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Table of Contents
Sinopse
Capítulo Um
Capítulo Dois
Capítulo Três
Capítulo Quatro
Capítulo Cinco
Capítulo Seis
Capítulo Sete
Capítulo Oito
Capítulo Nove
Capítulo Dez
Capítulo Onze
Capítulo Doze
Capítulo Treze
Capítulo Quatorze
Capítulo Quinze
Capítulo Dezesseis
Capítulo Dezessete
Capítulo Dezoito
Capítulo Dezenove
Capítulo Vinte
Capítulo Vinte e Um
Capítulo Vinte e Dois
Capítulo Vinte e Três
Capítulo Vinte e Quatro
Capítulo Vinte e Cinco
Capítulo Vinte e Seis
Capítulo Vinte e Sete
Capítulo Vinte e Oito
Capítulo Vinte e Nove
Capítulo Trinta
Capítulo Trinta e Um
Capítulo Trinta e Dois
ACHERON - NACIONAIS
PERIGOSAS
ACHERON - NACIONAIS
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Doce
Inocência
Outro olhar sobre o seu
ACHERON - NACIONAIS
PERIGOSAS
ISBN: 978-85-92861-57-5
Publicação AMAZON
Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas. Nomes, personagens, lugares e
acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte dessa obra, através de
quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o consentimento escrito da autora.
Criado no Brasil. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°. 9.610/98 e
punido pelo artigo 184 do Código Penal.
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Lu Muniz
Doce
Inocência
Outro olhar sobre o seu
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Índice
Sinopse
Capítulo Um
Capítulo Dois
Capítulo Três
Capítulo Quatro
Capítulo Cinco
Capítulo Seis
Capítulo Sete
Capítulo Oito
Capítulo Nove
Capítulo Dez
Capítulo Onze
Capítulo Doze
Capítulo Treze
Capítulo Quatorze
Capítulo Quinze
Capítulo Dezesseis
Capítulo Dezessete
Capítulo Dezoito
Capítulo Dezenove
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PERIGOSAS
Capítulo Vinte
Capítulo Vinte e Um
Capítulo Vinte e Dois
Capítulo Vinte e Três
Capítulo Vinte e Quatro
Capítulo Vinte e Cinco
Capítulo Vinte e Seis
Capítulo Vinte e Sete
Capítulo Vinte e Oito
Capítulo Vinte e Nove
Capítulo Trinta
Capítulo Trinta e Um
Capítulo Trinta e Dois
Capítulo Trinta Três
Capítulo Trinta e Quatro
Capítulo Trinta e Cinco
Capítulo Trinta e Seis
Capítulo Trinta e Sete
Capítulo Trinta e Oito
Capítulo Trinta e Nove
Capítulo Quarenta
Capítulo Quarenta e Um
Capítulo Quarenta e Dois
Capítulo Quarenta e Três
Capítulo Quarenta e Quatro
Capítulo Quarenta e Cinco
Capítulo Quarenta e Seis
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Sinopse
Na duologia DOCE INOCÊNCIA, Francine convida o leitor a
partilhar, em tempo real, dos conflitos, das emoções e das reflexões que
permeiam o amadurecimento feminino em face da transição para a vida adulta.
Nesse primeiro volume, a personagem principal é ainda muito jovem
quando precisa lidar com o primeiro grande problema - aparentemente clichê -
de sua vida: o amor platônico por Ivan; um homem treze anos mais velho,
músico e melhor amigo de infância do seu irmão.
Todo o seu drama pessoal na tentativa de esconder esse amor intenso,
vem da relação fraternal que os une já que Ivan nutre um forte sentimento de
afeto e proteção pela garotinha de olhar doce e inocente que vira nascer e
crescer. O que ele não contava, contudo, é que essa mesma menina se tornaria
uma mulher que o atrairia irremediavelmente e de forma profundamente
perturbadora.
Será que Francine conseguirá convencê-lo de que não é mais a mesma
menininha que ele viu há quatro anos? Será que uma relação fraternal pode se
transformar em amor? Será que relações familiares e preconceito de idade
podem interferir em um relacionamento?
Lu Muniz escreveu o original desse primeiro volume em 1993, quando
não existia internet e nem telefone celular; numa época em que ter discos de
vinil e walkman era o máximo! E foi um desafio para autora reescrever a
história, ambientando-a nos tempos atuais sem deixar que perdesse a sua
essência.
“Doce Inocência, outro olhar sobre o seu” tem uma narrativa
envolvente e é embalada pela magia do amor e pelos sentimentos de uma
garota que convida o leitor a acompanhar o seu amadurecimento de menina-
mulher que desabrocha para o mundo.
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Recomendado para:
Maiores de 16 anos. Não há cenas de sexo. Há contos eróticos
independentes que complementam a série disponíveis na Amazon: “Desnuda-
me” e "Possua-me".Lu Muniz escreveu o original desse primeiro volume em
1993, quando não existia internet e nem telefone celular; numa época em que
ter discos de vinil e walkman era o máximo! E foi um desafio para autora
reescrever a história, ambientando-a nos tempos atuais sem deixar que
perdesse a sua essência.
“Doce Inocência, outro olhar sobre o seu” tem uma narrativa
envolvente e é embalada pela magia do amor e pelos sentimentos de uma
garota que, a cada volume, convidará o leitor a acompanhar o seu
amadurecimento de menina-mulher que desabrocha para o mundo.
Recomendado para:
Maiores de 16 anos. Não há cenas de sexo. O conto erótico “Desnuda-
me”, que complementa o volume, também está disponível na Amazon.
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Capítulo Um
Esta manhã, eu pulei da cama cedo. Quero contemplar o mar e esse é um
momento só meu! É hora de me vestir às pressas, pegar meu livro favorito,
uma toalha de praia e sair sem ser vista. Toda minha família dorme. A casa
está escura ainda e, ao passar pela cozinha, pego uma maçã dentro da fruteira
que há em cima da mesa.
Assim que abro a porta, um vento gelado corta meu rosto e joga meus cabelos
para trás. Ah, Francine! Por que você nunca se lembra de pegar um casaco?
Cresça! Você já tem quatorze anos! Suspiro alto e dou de ombros. Agora é
tarde e a natureza não espera.
Estou passando o início das férias na casa de praia que pertence a minha
família. A construção fica no alto de uma colina e, à noite, podemos ouvir o
som das ondas do mar batendo nas pedras. As casas vizinhas ficam bem
distantes umas das outras, o que torna o lugar perfeito para quem quer fugir da
rotina da cidade grande. Eu amo essa casa, eu amo esse lugar!
Escolho um local na areia para que eu possa me sentar a uma distância
suficiente para que as ondas não me alcancem. Estico a toalha e sento,
colocando o livro sobre ela e dando uma mordida na minha maçã.
No horizonte, uma tênue linha alaranjada começa a se formar no céu, dividindo
a escuridão da noite com as águas do mar. Mais alguns minutos... e o sol
nascerá magicamente. Como eu amo assistir a esse belíssimo espetáculo!
Avisto gaivotas voando baixo, procurando alimentos. O azul começa a fazer
companhia para o laranja no céu. E lá vem ele, o majestoso rei do dia!
Termino de comer a fruta e coloco o miolo ao lado da toalha para jogar fora
depois. Minha professora de Biologia jamais me perdoaria se soubesse que eu
sonhei em emporcalhar a areia com a minha falta de educação... Eu consigo
ser bem mal educada, às vezes, no sentido literal da palavra! Meu lado ogra
adora deixar roupas emboladas, toalha molhada em cima do colchão, cadernos
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e livros espalhados aos pés da minha cama. Coitada da Bastiana! – minha ex-
babá e administradora das tarefas domésticas da minha casa.
Deito na toalha e abro meu livro favorito, que já li incontáveis vezes. Suas
páginas estão amareladas, a orelha marcada e não há mais espaço para minhas
anotações. Sim!!! Eu sou uma ogra quando quero! Mas não me importo porque
tenho outro exemplar novinho em folha, que exibo com orgulho, numa das
prateleiras do meu quarto. Esse, sim, é o exemplar de uma leitora que usa
marcadores e que não empresta aos amigos nem para que eles possam sentir o
cheiro do livro novo. Os opostos dentro de uma só pessoa. Essa sou eu.
Passo a ponta dos dedos pela página do meu antigo amigo, já envelhecido pelo
tempo e sorrio de mim mesma. Eu posso ser patética quando quero também e,
para isso, é só falar de amor. Eu sou romântica demais! Sonho demais! Amo
estar em contato com a natureza, olhar o mar, sentir o perfume das flores,
pensar em... Ivan.
Ivan... Onde ele está? Por que não me dá notícias? Por que nunca me
escreveu? Uma carta para mim, só para mim! As cartas que ele manda
direcionadas aos meus pais, não contam. Eu quero poder ler meu nome com a
letra dele no envelope; saber que está pensando em mim enquanto escreve; que
se importa em me dizer algumas palavras depois de tantos anos ausente,
depois de tantos anos sem me dizer que eu sou sua garotinha e que ele vai me
amar para sempre.
O simples pensamento em Ivan faz meu coração pular de agonia. Não há a
menor condição de continuar a leitura depois desse turbilhão de sentimentos
contraditórios que me invadem. Jogo o livro de lado e sento, abraçando as
minhas pernas e pousando minha cabeça nos joelhos.
Quantos sentimentos podem habitar o coração de uma garota! Quantos sonhos
podem ser possíveis! Quantos dramas internos dentro de uma só criatura! Todo
meu corpo se modifica a cada dia. Minha cabeça não acompanha bem essa
mudança, muito menos meu coração. Dizem que são os hormônios e eu não
consigo entender como essas substâncias invisíveis são capazes de causar
tanto estrago em uma só pessoa!
Além de Ivan, minha família é, um outro problema frequente em minha vida.
Não toda a família, só metade dela. Meu pai e Alexandre, meu irmão mais
velho, não se enquadram nesse aspecto. Mas minha mãe e Bianca, minha irmã
do meio, são meu principal ponto de conflito. Eu, a caçula temporã, sou o alvo
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lugar que eu amo estar! Mas onde mais eu poderia pensar sobre eles?
– Ei... – meu irmão tenta me abraçar e eu o rejeito com as mãos.
– Por favor, Alex, não... Não faz isso ou vai me deixar pior. – balanço as mãos
como sinal de protesto.
– Olha, Fran... – se vira para mim novamente e continua sua tentativa de me
consolar. – Sei que a mamãe e a Bianca costumam não serem muito delicadas
com você. Sei que não é fácil. Mas, você tem a mim! – aponta as duas mãos
para o próprio peito, fazendo uma cara engraçada, o que me faz rir. – Isso,
assim... viu?! Agora, sim! Você nasceu pra sorrir! – fica sério de repente e
completa. – Você sabe que sempre poderá contar comigo, não sabe, minha
bonequinha?
Bonequinha?! Sinto o sangue subir para minha cabeça, mas não vou brigar com
meu irmão! Não posso ser grosseira com a única pessoa que tem tempo para
se preocupar comigo. Será que ele não consegue enxergar o quanto eu sou uma
menina feia, sem sal e desinteressante? Não é à toa que Bianca me coloca
apelidos horrorosos. Respiro fundo e tento não parecer tão irritada com o
comentário dele.
– Sei disso, Alex. Obrigada. Você e o papai são as únicas pessoas no mundo
com quem posso contar... Mas, estou longe de ser uma bonequinha! – olho para
o infinito e balanço minhas pernas como se eu fosse niná-las, típico de quando
estou irritada e tentando me acalmar.
– Se tem tanta certeza que pode contar comigo, por que não me conta o que
está chateando você? – meu irmão não se dá por vencido. Como ele pode ser
insuportavelmente preocupado quando quer! Ele sabe como eu me sinto,
então... falar para quê? Se ainda mudasse alguma coisa... Mas, não. Só dói.
Percebo que Alex quer me ganhar pelo cansaço. Continua aguardando que eu
diga o que está me atormentando. Tento pensar em algo para dizer sobre o
assunto sem parecer tão direta, mas as palavras fogem.
Ganho tempo por alguns segundos com o olhar perdido no tempo e no espaço e
ele ainda está lá, teimoso como uma mula. Ou eu falo alguma coisa ou ele
nunca vai me deixar em paz!
– Alex, você me acha feia? – solto a frase como se cuspisse uma espinha de
peixe que atravessa minha garganta. – Falo de beleza física... De corpo! Não
me venha com papinho de interior e blá blá blá...
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Meu irmão me olha assustado. Com toda certeza ele esperava essa pergunta.
Não foi pego de surpresa. Observa atentamente meu rosto. Analisa minhas
roupas largas, o meu cabelo bagunçado e sorri. Ele sorriu?! Como assim ele
está rindo de mim?! Uma nova onda de raiva me invade.
– Está vendo?! Não devia ter te perguntado nada! – cruzo os braços e fecho a
cara com tanta força que sinto doer o maxilar.
– Não é nada disso, Fran! Olha, você pode até não atender aos padrões de
beleza estabelecidos para as passarelas ou coisa parecida, o que para mim não
é nada saudável... Já viu quantos casos de meninas morrendo de anorexia e
bulimia ultimamente? – diz parecendo sincero, mas eu não dou ouvidos.
– Blá... blá... blá... – digo lentamente enquanto faço caretas.
– É sério, Francine! Desse jeito como posso conversar direito com você? Para
de ser infantil!
Opa. Agora sim. Agora ele me coloca de volta ao meu lugar. Ao meu eixo.
Quem é Francine na fila do pão sem o apoio total de Alex? Baixo os olhos e
me desculpo. Infantil. Criançona. Não posso ser tão injusta! Ele só está
tentando ser um irmão amoroso que deseja ver a irmã feliz... e bem informada
sobre o índice de meninas-mortas-pela-falta-de-ingestão-de-alimentos-
contendo-nutrientes-indispensáveis-ao-organismo! Aff... Saco. Ninguém
merece!
– Então vamos ao ponto, Alex! – tento não parecer irritada, mas acho que não
sou bem sucedida. – Responda a minha pergunta!
– Deixe-me terminar! – meu irmão literalmente não tem limites nos discursos
morais. – Cada um tem a sua maneira de ver a beleza... Quem impôs esses
padrões? Quem os estabeleceu? E por que essa imposição de alguém que não
conhecemos significa tanto? – toca meu rosto com um sorriso no canto dos
lábios.
Eu desisto.
– Se toda essa tristeza é para me perguntar se a sua beleza irá influenciar no
interesse de um garoto por você, eu digo: sim, vai. Mas esse encantamento
pela beleza é passageiro, Fran! O que conta de verdade é a companhia, o
amor, o carinho, a dedicação que recebemos de quem a gente gosta. Na
verdade, é essa beleza que conta.
Continuo muda. Mas o que ele fala me toca profundamente.
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– A beleza do corpo um dia acaba. A de dentro, não. – meu irmão acaricia meu
rosto mais uma vez e levanta meu queixo para que eu possa encará-lo. – E
você, minha irmãzinha, é uma das meninas mais lindas que já vi, por dentro e
por fora. Acredite nesse velho irmão!
Abraço meu irmão com força. Sinto em meus braços a minha rocha, meu ponto
de apoio, meu porto seguro. Ainda abraçado a mim, Alex acaricia minha
cabeça.
– E tem mais um detalhe: um dia, você vai se apaixonar por alguém; essa
pessoa vai dizer o quanto é linda e essas palavras terão um significado ainda
mais especial do que as minhas!
– Amo você, Alex. – digo num sussurro, colada ao abraço dele.
– Também amo você, Fran... Daria o meu mundo para não vê-la chorar.
♫♪
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Capítulo Dois
A varanda da casa de praia é grande e espaçosa. Há quatro redes penduradas
para que possamos sentar e bater papo, exatamente como fazíamos, papai,
Alex e eu nessa manhã quente de início de ano. Cada um em uma. Ao meio dia,
o sol já está de ferver a cabeça, mas as sombras das árvores trazem um vento
agradável de vez em quando.
Observo meu pai sentado, totalmente à vontade, com as pernas abertas, uma de
cada lado da sua rede. Seu cabelo já está quase todo grisalho e acentuadas
rugas se destacam no rosto cansado pelo trabalho desgastante. Meu pai ama o
que faz! Mas sabemos que a medicina consome seu tempo, seu sono, sua vida
familiar e social. Sempre magro e com poucos hábitos saudáveis, vamos
combinar. Ele não é um médico de muitos bons exemplos. É um adorador de
xícaras de café, não se alimenta adequadamente e o cigarro está sempre entre
os dedos enquanto não está trabalhando.
Alex não perde uma oportunidade de implicar com nosso pai sobre seus
hábitos e não cansa de ouvir a mesma resposta: “Cuide da sua vida,
menino!”. E por causa disso, o Dr. Alex-consultor-de-índices-de-mortalidade
vive dizendo que esses maus hábitos podem acabar com a vida dele. Meu
irmão é chato com saúde, mas ele tem razão. Nosso pai fuma demais!
Ao contrário de papai, Alex dedica seu tempo aos estudos, ao trabalho, à
alimentação saudável e à academia. É admirável a sua boa forma, com
músculos definidos e uma pele ótima. Não há na cidade em que moramos, uma
só menina que não caia de amores por ele. Cabelos e olhos castanhos como os
meus, alto e com um sorriso de iluminar qualquer lugar que vá. Ele é focado
no que quer e está solteiro, sim, mas sozinho nunca, que eu sei. Isso é fato.
O meu cachorrinho, Pingo, está com a gente na casa e deita embaixo da minha
rede. Ele se arreganha todo, para que eu esfregue meus pés em sua barriga. Os
pelos pretos estão crescidos e cobrem seus olhinhos, já pedindo por uma tosa.
Papai começa a contar uma piada que já ouvimos um milhão de vezes, mas
rimos mesmo assim, para não deixá-lo sem graça. A risada dele é sempre mais
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Capítulo Três
Nesta noite, sinto uma atmosfera diferente, como se eu fizesse parte de um
grande conto romântico. A brisa sopra em meu rosto e eu jogo minha cabeça
para trás, respirando profundamente.
A areia está grudada em minhas pernas e eu limpo com a própria toalha de
praia, deixando que os minúsculos grãos sejam levados pelo vento. Vou
caminhando até a subida da colina, calmamente. Percebo que alguns casais
estão em alguns pontos da orla, apreciando a noite e, é claro, fazendo o que eu
nunca fiz: namorando. Criançona. Mas e daí? Os garotos são bobos,
desengonçados e implicantes! Quem precisa deles?
Estou nessas divagações quando avisto um carro moderno, parado em frente
ao portão da minha casa. De quem é esse veículo estacionado? Uma visita?
Nós sequer moramos aqui!
Meu corpo paralisa e minha mente faz uma viagem até o lugar mais profundo
do meu íntimo. Uma espécie de formigamento começa pelos pés, sobe pelas
minhas pernas, passa pelo meu ventre, chega rapidamente ao meu peito,
arrepia meus pelos. Quando chega ao meu rosto, sinto-o ferver. A sensação
retorna para o meu peito e, lá... explode... em mil fragmentos! Depois, se
espalha em multicores, cheiros, sabores e sons por todo o meu ser.
Dentro da minha cabeça, a imagem de Ivan soa como um alarme e faz disparar
o meu coração em batidas descompassadas e em um ritmo absurdamente
acelerado. Estou tremendo e temo não ter condições de dar um passo adiante.
Procuro respirar fundo e controlar minhas pernas. Respiro profundamente de
novo. Uma. Duas. Três vezes. E se não for ele? Francine, como você é
estúpida e patética! Dou um tapinha no meu rosto e pisco com força para
espantar aquela sensação poderosa que se apossou de mim. Sonhadora.
Ridícula. Tolinha.
Volto ao mundo real, mas meus batimentos ainda não me obedecem. Aproveito
que as pernas estão colaborando e dou passos lentos em direção aos fundos da
casa. Ouço vozes vindas da sala, mas não quero que ninguém perceba a minha
presença até que eu me certifique quem é a visita misteriosa.
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pedaços de avião. Os pais daquele jovem, não existem mais. Não chora! Eu
estou aqui com você! Casa vendida, objetos de valor levados para fora do
país. Venha minha garotinha, vou cantar até você dormir... Volte, Ivan! Volte
para mim.
De repente, a luz do túnel se apaga e tudo escurece. Francine! Francine! Sinto
umas sacudidas no braço. É Bianca me olhando assustada.
– Francine, o que houve? – está me sacudindo mais uma vez. – Que cara é
essa? Viu assombração?
Venha minha garotinha, vou cantar até você dormir...
– Eu... Eu.. – eu estou em choque.
Você sempre vai ser minha garotinha e eu sempre vou te amar.
– Você está bem? – Bianca pergunta realmente parecendo preocupada.
Oi? Preocupada? Minha irmã que-só-olha-para-o-próprio-umbigo? Não,
realmente eu não posso estar em meu perfeito estado. Devo estar tendo
alucinações. Quero voltar para o túnel. Preciso voltar, me deixe voltar!
– Sua idiota, vai ficar aí parada? – volta ao seu comportamento habitual. – O
Ivan está aí! – dá o seu melhor sorriso de devoradora de bons partidos. Minha
irmã literalmente não se enxerga!
Mas eu não estou no meu melhor momento para formular apelidos nem
comentários maldosos sobre Bianca. Meu corpo ainda não está totalmente
recuperado do transe e eu preciso sair de onde estou. É nesse momento que
minha irmã-sem-noção resolve me pegar pelo braço, me arrastando até a sala.
Ai. Meu. Deus! Um buraco, por favor! Um buraco pode se abrir agorinha? Por
favor! Por favor! Eu juro que nunca mais te peço nada, Deeeeeeus!!!
Nossa entrada súbita chama todos os olhares da sala em nossa direção. Sinto
meu rosto queimar como brasa. Minhas mãos procuram desesperadamente um
lugar para se abrigar. Ivan me olha. Confuso. Das duas uma: ou ele não
esperava que a menina bonitinha que viu pela última vez tivesse crescido mais
um pouco... Ou que essa mesma menina não fosse mais bonitinha e tivesse se
transformado nessa nerd descabelada a sua frente. Burra. Burra. Burra. Eu
sentia vontade de dar um soco na minha própria cara. Estúpida!
Faço uma análise mental rapidamente de como deve estar a minha aparência.
Macacão larguinho... Ok, cabelo todo bagunçado... Ok. Rosto pálido demais,
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óculos de armação ridícula e aparelho nos dentes, cujo tratamento não acaba
nem sob ameaça à dentista, Ok! Perfeito! Ficha completa de uma idiota. Fim.
Esse romance pode terminar aqui.
Não consigo mais suportar o olhar dele sobre o meu. Minha boca aberta pelo
impacto tem dificuldades para fechar. Será que escovei os dentes direito? Ah,
o que importa! Ele já viu mais do que o suficiente para me achar a garota mais
feia e mal vestida da face da Terra!
– Fran... cine... – Ivan diz com o olhar atentamente pousado sobre mim.
– Oi. – digo com completa timidez. Im.be.cil!
– Francine! Você... – esboça um sorriso, que aos poucos, vai se iluminando e
enchendo a sala, como sempre. Ele está feliz em me ver. Dá para sentir isso no
rosto dele. Ele está feliz em me ver!
Ao fundo, eu ouço risadinhas da minha família. Não sei se estão sinceramente
felizes pelo reencontro ou se estão mesmo é debochando da minha total falta
de modos.
De repente, Ivan abre os braços e me pega com firmeza pela cintura, me
jogando no ar. Dou um grito de susto e abro um sorriso saudoso. Ele me roda e
me coloca no chão, já me aconchegando em seus braços.
Você sempre vai ser minha garotinha e eu sempre vou te amar. Eu sempre
vou te amar! Eu sempre vou te amaaaaaar!
Sinto as batidas do coração dele de encontro ao meu ouvido. Ele me abraça
apertado, visivelmente contente.
Sem que eu espere, Ivan me solta. Percebo uma seriedade e um distanciamento
que não senti há poucos minutos. Por quê? Eu não sou mais a sua garotinha? O
que o incomoda? Eu não posso mais ser carregada no colo? Por que eu cresci,
não posso mais ser amada por ele? Volte, Ivan. Volte para mim!
Sinto meu rosto queimar. Tomo um tapa invisível desse olhar que tenta parecer
indiferente. Dói. As coisas mudaram. Eu não sou mais uma garotinha. A linha
de nossa amizade amorosa é muito tênue. E ela se rompeu porque eu cresci. Eu
cresci!
O patinho feio não tem mais ninguém. Um espelho em minha mente se parte em
milhares de pedaços e eu nunca mais quero me olhar. Tomo coragem e corro
para longe da sala, sem olhar para trás.
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♫♪
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Capítulo Quatro
O quarto que eu divido com Bianca na casa de praia é bem pequeno. Duas
camas de solteiro lado a lado e um guarda-roupa compõem o ambiente. Está
impecavelmente arrumado e limpo. Sobre as camas, colchas de quando eu era
criança. É claro que eu trouxe comigo o meu fiel escudeiro: meu ursinho
marrom que tenho desde bebê. Desabo sobre ele na cama e fecho os olhos.
Que diabos eu fiz? Como pretendo um dia conquistar esse homem, correndo
feito uma boba desse jeito? Está de parabéns, criançona!
Viro, encarando o teto. Ivan está de volta. Quatro anos depois. O sorriso lindo
dele, feliz ao me ver, não sai da minha cabeça. Mas a sua indiferença sutil
depois disso, também não.
Uma batidinha à porta me arranca dos meus pensamentos. É Alex, que entra
todo desconfiado e senta na minha cama. Vira a cabeça de lado para me
encarar na horizontal.
– Ah, qual é Alex! Vai começar? – sento, emburrada. – Eu sei, fiz besteira.
Tive um péssimo comportamento! Feito uma completa idiota! – levanto os
braços para o alto e os deixo cair em minhas pernas, totalmente arrependida.
– Anda, maninha...– aponta a porta com a cabeça. – Vamos jantar. – meu irmão
sorri. Devo ter mesmo cara de idiota!
– Não estou com fome, Alex! Vai você. – deito novamente na cama e coloco as
mãos na cabeça. Ou seja, fim de papo, estou com dor de cabeça. Mas ele não
desiste.
– Francine, pare de bancar a bobona... –sorri mais uma vez.
– É isso mesmo que eu sou! Uma bobona!– abro os braços visivelmente
irritada. – E que tanto você ri? – falo de forma agressiva.
– Opa! Sou eu, seu irmão. Baixe essa guarda ou teremos problemas sérios
aqui... – não parecia estar brincando. Alex chateado podia me custar semanas
sem, ao menos, me dirigir uma única palavra.
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– Ok. Desculpa. – sento na cama e baixo os olhos. – Você não vai querer que
eu fale sobre isso, né? – olho pra ele com súplica. – Por favor...
– Fran, eu vim aqui só para chamar você para jantar! Se não quer, já estou de
saída. – levanta e se vira para ir embora.
Ufa. Poupada de ter que explicar a minha cena desprezível. Mas ele volta. É
claro que vai soltar uma liçãozinha de moral antes de ir. Típico de cenas em
que meninas cometem gafes que não conseguem justificar.
– Não é a mim que você deve desculpas. – pisca um olho. – Fica a dica.
Quando o meu irmão se vira novamente para sair, escuto novas batidas à porta
e sento imediatamente, trazendo meu ursinho ao colo. Alex abre a porta e a
figura atlética de Ivan aparece, esperando para entrar no meu quarto. Meu
coração resolve sair pela boca e eu sinto aquela mesma explosão, só que
agora, dentro do estômago. O que eu faço? Preciso pensar no que dizer,
preciso pensar!
– Posso falar com a Fran, irmão? – Ivan se dirige a Alex e volta novamente a
olhar para mim. Meu irmão confirma com a cabeça e bate a porta atrás de si.
Não posso parecer uma tola agora! Não mesmo! Nada de insegurança,
Francine! Nada de insegurança! Ele está de volta! E essa é a sua chance de
recuperar a intimidade que sempre tiveram.
Quatro anos! Ele está ausente há quatro anos! Deixou aqui uma criancinha e
agora... Deve estar confuso. É isso! Ele está muito confuso. Não sabe mais as
coisas que gosto de fazer, as porcarias que gosto de comer... Tudo é novo.
Para mim, ele é o mesmo Ivan. Mas aquela Francine de maria-chiquinha,
chupeta e ávida por saco de balas, não existe mais. Agora, não é mais uma
rodopiada no ar, um empurrão no balanço e cosquinhas na cintura que vão
fazer de mim a menina mais feliz do mundo. Eu cresci. E ele notou isso.
Boa, Francine! Agora sim você mostrou que está amadurecendo! Suspiro e
aguardo que Ivan comece a falar. Mas ele apenas me olha, numa mistura de
surpresa e afeto. Será que o “você sempre será minha garotinha e eu vou te
amar para sempre.” Vai resistir a esse salto no tempo? Ele aponta os pés da
minha cama.
– Posso? – exibe seus dentes perfeitos em seu sorriso mais lindo e continua a
me olhar, talvez tentando encontrar a mesma menininha que deixou para trás.
Tirando o fato de eu estar com um ursinho no colo e de ter corrido dele há
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Capítulo Cinco
Ivan está aqui nessa casa para passar uns dias conosco. Descansar da vida
corrida que leva. Eu guardo, em casa, recortes de jornais e revistas com
reportagens que saem sobre ele ou sobre o sucesso que suas músicas fazem,
interpretadas por outros cantores. Percebo que sua rotina o deixa bastante
agitado e, às vezes, até com os pensamentos longe. Fico pensando se teria
deixado alguma namorada esperando... Quase me entristeço, mas lembro que
agora ele está comigo, com a nossa família. Azar o dela.
Meus pais têm por Ivan um amor indiscutível. A felicidade em tê-lo de volta
está visível em cada rosto da minha família. Já tinha me esquecido como a
presença dele, faz de minha mãe uma pessoa mais amigável. Ela o cobre de
cuidados e atenção, como se ainda fosse o mesmo garotinho de antigamente,
filho de seus melhores amigos. A morte dos pais de Ivan, de fato, tornara
minha mãe ainda mais amarga e tê-lo por perto, é a minha certeza de alguns
momentos de paz.
