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2ª geração do Romantismo

Profa. Dra. Paula Fabrisia Sá


Quero em teus lábios beber
Os teus amores do céu!
Quero em teu seio morrer
Amor No enlevo do seio teu!
Quero viver d'esperança!
Amemos! quero de amor Quero tremer e sentir!
Viver no teu coração! Na tua cheirosa trança
Sofrer e amar essa dor Quero sonhar e dormir!

Que desmaia de paixão! Vem, anjo, minha donzela,


Na tu'alma, em teus encantos Minh'alma, meu coração...
E na tua palidez Que noite! que noite bela!
E nos teus ardentes prantos Como é doce a viração!
Suspirar de languidez! E entre os suspiros do vento,
Da noite ao mole frescor,
Quero viver um momento,
Morrer contigo de amor!
Adeus, meus sonhos!
Adeus, meus sonhos, eu pranteio e morro!
Não levo da existência uma saudade!
E tanta vida que meu peito enchia
Morreu na minha triste mocidade!

Misérrimo! Votei meus pobres dias


À sina doida de um amor sem fruto,
E minh’alma na treva agora dorme
Como um olhar que a morte envolve em luto.

Que me resta, meu Deus? Morra comigo


A estrela de meus cândidos amores,
Já não vejo no meu peito morto
Um punhado sequer de murchas flores!
➢ 1ª GERAÇÃO: INDIANISTA
ROMANTISMO ➢ 2ª GERAÇÃO: ULTRARROMÂNTICA
ROMANTISMO
Primeira geração – geração nacionalista ou indianista

Marcada pela exaltação da natureza, pela volta ao passado histórico, pelo medievalismo, pela
criação do herói nacional na figura do índio, sentimentalismo e religiosidade.
Gonçalves de Magalhães e Gonçalves Dias.

Segunda geração – geração “mal do século”

Impregnada de egocentrismo, negativismo boêmio, pessimismo, dúvida, desilusão adolescente e


tédio constante. Seu tema preferido é a fuga da realidade, que se manifesta na idealização da
infância, nas virgens sonhadas e na exaltação da morte.
Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Junqueira Freire e Fagundes Varela.
ROMANTISMO
Primeira geração – geração nacionalista ou indianista

A obra de Gonçalves Dias tem um “pesado lastro de prosa rimada” (Candido,


p. 81).

➢ ISSO ACONTECE PQ?

➢ Devido ao apego neoclássico e cultivo do verso discursivo

➢ Amor Delírio – Engano


(Primeiros Cantos)
2ª GERAÇÃO
DO
ROMANTISMO
ROMANTISMO
Benedito Nunes, A visão romântica.

Duas categorias explícitas no conceito de ROMANTISMO

PSICOLÓGICA HISTÓRICA
Relacionada a um modo Referente a um movimento
de sensibilidade literário e artístico e datado
ROMANTISMO
Benedito Nunes, A visão romântica.
➢ Sentimento como objeto da ação
interior do sujeito;

PSICOLÓGICA ➢ Trata-se da intimidade, da

Relacionada a um modo espiritualidade e da aspiração do


de sensibilidade infinito;
➢ Experiência conflitiva aguda;
➢ Modo de sentir autorizado por uma
estética literária.
ROMANTISMO
Benedito Nunes, A visão romântica.

A categoria psicológica do Romantismo é o sentimento como objeto da ação interior do


