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THÁLITA MEDJEKS

Copyright © 2020
Imagem de capa: Banco de Imagens Livres.
Todos os direitos são reservados. Obra registrada na Biblioteca Nacional.
(cód.21).

Este livro é uma adaptação contemporânea da obra de Jéssica Logan: A


Mulher sem Nome. Quaisquer coincidências com a obra em questão, não será
por acaso.
Esta é uma obra de ficção. Seu objetivo é entretenimento. Nomes,
personagens, locais e acontecimentos descritos, são de imaginação da
escritora. Qualquer semelhança com datas, Nomes, personagens, locais e
acontecimentos descritos é mera coincidência.

Essa obra sege as novas normas de ortografia da língua portuguesa BR.

É meramente proibido o armazenamento e/ou reprodução de qualquer parte.


A violação de direitos autorais é crime, estabelecido pela lei nº 9.610/98 e
punição pelo artigo 184 do código penal.
Plágio é crime, seja criativo!
Esta obra contém cenas de sexo, violência, tortura e assassinatos, portanto, é
indicada somente para maiores de 18 anos.
Brasil, 2020.
DEDICATÓRIA

Não imaginava que um dia eu pudesse me tornar uma escritora, ou


que se quer poderia registrar uma obra e torná-la de domínio público. Não me
entenda mal, mas é que por aqui, as perspectivas sempre foram muito baixas,
mas nunca apaziguou minha imaginação. Sempre gostei de ler romances e
suspenses, e por isso, gastei certa vez um dinheiro essencial para nossa
sobrevivência, comprando livros de romance adolescente. Devido a isto,
naquele mês, a conta de luz não foi paga e incrivelmente eu não apanhei! Mas
escutei uma frase que me marcou e me lembro até hoje:
“Veja pelo lado bom, pelo menos o dinheiro foi gasto em livros! ”
(Risos)
Por isso, dedico este livro a minha mãe e ao meu Pai, que me
aturaram, estiveram comigo, e principalmente: seguraram as pontas, enquanto
eu estava trancada dentro do quarto terminando esta obra. Sem vocês eu não
conseguiria!
Amo vocês!

AGRADECIMENTOS

Agradeço a muitas pessoas. Mas em especial, a pessoa que foi minha


amiga, conselheira e freio de mão: Maria Band. Ela, que acreditou no meu
potencial desde o início e foi uma das primeiras a levantar a ideia de que eu
poderia trazer uma obra minha para o Amazon. Obrigada por cada ligação,
por cada conselho, por me trazer de volta ao eixo da estória e principalmente:
Por cada palavra sincera.
Também não poderia me esquecer de minha maior incentivadora e
enchedeira de bola: Sayonara Rafaele. Cada palavra de incentivo, rezas e
vibrações positivas chegaram até mim e contribuíram para o alavancar desta
obra. 1004km, é pouquíssima distância para separar vida com propósitos,
amiga!
Agradeço também a Ester Moraes, que me ajudou (e muito!) Com a
diagramação e revisão deste livro, confiou em mim apenas com as palavras, e
ficou tão chocada quanto eu ao perceber o quão grande este livro é. Gratidão
à cada leitora companheira que participa do nosso grupo virtual, e a
plataforma do Wattpad, que sem ele, eu não teria conhecido nenhuma dessas
maravilhosas pessoas.
Um beijo e uma muito obrigada a todas vocês!
SUMÁRIO

SINOPSE
Capítulo 01
Capítulo 02
Capítulo 03
Capítulo 04
Capítulo 05
Capítulo 06
Capítulo 07
Capítulo 08
Capítulo 09
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
EPÍLOGO
SINOPSE

Ela não se lembrava de nada. Nem quem era, nem de onde vinha;
nada. Sua memória era um branco absoluto. Não reconhecia o homem que
diziam ser seu marido e que ali mesmo, no hospital, a olhava com tanto ódio.
Não se lembrava de ter destruído seu casamento e raptado seus próprios
filhos. E se recusava a acreditar que fosse o tipo de mulher que diziam ser.

Mas infelizmente era. Seu rosto, suas características, e seus cabelos


eram os de Bárbara Lima, a mulher do estrategista Chefe da Máfia italiana,
Thiago Guerra.
Dois destinos traçados por um grande mal-entendido. Duas vidas
ligadas ao ódio e sentimento latente de vingança..., mas poderia este ímpeto
tão cruel ser quebrado com a força do amor?
Capítulo 01

Cheiro forte de gasolina. Barulho da chuva crepitante que batia na


lataria do carro de cabeça para baixo. E a roda do carro ainda girando
sozinha no ar.

Ela acordou com a insistência de um pingo em sua testa. Assim que


se deu conta do que acontecia ao seu redor. Percebeu que estava de cabeça
para baixo e que os pingos insistentes da chuva a molhavam. Tentou olhar em
volta, mas uma dor aguda no pescoço a fez gemer de dor. Forçou as vistas
para enxergar no breu, mas percebeu que era em vão, não reconhecia o lugar,
mas pelo estado em que se encontrava, deu-se conta do tamanho da gravidade
da situação.

O cinto de segurança a estava prendendo de cabeça para baixo e ao


tentar mover os braços deu um gritou ao sentir mais uma vez a dor lacerante.
Um raio cortou o céu e iluminou aonde ela estava permitindo que visse o
osso do braço partido ao meio, e ela se desesperou, lutando em vão com o
cinto de segurança.

A moça, que já não conseguia flexionar os braços para retirar o


cinto, percebeu que o esforço a fez sentir muito mais dor em diferentes partes
do corpo. Principalmente na cabeça. A dor era tanta que a fazia perder o
fôlego.
Com muito esforço, respirações entre cortada e gemidos de dor ela
finalmente conseguiu se libertar do cinto se segurança, caindo num baque
surdo e imediatamente agonizando de dor. Assim que a dor permitiu que ela
levantasse um pouco, se deu conta de que o carro estava virado e
relativamente encolhido.

Olhou para a traseira do carro e viu uma janela da parte de trás toda
trincada. Um barulho mais alto e ensurdecedor de trovão cortou o céu e
alguém gritou e balbuciou palavras inteligíveis. Era o grito de uma criança.

Olhando para o local do grito, igualmente presa estava uma


garotinha. O rostinho estava machucado e havia várias escoriações.
Ela não sabia se poderia ajudar, mas arrastou- se até lá, sentindo
extrema dor e o corpo inteiro protestar em agonia. Com dificuldades para se
situar no escuro e esbarrando em cacos de vidros, ela foi até a garotinha
desacordada, que gemia de dor, e de perto parecia ainda mais machucada.

A moça conseguiu desprender a menininha com mais facilidade, e


quando o fez, o corpinho caiu em seus braços, parecendo meio morto, inerte.
Seu coração se apertou e doeu.

Sentindo muita angústia e dor física, olhou desolada para os lados,


com a criança em seus braços, e pareceu achar uma pequena solução. Ao
tentar se movimentar, sentiu a perna protestar e incomodada, tentou enxergar
o que era. Ela olhou no exato momento em que um clarão alaranjado se
iniciava na frente do carro. A pesar da chuva constante, os pingos não eram
fortes e não puderam conter o fogo que se iniciava no motor do carro.

Na urgência de salvar ela e a menina, a mulher tentou abrir a porta


do carro, mas estava demasiadamente amassada e empenada. Tentou bater no
vidro, mas gritou de dor ao perceber que o muito esforço fazia doer ainda
mais certas partes no corpo.

O fogo rapidamente ia se alastrando e tomando proporções


gigantescas no painel do carro e começava a chegar até elas. No desespero do
momento ela reuniu forças e num só golpe empurrou o vidro totalmente
trincado com uma perna boa, conseguindo quebra-lo.

Rastejou e empurrou a menininha desacordada para fora enquanto


ela, passava pela pequena brecha e se cortava nas laterais ponte agudas.

A escuridão da noite era preenchida pela luz do incêndio e ela


buscou pelo corpinho da garotinha desacordada. Achando-a, a pegou nos
braços e a protegeu, tentando ao mesmo tempo se arrastar, ignorando o
chicotear da chuva fina que caía.

Com muita dificuldade ela se pôs de pé e capengou com uma perna,


carregando desajeitadamente a menininha desmaiada. Foi quando uma grande
explosão as arremessou para longe. A moça ainda conseguira proteger a
menina, que no chão, acordou e se aninhou a ela, desmaiando em seguida
novamente.

A sorte fora que o fogo não as alcançou ou se quer as queimou


profundamente. Outra coincidência fora que próximo dali um carro de polícia
patrulhava.

Os policiais, motivados a averiguar o acontecido logo desceram o


barranco, iluminando o escuro com potentes lanternas. A moça nada viu,
como também não percebeu o grupo de bombeiros e paramédicos que
desceram até a ribanceira para salvá-las.
Elas continuaram desmaiadas dentro da ambulância que as levou às pressas
para o hospital. Lá, a criança foi retirada de seus braços e levada para sua
própria maca. Restavam nas duas apenas um fio de vida, mas ninguém
saberia que o último esforço da moça anônima, havia sido proteger a criança
de três anos sob seus cuidados.

Um grupo de homens vestidos de negro, altamente armados,


vasculhavam o local do acidente em busca de provas ou de alguma pista. O
metal da carroceria do carro — que havia deixado um rastro nas paredes da
ribanceira — estava quase todo visível.

Algumas outras partes do carro estavam espalhadas, mas o mais


interessante é que unicamente havia sobrado intacto os dois passaportes de
capa azul, que pertenciam a mulher e a menina que haviam se acidentado.

Quem os mantinha em mãos era um homem alto, bem afeiçoado e de


porte altivo. Mas sem dúvidas o que mais chamava atenção nele, naquele
momento, era o olhar nefasto e cheio de ódio direcionado à mulher da foto do
passaporte.

A mulher na foto, era morena e de beleza chamativa. Os olhos azuis


e os lábios cheios denunciavam a sensualidade que lhe era tão característica.
O passaporte era expedido pelo governo brasileiro em nome de Bárbara Lima
e com estado civil de casada. No outro passaporte, a foto da menininha de
olhos grandes e pretos, como os dele e cabelos lisos e pretos, como os dele.

Ele havia sido notificado assim que ela pusera os pés na Calábria.
Cada passo dela era monitorado por ele, mas ele não pôde prever o que
aconteceria, e era o que mais o martirizava. Soubera exatamente a hora em
que o carro caiu no barranco. Ele sabia que a polícia estava pronta para
interceptar o veículo que avançava em alta velocidade quando tudo
acontecera rapidamente, sem mais nem menos.

O ódio de dele era tamanho que os primeiros dias se quer pisou na


ala do hospital para ir ver a situação de Bárbara. Sua visita era sempre
direcionada a Júlia, a garotinha.

A presença de Thiago Guerra no hospital era constante e dedicada.


Principalmente no que se tratava de Júlia. Sempre com o rosto sombrio ele
observava a evolução de filha. A garotinha estava se recuperando
paulatinamente.

Todas as vezes que ele se deparava com alguma situação crítica da


saúde da menininha, sentia de perto o ímpeto de ir até a outra ala e matar
Bárbara sufocada ou desligando os aparelhos que a mantinham viva. Quiser
fossem os meios, ele queria vê-la morta, mas seu primo, Diogo, nunca
deixava.

Com o passar dos dias, a pequena garotinha foi apresentada


melhoras significativas e sem lesões alguma. Como o bom pai atencioso que
era, Thiago trazia-lhe presentes, e ia conquistando a menininha cada vez
mais. Isso era o necessário a se fazer, já que ela não o conhecia e ele não
esperava mesmo isso, uma vez que não a via desde pouco depois do
nascimento.

Somente no final da quarta semana no hospital foi que a moça deu os


primeiros sinais de recuperação. O cérebro havia desinchado e as formas de
seu rosto já estavam sendo formadas novamente. Seguindo o curso para o
lugar que lhe era o natural.

Por alguns momentos, abria os olhos e tomava consciência do lugar


aonde estava e nunca ninguém estava lá para recebê-la. As pessoas iam e
vinham como sombras. A vezes, mãos cuidadosas tocavam seu corpo
dolorido, cuidando dela e virando-a na cama, ou vozes alteradas
murmuravam de vez em quando. Algumas delas a chamando, mas o estupor a
tragava novamente para a profundeza tão confortável da inconsciência.

Um dia ela despertou. A luz fluorescente tremeluzia e feria seus


olhos. Murmurou em protesto, mas sua voz estava metálica e a boca seca, e o
simples ato de mexer os lábios doeu. Tentou virar o rosto, mas uma dor
perpassou seu corpo, lançando pequenas ondas agudas, fazendo-a perder o
fôlego.

O homem sentado do outro lado rapidamente se levantou, de modo


que o triunfo arrogante brilhou nos olhos negros. O homem foi até ela em
passos largos e a segurou com força, empurrando-a de volta para se deitar. A
dor física que ela sentia pareceu aumentar muito mais com a forma que ele
fizera.

— Fique parada, sua idiota!

A mulher o olhou chocada para o homem, como se não tivesse


entendido bem. Todo aquele rancor e desprezo intrínseco na voz grave e
sonora não faziam sequer sentido. O homem permanecia a olhar para ela de
maneira impassível e cheia de rancor quando se debruçou sob ela e apertou o
botão da campainha das enfermeiras. A moça, por sua vez, continuava a
encarar o homem completamente assustada pelo brilho maldade que emanava
do olhar cheio de ódio, que ainda se direcionava e fixavam-se nela.

Uma enfermeira, entrou no seu campo de visão e ela girou o pescoço


para vê-la melhor, mas um lampejo de dor muito aguda atravessou-lhe o
corpo. De maneira a equilibrar a intensidade da dor, ela tentou respirar mais
fundo, e como resposta, retorceu suas feições percebendo que de qualquer
maneira, tudo nela doía. A mulher pareceu perceber e uma piedade apareceu
nos olhos cor de âmbar dela.

— Por favor, Bárbara, preciso que respire devagar e não se mecha. O


doutor já está chegando.

Bárbara! Ela se concentrou naquele nome enquanto o médico


entrava no quarto.

— Ela voltou a si, Thiago? — O doutor perguntou preocupado, e


como resposta, recebeu apenas um olhar de indiferença e sem expressão,
como resposta. — Pois vamos dar uma olhada.

O homem de olhos cheio de ódio, rumou para a saída do quarto


enquanto o médico começava a examiná-la. O médico, com o auxílio de um
comboio de enfermeiras começou a buscar por possíveis lesões permanentes.
O simples ato em si era doloroso e a moça ia ficando cada vez mais pálida.

Todo o seu corpo doía. O respirar doía e ela era forçada a usar a
respiração curta, evitando ao máximo o subir e descer natural. A cabeça doía
terrivelmente a forçando a manter as pálpebras inchadas fechadas. Até
mesmo o lençol incomodava nas partes feridas.

— O que aconteceu comigo? — Ela perguntou baixo e com muita


dificuldade.

O médico que agora examinava a perna, levantou os olhos através


dos óculos de grau e respondeu.

— Teve um acidente sério, Bárbara, tem sorte de estar viva! Mas a


boa notícia é que está se recuperando muito bem.

— Onde é que estou ferida?

— Praticamente em todo o corpo. — Ele murmurou calmo, tentando


passar tranquilidade a ela. — Entre outras coisas, você teve o braço quebrado
e concussão cerebral, fraturas na perna, crânio e costelas... e outras grandes
variedades de ferimentos que só vendo para crer!

O médico retirou as luvas e a jogou no cesto de lixo, olhando


novamente para a paciente, percebendo a preocupação nos olhos.

— Está se recuperando espetacularmente bem, graças à boa saúde


que têm, e ao meu talento médico.

Ele sorriu, convidando-a a sorrir também de sua resposta bem-


humorada. Ela piscou os cílios longos, tentando fixar no lugar o rosto do
médico que estava em pé, de frente a ela.

— Obrigada. — Sussurrou com seu sotaque, tão diferente da fala do


médico. — Onde estou?

— Guardiã Medica Guerra, em Reggio Calábria.

— Aonde fica Re- Reggio Calábria? — Ela perguntou novamente,


fechando os olhos e contraindo os músculos da face em sinal de dor.

O médico alinhou o suporte do gesso do braço e a moça suspirou,


aliviada.

— Na Itália, Bárbara.

A moça registrou aquela informação nova, sabendo não fazer o


menor sentido estar ali naquele país, uma vez que não o conhecia, mas tentou
afastar aquela preocupação.

— Quanto... — Parou de falar ao sentir a fisgada, e fez uma nota


mental, obrigando-se a lembrar de falar mais devagar. — Quanto tempo faz
que eu estou aqui?

— Quatro semanas e um dia.

Por um momento, ela ficou em completo silêncio. Absorvendo


todas aquelas informações, lidando com a confusão mental e absorvendo a
dor dos olhos por causa da claridade extrema. O médico pareceu perceber e
dirigiu-se até o interruptor de luz desligando a parte que iluminava totalmente
o ambiente e acionando o modo que deixava tudo iluminado à meia luz.

— Meu nome é Bárbara? — Ela perguntou.

— É, sim. — O médico respondeu, surpreso. — Você não sabia?


— Não. Parece que não me lembro de nada.

— Lembra-se de algum outro nome? — Ele perguntou já


preocupado.

— Não. Nenhum... — A voz foi gradativamente sumindo,

Ela estava cansada por causa do esforço de falar e ter que lidar com
tanta dor e confusão mental ao mesmo tempo. Todo aquele esforço parecia
demais para ela naquele momento.

— Bom, melhor não nos preocuparmos ou fazermos alarde agora.


Você ainda precisa descansar bem e se recuperar totalmente. — O médico a
instruiu, voltando-se depois para a enfermeira que assistia tudo calada.

— Marina, por favor, acomode-a melhor. Preciso falar com Thiago.

Bárbara fechou os olhos e escorregou novamente para a escuridão,


onde não havia sonhos e mais nada. Apenas escuridão. Escuridão esta que
ajudava a entorpecer toda dor física que ela sentia, e consequentemente a
curava.
Capítulo 02

Durante algumas semanas a moça passou a despertar


periodicamente, sempre estando consciente quando os enfermeiros chegavam
para a troca de ataduras ou para dar lhe banho. Eram sempre muito educadas
e atenciosas.

O suporte do soro era sua companhia constante. Para onde quer que
fosse, ela tinha de estar ligada a ele. Aplicavam-lhe injeções que diminuíam a
dor e faziam o que era preciso para sua recuperação. Ela estava
permanentemente consciente da dor, mesmo debaixo da alta dosagem de
remédio que lhe davam.

Os ferimentos se tornavam pequenas linhas translúcidas em seu


corpo. O rosto triangular estava muito distorcido e inchado. Edemas
grotescos se formavam as curvas de seu corpo. O cabelo estava raspado na
altura da orelha até a nuca, mas uma bandagem, envolta ao redor de sua
cabeça, cobria o estrago.

Os períodos de consciência eram vagos e nunca duravam mais que


uma hora. O descanso ainda era primordial para a recuperação. Mas ao estar
acordada, reconhecia algumas pessoas como amigas e automaticamente se
afeiçoou a elas.

A atenção da enfermeira Marina e o bom humor e carisma do doutor,


despertavam nela simpatia e familiaridade com ambos profissionais. Mas o
que mexia com ela e a incomodava era a presença nefasta e pesada daquele
mesmo homem que a chamou de idiota no dia em que acordara no hospital.
Ele era vigilante sempre, e quando não estava, alguns homens se postavam
como soldados bem diante a porta do quarto onde ela estava.

Mesmo dormindo, se agitava sentindo a presença dele pairar sob ela,


e quando acordava ele sempre estava lá, à beira da cama, a olhando de modo
intenso, tão concentrado que parecia queimar sua mente confusa.

“O que aquele homem queria? Quem ele era? E porque sempre


expressava um olhar tão cruel e cheio de ódio? ” — pensava agoniada.

Sua mente dava voltas pensando em respostas e no final, ela apenas


acabava suspirando, chegando a nenhuma conclusão. Incapaz de fazer essas
perguntas a ele em voz alta.

No final, sua mente, já esgotada demais para resolver enigma


daquela presença, e o motivo para se sentir tão ameaçada por aquele homem,
Bárbara fechava os olhos e caía em um sono profundo.

Os médicos e enfermeiras sempre iam e vinham dando ordens para a


mudança de dosagem em medicações, avaliando seu progresso, mas ela quase
sempre nunca entendia por estar perdida na névoa de agonia interna ou
dopada por conta dos remédios.

Duas semanas depois, ela acordou sem a costumeira pressão


insuportável na cabeça. O único vestígio era uma fina lembrança da dor. A
luz já não incomodava seus olhos e aquilo, perto da costela fraturada, braço e
perna quebrados e demais ferimentos, parecia ser uma vitória, já que agora
tudo aquilo parecia ser mais suportável de aturar.
Seu quadro de melhora fora o suficiente para ser transferida da UTI
para um apartamento arejado e com vista para uma reserva arborizada e
verde.

Estava olhando pela janela quando viu uma enfermeira familiar


entrar pela porta e Bárbara a saudou:

— Olá! —Disse para a enfermeira que viera cuidar dela e agora


regulava o soro — Você tem estado aqui quase que o tempo todo, não é
mesmo?

— É, sim! Meu nome é Marina Lopez, e estou acompanhando você


desde que chegou aqui... — Respondeu de maneira amigável. — E fico muito
contente como seu quadro de evolução.

Bárbara tentou animar o rosto e sorrir para a enfermeira, mas o


simples gesto desencadeava uma dor terrível em seu maxilar e ela nem tentou
mais. Enquanto isso, a enfermeira ia mexendo no controle da cama regulando
a melhor posição para ela, enquanto conversavam animadamente. Em
determinado momento da conversa, a enfermeira questionou se ela já
conseguia se lembrar do seu nome, e foi quando ela acabou dando brecha
para outras perguntas:

—Não lembra nada do acidente?

— Não. Nada. Foi muito grave?

A enfermeira, que ajeitava uma almofada, primeiramente olhou para


ela enigmaticamente, quando por fim respondeu.
— Acho melhor esperarmos você se recuperar um pouco mais. Mas
pode me contar do que se lembra?

Olhando para um canto da paisagem, Bárbara tentou vasculhar a


mente, mas ficou horrorizada ao perceber de que sua mente era um vazio.
Não tinha nada em sua mente que lhe desse uma pista de quem era. As únicas
memórias que tinha era de quando acordara ali no hospital.

Percebendo a confusão mental que a pergunta instaurou, Marina


resolveu mudar de tática e acalmou a moça em estado de recuperação.

— Não se preocupe com isso. — Sorriu para ela na demonstrativa de


passar segurança.

Com um gesto preciso ela levantou o lençol e estendeu novamente


sob a cama. A enfermeira pareceu tão segura, ao dizer para ela não se
preocupar que no mesmo momento uma sensação de calma lhe inundou.
Bárbara conseguiu esquecer por um momento a perda de memória.

Estava concentrada em se alimentar por um canudinho e estava


quase terminando a refeição quando um médico diferente do que cuidava dela
entrou.

— Olá Bárbara. Sou o Dr. Augusto Stern e sou seu reconstrutor. O


Guerra me contratou para colocar seu lindo rostinho em ordem novamente.
— Disse com jeito afeminado.

Bárbara tentava processar ainda a palavra reconstrutor quando o


sobrenome Guerra pairou em sua mente.
“Quem é Guerra? ” — pensou— “E porque essas pessoas me
chamarem de Bárbara soa tão estranho? ” — Indagava a si mesma.

Ao perceber que outros médicos entravam, Marina se afastou e


Augusto Stern se aproximou da cama de Bárbara. Ela fechou os olhos e ficou
completamente imóvel. Enquanto o doutor retirava as ataduras do maxilar e
as outras que haviam espalhadas por seu rosto.

Ela pouco prestou atenção no que discutiam, absorta no pensamento


do que aquele sobrenome “Guerra” havia despertado nela. O médico que ela
considerava amigo, entrou na sala quando Augusto Stern terminava o exame.
— E então Augusto? O que acha? — O médico que chegara
perguntou ao perceber o semblante preocupado.
— É aquilo que conversamos antes, Leonardo, ela precisa realmente
de um trabalho de reconstrução facial. O que o Guerra quer que eu faça? Até
que ponto ele está disposto a ir?

— Você deve fazer tudo o que for possível e necessário para


restaurar sua feição original. Thiago não colocou nenhum limite. Nem no
preço.

— Entendi. — Stern tornou a olhar para o rosto dela. — Vou


precisar de fotos dela tiradas antes do acidente, e assim que o inchaço
desaparecer, começo a trabalhar. Vamos ver o que eu consigo fazer.
Dizendo isto, Augusto Stern acenou para ela de maneira alegre e
partiu.

— O que é que esse médico vai fazer? — Bárbara perguntou ansiosa


para a enfermeira que arrumava o curativo de volta no lugar, em seu rosto.
— Reparar os danos no seu rosto que o acidente causou. Restaurar a
obra de arte da mãe natureza. — O médico amigo, que agora Bárbara
descobriu se chamar Leonardo, sorriu da fala da enfermeira. — Que nem
mesmo ela seria capaz de restaurar visto o grau de danificação que o acidente
fez.
Perante a fala da enfermeira, a moça pareceu continuar tranquila,
nenhum pouco interessada em ouvir mais sobre como sua aparência tinha
sido afetada.

O doutor a olhava intensamente, procurando vestígios de algo. Ele


trocou um olhar com a enfermeira, que tão pouco pareceu entender o
desinteresse dela. Por fim, o médico deu de ombros.
— Você sabe como eu era antes do... deste acidente? — A
preocupação dela era saber se ele a conhecia antes do acidente, e não
propriamente com sua aparência.
“Estranho” — O médico pensou antes de responde-la:

— Sim. Eu sei. Mas não se preocupe, Bárbara, Augusto Stern é um


dos melhores cirurgiões plásticos do mundo. Assim que Thiago der a ele as
fotos que precisa, você ficará exatamente como antes.

— Quem é Thiago?
— O Guerra. —O médico respondeu, mexendo nos contrapesos que
suspendiam a perna engessada.

— Ah, sei. Thiago Guerra.


— Isso. — Respondeu o médico atento para a falta de reação dela ao
nome pronunciado.
O médico colocou-se de frente a ela, bem aos pés da cama, e olhou
para ela pensativo.
A enfermeira vendo a cena, se retirou discretamente, e ainda assim,
ele não desviou os olhos de Bárbara.

— Meu nome é Leonardo Nanderitti. — Ele estudou o rosto dela em


busca de alguma reação, mas nada. — Isso não te lembra nada?

Ela o olhou confusa, o cenho franzido e sacudiu a cabeça em


negação.
O médico aproximou-se e retirou uma lanterna do bolso do jaleco.

— Olhe para a luz, por favor.

Terminando de examiná-la ele se afastou novamente e perguntou.


— Então suponho que também não me conheça?
— Não.

Ele levantou a cabeça e a encarou seriamente.


— E se lembra de quem é você?
— Não Você disse que meu nome era Bárbara. Thiago, você e
Marina dizem que me chamo Bárbara.

De alguma maneira ela tinha associado o homem que de vez em


quando aparecia ali no quarto com o nome de Thiago Guerra. Ela achava que
a imponência do nome combinava com a altivez e arrogância que ele
emanava.
— Então não se lembra de Thiago?

— Não. — Desta vez, foi a vez de ela olhar seriamente para o


médico quando disse: —Deve haver algum engano quanto a isso tudo. Eu
realmente não conheço nenhum de vocês.
— Houve um engano sim, sua desgraçada, o engano de achar que
viria para cá novamente e não haveria consequências!

O mesmo homem que se pusera a sua cama todos aqueles dias,


velava seu sono e havia a chamado de idiota no primeiro momento em que
acordou, estava parado próximo ao batente da porta e a olhava de maneira
furiosa. A postura dele era de ataque o olhar cheio de ódio parecia transladar
o corpo da mulher que estava sentada na cama.
Confusa, ela olhou para o médico e novamente para o homem hostil,
sem entender absolutamente nada.
Capítulo 03

Num gesto instintivo de proteção, levou a mão até ao rosto e rezou


para que o homem não se aproximasse dela.

— Calma, chefe! — disse o médico, colocando-se protetoramente


entre os dois enquanto levava as mãos para frente do corpo.

A risada rude de Thiago encheu o quarto e ele respondeu com


escárnio.

— Acha que se eu quisesse fazer alguma coisa com essa vagabunda


eu já não teria feito, Nanderitti? Mas para a sorte dela, não sinto a mínima
vontade de toca-la. Nem mesmo com luvas.

Saindo do lugar onde estava, Thiago caminhou até eles e empurrou o


médico para o lado, caminhando em direção a ela. Bárbara não desviava os
olhos do rosto homem, retorcido de ódio reprimido. Os lábios dela estavam
apertados de tensão. Ela não conseguia respirar e nem desviar os olhos dele.

— Thiago! Ela ainda está se recuperando! — o médico disse em voz


baixa e temerosa.

— Ela, de repente, torna a aparecer aqui, derruba o carro na


ribanceira colocando a vida da minha filha em risco, e ainda diz que houve
um engano. É claro que isto faz parte de algum plano, não é Bárbara?

— Não sei do que você está falando — Ela murmurou baixinho,


tentando amenizar o clima do quarto cheio de tensão.
— Planejava alguma coisa trazendo Júlia para cá! — Ele disse com
voz forte de acusação. — Você estava junto com mais alguém no carro, e
algo me diz que vocês dois estavam o tempo todo esperando o momento certo
de aparecer, não estavam, sua desgraçada ?!

Ele se inclinou sobre a guarda dos pés da cama, o corpo tremendo de


raiva, os olhos fuzilando maldosamente intensos e agarrou um punhado de
cabelos dela a trazendo para bem perto do rosto dele. Faltando
milimetricamente para que se encostassem.

— Onde está meu filho, Bárbara? Que tipo de jogo mesquinho você
está planejando desta vez?! — O ódio vibrava no murmúrio áspero.

Nanderitti nada fez, observava apenas. Já a moça, confinada à


estreita cama do hospital, apenas olhava para Thiago, confusa, assustada,
sentindo dor pelo cabelo sendo puxado no local dolorido.

Mais uma vez ela olhou para o médico em busca de ajuda, mas ele
parecia tão refém quanto ela. Sentia os membros tremerem diante da fúria de
Thiago Guerra, mas não conseguia entender porque ele estava tão perturbado.

Quem era a terceira pessoa no carro? E porque ela tinha a


sensação de que Thiago se referia a ela e um homem? —As perguntas
surgiam em sua mente como relâmpagos, mas ela não conseguia dizer uma só
palavra. Apenas abria os lábios, mas som algum saía.

— Vou ter meu filho de volta, Bárbara! Não adianta fingir e pode
esquecer essa falsa amnésia. Eu quero meu filho novamente! Nem que eu
tenha que passar por cima de você para descobrir, mas eu quero saber aonde
Pedro está!
Possesso pela raiva, ele parecia enlouquecido. Seu rosto se contorceu
e, num movimento súbito, Thiago a largou com brusquidão e saiu do quarto.

A moça, chamada Bárbara, jazia pálida e abalada em sua cama,


olhando a porta vazia por onde ele saíra. A dor do local puxado ardia e
latejava, fazendo com que a dor voltasse. Leonardo Nanderitti ficou quieto
um momento. Depois colocou a cadeira ao lado da cama e sentou-se. Pegou a
mão dela, que tremia, entre seus dedos, e segurou fortemente.

Ela controlou um soluço de choro. Sentia-se confusa e deprimida.


Sua mente indagava perguntas que ela mesma não saberia responder, e saber
que o médico havia presenciado aquela forma de abuso e não ter dito nada,
não ajudava. Ele igualmente parecia temer Thiago.

Ela levantou a cabeça em direção ao médico, os olhos cheios de água


denunciavam o emocional abalado.

— Ele... esse homem, Thiago... ele me assusta! E... por que você não
fez nada?

Leonardo Nanderitti abaixou a cabeça. Por um momento,


envergonhado. Mas depois sacudiu em afirmação, concordando com alguma
relutância.

— Thiago é bem... ameaçador — ele concordou parecendo escolher


a palavra certa. — Mas posso lhe garantir que tem boas razões para estar
furioso, apesar de você não se lembrar delas. Qualquer homem em sua
posição ficaria louco de raiva se tivesse que enfrentar o que ele enfrentou e
ainda tendo que lidar com tanta pressão.
— O que foi que eu fiz de tão terrível?

O maxilar doía, os dentes doíam e seus olhos perdiam o foco. Sentia


uma enorme vontade de fechar os olhos e mergulhar no sono. No entanto,
mais que tudo isso, precisava descobrir porque aquele homem furioso,
chamado Thiago Guerra, a odiava tanto.

— Quem é esse homem que o deixa furioso por ter estado comigo?
De onde foi que eu parti? E por que um soldado parece trabalhar para ele?
Quem é Pedro? Eu não conheço nenhum Thiago Guerra! Tenho certeza
absoluta que nunca o vi antes em toda minha vida! — Ela soluçou,
começando a chorar de desespero. — Como poderia ter feito algo de mau
para o filho dele?

— Calma, Bárbara. Não adianta nada ficar nervosa...— o médico


suspirou, acariciando a mão dela. —Você sofreu um grave acidente de carro.
O automóvel caiu de um penhasco e explodiu lá embaixo. Você e uma
criança foram jogadas para longe com a força da explosão. A menina, Júlia,
foi encontrada entre seus braços. Você a estava protegendo. Ela está aqui no
hospital e logo receberá alta. É filha de Thiago, e tem um irmão gêmeo,
Pedro. Eles foram raptados três anos atrás, quando ainda eram bebês. — Ele
pausou a fala para inesperadamente perguntar. — Você sabe onde está Pedro,
Bárbara?

Bárbara encarou horrorizada o médico que a olhava atento. Sua


mente dava voltas e mais voltas. Parecia que ela era uma terceira pessoa ali,
assistindo tudo de fora. As palavras não combinavam com ela e era algo que
parecia completamente irreal!
— Que horror! Eu..., mas... — O murmúrio morreu em seus lábios
quando ela começou a entender. — Você... ele... vocês dois acham que eu
levei as crianças?!

— Alguém levou, Bárbara. Thiago não soube deles durante três anos
inteiros...e agora acontece isso. — Ele olhou profundamente nos olhos dela.
— Você desapareceu com eles, Bárbara. E imediatamente concluiu-se que
você tinha muita coisa a ver com o desaparecimento das crianças. E tem que
admitir que essa suposição era correta. Se não, como explicar seu retorno
agora, com Júlia nos braços? E porque outra razão você não haveria de estar
com Dominic Lang? Ele é talvez a pessoa que Thiago tem mais motivos para
desconfiar!

Ele soltou a mão dela, levantou-se agitado e caminhou pelo quarto.


Voltou se então, olhando-a com firmeza.

— Dominic Lang, era o responsável pela importação e exportação


dos negócios da família, e também ajudava a controlar boa parte dos trâmites
com outros capos e chefes. Thiago descobriu que ele estava desviando alguns
milhões e quando saiu para caçá-lo, você e os gêmeos desapareceram logo
em seguida. Thiago passou um mau bocado. O que é que está havendo,
Bárbara? Onde está Pedro? — De repente, Nanderitti curvou-se sobre ela
quase tão ameaçador quanto o outro homem. — Ainda que não transpareça,
Thiago sofreu muito. E nenhum de nós achamos que o chefe merece isso
vindo de você.

Ela olhou bem para o médico e achou ter ouvido errado aquelas
palavras. Não seria possível que ela caíra justamente em um lugar aonde as
pessoas tinham uma espécie de irmandade! Thiago também era médico para
que Leonardo Nanderitti o chamasse de chefe? Mas e se fosse médico, que
negócios eram esses que envolviam milhões?

A moça sacudiu a cabeça, confusa, dolorida.

— Não sei de nada — ela disse. — Não me lembro de nenhuma


dessas pessoas, de nenhum desses fatos e essa informação toda parece irreal
demais!

Ela fechou os olhos e as lágrimas correram por sua face. Se Thiago


achava que ela havia feito aquilo tudo, tinha de fato razão para odiá-la. Era
compreensível que um pai agisse daquela forma com alguém que o tivesse
feito sofrer tanto através dos filhos. Mas não conseguia se lembrar de
absolutamente nada...

Por que a filhinha dele estava ao lado dela na hora do acidente? —


A pergunta que não queria calar.

Apesar de tudo o que o doutor tinha dito, ela rejeitava a


possibilidade de estar envolvida no sequestro. Era uma ideia que a repugnava.
Tinha que haver outra explicação para tudo aquilo. Podia compreender a
preocupação do médico, no entanto, e precisava descobrir mais, apesar da dor
de cabeça que quase a impedia de pensar.

— Eu... eu trabalhava para ele... para Thiago? Era babá das crianças,
é isso? Foi por isso que ele me responsabilizou pelo horrível... — Um soluço
a sacudiu. — Isto é horrível!

Chorou convulsivamente. Não tinha dúvidas de que o homem a seu


lado acreditava que havia sido capaz de fazer tudo aquilo. Nanderitti olhou-a
atentamente, e não respondeu.

— Não se lembra de mim também, Bárbara?

— Não.

— Digamos que já fomos amigos. — Ele disse, as palavras


misteriosas. — Uma vez, até disse que me amava.

— Não! Impossível! — Ela abriu os olhos imediatamente, perplexa.


— Eu me lembraria disso! — Riu de maneira amarga.

— Você disse, sim. — A frase era seca, sem expressão. — E sou


amigo do Thiago.

Os olhos dele brilharam de repente.

— Você é esposa de Thiago, Bárbara. As crianças eram seus filhos.


Seus e de Thiago.

A informação a desnorteou por um momento e ela suspendeu a


respiração, mal podendo acreditar no que o médico dissera. Com o impacto
de todas aquelas informações, e o cansaço acumulado, ela desmaiou.
Capítulo 04

Ela foi medicada, com calmantes e dores para aplacar o choque


repentino. Apenas acordou no outro dia, ainda baqueada pelas informações.
Não via a hora de estar sozinha com o médico e se sentia envergonhada
demais para perguntar algo para a enfermeira Marina.

Apenas no final da tarde, quase no momento de troca de plantão foi


que a oportunidade de continuar a conversa anterior surgiu. Leonardo
adentrou no quarto. A enfermeira que o acompanhava saiu para buscar mais
soro fisiológico, e até então, o médico nada dissera, além do comprimento
costumeiro.

Bárbara encarava Leonardo Nanderitti, ainda incapaz de acreditar


nas palavras dele, mas ele parecia ignorá-la, transparecendo que de modo
algum ele gostaria de voltar aquele assunto. Mas Bárbara ainda estava cheia
de indagações que, ao longo do dia, surgiram em sua mente.

Tão logo quando se viu sozinha com o médico, indagou:

— Está me ignorando propositalmente com medo de perguntas?

O médico, que verificava a posição do gesso em sua perna, olhou e


suspirou de modo longo e profundo.

— Como seu médico, eu achei que estava preparada para ouvir


algumas revelações, mas pelo que percebi, seu nível de estresse mental ainda
não permite isso. Perceba que, eu não quero sobrecarrega-la, Bárbara.

— Ontem eu estava cansada, confesso, mas hoje me sinto mais


preparada e pronta para receber todas as informações que você tem para me
dizer.

O médico a olhou por cima dos óculos e se dando por vencido, disse:

— Se sentir sensação de desmaio, me avise, sim?

Abriu um leve sorriso para ele e assentiu em concordância, enquanto


ele se sentava de lado sob a cama e colocava a prancheta de lado.

— Explique-me mais sobre Thiago e....e os filhos.

Sua mente, por enquanto, ainda estava em negação. Era difícil


acreditar no que ouvira, e no que eco de sua mente propagava.

— Júlia e Pedro são gêmeos — Ele afirmou tendo mais cuidado com
as palavras. — Você é mãe deles, e esposa de Thiago. Pode acreditar,
Bárbara.

Mesmo depois de algumas horas absorvendo tudo aquilo, de


pensamento direcionados sobre toda aquela informação, ainda assim, o
choque da confirmação real de tudo aquilo, tornou a mexer com ela e a
causar-lhe uma certa reviravolta.

— Então quer dizer... — ela disse, enojada, em choque — que


peguei as crianças e desapareci com elas há três anos... E ainda por cima com
outro homem?!

O doutor fez que sim com um gesto de cabeça, muito atento as


reações dela e sério.
— Está me dizendo que durante três anos inteiros nem ao menos
tentei informar meu marido se as crianças estavam bem?

— Isso mesmo, Bárbara.

— E, ao retornar, de onde quer que seja, só tinha a menina comigo?


Não estava com o menino... Pedro?

— Exatamente. Ninguém sabe onde está Pedro. Ninguém sabe onde


você esteve. Ninguém sabe de onde você vinha. A única informação concreta
é que você comprou as passagens no Brasil, mas segundo seu passaporte,
ficou no Brasil apenas um dia. Só para pegar o avião. — As palavras calmas
soaram no quarto com extrema clareza.

— Mas que tipo de mulher eu sou afinal? Como pude fazer uma
coisa assim tão horrível?

— Não sei ao certo que tipo de mulher você é, Bárbara — A boca do


médico se contorceu. — Mas conseguiu uma reputação e tanto durante o ano
que passou aqui... Os componentes da famiglia jamais aceitou seu
comportamento e não estão muito felizes com sua volta.

O médico olhou-a, avaliando se ela seria capaz de suportar a


informação que estava a ponto de revelar. Mas calou-se. Bárbara o encarava,
o rosto ferido cheio de marcas roxas, vermelhas, marrom-esverdeadas, toda
machucada. O médico sacudiu a cabeça e virou-se para sair.

— Por favor — Ela pediu, tentando controlar as emoções que


tomavam de conta. — Não vá embora. Eu preciso saber o que aconteceu.
— Com sua atitude, Thiago quase perde o cargo de chefe, e teve de
lutar bastante para conseguir instaurar ordem e respeito novamente, na
promessa de que você seria punida severamente quando ele a encontrasse.

Ela se exasperou causando uma dor intensa, estava completamente


chocada.

— Em que ano vocês vivem para punir pessoas?!

A expressão do médico era dura, implacável. Ela sabia que ele


entendia exatamente do que ela estava se referindo. Ele ficou com pena dela e
tornou a sentar-se. Pegou na mão de Bárbara, de leve, e isso a confortou,
aliviando um pouco a tensão que a dominava.

— Parece impossível que isso ainda aconteça! — Ela disse. — É


uma coisa tão desumana! — Mas de repente um pensamento lhe ocorreu a
mente. — Mas afinal, o que foi que Thiago fez para eu tratá-lo assim?

O médico encolheu os ombros e então Thiago Guerra entrou no


quarto com um rompante. Estava acompanhado de dois homens que trajavam
vestes pretas. Pareciam ser seus seguranças. Os ombros rígidos
demonstravam o grau de tensão que ele precisava para manter as emoções
sob controle.

Ele caminhou parecendo ser o dono de tudo ali, e parou aos pés da
cama como um ser superior aos daquele quarto, implacável, com as mãos
dentro do bolso. Ela estremeceu, sentindo a cólera terrível do olhar dele.

— Vejo que contou a ela, Leonardo. — Ele afirmou sem tirar os


olhos do rosto de Bárbara por se quer um minuto.
— Sim, chefe. Alguém tinha que contar a ela que é sua mulher — O
médico disse, percebendo a neutralidade do outro. — Ela não sabia. E a
verdade é que ela não consegue se lembrar dos fatos que resultaram em sua
hospitalização. Está com amnésia. Amnésia total. Portanto, como médico —
Enfatizou Leonardo. — Eu sugiro que vá com calma.

Thiago olhou para o médico como um assassino e sua voz soou


como um chicote ao responder:

—Cazzo, Leonardo! — Ele explodiu, sem acreditar no que dizia o


médico. — Você já deveria saber muito bem que Bárbara sempre sabe muito
bem o que está fazendo. Os objetivos dela podem ser um choque absoluto
para o restante de todos, mas ela sempre sabe o que faz. Acha que sua opinião
de médico pode parar meus planos? — Thiago debochou.

Nanderitti fechou o semblante, mas ficou quieto. Bárbara percebeu


que as palavras de Thiago pareciam deixar o médico indefeso, mas não
entendia por quê! A pesar da ameaça feroz no rosto de Thiago, Leonardo não
desviou os olhos do rosto dele.

— Quando é que ela vai se lembrar de quem é, e tudo o que fez? —


Ele perguntou, indiferente à emoção do médico.

— Sabe-se muito pouco sobre amnésia. Não posso responder com


precisão à sua pergunta.

—Alguma forma de apressar o processo na recuperação de


memória? — A pergunta lacônica era cínica.

—- Eu não sei. Não é minha especialidade. Não sei dizer nada.


— Pois então consiga o melhor médico do ramo e descubra o que
será preciso fazer.

A voz dele soava como um chicote, e Bárbara sentiu um arrepio


quando ele se voltou para ela.

— Fingindo ou não, você vai me dizer onde está meu filho. Eu juro!
Nem que para isso eu tenha que te matar!

— Calma, Chefe! — o médico interrompeu com receio — Ela ainda


não saiu do estado crítico completamente...

Thiago Guerra parecia absolutamente capaz de matá-la. E, a julgar


pelo porte físico e pela força com que agarrava a cabeceira da cama
hospitalar, era capaz de mais ainda.

— Vai ser melhor para ela morrer de medo do que morrer por ter
atravessado meu caminho outra vez. Afinal, não vou ser tão tolerante e
paciente desta vez, e eu quero meu filho de volta! — Ele ralhou
agressivamente enquanto lhe apontava um dedo.

— Por favor! —Ela sussurrou, aterrada e em agonia com a ira que


sentia naquele homem que diziam ser seu marido. — Eu peço desculpa.

Ela estendeu a mão num gesto instintivo de ajuda.

— Não posso lhe dizer como me sinto mal com tudo isso..., mas
posso lhe garantir que não passa de um erro terrível. Eu não sou sua mulher.
Não sei do que estão falando!
Thiago olhou com desprezo as lágrimas que lavavam o rosto ferido e
disforme.

— Eu não acredito em você. E desta vez vai me prestar contas de


tudo o que fez. Entendeu?

— Não! Não entendi! — Ela sentiu algo nefasto nas palavras dele e
isso lhe deu forças. — Não entendo e nem acredito nessas coisas horríveis
que vocês estão me dizendo. Posso não lembrar quem sou, mas sei que não
sou sua mulher, e sem dúvidas, você deve ser um péssimo pai se nem
consegue reconhecer a mãe de seus filhos. Eu não sou ela! Ela falou por entre
os dentes, depressa, ansiosa para se livrar dos arames que prendiam seu
queixo para poder gritar.

A gargalhada de Thiago cortou-a como um chicote. Chegou mais


perto e agarrou lhe a coxa esquerda numa velocidade que acabou virando um
sonoro tapa. A mão grande apertava com muita força a coxa dela.
Em vista de como estava a situação de todo seu corpo, a coxa parecia ser a
menos danificada pelo acidente, a menos machucada, mas agora a marca da
mão dele estava em alto relevo, e ele começava a apertar com força e
esmagar sua carne, assustando-a ainda mais.

— Você ainda não viu sua cara, garota. Sua própria mãe não seria
capaz de reconhecê-la, se tivesse a infelicidade de ainda estar viva. Mas você
é a minha mulher, sim. Infelizmente, isso é bastante evidente — Ele enfiou a
outra mão no bolso da calça e tirou um bracelete de ouro que sacudiu diante
do rosto dela. — Estava usando isto aqui quando chegou ao hospital.
Lembra? Era de sua avó! Ela deu a você de presente.
Ela pegou o objeto que batera em seu rosto e caíra em seu colo e o
colocou bem perto do rosto, para enxergar bem. Automaticamente a cabeça
doeu com o esforço.

— Tem que ser engano! — Ela disse, alternando o olhar da pulseira


para o rosto furioso de Thiago. Ela era incapaz de se lembrar e sentia um
latente sentimento de falha. Bárbara fechou os olhos pela dor que sentia e ao
mesmo tempo esgotada.

— É — Disse o homem duro e cheio de escárnio, soltando sua perna


com brusquidão — Um terrível engano. Mas foi você que o cometeu, ao
voltar para cá sem Pedro. Este bracelete pertence à sua família há mais de
duzentos anos. Eu mandei verificar se era legítimo, porque vindo de você,
falsificações não são nada... E, além disso, tem o seu passaporte. Tudo bem
registrado. Inclusive o fato de ser casada com um italiano, sendo eu, Pedro e
Júlia inclusos no documento...

Ela pegou o passaporte que ele lhe atirou com brutalidade. Ela
tomou o documento e mãos e levantou a altura do rosto. A tinta estava
borrada, a fotografia danificada, mas ainda assim, tudo o que ele dissera
perfeitamente legível.

— É seu e não há a menor dúvida — Ele disse assumindo a máscara


da frieza o olhar. Totalmente diferente do homem encolerizado de minutos
atrás. — Portanto, não adianta fingir. Você o usou, partindo do Brasil na
véspera do acidente, junto com Júlia e acompanhada de Dominic Lang, e não
há dúvidas possíveis: você estava viajando com ele. E na porra de um voo
comercial, colocando em risco a segurança da minha filha! — Pausou a fala
com o peito subindo e descendo na tentativa de controlar o ódio que sentia.
— Onde é que andou por esses anos? Passei todos eles vasculhando cada
parte desse planeta, mas não pude a encontrar.

Instintivamente, ela sabia que ele a procurara só por causa das


crianças. Tentou enfrentar aquele olhar penetrante até certo ponto, mas a
vergonha de toda aquela situação a fez baixar as pálpebras.

— Não vai dizer nada?! — Ele se aproximou revoltado, e ela


arregalou os olhos. — Você vai falar nem que eu tenha que arrancar as
palavras com um murro na sua boca! Onde está o Lang agora? Ele está com o
Pedro? Eu sei que você não trouxe o menino com você. Por quê? Ele está
doente? Morto? Eu juro, Bárbara, que eu te enterro viva caso tenha deixado
algo de ruim acontecer a meu filho.

— Não posso responder nenhuma dessas perguntas — Ela


murmurou indefesa, se sentindo assustada e quebrada por dentro. — Só posso
lhe dizer que não sou sua mulher!

— Você é, sem dúvidas alguma, a putinha da minha mulherzinha, e


existem muitos homens nesta cidade que poderiam atestar isso, se tivessem
oportunidade de ver sua boceta. — Ele riu, brutalmente quando viu os olhos
dela arregalar. — Mas não desta vez! Você não vai a lugar nenhum, não vai
ver ninguém se eu não estiver a seu lado. Não vai poder se mexer, não vai
poder respirar sem eu ficar sabendo. Está claro?

— Pelo amor de Deus, Thiago... — O protesto morreu nos lábios de


Leonardo diante do olhar feroz que o homem voltou para ele.

— Ficarei grudado em você até não aguentar mais me ver. E depois


que desistir do jogo que está planejando, seja ele qual for; depois que me
contar onde está o menino, então vai ser um alívio para eu matá-la. Mas
enquanto não tenho o meu filho de volta, você terá o tratamento que merece.

O olhar que ele lançava era cheio de promessas. A raiva dele a


esgotava por completo, e Thiago não fazia o menor esforço para evitar o
insulto de suas palavras. Quando ele saiu do quarto, o médico o acompanhou,
conversando baixinho com o rosto sério.

Bárbara fechou os olhos e mergulhou num sono profundo, apesar da


confusão que reinava em sua cabeça.
Capítulo 05

Durante as duras semanas seguintes, Bárbara se adaptou à rotina do


hospital. Os dias passavam. Seus ossos se soldavam, para satisfação da
equipe médica. As costelas estavam perfeitas e as dores de cabeça tinham
desaparecido.

Foi um alívio começar a fisioterapia e ela mal podia esperar o dia de


removerem as talas de imobilização, o gesso do braço quebrado e as ataduras
do rosto.

— A Júlia volta para casa hoje — Marina disse, entrando no quarto.


—Vai começar a se aprontar daqui a uma hora. Thiago vem buscá-la. Você
gostaria de vê-la antes de ir embora? Acho que posso arranjar um jeito de
você ir vê-la! — Disse a enfermeira cheia de entusiasmo.

Bárbara tinha aprendido a gostar de Marina e a considerava como


uma amiga. Era ela quem trazia notícias diárias da filha, uma vez que não lhe
era permitido ir até a ala infantil do hospital. E, mesmo que fosse, ela não
teria ido para não perturbar, com seu rosto distorcido, a criança que diziam
ser sua filha.

— Acho que ela poderia se assustar com minha aparência. —


Bárbara disse, preocupada. — É melhor deixar para vê-la quando eu tiver
com aparência melhor. Não quero dar pesadelos a ela.

Marina riu e saiu do quarto.


Então Thiago vinha buscar a filha! Era o lógico a se fazer, claro. —
Pensou consigo mesma, virando-se para o lado da janela e voando com os
pensamentos.

Ele não vinha mais confrontá-la. As únicas vezes que a via era
durante as visitas do psiquiatra, Marcelo Rubio.

Rubio era um especialista que Thiago tinha contratado nos Estados


Unidos, recomendado por Leonardo. Todos os médicos que tratavam dela
pareciam pertencer a mesma rede de indicações, deduziu.

Dr. Rubio vinha duas vezes por semana e fazia uma sessão de
psicoterapia que durava em média uma hora.

Thiago vinha com ele e se sentava num canto do quarto, fora da vista
de Bárbara. Ficava absolutamente em silêncio enquanto Rubio fazia
perguntas sempre gentis e que não a perturbavam. Bárbara tinha certeza que
Thiago prestava extrema atenção em todas as suas respostas e perguntas, mas
ele nunca falava, nem interrompia a sessão. Mas não adiantava muita coisa
ele estar meio escondido, a presença dele inseria uma magnitude em qualquer
ambiente.

Dr. Marcelo, jamais havia dito algo sobre a presença de Thiago. Pelo
contrário, o homem parecia ter resistência em falar que era uma consulta
particular e que, portanto, aconteceria apenas entre paciente e médico. Mas
sem saber bem por que, Bárbara desejava que o marido ficasse. Queria que
ele ouvisse o doutor e ela.

Talvez pretendesse, com isso, convencê-lo de que sua perda de


memória não era mentira. Mas porque era importante para ela Thiago
acreditar nisso?!

Essa pergunta, era facilmente respondida: temia por sua vida. Não
sabia ao certo porquê, mas sentia que todas aquelas ameaças não eram vazias.
Algo lhe dizia que havia algo muito pior por trás de cada palavra.

Durante as sessões, ela ficava de costas para Thiago, mas conseguia


ver o reflexo dele através do vidro que protegia alguns enfeites na sala do
médico psiquiatra. Algumas vezes, ela disfarçava e olhava para ele através do
reflexo.

Ele era muito bonito, sem dúvidas, mas a expressão do rosto não
relaxava nunca. Seus olhos pretos eram profundos e duros, implacáveis e ele
não deixava de encará-la nem se quer pôr um minuto. Estudava cada gesto
que ela fazia, e como teste ela as vezes se movimentava, percebendo o olhar
dele para ela.

Enquanto o médico dizia algumas coisas, ela olhava pelo vidro, para
o rosto bonito e enigmático. De tudo o que o médico ia dizendo, ele nunca
demonstrava emoções. Ela sentia-se insegura, mas tentava ignorar o que a
presença dele causava, o máximo que podia. Concentrava-se apenas em
recobrar a memória, que continha todos os anos de sua vida passada e
também o mistério da desdenhosa rejeição de seu marido.

A cada dia aumentava sua necessidade de saber os fatos. Achava que


não seria tão indefesa a partir do momento que soubesse exatamente qual a
natureza de sua relação com aquele homem perigoso e ameaçador que era seu
marido. Mas seus progressos não eram encorajadores. Pelo que podia avaliar,
nada mudara. Não se lembrava de nada.
Apesar de tudo isso, Thiago sentava-se e assistia a cada sessão, indo
embora antes mesmo de acabar. E nunca fazia quaisquer comentários diante
dela.

Bárbara concluíra, através de coisas que Marina a tinha contado, que


Thiago, apesar de frio, era dedicado à filha. Tinha cortado Bárbara de sua
lista de visitas, mas não deixava passar um só dia sem visitar a criança. Ele
realmente gostava da filha.

Bárbara pensava e repensava sobre esse pequeno descobrimento da


personalidade dele. Se Thiago gostava tanto dos filhos, por que ela o teria
abandonado, privando-o de ter contato com as crianças?

De alguma forma, uma parte de si mesma se rebelava contra o fato


de ter feito isso. Mas aparentemente, era o que tinha feito: se é que as
informações que havia recebido de modo tão chocante, eram dignas de
crédito. E ainda que não quisesse acreditar, no fundo, ela acreditava que
fossem.

Estava deitada na cama hospitalar e olhando pela janela, pensando


nessas coisas, quando alguém entrou no quarto. Um homem absolutamente
bonito estava parado na porta.

Alto e bronzeado, os olhos verdes brilhando no rosto perfeito. A


jaqueta esporte moldava os ombros largos. O jeans azul moldava as pernas
longas e esguias. Uma ligeira aura de charme o cercava.

Ele vinha caminhando de maneira despojada e quando percebeu a


surpresa dela, piscou-lhe um olho. Os dentes brilharam num sorriso,
contrastando com o rosto bronzeado. Todo seu ser emanava sex-appeal.
Bárbara olhava com indagação.

— Oi, Bárbara. — Ele disse, afinal. — Desculpe não ter vindo antes.
Estava a trabalho numa temporada de desfiles na Espanha. Acabei de voltar.
Vim vê-la assim que soube que estava aqui. Olhe. Para combinar com seus
olhos, trouxe este arranjo de rosas tingidas de azul.

— Quem é você? — Ela perguntou assustada, recuando o quanto


podia. — Por que está aqui?

— Matarazzo! — A voz baixa, entredentes e extremamente rude fez


o estranho se voltar, mas sem muita chance de entender o que logo em
seguida aconteceria.

Numa rapidez impressionante, Thiago foi em cima do homem e


acertou um soco certeiro em sua mandíbula. O homem desconhecido, deu
alguns passos para trás, meio desequilibrado. Thiago aproveitando-se puxou
o pela camiseta, trazendo-o para mais perto.

— Saia já do quarto daqui. — Disse com total ira.

O homem que até então estava em desvantagem, riu cínico e levou


uma das mãos ao lábio cortado.

— Eu achei que não tinha problemas, pois, desde quando você se


importa com o que ela faz? Não faz mal algum um filho de um membro
querido da famiglia fazer apenas uma visita, chefe. — Enfatizou a última
palavra.

Thiago o soltou como se o homem tivesse alguma doença, mas seu


rosto adquiriu uma tonalidade vermelha. Na cabeça de Bárbara nada fazia
sentido. Várias perguntas rodavam sua mente.

“Por que todos parecem chamar Thiago de chefe? E por que


os seguranças dele não o impediram de bater naquele homem? E quem é
aquele homem? ”

Arrumando a roupa que amassara, o homem voltou se para o rumo


de Bárbara e colocou as flores em seu colo, piscando o olho
provocadoramente para ela.

Em dois passos, Thiago estava ao lado da cama. Pousou a mão na


cintura e dela revelou o coldre de uma Glock. Retirou a arma que havia ali e
apontou para a o rosto do rapaz que palidamente engoliu em seco.

Com o coração acelerado e olhos arregalados. Bárbara acompanhava


tudo suando frio e respirando com dificuldades. Thiago agarrou o buquê de
seu colo e atirou-os para fora do quarto. Nisto, ela pôde ver os seguranças.
Agiam tranquilamente, indiferentes a tudo aquilo.

— Você tem 05 segundos para sair antes que eu arrebente sua


cabeça com uma bala. — Thiago disse de forma tão convincente que ela teve
certeza de que não era um blefe. O que a preocupou ainda mais. — Não vou
falar duas vezes. Não quero mais vê-lo perto de minha mulher. Nunca mais!

— Desculpe. — Ele disse encolhendo os ombros e estendendo as


mãos no ar. — Eu não sabia que tinham feito as pazes.

Tão rápido o homem entrou, saiu, sem ao menos olhar para trás.
Bárbara não o viu sair, atenta a seu marido. Thiago Guerra a olhava
bem nos olhos, extremamente tenso, as feições contraídas num grande
esforço, demonstrando claramente o homem perigoso que era, mantendo-se
penosamente sob controle.

Atemorizada, Bárbara sentiu os membros tremerem e uma vontade


enorme de sair correndo. Com que tipo de homem era casada? — perguntava
seu inconsciente.

— Como? ... Você... Por que você t-tem uma arma? Q- Quem é ele?
— Perguntou assustada, agarrada às cobertas.

— Apenas uma das suas mais óbvias indiscrições. — Ele disse,


odiando-a e ignorando a primeira pergunta.

Ele a olhou de forma raivosa. Prestando atenção em cada detalhe do


rosto que se recuperava. A maioria das cirurgias plásticas já haviam sido
feitas. Aos poucos, ele reparou, que as feições bonitas voltavam a forma
original.

— Mandou chamá-lo? Para pegar sua mãozinha, assim como o


médico faz?

A expressão dele, corrosiva, cínica, provocou-lhe náuseas. Não tinha


nada a dizer em sua própria defesa, mas sabia que não podia fraquejar diante
daquele homem que tinha o poder de magoá-la, de ferir sua sensibilidade e de
deixá-la impotente.

— Não sei quem é esse homem — Ela conseguiu dizer, altivamente.


— E como ousa me acusar chama-lo até aqui? Estou confinada em cima
dessa cama, se não percebe...

Ele tinha se aproximado de um jeito intimidador para perto dela. O


calor de seu corpo espalhava-se sobre ela como um manto. E faíscas
diabólicas brilhavam nos olhos negros tão próximos dos dela. Bárbara fechou
os olhos com medo e gemeu de dor quando os dedos duros de Thiago
tocaram seu rosto com certa brusquidão.

— Acha que me engana fazendo cara e pose de inocente? Sabe


muito bem do que você é capaz. — A ironia era temperada por alguma outra
emoção que ela não conseguiu definir.

Abriu os olhos, mas ele afastou o rosto, mascarando todo o ódio que
sentia. Observou-a um momento com a intensidade de um animal pronto a
dar o bote sobre sua próxima vítima. Bárbara estremeceu, a despeito do
esforço para controlar seus medos.

— Quero deixar bem claro, Bárbara — Ele disse, firme. — Que


enquanto ainda estiver casada comigo, e eu ainda não souber o que fez com
Pedro... Não poderá ser vista com nenhum homem. Se você se quer chegar
muito perto, eu mesmo vou garantir que você não ande nunca mais.

Ele foi até a porta e antes de sair parou e virou o rosto por cima do
ombro.

— É bom que você saiba que tudo o que fizer, eu saberei. Mas acho
que não preciso lembrá-la. Você já sabe muito bem disto.

E foi embora.
Aquele homem arrogante e decidido tinha o poder de arrasá-la
apenas com a força de suas palavras. Bárbara estava desesperada. Tinha
certeza que sua própria destruição estava nas mãos de Thiago Guerra. Não
confiava inteiramente que o controle dele sobre as próprias emoções fosse
capaz de evitar essa destruição.

“E quem era aquele homem chamado Matarazzo? Por que tinha


vindo vê-la? ”

Talvez pudesse melhorar se conseguisse descobrir uma resposta para


essas perguntas.

Perguntou a Marina, durante a troca de ataduras, mas sua jovem


amiga enfermeira dizia que não conhecia aquele homem. Mas de repente ela
parou o que fazia e levantou-se olhando para ela.

— Espere um momento... Matarazzo, não é o sobrenome daquela


família de capos que controla a fronteira da Calábria?

Bárbara olhava para ela confusa, sem fazer ideia do que a mulher se
referia.

— Ah, não. Não precisa se incomodar com este homem agora... Ele
não representa nada. — Intuitivamente, ela sabia que a enfermeira dissera
aquilo justamente por achar melhor que Bárbara não remexesse no passado
adormecido.

No outro dia, ela teve a surpresa de receber Dr. Rubio pessoalmente


em seu quarto, mas Thiago não estava com ele. Naquele dia, Bárbara teve
uma conversa perturbadora com o psiquiatra, mas não conseguiu descobrir
quem era Matarazzo ou qual a relação de trabalho que ele tinha com Thiago,
uma vez que o havia chamado de chefe. O psiquiatra nada sabia de seu
passado e parecia não se preocupar absolutamente com isso.

Capítulo 06

Na semana seguinte, apareceu o ortodontista que fizera a


recuperação de seus dentes e Augusto Stern, o cirurgião plástico. Com eles
também veio Marina que lhe piscou um olho rindo alegremente, entrando no
quarto com o carrinho cheio de ferramentas que serviriam para retirar todas
aquelas ataduras de Bárbara. Depois de um momento, Thiago adentrou.

Bárbara sentiu o pulso se acelerar diante daquela presença


inesperada. Ele a olhou ferozmente, antes de se encostar num canto à parede.
Quieto, ele cruzou os braços no peito, assistindo a tudo com o rosto sério.
Bárbara o observou.

O ortodontista aplicou uma anestesia no maxilar e ela piscou forte


diante da pequena dor momentânea. Ele e Stern discutiam interminavelmente,
fazendo-a sentir-se como um objeto inanimado nas mãos deles. Mas ela não
prestava atenção ao que diziam. Toda
sua mente estava concentrada em Thiago. Ele tinha a capacidade de
amortecê-la inteira com aquela atitude fria.

Como iria fazer para conviver com ele, quando tivesse de deixar a
proteção do hospital para voltar para a casa? —
Era um pensamento assustador.

Thiago parecia tão duro, tão cruel! E além disso estava decidido a
vingar-se das ações que ela nem conseguia se lembrar. E era claro que ele não
acreditava na amnésia dela.

Como terminaria tudo isso? — Perguntava para si mesma cheia de


incertezas.

Olhando aquele rosto duro, ela desistiu de adivinhar. Ia ter que


esperar para ver o que o futuro lhe traria. Bárbara suspirou e fechou os olhos,
concentrando-se na conversa entre Marina e os dois médicos. Augusto Stern
explicava como pretendia restaurar seu rosto danificado.

Os médicos pareciam satisfeitos com a recuperação dela. A anestesia


e a máscara curadora a impediam de falar e não deixavam que sentisse dor.
As linhas de sutura foram removidas e jogadas fora, junto com o tampão que
imobilizava o nariz e resguardava a operação que tinha sofrido para colocá-lo
no lugar.

Quando Dr. Stern mandou, ela abriu os olhos. Ele tinha espalhado
três fotos sobre seu colo. Tiradas em épocas diferentes, eram retratos de uma
moça surpreendentemente linda.
A estrutura óssea era clássica. Os olhos de cor azul, pouco puxados,
bem separados, sedutores e misteriosos. Os cílios longos tornavam os olhos
provocantes, convidativos. As sobrancelhas eram bem traçadas e negras. A
boca perfeita e os lábios cheios. Os cabelos médios e castanhos com algumas
mechas claras. Muito diferente da atual tonalidade que ela usava.

Na terceira fotografia, os cabelos estavam presos, e mostrava boa


parte do colo e do decote, a foto era bastante sensual. Bárbara examinou a
beleza das fotos, compreendendo, incrédula, que devia ser ela mesma.
Levantou a cabeça e olhou para Thiago. Ele a olhava fixa e intensamente, um
brilho frio nos olhos. Bárbara sentiu a raiva crescer dentro do próprio peito e
desviou o olhar daquele rosto cínico. Começava a se zangar com a maneira
silenciosa que ele a acusava.

— Não é tão grave quanto pensei — Stern lhe disse. — Vou ter que
fazer outro trabalho de reconstrução no nariz, lábios e uma harmonização
facial, mas posso quase lhe garantir que o resultado será satisfatório. — Ele
fez uma pausa. — Espero que não se importe, mas acho que por conta das
cirurgias de correção a laser, seu olho perdeu um pouco da melanina ocular.

Vendo a confusão repentina atravessar o olhar de Bárbara, que ainda


estava impedida de poder falar por conta da anestesia, o médico adiantou se e
explicou.

— Não podemos confirmar pois provavelmente você não se recorda,


mas houve uma lesão ocular ocasionada pela explosão do carro. Você
precisou passar por uma pequena cirurgia à laser, e isso pode ter ocasionado
em uma pequena perda da sua melanina ocular, e por isso, possa ser que a cor
de seus olhos tenha mudado, mas nada de muito grave.
Ainda sem poder falar, ela fez um gesto de cabeça, expressando que
o que ele dissera, havia esclarecido a sua dúvida. Ao menos não estava cega e
enxergava perfeitamente bem.

— Daniel, o médico ortodontista, acaba de remover os arames e a


máscara curadora. Você vai poder falar bem melhor, assim que passar o
efeito da anestesia — Ele disse, olhando para Leonardo Nanderitti que
entrava no quarto. — Se Leonardo concordar, sou da opinião que após essas
cirurgias de reconstruções, você pode ir para casa. O que acha, Nanderitti?

— Talvez no meio da semana que vem, já que a cirurgia será


amanhã mesmo. — Ele respondeu, olhando as fotos e depois para Thiago. —
E ela ainda precisa de um pouco de fisioterapia. O hospital fica longe da
cidade e vai ser trabalhoso para Thiago ter que trazê-la aqui todos os dias.
Certo, chefe?

Novamente aquela forma de tratamento estranha: chefe. Thiago


concordou com um grunhido, meio mal-humorado e Bárbara ficou
deprimida diante da perspectiva que a esperava. Olhou novamente para
Thiago, cheia das angústias dos pensamentos, mas o olhar que ele deu a ela
era hostil.

— Vou ter que levar uma das fotos de perfil e a foto de frente para
estudos — Stern disse, pegando as fotos.

Leonardo deixou a outra em cima da mesa de cabeceira e


acompanhou os dois especialistas para fora do quarto.

— Até logo, Bárbara. Até o começo da semana, Thiago. — Augusto


Stern acenou para ele sem obter resposta.
Mas antes de saírem, um rapazinho que estagiava no hospital e que
acompanhava o quadro de Bárbara, aproveitou a porta aberta e entrou,
trazendo na mão um simples vasinho de vidro com um botão de rosa. Ele fez
uma curvatura exageradamente elegante, enquanto os outros assistiam, rindo.

— Senhorita! — ele disse, estendendo a rosa para Bárbara. — Ouvi


dizer que vai deixar a nossa companhia neste hospital. Isto é uma pequena
homenagem de...

Ele se calou. O vasinho foi lançado de suas mãos e atirado


violentamente contra a parede, espatifando-se. O menino ficou vermelho de
vergonha, olhando de olhos arregalados para o homem enorme que pairava
sobre ele.

— Minha mulher não tem permissão de aceitar presentes de outros


homens — Thiago rugiu.

O menino empalideceu. Marina e os médicos saíram discretamente,


em silêncio. O garoto ainda olhou para Bárbara completamente sem graça e
saiu depressa.

Ela sentiu uma vergonha que nunca tinha sentido antes. Sua vontade
era pular no pescoço daquele homem. Descobriu, então, que sentia muita
raiva dele. Tentou se levantar para protestar, indignada, mas Thiago a atirou
com força e violência de volta ao leito, machucando o braço ainda engessado.

— Gabriel não passa de um menino! — ela disse com toda a energia


que conseguia, apesar da anestesia.

Ele a olhou como se o que ela dissesse fosse irrisório.


— E desde quando isso faz diferença para você, sua vagabunda? —
ele disse, sarcástico. —Nenhum homem vai lhe dar presentinhos desta vez.
—Ele disse em completa arrogância. — Ele é homem. E todos os homens só
tentam agradá-la com um objetivo, Bárbara. Mas nenhum deles vão ter a
oportunidade de chegar perto de você, sem que antes eu lhe esfole viva. — O
homem parecia tentar se controlar para não fazer -lhe algo pior — Depois que
eu tiver meu filho de volta, não me importa a mínima o fim que você vai ter.
Vou te mandar direto para o inferno.

O medo a tomou. Depois de vociferar todo seu desprezo, ele saiu do


quarto. E Bárbara chorou. Lágrimas de raiva, desespero e impotência que
queimavam seu rosto e a deixavam fraca. Era uma ameaça de morte explícita
e mais do que nunca ela pensou em fugir. Mas na mesma hora pensou na
garotinha que diziam ser sua filha. Chorou ainda mais.
Capítulo 07

No sábado seguinte o gesso do braço e da perna de Bárbara foram


removidos junto com os curativos da cirurgia plástica que fora realizada. Seu
rosto estava inchado, e ela recebia compressa de gelo em todo o rosto três
vezes ao dia. No fim da tarde, Marina entrou trazendo uma mala grande de
roupas.

— Esta mala é para você.


Bárbara olhou com curiosidade e abriu, deparando-se com uma
gama infinita de roupas e produtos de beleza.

Ela pegou algumas coisas e olhou para cada uma delas, avaliando.
Arrumou cuidadosamente sob a cama a roupa que ela escolheu para sair do
hospital. Era um vestido simples, florido e bonito, de pano leve. Em total
contraste com as outras roupas caras que estavam ali.
— Vou ter alta? — Ela perguntou. — Dr. Leonardo não disse nada
até ontem.
— Sim, você vai ter alta. Já está tudo pronto. Aquela delicadeza de
homem que é seu marido está esperando você. — Marina disse baixo com
ironia, para que os homens que faziam a guarda de Bárbara na porta não
ouvissem, e ambas riram. — E ele não é muito paciente. Portanto, de pé,
Bárbara.

Bárbara sentiu intimamente uma grande tristeza por deixar o hospital


e ter de encarar a nova vida que teria ao lado de Thiago. Sentia medo pelo
que estava por vir e temia por sua própria vida.
— Ganhou peso, não? Isso é muito bom! — observou Marina. —
Tem as curvas no lugar certo. Aposto que daqui uns meses estará bem melhor
e mais bonita! — Encorajou-a.

Bárbara passou a mão pela cintura da saia do vestido, ajeitando.


Vendo que a magreza evidente a tinha abandonado.

— É. Parece que sim.


Terminando de calçar os sapatos, Bárbara foi para o espelho, pentear
o cabelo.

— Ainda não, Bárbara. — Marina interferiu. — O couro cabeludo


ainda não está cicatrizado inteiramente.

Ela olhou diretamente para o estado do cabelo e viu que estavam


bastante mal tratados. Não se alimentou bem nos últimos meses, e
basicamente o cabelo vivia enrolado num coque. O cabelo estava abaixo dos
seios e na lateral os cabelos começavam a nascer.
Suspirando, ela guardou a escova na necessaire que havia
encontrado dentro de sua mala. Segurou uma segunda necessaire que havia
encontrado e viu que estava abarrotada de maquiagens. Ela passou o batom,
espalhou um pouquinho de blush nas faces, um pouco de rímel e ajeitou os
cabelos com a mão, para cobrir o pedaço na lateral que tinha sido raspado.
— Ainda bem que está crescendo de novo — disse, sorrindo para
Marina no espelho — Estou parecendo àquelas mulheres alternativas, não?

— Você está uma beldade comparada com a aparência que tinha na


noite em que chegou aqui. — Marina riu. — Feia nem é bem o termo. Você
estava medonha.
Bárbara fez como se tivesse sido magoada e depois caiu na risada
com Marina. Depois de um momento, ela avaliou o rosto cheio de cicatrizes e
marcas da última cirurgia.

— A recuperação no meu rosto que o Dr.Stern fez parece que piorou


ainda mais, não? Espero que ele saiba o que está fazendo.

— Ele sabe, sim — a enfermeira garantiu.


Augusto Stern tinha aparecido uma semana antes para começar a
primeira de uma série de operações que deveriam recuperar as feições de
Bárbara. O processo levaria vários meses e ela teria que sofrer mais duas
cirurgias faciais.
— Ele tem uma incrível reputação — Marina disse. — Se existe
alguém capaz de recuperar toda sua beleza anterior, esse alguém é Augusto
Stern.

— Eu ficaria feliz de parecer pelo menos humana. — Bárbara disse.


— Estou horrenda.
— Está sendo injusta consigo mesma. As formas de seu rosto são
bem evidentes. E você está bem bonitinha.
Ela examinou o reflexo. Um rosto magro, quadrado, emoldurava
dois grandes olhos esverdeados muito intensos debaixo das sobrancelhas
escuras e arqueadas. Cílios fartos, curvados, dando à expressão um ar de
inocência. As maçãs do rosto salientes, ainda pálidas, descendo para um
queixo firme e delicado. Toda sua aparência estava um pouco fora de ordem;
o nariz estava com curativos da cirurgia e abaixo dos olhos havia algumas
manchas roxas, resultadas da cirurgia na face. Ela estava desalinhada, por
assim dizer.

— Sabe, depois de escutar tudo aquilo, de como eu era, eu fico


imaginando minha verdadeira aparência, antes do acidente. As fotos sempre
enganam muito... Vai saber se eu já não era feia e você não sabia, Marina.
— Era linda. — A voz de Thiago fez Bárbara virar-se depressa. Ele
estava encostado na porta de maneira despojada, como se estivesse há muito
tempo ali. Havia um certo desdém estampado no rosto. — É uma surpresa vê-
la brincar com isso. Antigamente você costumava ficar histérica com a menor
alteração em sua aparência.
A forma como ele a olhava, novamente despertou algo nela que fez
com que seu rosto esquentasse e o coração disparasse. Ela calou-se e virou-se
de costas, para não ter que ver aquela expressão corrosiva que a magoava
tanto.

— Já está tudo pronto, Thiago. — Marina olhou para ele e Thiago


assentiu.
Um homem, não muito alto, mas que Bárbara reconheceu por
sempre estar a postos do lado de fora de seu quarto, adentrou e levou a
grande mala para fora. Era chegado o momento de ir.
Ela controlou a vontade de chorar de desespero e virou-se para
Marina, combinando de almoçar com a amiga no dia que viesse ao hospital
para a consulta com Leonardo Nanderitti.

Saíram do hospital com quase toda a equipe médica emocionada


pela melhora dela. Haviam feito um bom trabalho e a mulher estava quase
recuperada.
Thiago o tempo inteiro calado ia andando a frente dela, sem muito se
importar com os cumprimentos ou desejos de melhoras que Bárbara recebia.
Na verdade, ele parecia quase que incomodado e com muita pressa de ir
embora dali.
Pararam diante de uma SUV toda preta, quando Thiago abriu a porta
traseira para ela. Bárbara olhou meio em dúvida para o carro alto e duvidou
se conseguiria subir. Com um suspiro Thiago a tomou no colo e praticamente
a jogou no banco, batendo a porta do carro com força em seguida.

O ato em si, fez com que ela sentisse uma pequena dor aguda na
costela e sua respiração ficasse desregulada. Ela fechou os olhos por um
momento absorvendo toda aquela situação. Para a surpresa dela, Thiago abriu
a porta do outro lado do carro e veio assumir lugar ao seu lado. Ela ainda
suava, sentindo dor, e ele pareceu reparar nisto.

— O que foi? — Perguntou com brusquidão.


— Talvez se não tivesse me jogado de... — Tomou fôlego. —
Qualquer modo, não estaria sentindo tanta dor.
Thiago se aproximou bem dela. Analisando-a quando disse:

— Você pode se acostumar.


Bárbara parou um momento e olhou par ao rosto daquele homem,
quando riu de descrença pelo desaforo dito:
— Você é muito impossível mesmo! — Disse irritada, desviando o
rosto daquele olhar escuro. — E acho que vai ser muito difícil gostar de você.

— Não me lembro de termos nos gostado alguma vez.

— Ninguém se casa com um homem de quem não gosta.


— Normalmente não, eu suponho. — O carro entrou em movimento.
— Mas você casou. E, para meu eterno tormento, eu permiti você se casasse
comigo.

Absolutamente perplexa, Bárbara o encarou. O olhar rancoroso que


ele deu, tencionou todos os seus nervos e disparou seu coração.
— Como assim?! — ela disse.
Ele chegou mais perto, deixando-a ainda mais nervosa. Thiago olhou
para seu rosto como se analisasse algo. Mas sempre com a mesma áurea de
fúria nos olhos.
— Muito bem...Você está representando seu papel com perfeição...
— ele disse calmo e perigoso — Até agora não cometeu nenhum deslize. Se
eu não conhecesse tão bem sua capacidade de dissimular, podia até acreditar
que você está mesmo com amnésia. Mas sua ficha é extensa para me
convencer, Bárbara. — O nome dela saia com puro veneno da boca dele. —
Sei que você está preparando alguma coisa e eu estou só à espreita
aguardando..., mas não pense você que desta vez sairá ilesa, eu vou acabar
com você.

O desprezo que havia no rosto dele a deixou sem palavras. Não


conseguiu pensar em nada para refutar o que ele tinha dito.
Parecendo enojado, afastou-se novamente para o outro canto.
— Seria possível, pelo menos, fingir que acredita na minha condição
de amnésia e me contar tudo? — ela arriscou pedir.

— É claro que não vou lhe contar nada. Por que iria eu estragar o
efeito da sua representação e arruinar o gran finale?

O carro desceu por uma avenida arborizada e, depois de uma curva,


acelerou pela estrada que subia. Ela não fazia ideia para onde estavam indo.
— Eu estou convencido de que você escondeu o Pedro por alguma
razão pessoal. Suspeito que tem algo a ver com os meus negócios. Como
o nosso último arranjo financeiro não foi concluído, você está tentando me
abalar para me forçar a ceder e Dominic Lang tomar o meu lugar.

Ágil, ele se aproximou novamente e a puxou pelos cabelos causando


uma dor latente. Ela não podia acreditar no que estava acontecendo, e em
pânico, olhou pra o homem que calmamente dirigia e parecia muito pouco
interessado em intervir. Bárbara olhou para Thiago, como se ele fosse um
louco e levou uma das mãos até onde ele segurava e tentou retirar, mas era
como se as mãos dele fossem de ferro.
—Quanto é que estão pedindo pelo meu filho, Bárbara? Ou será que
meu cargo na Famiglia é o preço? — Sibilou perto do seu rosto.

O local onde ele apertava latejava e ardia. Lembrou-se que o couro


cabeludo estava danificado. Certamente, puxar não ajudaria em nada. Estava
confusa e perturbada. Lágrimas caiam e molhavam o colo do vestido. O peso
dele sufocava-a e ela começava ter dificuldades para respirar.
— Acha que vou querer dinheiro para contar onde está o seu… o
nosso filho? — soluçou.
— Que mais podia ser, porra?! — A risada que ele deu não era nada
divertida. — Por que outra razão você voltaria a este país acompanhada do
Lang?

Ela ficou petrificada em seu banco. Completamente chocada. Sabia


que era errado um homem fazer aquilo com uma mulher, mas não achava a
voz para afastá-lo.

— Onde é que o Lang está escondido? — ele perguntou, percebendo


o súbito empalidecer dela. — Meu filho está com ele? Você sabe muito bem
que se algo acontecer com ele vão pagar muito caro, não sabe?
O homem estava enfurecido e cada vez mais parecia estar ficando
fora se si. Quando ele largou seus cabelos, o carro fez uma curva fechada. A
paisagem borrou-se diante de seus olhos e ela sentiu a cabeça confusa com
todas as implicações daquela cáustica pergunta.

— O que está planejando fazer comigo, Thiago? — Ela perguntou


recuando ao máximo para o cantinho ao se deparar com o ódio que havia nos
olhos dele. — As respostas que você deseja eu não tenho, não me lembro de
nada!
Thiago com total frieza olhou para ela, antes de responder:

— Vou encontrar o Lang. E se eu descobrir que Pedro está com ele,


vou jogá-lo vivo na máquina de triturar. E pode ter certeza, Bárbara, vou
tomar todo cuidado para que você assista tudo.

Inteiramente chocada, Bárbara, limpou as lágrimas e encarou aquele


homem odioso a seu lado, sentindo a boca amarga.
— O que foi que eu fiz para você agir assim comigo ?! — Ela estava
magoada, sentia-se mal demais e muito incomodada com isto.

—Quer mesmo que eu a lembre? — Ela apenas o encarava com dor


no olhar sabendo que jamais gostaria da resposta daquelas perguntas. —
Você não passa de uma mulherzinha ambiciosa e que não se satisfaz com
homem nenhum. E quando compreendi finalmente os seus costumes, já era
tarde demais...
Bárbara ficou sem fôlego. Tocou o rosto para se certificar que estava
acordada, que era ela mesma que estava ali, sentada naquele carro possante
que subia a estrada montanhosa. Para que pesadelo estaria sendo levada por
aquele homem terrível? Como podia acusá-la de tamanha podridão e ainda
assim ficar a seu lado?
— Você atinge os homens com tanta facilidade quanto uma lâmina
quente cortando manteiga. Qualquer coisa serve, contanto que use calças. Só
que agora as regras mudaram. Não existe mais um contrato que te permitia ter
relações extraconjugais... Eu te avisei no hospital como será daqui para
frente.
Ela não conseguia acreditar.
— Está me dizendo que me deixou sair com outros homens, mesmo
sendo sua… sua… — Ela não conseguia dizer a palavra esposa.

— Era parte do trato, Bárbara. Você mantinha suas relações fora da


Europa, e eu as minhas, em troca, você comparecia aos eventos e bancava de
boa esposa e boa mãe. Você sempre soube que eu jamais cogitei casar-me, ou
se quer ter filhos.

O desdém dele era terrível, mas ela não conseguia entender se era
dirigido a ela ou a última informação. Um pouco dos dois, talvez. Mas os
lábios dele se cerraram firmemente e ele mais nada explicou. Angustiada e
perturbada pelas informações, virou o rosto e olhou a paisagem montanhosa,
deixando as lágrimas caírem.
Estavam chegando quase no topo da montanha quando o carro parou
no meio de um grande espaço aberto. Thiago desceu e veio abrir a porta para
ela.

— Vamos. — disse bruscamente.


— Onde? — ela perguntou temerosa sendo retirada a força pelo
braço. Murmurou em protesto, mas ele pareceu apertar ainda mais.
— Você vai ver — ele disse, enigmático e cheio de maldade. —
Vamos ver como reage.

Bárbara estava apavorada, achando que ele a mataria. Olhou para


trás e viu que o motorista parecia novamente alheio a tudo, tranquilo demais.
Thiago com a expressão fria, a levava pelo braço para perto de um
barranco. Naquele momento, era impossível prever o que se passava ou quais
eram seus planos. Quando chegou perto o bastante do abismo ele a soltou e
Bárbara olhou para baixo atemorizada, deu um grito, pondo as mãos na
cabeça em agonia, e caiu aos pés dele, desmaiada.
Capítulo 08

De repente, com enorme velocidade um carro se precipitou pelo


despenhadeiro, bateu na cerca de ferro que separava do profundo
despenhadeiro e mergulhou para o abismo, depois, chamas crepitando e
ameaçando chegar cada vez mais perto, o calor do queimava e ardia a pele, o
fogo brilhando como os reflexos do inferno ameaçando devorar ela e a
menininha. Bárbara chorou aterrorizada tentando se debater e acordar daquele
pesadelo horrível.

Voltou a si com o barulho de seu próprio grito. Thiago estava


encurvado sob ela, e a expressão dele era uma mistura de incredulidade e
confusão. Ela se levantou de uma vez só e o abraçou afundando a cabeça na
curva do ombro dele, esquecendo-se de tudo por um momento de tudo.

Ela tremia, em completo terror, por vivenciar aquilo novamente, e ao


mesmo tempo tentava acalmar a respiração, inspirando fundo. Sentia o
coração bater forte e desregular sob sua face no peito dele. Estava agarrada
àquele calor reconfortante dos braços fortes. Mas sentia-o um pouco rígido. A
reação dele, a fez ficar completamente embaraçada e ela se afastou,
murmurando um pedido de desculpas.

— Do que foi que se lembrou, Bárbara?

Ela estremeceu, subitamente consciente da presença dele. Endireitou


o corpo e passou as mãos no rosto.

— Eu... ah me desculpe. — disse, pálida, mexendo a cabeça de um


lado para o outro, inquieta. — Que bobagem a minha. Eu não costumo
desmaiar com tanta facilidade.

— Como sabe? E por que desmaiou desta vez? — A fria


determinação da voz grave dele, exigia uma resposta.

Ela engoliu em seco, enxugou o suor do rosto e arranjou o vestido no


corpo.

— Não sei. Mas acho que não desmaio assim tão fácil — ela
informou, com calma e dignidade.

Tornou a olhar para o homem vigilante e convenceu-se que a


preocupação que julgara ver naquele rosto, ao recobrar os sentidos, era mera
imaginação. E tentou apagar o desejo de ser olhada com preocupação outra
vez.

— Olhei para o precipício e vi o carro avançar e mergulhar penhasco


a baixo. Também vi muito fogo, pude até sentir o calor que emanava das
chamas ameaçando a mim e a garotinha... — ela disse perturbada.

Thiago se pôs de pé e Bárbara também o fez, sem ajuda. Uma vez de


pé, ele a interceptou e fez com que ela virasse para tornar a olhar para baixo.

— Você e Júlia foram encontradas naquela plataforma lá embaixo. O


carro aonde estavam foi encontrado inteiramente queimado.

Ele indicou o local muito abaixo da borda do abismo.

— O psiquiatra me preveniu que você poderia ter alguma reação


diante do local do acidente, portanto, me advertiu dizendo que não deveria
trazê-la. —Adquirindo a feição de puro desdenho, completou. — Mas eu quis
testá-la e saber até aonde você é capaz de aguentar com este joguinho. Caso
morresse, seria apenas uma consequência.

Completamente chocada com a maldade do homem, Bárbara


rapidamente desvencilhou-se dele.

Aquilo não passava de um teste com ela. Havia acabado de sair do


hospital, enfrentado momentos difíceis, mas ainda assim, ele preferira não
respeitar sua recuperação e logo a colocou naquela situação propositalmente
em nome de um "experimento" idiota.

Não medindo a raiva que sentia, levantou a mão e acertou o lado


esquerdo do rosto de Thiago.

— Cretino! — Bradou em alto e bom tom voltando-se indo em


direção ao carro.

Mas antes que chegasse, sentiu seu braço ser pego com força e ser
puxado para trás. Bárbara sentiu o corpo bater de encontro ao torso de
Thiago. Com violência ele a virou de volta e a levou até a beirada do abismo.

Nervosa e começando a sentir vertigem por causa da altura, Bárbara


chorou. Thiago agarrou seu pescoço com força, fazendo-a engasgar. Com a
voz cheia de crueldade ele abaixou o rosto para falar em seu ouvido.

— Acha que estou brincando com você, Bárbara? Alguma parte do


seu inconsciente ainda se lembra dos detalhes que você diz ter esquecido... E
logo das partes que eu me interesso saber. Não é estranho?
— Eu... não sei. — Ela sacudiu a cabeça sentindo os olhos úmidos.
— Thiago, e- eu estou com m- medo...

Thiago fixou os olhos negros nela, ignorando o que havia dito.

— Seu passaporte escapou intacto. Mas todo o resto se queimou no


carro.

Ele a encarava e era evidente que esperava alguma reação dela


diante daquelas informações. Mas Bárbara estava apenas assustada e com
medo. Com raiva ele puxou seu cabelo com força para trás, fazendo algumas
lagrimas caírem.

— Muito conveniente que tudo tenha se queimado no acidente, não?


— ele disse apertando mais forte seu pescoço. — Como acha que o celular,
contendo fotos recentes do Pedro escapou do incêndio? Por que caralhos o
celular não estava dentro do carro para queimar igual ao resto? Por que seu
passaporte não queimou? Sem dúvida o lugar certo para o passaporte estar
seria dentro da mala com todos os seus outros objetos pessoais, não?

— Por que está me dizendo tudo isso? — Bárbara disse entredentes


olhando para ele com o semblante em agonia.

— Eu avisei que descobriria o paradeiro do meu filho. — Ele disse


com os olhos duros e enervados. — E alguma coisa me diz que o carro caiu
no abismo como parte de um plano. Como foi que acabou presa em sua
própria armadilha? Você, provavelmente, não se importa nem um pouco com
Júlia, mas não consigo vê-la arriscando a própria vida.

— Eu não sei, Thiago! — ela disse, hipnotizada pela personalidade


dele. Tentou passar sinceridade na esperança que o homem cedesse de
alguma forma. O aperto em seu pescoço afrouxara-se, mas ela ainda sentia a
garganta queimar. — Não sei responder. E é horrível você me dizer que eu
seria capaz de arriscar a vida de minha própria filha, sem me importar com
isso.

Sem se convencer com o discurso, ele a soltou fazendo com que ela
se inclinasse para frente e quase caísse no abismo.

— Vamos embora. Já perdi tempo demais com você hoje.

Thiago deu-lhe as costas e saiu caminhando do modo altivo de


sempre, logo em seguida entrando no carro. Ela o seguiu, tonta, e com a
garganta ardendo, esforçando-se ao máximo para engolir o choro e subir no
carro alto, mas desta vez, sem nenhuma ajuda.

Sua mente se recusava a funcionar direito enquanto concluíam a


viagem. Ela não tinha dito nada, apenas sofria em agonia de maneira
silenciosa. A beleza da paisagem do vale que se estendia lá embaixo era
excepcional, mas ela nem notava, concentrada em sua dor. As acusações dele
e a violência que ele usara a feriam como garras.

Achava tudo muito estranho e errado. Desconfiava que o marido não


era o que pensava ser. Achava-o violento demais para seu gosto e
desconfiava que talvez por isto, o relacionamento entre eles não havia dado
certo.

Olhou para o retrovisor e enxergou os olhos do homem que dirigia.

Porque ele simplesmente não fizera nada? Não tinha compaixão? —


Questionou-o silenciosamente com os olhos, mas o homem apenas desviara o
olhar, se concentrando na estrada sinuosa a frente.

Olhou novamente para a paisagem a baixo e viu que nada lhe restava
se não recuperar a memória e provar que aquela história toda era um grande
engano. Pelo menos era o que devia ser.

Todas as acusações pareciam fugir do que ela realmente era e não se


encaixavam. Sua cabeça nunca aceitava o que lhe diziam. Mas como ter
certeza do que ela era?

Bárbara piscou os olhos tentando deter as lágrimas que lhe escorriam


pelo rosto. Endireitou o corpo, controlando a própria raiva e, naquele
momento, resolveu que não ia permitir jamais que aquele homem, ali do lado
dela, a abatesse.

Tentando recobrar algo que a ajudasse, Barbara bateu de


encontro à parede sólida de sua amnésia e enrijeceu.
Lutando com a raiva e com a frustração, estava cega à beleza da paisagem do
local pelo qual o carro passava. Estava cega também para a atenção
concentrada com que o homem a seu lado a observava. Nada escapou aos
olhos negros: sua depressão, seu desânimo diante da situação insustentável e,
depois, a força da decisão de reagir.

Algum tempo depois, ela sentia-se exausta do esforço mental que


fazia e desistiu temporariamente de recobrar a memória. O carro fez uma
curva e, bem diante deles, o vale lá embaixo se estendia num tapete glorioso
de cores: ferrugem, dourado, vermelho, marrom, suavemente agitado pelo
vento de outono.
Extasiada, Bárbara deixou escapar um suspiro maravilhada,
esquecendo-se de toda a angustia que lhe afligia, sem notar que estava sendo
estudada. Thiago analisava cada expressão sem desgrudar os olhos de seu
rosto. Era evidente o prazer que ela demonstrava. Bárbara apoiou as duas
mãos no vidro fechado do carro, olhando com atenção para a paisagem,
deslumbrada com a beleza de tudo aquilo.

Decidida, abaixou alguns centímetros da janela do carro respirando


fundo o ar puro.

E o cheiro é tão bom! — comentou baixinho.

— É quase um prazer ouvir você dizer alguma coisa agradável a


respeito das terras da família.

Levou um susto pois não imaginara que Thiago tivesse escutado.


Para ela, o homem se mantivera o tempo todo compenetrado no celular. Não
sabia que estava atento.

— Então eu já estive aqui antes e já vi tudo isso? — Arriscou


perguntar.

— Sim. — Respondeu sem paciência, sucinto, olhando para a tela do


celular. — E você odiava este lugar. Mas creio que disto você deve lembrar.

Ela compreendeu, naquele momento, que ele estava fazendo algum


tipo de jogo com ela, procurando mantê-la em desvantagem. Por um
momento pensou sobre, e decidiu não se abater.

Quando possível ela o ignoraria e tentaria continuar sua vida,


lutando bravamente para sobreviver às investidas violentas dele da melhor
maneira possível. Esta havia sido sua decisão.

Por isto, resolveu não o responder, ou tomar uma atitude que


pudesse piorar ainda mais o baixo conceito que ele tinha dela.

Tentaria controlar o próprio humor, fazer exatamente o que ele


exigisse e não criar problemas de espécie alguma. Ia rezar todos os dias para
sua memória voltar, para fazê-lo engolir todas aquelas acusações que
certamente, não podiam ser verdadeiras.
Capítulo 09

O carro seguiu por uma rua estreita ladeada de grandes árvores e


com chão de cascalho. Olhando para o lado, Bárbara viu uma pequena trilha
na floresta e por um momento almejou estar lá do lado de fora, em contato
com a calmaria, e não no ambiente opressor que se tornara aquele carro.

