
seu trabalho fazendo uma releitura do trabalho do antecessor e mais tarde,
acrescentou diversos conceitos importantes. Entre suas principais colocações,
disse que é pela existência do “outro” que definimos e redefinimos a nós mesmos
e através do discurso deste outro é que nos inserimos na linguagem e
compreendemos o mundo. Para ele o inconsciente é o discurso do “outro”.
A obra de Freud estava se perdendo em interpretações equivocadas e por
isso, Lacan, ao reescrevê-las faz questão de usar uma linguagem complexa
baseada em mensagens indiretas, para que o leitor realmente tivesse algum
trabalho para entendê-las de forma correta.

2.2.9 Erich Fromm (1900–1980) - Psicanálise humanista

Erich Fromm acreditava que para o ser humano nada era mais difícil de
suportar do que o sentimento de não se identificar a um grupo e que a única
forma de nos integrarmos é descobrindo nossa própria individualidade. Para ele,
nossas vidas estão carregadas de angústia e impotência devido a separação
que sofremos da natureza e das outras pessoas. Essa angústia só poderá ser
superada se aceitarmos nossa singularidade, descobrirmos nossas ideias e
habilidades e enfim, desenvolvermos nossa capacidade de amar. Essa busca
tornaria a dor de nossa existência suportável e daria sentido a ela.
O autor identificou diversos tipos de personalidades improdutivas, que
ajudam o indivíduo a se desresponsabilizar quanto aos seus atos. As mais
conhecidas, são:
a) a personalidade receptiva, que sempre aceita seus papéis e nunca luta
por mudanças ou melhorias;
b) a personalidade exploradora, é agressiva, plagiadora e coercitiva;
c) a personalidade acumulativa, preocupa-se demasiadamente com
acumulações e quer ter sempre mais coisas;
d) a personalidade marqueteira, aquela que vende tudo, principalmente,
a própria imagem.
Cada um destes tipos possui lados positivos e negativos, mas existe uma
quinta personalidade, a necrófila, que é totalmente negativa, pois este tipo de

30
pessoa é obcecado pelo controle e imposição de ordem. O tipo ideal de
personalidade é o produtivo.

2.2.10 Carl Rogers (1902–1987) - Terapia centrada no cliente

Rogers criticava outras linhas teóricas, porque as achava muito rígidas e


engessadas. Para ele, a vida não se definia como um estado de ser, mas como
um processo em que era preciso estar aberto a experiências, confiar em si
mesmo, viver o presente, assumir responsabilidade por suas ações e tratar a si
e aos outros com consideração. Somente desta forma o ser humano pode viver
uma vida plena.
Para o autor, as pessoas são em sua essência saudáveis e boas e o bem-
estar emocional é uma progressão natural que ocorre na condição humana. É
preciso que haja aceitação incondicional de si e dos outros, pois somente assim
as pessoas serão capazes de se abrir para a experiência.

2.2.11 Abraham Maslow (1908–1970)- Psicologia humanista

Maslow acreditava que para atingir o estado mais desenvolvido de


consciência e total potencial, é preciso que o sujeito descubra seu verdadeiro
propósito na vida e saia em busca dele, este estado chama-se autorrealização.
Ele definiu um plano estruturando, descrevendo os passos para conseguir
chegar a autorrealização.
As necessidades motivadas “por deficiência” (Fisiologia, Amor e
pertencimento, Segurança e Autoestima) precisam ser realizadas antes de a
pessoa poder buscar satisfação intelectual, que ficam no topo da pirâmide e são
motivadas por crescimento (Cognitiva, Estética, Autorrealização,
Autotranscedência).
A seguir, você poderá analisar a hierarquia das necessidades proposta
por Maslow:

31
Autotranscen
dência -
Ligar-se a algo
para além de
nós mesmos

Autorrealização
- Alcançar o seu
potencial
pessoal

Estética - Simetria,
beleza e ordem

Cognitiva - Conhecer e
compreender as coisas do mundo

Autoestima - Reconhecimento, conquista


e respeito

Amor e pertencimento - aceitação, amizade e


relacionamentos]

Segurança - Estabilidade, saúde e abrigo

Fisiologia - Comida, bebida, sono, calor

Figura 2.4: Hierarquia de necessidades, por Maslow


Fonte: Elaborado pela autora (2018).

2.2.12 Viktor Frankl (1905–1997) - Logoterapia

Mesmo uma pessoa que não tenha mais nada nesse mundo ainda pode
conhecer a felicidade (Viktor Frankl). O psiquiatra Viktor Frankl foi levado para
um campo de concentração em 1942 e lá escreveu o livro “Em busca de sentido”.
Segundo Frankl, possuímos duas forças que nos permitem suportar
situações de dor: a liberdade para agir e a capacidade de decidir. O autor

32
acredita que somos nós que determinamos como o ambiente irá agir em nossas
vidas, pois até o sofrimento pode ser visto de formas diferentes, dependendo de
como enxergamos a situação.
Devemos encontrar um sentido para nossa vida e este sentido precisa ser
descoberto por cada um de nós, pois ao darmos sentido ao sofrimento ele se
torna suportável.

2.2.13 Rollo May (1909–1994) - Psicoterapia existêncial

É considerado o pai da psicologia existencial após ter lançado o livro The


meaning of anxiety, em 1950. Para ele, o sofrimento é parte integrante da
experiência humana e precisa ser enxergado como tal, mas ao tentarmos manter
nossas vidas em equilíbrio, taxamos as situações como “boas” ou “ruins”,
baseadas no conforto (ou não) que elas nos oferecem. Dessa forma, lutamos
contra processos que nos trariam crescimento e desenvolvimento e que fazem
parte do processo natural da vida.
Sua visão é comparada com o pensamento budista, de que devemos aceitar
todas as experiências, sejam elas boas ou não. O sofrimento não seria uma
questão patológica, mas sim parte essencial da vida humana e importante para
o desenvolvimento do indivíduo.

2.2.14 Lev Vygotsky (1896–1934) - Construtivismo social

Vygotsky acreditava que nós construímos nossa identidade pela relação


que estabelecemos com as outras pessoas. Para ele, o desenvolvimento se dava
em três níveis: cultural, interpessoal e individual. Acreditava que as crianças
absorvem sabedoria, valores e conhecimentos por meio da relação com os
cuidadores e, as utilizam para viver no mundo de forma eficaz. Sua teoria
influencia fortemente a aprendizagem e o ensino até hoje.

2.2.15 Erik Erikson (1902–1994) - Desenvolvimento psicossocial

33
Para o autor, existe uma estruturação básica para o andamento da vida.
A personalidade se desenvolve em oito estágios predeterminados, entre o
nascimento e a morte. Caso haja sucesso na transição em cada uma destas
fases, o indivíduo será mentalmente saudável, mas quando há fracasso em
qualquer uma destas fases ocorre um prejuízo mental, que pode aparecer como
falta de confiança, culpa, entre outros sintomas.
Os oito estágios descritos por Erikson, são nomeados de:
1) confiança x desconfiança;
2) autonomia x vergonha e culpa;
3) iniciativa x culpa;
4) diligência x inferioridade;
5) identidade x confusão de identidade;
6) intimidade x isolamento;
7) produtividade x estagnação;
8) integridade x desespero.
Cada uma destas fase apresenta características particulares.

2.2.16 John Bowlby (1907–1990) - Teoria do apego

O amor materno na primeira infância é tão importante para a saúde mental


quanto vitaminas e proteínas para a saúde física. (John Bowlby). Bowlby acredita
que os recém-nascidos são programados para criar vínculo com a mãe, a fim de
garantir sua própria sobrevivência. Portanto, qualquer situação que ameace esta
relação, ativa atitudes instintivas de apego e sensações de insegurança e medo.
Nos primeiros vinte e quatro meses da criança acontece o que o autor
chamava de período crítico, se o vínculo fosse quebrado durante esse período
crítico, o desenvolvimento da criança poderia sofrer danos permanentes e
graves.

2.2.17 Albert Bandura (1925–) - Teoria da aprendizagem social

Albert Bandura é um psicólogo social canadense. Sua teoria da


aprendizagem social é baseada no fato de que todo ser humano é constituído

34
por elementos do meio social em que faz parte: sua família, sua escola e sua
comunidade são grupos sociais em que o sujeito é inserido em certa fase do
desenvolvimento e que contribuem para o processo de aprendizagem.
Esta teoria adota a perspectiva de agência para a adaptação, mudança e
autodesenvolvimento. Ser um agente significa influenciar seu próprio
funcionamento e a vida a partir de um modo intencional, sendo assim, as
pessoas são auto organizadas, proativas, autorreguladas e auto reflexivas. Para
Bandura, o ser humano não é totalmente influenciado pelo meio, pois suas
reações e estímulos são auto ativadas, portanto o ser humano não é
determinado pelas ações ambientais e sim influente entre elas. Ao contrário do
behaviorismo, a aprendizagem social acredita que o comportamento não precisa
ser reforçado para ser aprendido, pois o ser humano adquire experiências
observando as consequências dentro de seu ambiente e as vivências de outras
pessoas ao seu redor.
Apesar da grande quantidade de autores mencionados, ainda assim é
impossível dar conta de falar sobre todos os autores importantes para a área da
psicologia. Relembrando que o conteúdo passado foi apresentado de forma
sucinta e pouco aprofundada, para que você possa conhecer um pouco da teoria
de alguns dos principais influenciadores da psicologia. Caso se interesse por
alguma das pesquisas ou estudo, convido-o a procurar mais sobre a abordagem!

Nesta aula foi possível identificar a pluralidade de ideias e linhas da


psicologia, como já havia sido introduzido na primeira aula. O objeto de estudo
da psicologia varia em alguns casos: em alguns é chamado de mente, outros de
comportamento e, chega até mesmo no inconsciente, mas o que todo o autor
tem em comum é a preocupação com a adaptação e a saúde mental do
indivíduo.
O psicólogo é apresentado a todas estas linhas de pensamentos e teorias
e tem como objetivo escolher qual se adapta melhor ao seu próprio tipo de
pensamento. Entre os estudos apresentados, caracterizam-se hoje como fortes
linhas teóricas: Psicanálise (podendo ser Freudiana, Freud-Lacaniana,
Kleiniana, Winnicottiana etc.); Behaviorismo, Gestalt, Cognitivo-comportamental,
as Psicologias existenciais, entre outros.

35
Atividades de Aprendizagem

1. Jung se interessava pela psicanálise, mas ao discordar de alguns aspectos


da mesma decide formular uma teoria própria. O centro desta teoria é o
inconsciente coletivo. Explique o que é o inconsciente coletivo através da teoria
analítica.

2. Existem diversas linhas teóricas e variadas formas de enxergar o ser humano.


De acordo com o estudo das duas primeiras aulas, o que você acha desta
pluralização? Ela facilita ou dificulta a validação do conhecimento cientifico da
psicologia? Justifique.

36
Aula 3 – Campos de atuação da Psicologia, sua relação com
outras ciências e aspectos éticos

37
Olá estudante! É possível observar que devido ao enorme número de teorias
psicológicas, a área acaba por abranger uma grande porção do espectro da vida
mental do ser humano. Seu alcance cada vez maior, proporcionou uma
correlação com outras disciplinas, como: a medicina, a fisiologia, a neurociência,
a educação, a sociologia, a antropologia e até mesmo a política, economia e
direito. Nesta aula, pensaremos em como a psicologia atua nas mais variadas
áreas e campos de conhecimento.

Fonte: © Freepik
https://br.freepik.com/vetores-gratis/infografico-cerebro-com-temas-
diferentes_1002425.htm

38
Essa relação ficará mais clara nos próximos parágrafos, com a descrição
das áreas da psicologia, mas em resumo, a psicologia se relaciona com a
medicina, fornecendo a esta estudos e técnicas de trabalho. Dentro do ambiente
hospitalar, o psicólogo poderá fazer parte da equipe multidisciplinar e assim
auxiliar (e ser auxiliado) por outras profissões da área da saúde (como médicos,
fisioterapeutas, enfermeiros, nutricionistas etc.). Juntamente com o direito,
poderá trabalhar na proteção, avaliação e diagnóstico de vítimas de delitos e
também detentos.
Neurociência e psicologia tem a cada dia se aproximado mais em seus
caminhos. O diálogo entre as duas áreas está cada vez mais estreito,
principalmente quando se fala em atrasos neurológicos e processos de
reabilitação.
Quanto a educação, pudemos ver desde a primeira aula, que as duas
áreas do conhecimento têm muita informação para ser trocado entre si,
principalmente, quando se fala nos processos de aprendizagem, na otimização
de potencialidades, entre outros.

3.1 Áreas de atuação na Psicologia

A psicologia é uma matéria muito abrangente e acaba por interessar a


muitos, até porque quando se fala em psicologia, fala-se de cada um de nós. Ela
serve de base para decisões governamentais, empresariais, publicitárias e
midiáticas. Em sua história, nos ofereceu ideias que alteraram nosso estilo de
pensar e viver, além de nos permitir conhecer melhor a nós mesmos, os outros
e o mundo a que pertencemos.
Vamos retratar na sequência os principais campos de atuação do
psicólogo, de acordo com o Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP–
PR).

3.1.1 Psicologia escolar/educacional

O psicólogo escolar atua dentro de Instituições escolares, realizando


pesquisas, diagnósticos, treinamentos, intervenções, prevenções etc. É comum

39
haver confusão entre o trabalho do psicólogo escolar com o do clínico, portanto,
é importante frisar que as duas funções são diferentes, pois não é de
responsabilidade do psicólogo escolar realizar atendimento clinico
individualizado para estudantes específicos, ou seja, este profissional deve
atender a demanda da escola de uma forma geral e se algum estudante
necessitar de atendimento contínuo, deverá procurá-lo em consultórios fora do
ambiente escolar.
Nesta área, colaborará com o corpo docente na elaboração, implantação,
avaliação e reformulações de currículo, projetos e políticas educacionais e
também contribuirá na análise e intervenção de clima institucional, buscando
sempre a resolução de conflitos internos e estabelecimento de um clima
agradável de trabalho.
Poderá atuar também em programas de orientação profissional e análise
de atendimento para estudantes com necessidades educativas especiais nas
escolas, realizando orientações e adaptações, quando necessário.
Fará parte da equipe interdisciplinar, integrando seus conhecimentos com
os demais profissionais da educação. Poderá aplicar seus conhecimentos de
ensino e aprendizagem no ambiente escolar, assim como intermediar relações
entre a escola e a família do estudante, também poderá utilizar testes e
instrumentos psicológicos adequados para fornecer subsídios no
replanejamento e reformulação dos planos educativos.