sujeito, que excede a condição de simples estado afetivo: a intimidade, a espiritualidade e a
aspiração do infinito, na interpretação tardia de Baudelaire. Sentimento do sentimento ou
desejo do desejo, a sensibilidade romântica, dirigida pelo “amor da irresolução e da
ambivalência”, que separa e une estados opostos – do entusiasmo à melancolia, da
nostalgia ao fervor, da exaltação confiante ao desespero - contém o elemento reflexivo de
ilimitação, de inquietude e de insatisfação permanentes de toda experiência conflitiva
aguda, que tende a reproduzir-se indefinidamente à custa dos antagonismos insolúveis que
a produziram. Pelo seu caráter conflituoso interiorizado, trata-se, portanto, considerada
assim, uma categoria universal. Mas somente na época do Romantismo, esse modo de
sentir concretizou-se no plano literário e artístico, adquirindo a feição de um comportamento
espiritual definido, que implica uma forma de visão ou de concepção do mundo (NUNES,
2013. p. 53-55. 13)
ROMANTISMO
Ultrarromantismo
➢ A sensibilidade romântica, por si só, é [...] o cristianismo separa profundamente o
ambígua. Oscila entre extremos da sua espírito da matéria. Põe o abismo entre a
própria sentimentalidade e, a partir daí, alma e o corpo, um abismo entre o homem e
surge a inquietude típica dos românticos, Deus. Nessa época, e para não omitir nenhum
proveniente, exatamente, da irresolução do traço do esboço ao qual nos aventuramos,
embate entre os opostos tão presentes na faremos notar que, com o cristianismo e por
sua psicologia; ele se introduzia no espírito dos povos um
sentimento novo, desconhecido dos Antigos e
➢ BASE - A doutrina da fé judaico-cristã que singularmente desenvolvido entre os
separa o espírito da matéria, a alma do Modernos, um sentimento que é mais que a
corpo. E é essa separação que acaba por gravidade e menos que a tristeza: a
originar o sentimento de melancolia. melancolia (HUGO, 2007, p.23)
HUGO, Victor. Do grotesco e do sublime
Ultrarromantismo

➢ Produções - 1848 a 1852 – auge do Ultrarromantismo

Período romântico que apresenta temáticas variadas, que


perpassaram a melancolia, a morte, o spleen, a
idealização amorosa, os amores intangíveis, assim como
também possuiu seu lado humorístico, amplamente
veiculado entre os jovens estudantes da época.
Ultrarromantismo

➢ O que permitiu o surgimento do Ultrarromantismo no Brasil?

1848 a 1852

▪ O contexto político: relativamente calmo no segundo reinado;

▪ Os poetas, ao invés de se dedicarem a causas sociais, se voltaram à sua


vida interior;

▪ O sentimento abolicionista que marcou a Terceira Geração Romântica só


veio a surgir posteriormente, por volta de 1860.
ÁLVARES DE AZEVEDO

CANDIDO, 2000, p.159


ÁLVARES DE AZEVEDO
Biografia

➢ Álvares de Azevedo nasceu em São Paulo, no dia 12


de setembro de 1831 e veio a falecer
prematuramente em 25 de abril de 1852, no Rio de
Janeiro;
➢ Em 1845, com 13 anos de idade, é matriculado no
Colégio Pedro II, no quinto ano, e nessa escola teve
célebres professores, tais como Gonçalves de
Magalhães;
ÁLVARES DE AZEVEDO
Biografia
➢ No ano de 1848, ingressou na Faculdade de
Direito do Largo de São Francisco, atual Faculdade
de Direito da Universidade de São Paulo, onde
começou seus estudos nas ciências jurídicas, mas
falece antes da conclusão do curso;
➢ Durante o período em que esteve na faculdade
compôs a obra Lira dos vinte anos (1853), só
publicada postumamente, em forma de antologia
poética.
ÁLVARES DE AZEVEDO
Biografia

MORTE

➢ 1852 - Álvares de Azevedo adoece (tuberculose) e


abandona a faculdade, um ano antes de completar
o curso de Direito.

➢ O autor faleceu no dia 25 de abril de 1852, com


apenas 20 anos de idade. Sua poesia Se Eu
Morresse Amanhã!, escrita alguns dias antes de
sua morte, foi lida, no dia de seu enterro, pelo
escritor Joaquim Manuel de Macedo.
ÁLVARES DE AZEVEDO
Ultrarromantismo

➢ Maior representante do nosso Ultrarromantismo;


➢ Representa a figura do poeta-sofredor, imerso em
devaneios e desilusões – essa percepção confunde
o eu-lírico com as próprias características do autor;
➢ Afixou a máscara de sofredor e amante infeliz em
seus poemas;
➢ Livro mais conhecido: Lira dos vinte anos
ÁLVARES DE AZEVEDO

CANDIDO, 2000, p.159


ÁLVARES DE AZEVEDO Ultrarromantismo

Poeta adolescente que deixa transparecer em sua poesia


os sentimentos contraditórios frutos de sua ingênua visão
de mundo. Frequentemente confunde ternura com
perversidade, submissão com rebeldia, idealização com
sensualidade. Seus escritos transformaram-se em um
misto de refinamento estético e infantilidade no trato do
tema e da linguagem. Sofre o fascínio do conhecimento e a
obsessão de algo maior, a própria existência que se traduz
num cansaço precoce de viver, o desejo anormal do fim.
PASSONI, Célia A. N.
(PASSONI, 1993, p. 28)
Romantismo no Brasil
ÁLVARES DE AZEVEDO
Ultrarromantismo