Bárbara ouviu quando o motorista alertou a chegada deles através do


rádio de comunicação e automaticamente o portão com uma grande letra "G"
gravada em ferro abriu-se.

O veículo passou por debaixo de um grande arco, onde continha nele


escrito: "La Omerthà dei Guerra".

A curiosidade lhe tomou. O silêncio no carro era ensurdecedor e sua


mente requeria respostas a todo momento. Mas ela temia por despertar
novamente o lado violento de Thiago se fizesse perguntas, todavia, o
interesse falou mais alto e ela decidiu que perguntaria para alguém mais
receptivo, caso encontrasse.

Eles passaram por um campo de pouso, onde um jatinho executivo


estava parado ao lado de um helicóptero, depois fizeram uma ampla curva,
entrando no pátio de uma imensa mansão de dois andares. O pátio era
cercado de árvores e grandes coqueiros. Um pouco ao lado, escondido, havia
uma pequena trilha que levava até as vinhas que se estendiam pelos campos.

O carro parou de frente a uma garagem bem abastecida com


diferentes modelos de carros de luxo. Thiago abriu a porta do carro para ela e
sem aguardar que descesse, virou lhe as costas.

Passava um rapaz jovem que logo encaminhou-se até Thiago. Eles


trocaram algumas palavras muito rapidamente em francês, e Thiago recebia
com um breve maneio as respostas.

Bárbara, que descera do carro com dificuldade e olhava curiosa para


o que quer que eles diziam, viu quando Thiago pareceu se lembrar de algo e
virou-se repentinamente e a pegou pelo braço a conduzindo para a casa,
quase como se ela fosse uma prisioneira.

No centro do pátio havia uma fonte, esguichando água no ar límpido.


Havia paisagens verdes por toda parte; haviam trepadeiras que subiam nas
paredes e nas treliças delicadas que acentuavam ainda mais as linhas
agradáveis da casa.

Um enorme cão peludo saiu correndo do grupo numeroso de pessoas


que esperavam em silêncio no pátio ensolarado. Ele saltou sobre Thiago
numa alegre saudação. Thiago, inalterado e sem expressão mandou que se
sentasse, mas o animal desobedeceu e foi fuçar as pernas de Bárbara, pedindo
agrado.

Ela riu e desvencilhou se do forte aperto em seu braço e abaixou-se,


acariciando o pelo do animal que alegremente sacudia o rabo.

— Que lindo! — Ela divertiu-se com as lambidas que ele começava


a dar em seu rosto. — Qual será seu nome, hein garotão?

Perguntou com bom humor para o cão amigável.


Thiago olhava tudo aquilo completamente descrente da cena. Com
raiva a pegou pelo braço e a levantou bruscamente, pegou em seu rosto e
trouxe um pouco mais para perto, olhando intensamente para o rosto cheio de
curativos e de expressão agressiva. Thiago, aproximou-se tão perto do rosto
de Bárbara que ela achou que ele a beijaria. Mas ao contrário disso, olhou
intimidante em seus olhos e disse:

— Deixe de espetáculo, e fingimentos. Os empregados aqui


conhecem muito bem sua reação histérica a cachorros. Não precisa
desperdiçar seu talento em ser falsa. A plateia não vai ficar impressionada.
Todos sabemos que você odeia esse cachorro.

Soltando-lhe de modo rude, ele indicou o grupo de homens, e uma


única mulher, parados diante da casa. A censura estampada naqueles rostos
era uma força sólida, gelando o calor da tarde ensolarada. Todos olhavam
fixamente para ela e por isso, Bárbara compreendeu o que ele quis dizer
quando se referiu a plateia. Do outro lado daquele grupo de homens, havia
outro grupo de pessoas, desta vez, algumas poucas mulheres estavam
presentes também, aqueles pareciam ser os empregados da casa.

Ela ainda estava magoada pela forma com que ele a tratou diante
daquelas pessoas, mas Thiago não se importava. Ele simplesmente a
empurrou para que ela caminhasse.

À medida que ia se aproximando daqueles dois grupos de pessoas,


ela ia se sentindo cada vez mais sufocada por tanta hostilidade que emanava.
Quando parou de frente a eles, ela engoliu em seco e olhou para Thiago
buscando algum tipo de segurança, que não achou.
Ele percebeu a insegurança dela e um sorriso maldoso passou por
seus lábios, mas o rosto era enigmático, não revelava o que ele tinha em
mente naquele momento. Sem delongas, ele falou em alto tom para todas
aquelas pessoas:

— Senhoras e senhores — disse, altivo e irônico. — Como todos


sabem, estive casado por alguns meses. Sabem também que deste casamento,
foi gerado dois filhos, e que após alguns meses de nascidos, sumiram
juntamente com a mãe.

As pessoas estavam caladas, mas olhavam cheias de ódio e


diretamente para Bárbara, enquanto Thiago falava.

— Bárbara sofreu um acidente como todos devem saber. Vocês


podem reconhecê-la, mas ela não vai se lembrar de vocês.

Bárbara ficou vermelha, incomodada com o ligeiro ridículo que ele


conseguia imprimir às palavras. Ele percebeu a reação dela e sentiu uma
espécie de prazer intrínseco. De repente, como o modo autoritário e de
comando que assumira, Thiago irradiava uma espécie de charme e uma
beleza forte, diferente de tudo.

Bárbara prendeu a respiração, desconcertada e envergonhada com a


própria reação, até mesmo seu coração disparou.

— Ela está de volta, e até que sua condição não melhore,


providências não serão tomadas. — Ele disse zombador, mas logo completou
de maneira a confirmar o ódio que aquelas pessoas nutriam por ela. — Mas
não pensem que não haverá consequências para ela enquanto ela se
recupera... A honra da famiglia acima de tudo!
Barbara acuada e com medo daquelas palavras, abaixou a cabeça
vendo antes disto, alguns homens concordarem e aclamarem Thiago pela
decisão, e outros, olharem e sorrir diabolicamente para ela. Mas o olhar que
mais marcava, sem dúvidas, era o da única mulher no meio daqueles homens.
Apesar de ser uma senhora, ela emanava poder e superioridade. Até mesmo o
olhar dela era cortante.

Thiago levantou uma das mãos, cessando na mesma hora o


burburinho e continuou:

— Entretanto, ainda preciso de algumas informações valiosas que só


podem vir dela. Ficarei muito grato se aqueles que trabalham nesta casa,
puderem ajudá-la, da melhor maneira possível, a recobrar a memória. Conto
com vocês.

Os olhos negros fixavam-se em cada membro do pequeno grupo de


empregados. A ameaça era sutil, mas nítida no tom da voz. Ele queria que a
aceitassem de volta até que ela recobrasse a memória e a punição por traição,
lhe fosse aplicada.

Não ia admitir insolências, nem censuras da parte daqueles homens


ou dos empregados. Sua maneira de tratar os assuntos pendentes com aquela
mulher era assunto particular dele.

O olhar dele desafiava a todos. O silêncio do grupo de homens e da


única mulher, era respeitoso. Foi quando Thiago voltou-se e olhou para
Bárbara, mantendo a expressão fria e indiferente de sempre.

— Vamos.
A mão firme em seu braço a conduzia para a grande porta de entrada
da casa. De passagem, ele olhou para alguém que Bárbara não tinha notado e
a chamou.

— Venha conosco, Gabriela.


Uma jovem, aparentando ter uns vinte e dois anos, se destacou do grupo e
acompanhou-os para dentro da casa.

Andavam depressa e ela só pôde notar a casa de passagem. A


entrada era grandiosa. O teto muito alto, com decoração bastante opulenta e
esplêndida. Uma escada de mármore, subia para o andar que levava aos
quartos no andar de cima. Colunas de porcelana, espalhadas sustentavam
todo o esplendor do local. Sem dúvidas, tudo ali havia sido escolhido com
muito bom gosto.

Passaram debaixo de um arco que levava a um largo corredor. No


fim da passagem Bárbara viu, através da parede de vidro, a encosta da
montanha, com sua vegetação luxuriante, e que emprestava uma beleza
espetacular ao cenário. Parecia haver flores por toda parte. Bárbara suspirou
de prazer com toda àquela beleza de paisagem. Thiago, não deixou de notar
isso.

Thiago pediu para que Gabriela fosse buscar Júlia e ele e Bárbara
adentraram no cômodo no final de um corredor. Parecia uma grande
biblioteca, mas ao reparar na mesa e no computador ultra sofisticado, deduziu
ser um escritório de muito bom gosto e decorado.

Thiago foi até detrás da mesa e se sentou, não convidou Bárbara a


fazer o mesmo, por isso, ela apenas ficou ali, parada, sobrando no meio
daquilo tudo.

De repente um barulho no trinco da porta fez com que Bárbara


empinasse a cabeça, preparando se mentalmente para o que viria.

A mesma mulher que estava no meio daqueles muitos homens


adentrou. Ela era uma mulher de aparência madura, de cabelos totalmente
grisalhos, mas que se mantinha de pé com a mesma altivez e ar de esnobe,
como sendo uma dama de ferro. Era a avó de Thiago. Nem era preciso
apresentar.

A semelhança era forte demais para passar despercebida.


Ela tinha os mesmos olhos negros debaixo de sobrancelhas retas, como que
traçadas por mão de mestre, mas nem um pouco menos da arrogância e
prepotência tão característica de Thiago.

A senhora examinava a mulher parada no meio da biblioteca por


cima dos óculos. Os cabelos cortados de um jeito moderno e muito curto a
deixavam com uma aparência imponente e ainda muito bonita.

Thiago levantou-se e a beijou no rosto.

— Não reparei que ela fosse tão baixa, Thiago. — Disse de maneira
depreciativa. A voz não tinha sotaque, mas o tom era estrangeiro. — Não que
eu me importe com isso... — Disse retirando as luvas de couro das mãos e a
olhando de maneira êmula. —Sabe que não suporto a simples presença desta
messalina.

— Nonna, já lhe expliquei por que é necessária a presença dela aqui.


— Thiago a lembrou.
— Já, sim. É seu direito trazê-la para cá. Afinal, esta é sua casa e
pode fazer o que quiser. Mas acho mais honesto que Bárbara saiba
exatamente o que penso...Ela lhe causou grande infelicidade, envergonhou
seu nome sem necessidade! Você é meu neto, é minha família! Ela me
roubou o prazer de ver os meus bisnetos, de acompanhar o crescimento deles.
E essa mulher não pode esperar que eu a perdoe pelo que fez! — Disse
implacável. — Serei educada com ela, enquanto ela estiver aqui. Mas para
mim não é bem-vinda.

Bárbara olhou aqueles olhos negros e compreendeu que não podia


mesmo esperar mais do que aquele tipo de tratamento. Havia grande dor
naqueles olhos velhos, uma tristeza feroz, orgulhosa. O olhar condenava,
procurava castigar.

Bárbara sentia-se humilhada pela consciência de todo o pesar que


seus atos egoístas haviam causado, e a única expressão dela era a de
desculpas.

— Peço que me perdoe, Sra. Guerra. — Ela murmurou. —


Sinceramente, eu sinto muito que minha falta de consideração a tenha feito
sofrer tanto. Eu compreendo e espero poder remediar isso.

Marietta a olhava perplexa quando ela terminou de falar.


A nonna parecia não acreditar que estava ouvindo aquelas palavras da boca
da jovem que tinha diante de si. E Thiago demonstrava claramente seu cético
cinismo.

— Gostaria de poder acreditar em você, mas não sei se é possível. —


Marietta recuperou-se do choque a olhou para Thiago, ignorando a presença
de Bárbara totalmente. — E você, Thiago? Resolveu seguir meus conselhos
quanto a Júlia?

Alarmada com o tom de voz sério da mulher, Bárbara olhou para o


marido. Ele a encarou um momento, mas nada revelou de seus sentimentos.

— Pensei bastante, nonna. — Ele disse. — E...

De repente uma batida na porta ecoou, interrompendo a fala de


Thiago. Marietta olhou um momento para o neto, mas depois, autorizou a
entrada.

Gabriela abriu a porta e parou com a criança nos braços. A menina


passeou os grandes olhos pretos pelos adultos da sala e ao se deparar com
Bárbara, arregalou os olhinhos e se debateu para escapar dos braços de
Gabriela.

— Mamã! Mã-mã!

Ela se soltou e correu depressa na direção de Bárbara. Bárbara caiu


de joelhos e abriu os braços para receber a filhinha.

Bárbara pegou a menininha e aninhou-a entre os braços. Seu coração


quase parou. Vendo a alegria e animação começou a murmurar palavras
carinhosas à criança. Ela não se lembrava daquela pessoinha, mas não havia
dúvidas quanto à recepção da menina. Júlia a conhecia e amava. Deus do céu,
então ela era mesmo a esposa de Thiago.

Ela levantou com a menina no colo, virou se e viu a expressão


incrédula da avó de Thiago. Ele, porém, tinha uma máscara fria no lugar do
rosto. Sua mente estava confusa. Era evidente que a criança a amava e
esperava ser amada por ela. Essa reação era uma surpresa total para a avó de
Thiago. Mas era impossível saber como Thiago tinha reagido.

— Devolva a criança para Gabriela. Você não tem direito algum de


estar com ela nos braços.

— Mas eu sou a mãe dela. Você gostando ou não. — Era a primeira


vez que ela o enfrentava tão diretamente. Mas se fosse preciso, o faria sem
dúvidas, tudo isso para manter contato com a menina.

Thiago a olhou como se fosse matá-la, mas Marietta interveio.

— Thiago, nós sabemos que a Júlia estava muito infeliz. Ao


contrário do que você pensa, acho que Bárbara deve vê-la e cuidar dela, pois
é disso que a menina parece estar precisando... Veja só!

Marietta disse apontando para a garotinha nos braços da mãe.

— Estavam pensando em me proibir de ver minha filha? — Bárbara


olhou incrédula para Thiago. — Que crueldade! Como mãe da criança eu
tenho todo o direito de cuidar dela!

— Você só tem os direitos que eu lhe der, Bárbara. — Ele falou


irritado e cansado. — Prometo-lhe, nonna, que ela vai ser vigiada de perto e a
cada minuto do dia. Desta vez, não terá chance de desaparecer com Júlia.

— Você deve fazer o que acha melhor. Você geralmente tem razão.
Só espero que desta vez não vá se arrepender.
Bárbara estava confusa, tentando com grande esforço manter as
rédeas dos pensamentos. Que homem duro, malvado e implacável! Para ele
parecia natural mantê-la afastada da filha. O que teria feito para que a odiasse
tanto? Sem dúvida era uma coisa terrível desaparecer com os filhos, mas ela
pressentia que isso era apenas uma parte, a culminação de uma série de coisas
que a tinham condenado imperdoavelmente aos olhos deles.
Capítulo 10

Bárbara beijava as mãozinhas, balançando a filha feliz e de


gargalhadas entre os braços. Uma absurda felicidade iluminava sua própria
face também. Júlia a amava. Não importava que ninguém mais a amasse. E
para a criança não fazia a menor diferença se a mãe se lembrava dela ou não.

Estavam numa espécie de ante sala, perto da porta de saída. Eram


supervisionadas por dois homens constantemente. Thiago mandou que ela
esperasse com a filha em uma outra sala enquanto dava alguns telefonemas
no escritório.

Repentinamente, Thiago apareceu novamente e falou


apressadamente para Bárbara.

— Dê a menina para Gabriela, Bárbara. Temos que ir sair agora. —


Ele ordenou, voltando-se para a avó. — Nonna, eu tenho de ir até a sede, mas
você pode ver aquele negócio para mim?

A menina entendeu o que Thiago tinha dito e agarrou-se à mãe.

— Claro que sim. — Respondeu Marietta.

— Mamã! Mamã! Qué mamã! — Gritou Júlia interrompendo,


recusando se a ir para o colo de Gabriela, que lhe estendia os braços
carinhosa.

— Gabriela, leve essa criança daqui! — disse Marieta, irritada. —


Bárbara, deixe a Gabriela levar a menina de volta para o quarto. Já intervi
demais por você hoje.
— Não deixe que a tirem de mim, Thiago! — Bárbara pediu. — Não
vê que ela está com medo que eu desapareça outra vez? Deve ter ficado
aterrada ao voltar a si no hospital, sozinha, entre pessoas estranhas. Deixe-a
ficar comigo agora. Pode ser ruim para ela se separar de mim de novo. Por
favor!

— Impossível, garota! — falou Marietta, decidida. — Você tem que


ir com Thiago agora. Ele me prometeu que ficaria de olho em você! E Júlia
vai atrapalhar.

Bárbara ignorou a mulher, olhando Thiago fixamente.

— Traga-a com você, então. Mas se ela atrapalhar, proíbo de vê-la


por um mês inteiro. E saiba que só estou permitindo isso por causa da
criança, e não por você. — Disse olhando fixamente nos olhos de Bárbara. —
Vamos, temos que ir.

Bárbara não entendia por que sua presença era necessária nesse tal
lugar. Nem sabia onde ficava. Parecia-lhe muito mais razoável ficar na casa e
consolar a filhinha. Abriu a boca para dizer isso, mas Thiago não lhe deu
chance de falar.

— Ande logo! — Ele falou sem paciência alguma, segurando a porta


aberta para ela passar.

Bárbara obedeceu sem protestar.


Saíram da casa, atravessaram o mesmo pátio por onde tinham chegado em
direção a um carro alto. Antes que Bárbara se desse conta, Thiago a carregou
ainda com a criança no colo, e colocou-a sentada no banco traseiro.
Sem dizer nada, entrou no carro e ele mesmo dirigiu o veículo para a
estrada, virando logo à direita. Em um determinado momento, Bárbara olhou
para trás e estavam sendo fortemente escoltados e ela estranhou todo aquele
exagero.

Chegaram num grande prédio espelhado. O edifício era um pouco


isolado, escondido por trás de um morro cheio de árvores. Existiam vários
homens fortemente armados, de terno e gravata fazendo ronda no local, com
escutas nos ouvidos e rádios de comunicação, e sem dúvidas, era um local
muito movimentado. O estacionamento estava cheio de carros de luxos e de
todos os tipos.

— Deixe seu pai carregar você, Júlia.

Júlia olhou para os braços de Thiago, e logo depois para Bárbara,


como se pedisse permissão. Assentindo com a cabeça e dando um sorriso de
incentivo, Bárbara fez com que a criança olhasse para o pai, e compreendesse
que ele não ia separá-la da mãe, e logo ela foi para o colo do pai.

A criança fascinou as pessoas que estavam ali com sua simpatia e


desenvoltura. Era segura, obedecia sem hesitação quando lhe diziam para não
mexer em alguma coisa e não deixava dúvidas quanto a seu apego à mãe.
Bárbara olhava, perplexa. Era incrível que não conseguisse se
lembrar da própria filha, mas não havia insegurança na menina. Para Júlia sua
mamãe tinha voltado e a vida estava completa.

A menina era a cara do pai. Era inegável que era filha de Thiago. E
era inegável que era sua filha também. Portanto, era mesmo esposa de
Thiago. Essa constatação a deixava nervosa. Secretamente tinha se recusado a
acreditar nisso, mas não podia mais negar.

Thiago as manteve no saguão de seu escritório pelo resto do dia e


não parecia nenhum pouco preocupado com as duas. Bárbara irritou-se com
aquela falta de consideração, mas não quis criar um caso diante dos
funcionários. Sentou-se, cruzou as pernas e se empenhou em manter Júlia
entretida, esforçando-se para tornar menos tedioso para a criança ali.

De repente um cheiro floral fez com que ela levantasse a cabeça e


olhasse em direção a porta de entrada do elevador. Dela, saia uma mulher
belíssima. Alta, morena e de andar rebolado. Cabelos castanhos curtos e
ondulados, grandes olhos negros, maçãs salientes. A boca, torneada e sensual,
estava pintada de vermelho vivo. A pele muito morena parecia luminosa e o
corpo era curvilíneo. Vestia um vestido branco, acima do joelho, com decote
“V”, simples, mas complementada adornada de pôr uma corrente de diamante
no pescoço.

Dirigindo se para a porta de entrada do escritório, a mulher agiu


como se ninguém estivesse no recinto. Entrou sem ao menos ser anunciada
por uma das secretárias que estavam presentes. Bárbara, olhou para as
secretárias, e viu que elas agiam de forma neutra, como se já fosse algo
costumeiro a presença da mulher ali e franziu o cenho.

A tarde se arrastava. Estava louca por um banho quente, para


descansar um pouco, mas tinha que se contentar em folhear as revistas que
encontrava na sala de espera. Já havia algum tempo que a mulher havia
entrado dentro do escritório e desde então não havia retornado.

Bárbara estava completamente desconfiada. Algo lhe dizia que pelos


sons abafados vindos de dentro do escritório, a mulher não fora chamada ali
simplesmente para uma reunião.

Sua raiva fervilhou ainda mais quando ocasionalmente recebia


alguns olhares de pena e outros de constrangimentos quando o barulho de
risadas, gritinhos e batidas aumentavam dentro do escritório.

Quem Thiago pensava que ela era? — Pensou com muita raiva.

Estava cansada, havia acabado de sair do hospital, e ele a obrigara a


vir junto com ele para o possível negócio que ele administrava, e ainda a
constrangia na frente dos funcionários recebendo a amante ali no mesmo
ambiente que ela e a filha.

Impaciente mediante a afronta, sentiu vontade de ir embora.


Levantou se e diante do olhar apreensivo das secretarias ali, caminhou para o
elevador, mas logo foi impedida por um dos seguranças do marido que ela
mentalmente apelidara de "Mad Man". Os seguranças pareciam mais cães de
guarda e ao mesmo tempo tinham sempre a mesma feição de gente ruim.
Bárbara achou que o apelido calhava.

O homem não fala uma palavra, apenas colocava se a sua frente a


cada passo que ela dava com a criança no colo, mostrando, num claro indício,
que ele não as deixaria passar. Bufando de raiva, Bárbara voltou pisando duro
para o mesmo lugar e sentou.

Lembrou-se de Thiago ter dito no hospital que não ia deixá-la nem


respirar sem que ele soubesse. Era isso então. Só por isso foi obrigada a
passar o dia no escritório. E Júlia tinha sido forçada a isso também, em vez de
passar o dia noutro lugar brincando.
Então era essa a vida que a avó dele impunha a ela até que
recobrasse a memória! E era de admirar que mesmo as duas sendo do mesmo
sexo, a mulher não tivesse um pingo de empatia feminina! Como ela podia
ser tão cruel, tão desalmada?

Bárbara, pensava em algum outro plano, mas Júlia acabou vindo


para seu colo e dormiu quase que imediatamente. Sem ter muita escolha do
que fazer, ela olhou para trás e viu que havia alguns panfletos sobre
viticultura. Pegou um deles e logo o conteúdo pareceu bastante interessante,
ao ponto de até mesmo esquecer do barulho abafado de dentro do escritório.

Foi assim que Thiago as encontrou quando abriu a porta e saiu junto
com a mulher. Ele arrumando o terno e a mulher os cabelos e o vestido
amarrotado.À pesar se ter escutado o fecho da porta se abrindo, Bárbara não
se moveu ou se quer olhou para o rumo do barulho, mas viu pela visão
periférica eles se beijarem sofregamente e após disto, a mulher ir embora.

Thiago, então, parou na porta de sua sala, os olhos velados,


admirando o quadro: a menina adormecida nos braços de Bárbara, que
parecia concentrada na leitura de um boletim informativo.

Bárbara sentiu o olhar dele e levantou a cabeça, então, Thiago veio


até elas, e fez menção de abaixar se para pegar Júlia no colo, mas Bárbara foi
mais rápida, levantou se e seguiu rumando para a saída, desta vez, tendo a
permissão de passagem cedida pelos "Mad Mens”.

Thiago nada disse, a acompanhou em silêncio enquanto Bárbara ia


andando na frente. O trajeto até chegarem à volta foi silencioso e quando o
carro parou, anunciando a chegada na casa, Thiago tornou a tentar carregar
Júlia, mas Bárbara saíra rapidamente com a menina nos braços, assim que o
carro parou.

Bárbara atravessou o pátio, entrou na casa e Gabriela, as


recepcionou.

— Aonde fica o quarto de Júlia? — Bárbara perguntou para a


menina enquanto Thiago chegava em seu encalço.

Buscando o olhar atrás de Bárbara, Gabriela indicou a escada e


ambas subiram. Bárbara ainda mantinha a criança, que dormia, em seu colo e
ainda se segurava para não abrir mão do pouco controle que ainda tinha sobre
suas emoções.

Gabriela abriu a porta do quarto da menina e Bárbara entrou. Havia


uma bandeja de prata, tampada depositada em cima de um criado mudo.
Bárbara dispensou gentilmente Gabriela, indicando que ela mesma cuidaria
da criança, pensando assim, ser esta a melhor forma de distanciar-se
temporariamente de Thiago. Estava muito magoada e chateada pela forma
como fora humilhada.

Poucos minutos depois, Thiago adentrou no quarto e apoiou-se na


porta e ficou olhando enquanto Bárbara despertava a filha carinhosamente,
alimentando-a com cuidado e carinho. Em silêncio, ele observou Bárbara
lavar o rostinho da filha e prepará-la para dormir.

Depois de algum tempo ninando-a, Thiago aproximou-se de Bárbara


e, desta vez, pegou a criança no colo, já adormecida e colocou-a
cuidadosamente no berço.
— Vamos. — A ordem era de tom ríspido e cortante.

Bárbara adiara tanto quanto podia, mas não suportava a ideia de ter
que aguentar a presença de Thiago sem descarregar tudo o que sentia.

Como ela pôde viver em um casamento como aquele? —


Perguntava-se obstinadamente.

Quando fecharam a porta do quarto de Júlia e Bárbara se viu sozinha


com ele no longo corredor, perguntou:

— Para onde vamos?

Thiago apenas levantou uma das sobrancelhas e indicou uma porta


quase no fim do corredor.

— Vá até aquela porta e entre.

Virando de costas para ele e seguiu em frente, fazendo exatamente o


que Thiago havia mandado. Bárbara abriu a porta e teve a visão de um quarto
magnífico, acarpetado num tom pálido de cinza e paredes pintadas de azul
escuro. O cômodo era enorme e todo decorado em tons pretos, claramente era
um quarto masculino. Havia uma poltrona confortável e uma cama
gigantesca. As janelas do chão ao teto abriam para a sacada, ao longe, via-se
a grande montanha. A vista do vale e da montanha era fascinante ao luar.

— O closet é naquela porta à sua esquerda, Bárbara. Vai usar este


quarto em vez daquele do outro.

— E porquê? — Ela indagou, irritada, esquecendo a resolução de


não reagir ou provocar. Estava ferida e irritada demais para recordar-se. —
Está me dizendo que vou ficar neste quarto como sua esposa?

— Vamos partilhar o mesmo quarto, mas não estará na condição de


minha esposa... Não tenho interesse algum em você, mas será como uma
prisioneira, talvez. Mas como esposa, nunca. Não ficou aqui como minha
esposa, e não é agora que vai ficar.

— Você acha que pode simplesmente durante o dia manter relações


sexuais com aquela... aquela... bunduda, e logo mais à noite, vir dormir
comigo na mesma cama?! Isso é sujo e imoral!

Thiago pareceu por um momento estagnar de surpresa, mas


recuperou tão rapidamente o semblante de frieza costumeiro que Bárbara
achou ter visto errado.

— Para quê manter essa pose de rogada se sabemos que o termo


"relação sexual" não cabe a nenhum de nós dois. — Ele fez uma breve pausa
chegando mais perto de maneira ameaçadora, dizendo: — Eu fodo, Bárbara.
Deixei bem claro isso a você quando fodemos juntos. Nunca é nada, é só pele
e carne, não me relaciono amorosamente e muito menos faço amor. E digo a
você que com quem eu fodo ou deixo de foder, isso dirá respeito somente a
mim. Isto nunca foi pauta de discussão no nosso casamento.

— Pois está errado, Thiago! Eu exijo respeito! Não quero presenciar


você com outra pessoa tão abertamente como foi hoje à tarde! E o pior, na
frente de sua filha! Antes, me deixasse aqui com ela! Se estivéssemos
separados, seria uma coisa... agora, estando ainda casados?! Eu exijo ser
tratada com respeito! — Tornou a dizer.
Thiago a encarou com cinismo semblante. Cruzou os braços e
aproximou-se mais ainda dela. Bárbara teve plena noção de seu tamanho e
quão perigoso e intimidador Thiago parecia ser tendo aquele porte todo.

— Você acha que pode me dar ordens? Exigir coisas das quais nem
você mesma cumpriu no passado, garota? O tempo que esteve aqui todos
souberam a quão promíscua e traidora você é!

Thiago pausou o momento da fala para pegar no braço de Bárbara e


apertar trazendo a mais para perto.

— Fez questão de quebrar o acordo sem esconder de ninguém... —


Falou com um brilho diabólico no rosto. — Os membros da máfia souberam!
Meu pai soube! E por causa disso, você terá o castigo que merece... Isso para
que saibam que ninguém desonra um Guerra, nem mesmo a esposa
vagabunda e interesseira do chefe.

Com um ódio descomunal estampado no rosto, Thiago encheu uma


das mãos de cabelo de Bárbara e puxou sua cabeça para traz. Bárbara, ao
sentir a fisgada do puxão, tentou retirar as mãos de Thiago de seu cabelo, mas
teve a mão capturada e esmagada contra a força que Thiago fazia em apertar.

— E eu só não lhe aplico o castigo agora, porque minha filha


enxergou algo em meio a essa podridão que é a sua existência. E eu vou
permitir, por enquanto, esta fase de adaptação..., mas quando ela estiver
familiarizada... Haverá uma punição, Bárbara. E vou aplica-la perante todos
da famiglia, pode ter certeza! E será algo exemplar! — Sorriu de um jeito que
nem se quer chegou até os olhos. — Quanto a Graziela, não está para
discussão os lugares do qual eu fodo com ela....
Aquilo era o fim. Todo seu auto controle desmoronou. Sentia que era
muita informação para ser processada no dia e a ameaça era o ápice para
desencadear o que estava por vir. Tarde demais.

Bárbara não pensou no que faria. De repente, uma onda de histeria a


dominou.

Deixou que as lágrimas caíssem e voltou-se para Thiago com o


impulso de um animal em defesa própria. Todo o controle que tinha exercido
sobre si mesma nas últimas semanas se quebrou, cedendo ao esgotamento.
Chutando, arranhando, gritando sua raiva, ela o atacou com fúria quase
assassina.

Thiago a agarrou, tentando se proteger. Mas era impossível. Ela


puxou sua camisa, fazendo voar os botões, rasgando o tecido. Enfiou as
unhas no rosto dele, deixando trilhas que gotejavam sangue. Ele a prendeu,
mas Bárbara conseguiu se soltar e fugir. Thiago agarrou seu vestido, porém o
tecido fino rasgou-se.

Xingando muito, ele a alcançou e segurou com força, caindo juntos,


num baque, no chão. De repente a porta do quarto se abriu. Os soldados
olhavam de olhos arregalados sem muito saber o que fazer.

Ela não estava mais gritando. Não tinha fôlego. Estava caída no
chão, esmagada pelo peso dele, o ruído das respirações dos dois se
misturando. Ele prendia os pulsos dela acima de sua cabeça com mão de aço,
o rosto tão próximo ao dela que quase a sufocava. De olhos bem abertos,
Bárbara fuzilou-o com um olhar de ódio, cheio de lágrimas.

— Fora daqui! — Ele gritou firme e forte, para os homens armados.


— E fechem a porra desta porta!
Os soldados obedeceram.

Thiago voltou o olhar para Bárbara que ainda tentava lutar contra ele
e se soltar, e, com as costas da mão, acertou lhe um tapa forte e sonoro no
lado esquerdo, fazendo com que o rosto dela virasse para o lado.

— Isto é para você aprender a me respeitar! — Falou em seu rosto.


—Você vai até aonde eu quero e com quem eu quero. Quem manda aqui e
em você, sou eu!

De olhos arregalados, Bárbara imediatamente começou a chorar


copiosamente. Era um choro doloroso e silencioso. Profundos soluços
convulsos sacudiam seu corpo esmagado sob o peso dele. Estava muito
pálida, e por alguns segundos, Thiago ainda a manteve presa observando-a de
perto com o olhar de plena fúria.

Para não lhe fazer coisa pior, ele finalmente saiu de cima, a deixando
no chão, estendida aos prantos.
Capítulo 11

Bárbara escutou o barulho da porta sendo fechada, mas não se deu


ao trabalho de olhar para trás e ver quem era. Estava deitada na cama e de
costas para a porta. Sentia o lado esquerdo do rosto arder e uma queimação
na garganta e no peito. Mas a pior sensação era a física, que a rondava: A
humilhação.

Era muito difícil de explicar a si mesma, como, e quando havia


compactuado em viver daquele modo num relacionamento aparentemente
abusivo. Tinha certeza que jamais nutrira sentimentos de desejos por homens
violentos e lá estava ela: Casada com um.

Ainda não acreditava que havia levado um tapa de um homem, e que


este mesmo homem queria obriga-la a dormir com ele, na mesma cama,
mesmo após ter se relacionado sexualmente com alguém ao longo do dia.

O bolor em sua garganta só aumentava. Queria gritar, correr e fugir.


Mas quando pensava nisto, o rostinho meigo e inocente de Júlia, preenchia
sua mente.

Não posso fugir e deixar minha filha para trás! — Alegou


veementemente para si.

Experimentou de uma premonição ruim quando sentiu alguém


parado atrás de suas costas. Escutou o farfalhar de roupas e logo após, a voz
grave e rouca de Thiago:
— Quero você pronta em 30 minutos. O jantar será servido na ante
sala do lado leste.

Ela demorou alguns segundos para processar a informação. Juntou


as forças que tinha, guardou a magoa que sentia e vestiu a armadura de força,
que sabia que teria de ter.

Levantou-se da cama, passou as mãos pelo rosto e encarou Thiago,


que a olhava com frieza. Assentindo mediante a informação, caminhou para o
banheiro de cabeça baixa e trancou se lá. Soltando o ar que nem sabia que
havia prendido.

Abriu a porta do quarto envolta num roupão de algodão preto e


grande demais. Pensou na mesma hora em que vestiu, ser de Thiago e sentiu
se retesa, mas achou melhor do que sair do banheiro nua.

Entrou no grande closet e viu que os cabides eram abastecidos de


muitas roupas, mas que, a maioria, eram espalhafatosas demais, curtas
demais, ou provocantes demais. Nada ali parecia condizer com seu gosto.
Mas por sorte, havia um jeans que quase não lhe entrara, e uma blusa de
alcinhas que ficara demasiadamente apertada no busto.

Abaixou-se e analisou todos aqueles infinitos pares de sapatos. Não


havia nenhum sapato simples, ou que simplesmente servisse para
ocasiões que não fossem uma festa. Cogitou descer descalça, mas
relutantemente, escolheu e calçou um sapato de salto, que dentre todos, achou
ser o mais básico.

O sapato ficara grande em seu pé, estranhamente, ela não calçava


mais aquele tamanho. Sentou se num pequeno assento que havia e travou
uma pequena batalha para fechar o fecho do sapato. Os dedos das mãos,
ainda estavam rígidos por conta do acidente, e não respondiam com agilidade
para executar o pequeno serviço. Desistindo, resolveu não amarrar os sapatos.

Fez uma leve maquiagem, apenas para esconder um pouco as


manchas roxas e esverdeadas que teimavam em não abandonar seu rosto.

Uma vez pronta, viu que estava alguns minutos atrasada. Levou um
susto quando abriu a porta e viu que não estava sozinha. O tempo todo havia
um "Mad men" parado ali como se fosse um guarda dos aposentos real.
Apressada e um pouco atrapalhada, descobriu que andar naqueles saltos sem
o fecho estar fechado, era mais difícil do que pensava.

Demorando-se um pouco, andou com cuidado extremo para não


tropeçar. Chegou até o saguão de entrada e ficou parada, sem saber o
próximo passo que daria. Soube, naquele exato momento que era péssima em
geografia, pois, não fazia ideia de onde ficava o lado leste naquela grande
casa.

Apreensiva, escutou alguns sons vindos de um lugar nos fundos da


grade casa. O barulho de talheres e tilintar de taças, a fizeram deduzir que ali
era onde o jantar seria servido.

Ao adentrar no recinto de extrema opulência, a conversa baixa e


concisa fora encerrada imediatamente. Marietta se quer disfarçou quando a
olhou dos pés à cabeça sem esconder a animosidade que sentia. Bárbara
acuada, viu Thiago, com um maneio de cabeça, indicar aonde ela devia se
sentar. À sua direita.

Uma mulher baixinha, de gestos delicados e andar leve, era quem


servia a mesa. Ileana, que Bárbara descobriu mais tarde ser a irmã mais velha
de Gabriela, entrava às vezes na sala de jantar para ajudar a mulher baixinha,
cujo nome era Anna.

Thiago estava à cabeceira da mesa esplendidamente arrumada. A


avó, de costas eretas e porte imperial, sentada à esquerda dele. Ela ignorou
totalmente a presença de Bárbara como se a moça fosse invisível.

Thiago e a avó discutiram os acontecimentos do dia, o estado da


colheita e os negócios da grande companhia que ele controlava. De certa
forma, ficou esclarecido que cada comércio e negócio que a família tinha, era
apenas um disfarce para o verdadeiro negócio que os Guerra controlavam.

Marietta parecia muito familiarizada com todas as operações


ilícitas do gigantesco negócio familiar. Thiago a ouvia cuidadosamente,
pesando tudo o que ela dizia e questionando os pontos com que não
concordava. Bárbara concluiu que ele levava em alta conta as coisas que a
mulher dizia.

Aproveitou para observá-lo direito. A luz suave, realçando os


contornos firmes e quadrado do queixo, das faces e da testa. Os cabelos
negros e de corte formal, os cílios eram longos e fartos, velando os olhos
profundos, negros e misteriosos, o nariz era reto e os lábios eram cheios e
sensuais, reparou que a barba cerrada lhe acrescentava um aspecto rústico e
selvagem de beleza.Bárbara suspirou e endireitou o corpo, olhando para a
taça de vinho a sua frente, evitando com todas as forças pensar na insistente
ardência que sentia do lado esquerdo, decorrente do tapa.

A situação era sem saída. Não pertencia àquele mundo. Quanto mais
depressa entendesse aquilo, mais fácil seria sobreviver ali. Thiago só queria
uma coisa dela. E, quanto mais cedo conseguisse revelar o paradeiro do filho,
mais depressa o castigo viria e só de pensar no que Thiago guardava para ela,
arrepiava-se.

Por que teria feito isso? Começava a suspeitar que nunca teria essa
resposta.

— E então? — Thiago perguntou ríspido, assustando-a.

— Desculpe — Ela respondeu olhando para ele confusa. — Não


estava prestando atenção.

— Eu decidi que não quero que leve Júlia para passar os dias no
escritório com você. — Ele disse, olhando-a firmemente. — E, como a garota
parece querer ficar a seu lado o tempo inteiro, nonna, está dividida se
concorda com isto ou não...

Bárbara sentiu o desafio imposto. Thiago só dizia aquilo, pois,


claramente, ele já havia tomado a decisão. Á pesar de levar em conta a
opinião da matriarca, a última palavra ainda continuava sendo a dele.

Bárbara olhou para o rosto reprovador da avó de Thiago e ficou


apreensiva.

— Por que eu não posso ficar aqui na casa cuidando dela?

— Vai começar com este assunto novamente, ou eu preciso lembrá-


la de que quem toma as decisões aqui sou eu? —Thiago a viu engolir em
seco, provavelmente lembrando de momentos atrás. — Não seja obtusa,
Bárbara. Você sabe muito bem que vai passar todos os minutos de cada dia a
meu lado.

A avó fez menção de se levantar e imediatamente, Thiago, se pôs de


pé para ajudá-la.

— Vou subir agora. — Ela disse. — Devo deixá-los a sós para


resolverem suas diferenças. Boa noite.

Marietta deu uma olhada para Bárbara, na qual havia um breve


indício de preocupação escondida. Surpresa e ainda incerta de ter mesmo
visto aquele abrandamento nos olhos da velha senhora, ela murmurou uma
frase polida e viu-se a sós com aquele homem a seu lado.

— Amanhã veremos como Júlia se adapta sem você... E adianto que


se você tentar tornar as coisas difíceis fazendo chantagem emocional, eu não
respondo por mim. — Thiago olhava para ela cheio de ojeriza. — Vamos.
Tive um longo dia e está na hora de dormirmos.

Bárbara seguiu-o meio trôpega sem conseguir dizer nada, o coração


batendo forte e descompassado. Ao chegarem na porta do quarto, entendeu
exatamente o que ele tinha dito. Thiago pretendia ir para a cama com ela.

Bárbara sentiu o sangue gelar. Todo seu ser repudiava aquela ideia.
Ela estremeceu olhando-o com desprazer. Não conseguia entrar no quarto.
Era estranho, constrangedor e íntimo demais. Thiago percebeu e sorriu cheio
de maldade, parecendo divertir-se às custas do medo dela.

Como forma de protelar o momento, Bárbara disse de repente:


— Tenho… tenho que dar uma olhada na Júlia. — Murmurou
apreensiva. — Ela pode estar descoberta.

Thiago a olhava como se estivesse paciente, mas quem o visse por


dentro, diria completamente o contrário.

— Vou com você dar uma olhada nela. Mas pode estar certa que não
vai conseguir escapar.

Muda, com a garganta seca e o coração apertado no peito sem saber


direito como seria, Bárbara foi até o quarto de Júlia. Na penumbra da
lâmpada noturna ela viu a menina encolhida, descoberta, as mãozinhas
relaxadas sobre o lençol. Bárbara curvou-se sobre o berço, murmurando
palavras doces e arrumou as cobertas.

Acariciou os cabelos escuros, sentindo um amor enorme invadir lhe.


Como podia ter dado à luz uma coisinha tão linda e se esquecer disso tão
completamente?

Um ruído levíssimo chamou sua atenção. Era Gabriela.

— Pensei que ela tinha chorado — Ela disse baixinho. — Entrei para
ver.

— Obrigada, Gabriela. — Bárbara disse. — Não sabia que você


estava aqui.

— Ah, estou sim. — A moça respondeu, sorrindo. — Tenho ordens


de dormir aqui no quarto vizinho. Sou eu que tomo conta dela. Dia e noite.
— Muito obrigada — Bárbara disse, rindo para ela em aprovação. —
Está trabalhando muito bem. Desculpe ter incomodado você. Boa-noite.

Thiago assistia tudo impaciente, mas controlado. Diante do


inevitável, Bárbara olhou para o homem que a esperava. Buscava
desesperadamente uma razão para adiar ainda mais a entrada no grande
quarto de casal. Mas não havia jeito. Ela tinha medo dele, e a ideia de
dormirem juntos não ajudava ou se quer amenizava esse sentimento.

Dura, muda, ela entrou e ouviu a porta se fechar atrás de si. Olhou
para os lados e respirando fundo, dirigiu se até o closet para trocar de
roupa. Para seu desespero, nenhuma roupa de dormir ali era descente. Sem
dúvidas, as camisolas pareciam ter vindas diretamente de um guarda roupa de
atriz de filmes eróticos.

Como conseguiria vestir aquilo sem sentir vergonha?

Pensou em Thiago que a esperava no quarto e sentiu o rosto


ruborizar e um gemido de frustração escapou lhe da boca. No momento
seguinte escolheu uma das camisolas às cegas e vestiu. A camisola ficara
bastante curta e boa parte dos seios não estavam cobertos pelo tecido, o
decote era completamente amplo e o tecido transparente revelava o bico dos
seios.

Ao sair, dera de cara com Thiago, sem camisa, na cama, embrulhado


até a cintura com as mãos atrás da cabeça, numa postura claramente relaxada.
Ele a olhava com um brilho predatório e zombeteiro. Pensando em ser forte,
Bárbara, colocou os cabelos para trás e empinou a cabeça, indo em direção a
grande cama. O tempo todo estava ciente de que ele a olhava, mas o ignorou.
Se ele tinha escolhido se deitar com ela, teria de engoli-la com
aquelas roupas de dormir, todas as noites.

Com confiança, abriu o edredom e enfiou se debaixo, afastando se


ao máximo para a ponta da cama. Mas de repente fora puxada pela cintura e
bateu de encontro a uma muralha de músculos. Apreensiva, arregalou os
olhos e tentou desvencilhar se, mas Thiago abaixou e falou ao seu ouvido
prendendo com força seu rosto no travesseiro:

— Se eu quiser te tomar agora e fodê-la como a puta que você é, eu


faço. Mas você não vale o esforço.

Contraída e interiormente intimidada, Bárbara permaneceu estática,


respirando rápido. Até que sentiu Thiago deixá-la e se afastar.

Agoniada, respirou fundo, tentando aplacar os batimentos cardíacos


e se acalmar. Thiago havia ido para o outro lado da cama, mantendo a boa
distância. Bárbara olhou por cima dos ombros e viu que ele estava com o ante
braço por cima do rosto, e parecia dormir tranquilamente, como se não
houvesse feito nada.

Cansada do dia turbulento, resolveu fechar os olhos e se concentrar


no sono que sentia. Dormiu um sono inquieto e cheio de flashes de memórias
distorcidas.
Capítulo 12

Bárbara despertou com um susto quando Thiago a sacudiu


bruscamente.
— Acorda.

Ela olhou meio confusa para os lados enxergando tudo escuro a volta
deles. Ela se levantou, mas teve muita dificuldade para reconhecer aonde
estava. Lutava bravamente contra o sono quando impensadamente perguntou:
— Que horas são?
—Hora de levantar. E ande depressa. Quero tomar o café da manhã
dentro de quinze minutos. Vista um jeans e traga agasalho.

Ainda um pouco grogue de sono, Bárbara levantou e se espreguiçou.


Reteve-se um momento ao ver Thiago de costas vestindo a calça. Ele tinha
ombros largos e pernas longas e bem definidas, os músculos das costas
trabalhavam mediante o esforço dele em se vestir. Ele estava terminando de
subir o zíper quando virou se e viu Bárbara parada o analisando.
—Vai ficar parada aí, porra? Falei quinze minutos.
Envergonhada, ela correu para o banheiro, contente pela pressa que a
impedia de pensar na gafe que acabava de cometer.

Depois de um banho rápido, correu para o closet enrolada em um


grande roupão negro que achou no banheiro. Procurou na parte de calças e
camisas, e novamente teve um pouco de trabalho em achar algo que lhe
coubesse de forma confortável. Optou por uma calça jeans com detalhes
rasgados que foi a que lhe serviu melhor e uma camisa preta absurdamente
enfeitada com pedrarias e tachas de metal. Achou extravagante, mas vestiu
assim mesmo.
Bárbara virou se para a entrada do closet e Thiago estava parado
olhando em direção aos seus seios, bem aonde concentrava-se a parte mais
extravagante da camiseta.

— Não tem nada adequado para vestir — ela explicou dando de


ombros. — Esta roupa é desproporcional, mas todo o resto só serve para
festas. E nenhum sapato serve, a não ser que a gente vá para o met gala. De
qualquer forma, todos os sapatos são grandes para mim.
— Como assim? — ele perguntou, parecendo pela primeira
vez realmente intrigado.
— Bom, não são enormes, mas os que provei ficaram folgados.
Acho que perdi peso. Mas isto não explicaria as roupas, já que estão meio
justas.

Thiago franziu o cenho achando estranheza no comentário e foi até o


acervo de sapatos enfileirados. Escolhendo um dentre vários, mostrou para
ela e disse:

— Acho que era este sapato que você usava com essa roupa aí.
— É claro que eu não costumava sair para caminhadas matinais
antes, se usava esse sapato aí... — Ela disse rindo, mas contendo-se quando
viu o semblante sério do homem.

Eram sapatos de salto altíssimo e muito fino. As tiras de couro preto


decoradas como a blusa. Thiago fez um barulho de impaciência e atirou as
sandálias num canto.
— Você nunca levantava antes do meio-dia. E nunca saíamos juntos.
Depois de procurar na prateleira de baixo, Thiago encontrou um par
de tênis e os deu para Bárbara, achando que ela ia recusá-los.

— Tome, calce isto.


Ela pegou o tênis nas mãos e procurou o mesmo banquinho da noite
anterior e tentou calçar o tênis.
O tamanho de Thiago comparado ao tamanho do closet, deixava o
ambiente estreito, e isto a deixava nervosa. Além disso, seus dedos duros por
causa do acidente, faziam com que Bárbara se atrapalhasse com os cadarços
do tênis.

Vendo que ela mantinha uma certa dificuldade com os dedos, Thiago
soltou um impropério em sinal de impaciência.
— Deixe que eu amarro. — Ele interveio abaixando se a sua frente.
Bárbara prendeu a respiração, o coração batendo forte ao senti-lo tão
perto. Geralmente ele era uma ameaça e na noite anterior havia provado ser
bastante agressivo, não era sempre que ele parecia ser prestativo. Apenas
quando queria.

—Vamos. Já tomou boa parte do meu tempo.


E lá estava! Thiago estava de novo odioso. Era como se lamentasse o
fato de ter cedido a ponto de ajudá-la com os cadarços.
Desceram as escadas e entraram na saleta ao lado da cozinha. A avó
dele já estava sentada à mesa, comendo um pedaço de pão fresquinho.
Vestida toda de preto ela limitou-se a fazer um breve aceno de cabeça para
Bárbara. Mas com Thiago foi diferente o tratamento.

— Buon giorno, nipote.


Thiago a cumprimentou com um beijo na bochecha e iniciaram uma
conversa sobre o que fariam naquele dia, ignorando Bárbara como no outro
dia.
Ela ainda estava com sono e cansada do dia anterior, por isso
limitou-se a tomar uma xícara de café puro, sorvendo em pequenos goles,
enquanto sua mente ainda tentava acordar.

Quando ela ia pegar um pedaço de pão, Thiago a interrompeu.

— O momento de desjejum terminou, Bárbara.


Ela se sentiu um pouco tímida e guardou a mão, engolindo a
vergonha com um certo orgulho. Levantou-se junto com eles e saiu para o ar
fresco da manhã.

O céu já tinha clareado bastante e Bárbara respirou fundo olhando o


sol que subia dos montes, colorindo o céu inteiro. Ela não notou os olhos
negros que a observavam com cáustico cinismo, recusando-se a se permitir
sentir sentimentos mais suaves.
Um belo cavalo negro agitou-se quando Thiago se aproximou para
acariciar o pescoço forte. Ele acariciou a crina do vigoroso animal de olhos
inteligentes e Bárbara estranhamente sentiu-se ligada e maravilhada com o
animal em questão.
Ela aproximou-se do cavalo e analisou seu porte, concluindo que
deveria ser de alguma raça pura.

— Ele é lindo! Posso agradá-lo também, Thiago? — ela pediu,


olhando maravilhada para o grande animal.
— Limite-se a fingir que gosta apenas de cachorro. — Ele disse
secamente e rude.
Com a resposta mal dada, Bárbara se retraiu e indignou-se.
Estava prestes a perguntar a Thiago qual era o problema dele, mas o
grande cachorro da família, veio correndo de algum lugar e saltou sobre ela,
carinhoso. Ela se assustou um pouco com a força do animal, e reclamou um
pouco de dor, mas riu para o bicho, afagando-o ligeiramente.

Bárbara subiu num grande Jeep e sentou-se no lado do motorista,


onde Marietta conduziria. Thiago ia cavalo na frente, e a avó dirigindo o
veículo com habilidade. Ao chegarem perto de um grande monte revestido de
plantações de uvas, decidiram parar e começar a grande inspeção dali a
pé. Marcharam por quase duas horas.
Bárbara passou boa parte do tempo remoendo o que ele tinha
querido dizer ao mandá-la parar de fingir, e sobre as outras atitudes grosseiras
e violentas.
Se ela não recobrasse a memória depressa, ia acabar sendo
machucada, ou quem sabe, até morta! Quem poderia calcular as atitudes de
Thiago? — Refletia.

Se não estivesse sofrendo de amnésia, Bárbara tinha certeza que não


o suportaria e que jamais se casaria com ele. Mas evidentemente o destino
não acreditava nisso. Ele esperava que seu método violento e descomunal
fosse funcionar e ela cederia e lembraria de algo.
E o que aconteceria com ela se não funcionasse? Mais importante
ainda: o que ia acontecer com o menino que ela tinha abandonado em algum
lugar? Será que algum dia seria capaz de ajudar Thiago na busca? Será que
o havia deixado aos cuidados de alguém que pudesse lhe dar todo o conforto
de que uma criança precisa?

Fosse qual fosse a razão que a tinha levado a fazer isso, Bárbara
achava que sua atitude era imperdoável. Sem dúvida deveria haver meios
mais eficazes de punir um homem que não fossem usar dois bebês inocentes
como reféns de seus próprios desejos.

Ela olhou o homem que caminhava lado a lado com a avó à sua
frente. Realmente não podia esperar dele nenhuma consideração, mas e as
violências e ameaças? E a tal punição que tanto falava que lhe aplicaria
quando Júlia estivesse menos apegada?
Se não recobrasse a memória, merecia qualquer castigo que ele
resolvesse impor? E se caso aceitasse, teria de cumprir com o castigo sem
protestar ou se quer pedir clemência?
Sabia que Thiago havia colocado gente para traçar todos os seus
passos antes de embarcar no Brasil para a Europa com Júlia e o tal de
Dominic Lang, mas ela não fazia ideia dos progressos da investigação.

O Brasil era grande, populoso e os cidadãos brasileiros podiam


viajar pelos países vizinhos sem precisarem de vistos especiais. Bárbara
cogitou a abominável, mas possível ideia de que ela poderia ter deixado a
criança em qualquer um dos países da América do Sul, já que pelos relatos
seu intuito sempre fora esconder a criança do pai.
Se pelo menos tivesse deixado pistas que pudessem descobrir! Se
pelo menos conseguisse livrar
se daquela amnésia que bloqueava todas as suas lembranças! Thiago sem
dúvida usaria de todo seu poder para encontrar o filho e ela desejava
profundamente poder ajudá-lo mais.
Estavam no alto da colina agora. As vinhas desciam pela encosta até
o vale lá embaixo, subindo pela montanha do outro lado. Era época de
colheita e ao que parecia, Marietta gostava de supervisionar pessoalmente o
trabalho dos empregados.
Cada ala de videiras tinha postes a intervalos regulares com arames
indo de um a outro. Bárbara concluiu que serviam de suporte para os galhos.
Thiago e a avó discutiam os cuidados que seriam necessários, quando
terminasse a limpeza das plantas. Marietta parecia saber tanto quanto Thiago,
m

Tudo ali era muito bonito e bem cuidado. Ao longe se via os barris
em carvalho usados na preparação do vinho e pessoas praticando a pisa nas
uvas, dentro de grandes lagares de inox. Thiago conversava de maneira
polida com a avó e parecia fazer aquilo somente para satisfaze-la. Era claro
que seu ramo de negócios eram outros.
Bárbara ouvia tudo interessada, louca para fazer perguntas. Mas não
queria chamar atenção. Estava fascinada. A paisagem era belíssima, e o
cheiro era uma delícia. Era revigorante estar ali em contato com todas aquelas
belezas e surpreendentemente, ela se sentia bem. Se pelo menos pudesse
lembrar como era sua vida antes naquele lugar tão lindo...

Um mês depois e a convivência com Thiago tinha se tornado quase


que insuportável. Era fato que cada dia mais ficava difícil para ela conviver
com as maldades e humilhações com que ele a tratava.

Um dia, depois de se aprontarem para dormir e de terem passado por


um dia bastante cansativo, Thiago simplesmente decidira que ela não
dormiria mais na cama. Ela estava cansada e ele sabia. Bárbara estava com
dor nas costas e tudo o que almejava era deitar-se.
Quando ela escutou Thiago dizer, que ela estava proibida de se
deitar aquela noite na mesma cama que ele, Bárbara engoliu o
constrangimento e respirou fundo. Levantou a cabeça e olhou nos olhos de
Thiago quando perguntou:
— Então aonde sugere que eu durma?

— O chão é acarpetado, vai lhe servir bem


Ela não acreditou no que havia ouvido e abriu a boca e fechou em
seguida. Estava furiosa e hiper ventilava, pois, de tudo que já passara ali, o
ápice estava sendo aquilo.
— Qualquer lugar, é melhor que a seu lado, Thiago.

Thiago a olhou diabolicamente antes de virar para o lado e apagar as


luzes e deixar o quarto no escuro.
Bárbara marchou até o lado da cama para pegar um travesseiro,
quando a voz potente soou:
— Não lhe dei permissão para pegar nada.

Com os olhos ardendo, ela deitou-se no chão, usando o braço como


apoio da cabeça. Naquela noite o frio que sentia pouco deixou que dormisse.
O carpete despertava nela coriza e coceiras no corpo. Fora uma das piores
noites de sua vida.
Naquela manhã, Thiago havia imposto uma nova condição na rotina
de Júlia. A partir daquele dia, a criança não teria mais permissão para
acompanha-los quando saíssem pelas as manhãs. A menina ficaria aos
cuidados da babá.
A decisão fora o fim para Bárbara, mas ela infelizmente aceitou por
medo do que Thiago pudesse fazer com ela caso se negasse a aceitar.

Naquele dia, Bárbara tinha feito questão de aprontar a filhinha e dar-


lhe o café da manhã. Depois disto, não conseguira disfarçar que precisaria
sair e não a levaria. O tempo inteiro ela tinha dito e repetido que ia apenas
sair com o papai e que voltaria logo, mas Júlia tinha chorado muito.
Finalmente depois de um tempo a criança a deixou ir, mas ainda era visível
os vestígios de choro, o corpinho ainda sacudia por soluços.
O rostinho molhado de lágrimas machucou o coração de Bárbara,
quando beijou a filha. Thiago, que observara tudo silenciosamente, não se
comoveu e nenhum momento. No final, beijou a menina também,
murmurando breve palavras em italiano e dizendo que logo voltariam.

O choro de Júlia ainda ecoava em seus ouvidos e ela afundava em


remorso. Bárbara achava uma crueldade sem sentido privar a criança da
presença dela, já que era a mãe.
Estavam indo para algum lugar que ela não fazia ideia de onde era,
apesar de estar olhando pela janela. Bárbara realmente não conseguia
enxergar nada devido ao tamanho de sua revolta.
Ao parar o carro na frente do grande prédio espelhado ela saltou do
carro assim que ele havia parado. E saiu andando na frente, louca para chegar
logo aquela sala sem vida e ficar ali as horas que tinha que ficar. Cumpriria o
martírio com ódio naquele dia. Escutou a porta do carro ser batida com certa
força e andou mais depressa.

Sentiu o braço ser pego bruscamente e bateu com o corpo em Thiago


ao voltar-se.
— Não me toque! — Ela sibilou parecendo uma leoa ferida. — Você
é horrível! Eu aceito que você me puna com as suas cretinices, mas como
pode sacrificar tanto sua própria filha?! Se quiser usar algo para me ferir
diretamente, pode usar, mas não use minha filha!
Thiago mantinha o semblante frio e indolente. Mas o escárnio no
tom de voz foi inevitável quando ele disse:

— Nos seis meses logo depois que os gêmeos nasceram você nem
olhava para eles. Sentia nojo ao amamenta-los... Fico surpreso em ver que se
importa com Júlia agora. Espero que se importe com Pedro assim também.

Saber daquelas informações a magoou mais do que o episódio com a


filha minutos atrás e aquilo a desestabilizou.

— Não posso negar que a Júlia ama você, e não posso negar que
você demonstra amor por sua filha. E isso, é absolutamente surpreendente
vindo do seu caráter..., mas eu continuo a odiando, e não acreditando em
nada que venha de você.
Ela estava confusa e atormentada pelas palavras sem piedade dele.
Thiago achava impossível ela amar os próprios filhos. Mas o espectro do
filho desaparecido a atormentava e dizia que ela realmente não os amava.
Olhou para Thiago, aquele belo homem em forma de monstro que a assolava,
deixando-a depressiva e magoada a cada dia com tantas perguntas sem
resposta.

De olhos marejados, cabeça confusa e extremamente angustiada e


triste, Bárbara sacudia a cabeça negativamente para Thiago. Ele inclinou-se
para ela e tentou tocá-la. Com medo, Bárbara achou que era mais uma de suas
violências descomedidas, e bateu sua mão na mão dele, afastando a para o
lado, completamente perturbada pela memória assombrosa dos
acontecimentos anteriores.
— Falei para não tocar em mim!
Gritou para ele fechando os olhos por um momento e abrindo os em
seguida. Num relâmpago de raiva Thiago se aproximou e agarrou-a entre os
braços, puxando-a para um canto meio escondido.

— Toco em você a hora que bem entender, me ouviu? — Ele a


balançou com brusquidão.

— Por favor, está me machucando!


— Não volte a falar comigo desta maneira e muito menos na frente
dos meus homens. Eu juro que te jogo dentro de um poço e a deixo lá por um
mês.

— Mas tão cedo e já fazendo ameaças, Thiago?

A voz feminina, irônica, fez com que Thiago levantasse a cabeça


devagar, apertando os olhos para olhar a mulher parada ao lado deles.
— Fora daqui, Alma. — Ele vociferou. — Cuide da sua vida ou eu
mesmo te ponho no seu lugar me certificando de que você não tenha mais
uma para cuidar.
Ele voltou a olhar para Bárbara, e de repente ele não a tocou mais.
Largou a como se fosse um objeto que desistisse de comprar.

— Não me vire as costas nunca mais. Esteja avisada que sou eu


quem ando na frente. — A maneira arrogante deixara bem claro o ar de
superioridade.
Thiago saiu e a deixou ali, Bárbara soltou a respiração e passou as
mãos no rosto, exasperada; mas logo escutou a voz dele a chamando e de
modo meio atrapalhado e apressado saiu de encontro a ele.
Capítulo 13

Ela já sabia que deveria sempre esperar naquela sala sem graça. O
tédio era tanto que ela já podia jurar que o assento tinha a anatomia de seu
bumbum.

Ela já sabia do conteúdo de cada revista ali e já havia explorado com


os olhos cada parte daquela recepção. Só de pensar que ficaria ali o dia
inteiro sem poder fazer absolutamente nada a não ser ler as mesmas revistas e
catálogos, a enfurecia e a deixava demasiadamente ansiosa.

Contrariada, sentou-se e cruzou as pernas. Sem muito ter o que


fazer, começou a ler pela milésima vez uma revista, que para sua surpresa era
nova. Lia com cuidado, tentando absorver o máximo possível sobre
tudo.Pouco tempo mais tarde, sentiu-se observada e levantou a cabeça. Uma
mulher olhava fixamente para ela. Era a mulher que surpreendera Thiago em
seu ato de ruindade descomedida.

Os cabelos loiros presos num rabo de cavalo alto da cabeça. Feições


bonitas, olhos castanhos, maçãs salientes e um nariz afilado e arrebitado. A
boca parecia estar tensa, numa expressão de desagrado. Vestia um vestido
preto acetinado e saltos altos.

Bárbara sustentou o olhar dela e quase perguntou a ela qual era o


problema, visto a reprovação que lia em seus olhos. Mais que reprovação,
havia ódio naqueles olhos escuros. A mulher a olhava sem nem ao menos
tentar esconder sua animosidade.

Depois virou-se com ensaiada descortesia indo até o balcão de uma


das secretárias. Falou algo em tom baixo e não mais encarou Bárbara. Antes
de ela poder sequer imaginar quem seria aquela mulher, Thiago saiu
abruptamente de sua sala, em passos largos. Assim que a mulher hostil o viu
abriu um belo sorriso iluminado.

—Papai disse que queria me ver....— Disse cheia de sorrisos para


ele, tocando em seu ante braço.

—Está atrasada, porra.

—Eu sei, mas assim que me mandou entrar eu pensei em ir tomar


um ca....

Thiago fez um gesto de impaciência e lhe deu as costas, entrando no


escritório e deixando a porta aberta. A garota o seguiu, fechando a porta sem
antes lançar em Bárbara um sorriso presunçoso e cheio de malicias.

Bárbara se levantou, o coração disparado. Ela não aguentaria aquela


humilhação novamente, não depois de tantas outras! Olhou para as mulheres
ali e viu que elas pareciam concentradas e entretidas no volume de papéis que
Thiago havia deixado ali. Bárbara olhou para o homem que bloqueou sua
passagem no outro dia, e ele estava disperso falando ao telefone enquanto
olhava um ponto pela janela.

Sem pensar duas vezes e com o coração na mão, andou pelo saguão
de entrada e entrou no elevador parado. Mas antes que a porta se fechasse ela
teve o último vislumbre de uma das secretárias com a mão na boca e olhos
assustados, e o "Med men" correndo em sua direção para tentar conter o
elevador.
Mal acreditando no que fizera, Bárbara se olhou no grande espelho
do elevador e quase riu da satisfação. Com a respiração acelerada pela
adrenalina de ter fugido daquele ambiente humilhante, ela deu se conta de
que não fazia ideia de onde ir. Mas pelo menos não ficaria ali naquele
saguão, presenciando o entrar e sair de mulheres de dentro da sala de
Thiago ao longo do dia, e os olhares de pena e constrangimento direcionados
a ela pelos funcionários.

Achou bastante óbvio descer de elevador para o térreo do prédio.


Apertou o botão onde indicava ser uma espécie de subsolo III. Bárbara
estranhou que um prédio tão alto e grande tivesse um subsolo tão profundo.

Alguns minutos no elevador e a demora a deixou apreensiva.


Pensando ter ficado presa tentou apertar alguns botões, e de repente a luz do
elevador apagou. Um segundo foi o necessário para que Bárbara entendesse o
que havia acontecido.

Com o coração acelerado, ela sentia a ansiedade aumentar e a


mudança na respiração. As mãos suadas já denunciavam o nervosismo e
Bárbara entrou em desespero, pois a constatação de que estava sozinha e
presa num elevador, enclausurada e totalmente no escuro era atemorizador.
Pensando em ser ouvida, ela bateu na porta e gritou, mas não obteve
nenhuma resposta.

Após longos minutos, estava completamente suada, cansada e quase


rouca. O ambiente estava quente e parecia não circular ar, Bárbara sentia cada
vez mais o ar pesado e a falta dele. Se arrependeu amargamente em ter saído
do saguão.
Será se a achariam ali? E se fosse achada, será que ainda estaria
com vida? — pensava em frenesi.

Os pensemos eram perturbadores e confusos. Tristemente, Bárbara


percebeu que a sorte não era sua amiga e que cada vez que lutava, perdia feio.
Com o coração acelerado e sentindo falta de ar, buscou o que parecia
impossível naquele momento. Se acalmar.

Para seu desespero, após alguns minutos tentando amenizar os


sintomas de pânico e descontrole, o elevador começou a descer em
solavancos. Estava caindo.

Desesperada e chorando, Bárbara sentou se no chão, bem no canto


do elevador, achando ser a melhor escolha em vista do impacto que logo
sofreria. Após alguns minutos encolhida e rezando para não morrer sem antes
ver a filha novamente, o elevador parou.

Em completo silêncio e de olhos arregalados no escuro, Bárbara


escutou um barulho parecendo vir de cima do poço do elevador. Um fio de
esperança lhe fez rir nervosa e gritar e, após alguns instantes, o elevador
começou a descer normalmente sem solavancos.

Pouco aliviada, Bárbara percebeu que o elevador parou e a porta


abriu. Tudo, para seu espanto, continuava totalmente imerso em total breu.
Um refletor fortíssimo de repente fora ligado. E a cegou momentaneamente.

Barulho de passos ela escutou próximo de si e em seguida a dor


aguda do cabelo sendo puxado. Praticamente arrastada para fora do elevador,
Bárbara reconheceu o homem que a arrastava pelo chão, arranhando todo seu
corpo. Era Thiago.

As luzes foram acessas e Bárbara viu que o lugar parecia uma


garagem subterrânea, abandonada e com cheiro de ferrugem. Com
brusquidão, ele a retirou do chão e a sentou numa cadeira de ferro única,
posta ali somente para ela.

—Pensando em fugir, Bárbara. — Era uma alegação. — Tive muita


paciência até aqui com você. — disse olhando a feito assassino — Mas hoje,
ao saber que fugiu de onde a deixei, toda a mísera paciência que ainda restava
em mim se esvaneceu.

Por causa das luzes fortes, Bárbara ainda enxergava algumas


manchas negras e brilhantes, mas isso não a impediu de enxergar Thiago,
bem à sua frente. O homem parecia estar completamente possesso.

—Diga-me, ia se encontrar com o Lang? Meu filho está aqui na


Itália com ele?

Bárbara estava assustada demais para processar qualquer


informação. Havia alguns dos soldados de Thiago, mas todos pareciam pouco
interessados nela. Havia calor também. Ao redor de onde estavam, alguns
tonéis de metal pegavam fogo.

Mas alguns metros perto de um dos tonéis, estava aquele que fazia a
guarda dela no saguão, de quem Bárbara fugira. O homem estava caído no
chão e de olhos bem abertos, a cabeça pousava em uma poça de sangue
grosso.

Em choque e assombrada, Bárbara colocou as mãos na boca


sufocando um grito e começou a chorar.

—Ele teve o que mereceu. E agora é a sua vez. Mas antes, quero que
me responda.

Bárbara olhou para Thiago e não o reconheceu. Thiago Guerra


parecia mais forte, vibrante e perigosamente fatal.

—Eu não sei do que está falan....

Com um riso maquiavélico, Thiago a interrompeu.

—Resposta errada, cara.

Puxando um punhal da cintura, Thiago o cravou na coxa de Bárbara.


Com o susto do impacto e a dor crucial Bárbara deu um grito agonizante.

— Para cada resposta errada eu vou quebrar um dedo de sua mão e


cravar um punhal em partes diferentes de seu corpo...

Bárbara completamente abalada olhou com olhos arregalados para


Thiago e para sua perna. O punhal havia sido cravado até a metade, e o
sangue jorrava constantemente. A sensação era que a ferida latejava.

As mãos tremiam quando tentou guiá-las para retirar o objeto


cravado na perna, mas Thiago as capturou no ar.

—Thi-Thiago... E-eu não ia...

—Tsc, tsc. Outra resposta errada, querida.


Ao escutar aquilo Bárbara se desesperou ainda mais e com um grito
anunciou a dor aguda que veio. Thiago de forma ágil levou os dedos da mão
de Bárbara para trás, e os quebrou com um barulho enorme de um estalo.

Olhando para os dedos tortos da mão esquerda, Bárbara não gritava,


apenas deixava as lágrimas grossas caírem e um grito retido na garganta
embalarem a cena.

—Aonde. Está. Dominic Lang?

Ele repetiu pausadamente e entre dentes. Bárbara o olhou e pensou


em mentir para livrar se de mais um doloroso e penoso golpe. Mas pensando
melhor, ela decidiu não piorar a situação. Se fosse para morrer, que fosse
naquele dia. Apenas lamentava por morrer sem memória e de forma tão
grotesca.

—Eu não faço a mínima ideia. — Bárbara respondeu fortemente,


encarando em meio às lágrimas o rosto mal e frio de Thiago.

Com os olhos inflamados de ódio, Thiago retirou outro punhal da


cintura e já se preparava para cravá-lo no ante braço de Bárbara, mas o
farfalhar da chegada de alguém, o fez reter.

De repente, um homem mais velho entrou e pareceu não se intimidar


com a cena. Bárbara estava quieta de olhos fechados e soluçava. Com muita
dor, pensava que nada poderia ser pior.

—Localizamos o paradeiro Pedro, Thiago. Ele está no Brasil. Mais


precisamente, em São Paulo. — O homem que entrará dissera.
A mente abalada de Bárbara escutava cada palavra do homem com
atenção e parcial alívio. Alívio por agora saber onde o filho estava e agonia,
pela dor que sentia.

—Tem certeza, Diogo? — Thiago perguntou.

Ele olhou para Bárbara com dúvidas, ainda sob influência do ódio
descomunal que sentiu assim que soube que a esposa fugiu do saguão. A
sensação de revolta sobrepunha a qualquer outro sentimento que não fosse o
de causar lhe dano e sofrimento.

— Sim. Achamos as gravações de filmagem do aeroporto de


Congonhas. Nela, Bárbara aparece embarcando sozinha com Júlia.
Rastreamos as filmagens a partir dali e conseguimos captar o número da
placa do carro que ela usou. — Diogo pausou a fala e olhou com
curiosidade para a mulher que se encontrava em péssimo estado.

Como lembrando -se de algo, completou a fala:

— Spencer rastreou a placa e o número de série dela nos levou até


um lugar no interior de uma cidade do Brasil. Parece que a família de Bárbara
vive nela, estamos trabalhando de forma ágil para descobrirmos aonde...—
Disse o homem de forma enigmática.

Thiago olhou o relatório que o homem lhe entregou. Após lido,


amassou o papel e o jogou dentro de um dos tonéis de fogo.

—Levem minha esposa para o hospital da máfia. Nanderitti vai saber


o que fazer com ela.
Estas foram as últimas palavras que Bárbara pôde escutar, antes de
cair num profundo abismo negro que a sugou e que tinha o gosto da dor.
Capítulo 14

Thiago.

No dia da fuga de Bárbara, Thiago havia se esquecido


completamente de um encontro que teria com Alma Guerra, filha mais nova
de um de seus tios.

A garota queria que de alguma forma Thiago lhe concedesse o


divórcio. Alma, estava descontente pelo esposo passar muito tempo fora em
missões e achava que não recebia a devida atenção. Atenção esta, que lhe
ficou bastante claro.

Enquanto falava o motivo imbecil de querer se separar, Alma


insistentemente mordia o lábio inferior, tentando seduzi-lo numa débil
tentativa de flerte. Thiago era conhecido por sua paciência curta e estava ao
ponto de atirar na testa de Alma quando uma batida leve na porta chamou sua
atenção.

Descontroladamente a mulher continuou falando, mas um levantar


de dedo de Thiago fez a mulher de voz irritante calar-se. Um dos soldados
que vigiavam Bárbara abriu a porta e adiantou se.

— Chefe, sua mulher fugiu. Neste exato momento está dentro do


elevador, passando pelo no vigésimo terceiro andar.

Vermelho sangue. Esta foi a cor que Thiago enxergou. Quis tirar a
vida do soldado ali mesmo dentro de seu escritório quando ele lhe deu a
notícia. Thiago encarou o soldado que se mantinha firme na postura, mas
claramente havia a apreensão e um clima de tensão no ar.
Um comboio de homens entrou e alguns deles arrastaram a mulher
que estava ali para fora. Thiago respirou fundo e friamente deu ordem para
um dos soldados chefes que adentrara junto com os outros.

—Quero homens vasculhando as proximidades do prédio. — disse


entredentes. — Vasculhem os edifícios vizinhos, vasculhem os carros
parados, até as pedras, se possível. Se Bárbara iria fugir, certamente Dominic
Lang está por perto. E com meu filho.

Pensar nesta possibilidade o fez travar o maxilar de ódio. Thiago


rangia os dentes de fúria. Quando puxou um dos comandos de rádio e falou.

— Giba, quero que pare o elevador número três, e em seguida


desligue a força de luz do elevador. Corte até as luzes de emergência. Após
isso, conte dez minutos e puxe a alavanca do freio do elevador, deixe a
cabina cair até o terceiro andar. Quando chegar a este andar, espere eu dar o
aviso.

Thiago desligou o rádio e saiu da sala acompanhado por alguns


soldados. A todo momento sentia a adrenalina e ódio latente de Bárbara.

"Bárbara não perde por esperar."

Pensou uma última vez dirigindo-se ao terceiro subsolo.

Bárbara.

Ali estava ela. Novamente no hospital. Só que desta vez, sabia bem o
motivo e a causa.

Ao chegar no hospital, Bárbara tinha sido recebida com pesar, por


toda a equipe médica. Nos primeiros dias no hospital não houvera reação
alguma por parte de Bárbara, a não ser quando se tratava da dor física. Os
médicos não quiseram saber sobre o que de fato havia acontecido com ela.
Apenas tratavam de seus ferimentos e contusões de maneira títere.

Bárbara desconfiava que pelo fato de ter chegado ao hospital


carregada por um dos homens de Thiago e não pelo próprio Thiago, já
revelavam muito sobre a causa de os médicos estarem agindo tão vagamente.

Nanderitti avaliou cada contusão dos dedos e a punhalada na perna,


com o rosto sério e grave. A pior parte havia sido voltar os dedos quebrados
para o lugar. Segundo o médico, Bárbara teria de ser forte, pois, cada dedo,
teria de ser voltado um a um para as juntas. Para seu azar, quatro dedos
estavam contorcidos.

Teve a ajuda de Marina, que, o tempo inteiro segurou lhe a mão boa,
e um pano que Bárbara colocou na boca para abafar os gritos de dor. Os
dedos, um a um, iam sendo voltados novamente para o seu devido lugar e
neles, colocado talas.

Já a adaga em sua coxa havia sido retirada sem muito dano, os


médicos tiveram apenas um pequeno problema para conter o sangue, mas que
logo fora contido. O corte havia sido profundo e por pouco lhe custara a vida
ao ser milimetricamente cravado próximo a uma artéria.

Ao fim, o corte da perna já não doía, apenas ardia. Recebia


constantemente algumas enfermeiras para que as ataduras da perna fossem
trocadas. Nanderitti dissera que uma possível infecção havia sido controlada,
mas por via das dúvidas, era bom manter o ferimento limpo.

Mas Bárbara não ligava para nenhuma das informações médicas que
lhe eram esclarecidas. A dor presente na alma, ainda não havia sido aplacada.
Por mais que lhe tivessem medicado, e estivesse sob o efeito de calmantes e
relaxantes, por mais que tivessem feito curativos em suas feridas e contusões,
por dentro, Bárbara sentia se violada. A violência sofrida e a consequência
disso, era a pior parte. Para isto não havia remédio.

Marina vinha todos os dias e apenas a abraçava em silêncio, como se


lhe transmitisse acalento. Fora o gesto mais genuíno e humano — fora os
abraços e beijinhos de Júlia — que ela lembrava de ter recebido desde que
acordara com amnésia.

Nos primeiros dias ela pouco conversava e muito dormia. Após o


terceiro dia ali, foi que finalmente desencadeou uma saudade sufocante da
filha, apenas isto pareceu ser motivo o suficiente para Bárbara começar a pôr
para fora tudo o que guardava. Bárbara chorou pelo que havia acontecido e
também pela forma que Thiago tinha feito. Chorou pela saudade da filha e
por ter acordado naquele lugar mal e que parecia piorar sua situação ainda
mais por não ter memória.

"Eu não sabia o que estava acontecendo. E muito menos o porquê


de estar acontecendo."

Foi o que reverberou na mente de Bárbara. Esta vinha sendo a maior


indagação e revolta interna de Bárbara.

No quarto dia, depois de pôr as lágrimas e o que sentia para fora,


sentia se lívida, mas não menos angustiada.

Passou os dias no hospital olhando pela janela do quarto. Refletia


sobre tudo e o mais importante: tentava de alguma forma se obrigar a
recobrar a consciência. Ainda que o esforço lhe causasse dores de cabeça. A
tristeza era presente na maioria das vezes, e a vontade de sumir também.

Thiago não apareceu no hospital em nenhum dia em que Bárbara


estivera internada. E Bárbara não sabia se ficava aliviada ou preocupada, já
que sem Thiago por ali, também ficava sem notícias da filha. Por duas vezes
ela tentou alguma informação sobre a filha com os "Mad Mans" que
revezavam sua guarda, mas eles teimavam em não lhe dirigir a palavra.
Pareciam trata-la como invisível. E nenhuma das pessoas que entravam no
quarto para tratá-la parecia achar isto anormal.

Bárbara pensava em Júlia a todo momento. Apesar do corpo presente


seus pensamentos iam longe imaginando a filha e o que estaria fazendo.

Thiago.

Thiago exercitava-se em uma das barras de ferro. Os músculos dos


braços tencionados ao fazer o esforço de subir e descer. A camiseta estava
molhada de suor, e os shorts grudavam em sua perna.

Diogo estava a sua frente e brincava com uma squeeze de água,


movendo a de um lado para o outro nas mãos grandes e ágeis.

—O que acha que devemos fazer?

Thiago pensava e tentava dar o próximo passo com inteligência e


perspicácia, mas para isso era necessário estratégia. Os Guerras sempre eram
destacados no submundo da máfia por suas inteligentes estratégias. Thiago
não era muito diferente.

— A avó de Bárbara morreu há um ano e meio, logicamente, não


temos como saber por mais ninguém aonde o restante da família está. —
Diogo ponderava sobre o assunto.

Já Thiago, fervilhava de raiva e aplicava tudo ao exercício, sentia


que cada vez mais tudo confundia-se. O fato de não ter a esposa por perto o
incomodava demasiadamente. Ter imposto sua presença 24 horas para
Bárbara, sem dúvidas, foi uma forma de controle.

Ficar sem ela fez com que Thiago voltasse para a antiga rotina de
sempre, mas a comichão que sua presença deixou incomodava o ao extremo,
ainda mais depois de ter chegado em casa sem Bárbara e ter tido que lidar
com Júlia sentindo falta da mãe.

A avó nada dissera. Mas claramente desaprovara quando soubera


através dele o que havia acontecido com Bárbara. Ela era a mulher que mais
lutara e tivera voz dentro do Calabresa. Era respeitada por todos tanto quanto
ele. Marietta abominava os maus tratos que as mulheres sofriam dentro da
máfia e prezava sempre a família. Mas não dissera nada por justamente
confiar no neto e saber que certo ou não, a última palavra era a dele.

Thiago saiu do devaneio com a voz de Diego.

— Bárbara já lhe dissera algo sobre parentes, fora a avó? Talvez


uma irmã, uma tia, uma prima?
Thiago puxou os lábios para cima, sem mostrar os dentes, os olhos
até se esticam um pouco — como se ele estivesse zombando do próprio ato
de sorrir.

— A avó de Bárbara a apresentou com uma pulseira que está na


família dela há mais de um século. Bárbara pertence a uma família pioneira
na exportação de grãos no Brasil. Existem fazendas e terras de cultivo
pertencentes a família de Bárbara, mas ela nunca quis saber de administrar
nada. Sempre odiou terra, animais e tudo que tivesse a ver com a herança e os
meios de riqueza dos Lima. Bárbara apenas queria saber de gastar todo o
dinheiro que os lucros de sua coparticipação na herança ganhavam. Por isso
que vivia como vivia. — Thiago disse secando o rosto suado com uma toalha.
— No dia de nosso casamento, como você mesmo viu, apareceu somente a
avó. Justamente ela a responsável pela criação de Bárbara, já que os pais e a
irmã haviam morrido em um acidente de avião.

Diogo ponderou as informações e sua mente maquinou os próximos


passos que daria mediante àquelas informações. Era o melhor no que fazia.
As principais missões eram postas em suas mãos, quando não nas de Thiago.
Era o subchefe e braço direito de Thiago e não era à toa que chegara a este
cargo.

— Mas então se a família dela é uma das mais importantes na


exportação de grãos no Brasil, deve existir alguém vivo ainda...— Alegou
Diogo, coçando o queixo distraidamente.

— Bárbara nunca quis aproximação com nenhum deles, Diogo. Só


pensava em gastar à custa do trabalho alheio. — Thiago parou por um
momento e olhou de soslaio para Diogo —Mas não custa checar uma
segunda vez, não é mesmo? — Thiago disse subindo em uma esteira
ergométrica. — Darei ordens para que Spencer rastreie o restante da
família dela. Acharei meu filho de um jeito ou de outro.

— Disso não tenho dúvidas. Disse Diogo enigmático.

Foram interrompidos pela vibração do telefone. Thiago soube ao


olhar para a tela do celular que se tratava de um dos médicos do hospital.
Ponderou não atender a ligação. Justamente por já saber da situação médica
da esposa. Ao fim do dia, sempre recebia um relatório por escrito. Mas na
insistência das chamadas, pausou o exercício que fazia e atendeu à contra
gosto.

— Nanderitti. — Disse de modo breve.

— Thiago. Só liguei para lhe informar sobre a alta de Bárbara. —


Leonardo disse de modo objetivo — A infecção na perna fora contida. Os
dedos da mão foram imobilizados por talas. Aproveitei e realizei alguns
exames e avaliei o andamento de sua recuperação... E também a cirurgia que
o cirurgião plástico fez.

Thiago estava calado e apenas escutava. Numa torrente de palavras,


Leonardo Nanderitti o informou o parecer médico.

— As feições da paciente evoluíram bastante com a cirurgia de


reconstrução facial. Retirado as ataduras do nariz, foi certificado que a
paciente pode respirar tranquilamente. Nenhuma mancha de lesão ou
contusão é presente em seu rosto e corpo. A harmonização do rosto foi um
sucesso chegando próximo à setenta por cento da antiga feição da paciente.
— Nanderitti pausou brevemente como se buscasse explicar melhor. — Isto
quer dizer, que a aparência de Bárbara está muito melhor, apesar de algumas
feições não voltarem ao que eram.

À princípio Leonardo parecia ler um relatório médico. Todas as


palavras eram completamente entendível para Thiago, apesar de técnicas,
mas a última afirmação chamou lhe a atenção. Não por ligar para as feições
de Bárbara, mas pelo pestanejar do médico. Era como se ele não estivesse
cem por cento certo ao dizer.

— Explique-me melhor, Leonardo.

O homem, parecendo aliviado por obter alguma resposta, disse:

— Bem... Não sei se Bárbara fez algum procedimento estético


anteriormente, mas as maçãs do rosto, não estão mais salientes por inchaço e
nem os lábios.

Thiago escutou tudo com desdenho. Sabia que a esposa era


demasiadamente fútil e adepta a intervenções cirúrgicas. Inclusive, ele pagou
todas após dar à luz aos gêmeos.

— Acho que o período que esteve fugida, Bárbara realizou algumas


mudanças. Perfeitamente normal para quem era extremamente vaidosa. Ela
poderia até estar mais bonita...

Leonardo Nanderitti falou pensando longe, mas pigarreou em


seguida, atentando se a asneira de elogiar a esposa de um homem daqueles.

— Há também uma melhora significativa nos órgãos internos,


outrora danificados e um ganho de peso relativamente bom...O corpo dela
reagiu bem a mudança de dieta e têm se adaptado bem às medicações e
rotinas do campo, não?

— Já havia percebido e Bárbara também. — Thiago referiu-se ao


ganho de peso. — Bárbara reclamou das roupas que já não lhe cabiam mais...

Ao mencionar isto, Thiago, lembrou se de algo.

— Leonardo, existe alguma possibilidade de os pés encolherem?

Meio confuso e aparvalhado, Leonardo, balbuciou e gaguejou alguns


inteligíveis antes de responder. Diogo que assistia em silêncio e de braços
cruzados, apenas levantara a sobrancelha de modo inquisitivo para Thiago.

— Bem... se há uma perda de peso significativa, possa ser que isso


influencie na diminuição do tamanho do calçado... Mas ouvi alguns médicos
comentarem de existir casos de cirurgia da redução do tamanho do pé na Grã
Bretanha... Basicamente consiste em retirar alguns pequenos ossos e gorduras
do pé. Mas não indico já que algumas alter....

— É só isso, Nanderitti. Quaisquer mudanças no quadro de minha


esposa. Me avise. Amanhã cedo estarei aí para buscá-la.

Diogo, encostou-se no corrimão da esteira de maneira despojada e


perguntou ao amigo, que acabara de desligar o telefone e o colocar nos bolsos
do short:

— E então... que história é essa sobre diminuir o tamanho do pé?!

Perguntou Diogo claramente confuso.


— Diogo, quero que você mapeie a árvore genealógica de Bárbara
mais uma vez e procure por cada parente dela. Primos, tios, o diabo se for
preciso! Mas ache alguém próximo. —Thiago voltou se para continuar o
exercício, mas parou abruptamente.

— Diogo? — O homem que já estava quase alcançando a saída


voltou-se para a voz imponente. — Quero que desta vez investigue também
as contas bancárias e redes sociais dos parentes de Bárbara. Veja se existe
alguma movimentação estranha ou suspeita.

Diogo apenas assentiu e saiu. Sem mais perguntas.

No ambiente da academia particular, ecoava apenas o barulho do


atrito do tênis com a lona da esteira, mas na cabeça de Thiago, rolavam
turbilhões de pensamentos acelerados e as desconfianças das informações
médicas, que não batiam.
Capítulo 15

O quarto estava imerso em completo silencio. O único barulho


audível era o irritante "tic tac" do relógio. Novamente, Bárbara olhou para o
indicador que marcavam oito da manhã. Num cálculo mental rápido, ela
calculou que havia ficado duas semanas e três dias, internada ali. Era mais
tempo do que o necessário e Bárbara desconfiava que sua estadia tão
demorada no hospital tinha a ver com Thiago.
Estava pronta e vestia um vestido leve. Calçava um sapato baixo, e ao seu
lado, estava o novo acessório provisório, a muleta.

Durante seu antepenúltimo dia no hospital, Bárbara, recebeu uma


pequena aula obrigatória de como usar uma muleta, pois assim, pouparia a
perna esquerda de apoiar no chão. A pressão que sentia ainda fazia doer o
local onde o punhal havia sido cravado.

Dr. Nanderitti, recomendara que esforços não fossem feitos, o intuito


era que o fluxo sanguíneo estivesse sempre minguado naquela região do
corpo para que o músculo e veias se recuperassem da melhor forma, sem
lidar com a pressão do esforço.

Para sorte de Bárbara, ou não, os dedos a serem quebrados haviam


sido os da mão esquerda. Logo, com a parte direita do corpo se apoiaria na
muleta, mas em contrapartida, teria muitas dificuldades tarefas do quotidiano.

Bárbara estava sentada na cama e sentia se apreensiva pela chegada


de Thiago. Vivenciava a sensação de apreensão, nervosismo e medo, toda vez
que olhava em direção a porta do quarto de hospital fechada. Ansiosa, olhou
pela janela, para além dos montes que cerca a cidade italiana. Num gesto
inconsciente e de aflição e inquietação, Bárbara, raspava perenemente o dedo
polegar na tala do dedo indicador, causando um arruído que se misturava ao
tic tac do relógio de parede.

De repente a porta foi aberta de modo abrupto por um homem


vestido todo de negro, portando visivelmente uma arma na cintura e um rádio
comunicador. O homem abriu espaço e Thiago entrou.
Ele vestia terno e calças sociais pretas sob medida. Ele aparentava sempre a
mesma elegância e imponência demasiada, seja para qualquer ambiente ou
lugar. Os sapatos, claramente pareciam ostentar extremo aparato. Os cabelos
estavam molhados e penteados. A barba bem aparada e desenhada. Era um
homem lindo e que certamente chamaria a atenção facilmente das outras
mulheres, mas não a de Bárbara. Naquele momento, ela o odiava.

Procurando os olhos escuros e frios de Thiago, Bárbara viu que eles


estavam compenetrados nela. Thiago estudava minuciosamente e varria com
o olhar o rosto dela, que parecia recuperado. As feições estavam de um jeito
diferente, mas estranhamente, eram quase as mesmas. Os olhos pareciam
mais límpidos e maiores, as maçãs do rosto mais salientes, o rosto e os lábios
mais cheios, e o queixo parecia estar mais desenhado. As manchas roxas e as
marcas de semanas atrás estavam invisíveis. Pouco restava de toda aparência
física caótica de meses atrás. O rosto estava perfeito. O único resquício do
acidente deplorável era uma cicatriz funda que ia da lateral da testa até sumir
dentro do couro cabeludo.

Bárbara sentia-se inibida e desconfortável diante de toda aquela


observação silenciosa. Era constrangedor e sufocante tê-lo ali depois de tudo
olhando-a como se fosse uma joia rara.

— Vejo que está pronta.

Bárbara, que o encarava, apenas assentiu confirmando. Reprimiu o


arrepio ruim que lhe correu no corpo quando escutou a voz grave e forte
reverberar no ambiente silencioso do quarto.

— Precisa de ajuda?

A pergunta foi um choque. Bárbara olhou para Thiago e viu que ele
mantivera a mesma feição. Thiago parecia apenas ser cavalheiro, mas sem
dúvidas, o que Bárbara havia visto nele, nem beirava aquele homem ali de pé
à sua frente. Com um riso nervoso de descrença, Bárbara perguntou:

— Você me machuca e depois me pergunta se preciso de ajuda? —


Perguntou com voz baixa e tranquila.

Logo após, Bárbara viu que não fora uma boa ideia questioná-lo
daquele modo. Num instante a feição de Thiago endureceu-se e Bárbara
repreendeu-se mentalmente pela frase impensada.

— Vai começar, porra? — Quando ela se retraiu e se afastou, Thiago


viu que Bárbara apesar de tudo, agora o temia. — Não se faça de santa e nem
de dramática, isso não combina com você. Sabe muito bem o que fez para
merecer o que teve. E enquanto não recobrar a tal falta de memória, não vou
tornar as coisas tão fáceis para você. Você está proibida de sair de minhas
vistas, a não ser que eu permita. — Era palpável o desdenho e esnobismo
dele em relação à sua condição médica. — Vamos logo, antes que eu me
arrependa e a deixe aqui por mais alguns dias.
Bárbara esperou que ele saísse para deixar cair as lágrimas que até
então retinha. Decidiu para seu próprio bem, ignorar cada investida de
Thiago. Colaboraria para que não saísse disso tudo mais detonada e
machucada do que estava.

O carro que os aguardava era um Mercedes Presidencial, logo, para


Barbara, não foi muito difícil de entrar. Mas não pôde dizer o mesmo quanto
a dificuldade que teve em se acomodar. O espaço na cabine traseira era
grande, mas sentiu muita dor ao ser obrigada a dobrar a perna esquerda.

O carro pôs se em movimento. Bárbara, estava quieta, e decidida a


em continuar com a decisão de permanecer assim até finalmente recobrar a
memória, mas inevitavelmente depois de um tempo na mesma posição, a dor
aflorou e Bárbara começou a agitar-se, conforme os minutos iam se passando.

Ela buscava com inquietação a melhor posição para que a perna não
doesse tanto. Thiago, que já não mais olhava compenetrado para a tela do
celular, assistia tudo em silêncio e de cenho franzido.

Bárbara olhou para o banco da frente, e resolveu apoiar a perna


enferma e dolorida ali. A barra do vestido subiu até um pouco mais da
metade das coxas e quando Bárbara percebeu que Thiago olhava sem
cerimônia alguma e ainda por cima fixamente, tampou-as.

À medida que ele teve a visão das pernas tampadas, subiu o olhar
descaradamente por todo o corpo de Bárbara e estudou com o olhar cada
parte do corpo feminino a seu lado. Completamente constrangida pelo
homem se quer disfarçar que avaliava seu corpo parecendo a procura de algo,
Bárbara, virou se um pouco e olhou pela janela.
O trajeto do hospital até a mansão demorava mais do que ela se
lembrava. No caminho, Bárbara reconheceu o ponto onde Thiago havia
parado da última vez para pressioná-la a recobrar a memória que ele mesmo
julgava ser recobrável. Bárbara arrepiou-se ao recordar da altura de onde ela
e a filha haviam caído. Era um milagre estarem vivas. Lembrar-se do local do
acidente, a fez automaticamente lembrar-se de Júlia.

Bárbara sentia vontade de perguntar sobre a filha, mas continha a


curiosidade longe de Thiago, limitando-se ao silencio e a ignorando a
presença dele com todas as forças possíveis. Algo parecia emanar de Thiago,
e aquilo permitia que Bárbara ficasse mais do que consciente da presença
faustosa dele.

Júlia a saudou com uma explosão de felicidade assim que a viu


romper pela porta. Surpreendentemente, começou a falar, em frases curtas.

— Ela não disse nada antes. — Gabriela contou a Bárbara. — Eu


nem sabia que ela já falava...Talvez ela esteja feliz agora.

— Talvez. — Bárbara murmurou enfatizando a palavra.

Thiago apenas observava tudo olhando de modo austero e o mesmo


tempo intrigado com a menininha demasiadamente feliz.

— Colo, mamãe! — a menina pediu, estendendo os bracinhos.

Bárbara buscou um assento próximo e dirigiu se até lá com a menina


em seu encalço. A sala de estar era o mais próximo e Bárbara sentou-se e
ajeitou se para que ficasse confortável. A menininha que encarava a muleta e
as talas da mão de Bárbara pouco assustada, sentiu-se alegre e logo esqueceu
do que via quando Bárbara a chamou para perto e a tomou no colo.

Bárbara ajeitou a filhinha no colo de modo que ficasse confortável


para ambas. Thiago encarava tudo de semblante frio, achando ser aquela uma
grande armação de cena de teatro de mãe e filha e retirou se para o escritório,
sem antes dar ordens em alto e bom tom a um soldado para ficar ali dentro da
sala e dois do lado de fora da sala. Bárbara estranhou a atitude.

"Será que finalmente ele não a obrigaria a estar sob a vigilância


dele ao longo do dia?"

