Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
*** Médico Graduado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre.
RESUMO: Os autores fazem uma revisão bibliográfica sobre a importância das perturbações
emocionais ocasionadas pela carência do afeto materno na hospitalização de lactentes e sua
relação com o desenvolvimento da personalidade e com casos extremos de deteriorização total
progressiva. Apresentam um minucioso estudo da influência da proximidade da mãe no
desenvolvimento da personalidade do indivíduo, destacando as definições de “síndrome de
privação materna”, “depressão anaclítica ou privação efetiva parcial” e “hospitalismo ou
privação efetiva total”. As conclusões incluem sugestões que visam atenuar a ansiedade
despertada na criança pela separação da mãe e pelo ambiente da equipe de atendimento em
relação ao desenvolvimento normal e patológico, assim como de um maior contato possível da
criança com a mãe.
I. INTRODUÇÃO
Deve-se levar em consideração que “doença” não é apenas a existência de uma lesão
e/ou disfunção orgânica mas também a reação global da personalidade do paciente a
esta lesão e/ou disfunção orgânica².
Com esta conceituação podemos compreender o quanto será suscetível emocionalmente
uma criança “doente”, separada de seus pais e irmão e hospitalizada.
a. a importância das primitivas relações objetais, a relação mãe-filho, como padrão para
o desenvolvimento posterior da personalidade.
FREUD7 em “Três ensaios sobre a sexualidade” (1905) introduziu o estudo das relações
mútuas entre mãe e filho, entre o objeto e sujeito, observando que os fenômenos
psicológicos são baseados sobre a interação entre um fator congênito e um fator
ambiental (o papel da série complementar na etiologia das neuroses). Seus estudos o
levaram a descobrir que as causas iniciais dos distúrbios mentais de seus pacientes
tinham uma origem remota na sua história individual, encontravam-se em fatores que
influenciaram as fases iniciais do desenvolvimento da personalidade.
As crianças eram sempre carregadas pelas mães contra o corpo ou em pequenas sacolas
feitas de fibras macias, que lhes permitia a mesma percepção do corpo vivo onde se
apoiavam. Mais tarde, quando as crianças já podiam andar e correr e, portanto, tropeçar
e cair, Mead viu que os adultos Apareshes esforçavam-se por estar sempre por perto e
evitar acidentes. Um outro grupo, os Mundugumor, caracterizavam-se por belicosidade,
violência, individualismo e medo. As mulheres em geral não desejavam filhos e
pareciam detestá-los desde o nascimento. Os bebês eram tratados, alimentados e
ninados de modo rígido e abrupto. Raramente eram embalados nos braços das mães e
eram carregados em cestas duras e ásperas. Recebiam alimentação em posição
desconfortáveis e com palavras rudes.
ANNA FREUD18 observou crianças britânicas durante a guerra, notando que as que
podiam permanecer com suas mães suportaram os bombardeios e outras situações de
“stress” de forma satisfatória, enquanto que as separadas de suas mães apresentavam
perturbações emocionais em situações menos significativas.
Consideraram esses autores que o retardo do crescimento pode ser considerado como
uma desordem psicossomática e forneceram, numa revisão da literatura a respeito,
diversas hipóteses para explicar o fato Em primeiro lugar à criança nutrientes
adequados. Isto, indubitavelmente, ocorre em alguns casos, mas não é tido, por esses
autores e outros que estudaram este síndrome, como o fator limitante na maioria das
crianças. Em segundo lugar uma redução do apetite e mesmo da procura de alimentos
pode resultar da letargia e depressão que estas crianças freqüentemente apresentam.
Uma terceira possibilidade é que a motilidade intestinal e taxas de absorção poderiam
estar alternadas de tal maneira que chegariam a impedir a assimilação de nutrientes
ingeridos. As observação de ENGEL e col.6 mostraram a associação entre secreção
gástrica e estado emocional em crianças. Finalmente há a possibilidade de que
distúrbios emocionais poderiam ter um efeito direto no metabolismo intermediário de
tal maneira que interfeririam com processos anabólicos. É bem conhecido que a
produção e liberação de vários hormônios da neurohipófise são influenciados pelos
centros hipotalâmicos, os quais, por sua vez, recebem estímulos nervosos que vêm dos
centros mais altos, particularmente do córtex límbico e dos núcleos amidalóides. Isto se
reveste de importância pelo fato de que se pensa atualmente ser o córtex límbico o
“lócus” das emoções do comportamento. PATTON e GARDNER¹³ notaram ainda que
os aspectos clínicos deste síndrome parecem quase idênticos com aqueles previamente
descritos em crianças hospitalizadas e chamados de “hospitalismo e “depressão
anaclítica”.
Essa última observação está de acordo com a feita por Coleman e Provence que, numa
trabalho6 apresentado em 1957, observaram duas crianças hospitalizadas por “retardo do
desenvolvimento”. O estudo das mães destas crianças mostrou que o retardo era devido
a dificuldades experimentadas pelas mães. Eles ressaltam a importância de se identificar
sintomas de hospitalismo mesmo em crianças que vivem com suas famílias.
Nos últimos vinte anos têm sido desenvolvidas observações em torno da Psicologia
Experimental. Esses estudos têm sido realizados tanto em animais como em seres
humanos. No primeiro grupo destacam-se os trabalhos de Harlow, enquanto que as
experiências com seres humanos foram realizadas principalmente por Spitz.