40
Figura 3.3: Atendimento escolar
Fonte: © Freepik
https://br.freepik.com/vetores-gratis/um-conjunto-de-ilustracoes-de-desenhos-animados-de-
vetores-o-paciente-esta-falando-com-um-
psicoterapeuta_1265775.htm#term=psicologia&page=1&position=6

3.1.2 Psicologia organizacional e do trabalho

Assim como o psicólogo escolar, o psicólogo do trabalho atuará em


treinamentos de equipes e pesquisas de clima institucional. Pode atuar em
empresas dos mais variados segmentos.
Outras atividades desenvolvidas nesta área são: consultoria
organizacional, acompanhamento e desenvolvimento de equipes, recrutamento
e seleção de funcionários (utilizando testes psicológicos e entrevistas), estudo e
planejamento de condições de trabalho.
Seu trabalho estará diretamente ligado com a promoção da saúde e por
isto, analisará e orientará casos de saúde do trabalhador, se atendo aos níveis

41
de prevenção, reabilitação e promoção de saúde. É parte do seu trabalho facilitar
os processos de grupo e prezar pela qualidade de vida do trabalhador.
Também realiza testes de desempenho, explorando o potencial dos
colaboradores; além de realizar análises de ocupações profissiográficas e se
encarregar pelos processos de desligamento da empresa.

3.1.3 Psicologia do trânsito

Trabalha com todos os aspectos psicológicos relacionados ao trânsito,


como por exemplo, colaborando na elaboração e implantação de ações
socioeducativas com pedestres, ciclistas, condutores infratores etc. Realiza
pesquisas sobre segurança e comportamentos no trânsito.
O campo mais conhecido desta área de atuação é o de avaliação
psicológica de condutores para a obtenção da carteira de motorista. O psicólogo
do trânsito analisa os acidentes e considera os diferentes fatores envolvidos em
sua causa para encontrar formas de evitar ou atenuar sua incidência.
Possui forte diálogo com profissionais da área médica e a da educação
(como instrutores e professores), além de desenvolver estudos sobre o
comportamento individual e coletivo em diversas situações no trânsito e, prestar
consultoria para órgãos públicos e privados em questões de trânsito e transporte.

3.1.4 Psicologia jurídica

O psicólogo jurídico colabora no planejamento e execução de políticas


relacionadas a cidadania, prevenção da violência e direitos humanos.
Atua avaliando as condições intelectuais e emocionais de crianças,
adolescentes e adultos que possuam algum tipo de conexão com processos
jurídicos (como contestação de testamentos, aceitação em lares adotivos,
guarda de crianças etc.).
Atua também como perito criminal nas varas cíveis, criminais, da justiça
do trabalho, da família, da criança e do adolescente, elaborando pareceres,
laudos e perícias para serem anexados aos processos. Realizam atendimentos
e orientações, repassam ao colegiado e administração o ponto de vista

42
psicológico sobre alguma questão e participa de audiências, fornecendo
informações esclarecendo aspectos psicológicos técnicos em relação aos
processos judiciais.
O psicólogo jurídico também realiza avaliações das características de
personalidade através de triagens, avaliações e testes psicológicos no sistema
penitenciário. Presta assessoria na formulação de políticas penais e no
treinamento de equipe para aplicá-las. Suas pesquisas são voltadas para a
ampliação do conhecimento psicológico no direito e oferece serviços em
conciliações, orientação de detentos e suas famílias.

3.1.5 Psicologia do Esporte

O psicólogo do esporte trabalha com atletas de alto rendimento, ajudando-


os para que sua saúde mental seja preservada e seus rendimentos e
performance sejam otimizados. Também atua identificando princípios e padrões
de comportamento de crianças e adultos participantes de esportes. Realiza
estudos e os aplica, em nível individual e grupal. Faz diagnósticos e intervém na
transformação de padrões de comportamento que interferem na prática física
regular ou competitiva.
Realiza atendimentos individuais e grupais, empregando técnicas
adequadas a situação, promovendo sempre o bem-estar e qualidade de vida dos
indivíduos envolvidos.

43
Figura 3.4: Psicologia esportiva
Fonte: © Freepik

3.1.6 Psicologia Clínica

O trabalho do psicólogo clínico acontece principalmente no consultório e


visa reduzir o sofrimento das pessoas. Cada psicólogo clínico escolhe sua
abordagem teórica (algumas foram trabalhadas na última aula) e escuta seu
paciente de acordo com a esta metodologia. Pode ser realizado individualmente
ou grupalmente, em níveis diagnósticos, preventivos e “curativos”.
Sua atuação busca promover mudanças e transformações na vida de
sujeitos, grupos e organizações. Entre os principais instrumentos utilizados nesta
área, destacam-se: entrevistas, testes psicológicos formais e informais, técnicas
de avaliação etc. Cabe frisar que algumas abordagens fazem uso somente do
discurso, não utilizando outras técnicas, como testes.
Podem orientar, contribuir para a reflexão em situações delicadas e
desenvolver atendimentos terapêuticos, em modalidades, como: psicoterapia

44
individual, de casal, familiar, psicoterapia lúdica, terapia psicomotora, arte
terapia, orientação de pais etc.

3.1.7 Psicologia Hospitalar

O psicólogo hospitalar atua em hospitais no atendimento de pacientes


internados, familiares e equipe profissional.
Opera em equipes multiprofissionais, identificando e atuando sobre
fatores emocionais relacionados à saúde geral do sujeito. Prepara os pacientes
para a entrada, permanência e saída do hospital. Auxilia inclusive pacientes
terminais e familiares no processo de aceitação do luto e morte, participando nas
decisões relativas a conduta a ser adotada pela equipe.
Utiliza-se da psicoterapia breve e pode atender gestantes, no processo de
gravidez, parto e puerpério, auxiliando nas possíveis dificuldades que esta fase
pode proporcionar. Acompanha programas de pesquisa, treinamento e
desenvolvimento em saúde mental, para garantir qualidade na oferta de saúde
mental. Promove intervenções nas relações médico-paciente, paciente-família,
paciente-paciente, paciente-processo de adoecer. É importante estar atento às
repercussões emocionais que o internamento pode gerar, por isso, o psicólogo
hospitalar desenvolverá diferentes modalidades de intervenção para que atinja
seu objetivo.

Glossário
Puerpério - período que decorre desde o parto até que os órgãos genitais e o
estado geral da mulher voltem às condições anteriores à gestação.

3.1.8 Psicopedagogia

O psicólogo que atua na psicopedagogia investiga e intervém nos


processos de aprendizagem. Este profissional precisa estudar e compreender a
cognição, emoção e motivação do ser humano. Ao receber um paciente, faz um
diagnóstico diferencial, utilizando-se de recursos como testes, jogos e desenhos,
para assim criar uma estratégia de trabalho que permita a exploração de todas
as potencialidades do sujeito.

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Seu objetivo é que o estudante se torne agente ativo no processo de
conhecimento, cada vez mais autônomos e independentes. Dentro da escola,
trabalhará contribuindo para uma visão mais complexa da aprendizagem,
facilitando a integração de todos os estudantes. Sua atuação, quando bem
conduzida, diminui os números de fracasso escolar.

3.1.9 Neuropsicologia

O psicólogo especialista em neuropsicologia trabalha com o diagnóstico,


acompanhamento, tratamento e pesquisa sobre a cognição, personalidade e
comportamento, considerando o funcionamento cerebral.
Utiliza instrumentos de avaliação das funções neuropsicológicas
envolvendo principalmente habilidades de atenção, percepção, linguagem,
raciocínio, abstração, memória, aprendizagem, processamento da informação,
afeto, funções motoras e executivas.
Trabalha juntamente com o psicólogo escolar, para emitir laudos
referentes a aprendizagem. Atua, principalmente, com sujeitos portadores de
transtornos mentais e sequelas cerebrais. Realiza seus estudos em interação
com outras áreas, como a neurociência e a medicina.

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Figura 3.5: Neurociência
Fonte: © Freepik

Além do diagnóstico, a Neuropsicologia visa realizar as intervenções junto


ao paciente, para que este possa melhorar, compensar e adaptar-se às suas
dificuldades, também trabalha junto aos familiares, para que participem do
processo reabilitativo. Além disso, desenvolve materiais e instrumentos (testes,
jogos, livros e programas de computador) que auxiliem na avaliação e
reabilitação dos pacientes.

3.1.10 Psicologia Social

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O psicólogo social busca compreender a subjetividade presente nos
fenômenos sociais e coletivo, sob diferentes enfoques teóricos e metodológicos,
para assim, propor ações no âmbito social. Desenvolve atividades focadas na
saúde, educação, trabalho, lazer, meio ambiente, comunicação social,
assistência social e justiça, para comunidades e grupos étnico-raciais, religiosos,
com diferentes orientações sexuais e segmentos socioculturais.

3.2 A ética na psicologia

Para Marilena Chauí (1995) ética pode ser compreendido como filosofia
moral, isto é, ética é uma reflexão que discute, problematiza e interpreta o
significado dos valores morais, enquanto que moral consiste em valores
concernente ao bem e mal, permitido e proibido. Moral refere-se às normas e
regras societárias e tem por interesse regular a vida dos sujeitos.
Podemos dizer que ter ética é possuir uma visão crítica da moral, ou seja,
repensar seus atos e costumes e assumir posição ativa, pois sua ação não está
pautada na vontade do outro ou daquilo que a sociedade considera moralmente
certo ou errado. O sujeito ético avalia, problematiza e debate sobre suas ações.
Como a ética pode ser então vista a partir do ponto de vista da psicologia?
Tomando emprestado o conceito de ética da psicanálise – que é diferente da
filosofia e psicologia –, podemos dizer que ética é seguir o desejo, ou seja, sou
ético comigo mesmo quando compreendo o meu desejo e o persigo e sou ética
no trabalho com outra pessoa quando o permito seguir o próprio desejo,
independentemente deste desejo ser parecido com o meu ou não.
Nesse sentido, ser ético é permitir que o outro seja exatamente o que
almeja ser, mesmo que isso vá contra minhas crenças e posicionamentos
pessoais. Se cada um experienciou sua vida de maneira singular, é natural que
não haja homogeneização do pensamento e desejo. Muitas vezes, nos vemos
compelidos a impor nosso ponto de vista, por este nos parecer tão adequado.
Dessa forma, é possível dizer que, dentro da Psicologia, ser ético é olhar
e, principalmente, escutar quem quer que seja, sem julgamentos.
Para além disso, é também transmitir para o paciente a confiança de que
aquilo que é tratado entre duas pessoas, permanece nesta relação, salvo em

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casos em que haja risco de vida. Perceba que ética transcende a moral, pois vai
além do que é socialmente aceito.
Este aspecto ético precisa também ser pensado no ramo da psicologia da
educação, por psicólogos e educadores. É preciso enxergar nossos estudantes
como sujeitos afetados pelo meio e que, muitas vezes, precisam de um ambiente
seguro e livre de julgamentos para poder se desenvolver.

Nesta aula, foi possível conhecer algumas das principais áreas de


atuação da psicologia e como estas áreas se correlacionam com outros campos
de conhecimento. Também foi demarcada a diferença entre ética a moral,
apontando para a importância da ética no trabalho do professor e do psicólogo
em relação ao estudante e ao processo de aprendizagem.

Atividades de Aprendizagem

1. O psicólogo organizacional deverá sempre prezar pela saúde do trabalhador


e realizar ações neste sentido. Com relação à psicologia organizacional,
responda: que tipo de atividade o psicólogo poderá desenvolver nesta área?

2. O psicólogo do esporte poderá trabalhar com atletas de alto rendimento ou


outros indivíduos que possuam relação com o esporte. Desenvolverá também
pesquisa de padrões de comportamento de crianças, jovens e adultos no
esporte. Em que sentido um atleta de alto rendimento poderá se beneficiar do
trabalho deste profissional?

Aula 4 – Processos básicos do comportamento

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Olá estudante! Nesta aula, você compreenderá os mecanismos que estimulam
o comportamento e como podem provocar reações boas ou ruins nos seres
humanos. Vamos lá?!

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Figura 4.1: Reações
Fonte: © Freepik
https://br.freepik.com/fotos-gratis/mulher-3d-com-dor-na-
cabeca_1270692.htm#term=cerebro&page=11&position=38

Quando um indivíduo adoece, adoece em totalidade, ou seja, se adoeço


fisicamente isto impactará de alguma forma minha saúde mental, por exemplo.
Portanto, é preciso pensar nos processos básicos do comportamento e em como
estes processos poderão afetar a aprendizagem e a vida do sujeito. Assim, como
o corpo pode afetar a mente, a dificuldade em um processo mental pode induzir
a outra dificuldade, como por exemplo: se tenho dificuldades de atenção, isto
poderá afetar o mecanismo da memória e assim por diante. Você conhecerá
agora alguns destes processos e suas alterações.

4.1 Sensopercepção

Sensação é o fenômeno gerado por estímulos físicos, químicos e


biológicos variados, produzindo alterações nos órgãos receptores, estimulando-

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os. O ambiente oferece informações sensoriais o tempo todo, fazendo com que
o organismo as capte e se autorregule, organizando ações voltadas a
sobrevivência ao meio e interação social.
Percepção entende-se pela tomada de consciência do estímulo sensorial,
portanto, diz respeito à dimensão psicológica do processo, pois se trata da
transformação de estímulos sensoriais em fenômenos perceptivos conscientes.
Portanto, a sensação é considerada um fenômeno passivo, já a
percepção é ativo. Vale apontar, que a percepção é grandemente influenciada
pelo ambiente. Utilizando o exemplo de Dalgalarrondo (2008) é possível dizer
que existe a percepção de uma mesa, a partir da sensação visual de quatro
troncos e uma madeira por cima, só é possível para aqueles sujeitos inseridos
em uma cultura em que se fabricam mesas e lhe dão tal significado. Fora deste
contexto, este objeto não tem caráter perceptual de mesa. Gostaria de ressaltar
que esta diferença vale tanto para conceitos materiais como abstratos.
Lacan, dentro do contexto psicanalítico, utilizou-se do estudo da
linguística para tratar de significantes e significados. O significado tem caráter
geral, enquanto que o significante é altamente mutável. Ou seja, a palavra
“algodão-doce” pode ser compreendida como um doce feito exclusivamente de
açúcar, este é seu significado. Mas, “algodão-doce” pode ser um significante que
me remeta uma situação desagradável para uma pessoa como, por exemplo, o
dia em que uma pessoa comeu algodão doce e passou mal, no entanto, para
outra, pode remeter a uma situação agradável, como por exemplo, algum
momento feliz de sua infância em que comia algodão-doce. Desta forma, apesar
de apresentar um significado comum, “algodão-doce” apresenta um diferente
significante para cada pessoa, dependendo de sua experiência. Piaget também
fez uso do conceito de significante em sua teoria.
Para complementar, imaginação é a atividade psíquica, geralmente
voluntária, que evoca imagens percebidas no passado (mnêmicas) ou cria novas
imagens. As alterações da sensopercepção podem ser quantitativas ou
qualitativas.