O "Mad men" postou se apenas a alguns metros longe de Bárbara e


Júlia, e as vigiava constantemente. Aquilo deixou Bárbara completamente
enervada e desconfortável.

Buscando o autocontrole para não bater de frente novamente,


Bárbara decidiu ignorar e dar completa atenção a filha.

Beijou-a e a mimou diversas vezes. Fez-lhe cócegas com o dedo,


fazendo-a rir gostosamente alto. A colocava no colo a todo instante, como se
certificadas de que finalmente a filinha estava ali, em seus braços. Brincaram
juntas durante várias horas ali no sofá.

Quando um pouco mais tarde, Gabriela apareceu com a bandeja de


almoço da filha. Júlia quis que a mãe a alimentasse, e com muito esforço,
usando o lado da mão pouco costumeiro, Bárbara alimentou a filha, sentindo
grande prazer nisso. Depois, quando já havia dormido em seu colo, Gabriela
aparecera novamente e levou-a para a cama, para o sono da tarde. A criança
parecia perfeitamente feliz.
Às três da tarde, Bárbara sentia se cansada e desejava subir para
tomar banho e descansar antes do jantar.
Pouco receosa, pegou a muleta encostada e dirigiu se devagar para a saída da
sala, rumando para a escada. O “Mad men” que até então a vigiava dentro da
sala, veio em seu encalço, vigiando a de perto. Bárbara travou os dentes de
raiva.

Bárbara escutou passos vindos atrás de si, e viu Irma acompanhar


um homem alto e grande com chapéu de cowboy, pareciam se dirigir
justamente para o escritório de Thiago. Ao passarem por ela, Irma deu um
pequeno e discreto aceno e sorriso para Bárbara. O homem pareceu de início
não notar a presença de Bárbara, que observava curiosa. O homem, notando
que Irma olhava para algo em direção a escada olhou também em direção e
viu Bárbara.

Bárbara dizia ao soldado mudo que não precisava de ajuda para subir
a escada quando fora interrompida pelo homem que ela reconheceu ser o
mesmo que acompanhava Irma.

— Que bom vê-la de volta, Bárbara. — Ele disse, com certa


intimidade. — Deixe que eu te ajudo.

Um pavor e apreensão tomou-lhe os sentidos quando o homem levou


uma mão até a cintura de Bárbara e a outra desceu em seu braço. Havia um
certo comportamento e tom de intimidade excessiva na atitude e na voz que
ele usava com ela. Instintivamente, Bárbara, recuou, sem perceber que
Thiago observava tudo de longe.

— Obrigada, mas eu não necessito de sua ajuda. — De modo lento,


mas preciso, Bárbara, subiu cada degrau com certo grau de dificuldade.

Enquanto esforçava-se para subir com a perna machucada, sua


mente estava concentrada no cumprimento do homem, ela ainda podia sentir
o olhar dele queimar sua pele, e isso causava-lhe vergonha, angústia e certa
timidez.

De repente o corpo de Bárbara fora erguido. Assustada, viu que


Thiago a carregava escada acima. Perto demais do rosto dele, ela viu que ele
apresentava o semblante fechado e carregado. Aquela atitude vinda dele era
no mínimo muito estranha e ela o olhava confusa e ao mesmo tempo com
medo.

Sentiu-se envergonhada quando Thiago pareceu notar que ela o


olhava e concentrou-se no caminho que faziam. Novamente eles estavam
indo para o quarto no fim do corredor. O mesmo que dividiu com ele quando
esteve ali nos outros dias e inevitavelmente, ela sentiu um frio na barriga.

— Quem é aquele homem com Irma lá em baixo? — Ousou


perguntou quando Thiago a depositou em cima da cama.

— É o meu treinador de cavalos, Bárbara. O melhor de toda


Calábria. — Respondeu com brusquidão. Afastou-se e olhou para o rosto dela
antes de responder com ameaça nas entrelinhas. — E eu odiaria perdê-lo.

Bárbara captou a ameaça velada na informação de Thiago.

— E... Por acaso... Ele é alguém que eu já conhecia antes?

— Sim. Na época que eu soube do seu envolvimento com Roger,


não me importei a mínima... Tínhamos um acordo e ele é norte-americano,
não se enquadrava nos requisitos dispostos no contrato, e eu realmente não
me importava com você antes. — Ao ver que Bárbara abrira os lábios para
falar, Thiago interrompeu. — Lógico que você teve de ir além e descumprir
com as proibições do acordo...caiu direitinho.

As palavras dele estavam cheias de informações nas entrelinhas, mas


ela não compreendia nada. Bárbara abriu a boca, mas não saiu som algum.
Tudo era um choque e nada fazia sentido.

“Mas será que ela realmente era como ele dizia? ” “Será mesmo
que ela necessitava tanto assim de homens? ”

—Seu envolvimento com um dos meus homens foi o estopim para


dar início ao que chamamos na máfia de “La resa dei conti finale. ” Mas os
planos mudaram quando você sumiu com meus filhos, Bárbara. — Thiago
começou a retirar os sapatos e despir o terno. — Caso haja outro
envolvimento com Roger, ou se você for vista com ele uma só vez sequer, eu
o mato e açoito você.

Lágrimas queimavam os olhos de Bárbara e um nó em sua garganta


queimava com o esforço dela em reter o choro, mas em nenhum momento,
Bárbara acovardou-se perante o olhar maligno e cheio de maldade que
Thiago lançava.

— Você não será comida por nenhum homem, porque não sairá de
perto das minhas vistas. E ainda que saiam, eu saberei exatamente o que está
fazendo, quando está fazendo e o quê estará fazendo. E, é bom, que você não
esqueça disso.
Um silêncio longo e pesado caiu entre eles.
Capítulo 16

Entrando no closet, Bárbara viu que as roupas e sapatos que outrora


estavam ali, haviam sido removidos e substituídos por roupas que, agora,
com certeza lhe serviriam e cairiam bem.

Deslumbrada viu que todas as peças pareciam bem mais combinar


consigo agora do que as roupas extravagantes e sensuais demais de
anteriormente. Roupas e sapatos estavam bem arrumados em seus lugares e
organizados de acordo com cada ocasião. Bárbara pegou um pijama que
formavam um shortinho solto e blusa de alcinhas de seda e vestiu. As roupas
intimas eram de fato um empecilho para serem colocadas, e ela se sentiu
acanhada em ter que dormir com Thiago daquele jeito, mas por hora, não
havia outra solução. Ajuda para se vestir é que não pediria.

Pronta estava para dormir. Havia se cansado do esforço que as


muletas requeriam, e o corpo reclamava pelo esforço.

— O que aconteceu com suas roupas? — Perguntou Thiago quando


ela saiu do closet.

Thiago estava sentado na cama, apenas com a toalha amarrada na


cintura. E na outra mão, havia uma toalha de rosto que ele enxugava os
pingos que caíam de seu cabelo.
Uma gota de água, rolou do pescoço dele e trilhou um caminho entre a
clavícula e o peitoral másculo. Bárbara desceu o olhar e se viu encarando o
volume que a toalha não escondia. Era inebriante.

Thiago ainda estava molhado do banho, e o efeito daquele corpo


grande e musculoso, quase nu, era embriagador. Ainda mais, quando a
presença de Thiago parecia deixar o quarto tão pequeno. Ele parou de se
secar e olhou para Bárbara profundamente, aguardando a resposta.

Recompondo-se, Bárbara pigarreou e disse em seguida:

— Encontrei essas roupas de dormir. Pensei em dormir mais cedo,


visto o cansaço, e de ter comido o bastante esta tarde com Júlia.

— Pensou errado. — Disse ele de modo brusco. — Conhece muito


bem do costume de nona em jantarmos pontualmente às 20:00hrs. Vista- se e
desça.

Ele sumiu dentro do closet e Bárbara o seguiu indo até o cabideiro,


buscado um vestido simples e fácil de vestir. Ainda sentiu uma certa
vergonha de si mesmo por olhar Thiago da maneira como tinha feito, mas era
impossível não reagir. Ainda que por dentro ele fosse um monstro, e ela o
odiasse, por fora era lindo e não tinha como passar desapercebido.

Olhando por entre os ombros, Bárbara se certificou de que estava


sozinha e retirou as peças do pijama, deixando-os de fácil acesso, pensando
em facilitar para quando voltasse do jantar.

Desengonçada, quase caiu tentando subir o vestido, e no fim, estava


suada com o esforço olhou-se no espelho e viu que o vestido marcava o os
seios fartos e sem sutiã. Para disfarçar, Bárbara, vestiu uma jaqueta por cima.

Eles entraram juntos na sala de jantar, apesar de Thiago descer as


escadas primeiro e preferir esperar Bárbara descer sem ajuda todos os
degraus. O tempo inteiro ele preferira dar atenção ao celular, do que ajudá-la.
Nonna já se encontrava sentada. O jantar prosseguiu normalmente
como na primeira noite. E em nenhum momento, Marietta pareceu curiosa
sobre o estado de saúde de Bárbara. A velha não sentia o mínimo de empatia.
Bárbara zangou se.

Thiago e a avó conversavam enquanto Bárbara ouvia e degustava o


vinho branco com algum fruto do mar, do qual ela não fazia ideia do que era.
De repente uma saudade lhe preencheu de comer arroz com pequi.

Seu coração disparou. E sua mente preencheu se de memórias e


cheiro do prato típico. Cheia de turbilhões de emoções, Bárbara levantou o
olhar e viu que Thiago e Marietta pararam de conversar e estudavam seu
rosto.

— Do que se lembrou, Bárbara? — Marietta perguntou com


urgência.

Bárbara levantando o olhar, viu uma Marietta ansiosa. Thiago ficou


olhando as emoções entrecruzar-se no rosto dela, sem revelar as dele.

— Lembrei que eu gosto de arroz com pequi. — Ela explicou se de


modo tímido e com voz baixa. — Senti saudades de comer, e acho que me
lembrei.

Surpresa, Marietta levantou de uma vez a cabeça e a olhou com


atenção.

— Bem, já é algum avanço, não? Assim fico mais próximo a cada


dia de descobrir o paradeiro de meu neto.
O comentário fizera Bárbara sentir se menosprezada. Uma vontade
enorme de se levantar e se retirar da mesa ela sentiu.

"Que culpa tinha se havia lembrado daquela informação, e não da


que queriam?"

Ainda um pouco abalada pela memória recente, Bárbara procurou o


olhar de Thiago e o que via era apenas ceticismo. Estava claro que ele achava
ser uma cena que ela mesma protagonizada. Com um gesto discreto, Ileana
aparecera e chamara atenção. Anunciou de modo breve que Diogo aguardava
Thiago no hall.

Com um aceno breve, Thiago dispensou Ileana, e virando-se


desculpou-se com Marietta por ter de se ausentar. Rapidamente Thiago saiu,
e um homem magro e alto assumira um canto na sala de jantar, mas diferente
do "Mad men" de mais cedo, este, não parecia espionar cada movimento que
ela fazia.

Bárbara, de fato, ainda não sabia de o porquê haver sofrido aquelas


punições. Não sabia exatamente o que fizera para despertar a fúria de Thiago
a ponto de ele cravar um punhal em sua coxa e quebrar seus dedos, mas sabia
que sem dúvidas, Thiago era inconsequente e perigoso.

Achava descabido vir novamente para dentro da casa e conviver com


o homem que lhe aplicara a punição.

Podia estar sem memórias, mas sabia que o que ele fizera fora
extremamente errado e injusto. Ele se quer conversar a com ela sobre o
assunto e Bárbara nem saberia dizer se francamente, gostaria de conversar
sobre o atentado sofrido. Não sabia nada sobre o marido, mas certamente,
sabia que não eram um homem dado a conversas.

Marietta sorvia o vinho e parecia perdida em pensamentos. Bárbara


sabia que ia levar tempo para a nonna aceitá-la como-parte da família. Se é
que isso podia acontecer algum dia.

— Eu senti que Júlia teve uma boa reação com sua aproximação. —
Marietta disse a ela de repente ainda olhando fixamente para um ponto e
perdida em pensamentos.

— Júlia é meu porto seguro. Ela é a única que tem o poder de me


fazer sentir segura. — Bárbara respondeu sincera.

— Ela estava muito feliz. — A avó continuou. — Hoje falou comigo


pela primeira vez.

Uma ruga franziu a testa da velha senhora. O homem que entrara


passara a observar as duas com velado interesse.

— Não consigo entender... — Marietta falou. — Você não ligava a


mínima para as crianças antes. Mas parece amá-las agora.

Bárbara quase suspirou aliviada, pois, talvez, as palavras de Marietta


quisessem dizer que estava começando a considerá-la humana. Em silêncio,
Barbara tentou caminhar lado a lado com Marietta. A mulher, a pesar de ser
mais velha, era alta e mantinha o porte elegante e de altivez, enquanto
Bárbara, esforçava-se para caminhar, mas ainda estava desengonçada por
causa da muleta. Thiago, que saia porta a fora do escritório, acompanhado de
um homem. Viu quando ambas se aproximavam e parou de caminhar,
esperando que elas os alcancem.
— Diogo? Thiago não me avisou que você estaria aqui, nipote.

—Nonna. — Cumprimentou a velha beijando a no rosto. — Voltei


apenas hoje de uma missão para prestar umas contas que Thiago pediu.

Disse trocando um olhar significativo com Thiago.

— Olá, Bárbara. — Cumprimentou a Diogo. Por um momento, o


homem permaneceu olhando-a com bastante interesse e olhar alerta.

Bárbara o reconheceu como sendo o homem que interveio dentro do


galpão. Olhou para ele e respondeu ao cumprimento.

Parados, Nonna e os dois homens iniciaram uma pequena conversa


que excluía Bárbara totalmente do assunto. O esforço de permanecer em pé
jogando o peso em uma só perna, fazia com que Bárbara se cansasse rápido e
a perna boa doesse.

Tentando equilibrar o peso, Bárbara sentiu uma pressão no corte da


perna, a dor, fez com que Bárbara corresse os olhos tentando achar algo para
escorar a perna dobrada no ar. A dor era latente e a agonia que sentia era cada
vez pior, um pouco tonta pela dor, Barbara desequilibrou se e esbarrou no
aparador de mesa chamando a atenção do grupo.

— Oh, Deus. Coitada! Chega esta vermelha!

Disse Marietta enquanto Bárbara era amparada por Diogo.Com um


olhar severo, Thiago fez com que o homem que demonstrava compaixão a
largasse.
— Eu... só me sinto um pouco tonta. — Assegurou Bárbara
mediante ao alarde de Marietta.

— Sente-se ali na poltrona, Bárbara. Tenho certeza que não precisa


de ajuda. Sabe muito bem ir sozinha. — Disse Thiago referindo-se a ajuda de
Diogo.

— Não seja tão duro, Thiago! — Repreendeu -o Marietta.

Bárbara e Diogo olharam surpresos para Marietta. Confusa, Bárbara


olhou para Thiago, mas o olhar crítico dele a congelou. Ele lhe dizia com o
olhar de escárnio, que ela podia ter subido no conceito da avó, mas que da
parte dele continuava tudo na mesma.

Sentindo-se completamente humilhada, Bárbara buscou a poltrona


mais próxima, sentindo, a cada passo que cairia. Temeu por si mesma, ao
compreender que a gentileza dele em descer a escada com ela nos braços, no
outro dia, e cada variação de sua atitude era feita de modo premeditado e com
segundas intenções. Cada gesto dele era um recurso com o qual ele tentava
esgotá-la para romper a barreira da amnésia e conseguir o filho de volta.

"Oh, Deus" — ela rezou em silêncio, enquanto subiam — "Que a


minha memória volte logo! Senão eu acabo louca e Thiago acaba comigo
sem que eu reaja!"

Ao se despedir de nonna e Diogo, Thiago a chamou finalmente para


subirem. Bárbara ainda estava com náuseas e a dor na perna só aumentava à
medida que fazia o esforço de cada passo. Parou no início da escada e olhou
para cima. A escada era longa e sinuosa e Bárbara não saberia dizer se
conseguiria chegar até o final. Não se estava sentindo toda aquela dor.
Thiago, que estava a seu lado, olhou para ela e pareceu ler bem seus
pensamentos.

Com um sorriso que não chegara aos olhos, virou-se e subiu os


degraus deixando Bárbara para trás. Na mesma hora ela o olhou sem acreditar
e sentiu a imensa vontade de chorar tamanha era a humilhação que sofria.
Olhou para cima e viu todos os degraus e as vistas embaçarem com as
lágrimas contidas. Mas com força e garra, dera os primeiros passos para subir
a escada.

A cada cinco degraus, ela se permitia parar e descansar. Estava na


metade do caminho quando de repente, todas as luzes foram apagadas. Ela
olhou desesperada de olhos arregalados para os lados em desespero e quase
gritou por ajuda. No completo breu, Bárbara soltou o ar querendo desesperar-
se, mas respirou fundo, deixando que as lágrimas caíssem.

Não se deixou abalar. Decidida, soube que naquele dia era mais forte
do que pesava e mais resistente do que sabia. Jurando a si mesma que logo
estaria dormindo em uma cama, Bárbara, levantou-se e arrastou-se pelos
degraus.
Capítulo 17

Thiago.
Momentos antes...

Thiago estava sentado na poltrona de couro e encarava a parede


cinza do escritório. O cenho franzido denunciava que mais do que nunca sua
confusão estava em ápice.
Com a mão esquerda, roçava, inconscientemente, os pelos do queixo
que começavam a apontar.

Diogo, estava a sua frente e também parecia pensativo.


— E se interrogarmos o porteiro do prédio em que a avó de Bárbara
morava?
— Mas o quê caralhos a informação de um porteiro poderia agregar
nesse resumo medíocre? — Olhando para o papel de frente única, Thiago não
acreditava que Spencer, um ex-agente do FBI, tivesse sido capaz de lhe
render informações precisas em apenas três folhas de papéis. — Spencer
analisou essa porra antes de enviar?!

— Não somente analisou como também revisamos juntos. Cada


transação bancária dos Lima, parecem ser direcionadas para o uso e usufruto
de algumas coisas relacionadas à fazenda e agricultura... O único gasto
incomum fora os encargos do velório e enterro dessa tal de Surya. Parece que
há três meses alguém da família de Bárbara faleceu.
— Quem essa gente enterra não deveria ser da minha conta, porra.
Quero meu filho. — Disse Thiago consternado avaliando outros papéis na
mesa.

— Estamos trabalhando nisto, primo... — Diogo se sentou e pegou


um papel contendo um extrato bancário antigo. — A última transferência
realizada para Bárbara foi há cinco meses e em nome de Rita Lima, tia de
Bárbara e mãe da que acabou de falecer.

Thiago olhou para o relatório onde tinha uma foto da tal mulher cujo
nome era Rita. Era uma versão madura de Bárbara. Muito bonita, mas de
traços bem mais simples e mais cansados.
Era estranho uma tia parecer-se tanto fisicamente com a sobrinha.
— Thiago, o relatório de Spencer diz que Rita, tia de Bárbara, era
irmã gêmea da mãe de Bárbara.

Com um aceno de confirmação de Thiago, Diogo continuou.


— Segundo um ex-advogado da família, a avó de Bárbara se
distanciou de Rita depois que a filha gêmea morreu no acidente de avião...
Depositando o papel que tinha em mãos, na mesa, Diogo, cruzou a
perna num gesto elegante e disse:

— Estive no interior de um lugar chamado Goiás, e obtive algumas


informações na cidade. Alguns comerciantes me disseram que Rita, vive em
uma fazenda com o marido. A filha, que faleceu, pelo que disseram, era
veterinária.
Thiago e estreitou os olhos mediante a informação. Parecia que um
alarme em sua mente tocou com aquela informação.
— Não obtive o endereço dos Lima. Mas disseram que a cada um
dia no mês, Rita vai até a cidade. Spencer está de olho para quando ela
aparecer, e existem homens na cidade à paisana com ordens de interceptá-la
caso a vejam.

— Ótimo. Veja se consegue rastrear alguma rede social ou site


ligado a eles. Quero descobrir tudo antes de aniquila-los.

Bárbara

O quarto estava totalmente na penumbra, mas a primeira visão que


Bárbara teve, quando destrancou a porta, foi Thiago sentado na poltrona, de
pernas relaxadas e abertas. A gravata estava frouxa, e a manga da camiseta
dobrada até a metade do antebraço. A seu lado, um copo vazio e uma garrafa
de Whisky pela metade.

Depois de muito custar chegar até o quarto, Bárbara, estava suada e


com muita vertigem. A dor era aguda e ela sentia o curativo molhado. Não
tinha certeza se era sangue, estava escuro demais para enxergar algo, mas ela
sentia que rompera alguns pontos. As talas dos dedos estavam apertadas num
claro indício de que os dedos haviam inchado.

Reunindo todo o orgulho que ainda lhe restava, dirigiu se até ao


criado mudo, onde guardava os remédios, ignorando a presença de Thiago. O
caminho entre a porta e o criado, pareceu longo demais e a todo instante,
Bárbara o sentia olhando, mas decidida, continuou sua missão.
Ao puxar a gaveta, vira que havia apenas os frascos vazios. Seus
remédios receitados especialmente para dor, haviam inexplicavelmente
sumido.

Com ódio, Bárbara respirou fundo e olhou para Thiago, perguntando


em seguida:
— Onde estão os meus remédios?
Com um suspiro longo, Thiago levantou e se pôs de pé. Ignorando a
por completo, passou por ela e dirigiu se até o banheiro, fechando a porta.

Com raiva, Bárbara aproveitou que estava sozinha e retirou o vestido


por cima da cabeça. Estava de sangue quente. Não ligava para a dor que
sentia. Ela achou que o vestido, estava pegajoso demais no corpo e
certamente não conseguiria se locomover para buscar um pijama. Deitou se
nua e cobriu se até o queixo.
Tentava acalmar os batimentos cardíacos e a respiração, mas era
quase impossível. Com o clique da porta, Bárbara escutou Thiago sair do
banheiro. O cheiro dele tão característico preencheu o ambiente. Bárbara
fechou os olhos, e tentou acalmar os sentidos. Logo sentiu o peso do homem
sob a cama, e, com muita dificuldade por causa da adrenalina, agarrou o
sono.
Espreguiçando-se olhou para o relógio de cabeceira e viu que ainda
eram sete da manhã. Um pouco tarde para a rotina do lugar. Olhou para o
lado da cama e se viu sozinha. Havia sangue no cobertor que lhe cobria.
Barbara examinou a coxa e vira que o sangue havia ultrapassado a barreira do
curativo.

— Merda... — Balbuciou avaliando as manchas.


Sem saber ao certo o que fazer, levantou-se da cama e testou se a
perna ainda doía. O repouso aliviara um pouco a dor, que ainda assim
persistia em ficar.
Decidida a não perder tempo, Bárbara dirigiu-se ao banheiro para o
asseio matinal, esforçando-se para não piorar os ferimentos.

De banho tomado, e curativos trocados, ela escolheu usar um


vestido, pois, era o que tinha demais confortável e fácil para ela vestir. Teve
um pouco de trabalho com o cabelo. A parte lateral que crescia, teimava em
não ficar assentada, e Bárbara descobriu que teria de adotar o penteado de
lado. Era o que mais favorecia e escondia.
Testou o trinco da porta, com medo de estar trancada, mas para sua
surpresa a porta estava aberta, mas havia o "Mad men" da tarde passada
como guarda.

Assim que Bárbara passou por ele e o cumprimentou, o homem,


ignorando totalmente seu comprimento, retirou o rádio comunicador e
informou sobre o que ela acabara de fazer. Bárbara deduziu que toda aquela
informação seria para Thiago.
Ela teve a mesma dificuldade do dia anterior em descer as escadas.
Por incrível que parecesse, descer, era mais difícil que subir. Demorando-se
mais do que o comum, Bárbara chegou à mesa de café da manhã escutando
de longe as risadas de Júlia.
Ao chegar perto, viu que Thiago brincava com a filha enquanto a
incentivava a comer todo o mingau do pratinho, e Júlia pareceu ainda mais
radiante quando sentiu a presença da mãe. Thiago apenas olhou para Bárbara
calado, fechando-se totalmente, tornando a frieza costumeira de sempre.

Após o café da manhã, Thiago e Marietta saíram juntos. Bárbara,


decidida a conhecer melhor a rotina da filha, juntou-se a Gabriela e assistia de
perto todo o trabalho da mulher em cuidar da filha. Havia alguns muitos
homens que faziam a ronda e segurança do lugar. Mas o "Med Man" que
Bárbara sabia ser o designado a estar com ela, era o único que as vigiava nem
de tão de perto, mas nem de tão longe. Em um dado momento, Gabriela
percebera o desconforto de Bárbara e dissera:
— Não se preocupe, Giba só faz o que mandam. Não é nada pessoal.
— Ela dera um sorriso meio amarelo.

Olhar a filha brincar e se exibir para ela a todo o momento, era


gratificante. Sentia que Júlia parecia amenizar todo o sofrimento que Thiago
lhe impunha.

Assistiam sentadas em um banco de madeira, Júlia brincar no


playground que havia ali perto, e de repente, Bárbara, perguntou a Gabriela.

— Gabriela? — Perguntou chamando a atenção da moça. — Sabe


em que exatamente meu marido é envolvido?
— Bem, senhora... — A mulher explicou se meio retesada. Olhou
discretamente para o homem que as vigiava e falou: — Os Guerra controlam
toda a Calábria, e ouvi dizer que compraram alguns bairros em Bruxelas. A
estrutura da máfia que o senhor Thiago comanda, é a nível transnacional,
graças à liderança no tráfico mundial de entorpecentes. — A mulher olhou
por um momento para Bárbara e continuou. — Além do mais, ela exporta ao
exterior práticas de assentamento e introduções incisivas nos bairros dessas
drogas.

Bárbara olhou para o lado oposto e digeriu as informações novas.


Sua mente rodava. Nem em mil anos poderia imaginar ter feito filhos com
um homem daqueles.
“Mas aonde é que havia conhecido Thiago? Porque decidira sair do
Brasil, e justamente para se envolver comum homem perigoso daqueles?"
Como se recordasse da presença da moça a seu lado, Bárbara,
perguntou-lhe.

— E como sabe disso tudo, Gabriela? Sabe me dizer como conheci


meu esposo?
Antes de responder, Gabriela, olhou novamente para o grande
homem e seu rosto enrubesceu.

— Nasci nesta casa, senhora. Minha mãe foi governanta e amiga fiel
de Marietta até o último dia de sua vida. Enquanto a pergunta de como a
senhora e seu esposo se conheceram... está eu não sei dizer. — Disse a moça
de forma simples.

Bárbara assentiu. Apesar de bastante curiosa sobre tudo, decidiu não


forçar muito pedindo informações para Gabriela. A moça, parecia emanar
simplicidade e afetuosidade, mas Bárbara não conseguia se sentir confortável
com ninguém ali, além da própria filha.
Distraída pelo momento leve, Bárbara pendeu a cabeça para o lado e
deixou os cabelos longos balançaram soltos.
Ao longe, Bárbara teve a visão do homem que tentara ajuda-la no
outro dia. Roger, como Thiago o chamara, levava pelo cabresto uma égua. O
animal estava com o úbere cheio, indicando estar prenha e próximo de parir.

Com a constatação, Bárbara assustou-se.


"Como sabia aquilo?"

Nessa hora, escutou ser chamada de longe. Era Roger que se


aproximava correndo.

Júlia de repente prendera o pezinho em um vão na madeira e clamou


por ajuda. Imediatamente Gabriela levantou-se e foi ajudar a menininha,
certificando-se de que ela ficaria bem. Roger, aproveitando-se, sentou no
banco ao lado de Bárbara.
— Olá Barbie. — Cumprimentou baixinho, olhando-a daquele modo
intimo que tanto incomodava Bárbara.
A princípio Bárbara não respondera ao galante cafona do homem.
Sua intuição sobre ele não era boa e somente em vê-lo algo já lhe
incomodava.
— Esta noite, te espero no mesmo lugar de antes. — Disse próximo
de mais e âmago de mais para o gosto de Bárbara.

Agoniada, ela olhou para o soldado que, como um falcão, estudava a


cena e vinha aproximando-se. Com medo do que poderia gerar futuramente
para ela, Bárbara colocou-se de pé rapidamente, ignorando a pontada que
sentiu na coxa.
— Não sei do que o senhor está falando. E meu marido não me
permite sair tarde da noite.
Gabriela, que estava ajoelhada na frente de Júlia, olhou rapidamente
por cima do ombro para Bárbara e o homem cowboy. Bárbara novamente,
sentiu a necessidade de correr para longe do homem quando viu que ele se
pusera de pé e claramente parecera de alguma forma contrariado.

— Vai fingir agora que não me conhece? Vamos lá... — Riu


zombeteiro e a olhou de modo torpe. — Comigo não precisa fingir, é só
deixar eu me enterrar fundo novamente em você, para que eu te faça lembrar
de cada segundo ao meu lado.
Com urgência, Bárbara afastou-se de Roger e o soldado, alcançando-
lhes pediu brusco que Roger desse espaço.
Atordoada demais, e abalada pelas palavras despudoradas que Roger
usou com ela, Bárbara, pediu para que Gabriela e Júlia a acompanhasse para
dento de casa.
Capítulo 18

Quando Bárbara rompeu a porta de entrada, viu que Thiago


encontrava-se parado próximo a janela com um copo de whisky na mão.
Havia passado um tempo desde que ele saíra com Marietta, e ela não o havia
visto chegar.

Como se fosse cometer uma das maiores atrocidades, Thiago a


olhou. O mais estranho era que Bárbara não se lembrava dele bebendo com
tanta frequência algo que não fosse o vinho, e a mesa de jantar.

— Bárbara, quero que vá ao meu escritório.


Ela estagnou e de olhos bem abertos e atentos olhou para Thiago,
estranhando o modo dele dizer. Um alarme tocou internamente, e um medo
se apoderou de todo seu corpo. Tudo era muito parecido com o que sentira
quando esteve pela última vez no subsolo três.
Seus olhos foram rapidamente para a janela panorâmica que dava
para onde ela acabara de estar. Thiago certamente vira o que acontecera.

— Agora. — Sibilou ele com raiva.


Bárbara rezou para que não fosse o que estava pensando, mas seu
coração apertou ainda mais quando Thiago olhou para além dela e ordenou:
— Gabriela, leve Júlia para o quarto e não saiam até eu mandar.

O coração de Bárbara bateu desenfreadamente. Conhecia bem aquele


Thiago a sua frente e sua intuição não lhe dava boas esperanças. Ela estava
travada e congelada de medo. O mesmo medo que sentira quando foi
arrastada pelos cabelos e torturada. Escutou Júlia, que chamava por ela a todo
momento, subir as escadas com Gabriela.
Thiago permanecia parado a alguns passos à frente dela. Bárbara
ouvia apenas sua respiração desenfreada no ambiente e ela desejou estar boa
para poder correr. Ele em um só gole tomou todo o líquido âmbar e colocou
com devida força o copo em cima do aparador.

Num piscar de olhos Thiago rapidamente veio em direção de


Bárbara, ela ainda tentou pular em um pé só, na tentativa de voltar, mas a
muleta acabou por atrapalhar seus planos. Ele a tomou pelos cabelos e aos
tropeços a levou pelo longo caminho em direção ao escritório. Bárbara,
chorava e tropeçava inúmeras vezes, tentando acompanhar os passos largos
de Thiago, mas falhava miseravelmente em fazê-lo.
Quase caíra com o rosto no chão ao ser largada de qualquer maneira
dentro do escritório. As mãos doíam e os pulsos também.
Percebeu que as lágrimas caíam silenciosas eram fruto da agonia
premeditada que sentia. Sua mente dava voltas e voltas, mas ela só conseguia
pensar no perigo que corria.

— O que eu falei sobre estar na companhia de outros homens?

Ela estava jogada no chão, escondia o rosto com os cabelos soltos.


Sentiu medo quando Thiago aproximou-se e os sapatos lustrosos dele
pararam a sua frente.
Ela gritou quando um tapa forte foi desferido em seu rosto e a fez
cair de vez no chão. Bárbara apertou os olhos rezando fortemente, repetindo a
si mesma a todo momento que não acreditava no que estava acontecendo
novamente.

Thiago abaixou-se e a tomou pela bochecha, apertando com força,


trazendo o rosto dela para perto. Thiago viu que ela mantinha os olhos
apertados um no outro com medo de abri-los.
— Abra os olhos! — Ele bradou perto demais do rosto amedrontado.
— Está com medo, cara?

Bárbara estava sentada de lado no chão, com Thiago próximo


demais, abaixado a sua frente. Estava com medo do que ele tinha em mente
para ela e não escondia.
Obedecendo, ela olhou nos olhos dele, mas não aguentou o que via,
abaixando a cabeça. Os olhos negros revelavam pura maldade, brilhavam, as
pupilas estavam dilatadas, de forma que, a aparência de seu rosto ficava
quase sobrenatural.
— Sente tanto tesão assim que não consegue se ver sem a
companhia de um homem? Precisou apenas olhar em direção para chamar a
atenção para si. Ainda que pareça uma aleijada desengonçada, mal
conseguindo andar. — Debochou.

Percebendo a deixa que precisava, Bárbara justificou:


— Thiago, eu estava sentada olhando nossa filha brincar. Olhei para
a égua e, de alguma forma eu soube que ela estava prenha. Não prestava
atenção no seu treinador, mas na égua que ele levava.
Trazendo o rosto dela ainda mais para perto dele, Thiago esbravejou
em seu rosto:

— Agora vai se fazer de mulher bondosa e que ama os animais,


ragazza? — Escarniu Thiago. Bárbara sentiu que dali em diante, nada do que
dissesse faria com que ele parasse. — A sua única preocupação era a de se
garantir como a vagabunda da vez para qualquer homem! — Ela chorava e
balançava a cabeça em negação. — Sorte a sua que Graziela não me tirou a
disposição. — Disse largando-lhe o rosto e retirando o paletó. — Vou fazer
você ter uma memória bem viva, para quando for pensar em outro homem.
Numa rapidez impressionante Thiago subiu em cima de Bárbara e
pegou na barra do vestido dela fazendo menção de subir.

Chocada, Bárbara demorou um segundo para entender tudo o que


acontecia até começar a se debater para tentar fugir. Thiago era mais forte e
cinco vezes maior. Todo o seu tamanho cobria o corpo dela e a deixava em
desvantagem.

O desespero a tomou quando sentiu ser pressionada no chão pelo


peso dele. Na adrenalina, levantou a perna boa e desceu com o pé na perna de
Thiago fazendo o desequilibrar momentaneamente. Com agilidade, Bárbara
saiu debaixo de Thiago e tentou alcançar a porta, mas seu pé fora puxado e
acabou sendo arrastada pelo carpete.
— Então quer que seja assim?

De costas para Thiago e de barriga no chão, Bárbara sentiu o peso


esmagador de Thiago quando novamente ele subiu em cima de seu corpo.
Bárbara ofegava e chorava muito desesperada.
Intensificou o choro ainda mais quando sentiu suas pernas sendo
separadas. Sentiu a boca de Thiago descendo por seu pescoço e subindo para
sua orelha.
— Não se lembra de como gostava de sentir meu pau ir fundo em
você? — Bárbara queria gritar pois sentia a mão de Thiago dentro de seu
vestido, mas o peso dele não deixava que mal respirasse.

Um barulho de tecido se rasgando preencheu o ambiente


desesperador. As alças do vestido de repente penderam para o lado e Thiago
alcançou o seio direito de Bárbara, apertando com lascívia e muita força,
enquanto com a outra mão ele descia até sua intimidade.
Com desespero e ofegante, Bárbara começou a se debater, tentando
adiar ao máximo cada investida dele.

— Não! Não faça isso! Não faça isso! — pedia veemente. Mas
Thiago não a escutava.

Sentiu a mão de Thiago alcançar até o alto de sua coxa, próximo a


sua virilha, e o desespero do que realmente estava por vir a tomou.
— Não, Thiago! Para! — Bárbara chorava copiosamente. — Pare,
por favor!
A mão imobilizada não lhe dava vantagem em nada, as talas apenas
serviam para atrapalhá-la. A mão direita, Bárbara se apoiava para respirar e
lutar contra os apertos ousados de Thiago.

Ele tentava estapear, se debater, morder, mas tudo era em vão. Ele
apenas emitia pequenos rosnados em protestos quando os movimentos dela
adiavam a chegada da mão dele nos lugares onde queria.
Já sem paciência, Thiago tapou lhe a boca com a mesma mão que
outrora comprimia lhe os seios.
— Não quer se sentir novamente desejada, Bárbara?

Ela não respondia. Emitia barulho de desespero e choro compulsivo


enquanto Thiago estimulava-lhe o clitóris. Ela estava de alguma forma
bizarra e medonha, se excitando com aquilo e a constatação a fez sentir nojo
de si mesma.
— Eu vou acabar com você.
Thiago afastou se milimetricamente e destampou-lhe a boca. Em
desespero, ela tomou todo ar que conseguiu e gritou, gritou muito, um grito
agudo misturado com choro. Era um pedido de socorro.
Parou de gritar quando sentiu Thiago agarrar um punhado de cabelo
e bater sua cabeça contra o chão diversas vezes. Ele parecia querer abrir seu
crânio ou esmaga-lo.
Com o susto e a dor que sentiu, Bárbara, parou de gritar. Mas com
movimentos mínimos, debateu se novamente ao sentir o vestido ser
totalmente levantado e o membro duro raspar-lhe as nádegas.

— Vou te foder do jeito que uma puta como você merece. — Ele
disse enquanto esfregava sua ereção contra ela, evidenciando claramente ao
que se referia e ao que estava prestes a cometer.
No momento em que ele a penetraria sem escrúpulos ou qualquer
preparação. Pequenas batidas de mãos na porta e chororô descomedido
retirou Thiago de toda aquela facínora nefasta e bestial.
— Papai? Papai? — A vozinha de Júlia rompia as portas duplas e
pesadas do escritório e quebrava toda o ímpeto e ódio que sentia naquele
momento para causar danos em Bárbara.

Thiago parou e olhou para a mulher que agora, jazia deitada e de


olhos bem abertos e quieta. Bárbara somente fungava como resquício do
choro, o corpo balançava emitindo soluços. Algumas lágrimas eram visíveis e
caiam silenciosamente.
— Papai? Papai? Eu quelo a mamã! —Júlia continuava a gritar do
outro lado e a bater com as mãozinhas na porta pesada.
"Mas que porra!" Thiago resmungou levantando-se e arrumando as
roupas.

Abrindo a porta, Thiago viu a menininha que chorava assustada e


segurava uma boneca pelos braços. Esperta, a menininha se esgueirava
tentando enxergar além do pai.
— Olá, principessa! — De modo a ficar na altura da filha, Thiago
abaixou-se e segurou-lhe uma das mãozinhas falando de modo carinhoso com
a garotinha assustada, controlando todo a fúria interna que ainda sentia. —
Não precisa chorar, mia bella. Seu pai está aqui. Sua mãe se assustou apenas.
Aparecendo correndo, Gabriela rompeu de uma vez pelo corredor,
mas parou quando viu Júlia com Thiago. Temerosa, adiantou-se até eles em
passos largos e contidos.

— Peço perdão, senhor. Me distraí um momento e a menina correu


quando escutou os gritos da mãe. — Falou sem encarar o homem e retirando
a menina chorosa de seus braços.
Júlia ainda estendia os bracinhos para o pai quando fora retirada dos
braços dele e levada embora pela babá. Frustro, pelo plano interrompido,
Thiago voltou-se para dentro do escritório e trancou a porta novamente.
Chegando pertinho do corpo seminu estendido no chão, Thiago, de
pé, avaliou cada centímetro do corpo curvilíneo. Bárbara estava com o corpo
mais volumoso. Nada parecido com a aparência escanifre de modelo de
passarela que outrora mantinha.

Excitado, ele olhou para o rosto que agora parecia sereno. Bárbara
estava desmaiada. Mas para Thiago, o ocorrido não anulava o que ainda tinha
em mente. Ele sem dúvidas tinha plano de acordá-la e continuar o que Júlia
atrapalhou.
Abaixando se, retirou o tecido rasgado que agora, cobria parte das
nádegas volumosas e bem feitas, Thiago ia dobrando-se, mas de repente
parou. Olhando com atenção para um ponto específico na nádega esquerda de
Bárbara.
Naquele momento, Thiago levou um choque quando se deu conta de
que a mancha de nascença escura e do tamanho de uma ervilha que Bárbara
possuía, havia sumido.
Capítulo 19

Thiago estava parado na frente da grande cama de casal. As mãos no


bolso da calça revelavam que sua postura parecia pouco relaxada. Olhava
para a mulher deitada na cama e de aparência tranquila. Analisando cada
palmo do rosto jovial. Thiago não sabia exatamente se estava desmaiada ou
apenas dormia, mas ele realmente não se importava. Thiago sentia a cólera
arder dentro dele.

A raiva subia e parecia querer explodir como se fosse algo prestes a


transbordar por estar cheio de mais.

Revolto, Thiago saiu do quarto. Desceu depressa as escadas e entrou


apressado no escritório. Inquieto, passava as mãos pelos cabelos buscando
acalmar-se, mas não conseguia.

“Mas que porra Bárbara fez?! Quem era aquela mulher?!”

Sua mente bagunçada, rodava, lançando memórias sobre Bárbara


que se misturavam. Lembrou-se do cachorro que, outrora a odiava e
inexplicavelmente agora nutria simpatia. Cada comportamento e
características de personalidade não condizentes com o que Bárbara era de
fato. Episódios que antes eram reversos e inconclusivos, mas que agora se
encaixavam como peças de quebra-cabeça.

Era de desconfiar. Sua intuição sempre lhe dizia que algo estava
errado e ele sempre ignorou. O ódio que sentia a todo momento nublava a
realidade. A verdade tinha estado o tempo inteiro ali, à sua frente. Mas ele se
quer fora capaz de enxergar!
Com raiva, Thiago pensou em adentrar no quarto e tirar a limpo toda
a estória, mas parou no meio do caminho. Sua mente lhe dizia que seria
necessária uma certa sagacidade se ele quisesse destrinçar todos aqueles
paradigmas.

Sacou o celular do bolso e ligou para Diogo, que no terceiro toque


atendeu.

— Thiago. — Disse breve.

— Não é ela que está aqui, porra.

Diogo ficou mudo por alguns segundos. Achava que de tudo o que já
havia visto Bárbara fazer, aquilo fora inovador e não era elogio. Bárbara era a
rainha dos absurdos, mas colocar alguém em seu lugar já era novidade
demais.

— Diogo, quero você no Brasil. Viole o túmulo da mulher que foi


enterrada, quero que colha material suficiente para analisarmos. — Numa
pausa significativa, completou — Ache Rita. Vasculhe aquela porra de cidade
e ache Rita.

— Certo. E, para seu governo, Spencer conseguiu rastrear


movimentos na conta depois de muito tempo. Soube exatamente alguns
minutos atrás que Rita comprou remédios para dormir em uma farmácia que
fica há mais ou menos cinquenta minutos de onde os soldados à paisana
estão.

— Ótimo. Mapeie a região. Descubra cada palmo de terra existente


ali. Roberto e eu temos uma missão na Bélgica. Viajo para lá em algumas
horas, mas quero que me mantenha informado sobre tudo.

— Como vai viajar, porra? E vai deixar essa mulher aí? — Diogo se
zangou. — E Júlia? Como que fica nisso tudo?

— Deixa que com isso eu resolvo. Faça o que eu falei.

Desligando o telefone. Thiago concentrou se em analisar cada


relação bancária e pesquisa que Spencer havia entregue. Todas as
informações pareciam não revelar nada de mais sobre a família, mas
inexplicavelmente ele sentia estranheza de mais em cada detalhe. Algo não
estava batendo.

Cansado do esforço de ler e reler cada palavra escrita, Thiago


afrouxou o nó da gravata e abriu alguns botões da camiseta. Levantou se e
buscou a garrafa de Bourbon. Com um copo na mão e a outra descansando no
bolso da calça, Thiago aproximou se da janela e olhou para fora.

A noite caía. Nonna não estava em casa, havia recebido um convite


do governador da Calábria para um evento beneficente, foi a deixa para fazer
o que ele quase havia feito com Bárbara, ou quem quer que fosse em seu
lugar. Mas a constatação e surpresa o tomou. Completamente absorto em
pensamentos, Thiago olhava pela janela. Lembrou -se de quando vira Bárbara
pela primeira vez...

“...O som grave em ritmo de funk vindo de poderosas caixas de som


no porta-malas fazia com que os retrovisores do carro – e centenas de corpos
– balançassem. A multidão de pessoas se aglomerava no meio da rua em um
dos principais fluxos na zona sul de São Paulo, em uma noite fria de julho de
2015. Thiago aguardava impaciente do lado de fora, fumando um cigarro, e
encostado de maneira despojada em um carro. Naquele dia, acertaria as
contas com um dos maiores traficantes da fronteira do Brasil com o Paraguai.
Khalil Mohammed. Um libanês fajuto, trapaceiro e corrupto. Mas dessa vez
ele não se sairia bem. Para a má sorte dele, daquela vez, era Thiago quem
estava firmando os negócios.

Thiago prestava bastante atenção na saída do lugar quando viu


Khalil sair aos tropeços, bêbado e agarrado a uma mulher.

A mulher à princípio parecia se divertir sem saber direito o que o


homem falava, apenas ria e balançava a cabeça completamente alheia ao
redor. Quando Khalil avançou sobre ela e tentou investir em um beijo, a
mulher esquivou, fazendo Khalil Mohammed tropeçar e quase cair de cara no
chão.

Apoiado na parede, o homem tentou equilibrar se para investir


novamente na mulher, mas tão prontamente, Thiago apareceu a sua frente.
Lentamente subindo o olhar, Khalil enxergou Thiago, imponente e pronto
para abatê-lo. No calor do desespero Khalil virou-se abruptamente e passou
correndo pela mulher que até então, apenas olhava a cena curiosa. Thiago
apenas olhava enquanto o homem ia tomando distância, correndo trôpego
pela rua escura e vazia. Mas antes que ele chegasse à esquina, Thiago sacou
uma arma acoplada com silenciador e disparou certeiramente nas costas do
homem fazendo-o cair no chão.

Sem pressa alguma, Thiago caminhou até ele, chegando perto o


suficiente para ver a cena do homem caído e agonizando.

— Achou que venderia armas que disparam sozinhas para mim e


ficaria por isso mesmo, Khalil?

Agonizando e cuspindo sangue pela boca, o homem ainda conseguiu


abrir um sorriso esganiçado.

— Pena que o tiro não saiu pela culatra e te acertou, filho da puta. —
Khalil respondeu com a respiração entrecortada.

— Uma pena mesmo. Se não, como eu ainda estaria vivo para


mandar você e sua família para o inferno?

O homem arregalou os olhos e pareceu querer falar algo, mas não


dera tempo. Sem cerimônia alguma, Thiago, de pé, apertou o gatilho e atirou
no rosto do homem caído fazendo com o rosto afundasse em massa, sangue e
pedaços na mesma hora.

Sangue esguichava pela boca do desgraçado quando Thiago atirou


mais uma vez. Desta vez, no corpo inteiro. Era para matá-lo. Guardando a
arma, Thiago voltou pelo mesmo lugar onde o homem havia corrido. A
mulher morena que o acompanhara continuava parada no mesmo lugar, não
havia vestígios de medo nela.

Thiago passou a sua frente, ignorando a completamente, mas ele


bem percebeu o brilho de interesse que havia nos olhos azuis dela. Alguns
dias depois após o acerto de contas com o Libanês, Thiago estava hospedado
em um dos muitos hotéis que lhe pertenciam, quando recebera um convite de
um magnata corrupto bancário.

O convite consistia em convida-lo para participar de uma partida de


pôquer junto a alguns sócios do banco. Era a oportunidade perfeita de Thiago
teve de tomar alguns milhões dos vigaristas.

Thiago sugeriu usarem o salão de jogos do hotel de onde ele se


hospedava, e assim fora feito. Às oito da noite foi comunicado a ele de que
Rodrigo Mansanni, o magnata bancário, o aguardava na sala de jogos.

Ao chegar no ambiente, que mais estava para um cassino, Thiago,


dirigiu-se para a mesa onde estava sentado um homem aparentando estar
quase na casa dos sessenta anos, estatura alta, porte magro, cabelos e barba
totalmente brancos, mas ainda assim, ostentando a lucidez e astúcia precisa
de um homem jovem.

Rodrigo estava acompanhado por uma bela moça morena, que,


distraidamente, olhava para cada ponto do ambiente iluminado e ostensivo.

— Thiago! Junte-se a nós! — Disse o anfitrião da mesa.

Thiago aproximou-se e os cumprimentou. Sua chegada chamou


atenção da acompanhante dispersa, que, ao vê-lo arregalou os olhos em
completo sinal de surpresa.

— Está aqui é minha linda acompanhante. — O velho homem


dissera hipnotizado olhando para a mulher. — Seu nome é Bárbara.

Thiago trocara um olhar intenso com a mulher, que parecia dizer


tudo. Ele sabia quem ela era. Jamais deixaria uma testemunha de um crime
para trás sem antes saber quem era.

A beleza dela era estonteante. Chamava a atenção. Estava de


acompanhante, mas não tirava os olhos de Thiago.
Durante as partidas, Thiago concentrava-se em ganhar, vez ou outra,
ele surpreendia a mulher o encarando. Ficaram naquela tensão a noite toda.
Thiago não estava em buscava companhia, e não era de seu feitio cobiçar
acompanhante de seus sócios ou negociadores. Mas claramente, este não era
o mesmo pensamento de Bárbara, e Thiago divertia-se.

Depois de horas de partidas e conversas sobre negócios, Thiago,


finalmente levara a melhor. Despediu-se dos sócios que, naquela noite,
voltariam para suas mansões um pouco menos ricos.

Esta era sua jogada de estratégia. Fazer dinheiro aonde quer que ia.
As jogadas administrativas de Thiago, além de muito expansivas, eram
demasiadamente lucrativas. Este sem dúvida era um de seus destaques na
chefia da Calabresa.

Thiago jamais tinha casas nos países onde frequentava, a não ser, as
que ganhava como presente. Ele era acostumado a comprar hotéis de luxo,
restaurantes e lojas, tudo isto em outros países, a fim de transforma-los em
lavagem de dinheiro. E o hotel que estava hospedado, não era muito
diferente.

Thiago rumou para o elevador privado, acompanhado de homens


armados e outros à paisana. A porta estava quase se fechando quando Bárbara
apareceu repentinamente e ofegante em seu campo de visão. Antes que a
porta se fechasse por completo, Thiago viu alguns soldados especiais
interceptarem a moça, mas ele interveio. Abriu a porta do elevador e deu uma
ordem:

— Deixem-na. — Ele falou com falsa animosidade para os soldados.


Thiago a encarava, esperando para ouvir o que a mulher teria a dizer
ou quais seriam suas próximas reações.

Ao dar o primeiro passo para entrar na cabina do elevador, o vestido


da mulher abriu se a fenda revelou um par de pernas torneadas e bronzeadas.
As sandálias eram de salto alto e douradas. Um contraste com o vestido
chamativo e as joias, Thiago observou.

— Obrigada por me deixar subir com você. Acho que o outro


elevador estava muito cheio. — Observou a mulher, falando de modo
sedutor.

Como resposta Thiago arqueou a sobrancelha e aproximou se dela.

— Por isso resolveu pegar o elevador privado como forma de


escapar de um elevador cheio às duas da manhã?

Thiago dera ênfase a palavra, pois, claramente, a mulher mentia, e


ele sabia. O saguão era disposto de oito elevadores, e àquela hora da
madrugada nenhum deles estaria cheio. Bárbara apenas respondeu com um
sorriso. Não havia ficado tímida por ter sido pega mentindo.

Thiago aproximou se ainda mais e inclinou se sobre ela, deixando a


tensão que os cercava ganhar mais força. Usara do pretexto da aproximação
tão íntima, apenas para apertar o botão para o penúltimo andar.

— Não vai dar o comando para o andar de onde se hospeda,


Bárbara?

Thiago sabia que ela não apertaria botão algum. Ela não era hóspede.
E ele podia sentir o ambiente mudando e o ar pesando. Os seios arfantes da
mulher, e o lábio entreaberto já lhe diziam muito.

— Não estou hospedada aqui e acabei de terminar o meu expediente


de acompanhante.

— É. Eu sei. — Thiago disse chegando-se novamente para mais


perto.

— Existe algum problema caso eu passe a noite por aqui? —


Questionou de modo provocativo e inocente.

Thiago estava gostando, e achando extremamente excitante.

— Depende, se eu passar a noite dentro, não tem problema algum


você estar aqui.

Thiago encostou seu corpo de vez no dela e a fez encostar as costas


nuas no inox do elevador. Bárbara estava excitada e abriu os lábios quando
sentiu a ereção evidente dele encostar em sua barriga.

— Dentro de onde? — disse Bárbara completamente ofegante.

Thiago abaixou-se e esfregou a barba áspera entre o pescoço e o colo


de dela, subindo uma mão pela fenda do vestido que expunha a perna dela.

Thiago riu sem humor junto ao pescoço dela antes de responder.

— Dentro de você.

Naquela noite, todo o autocontrole que mantiveram a noite toda, fora


lançada fora quando romperam a porta da suíte em que Thiago se hospedava.
Era atração mútua, pele, tesão, suor, fogo e lascívia que os unia. Sexo
selvagem sem compromisso e sem beijos.

Thiago apreciou o fato de que ela gostava de sexo tão sujo quanto
ele e em nenhum momento se opunha ao que ele queria. Era insaciável.
Bárbara era uma deusa do sexo. E de fato, essa fora a grande química que os
uniu durante os dias em que ficaram juntos ali no Brasil e posteriormente a
bordo do SWK note no meio do oceano Atlântico...”

Despertando do devaneio, Thiago deu o último gole em sua bebida e


largou o copo de lado. Subiu as escadas sentindo o corpo pesado. Chegou até
a porta do quarto e encarou a porta, dividido sem saber se entrava ou não.

Sua vontade era de retirar todas as informações a limpo e na base do


ódio que sentia; perguntar para a mulher intrusa quem ela era, e o que fazia
ali no lugar de Bárbara.

Thiago sentia o coração acelerar e o impulso assassino lhe assolar ao


pensar na imensidão do quão havia sido enganado, mas o que o confortava
era o plano que tinha em mente. Sabia que apesar de ter complô com a
verdadeira Bárbara, a mulher intrusa, tinha o resquício oblívio do acidente e
não saberia responder nada.

Com raiva de tudo, Thiago marchou para o outro quarto ao lado,


prometendo a si mesmo que quando encontrasse a verdadeira Bárbara, o
castigo que ele teria para ela, seria aplicado de forma mil vezes pior. Quanto
a que estava em seu lugar, restaria a ela apenas aguentar o que ele havia
reservado para ela.
Capítulo 20

Bárbara estava deitada na cama e dormia um sono agitado. Estava


sonhando. No sonho, ela dirigia um carro em alta velocidade e em uma pista
completamente encharcada pela chuva continua que caia. Este era o início do
pesadelo.

Bárbara olhou pelo retrovisor e viu sentada, presa a cadeirinha, Júlia.


Ao seu lado estava um homem que falava alto ao telefone. Bárbara sabia que
algo ruim estava acontecendo para que o homem estivesse tão nervoso, mas
sua mente parecia nublar o que ele falava.

Ao desligar o telefone, ela escutou o homem dizer que os planos de


irem até o local onde estavam indo, havia sido adiado, e que eles haviam
recebido ordens para voltarem. Ela sabia que não podia arriscar. Sabia que se
voltassem até aquele lugar, provavelmente ela e Júlia morreriam.

Com aquele pensamento, Bárbara acelerou ainda mais o carro,


chamando a atenção do homem estranho a seu lado. Ele parecia falar de
modo alterado e enfurecido com uma pessoa do outro lado do telefone, mas o
sonho confuso e embasado não lhe permitia entender do que realmente se
tratava a briga.

De repente, no sonho, o homem percebeu que ela avançava e sacou


uma arma, apontando em direção a ela. Júlia, assustou-se e começou a chorar.
Em desespero, Bárbara sentia que tinha de fazer algo para tirá-las daquela
situação, mas não sabia o que exatamente fazer.

O homem a seu lado, gritava mandando que ela desse a ré e voltasse,


mas Bárbara seguia sempre a diante. Sabia que estava perto de chegar aonde
queria e precisava mais do que nunca chegar lá. Ela precisava falar com Ele.
Esta era sua missão e mais do que nunca, queria dar fim a ela.

Júlia chorava atemorizada com os gritos do homem, mas Bárbara


não se intimidava. Continuava a acelerar indo sempre em direção contrária ao
que o homem enfurecido queria. Por um momento, Bárbara pensou em se
jogar com o carro em movimento, mas temeu pela garotinha que ficaria.

O homem, ficou cada vez mais agressivo à medida que o carro


avançava e sua arma já encostava na cabeça de Bárbara, enquanto mais uma
vez, ele gritava ordens.

Um carro do outro lado da pista, passou e jogou o farol alto dento do


veículo e a cegou por alguns instantes, fazendo com que ela perdesse o
controle do carro. Isto pareceu dar a deixa que o homem queria. Com muita
ousadia, ele agarrou o volante e quis rodá-lo para fazer o veículo dar meia
volta, mas o efeito foi trágico. Por conta da chuva, o carro escorregou na pista
e girou.

Com medo, Bárbara batia no homem e tentava recuperar o volante,


mas era em vão. O homem, passou a revidar em forma de socos, tapas e
puxões de cabelo. Ela gritava e pedia para soltar-lhe. Desesperada, viu um
parapeito, uma espécie de alambrado que não permitia os carros passarem
para o outro lado. Com urgência, virou o volante e acelerou indo para lá. Sua
intenção era fazer o homem parar com a agressão.

A criança provavelmente se machucaria —Bárbara pensou— mas


estaria a salvo pelos cintos e proteção. Ela acelerou, e quando o homem
percebeu sua intenção, parou de bate-la e arregalou os olhos. Abriu a boca
para falar, mas já era tarde demais. O carro ultrapassou a proteção e caiu no
abismo.

Suada e ofegante, Bárbara acordou sobressaltada e muito assustada.


Ela não sabia ao certo se o que acabara de ter era um sonho, ou uma memória
do dia do acidente.

Olhou para os lados e demorou um tempo para reconhecer aonde


estava. Ficou ainda mais desesperada tentando procurando a figura de
Thiago, mas não o viu. Seu coração palpitava e ela sentia angústia e muita
tristeza. Lembrou-se do que Thiago esteve prestes a lhe fazer e seus olhos
marejaram. Como podia ele pensar em algo tão atroz?

Ela olhou para o corpo debaixo das cobertas. Estava quase nua. Suas
roupas estavam esfarrapadas e rasgadas. Afastou as cobertas e tocou a
intimidade procurando indícios de pós violação: nada. Não sentia dor a não
ser a dor de cabeça terrível que lhe afligia. Foi para o banheiro trancando a
porta. Retirou os trapos que restaram do vestido e os jogou no lixo. Nua, se
auto examinou. Olhou para o corpo e se ateve aos detalhes, em busca de
possíveis violações.

Cortes em fase de cicatrização; dedos das mãos imobilizadas; no


corpo, algumas cicatrizes do acidente; resquícios dos tubos que haviam sido
inseridos em seu corpo; Cicatrizes de cortes e o cabelo estranhamente
raspado de lado; Nada de novo.

Bárbara ligou o chuveiro e entrou. Sentia se anestesiada. Queria


chorar muito, mas não conseguia. Estava sendo ruim para ela prender aquilo
tudo dentro de si.

Bárbara não conseguia extravasar a dor de ter se casado com alguém


tão ruim e de regras tão insuportáveis e rebaixadas. Não o amava e ela tinha
certeza que ele também não a amava. Então, porque ele simplesmente não a
deixava em paz? Thiago parecia sentir prazer em imputar lhe dores e
castigos.

Ao terminar o banho, o corpo estava marcado de vermelho pela


força que usou para se esfregar. Ela encarou a única toalha que havia ali para
se secar e odiou o fato de nem mesmo ter direito sobre a própria toalha e ter
que se secar com a toalha de Thiago, absorvendo o cheiro dele todo na pele.

Era revoltante o modo excitante do cheiro másculo, e ela entrava em


modo de abnegação justamente por ser o cheiro de Thiago.

Excitava-se em alguns momentos, mas era impossível dar vazão a


isso uma vez que sofria tantos abusos. Ninguém jamais a preparou para o que
acontecera com ela ali.

Bárbara estava com medo de sair do quarto. Esta era a realidade. Já


se passava do meio dia e o medo de bater de frente com Thiago sobrepunha a
fome e a vontade de ver a filha. Ao meio dia e quarenta, a maçaneta da porta
girou. O coração de Bárbara foi a mil no medo de ser Thiago, mas era apenas
Ileana com uma bandeja.

— Buongiorno. — A moça cumprimentou com polidez. — A


senhora Guerra pediu para lhe preparar um pequeno desjejum...— Relutante,
anunciou o restante do recado. — Ela também manda informar-lhe que, uma
vez um membro da famiglia estando presente, não é de costume deixar que o
outro passe o pranzo sozinho a mesa.

Bárbara juntou as sobrancelhas e olhou para Ileana sem entender


absolutamente nada.

Será que eles fingiam não escutar nada que Thiago fazia com ela?
Ou será que eram tão bons assim em ignorar? Como que Marietta exigia algo
que ela simplesmente não tinha a mínima coragem de fazer no momento?

A ideia de descer e encarar Thiago era completamente sufocante


para Bárbara. Seria um esforço enorme a se fazer depois de tudo, e ela não
sabia se agiria tranquilamente diante dele.

— Onde está Thiago? — Sua voz soou estranha. Rouca e tensa


demais.

— O chefe precisou viajar.

A princípio o que era uma simples informação da empregada, passou


a ser vista de modo desconfiado por parte de Bárbara. Por trás da informação
parecia ter algo mais profundo e que ela ainda não enxergava. Ileana
despediu-se e se retirou do quarto sorrateiramente.

Bárbara pegou a muleta e foi até aonde a bandeja descansava.


Tomou o desjejum enquanto refletia.

Aproveitaria aquele mês sem a presença intimidante e maldosa de


Thiago. Trataria de se recuperar fisicamente e mentalmente de tudo o que lhe
acontecera e o mais importante: Tentaria mais do que nunca recobrar a
memória.
O tempo andava frio e seco. As árvores estavam sem folhas,
indicando a passagem da estação, e logo mudaria para o frio rigoroso o cheio
de neve. O natal se aproximava e Bárbara já conseguia andar sem a muleta, e
sem as talas nos dedos que, impacientemente ela mesma havia retirado.
Queria aproveitar o máximo possível aquele tempo e sem quaisquer
empecilhos.

Estava se cuidando mentalmente e fisicamente. Fazia o melhor por si


mesma e para manter a sanidade mental. Trabalhou consigo mesma sua
estima e sua ansiedade e com muito custo, aceitou que de alguma forma, seu
corpo não era mais o mesmo das fotos e que estava tudo bem ter os quadris
mais largos e os seios maiores do que outrora.

Lutava para conseguir se encaixar nos moldes novamente, e não


apenas ficar a pensar no medo que sentiria quando Thiago retornasse.

Ela havia se esforçado para conseguir uma boa relação com a avó de
Thiago. Algumas vezes, ao brincar no jardim com a filha, Marietta as
acompanhava; ficava de longe, nunca se misturava, apenas observava e ria
discretamente de toda a algazarra que Júlia e Bárbara faziam.

Durante os jantares, Marietta não tecia mais comentários ruins de


desaprovação em relação a ela. Não eram amigas, mas a mulher parecia ter
mudado quase como se a enxergasse como outra pessoa. Era essa a sensação.

Bárbara passara a fazer companhia a filha. Sempre acompanhada de


Gabriela. Não conseguia acompanhar o ritmo acelerado da menina, mas fazia
de tudo para estar sempre junto e acompanhando Júlia em suas brincadeiras
pueris.
A presença suspensa de Thiago, mudou até mesmo a forma com que
Bárbara passara a ser vigiada. Ela sentia a presença de alguns olhares vez ou
outra quando estava na companhia da menina, mas nunca eram como de
antigamente.

Tais reações, fizeram com que ela ficasse ainda mais desconfiada e
incomodada. Todos pareciam vigiá-la discretamente, e isso era feito de um
jeito sufocante e horrível.

Bárbara sentia a necessidade desesperada de ficar junto de alguém


que a amasse, por isso passava a maior parte do tempo com a filha. Thiago
até poderia achar que ela não merecia ser amada, mas ela era um ser humano,
era impossível negar que precisava de amor.

De noite, quando Júlia havia adormecido, Bárbara se enclausurava


dentro do quarto. Era a pior parte do dia. Sua cabeça ficava confusa e as
emoções em torvelinho, desesperada e infeliz consigo mesma e com toda a
situação que ela mesma causara quando fugiu com os filhos. Era como se
naqueles momentos tudo o que havia trabalhado consigo mesma ao longo do
dia sumisse.

Estava sentada próximo a grande janela do quarto. Olhava o céu


escuro, nublado e as árvores balançarem anunciando o vento “chicoteante” e
que castigavam.

Foi quando notou um comboio de carros chegarem e pararem na


entrada da grande casa. Dentre os carros, destacava-se um preto e blindado, e
foi justamente deste que ela viu Thiago sair. A imponência de seu porte
vantajoso estava abalada. Ele parecia machucado.
Thiago levantou os olhos para a fachada da casa e Bárbara
urgentemente se afastou da janela, apressando-se em ir para a cama. Ondas de
nervosismo e pânico assolavam lhe e ela parecia querer vomitar a qualquer
momento. Com pressa afastou as cobertas e deitou-se, mais uma vez,
tentando acalmar a respiração.

De repente ela ouviu a movimentação se dissipar, os carros sendo


ligados e partindo. Contou alguns minutos, mas Thiago não adentrou no
quarto. Bárbara estava começando a duvidar se havia de fato visto ele ali,
quando o trinco girou e a porta foi aberta. O cheiro específico dele dominou
todo o ambiente.

De olhos bem fechados, Bárbara permaneceu estática e no lugar.


Não conseguia se quer respirar, ouvindo com atenção cada movimento que
ele fazia. O fechar da porta, o escorregar do paletó e mais algumas outras
coisas que Bárbara não sabia dizer bem o que era, todos eles foram audíveis
para ela e despertava apreensão.

Sentiu que Thiago subia na cama com certo esforço. Ele parecia
estar com o peito cheio e respirava com certa dificuldade, fazendo sempre um
chiado estranho. Um sentimento de curiosidade a invadiu e ela abriu os olhos,
mas estava virada de costas para ele.

Durante alguns bons minutos, Bárbara tentou relaxar e ignorar os


sons e barulhos graves que Thiago emitia. Ela tinha muito medo, mágoa e
raiva por tudo o que Thiago a fez passar, mas não era de ferro. Algo lhe dizia
que aquela viagem tinha sido de cunho perigoso e que provavelmente algo
havia dado errado.
Bárbara relaxou um pouco e, intrigada, olhou sob o ombro. Thiago
estava do outro lado da cama deitado de barriga para cima. Respirava com
dificuldade e parecia pálido demais.

Os olhos estavam fechados e o rosto estava suado. Um braço


repousava de lado, e o outro transpassava por cima do abdômen. Ela
estranhou o fato de ele estar deitado ainda com roupas que chegara. Curiosa,
olhou direito para ele e viu que havia uma mancha escura sob a camiseta
branca, que ela não sabia dizer ao certo o que era.

Bárbara virou se novamente e cobriu o corpo com o cobertor. O


tempo inteiro cantando em sua mente que não tinha nada a ver com aquilo e
que se por ventura ele morresse, seria uma benção para ela.

Alguns minutos se passaram com ela tentando se convencer, mas


não conseguia parar de sentir pena e comoção. Thiago parecia ranger os
dentes e emitia pequenos sons, baixos e estranhos.

Se achando a mulher mais tola e idiota da existência, Bárbara


afastou as cobertas e calçou as chinelas. Arrodeou a cama e timidamente
chegou para perto dele.Thiago era muito grande e de perto parecia ainda mais
forte e cheio de músculos. Com medo e ao mesmo tempo preocupada,
Bárbara aproximou-se, chamando-o pelo nome, mas ele não abria os olhos,
parecia de fato dormir profundamente.

Quando ela chegou ainda mais perto e viu do que se tratava,


arquejou alto e colocou as mãos na boca. No embalo do momento, levou a
mão e tentou tocar o local sangrento, mas a mão de Thiago bateu na sua e a
deteve, segurando forte.
— Tire a mão, porra. — A voz grave, soou pesada e arrastada, mas
não menos rude e agressiva.

O disparate dele aguçou sua raiva e Bárbara desejou ter um pedaço


de graveto para provocar o ferimento e lhe causar ainda mais dor.

— Eu só estava tentando ajudar. Não precisa ser grosso.

Thiago pareceu ficar confuso, mas rapidamente recompôs a feição


com a carranca de sempre.

— E vai me ajudar como, Bárbara? — Ele perguntou com certa


dificuldade, agonizando pela dor.

— Deixe-me ver o que é primeiro, e eu vejo se consigo te ajudar.

Estavam iluminados apenas pelas luzes do lado de fora da casa que


passavam pelas frestas da cortina, mas podiam enxergar perfeitamente um ao
outro. Bárbara viu quando ele avaliou o que ela dissera desconfiado, mas
estranhamente, assentiu com a cabeça. Empolgou se minimamente por notar
que sabia exatamente o que fazer. Pegou a maleta de primeiros socorros no
banheiro, ligou as luzes do quarto e dirigiu se para a cama, ciente a todo
momento que vestia apenas uma camisola, curta e decotada demais para a
ocasião.

A última vez que usara a maleta, foi para limpar o ferimento na


perna, por isto, ela sabia bem o que acharia dentro. Com maestria, retirou
uma tesoura média da maleta e cortou a camiseta de Thiago. Bárbara pôde
ver claramente um buraco de tiro. Um pouco acima da costela dele, e estava
infeccionada.
Tentou não ficar apreensiva com o que via. O local, claramente
havia sido tratado e suturado, indicando que a bala havia sido retirada, mas
não estava totalmente recuperado. Apesar de cuidado, o ferimento estava
muito vermelho e inchado, com pequenos pontinhos brancos saindo. Parecia
que Thiago não havia respeitado o tempo de repouso.

Olhou para cima, para o rosto dele, e Thiago apenas a encarava, com
olhos semicerrados e sério. Parecia ter problemas para manter-se de olhos
abertos. Bárbara olhou o que tinha na maleta e concluiu que o que havia ali,
daria para controlar bem a situação.

— Vou precisar que você vire um pouco de lado. — pediu ela de


modo tranquilo.

Thiago obedeceu e virou-se de lado, travando o maxilar de dor pelo


esforço. Bárbara, tratou imediatamente de limpar o locar antes que a ferida
evoluísse para algo pior.

Ela já estava no quinto pacote de gases, limpando toda a inflamação


que se estendia. Thiago estava pálido e suava, os olhos fechados, mas
mantinha-se consciente; o cabelo pendia caído sob a testa, mas ainda assim,
com a beleza ilesa.

Vez ou outra, ele travava os dentes e fechava os olhos quando


Bárbara era mais incisiva em tratar um local com antisséptico e iodo, mas ele
não emitia som algum. A fim de aferir a temperatura corporal, Bárbara
posicionou se um pouco em cima dele. O jeito que estava era um pouco
constrangedor para ela, ainda mais, quando fazia em quem tentara semanas
antes estuprá-la. Mas era o necessário.
Ao terminar, viu a quantidade de bagunça e caos que havia ficado na
cama e chão do quarto. Achou um cobertor num armário dentro do closet e o
trocou pelo sujo de sangue e antissépticos. Thiago moveu se para tentar tirar
a calça, mas não conseguia. Sem jeito, Bárbara o ajudou a retirar a calça, e
sapatos, e depois, lhe deu remédios para a dor e aplacar a febre.

Percebeu que Thiago respirava melhor e, agora, apenas olhava para


ela, de modo um pouco diferente.

— Obrigado.

Pega de surpresa, Bárbara apenas assentiu, humildemente. Desligou


as luzes e deitou-se longe dele, de barriga para cima, encarando o teto.

Depois de muito pensar sobre o que acabara de fazer, Bárbara se


convenceu de que era apenas uma pessoa humana. Não tinha nada a ver com
o que sentia ou pensava sobre ele.

Era apenas uma pessoa altruísta que se compadecia com a situação


do outro. Mesmo que esse outro fosse o implacável e arrogante, Thiago
Guerra.
Capítulo 21

Thiago.

Algumas horas antes...

A missão havia dado completamente certo. A não ser, é claro, pelo


tiro que havia levado de raspão quando entrara em conflito com os inimigos
belgas.
Thiago havia conseguido comprar um bairro inteiro em Bruxelas e
de quebra, ainda controlar os traficantes que haviam ali. Para ele, nada que a
boa e velha diplomacia malta não resolvesse.
Ele estava voltando para a Calábria de carro e totalmente escoltado.
O local do tiro, apesar de tratado pelo médico particular que ele mesmo
dispunha, ardia e latejava.

Para esquecer o incômodo, ele lia uma matéria de jornal onde a


coluna estampava os grandes feitos e influência da máfia calabresa. Feitos
estes, que claramente eram condenados pelo chefe da antimáfia italiana.
O colunista da reportagem, se referia a máfia Calabresa como sendo
uma das mais influentes de todo mundo. Inclusive, o chefe da antimáfia
acusava a Calabresa de ter o apoio do governador da Calábria. Thiago estava
enfurecido. Haviam ratos entre eles que delatavam a famiglia.
Mas para a sorte de todo o esquema, Thiago sabia quem era.
Somente uma única pessoa soube com antecedência do encontro de Marietta
com o governador semanas atrás: Bertholo.
De repente o celular vibrou no bolso do paletó e Thiago atendeu.
— Já leu a matéria da revista Exame esta manhã?

— Sí. Acabei de ler. Quero a cabeça do figlio di una cagna. —


Apesar de não citar nomes em ligações, por questões de segurança, Thiago
sabia muito bem que Diogo sabia há quem ele se referia.
— Ele já está ciente da reunião. Mas não foi para isto que eu liguei...
Como sabe, Spencer chegou do Brasil e quer se encontrar conosco. Marquei
com ele no galpão de ferro. Ele está nos esperando lá.
— Chego em trinta minutos. — Anunciou Thiago, desligando o
telefone em seguida.

Galpão de ferro. Eram assim que chamavam os lugares de torturas.


A maioria sempre assimilava o cheiro de sangue ao cheiro de ferrugem.
O galpão de ferro, na verdade, era uma bonita casa localizada em um
bairro nobre da cidade de Catanzaro, cidade esta, que ficava a alguns
quilômetros da Calábria e era ponto estratégico. Jamais levantava suspeitas
para os antimáfia.
Ao chegar no local, Thiago desceu do carro e escoltado por alguns
soldados foi diretamente para o local onde o interessava.

Descendo as escadas da casa diretamente para o porão, Thiago foi


recebido por Diogo e Spencer que o cumprimentou fidedignamente pelo que
ele era: chefe.
Spencer e Diogo eram os homens de confiança de Thiago e agiam
em seu lugar quando ele precisava se ausentar. Spencer havia servido o
Departamento Federal de Investigação dos Estados Unidos (FBI) por 12 anos,
até ser pego sonegando informações.
Por causa de sua conduta, os Estados Unidos o puniu, exilando-o
como forma de punição.

Atualmente, servia a Calabresa como sendo um dos capos mais


honrados e de confiança de Thiago.
— Espero que não tenham me chamado aqui para me mostrar mais
um relatório fajuto e idiota, Spencer. — Apontando o dedo indicador na
direção do homem, Thiago completou. — Tô te devendo um tiro por ter me
feito perder tempo da última vez.
— Spencer fez um bom trabalho desta vez. — Diogo disse de
maneira debochada, olhando os papéis.

— Desta vez?! E quando tua mulher sumiu? Quem foi o responsável


de ach....
— Vão dizer logo ou só me chamaram aqui para me fazer perder
tempo, porra? — Thiago interrompeu.
Tomando o relatório de forma brusca das mãos de Diogo, Spencer
entregou o papel a Thiago explicando em seguida:

— Violamos o túmulo da suposta prima de Bárbara que morreu e


advinha? — Spencer olhou para ele arregalando os grandes olhos azuis
dramaticamente.
Thiago, estava parado de braços cruzados e pernas separadas, apenas
observando impaciente a encenação de Spencer.
— Não existe nenhuma Surya enterrada ou DNA de Bárbara no
corpo encontrado. A pessoa que fora enterrada, se quer é uma mulher. Os
dados coletados denunciaram a presença do cromossomo XY, presente
apenas no sexo masculino. — Pausou a fala para mostrar-lhe um laudo
legista. — Na verdade, usaram a desculpa de que o corpo havia sido
extremamente danificado pelo acidente, e fizeram o velório de caixão
fechado. Nenhum dos Lima se quer desconfiou.
Thiago franziu as sobrancelhas e olhou para Spencer e Diogo
rapidamente.

— Mas que porra é essa?! — Esbravejou indignado. — Eu juro que


quando eu pôr minhas mãos em Bárbara, eu vou escapelá-la.
Thiago passou as mãos pelos cabelos exasperado até Spencer
continuar a falar.
— Sua mulher continua foragida, provavelmente junto com seu
filho. E a mulher que está em sua casa é, provavelmente, a tal da Surya. A
família acredita que ela esteja morta, mas duvidamos disto... Quero que veja
isto. — Spencer o entregou duas fotos coladas lado a lado. — Achei uma
movimentação em uma rede social onde os amigos prestam homenagens a
Surya. Comparamos as fotos de Surya e Bárbara, veja por si mesmo.

Thiago via duas mulheres bastante parecidas fisicamente, mas de


algum modo tinham suas diferenças.

— Outra novidade é que nunca mais Rita foi vista na cidade. —


Spencer fez uma pausa e o olhou profundamente antes de revelar. — Mas
nem por isto estamos um pé atrás deles. Rastreei o código de fabricação do
carro que caiu na ribanceira e depois de muito pesquisar, achei algo concreto.
— Spencer se gabou convencido. — Descobri que o carro, havia sido
alugado de um charlatão trapaceiro, dono de uma concessionária de carros
roubados, na Sicília.
O ódio de Thiago só aumentava pelo absurdo de toda estória e com a
filha estando envolvida.

— Quem alugou foi um homem, trinta e seis anos, e de nome Pablo


Lang. Primo de Dominic Lang. O capturamos, e ele está lá dentro.

Spencer meneou o queixo em direção à porta fechada. O ódio deu


lugar a uma excitação repentina e os olhos de Thiago brilharam imaginando o
quão perto estava de descobrir sobre o paradeiro de Bárbara.
— Vou entrar, preciso dar uma palavrinha com o nosso convidado...
— Thiago retirou o paletó e viu que a camisa estava suja de sangue no local
que havia recebido o tiro, mas não ligou.
Ao entrar na sala escura, abafada e de cheiro forte, Thiago olhou
para o centro e viu que o homem estava sentado e mantinha a cabeça baixa.
Estava completamente molhado e de mãos amarradas para trás. Viu que havia
um tambor cheio de água, provavelmente Diogo ou Spencer o havia afogado.

Thiago pegou uma arma de choque, estilo Spark, e encostou no


pescoço do homem. Apertou o gatilho e o fez acordar aos gritos com o
choque doloroso que havia levado.
—Acorda, filho da puta! Chegou teu dia aqui no inferno!

O homem tinha um olho inchado e os lábios cortados. Quando o viu,


Thiago soube exatamente que Pablo o reconheceu.

— Vai ficar me olhando ou vai me dizer onde Bárbara e o Lang


estão?
— Eu já falei. Eu não sei aonde eles es...
Rápido e ágil, Thiago largou a arma de choque e puxou um machado
pendurado, acertando a parte traseira no joelho do homem, arrebentando os
ossos imediatamente no local.
Bramindo de dor e agonia, o homem começou a urinar de medo.
— Vou te perguntar novamente. Aonde está Bárbara e Dominic
Lang?

O homem apenas o olhou e balançou a cabeça em negativa dizendo


não saber nada. Puxando novamente, Thiago deu com a cabeça do machado
no outro joelho de Pablo, que gritou ainda mais de dor.
Aos sons de gritos agonizantes, Thiago largou o machado de lado e
puxou uma corrente, enrolando a no pescoço do homem. O desespero de
perceber o que lhe ocorreria, tomou o flagelado.
Thiago prendeu a outra parte no suporte do teto e puxou as correntes,
fazendo com que Pablo fosse suspenso ainda preso a cadeira.

Ao sentir o ferro grosso esmagar seu pescoço Pablo começou a se


debater e a esganiçar.
Escarro com sangue saiam de seu nariz, além do olho roxo; estava
sujo da própria urina e com os ossos do joelho provavelmente estourados.
Estava aparentemente acabado, mas Thiago não conhecia limites quando
começava algo. E ele queria a resposta, e a teria a todo custo.

O homem começou a se expressar parecendo querer falar algo,


Thiago abaixou as correntes e o largou no chão de qualquer modo. O homem
primeiramente tossiu bastante, antes de começar a falar:

— E- eu era... — Cuspiu um pouco de sangue no chão e continuou.


— O responsável por levar a mulher e a garotinha até você. Apenas isto. Mas
recebi ordens contrárias no meio do caminho... Lang ficou sabendo através de
Bertholo que você não estaria presente para recebê-las. Ele me mandou
voltar, ou entregaria meu esquema de carros roubados para a polizia. — O
homem parou para escarrar, e novamente prosseguiu. — Eu quis voltar, mas
a moça que dirigia o carro percebeu que algo tinha mudado e desesperou-
se.... Eu fiquei nervoso e comecei a bater nela e antes que a desgraçada
acabasse com nossas vidas jogando o carro no precipício, eu pulei do veículo.
— Quais eram os nomes das que estavam com você no veículo?

— Não sei. Era uma mulher jovem e uma criança de aparentemente


três anos. A mulher estava sendo coagida o tempo inteiro e queria fazer o
certo. Ela ia foder o plano.
Thiago sorvia cada informação nova e estava louco para achar os
culpados.
— E aonde está o Lang?

— A última vez que conversamos foi há três meses e ele estava em


Tijuana, no México. Não conversamos mais depois disto.
Thiago olhava para o homem e ponderava tudo o que havia
escutado.
— Eles estão com alguma outra criança? — Thiago perguntou
esperançoso.

O homem franziu o cenho confuso com a pergunta repentina, mas


negou com a cabeça.
— A única criança que vi foi a que estava no carro, junto com a
moça. Mas elas caíram no precipício.

O baque da informação causou angústia em Thiago. Parecia que ele


nunca descobria nada do filho e nada do paradeiro de Bárbara. A sensação
era de que não estava saindo do lugar. Thiago sacou a arma e apontou para a
cabeça do homem e atirou. Pablo caiu com um baque no chão.

Bárbara.

Abriu um pouco os olhos, preguiçosa. Estava entre o sono e a


letargia. O pescoço estava doendo pela posição meio torta, mas ainda assim,
sentia-se tentada a permanecer deitada.

De olhos fechados, Bárbara, tateou a cama, em busca do travesseiro.


Achou o macio e pousou a cabeça. Tateou mais uma vez em busca do
edredom e tocou em algo duro.
Abriu os olhos de uma vez e viu que havia encostado a cabeça no
peito de Thiago, e o as mãos tocavam seu ombro esquerdo. Bárbara paralisou
sentindo apenas a respiração calma de Thiago.

Talvez ele nem tenha percebido e então poderia sair de cima sem
chamar a atenção. — Pensou.
Levantou, levemente a cabeça a fim de sair de mansinho, mas não
aguentou e olhou para cima. Thiago olhava para ela parecendo levemente
divertido com o que via.
— Continue, não estou reclamando.

Com vergonha, Bárbara, desviou o olhar e sentou se rapidamente na


cama, levantando a alça caída da camisola.
Sentiu a cama afundar um pouco e, momentos após, o barulho da
porta do banheiro se fechar. Aproveitando, ela correu para o closet e
rapidamente se vestiu, tentando não pensar na vergonha descabida que
acabava de ter passado.Para ela, ter de dormir com ele seminu na mesma
cama, e ainda ter de compartilhar o quarto, era tão íntimo quanto fazer amor
com ele.

Havia se esquecido durante as semanas de ausências de Thiago


como era compartilhar o quarto com ele, e com isso, havia adquirido o hábito
de espalhar-se toda na cama.

Ao sair do closet, Thiago estava arrumado. Não se parecendo em


nada com o mesmo da noite anterior. Estava corado, exalando saúde.

— Bom dia. Você está melhor? — Bárbara perguntou tímida e à


contra gosto.
Thiago não a respondeu. Olhava fixo e demoradamente para ela
enquanto abotoava o fecho do relógio.

— Não se preocupe comigo. Preocupe-se em apenas recobrar sua


memória. E logo. — Thiago lançou inesperadamente. Ignorando-a, ajeitou
uma última vez o terno, e saiu do quarto.
Facínora! — Bárbara resmungava, enquanto descia as escadas e
recordava das palavras de Thiago. — Como se fosse fácil recuperar a
memória e voilà...

Viu que Júlia vinha subindo as escadas, de mãozinhas dadas com


Gabriela. A menina parecia muito feliz e animada. Quando viu a mãe, correu
para ela.

Gabriela veio logo atrás, olhando a cena e rindo com a mesma


simpatia de sempre. Bárbara pegou a filha no colo e viu que ela apontou o
dedinho indicador para fora da casa, balbuciando palavras.

Bárbara olhou curiosa para onde a menina apontava quando Gabriela


disse:

— Júlia está animada para brincar na neve. Eu disse que para isso
seria necessárias roupas de proteção.

— Nevando? — Bárbara perguntou assustando-se com a


informação.
Desceu as escadas com a menina ainda em seus braços, prestando
atenção se havia barulho de nevasca, mas tudo estava bastante tranquilo. Ao
puxar a cortina, Bárbara teve a linda visão de tudo do lado de fora pintado de
branco.
Inexplicavelmente experimentou a sensação de euforia. Júlia, estava
a seu lado igualmente empolgada, rindo e batendo palminhas.

Bárbara calculou mentalmente o tempo que estava ali e assustou-se


por já estarem tão próximos do fim do ano. Um sentimento inexplicável de
que estava se esquecendo de algo primordial, lhe atingiu em cheio.
Capítulo 22

Após o corpo do homem cair no chão com um tiro certeiro na testa


Thiago aproximou-se e ainda atirou à queima roupa duas vezes na cabeça.
Como forma de garantir a morte.
Abriu a porta pesada de ferro e saiu da sala abafada, completamente
transtornado. Pela visão periférica viu que Spencer também saia de uma das
salas de testemunhas.

A sala de testemunhas, era uma sala acoplada ao galpão de ferro. Os


vidros fumês contribuíam para manter escondido o membro da famiglia que
presenciasse alguma tortura. Era regra: Nenhum membro jamais torturaria
alguém estando somente ele e o inimigo sozinhos. Era um ato para se manter
tudo limpo e sem segredos.
Subiam as escadas lado a lado, de volta para o térreo da casa quando
Spencer disse:
— Estou varrendo toda a área de Tijuana procurando acessos à
internet ou informações de buscas ou que liguem à Itália. Como a cidade é a
maior de todo o México e faz fronteira com Los Angeles, levaremos um certo
tempo para encontrarmos algo.

Sem medir força, Thiago partiu para cima de Spencer e o imprensou


na parede, segurando-o pelo colarinho da camiseta. Olhava-o nos olhos
possessos de raiva.
— Você faz ideia de que é a vida do meu filho que está em jogo?
Não quero demoras, porra! Quero achar meu filho e pôr as mãos em Bárbara
e Dominic Lang. Não importa o preço que eu tenha que pagar!
—E você não acha que estou fazendo tudo o que posso, Thiago? Ele
também é meu sobrinho! — Spencer demonstrou compartilhar da mesma
angústia. Trocaram um olhar longo e silencioso até Thiago o soltar.
— Existem traficantes e coiotes que trabalham para mim naquela
cidade. O chefe deles, se chama Carlo de La Fuente. Contate-o e diga que
Thiago Guerra precisa de um favor. Volte ao Brasil e faça um investimento
direto no mercado organizado na área de agronegócio, e quero que este
negócio seja direcionado especificamente para os Lima. É hora de chamar
atenção deles.

Spencer assentiu anotando tudo mentalmente e mudou de assunto.


— Bertholo, Patrício e os outros já estão aí. Acham que vamos fazer
alguma reunião.
— Ótimo. —Thiago respondeu — Estou precisando mesmo matar
mais alguém.

Thiago sentia muita dor e desconforto na lateral do corpo onde


levara o tiro, mas cada degrau que subia indo em direção ao escritório era
sadicamente instigador e Thiago amava esta sensação.

Ao adentrar, viu que todos os membros estavam reunidos. Em


conjunto, ficaram de pé em respeito a presença do chefe que adentrara a sala.
A casa tinha um mecanismo especial de segurança que derrubava
qualquer tipo de ligação ou conexão de internet particular que não fosse as
cedidas pela própria rede de Spencer.

Era um modo de defesa para roubo de dados, hackers e vírus. Todos


eram revistados, mas nem por isso deixavam de correr o risco de vazar
alguma informação.
Era um erro grave, e Thiago não perdoava delatores e traidores.
Fizeram a cerimônia solene de iniciação. Um juramento que consistia em
honrar a máfia Calabresa.
Thiago estava aparentemente calmo, mas por dentro a angustia e o
ódio chocavam-se, fervilhando à ponto de corrompe-lo.

— Espero que os senhores tenham lido a matéria da revista Exame


desta manhã. — Disse Thiago após todos manterem o silêncio após o
juramento. Todos assentiram, e murmuraram algo, menos Bertholo, este
baixou a cabeça.
— Por isso, acho que Bertholo tem algo a nos dizer.
Quando Thiago disse seu nome, o homem deu um pulo na cadeira e
o olhou de olhos bem abertos. Thiago apenas o encarava, aguardando o que
ele teria a dizer.

— Eu vendi informações para a antimáfia italiana em troca da


estabilidade de reeleição, para que meu neto continuasse no cargo de
governador da Calábria e vencesse as próximas eleições.
Os homens ao redor soltaram impropérios e indignações.

— Pois bem. — Thiago completou depois de um momento. — Seu


neto não terá a chance de se reeleger, e nem você de estar vivo para vê-lo
morrer.

Como um rato amedrontado, Bertholo colocou se de pé, tremendo,


mas sentou-se novamente, preferindo morrer de forma digna já que
claramente ele não conseguiria sair dali vivo.
Thiago andou até ele e se postou atrás da cadeira que Bertholo
estava. Postou sua mão em cima da cabeça dele e trouxe para trás dando a
toda visibilidade de seu pescoço. Puxando a adaga do coldre, Thiago
rapidamente passou a parte afiada na garganta de Bertholo, cortando
precisamente, fazendo abrir um longo corte horizontal e jorrar sangue em
cima da mesa.
Todos permaneceram inabaláveis, mas alguns vibravam
internamente e o olhavam em admiração. Enquanto limpava a adaga na
própria roupa de quem acabara de matar, Thiago via o semblante de
aprovação e contentamento em cada membro. Indo ocupar seu lugar de chefe
à mesa, ele anunciou:

— A mulher do neto de Bertholo, ficará desposada assim que eu o


sentenciá-lo. Quem se apta a casar-se com ela?
Thiago girou a cabeça e viu que Alexandre Capitolo, um dos capos,
se manifestara. Alexandre era viúvo, tinha filhos pequenos e seria bom para
eles a companhia de uma mulher. Aprovando a decisão, Thiago maneou a
cabeça.
— Aproveito para informar-lhes que o castigo de Bárbara será
adiado. Um burburinho alastrou-se na sala e Diogo lançou olhar apreensivo
pelo ambiente.

— Desconfiei desde o início quando a vi em pé, sendo recepcionada


pelo cachorro e não amarrada junto à estaca sendo chicoteada por traição. —
Patrício Zimolo manifestou- se atraindo a atenção dos demais.
—Quer falar sobre traição, Patrício? — Thiago colocou-se de pé e
ajeitou o paletó. — Então vamos contar a todos sobre seu fetiche em crianças.
Fotos e filmagens de crianças salvas em seu computador, e perfis falsos na
internet sob os pseudônimos que atestam seu fetiche doente e maníaco.
Rapidamente o ambiente mudou. Homens da máfia colocaram-se de
pé querendo partir para cima de Patrício, fazendo extrema balburdia em
comoção ao caso de pedofilia. Com um levantar de mão, Thiago fez com que
os homens se calassem e se afastassem.
— Não acho que esta seja a conduta certa para um membro da
famiglia. Ainda mais com este risco podendo atingir nossos filhos.

Todos homens ali concordavam indignados. Patrício empalideceu.


— Sabemos bem qual a punição para isto, certo? — perguntou
retoricamente.
Olhou para André, um dos mais novos integrantes da máfia e
ordenou para ele.

— Hoje, sua missão será em demonstração à atitude honrosa que


teve, Ragazzo.
André em resposta abriu um sorriso orgulhoso, que apenas um rapaz
na idade dele poderia ter. André foi o responsável por identificar o que estava
acontecendo através do comportamento da irmãzinha mais nova.
Por meio de um diálogo com a garotinha, André descobriu que
durante as visitas de Patrício até sua casa, a menina era constantemente
molestada por ele. Não bastou para que os chefes descobrissem.

— Tatue dois pontos entre o dedo polegar e o indicador.


Quando Patrício abriu a boca para falar, Diogo lhe deu um murro
certeiro.
— Tatuem uma borboleta no pescoço dele e levem-no diretamente
para o chefe antimáfia. Patrício terá o tratamento especial e que precisa,
dentro da prisão. — Antes que as ordens dadas fossem feitas, Thiago
caminhou para perto de Patrício e completou. — E se abrir o bico lá dentro,
já sabe.

Os homens vibravam e gritavam instigados com a punição. Cada


desenho ou símbolo de tatuagem, tinha um significado dentro da prisão. Os
membros da Calabresa tinham de seguir regras caso quisessem se tatuar para
que nenhum símbolo ou desenho passasse alguma informação ou código
errado.

Eles sabiam que dois pontos tatuados entre o dedo polegar e o


indicador, significavam que a pessoa era estupradora, e que a borboleta
significava que a pessoa cometia a pedofilia. Era um prato cheio para alguns
dos detentos. Certamente, Patrício seria feito de submisso. Ao levarem
Patrício da sala para ser tatuado pelos soldados, os ânimos se acalmaram mais
e Thiago retomou a palavra:
— Reiterando o que eu dizia... — Todos o olharam com atenção e se
sentaram, e então Thiago continuou. — Todos sabemos do que ocorreu em
minha família. E não é da conta de ninguém o que acontece dentro de minha
casa ou o que deixa de acontecer. Sei muito bem o que fazer e como proceder
em relação a Bárbara e meus filhos, não preciso da instrução ou de lembrete
de ninguém quanto a castigá-la. Afirmo a vocês que no momento certo
Bárbara terá o que merece. Mas enquanto a amnésia não volta, minha mulher
está acima de qualquer decisão que outro, além de mim, tome.
Thiago olhava para cada rosto com determinação e seriedade. Diogo
disfarçou o cenho franzido demonstrando confusão com a atitude do primo
em chamar Surya de esposa, mas fora isto, todos pareceram respeitar e levar
com suma importância o que ele dissera, afinal, todos prezavam a famiglia, e
quem a tentasse destruir, levaria fim igual ou pior que Patrício.

Ao retornar para casa de madrugada, Thiago passava mal e seu


corpo agia estranho. Alguns pontos do tiro haviam se rompido e
infeccionado, tamanho esforço ele fizera.

Naquele dia, ao ser tratado bem por uma mulher que se quer ele
realmente conhecia e o qual ele fizera tanto mal, Thiago provou algo
diferente de tudo o que estava acostumado ou conhecia. Ali houve uma
espécie ínfima de redenção, mas que ele jamais reconheceria como sendo a
sua.

Ela está se recuperando e Thiago descobre que Surya tem um noivo.


Thiago fica doido e decide conquistar Surya e ela esquece dos três deveres.
Disso iniciam-se num romance e Thiago torna-se possessivo. Aqui ele acha
Bárbara e Dominic Lang e a mata.
Capítulo 23

As tempestades de neve pareciam sempre acontecer do meio da


madrugada indo até a metade da manhã. E as vezes, Bárbara podia reparar,
sempre pela manhã, o barulho de algum caminhão que jogava sal na tentativa
de abaixar o volume absurdo da neve.
Estranhamente, os dias pareceram mais leves. Quase como o arco-
íris no final da tempestade.