[...]
Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto, o poento caminheiro
“Lembrança de — Como as horas de um longo pesadelo
Morrer”, de Que se desfaz ao dobre de um sineiro;
Álvares de
Como o desterro de minh'alma errante,
Azevedo, em Lira Onde fogo insensato a consumia:
dos Vinte Anos Só levo uma saudade — é desses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.
[...]
ÁLVARES DE AZEVEDO

Álvares de Azevedo foi o primeiro, quase o único


antes do Modernismo, a dar categoria poética ao
prosaísmo cotidiano, à roupa suja, ao cachimbo
sarrento; não só por exigência da personalidade
contraditória, mas como execução de um programa
conscientemente traçado (CANDIDO, 2014, p. 161).
ÁLVARES DE AZEVEDO

➢ Produziu ficção, ensaios literários e


manteve correspondências com
familiares;
➢ Ficção mais conhecida: Noite na taverna
(1855);
➢ Macário (1852)
ÁLVARES DE AZEVEDO
De difícil classificação quanto ao gênero, oscila entre o teatro, o
diário íntimo e a narrativa (composição livre, meio diálogo, meio
narração), que se estabelece através do diálogo entre Satã e
Penseroso, tendo por centro os vícios e desatinos da cidade
grande. Macário narra a saga de um jovem que viaja à cidade a
estudos e, em uma de suas paradas pelo caminho, faz amizade com
um estranho que se trata de ninguém menos que o Satã “em pessoa”.
O jovem estudante Macário chega numa taverna para passar a
noite e começa a conversar com um estranho. O estranho revela ser
Satã e leva-lhe a uma cidade (possivelmente São Paulo, não fica claro,
mas a referência está lá) de devassidão, povoada por prostitutas e
estudantes, onde Macário tem uma alucinação envolvendo sua mãe.
Macário então acorda na pensão e a atendente reclama que ele
dormiu comendo. Ele acha que foi tudo um sonho, mas ambos veem
pegadas de pés de cabra queimadas no chão...

Fonte: https://www.passeiweb.com/estudos/livros/macario/
As influências
NO ROMANTISMO

ÁLVARES DE AZEVEDO Victor Hugo

A obra do poeta, romancista e escritor francês


Victor Hugo (1802- -1885) era voltada para as
questões políticas e sociais do seu tempo e
inspirou a última geração dos românticos. Daí
➢ Leitor de Byron, Victor Hugo, Goethe falar em geração hugoana.

Lord Byron

➢ Temáticas do grotesco e sublime operadas de A obra do poeta inglês Lord George Gordon
Byron (1788-1824) serviu de modelo para o
forma alternada e não concomitantemente ultrarromantismo. Daí falar-se em inspiração
(como dizia Victor Hugo); byroniana, geração byroniana.

Goethe

➢ Lira dos vinte anos é baseada em uma A obra do alemão Johann Wolfgang von
Goethe (1749-1832), lançou o mal do século
binomia (dualismo - a ideia de síntese de que influenciou principalmente os poetas da 2ª
geração.
oposições);
ÁLVARES DE AZEVEDO

Nem anjo, nem demônio. Foi uma natureza inteligente e idealista,


porém mórbida, desequilibrada de origem, e ainda mais
enfraquecida pelo estudo e agitada pela leitura dos sonhadores do
tempo. (...) Daí, por este lado, o dualismo que se nota nas
composições líricas de gênero amoroso em Azevedo. Às vezes é um
lirismo idílico e todo confiante, mas puramente ideal; outras vezes é
a amargura de quem não encontrou ainda um coração que o
compreendesse, ou a pintura dalguma cena lasciva.

