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Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança dos fatos aqui narrados com pessoas,
empresas e acontecimentos da vida real, é mera coincidência. Em alguns casos, uma
notável coincidência.
Sumário
PRÓLOGO
01
02
03
04
05
06
07
08
08
09
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EPÍLOGO
AMOR, SUBLIME AMOR
Albert Einstein
PRÓLOGO
MIGUEL
— Você ainda permite que sua esposa faça o que quiser? — Erica
indagou enquanto me ajudava a arrumar a papelada da reunião já encerrada.
Todos saíram, e sempre sobrava para mim a tarefa.
— Oras. Ela precisa saber que não pode te interromper durante o horário
de serviço.
Olhei para ela, e havia malícia em seus olhos. Erica segurou minha
gravata e deu um puxão, capturando minha boca em um beijo rápido. Eu a
empurrei em alerta.
— Esse cara não faz metade do que você faz pela Capello. E agora sua
esposa suga suas energias. É o cúmulo um empresário ter que levar e buscar
crianças na escola.
***
O lugar o qual Erica me levou era uma casa que parecia ser de alguém
importante. Observei um segurança falar ao interfone e o portão ser aberto
logo após o homem fazer sinal para o carro avançar. A casa era moderna,
havia vidro por todo lado, deixando-a com a uma aparência poderosa no meio
de um jardim bem cuidado.
— Mora sozinho?
Assenti. Ele tinha bom gosto para móveis e quadros. A casa não era fria
e vazia. Parecia ter história, havia objetos bem pensados, que certamente
tinham feito parte de algum momento da vida do dono, não pareciam
escolhidos aleatoriamente.
— Se pesquisou minha vida, saberia que não tenho ações. — Virei todo
o conteúdo do copo na boca, evitando olhá-lo.
— Sei. São da sua esposa.
— O que de fato quer me propor? Eu já digo logo de cara que não vou
dar um golpe em meu sogro.
— Claro que tem. — Ele estava bem perto de mim, era mais alto que eu.
Engoli em seco ao sentir seu hálito — As ações de sua esposa.
— Mas você tem que provar. Não mostrar a mim, mostrar a si mesmo
que não tem medo.
Voltei a sentar e olhei com atenção a pasta que Romulo havia me
mostrado. Ele se sentou ao meu lado.
— Você vai ter que pedir demissão na Capello, mas só depois que nossa
empresa estiver de vento em popa.
— Ei, cara. Me larga! — Bati as mãos em seu peito, e isso o fez sorrir
de modo pervertido. Então, para meu espanto, ele avançou e beijou minha
boca. Fiquei estatelado contra a parede enquanto Romulo me beijava. E, de
repente, eu senti de volta todo o fogo perigoso que me atingiu no passado,
uma explosão de sensações que, de uma forma ou outra, tinham me dado
saudade.
Revoltado com essa incrível capacidade de me tocar internamente, o
empurrei e, com brutalidade, acertei seu rosto com um soco. O ódio do
passado e a raiva do presente me davam combustível. Romulo caiu contra o
sofá e em seguida no chão, e eu fui por cima, montei em seu quadril e bati
mais, muito furioso; ele só se defendia... e ria. Parei ofegante, olhando para o
nariz sangrando.
— É isso aí, cacete. — Puxou meu terno para mais perto. — É disso que
estou falando, desse Miguel enraivecido que não leva desaforo para casa. Se
una a mim, porra, vou te fazer um homem de respeito.
— Você... é louco.
Puta que pariu. Minha adrenalina pulsava com violência, junto com o
tesão.
01
STELA
Dias atuais
O homem era quase sublime, se não fosse tão infernal. Era quente como
o próprio pecado. Nas costas dele, uma bela tatuagem de flores
entrelaçadas.
***
Mais uma vez acordava com enxaqueca. Teria se tornado crônica?
Geralmente, aparecia pela manhã.
Merda!
Desabei novamente contra os travesseiros. Miguel não tinha levado as
crianças ao colégio? Afastei o cobertor, alcancei o robe na poltrona e o vesti
no caminho para o banheiro. Em frente ao espelho, prendi os cabelos e sorri
ao ver uma marca avermelhada perto do meu seio. Miguel deixou uma marca
em mim. Safado! Ele me paga.
Não é que tivéssemos uma vida agitada na cama, tampouco o sexo era
escasso. Para um casamento de treze anos, eu achava normal transar com meu
marido uma ou duas vezes por mês. Acariciei a mancha avermelhada antes de
cobri-la com base.
— Por que vocês ainda estão aqui? — gritei, olhando para minha filha
mais velha. Só então notei que ela estava com fones de ouvido. Arranquei um
dos fones do seu ouvido.
— Mãe! — protestou.
— O papai não quis levar a gente. Ele saiu antes das seis e pediu para o
Nathan te acordar. Ele tentou, mas você não abria os olhos.
De olhos fechados, segurei minha cabeça, me controlando para não
surtar. Miguel só tinha uma tarefa com as crianças, levá-los ao colégio, mas
ainda assim não a tinha cumprido. E ultimamente estava criando uma rebeldia
inexplicável contra mim. Resisti ao impulso de pegar o telefone e ligar para
ele, só geraria confusão e atrasaria mais ainda o que precisava ser feito com
as crianças.
— Diga, mãe.
— Sem revirar os olhos, mocinha. Vá buscar a mochila, tira essa coisa
da orelha. — Virei-me e corri escada acima.
— Ah, meu Deus! Obrigada, filha, por deixar sua mãe mais aflita no
trânsito. Que Jesus nos ajude.
Ódio me consumiu ao ter essa lembrança. Ele não merecia perdão. Por
tudo que fez comigo... Olhei uma última vez para o nosso lugar, antes de
pegar a bolsa e sair. Eu estava aflita, precisava conversar com alguém, e por
isso escolhi Benjamin.
***
— Nunca achei que era sério esse relacionamento dele com Gema —
Diana comentou, sentando-se ao lado de Benjamin. — Ela parece ser uma
ótima pessoa.
— Sim, ela é — respondi. — Meu pai conhece a família dela, e parece
que, entre eles, Gema é a única que tem os pés no chão.
— Ah, sim. Aquele lá é bruto que dói. Gema está colocando freio nele
— Benjamin concordou, e eu apenas ri.
Sempre ficava leve e de bom humor quando visitava meu irmão. Como
tínhamos uma ligação maior, era para lá que eu ia quando precisava me
acalmar.
— Oi, Stela. Esperava você chegar para dizer. Seu pai está trancado no
escritório, falando ao telefone, e eu não quis interromper.
— Quais as opções? — Lavei as mãos e me aproximei do balcão.
— Pronto — falou.
— Erica, aqui é Stela. Você deve ter visto na tela do celular que era eu.
— Oh, Stela, me desculpe. Estava tão avoada, que nem vi. Vou passar
para ele agora.
— Certo.
— Stela, pelo amor de Deus, vai implicar agora? Estou no meio de uma
reunião. — Pude prever que ele revirava os olhos, Miguel sabia que eu
odiava esse gesto.
— Aposto que Fernando também está, mas jamais deixaria uma
assistente atender o celular dele quando Maria Clara liga.
— Sim.
Anos antes
A cada dia que passava, eu descobria mais sobre Stela. Calado, no meu
canto, apenas investigando com o olhar, ou no intervalo, observando-a com
as amigas. Eu via coisas que as outras pessoas não viam.
Aprendi a observar desde muito cedo por causa da minha vida nem um
pouco tediosa — fui para lugares em que tinha de dormir com um olho aberto
e o outro fechado, para a própria prevenção —, e não foi apenas a beleza e
carisma de Stela que me chamaram a atenção. Sua alma clamava por ajuda, e
incrivelmente eu conseguia notar isso.
***
Mas, naquele dia, Stela também tinha levado colegas para fazer um
trabalho. Eles estavam reunidos na sala quando entrei seguindo Thadeo.
***
Dias atuais
Olhei para a ré, minha cliente. Assassinou o marido, que era um policial
federal. E isso deixava as coisas bem mais complicadas, pois as pessoas
tinham a propensão a ter empatia por homens da lei.
— Como soube que foi a filha que matou o pai? — Cora questionou
quando me encontrou no corredor.
— Faro investigativo. — Acenei para uma pessoa que me
cumprimentou. — Liguei os pontos. — Mais pessoas se aproximaram para
me parabenizar. Continuei explicando o caso para Cora: — Era um
casamento normal, sem queixas da parte dela, e ele não era violento. Além do
que, a ré insistia para eu aceitar a confissão dela de uma vez por todas. Eu
tive certeza de que ela tentava proteger alguém.
A grande reviravolta foi que a menina vinha sendo abusada pelo pai, e
em uma certa noite, o matou enquanto ele dormia. A mãe queria assumir a
culpa para não ver a filha presa.
— Bem perspicaz. O juiz quase não autorizou o testemunho da filha,
que é menor — ela comentou, andando ao meu lado e indo em direção à
saída. Atrás dela, os estagiários do escritório ainda estavam eufóricos com o
julgamento.
— Juro que não tinha uma carta na manga caso ele não autorizasse —
confessei.
— Pode deixar, não é dessa vez que eles terão acesso a uma nude
minha.
Kahretsin![1]
A posição era mais ou menos para dançar forró, outro tipo de dança
brasileira que não era meu forte. Segurei na sua cintura, e entrelaçamos os
dedos.
— Não bebi nada, se quiser, posso dirigir seu carro até sua casa. — Ela
estava na ponta dos pés para falar no meu ouvido.
— Na verdade...
— Tem namorada? — perguntou, levantando o tom de voz acima da
música.
— E por que não oficializa? Nunca vi mulher nenhuma nas suas redes.
— Porque...
— Espero que ela não seja casada. — Ela nem me deixava pensar em
uma resposta. E eu não queria ir por esse caminho. Era o assunto proibido.
— Não.
— Não no momento.
— Enquanto você pede para pegar seu carro, vou ao banheiro rapidinho.
— Deu um beijo no meu rosto e se afastou.
Certo. Eu não estava procurando companhia, mas já que caiu nos meus
braços, não podia recusar. Eu quase nunca saía para procurar mulher e levar
alguém para cama, mesmo que os irmãos Capello insistissem que eu era um
vadio rodado. E todas as vezes em que a necessidade de sexo batia, apenas
uma pessoa vinha em minha mente: Stela. E eu sentia ódio de mim por
permitir que ela me tocasse, mesmo estando longe.
***
— Pode ser.
Fui à cozinha, peguei um vinho e duas taças. Servi o líquido nas duas e
entreguei uma a ela. Enquanto Analu bebia, sentei e tirei meus sapatos.
Era uma jovem muito bonita. Morena, cabelos encaracolados e corpo
esbelto. Havia muitas mulheres lindas ao meu redor, não apenas lindas, mas
de bom caráter. Eu tinha uma vasta seleção para me ajudar a seguir em frente.
— Sim.
— Sou,, não ortodoxo. Mas, sim, islã é a religião de noventa por cento
da Turquia.
— Ah... seu nome não é turco, então eu supus que fosse um turco falso.
Tipo... quando alguém tem olho puxado e o pessoal chama de japa, mesmo
que a pessoa seja brasileira.
— Ibrahim Ulrich Aslan. Apenas o nome do meio não é turco. Meu avô
era alemão.
— Eu não teria medo de alguém com coxas tão bonitas e uma mala de
respeito. — Corajosamente ela sustentou meu olhar e flertou.
***
— E aí, a estagiária ficou ofendida, ligou para Cora pedindo para não
ser mais minha assistente.
— Tenho que lembrar de pedir uma novena para agradecer a Deus por
minha irmã estar livre de você — ele frisou.
— Religião não me define. Eu não preciso correr para superar, pois não
sou um perigo para mim mesmo. Sei controlar meus sentimentos. Pode me
passar o pão? — pedi, de olho grande, verdadeiramente faminto.
— Bom dia, garotos. — Gema entrou na cozinha, bela como sempre,
cabelos soltos e vestido longo florido. Era como se trouxesse um toque de cor
por onde passava.
— Bom dia. Vim cedo para ajudar nos preparativos da festa — falei.
— Ah, que bom. Mas... — Olhou receosa para Thadeo. — Outra pessoa
está chegando.
— Quem?
— Eu tinha certeza de que ela era culpada. E já estava preparada para rir
muito da cara do Ulrich saindo cabisbaixo do tribunal — expus minha revolta
e dei de ombros. — Só desejo ver o ego desse cara abaixo de zero.
Eu odiava ficar ao lado dele, pois meu corpo sempre reagia de maneira
bizarra sem meu consentimento.
Como a gente pode odiar uma pessoa, ou tentar odiar, mas no fundo
querer olhar para ela?
— O que podemos fazer? — Aproximei-me.
Ulrich me olhou. Estava com belos e caros óculos escuros por causa do
sol.
Que idiota.
O clima ali na vinícola sempre era muito bom e fresco, e o vento trazia o
cheiro da uva que era cultivada não muito distante. Nem mesmo o clima
agradável foi suficiente para me distrair em relação a Ulrich.
— Como?
— Você e o Ulrich. — Ela deu uma olhada rápida para conferir se
Ulrich nos ouvia.
— Thadeo te contou?
— Por alto.
— Eu apenas o ignoro. Faz parte de uma época tão longínqua e
dolorosa, que não quero despertar esses gatilhos.
— Como assim?
— Não quero fofocar, mas já fofocando, ele ia dormir aqui dias atrás,
mas recebeu uma ligação e saiu. E Thadeo disse que era um caso que Ulrich
estava tendo.
— Vou pedir para Gioconda preparar uma limonada para a gente. — Ela
se afastou, e eu suspirei, implorando aos céus para que não tivesse uma crise
de ansiedade ali, na frente deles. Na frente de Ulrich.
Ele não me viu, e não sei o que deu em mim para dar mais alguns passos
naquela direção. De repente, meus olhos estavam vidrados.
E apaguei.
04
STELA
No passado...
— Iorty?
— Hmm... se pronuncia iorguty.
— Exato.
— Na minha casa, todos estão enjoados de iogurte. Meu pai traz muito
da fábrica.
— É bom que eu seja amigo de pessoas que tem uma fábrica de leite e
iorty. — Gargalhei, e ele complementou: — Pode enviar para eu todo o iorty
que conseguir, tomo tudo sem enjoar.
Sorri para ele e comi uma colherada de sorvete. Percebi então que ele
olhava diretamente minhas cicatrizes no pulso, e por isso puxei a manga da
minha blusa.
— Não me pressione.
— Não vou te jolgar... julgar. Talvez melhor dividir uma dor, se for
pesada demais para suportar sozinha.
Ulrich, no entanto, pareceu ler minha mente. Ele me deu o sorvete dele
para segurar.
— Oh, meu Deus! — Com o susto, deixei o meu sorvete cair. Havia
cicatrizes grandes, riscos entrelaçados, marcas de vergalho.
— Sei que seus cicatrizes são provenientes do coração dolorido e da sua
mente inquieta. As minhas vieram da loucura de um domuz... um homem. E
fazem a eu lembrar da minha humilhação.
— Toda vez que vou visitar minha mãe... eu a amo tanto. Sonho que ela
possa sair da clínica e ficar com a gente. Gostaria de vê-la novamente
colhendo uvas, cantando músicas românticas, jogando um chinelo em um dos
meninos e rezando com a gente em volta da mesa na hora das refeições. Às
vezes, dói tanto, que eu preciso sentir outra dor... para não surtar... Ulrich.
— Se cortar é necessário?
— Eu só preciso da distração da gilete. Meu pai não sabe... apenas o
Ben. E eu o fiz prometer que não vai contar. Ele me entende, pois ele sente
igual. Ele... gosta de brigar com alunos mais velhos, para levar socos e ver se
sente algo.
— O que houve com vocês, Stela? O que houve com sua mãe?
O flash da lembrança me tomou. Aquele homem em cima de mim, a
mão grande na minha boca... seu peso, seu hálito... Era tudo um borrão, e
quando vinha, ameaçava me sufocar.
Eu nunca tinha conseguido superar uma crise tão rápido. Sempre tinham
que me levar depressa ao hospital. Ninguém nunca havia me feito focar em
outra coisa para escapar do pesadelo preso em minha mente.
— Estou bem — sussurrei. — Estou bem.
— Não totalmente. Chegou o momento de acabar de vez com esses
cortes no seu braço. Se você precisa de distração, então que seja de outro
modo. Venha comigo, Stela.
— Stela, isso é melhor do que ter o pulso coberto de marcas. Você não
vai parar com isso tão cedo, e estou preocupado com sua maneira de distrair a
ansiedade. Vamos escolher um desenho e faremos juntos. Não todo, apenas o
esboço. E toda vez que sentir necessidade de uma pequena dor para distrair,
você vai vir aqui e completar um pedacinho da tatuagem. Eu farei junto com
você.
— É maiô.
Acabei sorrindo para ele. Porque suas palavras eram tudo que eu queria
ouvir: traziam conforto. Ele se preocupava comigo e tentava buscar uma
solução para meus problemas. Olhei sua mão estendida para mim e a apertei.
***
Dias atuais...
— Eu não sei.
— Está tudo bem. Ah... falando nisso, eu tenho uns documentos para
você assinar. — Escondeu o olhar, mordendo o lábio.
— Documentos? Agora?
— Oh... claro. Leve para casa que eu assino, claro, amor. — Apertei sua
mão. E ele apertou de volta. Deu um sorriso morno e se afastou.
— Você teve uma crise de pânico, e o Thadeo te trouxe. Ainda bem que
estava em segurança, na casa dele. — Instantaneamente seu semblante se
tornou sombrio. — Estaria morta agora se estivesse dirigindo no momento da
crise.
— Credo, amor. Não me dê uma bronca agora. — Desviei o olhar.
Lembrei então de Ulrich me segurando antes de eu apagar. — Thadeo está aí?
— Vamos fazer mais alguns exames. Pelo que vi em sua ficha, você já
apresentou quadro parecido, certo?
— Sim.
***
— Sim, lembro.
— E segundos antes?
— Sim.
— O que você sentia naquele momento? — Seu tom era brando, e o
olhar, compenetrado.
— Sabe o que pode ter causado o gatilho que te fez entrar em crise?
— Doutora... sabe que eu ainda não estou pronta. Eu tenho medo do que
possa existir escondido em minha mente.
— É por isso mesmo. Você tem que se libertar dessas caixas fechadas
que você mesma protege.
— Me desespera pensar que eu possa ver com clareza... aquele passado.
Aquele que destruiu minha mãe e aterrorizou meus irmãos.
— Fazia tempo que não tinha uma crise, filha — ele apontou, e eu
assenti. A última tinha sido uns dois anos antes. — Qual o motivo dessa vez?
Olhei para os lados e senti vergonha ao falar, cochichando para meu pai:
— Ulrich.
— Não, pai. Não é isso. Eu sei muito bem lidar com ele. Ulrich não é
um perigo para mim. Mas hoje foi diferente. Eu... não sei explicar. Eu o vi e
surtei.
— Falou com a doutora Eliana?
— Sim.
— Não... não mexa com essas coisas agora. Posso ligar para Andrey e
pedir para ele resolver sem precisar de você.
— Eu vou fazer isso. O Miguel não está muito bem esses dias. Acho que
está sobrecarregado. Ele anda me dando patadas, revirando olhos, sendo rude
com as crianças...
— Eu o compreendo. Miguel se doa muito na empresa. Ele precisa de
férias, vocês precisam de férias.
— Parece uma boa ideia. Nas férias das crianças, vamos planejar.
— Eu não sei. Ainda estou tonta. As crianças estão tensas, então pensei
em fazer algo para eles.
Miserável.
Sim. Eu me lembrava muito bem quando presenciei uma das crises pela
primeira vez. Eu a ajudei e tornei-me necessário para ela. Jamais me
perdoaria por não ter segurado a mão de Stela naquela época, quando mais
precisou. Jamais perdoarei o destino por ter me obrigado a me afastar dela.
— Ah, sim. — Sorriu com malícia. — Mal posso esperar. Vai logo
embora.
— Oi — ela atendeu.
— Oi, Stela, sou eu, Ulrich.
— Por que está ligando no meu celular? — Seu tom de voz aumentou,
ela estava perplexa. — Quem te deu meu número?
— Como?
— A tatuagem nas costas — falou baixinho. — Aquilo era... íntimo. Por
que continuou com ela? Por que a fez, mesmo que não tivéssemos mais nada?
— Eu tenho um marido.
Suas palavras foram um punhal em meu peito.
***
Quatro dias se passaram com uma rapidez que eu não esperava. Eu tinha
tanto para fazer no escritório e praguejava contra o relógio, que tinha
decidido competir com o Flash. Fui convidado para dar algumas palestras
para as turmas de direito na faculdade, o que me deixou extremamente
eufórico. Além disso, Cora e eu já estávamos trabalhando em um outro caso e
tivemos de fazer uma pequena pausa nos estudos, pois, enfim, havia chegado
o dia do casamento do Thadeo.
***
— Melhor que você? Ela pode encontrar, mas vai penar. Você foi a
primeira pessoa que disse “olá” para mim nessa cidade. Carregou nas costas a
promessa que fez à sua mãe, respeita seu pai e ama os irmãos. Gema é, na
verdade, sortuda. Assim como você é sortudo por ter encontrado uma mulher
como ela.
— Obrigado, Turco.
***
— Você é todo gostosão, cara de safado, ricaço, cheiroso que dói e está
solteiro ainda. Não entendo. Gosta de mulher, não é? — Foi logo na lata.
— Já, sim, mas eu espero que seu pau possa me responder essa
pergunta. — Lambeu os lábios. — Nos vemos depois. — E se afastou.
Olhei para baixo e vi um menino. Devia ter uns oito ou nove anos.
Olhos escuros atentos, me fitando. O filho de Stela.
— É muito longe. — Ela deu um meio sorriso. — Temos que ir, meu
pai não gosta que falemos com você. — Ela se desculpou com um olhar, pela
sinceridade ou pela ordem do pai.
— Não quero que converse com meus filhos. — Revirei os olhos ao dar
de cara com Miguel.
— Mas que caralho! Será que não vou poder degustar uma coxinha em
paz?
— Pois não? Quer tirar uma foto para olhar com mais tempo?
— Está tudo bem por aqui? — Thadeo brotou do nada. Mais curioso que
preocupado.
— Só estou tentando matar a fome — respondi mostrando meu prato
cheio.
Isso me irritou.
— Não, eu não entendi porra de recado nenhum. — Eu me postei bem
na frente dele, lembrando-o que eu era maior. — Vai fazer o quê?
— Falando comigo? Já deve ter bebido bastante para ter esse rompante.
Ela ignorou meu comentário. Estava com uma expressão bem
característica de alguém pronta para briga.
— E eu espero que você, enfim, se afaste. Acho que uma mulher vai te
colocar nos eixos.
— Você por acaso estaria com ciúmes? — Bebi o vinho calmamente.
Segurei seu braço e a puxei bem para perto de mim, as bocas quase
coladas. Stela me encarou, surpresa, os olhos saltados. Ela era linda para
cacete.
MIGUEL
— Não. Eu vou encontrar uma forma de não a ferir. Eu não quero vê-la
sofrer.
— Não é meio tarde para se preocupar com ela?
— Sim, falei ontem. Ela não desconfia que a gente transa. Você devia
terminar o caso com ela. Eu sou ciumento. — Rômulo deu um sorriso para
mim e saiu do quarto.
— Miguel, coloque na sua cabeça que tudo que eu faço é para o seu
bem. Eu sinto muito por isso, será doloroso, mas você precisa encarar e me
escutar.
— Eu sei, claro, pode ter sido um erro naquela época. Mas, cara, eu
sempre percebi que aquela menina nunca pareceu com você ou com a Stela.
Será que nunca passou isso pela sua cabeça? — Sacudiu meu ombro. — Uma
mínima suposição?