Bastiana, mesmo mal humorada como sempre, deixa escapulir, vez por outra,
sua satisfação de ter um dos seus meninos embaixo de suas asas novamente.
Ela já é uma senhora de idade. A visão de seu rosto negro, de suas bochechas
gordas, de seus braços acolhedores e de suas mãos calejadas, sempre me
acalma. É em seu colo que encontro meu conforto maternal; um abrigo entre
toda a fofura de seu corpo roliço.
Deito para dormir e meu coração está tranquilo, enquanto ouço as ondas do
mar batendo nas pedras. Bianca ressona ao meu lado e sorrio com a
normalidade que parece ter retornado a minha vida. Lá no fundo do túnel, o
adolescente Ivan sorri para mim, enquanto Alex, joga a bola que rola até
minhas perninhas curtas. Chuta! Quero ver você fazer o gol sozinha agora! E lá
estou eu usando toda a minha força para orgulhar meus maiores
incentivadores. O som do violão chega aos meus ouvidos. Venha garotinha...
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Vou cantar até você dormir. Só a cadência dessa voz me leva à calmaria. Sou
um passarinho que voa para longe, sem medo, porque sabe que pode voltar...
sempre haverá um lugar para pousar. Você sempre será minha garotinha e eu
sempre vou te amar.
Os dias passam e Ivan parece ter entendido que nada deveria mudar em nossa
relação de amizade. É tão bom tê-lo de volta! Sempre conversamos todas as
tardes, antes do jantar. Ele toca violão e, muitas vezes, acabo adormecendo
sem comer. Todo o seu carinho e atenção me comove e me faz acreditar que
um dia, ainda podemos ser felizes juntos.
Deus, preciso ser logo uma mulher de verdade! Não canso de repetir isso para
mim mesma. Ou vou acabar matando minha própria irmã que não para de se
insinuar para Ivan. Fato que faz a nós dois rolarmos de rir quando estamos
sozinhos e podemos falar do assunto. Na frente dela, sempre muito educado,
ele retribui os elogios com sorrisos descompromissados e amigáveis. Hilário.
Resgatar nosso vínculo do passado está me fazendo muito bem. E acredito que
ao Ivan também. Ele tem sorrido mais e se divertido muito com os passeios
que damos.
Estamos agora os dois, deitados numa toalha na praia. O violão, ao lado,
descansa dos acordes de hoje. Tudo está em seu devido lugar, como nos
últimos vinte dias. Pingo, ao longe, late e corre para pegar o graveto que eu
lancei na areia. O céu, de um azul maravilhosamente lindo e nuvens muito
branquinhas formam os desenhos que tanto gostamos de descobrir juntos.
Aponto uma delas.
– Olha aquela... – ele acompanha meu dedo na direção da nuvem a que me
refiro. – Parece um urso daqueles bem grandões e gorduchos! – solto uma
risadinha.
– Obrigada, Fran. – diz sem tirar os olhos do céu. Eu estremeço. Sinto uma
leve pontada de tristeza em sua voz. O que há de errado?
– Por que está me agradecendo? Eu não fiz nada! – viro a cabeça de lado,
olhando para ele.
– Obrigada por você ter me mostrado que ainda posso sorrir como uma
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criança, digo sorrir de verdade! – realmente parece triste. O que quer dizer?
Que a sua profissão exige que seja sério demais? Eu não sei ao certo, mas me
sinto feliz por eu ter a capacidade de fazer isso por ele. E provavelmente ser a
única pessoa que faz isso por ele. Eu o olho docemente e ele pega minha mão
e beija. Não precisamos de muitas palavras para dizer que está tudo bem.
Um silêncio incômodo aparece, enquanto continuamos olhando as nuvens no
céu. Pingo já está deitado ao meu lado, com aqueles olhinhos que parecem
tomar conta de tudo o que acontece ao redor dele. Um grandessíssimo
fofoqueiro!
– Um tostão por seus pensamentos... – não resisto em usar a pergunta que
fazemos quando um de nós está distraído. Minha curiosidade não está mais
cabendo dentro de mim. Preciso saber o motivo do silêncio e da tristeza sutil.
– Você não mudou nada! – ri. – Quem consegue esconder alguma coisa de você
quando me olha com esse doce olhar inocente?
– Aff. – reviro os olhos. – Lá vem você com esse papo de olhar inocente...
Dessa vez, Ivan não ri. Volto a encará-lo porque o assunto deve mesmo ser
sério.
– Fran... Eu preciso ir embora... – diz de uma só vez, quase num sussurro.
Minha voz morre no fundo da minha garganta. Meu estômago se revira e eu
acredito que não vou mais suportar tanta dor que sinto no meu peito. Meus
olhos queimam e nada do que eu disser agora vai me ajudar a segurar minhas
lágrimas. Aguento com bravura, até que ele toca meu rosto com carinho e eu
fecho os olhos. É quando a estúpida lágrima que eu tento inutilmente segurar,
escorre pelo meu rosto. Ivan se aproxima de mim e beija minha testa
demoradamente. Isso é uma despedida.
Levanto num rompante e corro pela areia em direção a casa. Dessa vez não me
importo com o ato infantil. Ivan nada diz e também não vem atrás de mim.
Como da outra vez, ele entende que é preciso respeitar o meu momento. E o
dele também. Nada do que disser agora, poderá tapar o buraco que se abriu
entre nós. Um abismo nos separa. De novo.
Você sempre será minha garotinha e eu sempre vou te amar.
E eu já não acredito em príncipes e fadas. E agora, muito menos em falsas
promessas.
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Capítulo Seis
... quatro anos depois.
Mesmo de férias, eu acordei cedo essa manhã. Fui levar o documento de
renovação de matrícula assinado na escola. Dessa vez, assinado por mim.
Afinal de contas, acabo de completar dezoito anos. Minha maioridade veio a
cavalo, mas enfim, chegou.
Eu queria ter ido à escola tendo a companhia de Soninha, minha melhor amiga
desde o jardim de infância. Somos unha e carne. Mas ela não pode ir comigo
porque está ajudando a mãe, D. Vanda, com os doces do buffet que administra
e atende a todos os tipos de festa.
Volto para casa toda suada. Verão acaba comigo. Todo dia, tenho a sensação
de estar assando dentro de um forno, como um dos bolos da Bastiana. Um
banho gelado é tudo o que eu preciso.
Da porta da cozinha, avisto a minha velha Bastiana, de costas, retirando do
forno, os melhores biscoitos amanteigados do mundo! Eles são a sua marca
registrada. Ela não percebe minha presença e como faço desde criancinha,
desejo assustá-la. Pingo está todo preguiçoso próximo aos seus pés e nem se
preocupa em vir me fazer festa. O calor está afetando até os bichos.
Ando com bastante cuidado para que ela continue sem me notar, coloco a
minha bolsa sobre a mesa da cozinha e agarro-a por trás, cravando minhas
mãos em sua cintura gorducha e beijando seu rosto bochechudo. Bastiana dá
um grito.
– Oi! – caio na risada da cara zangada que ela faz, correndo em minha direção
e me ameaçando com a toalha de prato, enquanto eu dou uma volta inteira em
torno da mesa da cozinha.
– Menina! Quer me matar do coração, é?! – põe a mão na cintura e me olha
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O banheiro é pequeno, como o que fica no quarto dos meus pais. Minha casa
não é grande, mas é particularmente bem dividida. Ela tem cinco quartos,
todos com o tamanho suficiente para camas, guarda-roupas e mesa de estudos.
Eu amo meu quarto! Tenho a vista privilegiada dos fundos da casa, onde
crescem as flores mais lindas que Bastiana cuida.
Tomo um banho rápido com a intenção de assistir ao filme da tarde na
televisão. Saio de calcinha e sutiã e com uma toalha enrolada na cabeça. Uso
agora a toalha para secar meus cabelos castanhos e longos. Os fios ondulados
molduram meu rosto jovem. Contemplo meu reflexo no espelho e sorrio com o
que vejo. Em nada mais me assemelho àquela adolescente sem graça e
complexada. Eu adoro meu cabelo, o brilho dos meus olhos e o formato da
minha boca. Viro de lado e admiro minhas pernas bem feitas, meus seios
pequenos e firmes e meu bumbum proporcional. Tudo na medida. Mais nada
de ruim a declarar como no passado. Sou parecida com a minha mãe
fisicamente e me orgulho disso, pois ela é muito bonita.
A brancura da minha pele ainda me incomoda um pouco, mas consigo me
bronzear rapidamente sem aparentar ser um camarão. Nada de óculos com
armações grosseiras. Uso lentes de contato agora, mas meus óculos de
emergência estão sempre prontos para serem usados quando preciso. Meu
sorriso conta com dentes alinhados, livres do velho e aposentado aparelho.
Sou muito feliz com minha aparência. Sou muito feliz com a minha vida. Sei
que minha alegria é contagiante, mas também sei que ainda conservo dentro de
mim, a mesma Francine rebelde que fui um dia. Não guardo nada. Vomito cada
um dos meus desafetos. Não sou obrigada a nada.
Não acho mais os garotos chatos e desinteressantes. Eles são bem legais. Meu
primeiro beijo foi com um amigo da escola, o André. Namoramos um
tempinho, mas o que sinto por ele, é somente uma amizade grande e
verdadeira. E é recíproco. O que tivemos, não passou de um rolo.
E Ivan... Ah, Ivan! O que dizer de um homem que ainda rouba meu coração,
mas que foi embora sem olhar para trás? Que não se importou com os meus
sentimentos? Que acredita que uma visita em quatro anos foi o suficiente para
matar a saudade que eu sentia dele? Morro de amor. Mas não me humilho
telefonando nem respondendo às cartas que envia para a minha família. Ele é
um ingrato, isso sim! Acha que pode viver de trabalho, comer trabalho,
respirar trabalho... Mas esquece do mais importante: que é o amor da única
família que tem. Todos os seus tios distantes são um bando de interesseiros e
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Capítulo Sete
A sala da minha casa é bem ampla e arejada. Sofás grandes e confortáveis com
almofadas macias compõem o ambiente em tons pastéis. Há um tapete no chão
e bonitos quadros nas paredes, impecavelmente pintadas de branco.
Um dos quadros dessa sala sempre me chamou muita atenção: a pintura de uma
estradinha, que leva a um pequeno povoado com muitas árvores e dividido por
um riacho. Cerquinhas de madeira rodeiam pequenas casinhas. Algumas portas
e janelas estão abertas. Ao fundo, um relevo deslumbrante.
Quando eu era menina, Ivan brincava que íamos visitar as pessoas do povoado
e andávamos por suas estradinhas. Gostávamos de imaginar o que tinha por
detrás dos montes e dentro de cada uma daquelas casas. Esboço um sorriso
com essa lembrança tão bonita de minha infância.
Em frente ao sofá maior, há um móvel não muito grande, onde se encontra a
televisão. Outros objetos modernos também estão sobre ele, decorando-o com
bom gosto. Minha mãe sempre diz que, nesses casos, menos é mais e tenho que
concordar com ela. Uma mesa de jantar está num espaço um pouco mais
afastado desta mesma sala, o que torna o ambiente bem mais íntimo e
acolhedor.
Deito no sofá e rapidamente Pingo vem se esparramar no chão, ao meu lado.
Faço carinho em sua barriga, dizendo a ele o quanto é folgado. Pego o controle
remoto e ligo a televisão.
Não há nem tempo de descobrir se o filme já começou porque ouço o chamado
mal humorado de Bastiana.
– Francine, seu celular tá tocando! – grita da cozinha. – Ocê esqueceu sua
bolsa aqui na mesa!
– Já estou indo! – grito de volta e me dirijo à cozinha a tempo de ouvir seus
resmungos.
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– Ah, Bianca! – chamo e ela volta a me encarar. – Quantos anos você tem
mesmo? Doze?
Ela me fuzila com o olhar e eu me jogo no sofá rindo a valer. Qualquer dia
desses, eu me engasgo com a minha língua ferina.
Sabe como eu me sinto agora?
Como uma nota de três reais. Não valho nada!
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Capítulo Oito
Essa manhã, o clima está particularmente fresco. O sol escaldante de todos os
últimos dias não parece querer dar o ar de sua graça. Tomo meu banho
matinal, desço para tomar o café da manhã e ouço o telefone fixo tocar. Então,
vou com toda a energia dos meus dezoito anos, atender à chamada.
– Alô? – Quem seria tão cedo? Meu rosto se ilumina. – Alex! Como você está?
Quando você volta? – digo sem parar para respirar.
– Calma, Francine! – escuto seu riso do outro lado da linha. – Nós estamos
bem e nós voltaremos daqui a dois dias! – meu irmão deixa claro, enfatizando
a palavra nós, duas vezes, que o esquecimento para com a mamãe não é
perdoável.
– Desculpe... – respiro fundo, recompondo-me pela bronca sutil.
– Tudo bem, irmãzinha. – volta a sorrir. – A mamãe está mandando um beijo.
Ah, para! Tive que me segurar para não gargalhar com essa frase fora de
contexto. Nossa mãe?! Mandando um beijo... para mim? Seria hilário se não
fosse trágico. Ou não necessariamente nessa ordem. O fato é que esperar
beijos e abraços de D. Lúcia é perda total de tempo. Quiçá, de vida. Eu
poderia ter sido poupada desse comentário descabido. Mas ter uma discussão
com Alex agora sobre isso está fora de cogitação.
– Agradeça e diga que mandei outro. – quem responde é o sangue de uma
barata que crio numa caixa de sapato.
– E papai, Bianca e Bastiana? Estão bem? – Alex emenda.
– Bianca deve descer já já para o café. A Bastiana deve estar lá fora, ainda
não a vi. Mas, direi que você ligou. – conserto. – que vocês ligaram. Papai
chegou tarde do hospital ontem e deve dormir mais um pouco, afinal ele tem
folga hoje. Mas, e aí? O que está achando da viagem?
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chatíssimas de final de congressos. Mas nem sob tortura! Não. Não e não!
Será que papai não podia ao menos ter esperado eu comer meu pedaço de bolo
com cobertura de chocolate?! Resmungo algo incompreensível. Ele entende
que deve continuar seu discurso de convencimento inútil e me olha já
entendendo que não precisa dizer do que se trata. Minha cara já diz tudo. Ele
já sabe a minha resposta.
– Ah, filha, por favor, vai?! Só essa vez! – junta as mãos, implorando.
– Não, não senhor! – balanço a cabeça em negativa, já começando a ficar
irritada. – Você sabe que aquelas festas são terríveis de chatas. Eu acabo
ficando lá sozinha, enquanto você se diverte com seus amigos. Para que eu ir
então? – digo chateada.
– Mas dessa vez vai ser diferente. Eu juro! É a última vez que eu te peço. – dá
um sorriso apelativo. – Você vai negar isso ao seu pai que nunca te nega nada?
– Isso é golpe baixo, Dr. César! Jogo muito sujo! – caio na risada. – Quando é
essa festa?
– Hoje, às oito. – papai sorri vitorioso.
– Hoje?! – abro a boca e arregalo os olhos, surpresa demais para acreditar. –
Mas eu combinei com a Ju e a Soninha de...
– Por favor?! – papai junta as mãos novamente em súplica.
– Tá... Tá bom! – levanto os braços, rendida. – Você venceu! Mas deixo
registrado aqui que essa é a última vez que vou a essas festas medonhas. E não
terá nada que me convença do contrário! Nem essa sua cara de cachorrinho
que caiu da mudança! – rimos os dois.
Quem podia com ele?
Tomamos café juntos e papai vai para o quarto descansar, enquanto eu ajudo
Bastiana a tirar a mesa. Ela reclama que ele tem comido feito passarinho, que
sempre sobra comida no prato e eu também me preocupo com isso.
Bianca vem descendo as escadas, com expressão de sono e mau humor. Uma
novidade, por favor, Deus!? E para não me aborrecer logo cedo, dou bom dia
e vou subindo as escadas em direção ao meu quarto.
– Papai falou da festa com você? – ela me pergunta.
Oi? Minha irmã patética está falando comigo? Mas enfim, boas maneiras são
ensinadas para serem praticadas. Resolvo responder a pergunta dela com outra
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pergunta.
– Por quê? – levanto o queixo, desafiando-a.
– Só para saber. – diz.
Ei! Espere um minuto, por favor! Há algo muito estranho nessa história! Se
Bianca vai a essa festa acompanhando papai, porque diabos eu tenho que ir
também? Algo não está me cheirando bem. O que meu pai está aprontando?
Subo as escadas em direção ao quarto dele e encontro um bilhete na porta,
escrito em letras de forma:
– Encontro você na sala, às oito. – Simples assim.
Fim de papo. Não me incomode, Francine! Até mais tarde.
Minha professora de Língua Portuguesa ficaria orgulhosa de como eu sei
internalizar as entrelinhas das frases. Eu leio o não-dito. Eu ouço vozes de
contenção. E isso merece um dez.
O que merece um zero é a minha falta de convicção em dizer não.
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Capítulo Nove
Minha casa fica situada em um bairro próximo ao centro da cidade. Ela tem
dois andares e possui uma varanda na frente. Não somos ricos, mas temos o
suficiente para vivermos confortavelmente. Nos fundos da nossa garagem, fica
guardada a minha bicicleta. Decido usá-la para ir até a casa de Soninha.
Pedalo pelas ruas estreitas, de árvores altas e casas bonitas do meu bairro.
Sou nascida e criada aqui e não há um só vizinho que não tenha me visto
crescer. Minha mãe não gostava muito, mas eu adorava brincar na rua até tarde
com meus coleguinhas. Voltava para casa tão suada e suja que Bastiana me
dava banho às escondidas:
– Peste de menina! Já pro chuveiro antes que sua mãe olhe ocê! Parece um
muleque! Vô esfregar ocê inté tirar o couro! Diacho! – ela me enxotava para
o banho.
Novas crianças, agora, brincam nas calçadas. Cachorrinhos latem com a minha
passagem, idosos estão sentados em suas varandas em um bate-papo matinal.
– Bom dia, D. Penha! - aceno para uma senhora conhecida de longa data.
– Bom dia, querida! – com um sorriso, ela retribui acenando também.
A minha vida se resume a esse lugar! Amo cada esquina, cada pedacinho do
bairro onde moro.
O sol começa a esquentar minhas costas, quando salto em frente a uma casa
grande e particularmente conhecida, com muro baixo, árvores frondosas no
jardim e uma garagem enorme: a casa da minha amiga.
Desço da bicicleta e vou empurrando-a até o portão. Toco a campainha e vejo
através do vidro da janela da sala, um rostinho redondo, emoldurado por
cabelos lisos e loiros que caem em desalinho sobre a testa.
Segundos se passam até Soninha vir me receber, com um sorriso largo,
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estampado. Ela é muito alegre, assim como eu. E muito bonita: loira, magra,
olhos verdes e mais alta do que eu. Aff. Isso não é tão difícil.
– Fran! – minha amiga me abraça com força, como se não nos víssemos há
dias. – Preciso tanto conversar com você! – está apreensiva.
– O que aconteceu? Que cara é essa? – pergunto preocupada.
– Vamos, entre. – abre caminho para que eu possa passar com a bicicleta. – Lá
dentro conversamos melhor. A mamãe disse que está com saudades de você.
Guardamos a bicicleta nos fundos da casa e entramos. D. Vanda, a mãe de
Soninha, está sentada à mesa da cozinha, tomando um café. Em uma bancada
ao lado, há uma infinidade de docinhos de festa em pratos coloridos.
Recipientes, panelas e colheres de pau estão sujos de doce dentro da pia,
formando uma montanha de louça para lavar.
Soninha se parece muito com a mãe, em todos os sentidos. Não me lembro
direito do seu pai. Ele faleceu quando tínhamos quatro anos. Desde então, D.
Vanda sustenta sozinha a única filha, fazendo todo o tipo de doces, tortas e
bolos para vender. A pensão que recebe do marido, não é suficiente para
mantê-las com o mínimo de conforto. Quando não tem atividades escolares,
Soninha ajuda a mãe no trabalho de preparar os quitutes.
– Oi, filha! – levanta-se assim que me vê e me abraça.
– Oi, tia. – sempre a chamei carinhosamente assim. – Como a senhora está? –
beijo seu rosto.
– Depois de lavar tudo isso... – aponta a louça, com uma careta. – Eu estarei
ótima! – dá uma risada. – E você, filha?
– Posso ajudar vocês se quiserem... – me ofereço prontamente.
– Tá louca, amiga? Nada disso! – Soninha interfere. – Agora é a vez dela
lavar! – aponta a mãe, sorrindo. – A senhora nem pense em repassar a tarefa!
A outra leva de louça foi todinha minha! – D. Vanda dá risadinhas travessas,
enquanto Soninha se volta para mim. – Ela é trapaceira, amiga!
Nós três caímos na risada. A relação delas, ultrapassa o fato de serem mãe e
filha: há uma linda amizade sempre presente em cada gesto, em cada palavra,
em cada brincadeira. Cúmplices em todos os momentos da vida.
– Tia, a senhora estava querendo me usar para passar a perna na sua própria
filha? – digo ainda rindo.
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Ela deixa cair uma lágrima. Soninha está sofrendo e eu sei disso. Poucas vezes
na vida, eu a vi chorar. Seguro-a pelos ombros e tento reconfortá-la com um
abraço.
– Tudo vai se resolver, você vai ver. – digo acariciando sua cabeça, enquanto
ela chora.
Eu almoço com Soninha e D. Vanda e volto pra casa rapidamente, afinal, eu
tenho a droga da festa para ir à noite. Recebo uma ligação da Julia para
confirmar a nossa ida ao cinema, mas eu cancelo por motivos óbvios. Estou
com dor de cabeça e mal humorada. Não necessariamente nessa ordem Aff...
Maldita festa! Tomo um analgésico e deito na minha cama, olhando para o teto.
Penso na minha amiga sofrendo, nas vidas tão diferentes que levamos...
Adormeço.
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Capítulo Dez
Eu me considero uma garota comum. E meu quarto prova isso. Acima de minha
mesa de estudos, há uma bancada com uma televisão, um aparelho de som que
eu ganhei de presente de Natal. Acima, há três prateleiras com livros, CDs e
bichinhos de pelúcia. Todos os móveis são brancos, assim como as paredes.
O ambiente ganha vida com as cores das cortinas românticas que cobrem as
janelas de madeira envernizadas, os acessórios femininos, além das almofadas
coloridas e das colchas que costumo revezar em cima da minha cama macia.
Cama essa em que eu desperto agora, com o chamado de Bastiana.
– Acorda, menina! – a voz dela vinha de muito longe no meu sonho. – Anda,
Francine! Levanta! – sacode meus ombros. – Vá tomar banho e botar uma
roupa senão ocê perde a festa...
Festa? Aiii... A festa! Sento completamente atordoada, ainda sentindo as
pontadas da dor na cabeça.
– Oh, meu Deus! A festa... – passo a mão pela testa banhada de suor.
– Ave Maria! – Bastiana não está nada paciente. – É menina... A festa do seu
pai. Anda logo ou vai se atrasar.
Levanto da cama e piso no tapete felpudo que adoro esfregar os pés. O rosto
tão familiar de Bastiana é tranquilizador para mim e sou muito grata a ela por
ter ajudado a me criar com tanto amor. Abraço-a de surpresa e dou um beijo
em seu rosto carinhosamente:
– Bastiana... Eu adoro você! - digo pausadamente. – Sabia?!
Bastiana é durona, sempre foi assim. Sinto sua timidez brotar quando ela
revira os olhos e resmunga, tentando se libertar dos meus braços.
– Oxe! Pare de falar bobagem e vai tomar banho! – dá um tapinha no meu
traseiro como se eu fosse a mesma criança travessa que ela esfregava inté
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tirar o couro.
Entro no banheiro sorrindo e mando um beijo na ponta dos dedos em sua
direção. Ela sempre fica encabulada com manifestações de afeto, mas sei que
me ama com a mesma intensidade que amaria um filho biológico seu, se os
tivesse. Somos os seus meninos desde que nos viu nascer, dando broncas e
fazendo nossas vontades. Sempre seremos os seus meninos.
Sinto meu corpo relaxar no banho. Lavo os meus cabelos e me dou conta de
que as pontadas na cabeça desapareceram. Penso em como essa noite será
longa e cansativa. Terei que aguentar caras inconvenientes, gente bebendo,
dançando, fumando e falando em medicina a noite toda. Ainda tinha que aturar
Bianca resmungando. Nin-guém merece!
Opto por um vestido preto, de alcinhas e com um decote discreto e sapatos de
salto, da mesma cor. Seco meus cabelos longos com cuidado e decido deixá-
los soltos. Após uma make caprichada, olho o relógio em cima da mesinha de
cabeceira: dez para às oito. Ufa. Salva pelo gongo. Digo, pela Bastiana.
– Francine! – meu pai bate à porta.
– Entre! – olho para minha imagem refletida no espelho e aprovo o que vejo. –
Está adiantado dez minutos, nem venha com sermões! – digo enquanto ele entra
no quarto.
Há um silêncio incômodo no ar e eu olho para ele confusa. Meu pai está me
fitando de um jeito estranho. Uma mistura de admiração e... tristeza?
– O que houve? – pergunto assustada. – Decepcionei? – toco o vestido e olho
para o meu reflexo no espelho, procurando algo errado com a minha
aparência.
– Não, filha... – meu pai sorri abanando a mão. – De jeito nenhum! – me olha
atentamente. – Eu... estou encantado com a mulher linda que você se tornou e
eu ainda não tinha tido tempo de notar! – sorri. – Você está... linda!
Meu coração se enche de ternura. Oh, meu paizinho! Que difícil deve ser para
ele me ver tão independente, tão menos insegura.– Às vezes fico me
lembrando de quando você era pequena e ainda precisava de mim. Como eu
era feliz naquela época! Eu podia protegê-la... – pega uma de minhas mãos e
eu o fito com todo o meu amor. – Eu conhecia seus medos, suas fraquezas, o
brinquedo que a faria feliz... – suspira.
– Você sempre me faz feliz... Sempre! – eu o envolvo em um abraço. – E eu te
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amo muito!
– Eu também te amo, minha filha. – beija o alto da minha cabeça e suspira.
Meu pai é o melhor do mundo.
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Capítulo Onze
Meus pensamentos me levam para muito longe. Estou à deriva em um pequeno
barquinho. Ondas agitadas o lançam de um lado a outro com agressividade.
Não sou mais a menina que Ivan vira pela última vez. Eu cresci. Não tenho
mais catorze anos. Não fantasio mais como antes... Amores impossíveis são
impossíveis e ponto final. Mas... O que fazer com esse sentimento poderoso
que sinto brotar e crescer dentro de mim novamente? Isso é uma despedida.
Achei que tinha conseguido enterrar esse amor. Tolice! Lá está ele, berrando
dentro do meu peito, me alertando que está mais vivo do que nunca.
Ouço o som de passos vindos em minha direção. Prendo a respiração e
mantenho meus olhos fixos num ponto luminoso lá embaixo. É ele! Sinto que é
ele! Ele veio me ver. Ele veio me ver!
Minhas mãos estão geladas e trêmulas, meu coração perde o ritmo e eu fecho
os olhos por segundos, rezando para que esteja equivocada. Por favor, que não
seja ele, por favor! Mas meus sentidos dizem totalmente o contrário.
– Estou incomodando? – a voz grave de Ivan chega aos meus ouvidos. Sua
presença é tão perturbadora que eu mal consigo encará-lo. Observo-o com o
canto dos olhos e vejo que aprecia as luzes da cidade. Ele está com uma calça
jeans escura e uma camisa social branca com as mangas dobradas nos
antebraços. O peito largo convida qualquer mulher a pousar a cabeça. Na mão,
ele carrega um copo com uma bebida escura. Uísque talvez.
– Não, não está. – aperto minhas mãos com força nas grades da sacada. É
impressão minha ou ele não me reconheceu?
Ivan se apoia nas grades, ao meu lado, centímetros o suficiente para manter
uma distância razoável. Está claro que não quer parecer inconveniente.
– Linda essa vista, não é? – diz ainda sem me olhar.
Minhas pernas estão a ponto de desabar. O meu coração está batendo
descompassado. Ele realmente não me reconheceu! E uma força estranha me
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dia chegou. E sim. Eu ainda... quero. Eu o quero. Eu quero Ivan para mim.
– E isso é bom? – dou um sorriso, tentando mudar o clima pesado que fica no
ar.
Ouvimos vozes se aproximando e vemos algumas pessoas entrarem na área
externa para apreciar a vista. Ivan volta a me fitar.
– Muito bom... – diz essas palavras lentamente, me olhando com extremo
cuidado, curiosidade e... desejo?
– Não se adaptou ao clima de lá? – dou uma risadinha e ele ri junto.
– Não é bem isso... – fica sério e volta a me encarar. – Lá eu me sentia muito
sozinho.
Sozinho? Isso quer dizer que não existem mulheres esperando por ele? Que em
sua vida não há nada mais do que encontros casuais? Sinto um alívio imenso
me invadir. Obrigada, make caprichada! Obrigada, vestido lindo e cabelo
sedoso! Faço uma imagem mental de minha atual aparência e me sinto feliz por
estar sendo capaz de mexer com Ivan. É nítida a rigidez do seu corpo para se
manter afastado e o jeito como me olha. Mesmo na semiescuridão, sinto que
sou... desejada. Devorada.
– Quantos anos você tem? – Ivan se aproxima e fica a poucos centímetros de
mim. Já começo a sentir seu calor e o cheiro indescritível do seu perfume. Não
costumo beber, mas sinto um ligeiro torpor, como se começasse a ficar
embriagada.
– Dezoito. – respondo e acabo com a distância entre nós. Aproximo meu rosto
do dele e sinto meus lábios ficarem secos de tão nervosa que eu estou. Passo a
língua para umedecê-los e quando dou por mim, estou com as mãos pousadas
em um peito forte e os lábios sendo explorados por uma boca ávida. Sua
língua toca a minha, intensamente. Intimamente. Seu toque me desnuda. E eu
estou aqui. Entregue.