Thiago estava um pouco mais brando com ela. Não conversavam


além do básico, não trocavam gentilezas, mas também não havia mais a
costumeira agressividade por parte dele. Das vezes que acordavam mais
próximos um do outro na cama, nenhum deles comentavam nada.
Bárbara também reparou que Thiago passara a escolher a casa para
trabalhar. Algo tinha a ver com a neve expressa bloqueando as passagens. Por
isto, a mansão de repente ficou cheia de visitas, em sua maioria, homens mais
velhos, que cumprimentavam Thiago com um beijo no dorso de sua mão
direita. Algo que particularmente Bárbara achava bizarro, visto a diferença de
idade deles para Thiago.

Um entra e sai de homens importantes, quase que o tempo inteiro.


Todos parecendo querer tratar algo especificamente com Thiago, ou
simplesmente querendo estar no mesmo ambiente que ele. Bárbara evitava ao
máximo esbarrar com algum deles.

Ela ainda se lembrava de em um determinado dia, passar com Júlia


em frente à biblioteca e escutar barulhos estranhos. Era o barulho de um
homem que chorava.
Mas não era qualquer choro. Parecia o lamentar de uma sentença.
Não era problema dela, Bárbara sabia, mas não havia como não se
comover. Sabia que o marido mexia com assuntos sérios e ilegais, que
somente alguém de pulso firme e frieza necessária poderiam lidar. Por este
motivo, Bárbara escolhia manter a filha bem distante dos locais de
recebimento das visitas, e de forma a entretê-la, brincavam a maior parte do
tempo nos fundos do jardim da casa, sempre na companhia de Gabriela e um
comboio de homens de Thiago.
Apesar de odiar estar sempre e o tempo inteiro vigiada, Bárbara
fingia estar tudo bem e aproveitava a neve para se divertir junto a filha.

Elas só puderam sair de casa no décimo dia. A tempestade de neve


cessara. O céu estava bem azul e a temperatura, um pouco mais amena. A
temperatura considerada amena, era dois abaixo de zero.
Bárbara e Júlia estavam muito animadas para conhecerem o lago
congelado. Tinham acabado de comer o pranzo e nonna, antes de se retirar,
havia comentado que o lago de águas que havia na propriedade, naquele
período, ficava totalmente congelado e era um dos mais belos espetáculos de
se ver naquela temporada.
Bárbara havia reparado que Marietta tinha ficado mais aberta e
observadora com ela. A maioria dos passeios com Júlia eram supervisionados
por ela enquanto Thiago não estava, e, após sua chegada, a mulher parecia ter
ficado quase que aliviada. Bárbara não sabia ao certo explicar se era isso
mesmo, ou apenas impressões.

Bárbara colocava as luvas nas mãozinhas da filha quando Thiago


apareceu acompanhado de dois homens. Um deles, era Diogo e o outro
homem ela nunca havia visto, mas que quando a viu, estagnou
repentinamente parecendo tomar um susto. Diogo e Thiago perceberam e
apenas se entre olharam de forma enigmática.
Júlia quando viu o pai, correu para ele abrindo os bracinhos, sendo
recebida com beijos e abraços. Thiago era um bom pai, e Júlia o amava. A
relação era amorosa e Thiago era atencioso e gentil com a garotinha.
Mas naqueles dias de neve, apesar de estarem na mesma casa,
Thiago estava demasiadamente ausente, mergulhado no que fazia. Júlia sentia
a falta e quase sempre perguntava por ele.

Era algo a se pensar e Bárbara sempre se perguntava: Como ela


lidava, e o que fazia para sustentar e cuidar de duas crianças sem ajuda do
pai? Se é que o fazia isto.
Diogo a cumprimentou com o costumeiro aceno, já o desconhecido
homem continuava a olhar para ela fixamente. Não era como se fosse de
desejo. Era mais como se ela fosse alguma assombração. Bárbara não o
cumprimentou diretamente com medo de alguma exagerada reação de
Thiago.
O homem pareceu em certo momento confuso e ao mesmo tempo
intrigado. Thiago astutamente estudava cada reação. Pareciam imersos em
uma bolha tensa e que a qualquer momento fosse estourar.

Todos saíram do devaneio de tensão quando Júlia chamou a atenção


do pai para mostrar as luvinhas nas mãos e apontar para a neve acumulada.
Thiago ainda a segurava no colo quando se aproximou de Bárbara,
olhando sempre para suas feições atentamente. Entregou a menina para ela e
depois disse:
— Deixei ordens para que vocês duas não passem mais de trinta
minutos lá fora.

Ainda atordoada, demorou alguns segundos para assimilar o que ele


falava. Achou curtíssimo o tempo e estava pronta para refutar, mas Thiago
percebeu e virou se com os homens caminhando para a porta.
Saíram para fora e o vento cortante foi o que as recebeu. O sol
tímido lançava seus raios sob o gelo e criava pequeno espectros brilhantes.
Júlia estava animada, Bárbara e Gabriela nem tanto. Depois de um tempo,
andar sob o gelo cansava.

Estavam sendo acompanhadas por dois homens de longe, como


sempre. Alguns outros, armados, podia se ver ao longo da propriedade.

Chegaram ao lago bastante ofegantes e cansadas, menos Júlia, que


estava empolgada chamando a mãe a todo momento para que ela visse o
grande lago congelado apesar da fina neblina que o cobria.
Elas chegaram à beira do lago e viram que de fato ele estava
congelado e aparentemente sólido, mas haviam algumas partes soltas e que
ainda não haviam congelado totalmente bem.

Essas partes, mostravam por baixo do gelo a água correr límpida.


Elas se encantaram mais ainda vendo alguns peixes brilhantes passarem por
debaixo do gelo. Havia uma áurea mágica que somente aquela visão da
natureza proporcionava.

Bárbara tentou imaginar se por acaso alguma vez, já havia visto


neve. Olhar para a paisagem de dentro de casa com limite até o jardim, era
completamente diferente de presenciar a cena de toda o lugar coberto de
branco e completamente congelado. Era lindo.
Bárbara testou o peso no gelo pondo um pé em cima e pressionando.
Segurou em Gabriela que riu divertida com a falta de confiança dela.

— Será que é seguro subir em cima? — Questionou Bárbara


desconfiada pondo mais força.
Júlia, que apenas observava em pé, agachou-se na beirada, sem que
nenhuma delas percebessem e o soldado que acompanhava de longe, gritou
para advertir sobre a criança.
Quando Júlia girou o pescoço em direção do homem que vinha
correndo, se desequilibrou e caiu no gelo.

O jeito com que ela caíra, fez com que o corpinho saísse deslizando
para um pouco mais longe da beirada. Bárbara levou as mãos à boca com o
susto, soltou um grito e correu para a beira do lago à espera de que o gelo não
quebrasse e a filha afundasse. Cada segundo dentro d’água era fatal. Dois
minutos dentro do lago seriam suficientes para matar a criança.
Bárbara tinha o coração disparado e o rosto, pálido. No desespero do
momento e ao ouvir o choro da filha, Bárbara adiantou se até a beira do lago.
Quando ia entrando um dos soldados gritou:

— Signora! O gelo vai quebrar com seu peso!


Bárbara não ligava. Queria apenas a filha. Ela era a única chance de
salvação de Júlia e não havia tempo para vacilações. Deitou-se de bruços no
gelo e começou a deslizar em direção ao lugar onde a filha estava, assim
como um surfista e sua prancha em alto mar. Enquanto fazia isso e ia
movimentando-se, o gelo embaixo de si estalava.
Júlia não havia ido parar muito longe. Estava sentada coçando o
olhinho esquerdo, chorando muito, com um galo na testinha e os lábios
tremendo. Bárbara desesperou-se, sem saber se a criança chorava de medo,
frio ou somente se era por causa do tombo, e começou a conversar com ela
enquanto aproximava-se.

Gabriela gritava desesperada para elas fazendo menção de também


entrar no lago, mas um dos soldados a agarrava enquanto falava algo pelo
rádio. O outro soldado, corria dando a volta no lago segurando algo, Bárbara
não sabia o que ele estava fazendo, apenas se concentrava tentando distribuir
o peso por igual, porém, mesmo assim, ouvia o gelo rachar embaixo dela.
Estava a alguns poucos metros de onde Júlia estava, não eram muito,
mas na prática, parecia uma imensidão. Procurando ganhar mais velocidade,
Bárbara deixou a segurança de lado e começou a engatinhar.

Conseguiu agarrá-la pela gola da japona térmica e a puxou o para


perto. O peso das duas juntas fez com que o gelo trincasse ainda mais.
— A corda! Agarre a corda!
Bárbara escutou alguém gritar ao fundo e olhou para trás. Viu ao
longe um comboio de homens correndo até elas. Thiago estava junto e
inexplicavelmente ela se sentiu aliviada.

De repente o barulho de um helicóptero ecoou ao longe. Bárbara


olhou com atenção e viu que alguém havia conseguido jogar uma corda para
elas. Olhando para o rostinho da filha, ela viu que Júlia já tinha os lábios
azulados e trêmulos; olhava para a mãe assustada e chorosa.
Bárbara falou palavras tranquilizadoras para a filha a fim de acalmá-
la enquanto esgueirava-se pelo gelo, quando conseguiu alcançar e agarrar a
ponta da corda. Naquele momento o barulho do helicóptero chegava mais
perto.
Bárbara olhou assustada e via apenas Thiago fazendo alguns
movimentos, a neblina de gelo a impedia de enxergar o que acontecia. Thiago
optou por ficar em casa a fim de estabelecer seus planos sem precisar ficar
muito longe da mulher misteriosa.

A neve que caíra sem trégua, impossibilitava que ele comparecesse


até a sede da máfia, por isto, ele recebia cada vez mais visitas constantes.
Soube na hora que precisava de um outro lugar para ficar em paz, ou não o
deixariam cuidar dos assuntos em paz.

Recebera a visita de pessoas influentes no ramo da política e de


traficantes fronteiriços. Alguns capos também vinham lhe prestar
esclarecimentos e informações valiosas. Mas a visita que mais lhe requereu
paciência foi a do governador da Calábria, neto de Bertholo.

O homem chorou feito criança ao ouvir sua sentença, e a vontade de


atirar nele ali mesmo, dentro de sua casa, com Júlia, Surya e Marietta estando
ali, foi grande, mas o que era dele estava guardado.
Às vezes quando os compromissos davam trégua e enfim ele
desfrutava do silêncio do escritório, Thiago ao longe, escutava o barulho de
Júlia brincando no jardim e através das câmeras de segurança acompanhava o
que acontecia.
No momento, Surya estava parada a frente de Júlia e movimentava
os braços para cima, como flexões. Júlia imitava enquanto Surya apontava
para o chão coberto de neve. A cena era de uma mãe ensinando a filha a
deixar marcas de anjos na neve, e era leve demais para a compreensão dele.

Ela era totalmente o oposto de Bárbara e suas reações maternas eram


completamente voluntárias e naturais. Nada nela parecia aparentemente
forçado ou de ações falsas, mas e então o que ela estaria fazendo envolvida
em toda aquela história?
Surya havia virado a obsessão de Thiago desde que ele descobrira
sua verdadeira identidade. Por horas a fio, Thiago, encarava a ficha com as
informações dela tentando juntar as peças a partir do pouco que sabia sobre
ela.
Olhava a fotografia de Bárbara e de Surya, comparando-as
fisicamente e com a cabeça cheia de indagações. A mente maquinava planos
e jeitos de se alcançar o objetivo que ele queria: Achar Bárbara e Dominic
Lang, saber o grau de envolvimento de Surya com eles, e o principal: Achar
Pedro.
Thiago decidiu que a estudaria de perto e a conheceria melhor, a
ponto de saber se era uma pessoa influenciável e manipulável, se agia
daquele jeito mesmo ou se apenas se escondia atrás de algum véu de
impunidade e bondade, que Thiago estava mais que disposto a arrancar.

Tudo em Surya parecia novo para ele. A maioria daqueles


sentimentos doces e maternais ele não conhecia. As atitudes da mulher não
condiziam com a criação dura e severa que ele tivera. Thiago recostou se na
cadeira e lembrou-se de todos os sentimentos e sensações que os pais o
haviam passado ao longo da vida.
Lembrou-se da educação regida a punho de ferro por um pai rígido e
militar, e de uma mãe fria e completamente depressiva. Seu único contato
com algum tipo de sentimento que não fosse a costumeira frieza e solidão,
vinham das leves passadas de mão na cabeça que sua avó Marietta lhe fazia.
Fora isto, o contato físico e o aconchego familiar eram ínfimos e os que
existiam eram gerados a partir de meros cumprimentos formais e respeitosos.
Ele fora filho único durante sete anos e assim que pôde suportar, ele
foi batizado no fogo do combate. Thiago foi ensinado por seu pai a nunca
recuar, a nunca se render.

Ensinado que assumir o posto de chefe da Máfia Calabresa,


aniquilando os inimigos ou tomar um tiro certeiro num confronto e morrer
lutando pelos interesses da famiglia, poderia ser a maior glória que ele
poderia alcançar em sua vida.
Aos oito anos, como era de costume na máfia, o menino foi retirado
de sua mãe por seu pai e levado para viver em um mundo construído por
Apolo Guerra, seu bisavô. Este mundo era cheio de violências,
justamente para criar os mais fortes e destemidos homens que assumiriam os
negócios da famiglia.
A metamorfose, como é chamado, forçava o menino a lutar, passar
fome, roubar e se necessário matar. Com torturas, choques e afogamentos,
Thiago foi punido e ensinado a não demostrar dor ou piedade.

Até assumir o posto de chefe, era constantemente testado, jogado em


missões perigosas e deixado nelas para trás ou para morrer sozinho, a fim de
pôr em prova sua determinação e astúcia contra a fúria do próprio pai. Esta
foi sua iniciação.
Esta experiência para ele era um retorno aos membros da máfia
como um homem de fibra e honrado a assumir o posto de chefe. Ou não.
Thiago não sentia medo, somente a alta percepção das coisas, mas de
as situações que o envolveram na vida, o que Surya despertou, cuidando da
infecção que se alastrara, era completamente novo. A angústia de não
encontrar o filho era costumeira; o ódio de Bárbara e Dominic Lang também,
mas Surya era uma incógnita.

Naquele dia a neve havia cessado e a temperatura parecia estar mais


receptiva e Thiago teria de ir até a sede. Aproveitaria aquela ida para
encontrar-se com Graziela. Para ele, a falta de sexo apenas piorava seu humor
e a pré-disposição em cometer homicídios.
Estava de saída com Diogo e um dos capatazes da vinícola quando
viu Surya pondo luvas nas mãos de Júlia. A menina quando o viu correu para
seus braços. Thiago, por aqueles dias, não tinha dado atenção a filha, mas era
o preço que se pagava por ser quem ele era, concluiu.

Olhou com atenção a mulher a sua frente, cada detalhe mínimo. A


mudança de cor no rosto, inclusive o de desconforto quando o assistente do
capataz a olhou de modo diferente. Mas Thiago não ligou, sabia bem do
porquê de o homem agir assim.

Meia hora para elas seria o suficiente. Surya não estava ali à passeio,
e ele bem sabia disso. Apesar da boa intenção era preciso cautela e prudência,
afinal, ela se mantinha perto de mais de Júlia e ele ainda não sabia se era real
ou fingimento.
Estava Thiago e Diogo no meio do caminho quando receberam um
chamado dizendo que a pista principal estava sendo interditada, pois grandes
blocos de neve haviam caído da montanha e bloqueavam a passagem.
Xingando, Thiago deu a volta na pista e voltou novamente,
acompanhado dos carros de escolta e de Diogo. Seus planos de ir para a sede
não seriam frustrados pois para isso, ele usaria o helicóptero.

Fazia a curva do chafariz totalmente congelado quando o rádio


chamada fez chiado. Era um dos soldados responsáveis pela segurança da
filha avisando que a menina caíra na superfície de gelo do lago.

Thiago e Diogo trocaram um olhar apenas por um momento antes de


começarem a correr em direção ao lago congelado. Alguns homens, incluindo
Giba, iam à frente carregando cordas e acionando o helicóptero de resgate.
Era insano a urgência que ele sentira, não se comparava ao mesmo
desespero de quando soube que a filha tinha sido achada no hospital e
encontrava-se entre a vida e a morte, mas temia que ela houvesse se
machucado ou caído n'água.

De longe, apesar da névoa que cobria o local, ele pôde ver Bárbara
sobre o gelo com a menina no colo, um soldado dando a volta no lago em
busca de ajuda, e o outro soldado que avisara do incidente pelo rádio
segurando Gabriela, impedindo-a de entrar no lago.
Gabriela estava em choque e paralisada, quando Thiago se
aproximou o soldado se afastou dela e a jogou de qualquer modo no chão.

Thiago retirou o terno e os sapatos para não escorregar no gelo. Ele


ia entrar. Mas antes que o primeiro passo fosse dado para dentro do lago,
Thiago olhou de modo nefasto para Gabriela caída no chão ao sentenciá-la:
— Se acontecer alguma coisa com minha filha ou minha esposa, eu
te jogo viva para os cachorros comerem.
Capítulo 24

Bárbara agarrou a corda e com a ponta dela, apressou-se e entrelaçou


Júlia prendendo-a bem pela japona de frio. Olhou em direção à margem, mas
Thiago havia sumido, seu desespero aumentou ainda mais ao perceber que a
rachadura do gelo só aumentava.

Existiam algumas vozes masculinas, uma mulher chorando, mas ela


não podia ter plena percepção de quem eram, pois o barulho do helicóptero
ensurdecia. De repente, olhando com atenção, Bárbara viu as pontas dos
cabelos negros. Era Thiago que se aproximava rastejando até elas. Ao vê-las,
Thiago analisou ambas, muito apreensivo e em busca de ferimentos.

— Vocês estão bem?

— Sim! — Bárbara respondeu emocionada demais por estarem


sendo salvas.

Thiago gritou por cima do ombro dando ordens para que puxassem a
corda e rastejou buscando aproximar-se, mas o gelo estalou alto e o trinco no
gelo expandiu.

Bárbara olhou de olhos arregalados para Thiago e de repente num


solavanco Júlia foi puxada. Ao perceber, a criança começou a chorar e a
gritar desesperada. Bárbara não sabia se era de susto ou por estar sendo
levada para longe da mãe.

Ao ver o desespero da filha, Bárbara arregalou os olhos e


inconscientemente ergueu o braço, e no instante em que ela se inclinou para
engatinhar, Thiago gritou algo para ela, e o gelo abaixo de seu corpo partiu-se
num estalo surdo, arremessando-a para dentro da água.

A sensação que teve foi de várias agulhas penetrando sua pele ao


mesmo tempo. Jamais sentira tanto frio. Era impossível respirar, seus
pulmões estavam insensíveis, dormentes. Abrindo os olhos, viu a água azul e
as camadas grossas de gelo sob a água. Levantando um pouco a cabeça, tudo
o que conseguia enxergar era uma superfície branca meio azulada.

Tentava olhar para os lados, mas não estava achando a saída e os


pulmões começavam a arder. Estava agonizando, vendo as bolinhas de ar
subirem e o oxigênio abandonar seu corpo. Olhou com mais atenção e viu um
buraco, tentou nadar, mas as pernas não obedeciam, pareciam literalmente
congeladas. Balançou os braços e emergiu um pouco, viu rapidamente o céu
nebuloso, as bordas do gelo quebradas flutuando n'água e Thiago.

Afundou um pouco e procurando certo impulso, atingiu novamente a


superfície ao mesmo tempo que tentava segurar-se ao gelo, com movimentos
débeis e lentos. Sem conseguir se firmar, afundou novamente, mas a
esperança de ver Thiago foi o que a encheu de forças, fazendo-a agitar os
braços em busca de ver o buraco novamente. E conseguiu.

Só precisava manter-se firme mais um pouco. Bárbara bem que


tentou, mas não tinha a mesma força de antes. Seu próprio peso começou a
puxá-la para baixo e logo a água tornou a cobri-la.

Tenho de subir! Preciso saber se Júlia chegou bem!

Suas ideias começavam a ficar perturbadas, e ela não conseguia


coordenar os movimentos e voltar à tona. Por um momento, ela chegou a
pensar que morreria, mas sentiu quando algo a agarrou e começou a puxá-la
para algum lugar.

Abriu minimamente os olhos e viu que Thiago estava dentro d'água e


a levava para emergir e respirar. Ao atingirem a superfície, ele a segurou e
gritou alto, por conta do barulho das hélices:

— Agarre-se na escada do helicóptero, Bárbara! Agarre-se, porra! —


Ao ver que ela não respondia. Thiago reafirmou a ordem. — Bárbara, agarre
a corda!

O tom autoritário de Thiago renovou-lhe a coragem e a fez tirar um


braço de dentro da água para agarrar a primeira coisa que viu: uma escada de
corda estendida até pouco mais a dentro do buraco aberto. Mas era tarde
demais. Bárbara já não conseguia mover o braço que ficara mergulhado e
Thiago viu.

As mãos travadas não respondiam e Bárbara começou a chorar de


desespero quando seus dedos não obedeceram para se fecharem ao redor da
corda. Thiago lutava, tentando erguê-la e firmá-la, mas viu que os braços dela
não tinham forças e suas mãos não se fechavam.

— Eu não consigo me mover e nem tenho mais força. — disse


chorosa com a voz rouca e quase falhando.

— Não chore, não quero que chore... Olhe, olhe para mim. —
Thiago pôs as mãos no rosto completamente gelado da mulher assustada e de
lábios e extremidades roxas. — Vou te impulsionar e você vai firmar na
corda, depois eu quero que você apenas se prenda a mim assim como acabei
de lhe dizer, certo?
A mulher assentiu completamente trêmula de frio. Com engenho,
Thiago trouxe Bárbara para perto e a prendeu junto a seu braço, ele mesmo se
agarrou a escada de corda, e subiu a trazendo consigo. Com força, prendeu-a
pelo diafragma junto ao corpo. Thiago tinha plena convicção de que não a
deixaria escapar de forma nenhuma, só não contava em sufocá-la durante o
trajeto até a margem.

Bárbara sentia-se aliviada por finalmente sair de dentro da água


extremamente gelada. Thiago de algum modo, e que ela ainda não
compreendera bem, conseguira tirá-la de dentro do lago. Seu sistema estava
lento e ela sentia dificuldade em processar cada informação.

Os braços, as pernas, seu corpo inteiro não respondia bem quando


ela tentava fazer algum esforço e por isto, Thiago a suspendeu fortemente
com um braço enquanto com o outro segurava a corda e sustentava o peso
dos dois, mas com este gesto, inconscientemente ele a sufocava.

Com o braço que estava envolto em sua cintura, Thiago apertava


forte, firmando com segurança, com medo de deixá-la cair. Bárbara não
conseguia falar para pedir que ele ao menos afrouxasse. O aperto era
doloroso, prendia o ar para dentro e ainda machucava bastante. Novamente
ela se viu sufocada.

O helicóptero alçou voo e finalmente os retirou d'água, mas não


foram muito longe. Não conseguiriam devido ao estado que estavam sendo
transportados e a grave hipotermia que Bárbara sofria. O helicóptero os
depositou junto a margem.

Ao descer, Thiago teve ajuda de Diogo para retirar Bárbara dos


braços dele e de alguns outros homens ali, envolvendo-os em cobertores
isolantes de calor.

Não percebendo que o pior acontecera, Diogo tentou firmar Bárbara


no chão, mas ela não aguentou e caiu, quase sem vida. Thiago jogou de lado
o cobertor e ajoelhou-se a seu lado, agasalhando-a em seus braços. Nisto, ele
reparou que ela mal conseguia manter os olhos abertos ou se quer respirar.

Desesperado, ele gritou dando leves tapas no rosto dela:

— Não durma! — ele disse em tom ríspido, de puro desespero. —


Abra os olhos! Vamos, continue lutando! Não desista!

Todos estavam muito apreensivos, mas Thiago agiu retirando a


japona e as roupas que a envolviam, ela estava completamente encharcada.

Thiago estava ajoelhado quando posicionou as mãos bem acima do


peito de Bárbara e depois começou a imprimir peso sobre o corpo estendido.

Afundava o tórax aproximadamente por cinco centímetros e retirava


o peso. Fora preciso repetir o mesmo gesto algumas vezes para a reanimação
obter êxito. Bárbara tossiu e puxou ar, ao mesmo tempo que era amparada
por ele. Ela tentava acalmar a tosse, mas ainda continuava tendo dificuldades
para respirar e Thiago percebeu.

— O que está sentindo? — ele perguntava. — Me mostre aonde dói.

Bárbara com dificuldade levantou a blusa, e Thiago pôde ver uma


mancha de mistura roxa e vermelha sob suas costelas. Ele havia a apertado
demais. De forma a analisar melhor, tocou com cuidado a parte de cima e ela
gemeu.

— Mas que caralhos eu fiz com você, garota?

Ela não entendeu ao que ele se referia, mas também decidiu não
perguntar. Thiago olhou para trás em busca do soldado chefe, e o viu dando
ordens a alguns outros.

— Giba! — O chamou sob o ombro. — Acione o helicóptero


novamente e vá com alguns homens até o hospital. Traga o Nanderitti aqui.
Ele e a enfermeira.

Sem mais palavras, Thiago envolveu Bárbara em vários cobertores e


levantou com ela nos braços. Diogo tentou intervir e ajudar o primo, vendo-o
que estava tão molhado quanto a mulher, mas apenas recebera o olhar que
dizia bem claro para ele não chegar perto. Andavam acompanhados de
homens que iam na frente preparando sua passagem. O tempo inteiro com
Thiago carregando-a.

Chegaram até um local de trilhas onde havia um carro alto e


totalmente equipado estacionado. Um soldado abriu a porta traseira, onde
Bárbara fora colocada deitada.

Ao adentrar no carro, o aquecedor interno foi ligado e o motorista


pôs o carro em movimento. Thiago estranhamente não reclamava do frio,
apenas esfregava as mãos umas nas outras perto do ar quente.

Bárbara não conseguia ter a mesma reação. O descongelar de seu


corpo causava-lhe uma sensação ainda pior do que o congelar e ela só sentia
a intensa vontade de fechar os olhos e voltar a dormir.
— Eu não deixei você fechar os olhos. — De repente a voz grave
soou dentro cabine do carro.

— M- mas eu n-ão consi-sigo. — Ela explicou tremendo de frio.

— Você vai ter que se esforçar. Nossa filha está nos esperando.
Sabemos como Júlia é. Vai ficar assustada se ver a mãe entrando em casa
desmaiada.

Ela sabia que Júlia jamais vagava pela casa sem a presença de um
adulto, e a probabilidade era ínfima de ver a mãe entrar. Ela sabia que
Thiago usava aquelas palavras para instigá-la, convencer, a ficar acordada.

Mas o gesto leve e as palavras suaves, em nada combinava com o


homem que conhecia de semblante frio, gesto calculista, e de atitudes cruéis e
imprevisíveis.
Capítulo 25

A camada de gelo que lhe cobria o rosto já havia derretido; o mais


espantoso, porém, era o fato de Thiago já haver recuperado as forças e o
vigor, como se o apuro que acabara de passar não o houvesse afetado em
nada. Ela conseguiu aprumar-se no assento, mas já não tinha mais quase
nenhuma coordenação motora.

Enquanto Thiago já havia conseguido despir a camiseta, ela ainda


mal tirara uma das mangas do suéter que vestira por debaixo do casaco
acolchoado. Thiago, por sua vez, começou a tiritar e uns tremores intensos
sacudiram lhe o corpo de uma só vez. Mas Bárbara não estremecia, o que era
mau sinal.

Thiago olhou para ela e logo depois para o soldado que dirigia o
carro concentrado na estrada. Geralmente os carros que ele usava dispunham
de um vidro de proteção que bloqueava a visão e audição do passageiro com
o condutor do veículo, mas aquele veículo em questão, não tinha.

Thiago aproximou-se do soldado por trás do banco e disse:

— Se ousar olhar pelo retrovisor do carro pelos próximos minutos,


eu cego você.

O soldado, muito sério, apenas assentiu e Thiago voltou-se para


Bárbara, agarrando-lhe a ponta da blusa e levantando.

— Vamos, Bárbara, você tem de tirar essas roupas. — ele dizia,


reanimando-a, enquanto levantava a blusa. — Converse comigo. Vamos, fale.
Ela virou o rosto parcialmente na direção dele e esboçou uma reação
mínima com os olhos.

— O q-que es-tá faz-zen-do? — disse com dificuldade se referindo a


roupa sendo tirada.

— Retirando a roupa molhada do seu corpo. Sua situação não está


nada boa e essas roupas apenas pioram...Além disto... — Acrescentou ele. —
Tecnicamente, não existe um só palmo seu que eu não tenha visto... — Disse
ele expondo suas pernas ao retirar as calças molhadas.

Apesar de letárgica, ela pôde sentir um certo acanho quando o olhar


negro varreu seu corpo. Uma nota rápida de divertimento apareceu no
semblante frio de Thiago quando ele a viu tapar debilmente com os braços a
visão dos seios e com o outro braço esconder a parte íntima da frente. Se não
fosse o rosto ruborizado, certamente se passaria por uma cena despretensiosa
de alguém que sentia frio;

Então, com um braço cobriu-a novamente com o cobertor. Ali a seu


lado, Bárbara finalmente começou a tremer sob o efeito conjunto do cobertor
e do aquecedor, que a reavivaram.

Estacionaram o Jeep o mais próximo possível da porta de entrada,


Thiago saltou do veículo e o contornou, segurando-a nos braços. Amparados
um pelo outro, subiram as escadas.

Enquanto ia sendo depositada na cama, Ileana entrara


silenciosamente atrás e se dirigira para o banheiro, mas Bárbara percebeu o ar
de gravidade e apreensão com o qual ela olhara para Thiago quando se
retirou.
Foi quando a mente dera um choque e ela se lembrou de perguntar
sobre a filha.

— E Júlia? — perguntou a voz débil.

— Está bem. — Ele respondeu sucinto enquanto retirava a calça,


ficando apenas de cueca.

Por um momento, ela reparou no porte físico saudável, cheio de


músculos, e o sentimento de culpa brotou. Bárbara se recobrou e focou na
única pessoa que importava naquele momento: sua filha.

— Ela está com quem?

— Marietta.

Ela olhou bem para Thiago enquanto ele a pegava no colo


novamente e a levava para o banheiro, depositando-a sentada em cima do
tampo da privada.

O cobertor havia ficado em cima da cama e ela trajava apenas roupas


íntimas. Bárbara reparou que Ileana viera para justamente lhes preparar um
banho.

A banheira estava cheia e a fumaça fumegante saía e exalava um


cheiro muito bom. Mas ela estava apreensiva, apavorada apesar de estar em
silêncio e cabeça baixa. Se achava que dividir o quarto com Thiago era algo
completamente íntimo, avaliasse tomar um banho de banheira com ele. Ainda
que neste caso, seu corpo estivesse congelado.
— Venha, vamos entrar na banheira. — Ele disse a ela, indo buscá-
la e trazendo-a consigo para o interior da banheira.

Felizmente, para sua dignidade, continuaram de roupas íntimas, mas


a banheira parecia dez vezes menor quando Thiago entrou e se apossou dela.
O corpo grande dele, derrubara boa parte da água para fora, e foi necessário
que enchesse novamente, visto o volume de água quente derramado.

Ela sentou-se de frente para ele e dobrou as pernas recostando a


cabeça nos joelhos, e afundou até mergulhar os ombros. O contraste da água
quente com sua pele enregelada era tão doloroso que lhe trouxe lágrimas aos
olhos.

Thiago recostou a cabeça no suporte da banheira e sentiu no corpo


intensos calafrios e o queixo tremendo sem parar. Era preciso suportar aquele
tratamento de choque já que não tinham outra forma de se recuperarem.

Aos poucos a dor das extremidades foi passando e os membros


quase congelados recuperaram a sensibilidade.

— Está melhor?

— Sim. — Reparou que a dicção ainda estava débil, mas


paulatinamente melhorava à medida que seu corpo ia esquentando. Mas os
lábios ainda tremiam muito.

Ambos permaneceram na banheira até que a água começasse a


esfriar. Então Thiago apertou um local, onde a água começou a descer.

Ele ajudou Bárbara a ficar de pé. Porém, notando-a ainda um tanto


sonolenta, foram até o box e ele abriu o chuveiro, deixando que a água quente
escorresse por seus corpos. O tempo inteiro o coração dela batia acelerado ao
pensar o quão perto e íntimos estavam.

Bárbara podia jurar que ela não o afetava, mas não podia dizer o
mesmo dela. O roçar de pernas ao entrar na banheira, a forma inconsciente
com que ele emitia sons graves ao se deliciar com a água, o corpo másculo e
a testosterona que exalava, o quanto era bonito, apesar de sério, e o quanto a
barba cerrada o deixava ainda mais charmoso. Tudo isso mexia com sua
libido e fazia com que ela entrasse em completa negação. Ela não poderia
pensar em transar com ele! Não depois de tudo! Era obsceno!

Alguns minutos depois, Thiago desligou o chuveiro e saiu para fora


do box. Bárbara aproveitou para soltar o ar que nem achava que prendia.

Com liberdade para se movimentar melhor, elevou as mãos ao alto


da cabeça e passou com elas, tremulas, nos cabelos, retirando o excesso de
água. Os cabelos longos, estavam um pouco abaixo da cintura, a parte que
fora raspada havia crescido o bastante para que agora fosse colocado atrás da
orelha, e ela apreciava isto.

Virou-se para frente e viu que Thiago estava parado analisando-a.


Era como se ele a reparasse pela primeira vez, mas logo a sensação não durou
muito. Em silêncio, ele estendeu-lhe uma toalha que ela usou para secar o
corpo. Fazia isso com movimentos lentos e tranquilos com Thiago mantendo-
se sempre atento aos seus movimentos.

Sem forças, ela sentia uma imensa moleza; como se acabasse de


passar por um dia agitado. Seu maior desejo era deitar na cama e dormir
durante um mês. De repente, Thiago segurou-lhe o rosto entre as mãos
certificando-se de que ela o ouvia:

— Está me ouvindo?! Não durma! Fique aqui dentro, que está


quente, até eu voltar com suas roupas.

"Sempre me dando ordens como se eu fosse um de seus "Mad


Mens". — Pensou meio aérea antes de responder:

— Sim, Thiago, não vou sair daqui.

Aproveitando-se da saída momentânea dele do banheiro, com muita


dificuldade, despiu-se por completo, descartando as peças íntimas molhadas
no cesto. Depois, sentou-se na borda da banheira e permaneceu a sua espera,
enrolada na tolha.

Estava vestida em um pijama vermelho, de shorts e alcinha de seda.


Tentava se manter acordada, mas estava sendo praticamente impossível. De
repente, uma batida na porta e uma empregada diferente entrou.

Bárbara se aprumou, enquanto a empregada deixava uma bandeja


bem ao seu lado sobre o criado mudo. Ela desejou ter trocado mais que um
simples maneio e sorriso com a mulher; Bárbara queria saber notícias da
filha, algo mais detalhado do que apenas palavras sucintas. Só não sabia
como perguntar novamente para Thiago sem que o deixasse zangado.

No momento que a mulher saiu e fechou a porta. Thiago saiu do


closet abotoando a camiseta social. Bárbara não sabia bem como agir diante
dele. Incerta, e tímida ela passou as mãos pelos cabelos e o viu aproximar-se.
Levantou a tampa da bandeja ao seu lado e viu que era uma espécie de soza.
— Coma.

— E você?

— Estou muito mais alerta. Além do que, sou bem maior e fiquei
menos tempo na água.

A primeira colherada do alimento quente e saboroso, eliminou o


resto de frio por completo, trazendo-a a seu estado normal. Thiago ainda a
obrigou a repetir, embora ela já estivesse boa a ponto de não sentir mais o
sono latente.

Percebendo-a já totalmente recuperada, ele comunicou-lhe:

— Quero que esteja acordada para quando o Nanderitti chegar. Júlia


vai ficar aos cuidados de nonna, enquanto Teresa não vier, por isso, não se
preocupe com ela.

Bárbara arregalou os olhos, e perguntou:

— Quem é Teresa? Onde está Gabriela?

Ao obter como resposta o olhar arrogante de Thiago, Bárbara


deduziu o que ele tinha em mente; ajoelhou-se na cama e impensadamente
segurou no antebraço dele ao dizer:

— Ela é nova, Thiago. Uma boa menina e a culpa não foi dela. Eu,
como mãe, devia estar atenta, mas ao invés disso, fui eu quem tirou Gabriela
do foco. A culpa é minha, Thiago! Eu gosto dela e Júlia também... por favor?

Como resposta ela apenas teve suas mãos retiradas com brusquidão e
o virar de costas, deixando-a falar completamente sozinha. Thiago saiu do
quarto e bateu a porta ao fechá-la, indicando sua saída repentina.

Ali, sozinha no grande quarto e sentada por cima das pernas naquela
cama, Bárbara entendeu que apesar de toda a tensão e atração sexual, e de tê-
la salvo daquele momento no lago de gelo, Thiago ainda continuava sendo o
mesmo algoz de sempre e era preciso que ela se lembrasse sempre disto.

Por algumas horas ela se obrigou a não fechar os olhos e ceder ao


sono terrível. Testou a maçaneta da porta, mas ela estava trancada,
impedindo-a de escapulir sorrateiramente e ir ver a filha.

Chateada, Bárbara lutou bravamente até perceber que claramente,


havia sido enganada e que Dr. Nanderitti jamais viria. Exausta, e ao mesmo
tempo enfurecida por ter sido enganada, caiu em um sono profundo.

O quarto estava imerso em escuridão, e ela apenas escutava os


gemidos profundos e roucos que escapavam da garganta dele. Thiago estava
sentado, encostado com as costas na cabeceira da cama deles, nu e de pernas
abertas. No meio delas, ajoelhada e apenas de calcinha estava Bárbara.
Ambos estavam envolvidos em completa lascívia.

Bárbara olhava para cima enquanto masturbava o membro longo e


grosso. Alternava os olhares entre Thiago e o membro ereto.

Para ela, era a coisa mais bonita e excitante que já apalpara.

Thiago a olhava com os lábios entreabertos, passeando com a mão


esquerda por dentro de seus cabelos. Ambos excitados, ambos com calor,
ambos com extremo tesão e hormônios em ebulição.
Debruçou se sobre ele encostando os seios propositalmente em suas
coxas e distribuiu lambidas e chupões da base até a cabeça, lubrificando,
esquentando, deixando trilhas do desejo explícito, tudo isso sem deixar de
masturbá-lo.

Com vontade, engoliu até onde conseguia, sem deixar se levar pela
gana de querer engoli-lo completamente. Ela sabia que o tamanho do
membro, comparado ao espaço em sua boca e garganta, não permitiriam a
proeza.

Com a mão em seu cabelo, Thiago controlava a frequência do subir e


descer e gemia rouco quando ela ousava passear com a língua em seus
testículos. Ela babava, chupava, lambia, comprimindo as pernas uma na
outra, buscando alívio do tesão absurdo que sentia.

Ali, ajoelhada a sua frente, Bárbara sentia-se completamente


poderosa, por conseguir deixar um homem como aqueles a sua mercê tão
facilmente.

Controlando-a pelos cabelos, Thiago puxou sua cabeça para que ela
o olhasse. Estava tão absorta e concentrada no que fazia que ao menos
percebeu que ainda mantinha os lábios entreabertos.

Thiago rapidamente se afastou, saiu da cama e agarrou Bárbara pelos


pés, a puxando para fora da cama. Ele fez com que ela se ajoelhasse a sua
frente e agarrou mais forte seus cabelos pela nuca.

— Quero que olhe para mim enquanto eu estiver fodendo essa boca
gostosa.
Um tapa não muito forte ele deu em seu rosto, mas que serviu e a
deixou ainda mais excitada e com expectativas do que aconteceria a seguir.

— Está me ouvindo, cara?

— Sim. — A voz dela saiu quase que implorando, ansiosa para que
ele viesse a fazer logo o que tinha em mente.

Com um sorriso sádico Thiago aproximou o membro da boca


sedenta. Novamente, ela o estimulou, mas sem interromper o contato visual,
enquanto ia reunindo saliva na boca.

Cheia de volúpia, Bárbara passeou com a língua por toda a glande,


descendo até a extensão, masturbando-o lentamente, mantendo sempre o
contato com os olhos negros e perverso.

— Chupa. — O modo autoritário com que ele ordenou, não deixava


sombra de dúvidas sobre quem mandava nela ali.

Lentamente ela subiu com a boca e o engoliu mais ou menos até a


metade de tudo aquilo. Thiago, respirou com dificuldade, mas com vontade,
encheu as mãos dos cabelos negros dela e pôs-se no comandando novamente,
mas desta vez ele foi mais bruto. Gradualmente ele ia aumentando a
velocidade até começar a estocar dentro da boca. Naquele momento ela
entendeu perfeitamente o que significava o que ele havia dito que faria.

Bárbara engasgava-se em alguns momentos e Thiago parava,


respeitando com uma pequena pausa para que ela se recuperasse, sem deixar
a nitidamente luxúria que estavam envoltos se dissipar.
Sua saliva misturava-se com os fluídos dele, suas mãos depositadas
uma em cada perna, o cheiro de sexo e lascívia, e tudo ficava ainda mais
molhado e erótico. Thiago gemia, não se permitindo nem por um momento
fechar os olhos para todo aquele espetáculo.

De repente o som da porta se abrindo preencheu o quarto. Afoita,


Bárbara se afastou, tentando disfarçar com vergonha, o que estavam fazendo,
mas o homem que entrara por ela, apenas olhava para a cena com raiva e de
olhos marejados.

— Porquê você me fez isso?! Por que você fez isso com a gente,
Su?!

O homem estranho gritava possesso, parecia completamente


enervado e magoado com o que ela tinha feito. Bárbara o encarava sem saber
o que dizer uma vez que não fazia sentido nenhum para ela aquela cena.

Era casada com Thiago, poderiam em consentimento fazer o que


bem quisessem um com o outro. Mas o homem não entendia e parecia
realmente estar muito magoado com aquilo tudo.

Bárbara procurou Thiago com o olhar e o viu sentado na poltrona


que havia no quarto, apenas observando tudo com um copo de Whisky na
mão.

Ao ver que Bárbara olhava para Thiago, o homem tentou avançar


sobre ela na esperança de capturá-la. Mas ela foi mais rápida. Correu e puxou
o lençol da cama tentando cobrir sua nudez e desvencilhar-se do homem
desconhecido.
— Você não vai falar nada?? É assim que nós terminamos, Su?

"Su?" — Perguntava-se.

— Do que você está falando? — Ela finalmente indagou.

O homem a alcançou e a agarrou pelo braço, puxando-a para si e


fazendo com que o lençol caísse e mostrasse o seio direito.

— Tire as mãos da minha mulher.

Fora o que ela escutou Thiago dizer antes de escutar um estrondo


agudo e ver o homem cair para trás de olhos arregalados.

Com um tiro certeiro, Thiago acertou o meio da testa do homem


desconhecido, fazendo-o cair sem vida, num baque surdo. Assustada, Bárbara
levantou-se completamente ofegante. Correu os olhos pelo quarto em busca
do que a havia acordado, ou do corpo do homem estendido, mas percebeu
que o que acabava de ter tido era um sonho. E dos mais reais.

Seu corpo estava suado e sua intimidade pulsava, completamente


excitada. O coração estava acelerado e suas mãos tremiam, pensando
realmente ter visto o assassinato do homem.

Tudo não passava de peças que sua mente havia pregado... —


Pensou, buscando se acalmar. — Ou talvez o homem faça parte de alguma
lembrança... — Ponderou consigo mesma. — Mas lembrança de quê?

Seus pensamentos davam voltas e mais voltas tentando entender


quem era o homem do sonho, mas a memória sexual que o sonho realista
deixara, parecia viva demais e sempre vinha à tona com força.

Estava sozinha no quarto e intimamente grata por isso. Saber que


havia sonhado eroticamente com seu algoz era uma vergonha que ela levaria
para o caixão, e que outrora, se ele estivesse ali, certamente teria ficado
constrangida se acordasse e vê-lo.

Completamente abismada, ela obrigou-se a não pensar muito e


voltou a dormir, mas desta vez o sono veio sem sonhos.
Capítulo 26

Thiago pensava sobre os últimos momentos que vivenciara. Ele de


fato não acreditava na redenção de nenhum ser humano, muito menos em
bondade gratuita, mas tudo mudou depois do acidente no lago congelado.

Ele acreditava que Surya, até então, nutria simpatia e denotava jeito
com crianças, mas naquele dia, ele enxergou algo além disso. Ela era mãe,
ainda que não biológica, mas tinha sentimentos de mãe pela menina, isso não
tinha como fingir.

A constatação disso, fez com que se lembrasse de infância e do


contato com a própria mãe, e do tanto que suas percepções sobre a madre
eram distorcidas.

Maysa Guerra não foi o exemplo de mãe amorosa e carinhosa. Fora


uma mulher extremamente depressiva e melancólica. Raramente ela se dava
aos dias bons onde corria pela casa, brincando com ele escondido do pai,
Georgiano Guerra.

Quando raramente esses eventos aconteciam, no outro dia, ela


sempre voltava a rotina depressiva de sempre.

Maysa Guerra, dormia durante longas horas, alternando entre tomar


até duas garrafas de vinhos por dia e fumar uma carteira inteira de cigarros.
Ao fim daquilo tudo, ela sempre se trancava em seu estúdio e pintava
algumas formas soltas, solitárias e sombrias no ateliê de pintura que
dispunha.
Thiago nunca soube o porquê de a mãe ter sido daquele jeito, nem ao
menos sua voz ele se lembrava, afinal, quase nunca conversavam. Ela parecia
apenas alguém cansada de viver e entregue ao álcool.

Seu pai, jamais aceitara seu jeito de ser, e por isso, jamais se referia
a ela, ou se quer a olhava. Sua mãe era uma artista incompreendida, sua
família jamais a incentivou ou deixou seguir carreira, seu marido jamais
deixou que seu talento fosse desenvolvido e ultrapassasse as paredes de casa.

Maysa parecia ter nascido para a arte, mas ser bloqueada pela máfia,
culminara para sua total tristeza. Numa desesperada tentativa de salvar o
casamento, ela conseguiu chamar infimamente a atenção do marido e
engravidou de seu segundo filho.

Estranhamente, para Thiago, as coisas pareceram melhorar naquela


época. Maysa realmente passou a se esforçar em ser uma boa mãe e esposa
exemplar na famiglia, deixando temporariamente o sonho de ser uma grande
artista renomada e aclamada para trás, mas isto não durou muito.

Logo, ele foi separado para o treinamento que mudaria tudo. Thiago
ainda se lembrava dos gritos de terror e desespero que a mãe emitira quando
ele fora levado aos oito anos para o Metamorfose. Até ali, ele nunca tinha
visto nenhum outro esboço de reação da mãe a seu favor, à não ser alguns
sorrisos tímidos, tristes demais para chegarem até os olhos.

Um dia fora achada morta por seu pai. Os pulsos cortados, sangue
para todos os lados, havia cometido suicídio. No fim, ela deixou uma carta de
despedida, onde narrava suas amarguras e tristezas internas.

Em um parágrafo único ela disse sentir que seu filho, Thiago,


pertencia a todos, menos a ela, justamente por ser quem ele havia destinado a
ser, e isso lhe bastava para seu desanuvio inundar com amargura e ela querer
acabar com tudo.

A partir dali ele aprenderia duramente a ser criado para não sentir,
não chorar e principalmente: ensinado a não sentir piedade; O amor e a
extensão do calor de uma mãe ele nunca sentira.

Thiago desceu as escadas e escutou barulhos vindo da grande sala.


Adentrou e viu que Marietta conversava com Diogo. Ao vê-lo, ela
rapidamente se pôs de pé e correu em direção ao neto.

— Dios, Thiago! Como ela está?

Thiago andou até o aparador e se serviu de uma bebida. Para ele,


certamente a bebida ajudaria a esquentá-lo definitivamente.

— Ela quem?

A pergunta soou de forma casual, mas na realidade, era apenas uma


forma de sondar melhor a avó para saber até onde ela sabia.

— Não se faça de desentendido! A garota que está no lugar de


Bárbara. — À medida que ia revelando, seu tom de voz ia gradualmente
abaixando.

Thiago olhou de soslaio para Diogo que apenas mostrou as duas


mãos e balançou a cabeça, numa clara demonstrativa de que não era o
responsável por passar a informação sigilosa.
Thiago conhecia a cada um e sabia sempre quando havia delatores.
Spencer e Diogo não eram. Haviam sido forjados, não como ele, mas de
maneira similar, onde falar demais e entregar detalhes, nunca eram bem
vistos.

Mas ele também conhecia a avó, e ali, olhando para a mulher de


aparência imponente, Thiago soube que a informação jamais vazou. Ela por
si mesma captou o que acontecia.

— E então? — Pressionou com o ar costumeiro e arrogante,


característico dos Guerra.

— Ela está ótima. E onde está Júlia? — devolveu a pergunta.

— Está dormindo. Ela chorou um pouco, mas se acalmou depois que


viu Gabriela.

Diogo levantou-se e caminhou até eles aproveitando a deixa, e o


informando do paradeiro da garota:

— Gabriela e os soldados já estão no galpão do subsolo III. E


Spencer ligou mais cedo, querendo tratar de alguns assuntos.

Thiago apenas assentiu largando o copo com a bebida de lado.

Olhou uma última vez para Marietta, que o olhava de maneira


estranha, quase como se estivesse travando uma grande batalha dentro de si.

Marietta sabia até onde poderia intervir dentro da máfia, e naquele


momento, seu coração doeu por ter noção do destino de Gabriela.
Jamais interferira em quaisquer decisões que os netos tomavam,
mesmo que doesse intimamente. Esse era o preço que pagava ao ser
denominada de: Dama de Ferro da Máfia.

— Sabe por que um Guerra é geralmente acometido a pessoas de


estratégias?

— N-não, senhor.

— Porque sabemos exatamente o momento de apertar o gatilho.

Gabriela gritou quando o tiro agudo reverberou no ambiente


pequeno e acertou a cabeça do soldado que a impedira de entrar no lago.

Vendo a cena grotesca e macabra, a mulher de estômago sensível


vomitou e tremeu ainda mais quando Thiago aproximou-se agachando a sua
frente.

Havia chegado no subsolo III e encontrado Gabriela sentada em uma


cadeira que ele geralmente usava para prender inimigos, ratos e delatores.
Ela, diferente do soldado, não fora amarrada. Diogo acompanhava tudo de
uma das salas.

— Tive vontade de abrir caminho no gelo com sua cabeça. Mas vou
poupá-la.

Thiago retirou a faca afiada do coldre e Gabriela respirou mais


rápido encarando-o.

— Senhor, eu juro que não vi. Eu entraria na água, mas Jean me


impediu. Fiquei desesperada quan...

Thiago a calou com um tapa tão forte no rosto, que a desnorteou.

— Não existem falhas! Principalmente quando se põe em risco a


vida de um dos meus! Você foi treinada e sabia disto quando assumiu o posto
de cuidar de minha filha.

Thiago tomou o braço de Gabriela, levantou a manga do suéter e


trouxe a lâmina afiada para perto. Ela chorou ainda mais.

— Estou fazendo isto... — disse cravando a faca em seu braço


riscando um grande "F". — Para que se lembre que falhou e fracassou.

Ao ver o sangue escorrer e sentir a dor que ardia e rasgava, Gabriela


sofreu uma espécie de bloqueio repentino. O grito de dor engasgado, ficou
entalado. Ela não mais sentiu medo, algumas lágrimas grossas e solitárias
caiam, mas ela se sentia entorpecida.

Ali, completamente impune e sem poder lutar, ela apenas aceitou seu
destino. Era fiel à famiglia e havia sido ensinada desde sempre a morrer e
viver em nome da Calabresa. Para ela, realmente era uma vergonha ter
falhado o que acabou por culminar na aceitação do que acontecia.

— Repita comigo. — Thiago disse: — Que a sabedoria do passado,


nos guie e nos proteja...

Assim ela repetiu enquanto o segundo "F" era desenhado com faca
em seu braço.
— Que eu sempre saiba onde te posso ser útil, e com a vontade de
Deus, esteja sempre à completa disposição da Máfia Calabresa.

— "... esteja sempre à completa disposição da Máfia Calabresa. —


Obedientemente repetiu.

Ao finalizar a frase simbólica, que marcava o início de punição,


Thiago perguntou:

— Gabriela, você aceita esta punição?

— Eu aceito esta punição, chefe.

Gabriela abriu os lábios, deixando uma lágrima solitária cair. Grata


por não haver morrido.

— Sua falha é um aviso. E para qualquer deslize que cometa, pagará


com a morte... Sua função foi reafirmada e você foi iniciada e designada para
fazer novamente o seu dever acima de qualquer indisposição, conforme
acabou de jurar. Qualquer outro deslize, não terei piedade alguma.

— Sim, chefe.

Era o fim das palavras que marcavam o cumprimento solene de que


nada, nem mesmo a vida importava, quando se tinha o dever de se fazer algo
em nome da Máfia Calabresa.

Thiago estava sendo acompanhado para fora por um comboio de


homens armados e bem preparados, estava de saída do prédio e seus planos
era voltar para casa, ver a filha e dormir.
Estava próximo do carro quando alguém o gritou. Era a voz de
Graziela. Thiago deu meia volta e voltou-se indo de encontro a mulher. Ao
chegarem próximos um do outro, Graziela correu e pulou nele, pendurando-
se em seu pescoço.
— Ia me deixar esperando por você e morrendo de saudades?

Thiago abaixou o rosto e respirou o perfume doce impregnado no


pescoço dela, como resposta.

— Ocorreu um imprevisto, Graziela. — Respondeu enquanto descia


as mãos, e depositava uma em cada nádega dela.
A relação que tinha com Graziela, era baseada apenas em sexo, sem
compromisso. Ela era quase o que poderia se chamar de amiga, mas Thiago
bem sabia que não tinha amigos, além de Diogo, Spencer e Carlo.

A mulher fez cara de interesses e perguntou:


— Algo que eu possa ajudar?
— Nada que seja da sua conta, e que eu não possa esquecer
comendo você gostoso a noite inteira.

Com um sorriso cheio de promessas ela aproximou-se e o beijou.


Mas o beijo não demorou muito. Logo, estavam indo de carro em direção ao
apartamento dela.
No caminho, trocavam carícias quentes dentro do carro, não tinham
tempo para conversas. Nunca nada entre eles precisava de muita conversa.
Graziela era uma boa pessoa e geralmente altruísta. Era solteira e
não tinha filhos. Trabalhava como sendo uma chefe de cozinha renomada e
Thiago a conheceu em um evento de leilão de caridade em prol das crianças
órfãos daquela cidade.
Prontamente, ela disponibilizou seus serviços para atender a
demanda daquele evento, chamando atenção por sua intenção caridosa e
beleza marcante oriental.
Dali em diante, sempre nas horas vagas, ou quando a necessidade se
fazia presente, transavam e desfrutavam dos prazeres carnais que o
envolvimento entre eles podia proporcionar, ambos cientes de que era apenas
aquilo.

Para Thiago, era a relação mais conveniente que tinha. Ela nunca
soubera de seus negócios; nunca perguntava sobre nada; jamais se envolvia
em escândalos na cidade e era boa de cama. Curtiam um ao outro e isso já
bastava.
Ao chegarem em frente ao prédio, saíram do carro rapidamente,
ansiosos pela cama para que finalmente dessem vazão ao tesão que sentiam.
Entraram pela porta do apartamento se beijando, indo para o quarto
dela entre gemidos, mãos bobas e urgência em retirar cada empecilho de
roupa, quando o telefone dele tocou.

Thiago afastou-se contrariado levantando e procurando o celular em


meio as roupas. Graziela, bufou e se levantou da cama, indo até o banheiro e
fechando a porta. Thiago pegou o celular caído junto ao terno e atendeu.
— Diga, Spencer.
— Achamos o Pedro. — Disse de uma só vez.

A emoção do que ouviu fora tanta que Thiago caiu sentado na cama.
O coração em disparada e a respiração ofegante.
— Como sabe, através de uma varredura por GPS, fizemos uma
busca por toda a extensão do Estado do Goiás. Achamos com muito custo
uma propriedade afastada, com plantações de soja e laranjas... Até então, não
sabíamos de quem se tratava o dono desta área, mas há dois dias,
descobrimos ser dos Lima... É nela que vive Rita, Ernesto, — marido de Rita
— e Pedro... — Vendo que Thiago não falava nada, Spencer parou um
momento, dando tempo a ele absorver tudo. — Eles cuidam de Pedro como
se fosse os avós, Thiago...
As emoções o sufocavam e a vontade de socar o rosto de Bárbara só
crescia juntamente com o ódio daquilo tudo.

— Continue falando...
— A área só poderia ser acessada de helicóptero ou avião. Me passei
por seu representante, e intermediador na compra de alguns quitares. Marquei
um encontro na fazenda junto com alguns advogados e Ernesto Lima...
— Vá direto ao que interessa, eu já soube disso há dois dias.

A impaciência o dominava enquanto apressadamente ele vestia as


roupas e ouvia cada palavra atentamente.
— A reunião fora ontem, Diogo disse que algo acontecera e você
não pôde acompanhar, enfim, durante a vistoria de tudo, conversas com
advogados e Ernesto Lima, uma das empregadas entrou o escritório e deixou
a porta aberta, Pedro entrou por ela correndo enquanto Rita o perseguia...
Bem, não dá para negar que é ele... o pestinha e Júlia são muito parecidos...
Thiago sentiu de repente um sentimento desconhecido e estranho.

— Ele está bem?


— Muito bem. Os avós dele, bem...as pessoas que ele acredita serem
os avós, são apaixonados por ele, e Rita parece fazer parte assiduamente da
educação dele.... Estou enviando agora para o seu celular imagens de algumas
fotos, espalhados por toda a casa... Surya está em todas elas, junto com os
seus filhos.

Thiago sentia a cabeça se afundar em um nó e abaixou-se, passando


as mãos pelo rosto. Sentiu de repente a cama se afundando e um afago em
seu ombro. Era Graziela.

— Ao fim, Rita convidou a mim e Humberto, o soldado à paisana, a


tomarmos café... Eles parecem hospitaleiros e muito prestativos... Iniciamos
conversas casuais, e como seu representante, eu disse que era de total
interesse seu, comprar os quitares, afim de aproveitar a paisagem e construir
um local para presentear sua esposa... Nada levantou suspeitas, mas a mulher
pareceu interessada em saber mais e perguntou se você tinha filhos e eu disse
que tinha uma menina...— Spencer pausou e Thiago pôde ouvir o barulho de
algo sendo digitado. — O simples fato de mencionar uma criança menina, fez
com que Rita se emocionasse e Ernesto a amparasse... Depois de mais calma,
e de ter saído do escritório emocionada, Ernesto explicou que pouco menos
de um ano, haviam perdido a filha em um acidente de carro, e a neta havia
sido levada pela mãe biológica e nunca mais haviam ouvido falar da criança...
Thiago compreendeu onde tudo chegara. E rangia os dentes tentando
se controlar.
— Isso é tudo?

— Isso é tudo. — Spencer afirmou.


— Estou indo ao Brasil. Hora de fazer uma visita aos Lima.
— O avião já foi abastecido, a base aérea brasileira já está ciente de
uma aeronave Italiana sobrevoando em território nacional, e esta ligação será
excluída da rede.

Desligando o aparelho. Thiago colocou-se de pé e andou pelo quarto


a procura do Rolex.
— Está me devendo um orgasmo.

— Te dou até vários, mi cara. Mas hoje não.


Ajustando o relógio no pulso, Thiago andou com pressa até a saída
do quarto, deixando Graziela nua para trás.
Capítulo 27

Ela secava o corpo retirando o excesso de água e reparava nas


manchas que outrora marcou seu corpo. As manchas roxas na costela, fruto
do aperto esmagador que sofrera, havia sumido. Os pequenos cortes de
quando havia tentado subir no gelo, também.
Sua aparência era completamente outra comparada ao dia que
chegara ali. Seu corpo, magro de mais, havia se recuperado, seus traços
recuperados, sua saúde estava recuperada, menos a memória.
Olhava para o espelho prestando atenção em cada traço do corpo. O
bumbum grande, o quadril largo, a cintura fina, a barriga levemente saliente,
sem marcas de cesárea, os seios fartos e empinados, e nada daquilo parecia
combinar com o que ela era, a não ser a cicatriz na perna. Era a única marca
que a lembrava de ser o que os outros diziam que era ela.

Às vezes, no ápice da angústia ela se pegava fazendo força


mentalmente tentando na marra recobrar algo, mas as memórias eram apenas
os lapsos e o que se lembrava desde ter acordado.

Passava um hidratante no corpo, completamente nua e à vontade


dentro do quarto. Desde o dia do lago congelado, Thiago havia saído e não
mais voltado. Alguns dias depois do sumiço repentino dele, Marietta alegara
fazer uma viagem repentina. Desde então, a ausência de ambos já beirava os
vinte dias.
Bárbara queria não se preocupar, não queria sentir falta, não queria
se sentir sozinha e em perigo, mas odiava ficar no escuro e não saber nada
sobre o que acontecia.

Sua única distração era cuidar da filha, mas à pesar de se manter


ocupada com a menina, ela sempre sentia a sensação de que ainda faltava
algo...

Sentia que sua função não se resumia apenas em ser mãe, mas ela
nunca descobria a fundo, o que realmente era. Para sua alma era como se não
bastasse ela somente estar ali presente, ela tinha que se envolver com outras
coisas.

Estar ali, trancada, sem poder sair, por causa da neve, e das
restrições de Thiago, mexiam com ela. Outro dia, tentara escapulir por um
momento até o estábulo, estranhamente, para ela, era confortável estar com os
animais, apesar da presença de Roger, o tratador de cavalos.
Ela ainda sentia na pele, as consequências de ter se encontrado com
ele e quase ter sido estuprada por Thiago. Por esse motivo, sempre achava
uma brecha e aparecia no estábulo quando ele não estava temendo sua
presença e repugnando quaisquer investidas da parte dele.
Sentir o cheiro costumeiro que para muitos eram ruins, mas que para
ela não incomodava. O cheiro, pelo contrário, despertava lembranças que ela
não fazia ideia do que eram.

Quando estava em contato com os cavalos, alisando a crina, apenas


espairecendo, alguém sempre aparecia e pedia para que ela voltasse para
dentro, sempre alegando fazer aquilo a mando do chefe.
Aonde ela fosse, sempre havia alguém espreitando e ela sentia-se
sufocada, inclusive dentro da própria casa.
Algumas vezes, ela era surpreendida sendo vigiada disfarçadamente
por Ileana. Quando percebia, tentava chamar-lhe, fazer lhes perguntas sobre
Gabriela, mas a mulher parecia fugir dela como se visse o próprio diabo.

Bárbara descobriu que as madrugadas, podia sair e passar um tempo


sozinha no jardim, era frio e os ventos castigavam, mas ela não se importava.
Fizera o mesmo ritual algumas vezes, mas logo não durou muito. Um dia
depois do jantar, quando subiu para o quarto, a porta foi trancada e depois
daquele dia, passara sempre a ser.
Era cedo, e Bárbara estava pronta. Vestia um vestido e sandálias
baixas. A casa mantinha a temperatura ambiente, longe de todo o frio que se
passava do lado de fora. Ela havia adquirido o habito de acordar Júlia, cuidar
de sua higiene matinal e descerem juntas para o desjejum.

Sentia-se uma mãe completa, sempre dando a assistência e carinho


que a filha tanto precisava, mas seu coração partia ao pensar no menino e se
enchia de angústia e remorso.
Como forma de averiguar se continuava trancada pelo lado de
dentro, testou o trinco da porta e viu que ela se abrira. Espiou o corredor e viu
que ele estava vazio. Com empolgação, correu até o quarto de Júlia e abriu de
uma só vez a porta. Deparou-se com Júlia acordada trocando o pijama que
vestia por roupas. A euforia do momento chamou a atenção de ambas para
ela.
— Aí, meu Deus... — Bárbara não acreditou no que via e pôs as
duas mãos na boca. — Gabriela, é você?!

Enquanto ela ficava parada sem acreditar no que via, e no peso que
saia de seus ombros, Júlia vinha em sua direção correndo, feliz demais. Com
carinho, Bárbara ajoelhou-se e encheu a filha de beijos, grata demais por
Gabriela estar sã e salva. Apesar da euforia de Júlia, Bárbara mantinha a
atenção sempre na garota parada a sua frente.
Ao se pôr de pé, Bárbara viu que Gabriela sorria de leve, como
sempre. E sem se ater aos costumes frios de sempre, foi até ela e a abraçou
forte, realmente feliz e emocionada em vê-la. O abraço foi retribuído e
Bárbara deixou cair algumas lágrimas de alívio. Gabriela estava um pouco
vermelha, tímida como sempre.
— Gabi... — disse a menininha apontando para a mulher a sua
frente, confirmando os pensamentos de Bárbara.

— Sim, filha... esta é a Gabi. — Afavelmente concordou.


Gabriela apenas ria, parecendo com vergonha da repentina atenção
que recebia.
— O que aconteceu com você? Aonde esteve?

Apreensiva, Gabriela olhou para a menininha que prestava atenção


em tudo.
— Em códigos, para Júlia não entender. — Pediu Bárbara, indicando
para que se sentassem na cama.
— Bem... — Iniciou ela, enquanto penteava os cabelos da criança.
— Na verdade eu apenas tive muita sorte do senhor Guerra não ter me punido
severamente... — Parou um momento e levantou as mangas do suéter
revelando a pele marcada profundamente pela letra "F".

Bárbara estagnou, completamente incrédula com o que Thiago tinha


feito. Abalada, e de olhos marejados, ela levantou os olhos do braço da moça
e ainda perturbada, buscou o rosto da garota.
— Não faz mal, senhora. O senhor Guerra ainda foi bondoso em não
me atirar aos cachorros.
— Ele quem disse isso?

A menina não dissera nada, apenas ficou calada, temendo ter dito de
mais.
— Tudo bem. Nada do que me disse eu vou contar... — Sentindo
que precisava de ar, levantou-se e passou as mãos no rosto, perturbada
demais. — Consegue cuidar de Júlia?
— Sim, senhora. Minha recuperação foi muito boa e total.

Assentindo, deu um beijo na filha e saiu do quarto rapidamente e de


cabeça baixa, fechando a porta atrás de si. Bárbara sentia a respiração faltar e
o coração acelerar. Correu para o quarto, mas pareceu sentir o perfume de
Thiago e uma raiva enorme aflorou dentro dela. Saiu dali tentando não ser
vista, querendo pensar e ficar sozinha.
A casa estava movimentada, cheia de "Mad Mens". Cada um mais
sério e armado que o outro. Ela estranhou tudo aquilo e decidiu ser discreta.
Esperou um deles passar e correu para a cozinha, que para sua sorte, estava
vazia. Com pressa, correu saindo pela porta dos fundos, mas sem antes pegar
uma fruta de cima do balcão.
Na saída da cozinha foi recebida por uma lufada de vento gélido que
a arrepiou toda e a fez ter memórias do dia ruim que caíra no lago. Não
querendo arriscar-se e ser pega por algum funcionário da casa, Bárbara olhou
em volta e viu que havia um corredor meio escuro e de paredes vermelhas,
temeu ser alguma ala dos empregados, mas sentindo o aperto da ansiedade se
arriscou.

Percorreu o longo caminho estreito com o coração na mão, pensando


que seria pega a qualquer momento. Caminhou pelo corredor esperando ver
alguma porta além da que ficava no final do corredor estreito e mal iluminado
e não viu nenhuma. Ao chegar no fim do corredor, colocou a mão na
maçaneta e girou, achando que estaria trancada. Mas para sua surpresa, não
estava.
Ela adentrou o lugar completamente escuro, e por um instante sua
ansiedade e medo aumentaram. Tateando a parede achou o interruptor e ligou
a luz. Para seu encantamento, o lugar parecia um ateliê perdido no tempo dos
anos oitenta.
Ela adentrou e fechou a porta. Olhou cada detalhe do local imersa
em pensamentos e solidão. Era o que o ambiente praticamente emanava.

Havia algumas folhas espalhadas por cima da calda de um grande


piano, que ela descobrira ser poemas tristes, intensos e pessoais demais.
Olhou para um canto onde havia um grande sofá vintage verde musgo e
deitou-se ali.
A grande sala não parecia abandonada, apenas conservada, e era
repleta de quadros belíssimos, mas um em especial, lhe chamou atenção.
Nele estava pintado a imagem de um garoto magro e franzido, sujo e parecia
abandonado, lutando sozinho com homens feitos.
Capítulo 28
Parte I

Thiago adentrava a pequena e aparentemente turística cidade,


dirigindo uma pick-up blindada. Sempre atento para não levantar suspeitas ou
chamar atenção. No centro, alguns caminhões graneleiro percorriam a rua
larga, feita de ladrilhos, disputando espaço entre alguns motoqueiros e
pedestres.
A pequena cidade, dispunha de uma rotatória onde rumava para as
direções que iam desde o centro histórico da cidade, a parte mais humilde, a
ala dos sítios e fazendas de plantações, e a parte mais nobre, onde haviam
casas grandes e mansões.

A cidade era repleta de pessoas comuns, e comércio. Não havia


shopping e nem grandes lojas. Muitas pessoas caminhavam tranquilamente
ou de bicicleta, portando vestimenta simples e características.
Marietta vinha a seu lado, no banco do passageiro e colocava um
pano feito de seda na altura do nariz. Um modo claro e esnobe de dizer que
reprovava o local que parecia bucólico e humilde demais para sua
esplendorosa presença.
Thiago ficou hospedado numa grande mansão na parte nobre e
afastada da pequena cidade. Aonde geralmente ficavam os mais ricos
fazendeiros ali e influenciadores da política.

O tempo estava chuvoso e abafado, mudava a todo instante e


Marietta não gostara. Spencer era seu intermediador e era quem o levaria até
os Lima. Ele tinha se tornado quase que um amigo íntimo da família. Sua
simpatia e bom-humor, alinhado a hospitalidade e bondade dos Lima, fora o
que lhes dera certa vantagem avante aos negócios.
Ao que tudo indicava, os quitares que ele havia negociado seriam
vendidos, mas Thiago desejava saber mais sobre o local e ver pessoalmente o
filho.

Spencer havia marcado um certo tipo de reunião na fazenda Águas


Verdes, propriedade dos Lima. Thiago havia se preparado e se vestido de
forma a não levantar suspeitas sobre quem ele era. Suas roupas se pareciam
com as dos moradores locais, mas de um modo mais requintado, a elegância e
o ar de superioridade, ainda estavam lá, apesar da calça justa, blusa jeans e
botas de couro.
Thiago sabia que Dominic Lang podia estar à espreita e jamais se
arriscaria. Tudo estava arquitetado, tudo havia sido planeja, e se desse certo,
ele sairia como o vencedor.
Para se chegar até a tal fazenda era necessário que ele e Spencer
percorressem de carro um caminho de 80 Km de onde estavam, e para chegar
até a sede do local, era necessário o uso do helicóptero.

Para a surpresa de Thiago, as terras pareciam mais uma reserva de


tão bem conservadas e limpas. Haviam grandes plantações de sojas, laranjas e
um pouco de milho. De cima, podia avistar alguns trabalhadores, e
provavelmente o alojamento de casas onde eles viviam. Aparentavam ser
pessoas humildes, mas bem cuidadas.
Ao descer do helicóptero, foram recebidos por Ernesto Lima e dois
homens, trabalhadores de confiança. Foram apresentados e agiram com
cordialidade e educação, mas a atenção dele mantinha-se na mulher da
varanda, com uma criança no colo que apontava para o helicóptero.
— E então? Fizeram uma boa viagem?
— Excelente. —Thiago respondeu rindo de um jeito que não
chegava até os olhos, cumprimentando Ernesto com um aperto de mão.

— Pois então vamos entrar! Nós preparamos um almoço para vocês!

Na mesma hora, Thiago olhou para Spencer que abria um sorriso e


seguia os homens. Mas ao ver a expressão no rosto taciturno, Spencer se
fechara.
Para ele, aquela gente só os tratava daquele modo, pois sabiam que
eles tinham muito dinheiro, o que para eles seriam muito convenientes.
— Fiquem à vontade, meus amigos! — Ernesto dizia com simpatia e
simplicidade quando chegaram à frente da casa. — Thiago, vou lhe
apresentar minha esposa, e meu netinho... — Disse chamando a atenção da
mulher que, até então, estava entretendo a criança.

— Rita? — Ernesto a chamou. — Este é Thiago. O novo comprador.


Quando a mulher tirou os olhos da criança e olhou para Thiago,
estagnou. O susto fora tanto que ela ficara com a mão estendida no ar.
Para ela, ele se parecia e muito com o neto, e para ele, ela tinha os
traços físicos de Bárbara e Surya.

— Rita? — Ernesto a chamava. — Está tudo bem?


Thiago apenas a olhava enquanto a mulher o encarava de maneira
confusa.
— S-sim... Digo... Ele não se parece com Pedro, Ernesto?

De repente ela conseguira atrair atenção de todos para Thiago e a


criança, que brincava, fazendo de um carrinho um helicóptero.
— Acho que é bastante coincidência...— Interviu Spencer.
— Mas...
— Querida, desse jeito você assusta nosso convidado...— Ernesto
adiantou-se até a soleira da porta de entrada e os convidou. — Vamos!
Entrem!

Após um tempo conversando com Ernesto, e seus homens de


confiança, ele sugeriu uma pequena visita à propriedade do qual Thiago
compraria.

Era de conhecimento de todos e Ernesto não fez questão de


esconder, que, a fazenda estava pouco a pouco se perdendo em dívidas e
grandes danos, por conta das chuvas.
Os negociantes já não os procuravam com a mesma frequência, já
que não tinham a quantidade exigida para oferecer; Haviam três silos
quebrados, dos seis que a fazenda dispunha; Alguns tratores e colhedores de
grãos, estavam parados, precisando de manutenção, e consequentemente,
alguns empregados haviam sido demitidos e mandados embora. Isso tudo
porque há três meses eles não podiam sair dali, segundo explicação de
Ernesto.

Thiago caminhava, pensativo no que a mulher tinha dito, e Spencer


parecia pensar o mesmo, apenas assentindo de modo a não deixar Ernesto e
seus homens falando sozinho.
Enquanto caminhava por aquele caminho, alguns mosquitos
teimavam em aparecer. O clima parecia difícil naquela região. Logo depois
da chuva, abafava e os mosquitos indesejáveis apareciam. Certamente era
algo que ele teria de saber lidar, caso viesse de fato a fechar negócios ali.
— Estas aqui são as baias que lhe falei. — Thiago fingiu-se
interessado no que o homem falava. — Temos em torno de cinquenta
cavalos. Alguns são para disputa de corrida, outras para uso da fazenda.

Mudando a feição, Thiago realmente se interessou pelo assunto e


rebateu.

— É mesmo? Tenho um negócio assim em Siena.


Ernesto pareceu simpatizar e respondeu com naturalidade.
— Aqui apenas vendemos os cavalos para alguns fazendeiros
exigentes, e também para alguns clubes de Turfe.

Thiago assentiu realmente prestando atenção no que ele dizia,


enquanto analisava uma égua não muito alta, robusta, de pelos marrons e com
um peculiar formato de crânio.
— Esta égua era de minha filha, Surya. — Disse o senhor, de
repente nostálgico demais.
Um alarme disparou na mente de Thiago, que o fez agir com cautela.

— Ela deve ter muito bom gosto para dispor de um puro-sangue...


Não é qualquer um que aprecia um cavalo árabe.
O senhor pareceu interessado em Thiago um momento, apreciando
sua fala quando respondeu:
— Ela realmente não era qualquer uma. Surya era uma mulher de
ouro!

Thiago estava prestes a responder, mas Ernesto mudou de repente o


rumo e falou:
— Bem, vamos indo conhecer a propriedade que está a ser
negociada.
E assim, saíram rumando em direção à plantação de laranjeiras,
enquanto conversavam sobre cavalos.

Thiago e Spencer estavam sentados em uma mesa de madeira, numa


grande sala, enquanto conversavam sobre negócios com Ernesto. De vez em
quando, Thiago se desligava do que o homem dizia e olhava ao redor,
tentando absorver sobre tudo o que via.

O lugar lhe passava a sensação de aconchego e acolhimento, apesar


de não ostentar a riqueza do qual ele era acostumado. A forma como havia
sido recebido ainda lhe ecoava a mente. Jamais havia sido tratado de maneira
tão calorosa e tão bem.
Mas será que aquela forma de tratamento era à troco de nada?
Ele desconfiava que eles agiam assim, justamente por ele se tratar de
"um homem de negócios", muito rico e um possível comprador. Mas mudou
de opinião quando vira o tratar do homem com cada funcionário.

Ao longe ele escutava o barulho de risadas e de alguns animais. As


pessoas conversavam animadamente e o cheiro de café quente era o que
deixava o ambiente ainda mais agradável. De repente, a pergunta vinda do
homem a sua frente o fez ficar em alerta.

— Têm filhos, Thiago? — Spencer já havia comentado com Ernesto


sobre Thiago, mas o homem pareceu querer ouvir do próprio Thiago as
informações pessoais.
— Tenho dois.

— Bravo! Filho é o que de melhor já fiz em vida. — Disse numa


pontada de tristeza. — Mas quando partem, ficam os netos para preencher o
vazio.
No exato momento em que dissera tais palavras, Pedro adentrou
correndo e se atirou nos braços do velho homem.

Rita caminhava equilibrando uma bandeja. Outra mulher vinha atrás,


igualmente trazendo garrafas de café e xícaras.

— Pedro, querido! Já lhe disse para não pulares assim no vovô!


O menino em cumplicidade, apenas trocou um olhar sabido com o
avô. Thiago reparava em tudo, tirando suas próprias conclusões de que apesar
de não serem os pais de Bárbara, o casal de velhos tinha Pedro e Júlia como
netos.
Mas porquê? — Sua mente exigia a explicação ilógica.

Rita e a outra mulher, colocavam a mesa enquanto Pedro conversava


com a avó e Thiago observava, completamente interessado e alheio ao que se
passava ao redor.
Rita o observava de perto, incomodada com as feições que batiam
exatamente com as do menino. Lembrou-se da vez que surpreendeu Bárbara
no meio de uma ligação estranha.
Todas as ligações pareciam suspeitas, mas nesta, em específico, ela
escutara a mulher dizer que o nome do pai dos filhos dela era "Thiago", mas
ela nunca soubera dizer se ele tinha por sobrenome Serra ou Guerra; Na
época, por conta dos cochichos no celular, ela não conseguira distinguir e
ouvir bem.

Mas de repente, ela estagnou ao olhar para o pescoço do homem.


Arregalou os olhos e viu o mesmo tipo de alergia que Pedro tinha.
— Tens alergia aos mosquitos de chuva, Thiago? — A mulher soou
tão pessoal, que Thiago quase se esquecera que ali, naquele país, os costumes
eram outros.
Nada de tratamento por sobrenome, nada de ser tratado com respeito
pelo grau criminoso que exercia, e nada de cuidarem de suas próprias vidas.
Aquela impessoalidade começava a incomodar Thiago.
— Acho que sim. — Concordou tentando soar casual enquanto
levava uma mão até a lateral do pescoço. — Se importa de eu usar o
banheiro?

Perguntou rapidamente mudando de assunto, de repente irritado com


tamanha atenção.
— Não nos importamos, querido. — Respondeu afável — Podes
usar o que fica no andar de cima.
Após indicar o local do banheiro, Thiago passou por ela e subiu as
escadas de madeira, passando direto pelo banheiro e indo ao corredor, de
modo que ficasse mais escondido.

Com o aplicativo que permitia ele ter acesso às câmeras, viu que
Surya estava acordada, àpesar de ser madrugada na Calábria. Olhava pela
janela, parecendo estar com os pensamentos longe. Num certo momento, ela
começou a andar de um lado para o outro e agitar os braços, provavelmente
sentindo algum sintoma de ansiedade.

De repente, ela abriu a porta do quarto e foi para fora. Franzindo o


cenho em confusão, Thiago se perguntava internamente o que estaria ela
pensando estando de madrugada no jardim, olhando para o nada com o tempo
estando completamente congelante.
Fechando o aplicativo, abriu outro e mandou uma ordem para os
soldados na casa. Ordenou que a partir daquele dia, eles a trancassem dentro
do quarto todas as noites após o jantar. Júlia jamais acordava de madrugada,
por isso ela não tinha motivos para sair do quarto.
Guardando o celular no bolso, Thiago voltou pelo mesmo caminho
que viera, mas desta vez, atento ao redor. Descendo as escadas ele viu as
fotografias na parede e se deteve em descer pensando ser Bárbara, mas na
verdade era Surya.
As fotografias revelavam uma criança vestida de cowgirl. Em outra
foto, a mesma criança cantando com um microfone de brinquedo; noutra,
mais adolescente, Surya vestia uma camiseta das Spice Girls, enquanto
pousava em frente de uma parede repleta de postes de bandas. Mas o
destaque ia para uma foto dela num grande quadro. A foto de formatura
segurando um diploma, e as congratulações abaixo por ela ser a primeira de
sua turma.

O que chamou atenção dele fora a forma, parecendo cronológica, de


como as fotografias foram pregadas na parede. A maioria das fotos eram em
família, mas com Surya sendo a principal no meio das crianças.
Aniversários dos gêmeos, Pedro em cima de um cavalo, sendo
segurado por Ernesto; Júlia vestida de fada e toda suja de batom; os gêmeos
ainda bebês dentro do berço; Júlia e Pedro raspando com o dedinho um
recipiente e sujos de massa de bolo; eles sentados no colo de Surya debaixo
de um Ipê. Todas as fotos parecendo boas memórias.
— Ela foi uma boa filha... — De repente alguém disse. — Cuidou
dos gêmeos praticamente sozinha enquanto eu travava uma batalha contra o
câncer, e Ernesto tomava de conta dos negócios da fazenda para não nos
afundávamos ainda mais em dívidas...

Enquanto falava, ela subia alguns degraus e ficava a alguns passos


dele. Thiago não precisou olhar para saber de quem se tratava. Continuou
olhando para a foto onde Surya segurava os gêmeos em uma de suas festas de
aniversário.
— Quando Bárbara apareceu aqui, e deixou as crianças... Alegando
sofrer de depressão pós-parto e precisar ser ajudada, nós não pensamos duas
vezes em ajudá-la e a acolhemos. Cuidamos dela e das crianças...— A mulher
parecia emocionada, ao dizer aquelas palavras e Thiago permanecia quieto,
escutando.
— Um belo dia, Bárbara, inesperadamente disse que arranjara
emprego em Brasília, como promotora de eventos, alegando que faria bem
para ela e perguntou se podíamos ficar com as crianças... Lógico que
aceitamos! Já estávamos afeiçoados e Surya, já era mais mãe das crianças do
que Bárbara!

Thiago não se aguentou e rangeu os dentes de ódio, pensando pela


milésima vez na imensidão de confusão e sujeira que os filhos estavam
imersos.
— Como a boa vagabunda que é, partiu novamente deixando as crias
para trás. Mas não pense que lhes faltou algo... Na época, como o câncer me
deixando desestabilizada, Surya foi quem tomou de conta deles, os amou
como se as crianças fossem dela... Pausou a carreira de veterinária mais
renomada da cidade e redondezas, para tomar de conta das crianças e de
mim... — A mulher se aproximou e tomou um porta retrato e olhou para a
foto — ... Neste meio tempo, fui curada do câncer e conseguimos nos
restabelecer como família…Até Bárbara aparecer há alguns meses atrás,
alegando que o pai das crianças já não colaborava mais com a pensão, e de
modo a recorrer com isso, ela quis levar Júlia... Eu ainda estava fraca na
época...Surya ficou com medo e disse que só deixaria a menina partir caso ela
fosse também... Não deu outra! — Disse a mulher chorando parecendo
remoer raiva e rancor. — Bárbara pegou a menina, dizendo que era sua filha
e por isso tinha direitos sobre ela e a colocou no carro dando partida. Surya,
entrou em outro carro e saiu em disparada a seguindo e.... e.... — A mulher,
deveras emocionada, já não conseguia falar sem chorar de modo doído. — E
eu perdi minha filha e minha neta naquele dia.... Bárbara me ligou para dizer
que a criança estava bem e com o pai, mas Surya... Havia morrido em um
acidente grave! Recebi minha filha completamente irreconhecível dentro de
um caixão!
A mulher soluçava e chorava descomedido, parecendo não suporta a
dor das lembranças. Thiago enfim se colocou de frente a ela e a encarou,
buscando algum vestígio de fingimento. Neste momento, Spencer e Ernesto
chegaram afoitos, procurando saber o que tinha acontecido.

Com apenas um aceno de mão, Thiago os deteve e os acalmou.


— V- você... Você é o pai deles, não é?! Você é o pai dos gêmeos!
Reconheci pelo sobrenome no documento deixado em cima da mesa e.... e a
semelhança com Pedro.
Thiago, que a olhava compenetrado, estudando cada reação, e
apenas assentiu confirmando. Ernesto buscou uma poltrona e se sentou,
desabando. Em sinal claro de desespero ele apoiou os cotovelos nos joelhos e
pôs as mãos na cabeça.
Capítulo 29
Parte II

De repente Rita caiu em prantos e num ataque de desespero,


começou a implorar.
— Por favor, não retire meu netinho de mim! Ele é nossa única
alegria! Eu não vou aguentar! Nós não vamos aguentar... Já basta Júlia!

A simples menção do nome da menina, desencadeou um choro ainda


mais sentido. Thiago reviveu em agonia, as memórias que tinha da mãe. Tudo
o que ela sofreu no dia em que ele fora levado ao Metamorfose, lembrava o
sofrimento de Rita naquele momento.
Não sabia dizer o que bem sentia, mas ver a mulher em agonia, ainda
mais pelos filhos dele, mexia com alguma coisa que para ele, ainda beirava o
desconhecido.
— Vamos primeiro conversar, pôr as cartas na mesa. Tenho uma
proposta a fazer.

De repente a sala se fez um silêncio sepulcral. Nem mesmo Spencer


pensou ter ouvido direito, já que o plano consistia em fazer uma grande
chacina naquele lugar e no fim, levar o menino. Simplesmente, Thiago,
deixou-se agir pelo instinto de que aquela família de fato, não tinham nada de
inimigos e não apresentavam perigo.
Apesar de não estarem em seu escritório, com um gesto de mão,
Thiago indicou que todos fossem se sentar à mesa, bem aonde estavam antes
dele se retirar.
Quando todos se sentaram, foi a vez de Thiago começar dando as
primeiras cartadas.
— Eu estou com Júlia. E para nossa alegria, ela está muito bem. —
Garantiu-lhes vendo lágrimas voltarem aos olhos de Rita, e a gratidão, nos
olhos de Ernesto. — Por alguns anos eu fui restringido de ver meus filhos
justamente por não saber aonde estavam. Bárbara saiu fugida de minha casa
com as crianças. — Rita, levantara a cabeça de supetão e colocara as mãos na
boca em sinal de espanto. — Eu vasculhei tudo atrás dos meus filhos por
todos estes anos. Até que um dia, Bárbara apareceu pedindo uma quantia
grande de dinheiro em troca de Júlia... — Por motivos óbvios, Thiago jamais
diria a verdade. Nem mesmo sobre Surya. Isso seria uma estratégia, e carta na
manga para que ele usasse futuramente, pensava. —...Pelo bem de minha
filha, eu cedi e ela acabou sumindo com o dinheiro, deixando Júlia comigo...,
mas agora preciso saber: Vocês mantêm alguma relação com Bárbara?
— Não. — Rita disse segura, negando freneticamente com a cabeça.

— Nenhuma. — Assegurou Ernesto. — Bárbara sempre foi


dissimulada, Corina, a avó dela, sempre foi alertada por nós, mas sempre
achou que a menina tinha algum tipo de carência por não ter os pais
vivos. Dar atenção e sempre ter tudo de mão beijada, era uma forma de
compensar a garota que se fazia de coitadinha... No fundo eu sempre soube
que era mau-caratismo mesmo. — Reprovou Ernesto com indignação.

— Existe alguma ligação feita por ela nos últimos tempos? Ou


algum número de telefone? — Spencer quis saber.
Ernesto e Rita se entreolharam preocupados, e então Rita disse:

— Bem... há três meses recebi uma ligação estranha, que me


perguntava se eu estava disposta a colaborar em troca de dinheiro pelo
menino... Era a voz de um homem, e eu logicamente achei aquilo tudo
horrível. Quis saber quem era, disse que envolveria a polícia caso ele
insistisse e o que recebi em troca foi uma ameaça de me acharem e nos tirar
Pedro a força e ainda acabar com tudo isso aqui.
— Ficamos com muito medo e receio. — Complementou Ernesto
segurando a mão da esposa. — Até mesmo suspendemos as idas até a
cidade..., mas desconfiamos que Bárbara tenha algo a ver com tudo isso.

— Pois bem. —Thiago interrompeu, já farto daquilo tudo e louco


para pôr as mãos nos desgraçados. — Minha proposta será a seguinte: Vocês
ficarão debaixo de minha proteção. Mandarei meus homens armados até os
dentes para cá e eles farão a segurança e proteção que meu filho precisa...
Algumas vezes ao mês, trarei Júlia para que eles não fiquem mais separados.
E minha avó será os meus olhos dentro desta casa.
Tudo o que ele dissera, fora dito de maneira muito fria e trabalhada.
Quase como se fosse um plano comum, mas era a estratégia em jogo para
equilibrar os dois lados.
Thiago estudou os rostos que expressavam pura preocupação e
ansiedade. Rita e Ernesto se entreolhavam, como se buscassem um no outro
alguma palavra que os tirassem daquela situação.

— Mas... não posso concordar com o absurdo de ter homens


armados em minha propriedade. Aqui só têm família trabalhadora e
humilde... Não posso permitir que o povo se assuste!
— Você ainda não entendeu? Pessoas ligadas a Bárbara estão
caçando meu filho para usá-lo contra mim! — disse Thiago sério,
controlando-se para não lançar fora todo o auto controle que tinha. — Neste
exato momento, negócio algum desfaz o bem mais precioso que eu já fiz em
vida, ainda que a mãe biológica deles seja uma puta desgraçada. — Olhou
para os rostos calados e preocupados. — Esta é minha condição.
— Bem, Ernesto... —Disse Rita se virando para o esposo que coçava
a cabeça num claro sinal de comichão. — O melhor que temos é aceitar. Não
sairemos perdendo, pelo contrário! Ganharemos a oportunidade de vermos
Julinha novamente! — Disse rindo nervosa em meio as lágrimas.
— Sim, meu amor... Sim! — Respondeu o velho enquanto abraçava
a esposa e limpava suas lágrimas.

Thiago olhou a cena intrigado. Era estranho para ele como que tudo
por ali parecia colorido. Não existia o completamente cinza, obscuridades, ou
se quer os pensamentos ruins misturados ao vermelho sangue de raiva e
luxuria que o cercava.
Ali, naquela fazenda, ele experimentou enxergar a mistura de todas
as cores que pareciam dar vida e aquecer. Era completamente diferente da
costumeira frieza que conhecia.
— Aceitamos sua proposta...— disse Rita encarando-o de modo
firme.

— Já perdemos gente demais nesse último ano. — Complementou


Ernesto.
Thiago assentiu.

— A partir de amanhã, Marietta se muda para cá. Daqui a duas


semanas eu venho novamente, mas desta vez, trago Júlia. — Recebeu em
troca sorrisos de alegria. — Spencer vai grampear e monitorar todos os
acessos de redes e telefone desta fazenda. — Thiago deu uma pausa enquanto
rabiscava algo em um post de notas, e Spencer se levantava, saindo em
direção a porta para iniciar os serviços. — Este é o valor que estou disposto a
pagar pela terra que negociávamos.

Ernesto pegou o papel e Rita se achegou para mais perto, olhando


curiosos e espantados com o valor.
— Mas não posso aceitar! Este valor é grande demais para o que
tínhamos em mente.

Seriam aqueles dois, um casal de idiotas? —Pensou Thiago, cético


de mais perante a possível demonstração de honestidade.
— Lógico que eu sei que este valor é muito maior do que estas terras
valem! Mas isso vai dar um salto na conta negativa de vocês e atrair quem eu
quero que atraia dentro do mercado financeiro....
Por um momento, Rita e Ernesto ficaram constrangidos diante de
toda aquela prepotência, mas Thiago não ligava. De modo a encerrar o
assunto, ele colocou-se de pé e anunciou antes de partir.

— E a partir de hoje, assumo eu, os estudos e finanças de Pedro...


Nonna será responsável por ensiná-lo o italiano.
O casal apenas se entreolhou, novamente preocupados com o que
aconteceria. Claramente se viram envolvidos de mais em toda aquela teia de
armação de Thiago. Mas aceitaram a condição do qual estavam sendo
impostos, afinal, para eles, tudo se tratavam do bem dos netos.

Era noite e Thiago havia voltado para a casa onde estava hospedado.
Marietta achara um completo absurdo ficar no Brasil, mas não protestou mais
quando Thiago dissera ser o necessário a se fazer, caso quisessem recuperar
Pedro sem maiores danos.

À contra gosto, ela arrumou as malas e por último planejou


meticulosamente junto com Thiago, os próximos passos que dariam em
relação a educação do neto.
Estavam decidindo sobre como inserir Júlia na convivência com o
irmão, quando de repente recebeu um aviso de chamada de vídeo pelo
notebook. Olhando de cenho franzido para a tela, Thiago pediu um momento
para Marietta, que, sabiamente, preferiu se retirar.
Thiago puxou o celular e mandou mensagem para Spencer antes de
atender. Prontamente o homem respondeu:

— Diga, Thiago.
— Está captando esta chamada de vídeo?

— Sim. Pode atender, vem de Tijuana. Usei criptografia e a


chamada está protegida. Ao que indica a ligação vem de fonte desconhecida.
Uma boa chance de ser o De La Fuente.

Largando o aparelho de lado, Thiago aceitou a chamada e a imagem


de Carlo apareceu na tela.
— Hola amigo! Soube que estava a mi procura! — saudou o
mexicano risonho.
— Onde esteve esse tempo todo, caralho? Liguei para a porra do seu
telefone cinco vezes!

— Tive que me manter escondido, hermano. La policía descobriu o


meu maior túnel de contrabando na fronteira e tive que me manter a solo por
algumas semanas.
— Acharam alguma coisa?
— No. Somente el túnel vazio. Mas eu já estava alargando outro —
Disse ele soltando a plenos pulmões gargalhadas. — Tarugos imbecis!

Carlo de la Fuente era um excêntrico narcotraficante e chefe de


esquemas de migrações ilegais. Gostava de animais exóticos, festas com
orgias e armas. Era fielmente ligado à Thiago.
Estiveram juntos em um confronto e fora atingido por projéteis de
metralhadora na perna e na costela. Com isso, tinha sido abandonado por seus
comparsas para morrer sozinho, mas Thiago o salvara carregando-o nas
costas por alguns quilômetros até acharem civilização e ele ser tratado. Desde
então, o homem jurara ser fiel a ele, ainda que seus negócios andassem em
paralelo.
— Mas diga, amigo, em que posso ajudar?

Contando-lhe por alto toda a história, Thiago lhe explicou de quem


se tratava. Sua esperança era de que ele conhecesse alguém que aparecera de
repente em Tijuana e que se encaixasse nos atributos físicos de Bárbara e
Dominic Lang.
Pessoa nenhuma no mundo conhecia aquela cidade melhor do que
Carlo de la Fuente. O homem era praticamente dono de todos os esquemas e
comércios do lugar.
— Amigo, acho que hoje estamos com suerte. — Com aquelas
palavras, Thiago se pôs em alerta e chegou mais próximo da câmera do
notebook. — Há alguns meses, Zelito, um morillo de quinze años, estava em
um dos pontos quando um hombre com estas características que você falou,
tentou comprar a passagem de Tijuana para Los Angeles, na Califórnia, com
alguns pesos mexicanos falsos. Mas o garoto foi esperto... Alertou los
traficantes de la calle seguinte, e antes que o pegassem, o maldito fugiu.

Thiago bateu os punhos na mesa e disparou palavrões;


— Esses filhos da puta parecem fumaça!
— Calma, pense comigo mi amigo... eles continuam aqui. No
passaram para o lado de lá... É só pensarmos em como vamos atraí -los. Vou
acionar mis hombres para que fiquem de olho. No se preocupe. Acharemos
estes rateros... Só me dê algum tempo e entrarei em contato novamente. —
Assegurou-lhe.

Contrariado por ter de esperar novamente, Thiago apenas travou o


maxilar e respirou fundo, passando as mãos nos cabelos, tentando se
recuperar de todo ódio que sentia.

— No adianta morrer de ansiedade em pegá-los neste exato


momiento, amigo. No lo se esqueça: A vingança é um prato que se come frio.

— Não me venha com lições de moral, seu filho da puta,


principalmente quando ainda me deve aquela garrafa de tequila!
A gargalhada grossa e alta de Carlo ecoou enquanto Thiago
encerrava a ligação.