— Impossível. Não, isso não! Stela... ela nunca faria isso. Ela é certinha
demais. E se não forem meus filhos, de quem seria?
— Do Aslan?
— Ah, vá se foder. Stela prefere dormir com Satanás a tocar naquele
cara.
— Será mesmo? Eu sugiro que você faça um exame mais apurado sobre
esterilidade. Só para ter certeza, e não conte nada a ela. Esse será nosso
trunfo.
STELA
Mas... e se tivesse uma forma de tirá-lo de uma vez por toda da minha
mente? E se... eu pudesse enfim encarar as lembranças com Ulrich e
conseguir superar?
— Oi, Stela, está tudo bem? — Percebi sua voz ganhar um tom curioso.
— Aconteceu algo?
— Desculpe ligar em um domingo de manhã no seu celular pessoal.
Esta não era a primeira tentativa de regressão; tentei aos dezessete anos,
o ano em que Ulrich voltou. Tentei aos dezoito — quando me casei — e
depois eu parecia bem com meu casamento e meu bebê, parecia curada.
Nunca mais tentei. E agora, estaria tomando a atitude correta?
— Stela? Tudo bem? — Levantei o rosto ao ouvi-la me chamar. Tentei
não transparecer o terror que já me antecipava.
— Ulrich, o turco?
— Isso. Eu quero poder olhar para Ulrich e não sentir nada mais do que
desprezo. — De repente, tinha lágrimas nos meus olhos. — Porque não é
fácil suportar essa instabilidade em meu coração. Tem algo dentro de mim
que me puxa com uma força bruta em direção a ele. — Com a voz baixa,
quase sussurrando, completei: — Eu fico trêmula ao lado dele.
— Stela, ele não foi algo traumático para você. O que temos que
resolver é a raiz do seu problema, que começa lá na vinícola, na sua infância.
— Tudo bem. Você está segura, você está aqui comigo. Caminhe até a
porta.
— Não — choraminguei. — Não posso abri-la.
— Mais cedo, eu fui mostrar a ela meu vestido de debutante, minha mãe
adorou e chorou ao me ver tão linda. À noite, no meio da festa, nos ligaram
da clínica, ela teve um enfarte. Depois me lembro de ir procurar o Ulrich, e
ele... ele tinha me abandonado. Então já era o dia seguinte, e eu estava em
minha cama.
— Eu... — Lembrei dos flashes eróticos com Ulrich que minha mente
me mostrou. Não era possível. — Não, doutora.
— Certo. Vamos ter que continuar com as sessões. Vou te dar tempo
para digerir o que viu hoje. Quero que fique atenta. Se alguém disser que
você fez algo, e você não se lembrar, deve me contar. Está dormindo
normalmente?
— Estou, sim. Essa noite dormi pouco, meu irmão se casou, então...
Decidi que iria contar a meu pai na segunda-feira, quando Miguel não
estivesse em casa.
— Seu pai está meio confuso. — Tentei ser evasiva. Não queria
preocupar eles com minhas intuições.
— Oi.
— Stela Capello?
Era um belo prédio. Construção nova e não muito alta. Acho que uns
dez andares. Não gastei muito tempo admirando o prédio. Estacionei o carro,
surpresa por ter conseguido logo de cara, já que eu era péssima nisso.
Entrei e me identifiquei na portaria, dizendo que haviam me ligado. O
recepcionista confirmou e pediu que eu subisse até o décimo andar.
No elevador, pensei em como fui burra de não ter avisado ninguém que
estava vindo para um encontro com alguém que não conhecia. No último
instante, mandei uma mensagem para Maria Clara com o endereço onde
estava.
— Sim, sou eu. — Tudo estava cada vez mais estranho, e a curiosidade
me deixava corajosa.
STELA
— Onde está Miguel? Eu não tenho nenhum assunto a tratar com você.
— Fui incisiva, e ele deu um belo sorriso. Rômulo era um homem muito
bonito, seu porte atlético e suas roupas sempre bem escolhidas, com um
sorriso charmoso, eram armas que ele usava para ludibriar as pessoas. Mas eu
não cairia no seu joguinho de quinta categoria.
— Você vai precisar se sentar, meu anjo. — Sua voz era grave e tornou-
se branda. — Estou preocupado com sua saúde mental. Venha aqui. — Ele
me segurou e me guiou até a cadeira. Sentei. Deu a volta e sentou-se de volta
na cadeira executiva, à minha frente.
Segurei com força minha bolsa e tentei controlar minha tensão. Meu
coração era um tambor. E tive medo de desmoronar.
— Não. — Agora eu tinha lágrimas nos olhos. — Não. Meu Deus. Não!
— Querida, conhece seu marido, ele foi seu amigo, mas precisa deixar o
homem ser livre. — Ele pegou uma foto entre todas e estendeu para mim. —
Ele gosta de algo mais... rude — Na mão dele, uma foto de Miguel amarrado
na cama, vendado, enquanto Rômulo o chupava. Miguel sorria.
Sentindo tontura e o fôlego ficando cada vez mais curto, solucei. Em
uma busca desesperada de me curar de Ulrich, eu cheguei a afirmar que
Miguel era meu amor verdadeiro. Eu confiei nele, eu o idolatrei, deixei que
ele visse minha alma quebrada.
— Ele não quis te fazer sofrer. Não quis te confrontar e ser maldoso
com você. Por isso eu estou fazendo isso. Agora temos que falar de negócios.
— Negócios? — Minha garganta apertou.
— Você passou uma procuração para Miguel dando a ele total poder
sobre suas ações, a economia de vocês, afinal tinham conta conjunta, seu
carro, só ficou mesmo sua parte na herança, caso seu pai faleça, e sei que
você não vai desejar isso.
Isso foi uma facada em meu peito. Meus filhos eram tudo em minha
vida. Eles eram a única linha que me mantinha sã, para não surtar e acabar
como minha mãe em uma clínica. Essa suposição sempre me assustava, eu
não queria terminar como ela...
— A riqueza do seu pai não vai adiantar muito, a não ser que ele faleça.
Você sem nada, se valendo da bondade de seus irmãos, juiz nenhum vai te
dar guarda de duas crianças. — Continuou provocando.
— Eu posso muito bem trabalhar para sustentar meus filhos.
Sem querer escutar mais, peguei uma foto, coloquei na bolsa e voei em
direção à porta. Ele foi mais rápido, novamente, e dessa vez tirou a chave e
enfiou no bolso.
— Me deixe sair.
Em seus sonhos.
Eu poderia tentar enfrentá-lo o que seria inútil. Era melhor optar por
fingir e conseguir sair daqui logo.
Ok. se ele queria tanto uma assinatura, ele teria uma bela de uma
assinatura.
A voz dele foi ficando cada vez mais longe e a rua diante de mim bem
embaçada. Acho que fechei os olhos, não sei. Mas ao abrir novamente eu
soube que tinha que ir buscar as crianças na escola.
***
— Por que fez isso com sua família seu nojento? — sussurrei, sendo
pressionada com força por seu corpo. — Mas quer saber? Você nunca serviu
de porra nenhuma.
— Pode liberar sua fúria. Já falei para Fernando e Andrey sobre sua
escolha de me dar o divórcio. Todos vão pensar que partiu de você, da sua
instabilidade emocional. E sabe que não deve contar a verdade para ninguém.
ULRICH
— Estrelinha?
— Vamos, você precisa me dar cobertura. — Ela se virou e andou ereta,
altiva, e imponente, toda cheia de si, em direção à porta.
***
Um ano antes...
— Não. Ela está bem, muito bem. O que eu vou te contar... preciso que
aja com cautela e que me ajude a solucionar o problema.
— Há exatos treze anos, Stela me fez uma visita durante a noite. Eu não
entendi nada, afinal nem estávamos nos falando. Porém não debatemos sobre
nossa desavença, apenas transamos.
— Está dizendo que minha irmã traía Miguel com você, porém em
público ela te desprezava e te humilhava?
— Cara, que bizarrice. Quando foi a última vez que isso aconteceu?
— Essa noite... — sussurrei, escondendo o olhar.
— Ou da rola, né?
— Eu sei quem pode nos dar uma luz. A terapeuta dela. — Benjamin
pegou a carteira, o celular e caminhou rumo à porta. — Vamos falar com ela
agora.
***
— Basicamente.
— Não. Ela jamais saberá sem ajuda. Mas pode acontecer alguns
flashbacks, e ela pode interpretar como um sonho. Mas pode recuperar as
memórias da outra personalidade através de tratamento.
Ela levantou-se, foi até uma estante e procurou algo. Ficou alguns
segundos lá e depois voltou com um livrinho e me entregou.
— Na verdade, temos que falar. Uma merda que vou omitir isso da
minha irmã. Desculpe o palavrão, doutora. — Benjamin levantou-se,
exasperado.
— Benjamin...
— Tudo bem. — Ela pegou dois cartões, deu um para mim e outro para
Benjamin. — Me liguem se perceberem qualquer coisa de diferente, vamos
monitorá-la. Ninguém aqui vai enganá-la, vamos trabalhar para ajudá-la. —
Doutora Eliana virou-se para mim. — Você é o porto seguro dela. É o único
lugar que Stela recorre quando dissocia, não pode virar as costas nesse
momento.
Eu apenas assenti, segurando o livrinho com força. Eu descobri que
amava também a personalidade que sempre ia me visitar. Ela era espontânea,
bebia cerveja no gargalo, via filme de terror, era forte e decidida e gostava da
minha companhia. E eu queria conquistar a outra Stela, quebrada,
introvertida, insegura, mas que também era apaixonada pela vida.
***
Dias atuais
— Stela não aguentava mais, e tive de assumir. Mas ela foi esperta, não
assinou porcaria nenhuma, só escreveu “vá se foder” em todas as folhas,
fechou a pasta e saiu. — Gargalhou. — Nesse momento, o desgraçado já
percebeu que foi passado para trás.
— O que está acontecendo? Assinou o quê? Tem que me contar tudo —
exigi.
— Agora eu fiquei bem relaxado em saber que seu marido olhava minha
bunda.
— Oh, meu gostoso. Será que não entendeu que tem um pilantra feroz
vindo atrás de mim porque o passei para trás?
— Boa! — Dei uma risada. — Fez bem. É muito cedo para contar para
irmãos, porque eles vão atropelar Miguel sem raciocinar. Vamos armar um
plano. Miguel acabou de sair de casa, temos prova da traição dele, e esse
pilantra me deu uma ideia. Vamos te colocar como se estivesse indo para
uma viagem de férias com as crianças.
Stela arrumou suas coisas em tempo recorde. Depois ligou para Miguel,
e como esperávamos, ele não atendeu. Então, no aplicativo, ela deixou um
áudio:
“Oi, Miguel, o que está acontecendo? Por que suas roupas sumiram do
closet? Você não atende minhas ligações. E nossa viagem, como tínhamos
planejado? Estou te esperando com as crianças no aeroporto, querido.
Apareça, estou preocupada.”
— Pronto. Isso aqui é apenas para o caso de ele alegar que você fugiu
com as crianças. Vamos?
— Ulrich vai nos dar uma carona. Depois ligo para o papai — ela
explicou.
— Olá, crianças — cumprimentei.
— Ah, sim. entendi. Vocês nem vão me conhecer para tirar seus
próprios conclusões?
— Por que você fala errado? — Nathan indagou, ainda com a expressão
fechada, mas o cenho franzido.
STELA
Peguei uma pequena obra de arte que tinha ali e apontei para ele, em um
gesto de defesa.
Ele afastou todo o cobertor e jogou as pernas para fora da cama. Graças
a Deus, vestia uma calça moletom.
— Não, querida, não transamos. Não era um clima propício. Mas tenho
fé que um dia você vai conhecer o ataque turco.
— Então diga logo por que estou aqui! Você me sequestrou para me
seduzir?
Ele ficou de pé.
Com cautela, dei alguns passos e espiei de longe. Era outro quarto, com
duas camas, reconheci Raquel em uma delas.
— Ainda mais com uma menina tão desconfiada como a sua e uma
tagarela como o menino — Ulrich finalizou a explicação de modo divertido..
Eu passei rápido por ele, entrei no quarto e observei cada um deles. Dormiam
como anjos, a televisão ainda ligada. Desliguei a televisão, e voltei feito uma
arara para o outro quarto. Ulrich me esperava. Enorme, descomposto, sem
camisa e cheiroso até quando acordava. Que inferno de turco.
— Porque só tem uma aqui. Durante o sono, você até tentou me acochar
por trás, mas não deixei. Se quiser tocar no homem, tem que valorizar antes.
— Deu uma risadinha patética e foi para o banheiro. Antes de entrar, decidiu
falar sério: — Acho melhor você ligar para sua médica e contar o que houve.
— Que cidade é essa?
— Fortaleza, Ceará.
Ele estava certo nessa parte. De alguma forma, que eu ainda ia fazer
Ulrich me contar, eu tinha chegado aqui e não lembrava como. Como ele
pôde me convencer a viajarmos juntos?
Encontrei meu celular e vi também algumas malas. Havia roupas
minhas em uma delas. Lembrava que eu planejava mesmo sumir da cidade
com as crianças e por isso tinha ido buscá-las na escola.
— Bom...
— Acha que ele pode te fazer mal?
— Obrigada, doutora.
Ulrich saiu do banheiro e me olhou curiosamente.
— Não é da sua conta. — Fui má, porque estava com raiva dessa minha
propensão a admirá-lo.
— Tudo bem. — Jogou as mãos para cima, se rendendo, e na minha
frente tirou a calça, jogando-a sobre a cama. Fiquei petrificada, e quando se
virou, vi os dizeres no cós da cueca: “Vai ter que me engolir”.
— Mas e as crianças...?
— Deixe um recado para Raquel. Mesmo que eu ache improvável que
eles acordem agora.
E eu fiz isso, pois estava muito curiosa para saber o que houve no dia
anterior e até que ponto contei para ele. Deixei o bilhete em cima do celular
dela, pois sabia que era a primeira coisa que pegaria.
Ok. Ele não estava fazendo nada, eu é que estava sendo ranzinza. Virei-
me com a cara fechada para as mulheres, querendo dizer para elas pararem de
encher a bola desse cara.
— Zombou de mim?
— Como?
— Você zombou quando soube de tudo isso? Gritando na minha cara
que achava bom o que me aconteceu, só para eu pagar o que te fiz...
— Bateu no Miguel?
— Ele não teve consideração nenhuma pelos filhos ou por você. E ele
tem sorte que seus irmãos ainda não souberam de nada.
— Por quê?
— Oi, filha.
— Claro. Arranque de uma vez esse curativo, antes que Miguel tenha a
oportunidade de distorcer tudo. Eles são inteligentes e vão entender.
Pela primeira vez, dei um breve sorriso para ele, por compreender a
situação. Mas eu ainda ia expulsá-lo do quarto.
Ou talvez não.
***
— Vocês dois já devem ter percebido que o papai não veio, e que nos
últimos dias ele esteve bastante afastado.
— Não, não tem. E vocês não precisam saber dos nossos dilemas agora.
Vão saber mais tarde. Venha aqui, vou contar uma história sobre mim.
Cheguem mais perto. — Recostei na cabeceira e abracei um de cada lado. —
Meus pais também se separaram.
— Meu pai vai morar em outra casa, agora — confidenciou para Ulrich.
— Está muito triste com isso?
— É a mamãe?
— Sim. Na festa de quinze anos.
— O cabelo dela era lindo. E você era muito magro. — Raquel terminou
a análise e devolveu a foto para ele. — Você gostava dela?
— Raquel!
STELA
Anos antes
No fundo, eu achava que nenhum deles aceitaria nada comigo por causa
da fama de mau que meus irmãos carregavam. Os garotos tinham medo deles,
principalmente Ulrich, que era amigo do Thadeo, mas tinha receio que
descobrisse que ele estava ficando comigo.
Todavia Ulrich que me entendia, ele conhecia minhas dores e não media
esforços para me ajudar. Era ele quem segurava minha mão quando a
ansiedade atingia o limite e ameaçava me derrubar. E era ele que ia comigo
na clínica visitar minha mãe e que me consolava depois enquanto eu morria
de chorar.
— Meu pai? — Olhei meu relógio de pulso. Eram três da tarde. O que
ele queria comigo às três da tarde? Geralmente ele só conversava com a gente
na hora do jantar.
— Carona?
Que se dane.
Fui para o escritório. Bati de leve na porta e empurrei. Meu pai era um
homem alto e bonito. Sempre muito elegante. Já passava dos sessenta, mas
parecia bem mais novo.
Eu ia matar o Miguel.
Ele recostou na cadeira executiva e me analisou por segundos. Tirou os
óculos e massageou os olhos.
— Eu sei. Bom... tenho um dever de casa para fazer. Até o jantar, pai.
ULRICH
Dias atuais
Mas não pensem que fui um idiota que se sentou de boca aberta e a viu
seguir a vida.
— Ficou ótimo. Escolha esse, por favor. — Ela se virou para mim e não
conseguiu esconder a surpresa ao me ver só com um short de banho. Passou
os olhos pelo meu corpo, e em vez de ficar furiosa como sempre fazia,
voltou-se a encarar no espelho.
— Não sei se são modos de uma mãe... Nem sei por que essa coisa
estava na minha mala.
— Elas tem que ir embora no dia seguinte. Até porque, aqui no Brasil,
não é permitido um homem ficar com várias mulheres definitivamente. —
Acariciei meu queixo, elaborando um tom pensativo. — Mas minhas terras
têm histórico de sultões com haréns gigantescos. — Dei alguns passos na
direção dela, Stela afastou-se até bater as costas no espelho. Olhos saltados.
Segurei na sua cintura, fazendo uma pressão sutil com meu polegar e
deixando minha mão ao lado de sua cabeça. Ela respirou profundamente. —
Meu harém seria tão pobre, teria apenas duas mulheres: Você e você mesma.
— Mas, mãe...
— Agora, Raquel. Não trouxe você para um resort para ficar deitada
mexendo no celular.
— Ulrich, Stela está com você? Escutei uma mensagem dela dizendo
que ia viajar em férias, mas Miguel veio aqui procurá-la.
— Sim, está comigo. Fique tranquilo, ela e as crianças estão seguras.
— Não sei. Mas é gostoso, quer provar? Deixo você colocar a boca no
meu canudo.
— Eu não entendo essa sua tara em me provocar, porém diz que gosta
de mim. Com esse deboche, você só vai conseguir minha raiva.
— É melhor conseguir algo de você do que nada, não é? Devia ser mais
forte. — Tirei o canudo da taça, chupei-o sob o olhar interessado dela, comi o
morango na ponta e bebi o restante do drinque.
— Eu sou forte. — Sentou-se na espreguiçadeira, me encarando.
Ela pareceu chateada, e eu sentia muito por fazê-la ficar assim, mas
Stela tinha de tomar a dianteira da própria vida.
— Hum... fácil demais. Não seria tão formidável, já que é o que todo
mundo está fazendo. Vou pensar em algo e te falo.
— Certo.
Passei por ele e fui até a outra cama. Tirei o travesseiro de cima da
cabeça de Raquel, e ela me olhou assustada.
— Me deixe! — berrou, achando um desaforo eu ter ido incomodá-la. E
tentou tomar o travesseiro de volta.
— E isso é ruim?
— Digamos que ele está doente e precisa da vacina. — Acessei o
programa do antivírus, peguei minha carteira, escolhi um cartão de credito e
fiz a compra do programa.
***
— Tudo bem.
Minutos depois, eu desci com Stela. Ela estava puta de raiva. E eu sabia
que a raiva maior era por não conseguir ser imune a mim.
— Sabe que eu odeio essas coisas. — Ela nem me deu muita atenção,
continuou dobrando roupas, arrumando as malas dos filhos.
— É por isso mesmo. Você odeia porque sente medo de todos esses
brinquedos. Aceite o desafio, ou vai querer só confirmar que é uma medrosa?
— Isso é um sim?
— Pode apostar.
***
MIGUEL
— Então faça isso logo. Eu tenho um plano para obrigar a Stela a voltar
urgentemente, mas não quero usar isso ainda.
— E o que é?
STELA
— Vou tirar uma foto para mostrar ao tio Ben. — Nathan era tão
ridiculamente debochado como os tios. Não estava nem ligando para meu
pavor. Deixei os dois irem na frente e fiquei um pouco atrás com Ulrich.
— Que mão é essa? Não sabia que na Turquia a gente sela um trato de
outra forma...?
— Quê?
— Assim. — Ele me puxou, e esbarrei sem equilíbrio no corpo alto e
duro. Ulrich logo me enlaçou com seu braço forte, enroscou a mão nos meus
cabelos soltos e os puxou.
Lembrei das crianças, que poderiam nos ver, e isso me deu forças.
Empurrei-o e levantei a mão para uma bofetada, mas ele desviou a tempo.
Em seguida, passou o polegar nos próprios lábios e afastou-se.
— Que saudade que eu estava de beijar essa sua boquinha nervosa.
— Dá próxima vez que fizer isso, meu sapato vai beijar sua boca! —
gritei, parecendo histérica, como se não tivesse aproveitado o beijo. — Seu
patife.
Atrás de mim, Ulrich me cutucou. Não queria graça com ele, mesmo
assim me virei.
— Aqui está o seu ticket. — Ele me entregou um. De má vontade,
peguei e, quando me virei, Nathan correu na frente e subiu com Raquel. O
operador da roda-gigante travou a cadeira deles.
— Stela, calma. Eles vão ficar bem. — Ulrich me empurrou para a fila
andar. Sentei-me em um banco, e ele se sentou ao meu lado. O operador
travou nosso assento.
— Nathan! Fique sentado, ou vai levar umas cintadas — gritei no vão,
sem saber se ele me escutava. Quando a roda-gigante começou a movimentar,
agarrei com força a barra, os olhos saltados. Meu Deus, me ajude!
— Essa é a volta de quinze anos atrás que você me deve — Ulrich falou.
Olhei-o de esguelha.
— Não acho que ficou nada pendente entre a gente.
— Com base em fatos. Nada vai mudar o que você fez. E eu não quero
falar disso agora.
Fechei a cara e cruzei os braços. Daquele jeito que crianças birrentas
fazem. Ouvi Ulrich respirar fundo, se acalmando.
— Eu, não...
***
E então nasceu uma menina com olhos que sempre me faziam lembrar
outra pessoa. Os cabelos tão pretos, que brilhavam, não como os de Miguel,
mas como os de outra pessoa.
***
Anos antes
Não podia ser o que estava escrito ali. Não tinha como. Miguel acabara
de passar em uma faculdade em outra cidade e ia ficar lá até conseguir
transferir o curso para cá. E por isso estávamos há mais de dois meses
distantes.
— Filha...
— De quantos meses?
— Não sei... faz mais de dois meses que não vejo Miguel... Mas a gente
se cuidou. Sempre tomamos cuidado.
— Será possível que não baste seu irmão me desobedecer e se isolar
naquela merda de vinícola, agora você também? Meu Deus! É seu futuro em
jogo, minha filha. Você acabou de entrar na faculdade, como pode ter sido
tão relapsa?
— Pai...
— Agora, Stela.
De volta à minha casa, meu pai andava de um lado para outro na sala,
pensando, enquanto eu permanecia sentada na poltrona tentando encontrar
uma solução.
— Como assim? Não tem como ser de outra pessoa... — Imaginei logo
o que ele estava supondo e já emendei: — Ulrich e eu estamos brigados.
— Você ficou bêbada e acabou na cama com ele. E o filho da mãe se
aproveitou disso e você não se lembra.
— Pai... não. Ulrich pode ser tudo, mas jamais me desrespeitaria dessa
forma.
— Não importa como tenha acontecido. Você não vai dizer um “a” para
ele.
— Para o Ulrich? — Mas eu tinha de questioná-lo...
ULRICH
— Para de pegar meu algodão. Por que não comprou um para você?
— Porque somos um casalzinho dividindo a algodão-doce.
