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José Outeiral.
( material exclusivamente para circulação nos Seminários: não revisado )
Enunciado
O objetivo deste texto é discutir, num tempo de novíssimas, complexas e sempre
atualizadas classificações diagnósticas, estabelecidas numa perspectiva fenomenológica, uma
condição clínica, o “Spleen”, o tédio, relacionando-o à adolescência. As raízes dessa
experiência emocional são encontradas no romantismo do século XIX, cuja expressão brasileira
prolongou-se até o início do século XX, e, em certos aspectos, na adolescência
contemporânea. Quero, também, abordar a importância de estabelecermos uma compreensão
psicodinâmica do tédio, mais especificamente entre “sentir tédio” e “ser entediante”. Ao tratar do
tema do “spleen” na adolescência, somos também remetidos às questões relativas às
resistências com as “transformações” nessa etapa, da superficialidade nas relações e da
dificuldade em estabelecer uma intimidade verdadeira.
O Spleen
“.... adeus e viva que não há mais nada digno de contar-me senão que a cidade
ainda não deixou de ser São Paulo... o que quer dizer muitas coisas: entre as quais tédio e
aborrecimento... “.
Ele escreveu da mesma forma que Charles Baudelaire, ambos entediados com
suas cidades. Estes dois flaneurs tinham, entretanto, queixas distintas. Álvares de Azevedo
queixava-se da falta de progresso e civilização de São Paulo, enquanto Charles Baudelaire
queixava-se da modernização e da velocidade de sua Paris. Isso é relevante pois mostra que
para o verdadeiro “Spleen” adolescente a realidade externa, como tal, não importa tanto, como
veremos a seguir..
“Nunca vi lugar tão insípido, como hoje está São Paulo. Nunca vi coisa mais tediosa e
inspiradora de spleen... a vida aqui é um bocejar infindo”.
Álvares de Azevedo escreveu em Lira dos Vinte Anos uma série de versos aos
quais ele deu o título de Spleen e Charutos, onde sua, digamos, filiação ao “Spleen” fica mais
uma vez caracterizada. Não querendo tirar do leitor o prazer de procurar ele mesmo a leitura das
obras de Álvares de Azevedo, quero trazer um dos poemas da série Spleen e Charutos, e
comentá-lo, na medida do possível e de forma breve, sob o olhar da psicanálise, deixando o leitor
completar a tarefa.
Solidão
Alguns críticos, como Jaci Monteiro, consideram que um dos poemas mais
significativos de Álvares de Azevedo é aquele onde ele comenta sobre o poeta Lamartine,
escrevendo que “Ossian o bardo é triste como a sombra que povoa seus cantos”, onde
“Lamartine é monótono e belo como a noite, como a lua sobre o mar e como o murmúrio das
ondas... Mas choraminga uma eterna melodia, tem a lira de seu um gênio uma só corda... “. O
“Spleen”, então, se caracteriza não só pelo tédio, como também pela monotonia e pela
superficialidade , em lugar de um viver criativo, como veremos adiante e como escreveu o poeta:
“monótono...murmúrio sobre o mar...eterna melodia...lira de uma só corda”.
Um adolescente “desmotivado”
Alfredo tem dezesseis anos e não apresenta “maiores problemas”. Concorda
com a sugestão dos pais, que o acham “desmotivado”, para que procure uma ajuda psicológica.
A entrevista com os pais, e as subseqüentes com o jovem, não revelam nenhuma condição
particular que justifique sua dificuldade, “tédio” ou “desânimo”, como ele diz Não é exatamente
uma “tristeza” ou algo que configure uma depressão, no sentido psicopatológico habitual. Durante
a infância não apresentava esses sintomas e brincava e se relacionava com facilidade. Era uma
criança alegre e disposta. O sentimento que é agora referido começou há cerca de dois anos.
Quase nada o agrada e se queixa de tudo, dizem os pais e ele concorda. Na verdade, conta com
enfado, “acho tudo um saco”. Um fator que pareceu positivo ao analista foi a queixa dos pais de
que ele passava muitas horas, com revistas, “lendo” no banheiro. Nas sessões Alfredo provoca
uma certa sonolência no analista e não é fácil, para ele, seguir o relato do adolescente, que
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parece monocórdico e monótono. Alfredo, aos poucos, revela uma moralidade exagerada e
crítica. As mulheres, em suas associações, ou são “virginais” ou “vagabundas e vulgares”, sendo
que hoje a maioria delas, diz ele, são “pouco confiáveis”. Repete o mesmo tema e o analista tem
de tomar cuidado para não se contaminar com o “Spleen”; esse “Spleen” agora com causa,
sentido pelo analista.por meio da identificação projetiva e percebido na contratransferência.
O Spleen na adolescência
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regem mais os novos tempos e os novos tempos, por sua vez, ainda não se consolidaram;
momento de transformação e de crise , em que tudo está em aberto, indefinido, como foi o fin-du-
siécle, na passagem do século XIX para o século XX.
envolvendo Gradiva e Zoe Bertgang, como sabemos, desde o texto freudiano, um texto da
modenridade.
“... se uma pessoa vem falar com você e, ao ouvi-la, você sente que
ela o está entediando, então ela está doente e precisa de tratamento psiquiátrico. Mas se ela
mantém seu interesse independentemente da gravidade do seu conflito ou sofrimento, então você
pode ajudá-la”.
SUMÁRIO
O autor faz uma abordagem psicanalítica do “Spleen” adolescente, através da poesia
“Solidão” de Álvares de Azevedo, e distingue entre “causar tédio” e “sentir-se entediado”,
a partir das contribuições de Donald Winnicott.
SUMMARY
The author makes an psychoanalytic overview about the adolescent “Spleen”, trough the
poem “Solidão” of Álvares de Azevedo and distinguish between the activity of “boring
someone” from the feeling of “being bored”, with the contributions of Donald Winnicott.
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