Com a mente cheia e pensando muito conturbados, Thiago sorvia


uma bebida sentado de fronte à grande janela de abertura panorâmica.
A paisagem era verde, silenciosa e tropical. Os ventos balançaram as
copas das árvores e ele pensava sobre os próximos passos que daria.
Principalmente em relação a Surya.

Era um jogo de dama, e seu intuído era desvendar os mistérios que


envolviam o jogo.
As fotos que vira dela, ainda vinham a todo momento em sua mente,
lançando flashes de todos aqueles momentos vividos mais cedo.
"Ela cuidara dos gêmeos, como se fossem seus. ” — Sua mente
ecoava com a voz de Rita.

Era uma batalha contra si mesmo que ele lutava. Não era segredo a
ninguém que ele nunca fora um homem de muita paciência, mas esperar o
tempo de Surya recuperar a memória ou o de acharem rastros de Bárbara e
Dominic Lang, era o que mexia com seus demônios internos e o atiçava.
Nesses momentos ele enxergava tudo vermelho.
Nunca tinha sido bom e havia sido criado para agir de maneira fria e
calculista. Mas toda aquela situação mudara a partir do momento que se viu
imerso em todos aqueles problemas. Não tinha como ser neutro.

Fechando os olhos, respirou fundo e deu um gole na bebida,


recostando a cabeça na poltrona. Permaneceu um tempo ali, inerte a tudo,
mas sua mente ainda lhe lançava as fotos de Surya e das crianças.
Abriu os olhos e tomou o celular, procurou a pasta de documentos e
achou o que queria. Os dados pessoais dela. Pela enésima vez, naquele dia,
analisou tudo novamente.
Thiago era treze anos mais velho que Surya, não tinham a mesma
nacionalidade, nunca haviam trocado mais do que meia dúzia de palavras
sendo sempre acusações da parte dele, mas ainda assim, havia algo nela que o
fazia se sentir intrigado.

Fechou a pasta de informações e abriu o aplicativo de câmeras e lá


estava. Desta vez, tinha amanhecido, mas ainda era demasiado cedo. Vendo
que ela estava fora da cama, ele a procurava por cada cômodo da casa, mas
não a encontrava.
Já estava ficando impaciente quando mudou novamente para o
quarto e de repente ela saiu de dentro do banheiro.
— Puta que pariu. — Soltou alto e sonoramente.

Sentiu o coração acelerar e a respiração entre cortar ao ter a visão


dela completamente nua e a vontade passando hidratante por todo o corpo.
Seu membro reagiu no mesmo momento e ele próprio se estranhou aquela
reação.
Sentiu-se como nos tempos de adolescência, quando a simples
imagem de mulheres nuas o fazia ficar duro. Mas o que o deixou mais louco
era saber que tudo no corpo dela, parecia real de mais. Analisando com
atenção a cena, viu que ela se debruçava para alcançar as pernas. A pele
parecia macia, e o corpo cheio de curvas, convidavam à devassidão.

Parecia uma vênus, toda trabalhada na perfeição da naturalidade e


ele desejou vê-la de outro ângulo. Um que não fosse pela câmera. Sentindo-
se idiota por estar daquele modo, fechou o aplicativo e praticamente jogou o
celular por cima da mesa. Soltou uma lufada de ar e encheu o copo com mais
da bebida de cor âmbar e a tomou.
Não adiantava. Flashes do que tinha acabado de ver, e o incômodo
que sentia entre as pernas dificultavam sua iniciativa de relaxar. Furioso se
levantou e saiu do escritório.
Subiu as escadas, e entrou no quarto. Foi direto ao banheiro, tirou as
roupas e viu o membro completamente volumoso e pulsante dentro da cueca.
Com lascívia apertou por cima da cueca enquanto gemia, pensando em Surya
e nas maneiras diversas de fodê-la.

Mas ao constatar este simples pensamento, ele parou de repente o


que fazia, se negando a aliviar-se como se fosse um garoto em plena
puberdade. Não se masturbaria loucamente pelo simples fato de ter visto uma
mulher gostosa e nua, e com isto, negou sua própria carne.
Indignado abriu o chuveiro e entrou debaixo da água fria, tentando
mais do que tudo, deixar levar embora junto com as impurezas do corpo, todo
o tesão que sentia.
Capítulo 30

Já sentada à mesa com a filha, Bárbara alternava a atenção entre


alimentar-se com o jantar e incentivar Júlia a mastigar bem o alimento antes
de ingerir. Gabriela estava recostada, parecendo uma soldada de guarda.
Bárbara havia reparado que ela parecera mais distante e reservada do
que antes. Como se tentasse não se envolver. Mas com tudo o que ela tinha
ouvido e passado, Bárbara não a julgava. De repente, Thiago rompeu a porta,
e como se nada tivesse acontecido, passou por elas, que estavam sentadas, e
beijou o rosto de Júlia, afagando seus cabelos negros fazendo com que a
criança perdesse o completo interesse pelo alimento e pedisse o colo e
atenção do pai.

— Pequena ingrata! — Bárbara pensou indignada ao ser trocada tão


facilmente.
Thiago tomou Júlia no colo, iniciando uma conversava em Italiano
com a menina, a incentivando com as palavras. Ele puxava a cadeira da mesa
para se sentar quando Bárbara levantou o rosto e olhou bem para ele. Tinha a
aparência de quem acabara de tomar banho.
Os cabelos molhados, o perfume bom, o terno sempre impecável,
estranhamente parecendo mais forte que da última vez, e algumas marcas no
pescoço. Bárbara olhou com atenção e viu que em nada se tratavam de
vestígios do acidente no lago, mas pareciam marcas de chupadas!

Na mesma hora, ela sentiu o rosto esquentar, lembrando-se do sonho


anterior e experimentou de uma sensação que para ela, era ridicularizável.
Bárbara sentiu-se envergonhada por ficar pensando nele de maneira obscena
enquanto claramente ele havia passado aquele tempo todo com outra.
Mais um motivo para não se deixar envolver com Thiago Guerra.
Era um boêmio de primeira! — Ficou ainda com mais raiva.

— Como está, Bárbara?

Perguntou com a voz de quem somente perguntava por mera


formalidade e ela quase debochou dele ali mesmo.
— Bem. — E foi a vez de ela responder monossilábica.
— Como estão as costelas? Ainda sente dor?

Bárbara o olhou e sua raiva, ao ver que ele estava ainda mais bonito,
só aumentou.
— Estou bem. Não sinto dor, apesar de não saber uma opinião
médica sobre o que realmente houve...
Alfinetou um pouco, tentando obter alguma informação do porquê o
médico não tinha vindo vê-la, e porque ele a havia enganado.

— Você não precisava de um médico.


— Você não é médico para saber, Thiago.
Apesar do tom ameno que usou, em respeito a criança no colo do
pai, e Gabriela presente no mesmo ambiente, a voz de Bárbara denotava
muito mais do que transparecia por trás de cada palavra.

Ela estava com raiva. Raiva por ser privada de acesso à um médico;
raiva por ser ligada a um libertino que não respeitava a própria família e não
dizia aonde ia; raiva por estar enjaulada como uma fera; raiva pelos castigos
que ele impunha a ela simplesmente porque queria, e raiva por fazê-la sentir
raiva.
— Gabriela. — Thiago falou de repente fazendo com que a menina
desse um pulo no lugar.

— Leve Júlia e nos dê um momento.

Em silêncio, a garota se aproximou e pegou a criança do colo do pai.


Júlia reclamou um pouco e quis a atenção da mãe, mas Gabriela, sabiamente
chamou a atenção da criança, tirando-as dali.
— Então o gelo serviu para aguçar sua língua, Bárbara? —
Perguntou ao estarem sozinhos.

— Ela sempre esteve aqui, Thiago. Só não quero permitir que você
me controle a partir do que acha que é melhor para mim.

— Enquanto estiver na minha casa, vivendo sob minha supervisão,


eu decido até o que você come! E não se esqueça de que está nessa situação
até que se lembre de tudo!
O modo dito como acusação, a raiva que sentia, e os dias
angustiantes que tivera, somaram-se e deram no que culminou em sua
explosão.
— Você acha que eu quero ficar nessa situação?! Sem lembranças, e
sem memórias? Eu me cobro isso todos os dias! É o que eu mais faço desde
que cheguei nesse lugar! — esbravejou nervosa.

Thiago se colocou de pé de uma só vez, o que fez com que a cadeira


caísse para trás. Bárbara pressentindo o perigo, levantou-se prontamente,
fazendo com que os guardanapos de tecido, e os talheres caíssem juntos no
chão.
Ela acompanhou com os olhos arregalados Thiago dar a volta na
mesa e vir em sua direção. Temendo, deu alguns passos para trás até bater as
costas na parede. Com força, Thiago agarrou lhe o braço impedindo-a de
correr.

— Eu te dei permissão para falar assim?!

Bárbara tremia com medo, mas levantou o olhar e viu que ele a
olhava de maneira implacável.
— Fale assim de novo comigo e será você a ser comida por
cachorros.
Thiago largou seu braço e afastou-se. Ela ainda sentiu ardência e
dor no local onde ele apertara.

— Sente-se e termine de comer.


— Eu perdi a fome.
Ela se virou e saiu em disparada, quase que correndo. Não sabia ao
certo o porquê de estar agindo daquela maneira... apenas se sentia cansada de
tantos altos e baixos, tantas humilhações e grosserias vindas dele.

A constatação do tanto que estava envolvida de mais em tudo, e


como Thiago a afetava, apenas aflorou toda a angústia que ela vinha sentindo
há dias.

Ao escutar o primeiro soluço alto, viu com espanto que ela mesma
fora quem emitira. Andou ainda mais depressa ignorando tudo a sua volta.
Subiu as escadas rapidamente e logo escutou os passos de Thiago vindo atrás.
Apressou- se em desespero, mas foi pega no corredor e encurralada contra a
parede.
— Não me vire às costas! — Ele falou agressivamente entre dentes,
mas estagnou assim que a viu chorando.

Thiago a prendia contra a parede e encarava o rosto da mulher, sério.


Bárbara não conseguia se controlar e iniciou um choro descomedido,
soluçava com espasmos sem conseguir parar. Sentia-se muito desolada e
sozinha. Com medo de tudo e atemorizada demais.
Vendo seu descontrole emocional, Thiago inesperadamente a puxou
para um abraço. O gesto inesperado só fez com que ela chorasse ainda mais
assustada e lutasse tentando sair. Mas Thiago fora firme e a segurou.

Vendo que não tinha por onde se desvencilhar, ela apenas encostou a
cabeça e chorou em desespero. Não sabia o que estava acontecendo, se era o
isolamento, se era a perda de memória, se era a falta do sol, mas ela sentia
tristeza, desespero e ansiedade em demasiado.
De modo carinhoso ele passou as mãos por seu cabelo e a confusão
do gesto só a deixava ainda mais apreensiva e com medo. Era como se ela
esperasse a parte ruim da carícia, a dor; mas ela não veio.
Como uma tempestade que se dispersa, pouco a pouco, ela foi se
acalmando e relaxando. Depois de algum tempo, ali, de pé, encurralada pelo
corpo dele contra a parede, sentindo o subir e descer da mão que passeava em
suas costas, ela levantou um pouco a cabeça e Thiago a encarou, passeando o
olhar por seu rosto.

Seus extintos foram os primeiros a fazer alarde quando ele desceu o


olhar para sua boca e começou a se aproximar, mas para o desespero dela
mesma, não quis em momento algum se afastar.
Thiago foi quem colou os lábios em um beijo que se iniciara de
maneira incerta, sem que ambos soubessem se de fato o queria. Ela não abrira
a boca, curtindo apenas a pressão dos lábios um do outro, mas Thiago exigia
passagem.
Quando deu a resposta que ele queria, o beijo, começou a se tornar
exigente. Era um beijo diferente e a não sabia bem explicar o porquê.

Sem dar muito palco aos pensamentos, logo sentiu a mão dele subir
de maneira terna e ser colocada lado a lado em seu rosto, prendendo-a
enquanto aprofundava mais o contato.

De repente, Bárbara sentiu-se relaxar e algo dentro de si ascendeu.


As mãos, que pousavam nos braços fortes, subiram e timidamente
entrelaçaram-se no pescoço dele. Aquela fora uma espécie de permissão para
o que estava por vir.
De repente, o ambiente foi mudando e o beijo foi esquentando.
Esquecendo-se de tudo, ela se lançou e o beijou com vontade. Thiago a
prendia contra a parede com o corpo e com uma mão escorregou até sua nuca
beijando com ardor e urgência.
Fazendo necessário mais contato, ele desceu com as mãos até a coxa
dela, procurou a bainha do vestido e subiu as mãos por dentro quando achou
o que queria. A mão boba subiu até ser depositada em sua bunda e a apertou
de encontro a sua ereção, deixando bem claro e evidente o quanto ele estava
excitado;

Sem interromper o beijo, Thiago a suspendeu e sustentou seu peso


com as duas mãos grandes, colocadas uma de cada lado em suas nádegas,
cheias de sua carne; Automaticamente ela entrelaçou as pernas e as mãos
foram parar nos ombros largos, envolvendo seu corpo no dele enquanto as
línguas se entrelaçavam, tornando tudo muito quente e excitante.
Bárbara se entregava ao beijo na mesma intensidade que recebia.
Mordiscava o lábio dele provocando, atiçando enquanto gemia. Thiago a
beijava feito um louco, desceu por seu pescoço com a boca, beijando e
chupando, deixando-a toda marcando pela barbara cerrada.
Totalmente excitado, ele usava sua posição para esfregar a ereção no
meio das pernas dela, enquanto chupava seu pescoço e mordiscava o lóbulo
da orelha, deliciando-se com os gemidos que ela emitia.
Sem pudor algum, Bárbara se esfregava de volta e à medida que a
intensidade em se esfregarem e as chupadas desciam para os seios eles faziam
ainda mais barulho. Ali, onde estavam, podendo ser pegos a qualquer
momento por alguém, era o embalo para tornar tudo ainda mais libidinoso.

De repente ela o sentiu a descer e pousar uma de suas pernas no


chão, enquanto a outra continuava levantada e envolta nele. Com uma das
mãos, Thiago subiu até o ombro dela e pôs de lado a alça do vestido e do
sutiã, abaixando-lhe o bojo e expondo-lhe totalmente um dos seios.
Enquanto ele abaixava-se e abocanhava com vontade o seio exposto,
levou a mão por cima da calcinha fina, sentindo a intimidade dela molhada.
Estimulando-a por cima da calcinha sem cerimônia alguma, Thiago subiu a
outra mão até a boca de Bárbara e a tapou, afim de diminuir os sons de
gemidos.
O tesão das carícias lhe deu um atrevimento que até então
desconhecia. Bárbara pegou a mão envolta em sua boca e levou o dedo
indicador até a boca e chupou. Thiago, até então compenetrado em um dos
seios parou e levantou a cabeça, observando hipnotizado a cena
completamente erótica.

A boca envolvia completamente seu dedo indicador e chupava


devagar, parecendo gostar do que fazia. Vendo que atraíra sua atenção
Bárbara o olhou diretamente nos olhos e colocou o segundo dedo dele na
boca, desta vez o do meio, e iniciou movimentos de vai e vem cheios de
volúpia, sem desfazer o contato direto dos olhos negros.
Na percepção dele era super sexy vê-la totalmente entregue daquele
jeito.

— É assim que você gosta?

Ela, sem parar os movimentos, gemeu sem pudor algum


confirmando.
— Então chupa bem safada para mim os enfiar em você.
Com um gemido longo ela o fez com mais desejo, chupando
enquanto com a boca fazia movimentos de vem e vai nos dedos dele. Foi
quando sentiu a mão de Thiago pôr de lado sua calcinha, abrir suas carnes e
estimulá-la com mais contato.

No ápice do tesão, Thiago retirou os dedos da boca dela e os levou


completamente molhados até o centro dela. A mão grande dele, a cobriu toda
e Bárbara sentiu os dedos deslizarem nela, em busca de sua entrada. Ela
pendeu a cabeça para trás e Thiago aproveitou a deixa para tracejar uma linha
de lambidas no pescoço.
Com destreza, ele estimulou sua entrada, antes de inserir o dedo e
iniciar movimentos de vai e vem enquanto mordiscava sua orelha e falava
palavras sujas e sacanas em seu ouvido.
Sem aguentar de tesão, ela gemia e rebolava de encontro aos dedos
ágeis dele, pedindo cada vez mais, e sem perceber; estava quase lá quando
Thiago parou e retirou os dedos de dentro dela.

Quando ia fazendo cara de protesto ele a tomou e a beijou cheio de


volúpia. A segurou no colo novamente, de frente para ele, e a carregou nos
braços para o quarto.
Excitados e cheios de desejos descomedido um no outro, Thiago a
depositou em cima da cama. Bárbara deitou-se com as pernas entreabertas,
enquanto Thiago, no meio delas, tirava o paletó e a camiseta social.

Atrevida, ela abriu as pernas, ficando completamente aberta


chamando a atenção de Thiago a sua frente. A saia do vestido estava em sua
cintura e a calcinha havia sido posta de lado.

Thiago parou os gestos que fazia e encarou hipnotizado com o olhar


extremamente devasso, a mulher toda aberta para ele, enquanto ele apertava o
pau por cima da calça. Sem cerimônia alguma, se abaixou e deu a primeira
lambida. Foi algo estarrecedor, intenso e tão inesperado que ela gritou.
Nas lambidas seguinte, ele passou a massagear seu clitóris com a
língua, enquanto Bárbara gemia alto e rebolava com o rosto dele no meio de
suas pernas. Desejando mais prazer e fundir-se a ele, ela abriu mais as pernas
ficando totalmente aberta, enquanto Thiago abria seus lábios vaginais mais
ainda para lhe chupar. Estava louca de prazer e sentia se cada vez mais
embriagada do prazer que ele proporcionava.
Excitada ao extremo, apanhou a mão esquerda de Thiago que lhe
apertava uma das coxas e colocou sob um dos seios e apertou enquanto o
assistia chupa-la toda.

Arfou e gemeu de prazer quando as lambidas desceram para sua


região anal. Ao sentir a língua em contato com o buraquinho, sentiu o rosto
esquentar e seu sexo se encharcar tamanha era a sensação de frenesi.
Para ela, era a coisa mais depravada e gostosa que já havia
experimentado. Mas como será que sabia daquilo?
Sem muito dar lhe a chance de pensar, Thiago a colocou de lado e
levantou-lhe a perna para que tivesse mais acesso, chupando
tudo completamente. Vendo que a mulher gemia e rebolava em sua boca,
inseriu um dedo em sua boceta e iniciou um vai e vem frenético
proporcionado pela lubrificação intensa.

Sentia o pau pulsar dentro das calças, mas não conseguia parar de
dar prazer aquela mulher que tanto fora seu martírio nos últimos dias.
Quanto mais a chupava e provava de seu gosto, mais queria ter o gosto dela
em sua língua.

Sonhara acordado pensando em fodê-la de todos os jeitos. Ali,


completamente cheio de luxuria, e vendo-a completamente entregue, era o
sonho que se realizava.
Com as mãos, separou lhe as nádegas e lambeu lhe completamente
entre o vão prestando a atenção em cada reação ao carinho ousado. Bárbara
arfava e gemia, tentou se esquivar, mas com força Thiago a prendeu no lugar,
desferindo um tapa em sua nádega, o bastante para que ela parasse de rebolar.
Sentiu a necessidade de fodê-la com mais dedos e inseriu o segundo
dedo na abertura macia, quente e apertada. Cada entra e sai, e cada lambida
no ânus sentia que ela arfava e contraia mais vagina. Estava prestes a gozar.

De repente ela gemeu alto, agarrou se nos lençóis e prendeu a


respiração. Era a sensação de que milhões de pedacinhos dentro dela se
partiam. Fora tão intenso que chegava a doer. Um orgasmo.
Thiago parou de chupar para ver com mais clareza Bárbara tremer,
gemer e se desabrochar, toda aberta à sua frente. Era a visão mais sexy que já
vira. Naquele momento ele soube que ela seria completamente dele.
Ela havia ido ao céu e voltado. Havia tido um intenso orgasmo que a
deixara completamente suada e sem forças.

Voltando à realidade, viu que Thiago estava de pé e quase nu. Ele a


encarava com o olhar carregado de desejo e instantaneamente sentiu-se
tímida e tentou fechar as pernas, mas ele não deixou.
— Continue assim, toda aberta pra mim. — A voz rouca denotava o
desejo.

Ainda cheia de tesão, fez como ele mandou e percebeu que no


mesmo instante ele passou a respirar com dificuldade, apenas em olha lá
daquela maneira. Toda aberta e molhada de gozo e tesão.
Com rapidez, ele abriu a calça e o membro ereto saltou para fora.
Era longo, grosso e com algumas veias saltando.
Ela se esticou e tocou pela base o membro que pulsava e estava
completamente molhado de lubrificação natural. Thiago olhava para ela com
os dentes cerrados, tão excitado quanto ela. Com atrevimento, Bárbara olhou
para cima e viu Thiago completamente rendido interromper a respiração e
fechar os olhos.

O membro dele quase não fechava em sua mão. Passou o dedo por
cima da cabeça espalhando o pré-gozo que havia ali. Abrindo os olhos,
Thiago olhou para baixo bem a tempo de vê-la colocando o dedo que acabara
de passar em seu membro na boca e gemer provocante.

Com um grunhido ele a puxou pelo tornozelo e a trouxe para a


beirada da cama. Abriu as pernas com brutalidade e a penetrou de uma só vez
arrancando um grito alto de sua garganta, enquanto a boca fazia um "0".
Nada a preparou para a sensação deliciosa de ser preenchida e
alargada de modo tão brusco e gostoso. Thiago pareceu ter a mesma
sensação, já que estava parado e totalmente dentro dela. Ele parecia fazer
força e cerrava os dentes, controlando-se para não gozar.

De repente ele se encurvou sobre ela e a beijou de um jeito lento,


gostoso e longo, iniciando um vai e vem bem devagar. Ora ele saia
completamente, esfregando o membro em seu clitóris e depois voltava a
entrar com tudo.

Em outras vezes ele apenas retirava até a metade e depois enfiava


novamente. Era viciante e depravado.

Thiago saiu de cima dela e abriu completamente suas pernas


enquanto começar a movimentar se com mais rapidez, cravando as mãos uma
em cada coxa, usando disso para trazê-la de volta cada vez que as estocadas a
faziam subir. Loucamente ela gemia excitada.
Subiu as pernas e a apoiou nos ombros de Thiago, o que o permitiu
ele debruçar se sobre ela e estocar lhe de modo mais profundo.
Tinha o leve conhecimento que gemia despudoradamente, mas sabia
que aquilo era o que parecia deixá-lo louco. O barulho de corpos se chocando
e gemidos se misturavam. A cama rangia e Thiago não parecia dar a mínima
para isto. Ele a estava fodendo de modo primitivo e completamente imoral.

Os seios balançaram e os corpos suados se fundiam em busca da


completa satisfação. Thiago pareciam comê-la com os olhos, apreciando todo
seu corpo e essa sensação lhe deixava confiante e a fazia sentir se sexy.

De repente ele tirou o membro e a virou de costas.


— Fica de quatro para mim.

O comando da voz dele era completamente potente e rouco, estava


cheio de luxúria e seu corpo parecia ainda maior estando ali totalmente nu.
Pondo-se na posição que ele queria, sentiu as mãos dele separarem
suas pernas e pressionar suas costas no colchão, fazendo com que ela ficasse
totalmente abaixada, empinada e ao mesmo tempo com a vagina totalmente
exposta para ele.
Gemeu quando sentiu ele lamber sua intimidade e subir lambendo-a
completamente por trás. Relaxou e se empinou ainda mais gemendo. Sentiu a
boca dele abandonar lhe, e o pênis a preencher novamente, mas daquela vez,
parecendo alcançar locais diferentes dentro dela. Com total acesso ele a
impulsionava e controlava pelo quadril, controlando a velocidade.
Suada e vermelha, ela murmurava o nome dele, sentindo uma
sensação de frio na barriga chegar cada vez mais. Sentindo que ela iria gozar,
Thiago a puxou pelos cabelos e movimentou os dedos freneticamente por
cima do clitóris, enquanto aumentava a pressão.

— Ai... Ai... Eu vou....


Gozou de modo avassalador e ainda mais forte que da primeira vez,
sem que Thiago parasse se quer um minuto de estocar.
Complemente mole ela caiu deitada, mas ele a tomou novamente.
Ainda dentro dela, Thiago puxou a para cima, colando suas costas no peitoral
dele.

— Vou me acabar na sua boceta hoje.


— Disse em seu ouvido enquanto lambia e mordia o lóbulo.

Cansada, mas ainda disposta a se entregar ainda mais, ela tomou


uma das suas mãos dele e guiou até um dos seios, sentindo o apertar cheio de
volúpia. Bárbara subiu o olhar e viu o brilho negro dos olhos dele se acender.
O que viu ali, foram promessas de uma noite longa e cheia de libidinagem.
Capítulo 31

Abriu os braços e completamente nua se espreguiçou de maneira


preguiçosa e longa, sentindo o corpo protestar e a intimidade doer. Estagnou
nos movimentos deixando um tom de vermelho vivo queimar lhe o rosto na
lembrança viva dos momentos quentes.
Abriu os olhos um pouco tímida, olhando para os lados, mas estava
sozinha. Ela não sabia ao certo se isso era bom ou ruim, mas decidiu que era
bom, apesar de no fundo sentir-se frustrada por ter acordado sozinha.

A madrugada havia sido muito quente e ela quase pensou que não
daria conta das exigências de Thiago, do tanto que ele a requereu. Mas se
surpreendeu ao constatar que quis ele do mesmo modo avassalador e intenso
que ele a queria.
"Mas se o sexo entre eles era tão bom e quente, por que eles não
tinham dado certo?"
Ela tinha certeza que outrora, com a memória saudável, se fosse
casada com um homem daqueles, e tivesse tido filhos maravilhosos com ele
— como era o caso — ela certamente estaria empenhada em fazer com que
tudo desse certo. Era do feitio dela querer fazer com que um casamento desse
certo.

Olhou para o relógio da cabeceira que marcavam uma hora a mais


do que estava acostumada a se levantar. Agradeceu mentalmente por Gabriela
estar de volta, assim, não se sentiria péssima por não dar assistência a filha.
Afastou as cobertas, e ainda nua pulou fora da cama. Olhou para trás
e viu o caos que os cobertores e fronhas estavam.
Lembrou-se do que fizeram e respirou fundo, sentindo o impacto de
toda as sensações e o corpo ficar excitado.

Era loucura como Thiago a marcara, e como ela se sentia imoral por
ficar tão excitada apenas com as lembranças e a sensações das mãos dele por
todo seu corpo.

Olhou em dúvida para a porta afim de saber se mais uma vez estaria
ela trancada e sozinha naquele grande mausoléu luxuoso que se tornara a
mansão. Desconfiada, pôs a mão no trinco da porta e se surpreendeu a vê-la
aberta.
Após tomar café sozinha, Ileana a informou que Thiago estava
chamando-a até o escritório. Ileana continuava tratando-a de maneira distante
e polida, mas Bárbara não se importava. Aceitava o fardo.
Era a primeira vez que ela ia ao escritório de Thiago depois da
tentativa de estupro que sofrera dele. A simples visão da grande porta pesada,
já lhe causava certa aflição e faziam as mãos suarem. Bateu e após permissão,
entrou.

Thiago estava sentado atrás da enorme mesa analisando algo na


grande tela do computador à sua frente. A camiseta social estava de mangas
arregaçadas, dando a visão dos músculos do antebraço trabalhando, enquanto
ele digitava algo. Olhou para as mãos dele e fora inevitável não se recordar
delas passeando por seu corpo.
Procurando se concentrar, levantou os olhos e viu que Thiago a
olhava parecendo pensar as mesmas coisas. Trocaram por um momento um
olhar cheio de significância. Thiago parecia não esconder as aparências, ele
sabia exatamente o que tinham feito e não tinha a mínima vontade de fazer
delongas infantis na tentativa de fingir que nada aconteceu. Já Bárbara, estava
desconfiada sem saber ao certo aonde estava pisando.

— Bárbara. — Thiago voltou o corpo para ela e a encarou daquele


modo penetrante e enigmático que sabia fazer tão bem. A forma com que
dissera o nome dela, fora de diferente como das outras vezes. Não tinha o
costumeiro ar de deboche ou ódio. — Dormiu bem?

A pergunta atípica fora feita de modo que deixara bem explícito ao


que ele se referia. Mas para sua própria sorte, Bárbara descobrira em si
mesma o atrevimento como sendo companheira.
— Dormi bastante bem, obrigada. — Respondeu com olhar
levemente insinuante. — Completamente relaxada. — Desta vez a entonação
fora usada propositalmente provocante.
Thiago na hora, travou o maxilar e recostou as costas atrás da
cadeira de modo a avaliar melhor a mulher em pé a sua frente.
Completamente incomodado com o fato de uma simples frase mexesse tanto
com ele a ponto de achar Surya super sexy.

Ele apoiou o cotovelo no braço da poltrona e levou uma mão até a


barba, esfregando-a como se pensasse naquilo, analisando-a de cima a baixo.
O modo como passou a olhar para ela, deixava claro para onde os
pensamentos dele iam.
A calça Jeans justa que ela usava com botas e o suéter de decote V,
não era uma das vestimentas mais provocantes, mas sem dúvidas para uma
fértil imaginação e pra quem já conhecera, bastava.
— E então? Porque me chamou? — disse desfocando o olhar dele
que agora caiam em seus seios.

Thiago levantou o olhar, completamente sério e dizendo:


— Lhe chamei para que soubesse que hoje à noite temos um
compromisso e vamos juntos. — Surpresa ela arqueou uma das sobrancelhas.
— Fiorella já está ciente e passará aqui para ajudar você a se arrumar.
— Quem é Fiorella?

— Fiorella Mimieux, a estilista francesa. — Thiago pôs se de pé e


Bárbara percebeu o quão grande em todos os sentidos ele era e a simples
constatação pareceu criar uma energia magnética envolta deles.

Desta vez, foi a vez de ela passear os olhos pelo corpo dele. Bárbara
sentia a tensão sexual entre eles, e a constatação disso era o volume
indisfarçável no meio das pernas dele.
Cada gesto dele ela ia se sentindo cada vez mais tentada. Thiago
aproximou-se de modo pretensioso e ficou a sua frente. Apesar de ser bons
centímetros mais alto e a deixar um pouco intimidada, ela não se deixou
abalar. Agora que tinha plenos conhecimentos de como o afetava, usaria isso
a seu favor.

Não reivindicaria nada, nem iria lhe imporia condições, pois sabia o
seu lugar, mas esperava ganhar um pouco mais de confiança por parte dele e
de quebra, a permissão de fazer o que quisesse.

O ar estava tão denso e excitante que ela pôde jurar que iriam se
beijar quando Thiago de repente falou:
— Quero que se sente na poltrona. Vou lhe aplicar uma injeção. —
Ela piscou sobressaltada, confusa e assustada com as palavras crua e direta de
Thiago.

— O q-que?! — Perguntou com a voz um pouco mais alta e aguda.


Thiago apenas levantou uma sobrancelha e deu a volta por ela, indo até um
armário— Que injeção é essa?
Estava temerosa e confusa, buscou se sentar na poltrona que ele
dissera, mas ainda continuava apreensiva. Thiago, mantinha-se de costas
enquanto extraia o líquido transparente com a seringa.
— É para evitar ou interromper quaisquer fecundações. — Ele
dissera aquilo de maneira tão simples que Bárbara franziu o cenho e virou a
cabeça rapidamente sem ter tido a certeza de ter escutado direito.

— Eu não acredito... — Disse indignada enquanto Thiago vinha em


sua direção com a seringa e ela se punha de pé — Eu não permito! — Gritou
para ele e empinou o nariz, fazendo com que ele parasse a poucos passos à
frente dela.
Thiago olhou para ela com toda a prepotência que tinha e riu em
escárnio.
— Você precisa me autorizar de algo? Eu digo o que é melhor para
você! Sente-se agora, antes que eu perca a minha paciência.

Por um momento, Bárbara se sentiu constrangida pelas palavras


dele, mas se lembrou do pouco que sabia sobre si mesma e não abaixou a
cabeça.

— Eu já lhe disse que você não pode decidir nada sobre o que se
refere a minha saúde pois você não é médico!
Disse se referindo a conversa calorosa que tiveram outrora. Com
agressividade Thiago avançou sobre ela e pressionou o corpo dela entre ele e
a mesa. Era explícito o estado de excitação dele e ela pôde sentir.

— Olha o que você faz comigo, garota! — Thiago pegou a mão dela
e colocou por cima da ereção e apertou a mão dela, envolta do pênis ereto. —
Acha que eu vou te comer sabendo o risco que você corre de ficar grávida,
porra? Já tenho problemas de mais com que me preocupar!
Trincando os dentes de raiva, Bárbara desejou poder apertar o
membro dele por cima da calça, como estava fazendo, até a ponto de
machucar.
— Não quero saber, Thiago! O corpo é meu e eu quero ter o direito a
escolher como vou me prevenir!

Thiago a encarou e travou a mandíbula e puxou o ar com força pelo


nariz. Sua vontade era de jogá-la por cima da mesa, abrir lhe as pernas e se
enfiar no meio delas sem nenhum recato.
Era insano a forma como ele se ligou a ela em apenas uma noite e
era desproporcional a forma como ela o fazia ir de 8 a 80. Ele odiava estas
sensações.
Olhando para o rosto dela de maneira enfurecida, pensando em
várias formas de esganá-la e fodê-la ao mesmo tempo, Thiago suspirou
pesadamente e jogou a seringa por cima da mesa. Sem olhá-la, afastou se dela
com brusquidão e saiu do escritório transtornado batendo com força a porta.

Caiu sentada na poltrona tremendo. Rindo de nervosa sem acreditar


que finalmente tinha ganho uma batalha. Ela não queria ser rixosa, muito
menos criar caso com Thiago, ainda mais agora que eles pareciam caminhar
para o lugar de acerto.
Mas os dias que ficou trancada, ela pôde perceber e identificar
características em sua personalidade que outrora ela não sabia que tinha. Os
dias sozinha haviam sido ruins, mas ela finalmente aprendeu a se conhecer e
a reconhecer características em sua personalidade. Fora um exercício
constante mentalizando o que gostava e o que não gostava. Naqueles dias, ela
soubera que amava a liberdade.
Tinha ciência de que Thiago havia sido cruel com ela, intolerante,
agressivo, controlador e injusto, e que inclusive ele podia ter inúmeras
namoradas, mas era inegável que ele mexia com ela e o sexo havia sido
extremamente bom.
Mas ainda assim ela não queria se deixar levar. Sabia que ele tinha
outras e com este pensamento se irritou e fechou os punhos, pensando na
marca do pescoço.

Com raiva levantou-se rapidamente e saiu daquele cômodo que lhe


causava lembranças ruins. Saiu a procura de Júlia pensando com certa euforia
no que tinha acabado de fazer, chegando a uma certa conclusão de que ela
aproveitaria que o sentimento de tesão era mútuo e usaria isso além favor de
si, afinal, ela era mulher e também sentia tesão.
"O sexo foi muito bom e intenso e por que não aproveitar também?"
Traçando a mesma linha de raciocínio, Bárbara tentava se manter
convicta de que jamais deixaria com que algum tipo de sentimento brotasse
de toda aquela entrega, mas a sensação de que estava encurralada pairava
sempre lá.

"Mas como contornar esta situação e vencer isso?"

Suspirou de modo pesado enquanto abria a porta da frente e saia de


encontro a manhã refrescante.
Seus pensamentos levavam a decisão de que para estabelecer uma
relação no mínimo boa com Thiago, até que a memória voltasse e de forma
que ela também não se machucasse, Bárbara criou três regras do qual ela
mesma seguiria à risca: Não se jogaria de cabeça; colocaria ela e Júlia como
prioridade e não cederia demasiadamente.

Marchou de forma mais convicta e confiante, apesar de ao fundo de


tudo aquilo sentir uma certa hesitação e preocupação.
"Seria possível ela manter aquelas três regras básicas enraizadas
dentro dela, depois da intensidade com que ela e ele transaram na última
noite?"
Enquanto caminhava, visitava cada canto do lado de fora da casa em
busca da filha, mas não via sinal algum da menina. Motivada pela intuição,
foi até o estábulo, mas estagnou imediatamente, ao ver Roger de costas,
compenetrado em arrumar alguns cabrestos. Com medo de ele acabar por vê-
la, resolveu voltar de modo sorrateiro.

Estava quase entrando novamente quando escutou risos e identificou


serem os de Júlia. Arrodeando o estábulo e tomando cuidado para não ser
vista por Roger, Bárbara correu até o redondel vendo Júlia em cima de um
pônei, enquanto Gabriela segurava-a pela mãozinha e um instrutor ia
puxando o animal pelo cabresto.
Rindo junto a filha, enquanto via a empolgação dela, Bárbara
aproximou-se:
— Porque estão aqui sem mim? — Perguntou quando as alcançou
um pouco enciumada.

Gabriela levantou os olhos e sorriu como se pedisse desculpas.

— O chef... O senhor Guerra pediu para que a senhora não fosse


incomodada. Logo depois nos informou que Júlia começaria com as aulas de
hipismo hoje.
Imaginando bem o porquê de não ser incomodada, Bárbara acabou
relevando. O condutor e novo instrutor de Júlia se apresentou. Seu nome era
Ramires e era um campeão de Turfe. Aparentava ter por volta dos vinte e
dois anos e levava jeito com animais e crianças, Bárbara gostou do rapaz e
Júlia também, ainda mais Gabriela.
Vendo a alegria da filha, ela acabou esquecendo um pouco dos
pensamentos e ficou a contemplar e rir da menininha em cima do cavalo
fazendo caretas e sons engraçados na tentativa de imitar o barulho que o
pônei fazia.
De repente uma vontade enorme de galopar lhe assolou. Uma
espécie de saudade sentida e que ela não poderia conter. Animada, correu até
o outro lado da redondel e pediu a um dos empregados que trabalhavam no
estábulo e que passavam por ali, para que fosse buscar um cavalo para ela.

Enquanto conversava com Ramires sobre cavalos, Bárbara segurava


Júlia por cima do lombo do animal equino. Gabriela ficava num canto
apreensiva achando não ser uma boa ideia ela sair para galopar, e de vez em
quando, Bárbara assegurava para ela de que já tinha feito aquilo, mesmo sem
saber ao certo se estava mentindo ou não.
Roger apareceu abrindo a soleira da cerca e entrando por ela. Ele
conduzia um cavalo negro, enquanto caminhava na direção deles e Bárbara
ficou apreensiva. Ao chegar perto ele a avaliou de cima a baixo, do mesmo
modo nojento e torpe de sempre.
— Soube que a senhora queria cavalgar. Trouxe este alazão. —
Havia algo intrínseco nas palavras e ela não soube dizer o quê.

Era como se ele debochasse ao chama-la de senhora, e as palavras


não combinassem direito com o que ela enxergava nos olhos dele.
— Obrigada. — respondeu seca tomando o cabresto dele.
Gabriela assumira seu lugar e passara a segurar Júlia, enquanto
Bárbara dava a volta e se posicionava para subir no cavalo. Ao tentar pegar
impulso para subir, sentiu mãos de Roger em sua cintura e olhou rapidamente
para trás.
— Não preciso de sua ajuda. Sei bem me virar sozinha. — disse
ríspida e em alto e bom tom para ver se o homem entendia.

Roger afastou-se, olhando-a cheio de ira. Deu um toque no chapéu


de cowboy como gesto de despedida e saiu do redondel.

"Será que sabia mesmo fazer aquilo?" — Sua mente inquisitorial lhe
questionou quando ela olhou com dúvidas para o grande animal preto e
potente.

— A senhora precisa de ajuda? —Perguntou Ramires de forma


solicita e educada.
Bárbara olhou novamente para o cavalo e num misto de intuições
fortes, soube exatamente o que fazer.

— Não. Eu não preciso, Ramires. —Assegurou-lhe com um sorriso.


Gabriela que olhava tudo muito apreensiva e de sobrancelhas
franzidas, rezava para que nada acontecesse. Bárbara sentiu pena, mas
também achou que não poderia se prender para sempre no acidente do lago e
se privar de algumas sensações.
Tomada por uma força e coragem inexplicável, ela colocou o pé na
pedaleira e impulsionou o corpo para cima, montando no grande animal preto
com maestria. Orgulhosa de si mesma, recebeu alguns aplausos e risos de
alegria dos que estavam vendo-a. Pegando no cabresto do animal, ela sentiu
um certo instinto familiar.

Sentiu uma energia nunca antes vivida ela vibrou com o animal e
saiu em disparada com o animal que parecia não se contentar apenas com
aqueles círculos.
Júlia gritava para ela e gesticulava um tchau com as mãozinhas,
Gabriela e Ramires olhavam surpresos e ela sentia no coração a necessidade
de apenas ir cada vez mais longe.

Finalmente ela se achou ali.


Capítulo 32

Bárbara subia as escadas completamente suada e um pouco dolorida


do galope a cavalo. Entrou no quarto meio alheia ao redor, ansiosa por um
banho, mas de repente mudou de rota ao ver colocados por cima do criado
mudo uma sacola e uma caixa quadrada de veludos.
Curiosa, foi até os objetos e abriu. A sacola estava repleta de cartelas
de anticoncepcionais, uma cartela de pílula do dia seguinte e várias
camisinhas masculinas e femininas. Chocada, percebeu que Thiago de fato
dera a ela a escolha de como se prevenir.

Bárbara sentiu o rosto esquentar ao olhar a quantidade absurda de


tudo aquilo, mas também se sentiu orgulhosa, era uma pequena conquista e
vitória! Bateu o pé e dissera não. Não aceitou que ele ditasse como ela se
preveniria, e ele dera as possibilidades a ela em poder escolher se tomaria
pílula, injeção ou se usariam camisinha.
O simples pensamento a fez sentir um frio na barriga, pensando no
significado de tudo aquilo e o quão perigoso foi desafiá-lo, mas também
entendeu que certamente haveria mais noites quentes e mesmo que não
gostasse de se sentir tão ansiosa por mais, ela não podia perder por esperar.
Com um sorriso meio tímido, descartou uma pílula do dia seguinte
da cartela e engoliu com a ajuda da água que havia sido colocada de forma
pensada ao lado da sacola de remédios.

Olhando com atenção e quase deixando passar despercebido a caixa


quadrada e de veludo. Sentando se na cama, pegou a caixa e abriu, vendo
possivelmente uma das coisas mais caras e valiosas que já recebera. Era um
colar pesado de diamantes que desciam como se fossem pequenas gotas.
Acima do colar brincos igualmente de diamantes.
"Use-os." — Dizia o escrito no cartão timbrado de letras vermelhas.

Fiorella Mimieux era uma mulher madura e parecia a personalidade


mais difícil de se agradar que Bárbara já conhecera. Os cabelos vermelhos
vivos, os óculos em estilo gatinho e a roupa social que vestia com corte
claramente masculino, davam a ela o visual único. Certamente era o que a
tornava excêntrica e que contribuía para que ela ocupasse o lugar de estilistas
francesas mais renomadas.
Fiorella viera acompanhada de um assistente que mostrava a Bárbara
várias peças e vestidos. Fiorella reprovava cada escolha de Bárbara com um
aceno negativo e um franzir de nariz.
As horas iam se passando e ela ficando sem paciência, querendo
fugir daquilo tudo e imaginando do porquê de Thiago a ter convidado. Ela
sabia que o marido buscava tirar proveito de tudo o que fazia e ela tinha a
vaga consciência de que ela fazia parte disso.

Por fim, o assistente retirou do protetor de vestidos uma bela peça de


cor vermelha. O decote acentuado e o fato de ser um tomara que caia,
acentuava a curva dos seios de modo que a deixava provocante. O vestido
salientava sua cintura e caia longo com uma profunda fenda que lhe expunha
a perna esquerda.
Bárbara olhou empolgada e de soslaio para a Fiorella, que no mesmo
momento parecia pensar o mesmo que ela.
— É este! — Gritou Fiorella convicta e empolgada, pondo-se de pé e
fazendo com que o assistente batesse palmas extravagantes. — Agora por
gentileza, Jaques, busque os sapatos.

Achando que o enfadonho serviço havia acabado, Bárbara se sentou


novamente na poltrona e massageou as têmporas, soltando um suspiro pesado
e longo.

“Aquilo ainda duraria um longo tempo. ” — Pensou entediada.

Em alguns momentos de toda aquela arrumação, ela sempre se


pegava pensando em Thiago, mas procurava se repreender e mentalizar as
três regras básicas que ela mesma criara: Não se jogar de cabeça; colocar ela
e Júlia como prioridade e não ceder demasiadamente.

"Mas como pensar nisso quando o corpo pedia por mais e ela
claramente se excitava com as memórias do dia anterior?"
Após a escolha do vestido e do sapato, ela ainda recebeu uma sessão
dentro do quarto de manicure, massagens e depilações. Passou o dia rodeada
de pessoas que trabalhavam para que ela ficasse ainda mais bonita.

A noite já avançava quando ela finalmente se viu sozinha. Olhou- se


no grande espelho e sorriu consigo mesma. Estava linda e o vestido
valorizava cada parte de seu corpo. O colar valioso se destacava e parecia
alongar o pescoço e deixar o colo dos seios ainda mais evidentes. Ela estava
linda. Nem parecia a mulher quebrada, deformada e roxa que adentrara ali
naquela casa alguns meses antes.

Sem muito ter ideia do que fazer, olhou para os lados do quarto e
imaginou se Thiago viria busca-la, mas depois de um tempo, cansada de
esperar, levantou-se rumando para a porta.
No momento que abria, Ileana estava parada com a mão no ar como
se estivesse prestes a bater na porta.

— Ah! Senhora? — disse com surpresa, olhando para ela com


admiração. — Está muito bonita!
— Obrigada. — Agradeceu a gentileza com um meio sorriso.
— O chefe pediu para lhe informar de que não virá buscá-la, mas
que ele a espera no lugar do compromisso. Um soldado levará a senhora até
ele.

Absorvendo a informação com uma pontada de decepção, Bárbara


assentiu e saiu na frente, rumando para a SUV blindada que a aguardava em
frente à casa.

Ao chegar na faixada do prédio, havia um pequeno engarrafamento


de carros luxuosos, de todos os tipos, e ela olhava com curiosidade pela
janela do carro.
As luzes altas, a decoração sofisticada, os tapetes vermelhos e os
refletores em contraste com a noite escura, deixavam o ambiente parecidos
com premiações de filmes do ano. Ao sair do carro alto, teve a ajuda de um
dos homens de Thiago. Este não tinha cara de "Mad", segundo sua própria
percepção, e até parecia novo demais.

Olhando para a faixada e o número de degraus que teria de subir,


respirou fundo e foi subindo com cuidado para que a calda do vestido não se
enroscasse nos saltos.

Para ter acesso ao evento que acontecia, ela foi direcionada a uma
espécie de ante sala que mais se parecia com um hall de bailes oferecidos
pela realeza no século dezessete, totalmente em contraste com a decoração
contemporânea. A mistura do clássico e o contemporâneo davam um aspecto
luxuoso e quase de conto de fadas.
Ao terminar de olhar deslumbrada toda a decoração, viu que meia
dúzia de pares de olhos masculinos e olhavam. Algumas mulheres
agarravam-se ao ante braço do marido e a olhava com hostilidade. Bárbara
não entendia o porquê daquilo, mas se lembrou da imagem que era assimilada
e envergonhou-se procurando ficar longe dos olhares maldosos alheios.

Um garçom passou por ela e ofereceu uma taça de champanhe que


ela aceitou e bebeu o primeiro gole. Parecia tão longe a possibilidade de ela
ser uma mulher promíscua que simplesmente se esqueceu e passou a ignorar
este fato.

De repente um homem alto e grisalho entrou em seu campo de visão,


com um sorriso bastante galanteador. Ele vestia um terno marinho escuro e os
cabelos estavam penteados elegantemente para trás. Tudo naquele homem
parecia exalar dinheiro e ele parecia ter plena consciência disso.
— Acho que não nos conhecemos... —Disse com um sotaque que
arrastava o "erre".
Ele ia se achegando para mais perto, de maneira casual e meio
sorridente. Estava se comportando como o anfitrião da festa e exalava
simpatia.

Gostando do jeito que estava sendo tratada, mas ainda assim, um


pouco encabulada por parecer uma penetra ali, Bárbara abriu a boca para se
apresentar, mas a voz de Thiago reverberou atrás dela, fazendo com que
automaticamente sua nuca se arrepiasse e seu corpo acendesse.
— Esta é minha esposa, Gael.
Thiago a enlaçou pela cintura e aproximou os lábios do pescoço de
Bárbara, respirando o cheiro dela profundamente. O gesto estava atiçando-a,
mas Thiago parecia mais interessado em deixar claro para o homem ali a
quem ela pertencia.

— Não a conhecia... — Respondeu Gael sem intimidar-se, olhando-a


profundamente enquanto tomava e beijava sua mão. — Como se chama, essa
linda dama?
Inebriada pelos olhos azuis do homem extremamente bonito e
educado, Bárbara abriu os lábios para responder, mas Thiago foi mais rápido.

— Não te interessa, porra. — A resposta fez com que Bárbara


olhasse de olhos arregalados para Thiago, que, a puxou pela mão, tirando-a
dali, deixando Gael para trás, que gargalhava alto.
Bárbara ficara completamente constrangida pela atitude de Thiago e
o olhava com um grande "quê" de interrogação no rosto. Estavam andando e
Thiago a segurava com o braço envolto em sua cintura e na outra mão,
segurava um copo de bebida escura.
— Não quero minha mulher recebendo atenção de outros homens.

Surpresa com o que ele dissera, e pela evolução da forma com que
ele a tratava, Bárbara revidou em cheio:
— Se não quisesse outros homens dando atenção a sua mulher, então
não a deixasse sozinha.
Thiago parou de andar e olhou para ela como se tivesse levado um
tapa. Ali, parados no meio do hall ele pareceu enxergá-la como se fosse a
primeira vez, varrendo cada centímetro de seu rosto. Thiago deu um passo
para trás, sem soltar a mão dela, e olhou sem cerimônia alguma para o corpo
dela, deixando claro que apreciava tudo o que via.

Inesperadamente ele a pegou pelo braço e caminhou em outra


direção. A dos elevadores. Neste meio tempo, enquanto caminhava em
direção ao lugar mais reservado, Thiago depositou a taça dela na bandeja de
um garçom que passava. Sem saber o que viria a seguir Bárbara olhava
apreensiva, querendo e não querendo perguntar sobre o que ele tinha em
mente, sentindo um pouco de medo.
Querendo ou não, a transa não havia anulado o que aconteceu e os
momentos de abuso e violência que sofreu. Era até contraditório, mas ela
acreditava que se ele estava disposto a mudar, o perdão viria à medida que ele
se esforçasse.
Quando a porta do elevador se abriu e revelou o ambiente vazio,
Thiago a puxou para dentro e apertou o botão que travava a cabina no lugar.

—Eu tenho vontade de foder sua boca toda vez que você fala de
mais, Bárbara. — Disse meio rouco enquanto se aproximava e colava as
costas dela no espelho do elevador.
O coração de Bárbara acelerou, ansiosa com o que viria. Thiago
aproximou-se a e beijou de maneira urgente e com demasiado furor. Ela
recebeu o beijo inesperado de olhos abertos e espantados, mas logo relaxou
ao ver a intenção dele, e sorriu internamente.
Trocaram um beijo íntimo e cheio de tesão. Thiago a apertava e a
desejava, cheio de lascívia. O barulho do beijo se misturava aos gemidos
deles, e ela desejou não estarem ali e nem cobertos com roupas.

—Você está linda. — Ele dizia quando alternava os beijos entre a


boca dela e o pescoço.

Ela gemia e abria um sorriso tímido como resposta, o que o atiçava


ainda mais. Ela estava excitada e a mão de Thiago já subia pela fenda do
vestido, trilhando o caminho pela perna dela indo em direção a sua
intimidade. De repente ao chegar lá com os dedos, Thiago parou o beijo e se
afastou furioso.
— Está sem calcinha, porra?! — Gritou e Bárbara se assustou. No
início ficou confundida, mas depois entendeu o motivo da indignação de
Thiago.
— A calcinha ia marcar no vestido. E o que tem?
Thiago parecia que a qualquer momento teria uma síncope e
enfartaria. Ele parecia lutar internamente entre a raiva de Bárbara estar ali
naquele vestido, sem calcinha, no meio de homens cheios de olhares
maliciosos direcionados a ela, e o tesão que aquela mesma constatação lhe
causava. Mas ele jamais admitiria isso para ela.

— Vamos voltar. — Anunciou Thiago meio que à contra gosto e


brusco, ainda com raiva.
Achando que a mulher acharia ruim, ele apenas a viu ajeitar o
vestido provocante no corpo, ajeitar os cabelos e limpar a marca de batom do
rosto. Cada movimento que ela fazia, parecia atraí-lo. Sua vontade era de
ignorar o que ele mesmo tinha dito e puxá-la para um beijo novamente. Mas
ele tinha que se manter no foco, ele não poderia deixar que ela o dominasse
ou que o tirasse do controle pelo simples fato de estar sem calcinha.
Ao levantar os olhos, Bárbara viu que estava sendo estudada por ele
e riu, aproximando se e limpando a marca de batom que ele tinha ao redor da
boca. O gestou causou em Thiago um misto de sensações e ele estranhou
aquele gesto íntimo e uma parte de si não gostou e quase a afastou. Mas
controlando-se, também não protestou, desceu a mão e depositou uma em
cada lado das nádegas dela e apertou enchendo as mãos.

— Não saia sem calcinha sem que antes tenha a minha permissão.
Com isso, deu lhe um tapa sonoro na bunda fazendo com que ela
soltasse um pequeno grito de susto.
Ela resmungou com a dor do tapa que levara e isso lhe causou uma
certa dúvida do que aquele gesto havia sido. Thiago a soltou, repousando as
mãos novamente em sua cintura e apertou o botão que permitia que a porta
abrisse, saindo ele primeiro, seguido por ela. O lugar de acesso ao elevador
era iluminado a meia luz, mas algumas pessoas olharam curiosos para eles
saindo do elevador.
Thiago segurava a mão de Bárbara e a levava de volta, para o
ambiente da festa quando uma voz feminina o chamou.

—Thiago!
Thiago parou e virou para ver quem o tinha chamado. Bárbara
também se virou e viu que a dona da voz, era a mesma mulher que entrou no
escritório dele no primeiro dia em que ela esteve lá e presenciou os atos
libertinos de Thiago, ouvindo os gemidos e barulhos constrangedores que ele
e ela fizeram.
A mulher vestia-se chique, porém mais simples, mas ainda assim, a
seu modo muito bonita. A beleza exótica dos olhos grandes, sorriso largo e
covinhas contribuía.

Bárbara parou e analisou a cena. Thiago pareceu relaxar a postura e


a largou andando até a mulher. No mesmo instante, Bárbara o olhou sem
acreditar, enquanto a outra mulher caminhava até ele com um sorriso cheio
de mensagens intrínsecas. Quando se encontraram no meio do caminho ela
abraçou Thiago e o beijou no pescoço, sussurrando algo em seu ouvido, o que
o fez recuar instantaneamente. A mulher se assustou com o ato dele e franziu
o cenho em sinal de estranheza.
Respirando fundo, Bárbara apertou os dentes um no outro e encarou
a cena sem poder acreditar que aquilo estava acontecendo. Ainda mais
quando acabaram de protagonizar cenas de beijos e mão bobas dentro de um
elevador.
Não queria criar expectativas, mas queria ser respeitada pelo que era
naquele momento: esposa dele.

"Galinha!" —Pensou Bárbara furiosa.

Mas parou abruptamente num repentino susto. Sua mente havia dado
aquela palavra informal, e em seu idioma natal. Bárbara sabia o que a palavra
significava, e sabia que ela servia para apelidar a característica cafajeste de
um homem.
Bárbara levantou os olhos, ainda um pouco surpresa pela novidade,
mas logo seu rosto se fechou novamente ao ver que a mulher, insatisfeita em
Thiago ter tirado as mãos dela de seu peito, pegou as dele e as colocou em
sua cintura. Um ódio repentino deu vazão a toda felicidade que sentia.
Sendo assim. Ainda que apanhasse novamente, ainda que voltasse a
sofrer nas mãos dele, ela não aceitaria ser humilhada por Thiago e amante
nenhuma, ainda por cima com eles se comportando daquela maneira, com ela
na mesma festa. Estavam casados, ele querendo ou não, e havia ficado mais
que claro que a noite passada não tinha significado nada para ele. Obstinada,
Bárbara, deu alguns passos e foi até onde Thiago encontrava-se com a
mulher.

Constrangida pela cena humilhante da mulher tentando chamar


atenção de Thiago e ele começando a perder a paciência com ela, Bárbara,
respirou fundo e pigarreou chamando a atenção de Thiago.
A mulher, pendurada no pescoço dele, e ainda ostentando um sorriso
largo e olhar muito confuso, olhou Bárbara de cima a baixo antes de
perguntar.
— Pois não?

Thiago encarava Bárbara de sobrancelhas juntas esperando-a falar


algo. Ignorando a mulher, Bárbara olhou diretamente nos olhos de Thiago
quando falou.
— Estou indo embora, Thiago. — Disse com mais raiva do que
gostaria. — Vai me acompanhar ou será que essa sua indecência explícita vai
poder esperar para depois?

— Indecência? — Thiago disse franzindo o cenho, descrente da


palavra que ela usou para descrever aquele momento embaraçoso.
"Será que aquele inferno de mulher não enxergava que ele estava
tentando pôr as mãos de Graziela longe do corpo dele, e manter as dele
longe do corpo dela?"
— Indecência é pouco para descrever o que rola entre nós. — falou a
mulher de sorriso arreganhado — Mas... e quem é você mesmo?

— Graziella, está é....


Ela nem tivera tempo de escutar a resposta. Simplesmente deu-lhes
as costas e saiu, deixando Thiago falando sozinho.
Muito chateada com aquela história toda, saiu de cabeça baixa
ziguezagueando entre as pessoas em busca de não manter contato visual com
nenhuma delas. Saiu pela porta onde entrara algumas horas antes e o vento
gelado a fez arrepiar. Tomando o mesmo cuidado para não tropeçar, desceu
as escadas e se pôs a procurar o carro que viera.

Para sua sorte, o motorista estava do lado de fora e fumava um


cigarro. Quando a viu, estranhou e logo puxou o rádio comunicador. Agora
Thiago saberia exatamente aonde ela estava.
— Por favor, me leve de volta?
Conseguiu pedir disfarçando a vontade de chorar de raiva que sentia.

Após olhar para ela e de maneira indisfarçável consultar o celular,


claramente pedindo permissão, Bárbara suspirou impaciente e aguardou,
Após um instante, o homem abriu a porta do carro para ela.
Agradeceu mentalmente por ali dentro estar mais quente, enquanto o soldado
assumia o posto de motorista.

O carro pôs se em movimento e alguns minutos se passaram, quando


o telefone do homem que dirigia tocou e ele atendeu imediatamente. Bárbara
prestava atenção ao lado de fora, alheia a tudo e ainda abalada pela cena dos
momentos atrás.
De repente o soldado chamou-lhe a atenção e estendeu o celular,
sem retirar os olhos da estrada. Bárbara pegou o aparelho em mãos, olhou
para a tela, que dizia ser de um número privado e colocou o celular no
ouvido.
— Vejo que aprendeu direitinho a fazer as coisas sem minha
permissão. — Thiago afirmou.

Com raiva, ela trincou os dentes contendo o impulso de xingar e


gritar, mas calmamente conseguiu responder.
— Você acha bonito convidar sua esposa e amante para o mesmo
lugar? —Devolveu com uma pergunta. — E ainda requer que eu o obedeça?
— Como assim convidar, porra?! Você é minha mulher e eu acabei
de dizer isto a ela! —Thiago disse já alterado.

— Então passe a me respeitar como se eu fosse mesmo sua mulher!


— Respondeu de volta indignada. — Não aceito ser constrangida ficando no
mesmo ambiente com sua amante e com você tentando converter a situação.
De repente Thiago calou-se e respondeu de maneira calma, o que
deixou tudo ainda mais ameaçador.
— Vamos conversar, Bárbara. Me aguarde acordada que a noite será
longa.

Sem lhe dar chance de resposta, Thiago desligou.


Capítulo 33

Algumas horas antes...

Ele havia saído cedo para uma reunião que teria com os associados e
pertencentes a famiglia, e desde então o trabalho se estendera mais do que o
esperado. Eram assuntos infindos que ele tinha de resolver ou dar opiniões
sobre. Thiago, Diogo e Spencer, sempre estavam envolvidos em algum
assunto, ou trabalhando para nunca serem pegos.
Haveria aquela noite o evento que firmaria um acordo com o novo
governador da Calábria e Thiago prezava isto. Este era o esquema mais
valiosos que tinham ali.
A máfia criava um Estado dentro do Estado, e consequentemente a
Calabresa dominava os dois lados, firmando acordos através da boa e velha
diplomacia dos negócios sujos. Naquela noite, através daquele baile social e
de boas-vindas ao novo governo, Thiago firmaria um acordo com o
governador e ali se fundiria os negócios dele com o Estado. Bem o que ele
tinha em mente.

Thiago e Diogo estavam presos em um plano de estratégia para


pararem as investigações da polícia antimáfia nos bairros belgas que eles
dominavam, quando Spencer entrou de uma vez na sala e sem bater à porta.
Thiago o olhou furioso e Diogo suspirou, jogando os papéis para o lado e
puxando um cigarro.
— O que foi? —Spencer perguntou abrindo as mãos num ato
exasperado —Não é como se eu tivesse surpreendido vocês dois se
beijando...
— Figlio de una... —Diogo o ameaçou, mas Thiago interviu.
— Notícias de Tijuana?

— Carlo descobriu o paradeiro de Bárbara.


A notícia fora tão forte que no mesmo momento, Thiago e Diogo se
olharam transparecendo bem a mesma opinião que tinham sobre aquela
novidade.
Thiago sentia a necessidade insana de matar. Sua mente projetava
cada passo da tortura que faria. Pensamentos homicidas, o cheiro de sangue e
gritos de pavor povoaram sua no mesmo minuto e ele sentiu uma espécie de
alegria torpe.

Mas sua mente logo se ateve, analisando minuciosamente o que


Spencer dissera: Em momento algum ele mencionara Dominic Lang.
— Ela foi capturada? — Diogo perguntou, em seguida tragando o
cigarro.
— O faremos, mas antes, Thiago precisa tomar a decisão sobre algo.
— Vendo que tinha a atenção dos homens, Spencer continuou. — Dominic
Lang parece não estar com ela...

Spencer se achegou mais perto e sentou-se na poltrona vaga,


retirando de uma pasta uns papéis e lhes entregando. Eram fotos de
identidade. A mulher que outrora era morena, estava com longos cabelos
loiros, e na identidade falsa portava o nome de Giovana Brado.
Havia algumas fotos dela em festas e cercada de homens
aparentemente ricos. Ela parecia trocar de cor de cabelo. Em algumas ela
estava loira, em outra morena, brincando de disfarce. Mas em todas as fotos
ela estava sempre ao mesmo modo: provocante.
— Dominic Lang deve ter abandonado o barco, era de se esperar. —
disse Diogo com desdenho.

Thiago jurou, enquanto via as fotos ostensivas de Bárbara, que


acharia Dominic Lang. Mesmo que precisasse ir ao inferno, mas o acharia.

— Bárbara está vivendo como se fosse essa tal de Giovana Brado, e


ao que tudo indica é que o Lang a roubou e a deixou a própria sorte em
Tijuana. Carlo só conseguiu achar Bárbara, porque ela procurou o traficante
que os levaria até Los Angeles. Na época, parece que Lang ofereceu dinheiro
falso a um menino e com isso, ficou jurado de morte pelos coiotes e
traficantes... Bárbara então achou que como aquelas pessoas odiavam o Lang
eles possivelmente poderiam ser aliados dela, na tentativa de acha-lo e
recuperar seu dinheiro. — Spencer olhou para uma das fotos com ar
zombeteiro e completou: — Bárbara ainda jurou que se o traficante a
ajudasse a achar Dominic Lang, ela lhe daria uma boa parte do dinheiro
recuperado, e claro, tudo isso depois de firmar o acordo com....
— Sexo. — Thiago completou, deduzindo de acordo com o que já
conhecia.
O único sentimento que ele sentiu fora nojo e ânsia em pôr as mãos
nela.

— Spencer, Carlo ainda está escondido? —Thiago indagou.


— A polícia ainda investiga sobre o túnel, mas não com o mesmo
empenho de antes... Carlo está escondido em uma ilha no Caribe, mas o
traficante está envolvido propositalmente com Bárbara a mando de Carlo. O
traficante está ciente de quem ela é, e mantém Carlo informado. Eles só estão
à espera de uma ordem sua.
Thiago sentiu satisfação por finalmente poder decidir algo sobre o
destino de Bárbara.

— Me conecte agora numa ligação com Carlo.

Spencer rapidamente foi em direção ao computador, mexendo em


algumas teclas. Em pouco tempo o aplicativo iniciava uma chamada de
vídeo.
Carlo estava no meio de uma transa com duas mulheres, o celular
vibrava e ele pensou em não atender, mas sentiu que a insistência era o dever
o chamando. Estendeu a mão e pegou o aparelho celular de cima do criado e
ao ver de quem se tratava, jogou a mulher que estava em cima dele para o
lado e retirou o pênis da boca da outra, deixando-as para trás, enquanto vestia
um roupão.
—Amigo! — Saudou o animadamente. — Spencer lhe contou? —
Perguntou enquanto fechava a porta e se trancava do lado de fora da sacada.

—Sim. — disse Thiago. — Acha que consegue hospedar por alguns


dias minha convidada? — disse referindo-se a Bárbara.
— Claro mi amigo! Estevão a trará para cá. Vou oferecer una festa e
o final será daquele jeito...— Disse referindo-se às festas regadas de sexo
grupal que ele costumava oferecer. — Aparentemente, la descarada no se
importa com orgias...
— Chegarei aí para esta festa também e farei uma surpresa à nossa
convidada...

Carlo riu sonoramente e respondeu:


— No puedo perder por esperar, amigo,
No puedo!

— Bárbara é quem não perde por esperar!


Contrapôs Thiago e sorriu de maneira nefasta. Naquela ligação eles
desenvolveram o plano que mudaria para sempre a relação entre caça e
caçador.

Ainda naquele dia, se preparou para a posse do novo governador. O


eleito chamava-se Dom Germane. Ele era um homem que serviria bem como
peão nos assuntos de estratégias estatais.
Há alguns anos, Thiago havia ajudado o filho mais novo de Dom
Germane a passar na frente da lista de espera para um transplante de medulas
e, desde então, o homem lhe era totalmente fiel e nutria por ele um alto
sentimento de gratidão. Combinações perfeitas quando se quer lealdade,
Thiago achava.

Os últimos ajustes estavam sendo feitos para se fechar com chave de


ouro as alianças com os aliados, lojistas e empresários da cidade de Calábria.
Dom Germane, sabia bem como agir e quem iniciaria as primeiras palavras
de abertura do evento, seria Thiago.
Seus soldados estavam estrategicamente espalhados e de vez em
quando, Thiago acompanhava pelo relógio inteligente e em tempo real a
posição do carro que trazia Surya ao evento.

Após ser interceptado inúmeras vezes ao longo do caminho e ter o


anel em seu dedo anelar beijado por diversos homens em demonstração de
respeito, Thiago percebeu uma certa diferença no ar quando alguns homens
que conversavam com ele pararam para olhar a porta de entrada.
Bárbara jamais havia sido anunciada como dama da máfia e Thiago
fizera questão disso. As poucas pessoas que sabiam da existência da mulher,
eram os mais chegados e ainda assim, Bárbara jamais havia sido apresentada
como sua esposa, fora o dia em que havia retornado para casa do hospital.
Thiago estava em um ponto estratégico que lhe permitia ver com
clareza as pessoas e ainda assim, se manter um pouco distante. Só chegava
perto dele quem realmente era autorizado.

Olhando para a porta, Thiago encarou a mulher vestida de vermelho


e que para ele estava completamente linda e sexy. Cada curva acentuada pelo
vestido longo e provocante lhe fazia pensar na noite anterior e seu membro
remexia dentro das calças.
Imediatamente ele pensou em se aproximar, mas mudou de ideia de
repente. Ele esperaria o momento certo, e por enquanto estudaria ela de longe
para saber quais seriam suas reações longe dele.
Ele percebeu que alguns homens passaram a olhar para a porta de
entrada e algumas esposas ficarem enciumadas. Surya pareceu tímida diante
dos olhares hostis que recebera de algumas mulheres ali, e ele prometeu a si
mesmo resolver isso depois com cada uma delas.

Surya, foi se achegando para um canto achando que ficaria mais


escondida, mas ela não fazia ideia de que era a mulher mais bonita ali e
claramente chamaria atenção aonde quer que estivesse.
Um garçom passou e lhe ofereceu bebida e ela pegou, tomando o
líquido com certo requinte. Thiago admirava, pois apesar de ser filha de
fazendeiros, ela claramente sabia se portar e aparentava ter tido boa
educação.
A diferença física entre Surya e Bárbara, não eram tantas. O corpo
de Surya era claramente convidativo de um jeito irresistível. Aquilo não tinha
nada a ver com sensualidade explícita, mas ao mesmo tempo tinha um pouco
a ver. Thiago sempre esteve muito acostumado a ter relacionamentos com
super modelos, mas Surya era uma exceção à parte. O corpo dela parecia
perfeito e fugia de tudo o que ele era acostumado.
Ele tentava procurar sentido nisto, mas não encontrava. Cada gesto
que ela fazia, ele guiava com o olhar. Era impossível olhar para ela e não se
sentir insaciado. Louco para absorver novamente cada gota dos gemidos que
ela emitia enquanto ele a sugava causando prazer.

De repente os olhos de Surya pareceram meio tensos ao ver se


aproximar um homem e Thiago se atentou.
— Senhor... posso intervir? — A voz de Giba soou a seu lado.
— Deixe que eu mesmo vou. Reporte-se a Diogo para que ele se
mantenha a par de tudo.

Ao dar a ordem, partiu em direção a Surya, olhando diretamente para


onde ela estava enquanto ziguezagueava entre as pessoas, ignorando alguns
cumprimentos.

Ao vê-la de perto, viu que estava ainda mais linda, apesar de preferi-
la ao modo natural de sempre. Surya não disfarçou o alívio em vê-lo. Ela
provavelmente ainda deveria se lembrar das ameaças que ele havia feito caso
fosse vista com outro homem.
Barone, era um dos homens que trabalhavam para o governo e era de
confiança de Thiago. A esposa dele estava grávida do primeiro filho. Barone
e Camilla formavam um casal apaixonado e fieis à máfia. Barone sempre foi
muito parceiro de Thiago e fazia aquilo apenas por implicâncias. Thiago
sempre relevava, da mesma maneira como fazia com Spencer.
Thiago não queria dar vazão ao que sentia e se sentia consternado ao
perceber o quão mexido ficava quando via Surya receber atenção de outro
homem, ainda que este outro homem fosse bem casado.
"É apenas atração." — Ele dizia a si mesmo, vendo-a tão linda de
perto, enquanto cheirava-lhe o pescoço, adornado com a joia que ele a
presenteara. — "Tem de ser!"

Ele ainda não a conhecia totalmente e não confiava no que via. E era
este o principal ensinamento que tivera: esperar para ver se podia confiar.
A chave para todas suas respostas estava anexada às memórias
esquecidas de Surya, apesar dele saber o paradeiro de Bárbara.
Thiago tinha a plena noção de que tudo o que ele perguntasse a
Bárbara teria fundos falsos ou mentirosos, e pelo que havia conhecido de
Surya, se ela se lembrasse haveria uma boa possibilidade de as verdades
serem reveladas de maneira clara.

Ele tinha noção do que ela tinha feito pelos filhos dele e simpatizava
com isso, mas confiança era uma palavra muito descabida no momento e que
ia muito além. Algo a ser estudado para ver se Surya seria digna ou não.

Após enxotar Barone, ele a guiou por entre as pessoas a fim de ficar
com ela na mesma posição resguardada que estava anteriormente, mas as
palavras ácidas dela o tiraram-no do foco.
Entrar pela porta do elevador e beijá-la enquanto apalpava todo seu
corpo era muito pouco para o que ele tinha em mente. Senti-la sem calcinha,
despertava turbilhões de sentimentos que o levavam em segundos do céu ao
inferno.

Atônito, ele percebeu que o simples fato de tira -lá de uma festa,
importante como aquela, apenas para beijá-la levado pelo motivo de que ele
não conseguia se controlar perto dela, era o começo de algo que ele jamais
ousara se permitir explorar.

Era desejo e raiva. Vontade impulsiva de tê-la a qualquer custo e em


todos os lugares e estes sentimentos se chocavam. Ele não queria estar ligado
aqueles sentimentos, pois sentia que poderia ser arriscado. Não queria pôr em
risco seu auto controle, afinal jamais tinha amado mulher alguma.

O pensamento coincidiu com ela se encurvando para retirar as


manchas de batom da boca dele e o gesto nunca lhe pareceu tão íntimo e
revelador.
Thiago percebeu que mesmo tendo sido tão ruim, sua maldade
jamais foi capaz de corromper a bondade ou aplacar o altruísmo e inocência
que ela exalava. De repente levou um choque com aquele pensamento.
“Mas que porra é essa que estou pensando?!”

O plano de subir ao palco, abrir o evento num discurso intrínseco


sobre os deveres da máfia e depois tirar Surya daquele meio, estavam em
seus planos quando a levou para fora do elevador. Mas a voz de Graziela
ressoou, lançando tudo por terra.

"Puta merda." — Thiago pensou à contra gosto quando deixou


Surya para trás e foi conversar com Graziela.
Um alarme alto tocou em sua cabeça ao perceber ela vir em sua
direção envolvendo o com as mãos e sua boca discretamente procurar a dele.
Rapidamente, Thiago desviou e segurou seus pulsos afastando-se. Graziela
riu e achou que ele estava tentando ser discreto ali.

Soltou os braços do enlaço dele e tentou passar as mãos pelo peitoral


de maneira discreta aos olhos curiosos em volta, mas íntima de mais para
Thiago, e ele a segurou.
— Me solta, porra! Não encosta assim em mim!
Confusa, ela se soltou e deu alguns passos para trás chocada com o
modo agressivo, mas um meio sorriso descrente ainda continuava desenhado
no rosto confuso. Graziela permaneceu um momento meio descrente,
encarando-o de maneira que deixava claro que não estava entendo a situação.

— Graziela, porque não me esperou? Eu disse ontem a você que eu a


procuraria.

— Mas eu estava com saudades. E o meu buffet é o contratado desta


noite. — Disse se achegando um pouco mais perto e insistindo em tocá-lo. —
Achei que...
Sendo mais agressivo desta vez, Thiago puxou as mãos dela do
corpo dele marcando o antebraço de Graziela com os dedos dele.

Surya se postou ao lado deles, e pelo modo como ela o encarava,


nada parecia estar bem. O corpo dele havia tampado a cena, para os demais
curiosos, mas não fora o suficiente para escapar dos olhos sagazes de Surya.
Ela tinha visto e captado tudo equivocadamente.
Toda a cena apenas piorou quando Graziela abriu a boca. Ali,
Thiago jurou que se ela falasse de mais, ele a mataria. Era óbvio que Surya
não estava achando boa a situação e Graziela estava perdidamente confusa
com tudo.
Mas o que o inervava era que de repente ele não tinha mais o
controle da situação. Thiago respirou fundo, vendo a mulher indo embora e
fez sinal para que Giba a acompanhasse. Quando olhou para Graziela ela o
olhava meio que já compreendendo tudo.

— Ela agora é minha mulher. E eu e você não temos mais nada. —


disse brusco.
Thiago virou-se para sair em busca de Surya. Mas Graziela o
impediu.

— Espere um momento! — Pediu.

Thiago, que acompanhava com os olhos Surya sumir pela porta de


saída, voltou os olhos para a mulher a sua frente. De testa franzida de
preocupação e olhos grandes demais, Graziela o encarava exigindo atenção.
— Eu jurei que eu não seria um problema a você, caso arranjasse
alguém. Eu realmente não percebi que este alguém já tinha chegado na sua
vida, e é uma pena não ser eu. — Disse ela olhando para ele parecendo
sincera. —Mas eu gostaria muito que continuássemos sendo amigos.
— Estou casado, porra. Não quero amizade com quem eu já enfiei
meu pau! Não temos mais nada de agora em diante, Graziela. — Ele ao
menos sabia o por que dizia aquilo, mas sabia que naquele momento tinha
convicção do que dizia.

Graziela levantou as sobrancelhas em sinal de surpresa pela decisão


e apenas assentiu, mas depois perguntou:
— Nem mesmo uma despedida?

Thiago riu de um modo completamente sem humor e deu-lhe as


costas como resposta.

Thiago imaginava uma maneira de punir Surya por novamente ela


ter feito algo sem a permissão dele. Ela devia entender de que não poderia
sair dos lugares na hora que ela bem quisesse.
Thiago saia apressado, mas no meio do caminho indo em direção a
saída, alguém o interceptou dizendo ser aquele o momento certo para dar
início ao evento, com um discurso solene de abertura.
Thiago olhou para a porta de saída e soltou o ar pesado, lembrando-
se dos deveres da máfia.

"Não importasse quaisquer imprevistos, tudo teria de ser largado de


mão, caso os deveres da máfia calabresa chamassem."
Capítulo 34

Thiago voltava para casa dirigindo em alta velocidade pelas ruas


vazia da Calábria. Sua mente vagava analisando os acontecimentos da noite.
Pensava em Surya, em Bárbara, e em como ansiava por tudo aquilo terminar.
Consequentemente, se lembrou de alguns anos atrás, quando aquilo
tudo começou por causa da pressão ridícula que faziam.

Seus passos haviam sido meticulosamente traçados por seu pai para
que ele assumisse à Calabresa aos trinta anos. O problema era que Thiago
jamais quisera casar-se ou ter filhos, ideia esta que muitos na máfia não
simpatizavam.
Apesar de ser um bom líder e chefe, o conselho e sua avó logo
começaram a fazer pressão para que ele se casasse e constituísse o que para a
máfia era de mais importante e valioso: A família.
Thiago mantinha-se relutante, apesar de sempre estar acompanhado
de mulheres muito bonitas. Ele nunca assumia nada de muito concreto com
nenhuma delas, por simplesmente não acreditar que poderia fazer dar certo.
Ele presenciara o casamento fracassado dos pais e isto lhe serviu de lição.

O amor era uma possibilidade remota e longe, que para ele nunca
acontecia de fato. Os únicos contatos que Thiago gostava era o de pele com
pele, calor, fogo e tesão. Passar disso seria arriscado, e ele não queria se ver
preso a mais nenhuma instituição que não fosse a própria máfia.
O contraditório era que os conselheiros da máfia não pensavam
assim, portanto, ao protelar a decisão de se casar por dois anos, viu em
Bárbara uma situação para aplacar toda a pressão que sofria do conselho.
Era sempre a mesma pressão para que ele se casasse e concebesse
um filho para dar continuidades ao que os Guerra faziam há anos. A desculpa
de Marietta e conselheiros eram sempre as mesmas: Ele já tinha 32 anos e há
dois anos enrolava para se casar. A pressão já o tirara do sério algumas vezes.
As memórias e lembranças o jogaram para o dia em que Bárbara
entrara de vez em sua vida.

Quatro anos antes....


“— Aqui diz grávida! — Bárbara gritou já chorando passando as
mãos pelos cabelos e andando de um lado para outro desesperada. — Como
que estou grávida se eu me cuido com....— Deixou a frase no meio do ar.

Thiago estava encostado na parede com os braços cruzados a frente


do corpo. Ele olhava a mulher dar um verdadeiro ataque de histeria, enquanto
apenas a encarava de mandíbula travada, sentindo a cólera aumentar.
Ele sabia que ela não mentia quando se referia ao fato de não querer
ter engravidado.
— O chip venceu. — disse de repente olhando para a tela do celular.

Sem reação a mulher deixou o corpo escorregar indo em direção ao


chão. Enquanto caía sentada. Bárbara iniciou um choro profundo e
irritante. Ela caíra em si ao perceber que o chip anticoncepcional que ela
tinha implantado no braço, vencera há um mês, de acordo com o calendário
do dispositivo.
Bárbara estava num descontrole emocional dramático e desespero
profundo. Era como se tivesse acabado de receber um atestado de óbito.
Thiago apenas observava numa falsa paciência e calmaria.

— Tenho que abortar! — ela gritou apontando para ele como se


tivesse tido a ideia mais brilhante do mundo. — Não posso perder meu corpo
no auge dos meus vinte e quarto anos! Não posso!

Thiago ficou transtornado internamente e a encarava de modo duro e


em silêncio, a raiva dele era por ter feito um filho com aquele tipo de mulher,
e a constatação daquilo o fazia se sentir um amador. Mas ele tinha ideias para
tira-la da jogada sem comprometer a criança que viria.
— Eu já fiz isso antes! — Dizia Bárbara conversando com ela
mesma. — É só eu pegar novamente com Alicia o telefone daquela clínica
clandestina e....
— Chega! — Thiago gritou, assustando a mulher que o olhou com
os olhos cheios de lágrimas e confusa. — Esta criança é minha e eu a quero.

Bárbara o olhou como se Thiago tivesse dito a maior aberração de


todos a tempos e riu escandalosamente de um jeito que evidenciava o
nervosismo e desespero dela.

— Você é louco de pensar que eu vou passar nove meses sem poder
sair e beber?! Eu amo a vida que eu levo, entendeu?! Eu amo esta vida e não
é um feto que vai me tirar isso!
Thiago avançou sobre a mulher a pegando desprevenida e desferiu
dois tapas no rosto dela. A pegou pelos cabelos e a puxou do chão de onde
estava caída e a jogou por cima da cama. Ele subiu em cima do corpo esguio
e colocou as mãos em cada lado, próximo ao rosto dela.

—Você não vai fazer nada contra esta criança! Está me ouvindo?! —
Ele dizia de modo assassino. — Se tentar eu te mato.
A ameaça fora tão vivida que ela se quer duvidou. Sua reação era de
quem ainda processava tudo o que acabara de acontecer e o encarava
assustada.
Ela já havia engravidado duas vezes antes. A primeira, com
dezesseis anos, a avó ajudara a acobertar do restante da família e a abortar. A
segunda gravidez havia sido aos vinte e um anos. Havia transado em um
banheiro de balada sem proteção e com dois desconhecidos, o que gerou
numa gravidez. Nesta última, ela se quer sabia quem seria o pai da criança.

— Eu perguntei se está me ouvindo! — Thiago gritou a tirando do


estupor que ela se encontrava fazendo com que Bárbara desse um pulo e
assentisse rápido. — Ficará doze meses sob minha proteção e supervisão.
Anunciaremos o casamento neste período.
Chocada, ela emitiu um som de choque e desencadeou outro riso
histérico. Thiago apenas encarava seriamente.
— Tá achando graça de quê?

— Não estou! Este é o problema! Nem nos conhecemos e já


transamos bastante, e para ser sincera, nunca nem nos beijamos! Era só tesão!
E como que você me propõe em casamento?!

— Não estou propondo nada, estou dizendo como vai ser. Durante
doze meses quero estar à par de você integralmente. Haverá um contrato onde
você assina, no compromisso de ficar doze meses comigo, a base de algumas
restrições...
A verdade, era que o contrato era apenas para formalizar algo que já
estava decidido por Thiago. Para ele, apenas sua palavra bastava e tinha
valor.

Ela não conhecia nada sobre a máfia e nem saberia por ele. O
contrato era mero acordo formal entre os que não conheciam seus negócios
para que eles se tornassem reféns disto.

— ...Esse tempo será para que você gere a criança, e a amamente. O


casamento será apenas de faixada, e você não poderá transar com ninguém,
até que a criança termine de desmamar.

Bárbara ficava furiosa à medida que ia escutando.


— Se quiser transar, após o período de adaptação da criança, terá de
ser com uma pessoa não pertencente ao meu âmbito de pessoas, e não pode
ser morador da Itália ou de qualquer país vizinho. E se acontecer nestas
condições terá de ser de maneira reservada e discreta. Após os doze meses
receberá uma quantia no valor de seis milhões... — A mulher que
aparentemente estava com muita raiva de todas aquelas regras, ao ouvir o
valor da quantia, abriu a boca claramente impressionada. — E depois do
desmame, nunca mais cruzará o meu caminho ou o do meu filho.
Bárbara estranhou o modo do homem achar que ela estaria grávida
de um menino e ficou encalacrada com aquilo, mas relevou.

O seu corpo sofreria mudanças que ela não queria e no final ela
ainda teria de amamentar?! — pensou com contra gosto. —Estaria ela
amarrada a um homem daqueles, num casamento falso, e sem poder gozar de
sexo com outros homens..., mas e Thiago? — Pensou, lembrando do sexo
quente que fizeram. — Ele claramente a desprezava e descartaria quaisquer
envolvimentos físicos. — Ponderou. — Mas no final, ela poderia sair com
seis milhões e nenhum vínculo com a criança...
Sorriu internamente.
— Eu aceito sua proposta.

— É lógico que aceita. — Disse sarcástico ignorando a mão


entendida de Bárbara e saindo de cima dela. Como se lembrasse de algo,
voltou-se a ela. — Ah, e não tente consumir, usar ou tentar qualquer coisa
contra esta gravidez, eu vou saber e as consequências serão irreversíveis.
Disse como sendo sua palavra final.

Marietta havia ficado deveras feliz com a notícia até de fato


conhecer Bárbara. Spencer mantivera-se sempre imparcial e Diogo confuso.
De todos, Diogo era o que mais o conhecia, e sabia que Thiago não queria se
casar, tanto que o indagou certo dia:
— O que está fazendo, Thiago? — Diogo perguntou preocupado,
analisando o contrato. — Como que você não quer casar e de repente
aparece com essa puta?
— Acha mesmo que eu ia deixa-la abortar um filho meu e ainda sair
viva e milionária, porra? — Ele olhou para Diogo e o encarou ao modo de
sempre. — Veja bem como ela encara esta gravidez... Ao final de tudo ela
saberá de muita coisa e eu só tenho que matá-la. Bárbara jamais sairá viva
dessa história.

Diogo confiava no primo como nunca, e sabia que a diferença dele e


Thiago era que ele jamais pensava de maneira fria afim de tirar proveito. E
Thiago era mestre nisto.
— Bem, é o mais certo a se fazer. — Diogo respondeu."

O carro havia chegado até a área de entrada, e Thiago desceu. Fora


informado por um soldado que a esposa havia chegado e desde então não
saíra do quarto.

"E era lá mesmo que ele a queria encontrar."


Thiago subiu os degraus da escada de dois em dois e seguiu para o
quarto. Ao adentrar, não viu Surya em nenhum lugar. Com pressa, Thiago
adiantou-se indo até o banheiro e abriu a porta de uma vez, vendo-a de
costas. O penteado bem elaborado havia sido desmanchado, o cabelo caia em
ondas para o lado, e ela vestia um roupão de seda e preparava-se para retirar a
maquiagem.
— O que está fazendo? — Thiago perguntou diante ao óbvio.

Como resposta, ela virou-se, olhou para ele e voltou a fazer o que
estava fazendo antes. Umedecendo algodão para retirar a maquiagem.
— Vai me ignorar, caralho? — Thiago foi até ela, fazendo com que
o reflexo dele aparecesse no espelho, bem detrás dela.
— Acho que sua cota de assuntos para serem tratados
especificamente com mulheres já estourou por hoje, não?

Ela respondeu enquanto dava atenção para algum produto em


específico, menos para ele.
— Vai ficar de ironias ou vamos conversar direito?
— Quer conversar direito? Transamos numa noite e no outro dia me
convida para ir ver você e a amante desfilar no mesmo lugar, e agora quer
conversar?!— Ela sabia que a resposta havia sido exagerada, tecnicamente
eram casados, mas não tinham nada um com o outro. Mas o desrespeito, e a
vergonha da humilhação sobrepunha.

Ela lutava contra si mesma em clara demonstração de esforço para


não atirar o que tinha nas mãos em direção a ele. Mas ela havia decidido a
não baixar guarda. Preferia manter as palavras em tom baixo e ignorar a
presença dele completamente, afinal, já tinha se convencido de que foi
somente uma transa e nada mais.
— Acha que eu a levei propositalmente só para que me visse
desfilando com Graziela?

A simples menção do nome da mulher fez com que uma fúria


descomedida subisse e Surya trincasse os dentes de raiva. Virou-se
lentamente e sem dizer se quer uma palavra, cogitou sair daquele cômodo que
mesmo tão grande, ficava claustrofóbico com a presença de Thiago ali.

— Olhe para mim enquanto eu estiver falando! — Ele a fez parar


segurando no braço dela, justo quando ia passar por ele. Thiago estava
realmente com raiva, mas Surya não ficava muito atrás. Ele a pegou pela
mandíbula e apertou enquanto subia o rosto dela para cima e ela o olhava
com os olhos cheios de raiva. — Olhe bem o tom que você usa para falar
comigo.
Naquele momento ela não sentia medo dele, apenas estava enfadada
de ter se importado com Graziela e ele juntos, e de estar tão intimamente
ligada a alguém que a fizera tão mal. Era obsceno e deplorável.
— Você tirou suas próprias conclusões hoje. E está cheia de atitudes
depois de uma simples transa, não acha? — Disse ele de maneira baixa,
tentando atingi-la.

A intenção dele era ferir Surya com palavras, mas ao contrário disso
ela arqueou a sobrancelha e franziu os olhos, sentindo a raiva aumentar.
— Não sou cega, Thiago. E acho muito prepotência de sua parte me
dizer que depois de uma transa com você eu estou requerendo demais...
Gostando ou não sou sua esposa e ao meu ver eu tenho direito de ser
respeitada!
— Em momento algum a desrespeitei.

— Quando me deixou voltar sozinha para ficar com aquela...


aquela... sei lá o quê, não foi desrespeito?!
— Quer que eu pare os assuntos da máfia e os meus negócios para
entretê-la e vir para casa transar com você?

— Ora quanta modéstia de sua parte! — Ironizou. — Por acaso julga


ter sido o amante mais maravilhoso que eu tive? Posso não lembrar dos
outros para comparar, e você mesmo disse que foram muitos! — Disse
jogando de lado todo o auto controle que ela havia guardado. Viu que a
resposta surtira efeito quando ele inflou as narinas de raiva. Surya
aproximou-se e apontou o dedo indicador no peito dele, ficando na ponta dos
pés para alcançar um pouco mais de estatura. — E eu, Thiago, tenho coisas
muito melhores com que preencher meu tempo, do que transando com você!
Suas palavras foram um golpe certeiro no ego dele. Thiago, que já
não aguentava mais tanta pressão, juntou aquele insulto com a frustração de
não terem terminado o que queriam no elevador, e mais ainda toda aquela
confusão gerada em discussão entre eles. A soma de tudo, culminou para o
estopim.
Já quase fora de si, ele a agarrou e a puxou com força, esmagando-a
contra seu peito. Surya, pega de surpresa por aquele gesto tão repentino, não
teve chances de dar um passo para trás. Os braços de Thiago em torno de seu
corpo pareciam uma garra de aço e a força com que a apertava lhe roubava o
fôlego.

Com a mesma rapidez que ele a tomou, a beijou, mas de modo rude
e agressivo, como se fosse um castigo. Tomado por fúria, Thiago mordiscou
lhe o lábio inferior com bastante pressão e quando ela murmurou de prazer?
Dor? Ele se aproveitou da oportunidade para introduzir a língua em sua boca
e aprofundar o beijo.
Surya sentia desejo descontrolado se formando entre suas pernas e
ela percebia os mamilos endurecerem enquanto sentia a ereção dele
pressionada em sua barriga. Parecia loucura que a briga terminasse de
maneira tão impetuosa.
Como ela podia deixar que o corpo reagisse daquela maneira quando
ainda há pouco seu desejo era lhe dar uns bons tapas? — Pensava perplexa
enquanto ele a desconcentrava beijando seu pescoço.

Admitindo a si mesma, ela confessou que agora, mais do que isso,


queria que Thiago continuasse.
Surya o trouxe para mais perto quando o agarrou pela gravata e suas
mãos desceram até o cós da calça dele e abria a fivela do cinto. Espalhou as
mãos até o membro dele e apertou forte, sentindo-o pulsar. Thiago travou o
maxilar e jogou a cabeça para o alto, sussurrando algo.
Percebendo o efeito que causara, Surya sentiu uma onda de luxúria,
e se agachou bem à frente dele e abriu o zíper da calça. Vendo o volume
desenhado no tecido, olhou para cima enquanto descia a cueca dele e
expunha o membro duro, pesado e longo que saltava para fora, bem à sua
frente. Enquanto usava a mão para masturba-lo, lambeu a base lançando
olhares provocantes para Thiago.

Lentamente ela colocou o membro todo dentro da boca até alcançar


o fundo da garganta, tentando se concentrar ao máximo para não engasgar.
Thiago gemeu rouco e contraiu os músculos, completamente entregue a
sensação. Com vontade, ela começou a movimentar a cabeça num vai e vem
lento e caprichado.
Surya estava cheia de vontades, sentia a intimidade pulsar e gemeu
sentindo tesão por vê-lo tão entregue e excitado.
Retirou o membro da boca e esfregou os lábios ao longo da base,
misturando sua saliva junto à lubrificação natural dele, fazendo barulhos de
sucção. Ela desceu lambendo toda a base, e encaixou a boca nos testículos
inchados e, ali, sugou com vontade, mamando, massageando, lambendo,
vendo-o abrir a boca e gemer grave.
Thiago colocou as duas mãos por cima da bancada de mármore e se
debruçou um pouco, baixando a cabeça e fechando os olhos. Gotículas de
suor brotavam no rosto dele. O cabelo bem penteado tinha mechas caídas por
cima da testas, e ele estava totalmente entregue.

Surya estava agachada de pernas abertas e contraia a vagina. Sentia


o cheiro do quão excitada estava e aquilo ativava ainda mais toda a sina de
luxuosidade do momento.
Thiago juntou os cabelos dela com as mãos e a puxou para cima
bruscamente, lambendo o queixo dela antes de cobrir lhe os lábios com os
dele.
Ele a tomou com força e a levantou do chão. Surya reagiu
automaticamente cruzando as pernas ao seu redor e subindo as mãos para os
cabelos negros dele.

Thiago andou com ela no colo beijando-a até depositá-la sentada em


cima do balcão de mármore, afastou com brusquidão os perfumes e cremes,
derrubando alguns no chão.
Sentada, ela sentia a mão dele percorrer sua coxa e tracejar um
caminho por dentro do roupão de seda, buscando algo que ela sabia bem qual
era.
Sentiu a carícia dos dedos dele em sua pele e o resvalar de leve em
seu clitóris antes de ele inesperadamente enfiar o dedo lá dentro e Surya
morder os lábios, deixando escapar um gemido.

Thiago a olhava com expressão furiosa quando retirou o dedo de


dentro dela para abrir o robe e expor seu corpo. Com brusquidão abriu as
pernas dela expondo-a novamente para ele, mas desta vez toda nua.

Thiago olhava-a naquela posição, totalmente excitado, enquanto ia


tirando o restante da roupa dele e os sapatos. Os dedos dele voltaram para
dentro dela, escorregando no canal molhado e a penetrando rápido enquanto a
boca procurava o pescoço exposto de Surya.
— Você é uma putinha que adora me provocar, não é? — Ele disse
em seu ouvido enquanto a puxava pela panturrilha para mais perto e a
penetrava sem aviso e bem fundo.
Ela mal teve tempo de processar a primeira estocada quando logo a
segunda veio ainda mais bruta. A surpresa da invasão era tanta que ela não
conseguia respirar e deixava a boca aberta sem som algum.

Os seios balançavam e seu corpo era projetado para trás. Thiago a


puxava e a apertava, e Surya sentia que ficaria marcada pela brutalidade e
força do qual ele usava, mas a verdade era que ela queria ser marcada a ponto
de se lembrar de que esteve com ele.

Surya fechou os olhos e desfrutou daquele momento, gemendo


muito, sentindo Thiago dentro de seu corpo, as mãos calejadas em todos os
lugares passeando por seu corpo, e a machucando de uma forma gostosa e
bruta.
De repente ele saiu de dentro dela e Surya abriu os olhos sentindo
falta do preencher. Ele a puxou para o colo novamente e andou com ela,
sentando em uma cadeira de descanso que tinha no banheiro e que ela usava
para sentar enquanto se maquiava.
Surya estava de frente sentada com as pernas abertas no colo de
Thiago. Os seios bem diante dele.