Além do mais, nunca era tarde para se divertir um pouco. Eu estava com
quase trinta e quatro anos, já com minha carreira consolidada, assim como
Stela, aos trinta e um, já era mãe de duas crianças, porém eu estava me
deliciando de usufruir esse momento com ela. Um momento que não tivemos
na juventude.
— Próximos! — o homem gritou, e eu dei um empurrãozinho em Stela.
Nathan correu pela plataforma, escolhendo um carrinho. Raquel entrou de má
vontade.
— Meu Deus!
Raquel foi atingida por um garoto adolescente e sorriu, tímida, para ele.
O minipaquerador jogou beijinho para ela.
Saímos dos carrinhos bate-bate e fomos direto para a fila da casa dos
horrores. Stela relutava, como nos outros brinquedos. Toquei em sua mão e
percebi que estava gelada.
— Não vou. — Tentou sair da fila, mas eu a segurei.
— Surpresa. Vai desistir mesmo? Tão fácil? Prefere passar pelo martírio
de jantar comigo?
Ela analisou a casa dos horrores, pensativa.
Todos sabiam que no fundo eu torcia para ela desistir porque eu preferia
jantar com ela.
— Que seja. Uma hora jantando com você não deve ser pior do que
estar aí dentro.
Gargalhei e fiz uma breve comemoração. Saí da fila com Stela. Raquel e
Nathan não aceitaram sair e continuaram.
— Raquel, não deixe seu irmão sair do carrinho. Mas se parar no meio
dos trilhos, corra o mais rápido que puder.
— Que espécie de conselho é esse? Se o carrinho parar?
— Por quê?
— Ulrich, seja sincero, por favor. Alguma vez na vida, eu já transei com
você e estava inconsciente, ou bêbada, ou dopada, ou qualquer coisa que eu
possa não lembrar no dia seguinte?
Assanhei os cabelos dele, concordando que era melhor que ele crescesse
igual aos tios em personalidade, e não herdasse nada de Miguel.
Comemos cachorro-quente no parque e fomos embora sem experimentar
o Terminator. Nathan foi impedido de subir por ser criança, e Stela não
autorizou e até ficou aliviada ao descobrir que eles não poderiam subir no
brinquedo. O garoto ficou muito puto, emburrado, e não quis dar uma
voltinha no carrossel.
— Nathan! — Stela gritou com ele. — Eu sou sua mãe, por que não me
pede?
— Porque você sempre diz não, e Ulrich dá tudo que a gente quer.
Dei um sorriso para Stela e entrei no outro quarto com ele. Para assistir
um filme lançamento na televisão, tinha de pagar uma quantia. Eles
escolheram o que queriam ver, e eu coloquei o filme para ser cobrado na
conta do quarto.
— Trabalho, sim.
— Onde?
— Eu sou advogado.
— Você tem que fazer o que gosta, garoto. Porque fará bem feito e te
trará mais recompensas.
— Gosto de jogar.
— Todo mundo gosta de jogar. Mas um dia você descobrirá o que quer
fazer. Ou pode só trabalhar na empresa da sua família.
— Você não vai fazer o que seu pai quer. — Ouvimos a voz e viramos
para a porta onde Stela estava. — Venha aqui, meu pequeno. — Puxou
Nathan, levando-o para a cama. O garoto deitou, e ela sentou ao lado dele. —
Você vai fazer o que deseja. O meu pai tentou comandar a vida de cada filho.
Eu mesma fui obrigada a fazer coisas porque era o que ele queria. Mas, no
fim, todos eles seguiram o que o coração mandou.
Eu estava observando-a, e nossos olhares se chocaram. Eu me
perguntava o que ela tinha feito sob ordens do pai. Eu sabia como seu João
conseguiu se intrometer na vida de cada um, e naquele momento fiquei com
uma pulga atrás da orelha.
Eu os deixei no quarto e fui para o outro. Precisava ligar para Cora e ler
um pouco sobre um caso que eu a estava auxiliando. Uma hora mais tarde, já
cansado, me preparei para dormir. Estava no banheiro, gargarejando
enxaguante, quando vi Stela chegar na porta do banheiro.
— Nathan me confidenciou que Miguel ligou para ele.
— Ele não sabe exatamente em que cidade estamos. Mas falou o nome
do resort.
— Eu acho que devo ir embora. Preciso resolver de uma vez tudo isso.
— Stela foi para o quarto e sentou-se na cama. Eu a segui e me sentei ao lado
dela.
— E se ele não aceitar? Acha que Rômulo perderá tão fácil assim?
— Existem leis, Miguel não tem que aceitar ou não. Ele assina ou o
divórcio vai para o litigioso, que poderá ser prejudicial a ele.
— Mentirosa. Você amou. Por que não joga esse orgulho para o alto e
me devora logo?
— Você fala como se me odiasse, Stela, quando nós dois sabemos que
não. — Arranquei minha camiseta, atraindo seu olhar guloso. Stela me
mostrou o dedo do meio e foi para o banheiro. Quando saiu, eu já estava
deitado.
Ela deu a volta na cama, deitou-se bem afastada de mim e olhou em
volta. Eu agi com esperteza e escondi o outro edredom.
— Uma porra. — Fui para cima dela e a agarrei, nos cobrindo com o
cobertor.
— Idiota.
— Está gostoso, não está? Uma posição perfeita.
Ela ficou calada. Parecia ter um duelo dentro de si mesma. Seus olhos
vidrados em minha boca.
— Inferno — sussurrou.
— Fazer o quê?
— Eu te odeio. Como eu posso ter tanto tesão por um cara patife como
você? — Virou-se e me surpreendeu, desferindo alguns tapas em mim. —
Seu desgraçado. Por que me fez sofrer tanto? Você fica com milhares de
mulheres e nunca mais... se lembrou. Apenas esqueceu completamente do
passado e agora me cobra algo?
— Onde vai?
Dessa vez, fiquei muito puto. Andei em volta da piscina. Estava vazia, e
a noite estava fria e nem um pouco confortável para alguém de pijama.
Sentei-me em uma espreguiçadeira. Se um guarda não chamasse minha
atenção, eu dormiria aqui. Olhei as estrelas e tive uma breve raiva de Stela,
apesar de não conseguir ficar irritado por muito tempo.
— O dia em que Thadeo ligou para mim dizendo que era oficialmente
tio, que você tinha dado à luz... eu deixei tudo e voltei para a Turquia.
— Por que fez isso?
— Ulrich...
— Eu sentia raiva e tristeza, mas também alegria por tudo ter corrido
bem com você. — Dei uma risada seca. — E estranhamente uma grande
curiosidade em ver o bebê. Mas você jamais me permitiria conhecê-lo. No
caso, conhecê-la, era a Raquel.
— Pelo quê?
— Imbecil.
Dei uma risada, e pela primeira vez em anos, Stela riu comigo.
14
STELA
Eu não queria ser má com ele, mas também não queria dar brecha,
conhecia meu coração. Conhecia cada espaço reservado para o amor que eu
senti por ele e sei a propensão que tinha a desejá-lo.
Ele era muito belo e sexy até quando acordava, mesmo com os cabelos
totalmente assanhados. E acho que era isso que lhe dava charme, fofo e muito
erótico. Passou a mão nos cabelos e conferiu a hora no celular ao lado.
— Está tudo bem? Correu da cama? Espero que eu não tenha feito
nada... um chute, um peido...
Acabei rindo.
— Deixa de ser idiota. Está tudo bem. Apenas enxaqueca — menti. Ele
relaxou, deitando-se novamente, e eu voltei para a cama. Ele se virou,
deitando de lado para me olhar.
— Stela Capello sem querer me agredir logo pela manhã? O que houve?
— Estou preocupada.
— Com o divórcio? — Arrastou-se e recostou nos travesseiros, quase
sentado.
Também.
— Sim. Benjamin já me ligou, meu pai me ligou. Todos estão querendo
respostas. Acho que vou embora logo após o café.
— Você quem sabe. Se achar que está preparada para enfrentar tudo,
nós vamos.
— Sim, eu...
Ulrich encarou-me.
— Um Xbox é um pagamento muito alto para conseguir um sorriso do
pequeno príncipe — ironizou.
— Ele não vai ganhar, pois fez travessura na escola e levou suspensão.
— Ah...
— Mas, até lá, tudo estará resolvido. Ela vai ter a festa que merece.
— Stela...
— O quê? Que cara é essa? — Dei um pulo da cadeira, quase
derrubando-a. — O que o Benjamin queria?
— Ele está estável, sendo cuidado. Seu João sofreu um AVC, agora,
pela manhã.
***
MIGUEL
Eu estava ficando na mansão de Rômulo esses dias. Ontem tive uma
briga feia com Erica quando descobriu que eu estava tendo um caso com ele
e ameaçou contar todos os nossos planos para Andrey. Então eu a demiti e
ponto final. Eu devia esperar uma vingança por parte dela a qualquer
momento, mas Rômulo me prometeu que daria um jeito na minha ex-
assistente.
— Cara, onde está a Stela? Onde você e minha irmã estavam essa
manhã?
— Eu... estava... a Stela viajou de férias com as crianças. Vou logo em
seguida.
— Rômulo...
— E aí? Já soube?
— Do seu João?
— Sim. Gostou?
— O quê? Gostou de que, porra?
ULRICH
— Acha que ele descobriu algo e por isso sofreu um AVC? — ela me
perguntou enquanto retocava a maquiagem com um espelhinho que tirou da
bolsa.
— Estrelinha?
— Sim, meu querido. Essa notícia trouxe para a Stela todas as
lembranças ruins do que ela passou... Ela não está forte o suficiente.
Por um momento, eu queria que fosse a Stela que estivesse ali,
encarando de maneira firme essa situação. Mas eu achei melhor assim. Ela
não passaria todo desconforto de esperar notícias na sala de espera de um
hospital.
Na cama, sim.
— Ei! Alto lá, meu querido! — ela berrou na cara dele. — Você
também é filho. O Fernando também é filho e cuida da nossa fazenda, para
onde o pai poderia ter ido. Ou você acha que sua responsabilidade é apenas
gerir a empresa e posar de bonitão? Olha como fala comigo!
Todos nós estávamos perplexos com a resposta dela. Andrey,
boquiaberto, Fernando, de pé, sem saber o que dizer, Gema e Thadeo se
entreolhando. Então ela percebeu que Stela jamais seria tão explosiva e
abaixou o rosto entre as mãos e imitou um pranto. Eu soube que ela estava
interpretando, e acho que Benjamin também. Ele a levou para uma cadeira, e
Gema apressou em ir buscar água para ela.
Pouco depois, o médico veio informar que seu João estava estável, mas
ainda sedado, e que ele só precisava descansar. Eu e os irmãos convencemos
Stela a ir embora e esperar em casa.
Ah! Por favor! Eu não sou um paspalho idiota correndo atrás de uma
mulher que nem liga para mim, ou um bundão amando platonicamente. Às
vezes, era, sim, um fardo. E eu já me senti cansado dessa condição dela. Mas
que espécie de homem eu seria se a abandonasse só por não ser a mulher
perfeita sem problemas que iria apenas me amar sem empecilhos e fazer sexo
quente todas as noites?
Dizem que às vezes o amor requer sacrifícios, e parece que caiu em meu
colo o dever de encarar o fardo. Stela tinha um coração gigante, e me cortava
por dentro saber como ela sofria com seus problemas psicológicos.
ULRICH
— Por enquanto, não, Maria. Obrigada, pode ir embora mais cedo hoje.
As crianças estão... — Olhou para mim. Ela não sabia onde estavam os
filhos.
— Sua presença lá não vai adiantar em nada. Seu pai é forte. Ben está lá
no hospital, as crianças estão com Diana, relaxe um pouco. — Deixou que eu
a guiasse até a cadeira.
— Vim ver como você estava. E como ainda dormia, decidi beliscar
alguma coisa. Está com fome? — Abri as gavetas, à procura de talheres e
depois em busca de copos.
— Sabe fazer?
— Por que o espanto? — Dei as costas para ela e fui procurar uma
frigideira. — Um homem solteiro tem que saber se virar.
— Isso para mim é desprezar. Pena que ele não estará aqui para vê-la
sentar-se na cadeira da presidência.
— Você fala com convicção. Ela pode querer seguir a pintura, como
Benjamin, ou pode ser a Alice, filha do Andrey, que assumirá a Capello. A
menos provável é Raquel. Miguel ficava pressionando-a para tornar-se
médica, mas ela me disse certa vez que gostaria de ser promotora.
— Ora, ora. Ela fará direito, terá todo meu apoio, e quando formar, eu
poderei encaminhá-la nesse meio bem disputado, como um padrinho.
Stela sorriu sem graça e assentiu, mas rapidamente mudou de assunto.
Saí do meu lugar e fui até ela. Mergulhei a colher novamente e levei até
seus lábios.
— O que está fazendo?
Envolvi sua boca com meus lábios e apreciei o arrepio gostoso percorrer
meu corpo ao sentir a maciez e quentura de sua boca.
Stela abraçou meu pescoço, e eu a tirei da banqueta alta. Suas pernas
automaticamente envolveram minha cintura, e isso causou uma loucura em
meu coração, que acelerou como se eu festejasse em uma rave.
— Eu não quis... dizer isso. Só estou dizendo que não irei te acusar de
nada. Não sou mais a garotinha de quinze anos, Ulrich. Se você ainda está
aqui, é porque eu o quero aqui.
— Ah, Stela... faz tempo que espero sua autorização para te dar um
ensinamento na cama. — Toquei sua cintura e a apertei.
— Ensinamento...? — Sorriu, tentando suprimir um arfar.
***
STELA
Eu só o queria.
Eu entendi que não era o momento de pensar sobre isso. Nada sobre o
passado. Então encostei mais um pouco e, um tanto sem graça, beijei seu
peito. Era quente e forte, havia poucos pelos salpicados, e o que mais me
chamava atenção era o sutil caminho que partia do umbigo e sumia na cueca.
Poderia parecer uma louca, mas aspirei o cheiro dele.
Quando levantei o rosto, Ulrich sorria descaradamente.
— Merda...
Eu gemi alto e ele não respondeu. Estava com a boca muito ocupada me
chupando como um vampiro devora sua presa. Em um rompante de pura
excitação, esfregou os lábios de um lado para o outro contra minha maciez
sensível, e para completar, sugou com cuidado o clitóris para dentro da sua
boca.
Ulrich era quase sádico, e sorriu quando enfiou, agora o dedo médio, e
deu umas duas dedadas profundas antes de tirá-lo e voltar enfiar a língua
percorrendo a pele exposta até clitóris inchado.
Era simples e prático: entrava e saía, o dedo indo e vindo sem pressa. E
quando tocou meu clitóris, vi estrelas. Caramba, eu estava sem ar e queria
mais, cada vez mais.
E Ulrich sorriu.
— Ulrich...
— Você vai ver que tesão é sentir meu pau nessa posição. — Ulrich
explicou enquanto me ajeitava como ele desejava — Ele vai entrar todinho e
você vai querer voar descontrolada.
Ele me deu um beijo de língua, encostou atrás de mim, seguro meus
cabelos e então socou devagarzinho. Primeiro a ponta grossa do pau.
Massageando a entrada para o resto passar. Tirou, lambuzou toda a entrada
com minha própria lubrificação, acaricia o clitóris com pênis grosso e pesado
e tornou a entrar. Fechei os olhos e mordo os lábios conforme cada
centímetro me invadia, abrindo-me.
— Só porque sou gentil com você e sempre corri atrás não quer dizer
que sou bonzinho na cama. Aqui é puxão de cabelo e tapa na bunda.
— Patife. — Acabei rindo. Saí do seu abraço e rolei para o lado. Merda,
meu pai estava no hospital. Eu não queria parecer desnaturada. E meus filhos,
tinha de buscá-los.
Observei Ulrich levantar e retirar o preservativo. Suspirei, olhando-o nu.
As coxas eram lindas, a bunda, também. A tatuagem lhe dava um charme
especial. Ele tinha um porte elegante e muito selvagem ao mesmo tempo.
STELA
Mas, por outro lado, foi muito bom. O inferno do turco era especialista
no assunto.
— O que foi? — indaguei. Em seguida, peguei minha bolsa e coloquei
no ombro.
— Em que sentido?
— Ainda quer me destruir, me matar, me odeia...?
— Eu... não quero te matar, mas também acho cedo debatermos sobre o
que fizemos.
No hospital, fiquei feliz em ver que meus irmãos estavam lá. Benjamin,
Fernando, Andrey, as esposas.
— Oi, mano. — Fui até Andrey e o abracei. Ele me olhava, intrigado,
mas não falou nada. Abracei Ana também e os outros. Todos eles me
encarando como se esperassem que eu fizesse algo.
— Me falem, como está o pai? O que o médico disse? O que ele teve?
— Bom... — Fernando gaguejou, e Benjamin foi mais rápido e explicou
tudo que tinha acontecido. Naquela manhã, ele sofrera um AVC em casa, e
foi Maria quem ligou para a emergência.
Horrorizada, troquei um olhar com Ulrich. Eu não sei o que ele pensou,
mas em minha mente veio na mesma hora o nome de Rômulo. Eu o conhecia
e sabia que ele era muito ousado e capaz de tal atrocidade. Eu mataria Miguel
se ele estivesse por trás disso.
— Oi, pequena.
— Que legal. Você ignora seu pai e vai abraçar o turco — Benjamin
reclamou, enquanto Ulrich tirava do bolso algumas moedas, todas de um real,
e dava a ela.
— Nathan! — Berrei com ele. Quem via assim, achava que eu estava
criando um mercenário.
— E a pequena Mortícia? — Ulrich foi até Raquel.
— Porque eu mandei mensagem para o tio Ben, e ele disse que vocês
não estavam lá no hospital. Onde estavam todo esse tempo?
— Umas peças que não eram manuseadas do jeito certo há anos. Daí
ficaram enferrujadas.
— Ah, tá. — Raquel aceitou nossa explicação e já emendou outra
pergunta: — Onde está o papai? Ele já foi embora da nossa casa?
Olhei para Nathan, que era mais ligado ao pai. Ele não parecia prestar
atenção em nossa conversa.
— Querida, nós ainda vamos conversar melhor sobre isso, tudo bem?
Ela assentiu. Eu não imaginava como eles encararia tudo que estava por
vir. Miguel não só queria o divórcio como tinha armado um golpe contra
mim e estava ficando com um pilantra; em hipótese alguma eu desejava que
as crianças tivessem contato com Rômulo. Mas eu faria tudo de uma forma
que as crianças fossem prioridades, sem sofrer tanto com esse assunto.
— Pode deixar, eu abro a porta para você — falei e fui com ele em
direção à porta.
Ele passou por mim e deu um sorrisão. Dei um soco em seu estômago,
não tão forte para não chamar atenção e nem sei se surtiria efeito, já que ele
era todo duro. Mesmo assim, Ulrich se curvou.
— Porque você é um patife pervertido, e espero que seu pau caia. Nunca
mais se aproxime de mim.
Burra! Estúpida.
Quando me deitei para dormir, apenas a raiva me consumia. Nada de
sono. Ele teve a coragem de falar aquilo na minha cara. Ulrich só queria me
ferir pelos anos que eu o desprezei. Essa era a vingança dele, e merecia
aplausos, tinha conseguido.
ULRICH: Oi.
E uma figurinha.
Digitei e enviei. Mas não bloqueei, esperei que ele digitasse, o coração
acelerado.
ULRICH: Mas eu quero dormir com você.
EU: Você não tem um rolo com uma desqualificada? Vai ficar com ela.
— Roubei uma chave quando você dormia hoje mais cedo. E aí? Gostou
da surpresa?
— O quê? Como...?
— Ainda quer que meu pau caia? — Riu, entre o beijo, a mão já por
baixo da minha camisola, entrando na calcinha.
STELA
Anos antes
Mas aquele era um dia muito importante. Era a festa de quinze anos
minha e do meu irmão. Eu estava com o meu vestido de debutante — que ela
ajudou a escolher o modelo — e agora minha mãe o veria em meu corpo.
Queria tanto que ela pudesse ir à festa, tínhamos, inclusive, planejado, e
a médica havia liberado, mas nos últimos dias ela ficou bastante debilitada.
A janela tinha uma vista linda e havia ali uma poltrona onde minha mãe
poderia tomar um chazinho à tarde e ver toda a paisagem.
Encarei um quadro grande com uma foto de nós cinco e ela. Eu estava
fazendo de tudo para evitar olhar para ela, tão debilitada.
— Oi, meu anjo. Está tão cabeludo, quando vai cortar esse arbusto?
Ele riu, mas não respondeu.
— Ah, meu Deus. Minha filhinha! Você está linda. — Seu sorriso de
aprovação e o brilho nos olhos eram contagiantes. — Venha aqui. —
Aproximei-me dela, e com as mãos trêmulas, ajeitou a dobrinha do corpete.
— Eu estava tão ansiosa para te ver assim. Está linda, como sempre. Venham
aqui, os três.
Eu me sentei na pontinha da cama, Ben e Thadeo ficaram de pé ao meu
redor.
— Quero que vocês deem orgulho a seu pai, não vão desobedecer a ele,
mas também não deixe que aquele cabeça-dura os prenda e os trate como
robôs.
— Ele não pode nos prender, mãe — Thadeo falou. — Ano que vem,
terei dezoito anos e vou morar na vinícola. Eu vou reerguer tudo aquilo, e
nosso vinho será de novo o melhor que essas bandas já viram! — Ele bradou,
cheio de orgulho, fazendo-a sorrir, e uma lágrima desceu no rosto cansado.
— É uma promessa para a senhora — Thadeo concluiu.
— Oh, meu filho... eu nem sei se poderei ver.
— Vai ver, sim. Eu vou te levar para lá, e sairemos em todos os jornais
e revistas. Eu te prometo, ainda vamos colher muita uva, mãe.
Eu me calei, pois não sabia o que queria. Eu não tinha nada para
prometer a ela.
— São belas promessas. Mas eu só quero que prometam que serão
felizes. Eu fiz escolhas tão ruins... escolhas que trouxeram perigo para vocês,
e nunca irei me perdoar...
— Aaah! — gritaram.
— Até que enfim veio dizer olá. — Uma de minhas amigas se levantou
para me cumprimentar.
— Eu não o vi. Ele ligou hoje pela manhã e confirmou que viria. Deve
estar chegando, relaxe.
— Ok. Aproveitem a festa, pessoal. — Acenei para elas e saí, torcendo
os dedos e desejando que ele chegasse logo. Eu não o tinha visto o dia inteiro,
não sabia o que estava acontecendo, porém confiava em Ulrich. Se ele disse
que viria, então iria aparecer.
***
ULRICH
A dor que me tomou foi com se enfiassem uma faca em meu peito.
— Não! Eu não posso ir. — Bati desesperadamente na porta. — Eu não
vou. Por favor, eu conheço pessoas aqui, posso ficar na casa deles.
A porta abriu de repente, e dei de cara com o meu pai. Fúria estampava
seu rosto. Ele era um homem alto e corpulento. Seu bigode volumoso o
deixava com uma aparência mais perigosa. Dei um passo para trás, em um
gesto de alerta.
— Fala! — ele berrou. — Fala na minha cara o que disse para sua mãe.
Ele pareceu odiar deixar a menina lá, mas não me negou ajuda. Entrou
comigo e subimos correndo as escadas. Thadeo me levou para o quarto de
Andrey, que tinha o corpo parecido com o meu.
— Foi meu pai... mas não tem problema. Só preciso ver a Stela. Eu vou
ter tempo para te contar o que aconteceu.
Ela me encarou, mas não viu nada, pois as luzes estavam piscando.
Enfim riu e me beijou.
— Pode soltar o som. É o momento da minha dança com o meu
pretendente.