4.1.1 Alterações quantitativas: percepções e sensações

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As imagens perceptivas têm intensidade anormal:

a) Hiperestesia: percepções com intensidade aumentada (comum no uso de


substâncias tóxicas).
b) Hiperpatia: sensação desagradável produzida após leve estímulo da pele.
c) Hipoestesia: cores parecem mais pálidas, alimentos sem sabor, odores
perdem intensidade (comum em casos depressivos).
d) Anestesias táteis: perda de sensação tátil em determinada área da pele.
e) Analgesias: perda de sensações dolorosas em determinadas áreas da pele
ou partes do corpo.
f) Parestesias: sensações táteis desagradáveis subjetivas, como
adormecimentos, picadas, agulhadas etc. Ao contrário das distesias, as
parestesias são espontâneas, ou seja, não são desencadeadas a partir de
estímulos externos.
g) Distesias: sensações desagradáveis anômalas desencadeadas por
estímulos externos (assemelha-se a hiperpatia).

4.1.2 Alterações qualitativas: ilusão, alucinação e alucinose

a) Ilusão: percepção deformada de um objeto real e presente. Podem ser visuais


e auditivas.
b) Alucinação: percepção de um objeto, sem que ele esteja presente. Pode ser
auditiva, visual, tátil ou olfativa.
c) Alucinose: quando o indivíduo percebe a alucinação como estranha a sua
pessoa. Ele não crê em sua alucinação.

4.2 Atenção

Atenção pode ser definida como a direção da consciência. É o estado de


concentração da atividade mental em determinado objeto.
A atenção se refere ao conjunto de processos psicológicos que torna o
ser humano capaz de selecionar, filtrar e organizar certas informações. As
alterações que podem ser observadas, são:
 Aprosexia: Abolição da capacidade de atenção.

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 Hipoprosexia: Diminuição global da atenção, acompanhada de diminuição na
concentração, compreensão e percepção e aumento na fadiga.
 Hiperprosexia: Atenção exacerbada, em que o indivíduo se detém em alguns
objetos.
 Distração: É um sinal e não um déficit. Superconcentração em algo e inibição
de todo o resto.
 Distraibilidade: O contrário da distração, é um estado patológico em que há
dificuldade para deter-se em qualquer coisa que envolva esforço produtivo.

Os transtornos que mais provocam alterações de consciência são:


 Transtornos de humor (depressão, bipolaridade): Quando em mania, há
aumento da atenção espontânea e diminuição da atenção voluntária. Quando
em depressão há a diminuição geral da atenção.
 Esquizofrenia: Caracterizada pela dificuldade de atenção constante, além da
dificuldade em anular os estímulos visuais e auditivos externos.
 Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH): Dificuldade em filtrar
estímulos irrelevantes (distraibilidade)
 Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC): Atenção aumentada e excesso de
vigilância.

4.3 Memória

Memória é a capacidade de registrar, manter e evocar fatos e


experiências já ocorridos. Segundo Ivan Izquerdo: somos aquilo que recordamos
ou que, de um modo ou outro, resolvemos esquecer. A memória relaciona-se
intimamente com a consciência, atenção e interesse afetivo. As alterações de
memória podem ser quantitativas ou qualitativas.

4.3.1 Alterações quantitativas: hipermnésias e amnésia

a) Hipermnésias: as representações afluem rapidamente, mas perdem a


precisão.

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b) Amnésia: perda de memória, seja da capacidade de fixar ou da capacidade
de manter e evocar conteúdos. Pode ser psicogênica (perda de elementos
focais com valor psicológico especifico) ou orgânica (não é seletiva).
c) Amnésia anterógrada: o sujeito não consegue mais fixar elementos
mnêmicos a partir do evento que lhe causou dano cerebral.
d) Amnésia retrógrada: o indivíduo não consegue lembrar fatos ocorridos antes
do trauma.

4.3.2 Alterações qualitativas: lembrança deformada

a) Ilusões mnêmicas: acréscimo de elementos falsos a um núcleo verdadeiro de


memória.
b) Alucinações mnêmicas: criações imaginativas que se apresentam como
lembranças.
c) Fabulações: invenções que preenchem vazios na memória. O indivíduo não
é capaz de perceber que são falsas memórias.

4.4 Pensamento

É a percepção que fornece substrato para o processo de pensar, por meio


das imagens perceptivas e representações, mas, primeiramente, é importante
diferenciar os elementos constitutivos do pensamento (conceito, juízo,
raciocínio) dos processos de pensar (curso, forma e conteúdo).

Eu sou, eu existo; isso é certo; mas por quanto tempo? A saber, por todo o
tempo em que eu penso; pois poderia ocorrer que, se eu deixasse de pensar,
eu deixaria ao mesmo tempo de ser e de existir. Agora eu nada admito que não
seja necessariamente verdadeiro: portanto, eu não sou, precisamente falando,
senão uma coisa que pensa. René Descartes (1596–1650)

Os conceitos são formados a partir de representações, mas não contem


resquícios da sensorialidade, ou seja, não é possível contemplar ou imaginar um
conceito, pois estes são somente intelectivos e cognitivos, já que são formados

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por caracteres gerais dos objetos e fenômenos. Por sua vez, juízo seria o
processo de relação entre dois os mais conceitos.

Figura 4.2: Pensamento


Fonte: © Freepik

Dalgalorrondo (2008) exemplifica: ao pegar os dois conceitos “cadeira” e


“utilidade”, posso afirmar o juízo “a cadeira é útil”. Geralmente, os conceitos se
expressam por uma palavra e os juízos por frases ou proposições. O terceiro
elemento constitutivo do pensamento, o raciocínio, pode ser descrito como a
função que relaciona juízos. Raciocínio é a ligação entre conceitos, as
sequências de juízos e o encadeamento de conhecimentos.

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Quanto aos processos do pensar, podemos dizer que o curso é o ritmo e
a velocidade que o pensamento flui. A forma é sua estrutura básica, preenchida
pelos conteúdos e interesses do indivíduo. Já o conteúdo, pode ser definido
como aquilo que dá substancia ao pensamento, como os temas predominantes
e assunto em si. As principais alterações dos elementos constitutivos do
pensamento dividem-se da seguinte maneira:

a) Alterações dos conceitos:


 Desintegração de conceitos: ocorre principalmente na esquizofrenia e nas
síndromes demenciais. É quando há perda do sentido original em
determinada palavra. O conceito passa a ter sentido pessoal e idiossincrático.
 Condensação dos conceitos: quando duas ou mais palavras se condensam,
gerando duas ou mais ideias em um único conceito.
b) Alterações do juízo:
 Juízo deficiente ou prejudicado: tipo de juízo falso estabelecido pela
deficiência intelectual ou pobreza cognitiva. O juízo se torna simplista e sem
lógica.
 Juízo de realidade ou delírio: quando todo o juízo de realidade do sujeito sofre
deturpação.
c) Alterações do raciocínio:
 Pensamento mágico: o pensamento mágico refere-se aos desígnios do
desejo e fantasias que tomam conta da racionalidade do sujeito. Comumente
encontrado em crianças, mas pode ser observado também em quadros
esquizotípicos, histriônicos etc.
 Pensamento dereístico: parecido com o pensamento mágico, o indivíduo
distorce a lógica e realidade para que o pensamento se adapte aos seus
anseios.
 Pensamento concreto: o pensamento ocorre ao nível sensorial das
experiências e o indivíduo não é capaz de compreender, por exemplo,
metáforas.
 Pensamento inibido: ocorre a inibição do raciocínio, com diminuição da
velocidade e número de conceitos e juízos. Comum em quadros demenciais
e depressivos.

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 Pensamento prolixo: o sujeito se estende, dando voltas ao redor do tema, e
mescla o essencial com o supérfluo de forma imprecisa. Apresenta-se
principalmente, em quadros obsessivos-compulsivos.
 Pensamento deficitário: é pobre e rudimentar, não separa o essencial do
supérfluo ou a causa do efeito. Os conceitos apresentam pouca flexibilidade.
 Pensamento confusional: pensamento incoerente, advindo de alterações de
consciência. Dificuldade em estabelecer vínculos entre conceitos e juízos.
 Pensamento obsessivo: ideias com conteúdos absurdos se impõem a
consciência de modo persistente e incontrolável. Existe uma luta constante
entre ideias obsessivas.

Mídias integradas
Estudamos as alterações nos elementos constitutivos do pensamento,
mas outras alterações podem acontecer no processo de pensar. Caso tenha
interesse, sugiro a leitura do livro “Psicopatologia e semiologia dos transtornos
mentais” de Paulo Dalgalarrondo, 2008.

4.5 Linguagem

A linguagem é o principal instrumento de comunicação dos seres


humanos, por ser fundamental na elaboração e expressão do pensamento. Ela
é uma criação social de cada um e de todos os grupos humanos. As alterações
de linguagem são:

a) Afasia: é a perda da linguagem, falada e escrita, pela incapacidade de


compreender os símbolos verbais. É sempre a perda de algo que antes fora
adquirido e se deve as lesões no sistema nervoso central, portanto, é um
distúrbio orgânico. Os principais tipos de afasia são:
 Afasia de expressão ou de Broca: o indivíduo tem o órgão fonador
preservado, mas não consegue falar ou fala com dificuldade. A compreensão
está relativamente preservada e as lesões são, geralmente, de origem
vascular.

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 Afasia de compreensão ou de Wernicke: o indivíduo continua falando, mas
de forma defeituosa e por vezes, incompreensível. Ocorre por lesões das
áreas temporais esquerdas e a compreensão está dificultada.
 Afasia global: é grave e acompanhada de hemiparesia direita, mas acentuada
no braço.

Figura 4.3: Conversação


Fonte: © Freepik

Existem ainda outros tipos de afasias: transcortical sensorial, talâmica, de


condução, anômica, transcortical motora e transcortical mista.

 Parafasias: são deformação de determinadas palavras, que aparecem de


forma mais discretas de déficits de linguagem. Por exemplo, trocar livro por
“ibro”. Ocorrem, algumas vezes, no início de síndromes demenciais.
 Agrafia: perda, por lesão orgânica, da linguagem escrita, sem que haja perda
cognitiva ou motora. Pode ocorrer associada, ou não, às afasias.
 Alexia: perda, por origem neurológica, da capacidade já previamente
adquirida de leitura. Associa-se às afasias e às agrafias.

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 Disartria: Incapacidade de articular corretamente as palavras devido a
alterações neuronais. Há dificuldade na articulação das consoantes verbais
e dentais. Ocorrem em patologias neuronais psiquiátricas e neurológicas.
 Disfonia e disfemia: a disfonia é a alteração da fala produzida pela mudança
no som das palavras, enquanto que a afonia é uma forma acentuada da
disfonia, na qual o indivíduo não emite nenhum som ou palavra. Esta
alteração ocorre por conta de disfunção do aparelho fonador ou por um
defeito de respiração durante a fala. Já a disfemia é a alteração da
linguagem falada sem qualquer lesão orgânica, mas sim determinada por
fatores psicogênicos, este quadro costuma estar associado a estados
emocionais intensos e quadros histéricos conversivos. Um tipo muito
frequente da disfemia é a gagueira, que é a dificuldade de pronunciar certas
silabas no começo ou ao longo de uma frase que possui repetição ou
intercalação de fonemas ou somente trepidação na elocução. Outro tipo
comum de gagueira é quando o paciente não consegue pronunciar
determinada palavra, mostrando esforço e acabando por dizê-la de forma
expulsiva e rápida. A gagueira pode ocorrer mediante defeitos mecânicos na
fonação (como respiração viciosa) e também fatores emocionais.

Figura 4.4: Alterações da fala


Fonte: © Freepik

 Dislalia: deformação, omissão ou substituição de fonemas. As dislalias


orgânicas resultam de defeitos na língua, dos lábios, da abóbada palatina ou
outros componentes do aparelho fonador. As dislalias funcionais não

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possuem alterações orgânicas e tem origem psicogênicas, devido a conflitos
interpessoais ou imitações.
 Logorreia: na logorreia existe a produção aumentada e acelerada da
linguagem verbal, que é chamada de taquifasia e pode acompanhar perda
da lógica do discurso. Já a loquacidade é o aumento da fluência verbal sem
qualquer prejuízo da lógica no discurso.
 Bradifasia: fala lenta e difícil. Se opõe a taquifasia. Nestes casos, o paciente
fala de maneira vagarosa e em geral, associa-se com quadros depressivos,
demências e esquizofrenia.
 Mutismo: ausência de resposta oral do paciente, quando o paciente
apresenta possibilidade de fazê-lo. Os fatores que o desencadeiam são muito
variáveis, podendo ser de natureza neurobiológica, psicótica ou psicológica.
Geralmente, é uma forma de se opor as solicitações do ambiente. Este
quadro é muito observado em quadros esquizofrênicos, depressões graves
e vários tipos de estupor. É frequente em crianças, o mutismo seletivo,
forma de origem psicológica do mutismo ocasionada por conflitos
interpessoais, dificuldades de relacionamento, frustrações, medos,
ansiedade etc.

Glossário
Estupor - Estado mórbido em que o doente, imóvel, não reage a estímulos
externos, nem a perguntas. Qualquer paralisia repentina.

 Estereotipia verbal: repetição de palavras e frases de modo estereotipado,


mecânico e sem muito sentido. Geralmente tem lesão orgânica das áreas
cerebrais pré-frontais.
 Ecolalia: repetição da última, ou das últimas palavra que o interlocutor falou.
Ocorre de forma automática e involuntária. Esta alteração é encontrada
principalmente na esquizofrenia e em quadros psico-orgânicos.
 Palilalia: parecida com a ecolalia, a palilalia é a repetição das últimas palavras
que o próprio sujeito emitiu. Também acontece de forma involuntária e está
presente em quadros demênciais.
 Logoclonia: repetição das últimas silabas da frase que o próprio sujeito emitiu.
Assim como a palilalia, ocorre principalmente em quadros demenciais.

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 Tiques verbais: são produções de fonemas ou palavras de forma recorrente
e imprópria. No tique verbal o paciente pode produzir sons guturais e
abruptos desagradáveis, mas impossíveis de serem contidos.
 Cropolalia: emissão involuntária e repetitiva de palavras obscenas, vulgares
e relativas a excrementos. Junto com os tiques verbais, a cropolalia é muito
característica do Transtorno de Tourette.

Saiba mais
Para saber mais sobre o Transtorno de Tourette, acesse o site:
https://drauziovarella.com.br/crianca-2/sindrome-de-tourette-2/.

 Verbigeração: repetição de palavras ou frases de forma monótona e sem


sentido aparente. A mussitação é um fenômeno muito próximo a
verbigeração e se apresenta como uma repetição de palavras em um tom
muito baixo e murmurado, é como se o paciente falasse “para si mesmo”
apenas mexendo discretamente os lábios. A mussitação e verbigeração são
frequentemente encontradas na esquizofrenia.
 Glossolalia: Fala gultural, pouco compreensível. Está muito associada a
estados de êxtase em algumas religiões.

Nesta aula, pudemos compreender os seguintes processos básicos do


comportamento: atenção, memória, sensopercepção, linguagem e pensamento.
Além de compreender como cada um destes processos se dá, foi possível
compreender também suas respectivas alterações.