O tempo para. Nada. Absolutamente nada nesse momento importa. Tudo. Tudo
o que eu sinto são as batidas de um coração acelerado na palma da minha mão;
uma boca voraz sobre a minha, exigindo, implorando, invadindo... Suas mãos
me puxam ainda mais para junto do seu corpo, me tentando, me provocando.
Seu perfume e o gosto do uísque em sua boca me deixam entorpecida. E eu
quero mais! Quero muito mais!
Quero que esse calor continue invadindo as células do meu corpo, me
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queimando, me arrebatando.
– Você é... linda! – diz com ardor. – Linda demais! – volta a me beijar.
Os lábios de Ivan passeiam pelo meu pescoço e deixam um rastro de fogo que
queima meus poros e inflama meu ventre. Eu quero mais. Eu quero. Eu o
quero.
Ivan abandona meus lábios, que ainda ardem pelo toque dos seus. Estou
totalmente sem fôlego. Preciso urgentemente de ar. Ele olha em meus olhos
atentamente, exprimindo um desejo que não parece ser capaz de conter. Ele
está visivelmente confuso, mas ao mesmo tempo, deixa emanar do seu olhar
toda sua vontade de me possuir.
– Qual é o seu nome? – me pergunta ainda ofegante e com as mãos sobre meus
ombros.
Encho meu peito de ar e com todo o juízo que ainda me resta, respondo em um
golpe só. Como uma facada. Num só impacto. Como um tiro.
– Francine. – respiro fundo e repito. – Eu me chamo Francine.
♫♪
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Capítulo Doze
Choque. A expressão de Ivan se resume nisso: choque. Seus olhos estão
arregalados e a boca entreaberta. Ele está absolutamente pasmo. Não sei o que
dizer, mas meu corpo está numa mistura de sentimentos intensos e
contraditórios. Por um lado, todo o meu ser reage feliz por ter sido beijada
pelo homem da minha vida e, por outro lado, acho que agi como uma completa
idiota em não me revelar para ele antes. Ou não. Sei lá.
O corpo de Ivan está paralisado. Ele fica sério e os músculos do seu rosto
estão tensos, o maxilar trincado. E agora? Não sei o que pensar. Seu olhar está
duro e eu o imagino virando as costas e indo embora assim como fiz algumas
vezes. Ivan fugindo? Não, isso não fazia o feitio dele. Mas o fato é que, aos
trinta e um anos, está se vendo atraído por mim. Eu. A menininha que ele
carregou no colo, que cantou e contou histórias para dormir.
Essa menininha cresceu e deu lugar à mulher que sou hoje. Desafiadoramente
atrativa. Quando ele, finalmente, resolve falar, sinto a ponta de uma faca roçar
o meu peito.
– O que foi que aconteceu aqui, Francine? Eu... – pigarreia. A voz falhando
numa mistura de arrependimento, surpresa, emoção e ainda, desejo.
Eu sou incapaz de falar. Estou acuada e, dessa vez, não há espaço para a velha
Francine sair correndo. É preciso encarar os fatos. Nós nos beijamos, foi
maravilhoso e nós dois gostamos disso. Minha cabeça procura em meu
escasso vocabulário no momento, algo inteligente a dizer, mas não consigo
pensar em mais nada além do calor que ainda sinto queimar os meus lábios
depois desse beijo. Eu... quero mais. Levanto a mão e tento tocar sua boca
com a ponta dos dedos, mas Ivan dá um pulo para trás, me empurrando
gentilmente.
– Francine, eu fiz uma pergunta! – diz com um tom severo, como se a menina
Francine tivesse feito uma brincadeira de mau gosto.
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Pigarreio também e percebo que é minha hora de falar. Qualquer coisa que eu
diga é melhor do que esse silêncio constrangedor. Não consigo tirar os olhos
da sua boca. Em seus lábios, quero me perder. Volto a me concentrar no que
dizer.
... me perder.
– O que você acha que aconteceu aqui? – devolvo a pergunta, empinando o
queixo, em desafio.
– O que eu acho que aconteceu aqui? – Ivan parece irritado. Muito irritado. –
O que aconteceu foi que eu cheguei nesse salão para reencontrar a sua família.
Encontro com seu pai e Bianca. Ela me diz que você estava em algum lugar da
festa com o seu namorado. –ri. – Eu nem sabia que você tinha um namorado! –
joga as mãos para o alto e as deixa cair ao lado do corpo.
Alôuuu, Ivan!? A Francine, cresceu, sabia? É claro que ela pode ter sim, um
namorado. Mas não. Mauro NÃO é meu namorado. Contudo, não me atrevo a
interrompê-lo para dizer isso e ele continua seu discurso acalorado.
– ... Estou cansado da viagem e não aguento ficar no meio daquela barulheira
toda. Venho para cá querendo um pouco de paz... – respira fundo e olha lá para
baixo, onde as luzes da cidade brilham na noite quente. – E encontro uma
garota sozinha, linda e... – abana a cabeça. – E essa garota era você! Você,
Francine! Você! – diz visivelmente chocado e arrependido.
– E eu lá sabia que você tinha o hábito de beijar garotas desconhecidas sem ao
menos saber quem elas são! – digo, ainda o desafiando.
– Você não sabe nada sobre os homens, Francine! – Ivan me olha
profundamente perturbado. – Por que não me disse quem você era? – pousa as
duas mãos, uma em cada lado, nos meus ombros.
Eu não sei o que responder. Ser sincera agora poderá afastá-lo para sempre.
Olha, Ivan, eu sempre amei você, desde que eu era uma menininha! Suicídio.
Imagino seu embarque no próximo avião. Meu coração não para de bater
acelerado e eu já não tenho pernas para me sustentar.
Em seus lábios quero me perder...
Sinto uma vertigem estranha e quase que a completa escuridão toma conta dos
meus sentidos. A pressão emocional que estou sofrendo está me abalando de
tal forma que mal posso suportar ficar de pé.
Ivan me ampara em seus braços e eu procuro desesperadamente por sua boca
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outra vez. Ele tenta resistir, mas meus braços enlaçam seu pescoço e beijo a
discreta covinha do seu queixo. Ele fecha os olhos.
– Francine, pare! – pede, mas seus olhos continuam fechados, procurando
autocontrole.
Em seus lábios quero me perder...
Ivan ainda me mantém presa ao redor de seus braços. Eu me liberto deles, mas
mantenho meus olhos dentro dos seus.
– Desculpe. – é a única coisa que consigo dizer, me afastando. Meu corpo está
em brasa. Viro as costas para ele e dou dois passos em direção à saída. Mas
sua mão forte me segura pelo pulso e me puxa de encontro ao seu corpo
másculo.
... me perder.
– Para o diabo com as suas desculpas e com o meu juízo! – novamente Ivan se
apossa da minha boca e... me arrebata.
E mais uma vez, em seus lábios... me perco.
♫♪
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Capítulo Treze
O som das vozes das pessoas que olham a vista nos traz de volta à realidade.
Ivan parece constrangido e eu também. Damos uma distância de um passo um
do outro e ele levanta as mãos como se me pedisse calma. Passa uma delas
pelos cabelos lisos e escuros, levando-a ao queixo, logo em seguida. Custo a
entender que o pedido tinha sido feito para que ele também pusesse em ordem
seu autocontrole e pensasse em algo coerente a dizer.
Eu continuo sem fôlego, respirando com extrema dificuldade. Minhas mãos
tremem ainda de emoção e meu coração está em puro êxtase. Sim! Eu amo esse
homem com todas as forças do meu ser. E quero. Eu o quero.
– Francine... me desculpe. – fala apreensivo. Está muito perturbado. Sinto que
é a hora de dizer um pouco da verdade que ainda escondo dentro de mim.
– Ivan, eu quis tanto quanto você! – digo olhando em seus olhos. – Não se
culpe porque eu não me arrependo de nada do que aconteceu aqui.
– Eu acho que você não está entendendo... – aproxima-se. – Não é uma questão
de se arrepender ou não. – revira os olhos e sua expressão é de apelo. Ele
junta as mãos. – Isso nunca mais pode acontecer. – repete como se estivesse
tentando convencer a si mesmo – Isso nunca mais vai acontecer!
– Como quiser... – sinto uma dor profunda no meu peito e minha vontade é de
sair correndo. Mas a nova Francine só se permite caminhar em direção à
saída. Como da outra vez, Ivan agarra um dos meus pulsos e me encara, ainda
sustentando o olhar duro e o maxilar trincado...
– Você acha que há algo de errado com você, não é? – estuda atentamente meu
rosto como se buscasse por si só a resposta para essa pergunta. – Não há nada
de errado com você. Eu te desejei... - respira e solta meu braço. – Meu Deus,
o que estou dizendo! - está confuso, muito confuso. Totalmente transtornado.
Resolvo que é preciso dar as cartas novamente, tranquilizando-o.
– Ivan, está tudo bem... – seguro uma de suas mãos e o olho com convicção. –
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Está tudo bem... – dou um sorriso e aguardo até que ele faça o mesmo. –
Amigos? – aperto a mão dele.
– Amigos! – dá uma risadinha nervosa e me olha sério. – Um olhar doce e
inocente – ele diz e eu faço uma careta – ... em uma mulher... Você agora é uma
mulher! Uma mulher linda.
Linda. A menininha feia e desinteressante agora é uma mulher linda. Vai ser
difícil dormir com um barulho desses, não é mesmo, Ivan? Fuja se for capaz.
Mais uma vez, ouvimos passos entrando na área externa. É Mauro. Ele
caminha em nossa direção e quando me vê segurando a mão de Ivan, se
aproxima de forma um tanto quanto agressiva. Ameaçadora até.
– Francine?! Por que demorou tanto? Disse que ia ao banheiro! Fiquei
preocupado e... – o médico residente interrompe sua frase. Talvez por
perceber o clima que há no ambiente. Se tivesse chegado minutos antes, teria
nos visto em um beijo de tirar completamente meu fôlego.
– Olá. Eu sou o Ivan... – Ivan solta minha mão e estende a dele para Mauro,
que a aperta com desconfiança. – E você deve ser o namorado de Francine... –
diz a palavra namorado, trincando os dentes.
Ciúme. É visível que está se roendo de ciúmes. Eu não sei ainda se é ciúme da
antiga menininha que ele defendia dos perigos ou se é da mulher que acabara
de beijar. Tento desmentir a situação, mas Mauro, que ainda segura a mão de
Ivan, se apressa em falar.
– Muito prazer. Eu sou Mauro. Francine e eu... – agora é a vez de Ivan
interrompê-lo.
– O prazer é meu. – responde secamente e vira-se para mim. –Vou até seu pai!
E você devia fazer o mesmo! – está sério e dirige-se à Mauro – A propósito,
sou só o irmão postiço dela, não se preocupe comigo. – vira-se e caminha
firmemente em direção à saída da área externa.
Irmãos?! Nossa, jura?! Depois da maneira como nos beijamos, ele ainda
espera que pode ser meu irmão?! Quase dou uma risada. É hilário pensar que
ele acredita mesmo que Mauro é meu namorado. Quanta ironia! Logo eu, que
estou louca para me ver livre desse cara chato pra caramba!
Tive ímpeto de gritar por Ivan. De implorar que voltasse; de dizer que Mauro
não era meu namorado e que eu queria muito que me tomasse em seus braços e
me beijasse de novo, de novo, de novo... Está frio aqui sem o seu calor, sem
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Capítulo Quatorze
Avisto meu pai, Ivan e alguns médicos próximos ao bar. Mauro me acompanha
no trajeto até lá. Ao me aproximar, percebo que meu pai está um pouco mais à
vontade do que o habitual em um evento como este. Ele sempre leva muito a
sério sua vida profissional, por isso eu estranho seu comportamento um pouco
mais solto. Acredito que os goles de uísque a mais se devam a volta de Ivan.
Nunca foi segredo para ninguém que papai o considera um filho e que tudo que
ele mais quer é a presença dele em nossa casa.
Quando seus pais morreram, Ivan passou um período relativamente curto
morando conosco, mas a dor das lembranças, tão fortes e presentes, ainda
moravam na casa ao lado e, principalmente, dentro de si mesmo.
– Oi, filha. – papai sorri quando me vê, me puxa para perto e beija a minha
testa. – Gostou da surpresa? – continua sorrindo. Ele acredita ter realizado o
sonho da filhinha de rever o irmãozinho! Pobre papai! Não sabia da missa, a
metade.
Retribuo o sorriso, balanço a cabeça em sinal afirmativo e me aconchego em
seu peito. Ele parece muito feliz e orgulhoso com a volta do filho do coração,
mas também com a beleza da sua filha caçula.
– Ela não está uma moça linda, Ivan? - exibe a mim com orgulho, apertando
sua mão em meu ombro.
Observo atentamente o olhar de Ivan. Há neles cobiça, um desejo velado. Ele
passa os olhos rapidamente sobre mim. Agora estou iluminada pelas luzes do
salão. Não há semiescuridão que oculte nenhum detalhe de minha aparência.
Ivan dá um sorriso respeitoso. Seu olhar experiente percorre meu corpo, mas
parece que ninguém nota a ponta de malícia... Eu vejo, sim, malícia nesse
olhar! Ele me deseja. Eu sei que deseja.
– Muito... – desvia seus olhos para o seu copo de uísque com gelo.
– Estou muito feliz que esteja aqui, filho! – meu pai me solta e abraça Ivan
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pelos ombros. Mauro observa a tudo atentamente e parece não deixar passar
nada. Eu acho que ele também notou o olhar de Ivan sobre mim.
– Também estou, meu velho e querido amigo! – retribui o abraço com tapinhas
em suas costas. – Estou certo de que vou ficar muito bem vivendo com vocês!
– ele diz e olha diretamente para mim.
Opa! Como assim?! Vivendo com a gente?! Como foi que perdi essa parte?!
Sinto uma esperança palpitante brotar do meu peito. Então ele iria morar
conosco mesmo?
– Mudar de vida é tudo o que eu quero agora. – Ivan bebe um pouco do
conteúdo do seu copo. – Um estúdio para que eu possa trabalhar... Até mesmo
voltar a dar aulas de Educação Física, por que não? – levanta o copo em
direção a meu pai e continua. – Eu só quero poder voltar a ter uma vida mais
calma...
– Gente, a pista de dança está bombando... – Bianca chega falando alto. - Não
é, Diogo? – o médico residente sorri para ela, concordando. – Vim só beber
um gole de... – não completa a frase porque um copo cheio de um líquido
vermelho que estava sobre a bancada do bar, já está em seus lábios. Ela bebe
e solta um gritinho, me pegando pelos braços. – Ai, eu adoro essa música!
Vem Francine! – me empurra para frente, na direção da pista de dança. – Vem
você também! – segura Mauro pela mão e também o empurra. Ele esbarra em
mim e eu tenho vontade de dar um soco no meio da cara da minha irmã! Que
criatura mais insuportável quando quer ser! E ela quer sempre.
Olho de soslaio para Ivan, que mantém o rosto impassível. Não consigo sequer
imaginar o que se passa por sua cabeça. A música é lenta. Resumindo: a idiota
aqui vai ter que dançar colada com o idiota que está a sua frente. Um dia, eu
ainda queimo todas as roupas de marca de Bianca numa fogueira só! Joana
d’Arc que nada! Bianca não sabe o que é ser bruxa!
Na pista de dança, assumo minha posição e Mauro me conduz. Encosto minha
cabeça em seu braço para não ter que encará-lo. Esta situação já está
chegando ao cúmulo do insustentável.
– Esse cara... – Mauro diz encostado no meu ouvido. – Esse Ivan... – repete
especificando a quem se refere. – Ele parece interessado em você ou estou
enganado? – uma das mãos está em minhas costas e começo a me sentir
nauseada. O cheiro do perfume dele, o jeito como ele fala, o jeito como me
toca. Quem esse cara pensa que é? Chega, né?! Já passou de todos os limites
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do tolerável!
Paro de dançar repentinamente. Encaro seu olhar petulante e levanto meu
famoso queixo quando aceito um desafio.
– Escuta aqui, seu medicozinho de quinta categoria! – digo entre os dentes. –
Quem é você para especular minha vida desse jeito?! – continuo encarando-o,
falando sem alarde, mas com raiva suficiente para que perceba que não é bem
quisto por mim. Ele só me observa, agora, assustado. – Você passou a noite
toda se comportando feito um verdadeiro imbecil e eu estou até agora tentando
ser educada! – continuo sem um pingo de arrependimento de ter iniciado os
insultos. – Não sou sua propriedade, não namoro você e há poucas horas, eu
não sabia que você sequer existia! Portanto, pegue seu egocentrismo e seu
complexo de narciso e vá à merda!
Mauro está em pé, a centímetros de mim, absoluta e definitivamente chocado.
Sua boca está entreaberta e seus olhos, incrédulos, por minha postura direta.
Ninguém a nossa volta, percebe o que está acontecendo. A música está alta e
não altero minhas feições. Só minhas palavras e meu tom de voz exprimem
toda a raiva que estou sentindo.
– Estou até agora tentando dizer que você não é bem-vindo! Mas você não
parece querer entender! – respiro fundo. – Deu para entender agora ou você
ainda quer que eu desenhe?!
Mauro ainda está olhando para mim, totalmente atônito, quando percebo a
presença de alguém ao nosso lado. É Ivan, com um leve sorriso de
divertimento nos lábios. Eu também posso mandá-lo ir à merda com esse ar de
ironia, mas prefiro ficar calada para não gerar mais atritos em uma só noite.
Estou com os braços cruzados; e muito impaciente e irritada. Mauro olha
demoradamente para Ivan de baixo à cima e depois me encara.
– Você não passa de uma patricinha mimada! – diz entre os dentes e se afasta
de nós. Ivan o acompanha com o olhar e volta para mim com seu arzinho
irônico. Paciência, Deus, por favor?! Paciência! Devolvo seu olhar com
sangue nos olhos.
– Fica calma... Você não quer que todos percebam o que acaba de acontecer
aqui, não é? – suas mãos estão nos bolsos. Tira uma delas e estende em minha
direção. – Pode me conceder essa dança?
Respiro fundo, tentando manter o autocontrole. Estou muito, muito irritada.
Mas o simples toque de sua mão na minha, já é o suficiente para eu ir me
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acalmando. Ele me enlaça pela cintura, enquanto pouso minhas mãos em seus
ombros. Os dois primeiros botões da camisa estão abertos e posso ver a sua
pele. Minha cabeça instintivamente descansa em seu peito e eu aspiro o cheiro
que emana dele. Meu corpo inteiro se agita e se arrepia. Eu necessito desse
toque como necessito do ar para viver.
– Parece que seu namorado ficou bem chateado. – comenta, com o rosto em
meu cabelo.
– Ele não é meu namorado! – levanto minha cabeça e afasto meu corpo do
dele, totalmente enérgica. Ivan me puxa novamente para junto de si e respira
fundo em meu ouvido. – Não é?
– Não, é claro que não! – meu rosto está aconchegado em seu ombro
novamente. – Estou a noite toda tentando dizer isso!
– Pensei que fosse... – ri. De quê? Deboche? Alívio? – A Bianca me disse
que...
– Pois pensou errado! A Bianca é uma mentirosa sem noção! – digo ainda com
raiva.
– E porque ele estava tão nervoso? – Ivan agora acaricia meu pescoço. Os
dedos roçando em minha nuca, em uma espécie de tortura com prazer.
Em seus braços quero me achar.
Em sua boca quero me perder...
– Porque ele achava que tinha poderes sobre mim...
Ivan enlaça ainda mais seu corpo de encontro ao meu. Eu me movo tímida ao
som da música lenta. Sinto sua respiração entrecortada na minha pele e as
batidas descompassadas do seu coração na palma da minha mão. Nossos
corações estão em descompasso. Eu mexo com ele. E ele me deseja. Ele me
deseja muito.
Vibro agora com a carícia que recebo em minhas costas e dou um sorriso,
rendida. Estou definitiva e absolutamente abandonada ao prazer de estar em
seus braços. Não há espaço para mais nada. Só há nós dois.
– E alguém tem poderes sobre você, Francine? – pergunta. Sua respiração está
forte em meu ouvido. Sinto a tensão dos nossos corpos ao ritmo da melodia.
É óbvio que também não há espaço para resposta nesse momento. Não há
espaço para mais nada. Só há nós dois. Ele e
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eu. Ele. O ser que detém todos os poderes sobre mim. Todos.
♫♪
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Capítulo Quinze
Abro os olhos, solto um bocejo e sento na cama. Todo meu corpo parece ter
sido moído numa máquina de carne. Essas festas sempre são muito cansativas,
mas devo confessar que todo o meu cansaço vale muito à pena. A lembrança
de estar envolvida nos braços de Ivan compensa todo o resto. Até mesmo
aquele intragável do Mauro. Mas se as fadas madrinhas do bom senso existem,
elas jamais permitirão que ele cruze o meu caminho outra vez! Eu não mereço
esse castigo de novo.
Já passam das dez da manhã e eu não acredito que os membros da minha casa
já estejam acordados depois da agitada noite anterior. Bianca nunca levanta
para o café em dias rotineiros, que dirá hoje. Ela passou a noite toda dançando
com aquele novo carinha, um dos médicos residentes. Como era mesmo seu
nome? Diego, Diogo... Sim, Diogo. Mas eu não me preocupo em decorar o
nome dos ficantes de Bianca. Minha irmã não se prende a ninguém. Hoje
mesmo o tal Diogo será dispensado e ela já estará em outra. Se é que já não
foi dispensado.
Papai bebeu um pouco demais, deve acordar com uma enxaqueca das bravas!
Ele não está acostumado a isso. Só bebe socialmente, principalmente em
eventos como da noite passada. E Ivan... Ah, meu Ivan! Deve estar tão cansado
da viagem e de todas as surpresas que tivemos que não acordará tão cedo
também. Mas teremos todo o tempo do mundo para colocar nossos pingos nos
is. Ele agora mora no quarto de hóspedes. Bem ao lado do meu.
Meu celular toca e eu vejo o nome da Julia brilhar na tela do display.
Remarcamos nosso cinema para hoje à tardinha.
– Oi, Ju! – minha voz ainda está rouca por ter acabado de acordar.
– Amiga! – Ju exclama do outro lado da linha. – Desculpa, acordei você?
– Não... Já estava acordada! Na verdade, estou levantando da cama.
– Menos mal porque quero saber tudo da festa... Tinham muitos gatos lá? – Ju
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pergunta rindo. – Ah, Francine! Não vai me dizer que você não pegou
ninguém?
Julia é impossível. Ela me conhece e sabe que não sou menina que fica na
primeira noite. Ao contrário dela, que não perde tempo algum. Dou uma risada
e fico imaginando a sua cara do outro lado da linha quando eu disser quem eu
peguei. Só de pensar nos beijos que Ivan e eu trocamos, fico extasiada.
– Peguei... – digo sorrindo, imaginando seus olhos arregalados.
– Ai. Meu. Deus! – minha amiga diz pausadamente. – Como foi?! É gato?
– Muito, muito gato. – continuo sorrindo.
– Francine, pelo amor de nossa senhora das amigas impacientes! Fala logo! –
ela é pura ansiedade.
– Pois peça paciência a ela porque eu só conto quando nos encontrarmos hoje
pessoalmente. – bufa do outro lado da linha. Um gesto nada feminino, como
diria D. Lúcia, diga-se de passagem.
– Não dá para adiantar nadinha, cara? – insiste.
– Hum-hum... – eu respondo em negativa. – Guarde sua ansiedade e ligue para
Soninha para confirmar nosso cinema. Mande um torpedo com a hora que
encontro vocês na praça de alimentação do shopping.
– Tá... Tá bom! – Ju responde nada satisfeita.
– Agora deixe eu me adiantar aqui porque ainda nem tomei café da manhã.
Beijo! – ouço seu resmungo e desligo, rindo.
Julia é minha amiga desde menina, assim como Soninha. Estudamos na mesma
sala e somos um trio para tudo. Ela mora no centro da cidade. Sua família é
muito alegre, divertida e cheia de vida, assim como ela: muitos irmãos,
sobrinhos, avós, tios e primos.
Ju é morena, um pouco mais alta do que eu e tem uma linda voz. O sonho dela
é ser cantora de uma banda, depois quem sabe, ter uma carreira solo e ficar
famosa. Por causa disso, diz que estilo é tudo. Seu maior hobby é testar várias
tendências da moda, cortes de cabelos ousados e esmaltes chamativos naquilo
que ela chama de unha. Desde criança, minha amiga rói as unhas quando fica
ansiosa. Conclusão: sempre. Acredito que ninguém mais consiga lembrar qual
é a cor original de seus cabelos porque vive para tingi-los cada hora de uma
cor.
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– Você não vai comer nada, pai? – digo preocupada. – Está de ressaca!
Precisa se alimentar!
– Que ressaca o quê, menina! – meu pai responde levemente irritado. Ele não
gosta de ser contrariado.
– Ah, não? – decido retrucar. – Por que será então que está tomando o
milagroso café forte da Bastiana?! Aliás, o senhor só tem fumado feito uma
chaminé e sobrevivido de xícaras de café ultimamente! – observo-o fechar o
semblante. – Desculpe falar desse jeito, pai, mas você é médico, é um
formador de opiniões... – não posso concluir porque ele me interrompe. Já era
o esperado.
– Epa... Francine, já chega, está bem? – agora sim, ele está muito irritado. –
Sei muito bem me cuidar sozinho. Não preciso de ninguém para me dizer como
devo ou não me comportar!
Pais! Estão sempre se achando no topo da razão. Posso até errar em cobrar
isso dele, sem falar com um pouco mais de tato. Mas sinceramente, não sei
como fazer isso sem ir direto ao assunto. Não aguento ver meu pai se
destruindo! Estou muito, muito chateada. Ouço Bastiana resmungar e balançar
a cabeça negativamente, me condenando por ter repreendido meu pai. Ela vem
de um tempo em que os filhos não retrucavam seus pais em hipótese alguma. O
que eu acabo de fazer, para ela, é uma total falta de respeito.
Levanto e jogo o guardanapo em cima da mesa. Já deu sobre esse assunto para
mim.
– Está bem, papai. Desculpe. Não está mais aqui quem falou... Fui! – ajeito a
cadeira próxima à mesa e viro as costas.
– Ocê já vai sair, menina? Nem comeu direito! – Bastiana deixa a louça
ensaboada na pia e vira-se para mim.
– Vou. Estou indo me encontrar com as meninas. – respondo séria. – Até mais
e bom dia para vocês!
Meu pai não diz nada, mas eu percebo seu olhar reflexivo. Eu só quero o seu
bem e ele sabe disso.
– Esses meninos não têm juízo não, doutor... – ainda ouço Bastiana dizer
quando saio da cozinha.
Dou uma volta pelo shopping e compro algumas peças para meu guarda-roupa.
Além de estar precisando delas, eu tenho que fazer hora para esperar as
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inocente.
Sinto que posso dominar o mundo depois dessa revelação bombástica. Ele e
eu. Ele. O ser que detém todos os poderes sobre mim. Posso tocar o céu com
um único beijo, posso vencer barreiras sociais, posso deixar minhas amigas
incrédulas...
Eu posso dominar o mundo.
Eu posso mudar a história. A minha história. E esse é o meu mundo. E isso me
basta.
♫♪
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Capítulo Dezesseis
Enquanto conto os acontecimentos da noite anterior, Soninha e Ju não
desgrudam os olhos de mim um único segundo. Encontram-se embevecidas
com tantas emoções em uma só noite. Minhas amigas desistem do cinema e
resolvem, então, ir a minha casa para uma visitinha. Estão eufóricas com o
novo morador.
– Chegamos! – saúdo Bastiana quando entro na sala. Ela está limpando os
móveis com uma flanela e nos observa desabar nos sofás.
– Oi, Bastiana! – Soninha a cumprimenta.
– Oi, menina, como vai a sua mãe? – pergunta sem deixar de limpar.
– Ela está bem. Temos uma nova encomenda e ela já começou a fazer... –
minha amiga diz visivelmente orgulhosa.
Ju faz caretas para mim como se dissesse Vai! Pergunta onde ele está! O que
está esperando? Retribuo a careta com Calma! Olha o coração! Dou uma
respirada básica para iniciar os trabalhos e, enfim, pergunto:
– Onde está todo mundo, Bastiana? – mordo o lábio inferior, já tensa.
– Seu pai foi trabalhar, ora! – diz emburrada. – A menina Bianca saiu e o
menino Alex ligou pra dizer que ele mais a patroa chegam amanhã.
Ah, Deus! Por que será que Bastiana é tão lenta?! Eu disse todo mundo!
Respiro de novo e sou mais específica dessa vez:
– E o Ivan? Onde está? – Ju pisca para mim e diz Ok só movendo os lábios.
– Tá na piscina. Mas vê se ocê não vai aperrear o menino com prosa besta.
Ele precisa de sossego! – resmunga. – Vou assar um bolo pr´ocês comerem.
– Bastiana! – eu chamo quando ela já está caminhando em direção à cozinha. –
Te amo! – dou um sorriso para ela que abana uma mão em minha direção como
se dissesse Diacho! Ocê me chamou pra isso? Não tem mais o que fazer? e
vai assar seu bolo.
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Minhas amigas acham graça e se voltam para mim. A ideia de ir para a piscina
imediatamente nos parece tentadora. Elas, porém, estão sem biquíni. Vestimos
o mesmo tamanho, então eu vou emprestar a cada uma um conjunto meu para
darmos um mergulho. Pedir discrição a elas é um pouco demais,
principalmente se tratando de Ju, mas eu acho que pode ser divertido.
Subimos as escadas com destino ao meu quarto e após uma pequena busca em
minhas peças de vestuário, encontro os biquínis. Jogo em cima da cama, onde
minhas amigas estão deitadas.
– Ai. Meu. Deus! – Ju exclama abrindo os braços para o teto e sorrindo. – O
Ivan está aqui!
– Eu também não estou me contendo! – Soninha emenda, abafando um grito
com a mão e agarrando uma almofada com a outra.
– Ei! Psiu! – repreendo. – Quietas vocês duas! Estão loucas?! Querem colocar
tudo a perder?