Enquanto dançava com ela, eu esqueci a ameaça que pairava sobre mim
lá fora. A mesma força de vontade que eu tinha de ficar, o meu pai tinha para
me impedir. Ele era destemido e violento. Ele faria de tudo para fazer seu
desejo se cumprir. Mas, naquele momento, o que me importava estava em
meus braços. Seu João nos assistia de longe e por um instante eu o decifrei,
vendo similaridades dele com meu pai. Eu não era o que ele queria para a
filha.
Stela não me largou mais. Ela me deu comida, bebemos, tiramos fotos,
me diverti com os irmãos dela. Era a noite perfeita.
Mas em determinado momento, vi um pequeno alvoroço no escritório
do seu João. Andrey e Fernando estavam lá dentro. Pela porta aberta,
vislumbrei Andrey levar as duas mãos na cabeça. Então Thadeo entrou,
também atraído pelo movimento, e eu pude ouvir o grito que ele deu. Acho
que toda a festa ouviu. Ele saiu correndo do escritório, atropelando todos à
frente.
E eu corri.
Thadeo estava descontrolado correndo pelo jardim.
— Ulrich?
— É a sua mãe...
— Não! Me largue. — Lutei com todas as minhas forças, mas foi inútil,
quando ele colocou um pano encharcado no meu nariz. Meu pai estava lá no
carro e me puxou com violência para dentro. O carro arrancou sem que eu
pudesse falar com alguém. Sem que eu pudesse estar do lado de Stela quando
soubesse da notícia.
19
ULRICH
Dias atuais
— Maria precisou tirar o dia de folga e não tinha nada para o café.
Cortei alguns pães, passei manteiga e coloquei para secar — ela explicou.
— Você acha que foi o Rômulo que veio visitar o meu pai? — ela
perguntou, mexendo na cafeteira enquanto eu mordia uma torradinha bem
quente.
— Foi o que pensei. Não há câmeras de segurança na mansão?
— Sim. Eu pensei nisso. Vou pedir a Andrey para vir dar uma olhada,
não sei mexer nessas coisas. — Terminou o café e o colocou em uma garrafa
térmica.
— Deve ter falado barbaridades, a ponto de seu João passar mal. Olha
só. — Mostrei a câmera do jardim. Sete e quarenta e cinco mostrava Rômulo
saindo rápido da casa, rindo, olhando diretamente para a câmera e piscando
um olho.
— Ele não fez nada escondido — Stela murmurou. — Ele sabia que a
gente ia ver.
— Quer agir agora? Imediatamente? — perguntei a ela.
— Só vou passar na minha casa para tomar um banho. Depois que você
falou, fiquei cismado e jamais vou para a guerra fedendo.
Enquanto fui para casa, Stela acordou as crianças. Ela decidiu deixá-los
na fazenda Capello, na companhia de Maria Clara, já que não tinha mais
ninguém na mansão. Eu passei no escritório, para pegar a papelada do
divórcio e os papéis para Miguel assinar, devolvendo o controle das ações
para Stela.
Eu me sentia ansioso para confrontá-lo de uma vez por todas. Era como
desencravar uma unha dolorida de anos.
— Hoje não estou com humor para ver boi e vaca — ele avisou logo.
Raquel permanecia calada, com fones de ouvido. Eu sabia que ela vinha
pensando muito na minha proximidade com a mãe e no sumiço repentino do
pai. E eu gostaria que os dois pudessem ser meus amigos quando tudo aquilo
acabasse.
— Hoje eles não estão de bom humor — Stela explicou. — Pode deixar
os dois se matarem pelo quarto, só assim se entretém.
— Precisa, sim, de todos. Esse cara prometeu a nós quatro que seria
bom para você. A gente o trancou em um quarto e o fez prometer, e é isso
que ele faz?
— Eu sabia que esse dia chegaria. — Dessa vez, foi a vez de Benjamin
se enfurecer. — Estou saindo de casa. Não façam nada até eu chegar, quero
pegá-lo com vida.
— Vocês não vão fazer nada com ele — eu falei enfim. — Não vou ser
advogado de defesa de ninguém.
— Quatro socos, você quer dizer, afinal cada um vai querer bater nele.
O cara, por mais idiota que seja, é pai daquelas crianças tão legais. Eu gosto
daquela miniMortícia e do minimercenário — Meu olhar cruzou novamente
com o de Stela. Ela parecia desconcertada. — E não acho justo que eles
sofram com essa briga. Podemos punir Miguel dentro da lei.
— Fica na tua — Fernando rosnou. — Meu punho está dentro da lei.
Ele nem ficou para terminar de escutar o que a mulher dizia. Correu na
direção indicada.
— Meu Deus! Ele vai matar o Miguel. Corre lá, Ulrich — Stela me
empurrou.
— Ah, Turco, vai se lascar. Olha o que você está pensando em meio a
essa confusão!
STELA
— O que você fez, porra? — Andrey, que estava mais próximo, tentou
agarrar o terno de Miguel, mas ele foi mais rápido, empurrou uma cadeira e
voou para trás de Caio. Fernando também tentou alcançá-lo, porém Caio se
colocou na frente.
— Eu não fiz isso, eu juro — Miguel berrava, tentando ser ouvido pelos
meus irmãos. — Foi o Rômulo que foi visitar o seu João sem falar comigo.
Eu gosto do velho, Andrey, ele foi como um pai para mim. Seu João sempre
me deu tudo, acredite em mim.
— Andrey, por favor, cara, nada se resolve com violência. — Caio
tentava acalmar a situação. Eu estava assustada, queria punição para Miguel e
Rômulo, mas fraquejei ao ver o início de briga. Não queria essa violência
toda.
— A secretária disse que ele chegaria em meia hora. Eu posso ir... falar
com ele.
Andrey puxou uma cadeira e tomou o lugar ao lado, deixando Miguel
tenso. Empurrou a pasta com os papéis que o escritório de Ulrich havia
preparado.
Miguel olhou para mim, passou os olhos por Ulrich e Thadeo e fitou
Caio. Abriu a boca e tomou uma grande quantidade de ar.
Miguel parecia farto de tudo isso, assim como eu queria resolver todo
esse estardalhaço e tentar seguir minha vida em paz. Ele apenas assentiu,
concordando com Ulrich.
— Certo. Vamos nós quatro. — Ben olhou para Thadeo, que ainda se
portava como uma sentinela de braços cruzados e com olhar letal para cima
de Miguel. — Você e Fernando já estão liberados. Obrigado por virem até
aqui.
— Bom, acho que meu trabalho acabou por aqui — Caio disse, indo em
direção à porta. — Estou te esperando na sua sala, Andrey. — Avisou por
cima do ombro.
Benjamin andou colado a Miguel para fora da sala. Ulrich e eu seguimo-
nos.
— O quê?
Miguel fez um gesto com o queixo apontando Ulrich bem perto de mim.
— Dessa vez, você foi espertinha, trouxe cinco homens com você. Fosse
em outra ocasião, eu apreciaria todos eles. — Olhou para Miguel e fez
piadinha: — Você tinha esses machos todos esses anos por perto e nunca
tirou uma casquinha?
— Pronto, um Capello tocou em você. Esse foi pela minha irmã, otário.
Benjamin puxou Rômulo pelo terno, ele ainda estava tonto pelo murro
de Thadeo, mas conseguiu se defender do golpe de Benjamin e tentou dar o
troco, mas meu irmão foi mais rápido. Ben foi moldado desde cedo em briga
de rua, e com agilidade, acertou a boca de Rômulo, derrubando-o novamente
sobre a mesa. Em seguida voou para cima de Rômulo, para bater mais,
entretanto Ulrich o segurou.
— Agora assina logo essa porra, pois não tenho o dia todo — Benjamin
ordenou.
Rômulo se ergueu com bastante calma e elegância. Ajeitou a roupa,
tirou um lenço do bolso, limpou o pouquinho de sangue no cantinho da boca
e no nariz e, em seguida, riu. Meu Deus, ele era psicótico.
— Que força, hein, rapaz? Isso me deixou bem duro. Mas se tentar me
agredir novamente, vai ter volta. — Ele deu a volta na mesa, sentou-se na
cadeira, e Miguel correu para ficar de pé ao lado dele. — Pessoal, podemos
negociar...
— Turco, diga a palavra “não” para ele em sua língua, porque parece
que ele não entendeu português — Andrey pediu demostrando ironia.
— Sem lutar, Miguelzinho? Você tem cartas na mão e sabe disso. É pai
daquelas crianças, e qualquer juiz te daria a guarda quando soubesse quão
imprudente e psicótica é a mãe deles. — Rômulo lançou aquele olhar
psicopata e maldoso diretamente para mim. — E aí, Stela? É isso que quer?
Deseja mesmo tirar as ações das mãos de Miguel e perder a guarda dos seus
filhos, afinal, como uma pessoa que deixou um idoso sozinho e foi farrear
com o amante pode cuidar de duas crianças?
— Sabe que eu lido com gente assim o dia todo, não é? Fodam-se suas
ameaças. Tente pedir a guarda nos tribunais, revide como quiser, mas agora
devolva os caralhos das ações.
— Vocês vão pagar caro. Isso aqui é tortura — Rômulo ainda gritava
com o rosto pressionado na mesa.
Ulrich me fitou desconfiado, mas não disse nada. Deu as costas e foi em
direção à porta. Eu fiquei perplexa, encarando Miguel. Sobre o que Rômulo
estava falando? O que eu escondia que poderia ser usado contra mim? Seria a
dúvida sobre a minha primeira gravidez? Miguel desconfiava de algo e
contou para Rômulo?
Thadeo parou.
***
MIGUEL
— Não. Eles nunca fariam isso, pois iriam se ver com a justiça. A lei
não fica do lado de agiotas.
— E o que pretende?
— Sabendo de quê?
Saí correndo, peguei meu celular e liguei para ele. Andando pelo quarto,
aflito, pareceu uma eternidade até Rômulo atender.
— Onde você está? — gritei. — O que está acontecendo?
— Eu já estou em outro estado, prestes a voar para outro país. Foi bom
enquanto durou, meu cabritinho, mas você não me servia mais.
— Rômulo, pelo amor de Deus. Não faça isso. Eu não tenho nada, fui
demitido, acabei com minha vida por você! Eu tinha uma esposa amiga, uma
família...
— Eu sei, eu ia honrar isso, mas não dá mais. Eu não poderia ficar aí, os
agiotas são letais, eles iriam me foder. Então eu mesmo fiz a denúncia
anônima, só para ter uma cortina de fumaça. Erica está presa, pois eu a
coloquei como laranja sem ela saber, e você vai precisar apenas pagar aos
agiotas.
ULRICH
— Sim. Enfim a paz. Sabe o caso dos deputados, que saiu na televisão
ontem?
— Mais ou menos. Parece que tinha algo envolvido com lavagem de
dinheiro...
Antes, porém, decidi ligar para Stela. Era boa essa sensação de poder
ligar para ela. Durante os anos que passaram, houve momentos em que sentia
a necessidade de entrar em contato, mas simplesmente ignorava essa
sensação por saber que Stela não reagiria bem. De certa forma, eu respeitava
o limite que ela tinha imposto.
— Stela?
Eu gargalhei. Lembro que liguei para ela uns dias antes do casamento de
Thadeo, ela gravou meu número no celular. Que espécie de idiota eu era por
ficar feliz por isso?
— Como você está? — indaguei a Nathan.
— Bem.
— E sua irmã?
— Bem também.
— Hum... você é esperto. Mas não tem o número da minha irmã. Até
mais...
— Tenho uma ideia melhor. Você diz que vai trocar de celular, compra
um e me dá, dizendo que é o antigo.
— Tudo bem, mas em troca do celular você vai me dever mais cinco
favores. Eu posso cobrar quando eu quiser.
— Hum... certo.
— Eu o vi hoje pela manhã, ele não parece conseguir falar ainda. Mas
ficou emocionado ao me ver.
— E como você passou a noite?
Ela fez uma pausa, creio que escolhendo as palavras, então disse de
forma cautelosa:
— Era minha primeira vez sozinha em meu quarto desde que acabou
entre mim e Miguel. Lá no quarto do Fernando tinha apenas a lembrança da
nossa noite, nada que envolvesse o Miguel.
— Meu Deus! Ulrich! Eu não sei por que ainda te dou mais de um
minuto de atenção. — A voz chocada me fez rir.
— Qual o problema?
— Que linguajar xucro. Ainda mais para um advogado conceituado.
— Ah, lembrei, você precisa ser reeducada nesse meio sexual. Entre
amantes, todo linguajar é permitido.
Stela abriu a porta da casa para mim. Vestia roupão pós-banho e estava
com os cabelos presos em um coque.
Subimos as escadas.
— Então eu me convido.
— Vocês precisam sentar com eles e conversar. Eles são bem espertos e
vão entender.
— A conversa que tive com eles no hotel foi uma preparação. Espero
que Miguel não tente usar a situação para criar intriga com nossos filhos.
Droga! Como eu queria arrancar esse sutiã e atacar sem pena com
minha boca.
— Oh, mãe! — Ouvimos a voz de Raquel, e Stela me deu uma
cotovelada, me empurrando. Não dava tempo de sair do closet ou seria
flagrado. Ela me empurrou para a porta que dava no banheiro. Escondido no
escuro, escutei a menina chegar.
— Talvez porque você o usa tanto, que quase sempre está na lavanderia.
Vamos escolher outra coisa. Tem que desapegar, minha filha.
— A Raquel me contou uma coisa, mas disse para não contar para você
ou para mamãe.
— Ela disse para eu não contar, ué. Mas eu cruzei os dedos na hora e
posso contar. Ela disse que acha que você quer ser o namorado da nossa mãe.
— Entendi. Bom, eu tenho minha casa, a sua mãe tem a casa dela. Acho
que dá para a gente resolver o problema dessa forma.
— Se for desse jeito, tudo bem por mim.
— Amigos?
— Tudo bem. — Nathan bateu no meu punho. — Ulrich, será que você
poderia pedir batata com cheddar e bacon em dobro? A mamãe nunca deixa a
gente pedir em dobro, pois diz que pode causar dor de barriga.
— Meu Deus. Para que pedir o dobro dessa coisa nojenta e gosmenta?
— Stela reclamou. — Pode ser simples — falou com o garçom.
— Relaxe. São crianças, tem que comer porcaria ao menos uma vez.
Lembra quando a gente enchia a barriga de besteira e nem por isso morria?
Ela olhou em meus olhos e desarmou, abaixando os ombros, que
estavam tensos. Pegou uma batata e enfiou na boca com cautela, enquanto
Nathan e Raquel comiam feito condenados.
— Eu já odiava essa coisa, agora não consigo nem olhar. — Stela falou
e confidenciou em seguida: — O estresse me fez passar o dia com o
estômago revirando.
— Amanhã estará melhor — cochichei para ela. — Essa noite tiro seu
estresse.
MIGUEL
— Oi, tio. Não... eu só preciso de um lugar para ficar por uns tempos.
Perdi tudo, tio. Perdi tudo...
Ele tirou o cachimbo da boca e gargalhou. Riu de dobrar o corpo. E só
depois que riu com vontade voltou a me encarar.
— Eu disse para minha velha que um dia você estaria nessa situação.
Pena que ela não está mais aqui para ver. Você é igualzinho a seu pai: um
aproveitador. E agora recorre ao velho pobre, sendo que nunca nem olhou
para minha cara. No seu casamento, queria mandar os seguranças dos Capello
me tirarem de lá.
— Sim.
— Ok. Se não pode me ajudar, tudo bem. Não sei onde estava com a
cabeça...
— Espera. Não sabe nem se humilhar? É você que precisa de ajuda, não
eu. Eu moro sozinho, ganho auxílio do governo, se quiser morar aqui, tem
que trabalhar para ajudar nas despesas.
— Eu vou procurar emprego...
***
Porém, pela manhã, fui acordado por homens armados que invadiram o
lugar e disseram que a casa ia ficar nas mãos dos agiotas até que eu pagasse
tudo. E me deram meia hora para pegar tudo que eu fosse precisar e deixar a
casa imediatamente. Forçaram Tula a sair também e não me deixaram pegar
meu carro. Era meu carro, porra. E eles não permitiram.
Eu ia pagar um hotel, mas estava sem nada na conta. Lembrei que todo
valor eu tinha dado a Rômulo para investir no negócio dele. Então só tinha
um lugar para ir: um tio, que eu não via desde o meu casamento.
Enquanto cortava a cidade dentro do carro do Uber, limpando as
lágrimas dolorosas que caíam vez ou outra, tirei do bolso um envelope que
Rômulo deixou para mim em seu escritório e até então eu não havia tido
coragem de abrir.
Eu era infértil. Nathan e Raquel não eram mesmo os meus filhos. E essa
novidade seria uma bomba para o Turco. Eu não sabia como poderia usar
essa informação, mas estava muito puto com Stela por ela ter me enganado.
23
STELA
Voltei-me para Ulrich. Ele estava com cara de cachorro pidão. Eu sabia
quando ele estava morto de tesão, ficava com uma expressão sexy e me
olhava de forma faminta, como se fosse me agarrar a qualquer momento, e
isso acabava me contagiando.
— O que foi? — Tentei segurar o sorriso.
Afastei-me enfim.
— Entra logo. — Empurrei-o para dentro. — Daqui a pouco farei uma
visita.
Ulrich correu para as escadas e subiu na ponta dos pés, para não fazer
barulho, e eu fiquei parada no mesmo lugar por algum tempo, mesmo depois
que ele já tinha ido. Perdemos tanto da nossa vida. Na verdade, eu perdi,
vivendo uma mentira com Miguel. E, cá para nós, eu tinha de agradecer por
Ulrich não ter desistido de mim.
Olha só, queridas cunhadas, parece que não são só vocês que passam
bem na cama.
E eu não via nem sinal de arrependimento por querer tanto aquele
homem.
Ele me segurou com força, seus dedos afundaram na minha pele, bem na
cintura, enquanto descia a boca, mordendo e beijando meus ombros. E, de
repente, segurou com firmeza meus cabelos, manteve meu rosto parado e me
beijou com um sorriso pervertido. Em pouco tempo, meu corpo já estava todo
aceso, meus seios clamavam, e Ulrich parecia saber disso. Puxou minha
camisola e a jogou longe. Sorriu e abaixou o rosto, passando a língua apenas
ao redor do mamilo.
— Ulrich...
O homem que eu odiava no mês anterior tinha a melhor língua que esse
planeta tinha visto.
Ulrich se ergueu para cima de mim, mas manteve lá embaixo dois dedos
metidos — Puta que pariu, o que esse homem está fazendo comigo? —
enquanto beijava minha boca. Seus dedos iam e vinham dentro de mim. Meu
corpo balançou, eu agarrei em Ulrich, e foi meu fim quando ele chupou com
calma angustiante um seio de cada vez. Ele colocava na boca e rolava a
língua pelo mamilo.
— Pronto. — Rindo, ele me puxou para seus braços, que agarrei com
urgência, ainda sentindo espasmos. — Estava mesmo precisando de uma
chupada na boceta, hein, senhorita Capello?
— Abaixe-se... assim.
— O quê...?
Essa era uma das minhas preferidas desde que experimentei com ele.
— Ulrich...
— Está gostoso?
E então Ulrich não estava mais apenas ajoelhado atrás, estava quase
montado em mim, seu peso não era problema, mas as investidas eram fundas
e ritmadas. Tudo isso somado ao peso e a força dele, eu estava quase me
desmanchando feito manteiga na frigideira. Senti-o tocar lá no fundo,
diversas vezes acabando com minha sanidade.
E ele riu.
— Eu sei — respondeu.
— E?
— E... ter medo de que eu perca isso... essa proximidade com você.
— Medo de que eu te deixe? — Riu com deboche. — Sabe que isso não
vai acontecer.
Fiquei calada. Eu não sabia por que, mas de repente eu tive essa
sensação de perda. Estava bom voltar aos poucos com Ulrich, era uma boa
descoberta, não tinha motivo para a gente se afastar.
— Vou jogar uma água no corpo. Estou me sentido grudada de suor —
falei e me levantei da cama. — Vem comigo?
— Mas vai seguir agora. — Pegou meu celular e segurou minha mão.
— Não.
— Quando eu acordar?
ULRICH
— Ah... Oi, cara. — Acenei para ele. — Bom dia, tudo bem? — Tentei
ser cortês, mas ele nos olhava muito intrigado. Será que ele tinha me ouvido
falar que pretendia punir Stela por me abandonar de pau duro? Esperava que
não.
— Stela, um momento, quero saber dele. Porque eu achei que ele era
meu amigo, mas está agindo pelas nossas costas? Thadeo sabe disso?
— Andrey! — Ana Rosa interferiu. — Eles são adultos, podem fazer o
que quiserem.
— Benjamin sabe por alto. Eu vou contar para você e os outros como
tudo aconteceu, mas no momento Stela está bem e está superando o que
Miguel fez a ela, é isso que importa.
— Vocês não podem sair contando minha vida pessoal assim, Ana.
Stela subiu para trocar de roupa, e eu logo subi atrás. Recostei na porta
do closet, assistindo-a se vestir.
— Quer que eu vá com você?
— Eu estou pensando que meu pai pode piorar com minha presença.
Ontem ele ficou muito emocionado quando me viu. Ele sabe de tudo que
Miguel fez...
— Pode até ser, mas só tem olhos para mim. — Virou-se, deu um beijo
em meus lábios e se afastou. — Pode ir, se eu lembrar, te ligo. — Fez uma
cara de esnobe, escolheu uma bolsa e foi para o quarto.
Só me restou sorrir, cada vez mais apaixonado.
***
STELA
Que idiota.
De cabeça erguida, entrei para ver meu pai. Ele olhava atentamente para
a porta, e quando me viu, fez cara de choro e estendeu a mão com urgência.
— Pai, tem coisas que precisam acontecer para algo bom vir. Eu não me
arrependo de ter casado com ele. Miguel foi meu amigo durante um tempo,
ele cuidou de mim, do senhor e das crianças. Além de tudo... Meus filhos...
eu os amo, são meus tesouros, e eu não os teria se não tivesse me casado com
Miguel.
Ele fechou os olhos e chorou.
— Pai... não chore. — Segurei firme em sua mão. — Estou aqui. Vamos
falar de outra coisa.
— Você pa... parecia con-fu-sa no... Outro dia. E eu... não quis tocar no
assunto. Eu sabia... q... que estava grá-vi-da dele, e mesmo assim te fiz ca-sar
c... com Mi-guel. Perdão. — Voltou a chorar. Horrorizada, eu apenas segurei
sua mão.
STELA
No passado...
— Stela! Eu estou ordenando, volte aqui.
— Diga.
— Eu te proíbo de se encontrar com esse rapaz. — Ele se referia a
Ulrich que tinha acabado de chegar na cidade novamente depois de dois anos
fora. Desde o fatídico dia do meu aniversário quando ele sumiu. Agora, eu
me sentia mais madura, e pronta para ouvir dele qual a explicação.
Meu pai caminhou até mim e segurou nos meus ombros. Com um olhar
dócil e gentil, foi cirúrgico tocando em um ponto que me fazia tremer:
— Eu estou lutando para que minha única filha seja melhor do que a
mãe dela. Você será uma mulher da sociedade, de boa moral e bons
costumes.
— Eu não quero ter o futuro da mamãe, e eu prometo que vou lutar
contra isso. Mas hoje eu não vou te obedecer. Eu vou ver o Ulrich. — Olhei
uma última vez para Miguel, afastei, abri a porta e corri para fora da mansão.
E meu pai não tentou me segurar.
Andrey e Fernando já tinham carro, que meu pai deu quando cada um
passou no vestibular. Benjamin ganhou uma moto em seu último aniversário
e eu tinha minha bicicleta de cestinha rosa.
Meu pai jamais me daria uma moto, e disse que eu ainda era menor de
idade para ter um carro. Eu não me preocupava com essas coisas, até esse
momento em que desejei ter algo mais veloz para chegar ao meu destino.
