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Copyright © 2017 Lettie S.J.


2ª Edição — Novembro, 2020.
Obra registrada na Biblioteca Nacional do Brasil e no AVCTORIS.
Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610/98.
São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte desta obra, sejam quais
forem os meios empregados — tangível ou intangível —, sem a prévia autorização por escrito
da autora.
Esta é uma obra de ficção. Todos os nomes, personagens e acontecimentos descritos são
produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, pessoas ou fatos reais é
mera coincidência.
Edição Digital | Brasil
___________________________________
Sumário
Sinopse
Nota da Autora
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Capítulo 53
Capítulo 54
Capítulo 55
Capítulo 56
Capítulo 57
Capítulo 58
Capítulo 59
Capítulo 60
Capítulo 61
Capítulo 62
Capítulo 63
Capítulo 64
Capítulo 65
Capítulo 66
Capítulo 67
Capítulo 68
Capítulo 69
Epílogo
Outras Obras de Lettie S.J.
Biografia e Redes Sociais
Sinopse
Após o início conturbado do seu relacionamento com o
americano Daniel Ortega, parece que Ana Cabral poderá, enfim, viver o
seu grande amor. Porém, por trás do sorriso gentil de uma mulher
poderosa, muitas armadilhas podem estar escondidas. Aliado a isso, há
um homem ambicioso e disposto a tudo para subir socialmente.
Daniel terá de tomar decisões difíceis para atingir seus
objetivos e Ana se verá envolvida em um mundo onde só os fortes
sobrevivem. Contudo, há certas coisas na vida que nos fortalecem e nos
obrigam a crescer e Ana Cabral descobrirá isso em breve.
Nota da Autora
Lutarei Por Você é o segundo livro da Trilogia de Daniel &
Ana e deve ser lido depois do primeiro livro, Ao Teu Encontro, que está
disponível na Amazon — Kindle Unlimited: https://amzn.to/2TokBAm

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trabalho deles. Incentive a literatura adquirindo o e-book na Amazon.
Para todos os leitores de Lutarei Por Você, deixo o meu
agradecimento.

Lettie S.J.
Prólogo

Nova York
Victoria Stevens
ANALISEI COM ATENÇÃO a foto do homem arrasador à
minha frente.
Muito bom. É o macho-alfa que eu preciso!
Aquele homem estava à altura de competir com Daniel, sem
dúvida alguma. John trabalhou rápido e de forma eficiente, o que
demonstrava estar acostumado a conseguir rapazes para os clientes dele.
Em menos de uma hora, eu já tinha nas mãos um bom portfólio de
modelos brasileiros para o “trabalho” que estava contratando.
Sempre fui uma mulher objetiva e certeira nas minhas escolhas.
Não era à toa que hoje era a poderosa esposa de Scott Stevens. Com
apenas um rápido olhar, não demorei muito para descartar os candidatos
que não possuíam a força que eu precisava. Mas aquele era perfeito para
a missão de seduzir Ana Cabral.
Eu já não tinha mais tempo a perder. Cada minuto a mais que
Daniel passasse com aquela mulher poderia significar o afastamento
total de Meghan e isso eu não ia permitir de jeito nenhum.
Agora, precisava tomar três providências importantes. Peguei o
celular e liguei para o John.
— Já escolheu, meu amor?
— Já. Quero o Arthur Montenegro. — Fui direto ao ponto. —
Contrate logo e deixe-o à espera de minhas orientações para agir.
Conversaremos sobre os detalhes depois.
— Tudo bem. Farei isso agora.
— Estou contratando-o pelos próximos quinze dias com
exclusividade. Nada de trabalhos paralelos, entendeu?
— Sim, querida. Deixe comigo.
Desliguei, ainda observando a foto de Arthur Montenegro.
Comecei a digitar, procurando o site de relacionamento onde o
Daniel e a Ana se conheceram. A página inicial do famoso
mensagensde@mor surgiu na tela.
Com um sorriso de satisfação, peguei o chaveiro e abri a última
gaveta da minha mesa de trabalho. De dentro dela, retirei a pasta com a
cópia do perfil de Ana Cabral que Deborah havia encontrado na sala de
Daniel. Em poucos segundos, eu já tinha o rosto dela no monitor.
— Vadia! Está pensando que vai tirar o Daniel da minha filha?
Pois se prepare para conhecer Victoria Stevens.
Criei um perfil para o Arthur no site, colocando a foto que
recebi de John e escrevendo uma mensagem para Ana Cabral com um
texto parecido com o que Daniel enviou para ela no primeiro contato.
Era mesmo uma grande sorte que as primeiras mensagens que eles dois
trocaram estivessem no material que Deborah providencialmente
encontrou em uma gaveta do escritório dele.
Com aquela foto de Arthur e um texto tão apelativo, a
brasileira oportunista com certeza ia querer conhecê-lo em Nova York,
bem debaixo das barbas de Daniel.
Depois que preparei a armadilha, liguei para Deborah.
— Boa tarde, senhora Stevens.
— Boa tarde, Deborah. Envie para o meu e-mail a agenda de
reuniões de Daniel nos próximos quinze dias.
— Mas o doutor Daniel não terá reuniões durante este período,
exceto com os chineses.
Que mulher burra!
— É exatamente esta agenda em especial que eu quero.
Senti a hesitação dela, mas Deborah se recuperou rápido.
— Sim, senhora Stevens. Vou enviar agora.
Aguardei impacientemente, tamborilando as unhas na madeira
da mesa. Aquela informação era crucial para o meu plano dar certo. Eu
precisava saber quais eram os dias e os horários em que Ana Cabral
ficaria sozinha, para que o Arthur pudesse encontrá-la.
Quando aquilo acontecesse, os dias dela ao lado de Daniel
estariam contados.

Daniel
Aproveitei que Ana estava na cozinha ajudando Carmencita
com os últimos detalhes do jantar e fui ao escritório ligar meu notebook,
disposto a fechar definitivamente o perfil dela no mensagensde@mor.
Já havíamos conversado sobre o assunto e ela deixou bem claro
que não fazia questão de estar presente quando eu o fechasse. Foi difícil
não me sentir emocionado com a confiança que Ana depositou em mim,
ainda mais depois de descobrir que a própria tia a havia enganado
durante anos.
Sem perder mais tempo, abri o perfil. Logo de cara, dei com a
foto dela que tanto me impressionou na primeira vez em que a vi.
Abaixo, estava a descrição mais do que verdadeira.

“Sou sincera, carinhosa, um pouco tímida às


vezes, muito amiga e romântica.”

E agora também é a minha mulher!


A minha primeira providência foi deletar aquela foto e limpar
as demais informações de Ana. Depois, abri as mensagens para eliminar
tudo.
— Maldição! Mas o que é isso?
Fiquei surpreso com a quantidade de mensagens que
aguardavam por uma resposta. Eram tantos homens, que só pude
agradecer a Deus o fato de ela não estar ali naquele momento vendo o
trabalho que eu ia ter para excluir todos eles.
Notei que eram brasileiros, de várias idades e espalhados por
diversas cidades do país. Eu até imaginava que, com uma foto daquelas,
Ana receberia muitos contatos, mas nunca pensei que fossem tantos
assim.
Trabalhei rápido e cheguei aos últimos candidatos em poucos
minutos. Até que um deles chamou a minha atenção e hesitei na hora de
deletar, pois era o único americano no meio de todos aqueles brasileiros.
Coincidentemente ou não, morava em Nova York, de acordo com as
informações que havia no perfil. Tinha vinte e sete anos, um metro e
oitenta de altura, oitenta quilos e era empresário do ramo da moda.
Dizia ser americano, mas a mãe era brasileira do Rio de Janeiro, por
isso falava o português fluentemente, além de outros idiomas. A foto
mostrava um homem bonito e elegantemente trajado de terno.
Um pressentimento estranho bateu no meu peito ao ler a
mensagem que ele enviou para Ana.

“Olá, Ana. Estou encantado com o seu perfil, que


mostra ser de uma mulher com qualidades
difíceis de encontrar hoje em dia. Vê-se que sabe
muito bem o que escolher para si mesma. Tenho
a sensação de que esta sua beleza natural e
sorriso cativante são apenas uma parte de você,
porque seu interior é muito mais do que isso.
Gostaria de confessar uma coisa. Estou muito
interessado em conhecê-la. Se você também
estiver interessada em me conhecer, pode
escrever para o meu e-mail
amontenegro@...com.
Ass. Arthur Montenegro.”

Só depois que terminei de ler foi que percebi o porquê daquele


pressentimento. Fui atrás das primeiras mensagens que havia no perfil
de Ana, à procura da minha. Fiz uma leitura rápida dela e confirmei as
minhas impressões.
Eram quase idênticas.

“Parabéns, Ana. Você tem um perfil muito


denso, com qualidades admiráveis e raras hoje
em dia. Mostra ser uma pessoa real e que sabe
muito bem o que quer. Algo me diz que a beleza
que vejo nesta foto é apenas um complemento do
seu interior e fiquei curioso em conhecê-la. Se
quiser, pode responder para mim usando o e-mail
ortegad@...com.
Daniel Ortega.”