– Lógico que não, amiga... – Soninha senta na cama e fica séria. – Já não basta
eu com problemas sentimentais...
– Vai me dizer que você ainda não conversou com o Nando?! – pergunto
surpresa.
- Do que estão falando? Atualizem a amiguinha, por favor! – Ju também senta e
observa Soninha com um olhar curioso.
– Ainda não... – solta um suspiro e se dirige a Ju. – Depois falamos disso!
Agora nosso foco é outro! I-van! – ela diz fazendo um coração com as mãos.
Jogo uma almofada em cima dela e todas rimos.
– Por falar em homem gato... – Ju suspira. – Que falta faz aquele seu irmão
nessa casa, hein! Gente, me abana! Ele é um deus! Ai ai ai... – a parte do abana
fica por conta dela mesma.
– Ele chega amanhã! Não vai demorar nada para essa casa estar bombando
com os dois maiores deuses do bairro! – entro na brincadeira dela.
– Vou apresentar algum bombeiro a você! – Soninha provoca e Ju dá de
ombros.
– Se for gato, amiga... Tá valendo! – damos uma risada ao mesmo tempo. A Ju
não tem jeito! – Preciso é encontrar o homem certo. Sou mulher pra casar!
– Hummmm...! – Soninha e eu exclamamos ao mesmo tempo.
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Trocamos de roupa e vamos até a piscina. Ela fica nos fundos, em um espaço
grande. É toda de azulejo azul, bem tradicional. Próximos à borda esquerda,
há três conjuntos de mesa com cadeiras e guarda-sóis. Ivan está no primeiro
deles, deitado em uma das espreguiçadeiras, lendo um livro.
Só de avistá-lo de longe, minhas pernas ameaçam ficar bambas e o coração
começa a bombear com mais força. Muita descarga de adrenalina deve estar
sendo lançada pela minha corrente sanguínea porque meu rosto esquenta
imediatamente. E não é por causa do sol. O calor tem relação direta com a
minha visão de um homem moreno, vestindo uma sunga preta e todo trabalhado
em músculos proporcionais. O peito, sem nenhum pelo, brilha com as gotas
d’água restantes do último mergulho. O cabelo escuro está molhado, jogado
para trás.
Uma das pernas de Ivan está com o joelho dobrado, onde ele apoia o livro.
Vou abrindo caminho à frente das meninas, reunindo toda a minha coragem
para me aproximar. Estou orgulhosa do meu biquíni da moda com estampas em
tom azul. Gosto de azul. É uma cor que me favorece.
Caminho tentando demonstrar segurança a mim mesma, mas tenho a impressão
de que se eu ficar em pé bem ereta, minhas pernas vão tremer a olhos vistos.
Mantenha o foco, Francine! O foco! Mas Ivan é o foco que me agita e que faz
meu barquinho ficar à deriva outra vez num mar agitado. É a ansiedade de
avistar o porto seguro que faz meu barquinho perder o controle.
– Oi. – digo simplesmente, o arrancando da leitura.
Ivan, a princípio, me olha surpreso. Essa surpresa vai dando lugar a um nítido
embaraço. Ele passeia os olhos rapidamente sobre mim e desvia o olhar para
as meninas, sorrindo.
– Oi, garotinha. – beija minha testa. Na testa, Ivan?! Depois dos nossos beijos
trocados?! Chega a ser patético.
– Você se lembra das meninas? – estendo minha mão e as apresento agora já
crescidas. – Essa é Ju e essa é Soninha.
– Como vai, Ivan? – Soninha é a primeira a cumprimentá-lo com beijos no
rosto e Ju a segue.
– Nossa, como vocês cresceram! – parece constrangido. – Estou me sentindo o
tiozão aqui...
– Quem me dera ter um tio feito você! – Ju mal completa a frase e é atingida
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Capítulo Dezessete
O banho de piscina mexeu um pouco com meus nervos. Eu me sinto agitada e
ansiosa. Meus pensamentos sempre serão meu céu e meu inferno, quando se
trata de Ivan. Penso na minha família. No desapontamento que seria para todos
se eu demonstrasse sentir por ele, mais do que amor de irmã. Como reagiriam?
O que teria acontecido se alguém tivesse nos flagrado, aos beijos, na área
externa daquela festa?
Aos beijos... Deixo a água fria escorrer por meu rosto. Estou tomando banho
no banheiro do meu quarto e nem mesmo esta água fria da ducha é capaz de
abrandar o calor que me invade. Eu me lembro da forma como Ivan me tomou
nos braços e se apossou da minha boca; na maneira como ele reagiu ao meu
toque...
Sim, fomos criados como irmãos! Sim, ele é treze anos mais velho do que eu!
Mas também sou convicta em dizer: Sim, ele me deseja. E eu o amo. Amo,
com toda a minha alma.
Lembro que na hora do banho de piscina, as meninas ficaram alguns minutos
na companhia dele tomando sol. Falaram baixinho alguma coisa que não
consegui ouvir. Logo depois, ele pegou o celular e anotou algo.
Uma ponta de ciúme volta a me atingir com a lembrança. O que eles
cochicharam? Por que deram risadinhas? Será que se eu perguntasse as minhas
amigas, pareceria paranoica demais?
Troco de roupa e quando termino de pentear meu cabelo, ainda molhado, ouço
a buzina de um carro do lado de fora da casa. Escuto minha ex-babá gritar lá
debaixo:
– Eles chegaram! Eles chegaram! – Bastiana parece correr em direção à porta.
Quando chego ao fim da escada, Alex está entrando pela porta da sala com
uma mala na mão. Meu irmão é meu melhor amigo.
– Alex! – eu me atiro em seus braços. – Que saudade, que saudade!
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– Oi, minha bonequinha... – acaricia meu cabelo ternamente, beija meu rosto e
se afasta um pouco para me admirar. – Nossa, como está linda aos dezoito!
– Ah! – retribuo com um sorriso.
– Vamos comemorar! – diz dando uns passos à frente, colocando a mala no
chão e abraçando Bastiana.
É nesse momento que me vejo cara a cara com mamãe. Ela se aproxima da
porta e coloca sua mala no chão. Tira os óculos de sol do rosto e coloca no
alto da cabeça.
– Você leva para mim, querido? – pede a Alex que prontamente pega a mala.
– Olá, Francine. – minha mãe me cumprimenta e eu sinto minhas mãos geladas.
Por que sempre me sinto uma idiota na frente dela? Por que é sempre tão
desconfortável estar em um mesmo ambiente sem precisar medir as palavras,
controlar os movimentos, calcular as consequências de um comentário?
– Oi, mãe. Como foi a viagem? – é tudo o que consigo dizer.
– Foi ótima, obrigada. – responde secamente. – Ah, Bastiana! – afasta-se e a
abraça. – Como está tudo por aqui?
– Noite, patroa! – Bastiana cumprimenta minha mãe com um aceno de cabeça.
– Tudo bem. Fiz a comida que o meu menino mais gosta pra janta!
– Mas você é demais! – Alex abraça Bastiana, tirando-a do chão.
– Oxe, menino mais miolo mole! Ocê me coloque no chão e pare de me
aperrear! – dá tapinhas no ombro do meu irmão enquanto rimos. Até mamãe.
– Trouxemos presentes! – minha mãe coloca a bolsa de couro preta em cima
do sofá e se senta. – Estou exausta! Onde está Bianca?
– Tá no quarto dela. – Bastiana diz. – Deve tá com aquele negócio no ouvido!
Vou chamar.
Minha família está completa agora. E imagino qual não será a surpresa de
mamãe e Alex quando virem Ivan em carne e osso aqui em casa. E antes que
eu possa especular um pouco mais sobre essa possibilidade, o grande hóspede
da casa vem descendo as escadas, bem vestido, cheiroso e com o mais bonito
de todos os sorrisos que eu já vi em minha vida.
– Meu Deus! – minha mãe diz com os olhos arregalados. – Ivan, meu filho! É
você?! – vai ao encontro dele e o abraça. Quando? Quando em toda a minha
vida minha mãe me abraçou desse jeito carinhoso? Quando foi que minha mãe
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me abraçou?
– Que abraço bom, D. Lúcia! – ele a beija no rosto. – Assim vou ficar mal
acostumado! Há muito tempo não sou tão mimado.
– Ah, meu filho! Que alegria ter você de volta! – ela o solta. –Não vai embora
rápido dessa vez, né?
– Na verdade... Dessa vez não pretendo ir embora... – Ivan diz indo em
direção a Alex e minha mãe junta suas mãos à boca em sinal de puro
contentamento.
– E aí, irmão! – Alex o abraça com força, dando várias batidas em suas costas.
Um cumprimento tipicamente masculino. – Pô, cara! Que alegria ter você de
volta, meu camarada!
Meu pai chega da clínica e se junta a nós. Bianca e Bastiana também. Fico
observando cada gesto, cada olhar, cada movimento desse reencontro e não
posso deixar de sentir uma emoção imensa. Esse é o meu mundo. Essa é a
minha família, essa é a minha vida. Esse é o homem que desejo ao meu lado
para o resto dos meus dias.
Essa é a segunda vez que vejo essa cena se repetir. E espero nunca mais
assisti-la porque não haverá mais despedidas. Não haverá mais promessas de
retorno. Esses abraços serão constantes e eternos. Essas manifestações de
carinho serão diárias. Essa paz será a mola propulsora da nossa convivência
em família.
– Ah, meu filho, que bom que voltou! E vai ficar com a gente! Isso é muito
bom! – minha mãe volta a abraçar Ivan. Pelas minhas contas, o trigésimo
abraço da noite... após o jantar.
– Se eu não for atrapalhar... – ele diz sorrindo e põe o copo com o licor que
meu pai nos serviu, no descansa-copos em cima da mesinha.
– Você nunca atrapalha, meu querido! – segura uma de suas mãos.
– Mamãe, os presentes! – Bianca lembra.
– Sim, os presentes! Filho, pegue a mala! – pede a Alex, enquanto se levanta.
Alex prontamente se encarrega de abrir, no tapete, uma mala cheia de
pequenos pacotes, embrulhados com papel de presente. Ele dá um dos seus
relógios para Ivan, já que não fazia ideia de que o encontraria de volta em
casa. Ganho dele uma linda gargantilha com um pingente de coração. Um a um,
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Capítulo Dezoito
Já passa da meia noite e minha casa está silenciosa. Todos parecem dormir.
Eu, ao contrário, reviro de um lado para o outro na cama, fritando como um
bife. Não consigo dormir! Minha cabeça não para de pensar em todas as
coisas intensas que aconteceram na minha vida em menos de quarenta e oito
horas. Faz uma semana que completei dezoito anos e parece que todos os
problemas da fase adulta resolveram me alcançar com mais força.
Não adianta ficar aqui deitada, alternando entre olhar para o teto ou virar de
lado em busca da posição ideal para pegar no sono. Meu íntimo está dentro do
meu velho barquinho...
Levanto decidida a beber um copo d’água. Meu quarto, iluminado apenas com
as luzes que vinham de fora, está me sufocando. Eu preciso de ar. Estou com o
short do pijama e uma camiseta branca, sem sutiã. Não pretendo demorar, por
isso, não me preocupo em trocar de roupa. Calço minhas sandálias e vou pelo
corredor com extremo cuidado. A casa está no escuro. Desço as escadas pé
ante pé e alcanço a cozinha. Acendo a luz e abro a geladeira. Sinto um pouco
de fome, não comi bem no jantar. Encho um copo d’água e bebo, enquanto
analiso as opções da geladeira. Resolvo preparar um prato com fatias de
queijo minas e presunto, e tomar um iogurte.
Vou me sentar para comer no meu lugar favorito do quintal: meu banquinho sob
as parreiras. De lá, eu sempre consigo admirar o céu quando tem estrelas à
noite. Vou comendo calmamente, enquanto observo o quanto as parreiras
cresceram e tomaram todas as estruturas de madeira. É como se eu estivesse
dentro de uma casa. Uma casa que fabrica uvas.
O céu está deslumbrantemente lindo essa noite, cheio de estrelas de um brilho
indescritível e de uma lua crescente que convida ao amor. Suspiro e tomo um
gole do iogurte de garrafinha. Se eu soubesse que não havia mosquitos e que a
noite estava tão incrível, teria trazido uma toalha para deitar sobre o gramado,
em meio às parreiras.
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urgentes brilham por antecipação. Eu seguro sua mão, sem tirá-la do meu rosto
e beijo a palma.
Em seus braços quero me achar. Em sua boca quero me perder...
... me perder.
... me perder!
O que ele está esperando para me tomar nos braços e devorar minha boca
como fez há um dia? Por que ele não manda seu juízo ir para o diabo de novo?
– Isso, Francine... – Ivan solta meu rosto e segura meu braço com firmeza. –
Isso... – esfrega com a mão esse mesmo braço e os meus pelos se arrepiam.
Minha expressão é de completa dúvida. O que ele está querendo dizer com
isso? É necessário me tocar para dizer o que nós dois já sabemos?
– Eu... – gaguejo, quase sem voz. – Eu não entendo...
– Eu voltei para casa para ter paz! – parece alterado. Por quê? Está com raiva
de mim? O que eu fiz de errado? – Meu objetivo era retomar minha vida,
diminuir o ritmo de trabalho, me assentar de novo... Mas parece que isso não
vai ser possível.
– E o que está te impedindo? – pergunto com medo da resposta.
– Você... – seu maxilar está contraído. Sua expressão é quase de... dor.
– Eu?! – digo alarmada, enquanto me levanto. – Você está me culpando por não
conseguir retomar a sua vida?! É isso mesmo o que estou ouvindo?! – estou
encarando-o.
– Não você... Mas... – procura as palavras, abanando a cabeça. – Mas a forma
como você reage quando estamos juntos! – se levanta também e sua expressão
é dura. – Isso não está certo, Francine! Não está certo! Eu vi você nascer e
crescer! Eu sou seu irmão!
– Você não é meu irmão droga nenhuma! – quase grito na cara dele. – Mas se o
que está tentando dizer é que a minha presença atrapalha a sua vida, fique
descansado... – levanto meu queixo, em desafio. – Farei o possível para estar
bem longe do seu caminho! – quando viro as costas, uma de suas mãos agarra
meu pulso como na noite da festa, mas ele não me puxa ao seu encontro.
Fico parada, alguns segundos, tentando entender o que significa essa conversa
toda e aonde Ivan quer chegar. Seus dedos afrouxam em meu pulso e eu me
viro para ele, lentamente. Ficamos, os dois, nos olhando por um tempo difícil
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Capítulo Dezenove
Três dias se passaram e eu estou aqui no meu quarto, sem vontade de fazer
nada. As minhas férias terminam daqui a três dias e nem meu material escolar
consegui comprar. Estou me sentindo envergonhada, culpada, profundamente
triste. Em momento algum Ivan disse que sentia algo por mim. Toda a culpa
pelo que ele julga estar acontecendo é minha. Eu sinto. Eu reajo. Puro
machismo!
Ele não. Ele não sentiu nada... Coitadinho! Pobre coitado! Foi seduzido pela
irmãzinha inexperiente de dezoito anos! Pobre homem maduro de trinta e um!
Estou com raiva. Muita raiva. E tenho certeza de que é isso que ele quer que
eu sinta. Nesses três dias, mal nos cumprimentamos e, quando precisamos
fazer nossas refeições juntos, dizemos o mínimo do indispensável.
Todo esse distanciamento me deixa louca. Chego a pensar que prefiro a
amizade dele a sentir todo esse gelo. Ivan está me evitando e, quando não
consegue evitar, me ignora. Dói. Dói muito. Acho que nunca mais
conseguiremos recuperar a intimidade que uma vez tivemos. Sempre haverá
esse vão, esse quase, esse mas entre nós.
E eu só consigo pensar no eu quero, no agora, no porquê não... Minha vida
parece perder o sentido e eu me vejo cair num poço fundo, muito fundo e sem
nada a que eu possa me agarrar.
Todas as noites após o jantar, Ivan tem saído. Fico imaginando onde ele está,
com quem... E quando o fazendo o quê começa a dominar a minha mente, dou
tapinhas no meu próprio rosto. Suicida. Você gosta do caminho que a leva à
morte...
Passo a manhã trancada no quarto. Não me alimento adequadamente há três
dias. Resolvo tomar um banho e descer para almoçar, antes de ir ao shopping
comprar o material escolar. Desço exatamente na hora em que minha mãe e
Ivan estão se servindo. Não há mais ninguém em casa para a refeição. Somos
só nós três. Não podia ter escolhido me alimentar em um pior momento. Ivan
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Finjo que não é comigo. Não sou obrigada a nada. Muito menos a entrar no
carro de um homem que há três dias me pediu para manter distância. Um
homem que me acusou de estar prejudicando-o na retomada de sua vida. Ele
que vá para o inferno! Para o inferno com esse maldito carro.
– Francine, entre no carro! – fala mais alto e algumas pessoas que estão
próximas começam a perceber a quem ele se dirige.
– Ivan, me deixa em paz...! – digo entre os dentes e com os olhos destilando
raiva.
– Francine, entre nessa droga desse carro... AGORA! – ele diz ainda mais alto
e bravo. Eu olho para os lados e me sinto profundamente envergonhada. Ele
venceu. Caminho até a porta do carona e entro no veículo.
Ivan põe o carro em movimento pela avenida em direção ao centro. Eu estou
quase explodindo de tanto ódio, mas seguro o máximo que posso. Até que não
aguento mais.
– Se você acha que pode falar comigo daquele... – não consigo terminar.
– Pelo amor de Deus, Francine! – os óculos de sol ainda não me permitem ver
os seus olhos, mas posso sentir toda a sua raiva. – Fica calada!
O sangue ferve em minhas veias. Meu corpo todo treme sem controle e eu sinto
uma vontade horrível de chorar. Fico lutando contra minhas lágrimas, enquanto
Ivan estaciona dentro do shopping, tira finalmente os óculos e me encara.
– Desculpe! – expira profundamente. – Por favor, me desculpe... Fui
extremamente grosseiro com você e isso não está certo. Peço sinceramente que
me desculpe.
As lágrimas teimosas que eu, inutilmente tentei segurar, começam a descer
pelo meu rosto. Odeio chorar! Não consigo pronunciar uma única palavra.
Estou cansada demais, ferida demais. Só queria voltar para casa...
Ivan vence a distância que há entre nós e me aconchega em seus braços. O
cheiro dele começa a alcançar meu sentido olfativo e o calor do seu corpo
manda um sinal para meu coração de que eu estou onde deveria. No lugar
certo. No meu porto seguro. Nos seus braços.
Minhas lágrimas começam a pingar na sua camisa e eu esvazio minha alma de
encontro à certeza de seu consolo. Seus braços são minha base. Seus braços
são meu lar. Estou... exposta, vulnerável. Ele pode tocar minha alma com as
suas mãos.
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Capítulo Vinte
Ivan e eu estamos no shopping e ele me aguarda do lado de fora do banheiro
feminino. Lavo meu rosto e tento assimilar todos os acontecimentos da última
hora. Aparentemente, sem querer, minha mãe havia colaborado para que
tivéssemos pelo menos a oportunidade de voltar a conversar.
Meu rosto e meu pescoço ainda estão cheios de placas vermelhas deixadas
pelo meu choro. Dos males, o menor, consegui desabafar. Estou me sentindo
aliviada, vazia de sentimentos ruins. A cabeça ainda precisa de respostas, mas
o coração volta a bater sem a angústia que me afligia.
Uso as toalhas de papel para me secar, escovo meu cabelo e passo um brilho
labial. Estou com o rosto inchado e as placas vermelhas demorarão a sair, mas
é o máximo que posso fazer pela minha aparência no momento. Passo a mão
pelo meu vestido e analiso se está tudo em ordem para deixar o banheiro, sem
parecer uma louca descabelada, de nariz escorrendo e roupa amassada.
Ivan está encostado em uma pilastra me aguardando. A camisa azul clara que
ele veste está social demais para um passeio no shopping e contrasta com meu
simples vestido estampado de verão. Seja o que for que ele tinha para fazer,
não era nada casual.
Quando me vê, Ivan sorri com gentileza e me guia pelo shopping com um
braço protetor em minhas costas. Como eu amo esse velho Ivan! Esse homem
que me cobre de cuidados e atenção desde que eu era uma menininha. Caminho
ao lado dele e não faço a mínima ideia de onde está me levando. Não importa.
A proteção daquele braço sobre meus ombros é o que basta nesse momento
para que eu me sinta a pessoa mais amada desse mundo.
A praça de alimentação está cheia de gente. Ivan me leva para um local um
pouco mais reservado, com a linda vista panorâmica da cidade. Eu me sento
em uma das cadeiras, admirando-a.
– Espere um instante... – ele me diz. – Eu já volto! – vira as costas e eu o
perco de vista.
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Estou me sentindo exausta. Assim como minha mente, meu corpo também está
cansado. E meus olhos pesam no meu rosto. Mesmo assim, não abro mão desse
momento. Não abro mão de poder conversar sobre tudo o que me aflige; tudo o
que eu sinto; tudo o que eu espero em relação a nós.
Precisamos falar sobre... nós. Sim, Ivan. Precisamos falar sobre nós! O que
engloba o que você sente, o que você pensa e o que você espera para nós.
Nunca na vida esse pronome esteve tão dentro de um contexto palpável.
Ivan volta após longos minutos com uma bandeja nas mãos e a coloca sobre a
mesa. Há um suco e um sanduíche sobre ela. Estou sem reação diante de todos
esses cuidados. Ele não parece entender minha expressão incrédula e se
mantém sério.
– Coma... – aponta o sanduíche e cruza os braços sobre a mesa me encarando.
– Você não comeu nada hoje. – E como continuo a olhá-lo embevecida, sorri e
me provoca. – Quer na boca, garotinha?
Não há nada sexual nessa pergunta. Ele está só se referindo às inúmeras vezes
em que eu me recusava a comer quando criança e, ele se oferecia para me dar
as colheradas na boca. Dou um sorriso irônico e mordo o sanduíche.
– Boa garota... Agora, sim, estamos começando a nos entender. – ri.
– Começar a nos entender significa que tenho que fazer tudo o que o mestre
mandar, né? – dou outra mordida no lanche. A fome agora se manifesta e a
ogra incorpora.
– Sempre admirei sua inteligência! – ri a valer da minha fingida cara de brava.
– Assim...! – exclama carinhoso e sorridente, enquanto me observa comer. –
Eu gosto de ver você assim... – inclina o queixo em minha direção.
– Irritada? – digo de boca cheia.
– Nada disso. Com esse apetite voraz... Quer outro? – oferece.
– Não... – fico encabulada. Limpo o molho que escorre pelo canto da boca e
bebo uns goles do suco. – Obrigada.
– Não há de quê. – Ele está de volta! Meu Ivan está de volta. Ele toca uma de
minhas mãos sobre a mesa e a acaricia. Uma onda elétrica sobe por ela e eu
preciso me controlar para não retirá-la com o susto. Mas ele rapidamente
recolhe a sua, como se também tivesse sentido a mesma eletricidade. Somos
magneticamente atrativos, não há como fugir disso.
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Ivan me analisa atentamente. Posso sentir seus olhos pesando sobre meu rosto.
O que será que eles querem me dizer? Estariam me censurando por ser uma
garota grande demais para ursos de pelúcia?
– Muito bonito mesmo! – responde rindo, retomando sua postura natural.
– Sou uma garota patética, né? – viro para ele, rindo também.
– Não! – fica sério. – Não quis dizer isso!
– Qual garota na minha idade iria parar em frente uma loja de brinquedos e se
encantar com um deles?! – ainda estou rindo.
Ivan levanta meu queixo ainda sério e eu paro de sorrir. Essa mão é capaz de
causar estragos significativos nos meus sentimentos.
– Ouça bem o que eu vou dizer... – seu olhar é intenso. – Você não é e nunca
será uma garota comum.
– Isso é um elogio? – estou séria também.
– Um elogio, uma constatação e uma verdade absoluta. – solta meu queixo,
sem deixar de me olhar.
– Eu preciso dizer uma coisa a você... – minha voz sai rouca, falhada.
– Diga o que quiser... – sua expressão agora é de curiosidade. – Mas vamos
fazer isso no carro. – Venha!
Entramos no estacionamento e sentamos nos bancos do carro. Ele no do
motorista e eu ao seu lado, no do carona. Ele se vira para mim.
– Bem, agora está bem melhor. – seu olhar indica que eu devo prosseguir. – O
que precisa me dizer?
E agora? É pegar ou largar. Confessar ou mentir. Ficar ou correr. Não... Não
há como largar, mentir ou correr. A nova Francine é corajosa, destemida e
verdadeira com seus sentimentos.
Encaro seus olhos perspicazes e observo cada músculo do seu rosto ficar
tenso. Será que ele tem ideia do que está por vir? Será que imagina as
palavras que irão sair da minha boca? Meu silencio inicial possibilita que ele
também organize seus pensamentos e me diga algo coerente.
– Eu estou apaixonada por você, Ivan! – digo de uma só vez. – Completamente
apaixonada...! E não há nada que eu possa fazer para mudar isso...
– Francine... – interrompe muito, muito sério.
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– Espere, por favor... Preciso falar... por favor. – continuo. – Eu sempre fui
apaixonada por você. Sempre! Desde que eu era uma garotinha. – engulo em
seco. – Não sei como conviver com essa situação, mas eu amo você. Amo
demais! Eu sempre amei...
Ivan parece analisar os músculos contraídos do meu rosto. Eu, por outro lado,
observo sua boca comprimida e seu acentuado nervosismo expressado através
de sua mão passando pelo cabelo; um gesto típico de quando fica nervoso.
– Deus do céu, o que está acontecendo?! O que você está me dizendo,
menina!? – pergunta mais a si mesmo do que a mim. Ele respira fundo e volta a
me encarar. – Francine... – pega minhas mãos geladas e trêmulas entre as suas.
– Pensa comigo: Nós dois nascemos praticamente numa mesma família. Eu sou
treze anos mais velho do que você. Sempre a enxerguei como uma criança,
uma menina que eu brincava, protegia...
Eu estou muda. Mas não deixo de estudar seus olhos e absorver cada palavra,
cada expressão, cada gesto seu.
– Você não pode estar apaixonada por mim... – tenta avaliar meus sentimentos.
– Acredito no seu amor, mas no mesmo amor que eu sinto por você. No amor
que nasceu desde que vi a inocência do seu olhar pela primeira vez na minha
vida!
– Você não pode analisar os meus sentimentos desse jeito... – digo num
sussurro. – Eu sei o que sinto. E eu amo você!
– Você tem ideia do que está me dizendo, Francine? – ele me pergunta,
procurando respostas demais onde não existe explicação.
– Esperei por você todos esses anos... Contei cada dia, cada hora, cada
segundo para que você voltasse e pudesse retribuir todo esse amor que sinto.
Como pode dizer que não sei o que é o amor?! – há emoção em cada palavra
minha e isso atinge Ivan de forma certeira.
– Ah, garotinha! Como eu poderia ser capaz de assumir um sentimento como
esse! Eu não posso, Francine! Acho que nunca poderia! Sinto sim, uma atração
enorme pela mulher que você se transformou. Mas isso não está certo! Eu sou
capaz, eu posso controlar isso.
– Eu sei que você não me ama... – digo profundamente exausta. Agora eu
quero, eu preciso, eu necessito da minha cama.
– Não do jeito que você quer, garotinha... – Ivan toca meu rosto e eu fecho os
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meus olhos. – Não quero ser seu inimigo como vinha tentando nesses últimos
dias. Não é isso que quero! – continua, decidido. – Podemos, sim. Voltar a
sermos amigos e fingir que tudo é como antigamente...
– Acha mesmo que podemos fazer isso? – pergunto com irritação. Como Ivan
pode resumir todos os meus sentimentos desse jeito? Decidindo sozinho o que
devemos fazer? – Fingir?! Fingir é o que venho tentando fazer a minha vida
inteira no que diz respeito a você! – grito. – Chega! Vamos embora! Eu quero
ir pra casa, por favor... Não há mais nada a ser dito.
Ivan me olha chocado e balança a cabeça afirmativamente.
– Como quiser... – coloca os óculos de sol e liga o carro.
– Eu vou esquecer você, Ivan! Eu juro! – ainda consigo dizer antes que ele dê
partida do carro.
Não há mais nada a ser dito. Não há mais nada a ser feito.
Minha alma chora e, dessa vez, ele não pode tocá-la.
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Capítulo Vinte e Um
Minha família jantou reunida na sala. Eu procurei me concentrar nos assuntos
trazidos à mesa e parecer a Francine de antes. Fiz comentários, aparentando
uma animação que estava longe de sentir.
Estou em meu quarto agora. Meu celular apita e eu vejo as inúmeras
mensagens que as meninas trocaram em nosso grupo @ Amigas de Infância
Forever, enquanto eu estive ausente. Soninha dizia que tinha conversado com
Nando e que, enfim, tinham se acertado e, em meio à conversa, vários cadê,
Francine?, eu li.
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odiar para sempre, mas agora tudo o que eu desejo é me atirar em seus braços.
Posso deixar a minha raiva para depois. – Ah, Obrigada! Obrigada! Obrigada!
– digo abraçada a ele. – Muito obrigada!
Sinto seu corpo todo rijo ao redor de meus braços e quando me afasto,
percebo que ele está olhando diretamente para a minha camiseta branca
transparente, de onde, segundos antes, meus seios tocaram o seu peito. Minha
face fica quente e eu me sinto enrubescer. Desejo tocar em seu rosto, contornar
a linha perfeita do seu queixo com os meus dedos, mas tenho medo de ser
rejeitada e não quero arriscar.
– Não foi nada... – diz com carinho. – Faço qualquer coisa para ver você
feliz...
Eu me jogo novamente em seus braços e inspiro seu cheiro, que me deixa tonta
e trêmula. Começo a me afastar e fico a centímetros de sua boca. Seus olhos
estão cravados nos meus e eu sinto toda a tensão presente entre nós. Beijo seus
lábios levemente, enquanto ele fecha os olhos, tentando manter o controle.
– Perca o controle, Ivan... Perca... – dessa vez sou eu que me aposso de sua
boca.