Atividades de Aprendizagem

1. As alterações mais comuns de comportamento que afetam o desenvolvimento


escolar são as alterações de linguagem. Cite ao menos três alterações comuns
e explique o impacto que elas causam na aprendizagem.

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2. Atenção é a direção que se dá para a consciência e se refere ao conjunto de
processos psicológicos que torna o ser humano capaz de selecionar, filtrar e
organizar certas informações. Sobre as alterações de atenção, diferencie
distração de distraibilidade.

63
Aula 5 – Aprendizagem humana

Nesta aula, estudaremos mais sobre o processo de aprendizagem humana,


focando nas teorias de importantes referências da área, como: Vygotsky, Freinet
e Bandura. Ao final, falaremos brevemente sobre as dificuldades de
aprendizagem.

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Figura 5.1: Aprendizagem humana
Fonte: © Freepik

As dificuldades de aprendizagem que alguns encontram se apresentam


como obstáculos a serem superados pelos profissionais da educação.
Precisamos estar capacitados para ensinar e compreender as singularidades no
processo de educação.

5.1 A aprendizagem para Vygotsky

A teoria de Vygostky considera largamente a construção de condições


para que os estudantes se tornem sujeitos que pensem e atuem por si mesmo,
espera-se que sejam indivíduos livres de manipulações e que tenham a
capacidade de examinar e pensar criticamente as ideias que lhe são
compartilhadas e, a realidade da qual partilham, para isso, é importante estimulá-
los a operar com ideias, analisar fatos e discuti-los, para que na troca de diálogo,
cada um possa construir seu ponto de regulação para pensar de forma
comprometida com as práticas sociais, sempre realizando o exame da realidade.
Atualmente, tem sido recolocada a discussão sobre as funções críticas e
libertadoras da educação. Os entraves impostos na burocracia das redes
públicas pelos regimes militares motivaram muitas discussões e o professor tem
sido obrigado a rever sua prática e avaliar seus resultados com os estudantes.
A psicologia sócia histórica tem a concepção de que todo ser humano se
constitui como ser humano pelas relações que estabelece com os outros. Desde
que nascemos somos socialmente dependentes de outras pessoas e entramos

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em um processo histórico que, ao mesmo tempo, nos oferece dados e visões
sobre o mundo e nos permite criar uma visão pessoal sobre este mundo. Cada
um está inserido, desde seu nascimento, em um tempo e um espaço em
constante movimento, nossa história de vida caminha processando uma outra
história integrada com tantas outras que se cruzam.
Construímos nossa história com a participação dos outros e da
apropriação do patrimônio cultural da humanidade. A constituição do ser humano
passa então pela vivência com os outros e vai se consolidando na formação de
cada um. Tanto a criança quanto o adulto trazem em si marcas de sua história,
marcadas pelos aspectos pessoais que passaram por processos de
transformação e trazem também marcas da história acumulada por grupos
sociais com quem partilham o mundo.
Vygotsky tem uma visão do desenvolvimento humano baseada na ideia
de um organismo ativo cujo pensamento é constituído em um ambiente histórico
e cultural. Para ele a criança vai então, reconstruindo internamente resultados
de seus processos interativos. Essa reconstrução é baseada em uma dupla
estimulação: a interpsicológica, ou seja, tudo que está no sujeito existe antes no
social e quando é apreendido e modificado no sujeito, passa a existir então no
plano intrapsicológico, ou seja, internamento no indivíduo. A medida que a
criança vai aprendendo ela vai se modificando.
A criança só irá ampliar sua compreensão de um conceito quando
aprender no social e depois internalizá-lo, pois somente assim será apta a pensar
sobre ele. As possibilidades que o ambiente proporciona ao sujeito são, portanto,
fundamentais para que ele se constitua enquanto indivíduo consciente, capaz de
alterar as circunstâncias em que vive. O acesso a instrumentos físicos e
simbólicos para a aprendizagem da criança é fundamental.
O tempo vai permitindo as interações com parceiros mais experientes que
orientam o desenvolvimento do pensamento e do comportamento da criança. A
linguagem constitui papel fundamental neste processo de transformações que
permite a passagem das funções elementares para as superiores.
É a linguagem do ambiente que permite a criança a perceber o real em
determinado tempo e espaço, que aponta o modo pelo qual a criança apreende
as circunstâncias em que vive, cumprindo dupla função: permite a comunicação
e organiza a conduta, além de expressar o pensamento e ressaltar a importância

66
reguladora dos fatores culturais presentes nas relações culturais. Portanto, o
confronto da percepção da criança com a de seus parceiros de ambiente se
mostra imprescindível para a apropriação de significados, que depois poderão
se transformar em sentidos.
Significado e sentido tem uma importante distinção nesta teoria.
Significado é algo convencionalmente estabelecido pelo social, enquanto que
sentido é a interpretação que o sujeito histórico dá a algo.
A troca entre os parceiros em sala de aula permite esta negociação entre
os sentidos. É nas interações que o conceito científico passa a ser discutido em
um processo descendente e, os conceitos cotidianos passam a ser enriquecidos
e tomam caminho ascendente, já que são ampliados pelo conhecimento
científico.
A fala é uma das formas pelas quais os significados sociais são
compreendidos e está permeada por expressões afetivas que se tornam também
alvo das interações: preferências, antagonismos, simpatias, antipatias,
concordância etc., a ação e a fala se unem na coordenação de várias
habilidades, entre elas o pensamento discursivo. Assim, os sentidos adquiridos
permitem ao sujeito articulações internas que requerem negociações para
alcançar significados.
Adultos e crianças podem conferir às palavras significados e sentidos
diferentes, então, quando um adulto interage com uma criança estimula a
expansão de conhecimentos e a elaboração de sentidos particularizados dela.
Dessa forma, o ser humano continua em constante transformação, pois a
internalização não é uma adoção passiva do conhecimento apresentado à
criança e sim, uma reconstrução mental do funcionamento interpsicológico, a
internalização é uma aquisição social.
Para Vygotsky é importante que as classes não sejam socialmente
homogêneas, pois assim seria reproduzido um domínio social e esta seria a
visão de mundo dos estudantes. Também não é aceita a ideia de classe
organizada de forma que somente o professor fala e os estudantes escutem e
anotem no caderno. Vygotsky propõe uma sala de aula em que todos têm a
possibilidade de falar, levantar hipóteses, estabelecer um processo dinâmico e
um vínculo de parceria.

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Cabe aos professores a importante tarefa de promover a articulação dos
conceitos espontâneos e dos conceitos científicos. Ele deve instruir, explicar,
informar, questionar e corrigir o estudante, explicitando seus conceitos
espontâneos. Para o sóciointeracionismo, o desenvolvimento se dá para além
da soma de experiências, pois também é encontrado na vivência das diferenças.
O estudante aprende concordando, imitando, fazendo oposição e analogias e
internalizando símbolos e significados.

5.2 Aprendizagem para Freinet

O modelo proposto por Freinet, considerava importante a necessidade de


uma revolução social e baseou-se em três ideias principais: o trabalho, o
desenvolvimento máximo de potencialidades e a coletividade. Para o autor, o
trabalho é central na vida do ser humano e por isso, é motivador da
aprendizagem. Para ele a situação de trabalho concreta promove o desejo de
conhecimento e por isso, propõe a adoção do trabalho-jogo, que visa adotar um
trabalho real, excluindo atividades superficiais de diversão.
O trabalho-jogo tem objetivo de fornecer importância à vida e de continua-
la e, por isso, o educador deve propor atividades que possuam: objetivo visível,
avanço facilmente mensurável, capacidade de autonomia na realização, alguma
porcentagem de exigência adulta, aprovação do outro e satisfação pessoal.
Outra estratégia adotada por ele é a do tateamento experimental, que
se trata da aptidão por manipular, observar, emitir, relacionar e verificar
hipóteses, tornando o sujeito capaz de compreender informações cada vez mais
complexas. Aqui, o papel do professor é potencializar estas experiências, não
interferindo além do necessário e preservando o ritmo de cada um.
Outro aspecto importante é a coletividade, pois é por meio da inserção no
meio social que o indivíduo encontra sua identidade. Desenvolveu diversas
regras baseadas na responsabilidade, cooperação, socialização, autonomia,
criatividade, comunicação, afetividade, expressão e reflexão.
Desenvolveu atividades de imprensa escolar, correspondência
interescolar, ficheiros escolares (que geravam bibliotecas do trabalho) etc.

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Figura 5.2: Convívio social
Fonte: © Freepik

Seu modelo de aprendizagem envolvia um plano de trabalho, onde os


estudantes poderiam escolher as estratégias de desenvolvimento das atividades
e a forma de apresentação semanal do trabalho a ser realizado. Outra proposta
era a de reuniões coordenadas por estudantes, onde atividades podem ser
propostas, avaliadas e problemas são resolvidos. Cabe aos professores,
reforçarem a potencialidade do estudante e ajudarem ele a superar suas
barreiras.
Freinet pregava o cultivo da livre-expressão e do respeito, valorizando
qualidades individuais e, ao mesmo tempo, o trabalho em grupo. O indivíduo
interage com o meio e isto aumenta o sentimento de potência. Ao longo do
caminho, algumas barreiras devem ser ultrapassadas e auxiliarão no
desenvolvimento do sujeito.

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5.3 Aprendizagem para Bandura

Albert Bandura é um psicólogo social canadense. Sua teoria da


aprendizagem social é baseada no fato de que todo ser humano é constituído
por elementos do meio social em que faz parte: sua família, sua escola e sua
comunidade são grupos sociais em que o sujeito é inserido em certa fase do
desenvolvimento e que contribuem para o processo de aprendizagem.

Figura 5.3: Aprendizado e o meio social


Fonte: © Freepik
Link: http://br.freepik.com/fotos-gratis/linha-instituto-de-ensino-fundamental-balao-
menina_1073958.htm#term=childrens blacks&page=7&position=7

Esta teoria adota a perspectiva de agência para a adaptação, mudança e


autodesenvolvimento. Ser um agente significa influenciar seu próprio
funcionamento e a vida a partir de um modo intencional, sendo assim, as
pessoas são auto organizadas, proativas, autorreguladas e auto reflexivas. Para
Bandura, o ser humano não é totalmente influenciado pelo meio, pois suas
reações e estímulos são auto ativadas, portanto o ser humano não é
determinado pelas ações ambientais e sim influente entre elas. Ao contrário do
behaviorismo, a aprendizagem social acredita que o comportamento não precisa
ser reforçado para ser aprendido, pois o ser humano adquire experiências
observando as consequências dentro de seu ambiente e as vivências de outras
pessoas ao seu redor.

70
As principais pesquisas do autor se referiam a aprendizagem e
comportamento agressivo e, seus estudos concluíram que crianças que são
expostas a situações de agressividade exibem respostas imitativas agressivas,
isto demonstra a importância dos modelos reais e simbólicos.
Nesta teoria é enfatizada a importância de processos vicários, simbólicos e
auto regulatórios. A aprendizagem é resultado de experiências diretas que
podem ocorrer em uma base vicariante, ou seja, por meio da observação dos
comportamentos e experiências de outras pessoas e suas consequências. Por
exemplo, um estudante poderá aprender determinado esporte imitando os
gestos e passos do professor, portanto aqui fica clara a importância da figura do
educador, pois estes são agentes sociais na construção tanto da aprendizagem
quanto do sujeito, vistos que são modelos de cognição para os estudantes.
Glossário
Vicariante - relativo a ou que apresenta vicariância.
"espécies v.", 2 medicina - que assume a função de outro órgão (diz-se de
órgão).

A teoria reconhece a importância do pensamento no processo de controle


de comportamentos. O pensamento é um instrumento adaptativo que aumenta
a capacidade do indivíduo de enfrentar o ambiente de maneira eficaz, por
permitir a representação e manipulação simbólica dos acontecimentos e suas
inter-relações, representações que decorrem da abstração de propriedades
comuns nos fatos e objetos.
Para Bandura, a observação e modelagem de comportamentos, atitudes e
respostas emocionais é muito importante. Modelagem é a mudança no
comportamento/sentimento/pensamento por meio da observação do modelo de
outra pessoa. Por exemplo, ao ver alguém obtendo sucesso ao executar
determinado comportamento ou atitude, a pessoa tende a executar esse
comportamento também. Uma criança que observa outra fazendo birra e
conquistando o que desejava, terá maior chance de desenvolver o
comportamento de birra também.
O autor acredita que o aprendizado seria muito trabalhoso se as pessoas
dependessem somente dos efeitos de suas próprias ações para se informar
sobre como agir, mas por sorte, a maior parte do comportamento humano é
aprendido por meio da modelagem, ou seja, pela observação ativa do

71
comportamento emitido pelos outros. A pessoa observa, depois forma uma ideia
de como novos comportamentos são executados e, em ocasiões posteriores,
esta informação codificada serve como um guia para a ação.

Atenção!
O conceito de modelagem de Bandura difere do conceito de modelagem do
Behaviorismo, a teoria de Skinner.

A aprendizagem ativa é aprender experimentando e a aprendizagem


indireta é aprender observando os outros. A aprendizagem indireta acontece por
meio de um reforço indireto (recompensa ou punição), a expectativa de ser
reforçado e a identificação com o modelo de admiração. Por trás desta
aprendizagem estão: a atenção, retenção, reprodução e motivação.
Outros conceitos importantes da teoria de aprendizagem social são:
a) auto eficácia – senso do indivíduo de ser capaz de lidar com uma tarefa;

b) Modificação cognitiva do comportamento – procedimentos utilizados


para alterar seu próprio comportamento, utilizando autoinstrução e fala
provada;

c) Autoinstrução – falar consigo mesmo ao executar determinada tarefa.

5.4 Aprendizagem para Rogers

Rogers é um dos autores da fenomenologia. A fenomenologia é um


estudo que pretende entender como o indivíduo percebe determinado fenômeno
e se este integra a consciência do indivíduo e a realidade, está interessada em
saber como o indivíduo se percebe. Para ele A única coisa que se aprende e
realmente faz diferença no comportamento da pessoa que aprende é a
descoberta de si mesma.