Meu Deus, ele estava enorme. Ele já era alto, mas agora estava mais
largo, tinha músculos e uma barba. Os cabelos grandes - quase no pescoço -
balançando ao vento enquanto corria.
Ele tirou uma chave do bolso e abriu o cadeado do portão. Ficou parado
ofegante, me olhando, segurando o portão.
— Oi...
— O Thadeo... está lá... tentando reviver a plantação de uvas. — Falou
nervosamente.
— E... por que foi embora? No dia que deveria ser o mais importante...
— Eu vou te contar e saiba que sofri cada dia que fui impedido de
voltar.
Ulrich me contou cada detalhe obsceno da loucura de seu pai. Como ele
foi arrastado para fora do país sem que pudesse ao menos me avisar. Ele foi
silenciado e levado contra a própria vontade.
Eu estava em meu quarto fazendo mil planos para um futuro novo que já
podia ver desabrochando no horizonte. Então vieram me avisar que havia
alguém querendo falar comigo. Interessada, saí correndo do quarto achando
que poderia ser Ulrich, mas fui avisada de que era uma mulher.
— Oi. — Acenei.
— Stela?
— Ela é a esposa de Ulrich e veio aqui te pedir para não separar uma
família.
— Ela perguntou se ele não te contou? Que Ulrich se casou com ela na
Turquia e agora, veio para o Brasil atrás de você.
E ainda continuou:
— Ela está grávida e será o fim dela e do filho se ficarem sozinhos na
Turquia. A vida dela será um inferno sendo mãe solteira. Ela só veio te
implorar para não separar o pai do filho dela.
Eu tive duas ou três aulas de direção com Fernando; não dirigia ainda
com perfeição, mas dava para quebrar o galho. Liguei o carro e saí da
garagem com toda a velocidade, atravessei o jardim e ganhei a rua.
Não sei que força me impulsionou a dirigir por quatro quilômetros e
chegar viva no meu destino. Além de tremer horrores, minha visão estava
turva, e eu sentia como se fosse apagar a qualquer momento. Parei o carro de
uma forma totalmente amadora, quase batendo no portão da vinícola, e desci
correndo.
— Ei, acalme-se, respira. O que está falando? Claro que sempre vou te
contar a verdade...
— Casou-se, ou não?
Girei minha mão com toda força e acertei um tapa no rosto dele.
— Eu jamais vou confiar em alguém que abandona a esposa e o
próprio... o próprio filho. — Gaguejei entre lágrimas. — Você deveria tomar
vergonha na cara, ser homem e assumir suas responsabilidades.
— Stela, não...! Isso está completamente errado. Não foi isso que
aconteceu.
— Ei, ei. O que está acontecendo aqui? — Thadeo chegou bem na hora.
Tanto Ulrich como eu o ignoramos.
— Você me feriu de novo, Ulrich. — A tontura intensificou, andei até
Thadeo e segurei nele.
— Ela está passando mal. O que você fez, cara? — Thadeo questionou.
— Por Alá! Thadeo eu não queria isso... eu não queria fazer mal a ela.
Eu parecia afogando em um mar de lembranças. A respiração acelerada
junto com o coração. Olhei para a casa da vinícola e fiquei sem ar. De novo a
sensação de estar sendo sufocada com as mãos daquele homem. Então minha
mente simplesmente desligou.
25
STELA
Era mais fácil dessa maneira, acreditar nisso a imaginar algo que eu não
conseguia respostas.
E a ironia é que por todo esse tempo meu pai tinha a resposta. Ele sabia
que eu tive uma noite com Ulrich. Ele me viu chorando desesperada, sem
entender o que acontecia, e não me disse nada.
Quem sairia mais ferido disso? Ulrich, que não teve a oportunidade de
ser pai e de estar com a própria filha em seus momentos importantes? Ou
Raquel, que é adolescente e tem Miguel como pai?
— Obrigada por ter ficado com eles. — Observei Alice levantar e correr
em direção a Andrey assim que ele entrou.
— Maria Clara disse que será amanhã, para comemorar seu divórcio.
— Passarei. — Fui com eles até a porta, e assim que saíram, tirei meus
saltos, deixando ali mesmo na sala, e caminhei para a cozinha. Espiei Raquel
assistindo a algo no celular e Nathan ao lado de Maria, assistindo-a fazer algo
na sanduicheira.
Eu tinha que contar para Ulrich. Qual seria a reação dele? Certamente
ficaria abalado e zangado, e eu poderia perdê-lo pela segunda vez. Mas
precisava falar. E ele precisava me explicar o que aconteceu naquela noite e
porque eu não me lembrava.
— Obrigado, Maria. — Nathan recebeu o misto quente em um prato das
mãos dela.
Dei as costas e fui em direção à escada. Passei direto pelo meu quarto,
virei o corredor e, no último quarto, o mais afastado, entrei. Suspirei ao ver a
cama desarrumada, onde passei a noite com Ulrich.
Mesmo triste e abalada, sorri. Eu me sentia o próprio Ícaro, que voou
alto demais, chegando próximo ao sol, e acabou queimando as asas e caindo.
Eu abri a porta para Ulrich voltar para minha vida. E tinha alcançado
emoções e prazeres tão altos, que me sentia maravilhosamente bem, como
jamais me senti. Segura e completa, ao lado dele. E agora, eu apenas caía.
E ele não estaria lá para me amparar.
***
O dia passou arrastado e denso. Parecia tão pesado como uma bigorna, e
as palavras do meu pai ricocheteando em minha mente, só faziam aumentar a
tensão.
Eu queria me distrair, e só havia, no momento, duas pessoas capazes de
fazer isso: meus filhos. Falei com Maria que não precisava fazer almoço e os
levei para uma voltinha no shopping.
Foi ótimo passar um tempo com eles. E o melhor, fiquei distraída, sem
pensar no caminhão de problemas que me aguardava.
O dia seguinte seria um importante. Seria o dia em que me livraria de
uma vez por todas de um casamento que começou a pesar muito no último
ano. Eu decidi que iria enfrentar uma coisa de cada vez.
***
À noite, deixei as crianças com Benjamin e não tentei omitir para os
dois para onde eu estava indo.
— Mais tarde eu passo para buscar vocês. Eu preciso conversar com
Ulrich, vou na casa dele.
Eu: Então, era sobre isso que eu ia te falar. Miguel está aqui, a gente
conversou.
Ulrich: Não vou deixar que faça a mesma coisa de anos atrás. Estou
indo aí.
— Vim te visitar.
— Você não sabe, mas eu não sou muito fã daquela casa. Estou lá só
por causa do papai. — Caminhei para a estante e vi as fotos. Tinha uma foto
nossa, do dia do meu aniversário. Outra que retratava um momento de sua
formatura e meus quatro irmãos em sua companhia. Eles eram a família de
Ulrich aqui no Brasil, e eu sentia muito por ter passado anos odiando-o.
Ainda pesa no meu coração quando lembro o que ele fez no passado,
mas agora consigo encarar com maturidade.
— Está é uma sala de jantar a qual eu disse para a designer que não
queria e mesmo assim ela fez. Eu uso como escritório, gosto de estudar os
processos aqui.
— Ben?
— Exato.
Só então eu senti muito por nunca ter feito parte da vida dele. Enquanto
isso meus irmãos estiveram presentes em cada momento.
— Venha, vou preparar algo para a gente comer. Vai dormir aqui?
— Não. Eu fiquei de pegar as crianças no Benjamin.
MIGUEL
Anos antes
— Não tem segredo. — Meu pai bateu em meu ombro. — Filho de rico
quem cria é babá, e depois enfia as crianças em uma escola interna. Veja o
futuro que te aguarda, meu filho, um membro de uma das famílias mais
poderosas desse estado.
***
Dias atuais
— Essa é sua última chance ou vamos atrás dos seus filhos. Fica o
aviso.
Rômulo tinha acabado comigo. Mas o maior culpado tinha sido eu por
ter dado brecha. Recostado na parede, tampei o rosto, envergonhado com
minha situação.
— Ei, Miguel. O que aconteceu? O que houve com meu carrinho? —
Era a voz do meu tio, se aproximando.
— Mas que bosta. Perdemos um dia de venda. Quem fez isso? Está
sangrando.
— Problema meu, tio. Vou resolver.
— Por que você não vai atrás da sua ex-mulher e cobra uma ajuda?
Enfim, parei e olhei para ele. Eu tinha pensado nisso. Tinha pensando
em ir atrás de Ulrich e jogar na cara dele que as crianças podiam ser filhos
dele. Eu podia tentar extorquir Stela.
Mas decidi não ser mais esse cara que faz tudo por dinheiro. Pelo
carinho que tenho por Nathan e Raquel, por tudo que seu João fez por mim,
por Stela ter guardado meu segredo todos esses anos e confiado em mim, eu
ia segurar as pontas sozinho. Enfim tinha chegado o momento de ela ter a
liberdade que sempre precisou. E talvez eu também conseguisse a minha.
Nesse instante, meu celular tocou. A tela toda quebrada, era Nathan.
Senti o coração se partir por ter que fazer aquilo: eu simplesmente desliguei o
celular.
ULRICH
— E eu irei?
— Agora, a bebida.
— Por acaso você fazia isso para todas as outras que vinham aqui? —
indagou.
— Stela, Stela, para de criar encrenca.
— Já está pronto?
— Coisa rápida — Beba. Tem que ser logo, pois o gostoso é a espuma.
Ela cheirou e depois bebeu um gole. Meu copo já estava na metade.
— O que você quer saber sobre elas? Está morta de ciúmes, não é?
Fiquei bem perto dela, levantei seu queixo e dei um rápido beijo no bico
revoltado. Eu estava rindo.
— Está rindo de quê? — Segurou o sorriso.
Eu sabia sobre quem Stela falava. Durante todos esses anos, o nome de
Samia era algo proibido entre nós. A minha ex-esposa. Stela nem mesmo quis
saber toda a história, apenas me culpou e ponto final.
Respondi: “Está tudo bem por aqui. Converso com você depois.”
— Sobre o quê? — Stela ficava cada vez mais chocada, sem nem ouvir
o que eu dizia.
— Seu irmão inventou uma técnica de usar a manteiga que ele fabrica
como lubrificante no sexo... anal.
Com a mão na boca, ela começou a tossir sem parar. Dei uma batidinha
em suas costas.
— Tudo bem?
— Stela, acho que você é a última a saber. Gema sabe, e pelas indiretas
que Maria Clara jogou em um almoço, acho que ela sabe também.
— Para de pensar nisso. — Rindo, fui até ela e esfreguei seus ombros.
Eu não parava de rir.
***
Segurei meu pau e o puxei para fora de sua boca. Seus lábios estavam
avermelhados, as bochechas, rosadas, e os olhos brilhantes de tesão. Bati de
leve em sua boca, em seguida, duas batidinhas na bochecha.
— Calma, Stela. — Fui para o outro seio, sorvi, fazendo pressão com os
lábios, e mexi mais um pouco o quadril. Suas duas mãos foram parar na
minha bunda e apertaram.
— Ah, merda! Ulrich...
— Está gostoso?
— Terá a oportunidade.
Stela não demorou. Ela me disse que as crianças estavam com sono e já
tinham caído na cama. Mais uma vez nos esbaldamos no sexo, com direito a
gritos e risos.
— Estou melhor.
Terminamos o banho, nos secamos, e Stela saiu para o quarto dela, para
se trocar. Vesti minha roupa e fui atrás. Para minha surpresa, Stela não tinha
se trocado ainda. Estava enrolada em uma toalha, sentada na cama olhando
uma foto de seu casamento.
— Stela, tudo bem?
— Você diz que a culpa foi minha, mas não consegue enxergar o que eu
passei?
— Ego ferido, não sei. Ela ficou com muita raiva por eu ter pedido o
divórcio e voltado para cá. E ela chegou aqui te contando coisas que não
existiam, sobre um filho que não existia.
Stela pareceu se desarmar de suas convicções. As mesmas convicções
que ela usou em todos aqueles anos para me condenar. Nesse momento,
perdeu completamente a certeza do que pensava saber. E seu olhar na minha
direção era puro arrependimento.
— Um ultrassom?
— Sim. E me perguntou se eu era capaz de tirar um pai de um filho que
estava para nascer. Ela me disse que no país dela seria considerada uma vadia
por ter um filho sozinha e ser divorciada.
— Eu não te culpo. Tudo que ela disse parecia real, e foi terrível para
você encarar, mas você me demonizou e nunca mais quis ouvir nada que
saísse da minha boca. Eu desisti de tentar explicar, apenas aceitei que a tinha
perdido.
— Ei, para com isso. Estamos aqui, estamos bem, nos divertindo, nos
conhecendo de novo. Eu estou feliz, Stela. A pedra no sapato é ruim, mas já
viu como é gostoso o alívio de tirá-la?
Stela agarrou meu corpo como se pudesse de alguma forma tirar a dor
que sentia. Eu sabia que esse dia chegaria, em que teríamos que colocar tudo
em pratos limpos. Porém não esperava que ela fosse sentir tanto.
— Shhiu. Já passou. — Beijei sua cabeça, fazendo carinho em suas
costas. — Temos um ao outro agora. Você tem filhos lindos, eu gosto da mini
Mortícia e do mini mercenário. Teve um lado bom de você se casar com o
pamonha.
— O quê?
— Meu pai... Meu pai me ameaçou. Eu fui obrigada a me casar. E
depois do casamento, caí no comodismo. Eu podia ter lutado contra ele, meus
irmãos iriam me apoiar.
— Olhe para mim, me diga, houve alguma vez que fizemos sexo e que...
por qualquer motivo, eu não me lembre? Uma vez que... meu pai te flagrou
me trazendo para cá?
— Stela...
— S... sim. Teve. Mas eu te procurei nos dias seguintes e você agiu
como se eu estivesse louco, e hoje eu entendo o motivo e você entenderá
também.
As lágrimas voltaram a descer. Um choro sentimental e silencioso.
— Stela, o que houve? Que conversa é essa? Por que ele te obrigou?
— Eu engravidei.
— Tudo bem. Seu João sempre foi conservador, tudo bem. O que
importa é o hoje. Você está bem, sua filha está grande e linda.
— Ela é sua filha, Ulrich. Foi por isso que meu pai me obrigou a casar
com Miguel. E eu poderia ter te questionado, pois eu sabia que tinha dois
meses sem ver o Miguel, sabia que o filho não poderia ser dele. Raquel... é
nossa filha.
28
STELA
Pronto. O peso todo saiu de cima de mim. Ulrich iria se afastar, isso era
certeza, mas eu não aguentava mais guardar tudo isso, que me sufocava de
maneira dolorosa. Ulrich sofreu calado todos esses anos, merecia saber a
verdade.
Optei pelo silêncio. Eu não sabia o que dizer para confortá-lo. Acho que
a ficha foi caindo aos poucos. Ulrich estava primeiramente perplexo, e agora
revoltado.
— Por que não me falou? — Veio até mim e segurou nos meus ombros.
— Por que não foi me perguntar? Eu teria contado que a gente transou, sim.
— Havia lágrimas em seus olhos. Ulrich estava cada vez mais pálido, e eu
achei que ele poderia desmaiar.
— Ulrich...
— Eu... fui embora da país no dia que você deu à luz. Porque era
doloroso para mim que você nem mesmo quisesse me escutar, por estar
seguindo a vida com outro. Stela, que porra você fez?
— Por que não foi me perguntar? — ele berrou. — Eu era tão maligno
assim que você não podia tirar uma satisfação? Estamos falando de uma vida,
Stela. Da vida de uma pessoa. — Continuou com a voz alta, apontando as
verdades. — Ela tem outra homem como pai. Ela tem outro nome no registro
de nascimento.
Ulrich andou pelo corredor e depois voltou até mim. Estava, novamente,
em lágrimas.
— O que sentiu quando estava se casando com ele? Ou quando estava
dando à luz? Eu não posso acreditar que seja tão fria. Você tinha a suposição
que estava tomando de mim o direito de ser um pai e não se arrependeu nem
por um segundo?
— Não sabe como foi difícil viver todos esses anos com essa dúvida. No
fim, eu preferi acreditar que errei as contas, porque era mais fácil encarar.
Não pense que eu apenas te deixei de lado. Se eu pudesse, teria me dividido
em duas, uma para te amar e outra para seguir uma vida vazia e padrão.
— Estão brigando?
Ulrich estava petrificado encarando-a, como se fosse a primeira vez que
a tivesse visto. Limpei minhas lágrimas e toquei nos ombros dela.
Olhei para Ulrich. Uma sombra de tristeza e revolta tomou conta de seu
rosto.
— Tudo bem. — desconfiada, ela olhou mais uma vez para Ulrich —
Oi, Ulrich. — Voltou para o quarto.
— Você tem que contar para ela. — Ele me cobrou — Pois eu quero o
exame de DNA o mais rápido possível.
Eu estava tão tonta quando voltei para o quarto, que precisei segurar nas
paredes. Era o dia do divórcio, e Ulrich não estaria ao meu lado. De repente,
me senti arfante e confusa. Minha mente embaralhando. Abri a gaveta da
cabeceira, à procura de meus remédios, mas não os encontrei. Deitei-me na
cama e respirei fundo várias vezes. Era uma crise.
Meu Deus, é uma crise.
***
ESTRELINHA
Pulei da cama.
— Mãe?
— Oi, amor, estou aqui. — Era Raquel. Ok, eu sabia dos segredos de
Stela, mas não cabia a mim contar a Ulrich sobre a dúvida que ela sempre
teve. Eu sei sobre tudo da vida dela, mas Stela não sabe de nada do que faço.
Irônico, porém favorável.
— Já são nove horas. A tia Maria Clara está aí.
Dei uma última pincelada de blush e me virei para ela. Raquel estava
sentada na cama me assistindo. Certo, Stela tinha mais jeito com as crianças,
porém eu não ia deixá-los desamparados.
— Ainda bem que a gente não foi, eu não gosto muito daquele meu avô.
— A verdade é que nenhum dos seus avôs presta, minha querida. —
Pensei no meu pai, o pai de Ulrich e até no pai do Miguel. — Mas conte para
a mamãe, você está tranquila com isso? Com o divórcio?
— Sim. Mas, mãe, quando você está assim, feliz e bonita, a gente fica
feliz.
— Ah, obrigada — Fiz uma pose com a mão no queixo. — Eu sou linda
mesmo. Só não mais linda que uma pequena Mortícia que conheço. —
Agarrei-a e a enchi de beijos, enquanto Raquel ria.
Desci e encontrei Maria Clara e Fernando na cozinha tomando café.
— Uau. Divórcio faz bem mesmo. Olha que gata. — Maria Clara me
elogiou. Fui até ela e a cumprimentei com um beijinho no rosto.
— Calma, amor. Divórcio não é para todas, você, eu não largo nem sob
tortura. — Piscou para ele.
— Aposto que foi você — Fernando acusou. — Sempre foi muito dura
com o coitado.
— É, digamos que foi. Estou indo nesse momento na casa dele. Pode
mandar mensagem perguntando se ele está lá? — pedi a Fernando. Ele
concordou, pegou o celular e digitou.
— Eita, a coisa foi séria. Ele saiu do grupo da nossa família.
— Pode deixar. — Corri para fora da casa, entrei em meu carro e saí
cantando pneus. Stela morria de medo de dirigir, mas comigo era diferente.
Ela tinha um carro bom, com câmbio automático, o que facilitava muito mais
para mim. Concentrada no trânsito, não tirei o pé do acelerador.
— Ei, dona...
— Não enche — gritei para ele e fui para o elevador. Eu tinha uma
chave reserva que Ulrich havia me dado e que ficava muito bem escondida no
closet de Stela. Essa era a sorte, ou ele jamais abriria a porta para mim.
Cheguei à porta do apartamento, enfiei a chave e entrei.
— Ulrich.
Ele veio da cozinha. Estava falando ao celular, vestia apenas calça jeans.
Falou algo em sua língua para a pessoa ao celular e desligou.
— Sabe qual é minha raiva? Que mesmo com essa dúvida, ela me
manteve distante da menina. Stela foi má comigo esses anos, enquanto eu
parecia um idiota esperando sua visita.
— Será que eu tenho que ser sempre o que cede? Eu não posso ter um
tempo sozinho e repensar tudo? Durante todos esses anos eu caminhei ao
lado dela, aceitando todas as pedradas e o desprezo. E agora eu estou, pela
primeira vez, sem um rumo... Eu não sei o que fazer.
— O quê...?
— Pode me levar urgente? Acho que ela vai voltar. E foi bem rápido
dessa vez.
Ele apenas assentiu, vestiu uma camisa e me deixou apoiar em seu braço
enquanto descíamos o elevador.
Enquanto ele dirigia meu carro, eu apenas o olhava. Ulrich foi, para as
duas personalidades, a pilastra de sustentação. Inconscientemente Stela me
criou só para poder recorrer a ele quando precisasse. Era uma triste história
de amor que nunca deu certo.
STELA
Saí de casa pronta para me livrar de uma parte de minha vida que não
deixaria saudades: o casamento. Como eu tinha prometido a mim mesma, irei
enfrentar uma coisa de cada vez. Já havia contado para Ulrich sobre a Raquel,
agora era a vez de enfrentar o divórcio e, por fim, iria me descobrir nas
sessões de regressão da doutora Eliana.
Era, para mim, prazeroso ver o lugar que Ulrich tinha alcançado
batalhando sozinho. Ele cresceu por conta própria em terras estranhas,
chegando a um lugar de prestígio sem precisar de apadrinhamentos ou
indicações. O jovem que entregava pão caseiro agora tinha seu nome em um
lugar de destaque.
— Sim, mas não se preocupe, será apenas uma mediação, você e seu
ex... — Ela abriu a pasta que tinha em mãos e deu uma rápida olhada antes de
voltar a me encarar: —Miguel Medeiros... Vocês já estão em concordância,
não é?
— Mais ou menos.
— Ok. Vamos subir e esperá-lo chegar.
Thadeo andou até o elevador, e eu cheguei a pensar que ele estava indo
embora, mas voltou. O copinho de café amassado na mão.
— Não. Eu contei hoje para Ulrich. Ele ficou muito revoltado... Ele vai
pedir o exame de DNA.
— E com razão — Andrey falou. — Desculpe, Stela, mas é foda um pai
não ver o nascimento do filho e muito menos acompanhar a criança crescer.
— Não. Por favor, não arrumem confusão com ele. Quero só assinar
isso logo e ficar livre.
Eu esperava Miguel aparecer de terno, na companhia de um advogado,
disposto a brigar por tudo que ele pudesse. Mas quando o elevador abriu, ele
saiu com um ar de insegurança. E ao ver meus irmãos, paralisou com
surpresa.
Era uma sala espaçosa e arejada, o que me deixou tranquila, por não ser
um ambiente claustrofóbico. Era a mesma decoração moderna dos outros
ambientes do prédio, a madeira clara e polida predominava tanto nos móveis
como em um detalhe na parede.
— Eu ficarei na cabeceira, Miguel se senta de um lado da mesa e Stela
pode se sentar à frente dele — Milena instruiu e fizemos conforme ela falou.
— Como já enviei por e-mail para vocês uma cópia para lerem, aqui está a
cópia física para assinatura. — Passou uma pasta para Miguel e outra para
mim. — Se tiverem algo que queiram negociar, poderemos elaborar um novo
documento.
Enquanto ele lia, eu encarei Miguel. Seu olhar duro me atingiu, e eu não
desviei minha atenção.
— Por mim está tudo certo. — Miguel falou, sem desviar os olhos dos
meus.
— Tudo bem? — Andrey questionou incrédulo. — Está saindo do
casamento apenas com o imóvel que vocês construíram quando se casaram,
seu carro e o dinheiro que tinha na conta conjunta e está tudo bem?
— Como é...?
Andrey abriu a boca para me defender, mas eu fiz sinal para ele esperar.