Ivan se entrega ao meu beijo e joga o seu peso sobre mim. Suas mãos deslizam
pelo meu corpo e sua língua quente acaricia a minha violentamente. Seu toque,
sempre tão gentil, tem agora uma urgência agressiva que me deixa assustada.
Estou... com medo? Eu tento afastá-lo com minhas mãos. Não consigo
acompanhar seus movimentos e a sofreguidão com que me beija.
De repente, ele me solta e se levanta, arrumando as roupas. Estou deitada na
cama, chocada, sem conseguir me mexer. Sempre assim! Pareço uma
verdadeira idiota! Por que preciso sempre ter problemas motores quando o
assunto é Ivan?
– Não posso pedir desculpas dessa vez... – está visivelmente perturbado. –
Não posso! – diz trincando os maxilares. Um dos gestos típicos de quando fica
nervoso. – Você é uma menina... Uma menina teimosa! – aponta o dedo para
mim. – Não se deve tentar um homem desse jeito...! Principalmente se você
ainda não é capaz de dar o que insiste em pensar que está na hora de querer!
Fico olhando para Ivan, tentando absorver suas palavras e pela primeira vez,
percebo que tem razão. Estou tentando conquistá-lo da maneira errada: usando
a atração que sente por mim. Mas ficou claro que não estou preparada para me
entregar a ninguém nem mesmo a ele. Eu o vejo se recompor, ajeitando a
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rosto e me afasto. – Como você conseguiu fazer tudo isso tão rápido? – aponto
a movimentação a nossa volta.
– Digamos que eu tive sorte em conseguir todo o tipo de ajuda. – ainda está
sorrindo.
– Francine! Vem aqui rapidinho! – André aparece entre mim e Ivan, de repente,
nos assustando. Ele me puxa pelo braço e eu o acompanho. Olho para trás,
ainda sendo puxada e vejo Ivan nos observando. Mãos nos bolsos e seu velho
maxilar contraído. Ele está... com raiva.
Meu copo de bebida vazio é substituído com frequência por outro cheio e eu já
começo a sentir as consequências disso. Meu vestidinho branco e de alcinhas
delicadas, já está manchado de alguma porcaria qualquer.
Após a música ao vivo por conta de Ju, cortamos o bolo delicioso que D.
Vanda fez. E eu estou agora em uma roda de amigos, envolvida em um papo
bastante animado.
Vez por outra, procuro por Ivan e o encontro conversando com Alex. Seus
olhares para mim são de censura, mas eu não estou me importando. Meu
cérebro começa a perder o controle de alguns comandos e eu me sinto tonta.
Muito tonta. Levanto meu copo para ele e o saúdo à distância.
Já é madrugada, a música já foi desligada e minha família não está mais
presente no quintal. Não há sinal de Bastiana e só uma roda de amigos homens
se mantém aqui comigo. Soninha e Ju também já foram embora.
– Por que não esticamos a noite em um barzinho aqui perto? – André propõe e
eu acho a ideia muito boa.
– Ge-ni-al! – digo cambaleando para o lado dele e me apoiando em seu
ombro.
– Você não vai a lugar algum! – sinto uma mão segurar meu braço e parte da
bebida que está em meu copo, derrama sobre meu vestido. Todos parecem um
pouco chocados com a intromissão.
– Ah, Ivan! Qual é?! – estou rindo. Eu es-tou rin-do! Sinto uma vontade louca
de gargalhar na cara dele.
– Pessoal, a festa acabou! – Ivan diz sério, enquanto me segura e aguarda que
todos saiam. – Batam o portão, por favor! – Eu começo a rir
descontroladamente. Velho! Ele é um velho caretão!
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Tento abrir sua camisa com violência e acabo arrancando o primeiro botão
que estava fechado. A pele exposta do peito dele é convidativa para minha
boca que se apressa em explorá-la com a língua. Sinto a tensão dos músculos
de Ivan em minhas mãos, entre as minhas pernas... Ele tenta me soltar, mas
sabe que se fizer isso, eu vou desabar no chão.
– Francine, você está bêbada! Pare! – sou sacudida pelos ombros. – Você
enlouqueceu?! – ajeita a camisa toda amassada, ainda me sustentando com as
mãos e com o próprio corpo. – Vem, vou levá-la até seu quarto... – tenta me
ajudar a caminhar. Subo o restante dos degraus e paro para encará-lo de novo.
– Só se você quiser dividi-lo comigo hoje... – solto uma risadinha por causa
da expressão de espanto dele.
– Se me fizer essa proposta novamente, posso não me responsabilizar pelos
meus atos! – não consigo avaliar a veracidade do que foi dito.
– Posso propor de novo se você quiser... – seguro o queixo dele e beijo a
covinha discreta que tem no queixo.
– Se um dia... – Ivan está me segurando pela cintura, me olhando diretamente
nos olhos. – Se algum dia eu vier a tê-la... No dia seguinte, você terá que se
lembrar de cada detalhe do que aconteceu... – diz cada palavra pausadamente
para que eu possa assimilá-las. E eu continuo sem condições de interpretar
qualquer entrelinha.
– Ah, é...?! - sem que ele possa esperar, ataco sua boca com a minha,
provocando-o com a língua, derrubando sua resistência, minando suas forças.
Entre as minhas pernas, sinto toda a sua rigidez e inclino meu corpo para
frente, me oferecendo para ser sua.
Nenhum sinal de perigo soa em minha mente. Ivan corresponde ao meu beijo,
enfeitiçado, seduzido...
Não há perigo. Não há alerta. Não há possíveis interrupções. Eu sou dele. Eu
me findo nele. Ele e eu. Ele.
A urgência se desfaz num piscar de olhos. O calor esfria lentamente... As
minhas mãos despencam do peito dele. O meu corpo desaba para trás e a
escuridão completa me domina.
Sou dominada pela escuridão e ela faz de mim um ser que viaja... no nada.
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– Que queria dividir sua cama comigo... – suas palavras são irônicas e soam
maliciosas.
– Que absurdo! Eu jamais diria isso! – digo exaltada – Não depois de tudo o
que você me disse...! Depois de tentar me convencer de que não há a menor
chance de termos algum tipo de relação! – não consigo respirar entre as frases.
– E o pior, depois da forma como você me humilhou aqui nessa cama...! –
minhas mãos estão trêmulas e se eu não me controlar, minha voz vai acabar
falhando. Tem um travo de amargura atravessado em minha garganta.
– Ah, não acredita em mim? – Ivan parece se divertir. – Eu teria dado o que
tanto pediu, se você não tivesse desmaiado em meus braços! – cruza os
braços, ainda me encarando com ar debochado.
As palavras dele começaram a fazer algum sentido na minha cabeça. O beijo
em meus delírios, o desmaio, a expressão confusa de Bastiana quando
agradeci por ontem à noite... Pisco várias vezes, tentando manter a calma e
abano a cabeça. Não foi Bastiana quem me deu banho e me deixou dormir nua.
Foi ele! Foi Ivan quem me despiu!
Não consigo entender esse nosso jogo de gato e rato. Essa raiva que às vezes
nos domina a ponto de nos agredirmos e sentirmos o prazer pela tortura
psicológica que infringimos um no outro. Mas... Por quê? Eis a pergunta-chave
desse momento! Por que fazemos isso? Qual é o sentido desse amor-amizade
que transita entre ironia – carinho – tortura – proteção – deboche – gentileza?
Eu não consigo entender! Sinto vontade de gritar!
– O que você fez comigo, Ivan?! – não consigo acreditar que ele pudesse me
tocar sem consentimento. Que pudesse se aproveitar de mim, enquanto eu não
estivesse consciente disso. Mesmo que eu tivesse me oferecido! Ele não tinha
esse direito!
– Eu? Eu não fiz nada! – levanta as duas mãos para o alto, em defesa. – Eu só
trouxe você pra cá e te dei um banho! Você se agarrou em mim e eu fiquei todo
molhado! Coloquei você na cama e isso foi tudo. – eu podia sentir o
divertimento em seus lábios.
– Então... – digo pausadamente. – Foi você mesmo que me despiu?
– Francine... – respira profundamente. – Você se ofereceu pra mim com todas
as letras! Fui convidado para partilhar da sua cama! Você arrancou o botão da
minha camisa, me beijou... Você fez tudo isso! – aponta o indicador para mim.
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achocolatado.
– Fiz essa merendinha pr’ocê... – coloca uma bolsinha térmica que eu sempre
levo para o colégio com algo saudável para comer, em cima do meu material.
Ela diz que não posso ficar comendo as porcarias que vendem na cantina.
Sorrio para meu anjo da guarda. Minha mãe.
– Obrigada, Tiana! – começo a comer com afinco. Minha eterna babá sai da
sala, chamando o cachorro para acompanhá-la.
– Não vi o Ivan ontem... – Alex diz pensativo. – Será que as coisas estão
correndo bem lá no estúdio? – pergunta mais a si mesmo. – Ele está fazendo
testes com a Julia, né? – agora se dirige a mim.
– Sim... está. – respondo sem muita animação. – Mas não o vi também...
– Deu pra mentir agora também, Francine? – Bianca me pergunta com um ar
irônico e está me encarando. Alex não entende muito bem a acusação e se
mantém atento a ela.
– Não estou entendendo... – respondo com desdém.
– Que você é uma sonsa não é novidade para mim... Agora mentirosa...!? –
belisca um pedaço de queijo. – Francamente!
– Será que dá pra ser mais clara, Bianca? – Alex vem em minha defesa. – Por
que você está falando com Francine desse jeito?
– Pergunta a ela! – Bianca se altera. – Pergunta a sua irmãzinha por que agora
ela deu pra mentir que Ivan frequenta seu quarto! – cospe a frase na minha
cara. – E ainda vem com esse papinho de não vi o Ivan! – afina a voz,
debochando. – Faça-me um favor!
– Cale a boca, sua idiota! – grito com ela.
– Ei , ei... – Alex agita as mãos na direção de cada uma de nós. – Parem com
isso!
– Ela que começou! – levanto o queixo em direção à Bianca. – Que tipo de
insinuação é essa?!
– Ahh... Vai se fazer de bobinha agora?! – Bianca continua. – Eu vi com os
meus próprios olhos ontem quando cheguei do clube! Eu vi! Ele estava saindo
do seu quarto! – olha para mim com raiva. – E agora vem bancar a ingênua de
que não viu o Ivan? – dirige-se a Alex. – Só vocês não repararam ainda que
esses dois estão se pegando...
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– Então eu não estava louco? Vocês estão mesmo se curtindo? – enfim, resolve
dizer alguma coisa.
– Quem me dera... – respondo e meu irmão arregala os olhos. – Estou
profundamente apaixonada pelo Ivan, Alex! Eu o amo com todas as minhas
forças. Sempre o amei, desde menina! – suspiro de novo, jogando as mãos
para o alto. – Cansei de esconder isso de você! Pronto. Agora você já sabe de
toda a verdade.
– E... – meu irmão esfrega a barba por fazer. – Ele corresponde a isso?
– Claro que não... – balanço a cabeça negativamente. – Ainda olha para mim e
vê a mesma garotinha para quem ele cantava pra dormir.
Alex está pensativo. E eu estou aliviada. Um peso saiu de cima de mim. Ele é
o meu melhor amigo e eu devia isso a ele.
– A única coisa que eu te peço é que isso fique aqui entre nós... Por favor...? –
junto as mãos.
– Você não precisa me pedir isso... – Alex me abraça e beija minha cabeça. –
Só não minta mais pra mim!
– Obrigada... – estou acolhida em seu abraço. – Você pode me dar uma
carona? – olho para ele. – Se eu for de ônibus, chego atrasada.
Quando caio no abismo, descubro que as ondas do mar podem me salvar. Eu
boio. E sou levada a outro porto seguro. Mas meu barquinho continua à deriva
em alto mar.
Eu agora estou segura.
Porém... náufraga.
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– Não... – digo cabisbaixa. – E foi esse o motivo da minha briga com Bianca.
– Oi? – Soninha parou de discar e me olhou assustada.
– Pois é. A Bianca viu o Ivan saindo do meu quarto ontem à noite... – dou de
ombros.
– Até aí, nada demais... – avalia.
– O problema foi que eu neguei que estive com ele. E Bianca contou que o viu
saindo do meu quarto! – levanto as mãos. – Ou seja??? Eu menti! E tudo
pareceu bem vulgar do jeito que ela falou!
– Que vaca! – Soninha exclama com raiva. – Desculpe, amiga! Sei que é sua
irmã, mas que raiva que me deu!
– Não se preocupe, já xinguei Bianca de coisas muito piores! – rimos juntas.
– E o que aconteceu depois? – digita uma mensagem, mas continua atenta a
nossa conversa.
– Eu contei toda a verdade para o Alex em relação aos meus sentimentos! –
levanto os ombros e os deixo cair. – E foi um alívio fazer isso!
– Mentira! – minha amiga leva uma das mãos à boca, surpresa.
– Já devia ter feito isso há muito tempo! Mas só falei o que dizia respeito a
mim. Quanto aos beijos e aos sentimentos de Ivan, não tenho nenhum direito de
expor. Concorda?
– Acho que tem razão... – está pensativa. – Eu não teria essa maturidade toda...
– Alex prometeu não contar a ninguém e eu confio nele. – afirmo e Soninha lê
uma mensagem que chega pelo celular.
– Ela está na cantina! Óbvio! Vamos buscá-la porque o sinal já vai tocar.
Caminho com Soninha pelo pátio até chegarmos à cantina. Lá está Ju, atracada
com um milk-shake e um misto quente. Não entendíamos como podia ser tão
magra. Estou rindo muito quando nos aproximamos e Ju arqueia as
sobrancelhas, com curiosidade.
– O que foi, gente? – pergunta ainda com a boca cheia.
– Estávamos falando que você só poderia estar aqui, alimentando a solitária
que vive em seu estômago! – rimos as três.
– Preciso me alimentar! – Ju limpa a boca com o guardanapo. –
Principalmente agora que vou ficar famosa!
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revelação da semana passada gerou dúvidas e ele, como meu irmão mais
velho, se acha no direito de saber o que está acontecendo! Sua frase
preferida nos últimos dezoito anos! Bora lá descobrir o que ele tanto deseja
saber...
– O que houve? – pergunto deixando o lápis sobre o caderno e virando a
cadeira giratória para ele.
– Senta aqui, Fran... – dá batidinhas na minha cama, me chamando para uma de
suas típicas conversas de irmão excessivamente preocupado.
– Você está me assustando, Alex! – digo enquanto ele pega em minhas mãos.
– O Ivan me contou tudo... – observa minha expressão atentamente.
– O quê?! – estou sobressaltada. – Contou o quê? – pergunto temendo que meu
irmão esteja blefando a fim de tirar alguma informação de mim...
– Ele me contou que você pensa que está apaixonada por ele...
– Eu penso não: eu estou! – interrompo, corrigindo-o. – Mas Até aí nenhuma
novidade! Eu mesma disse isso a você!
– Mas não disse que vocês se beijaram e que ele se sente atraído por você! –
levo um choque. Mesmo sabendo como os dois são amigos, não acreditava que
Ivan conseguiria revelar uma coisa dessas, mesmo que fosse para o seu melhor
amigo! – Por que escondeu isso também? Eu não disse que podia confiar em
mim?
– Sim, você disse! – eu me levanto. – Mas o que você parece não compreender
é que essa história não é só minha! É também de uma pessoa que tem um
vínculo muito forte com você! Eu não podia simplesmente despejar toda a
verdade sem o consentimento dele!
– Eu entendo, minha irmã! – Alex se levanta e alcança minhas mãos de novo. –
E isso só prova o quanto você está amadurecendo! Estou muito orgulhoso de
você! – eu o abraço, recolhendo minha maturidade numa caixinha e deixando a
menina se sentir protegida pelo irmão. – Mas também estou muito
preocupado...
– Com o quê? – me afasto e o encaro, com curiosidade.
– Com as consequências disso tudo! Com os seus sentimentos, com a atração
que ele está sentindo por você... Tudo isso é muito estranho pra mim, Fran!
Mas eu estou tentando digerir...
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– Não será preciso digerir, Alex! – sento na cama de novo e abraço uma das
minhas almofadas. – Nunca teremos nada! Eu sou só uma irmãzinha para ele...
– E o que você vai fazer com o que sente aqui dentro? – meu irmão diz
baixinho, tocando o lado esquerdo do meu peito.
– Vou matar esse amor. Antes que ele me mate primeiro! – digo com um pouco
de raiva. – É isso que meu juízo vem dizendo há muito tempo!
Meu irmão me abraça de novo, bem apertado. Ele tem motivos para se
preocupar, mas não deve. Ivan não tem a menor pretensão de ter um romance
comigo e, pela distância que temos mantido um do outro, também não tem a
menor pretensão de voltar a me tocar ou, até mesmo, de resgatar nossa antiga
relação. Não sobrou nada do que vivemos. Nada. Só uma amizade abalada, um
coração partido e desejos reprimidos. E eu... sendo obrigada a conviver com
sua presença constante sem ter o direito de sequer ter esperanças...
Desço para jantar e Bianca está assistindo televisão na sala com minha mãe.
Notícias da crise do país, violência, corrupção e outras tantas vergonhas que
ainda somos obrigados a presenciar em pleno século XXI.
Minha mãe reclama do preço das roupas e Bianca dá de ombros como se nada
disso interferisse em sua vida. Eu me recuso a sentar com elas e partilhar
desse assunto pobre de conteúdo.
Graças a minha sorte, meu pai está chegando bem na hora em que eu ia à
cozinha perguntar a Bastiana se podia jantar antes de todo mundo. Pelo menos
agora, eu teria meu pai para me fazer companhia durante a refeição.
– Olá! Boa noite! Boa noite, meninas! – papai está com uma aparência muito
abatida. Beija meu rosto e joga a maleta sobre a bancada do corredor.
– Boa noite, pai... Janta comigo? – peço em tom de súplica.
– Claro, filha! – vai até minha mãe e Bianca e beija as duas também. – É só o
tempo de tomar um banho e já desço para comer com vocês. – olha em volta. –
Onde estão Alex e Ivan?
Aff. Por que ninguém nessa casa consegue passar sem falar de Ivan? Droga! É
difícil conviver com o fato de tê-lo como novo morador. Sua presença ainda
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Minha animação toda fica comprometida quando lembro que temos os dois
primeiros tempos de Geografia. Voilà! Norma para os interessados nos índices
de crescimento da população mundial. Aff. Não tenho a menor paciência para
as caras e bocas que ela faz!
No intervalo, Rebeca surge das profundezas de um bueiro qualquer e se dirige
a mim e minhas amigas como se fizéssemos parte do seu rol seleto de best
friend forever da semana. Patética!
– Meninas! – diz toda empolgada e encostando-se a mim. Eu retiro meu ombro
com força e faço uma cara de Quem é você na fila do pão?, mas ela finge que
não nota e continua sua tagarelice. – Já viram o novo professor de Educação
Física? – abre a boca com a nossa expressão desdenhosa. – Não? Nossaaaa!
Para tudo! É um gato!
– Ahhh, que bacana! É mesmo, Rebeca!? – Ju debocha, mordendo um pedaço
da casquinha do sorvete que tinha tomado.
– O que você tem mais a dizer a respeito disso? – Soninha zomba e nós três
começamos a rir. Mas a falta de noção de Rebeca não tem limites e ela
continua agindo como se estivesse no meio de uma zoação entre... amigas.
– Estão duvidando de mim, é? Pois fiquem sabendo as três... – aponta para
nós. – ... que vão babar! – sai rebolando e jogando o longo cabelo pro alto.
Nossa! Que amor de pessoa!
– Viva as pontas duplas! – Ju exclama jogando o guardanapo fora.
– Uiii! – Soninha completa. – Você é cruel!
O sinal toca e vamos com nosso material em direção aos vestiários femininos.
Teríamos nossa primeira aula de natação com o mais novo professor de
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– Ah!!! – digo ainda mais alto. – Pois você devia ter ficado preocupado com
as minhas cenas antes de... – Soninha, segura meu braço.
– Cara, se controla! Ele está só tentando provocar você.
Argh! Só, Soninha? Só?
– Vamos lá, pessoal! – Ivan diz batendo palma e olhando fixamente para mim.
Leva o apito à boca e assopra forte. – Vamos aquecer para cair na água!
Mi-se-rá-vel! Mas que ódio! Que ódio! Que ódio! O que ele pretende com
isso?
Ivan agora é meu professor. É autoridade dentro do colégio. Estou batendo o
queixo de tanto sentimento acumulado. Se ele pretende que eu passe a odiá-lo
para conseguir me afastar...Vai realizar seu desejo mais rápido do que pensa!
Começando em 3, 2, 1...
Ivan é meu professor. Autoridade sobre mim.
Meu professor... Detentor de mais um poder. Mais um.
Há uma linha tênue entre o amor e o ódio. E eu agora caminho sobre ela,
segura do meu objetivo. Quando todo o amor que eu sinto se transformar em
ódio, tomarei todos os poderes que estão em suas mãos.
E serei plena de mim mesma.
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– Hum... Gostei. – ri. – Quer uma carona? – joga o cigarro no chão, solta a
fumaça do último trago e apaga a guimba com a ponta do tênis.
– Não, obrigada. – tusso propositalmente e dou um passo adiante. – Tenho um
compromisso logo ali à frente.
– Vai nessa, então! – Renato balança a mão para mim e me observa virar as
costas.
A escola inteira sabe que não é só cigarro que ele fuma. Não sei quanto a estar
envolvido em coisas piores. Eu não vou muito com a sua cara, mas acho que
pessoas como ele precisam de ajuda. É visível isso. Às vezes, me culpo por
não prestar mais atenção às necessidades dos outros. E Renato é um cara
problemático. Prometo a mim mesma que vou tentar ser menos arredia da
próxima vez.
Continuo caminhando com a intenção de pegar o ônibus no próximo ponto para
sustentar a desculpa que eu tinha que fazer algo logo ali. Até que a imagem do
meu livro de matemática, dentro do meu armário do colégio, me traz de volta à
realidade. A realidade nua e crua de que, se eu não voltar para pegá-lo, terei
sérios problemas com o teste do dia seguinte.
Percorro todo o caminho de volta e é com alívio que constato que Renato não
está mais no ponto de ônibus. Ufa! Ah, Francine! Como você esquece fácil
suas promessas! Cadê aquele papo religioso de olhar mais para as pessoas
que necessitam?
Passo apressada pela porta principal. Poucos alunos ainda estão pelos
corredores. É hora do almoço e, mesmo quem participa de atividade
extraclasse, não costuma transitar por eles nesse horário. Vou até o andar em
que eu estudo. Meu armário é pequeno como todos os outros, mas ajuda um
bocado a não levarmos pesos desnecessários para casa.
Não há ninguém no meu corredor, exceto um dos inspetores de turno. Bato
minha mão para ele e abro meu armário, retirando o livro que preciso. Além
desse livro de Matemática, voltarei para casa com um livro de Gramática e um
caderno grosso de seis matérias.
Saio pelo portão lateral e decido contornar o colégio pelos fundos para cortar
caminho até o ponto de ônibus. Ando lentamente olhando para o chão. Bolsa
nos ombros e material no colo. Minha cabeça está nas questões de matriz que
eu teria que resolver. Além, é claro, na loucura que é decorar aquelas fórmulas
medonhas! Meu professor jura que vai servir para alguma coisa na nossa vida.
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Mas enfim...
Dou dois passos a frente e, quando levanto meus olhos, vejo a mais dolorosa
de todas as cenas da minha jovem vida. O carro de Ivan está estacionado na
calçada e seu dono está encostado na traseira dele com a professora Norma
em seus braços. Eu acabo interrompendo o beijo porque, com o susto, deixo
todo o meu material cair no chão.
– Oi, Francine. – pela primeira vez em semanas, eu vejo Ivan perder o ar de
controle sobre as coisas. Ele está tão chocado quanto eu.
– Ah, oi... – começo a apanhar meu material sem saber o que dizer. –
Desculpe, eu não quis atrapalhar vocês... – olho dentro dos seus olhos, quando
ele se agacha para me ajudar a apanhar os livros.
Norma, em pé, continua a me olhar, sem dizer nada. Ela parece observar cada
entrelinha, cada gesto, cada palavra dita, perfurando o ar com seu domínio.
Parece até um pouco... ameaçadora?
– Não deveria estar em casa agora? – Ivan pergunta totalmente sem graça, me
entregando um dos livros.
– Eu só vim buscar isso... – digo apontando o livro, num fio de voz. Não há
mais nada a fazer ali, não há mais nada a fazer na vida. Não há mais sonhos
para viver! Placas tectônicas vão se abrindo sob meus pés e eu vou caindo...
caindo...
Onde está a Francine disposta a deter o poder? A Francine corajosa que aceita
suas derrotas de cabeça erguida? Ela deve estar em algum sótão dentro de
mim, agachada e encolhida, ameaçada pelas forças da natureza! Não há o que
fazer contra as forças da natureza!
– Norminha, a Francine é filha do Dr. César de quem eu tanto falo... – Ivan
resolve nos apresentar. Se essa é a palavra certa! Sou a cobaia do palhaço
nesse exato momento. Posso ouvir a risada da plateia!
Norminha? Nossa! Quanta intimidade! Que a-mor...! Não sei se bato palma,
sento ou me finjo de morta. Aguardo o próximo comentário, mas ele não vem.
Respiro fundo e dou um tchau que só é ouvido, graças ao silêncio que reina
entre nós.
Norma sibila nos meus ouvidos e seu chocalho me arrepia. Sou uma presa que
ameaça. Sinto isso nos olhos dela. Sou uma presa que possui teias. Para que eu
seja pega, minha predadora precisa se enroscar nelas.
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tempo, eu juro!
– Diga logo o que quer, Francine! – altera a voz, larga a caneta e cruza os
braços me encarando muito sério.
– Droga, Ivan! Você me ignora o tempo todo! – explodo. – Será que não
podemos nem mesmo voltar a ser amigos?!
– Você não entende mesmo, não é? Não entende que tudo o que eu faço é para
o seu bem! – o rosto dele parece tremer.
– Meu bem? Como assim, meu bem? – estou indignada. – Maltratar, humilhar e
perseguir as pessoas agora tem outro nome?
– Você não sabe de nada, Francine! – está exaltado.
– Então me explica! Por favor...? – junto as mãos no peito.
– Era só isso que tinha pra me dizer? –pergunta por fim, pegando novamente a
caneta.
– Se o fato de você me fazer muita falta é ser só isso pra você... – suspiro,
rendida. – Sim, é só isso... – dou as costas para ele e fecho a porta atrás de
mim. Fico encostada nela alguns segundos; as lágrimas escorrendo...
Ouço um barulho forte vindo lá de dentro da sala. Parece um soco. Um soco
sobre a mesa. Mas ele atingiu foi o meu estômago. Coloco minhas mãos em
cima da minha barriga e deixo minhas lágrimas correrem.
Eu perdi... Eu perdi Ivan para sempre. E não há mais nada que eu possa fazer
sobre isso.
Você é minha garotinha e eu sempre vou te amar...
Soluço de encontro à porta.
Isso é uma despedida. Eu volto assim que puder.
Uma despedida. Uma despedida. Uma droga de uma despedida!!!
Meu estômago dói ainda mais e eu aperto minha mão de encontro à barriga.
Estou enjoada. Muito enjoada.
Ouço passos e me escondo ao lado de um armário de ferro que há próximo a
porta. É Norma. Ela entra rebolando na sala em que Ivan está e, do lado de
fora, posso ouvir a sua voz.
– O que houve, Ivan? Que cara é essa?
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Mas eu não posso ouvi-lo. Não posso compreender o que sua voz está
dizendo. É quase um sussurro, um acalanto, uma canção de ninar...
Sua voz é música em tempos de guerra... É alimento em tempos de paz.
Ivan levou minha paz. Ivan é minha guerra.
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Capítulo Trinta
Quando estou saindo pelo portão do colégio, Renato me aborda. Estou gelada,
com as mãos trêmulas e devo estar cheias de placas vermelhas por ter
chorado.
– Ei, gata! – ele me alcança. – Qual é?! O que foi? Tu tá chorando? – segura
meu braço.
Odeio! que segurem meu braço. Odeio! gente chata. Odeio! gente impertinente!
Meu olhar abandona o rosto dele e faz um passeio até o meu braço preso em
suas mãos e depois volta para o seu rosto. Qualquer pessoa normal nesse
mundo entenderia Dá para me soltar, idiota?! Mas Renato, não... Renato tem
problemas cognitivos. Sua repetência contínua no colégio não me deixa mentir.
– Nada. – respiro fundo. – Não é nada demais! – Você pode me soltar? – olho
para o meu braço de novo.
Alôou? Você pode se mancar!?
– Marrenta como sempre! – sorri e eu puxo o meu braço. – Pô, gatinha! Fica
assim, não... Bora sentar e trocar uma ideia...
– Nós dois sabemos que não temos ideia nenhuma para trocar! – digo alterada.
– E você tá namorando a Rebeca!
Foi só eu abrir minha maldita boca para que os amigos de Renato apareçam no
portão, acompanhados de Rebeca. Eles param próximos ao muro, um pouco
mais a frente da entrada. Estão conversando animadamente. Rebeca deixa seu
sorriso morrer no momento em que nos vê conversando.
– Ela não é minha namorada... A gente só fica de vez em quando! – Renato diz
colocando as mãos sobre mim. – Mas eu nunca estive na dela!
Os amigos de Renato voltam a dar risadas, mas agora por um motivo diferente.
E esse motivo sou eu. Rebeca também está sendo alvo do deboche deles. É
obvio. Os olhos dela saltam em minha direção e eu não me intimido. Levanto
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– Vamos fazer uma coisa, então... – Renato afasta um pouco as pernas e cruza
os braços. – Você me dá um beijo. Um único beijo! – E eu te deixo passar! –
pisca para mim. – Eu juro!
– Você está louco! – empurro o peito dele com toda a minha força e tento
passar. Ele me segura pelos braços e eu giro meu corpo, mas mesmo assim, ele
consegue me deter. Estou virada agora de frente para o portão da escola. Basta
me livrar das suas mãos que eu corro para longe. – Por favor, me solta! –
sacudo o braço para tentar me libertar.