O ser humano procura a compreensão da realidade, por meio de sua


memória, raciocínio lógico, imaginação, intuição, emoção e criatividade. Quando
um novo desafio lhe é imposto, a ignorância o torna inseguro e ele, muitas vezes,
enxerga o desafio como ameaça. A forma de encarar a aprendizagem tem de
ser subjetiva, mas a ciência que construímos nos últimos anos é extremamente

72
objetiva e além de pretender explicar os fenômenos, acha-se capaz de controlá-
los.
Mesmo em toda a sua variabilidade existe uma pretensão em dominar o
funcionamento humano e é por isso que Rogers e os fenomenologistas se
mostravam resistentes a teoria de Skinner e outros autores, por acreditar que
estes buscavam certo status na ciência, a fim de construir um conhecimento
mensurável e constante sobre o comportamento humano, neste tipo de
abordagem o pensamento intuitivo é descartado.
Para a fenomenologia, a ciência precisa de construções hipotéticas cada
vez mais próximas da realidade dos fenômenos. Esta abordagem tem uma visão
humanista, ou seja, não compreende o ser humano por uma abordagem
mecanicista, mas como um ser que evolui, que busca construir valores,
realização pessoal e o bem-estar para todos. Os maiores representantes deste
pensamento são Rogers, Maslow e Combs.
Rogers acredita que a educação deve se basear na aprendizagem
significante, ou seja, deve ser baseada nos significados que os estudantes dão
ao conteúdo que é a eles apresentado. A aprendizagem não é meramente uma
tarefa, algo sem sentido deslocado do cotidiano, mas deve estar associada com
questões que sejam concernentes com a vida daquele que aprende. O intuito da
aprendizagem significante é provocar reflexão e mudanças em toda a vida do
sujeito, em suas crenças, valores, mundo afetivo e cognitivo, personalidade e
relações sociais.
Para Rogers, o estudante é o centro e é ele que deve conduzir sua própria
aprendizagem e o papel do professor é responsável por construir um clima
facilitador para seu estudante, preocupando-se em reconhecer suas motivações
e interesses. O professor propõe uma regra, mas em contrapartida escuta a
sugestão dos estudantes e, só depois fecha com eles um “contrato”, assim o
objetivo fica claro e todos são participantes ativos nesta meta. Por meio deste
posicionamento, o professor demonstra empatia e se coloca na posição de quem
também aprende. O professor precisa demonstrar seus sentimentos e aptidões,
seus limites e seus potenciais, ou seja, deve ser coerente consigo mesmo.
A aprendizagem ocorre quando o indivíduo incorpora o conhecimento
como algo seu e este algo permite que a vida do sujeito seja transformada, dando

73
novas dimensões à vida do sujeito. Aprender significa então atribuir significados,
manipular significantes e ser capaz de alterar percepções.
O estudante tenta ser alguém no mundo, dar sentido para a sua
existência, portanto é importante que sua existência esteja aberta para reflexão
e novos desafios, porque, como dito anteriormente, ao não dispor de
conhecimentos necessários para enfrentar um novo desafio, o sujeito pode se
sentir ameaçado por esta força. Mediante isso, se faz necessário que o professor
se questione e faça a si mesmo a seguinte pergunta: quando estou em sala será
que minhas explicações chegam a compreensão da realidade ou são meras
figuras de linguagem que construo para mim mesmo?
Aprender é dar sentido para aquilo que nossa ignorância tem resistência
em revelar. É criar um elo entre objetos, fenômenos, significados e significantes
e para isso é preciso estar com vontade de crescer. A aprendizagem é um
convite para descobrir algo de novo em si, é saber dos próprios limites,
ausências, lacunas e desejos.
Para Rogers, a força motriz dos seres vivos é a tendência a atualização,
que tem como fim a autonomia. O processo constante de atualização gera
abertura a novas experiências, capacidade de viver o aqui e agora, confiança
nos próprios desejos e intuições, disponibilidade para criar e liberdade e
responsabilidade de agir. A melhor qualidade de um professor, na visão de
Rogers, é interferir quanto menos possível no processo de aprendizagem do
estudante, ou seja, usar o método não-diretivo, marca forte dos rogerianos.

5.5 Dificuldades de aprendizagem

74
Figura 5.4: Dificuldade de aprendizagem
Fonte: © Freepik
https://br.freepik.com/fotos-gratis/o-estudante-deprimido-tem-dificuldade-
em-aprender_1231251.htm

Os indivíduos que possuem dificuldades de aprendizagem podem revelar


dificuldades inesperadas em diversos tipos de aprendizagem, como:
 Simbólica ou verbal (aprender a ler, escrever e a contar), de origem,
geralmente, escolar e/ou acadêmica.
 Não simbólica ou não verbal (andar de bicicleta, orientar-se no espaço,
desenhar, pintar, interagir, etc.), de origem, geralmente, psicossocial ou
psicomotora. Extrapolou
As dificuldades de aprendizagem podem criar obstáculos para aprender a
falar, ouvir, ler, escrever, raciocinar, resolver problemas matemáticos, entre
outros e, podem prolongar-se ao longo da vida.
É preciso estar atento em possíveis alterações de aprendizagem daquele
que ensinamos, mas acima de tudo, estar atento ao seu perfil de
aprendizagem, ou seja, quais são suas potencialidades e suas dificuldades e
como isto pode ser trabalhado em sala de aula. O professor deve estar atento

75
sobre como o seu trabalho influencia (ou não) na dificuldade do estudante.
Discutiremos o assunto de forma mais aprofundada na última aula desta matéria.

Para ser capaz de ensinar, é preciso compreender a aprendizagem e como


transmiti-la. Nesta aula, você pode conhecer a visão de Vygotsky, Bandura,
Freinet e Rogers sobre a educação. Em outras aulas, conhecemos como
Skinner, Piaget e Freud pensavam estas mesmas questões. Desta forma, você
pode elaborar sua própria percepção sobre aprendizagem e saber qual a melhor
forma de aplica-la em sala de aula.

Atividades de Aprendizagem

1. “A teoria de Vygostky considera largamente a construção de condições para


que os estudantes se tornem sujeitos que pensem e atuem por si mesmo,
espera-se que sejam indivíduos livres de manipulações e que tenham a
capacidade de examinar e pensar criticamente as ideias que lhe são
compartilhadas e a realidade da qual partilham, para isso é importante estimulá-
los a operar com ideias, analisar fatos e discuti-los, para que na troca de diálogo,
cada um possa construir seu ponto de regulação para pensar de forma
comprometida com as práticas sociais, sempre realizando o exame da
realidade.” De acordo com os estudos relativos a teoria de Vygotsky, faça uma
análise crítica desta teoria e de sua aplicação em sala de aula.

2. “O modelo proposto por Freinet, considerava importante a necessidade de


uma revolução social e baseou-se em três ideias principais: o trabalho, o
desenvolvimento máximo de potencialidades e a coletividade”. De acordo com
os estudos relativos a teoria de Freinet, faça uma análise crítica desta teoria e
de sua aplicação em sala de aula.

76
Aula 6 – Inteligência

https://br.freepik.com/fotos-gratis/pessoas-relaxando-no-tabuleiro-de-xadrez_1385319.htm

Olá! Nesta aula você irá aprender que a inteligência pode ser definida como o
conjunto de habilidades cognitivas do indivíduo. Dentre estas está a capacidade
de identificar problemas e resolvê-los de forma satisfatória. As principais
habilidades do constructo da inteligência, são: raciocínio, planejamento,
pensamento abstrato, resolução de problemas, aprendizagem a partir da
experiência e compreensão de ideias complexas.

77
Figura 6.1: Aprendizagens e exeriências
Fonte: © Freepik

Para Nobre de Melo (1979), o indivíduo é considerado inteligente quando


consegue compreender rapidamente o que se sucede, quanto maior seu campo
de informações, conceitos e juízos adquiridos e utilizados e quanto mais rápido
e adequadamente se adapta a novas situações e ambientes.

6.1 Inteligência para Piaget

Piaget acreditava que a inteligência da criança não é nem somente


herdada ou aprendida. Para ele, as ideias são construções que envolvem
estruturas mentais inatas e desenvolvimento sociocultural e o desenvolvimento
da inteligência ocorre por meio da substituição de esquemas cognitivos prévios
pela aquisição e integração de novos esquemas cognitivos e não pela simples
adição de habilidades cognitivas.
Como já vimos na primeira aula, Piaget descreve quatro estágios do
desenvolvimento. Para ele, cada uma destas fases é formada por estruturas
mentais e comportamentais distintas em quantidade e qualidade. Cada uma
destas fases se desenvolverá progressivamente, uma se sucedendo a outra,
enriquecendo a cognição do indivíduo.
No período sensório-motor (do nascimento até 2 anos de idade), a
imitação funciona como um procedimento fundamental para a aquisição da
cognição. Somente ao final do período sensório-motor é que surgem os “objetos
permanentes”. Piaget acredita que no universo inicial do bebê, os objetos não
são percebidos e somente mais tarde ocorrerá a diferenciação eu-mundo. Neste
78
período a criança está totalmente centrada em si mesma (egocentrismo). No
segundo ano de vida, desenvolverá mais cabalmente a percepção do mundo
externo e os conceitos de “coisas”, “espaço”, “tempo” e “causalidade” estruturam-
se enquanto categorias práticas no dia a dia.

Figura 6.2: Período sensório motor


Fonte: © Freppik

Durante o período pré-operatório (2 a 7 anos de idade) começa o


domínio de símbolos, o desenvolvimento da linguagem e os relacionamentos
interpessoais. Aqui, o brincar passa a ser um dos principais instrumentos do
desenvolvimento cognitivo. O tipo de inteligência neste período é o de “meia-
lógica”, no qual o pensamento lógico trabalha somente em uma direção, sem
reversibilidade.

79
Figura 6.3: Período pré-operatório
Fonte: © Freepik
https://br.freepik.com/fotos-gratis/rapaz-pequeno-que-prende-um-quadro-
negro_1015911.htm#term=criancas&page=4&position=2

No período operatório-concreto (7 a 1 ou 12 anos de idade), a criança


aprende a dominar classes, relações e números e também a raciocinar sobre
eles. É o início do pensamento logico, ou “operações intelectuais concretas”
como chamava Piaget, nesta etapa, a criança age seguindo uma lógica, em
função das implicações e consequências de suas ideias e pensamentos.

80
Figura 6.3: Estágio operatório-concreto
Fonte: © Freepik
https://br.freepik.com/fotos-gratis/grupo-de-criancas-se-divertindo-no-
parque_1233257.htm#term=criancas&page=5&position=42

No quarto e último estágio, operatório-formal (12 anos em diante), o


adolescente desenvolve o pensamento abstrato e se insere no pensamento
cognitivo do “mundo adulto”. Neste momento, o jovem é capaz de analisar seu
pensamento em correlação com o pensamento dos outros.
Cabe lembrar aqui que a inteligência contém um fator genético, mas
componentes ambientais (estímulos psicossociais, nutrição, condições
adequadas de saúde, apoio afetivo, entre outros) é fundamental para que o
indivíduo desenvolva seu potencial cognitivo.

81
Figura 6.4: Estágio operatório-formal
Fonte: © Freepik
https://br.freepik.com/fotos-gratis/garota-em-fones-de-ouvido-tomando-
selfie_2073925.htm#term=criancas&page=6&position=11

A afetividade certamente é primordial. Afetividade é o motor de qualquer


conduta. Mas a afetividade não modifica a estrutura cognitiva. Tomemos duas
crianças em idade escolar, por exemplo, uma que adora matemática, é
interessada e entusiasta e possui todos os demais predicados que você imagine
e, outra que tem sentimentos de inferioridade, que não gosta do professor e
assim por diante. Uma se adiantará muito mais rapidamente do que a outra, mas
para ambas dois e dois fazem quatro no final. Não são três para a que não gosta
de matemática, nem cinco para a que gosta, dois e dois ainda serão quatro.
(Jean Piaget apud Evans, 1980)

6.2 Inteligências múltiplas

82
Até 1960 a definição de inteligência era unifatorial, ou seja, acreditava-se
que havia um fator geral que a explicasse e esta era chamada de “inteligência
geral”. A partir de 1960, passou a ser defendido um modelo de inteligência
multifatorial, defendendo que as inteligências específicas e parciais têm
autonomia e independência entre si e passou-se a estudar inteligências do tipo:
social, intrapessoal, motivacional, fluída, maquiavélica etc. A “inteligência
emocional” (que faz parte da inteligência social) ganhou espaço nos últimos
anos, devido a publicações de autoajuda.
Existem diferentes proposições e separações em relação a inteligências,
portanto, escolhi tratar das divisões propostas pelo autor Howard Gardner. Para
Gardner (1995) inteligência é a capacidade de resolver problemas ou elaborar
soluções importantes para o ambiente ou sociedade. O autor acredita que todo
ser humano possui pelo menos oito competências intelectuais que se combinam
e organizam de maneiras particulares.

83
Figura 6.3: Teoria da inteligência múltipla
Fonte: © Sajaganesandip / Wikimedia Commons

Estas competências são independentes, mas é possível desenvolver


algumas de forma mais intensa do que outras. Na sequência serão apresentadas
as inteligências propostas por Gardner.

6.2.1 Inteligência linguística ou verbal

Pode ser caracterizada pelo bom desenvolvimento da linguagem oral e


escrita. Os principais componentes desta inteligência são: a sensibilidade para
os sons, compreensão das diferentes funções da linguagem e a identificação dos
significados das palavras. É uma das inteligências mais desenvolvidas na escola
e pode ser notada na capacidade para contar histórias originais e relatar
experiências com precisão.

6.2.2 Inteligência Lógico–Matemática

Este tipo de inteligência possui grande prestígio e é comum que a


avaliação neste campo defina quem é “inteligente” ou não, muitas vezes
esquecendo as outras áreas. Entre suas principais habilidades estão: a
resolução de problemas com números e/ou elementos matemáticos, capacidade
de explorar padrões e habilidade para lidar com diversos raciocínios a fim de
solucionar problemas. Esta aptidão é notável na realização de contas e
percepção de geometria nos espaços.

6.2.3 Inteligência espacial

Capacidade de formar modelos mentais em situações espaciais e utilizar


este modelo para se orientar no espaço. Para Gardner, esta inteligência pode
ser descrita como a capacidade em perceber o mundo visual e espacial de forma
precisa. Esta habilidade pode ser comprovada em quebra-cabeças e outros
jogos espaciais.

84
6.2.4 Inteligência musical

Habilidade para organizar sons de maneira criativa, a partir de tons ou


timbres. Percebe-se esta inteligência por meio da habilidade em admirar,
reproduzir ou compor uma peça musical. Pode ser percebida pela facilidade em
identificar sons e também pela afinidade musical.

6.2.5 Inteligência interpessoal

Habilidade para responder adequadamente à diferentes estados de


humor, motivações e desejos de outras pessoas. O indivíduo possui capacidade
de se relacionar bem com outras pessoas, além de perceber e compreender
motivações e inibições dos outros. É possível notar esta inteligência na
habilidade para compreender a intenção e desejo das pessoas e capacidade de
reagir adequadamente em situações diferentes.

6.2.6 Inteligência intrapessoal

Capacidade de conhecer a si próprio, identificando emoções e


apresentando facilidade em reconhecer suas fraquezas e forças. É o tipo de
inteligência mais pessoal de todas e o indivíduo deve gerenciar suas emoções e
sentimentos em função de seus objetivos.

6.2.7 Inteligência naturalista

Capacidade de compreender e organizar objetos e padrões da natureza,


como por exemplo, classificar plantas, animais, o meio ambiente e seus mais
diversos componentes. Ela é desenvolvida a partir da observação do ambiente
natural. Sua habilidade é percebida na facilidade de identificar e classificar os
mais diversos elementos da natureza.