— Oh, Deus... — disse fechando os olhos quando Thiago a penetrou


novamente e se inclinou chupando um dos seios com vontade enquanto
metia.

Surya levava as mãos para o cabelo de Thiago e puxava, enquanto


ela rebolava no colo dele, gemendo igual uma louca. A frente deles, o grande
espelho que ia do chão ao teto, refletia a devassidão do casal.
A sensação de frenesi se chocava com a intensidade do momento e
tornava o ambiente quente, e erótico. Eles desfrutaram sem delongas e
descontavam a raiva da discussão, o que tornava tudo ainda mais instigante.
Sentindo que quase chegavam lá, Surya levantou o quadril e saiu do
colo dele. Thiago a olhou completamente hipnotizado enquanto ela se movia.
O desejo quase o fazia enlouquecer quando Surya voltou a sentar em seu
colo, mas desta vez de costas para ele.

Usando todo o seu charme, ela colocou os longos cabelos soltos para
o lado, e arrebitou a bumbum na direção dele, olhando o por cima do ombro e
abrindo um sorriso safado.

Thiago a puxou pelo quadril de uma vez e os dois fundiram-se em


uma só carne. Ela estava no controle e rebolava, gemendo alto e despudorada,
enquanto o via olhar para ela daquele jeito toda se querendo para ele.
Molhada e suada, ela se esforçava enquanto ouvia o gemido rouco e sexy
dele atrás de si.
De repente ela sentiu que ele a enlaçava por trás e a trazia para se
deitar por cima dele. Thiago fez com que suas costas colassem no peitoral
dele e as pernas dela ficassem bem abertas e no alto, mas virada de costas
para ele.

— Olha para o espelho, Bárbara. — Pareceu mais uma ordem. —


Quero que você assista eu te fodendo e se lembre desta cena toda vez que
pensar que estou com outra.

Ela olhou para o espelho e encontrou o olhar dele preso nos dela. E
bem quando estavam assim, ele a estocou forte de modo que entrou com tudo
dentro dela.

E era assim que ela se via. Totalmente aberta, em cima dele, virada
de frente para um espelho que mostrava exatamente o que ele bem queria
fazer com ela. Era a cena mais erótica de todas.
Thiago mantinha as pernas dela abertas em "V" enquanto ela olhava
o pênis dele sair e entrar. Percebendo que ele também olhava para o reflexo
deles no espelho, Surya começou a se tocar, atraindo a atenção dele para a
mão dela que se moviam em seu clitóris.

Gemia completamente entregue. Os fios de cabelo escapavam e iam


de encontro ao seu rosto molhado de suor, os fios movimentavam-se com o
arfar que saia de sua boca.

— Aperta meu pau com essa sua boceta gostosa.


As palavras despudoradas de Thiago, faladas bem perto do ouvido,
chocavam-na e a excitavam num nível que lubrificava cada vez mais a transa
entre eles.

Thiago aumentara a intensidade das estocadas, fazendo a quicar e os


seios fartos balançarem, Surya levou as mãos até a bancada para se segurar e
nisto, Thiago passará a masturba-la, distribuindo lhe alguns tapas em sua
intimidade que a fazia gritar e tentar fechar as pernas, mas ele as abria
novamente com brusquidão.
Ele rosnava palavras que ela não entendia e afundava o rosto no
pescoço dela. Ali, ela não teve dúvidas de que jamais se esqueceria daquela
cena.
Thiago soltou um grave gemido e sua testa pousou no ombro dela
enquanto Surya mexia cada vez mais rápido e ele estocava cada vez mais
forte.

Os quadris dele sustentavam o impacto da bunda dela, e a pressão


em seu centro ia aumentando ao sentir a aproximação de um orgasmo. Gritou
quando ele levou os dedos ágeis até seu clitóris e a estimulou novamente.
— Sim, sim, mais, mais! — Ela pedia.
Sentindo a agonia da sensação insana e urgente que o orgasmo
exigia, Surya levou a cabeça para trás e gozou, tremendo as pernas, sem
conseguir ter o controle delas. Thiago a segurou enquanto continuava
estocando e logo depois gozava junto também.

Aquela transa havia sido tão intensa quanto as outras e isso o


preocupou por nada ter diminuído. Thiago não queria se envolver pois sabia
que a qualquer momento ela se lembraria de tudo e apenas raiva dele ficaria.

Mas ele sabia o grande filho da puta que era, e aproveitaria cada
segundo que fosse daquela força impetuosa que os unia à depravação.
Capítulo 35

Surya estava deitada, sentindo a sensação gostosa e aconchegante do


corpo de Thiago. A pesar do calor do corpo dele se juntar aos das cobertas e
fazer com que ela sentisse calor, nada sobrepunha a alegria de acordar nos
braços dele, completamente saciada e relaxada.
Dormir com Thiago era interessante no nível que, ela sabia que ele
não roncava e raramente se movimentava, diferente dela que se mexia a
ponto de algumas vezes de ter acordado aconchegada no ombro dele, mas ele
jamais teceu comentários sobre.

A noite havia sido intensa e o sexo fervoroso. Se iniciou de maneira


selvagem e tempestuosa e havia acabado de forma branda e lenta, com ele a
penetrando lentamente enquanto se beijavam.
O simples pensamento já mexia com ela de uma maneira que a
deixava excitada. De todas as maneiras, transar com Thiago era muito bom,
muito mais que bom.
Surya olhou para cima e o braço dele estava posto sob os olhos e o
outro braço a segurava firmemente contra ele, meio que abraçando. Ela ainda
estava dolorida, sentia na intimidade vestígios da noite anterior, mas não
conseguia deixar de ter prazer.

Olhou para o corpo de Thiago e apreciou cada palmo do que via. Os


músculos, o tamanho que ele tinha, a forma como ele a olhava, a beleza e
elegância que ele prepotentemente emanava, mexiam com ela.
Passou as mãos no peito dele e traçou um percurso subindo e
descendo com as pontas dos dedos. Aproveitava e fazia o mesmo nos braços
fortes, vendo a pele dele arrepiar. A Carícia ia tomando proporções maiores e
mais ousadas, ao perceber que ele estava visivelmente duro, apesar do
cobertor esconder.

Subindo um pouco para cima, ela ajeitou o corpo de maneira que


ficasse um pouco em cima dele e tivesse acesso ao pescoço e desceu as mãos,
iniciando uma carícia no membro excitado por cima das cobertas. Em
resposta Thiago soltou um pequeno suspiro. Vendo que ele começava a
acordar, ela subiu mais para cima dele e colocou a boca no pescoço dele,
chupando, mordiscando enquanto esfregava a intimidade por cima do
membro já duro.

— Se continuar assim, vou te comer agora mesmo. — A voz grave


soou de repente.
Como resposta, ela apenas riu abafado no pescoço dele e gritou
quando Thiago se jogou sobre ela e a beijou de maneira sôfrega.
Beijaram-se com muito ardor, como se há tempos não fizessem
aquilo. Thiago a apertava e esfregava a ereção dele nela. Surya gemia em sua
boca e se abria cada vez mais. Thiago desceu a mão e aproveitando-se da
posição aberta que ela se encontrava colocou os dedos entre a fenda da
vagina e abriu.

Os dedos do meio e o anelar iniciaram uma carícia volátil que


buscava a lubrificação da entrada dela.
Sensações espalhavam por seu corpo e toda sua vagina, Thiago
concentrava a carícia no clitóris, fazendo movimentos de sobe e desce com os
dedos da mão. A deliciosa sensação a fazia abrir as pernas ainda mais,
buscando total conexão com o que ele fazia nela.
Descendo mais, ele começou a penetrá-la devagar apenas com os
dois dedos. Surya tentou se manter concentrada ao máximo no beijo, mas a
pressão fazia com que ela interrompesse o beijo para gemer e querer olhar
para o que ele fazia com ela.

Thiago olhava em seus olhos, enquanto aumentava a pressão com os


dedos, e a fodia de uma maneira deliciosamente imoral. Surya olhou para os
lábios convidativos de Thiago enquanto gemia o nome dele e o mordeu de
leve.

Olhou para baixo e o barulho característico de molhado denotava a


quão preparada para ele estava.
Percebendo que já estava quase gozando, ela parou os movimentos
dele e inverteu as posições. Colocou-se de joelhos a frente dele com certa
dificuldade por conta da tremedeira nas pernas e puxou a coberta para o lado,
colocando para fora o membro grande e grosso.
Com movimentos de vai e vem iniciou uma massagem erótica
olhando nos olhos dele. Thiago olhava para as mãos delas e deliciava-se com
aquilo. Sedenta, olhou para o que fazia e sentiu a imaginação trabalhar. Com
audácia reuniu saliva e iniciou chupando a cabeça, indo para a base e
empurrando até onde conseguia.

Babava e chupava todo o membro fazendo questão de deixar bem


claro para ele, que era ela que o fazia. Thiago estava de pernas abertas e as
costas encostadas na cabeceira da cama, bem como no sonho erótico que ela
havia tido com ele.
Thiago estava novamente entregue, e ela vibrava por estar realizando
o que sonhara outrora.
Thiago abrira os olhos e um brilho devasso, misturado com luxúria e
maldade pairavam em seu olhar. De maneira a manter mais contato visual, ela
masturbou o membro dele, esfregando-o entre os seios, aproveitando a
lubrificação que havia para escorregar o membro entre o vão.

Thiago a olhava tudo completamente vidrado e cerrava os dentes


enquanto gemia para ela.

— Você é mesmo uma putinha, né? Tá gostando de saber o que você


faz comigo?
Como resposta ela jogo os cabelos para o lado e sorriu provocante
amassando mais o pênis dele entre os seios dela. Thiago rosnou parecendo
possesso de raiva quando juntou com as mãos com os cabelos dela e a puxou
para cima.
Com gestos bruscos e precisos ele a colocou sentada, de frente para
ele em seu colo. Ela gostava da forma como as mãos dele pareciam deixar
rastros de fogo por todo eu corpo.

Com o membro dele raspando sua bunda, ele fechou as pernas e o


corpo dela literalmente foi parar por cima dele.
— Se masturba pra mim.
Sem entender muito bem, assistiu pouco confusa ele se deitar e ela
ficar por cima dele toda aberta.

— Acho que eu não entendi.


Com rapidez, Thiago pegou em suas coxas e a puxou de uma só vez,
a trazendo para se sentar por cima de seu peito, de pernas abertas e com a
vagina praticamente no rosto dele.
Sem saber bem aonde se apoiar, Surya levou uma mão para trás e
apoiou nas coxas grossas e musculosas dele.

Buscando um travesseiro, Thiago apoiou a cabeça e olhou nos olhos


dela.
— Abra mais as pernas.
Assim ela o fez. Gemendo ao ver o quanto aquilo era depravado, e
ficava ainda mais excitada, àpesar de levemente tímida.

— Agora se toca pra mim.


Um pouco envergonhada ela iniciou uma carícia boba na própria
vagina, mas que, foi ficando ainda mais atrevida. E ali, naquela posição,
soube que jamais fizera nada igual para qualquer outro homem. Concentrado,
Thiago olhava diretamente para o rosto dela, corada e suada, os olhos
fechados e da boca emitindo gemidos.
De pernas abertas, explícita com uma das mãos apoiadas em uma de
suas coxas, enquanto com a outra se masturbava praticamente em sua cara,
Surya estava toda melada e rebolava em cima dele.

Thiago a olhava endeusado pelo modo como ela o provocava de


várias maneiras. Treinamento algum o havia preparado para aquilo e ele não
sabia como lidar sem querer fodê-la de todas as maneiras possíveis.
Olhou para a mão dela se movimentando e esbarrou com os dedos
propositalmente, fazendo-a despertar do que fazia. De uma vez, ele a
penetrou com os dedos e iniciou um vai e vem rápido, somado ao estímulo
que ela fazia.
— Oh... meu Deus...

Thiago aumentou a pressão e Surya rebolou mais rápido sentindo o


orgasmo eminente que assolava todo seu corpo. Tremendo e se derretendo
toda por cima dele, Thiago a jogou para o lado enquanto ela tremia e emitia
sons desconexos e ofegava.
Vendo-a tão inerte, ele abriu as pernas dela e a penetrou de uma só
vez e Surya gritou. Não estava preparada e aquilo potencializou o orgasmo
que sentia. Thiago se movimentou rápido, fodendo-a de modo neandertal,
rangendo os dentes, chocando o quadril dele em suas nádegas e coxas e a
apertando com as mãos.
E mais uma vez, ele a marcava.

Estavam juntos, e esta era a melhor definição que cabia entre eles.
Dormiam juntos e acordavam juntos, as vezes até o banho tomavam juntos. O
sexo era sempre algo que eles faziam em quase todos os lugares possíveis e
Surya apenas ficava feliz em saber que finalmente o casamento deles
caminhavam para a melhora, mas ela sempre se sentia incompleta
imaginando aonde estaria Pedro.
Ela havia evoluído em alguns aspectos, lembrando de letras de
músicas, de bandas que ela sabia que gostava, mas isso não era o suficiente,
ela sempre tentava se obrigar a recobrar a memória para saber aonde Pedro
estava.
Thiago era calado e jamais demonstrava nada que lhe desse
esperança de que tudo aquilo não passava de sexo. Ela não queria se importar
e ficava sempre se lembrando das três promessas que fizera a si mesma.

Nos poucos dias que ficaram juntos, eles conversaram assuntos


aleatórios e jamais profundos. Ela queria saber como se conheceram, como
foi a infância dele, coisas do passado e quando Surya o fazia, Thiago
respondia de maneira silábica e punha sempre um ponto final na conversa.
Naquele dia, eles jantavam como se realmente fossem uma família.
Surya até sonhou com a cena enquanto via Thiago dar atenção a Júlia e seu
coração sangrou por Pedro.
Ela jamais se esqueceria do que passou, mas como tudo na vida,
seria hora de colocar uma pedra sobre aquilo. Não se fazia de coitada e nem
de esquecida.

Apesar dele nunca ter pedido perdão, ela levaria tudo que passou
como uma bela lição e jamais se deixaria esquecer de aonde estava pisando,
sabendo o marido que tinha.

— Vou viajar em três dias e Júlia vai comigo.


Surya levava o garfo até a boca quando parou o movimento no ar.
Da maneira como ele dissera, bruscamente e repentina, ela deduziu que a
decisão já havia sido tomada
—E eu vou poder ir com vocês? — A pergunta realmente soara de
maneira engraçada. Mas ela não queria ficar sozinha novamente.

— Ainda não. — Respondeu Thiago.


— Bom...— A resposta a deixou um pouco contrariada, mas ela
fingiu que não. — E eu posso pelo menos saber o porquê de Júlia ir viajar?
— Ela perguntou casualmente, escondendo a apreensão que aquilo trazia.
Apesar de Thiago lhe lançar um olhar enfadonha e Surya se sentir
incomodada um instante, ele respondeu:

— Marietta está com saudades dela e eu vou levá-la para que ela
veja a avó.
Surya não sabia bem o porquê, mas não acreditou no que Thiago
dissera. Olhou para ele e ainda não entendia o porque ela não poderia
acompanhá-los.
"Será se ele ainda sentia vergonha dela como sendo sua esposa e
por isso não queria que ela o acompanhasse?"—Indagou-se.

Ela realmente queria entender aquilo e queria conversar, mas na


hora, Ileana apareceu no cômodo, ao mesmo modo reservado e contido de
sempre.

— Desculpe interromper, senhor, mas o Dr. Leonardo Nanderitti


está aí fora.

Thiago assentiu para Ileana e olhou para Surya, dizendo:


— Terminamos este assunto depois.
Era estranho que apesar de estarem ali, um a frente do outro e de não
estarem distantes, ela sentia vontade de se aproximar dele e beijá-lo. Ele
pareceu sentir o mesmo por um momento até maquiar o que sentia e seu
semblante escurecer novamente. Deu as costas a ela e saiu a deixando para
trás.

Surya passava perto da biblioteca quando o barulho de alguém a


chamando lhe chamou atenção. Olhou na mesma hora e seu semblante
iluminou. Era Marina, a enfermeira que havia sido o mais próximo de amiga
que já tivera ali na Itália.
Claramente empolgada, Surya se adiantou até ela e trocaram um
abraço longo e forte. Para sua surpresa o abraço caloroso fora igualmente
recíproco.
Afastaram-se, ambas com um sorriso no rosto, mas no de Surya,
denotava surpresa.

— Eu não sabia que viria! — Surya disse a amiga.


Marina parecia radiante e Surya tinha uma leve impressão de que se
tratava do assunto que Leonardo estava levando com Thiago. Abrindo mais o
sorriso, Marina respondeu.
— Vim acompanhar o Leo. — A morena pegou nas mãos de Surya e
disse olhando-a com alegria. — Eu e ele vamos nos casar.

Surya se empolgou e a abraçou mais uma vez, felicitando-a. No


momento seguinte, saíram de dentro do escritório Leonardo e Thiago.

— Ah, vejo que as duas já se encontraram. — Leonardo saudou,


indo até Surya e a cumprimentando com um abraço. — Você está ótima,
Bárbara. Realmente se recuperou excelentemente bem.
Pela forma inusitada do cumprimento, ela se surpreendeu e olhou
rapidamente para Thiago, que conversava casualmente com Marina e não
pareceu se importar. Surya estranhou.
— Está tudo certo para o casamento. — Leonardo disse para Marina,
indo até ela e apoiando o braço em seu ombro.

Surya estava feliz e surpresa ao mesmo tempo e Thiago se achegou


até próximo a ela, sem necessariamente a tocar.
— Gostaria de saber se você e Thiago aceitam ser nossos padrinhos.
— Disse o rapaz tímido, ao mesmo tempo que levantava os óculos caídos do
rosto bonito com o dedo indicador.
Surya olhou para Thiago sem saber o que responder e ele pareceu
perceber e assentiu levemente com a cabeça.

— Para nós, será um prazer. — Abriu um sorriso para eles e se


aproximou mais de Thiago, assim como faziam o casal da frente.
Marina se empolgou e abriu um sorriso para eles e olhou para
Leonardo antes de propor.
— Então eu acho que Bárbara poderia me acompanhar até Milão!
Tenho que ver meu vestido de noiva e minha irmã disse que lá existem lojas
maravilhosas, que trabalham especificamente com isto!
Surya olhou para ela tão empolgada e feliz quanto, mas se lembrou
do marido controlador e mandão. Decidiu responder usando da inteligência
para não deixar a amiga em falta e nem Thiago contrariado.
— Posso ver com Thiago um dia para que ele nos leve até lá. — Ela
sabia que ele jamais tiraria tempo para isto, e Marina realmente pareceu
acreditar no que ela falara.

Já Leonardo a olhava surpreso e Thiago de modo enigmático.

— Precisamos ir, mas aquele assunto ainda está de pé... — Leonardo


falou em seguida para Thiago beijando-o no dorso da mão.
Surya imaginou com pesar que com certeza ele faria parte da
organização que Thiago atuava como chefe e por isso tinha ido dar a
informação de que se casaria com Marina.

Mas será que Marina sabia aonde estava se metendo?


Marina se aproximou e novamente pegou nas mãos de Surya e
apertou.
— Eu sabia que você era realmente muito bonita e me surpreendi
com sua melhora, mas ninguém me preparou para ver uma mulher tão linda e
diferente daquela que deu entrada no hospital naquele chuvoso dia!

Rindo com os olhos, Surya respondeu.


— Já se olhou no espelho hoje, Marina? Você também não fica
muito atrás...
As duas riram pelas gentilezas trocadas e Surya foi a primeira a
falar:

— Estou muito feliz por você!


— Oh, realmente? — disse parecendo surpresa e aliviada ao mesmo
tempo. —Achei que ficaria um pouco estranho a nossa relação, mas fiquei
tão aliviada que você...
— Como assim? — Surya interrompeu confusa.

O semblante de Marina era de quem havia dito demais e ela olhou


para trás vendo os dois homens ainda conversando.
— Eu acho que já disse muito por hoje...— Marina a olhava como
quem se desculpava.
— Por favor, Marina, me conte o que tiver a contar. Eu sempre
detestei ficar no escuro e é o que mais têm acontecido desde que recobrei a
memória!

Marina olhou para trás rapidamente e puxou Surya indo em direção


ao lado de fora da mansão. Ao chegarem na parte lateral da casa, a mulher se
explicou.
— Bem, ao que parece é que você nutriu sentimentos por Leonardo
e....na época que isto aconteceu, ele ainda era casado... — Surya sentiu uma
leve onda de vergonha e não acreditou de que se tratava daquilo.

— Mas nada realmente de fato aconteceu. Leonardo sempre foi um


amigo e membro fiel, apesar da tentação que sentia... O estopim fora quando
a ex-mulher dele foi até o consultório e encontrou você nua dentro do
consultório, esperando por Leonardo...

A cada palavra, Surya ficava ainda mais envergonhada, e uma cor


rubra subia em seu rosto.
— Por favor, Bárbara! Por favor! Eu não lhe contei isto para que se
sinta com vergonha! — Marina estendeu a mão e tocou o ombro da amiga
percebendo o que causara. — Eu não te conhecia nesta época, mas acredito
na redenção das pessoas! Pode não acreditar, mas Leonardo é completamente
grato por você ter feito aquilo, pois só colocou um ponto final em algo que
ele mesmo queria ter colocado há muito tempo, mas não tinha coragem.
Surya sentia os olhos lacrimejarem. Ela não poderia ter sido aquele
tipo de pessoa! Se negava a acreditar! Mas uma ideia nefasta passou em sua
cabeça e ela levantou os olhos de repente e encontrou os de Marina,
perguntou confusa:

— Eu acabei com o casamento dele! — Mais afirmou do que


perguntou.
— Não, não! Você só fez o favor de ajudar a terminarem logo com
tudo...— Marina pegou no rosto dela e levantou. — Olhe, perceba! Eu jamais
falaria isto a você se não tivesse confiante de tudo! O casamento deles já não
estava bem. Sabrina fazia chantagens emocionais usando um câncer benigno
que ela teve aos oito anos de idade como pretexto e Leonardo não conseguia
sair disso...
Por mais que ela dissesse aquilo, Surya não sentia alívio em saber
que já ficara nua e defronte a Leonardo na tentativa de seduzi-lo, sendo uma
mulher casada e com filhos pequenos. Ela sentia raiva de si mesma.

— Eu sinto muita vergonha disso..., mas eu realmente fico muito


feliz por não ter havido nada entre... entre... bem, você sabe. — Marina
assentiu e Surya continuou. — Com isso, eu já não sei se posso aceitar o fato
de ser madrinha do seu casamento...
A decepção no semblante de Marina foi visível.
— Não aceito isso, Bárbara. Eu a conheci em um momento muito
difícil, tanto para você como para mim, e eu a considero como amiga!
Leonardo não se opôs, pelo contrário! Me incentivou! Não aceito não como
resposta!

Apesar de ainda hesitante, Surya concordou, apenas para pôr fim à


conversa constrangedora. Mas desconforto era a palavra certa para definir o
que ela sentia.

Leonardo saiu de dentro da casa e buscou por Marina. Surya abraçou


a amiga e acenou para Leonardo se despedindo. O casal entrou no carro e
partiu, deixando uma Surya de coração apertado para trás depois de tantas
revelações precisas, mas ruins.
Ela ainda olhava ao longe o rastro de poeira levantada pelos pneus
do carro, quando uma limusine preta entrou em seu campo de visão. O carro
passou pela entrada e veio acelerando até parar de frente a casa.
Surya não queria ficar olhando, mas era inevitável. De repente o
motorista, vestido com roupas de chofer, desceu e foi abrindo as portas.

Desceram quatro mulheres, todas bem arrumadas e com ar de


elegância e requinte. Surya reconheceu como sendo as mulheres que a
olharam de maneira antagonista durante a festa e a encarou como ameaça aos
maridos.

Tudo nelas a fez com que se sentisse inferior. Até mesmo o modo
como elas a olharam, assim que a perceberam parada, mas Surya não se
deixou abater. Sustentou o olhar enquanto a que parecia ser a mais velha
entre elas, se aproximou.
— Bárbara, não é mesmo? — Perguntou olhando-a de cima a baixo.

— É ela! Eu estou falando, Demétria! — A outra falou logo atrás


enquanto alisava a saia.
— Não achava que seria tão gorda... —Uma outra falou.
— É o que aquele paisinho dela preza, Luana... Não dá para se
esperar muita coisa vindo de lá.

— Deve ter escola de como ser uma vagabunda que dá em cima do


marido dos outros! — Uma outra falou mais agressiva.
Surya se chocou por estar ouvindo aquilo e respirou fundo antes de
dizer.

— Se vocês se preocupassem em estar com seus respectivos


maridos, ao invés de distribuindo ofensas gratuitas, talvez eles ignorassem
esse lado peçonhento de vocês e lhes desse mais atenção. Talvez assim não
precisariam ter com outras! — Surya respondeu certeira, deixando as
mulheres desconcertadas.

— Senhoras! — A mais velha disse com falsa comoção. — Vamos


respeitar a dama da máfia! — A voz dela havia oitavado e denotava um certo
cinismo.
— Exatamente. — Thiago falou calmo de mais, vindo na direção
oposta até elas. —E eu as chamei aqui justamente para isto, para lhes dar uma
aula sobre hierarquia.
As mulheres, que até então estavam prestes a atacar Surya, ficaram
tímidas e apagadas quando viram Thiago.

Thiago andou até a porta da casa e abriu a porta, dando passagem


para que elas entrassem.
— Entrem. — O sorriso dele era nefasto e maldoso. Tanto Surya
como as mulheres pressentiam que nada muito bom estava por vir.
O assunto que Thiago teve para tratar com as mulheres foi levado
para dentro do escritório, junto com Diogo e dois outros homens. Thiago
ordenou que ninguém interferisse e que Júlia fosse mantida na área leste da
mansão por algumas horas.
Surya esperava pacientemente do lado de fora e suava ao imaginar o
que o marido estaria fazendo com aquelas mulheres. Ela fora proibida por ele
de entrar, mas isso não a aliviava. Ela sabia que elas eram hostis com ela e
que Thiago sabia disso, e de alguma forma ele as chamou ali para dar lhes
uma lição. Mas o que incomodava era a falta de humanidade em tudo aquilo.

De repente, o som de choro alto e lamúrias ela escutou vindos de


dentro do escritório e seu coração acelerou. Ela queria respeito, mas Thiago
além de conquistar isso nas pessoas ele impunha a condição através do medo
e Surya discordava veementemente destes métodos.
As mulheres choravam e um barulho de máquina de cortar cabelo
preencheu a agonia do choro delas. Surya não pôde acreditar no que sua
dedução lhe dizia. O som de choros e gritos aumentaram e Surya não
aguentou e saiu correndo dali.
Estava esgotada de várias formas e sua mente se chocava com as
informações daquele dia. Saiu em disparada da casa. Com a mente embaçada
e os olhos turvos, pensando repetidas vezes na angústia que fora o final
daquele dia.

A preocupação com Pedro, a vergonha de saber o que tinha sido e o


quão negativamente aquilo ainda perdurava, a fizeram andar sem rumo e
destino certo pela propriedade.
A propriedade era grande e na confusão ela não viu de fato aonde ia
até começar a sentir o cheiro característico. Surya adentrou no estábulo e viu
que ele estava vazio de pessoas. Foi até o cavalo negro de outro dia e o
animal imediatamente a reconheceu.

O cavalo recebeu de bom grado os carinhos que ela fazia na parte


frontal de sua cabeça quando alguém a agarrou por trás e cheirou seu
pescoço. A princípio ela achou que fosse Thiago, mas a caricia fora bem
estranha e diferente, o que denunciou.

— Eu sabia que cedo ou tarde você viria aqui me procurar.


Reconhecendo a voz ela tentou se esquivar, mas Roger não deixou.
A segurou como grilhões de ferro e a puxou ainda mais para ele enquanto
esfregava a ereção dele de encontro a ela.
— Desta vez não, querida... Vou te fazer lembrar do quanto era bom
aquilo que tivemos um dia.

Surya arregalou os olhos e tentou gritar, mas sua boca foi tapada.
Capítulo 36

Surya estava encurvada e se debatia, balançava o corpo na tentativa


de se soltar, mas Roger era forte e a segurava contra o corpo dele
encurvando-se sob ela.
— Não complique as coisas, Barbie. Você sabe muito bem como isto
entre nós é bom.

Roger tentava subir uma mão por dentro do vestido e alcançar os


seios dela, mas Surya lutava para afastar o contrato a todo custo. Na
brutalidade, ele puxou uma parte da frente do vestido, rasgando, fazendo com
que botões espalhassem pelo chão.
Uma das mãos dele estava em sua boca e Surya tentava alcançar
com os dentes alguma parte, mas escapava e ela sentia que não dava. Tentava
emitir alguns sons, mas era em vão, a mão dele abafava os sons agudos.
Na briga que travavam, Surya deu alguns passos para trás e Roger
foi junto, acabaram batendo na porteira que guardava um cavalo dentro da
baia e o barulho assustou o animal, fazendo-o relinchar e dar ré, inquieto.

Roger se indignou e acabou apelando para a força bruta e violência.


Arrastou Surya em direção às últimas baias, e a jogou sob o feno. O lugar era
escuro e fétido a fezes de animal, mas assim que ela se viu sem as mãos de
Roger tapando lhe a boca, aproveitou a deixa e gritou alto e forte, mas Roger
lhe deu um tapa no rosto que a fez cair por cima do feno novamente.
— Está fazendo todo esse joguinho, por quê? —Ele disse enquanto
desabotoava a calça e expunha o membro dele ereto. — Você adorava fazer
isso, não se lembra? — Disse enquanto se masturbava e olhava para ela cheio
de lascívia.
Tudo o que ela conseguia sentir era nojo e repulsa. Não se imaginava
tendo relações com aquele homem é o simples fato de pensar sobre lhe
causava náuseas.

— Eu não sou assim mais! Eu não faço mais isso, eu sou casada! Por
favor! — Ela dizia em negação, balançando a cabeça negativamente
chorando muito.

Roger apenas riu cético, ele parecia ter sérios problemas em aceitar
aquilo. Como resposta, partiu em direção a Surya, que, conseguiu desviar e se
colocar de pé rapidamente. Tentou passar por ele na clara intenção de fugir,
mas Roger a agarrou pelo vestido que rasgou ainda mais, e a trouxe para trás
novamente.
As mãos dele subiram até o pescoço dela e apertou com muita força,
enquanto a imprensava na parede de alvenaria da baia. Desesperada por ar,
Surya se debatia e com o ultimo fôlego, gritou ao não ver escapatória.

Roger colocou novamente a mão por cima da boca dela e apertou


com força. Os cabelos, outrora presos, haviam se soltado e agora caíam em
seus olhos, dificultando a visão.

Roger a olhava nos olhos com muita fúria quando disse brusco:
— Vou parar de apertar. Você vai parar de gritar?

Olhando para ele assustada ela balançou a cabeça numa afirmativa


urgente, sentindo o ar esvair.
— Se você se comportar, prometo fazer ser bom pra você também.
— As palavras soaram tão nojentas quanto o próprio ato em si.
Com repulsão ela virou o rosto para não ver, enquanto ele beijava-
lhe o rosto e rasgava o sutiã, na tentava de abocanhar-lhe um dos seios.

Surya chorava, e se esforçava para não vomitar de nojo. Ainda


sentindo os resquícios do aperto na garganta queimar, tossia, puxando o ar,
ainda assim lutando com a agonia que sentia, tudo ao mesmo tempo, mas
Roger não percebia.

De repente um latido ao longe ela ouviu e quando Roger deu uma


certa bobeira, compenetrado de mais num dos seios, Surya gritou alto,
tentando chamar atenção do animal.
Roger levantou os olhos, cheio de ódio, pegou em sua cabeça e bateu
diversas vezes contra as tábuas de alvenaria. Surya ficara meio inerte, e caiu
meio desmaiada no chão. Foi neste momento que Roger acabou a puxando
para o ele e a prendeu, segurando-a pelos cabelos.
O cheiro de urina de cavalo, era forte ali no chão, e Surya sentia-se
reduzida e humilhada. Vendo que as reações por parte dela iam parando,
Roger ria e vibrava feito louco, destruindo cada parte do vestido dela
enquanto arranhava sua pele com os gestos brutos e Surya tentava debilmente
se esquivar, mas sem êxito.

— Eu não queria que fosse assim, mas foi você quem pediu.

Percebendo o quão próximo ele estava de violá-la, Surya num último


golpe tentou reunir forças para acertar tapas, e gritar, mas a forte dor de
cabeça que sentia e o peso dele sob seu corpo impossibilitava.
De repente o cachorro que ela ouvira latir aparecera e Surya
reconheceu como sendo o cachorro que ela gostava de afagar de vez em
quando e que tanto fora motivo de piadas ofensivas por parte de Thiago.

O cachorro percebendo algo de errado, avançou sob Roger e o puxou


pela bainha da calça dele. O homem gritou quando o cão investiu em uma
mordida e o abocanhou no tornozelo. Surya, se moveu e tentou sair debaixo
de Roger, mas ela foi pega e puxada novamente. O cachorro levava algumas
pisadas fortes na cabeça, mas não largava, rosnando com raiva se negando a
soltar. Surya olhava para todos os lados em agonia e desespero, tentando
achar alguma coisa forte com que acertar Roger.
Ela viu pendurado na parede de alvenaria, um acessório que se usava
para limpar os cascos dos cavalos e tentou alcançar, mas Roger não a soltava
de modo algum. Esticando-se ao máximo, ela tentava bater na madeira para
fazer a cerra cair, e com muito custo, ela conseguiu que o objeto caísse.
Roger viu e a segurou pela cintura, prendendo-a no lugar enquanto ele
buscava pela cerra. Surya foi mais rápida desta vez e alcançou primeiro o
objeto, prendendo-o entre as mãos. Mas não durou muito tempo.

Logo, ela sentiu a adaga escorrer por suas mãos, pois Roger puxava
dela, enquanto o cachorro cravava os dentes nele. Era aflição, aperto, ânsia e
choro. Ela não entendia como alguém poderia ser tão mal, e os pensamentos a
fazia se esquecer de gritar.
Chorou de pavor por si mesma ao sentir que ele forçava sua mão
para que ela abrisse. Começava a doer e ela sabia que largaria a qualquer
momento.
Quando o objeto saiu completamente de sua mão, ela sentiu Roger
sair de cima dela e se voltar contra o cachorro batendo forte na cabeça dele
enquanto o pobrezinho emitia esguichos de dor, mas ainda assim, agindo
fielmente e não soltando Roger, sempre defendendo-a.

Ele estava tão compenetrado na maldade com o cachorro que Surya


saiu da posição de desvantagem que se encontrava e levantou meio trôpega.
Com muita sorte conseguiu passar por ele sem que fosse impedida, e ao
chegar na porta.
Com urgência, correu; com o vestido em trapos, correu; com a
mancha de sangue dela e do cachorro estampadas em suas roupas, e cheiro de
urina de cavalo e arranhões por todo o corpo, ela correu. O desespero, o
medo, a vontade de lutar era seu combustível naquele momento, e nada a
fazia voltar atrás.
O corredor de baias era longo, e ela pôde ouvir o barulho de Roger
correndo atrás dela e no embalo do desespero, correu mais rápido ainda. Ele
se jogou para cima dela e quando caiu a puxou junto, derrubando-a de frente
no chão. Surya caiu e machucou a boca, mas nada se comparava a dor de ser
sufocada pelo peso dele e o desespero por ter sido pega.

Roger ofegava e tentava retirar os cabelos dela da nuca. Ela começou


a chorar muito quando ele começou a rir e levantou o vestido, insinuando os
dedos em direção a intimidade dela.
— Foi você quem quis assim, princesa...
Roger a mordeu com força no ombro e Surya gritou. No momento
em que a boca dela se abriu, Roger tentou enfiar a mão dentro na intenção de
fazê-la engasgar e não gritar, mas Surya lutou se debatendo, e o mordendo,
enquanto sentia o membro dele raspar-lhe na entrada, e ela se contrair ao
máximo, com nojo dele.

Um estrondo, fez com que Roger olhasse para trás e seu rosto fosse
atingido por um soco bem forte. Ele capengou para um lado e, pela blusa foi
levantado, e retirado de cima de Surya. Thiago partiu para cima dele com
murros certeiros no rosto não dando chance alguma para que Roger ao menos
entendesse o que acontecia.
Diogo estendeu sob o corpo dela seu próprio paletó e Thiago parou
apenas para ameaçar quem quer que se aproximasse ou olhasse em direção do
corpo dela. Surya não conseguia não olhar para a cena grotesca de Thiago
acabando com o homem.

Thiago estava por cima de Roger e ele desferia socos no rosto do


homem, com extrema violência. Uma hora, Thiago parou e pegou na cabeça
de Roger e bateu repetidas vezes no chão, parecendo querer abrir o crânio de
Roger, que não fazia nada, apenas ficava inerte aceitando tudo e sem reação
alguma.

Thiago parecia outra pessoa, ele estava possesso e descontrolado.


Surya queria não olhar, queria virar o rosto, mas sentia a necessidade de
assistir aquilo. Ela não esperava vingança, e não apoiava violências, mas a
cena era grotesca e difícil de não se olhar.
Roger começava a expurgar uma enxurrada de sangue pela boca e
nariz, a cada soco. Thiago parecia que estava longe e em outra dimensão e
Surya sentia frio e medo.
Depois de muito socar, Thiago se colocou de pé e buscou um pé de
cabra que estava pendurado. Os cavalos faziam barulhos e batiam os cascos
no chão. As portas das baias que os guardavam dentro tremiam e faziam um
barulho alto, enquanto o chão vibrava com o peso dos animais inquietos.

Surya estava em choque e não conseguia parar de olhar. Sua


respiração ia acelerando à medida que Thiago se aproximava do corpo de
Roger, estendido no chão. Nada a preparou para ver Thiago acertar o crânio
de Roger e parti-lo, fazendo com que vazasse água, massa cefálica e muito
sangue. Thiago gritava furioso a cada vez que batia e abria mais o crânio, isto
perturbava ainda mais os animais e Surya, que depois de um tempo, já não
via mais nada. Havia desmaiado em choque.
Thiago bateu por várias vezes até o rosto de Roger ser somente uma
massa bolorenta de sangue e cérebro. Thiago estava sujo de sangue e seu
rosto estava tenebroso. Nenhum dos homens presentes ali, o reconhecia como
sendo o mesmo de sempre, de maneira alguma ele poderia ser!
Thiago se colocou defronte ao corpo morto e sem cabeça de Roger
quando sacou a arma e deu oito tiros na região pélvica do cadáver.

— Que o corpo deste verme seja dado aos cachorros, e a merda que
os cachorros fizerem sejam queimadas. Sacrifique o cão que está agonizando
lá nos fundos.
Nem mesmo a voz dele parecia a mesma. Todos se mantinham
calados e não ousavam dizer nada, muito menos o contrariar. À pesar do caos
de sangue que ele se encontrava, Thiago ainda conseguia manter a
imponência de sempre.
Ninguém sabia o que esperar vindo dele, naquele momento, mas não
se surpreenderiam caso a mulher desacordada fosse punida. Mas algo
aconteceu que os surpreendeu.

Thiago a pegou no colo e a aninhou como se ela fosse um ser


quebrável. O ambiente era tenso, sujo e pesado, destoavam do casal
aninhados e sujos de sangue.

Surya, como um último recurso, e ainda um pouco inconsciente,


virou-se para o lado e vomitou, sentindo toda a ressaca da cena grotesca que
acabara de presenciar.
Thiago a ajudou, segurando lhe o cabelo e alisando suas costas
enquanto ela vomitava tudo o que havia comido. Ao final, quando sentia o
estômago menos revolto, ela se sentiu mentalmente exausta e foi fechando os
olhos novamente.

Mas antes que fosse tragada pela escuridão, ela olhou para Thiago e
enxergou algo diferente.
No último momento ela viu algo que jamais sentiu por ali: Piedade.
Capítulo 37

A medida que Thiago andava em direção a casa com Surya


desacordada, com roupas rasgadas que a deixavam meio seminua, arranhada
e amparada nos braços dele, os empregados que andavam ou conversavam
pela fazenda, quando viam a cena, paravam de falar e automaticamente
baixavam suas cabeças em sinal de respeito.

Algumas mulheres olhavam apavoradas, mas som algum emitiam


além da expressão de espanto.

Assim que Thiago entrou com Surya nos braços em casa, os


empregados que passavam, se espantaram e um deles ousou perguntar se ele
precisava de ajuda, mas Thiago ignorou.
Ele era pura preocupação e ódio. Não se conformava em ter matado
Roger somente daquela maneira e sua vontade era de ter feito muito mais.
Thiago mantinha a mandíbula rígida, numa clara demonstração do ódio que
sentia de tudo aquilo.
As roupas estavam completamente sujas de sangue, o rosto também,
mas além de tudo, Thiago se sentia revigorado, matar pessoas sempre
pareciam trazer a existência uma parte iníqua que ainda desconhecia.

Thiago depositou Surya sob a cama e logo Diogo entrou no quarto,


ficando alguns metros de distância deles. Sem olhar para trás, dando toda a
atenção que tinha para o corpo inerte e machucado sob a cama, Thiago
ordenou:
—Mudança de planos. Levarei Surya e Júlia. Não posso deixa-las
aqui sozinhas.
— Certo. Vamos aloca-las na mansão em Tijuana?
— Sim. Manteremos a aparência e será perfeito para o que tenho em
mente.

— Certo. Vou avisar Spencer e vocês saem daqui ainda esta noite...
— Ele ainda continuava paralisado no mesmo lugar e olhou furtivamente
para a mulher deitada na cama. — Precisa chamar o Nanderitti?
Thiago não havia pensando na possibilidade de Surya estar
machucada e se quer cogitou chamar um médico. A pergunta o deixou sem
resposta e ele mal se reconheceu. Sua cabeça, sua mente, seu corpo, ele por
inteiro, ainda estava preso na cena que vira pelas câmeras de segurança.
— Me mande mensagem se precisar que o chame. — intuitivamente
Diogo falou.

Thiago nem mesmo se quer assentiu, apenas olhava para olhar o


corpo inerte na cama. O som da porta se fechando indicou que Diogo lhes
dava o momento a sós e que ele tanto precisava.
Surya estava pálida e o vestido estava todo rasgado, e uma sensação
ruim se apossou de Thiago, no simples pensamento de que ela quase morreu
por um simples descuido dele.
Um paletó, que ele reconheceu não sendo dele, tapavam mais ou
menos o corpo dela e ele odiou o fato da roupa de outro homem estar
cobrindo-a. Indo até a lateral da cama, Thiago agarrou a peça de roupa
masculina e a jogou no chão, vendo realmente o estado que o corpo dela se
encontrava.

Marcas de lutas estavam presentes e ele controlou a onda de ódio


que percorreu em seu corpo, ele parecia querer ficar possesso.
Recobrou as memórias para o dia em que descobriu que Bárbara,
havia fugido com os filhos e se sentiu igualmente falho e impotente como
naquele dia. Os testes da metamorfose não haviam sido páreos para todo o
desenrolar daquela história pois não se eram levados em consideração os
sentimentos.
“Sentimentos, sentimentos, sentimentos...” — A palavra pairou em
sua mente como se ele buscasse o significado... ou será que estava mais para
um aviso?

Todo o ódio que ele sentia parou ao dar lugar para o espanto. Thiago
deu-se conta de que ele mesmo usou aquela palavra para definir o que tinha
por Surya.
A constatação daquilo o fez ficar enfurecido consigo mesmo. Thiago
retirou o terno e a blusa suja do sangue do verme. Ainda desnorteado pelos
pensamentos, buscou o rosto de Surya e avançou sobre ela de só uma vez,
ainda envolto em cólera. No último momento controlou o impulso de acorda-
la com violência.
Não havia espaço dentro dele para nada, muito menos sentimentos.
Thiago sabia que aquela mulher não podia ser palco para suas loucuras. Seu
lema era seus filhos e unicamente eles.

Mulheres eram um assunto totalmente a parte, sempre foi e sempre


seriam. O que tinha com ela era apenas algo que aconteceu sem que ele
premeditasse... Não era?
— Mas que porra! A quem quero enganar? — Indagou com ele
mesmo, percebendo aonde os pensamentos chegaram. —Estou mais
envolvido com ela do que no resto desta merda toda. — Era a conclusão que
ele tirava.
Mentir e dizer que Surya não mexia com ele, e que ele não a
desejava era mentira. Mas naquele dia, ver os resquícios do ataque, o fez
sentir que tudo aquilo ia além de desejo.
Preocupação? Talvez.

No momento que o relógio acusou a frequência cardíaca de Surya


diferente, ele automaticamente estranhou e pediu para que um soldado fosse
ver aonde ela estava. Foi quando minutos depois, a imagem de Roger
arrastando Surya para dentro do estábulo projetou-se na tela de seu celular.
Naquele mesmo momento uma espécie de bolor subiu e até mesmo
sua respiração ficou suspensa, dando lugar a um outro Thiago, que nem
mesmo ele reconheceu.
Vestindo novamente a máscara fria de sempre, Thiago ficou
totalmente nu, jogando as roupas no lixo e buscando alguns lenços de papéis.

Cuidadosamente retirou os trapos que restavam em forma de vestido.


O belo corpo havia ficado apenas de peças íntimas e Thiago se concentrou
em inspecionar minuciosamente cada parte do corpo em busca de sinais de
violação.

Fora algumas escoriações e arranhões, não havia nenhum trauma


vaginal e ele se deu conta de que de fato não havia sido violada por pura
sorte, mas ele não se odiou menos por isso.
Com zelo, Thiago molhou um pano limpo e passou no corpo dela,
tentando limpar os vestígios sem acorda-la. Mas de vez em quando, ao tocar
certos pontos de seu corpo, ela se mexia ou se contraia de maneira
involuntária, respirando freneticamente, mas não acordava.

Nestes momentos, Thiago sentia uma sensação estranha sem bem


saber dizer o que era. Beirava a de desespero, mas ele não sabia o que era
sentir aquilo, por isso, não podia comparar.
Mas haviam outras sensações que Thiago sentia purgar dentro dele:
a sensação de falha e fracasso. A mesma que o fez companhia nos momentos
de busca pelos filhos.

Ela não acordou. Nem mesmo durante o vôo para Tijuana. Em


alguns momentos que o fazia era de maneira catatônica, mas ainda assim, sua
mente parecia querer dar a ela um tempo para se recuperar.

Thiago se dividia entre achar isso bom e ao mesmo tempo muito


ruim. Bom, por não ter que dar explicações do porquê estavam indo ao
México, e ruim, por não saber o que se passava realmente com ela.

Ele havia feito ligações e tomado alguns conselhos com Marcelo


Rubio, o mesmo psicólogo que o instruiu no início da descoberta da perda de
memória, mas os conselhos se baseavam em deixar que o tempo curasse tudo
aquilo, e que também respeitasse o tempo dela. Thiago sempre acabava
interrompendo a ligação, antes mesmo do final. Paciência nunca fora o seu
forte e Marcelo Rubio bem o sabia.

Júlia se mantinha inquieta e Gabriela fazia o máximo para entreter a


menina, mas o caso de reclusão de Surya era tão sério, que nem mesmo a voz
da filha a despertava por completo.
Spencer havia ido naquela viajem também. Ajudaria com algumas
questões e seria ele a vigiar Surya e Júlia de perto quando Thiago precisasse
se ausentar. Diogo, por ser o Subchefe, tivera de ficar para trás e tomar de
conta dos assuntos, e com Thiago, ficou a responsabilidade de colocar um
fim na pior e mais vagabunda Dama da Máfia dos últimos tempos: Bárbara
Lima.
Em Tijuana, o índice de marginalização e monitorização da CIA e
FBI eram grandes, justamente por seu território facilitar a chegada ilegal aos
Estados Unidos. Thiago certamente tomaria muita precaução e jamais
pensaria em levantar suspeitas, o que seria ideal com a presença da filha e
esposa ali.
A mansão que ficariam ficava em um bairro bastante reservado e
elitizado, um pouco distante do subúrbio de toda cidade. O lugar havia sido
um presente de Carlo, e Thiago pouco usava, mas os caseiros estavam cientes
e tinham preparado tudo para recebê-los.

Toda a arquitetura da mansão era em estilo mexicano, com pilastras


sustentando arcos que decoravam a faixada, portas de vidros, muitas luzes e
candelabros. Mas foi o grande chafariz no meio do pátio que pareceu
encantar Júlia.
Ninguém tocava em Surya sem sua permissão e era Thiago quem a
carregava sempre. Ela parecia uma viva-morta. Apenas fazia o que Thiago
mandava e ele imaginou ser por conta dos últimos traumas que presenciou.
Foi ele quem a banhou, vestiu e deu de comer por dois dias enquanto
Surya não emitia emoções e seus olhos apenas vagavam.

Thiago tentou perguntar, mas não obtivera respostas. No fim, ela


apenas se deitava e puxou as cobertas até os ombros, virando para o lado e
dormindo.
— Como ela está? — Spencer perguntou preocupado. Thiago estava
de saída, colocaria o plano em ação para que tivesse mais tempo para
descansar e cuidar de tudo.
— Em estado de choque. Por enquanto ela está dormindo.

Spencer parou e o olhou.


— O que você vai fazer? E se ela acordar e a memória ter voltado
por conta do trauma?

Thiago entendeu bem o que o primo se referia.

— Ela é minha mulher agora e protege-la, é o meu dever. Ela estava


sob minha responsabilidade enquanto o inferno dessa memória não volta... E
quando acontecer, saberei o que vou fazer.
Júlia veio correndo dos fundos da casa com Gabriela vindo logo
atrás dela, o barulho da criança chamou a atenção deles. A menininha
correndo veio até o pai e se jogou no colo dele, rindo com os beijos que
Thiago distribuía ao longo do rostinho.
Thiago olhou para Júlia e apreciou o quão parecida com ele a filha
era.

Era de fato algo a ser considerado como uma dádiva, e fora


exatamente o impulso que lhe deu para sair de casa naquele dia e colocar sua
vingança em ação.
Thiago aproximava-se sozinho num pequeno barco motorizado.
Giba e alguns soldados, haviam ficado para trás, eles ajudariam a manter a
paz caso o desespero das pessoas começassem.
O sol estava se pondo, mas não apagava a beleza do lugar
paradisíaco. Thiago escolheu a parte mais distante da verdadeira entrada da
ilha, não querendo chamar a atenção.

Sem problemas, ele conseguiu chegar até a margem da ilha. O lugar


parecia um paraíso perdido. Coqueiros e plantas nativas, contrastavam com a
areia branca que absorvia as águas de cor azul ciano, que eram jogadas na
encosta do mar com a força das ondas.
Não tivera problemas para retirar o pequeno barco de dentro d'água e
colocá-lo à salvo das ondas. Thiago era muito bem instruído em questões
marítimas e naquele momento, nem mesmo o excitamento do momento que
sentia seria páreo para o que estava prestes a acontecer.
Olhou para dentro da ilha e um pequeno deque de madeira trilhava o
caminho que ele tinha de seguir, esta era uma das instituições que Carlo havia
dito mais cedo.

A medida que Thiago ia se aproximando da casa, o volume da


música alta ia aumentando. Logo escutou o barulho de risadas, gritos
festivos e vozes ao chegar à frente da grande mansão estilo praiano, no meio
de toda aquela vegetação tropical.
O calor e o mormaço ainda incomodavam, apesar do dia ir caindo.
Thiago vestia bermudas e camiseta lisa, havaianas e um boné. Muito
diferente do habitual terno e gravata de sempre e para alguns, irreconhecível.
Mas quem tinha de o reconhecer, certamente reconheceria.
A porta da frente estava aberta e logo ao entrar, a visão que ele
teve foi de um casal de homens se beijando no sofá.

“Mas que porra é essa, Carlo? ” — Pensou consigo mesmo.

Ao passar pela porta, Thiago foi recebido por uma lufada de ar e


percebeu que a temperatura dentro da casa era controlada por ar
condicionado, gratulou mentalmente por aquilo.
Alguns soldados espalhados por ali, logo o reconheceram, mas a
ordem dada era para que ninguém o cumprimentasse da maneira honrosa da
máfia, por isso, ele recebia apenas maneios de cabeça em sinal de respeito,
por onde passava.

Dentro da casa estava iluminado a meia luz, mas do lado de fora,


havia a música alta, jogo de luzes e fumaça, embalavam o ambiente. Nem
pareciam que estavam no meio de uma ilha. Carlo conseguira deixar o local
uma verdadeira boate.
Nos fundos havia uma grande piscina e pessoas dançando e se
divertindo, as luzes espalhadas davam um efeito que a batida da música
pedia.

Thiago ia andando disfarçando, mas sempre atento e procurando a


razão de tudo aquilo. Ele sentia o cheiro de sexo e luxúria no ar, mas nada
daquilo se comparava a excitação de sentir prestes a pôr as mãos em Bárbara
depois de quatro anos de procura.
Alheio ao redor, ele passava por pessoas se beijando, ignorando
totalmente os carinhos explícitos de outras no caminho, sem nem se chocar.
Ele já havia transado com mais de uma mulher ao mesmo tempo, não julgava,
mas o sexo que acontecia ali, nem beirava aos que ele era acostumado, era
sujo e sádico.
Thiago sabia da capacidade do amigo de convencer e como era ele
quem dominava tudo ali como um verdadeiro rei. Todos os convidados eram
confiscados os celulares, relógios e eletrônicos. Figuras públicas
participavam, autoridades participavam, e esse era o principal meio de
engajamento de Carlo, além do que, era o que ele mais amava: sexo explícito.

Havia muita segurança no local, e tudo aconteceria de maneira e


forma sigilosa, e quem não respeitasse, Carlo simplesmente aniquilava.
Ambiente perfeito para os que posavam de bons moços, mas no fundo
gostavam de todo tipo de fetiches.
Havia um número grande de mulheres sem a parte de cima do
biquíni dançando para alguns homens que as apreciavam. Nas mesas
espalhadas no local, drogas, muitas notas de dólares e muitas, muitas garrafas
de bebidas.

Por fora, grupos espalhados por toda a festa, cada um inserido em


seu próprio fetiche, fantasia ou sexo depravado.

Bem mais afastado de toda aquela bagunça, havia um caramanchão


de madeira negra, decorado como um ambiente de laser, com sofás e
almofadas cinzas, deixando-o com aspecto rústico e chique. No meio dele,
algumas pedras sustentavam um arado de bronze com toras de madeiras
crepitantes e acesas, que formavam uma rústica e bela fogueira.
Carlo estava sentado bem ao centro com duas mulheres nuas da
cintura pra cima, em seu colo. Uma o beijava calorosamente na boca,
enquanto outra o lambia no pescoço. Perto deles, uma mulher deitada e toda
aberta, deixava que um homem colocasse o pé dentro de sua vagina enquanto
ele se masturbava.
Mas sentado no sofá ao lado, havia um homem descalço, de shorts
arriados e sem camiseta. Ele estava de pernas abertas e a sua frente,
chupando-o, estava uma mulher de cabelos vermelhos vivos, enquanto uma
mulher loira, que Thiago reconheceu imediatamente, beijava o na boca.

Um sorriso diabólico apareceu no rosto dele, e naquele momento,


Thiago desejou com todas as forças avançar em Bárbara, mas ele se ateve,
instigado ao pensamento de que a vingança daquele dia, seria o prato cheio
da noite.
Capítulo 38

Thiago olhava de longe as carícias e insinuações se tornarem mais


quentes e oportunamente, luzes mais fortes na cor vermelha se acenderam.
Era o momento que a sodomia e esbórnia começaria.
Ele se preparava para pôr em ação seu plano, quando sentiu mãos
leves o agarrarem por trás e subirem por seu peito.

Olhou para baixo com o cenho franzido, sentindo nojo, uma repulsa
latente por quem quer que fosse que o fazia. Virou-se de uma só vez e viu
uma mulher completamente nua o olhando de maneira claramente
convidativa, enquanto abaixava uma das mãos e o pegava pelo pulso,
indicando um grupo de pessoas que transavam, aglomerados e envolvidas de
mais entre elas. Era um convite silencioso.
O lugar para onde a mulher o chamava era pouco iluminado,
escondido na penumbra e as pessoas que estavam ao redor dali, se envolviam
demais, concentradas no que faziam.
Thiago a seguiu em silêncio, os olhos escuros sem transparecer toda
o ódio que o consumia.

Ela o levou para próximo de uma pilastra de mármore, mas Thiago a


direcionou para detrás da pilastra.
Achando que o que ele queria era mais privacidade, pegou as mãos
grandes do homem e as colocou em seus seios e apertou.
Thiago sentia repugnância a cada segundo, olhou para os seios da
mulher e se lembrou de Surya. Movido por indignação, ele não viu a hora
quando avançou com as mãos subindo pelo pescoço dela e a segurou dos dois
lados da cabeça, torcendo para o lado com força e de uma só vez, deslocando
o pescoço do lugar e a matando imediatamente.

O baque surdo da mulher caindo, foi abafado pela música e gemidos


altos. O corpo nu e inerte no chão, pareceu ascender a mesma chama de ódio
que ele sentira ao salvar Surya de Roger.

Thiago girou o pescoço olhando em volta do lugar ande estava, e se


deu conta de que era uma sala, iluminada de vermelho, e que era ligada aos
fundos da casa, ali era uma espécie de ambiente para ser praticados sexo
grupal.
Um dos soldados de Carlo passou por Thiago, — que começava a
andar em direção contrária, voltando novamente ao lugar de antes — e
disfarçadamente ele retirou o corpo da mulher morta de onde ela estava.
Thiago saiu para fora e um vento morno o recebeu, Carlo o viu de
longe enquanto três mulheres o envolviam com carícias de mãos e bocas. O
único gesto que ele fizera foi dar um meio sorriso e um maneio de cabeça.

Thiago o respondeu à altura e começou a se aproximar com andar


predatório, juntamente com mais dois outros soldados que cercariam o local,
caso Bárbara tentasse fugir.

De longe, ele via ela inclinada por cima do quadril de um homem,


fazendo sexo oral nele, enquanto um a enrabava por trás e outro, de pé, se
masturbava vendo toda a cena.
Bárbara gemia e falava obscenidades, desfocada de tudo o que
acontecia ao redor. Os homens vibravam e foi quando Thiago se achegou
para mais perto, parando próximo a eles, pairando sobre eles, olhando-os de
cima.

Bárbara de início não percebeu sua presença, mas os homens que


transavam com ela, foram se afastando, restando apenas o que ela chupava.
Os homens sabiam o que aconteceria e já estavam preparados.

Bárbara sentiu falta do prazer que estava sentindo e levantou a


cabeça para reivindicar, mas viu um homem alto e grande parado. No mesmo
momento ela se sentiu atraída e excitada com ele.

O homem desconhecido estava de boné e não se podia ver bem seu


rosto, pois ele estava de costas para a luz do fogo e a claridade não chegavam
até seu rosto, mas pelas feições meio escondidas, barba cerrada e rosto
quadrado, Bárbara conseguia dizer que era um homem muito bonito. Mas
tudo nele a fez se lembrar de alguém, mas ela não sabia quem.
— Quem seria? ...Quem seria? — Pensava consigo mesma.
Ao descer os olhos pela camiseta marcando os músculos e porte
físico, e os shorts evidenciando as coxas másculas e corpo viril, seu nível de
incitamento elevou-se. Os homens com que ela transava, afastaram-se e
ficaram de longe, olhando em silêncio. O homem misterioso apenas a olhava
e ela começou a se sentir estranha, quase que intimidada com a atitude dele.

Tentou sorrir e passar as mãos pelos longos cabelos, alisando-os


enquanto olhava de forma provocante para o estranho, o que surtiu efeito. Ele
começou a se aproximar, e a medida que a luz da fogueira começava a
penetrar a penumbra que o boné fazia, o sorriso de Bárbara ia morrendo.
Quando o homem chegou bem perto, seu coração parou e ali ela
soube que não teria escapatória.
— Te achei, vagabunda.

Uma onda de terror percorreu seu corpo e ela se colocou de pé


rapidamente, em cima do sofá, estendendo as mãos a frente do corpo, num
ato de proteção, com os olhos arregalados e o rosto em pânico.
Calafrios percorriam seu corpo, ela se quer conseguia falar, do tanto
que estava em pavor. Nunca achou que seria pega, nunca achou que seu
paradeiro seria descoberto, e sua mente dava voltas sem achar respostas de
como ele havia conseguido.
— Eu te procurei! — Tentou se defender. —Tentei entrar em
contato com você, mas aquela idiota não deixou! Roubou nossa filha e....

Um tapa cheio fez com que ela voasse para o chão do deque e
batesse com a cabeça. Os homens acabavam por somente abrir espaço e Carlo
se levantou junto com as mulheres, que continuavam abraçadas a ele e riam
de algo.
— Homens? Boa diversão! — Disse se retirando, indo em direção às
portas da sala vermelha que se encontravam abertas.
Bárbara caída no chão, cuspia sangue e saliva, tentando se levantar.
Thiago foi até ela e a retirou do chão pelos cabelos, aproveitando para pegar
em seu pescoço e apertar. A jogou por cima do sofá e subiu por cima de seu
corpo, chegando bem perto da face dela, apertando forte, vendo a ficando
vermelha, e veias saltarem por seu rosto.

Ele queria acabar com ela, mas antes, faria com que ela se
arrependesse pouco a pouco de sua própria existência.
Bárbara esganiçava e virava os olhos, lutando contra as grandes
mãos ao redor de seu pescoço. Thiago tirou uma mão e bateu forte em cada
lado do rosto dela, sentindo verdadeiro nojo.
Barulho de risadas e vozes animadas o tiraram do estupor e Thiago
olhou em volta. Um grupo de homens se masturbavam enquanto olhavam a
cena que ele protagonizava. Thiago a soltou e a puxou pelos cabelos indo até
o arado de bronze que sustentava as madeiras crepitantes.
A medida que ele se aproximava do lugar quente com ela, Bárbara
começava a tentar gritar, mas tossia descontroladamente, em busca de ar.

Empenhava-se em manda-lo parar, pedindo por misericórdia, mas


Thiago não escutava. O sentimento de excitação e a cegueira que a vingança
requeria sobrepunha a qualquer outra coisa.

Thiago olhou e viu um pedaço de tora de madeira, que queimava


mas não por completo, haviam muitos pontos de brasas vivas e era o que
bastava. Bárbara estava completamente assustada e alguns homens chegavam
mais perto, instigados, excitados se masturbando freneticamente prevendo o
que aconteceria. Pareciam doentes, beatificados em forma humana, o que
deixava o ambiente ainda mais diabólico.
Com toda a força que tinha, Thiago segurou Bárbara de costas e a
imprensou junto ao chão, pondo o pé em sua cabeça, esmagando-a, enquanto
ele balançava a madeira e brasas quentes caíam pelo corpo dela. As plateias
de pessoas gritavam e vibravam, protagonizando uma cena bizarra.
Bárbara tentava levantar mas a cabeça presa debaixo do pé de
Thiago fazia uma pressão e dor terrível, ao ponto dela achar que teria o crânio
esmagado. As brasas acesas caíam em seu corpo e a queimavam fundo, pois,
uma vez em sua pele, elas grudavam e não saíam tão fácil, mesmo se
mexendo.

A sensação foi horrível que os gritos que ela dava não eram capazes
de aplacar o que sentia e por um momento ela quis morrer.
Thiago olhou em volta e viu que o que protagonizava era um
verdadeiro show para aqueles que aprovavam de sodomia e fetiches bizarros.
Decidido a não terminar o que tinha em mente de fazer, ele procurou outro
pedaço de madeira, mas desta vez, um bem flamejante, e igualmente cheio de
brasas.

Mentalizando o rosto da pessoa vingada, Thiago disse:

— Isto, é pelo erro grave que você me fez cometer. E pelo engano de
achar que eu jamais descobriria tudo.
Ele ajoelhou, e prendeu com as pernas o tronco e os braços dela.
Procurou a coxa esquerda e se preparou para o golpe que daria. Com toda a
força que tinha, Thiago esmagou a madeira acesa na coxa dela, vibrando por
dentro, ao ver a agonia e toda dor que Bárbara sentia.
Ela gritou forte e agudo, tremeu-se toda, na tentativa de se soltar,
mas Thiago era forte e a prendia, parecendo querer transladar a madeira
flamejante até chegar ao outro lado de sua perna.

O agouro foi tanto que Bárbara se mijou inteira e alguns homens que
se masturbavam pararam na hora, olhando estarrecidos e um deles vomitou.
Na perna havia sido aberto um buraco. Sangue, água e gordura
corporal vazavam. Era a cena mais grotesca e maldosa que Bárbara já
presenciara. Ela chorava e se tremia toda, ainda tentando sair de perto dele,
mas de nada adiantava. Thiago a segurava fortemente no lugar.

Quando a estaca já não fazia mais barulho encostada na perna dela,


Thiago soltou o pedaço de madeira e puxou Bárbara pelos braços, saindo
dali. Alguns aplaudiam, tremiam de excitação, outros olhavam assombrados,
achando que tudo não havia passado de uma encenação pesada e real demais.

Thiago a arrastou pelo braço de maneira neandertal, fazendo questão


de passar pelo caminho onde mais tinha cascalhos e Bárbara o xingava,
gritando absurdos para as pessoas e chorava.
Bárbara se debatia, praguejava e ainda lutava tentando se soltar, mas
a dor na perna era descomunal e ela podia sentir o cheiro de queimado e ver
um pedaço do osso exposto. Ela estava nua, ensanguentada, ferida por todo
corpo e cheia de queimaduras espalhadas.
Ao chegarem perto do barco, Thiago a largou propositalmente,
fazendo com que a cabeça dela batesse no chão de areia fina e pequenos
grãos caíssem em seus olhos e a cegasse momentaneamente.

A luz da lua iluminava de um modo diferente naquele lugar. Dava


para enxergar tudo, inclusive ver perfeitamente a gravidade da queimadura de
terceiro grau na perna de Bárbara, e Thiago deleitou-se com isso. A sensação
do prazer sobrepôs ao ódio latente que sentia.
Com raiva, ele a pegou de qualquer jeito e a jogou dentro do barco.
A areia branca impregnava nos lugares que tinham sangue e urina, o que
havia e muito por todo o corpo.
Ele reparou que de fato era muito parecida com Surya fisicamente,
mas ao mesmo tempo, em nada se pareciam. A tatuagem no pé da barriga,
uma novidade até então, escondia a marca da cesárea, os seios grandes e
empinados denunciavam o silicone, e todo resto parecia mais anti natural do
que a última vez que a viu.

Bárbara gemia de dor, gritava palavrões, completamente enfurecida


e abraçada a perna, enquanto Thiago colocava o barco dentro d'água e ligava
o motor, conduzindo o pequeno barco para longe da ilha.
O semblante dele era obscuro, as pupilas dilatadas deixavam seus
olhos perturbadamente negros, e assustava a maneira sanguinária com que ele
a encarava. Thiago sentia total prazer em finalmente poder lavar suas mãos
no sangue dela.
— Seu filho da puta, desgraçado! Era para eu ter feito muito pior! —
Ela gritava enquanto Thiago conduzia o barco pelo mar de águas negras. —
Era para eu ter matado aqueles dois diabinhos que você chama de filhos!
Dominic Lang vai acabar com sua raça e eu vou torcer para ele começar com
seu herdeiro!
Como um raio, Thiago avançou em Bárbara e a puxou pelo braço,
fazendo com que o corpo dela batesse nas madeiras de apoio do barco.

Thiago a jogou dentro do mar e segurou o corpo dela dentro da água


gelada pelos cabelos, ali, naquela posição, a afogou e a prendeu por mais
tempo que o necessário. A mulher se debatia tentava o arranhar, mas era em
vão. Em agonia, pela falta de ar, e pela água salobra que queimava lhe a
garganta e os ferimentos, Bárbara se sacudia em agonia continua.
Quando o corpo ficou meio inerte, Thiago o puxou de volta. Jogou a
num canto e por alguns minutos, ele desfrutou do silêncio que precisava.
Bárbara acordou com o incômodo do frio que sentia, mas
permaneceu deitada, fingindo que estava desacordada. Seu corpo estava
totalmente gelado e ela sentia que morreria de hipotermia. A ferida na perna
latejava e ardia com a água salobra, os olhos também ardiam, a garganta ardia
e ver tudo negro debaixo d'água, não havia ajudado muito sua situação.

Abriu os olhos levemente, buscando Thiago e o viu compenetrado.


Ele olhava para cima e depois de um momento, percebendo que ela havia
recobrado a consciência, a olhou de maneira torpe e cheia de nojo.
Levantando, com ajuda do apoio das mãos, Bárbara percebeu que há
poucos metros deles um iate luxuoso, enorme e todo preto, era visível.
Naquele momento ela temeu pois sentiu que aquilo já ia longe demais.
Bárbara virou o pescoço e olhou bem para Thiago, que a encarava
indiferente sem dizer nada. Assombrada e assustada, acusou-o com voz
vacilante:

— Você é louco!

Para o espanto dela, Thiago abriu um sorriso nefasto e respondeu:


— Você ainda não viu nada.
Enrugando o meio da sobrancelha, ela se desesperou, sabendo por
ela mesma que aquele homem em nada se parecia com o que ela havia
conhecido e com o que Dominic Lang dissera a ela.

Batendo os dentes de frio, e encolhendo uma perna, ela o olhou


bastante temerosa, e pela primeira vez, experimentou do pânico que estava
por vir.
Capítulo 39

Assim que chegaram até o Iate, tiveram ajuda dos soldados para
subir. A medida que o barco ia sendo içado, ficava difícil de Bárbara
enxergar a grandiosidade do Iate por causa das luzes fortes que emanavam, à
medida que cada parte aparecia.

Assim que chegaram no último andar, Thiago saiu do barco e


recebeu assistência de um soldado muito experiente em assuntos marítimos.
Já Bárbara, teve dificuldades em sair do barco e reclamou veementemente por
ajuda, mas todos apenas a olhavam. Ninguém tinha o aval de Thiago para
intervir e muito menos o queriam fazer.

O olhar que aqueles homens direcionavam para ela, não era como se
fosse de desejo por ela estar completamente nua, mas era uma espécie de ódio
compartilhado que emanava do olhar deles. Pareciam fiéis demais para não se
sentirem impactados ou ultrajados com a presença dela.

Bárbara não ligava. Seu corpo estava nu, roxo, cheio de feridas e
escoriações, sua perna em estado deplorável com pedaços de carnes presos
por pele. Seu osso era visível e ela sentia ódio toda vez que olhava.

Mas por mais que ela quisesse se ver livre de tudo aquilo, ela sentia-
se bem por causar tanta raiva neles. E riu debochada com este pensamento.
Thiago mantinha-se no mesmo porte altivo e arrogante, ainda que estivesse
irreconhecível com aquela roupa. Muito diferente do habitual terno e gravata,
Bárbara reparou com desdém.

O mesmo homem que dera assistência a Thiago, se aproximou e


estendeu a ela um pedaço de pano velho, que Bárbara deduziu ser uma
camiseta bem larga, mas estava meramente enganada. Aquilo na verdade era
um trapo de pano que ela pegou com repulsa.Olhando com descaso, ela
percebeu se tratar de um saco de batatas, bem sujo e de cheiro ruim.

— Desça daí, vista-se e vire de costas. — Thiago ordenou.

À contra gosto ela o fez, sentindo ódio de Thiago toda vez que se
movimentava e seu corpo doía ou as mãos congeladas reclamavam. Thiago
prestava atenção em tudo sem expressão.

Ao conseguir sair do barco, ela vestiu os trapos com nojo do contato


do tecido. E como ordenado, virou-se de costas e teve sua primeira surpresa
ao ouvi o barulho de faca cortando, quando levou as mãos até a nuca e não
sentiu parte do cabelo.

Em choque, Bárbara virou-se e gritou no rosto do soldado:

— Você não fez isso, seu puto! Você não fez isso! — Ela batia no
peito dele, machucando-o, mas o soldado não emitia um som. Seu corpo era
apenas impulsionado para trás e ele mantinha a mesma expressão neutra de
antes, mas logo Thiago interveio.

A puxou pelos cabelos, mas antes que a cabeça dela viesse para trás,
a mão de Thiago veio cheia de cabelos, um monte de mechas que mais
pareciam falsos.

— Que porra é essa?! — Perguntou sacudindo a mão e jogando as


mexas emboladas no mar. Olhou para ela e a tirou cima do soldado, jogando-
a de qualquer modo no chão. — Giba, termine o que tem de fazer e depois
leve-a para o "um por um".

Bárbara caída no chão, tremia de frio, indignação e vergonha, mas o


ódio pairava e se instaurava. Estava sendo humilhada e nada poderia salvá-la.
O tal do "um por um" que Thiago havia dito, era um espaço confinado de
1m². O local tinha espaço de quatro cerâmicas de tamanho médio. O local era
apertado, quente e barulhento por conta do motor do Iate.

As paredes deixavam tudo ainda mais pequeno e claustrofóbico. Na


porta de ferro, havia uma pequena abertura que permitia que ela visse muito
pouco do que acontecia do lado de fora.

Era constantemente vigiada. Nos primeiros momentos ali ela viu um


homem passar pela viseira e pela porta e o chamou, mas ele nem mesmo se
quer chegou perto. Constantemente ela tentava chamar atenção deles e
prometia sexo em troca, mas eles eram irredutíveis. Nunca saiam da postura
que mantinham.

Depois de muito tempo ali, Bárbara achou que havia sido largada
para morrer, não sabia quanto tempo se passara mas achava que havia sido
muito. Dormir era difícil e ela o fazia em pé. O lugar era muito pequeno e se
mexer ou agachar era impossível, o que fazia com que ela sentisse ainda mais
ódio de tudo e de todos.

Seu coração não abria espaço para voltar atrás e nem mesmo para
sentir remorso. Ela não se arrependia. Morreria sendo o que era. Sua avó
havia sido sua maior apoiadora em tudo, até ela começar a dar ouvido aos
seus tios. Os tios tinham uma fazenda onde originalmente fora de seus avós,
mas assim que Vicentino Lima morreu, deixou a administração de tudo aos
tios, nada para ela e dois milhões para sua avó, Corina Lima.

Dinheiro este que ela havia ajudado a liquidar com a vida desregrada
e badalada que levava. Dos gastos com viagens infundadas, carros, joias e
estilo de vida desraigado, havia sobrando apenas o apartamento da Lapa, no
Rio de Janeiro, que era onde moravam, e que estava sendo quase tomado por
não estarem dando conta de pagarem o condomínio.

Os tios haviam tomado ciência da situação e mandavam dinheiro


para ajudar a avó, uma quantia de 10 mil, que Bárbara sacava todo mês e
gastava. O dinheiro que a avó angariava para compra de comida e remédio,
eram frutos de venda das joias que seu falecido marido havia presenteado a
ela ao longo dos 56 anos de casados.

Aos vinte e quatro anos, ela achou a sorte grande ter encontrado e
engravidado de um ricaço italiano, muito bonito e relativamente novo, que
lhe ofereceu alguns milhões por sua reclusão até dar à luz. Isso durou até
achar outro que propôs toda a fortuna do marido, que, supostamente era
estimado em bilhões. Dominic Lang não a satisfazia sexualmente como
estava acostumada, mas ele prometera o que homem algum jamais lhe
propusera: dinheiro, status e poder. Palavras estás que acenderam sua
ganância e ambição.

O plano consistia em oferecer Júlia por 500 milhões, e como forma


de chantagem, pediriam o cargo de chefe dele, em troca do menino. Caso o
plano desse errado e Thiago tentasse contra ela, tentaria contra a pessoa
errada, o que para sua sorte, Surya e ela eram fisicamente muito parecidas.

Estava tudo pronto para o plano ser posto em prática, até Surya jogar
o carro na ribanceira e atrapalhar tudo. Ao pensar na prima, estragando o
plano, Bárbara gritou de ódio e socou a porta, mas a fisgada na perna a fez
levar a mão até o local da ferida e senti-la com um aspecto e cheiro estranho.

Gemia de dor e estava suando muito, mas continuava com muito


frio. Sua perna e costas doíam e ela não podia se sentar. A roupa grotesca
pinicava sua pele suja dejetos. Suas necessidades fisiológicas haviam sido
feitas ali mesmo, naquele local, e ela se sentia imunda. Bárbara já não
aguentava de fome e cansaço, queria poder estar deitada, numa cama de
colchão de plumas e penas de gansos, mas aquela era uma realidade muito
longe da que sonhava. O cheiro de fezes, urina e de sua própria carne
apodrecendo sobrepunha a quase todos os incômodos que sentia.

A voz estava rouca, a boca seca e os lábios rachados, ardiam. Não


tinha voz, as primeiras haviam sido gastas ao gritar constantemente durante
as primeiras horas presa ali. Depois, o próprio cansaço, fome e sede trataram
de sugar toda energia que tinha. O barulho de passos vindos indicou que
alguém se aproximava. Seu corpo inteiro automaticamente arrepiou-se. Ela
sentia que era ele.

Thiago era bem maior que a viseira da porta e isso bloqueou por um
momento toda a luz que entrava. Assim que a porta foi aberta totalmente ela
teve dificuldade de enxergar por causa da luz forte que adentrou.

Fraca, ela caiu no chão bem diante dos pés de Thiago. Havia um
certo prazer mórbido e intrínseco no olhar dele e que sentia satisfação no que
acontecia com ela.

— Está tendo uma boa estadia, Bárbara? — Thiago perguntou


utilizando da ironia.

Ele estava com aparência muito boa e bem vestido. O perfume caro
exalava, em contraste com o estado repugnante, deplorável e muito crítico
que Bárbara se encontrava.

O corpo fedia a fezes e urina e a coxa estava com uma cor negra
espalhada, denunciando o estado de putrefação. Havia uma espécie de crosta
branca e cheia de pus, a situação da perna não parecia nada boa.

— Sou a mãe dos seus filhos... não mereço isso, Thiago. — A voz
estava metálica por causa da sequidão.

Após um momento em silêncio, ela escutou o barulho de algo ser


preenchido com líquido e fechou os olhos, acreditando que suas palavras o
comoveram de alguma forma.

Thiago agachou-se a frente dela e colocou um copo de vidro cheio


de água a frente deles. Bárbara olhou para o líquido transparente e avançou
para pegar o copo, mas Thiago levantou-se e derrubou tudo com o pé
propositalmente.

Desesperada, Bárbara pôs a boca no chão e sugou, ignorando os


finos e pequenos pedaços de vidros que subiam para sua boca junto com a
água. Thiago olhava a cena completamente enojado. Decidido a acabar com
aquele pequeno momento de prazer, mandou que dois soldados a levassem
para cima.

Sendo arrastada, Bárbara foi levada para a parte de cima do Iate,


bem próximo a proa. Era a primeira vez, em algum tempo, que tinha contato
com o ambiente externo novamente.

— Deixem na naquele canto. — Thiago apontou para um lugar


afastado.

Bárbara olhava para cima, reparando que as estrelas pareciam mais


brilhantes ali naquele lugar, mas logo baixou os olhos e procurou uma saída
dali. Nem que fosse para pular no mar. Nada. Não havia nada. Apenas água
para todos os lados que olhava. O Iate era muito grande e a altura equivalia a
quase oito andares. Se ela resolvesse pular dali, a queda sem dúvidas a
mataria.

Olhou para Thiago e os olhos dele estavam escuros e inflamados de


algo que ela ainda não conhecia... Raiva? Talvez. Não era nada perto do que
ela vira no primeiro dia, mas era o suficiente para fazê-la temer e considerar o
suicídio.

— Escute, Thiago... e-eu sei que eu errei e sei que fui negligente
com nossos filhos, m- mas o momento que estive presa lá embaixo serviu
para que eu colocasse os pensamentos em ordem... — Ela se arrastou no chão
até ele e o tocou pela barra da calça. — Podemos ser uma família! — Disse
piscando com algumas lágrimas. — Eu posso ser a esposa que você deseja e a
mãe que nossos filhos merecem!

Vendo que ele não dizia nada, tentou argumentar subindo a mão e o
tocando na coxa por cima da calça.

— Eu prometo te respeitar e fazer dar certo o nosso casamento...


Afinal, ainda somos casados, não é? — Riu nervosa, enquanto subia mais a
mão e o apalpava por cima da calça. —Posso ser de novo aquilo que você
conheceu nos primeiros dias... Vamos esquecer tudo isso e deixarmos tudo de
lado.

Thiago segurou na mão de Bárbara sorriu vitoriosa, achando que


seria para ele afaga-la, mas da mesma forma como fez com Surya, Thiago
levou a mão dela para trás e a quebrou.

No susto, Bárbara gritou e buscou o rosto de Thiago. Os olhos


esbugalhados denunciavam o choque completo que ela sentia. Gritava com as
forças que não tinha e o olhava de maneira acusatória.

— Você é um filho da puta! Seu desgraçado! Eu jamais seria capaz


de aturar você novamente! Foi por isso que eu mandei aquela sonsa para o
meu lugar! Eu espero que você a tenha matado! Me ouviu?! Eu espero que
você a tenha matado!

Thiago avançou em Bárbara e lhe desferiu alguns tapas e socos


enquanto sangue chapiscavam para todos os cantos. Ele a pegou pelos
cabelos curtos e a jogou sentada em uma cadeira, que ela nem se quer havia
reparado que estava ali.

Totalmente possesso de ódio Thiago quebrou com a mão um sistema


de segurança que prendia um machado. Arrastou uma outra cadeira e a
colocou de frente para Bárbara, que tremia e chorava.

Estava muito suja e fedia a excrementos, os cabelos cortados curtos


e desregular, fediam de igual modo, a aparência toda era muito lastimável. A
todo momento Thiago sentia vontade de se lavar pelo simples fato de estar
em contato com ela.
— Onde está o Lang?

A pergunta direta a tirou dos pensamentos de dor e ódio que tinha.


Bárbara o olhou de maneira debochada, pronta para respondê-lo mal, mas
repentinamente mudou de ideia quando viu que ele impunha um machado.

Assombrada e perturbada de mais com tudo aquilo que acontecia, ela


respondeu:

— Não sei... ele roubou todo meu dinheiro e me deixou apenas com
dois dias no hotel pago e sumiu. Fui atrás dos coiotes que nos levariam até os
Estados Unidos e acabei me envolvendo com eles.

— Diga onde o Lang está.

— Eu não sei.

Ele pouco convencido se aproximou arrastando o machado e fez


uma ameaça velada, segurando-o na altura do ombro e marcando um ponto
com o próprio sangue dela em cima da perna boa.Bárbara olhou atemorizado
para ele e respirou com dificuldades arregalando os olhos.

— Eu juro Thiago! Eu não sei! A última localização que eu tive dele


foi quando acionei o modo buscar do celular que ele usa. E esse dia ele estava
na América do Sul.... Acho que para pôr o plano em ação, fora isso não sei
mais nada!

Thiago olhou em direção a Giba que captou na mesma hora a


informação e se retirou. Certamente eles fariam uma varredura e achariam o
dispositivo que conectava com a localização de Dominic Lang.
— Que plano?

Bárbara olhou para Thiago, mas o olhar bestial que ele lançava
prometia coisas grotescas demais e ela não aguentou sustentar o olhar. Se
encolheu e olhou para o lado.

— De pegar o menino de onde ele está e usá-lo contra você.

Thiago se achegou mais perto se debruçando, colocando o peso do


cotovelo nos joelhos e girou o machado pelo cabo.

— E o que Surya tem a ver com tudo isso?

Bárbara olhou para ele enviesada e riu sem humor algum ao


responder.

— Ela acha que é mãe das crianças por ter cuidado delas desde que
fugi para o Brasil. Quando soube que eu levaria Júlia, veio atrás... Eu estava
pronta para dar uma boa lição nela quando Dominic Lang viu nossa
semelhança e teve a ideia de colocá-la no meu lugar sob a ameaça de que os
pais dela teriam problemas caso ela falhasse...— Thiago mantinha-se sem
reação alguma, e ela não sabia se era bom ou ruim. — Com a ameaça certa
Surya fez exatamente o que queríamos...Até aquela desgraçada estragar com
tudo!

— Neste caso... —Thiago disse se levantando, empurrando a cadeira


dele para trás. —Não temos mais o que conversar... Foi um desprazer te
conhecer.

Bárbara olhou de olhos bem abertos, Thiago levantar o machado e o


descer com toda força por cima da perna boa. O ato, partiu não somente a
perna dela como também quebrou a cadeira que ela estava sentada.

Com o baque, Bárbara não conseguiu se quer gritar. Com muita


brutalidade e força ela foi arrancada da cadeira jogada no chão novamente.
Ela olhava para a perna partida ao meio e que sangrava muito, olhava para o
soldado ao fundo e em desespero o gritou por ajuda. Thiago parecia um
louco. Mas ela não teve muitas chances ao levantar as mãos para cima no ato
de se proteger.

Thiago estava de costas para o soldado que assistia tudo muito


assustado. A única parte visível era o levantar de braços dele que batiam o
machado contra o corpo, arrancando pedaços e espalhando sangue para todos
os lados, enquanto a mulher ainda estava viva e gritava muito.

Ele rangia os dentes e grunhia feito um animal, a cena era grotesca


demais e macabra ao nível que parecia não humana. O corpo fedido e podre
começava a virar massa, misturado a sangue e restos. Thiago a esquartejou.

Olhou para o rosto de Bárbara e viu que ela estava mantinha os olhos
abertos, enquanto morta, golpeou o pescoço com o machado, separando-o do
resto do corpo.

A medida que ia ficando difícil distinguir o que já estava partido do


que não estava, Thiago foi tratando de jogar algumas partes do corpo no mar,
sem maior cerimônia. Ele era sangue da cabeça aos pés, os olhos vermelhos
denunciavam a magnitude do ódio que o consumia. Do meio pro fim ele
rasgava as vísceras do corpo dela com as próprias mãos, tão impetuoso
começara, terminava.
De repente, Thiago pareceu acordar do um transe que o cegava e
sentiu nojo de si mesmo por estar tão em contato com toda aquela sujeira. As
veias de sua testa estavam saltadas quando ele levou a cabeça para trás e
respirou fundo abrindo os olhos para o céu e rindo de maneira esquisita. Era o
alívio de ter lavado a alma no sangue de Bárbara e ter vingado os momentos
de angustia, e ele não via a hora de pôr as mãos em Lang.

O soldado, que vira toda a cena, correu em direção a lateral, agarrou


se ao corrimão e debruçou se vomitando muito. Thiago olhou para o rapaz e
fez movimentos circulares com o pescoço. Largou o machado no chão e
ordenou ao rapaz:

— Limpe toda essa bagunça daqui de cima para aprender a ter


estômago forte, Beto. E se eu perceber vestígios de vômito seu no andar de
baixo, eu te jogo no mar.

Thiago andou todo sujo de sangue até o banheiro. Se desfez das


roupas jogando-as no incinerador e tomou um banho. Naquela noite, não
dormiu, seu foco agora era outro e o ódio purgava ao imaginar o que faria
quando pusesse as mãos em Dominic Lang.
Capítulo 40

Há uma semana ela havia acordado ali. Aos poucos, sua vontade de
dormir e reclusão foram indo embora e com ela, ficou o medo e pavor de
tudo e de quase todos.

Acordar em outro país fora algo que a surpreendeu bastante.


Lembrava se vagamente de algumas coisas no caminho mas tudo parecia um
sonho distante. A novidade era que flashes de memórias vinham com
frequência, e a conclusão que ela achou para isto foi que o calor do país
contribuía bastante para assimilar as coisas. Ela havia surtado nos primeiros
dias ao ver que Júlia estava muito próxima de um homem que ela outrora
apenas conhecia de vista.

No início foi muito difícil para ela deixar que Júlia interagisse
livremente com o tal do "tio Spencer", como a menina o chamava, mas aos
poucos ele foi ganhando a confiança de Surya. Assim, ela passou a entender
que o homem só estava ali para protegê-las e não oferecia risco algum.

Na maior parte do tempo ela quis chorar de medo e teve certo pânico
quando saíram para conhecer restaurantes. Sem Thiago ali, nada lhe passava
segurança, nem mesmo a presença de Spencer e suas atitudes protetivas. E
isso fazia com que ela passasse a detestar o fato de Thiago ter a presença tão
inconstante.

O que acontecia entre eles era confuso. Eram um casal mas não
pareciam casados, não agiam amorosamente um com o outro, e ela jamais se
reportava a ele porque ele sempre sabia de tudo o que acontecia com ela ou
sobre ela. Diferentemente dela, que não conhecia ou se quer sabia algo sobre
o marido. A única coisa que os ligava era o sexo muito quente e a tensão
sexual de sempre. Apesar de casada com ele, Surya sentia que Thiago se
lembrava disso apenas quando transavam ou em suas demonstrações
exageradas de possessão.

Presenciar a outra face de Thiago é que havia sido um choque. Ela


não defendia a tentativa de estupro que sofreu e de maneira alguma aliviaria
para Roger. Mas a visão que teve de Thiago assassinando-o, havia sido
escabrosa demais para ser associada ao homem que a satisfazia de maneira
tão arrebatadora, e que agora ela começava a se sentir balançada.

Thiago era ausente, na maioria do tempo. Sempre muito ocupado e


nunca lhe dava notícias quando saía por muito tempo, e ela não podia o
culpar, ja que ela mesma tinha suas regras restritivas de não se envolver, mas
tudo era muito contraditório, não tinha como não se envolver com um homem
daqueles. E por fim ela acabava por sentir falta dele.

Queria poder ter tido a sorte de acordar e se lembrar da vida antiga


apenas para saber como era o casamento deles, ou se quer ao menos tê-lo a
seu lado, amparando-a naquele momento tão conturbado e que a deixara com
tantos traumas existenciais.

Mas mesmo tão amargurada, ela engolia a dor e frustração e fingir


estar tudo bem. Depois dos primeiros dias, ela resolveu se fazer de forte
novamente. Cedeu e fez algumas interações com Spencer e concluiu que além
de muito prestativo e bonito, o homem ainda era simpático e engraçado.

Ela sempre o via nas interações de família, ou nos momentos que


Marietta o convidava, mas nunca haviam trocado palavras além de
cumprimentos formais.

Ela soube por ele, de maneira muito vaga, que estavam no México e
que Thiago estava ausente há mais de uma semana resolvendo assuntos da
máfia e sua preocupação por ele pareceu ascender ainda mais.

Naqueles dias longe de Thiago ela percebeu que o envolvimento que


tinha com ele não era apenas o de corpo. Ela se sentia ligada emocionalmente
a ele e sentia mais falta do que admitia a si mesma.

Dormir sem ele era difícil, o contato, a proximidade, o toque, e até


mesmo a falta do cheiro dele, lhe causavam o sentimento de grande saudade.
Eram nestes momentos que ela sonhava acordada, pensando nos momentos
libertinos.

Algumas vezes ela tentou se aliviar sozinha, mas a sensação de


prazer não era a mesma. A falta do preenchimento, as mãos grandes
passeando por seu corpo e a aspereza delas tocando-a faziam falta. Nas noites
em que se sentia sozinha, masturbar-se parecia piorar ainda mais a sensação
de insatisfação e ela percebia que, apesar de aliviar um pouco todo o tesão
que sentia, não conseguia desfrutar do momento sem ter Thiago ali.

Os dias iam passando e ela cada dia descobria algo sobre si mesma.
Cada dia uma lembrança nova, um sabor diferente, um cheiro diferente e ela
achava que não muito demoraria para ela se lembrar de algo.

Spencer era respeitoso, divertido e uma boa companhia para ela,


Júlia e Gabriela. Nunca as deixando no tédio ou que a monotonia se
instaurasse. O corpo volumoso havia adquirido marcas de sol, pelos
momentos que passavam na piscina e ela adorava ver as marquinhas de maiô
em Júlia, no final do dia.

A casa era muito grande e cheia de pessoas monitorando-as a todo


momento. Tijuana era um lugar muito quente e úmido. O tempo inteiro ela
tomava banho e lembrou-se de um período que foi passar férias no Nordeste
do Brasil.

Durante o dia, aproveitavam o sol e o calor do país e de noite,


visitavam algum restaurante típico. Sempre muito bem escoltados. E era
naqueles momentos que ela se via ajudada e impulsionada voltar a se lembrar
de maneira indireta de certas coisas. Quando isso acontecia, em alguns
momentos ela se dava conta, mas em outros momentos não, a não ser
Spencer. Ele sempre estava de olho em tudo.

Seu estado de lembranças diárias havia evoluído tanto, que ela nem
se quer comemorava ou notava quando as lembranças da vida antiga vinham.
Para ela, aquela nova vida era a que valia, e de nada adiantava recobrar
memórias antigas se não fosse para saber aonde estava Pedro.

Era noite, e depois do jantar, eles preparavam a sala para assistir um


filme infantil, a fim de distraírem suas mentes. Durante o filme, Spencer fazia
alguns comentários engraçados fazendo com que Júlia e Gabriela rissem.
Surya olhava e ria também, mas o tempo inteiro sua cabeça estava longe dali.
Ela estava com saudades e preocupada com Thiago e isso já tirava sua paz. O
filme terminou tarde, com todas dormindo.

A fim de não acorda-las, Spencer se levantou e em silêncio desligou


os aparelhos. Embrulhando-as bem, as deixou ali mesmo no sofá reclinável
para dormirem. Um barulho ao longe de um helicóptero se aproximando só
foi percebido por Spencer, mas ele não se preocupou. Sabia quem era.

A maçaneta girou e Thiago adentrou a casa, sem fazer barulho. O


ambiente silencioso denotada que há muito as pessoas ali dormiam.

Estava indo de encontro a subir as escadas quando um suspiro longo


foi percebido por ele e ele virou o corpo olhando para a escuridão da sala.
Caminhou tranquilamente e viu primeiramente a silhueta de Surya. Seu corpo
se ascendeu no mesmo instante. Ela tinha esse poder de transformar o cinza
em cores e o frio em quente e numa velocidade mais que rápida.

Ela dormia com Júlia em seu encalço, mas logo a menininha virou
para o outro lado e afastou-se um pouco da mãe. Surya vestia um short de
pijama muito curto e a camiseta de alcinhas mal tapavam o colo do peito. As
pernas bem torneadas e bronzeadas prometiam a tentação e devassidão do
qual estavam tão bem familiarizados.

Ele se encurvou por cima dela e a pegou no colo, levantando-a sem


maiores problemas, indo em direção ao quarto deles.

Thiago velava o sono de Surya. Ele mesmo havia deitado logo após
o banho e não dormiu. Não conseguia fazê-lo visto o alto teor de
concentração que ele mesmo exigia de si naqueles momentos de missão e
recuperação da honra. Até seu corpo se acostumar novamente com o antes,
demoraria.

Seus pensamentos era o que minavam o sono e ele olhava para ela
prestando atenção em cada reação do sono conturbado. Os olhos mexiam
criando volume na pálpebra. De vez em quando ela se movimentava brusco e
ele assistia, pensando em qual momento deveria intervir.
Ele a olhava querendo na verdade ler os pensamentos dela e saber
com o que de fato ela estava sonhando. Mas pelo modo como Surya estava
reagindo, e as informações que Spencer lhe dissera, ele até podia imaginar do
que se tratava e lembrou-se daquele fático dia....

"... Um dos soldados viu o momento que o cachorro entrou correndo


dentro da baia e isto chamou atenção deles para algo estar acontecendo..." —
De repente um grito agudo de Surya, o tirou do devaneio em que se
encontrava.

Surya levantou suada, com o corpo inteiro formigando, a boca suada


e sentindo uma opressão terrível. Thiago estava a seu lado e a amparava, mas
ela estava assustada demais. Desacostumada com o calor de um corpo na
cama, achava estar sendo atacada novamente.

Ela esmurrava o peito dele, mas não conseguia gritar visto que o
terror e paralisia a travavam. Com muito custo e usando voz de comando,
Thiago conseguiu trazê-la para perto e colocou a cabeça dela encostada em
seu peito, fazendo carinho nos cabelos longos e lisos.

Com um misto de alegria e surpresa, ela percebeu que não estava


sendo atacada, mas que se tratava de Thiago. Emitindo soluços, Surya chorou
alavancando tudo o que ela havia guardado.

A sensação das mãos pegajosas e rude de Roger estavam em seu


corpo, a imagem de Thiago completamente possesso de ódio esmagando o
crânio dele também, e isso se misturava às angústias dos outros dias.

— Eu sinto... — Ela dizia a ele enquanto chorava. — Aquela cena


grotesca não sai da minha cabeça! Nada me faz sentido e eu não aguento
mais, Thiago! Não aguento mais!

Ela visivelmente parecia estar à beira de uma síncope.

— Eu acho que não vou aguentar mais, Thiago. Não posso ficar aqui
sozinha sem você por perto... Não sei se dou mais conta! E eu tenho medo.