Voltei à mensagem do Arthur e comparei ambas. Depois, abri o


perfil dele para olhar novamente a foto, daquela vez sob um outro
ângulo.
Recostei-me no espaldar da poltrona, analisando aquela
imagem como se fosse a prova de um crime em tribunal. Os meus
instintos de advogado estavam disparados ao nível máximo com aquelas
coincidências. Só que eu não trabalhava com coincidências. Na minha
vida corporativa, todas as coincidências eram fabricadas.
Apertei inconscientemente o punho com força, observando a
barba bem desenhada no rosto bonito e marcante dele, onde havia um
olhar destinado a derreter o coração de qualquer mulher.
— Mas não o da minha mulher, porque o coração dela já é
meu!
Sem pensar duas vezes, deletei a mensagem. Terminei o meu
trabalho no perfil de Ana e fechei-o definitivamente!
Capítulo 1
Ana
DANIEL PAROU O carro em frente à casa dos pais de Jack.
A construção era em estilo antigo e fiquei encantada com a aparência
familiar e aconchegante.
— Oh, mas ela é linda! — virei-me para ele, sorrindo.
Eu me sentia muito feliz por estar indo me encontrar com Bia.
Depois da confusão que houve na casa de Daniel no dia anterior, foi
difícil não ficar triste e preocupada com ela. Agora, pelo menos
poderíamos estar juntas e conversar com mais tranquilidade.
Mas eu sabia que a minha felicidade tinha muito mais a ver
com o homem que estava ao meu lado. Não conseguia deixar de me
sentir impressionada com a maneira como Daniel ganhou uma
importância enorme na minha vida. Apesar de todas as lágrimas que
derramei naqueles dois dias de férias em Nova York, agora estávamos
muito mais próximos do que antes. Eu tinha a sensação de que o
sentimento dele por mim havia fortalecido, ganhando uma proporção
que eu não esperava.
Daniel não conseguia ficar muito tempo longe de mim e, para
ser sincera, nem eu conseguia ficar longe dele. No dia anterior, assim
que ele terminou o trabalho no escritório e foi se encontrar comigo na
cozinha, notei que havia uma determinação diferente no olhar e na
expressão séria do rosto másculo.
— Tudo bem? — perguntei receosa, pois sabia que tinha ido
fechar o meu perfil no mensagensde@mor.
Ele não respondeu de imediato, apenas se aproximou,
arrebatou-me nos braços e beijou com uma intensidade tão grande que
me surpreendeu completamente. No início fiquei sem ação, consciente
da presença de Carmencita na cozinha, sem conseguir esquecer dos
lençóis manchados com o sangue da minha primeira vez, que
certamente ela tinha visto.
Mas como resistir a Daniel? Como resistir à paixão que sentia
por ele?
Quando dei por mim, já estava os braços ao redor do pescoço
dele e deixava que me apertasse da forma que quisesse, saboreando o
gosto da boca exigente sobre a minha. Foi um beijo firme, profundo e
territorial.
Afastou-se de mim depois, mas sem me largar, o olhar pesado
fixo no meu.
— Está tudo bem — confirmou com a voz grave.
— Então, conseguiu fechá-lo?
Só depois que falei foi que percebi que aquela era uma
pergunta desnecessária. Daniel não tinha cara de ser o tipo de homem
que fosse realizar uma tarefa e não a completasse do jeito que queria. E
eu sabia que ver aquele meu perfil fechado era algo que ele desejava há
muito tempo.
Sem dúvida alguma, eu nunca conseguiria esquecer a explosão
de raiva que aconteceu no escritório quando ele me contou que ainda
estava aberto.
— Sim, está fechado de vez — respondeu em tom decidido,
virando-se depois para Carmencita, que havia ido discretamente para o
outro lado da cozinha preparar uma salada. — Falta muito para estar
tudo pronto aqui?
Deixei que ela respondesse, mesmo sabendo que já havíamos
finalizado a refeição.
Ela me olhou com um sorriso cúmplice, antes de responder.
— Está tudo pronto. Em cinco minutos estará na mesa.
— Ótimo! — ele disse satisfeito, olhando para mim com um
sorriso misterioso nos lábios. — Quero que conheça alguns pontos
turísticos de Nova York. Como já é um pouco tarde, os passeios mais
demorados ficarão para outro dia, mas hoje podemos fazer um rápido
tour pela cidade.
Só faltei dar pulinhos de alegria, ansiosa para conhecer tudo.
E o passeio com Daniel foi mesmo muito bom! Visitar Nova
York era um sonho impossível para mim meses atrás. Eu quase não
acreditava que, enfim, poderia conhecer a cidade que era o sonho de
turismo de quase todas as pessoas do mundo. Fazer aquilo ao lado de
Daniel era duas vezes mais incrível.
Fomos de Lamborghini à Manhattan, onde conheci a famosa e
tão falada Wall Street. Inquestionavelmente, Daniel combinava
direitinho com o lugar, que parecia cheirar a dinheiro e poder.
Passamos pela bolsa de valores, circulamos pelas ruas
movimentadas do centro e atravessamos para o outro lado através de
uma ponte enorme e majestosa.
— Meu Deus! Como é grande! — Ela era mesmo
impressionante. — Nunca vi nada igual.
Saímos atravessando-a rapidamente com o motor potente do
Lamborghini. Daniel sorriu ao meu lado enquanto dirigia, parecendo
feliz em ver o meu entusiasmo com tudo.
— Esta é a Brooklyn Bridge ou Ponte do Brooklyn. Liga
Manhattan ao bairro do Brooklyn e, apesar da funcionalidade de unir os
dois locais, com o tempo se tornou um dos maiores pontos turísticos da
cidade. Podemos vir um dia com calma e atravessá-la a pé, como muitos
turistas gostam de fazer.
Olhei-o, abismada, sem conseguir esconder a surpresa no rosto.
— Você a atravessaria a pé comigo?
O sorriso dele se alargou diante da minha cara de espanto.
— Claro, Ana. Eu também ando a pé como todo mundo.
Oh, olha eu falando merda!
— Desculpa, Dan! — disse rápido. — É que pensei que você
só andasse de carro e preferisse não caminhar pelas ruas. Você parece
tão... tão…
Na hora, fugiu-me a palavra e gaguejei. Contudo, daquela vez
Daniel gargalhou mesmo.
— Tão esnobe? — ele completou com bom humor. — Vejo
que não me conhece mesmo. Você não sabe as coisas que sou capaz de
fazer, mesmo andando de terno e gravata todos os dias.
Olhei-o com atenção. Ele estava vestido informalmente, mas
ainda assim continuava muito elegante. Daniel tinha um tipo físico que
qualquer roupa que usasse ressaltava sua masculinidade. Mas,
definitivamente, ele transmitia uma segurança e poder de decisão que
não tinha nada a ver com o que vestia.
Sim, eu conseguia imaginá-lo agindo da maneira que quisesse
em qualquer situação, fosse em reuniões de negócios ou nas ruas de
Manhattan.
— Eu não ia dizer esnobe, mas algo parecido com não ter o
hábito de circular a pé pelas ruas. Você passa a impressão de ser um
homem sem tempo para desperdiçar andando a pé, mas usando sempre
carros velozes como este.
Ele meneou a cabeça em um gesto de concordância.
— Isso é uma verdade. Mas não se esqueça de que nasci e
cresci em Nova York. Conheço cada canto desta cidade como a palma
da mão. Nos meus tempos de adolescente rebelde, eu andava a pé pela
cidade como todo jovem faz.
— Ai, Dan! Não consigo ver você como um adolescente
rebelde! Parece que nasceu sério e focado no trabalho. — Segurei o riso,
porque realmente era difícil imaginar Daniel assim.
Rimos, mas havia um brilho estranho no olhar dele e fiquei
com a impressão de que se lembrava de algo do passado.
— Mas já fui rebelde, acredite — disse enigmaticamente.
Do jeito que falou, não havia como não acreditar nele.
— E você, senhorita Ana Cabral, já foi rebelde?
Nem quero me lembrar de todas as coisas que me revoltaram
na vida!
— Um pouco. Acho que todo adolescente tem seus momentos
de rebeldia — disse, tentando dar um tom leve à resposta.
Ele não comentou nada, apenas me olhou em silêncio,
colocando a mão sobre a minha. Segurou firmemente, acariciando
minha palma com o polegar.
— Você é tão doce que não consigo imaginá-la como uma
garota rebelde sem uma causa justa. Se chegou a ser rebelde, tenho
certeza de que o motivo era válido.
Por um momento fechei os olhos, emocionada diante do que
ele falou. Fiquei sem saber o que dizer, até que resolvi brincar com a
situação.
— Humm, vejo que não me conhece mesmo — repeti as
palavras que ele disse antes. — Não sou doce o tempo todo, acredite. Há
momentos em que sou azeda demais e causo indigestão.
Ele voltou a rir, olhando para mim com malícia.
— Vou tentar me lembrar disso mais tarde.
E lembrou mesmo, quando nos deitamos na grande cama do
quarto dele à noite, depois de um jantar delicioso preparado por
Carmencita.
Daniel fez amor comigo de um jeito lento e sensual, beijando
cada pedaço do meu corpo como se estivesse mesmo saboreando uma
sobremesa. Mergulhou o rosto em meus seios e prendeu um mamilo
com a boca, sugando-o com paixão.
Inspirei fundo, gemendo de prazer.
— Ai, Dan!
Aquela barba macia estimulava a minha pele de uma maneira
que eu só podia classificar como sendo enlouquecedora.
— São doces! — ele grunhiu depois, ainda com o rosto
mergulhado neles.
Desceu uma mão entre as minhas pernas, acariciando-me com
dedos hábeis e me levando ao paraíso. Abandonou meus seios e desceu,
substituindo os dedos pela boca macia e firme, arrancando uma
exclamação de êxtase da minha garganta.
— Dan!
A reação dele foi apenas de sugar, beijar e me estimular mais
ainda, até subir novamente pelo meu corpo e devorar minha boca com
paixão. Depois, afastou-se o suficiente para voltar a grunhir no meu
ouvido.
— Também é doce, Ana!
Nem tive tempo para reagir, antes que ele segurasse minha
coxa com a mão firme e se acomodasse entre minhas pernas,
penetrando-me firmemente. A ereção deslizou pela umidade de nossos
corpos e me preencheu toda, trazendo de volta aquela sensação
maravilhosa de estar completa.
Rodeei o corpo grande e sólido com as pernas e deixei que
impusesse seu ritmo comigo. Eu gostava que ele ditasse as regras na
cama com firmeza, mas sem deixar de ser carinhoso. E Daniel sabia
fazer aquilo muito bem.
Na verdade, eu adorava a pegada dele! Adorava sentir aquela
força toda dentro de mim, as investidas profundas e a respiração
ofegante. Era excitante sentir nas palmas das mãos os bíceps contraídos
dos braços fortes e tocar os músculos das costas largas enquanto ele
estava sobre mim, segurando o próprio prazer a rédeas curtas para
deixar que o meu prazer explodisse primeiro. Quando aquilo acontecia e
Daniel liberava o próprio desejo em busca do orgasmo, era de uma
virilidade potente que me deixava totalmente rendida.
E foi exatamente assim que aconteceu naquela vez. Senti
quando ele explodiu dentro de mim, derramando-se em meu interior
com um rugido abafado de prazer que só aumentou o meu.
A boca de Daniel caiu sobre a minha, devorando-me, enquanto
ele dava uma última investida no meu corpo.
— Ana! — gemeu, as mãos grandes segurando o meu cabelo e
prendendo-me na posição que queria, para poder beijar o meu rosto por
inteiro. — É só doce e mel.
E pensar que nos primeiros contatos achei que Daniel não
fosse romântico!
O que ele não sabia, era que eu pretendia surpreendê-lo e
provar que ele também era doce, assim que eu aprendesse mais e
conhecesse melhor o corpo dele
Agora, dentro do carro em frente à casa dos pais de Jack e
olhando o rosto de traços masculinamente fortes virado para o meu, só
conseguia me lembrar da noite de amor que tivemos, ao ver a forma
intensa com que Daniel me olhava.
— Sim, acho que é linda — ele disse, mas não parecia estar
falando da casa, mas de mim, porque os olhos deslizaram pelo meu
rosto com um jeito tão ardente e territorial que roubou o meu fôlego.
Aquela sensação de poder e confiança voltou a me dominar
diante da emoção que havia nos olhos castanhos dele. Eu só esperava
que Deus nunca me tirasse aquilo, porque fazia um bem enorme na
minha frágil autoestima.
— Então, gosta do estilo da casa? — perguntou-me com
interesse, largando o corpo displicentemente sobre o banco do Escalade,
aparentando não ter pressa em descer.
— Sim, gostei. Parece uma daquelas casas de livros históricos
ou de contos de fadas.
— É o estilo colonial que a minha mãe tanto gosta —
comentou com um meio sorriso.
Coloquei a mão sobre a boca, chocada com a minha gafe.
— E que você não gosta! — exclamei, horrorizada, lembrando-
me do que ele havia dito sobre a própria casa e o fato de a mãe não
aprovar o estilo moderno que escolheu. — Me desculpe! Mas saiba que
também gosto da sua casa. São estilos diferentes, mas que me agradam.
Ele se inclinou subitamente sobre o meu banco, trazendo-me
para perto e colando um beijo úmido em minha boca.
— O meu ego agradece — brincou comigo, roçando a barba no
meu rosto até chegar ao ouvido e sussurrar. — Mas isso me faz pensar.
Aquele roçar de lábios e a respiração quente no meu ouvido foi
o suficiente para eu suspirar.
— Pensar em quê? — perguntei, tentando disfarçar o arrepio
de prazer que senti.
— Por que duas mulheres tão importantes na minha vida
tinham de gostar do mesmo estilo colonial de casa.
Abracei-o pelo pescoço, adorando sentir o beijo suave que deu
no meu rosto.
— Deve ser coisa de mulher. Somos mais sensíveis e
românticas — brinquei também.
Daniel me olhou profundamente.
— Deve ser isso. — Ficou calado por um momento, antes de
soltar um suspiro de resignação e olhar para a casa. — É melhor
descermos, antes que eu mude de ideia e a leve de volta ao hotel.
Não consegui esconder o sorriso que veio fácil aos meus lábios
ao ouvi-lo confessar aquilo. Só que a vontade de saber como Bia estava
era grande e a minha consciência doeu quando percebi que estava a
ponto de dizer que também queria voltar.
Saímos cedo da casa de Daniel, porque Bia ligou confirmando
que nos aguardava para um almoço com a família de Jack. Era
impossível não comparecer agora.
— Então, vamos. Preciso ver com os meus próprios olhos que
Bia está realmente bem. Era para ficarmos juntas em Nova York e
acabamos separadas. Fico preocupada com ela.
O rosto de Daniel ficou sério de repente e vi um brilho duro
nos olhos castanhos.
— Não se preocupe, Ana. Não deixarei que nada de mal
aconteça com ela.
Capítulo 2
Ana
— ENTÃO, GOSTOU DE conhecer as ruas de Nova York?
A pergunta veio do senhor Brian Spencer, pai de Jack, que
estava sentado à minha frente na grande mesa que ocupava a espaçosa
sala de jantar. Bia estava ao meu lado, feliz e parecendo totalmente à
vontade com eles. No total, éramos cerca de quinze pessoas, com Terri
acompanhada por três amigas adolescentes, além de Julie e seu
inseparável celular.
Já tínhamos terminado o almoço e estávamos passando o
tempo em uma conversa agradável que me surpreendeu demais. Eu não
esperava que os pais de Jack fossem tão simpáticos ou que me tratassem
com tanto carinho. Com o passar do tempo, fui percebendo que viviam
um casamento sólido e eram naturalmente adoráveis juntos.
Mas a minha grande surpresa mesmo foi quando falaram em
português comigo. Só então me lembrei de que Bia havia dito que os
avós maternos de Jack eram brasileiros e que ele já tinha morado alguns
anos em São Paulo. Contudo, o que me deixou intrigada, foi saber o
motivo de Ashley só falar em espanhol e em inglês, sem pronunciar
uma única palavra em português como o restante da família.
— Ah, gostei demais. Tudo é muito diferente da minha cidade
e confesso que fiquei impressionada com o tamanho da Ponte do
Brooklyn — respondi alegremente, sentindo a mão quente de Daniel
pousada na minha coxa por baixo da mesa, que ele acariciava
distraidamente enquanto conversava com Jack e Ashley, que pareciam
decididos a monopolizarem a atenção dele.
— Aninha, imagina então o que vai achar da Estátua da
Liberdade! — Bia disse, sorrindo para mim com os olhos brilhando de
alegria. — Já visitei quando vim com meus pais aos dezoito anos, mas
sempre vale a pena ver de novo. Vou levar você e tenho certeza de que
vai ficar impressionada com o tamanho daquilo. É mais alta do que o
Cristo Redentor!
— É verdade — completou dona Alicia, mãe de Jack, uma
senhora muito bonita e de aparência tranquila, que estava sentada ao
lado do marido. — Ela é um ponto turístico que não pode deixar de ser
visitado por qualquer turista que venha a Nova York. Você vai gostar
muito!
— Ai, meu Deus, vou adorar conhecer! — exclamei com
entusiasmo.
Eu estava louca para visitar todos os pontos turísticos que
pudesse de Nova York. Depois daquele rápido passeio com Daniel pelas
ruas de Manhattan, estava encantada com a cidade e com tudo o que ela
tinha de diferente do Brasil.
— Vamos amanhã mesmo! O que acha? — Bia propôs. —
Afinal, é para isso que estamos aqui de férias! Para conhecer Nova
York!
— Quero ir, sim! — nem vacilei na resposta.
Virei-me para Daniel, apertando levemente a mão que estava
na minha perna para lhe chamar a atenção. Ele me olhou, pedindo
licença para os irmãos Spencer.
— Bia quer me levar amanhã para conhecer a Estátua da
Liberdade — disse-lhe, dando um sorriso de desculpas aos dois por ter
interrompido a conversa deles com Daniel.
Ele olhou para Bia enquanto me escutava, mas respondeu para
mim.
— Já era um dos lugares para onde pretendia levar você. —
Voltou a olhar para Bia. — Sem dúvida que podemos ir todos juntos.
— Então, passamos no hotel e pegamos vocês — Bia disse
alegremente, olhando para Jack e esperando uma confirmação.
Surpreendentemente, ele se virou para Daniel com uma
proposta.
— Podemos fazer de outra forma. O que acha de irmos em um
só carro? É mais prático, já que estaremos juntos no passeio. Você
poderia vir nos pegar! Seu carro é grande o suficiente para caber todos
nós. Acredito que aquele modelo leve até oito passageiros, não é isso?
Eu podia não ser a “senhora socialite” em pessoa, mas achei
aquilo meio invasivo da parte de Jack e fiquei sem saber o que Daniel
estaria pensando daquela atitude dele. Foi impossível não me sentir
constrangida por vê-lo recebendo aquela abordagem do namorado da
minha amiga.
Tive a sensação de que não fui apenas eu que fiquei tensa com
a insinuação nada discreta de Jack. O pai dele se remexeu
desconfortavelmente na cadeira e dona Alicia baixou a vista para as
próprias mãos.
Daniel deve ter sentido o quanto fiquei tensa, porque
pressionou minha mão com firmeza na dele, dando um leve aperto de
quem estava ciente e no controle da situação.
— Sim, isso mesmo — confirmou tranquilamente. — Passarei
aqui amanhã para irmos todos juntos.
Passaram-se alguns estranhos segundos de silêncio na sala,
antes que Bia se pronunciasse.
— Que bom que está tudo combinado — Olhou para todos na
mesa com o habitual sorriso espontâneo, terminando em Daniel. —
Agora vocês vão me perdoar, mas vou levar Aninha até o meu quarto
para ligarmos juntas para os nossos pais e fofocar um pouco.
Mal terminou de falar, levantou-se da mesa e ficou esperando
que eu fizesse o mesmo.
Daniel se inclinou na minha direção para dar um beijo leve nos
meus lábios. Recebi o beijo, mas não deixei de notar que Jack tinha o
olhar sobre mim. Procurei não me incomodar com aquilo e me
concentrei apenas em Daniel.
— Vá falar com o seu pai — ele sussurrou no meu ouvido.
Olhei-o fixamente, preocupada que estivesse chateado com a
inconveniência de Jack, mas fiquei tranquila com o que vi. Era como se
Daniel já estivesse esperando tudo aquilo acontecer e encarasse a
situação com a segurança de sempre.
Confirmei com um gesto de cabeça, pedindo licença a todos e
saindo da sala com Bia. Quando chegamos ao quarto que ela estava
ocupando na casa, Bia fechou a porta e caímos sentadas na cama.
— Aninha, me desculpe por essa intrusão de Jack, mas ele está
obcecado pelo carro de Daniel. — Riu com naturalidade, parecendo não
ver nada de mais na obsessão dele. — Meu Deus, como os homens são
bobos por carros!
Fiquei calada, afinal, eu não valorizava carros, nem era homem
para saber o que eles sentiam quando estavam diante de um Escalade
igual ao de Daniel.
— Como estão as coisas entre vocês dois? — Eu precisava ter
certeza de que ela estava bem e tão feliz quanto eu.
Mesmo tendo visto que os pais de Jack eram uns amores e o
ambiente da casa era acolhedor e familiar, queria ouvir aquilo da boca
dela.
Bia deu um sorriso que sempre me incomodava por ser
conformista, como se estivesse aceitando algo inferior ao que merecia
por achar que o romantismo exagerado dela havia idealizado um homem
que não existia.
Ter tantos namorados-lixo dá nisso! Mata os sonhos de
qualquer mulher, por mais romântica que seja.
— Estamos bem.
— Mas você gosta mesmo dele?
Apesar da excelente impressão que tive do casal Spencer, eu
ainda continuava sentindo algo muito estranho em Jack. Algo que me
incomodava muito e que sentia no olhar dele, mas que ainda não sabia
dizer com precisão o que era. Isso sem falar do jeito como ele parecia
estar obcecado com tudo o que Daniel tinha. Eu não conseguia deixar de
comparar o Jack com o meu ex-namorado Bruno, que valorizava demais
o status social e as posses das pessoas com quem se relacionava.
Bia pareceu pensativa, analisando a minha pergunta.
— Como posso explicar. — Fez uma pausa e fiquei
aguardando que ela encontrasse as palavras certas. — Apesar de Jack
ser um americano lindo e morar nesta maravilha de país, além de estar
até muito interessado em mim, confesso que no começo entrei nessa
pelo entusiasmo com tudo isso. Não houve aquele “tchan” de quando a
gente parece encontrar nossa alma gêmea.
Caiu deitada na cama, olhando para o teto como se analisasse
os próprios sentimentos. Depois continuou a divagar, falando em voz
alta algo que parecia já ter pensado muito sozinha.
— Mas acho que, com o passar do tempo, comecei a gostar
dele. Jack sabe ser muito atencioso e amoroso quando quer.
Incrivelmente, é até ciumento também. Só que tem uns momentos em
que ele parece estar “off” de mim, sabe? Tipo desligado de tudo e num
mundo só dele.
Deitei-me ao lado dela, olhando-a com carinho.
— E você não acha isso estranho? — disse com cuidado, sem
querer falar nada de mal do homem só porque me sentia incomodada na
presença dele.
— É e não é! — Ela riu, deixando de olhar o teto e virando-se
de lado na cama, ficando de frente para mim. — Estamos apenas há três
dias convivendo um com o outro e acho que ainda é muito cedo para
formar uma opinião definitiva sobre ele. Prefiro dar mais tempo ao
tempo.
Eu concordava com relação àquilo. Afinal, não era porque eu já
tinha certeza do que sentia por Daniel e do que ele sentia por mim, que
o resto do mundo seria igual. Pela lógica, o processo de conhecimento
de Bia e Jack seria o mais normal de acontecer, sendo eu e Daniel uma
exceção à regra.
— Você não gosta dele, não é? — ela perguntou subitamente,
pegando-me de surpresa. — Já notei.
Não havia como negar, nem eu faria isso. Éramos amigas.
— Não é que não goste — disse cautelosamente, tentando
explicar os meus motivos. — Jack é muito simpático, mas aí é que está
a primeira coisa estranha. Acho ele excessivamente simpático e social,
como se estivesse representando um papel. É como se fosse uma
imagem que não refletisse a essência dele mesmo, o que ele é por
dentro.
Mal acabei de falar, fiz uma careta de desânimo, torcendo o
nariz para o que havia dito.
— Acho que não estou me fazendo entender bem.
Calei-me, porém Bia continuou pensativa apenas olhando para
mim. Eu sabia que ela estava esperando que continuasse a dar a minha
opinião e fui em frente, mesmo não sendo algo tão fácil assim de fazer.
— Desculpa ter de dizer isso, mas a verdade é que sinto uma
coisa estranha aqui dentro do peito quando estou perto dele, que não sei
explicar. E olhe que tive essa mesma sensação quando você me mostrou
a foto de Jack pela primeira vez lá no Brasil. Tem algo nos olhos dele,
sei lá. — Parei, procurando as palavras certas. — Olha, quer saber?
Esquece!
Desisti, porque a única palavra que vinha à minha cabeça era
“mentalmente desequilibrado” ou com “intenções ocultas”, mas não
queria ter de dizer aquilo para ela.
— Humm. Pelo que estou entendendo, você acha ele esquisito!
— ela disse calmamente.
— Algo assim — confirmei, porque era parecido com o que eu
verdadeiramente achava. — O que não combina em nada com os pais
dele, que são uns doces.
— Concordo com você. Brian e Alicia são maravilhosos.
Hesitei por um instante, mas não resisti em perguntar.
— Por que todos falam o português, exceto a Ashley?
— Ela teve que ficar aqui nos Estados Unidos com os avós
paternos quando todos foram morar no Brasil. Pelo que entendi, não se
adaptou na escola de lá, a ponto de ter crises de pânico em sala de aula.
Aquilo era algo que eu entendia muito bem e acabei por me
solidarizar com Ashley.
Olhei para Bia com curiosidade e fiz a pergunta que não calava
dentro de mim.
— Vocês dois já estão transando?
Ela riu quando terminei de falar.
— Bem que ele tentou, mas ainda não aconteceu nada entre
nós. Estarmos sempre com a família dele impede que isso aconteça.
— E você não quer?
— Por incrível que pareça, estou decidida a resistir o quanto
puder. — Ela riu ainda mais ao falar aquilo.
Achei estranho, afinal, desde que falei com o Daniel pela
primeira vez e ouvi sua voz grave com aquele sotaque arrasador, já senti
um desejo muito grande por ele. Quando o vi pelo Skype, o impacto na
minha libido foi enorme, despertando uma paixão desconhecida para
mim. Vê-lo pessoalmente, depois tocá-lo e beijá-lo, só veio confirmar
tudo aquilo e aumentar ainda mais a minha vontade de fazer amor com
ele.
Sinceramente, nem imaginava como conseguiria resistir a tudo
aquilo como Bia estava fazendo com o Jack. Ou eu era uma devassa
completa ou o que existia entre nós dois era mesmo diferente e forte
demais.
Olhei para minha amiga com carinho, pensando até que ponto
ela investiria naquele relacionamento com o Jack.
Capítulo 3
Ana
FOI NAQUELE INSTANTE da minha conversa com Bia que
me lembrei de outra coisa, algo que também havia me deixado curiosa
demais no dia anterior.
— Amiga, o que foi aquilo com o Richard na casa de Daniel?
Bia arregalou os olhos quando ouviu o nome de Richard, uma
expressão estranha tomando conta do rosto dela.
— O James? — Sentou-se repentinamente na cama, passando
as mãos no cabelo escuro.
Era difícil para mim vê-lo como sendo James e não como
Richard. Até confundia um pouco unir os dois homens em um só, mas
sem dúvida que ela ficou abalada com a minha pergunta.
— Sim, ele mesmo! Apesar de que o conheci como sendo
Richard, e não James, e você já sabe que a minha experiência com ele
não foi nada boa — lembrei, sentando-me também. — Mas achei uma
coincidência tremenda que vocês dois já se conhecessem antes. Ele era
do site?
Ela confirmou com um leve meneio de cabeça, encarando-me
depois com a expressão muito séria.
— Tudo bem, Aninha. Vou contar tudo.
Parecia conformada em falar, mesmo considerando que antes
nunca havia dito uma única palavra sobre ele para mim.
— Conheci o James no mensagensde@amor, umas duas
semanas depois do primeiro contato com o Jack. Foi tudo muito rápido
entre nós dois. Quando menos percebi, já tínhamos criado o hábito de
conversar com alguma frequência. — Fiquei com a impressão de que
ela se sentia envergonhada em admitir que esteve falando com outro
homem enquanto estava namorando com o Jack pela internet. —
Inicialmente, o meu interesse foi por ele ser americano também, mas,
com o passar do tempo, comecei a gostar mesmo de James. E tinha
certeza de que ele também sentia o mesmo por mim.
Fiquei surpreendida ao saber daquilo, pois sempre pensei que
Bia estivesse cem por cento interessada em Jack durante todo aquele
tempo. Mas então me lembrei de que o mundo ao meu redor parou de
ter importância depois que falei com o Daniel pela primeira vez. Só as
coisas relacionadas a ele me interessavam.
Agora, me questionava se não fui uma péssima amiga por não
ter percebido nada ou sido mais íntima dela.
— Se vocês se gostavam tanto, como foi que chegaram ao
cúmulo daquela briga horrível de ontem? Vocês dois falaram coisas que
ofenderam um ao outro — A expressão dela se fechou quando me
ouviu. — Também não entendo por que nunca comentou nada comigo
sobre ele. Sempre fui sua amiga, mesmo sendo tão esquecida das coisas,
mas você sempre falava apenas sobre o Jack, o Jack e o Jack.
Ficou visível o quanto ela se sentia arrasada quando me
encarou.
— Quer saber por que eu nunca disse nada? Porque fiquei com
vergonha de ser mais um fracasso romântico na minha vida,
principalmente quando olhava você tão feliz com o Daniel. A sua sorte
foi grande, Aninha! Achou o homem ideal em pouco tempo, enquanto
eu continuava procurando, procurando e procurando. Como sempre!
A minha amiga parecia mesmo mal e fiquei triste por ela. Bia
sempre foi a romântica sonhadora de nós duas, aquela que acreditava
em almas gêmeas e esperava encontrar a dela em cada novo homem que
conhecia.
Fiquei sem saber o que dizer, só olhando para ela com o amor
de irmã que eu tinha no coração.
— Se não fosse você, Daniel não existiria na minha vida. Nem
sei como vou agradecer isso, além de tudo o mais que sempre fez por
mim e pelo meu pai. — disse-lhe com sinceridade, pois aquela era a
mais pura verdade, e abracei-a, sentindo-me emocionada demais. — Eu
te amo, Bia. Você é uma irmã perfeita para mim. Muito mais do que
uma amiga.
Ela me abraçou forte, encostando a cabeça no meu ombro.
— Sei disso — sussurrou com a voz embargada. — Você é
minha irmã também e estou muito feliz em vê-la com o Daniel.
Permanecemos abraçadas por longos instantes, dando força
uma à outra. Quando Bia se afastou, foi com um sorriso nos lábios.
— Mas o Daniel que se cuide caso venha a magoar você. —
Apontou dois dedos para os próprios olhos, depois fez uma cara
ameaçadora. — Estou de olho nele!
Começamos a rir.
— Sua boba! — Dei-lhe um empurrãozinho com o ombro.
— Você é muito ingênua, Aninha. Sei que o Daniel é perfeito
para você, com aquele jeito sério e sisudo dele, mas ainda assim é bom
ficar de olho.
Ela tinha razão, mas eu sentia que o Daniel não ia me
decepcionar. Na verdade, tinha a sensação de que era eu quem tinha
tudo para o decepcionar no futuro, quando soubesse das minhas
limitações.
Suspirei, conformada com aquilo, procurando esquecer da
minha dislexia.
— Me fale sobre o Richard e tudo o que aconteceu entre vocês.
Ela torceu o narizinho arrebitado antes de falar.
— Resumindo tudo, eu me apaixonei por ele e nada deu certo.
Foi isso. Então, resolvi esquecê-lo e namorar mais seriamente com o
Jack.
Fiquei surpresa com aquela informação.
Bia apaixonada por Richard?
— Sério isso?
Ela confirmou com resignação.
— Isso mesmo, minha amiga. Estava indo tudo bem entre nós,
até o dia em que ele disse que ia viajar para o Brasil me conhecer.
Fiquei superfeliz, porque era tudo o que eu mais queria. Pensei que,
enfim, havia encontrado “o cara certo”. Ele era bonito, educado, culto,
bem-humorado, superatencioso e carinhoso. Conversamos muito sobre
tanta coisa, Aninha. Eu também estava triste e desiludida com o Jack,
que vivia repetindo que nunca mais pisaria no Brasil porque era um país
violento e tudo mais. — Notei como os olhos dela brilharam,
sonhadores. — James surgiu quando eu não tinha mais esperanças de
encontrar alguém especial. Parecia tão perfeito em tudo, que resolvi
guardar ele só para mim, com medo de que fosse apenas mais um sonho
meu. Você sabe como sou sonhadora.
Continuei olhando para ela, tentando não deixar transparecer o
quanto estava chocada com tudo aquilo. O Richard ser aquele homem
perfeito que Bia descreveu estava me deixando mais do que abismada.
Eu só o conseguia ver como o homem sarcástico, zombador,
preconceituoso e impiedoso que me humilhou na casa de Daniel.
Será que a minha amiga se iludiu com mais um homem além de
Jack?
Depois, lembrei-me de que o Daniel também gostava de
Richard, afinal, ambos eram amigos antes da confusão causada por
aquele relatório de investigação e por todas as mentiras que eu e Bia
inventamos. Além disso, Daniel não parecia ser do tipo que se enganava
facilmente quanto ao caráter das pessoas.
Durante a discussão que teve com a Bia, o próprio Richard
deixou bem claro o quanto ele e Daniel eram amigos.
“Eu e ele também somos amigos há muito tempo e quem tentar
enganar o Daniel, dando-lhe um golpe, engana a mim da mesma
forma!”
Sem dúvida alguma, eu teria a mesma reação para defender
Bia, por isso não podia condenar o homem por tentar defender o amigo,
ainda que os métodos usados fossem injustos comigo.
— Mas o que aconteceu depois? — perguntei, curiosa para
saber em qual momento o homem de sonho foi trocado pelo Jack, que
para mim era um pesadelo.
Ela passou a mão no rosto, como se quisesse realmente
despertar de um sonho.
— Como eu disse, um dia ele estava prometendo ir à Fortaleza
me conhecer e no outro desapareceu completamente. — Bia me olhou
com a expressão triste. — Foi um dia inteiro de silêncio, Aninha. Algo
raro nele e que me deixou preocupada. Tentei ligar no número que eu
tinha, mas acho que foi desativado, porque não consegui. Não houve
mais nenhum telefonema, nenhum e-mail ou qualquer outro tipo de
contato. O perfil no site foi eliminado e fiquei completamente sem
opções de o encontrar novamente.
Ouvi aquilo sem acreditar, tentando me lembrar do que Daniel
havia dito sobre o Richard ter conhecido uma Beth no site.
— Explica isso direito, Bia. O homem simplesmente sumiu?
— Sumiu durante uns dois dias. Até que, de repente, chegou
um e-mail dele, dizendo que agradecia o meu interesse e amizade, que
tinha gostado muito de mim, mas que conheceu outra mulher no site e
estava apaixonado por ela. E adivinhe a bomba? — O rosto dela ficou
contraído de raiva, mas percebi que era contra ela mesma. — Ainda
disse que estava no Brasil, mas que tinha ido conhecer primeiro a tal
mulher. E como ela era tudo o que ele procurava, estava pedindo
desculpas e desejando que eu também encontrasse um grande amor no
site. Fiquei fodida com aquilo! Senti como se ela tivesse roubado o meu
sonho. Pense que ridícula que fui, porque a mulher não tinha culpa de
nada!
Bom, essa parte já combina mais com o Richard que eu
conheci.
Bia me encarou de frente e vi que a expressão do rosto dela era
um misto de tristeza, culpa e raiva.
— Então, o que fiz? Mandei uma resposta agradecendo o
interesse inicial dele por mim e dizendo que já estava apaixonada por
outro. Desejei que fosse feliz e ponto final! — Aquele desabafo foi
seguido por um gesto decidido de mãos. — Sei que exagerei nas coisas
que disse para ele ontem, Aninha. Sei que despejei a minha amargura
por ter sido trocada por outra, mas não consegui evitar — admitiu a
contragosto.
— Mas isso é compreensível, amiga! Acho que eu teria a
mesma reação que você teve. — Tentei fazê-la entender que agiu como
qualquer outra mulher na mesma situação. — Lógico que exagerou, mas
ele também fez igual. Vocês pareciam dois rancorosos agredindo um ao
outro. Se não fosse a presença de Daniel ali para segurar o Richard,
acho que você teria tido sérios problemas em dominar um homem
daquele tamanho caso ele investisse mesmo.
— Fiquei cega, ainda mais quando achei que ele havia mentido
até no nome que me deu, mesmo sabendo que nestes sites isto é comum
de acontecer. Saber que ele não era quem eu pensava, também não
ajudou nada. Nunca ia adivinhar na minha vida que o Richard odioso
que humilhou você era o mesmo James doce e carinhoso por quem nutri
sonhos idiotas e românticos!
— Então, o que Daniel disse é verdade! — pensei alto, cada
vez mais surpresa com aquela história.
— O que ele disse? — ela perguntou com uma expressão
curiosa no rosto.
— Daniel me contou que Richard conheceu uma Beth no site e
que esta mulher se apaixonou por outro, deixando de falar com ele. —
Apontei para o peito dela. — E esta Beth era você!
— Tão inocente ele! — ela exclamou ironicamente, os olhos
faiscando de raiva. — Foi ele que me trocou antes!
Respirei fundo, confusa com aquela situação.
— Calma, Bia. Tem algo muito estranho nisso tudo. Acho que
vocês dois precisavam conversar para esclarecer o que realmente
aconteceu.
Ela me olhou com a incredulidade no rosto.
— Eu falar com ele? — Bia praticamente cuspiu aquelas
palavras, parecendo revoltada com a minha sugestão de paz. — Aninha,
por acaso se lembra de tudo o que ele disse antes de sair muito
arrogantemente daquela sala?
— E você se lembra de tudo o que também disse para ele? —
Puxei-a pela razão. — As agressões foram recíprocas. Além disso,
Daniel falou para mim que você não podia ter feito coisa pior do que
dizer que trocou Richard por outro melhor e mais homem do que ele.
Ela bateu as mãos no colo com raiva.
— Ele me trocou antes! Vou ter de repetir isso quantas vezes?
Segurei as mãos dela com carinho.
— Eu acredito em você, mas repito que tem algo estranho nesta
história toda. Você não acha?
— Tem algo estranho, sim! É a cara-de-pau com que ele
mentiu para mim e para o Daniel, contando uma triste história que não
existe. Sem falar que aquele homem amargurado e preconceituoso que
vi ontem não é nem de perto o James que conheci. Acredite no que digo.
— Só sei de uma coisa. Entre o Richard, o Jack e o James,
prefiro o James!
Olhamos uma para a outra e começamos a rir com a minha
comparação.
Ela deu um beliscão na ponta do meu nariz, o sorriso
espontâneo voltando ao rosto.
— Você é que teve sorte! Conseguiu um verdadeiro sonho de
homem e tem que agradecer a Deus por isso. — Fez uma pausa e senti
que queria dar ênfase ao que ia dizer. — Mas ainda estou um pouco
chateada com ele por tê-la investigado e feito chorar tanto. Para mim,
Daniel permanece em “estado de observação”.
De repente ficou muito séria, sustentando o meu olhar.
— Por vários motivos, desde ontem que estava ansiosa para
ficar a sós com você. Mas o motivo maior era para continuarmos aquele
assunto de transar com o Daniel sem preservativo e sem estar tomando
nada. Precisamos fazer contas da sua última menstruação, porque não
quero levá-la para o Brasil grávida. — Ela fixou o olhar carregado em
mim. — Você tem noção da seriedade de uma gravidez logo de Daniel?
Um homem que mora em um país distante do seu e que conheceu há
pouco tempo pela internet?
Ai, meu Jesus! Visto assim, parece que acabei realmente de
assinar o atestado internacional de burrice.
Capítulo 4
Ana
ENCAREI BIA, QUE me olhava com a expressão
preocupada.
Apesar de ter ficado um pouco nervosa com aquele assunto, eu
sabia que não corria o risco de engravidar e, mesmo que ficasse grávida,
sentia-me segura com relação a Daniel. Porém, ouvindo Bia falar
daquele jeito, era impossível não ver a loucura que uma gravidez dele
significava.
Por um momento fechei os olhos, lembrando-me de que tudo
parecia tão certo quando estávamos fazendo amor!
Respirei fundo e garanti com firmeza.
— Tenho certeza de que não vou engravidar. Fiz as contas
direitinho.
Ela pegou o celular e saiu procurando algo.
— Vamos ver se fez mesmo. — Virou a tela para mim,
mostrando um calendário do mês.
Debrucei-me no celular com ela e começamos a contar os dias,
até que ela olhou para mim.
— Parece que não temos com o que nos preocupar —
confirmou, deixando-me aliviada. — Mas é importante que tenha
certeza de que o primeiro dia da menstruação foi mesmo nesta data.
— Tenho, sim! Foi bem antes da mudança para a casa da
minha tia. Quando nos mudamos mesmo, o meu ciclo tinha terminado.
Não dá para confundir isso! Fico péssima quando menstruo e tive que
arrumar tudo com dias de antecedência, além de pegar peso, separar e
jogar coisas fora. Lembro que tomei um monte de remédios para
aguentar a dor, porque precisava preparar tudo para quando a
transportadora chegasse.
— Ótimo! — ela exclamou com um sorriso. — Vocês se
mudaram dois dias antes da nossa viagem e hoje é o nosso terceiro dia
aqui. Só aí já vão cinco dias. Mais os seis dias do seu ciclo, fazem cerca
de onze.
Por um momento, Bia ficou pensativa e voltou a mexer no
celular. Abriu uma página na internet e começou a ler em silêncio,
olhando depois para mim.
— Por enquanto parece que você está a salvo de ter
engravidado, mas comece a usar o preservativo a partir de hoje.
Segundo este site, o período fértil começa entre dez a quatorze dias após
o primeiro dia da menstruação. Se não estou enganada, você está na
agulha para engravidar.
Um arrepio percorreu o meu corpo quando ouvi aquilo, pois
uma coisa era fazer amor com Daniel sabendo que estava segura por
causa do fim do meu ciclo, mas outra totalmente diferente era fazer
amor ciente de que já não havia nenhuma zona de segurança para mim.
Eu tinha que falar com o Daniel, mas nem imaginava como ia
tocar naquele assunto com ele. Desde a nossa primeira vez, quando
conversamos sobre uma possível gravidez, já havia percebido que ele
não hesitava nem um segundo em fazer amor comigo sem usar
absolutamente nada. Algo me dizia que desejava ardentemente aquele
filho.
Resolvi desabafar com ela, em busca de conselho.
— Seria tão errado assim acontecer isso agora, Bia?
Ela abriu a boca, parecendo em estado de choque com as
minhas palavras.
— Você tem noção da pergunta que fez?
— Claro que tenho! — Segurei as mãos dela, tentando dar mais
ênfase ao que ia dizer. — Vamos supor que acontecesse mesmo, seria
tão errado assim? Entenda que isso não quer dizer que eu queira
engravidar dele ou que esteja buscando esta situação. Você sabe que
nunca pensei em ser mãe, nem fiz planos de construir família. Mas
confesso que Daniel me fez pensar nisso e até querer que acontecesse.
Sei que eu seria uma mãe muito melhor do que a minha foi. Pode
parecer estranho, mas sinto que ele quer muito um filho comigo e que
não me deixaria ficar mal com o bebê!
Ela soltou as mãos e levantou-as no ar, fazendo um gesto para
que eu parasse ali mesmo.
— Até fico calada com relação a Daniel não deixar você mal.
Pelo jeitão sério dele, não consigo vê-lo renegar o próprio filho. E pela
idade que tem, até está na altura de ser pai.
A expressão de Bia enquanto falava era determinada,
parecendo realmente preocupada em colocar juízo na minha cabeça.
Será que perdi mesmo a razão? Logo eu, sempre tão prática e
cética com relação ao amor!
— Pense, Aninha! É tudo muito recente entre vocês dois para
darem um passo tão importante como este. Me espanta esta ansiedade
de Daniel, assim logo de cara, quando mal conheceu você. — Mal disse
aquilo, ela parou, olhando-me com atenção e sorrindo com malícia. —
Bom, mas você é linda e muito carinhosa. Até entendo a pressa dele!
Acho que Daniel quer prender você, com medo de perder o tesouro que
encontrou “por acaso” na internet.
Olhamos uma para a outra e então caímos na risada, lembrando
todo aquele drama do “por acaso”. Eu nunca ia me esquecer de como
não me interessei por Daniel no começo só porque ele disse ter entrado
“por acaso” no site, apenas para se distrair. Na época, achei falta de
romantismo, mas hoje tinha ao meu lado o homem mais romântico que
já conheci.
— Mas sendo você um tesouro ou não, ele que controle a
ansiedade de ter um filho e namore mais um pouco antes de pensar em
engravidá-la. — Apontou-me o dedo. — E você, dona Ana, saiba dizer
“não” a Daniel.
A questão não era o Daniel, mas eu mesma, o que fazia com
que negar fosse a parte mais difícil. Dizer “não” a Daniel era também
dizer “não” aos meus próprios sentimentos, emoções e desejos mais
secretos.
No entanto, Bia tinha razão quando dizia que eu não podia
voltar para o Brasil grávida de um namorado americano de poucos
meses. Um homem que o meu próprio pai nem sabia que existia.
E só de pensar no meu pai, já bateu a saudade.
— Vamos mesmo ligar para o Brasil? — lembrei, ansiosa para
falar com ele.
Bia já tinha me contado que o pai dela havia falado com o meu
para dizer que estava tudo bem com a gente. Mas, mesmo ciente de que
ele estava tranquilo com as notícias, eu sabia que nada se comparava a
ouvirmos a voz um do outro.
Ela voltou a pegar o celular sobre a cama.
— Claro que sim! Vou colocar você para falar com o tio.
Esperei ansiosamente, quase pulando sobre o celular quando
ela falou com ele.
— Tio? Advinha quem está aqui comigo e louca para falar com
você?
Só faltei chorar quando ouvi a voz dele do outro lado da linha,
brincando com ela.
— Espero que seja a minha Aninha ou você vai levar umas
boas palmadas na bunda se não a colocar para falar comigo, senhorita
Bia!
A voz dele estava alegre e cheia de expectativa.
Bia riu, deliciada com a maneira como ele pegava no pé dela.
— Vou colocar, tio! Agora, quando eu chegar aí, se prepare
para me dar muitos beijos por isso, viu?
Eles riram e logo depois o celular estava na minha mão.
— Pai?
— Aninha! Você está bem, filha? — Quando ouvi a voz dele,
fechei os olhos de saudades.
— Estou pai. Está tudo bem comigo — confirmei de imediato,
porque agora aquela era a mais pura verdade. — E com o senhor, está
tudo bem? Estão cuidando direitinho de tudo o que precisa? Soraia tem
ido aí? Conta tudo, pai!
Ouvi a risada alegre dele. Como não tossiu logo depois, percebi
que tinha os pulmões limpos, sem aquelas crises respiratórias
preocupantes.
— Estou bem, filha. Fique tranquila e aproveite suas férias —
garantiu em tom firme. — Agora, conte-me como é Nova York e o que
já conheceu da cidade.
Falamos por mais alguns poucos minutos, porque eu estava
preocupada com o custo que aquela ligação teria para Bia. Ela já havia
dito que, como ia economizar na hospedagem, podíamos nos exceder
em outras coisas. Porém, mesmo sabendo que ela tinha dinheiro para
sustentar bem nossas despesas, eu não queria abusar.
Quando desliguei, foi difícil não ter lágrimas nos olhos.
Como sempre acontecia, eu ficava pensando como ele estaria
hoje se aquele assalto não tivesse acontecido, se eu não tivesse pisado
no acelerador do carro de tanto medo, se o tiro não tivesse existido.
Tudo aquilo sempre vinha à minha cabeça inúmeras vezes, desde que
ele ficou tetraplégico. O meu pai poderia ter continuado a ser o homem
forte e cheio de saúde de antes, se não fosse por minha culpa. Poderia
até estar comigo agora em Nova York, se aquele assalto tivesse
terminado de outra maneira.
— Ai, Aninha! Não chora, por favor! — Bia disse logo, assim
que viu as lágrimas rolando pelo meu rosto. — Ai, meu Deus. Vou
chorar também se você não parar agora.
Deitei a cabeça no colo dela, continuando a chorar.
— Tudo culpa minha!
Ela ficou calada, sem entender o que eu disse, afinal, nunca
havia contado para Bia como aconteceu o tiro. Apenas disse que o meu
pai ficou daquele jeito por causa de um assalto.
Na verdade, nunca comentei aquele detalhe com ninguém.
Apenas eu, ele e a minha mãe sabíamos que a culpa era minha. Até
hoje, Bia não entendia o motivo pelo qual eu não gostava de dirigir e
andava de ônibus ou de táxi.
— Aninha, não vejo como você pode ser a culpada. Existem
coisas que tem de acontecer na vida e pronto! Não foi você quem puxou
o gatilho e deu o tiro no seu pai, então, pare de se martirizar com isso.
Ela alisou o meu cabelo com carinho, dando-me consolo,
enquanto eu tentava jogar o sentimento de culpa dentro de um cantinho
escuro da minha cabeça para continuar sobrevivendo, como vinha
fazendo há quatro anos.
— Agora, levante-se e vamos retocar esta maquiagem para
ninguém perceber que andou chorando. Já estamos aqui há muito tempo
e precisamos descer.
Capítulo 5
Ana
ENGOLI A TRISTEZA e me sentei, notando como ela
observou o meu rosto com atenção.
— Melhora esta cara, por favor — ela pediu com um sorriso
triste. — Venha, deixe-me ajudar você a melhorar essa aparência ou o
Daniel vai ser outro a querer me matar por sua causa. Tenho certeza de
que não vai gostar nada de mim quando souber que estou adiando a
vinda do filho que tanto deseja.
Ela paralisou de repente, ficando tão séria que até me assustou.
— O que foi, Bia?
— Ai, Aninha! — Ela respirou fundo várias vezes, desviando
os olhos dos meus e parecendo verdadeiramente nervosa. — Como não
me lembrei disso antes?
Fiquei com a impressão de ter visto um brilho de compaixão no
olhar dela e quase não acreditei naquilo.
— Ai, Bia, digo eu! — disse-lhe rápido, ansiosa para saber o
que a deixou daquele jeito. — Desembucha logo, por favor!
Bia me encarou e não gostei nada do que vi nos olhos dela.
— Bia, Bia — sussurrei, já assustada. — Por que está me
olhando desse jeito?
Ela soltou um gemido de desolação, visivelmente resistindo a
me contar o que era. Até que, enfim, pareceu se render ao inevitável.
— Daniel precisa saber da sua dislexia.
Afastei-me dela de supetão, negando veementemente com a
cabeça.
— Não! — neguei em voz alta e categórica. — Nem pensar!
— Mas ele precisa saber, Aninha. — Lá estava novamente a
compaixão, só que agora no tom de voz.
— E por que isso agora, assim de repente? — Levantei-me da
cama, afastando-me dela e passando as mãos já suadas na calça que
usava. — Não ouse dizer nada para ele. Eu não autorizo!
Ela também se levantou, tentando se aproximar de mim, mas
recuei. Eu nem conseguia imaginar a possibilidade de perder Daniel
justamente naquele momento, quando tudo estava tão bem entre nós
dois e eu desejava tanto ficar com ele.
Por favor, meu Deus. Isso, não!
— Aninha, ouça! Você não vai conseguir esconder isso dele
para sempre. Daniel é um homem inteligente, perceptivo e astuto. Não
ocupa a posição que tem naquela empresa à toa. Em algum momento ele
vai descobrir sozinho, ainda mais estando tão ligado a você em tudo. O
ideal era que soubesse através de você.
Só em ouvir falar da inteligência dele, senti o meu mundo ir
abaixo por causa da minha “falta de inteligência”, para não dizer
burrice. Tive a sensação de que se abriu um abismo enorme entre nós
dois.
Coloquei as mãos sobre o rosto, com vontade de gritar de raiva
por tudo ser daquele jeito.
— Bia, deixa eu ser feliz com ele mais um pouquinho, por
favor! — Olhei-a com desespero.
Ela me abraçou contra o peito e não resisti em apertá-la com
uma tristeza enorme no coração.
— Não precisa falar assim, como se estivesse implorando para
eu não contar nada. Jamais trairia você dizendo qualquer coisa para o
Daniel ou para outra pessoa. Esta decisão é só sua, amiga! Apenas quero
que pense nisso com seriedade, pois tem algo muito importante que
você não sabe, mas que dá a Daniel o direito de saber da sua dislexia.
Congelei na hora, separando-me dela.
— O que você sabe que eu não sei?
Ela ficou olhando para mim em silêncio por longos segundos,
antes de responder com um suspiro de resignação.
— É sobre esse filho que o Daniel tanto quer.
— E o que tem ele? — Senti o desespero na minha própria voz.
Levei instintivamente a mão ao meu ventre, onde o nosso filho
deveria ser gerado, já sentindo como se algo o ameaçasse.
— A dislexia é hereditária, Aninha.
Fiquei olhando para Bia sem acreditar no que tinha ouvido.
Sem respirar.
Sem reagir.
Sem sentir nada.
Por um tempo que pareceu superior à minha capacidade de
sobreviver, não consegui levar oxigênio aos meus pulmões.
Por que é que nunca me disseram isso?
— Hereditária?! — sussurrei, engasgada.
— Sim, Aninha. Hereditária. — Ela apertou os lábios com
força, os olhos tristes. — Provavelmente o filho que tiver será disléxico
igual a você.
Senti as minhas pernas fraquejarem, trêmulas. Tudo girou ao
meu redor e uma vertigem estranha me fez vacilar. Sem resistir ao
torpor, fechei os olhos ao ver tudo escurecer.
Acho que vou desmaiar!
Senti mãos firmes me segurarem, levando-me de volta à cama,
onde caí sentada sem nem perceber como.
— Ai, meu Deus!!! — Bia exclamou com voz angustiada. —
Aninha?! Pelo amor de Deus, você está bem?
Um vento suave começou a soprar no meu rosto, fazendo-me