6.2.8 Inteligência corporal–cinestésica

85
Habilidade para usar e controlar movimentos do corpo e manipular
habilmente objetos. É possível utilizar estas habilidades para fins esportivos. É
possível notar esta inteligência em pessoas com grande destreza e coordenação
motora.
Para além destas oito inteligências, Gardner também considerou a
Inteligência existencialista, que seria a capacidade do ser humano em refletir e
ponderar questões fundamentais da existência.
Mas, Gardner não chegou a validar completamente esta forma de
inteligência, chega a inclusive falar que existem “8 inteligências e meia”.
Gardner estabelece duas propostas científicas e duas escolares. Quanto
a parte científica, o autor afirma que todos os seres humanos possuem todos os
tipos de inteligência, mas desenvolverão algumas de forma mais intensa do que
outras e, isto leva a sua segunda formulação: não existem dois perfis de
aprendizagem totalmente iguais. Ora, isto nos leva a uma reflexão: como “medir”
e avaliar o conhecimento de nossos estudantes se nenhum deles possui o
mesmo perfil de aprendizagem? Esta reflexão nos leva a crer que alguns serão
favorecidos enquanto que outros serão desfavorecidos neste processo.

Ao pensarmos criticamente em nosso processo educacional, é possível


perceber com clareza que as inteligências de linguagem e lógico-matemática
são desenvolvidas de forma mais recorrente em sala de aula. E como ficam os
estudantes dotados de outras formas de inteligência? E como ficam os
estudantes dotados destas duas inteligências?
Em relação a estes dois cenários é possível realizar algumas hipóteses.
É possível que o estudante dotado de uma inteligência que não é desenvolvida
ou avaliada na escola, passe a acreditar que não é inteligente, pois não se vê
adaptado no sistema a que pertence.
Este estudante poderá perder a motivação nos estudos (falaremos mais
sobre isso na aula sobre motivação e afetividade) e seu potencial pode ser
esquecido. Quanto a outra situação, em que o estudante tem estas duas
inteligências superdesenvolvidas também é possível imputar uma hipótese de
desajustamento, pois, após sair do ambiente escolar com a noção de ser
possuidor de uma inteligência aguçada, pode sofrer frustrações no “mundo real”

86
ao descobrir que em muitos trabalhos precisa desenvolver outros tipos de
inteligência. De nada adianta dominar a lógico-matemática e não saber se
relacionar com sua equipe de trabalho, por exemplo. Desenvolver o raciocínio
lógica não garante o sucesso, como muitos costumam acreditar.
Vamos então as proposições educacionais de Gardner! Para o autor, é
preciso (mesmo sabendo que existe aqui certo grau de utopia) individualizar o
ensino e a avaliação do estudante. Pensemos juntos: se cada um tem um estilo
de aprendizagem e um perfil de inteligência (com algumas mais desenvolvidas
e outras menos), parece justo avaliar todos estes estudantes da mesma forma?
Gardner diria que não. Ele acredita que o que deve ser avaliado é o
conhecimento real do estudante e provas e testes generalistas não dão conta
disto.
Além de individualizar o ensino, Gardner afirma que um mesmo tema
deveria ser explorado em diversas matérias ao mesmo tempo, porque assim,
seria capaz de atingir um maior número de estudantes. Ou seja, ao estudar
erupções vulcânicas seria interessante poder explorar este assunto em ciências,
para compreender o impacto deste fenômeno na evolução do planeta, em
geografia, compreendendo sua formação e funcionamento, em história,
conhecendo importantes fatos ao redor desta temática, em artes, sobre formatos
e estrutura de um vulcão e assim por diante. Dessa forma, mesmo aquele
estudante que não possua aptidão em determinada matéria será capaz de
compreender (por outro ângulo) este conteúdo.
Para além desta compreensão, poder estudar um mesmo tema sob
ângulos tão diferentes permite aos estudantes expandir suas ideias e discursos,
pois assim perceberão que um mesmo objeto tem diversas faces e pode ser
olhado por variados ângulos. Este tipo de prática desenvolve uma visão
sistêmica e reflexiva sobre o mundo, pois permite ao estudante perceber que
outra pessoa pode pensar sob uma perspectiva diferente da sua.
Além do modelo de inteligências múltiplas proposto por Gardner, outros
modelos também se tornaram conhecidos, sendo eles: o modelo de Cattell, de
1971, anterior a Gardner, que dividia a inteligência em cristalizada
(conhecimentos adquiridos por meio da experiência) e fluída (capacidade de
compreender relações sem ter experiência prévia).

87
Já Sternberg, em 1997 (após Gardner), classificou a inteligência, como:
componencial (capacidade analítica, eficiência em que uma informação é
processada pelo sujeito), experencial (entendimento, originalidade e com que
eficiência abordam tanto tarefas novas como familiares) e por fim, contextual
(praticidade, com que eficiência as pessoas lidam com seu ambiente).

6.3 Alterações da Inteligência – Deficiência intelectual

A deficiência intelectual é uma condição de desenvolvimento interrompido


ou incompleto das capacidades mentais e habilidades cognitivas. Inclui
perturbações nas aptidões intelectuais, de linguagem e adaptação social. O
indivíduo com deficiência intelectual terá dificuldades em conquistar o nível
esperado em seu meio cultural, podendo, até mesmo, possuir limitações de
autocuidado, como saúde, higiene e segurança.

O diagnóstico de deficiência intelectual é realizado quando há QI abaixo


de 70, entretanto, quando é verificado que as habilidades sociais, escolares e
profissionais indicam boa adaptação, mesmo que o QI seja abaixo do valor
citado, é considerado como um resultado falso-positivo, pois o diagnóstico de
deficiência intelectual exige um padrão de dificuldades de adaptação na vida
diária.
Um fato importante é que as pessoas com deficiência intelectual
possuem, geralmente, habilidades visuoespaciais mais desenvolvidas em
comparação com a capacidade cognitiva relacionada com a linguagem.
Dentre as principais limitações que uma pessoa com deficiência
intelectual leve, proporciona a dificuldade na abstração, metáfora e pensamento
categórico, além da incapacidade de planejamento estratégico e previsão de
consequências de ações complexas. Ocorre uma maior rigidez cognitiva e uma
dificuldade em aprender com o erro.
Em casos de deficiência intelectual leve e moderada, muitas vezes, sua
etiologia não fica clara. Presume-se uma interação de fatores genéticos e

88
ambientais desfavoráveis, assim como a privação psicossocial, que pode ser
estabelecida pela ausência dos pais e substitutos, desnutrição, falta de estímulos
afetivos e cognitivos, violência, entre outros. Sabemos que a deficiência
intelectual grave e profunda, em sua maioria, tem uma causa orgânica e, com
frequência, são acompanhados de distúrbios neurológicos e físicos.
Por meio de avaliações que envolvem teste de QI (Quociente de
Inteligência) e avaliações de adaptação do indivíduo, é possível classificar a
deficiência intelectual em 5 graus diferentes, sendo eles:
a) Deficiência intelectual leve: QI de 50 a 69; corresponde à idade mental de
uma criança de aproximadamente 9 a 12 anos, segundo estatísticas seu nível
escolar segue razoável até a 6ª ou 7ª série do fundamental. 85% dos
indivíduos com deficiência intelectual estão nesse nível. Transtornos
associados: Transtornos de conduta e autismo.
b) Deficiência intelectual moderado: QI de 35 a 49; corresponde à idade mental
de uma criança de aproximadamente 6 a 9 anos, segundo estatísticas seu
nível escolar segue razoável até a 2ª série do fundamental. 10% dos
indivíduos com deficiência intelectual estão nesse nível. Transtornos
associados: Transtornos de conduta e autismo.
c) Deficiência intelectual: QI de 20 a 34; corresponde à idade mental de uma
criança de aproximadamente 3 a 6 anos, segundo estatísticas não consegue
frequentar a escola, muitas vezes. 3 a 4% dos indivíduos com deficiência
intelectual estão nesse nível. Transtornos associados: Déficits motores
sensoriais, epilepsia.
d) Deficiência intelectual profundo: QI de abaixo de 20; corresponde a idade
mental de uma criança de aproximadamente menos de 3 anos, segundo
estatísticas não consegue frequentar a escola. 1 a 2% dos indivíduos com
deficiência intelectual estão nesse nível. Transtornos associados: Déficits
motores sensoriais, epilepsia.

A noção de inteligência a partir de 1960 deixou de ser geral e passou a


ser considerada múltipla, multifatorial, pois ficou claro que existem diversas
formas de inteligência e que estas precisam ser levadas em conta. O modelo
mais famoso de inteligências múltiplas é o proposto por Gardner e propões 8

89
tipos de inteligência: interpessoal, intrapessoal, linguística, lógico-matemática,
musical, corporal, naturalista e espacial.
Além das inteligências múltiplas, discutimos a inteligência a partir da visão
de Piaget e as alterações da inteligência, conhecidas como deficiência
intelectual.

Atividades de Aprendizagem
1. A fim de compreender o que é inteligência, utilizamos a definição de Gardner.
O autor acredita que inteligência é a capacidade de resolver problemas ou
elaborar soluções importantes para o ambiente ou sociedade. Gardner também
realiza duas proposições cientificas sobre a inteligência. Escolha uma e disserte
sobre a mesma, explicando sua importância.

2. Gardner crê na existência de no mínimo 8 inteligências que se desenvolvem


e organizam de maneira particular em cada indivíduo. Além de suas proposições
cientificas, descreve duas proposições pedagógicas sobre a inteligência.
Escolha uma e disserte sobre a mesma, explicando sua importância.

90
Aula 7 – Motivação e afetividade

Olá estudante! Seja bem-vindo, seja bem-vinda à nossa sétima aula. Até aqui
você já compreendeu o que é o processo da aprendizagem, a inteligência e
alguns aspectos básicos do comportamento e, quais os desafios que estes
fenômenos nos trazem em sala de aula. Agora então, chegamos ao momento de
buscar compreender como a afetividade e a motivação se apresentam e qual
nosso papel enquanto professores, em relação a cada um desses aspectos que
se apresentam na prática educacional.

91
Figura 7.1: O afeto é importante fator para a aprendizagem
Fonte: © Freepik

Apresentamos na aula passada sobre Inteligência, apresentei a seguinte


citação de Piaget: “apesar da importância da afetividade na aprendizagem, em
nada ela se relacionava com o processo de cognição”. Qual a sua opinião quanto
a isto? Nesta aula, teremos a oportunidade de questionar a visão de Piaget
quanto a função da afetividade no processo de aprendizagem. Caberá a você
refletir sobre qual a influência deste processo no campo da aprendizagem.

7.1 Afetividade

Não é preciso pensar muito para perceber o quanto a afetividade exerce


influência em nossa vida. Quantas vezes o afeto por um professor fez com que
o estudante desenvolvesse curiosidade e atenção sobre uma matéria que antes
não lhe era interessante? Mas, aqui cabe um questionamento, pois sabemos que
é impossível (e cansativo) tentar desenvolver este afeto em todos os estudantes,
então qual é o papel do professor em relação ao afeto que transmite e recebe de
seus estudantes.

Saiba mais
Assista ao vídeo de Mario Sergio Cortella no qual responde qual é a relação
entre afetividade, vínculo e aprendizagem. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=7bywstc8YF8.

Mario Cortella nos oferece a seguinte visão sobre a relação entre


afetividade, vínculo e aprendizagem: não é preciso fazer com que o estudante
goste de você, mas caso o estudante chegue ao final do ano sem o menor

92
interesse sobre sua matéria é importante se perguntar qual a sua parte nisso.
Mesmo que o “estudante não tenha interesse por nada”, cabe a você,
compreender seu perfil de aprendizagem e inteligência (como visto nas aulas
anteriores).

Figura 7.2: Afetividade professor/estudante


Fonte: © Frrepik

Mas afinal, o que é afetividade?


Afetividade é um termo genérico que compreende vivências afetivas, como
o humor (estado de ânimo em determinado momento), as emoções (estado
afetivo intenso de curta duração) e os sentimentos (menos intensos e mais
duradouros que as emoções).
Os cinco tipos básicos de afetividade, são: humor, emoções, sentimentos,
afetos e paixões. O humor pode ser definido como a disposição afetiva que
penetra na experiência psíquica e serve como lente afetiva que dá um tom
particular para cada vivência do sujeito. Já a emoção é uma reação afetiva
aguda, momentânea desencadeada por algum estímulo. Portanto, a emoção é
um estado afetivo intenso, de curta duração.

93
O sentimento pode ser descrito como estados afetivos estáveis. Em
comparação com as emoções, são menos intensos e mais duradouros. Tratam
de conteúdos intelectuais, de valores e representações, que podem apresentar
diferença de sentido em determinadas línguas. Os sentimentos (assim como as
emoções) costumam ser vivenciados em polos, como, agradável e
desagradável, prazeroso e desprazeroso. A tonalidade dos sentimentos pode ser
dividida da seguinte forma: esfera da tristeza (saudade, tristeza, vergonha,
remorso), esfera da alegria (euforia, satisfação, expectativa), esfera da
agressividade (raiva, rancor inveja, nojo) e a esfera da atração pelo outro (amor,
carinho, gratidão, amizade), esfera do perigo (temos, desamparo, abandono) e
por fim da esfera narcísica (orgulho, arrogância, prepotência).
Por afeto, definimos a qualidade e tônus emocional dirigida a algum
objeto. Pode-se dizer que o afeto é o componente emocional de uma ideia. Por
sua vez, paixão pode ser definida como um estado afetivo intenso que domina a
atividade psíquica como um todo, dirigindo a atenção em só direção e inibindo
outros interesses. Uma paixão intensa impede o exercício de uma lógica
imparcial.
Agora que já compreendemos o que é afetividade, listaremos quais são
suas principais alterações:
a) Distimia: alteração básica do humor, tanto na inibição (distimia hipotímica)
quanto na exaltação (hipertímica).
b) Disforia: Distimia acompanhada de uma tonalidade afetiva desagradável,
mal-humorada.
c) Euforia: humor exagerado, desproporcional as circunstâncias.
d) Puerilidade: caracterizada por aspecto infantil, simplório e regredido
(individuo ri ou chora por motivos banais).
e) Irritabilidade patológica: hostilidade desagradável e por vezes, agressiva.

Ainda existem alterações de emoções e sentimentos, como: apatia,


inadequação do afeto, anedonia (não sente prazer sexual), labilidade afetiva,
fobias etc.

7.2 Motivação

94
Nossa tarefa aqui se torna mais difícil, é possível destrinchar o que é
afetividade, mas, e quanto a motivação? Tratarei da motivação já em
consonância com a educação e aos poucos será possível compreender do que
este conceito se trata.
Pensaremos na motivação como uma via de mão dupla. É comum que ao
menor sinal de dificuldade do estudante seja alegado que o motivo seja a falta
de motivação, colocando esta como primeiro obstáculo da aprendizagem. Mas é
possível pensar também que grande parte das dificuldades dos professores
pode ter sua origem também na falta de motivação. E sabemos que um não
escapa ileso da dificuldade do outro. Portanto, é preciso mudar o discurso de
que a causa de falta de sucesso na aprendizagem decorre unicamente da falta
de motivação do estudante, parando então nossa investigação. Tanto é possível
que o estudante esteja com problemas, quanto é possível também que a solução
passe pela motivação dos professores.