Silvio ROMERO
No ensaio “Álvares de Azevedo” – presente em História da literatura brasileira
ÁLVARES DE AZEVEDO

➢ Álvares de Azevedo, ao compor a Lira dos vinte anos, fundamentou a sua


obra em uma binomia: duas faces de uma mesma medalha, como o autor
mesmo define, que possuem “personalidades” literárias diametralmente
opostas. Enquanto a face Ariel representa e apresenta uma poesia idealista,
ligada ao etéreo e ao “visionário e platônico”; Caliban, por outro lado,
representa a face satírica, humorística, cética e irônica e é apresentada pelo
poeta remontando a uma tradição proveniente de Bocaccio e Rabelais;

➢ O antagonismo entre essas duas faces caracteriza toda a Lira dos vinte anos.
ÁLVARES DE AZEVEDO
➢ Lira dos vinte anos, em suas edições
atuais, costuma ser dividida em três
partes, mas originalmente Álvares de
Azevedo a planejou com somente duas
partes.

➢ A "Primeira parte" está ligada Ariel, anjo


bom da obra "A tempestade", de
Shakespeare.

➢ A "Segunda parte", ligada a Caliban,


outro personagem shakespeariano,
demônio disforme.
Ariel e Caliban (1939), de
Fernando Leal
ÁLVARES DE AZEVEDO

➢ Ariel e Caliban – personagens da obra A


Tempestade de Willian Shakespeare, escrita
entre 1611 e 1613;
➢ Ariel – anjo na Bíblia (leão de Deus) – ligado
ao divino, à idealização, ao sublime;
➢ Caliban – relacionado ao mal, ao vil, ao
demônio

Ariel e Caliban (1939), de


Fernando Leal
ÁLVARES DE AZEVEDO

➢ A sua primeira parte, a FACE ARIEL, é composta de poemas que


representam a candura romântica que permitem ao poeta perder-se em
lamúrias sentimentais, sonhar com virgens idealizadas e morrer de
amor.

➢ Na FACE CALIBAN, surgem poemas que trazem à cena a lascívia, o


sarcasmo, a autoironia. O que era tido como o ideal na face Ariel é
sumariamente dessacralizado com Caliban, o que traz à obra de Álvares
de Azevedo uma questão de antagonismo que permeia toda a Lira além
de se expandir para outras criações do poeta.
ÁLVARES DE AZEVEDO

Lado noturno Lado solar


FACE ARIEL FACE CALIBAN
ÁLVARES DE AZEVEDO

Lado noturno
Amor

Amemos! Quero de amor


➢ O LADO NOTURNO seria aquele Viver no teu coração!
Sofrer e amar essa dor
Que desmaia de paixão!
ligado ao desejo e à admiração pela
morte, o morrer de amor e o desejo Na tu‘alma, em teus encantos
E na tua palidez
irrealizado pelas misteriosas virgens E nos teus ardentes prantos
Suspirar de languidez!
pálidas;
Quero em teus lábios beber
Os teus amores do céu,
Quero em teu seio morrer
No enlevo do seio teu!
[...]
ÁLVARES DE AZEVEDO

Lado solar
“O poeta moribundo”, como
➢ O LADO SOLAR seria aquele que vários outros poemas de
ora lembra aquela ingenuidade, ora Azevedo, trata do tema da
substitui os suspiros melancólicos morte. Mas, ao contrário do
pela gargalhada ou um simples teor melancólico normalmente
esgar (careta). utilizado para se tratar do
➢ O humor surgiu como contraponto assunto, a comicidade e ironia
às lamúrias sentimentais. protagonizam os versos do
poema.
ÁLVARES DE AZEVEDO O poeta
moribundo
VI
13. Eu morro qual nas mãos da cozinheira
O POETA MORIBUNDO
14. O marreco piando na agonia...
15. Como o cisne de outrora... que
1. Poetas! amanhã ao meu cadáver
gemendo
2. Minha tripa cortai mais sonorosa!...
16. Entre os hinos de amor se enternecia.
3. Façam dela uma corda e cantem nela
4. Os amores da vida esperançosa!
17. Coração, por que tremes? Vejo a morte,
18. Ali vem lazarenta e desdentada...
5. Cantem esse verão que me alentava...
19. Que noiva!... E devo então dormir com
6. O aroma dos currais, o bezerrinho
ela?
7. As aves que na sombra suspiravam
20. Se ela ao menos dormisse mascarada!
8. E os sapos que cantavam no caminho!
21. Que ruínas! que amor petrificado!
9. Coração, por que tremes? Se esta lira
22. Tão antediluviano e gigantesco!
10.Nas minhas mãos sem força desafina,
23. Ora, façam idéia que ternuras
11.Enquanto ao cemitério não te levam,
24. Terá essa lagarta posta ao fresco!
12.Casa no marimbau a alma divina!
ÁLVARES DE AZEVEDO O poeta
moribundo