Thiago pegou nos dois lados do rosto dela e aproximou-se falando


seriamente:

— Eu estou aqui agora, não estou? E eu simplesmente não posso te


levar para os lugares onde eu fico em missão! Se você está assim por tudo o
que aconteceu, imagina se eu a chocar com o tanto de informações que tenho,
porra! Se quer andar ao meu lado, ser minha mulher, assumir o lugar na
minha vida que eu quero, você tem que estar preparada para tudo isso! — As
palavras foram tão chocantes que ela levantou a cabeça e o encarou
boquiaberta. — Mas eu te juro, que nunca mais homem nenhum voltar a tocar
em você.

Surya não sabia se as palavras a faziam ficar feliz ou se


desencadeava ainda mais preocupações e choro. Naquele momento, não havia
as três regras, não havia impedimento, só ela e Thiago.

— Não posso te prometer um romance convencional e nem prometer


estar sempre presente aqui por você... Mas você conheceu o que eu sou e
suportou até onde ninguém jamais foi, e se for para fazer dar certo eu
contrário tudo o que eu achei que seria o correto até aqui.

Ela olhava para ele tocada. Fora as palavras mais deslocadas e


aparentemente sinceras que ele já lhe proferira. Não eram propriamente
românticas mas era ele dizendo, ao modo dele, que queria ela da mesma
forma como ela o queria e naquele momento de descontrole emocional, tais
palavras foram um bálsamo.

A euforia e emoção se chocavam com tudo o que ela acreditou


naqueles últimos dias, e como resposta, ela apenas o puxou e o beijou
profundamente. O beijo fora profundo e cheio de emoções, diferente de todos
aqueles outros trocados. Esse demostrava palavras não ditas e todo o
sentimento guardado ao longo dos meses.

O beijo foi tomando proporções maiores e quentes. As mãos do qual


ela tanto sentira falta passeavam em deleite por todo o seu corpo. As mãos
subiram pela blusa e ia até seu seio apertando o com lascívia. Ela estava por
cima dele e o beijava desesperadamente roçando o quadril na ereção que cada
vez ficava mais evidente.

Thiago com toda força se levantou e posicionou uma perna de cada


lado. Sentaram um de frente um para o outro – Thiago com as pernas abertas
e Surya com as dela sobre as dele. A boca de Thiago descia e a beijava no
colo dos seios, a palpando-lhe a bunda e a trazendo para ainda mais perto
dele.

Era insano a forma como se queriam e a entrega que tinham um no


outro. Thiago afastou Surya e a empurrou para traz. Ela caiu deitada enquanto
Thiago juntava as pernas no alto e retirava lhe os shorts e a deixava apenas de
calcinha.

Surya desceu as pernas e as manteve bem abertas. Thiago estava


bem à frente dela e encarava obsceno quando ordenou:
— Mostra para mim o jeito que você faz quando está sozinha.

Surya sentiu o rosto esquentar ao constatar que ele sabia o que ela
fazia. Mas a forma cheia de tesão que ele dissera, denotava o quão excitado
estava.

Ela abaixou a mão e abriu mais as pernas. Thiago respirou mais


fundo e encarou as mãos dela. Surya sentiu que estava completamente
escorregadia e pronta para ele, mas para todos os efeitos, ela decidiu que faria
um pequeno show à parte, já que ele havia descoberto seu pequeno segredo
sórdido.

Ela afastou-se um pouco e levantou a perna abrindo-se para que ele a


visse se tocando de lado.

Ela passou o dedo de leve sob o clitóris e abriu um pouco os lábios,


sentindo a sensação tão familiar dos últimos dias. Iniciou movimentos calmos
e circulares enquanto ousadamente levava a outra mão por trás, até sua
entrada movimentando os dedos em um entra e sai.

Para sua surpresa, Thiago não olhava para o que ela fazia, mas sim
para seu rosto. E foi nisso que ela se concentrou. Fazia questão de olhar no
rosto dele enquanto se masturbava. Gemidos e arfadas de ar eram emitidos
por ela e mesmo que aquilo que fazia não chegasse perto da sensação que ele
lhe causava, era excitante de mais fazer aquilo para ele.

Thiago desceu o olhar e viu a calcinha de lado e a excitação visível


dele. Viu que com os movimentos do quadril e excitação de Surya o ânus
fazia pequenos movimentos de pulsar e aquilo atiçou sua fantasia. Thiago
levou o dedo indicador até o mel que escorria dela e levou até a entrada do
buraquinho e alisou. Olhando com devassidão para Surya.

Ela o olhou de um modo depravado e gemeu em antecipação. Não


era algo que ela estava acostumada— Constatou sem dúvidas. — Mas se
fosse para ser com ele, certamente ela queria.

— Me ajuda? Eu quero gozar! — Pediu um pouco com vergonha,


mas com voz manhosamente suplicante.

Thiago forçou um pouco mais a entrada e conseguiu penetra-la. Era


apertado, e fazia contrações involuntárias, o que o deixava ainda mais louco.

Sem interromper o que fazia, Thiago se debruçou por cima dela e


deu a primeira lambida. A junção da língua dele com o dedo no buraquinho
causava nela uma sensação sem precedentes e cheia de frenesi.

Naquele dia, o sexo foi diferente. Havia as mesmas obscenidades e


devassidão, mas com as palavras ditas, cada gesto revelou ainda mais o quão
envolvidos e com sede um no outro estavam.
Capítulo 41

—Preciso fazer uma nova visita ao Dr. Marcelo.

Marcelo Rubio, fora seu psicólogo e psiquiatra na época em que ela


esteve no hospital. Apesar de suas sessões serem monitoradas por Thiago, ela
sentia a necessidade de desabafar com um profissional. Prezava por sua saúde
mental ali.

Thiago, que dava um nó na gravata a olhou por cima do ombro com


uma sobrancelha levantada. Surya estava nua, enrolada nos cobertores, os
cabelos ainda bagunçados e tomava café na cama. Eles haviam terminado de
transar e haviam passado a madrugada inteira juntos mergulhados um no
outro.

Já se passava das dez da manhã, eles nunca haviam ficado tanto


tempo enclausurados e tão juntos um do outro.

— Veremos isso depois.

Ela assentiu e olhou para ele com curiosidade e uma certa ansiedade
em ascensão.

— Você vai sair e me deixar aqui? - Ela tinha medo, apesar de


Thiago assegurar que ninguém faria mal a ela e sua segurança seria assistida
pessoalmente por ele e um de seus homens mais confiáveis, ela ainda custava
se sentir segura.

— Você estará a salvo aqui. O que aconteceu jamais tornará a


acontecer. E eu estarei monitorando tudo do escritório.

Thiago virou-se de frente e encarou Surya. Ela estava sentada na


cama, sua aparência era de quem havia acabado de acordar, mas o que
destoava da beleza natural restante, eram os olhos assustados, que, naquele
momento até pareciam grandes demais.

— Certo. —Ele desatou o nó na gravata e abriu novamente a blusa.


Puxou o celular do bolso da calça e digitou algo.

Ele largou o celular em cima de um aparador e foi andando em


direção a ela, despindo lentamente a camiseta. A medida que ele ia se
achegando para mais perto, Surya ia abrindo um sorriso, cada vez maior.
Quando ele chegou bem próximo a ela, retirou a bandeja de café e a colocou
de lado.

Ela se preparou deitando-se e recebendo o peso dele sob o corpo


dela. Estar com ele tinha se tornado viciante.

— Ainda vai precisar sair? — Perguntou passando as mãos pelos


cabelos bem penteados dele.

— Spencer, vai assumir a reunião em meu lugar as dez e meia. E


pedi para avisar que estarei ausente durante todo o dia.

Disse abaixando o rosto e beijando entre os seios fartos dela. Feliz,


Surya abriu um sorriso para ele e o beijou na boca, profundamente.

A medida que o beijo virava uma transa, Surya ia formando uma


ideia. Com agilidade, pulou da cama e saiu desfilando nua até a metade do
quarto. Thiago a olhava meio que segurando um riso e meio que sem
entender.

— Lembrei que tenho de tomar banho agora de manhã...- Olhou para


ele provocante e terminou a frase: — E acho que um certo alguém até poderia
me ajudar...

Thiago a olhou dos pés à cabeça, sentindo o efeito imediato que as


palavras dela tiveram em seu corpo. Afastando as cobertas, ele se colocou de
pé e a seguiu, mas para sua surpresa, quando chegava bem perto, Surya
disparou e correu para o outro lado do quarto.

Thiago, já muito excitado, deduziu que era uma espécie de joguinho


sexual. Ele correu até ela e quando estava prestes a pegá-la, Surya correu e
escapou de suas garras, rindo e fazendo pequenas dancinhas sensuais para
ele, ainda nua.

— Seu te pegar, garota...

— E vai fazer o quê? han? — Ela provocava enquanto fugia dele e


corria para o outro lado.

Antes que conseguisse chegar aonde queria, ele a agarrou por trás e a
levantou no colo indo com ela até o banheiro. Surya ofegava e ria, vendo o
semblante fechado de Thiago, mas totalmente relaxado, com um leve
desenho de um riso no semblante.

Enquanto ele a carregava, ela iniciou algumas carícias com a boca,


perto do ouvido dele. Os dois entraram no box e Thiago colocou Surya no
chão. Ela ligou o chuveiro de jatos fortes, que automaticamente a relaxou.
Logo, passou a sentir as mãos fortes de Thiago passeando por seu corpo e a
abraçando por trás. Ela emitiu um pequeno gemido, deliciando-se com a
sensação gostosa que as mãos fortes dele causavam ao passear por seu corpo.

Ela o provocou empinando o bumbum de encontro a ereção dele.


Thiago pareceu gostar. Desceu uma mão e empurrou o ventre dela para trás,
afim de aprofundar o contato que imitava o vai e vem de uma penetração.

Ele espalhava mordidas por seu ombro e em resposta ela gemia o


nome dele, cada vez mais embriagada pelas sensações que ele lhe causava.

De repente, Thiago se ajoelhou ficando na altura das costas dela.


Surya olhou para trás em completa expectativa quando a voz grave dele soou:

— Abra as pernas e apoie as mãos na parede. — Um pouco ansiosa


para saber o que ele tinha em mente, ela o fez, empinando-se um pouco mais
para dar a ele a visão completa.

Thiago olhava para ela de um jeito que a deixou completamente


molhada, antes de se inclinar e lamber com vontade seu ânus. A surpresa fez
com que ela arfasse e se segurasse com força na parede.

Ele tinha o poder de tornar instável o que para ela era completamente
controlável. Seu corpo respondia a ele de maneira jamais sentida antes. E a
forma como ele a tocava, corrompendo-a, deixava a mostra que aquela forma
de sentir prazer era totalmente nova.

Daquele modo como estava, toda aberta e de frente pro rosto dele,
fazia com que em nada ela se sentisse envergonhada. Pelo contrário, com
Thiago era tudo sem reservas e ela se permitia sentir-se mulher, e de um jeito
que até mesmo a completava e a valorizava.

Sendo mais incisivo no contato, Thiago começou a masturba-la


freneticamente enquanto Surya vibrava e mexia o quadril em busca de mais e
mais contato com a boca e as mãos dele.

Ela encostou a cabeça nos ladrilhos do banheiro e gozava da


sensação gostosa que se fazia junto com o friozinho na barriga.

Parando de repente os movimentos, Thiago falou:

— Abra assim para mim. —Ele pediu enquanto colocava as mãos


dela uma de cada lado nas nádegas e abria.

Ela o olhou e compreendeu bem o que ele queria. Não sentiu


vergonha, pelo contrário, sentia-se sexy demais e com muito tesão.

Olhou bem nos olhos dele enquanto fazia do jeito que ele mandou,
mas bem quando terminava de fazer, decidiu que faria a seu modo. Para
provocá-lo ainda mais, ela se inclinou o máximo que podia, permitindo-o ter
a visão mais sexy que já presenciara na vida.

Thiago olhou por um momento, sentindo o coração acelerar e


abocanhou-lhe o sexo. Causando nela pequenos espasmos. Sem pudor algum,
ele enfiou um dedo em seu ânus, logo acima da entrada da vagina dela. Era a
preparação para o que ele tinha em mente.

Surya jogava a cabeça para o lado, fechando os olhos, sentindo que


suas pernas não a manteria por muito tempo de pé e Thiago pareceu perceber
isso. Ele se sentou no box do chuveiro e de repente o ambiente pareceu
pequeno e apertado demais. Ela foi puxada e colocada sentada no colo dele
ainda de costas para ele.

— Quero te comer aqui. — Ele indicou colocando um dedo por cima


do buraquinho dela e acariciando.

A forma como ele dissera a deixou excitada e ela gemeu em


resposta. Thiago pegou na base do membro dele e empurrou de encontro ao
lugar apertado.

As primeiras tentativas foram dolorosas e ela se segurava nele,


gemendo e murmurando baixinho, mas Thiago parecia ser habilidoso. Ele
colhia com o pênis um pouco do mel da vagina dela, e com cuidado, insistia
em penetra-la, e de repente o buraco alargou se.

Com muito cuidado ele não a penetrou completamente, mas à


medida que ia aprofundando, ela ia ficando sem ar, e sem forças nas pernas
para se sustentar. Thiago, colocou o peso dela em seu tronco e fechou suas
pernas a colocando meio de lado em cima dele.

Surya sentia muita dor e incômodo, um pouco de ardência também.


Mas era algo novo, ela sabia, e queria experimentar com Thiago, justamente
por ser ele.

Thiago a puxou para deitar-se por cima dele, enquanto ele procurava
sua boca e a beijava, conciliando o beijo com leves penetrações.

Surya gemia em sua boca, sentindo cada vez mais a sensação de ser
alargada. Thiago levou uma mão até a vagina dela e estimulou, fazendo com
que a sensação de incômodo desse lugar ao prazer.
Aquela forma de transar era totalmente diferente, mas igualmente
excitante. Thiago emitia breves gemidos graves e ela sabia que estava sendo
muito bom para ele.

Ela afastou do beijo e procurou ver o que ele fazia com ela, e ficou
ainda mais excitada com o que via no reflexo do box. Surya sentia a
respiração dele em seu pescoço e percebia o esforço que ele fazia para não
gozar.

De maneira a aprofundar o contato entre eles. Ela passou o braço


pelo pescoço dele e Thiago aproveitou para abaixar a cabeça e abocanhar um
de seus seios.

Ela decidiu ser mais ousada e incentivou Thiago a ir mais rápido


mexendo o quadril. Ele a olhou nos olhos enquanto a penetrava fundo e cada
vez mais rápido. Estavam conscientes do que faziam e o que faziam.

Em alguns momentos quando ele ia rápido e de maneira


progressivamente, ela gritava e ele a beijava na boca, engolindo cada parte
dela, cada gemido e murmúrio, depois, apenas um suave entrar e sair.

Ela estava igualmente excitada e ficou ainda mais quando ele abriu
suas pernas e a estimulou com as mãos. A sensação era tão intensa e de
frenesi que ela tentava fechar as pernas, mas Thiago lhe dava tapas mandando
a abrir novamente.

Era nesses momentos que ela se dava conta do tamanho da loucura


que faziam e na intensidade que se entregavam. Surya lambia o suor que
brotava no rosto dele, absorvendo de igualmente modo tudo o que ele
oferecia.
Foi nesse momento que a intensidade do ato aumentou e a da mão
dele a masturbando foi mais rápido e ela sentiu que gozaria.

Fechou os olhos e gemeu o nome de Thiago. Ele olhando para a cena


mais voluptuosa de todas aumentou a intensidade das estocadas, sabendo
exatamente o que viria. Ela gozou, sentindo-se completa e envolvida demais.
Lágrimas vieram até os olhos dela quando ela proferiu as palavras que há
muito estavam engasgadas:

— Thiago... Eu amo você.

Depois daquele dia, houve um avanço enorme na relação deles.


Passaram algumas semanas em Tijuana e agiram como a família que de fato
eram.

A única tristeza de Surya era o presente medo de o outro filho deles


estar sob maus cuidados. Quando esses pensamentos ocorriam, ela sempre os
dividia com Thiago, compartilhando com ele da angústia do momento.

No fim, ele acabava por passar uma certeza para ela do qual nem ela
mesma tinha: " De que tudo estava bem com Pedro."Nesses momentos, ela o
questionava se ele sabia de algo, e a resposta era sempre a mesma: " Não se
preocupe com o que eu sei, apenas confie em mim."

Ela desconfiava que ele tinha informações sobre o filho e que não
queria lhe dizer, por isso não se preocupava em demasiado com o garoto
Pedro, confiando cegamente em Thiago. Às vezes, ela até mesmo se sentia
culpada por isso, mas sua intuição lhe dizia para confiar nele.

Ela sentia que com Thiago, tudo ficava mais sólido. Nada de
incertezas ou negações. Era ele e não haviam mais dúvidas. Ele passou
chama-la de Bella e em alguns momentos específicos durante o sexo de
Passione, mas estranhamente ele não a chamava mais pelo nome.

Thiago era atencioso e gentil com ela. Ele não era um exemplo de
carinho quando estavam em companhia de outras pessoas, mas pessoalmente,
quando estavam somente os dois, ele a chamava de apelidos carinhosos e a
tratava mais que bem.

Em alguns momentos durante o dia, eles transavam em lugares


inesperados e com isto, a lição de que sempre deveriam trancar a porta ficou,
desde que quase tinham sido surpreendidos por Julia. Os dias foram passando
e para a surpresa dela, em alguns momentos, Surya passou a se lembrar ainda
mais da antiga vida.

Ela sempre compartilhava desses momentos com Thiago e ele a


encarava no mesmo modo enigmático é estranho de sempre. Como se
soubesse de tudo aquilo mas que fosse completamente novo ao ouvir dos
lábios dela.

Nos momentos pós-sexo ele tbm compartilhava pequenos momentos


de sua vida e paulatinamente ela descobria quem ele era. Num dia, quando
estavam deitados, Surya quase pegava no sono, quando a voz dele a
despertou:

— Meu pai resolveu se confinar depois da morte do meu irmão...


Desde então, não o vi nunca mais. — Ela não entendeu bem o porquê ele
iniciou aquele assunto de maneira aleatório, mas decidiu que queria ouvi-lo. -
Acho que minha mãe foi uma mulher incompreendida e meu pai um homem
que não soube a compreender e nem se quer amá-la... Fui criado para ser
assim também.

Surya estava com a cabeça apoiada no peito dele e levantou um


pouco para ver o rosto bonito e pensativo, e ali, entendeu mais ou menos,
aonde ele queria chegar e seu coração errou uma batida.

"Será que ele escolheu justamente aquele momento para dizer a ela
que jamais se apaixonaria?" — Ela engoliu em seco, já preparando-se
mentalmente.

— Eu quero que me perdoe pelo que te fiz.

Ela rapidamente levantou a cabeça e procurou os olhos dele. E ele


mantinha o mesmo semblante sério e frio. Era como se ele acabasse de ter
dito algo sobre o tempo, mas o olhar dele, deixava bem claro que era aquilo
mesmo que ela escutara.

Emocionada, Surya respondeu:

— Mas eu o perdoei. Para vivermos o momento que estamos


vivendo eu o tive de fazer. — Falou baixinho pondo uma mão no rosto dele.
Thiago riu sem humor e falou sincero:

— Não falo isso por que sou bom, cara, falo isso por que...

— Por que...? — Ela completou com expectativas, incentivando-o a


dizer as palavras certas.

— Por que desejo o seu bem.


Não era o que ela queria escutar naquele momento mas por hora
serviu. Saberia esperar a vez dele.

—Então basta que você deseje o meu bem e ficaremos bem.

Ela sorriu de maneira doce para ele. Thiago raramente retribuía o


sorriso e ainda quando o fazia era fraco e de lado, logo sumia.

Surya enxergava nele um homem cheio de traumas e forjado pelo


fogo. Tão imponente e duro que se quer conversava sobre o passado. Ele
conseguia manter as aparências por fora, mas a realidade o mostrava cheio de
escuridão, revoltas e ódio por dentro. Nos momentos de descoberta dele,
Thiago explicou de maneira curta um período que teve de treinamentos, e
esse era o desafio para ela naquele momento: entender como que uma criança
passava por aquilo tudo sozinho e com o consentimento do próprio pai.

Thiago falou sobre os momentos de dor e das feridas que teve ao


lutar com homens mais velhos em busca de ter um treinamento de luta
perfeito. Também relatou sobre o frio extremo que sentiu, ao ser largado no
meio de uma nevasca para passar por uma espécie de meditação e aprender a
abnegar seu consciente que, o tempo inteiro, lhe dizia que ele estava
congelando.

Thiago também aprendeu com a fome, ao ter que disputar o alimento


do dia aos tapas e socos com crianças de sua idade, sendo eles
constantemente humilhados ao jogarem a comida no chão para que eles
comessem. Estas eram as marcas de ser quem ele era.

O frio das relações, falta de abraço, carinho e amor o forjaram.


Thiago Guerra era quem ele era. Surya parecia não ter medo dele quando
chegava a estes momentos, e ela insistia em sempre lhe dizer:

— Eu amo você do jeito que é. E te aceito com os defeitos que tem.

Nestes momentos, Thiago sempre se acha um não merecedor de um


ser tão genuíno

Uma semana depois, eles já se preparavam para voltar à Itália.


Aproveitavam os últimos dias de sol e calor do México. Thiago estava no
andar de cima e falava ao telefone com sua avó, Marietta. Há pouco mais de
um mês ela estava no Brasil e quase havia endoidecido nos primeiros dias.

Segundo ela, Pedro era um travesso incorrigível, mas de extrema


inteligência. Marietta insistia que o garotinho não tinha o mínimo de
disciplina para aprender o italiano. As demais aulas eram supervisionadas por
ela e nelas o garoto parecia até se comportar bem.

Ao final destas aulas, ela sempre o indagava do porquê de ele não


cumprir com aquele mesmo modo nas aulas de italiano e o garoto terminava
por dar um beijo na avó como pedido de desculpa, mas no outro dia, tornava
a aprontar novamente. No fundo, Thiago reconhecia que ela achava lindo
aquela resistência do menino com a língua estrangeira.

— Mas vamos ao que interessa, nipote... Estes dias, ouvi Rita


conversando com um rapaz. Quando desci as escadas, fui apresentada a ele, e
Rita o apresentou como sendo o antigo noivo da filha falecida deles... O
rapaz é dono de uma fazenda vizinha e parece nutrir um sentimento amigável
por Pedro e os restantes da família Lima.

Thiago escutava as remanescentes informações calado demais.


Perturbado pela notícia de que Surya tinha outro homem em sua vida. Sentia
algo próximo a insegurança e não queria admitir a si mesmo que até sentiu
medo de perde-la.

— Thiago? — Ele escutou a avó chamar. — Acho que a ligação está


muda... Mas também neste fim de mundo...

— Estou ouvindo. — Thiago a respondeu.

— E então? Que providências vai tomar quanto a este rapaz e a


moça que está aí?

— Na hora eu saberei, mas por enquanto, afirmo que chegou a hora


de irmos todos até o Brasil.
Capítulo 42

Estavam no avião indo em direção ao Brasil. Desde que soube que


iriam ao país, Surya não conseguia conter a ansiedade. Ela se lembrava da
informação de que o filho fora achado naquele país, e desde então, achou
Thiago mais calmo referente aquela questão.

Ela ainda não sabia o que encontraria ou o que a esperaria. A única


informação que Thiago havia lhe dito era que iriam ao Brasil para que ela
tivesse uma surpresa.

Seu coração não cabia no peito e cada minuto ela sonhava em


desvendar todo aquele mistério que ele impunha. Thiago negava-se a dizer ou
dar pistas se o que fariam tinha relação com Pedro ou não.

"Será se estavam indo ver o filho?" — Ela pensava se enchendo de


esperança.

No fundo, seu coração tinha a expectativa de que a surpresa tinha


muito a ver com o filho.

O tempo inteiro dentro do avião, Thiago havia se mantido pensativo


e reteso. De vez em quando, Surya o surpreendia olhando a profundamente, e
nesses momentos, para disfarçar o constrangimento, ela olhava pela janela ou
para a filha, que dormia em seu colo.

Gabriela e Spencer não havia vindo com eles, Surya desconfiava que
as pessoas que estavam ali tinham sido selecionadas, o que aumentava ainda
mais a expectativa dela sobre o que viria.
Ao desembarcarem no aeroporto, Surya sentiu uma certa
familiaridade com o clima e automaticamente sorriu. Júlia estava animada e
saltitante, corria sempre na frente mesmo que Surya desaprovasse a peraltice
da menina. Mas ela entendeu que de alguma forma, a criança parecia sentir a
mesmo frenesi que ela.

Para chegarem até onde tinham que chegar, Thiago explicou que
teriam de fazer mais uma pequena viagem de carro até a cidade em questão, e
durante todo o percurso, Surya olhava a vegetação verde e densa.

Os campos eram abertos e havia algumas plantações no meio do


caminho. Era possível ver também alguns gados que pastavam e a imagem
em questão fez com que ela tivesse pequenos flashes de algum outro lugar
contendo pastos e gados.

Cada segundo que ela passava vendo aquelas paisagens,


despertavam em Thiago uma certa demanda de atenção para as reações e
expressões dela. Ele já se preparava para o momento em que finalmente a
memória dela viria à tona. Uma dor de cabeça insistente a incomodava e
Surya encostou-se no encosto da poltrona do carro, fechando os olhos no
intuito de amenizar.

— Você está bem? — Ele perguntou próximo demais dela.

— Minha cabeça está doendo muito.

Thiago a trouxe para perto e a enlaçou. As demonstrações de carinho


não eram públicas e ela jamais o fazia com medo dele não gostar. Mas
quando ele abria aquelas pequenas brechas, ela aproveitava o embalo.
Ela não percebeu quando fechou os olhos, relaxou e dormiu,
acordando já bem no final da viagem. Passavam por dentro de uma pequena
cidade e Surya despertou da letargia do sono para olhar com curiosidade as
pessoas, sentindo a leve impressão de já ter visto aquele lugar.

De repente, um estalo em sua mente, e ela olhou para o homem que


dirigia o carro e falou em urgência:

— Por favor, por favor! Vire à próxima esquerda!

Sua mente ia lhe dando mapas, lançando memórias rápidas daquele


lugar. Pessoas, sons, cheiros específicos, os estabelecimentos, e
principalmente: Seu lugar preferido ali naquela cidade. O homem que dirigia
olhou pelo retrovisor para Thiago e ele assentiu permitindo que fizesse
exatamente o que ela dizia.

Sua mente ia lhe dando uma espécie de endereço, e o carro ia


avançando ziguezagueando entre as ruas. De repente, ao chegarem no meio
do caminho, ela se sentiu confusa e embaraçada ao ver que cada vez mais os
estabelecimentos ficavam mais característicos.

Perdida no sentimento de insegurança, e de estar cedendo a uma


mera ilusão da mente, continuou o que fazia.

A forma como ela guiou o motorista, fez com que desse diretamente
para uma rua fechada e ela encarou a saída com certa desordem mental.

O semblante era de perplexidade e confusão. O carro parou e ela


desceu, batendo a porta. Júlia permaneceu dormindo dentro e Thiago desceu.
Surya olhava para o fim da rua fechada e não acreditava que tivesse
sido enganada por sua própria mente. Mas de repente, ela sentiu o impulso de
olhar para o lado, e assim o fez. Um pouco escondido atrás das grandes
árvores mal cuidadas, estava um consultório médico veterinário, parecendo
abandonado. E ela estagnou, chocada.

Sua mente bombardeava com informações sobre animais de


diferentes espécies e seu semblante foi de espanto ao lembrar-se de tudo
aquilo. Sozinha, ela começou a rir e chorar ao mesmo tempo, nervosa, mal
acreditando no que sua mente lhe dizia.

— Eu era... Eu sou veterinária?!

Thiago, que a olhava impassível assentiu seriamente e Surya o


questionou com um olhar indagativo. Mas ele perguntou, ao invés de
esclarecer como sabia daquilo.

— Do que se lembrou?

Ela olhou para ele feliz e explicou:

— De que eu sou veterinária e que este consultório é meu. Ganhei


ele dos meus pais ao me formar como sendo a primeira de minha turma.

Thiago piscava tranquilamente e assentia com as informações.

— Do que mais se lembra?

A pergunta dele foi um choque pois nem ela mesma estava


preparada para ouvir aquilo. Olhou para Thiago e franziu o cenho,
esforçando-se, mas não havia mais nada. Sabia que tinha ganho um
consultório montado de seus pais, mas nem se quer lembrava quem era os
pais.

— Não me lembro de mais nada... — Balançou a cabeça em


negação, sofrendo por isso.

Ela quis chorar, mas Thiago a abraçou. Ele passava as mãos nos
cabelos dela numa clara tentativa de tranquiliza-la e amenizar o sentimento
de sofrimento.

— Shh... Não se cobre tanto. O que aconteceu hoje foi um mega


avanço. Tenho certeza que logo virá mais informações daí de dentro.

As palavras dele lhe trouxeram certo acalento, apesar de algo nele a


incomodar: Parecia que Thiago escondia algo, e ela quase podia apalpar
aquele fato, do tão explícito que era.

Ele a levou de volta para dentro do carro, e com uma agonia interna
e inexplicável, Surya olhou uma última vez para o letreiro apagado e
empoeirado.

Estava demasiadamente cansada da viagem e resolveu juntar-se a


Julia para juntas dormir. A casa aonde estavam, ficava na mesma cidade
aonde situava-se o consultório e antes de agarrar no sono, sua mente deu
voltas e mais voltas, enchendo-se de perguntas.

Thiago sabia que ali era a cidade aonde ela vivia, se não, como
haviam chegado ali? Ele não era homem de enrolar, isso era um fato. Thiago
era sempre muito certeiro e agia pensadamente sobre tudo. Então, se a
trouxera ali, era por que sabia dos pais! Ou do filho! Mas e se sabia, porque
ele não dizia nada! A deixava no escuro!

A agonia dos pensamentos fizera com que se sentisse inquieta, e por


duas vezes, ela quase se levantou da cama para ir confrontá-lo. Mas no fim,
com o dia longo e cansativo, ela adormeceu pesadamente. Assim que chegou,
Thiago se trancou no escritório e calculou os próximos passos que daria, já
que, naquela mesma noite, ele teria um encontro marcado na fazenda dos
Lima.

Com a morte de Bárbara, havia chegado o momento deles tomarem


conhecimento sobre a filha viva. Não era tempo de esconder mais nada. Era
chegado o momento certo de por tudo em pratos limpos, o que ocasionaria no
momento ideal para chamar a atenção de quem ele queria chamar.

Os dados de rastreios do celular de Dominic Lang que Spencer


captou, levou para um celular achado em uma lata de lixo, perto dali,
próximo a uma cidade vizinha. Um sinal claro de que Lang estava à espreita e
vigiava tudo.

Thiago não sabia se ele dispunha de muitos homens, mas de algo ele
tinha certeza: Ele estaria sempre a um passo de Dominic Lang, esperando o
momento certo para pôr fim à toda aquela loucura.

Após uma breve reunião de vídeo-chamada com Diogo e Spencer,


Thiago levantou-se da cadeira de couro e a empurrou para trás. Era chegado o
momento para pôr o plano em ação. Surya dormia profundamente e Júlia
também. O que era perfeito para que sua saída não levantasse suspeitas.

Ao pensar em Surya ele se lembrou dos momentos de mais cedo. Ele


podia sentir no olhar dela perguntas engasgadas sobre o que estava
acontecendo. Em dado momento ele até a desafiou a fazê-las, mas ela não o
fez.

"Será que ela ainda sentia medo dele?"

Pensou, não gostando nada daquela constatação, enquanto ia em


direção ao heliporto da casa.

Thiago levantou voo, direcionando o helicóptero para o lugar


afastado. Ele estava sozinho, mas era bem assistido e monitorado.

Aproximou-se da fazenda e percebeu que as melhoras por ali já eram


visíveis. No pouco tempo em que ele ajudara a impulsionar os negócios, a
fazenda já havia apresentado uma melhora de 35% em vista do que era antes.
Algo muito bom e significativo, uma vez que o ganho fora em poucos meses.

A relação com os pais de Surya haviam se estreitado, ele só não


gostava de ficar muito perto, visto o calor humano que eles pareciam
apreciar. O contato humano num ambiente familiar era algo difícil para
Thiago aceitar e que ele ainda não aprendera a lidar.

Sua avó havia gostado do lugar depois de um tempo, para a surpresa


de todos. Nos primeiros dias ela havia imposto algumas condições e
apresentara um projeto aonde transformava a sede da fazenda em uma super
casa luxuosa. Rita e Ernesto Lima, ficaram espantados e se negaram a ceder a
ideia magnânima de Marietta, deixando-a chateada por alguns dias, mas logo,
Rita cedeu na tentativa de agradar e melhorar a relação entre eles, e com isto,
a casa sede havia passado por uma reforma.
Ao modo deles fizeram com que a casa ficasse com uns aspectos
rústicos e chiques ao mesmo tempo, o que de fato contribuiu para a melhora
na relação entre eles.Ao pousar o helicóptero no pequeno heliporto que havia
ali, Thiago viu que todos o esperavam.

Esperou as hélices pararem de girar para descer com segurança da


aeronave. Ao se aproximar, percebeu que pela hora da noite, Pedro já poderia
estar dormindo, o que explicava sua ausência. Foi recebido com abraços
caloroso por Ernesto e Rita, e apenas um beijo simples no rosto por sua avó,
Marietta. Rita o convidou para entrar e como sempre, agiram de maneira
muito receptiva e educada.

Todas as vezes que Thiago os visitavam, era uma expectativa


diferente que alimentavam sobre Júlia, o que gerava sempre uma conversa
calorosa de como a garotinha estava crescendo e se tornando inteligente e
linda.

Durante o jantar que eles haviam preparado, Ernesto conversou


sobre o desemprenho e a melhora significativa da fazenda. Rita ria para ele de
maneira amorosa, algo que já não o incomodava mais, paulatinamente ele ia
aceitando que a forma com que eles viviam e se relacionavam, era muito
diferente e calorosa, e até mesmo Marietta já havia mencionado. Em um
determinado momento da conversa, Ernesto disse:

— Convidamos um amigo da família para vir aqui conhece-lo,


Thiago... Rafael tem uma fazenda de plantações de milho e é um grande
exportador. Ele também é um grande admirador de equinos.

— Ele foi noivo de nossa filha por três anos... — Rita


complementou.

Marietta, que sorvia um vinho, apenas observava a reação do neto.


Thiago manteve a compostura e o semblante neutro, mas o maxilar travado e
a comichão que sentiu, denotavam que ele não era tão imune assim.

— E por que ele não veio? — Thiago sondou.

— Ele teve um imprevisto com uma máquina de sondagem e alegou


que se atrasaria...

Este fora o momento ideal e ali, Thiago resolveu que seria o


momento ideal para começar os esclarecimentos. Ele baixou os talheres e
encarou os pais de Surya de forma séria. Rita sentiu o ambiente mudar e
preocupou-se, Ernesto, da mesma forma.

— Preciso conversar algo sério com vocês. Podemos ir até o


escritório?

Perturbada por um momento, Rita assentiu e Ernesto foi a frente.


Marietta interceptou o neto, o puxando pelo braço.

— Escolha as palavras certo, nipote... Eles são bons e eu gosto deles.

Thiago apenas a olhou, sem nada dizer. Ele bem sabia que não tinha
como amenizar as palavras. A história era o que era. Estavam sentados um de
frente para o outro, apenas Marietta estava ao lado, olhando tranquilamente
para a paisagem noturna pela grande janela.

Thiago via os rostos ansiosos e apreensivos olhando para ele a


procura de algo que relevasse o assunto que estava por vir.

— Antes de mais nada, eu gostaria de agradece-los pelo que fizeram


pelo meu filho. E dizer que no início desta história eu sabia o tanto quanto
vocês.

Rita desesperou-se achando que o menino seria levado, mas Thiago


abrandou os ânimos.

— Não é isto que tenho em mente, Rita. — Ele assegurou. — Mas


eu preciso que vocês sejam fortes para entenderem a dimensão do que eu
tenho a lhes dizer.

Rita olhou para Marietta, e ambas trocaram um olhar cheio de


significados. Nos momentos que passaram ali juntas, elas haviam aprendido a
se respeitarem, se gostarem e principalmente: serem amigas.

Eram o oposto uma da outra. Marietta era alguém socialmente


elitizada e que se comportava de maneira elegante e imponente, muito
diferente da humildade e simplicidade com que Rita e Ernesto estavam
acostumados, apesar de terem dinheiro. Mas o tempo fez com que as
barreiras e diferenças fossem postas de lado.

— Há quase um ano atrás eu fui notificado de que um carro caiu em


uma ribanceira e que minha filha e minha ex esposa estavam dentro dele.

Rita olhou rapidamente alternando entre Marietta e Thiago,


pensando se teria escutado bem. Ernesto apenas olhava para Thiago em
silêncio.
— Compareci até o hospital e o estado de saúde das duas era
gravíssimo, mas com o tempo elas foram se recuperando. Júlia foi quem se
recuperou mais rápido, por sorte, nenhuma lesão ficou na menina,
diferentemente da mulher que acreditei ser minha esposa...

Rita estranhou as últimas palavras, mas continuou olhando


compenetrada para Thiago. De vez em quando ela sondava com os olhos a
expressão de Marietta. Ernesto era que parecia o mais confuso e preocupado
de todos.

— ... Ao acordar, foi atestado que ela havia sofrido uma grave lesão
cerebral e com isso acarretou uma perda de memória. Ela não se lembrava de
nada, a não ser do momento que acordou ali no hospital... Dali em diante, ela
passou a ser tratada por mim como a esposa que tinha fugido com os filhos e
deixado o marido para trás, o que não foi nada fácil para ela...

— Mas aonde você quer chegar com este assunto, meu filho? — Rita
perguntou meio incerta se queria saber a resposta ou não.

— Depois de algum tempo e desconfianças, eu pedi para que


algumas informações fossem verificadas e descobri que a pessoa, no lugar de
minha esposa, era ninguém menos do que a filha de vocês. Surya, não está
morta.

O choque da notícia foi tão grande que Ernesto parou com a mão no
ar, ao buscar as mãos da esposa e Rita o encarava sem reação. O silêncio
absoluto foi quebrado pela voz de Thiago que, sem perder a elegância e a
altivez, completou:

— E ela está comigo.


Ernesto foi o primeiro a se levantar num pulo e dizer:

— Porque não nos disse antes?! — Falou descontrolado. — Como


pôde ter a frieza de esconder de nós algo assim?!

Rita olhava parecendo ainda não querer acreditar. Levantou-se e foi


até Marietta e balbuciou palavras rápidas desconexas, em busca de ouvir algo
da mulher. Seu intuito era que alguém a fizesse acreditar que nada daquilo era
um sonho ou uma brincadeira de mal gosto.

— Acalmem-se todos. — Thiago pediu brusco.

— Como você me pede para acalmar quando diz que a minha Surya
está com você e que ela não está morta?! Eu quero a minha filha! E a minha
neta! — Rita falou olhando para Thiago com urgência, de repente
enxergando nele uma ameaça. — Você sabia que ela estava viva e nos viu
aqui, no momento de dor, sofrendo pela perda dela! — Acusou-o ainda
chorando muito.

Ernesto, vendo a esposa abalada, aproximou-se dela e a abraçou.

— Viva, Ernesto! — A mulher dizia em descrença. — Ela está viva!


Você escutou?!

Thiago levantou-se de onde estava e caminhou até eles.

— A primeira vez que os visitei, foi uma forma de sondagem. Eu


não os conhecia e meus filhos, e sua filha, foram envolvidos em algo muito
perigoso por conta dos planos de Bárbara... — Thiago abaixou a voz ao
complementar. — E muito cuidado ao me julgar por não contar tudo a vocês
antes... Se tivessem tido a consideração de ligarem para o pai das crianças
para ouvir a versão dele sobre o que a sobrinha de vocês dizia enquanto
esteve aqui, tudo isso seria evitado.

Ainda que estivesse errado e tivesse culpa parcial, Thiago não


admitiria ficar por baixo.

As palavras dele surtiram o efeito que queria, fizeram com que Rita
e Ernesto se sentissem envergonhados.

— Quando eu cheguei aqui eu não fazia ideia com que tipo de


pessoas eu estava lidando e a única pessoa que importava no meio disso tudo
era meu filho, vocês gostando ou não...

Aquilo bastou para calar o descontrole deles, mas ainda assim, não
os acalmou.

— Thiago, nós não tínhamos ideia da mulher que abrigamos aqui.


Mas o que você diz é verdade... Se tivéssemos ido atrás de você, talvez...
minha filha... — A mulher não aguentou e começou a chorar novamente.

Marietta, comovida, chegou para perto e a abraçou.

— Não é hora de discutirmos isso. E, havia o lado de Surya


também... Ela não pode simplesmente ter choques com informações... Ela
teria de estar em boas condições mentais e saudáveis para ter uma conversa e
ser esclarecida deste fático engano.

— Mas o que foi que Bárbara fez! — Ernesto indagou passando as


mãos pelo rosto.
— O plano dela, de tirar Júlia daqui, consistia em oferecer a menina
para mim em troca de dinheiro, e depois ela voltaria e levaria Pedro. Este, ela
usaria para barganhar em troca do meu cargo.

O casal olhava para Thiago horrorizados e perplexos. Sem acreditar


no tamanho da maldade de Bárbara.

— Se aquela desgraçada voltasse aqui, Rita, eu juro a você que daria


a surra que ela nunca ganhou de Corina!

— Não será preciso... — Foi a vez de Marietta dizer com um olhar


nefasto. — Deve ter virado comida de peixe, depois de ter caído no mar....
Não é mesmo, nipote?

Rita e Ernesto encararam Marietta assustados, não compreendendo


nada do que ela dizia, mas assustados pelo rumo que a conversa ia levando.

— O que aconteceu com ela, Thiago?

— Bárbara caiu de um barco em movimento e seu corpo jamais foi


achado.

A informação era vaga demais, mas nenhum deles protestou,


pedindo mais informações. Desconfiavam que a história tomara um rumo
diferente, mas nenhum deles ousou questionar.

— Mas e Surya? — Rita perguntou ansiosa e preocupada com a


filha. — Quando poderemos vê-la?

Thiago pensou um pouco sobre e por fim respondeu.


— Neste próximo final de semana eu a trarei aqui. Mas primeiro eu
tenho de prepara-la para a carga mental que está por vir... Ela se recorda de
apenas algumas coisas, temos que ir com calma por enquanto.

Com isto, Ernesto desabou no sofá e pôs as mãos na cabeça e Rita


chorou. Chorou aliviando-se de toda a dor que a perda da filha ocasionara.
Havia sido muito tempo de angústia, pensamentos de culpa e solidão.

Ter enterrado a filha, fora um processo inesquecível e que a


machucava até então. O fato de ter sido um velório rápido e de caixão
fechado era o que a assombrava sempre. Mas finalmente o descanso e alívio
havia chegado ao coração ferido daquela mãe.
Capítulo 43

Thiago discutia os últimos detalhes para o dia em que ele levaria


Surya e Júlia até a fazenda, e esclarecia algumas dúvidas sobre o quadro
médico de Surya e as intervenções cirúrgicas que ela sofrera.

Rita quis saber com minuciosamente o estado de saúde da filha, qual


era o grau de amnésia, sua aparência, se estava muito magra, se estava em dia
com os medicamentos, ou se tinha força o suficiente para aguentar o baque da
revelação que estava por vir. Rita se achegava mais perto de Thiago, tamanha
era sua agonia e ansiedade para saber mais sobre a filha. Era uma clara
tentativa de escutar cada palavra e acalmar ainda mais o coração.

Cada explicação requeria uma paciência que Thiago não tinha, e


aquilo começava o inervar. Mas para o alívio de Marietta, ele disfarçava bem.
Rita estava empolgada e muito ansiosa, e com razão. Nunca, nem em mil
anos, imaginaria receber uma notícia tão boa como aquela. Desconfiava até
que não conseguiria dormir pelos próximos dias.

Já Ernesto, olhava para a tela do celular bastante compenetrado,


analisando a foto que Thiago mostrou de Surya. O momento era de tanta
concentração que eles se querem notaram o barulho de um carro se
aproximando lá fora.

Menos Thiago e Marietta. Estes sempre se mantinham em alerta.


Thiago guardou o celular, justamente no momento em que foram
interrompidos pela empregada, dizendo que o último convidado da noite
havia chegado. Marietta olhou bem para Thiago, transparecendo o que
pensava do tal convidado.
Thiago sabia que o convidado se tratava do tal Rafael. Assim que ele
chegou na guarita da fazenda, há 2km dali, um soldado o notificou através de
uma mensagem no celular, enviando foto da placa do carro e nome do
proprietário.

Thiago se levantou e ajeitou o terno no corpo, uma característica


bem dele, e anunciou sua partida. Rita o olhou como se sua esperança fosse
embora junto com ele.

— Ainda não, querido! Fique mais tempo! Rafael acabou de chegar,


e acho que ele vai ficar tão feliz quanto a gente em saber que... — Como se
sentisse que falou algo que não devesse. Rita se calou e mudou de postura. —
Bem, este é um assunto para a própria Surya resolver. — Disse como se fosse
para si mesma.

Ernesto, que prestava atenção em tudo, assentiu, entendendo bem


aonde a esposa quis chegar dizendo aquilo, e pareceu concordar. Thiago foi
quem se irritou, ao constatar que eles ainda duvidavam de quem seria a
escolha final de Surya.

Thiago silenciosamente caminhou para fora do escritório, indicando


sua saída, com a mente ainda presa nas palavras de Rita. Estava tarde e ele
queria sair dali o mais rápido possível. Todas aquelas perguntas e insinuações
o começava a tira-lo do sério.

Ernesto ainda insistiu mais um pouco para que ele ficasse, mas
Thiago refutou, alegando que precisava voltar para terminar um trabalho.

Encaminhavam-se para a porta de saída da casa quando passaram


pela antessala e Rafael levantou-se da poltrona onde estava sentado. Veio em
passos calmos até Rita e a abraçou, beijando-a no rosto, um comprimento
também foi direcionado a Ernesto e Marietta, e Thiago olhava tudo com o
semblante frio.

Quando chegou sua vez, Rafael se afastou um passo e estendeu-lhe


uma mão, amigavelmente. Rita interveio e tentou os apresentar, mas Thiago
ignorou o gesto e disse:

— Nos vemos em breve. — Deu-lhes as costas e partiu.

Surya acordou sentindo a falta do corpo de Thiago. O procurou mas


não o achou. Já era madrugada e não havia sinais dele em lugar nenhum.
Achando estranho, ela se levantou e olhou ao redor, se acostumando com o
lugar diferente.

Calçou os chinelos e desceu para tomar um copo d'água. Na volta,


pelo caminho que fazia, ela reparou a porta do escritório entreaberta e
encarou o lugar em dúvidas.

Pensando na possibilidade de o marido estar lá, até aquela hora,


Surya foi até a porta e timidamente a abriu.

O cômodo estava vazio, mas havia sinal de que ele estivera ali, e há
não muito tempo. Chegando pertinho da mesa, ela viu que tinha alguns
papéis espalhados e a tela do computador brilhava. Esbarrou no mouse, mas a
tela estava bloqueada, e ela se repreendeu mentalmente por estar fazendo
aquilo e se sentindo como se cometesse um crime.

Pensando em sair dali, Surya virou-se, mas uma folha em específico,


chamou-lhe a atenção e a deixou curiosa. Eram dados de estatísticas sobre
uma fazenda chamada "Águas Verdes", e de repente, aquele nome não lhe era
estranho.

Uma comichão começou a crescer em sua cabeça e ela foi sentindo


algo crescer. A sensação era tão estranha que ela teve medo de morrer, ou de
que algo muito sério estar acontecendo com sua saúde.

Era certo que o uso do contraceptivo havia sido suspenso por ela não
ter se dado bem com a medicação, mas será que ainda tinha resquícios do
medicamento que a fizera tão mal? Duvidou. Parecia ser uma espécie de
acumulo de emoções que desencadeavam memórias novas, e seu corpo
parecia querer pedir um momento para absorver tudo aquilo que vinha cada
vez mais rápido. De repente um barulho na porta e ela se assustou. Olhou
para trás e era ele:

— Mexendo onde não deve? — Thiago parecia cansado, e os olhos


profundos pareciam mais escuros.

— Desculpe. — Ela disse lançando o papel por cima da mesa. —


Vim lhe procurar e acabei lendo um nome que pensei já ter ouvido antes. —
justificou para ele.

Thiago permaneceu calado, a olhando daquele modo que a fazia


ficar com vergonha. Sentindo-se com vergonha, colocou o cabelo atrás da
orelha e disse:

— Me preocupei com você quando o procurei na cama e não achei...


Pensei que fosse fazer companhia para mim e Júlia.

— Tive de sair para resolver alguns assuntos. — Ele disse e se


aproximou, tocando em uma mexa de cabelo que se desprenderá detrás da
orelha. — Mas já que me quer como companhia na mesma cama...

Apesar da aparência cansada, Thiago pareceu se recuperar num


instante ao sugerir algo através do que ela dissera, e automaticamente, o
corpo dela também respondeu. Este era o grande diferencial entre eles: em
um minuto tudo virava fogo, calor luxúria e eles. Os momentos em Tijuana
haviam sido um sonho, uma recompensa por tudo o que ela havia passado.
Nunca achou que pudesse passar tantos momentos intensos, íntimos e
transcendentais que vivenciou ao lado de alguém que para ela, tinha sido um
algoz.

Certa vez, depois de transarem intensamente, ela o indagou de


maneira inocente, sobre o porquê do casamento entre eles outrora não ter
dado certo e a resposta que ele deu, foi perturbadora a ponto de para ela não
ter feito sentido algum.

— Você não é a mesma. — Foi a resposta dele.

E desde então ela temia que quando recobrasse a memória, voltasse


a ser o que era antes. Mas de algo ela sabia: Lutaria com todas as forças,
ainda através de terapias significativas, para ser um ser humano melhor.

A tirando de todos aqueles pensamentos, Thiago se aproximou e a


puxou inesperadamente para um beijo urgente. A sensação era que algo
estava prestes a acontecer e que aquilo roubaria a chance de ficarem juntos,
mas o que seria?

Assolada por aquele pensamento de perda, ela o abraçou forte,


enquanto o beijava e Thiago a levantou, segurando-a de frente a levando até o
sofá de couro que havia ali perto.

Ele se sentou com ela ainda em seu colo, com uma perna de cada
lado. Beijavam-se com urgência e uma vontade tão grande que chegava a
doer, esta foi a sensação que ela sentiu.

Não sabia o pensar direito, não sabia o que sentir, mas aquela
sensação de que se perderiam, a fazia querer fugir de tudo e se esconder de
todos, e viver com ele assim como estavam fazendo outrora em Tijuana.

A mesma urgência do beijo também se fazia para terem mais contato


entre eles. Surya aproveitava a posição meio montada e esfregava o quadril
em direção ao volume perceptível. O pijama era apenas um pano leve e nem
mesmo de calcinha ela estava. Já tinha adquirido aquele hábito ao dormir
com Thiago, e sabia que ele preferia assim.

O excitamento do momento era tão grande que nem se deram conta


de que o beijo virava algo avassalador intercalando entre lambidas, mordidas
e chupões. Thiago estava com as costas recostadas no encosto do sofá. As
mãos posicionadas uma de cada lado do bumbum ajudavam-na a impulsionar
e se esfregar cada vez mais nele. Ele emitia um barulho de satisfação com a
garganta que fazia com que ela se excitasse ainda mais.

Surya ergueu o corpo, fazendo com que os seios esbarrassem no


rosto dele, sem precisar de incentivo maior, Thiago abaixou a alça da blusa e
alcançou um mamilo com a boca e os sugou, com vontade. Arrancando
arquejos e gemidos da boca dela.

Thiago era alto e grande, e ela teve um pouco de dificuldades para


de onde estava, alcançar o fecho da calça e abri-lo, mas tendo a ajuda dele
havia conseguido.

Usou com mais incisão a fricção para masturbar o pênis sem todo
aquele impedimento de roupas. A única barreira entre eles era o shortinho de
dormir que ela usava. O prepúcio se movimentava com o vai vem que ela
fazia o que fazia com que Thiago respirasse com dificuldades e buscasse o
rosto dela.

Vendo que ele a olhava enquanto ela rebolava no colo dela. Surya se
aproximou e o mordeu nos lábios, lambendo-os em seguida. Com força, ele
juntou seus cabelos e puxou sua cabeça para trás. Deu um sonoro tapa em sua
bunda antes de levar os dedos até o short e pôr de lado, fazendo com que o
pênis roçasse em sua vagina.

Sem avisar, Thiago a encarou quando guiou o pênis para dentro dela,
e Surya o olhava assustava é surpresa pela invasão inesperada.

Estavam um de frente ao outro. Cara a cara, ela sentada de frente e


no colo dele, olhando o nos olhos, conectados e imersos na loucura daquela
intimidade. A única certeza que ela teve, naquele momento que
compartilhavam, era que jamais esteve tão ligada a alguém como estava e
nunca tinha amado como o amava.

— Desta vez eu vou te marcar para sempre. — De repente ele disse.

Não deu tempo para processar as palavras e nem seu significado


quando ela sentiu ele sair e entrar, olhando de modo quente e intenso.
Diferente do modo frio e mal que tanto a assombrou.

Ele a impulsionava a subir e descer, segurando-a pelo quadril, a


sensação de estarem dentro um do outro era delicioso demais. Mais uma vez,
Thiago invadiu a boca de Surya e a beijou com avidez.

A sensação de penetração somada ao beijo era fantástico.


Aumentava, intensificava o contato entre eles.

Thiago deu um puxão no short e o colocou ainda mais de lado


enquanto ela intensificava ainda mais os movimentos de vai e vem. O
barulho de molhado que a junção das carnes fazia e os gemidos que os dois
emitiam era excitante e com isso, cada vez mais se mergulhavam um no
outro, buscando total satisfação.

Sentindo ansiedade em antecipação, ela aumentou o ritmo de


cavalgada que fazia e Thiago a apertou ainda mais, prendendo-a no beijo. Ela
não conseguia corresponder e Thiago exigia que sim.

— Ah! — Ela gemeu dentro da boca dele, enquanto era levada ao


ápice do prazer.

Thiago não parou. Desceu o corpo de modo a firmar mais as pernas


no chão e bombeou fazendo com que o corpo dela quicasse. Surya olhou para
Thiago, sem fôlego, e o viu vermelho, suado e cheio de tesão ia forte e cada
vez mais rápido. Foi quando ele gemeu alto e a abraçou forte, derramando-se
dentro dela, misturando o seu gozo ao dela, tornando os dois em um só.

O tesão, a luxúria, a tensão e o nível de excitamento era o mesmo


entre eles, e parecia aumentar cada dia mais, más incontestavelmente, aquele
sexo foi completamente diferente. Era como se o que tivessem acabado de
fazer fosse uma reverência, uma homenagem, um tributo um ao outro. Surya
não soube exatamente o quê. Mas daquela vez, tinha sido diferente.
Thiago, completamente saciado, a olhava por cima dele, totalmente
trêmula e imóvel. Ele sabia que o corpo dela não havia se adaptado ao
anticoncepcional, por isso, durante a viajem em Tijuana usavam camisinha e
o coito interrompido a maior parte do tempo, mas aquela noite seria diferente.
Ele quis marca-la como sendo apenas dele.

Dois dias depois e aquela sensação estranha que tanto lhe causava
aflição, não diminuiu, aliviou, mas não passou completamente. Thiago, desde
a noite de sexo intenso, havia se distanciado um pouco e ficado um pouco
recluso, e ela imaginava ser a demanda de trabalhos, já que ele não estava tão
presente assim na Calábria.

Para amenizar um pouco do distanciamento, Thiago teve a ideia de


propor um passeio de helicóptero, para ela e Júlia. Naquele dia, mãe e filha
estavam animadas para um passeio que fariam. Era um dia lindo de sol e
estava quente, perfeito para conhecer de cima a pequena e agitada cidade.

Assim que chegaram até o heliporto, Thiago já as esperava. Júlia


ficou extasiada com o tamanho da aeronave e muito animada em ver o pai.
Surya não pôde deixar de perceber o quão lindo Thiago estava, ele parecia
um modelo.

Ao chegar perto, ele a beijou de modo caloroso e que a deixou um


pouco sem graça, diante de Júlia. O beijo mais pareceu uma despedida e a
sensação que algo não batia, tornou a lhe assolar ferozmente.

Thiago fez uma menção para que ela se sentasse no banco traseiro,
ao lado de Júlia e começou a afivelar o cinto de segurança em ambas e
colocar o protetor auricular. Vendo o que ele fazia, Surya começou a ficar
nervosa, com uma sensação de frio na barriga, com medo de voar. Um pouco
receosa, ela olhou para os lados, em busca do piloto.

A simples possibilidade de pensar que Thiago não sabia o que estava


fazendo, lhe dava náuseas e com mais sensação de apreensão.
Sorrateiramente, Thiago, pareceu sentir isso nela, mas não falava nada.
Apenas mantinha a aparência de quem estava sabia o que estava fazendo.

Para a surpresa dela, e mais animação de Júlia, Thiago assumiu o


lugar do piloto e enquanto alçava voo, lançou a ela um olhar que a desafiava,
e Surya não aguentou. Riu com vontade de todo o nervosismo desnecessário
que alimentou. Para sua surpresa, Thiago também sorriu com a reação dela.

O que fizeram foi mais uma espécie de pequena viajem. Estavam há


uns vinte minutos sobrevoando, quando um ponto no horizonte fez seu
coração acelerar. Reconheceu imediatamente a cordilheira que separava uma
reserva do Ibama da fazenda Águas verdes e seus olhos se encheram de
lágrimas. Ela agarrou-se ao vidro que a separava das paisagens tão
conhecidas e exploradas ao longo de sua infância e juventude.

Passaram por um grande campo aberto, cheio de árvores e um


pequeno córrego, que Surya lembrou de ser seu lugar preferido de descanso,
quando enfrentava longas cavalgadas.

Com as coordenadas certas, Thiago diminuiu a altura do helicóptero


e sobrevoaram uma pequena plantação de laranjas, e Surya abriu os lábios em
descrença, lembrando-se da infância que levou, brincando de se esconder por
entre aquelas árvores. Sua cabeça não doía, nada doía, pelo contrário. Havia
uma alegria muito grande e cada memória não precisava ser recobrada porque
simplesmente, de forma miraculosa, ela apenas se lembrava. Nada parecia
novidade, mas ao mesmo tempo era.

Thiago manobrou a aeronave e fez uma espécie de curva que a fez


ter a noção da imensidão vasta da propriedade. Trabalhadores rurais
empenhados na colheita; máquinas agrícolas triando cada grão e os jogando
dentro de grandes silos: o pasto na imensidão verde, e tudo a fazia ficar
deslumbrada.

Se lembrava! Ela se lembrava! — Riu deslumbrada.

O helicóptero sobrevoou por cima de uma grande casa. Muito


diferente da que ela se lembrava, e seu coração pareceu querer sair pela boca.
Ao longe ela via algumas pessoas saírem. Ela não pensava em mais nada a
não ser que finalmente tinha se achado. Ela tinha se achado. Sabia quem era.

Assim que pousaram ela se desprendeu, mas a voz de Thiago no


comunicador interno pediu para que ela permanecesse até as hélices pararem
de rodar.

E assim ela o fez, mas com muito custo. Sua vontade era de correr,
correr bastante, sentia que a liberdade que sentia era mais que real. Sentir que
o enclausuramento e a limitação da mente, já não eram mais familiar.
Completamente alheia a Júlia, que olhava para a mãe sem entender nada, é
muito menos para Thiago, que a encarava e lia em seu semblante toda a
verdade.

Thiago foi o primeiro a descer e Surya apenas encarava as pessoas


que de longe estavam paradas. Não enxergava nada a sua frente além
daquelas pessoas. Basicamente havia se esquecido de tudo ao redor.
A porta do helicóptero foi aberta e ela mais que de pressa saltou e se
adiantou, andando um pouco receosa até a casa.

"Será que ainda se lembravam dela?"— Preocupada pensava. — E


se seus pais não morassem mais ali? — Eram pensamentos que a priori ela
achou bobo, mas era a preocupação e a constatação de que o tempo havia
passado. Tanto para ela, como para eles.

Ao longe, alguém vinha correndo, ela percebeu, e cada vez que


chegava mais perto, seu coração ia acelerando e as lágrimas descomedidas
iam banhando seu rosto.

Rita vinha correndo e chorando. Ernesto vinha logo atrás e parecia


se controlar para não ceder ao choro igual Rita. Mas de repente, algo fez com
que Surya parasse de andar e estagnasse no lugar. Ela até mesmo parou de
chorar e gotas silenciosas caíam, denunciando o choque da constatação.

Todo o seu semblante de felicidade se esvaiu, e Surya até chegou a


dar uns passos para trás, o motivo de toda esta reação fora o fato de ver o
homem que juntamente com os pais, vinha recepciona-la. Rafael.

No mesmo momento, a sensação de separação que ela tanto sentiu


no dia anterior, e antes de iniciarem a viagem, ficou claro e nítido. Ela e
Thiago se separariam, pois não se pertenciam. Na verdade, há mais de três
anos que ela pertencia a um outro homem, Rafael Portela.
Capítulo 44

Remorso. Esta foi palavra certa para Surya definir o que ela sentiu
no exato momento que seus olhos cruzaram com o de Rafael. Cada toque que
recebeu dele, cada lembrança do tempo de namoro, o pedido de casamento,
os momentos juntos, todos eles foram brotando em sua mente resignificando
a figura dele e participação em sua vida. Mas o que de fato a espantou foi que
nada daquilo pareceu tão forte, quanto as novas memórias que carregava
consigo. Era como se Rafael fizesse parte de uma realidade passada, de algo
que foi e não existia mais.

Ela procurava dentro de si a resposta para aquilo, tentando achar a


ponte que a ligava de volta para a realidade ao lado de Rafael, mas era o rosto
de Thiago que aparecia. Cada memória de Rafael era preenchida numa
intensidade nunca antes sentida pelos momentos que tivera com Thiago. E ela
se sentiu em uma espécie de removimento, desfrutando da sensação latente e
de culpa, como se tivesse cometido um adultério. E tinha!

Os pensamentos tristes só foram substituídos ao ver que a mãe a


alcançava com um semblante tão carregado que, Surya se preocupou achando
que a qualquer momento a mãe desmaiaria. Já o pai, caminhava meio
perdido, vagante, olhando-a como se ela não fosse real, como se nada ali
existisse e ele estivesse tendo alguma experiência sobrenatural.

Surya caminhou e amparou a mãe, dizendo palavras para aplacar a


demasiada emoção que ela sentia.

— Estou aqui. Calma. Respire, respire. — A mulher olhava para a


filha e só chorava. Tocando em cada parte do rosto como se para se certificar
de que aquilo realmente acontecia.

— Surya, Surya… Minha filha. — Ela repetia, incansavelmente seu


nome.

— Sim, mãe. Sou eu. Respire, preciso que se acalme.

Enquanto abraçava a mãe, e procurava com os olhos o pai, Surya viu


ao longe a pequenina figura de Pedro, e seu coração encheu-se de alívio e não
mais culpa o que aumentou seu descomedido choro. Ela realmente não sabia
nem o que dizer, a não ser chorar em alívio, de gratidão por ter conseguido
voltar a se achar.

Ernesto se achegou e abraçou a filha, abarcando também o abraço de


Rita. Juntos aliviavam suas feridas, a saudade e aplacavam a dor
companheira. Era mais do que emoção. Era o consolo mútuo, que
expulsavam a dor da perda, da culpa, e que traziam alívio e alegria. Júlia
ficou um pouco assustada em ver a mãe chorando, com pessoas ao redor dela
e também chorando. Num momento de inocência, quis chorar também, mas
com calma, Thiago, a acalentou falando palavras doces e tranquilizadoras,
enquanto levantava a filha no colo.

Surya escutou ao longe o choro da menina e se desvencilhou um


pouco do abraço, a chamando para perto. Thiago a colocou no chão e Júlia
correu para os braços da mãe, sendo também incluída no abraço mutual.

Thiago se manteve ao longe. Analisando tudo o que acontecia e cada


reação, com verdadeiros olhos de águia. Depois do longo abraço, Rita foi a
primeira a se separar, passando os dedos das mãos abaixo dos olhos, secando
as lágrimas e respirando fundo. Levantou os olhos e viu Thiago, que
pacientemente prestava atenção em tudo e riu agradecida.

Inesperadamente, ela foi até ele e o abraçou. Era um abraço forte,


um pedido de "desculpas" e "obrigado" silencioso. Thiago se sentia deslocado
e não retribuiu abraço, apenas levou a mão e a tocou na altura das costas.
Surya, que estava abraçada com o pai, não viu o que acontecia, pois, ao passo
que estava inserida naquele momento de carinho, seus olhos também
percebiam a presença de Marietta ao longe, ao lado de Pedro. Naquele
momento, inevitavelmente, o sentimento de que havia sido enganada e que
tudo não passou de um teatro para Thiago, começava a brotar.

Surya andou decidida em direção a casa, acompanhada de todos,


inclusive de Thiago, que permanecia em silêncio. Ela se sentia incapaz de
encará-lo sem conseguir se conter e confronta-lo. Por isso, para não tornar
tudo mais tão dramático, ela se continha e esperava o momento certo.

No momento em que chegava até próximo a entrada da casa, Rafael


caminhou até ela e a abraçou apertado, levantando-a um pouco do chão,
realmente demonstrando ter sentido sua falta. Surya escutou uma espécie de
rezingar vindo de Thiago, e acostumada a não ceder ao contato com homens,
ela se desvencilhou um pouco do abraço íntimo, e Rafael a olhou meio
perdido.

Cada um havia a recepcionado a sua forma, e maneira, e para a


surpresa dela, até mesmo Marietta a abraçou, demonstrando algo totalmente
diferente da costumeira frieza do qual ela foi acometida durante tantos meses
em que esteve na Itália com ela.
Surya fez um pequeno cálculo mental, e supôs que desde o período
em que ela se ausentou da Calábria, era que tinham descoberto a existência de
Pedro e da família dela. Isso respondia o porquê da ausência de Marietta,
sobre os planos de Thiago em levar Júlia para ver a avó e dela não poder
acompanhar a própria filha. Isso pareceu mexer ainda mais com ela e com o
que sentia. Pedro, estranhamente estava quieto, e se mantinha agarrado ao
vestido de Marietta. Surya se abaixou e ficou na altura do menino, que a
olhou com os olhinhos cheios de água. Ela tinha certeza que ele a
reconheceu.

— Eu senti que você nunca ia voltar, mamãe. — O garoto exprimiu


a seu modo, como que a falta dela o afetara, e todos ficaram surpresos.

E Surya chorou um pouco mais, abraçando o corpinho. Pedro era


maior que Júlia, e tinha a dicção um pouco melhor que a da irmã. Desde
então, ele não se afastou mais. Sempre estava junto e com a mãozinha
agarrada ao vestido dela, sem soltar. De vez em quando, olhava para Júlia e
parecia querer ir até ela. Surya percebeu e o incentivou a ir brincar com a
irmã, sem dizer diretamente que eram irmãos. Isso ela faria com o tempo,
para que eles não estranhassem a inserção repentina um na vida do outro.

Thiago mantinha-se calado, sempre à espreita e fora da bolha de


carinho e nostalgia que ela foi inclusa por todos. Encostado de braços
cruzados sem parar de encara-la, Surya, se concentrava, fazendo muito
esforço para não questiona-lo ali na frente das pessoas, mas nunca almejou
tanto estar sozinha com ele. Nunca quis tanto ouvir da boca de alguém as
verdades, como quis escutar de Thiago. E ele parecia saber muito bem disso.

Rafael não estranhou em nenhum momento, ou teceu comentários


sobre a nítida tensão entre eles. Não era muito difícil de perceber que algo
rolava entre eles, o que aumentava a preocupação de Surya e sua vergonha.

Finalmente, depois de muitas horas de conversas tranquilas, abraços,


carinho e muitas risadas que dissipavam as tensões, ela teve a oportunidade
de ficar sozinha com Thiago para o confrontar. Ela tinha ido até o antigo
quarto, junto com Rita, enquanto Ernesto e Marietta mantinha entretido os
netos. Rafael, depois de algum tempo, se levantou e decidiu ir embora.

Surya estava em seu antigo quarto, escutando a mãe dizer que há


pesar da reforma na casa, ela mantivera seu quarto intocável. Estavam no
meio daquela conversa quando sentiram uma presença na porta. Era ele.
Thiago estava parado bem na soleira da porta e ela não o tinha percebido
entrar. Rita balbuciou algo sobre ter de dar uma olhada nas crianças e saiu do
quarto, os deixando às sós.

— Estou indo embora. Vai ficar, ou me acompanhar? — Ele dissera


simplesmente. Foi algo tão surreal que Surya olhou bem para ele. O
enxergando como ele era, agora com outra percepção.

Tudo mexia com ela, mas agora, nada ao redor estava cheio de
pontos de interrogação. Lembrou-se de cada momento ruim ao lado dele e
lágrimas amargas vieram a seus olhos. O perdão estava lá, disponível para
todos aqueles momentos, mas ela agora com outra perspectiva. Thiago
adentrou ao quarto e fechou a porta atrás de si. Deu uma pequena olhada ao
redor do quarto, com o mesmo ar de superioridade de sempre, e no final a
encarou nos olhos novamente. Surya continuava olhando para ele, mal
conseguindo acreditar nas palavras que a pouco ele usara e seu corpo engolia
cada tensão que ele exalava no ambiente.
— Porque não me contou.

Ela não gritava, mas o tom de decepção das palavras era visível.

— Você queria que eu simplesmente te dissesse que você não era


Bárbara, e que na verdade era alguém que levava uma vida pacata numa
fazenda do interior do Brasil, realizando trabalhos, que mais se pareciam
voluntários, cuidando da saúde de animais e que ainda por cima era noiva de
um babaca?

Surya respirou fundo e fechou os olhos, apertando os punhos, ao


ouvir cada palavra dura daquela. Ouvir sua vida sendo narrada por Thiago,
fazia com que tudo se tornasse insignificante. Na verdade fazia parecer que
ele não a julgava ser tão superior ao ponto de merecê-lo, o que a magoava
mais ainda.

— Eu não acredito que você ainda consegue ser tão arrogante a esta
altura do campeonato, Thiago! Olha o que o seu egoísmo fez! O tempo
inteiro que eu estive com você, eu tinha um noivo, Thiago! Um noivo!

— Esqueceu de quem eu sou, porra?! — Ele disse se aproximando


perigosamente e a enclausurando entre a parede e ele. — Tomei conselhos
com psiquiatras que me disseram para deixar que sua memória fosse
recobrada por si mesma, eu não podia te obrigar a nada. E não a obriguei. As
coisas foram acontecendo de maneira natural entre nós. Não me lembro de
em nenhum momento eu ter te comido sem o teu consentimento.

Surya não acreditou no que escutava e riu com nervosismo e


descrença.
— Pelo menos optasse pela transparência, Thiago! Você viu de perto
minha aflição e angústia por causa de Pedro e só me garantia de que o
menino estava bem. Me dissesse ao menos a condição de que ele estava!

— Para gerar mais porquês em sua mente? Não seja por isto. O que
quer saber? Se eu estou arrependido?

— Está?

— Não há um dia que eu não lamente toda esta história. Mas não me
arrependo.

Surya respirou fundo e abaixou a cabeça, passando as mãos pelos


cabelos longos. Ela não podia julga-lo. Sabia. Ninguém tinha um manual de
como agir em momentos como aquele e ela o bem sabia. Mas faltava algo.
Sabia que Thiago havia se interessado em algo para que ele não perdesse o
completo controle da situação, mas ele não falava. Este era um dos maiores
problemas.

Tudo para ele era como se fosse um jogo. E ele não perdia. Nada
entrava a realidade, o contato o sentimento. Tudo se tratava de estratégias.
Era ele quem dava o tabuleiro, regras e cartas, não importando mais nada
além disto.

— Eu fui uma peça no seu jogo, Thiago. Assim como também fui
para Bárbara e Lang. Me usaram apenas para terem o que queriam. Você me
manteve lá, no escuro, sem saber de nada e não me venha com esta desculpa
de que era porque se preocupava com as minhas reações caso eu descobrisse
de maneira brusca. Você nunca se importou! — As palavras saiam em rojões.
— E eu nem sei bem se aquele pedido de perdão foi pelas suas maldades ou
por estar me sacaneando!

Thiago mantinha-se inalterado, com resposta pra tudo. Era como ele
tivesse no controle e não estivesse disposta a ceder com isto. E era o que a
deixava em cólera. Nada nele despertava nenhum sentimento além da ira.
Parecia alguém inatingível.

— Sacanagem esta que você adora, não é mesmo? Goza no meu pau
feito uma cachorra.

As palavras despudoradas a fizeram se chocar e sentir vergonha.

— Não fale assim comigo. — Olhou-o nos olhos pretos entendendo


tudo.

Surya compreendeu que tudo não passava de sexo. Até mesmo o


discurso que ele fizera um dia sobre ela precisar ser forte para estar ao lado
dele já não fazia mais sentido.

Ela olhou para ele com o rosto banhado em lágrimas e o que via era
apenas o mesmo de sempre. Era o que a matava. Ela estava magoada, e a
objetividade das palavras dele atrapalhavam a sua assimilação com tudo.
Thiago era muito duro e não abria brecha para que o diálogo entre eles
fluísse.

— Alguma vez para você, o que aconteceu entre nós foi além de
sexo, Thiago? Porque para mim, neste ponto, eu também não me arrependo e
sigo te amando. Mas eu preciso decidir o que fazer com minha vida agora...
Eu não posso simplesmente voltar com você para casa e ignorar o fato de que
eu tive uma vida antes de você. E eu não posso me jogar com tudo me
contentando apenas em ser uma espécie de amante e mãe não biológica dos
seus filhos.

Ao menos daquela vez, as palavras dela trouxeram uma reação aos


olhos de Thiago que não passou despercebido por ela. Foi como um pequeno
choque.

— Com toda a forma que vivi, e fui criado, fui moldado a ser quem
eu sou. E eu sou assim. Tenho um sentimento por meus filhos, mas não sei o
que é amor...eu não conhecia você, Surya, não fazia ideia de quem era, mas
admito que trouxe uma certa significância e....

— E...? — Ela o incentivou com o coração apertado.

Mas mais uma vez ele não dissera. Da forma dele, Thiago
intrinsecamente deixou subentendido que não sabia o que era amar, o que era
uma espécie de apunhalada, afinal, naquele momento ela se sentia
completamente vulnerável pelo que sentia e ainda mais usada por ele.

Ela havia criado três regras básicas para conseguir transar sem se
envolver amorosamente e mesmo seguindo-as, se apaixonou perdidamente.
Uma das regras consistiam em ão se deixar levar e se jogar naquela relação.
Ela estava até disposta a isto, desde que tivesse a garantia de que não seria
apenas mais uma mulher a entrar na vida dele e com significados vazios.

Naquele momento ela precisava de mais. A garantia de que o algo


dentre eles não seria tão fraco e leve, ela precisava sentia profundidade e não
razoabilidade. Mas mesmo ali de pé a sua frente, vendo a agonia e sofrimento
dela naquele momento, Thiago não cedia.
— Não existe amor sem compaixão Thiago, e compaixão, é algo que
você claramente teve dificuldades para se ter por mim.

No momento daquelas palavras, um ódio terrível subiu, que o fez


travar o maxilar. Finalmente apresentando alguma reação, Thiago se
aproximou mais com o olhar nefasto e cheio de cólera. Pela primeira vez em
muito tempo, Surya sentiu medo e se retraiu, esperando algum tapa ou puxão
de cabelo.

Mas no fim, Thiago tocou seu rosto com a ponta dos dedos e
levantou o rosto dele. Ela levantou os olhos, cheios de lágrimas sofridas e
contidas. Algo nele pareceu quebrar. Apesar de ter odiado cada palavra que
ela dissera, ele simplesmente não conseguia dizer a ela que estava totalmente
enganada. Thiago precisava bem entender o que era aquilo que sentia e a
simples palavra amor, não se encaixava e nem fazia sentido.

Pensamentos o faziam pensar que o que sentia não passava de um


deslumbramento. Algo novo que o atingiu em cheio, mas não amor. Naquele
mundo que ele vivia e que foi criado, amor não existia. Thiago não queria
perdê-la, mas não admitiria algo que nem mesmo ele admitia para si mesmo.
O toque que ele lhe fazia no rosto, carinhoso, foi interrompido e antes que ela
abrisse os olhos. Thiago já havia partido.

Uma dor enorme no peito atingiu Surya, que chegou a sufoca-la. A


constatação de ter sido usada doía e parecia retalhar por dentro. O sexo entre
eles era como uma conversa, mas faltava a palavra que firmaria aquele
envolvimento, e que diria que não era apenas sexo ou troca de energia. Ela
não criava expectativas de que ele pudesse amá-la inconsequentemente e
acima de tudo, mas ao menos uma esperança de que seria diferente, de que
ela não seria alguém a ser descartada depois.

Chorando muito, com a cabeça doendo e cansada de tudo, ela se


dirigiu para cama e deitou de barriga para baixo. Abraçou um travesseiro e
extravasou todos os sentimentos. Não sentia vergonha por ter se doado e nem
ter sido intensa nos momentos com ele. Mas pela primeira vez ela entendeu a
dimensão do quão doloroso seria sem ele.
Capítulo 45

Thiago andava de um lado para o outro, parecendo uma fera


enjaulada. Seus pensamentos vagueavam e a imagem se Surya sempre estava
lá.

Ele se sentia um idiota por não saber como falar com ela, ou como se
portar com ela. Ele sabia que ela era sensível, carinhosa e doce, mas não
sabia como acessar isto sem feri-la. Ainda mais quando não sabia dizer que
gostava dela, ou o que sentia por ela.

Ele não queria dar o braço a torcer e encarar de frente aquela


realidade: A de que estava amando...

Amando?! — Se horrorizou com o pensamento. — Gostava dela! Ou


será que amava?

Não quis admitir para si mesmo o inevitável, e muito menos separar


o que sentia. Ele buscava algumas definições de amor, sabia o que era, mas
não tinha experiências para ter certeza. Tudo era muito cinza e oco.

Mas ela me ama. — Pensou com altivez, mas logo em seguida ficou
confuso novamente. — Mas se amava, porque ainda não tinha voltado?

De repente o notebook em cima da mesa apitou, e ele recebeu alguns


dados. Eram informações sobre Dominic Lang, e mais uma vez ignorou. Ele
não se reconhecia. Estava sendo um inferno sem ela ali. Ele tinha dado um
tempo a ela para que ela de desacostumasse com a ideia de querer que ele lhe
provasse algo, quando na verdade estava claro! Pelo menos era o que ele
pensava, já que deu a ela a opção de voltar para casa com ele.

Porra! O que ela queria?! Flores e um pedido de casamento?!

Só de cogitar uma cena assim ele sentia vergonha dele mesmo, um


incômodo que sobrepunha a tudo, e uma vontade latente de dar um próprio
tiro em si próprio. Jamais se humilharia daquela maneira. Não ele.

Como ela exigia algo que ele não sabia oferecer? O sexo era bom.
O que mais faltavam-lhe?

Cansado de todos aqueles pensamentos Tiago se dirigiu até a grande


mesa, levantou a tela do notebook, e começou a ler os dados que Spencer
tinha enviado, mas estava impossível de conseguir prestar atenção.

Estava tão desligado de tudo, que ele lia os relatórios, mas não
entendia, E para não fazer uma besteira com plano traçado para pegar o
verme maldito, baixou a tela do notebook com certa força e desistiu de ler,
finalmente indo até a mesa de aparador enchendo o copo com uísque e
tomando a metade em um só gole. O celular vibrava insistentemente em seu
bolso quando ele pegou o aparelho com raiva e olhou para tela. Era Spencer.

— Não estou com cabeça para nenhuma de suas piadinhas, Spencer.

— Achei o Dominic Lang, e ele está na Colômbia.

— Mas que porra é essa, Spencer? Esse filho da puta não estava aqui
no Brasil?

— Sim, e não. Achamos que ele veio para cá, para...


— Se encontrar com um aliado da cidade vizinha e deixou o celular
aqui para despistar sua fuga.

— Exato.

— Era o que um idiota como ele faria. Estou indo para a Colômbia.
Reforce a segurança da fazenda dos Lima.

— Já o fiz.

— Certo. E já sabe com quem Dominic Lang mantém contatos por


aqui?

— Desta vez foi muito fácil de descobrir, mas deste, eu também já


estou cuidando... O avião com um carregamento de drogas está chegando aí,
e você parte em trinta minutos para a Colômbia.

Desligaram o telefone e poucos segundos depois Thiago recebeu


uma foto de Dominic Lang na mesma viela que fora encontrado o celular. O
homem que estava com ele, claramente lutava para manter o disfarce, mas era
em vão.

Para uma boa percepção, bastou que um pequeno descuido fizesse


com que a câmera captasse uma parte do boné que não escondia bem o perfil.
E lá estava ele.

— Filho da puta.

O clima era chuvoso e úmido em Bogotá. Ele estava


estrategicamente bem no centro da cidade, cercada de de fronte grandes
montanhas e vários prédios enfileirados de cor marrom.Thiago estava tenso e
seu humor e paciência nunca estiveram tão ruins.

A notícia era que Dominic Lang estava vivendo como turista em


Bogotá, e havia alugado uma casa num bairro nobre. A informação viera de
um sistema de aluguéis que ele usou com o nome falso, que, assim como
Bárbara, ele também adotou. O assunto de estratégia havia proposto a teoria
de que Dominic Lang estaria ali para desfocar das pistas que levavam seu
paradeiro ao Brasil, por isso, Thiago requereu mais segurança em torno da
fazenda, guardando e vigiando todos 24hrs ao dia.

Para a sorte daquela operação, Dominic Lang estava relapso. Nem se


quer se parecia o homem engenhoso que conseguira se esconder por três
anos. Ele estava confiante de mais, impassível demais e muito viciado em
drogas.Lang parecia não contar que Thiago estava a um passo dele, e que
mesmo se corrompendo por dentro e se omitindo, Thiago estava indo pronto
para a guerra.

Para agir ali, era necessária demasiada prudência. A Colômbia tinha


seu tráfico organizado e quem comandava uma parte, era o Cosa Nostra, mas
querendo ou não, ele teria de respeitar a soberania de cada organização,
procurando aliados e não mais inimigos. Mas Thiago sabia como agir e
acabou tendo o aval do chefe daquela região para fazer o que tinha em mente.

Dominic Lang era um japonês, filho bastardo de um subchefe da


yakuza. Morou na Itália desde que não teve a aprovação necessária perante o
conselho da máfia japonesa para ser reconhecido como membro. Era bom
com números, e inteligente, mas nem tanto.
Ele tinha o cargo de tesoureiro da máfia desde que seu pai esteve
como chefe, mas Thiago sempre desconfiou muito de um certo trâmite
lançado. Todos os valores declarados, as vezes continham centavos a menos,
do que tinha sido lançados. Ou seja, Lang, era esperto o suficiente de roubar
centavos de cada operação realizada pela máfia, e no final, os centavos
viravam milhões.

Isso durou até Thiago desconfiar e começar a pedir para que valores
fantasmas fossem depositados, com isto, Dominic Lang começou a se irritar
com algumas contas pessoais dele que não fechavam. Se quer disfarçou
quando a constatação de que estava sendo enganado por Thiago o atingiu.
Conseguiu fugir levando falsos valores em dinheiro, e ainda persuadiu
Bárbara, que levou as crianças, ocasionando em toda aquela bagunça de
pessoas envolvidas.

Thiago saiu cedo aquele dia, acompanhado de Spencer. Daquela vez,


seria ele a estar a seu lado quando pusesse fim no traidor.Quando chegaram
próximos a casa aonde Lang estava, Thiago percebeu que tudo estava
bastante pacato, e seu instinto se aguçou. A rua era cheia de casas de família,
com crianças brincando de bola.

Alguns homens estrategicamente, subiram pelo lado oposto e alguns


outros foram por dentro da mata que ligava os fundos da casa. Giba parou
com o carro na frente da casa e foi até a porta e bateu.

Thiago espreitava dentro do carro de longe, observando tudo e na


escuta. Na terceira batida na porta, Giba já esmurrava, e mesmo assim, não
obtinha nenhuma resposta.
Já estavam se preparando para arrombar a porta quando ela foi
aberta. Um homem de correntes no pescoço, sem camisa e de calças jeans
baixas mostrando a cueca, foi quem atendeu. Não disse nada, apenas encarou
Giba.

—Fala.

O homem levou um verdadeiro susto quando Giba levou a mão até


seu peito e o empurrou de volta para dentro da casa, e alguns outros armados
entravam juntos com ele, fechando a porta em seguida.

— Não pode chegar até aqui e ir entrando assim, caralho! — O rapaz


disse cheio de petulância, enquanto apontava o dedo em direção a Giba e
alguns homens subiam para o andar de cima e vasculharam tudo, cada parte.

Com um chute a porta dos fundos foi aberta e Thiago em seguida


adentrou. O homem olhou espantado ao redor, e balbuciou perdido em
palavras que se misturavam do espanhol ao inglês. Acompanhou com os
olhos a imagem de Thiago até quando ele se postou à frente dele. O homem
era baixinho, tinha cara de nativo, e já Thiago, parecia uma muralha na frente
dele.

— Não está aqui, chefe. — Um soldado falou ao descer a escada.

— N-não sei do que estão falando. — O homem adiantou.

Thiago deu um leve levantada no queixo e Giba colocou-se atrás do


homem, golpeando-o fazendo com que ele caísse de joelhos no chão e o
prendesse as mãos. Um outro soldado veio e entregou a Thiago um saco de
plástico.
— Aonde está Dominic Lang?

O homem percebeu o que estava para acontecer e se sacudiu,


tentando se soltar, mas Giba o manteve ajoelhado.

— Não sei! Não sei! Ele só mandou eu ficar aqui no lugar dele.

Enquanto falava, Thiago reparou na anomalia do cós da calça. Fez


um gesto para um soldado e ele foi até o homem, fazendo nele uma pequena
revista e encontrando uma arma.

Thiago se abaixou de frente ao nativo colombiano e colocou o saco


plástico na cabeça dele, causando automaticamente espasmos e barulhos de
gritos e agonia. Enquanto Thiago fazia esforços para manter o saco preso
junto a cabeça do homem, ele dizia com ódio:

— Eu quero saber aonde está o filho da puta! — O homem lutava e


se sacudia, agonizando com a falta de ar.

Foi quando Thiago retirou o saco plástico e o homem estava todo


cheio de saliva, enfraquecido e desorientado, quase desmaiando. Com um
tapa forte no rosto, Thiago o despertou.

— Eu... — Disse ainda abobalhado. — Juro...— A voz denotava o


cansaço. — Eu não sei aonde ele está. Dominic Lang, falou apenas para eu
ficar aqui e atirar quando você entrasse...

— Faz quanto tempo que ele saiu? — Spencer brotou da entrada da


casa e perguntou.
— Não sei, ele apenas sumiu quando vocês bateram na porta.

No exato momento em que o homem disse isso, um barulho alto de


freio de carro soou e Spencer correu até a janela da casa, vendo que alguém
saia de lá acelerando num carro preto e fugia. Ele trocou um olhar rápido com
Thiago e disse:

—É ele.

Sentindo o sangue subir, Thiago se levantou e saiu em direção a seu


carro, pronto para dar início a perseguição. Mas antes que saísse de vez,
ordenou:

— Limpem essa bagunça. — Referiu-se ao homem, que,


imediatamente gritou quando teve novamente o saco de plástico colocado na
cabeça.

Thiago entrou no Audi, e mais comboio de homens os acompanhou


em outro carro. Spencer veio a seu lado, tão concentrado e compenetrado
quanto. De longe, viam o carro de Dominic Lang avançando e aceleraram.

Alguns outros homens, que saiam da casa, se separaram e iam por


outro caminho, a fim de cercarem o carro de Lang. Spencer dirigia e Thiago
ia montando uma metralhadora AK- 47, enxergando apenas sangue e ódio. O
carro deles avançou e ultrapassou o sinal vermelho, o que acabou fazendo
com que Spencer pegasse um outro atalho, perdendo o carro de Lang de vista.
Thiago confiava em Spencer e esperou para ver o que ele estava fazendo.

O carro deles seguia por uma rua longa, deserta e vazia, enquanto ao
longe se podia ouvir o som do motor de algum outro carro avançando
também. Era Lang. Estavam em ruas diferentes, mas emparelhados ao mesmo
quilômetro por hora.

De repente, o final da rua acabou e eles saíram primeiro, fechando


logo em seguida, o carro que avançava velozmente. Dentro do carro, Lang
ainda pensou em ir para cima com tudo, mas não conseguiria e freou,
cantando pneus. Na adrenalina, Dominic Lang ainda conseguiu pensar num
cigarro, catou um apressadamente, acendeu, com as mãos tremendo e
desceu.

Um carro vinha atrás dele, que e o impediram de dar ré e fugir. Ele


também viu quando Thiago saiu, do carro e se protegeu atrás da porta.
Achando melhor ter por segurança, Dominic Lang deu uma longa tragada no
cigarro e destravou a arma. Giba o chamou no rádio, perguntando os
próximos passo a ser dado e Thiago falou:

— Saiam todos da frente e se protejam. Vou atirar.

Foi quando rapidamente, Lang saltou do carro com um revólver 38,


e atirou em direção a eles seis vezes. Thiago se abaixou, mas revidou da
mesma maneira, só que escutou um baque e viu Spencer cair segurando o
braço e respirando rápido. Thiago olhou para Dominic Lang e projetou o
corpo para frente e disparou uma rajada de tiros de metralhadora, perfurando
partes do carro e os pneus e acertando Lang na panturrilha.

Enquanto atirava, Thiago percebeu que Lang recuava, ferido e


entrava no carro novamente. Ele parou de atirar mas foi se aproximando
ainda em posição de atirador.

Dominic Lang estava deitado no chão, gritando e xingando,


enquanto tampava o ferimento com as mãos. Chegando mais perto, Thiago
gritou:

— Saia do carro!

E lentamente o homem obedeceu. Completamente furioso.

— Deita no chão de barriga para baixo! — Thiago ordenou é assim


Lang o fez.

Giba se aproximou e alguns homens passaram por ele e correram até


Spencer para socorrê-lo. Giba, pegou com brusquidão os braços de Dominic
Lang e o prendeu com as mãos para trás, com algemas de nylon.

— Fez boa viagem, Thiago? — Ele perguntou astuto, ainda com o


cigarro na boca.

— Você não sabe o quão boa, filho da puta. — Dizendo isto, Thiago
retirou o cigarro acesso da boca dele e apagou em sua bochecha.

Sem querer demonstrar dor, Lang não gritou apenas rugiu de dor,
mas não foi o bastante. Thiago deu um tiro de metralhadora na perna de
Dominic Lang explodindo, fazendo com que virasse um aglomerado de
sangue e carne.

Lang gritava dentro do porta-malas quando ele foi aberto. Todo o


carpete do carro estava sujo de sangue, e na perna, havia um buraco
explodido do estrago que a bala calibre 7 havia feito. Dominic Lang estava
pálido e tonto de gritar e perder sangue. Thiago o pegou pelo colarinho e o
jogou para fora do carro e dois soldados o arrastou até perto de onde o
mataria.

Haviam alguns outros homens fortemente armados ao redor, sendo a


maioria deles, os mais fiéis pertencentes à máfia. Bradaram com a chegada de
Thiago e urravam em aprovação. Para eles, finalmente a desonra estava sendo
lavada com o sangue dos traidores.

O lugar era uma clareira, escondida no meio o matagal e totalmente


cercadas por árvores, ninguém conseguia acesso ali se não tivesse o aval do
crime organizado. Thiago havia mandado preparar cinco pneus de
caminhonetes empilhados em cima do cascalho, e os soldados se dirigiam
para lá com ele.

Lang era puxado pelos braços, enquanto o resto do corpo ia se


arrastando por cima da grama. Ele via tudo de olhos bem abertos e começou a
rir de modo psicótico ao ver que além de estarem presentes os membros mais
importantes da máfia, um corpo, com um colar de prata no pescoço,
queimava dentro de um tonel de ferro, totalmente carbonizado.

Ele não falava nada, sabia que de nada adiantaria. A decisão foi
tomada e eles seguiriam o curso de maneira implacável. Dominic Lang foi
içado para ser colocado dentro dos primeiros pneus, e à medida que cada um
ia o cobrindo, seu riso ia ficando cada vez mais alto até por fim, virar um
grito misturado com agonia e medo. Thiago se aproximou e o olhou de modo
presunçoso e altivo, antes de dizer:

— Senhores, o ato desta noite marca mais um ato de libertação do


mundo de vermes trapaceiros e traidores...— Mais uma vez, cada membro fez
barulhos de aprovação e anuência. — Para Dominic Lang, foi dado toda a
liberdade em gerir o dinheiro da famiglia, mas nós nunca o ensinamos a
desonrar a famíglia, mas o que está feito está feito. E a captura dele é a prova
de que eu sou um legítimo Guerra, e luto para manter minha honra!

— La Omerthà! La Omerthà! — Gritaram em aprovação e


exultação.

— E se tem algo que nesta história que ela nos ensina, é que se pode
matar qualquer um.

Dizendo isso, Thiago, sem olhar em direção a Lang, disparou três


tiros com a arma, acertando propositalmente nas extremidades do corpo dele.
A intenção era apenas para atingi-lo e não matá-lo. Dominic Lang gritou e se
engasgou, desmaiando em seguida. Mas não se manteve desacordado por
muito tempo. Enquanto soldados traziam galões de gasolina e os colocava no
chão, bem perto dos pneus, Thiago caminhou e desenroscou cada galão.

— Chega de discursos para apaziguar a situação. Me ajudem a pôr


fim neste traidor, ladrão e figlio de una cagna.

Com o olhar vagante, Lang acordou e viu que estava sendo banhado
com gasolina, da cintura para baixo. Percebendo aonde aquilo ia parar, o
homem começou a chorar desesperado e a tremer feito um bebê.

Litros de gasolina foram jogados no corpo ainda vivo, causando um


contato lacerante nas feridas expostas. Cada um que jogava, se certificava de
deixar a cabeça sem contato com o líquido inflamável.

Dominic Lang aceitava o fim, mas odiava como estava sendo. Ele
olhava com ódio a imponência de Thiago e se irava ainda mais, imaginando
do porquê não ser ele ali.

Marcelo, um dos membros mais fiéis e respeitados da Calabresa,


aproximou-se e colocou um cigarro, já pela metade e acesso, na boca de
Lang.

— Se deixar o cigarro cair, você morre mais cedo.

Dominic Lang, rangeu audivelmente de ódio, pois, sabiam do


costume que ele tinha em fumar e de seu vício. Automaticamente ele estava
em um dilema: Deixava o cigarro sem tragar, e a chama apagar? Ou tragava
uma última vez em nome da vontade e apreciação da sensação de prazer
causada pela nicotina?

A fumaça o fazia sentir-se bem, mesmo naquela hora tão desgraçada


e ele começou a chorar, ao ver que o corpo implorava um trago. Os olhos
negros de Thiago captavam tudo, até mesmo o momento em que o vício que
o homem tinha, o fez tragar tão profundamente que pequenas brasas se
acenderam na ponta do cigarro, o que ocasionou seu fim.

O fogo começou de maneira tão tempestuosa que se alastrou numa


rapidez enorme. Thiago observava tudo, enquanto Lang o caçava com os
olhos em desespero pela última vez, e via algo que o deixava mais apavorado
que o fogo. Os olhos eram maus e pareciam irradiar ódio e perigo.

Alguns homens, que admiravam Thiago, paravam a seu lado,


olhando a cena a partir do ângulo dele. Lang gritou e derrubou o reto do
cigarro em si, junto ao fogo que o consumia, em agonia e atormento da
queimação, ele ergueu a cabeça para o alto, em busca de escape e alívio, mas
não havia nada. Todo seu corpo ardia e ele não podia fazer nada.
Apenas sua cabeça ainda se mantinha intacta do fogo, é essa era a
finalidade de não terem jogado gasolina nele todo. Era para ele assistir o
definhar de tudo. Muita dor e desespero, o levavam a pedir clemência e não
morrer perante a máfia como um homem digno. Lang percebeu que não havia
mais barulhos, ele era o barulho.

Thiago permaneceu encarando a cena grotesca, até o fogo subir para


a cabeça do corpo e acabar com tudo. Ele tirou a arma da cintura e friamente
apontou para o corpo quase morto e descarregou a arma. Ao término, virou as
costas para o fogo e recebeu uma chuva de aclamações vis e beijos nas mãos,
em sinal de respeito.
Capítulo 46

O jantar foi em sua homenagem aquela noite. Todos beberam muito


e dançaram, até mesmo Marietta pareceu se divertir. As crianças riam, seus
pais estavam felizes e Surya também. Naquela noite ela engoliu a tristeza e
vontade de ter um tempo para si. Escondeu todo o abatimento e levantou a
cabeça.