abrir ligeiramente os olhos e ver a mão dela abanando um papel
qualquer à minha frente. Só então percebi que Bia estava sentada atrás
de mim e que havia apoiado minhas costas no peito dela.
— Por que não fiquei calada? Eu e a minha língua grande! Que
merda! — Ela resmungava sozinha enquanto passava a mão na minha
testa. — Aninha, por favor, diz alguma coisa.
Não sei por quanto tempo fiquei off, mas não parecia ter sido
pouco, porque o tom de voz dela era desesperado.
— Diz alguma coisa! — repetiu quase chorando. — Se você
não voltar logo a si, vou ter de chamar o Daniel!
Aquilo foi o suficiente para me forçar a reagir. Se ele me visse
naquele estado, ia querer saber o que aconteceu e eu não estava disposta
nem a mentir, nem a contar a verdade.
Virei o rosto para o lado, vendo a fisionomia preocupada e
ansiosa dela.
— N-não ch-chame — gaguejei com esforço, ainda
desnorteada com tudo aquilo. — Vou f-ficar bem.
Os braços de Bia me apertaram com carinho.
— Oh, Aninha, você voltou, graças a Deus! — ela
choramingou, aliviada. — Me perdoa, por favor! Eu não devia ter falado
isso da forma como fiz.
Então, lembrei-me do meu filho ou filha com a mesma dislexia
que eu tinha. Qualquer filho meu sofreria na escola por não conseguir
acompanhar a turma. Seria humilhado pelos colegas e professores como
eu fui, sendo chamado de burro e de incapaz.
Mesmo sabendo que hoje em dia existiam escolas mais
preparadas para dar apoio a um aluno com dificuldades de aprendizado,
também sabia que, dependendo do grau da dislexia que tivessem,
poderiam ter sérias limitações que os fizessem repetir anos de estudo.
Tive vontade de gritar horrores de raiva com aquela injustiça,
porque não conseguia imaginar um filho de Daniel naquela situação. Ele
era inteligente demais e um profissional valioso no meio corporativo.
Não era justo que tivesse um filho tão desejado sem ter consciência de
que poderia passar por tudo aquilo.
— Nunca pensei como seria quando tivesse filhos — confessei
com desânimo, afastando-me dela com dificuldade para nos olharmos
de frente. — Talvez por achar que esse dia nunca ia chegar.
Ela baixou as mãos no colo, cruzando os dedos com força. O
olhar triste bateu direto no meu.
— Podemos pesquisar isso melhor. Pode ser que não seja tão
hereditário assim e a dislexia possa pular algumas gerações na mesma
família, entende? Lembra que eu disse “provavelmente”?
— Como soube disso?
Eu tinha esperanças de que ela estivesse enganada, mas sabia
que a chance de aquilo acontecer eram poucas, uma vez que Bia era
muito inteligente. Na verdade, ela era quase um gênio na faculdade,
sendo a aluna mais brilhante do curso que fazia. Além do hospital onde
trabalhávamos, havia outras instituições de saúde atrás dela por
indicação dos professores.
— Eu sempre soube. Não se esqueça de que estou cursando
Gestão Hospitalar. Mas antes disso, a Biologia sempre foi uma de
minhas disciplinas preferidas no colégio. — Ela suspirou com
resignação antes de continuar. — Quando nos conhecemos no hospital e
criamos esta afinidade de irmãs, lógico que fui pesquisar o que você
tinha, assim que se abriu comigo e contou que era disléxica. Nunca
toquei no assunto de filhos antes, porque não fazia parte das nossas
conversas, mas sei que existe um fator genético que pode causar a
dislexia. E tudo que seja de origem genética se torna hereditário, já que
herdamos de nossos pais.
Fiquei em silêncio, apenas ouvindo a explicação. Lembrei-me
do dia em que admiti para ela que tinha dislexia, esperando que se
afastasse de mim como fizeram todas as outras pessoas “inteligentes”
que conheci, que pareciam ter medo que a minha suposta burrice fosse
contagiosa ou que ser amigo de uma pessoa com limitações as
desvalorizassem socialmente.
— Na época, eu não conhecia muita coisa sobre a dislexia e
como sou curiosa por natureza, fui pesquisar — Bia continuou
confidenciando. — Falei com alguns professores para entender melhor
você, porque queria muito ajudá-la.
E ajudou demais! Só eu sabia o quanto a amizade de Bia
significou para mim.
— Por tudo o que sei, existe um fator genético na sua causa e o
gene que a transmite é dominante. Já que você desenvolveu a dislexia,
posso dizer que “provavelmente” terá algo como cinquenta por cento de
chance de transmiti-la para um filho. — Bia segurou as minhas mãos
entre as dela, apertando-as com carinho. — Mas graças a Deus que não
sou especialista nisso, o que significa que pode não acontecer no seu
caso. Há sempre a chance de que esses cinquenta por cento não
funcionem com vocês dois.
Fixei o meu olhar no dela com atenção.
— Podem não funcionar, mas vão estar dentro dele, não é isso?
Se não estiver, talvez estará dentro de um segundo filho, de um terceiro
ou até mesmo o meu neto poderá ter.
A expressão de Bia endureceu.
— Ana, pare agora mesmo! A dislexia não é o fim do mundo e
você sabe disso! Existem várias formas de superá-la hoje em dia. —
Deu-me um abanão forte pelos braços. — Acorde desse processo de
autodestruição e levante a cabeça! Quando voltarmos ao Brasil, vou
encontrar um especialista qualquer que me esclareça melhor. Daqui até
lá, use o preservativo e pronto! Daniel está lá embaixo, cheio de amor
por você. Vá ser feliz com ele e esqueça isso tudo.
Daniel!
Como reagiria ao saber que sou disléxica e que ainda posso
transmitir isso para o filho dele?
Capítulo 6
Daniel
OBSERVEI ANA SUBINDO para o quarto de Bia, contendo
um suspiro de resignação. Mesmo sabendo do grande carinho que ela
sentia por Bia e decidido a vê-la feliz ao lado da amiga, a minha
tolerância com Jack Spencer estava atingindo rapidamente um nível
baixíssimo. Aturá-lo estava se mostrando um desafio e tanto, que eu só
conseguia levar adiante por já estar acostumado a lidar com homens
iguais no mundo dos negócios.
Eu ainda não conseguia entender o que Bia tinha visto nele. Na
minha opinião, não restava dúvida alguma de que o Richard era um
homem muito melhor.
Agora, mais do que nunca, eu tinha certeza de que o Jack não
era um homem de confiança e me preocupava que Ana estivesse de
alguma forma próxima a ele, ainda que fosse pela amizade com Bia.
Resolvi aproveitar o momento para conversar com o Jack sobre
um assunto que estava entalado na minha garganta. Jonas Blaze. A
oportunidade surgiu quando ficamos conversando sozinhos em frente à
janela da sala de estar da senhora Spencer.
— Fale-me sobre o Jonas Blaze — disse, encarando-o
diretamente.
Senti o quanto ficou na defensiva pela expressão cautelosa dos
olhos azuis.
— Já soube de tudo o que aconteceu em sua casa e peço
desculpas pelo ocorrido. Jonas é um amigo de longa data. Na verdade,
nos conhecemos no colégio — explicou, parecendo consternado. — Ele
não teve muita sorte na vida e passei a ajudá-lo da maneira que posso,
contratando-o eventualmente para um trabalho ou outro nos shows da
minha sobrinha.
Parecia uma explicação lógica, mas eu sabia que havia muito
mais por trás daquela aparente normalidade. Os meus instintos
apontavam para aquilo.
— E foi por causa desta amizade que você enviou um homem
desconhecido, que não fala o português nem o espanhol, para pegar uma
mulher que não conhecia a cidade e nem teria como se comunicar com
ele? — Os olhos de Jack se abriram de espanto à medida que o meu tom
de voz endurecia. — Além disso, dei o meu endereço apenas para Bia e
não gostei de vê-lo divulgado entre os seus funcionários, fossem de sua
confiança ou não. E o que é pior, Jonas Blaze cometeu o erro crasso de
fazer insinuações sobre a Ana e o nosso relacionamento, que poderiam
ter custado para ele muito mais do que apenas um soco na cara.
Nem tentei amenizar a dureza da minha voz ou da expressão do
rosto, porque pretendia mostrar exatamente o que pensava a respeito
dele. A sensação que tive foi de que o Jack já havia ensaiado uma
resposta, provavelmente ciente de que eu poderia lhe perguntar aquilo.
A expressão do rosto dele foi de resignação quando falou.
— Eu estava esperando uma oportunidade para falar em
particular com você sobre isso. — Ele meneou a cabeça, aparentando
preocupação. — Foi mesmo uma lástima o que aconteceu, um grande
mal-entendido. Peço desculpas pelo transtorno que Jonas causou. Fiquei
extremamente constrangido e chateado com o ocorrido, e o repreendi
por isso.
Encarei-o severamente sem emitir uma única palavra,
aguardando que dissesse mais do que aquilo para me convencer do
constrangimento dele. Deixei o meu silêncio se prolongar por mais
alguns segundos, apenas encarando-o.
— Estou esperando — disse-lhe por fim, secamente.
Ele pigarreou, remexendo-se sobre as pernas em um gesto de
nervosismo.
— Compreendo a sua reação, Daniel. Eu também faria o
mesmo se tivesse acontecido algo parecido com a Beatriz. E foi
justamente para mantê-la segura perto de mim que falei com a Ashley
para que a Julie fosse pegar Ana. Mas houve um mal-entendido
qualquer entre os funcionários e acabou por ser o Jonas o que estava
disponível na hora.
Da maneira como falou, dava a entender que a escolha de Jonas
não passou de um acaso, quando eu tinha certeza de que tudo foi muito
bem articulado.
— Não foi o que ele me disse. — Aproximei-me um passo de
Jack, sem deixar de o encarar. — E aproveito para dizer que ouvi
insinuações em minha casa que considero graves e ofensivas o
suficiente para deixá-lo em uma situação complicada. Acabarei com a
raça dele e de qualquer outro que se meter no meu caminho e de Ana.
Espero que isso fique bem claro entre nós.
— Claro! Claro, Daniel — ele concordou de imediato. —
Inclusive, sinto-me muito mais tranquilo em saber disso, pois significa
que Beatriz também estará em segurança. Afinal, ambas são muito
amigas e estão sempre juntas.
Ele foi esperto ao jogar com a amizade das duas, mas estava
muito enganado se achava que aquilo seria impedimento para que eu
acabasse com ele e com o Jonas caso Ana fosse magoada de alguma
forma.
Mas, por enquanto, bastava que ele recebesse um recado.
— Fez bem em lembrar isso, porque qualquer coisa que
acontecer com a Bia, certamente abalará muito Ana. E atingindo Ana,
atinge também a mim — adverti friamente. — Eu já disse pessoalmente
a Jonas Blaze que se mantenha o mais longe possível dela, mas vou
reforçar com você agora. Diga-lhe para se manter bem longe de Ana.
Não sou um homem fácil de lidar quando alguém invade o meu espaço
e mexe com o que é meu.
Ele não teve tempo de responder, porque o senhor Spencer nos
interrompeu naquele momento, dando-me a nítida impressão de que o
fez propositadamente para salvar a pele do filho. O bondoso senhor
tinha percepção suficiente para perceber que o clima da nossa conversa
não era o melhor. Algo me dizia que aquela não era a primeira vez que o
pai de Jack salvava a pele dele.
Apesar de não ter dito tudo o que gostaria, abstive-me de falar
mais alguma coisa em respeito ao senhor Spencer e à esposa. Contudo,
sem dúvida alguma, a maneira esquiva como Jack tratou o assunto só
aumentaram as minhas suspeitas sobre ele.
Capítulo 7
Ana
CERCA DE DEZ minutos depois nos reunimos com os
demais na aconchegante sala de estar dos Spencer.
Daniel estava de pé ao lado da janela que dava para a grande
varanda que rodeava a casa, acompanhado por Jack e Brian Spencer. No
outro canto, estavam as mulheres, confortavelmente sentadas e
conversando animadamente.
Assim que entramos, senti o olhar de Daniel sobre mim. Eu e
Bia fomos ao encontro dos homens, com Daniel se virando na minha
direção mal cheguei ao lado dele. Dei-lhe um sorriso e segurei a mão
que me estendeu, sendo atraída para perto. O braço forte envolveu a
minha cintura e o olhar atento se fixou no meu rosto.
— Falou com o seu pai? — perguntou em tom baixo. — Está
tudo bem com ele?
— Sim, ele está bem.
Daniel não comentou nada, apenas cravou os olhos nos meus
por alguns segundos a mais, antes de assentir com um gesto de cabeça.
— Conversamos depois — falou enigmaticamente.
Ficamos na casa dos Spencer até o meio da tarde e a minha
gratidão com Bia só aumentou, pois ela fez de tudo para me fazer rir e
esquecer o drama vivido no quarto. Apesar disso, não pude deixar de
respirar aliviada quando Daniel anunciou que voltaríamos ao hotel para
descansar antes de irmos assistir ao último show de Terri na cidade.
Quando ele conduziu o Escalade para fora dos portões da casa
e ganhou a rua, olhou para mim.
— Você andou chorando — afirmou em tom preocupado,
segurando a minha mão pousada sobre o colo.
Suspirei, conformada que ele tivesse percebido.
— Não adianta tentar esconder, Ana. Eu já conheço você o
bastante para perceber as alterações no seu rosto quando chora. —
Apertou suavemente a minha mão enquanto dirigia. — O que aconteceu
no quarto de Bia?
Por um momento fechei os olhos, sem querer me lembrar.
— Acho que foram as saudades do meu pai — respondi
simplesmente. — É a primeira vez que fico longe dele na minha vida.
Daniel não comentou nada, apenas continuou segurando a
minha mão com firmeza, dirigindo em silêncio até chegarmos ao hotel.
Atravessou o saguão ainda segurando a minha mão, mantendo-me
sempre perto dele. Eu já estava me acostumando com aquilo também,
uma vez que ele nunca soltava a minha mão quando circulávamos em
lugares públicos. Era impossível não me sentir segura ao seu lado.
Estávamos aguardando o elevador junto com os outros
hóspedes quando o celular dele tocou. Daniel tirou-o do bolso do casaco
e atendeu, enquanto eu observava a quantidade de pessoas que
começaram a se juntar na porta dos dois elevadores.
Notei que o hotel estava cheio ao observar a fila. Havia um
grupo de quatro homens de terno, um casal de idosos, um homem com
chapéu de cowboy, três adolescentes e uma mãe empurrando um
carrinho de bebê com o marido preocupado do lado. Inicialmente,
pensei que a cidade onde os pais de Jack moravam fosse pequena, mas
parecia bem movimentada.
Daniel desligou assim que o elevador chegou, levando-me para
dentro.
— Está tudo bem? — perguntei em um sussurro, pois o
elevador estava se enchendo rápido de gente.
Mal abri a boca me arrependi na hora. Do outro lado de Daniel,
o homem que usava o chapéu de cowboy virou a cabeça e olhou para
mim com interesse. Fiquei momentaneamente sem entender aquela
reação dele, até perceber que foi porque falei em português. Apenas três
palavras, mas suficientes para chamar a atenção dentro do elevador.
Recuei instintivamente para mais perto de Daniel, saindo da
linha de visão do homem e me lembrando do estuprador no parque, que
havia olhado para mim daquela mesma maneira quando falei com ele na
minha língua.
Daniel percebeu e olhou imediatamente para o cowboy, que
desviou o rosto para o lado e passou a me ignorar. O braço dele
envolveu a minha cintura, atraindo-me para mais perto e ficando
ligeiramente à minha frente, tapando completamente a visão do homem.
— Conversamos na suíte — respondeu sucintamente.
Ele nem precisava dizer mais nada, pois eu estava disposta a
não abrir mais a boca dentro daquele elevador.
Assim que entramos na suíte e a porta foi fechada, Daniel me
surpreendeu ao me pegar no colo e levar para o quarto, colocando-me
sobre a cama. Depois, caiu por cima de mim, o corpo grande me
cobrindo de cima a baixo.
Um beijo voraz e mãos quentes começaram a se insinuar dentro
da minha blusa, fechando-se sobre um seio já ansioso para ser tocado.
Para mim, era um mistério entender como Daniel conseguia manter
aquela virilidade toda, poucas horas depois de fazermos amor. Há três
dias que não conseguíamos nos deitar na cama sem nos amarmos.
— Ana — ele grunhiu, enchendo a mão com o meu seio e
correndo os dedos sobre o mamilo, estimulando-o daquele jeito que me
enlouquecia.
Senti um espasmo de prazer descer pelo meu corpo e
instintivamente arqueei o quadril contra a virilha dele, buscando algum
alívio. Daniel separou minhas pernas e se encaixou entre elas,
aumentando o contato entre nossos corpos. As roupas se tornaram
incômodas e tudo o que eu queria agora era arrancá-las para que
pudéssemos nos tocar por inteiro.
O beijo dele libertou a minha boca e desceu pelo pescoço,
deixando-me já ansiosa. Eu sabia para onde ele ia e fiquei naquela
expectativa gostosa de ter o meu desejo satisfeito. Daniel tinha uma
fixação por meus seios e os tratava quase com veneração. Mal sabia ele
que o roçar da barba macia na minha pele é que era a minha fixação.
Em poucos segundos a minha blusa foi levantada e ele chegou
ao destino, puxando o sutiã para o lado e deixando a boca sedenta
capturar meu mamilo, sugando-o com paixão.
— Daniel! — Fui ao céu e fiquei lá, com a sensação deliciosa
que me dominou. — Oh, Dan! Amo quando faz isso em mim.
A única resposta dele foi partir para o outro seio. Naquela
altura, eu já me esfregava nele com força, procurando um maior contato
com a ereção. Enfiei a mão por baixo da camisa dele, ansiosa para sentir
os músculos duros e tensos de excitação. Quando o toquei, até suspirei
de prazer.
Não resisti e desci mais a mão, tocando a rigidez por cima da
calça que ele ainda usava. Ouvi seu rosnado de prazer quando apertei a
ereção na minha mão, ansiosa para libertá-la e poder mostrar a Daniel o
quanto queria aprender a também lhe dar prazer.
Ele soltou o meu mamilo da boca, sem conseguir conter um
gemido alto de puro êxtase enquanto eu manipulava toda a dureza do
membro ereto na minha mão. Nunca me senti tão mulher quanto na
cama com Daniel!
Apertei-o com mais firmeza.
— Ana! Ana! — rosnou no meu ouvido. — Estou louco por
você!
Ouvir aquelas palavras ditas com tanta profundidade
enlouqueceu foi a mim, que me agarrei nele quase com desespero,
envolvendo-lhe o quadril com as minhas pernas.
— Vem, Dan! Me ama! — murmurei com um desejo
incontrolável de senti-lo dentro do meu corpo.
O medo de perder o Daniel me corroía por dentro e fazia com
que cada toque, cada beijo e cada sensação tivesse um valor
incalculável.
— Sempre, Ana! — Ouvi o grunhido abafado entre os fios do
meu cabelo. — Sempre!
A mão firme desceu até o zíper da minha calça e inspirei o ar
com força, já antevendo o prazer que sentiria com os dedos hábeis na
minha intimidade. Fechei os olhos quando a boca exigente subiu pelo
meu corpo e tomou a minha em um outro beijo voraz.
Foi quando o som do celular dele soou dentro do quarto,
interrompendo nossos gemidos de prazer com o seu toque estridente.
Não contive um sobressalto de susto com a quebra abrupta do ambiente
silencioso. Daniel tinha o hábito de deixar o celular em um volume alto
para escutar onde estivesse, pois não podia perder nenhuma das ligações
da empresa.
— Shit! Shit!
Daquela vez o rosnado que ele soltou foi de raiva, afastando-se
a contragosto e puxando o casaco jogado sobre a cama para tirar o
celular.
Atendeu com a voz controlada, mas brusca.
— Doris, retorno em dois minutos.
Ouvi a voz feminina responder do outro lado.
— Aguardarei, doutor Daniel.
Ele jogou o aparelho para o lado quando encerrou a chamada,
olhando fixamente para mim.
— Tudo bem? — perguntei com suavidade.
— Esqueci completamente! — disse com a voz grave,
respirando fundo para se controlar e parecendo chateado. — Fiquei de
ligar de volta para o doutor Scott assim que chegasse ao quarto, mas
perdi a noção de tudo com aquela cena no elevador.
É sério isso?
Fiquei sem saber o que dizer diante daquilo. Daniel segurou o
meu cabelo com propriedade, o olhar sério cravado no meu.
— Não posso impedir que fale em português quando estiver em
público, porque é a sua língua, mas posso pedir que só o faça quando
estiver comigo ao seu lado. Só abro exceção se estiver com Carmencita
ou com Bia. Não quero que ninguém se aproveite do fato de ser
estrangeira para tirar qualquer tipo de vantagem ou prejudicar você.
Procurei não ficar apreensiva com aquilo, pensando se não
seria um cuidado excessivo de Daniel comigo. Então, lembrei-me do
olhar daquele estuprador e do cowboy no elevador e me apressei em
confirmar com a cabeça.
Ele se inclinou para dar um beijo úmido em minha boca e me
deixei ser beijada, saboreando cada segundo daquele gesto de posse.
Daniel tinha o poder de me fazer derreter nos braços dele em questão de
segundos.
Soltei um gemido de frustração quando ele se afastou de mim.
Pela expressão do rosto másculo, vi que não estava melhor do que eu.
— Temos que parar.
Apesar do que disse, ele não parecia querer interromper nada,
pois continuou dando beijos leves e molhados em minha boca, até
inspirar fundo e sair da cama.
Fiquei deitada, vendo-o pegar o celular e ir para a mesa de
reunião no canto da suíte.
Encostei a cabeça no travesseiro e fechei os olhos,
acompanhando sua conversa em inglês. Senti a tensão desaparecer do
meu corpo com o passar dos minutos e a mente divagar.
Adormeci por não sei quanto tempo, até sentir um beijo morno
nos lábios.
— Ana!
Abri os olhos e vi o rosto de Daniel a poucos centímetros do
meu.
— Está na hora de irmos ao show. É melhor se vestir ou
chegaremos atrasados.
— Já? — perguntei, confusa e ainda sonolenta.
Ele riu, com um brilho divertido no olhar.
— Já — confirmou. — Você dormiu durante todo o tempo que
estive ao telefone. Como demorei mais do que esperava, agora estamos
em cima da hora.
Como que para confirmar aquilo, o meu celular começou a
tocar dentro da bolsa.
— Vê? Já deve ser a Bia atrás de você — ele disse, indo pegar
o meu celular.
Sentei-me e esperei que o trouxesse para mim. Poucos minutos
depois, após combinar tudo com Bia, troquei de roupa em tempo
recorde e voltei para o quarto.
Daniel bebia uma dose de whisky e parou com o copo a meio
caminho da boca quando entrei na sala da suíte. Olhou de uma maneira
tão intensa para mim que pensei se havia escolhido a roupa errada para
usar naquela noite.
Todas as roupas que trouxe para Nova York foram escolhidas
por Bia, já que ela conhecia a cidade de suas viagens anteriores. Se
tivesse sido eu mesma a fazer a mala, provavelmente morreria de frio,
porque nem imaginava qual o tipo de roupa que se usava ali.
— Algo errado, Dan? — perguntei, insegura se tinha algo de
errado em mim.
— Não! — ele negou de imediato, pousando o copo sobre a
mesa ao lado e vindo em minha direção. — Não tem nada errado,
garanto!
Abraçou-me com firmeza, colando o meu corpo ao dele. A mão
grande se fechou sobre o meu decote.
— Apenas acho que está linda demais e que essa blusa mostra
mais do que eu gostaria que os outros vissem.
Fiquei tão aliviada que ri da preocupação dele.
— O decote vai ficar coberto a maior parte do tempo com o
sobretudo que vou usar.
A resposta de Daniel foi um beijo apaixonado em minha boca.
Se não fosse porque eu estava ansiosa para assistir ao show de Terri, até
não acharia mal ficar ali na suíte com ele.
Quando ele libertou a minha boca, o olhar intenso dizia que
pensava o mesmo.
— Quero você perto de mim a noite toda — falou com
seriedade e foram as últimas palavras dele antes de sairmos.
Mal sabia eu o quanto lembraria delas naquela noite.
Capítulo 8
Ana
O SHOW DA Terri era ótimo, muito melhor do que pensei.
Quando terminou a primeira parte e chegou a hora do intervalo, eu
podia dizer que estava encantada com o talento dela. A garota realmente
tinha tudo para alcançar sucesso no mundo musical com aquela voz
maravilhosa.
— Vem, Aninha! Vamos ao camarim falar com ela! — Bia
falou no meu ouvido no meio dos aplausos.
Sentada ao meu lado, ela segurou a minha mão para
acompanhá-la. Virei-me para avisar a Daniel, que conversava com o pai
de Jack e com outros convidados que nos acompanhavam à mesa.
No entanto, antes que o chamasse, ele reagiu logo ao meu
movimento, olhando para mim.
— Vou com Bia ao camarim da Terri.
Daniel girou o corpo para olhar a Bia em pé atrás de mim,
esperando ansiosamente. Pela expressão dele vi que ficou tenso.
— Vou junto. Deixe-me só avisar ao senhor Spencer.
Antes que eu dissesse algo, Bia se inclinou sobre nós dois,
adivinhando logo o que estava acontecendo.
— Daniel, você pode ficar aqui. — Ela deu um sorriso
brincalhão. — E fique tranquilo, pois sei cuidar muito bem de Ana, viu?
Eu a devolvo daqui a pouco.
Daniel hesitou visivelmente, mas apertei a mão dele com
carinho.
— Estarei bem com ela, Dan. Não se preocupe.
Sabia que ele estava preocupado pelo fato de eu não falar o
inglês, mas não via motivo para tanto receio se estaria com a Bia. Eu
confiava totalmente na minha amiga.
Os ombros dele ficaram tensos, os olhos prendendo os meus,
até que uma pancadinha no ombro desviou sua atenção de mim,
fazendo-o olhar para trás.
— Deixe-as ir, Daniel — disse o senhor Spencer com um
sorriso compreensivo no rosto, mostrando que estivera atento à nossa
conversa. — Elas merecem circular um pouco e estão seguras aqui
dentro. Beatriz também já conhece o local e não vai se perder.
Daniel assentiu com um movimento de cabeça, olhando depois
para mim. Percebi que concordava a contragosto.
— Onde está o seu celular?
— No casaco. — Apontei para o encosto da cadeira.
— Então, vista-o e leve com você.
— Pode deixar. — Dei-lhe um beijo rápido na boca, sentindo a
mão dele apertar a minha.
— Tenha cuidado — Parecia ainda resistir em me deixar ir.
— Terei.
Sorri com carinho, emocionada com tanto cuidado comigo,
algo que só tive com o meu pai. Era difícil não ficar cada vez mais
apaixonada por Daniel por causa daquilo.
Levantei-me, vesti o casaco e fui com Bia, caminhando por
entre a multidão.
Era estranho ouvir tanta gente falando coisas que eu não
entendia, mas, ao mesmo tempo, aquilo tudo me encantava muito.
Ficava pensando se um dia conseguiria aprender a língua de Daniel e
assim me sentir mais integrada com os americanos.
O corredor que levava aos camarins estava lotado. Havia muita
gente andando apressada de um lado para o outro e percebi logo que
eram das outras bandas que tocaram antes dela. O burburinho também
era grande, uma mistura de vozes e instrumentos musicais da banda
seguinte que ia tocar no intervalo.
Em meio àquela confusão, Bia segurou a minha mão para não
nos separarmos. Quando dei por mim, entramos no camarim de Terri e
lá estava ela, feliz e sorridente ao lado da mãe e mais um monte de
gente.
Assim que nos viu, Ashley veio nos abraçar, falando sem parar
em espanhol. Deu para perceber que estava eufórica com o sucesso da
filha, mas falava tão rápido que achei impossível entender uma palavra
do que dizia. Contudo, presenciar aquela cena de uma mãe tão
orgulhosa da filha, só me fez ver o quanto a minha própria mãe falhou
comigo naquele ponto. Nunca fui elogiada por ela em nada do que fiz a
minha vida inteira.
Mesmo falando em português, fiz questão de dizer o quanto
havia ficado encantada com a voz e o talento de Terri. Ashley olhou
para mim em um silêncio estranho e tive a certeza de que compreendeu
tudo o que eu disse. Abraçou-me com carinho logo depois.
— Obrigada — sussurrou em português no meu ouvido,
surpreendendo-me.
Fiquei meio sem ação, até ela se afastar e ir falar em inglês
com um casal que havia acabado de entrar no camarim.
Juntei-me à Bia para cumprimentar a Terri, até ver o Jack mais
ao fundo conversando com dois homens com aparência de jornalistas.
Ele parecia estar no seu ambiente ali, muito à vontade no papel de
agente da sobrinha.
Passamos mais um tempinho lá, até Bia me puxar novamente
pela mão em direção à porta.
— Vamos voltar. Daqui a pouco começa a segunda parte do
show e já não poderemos circular livremente.
Estranhei o fato de ela não ter falado nada com o Jack, mas
talvez fosse por ele estar trabalhando. Se fosse comigo, também não iria
interromper o Daniel em uma conversa de trabalho.
Saímos para os bastidores ainda lotados de gente. Quando
estávamos no meio do caminho, algumas luzes se apagaram, deixando o
local na penumbra. Pega totalmente de surpresa, parei de andar e aquele
foi o meu grande erro. Outras pessoas passaram à minha frente e me
afastaram de Bia. Tentei me adiantar alguns passos na pouca claridade
que algumas luzes ainda proporcionavam, mas já não sabia onde ela
estava.
— Bia? — chamei alto, tentando usar o tom de voz mais calmo
possível para ninguém perceber o meu desespero crescente.
Resolvi acompanhar o fluxo das pessoas à minha frente, uma
vez que, pela lógica, todos estavam saindo para voltar ao show. Quando
cheguei ao espaço aberto onde havia mais luz, olhei ao redor no meio da
multidão e nada de ver a Bia.
Calma, Ana! Respire fundo e mantenha a calma!
Circulei o mais tranquilamente que pude entre aquela gente
toda, começando a sentir as mãos umedecerem de suor à medida que o
nervosismo aumentava. Nem adiantava tentar descobrir que rumo
tomar, porque tudo ali era diferente e novo para mim.
Lembrei-me então que tinha o celular no bolso. Peguei-o,
disposta a ligar para o Daniel.
— Can I help you?
Uma voz masculina grossa falou atrás de mim, quase no meu
ouvido, fazendo-me virar rápido com o susto. Inspirei fundo quando dei
de cara com o mesmo homem que havia ido à casa de Daniel me pegar.
Fiquei tentando me lembrar do nome dele, até a informação chegar ao
meu cérebro paralisado.
Jonas!
É isso. O nome dele é Jonas.
E Daniel não gostava dele, muito menos eu, quando
acompanhei o olhar do homem descer pelo meu corpo e pousar
exatamente no decote que o casaco aberto deixava à mostra.
Apertei o celular na mão e dei dois passos para trás, virando-
me depressa e me afastando dele. Nem me dei ao trabalho de responder
nada. Com aquele olhar e ainda mais me lembrando do que Daniel havia
dito sobre não falar português em público quando estivesse sozinha, não
havia o que lhe dizer. Achei mais seguro ficar longe daquele homem e
perto de outras pessoas, por isso me misturei na multidão, o coração
disparado no peito e as mãos úmidas de suor.
Não bloqueie, Ana! Não bloqueie!
Fiquei repetindo aquele mantra enquanto andava entre as
pessoas, até me sentir segura o suficiente para me acalmar. Eu precisava
ligar para o Daniel e inspirei fundo, olhando para o celular. Pela
milésima vez desde que cheguei a Nova York e precisei usá-lo, tive
raiva por não ser o meu, com o qual já estava acostumada e manuseava
com mais agilidade.
Com os dedos trêmulos, toquei no visor, vendo as letras e
números se embaralharem à minha frente. Como não conseguia
memorizar senhas, Bia deixou o aparelho com acesso livre por ser mais
fácil para mim. Só que, naquele momento de tensão, em que estava
novamente perdida e sozinha, a minha dislexia subia ao grau máximo e
eu já antevia a dificuldade que seria ligar para o Daniel.
Engoli a vontade de gritar de raiva e chorar ao mesmo tempo,
ao me lembrar das últimas palavras dele antes de sairmos do hotel.
“Quero você perto de mim a noite toda.”
Agora, naquela situação, era difícil não me lembrar da
segurança que ele me dava.
Oh, Dan! Se depender de mim, nunca mais saio do seu lado
enquanto estiver em Nova York. Juro!
Já à beira das lágrimas, mordi o lábio com força para não as
derramar em público como uma criancinha perdida dos pais. Mexi no
celular com desespero durante alguns segundos, até que surgiu a
primeira foto de contato.
Bia!!
Oh, meu Deus, consegui!
Completei a chamada e aguardei, ansiosa.
Um toque, dois, três… cinco.
A cada novo toque, a minha angústia aumentava na mesma
proporção da vontade de chorar. Só quando a ligação caiu sem que ela
atendesse foi que deduzi que Bia não devia estar com o celular, já que
saiu sem o casaco e a bolsa havia ficado sobre a mesa.
Baixei o celular e engoli em seco, observando tudo ao redor. O
meu olhar parou em dois homens mais à frente que conversavam
lançando olhares para mim. Um deles levantou o copo de whisky em
um gesto de cumprimento, os olhos baixando sugestivamente para o
meu busto.
Mas que merda! Esses homens só sabem olhar para os meus
seios?
Dei-lhes as costas e fui para o outro lado, tentando aparentar
naturalidade. Eu sabia que para um observador mais atento era visível
que estava sozinha, mas não pretendia que percebessem que, além de
sozinha, também estava perdida.
Sobressaltei-me de susto quando o celular vibrou na minha
mão, acusando uma chamada. Olhei-o e só faltei desmaiar de alívio
quando vi a foto do homem que eu amava.
Daniel!
Atendi com uma ansiedade incontrolável, apavorada com a
simples possibilidade de a ligação desaparecer de repente.
— Dan! — Tentei não demonstrar o meu desespero, mas não
consegui.
— Onde você está? — A voz firme e segura aqueceu o meu
coração na hora.
De alguma maneira ele já sabia que eu estava perdida, o que
dispensava qualquer explicação da minha parte. E, pelo tom de voz
determinado, percebi que passaria por cima de qualquer coisa para me
encontrar.
Respirei fundo, olhando o ambiente ao meu redor.
— Eu não sei — respondi, apertando o celular com força.
Ouvi uma blasfêmia em inglês.
— Fique calma, Ana. Vou encontrar você — garantiu com
firmeza. — Ouviu o que eu disse? Eu vou encontrar você!
Ele repetiu a última frase em um rosnado de raiva, mostrando
que estava furioso e eu sabia que era com a Bia. Mesmo consciente de
que a culpa não era totalmente dela pelo que aconteceu, não me
encontrava em condições de defender ninguém naquela situação. A
única coisa que eu queria era estar com ele e em segurança.
— Sim, ouvi — confirmei, inspirando fundo para me acalmar.
— Ainda está pelos bastidores?
— Não. Separei-me de Bia lá, mas depois vim parar aqui onde
estou.
— Tudo bem — ele falou com a voz calma. — Agora, olhe ao
seu redor e me descreva este lugar onde está.
Fiz o que pediu e vi logo à minha frente uma espécie de bar.
— Tem um bar aqui.
Ouvi o que pareceu ser um suspiro de alívio dele, o que se
confirmou pelo tom de voz mais relaxado com que me respondeu.
— Então chegarei logo.
Só em ouvir aquilo já relaxei. Sentindo-me tão aliviada quanto
Daniel, levantei a vista e dei de cara com Jonas me observando à
distância, parecendo um predador aguardando a hora de capturar a
presa.
Girei para o outro lado e vi os dois homens que também
seguiam a minha movimentação com o olhar.
— Dan, podia vir logo, por favor? — pedi, fechando
inconscientemente o casaco com a mão livre.
— Nada vai me impedir de chegar até você, Ana — Ele voltou
a afirmar em tom grave, mas sem conseguir disfarçar a preocupação
quando continuou. — Está tudo bem aí?
Hesitei por um momento, mas decidi desabafar.
— Aquele homem veio falar comigo. O tal do Jonas.
Por alguns segundos, a resposta dele foi um silêncio mortal,
antes que falasse com a voz dura.
— Ele está aqui no show e falou com você?
— Sim. Falou em inglês, mas acho que foi para oferecer ajuda.
Ouvi um fuck you sendo rosnado por Daniel e para aquela
palavra eu nem precisava de tradução. Fechei os olhos ao sentir que a
raiva dele só aumentava, ciente de que teria de fazê-lo entender depois
que a culpa não era de Bia.
— Fique longe dele, Ana. Não a quero perto desse homem. —
Foi a resposta rápida e cortante que ele me deu. — Não saia daí com
ninguém, nem fale em português ao lado de outras pessoas,
principalmente dos homens.
Nem precisava me avisar uma segunda vez!
— Farei isso. Apenas venha.
— Já estou chegando. Vou desligar, mas fique atenta ao
celular.
Depois que ele desligou fiquei meio sem ação, tentando decidir
o que fazer até ele chegar. Eu não podia simplesmente ficar ali parada
no meio das pessoas, sendo alvo do escrutínio de três homens. Em
algum momento, um deles podia se aproximar de mim enquanto Daniel
não aparecia.
Indecisa, assustei-me quando a figura alta e imponente de um
homem surgiu ao meu lado. Mesmo sabendo que era tolice achar que já
fosse o Daniel, virei-me na esperança de ser ele.
O que vi, fez-me recuar, impressionada.
Capítulo 9
Ana
NÃO ERA O Daniel, mas a semelhança entre eles dois era
gritante!
— Boa noite — ele disse em português com uma voz forte e
firme, o que me surpreendeu ainda mais. — Peço desculpas por abordar
você assim, sem que me conheça. Mas como sou brasileiro e entendo o
português, acabei por ouvir sem querer a sua conversa ao celular e vi
que está precisando de ajuda.
Não respondi nada. Fiquei apenas apertando o celular em uma
das mãos, enquanto a outra continuava segurando firmemente o casaco
fechado sobre os seios.
Observei o porte elegante, a barba bem feita e o olhar cheio de
magnetismo. O corpo dele parecia poderoso por baixo das roupas de boa
qualidade, dando-lhe um estilo e aparência muito próximos de Daniel.
Meu Deus, mas o que é isso?
Ele estendeu a mão com uma expressão simpática no rosto.
— Sou Arthur Montenegro. Um Paulista morando em Nova
York.
Olhei para a mão estendida, mas não fiz um mínimo gesto que
fosse para a apertar, muito menos respondi em português, mesmo
sabendo que seria falta de educação da minha parte. Eu já havia sofrido
assédio demais em minha vida no Brasil — e mais ainda em Nova York
—, para agora falar com um estranho só porque era bonito, simpático e
parecido com o homem que eu amava.
Daniel já está chegando.
Daniel já está chegando.
Continuei repetindo aquilo para mim mesma, esperando a
qualquer momento ele surgir ao meu lado.
Depois de alguns segundos de espera, o tal Artur Montenegro
baixou a mão, fazendo depois um leve gesto de assentimento com a
cabeça, como se tivesse entendido muito bem a minha posição.
— Eu compreendo, mas vou ajudar de qualquer forma — ele
disse simplesmente, apontando depois para o bar. — Existe um bar aqui,
mas fica no lado sul do palco e é interno. Este lugar onde estamos agora
não é bem um bar, mas uma espécie de lounge externo, porque a saída
do prédio é logo ali.
Ele indicou um amplo saguão mais ao longe, fazendo-me
engolir em seco ao perceber que levei Daniel para o local errado e
continuaria perdida até que conseguisse avisá-lo do meu engano.
Mordi o canto da boca com força, respirando fundo para me
acalmar.
— Se quiser, posso levá-la ao bar — ele sugeriu com um dar de
ombros desinteressado.
A tentação era grande, mas resisti, confiando em Daniel. Ele ia
perceber que me enganei e ligaria de volta.
Acho que Arthur Montenegro pensou o mesmo, pelo brilho que
vi em seus olhos. Um leve sorriso conformado surgiu nos lábios dele
quando o meu celular tocou logo depois. Ele se despediu com um
cumprimento de cabeça, afastando-se, mas eu sabia que ainda estaria ali
por perto.
Imediatamente, atendi a ligação de Daniel.
— Ana, você está no lounge externo, próximo da saída?
— Sim! — confirmei sem vacilar, agora que sabia onde estava.
Daniel não disse nada com relação ao meu engano, partindo
para o que lhe interessava.
— Está tudo bem aí? — Ele quis saber. — Você está bem?
— Estou bem, mas preciso de você — confessei, sem
conseguir me controlar. — Não quero mais ficar aqui sozinha.
— Não vai, Ana. Estou chegando em um minuto. — Fez uma
pausa antes de continuar, o som da música tocando ao fundo. — Desta
vez não quero que desligue. Fique comigo na linha.
Fechei os olhos, agradecendo a Deus o homem que Daniel era.
— Não vou desligar.
Ouvi enquanto ele falava em inglês com algumas pessoas,
provavelmente pedindo licença para passar no meio do público que
lotava o show.
Fiquei aguardando ansiosamente, incomodada ao saber que
havia o Jonas, o Arthur e mais dois outros homens seguindo os meus
movimentos. Depois de ser abordada pelos dois primeiros, até
imaginava que o próximo seria o homem do whisky.
Olhei discretamente para ele e contive um gemido de angústia
quando percebi pela sua postura corporal que a minha intuição estava
certa.
Ninguém merece! Meu Deus, evite que isso aconteça.
— Dan? — chamei-o no celular.
Vi o homem pousar o whisky em uma mesa ao lado e falar algo
para o amigo.
— Estou aqui — ele respondeu de imediato.
O amigo comentou algo que fez os dois rirem.
— Ainda demora muito a chegar?
O homem começou a andar na minha direção com um sorriso
insinuante e o olhar determinado.
— Não. Estou bem atrás de você!
Nem tive tempo de reagir de puro alívio. Naquele exato
momento, senti o braço forte envolver a minha cintura por trás e o corpo
grande de Daniel se colar em minhas costas. Não havia necessidade de
me virar para confirmar se era ele, porque reconheci de imediato sua
pegada.
Era mesmo o Daniel!
O aroma do perfume masculino entrou forte em minhas narinas
e me senti cair totalmente contra o peito dele. Em um rápido vislumbre,
vi o homem do whisky parar abruptamente, o olhar fixo acima da minha
cabeça em direção a Daniel.
Fui virada com cuidado em seus braços e, quando dei por mim,
já estava firmemente presa no peito largo, onde afundei o rosto. E não
havia lugar melhor no mundo para mim do que estar nos braços dele e
sentir a segurança que me dava.
Rodeei-lhe a cintura, deliciando-me com a sensação da mão
que se enroscou no meu cabelo com possessividade.
— Dan! — gemi baixinho.
— Shh, fica calma. Já estou aqui.
A voz forte me acalmou, mas percebi também a intensidade da
raiva que estava sentindo pelo tom duro que havia nela. Fiquei
preocupada ao ver que Daniel estava se controlando a muito custo, algo
raro nele, mas que parecia estar acontecendo com muita frequência
ultimamente.
Ergui a vista e notei que Daniel encarava o homem atrás de
mim.
Ele percebeu o que ia acontecer!
Seu olhar desceu para o meu e vi a turbulência lá dentro.
— Onde ele está? — perguntou muito sério.
Na hora fiquei confusa, mas depois me lembrei de Jonas.
Mesmo a contragosto, olhei na direção onde ele estava, mas o homem já
havia desaparecido.
— Não está mais ali. Acho que foi embora.
Daniel seguiu o meu olhar, o rosto uma máscara rígida.
Fiquei sem saber se era coincidência ou não, mas o Arthur
Montenegro também não estava mais no mesmo lugar.
Voltei a olhar para Daniel.
— Tire-me daqui, por favor — pedi, desgastada demais com
tudo aquilo.
Ele fixou os olhos em mim com intensidade, fazendo-me
estremecer com a força das emoções que transmitiam. Fiquei sem
fôlego, que me foi totalmente roubado quando a boca dele desceu sobre
a minha em um beijo intenso, porém rápido. O suficiente para mostrar a
quem quisesse ver que éramos um casal e estávamos juntos.
Quando ergueu o rosto, tinha a decisão brilhando nos olhos.
— É exatamente isso que pretendo fazer agora.
Segurou a minha mão e me conduziu em silêncio para fora do
lounge lotado.
Quando alcançamos uma parte menos movimentada, ele parou
subitamente, levando-me para trás de uma ornamentação em forma de
pilastra romana. Lá, abraçou-me apertado, a boca descendo vorazmente
sobre a minha em um beijo ardente e apaixonado.
Era tudo o que eu precisava para ficar bem e esquecer o que
aconteceu.
Fui moldada ao corpo grande e forte com uma ânsia que
beirava o desespero. Pude então sentir toda a tensão que o dominou
durante aquele tempo em que desapareci.
Nunca me senti tão importante para alguém como naquele
instante. Exceto por meu pai, não vivi situação semelhante com
ninguém. Definitivamente, Daniel supria todas as minhas carências,
necessidades e desejos.
Uma mão ansiosa desceu até a base da minha coluna para me
pressionar contra sua virilha, onde o membro começava a endurecer.
— Ana! — ele rosnou o meu nome, entre apaixonado,
desesperado e enraivecido.
Daniel não falou mais nada, nem eu tampouco queria falar.
Apenas continuamos nos beijando para saciar a tensão e expulsar do
coração o fantasma da perda. De saltos altos era mais fácil abraçá-lo e
aproveitei para sentir o corpo másculo por completo, antevendo o amor
que faríamos quando chegássemos na suíte do hotel.
Os segundos se passaram, transformando-se em alguns
minutos. Um tempo breve e insuficiente para o nosso desejo.
Daniel afastou a boca da minha e começou a me encher de
pequenos beijos cheios de carinho. As mãos grandes permaneciam
segurando o meu rosto, que ele acariciava com os polegares.
Apesar de não estarmos minimamente saciados, acabamos nos
afastando, com ele encostando a testa na minha.
— Não vou suportar se acontecer alguma coisa com você por
descuido seja de quem for — desabafou em tom raivoso. — Primeiro
foi a Carmencita, agora a Bia.
Passei a mão no maxilar contraído, sentindo a barba macia e
sedosa estimulando a minha palma.
— Não aconteceu nada comigo, nem vai acontecer.
Pensei rápido, tentando encontrar uma maneira de explicar que
nenhuma das duas tinha culpa. Mas como poderia lhe dizer que a única
culpada era eu mesma, por ser cheia de limitações? Além disso, fui ao
encontro dele em Nova York sem falar absolutamente nada de inglês, o
que só ajudava a piorar minha situação.
— Não pretendo deixar que aconteça nada mesmo, Ana! — ele
disse taxativamente, a determinação natural da sua personalidade vindo
à tona com força total. — Agora vamos voltar para o show. Pretendo
sair daqui na primeira oportunidade que tivermos.
Começamos a seguir para o local onde a família Spencer e os
convidados acompanhavam a segunda parte do show de Terri. Em
nenhum momento do percurso Daniel me soltou enquanto andávamos,
garantindo que não me perderia novamente naquele lugar lotado de
gente. O braço forte se manteve sempre ao redor da minha cintura.
Quando o fluxo de pessoas aumentava, ele ficava à minha frente, mas
ainda segurando firmemente a minha mão.
Estávamos próximos da mesa quando Bia surgiu. Ela andava
apressada em nossa direção com a fisionomia angustiada e chorosa.
Adiantei-me para abraçá-la, mas Daniel não me deixou ir, segurando-
me à frente dele pela cintura.
Aguardei então que ela chegasse, sentindo o corpo magro
jogando-se contra o meu. Foi fácil perceber a tensão de Daniel com
aquela cena, pela maneira como apertou a mão na minha cintura.
— Aninha! — Bia choramingou — Ai, Aninha! Que medo
horrível que senti quando você se perdeu de mim.
— Eu também — desabafei, aliviada que tudo havia acabado.
— Assustei-me quando as luzes centrais se apagaram. Aconteceu tudo
tão rápido, que quando dei por mim já estava perdida.
— O tio vai me matar — ela sussurrou no meu ouvido. — Isso
se o Daniel não me matar primeiro.
Afastamo-nos uma da outra e olhei para ele, que mantinha a
expressão fechada e séria ao acompanhar o nosso encontro. Fiquei com
a impressão de que Daniel só não impediu Bia de chegar perto de mim
por sermos amigas de longa data.
Eu sabia que ele estava ficando excessivamente protetor
comigo em relação a tudo, mas não podia deixar que achasse que a
culpa era dela. Precisava falar com ele e explicar tudo com calma.
— Bia não tem culpa, Dan — disse-lhe logo, para esclarecer as
coisas de uma vez por todas e não deixar dúvidas quanto aquilo. — Fui
eu que vacilei quando as luzes centrais foram apagadas, afastando-me
dela na pouca claridade que ficou nos bastidores. Algumas pessoas
entraram à minha frente e não consegui mais encontrar Bia.
Ele não disse nada, a fisionomia ainda fechada e o olhar
implacável batendo direto nela.
— Não, Aninha — Bia retrucou na hora e vi que ia assumir a
culpa. — Eu deveria ter estado mais atenta e mantido você perto de mim
o tempo todo, segurando a sua mão.
Dei-lhe um beliscão quando disse aquilo, porque me fez sentir
uma inválida e incapaz de andar sozinha aos vinte e três anos!
E não sou assim, merda!
Eu tinha uma vida independente em Fortaleza, indo e vindo
sozinha para onde quisesse. Podia ficar confusa e até me perder em
algumas situações, mas nunca nada sério ou que me colocasse em
demasiado risco. O meu único problema em Nova York era não saber
falar o inglês para me comunicar com as pessoas e pedir informações,
além do fato de ser uma cidade nova, muito maior do que a minha e por
isso mesmo ser algo diferente para mim. De resto, eu era muito capaz
sim!
Uma coisa era o Daniel segurar a minha mão, afinal ele era o
meu namorado superprotetor. Mas outra coisa totalmente diferente era
Bia andar comigo segurando a minha mão o tempo todo, como se eu
fosse uma retardada.
Que imagem triste era aquela que eu passaria aos outros, meu
Deus!
— Vamos parar com isso, por favor? — falei em tom firme,
mas conciliador, olhando de um para o outro. — Eu estou bem, o susto
já passou e agora gostaria de assistir ao restante do show.
Capítulo 10
Arthur Montenegro
OBSERVEI O HOMEM alto e encorpado que entrou com
passadas firmes e decididas dentro do lounge, indo direto para onde
estava Ana Cabral. Eu já o tinha visto através das fotos que John me
mostrou, mas pessoalmente a impressão era diferente. Não precisei
analisar muito o porte do corpo dele para perceber que seria um
adversário formidável se tivesse de o enfrentar de peito aberto.
Vê-lo, fez-me pensar sobre os verdadeiros motivos que fizeram
Victoria Stevens contratar os meus serviços.
Quando John me chamou para aquele “trabalho”, fiquei
entusiasmado com a oportunidade de entrar no restrito círculo social dos
Stevens. Aquela proposta havia sido mesmo um golpe de sorte, pois me
deixaria mais perto dos meus objetivos. Mas agora, vendo a beleza
estonteante e ao mesmo tempo ingênua de Ana Cabral, comecei a
duvidar de que a mulher fosse uma oportunista como me disseram. Ela
não tinha o olhar malicioso e calculista das mulheres que viviam de
conseguir vantagens dos homens.
Era difícil não pensar no verdadeiro motivo que fez a grande
dama da sociedade novaiorquina desejar tirá-la do jogo.
Estaria Victoria Stevens apaixonada por Daniel Ortega? Aquilo
não seria algo incomum de acontecer.
Não recebi muitas informações sobre aquele trabalho, mas já
esperava por isso. Assim, fui pesquisar por conta própria tudo sobre a
Victoria Stevens e descobri que se tratava de uma mulher muito bonita,
mesmo estando na faixa dos cinquenta anos. Estava solidamente casada
com o poderoso dono das corporações S&Stevens, mas isso não a
impedia de ter um caso extraconjugal com John, fato que ele mesmo
deixou evidente para mim, talvez por receio de que eu quisesse tomar o
lugar dele.
Ser capaz de manter um relacionamento fora do casamento
durante anos já mostrava que ela não teria dificuldade alguma em ter
também um caso com Daniel Ortega.
Uma mulher poderosa e sem escrúpulos podia fazer muito
estrago na vida de um homem. Ou de muitos homens. E, sem dúvida
alguma, Victoria Stevens era esta mulher.
Continuei observando discretamente a forma possessiva como
Ortega enlaçou Ana Cabral, encarando o idiota que tentava assediá-la.
Mal sabia ele que, se não tivesse chegado naquele exato momento,
quem ia salvar a indefesa mulher dele seria eu. Com isso, talvez tivesse
conseguido a gratidão e a confiança dela, facilitando a minha
aproximação.
A brasileira me surpreendeu com uma postura firme e
reservada. Em momento algum, Ana Cabral teve qualquer atitude de
insinuação ou interesse em mim. Além de ter uma aparência que sempre
causava impacto no sexo feminino, eu também era muito parecido com
Ortega, mas nem assim ela vacilou. A única reação foi um brilho
decepcionado nos olhos quando viu que eu não era ele.
Vendo agora a maneira como o abraçava, as minhas impressões
se confirmaram. E o meu instinto era certeiro, nunca falhava. Ana
Cabral era uma mulher apaixonada e daquelas que não traíam.
Acompanhei o beijo territorial que ele lhe deu e que ela aceitou
com evidente prazer, antes que saíssem abraçados do lounge.
Apertei o copo de whisky firmemente entre os dedos, ciente de
que teria de correr o risco de enfrentar a ira de Ortega quando tomasse a
mulher dele.
Infelizmente, os fins justificavam os meios! E como o meu
objetivo era grande, iria até o fim naquela missão, ainda que para isso
tivesse que sequestrar Ana Cabral e montar o flagrante de traição.