25. Antes mil vezes que dormir com ela,


33. Se é verdade que os homens gozadores,
26. Que dessa fúria o gozo, amor eterno
34. Amigos de no vinho ter consolos,
27. Se ali não há também amor de velha
35. Foram com Satanás fazer colônia,
28. Dêem-me as caldeiras do terceiro Inferno!
36. Antes lá que do Céu sofrer os tolos!
29. No inferno estão suavíssimas belezas,
37. Ora! e forcem um’alma qual a minha,
30. Cleópatras, Helenas, Eleonoras...
38. Que no altar sacrifica ao Deus-Preguiça,
31. Lá se namora em boa companhia,
39. A cantar ladainha eternamente
32. Não pode haver inferno com Senhoras!
40. E por mil anos ajudar a missa!
ÁLVARES DE AZEVEDO O poeta
moribundo
➢ “O poeta moribundo” busca lidar com a morte
de um modo bem diferente do de “Lembrança
de morrer”, pertencente à Primeira Parte da
Lira;
1. Poetas! amanhã ao meu cadáver
➢ Não há melancolia e nem 2. Minha tripa cortai mais sonorosa!...
solenidade no tratamento da morte; 3. Façam dela uma corda e cantem nela
4. Os amores da vida esperançosa!

➢ “O poeta moribundo” já se inicia de modo


bastante pitoresco ao já sugerir a profanação do
cadáver do poeta para que se faça uma corda
de suas tripas e cantem os “amores da vida
esperançosa”;
ÁLVARES DE AZEVEDO O poeta
moribundo
13. Eu morro qual nas mãos da cozinheira
14. O marreco piando na agonia...
15. Como o cisne de outrora... que gemendo
16. Entre os hinos de amor se enternecia.

➢ O cadáver já não é mais tratado com aquela melancolia respeitosa de “ser


deitado na floresta esquecida dos homens”, não há menção a qualquer
enterro, e o corpo é simplesmente usado para outro propósito, tal como o
de um animal morto para usufruto humano;

➢ Na 4ª estrofe, os versos descrevem o sofrimento da morte comparando-o


com o de um marreco nas mãos de uma cozinheira:
ÁLVARES DE AZEVEDO O poeta
moribundo

➢ O grotesco marca presença na ironização do sofrimento da morte, que é


comparado a algo tão prosaico quanto o preparo de um animal para
consumo.

➢ Essa característica de grotesco é salientada pela menção e comparação ao


“cisne poético”.

➢ O cisne é sublime, gemia enquanto se enternecia entre hinos de amor, já o


marreco é um animal desesperado que “piava a agonia” nas mãos da
cozinheira. O poeta aproxima-se, entretanto, do tal marreco, caçoando da
própria morte.
O poeta
ÁLVARES DE AZEVEDO
moribundo

➢ Após a descrição do sofrimento físico, parte-se para um tratamento


simbólico da morte como uma noiva com quem se deve deitar.

17. Coração, por que tremes? Vejo a morte,


18. Ali vem lazarenta e desdentada...
19. Que noiva!... E devo então dormir com ela?
20. Se ela ao menos dormisse mascarada!
O poeta
ÁLVARES DE AZEVEDO
moribundo
➢ Tal noiva, entretanto, é descrita como “lazarenta e desdentada”, sendo
zombada e desprezada, sob a afirmação de que deveria “dormir
mascarada”, para que a sua dita feiura fosse mais suportável.

➢ A morte aqui é como alguém desprezível e horroroso, uma amante


indesejada.

➢ Desaparece assim o tratamento solene dado à morte.