Com o passar dos dias, ia engolindo a saudade que sentia de Thiago


e tentando assimilar as coisas novamente. Seus pais perceberam sua tristeza,
mas não teciam comentários algum na frente das crianças. Rita era sempre
quem a apoiava independente de tudo, e Ernesto era sempre o que a abraçava
durante o choro e Marietta silenciosamente vez ou outra dava-lhe um afago.

Julia foi quem perguntou do pai primeiro. Mas ela sempre tecia
alguns comentários que faziam as crianças entenderem que a ausência era
temporária.

Três semanas se passaram e Thiago nada dissera. Às vezes ela se


pegava prestando atenção em algum barulho de helicóptero. Era muito difícil
conter o que ela sentia, mas toda dor e decepção ainda latejavam dentro de si.
Pensar em Thiago doía, e desencadeava uma sensação terrível de desilusão e
mágoa.

A vontade de gritar com ele era grande, de bater em seu peito e fazer
com que ele desse a ela a certeza de que ela seria a mulher dele e que não
somente seria alguém descartável que logo seria largada em qualquer lugar
depois que ele se cansasse.

A mente suja de Thiago não o permitia pensar daquele modo, ela


entendia. Mas se existia algo que ela precisava era de confiança. Thiago havia
tomado sua decisão quando saiu pela porta do quarto e ela respeitaria. Mas
ele teria de aguentar as consequências também.

Ela abriu os olhos naquela manhã e no mesmo instante o mal estar


veio com tudo. Surya levantou-se de uma vez, e uma vertigem lhe assolou e
ela voltou-se a deitar e tapou os olhos com o ante braço. Respirou fundo, na
tentativa de aplacar o bolor que sentia e acalmar os ânimos.

Havia um mês que Surya tinha voltado para casa dos pais, e os
antigos hábitos voltando pouco a pouco, como se fossem algo descoberto,
mas ao mesmo tempo nada novo. Nas primeiras noites, as crianças haviam
insistido para que dormissem juntos com ela. Com pena de todo o
distanciamento que haviam sofrido, Surya passou a permitir que aquilo
acontecesse sempre, até que se passasse o período da saudade e ela os
reeducasse.

Para seu alívio, naquele dia, eles não estavam ali, pareciam ter
levantando mais cedo e saído, o que era comum. Especialmente naquela
semana, ela vinha dormindo mais que o comum. Às vezes, até mesmo
durante o dia. Nestas horas, sua mãe a olhava estranho e como se sentisse, ela
sempre corria para o banheiro para vomitar.

Cansada de tudo, Surya passou as mãos pelo rosto, ainda abalada


pelo enjoo e olhou as horas. Estranhou mais uma vez o fato de ter dormido
demais, e a possibilidade de ser o que ela imaginava, fazia com que suas
mãos suassem e o coração acelerasse. Olhou pela janela do quarto que dava
diretamente para as baias e decidiu que naquele dia faria uma caminhada
pelos campos e propriedade de Águas Verdes junto com Lisa, a égua árabe.

Depois de se arrumar e reprimir a ânsia de vômito e mal-estar que


sentia, desceu para o café da manhã.
Surya adentrou até a cozinha, deu um beijo de "bom dia" em Vanda, a
ajudante de sua mãe.
A mulher, que sovava uma massa, a olhou por cima do ombro risonha, e
falou:

— Sua mãe pediu para avisar que esta manhã ficará fora com as
crianças.

Com interesse, Surya parou de andar e olhou para a pequena mulher.


— É mesmo? E aonde eles foram?

— Dona Rita disse que iria até a fazenda do seu Joaquim, para
aproveitar a colheita de melancias e levar as crianças para conhecer. Saiu ela,
seu Ernesto e as crianças, acompanhados daqueles bonitões armados... — Ela
suspirou sonhadora. — Dona Marietta resolveu ficar e está tomando café da
manhã sozinha. Quase pediu para que eu a chamasse...— Vanda riu para si
mesma, balançando a cabeça. — Qual é a desse povo rico que não podem
comer sozinhos na mesa, hein?

Surya riu alto da falta de tato da mulher e se dirigiu para onde


Marietta estava sentindo que o enjoo havia diminuído com o cheiro de café e
agora, ela apenas sentia um leve mal estar.

Depois do dia em que Thiago se foi, Marietta decidiu ficar mais um


pouco, a convite de Rita e Ernesto. Surya soube pela mãe, que no momento
em que Marietta dissera que não iria voltar com ele para a casa, Thiago se
irritou e saiu feito um furação pela porta. Completamente irado.

Todos, logicamente, se preocuparam com a reação dele, mas


Marietta explicou em seguida, com muito humor, que àquela era a primeira
vez que duas mulheres se negavam a ele no mesmo dia. Seus pais levaram na
esportiva, o que aliviou a apreensão com Thiago, e afrouxou os ânimos. Mas
não durou muito.

Logo, a ordem de que não podiam se afastar muito da fazenda, e se


caso o fizesse, fossem escoltados por algum "Mad men", veio diretamente
dada de Thiago. Surya se enfureceu internamente, ainda mais, por achar que
Thiago fazia aquilo para se manter no controle de tudo, mesmo longe.

Ela descobriu naquele meio tempo que ele era o detentor de grande
parte da fazenda, e que tinha ajudado seus pais a saírem dos problemas
financeiros que enfrentaram, mas não concordava em tornar refém, pessoas
que ele tinha ajudado.

A guarda aumentou e o número de homens armados também. Outra


novidade era que ninguém poderia se aproximar da sede da fazenda, sem
antes sofrer uma série de perguntas interrogativas.

A desculpa foi que corriam um certo risco com o Lang à solta. Por
isso ela também não havia mais visto Rafael. Nem mesmo ele tinha o direito
de se aproximar. No fundo, Surya desconfiou que Thiago não tinha feito
aquilo em nome de nenhuma precação, e sim, em nome dos ciúmes.

Ela inclusive se preocupou e ficou um pouco receosa de os pais


saberem o que Thiago era e com o que mexia, visto a quantidade de gente
armada que trabalhava para ele, mas para seu alívio, num dia durante o jantar,
eles apenas juraram que Thiago era um homem importante, de personalidade
política e que tinha muitos inimigos no Estado, por isso aquele volume de
escoltas. Surya olhou para Marietta, e ela a olhou com olhos de sabedoria. A
velha senhora os soubera enganar muito bem, e Surya não se sentiu culpada.
Para ela, era melhor que os pais pensassem assim do que saber a verdade.

Quando marcou duas semanas da ausência de Thiago, os pais se


preocuparam, Marietta nem tanto. Alegou que possivelmente o neto estaria
resolvendo algo, mas daí, quando a ausência dele se ampliou para um mês,
foi que a apreensão de que o pior tinha acontecido se agravou.

Foi preciso que Surya entrasse em contato com Spencer e ele viesse
pessoalmente até a fazenda amenizar os corações perturbados de todos,
dizendo que Thiago estava em uma missão e não podia ter contato. Todos ali
pareceram aliviar, ou até mesmo levar um tempo até sentir a falta de Thiago
novamente, mas Surya não estava igual.

Ela sentia saudade, angústia, medo, mágoa e falta dele a cada


segundo, inclusive, seu coração não descansou, pensando sempre em agonia,
no perigo que ele estava exposto.

Marietta estava sentada a mesa, sorvendo uma xícara de chá,


olhando para a janela perdida em pensamentos, com uma pequena ruga
fincada na testa de preocupação. Surya se aproximou um pouco retesa. Era a
primeira vez que elas ficavam completamente sozinhas, desde que Thiago
estivera ali.
— Bom Dia, Marietta.

A senhora levantou os olhos para ela e sorriu cumprimentando-a de


volta. Apesar de já ser idosa, os olhos de Marietta não eram nublados e nem
foscos, pelo contrário, se mantinham negros e penetrantes, como os de
Thiago. Mas naquele dia, a aparência de imponência estava levemente
abatida.

Os olhos analíticos a encaravam, e Surya sustentava o olhar, quando


de repente Marietta disse:

— Meu neto é um rapaz duro, não é mesmo? Nunca se quer conheci


uma namorada ou paixonite sua, Thiago nunca foi assim. Pulou os processos
para ser quem ele é, e eu tive muita parcela de culpa em seu modo de criação.
— Ela se serviu um pouco mais de chá, e incentivou Surya a comer algo,
enquanto continuava. — Tive apenas um filho, Georgiano. Lembro-me que
eu jamais quis ter outro filho pois nunca tive sentimento materno algum.
Algumas pessoas quiseram me julgar, por não ser carinhosa com meu filho,
mas a verdade era que nem eu mesma sabia o porquê, e no meu casamento,
era a mesma coisa. Apolo e eu nunca nos amamos, era um casamento por
conveniência por eu ser filha de um capo importante...ele sempre teve outras
mulheres, ainda que tentasse esconder de mim, eu sentia e sabia quando ele
estava com elas... mas assim que meu marido morreu, de uma overdose,
Georgiano, meu filho, tornou-se o sucessor de meu falecido marido aos 46
anos, e quando isto aconteceu, já era casado com Maysa. Ela era uma mulher
nova, aspirante a carreira de pintora e inegavelmente melancólica. —
Marietta levantou os olhos e encarou o rosto de Surya. — Neste período,
Thiago tinha três anos. Ele era um garoto saudável, mas à medida que foi
crescendo, o lar de misantropia em que vivia, fez com que ele começasse a
desenvolver uma espécie de pouca habilidade social.

— Como assim? — Surya perguntou interessada.

— Ele se sentia desconfortável ou muito agressivo quando estava


com outras crianças ou na presença dos adultos da famiglia... Maysa
percebeu e tentou intervir, mas creio que já era tarde demais. Um mês depois,
Georgiano levou para iniciação da metamorfose, e foi quando a mãe dele não
aguentou e tirou a própria vida... — Os olhos de Marietta se encheram d'água,
e pela primeira vez, Surya viu aquela reação na senhora, que mais parecia ter
sido esculpida a ferro. — Depois que ele voltou da iniciação, e da morte de
Maysa, eu decidi que era hora de tomar de conta do meu neto, mas Thiago já
não era o mesmo. Ele teve a personalidade quebrada, não podia mais sofrer
nenhuma intervenção, e não havia terapia ou ajuda que o restaurasse. A
metamorfose não me deixou ajudá-lo e nem o recuperar, para que fosse mais
sociável, amigável ou complacente igual Spencer, ou um pouco mais
maleável, que nem Diogo. Não dava, ele era um menino duro, irredutível e de
poucas palavras...

Marietta finalmente a olhou e suspirou.

— Nos momentos em que eu os vi juntos, querida, eu percebi que


nunca antes tinha visto aquela versão do Thiago. Ainda que estivesse
camuflada pela carranca de sempre, ou de baixo dos sentimentos de negação.
Eu conheço meu neto e sei reconhecer a diferença. Você conseguiu trincar a
metamorfose, Surya.

— Marietta, eu...

— Espere. Ouça o que tenho a dizer. Não estou aqui defendendo


meu neto, mas quero esclarecer algumas coisas com você, querida. Sei que
deseja a garantia de que tudo não passou de fingimento da parte dele, mas
nenhuma mulher nunca foi tão longe! Thiago jamais permitiu! E esta é a
certeza clara de que você nunca foi uma pessoa usada no campo de estratégia
do meu neto.

De repente os olhos de Surya se encheram de lágrimas ao perceber


que Marieta usou a mesma frase que Thiago dissera a ela uma vez. Os olhos
de Marietta a sondaram com tanta precisão, que ela sabia exatamente o que se
passava com Surya.

— Mas não posso fazer isso comigo, Marietta... Thiago sabe que
espero o tempo dele em relação a tudo, mas não posso permitir e seguir com
isso sem que ele engula a intolerância e orgulho que tem e me diga com
palavras o que eu fui todo este tempo em que estive com ele!
A senhora suspirou, parecendo cansada e adiantou-se dizendo antes
de se levantar.

— Bem, neste caso, resta saber de Thiago a resposta. Mas para mim
nunca foi tão claro o que você significou para o meu neto, tanto, que acabou
carregando uma pequena lembrança do que viveram.

Com estas palavras, Marietta pediu licença e a deixou ali sozinha,


para sorver as palavras ditas. Com um desespero crescente, Surya entendeu
que era mais do que perceptível sua situação, e pôs as mãos na barriga.

Andando sem rumo, ela ia caminhando até os lugares que ela mais
gostava. Espairecer era o que precisava, justamente por estar engasgada com
as palavras de Marietta. Ela decidiu que não galoparia naquele dia, que a
melhor opção seria gastar suas próprias energias e ela mesma caminha, já que
possivelmente estava grávida.

A notícia de sua volta já corria pela fazenda e ninguém se espantou


ao vê-la. Pelo contrário, alguns empregados vinham vê-la de perto ou os mais
íntimos, abraçá-la. Mas ela nunca se demorava no cumprimento. Surya estava
sempre andando caminhando, querendo pôr para fora todo a tensão que sentia
e organizar seus sentimentos, traçando um novo rumo para sua vida.

Surya chegou até o local, onde era sua paz. Sentou-se na beirada da
grande pedra, e observou a água limpa cair das pedras encrostadas na parede.
O barulho da cachoeira, a água, tudo mexia internamente com ela, e
amortizava a mágoa, mas também a lembravam da solidão. Naqueles
momentos longe, Surya sentiu e se permitiu chorar toda sua dor e sensação de
vergonha.

Estava carregada de frustração e mágoa das palavras sem medidas


que Thiago dissera, verdadeiramente constrangida pela forma com que ele
insinuou e tratou os momentos em que ela se deleitava com ele, e isso a fazia
ficar cada vez mais enfurecida por ter cogitado ter dado uma chance para ele.
Tudo aquilo se chocada com as novas informações, e a conversa perturbadora
com Marietta.
Ela parecia travar uma briga interna consigo mesma. Chorou até
sentir que a dor esvaia e o incomodo no peito aliviava. Juntou os cacos que
tinha de si e respirou fundo, engolindo todas aquelas condolências e
autopiedade.

Não haveria Rafael, ou Thiago. Ela daria uma chance para si mesma
depois que tudo aquilo passasse. Não seria justo com Rafael ele ser
surpreendido e se achar com obrigações com ela, quando na verdade, ela
estava apaixonada por Thiago.

Seus próprios pais, — depois de contarem a ela sobre algumas


mudanças, novidades e tudo o que ela havia perdido quando estava longe —
abordaram de maneira calma que Rafael parecia ter seguido a vida dele. Ela
não ficou chateada, nem se sentiu traída. Muito pelo contrário, sentiu-se
aliviada, para seu próprio espanto, e seus pais até pareceram perceber.

Surya entendeu que naquele momento o que precisava era de cuidar


de si mesma e recuperar-se totalmente, com Thiago em sua vida ou não. Era
fato de que se Thiago colocasse em palavras tudo o que sentia ajudaria e o
relacionamento entre eles fluiria, mas ela não se humilharia mais para ouvi-
las. Se um dia ele quisesse se redimir teria de ser a seu modo e sem que ela
pedisse aos prantos.

Ela encostou em uma grande árvore e meio que se deitou,


absorvendo daquela paisagem, pensando em como seria sua vida dali em
diante, mas sempre se pegando pensando em Thiago. Parecia uma espécie de
teimosia interna, mas ela interpretou como sendo a força do costume. O som
da cachoeira, e a letargia que ainda sentia, fizeram-na começar a fechar os
olhos e penar em como seria dali em diante, os pensamentos vagavam para
tão longe, que Surya mal percebeu quando caiu para um sono profundo.

"...Ela estava no alto de uma escada, vestida num longo vestido


branco. De onde estava ela podia ver Thiago, vestido lindamente em um
terno social e esperando-a descer. Quando deu o primeiro passo para descer
o degrau, captou a atenção total de Thiago. Ele a encarava daquela maneira
tão intensa e íntima, que mexiam com seus pensamentos e que lhe causava
um certo frio na barriga.
Uma alegria foi invadindo-a e tomando de conta em todos os
sentidos, fazendo-a se perder nos momentos de alegria que estava sentindo.
Surya olhou para baixo e percebeu que estava dentro de um vestido de noiva,
e Thiago era o noivo.

À medida que ela ia descendo os degraus, adornos e decorações de


casamento iam aparecendo, brotando, trazendo a existência toda a cena de
um casamento. Cada passo que ela dava na descida de encontro à Thiago,
um enfeite novo aparecia, um convidado aparecia e o cenário ia tomando
proporções e a fazendo entender quão lindo estava tudo.

Uma alegria grande a invadia e ela sentiu o coração se encher da


certeza de que não era um sonho se concretizando, mas era a certeza que ela
precisava, era a constatação de que dali em diante ela teria um espaço na
vida dele.

Emocionada, Surya trilhava seu caminho, até que de repente parou


bruscamente de andar. Ela fez força para sair do lugar, mas não conseguia!

Olhou para baixo, mas uma massa estranha havia grudado em seus
pés e a mantinha presa no chão. Ela levantou os olhos desesperada, em
busca dos olhos de Thiago, mas ele olhava para um outro ponto, além dela.

No momento seguinte, Júlia e Pedro passaram correndo e Surya os


olhou sem entender nada.

— Thiago! Júlia! Pedro! — Ela gritava chamando-os, mas eles não


escutavam.

Na agonia de chegar até eles ela lutava para se desprender da


massa cinzenta que a prendia no lugar, mas era em vão. Oco.

Logo, a seu lado, apareceu uma mulher muito bonita, e igualmente


vestida de noiva. Surya olhou para frente a tempo de ver Thiago olhar para a
moça de um jeito diferente e fazer um sinal para que ela fosse até ele.

Com uma dor enorme que a sufocava, Surya viu que a mulher,
carregava um buquê de flores, e era ela quem começava a andar em passos
curtos até Thiago.

Desesperada, Surya olhou para os lados, mas os convidados faziam


pouco caso de sua condição. Todos olhavam para a nova noiva, e até
lágrimas de emoção vinham nos olhos de alguns.

— Thiago... — Eu disse sentindo uma pontada no coração. —


Thiago...

Ele a ignorou e abraçou a mulher, descendo as duas mãos para o


bumbum dela e apertando, assim como outrora ele fazia com Surya.
Thiago fez com que a mulher desse sorrisinhos, enquanto ela deslizava as
mãos sob o peitoral dele e ela o cheirava no pescoço.

Thiago, que recebia os carinhos com prazer, abriu os olhos negros e


os cravou em Surya, a encarando compenetrado. Júlia e Pedro brincavam ao
redor deles e não se preocupavam com a mulher estranha perto do pai.

Surya tornou a gritar os nomes deles, ninguém pareceria escutar.


Foi quando Thiago levantou os olhos das crianças e da noiva e a encarou,
dizendo em tom baixo:

— Eles são meus filhos. Meus filhos.


— Não! Não! Você não pode fazer isto! — gritou enquanto a via se afastar
com a mulher e as crianças. — Thiago! Não faça isso! Thiago!!!"

Com a força do grito, ela acordou chamando por ele e deu se conta
de que estava sozinha, deitada debaixo de uma árvore. Olhou para os lados
até seus olhos se acostumarem e percebeu que algumas horas já haviam se
passado.

Com pressa, levantou-se e retirou a terra do corpo, vestiu a capa do


resto de dignidade que tinha, ela lavou o rosto nas águas cristalinas e geladas,
tentando expurgar a insistente dor no coração que sentia, e rumou para a sede
da fazenda.
No caminho de volta ela refletia sobre o sonho que teve, e aquilo a
fez perceber e se ater para uma possibilidade: Os filhos não eram dela.
Enquanto que Bárbara estava por perto, fazendo seus planos e joguinhos
psicológicos para que Surya assumisse o papel e a responsabilidade que na
verdade eram dela, Surya podia ser a mãe que aquelas pequenas crianças
precisavam, mas e agora? Com o pai delas ali? Que ligação ela teria com
aquelas crianças para que as tivesse sempre em sua vida?

Aquela sensação de insegurança, somada a mágoa de ter servido de


peão no jogo de Thiago, aumentavam sua dor interna, mas ela engolia a dor e
se fazia forte.

Surya olhou para o horizonte e percebeu que pela posição do sol, que
se passavam um pouco da hora do almoço, e torceu para que ninguém tivesse
sentido sua falta ou se preocupado.

Encarando a grande mansão de longe, Surya colocou as mãos


inconscientemente na barriga e num momento de apreensão imaginou se
realmente estaria grávida. Teve medo das reações das pessoas, mas
estranhamente não conseguia se sentir infeliz.

Lembrou-se que durante a viagem ela passou mal e a recomendação


médica foi que o uso de contraceptivos deveria ser suspenso. Tentou trazer à
memória os momentos em que a criança pudera ter sido feita, e sentiu um
calor percorrer seu corpo. Ela sentia falta dele, tinha momentos que pensava
no sexo com Thiago e se masturbava. No final, não se culpava, era normal e
humano sentir desejo por ele, já que era algo sempre tão bom, intenso e
gostoso.

Decidida, encarou aquela nova realidade e se programou para ir até a


cidade ao lado. Tiraria a limpo aquela dúvida, mas enquanto nada era
esclarecido, ela cuidaria dela mesmo.
Capítulo 47

Era cedo, quando Surya partia da fazenda para ir até a cidade realizar
a consulta médica. Estava de saída na porteira, quando viu o carro de Rafael
de longe e pediu para o motorista parar. Relutantemente o motorista o fez e
ela desceu, batendo a porta do carro. Rafael pareceu nota-la e também parou.
Assim que se aproximaram um do outro, se abraçaram, mas não com o vigor
e calor de outrora, era mais como se fossem amigos. Não era mais como se
estivessem algo.

— Quanto tempo eu não te vejo, Su!

Surya riu quando escutou ele a chamar daquele apelido que só ele
tinha para ela.

— Não tivemos nem como conversar direito estes últimos dias,


hein? — Respondeu um pouco constrangida, pondo os fios soltos atrás da
orelha.

— Não seja por isso! Estou de saída até a cidade...

— Estava indo para lá também. — Estranhamente ela não quis dizer


a ele o porquê de ir até lá.

Rafael olhou por cima de Surya, diretamente para o soldado que


astutamente olhava tudo de longe.

— Então deixe eu aproveitar o caminho e te levar? Bom que


conversamos e esclarecemos as coisas, o que acha?

Ela achou uma boa ideia. E sem pedir licença ao soldado, entrou no
carro com o Rafael e partiram. O soldado ainda tentou impedir, mas não teve
chances. Sem pestanejar, entrou no carro e os seguiu.

De início, ela se sentiu estranha, com Rafael ali do lado, no mesmo


ambiente pequeno que ela, e sem que se sentisse totalmente confortável. Ela
já não nutria o mesmo carinho de antes, e ele pareceu perceber também.
Rafael olhava para ela enquanto dirigia, muito devagar. Algo que
pessoalmente a irritava e o que sempre causou discussões bobas entre eles.

— Certos hábitos nunca mudam. — Surya comentou de bom humor.

Rafael, que olhava para ela, olhou para a pista e riu, de modo que as
covinhas tão bonitas apareceram. Outrora, aquelas marcas foram o encanto de
Surya, mas hoje não mais.

— E então... como foi a fase de adaptação?

— Foi boa, estou bem. Tudo voltou ao normal.

Ele pareceu estranhamente incomodado e disse: — Quis ir te ver,


mas...

— Sim, eu sei... é uma medida de precaução. — Ela disse e ele não


tocou mais no assunto.

— Surya, existe algo que você tem a me dizer, e que eu tenho de lhe
contar... —Ele parou o carro no sinal e a olhou reflexivo. — Quando
aconteceu de... bem, você sabe, da notícia de sua morte. Eu particularmente
fiquei muito abalado. Demorei um pouco para me recuperar, mas com o
tempo eu refiz minha vida... — Riu meio nervoso.

— Que bom! Estou realmente muito feliz por você, Rafa!

Surya se sentiu genuinamente feliz por ele e com menos remorso.


Silenciosamente ia o guiando para a clínica, enquanto o escutava desabafar.

— Bem, enfrentar a perda não foi muito fácil e, com muito custo eu
consegui seguir a diante...nada muito sério, apenas alguns casos, mas agora...

Ela se preocupou com o rumo da conversa.

— Eu acho que se você quiser tentar novamente, eu estou disposto a


terminar uns casos que estou tendo...

Surya o olhou surpresa e um pouco incomodada também. Sorveu


aquelas palavras em silêncio, enquanto percebia que tinham chegado no
estacionamento da clínica. Rafael desligou o carro, desprendeu o cinto e a
olhou nos olhos diretamente.

— Eu sofri muito com sua perda e só segui depois de muito custo e


terapia. Segui, porque percebi que você não estava mais nela e para ser
sincero, não me arrependo. Mas eu quero mudar isso, Su. Quando te vi
percebi que ainda existem lembranças vivas do que vivemos dentro de mim
e.... — Ele suspirou, meio nervoso. — Acho que podemos tentar novamente.

Surya não queria magoá-lo, mas decidiu ser direta e não esconder
nada. Ela levantou os olhos verdes e o encarou bem dentro dos olhos e disse:
— Não posso.

Rafael estagnou um pouco e depois riu sem humor, balançando a


cabeça em negação.
— É ele, não é?! —Ela não disse nada, apenas o encarou, percebendo a
reação sentida dele. — Eu sabia. Assim que olhei nos seus olhos vi algo
diferente. Eu deveria saber que você nunca me amou.

Surya olhou espantada para Rafael e disse:


— Não confunda as coisas! O que aconteceu comigo e Thiago não teve nada
a ver com o que aconteceu quando eu e você estávamos juntos...não misture
as coisas!

Surya via que Rafael apertava o volante e ruminava cada palavra que
ela dissera. Ele simplesmente estava em estado de negação e relutante.

— Rafael, olhe para mim. — Ela pediu com mais delicadeza e assim
ele o fez. — Somos duas pessoas vítimas do destino e de infelizes
coincidências. Aconteceu algo muito bom entre nós, mas por causa das
pessoas que nos tornamos e pelo tempo que ficamos separados, não
voltaremos mais a ser o que éramos. — Ela apelou para a franqueza, vendo-o
apenas olhar para a frente. — Eu não quero que você me culpe por algo que
aconteceu impensadamente, assim como eu não o culpo por se permitir ter
tido outros relacionamentos neste meio tempo! Eu não sabia de você e nem
você sabia de mim!

Ao dizer estas últimas palavras, Surya percebeu uma certa


estranheza no semblante dele.

— É.... sim, eu não sabia... m-me desculpe, você tem razão. —


Rafael pareceu um momento aturdido e meio que sem saber o que fazer com
as mãos. — E então, você... você quer que eu entre com você? Está...— Ele
respeitou fundo e se acalmou finalmente, apontando para a clínica. — Está
tudo bem?

Surya franziu o cenho e riu da forma atrapalhada dele.

— Sim, estou bem. É apenas um exame, não precisa entrar. Pode ir


se quiser.
— De maneira alguma! Eu vou lhe esperar. Pode ir tranquila que eu te espero
aqui fora.

Após muita insistência de Surya, alegando que voltaria com o


soldado, ainda assim, Rafael insistiu em ficar e a vontade dele prevaleceu.

Ainda era muito cedo e só havia ela e uma outra moça para
realizarem o teste de gravidez, por isso, a enfermeira decidiu que o resultado
do teste sairia ainda naquela mesma manhã.

Surya aguardava sentada no longo corredor branco e sua mente


divagava, pensando na conversa com Rafael. Algumas decisões ela tomou e a
principal foi se resguardar, durante aquele período, o que seria muito bom
para ela e evitaria males ao bebê.

De repente ela escutou seu nome ser chamado e levou um pequeno


susto. Ainda era estranho assimilar o nome Surya novamente. Levantou e
pegou o papel das mãos, da enfermeira risonha e sentou-se novamente no
banco duro do corredor, abrindo apreensiva o envelope.
POSITIVO

Era a palavra escrita no papel com seu nome logo acima. Ela não
acreditou que aquilo estava acontecendo. Suas mãos suaram, seu rosto
empalideceu e ela se sentiu totalmente perdida.

Estava grávida de Thiago e havia acontecido justamente num


momento como aquele. Surya não acreditava na imensa sorte que tivera. Sim,
sorte. Apesar de estar passando por momentos tão intensos e decisórios, ela
se sentia abençoada, por mesmo em meio ao caos gerar uma vida.

Colocou-se de pé, jogou a bolsa nos ombros, agradeceu a


recepcionista e rumou para a saída indo até o estacionamento. Ela estava um
pouco aérea sem saber o que fazer ou o que dizer. Esbarrava nas pessoas e
murmurava alguns pedidos de desculpas, mas sua mente vaga ao longe.

Surya entrou no banco do carona e Rafael estava compenetrado


mexendo no celular. Quando levantou a cabeça se surpreendeu ao vê-la tão
pálida.

— Você está bem? — Perguntou preocupado.

— Sim, estou. Me leve para casa? — Ela perguntou tão somente.

Ele a olhou por um instante, apreensivo, sem saber ao certo o que


dizer, mas cedeu ao pedido, afinal, a entrega que ele supervisionaria na
cidade, não chegaria a tempo, por isso, teria de qualquer maneira que voltar.

O tráfego na rua estava um pouco anormal. Era um dia de semana


movimentado e tudo estava cheio. Num cruzamento, o sinal fechou, e para
não pegar o engarrafamento que estava na rua seguinte, Rafael tomou um
caminho diferente.

Ele dirigia o carro, alternando o olhar entre a estrada e preocupado


para Surya. Ela olhava pela janela, estava de pensamentos longe, distante da
realidade, e ele se perguntava o tempo inteiro se por acaso ela havia
descoberto.
Foi quando um carro preto e blindado apontou no início da pista e
veio em alta velocidade, com tudo. O barulho do potente motor, fez com que
Rafael olhasse pelo retrovisor e visse o carro vindo com tudo para cima
deles.

De modo a dar preferência ao motorista apressado, ele jogou o carro


para a esquerda e lhe deu passagem, mas o que ele não esperava era que o
motorista fosse emparelhar com o carro dele, e ultrapassa-lo. O carro preto e
veloz fez uma manobra que cantou o pneu no asfalto e parou de lado,
bloqueando a passagem do carro que Rafael dirigia.

Com toda aquela cena de filme, Surya despertou dos pensamentos e


se ajeitou no banco olhando para frente com atenção. De repente, Thiago
desceu do carro. Os olhos negros conectaram-se exatamente com os dela,
trazendo a percepção de quão magnéticos eram. Na mesma hora, ela quis
chorar de emoção, mas se conteve.

Thiago caminhava na direção deles, com os olhos de Surya se


enchendo com a visão de cada palmo dele. A saudade inundando seu peito, a
falta do olhar, das mãos, dos carinhos do cheiro. Tudo vindo rapidamente.

Ele vinha com andado predatório, parecendo um felino ameaçador


estando em caça e achegando-se cada vez mais perto da presa.Foi então que
Surya percebeu que Rafael parecia nervoso.

"Mas porquê?" — Ela indagou encalacrada.

Thiago veio para o lado aonde ela estava, pegou na maçaneta da


porta do carro e abriu com força.

— Saia. — A voz grossa soou cortante, abalando as estruturas dela.

Surya permaneceu ainda um pouco paralisada até Thiago avançar


para dentro do carro e apertar o botão do cinto, liberando-a, e a puxando para
fora do carro.

Ela estava emocionada demais para falar algo. A falta que sentia dele
pulsava, ao mesmo tempo que a presença de Thiago ia preenchendo cada
canto. Era impossível de ignorar.

No momento em que a mão dele tocou sua pele, ela sentiu uma
espécie de frenesi, conexão pura e sua pele arrepiou. Foi o que a retirou do
estupor.

— Thiago... — Ela começou a falar, mas ele a interrompeu.

— Vá para o carro e me espere lá.


Ela olhou para Rafael e Thiago pareceu não gostar nenhum pouco e rugiu
falando ainda mais alto.— Agora!

Surya saiu andando e caminhou em direção ao carro que estava de


portas abertas, entrou, colocou os sinto de segurança e aguardou nervosa. Ela
olhava tudo de longe, pelo vidro fumê.

Rafael também desceu do carro, mas não disse nada. Thiago olhava
para ele tão cheio de ódio, que o homem não duvidou se quer um minuto de
que ele sabia. E antes de sair e partir, Thiago apontou o dedo em sua direção
e disse:

—Tuas horas estão contadas, filho da puta!

Não deu tempo de se quer ele pensar sobre o que Thiago falava. Um
homem surgiu, entrou em seu carro e assumiu a direção. Rafael, que olhava
tudo muito estupefato, não percebeu que um outro homem vinha pelo outro
lado, e o prendia com as mãos para trás.

Surya não conseguiu ver nada, pois Thiago bloqueava a visão,


enquanto voltava caminhando tranquilamente até o carro, mas ela pôde sentir
que algo grave estava acontecendo e se preocupou um pouco.

A sensação aliviou um pouco mais, quando viu o carro de Rafael


passando por eles e ficou mais tranquila, achando que era ele. Surya abaixou
a cabeça e olhou para o envelope dentro da bolsa. Um frio na barriga ela
sentiu.
De repente, Thiago abriu a porta do motorista e ligou o carro
acelerando e saindo rapidamente dali. Ele não dizia nada. Apenas dirigia
sério e compenetrado na estrada.
Ela queria não olhar para ele, mas não conseguia e se odiou por parecer tão
afetada com a presença dele.
Foi quando de repente, Thiago falou:

— Que porra você está fazendo, Surya?

Ela o olhava atordoada ainda sem entender, e processando o fato


dele tê-la chamado pelo nome, e não do modo como estava costumada. Ela
meio que se reeducou a ser chamada de Surya, mas ainda soava um pouco
novidade, mas nos lábios dele parecia rude.

— Eu só te dei um tempo, caralho! Não te larguei! E quando volto


você está com aquele filho da puta!

Thiago estava possesso de raiva e dirigia numa velocidade orbital,


arrancando olhares das pessoas na rua. Parecia louco.

— Ora! Mas que direito você tem de se sentir assim?! Que eu saiba
não temos nada, Thiago.

Foi a mesma reação de ter atirado fogo em gasolina. Thiago


explodiu e começou a dirigir ainda mais rápido.

— Não tenho, porra?! Você tem certeza? — Ele a olhava feito um


assassino. Um insano!

— Eu não sou obrigada a esperar sua boa vontade em aparecer,


Thiago e nem a compactuar com o que você pensa de mim! Nós podemos
sim ter uma ligação intensa, mas isso é tudo. Você fez sua escolha, e eu a
minha. Você não tinha o direito de me humilhar e nem de me lembrar de
como é gostoso gozar no seu pau, porque se você me faz gozar, é o mínimo
que poderia fazer já que está me comendo!

Ele a olhou como se ela estivesse dito a maior das atrocidades, como
se quisesse esganá-la, e diminuiu a velocidade até parar perto da entrada que
levava a fazenda.

— Puta que pariu... então aprendeu a se impor agora?! Me conheceu


sendo assim, porra! Eu falo o jeito que você goza porque para mim é assim
que eu gosto...— Thiago encostou nela e puxou seu cabelo, sem realmente
machucá-la. — Eu sou um homem sujo, Surya, não adianta me pedir para ter
meias palavras porque isso não é do meu feitio.

— Eu nunca te exigi nada, a não ser franco comigo e dizer o que


sente por mim. Mas já que é para exigir, que seja respeito.

Eles ficaram um minuto se olhando intensamente. Aquela mesma


áurea eletrizante os cercando. Foram interrompidos apenas por uma leve
batida no vidro.

— Chefe? — O soldado perguntou assim que Thiago desceu o vidro


da janela. — Devemos prosseguir?

Thiago assentiu e disse: — Para o velho galpão.

Surya escutava tudo muito apreensiva e nervosa, sem entender


direito o que estava acontecendo, mas uma sensação de morte crescia em seu
peito e ela não podia negar tal apreensão.
Capítulo 48

Passaram de frente a soleira que mantinha a placa indicando ser a


fazenda Águas Verdes, e Surya respirou mais fundo, abalada, temendo o que
ia de vir. Thiago dirigia pelo caminho difícil e desregular, avançando cada
vez mais pelo caminho que levava até as fazendas mais remota daquela
região.

Depois de um tempo em silêncio, eles entraram para as terras


inexploradas de uma fazenda antiga. Surya automaticamente se lembrou de
que quando era criança, ela e os amiguinhos costumavam dizer que aquela
área era assombrada e que o velho fazendeiro Jeff, ainda assombrava aquelas
terras com sua alma penada.

Chegavam a uma grande clareira com o velho galpão abandonado no


meio. Havia um pequeno bimotor do lado do galpão, e ela estranhou.

— Desça. — Thiago falou brusco.

Surya desceu do carro, com uma premonição horrível e crescente no


peito que chegava a faltar o ar, foi quando de repente ao longe ela viu alguns
"Mad mens" saírem com Rafael de dentro de um carro, e o colocar de joelhos
no chão no meio da clareira.

Ela se aproximava sentindo um bolor e pânico à medida que


constatava que ele estava terrivelmente em más condições; sangue escorriam
por debaixo do pano velho que foi feito de venda nos olhos, hematomas
grotescos pelo corpo, roupa rasgada e sangue, muito sangue. Surya quis
vomitar e gritar, mas tapou a boca.

"Como e, por que o Thiago estava fazendo aquilo?!"

Ela viu um "Mad men" dar uma coronhada nele e Rafael cair no
chão, enchendo a boca de areia. Vendo aquilo acontecer, foi inevitável ela
não correr e ir até ele, mas Thiago pegou em seu braço fortemente e a trouxe
impedindo-a de fazer.
— Toque nele e eu te mato! — Ele pareceu falar sério demais, o que
a magoou profundamente.
— O que você está fazendo, Thiago?! É ciúmes?! Não estamos juntos! Pelo
amor! Não faça isso!

Rafael escutou a voz dela e levantou a cabeça, e a gritou, como que


pedindo ajuda.

— Não faça isso! Por favor! — Ela chorava. — Eu volto com você e
faço o que for preciso, mas não...

Ela nem terminou a frase e Thiago avançou e a segurou no pescoço,


a imprensando no carro.

— Pare de defender esse desgraçado! — Ele gritou em seu rosto e


ela deu um pulo.

— Não estou! Não estou! Eu não estou! — ela falou rapidamente


com as mãos para o alto, temendo.

— Não? Pois então venha comigo, vou te mostrar bem o que ele é!

Dizendo isto ele a arrastou pelo pulso até onde Rafael estava.
Vendo-o de perto, ela percebeu que Rafael parecia ainda pior! Ele estava
vendado e pareceu ter apanhado ao longo do caminho, enquanto esteve indo
parar lá.

Era o início de um pesadelo terrível, que ela começou a repudiar


veemente. Ela e Thiago pararam bem de frente ao homem claramente
torturado e os soldados, que estava ao longe, vieram e retirou a venda.

Surya emitiu um som de choque e colocou as duas mãos na boca ao


ver que Rafael estava com dois grandes buracos fundos e cheios de sangue no
lugar dos olhos, e ela gritou. Haviam o cegado.

Rafael levantou os olhos e como um cego, vagou com a cabeça em


direção aos sons, ele ainda estava vivo, mas preso de mãos para trás, e o
coração de Surya doeu. Ela se sentiu impotente, e com um peso enorme de
julgamento nas costas e chorou, encarando aquela cena grotesca, sem saber o
que dizer.

— Vai ter dó dele agora, porra?!

Surya se atentou para a presença de Thiago ao lado, engoliu o choro


e respondeu:

— Não é dó, Thiago! É compaixão! Olha como ele está! — Dizia


aos prantos. — Não precisa ser assim.

Rafael, abaixou a cabeça, e Thiago riu com escárnio.

— Ele ia entregar meu filho para Dominic Lang e depois me


entregar para a polícia.

Thiago pegou uma arma e atirou no ombro de Rafael e o fez cair no


chão, esganiçando de dor. Surya deu um grito e colocou as mãos no ouvido,
mas Thiago não deixou. Pegou nas mãos dela e as retirou do ouvido, dizendo:

— Veja! Eu quero que você veja e conheça quem esse verme é!

Surya abriu os olhos e viu Rafael, caído, cheio de sangue,


agonizando com as mãos para traz prendidas nas algemas. Tudo muito cruel
para ser assimilado com as informações que Thiago dizia.

— O que você fez, Rafael?! — Ela perguntou chorando e em


choque, passando as mãos pelos cabelos.
— O certo! — Ele disse depois de um tempo, levantando a cabeça seguindo o
som da voz dela. — Independentemente se Bárbara é uma mãe ruim, ou não,
eu queria meu caminho livre com você, e sem a bagagem dos outros nas suas
costas, Su! Eu vi o peso que aquelas duas crianças eram para você!

Surya o fitou balançada demais, a cabeça explodindo, não podendo


acreditar no que Rafael dizia.
— Recebi a proposta de Bárbara, assim que você saiu daqui e....

— O que?! — Espantou-se. — Então você realmente tinha ligações


com Lang e Bárbara? Como assim?!

Apesar da dor, Rafael disse perturbadamente:

— Simples. Depois que te enterramos, — ou pelo menos a pessoa


que esteve em seu lugar — eu recebi uma ligação, me dizendo que estava
viva... Lógico que eu não acreditei! — Ele riu meio eloquente e psicótico. —
Mas daí com o passar dos meses, recebi algumas fotos suas, e....

Surya não podia acreditar que aquilo estava acontecendo e colocou


as mãos nas têmporas e esfregou. Era um sinal de que não aguentava mais.

— Eram fotos suas, um pouco diferente de antes, mas sem dúvidas


eram você...Eu soube que você estava viva. — Ela estava perturbada demais.
— Lang ameaçou seus pais de tomar Pedro e foi quando ele me achou e fez a
proposta. Não me leve a mal, eu até gosto das crianças, mas quis você
novamente, e sem elas no caminho...

— Em troca de quê, Rafael?! Você ficou louco?!

— Lang me falou que você estava vivendo em condições horríveis,


Surya! Se aquelas crianças eram o motivo de você estar passando por tanto,
então elas que se danassem junto com o pai! O importante era você estar aqui
com a gente novamente! E eu ainda entregaria o Thiago para a polícia em
prol de tudo que ele estava fazendo com você!

Surya chorou. Colocou as mãos no rosto e chorou muito. Culpa,


medo, dor, traição e engano, tudo se aglomerando dentro dela, e a
dilacerando.

De repente um barulho alto de tiro a assustou e ela escutou um baque


cair no chão. Ela abriu os olhos e olhou para o chão, parando de chorar. Fitou
os pés e sentiu o vento balançar seu cabelo e depois, um silêncio sepulcral.
Havia terminado.
Sua cabeça zunia, e a vertigem da visão que teve de Rafael sem os
olhos, ainda voltavam a sua mente, sempre e sempre.

Tudo aconteceu muito rápido e ela se culpava por não ter percebido
nada, desde que foram interceptados. Sem olhar para ninguém, ou se quer
enxergar algo no caminho, ela virou-se e caminhou, ainda de cabeça baixa,
para sair daquele lugar tão sufocante e opressivo.

Surya não quis ver nada. Não queria olhar em direção, mas ela sabia
que estava sendo vigiada por astutos olhos negros. Ela estava totalmente
desequilibrada e quase desmaiou ao chegar perto do carro, foi que Thiago a
amparou.

Ela estava cansada de tudo aquilo e sua mente queria apenas


descansar, se desligar, do mesmo modo que fizera quando sofreu o trauma de
quase estupro e presenciou o assassinato de Roger. Mas de qualquer forma,
aquele fato era diferente, ia mais além do que uma justiça.

Rafael fez parte de sua história. Foi seu primeiro beijo, sua primeira
transa, sua primeira expectativa de futuro e matrimônio. Ainda que a chegada
de Thiago tivesse mudado e anulado tudo, ela ainda nutria carinho por Rafael
ter sido especial.

Tudo parecia ser um sonho. Ela olhou as horas no pulso e não fazia
nem três horas desde que esteve com Rafael, e coisas demais já haviam
acontecido desde então naquele meio tempo.

Ela se desvencilhou de Thiago e rapidamente entrou no carro e bateu


a porta. Ele deu a volta no carro e também entrou, mas Surya ainda lutava
para não olhar para o corpo de Rafael estendido no chão. Mas era muito
difícil.

Sua visão periférica fazia com que ela o visse lá, ainda que não
quisesse, por isso ela abaixou a cabeça e lágrimas quentes e silenciosas
caíram.

— Está chorando por causa dele? — Thiago quis saber.


Surya levantou o rosto e enxergou e mesma indiferença e desamor
de sempre em Thiago, e se sentiu ainda mais sugada por tudo.

— Me responde, caralho! Está chorando por causa dele?! Não


escutou o que ele queria fazer? — Thiago falou tudo sem mover os lábios,
tamanho era o seu ódio.

— Não é assim que funciona comigo, Thiago! Eu sou real, não sou
feita de gelo igual a você! — As palavras dela parecem o atingir. — Eu sinto,
você gostando ou não.

— Acha que eu não sinto, Surya? — Ele riu meio diabólico, e


cínico. — Sentimos na mesma proporção, só que eu posso separar sem
sentimentalismos e gerir muito bem isso dentro de mim. Não vou ter pena de
traidores ou vermes que se vendem em troca de algo.

Ela ficou calada e sorveu aquelas palavras. Olhava pela janela


imaginando como seria sua vida dali para frente, e grávida. Amava Thiago,
mas naquele momento, ao presenciar tudo aquilo, o terror que viveu nos
primeiros meses na Calábria voltou e pareceu consumi-la, fazendo com que
sua cabeça doesses em demasiado.

De repente um pensamento lhe ocorreu e olhou para Thiago, que


dirigia compenetrado de volta pelo caminho que viera.

— O que você vai fazer com o corpo dele?

Thiago a olhou de modo assassino, odiando-a por ainda se preocupar


com Rafael e respondeu:

— Deste assunto cuido eu.

Com tristeza, ela olhou pela janela e refletiu sobre as novas


informações que sabia. Rafael estava muito errado em querer barganhar a
vida dela pondo uma criança inocente nas mãos de um bandido, e a magoou a
forma como ele achava que Júlia e Pedro eram um estorvo em sua vida.
"Será que ela não conhecia a fundo nenhuma pessoa ali?!"

Pensou com amargura vendo a entrada da fazenda Águas Verdes


novamente. Thiago a estava levando se volta. O caminho inteiro seguira em
silêncio, com Surya sorvendo o seu luto. Fazia muito calor, e a dela cabeça
doía, aquilo somado a angústia e pressão, não lhe era nada bom.

Assim que chegaram, ela murmurou algumas palavras e saltou para


fora do carro, quase que imediatamente após ele parar. Surya colocou a bolsa
no ombro e caminhou rapidamente em direção a casa, querendo apenas um
banho e deitar-se para esquecer aquele dia, mas Thiago a interceptou.

—Quero conversar.
Surya voltou-se para ele e riu sem humor. Ela olhou para o rosto dele, como
se o enxergasse pela primeira vez naquele dia.

— Eu não quero conversar agora, Thiago, e nem acho que deva ser o
momento certo.

— Me escute, porra! — ele perdeu a paciência. — Eu estou


tentando, mas você complica para um caralho e me tira do sério com toda
essa porra de história, e eu já estou me cansando! — Surya parou de relutar e
virou o corpo em direção a ele, esperando para ouvir o que ele diria.

— Então me prove que eu não sou apenas parte do seu jogo, Thiago!
Prove que eu não sou apenas alguém a ser usada por você para presenciar
seus joguinhos sádicos! Prove que você não vai me levar para sua casa e
depois quando se cansar, vai me devolver como descartável...

— Mas não é nada disso, caralho! Eu quero que você volte comigo,
e quero isso porque eu gosto de você! Me ouviu?! Eu gosto de você! É isso
que quer escutar?!

Ela aproximou dele e falou baixo, erguendo a cabeça e olhando-o no


fundo de seus olhos.

— Não é sobre escutar, Thiago...Se você me aturou esse tempo


inteiro, é lógico que é porque gostou de algo em mim, mas não me conformo
em ser apenas sexo... Não é isso que eu peço!

Thiago parecia lutar uma batalha enorme contra ele mesmo,


parecendo estar em agonia e Surya suspirou, cansada, dando a ele as costas.
Mas Thiago tornou a pegar pelo braço e a fez novamente voltar.

— Quero que volte para casa comigo, e as crianças. Eu...— Ele


respirou entre cortado. — Prometo que vou cuidar de você e jamais deixarei
nenhum mal chegar até você. Eu não acredito em relacionamentos, mas se eu
não quisesse algo disso eu teria acabado com tudo assim que descobri sobre
você...— Surya encheu os olhos de lágrimas e engoliu pondo para dentro
todo o bolor de emoções que sentia. — E eu prometo proteger você, com a
minha vida. — Ele completou.

— E quem vai me proteger de você, Thiago?

Ele a encarou, e pela primeira vez, ele usou um modo brando, ao


dizer:

— Eu já lhe disse que não sou um homem bom. E hoje eu lhe


mostrei mais uma faceta do que sou capaz para manter os meus interesses e
família juntos...e eu quero que você volte comigo.

Ela o encarou, e abriu a um pouco os lábios puxando um pouco o ar


entre eles, não sabia o que dizer. Tudo estava muito confuso, e a pressão em
sua cabeça, o calor, tudo, pareceu ceder e tomar de conta de todo seu corpo
causando lhe uma sensação horrível.

Ela deu um passo em direção ele e estendeu a mão para tocar-lhe o


rosto, mas sua respiração acelerou e ela começou a enxergar pequenos pontos
pretos. Thiago ainda conseguiu ampará-la antes de Surya cair no chão
desmaiada. Ela acordou, sentindo uma letargia, e o corpo responder
preguiçosamente.

— Ah! Graças a Deus! — Alguém bateu as mãos uma na outra e


gritou.
Ela escutava uma algazarra de pessoas falando, conversando, umas
mais exasperadas que outras, uma mão grande e tranquila fazendo carinho em
seus pés e luzes fortes, muito fortes.

Surya levou as mãos até os olhos e os esfregou, tentando aliviar a


pressão que sentia e se levantou um pouco, ainda sentindo o mundo girar. Ela
se sentia fraca e se lembrou de que o exame pedia jejum intermitente e
percebeu que, a fome, somado ao calor do dia e as emoções intensas e ruins,
haviam ocasionado a ela em um desmaio.

— Corra, Vanda! E traga um chá! — A mãe de Surya gritou, indo


até a cozinha.

— Não precisa, mãe. — Surya assegurou, falando baixo, e


levantando um pouco, percebendo que estava deitada no sofá. Seus pés
estavam descalços e apoiados no colo de alguém que ela ainda não conseguia
ver. — Eu estou bem. — Assegurou mais uma vez, passando a mão o rosto, e
se sentou no sofá.

Suas mãos tremiam e ela sentia que o corpo pedia algo. Foi então
que piscando muito, olhou no final do corredor e viu que seu pai falava
freneticamente ao telefone, Marietta a seu lado a abanando com o rosto cheio
de preocupação, e foi quando um leve carinho em seu pé lhe chamou atenção.
Era Thiago.

O rosto dele estava cheio de inquietação e seus olhos varriam cada


centímetro dela em busca de algum sinal.

— O que está sentindo? — Marietta questionou. — Foi só um mal-


estar... já está passando...— Ela respondeu tímida e um pouco envergonhada.

Vanda chegou, equilibrando a bandeja em cima da mesa de centro.


Pegou a xícara de chá nas mãos e entregou a Surya, mas Thiago tomou das
mãos da empregada e ele mesmo levou o recipiente até os lábios de Surya.
Ela ficou um pouco constrangida com toda aquela atenção, e agradeceu a ele
quando abaixou a xícara.
Rita veio correndo e se ajoelhou de frente a filha, passando as mãos
em seu rosto. Surya estava pálida e apática, e Rita achou que o pior poderia
ter acontecido, quando Thiago entrou na casa com ela desmaiada nos braços.

— Você ainda se lembra de mim, filha?

A pergunta foi tão inocente, mas tão preocupada que Surya não teve
coragem de rir e apenas respondeu:

— Sim, mãe. Foi só o calor do dia, e eu também estava em jejum.

— Porra, filha! — Seu pai bradou e ela se assustou um pouco. —


Quer matar eu e sua mãe?!

Rita se espantou com as palavras do marido e o repreendeu, o que


fez com que Surya e Marietta rissem da cena. Thiago apenas a encarava sem
tirar-lhe os olhos um minuto se quer, totalmente alheio ao que acontecia ao
redor.

— Eu estou melhor. — Ela assegurou-lhes.

— Neste caso, então sugiro que Vanda sirva algo a ela. — Marietta
interviu.

— Concordo, Mari. Você tem que se cuidar melhor! — Rita


repreendeu a filha e se pôs de pé. — Ernesto? Desmarque a vinda do Dr.
Xavier...

— Sim, meu bem. Vou fazê-lo. — Ernesto respondeu.

Percebendo que sobravam, com muito tato, Marietta disse: — Neste


caso, Rita, devemos então voltar a fazer aquilo que estávamos fazendo antes
deles chegarem, não?

Rita olhou para Marietta de cenho franzido.


— Está louca, Marie?! Não...— Ela parou de falar ao ver o olhar insinuante
de Marietta e mudou de tática. — Sim...Vamos lá então terminar. Rita olhou
com amor e um misto de preocupação para a filha, mas Surya sorriu,
passando a noção de que estava bem.

— Se ela passar mal novamente, nos chame. — Falou para Thiago


antes de sair por pura insistência Marietta.

Um silêncio pesado caiu quando ela se viu sozinha com Thiago. Os


pés descansavam no colo dele, e por um momento, ela se lembrou dos
momentos cheios de calor e intensidade que viveram em Tijuana. Ficou um
pouco envergonhada e levou a pena para trás, para retira-los do colo dele,
mas Thiago segurou seus pés e os manteve no lugar.

Vanda entrou novamente, trazendo o almoço numa bandeira e um


suco, depositou na mesa, passou as mãos na saia bem passada e se retirou.

— É melhor você almoçar. — Ele disse muito sério e retirou os pés


dela do colo dele, pondo-se de pé e colocando a bandeja ao alcance dela. —
Preciso ir. Volto em dois dias para acertamos o que tivermos de acertar, ou eu
levo embora as crianças comigo. Até lá, cuide-se e pense no que
conversamos.

Sem acreditar no que ele dizia, ela abriu a boca para chamá-lo, mas
Thiago virou-lhe as costas e caminhou até a porta, e mais uma vez, saiu a
deixando estupefata.
Capítulo 49

A notícia da morte de Rafael foi algo que abalou a todos. Segundo a


polícia, a casa que ele morava sozinho, havia pegado fogo durante um curto
circuito do chuveiro elétrico.
Todos ficaram bastante abalados e não houve enterro.

Os pais de Rafael, Gerusa e Osmar Portela, ficaram tão enternecidos


e tristes que logo colocaram a venda a propriedade da família. O casal de
senhores morava há sete anos na Espanha, gerindo e administrando uma
fazenda de plantação de morangos, enquanto os filhos cuidavam da fazenda
no Brasil.

Todos da família Portela entraram em um consenso de que agora,


aquele lugar no cantinho do Goiás, era apenas uma lembrança viva e que teria
de ser vendida. Surya se entristeceu.

Ela estava abatida com a morte de Rafael, e com tudo o que havia
descoberto sobre ele. A sensação que Surya tinha era que parecia que ele
tinha atuado o tempo inteiro. Não usou de maneira clara.

Com todo aquele abalo emocional, ela não conseguia se esquecer de


Thiago dizendo que possivelmente viria para retirar as crianças, e seu coração
doía só de imaginar.

Por isso, ela brincou com as crianças, e aproveitou cada momento


como sendo o último. Cada riso, cada bronca, o choro, as mamadas de
madrugada, as irritações de cólica e fome, tudo ela havia passado, aguentado
e sofrido sem murmurar, e mesmo assim ela sentia que valia a pena cada
momento vivido, justamente por amar aquelas crianças como sendo suas.

Seus pais e Marietta estavam cientes do que estava acontecendo e a


apoiavam independentes de suas escolhas e resultados. Estariam ali com ela
para tudo. Ela só não tinha dito ainda da gravidez, por medo de Marietta
contar a Thiago.
Naqueles dias, além de aproveitar o máximo com as crianças, ela
também se cuidou. Tomou as vitaminas certas e cuidou da alimentação. Tudo
para preservar e cuidar do pequeno brotinho que crescia em seu ventre e em
prol de si mesma.

Surya estava se preparando para quando Thiago chegasse, e olhava


pela janela, para a bela paisagem da noite refletindo. Chegou à conclusão de
que tudo o que aconteceu, serviu para deixa-la mais forte, mais preparada
para os desafios do mundo, mas ciente do quão forte e valente ela era, e que
mesmo que tudo tivesse levado a um fim tão trágico, ela era uma
sobrevivente em meio a tudo aquilo.

Dois dias depois daquele todos estavam sentados à mesa de café


quando ao longe ela escutou um barulho de helicóptero e seu coração errou
uma batida. Era ele.
Todos se levantaram indo até a frente da casa, mas Surya, nervosa,
não conseguiu. Tomou um copo de água e respirou fundo, tentando conter os
ânimos. Passou as mãos no vestido longo e sem alças que vestia, ergueu o
queixo e saiu para a frente da casa, para esperá-lo, junto com os outros.

Era chegado a hora de pôr o que tinha em mente em ação. E que


Deus a ajudasse. Thiago estava lindo, como sempre, mas algo estava
diferente em seu rosto. Pareciam mais fundos. Ele veio caminhando de modo
imponente até as crianças acharem uma distância segura e correrem para
recebê-lo.

Thiago se abaixou e segurou as duas crianças no colo, se levantando


com elas, enquanto conversava algo e as crianças se animavam. Rita e
Ernesto estavam apreensivos com a visita. Temiam o futuro dos netos, sem
saber se teriam o direito de ficarem com eles ou não.

Thiago se aproximou, e todos os cumprimentaram. Ele e Surya


apenas se olharam silenciosamente, enquanto Thiago descia o olhar até a
boca dele e encarava, descaradamente. A mesma áurea e tensão sexual a
despertou e a fez ficar em comichão. Pigarreando, Ernesto foi o primeiro a
dizer:

— Vamos ali dentro comigo, Rita, temos que ver como ficou aquela
planilha de pagamento. Nos acompanha também, Marietta?

Marietta mais que imediatamente, os acompanhou, levando as


crianças que faziam um verdadeiro furdunço com a chegada do pai.

Thiago a analisou de cima a baixo, aprovando o que via e se


aproximou mais, exalando ainda mais o cheiro bom que ele tinha e
despertando a tensão e saudade que sentiam um do outro:

— Não vai dizer nada? — A voz grave reverberou.

— O que quer que eu diga?

Perguntou Surya, demonstrando confiança, mas a verdade era que


estava um pouco perturbada com a aproximação faustosa dele. Thiago se
aproximou ainda mais e tentou tocá-la, e com muito esforço, ela deu um
passo para trás e se esquivou. Ele soltou um impropério e falou:

— Vai ficar de brincadeira comigo agora? Não basta o que eu disse


no outro dia?

—Eu jamais brincaria com você, Thiago... E sobre o que você disse
no outro dia, eu acho que...—Ela respirou fundo e disse tudo o que pensava
de uma só vez. — Você realmente não entende nada... Eu não exijo que me
ame agora, porque eu respeito o seu tempo, seu processo e a sua forma de
encarar esta nova situação...— Suspirou longamente. — Mas se me amar não
faz sentido para você, então acho que já tenho minha resposta.

— Fale diretamente e sem rodeios. Resposta de quê, garota?

— De como será daqui para frente. Minha nova vida sem você.

Aquilo pareceu dar um nó na cabeça de Thiago e ele pareceu querer


ter uma síncope no exato momento que ela proferira as palavras. Ele olhou
para todos os lados, como se procurasse algo, e a puxou pelo braço e
começou a caminhar com ela em direção do helicóptero.

Sem entender nada, Surya olhou para ele confusa, sem saber ao certo
o que ele estava fazendo.

— Você acha que pode se livrar de mim assim, Surya? —Ela puxava
o braço e tentava parar, mas ele não cedia. — Vou te mostrar o que eu sou na
tua vida.

Thiago praticamente arrastou Surya dali a levando para o


helicóptero. Ela tentava se soltar, mas o aperto em seu pulso era como
grilhões. E machucavam.

— Para, Thiago! Está me machucando!

— Estou? — Ele disse com raiva. — Você não viu nada! Você não
vai fazer isso comigo!

Ela puxava o braço dele, mas nada o impedia de levá-la a força. Ela
começava a tropeçar no meio do caminho e Thiago ainda assim a arrastava.

— Você está me machucando! Vai fazer com que eu caia! — ela


dizia.

De repente ele voltou-se, abaixou e a segurou nas pernas a


levantando. Surya protestou e gritou para que ele não o fizesse, mas Thiago
era irredutível. Ele ia debruçando-a por cima do ombro dele, mas aí ela se
lembrou de algo e temeu pelo bebê.

— Não faça assim! Não faça assim! — Mas ele não escutava. De
repente, com um berro para fazê-lo parar, ela gritou: — Eu estou grávida!

E então ele parou e a olhou fora de órbita. Ela estava levantada, com
as duas mãos nos ombros dele, e ele a segurava, abraçado às coxas dela.
Surya o olhava de cima e estudava nele cada reação. Demorou um pouco até
ele começar a piscar rápido, e parecer se lembrar de algo. Thiago a colocou
no chão e a olhou no fundo dos olhos.

— Neste caso. Vamos nos casar. Não sou pai de filhos bastardos.

Ela o olhou bestificada, meio que sem entender aonde que ele queria
chegar com aquilo.

— Quer se casar comigo só por causa da criança? — Ela perguntou


de maneira genuína.

— Não. — Thiago a olhou sério, intercalando entre os lábios e os


olhos dela.

Ela não pediria para ele dizer o porquê. Já estava cansada de pedir e
implorar para ele, mas engoliu a decepção que sentiu.

— Aonde está o resultado do teste? — Ele franziu o cenho e colocou


as duas mãos apoiadas no quadril.

— Na minha bolsa. — Ela respondeu um pouco ofegante.

— Eu quero ver.

Surya assentiu, deu meia-volta e caminhou de volta para a casa


acompanhada dele. Os dois andaram em silêncio, lado a lado, o tempo todo
cientes um do outro. Tão de perto como estavam, ela sentia o cheiro dele e
respirava fundo, se deliciando, cheia de vontade.

Assim que entraram na casa, o barulho de sempre estava lá: Seu pai
cuidado dos negócios, ou conversando com algum empregado; sua mãe e
Marietta compenetradas em um novo hobby: esculpir, e havia também as
crianças, que bagunçavam tudo.

Surya subiu as escadas, ainda um pouco nervosa, com Thiago vindo


logo atrás. Eles não diziam nada, mas a reação que os ligava e os enchiam de
lascívia estava lá. Assim que ela entrou no quarto, pois se a procurar a bolsa,
perdida em algum canto, e logo achou. Retirou de dentro o papel gasto de
tanto olhar para ele nos últimos dias. Se aproximou de Thiago e entregou a
ele, que tomou nas mãos e leu.

POSITIVO.

Saber que teria um filho o desarmou. Ele sabia que em algum


momento ela diria que estava grávida, mas não soube calcular ao certo
quando. Ele achava que sabia como agir quando aquilo acontecesse, e até
cogitou sobre aquela possibilidade nos momentos que esteve longe dela, mas
ter a constatação ali em suas mãos era diferente.

Thiago levantou os olhos do teste e viu que Surya o olhava em


apreensão. Tudo o que consegui sentir foi... amor. Ter um filho da mulher
que amava sobrepunha a quaisquer outros tipos de reações premeditadas.

— Eu não só gosto de você, Surya. — Aquelas palavras ditas tão de


repente a fizeram tomar um susto. — Eu amo você, e prometo me empenhar
em amar essa criança que você carrega. — Ele disse baixinho. Surya o fitava
tão cheia de inação que piscou os olhos, emocionada. — Você não foi uma
peça no meu jogo. Eu te mantive e fiz tudo porque pensava em ter você a
todo custo, mas também porque eu amo você... E eu sei que é amor, porque
chega a doer.

Ele sussurrou meio perturbado, meio confuso de que eram mesmo


aquelas sensações, mas para ela, as palavras foram a maior alegria de sua
vida. Como desejou ouvir aquilo!

Surya se jogou nos braços de Thiago e o beijou com sofreguidão e


saudade. Ele a agarrou com força e a beijou de igualmente modo, passeando
com a mãos por todo o corpo dela, deixando claro a intensidade do desejo e
desespero com que a queria. As mãos de Surya passeou pelos cabelos dele,
enquanto o beijava loucamente. Ela desceu as mãos tocando o peito dele,
costas, braços, e aquilo tudo era reação, fogo, paixão, e muito tesão. Tudo
explodindo de uma só vez.

Thiago caminhou com ela, ainda aos beijos, quando bateram numa
parede. Ele desceu a boca para o pescoço dela, e Surya começou a desafivelar
o cinto dele apressadamente, ansiosa, desejosa, querendo mais, mais e mais.

Quando sentiu o membro pular para fora da cueca. Ela se abaixou,


fugindo do contato dos lábios dele em sua pele. Ela estava presa entre ele e a
parede, cobiçando o membro longo e pesado, e enfiando-o na boca com
vontade e até aonde dava.

Ela chupou forte, com vontade, cheia de tesão, e Thiago rosnou,


soltando palavrões, enquanto pegava na cabeça dela e trazia mais para perto,
pondo quase tudo, segurando e soltando. Depois, deixando que ela fizesse o
trabalho tão ávido que fazia, ele apenas empurrava com o quadril,
controlando o vai e vem.

— Surya...— Ele gemia.

Surya sugava, chupava, babava, engolia, tudo isso cheia de saudades


e emoções reprimida. Ela estava cheia de gula, o querendo todo, por
completo, cada gota, e Thiago percebeu.
Ele juntou seu cabelo e a segurou firme, trazendo a cabeça dela para perto
enquanto se colocava todo dentro e gozava forte dentro da garganta dela. Ela
o retirou da boca e o olhou, cheia de lascívia, chupando tudo, sem deixar
nada, e ele ainda continuava duro e com vontades.

E foi neste momento que ele a puxou para cima e levantou uma
perna dela, afastou sua calcinha para o lado com brusquidão e a penetrou de
uma só vez.
Ela meio que não estava preparada para a sensação, à pesar de lubrificada, e
seu corpo levou um susto com a invasão, fazendo-a olhar para ele de olhos
bem abertos e prender as palavras na garganta.

Foi uma agonia gostosa, e uma dor prazeroso tê-lo todo dentro dela,
completo e pulsante. Thiago varria cada expressão do rosto dela, enquanto
suor brotava em seus rostos. Ele se manteve dentro dela, parado, íntimo de
mais, parecendo desafia-la a dizer algo.

Ele suava, fazendo esforço para não se romper novamente dentro


dela, tamanho era o desejo que alimentava. Sua carne clamava por alívio, mas
ele queria sentir novamente o calor e a sensação de estar dentro dela
penetrando.

Thiago a fitava no fundo dos olhos e ela pôde sentir novamente uma
ligação, uma espécie de fio interno que a conectou instantaneamente. E era o
que ele precisava. Thiago rosnou quando levantou sua outra perna e a
manteve de pernas bem abertas e suspensa no ar.

Ela estava toda vestida, e Thiago também, a não ser pelas


intimidades expostas e ligadas. Ele tinha muita força e Surya percebia isto,
enquanto estava agarrada no pescoço dele. Thiago apoiava o peso dela na
parede e a segurava pelo bumbum e coxa, enquanto ela abria as pernas e
passava a recebê-lo profundamente.

— Você é uma putinha mesmo, né? Dando a bocetinha aqui em cima


para mim enquanto seus pais estão lá embaixo.

Ela o olhou suplicante, se esforçando para não gritar mediante a toda


aquela força e firmeza com que estava sendo penetrada. Thiago estava com
sede dela, e o choque que os sexos faziam um no outro era doloroso e
viciante. Toda vez que o membro saia era uma tortura que ela odiava e
consequentemente agonizava.

À medida que ele ia mais rápido, Surya ia cada vez mais se sentindo
leve e prestes a flutuar para um outro lugar. Levou a boca até perto do ouvido
dele e gemeu baixinho e sofrido, o que o enlouqueceu ainda mais.

— Ai...— Ela estava fora de si, enquanto o impulsionava com os


calcanhares no bumbum para que ele fosse mais fundo.

— Estava com saudades do meu pau em você? — Thiago disse em


seu ouvido e ela gemeu em resposta.

— Então depois que eu comer sua boceta, vou gozar bem forte no
seu cuzinho.

Thiago abaixou a mão e tocou a entrada do ânus dela e falou,


enquanto ainda se movimentava.

— Você quer meu pau aqui?

— Sim. — Ela gemeu.

Foi quando ele a beijou caloroso, parecendo querer suga-la com a


boca, enquanto a penetrava rapidamente. Ela contraiu a vagina e Thiago
parou um momento de penetra-la, encostando os lábios ofegantes ainda nela,
para sentir a sensação dela pulsando ao redor dele.

— Humm...— ele gemeu alto e rouco jogando a cabeça para traz, e


depois a fitou profundamente, parecendo perdido no meio daquilo tudo.

Surya aproveitou para se contrair um pouco mais, e abriu os lábios,


gozando de toda a intensidade que o prazer proporcionava. Era tão prazeroso
que ele sentiu o membro dele por completo dentro dela.

Grudados, suados e sem precisarem de muito mais, gozaram juntos e


intensamente, um se derramando no outro, trocando e partilhando do prazer
supremo e daquela onda impetuosa que os derrubava para dentro de si.

Ela estava sonolenta, fraca, as pernas moles e muito lânguida. Mas


Thiago não. Ele ainda parecia irredutível. Ele a pegou bruscamente e a virou
de costas para a parede, falando em seu ouvido:

— Ainda não terminei com você, cara.

Como resposta ela riu um pouco, ainda se sentindo mole, e esfregou


o bumbum na ereção dele para provoca-lo.

Thiago levantou o vestido dela e disse:


— Põe sua calcinha de lado. Vou foder seu cuzinho.

Suspirando de premeditação, ela desceu a mão, tocando a intimidade


ainda molhada, e fez exatamente como ele pediu.
Thiago desceu a mão para a barriga dela, enquanto esfregava o
membro na entrada escorregadia, lubrificando-se com o mel, e então, levou o
membro até a entrada do buraquinho e pressionou.

Ela sentia dor, mas estava relaxada, o que ajudava bastante. Sentiu o
corpo ceder e então, ele a penetrou. Longo, forte, cheio e duro, e ela não
podia acreditar que Thiago ainda continuava daquele modo.

Ele parou no mesmo momento, achando que gozaria mais uma vez
tamanho era sua vontade, mas não aconteceu. Ele se moveu lentamente,
entrando e saindo, enquanto ela abria o vão entre as pernas cada vez mais
para recebê-lo.

Thiago ia aumentando a pressão e quando ela percebeu, estavam


indo tão rápido que ela sentia os testículos dele baterem na entrada de sua
vagina. Thiago a pegou pelos cabelos e a trouxa para perto enquanto metia
com mais força e grunhia, marcando o bumbum dela com tapas violentos.

Surya sentia que cairia a qualquer momento, e de sua boca já


escapavam gemidos incontroláveis. Ele bateu de leve no rosto dela quando
ela o olhou pedinte, cheia de tesão, e o implorando para que terminasse logo.

Thiago levou a mão para o clitóris e o estimulou enquanto lambia


sua orelha e Surya apoiou a cabeça no ombro dele, enquanto empinava mais a
bunda e pedia para ele ir cada vez mais forte.

— Ai... Ai... Ai...— Thiago percebeu e parou e a olhou preocupado.

— Estou te machucando?!
Ela quase que não o reconheceu de tão tenro que ele pareceu.

— Não... meu amor, — Respondeu, vendo que ele apreciava a forma


como ela o chamara, e fez pequenas insinuações em direção a ele. —
Continua.

Ele a abraçou novamente e continuou os mesmos gestos, não como o


mesmo empenho de antes, mas que foi mudando gradativamente. Surya
achou que fosse morrer, de tão intenso que a sensação vinha. Seu centro se
contraiu e ela gozou ainda mais forte do que antes, e teve o corpo amparado
por Thiago, que logo se juntou a ela e gozou também.

Surya estava tão cansada e sem forças, que Thiago meio que a
sustentou e a levou até a cama. Ele sentou e a trouxe para se sentar em seu
colo, amparando-a e a beijando na boca.
— Eu amo você. — Ele reafirmou baixinho, antes de levantar a mão dela e
colocar um anel no dedo anelar.

Ainda meio inerte ela levantou a cabeça e olhou para a mão


esquerda, que agora ostentava o brilho de um solitário de diamantes, e olhou
para Thiago, totalmente emocionada e chorosa. Ele não a pediu em
casamento em nenhum momento, apenas disse que queria se casar e assim o
faria.
Naquele momento, eram apenas palavras que não fariam falta se não fossem
ditas, afinal, se amavam, se queriam e se tinham. Era isto e nada mais. Surya
e Thiago se bastavam.
Capítulo 50

2 meses depois...

Decidiram sobre o casamento em comum acordo. Seus pais ficaram


muito felizes com a decisão e até deram um grande jantar de noivado, íntimo
e entre amigos, em forma de comemoração.

Surya estava feliz com o rumo que sua vida estava tomando, e se
sentia realizada. Finalmente o arco-íris no final da tempestade.

Foram dias intensos e exaustivos, com Marietta e Rita discutindo


sobre a decoração ou recomendações. Cada uma querendo dar um palpite
sobre a decoração do casamento, sobre o vestido, sobre ela estar morando
com Thiago e não com eles, e no fim, para não brigarem juntas, Surya abriu
mão da escolha da decoração e deixou tudo por conta da mãe e de Marietta.

Era engraçado de ver Marietta, tão sempre requintada e elitizada, a


viver ali agora com sua família. Era como se seus pais a tivesse como uma
amiga de muitos anos, e o calor que emanava da amizade, carinho e
consideração entre eles aquiescerem a velha senhora.

Marietta certo dia até comentou, que apesar de nunca ter conhecido
o calor humano, e o aconchego familiar ser pouco prezado na família Guerra,
ela havia encontrado uma razão de sentir o afago humano.

Todas as suas indagações e dilemas, adquiridos ao longo da vida e


depois da velhice, foram esclarecidos e entendidos com o que ela enxergou
ali. A família Lima tinha seus defeitos como qualquer outra, mas a
simplicidade, união, respeito, amor e a comunhão que tinham, a fez encontrar
a resposta para aquele quebra-cabeças interno que ela alimentava em relação
a temas familiares.

Júlia e Pedro estavam se adaptando muito bem as aulas particulares


que tinham e se preparavam para logo irem à escola. Aonde estudariam ainda
era uma pauta a ser analisada, já que Thiago fazia questão de ser o melhor
ensino e ele ainda julgava o Brasil muito arcaico e inferior para o nível dele.

Quando chegou o grande dia, ela se olhou no espelho do pequeno


chalé da fazenda, montado para que ela se arrumasse ali. A barriga crescia e
ela estava linda. Nem inchada e nem gorda. Na medida certa. O vestido com
calda sereia caia como uma luva, marcavam os seios fartos e cheios.
A manga de renda descia até os pulsos e davam o ar de graça ao resto das
rendas espalhadas.

Sua amiga de infância, Ana Zélia é que seria uma de suas madrinhas.
Ela também tinha se arrumando no mesmo lugar que Surya e depois de
pronta se aproximou, pondo as duas mãos em sua barriga e sorrindo.

O gesto dizia tanto que Surya encheu os olhos d'água e se aquiesceu


com a tranquilidade que a amiga lhe passou.

— Te desejo tudo de melhor, Sury. E apesar de você ter sumido e


voltado praticamente casada com um bonitão e ter me deixado por fora de
todo esse babado, eu te perdoo.

Surya gargalhou e levou as mãos até os olhos, limpando as lágrimas.

Ela se olhou no espelho e quase que enxergou uma outra mulher ali.
Seus cabelos estavam soltos, caindo em longas mechas onduladas. Suas
únicas joias eram algumas poucas pérolas que compunham a imagem de uma
linda e elegante noiva gestante, mas todos presentes ali, afirmavam que sem
dúvidas ela estava linda.

O casamento seria no jardim da fazenda de seus pais. O ambiente era


perfeito para unir o rústico ao chique, bem como Marietta e sua mãe dissera
certa vez.

Surya pegou o seu buquê com flores brancas a rosas azuis e o


colocou a frente de seu corpo. Havia escolhido aquelas cores propositalmente
por significarem a união do amor com a lealdade e a confiança, representando
bastante a batalha que tiveram de lutar até chegarem aquele momento.
Enquanto Surya caminhava para fora do chalé, algumas pessoas iam
estendendo seu vestido, para que o imaculado branco do vestido não se
sujasse ao ser arrastado pela grama.

Uma estrutura com bastante iluminação e flores foi montado no


jardim da casa. Havia um longo tapete estendido de cor creme, as cadeiras
dos convidados eram de madeiras com estofamento na mesma tonalidade que
o tapete e incrivelmente a decoração respeitava as árvores do lugar. Tudo
havia sido montado conforme ficasse ao gosto simples de Surya, mas ainda
assim requintado. Rita e Marietta sem dúvidas fizeram um bom trabalho.

Ela escutava os burburinhos e via a silhueta de cada convidado por


traz da cortina de voil branca que a separava de seu amor e futuro destino. O
frio em sua barriga aumentou e chegou a fazer cócegas de tão nervosa, mas
também havia a certeza do certo.

Se alguém tivesse lhe dito que um dia ela e Thiago Guerra se


casariam, certamente Surya riria e acharia o maior dos absurdos.
Nunca achou que viveria um inferno ao lado dele para depois presenciar tudo
aquilo se diluir e virar um amor verdadeiro e proporcional.

Certamente retirar dos lábios dele a confirmação de que ele a amava


foi penoso e durante o processo Surya havia sentido muitas saudades, mas ela
também havia entendido que em certos momentos, os processos pediam que
fosse preciso passar por aquilo para aprenderem juntos e um com o outro.

Eram nacionalidade diferentes, criação diferentes e pessoas


diferentes, mas que os destinos trataram de trilhar os caminhos e os colocar
juntos e apaixonados. Dali em diante, eles teriam de aprender a conviverem
com as diferenças um do outro e cuidar de três crianças. Este era o grande
dever da vida.

Surya pensava em tudo aquilo enquanto os convidados começavam a


se levantar, preparando-se para a entrada dela. Estava tão nervosa que se quer
se deu conta de que seu par de entrada não estava a seu lado. Foi apenas
quando a música começou, que ela se surpreendeu com a chegada de seu pai
e até se lembrou do que a tradição pedia.
Surya riu, um pouco divertida com os atrapalhou de seu pai e cruzou
enfim os braços com o dele, enquanto uma assistente vinha e arrumava a
calda seu vestido e o véu. Pai e filha se olharam nos olhos. Ele, muito
elegante e bem vestido, sorriu para ela e disse:

— Quero que seja muito feliz, minha filha. Te desejo todo o amor e
sorte no mundo. — As palavras amorosas a deixaram comovidas, e ela
apenas conseguiu murmurar um “obrigada."

Surya estava chorosa e na beira das emoções. Por isso se continha,


para evitar estragar a maquiagem simples e bem feita. Ao escutar as primeiras
notas do violino, ela sorriu e seus olhos se encheram de lágrimas ao perceber
que a cortina se abria. Ela é seu pai deram um passo à frente, parando na
entrada e sendo recebidos com bastante euforia e emoção.

Surya se surpreendeu, pois, a decoração por dentro estava magnífica.


Pequenos cilindros de velas trilhavam seu caminho até o altar, o teto era
decorado com potes de vidro e velas içadas e tudo compunha o ambiente
rústico e ao mesmo tempo elegante.

Havia um arco de gipsófila com galhos secos que decoravam a


entrada, e luzes baixas e amarelas deixando tudo romântico e especial. Foi
uma verdadeira surpresa. Surya procurou a mãe e Marietta com os olhos e as
viu juntas, de mãos dadas a olhando tão emocionadas que choravam.

Surya sorriu alegre e junto a marcha nupcial que soava dos


instrumentos clássicos, caminhou lentamente até o lindo homem que a
aguardava impacientemente.

À medida que caminhava, ela percebia a presença de amigos da


faculdade, vizinhos, mãe de amigas e até mesmo clientes antigos e queridos.
Alguns emocionavam-se, levando lenços até o rosto e limpando as lágrimas,
alguns acenavam, outros suspiravam e ela se sentia muito grata pela presença
deles. Todos faziam parte de um período de sua vida antigo, e agora
presenciariam o novo.

Fora os seus convidados, boa parte também eram os convidados de


Thiago, que se mesclavam entre personalidades políticas, membros da máfia
e amigos íntimos. Ninguém tinha permissão de filmar ou tirarem fotos. Todos
os aparelhos foram confiscados para não porem em risco a segurança e
privacidade do evento.

Surya olhava para a frente emocionada com cada detalhe estendido


ao longo do ambiente. O padre estava posicionado atrás da mesa em forma de
aparador, ao lado de um juiz de paz e testemunhas.

Thiago desceu a seu encontro e Ernesto deu um beijo na testa da


filha, a entregando a Thiago, que a recebeu sério e pujante. Ao olha-la de tão
perto, o coração dele falhou uma batida, e depois pareceu querer saltar para
fora a qualquer momento.
— Você está linda. — Thiago disse baixo e só para ela. No mesmo momento,
o rosto dela se iluminou e ruborizou.

Trilharam juntos o caminho até o altar e ao chegarem diante do líder


religioso, a música suave cessou. O padre iniciou trazendo uma admonição
aos noivos e aos presentes, afim de dispor sobre a importância do matrimônio
e seus desafios.

Thiago estava enternecido, dopado com um misto de sentimentos e


olhando para Surya a cada momento. Estava linda. O vestido estilo sereia
delineava o corpo evidenciando cada parte, de um jeito que só ele sabia.

— Thiago e Surya, estamos muito felizes com a felicidade de


vocês...— O padre falava algumas palavras bonitas e ele seguia ouvindo tudo,
muito ligado no automático.

A verdade é que seus pensamentos se encontravam direcionados


para a emoção que ele sentia com Surya estando ali a seu lado. Desde o dia
em que haviam se entendido e feito as pazes, ele sentiu algo dentro dele se
aquecer mais. Depois daquele dia ele até se achou um pouco relapso com a
máfia, algo que jamais aconteceu nos seus anos de chefia. Mas tudo era muito
novo, ela trazia consigo algo que nem ele mesmo resistia.

Foi quando Thiago saiu dos pensamentos com a anunciação da


entrada das alianças e ele e Surya se viraram para a entrada. No momento em
que a música começou a tocar, Júlia e Pedro apontaram na entrada, segurando
cada um o guarda alianças. Assistindo a entrada deles, Thiago aproximou-se
mais de Surya e segurou sua mão, e ela o olhou, cheia de riso e lágrimas. A
medida que as duas crianças entravam, as pessoas na igreja faziam "ownt",
numa clara tentativa de onomatopeia, para expressarem que achavam fofa a
cena de dois filhos levando a aliança até seus pais.

Surya olhava para os filhos cheia de amor, e levantou os olhos para


ver a reação de Thiago, que, mesmo sério, fitava com a expressão leve aquela
cena. Os dois, se abaixaram para pegar as alianças das mãos das crianças e as
beijarem. Thiago recebeu a aliança de Pedro, e Surya de Júlia.

Todos os convidados pareciam leves e riam com a cena de amor, um


verdadeiro prato cheio para os fotógrafos profissionais e autorizados, que
mais que depressa registraram tudo.

Quando voltaram as posições de antes, Thiago e Surya, já não


viraram de frente ao padre, mas sim, um de frente ao outro, não escondiam
que estavam apaixonados. O sacerdote os convidou para expressarem seus
consentimentos, e assim eles o fizeram. A cada "sim" que diziam, se firmava
a certeza de que precisavam mais e mais um do outro e Surya se enchia de
emoção e lágrimas. Thiago também não estava indiferente.

O padre segurou as alianças e as apresentou a Deus, e no momento


seguinte, ele entregou um par à Thiago, instruindo-o a repetir as palavras:

— Surya, recebe esta aliança em sinal do meu amor e fidelidade...—


E assim ele o fez.

Ao final, quando Thiago colocou a aliança no dedo anelar esquerdo


dela, se abaixou e beijou sua mão com carinho, por cima da aliança, foi
quando ele levantou os olhos para ela e disse baixo, só com os lábios: Eu te
amo.

Ela riu feliz, enxugando as lágrimas insistentes, e do mesmo modo,


colocou o anel no dedo anelar destinado a ele e também o beijou em sinal do
seu amor. Quando olharam para o Padre, ele prosseguiu fazendo o ritual da
benção nupcial e concluiu a celebração com a tão conhecida frase:

— Pode beijar a noiva.

Thiago foi o primeiro a avança e a beijar com fervor em frente à


igreja inteira. O que despertou um certo constrangimento em Surya e a fez
sorrir. Isso tudo enquanto metade dos convidados gritavam, aplaudiam e
assobiavam.

— Jaz aqui, mais um soldado abatido! — Spencer falou, e Marietta


lhe deu um tapa no braço e a igreja inteira gargalhou.

Para a surpresa de Surya, Thiago se abaixou e também beijou sua


barriga, causando lhe uma reação de muita comoção e ainda mais certeza que,
apesar de tudo que haviam passado, tudo valeu a pena por conta do final.

Fim.

Epílogo

7 anos depois...

— Ô mãaaaanheeeeee!!!— Júlia gritou. — Pedro não quer me deixar


dar comida ao peixe, e eu falei que esta era minha vez!

— Mas a vez dela foi hoje pela manhã! Não quis alimentar na hora certa,
perdeu a vez!

— Ô Pedlo? Deixa eu? — Uma vozinha destoou das outras.


Surya escutou a briga do quarto aonde estava e sorriu imaginando
qual guerra teria de separar daquela vez e se dirigiu até a sala, para apaziguar
os ânimos dos filhos. Naquele mesmo dia, ela tivera que sair para atender um
chamado de um vizinho, aonde a égua dele estava com dificuldades de parir.

Eles moravam na Itália, mas sempre estavam presentes no Brasil.


Alguns anos antes, ela descobriu que Thiago havia comprado uma parte da
propriedade da fazenda Águas Verdes, para presenteá-la.

Quando o lugar ficou pronto, ela percebeu que era uma linda casa
ampla e ecológica, com paredes de vidro, e que ficava no alto de uma colina
com vista privilegiada para as plantações de laranjas e reserva ambiental que
ficava ao lado. A "casa transparente", como Júlia gostava tanto de chamar,
ficava um pouco mais afastada da sede da fazenda, aonde seus pais ainda
moravam.

Nos momentos que eles iam vinham ao Brasil, era quando Surya
tinha a prévia autorização do marido para exercer sua profissão de
veterinária. Ela gostava de fingir que era Thiago quem tinha a palavra de
decidir o que ela faria e para todos os efeitos, quando algo grave acontecia e
precisavam dela, Surya sempre conseguia uma permissão, pedindo de um
jeito especial e sábio para irem mais cedo ao Brasil. Esta foi a maneira que
ela encontrou para manter a palavra dele valendo, mas fazendo o que ela bem
queria. Deixando-o acreditar que ele mandava, quando na verdade, acontecia
ao contrário.

Quando ela precisava viajar a trabalho, e aqueles acasos ocorriam, o


distanciamento entre Thiago e Surya nunca demorava. Thiago sempre estava
lá no outro dia, ambos cheios de saudade.

Thiago tinha evoluído bastante, e até Spencer brincava, dizendo que


agora, o iceberg intocável da máfia estava apaixonado. Diogo foi o mais
prejudicado com esta mudança, em alguns momentos, a responsabilidade
total da Máfia Calabresa, ficava para ele e Spencer, mas esta era a
consequência de assumirem os negócios.

Surya desceu as escadas e olhou em volta, vendo as três cabecinhas


de cabelos negros como os do pai, diante do grande aquário. Naquele ano,
Júlia e Pedro completaram 10 anos e Eva, a filha mais nova, quase 6. As
crianças se davam muito bem, quando não estavam brigando. Pedro era o
mais atencioso e protetor, Júlia era super sabida e falante, e já Eva, era tímida
e carinhosa, sempre no meio dos dois irmãos que a amavam por igual.

Eva nasceu em um dia chuvoso e de parto normal. Era a coisa mais


linda e a cara de Thiago, mas com os olhos de Surya. Os gêmeos haviam a
aceitado bem, o que sempre geravam nos pais um certo cuidado a mais, pois
constantemente Pedro e Júlia queriam monopolizar a irmã mais nova para
brincar com ela de algo. O que era sempre motivo de briga entre eles, uma
vez que Júlia queria fazer Eva de boneca, e Pedro a queria para brincar de
carrinho, o que estava sempre fora de cogitação.

Assim que Eva completou dois anos, e os gêmeos sete, Marietta veio
a falecer de uma insuficiência renal crônica, o que causou o abalo e tristeza
em todos. Seus pais haviam ficado devastados e choraram a perda da amiga
querida e Surya nunca vira Thiago tão calado e fechado, mas no fim, a vida
seguiu seu curso e acabaram por aceitar que aquele era o rumo natural que a
vida levava.

A mãe se aproximou dos filhos que discutiam por causa da comida


dos peixes e perguntou:

— Por que estão brigando, Pedro? — Júlia não entende, mamãe. Ela
acha que sempre é só ela que importa e isso me deixa sem paciência alguma.

Pedro incontestavelmente era de Thiago, até mesmo o jeito de


conversar evidenciava. De todos, ele era o que mais se parecia com o pai, e
até mesmo na maneira de falar. A diferença era que a inocência pueril, não
havia sido marcada que nem a do pai. Depois da chegada de Thiago na vida
do filho, Pedro passou a ser menos peralta e com isso, foi adquirindo uma
maturidade descomunal para sua idade. Pedro era um filho carinhoso, sabia
se portar muito bem e era atencioso e gentil com as irmãs, mas Surya
enxergava nele a liderança, obstinação e mania de controle tão característica
do pai. Ele era a cópia perfeita de Thiago.
Por isso, com o passar do tempo, e com a aproximação de pai e filho,
Surya temeu que aquilo estabelecesse entre eles alguma relação para tornar
Pedro em um possível futuro chefe da máfia e Surya temeu. Ela jamais queria
que seu filho passasse por um processo de metamorfose.

Ela sentia medo e naturalmente foi ficando cada vez mais perceptível
suas reações exageradas de proteção. Num dia, ela simplesmente ficou um
pouco mais reclusa e pesquisava incansavelmente sobre ressocialização de
crianças, pensando que a qualquer momento seu filho poderia ser tirado dela.

Foi quando Thiago notou e interviu. Eles tiveram uma conversa


séria, e Surya, já sem aguentar o assombro que aquela possibilidade lhe
causava, implorou a Thiago para que Pedro não passasse pelos mesmos
processos que ele quando criança passou, afinal, a metamorfose existia para
todos os futuros chefes.

Mas a resposta dele veio e tirou toda a aflição que ela sentia. Thiago
explicou que ele não tinha planos de submeter Pedro à metamorfose, e que
daria a chance de escolha ao menino quando chegasse a hora certa. Mas que
até lá, Thiago o traria para mais perto para que ele aprendesse a ter
maturidade para quando fosse chegada a hora, Pedro escolhesse com
personalidade se ele queria assumir o posto de chefe ou não. Surya ficou tão
aliviada que sentiu o peso enorme lhe ser tirado das costas.

Ao voltar a atenção para as crianças, Surya viu que Eva olhava o


irmãozinho mais velho com ar de admiração, enquanto Júlia se chateava com
o irmão dedo-duro. A mãe no final, deu a cada um, um pouco da ração e os
três acabaram alimentando os peixes no aquário. No fim, todos ficaram
satisfeitos e a discussão cessou.

Foi neste momento que o barulho de um helicóptero ao longe,


chamou atenção das crianças e elas se entusiasmaram, saindo correndo para o
andar de cima.
Surya se olhou no espelho e se aprumou, sentindo apreensão e o mesmo frio
na barriga de sempre. Thiago se ausentara durante duas semanas para resolver
pendências e burocracias, mas na promessa de que voltaria para ficar com a
família. Ele nunca se ausentava mais que isso.
Nada mudou entre eles, a não ser a frequência com que transavam,
afinal, com três crianças era difícil manter o mesmo pique ao final do dia.
Mas fora esses inconvenientes, a mesma tensão sexual, a mesa intensidade e
o mesmo tesão e o amor, que parecia crescer cada dia mais.

Nos momentos que se viam sozinhos, depois das viagens que ele
fazia, era sempre muito intenso e muito fervoroso a maneira com que
transavam e se entregavam. Era sempre muito bom.

Mas a pesar de todo aquele carinho e amor conquistados, Thiago


continuava sendo o mesmo de sempre. Era respeitoso e carinhoso com ela e
os filhos, mas a frieza e carranca estavam sempre lá. Ele ainda tentava deixar
isso do lado de fora sempre que chegava, mas em alguns momentos era
inevitável negar a natureza.

Surya jamais se intrometia ou perguntava sobre seus negócios. Era o


seu modo de respeitar o cargo que ele exercia, a pesar de não gostar e sempre
achar que era uma bomba relógio de tão perigoso. Thiago a respeitava, se
esforçava para ser um bom pai, e recuperar o tempo perdido na viajem com
os filhos e ser um bom marido. Todo dia ela aprendia algo com ele, ou
ensinava algo a ele, ainda que sem palavras, só pelo que eram um com o
outro. Cada um se respeitando a seu modo e dentro de seus respectivos
processos.

Ela abriu a porta que ligava ao heliporto. Thiago pilotava e havia


mais algumas pessoas com ele que Surya identificou serem Spencer e a
milésima nova namorada, Diogo e sua esposa, Giovana, e a filinha deles,
Tulipa.

As crianças correram até o pai e o abraçaram, muito amorosas.


Diogo e a esposa a cumprimentou com um beijo no rosto, e ela segurou a
bebê deles no colo, cheirando a cabecinha cheirosa e sentiu saudades das
crianças quando eram bebês.

Júlia veio correndo até a mãe e logo quis a criança e fazer carinho
também. Júlia era muito carinhosa, gentil e muito doce, mas conseguia ser
bastante geniosa quando queria.
Logo, Eva também veio, pedindo para segurar Tulipa no colo, ideia está que
não foi cogitado pelos adultos, já que se tratava de uma criança de 5 anos
pedindo para segurar no colo uma bebê de 4 meses.

Em seguida, Spencer chegou com a nova namorada, a quem ele


apresentou como se chamando Kiana, uma super modelo de passarela que
não falava o idioma de ninguém ali, além do esloveno. Thiago se mantinha
no dever de desestabilizar a aeronave e garantir suas travas de segurança.
Surya entregou a bebê para a mãe e os convidados entraram na casa. Somente
ela permaneceu ali, olhando para Thiago enquanto ele dava ordens a alguns
homens. Decidida, andou devagar até ele.

No momento em que Thiago percebeu a figura da esposa, retribuiu o


olhar na mesma proporção que ela, cheio de promessas, loucuras e
voluptuosidade. Ele terminou de falar com o soldado e a encontrou no meio
do caminho a agarrando e a beijando com vontade, já cheio de tesão.

— Que saudade, amor...— Ele falou.

— Sim... sim... muita saudade, saudades de tudo em ti. — Ela


respondeu enquanto a boca dele descia e a mordia no ombro.

Surya emitiu um gemido, e Thiago subiu as mãos para os seios dela


apertando com lascívia e vontade.

— Sentiu saudades do meu pau também, né sua putinha? Minha


putinha. —Dizendo isso ele deu-lhe um sonoro tapa no bumbum.

Surya se afastou um pouco e olhou o marido nos olhos. Thiago


também aproveitou e admirou cada palmo da beleza do rosto suave. Às vezes
ele tinha que se policiar e se lembrar de onde estavam para não protagonizar
junto a ela uma cena de sexo explícito nos lugares. Mas ainda assim, era
difícil alguém não ver.

Era incontestável que os filhos iam crescendo e vendo que os pais


além de bons amantes, eram apaixonados e se amavam. Sim, se amavam.
Dizer que a amava já não era penoso ou conflitante. Thiago
aprendeu o que era amar e o que era amor com os filhos e a cada dia, deixava
isso claro através de gestos. Ele soube também encarar e ter conhecimento
pleno da dimensão e largura do que eles sentiam um pelo outro, e era o que o
fazia acreditar que ele e Surya se amavam cada vez mais com o passar do
tempo.

Ele a tomou mais uma vez em um beijou caloroso, para depois


caminharem juntos para dentro do lar que, com tanto empenho e amor,
haviam construído juntos, firmados na certeza de que apenas o entre eles já
bastava, mais ninguém.

Fim. (Agora é sério).

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