Jack Spencer
Tirei o celular do bolso, irritado, vendo que era uma ligação de
Jonas.
Merda!
Mas o que ele queria comigo justamente agora, quando eu
estava concentrado nos jornalistas que vieram cobrir o show de Terri?
— Estou ocupadíssimo! — fui logo dizendo, para que não
esticasse muito a conversa.
— Vai ter que perder um tempinho comigo, porque preciso
preveni-lo de algo.
O tom de voz dele era sério e aquilo já me deixou mais irritado
ainda, porque significava confusão.
— Então fale logo! — rosnei com raiva, mas sorri e acenei
para mais um jornalista que circulava no camarim.
— Aquela garota brasileira, a Ana Cabral. — Ele começou,
despertando o meu interesse na hora. — Ela se perdeu de Beatriz e está
circulando sozinha aqui no meio do público. Uma oportunidade
imperdível.
Afastei-me discretamente em direção à porta, pois se a Ana
estava sozinha e perdida, quem ia encontrá-la seria eu.
— Onde ela está?
— No lounge externo. Ainda me aproximei e ofereci ajuda,
mas ela se afastou como se eu tivesse uma doença contagiosa.
A mulher gosta do que tem qualidade, seu idiota!
— Já estou indo. Vou só avisar Ashley de que preciso sair
alguns minutos.
— Se não vier agora, não vai pegar a garota sozinha, garanto
— ele alertou, fazendo-me ranger os dentes de raiva. — Ela falou com
alguém no celular. Se não foi com a Beatriz, tenho certeza de que o
advogado arrogante vai chegar daqui a pouco para levá-la.
Droga!
Aquela era uma oportunidade de ouro, quase um presente dos
deuses.
Ana sozinha, perdida, sem o Daniel, sem a Beatriz e sem falar
o inglês. O que mais eu podia esperar?
Nada!
Por causa daquilo tudo, resolvi sair dali imediatamente, sem
sequer falar com a Ashley.
Continuei ouvindo o Jonas.
— E tem mais — ele prosseguiu, fazendo um relatório do que
acontecia. — A mulher chama mesmo uma atenção da porra! Está com
uma roupa que mostra o quanto é gostosa.
Sim, eu já tinha visto os seios altos e fartos que o decote da
blusa não conseguia esconder totalmente. Foi difícil fingir que não os vi
quando eles chegaram, mas seria tolice provocar um homem como o
Daniel ao olhar descaradamente para a mulher dele.
Infelizmente, havia também a Beatriz.
— Já teve um cara falando com ela, que também foi
dispensado. — Jonas continuou, mostrando satisfação por não ter sido o
único desprezado da noite. — Tenho certeza de que outros vão tentar.
Se você chegar agora, vai ser o herói da noite! Ela vai sair daqui com
você como um cordeirinho.
Quase gozei só de imaginar aquele cordeirinho caindo direto na
boca do lobo mau.
— Não a perca de vista. Estou chegando.
Apressei os passos, tentando ultrapassar com rapidez a
multidão de pessoas à minha frente.
— Se o Ortega chegar antes de você, já sabe que não ficarei
aqui — ele lembrou.
Apertei os lábios com irritação, ciente de que Daniel acabaria
com a raça de Jonas se o visse perto da preciosa Ana Cabral dele.
— Só preciso me livrar dessa gente toda que lota a saída dos
bastidores e chego aí.
— Ainda está nos bastidores? Então não vai dar tempo.
— Vai! — rugi, determinado a ter aquela mulher para mim.
Nem que fosse uma única vez, eu teria Ana Cabral.
— Vai uma porra! — Jonas falou, xingando uma série de
pragas com a voz cheia de rancor e ódio. — Ortega acabou de chegar e
estou saindo fora!
Merda! Mas que grande merda!
— Tem certeza?
— O que acha? Que vou confundir aquele grandessíssimo filho
da puta com outro homem? — Ele cuspiu aquelas palavras com raiva.
— Nunca mais me esqueço dele e garanto que ainda vou pegá-lo
qualquer dia desses.
Parei de andar abruptamente, retornando os meus passos na
direção contrária ao lounge.
— É melhor você se preparar para enfrentá-lo — Jonas me
alertou. — Não duvido nada de que a gostosona vai contar para ele que
me encontrou no show e Ortega não vai gostar.
Ainda mais essa!
Capítulo 11
Ana
SUSPIREI ALIVIADA QUANDO entramos no Escalade
para voltar ao hotel. Ficamos até o término do show e nos despedimos
de todos combinando o passeio à Estátua da Liberdade no dia seguinte.
Durante todo o restante do tempo que permanecemos lá, a
expressão séria de Daniel não mudou. Ao contrário, só ficou pior.
Agora, dentro do carro, a fisionomia dele estava mais
carregada ainda e eu suspeitava de que tinha algo a ver com a rápida
conversa que teve em particular com o Jack antes de seguirmos para o
estacionamento.
— Por que não me ligou? — ele perguntou de repente.
Entendi que se referia ao fato de ter sido ele a ligar para mim
quando me perdi, em vez de ter sido eu a ligar para ele.
Mentir não era mais uma opção, por isso fui sincera.
— Como o celular não é meu, sempre travo quando vou usá-lo.
— Respirei fundo, olhando pela janela e vendo as luzes da cidade
passarem rapidamente. — Se estiver nervosa, pior ainda, porque acabo
por bloquear totalmente.
A mão forte envolveu as minhas sobre o meu colo, apertando-
as com carinho e me dando segurança para continuar.
— Eu procurei o seu número, mas não consegui achá-lo. Tentei
encontrar, mas o primeiro que apareceu para mim foi o de Bia e liguei
para ela. Acho que deixou o celular na bolsa sobre a mesa, porque não
me atendeu.
— Ela deixou na bolsa. — A voz dele endureceu quando
confirmou. — Ouvi o celular tocando e na hora só pensei em você. A
minha intuição dizia que se estava ligando para ela era porque não
estavam juntas, por isso liguei para você imediatamente depois.
Dei graças a Deus por Daniel ser tão perceptivo e rápido na
hora de agir ou eu teria passado muito mais tempo perdida. Nem queria
pensar no estresse que uma situação daquelas podia me trazer de novo.
Uma única vez já foi o suficiente para mim!
— Sinto muito ter de dizer isso, porque sei que Bia é sua
amiga, mas fica difícil continuar confiando nela para estar ao seu lado
aqui em Nova York.
O tom de voz de Daniel era irredutível e percebi que não seria
fácil convencê-lo do contrário. Fiquei pensando como poderia mudar
aquela opinião.
Ele virou o rosto para mim enquanto dirigia, deixando-me ver a
expressão dura com que falava dela.
— Concordo que Bia é uma boa pessoa, que gosta realmente de
você e não teve más intenções em tudo o que aconteceu, mas, a meu
ver, ela hoje foi displicente demais.
Apesar das palavras não terem sido tão duras quanto a
expressão do rosto ou o tom de voz, ainda assim percebi que Daniel não
parecia disposto a mudar de opinião.
— Ela não teve culpa — repeti novamente, porque não queria
que ficasse chateado com ela. — Aconteceu tudo rápido demais e
demorei a reagir. Em questão de segundos já estávamos separadas.
Engoli em seco, decidindo que devia me expor mais aos olhos
de Daniel.
— Já lhe disse que sou distraída e desatenta.
O olhar dele se desviou novamente do trânsito e veio parar no
meu rosto. Incrivelmente, o que vi lá foi um sentimento quente e
profundo.
— Não acho que seja nada disso, Ana. Sua reação no momento
foi a mesma de qualquer outra pessoa que não esperasse ver as luzes
sendo apagadas, ficando quase no escuro dentro de um ambiente
desconhecido. Não se culpe por isso.
Aquele comentário, feito em tom compreensivo, fez-me
relaxar.
— Então você vai concordar comigo que Bia também não teve
culpa.
O rosto másculo adquiriu uma expressão nada compreensiva.
— Não vamos falar mais sobre isso agora. — Foi o único
comentário dele, voltando o perfil sério novamente para a direção do
carro. — Mas saiba que não pretendo correr riscos quando o assunto é
você.
Fiquei calada, pois sabia que se fosse o meu pai que estivesse
ali comigo, ele diria a mesma coisa. E, infelizmente, a Bia estaria
ferrada!
Daniel permaneceu em silêncio durante o restante do caminho,
mas sem largar a minha mão. Fechei os olhos e encostei a cabeça no
banco macio do carro, aproveitando o ambiente aquecido que mantinha
o frio da noite outonal do lado de fora.
Quando, enfim, entramos na suíte, Daniel repetiu o mesmo
gesto da tarde, pegando-me nos braços e levando para a cama. Fui
deitada com suavidade e fiquei observando enquanto ele se despia em
pé à minha frente. O olhar quente ia percorrendo o meu corpo à medida
que ele arrancava rapidamente as peças de roupa e as jogava
displicentemente para o lado.
Deliciei-me com o peito largo que surgiu diante dos meus
olhos famintos, aumentando o meu desejo e deixando-me ansiosa por
tocá-lo.
Daniel havia sido feito para o prazer de uma mulher, pois, a
meu ver, era simplesmente perfeito.
Um espasmo de antecipação desceu até o meio das minhas
pernas, molhando-me toda quando a mão firme começou a descer o
zíper da calça, mostrando o pênis duro apontando para cima preso
dentro da cueca preta.
Minha Nossa Senhora! Ainda não me acostumei que tudo isso
é meu.
E aquilo tudo pulou para fora assim que ele baixou a cueca
pelas pernas, ficando totalmente nu diante de mim. Passei a língua nos
lábios inconscientemente, como se estivesse prestes a saborear uma
daquelas sobremesas que tanto gostava.
Daniel veio para a cama e se inclinou sobre mim, uma mão
vindo direto para o meu busto, onde os seios ficavam parcialmente
expostos pelo decote profundo da blusa.
— Fui obrigado a olhá-los a noite inteira sem poder tocá-lo da
maneira que eu queria — falou com a voz enrouquecida de desejo, a
boca substituindo a mão em um beijo molhado. — E querendo esmurrar
todos os homens que ousaram olhá-los também.
Percebi que falava sério e aquilo me surpreendeu, porque
Daniel em nenhum momento deixou transparecer qualquer tipo de
reação naquele sentido.
Ele olhou muito seriamente para mim, uma mão poderosa
segurando com possessividade um de meus seios.
— Mais uma vez, não vou pedir que deixe de usar blusas como
essa, porque ficam lindas em você, mas posso pedir que só o faça
quando estiver comigo ao seu lado.
Nem pude responder, porque o beijo de posse sobre a minha
boca calou qualquer tentativa minha de dizer alguma coisa. Isso se eu
quisesse falar algo, o que não era o que acontecia naquele momento.
E que mulher era louca o suficiente para negar algo a Daniel,
ainda mais com um pedido feito daquele jeito apaixonado? Eu não era e
assim me rendi totalmente ao beijo dele, deixando que satisfizesse sua
necessidade de posse. Necessidade que eu também sentia no mais
íntimo do meu ser e que já não conseguia mais negar, nem que quisesse.
Foi com urgência que nos abraçamos, aquela experiência
traumática da noite servindo para aumentar a nossa ansiedade um do
outro. Sentir o peso de Daniel sobre mim era mais do que estimulante, o
corpo já totalmente nu pressionando o meu. Aproveitei para deslizar as
mãos pelos ombros largos, novamente deliciada com o contorno dos
músculos sob a minha palma.
Ele gostava quando eu fazia aquilo, uma vez que o gemido de
prazer que emitia já era algo que identificava facilmente. Sabia quando
ele estava emocionado, quando estava excitado e quando estava
gozando. Os sons do prazer de Daniel eram marcantes demais para mim
e eu usava toda a minha sensibilidade para satisfazê-lo ao máximo, pois
era naquele momento de amor com ele que eu mais me sentia mulher,
alcançando uma autoestima que me faltava em tantas outras áreas da
vida.
Com o amor que sentia por mim, Daniel me fazia sentir
autoconfiante e poderosa.
E como é bom me sentir assim!
Eu estava totalmente viciada nele e nem queria pensar como
faria na hora de voltar ao Brasil.
Não demorou muito para Daniel tirar a minha roupa e estarmos
os dois nus entre os lençóis, pernas e corpos entrelaçados com uma
ansiedade incontrolável. Não havia tempo para fazer nada lentamente,
porque a urgência era grande.
No entanto, só me lembrei da merda do preservativo quando a
ereção roçou o meu corpo úmido.
— Não! — Empurrei-o suavemente, xingando a mim mesma
por ter esquecido de falar com ele antes de chegarmos àquele ponto.
Meu Deus, como é difícil ter de parar logo agora!
Mas a minha consciência gritou: Mas é fácil engravidar!
— Não, Dan! — Empurrei-o mais firmemente, já que da
primeira vez ele pareceu não ouvir.
Daniel parou, totalmente surpreso com a minha negativa.
Apesar de ainda ter o desejo brilhando forte nos olhos, afastou-se de
mim.
Eu até compreendia a surpresa dele, porque nunca me neguei a
fazer amor antes e escutar uma negativa agora era algo totalmente
improvável diante do entendimento que tínhamos alcançado na cama.
— O que foi? — ele perguntou com voz enrouquecida, mas
extremamente preocupada. — Fiz algo que machucou você?
— Não!
Neguei de imediato, sem querer que achasse que houvesse feito
algo de errado, quando era sempre perfeito comigo.
Engoli em seco antes de continuar.
— É que precisamos usar preservativo.
Capítulo 12
Ana
AQUELAS ÚLTIMAS PALAVRAS saíram da minha boca
em um sussurro e foi impossível não me sentir chateada por abordar o
assunto em um momento tão delicado. Eu sabia que Daniel ia estranhar
o fato de antes aquilo não me incomodar em nada e agora sim.
Ouvi a inspiração rápida que ele deu quando escutou o que eu
disse, as narinas se dilatando com o esforço para se controlar. A
surpresa inicial foi substituída pela desconfiança quando me olhou com
seriedade.
— Por quê? — Foi a única coisa que disse, ainda suspenso
sobre mim e com a ereção me tocando.
Mas que merda!
— Porque posso engravidar — respondi simplesmente.
O tempo pareceu parar dentro do quarto. Daniel virou a cabeça
para o lado e fechou os olhos, permanecendo naquela posição por
breves segundos, mas que pareceram longos minutos para mim. Fiquei
com a nítida impressão de que ele estava contendo as emoções a custo.
Depois, olhou-me fixamente em silêncio, antes de voltar a
falar.
— Por quê, Ana? — insistiu, mergulhando as mãos no meu
cabelo e segurando-me com visível possessividade.
O movimento só fez com que a fricção entre nossos corpos
aumentasse, deixando-me louca de vontade de erguer o quadril e
finalizar a penetração.
Segurei-o com força pelos bíceps.
— Dan, não pergunta nada, por favor! Apenas coloca um
preservativo e me ama — implorei, sem conseguir controlar a ansiedade
de senti-lo dentro de mim.
Ele grunhiu de frustração.
— Não posso! Não tenho preservativos aqui. Já não ando com
eles, porque não os uso mais desde que estou com você, maldição! —
Fechei os olhos quando ouvi aquilo, dividida entre resistir ou sucumbir.
— Olha para mim e me diz o porquê disso agora, Ana.
Encarei-o, pedindo compreensão com o olhar.
— Não posso ficar grávida — sussurrei mais uma vez a minha
resposta.
— Por que antes podia e agora não pode mais? O que
aconteceu que a fez mudar de ideia de ontem para hoje?
— Aconteceu tudo e agora não quero mais — desabafei de um
fôlego só, tentando encontrar uma explicação que fosse válida.
Eu não podia simplesmente dizer que ele corria o risco de ter
um filho disléxico comigo, por isso pensei rapidamente em alguma
coisa, chateada por não ter procurado uma justificativa antes de já
estarmos fazendo amor.
Que Deus me ajudasse, porque teria de mentir novamente para
o Daniel. O meu único consolo é que seria uma meia-mentira.
— Não posso voltar grávida para o Brasil e dizer ao meu pai
que engravidei de um namorado americano que conheci pela internet e
que ele nem sabe que existe.
Senhor, que isso não seja um motivo para nos afastarmos!
— Então não quer mais engravidar?
A explicação que dei pareceu não causar efeito nenhum nele,
como se fosse de pouca importância. A atenção de Daniel estava focada
apenas na minha negativa de engravidar. Era como se soubesse que
nada importaria para mim se eu desejasse mesmo aquela gravidez com
ele.
Aquilo era tão certo, que foi quando tive total consciência do
quanto Daniel já conhecia do meu íntimo.
O tom de voz inquisitivo dele me fez vacilar por um instante,
mas depois sustentei a minha negativa.
— Não.
Uma única palavra, mas que custou muito colocar para fora,
ainda mais sob o escrutínio do olhar penetrante dele.
— Por quê? — ele insistiu de forma incisiva.
— Ainda é muito cedo — repeti as palavras de Bia. — Eu não
teria como enfrentar o meu pai com uma gravidez agora.
As mãos dele se firmaram mais no meu cabelo, o rosto se
aproximando a ponto de quase nos beijarmos e o corpo grande
totalmente colado em mim.
— Eu sei que ainda é cedo. Não sou nenhum adolescente
inconsequente que não tenha consciência disso — rosnou com
indignação. — Agora, quero que se esqueça do seu pai e de todo o
mundo. Pense apenas em você e em mim. Em nós dois juntos!
Daniel desceu a mão por meus seios, quadril e coxa,
acariciando com possessividade o meu corpo, moldando minha carne à
dele e, com isso, estimulando os meus sentidos. Ele parou no meu
joelho, firmando ainda mais as minhas pernas ao seu redor.
Inspirei fundo com aquele gesto de posse de Daniel, presa na
força do olhar decidido.
— Sei que ainda é muito nova e que tenho quase dez anos a
mais do que você. Até entendo que fique insegura com uma gravidez
agora, mas quero muito um filho seu — ele admitiu com segurança. —
Na verdade, você me fez querer esse filho. E sei que você também o
quis.
Fiquei emocionada com o tom seguro e firme com que ele
assumiu aquilo, pois era tudo o que eu sempre desejei ouvir na vida. Um
homem forte e determinado, que me amasse acima de tudo e quisesse
uma família comigo, ciente das minhas limitações.
Só que Daniel desconhecia as minhas limitações, sequer
suspeitava da minha dislexia, muito menos que aquele filho que tanto
desejava poderia nascer disléxico como a mãe.
— Você o quis tanto quanto eu! — ele repetiu
categoricamente. — Agora, diga-me o que aconteceu para mudar de
ideia.
O que dizer? Admitir que era disléxica?
Olhei o rosto másculo tão perto do meu e o olhar
profundamente sério e decidido, que mostrava bem o homem
determinado que Daniel era. Tentei encontrar coragem para confessar
tudo, mas a covardia foi maior, alimentada pelo medo da perda.
Então, calei-me sobre a verdade.
— É tudo muito recente entre nós dois. Mal nos conhecemos e
também moramos em países diferentes. — Comecei a citar todos os
impedimentos que havia entre nós dois. — A minha realidade no Brasil
é totalmente diferente desta sua realidade aqui e não vejo como poderia
me adaptar a isso. Também tenho o meu pai no Brasil e preciso estar ao
lado dele.
O olhar decidido não se alterou minimamente com tudo o que
eu dizia, como se nada daquilo continuasse importando para ele.
— Você quer engravidar, Ana? — Foi a única coisa que disse.
— Gostaria de ter um filho meu? Apenas me responda isso e deixe que
o resto eu resolvo.
Prendi a respiração com aquelas últimas palavras, fortes e
decididas como ele.
“Deixe que o resto eu resolvo.”
Com aquela determinação férrea que possuía, eu não tinha
dúvida nenhuma de que ele resolveria tudo mesmo. Mas Daniel não
poderia tirar de dentro de mim o gene da dislexia que eu passaria para o
filho dele.
Quase gemi com a angústia que senti ao ter de negar algo que
tanto queria.
— Não quero engravidar — afirmei em um fio de voz,
engolindo em seco.
O peito largo se expandiu com a longa inspiração que ele deu.
As mãos se crisparam, segurando o meu cabelo e pressionando a minha
perna com mais força
— E se já estiver grávida, o que vai fazer? — rosnou com
seriedade.
— Não estou — neguei com firmeza.
Ele me olhou com suspeita.
— Como tem tanta certeza disso? — Levou uma mão protetora
até a minha barriga, como se sentisse alguma ameaça ao filho dele.
Não ia ser fácil destruir as esperanças dele, mas, naquele ponto,
eu tinha de ser sincera. Não havia como esconder a verdade.
— Terminei o meu ciclo na véspera da viagem, Dan. É quase
impossível que esteja grávida.
Não desviei o olhar e pude ver o quanto o rosto dele ficou
subitamente carregado. Aquela expressão me lembrou o Daniel que
explodiu no escritório quando se sentiu traído e enganado.
Contudo, no meio daquele turbilhão de emoções que pareciam
dominá-lo, identifiquei no fundo dos seus olhos uma emoção que
roubou o meu fôlego.
Mágoa!
Ele está magoado. Magoado comigo!
— Dan?
Quando estendi a mão para segurar o rosto dele, Daniel saiu
abruptamente de cima de mim, levantando-se da cama.
Fiquei completamente surpresa e sem ação, observando-o
deixar o quarto em direção ao banheiro da suíte. Logo depois, ouvi o
som da porta sendo fechada com um golpe seco.
Oh, Senhor! O que foi que eu fiz?
Eu sabia que ele via com naturalidade uma gravidez minha,
mas nunca pensei que quisesse tanto assim a ponto de se sentir magoado
comigo por não ter contado aquele detalhe antes.
Depois fechei os olhos, ciente de que não havia sido apenas um
simples detalhe. Aquele era um fator determinante para que, desde o
início, não houvesse gravidez nenhuma em causa. Por outro lado, nunca
comentei nada antes, deixando que ele acreditasse que havia a
possibilidade de já estar grávida.
Sentei-me na cama, sem saber o que fazer, agarrando o lençol
em frente aos seios. Olhei ao redor, procurando na penumbra do quarto
silencioso alguma peça de roupa que pudesse vestir.
Vi a camisa dele no chão e não hesitei em vesti-la.
Ainda fiquei na dúvida se deveria ou não ir atrás dele, mas não
conseguia continuar ali na cama sabendo que estava magoado comigo.
A coragem venceu o medo da rejeição e resolvi ir até o banheiro tentar
me explicar melhor.
Mas que outra explicação posso dar, além da verdade?
Levantei-me e caminhei sobre o tapete macio até chegar à porta
fechada. Lá, hesitei novamente, tentando empurrar as minhas
inseguranças para longe.
Não havia um mínimo som lá dentro que indicasse alguma
movimentação de Daniel e aquele silêncio era pior do que se ele
estivesse praguejando em inglês.
Respirei fundo e bati levemente na porta.
— Dan? — chamei baixinho.
Não houve resposta.
E agora? Insistir ou desistir?
Aquele medo horrível da rejeição que eu tinha há anos dentro
de mim voltou com força total. Senti o meu corpo estremecer como se
um vento gelado estivesse correndo solto dentro da suíte, mas eu sabia
que eram os primeiros sinais do estresse daquela noite vindo à tona.
À medida que os segundos passavam sem reação de Daniel, o
medo começou a gritar nos meus ouvidos.
Desista!
Tive vontade de chorar, porque não queria desistir e perdê-lo.
Foi quando os meus sentimentos por ele falaram mais alto, trazendo a
força que eu precisava.
Insista!
É isso! Só mais uma vez.
Mesmo com a mão suada e tremendo, voltei a bater
suavemente na porta outra vez.
— Daniel?
Mordi o lábio ao notar que, apesar da coragem em insistir, o
medo me fez chamá-lo de Daniel e não de Dan.
Segurei o gemido de angústia dentro de mim quando os
segundos foram passando lentamente sem que um único som se fizesse
ouvir no banheiro. Nenhuma palavra, muito menos a porta sendo aberta.
Levei o punho fechado à boca, dando meia volta e indo para o
quarto. Corri até a cama, entrando por baixo das cobertas quentes para
ver se diminuía aquele frio que assolava o meu corpo. Lembrei-me das
inúmeras vezes que cheguei arrasada em casa depois de ser rejeitada na
escola ou humilhada em sala de aula.
Naquelas ocasiões, eu corria direto para a cama, onde chorava
baixinho para os meus pais não ouvirem. Depois adormecia,
completamente esgotada, mas também aliviada, pois sabia que na
escuridão do sono ninguém podia me magoar.
E foi exatamente assim que aconteceu daquela vez.
Capítulo 13
Daniel
APOIEI AS MÃOS na parede à minha frente, tentando manter
a calma, quando a vontade que eu tinha era de esmurrar um saco de
boxe até cansar. A força que fazia para dominar aquela emoção cortante
dentro do peito era tanta que senti o meu corpo tremer, os músculos
pedindo uma explosão de força que eu não podia lhes dar naquele
momento.
“Terminei o meu ciclo na véspera da viagem. É quase
impossível que esteja grávida.”
Impossível que esteja grávida.
Impossível que esteja grávida.
Aquelas palavras não saíam da minha cabeça, batendo,
martelando e esmagando o meu autocontrole. Destruindo a minha razão.
Exigindo uma reação.
Shit! Shit! Shit!
— Dan?
A voz macia de Ana invadiu o banheiro, desestruturando ainda
mais o meu autocontrole.
Fechei as mãos em punhos contra a parede, trincando os dentes
para não responder. A vontade que eu tinha era de jogar aquela dor para
o alto e abrir a porta, arrebatando Ana nos braços. Só assim poderia
saciar a ânsia louca de me enterrar nela como o insano desesperado que
eu me sentia naquele momento.
Enterrar-me nela e engravidá-la!
“Não quero engravidar.”
Quantas mulheres diriam aquilo para Daniel Ortega? Quantas
abririam mão da fortuna, da posição social, do sucesso e do poder de
Daniel Valdez Ortega? Nenhuma! Absolutamente nenhuma.
Exceto, Ana.
— Daniel?
Fechei olhos, mas a única coisa que conseguia ver era a
imagem dela, com os fios macios do cabelo longo espalhados sobre a
cama, o olhar nublado de prazer, os lábios inchados dos meus beijos e o
corpo esguio úmido debaixo do meu.
Eu sabia que se abrisse aquela porta, nada me impediria de
possuí-la, quisesse Ana engravidar ou não.
Lembrei-me da nossa primeira vez, quando ela aceitou tão
prontamente a gravidez.