21. Que ruínas! que amor petrificado!


22. Tão antediluviano e gigantesco!
23. Ora, façam idéia que ternuras
24. Terá essa lagarta posta ao fresco!
O poeta
ÁLVARES DE AZEVEDO
moribundo
➢ Nas últimas estrofes, o eu lírico ironiza a vida eterna celestial;

➢ Demonstra preferência pelo inferno;

➢ Vê o inferno como local de namoro e onde se encontram belas mulheres,


não de sofrimento eterno, como é descrito pela religião. Pelo contrário, vê
o céu como um local de sofrimento (e para tolos):

29. No inferno estão suavíssimas belezas, 33. Se é verdade que os homens gozadores,
30. Cleópatras, Helenas, Eleonoras... 34. Amigos de no vinho ter consolos,
31. Lá se namora em boa companhia, 35. Foram com Satanás fazer colônia,
32. Não pode haver inferno com Senhoras! 36. Antes lá que do Céu sofrer os tolos!
O poeta
ÁLVARES DE AZEVEDO
moribundo
➢ Ironiza e dessacraliza toda uma ideia e tradição religiosa num gesto que
denuncia um “satanismo cômico”;

➢ Finaliza o poema zombando mais uma vez do céu e o que faria nele,
afirmando-se como um hedonista que pouco se adaptaria às atividades
em que provavelmente teria que se engajar em esferas celestiais:

37. Ora! e forcem um’alma qual a minha,


38. Que no altar sacrifica ao Deus-Preguiça,
39. A cantar ladainha eternamente
40. E por mil anos ajudar a missa!
O poeta
ÁLVARES DE AZEVEDO moribundo

“O poeta moribundo”, então, se constitui como um poema cômico e irônico,


que nega qualquer melancolia que pode ser direcionada à morte, caçoando
do sofrimento e tristeza normalmente cantados à ocasião. Redefine também
as noções cristãs de vida eterna, reafirmando certa identidade de poeta
boêmio, namorador e amante dos prazeres, que teria como morada eterna
ideal o inferno “orgiástico” que pinta (Carolina SANTOS, 2017, p.70)
O poeta
ÁLVARES DE AZEVEDO moribundo

O gosto por patentear antinomias expresso no prefácio [à “Segunda


parte” de Lira dos vinte anos] revela, assim, o seu perfeito
enquadramento dentro da óptica geral do movimento e é possível filiá-lo
em linha direta àquele que é considerado o escrito programático do
romantismo francês, este também um “Prefácio”, aposto por Victor Hugo
ao seu drama de 1827, o Cromwell. Devesse lembrar, muito a propósito,
que Álvares de Azevedo foi o único poeta entre nós a declarar a mais
franca adesão à teoria dos contrastes formulada por Hugo no aludido
prefácio e posta em prática com sua produção dramática e ficcional.
ÁLVARES DE AZEVEDO

➢ IRONIA RÔMÂNTICA

➢ O humor foi uma faceta do Romantismo bastante explorada aqui no Brasil, em


meados do século XIX;

➢ Apresenta o humor, em vários de seus aspectos, na Segunda Parte da Lira dos


vinte anos;

➢ Situou dentro da literatura brasileira, o “humor à inglesa e à alemã”, ou


humour.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
ÁLVARES DE AZEVEDO
➢ Álvares de Azevedo, dentre os poetas brasileiros românticos, destacou-se
tanto pela sua lira sentimental quanto humorística;

➢ Influenciador de vários poetas e escritores que surgiram na posteridade;

➢ A autorreferenciação da poesia brasileira;

➢ Após a sua morte, um elevado número de escritores começa a usar epígrafes


das poesias azevedianas em seus poemas;

➢ Álvares de Azevedo entrou no cânone da nossa literatura após a primeira


publicação, já póstuma, de sua obra.
REFERÊNCIAS
CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira. 7.ed. 2.v. Belo Horizonte: Editora
Itatiaia ilimitada, 2000.
HUGO, Victor. Do grotesco e do sublime. Traduzido por Célia Berretini. 2 ed. São Paulo:
Perspectiva, 2007.
NUNES, Benedito. A visão romântica. In: GUINSBURG, Jacob (Org.). O Romantismo. São
Paulo: Perspectiva, 2013.
PASSONI, Célia A. N. Romantismo no Brasil: características da estética: estudo crítico de
autores e obras, exercícios; análise, comentários. São Paulo: Núcleo, 1993.
SANTOS, Carolina. Dissertação. Disponível em:
ttps://repositorio.ufes.br/bitstream/10/9195/1/tese_10562_Disserta%c3%a7%c3%a3o%
20-%20Carolina%20Frizzera%20Santos%20%281%29.pdf

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