— Você não pode me acusar dessa forma. Tudo que eu fiz esses anos
foi me dedicar a você e às crianças...
Miguel não quis mais discutir, tirou um papel do bolso e empurrou para
mim.
— Eu não quero a guarda das crianças porque não são meus filhos. —
Tremendo mais que casa velha na tempestade, peguei o papel, desdobrei e
tentei ler.
— O que... é isso? — Fitei-o. Andrey tomou da minha mão e olhou. —
O que está dizendo, Miguel? — insisti.
— Eu vou ter que me afastar, mas diga às crianças que volto para visitá-
los. — Sem esperar minha resposta, adiantou-se andando rápido até a porta.
Saiu e foi embora, sem nem olhar para trás.
— Stela... tudo bem? — Andrey segurou meu braço.
— Não?
— Ele revelou que é estéril. Os dois não são filhos dele.
— Eu não sei. Eu juro que... eu passei esses anos odiando Ulrich, não
faz sentido, gente. Miguel fez isso para me ferir. Isso não pode ser verdade.
— Stela, pode, sim, ser verdade — Benjamin sussurrou ao meu lado.
— Como, Ben? Como pode?
ULRICH
E sabe o que mais me abalava? Pensar que Nathan também poderia ser
meu filho. Por que não? Stela e eu tivemos noites esporádicas por vários
anos. Era raro, mas acontecia. E por isso eu precisaria pedir DNA dos dois.
— Turco, é o seguinte, você pode até se afastar da minha irmã. Mas não
pode terminar com os quatro Capellos. Você não é nem louco de terminar
com seus namoradinhos. — Eu acabei rindo, e ele finalizou, agora, em um
tom comedido: — Stela me contou. — E quando falou isso, eu desabei feito
um menino chorão. Coloquei o braço nos olhos para não ver minhas
lágrimas. Thadeo se sentou ao meu lado e me abraçou.
— Foi mal. Estou parecendo um bundão chorando.
— Mal-estar, hum rum, sei. Quase deixou as tripas no vaso. Venha aqui.
— Entrou no boxe e ligou o chuveiro. — Precisa de um banho frio. Você
sempre foi fraco para bebida, tem fígado de gatinho.
— Ok. Essa regra sua é igual a stories: só dura vinte e quatro horas. Vai
tomando banho aí que vou fazer um café forte.
— Ulrich, você sabe que precisa explicar para nós quatro que folia foi
essa que Stela e você aprontaram? Ela mencionou algo como apagões da
memória...
— Sim. É uma história bem louca. E eu sei que vocês vão saber tudo na
hora exata... E tem que ser pela boca dela.
— E atualmente? Vocês estavam juntos mesmo? — Antes de eu
responder, ele se adiantou: — Pelo que postou ontem, deu a entender que
sim.
— Gritos na cama.
Ok. Eu não podia culpá-la em absoluto. Stela era tão inocente quanto eu,
afinal ela jamais soube que transava comigo. O único erro dela foi ter deixado
que o pai orquestrasse a própria vida. Eu tremo de raiva toda vez que lembro
que ela aceitou se casar com Miguel, mesmo sem amá-lo, apenas porque o
pai quis.
Eu queria tempo para digerir uma informação de cada vez. Isso tudo era
a porra de uma loucura digna das melhores novelas turcas.
— Vai, sim. Pode ir. Obrigado por ter vindo... — Levantei a caneca. —
E pelo café.
— Turco, só quero que saiba que meus irmãos não estamos contra você.
Não existem vilões nessa história, e cada um tem sua parcela de sofrimento.
Eu vi minha irmã, e ela está sofrendo também.
Assenti, olhando para o café. Minha língua coçava para perguntar: eu
podia calar a porra da boca, mas não consegui controlar.
— Vai se foder.
Eu apenas assenti, porque sabia que sim, a gente teria muito o que
resolver. Thadeo foi embora, e eu me sentei no sofá, agora, bem melhor.
Acho que o vômito ajudou a superar a embriagues.
Stela estava prestes a tomar ciência de tudo. Ela enfim ficaria a par do
que sempre fez escondido dela mesma.
***
| STELA
Era mais fácil engolir. Sufocar qualquer sensação. Não precisar dar
explicações e nem encarar os olhares de pena.
As constantes crises.
O marido se distanciando.
— O Ulrich...?
— Sim, e você vai entender por que ele veio até mim. Eu não quero
simplesmente te falar, te dar um diagnóstico à queima roupa, porque é algo
delicado. Eu quero que você descubra tudo junto comigo. Eu pretendia ter
trabalhado as regressões visitando suas memórias desde a infância, mas
deixaremos essa parte para mais tarde, pode ficar tranquila.
— Sim. Ontem.
— Eu quero que imagine uma escada, como da outra vez. — Ela me deu
tempo e prosseguiu: — Você vai subir um degrau por vez, conforme as
batidas ecoam. É apenas uma escada, de nenhum lugar específico, e eu vou te
guiar em cada degrau. A cada passo, eu quero que você busque uma
lembrança de um momento bom que viveu com Ulrich.
E assim eu fiz.
Ulrich estava aliviando a dor que eu sentia pela minha mãe estar em
uma clínica e pelas crises de ansiedade que eu vinha sentindo.
— Apenas continue. Essa é uma lembrança sua, e você está andando por
ela.
Eu não sabia se eu queria ver, o que quer que fosse lá naquele quarto.
Mas algo me atraía como se eu sentisse no corpo os efeitos da lembrança.
— Meu Deus.
— Stela, mantenha-se firme.
Virei-me e corri para fora do quarto, e então não estava mais na casa
dele, mas sim na minha casa, na mansão do meu pai.
Era mais uma vez, ele e eu, juntos. Era noite, parecia bem tarde, não
tinha luzes acesas dentro da mansão. Saímos de um carro e andamos juntos,
abraçados, pelo jardim; Ulrich carregava a minha bolsa, e eu os meus sapatos.
Ulrich me agarrou e me beijou do pescoço ao queixo, e enfim nos lábios.
Ambos riram.
Era tão confuso. Era eu ali na porta, falando de mim mesma na terceira
pessoa.
“Sim. Odeio dormir com ele quando acabo de visitar você. Queria que
pudesse durar a vida toda.”
“Eu também. Até mais, Estrelinha.”
— Você viu o que vem acontecendo com você nos últimos anos — Seu
tom era cuidadoso, parecia querer me preservar.
— Nos últimos... anos? — Repeti em um fio de voz.
— Não — gritei e afastei a mão dela. — Por Deus, não! Isso é...
loucura. Eu não acredito nessas coisas, doutora.
— Você viu as próprias lembranças. Tudo aquilo são ações de sua outra
personalidade, mas ela não é totalmente oposta a você, ela é uma extensão
sua.
— Eu... eu sempre cuidei muito bem do meu pai, dos meus filhos, e até
do meu casamento, por anos... Como isso pode ser real? Não tem como.
— E é justamente por isso que a outra personalidade existe. Você
precisava de uma válvula de escape. Você viveu todos esses anos no
automático, repreendendo desejos e emoções. — A doutora mantinha a voz
paciente enquanto tentava me convencer.
— Stela, sabe que eu nunca faria mal a você. Tem que confiar em mim.
Vamos escutar o que ela tem a dizer.
— Benjamin! Isso é quase fantasioso — insisti.
— Eu sei. Eu também fiquei assim quando soube. Você veio aqui para
buscar respostas e precisar tê-las. — Apoiando-me, me fez sentar no divã. —
Respire compassadamente, procure não se desesperar.
— Não quero ouvir você falar isso, Stela. É sério — ele falou alto e não
escondeu o tom nervoso. — Eu entendo que é um abalo para qualquer um
ouvir esse tipo de diagnóstico, mas não entre por esse caminho ou você pode
se perder. É o momento de você ser corajosa.
— Então ouça agora, com atenção, o que doutora Eliana vai falar — ele
pediu, agora mais terno.
— Eu... nunca senti nada de diferente, a não ser os episódios em que não
me lembrava de algumas coisas. E ela... tentava tomar minha vida?
— Eu lembro disso...
— Sim.
— Por que ele nunca me contou? — Virei-me para os dois, sentados me
observando. — Porque Ulrich nunca me confrontou com isso? Eu dormia
com ele e depois o destratava, e ele... aguentou.
— Ele me disse o motivo — Benjamin falou. — Mas essa é uma
conversa que você precisa ter com ele. Ulrich te deve isso, te deve todas as
explicações.
— Quanto mais ele iria esperar? Ele estava passivo, apenas esperando a
outra... — Merda, era tão difícil falar isso em voz alta. — Esperando a outra
voltar.
— Eu pedi a ele que recebesse sua outra personalidade sempre que fosse
visitá-lo, pois era uma forma de te manter segura enquanto estivesse
inconsciente. Você não pode resumir isso a um julgamento, pare de decidir
quem é o maior culpado. Vocês são humanos, com falhas, com erros e podem
aprender com eles.
— Eu vou fazer isso. Pelos meus filhos. Chega de tentar empurrar para
debaixo do tapete.
***
— Por que você não tem ideia de como os dois vão reagir? — Benjamin
presumiu.
— Exato. Talvez, no calor da emoção, eles podem dizer algo que vai
ferir Ulrich. Você pode ficar comigo? Eu nem imagino como será a reação
deles.
STELA
Benjamin teve que ir para casa, ele tinha algumas coisas para resolver, e
eu pedi para que ele viesse no dia seguinte, pela manhã. Ele precisava estar
ao meu lado, servindo de apoio quando eu fosse contar sobre a paternidade
para as crianças.
Fui para meu quarto, joguei a bolsa na cama e a olhei por um bom
tempo.
Os nossos filhos.
Caminhei para o closet, escolhi uma roupa, vesti o sutiã e a calcinha, e
antes de colocar o vestido escolhido, algo me chamou atenção: o espelho de
corpo inteiro. Postei-me diante dele e deslizei o olhar pelo meu corpo, me
analisando. E, por um instante, vi ali alguém que eu não conhecia. Não
assustada, como a pouco no banheiro, mas firme com o desejo de consertar os
erros. Meu queixo levantado, e um brilho atraente nos olhos.
***
Uma mãe não pode simplesmente se entregar, não importa o que esteja
passando, eu tinha duas crianças sobre minha responsabilidade e tinha que
me manter forte, ao menos de maneira aparente, por eles. Eu era boa nisso,
passei a vida me fingindo de forte.
Fiz o jantar, apenas uma macarronada com bastante queijo, como eles
gostavam. Coloquei a mesa e subi para chamá-los.
Raquel estava pronta, e Nathan tinha acabado de tomar banho e estava
se vestindo.
— Mãe, ela está indo falar de garotos com as amigas dela — denunciou.
— Esse é o segredo dela.
— E o papai?
Quase engasguei. Tomei um gole de suco.
— Oi? Ele...?
— O papai...
— Sim. Ele está muito bem. — Meu sorriso tinha sido convincente?
Acho que não.
Eu sabia que minha filha não estava engolindo essa história de Miguel
simplesmente sumir sem nem mesmo ligar para eles. Ela, apesar da pouca
idade, era muito desconfiada e esperta. Quando terminaram de jantar e
subiram, me deixando sozinha arrumando a cozinha, eu me perguntei
interiormente qual dos dois reagiria pior diante da bomba que estava por vir.
Nathan, que quase sempre agia com emoção, ou Raquel, que era
racional e desconfiada? Eu não sabia qual seria a melhor forma de levar a
verdade a eles, mas teria que levar.
***
Fazia pouco mais de um dia, e meu coração explodia com sua falta.
Eu tentei gritar, mas nada saía da minha garganta. Enquanto eu era puro
horror e desespero, ela sorria. Apesar de estar com a mesma camisola que eu,
parecia mais sexy, parecia ter confiança no olhar. Um olhar quase selvagem e
malicioso.
— Isso... é um sonho.
— Que seja, mas estamos aqui e temos que aproveitar esse momento
raro.
— Acorda, acorda... — eu batia insistentemente na minha cabeça,
apertando os olhos na tentativa de sair dessa situação.
Abri os olhos e a fitei. Subi meus olhos pelas pernas, minhas pernas, era
meu corpo, e meu rosto.
— Você... quer tomar minha vida? — Foi o que perguntei.
Ela se levantou e ficou bem na minha frente. Passou o dedo pelo meu
pescoço e tocou meu queixo.
Esperei servir café em uma xícara, servi para mim também, e tentando
não parecer muito consternada, falei:
— Tive um pesadelo.
— É? E aí?
— É bom passar por tudo de uma vez, para se curar logo, de tudo ao
mesmo tempo.
***
— Vocês dois têm idade suficiente para entender o que irei falar —
comecei. — Sei que não vai ser fácil, de maneira alguma será fácil, mas
somos uma família e estamos aqui para encarar tudo.
— O que aconteceu, mãe? — Nathan perguntou, impaciente e curioso.
Limpei uma lágrima intrometida. Que merda, eu não podia chorar para
não os deixar mais assustados do que já estavam.
— O que a mamãe não sabia é que a sementinha que estava aqui dentro
— Toquei no meu ventre, e eles acompanharam meu movimento com o olhar
— Não era do Miguel. Era do Ulrich. Então, vocês dois vão fazer um exame
junto com Ulrich...
— Sei que vai ser doloroso, mas vamos superar juntos — Benjamin
falou, e eu prossegui:
— Miguel criou vocês, ele estava presente na nossa vida todos esses
anos, e eu o agradeço por ter tratado vocês tão bem, porém ele fez coisas
ruins nos últimos dias.
— Que coisas?
Olhei para Benjamin e ele fez sinal para eu prosseguir. As crianças
tinham que saber o que de verdade aconteceu. Miguel não era vítima.
— Não, querida, não acabou. Você e seu irmão precisam dar uma
chance para ele... podemos reconstruir tudo...
— Você... planejou isso?
— O papai... não gosta mais da gente? Por que ele não veio?
— Miguel achou melhor assim. Tudo que ele fez... comigo. Ele me
machucou e agora precisa se afastar, querida.
— Raquel...
— Não — gritou e ficou de pé. — Eu quero que ele me fale. — Assim
como o irmão, virou as costas para mim e correu escada acima.
Mais uma vez, sozinha. Dessa vez, porém, sentindo um pequeno alívio.
Agora meus filhos sabiam, e eu devia trabalhar a superação com eles. Peguei
o celular, toquei no aplicativo e mandei uma mensagem para Ulrich.
Eu: Preciso falar urgente com você. É sobre o exame de DNA. Chego
em sua casa às cinco.
Ele visualizou e mandou apenas um seco: “Ok”.
32
ULRICH
Apesar de tudo que aconteceu nos últimos dias, eu tinha passado uma
noite agradável. Fiz um çay e tomei antes de dormir. É o famoso chá turco,
tão apreciado lá, como a cerveja é aqui no Brasil. Procurei não me ferir muito
com o assunto da paternidade e nem tentar encontrar culpados. Eu não devia
me prender a isso. Todas as minhas ações, a partir desse momento, seriam
para recuperar o tempo perdido.
— Ah... parece que está tudo bem. — Tentei não mostrar todo o
interesse que eu sentia.
— Ficou? — Eu não queria ouvir Milena falar que sentia muito pelo fim
daquele casamento de Stela e Miguel.
— Não. Foi algo que o ex-marido falou. Acho que uma revelação.
— Ele não quis a guarda das crianças. Todos nós ficamos chocados... O
irmão dela ficou muito perplexo.
— Ele não quis?
— Não. E então revelou que é estéril, os dois filhos não são dele.
Imagina isso? Até ela ficou chocada, e ele ameaçou processá-la.
Eu fui para casa. Fiquei minutos recostado na porta, olhando para a sala
à minha frente. Em pensamento, descartei qualquer chance de Stela ter ficado
com outro homem a não ser Miguel e eu. E já que Miguel é estéril...
O Nathan também é meu filho.
***
Sentou-se no sofá.
— Quer beber algo?
— Não. Obrigada.
— Então...
— Na verdade...
— Eu não podia.
— Me deixa concluir — pediu com a voz baixa. — Você me culpou por
não ter falado sobre a dúvida que tive todos esses anos. Para mim, era uma
loucura, já que eu não lembrava. Você sabia os motivos pelo qual eu não
lembrava, mas mesmo assim me culpou. Você dormia comigo, mas mesmo
assim me culpou.
Stela usou a toalha de papel para limpar uma lágrima e acabou rindo.
— Eu lembro disso. Mas nunca soube de nossas noites. Não era minha
consciência.
— Eu sei. Hoje eu sei disso. E eu pensei: se é assim que ela quer, então
não vou me importar. Eu segui minha vida, ficando com outras mulheres, me
divertindo, progredindo profissionalmente, enquanto via de longe você feliz
em seu casamento. As vezes demorava um ano, ou dois... para você vir me
ver.
Stela dobrou o papel toalha e limpou mais lágrimas. Ficou algum tempo
assim, chorando em silêncio, e eu sabia que ela estava odiando mostrar
fraqueza na minha frente.
— Aquela marquinha... — Tocou acima do seio.
— Fui eu.
— Meu Deus. É tão difícil para mim... ter que encarar. Você estava
tendo um caso comigo?
— Tecnicamente, sim. Stela, pode parecer muito idiota, mas eu te
esperava. Eu não fiquei com mais ninguém quando as visitas se tornaram
frequentes. Eu não podia. Porque você não se lembrava, mas seria cachorrada
da minha parte se eu ficasse com outras, já que eu lembrava por nós dois.
Comecei a torcer que voltasse mais vezes...
Ela terminou de limpar os olhos, que não tinham mais lágrimas, e bebeu
mais um gole do suco.
— Tudo bem. Eu já sabia. Soube hoje mais cedo, e estou muito feliz que
tenha me contado.
— Soube? Por quem?
— Stela, é o que mais quero. Você não tem ideia da minha felicidade.
Eu nem sei explicar o quanto estou radiante por dentro. Porque eu já gostava
muito deles, e agora descubro que são meus filhos.
Ela assentiu e ficou calada olhando o papel toalha, que dobrava e
desdobrava nas mãos trêmulas.
— Eu... estarei ao seu lado, para te ajudar... será difícil. Mas eu quero e
preciso te ajudar a se envolver com eles — prometeu.
— E eu agradeço.
— Não reagiram bem. Mas vão superar. Temos a vida toda pela frente,
Ulrich.
Abri a capa e me deparei com uma foto de Stela ainda no hospital, com
um bebê nos braços. Mordi o lábio para segurar a emoção. Stela era tão
novinha... na época em que eu a perdi. Eu queria muito ter estado ali com
elas.
A legenda abaixo dizia: “Meu primeiro dia com a mamãe”.
— O que você pensou? — indaguei — O que pensou quando a pegou
nos braços?
Dei uma risada ao ler, e uma lágrima desceu sem que eu pudesse
controlar.
STELA
— Onde você acha que eles podem ter ido para procurar o Miguel? —
Ulrich indagou.
— Miguel ligou para eles um dia desses e disse que estava em um hotel.
O problema é que não gravei o nome do local.
Ulrich sentou-se ao meu lado. Era bom enfim sentir a presença dele e
seu apoio.
— Ele pode ter ficado na casa do Rômulo — deduzi, não sendo enfática.
Eu não tinha certeza disso, mas era a cara do Miguel.
Já era quase oito da noite quando saímos de casa. Thadeo, Ulrich e eu.
Benjamin ficou na mansão para receber as crianças, caso voltassem antes da
gente os encontrar. Andrey estava no hospital com nosso pai, Fernando disse
que mais tarde viria para a mansão com Maria Clara, já Thadeo obrigou a
gente a esperá-lo, pois queria acompanhar Ulrich e eu nas buscas. Eu não
recusei. Ele era um homem destemido e muito grande, seria muito útil.
— Meu Deus, ajude que meus filhos estejam bem — sussurrei a prece e
abaixei a cabeça, segurando os cabelos.
— Mas então não vai me dar parabéns por ser pai duas vezes? — Ulrich
se inclinou para Thadeo, que acabou sorrindo de lado.
— Tá certo. Parabéns. Estou feliz por você. E pelos meus sobrinhos, que
se livraram de um encosto. Agora você tem que agilizar um terceiro pirralho,
para que você possa acompanhar tudo de perto e até ensinar a falar sua língua
turca.
A cada vez que eu ligava para Benjamin e ele dizia que não tinha notícia
ainda, meu sangue gelava. Eu fiz mais preces nesse momento do que fiz em
minha vida inteira, porque se algo acontecesse, eu simplesmente morreria.
Minha vida acabaria de vez.
Seu Odilon não mentiu. O lugar causava calafrios. Eu nunca tinha vindo
para aquelas bandas da cidade, e eu estava impressionada por Miguel nunca
ter ao menos tocado no nome desse tio.
Era aqui que ele estava ficando? Que diabos tinha acontecido na vida de
Miguel?
— Eu fiquei sabendo que Miguel está ficando aqui, só queria falar com
ele.
— Ih, minha filha. — Estalou a língua e fez uma careta de lamento. —
Meu sobrinho desapareceu.
— Desapareceu?
— Sim. Parece que é coisa pesada, de agiota. Deixou tudo aqui e sumiu
com a roupa do corpo. — Ele inclinou mais sobre mim e falou como se fosse
um segredo: — Um dia desses bateram muito nele. Tô até achando que
podem ter matado ele. — Em seguida, se benzeu.
Ulrich, dessa vez, entrou atrás comigo. Sem que eu esperasse, me puxou
para seus braços. Ele sabia que eu estava a um fio de surtar.
— Vamos encontrá-los — ele afirmou. — Eu sei que vamos. Não seria
justo, Deus, ou Alá, não faria isso comigo. Eles não seriam arrancados da
gente bem no momento que eu acabei de conhecê-los. Eu acredito nisso.
***
| CRIANÇAS
Além disso, não conseguiu ter uma ideia racional quando tudo deu
errado. Eles saíram de casa em um Uber, foram direto para a antiga casa onde
os pais moraram quando se casaram. Era o único endereço que conheciam e
que tinham esperanças de encontrar Miguel por lá.
Ao chegarem na casa, se identificaram, e o homem que os atendeu pediu
para entrarem e disse que o pai iria mesmo chegar. Raquel pensou que enfim
estava tudo bem e segura. O homem grande, barbudo, falava ao celular, mas
nem sinal de Miguel aparecer.
E aquele cara estava longe de parecer alguém que Miguel pudesse ser
amigo.
— Vamos embora, Nathan. — Cochichou para o irmão. — Isso não está
me cheirando bem.
— Mas e o papai...?
Também pensou em Ulrich. Ok, ela não tinha raiva dele, na verdade
gostava da presença alegre. E remoeu em sua mente as palavras da revelação
da mãe. Ele era o verdadeiro pai. Ele também ficaria triste com o
desaparecimento dela e do irmão?
Era raro acontecer, Nathan não era um menino que chorava com
frequência, entretanto nesse instante chorou com as palavras que acabara de
ouvir. Com as mãos no rosto, chorou de tristeza, raiva e medo. Interiormente,
só desejava que a mãe estivesse perto. Ele iria pedir desculpas a ela e nunca
mais sairia sem falar.
Raquel puxou a cabeça do irmão e o abraçou.
— Se ele... não quer mais a gente, Raquel, então não vamos mais querer
ele.
Minutos depois, um pouco mais calmo, encolhido no banco, ele viu o
homem se enfurecer falando ao celular.
— Vai demorar mais uns vinte minutos, porra. Aguenta aí. Só vou
abastecer rapidinho.
Não estar no porta-malas era uma grande vantagem para eles. E iam
fazer uma parada, era melhor ainda.
Rapidamente, Nathan limpou os resquícios de lágrimas, puxou a
pequena bolsa da irmã e fez sinal para ela fazer silêncio. Dentro, como ele
sabia, tinha um pequeno spray de pimenta, que era a única arma que ela
levava. Um presente de um dos tios.