Abrir box
Atenção!
Neste ponto de nosso trabalho, é possível que você esteja se perguntando: mas
tudo isso é responsabilidade do professor? Avaliar motivação, inteligência, perfil
de aprendizagem, processos básicos de comportamento e ainda por cima
realizar uma análise individualizada de cada estudante? Temos de concordar
que o ideal é uma utopia. Mas também é importante recordar que existe uma
ética no trabalho do professor, em que este deve avaliar criticamente sua
conduta e estratégias e promover o trabalho da melhor forma possível com os
elementos que possui. Sabemos que muitas vezes, não há apoio familiar ou da
escola, mas é importante que o professor esteja atento a suas próprias falhas e
acertos, para que possamos construir uma educação transformadora, apesar de
todas as barreiras e frustrações encontradas no caminho.
Fechar box

Linhas teóricas como de Piaget, atribuem as dificuldades estruturais e


funcionais como causadoras das dificuldades dos estudantes, deixando a
dimensão afetiva de lado, enquanto que alguns autores defendem que a
dimensão afetiva está muito ligada a cognição, constituindo uma base sistêmica
com a mesma. Mesmo Piaget, que centrou sua atividade na questão da
cognição, reconhece que a afetividade tem sua funcionalidade na inteligência.
Vygotsky possuía uma visão integrada de cognição e afetividade, pois,
para ele, o desenvolvimento cognitivo tem forte ligação com o desenvolvimento

95
social e emocional, isto significa que as mudanças fundamentais no pensamento
devem ser acompanhadas por uma reorganização de objetivos e atitudes.
Motivação pode ser compreendida como o processo que explica fatores
de ativação, direção e manutenção da conduta em relação a determinado objeto.
Na aprendizagem, motivação pode ser compreendida em alguns
comportamentos, como: iniciar rapidamente uma tarefa, empenhar-se nela com
atenção, esforço e persistência etc.
É possível classificar a motivação como intrínseca e extrínseca. Enquanto
que na motivação intrínseca, o controle de conduta depende do sujeito em si,
seus interesses e disposições, na motivação extrínseca ocorre grande influência
do meio, ou seja, ela é inerente ao resultado da interação entre o sujeito e a
tarefa.
Na motivação extrínseca, portanto, existe grande interesse do sujeito em
receber recompensas ou, ao menos, evitar punições. O sujeito se preocupa com
sua imagem. A motivação intrínseca não busca por recompensas, relaciona-se
a tarefas que são capazes de satisfazer o sujeito por si só, ou seja, são metas
internas. Para alguns autores, as metas externas são metas de rendimento e as
internas são de aprendizagem.
Estudantes com metas de aprendizagem se envolvem de forma mais ativa
na escola, enquanto que estudantes com metas de rendimento se preocupam
mais em demonstrar suas competências. Portanto, é preciso esperar resultados
diferentes destes dois tipos de estudantes. Quando confrontados, alguns
estudantes podem se esforçar mais e outros, por sua vez, podem sentir-se
inibidos.
É preciso reforçar atitudes que possuem esta postura ativa (que não visa
somente o cumprimento da tarefa e nota). Esse reforço é importante, porque
assim a modificação de atitudes, favorecendo a melhora na aprendizagem.
Para Tapia (1997) não é possível ensinar a pensar sem trabalhar a
motivação. Para ele, querer e saber pensar são condições especiais que
permitem a aquisição e aplicação de conhecimentos, quando necessário. É
importante que o professor possa promover um ambiente seguro e confortável
para o estudante, para que assim ela possa se sentir pertencente a este mundo.
Vale ressaltar que, perceber a motivação do próprio professor com o processo
de aprendizagem auxilia e muito na motivação do próprio estudante.

96
Portanto, é possível ter os melhores materiais didáticos, mas estes serão
inúteis se os estudantes não se interessarem por eles. Mesmo com as melhores
técnicas didáticas, não haverá qualquer resultado positivo caso os estudantes
não se motivem por eles. Os métodos de ensino e estratégias devem ser
determinados de acordo com o estilo motivacional de cada estudante. Podem
ser identificados quatro tipos de estudante: os que procuram sucesso, os curioso,
os conscienciosos e os socialmente motivados.
Em uma visão ideal, a escola deveria avaliar cada perfil de motivação e
estimular a aprendizagem de acordo com este estilo. Estudantes socialmente
motivados atuarão melhor em trabalhos em grupos, enquanto que, estudantes
curiosos gostam de situações que envolvam resolução de problemas. É possível
pensar então, que a força motivadora é resultado da estratégia de ensino em
interação com as características individuais dos estudantes. Obviamente, esta
se torna uma tarefa difícil frente a realidade da educação, dessa forma, é
importante optar por uma diversidade de processos pedagógicos, para que
assim o maior número de estudantes seja atingido.

Figura 7.4: Estudantes socialmente motivados


Fonte: © Freepik
https://br.freepik.com/fotos-gratis/fila-de-estudantes-de-ensino-fundamental-multietnico-lendo-
livro-na-sala-de-aula-imagens-de-estilo-de-efeito-
vintage_1387622.htm#term=estudantes&page=1&position=5

97
7.3 Motivação e afetividade na aprendizagem

Existem evidências de que estudantes que “fracassam” na escola não


são, de forma alguma, incapazes de raciocinar ou aprender. Culpar o fracasso
escolar pelas limitações pessoais e familiares ignorando outras variáveis é no
mínimo simplista. O sujeito-estudante precisa ser considerado enquanto
participante de um processo educacional, social, político, econômico e cultural.
Pensar somente nestas variáveis responsabiliza totalmente o estudante e
também desconsidera o que eles pensam e como se sentem em relação ao
processo de aprendizagem.
Existe a necessidade em conhecermos as explicações dos estudantes,
causada do sucesso e fracasso que vivenciaram, uma vez que isto pode oferecer
importantes subsídios para uma avaliação ampla sobre a aprendizagem do
estudante.
Weiner desenvolveu uma teoria chamada de “Atribuição de Causalidade”.
Esta teoria acredita que as atribuições de causalidade são crenças pessoais
sobre determinada causa de algum evento. Para Weiner (1985) os estudantes
costumam atribuir seu sucesso ou fracasso escolar a quesitos como inteligência,
esforço, dificuldade e sorte.
Mas para o autor, existem mais causas e, portanto, ele sugere uma
classificação a partir da identificação de semelhanças, diferenças e propriedades
básicas das três dimensões: internalidade (causas internas ou externas),
estabilidade (causas estáveis ou instáveis) e a contrabilidade (causas
controláveis e incontroláveis).
A internalidade influencia as reações afetivas, autoestima, orgulho e
autoconceito do estudante. Divide-se em:
Causa interna – capacidade e esforço do estudante.
Causa externa – influência do professor e família.
Estabilidade determina a expectativa de sucesso ou fracasso do
estudante no futuro. Divide-se em:
Causa estável – atribuições a capacidade e a família.

98
Causa instável – esforço e atenção.
Já a contrabilidade exerce efeitos diversos sobre as expectativas,
emoções e motivações do aprendiz. Divide-se em:
Causa incontrolável – capacidade, sorte e influência do professor.
Causa Controlável – esforço.
O modo como o indivíduo interpreta estas atribuições é mais importante
do que a causa em si. Mas apesar de diferenças individuais serem notadas, é
possível fazer esta classificação de causas como foi realizado acima.
Muitos autores acreditam que a afetividade impacta fortemente a atenção
e motivação escolar, quesitos determinantes da capacidade de aprender. Mas,
a dificuldade em comprovar esta teoria reside no processo de conceituação e
pesquisa do tema.
Como vimos nas primeiras aulas, para que um estudo seja feito é
importante que ele seja algo além de uma crença ou opinião, ele precisa ser
estudado e validado. Quando falamos do impacto da afetividade na educação,
falamos de emoções e sentimentos, objetos de estudo subjetivos, o que dificulta
a apreensão de tais conceitos na prática.
Para Weiner (1985) as atribuições de causalidade em relação ao sucesso
e fracasso produzem diferentes emoções e sentimentos nos indivíduos e,
portanto, estas manifestações se associam a motivação do estudante e sua
autoestima, autoconceito e auto eficácia. Cabe aqui um exemplo, um estudante
que atribua seu fracasso como uma falta de capacidade, pode incluir sentimento
de culpa, vergonha e incompetência em seu repertório. Caso ocorra
agravamento da situação, esta ideia de incompetência pode gerar, inclusive,
ideias depressivas e dessa forma, agravar cada vez mais a motivação deste
estudante e seu desempenho escolar.
Martini e Boruchovitch (1999) demonstraram que quando a causa do
fracasso escolar é de ordem controlável, sentimentos de vergonha tendem a
surgir. Já quando as causas são incontroláveis é comum o aparecimento de
sentimentos de raiva. Causas internas e estáveis são as grandes influenciadoras
da depressão, apatia, resignação, desamparo e desânimo escolar.
Ainda de acordo com o trabalho realizado por Martini e Boruchovitch
(1999) foi possível constatar que a raiva surge quando a causa do fracasso é
percebida pelo indivíduo como algo que pode ser controlado por outras pessoas.

99
Quando o fracasso é decorrente de uma causa incontrolável para quem fracassa,
o sentimento é o de pena. Em casos de causas estáveis de fracasso é possível
se deparar com a desesperança e pôr fim a alegria, confiança e entusiasmo são
associadas a causas estáveis para o sucesso.

Figura 7.5: Aluno desmotivado


Fonte: © Freepik

Portanto, mostra-se necessário investigar como os estudantes constituem


seu processo de ensino-aprendizagem e interpretam suas experiências de
sucesso e fracasso escolar. Assim, será possível criar condições e contextos
favoráveis para o sucesso escolar, motivação e afetividade dos estudantes.
De acordo com o que foi tratado nesta aula, podemos concluir que a
afetividade interfere sim na aprendizagem, mas que por conta de sua natureza
subjetiva é difícil explicitar sua influência neste contexto.
Autores como Piaget defenderam que sim, a afetividade tem grande
importância, mas que a falta dela em si não é capaz de alterar a aprendizagem.
Diante desta brecha teórica, o convido a pensar: qual o seu posicionamento em
relação ao impacto da falta de afetividade no processo de aprendizagem?
Quanto à motivação, não há dúvidas de que ela está intimamente ligada
à capacidade de aprender. Afinal, sem a motivação, o estudante se torna apático
100
a tudo aquilo que está sendo ensinado e terá dificuldades em outros processos
básicos, como: atenção e memória.
Com tudo o que abordamos nesta aula podemos nos dar conta de que
todos esses processos se afetam. A afetividade é capaz de afetar a motivação,
a qual afeta a memória e atenção e, mais à frente a própria aprendizagem. A
dificuldade de aprendizagem afeta o desenvolvimento da inteligência, que pode
ficar latente por falta de estímulos adequados. Dessa forma, é importante frisar
que precisamos ter uma visão completa do estudante enquanto estudante, mas
também enquanto indivíduo afetado pelos meios que frequenta.

Nesta aula compreendemos a importância da motivação e afetividade


enquanto processos que afetam a aprendizagem. Buscamos deixar o mais claro
possível o quanto estes dois fenômenos caminham lado a lado e como é
importante estar atento com ambos.

Atividades de Aprendizagem

1. “Motivação pode ser compreendida como o processo que explica fatores de


ativação, direção e manutenção da conduta em relação a determinado objeto.
Na aprendizagem, motivação pode ser compreendida em alguns
comportamentos, como: iniciar rapidamente uma tarefa, empenhar-se nela com
atenção, esforço e persistência, etc.” De acordo com a proposta do texto, cite um
exemplo em que a falta de motivação pode atrapalhar o desenvolvimento
pedagógico do estudante e elabore uma solução para esse problema.

2. Segundo o texto “afetividade é um termo genérico que compreende vivências


afetivas, como o humor (estado de ânimo em determinado momento), as
emoções (estado afetivo intenso de curta duração) e os sentimentos (menos
intensos e mais duradouros que as emoções) ”. Pensando nos conhecimentos
adquiridos sobre o tema, cite um exemplo em que a falta de afetividade pode
atrapalhar o desenvolvimento pedagógico do estudante e elabore uma solução
para esse problema.
101
Aula 8 – Novas formas de pensar a educação

Fonte: © Freepik

Link da imagem: http://br.freepik.com/index.php?goto=74&idfoto=1074597

102
Olá estudante! Seja bem-vinda, seja bem-vindo. Chegamos a nossa última aula!
Agora, considerando tudo o que foi trabalhado até este ponto, podemos pensar
de forma crítica novas formas de enxergar a educação. Para compreender novas
possibilidades de perceber a educação, iniciaremos refletindo sobre como surgiu
a escola, em especial, a escola pública e obrigatória e, por fim, falaremos sobre
a diferença entre informar e transmitir.

Figura 8.2: O surgimento da escola


Fonte: © Freepik

103
8.1 Como surgiu a educação?