Os meninos estão rindo do outro lado da rua. Rebeca está caminhando em
nossa direção. Até que enfim, alguém de bom senso! Ou não... Será que ela
está vindo tirar satisfações... comigo? É só isso que falta para o circo dos
horrores ficar armado. Mas não... Eu não tenho rezado o suficiente e o circo
pode ficar ainda mais aterrador. Preparem-se nas cadeiras, incrível público, o
show vai começar! Não bastam um domador, alguns palhaços e uma mulher
que cospe fogo...! É preciso mais do que isso para manter a lona levantada!
Norma e Ivan. Eis que os dois mais novos integrantes do elenco resolvem se
apresentar no picadeiro!
Ivan e Norma estão saindo pelo portão da escola e caminham pela calçada
oposta a minha, em direção ao carro dele. Ele estanca na porta do veículo,
com a chave na fechadura. Seus olhos, curiosos estão sobre mim e Renato.
Norma acompanha seu olhar e me fita com curiosidade.
Nossa, Francine! Parabéns! Quantas coisas boas de uma só vez! Eu sou mesmo
um para-raios para problemas! Há um maluco me segurando pelo braço, uma
garota feroz vindo em minha direção, uma professora desconfiada, um ex-amor
me fuzilando e uma turma de babacas rindo da minha cara!
As imagens vão uma a uma passando pela minha mente, enquanto as risadas se
misturam à sensação de que quem está pronta para vencer a rodada desse jogo
sou eu. O rosto de Renato está bem próximo do meu e demonstra todo o
divertimento por me ver constrangida e louca para me livrar dele.
Então eu decido. Em questão de segundos, eu decido! Choque. É isso que
pretendo causar: Choque. Francine... A garota que é capaz de derrotar quase
dez inimigos de uma só vez e... sem usar as mãos! Alcanço a boca de Renato
em questão de segundos e o beijo com toda a minha raiva. Sinto o gosto do
cigarro dele e do meu veneno. As mãos de Renato me puxam pela cintura e eu
apoio as minhas mãos em seus ombros, desejando que tudo isso acabe tão de
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Capítulo Trinta e Um
Quando eu cheguei ao colégio para a aula, após o final de semana, não havia
quem não soubesse do beijo que dei em Renato. Algumas pessoas vieram,
inclusive, me perguntar se estávamos namorando. Patético! Eu não chegaria a
tanto! Mas não faria mal algum deixar que algumas pessoas pensassem isso.
Tinha chegado a minha vez! Agora eu vou me divertir!
Soninha, Ju e os meninos estão de queixo caído com a minha frieza. Minha
rede social bombou com os comentários. Meus amigos e eu passamos todo o
final de semana, curtindo com a cara desse povo fofoqueiro. Estamos no pátio,
agora, prontos para a primeira aula.
Lá no fundo, porém, a velha Francine está de volta ao meu íntimo e eu sinto
uma pontada de amargura em meio a esse vazio todo. Ivan não me procurou
para falar do ocorrido, sequer nos vimos. Hoje não é dia dele na escola, então,
provavelmente, não nos veremos.
– Posso falar com você, Francine? – Rebeca está parada ao meu lado e se
dirige a mim de um jeito muito delicado. Estranho...! Eu estava aguardando
uma chuva de insultos e acusações! E ela vem até mim... assim?
Olho para meus amigos e balanço a cabeça em um Está tudo bem. Dou uns
passos na direção de Rebeca e ela se afasta mais um pouco, indicando que
deseja falar em um canto mais afastado. Ela quer conversar a sós. Mantenho
minha postura séria e pronta para qualquer combate, mas não sustento uma
expressão dura. Sua aproximação me parece pacífica.
– Francine... – Rebeca começa a falar. – Eu sei que você não gosta de mim e
também não é segredo que eu não gosto de você...
E? Coloco meus polegares nos bolsos da minha calça jeans e dou um risinho
irônico. Ela não parece se importar.
– Eu fiquei com muita raiva de você pelo o que aconteceu, mas agora não
estou mais...
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É para eu rir? Onde ela está querendo chegar com esse papinho de gente boa?
Quem é essa Rebeca que não conheço e que nunca vi em lugar algum? Em
todos esses anos, eu desconhecia esse lado dela... Será que esse lado existe de
fato ou é mais um joguinho da Rebolativa?
– Olha, Rebeca... – a interrompo espanando minhas mãos no ar. – Não se
preocupe, tá? Aquilo foi um erro, um grande engano! Eu não tenho a menor
intenção com seu namorado! – falo demonstrando plena convicção.
– Ai é que está, Francine! – diz um tom acima. – Ele não é meu namorado! Ele
não é... nada! – vejo raiva em seus olhos. – Renato não vale um centavo!
– E por que você está se preocupando em me dizer isso? – cruzo meus braços
e continuo encarando-a sem entender.
– Porque ele está metido em um monte de parada errada... Porque ele não
gosta e não tem medo de ninguém... Por que é impossível fazê-lo parar... –
Rebeca vai falando sem parar para respirar.
– E o que eu tenho a ver com isso?! – pergunto franzindo o cenho.
– Ele está obcecado por você! – exclama dizendo baixo. –Disse que vai te
pegar! E... – suspira. – ... não é de hoje que ele diz isso!
Sinto um calafrio percorrer minha espinha, mas mantenho minha frieza diante
de Rebeca. Por que isso? Por que eu? O que Renato quer comigo? O que ele
ganha me perseguindo?
– O que você está querendo? Que eu fique com medo? – respiro fundo
tentando manter o controle da minha voz. Mas sim! Senti uma pontada de
medo. O que aconteceria se Renato me pegasse em algum lugar sozinha?
– Só quis te avisar... Mas se você acha que estou fazendo isso para manter
você longe dele porque estou com ciúme... – bate uma mão na outra duas
vezes. – ... o problema é todo seu! Bom, o recado está dado! – Rebeca se vira
e eu a chamo de volta.
– Obrigada... – digo num fio de voz. – por... – tento encontrar as palavras
certas. – ... me avisar.
– Eu não gosto de você...! – joga na minha cara. – Mas abre seu olho! – ela se
vai e o sinal toca.
Não tenho tempo para contar aos meus amigos o que aconteceu com detalhes.
Falo por alto e eles me tranquilizam. Nada aconteceria comigo com eles por
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machucado a perna.
– Fran! – grita de novo e balança a mão para mim.
Max é lutador de artes marciais e treina com frequência. Ninguém na escola se
atreve a encará-lo. Apesar de ser baixo, é ágil e muito experiente. Ele se
aproxima de mim, arfando. Sabe que algo está acontecendo. Algo de errado.
Renato certamente não devia estar na minha frente. Não mesmo!
– Tá tudo bem, Fran? – meu amigo pergunta, colocando a mão no meu ombro,
visivelmente preocupado. Olha sério para Renato e volta-se para mim. – Tá
precisando de alguma coisa?
– Não, amigo... Tá tudo bem. – encaro Renato. – O nosso... amiguinho aí já
está voltando para a espelunca de onde saiu... – aponto o local com o queixo.
Renato resmunga alguma coisa inaudível, enquanto caminha em direção ao bar
e Max me abraça pelos ombros.
– Falou com a gente, parceiro?! – Max grita para ele e eu o atinjo de leve com
o meu cotovelo. Chega de confusão! Quero distância desse cara! Maldita hora
que eu o beijei! Se ele já estava cismado comigo, depois da minha
inconsequência, então, nem se fala!
Será que não seria o caso de falar com meu pai, o Alex ou até mesmo... Ivan?
Não sei até que ponto vai a loucura desse garoto e reflito a possibilidade de
tomar providências mais severas. Não posso ficar me escondendo atrás dos
meus amigos sempre que me vir em situações como essa, apesar de me
defender bem sozinha. Mas o fato é que eu nada podia contra a força de
Renato!
– Está tudo bem mesmo, amiga? – Max me pergunta, preocupado. – O que ele
queria?
– Queria torrar minha paciência! – ofereço meu braço a ele e caminhamos em
direção à entrada do colégio. – Está tudo bem... – olho para sua perna e dou
uma risada. – Com você é que não está muito, né? O que houve?
– Não soube? Cai no treino ontem e torci o tornozelo! – revela pesaroso. – Tô
fora do campeonato!
– Poxa! Que coisa chata! Mas está tratando, né? – pergunto entrando no
colégio. – Você não devia estar repousando essa perna?
– Cale a boca antes que a direção me mande pra casa! – nós rimos. – Estou
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jogo, até que sinto um pingo de chuva no alto da minha cabeça e um trovão me
assusta. Não há mais ninguém próximo.
Nós dois rimos e damos as mãos para sair o mais depressa possível da
arquibancada. Os pingos grossos começam a nos atingir.
Andamos o mais rápido que podemos até o final do corredor que dá acesso
aos vestiários. Queremos encontrar André lá. Max entra no vestiário e eu
aguardo embaixo de uma marquise, colada em um murinho que separa o
banheiro feminino do masculino. Tudo está muito silencioso e eu desconfio
que não tenha mais ninguém lá.
Max volta e confirma minhas suspeitas. O vestiário está vazio. André passou
uma mensagem avisando que estão a caminho do Bar Estudantil do centro da
cidade. Todos estão indo comemorar lá.
– Vamos, então? – pergunta. As gotas de chuva estão atingindo o meu rosto e
eu me encolho à pilastra para evitar que me molhe mais.
– Não é melhor esperarmos só um pouco para ver se a chuva diminui? –
sugiro.
– É melhor mesmo ou vamos chegar ensopados lá... – pega a minha mão. –
Vem, vamos sentar no banco lá da... – um relâmpago clareia todo o céu escuro
e me agarro a Max, assustada. O barulho do trovão que vem a seguir me causa
tanto pavor que eu enterro minha cabeça em seu peito.
Max me abraça forte e eu sinto a rigidez dos seus músculos malhados. Inspiro
ar e o cheiro do seu perfume me acalma. Ele toca meu rosto de leve e levanta
meu queixo. Olho para o meu amigo de sempre e sinto uma ternura muito
grande. Em questão de segundos, tento avaliar se o que está por vir pode
abalar a amizade imensa que temos um pelo outro... Mas não tenho tempo de
terminar a avaliação porque seus lábios já estão sobre os meus.
Não há urgência nesse beijo. Há carinho, respeito e delicadeza. Proteção.
Nenhum relâmpago ou trovão será capaz de me amedrontar ou atingir enquanto
ele estiver me beijando. Suas mãos acariciam meu rosto e minhas costas e eu
gosto dessa sensação. Não é o melhor beijo do mundo, mas é uma troca de
afeto. Se havia alguma dúvida do que poderia existir entre nós, essa dúvida se
desfaz agora. Somos amigos! Max e eu. E esse beijo está deixando isso bem
claro.
De repente, percebo uma sombra contra a luz da entrada do banheiro, que
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A virilidade dele está sobre minhas coxas e eu arqueio meu quadril para sentir
ainda mais a sensação poderosa que o seu toque me proporciona. A língua de
Ivan desce pelo meu pescoço e encontra o meu decote. O fogo que se alastra
pelo caminho que ela faz, me consome e me faz querer mais. Eu quero mais!
O desejo que ele me possua é forte e Ivan parece disposto a isso também, mas
o alarme que soa na minha cabeça parece também soar na sua. Ele abandona
meus lábios e me olha intensamente. Volta a beijá-los, bem de leve e esfrega o
polegar sobre eles.
– Você precisa ir embora agora... – Ivan diz. – Por favor... – ele se afasta uns
dois passos para trás com as palmas das mãos para cima. E quando eu penso
em me jogar em seus braços, ouço a voz do professor Emerson, na entrada do
corredor:
– Ivan! Você está aí, meu camarada? Conseguiu encontrar o seu relógio?
Relógio. Tempo. O meu tempo. O tempo de Ivan.
O nosso tempo.
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Se eu não tivesse de cinto, meu rosto iria bater no vidro dianteiro com a freada
que Ivan deu no carro. Ouço muitas buzinas atrás de nós e eu olho chocada
para os que nos ultrapassam. O que aconteceu?
– Como é que é?! – a expressão dele está fechada, os olhos duros. – Esse cara
está perseguindo... você?! Explica isso direito!
– Calma, Ivan... Estacione o carro primeiro! – peço.
– Estacione o carro uma ova! – grita – O que esse babaca está fazendo com
você? Fala!
– Por enquanto ele não fez nada que tenha me machucado... – estou preocupada
com a sua expressão de raiva. – Mas...
– Mas...? – os músculos do seu rosto estão tremendo.
– Mas ele tem me abordado, feito algumas... insinuações.
– Esse cara está te ameaçando?! É isso?! – soca o volante. – Se ele estiver
ameaçando você, por favor, me diga... porque ele vai se arrepender de ter
nascido!
– Por favor, Ivan, se acalme! – pego a sua mão. Eu tenho um pouco de medo
dele, mas é só pelo jeito que me aborda. – resolvo não dizer exatamente o que
aconteceu, com medo de uma tragédia. Ivan está fora de si. Transtornado. Ele
jamais permitirá que alguém me faça algum mal.
– Você devia ter me contado logo! E já teríamos resolvido isso! – vira-se para
mim. – Por que não me contou?
– Você nem sequer me olhava direito... – fixo meu olhar no dele e Ivan
retribui, durante segundos, com arrependimento e culpa. Um abraço apertado
me acolhe e eu me sinto aquecida e... protegida.
– Desculpe, minha garotinha! – afunda o rosto no meu cabelo e eu sinto sua
respiração no meu pescoço. – Me desculpe! Eu só quis te proteger, Francine!
Só te proteger!
– Me proteger de que, Ivan? – pergunto com uma das mãos em seu peito.
– Te proteger de mim, garotinha! – ele se afasta e toca meu rosto. – Te proteger
de mim...
O carro está parado no meio da rua, sem alerta, sem nada. Estamos fechando
uma das vias de mesmo sentido. Os carros começam a buzinar com insistência.
Ivan senta ereto ao volante, recoloca o cinto que tirou para me abraçar e dá a
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partida.
Estou confusa. Temos uma definição muito diferente para a palavra proteção.
O que acaba de acontecer? A energia que está nos unindo novamente parece
me puxar para ele como um ímã.
Te proteger de mim...
Eu só quis te proteger, Francine! Só te proteger!
Do que ele foge tanto? Do que ele tem medo?
Você é minha garotinha e eu sempre vou te amar...
Então me ame, Ivan! Quero ser tomada nos braços e amada como ninguém
nunca amou. Ame!
Eu não preciso dessa proteção que afasta, que limita, que me impede de tê-lo
por perto. Essa proteção eu dispenso! Ame!
Eu desejo a proteção que me acolhe em seus braços e me ajuda a compreender
o mundo. Ame!
Eu quero a proteção que doa, que soma e multiplica.
Eu quero a proteção que ama. Ama. Amor. É só isso que desejo ter.
Só o seu amor, Ivan... me basta.
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As mãos de Ivan passeiam pelas minhas costas e onde seus dedos tocam, sinto
queimar. Quando elas chegam ao meu rosto, o toque é cuidadoso, gentil,
carinhoso. Ele diminui o ritmo do beijo e me olha nos olhos. Seus dedos
continuam tocando meu rosto. Será que consigo compreender o sentimento que
está dentro do seu olhar?
As pontas dos seus dedos continuam passear pelo meu rosto e eu fecho os
olhos sentindo seu toque e os pingos de chuva que caem sobre nós. Suas mãos
me amparam e eu tenho absoluta certeza de que não desejo nunca mais perder
essa proteção.
Não há espaço para dizer qualquer coisa. Nada do que dissermos conseguirá
dar conta do que estamos sentindo. E o sentimento, seja ele qual for, é intenso
e profundo demais para ser expressado em palavras.
Estamos nos olhando... só nos olhando. Frases inteiras estão sendo ditas nesse
olhar. Só há ele e eu. Ele. Só ele me basta. Só ele. Ivan pega a minha mão e
leva aos lábios. O toque é de uma ternura que parece irradiar pelos meus
poros. Ele me puxa pela mão que acaba de beijar para entrarmos em casa.
Chegamos ensopados à cozinha e Bastiana vem em nosso socorro. Não há
mais ninguém em casa.
– Subam, já! Eu vou preparar um chocolate quente pr’ocês! Valha-me, Deus!
Vão se gripar! – ela diz nos enxotando.
A casa está silenciosa. Só ouvimos o barulho da chuva incessante lá fora.
Subimos as escadas e meu celular apita no bolso da calça. Não entendo como
ele ainda pode estar funcionando! Há uma mensagem de Max que diz “Sinto
muito por hoje. Sua amizade é muito importante para mim. Espero não ter
metido você em problemas.” Eu estou parada no degrau, lendo séria. Ivan
percebe meu desconforto.
– É ele, né? – pergunta. – É o garoto...
– Sim, é o Max. – digo constrangida. Não sei exatamente como me comportar.
Até agora, Ivan e eu não trocamos uma única palavra sobre nós. Sobre a nossa
relação. Nós... temos um compromisso? Ou tudo não passa de uns beijos
ardentes e nada mais que isso?
– Não quero atrapalhar... – ele passa por mim e chega ao topo da escada. – ...
fique à vontade para conversar com seu amigo.
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– Cara, nem fala! – meu irmão definitivamente está percebendo o clima entre
nós. – Que bom que deu carona a Francine!
– Pois é. – passa a mão pelo cabelo. – Sorte eu ter ido ajudar na escola hoje...
– aparenta desconforto. – Bom, preciso terminar um trabalho... – volta-se para
mim. – Vê se você se agasalha direito! Pegou muita chuva e a temperatura caiu
muito. Tchau pra vocês! – sai do quarto e o silêncio predomina.
– O que foi isso que acabou de acontecer aqui? – Alex está me fitando com um
ar curioso e divertido.
– Não sei o que quer dizer... – faço a cara mais inocente que consigo.
Alex cai na gargalhada. E eu começo a rir também. Ele sabe. Meu irmão sabe
tudo. E o melhor de tudo é que ele não parece querer conversar sobre isso.
– Mas, hein... – digo rindo. – O que você queria mesmo me dizer quando
entrou aqui? – desconverso e ele fica sério.
– É... – pigarreia e está absurdamente embaraçado. Minhas placas vermelhas
de quando fico nervosa se alastram nele. Eu me compadeço por essa timidez.
Sei muito bem como é se sentir assim por causa de alguém. Não é qualquer
pessoa, mas alguém. E o alguém dele atende pelo nome de Julia.
– Faz uma coisa, meu irmão? – pego suas mãos e o encaro. – Não precisa me
dizer nada! Eu sei. Eu também sei. Eu sei de tudo.
Selar segredos sem dizer uma única palavra me encanta porque os segredos
são chaves para a confiança. Confiança... Com fio... fiar: arte de tecer em fios.
O elo. O laço. A aliança.
Com... fiança, que não se paga para ter.
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conspirando a meu favor. Como a maçã que trouxe de casa e converso com os
meus amigos. Nada de diferente. Só o fato de Max e eu termos um segredo. De
vez em quando nos olhamos e sorrimos.
Quase ao final da última aula de Biologia, um aluno do sexto ano bate à porta
e pede autorização à professora para falar comigo. Comigo? Só conheço
aquele menino de vista. O que quer comigo? Peço licença e vou até ele,
encostando a porta para não atrapalhar a aula.
– Oi... – digo, observando-o com curiosidade.
– Oi, Francine! O professor Ivan me pediu que eu te entregasse isso... –
estende a mão e eu vejo um envelope branco, lacrado. Olho para ele sem
entender e pego o envelope.
– Obrigada... – ainda tenho tempo de responder antes que ele saia correndo e
desapareça nas escadas.
Observo o envelope e identifico a letra de Ivan Francine Bloco 1 Sala 23. Eu
reconheceria aquela letra nem que se passassem mil anos! Eu lia todas as
cartas que ele mandava endereçadas aos meus pais ou ao Alex. Agora eu
recebia uma carta, um bilhete... direcionado a mim! Com a letra dele!
Levo o envelope ao peito e dou um suspiro. O que será que há escrito
dentro dele? Cheiro o papel e meus lábios o tocam. Isso significa muito mais
do que uma simples carta. Não importa o que esteja escrito nela. Só o fato de
recebê-la tem um significado especial demais para mim. Sinto uma emoção
muito forte. Rasgo a lateral do envelope e retiro uma folha de dentro dele.
A letra de Ivan forma um texto que diz Garotinha, pensei muito sobre tudo o
que vem nos acontecendo e quero muito conversar com você. Tentei fazer
isso ontem, mas fui surpreendido ao ver Alex no seu quarto. E realmente
acredito que lá não seja mesmo o melhor lugar para conversamos sobre nós.
Queria poder fazer isso quando saísse da escola, mas trabalho nos dois
turnos hoje e não terei a tarde livre. Minha ansiedade é grande! Preciso ver
você antes disso! Encontre comigo assim que acabar a sua última aula, na
sala de acessórios de Educação Física. Um beijo. Ivan.
Eu estou parada e minha respiração está suspensa. Passo a mão pelo bilhete e
o releio. Minha ansiedade é grande! Preciso ver você antes disso! Sinto um
nó na garganta e as minhas mãos estão trêmulas. Releio novamente a
mensagem, com o coração aos pulos.
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Garotinha, pensei muito sobre tudo o que vem nos acontecendo e quero
muito conversar com você. Se ele está me chamando de garotinha é porque
deve ser uma coisa boa... ou não? A ansiedade agora é minha, Ivan! Minha!
Volto para a sala e sento sob o olhar de Renato. Um arrepio sinistro passa pela
minha espinha e eu esfrego os braços. Os olhos dele estão vermelhos. Muito
vermelhos!
Soninha me cutuca e pergunta baixinho o que houve. Cochicho que está tudo
bem. Só um bilhete. A professora está falando sobre o processo de fertilização
in vitro. Soninha me pergunta se quero estudar com ela para a prova de
História na Biblioteca. Coleta. Óvulos congelados. Nego, tenho um
compromisso. Inseminação artificial. Um compromisso inadiável. Fecundação.
Ela me olha curiosa.
Quando o sinal toca, mal me despeço dos meus amigos e corro em direção à
sala de acessórios. Vários alunos caminham na direção oposta. À medida que
percorro os corredores do fundo do colégio, percebo que vai ficando mais
silencioso e vazio.
A sala de acessórios é nos fundos da quadra. É bem deserta quase sempre. Seu
corredor não tem saída. Um pouco mais para o fundo dele, após a porta, há a
estante que eu me escondi de Norma outro dia. Dou um suspiro alto e bato à
porta. Não há resposta. Bato de novo um pouco mais forte. E como continuo
sem resposta, viro a maçaneta e entro. Não há ninguém na sala. Ivan ainda não
chegou.
Objetos de natação estão espalhados por todos os lados. Há uma mesa
comprida com uma garrafa térmica de café, uma garrafa d’água e copos
descartáveis. Pego um dos copos e encho com um pouco de água. Estou com a
garganta seca de tanta ansiedade.
Há outra mesa um pouco maior, onde Ivan estava sentado na outra vez em que
estive aqui. Muitos papéis estão espalhados sobre ela e eu me aproximo com
curiosidade. Um caderno está aberto em uma página cheia de partituras. Uma
das melodias, já com letra, me chama atenção. Está escrito Doce Inocência.
Temo que Ivan chegue e me pegue bisbilhotando suas coisas, mas eu não posso
resistir a esse título.
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estou perdendo meus sentidos. Minha cabeça bate no chão uma, duas, três
vezes. E tudo fica escuro. Gritos. Mais gritos.
Escuridão. Sinto o peso de Renato sair de cima de mim. Eu estou caindo...
Levanto a mão tentando me segurar. Caindo... Marginal! Novos gritos. Eu
estou gritando? Quem está gritando? Vozes. A voz. Ivan... Caindo... Minha mão
não consegue alcançá-lo! Ela está sangrando! Caindo... Cuidado com a cabeça,
não mexam nela!!! Ivan, me ajude...! Estou caindo... Caindo... Chamem a
polícia! O que estão esperando? Abram essa maldita porta!
Francine... Fica comigo, Francine...!
Sangue. Cabeça. Caindo... Polícia. Renato. Ivan. Sangue...
Dos meus sonhos você nasceu, menina.
Francine...
Fica comigo, Francine...!
Fica.
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Sinto uma mão mexer em mim. Meu braço é levantado e colocam alguma coisa
embaixo dele. Algo aperta o outro braço e logo afrouxa. Por que meus olhos
doem tanto? Onde está aquela voz? A voz que me acalmou? Cresce, menina,
me engana outra vez. Um líquido quente sobe pelo meu braço. Fica...! Fica
comigo...!
Mostra, menina, o encanto.
Que encanta a minha vida a te amar
Fica...! Fica comigo...!
♥
Fico. Eu fico. Abro os olhos. Encaro o teto novamente, mas a luz já não me
incomoda mais. Está mais escuro. Estou zonza. Pisco com força e minhas
pálpebras parecem mais leves. O teto ainda está sem foco. Alguém aperta a
minha mão.
– Filha... – ouço aquela voz de novo. E me dou conta de que despertei.
Minha cabeça dói quando movimento. Olho para o lado e minha surpresa é
grande quando vejo minha mãe em pé, ao lado da cama, segurando a minha
mão. Ela acaricia meu rosto e eu estou confusa. Muito confusa.
– Mãe? – chamo num fiozinho de voz. Parece que não falo há dias! Não tenho
forças...
– Filha... A mamãe está aqui. – ela encosta seu rosto no meu. – Fica calma,
está tudo bem agora.
– O que aconteceu? Onde eu estou? – pergunto confusa.
– Você sofreu um acidente, bateu a cabeça, mas já está tudo bem... – acaricia
meu rosto.
Eu estou sonhando? Ou estou em uma pegadinha? Quem é essa mulher do meu
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- Por que de fato você está aqui? – pergunto quando estou um pouco mais
calma.
– Eu... – ela parece embaraçada e caminha até a janela. – Eu... precisava estar
com você...
– Precisava? Por quê? – não estou entendendo nada. Absolutamente nada!
– Eu nunca te contei uma história quando você era menina... – uma lágrima
escorre do seu rosto. - Posso te contar uma agora?
Eu balanço a cabeça devagar, concordando. O que está acontecendo afinal? O
que tudo isso significa?
– Quando seu pai e eu nos conhecemos ficamos muito apaixonados. Seu avô
não aprovava meu namoro porque dizia que seu pai não tinha onde cair morto.
Era um garoto pobre, sem ambições políticas... – suspira e continua, olhando
para mim. – Eu briguei com os seus avós e minha família inteira porque queria
ficar com César. Ele pediu que eu o esperasse se formar para que pudesse me
levar embora. E quando isso aconteceu, nós nos casamos.
Eu não conhecia essa história, muito menos todos os sentimentos que minha
mãe está deixando transparecer em sua narrativa. Sinto ainda os efeitos do
sedativo e dos medicamentos para dor, mas mantenho meus olhos bem abertos
e meus ouvidos atentos para ouvir a primeira história que minha mãe conta
para mim. Essa não é uma história de fadas e princesas, mas é a sua história.
– Quando eu fiquei grávida de você, seu pai ficou tão feliz, tão feliz! – respira
fundo. – Acho que bem mais feliz do que quando engravidei de Alex... – volta
a olhar pela janela. – Talvez porque ainda tivéssemos dificuldades financeiras
quando seu irmão nasceu. E com você, tudo foi diferente. Ele podia dar o que
você queria e precisava.
– Eu não entendo aonde está querendo chegar... – estou cada vez mais confusa.
– O que está querendo dizer?
– O que eu estou querendo dizer é que eu não queria você! – minha mãe me
encara e sua expressão é de dor. – Não queria e me culpava por isso. Eu me
sentia um monstro, renegando a própria filha!
Eu fico calada e respeito o seu silêncio. Está chorando.
– Você nasceu quando tínhamos um casal e nada me fazia mais feliz do que o
que eu já tinha... Foi por isso, Francine... – ela se aproxima de mim – que
quando engravidei de você, não aceitei. Na minha cabeça egoísta, minha
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– Cheguei bem a tempo de pegá-lo com aquelas mãos imundas em você! – seu
rosto sustenta uma expressão dura. – Mas quebrei a cara dele... e só não
acabei com ele porque me seguraram.
– Não diga isso nem de brincadeira! – exclamo, chocada.
– Agora ele vai pagar pelo que fez na cadeia! E o idiota ainda foi enquadrado
por tráfico... – dá um risinho irônico. – Acharam droga pesada na mochila
dele! Maldito! Marginalzinho de quinta!
Eu o olho surpresa. Sempre soube que Renato não era bom caráter, mas não
consegui alcançar as palavras de Rebeca quando disse que ele estava metido
em muita parada errada.
– Minha maior preocupação era você... – seus olhos estão marejados. – Você
não faz ideia do que senti quando a vi, desacordada e suja de sangue... – há
amor nesse olhar. Sim, há amor nele!
– Obrigada... – toco em seu rosto e o abraço. Ele me aconchega e eu suspiro,
sentindo seu calor. – Eu amo você...
Só ouço sua respiração e a batida descompassada do seu coração. As mãos de
Ivan acariciam meu cabelo, meu rosto, meu braço... Recebo vários beijos no
alto da cabeça. Te proteger de mim...! Só queria te proteger de mim!
– Seu amor me comove... – finalmente diz me fitando e eu sinto todo o seu
sentimento. É forte, poderoso e intenso.
Começo a prestar mais atenção a ele. A barba está por fazer e aparenta não ter
dormido muito durante a noite. Veste uma calça jeans e uma camisa
amarrotada. O cabelo está desalinhado sobre a testa. Há um travesseiro e um
lençol jogados em uma pequena poltrona.
– Você dormiu aí? – aponto. Ele está rindo como um menino travesso.
– Você não sabe a guerra que foi... – começa a falar e seu rosto se ilumina. – ...
para decidir quem iria dormir aqui... nesta poltrona super confortável! – faz
uma careta.
– E você venceu com todo o seu charme! – começo a rir também. Toda a
tensão e a confusão mental estão me abandonando por completo.