RENÉ SPITZ17, 18 descreveu duas entidades: uma resultante da privação parcial do afeto
materno – a Depressão Anaclítica – e outra resultante da privação afetiva total – o
Hospitalismo.
Ele observou que a depressão desaparecerá se antes de um período crítico, que este situa
entre o fim do terceiro e o fim do quinto mês, a criança reencontre a mãe ou se esta for
substituída por outra aceitável para o bebê.
6
Spitz considerou que como a enfermeira se ocupava de dez ou mais crianças, cada uma
delas recebia apenas um décimo das provisões maternais, o que para ele constitui
carência afetiva completa.
Depois de separadas das mães, essas crianças apresentaram os estados que ele havia
descrito Omo de privação parcial. Superada esta situação o retardo motor tornou-se
evidente. As crianças mostravam passivas, prostradas no leito, com o rosto vazio e
expressão, geralmente com um “ar imbecilizado” e com a coordenação ocular muitas
vezes defeituosa. Depois de algum tempo a motricidade se manifestou sob a forma de
movimentos bizarros dos dedos, lembrando os movimentos dos catatônicos ou dos
descerebrados. P nível de desenvolvimento mostrou, ao fim do 2º ano, uma média de
45% do normal, representando o nível de idiotia. Essas crianças foram observadas até a
idade de 4 anos, sendo que certo número delas, nessa idade não chegava a andar, se pôr
de pé ou falar. A resistência diminuída contra as infecções e a deteriorização
progressiva conduziu uma porcentagem elevada dessas crianças ao marasmo e à morte.
Das 91 crianças observadas durante dois anos neste orfanato, 37% morreram. Em
contraste, ele observou que em uma outra instituição de características semelhantes,
onde porém as crianças eram cuidadas pelas próprias mães, durante quatro anos de
observação, com um total de 200 crianças, não houve nenhum caso de morte. Ele
conclui que “parece que a carência afetiva completa conduz a uma deteriorização
progressiva, que está em proporção direta com a duração da carência à qual o lactente
está submetido”*.
* Ibid, p. 52.
7
Há, em realidade, dificuldades de ordem prática que impedem que a mãe acompanhe a
criança durante a hospitalização. Ainda que as crianças estejam sob cuidado da equipe
hospitalar é importante observar que Spitz considerou que a relação de uma enfermeira
para dez crianças, em rotina de atendimento hospitalar, já constitui provação afetiva
total.
Algumas sugestões iniciais podem ser feitas visando atenuar a ansiedade despertada na
criança pela separação de sua mãe e pelo ambiente hospitalar.
1. Possibilitar um maior contato entre as crianças e suas mães por um período que,
sendo maior do que o atualmente concedido às visitas, não prejudique a rotina
hospitalar.
3. organizar “grupos de mães”, que funcionando em nível operativo terão como tarefa
básica o relacionamento mãe-filho, em todos os seus aspectos. Nos grupos serão
abordadas tanto as situações derivadas das necessidades emocionais das crianças e das
mães como os problemas de nutrição, imunização, higiene, etc. Estes grupos (nos quais
aflotarão com bastante freqüência aspectos emocionais dos participantes) deverão ser
liberados por técnicos com experiência em Puericultura e Pediatria e sob a supervisão
de um Psiquiatra.
SUMMARY: The authors present a bibliographic review on the importance of the emotional
disturbances caused by lack os mothering care in cases of hospitalization of nursling infants and
their relationship with the personality development as well as cases os extreme progressive
deteriozation. A thorough study of the influence of the proximity to the mother in the
personality development is made, focusing the definitions of “maternal deprivation syndrome”,
“anaclitical depression of partial affective deprivation”, and “hospitalismo r total affective
deprivation.. The conclusions include suggestions to minimize the child’s anxiety wich is
caused by separation from the mother and by the hospital environment. There is na emphasis
upon the necessity of a better formation of the hospital staff concerning normal and pathological
development, as well as the need of a maximal contact between mother and child.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
6. ELMER, E. Failure to thrive: role of the mother. Pediatrics, Springfield, III., 25(4) :
717-25, Apr. 1960.
7. FREUD, S. “Una teoria sexual”. In: Id. Obras completas. Madrid, Biblioteca Nueva,
1948. V. I. p. 767-818.
14. SEAY, B. & HARLOW, H. F. Maternal deprivation in the rhesus monkey. The
Journal of Nervous and Mental Disease, Baltimore, Md., 140(6): 434-41, Jun. 1965.
15. SEGAL, H. Introdução à obra de Melanie Klein, São Paulo, Ed. Nacional, 1966.
18. STONE, J. L. & CHURCH, J. Niñez y adolescencia. 4. Ed. Buenos Aires, Ed.
Hormé SAE, 1967.
19. TIETZ, W. The pediatrican and child psychiatry: problems of in role identification.
Clinical Pediatrics, Los Angeles, Calif., 8(7) : 430-2, 1968.
20. WARNER, Silas & SAUL, Leon. Significação da experiência infantil precoce na
personalidade do adulto e da sociedade. Arquivos da Clínica Pinel, Porto Alegre, 2(3) :
104-15, Set. 1962.