A sociedade ateniense, conhecida por sua grande sabedoria e cultura,


não contava com escolas. Ao menos, não com o modelo escolar que
conhecemos hoje. Havia sim a “escola” de Platão, que promovia um espaço de
reflexão, conversação e experimentação, mas a educação não era obrigatória.
Já em Esparta, conhecida pela força e bravura de seus soldados, as crianças
eram educadas desde cedo: os meninos para vencer guerras e as meninas para
parir bons soldados.
A educação infantil surgiu nas sociedades antigas como uma demanda da
sociedade já que esta foi se tornando cada vez mais complexa. O estudo
geralmente acontecia em casa e já havia uma divisão visível das funções entre
meninos e meninas, cada sexo deveria aprender o que a sociedade acreditava
que cada um deveria aprender de acordo com seu gênero. Com a sofisticação
econômica e política fez-se necessário algumas mudanças no sistema de
educação, que aos poucos deixou de ser realizado em casa e passou para salas
improvisadas sob a mediação na figura do professor. Os professores eram
profissionais especializados, contratados por famílias da elite e que recebiam de
acordo com o número de estudantes em sua sala de aula.
O papel da escola começa a ser discutido com mais fervor na Idade
Moderna. Nesta época houve melhoria nos espaços escolares, discussões sobre
currículos e fases de ensino, mas a questão da divisão de gêneros ainda
permanecia forte, tendo o homem uma supremacia referente à mulher. Foi no
século XVIII que a educação sofreu grande reviravolta, como será descrito nos
parágrafos subsequentes.
A educação pública, gratuita e obrigatória foi criada no século XVIII por
meio dos líderes do despotismo esclarecido, uma forma reformista de governar,
predominante principalmente no leste da Europa – Prússia, Rússia e Áustria e,
que tinha por objetivo acelerar o crescimento de alguns países, aumentando seu
poder e prestígio.
Foi a humilhante derrota que o rei da Prússia sofreu, na chamada “Guerra
da Quarta Coalizão” em 1806, quando seus soldados profissionais foram
vencidos por um exército voluntário pouco preparado comandado por Napoleão
Bonaparte, que o fez estabelecer o ensino obrigatório em nível nacional. Para o

104
rei, ao forçar estas crianças a irem para a escola, estaria formando adultos leais
ao Estado. Os pais não tinham outra escolha senão encaminhar seus filhos,
correndo o risco de receber soldados armados para leva-los até a escola quando
não os pais não o faziam, alguns chegaram mesmo a ser presos ou mortos.
A ideia do rei consistia em formar soldados que não questionassem
ordens e fizessem imediatamente o que lhes fosse exigido. As crianças não
podiam fazer perguntas ou questionar os portadores da autoridade, no caso, os
professores.
Como resultado, todas as crianças teriam a mesma opinião sobre as
matérias dadas – vale considerar, que eram as matérias consideradas
importantes pelo estado.
Obviamente, o rei não queria que seus descendentes fossem sujeitos a
essa educação. Não poderiam eles ser cegos obedientes, deveriam ser criativos
e independentes. Para tal fim, criou um segundo sistema, que ficou conhecido
como a “verdadeira escola” (enquanto que a outra era a “escola do povo”).
Participavam dela também os filhos de comerciantes e funcionários públicos. Um
total de 93% de crianças participava da escola do povo, enquanto que 7%
participavam da verdadeira escola.
Observando o modelo proposto, o restante da Europa e os povos da
América copiaram a ideia do ensino obrigatório, levantando a bandeira de
igualdade social e de “escola para todos”, mas a verdadeira busca era por um
modelo elitista e de disputa de classes, que criasse trabalhadores cada vez mais
alienados na ilusão de que havia alguma igualdade social.
Napoleão, inimigo declarado dos déspotas, alegou pouco tempo depois
que também formaria um corpo docente para poder dirigir a opinião dos
franceses. A escola nasceu como uma necessidade para os trabalhadores, mas
não para auxilia-los e sim, para criar operários melhores e para que os
trabalhadores pudessem ter onde deixar seus filhos enquanto trabalhavam –
ideia muito parecida com a de alguns críticos da atualidade de que a escola
aparenta, muitas vezes, ser só um estacionamento de crianças.

Atenção!
A escola nasceu como uma necessidade para os trabalhadores, não para que
pudessem deixar de ser operários, mas para que fossem melhores operários!

105
O ensino passou a ser obrigatório na grande maioria dos países e,
portanto, começou a receber muitos estudantes. Obviamente, não havia uma
estrutura adequada para receber tantos estudantes, já que sempre foi uma
instituição elitista e, por esse motivo, essa época foi marcada por grande evasão
escolar e dificuldades de aprendizagem e com o passar do tempo, a escola
começou a acumular as mais variadas funções sociais.
Além da transmissão de conhecimento, a escola cumpria seu papel na
socialização, nos ritos de passagem – como o vestibular – e mais tarde, com a
entrada da mulher no mundo do trabalho, as crianças precisavam ser cuidadas
por alguém e isto se tornou papel da escola.
Apesar de reconhecermos a importância da escola na questão da
socialização e mediação de regras e leis, para além da transmissão de
conhecimento, é importante demarcarmos este ponto das funções acumuladas
pela escola, pois será importante mais à frente.

8.2 Psicologia da educação

A psicologia nos ensina, por meio de seus pensadores e cientistas, que o


processo de aprendizagem precisa ser encarado com seriedade e atenção. É
necessário estar atento às motivações pessoais de professores e estudantes,
aos fatores que possam prejudicar o desenvolvimento do estudante em sala de
aula, as adaptações de material e estratégias para cada turma (quando não para
cada estudante).
O mestre tem uma difícil missão: a de olhar para o estudante com empatia
e buscar compreender o mesmo em um plano complexo, não apenas o escolar.
Nosso olhar é contaminado com nossos próprios valores, crenças e questões, e
ao olhar para o outro, seja ele quem for, precisamos tentar nos isentar destas
questões e ter em mente que as concepções de vida são diferentes e, nem por
isto, uma está certa e a outra está errada.
Dificultando ainda mais nossa prática, é preciso lidar também com a
psicomedicalização da infância e o excesso de diagnósticos. É de grande
importância ressaltar que um diagnóstico deve ser feito com muito cuidado e

106
atenção, é preciso sempre mais de um instrumento de avaliação para chegar a
uma conclusão. E hoje, sabe-se também que é imprescindível realizar
entrevistas em conjunto com os testes, pois estes isoladamente, não dão conta
de definir um sujeito.
É preciso ter uma visão integrada do cotidiano escolar e poucos enxergam
desta maneira. Há um grupo que tende a culpar a criança e enumerar diversos
déficits e outro que enxerga tudo como problema dos professores e no processo
aplicado por eles e, desta forma, perde-se de vista a visão global da
aprendizagem.
Uma criança com atitudes emocionais descompensadas, como:
insegurança, instabilidade, agressividade, tensões, ansiedade, baixa tolerância
a frustrações, resistência com as tarefas, hipersensibilidade, mudanças de
humor e impulsividade podem ser resultado da situação biopsicossocial da
criança, agregada com uma inabilidade na construção de relações sociais
adequadas. E uma criança ou adolescente pode viver sem saber logaritmos, mas
não pode viver sem saber se relacionar.
Não adiantará em nada resolver os problemas de aprendizagem se os
problemas de relação persistirem e, é aí que a psicologia entra. A criança com
dificuldade precisa ser respeitada enquanto ser humano e muitas vezes não é o
que vemos nas escolas. É preciso transformar esta criança em um membro real
da sociedade, compreendendo suas potencialidades e dificuldades de
aprendizagem, sem estabelecer um ideal societário.

8.3 O Processo de ensinar e aprender

Ao dar aula, um professor não desenvolve somente o conteúdo de sua


disciplina, mas acaba por influenciar a forma como o estudante entenderá a
sociedade. O professor tem um papel muito importante na subjetividade do
estudante, o que poderá ser positivo ou negativo, dependendo de como este
recurso será utilizado. Mesmo ao tentar manter certa neutralidade, o professor
deixa escapar suas opiniões, valores e concepção de vida. Por este motivo,
ensinar é também influenciar na concepção de vida dos estudantes.

107
E possível ser um professor reprodutor ou um professor transformador. O
primeiro tem postura autoritária e parte do princípio de que é detentor do saber,
não permitindo a si mesmo aprender com o estudante e dialogar. Já o segundo
admite que o estudante é um ser humano que mergulhou nas mais diversas
experiências e estas, enriquecem o processo de aprendizagem, este tipo de
professor valoriza o debate e o estudante.

Figura 8.3: Professor estimulador


Fonte: © Freepik
https://br.freepik.com/fotos-gratis/criancas-na-sala-de-aula-levantando-as-
maos_1249794.htm#term=professor&page=1&position=28

O estudante é um elemento dinâmico que se recria junto com o professor.


Ele é um agente social que leva ao ambiente escolar todas as suas vivências
acumuladas, são essas experiências que tornam o estudante capaz de elaborar
os conceitos emitidos pelo professor. E é através desta experiência entre
estudante e professor que o conhecimento se faz. A definição de estudante pode
ser geral, mas é sempre importante lembrar que cada estudante é um ser
singular e cada diferença encontrada em sala de aula precisa ser respeitada e
estar livre de preconceitos e discriminação.
Para estabelecer uma relação de aprendizagem mais próxima do ideal é
importante que os professores ‘deem conta de não dar conta’, que saiam do lugar

108
da onipotência para o lugar de claudicante. É preciso que o professor esteja
atento a diferença entre transmitir e informar. Transmitir é muito mais do que
veicular a informação, o acúmulo de saber não torna ninguém mais ou menos
apto a ensinar, porque a transmissão está para além do que se define como
aprendido. A transmissão marca a expressão do nosso desejo e do que
queremos transmitir.
A transmissão do saber só acontece mediada pela transferência, pois a
relação professor e estudante implica em dois desejos, o de ensinar e o de
aprender. O conteúdo é uma ponte entre esses dois desejos e quando o
professor lança seu desejo e cria a oferta da aprendizagem, o estudante pode
embarcar ou não. A transmissão diz de algo que toca o sujeito e não do
conhecimento em si. Quando o professor se coloca em uma posição de detentor
de todo o saber, acaba por transmitir um conhecimento que não possui. A ação
educativa quer aparentar ser imune de incertezas, divergências e conflitos,
usam-se concepções e programações universais e lineares, mas é impossível
que um meio educativo possa ser uniformemente bom para todas as crianças.
O caminho que leva a ciência, a aquisição do conhecimento, passa pelo
professor, mas hoje o bom professor é aquele que não precisa dar a prova de
sua eficiência metodológica, que não insiste em técnicas vazias, não tenta
explicar o que não tem explicação, não responde simplesmente para aliviar seu
próprio mal estar e para se encaixar na posição de quem detém o saber, mas
sim aquele que suporta ser o substituto parcial da projeção do estudante, que
sabe que sua intervenção ultrapassa o discurso, que suporta um não-saber-o-
que-fazer-com-isso.
A única forma de o professor poder transmitir algo ao estudante é se for
autorizado por este, por isso é importante que o mestre saiba como ocupar este
lugar sem abusar de sua posição. Essa relação transferencial faz com que o
professor ocupe um lugar projetivo para o estudante, dando margem a
identificações, crenças, fantasias etc. Suportar este lugar não é fácil, exige muito
do professor, mas com certeza a recompensa é grande, pois é um lugar de
humildade, de quem permite que o desejo do estudante de aprender sobressaia
sobre seu desejo de ensinar e portar o conhecimento.

109
Aos professores cabem a difícil tarefa de envolverem a turma, sem
dominá-la. Muitas vezes, por meio da identificação, o estudante descobre sua
vocação por meio do professor, sem nem se interessar pela matéria lecionada.
O professor não deve deixar de ter sua própria personalidade, mas precisa se
controlar com os excessos e as tentações do poder. Para Kupfer (1998) é preciso
“matar o mestre para se tornar mestre de si mesmo, esta é uma lição que, já
vimos, pode ser extraída até mesmo da vida de Freud”.
O mestre que recebe a transferência do estudante e refreia sua vontade
de dominar, não liberta somente o estudante, mas também a si mesmo,
libertando-se de uma carga que é excessiva e indesejável, ao tornar-se
impotente perante o outro, para que este seja uma pessoa livre. Ao renunciar
isto em si mesmo, estará contribuindo para a formação pessoal do estudante.
É preciso se deixar ser questionado pelo estudante. O saber é mutante,
sempre se transforma. Posso ensinar algo por anos e mesmo assim sempre
existirá algo a ser descoberto. Quando alguém diz que já sabe tudo sobre
determinada coisa é sinal de que está em posição de negação do saber, é
impossível dar conta da totalidade, a teoria de Freud nos mostra isso. E é ao não
poder dar conta de tudo que temos sempre motivação de procurar saber mais,
mais e mais.
Quando nos deixamos ser interrogados por um estudante, seja eles
criança ou adulto, nos permitimos a ver o mundo sob os olhos deles. Cada um
tem suas próprias questões e subjetividade e, portanto, ele pergunta a partir de
algo que, no fundo, diz de si mesmo. Os outros terão questionamentos diferentes
dos meus, perspectivas e perguntas diferentes das minhas, mas não é porque
não são minhas perguntas que não posso me beneficiar de suas respostas. O
professor tem medo de mostrar ao estudante um lado seu que está em falta.
Saindo da posição de quem detém o conhecimento e compartilhando isto
com o estudante, o professor pode tornar sua própria prática mais agradável,
pois já não carregará o fardo de ser obrigado a saber tudo e poderá manter seu
conhecimento sempre em movimento. Por exemplo, quando uma criança o
questionar e você não souber a resposta, ela não vai pensar que você não é
inteligente, mas vai sentir que ela também tem capacidade de pensar e contribuir
com a aprendizagem de outras pessoas. Poder construir o conhecimento junto
com o professor fará com que a criança se sinta valorizada, motivada e com

110
autoestima elevada. E o mais importante de tudo: quando crescer, esta criança
não precisará basear suas decisões por um modelo pré-estabelecido, mas
poderá basear-se em suas próprias reflexões. Se ensinarmos que ela não é
capaz de pensar por si, ela compreende que sempre deverá se pautar pela
opinião de outras pessoas e assim aniquilamos seu pensamento crítico. Mas se,
pelo contrário, desconstruirmos esta imagem, daremos a ela a possibilidade se
ser mestre de si mesmo e defender suas próprias ideias.
Desta forma, encerramos esta aula (e nossa disciplina), em que
descobrimos como surgiu a escola e o ensino público obrigatório, além de
algumas das consequências resultantes deste momento da história. Também foi
possível compreender como a psicologia enxerga a relação entre o estudante e
o professor e quais cuidados o educador precisa ter nesta relação.
A diferença entre transmitir também ficou marcada e espero que possa
mediar esse conhecimento para sua prática, dando novos horizontes a seus
estudantes (e a si mesmo).

Mídias Integradas
“A educação está proibida”
Documentário que apresenta questionamentos sobre o modelo da escolarização
moderna e a forma de conceber a educação, mostrando diferentes experiências
educativas, não convencionais, que propõem um novo modelo educativo.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=OTerSwwxR9Y.

Atividades de Aprendizagem

1. “Transmitir é muito mais do que veicular a informação, o acúmulo de saber


não torna ninguém mais ou menos apto a ensinar, porque a transmissão está
para além do que se define como aprendido. A transmissão marca a expressão
do nosso desejo e do que queremos transmitir”. De acordo com este trecho,
retirado do texto, explique a diferença entre transmitir e informar.

2. A educação sofreu diversas alterações com o tempo, já teve a intenção de


formar pensadores reflexivos em Atenas, soldados em Esparta, e, mais tarde
formar operários, influenciada pela ideia de utilizar o ensino como uma
ferramenta alienadora. Sabemos que a educação tem o poder de romper

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barreiras, paradoxos e ideias, mas esse potencial também pode ser convertido
em alienação, dependendo de como é utilizado. Considerando todo o histórico
de como surgiu a educação, faça uma breve reflexão de como isto afeta a escola
nos dias de hoje.

112
Referências

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psicologia. São Paulo: Scientle Studia, 2009.

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emotion. Psychological Review, 92(4), 548-573.

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Currículo do professora-autora

Simone Micos dos Santos


Especialização em Psicologia clínica: abordagem psicanalítica (PUCPR),
graduada em Psicologia (PUCPR), Psicóloga clínica e Orientadora profissional,
atua também em escolas com projetos de intervenção e acompanhamento de
crianças com necessidades especiais. Professora e Palestrante, seus temas
centrais de trabalho, são: Psicologia Clínica, Psicanálise, Psicologia Escolar,
Inclusão escolar e social, Sexualidade Feminina, Bullying, Orientação
profissional e de carreira, entre outros.

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