– Hum... Quer dizer que sou charmoso? – aponta o próprio corpo de cima para
baixo.
– Muito... – Ainda resta um pouco de malícia no meu rosto machucado?
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Ivan fica embaraçado e nenhum de nós dois pode dizer mais nada porque uma
médica entra no quarto. Ele se afasta para permitir que ela possa realizar o seu
trabalho.
– Bom dia! – é relativamente jovem, baixinha, morena e muito simpática. – Eu
sou a Dra. Isabel e você deve ser a filha do médico mais amado desse
hospital, acertei?
– Sim... – sorrio. E irmã do médico mais gato também! Eu quase digo, mas me
contenho. A ocasião não é das melhores para minhas tiradas de humor. – Eu
me chamo Francine.
– Muito prazer, Francine. Como se sente? – ainda sorridente, pega o meu
prontuário sobre a mesinha de canto, analisando-o. Verifica uma radiografia e
alguns exames anexados que trouxe junto com ela.
– Com um pouco de dor na cabeça, mas estou bem... – digo prestando atenção
ao meu corpo. Ivan observa a tudo, visivelmente tenso.
– Sente alguma tontura, zumbido no ouvido, enjoo? – a médica analisa meus
olhos sob a luz de uma espécie de lanterna. A seguir, afere minha pressão
arterial.
– Não, nada... – respondo com certeza.
– Ótimo! – pega o prontuário e escreve mais alguma coisa. – Vou prescrever
mais um medicamento para dor e, em breve, você estará liberada.
– Está tudo bem, doutora? – Ivan se aproxima e pergunta.
– Muito bem. A mocinha teve muita sorte! – dá tapinhas no ombro dele. – Não
se esqueçam de marcar o acompanhamento psicológico. É importante! No
mais, tudo caminhando como deve ser. – sorri gentilmente mais uma vez. –
Daqui a pouquinho a enfermeira virá para trocar seu curativo e ajudar no
banho. E alimente-se bem.
Quando a médica sai, Ivan se aproxima e me abraça novamente.
– Viu? Vai ficar tudo bem... Tudo bem...
Acalanto em meu peito a cantar. A doce inocência que brota do olhar.
– Afinal de contas, o que você queria falar comigo de tão importante? –
pergunto em um sobressalto e ele sorri.
– Teremos muito tempo para falar sobre isso. A minha ansiedade já passou...
Você está aqui. – acaricia meu rosto, pega algo no bolso da calça e estende
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mais... – ri.
– O que eu fiz dessa vez?! – digo indignada.
– Você me seduziu... – suas mãos estão sobre o meu rosto em frações de
segundos. Seu polegar roça meus lábios e, eu fecho meus olhos, sentindo a
carícia. Seu toque é tão poderoso que a dor no corte interno, provocado pela
bofetada de Renato, não parece me incomodar.
O rosto de Ivan se aproxima do meu e estamos a centímetros um do outro. Ele
me beija delicadamente e eu estou arfando. Seus lábios vão tocando meu rosto,
passeando da boca ao pescoço. Inclino minha cabeça para o lado, enquanto ele
segue seu caminho. Meus pelos estão arrepiados e o ar não chega aos meus
pulmões como deveria.
Mantenho minhas mãos firmes na cama e concentro-me apenas em sentir. Sinto
seu toque, seus lábios, seu calor, seu cheiro, tudo o que emana dele. Não cabe
nesse momento sequer um pensamento. Minha mente está vazia. Só possuo a
capacidade de sentir.
Uma das mãos de Ivan, agora, sobe pelo meu braço lentamente e essa sutileza
causa em mim uma tortura prazerosa. A mão alcança meu rosto novamente e
acaricia minha nuca com as pontas dos dedos. Um calor sobe pelo meu corpo
quando ele passa a língua pelo lóbulo da minha orelha e deixa escapar o hálito
quente, junto com o gemido que escapa de sua boca.
Quando estou prestes a me jogar em seus braços, ouvimos vozes. A porta do
meu quarto se abre e Ivan dá um pulo para trás, antes que ela fosse totalmente
aberta.
– Oieeee! Viemos movimentar um pouco isso aqui! – É Julia. A rainha da
banda, do escândalo e... do empata. Atrás dela, Soninha, Nando e Max. Meus
amigos.
Sorrio para eles e Ivan se levanta imediatamente da cama. Está visível em seu
rosto que a presença de Max ainda o ameaça.
– Quem bom que vieram! – digo feliz, mas ainda sob os efeitos do toque de
Ivan. Por que diabos não trancamos a porta? Mas que diferença faria?
– Estamos... atrapalhando? – Ju olha para Ivan e depois de volta para mim.
– Claro que não, Ju! – ele exclama, sorrindo gentil. – Fiquem à vontade, eu já
estava de saída.
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Ô, que saída! Tento controlar minha respiração para que a veia que
está pulando do meu pescoço volte a se comportar como uma simples
condutora de sangue.
Ivan olha para mim com um olhar maroto e mantém uma postura séria para
deixar o quarto.
– Ju, trate de poupar essa voz! E, por favor, não agitem muito a Francine!
Oi? Não agitar muito a Francine?! Deus, diz a ele que meus amigos não vão
precisar se dar a esse trabalho? Meu corpo está agitado dentro do meu velho
barquinho. As ondas revoltas, enfim, o estão levando para a arrebentação,
onde eu já avisto meu porto seguro.
– Deixa comigo, chefe! – bate uma continência para ele. – Tudo sob controle!
Quando Ivan sai, as meninas começam a rir olhando para mim. Max
acompanha esse olhar. Sabemos muito bem o que estava acontecendo aqui!
Mas nós, meninas, temos o código de honra de nunca falarmos dessas coisas
na frente de garotos. O saber é geral, mas o comentário é telepático.
– Como você está, Fran? – Nando pergunta, nitidamente preocupado.
– Estou bem... Foi um susto... – suspiro alto. – Mas estou bem.
– A situação do Renato é bem complicada... – Max também vem me
cumprimentar. – Está bastante encrencado! Imagino o que você passou nas
mãos daquele bandido!
– Nossa, Fran...! – Soninha começa a falar e vem me dar um beijo no rosto. –
Já disse isso a você no hospital, mas a sua imagem apagada e toda suja de
sangue, não sai da minha cabeça...
– Mas já é hora de esquecermos isso, vocês não acham? – Ju diz quebrando o
clima pesado. – Afinal de contas, a nova protagonista do momento sou eu! A
senhora trate de sair logo dessa cama para estar inteira e arrasando no meu
show de lançamento!
– Com certeza, estarei! Não aguento mais essa cama! Não aguento mais ficar
trancada nesse quarto! – jogo as mãos para o alto.
– Quando você volta para escola? – Max pergunta. – Você faz muita falta...
– Amanhã estarei lá ou não me chamo Francine! – sorrio, mas me lembro de
algo que está me incomodando. – Só não sei como vou encarar o olhar e os
comentários piedosos das pessoas...
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– Mas agora não há mais dor e nem pontos! E minhas emoções estão prontas
para serem testadas, como sempre... – digo com segurança.
– Eu estou preparando uma surpresa para você! Mas você tem que prometer
que vai fazer tudo o que eu mandar... – avisa. – Precisa confiar em mim!
– E quando foi que eu deixei de confiar? – cruzo meus braços e o encaro. – Eu
me jogaria no escuro se soubesse que você estará lá para me pegar...
Ivan me olha com um misto de admiração, surpresa e medo. Não entendo o seu
olhar até que ele explica o que sente.
– Você me assusta, às vezes... – volta a prestar atenção à direção. – Sua
confiança plena em mim me faz questionar se eu sou uma pessoa capaz de
merecê-la.
– Você é a única. – confirmo fitando-o.
♥
Estou me olhando no espelho agora e admirando o que vejo. Meu cabelo está
solto e com um volume excepcionalmente lindo essa noite, a maquiagem está
perfeita e meu vestido preto é de arrasar. É delicado e ao mesmo tempo realça
todos os meus jovens atributos.
Coloco alguns acessórios como batom, pente, lenços umedecidos e um
pequenino frasco de hidratante para as mãos dentro da bolsa. Minhas unhas
estão impecavelmente pintadas de vermelho e eu as admiro antes de conferir
se a minha carteira com cartões, dinheiro e documentos estão dentro dela.
Estou pronta para o grande dia!
Desço e encontro meus pais sentados no sofá da sala, abraçados, assistindo
televisão. Ele está de folga, mas os dois resolveram não ir à boate. Querem
ficar sozinhos. E eu gosto disso. Gosto de ver o quanto se aproximaram nos
últimos dias.
– Boa noite! – digo descendo os últimos degraus. Os olhos deles me
acompanham com uma expressão de Nossa! Quem é você? O que você fez com
a nossa filha? Beijo meu pai primeiro e ele retribui o meu boa noite.
– Boa noite, filha... – minha mãe usa as duas mãos para segurar o meu rosto e
me beijar. Há em seu toque toda a vontade de expressar seus sentimentos por
mim. – Você está linda!
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Caminho até o portão, absolutamente confusa. Está claro para mim que minha
mãe sempre soube dos meus sentimentos por Ivan e que agora tem certeza que
alguma coisa vai acontecer essa noite. Alguém revelou algo para ela? Alex?
Impossível! Ivan? Pouco provável. Prefiro apostar no sexto sentido feminino
de uma mulher experiente. Respiro fundo e saio. Ivan veste uma calça social
escura e uma camisa clara, de mangas dobradas. Os braços estão cruzados
sobre o peito e seu corpo está encostado no carro. Olha para um moderno
relógio prata, provavelmente questionando minha demora de aproximadamente
quinze minutos!
Quando me vê, abre um largo sorriso e me admira da cabeça aos pés, mudando
o seu olhar de feliz em ver você! para Você está abalando minhas estruturas!
Caminho até ele.
– Oi... – estou sorrindo docemente. – Está sozinho?
– Agora não estou mais... – retribui o sorriso e beija o meu rosto. Seu cheiro
chega até mim e eu começo meu processo de embriaguez. Se ele me tomasse
nos braços agora, eu não iria a lugar algum! Mas ele parece saber disso e
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Capítulo Quarenta
A boate está lotada. Muita gente está à espera da nova banda lançada no
mercado por um empresário musical muito bem quisto no universo
internacional. Um DJ toca as músicas das últimas paradas e Ivan me leva pela
mão através do salão.
O camarim está movimentado também. Pessoas transitam no espaço,
organizando, suprindo o estoque de água, conversando uns com os outros,
dando coordenadas de iluminação e som: amigos das estrelas da noite e
funcionários da boate ou da equipe de produção de Ivan.
Três sofás grandes ocupam duas paredes inteiras. Há uma porta para um
banheiro; um frigobar; uma penteadeira tradicional, daquelas com lâmpadas
em volta de um espelho; e uma mesa enorme com frios, frutas, petiscos e água.
Os garotos da banda parecem apreensivos, aguardando o sinal para que
comecem. Quando me vê, Julia se levanta da penteadeira e abre um sorriso
largo. Soninha está ajudando na maquiagem dela. Usa um vestido preto com
recortes em verde, super na moda para ocasião. As unhas estão pintadas de
esmalte escuro, em uma tentativa estratégica para não roê-las. Representação
de toda a sua perseverança em controlar o nervosismo e a ansiedade.
– Amiga! – Ju me abraça apertado.
– Nossa, mas você está linda! – eu a admiro, colocando as mãos na boca.
– Obrigada! – diz dando uns pulinhos de pura excitação.
– Soninha me ajudou... – passa a mão pelo vestido.
– Ôoo! E que ajuda! – Soninha faz uma careta. – Levamos três dias para que
ela escolhesse um único vestido!
– Claro! – Ju exclama. – Eu tenho que abalar essa noite!
A voz de Ivan falando um pouco mais alto com os meninos chama a nossa
atenção e nos voltamos para ouvir também.
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– Tudo o que precisamos fazer é repetir o que fizemos nos ensaios, dando o
nosso melhor. A emoção de vocês reflete no público e tudo aquilo que fazemos
com amor volta para nós em dobro! – Ivan diz para que todos na sala ouçam.
Estão todos em silêncio, bebendo das palavras dele. – Tudo certo? Prontos
para começar? – olha um por um. – Julia?
– Estou pronta! – minha amiga diz com convicção.
– Então está na hora! Vamos entrar lá e fazer dessa banda a melhor dos últimos
tempos! Quebrem a perna!
Todos batem palmas e riem cumprimentando uns aos outros. Eu acho curiosa a
forma como os artistas desejam sorte. Ivan trouxe do seu inglês Break a leg!, a
superstição de que ao desejar má sorte, boa sorte trará. Então, que todos
quebrem suas pernas! E Merda!, sempre!
Lembro como se fosse hoje de nossa aula de Artes em que a professora nos
explicou que a expressão Merda!, fazia referência ao Teatro Francês do
Século XIX, quando o público ia aos teatros em carruagens conduzidas por
cavalos. Quanto mais excrementos de cavalo estivessem na porta do teatro,
mais sucesso o espetáculo teria, porque a casa estava lotada. Estou perdida
nessas divagações quando ouço um rapaz dizer:
– Pessoal, cinco minutos! – está portando um walk talk, aqueles
comunicadores de ouvido que mantêm a produção de um evento interligada e
em constante contato. Eu abraço Julia apertado, desejando que tudo corra bem
e que possamos comemorar esse dia em grande estilo.
– Venha, Alex já está lá fora. Ele reservou uma mesa para nós na área vip! –
pega minha mão e nós voltamos ao coração da boate. Soninha nos segue.
A música que toca agora tem uma batida super dançante e vários jovens estão
espalhados pelo salão, dançando e se divertindo. Encontramos com Alex e
Nando em uma das mesas da área vip. Bianca, pelo visto, teve algo melhor
para fazer, não é mesmo? Nossos outros amigos e a família de Ju estão do
lado oposto, no outro espaço da área vip. De onde estou, posso vê-los.
O DJ para de tocar, agradecendo a presença de todos. Anuncia a banda com
bons elogios. Nós estamos paralisados, com a respiração suspensa. Luzes de
várias cores começam a piscar sobre o palco e os integrantes começam a tocar
seus instrumentos, um a um... Eu seguro a mão de Ivan que está pousada na
perna e a aperto. Sou sua cúmplice. Nada vai dar errado.
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Uma canção conhecida, em ritmo pop rock, chega aos nossos ouvidos e o
salão explode dando início a letra da música com a entrada de Julia. Sua voz é
de uma potência assustadora e podemos perceber na expressão das pessoas lá
embaixo o quanto estão gostando disso.
A presença de palco da jovem cantora incentiva o público a retribuir cada
verso e gritar o refrão como se estivessem sendo conduzidos pela força de um
furacão. Uma diva. É isso o que Julia é. Ela domina o palco, envolve nossas
emoções, acaricia o público, aveluda a melodia, contorna as nuances, desenha
as notas com as mãos...
Cada música que a banda toca, o público reage com aplausos e acompanha
cantando com a vocalista. Assistimos ao show, extasiados e extremamente
orgulhosos. Eu posso ver isso em cada rosto da minha mesa. Nossos copos de
bebida estão praticamente intocados e não cabe mais qualquer movimento que
não seja de nossos olhos atentos sobre o palco.
Quando Ju anuncia que cantará canções de autoria da própria banda, há uma
aceitação geral. Rapidamente, o refrão da primeira música é dominado e todos
do salão estão cantando em uma só voz. Sucesso! Merda! Merda! Merda!
Ao final do show, o DJ volta a tocar e nós nos abraçamos e nos
cumprimentamos; satisfeitos com o resultado. Um show! De talento e de
domínio. Os meninos estão prontos para voar e Ivan está fazendo seu trabalho
em orientá-los com maestria.
– Ela está... incrível! – Alex diz, boquiaberto. E eu entendo sua expressão
porque eu também me sinto como ele.
Estamos a caminho do camarim, onde haverá mais cumprimentos. Muita gente
se aglomera nas portas dos banheiros, no bar e na escada que dá acesso ao
camarim da boate.
Entramos no espaço proibido para pessoal não autorizado e, enfim, chegamos
ao encontro da mais nova banda apresentada da região. Estão todos rindo, se
abraçando e curtindo o seu momento. Ivan começa a cumprimentar o pessoal
um a um e eu o sigo. Estão todos muito felizes com o resultado.
Alex passa na frente, surgindo com um enorme buquê de rosas vermelhas para
Julia. Ela abre um dos seus mágicos sorrisos e o abraça. Ele está muito
apaixonado por ela. Vejo isso em cada um dos seus gestos e no encantamento
com que a olha. Julia retribui esse sentimento de maneira curiosa para nós,
suas amigas, sempre observadoras de seu comportamento nada apegado aos
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que venham mais eventos como esse para que possamos dar nossa alma e
nosso coração de novo! Muita luz para nós! – bate palmas e nós o seguimos. –
Parabéns a todos pelo empenho! Ficou tudo incrível! Mais do que imaginei!
As palmas continuam e os garotos também vão um a um se manifestando,
discursando sobre a apresentação. Ivan solta minha mão dizendo que precisa
tratar dos cachês com o seu pessoal e que voltará rapidamente. Estou ao lado
dos meus amigos e vendo a felicidade estampada no rosto da Ju. Ela está
protegida pelos braços do meu irmão em volta do seu ombro. As flores nas
mãos são o seu troféu da noite.
De volta para perto de nós, Ivan se dirige a Alex, mas a roda de amigos
íntimos o ouve:
– Francine e eu já estamos indo... – encosta no ombro de Nando e Alex,
respectivamente.
– Ah, já?! – Ju exclama triste. – Não vão comemorar com a gente?
– Não, Ju... – Ivan lamenta. – A Francine está muito cansada. E ela não pode
abusar.
– Vai, irmã... – Alex me abraça. – Vá descansar!
Eu olho no rosto de cada uma dessas pessoas e entendo o sentido da expressão
mentira social. Todo mundo sabe a verdade, mas ninguém a contesta. E cabe a
mim, o papel representativo de confirmar para que a pequena farsa fique
completa.
– Obrigada. Estou realmente muito cansada. Boa noite para vocês e... Boa
festa!
Estamos dentro do carro agora, Ivan e eu. Saímos pelos fundos da boate para
evitar o tumulto que ainda está no interior. Já passa da meia noite e agora é
que ela está literalmente começando para muitos. Inclusive, para mim. E isso
me assusta um pouco. E agora? Para onde eu irei? O que de fato acontecerá?
Encosto minha cabeça no banco e Ivan faz o mesmo, rindo.
– Você foi muito bem! Cumpriu a primeira ordem da noite! – olha para mim e
ri ainda mais.
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Sempre.
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Capítulo Quarenta e Um
Continuo com os meus olhos vendados, sentada no banco do carona do carro
de Ivan. Ivan... O homem que, em meus dezoito anos de idade, preenche toda a
minha vida. O fato de ser treze anos mais velho do que eu e melhor amigo de
infância do meu irmão, não impediu que nosso amor fraterno se transformasse
nesse sentimento arrebatador.
Estamos somente nós dois dentro desse carro e ele me leva ao desconhecido.
Sinto as rodas deslizarem com facilidade pelo chão, o que me indica que
estamos passando por uma estrada sem nenhum tipo de congestionamento.
Minha única preocupação agora é sentir. Minha mente está vazia de qualquer
especulação ou curiosidade. O que me move é a sensação que os lábios dele
deixaram na pele do meu pescoço enquanto me vendava.
Procuro me manter em silêncio ao longo do percurso, mas parece que o som
de nossas respirações pesadas não está excitando somente a mim. Ouço uma
canção conhecida invadir o carro e sua letra romântica me faz suspirar. Ivan
controla o volume para que fique bem adequado ao momento e toca meu rosto
com as costas da mão. Eu inspiro o ar e sorrio, apreciando a carícia. Eu o amo
com todas as minhas forças e não há nada no mundo que mudará esse fato.
Nasci e cresci para amar Ivan. E ele... que me ninava quando criança; me
entupia de doces; me balançava em todos os brinquedos do parquinho;
desmanchava os namoros porque as garotas não aguentavam a menininha
grudenta que o seguia para todo lado... Ele... que cantava, tocava e lia
historinhas de fadas e princesas para que eu pegasse no sono; que negou até
onde pode seus novos sentimentos por mim... Ele... está aqui ao meu lado
agora. Dirigindo esse carro que nos leva à surpresa que me prometeu; à
conversa sobre nós que há tempos tem evitado; e à privacidade e ao tempo que
tanto é necessário para que possamos, enfim, nos expressar.
O som da música me embala e eu mergulho relaxada na escuridão proposital e
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condicionada aos meus olhos. E eu mergulho nesse escuro porque sei que ele
está aqui. Do meu lado. Para me segurar.
A venda em meus olhos é a segunda ordem. A primeira delas foi despistar as
pessoas com a desculpa de estar precisando descansar. Haverá mais ordens
essa noite? Será? Mas eu estou pronta. Eu sempre estarei pronta para Ivan.
Sempre. Muito bem, Francine! Ele dá as cartas agora, mas é você quem está
vencendo o jogo!
O carro para e a porta do motorista se abre. Uma lufada de vento chega até
mim e sinto cheiro de maresia. Segundos depois de ouvir a porta bater, a do
carona se abre. A mão de Ivan pega a minha e me ajuda a descer do carro. O
vento bate no meu rosto e inspiro o ar em meus pulmões.
– Está pronta? – a voz dele chega aos meus ouvidos e eu me limito somente a
balançar a cabeça em afirmação. Meu coração está batendo desenfreado
dentro do meu peito.
Quando ele retira a venda do meu rosto, levo uns segundos para que meus
olhos se acostumem ao cenário a minha frente. Estamos olhando para a praia
em que passei tantas férias em família e em sua companhia; na praia em que
brincávamos, passeávamos e ele tocava violão na areia...
Corro meus olhos mais acima e à direita da colina, onde a casa de praia da
minha família dorme no escuro, em meio aquele ambiente mágico e
acalentador de ondas, lua e estrelas.
Olho para Ivan, maravilhada. Há tempos não piso nesse lugar. Meu coração
continua pulando e eu abro um sorriso agradecido pela surpresa maravilhosa
que ele está me proporcionando. O som emitido por um pássaro, ao longe,
chama a minha atenção e eu abro os braços e sinto através do vento, toda a
energia desse momento. Jogo a bolsa e os sapatos dentro do carro e desço os
degraus que levam à areia.
Ivan me acompanha com o olhar embevecido. Parece observar com
apreciação, cada um dos meus movimentos. Eu me sinto livre! Livre como um
pássaro! Dou um grito em resposta à ave que há poucos segundos nos brindou
com seu voo noturno.
A lua está majestosa sobre nossas cabeças e as estrelas cintilam a magia que
essa praia nos presenteia. Ivan também tira os sapatos, tranca o carro e me
segue.
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– Eu amo esse lugar... – abro os braços e, giro sobre mim mesma. – Amo! – a
areia é fria e macia sob meus pés. – Venha, Ivan! Sinta o cheiro desse mar e a
carícia do vento em seu rosto! – abro os meus braços e continuo a girar sobre
o meu corpo sem parar. – Olhe a imensidão deste céu! Em lugar algum você
veria um como esse, abrigando uma lua tão linda e estrelas tão brilhantes... –
solto uma risada de puro contentamento. – Eu amo esse lugar! Ouviu?! – grito
mais alto. – Amo!
Ivan está próximo a mim, sorrindo. Não deixa de me examinar um só minuto
com demasiado interesse. Eu me aproximo e ele me pega pela cintura e me
joga para o alto, contagiado pela minha alegria. Ele me roda no ar uma, duas,
três vezes. Exatamente como fazia quando eu era criança. Eu abro os braços e
fecho os olhos. Quando me ampara de volta em seu peito, estamos tontos e
despencamos juntos na areia, às gargalhadas.
O peso dele está sobre mim e nossas risadas vão diminuindo até que nossos
olhos começam a conversar entre si. Trocamos frases inteiras de sentimentos e
emoções dos quais nenhuma língua civilizada é capaz de expressar. Ouço as
ondas do mar longe agora... O mundo que se abre para mim é rico em
mistérios e romance de livros que devoro todos os dias.
– Obrigada... – digo olhando em seus olhos e ele me acaricia em toda a
extensão do rosto. Sua mão está quente e ansiosa por me tocar. – Prometo fazer
tudo o que você mandar...
– Também prometo não me esquecer disso... – Ivan se apossa da minha boca
com uma voracidade que exprime toda uma frustração acumulada. O seu corpo
rígido sobre o meu denuncia, ávido, o desejo tolhido por um tempo quase que
incalculável.
A língua dele explora a minha com loucura, me invadindo, me provocando, me
convidando a extravasar a paixão e o desejo que emana dos nossos corpos. Eu
correspondo ao beijo, acompanhando seus movimentos. Estamos abraçados,
unidos e sedentos pelo próximo ato.
– Eu sou louco por você, garotinha! – Ivan diz em um sussurro rouco, enquanto
nossas bocas se afastam, liberando nossas respirações entrecortadas. – Sou
louco por você! – volta a me beijar. Dessa vez, mais delicadamente. – Não sei
o que vai acontecer quando formos embora depois desta noite, mas quero que
você saiba que eu não me importo. Nada mais importa. Nada na minha vida faz
mais sentido se eu não tiver você.
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o amo. Eu o amo com a minha alma não mais sofrida. Eu o amo com a minha
alma viva. Eu o amo com a minha vida.
Ivan aponta o sofá e eu umedeço meus lábios, nervosa demais para caminhar
sozinha. Ele parece compreender o que está acontecendo, pois se levanta e
caminha em minha direção. Alto, ombros largos, corpo atlético. A calça jeans
escura e a camisa clara com as mangas dobradas lhe caem muito bem. Dono de
um maxilar incrivelmente bonito, que hoje, apresenta uma barba por fazer de
arrancar o meu fôlego.
Quando ele se aproxima e toca meu rosto, sinto minhas pernas bambearem.
Estou trêmula e completamente sem palavras. Os olhos verdes de Ivan me
hipnotizam imediatamente e eu sou tragada para a profundidade deles, onde me
sinto protegida e ao mesmo tempo, lançada em um mar de ondas revoltas de
excitação. Os cabelos escuros, quase sempre desalinhados sobre a testa, estão
jogados para o lado.
Ivan me ampara nos braços e me beija levemente nos lábios. Sou novamente
carregada no colo até o sofá. Ele me segura pelo queixo e repete o beijo.
Caminha com segurança de volta ao teclado, se posiciona e liga o aparelho de
gravação.
Segundos depois, seus dedos tomam conta das teclas do instrumento. A
melodia é suave, calma, acalentadora. Como uma canção de ninar. Ele avança
sobre as notas, me olhando com intensidade e dedilhando cada uma com
precisão. Quando a música alcança seu ponto máximo, ele fecha os olhos e
respira profundamente.
Não há letra. Não há voz, não há palavras. Só música. Só aquela melodia
chega ao meu coração e o embala para que durma um sono tranquilo. Estou
inclinada no sofá, de pernas cruzadas. Minhas mãos estão pousadas sobre elas
e minha cabeça repousa no encosto, levemente inclinada para o lado. Não
consigo controlar a minha emoção e as lágrimas continuam caindo.
Ivan termina de tocar e encerra a gravação. Bato algumas palmas tímidas e,
depois, eu seco meu rosto com as mãos. O que acaba de acontecer aqui? Onde
eu estou? Que mundo paralelo é esse? Que coisa linda! Eu jamais vou
esquecer esse momento...
– Linda...! – digo voltando a bater minhas palmas, sorrindo para ele. – Linda
música...!
Ivan sorri também e dá início a reprodução do que acaba de tocar. A melodia
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Minha respiração está suspensa. A canção está tomando forma com a letra que
ele escreveu para mim e eu acabei encontrando em suas coisas totalmente por
acaso. Meu Deus! Essa música é minha! Ele fez para mim!
A letra é tão linda, tão minha... tão nossa! É a nossa vida, a nossa história
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real. Provas mais que suficientes de que a realidade superou os meus sonhos
de menina.
– Acho melhor levantarmos agora, tomarmos um café reforçado e
conversamos, enfim, sobre nós... – sorri, divertido. – Ou jamais sairemos
dessa cama! Não que eu não deseje isso...
– É verdade... Afinal de contas, foi para isso que viemos aqui... – reflito. – Ou
não?
– Tam-bém...! – diz pausadamente, levantando da cama e me puxando pela
mão. Nós rimos juntos e ele me beija nos lábios. Eu me sento e a bandeja é
colocada de volta entre nós. – Coma!
– Isso é uma ordem? – pego outra fruta e sorrio, divertida.
– Claro que sim! – diz falsamente sério.
– Como você conseguiu fazer tudo isso? – me refiro às surpresas, a casa e tudo
o mais; e ele parece entender.
– Eu tenho meus contatos... – diz engolindo um pedaço de bolo de laranja. –
Peguei as chaves da casa com Alex, contratei um pessoal para limpar e
abastecer... Ontem vim trazer o equipamento e deixar tudo pronto para receber
você.
– Nossa... – meus olhos não dão conta de segurar minha emoção. – Obrigada!
Ficou tudo tão lindo... tão lindo! – digo embargada. – O fato de voltar a essa
casa, à praia... De ouvir você tocar e cantar para mim... só pra mim! Uma
música feita pra mim...! – tento encontrar as palavras para expressar o que
sinto. – O fato de você cobrir essa casa de flores, cheiros, sons e sabores só
para me agradar... prova ainda mais que meu coração sempre esteve certo em
ter escolhido você para amar.
O rosto de Ivan está contraído. Ele parece profundamente tocado por minhas
palavras. Sua mão alcança a minha e ele a beija num leve toque.
– Eu demorei muito para entender o que sentia por você, Francine... – respira
fundo. – Enquanto estive fora, pensava em você como aquela menininha que eu
amava como a uma irmã. Sempre a amei demais, mas meu amor por você era
puro e simplesmente um amor de irmão...
Eu consigo alcançar o que Ivan diz e sei bem o quanto esse sentimento foi
verdadeiro durante a minha infância e até mesmo após a sua volta, anos antes.