“— Responde ou vou acabar possuindo você


mesmo correndo o risco de uma gravidez.
— Então, vem!
— O que disse?
— Me ame.
— Tem certeza? É que depois não há espaço para
arrependimentos.
— Você vai se arrepender, Dan?
— Nunca!
— Então me ame, por favor, porque eu também
nunca me arrependerei.
— Ana, sempre vou amar você.”

Afastei-me da parede, andando dentro do banheiro como um


leão enjaulado. Passei as mãos no cabelo, no rosto, na barba, quando o
que queria mesmo era urrar de raiva, de frustração e de impotência.
“Será que ainda lembra quantos anos tem? Você está na idade
ideal de ter uma família e me dar netos, mas só pensa em trabalhar!”
O que a minha mãe diria se soubesse que eu estava apaixonado
por uma mulher que não queria ter filhos tão cedo?
Em pouco mais de dois meses eu estaria completando trinta e
três anos e, pelo jeito, o sonho da minha mãe de ter um neto do único
filho homem teria de ser adiado, uma vez que eu não pretendia abrir
mão de Ana. E se ela não queria um filho agora aos vinte e três anos,
não seria eu quem a forçaria àquilo.
O silêncio fora da porta mostrou que ela havia retornado ao
quarto.
“Terminei o meu ciclo na véspera da viagem”.
“Não quero engravidar”.
Aquelas palavras continuavam martelando na minha cabeça e
causando um estrago enorme no meu ego. Fechei os olhos, apertando os
punhos com força para controlar tanto a raiva que sentia estourar no
peito, quanto a vontade de ir atrás dela.
Tem de haver um motivo para Ana ter mudado de ideia, porque
antes ela queria esse filho!
Forcei a minha mente a ir em busca de uma justificativa,
respirando fundo e me concentrando para reviver tudo o que havia
acontecido naquele dia. Demorou apenas alguns segundos para
encontrar a resposta que eu queria.
Maldição!!!
Bia!
Dei um murro na mão com o punho fechado, ao me lembrar de
que Ana havia descido do quarto da amiga com indícios de choro no
rosto. Agora, mais do que nunca, eu tinha certeza de que as duas
conversaram sobre algo que a fez mudar de ideia e rejeitar a gravidez.
Novamente a Bia!
Já estava mais do que na hora de ter uma conversa séria com
Bia e um dos assuntos que ia tratar com ela era a suspeita que eu tinha
da dislexia de Ana.
De amanhã esta conversa não passa!
Suspirei, subitamente cansado, parando em frente ao espelho.
Olhei a imagem refletida e vi um homem talvez velho demais para Ana.
Mas que merda! Ela é pouco mais do que uma garota!
Ana era jovem o suficiente para não querer assumir um
compromisso sério com um homem dez anos mais velho e que ainda
trouxesse junto a responsabilidade de um filho.
Respirei fundo e dei as costas ao espelho, entrando debaixo do
chuveiro e deixando a água fria acalmar o turbilhão emocional que
sentia.
Parei ao lado da cama, observando o corpo esguio coberto pelo
lençol.
Ana estava deitada de lado, quase em posição fetal, agarrada ao
travesseiro e com uma das mãos perto da boca entreaberta. Havia
marcas de choro no rosto lindo e suave, fazendo-me trincar os dentes
com raiva de mim mesmo por tê-la deixado dormir naquele estado.
Eu sabia das inseguranças e medos que ela sentia e, só por isso,
deveria ter aberto aquela maldita porta e arrebatado Ana nos braços,
sem pensar em nada mais além de fazê-la feliz.
Dei a volta na cama e fui para o meu lado, puxando as cobertas
e me deitando. Com cuidado para não a acordar, abracei a cintura fina e
puxei-a para perto de mim.
Fechei os olhos e aproveitei a satisfação de tê-la em meus
braços.
Ana, minha Ana!
Eu já não conseguia imaginar a possibilidade de ficar sem ela.

Quando acordei, notei logo que Ana já estava acordada, apesar


de permanecer quieta do outro lado da cama. Observei-a por algum
tempo antes de trazê-la de volta para os meus braços.
Ela me olhou, surpresa, mas não resistiu, deixando-me atraí-la
ao peito.
— Bom dia.
A hesitação ficou evidente no rosto expressivo, antes que
respondesse em um tom de voz suave, mas sem o mesmo calor de antes.
— Bom dia.
Era uma atitude compreensível diante do que aconteceu, mas
eu não pretendia deixar que aquele assunto nos separasse mais do que já
havia separado na noite anterior.
— Eu queria pedir desculpas pela minha atitude de ontem à
noite. Fui pego de surpresa no pior momento e não reagi bem. —
Afastei o cabelo dela do rosto e encarei-a com firmeza. — Respeito a
sua escolha, porque tem todo o direito de não querer um filho agora
sendo tão jovem. Esta é uma decisão que depende de nós dois e não
apenas de mim, e errei em me chatear com isso. Mas quero deixar bem
claro que só não abri a porta porque precisava de um tempo para
assimilar tudo. Talvez por hábito profissional, às vezes sou demasiado
autoritário na maneira de impor o que quero e fiquei com receio de
acabar forçando você a me aceitar.
Um brilho de compreensão surgiu no olhar dela enquanto me
ouvia, o corpo relaxando junto ao meu.
— Também queria pedir desculpas. Eu devia ter dito tudo antes
e de uma outra forma. Isso sem falar que errei ao deixá-lo acreditar que
poderia ter engravidado dias atrás. Mas não foi proposital.
Eu sabia que não, mas ainda assim foi um golpe difícil para o
meu ego aguentar. Tentei não deixar transparecer nada e dei-lhe um
beijo na testa.
— Acredito em você e considero este assunto esclarecido e
encerrado. A partir de hoje, começaremos a usar o preservativo sem
problema algum da minha parte e só voltaremos a falar de gravidez
quando você quiser.
Ela ficou em silêncio, pensativa. Depois, encostou a cabeça no
meu peito e fechou os olhos, parecendo exausta. Deixei-a ficar assim até
perceber que havia adormecido de novo, como se tivesse passado parte
da noite acordada.
Consultei o relógio e vi que ainda eram seis horas da manhã,
cedo o suficiente para dormirmos mais tempo. Puxei as cobertas e
acomodei-a melhor, mais do que decidido a descobrir o que a fez mudar
de ideia.
Capítulo 14
Daniel
A IDA À Estátua da Liberdade foi tudo o que Ana esperava.
Apesar de ser um programa demorado e desgastante para quem era
morador da cidade, vê-la feliz e sorrindo o tempo todo foi a melhor
recompensa que tive por lhe proporcionar aquele passeio turístico,
mesmo com a companhia ao nosso lado não sendo boa. A meu ver, a
presença de Jack foi o pior do passeio.
Na noite anterior, quando soube que Jonas havia abordado Ana
no lounge, foi difícil controlar a vontade de meter um soco na cara dele.
Na falta de Jonas para esmurrar, Jack o substituía muito bem.
A desculpa que ele deu não me convenceu, ao dizer que a
intenção de Jonas era só de ajudar.
— Ele já sabe que ela é sua namorada. Quando a viu sozinha,
ficou preocupado e quis ajudar. Foi a mesma reação que teria se visse
Beatriz em dificuldades — justificou com o semblante consternado. —
Infelizmente, Ana se assustou quando o viu, mas a intenção dele foi a
melhor possível.
Aquele foi o momento em que, se pudesse, teria agarrado Jack
pelo colarinho para uma conversa de homem, mas a presença de todos
no estacionamento me impediu de fazer aquilo.
Mesmo forçado pelas circunstâncias a conter a minha vontade
de quebrar a cara de galã de cinema de Jack, não deixei de me
aproximar ameaçadoramente e rosnar no ouvido dele para ninguém
mais ouvir.
— Jonas e suas boas intenções podem ir para o inferno. Se ele
não for por conta própria, eu o colocarei lá. — Afastei-me lentamente e
o encarei com hostilidade. — E garanto que ele não vai sozinho.
Um brilho indefinível nos olhos azuis precedeu a resposta de
Jack.
— E eu lhe garanto que Jonas não se aproximará novamente de
Ana. Dou-lhe a minha palavra.
Tive vontade de rir quando ouvi aquilo.
— E quanto vale a sua palavra? — Apontei-lhe o dedo no meio
do peito. — Espero que saiba que a palavra de um homem não se mede
pelo dinheiro que tem, mas pelo tamanho da sua honra.
Ele permaneceu calado, mas fiquei sem saber se foi por não ter
honra nenhuma para se defender ou porque o pai dele nos observava
disfarçadamente do outro lado do carro. Fosse um ou outro o motivo do
silêncio, mostrava bem o homem que Jack Spencer era.
Dei-lhe um meio sorriso irônico ao perceber que não haveria
nenhuma resposta e só então me virei para o senhor Spencer,
despedindo-me com um aperto de mãos.
— Foi uma noite agradável e a sua neta tem mesmo muito
talento — disse-lhe com sinceridade. — Voltarei amanhã para levar
Ana e Bia ao passeio.
Pela minha vontade, não teria voltado, mas Ana não precisava
saber daquilo. Com tudo de ruim que a presença de Jack significava, eu
gostava sinceramente de Bia, ainda que não concordasse com suas
escolhas amorosas.
O momento ideal de falar com ela sobre Ana surgiu quando eu
menos esperava. Apesar de não ter planejado conversar exatamente
naquele dia, eu também não era homem de deixar passar uma boa
oportunidade quando ela surgia bem à minha frente.
Antes do jantar na casa dos Spencer, Jack recebeu uma
mensagem no celular que o fez pedir licença para fazer uns telefonemas
no escritório e tratar de assuntos de negócios, dizendo que não
demoraria mais do que dez minutos. Mesmo ele demonstrando estar
chateado por se ausentar naquele curto espaço de tempo, eu só
conseguia pensar que teria uma folga da presença indesejável dele.
Ana foi convidada pela senhora Spencer para ajudá-la nos
detalhes finais dos pratos. Eu já havia percebido que ela tinha muito
talento de culinária e que gostava verdadeiramente daquilo. Ana vivia
falando de receitas com Carmencita e acompanhando os pratos que ela
fazia.
Sem planejar nada, mas com a ajuda da sorte, de repente fiquei
sozinho com Bia, uma vez que o senhor Spencer e Ashley estavam
concentrados em uma conversa particular na sala ao lado.
— Não gosto nada de cozinha, por isso as duas vão me perdoar
se eu permanecer aqui — Bia brincou com a senhora Spencer. —
Garanto, porém, que apreciarei bastante o que prepararem.
— Até parece que você come doces — Ana comentou,
torcendo a boca com fingido desagrado. — Sempre sou eu quem devoro
as sobremesas e você só me repreende por isso.
— Mas para as suas eu sempre abro uma exceção, por isso,
capriche.
Eu tinha de reconhecer que ambas possuíam uma amizade
bonita e sólida, que só as afinidades pessoais podiam construir ao longo
do tempo. Era mesmo uma grande pena que Bia tivesse escolhido ficar
com o homem errado.
Ana se virou para mim com uma pergunta muda nos olhos
castanhos. Apertei-lhe levemente a mão em um gesto discreto de
confirmação e um sorriso se desenhou no rosto dela. Ana se levantou
para acompanhar a senhora Spencer, puxando o cabelo longo para trás e
fazendo habilmente um coque na nuca com um nó.
— Vamos caprichar para vocês. — Piscou o olho para a
senhora Spencer e ambas saíram da sala em direção à cozinha.
Quando fiquei a sós com Bia, não perdi tempo com
amenidades e fui direto ao assunto, antes que alguém retornasse à sala.
Eu podia apostar que o primeiro a fazer aquilo seria o Jack.
— Foi bom ficarmos sozinhos por um tempo. Queria conversar
com você em particular e este é um excelente momento.
Uma expressão de curiosidade tomou conta do rosto dela
quando Bia olhou para mim e um sorriso espontâneo curvou seus lábios.
— Por mim, tudo bem. Mas confesso que agora fiquei curiosa
em saber o que gostaria de falar comigo que não pudesse ser dito na
frente de Ana.
— É justamente sobre ela que quero falar.
A curiosidade foi substituída pela surpresa e Bia baixou os
olhos, analisando pensativamente as próprias mãos cruzadas no colo.
— Certo — Foi a resposta firme que deu quando voltou a olhar
para mim. — Mas me deixe avisar logo que só direi aquilo que achar
que devo, porque não vou trair Aninha em hipótese alguma. Que isto
fique bem claro!
Gostei da postura decidida e sabia que não seria fácil tirar
informações dela. Beatriz era mais forte do que a figura pequena e
magra aparentava. Eu já havia percebido que ela defendia Ana
ferozmente e isso me agradava muito nela. Só esperava que conseguisse
também defender a si mesma quando precisasse.
Como o meu tempo era curto e a minha necessidade de
esclarecer as dúvidas sobre Ana era grande, abordei o assunto
diretamente.
— Esses poucos dias convivendo com Ana me fizeram notar
coisas que não consegui perceber nos meses em que conversamos à
distância. Ela tem sérias limitações que a tornam vulnerável em muitas
situações, sendo a dificuldade de leitura a mais grave delas. A maior
prova disso foram os empréstimos que assinou no banco sem ler.
Bia permaneceu aparentemente impassível enquanto me ouvia,
o que me fez dar um ponto a mais para ela no quesito confiança.
— Isso não quer dizer nada, Daniel. Eu também assinaria sem
questionar qualquer documento que os meus pais me dessem. Nunca
esperamos traição dos familiares mais próximos com quem convivemos
diariamente. A tia Sílvia nunca foi uma parente distante. Esteve sempre
presente desde a época em que a mãe de Ana ainda morava com eles.
Confirmei com um meneio de cabeça, ciente de que ela tinha
razão, mas também certo de que aquele não era o caso.
— Concordo com isso, apesar de que nunca assinaria nada sem
ler, ainda que fosse a minha mãe que o desse para mim — disse-lhe
tranquilamente, pois aquela era a mais pura verdade. — Mas o que se
passou com Ana é totalmente diferente, e acho que você sabe disso.
Pude comprovar pessoalmente que ela tem dificuldade de leitura.
Ela não vacilou diante do que eu disse.
— E qual era a reação que você esperava dela, Daniel? — O
tom de voz ficou mais duro e ela se empertigou no sofá quando passou a
defender a amiga. — Ana estava nervosa, acuada e amedrontada com
aquela situação absurda que você criou. Deixou de ser um namorado
apaixonado e se transformou em um juiz implacável, condenando-a sem
direito à defesa. Ela jamais conseguiria ler uma linha sequer sendo
humilhada daquele jeito. Você errou e errou feio quando acreditou
naquele crápula disfarçado de amigo e advogado. Deveria ter
conversado com ela em particular, como está fazendo comigo agora.
Aquela não ia ser uma conversa fácil, pois Bia tinha a
autoconfiança e a assertividade que faltavam à Ana. O tom de voz não
se elevou, nem parecia minimamente abalada com o que dizia, mas suas
palavras eram certeiras e atingiram direto o alvo. E o alvo era o meu
sentimento de culpa.
O remorso pelo que fiz com Ana voltou com força total. Ainda
mais agora, que tinha certeza da inocência dela e do quão injusto fui
com a mulher que queria definitivamente ao meu lado. Isso sem falar da
forte ligação que nós dois já tínhamos um com o outro e das emoções
incontroláveis que criaram raízes profundas dentro de mim.
Respirei fundo, tentando controlar o homem apaixonado que
não tinha controle de nada, para deixar ficar apenas o advogado
acostumado a comandar o império que era a S&Stevens.
— Você tem total razão e sei dos erros que cometi com Ana.
Em momento algum irei negar que errei na maneira como conduzi a
situação. Sei que causei danos na confiança dela em mim e na
autoconfiança em si mesma — disse-lhe com firmeza e sinceridade. —
Mas é justamente por isso que pretendo cuidar e proteger Ana daqui
para a frente, evitando o máximo possível que seja magoada ou
prejudicada novamente. E para isso preciso da sua colaboração para
responder algumas perguntas que a própria Ana não responderia.
A expressão de Bia foi de quem queria dizer que a solução para
aquilo era óbvia.
— Então aguarde o momento certo em que ela falará para você
o que quer saber.
Shit!
— Não tenho tempo para esperar esse dia chegar, Bia! Em
breve vocês voltarão para o Brasil. Não vou conseguir ficar aqui
vivendo tranquilamente a minha antiga rotina de vida, com Ana
morando em outro país. A época do relacionamento à distância acabou
para mim e quero que ela fique comigo aqui em Nova York.
Fui taxativo na minha afirmação. Nunca fui um homem de
perder tempo com dúvidas e indecisões. Ao longo da minha vida,
sempre soube o que queria para mim. Quando encontrava o que
procurava, resolvia tudo rapidamente para conquistar os meus objetivos.
E o meu objetivo maior era Ana. Eu a queria comigo e a teria ao meu
lado, independentemente do preço que tivesse de pagar para concretizar
aquilo.
Custe o quanto custar, ela ficará comigo.
Bia cravou o olhar surpreso em mim, mas percebi que também
havia admiração neles. Ficou muito óbvio para mim que ela não
esperava aquela atitude da minha parte, achando talvez que eu
pretendesse continuar o relacionamento com Ana da maneira como
estava antes, cada um em seu país.
Ela soltou um suspiro de rendição e voltou a olhar
pensativamente para as próprias mãos que continuavam cruzadas sobre
o colo.
— Você já tentou conversar com ela? — perguntou com
cautela.
— Sim, mas Ana se fecha ainda mais a cada vez que tento
abordar o assunto.
Ela assentiu com a cabeça, como se previsse exatamente
aquilo.
— O grande problema é que você não vai conseguir fazer Ana
se abrir em tão pouco tempo, Daniel. Infelizmente, com ela é preciso
dar tempo para que decida falar por conta própria. Foi assim que
aconteceu comigo.
Senti que a resistência de Bia diminuiu e resolvi me aproveitar
daquilo para conseguir algumas respostas, mesmo que ela não
percebesse que as estava dando para mim.
— Conte-me como aconteceu com você — pedi, tentando
conduzi-la a falar o que precisava saber.
— Nós duas nos aproximamos no hospital por acaso, quando
chegou para mim uma informação errada vinda da recepção, que causou
transtornos no fechamento da conta de um paciente. Liguei para eles e
foi a Ana quem atendeu. Conversamos e percebi que o erro havia sido
dela, que não negou isso em momento algum. Humildemente, ela me
perguntou como poderia consertá-lo e aprender a fazer direito para não
errar mais. Ana se dispôs a devolver o dinheiro ao hospital, mas o valor
não justificava isso e resolvi tudo sozinha. Mas achei admirável a
atitude dela, porque na maioria das vezes as pessoas jogam a culpa para
outro colega, ainda mais quando temos vários guichês na recepção com
funcionários em sistema de escala.
Agora que eu conhecia as limitações de Ana, até conseguia
imaginar a ansiedade que sentiu ao perceber que errou e que havia uma
funcionária com posição hierárquica superior questionando o trabalho
dela.
Ana teve sorte de ser Bia quem descobriu o erro.
— Fiquei curiosa de saber quem era ela. É normal passarmos
pela recepção sem olhar verdadeiramente para os funcionários que estão
atrás dos guichês. Quando desci para o almoço resolvi conhecê-la.
Fiquei surpresa com a grande beleza que possui e também com a
postura séria, que passava uma imagem totalmente diferente da
funcionária de voz suave e sincera que falou comigo por telefone. Mas
assim que me apresentei, um sorriso espontâneo com um olhar caloroso
mudou completamente a atitude distante e então encontrei a verdadeira
Ana. Ela relaxou visivelmente comigo e de lá para cá nos tornamos
amigas inseparáveis, quase irmãs.
Fiquei curioso em saber como tendo dificuldades de leitura,
Ana conseguiu desempenhar suas funções na recepção do hospital, que
normalmente lida com muitos dados e tem pressão constante para um
atendimento por excelência.
— Em que consiste o trabalho dela na recepção?
— Ana trabalha em um dos guichês de entrega de exames, que
é o menos concorrido de todos. Só quando os outros estão
sobrecarregados é que eles também começam a chamar as senhas de
quem está aguardando o atendimento geral, que normalmente é mais
exigente. Foi em uma dessas ocasiões que ela errou.
Não consegui ficar impassível diante daquelas informações.
Quando percebi, já estava contraindo os músculos de tensão. Saber dos
desafios que Ana enfrentou no trabalho só dava mais vontade ainda de
protegê-la e estar ao lado dela quando situações assim se repetissem.
— Foi a tia Sílvia quem conseguiu este emprego para Ana, por
ter um dos diretores do hospital como cliente do banco onde trabalha.
Quase ninguém sabe deste detalhe da contratação de Ana, o que deve ter
acarretado aquela insinuação odiosa que colocaram no relatório de
investigação que você fez, dizendo que ela tinha um caso com o diretor.
Pouquíssimas pessoas sabem que Ana está lá por causa da tia. Eu
mesma só fiquei sabendo, porque a própria Ana me contou um dia.
Tentei não cerrar os punhos de raiva ao ouvir falar daquela
investigação. A única coisa boa que veio dali foi a informação sobre os
empréstimos que a tia fez no nome de Ana.
Era mesmo uma grande ironia que Silvia tivesse primeiro
conseguido um emprego para a sobrinha e depois se apropriado
indevidamente do dinheiro dela. Só que agora havia chegado a hora de
ela prestar contas de tudo o que fez.
Capítulo 15
Daniel
ATENTO À BIA, vi naquele relato uma oportunidade de
descobrir o que eu queria.
— E o que mais Ana lhe contou?
Ela manteve a atitude inicial de se desviar do assunto que eu
queria abordar.
— Coisas de mulheres.
Aquela resposta evasiva me forçou a adotar um discurso mais
objetivo.
— Como por exemplo sua dislexia?
Ela me encarou fixamente.
— De onde tirou esta ideia absurda? — perguntou calmamente,
erguendo uma sobrancelha divertida.
Procurei não demostrar a minha irritação no tom de voz diante
da insistência de Bia em negar o que estava óbvio demais para mim. Se
Ana não tinha dislexia, provavelmente era portadora de um outro
distúrbio qualquer.
— Como já disse no início da nossa conversa, conviver com
ela nestes poucos dias me mostrou as limitações que tem e todas se
encaixam com a dislexia — respondi sem titubear, deixando claro que
chegamos a um ponto onde não cabiam mais evasivas da parte dela. —
E se Ana tem dislexia, você sabe. Já a vi ter atitudes que demonstram
sua preocupação justamente no que a torna vulnerável, como a
facilidade em se perder por falta de orientação e o bloqueio que tem na
leitura, principalmente quando está nervosa ou sob pressão. Ana se
perde com facilidade dentro da minha casa, não apenas por ser grande,
mas por não memorizar informações de curto e médio prazo, além de ter
dificuldades em diferenciar a esquerda da direita.
Bia não reagiu em nenhum momento do meu discurso. Ficou
estática, parecendo estar com a respiração suspensa ao ouvir o que eu
dizia.
— Quer que continue? — questionei, forçando-a a reconhecer
a verdade. — Talvez eu possa acrescentar o fato de ela não gerir o
próprio dinheiro, não usar cartões por não conseguir decorar as senhas e
ser obrigada a confiar que outras pessoas façam isso por ela. O modelo
do celular de Ana é simples, mas ela parece não conseguir identificar os
números direito. Tem dificuldades em usá-lo por ser de outra pessoa e
provavelmente tem o dela há anos, com o qual já está acostumada. Para
mim, isso tudo demonstra que também pode ter discalculia associada à
dislexia. — Terminei e daquela vez fui eu quem ergui a sobrancelha em
um gesto de ironia. — Preciso dizer mais do que isso para você admitir
que ela é disléxica?
Bia permaneceu calada por alguns segundos, mas não deixou
de revidar.
— Não vou admitir nada, Daniel. O que Ana tem ou deixa de
ter diz respeito unicamente a ela, e se até agora não conversou sobre
este assunto com você, é porque ainda não confia o suficiente para fazer
isso.
Aquilo foi o mesmo que levar um golpe no peito, pois
confiança era algo muito frágil entre nós dois desde aquele relatório de
investigação. E depois da noite anterior também.
Eu reconhecia que Bia tinha razão. Afinal, tinha consciência de
que Ana acabaria por me contar tudo quando confiasse totalmente nos
meus sentimentos por ela e tivesse certeza de que não a rejeitaria se
soubesse o que tem. O problema é que aquilo poderia levar tempo, e
tempo era o que eu não tinha.
— Eu já disse que não tenho tempo para esperar esse dia
chegar.
Ela meneou a cabeça com tristeza.
— Então, só posso dizer que correrá o risco de perder Ana se
forçar a situação.
Respirei fundo, apoiando os cotovelos nos joelhos e passando a
mão na barba, ciente de que aquela opção de perder Ana não existia
para mim. Eu a queria com ou sem dislexia. Ana era a mulher que
escolhi para mim, independentemente do que tivesse.
Mas como fazer com que ela compreenda isso?
— Vou lhe dar um conselho, Daniel. — O tom de voz que Bia
usou era compreensivo quando se inclinou para apoiar a mão no meu
ombro. — Não a confronte com as suas verdades e suspeitas ou vai
afastá-la cada vez mais. Ana tem traumas desde a infância que não são
fáceis de esquecer na idade adulta. Pode ser linda daquele jeito, mas é
um poço de insegurança e está sempre se colocando para baixo.
Ouvir aquilo só aumentou os meus sentimentos e a vontade de
protegê-la ainda mais. Eu não sabia o que Ana havia feito comigo para
me sentir daquele jeito, mas as emoções que ela despertava em mim
diziam tudo sobre a determinação de ficar com ela.
— Se você confrontar Ana, sem esperar que seja ela a lhe
contar, vai perdê-la. Repito que a autoestima de Ana é quase zero e nada
do que você fale ou faça depois vai fazê-la se sentir melhor. Dê-lhe
tempo e conquiste sua confiança aos poucos, para que ela fale tudo
quando estiver preparada. A primeira coisa que notei nela quando a
conheci foi sua natureza esquiva. Quase todos acham Ana orgulhosa e
arrogante por não se envolver com ninguém e ficar quieta no seu canto.
Só que ninguém percebe que é apenas uma atitude defensiva para não
deixar transparecer demais suas limitações e ser humilhada. Agir assim
foi a única maneira que ela encontrou de não se magoar com a rejeição
dos outros.
Eu não precisava de Bia para saber daquilo, pois já havia
percebido que Ana era humilde demais. E ela, dentre todas as outras
belas mulheres com quem já estive, era a que mais motivos tinha para
ser arrogante e convencida da própria beleza.
— Confie em Ana e saiba esperar o tempo dela. Quando nos
aproximamos, também percebi algumas coisas estranhas, mas nunca a
confrontei. Apenas defendi o quanto pude de fofocas e maldades, além
de ajudá-la sempre que podia. Depois conheci o tio Jorge, pai de Ana, e
perguntei o que ela tinha. Sabe a resposta que recebi? “É um assunto
dela e só ela tem o direito de falar sobre isso. Aguarde. Quando Aninha
confiar mais em você, vai contar”.
Apertei as mãos, sentindo-me incapaz de aguardar.
Incrivelmente, o prudente e inabalável homem de ferro da S&Stevens
estava ansioso demais para conseguir esperar mais tempo.
— Não sou homem de ficar aguardando indefinidamente que
uma situação se resolva sozinha. Normalmente, faço as coisas
acontecerem no meu ritmo e não me vejo observando o tempo passar
sem agir.
— Tudo bem, eu entendo isso e sei que não é fácil — ela
concordou, olhando em direção à entrada da sala.
Acompanhei o olhar dela, mas não havia o menor sinal do
retorno de Jack, de Ashley ou do senhor Spencer.
— Deixe-me então ser direta com você. — Bia continuou em
voz baixa. — Vamos supor que Ana tenha mesmo todas essas
limitações que diz. Você estaria disposto a conviver com isso? Porque,
se for para fazê-la sofrer, digo logo que eu serei a primeira pessoa a
fazer de tudo para separar os dois. E terei a ajuda do tio para isso, pode
ter certeza! Garanto que, por mais que Ana ame você, na hora de
escolher entre o pai e o namorado, ela escolherá a ele.
Não me senti ameaçado com aquelas palavras. Tinha certeza de
que o pai de Ana seria o meu maior aliado naquela luta para ajudá-la e
protegê-la.
Olhei sem receio algum para Bia, certo de que só havia uma
resposta a dar.
— Eu quero Ana por completo, de qualquer jeito, com ou sem
limitações. Ter de conviver com isso não me faz querer menos. Ao
contrário, aumenta a minha necessidade de estar ao lado dela e fazê-la
feliz. Ana é a mulher que quero para mim.
Não havia nem a mais leve hesitação no meu tom de voz
quando admiti aquilo, muito menos quando a questionei logo depois.
— Por que ela chorou ontem no seu quarto? — Notei a
expressão de choque no rosto de Bia quando toquei no assunto e
respondi à pergunta não dita que havia no olhar dela. — Sim, eu
percebi.
Bia se recostou no sofá.
— Ela se emocionou quando falou com o tio.
— Tem certeza de que foi só isso? — pressionei.
— Sim, apenas isso — confirmou com tranquilidade.
— E por que Ana desceu de lá decidida a não engravidar mais?
Ela ergueu as mãos em um gesto de paz.
— Tudo bem, reconheço que falamos sobre gravidez e que dei
a minha opinião sobre isso — ela admitiu a contragosto, olhando-me
com seriedade. — Não tenho problema algum em repetir para você que
acho isso uma insensatez, considerando o pouco tempo de namoro que
vocês têm.
— E o fato de morarmos em países diferentes — completei.
— Também — Bia não negou, usando de sinceridade. — A
vida de Ana já é complicada o suficiente para ela ter de enfrentar uma
gravidez sozinha no Brasil.
Trinquei os dentes de raiva.
— Ela não vai estar sozinha, muito menos no Brasil — rosnei
secamente, incapaz de manter o tom de voz controlado e imparcial
diante daquilo. — Ana estará comigo aqui em Nova York.
— E o tio?
— Eu resolverei isso também. Não há impedimento algum para
ficarmos juntos e termos um filho.
Bia desviou a vista para o outro lado, fugindo do meu olhar,
um gesto que disparou todos os meus alertas. Aquele instinto que nunca
falhava dentro de mim me fez desconfiar que escondia algo.
— Não vejo impedimento algum — reafirmei, observando-a
atentamente.
Ela voltou a me encarar.
— Por que a pressa?
Sustentei o olhar dela, devolvendo na mesma moeda.
— Por que esperar?
— Ana ainda é muito nova para ser mãe.
— Quem decide a idade para ser mãe é ela — contestei
taxativamente. — E, até ontem, antes de conversar com você, Ana havia
decidido que queria. Não a forcei a nada. Ela via a possibilidade de uma
gravidez com naturalidade, sabendo que eu estaria ao seu lado sempre,
que ficaríamos juntos. Agora, diga-me o que a fez mudar de ideia lá em
cima.
Bia suspirou, parecendo vacilar pela primeira vez. Ficou calada
por um bom tempo e resolvi não pressionar, para que tomasse sozinha a
decisão de me contar o que havia acontecido no quarto.
Por fim, ela me olhou com seriedade, como se tivesse tomado
uma decisão.
— Só posso dizer que este é um assunto que diz respeito
unicamente a ela. Se Ana não explicou os verdadeiros motivos de ter
desistido da gravidez, é porque ainda não confia o suficiente em você
para fazer isso.
Bia repetiu o que já havia dito antes sobre as dificuldades que
Ana tinha, fazendo o meu coração disparar no peito com a analogia
entre as duas situações. Entre outras palavras, estava dizendo que o
motivo que fez Ana desistir da gravidez tinha a ver com as limitações
que possuía. Mesmo sem ter recebido nenhuma confirmação da dislexia,
agora eu sabia que ela havia desistido por causa daquilo.
Restava descobrir se era mesmo disléxica, mas isso demoraria
muito tempo se eu tivesse de esperar Ana me contar. Eu precisava
descobrir o que existia na dislexia que a fez desistir de ser mãe.
Olhei agradecido para Bia. Sem trair totalmente a amiga, ela
havia acabado de me dar uma pista importante sobre o que tinha
acontecido.
— Obrigado, Bia.
Um sorriso suave curvou os lábios dela.
— Quero ver Aninha feliz e se é você quem está fazendo isso,
tenho o maior prazer em ajudar para que fiquem juntos. — Parou de
falar por um instante, olhando-me com seriedade para dar ênfase ao que
ia dizer depois. — Mas, se ela sofrer nas suas mãos, terei o maior prazer
em afastar Aninha de você.
Aquilo era justo, pois se eu estivesse no lugar dela faria o
mesmo.
Contudo, não pude responder nada. Naquele mesmo instante,
ouvimos passos se aproximando e o Jack entrou na sala com um sorriso
satisfeito nos lábios.
— Daniel, você nem vai acreditar no contrato que acabei de
fechar agora para a Terri — ele foi dizendo ao atravessar a sala e se
sentar ao lado de Bia. — Ela vai cantar na festa de aniversário de
Meghan Stevens! Não é uma feliz coincidência?
Aquela informação realmente me pegou de surpresa, mas não
deixei transparecer nada na expressão ao ouvi-lo contar os detalhes da
negociação.
— Foi a assistente pessoal da senhora Victoria Stevens quem
ligou para definir as condições da apresentação. — Nesse momento, ele
olhou para Bia. — Você virá como minha acompanhante, querida. A
Ashley também estará presente, claro! Se eu precisar fazer alguns
contatos durante a festa, você poderá ficar com ela.
Bia lançou um olhar curioso para mim.
— Você vai, Daniel?
— Claro que vai, Beatriz! — Jack respondeu por mim. — Ele
trabalha diretamente com o dono da empresa e com certeza estará
presente.
Procurei não me irritar com aquele comentário sobre a minha
vida.
— Nós vamos — confirmei tranquilamente, deixando bem
claro que levaria Ana comigo.
O sorriso de Bia se alargou quando me ouviu, olhando depois
para o Jack.
— Ficarei com a Ana nos momentos em que você precisar
fazer seus contatos.
Capítulo 16
Daniel
EMPURREI A PORTA de vidro e entrei na empresa,
acompanhado por Ana.
— Esta é a S&Stevens — disse-lhe assim que chegamos no
centro da ampla recepção, onde alguns funcionários circulavam no
vaivém rotineiro do expediente. — Estou mais tempo aqui ou nos outros
escritórios ao redor do mundo do que na minha própria casa.
Senti a mão delicada apertando a minha com força e olhei para
Ana, notando a expressão de surpresa no rosto dela ao observar tudo ao
redor. Foi só naquele momento que percebi que a descontração que ela
tinha no carro havia desaparecido, dando lugar a uma tensão que antes
não existia. Tive a sensação de que ia ficando cada vez mais intimidada
à medida que andávamos em direção ao elevador privativo.
Apertei levemente a mão dela para lhe passar conforto e
segurança.
— Sei que o tamanho impressiona muito à primeira vista, mas
depois você se acostumará com a empresa.
Cumprimentei o gerente financeiro com um gesto de cabeça,
notando o olhar curioso, mas discreto, que ele deu Ana.
Só então me dei conta de que todos deviam estar meio
impressionados por eu estar trazendo uma mulher para a empresa pela
primeira vez. Considerando que eu estava de férias, era mais do que
óbvio para eles que Ana só poderia ser a minha namorada.
— É enorme! — ela sussurrou, voltando a me olhar. — Dizer
que estou impressionada é pouco.
— Pode ficar impressionada, mas não intimidada.
Resolvi eliminar de vez qualquer sentimento de inferioridade
que ela pudesse ter ao bater de frente com aquela imagem de eficiência
e sucesso que a empresa passava para qualquer pessoa que entrasse por
aquelas portas. A S&Stevens funcionava com a precisão de um relógio
suíço e aquele era um fato que me orgulhava muito.
Ela deu um sorriso tímido e percebi logo que acertei no alvo.
— Tudo bem. Vou procurar não me sentir um peixinho fora
d’água.
Trouxe-a mais para perto de mim quando paramos em frente ao
elevador. Soltei-lhe a mão e envolvi a cintura esguia com o braço,
encostando-a levemente ao meu corpo. Indiferente aos funcionários que
continuavam circulando atarefados, dei um beijo suave na testa dela.
— Garanto que é uma linda peixinha e o tubarão aqui está
apaixonado por ela.
Ela soltou um riso baixo quando ouviu o que eu disse.
— É injusto. Uma peixinha não terá chance alguma diante de
um tubarão.
— Essa é a intenção. Será devorada sem nem perceber.
A próxima risada veio seguida de um discreto olhar ao redor
para ver se havia alguém atrás de nós para usar o elevador.
— É privativo — tranquilizei-a. — Sem testemunhas.
— Sério? Então, a peixinha será devorada dentro do elevador?
— ela brincou comigo, provocando-me.
Rimos, mas nossos olhares se cruzaram com desejo.
— Infelizmente, não. Por segurança, temos câmeras de
vigilância nele.
— Oh! Então vou me comportar lá dentro.
O tom era leve e gostei de ver que já estava ficando à vontade
na empresa.
Quando o elevador chegou e entramos nele, Ana sussurrou.
— Tem escuta também?
Segurei o riso.
— Não, podemos falar tranquilamente.
Ela me olhou com alívio.
— Enfim, alguma privacidade. Existem câmeras em todo lugar
aqui dentro?
— Em pontos estratégicos de circulação. — Por segurança, não
podia dizer mais do que aquilo para ela. — Mas o sistema de vigilância
é mais rigoroso nos acessos restritos aos andares da diretoria e da
presidência.
Chegamos ao meu andar e pousei a mão na cintura dela durante
o trajeto pelo corredor. Passamos pelas secretárias, que cumprimentei
rapidamente, e levei-a ao meu gabinete. Assim que fechei a porta atrás
de nós, percebi que Ana relaxou visivelmente.
— Aqui temos privacidade e estamos longe das câmeras —
disse para tranquilizá-la ainda mais.
Ana olhava ao redor, parada ao meu lado. Sem conseguir
resistir, segurei-a pelo cabelo e dei um beijo devorador nos lábios
macios, sentindo quando se abriram para mim com um gemido de
prazer. Seus braços envolveram o meu pescoço e ela se pendurou em
mim daquele jeito único. Apertei mais o braço na cintura fina,
suspendendo-a ligeiramente para que roçasse o quadril na minha virilha.
Um novo gemido escapou da boca de Ana quando
pressionamos nossos corpos um no outro. Ela me enlouquecia de prazer
com gestos simples e espontâneos, mas que tinham o efeito de uma
explosão arrasadora dentro de mim.
O som do telefone tocando em minha mesa interrompeu nosso
beijo, fazendo Ana se afastar no mesmo instante.
Engoli um xingamento com aquela interferência, pois hoje não
havia reuniões nem compromissos na empresa. A minha presença ali era
meramente pessoal e não deveria haver telefones tocando atrás de mim.
Soltei-a a contragosto, indicando a sala.
— Fique à vontade. Verei o que é e depois conversamos.
Ela confirmou e foi em direção à longa janela de vidro para
olhar os prédios de Manhattan.
Atendi o telefone com brusquidão.
— Ortega.
— Doutor Daniel, peço desculpas por interromper. — A voz de
Deborah me fez apertar o fone com força. — É só para avisar que o
gerente de informática o procurou pela manhã. Estranhei, pois sabia que
hoje não viria ao escritório. Tentei saber do assunto, mas ele disse que o
procurava depois.
— Quando Henry chegar, deixe que ele entre direto em minha
sala. — Foi a única coisa que lhe disse, completando com uma ordem
seca. — Não quero ser novamente interrompido.
— Sim, claro!
Desliguei sem lhe dar chance de dizer mais nada e olhei para
Ana, vendo-a distraída na janela. De costas, a visão do cabelo castanho
com mechas mais claras que caíam quase até a cintura delgada causava
um impacto profundo em mim.
Liguei para o gerente de informática, ainda apreciando a
mulher que eu amava.
— Boa tarde, doutor Daniel.
— Boa tarde, Henry. Pode subir.
— Estou a caminho.
Desliguei, indo para o lado de Ana e abraçando-a por trás.
Por um instante, fechei os olhos com o prazer de tê-la nos meus
braços daquele jeito e mais ainda por estarmos juntos no meu escritório,
um lugar onde eu havia passado tantas horas da minha vida nos últimos
anos.
Ali estava eu, unindo o passado e o presente. O meu passado
vivido em prol daquela empresa e o meu presente vivendo ao lado de
Ana. Tive a forte sensação de que juntar os dois no mesmo lugar era
como se estivesse definindo o meu futuro dali para a frente.
Sem conseguir resistir, desci a mão para a barriga dela, onde o
meu filho cresceria para consolidar tudo aquilo que tão ardentemente eu
desejava agora.
Ana, filhos e uma família.
Capítulo 17
Daniel
— A VISTA DAQUI de cima é linda!
Olhei para Manhattan através dos olhos dela e entendi o
deslumbramento que devia estar sentindo.
— Sim, é bonita — concordei, observando os arranha-céus
pela janela. —Pelo seu entusiasmo, deduzo que está gostando de Nova
York.
Ela se encostou mais em mim, a mão macia acariciando a
minha sobre a barriga.
— Estou amando.
Era uma resposta que dizia tudo sobre o que sentia por mim e
não apenas pela cidade.
— Ana, Ana — grunhi no ouvido dela.
Não pude fazer nada mais além daquilo, pois uma batida na
porta anunciou a chegada de Henry. Afastei-me, segurando-a pela mão e
trazendo-a para o centro do gabinete.
— Pode entrar — autorizei.
O gerente surgiu com um sorriso agradável no rosto magro.
— Com licença, doutor Daniel.
— Fique à vontade, Henry.
Trouxe Ana para mais perto de mim, apresentando-os,
satisfeito com a forma educada como ela o cumprimentou em inglês.
— Aqui está, doutor Daniel. Tudo configurado conforme me
pediu.
Peguei a caixa que ele me estendia.
— Obrigado. Agora pode voltar ao trabalho. Se precisar de
mais alguma coisa, ligarei.
— Às ordens. — Virou-se para Ana com um sorriso de
despedida. — Foi um prazer, senhorita.
Assim que ele saiu, levei Ana para as poltronas, pegando a
bolsa dela no caminho. Sentei-a ao meu lado e entreguei a caixa para
ela.
— Isto é para você.
Ela olhou a caixa na minha mão com um sorriso de surpresa no
rosto. Pegou-a, hesitante.
— Para mim?
— Sim, é para você — confirmei, atento às reações dela. —
Abra e veja o que é.
Ela fez o que pedi e ficou olhando com uma expressão séria
para o celular branco dentro da caixa. Não parecia feliz, mas eu já
esperava por aquilo. Para alguém que tinha certa dificuldade em usá-los,
ganhar um novo não seria o presente mais desejado.
— Eu já tenho um celular, não preciso de outro. — Ela tentou
justificar a falta de entusiasmo, sem fazer nenhum movimento para o
tirar da caixa.
Segurei a mão macia, acariciando-a com firmeza.
— Sei disso, mas este não é apenas mais um celular. — Prendi
seu olhar quando me encarou com curiosidade. — Este é especial.
Eu poderia esconder a real função daquele celular e
simplesmente dá-lo para que o usasse, deixando-a ignorar o que havia
nele, mas não pretendia construir nossa relação em cima de mentiras.
Eu queria que Ana confiasse totalmente em mim, que tivesse a
certeza de que seria sempre honesto com ela. Independentemente
daquilo tudo, achava que não merecia ser enganada, como já fizeram
com ela antes. Mesmo sabendo que a verdade poderia deixá-la chateada,
ainda era a melhor opção.
— Especial? — questionou, olhando desconfiada para ele.
Tirei-o da caixa e liguei. Conferi tudo rapidamente,
certificando-me de que era o que eu havia pedido para ela. Interessada,
Ana se encostou em mim para observar enquanto eu o manuseava.
Depois de um tempo, coloquei-o nas mãos dela.
— Agora é a sua vez.
A linha tensa dos lábios bem desenhados mostrava
insegurança, mas ela pegou o celular e começou a mexer nele.
Pacientemente, fui ensinando tudo, aproveitando para registrar o meu
número e o de Bia no aparelho.
Quando terminamos, ela voltou à carga.
— O que tem de especial nele, Dan? Você sabe que já tenho o
celular que Bia me deu para usar aqui.
— Eu tenho dois fortes motivos para querer que você use este
aqui enquanto estiver em Nova York. — Entrelacei nossos dedos,
segurando com firmeza a mão dela. — O primeiro é por ser um número
americano que facilitará que ligue para mim. As despesas dele são
minhas e nem você nem Bia vão precisar de se preocupar com isso. Já
registrei nossos números nele, assim como o de Carmencita. Você
poderá ligar rapidamente para nós três sem confundir com outros
números da agenda.
Agora, vinha a parte mais difícil para tratar com ela.
Olhei o rosto delicado e de linhas clássicas, amando tudo o que
via. Ana era importante demais para mim e só conseguiria me afastar do
lado dela se soubesse que estava em segurança.
— O segundo motivo é que existe um rastreador no aparelho.
Pedi ao meu gerente de informática que o providenciasse para mim. —
Observei a expressão confusa dela à medida que assimilava as minhas
palavras. — Poderei localizar você onde estiver através do meu celular,
caso se perca de novo em Nova York.
O meu maior receio era que Ana se sentisse diminuída ou
humilhada com aquilo. Esperei com certa ansiedade a reação que teria
depois que terminei de falar. Estava preparado para convencê-la de que
só tomei aquela decisão porque a minha preocupação com ela era
grande demais. Pretendia nunca mais passar pela sensação
desesperadora de saber que estava perdida e correndo riscos em uma
cidade que não conhecia.
Uma exclamação emocionada escapou dos lábios dela e logo
depois Ana se sentou no meu colo, abraçando-me e enterrando o rosto
no meu pescoço. Recebi seu corpo com prazer, envolvendo-a com
firmeza.
— Ana, você entendeu bem os meus motivos? — Eu precisava
ter certeza de que ela se sentia valorizada e não humilhada.
Ana confirmou com um gesto de cabeça, ainda agarrada em
mim. Aquela reação me deixou momentaneamente sem saber o que
fazer.
— Tem certeza? — insisti.
— Sim, entendi — ela disse com a voz abafada.
O tom vulnerável mexeu comigo de uma maneira avassaladora,
aumentando ainda mais a minha necessidade de protegê-la.
Acomodei-a melhor no meu colo, beijando o cabelo macio.
— Não está magoada ou com raiva pelo que fiz?
Ana recuou o suficiente para nos olharmos e o meu coração
teve um baque quando vi a expressão dos olhos castanhos.
Alívio! O que havia neles era alívio e respirei fundo,
emocionado.
— A experiência de estar perdida é aterrorizante demais para
eu me chatear com você por isso — ela desabafou. — Duas vezes já foi
o suficiente para mim. Nunca mais quero passar por aquilo de novo.
Maldição!
Ouvir aquele desabafo acabou comigo. Segurei o rosto dela
com as mãos e tomei os lábios carnudos em um beijo de posse, para lhe
mostrar o quanto ela era importante para mim, o quanto era minha. E
sendo minha, não deixaria que nada de mal lhe acontecesse.
Senti sua entrega total quando amoleceu o corpo contra o meu,
os seios fartos que eu tanto amava pressionando o meu peito e
despertando os meus sentidos. Contudo, lembrei-me de que estávamos
no escritório. Apesar de saber que ninguém entraria sem a minha
autorização, não era ali que eu queria amar a minha mulher.
Afastei-me, encarando-a com um olhar firme.
— Obrigado por me entender.
Um sorriso leve curvou seus lábios, a expressão suavizando.
— Obrigada por me entender também.
Rimos, antes de nos beijarmos outra vez. Era difícil refrear o
desejo, mas interrompi o beijo e toquei em outro assunto delicado.
— Quero que me passe o número do seu pai, para que fale com
ele da minha casa, sem precisar estar com a Bia para isso.
Ana pareceu preocupada.
— Não posso fazer assim. Ele vai querer falar com ela e não
saberei que desculpa dar.
— Então, não dê desculpa e diga a verdade. Conte sobre mim,
que está comigo e me coloque para falar com ele. Assim resolvemos
esta questão de uma vez por todas.
Ela ficou pensativa antes de confirmar.
— Tudo bem. Falarei com ele da sua casa e tentarei contar tudo
e esclarecer as coisas.
Havia algo mais que me incomodava e que já não dava para
adiar.
— Tem outro assunto que precisamos tratar. — Ela me olhou
com curiosidade e expectativa. — Você pediu quantos dias de férias no
hospital? Sei que veio passar apenas quinze dias aqui, mas gostaria que
ficasse mais tempo.
Os olhos expressivos se abriram de surpresa quando terminei
de falar, mas percebi também a felicidade na fisionomia dela.
— Ficar mais tempo?! — sussurrou, sem esconder o sorriso.
— Sim, ficar mais tempo comigo. — Sorri também ao ver sua
alegria. — Tirou quantos dias de férias?
— Pedi apenas quinze dias, mas eles acabaram por me dar o
mês inteiro por causa do meu pai. Não era o que eu queria, mas como
dei a justificativa de que precisava cuidar dele, resolvi ficar calada e
aceitar.
Fiquei aliviado ao ouvir aquela resposta. Pelo menos por
enquanto seria o suficiente para dar andamento aos meus planos.
— Então pode ficar o mês inteiro comigo?
Só então a incerteza surgiu no rosto dela.
— Eu queria muito, mas não sei se consigo ficar tanto tempo
longe do meu pai. — Olhou-me com desânimo. — Ainda tem a Bia, que
não sei se poderia ficar comigo em Nova York durante todo este tempo.
O cargo dela é de muito mais responsabilidade do que o meu e nem me
imagino voltando sozinha. A passagem também já está marcada.
Ana começou a enumerar todos os impedimentos, até que
resolvi interrompê-la com um beijo rápido na boca.
— Calma que tudo pode ser resolvido no seu devido tempo. —
Segurei seu rosto e dei a cartada final em um tom muito sério. —
Responda apenas se gostaria de ficar comigo.
Era uma pergunta com duplo sentido, porque o “ficar comigo”
significava muito mais do que aqueles trinta dias e deixei isso bem claro
quando a encarei fixamente. Ana parou, prendendo a respiração e me
encarando também, antes de soltar a resposta de uma única vez.
— Sim! — Deu-me um sorriso cúmplice, recostando-se mais
no meu peito. — Quero muito.
Uma contração de prazer percorreu o meu corpo até a virilha
com aquela resposta, algo tão inusitado quanto estranho, que me fez
pressioná-la mais junto ao corpo.
— Então me apresente primeiro ao seu pai. Conte tudo sobre
nós dois e depois me deixe conversar com ele, como eu sempre quis
fazer desde que nos conhecemos meses atrás.
Ela pareceu envergonhada com as minhas palavras, mas
sustentou bem o meu olhar.
— Farei isso hoje — garantiu, decidida. — Também não quero
esconder mais nada dele. Errei antes e vou consertar tudo agora.
Capítulo 18
Daniel
DEPOIS DO JANTAR, fomos para o antigo quarto de Ana,
onde preparei tudo para ela falar com o pai. Aguardei pacientemente
que primeiro falasse com ele por telefone, para depois pedir que
passassem para o Skype.
Ela escutou o pai em silêncio e depois olhou para mim.
— Ele está pedindo à tia Silvia para trazer o notebook ao
quarto.
Tentei não mostrar o meu desagrado ao ouvir o nome dela,
mesmo desconfiando de que ele talvez não tivesse autonomia de
movimentos para falar ao telefone sozinho e precisasse da ajuda da
irmã.
— Ela precisa mesmo estar presente durante a conversa de
vocês?
Eu não queria que a tia dela soubesse agora da minha
existência. No momento certo, ela saberia que Ana não estava mais
sozinha. Depois desse dia, a mulher nunca mais esqueceria de mim.
— Pelo Skype não precisa, basta ligar o computador para ele e
sair do quarto. O meu pai consegue fazer alguns movimentos com as
mãos.
Fiquei satisfeito com aquilo.
— Então, garanta que conversem sozinhos. Eu também vou
sair e deixar que você fale à vontade com ele. Quando tiver terminado
de lhe contar tudo, basta me chamar no nosso quarto.
Ela assentiu, parecendo tensa demais para falar.
— Sei que não será fácil, mas é necessário. Não pretendo me
esconder do seu pai, nem fingir que a conheci por acaso em Nova York,
quando a verdade é que já estamos juntos há meses.
— Em que confusão me meti!
Eu a compreendia, uma vez que não seria fácil admitir para o
pai que escondeu um namorado durante meses e que ainda viajou para
se encontrar com ele sem lhe dizer nada.
Dei-lhe um beijo tranquilizador nos lábios.
— Ele a ama e vai perdoá-la — disse-lhe com confiança.
Por experiência própria, eu sabia que era impossível não amar
Ana e perdoar qualquer coisa errada que ela fizesse motivada pelas
inseguranças que tinha.
Inclinei-me sobre o notebook que estava na mesa do quarto e
conectei o Skype, afastando-me do alcance da câmera.
Ficamos aguardando que ele entrasse online. Assim que a
imagem do doutor Jorge apareceu, Ana abriu um sorriso enorme, os
olhos brilhando de felicidade. Pelo menos naquele momento ela havia
esquecido o nervosismo e deixava aflorar o amor por ele.
— Oi, pai!
— É sempre melhor ver a minha Aninha! — O tom de voz dele
era leve e bem humorado. — Assim posso ter certeza de que está
mesmo bem.
Ele estava sentado em uma cama adaptada e uma mulher ao
lado ajustava o computador à frente.
— Oi, tia — Ana cumprimentou-a sem muito entusiasmo,
mostrando o estrago que o relatório de investigação havia feito na
confiança dela.
— Olá, minha querida. Está gostando das férias?
— Sim, muito.
— Ora, isso é bom! Uma viagem tão cara como essa tem que
ser bem aproveitada.
Apoiei-me na cabeceira da cama, observando com atenção a
mulher de meia-idade que abusou da confiança de Ana durante os
últimos anos. Ligeiramente acima do peso, usando óculos e com uma
aparência de boa senhora, ela parecia acima de qualquer suspeita.
Ana ficou incomodada com o comentário que a tia fez, pois
torceu as mãos no habitual gesto de nervosismo.
— Estou aproveitando, tia.
— E o que achou dos americanos? — A mulher sorriu,
ajeitando os óculos sobre o nariz e se sentando na cama ao lado do
irmão.
— São simpáticos — Ana respondeu sem dar muita explicação.
— Pai, podemos conversar?
— Claro, filha. — Observei-o virar a cabeça com dificuldade
para a irmã. — Deixe-me sozinho com a Ana. Chamarei quando
terminar.
Ela revirou os olhos, torcendo a boca.
— Tudo bem. — Levantou-se, mas antes de sair voltou a se
inclinar sobre o computador, olhando para a sobrinha. — Se conhecer
algum americano bonitão, só se envolva se ele for rico. Pobre já tem
demais por aqui.
Ana crispou as mãos no lençol, evitando olhar para mim.
Porém, antes que respondesse algo para a tia, o pai interferiu.
— Deixe a Aninha em paz, Silvia! — repreendeu-a com a voz
ligeiramente irritada. — Agora saia, porque quero conversar a sós com
ela.
— Tudo bem, já estou saindo — a tia disse, piscando um olho
para Ana. — Mas não se esqueça do que eu disse.
Pouco depois, ouviu-se o som da porta sendo fechada, mas o
último comentário dela ficou pairando no ar. Um comentário que só fez
piorar a minha opinião sobre aquela mulher.
Desabilitei o som do notebook e segurei a mão de Ana, dando-
lhe um beijo na palma macia.
— Esperarei no quarto.
— Desculpe por isso — sussurrou, chateada com o que eu
ouvi.
— Nem considerei o que ela disse. — Confortei-a com um
aperto na mão. — Agora converse com o seu pai o tempo que precisar.
Voltei a habilitar o som e saí, pensando que muito em breve a
tia dela ia conhecer o poder de um americano rico.