— Ótimo.
O coração de Raquel batia tão forte que poderia ouvi-lo. Ela estava com
medo de perder a única oportunidade. Sentiu o peso da responsabilidade da
única chance para salvar a si e ao irmão.
— Merda. — O homem abriu a porta, desceu do carro e quando abriu a
porta traseira, com a mão tremula, Raquel apontou e apertou firme, sem soltar
um segundo, acertando rosto do barbudo com o spray de pimenta e o pegando
desprevenido. O grito do homem foi alto, desorientado tentava limpar os
olhos. Nathan pulou para fora do carro, Raquel abriu a outra porta e correu
junto com o irmão para a loja de conveniência do posto.
ULRICH
Eu preferi não dizer nada, mas odiava pensar que ela quis morar tão
longe só para se ver livre da persuasão do pai. Lembro muito bem quando
passei em frente à casa, só mesmo para ver e me ferir no processo. Eu era a
porra de um sádico que não se importava com a dor.
Apertei os dedos em volta dos de Stela, e ela me olhou.
Segurei Stela com força, mesmo ela estando de cinto. Senti uma dor fina
na cabeça e um zumbido instantâneo em meu ouvido.
Os pneus do carro cantaram no asfalto, até Thadeo conseguir parar
atravessado na estrada. Ainda bem que não vinham outros carros ou teria
ocasionado algo maior.
— Parece que foi um corte acima do olho, temos que chamar uma
ambulância.
— Não... Stela... — Tentei afastá-la — Não precisa.
— É claro que precisa, não seja teimoso. — Pegou a bolsa que tinha
caído longe e começou a procurar algo dentro — Será que a pessoa do outro
carro está bem?
— Ulrich, não durma, olhe para mim, por favor... — Era a voz de
Stela... parecia longe e lenta. — Precisa ficar acordado. — Senti algo macio
em meu rosto e entreabri os olhos para encontrar Stela, desesperada usando
um lenço para fazer pressão contra meu ferimento.
— Quem te viu, que te vê, Stela Capello — sussurrei. A cabeça latejava
de dor. — Antes queria me matar, e agora está cuidando de mim.
Thadeo, que estava dando assistência para o outro carro, também olhou
naquela direção e foi andando devagar, de modo incrédulo, naquela direção.
Repentinamente, ele aumentou o passo e correu até lá. Então os dois vieram
correndo ao seu encontro. Era Nathan e Raquel.
— Oh, meu Deus! — Stela gritou e abriu a porta do carro. Vacilou por
segundos e me olhou.
Eles piraram quando vira a mãe correndo até eles. Os dois voaram na
direção dela, quase a derrubando.
STELA
— Mas ele era burro. Ele nem amarrou a gente. — Nathan gritou por
cima da voz da irmã. — Que bandido não amarra as pessoas?
— Mamãe, você não vai acreditar — Raquel ainda tentava narrar o que
tinha acontecido. Eu apenas a encarei. — Ele estava na antiga casa sua... e era
amigo do... — Ela parou de falar, espantada ao olhar para a outra direção e se
deparar com algo. Virei-me e percebi que era Ulrich saindo do carro e vindo
andando devagar, pressionando o lenço na testa. Agora, debaixo de uma luz
mais forte, dava para perceber com mais clareza o sangue que escorria em seu
rosto. Nathan já o encarava paralisado, feito uma estátua. Como se Ulrich
fosse uma aparição.
— Claro que não tiveram, afinal tem sangue Capello aí nessas veias.
— Que bom que nós encontramos vocês. Estou muito feliz que estejam
bem.
***
— A tempo...?
— A tempo de recomeçar, Stela. Todos nós sabíamos que era disso que
você precisava: recomeçar. Vocês são jovens ainda e tem uma vida inteira
pela frente.
— Claro que não. Só que também não vai mais ganhar vinho e manteiga
caseira de graça até que dê uma chance para o turco. — Ouvir isso me fez rir
mais, além de ter lembrado sobre o caso da manteiga.
— Eu já estou bem ciente dessa manteiga. Você deveria se envergonhar.
— Apontei o dedo para ele, e Thadeo se retesou, surpreso. — E se Gema
sabe e compactua com isso, ela é mais louca do que você.
— Então vou ser obrigado a ferir o outro lado da testa dele, só vamos
aguardar os médicos liberarem.
— Graças a Deus eles estão bem — Maria Clara falou. — E que história
louca é essa de sequestrador? Fernando contou por alto.
Resumidamente contei para elas o que o policial tinha nos falado.
Ambas ficaram chocadas.
— Mulher, que reviravoltas são essas na sua vida? Você e Ulrich? quem
diria... — Gema estava de queixo caído, e quem não estaria? Meus
confrontos com Ulrich sempre foram públicos, cada uma delas ficava a par da
nossa briga de anos e sentava-se na arquibancada para assistir o desenrolar.
— Você e o Ulrich sempre tiveram um caso? — Gema insistiu, cheia de
dúvidas. — Aqueles shows de insultos eram tudo uma fachada?
— Não era bem assim. Há algo muito mais profundo... Vocês vão
entender mais tarde.
— Amiga, eu sempre soube — Maria Clara falou com seu tom enérgico.
— Tinha muita faísca entre vocês — analisou.
— Verdade — Gema concordou. — Eu até comentei com Diana no dia
do meu casamento. Não é normal você ficar tão furiosa com o Ulrich só por
causa da presença dele.
— É isso que estou falando. Fernando foi a mesma coisa. O dia que
sentei naquele homem pela primeira vez, ninguém mais me tirou de cima.
— Eu nunca fui com a cara dele. Agora posso falar. — Maria Clara
cruzou as pernas de modo elegante. — O cara me barrou na festa na mansão
e ainda insinuou que eu era uma garota de programa. E dias mais tarde
roubou as ideias de Fernando, estava mancomunado com a cobra da Leticia.
— Olha em que você está pensando nesse momento, Maria Clara. Toma
jeito.
— Thadeo falou que ia colar um emoji em cima da cara dele nas fotos
no nosso casamento. Mas, me conta, Stela, como está a relação com Ulrich?
— É. Estou.
Ele riu. O sorriso mais bonito e sexy que existia. Caramba, eu o amava.
Sim, eu passei anos sufocando esse sentimento dentro de mim, me
convencendo de que amava outro, mas só Ulrich conseguia fazer meu
coração bater na garganta, meus poros se arrepiarem e meu ventre remexer
leve como um balão. Além de estar causando a maior ressaca pós-romance
que alguém poderia passar.
***
STELA
— Não, mamãe.
— O que você está sentindo, querido?
— Eu queria ter uma máquina no tempo para não deixar nossa família
acabar.
— Não acabou, meu filho. Você ainda tem a mim, sua irmã, seus tios, o
vovô que volta logo do hospital.
— Eu sei, mas eu gostava das nossas férias. Mesmo que o papai nunca
quisesse ir para a floresta, ou rio, ou acampar, eu gostava só mesmo de que
ele estivesse lá. — Ele se sentou na cama e limpou os olhos. — Se eu
precisasse, eu sabia que meu pai estava lá, e agora nem sei onde ele está.
Meu coração cortou ao ouvir isso. Eu entendia que para um criança,
ainda mais um menino, era importante ter o pai por perto, porque era a forma
mais próxima de idealização da vida adulta que eles conheciam, e eu gostaria
muito que ele pudesse espelhar isso em Ulrich, que seria um excelente
modelo a ser seguido.
— Eu sei que será muito difícil para você superar isso, mas você pode
abrir seu coração e deixar o Ulrich ser um amigo.
— Mãe...
— Não estou pedindo que comece a chamar ele de pai amanhã. Mas
deixe o Ulrich se aproximar e conhecer vocês. — Abracei-o apertado, e
Nathan não me repeliu. — Eu prometo que vou te ajudar a passar por isso,
nós vamos passar juntos. O Miguel fez escolhas ruins, e um dia você vai ter a
oportunidade de ouvir dele todas as explicações que ele deve a você e sua
irmã.
— Tá bom.
— Vamos para meu quarto? Só hoje.
— Tudo bem.
Dei dois toques na porta de Raquel e entrei. Ela estava sentada na cama,
abraçando os joelhos, olhos fechados e usando um fone de ouvido.
— Não. Só estou com saudades dos meus filhotes. Seu irmão aceitou.
Vamos?
— Tudo bem.
— Vai não precisa dar explicações para essa gente maldosa. Vocês
poderiam dar chance para conhecer o Ulrich. Ele ficou tão feliz quando viu as
fotos de vocês quando eram bebês.
Nathan manteve-se calado, pensativo. Raquel foi por outra direção:
— Por que você não ficou com ele, mãe? Se ele é nosso pai e você
nossa mãe, por que não se casou com ele?
— Um momentinho. — Saí da cama, fui ao closet, em um canto,
embaixo de tudo, tinha uma caixa. Abri, e dentro havia objetos que
pertenceram à minha mãe. Ali era um excelente lugar para guardar um
pequeno álbum de fotografias. Tirei a poeira e sorri. Fazia tantos anos que eu
não o pegava.
— Sim. Essa era uma bicicleta cargueira e servia para fazer entregas. —
Passei outra foto, onde estavam Thadeo, Ulrich e eu. — Um dia vocês vão
sentir uma coisa que se chama paixão, e logo depois amor. Era o que eu
sentia por aquele turco que falava estranho, entregava pães caseiros em uma
bicicleta e... olha só... — Mostrei a foto em que Ulrich abraçava várias caixas
de leite. — Amava tomar iogurte. Se deixasse, ele poderia falir a Capello
bebendo todo leite e iogurte.
— Ele está sofrendo porque perdeu toda a vida de vocês quando eram
bebezinhos. E agora Ulrich deseja muito que vocês sejam amigos dele. Já
marcamos o exame, e eu estava pensando em convidá-lo para almoçar aqui
depois do exame, o que vocês acham?
***
Porém eu achava pouco provável que algum muito ruim pudesse ter
acontecido. Miguel não era tão bobo como parecia.
Sentei-me na cozinha e Maria me serviu uma xicara de café. Decidi
ligar para Ulrich; ele atendeu depressa, causando uma sensação de alívio em
mim.
— Sim. A cabeça doeu um pouco, mas estou bem. Aqui é duro como
uma coco, não é assim que vocês falam?
Sorri e beberiquei o café.
— Não acho uma boa ideia. Quero deixar as crianças digerirem o que
aconteceu.
— Também acho. Você pode vir amanhã. Eu conversei com eles, contei
brevemente sobre a gente. Eles podem ainda não te ver como pai, mas não
vão jogar os pés em você.
***
Ulrich deixou passar dois dias até aparecer pela manhã na mansão. Meu
pai voltou naquele dia do hospital, eu acordei muito cedo para ajudar a
preparar o quarto em que iríamos recebê-lo. Às nove da manhã, eu tinha
acabado de acordar Nathan e Raquel quando Ulrich chegou. Abri a porta e
notei que parecia nervoso. Era a primeira conversa que teria com as crianças
depois de saberem da paternidade e depois de toda a confusão de três dias
antes.
— Como está a cabeça? — perguntei logo de cara, mesmo sabendo que
estava tudo bem.
Ele estaria me fazendo sentir na pele o que passou nos anos em que era
ignorado por mim? Se isso fosse uma lição proposital, eu estava aprendendo
de uma forma dolorosa. Ulrich fazia falta, em todos os aspectos: sua voz, seu
cheiro, seu deboche, sua presença,
— Não precisam fazer nada que não queiram, tudo bem? E nem
precisam forçar nada, apenas o tratem como o Ulrich de antes, que vocês já
conheciam. Vamos fazer isso aos poucos.
Assentiram juntos, sem esconder a ansiedade, e desceram comigo.
— Eu vou ter que usar véu? — Raquel mostrou seu temor. — Igual na
novela da Índia?
Agora foi minha vez de rir e colocar a mão na boca para disfarçar.
STELA
— Eu ainda estou vivo, com uma canetada eu mudo sua vida. Vai
trabalhar e me deixe em paz. — Ameaçou e olhou para mim. — Stela, quero
conversar com você.
— Por favor, eu estou tentando entrar em uma fase de bem com a vida e
preciso falar com ele. Acertar as arestas.
— Tudo bem. Eu vou esperar passar um pouco. Amanhã as crianças vão
colher o sangue para o exame de DNA, e Ulrich está muito nervoso esses
dias. Assim que puder, falo com ele.
***
Ulrich chegou às oito do dia seguinte para buscar a gente: era o dia do
exame. Ele tinha mandado uma mensagem mais cedo avisando que passaria
na mansão; era até melhor, pois eu odiava dirigir.
— Mamãe.
— O quê?
— E se... der errado? E se a gente não for filho do Ulrich?
— Você está rindo, mas depois vai ficar triste se o exame confirmar.
Porque será obrigado a me dar o meu Xbox.
— Ai, mãe. Se ele for meu pai, tem nove anos sem me dar um presente.
— Fique tranquila, sei lidar com o pequeno mercenário. Porém ele tem
razão, e eu mal posso esperar para dar a eles todos os presentes que nunca
dei.
— E eu ficarei de olhos bem abertos para não deixar você mimá-los
muito.
ULRICH
— Sinto o mesmo.
— Como tem passado com todas essas questões na mente? — indagou.
— Sobre o exame, a paternidade...
Eu fui primeiro, colhi o sangue, depois foi a vez de Raquel e, por fim,
Nathan. Stela acompanhou cada um deles e, no fim, foi como se o mal-estar
tivesse ficado lá, junto com todo o peso que saiu de nossas cabeças.
— Não seja bobo, Nathan. Quem come gafanhoto frito são os chineses.
Eu pesquisei o que turcos comem e parecem coisas normais.
De repente, fiquei bobo que dói ao ouvi-la dizer que pesquisou a comida
típica da Turquia. Isso demostrava que ela teve curiosidade sobre o meu
povo, sobre o verdadeiro pai.
— Sim, não tem nada de espantoso — Stela falou. — Vocês querem ir?
— Alá?
— Isso. Quando você estiver maior, vai entender melhor sobre isso. Mas
quero que saibam desde já que a religião não vai interferir em nossa
convivência.
Continuei sendo guia deles pela minha casa, adoraram meu quarto e
ficaram abismados quando eu disse que a pintura na parede, com um céu e
balões voando, tinha sido feita por Benjamin.
Stela serviu leite para Nathan e passou um copo de suco para Raquel,
em seguida, serviu em um copo para ela.
— Ulrich, ele entra no quarto e quer falar sobre os jogos malucos dele
para minhas colegas, e a gente só quer...
Eu tinha uma lista mental de mil coisas para fazer com eles. Queria
mostrar minha cultura, ensinar a falar palavras da minha língua, levá-los ou
busca-los ao menos um dia na escola, ir em uma reunião de pais, ensinar a
dirigir, ir à formatura na escola, dar sermão, ficar com ciúme e investigar a
vida do primeiro fedelho que a Raquel se engraçar, subornar Nathan para ser
duro com os gaviões que sobrevoarem a irmã... Era tanta coisa que eu tinha
pressa em viver tudo isso, e ao mesmo tempo, queria que passasse devagar
para eu e a mãe deles saborearmos cada momento com intensidade.
Eu queria fazer com eles o que meu pai não fez por mim.
— Sobre o quê?
***
— E as crianças?
— Ok, depois irei vê-los. Como está seu João? — Caminhamos pelos
espaçosos ambientes da mansão, cuja construção foi exclusivamente pensada
para grandes festas e bailes da alta sociedade.
— Oi, Ulrich. Sente-se, por favor. — Ele indicou uma poltrona à sua
frente. Sentei-me, e Stela ficou de pé, ao meu lado.
Stela estava tão calada como eu, recebendo a chuva de confissões vindas
desse homem que foi durante muitos anos o terror de qualquer um que ele
considerava inimigo. Senti a mão dela em meu ombro.
Fiquei de pé. Meu maxilar trincado da mesma tensão que eu usava para
apertar os punhos. Disso eu já sabia, mas escutar da boca dele era muito
cruel. Eu senti de verdade uma dor no peito, uma vontade maciça de gritar de
raiva ao imaginar que não pude segurar minha filha nos braços enquanto
outro a ensinava a chamá-lo de pai.
— Talvez você não possa me perdoar agora, mas saiba que se eu
pudesse voltar no tempo, teria tomado decisões diferentes.
— Pena que não pode, seu João. Eu não tenho mais nada para falar com
a senhor. — Girei-me e saí rápido do quarto. Estava chegando à sala quando
Stela me segurou.
— Ulrich...
Virei-me para ela. Mas que porra, já tinha lágrimas nos meus olhos.
Eram gostas de raiva. Raiva e ressentimento.
— Que porra, Stela... Isso sempre vai me ferir.
— É uma filho, não é uma boneca. É um vida. E ele fez isso consciente,
ele tirou de mim o direito...
— Ulrich...
— Vamos para minha casa. Leve as crianças. Os nossos filhos. Vamos
viver a vida que planejamos quando jovens.
Eu sabia que chegava a ser mesquinho da minha parte pedir que ela
abandonasse o pai idoso e doente. Porém a raiva me consumia, e eu só queria,
com urgência, tudo que ele roubou de mim.
— Eu tive que engolir meu orgulho e minha mágoa e ficar aqui. — Stela
tinha o olhar repleto de sinceridade — Meu pai quer ficar nessa casa que é
dele. Estar aqui com ele, e cuidar dele, não quer dizer que o perdoei pelo que
fez.
Eu assenti e engoli meu rancor.
STELA
Grávida. Era esse o motivo dos meus enjoos. E quando completou oito
dias de menstruação atrasada, lembrei do sonho que tive com minha outra
personalidade, em que ela furava os preservativos. Seria possível...?
Eu sabia que tinha que contar para ele. Jamais pensaria em esconder,
tendo a certeza de que ele é o pai, porém eu queria me acostumar com a
informação e fazer um exame de laboratório para ter evidências antes de falar
com ele.
Meu Deus! Um bebê. Eu não conseguia ainda encontrar uma emoção
específica para encarar esse fato.
Tomei uma ducha fria, vesti apenas um roupão, tomei uma banda do
meu calmante e caí na cama. Minha cabeça parecia que iria explodir de dor, e
eu decidi aproveitar a tarde apenas dormindo e torcendo para a outra não
aproveitar esse meu momento de perplexidade e assumir o comando.
Quando acordei, já estava escurecendo. Agradeci por ainda ser eu
mesma consciente, pulei da cama, me vesti e desci. Eu era uma dona de casa,
pessoas dependiam de mim, não podia ter dormido tanto.
Havia uma pessoa que eu poderia confiar e desabafar: Maria Clara. Ela
não demorou em atender, e sua voz sempre hiperativa me animou.
— Diga, Stela.
— Fernando está por perto?
— Ele está em algum lugar da fazenda, vou ver se o Laerte está por
perto para chamá-lo.
— Não... não. Não quero falar com meu irmão. É como você mesmo. —
Levantei-me da cama, espiei o corredor e fechei a porta do quarto. — Vai
para um lugar isolado, longe do Fernando.
— O quê? Stela!
— Ah... ele se afastou quando soube dos filhos, e agora espera de mim
uma atitude, eu acho.
— E você o quer?
— Mais do que tudo. Estou sofrendo todos os dias sem ele ao meu lado.
— E por que não vai falar isso com ele, Stela? — Ela era mesmo bem
pragmática.
— Eu... vou falar. Claro que vou. Só estou criando um impulso. O que
você acha de eu o chamar para jantar?
— Poderia ser algo mais espontâneo, né? Mas, tudo bem, é um começo.
Convide ele para jantar e se declare.
— Eu...
***
No dia seguinte, pulei da cama bem cedo, já que não tinha dormido
quase nada. Antes de falar com Ulrich sobre a gravidez, eu precisava de uma
prova. Então, faria um exame. Para meu alívio, Maria Clara apareceu para me
acompanhar e dirigir para mim.
— E o Fernando? — indaguei, colocando o cinto enquanto ela saía com
o carro pelo jardim da mansão.
— Te acompanhar à psicóloga.
— E ele?
— Pediu para te dar apoio. — Não era espanto para meus irmãos que eu
fosse me consultar tão cedo. Maria Clara se saiu muito bem.
Assenti, mas no fundo, com medo do que essa mente poderia criar.
Lembrei de uma coisa, e para tentar tirar a preocupação da cabeça, resolvi
contar para Maria Clara.
— Vou te contar outro segredo.
— Não fala.
— Tudo bem, mas quer saber? Aquele quarto é muito bom para transar.
É longe de tudo, ninguém ouve nada.
— O quê? Você também usou?
— Que safada!
— Se aquela cama falasse...
— Ela falaria até língua turca — eu disse, e nós duas caímos na risada.
À tarde, Ulrich não veio visitar as crianças, e eu suspeitava que era por
causa da conversa que ele teve com meu pai.
Quando fui dormir, decidi, mais uma vez, ir para o antigo quarto de
Fernando. Aquele lugar fazia eu me sentir bem nos meus momentos de
pânico, como agora, após descobrir a gravidez. Peguei o celular, e para
aplacar a saudade, resolvi fuçar as redes de Ulrich. E então, para meu horror,
na sua última postagem, havia uma foto dele com uma mulher. E ela era
linda. Os dois bem juntinhos, em uma mesa de bar ou restaurante, e a legenda
dizia apenas “curtindo nossa última noite em São Luiz.”
Espera aí. Mas aquele rosto era familiar. O nome era Yasmim, mas não
me dizia nada. Onde eu vi essa mulher? Fui no perfil da mulher, mas era
privado. Saco. Seria uma prima? Uma amiga? Ele não tinha irmã...
Esperei. Esperei. Ele nem mesmo tinha recebido ainda. Não estaria em
casa? Mas já passava das onze...
Tudo bem. Deixei para responder depois. Agora eu tinha uma bomba
para encarar.
ULRICH
— Para mim, foi uma honra, Cora. Eu estudei, me formei e você me deu
espaço no meio jurídico. Obrigada por isso. E Gema — segurou a mão de
Gema — É uma pena que não estarei aqui quando o bebê nascer, mas quero
fotos, ou vídeos do momento exato, se possível.
— Pode deixar, eu farei Thadeo filmar o momento e te mandar.
***
STELA
Meu celular começou a tocar. Merda. Olhei no visor, era Maria Clara.
— Oi, Maria Clara.
— Pode dizer.
— É o Ulrich. Ele surtou... Gema acabou de me ligar. Não querem falar
com você.
— Amiga, ele decidiu passar uns tempos na Turquia, depois de tudo que
aconteceu. Está nesse instante no aeroporto para viajar.
— Mentira! Maria Clara, que historia é essa? Ele jamais faria isso...
— Eu também achei. Mas Gema disse que Thadeo está com ele no
aeroporto e... até a Cora está lá, tentando fazer ele mudar de ideia.
Passou na minha mente que ele tinha dito que no nascimento de Raquel,
ele jogou tudo para o ar e foi para a Turquia. E se...
Meu Deus, meu Deus... isso não. Ulrich não pode fazer isso, logo
agora.
— Será que foi por causa do meu pai? Ele ficou tão irritado.
— Ligue para Gema. Não saia de casa, estou chegando aí.
— Por que você não vem aqui e impeça ele? Estamos aqui no aeroporto.
Você pode dizer a ele tudo que sente e fazê-lo mudar de ideia. Vou fazer uma
ligação de vídeo para você ver.
— Tudo bem. — Sentei-me na cama, olhos saltados esperando o celular
tocar novamente. Quando tocou, atendi e vi, pela chamada de vídeo. Estavam
mesmo no aeroporto, e lá estavam todos eles, incluindo a mulher da foto do
Instagram. Então lembrei da legenda: “Nossa última noite.”
Ele não podia desistir da gente depois de ter passado anos lutando e me
esperando.