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– Você disse a palavra certa! – enlaço o seu pescoço e beijo seus lábios num
estalo. – Do-lo-ri-da. – sorrio, fazendo uma careta ao contorcer meus
músculos do quadril. – Estou bem dolorida! Bem feliz! – beijo de novo. – Bem
ansiosa! – de novo. – Bem apaixonada! – beijo três vezes seguidas.
– Jura? – pergunta como um menino inseguro.
– Por tudo o que quiser... – declaro em seu ouvido e ele me abraça apertado.
– Mas não foi bem isso o que quiser dizer... – ainda me olha preocupado.
– Não, você não me machucou... – enrosco meus dedos em seus cabelos atrás
da nuca. – Eu sempre soube que você é o mais gentil de todos os homens! –
beijo levemente seu rosto.
– Você é o maior e o melhor presente que ganhei na vida! – Ivan diz me fitando
sério. – E eu a amo de todo o meu coração...
– Ama? – estou sorrindo. – Então ... prove! E isso, sim, não é um pedido... – e
nós nos beijamos com paixão demoradamente. – Agora vá buscar minha bolsa
porque preciso encontrar um pente para desembaraçar esse cabelo medonho! –
estamos rindo e é a segunda vez no dia em que ele me obedece.
Estamos no carro agora, indo para casa. Um som ambiente está tocando uma
música que eu adoro. A mão de Ivan está pousada na minha perna e ele a
mantém assim, enquanto não precisa passar a marcha. Às vezes, esfrega a
palma subindo pelas minhas coxas, numa carícia extremamente ousada. Eu
estremeço; ele sorri para mim malicioso e volta sua atenção para o trânsito.
– Posso te perguntar uma coisa? – resolvo quebrar nosso silêncio.
– Claro que pode... – está me olhando com curiosidade. – Pergunte o que
quiser!
– Por que você ficou com a Norma? – cuspo a pergunta na cara dele e prendo
a minha respiração.
– Nossa, meu amor! Que pergunta! – percebo seu embaraço. – Achei que a
resposta para isso já tivesse ficado clara... Mas... Ok. Vamos lá! – fica sério. –
Eu queria tentar apagar o que sentia por você e precisava de algum conforto
também... – solta o ar demoradamente. – E acabei unindo tudo isso ao fato de
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que ela estaria sempre próxima para afastar você de mim! – comprime o rosto,
arrependido. – Fiz tudo errado! Uma sequência absurda de enganos!
– Mas você gostou dela? Ficou interessado de verdade nela? – minha voz está
trêmula.
– Por que essas perguntas agora? – está me olhando, surpreso. – Meu amor, eu
já não dei provas o suficiente de que é você que eu quero?
– Sim, mas... – preciso saber. Quero entender! – Eu preciso saber!
– Gostar é uma palavra muito genérica. – parece medir as palavras. – Sim,
gostei dela no mais simples dos significados. É excêntrica, mas é uma boa
pessoa. – olha para mim de novo, sorrindo. – E não, ela não se compara a
você, muito menos desperta um milionésimo do sentimento ou do desejo que
eu sinto por você. Em nenhum aspecto! O que partilhamos ontem transcende
qualquer relação que possa ter tido com ela... – suspira. – Está satisfeita
agora?
– Sim... – estou sorrindo com timidez.
– Um pouco de ciúme não faz mal a ninguém, não é mesmo? – Ivan está rindo.
Se divertindo com a situação. – Quem deveria ter ciúmes sou eu, com o tanto
de amigos que vivem a sua volta!
– Você disse bem: amigos! Nada mais do que isso. Mas... – eu me lembro de
um fato e resolvo expô-lo. – Como vamos conviver na escola a partir de
agora? Digo, com essa aliança no dedo, com Norma e tudo o mais? Você é meu
professor...
– Vamos manter a calma... Tudo será resolvido a seu tempo... Está bem? –
parece compreender meus receios e me olha com ar de cumplicidade. – Vai
ficar tudo, tudo bem! – acaricia minha perna.
– Por que você foi trabalhar lá? – coloco minha mão sobre a dele, apertando-
a. Também preciso dessa resposta.
– Achei que isso também fosse uma resposta fácil... – ele continua sorrindo da
minha inexperiência. – Porque eu não queria tirar meus olhos de cima de você,
garotinha... – passa o dedo pelo meu queixo.
Encosto a minha cabeça no banco e tento me concentrar agora no que dizer aos
meus pais. Ivan parece bem seguro ao meu lado, mas eu confesso estar
começando a sentir um frio na barriga.
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Minha mãe deixou claro saber dos meus sentimentos e, mais ainda, o que iria
acontecer na noite anterior. Acredito que não haverá nenhum tipo de problema
com ela. Mas, e meu pai? E meu velho pai tradicional? O paizinho que ainda
enxerga em mim a menininha dele... O que ele dirá quando souber que essa
filha passou a noite fora de casa e se entregou ao homem que deveria protegê-
la como um irmão? Deus! Estou começando a ficar nervosa... de verdade.
A aliança cintila no meu dedo e eu imagino a reação do Dr. César ao vê-la...
Noiva. Noiva do seu filho do coração. Da noite para o dia... Vamos nos casar,
pai! Nós nos amamos! É tudo o que posso dizer a ele. Fim de papo.
Já passa das dez da manhã e eu ainda não voltei para casa. Não sei qual foi a
desculpa que Alex deu em relação a minha ausência. Se é que ele deu alguma.
Do jeito que as coisas estavam encaminhadas ontem, certamente Julia e ele
também não haviam voltado para casa ainda.
Mas nem minhas maiores divagações acerca do momento em que contaríamos
a verdade, se comparam ao que sinto, agora, frente a frente com meu pai e toda
a família, na sala da minha casa.
– Noivos?! Como assim noivos?! – meu pai parece ter comido um marimbondo
vivo. Seu rosto está em brasa e ele parece cuspir fogo. – Mas, que loucura é
essa, Ivan?!
– Acalme-se, César! Por favor... Você não precisa agir assim... – Ivan tenta
tranquilizá-lo. – Nós vamos nos casar; formar uma família. Eu estou aqui
assumindo minha responsabilidade por tudo o que aconteceu esta noite. Eu sou
homem! E amo e respeito a sua filha!
– Minha filha... – meu pai está embargado. – Minha menina! – anda de um lado
para o outro e de repente encara Ivan. – Olhe para essa menina, Ivan! Olhe! É
a minha filha caçula, lembra-se dela? Lembra-se da Francine?! Aquela menina
que você pegou no colo e que tratou a vida inteira como a uma irmã!?
– Eu sei, César... Eu sei...! – baixa a cabeça. – Eu entendo o que você está
sentindo...!
– Pai... – eu me aproximo dele e pego suas mãos. – Me ouve... – e ele me olha.
– Eu sempre, sempre... em toda a minha vida, amei o Ivan. Sempre, pai!
– Filha, isso é um absurdo! Não consigo acreditar numa coisa dessas! Você é
uma menina para ele, filha!
– Absurdo é amar e não poder viver esse amor! E eu amo o Ivan, pai! – sorrio
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de todos esses dias, fugindo para a cama dele, à noite, fiquei mal acostumada.
– Fran! É a terceira vez que chamo você... – Soninha me desperta do transe. –
Está com a cabeça onde, hein, amiga?
– No quarto ao lado... Onde mais estaria? – Ju dá uma risadinha e eu jogo um
travesseiro no rosto dela.
– Pode ir, minha amiga! – Soninha me incentiva. – Vá dormir com ele que a
gente fica por aqui...
– De jeito nenhum! – digo categórica. – Vocês não estão aqui pra isso...
Vamos voltar à lista... Releia o que já está anotado! A Ju poderia largar essa
revista e ir pesquisando na internet os itens mais usados, hein?!
– Jura que não quer dar uma olhada nos vestidos primeiro? – Ju deita de
bruços e abre em uma página apontando um modelo. – Olha esse que incrível!
– Lindo, minha mais nova cunhada! Mas vamos ajudar a Soninha com a lista,
primeiro, hã? Teremos tempo para escolher o vestido...
– A mais nova e última, eu espero! – Ju exclama se referindo ao meu irmão. –
Serei a senhora Alexandre e não se fala mais nisso...
– Hummm... Que isso hein, novinha?! Tá podendo a beeeça! – Soninha diz e
nós três rimos. A seguir, voltamos a nossa atenção para a lista do chá. –
Talheres, concha, escumadeira... – ela para de citar os itens e me fita com
atenção. – O que mudou em você?
– Oi? – digo sem entender a pergunta. – Como assim?
– O que mudou em você depois que você e o Ivan...
– Transaram?! – Ju interrompe. – Qual é, Soninha!? Qual é o seu problema em
falar de sexo?
– Problema nenhum, Ju... Só não gosto de me expressar assim... como você...!
– Soninha está visivelmente encabulada.
– Só falta você dizer que sou vulgar... Valeu mesmo pela parte que me toca! –
Ju faz uma cara de magoada e cai na risada. – Amiga!!! Alôuu? – ela coloca a
mão no queixo. – Até quando você e Nando vão ficar assim... nesse chove e
não molha?
– Eu não sei... Por isso estou querendo conversar com vocês! Mas é tão difícil
falar sem ouvir suas piadas!
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– Não consigo mais dormir aqui sem você... – Ivan me diz, enquanto me
aconchego junto ao seu corpo embaixo dos cobertores.
– Antes de pegar no sono com as meninas lá no meu quarto, eu pensei a mesma
coisa... – acaricio a pele do seu ombro.
– Sinto falta de ter você assim... – me aperta em seus braços. – Quero poder
fazer isso todos os dias e para o resto da vida!
Eu balanço minha cabeça concordando e inspiro o cheiro da sua pele o
abraçando com mais força.
– Estávamos outro dia falando em comprar a nossa casa... – me viro para ele e
ouço atentamente. – Você viu que a minha casa... digo... a casa aqui do lado
estava à venda há alguns meses?
– Sim, logo depois que você chegou, a família se mudou para outro estado e
colocou a casa à venda. Há uma placa lá se não me engano... – digo olhando-o
ansiosa.
Será que Ivan vai comprar a casa? Para nós? A casa que foi dele? A casa em
que seus pais foram tão felizes juntos? Meu rosto se ilumina com a
possibilidade de poder dar a ele um pouco do seu passado de volta.
– Posso pegar o número se você quiser ligar... – digo com ansiedade e
esperança de que ele se interesse mesmo pela compra.
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– Deus é pai! Era uma perdição ver você naquele maiô! – diz alto.
– Ivan! – eu fecho meu rosto, indicando com o queixo a presença dos homens
no quarto e morro de rir em seguida da careta que ele faz.
– Você é uma perdição mesmo... – ele me enlaça de novo mesmo com garrafa e
os copos nas mãos; e me beija rapidamente. – Mas é minha.
Minha formatura na escola foi bem simples. Tivemos uma colação de grau e
uma festinha para os familiares e poucos amigos. Eu nunca gostei muito de me
sentir o centro das atenções, então, estava doida para tirar a beca e o capelo e
saltar os dias para saber o resultado do vestibular. Se tudo corresse como o
esperado, eu poderia começar o curso de Jornalismo antes mesmo do
casamento.
A solenidade, porém, teve uma importância grande para a minha família, já
que a filha caçula estava se formando no colégio. Respeitei todas as regras
sociais de sorrir, abraçar, beijar bochechas, agradecer, suportar o salto alto e
tirar fotos. Aff. Muitas fotos.
Estou embalando alguns presentes para essa noite. É véspera de Natal. Mas
estou mesmo é pensando na viagem que eu farei com Ivan no Ano Novo. Será
nosso primeiro réveillon como um casal; e eu estou muito ansiosa para que
tudo dê certo. Vamos romper o ano só nós dois, na região dos lagos, numa
cidade linda e paradisíaca.
Meu pai não está nada confortável com essa lua de mel antecipada, mas minha
mãe conseguiu convencê-lo de que os tempos são outros e que ele precisa
acompanhar a modernidade. Ele discursou mais algumas vezes sobre como a
modernidade está moderninha demais para o gosto dele, mas depois desistiu.
Nada a declarar. Ele anda reclamando de tudo ultimamente e com os mesmos
maus hábitos no que diz respeito a sua saúde. Já o presenciei diversas vezes
com a mão do peito, franzindo o rosto por causa da falta de ar.
Termino de embrulhar os presentes e desço para encontrar a minha família na
sala. Meu vestido vermelho é lindo, com um decote em V e costas nuas. A
mesa da sala está um luxo e muito farta. Todo ano Bastiana prepara suas
iguarias natalinas maravilhosas e eu engordo uns cinco quilos só comendo
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rabanada.
Ivan está na varanda da frente falando em inglês ao celular. Eu estranho e
procuro me aproximar de forma silenciosa para prestar atenção à conversa.
Ele parece tenso e um tanto quanto desconfortável.
– Thank you, Mr. Robbins. I’m so happy with this big news. I’m thrilled to be
into it by all means! – quando me vê, a tensão e o desconforto se acentuam
ainda mais e parece querer finalizar o assunto. – Ok. Ok. Thanks. Thank you so
much! Talk to you later! – desliga sem mais delongas.
Estou parada na porta da varanda olhando para ele. Ivan parece incomodado
com algo mais nada diz. Eu também acho melhor não perguntar. Não quero
parecer invasiva demais. Se quiser e for realmente importante, vai me dizer.
Ele caminha em minha direção e abre um sorriso.
– Meu amor! Uau! Como você está linda! – sou abraçada por ele e sinto a
rigidez dos seus músculos.
O que será que aconteceu? Quem é o senhor Robbins? E que notícia ele pode
ter dado para que Ivan se sentisse tão feliz e honrado? E se está tão feliz,
porque não compartilha comigo? Por que está tão tenso?
Eu não sei...
Mas o silêncio está me corroendo por dentro. Algo me diz que não é uma coisa
tão boa e tão feliz assim. Pelo menos, não para mim...
Noite feliz? Nem tanto...
Papai Noel me presenteou com o mais incômodo dos presentes.
Uma pulga atrás da minha orelha.
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acabar com a relação e quase sempre conseguia fazer isso saindo isenta de
culpa. Mas nem sempre eu tinha tanta sorte. E ele, como diz Bastiana, ralhava
comigo e me deixava uma semana sem doces.
Estou sorrindo com a lembrança e Ivan me olha com curiosidade. Não posso
deixar de comparar aquele menino com o homem que está ao meu lado.
– Do que está rindo? – pergunta curioso.
– Lembra quando eu atrapalhava seus romances e você descobria? – cubro a
boca com a mão e começo a rir de verdade.
– Se lembro! – ele ri também. – Eu não levava você no parquinho por uma
semana!
– E cometia a crueldade de me deixar sem doces! – levanto o indicador e falo
com tom indignado.
– E você acha muito?! – seu riso passeia de bem humorado para malicioso. –
Se bem que você cresceu e meus castigos não adiantaram muito, né?
– Você se refere ao seu projeto de romance com aquele projeto de professora?
– digo desdenhosa. – Você devia me agradecer! Eu livrei você da maior
enrascada da sua vida!
Ivan dá uma risada, enquanto acaricia meu rosto. A seguir, pressiona meu
queixo com a mão e o balança de um lado para o outro.
– Garotinha... Garotinha! – diz maroto. – Você merece todos os doces por isso!
– ri. – Por falar em doces, já está tudo certo com o buffet de Dona Vanda?
Fechou com ela?
– Sim, tudo certo! Ela vai fazer um desconto especial para gente no pacote que
inclui o bolo, doces, salgados... Enfim, tudo o que ela sabe fazer de melhor. –
solto um suspiro. – Ivan, nós precisamos definir nossos padrinhos...
– Ué?! – ele me olha assustado. – Isso não é coisa para as mulheres
decidirem?
– É claro que não, Ivan! Ahh, homens! – levanto as mãos e ele ri.
– Pensei que você escolheria pra mim... – olha para mim rapidamente e volta a
sua atenção à estrada.
– Ok. Vamos lá! – suspiro alto. – Você tem bastante amigos, mas eu acredito
que não exista ninguém que seja tão próximo quanto o Alex... Então, posso
ceder meu irmão pra você.
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Não que isso nos importe. Mas não queremos criar atritos em uma casa que
não é mais nossa. Falta pouco. Muito pouco para vivermos uma vida juntos e
termos toda a privacidade que tanto desejamos.
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meu porto seguro. Com o apoio de Alex e Bastiana, ele foi o grande
responsável pela minha educação. Não há um só momento de minha vida em
que não estivesse presente para compartilhar da vida que se abria para mim. E
agora, vê-lo nessa situação, correndo risco de vida, é demais para minha
cabeça!
Ivan me segura pelos ombros e eu solto Alex para me aconchegar nos braços
dele.
– Mantenha a calma. Tudo vai dar certo. – acaricia minha cabeça, enquanto eu,
fungo, desolada.
– Ele sabia que estava fumando demais! – Bianca é a única com
coragem de cuspir a verdade.
– Bianca, minha filha... Não é hora para críticas! – minha mãe a
repreende. – Elas não são bem-vindas!
– Mas eu estou dizendo alguma mentira?! – minha irmã se defende.
– Não está. Mas esse tipo de comentário não vai resolver a situação...
– Alex diz se sentando.
Henrique abraça Bianca pelos ombros e eu sinto algo diferente nesse
abraço. Esse rapaz dá a minha irmã um tipo de apoio que ela realmente
precisa. Ela é uma garota problemática, mal resolvida, que cria uma casca de
proteção à base de arrogância e ressentimento. Acho que no fundo ela sempre
se sentiu tão rejeitada quanto eu, ou até mais... E a amargura fez morada nela.
– Meu Deus, está demorando demais! – mamãe diz se levantando e
caminhando de um lado para o outro.
– É assim mesmo, mãe! O quadro do meu pai é grave. O AVC hemorrágico é
mais raro e requer mais cuidados. – Procure manter a calma... – dá um abraço
nela.
É nesse momento que o médico responsável pela cirurgia chega com uma
expressão cansada, mas aparentemente calma. Todos nós nos sobressaltamos
com a sua chegada, mas ele nos tranquiliza com as palmas das mãos.
– A cirurgia do Dr. César correu muito bem. – nós todos suspiramos alto, de
puro alívio, e eu abraço Ivan.
– E o prognóstico, Dr. Rogério? – minha mãe pergunta.
– Não podemos afirmar nada ainda, D. Lúcia. Vamos esperá-lo acordar para
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Meu pai voltou para casa, abatido, após os dias em que esteve internado. Um
de seus braços está paralisado e ele não tem qualquer sensibilidade nesse
membro. A fala está um pouco arrastada, mas a fonoaudióloga nos
tranquilizou, dizendo que o prognóstico linguístico é muito positivo.
O que mais me deixa apreensiva é o fato de vê-lo apresentar uma tristeza tão
incomum a sua natureza alegre. Ver-se preso a uma cadeira de rodas está
deixando-o visivelmente deprimido.
A sua rotina está sendo toda adaptada e eu ajudo como posso. Novos hábitos
alimentares foram aderidos e ele agora começa a parecer mais corado. Como
diz Bastiana, quando ocê não para pra viver, a vida te para. E foi o que
aconteceu com meu pai. Tanto trabalho, tanto tempo dedicado a salvar vidas, a
levar o sustento para nossa casa... Para no fim das contas, a vida rir da sua
cara e pará-lo sem carta de aviso. Ou não.
Os avisos vieram na forma de cansaço, dores, tosses e cafezinhos. Oh, meu
pai! Por que não nos escutou! Quanto sofrimento podia estar sendo evitado!
Por outro lado, a minha surpresa vem da minha mãe. Extremamente dedicada
ao meu pai, está à frente de tudo: exames, cuidados com sua higiene,
alimentação, tratamentos, medicação... Tudo o que diz respeito ao seu conforto
e ao seu bem-estar é sempre a prioridade dela e isso tem me dado muito
orgulho da pessoa que ela se tornou.
Ivan e eu continuamos os preparativos para o casamento, mas algo mudou na
gente e eu não sei precisar exatamente o quê. A doença do meu pai nos afetou
de um jeito muito esmagador. Nossos assuntos passam rapidamente pelo
casamento e se assentam em torno do meu pai. Quem entraria na igreja
comigo? Como faríamos? Não seria melhor alguém ir empurrando-o na
cadeira até o altar ao meu lado? Muitos questionamentos e nenhuma resposta.
Tudo mudou. Tudo.
Eu ainda fujo para o quarto de Ivan à noite, mas quase sempre o cansaço nos
domina e dormimos quase instantaneamente. Não tivemos nenhum contato mais
íntimo desde a nossa viagem, há quatro semanas.
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Quem é esse Ivan? Não conheço esse homem que está a minha frente; esse
homem que só pensa em si mesmo; esse homem que menospreza a profissão
que eu escolhi para mim; que ignora as necessidades da família que o abraçou
a vida inteira! Não! Definitivamente não! Não há amor que resista a tanto
egocentrismo!
Meu amor próprio, guardado em uma caixinha há meses, escala as paredes do
meu ser e salta dos meus olhos. Não há lágrimas, nem lamentos nem
questionamentos.
– Você não merece que eu responda o que acaba de me dizer... Vá ganhar o seu
dinheiro e... seja feliz com ele! – pego a bolsa em cima da mesa e saio do
restaurante ganhando a rua sozinha.
Isso é uma despedida. Volto daqui a dois anos, cheio de dinheiro do bolso e
sem o seu amor.
Isso é uma despedida. Estou indo embora como eu sempre faço. Vou virar as
costas para única família que tenho e para a mulher que digo amar.
Isso é uma despedida. E eu nunca vou te perdoar, Ivan. Nossa história acaba
aqui. O baralho foi queimado e não há mais cartas para serem lançadas.
Game over.
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que vivemos juntos. Não deixe que a memória dos meus pais volte a morrer
naquelas paredes.
Meus projetos estão encaminhados aqui e eu partirei para os dois anos da
grande oportunidade que me aguarda. Não serei feliz com o dinheiro, mas
sim com a lembrança de ter tido você em meus braços.
Eu sempre vou amar você, de uma forma ou de outra.
Até um dia, Ivan.
Até um dia, Ivan. Até um dia. Um dia? Ivan! Como assim um dia? Não... O que
estou fazendo da minha vida? Pra onde vai o meu orgulho e a minha
imaturidade? Onde está a minha razão?
Não posso deixá-lo partir! Não posso! Ou... Eu posso ir! Sim, eu posso ir!
Não estou virando as costas para o meu pai... Há pessoas cuidando dele e tudo
o que ele não quer ser é um peso para ninguém, muito menos para mim. Ele
nunca me perdoaria se soubesse que deixei de ser feliz por causa dele...
Posso trancar a faculdade, posso fechar minha casa, posso casar em qualquer
lugar... Mas será que posso fazer o amor da minha vida voltar para mim?
Não, Ivan... Não se despeça, Não é o fim. O jogo não acabou. Eu estava
blefando. Volte para mim!
Aperto a carta de encontro ao peito e minhas lágrimas continuam caindo,
descontroladas.
– Você perdeu a sua razão, minha irmã... – suspira. –Você perdeu quando se
isolou nesse quarto, se recusando a resolver o primeiro dos muitos problemas
de casal que teriam! – Alex toca a minha mão. – Você foi imatura e mimada,
Francine...! Muito imatura e mimada.
Eu seco um lado do meu rosto com as costas da minha mão e sinto uma dor que
não cabe dentro de mim. Dou um salto da cama e me sinto tonta por tanto
tempo sem me alimentar direito.
– Eu sou uma verdadeira idiota! – digo num sussurro. – Onde ele está?
– Já saiu com as malas. O voo dele é à tarde. – meu irmão continua a me olhar
como se dissesse Vai ficar aí parada mesmo, idiota? e eu levo uns segundos
para entender o que devo fazer.
Nunca imaginei que duas cartas enviadas por um mesmo homem, mudariam
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Capítulo Cinquenta
1º trimestre
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Capítulo Cinquenta e Um
2º trimestre
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para sair por aí dando sua cara para o preconceito bater sem piedade. Eu bato
palma pro João! Esse sim, é homem de verdade! Porque assume o que é!
Meu pai está avançando muito bem em sua reabilitação. Com muita
fisioterapia já não usa mais a cadeira de rodas e caminha sozinho. Não aceita
mais ajuda para realizar as tarefas rotineiras como escovar os dentes, tomar
banho e se alimentar. Minha mãe é seu apoio presente. Sua fala está
recuperada quase que totalmente. O quase é devido a uma lentidão que, antes
do acidente, não era uma característica sua.
Na medida do possível, minha família se adaptou bem a todos os imprevistos
que nos atingiram. Bianca mudou para o apartamento do Henrique. Ela
terminou o curso de Moda e tem feito trabalhos lindos como estilista. Aos
poucos, minha irmã tem encontrado seu lugar no mundo e, como todos
percebem, Henrique tem grande participação nisso.
Alex e Julia continuam juntos; e ela... cada dia mais maravilhosa como
vocalista da banda. Já participaram de alguns programas de televisão e, pelo
que meu irmão anda dizendo, não deve demorar em emplacar uma de suas
músicas na trilha sonora de alguma novela de televisão.
O estúdio e a banda estão sob os cuidados de Marcos Paulo, amigo de Ivan
desde a infância e músico como ele. Agora são sócios e ele administra todo o
trabalho deixado aqui.
Meu cachorro, Pingo, está enterrado no meu jardim. Coloquei uma pedra
bonita de quintal em cima de sua sepultura, com o seu nome gravado com tinta
de artesanato. Um amigo que se foi quando eu não suportava mais tantas
despedidas...
E eu sigo com a ajuda de Bastiana, minha fiel escudeira. A maior e mais fiel
de todas as minhas amigas. Ranzinza como sempre, mas meu porto seguro e
minha fortaleza; a rocha que me sustenta de pé.
Solto um suspiro e lembro-me do rosto de Ivan em algumas revistas
internacionais que saíram na internet. Evito ao máximo procurar qualquer
informação sobre ele, assim como proibi qualquer pessoa da minha família ou
amigos de dar informações minhas a ele. Às vezes, chegam cartas suas, mas eu
nunca as leio. Estão guardadas em uma caixa na prateleira do escritório. O que
haveria nelas? Promessas? Mentiras? Ilusão?
Não, não me importa o que está escrito nelas. Não importa. Nada irá apagar a
visão dos seus braços sobre os ombros de Norma e a minha angústia de vê-lo
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– Ela se chama Helena porque é o nome da avó dela... E está aqui porque é
minha filha.
Eu abro a caixinha.
E a verdade se desvenda, agora...
... através dos olhinhos verdes de Helena.
♫♪
Continua...
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Agradecimentos
À generosidade de Rosenia Soares da Rosa, Marta Coutinho, Felipe Assis e Flávia Mattos;
Ao mundo linguístico particular de Michele Baroza, Lígia Rosa e Rebeca Lazara, a quem
devo a construção de alguns personagens;
À memória do meu pai Manoel, que leu o manuscrito original repetidas vezes;
À minha irmã Priscila pelo apoio de sempre;
À Priscilla Lazara, Maiara Laxe e mais uma vez à Rebeca Lazara, em que o entusiasmo,
incentivo e apoio foram imprescindíveis para que esse livro tivesse sido reescrito;
Ao músico Almeida Neto, que deu melodia à canção Doce Inocência, tornando palpável a
relação dos leitores com os personagens;
Ao Heleno Bezerra, por ajudar a tornar o inglês do protagonista adequado ao contexto;
Aos meus grandes incentivadores desde a versão original desse livro: Mário Lemos, Anallu
Mothé, Diva Elaine, Alessandra Negreiros, Alessandra Quintanilha, Angélica Moura,
Deborah Martina, Angela Lima, Kátia Regina, Robéria Ribeiro, Cristiane Carvalho e Dione
Costa (in memoriam);
Minha segunda versão não estaria sendo publicada sem o prestígio e igual incentivo de
Bruno Malhtus, Rodrigo Guedes, Camila Mariana, Ana Elisa Santos, Francieli Ribeiro,
Valesca Costa, Daniele Benevides, Kelly do Amaral, Fernanda Mara, Lu Boechat, Danielle
Lascolla, Margôt Karabin, Rafael Jorge Senna, Keli Amolinario, Elaine Chistofori, Daniele
Oliveira, Lorena Neves, Flávia Reis, Karina Silva, Daniele Branco, Roberto César, Fabiana
Brito, Lorimar Dornellas e Karlla Paiva.
E finalmente, meus agradecimentos sem medidas à autora Giovana Soares, por suas mãos
estendidas em meu auxílio e a todas as meninas que integram os fãs clubes FRANátic@s e
Destináticas. Muito obrigada!
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A Autora
Nasci em 13 de novembro de 1979, no Rio de Janeiro. Desde pequena já demonstrava
interesse pela leitura e pelas artes. Cresci entre livros e com a televisão ligada.
Ainda lembro quando recebi o meu primeiro livro, na formatura da alfabetização: Eu sabia
ler! Era uma felicidade que não cabia dentro do peito.
Fui menina arteira...! Gostava de ser criança, de viver como criança... E entre uma arte e
outra, ler era a minha diversão favorita!
Minha primeira poesia surgiu aos onze anos, inspirada na paixão platônica de uma amiga,
que na época, era vista como moderninha. E quando fiz treze anos, uma colega de classe me
perguntou se eu gostava de ler. Eu disse que sim, pensando naqueles livros em série que as
professoras cobravam a cada bimestre como matéria de prova.
E qual não foi minha feliz surpresa ao me deparar com um romance: um livro
velho, sem capa, que eu só conseguia ler o nome na lombada. Eu pensei: “Ei, também posso
escrever algo assim!” Foi aí que peguei um caderno e Doce Inocência começou a surgir.
A partir deste momento, não parei mais! Escrevi poesias, peças de teatro, crônicas, contos,
histórias infantis e outros romances. Apaixonada por literatura, eu decidi cursar Letras e foi
através de um romance autoral, intitulado “Quando você chegou...”, que dissertei que
recebi meu diploma de Educação Superior.
E aqui estou eu, saboreando a publicação do romance Doce Inocência. Um sonho realizado!
Lu Muniz.
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