Quando a porta de comunicação se abriu, coloquei meus


relatórios de lado e me levantei, olhando atentamente para Ana, que
parecia nervosa.
— Tudo bem? — Puxei-a pela cintura, segurando seu rosto
para observá-la melhor. — Ele entendeu?
— Entendeu os meus motivos, mas ficou extremamente
irritado quando soube que escondi você dele e que viajei para o
conhecer. Está preocupado porque estou na sua casa e sem a Bia. Quer
falar com você agora.
Ótimo, porque eu também queria falar com ele. Esclarecer
aquela situação agora era importante para o futuro do nosso
relacionamento.
Segurei a mão dela para entrarmos no quarto, mas Ana me
puxou para trás.
— Por favor, não quero ver o meu pai preocupado comigo
sabendo que estou tão longe dele.
Eu entendia muito bem o que ele deveria estar sentindo ao
saber que a filha estava na casa de um homem que conheceu pela
internet.
— Você contou tudo para ele ou omitiu alguma coisa?
— Não escondi nada, exceto as vezes em que me perdi aqui. Se
ele soubesse disso, ia enlouquecer de preocupação e exigir que eu
voltasse imediatamente.
Eu faria a mesma coisa e ainda acabaria com muita gente no
processo, por isso já sabia que aquela conversa não seria fácil.
— Contou que estamos dormindo juntos?
— Sim, mas porque ele perguntou — suspirou, conformada.
— Não dava para esconder isso dele, Ana. Nem tinha lógica
nenhuma você estar aqui na minha casa e fingir para ele que isso não
aconteceu. Ele não acreditaria, pois está muito óbvio que acabaríamos
na mesma cama.
Não quis lhe dizer que a insegurança e o medo dela de nos
apresentar foi o que causou aquela situação. Agora, eu seria obrigado a
lidar com um pai revoltado e preocupadíssimo com a segurança da filha.
— Venha, vamos enfrentar a situação e resolver tudo com ele.
— Tentei que ficasse tranquila, porque também não queria vê-la
apreensiva com o pai a cada minuto do dia. — Você explicou os
motivos que a fizeram não nos apresentar?
— Expliquei tudo, mas isso também não o acalmou muito.
— Então me apresente a ele e deixe o resto por minha conta.
Sentamo-nos em frente ao notebook, onde o doutor Jorge
aguardava com a expressão muito séria. Senti o olhar dele fixo em mim
mal me sentei e, surpreendentemente, tive a sensação de ser um
adolescente prestes a pedir autorização para namorar com a filha dele.
Algo que nunca precisei fazer antes, mas que certamente faria por Ana.
— Boa noite — disse, devolvendo-lhe o olhar sério.
Antes que ele respondesse, Ana se adiantou nas apresentações.
— Pai, este é o Daniel. — Sentada ao meu lado, ela apertou
ansiosamente a minha coxa com a mão tensa.
— Boa noite — ele respondeu sem suavizar a expressão nem o
tom de voz. — Talvez eu devesse dizer que é um prazer conhecê-lo,
mas não posso fazer isso considerando que está com a minha filha sem
o meu conhecimento e consentimento.
Direto e objetivo, como eu mesmo seria.
Ana se remexeu inquieta ao meu lado, mas permaneceu calada
em respeito ao pai.
— Entendo perfeitamente, pois tem toda a razão de se sentir
assim — concordei com ele, sem questionar o que disse. — Mas, apesar
da maneira incomum como tudo aconteceu, garanto-lhe que Ana está
em segurança comigo em Nova York, da mesma maneira como estaria
segura ao seu lado no Brasil.
— E como posso acreditar em um homem que induziu a minha
filha a viajar para longe de casa só para o conhecer? — Apesar da
condição de dependente que ele tinha, era visível a personalidade forte
do homem à minha frente. — O que poderia dizer a um pai que vê a sua
filha em um país estranho e hospedada na casa de um homem também
estranho?
— Pai, ele não me induziu! Eu vim porque quis. Já expliquei
tudo.
Segurei a mão de Ana para a interromper.
— Reconheço que induzi. Apesar de não ter forçado Ana a vir,
o fato de ter pedido que o fizesse me torna responsável pela presença
dela aqui — assumi calmamente a minha responsabilidade na vinda de
Ana. — Há meses que eu queria conhecer a sua filha e como a viagem
que programei ao Brasil teve de ser cancelada por motivos profissionais,
eu a convenci a viajar. Não havia outra solução a curto prazo e
realmente pedi que viesse à Nova York. Assumo que estava
desesperado para conhecê-la pessoalmente, pois Ana já havia se tornado
alguém muito especial para mim. Quanto a eu ser um estranho, isso só
aconteceu porque ela teve motivos próprios para não querer nos
apresentar e eu respeito todos eles, mas quis conhecê-lo desde os nossos
primeiros contatos.
Naquele ponto, a expressão do senhor Jorge suavizou ao olhar
para a filha, dando-me a impressão de partilharem um segredo. Sem
dúvida que Ana foi sincera ao contar tudo ao pai, porque aquele olhar
era de amor e compreensão.
No entanto, quando ele voltou a me encarar, não havia
compreensão alguma. Ao contrário, parecia mais sério ainda.
— O que disse não justifica o fato de ter influenciado Ana a
sair do Brasil para o conhecer sem o meu consentimento. Apesar de ser
maior de idade, ela nunca saiu da nossa cidade. Se eu soubesse que esta
viagem de férias era para se encontrar com um homem que conheceu
pela internet, jamais teria permitido. Você deveria ter insistido com ela
para só viajar depois que tivesse falado comigo. Esta é a atitude que eu
esperaria de um homem sério interessado em minha filha. Tenho todos
os motivos para duvidar das suas intenções ao agir da forma como agiu.
Merda!
— Pai — Ana gemeu ao ouvi-lo.
Apertei-lhe a mão outra vez para que não interferisse, porque
ele tinha razão. Apesar de me sentir incomodado ao ver a minha honra
sendo colocada em causa, eu admitia que ele tinha aquele direito por ser
o pai dela. Mas isso não impediu que me sentisse ofendido por ser
tratado como um rapazola irresponsável ou aproveitador de mulheres. E
só por ele ser o pai dela foi que controlei a minha resposta, porque não
permitiria tal atitude a nenhum outro homem.
— As minhas intenções com a sua filha são sérias. — Tentei
manter o meu tom de voz neutro quando comecei a minha defesa. —
Tão sérias que por ela fiz coisas que nunca faria por outra mulher.
Também não esperava me apaixonar através da internet, porque não
tenho o hábito de entrar em sites de relacionamento, mas me envolvi
muito com a Ana. Como não é da minha natureza manter um namoro à
distância por tempo indeterminado, sabia que nos encontrarmos
pessoalmente era primordial para a continuação do relacionamento. Sei
dos riscos que ela correu ao viajar para se encontrar com um homem
que conheceu pela internet e não aconselharia isso a mulher nenhuma,
porque há muitos criminosos atraindo mulheres na rede, mas eu não sou
um deles. Tenho integridade e honra suficientes para garantir que, no
caso dela, não há perigo algum em estar comigo. Ela está segura e lhe
garanto que pode confiar em mim.
— E por que confiaria em um homem que não conheço? Suas
palavras não me dizem nada.
— Voltamos então ao ponto anterior que já falei, sobre os
motivos que Ana teve para não nos apresentar desde que a conheci.
Ana baixou a cabeça, provavelmente se sentindo culpada por
ter impedido que nos conhecêssemos da maneira correta. Infelizmente,
agora eu não podia evitar que ela ficasse apreensiva com o clima nada
ameno da nossa conversa.
— Os motivos da minha filha eu conheço todos — ele retrucou
com o mesmo tom duro de antes. — Já os seus motivos para tirá-la do
Brasil eu não conheço nenhum, exceto talvez a vontade de a ter para si.
Sei exatamente o que fazer para trazer a minha filha de volta. Não sou
tão inválido quanto muitos acham só por estar preso a esta cama!
— Ai, pai! Não fala assim, por favor — Ana não aguentou
mais ficar calada e protestou ao ouvir as palavras dele, mostrando que
qualquer referência à dependência do pai tocava-a profundamente.
Ele olhou para a filha com a expressão muito decidida.
— Fique calma e me deixe resolver tudo com ele, Aninha!
Você errou em ter escondido as coisas de mim, mas já está perdoada. Só
que isso não vai me impedir de cuidar de você e mantê-la em segurança.
Nem quero imaginar os riscos que correu com esta aventura ao lado de
Beatriz.
Citar o nome de Bia só piorou o clima, pois, a meu ver, ali sim
estava uma situação de grande risco, se os meus instintos com relação a
Jack estivessem corretos.
— Isso sem falar que vocês duas deveriam estar juntas! O que
será que o Miranda vai dizer quando souber que a filha dele viajou à
Nova York para conhecer um namorado de internet? Quem é esse Jack?
Outro americano honrado e íntegro em quem devemos confiar sem nem
conhecer?
Ana inspirou fundo e me olhou com aflição, certamente
lembrando que Jack parecia ser tudo, menos um homem de confiança.
Maldição!
A minha responsabilidade por qualquer dano às duas só
aumentava, caso acontecesse algo de errado com Bia. Apesar das
dúvidas que o senhor Jorge tinha com relação a mim, eu era o homem
íntegro e honrado que deveria impedir que aquilo acontecesse.
A conversa que eu achava que seria amigável estava se
transformando rapidamente em um conflito de opiniões difícil de lidar.
Errei ao achar que o pai de Ana tinha uma condição física mais frágil e
que isso o tornaria mais receptivo à tudo o que aconteceu. Mas,
contrariamente ao esperado, o doutor Jorge Cabral tinha uma
personalidade dominante, com uma mente bastante lúcida e opiniões
fortes.
Ele insistiu com a filha.
— Confiei em vocês duas, certo de que estavam juntas. Beatriz
me deu cem por cento de certeza de que não sairia do seu lado. —
Naquele ponto, ele desviou a atenção para mim, encarando-me
rispidamente, e perguntou com a voz seca. — Então é para eu confiar
em você? E se eu dissesse que quero que a mande de volta para casa
amanhã mesmo? Posso confiar que o faria?
Isso, não!
Capítulo 19
Daniel
DEVOLVI O OLHAR dele com a mesma severidade, porque
não pretendia mandar Ana de volta para o Brasil. Depois de respirar
aliviado por ter conseguido que ficasse um mês inteiro comigo, não ia
abrir mão dela no dia seguinte.
Foi naquele momento que vi o grande erro que cometi desde
que iniciei aquela conversa. Chega de falar com o doutor Jorge como se
fosse um homem dependente e inválido, porque ele era um páreo duro
para qualquer homem jovem, forte e saudável. A real condição física
que possuía em nada condizia com a imagem de fragilidade que criei na
minha cabeça. O homem era decididamente um adversário implacável.
Se eu não tivesse cuidado, perderia Ana em um piscar de olhos.
— Ana, deixe-nos a sós — pedi, vendo a expressão de surpresa
no rosto dela.
— Mas…
— Confie em mim e vá — insisti, sabendo que a conversa
fluiria melhor entre nós dois sem ela estar presente. — Precisamos ter
uma conversa de homem para homem, que já foi adiada por tempo
demais. Fique no nosso quarto e eu a chamarei quando terminarmos.
Ela olhou para o pai, querendo ver a reação dele.
— Pode ir, Aninha.
Sem outra opção, Ana suspirou, resignada, olhando para o pai e
depois para mim.
— Tudo bem, eu vou. Mas espero que se lembrem de tudo o
que conversei com cada um de vocês antes ou quem ficará chateada
com os dois serei eu. Sou maior de idade e posso decidir não ficar nem
com um, nem com o outro. Por isso, entendam-se, porque amo os dois.
Dizendo aquilo, levantou-se e saiu do quarto, fechando a porta
de comunicação. Só então me virei para o pai dela, que me encarava
com um sorriso autoconfiante no rosto.
— O que tem a me dizer que não poderia ser dito na presença
dela?
— Que confiar em mim passa muito longe de eu ter que
mandar Ana de volta ao Brasil — falei sem medir as palavras e
encarando-o com firmeza. — Não pretendo deixar que Ana saia mais do
meu lado.
Depois fiquei em silêncio, deixando que ele assimilasse bem o
que eu havia acabado de dizer. Ficamos nos encarando por longos
segundos, até ele voltar a falar.
— Quantos anos tem, Daniel?
— Trinta e dois. — Não vacilei na resposta.
Ele ergueu as sobrancelhas em uma expressão de surpresa, mas
não disse nada sobre a nossa diferença de idade. O comentário que fez
foi bem mais pertinente do que aquilo.
— Você já não é nenhum moleque como o namorado anterior
dela, então, deduzo que deva saber as consequências do que faz e do
que fala. Não pretender que Ana saia do seu lado implica muitas coisas,
como não voltar mais para a casa dela, que é aqui no Brasil.
— A casa dela passa a ser a minha casa, que é esta aqui em
Nova York. — Fiz uma pausa para marcar bem as minhas próximas
palavras. — E asseguro-lhe que sei exatamente as consequências do que
faço e do que falo.
Ele não demonstrou estar abalado com o que eu disse,
mantendo a mesma postura inflexível de antes.
— Diz que a sua casa passará a ser a dela e que não pretende
deixá-la voltar ao Brasil, nem sair do seu lado. Estamos apenas no sexto
dia das férias dela, mas você já está fazendo afirmações muito sérias
para quem acabou de conhecê-la. Tem realmente noção do que isso
significa?
— Não acabei de conhecer Ana. Já nos falávamos diariamente
antes de nos encontrarmos. Apaixonei-me por Ana muito antes de
sequer tocá-la. — Fiz questão de lembrá-lo, irritado que colocasse em
causa a certeza que eu tinha dos meus sentimentos. — Ocupo há mais
de uma década um cargo de responsabilidade que consome parte do
meu tempo de vida pessoal. Um cargo que me obriga diariamente a
tomar decisões que envolvem o destino de funcionários, acionistas,
fornecedores e clientes, e você ainda acha que não tenho noção do que
falei e das consequências do que disse? Sinto decepcioná-lo, mas eu não
tenho tempo para brincadeiras. Ana ficará comigo!
— E pretende forçar a minha filha a ficar com você,
prendendo-a aí? Porque eu garanto que nada vai segurá-la em Nova
York quando chegar a hora de ela voltar.
Aquele era o meu ponto fraco, mas eu sabia que, apesar de
todas as dificuldades que o nosso namoro apresentou no início, Ana
queria ficar comigo tanto quanto eu queria ficar com ela.
— Ela decidirá isso sozinha — frisei o “sozinha” para deixar
bem claro que ele também não interferisse. — Mas oferecerei para ela
todas as condições e soluções possíveis para que traga do Brasil tudo o
que ama.
Naquele ponto, sustentei bem o olhar dele e deixei que
deduzisse sozinho o significado das minhas palavras.
O silêncio se prolongou até ele o quebrar.
— Ana não fala inglês e isso dificultará sua integração nos
Estados Unidos.
— Eu sei, mas ela aprenderá com o tempo.
Ele virou ligeiramente o rosto, pensativo, até me fitar
novamente com um olhar avaliador.
— E o que mais sabe sobre ela em tão curto espaço de tempo?
Não sei se foi o tom de voz ligeiramente preocupado que fez a
minha intuição gritar alto, mas senti que aquela pergunta representava
uma pequena rachadura em sua aparente dureza. Apoiei os braços sobre
a mesa, aproximando-me mais do notebook para analisar melhor suas
reações, porque tinha certeza de que se referia à suposta dislexia da
filha.
— Sei tudo o que me importa e interessa. Que é sensível,
amorosa, encantadora, um pouco insegura, às vezes rebelde, outras
vezes tímida, adora a minha cachorrinha, é gentil com os meus
empregados, gosta de doces e trouxe uma alegria diferente à minha
casa. Apesar de ser tudo isso, acha-se inadequada e tem o péssimo
hábito de se desvalorizar.
Um discreto sorriso foi surgindo no rosto dele à medida que me
ouvia.
— Sim, Aninha é assim mesmo — concordou, sem esconder o
amor pela filha.
Mas eu ainda não havia terminado e insisti no assunto.
— Sei também que em certas situações ela bloqueia totalmente,
quase sempre quando fica nervosa por causa de algo que não consegue
fazer… como ler, por exemplo. — Observei-o com atenção quando citei
a leitura, mas a expressão dele não se alterou. — Isso a torna vulnerável
e desperta em mim uma necessidade instintiva de protegê-la. Mas,
sejam bloqueios, limitações, dificuldades ou problemas o que tenha,
nada disso me impediu de querer ficar com ela, nem diminuiu o que
sinto. Já disse que sou apaixonado por Ana do jeito que ela é.
Ficamos nos encarando seriamente por um bom tempo. Eu me
sentia tão analisado por ele quanto ele estava sendo por mim e me
questionei em que momento o pai de Ana reconheceria para mim o que
a filha tinha. Porém, em vez de tocar naquele assunto, a pergunta
seguinte que fez foi algo que eu não esperava.
— O namorado anterior deixou Ana por minha causa. Não o
incomoda que o pai dela seja um tetraplégico?
Não havia autopiedade em seu tom de voz ou na expressão do
rosto, apenas uma aceitação pacífica da sua condição e isso fez com que
o admirasse muito. Um homem com uma personalidade tão forte e
dominante se ver tolhido em seus movimentos não devia ter sido um
processo muito fácil de aceitar… ou talvez tenha sido justamente esta
força que o fez vencer as limitações e aceitar bem a nova realidade.
Incrivelmente, pai e filha viviam o mesmo drama de aceitar as
próprias limitações.
Em vez de lhe dar uma resposta, resolvi devolver a pergunta
dele com outra, aproveitando para mostrar as minhas verdadeiras
intenções com Ana.
— Incomoda a você ter um genro americano de trinta e dois
anos, autoritário e que decidiu arbitrariamente manter a sua filha em
Nova York com ele?
A risada divertida do doutor Jorge ecoou pelo quarto, enquanto
um brilho perspicaz surgia em seus olhos.
— Genro?! Você toma decisões muito rápidas mesmo.
Segurei o riso, porque conversar com ele era um desafio e
tanto.
— Infelizmente, vim com um defeito de fábrica. Não tenho
chance de mudar quanto a isso.
— Se os seus defeitos pararem por aí, eu até poderia vir a
gostar de ter um “candidato a genro” à altura para discutir comigo.
Faltam pessoas corajosas ao meu redor para uma conversa estimulante.
A ausência de Ana e de Bia me deixou em uma monotonia total.
A ênfase no “candidato a genro” não me passou despercebida.
Usando aquele termo, ele dizia claramente que ainda não me aceitava
como genro, colocando-me na posição de candidato, mas também não
descartava totalmente a possibilidade.
Escondi o meu alívio com aquela “possibilidade”, uma vez
que, sem dúvida alguma, o pai de Ana era um homem excepcional que
eu gostaria muito de ter como sogro.
Capítulo 20
Três dias depois
Ana
— CARMENCITA, VOU ROUBAR Ana para mim agora.
Daniel entrou na cozinha, caminhando em minha direção com
um sorriso divertido no rosto, mas o olhar carinhoso bateu direto no
meu.
Coloquei o livro de receitas sobre a mesa, ouvindo a risadinha
de Carmencita, que se virou discretamente para o outro lado quando ele
me agarrou pela cintura e plantou um beijo molhado na boca.
— Vem comigo — sussurrou no meu ouvido, a barba macia
roçando o meu rosto.
Segurou a minha mão e me levou para fora da cozinha em
direção ao escritório.
— Para me trazer ao escritório, o que tem de dizer é mesmo
sério — brinquei com ele.
— Acertou em cheio.
Apesar do tom leve, percebi que não estava brincando e pensei
qual seria o assunto sério que tinha para tratar comigo. Fiquei logo
tensa, imaginando se havia descoberto alguma coisa sobre a dislexia.
Esconder algo era mesmo um eterno sofrimento para quem o fazia,
porque tudo se transformava em uma ameaça.
Resolvi ficar calada e aguardar, sendo levada até o confortável
sofá em frente à mesinha de centro, palco da minha humilhante reunião
com ele e com o Richard. Sobre ela, havia alguns papéis pousados.
A situação agora era totalmente diferente, mas como esquecer
o que aconteceu antes?
Senti a palma da mão começando a transpirar e fiquei mais
nervosa ainda, pois sem dúvida alguma que Daniel notaria aquilo, por
estar segurando-a.
Uma coisa levava à outra e o início de tudo, como sempre, era
a dislexia.
Ele acariciou a minha mão, levando-a aos lábios e dando um
beijo tranquilizador no dorso.
— Tem calma, Ana. Confia em mim.
Como esperado, Daniel havia percebido o meu nervosismo.
Respirei fundo, querendo dizer que confiava, mas o medo sobre o
assunto sério que ele ia tratar comigo me deixou momentaneamente sem
voz.
Sentei-me ao lado dele e fiquei quieta, esperando.
— Vou ser rápido para não prolongar muito a sua ansiedade —
disse, ainda segurando a minha mão, que acariciava com o polegar.
Aquele gesto, que eu já conhecia tão bem e que ele usava
sempre que conversava sobre as minhas limitações, acalmava-me muito,
pois me dava a segurança de que precisava para enfrentar o que vinha
pela frente.
— Quero resolver aquele assunto dos empréstimos que você
tem no seu banco lá no Brasil, mas, para isso, preciso que assine alguns
documentos que me darão poderes para agir. — Apontou para os papéis
sobre a mesa. — Na verdade, quem fará tudo será o Richard e vou
explicar o porquê.
Não consegui esconder a surpresa quando ouvi aquilo.
O Richard? Mas logo ele?
— Não, Daniel! — neguei, sem acreditar naquela proposta. —
O Richard, não!
A expressão dele permaneceu inabalável, como se já esperasse
aquela minha reação.
— Sei que você tem todas as razões para não gostar dele e
menos ainda para confiar que vai defender bem os seus interesses, mas
conheço o Richard há mais de dez anos e nunca tive motivos para
desconfiar dele. É um profissional competente e não há nada que o
desabone como advogado, além de ser um amigo muito leal. Reconheço
que tem um certo preconceito com relação às mulheres, mas ele tem
seus motivos pessoais para ser assim.
— Tudo bem quanto aos problemas pessoais dele, porque eu
também tenho os meus, por isso, entendo. O Richard é seu amigo e você
deve conhecê-lo o suficiente para confiar nele. Acredito até que ele seja
tudo isso o que diz, mas é óbvio que é assim com você e com as outras
pessoas do seu meio social e profissional. Não comigo.
Daniel desviou o olhar para o lado, comprimindo os lábios em
uma linha de tensão, antes de me encarar de novo.
— Richard não é totalmente culpado por aquele relatório. Eu
também tenho a minha parcela de responsabilidade, pois autorizei que o
fizessem. Por falta de tempo, confiei na indicação de Richard, e ele
confiou na competência da empresa de investigação. Erramos os dois
em muita coisa, mas eu errei mais ainda na maneira como conduzi a
situação e não me orgulho disso. Quase perdi você!
Neste ponto, abraçou-me, afundando o rosto no meu pescoço e
roçando os lábios nele em um beijo cheio de carinho. Fechei os olhos,
deliciando-me com a sensação e o prazer daquele gesto.
Quando recuou, a expressão dos olhos de Daniel era séria e a
fisionomia mostrava aquela determinação que era a característica mais
marcante dele.
— Quero que me deixe cuidar de você! Não consigo ficar sem
fazer nada sabendo que tem dívidas que outra pessoa contraiu em seu
nome e sem o seu conhecimento. Eu poderia dizer que é apenas o meu
sentido de justiça gritando para agir e punir quem fez isso, mas a
verdade é que o meu amor é grande demais e é ele que me faz lutar por
você e querer protegê-la de tudo.
O meu coração amoleceu diante daquelas palavras e da emoção
que vi nos olhos dele. Não pude deixar de agradecer novamente a Deus
por ter colocado o Daniel na minha vida, porque ele era o homem dos
meus sonhos.
Atirei-me nos braços fortes e fui recebida com evidente prazer.
Ele me trouxe para o colo e me envolveu no abraço mais protetor e
apaixonado de toda a minha vida.
Como não amar loucamente o Daniel?
Beijei-o com todo o meu amor, segurando o rosto de traços
viris com as duas mãos e sentindo nas palmas a barba macia.
— Eu amo você, Dan — murmurei entre os lábios dele,
sentindo a inspiração profunda que deu quando ouviu o que eu disse.
A resposta foi um beijo ainda mais intenso e devorador, a mão
grande me prendendo pelo cabelo.
— Ana! Ana! — rosnou com aquele tom enrouquecido de
prazer que me arrepiava toda.
Acomodou-me melhor sobre a virilha, deixando-me sentir o
membro começando a enrijecer. Como sempre acontecia quando o
sentimento explodia, acabamos por não resistir ao desejo e em pouco
tempo já não existiam roupas que impedissem nossos corpos de se
tocarem.
Resistir? Nem pensar! Eu só queria era me entregar. Se tinha
uma coisa que eu havia descoberto nos braços de Daniel, era que fazer
amor era algo maravilhoso.
Só agora eu entendia o porquê de os casais apaixonados não
conseguirem se desgrudar nem um minuto, muito menos parar de fazer
amor. Sempre achei aquilo estranho e meio doentio, mas agora me
sentia igualzinha. A sensação era de estar em uma verdadeira lua de
mel, porque fazíamos amor em qualquer lugar da casa e a qualquer hora
do dia ou da noite.
Daniel entrou em mim sobre o tapete macio do escritório,
forrado com nossas roupas arrancadas às pressas. Ele invadiu não
apenas o meu corpo, mas também o meu coração. Uma invasão
poderosa, potente e firme, com movimentos rápidos e intensos, que me
levaram rapidamente ao orgasmo.
Ele me deixou gozar, mas não gozou comigo. A respiração
pesada mostrava o autocontrole com que segurava o próprio prazer e só
vim entender o motivo depois.
— Vira, Ana! — rosnou entredentes com urgência, saindo de
mim e segurando o meu quadril para me virar de costas para ele.
Não pensei duas vezes em fazer o que pedia, pois sabia que
Daniel gostava daquela posição. De quatro no chão, deixei que me
penetrasse por trás, a mão grande segurando as minhas nádegas em um
gesto de posse.
A ereção deslizou em minha vagina com ímpeto renovado e,
apesar de ter acabado de gozar, um novo prazer começou a se construir
dentro de mim logo na primeira investida. Depois veio a segunda, a
terceira… e todas as outras.
Totalmente pega desprevenida com aquela nova onda de desejo
crescente, não consegui conter uma exclamação de surpresa com aquilo,
afinal, eu já havia gozado.
— Dan!
Ele não disse nada, mas pareceu entender bem o que se passava
comigo, porque um dedo foi estimular o meu clitóris e outro alcançou
um mamilo enrijecido. Deliciada demais para analisar o que estava
acontecendo, separei mais as pernas e ergui as nádegas, permitindo-lhe
melhor acesso ao meu corpo.
— Bate, Dan!
Nem percebi o que havia dito, mas Daniel rugiu dentro do
escritório, descontrolando-se e investindo forte dentro de mim.
— Porra, Ana!
Eu já nem ouvia nada, totalmente absorvida em outro orgasmo
tão intenso que as contrações vaginais me surpreenderam pela
intensidade. O meu clitóris supersensível explodiu junto e caí sobre o
tapete completamente saciada segundos depois.
Nunca tremi tanto e, por um momento louco, tive vontade de
rir. Afinal, eu já havia tremido muito na vida, mas por motivos
totalmente diferentes daquele.
Queira Deus que todos os meus tremores futuros sejam por
estar exausta de tanto gozar com Daniel!
Ele caiu ao meu lado, a respiração ofegante. Fui puxada para o
seu peito, onde apoiei a cabeça, ouvindo o coração batendo forte depois
do orgasmo.
— Você ainda vai me matar de tanto prazer, mas nunca me
senti tão vivo.
Dei uma risadinha quando o ouvi.
— Eu morria bem se fosse assim — provoquei.
— Você está ficando insaciável — ele me provocou de volta,
dando um tapinha leve na minha nádega, mas então espalmou a mão
aberta sobre ela, apertando-a com aquela pegada de posse. — É linda!
Aquela última palavra foi dita em um grunhid0 de prazer
evidente, puxando-me para cima. Daniel me deitou por inteiro sobre o
próprio corpo, só para segurar cada uma delas com as mãos.
— São lindas! — repetiu, subindo depois por minha cintura até
alcançar os seios pressionados contra o peito largo, que segurou da
mesma maneira possessiva. — São lindos.
Não pude deixar de me emocionar, deliciada com aquela forma
de venerar o meu corpo. Levei a mão até o pênis dele, envolvendo tudo
com firmeza e contendo um sorriso de malícia.
— É lindo! — disse, ouvindo satisfeita sua risada divertida.
Desci até os testículos, segurando-os com propriedade.
— São lindos e meus.
Acabamos rindo muito, relaxando sobre o tapete, nossas roupas
totalmente amassadas sob nós.
— Não foi por este motivo que a trouxe aqui, mas não me
arrependo da mudança de tema — ele comentou depois, a voz ainda
enrouquecida de prazer.
— Oh, eu também não me importo em mudar de assunto se o
final for esse.
Ele deu um leve beliscão na minha coxa, fazendo-me soltar
uma risadinha baixa.
— Comporte-se, senhorita Ana Cabral.
— Foi você quem começou, doutor Daniel Ortega.
Capítulo 21
Ana
AINDA FICAMOS UM tempo abraçados, até ele olhar para
os papéis sobre a mesinha.
— Hora de voltar à realidade — disse, suspirando. — Vou
precisar que assine os papéis.
Fiquei quieta por um momento, pensando.
— Por que tem de ser o Richard a fazer isso e não você?
Daniel passou uma mão na barba, a expressão carregada.
— Tenho um contrato de exclusividade com a empresa e não
posso atuar juridicamente fora dela. Sempre que preciso, contrato o
Richard para fazer isso para mim. — Ele enrolou uma mecha do meu
cabelo no dedo e passou a acariciá-lo. — Eu poderia contratar outro
advogado para o seu caso, mas não gostaria de fazer isso, porque quero
deixá-la com alguém de minha inteira confiança. E esta pessoa é o
Richard. Também acho bom que seja ele, pois assim vai comprovar
pessoalmente que os investigadores erraram. Garanto que não sobrará
nada daquela empresa quando ele mesmo decidir processá-la.
Se a determinação de Richard em me desmascarar, por achar
que eu estava enganando o amigo dele, fosse apenas um exemplo de
como atuava juridicamente, eu imaginava o que não faria com a
empresa de investigação quando soubesse que foi ele o enganado.
Talvez tenha sido por isso que o homem teve aquela reação tão
forte com relação à Bia. Richard achava que foi enganado por ela e
ainda mais trocado por outro.
E trocado logo por quem? Jack Spencer!
Que troca duvidosa!
Fiquei pensando qual seria a reação de Richard caso um dia se
encontrasse frente a frente com o Jack e visse quem foi o homem que
Bia escolheu no lugar dele. Algo me dizia que aquilo ia dar em mais
merda!
Daniel se levantou, oferecendo-me a mão para fazer o mesmo.
— Venha, vamos nos vestir.
Entregou as minhas roupas e nos vestimos. Em pouco tempo já
estávamos sentados novamente em frente aos papéis.
— Prefere ficar sozinha e ler o que tem aqui, enquanto vou ali
atrás ver uns e-mails da empresa? Não tenho pressa e poderá ver com
calma. — Ele fez uma pausa, ainda acariciando a minha mão com o
polegar, naquele gesto que me dava confiança. — Ou gostaria que
víssemos juntos e vou explicando tudo para você?
Procurei não me sentir envergonhada por Daniel se lembrar da
minha dificuldade de leitura. Engoli em seco e o encarei, vendo a
compreensão e o amor com que devolvia firmemente o meu olhar.
Resolvi apostar no que havia nos olhos dele.
— Quero ver com você e que me explique tudo — admiti em
um fio de voz.
Ele apenas apertou a minha mão e assentiu, pegando os papéis.
Senti que aquela era a resposta que ele esperava.
Nos minutos seguintes, Daniel leu tudo para mim, explicando
pacientemente o que havia nos documentos.
— Pretendo com isso saber os termos desses empréstimos e o
valor total que você deve ao banco.
Fiquei constrangida ao pensar nele vendo os valores daquela
dívida e sabendo das minhas reais condições financeiras.
— Posso ver tudo isso com a ajuda do meu pai assim que
voltar ao Brasil e falar com a minha tia.
Ele negou prontamente, a fisionomia decidida.
— Não será a mesma coisa, Ana. A sua tia poderá esconder
muita coisa de vocês. Com um advogado competente agindo em seu
nome, ela não conseguirá fazer isso.
— Ela não ousaria fazer mais nada. Quando souber que
descobri sobre os empréstimos, com certeza vai dizer tudo o que fez.
Ele não pareceu minimamente convencido daquilo.
— Quem faz o seu imposto de renda? Você mesma?
Paralisei completamente, ficando muda. Eu nunca havia feito
um único imposto de renda na minha vida adulta. Sempre foi o meu pai
quem fez. Depois do assalto que o incapacitou, a minha tia combinou
comigo que ela faria tudo, para não o aborrecer com assuntos
financeiros. Eu só trabalhava e cuidava dele.
Meu Deus, passei anos sendo enganada?
Mordi o canto do lábio para controlar o misto de emoções que
me dominavam. Raiva, frustração, impotência e decepção.
Evitei olhar para Daniel quando respondi.
— Não, há anos que é ela quem faz.
Ele permaneceu calado por alguns instantes, pensando nas
implicações da minha resposta.
— Então, você nunca viu o imposto de renda depois de
declarado?
— Não.
— Tem pelo menos a senha?
— Também não. — Senti a minha voz falhar e fiquei com
raiva da minha fraqueza.
— Seu pai nunca desconfiou de nada?
Um homem inteligente e perspicaz como ele não seria
enganado facilmente.
— Ele confia nela tanto quanto eu confiava. Nunca íamos
pensar que faria algo assim.
A expressão dele ficou pesada e o olhar endureceu ao perceber
que tia Sílvia tinha total controle da nossa vida financeira e que usou o
meu nome durante anos da forma que bem quis.
— Estou mais do que decidido a investigar tudo a fundo, mas
só poderei fazer isso quando você assinar estes papéis. Precisamos saber
urgentemente se a sua tia tem alguma procuração para movimentar o
seu dinheiro. Não só no banco onde tem conta, mas em outra instituição
financeira.
— Mas eu nunca dei procuração para ela.
Parei de falar quando vi a expressão no rosto de Daniel. Se ela
tinha uma procuração minha, era óbvio que eu havia assinado algum
papel sem ler.
Senti o meu rosto queimar de vergonha e virei-o para o outro
lado, escondendo-o de Daniel.
Mas que merda! A minha burrice está escrita na cara!
— Não se recrimine, porque quem errou foi a sua tia e não
você! Tudo o que assinou foi confiando nela.
Daniel segurou o meu queixo, tentando fazer com que olhasse
para ele.
— Mas eu podia ter lido!! — gritei, sufocada pela vergonha e
pela raiva, cobrindo o rosto com as mãos para fugir do seu olhar.
Ouvi o xingamento em inglês quando tentei me afastar.
— Ana, você nem imagina a quantidade de pessoas no mundo
que assinam documentos sem ler! Principalmente os contratos
financeiros, com aquelas letras pequenas e tantas páginas que ninguém
tem tempo ou disposição para o fazer. — Segurou-me firmemente pela
cintura, negando-se a me deixar ir para longe dele. — Não vou permitir
que mais ninguém a engane. Garanto-lhe isso! Agora, preciso que não
assine nada sem que eu veja antes ou sem que você mesma leia e saiba o
que está assinando.
A entonação da voz de Daniel era decisiva e ele falava com a
certeza de quem sabia que ficaríamos juntos sempre. Perceber aquilo me
fez parar de resistir e cair em seus braços.
— Vou cuidar de tudo, Ana. Você não está mais sozinha.
Tentei segurar as lágrimas, mas não consegui. Depois de quatro
anos lutando sozinha para cuidar do meu pai, trabalhar e lidar com as
minhas limitações, ouvir aquilo me quebrou de vez.
— Oh, merda! — solucei, deixando vir à tona todas as
emoções represadas durante anos dentro de mim.
Senti o tórax de Daniel se expandir quando ele inspirou fundo,
os braços fortes me apertando com força junto ao peito. Uma mão se
enroscou no meu cabelo, acariciando a minha nuca, enquanto um beijo
doce roçou a minha testa.
— Não chore, Ana. Por favor, não chore. Confie em mim que
vou resolver tudo.
Eu confiava. E confiava muito mesmo!
— Eu confio — disse-lhe sem vacilar.
— Então, olhe para mim — ele pediu com carinho, segurando
o meu queixo.
Ergui o rosto e o encarei, batendo de frente com seu olhar
sério.
— Prometa que não vai assinar mais nada sem que eu veja
antes.
— Prometo.
Capítulo 22
Daniel
— VOCÊ VAI CONFIAR em mim para defender a Ana?
A voz de Richard era de surpresa.
— E por que não confiaria agora, se antes sempre confiei em
você?
Ele pareceu ficar desconfortável com a minha pergunta, mas
aquela era a reação que eu esperava dele.
— Porque eu a acusei de ser uma oportunista, uma golpista e
humilhei-a na sua frente. Isso e tudo o mais que você já sabe.
Ouvir aquilo ainda me irritava. A opinião de Richard seria
outra se não fossem as sérias ofensas contra Ana que chegaram do
Brasil. Contudo, não estávamos ali para brigar por causa daquele
maldito relatório de investigação.
Olhei seriamente para o meu amigo, dando-lhe um aviso
incisivo.
— Esta é a oportunidade de se redimir pelo que fez, ajudando-
nos a descobrir tudo o que fizeram com o nome dela no Brasil. Quero
todos os envolvidos punidos — disse duramente, porque era exatamente
aquilo que eu pretendia fazer.
Nunca mais iam abusar da confiança de Ana.
— Você realmente acredita que ela foi uma vítima da própria
família, em vez de ter sido a responsável por contrair aquelas dívidas?
— Isso mesmo. Ana é inocente e foi usada pela tia. Assinou os
empréstimos na confiança, sem ler nada.
Richard se levantou da poltrona atrás da mesa de trabalho e
começou a andar pela sala do escritório dele, onde eu tinha ido naquela
tarde para conversarmos.
— Daniel! Sei que está apaixonado por ela, mas já pensou
seriamente nas implicações disso tudo?
Mantive a calma quando respondi, pois tinha absoluta certeza
do que ia dizer.
— Estou apaixonado, assumo, mas não fiquei cego por causa
disso. Se digo que Ana é inocente, é porque ela é realmente inocente.
Não vejo quais implicações podem ter aqui.
Ele parou de andar e veio se sentar na poltrona ao lado da
minha.
— Mesmo que seja inocente, já comprovamos que ela mal sabe
ler. — Ele parecia horrorizado que eu ignorasse aquilo. —
Independentemente de o relatório de investigação ser falso ou
inconclusivo, nós vimos isto pessoalmente. Não há dúvida alguma de
que Ana Cabral não sabe ler nem na própria língua, quanto mais em
inglês, que sequer fala. Existe um abismo social enorme entre vocês
dois e é com ela que pretende desfilar no seleto círculo de milionários
em que vivemos?
— Pouco me importa a sociedade, Richard!
Apesar de estar decidido a manter a calma, acabei por alterar o
tom de voz diante da raiva que senti. Eu não admitiria que ninguém
diminuísse Ana na minha frente, fosse milionário ou não.
— Daniel, ela não tem formação nem estudos.
Richard insistiu naquele ponto, que eu sabia ser algo
importante para ele.
— Isso não muda o que sinto por ela, só fortalece.
A expressão de incredulidade que tomou conta do rosto dele
não me abalou em nada.
— Ana Cabral não está no seu nível. Você é um dos homens
mais inteligentes que conheço, sempre foi o gênio da faculdade. Hoje
em dia ocupa um cargo privilegiado que poucos homens conseguem ter.
Leva aquela corporação nas costas com mão de ferro, porque o doutor
Scott está se tornando uma figura representativa ali dentro. Você é
elogiado por todos e disputado no meio empresarial. — Ele continuou,
fazendo-me pensar que outros predicados ainda diria a meu respeito
para tentar me convencer de que eu era muito melhor do que Ana e, por
isso, deveria deixá-la. — Vai assumir publicamente um relacionamento
com uma mulher que não fala a sua língua e não tem formação? Isso
sem citar o fato de ela ainda ter dificuldades de leitura e ser cheia de
limitações, como você mesmo diz.
Ouvi tudo em silêncio, ciente de que muitas outras pessoas do
meu meio social, e talvez até da minha própria família, também me
questionariam aquilo quando soubessem quem era a mulher que eu
escolhi. Eu não duvidava de que todos procurariam descobrir quem ela
era e o que fazia antes de cair nos meus braços, mas eu não estava
preocupado com a sociedade que frequentava, nem com a minha
família. Preocupava-me apenas que Ana não fosse atingida por
comentários maldosos que a fizessem se achar inadequada para mim.
Mais do que já se achava!
Olhei calmamente para o Richard, muito consciente do que
vinha pela frente e mais ainda do que queria para mim. E eu queria a
Ana!
— Já disse que tudo isso pouco me importa! Apenas Ana me
importa, pois sem ela nada do que tenho terá o mesmo valor de antes.
De que adianta ter inteligência, posição social e herança familiar se
estou sozinho? Mesmo quando namorava outras mulheres, eu me sentia
sozinho. Desde que vi a foto dela no site, Ana já me causou um impacto
enorme. Agora que estamos juntos, tenho total certeza de que é a mulher
perfeita para mim!
Ele abriu os braços em um gesto de derrota.
— Desisto!
Olhei seriamente para o meu amigo, pensando quando ele
encontraria a mulher que o faria olhar o mundo de uma maneira menos
amarga. Ficamos em silêncio, naquela que era uma conversa diferente
de todas as que já tivemos antes.
Pensei bem e tomei uma decisão. Se ele ia defender Ana,
precisava conhecê-la melhor e acreditar na causa.
— Ela é disléxica.
Richard olhou para mim com o cenho franzido.
— Disléxica? — repetiu e vi a surpresa no rosto dele. — Ana
Cabral é disléxica?
— Sim. No começo, era apenas uma suspeita minha, mas agora
tenho certeza. Ana não consegue ler direito, porque teve sérias
dificuldades de aprendizagem quando estudava. Ela nunca admitiu isso,
nem eu lhe falei das minhas suspeitas. Estou esperando que confie mais
em mim e me conte tudo.
Richard permaneceu estranhamente calado, com um brilho
indefinível no olhar. O meu instinto aflorou na hora, quando senti que
havia algo mais ali.
— Já ouviu falar da dislexia? — perguntei casualmente.
Ele poderia nunca ter ouvido falar, já que eu mesmo tive
dificuldade em saber o que era, por ser algo totalmente fora do meu
mundo. O mundo privilegiado de um homem inteligente, como o
próprio Richard havia dito.
Ele suspirou, passando a mão na nuca. Parecia incomodado
com algo.
— Sim, já ouvi. Tive uma cliente disléxica. Fiz o divórcio dela
com um renomado cirurgião.
Fui pego de surpresa com aquela informação. Não apenas pelo
fato de a cliente ser disléxica, mas por Richard defender uma mulher em
um processo de divórcio. Via de regra, acontecia o oposto, com ele
defendendo o homem.
Interessado no assunto, encostei-me na poltrona, observando-o
atentamente.
— E correu tudo bem?
— Foi duro, mas correu bem.
Ele foi sucinto na resposta, mas não me deixei influenciar por
aquilo e insisti.
— Conte-me só o que eu posso saber.
Normalmente, aqueles processos corriam em segredo de
justiça. Mesmo que eu também fosse um advogado e amigo dele, a ética
profissional exigia confidencialidade em alguns fatos.
Pela reação de Richard ao saber da dislexia de Ana, eu tinha
certeza de que estava associando as duas mulheres, uma vez que
possuíam as mesmas limitações.
Ele desviou o olhar para um ponto qualquer da sala, pensativo.
Da minha parte, permaneci em silêncio, aguardando pacientemente que
falasse.
— Eu não sabia que ela era disléxica — ele disse, visivelmente
consternado.
Estranhei aquele comentário.
— A cliente não lhe contou isso?
— Não falo dela. Falo de Ana Cabral — esclareceu com
rapidez. — Não havia nenhuma menção à dislexia na investigação.
— Não, realmente não havia — concordei, encarando-o com
seriedade.
— O que significa que o relatório foi mesmo inconclusivo. —
A voz dele endureceu quando admitiu o que eu já havia falado diversas
vezes antes.
Eu deixaria que ele lidasse com a empresa de investigação,
pois agora tinha certeza de que o faria.
— Se você soubesse que ela era disléxica, mudaria alguma
coisa?
Ele devolveu o meu olhar com firmeza.
— Mudaria muita coisa.
— E por quê?
Richard precisava entender que sempre agiria de forma injusta
todas as vezes que deixasse o preconceito falar mais alto.
— Porque um erro cometido sem más intenções é diferente de
um ato premeditado e com más intenções. Agora sei que ela não leu o
relatório porque era disléxica e não por ser uma oportunista iletrada
querendo dar o golpe em você. — Parou de repente, olhando para mim
com desconfiança. — Quem fez o perfil dela no mensagensde@mor
com todas aquelas mentiras?
Ele devia saber muito sobre a dislexia para não cogitar a
possibilidade de ter sido a própria Ana quem fez tudo.
Antes mesmo de responder, tive a certeza de que ele havia
adivinhado a resposta. Só fiz confirmar, sentindo muita pena de Bia por
só piorar a opinião que Richard tinha dela. Mas mentir não fazia parte
de mim.
— Beatriz.
Ele torceu a boca, parecendo enojado com aquela confirmação,
mas não comentou nada depois.
Fiquei em silêncio, dando-lhe tempo para superar a raiva.
Ninguém precisava me dizer como era difícil lidar com a
sensação de ser enganado pela mulher em quem confiávamos. Eu me
lembrava muito bem do que senti no escritório quando li o relatório
sobre Ana e achei que fui traído como um tolo apaixonado.
Por nada no mundo eu queria estar na situação de Richard,
sendo trocado por outro homem, muito menos queria pensar na minha
reação caso aquilo acontecesse.
Capítulo 23
Daniel
— ANA SABE QUE serei eu a defendê-la? — Richard
perguntou de repente, ignorando propositadamente o tema Beatriz.
— Sabe. Já expliquei que você é o meu advogado.
— E… ?
Lembrei-me da dificuldade que tive em convencê-la.
— Ela não gostou nada disso. Detesta-o! — Não deu para
esconder o riso ao contar aquilo para ele.
Richard riu também, sem se chatear com a raiva de Ana.
— É compreensível, depois de tudo o que eu disse. Fui muito
duro com alguém que já deve ter seus traumas de disléxica.
Aquele comentário tão incomum vindo dele me deixou muito
intrigado. Richard falava como se fosse um grande conhecedor do
assunto.
— Como sabe de tudo isso?
— Fui obrigado a pesquisar o assunto e falar com alguns
especialistas. Tudo por causa da minha cliente.
Fiquei mais do que interessado em ouvi-lo.
— Fale-me do caso — lembrei-lhe.
— Foi um divórcio litigioso complicado. — Deu um meio
sorriso divertido, olhando para mim com ironia. — Adivinha contra
quem atuei? K&Grant Associados. O próprio Grant defendeu o marido
dela.
Se o escritório K&Grant atuou no processo, então, o divórcio
envolveu mesmo muito dinheiro.
Soltei uma gargalhada ao entender o porquê do olhar divertido
de Richard. Acabamos rindo muito de Kevin Grant, o mais arrogante de
todos os alunos do nosso curso de Direito.
Estendi a mão em um cumprimento e Richard apertou-a com
um brilho satisfeito no olhar.
— Foi duro, mas ganhei esta dele.
— Você é o melhor quando o assunto é divórcio — brinquei.
Ele olhou para mim com um sorriso zombeteiro.
— Às ordens. Quando precisar se divorciar, é só pedir.
Não perdi o bom humor quando respondi com segurança.
— Não vou precisar, mas obrigado mesmo assim.
Voltei a me recostar no espaldar da poltrona, interessado na
continuação daquela história.
— E quem pediu o divórcio? Ela?
Foi uma suposição que fiz, baseado unicamente no fato de ela
ter dislexia, mas vi que acertei quando ele confirmou.
— Sim, foi ela quem pediu. Passou os últimos três anos
sofrendo maus tratos nas mãos dele, até não aguentar mais.
— Quem é ela? Eu a conheço?
Ele confirmou com um gesto de cabeça, antes de falar o nome.
— Cheryl Land.
Sim, eu a conhecia. Era uma figura sempre presente nas festas
e eventos do círculo social que frequentávamos, mas nunca imaginaria
que fosse disléxica.
Caí para trás na poltrona, abismado.
— Nunca pensei, Richard!
— Nem eu. Só fiquei sabendo, porque foi justamente por causa
da dislexia dela que o casamento chegou ao fim.
Senti uma premonição qualquer quando ele disse aquilo, um
aperto no peito causando um desconforto incômodo em mim.
— O que aconteceu?
Richard apertou os lábios com desgosto.
— Ela fez faculdade de artes e é uma pintora de grande talento,
mas nunca seguiu carreira profissional porque o marido não queria.
Cheryl não aparentava ter dificuldades de leitura, pelo menos não tão
graves como vi em Ana. Talvez por isso acreditei no que a investigação
disse, pois já conhecia uma mulher disléxica que havia conseguido fazer
um curso superior e que lia razoavelmente bem. O caso de Ana dever
ser bem mais sério.
Não me surpreendi com o que ele disse sobre Cheryl ter feito
faculdade. Já havia lido sobre alguns disléxicos que conseguiram
terminar o curso superior.
— Desconfio de que a dislexia de Ana seja de um nível alto,
diante de tudo o que já presenciei nos últimos dias — desabafei com ele,
feliz por ter alguém com quem discutir o assunto. — Enquanto ela
estava no Brasil, nunca percebi nada. Só convivendo diariamente aqui é
que isso ficou perceptível. Fui fazer uma pesquisa na internet e cheguei
à conclusão óbvia, mas ainda não falei com nenhum especialista.
Uma expressão de entendimento surgiu no rosto dele.
— O mesmo aconteceu comigo. Quando Cheryl disse o motivo
do divórcio, fiquei meio com cara de bobo, porque não sabia o que era a
dislexia. Já nos cruzamos várias vezes nos mesmos eventos sociais e
nunca achei que tivesse nada de errado com ela.
Apesar de saber que aquele último comentário não foi por
maldade, saí em defesa de Ana.
— Não há nada de errado com quem tem dislexia, Richard!
— É apenas uma forma de expressão! Não quis ofender
ninguém em especial — desculpou-se imediatamente. — Eu nem sei
como classificar isso, mesmo depois de ter sido obrigado a conhecer
mais sobre o assunto para poder defender melhor a Cheryl.
— O marido a tratava mal por ser disléxica? — perguntei, já
odiando o doutor Land.
— O homem se casou sem saber que ela tinha isso. Só soube
três anos atrás por causa do filho. O menino detonou o divórcio e ainda
foi o pivô de uma briga judicial.
Aquelas palavras fizeram a minha intuição gritar horrores
dentro de mim.
O filho do casal.
Um filho.
O meu filho.
“Não quero engravidar.”
A frase de Ana que fez com que me sentisse enganado, traído e
revoltado, voltou com força total na minha mente.
“Se Ana não explicou os verdadeiros motivos de ter desistido
da gravidez, é porque ainda não confia o suficiente em você para fazer
isso.”
O aperto que sentia no peito começou a ganhar proporções
gigantescas dentro de mim, à medida que me lembrava daqueles pontos
importantes do quebra-cabeças em que a minha vida se transformou.
Eu precisava montar e desmontar os fatos para encontrar as
respostas que me diriam o porquê de Ana não querer mais engravidar e
ter ficado tão triste depois daquilo.
Apesar de disfarçar bem, eu sentia a tristeza dela. Era algo
muito tênue, mas estava lá, e eu tinha certeza de que Ana queria um
filho tanto quanto eu.
Procurei ficar impassível diante de Richard.
— Como o filho detonou tudo isso? Pensei que o problema
tivesse sido os maus tratos que ela sofria.
— E foi. Só que ele passou a humilhar e maltratar Cheryl
depois que o menino apresentou dificuldades na escola. No começo, as
humilhações foram só contra ela, mas depois ele passou também a
agredir verbalmente o menino. Foi quando ela decidiu pedir o divórcio.
O doutor Land acusou a mulher de esconder o fato para não perder um
casamento vantajoso. Ficou furioso por ter um filho disléxico que não
seria um médico-cirurgião famoso como ele.
À medida que eu escutava, a tensão ia tomando conta do meu
corpo. A força que fiz para me controlar foi tanta que senti os músculos
dos ombros doerem com o esforço.
— Então, o menino é disléxico? — Usei um tom de voz neutro
para não mostrar o turbilhão emocional que me dominava.
— É — ele confirmou, sem perceber o meu drama pessoal. —
Hoje está sendo bem acompanhado por uma equipe multidisciplinar na
escola e fora dela.
— E você conseguiu que ela ficasse com a guarda do filho —
lembrei.
Um discreto sorriso de satisfação se desenhou no rosto dele.
— Sim, ela ficou com a guarda do filho. O doutor Land fez de
tudo para provar que, sendo disléxica, ela não estava apta para
acompanhar a educação do filho ou prover as necessidades dele. Uma
grande palhaçada, claro, já que a pensão que ficou estipulada será
suficiente para tudo isso.
Àquela altura, eu já estava ansioso para terminar a conversa e
sair dali. Precisava pensar. Precisava urgentemente ficar sozinho para
pensar.
— Fico feliz que tudo deu certo com a Cheryl. Ela merece. —
Levantei-me da poltrona, dando por encerrada a nossa conversa. —
Agora preciso ir, mas ficamos acertados com relação ao caso de Ana.
Quero agir o mais rápido possível, por isso pode dar início aos trâmites
legais junto ao banco dela no Brasil.
Fiquei lá apenas o suficiente para fecharmos mais alguns
pontos sobre o assunto. Minutos depois, eu saía do escritório dele e
entrava no Lamborghini, onde me sentei, apertando com força a direção
do carro.
Merda!
Acelerei pelas ruas como se estivesse sendo perseguido por mil
demônios. Quando dei por mim, já estava nas imediações do parque que
ficava no caminho de casa. Sem pensar duas vezes, fiz uma manobra
rápida e estacionei lá.
Ainda não me sentia preparado para voltar para casa. Por um
bom tempo, fiquei olhando o gramado à minha frente. Os meus olhos só
conseguiam seguir as crianças correndo e brincando, pensando no filho
que tanto quis ter nos últimos dias. Um filho com Ana, que, pelo que
tudo indicava, nasceria disléxico.
Peguei o celular e fiz uma pesquisa sobre a dislexia e a
hereditariedade. Um detalhe importante que ficou de fora das minhas
buscas anteriores.
E lá estava o que eu queria saber. Era hereditária!!
Cerrei os punhos com força, tentando controlar as emoções. Eu
era honesto comigo mesmo o suficiente para admitir que jamais pensei
naquela possibilidade. Saber que Ana tinha limitações causadas pela
dislexia era uma coisa totalmente diferente de aceitar que o meu filho
também as tivesse e que acabasse por não saber ler nem escrever direito.
Passei as mãos na barba, nervoso. Abri a porta e desci, antes
que fizesse a loucura de voltar a dirigir naquele estado. Fechei o carro e
fui caminhar no parque para me acalmar, pois estava revoltado demais
para permanecer trancado dentro dele.
Qualquer pai ia querer ter um filho que herdasse as suas
melhores características e eu não era diferente do resto do mundo. Nas
poucas vezes em que pensei no meu filho, antes de conhecer Ana,
imaginava-o um bebê como todos os outros, sem grandes dramas de
nascimento. Mas o que dizer de um filho que ainda não havia sido
gerado, mas que já se sabia de antemão que provavelmente nasceria
disléxico? Como aceitar aquilo?
“Não quero engravidar.”
Mas que merda!! Ela queria sim! Eu sempre soube que ela
queria um filho meu. Senti aquilo mesmo quando ela negou que o
desejava.
Sentei-me em um banco vazio e fiquei lá, parado, sem ver nada
à minha frente. Depois, enfiei o rosto nas mãos, os cotovelos fincados
nos joelhos.
Por um longo tempo fiquei naquela posição, de olhos fechados.
Só conseguia ver o rosto de traços delicados, a voz suave e o riso alegre,
os olhos carinhosos, as mãos macias que me enlouqueciam, o beijo
doce, a entrega sem limites quando nos amávamos.
Ana era a mulher que eu queria ao meu lado. Impossível ficar
sem ela agora que já a conhecia, que a tinha possuído e amado.
Se, meses atrás, alguém me perguntasse se eu arriscaria ter um
filho disléxico, eu responderia taxativamente que não. Uma resposta
simples e rápida, afinal, eu não amava ninguém. Hoje, amando Ana com
aquela intensidade toda, a minha resposta era sim, porque seria o meu
filho com ela. Não um filho de outra mulher, mas dela.
Nós dois o amaríamos muito, sendo ele disléxico ou não. E eu
faria de tudo para que, desde cedo, nosso filho tivesse todo o apoio
especializado que precisasse para superar qualquer dificuldade.
Levantei a cabeça e observei a vida seguindo normalmente ao
meu redor. Naquele instante, fui dominado por uma vontade muito
grande de lutar pelo meu filho, ciente de que, fosse um menino ou uma
menina, seria muito amado por nós dois.
Faltava só aguardar a oportunidade certa para falar aquilo com
Ana.
Capítulo 24
Daniel
QUANDO CHEGUEI EM casa, fui direto para o meu
escritório, onde sabia que Ana gostava de passar as tardes com a Candy.
Dei-lhe um notebook de presente, que ela usava com frequência.
Ultimamente, sempre que eu precisava trabalhar à noite depois
do jantar, ela me acompanhava ao escritório. Sentava-se no sofá ao lado
da lareira com o notebook ao colo e com a Candy dividindo
confortavelmente o mesmo espaço com ela.
Trabalhar em casa tendo a companhia de Ana nunca foi tão
prazeroso. Para mim, aquilo tinha um valor inestimável, pois achei que
nunca a veria tão à vontade no lugar onde foi humilhada. A capacidade
de superação de Ana era admirável e eu estava cada dia mais
apaixonado por ela.
Entrei no escritório, olhando para o canto onde ficavam o sofá
e as poltronas em volta da mesa de centro. Candy surgiu no tapete,
abanando o rabo e correndo para mim.
Como ela não latiu fazendo a maior festa, deduzi que Ana
deveria ter adormecido. Incrivelmente, Candy havia aprendido a ficar
em silêncio quando estavam juntas. Senti vontade de rir com o cuidado
excessivo da minha cachorrinha com a nova dona.
Coloquei a pasta sobre a mesa e peguei-a ao colo. Fiz-lhe um
carinho antes de colocá-la de volta ao chão e ir para perto de Ana.
Como suspeitava, ela dormia de lado no sofá, com o notebook
pousado no tapete. Estava linda, com o longo cabelo castanho espalhado
pela almofada, uma mão embaixo do rosto e a outra sobre o colo,
segurando a manta que a cobria para afastar o frio do outono. Mesmo
com a casa sendo climatizada, Ana ainda não estava acostumada com as
temperaturas baixas de Nova York.
Apesar do tapete abafar os meus passos, ela entreabriu os olhos
sonolentos quando me aproximei, sentando-se.
— Oh, adormeci sem querer — reclamou consigo mesma,
colocando os pés calçados com meias no tapete, onde os botins estavam
jogados. — Não sei o que está acontecendo comigo ultimamente. Estou
ficando preguiçosa desde que vim para sua casa.
Passou a mão no rosto e afastou o cabelo para trás, olhando-me
com um sorriso envergonhado por ter sido pega dormindo durante a
tarde.
Não consegui me mexer. Fiquei parado, olhando-a fixamente,
cada vez mais certo de que ela era a mulher da minha vida e que queria
muito o nosso filho.
Ana se ergueu, ficando de pé com uma expressão curiosa no
rosto.
— Tudo bem, Dan?
Permaneci calado, controlando-me para não dizer que sabia de
tudo, para calar que sabia da desistência dela de engravidar por medo de
que o nosso filho nascesse disléxico como ela.
Incapaz de falar, puxei-a pela cintura e trouxe-a para mim,
tomando-lhe a boca em um beijo sedento e apaixonado. Nunca tive tanta
certeza de algo quanto naquele momento. A certeza de que eu a amava
muito!
Ana me abraçou de volta, o gemido de prazer que soltou se
confundindo com o meu. Aquela entrega acabava comigo, pois
despertava um lado da minha personalidade que eu não conhecia e que
só vim descobrir com ela. O lado de um homem possessivo e sedento de
amor.
As mãos macias entraram pelo meu paletó e puxaram a camisa
para fora da calça, só ficando satisfeita quando tocou a minha pele.
Suspiramos ao mesmo tempo com o prazer daquele contato.
— Ana! — grunhi na boca macia, excitado o suficiente para
amá-la ali mesmo.
Fui torturado com o calor das mãos carinhosas subindo por
minhas costas, depois descendo e vindo para a frente do meu corpo,
onde uma delas apertou o meu pau com firmeza.
Até assobiei com a força com que inspirei o ar ao ser tocado
daquele jeito. Era um toque simples, mas que, vindo dela, tinha um
efeito devastador na minha libido. Tão devastador que perdi o controle,
totalmente dominado pelo desejo.
Ergui Ana do chão para senti-la melhor de encontro ao meu
corpo, esfregando o quadril voluptuoso de encontro à minha virilha. Os
seios fartos me excitaram ainda mais ao pressionarem o meu peito sobre
a camisa. Aquela sensação só fez aumentar o meu desejo de o sentir
diretamente sobre a pele.
Soltei-a o tempo necessário para arrancar o paletó e jogá-lo ao
chão. Quando fui desabotoar a camisa, ela se antecipou e começou a
fazê-lo sozinha, beijando o meu corpo no processo. Aproveitei para
abrir minha calça, insanamente ansioso para me enterrar nela. O desejo
era tão forte que até doía e eu sabia que só a carne quente, úmida e
macia de Ana poderia acabar com aquela dor.
Puxei-lhe a blusa para cima e ela prontamente ergueu os braços
para me ajudar a tirá-la. Logo depois, livrou-se da calça. De repente, eu
a tinha seminua bem à minha frente, roubando a minha pouca sanidade.
Os seios pareciam maiores dentro do sutiã e a calcinha pouco
escondia do corpo exuberante que eu tanto desejava.
Tirei de vez a minha calça e fiquei só com a boxer, sentindo os
olhos de Ana acompanharem os meus movimentos e pararem na minha
ereção, que só aumentou de tamanho diante do olhar faminto.
Mesmo contra a vontade, enfiei a mão no bolso da calça antes
de largá-la ao chão. Peguei a merda do preservativo dentro da carteira e
joguei-o sobre o sofá. Depois, não hesitei em trazer Ana de volta aos
meus braços, ardendo de desejo quando os seios fartos se esfregaram no
meu peito.
Abri o fecho do sutiã e deixei-os livres, roçando-os em mim.
Daquele momento em diante perdi a razão e, incapaz de pensar com
coerência, deitei-a no sofá. Em pé, tirei a cueca e já ia me deitar também
quando ela se ergueu lentamente, ajoelhando-se nele bem à minha
frente, os olhos fixos no meu pênis ereto. Para minha surpresa, Ana
ergueu os olhos para mim em um pedido mudo, estendendo a mão e
segurando-o com suavidade. Puxou-me em sua direção e fechei os olhos
em dolorosa expectativa ao entender o que queria fazer.
Deixei que fizesse, pois ansiava por aquilo. Segurei-lhe o
cabelo longo e firmei as pernas abertas no tapete para aguentar o que
sabia seria uma doce tortura.
Ao primeiro toque dos lábios macios e da língua quente, já me
senti vacilar nas pernas com o espasmo de prazer que me dominou.
Resolvi abrir os olhos para tentar diminuir aquelas primeiras sensações
e me deparei com a visão muito mais excitante do meu pau na boca
dela, dos seios amplos soltos com os mamilos a pedir beijos, as coxas
torneadas entreabertas e o sexo mal coberto por aquela minúscula
calcinha de renda branca.
Endureci até não poder mais, sem conseguir travar um gemido
gutural de prazer diante daquilo tudo.
— Ana!
Agarrei-lhe o cabelo longo com mais força, a outra mão
buscando um mamilo rosado que pressionei entre os dedos, seguindo o
mesmo ritmo da sua boca me chupando. Ela vacilou e gemeu de prazer,
mas não parou o que estava fazendo. Mesmo com a falta de experiência,
Ana estava me reduzindo a um homem desesperado para gozar.
Investi em sua boca com cuidado para não a machucar, mas a
necessidade de bater forte crescia horrivelmente. Foi quando percebi
que estava na hora de parar.
Mas não parei, dominado demais pelo prazer. Deixei-me ficar
mais um pouco em sua boca, observando com um desejo de posse
fodido a cena estimulante que era vê-la naquela posição.
Soltei seu cabelo e fui estimular o outro mamilo do seio pesado
que me tentava ao balançar sensualmente com os movimentos que ela
fazia. Para minha surpresa, aquele gesto desencadeou o que eu não
esperava. Ana ergueu os olhos para mim e vi tanto prazer neles que o
meu próprio prazer se elevou, deixando-me à borda do orgasmo. Sem
ter noção do estrago que fazia comigo, ela baixou uma mão e enfiou-a
dentro da calcinha, passando a se masturbar na minha frente, com o meu
pau ainda na boca.
Porra, vou gozar!!
— Deita, Ana! — exigi com a voz rouca, incapaz de controlar
o tom extremamente autoritário com que falei com ela.
Eu tinha pressa e a única coisa que queria agora era possuir a
minha mulher.
Ana se deitou e apoiei um joelho no sofá, puxando-lhe a
calcinha. Separei as pernas dela, olhando extasiado o sexo molhado que
me esperava. Caí como um sedento nele, deliciando-me com o cheiro e
sabor únicos que ela tinha. Porém, não pretendia me demorar, porque a
urgência do gozo pedia satisfação imediata.
Subi em busca dos mamilos que me enlouqueciam, sugando-os
com ferocidade e, finalmente, cheguei à boca macia que havia me
enlouquecido momentos antes.
Preparei-me para penetrá-la, encostando na entrada macia. Por
um momento fechei os olhos, amassando o preservativo na mão e
vacilando na determinação de usá-lo.
— Oh, Dan, vem!
Rosnei com raiva e rasguei-o com os dentes, colocando-o e
ficando pronto em questão de segundos.
— Faz como eu gosto e me pega forte! — ela pediu,
arquejando de prazer.
Segurei seu cabelo outra vez, ciente de que nenhum de nós dois
pensava com sensatez ali dentro.
— Assim?
Então, penetrei-a com uma estocada firme, soltando um
gemido de puro deleite ao senti-la se abrindo para mim.
Ana não respondeu, nem eu perguntei mais nada. Apenas lhe
dei o que queria e peguei de volta o que eu precisava. Senti o coração
quase explodir dentro do peito com os batimentos cardíacos acelerados
à medida que o orgasmo chegava. Deixei-a gozar antes e, já a ponto de
arrebentar, segui logo atrás, os fortes espasmos de prazer me fazendo
ejacular dentro dela.
Depois que tudo passou, demorei a me mexer, permanecendo
deitado sobre ela no estreito sofá do escritório. Nossas respirações se
confundiam, as peles partilhando uma leve transpiração.
Sentindo-me mais dono de mim mesmo, mudei nossas posições
e me deitei de costas, trazendo-a para cima de mim. Retirei o
preservativo e coloquei-o sobre minha cueca no tapete, acomodando
Ana melhor sobre o peito. Puxei a manta para nos cobrir e só então vi a
Candy deitada aos pés da outra poltrona, os olhos presos em nós dois.
Segurei o riso, dando um leve aperto na cintura de Ana.
— Acho que tem uma lady aqui dentro chocada com nós dois.
Ana ficou parada por um breve instante, até levantar a cabeça e
cruzar o olhar com o meu, surpresa e corando de vergonha ao perceber o
que eu disse.
Então, olhou ao redor, vendo a Candy muito quietinha no canto
dela.
— Oh, nem nos lembramos dela — comentou, encarando-me
novamente.
Depois, tapou a boca com a mão, escondendo o riso, mas não
conseguiu esconder os olhos maliciosos. Acabamos rindo muito ao nos
lembrarmos de tudo o que fizemos juntos, sem nem nos apercebermos
da presença silenciosa da minha cachorrinha.
— Conversarei com ela depois e vou explicar tudo o que
aconteceu — Ana disse com doçura na voz. — Quando ela se apaixonar
e começar a namorar, já estará sabendo de tudo.
Não contive o riso com o jeitinho especial que ela tinha de
agradar a todos que amava.
Amor.
No final, tudo era uma questão de amor.
Capítulo 25
Daniel
— DOUTOR DANIEL!
Escutei a exclamação de surpresa de Deborah quando me viu
entrar na recepção da diretoria e pensei pela milésima vez o que estava
acontecendo com ela ultimamente para agir de maneira tão
inconveniente. Desde alguns meses atrás que o profissionalismo da
minha secretária principal estava deixando muito a desejar.
— Boa tarde — cumprimentei-a formalmente, ultrapassando a
mesa dela e caminhando direto para a minha sala.
— Boa tarde, doutor Daniel. — Recompôs-se rapidamente,
levantando-se e seguindo atrás de mim.
Virei-me para ela quando já estava com a mão na maçaneta da
porta.
— Pode ficar aqui. Não precisarei de você.
Ela parou imediatamente, uma expressão de choque no rosto.
— Ah, não?
— Não — reafirmei secamente. — Se precisar, chamarei.
Observei-a apertar a caneta nas mãos nervosas, confirmando
com a cabeça.
— Sim, claro!
Dei-lhe as costas e entrei em minha sala, pensando se agora
teria de trocar de secretária depois de anos trabalhando com Deborah.
Faltava-me tempo até para pensar naquilo! E se havia algo que eu não
tinha, era tempo para perder, ainda mais sabendo que Ana estava em
casa me esperando.
Assim que me sentei em frente à pilha de documentos que me
aguardavam sobre a mesa, vi um envelope pousado em cima,
destacando-se dos demais papéis. Peguei-o e li o meu nome impresso
em letras elegantes, percebendo logo do que se tratava.
Era o convite para o aniversário de Meghan que recebi há dias,
mas que ainda não havia confirmado a presença. Coloquei-o de lado e
comecei a procurar o material que precisava para a próxima reunião
com a comitiva chinesa.
Cerca de quarenta minutos depois, dei o meu trabalho por
encerrado, guardei na pasta o que precisava levar para casa e saí da sala.
Parei em frente à mesa de Deborah, entregando-lhe o convite.
— Confirme a minha presença no aniversário de Meghan.
Ela sorriu quando o pegou.
— Era justamente sobre ele que eu queria lhe falar quando
chegou, doutor Daniel. Sei que já está perto, por isso o coloquei sobre
os relatórios.
— Confirme duas pessoas — ordenei, já caminhando para o
elevador.
— Vai levar uma acompanhante?
Parei no ato quando ouvi aquilo, extremamente irritado com a
impertinência dela. Girei lentamente em sua direção, vendo os olhos de
Deborah se arregalarem de apreensão. Caminhei de volta para a mesa,
onde parei e encarei-a por longos segundos.
Sem dúvida alguma, era inevitável perder tempo futuramente
para resolver aquele assunto chamado Deborah.
— Peço desculpas, doutor Daniel. — Ela começou a se
explicar, parecendo engasgada com as palavras. — É que o senhor
nunca...
— Duas pessoas. Eu e Ana Elizabeth Cabral. — Cortei-a
duramente, olhando o rosto dela se avermelhar de constrangimento.
— Sim, doutor Daniel.
Pousei a pasta sobre a mesa, onde apoiei displicentemente um
braço. Depois, inclinei-me ligeiramente em sua direção, sem deixar de
encará-la fixamente.
— Repita — exigi em tom incisivo.
Ela abriu a boca para falar, mas não saiu som algum. Engoliu
em seco, até por fim encontrar a voz.
— Vou confirmar a sua presença e da senhorita Ana Elizabeth
Cabral, doutor Daniel.
O silêncio pesou no ambiente logo a seguir e deixei que
permanecesse assim por um tempo, para colocá-la no seu devido lugar.
Quando fiquei satisfeito, dei-lhe a mensagem final.
— É melhor que aproveite as minhas férias para repensar a sua
postura profissional dentro deste escritório.
O rosto da mulher ficou pálido, mas não me comovi com
aquilo. Eu já estava mais do que acostumado a demitir ou transferir
funcionários muito mais importantes do que ela.
Segurei a pasta e saí da diretoria, decidido a não desperdiçar
mais o meu tempo com Deborah. O meu tempo agora era de Ana e foi
pensando nela e na festa de Meghan que mudei o meu caminho e fui
parar em uma joalheria.
Depois de quase uma hora conversando em privado com o
gerente, decidi levar um conjunto de colar, brincos e pulseira em
diamante que combinaria muito bem com o estilo discreto de Ana,
independentemente da roupa que ela usasse.
Contudo, o que me fez demorar mesmo foi a escolha de outra
coisa. Um par de alianças e um anel de diamantes, que eu pretendia dar
para Ana muito em breve, quando a transformasse em minha noiva!