Por Deus! Era essa a oportunidade que eu precisava para tomar uma
atitude. Era a minha vez de agir e correr atrás dele. Fazer a loucura que
jamais imaginei. Agora era a minha vez de provar.
Eu não era uma mulher perfeita para dirigir um carro. Tentei quase oito
vezes para enfim conseguir tirar a carteira de motorista, e ainda bem que
Maria Clara estava chegando quando eu ia saindo.
— Só dirija.
— Tá. Acalme-se. Estou te ajudando trazer o boy turco de volta.
“Você bem que podia trazer Ulrich de volta, estou morta de saudade
daquele homem.” Lembrei da fala da outra personalidade no meu sonho.
— Ai meu Deus.
Acho que demorou uns bons dez minutos até eu conseguir chegar no
portão de embarque. Eu estava correndo empurrando as pessoas, suando, com
o coração quase explodindo junto com o estômago.
— Estrelinha? — Sussurrou.
— Stela. Apesar de ela ter me dado o impulso.
Ainda confuso, ele diminuiu a distância entre a gente e me tomou nos
braços, de uma forma tão apaixonada e repleta de alívio, que eu quase caí em
pranto de emoção. Afundei o rosto em seu peito, deixando seu cheiro me
impregnar e suas batidas cardíacas encherem meus ouvidos.
Ouvi palmas em volta, mas não desviei o beijo e quando fitei seus olhos,
implorei:
— Por favor, não vá embora para a Turquia antes de dar mais uma
chance para a gente.
— O... quê? Turquia? — Ele afastou-se e olhou para Thadeo e Gema,
antes de voltar a me encarar. — Eu não estou indo viajar. — Ergueu as
sobrancelhas.
— Sim.
Nos olhamos compenetrados, como se nada mais existisse. Mas Thadeo
cortou o clima gargalhando.
— Mana, desculpe. a cena foi comovente, mas não acredito que caiu em
uma pegadinha orquestrada por Maria Clara.
— Então se arrependeu?
Encarei-o.
— Do que te falei? Claro que não. Não deixe uma palavra solta ao
vento. Foi tudo sincero. Mas não precisava eu chegar aqui correndo como se
o mundo fosse acabar.
— Somos?
— Um momento, vou fazer da forma que sempre quis fazer. — Ele
levantou-se, firmou apenas um joelho no chão em pose de cavalheiro e
segurou minha mão. — Stela Capello, você quer namorar, noivar e se casar
comigo?
Olhei para ele, passei os olhos por todos em volta. Minhas cunhadas
pilantras torciam ao meu favor. Apesar de tudo não estava com raiva delas.
Elas extraíram de mim o meu lado maluco que age sem pensar, que vai atrás
do que quer e luta pelo amor. Senti-me como se Estrelinha e eu corrêssemos
lado a lado. Ela não precisava voltar quando eu tinha controle da situação.
— Eu queria falar sim para cada ano que te perdi. — Respondi a Ulrich
— Sim, sempre sim. — Ele levantou-se e me abraçou beijando-me e
suspendendo meus pés do chão, como em uma típica cena de fim de filme.
Aqueles que eu assistia e sonhava que algo parecido pudesse acontecer
comigo.
E não é que aconteceu?
— Vai ter que me aturar pelos próximos sessenta anos Stela Capello. —
Cochichou no meu ouvido e depois emendou: — e Estrelinha.
— Ah, cacete. Circulando todos. Essa é a parte que fazem as pazes e
vão transar logo depois. Eu sei por que isso aconteceu comigo. — Thadeo
comentou, levando todos ás gargalhadas.
— Bom que sua mãe saiba que eu te amo muito e te mantenho sempre
muito bem servida.
Até Cora ria, balançando a cabeça.
ULRICH
— Vai ter que dar conta do tesão de duas em uma. — Ela afastou para
se despir, agitou os pés fazendo os sapatos voarem, a bolsa também caiu e eu
também me despi rapidamente. Quando abri o zíper da calça, Stela a tomou
das minhas mãos, e puxou revelando a cueca; a coisa estava linda, esticada
quase rasgando, babando de desejo.
Retirei seu sutiã, e beijei cada um dos seios; parei apenas para rugir
quando ela se levantou e deslizou tudo de uma vez indo até o fim. Puta que
pariu! O arrepio percorreu da minha nuca, passou pela minha espinha até
chegar nas pernas.
Pegamos o ritmo, rápido e fundo, sem pena de meter. Ela queria tudo e
eu não queria sair de dentro tão cedo.
A sala encheu-se de gemidos e batidas de nossos corpos, eu estava
quase lá, mas a abracei, deitei-a no sofá e voltei a arremeter, forte e rápido.
Stela passou as unhas em meu corpo, e a cada batida que eu dava, ela se
libertava, sorrindo e gemendo alto, pura felicidade.
— Sim. Claro. Apesar que pode ter acontecido uma ou duas vezes sem...
— Estrelinha?
— Sim. Eu sonhei que ela saia do espelho e me mostrava algo, era como
uma lembrança e era muito vívida, muito real.
— E o que era?
— O que é?
— Ulrich.
— Puta que pariu. — Aproximei-me dela e a abracei — Um filho, Stela!
Um que eu possa acompanhar, estar ao lado desde o primeiro
momento...Caramba! Que soco no estômago. Mas um soco bom.
STELA
— Ah, mãe... eu não vou ser um menino birrento que chora para você
fazer o que eu quero. Se vocês dois gostam de ficar juntos então eu não vou
falar nada.
— Algo mudou, minha filha, e por isso, vamos sim nos casar. —
Boquiabertos, Nathan buscou rapidamente o olhar da irmã como se estivesse
comunicando em pensamento. Eu não os esperei contestar, decidi dar logo a
notícia: — Eu vou ter um bebê, por isso iremos nos casar tão rápido. —
Coloquei a mão no ventre atraindo o olhar deles. Nathan arregalou os olhos e
colocou as duas mãos na cabeça. — Vocês vão ter um irmãozinho e ele
também é filho do Ulrich.
— O que a mãe de vocês está falando, é que uma nova vida está a
caminho e por isso decidimos que precisamos ficar juntos, para nos ajudar.
Eu vou ajudar ela, ajudar com o bebê que vai chegar e com vocês dois.
— Bom, se é você que vai olhar o pirralho, tudo bem para mim. Nathan
deu de ombros se mostrando aliviado por não ter que ser babá. Raquel, por
sua vez, estava pensativa nos encarando.
***
— Vamos de novo?
— Estou começando meu plano de falar com ele em turco. Falei agora
“desculpe a movimentação aí dentro meu filho, o papai e a mamãe estão
aproveitando o tempo perdido”.
***
Olhei para cada rosto na mesa, atentos esperando minha revelação. Meu
pai já sabia, e sorriu de uma forma tranquila. Ele tinha jogado a toalha,
desistido de brigar com tudo e todos, e decidiu apenas sorri agradecido com a
família a sua volta.
— Eu estou grávida.
— E agora, eu quero contar algo que aconteceu comigo desde que nossa
mãe faleceu e eu entrei em colapso naquela noite. — Comecei escolhendo as
palavras certas. Um silêncio imediato tomou conta da mesa. Todos os olhos
voltavam-se para mim. é algo complicado, que eu nem sabia que existia de
verdade. Eu tenho um transtorno... e dentre meus irmãos, apenas o Ben sabia.
Ele estava na cadeira ao meu lado. — Segurei na mão de Benjamin — E,
mano, eu quero mais uma vez te agradecer por ter cuidado de mim, todo esse
tempo, mesmo que eu não soubesse.
— Dupla personalidade.
Mais uma vez, silêncio cortante. Eles se entreolhavam chocados. Antes
de alguém falar algo, Benjamin tentou elucidar:
Assenti. Era isso que eles precisavam, de mais detalhes. tomei um gole
de vinho, olhei para Ulrich e de volta para todos a mesa com a atenção
voltada para mim.
— Eu ainda estou aprendendo sobre ela. Mas sei que quando a outra
assume... ela se vê como pessoa distinta, e não como Stela. Ela é muito
vaidosa, extrovertida, provocante e não leva desaforo para casa.
— Gostei dela. — Diana falou. Apesar do momento tenso, eu sorri.
— A doutora disse que ela sempre vai aparecer quando a Stela não
conseguir dar conta de um problema. — Ulrich complementou minha
explicação.
— Stela era a garota misteriosa que vocês tanto queriam saber. Ulrich
disse. — Eu não saia mais com ninguém uma vez que, tinha que esperar por
ela. Eu não sabia quando seriam as visitas, mas sabia que aconteceriam. Não
era justo da minha parte trai-la com outra, mesmo que ela não soubesse... não
se lembrava na manhã seguinte.
— Vocês não vão culpá-lo bem na minha frente. — Interrompi a fala
dele. — Ulrich poderia ter me delatado, poderia ter exposto o que eu fazia
para derrubar meu casamento, mas não fez. Ele pensou no meu bem estar. Ele
cuidou de mim, recebendo-me e levando embora em segurança.
Recebi um olhar grato dele, e sua mão segurou com força a minha.
Estávamos fortes, agora, eu estava mais forte do que nunca fui.
— Não me orgulho de tê-la enganado, mas se esses encontros furtivos
trouxe os nossos filhos, então eu estou feliz por ter feito isso.
— Sabe que eu saio no braço com você fácil, fácil, não é? — Ulrich se
levantou, mas já avisando que não tinha medo de Thadeo.
— Escuta aqui, cara — bateu o dedo no peito de Ulrich — Você dá
muita sorte por ter feito aquele trabalho comigo na escola.
— Que seja. Você tem sorte que hoje estou em um dia de bem com
pessoas que vem da Turquia, senão você ia chiar no meu braço. Agora eu
quero falar uma coisa sobre esse indivíduo aqui — Bateu no ombro de Ulrich
— E preciso de atenção. Esse marmanjo aqui, sofreu coisas que muito
homem não aguentaria. E ficou firme, sempre sorriu, sempre ajudou cada um
de nós, e estava lá para acudir minha irmã quando ela precisasse. Hoje ele
está sorrindo, mas o coração dele está partido por ter perdido parte da vida
dos filhos e isso doí pra caramba. Então, irmãos Capellos, levanta essas
bundas da cadeira e venha dar um abraço no nosso turco, de agradecimento e
de boas-vindas. — Thadeo abriu os braços e Ulrich o encontrou em um
abraço forte, de irmãos.
— Podemos culpar várias pessoas pelo que houve na vida dos meus
queridos filhos. Eu mesmo, o pai da Germânia, o pai do Ulrich... ou vocês
mesmo que deixaram se levar em conversa dos outros, deixaram se
manipular. — Com o lenço, ele limpou mais lágrimas. Eu jamais vi meu pai
chorar com sofrimento tão explicito. Mas, nos surpreendendo, ele riu. Olhou
para cada rosto ali e riu. Enfim meu pai estava chorando de felicidade.
— Ainda bem que a Leticia abandonou meu filho Fernando. Porque só
assim ele encontrou sua parte perdida e está feliz aqui nessa fazenda. Ainda
bem que Diana foi persistente e ajudou o Benjamin a enxergar um novo
mundo, lhe dando um pequeno e grande motivo para viver. Ainda bem que
Ana Rosa voltou para a cidade e fez Andrey cortar cana, ela o derrubou do
pedestal e o mostrou como ser gente. Ainda bem que Gema fugiu do próprio
casamento e foi bater lá na vinícola. Eu não tinha mais esperanças para meu
filho, quem diria que a esperança viria de noiva? E agora, ainda bem que
Ulrich não desistiu e estava lá quando minha filha mais precisou. — Ele
encarou Ulrich e este não desviou o olhar. — Eu sei que não será fácil para
você me perdoar, mas eu não importo porque sei que cuidará da minha filha e
dos meus netos. Essa é a família Capello, seja bem-vindo Ulrich.
***
43
ULRICH
Rimos juntos. Ela tinha razão sobre mim. A vida era muito mais alegre
quando tirava a roupa.
Ela tomou as dores dele. Ela ficou do lado dele enquanto me mandava ir
embora como um cachorro sarnento. Miguel ganhou a batalha naquele dia e
por isso fiquei em choque quando, dias depois ela apareceu de repente para
me visitar no quarto alugado que eu estava morando.
No dia seguinte ela era a mesma de antes que me odiava e queria que eu
sumisse. Ainda tentei contestar sobre a nossa noite e ela tratou minha fala
com escarnio, sem acreditar em mim.
— Eu estou em choque até agora. Porque eu jurava que tinha sido com
Miguel.
— Isso o que?
— Não caçoei. É a pura verdade. Ele gosta de pau, portanto é disso que
entende. Além do mais você se segurou para não rir.
— Sua culpa.
***
Decidimos, da noite para o dia, nos casar. Estávamos enrolados, sem
roupa, na cama, quando Stela levantou a mão admirando o anel de noivado
que eu lhe dei.
— Quando?
— Isso o que?
— Você se casou errado. Nunca foi casada com um turco que faz ayran
e comidinhas especiais, te ama loucamente, te faz rir e te faz ficar com raiva.
Te coloca para dormir como também te leva nas alturas a ponto de termos
que vir trepar no quarto mais longe para ninguém ouvir o pau quebrar, além
de te colocar para mamar, lhe ensinando a engoli tudo e a me acomodar em
sua garganta. Um que conhece os seus dois lados, os seus medos e suas dores
além de ser pai de seus filhos. Você simplesmente casou errado.
— Caramba, eu não quero perder nada disso.
— Então seja rápida e coloque logo uma aliança nesse dedão aqui —
Mostrei o dedo anelar para ela — O anelar, ao lado desse que você tanto
adora.
— Para de ser tão pervertido.
Com carinho,
Os noivos.
— Tudo bem. — Ela dobrou o papel e assentiu.
— Negócio fechado?
— Isso é para você. — Peguei uma das caixas e entreguei a ela. Raquel
sentou-se para abrir, com cuidado.
— Calma, tenho que descobrir o que tem dentro da caixa, para saber se
vale a pena.
— De que?
— De levar nossas alianças no casamento.
— Sim.
— Sim. Você é até legal. Eu ainda gosto do meu outro pai e ainda vou
conversar com ele, mas não quero mais morar com ele. Você e a mamãe são
legais.
— Olha só, o pai do ano! — Olhei para trás lembrando que estava em
um quarto com os irmãos Capello.
— Pai do ano, mesmo. — Benjamin concordou — O cara ganhou em
uma bolada só, três filhos.
— Será que a Alice vai colocar marmanjos para cortar cana igual a mãe
fez?
— Ao futuro. — Gritei.
***
Era o meu casamento, e ela era a minha noiva. Coisa que nas minhas
fantasias mais distantes acontecia, porém, eu não costumava fantasiar tanto.
Eu já tinha considerado que havia perdido a batalha. Stela jamais seria minha.
Entretanto, eu estive enganado todo esse tempo. Ela não só se tornou minha,
e aceitou-me como seu em sua vida, como também me deu dois filhos de uma
única vez.
Eu passei por todos os casamentos dos irmãos dela, vendo Stela entrar
de mão dadas com outro cara, despedaçando meu pobre coração, que mesmo
sofrido sorria ao vê-la linda e feliz. Ver Stela sorri era meu ponto fraco, sem
foi. Eu sabia que por dentro ela estava quebrada e encolhida, e por isso que
me satisfazia vê-la bem.
MIGUEL
MESES DEPOIS...
— Miguel...
Rômulo ficou atônito, sem saber o que fazer quando o delegado saiu de
trás do muro juntamente com policiais e Caio.
— O que foi? Nunca viu um casal feliz? A propósito, quero que conheça
Caio Alvorada, o meu noivo.
***
Meses antes...
Divorcio assinado. Era uma sensação estranha depois de anos casado.
Estar livre, sem nada e sem ninguém era ao mesmo tempo libertador como
desesperador. Puxei a aba do boné para baixo cobrindo um pouco meu rosto e
andei pela rua de cabeça baixa. Foi quando ouvi:
— Miguel?
Parei de andar.
— Eu?
— Sim, venha cá.
— Diga.
— Não sou mais do ramo. — Tentei afastar, mas ele não permitiu.
— Sobre como eu passei vontade de comer você e agora acho que tenho
a chance. Entra aí, porra.
E eu entrei. E ele quase acabou comigo. Me fez berrar feito uma cabra e
foi mais gostoso do que eu poderia imaginar.
Caio nem precisou me dizer o que fazer, caí de boca em seus mamilos,
que para meu deleite, tinha um piercing em forma de argolinha em um deles;
chupei-os, puxando cada um com os dentes. Ele era forte, cheiroso e o
peitoral uma delícia; não totalmente liso, havia uma fina camada de pelos
loiros deixada estrategicamente. E como os mamilos eram rosadinhos, previ
que lá embaixo me esperava o paraíso.
Caí de joelhos diante dele, ensandecido. Caio tirou a calça e o volume
enorme apareceu na cueca e eu avancei por cima do tecido mesmo. adorando
me provocar, ele terminou de retirar a roupa, quando se libertou da cueca, eu
fiquei embasbacado com o tamanho e como eu previa, rosadinho. E não
permitiu que eu tocasse a boca.
Eu não acho que sou merecedor de uma nova chance e uma vida de luxo
com um homem maravilhoso, e por isso eu ia valorizar cada minuto de minha
nova vida. Caio me fez enxergar como eu fui cretino com Stela. Eu estava
arrependido do quer fiz, mas também sofri com a perda dos meus filhos. Eu
também fui enganado pelo velho Capello, entretanto, decidi trilhar o caminho
da superação e redenção.
45
STELA
Eu tinha dado adeus a outra personalidade; ela não tinha por que voltar
quando a minha coragem de enfrentar obstáculos mais crescia. Doutora
Eliana disse que em muitos casos as duas personalidades sem fundem.
— Sabe que a culpa é de vocês dois por serem gêmeos, não é? — Diana
lembrou esse fato.
— Então vou ter que tomar seu Xbox. — Ulrich continuou provocando.
— Ah, meu Deus, então vou ter que aceitar. — Com o olhar baixo,
sofrido, sentou-se na ponta do sofá.
— Ele está brincando, meu filho. — Sentei-me ao lado dele — Vocês
vão gostar de seus irmãozinhos por livre e espontânea vontade, ninguém vai
obrigá-los a isso.
— Eu torço para que sejam duas meninas. — Raquel enfim falou algo.
— Eu fujo para a fazenda do tio Fernando se for dois meninos como o
Nathan.
— Ninguém vai fugir para lugar nenhum. — Ulrich intercedeu. —
Venha aqui, Mortícia. — Ela o atendeu e aproximou-se e ele a tranquilizou:
— Nossa pequena família está crescendo, isso é o que importa. O que acham
de sair para comemorar?
— Eu vou precisar de uma porção de batatas com cheddar duplo só para
mim. — Nathan ainda se fazia de desolado, o que poderia ser apenas
encenação.
— Prometo.
A cada mês que passava, eu ficava maior, mais pesada. Ulrich esteve ao
meu lado em todos os momentos e demostrava adorar o meu corpo. Não era
como se ele estivesse sendo obrigado a fazer, ele queria estar a par de tudo,
cuidar de mim, dar assistência de um pai. E eu nem queria comparar quando
foi Miguel, que não fazia nem metade.
Enfim chegou o grande dia. Ulrich estava mais desesperado do que eu.
Nem mesmo tinha dormido a noite inteira. Verificou se o carro estava bom,
mesmo tendo outros vários na garagem do meu pai, verificou cinquenta vezes
as bolsas dos bebês, que são um menino e uma menina, e quando acordei, ele
já estava pronto, andando pela casa feito um fantasma.
Eu entrei para fazer a cesárea e ele decidiu que ficaria ao meu lado o
tempo todo. Ele ficou sentado ao meu lado, segurando a minha mão enquanto
os bebês vinham ao mundo. Ele até poderia estar nervoso, mas se segurou,
diferente de Thadeo, dias atrás quando Gema teve bebê, ele quase derrubou o
hospital entrando em pânico.
O menino nasceu primeiro. Ulrich chorou colocando a mão contra a
boca. Cinco minutos depois, veio a menina. Enrolaram os dois em panos
verdes próprios da sala de cirurgia, e veio me mostrar.
***
— Sério?
— Já está pronto.
— Ai meu Deus. Só nós dois?
***
ULRICH
Mais tarde, naquela noite, depois de um maravilhoso jantar turco que
minha mãe preparou, enfim me vi sozinho com minha esposa. Como eu a
prometi, eu queria amá-la aqui, em terras turcas.
— Logico que não. Jamais. — Pulei da cama e saímos na ponta dos pés.
Corremos pelo corredor e chegamos à sacada. O céu estava lindo, coberto de
estrelas. Stela acendeu duas lanternas e me empurrou contra um monte de
almofadas bordadas coloridas. Senti gosto do batom...
— Sou eu, meu amor, a Stela. — Berrou batendo palmas — Foi só uma
pegadinha e você caiu.
— Ah, sua...! — Baguncei os cabelos, revoltado e aliviado. — Cara, não
se brinca com isso. — Meu coração disparado.
— Desculpa. — Ela ria sem parar e veio me abraçar. — Mas sabe que
eu não me importaria se ficasse com a Estrelinha, não é?
— Não vamos falar mais nisso. Você ouviu a doutora Eliana. A outra
personalidade se fundiu com você, não vai mais voltar.
ULRICH
Dois anos se passaram tão rápidos, porém eu não sentia nostalgia e sim
satisfação por ter aproveitado cada instante com minha família.
Nathan com onze anos estava cada vez mais esperto e arquitetava
comigo uma máfia familiar para vigiar possíveis pretendentes de Raquel que
chegava aos quinze anos. Segundo os relatórios de Nathan, havia sim alguém
na mira da Mortícia turca, mas ele ainda não sabia quem poderia ser. Estava
descobrindo.
— Todos que vêm aqui fazer trabalho escolar e você começa a se fazer
de doido para escorraçar os coitados.
— Idiota.
Não havia mais espaço para magoas no coração dos meus filhos. Eles
estavam felizes, com uma nova família e perdoou o Miguel e prometeram que
iam visitá-lo nas próximas férias. Apesar de tudo, eles tiveram uma vida
inteira juntos.
Quando chegou o dia da festa de aniversário de quinze anos de Raquel,
eu juro que fiquei abatido. Era a tal mudança de fase, em que ela entraria com
uma boneca e um vestido de princesa e voltava com sapatos de saltos e
vestido mais adulto, simbolizando a perda da fase infantil. Meu coração se
apertava porque eu sabia que estava próximo de perdê-la para a vida. Estudar,
casar, ter a própria família.
— Graças a Alá, não. — Levantei as mãos para cima — Raquel não tem
pretendentes.
— Obrigada por estarem aqui essa noite. Hoje é um dia muito especial
para mim e quero falar algo sobre isso. Anos atrás, minha mãe estava no meu
lugar. Era o aniversário de quinze anos junto com meu tio Ben. — Ela acenou
para a gente. — E aquele dia foi muito importante para ela, é uma lembrança
que ela guarda com carinho e tristeza, porque não foi só o dia do aniversário
dela, foi o dia que minha avó virou uma estrela. Na época da minha mãe,
tinha a tradição de a aniversariante dançar com o pretendente, ela dançou
com o rapaz que ela gostava. Hoje eu tenho meu pretendente.
FIM...
TRANSTORNO DISSOCIATIVO DE IDENTIDADE (TDI)
O transtorno dissociativo de identidade, chamado antigamente de dupla
personalidade, geralmente é uma reação a um trauma como forma de ajudar
uma pessoa a evitar memórias ruins. O transtorno dissociativo de
personalidade é caracterizado pela presença de duas ou mais identidades de
personalidades distintas. Cada uma delas pode ter um nome, histórico
pessoal e característica distintos.
O tratamento é a psicoterapia.
*Rara
[1]
Caralho.
[2]
Juízo final islâmico.
[3]
Sim
[4]
Minha mãe.
[5]
Meu filho.