Victoria Stevens
— O doutor Daniel pediu para confirmar a presença dele, mas
vai acompanhado pela senhorita Ana Cabral.
Assim que Deborah terminou de falar, controlei-me para não
jogar o celular no chão e fincar nele o salto stiletto do meu sapato.
Daniel ia ousar trazer aquela brasileira que não tinha onde cair
morta na festa mais esperada do ano, onde só estaria presente a nata da
sociedade novaiorquina? Onde ele estava com a cabeça?
Oh, mas que pergunta idiota a minha!
Claro que ele estava com a cabeça do pau enfiada no meio das
pernas dela, por isso só conseguia pensar com a cabeça de baixo, claro!
Homens!
— Senhora Stevens? — Deborah me chamou depois do meu
silêncio prolongado.
— Deixe-me pensar! — rosnei com raiva, travando a língua
para não a chamar de idiota.
— Sim, senhora!
Tamborilei os dedos impacientemente sobre a mesa,
arquitetando um plano.
É, talvez não fosse tão mal assim que a Ana Cabral viesse à
festa. Poderia ser o momento ideal para colocar a oportunista no devido
lugar, humilhando-a publicamente. Eu ia lhe mostrar que aquele mundo
de ricos e famosos não era para ela, muito menos o ambiente com o qual
estava acostumada, e que o Daniel também não era para uma qualquer.
Não demorou para o plano completo estar traçado na minha
cabeça. Seria um ataque sistemático e implacável que a tiraria de vez da
jogada. Com isso, talvez nem precisasse usar os serviços de sedução de
Arthur Montenegro.
Muito bem, Ana Cabral, hora de conhecer Victoria Stevens!
— Deborah, quero que envie um convite para Hillary
Reynolds.
Hoje mesmo ligaria para ela, “contratando-a” para um serviço
especial. Eu tinha certeza de que Hillary aceitaria com imenso prazer,
assim que soubesse que seria para descartar a atual namorada brasileira
de Daniel.
— A ex-namorada do doutor Daniel? — a burra perguntou,
parecendo chocada. — É que ele já nem atende as ligações dela aqui no
escritório.
Respirei fundo, controlando a vontade de eliminar aquela
secretária idiota e metida da folha de pagamento da empresa.
— Limite-se à sua função e cumpra as minhas ordens. Tem a
sorte de eu ainda precisar de você — disse-lhe autoritariamente e de
uma maneira muito seca. — Passe-me o contato dela agora.
Segundos depois, desliguei, olhando o número de Hillary.
Daniel e Ana que se preparassem bem para aquela festa,
porque iam ter de lidar ao mesmo tempo com Hillary Reynolds e Arthur
Montenegro. Eu só queria ver até que ponto o ciúme e a desconfiança de
um contra o outro conseguiria manter aquele relacionamento.
De repente, uma outra ideia surgiu à minha mente.
— Oh!! Mas isto é perfeito!!
Soltei uma gargalhada de puro prazer, recostando-me
preguiçosamente no espaldar da poltrona macia. Ia ser muito divertido
assistir de camarote aquele drama no verdadeiro estilo de Otelo.
Ah, Shakespeare! Quem vai matar quem?
Capítulo 26
Daniel
FECHEI O MEU e-mail com alívio ao terminar de trabalhar
no escritório de casa. Agora, só faltava conferir a correspondência e
depois estaria livre para ficar com Ana, que aguardava no quarto
enquanto falava com o doutor Jorge pelo Skype.
Nos últimos dias, criamos o hábito de falar quase diariamente
com ele e Ana estava visivelmente mais relaxada e feliz depois que nos
apresentou. Apesar daquele primeiro contato tenso entre nós dois, hoje o
nosso relacionamento “genro-sogro” fluía muito bem. Não pude deixar
de rir ao me lembrar da dificuldade que foi convencê-lo a gostar de
mim.
Peguei a pilha de envelopes dos correios que Carmencita havia
colocado sobre a mesa e comecei a separá-los por prioridades. Não
pretendia me demorar muito e fui em busca dos mais importantes. Eu
queria tempo livre para estar com ela. Se os meus planos de manter Ana
comigo em Nova York não dessem certo, um mês seria pouco para a
necessidade que sentia dela.
Já ia colocar um dos envelopes de lado para ver depois, quando
ele chamou a minha atenção por ter no remetente o nome completo de
Ana. Franzi a testa, estranhando que ela tivesse me enviado uma
correspondência, uma vez que já estava comigo em casa. Mais estranho
ainda foi ver que o endereço dela que constava no envelope era
americano.
Sentindo uma sensação esquisita no peito, recostei-me no
espaldar da poltrona e fiquei analisando o envelope com atenção.
Parecia inofensivo, mas eu sabia que ali dentro deveria ter uma
informação feita para me desestruturar, pois, definitivamente, aquela
carta não foi enviada por Ana. Nossos nomes no remetente e
destinatário foram digitados em computador, recortados e colados no
envelope. Pelo volume, devia ter no máximo duas folhas de papel
dentro dele.
Depois de perder mais alguns segundos observando-o, decidi
abri-lo, comprovando que havia apenas três folhas com o print de várias
conversas de Ana no site mensagensde@mor. Só que, em vez de ser
comigo, as conversas eram com dois americanos.
Reconheci de imediato o tal Arthur Montenegro e um outro
homem mais velho, aparentando cerca de quarenta anos, chamado
Gordon Smith.
Eram três folhas de conversas íntimas que mostravam uma Ana
ousada e sedutora, que em nada se parecia com a que eu conhecia.
Nelas, a mulher que supostamente seria Ana, avisava sobre a viagem à
Nova York, mas dando uma data de chegada diferente para cada um
deles. Com o Arthur, ela marcou dez dias depois da data em que fui
pegá-la no aeroporto. Com o Gordon, vinte dias depois. Era como se,
desde o início, Ana tivesse tirado trinta dias de férias e reservado dez
dias para cada um de nós.
A adrenalina explodiu em minhas veias como um veneno
quando percebi a lógica daquilo. Era um jogo arriscado, mas que
poderia dar certo se ela soubesse manipular bem os três homens.
Apesar de ter certeza de que aquela mulher ardilosa mostrada
ali não era Ana, foi impossível não sentir a raiva tentando criar raízes.
Era incrível como uma mínima hipótese de traição podia destruir um
homem por dentro. Aquela merda parecia ter vida própria!
Voltei a olhar o envelope, certo de que o uso do nome dela
serviu para chamar a minha atenção e dar uma aparência de
normalidade à correspondência. Eu apostava que aquele endereço não
existia, mas, ainda assim, pediria a Jeremy para investigar.
Eu até poderia achar que tudo aquilo era falso, uma montagem
para me forçar a desistir de Ana. Poderia até achar... se não tivesse visto
Arthur Montenegro com os meus próprios olhos no perfil dela.
Quem enviou aquilo sabia da existência de Arthur e não estava
blefando ao me enviar um rosto qualquer. Quanto ao outro homem,
Gordon Smith, não havia como ter certeza, já que fechei o perfil dela no
site e agora não tinha mais como confirmar.
Restava saber quem estava denunciando Ana com a intenção
de me mostrar que ela não era honesta comigo, que me traía.
Decidi esperar que até Jeremy me dissesse algo. Só depois
falaria com Ana.

Peguei o meu celular logo após o segundo toque, assim que vi


de quem era a ligação.
— Boa tarde, doutor Daniel.
— Boa tarde, Jeremy. Quais são as novidades?
— Com relação à carta anônima, não ouve surpresas. Como já
desconfiávamos, o endereço é falso. Trata-se de um galpão abandonado
que servia de depósito para uma empresa de material de construção que
convenientemente faliu anos atrás. Tenho certeza de que as digitais que
encontramos devem ser dos funcionários dos correios, mas não
deixaremos de verificar todas.
Joguei a caneta para o lado, irritado. Eu sabia que o provável
resultado da investigação seria aquele, mas ainda assim esperava que a
pessoa por trás da carta tivesse cometido algum erro.
— Faça isso. Ficarei aguardando.
— O outro assunto é sobre o agressor do parque.
Aprumei o corpo na cadeira quando o ouvi.
— Encontrou-o?
Eu estava aguardando aquela notícia há dias e só esperava que
a resposta fosse positiva.
— Sim, encontramos.
Fechei o punho com força e dei um soco no ar, comemorando
aquela vitória.
Foda-se! Peguei-o, seu filho da puta covarde!
— Onde ele está?
— Em um local seguro, mas teremos de agir rápido, doutor
Daniel. Já combinei com os meus contatos na polícia que depois
entregarei o homem.
O que eu precisava fazer não ia demorar.
— Concordo. Onde o pegaram?
— Estava agindo outra vez no parque. Agora, temos outra
vítima que vai testemunhar contra ele. Dessa vez não escapa.
Se dependesse de mim, ele ia apodrecer na cadeia.
— Só preciso fazer uma ligação e depois me encontrarei com
você. Dê-me o endereço.
O local não era muito longe. Assim que encerrei a chamada
com Jeremy, fiz imediatamente outra.
Richard atendeu no terceiro toque.
— E aí, Daniel? Encontrou tempo para os amigos na sua
agenda? — ele provocou com divertimento na voz.
— Preciso da sua ajuda.
Dispensei as amenidades e fui pegar as chaves do
Lamborghini. Éramos amigos de longa data e nos entendíamos muito
bem sem aquilo.
— O que aconteceu? — perguntou com a voz séria,
abandonando o tom brincalhão.
— Quero que coloque um estuprador atrás das grades para
mim. Sabe que não posso atuar fora da corporação.
— Um estuprador? — ele repetiu com raiva e desprezo na voz,
uma reação que eu entendia muito bem.
Era muito difícil ser totalmente imparcial e agir friamente
quando o assunto era estupro.
— Você sabe que farei isso com muito prazer, mas no que é
que você está metido para precisar colocar um estuprador na prisão?
— Explico no caminho. Estou indo agora mesmo acertar um
assunto pessoal com ele, antes que seja entregue à polícia.
Fizeram-se apenas alguns segundos de silêncio. Esse foi o
tempo que Richard precisou para entender o que ia acontecer.
— Vamos juntos — ele disse categoricamente. — Nem pense
em me deixar fora disso.
Um sorriso involuntário curvou os meus lábios ao ouvi-lo.
— Sabia que você não ia gostar de ficar de fora.
— Nem um pouco — ele confirmou com a mesma seriedade.
— Nos encontramos onde?
— Vamos em um carro só. Passarei em sua casa agora.
Desliguei e não perdi mais tempo, ansioso para cumprir aquela
missão.
Cerrei o punho novamente, mas daquela vez foi de raiva. Uma
raiva surda a qualquer apelo de clemência para o homem que tentou
estuprar Ana no parque.
Capítulo 27
Ana
QUANDO FIQUEI SABENDO que íamos juntos ao
aniversário de Meghan Stevens, que não era outra senão a filha do
presidente da S&Stevens, não deixei que o meu nervosismo ficasse
visível para Daniel, mantendo a fisionomia impassível.
Soube da festa durante o almoço na casa dos pais de Jack. Ele
estava muito entusiasmado porque a sobrinha havia sido contratada para
cantar na ocasião, no que ele considerava ser a entrada dela no
exclusivo mundo da alta sociedade, segundo Bia comentou comigo em
segredo.
O grande evento seria restrito para um seleto grupo de pessoas
que faziam parte da nata da sociedade de Nova York. Para uma garota
simples de classe média como eu, sem formação superior, sem fluência
no inglês e que passou os últimos anos vivendo em um minúsculo
apartamento de dois quartos, aquilo era assustador. Na verdade, era algo
tremendamente assustador!
Depois que conheci a imponência da S&Stevens e vi os
funcionários altamente qualificados circulando pelos corredores, senti-
me mais inferiorizada ainda ao bater de frente com o mundo
exageradamente selecionado no qual Daniel vivia. Tudo ao redor dele
exalava eficiência, competência, dinheiro e sucesso. Não fazia ideia
onde eu, a burra bonita da classe, me encaixaria naquele mundo.
A minha grande sorte, mais uma vez, era Bia. Graças a Deus,
ela estaria presente na festa. Se não fosse aquilo, acho que teria sido
covarde o suficiente para dizer a Daniel que preferia não o acompanhar.
Fomos as duas fazer compras e fiquei assustada com o valor
dos vestidos.
— Pelo amor de Deus, você não vai pagar esse absurdo de
dinheiro!
— Claro que vou! Está até mais barato do que o valor que eles
cobram no Brasil. Lá, tudo é importado e pagamos horrores por vestidos
de gala da alta costura como esses. Tudo bem que não estamos à altura
de um Oscar, mas ficaremos muito bem em meio às socialites
novaiorquinas.
Experimentei três vestidos, mas todos ficaram estourando nos
meus seios, que pareciam maiores do que antes.
— Não consigo usar isso! — resmunguei, desgostosa, ao
comprovar como Bia havia ficado perfeita em um modelo feito na
medida para o corpo esguio dela.
— Por quê? O vestido é lindo e você está arrasando nele. —
Ela analisou com atenção o vestido dourado que se colava em mim
como uma segunda pele.
Eu tinha de reconhecer que ele era lindo mesmo, mas o tecido
parecia arranhar a minha pele.
— É muito apertado aqui em cima e está incomodando nos
seios. Marca muito o meu quadril também. Devo ter engordado com a
comida de Carmencita.
Ela apontou o dedo para mim.
— Eu avisei sobre esta mania de doces que você tem. — Bia
jogou um olhar crítico sobre o meu corpo. — Acho que esse vestido só
vai incomodar é o Daniel, porque está simplesmente lindo em você.
Obscenamente lindo, se quer mesmo saber. Vamos levá-lo!
— Bia! — resmunguei com ela. — O meu peito até dói com
ele, poxa!
Ela suspirou, parecendo se encher de paciência, o que me
irritou ainda mais.
— E aqueles?
Bia apontou para mais dois vestidos que separamos para eu
provar.
— Incomodam do mesmo jeito — suspirei, chateada.
— Quer escolher outro? Temos tempo.
Neguei com a cabeça, vencida. O dourado, apesar de ter as
costas nuas e o tecido grudar no corpo como uma segunda pele, era o
mais confortável dos três.
— Esquece! Acho que o problema é comigo e não com eles.
Pode ser esse dourado.
O dourado fez Daniel passar longos minutos olhando para mim
antes de sairmos para a festa. Trajando um elegante smoking, ele não
comentou nada, apenas pegou um estojo sobre a mesa do quarto, que
abriu, tirando de lá um colar que colocou no meu pescoço. Depois,
vieram os brincos e a pulseira.
— Mesmo sem saber o que você ia vestir, resolvi lhe comprar
este conjunto.
Virou-me depois para o espelho na parede e prendi a respiração
quando vi a beleza da peça. Toquei-o e nem queria imaginar o valor das
pedras que estavam ali.
— Mas Dan... são lindos! — Foi a única coisa que consegui
dizer quando vi o efeito do colar no meu busto.
— São lindos mesmo — ele repetiu, mas as mãos desceram
para os meus seios, fechando-se sobre eles com aquela pegada
possessiva.
Acostumada com sua fixação por eles e com aquelas palavras,
já fiquei na expectativa do que ia acontecer a seguir. Apesar de sentir os
seios sensíveis sob o tecido, o prazer da carícia foi maior e um gemido
escapou da minha boca.
Posicionado atrás de mim, Daniel baixou a cabeça e deu um
beijo no meu pescoço, atraindo-me para ele. Uma mão desceu até o meu
ventre e me pressionou de encontro à virilha dele, fazendo-me sentir o
membro começando a endurecer.
— Lindos, Ana! — grunhiu no meu ouvido. — E meus!
Daniel desceu a mão pela minha coxa direita, onde o vestido
tinha uma longa abertura que ia até a barra. Quando percebi, ele já havia
erguido o tecido acima do meu quadril, querendo ver a lingerie que eu
usava. Inspirou fundo quando os olhos encontraram o quase invisível fio
dental cor da pele que a vendedora experiente da loja nos orientou a
comprar para não marcar por baixo do vestido.
Em questão de segundos, o princípio de ereção se transformou
em uma ereção completa.
— Fuck!! Não sou nenhum machista, mas isto é para acabar de
vez com a minha open mind!
A mão dele segurou com firmeza uma de minhas nádegas,
enquanto a outra me curvou sobre a mesa. Surpresa com aquele tesão
todo justamente na hora de sairmos para a festa, olhei-o pelo espelho à
minha frente, vendo o rosto sério observando o meu corpo.
Atrás de mim, Daniel me encarou e mordi o lábio em
expectativa ao ver o desejo cru em seus olhos. Engoli em seco e esperei
para ver o que ele faria a seguir, o meu corpo respondendo de imediato
com um espasmo de excitação que me deixou molhada. Comecei a
respirar pesado, aguardando e desejando que aquilo que eu via em seu
olhar se concretizasse mesmo.
E não me decepcionei.
Daniel levou as mãos à calça do smoking e começou a abri-la.
Escutei o som do preservativo sendo aberto e logo depois ele levantou
mais o vestido para o lado, puxando a minha meia e o fio dental para
baixo, o suficiente para me deixar nua diante dele. De saltos altos, pude
encostar a barriga sobre a madeira da mesa e ficar mais confortável, só
esperando.
Com as duas mãos sobre as minhas nádegas, ele separou
minhas pernas e se posicionou entre elas, mas não entrou em mim.
Encarou-me pelo espelho, a expressão muito séria. Os olhos negros
desceram para os meus seios que a posição inclinada deixava à mostra.
Prendendo o meu olhar, entrou em mim numa lenta penetração
vaginal. Excitada como eu estava, o membro duro deslizou no meu sexo
molhado e iniciou os movimentos que nos levaram rapidamente àquele
ponto maravilhoso do orgasmo.
Por mais que Daniel tivesse uma pegada forte e investisse até
com uma certa dureza dentro de mim, ao mesmo tempo era tão
cuidadoso que me deixava sempre seduzida pela maneira de fazer amor
comigo. Eu nem ousava imaginá-lo assim com outra mulher, porque o
sentia muito meu. Sabia, instintivamente, que qualquer mulher se
apaixonaria perdidamente pela forma única de ele amar.
Com a meia e o fio dental presos às minhas coxas, eu não podia
separar muito mais as pernas para as investidas dele, mas aquilo não nos
impediu de intensificar os movimentos e entrei no ritmo da forma que
pude.
— Dan! — murmurei um pedido que ele entendeu muito bem.
Exultei de prazer ao sentir seu polegar estimular o meu clitóris,
enquanto a outra mão continuava segurando a minha nádega com força.
Era o que bastava para a minha excitação crescer e eu gozar. Sem
resistir a mais nada, deixei o orgasmo vir com a força de sempre.
Segundos depois, o rosnado de prazer de Daniel se fez ouvir na
antessala do nosso quarto, a respiração pesada passando com
dificuldade entre os dentes trincados. Já satisfeita, deixei-o gozar,
adorando aquele momento de descontrole dele comigo.
Olhei pelo espelho e vi a cena mais linda da minha vida. Daniel
de olhos fechados e com o rosto contraído de prazer nos últimos
momentos do orgasmo.
Ele se inclinou sobre mim, pousando um beijo na pele nua das
minhas costas que o vestido deixava à mostra. Colocou o meu cabelo de
lado e deu outro beijo no meu pescoço.
— Machuquei?
Era a pergunta de sempre e não consegui conter um sorriso de
prazer.
— Não.
Ele saiu de dentro de mim e subiu a calça, arrumando-se
novamente. Fui me levantar, mas uma mão em minhas costas me fez
parar.
— Espera.
Daniel colocou um joelho no chão e logo depois senti um beijo
no meu sexo. Um beijo de língua. Rápido, mas intenso.
Inspirei fundo com aquele gesto, mas ele agiu normalmente
quando se levantou, puxando o fio dental e a meia para cima. Virou-me
de frente, ajudando-me a ajeitar o vestido, o olhar analisando se estava
novamente apresentável.
Respirou fundo, olhando-me fixamente.
— Podemos ir agora.
Deu-me um beijo na boca e senti o meu cheiro em sua barba.
— Você está cheirando a sexo — brinquei com ele.
Daniel riu, não parecendo incomodado com aquilo.
— É o melhor cheiro que existe. — Passou a mão na barba e
ficou pensativo. — Mas não vou levar o cheiro da minha mulher para
outros homens sentirem. Vou lavar o rosto.
Dizendo aquilo, foi para o banheiro, de onde ouvi o som da
torneira aberta.
Mordi o lábio, feliz e satisfeita, rezando para Deus permitir que
ficássemos juntos para sempre. Se as princesas dos contos de fada
podiam ser felizes para sempre com os príncipes delas, eu também
queria ser com o Daniel.
Olhei-me no espelho, arrumando-me melhor e pensando que,
enfim, tinha valido a pena comprar o vestido dourado.
Capítulo 28
Ana
SEGUREI A MÃO de Daniel para descer do Escalade quando
chegamos na mansão da família Stevens. O manobrista aguardava
educadamente para levar o carro, acompanhando com discrição a nossa
chegada à festa.
Parada em frente à suntuosa entrada da mansão, percebi que
nem em sonhos imaginaria que fosse encontrar tanta ostentação de
riqueza. A casa de Daniel era uma mansão grandiosa e que
impressionava à primeira vista, mas aquilo ali era quase um palácio e
não uma mansão.
— Dan! — sussurrei nervosamente, sem conseguir esconder a
ansiedade.
Mesmo que tentasse disfarçar, acho que não seria muito
convincente, porque estava apertando a mão dele com demasiada força.
— Relaxe. Vai correr tudo bem — ele falou com segurança, a
mão pousada com firmeza na minha cintura e me mantendo perto dele.
— Não sairei do seu lado, nem pretendo demorar muito na festa. Já
disse que estou cumprindo uma obrigação social e nada mais.
Nós dois havíamos conversado sobre a festa no mesmo dia que
voltamos da casa dos pais de Jack.
— Eu ainda ia conversar com você sobre a festa. — Daniel
disse na ocasião. — Só não contava que a Terri fosse contratada e que o
Jack tocaria no assunto hoje. Peço desculpas por ter sido pega de
surpresa com esta notícia.
— Tudo bem. — Tentei aparentar tranquilidade quando expus
os meus receios. — Apenas não consigo me ver em uma festa com
americanos quando não falo inglês.
Ele acariciou a minha mão enquanto dirigia de volta para o
hotel.
— Muitos falam o espanhol e até o português, porque nossa
filial do Brasil é muito representativa e é sempre bom conhecer o
idioma dos mercados onde estamos. A Victoria também sempre convida
nossos diretores e alguns acionistas para suas festas, pois no fundo tudo
é motivo para tratar de negócios. São pessoas acostumadas ao bom trato
social e não creio que haverá algum problema, ainda mais porque estarei
ao seu lado.
Eu esperava que sim, mas era bom saber que Bia também
estaria comigo.
— Não vão chamar você para conversar sobre negócios?
— Talvez. — O tom de voz dele foi enigmático. — Mas
saberei contornar bem a situação.
Aquilo pareceu o suficiente para me acalmar na ocasião, mas
agora que o grande momento havia chegado, eu já não me sentia tão
calma assim.

A primeira pessoa que encontramos foi o próprio doutor


Stevens, que me surpreendeu pela gentileza e simpatia. Era um homem
bonito e elegante, com um carisma impressionante.
Cumprimentou Daniel com um abraço caloroso, depois falou
algo em inglês que não entendi, olhando para mim.
— Esta é Ana Cabral, a minha namorada. É brasileira e veio
conhecer Nova York a meu pedido — Daniel falou em português,
olhando para mim com um sorriso tranquilo no rosto. — Ana, este é o
doutor Scott Stevens, o meu presidente.
Com um olhar de admiração, o doutor Stevens sorriu.
— Muito prazer, Ana — falou em um português quase sem
sotaque, mostrando familiaridade com a minha língua. — Espero que
esteja gostando da nossa cidade. Nova York assusta, mas também
encanta.
— Muito prazer, doutor Stevens. Estou gostando muito, apesar
do pouco tempo que estou aqui.
Ele olhou para Daniel com malícia.
— Espero que este rapaz mostre os pontos turísticos para você
e não apenas a Wall Street.
— Por acaso, foi a primeira coisa que lhe mostrei — Daniel
comentou com bom humor e acabamos os três rindo com a perspicácia
do doutor Stevens.
— Eu sabia! Comportamento típico de um workaholic
assumido. — Virou-se para mim. — Force-o a aproveitar as férias que
lhe dei e peça para passear pela cidade.
— Farei isso — respondi com um sorriso, sentindo-me à
vontade com ele.
— Vamos entrar e aproveitar a festa antes que os chineses
caiam em cima de nós, meu caro Daniel — ele falou com uma boa dose
de ironia, fazendo ambos rirem. — Amanhã já temos reunião com eles e
isso basta.
Dono de uma educação e gentileza cativantes, o doutor Stevens
saiu nos conduzindo pela casa, parando eventualmente para
cumprimentar alguém, para nos apresentar a algum outro convidado ou
simplesmente para comentar algo. Notei que ele tinha um carinho
especial por Daniel, tratando-o de uma maneira que o destacava dos
demais presentes.
Chegamos até um grande salão de baile, onde uma banda de
música animava a festa. Um lado inteiro tinha paredes de vidro, que
deixavam ver um enorme pátio com jardins bem cuidados. Ao longe,
uma piscina convidativa refletia o brilho das luzes estrategicamente
espalhadas ao redor.
Era mesmo uma mansão de sonho e fiquei imaginando como
seria morar em um lugar daquele.
Monótono, talvez? Brinquei comigo mesma.
Ouvindo a música, lembrei que em breve a Terri faria sua
apresentação e já contava encontrar Bia por ali, que tinha vindo mais
cedo com o Jack e a Ashley.
Mal pisamos no salão, uma garota loura, bonita e de olhos
azuis se aproximou, agarrando o braço do doutor Stevens e olhando para
Daniel com um sorriso. Usava um vestido preto com um profundo
decote em “V” que valorizava os seios fartos, mas que não escondia as
curvas amplas. Parecia muito uma modelo plus size, com o rosto de
feições delicadas, mas um corpo ligeiramente rechonchudo.
Ela falou em inglês e ambos se cumprimentaram, até que
Daniel se virou para mim e fez as apresentações em português, da
mesma maneira que havia feito com o doutor Stevens.
Meghan me olhou com curiosidade, os olhos com um brilho
estranhamente peculiar que não consegui identificar. Senti uma simpatia
imediata por ela, que, por sua vez, abriu um sorriso caloroso para mim.
Cumprimentamo-nos com dois beijinhos no rosto e lhe desejei
feliz aniversário em inglês, como Bia me ensinou.
— Obrigada, Ana! E seja bem-vinda à Nova York. Espero que
goste da nossa cidade — falou em um português sem sotaque algum, o
que me surpreendeu demais. — Eu particularmente adoro o Brasil e
peço sempre para passarmos nossas férias lá, mas a minha mãe insiste
em irmos para a Europa.
Acho que deixei a minha surpresa transparecer no rosto, porque
o sorriso dela se alargou.
— Falo bem o português porque contribuo com uma ONG que
trabalha com crianças carentes das favelas do Rio de Janeiro — ela
esclareceu com naturalidade, fazendo o pai rir.
— Ela está mentindo, Ana — ele disse, piscando um olho para
mim. — Esta mocinha aqui só sossega quando me convence a deixá-la
trabalhar diretamente com eles. Isso de só contribuir é para enganar a
mãe.
Meghan deu um beliscão nele e olhou para os lados, como se
quisesse confirmar que a mãe não estava por perto.
— Pai! — repreendeu-o, olhando para nós dois com
cumplicidade.
— Não se preocupe, porque a Victoria não ouviu. Está vindo
agora para cá. — O doutor Stevens tranquilizou a filha, indicando com
discrição a mulher loura e elegante que se aproximava.
Daniel deslizou a mão por minha cintura e me atraiu
ligeiramente. Foi um gesto aparentemente casual, mas quando o olhei,
curiosa, vi o semblante antes relaxado ficar sério de repente. Na
verdade, o clima entre nós quatro mudou drasticamente com a
aproximação dela.
Interessada, observei-a com curiosidade à medida que andava
em nossa direção. Tinha uma expressão altiva no rosto de traços
clássicos, um olhar firme e uma postura extremamente arrogante, típica
de quem se achava superior aos outros. Victoria Stevens era uma mulher
que ostentava poder e riqueza de maneira gritante.
Respirei fundo, incomodada com o arrepio estranho que senti
ao vê-la. Algo na atitude dela me deixou inquieta e rapidamente
descobri o que era. Recuei de encontro a Daniel, porque, à minha frente,
estava uma cópia da mulher que mais me menosprezou na vida. A
minha própria mãe!
Loura, alta, esguia, com um rosto de traços marcantemente
fortes e emitindo autoconfiança a cada passo que dava, em uma postura
de dona do mundo, esta era a senhora Victoria Stevens. Lá estavam as
mesmas características da minha mãe, só que no grau máximo,
elevadíssimo. Uma mulher egoísta, arrogante e manipuladora, que não
admitia ter uma filha que não fosse perfeita e à altura dela.
Olhei disfarçadamente para Meghan, que já não ria como antes
e mantinha no rosto uma expressão neutra. Pensei se estava diante de
uma garota que também sofria o drama de se sentir incapaz de alcançar
as altas expectativas que a mãe havia traçado para ela.
Mal chegou ao nosso lado, a poderosa Victoria Stevens
começou a falar em inglês com Daniel, usando uma entonação profunda
e, até certo ponto, sensual. Sem dúvida que ela sabia usar o charme que
tinha para conseguir o que queria, principalmente dos homens. Mesmo
sem entender tudo o que dizia, percebi que o cumprimentava
efusivamente e falava do aniversário da filha, uma vez que pegou
Meghan pela mão e trouxe-a para perto dele.
Em nenhum momento a senhora Stevens olhou para mim,
tratando-me como se eu fosse invisível.
Daniel permaneceu calado, até lançar um olhar para o doutor
Stevens, que acompanhava tudo com o semblante carregado. De forma
educada, mas muito séria, Daniel falou pela primeira vez desde que ela
chegou. E não foi em inglês, mas em português.
— É um prazer estar na festa de Meghan. Eu e Ana
agradecemos o convite. — Então, ele olhou para mim, acariciando
discretamente as minhas costas nuas com o polegar em um gesto de
conforto. — Victoria, esta é Ana Elizabeth Cabral, a minha namorada.
Veio do Brasil a meu pedido para conhecer a cidade. Como está há
pouco tempo em Nova York, ainda não fala o inglês. Ana, esta é a
senhora Victoria Stevens.
Cumprimentei-a educadamente, mas senti a maneira seca como
retribuiu, com um sorriso social nos lábios e frieza no olhar. O meu
instinto de proteção me fez agir com ela igualzinho como agia com a
minha mãe. Ignorei completamente sua rejeição, sustentando-lhe o olhar
com desafio.
Uma leve expressão de surpresa surgiu no rosto dela, antes de
desaparecer completamente atrás de um grande sorriso endereçado a
todos.
— Ora, que sorte a sua, já que todos nós falamos o português,
Ana — ela comentou com aparente satisfação, jogando um olhar
inocente para Daniel. — Principalmente você, Daniel. Já pensou se não
entendesse uma única palavra do que ela diz?
Ele deu um meio sorriso tranquilo, olhando-me com
cumplicidade.
— Acho que o amor dispensa palavras. Algo me diz que a
entenderia mesmo assim.
Por aquela resposta eu não esperava e fiquei sem ar quando o
ouvi. Lá estava a veia romântica de Daniel. A cada dia que passávamos
juntos, descobria que ela era maior do que eu pensava a princípio.
O doutor Stevens soltou uma risada.
— Acho que o meu homem de ferro se apaixonou — ele
comentou com bom humor, fazendo ambos rirem no que percebi ser
uma brincadeira entre eles dois.
Fiquei com a sensação de que o doutor Stevens o via como um
filho a quem confiaria a sucessão da sua empresa. Só naquele momento
entendi o porquê da excessiva dedicação de Daniel àquela corporação.
Havia um laço muito forte entre ambos que não era apenas profissional.
— Agora, vamos deixar vocês dois à vontade na festa. — O
doutor Stevens segurou o braço da esposa e da filha. — Aproveite antes
que os chineses cheguem, Daniel.
Capítulo 29
Ana
CERCA DE MEIA hora depois, já nem lembrava mais a
quantas pessoas fui apresentada por Daniel. A sensação que eu tinha era
de que ele conhecia todos os convidados da festa.
— Você conhece todo mundo ou é impressão minha?
Ele riu com meu tom chocado.
— Quem eu não conheço, me conhece. Então, posso dizer que
conheço todo mundo, ainda que forçadamente — comentou com
diversão.
Passou o braço por minha cintura, levando-me para o meio do
salão onde vários casais dançavam ao som da música de Terri, que já
havia começado a cantar. O ambiente à meia-luz era romântico e
proporcionava o clima ideal para a música lenta.
— Chega de apresentações — ele disse, abraçando-me e
começando a dançar. — Quero aproveitar a festa com você.
A Terri possuía uma voz magnífica e estava cantando uma
música que eu conhecia. Tinha certeza de que a versão original era
cantada por um homem, só não conseguia me lembrar do nome dele.
A minha capacidade de memorização é mesmo vergonhosa!
Cansada de tentar lembrar qual era o cantor, encostei a cabeça
no ombro de Daniel e aproveitei o prazer de simplesmente dançar com
ele. Era algo que ainda não havíamos feito juntos e fechei os olhos,
sentindo o corpo grande e forte envolver o meu. A mão quente
acariciava discretamente as minhas costas nuas, fazendo-me relaxar nos
braços dele.
Ficamos assim, dançando lentamente, até que Daniel começou
a cantar no meu ouvido quando chegou uma determinada parte do refrão
da música. Fiquei tão surpresa com aquilo que, por um momento, não
consegui fazer outra coisa além de ficar parada, só ouvindo. Mesmo
sendo em inglês, parecia ter um significado especial e permaneci quieta,
com medo que ele parasse de cantar caso eu me mexesse.
Daniel se calou depois e continuou apenas dançando. Porém,
quando o refrão tocou novamente, apertou-me mais nos braços e repetiu
a letra, deixando-me fascinada com o som grave de sua voz.
— Porque tudo de mim, ama tudo em você — ele disse de
repente em português, fazendo-me errar o passo da dança. — Amo suas
curvas e todos os seus limites. Todas as suas perfeitas imperfeições.
Daquela vez o meu coração disparou no peito e não consegui
ficar apenas ouvindo. Afastei-me do peito dele e ergui o rosto, dando
com o olhar sério preso em mim.
— Dê tudo de você para mim e eu te darei o meu tudo. —
Daniel continuou traduzindo a música, o rosto forte envolto nas sombras
do salão. — Você é o meu fim e o meu começo. Mesmo quando perco,
estou ganhando.
Depois ele se calou e sustentou o meu olhar por um longo
tempo, antes de se inclinar e me beijar em pleno salão.
Foi um beijo rápido, mas profundo, dentro do que era
socialmente aceitável para a festa. Quando se afastou, continuava com o
olhar sério, mas deu um sorriso enigmático logo depois.
— A música se chama All of Me — explicou, acariciando
distraidamente a minha cintura. — Significa Tudo de Mim e quem canta
é o John Legend.
Fiquei pasma com tudo aquilo e demorei a reagir. Apesar do
jeito sério e controlado de workaholic, Daniel me surpreendia cada vez
mais com atitudes inegavelmente românticas. Nunca o imaginaria capaz
de cantar aquela música para mim!
Oh, sim! Mas ele cantou para mim!
Ergui-me na ponta dos pés e dei um beijo no queixo dele,
sentindo a barba macia nos lábios. Trocamos um olhar apaixonado e
sorrimos, ficando por alguns instantes em nosso mundo particular.
Ainda dançamos outra música, até ele se afastar.
— Está na hora de procurarmos a Bia.
Eu já nem me lembrava mais dela e me senti culpada por ter
me esquecido completamente da minha amiga.
Deixei que Daniel me levasse para fora do salão de dança e
passamos a circular pelos outros locais da festa. Saí olhando ao redor,
procurando por Bia entre tanta gente.
— Acho melhor ligarmos para ela — disse-lhe, mas de súbito
um homem alto surgiu ao lado de Daniel, falando em português.
— E aí, Daniel?
Ambos trocaram um caloroso aperto de mãos e engoli em seco
ao ver Richard, usando um smoking tradicional que o deixava muito
elegante e bonito.
Ele se virou para mim com a expressão séria, mas,
surpreendentemente, tinha um olhar sincero quando me cumprimentou.
Sem ironia, desprezo ou superioridade.
— Boa noite, Ana. Como está?
Vacilei apenas um segundo antes de responder, demorando a
acreditar naquela mudança de atitude.
— Boa noite. Estou bem, obrigada.
Ele olhou para Daniel, continuando a falar em português.
— Chegaram há muito tempo? Tenho a sensação de que já
circulei na festa inteira e não os vi antes.
— Há pouco mais de uma hora. — Daniel ergueu uma
sobrancelha, olhando ao redor. — Está sozinho?
O sorriso de Richard foi gozador.
— Estou e me sinto muito bem assim, por isso pode parar de
procurar mulher atrás de mim.
Vê-los juntos impressionava qualquer mulher e fiquei tentando
imaginar ambos nas festas que frequentaram no passado, quando Daniel
ainda não estava comigo.
Ana, é melhor não pensar nisso!
Observando o Richard agora, naquele ambiente social e sem
estar sendo atacada com acusações por todos os lados, foi que notei o
quanto era bonito. Não era um homem para estar sozinho em uma festa
e claro que me lembrei logo de Bia. Fiquei pensando como teria sido se
ela tivesse vindo à Nova York para conhecer o Richard, em vez do
esquisito Jack Spencer.
Não sei se foi o meu pensamento que os atraiu ou não, mas
quando olhei casualmente para o lado, vi o Jack alguns metros adiante,
olhando fixamente para mim. Uma sensação desagradável percorreu o
meu corpo, até ver Bia caminhando atrás dele. Ela abriu um sorrisão
quando me viu e imediatamente veio em minha direção.
O que aconteceu a seguir ficou marcado na minha mente como
se fosse um filme cortado em pedaços. Acompanhei o desenrolar de
tudo meio desnorteada, com a sensação de que as cenas se sucederam
em câmera lenta.
Bia se aproximando com Jack colado nela.
Richard de costas conversando tranquilamente com Daniel.
Jack me encarando fixamente atrás de Bia.
Daniel olhando para mim e depois para eles dois, quando
sentiu meu aperto na mão dele.
Richard girando o corpo para ver o que chamou a nossa
atenção.
Daniel encarando Jack com o semblante carregado.
A cara de choque de Bia quando viu o Richard.
A surpresa de Richard quando viu a Bia.
A forma abrupta como Bia parou, pálida, fazendo Jack se
chocar contra ela.
A rigidez de Richard quando Jack a enlaçou pela cintura.
Tudo aquilo aconteceu em questão de segundos, mas tive a
sensação de que o tempo havia parado, como se estivéssemos brincando
de estátua.
Criou-se uma tensão entre nós quatro, com a cena dramática da
casa de Daniel voltando com força total à nossa mente. Impossível
esquecer de Bia dando aquela bofetada em Richard depois de se sentir
ofendida com as palavras dele e de Richard com o orgulho ferido por ter
sido trocado por outro homem.
Outro homem que ele acabava de conhecer agora. Jack
Spencer.
Capítulo 30
Ana
FICAMOS MOMENTANEAMENTE PARADOS, até que o
próprio Jack quebrou o silêncio ao nos cumprimentar, desconhecendo
totalmente o drama que envolvia Richard e Bia.
— Que bom encontrar os dois. Terei de deixar Beatriz com
vocês, pois preciso tratar de alguns negócios.
Sem disfarçar a curiosidade, ele se virou depois para Richard,
mantendo no rosto aquele eterno sorriso social que já me irritava
profundamente. Sem dúvida alguma que esperava ser apresentado e a
boa educação forçou Daniel a fazer aquilo.
— Jack, este é Richard O’Connell. — Apresentou-os em
português, lançando um olhar de advertência para o amigo antes de
continuar. — Richard, este é Jack Spencer, empresário e tio de Terri
Spencer, que está cantando hoje na festa.
Notei o olhar de surpresa de Jack ao ver que Daniel falou em
português com Richard. Contudo, sendo o rei do traquejo social, ele
disfarçou rápido, estendendo-lhe a mão em um cumprimento.
Pela expressão fechada e postura rígida de Richard, pensei que
ele fosse ignorar a mão estendida. Porém, depois do que pareceram
segundos de grande tensão, apertou-a firmemente.
— É um prazer conhecê-lo — disse em tom formal, olhando
significativamente para Bia.
Alheio ao que se passava, Jack assumiu o lado social e puxou
uma Bia emudecida para apresentá-la.
— Esta é Beatriz Miranda, a minha namorada e futura noiva.
— Sorriu, enlaçando-a pela cintura.
Futura noiva?!
Quase gemi alto quando ouvi aquilo, perguntando-me de onde
ele tirou aquele noivado.
Daniel me fez recuar para trás, adiantando-se e ficando
casualmente ao lado do amigo.
— Já nos conhecemos. — Foi a resposta lacônica de Richard.
Jack olhou para Bia, fazendo-a reagir pela primeira vez desde
que chegaram.
— Sim, é verdade. Já fomos apresentados. — Ela olhou para
Richard com um sorriso fraco no rosto tenso. — Olá, Richard. Boa
noite.
A resposta dele foi um leve gesto de cumprimento com a
cabeça, mas sem deixar de encarar o Jack.
— Mas que coincidência, querida — Jack comentou, dando-lhe
um rápido beijo na testa. — Não sabia que tinha outros conhecidos em
Nova York.
Daniel se adiantou na resposta, poupando Bia de qualquer
explicação.
— Além de um grande amigo de longa data, Richard também é
o meu advogado e esteve em minha casa quando Bia foi nos visitar. Eu
os apresentei.
Sem ter o que dizer com relação àquilo, Jack simplesmente
sorriu. Foi quando resolvi intervir para desviar a atenção de todos.
— Estão gostando da festa? Confesso que estou ansiosa para
ouvir a Terri cantar novamente todas aquelas músicas lindas que
ouvimos no show.
Quase deu para escutar o suspiro de alívio de Bia, que sorriu
para mim com um brilho de gratidão nos olhos castanhos.
— Eu estou adorando e sei que a Terri está encantada com a
oportunidade de cantar para os convidados da família Stevens. Não é
Jack?
Ele assumiu imediatamente o papel de empresário da sobrinha
e saiu enaltecendo o talento dela.
A conversa fluiu sobre aquele assunto, enquanto eu observava
Richard beber calado seu whisky, atento à conversa de Jack, mas sem
olhar para Bia nem uma única vez.
Daniel assumiu a conversa com Jack, mantendo-se ao lado do
amigo e controlando a situação.
Bia me puxou discretamente para trás.
— Pelo amor de Deus, quero sair desse filme! — sussurrou,
angustiada. — Mas o que ele faz aqui?
— O mesmo que nós, claro! Só que está diferente, porque me
tratou superbem desde que chegou.
— Ele não ousaria atacar você novamente na frente de Daniel.
Eu concordava com ela, mas sentia que tinha mais ali.
— Mesmo assim ele está diferente. É o que sinto.
— O que sinto agora é uma vontade enorme de sair dessa festa.
Eu pretendia nunca mais ver o James, pior ainda com Jack ao lado.
— Tem calma. — Baixei ainda mais a voz quando comentei.
— Estou chocada demais é com este seu noivado.
— Se você está, imagine então eu, que sou a suposta noiva que
não sabia de nada.
— Não sabia?
Jack era mesmo esquisito!
— Não, amiga. Acho que ele surtou de alguma forma quando
viu o James. Só pode ser. — Suspirou, apertando o meu braço com
nervosismo.
— Mas ele já o conhecia do site?
— Impossível! Nunca falei dele para ninguém.
Isso era verdade, já que até de mim ela escondeu a existência
de Richard. Ou James!
Oh, meu Deus, que confusão!
— Vou conversar com Jack sobre isso depois — Bia falou,
olhando ao redor com desgosto. — A única coisa que quero agora é
desaparecer dessa festa. Ou eu ou o James aqui dentro!
— Vamos manter a calma que vai ficar tudo bem. Na primeira
oportunidade que surgir, tenho certeza de que ele vai arranjar uma
desculpa para se afastar.
Mas me enganei redondamente, porque Richard não foi
embora. Fiquei com a impressão de que analisava o homem que lhe
roubou a namorada virtual. Bateu a dúvida se era para tentar descobrir o
que Bia viu nele ou se, como eu, sentia algo estranho em Jack Spencer.
Quando pensei que a situação não poderia ficar pior, o celular
de Jack tocou, fazendo-o pedir licença e se afastar para atender.
Ficamos os quatro sozinhos e só então vi o Richard olhar
diretamente para Bia. Ela sustentou o olhar penetrante dele o quanto
pôde, mas depois o desviou e foi para o lado de Jack, ignorando-o.
— Vou atrás de outra dose — Richard falou sombriamente,
mostrando o copo vazio de whisky.
Deu meia volta e desapareceu entre os convidados.
Daniel suspirou, trazendo-me para perto e dando um beijo em
minha testa. Fechei os olhos e relaxei contra ele.
A mão cheia de calor deslizou pelas minhas costas nuas,
pressionando-me ligeiramente contra o próprio corpo. Ali não era o
local nem a hora para sentir desejo, mas não pude evitar o prazer de
estar nos braços dele. A pegada de Daniel tinha um efeito devastador
em mim e percebi que ele também estava afetado, pelo aperto dos dedos
em minha pele.
Mesmo sendo um abraço simples e aceitável para o ambiente
em que estávamos, ainda assim não tinha como evitar as lembranças do
que havia acontecido em casa antes de sairmos para a festa.
Ergui o rosto e o encarei, encontrando o olhar ardente fixo em
mim.
— Parece que a festa está ficando quente — sussurrei,
aparentando inocência.
Um leve sorriso malicioso curvou os lábios dele.
— Sim, muito quente. Acho até que vai pegar fogo.
Segurei o riso, tentando ficar séria.
— Sorte que o clima da sua cidade está bem frio. Ajuda a não
alastrar o fogo.
Ele negou com a cabeça.
— Triste engano este seu — lamentou com fingida tristeza. —
Frio demais aumenta a necessidade de calor e é fácil explodir à menor
provocação.
— Que tipo de provocação? — instiguei-o.
— Este vestido, por exemplo. — A mão quente deslizou
discretamente por minha pele exposta. — Não sei onde eu estava com a
cabeça quando aceitei que viesse com ele.
— Tem mulheres aqui com roupas mais provocantes do que a
minha.
Eu não estava mentindo, pois vi mais seios à mostra naquela
festa do que nos meus vinte e três anos de vida. As americanas
abusavam dos decotes ousados. Como quase todas tinham seios
grandes, era provocação suficiente para os homens.
— O que tem de ser naturalmente provocante é a mulher e não
a roupa que ela veste. — Foi a resposta enigmática que me deu.
Não consegui dizer nada, uma vez que o Jack voltou,
arrastando Bia com ele.
Ela olhou ao redor e depois me encarou com uma pergunta
muda sobre o Richard. Não deu para responder, mas, para mim, estava
óbvio que ele havia ido embora e provavelmente não voltaria.
— Preciso ficar com a Ashley e a Terri, por isso Bia ficará com
vocês — ele disse logo, parecendo apressado.
Deu um beijo rápido nela, despediu-se e partiu.
— Pelo menos temos a música de Terri para fazer valer a festa
— ela comentou sem pensar, olhando depois com expressão
constrangida para Daniel. — Sinto muito pelo que disse! Não quis
ofender a família Stevens.
— Sem problema. Entendo que a situação seja desgastante para
vocês dois — tranquilizou-a, mas sem deixar de incluir o amigo,
fazendo questão de lembrar que também não deveria estar sendo fácil
para Richard.
Fomos para a nossa mesa, onde Bia se sentou pesadamente.
Daniel fez sinal a um garçom e pediu três bebidas. Em menos de um
minuto já tínhamos nossos copos à mão e vi a minha amiga
praticamente virar o dela de uma vez.
Dei um suave aperto na perna de Bia por baixo da mesa,
pedindo-lhe calma. Daniel não comentou nada, apenas sorveu um gole
do whisky olhando para mim. Encarei-o e ergui as sobrancelhas, como
quem diz que não havia o que fazer.
Ele passou o braço sobre o encosto da minha cadeira e se
inclinou para dar um rápido beijo no meu rosto.
— Só espero que ele esteja melhor do que ela. — Foi seu
comentário em meu ouvido, baixo o suficiente para ela não ouvir.
Ele estava preocupado com o amigo e eu entendia
perfeitamente. O sentido de lealdade de Daniel era muito grande e eu
sabia que ele já teria ido atrás de Richard se não fosse por minha causa.
— Não quer ir procurá-lo? Ficarei bem com Bia e prometo que
não sairemos daqui.
Sentia-me mal por prendê-lo ao meu lado como se fosse
incapaz de cuidar de mim mesma. Já não me sentia tão insegura na
festa, principalmente depois de circular com ele entre os convidados e
ser tão bem recebida.
O olhar de Daniel prendeu o meu com firmeza e já soube da
resposta antes mesmo que ele falasse.
— Richard é forte e aguenta bem isso. — Rejeitou a ideia na
hora, pegando o celular. — Verei se me atende.
Segurei-lhe a mão sobre o celular.
— Você aguentaria?
Ele inspirou fundo e ficou tenso, caindo para trás no espaldar
da cadeira.
— Não brinque com coisa séria. — Prendeu a minha mão com
força, o olhar tempestuoso cravado em mim.
Beijei seus lábios apertados de tensão e olhei-o com carinho.
— Então, entende que ele pode precisar de um amigo agora,
ainda mais que veio sozinho à festa. Por favor, vá procurá-lo. — Depois
falei em tom de brincadeira. — Também não corro perigo algum dentro
da mansão dos Stevens, concorda?
Ele respirou fundo antes de fazer a ligação.
Virei-me para Bia, disposta a distraí-la. Perguntei como a Terri
estava se sentindo com a apresentação, assim deixava Daniel à vontade
para falar com Richard.
Ele se levantou, afastando-se da mesa e conversando com o
amigo um pouco atrás de nós. Quando terminou, debruçou-se sobre a
minha cadeira com as mãos nos meus ombros. Porém, foi com Bia que
ele falou.
— Preciso tratar de um assunto rápido de negócios. Gostaria de
contar com você para ficar ao lado de Ana.
Ela o olhou com um sorriso cansado.
— Não tenho pretensão nenhuma de sair desta mesa até a hora
de irmos embora, por isso vá tranquilo.
As mãos de Daniel pressionaram os meus ombros e logo depois
ele deu um beijo no meu cabelo. Trocamos um olhar de entendimento.
— Deixe o celular perto e ligue se precisar de mim.
Capítulo 31
Ana
ESTÁVAMOS RINDO DO vestido bizarro de uma
convidada, quando fomos interrompidas por ninguém menos do que a
anfitriã da festa, a senhora Victoria Stevens.
— Ana, querida! Gostaria de lhe apresentar um convidado.
A minha surpresa foi colossal quando ouvi a voz dela às
minhas costas, pois jamais imaginaria que a poderosa esposa do doutor
Stevens se dignasse a voltar a falar comigo, ainda mais eu estando
sozinha. Afinal, era o Daniel que ela conhecia há anos e não eu.
Bia e eu nos levantamos de imediato. Notei que a minha amiga
também parecia estar em choque ao perceber quem havia nos
interrompido. Contudo, nada se comparou ao susto que levei quando dei
de cara com o homem alto que acompanhava a anfitriã da festa.
— Este é o Arthur Montenegro, sobrinho de uma antiga amiga
que tenho no Rio de Janeiro. Lembrei-me imediatamente de você,
afinal, são conterrâneos. Achei que teriam muito o que conversar no
próprio idioma — ela falou com um português cheio de sotaque.
Fiquei sem ação por alguns segundos, olhando o homem que
me ofereceu ajuda quando estive perdida no show da Terri. Com aquela
barba e o rosto forte, além de ser alto, sofisticado e estar muito elegante
em um smoking feito à medida, parecia quase um irmão gêmeo de
Daniel.
Os olhos dele pareciam sorrir com divertimento ao me
encararem. O homem sabia que eu estava chocada ao reconhecê-lo.
A senhora Stevens se dirigiu a ele, fazendo as apresentações.
— Esta é a Ana Elizabeth. Como falei, ela está há poucos dias
em Nova York.
Em vez de um aperto de mãos, ele me cumprimentou com dois
íntimos beijinhos no rosto, algo que nenhum outro homem fez comigo
enquanto estive na festa ao lado de Daniel.
— Muito prazer, Ana — falou com uma entonação de voz
grave. — Fico feliz em conhecer uma brasileira no aniversário de
Meghan.
Os olhos de Arthur brilharam ao fingir que não me conhecia,
ao mesmo tempo que me desafiavam a admitir que já nos tínhamos visto
antes da festa.
— O prazer é meu — respondi automaticamente, até perceber
que a senhora Stevens olhava curiosamente para Bia.
Lembrando-me da boa educação, forcei-me a sair do meu
estado de choque e fiz imediatamente as apresentações.
— Esta é Beatriz Miranda, uma amiga do Brasil que veio de
férias comigo.
Feitas as apresentações, fiquei pensando que assunto teria para
conversar com Arthur Montenegro e Victoria Stevens, duas pessoas que
me deixavam incomodada. Ela, por ser a cópia fiel da minha mãe. Ele,
por me sentir constrangida ao lembrar que me neguei a cumprimentá-lo
quando se ofereceu para me ajudar. E tudo indicava que as minhas
desconfianças com relação ao homem foram infundadas.
O que eu ia perguntar? “Está há muito tempo em Nova York?”
Fui salva por Bia e quase ri quando ela fez a pergunta em meu
lugar.
— Está há muito tempo em Nova York?
— Conheço a cidade há muitos anos, desde que vim pela
primeira vez aqui a trabalho.
— Também conheço há um bom tempo — ela disse com
simpatia, olhando para mim. — Mas, desta vez, arrastei a Ana comigo
na viagem.
— De onde são? — ele perguntou com naturalidade.
— De Fortaleza. Você é mesmo carioca?
Arthur olhou significativamente para mim.
— Sou um paulista morando em Nova York — repetiu a
mesma frase com que se apresentou para mim dias antes.
— Arthur é o único brasileiro na festa e por isso não hesitei em
apresentá-lo — a senhora Stevens comentou muito satisfeita, com
aquele sorriso que nunca chegava aos olhos frios.
Será que apenas eu via quem ela era? Não conseguia relaxar na
presença daquela mulher e, talvez por isso, também não consegui baixar
a guarda com o Arthur. Se tivesse sido o doutor Stevens a apresentá-lo,
eu me sentiria mais confiante.
— Agradeço muito por isso, senhora Stevens — disse-lhe com
um sorriso educado. — É sempre bom conhecer alguém da nossa terra
quando estamos além de nossas fronteiras.
Não pretendia dar motivos para ninguém dizer que eu não sabia
as regras da boa educação. Se era para ser falsa, eu seria. Infelizmente,
viver em sociedade nos obrigava àquilo.
— Vou deixar vocês três à vontade para conversar enquanto
dou atenção aos meus outros convidados. Aproveitem a festa! —
despediu-se e foi embora com seu ar de rainha.
Fiquei pensando por que, em momento algum, ela perguntou
pelo Daniel.
— Podemos nos sentar? — Arthur perguntou educadamente,
indicando a nossa mesa.
Eu quase disse que não, mas a merda da boa educação travou a
minha resposta.
— Claro.
Fomos para as nossas cadeiras, com Arthur se sentando no
lugar de Daniel ao meu lado. Olhei para Bia e senti que ela percebeu a
situação, porque pigarreou em sinal de entendimento.
Não tinha lógica nenhuma avisá-lo de que a cadeira estava
ocupada pelo meu namorado, muito menos me levantar para sentar em
outra, por isso ficamos caladas.
— São amigas há muito tempo?
Por que ele não perguntava se estávamos sozinhas na festa?
Afinal, devia ser muito estranho duas mulheres desacompanhadas ali.
Dei um leve aperto na perna de Bia, alertando-a quanto às
respostas.
— Desde a escola — menti descaradamente.
Ele deu um sorriso charmoso, lançando um olhar profundo para
mim.
— Então, faz pouco tempo. Vocês parecem duas adolescentes
que mal terminaram a escola.
Ficamos momentaneamente sem ação com aquele galanteio
sobre a nossa idade, mas depois caímos na risada olhando uma para a
outra.
— Quase isso — Bia concordou, entrando na brincadeira.
Foi difícil controlar o riso, mas quando me virei novamente
para ele e percebi a maneira intensa com que me olhava, parei no ato.
Oh, oh! Tem algo aí.
Bia, que não era nada boba, também sentiu o clima, porque me
cutucou com o bico do sapato por baixo da mesa. Para piorar, o Arthur
girou o corpo e se sentou de lado, olhando-me de frente.
Displicentemente, ainda colocou um braço sobre a mesa e o outro no
encosto da minha cadeira.
Senti o meu espaço invadido e recuei discretamente para perto
de Bia.
— Daniel está demorando, não é, Ana? — ela comentou,
olhando com naturalidade ao nosso redor. — Daqui a pouco a Terri vai
começar a cantar e ele não vai estar aqui. Assim que ela entrar no palco,
o Jack deve vir ter com a gente.
Não podíamos ser mais diretas do que aquilo. Arthur deu um
sorriso, os olhos brilhando com perspicácia ao perceber a manobra. Era
o mesmo sorriso que deu quando nos encontramos pela primeira vez e
ele deduziu que “alguém” estava vindo em meu socorro.
— Tem algum problema que eu fique com vocês até eles
chegarem? Pelo menos não ficarão sozinhas.
Até que não teria, se você se afastasse de mim só mais um
pouquinho!
— Claro que não. Como eu disse à Victoria, é sempre bom
conversar com um conterrâneo em Nova York.
Ele deu um meio sorriso de assentimento e continuou jogando
conversa fora. Fiquei observando-o, notando que realmente era muito
bonito. Se o meu coração já não estivesse totalmente conquistado pelo
Daniel, até me interessaria por ele.
E o Daniel que não chega! Será que Richard está tão mal
assim?
Olhei discretamente ao redor, já estranhando a demora dele, até
sentir o meu coração falhar uma batida e acelerar vertiginosamente logo
depois. Bem ao longe, em uma entrada lateral que ficava no lado oposto
do salão, eu vi o Daniel. Só que ele não estava acompanhado por um
Richard destroçado, nem parecia estar com pressa de voltar à nossa
mesa. Ele estava de costas para mim, mas eu o reconheceria ainda que
fosse míope, vesga ou cega.
À frente de Daniel, havia uma loura estonteante que o segurava
com intimidade pelo braço. Pela posição em que estavam, tive a
impressão de que a outra mão da mulher estava pousada no peito dele.
Os dois aparentavam estar envolvidos em uma conversa particular e
sussurrada, que demorou tempo demais para a minha paz de espírito.
Paralisada, vivi um filme de terror enquanto permanecia
olhando para a imagem desfocada de Arthur à minha frente, ouvindo a
voz de Bia ao meu lado e observando o Daniel ao longe.
A vontade de chorar foi crescendo à medida que o tempo
passava e eles continuavam conversando. A mulher se inclinou sobre o
ouvido dele de um jeito muito íntimo e sussurrou algo com um olhar
lânguido. Os seios fartos mal cobertos por um decote obsceno
praticamente se esfregaram no peito dele.
Comecei a ver tudo preto, participando de uma cena que se
arrastou por longos minutos diante dos meus olhos incrédulos. Mas isso
foi só até Daniel olhar para os lados, segurar a loura estonteante pelo
braço e levá-la para fora do salão.
Não! Não posso acreditar que isso está acontecendo!
Capítulo 32
Ana
LEMBREI-ME DA TRAIÇÃO de Bruno e levantei-me da
cadeira em um movimento instintivo. Se tinha de acontecer outra vez,
eu queria ter a total certeza de que realmente havia acontecido, para não
alimentar mais ilusões!
— Preciso ir ao banheiro e volto já.
Senti o olhar surpreso de Bia sobre mim, mas já estava saindo
em direção à entrada do salão.
— Ana?!
Não parei. Ninguém me faria parar naquele momento.
Continuei andando com o olhar fixo no local onde eles dois
haviam desaparecido. Quando cheguei lá, vi que se tratava de uma
entrada que levava a um grande corredor e me senti perdida, sem saber
para onde ir.
Burra! Não é possível que eu não consiga encontrar eles dois!
— Ana, querida! Precisa de ajuda?
Virei-me com rapidez e dei de cara com a senhora Victoria
Stevens olhando preocupada para mim.
Engoli em seco, tentando aparentar naturalidade.
— Pensei ter visto o Daniel passar por aqui e vim tentar
encontrá-lo.
Ela comprimiu a boca e fez uma cara que eu só consegui
interpretar como de pena. Por um momento, fechei os olhos e respirei
fundo, odiando aquela expressão dela, que dizia tudo sobre saber que o
Daniel estava com outra.
— É melhor voltar ao salão, querida! Não há nada aí que você
deva ver, acredite no que eu digo. — Olhou muito diretamente para
mim. — Sei que aparento ser uma mulher muito dura, mas tenho uma
filha da sua idade e garanto que não gostaria que fosse com ela.
Fosse com ela o quê, merda?
— Sabe onde ele está, por favor?
O suspiro de resignação que ela soltou serviu para tirar a minha
paciência de vez.
— Não acho que você deve insistir nisso, Ana. Eles acabaram
esse namoro várias vezes e a última foi há poucos dias. Esses retornos
entre eles são frequentes.
Namoro? Poucos dias? Retornos?
Desde quando isso existe, meu Deus?
— Foram namorados? — perguntei como uma boba.
— Sim, foram. Ela é uma modelo famosa, que viaja
constantemente e Daniel não gostava disso. Brigavam muito, porque ele
queria que ela desistisse da carreira para ficar perto dele.
Senti uma dor aguda no peito quando ouvi aquilo, sem
conseguir imaginar o meu Daniel brigando pelo amor de outra mulher.
— Eu nem sabia que a Hillary estaria presente na festa. A
última notícia que soube dela foi que estava trabalhando em Londres e
que só voltou à cidade há alguns dias. Me surpreendi demais quando a
vi aqui. — Victoria continuou explicando, o rosto demonstrando
irritação. — Mas não podemos controlar tudo numa festa tão grande
assim. Ela deve ter vindo como acompanhante de alguém.
Londres?!
— Diga-me onde estão — interrompi, sem me preocupar se
estava sendo mal-educada, porque a minha vontade era de gritar de
raiva.
Por longos segundos ela só me olhou em silêncio, até respirar
fundo e apontar para uma passagem ao lado.
— Depois não diga que não avisei — advertiu.
Não falei mais nada, apenas caminhei com as pernas trêmulas
para onde ela indicou. Ultrapassei o vão de uma entrada que levava a
outro salão pouco iluminado e dei de cara com o Daniel.
Sozinho!
Ele ajeitava o paletó do smoking e me olhou com surpresa,
franzindo o cenho ao andar em minha direção com passadas firmes.
— Ana?! O que faz aqui sozinha? — O tom era de
preocupação, mas também de raiva. — Onde está Bia?
Daniel parou na minha frente e segurou o meu braço. Resisti à
vontade súbita de puxar o braço para longe, rejeitando o toque dele, mas
me segurei. Tinha de haver uma explicação lógica para tudo aquilo que
vi.
— Fui ao banheiro — menti, porque ainda não queria que ele
soubesse que o segui. — Falou com o Richard?
Apesar da pouca luminosidade do ambiente, vi o rosto dele
endurecer.
— Sim, falei e está tudo bem com ele. Mas onde está Bia? Ela
não foi com você ao banheiro? — percebi que estava chateado com ela.
— Foi e deve estar vindo logo atrás de mim. — Olhei ao redor,
procurando a loura sensual que estava com ele. — Onde você estava?
— Com o Richard.
Estremeci com a resposta dele.
— Você demorou a voltar. Estavam juntos mesmo ou os
chineses pegaram você? — tentei brincar.
— Sim, estávamos juntos até agora. — Ele passou o braço por
minha cintura. — Vamos conversar na mesa.
Completamente em estado de choque por causa daquela
mentira, ainda dei alguns passos com ele para voltar ao grande salão.
Contudo, parei de andar logo a seguir, pois sabia que não conseguiria
fingir que não o tinha visto com aquela mulher.
Parei sem vacilar, fazendo-o olhar para mim com preocupação.
— O que foi?
Encarei-o pela primeira vez sob a iluminação forte que vinha
da festa e o meu coração foi ao chão e se quebrou. Eu quebrei, partida
em mil pedaços. Pensei que fosse desmaiar e acho que fiquei pálida,
porque Daniel me segurou firme pela cintura, apoiando-me contra o
peito dele.
— Por Deus, Ana! O que é que você tem?
Senti a mão grande em meu rosto, os olhos aflitos tentando
descobrir o que eu tinha, mas eu só conseguia enxergar na minha frente
a grande mancha de batom vermelho no canto da boca dele, que deixava
um rastro até o colarinho branco do smoking, que também estava sujo.
O que ele andou fazendo estava gritantemente óbvio aos olhos
de quem quisesse ver e a humilhação que senti foi gigantesca. Em
transe, ergui a mão e passei na boca dele, olhando depois para os meus
dedos sujos de vermelho.
— Batom — balbuciei como uma idiota.
O rosto de Daniel ficou duro e ele segurou a minha mão,
olhando a mancha vermelha. Passou a própria mão na boca e praguejou
em inglês quando teve certeza de que os restos de batom estavam nele
mesmo. Limpou o rosto, os olhos lançando faíscas.
— Você a beijou — sussurrei, arrasada.
Eu queria me afastar dele, mas o estado de choque era tanto
que não consegui sequer me mexer.
Os braços fortes me seguraram com determinação.
— Não, Ana! Ela me beijou, é diferente! — rosnou com raiva.
Raiva? Ele está com raiva?
Não! Raiva era o que eu estava sentindo naquele momento.
Uma raiva enorme dele, dela, da vida, de tudo!
— VOCÊ A BEIJOU! — acusei, soltando-me com uma força
tão grande que cambaleei para trás.
Pego de surpresa, Daniel não conseguiu me manter entre os
braços, mas depois deu um passo na minha direção, tentando me segurar
novamente pela cintura.
— Não me toque! — recuei, escapando dele.
— Ana, não faz isso! Tenha calma! Deixe-me explicar. — A
voz enrouquecida tinha um tom de desespero, mas aquilo só me fez ter
mais certeza ainda da culpa dele.
— Explicar o quê, se pretendia esconder que estava com ela?
Se mentiu dizendo que estava com o Richard? — Atirei a verdade com
raiva, sem acreditar que aquilo estava mesmo acontecendo comigo.
— Eu não menti! — ele afirmou imediatamente, até apertar os
lábios com força ao ver a merda que falou e proferir mais um
xingamento. — Só não queria que se magoasse ao pensar...
— Que você estava com outra mulher? — completei, o
sentimento de traição me corroendo por dentro.
— Eu não estava com outra mulher! — negou com firmeza,
mas aquela era uma negativa sem fundamento e ele sabia daquilo,
porque enrijeceu o maxilar de raiva. — Eu estou com você! Só com
você! Fui apenas conversar com ela.
— Uma conversa que terminou em beijos?
— Não, Ana! Pelo amor de Deus, repito que foi ela quem me
beijou! Só a trouxe aqui para conversar.
— Escondido de mim e de todos? — acusei, recuando e saindo
do alcance dele quando tentou se aproximar novamente. — Por que não
conversou com ela na festa, em vez de arrastá-la para um salão mal
iluminado, de onde sai manchado de batom? Por que não me apresentou
a ela, como fez com todos os outros? Que assunto importante era esse
que não podia ser falado ao meu lado?
A expressão de Daniel ficou carregada e ele respirou fundo, o
rosto em uma máscara de rigidez.
— Levei-a para longe porque quis proteger você, droga! Não
quis que você pensasse isso que está pensando agora!
A voz dele estava controlada, mas percebi também o desespero
para me convencer daquilo. Restava saber se aquele desespero era por
ser inocente ou culpado.
— Vamos conversar com calma e explicarei tudo — ele disse,
estendendo a mão para mim, os olhos prendendo os meus com firmeza.
Fraquejei vergonhosamente, pois a grande verdade era que eu
queria desesperadamente que nada daquilo fosse verdade, queria que
tudo o que vi não significasse o que a mancha de batom deixava tão
óbvio. Sentia-me rasgar por dentro ao imaginar que Daniel e a ex-
namorada ainda tivessem ligações fortes o suficiente para caírem nos
braços um do outro quando se reencontravam.
— Então me explique — sussurrei, sentindo-me engasgar de
dor ao lembrar o que a senhora Stevens me disse. — Quem é ela?
O maxilar dele enrijeceu.
— Hillary Reynolds, uma antiga namorada — admitiu com
relutância. — Mas há muito tempo que não temos nada, desde que
acabei o relacionamento. Quando conheci você, já estava sozinho há
meses.
“Eles acabaram esse namoro várias vezes e a última foi há
poucos dias. Esses retornos acabaram por se tornar frequentes entre
eles”.
— Sem retornos?
Senti que ele vacilou na resposta e o meu coração tremeu.
No entanto, Daniel nem teve tempo de responder, porque a
própria Hillary surgiu, saindo do salão onde estiveram. Na posição em
que eu estava, ela não me viu, caminhando direto para o lado dele com
um sorriso de satisfação no rosto.
Paralisei por completo diante da mulher linda que apareceu à
minha frente. Se de longe ela era de arrasar, de perto ofuscava qualquer
outra com a beleza que possuía. A tal Hillary tinha um cabelo louro
belíssimo que lhe caía pelas costas, olhos azuis, um corpo esguio e
extremamente elegante. Muito alta, valorizava ainda mais a estatura
com saltos agulha que destacavam as pernas longas, deixadas à mostra
pela abertura do caríssimo vestido preto que usava. Ao lado de Daniel,
os dois formavam o par perfeito em beleza e elegância.
Meu Deus! Se era com aquele tipo de mulher que Daniel estava
acostumado, eu nunca estaria à altura de nenhuma delas. Hillary
Reynolds era literalmente um dos anjos da Victoria’s Secret.
— Darling! We need to talk, please.
O aparecimento repentino dela causou um esgar de irritação em
Daniel, que endureceu mais ainda o semblante quando ela o segurou
pelo braço com intimidade.
Em um gesto rápido, ele pegou o pulso dela e afastou-a,
falando algo em inglês que a fez olhar para mim com a surpresa nos
lindos olhos azuis. Chocada, vi a boca de Hillary se abrir em um
surpreso “Ohh” e tive a impressão de que, por longos minutos, ficamos
os três paralisados naquela cena dramática.
A mulher se virou para Daniel e, daquela vez, quem se
surpreendeu fui eu, quando a vi recuar para longe dele e falar em um
tom de voz ultrajado, os olhos se enchendo de lágrimas.
— Who is she? — falou em um tom de acusação, como se
fosse ela a mulher traída.
Oh, não! Eu não ficarei aqui assistindo isso!
Dei meia volta e saí dali o mais rápido que pude, as pernas
tremendo, a respiração sufocada, a garganta com um nó doloroso e o
coração despedaçado.
Capítulo 33
Ana
CIRCULEI CEGAMENTE ENTRE os convidados até
chegar milagrosamente à nossa mesa, onde encontrei Arthur em pé
conversando com uma sorridente Meghan.
Bia não estava lá e fiquei momentaneamente sem saber o que
fazer com a ausência dela.
— Ana, está tudo bem? — Era a voz de Arthur, mas o olhei
sem ver. — Você está pálida!
— Onde está a Bia? — perguntei num fio de voz.
— Foi atrás de você assim que saiu daqui. — Ele trouxe a
cadeira para perto de mim. — É melhor se sentar um pouco.
Só que eu não queria me sentar. Queria apenas sair daquela
festa antes que sufocasse de vez.
Senti uma mão suave no meu braço e logo Meghan estava
falando comigo também.
— Isso mesmo — ela concordou com Arthur. — Sente-se,
querida. Vou procurar o Daniel.
Ainda em pé, segurei o braço dela com desespero, detendo-a.
— Não! — Depois lembrei que aquela era a festa de
aniversário dela e não ia criar uma cena ali, estragando tudo e fazendo
com que me achassem mais imprópria ainda para aquele ambiente de
ricos e poderosos que Daniel frequentava. — Estou bem. Só gostaria de
encontrar a Bia.
Mal terminei de falar, ela surgiu do outro lado, a expressão
preocupada e o olhar angustiado fixo em mim. Depois, olhou para
Arthur e Meghan, abrindo um sorriso falso.
— Ah, Ana! Que bom que a encontrei. — Segurou o meu
braço e deu um leve aperto de advertência. — Estava mesmo à sua
procura para irmos juntas ver a Terri.
Senti o olhar desconfiado de Arthur, mas Meghan abriu um
sorriso de felicidade.
— Será que isso significa que o meu show de verdade vai
começar?
Bia retribuiu o sorriso, piscando-lhe um olho e fingindo
inocência.
— Não sei, mas juro que vou tentar descobrir isso agora. —
Olhou para mim. — Vamos, Aninha?
— Vou avisar o papai, já que vamos dançar juntos! — ela falou
com entusiasmo, pedindo licença e se misturando entre os convidados.
Eu estava grata por Bia conduzir a situação e apenas concordei
com um gesto de cabeça. Aquele nó na garganta apertava cada vez mais.
Assim que nos viramos para ir embora, batemos de cara com
Daniel, cuja expressão tensa ficou mais dura ainda ao ver o Arthur ao
meu lado. Ele o olhou como se o conhecesse de algum lugar, mas não
fez nenhum gesto de cumprimento ou saudação. Ao contrário, franziu a
testa, o que deixou o rosto forte ainda mais carregado.
Os dois homens se encararam, mas nenhuma palavra foi
pronunciada. Daniel olhou para mim, ignorando tudo.
— Vem, Ana. Precisamos conversar — estendeu a mão e
recuei instintivamente, tropeçando no pé da cadeira às minhas costas.
Fechei os olhos com raiva, ao me lembrar da minha mãe
dizendo que eu era descoordenada e toda atrapalhada.
Merda!
Uma mão forte segurou o meu braço, dando-me apoio. Virei-
me para Arthur, pronta para agradecer, mas Daniel se interpôs no meio,
segurando-o pelo pulso.
— Solte-a! — rugiu entredentes, baixo o suficiente para que
apenas nós ouvíssemos.
E nem precisava gritar, porque a expressão dele já dizia tudo.
Arthur vacilou, mas não de medo. Percebi que cogitava a
possibilidade de enfrentar Daniel e aquilo me surpreendeu.
Só que a atitude de Arthur acabou por deixar Daniel mais
enfurecido ainda, pois senti o quanto o corpo dele enrijeceu ao apertar
com mais força o pulso daquele que via como um adversário.
— Afaste-se da minha mulher!
Em nenhum momento falou em inglês, como se soubesse que
seria entendido em português. Arthur prudentemente me soltou, mas
nem assim Daniel pareceu satisfeito, porque continuou encarando-o
duramente.
Em estado de choque com aquilo tudo, virei-me para Bia, que
acompanhava a cena com a fisionomia preocupada. Então, o
pandemônio se instalou com a chegada de Hillary à mesa, mostrando
que havia seguido o “ex-namorado”.
— Darling! — chamou-o com uma voz doce, ignorando-me
totalmente.
Aquela beleza ofuscante fez retornar toda a minha raiva e
revolta. Agarrei a mão de Bia.
— Quero sair dessa festa. Ajude-me! — implorei em um
sussurro angustiado.
Bia olhou para Hillary e a ficha dela caiu tão rapidamente
quanto a minha havia caído assim que os vi juntos.
Arthur também olhou para Hillary, depois observou Daniel e
deve ter percebido a mancha de batom no colarinho, porque um sorriso
debochado curvou seus lábios quando o encarou novamente.
— Qual delas é a sua mulher? As duas?
Ouvir aquilo foi demais para mim, a humilhação me fazendo
sufocar! Virei-me e saí dali sozinha, com uma única coisa martelando
na minha cabeça, que era ficar o mais longe possível de Daniel.
Dei as costas para todos eles e me misturei com os convidados,
procurando a saída do salão. Eu não pretendia permanecer nem mais um
minuto na merda daquela festa!
Não sei como consegui chegar até um dos inúmeros salões da
enorme mansão dos Stevens. A residência, que parecia ser de sonho
quando entrei, agora se mostrava fria e impessoal. Olhei ao redor,
observando o salão ricamente decorado e percebi que aquele mundo de
glamour, sofisticação e riqueza excessiva não era o meu. Aquele era o
mundo de Daniel, mas não o meu.
Sentei-me pesadamente em um dos sofás elegantes e só então
comecei a tremer de verdade. O nível de adrenalina baixou e com ela foi
embora a raiva que me manteve firme aquele tempo todo. Senti os
tremores aumentarem e apertei os punhos com força para os controlar,
até um soluço doloroso escapar do meu peito e as lágrimas rolarem de
vez.
Baixei o rosto, desistindo de conter o choro. Deixei que viesse,
esgotada demais para controlar fosse o que fosse. No meio das lágrimas,
vi os meus dedos crispados no colo ainda com os vestígios do batom
vermelho vivo de Hillary.
O batom que tirei dos lábios de Daniel!
Filho da mãe!!!
— Que burra que eu sou! — gritei dentro do salão deserto,
soluçando desesperadamente.
Tive raiva de mim mesma. Raiva por ter acreditado que Daniel
se apaixonaria por uma garota sem estudos, simples e que não chegava
nem aos pés das sofisticadas supermodelos com quem andava. Era
impossível um homem namorar com Hillary Reynolds e depois se
conformar com a simples Ana Cabral.
Perdi a noção do tempo, à medida que as lágrimas iam secando
e o som da voz de Terri se espalhava pela mansão. Recostei-me contra o
espaldar macio do sofá e fechei os olhos, ouvindo a música e tentando
ficar calma.
Naquele momento, decidi que conversaria com Bia e veria se
era possível antecipar o meu retorno para o Brasil. Eu não queria mais
ficar em Nova York, uma cidade onde tive os piores momentos da
minha vida. Bia estava bem na casa de Ashley e continuaria assim,
mesmo com a minha ausência.
Respirei fundo com aquela decisão, sentindo o peito aquecer ao
pensar que estaria novamente com o meu pai. Ainda com o corpo
trêmulo, passei a mão no rosto para limpar as lágrimas e me forcei a
pensar.
Eu precisava sair daquela festa, mas não com o Daniel.
Mas quem poderia me tirar daqui agora?
Falaria com Bia para saber se nós duas poderíamos pegar um
táxi para a casa de Ashley!
Levantei-me, limpando as mãos suadas no vestido, pronta para
fazer uma ligação para Bia, até perceber que estava sem a bolsa, onde
tinha o celular. Na pressa de sair da mesa, nem cheguei a pegá-la.
Gemi de frustração, só em pensar que teria de voltar à festa
para tentar encontrá-la.
— Ana! Que bom que a encontrei!
Uma voz masculina soou às minhas costas e me virei
bruscamente para a entrada do salão. Dei de cara com Jack e aqueles
olhos azuis impactantes fixos em mim, deixando-me com a familiar
sensação de incômodo no peito.
— Beatriz me pediu para ajudar a procurar por você e fico feliz
em ser eu a encontrá-la aqui. — Olhou-me com atenção, aproximando-
se.
Prendi a respiração à medida que ele chegava perto, contendo a
súbita vontade de recuar.
— Você está bem? — ele perguntou com interesse.
Eu sabia que estava com marcas de choro no rosto, mas fingi
que não havia chorado e que estava tudo bem.
— Estou — respondi sem dar mais explicações. — Gostaria de
falar com Bia. Poderia ligar e chamá-la?
Tive a impressão de ver um brilho perspicaz nos olhos dele,
como se tivesse descoberto algo importante.
— Não quer que chame o Daniel?
Parecia uma pergunta normal para alguém que não soubesse o
que havia acontecido no salão de festas, mas a minha intuição gritou
alto dentro de mim para ter cuidado.
— Depois. Primeiro gostaria de falar com Bia — disse,
tentando aparentar naturalidade. — Poderia ligar para ela?
— Sim, claro. Mas você parece nervosa, aconteceu alguma
coisa?
— Não, está tudo bem. Quero apenas falar com Bia — insisti.
Mas ele não fez nenhum gesto para pegar o celular,
permanecendo apenas a me olhar fixamente. E não gostei nada daquilo.
Quando será que esta noite bizarra vai acabar?
— O que você precisa? Posso ajudar no que precisar e fazer o
que quiser.
Fez aquela oferta estranha e engoli em seco com a urgência que
senti de sair dali.
— Falar com Bia. — Foi a única resposta que consegui dar.
Obriguei-me a ficar parada quando Jack avançou um passo em
minha direção, mesmo com a vontade enorme que senti de correr para
bem longe dele.
— Há muito tempo que estava esperando uma oportunidade
para falar a sós com você.
Oh, meu Deus!
Eu já sabia o que ele ia dizer antes mesmo que abrisse a boca e
continuasse, pois não era a primeira vez na minha vida que via aquele
brilho nos olhos de um homem.
— Precisa de ajuda, Ana?
Outra voz masculina ressoou dentro do salão e daquela vez eu
estava tão nervosa que dei um pulo de susto. O meu nervosismo
aumentou ainda mais quando identifiquei o corpo alto de Richard
avançando calmamente em nossa direção. Ele segurava um copo de
whisky, que pousou displicentemente em uma mesinha.
Eu não conseguia acreditar no que estava acontecendo comigo
naquela noite!
Capítulo 34
Ana
JACK SE REMEXEU à minha frente, olhando abismado para
o Richard, que se postou bem ao lado dele. Encarou-o com uma
expressão tão séria que até eu fiquei intimidada.
Depois, virou o rosto para mim e suavizou o olhar.
— Precisa de ajuda? — repetiu.
Eu estava mais do que precisando de ajuda, só não esperava
que viesse dele. Naquela altura, já me sentia a ponto de gritar por
socorro. E se não podia mais contar com Daniel, teria de confiar em
outra pessoa. Entre o Richard e o Jack, a minha escolha já estava feita.
— Sim, preciso — admiti.
Era estranho que fosse justamente o Richard a me tirar daquela
situação, mas eu não estava em condições de questionar nada do
destino. Por mais incrível que pudesse parecer, não me sentia ameaçada
por ele. Com relação a Jack, não podia dizer o mesmo.
— Eu já ia ajudá-la, meu caro Richard. — Jack se adiantou na
explicação, virando-se para mim com um sorriso aparentemente
tranquilo. — Deixei o meu celular no casaco que ficou com a equipe de
Terri, mas irei lá agora mesmo e ligarei para Beatriz. Voltarei com ela
em questão de minutos.
Ele voltou a olhar para Richard, que continuava encarando-o
com o semblante impassível.
— Sinto-me aliviado que tenha chegado, assim a Ana não
ficará sozinha durante este tempo.
— Pode ir de consciência tranquila. — Foi a resposta irônica
que ele deu.
Richard acompanhou a saída de Jack da sala com um olhar
pensativo, até se virar para mim.
— Como você está?
Parecia preocupado e achei que estivesse perguntando por
causa do que havia acontecido com a Hillary e o Daniel, mas depois
percebi que era por causa de Jack. Aparentemente, ele não estava ciente
do que ocorreu no grande salão.
— Estou bem. Preciso falar com Bia, mas não trouxe a bolsa
com o meu celular. — Hesitei por um instante, mas depois resolvi ser
sincera. — Quero ir embora da festa.
Só então o olhar desconfiado dele percorreu o meu rosto, que
eu sabia ainda estava marcado pelo choro.
— E o Daniel?
Eu não queria falar sobre ele, muito menos explicar o que
aconteceu, ou voltaria a chorar como uma tola. Também não tinha
aproximação nenhuma com Richard para confidências, nem havia
esquecido suas palavras ao dizer que eu não era a mulher ideal para
circular socialmente ao lado de Daniel. A amizade de longa data era
com ele e não comigo.
— Se quiser mesmo me ajudar, não pergunte sobre ninguém.
Quero apenas falar com Bia e ir embora da festa.
Aquela era a grande oportunidade de Richard ver o amigo livre
de uma mulher oportunista, endividada, sem formação e burra. Por isso
não falei mais nada. Fiquei apenas à espera de que ele percebesse tudo,
enquanto o encarava em expectativa.
Sustentei bem o escrutínio dele durante um bom tempo,
sentindo que analisava a situação com sua experiência de advogado
treinado para destruir o adversário e defender seu cliente. E, naquele
caso, o cliente era o melhor amigo dele.
Eu esperava que o fato de não me aprovar como namorada de
Daniel também o fizesse me ajudar a sair dali.
— Se para ir embora você antes precisa falar com a sua amiga,
não poderei fazer nada mais além de esperar que Jack a traga aqui. —
Foi a resposta direta que me deu, o rosto impassível não me deixando
ver o que pensava de tudo aquilo. — Para onde pretende ir?
Boa pergunta!
Nós dois sabíamos que eu estava na casa de Daniel. Se não
queria mais estar com ele, só havia outro lugar. A casa de Ashley!
— Bia encontrará uma forma de me levar para onde está
hospedada.
E para aquilo, eu precisava mesmo dela, uma vez que não sabia
onde ficava a casa de Ashley, muito menos como entraria lá se todos
estavam na festa.
Tentei não desmoronar com tantas dificuldades, mas acho que
falhei horrivelmente, porque ele indicou o sofá às minhas costas.
— Se vamos ter de esperar que ele chegue, é melhor você se
sentar.
Nem pensei em negar, porque a minha capacidade de fingir que
tudo estava bem se esgotava rapidamente. Apertei as mãos no colo para
que parassem de tremer, enquanto rezava para que Bia chegasse logo.
O tempo para mim pareceu se arrastar, com Richard parado
tranquilamente na entrada do salão. Mesmo permanecendo distante de
mim, a presença dele me dava alguma segurança e agradeci a Deus por
aquilo.
— Ana? — Uma voz feminina me chamou.
O meu coração deu um pulo quando identifiquei a voz de Bia.
Estava longe, mas acho que eu estava tão ansiosa em vê-la que mesmo
com o som alto da música de Terri consegui escutá-la.
— Ana? — Ela parecia estar me procurando pelas salas. —
Você está aí?
Levantei-me às pressas, pronta para chamá-la, mas Richard se
adiantou ao sair para o corredor.
— Ela está aqui.
Os passos pararam de repente e até consegui imaginar a
expressão de susto de Bia ao dar de cara com ele. Fez-se um silêncio
tenso, até ela entrar com tudo no salão, o rosto uma máscara de
preocupação.
— Aninha!! — exclamou com alívio, correndo para mim.
Caí nos braços dela, apertando-a com desespero e sem
conseguir conter as lágrimas.
— Quero ir embora daqui e ficar com você. Não quero mais
vê-lo. Leve-me agora, por favor!
— Calma, amiga. Vou levar você comigo. — Ela não
comentou nada sobre os meus motivos, apenas se afastou, limpando as
lágrimas do meu rosto. — Não chore mais, por favor. Só preciso
encontrar o Jack para vermos como resolver isso. Já tentei falar com ele,
mas não consegui.
Fiquei estática quando ouvi aquilo, pois pensei ter ouvido Jack
dizer que ela pediu a ajuda dele para me encontrar. Confusa e incapaz
de raciocinar direito, caí sentada no sofá e deixei que Bia resolvesse
tudo.
Enquanto ela ligava para o Jack, observei Richard quieto no
canto, sem interferir em nada, mas atento a tudo.
— Um funcionário vai trazer a chave da casa para mim e
vamos chamar um táxi. Infelizmente, ninguém da equipe pode sair do
show agora, mas isso não nos impedirá de ir embora.
O alívio que senti foi tão forte que caí para trás no encosto
macio do sofá.
— Trouxe a sua bolsa. Você a esqueceu na mesa.
Peguei-a, agradecida por ter algo para apertar que não fosse os
meus próprios dedos.
— Eu as levarei. — A voz grave de Richard soou pelo salão,
sobressaltando Bia.
— Não é preciso — ela negou com altivez. — Chamaremos
um táxi.
— Não é seguro. Já é muito tarde e os táxis sempre demoram a
chegar. Posso tirar as duas daqui agora — ele disse muito calmamente,
sem se deixar irritar com a negativa dela. — Se não me deixarem levar
vocês, acabarei por seguir o táxi com o meu carro. O que dará no
mesmo, por isso, é melhor que venham comigo.
Bia se levantou do sofá, encarando-o.
— Talvez estejamos mais seguras com o taxista.
Segurei a mão dela, detendo-a naquela discussão.
— Richard tem razão, Bia. Vamos pensar com calma, por
favor. Se ele está disposto a nos levar, não vejo mal algum nisso.
O que eu disse o fez olhar para mim e tirar o celular do bolso.
— Só que antes preciso avisar o Daniel que você está comigo.
— Só em ouvir aquilo já tive vontade de mudar de ideia, mas Richard
não me deu tempo para dizer nada ao justificar sua atitude. —
Independentemente do que aconteceu entre vocês dois ou do que você
pense sobre isso, sei que ele deve estar preocupado e procurando-a. Não
acho justo deixá-lo assim. Além disso, somos amigos.
Com aquelas últimas palavras, já disse tudo, mostrando que a
amizade que tinha por Daniel estava acima de qualquer cavalheirismo
em nos tirar da festa.
Hesitei em minha negativa quando considerei a palavra
amizade, uma vez que eu faria o mesmo por Bia se a situação fosse
inversa.
— Não quero vê-lo.
— Não direi onde estamos. Deixarei que você ouça a conversa
e falarei o tempo todo em português para que entenda — garantiu com
firmeza, apontando depois para Bia. — De qualquer maneira, a sua
amiga fala inglês e saberá se eu não cumprir o combinado.
Mais do que desesperada para sair dali, concordei com um
meneio de cabeça. Apertei a mão de Bia, observando Richard completar
a ligação, que caiu sem ser atendida. Nova tentativa e, no terceiro toque,
ouvi a voz impaciente de Daniel soar pelo aparelho, trazendo um
doloroso aperto de saudade no meu peito.
Merda!
Ele falou rápido em inglês com Richard, mas parecia estar
despachando-o.
— Ela está comigo — Richard disse em português, antes que
ele desligasse.
Fez-se um momento de silêncio do outro lado da linha e senti
que Daniel estava assimilando o fato de ele ter falado na minha língua.
— Ana está com você?
A pergunta foi feita em português, após ele entender a situação.
Porém, eu não esperava menos do que aquilo de Daniel, com a mente
rápida e percepção aguçada que tinha. Era uma pena que toda aquela
inteligência também tenha sido usada para me enganar e trair.
— Sim, encontrei-a por acaso. — Richard não deu mais
explicações, omitindo as circunstâncias em que me encontrou.
— Diga-me onde estão! — O tom era de urgência.
— Não posso. Ana não quer vê-lo. Vou levá-la da festa, junto
com a amiga.
— Não! — Daniel negou com autoridade. — Ela não vai a
lugar nenhum sem que eu esteja ao lado. Preciso falar com ela. Diga-me
onde estão!
Richard olhou para mim, aguardando aprovação, mas neguei
com a cabeça.
— Ela não quer.
— Diga-me onde estão, porra! — ele exigiu mais uma vez,
xingando em inglês logo depois.
— Amigo, só liguei para que soubesse que ela está bem,
porque sabia que estava preocupado. Não sei o que aconteceu, mas acho
melhor você se acalmar e deixar Ana sozinha para se acalmar também.
Ela está muito nervosa.
Ouvi outro xingamento em inglês e virei o rosto para o outro
lado, fechando os olhos para controlar a dor que sentia em viver aquela
situação toda.
Daniel não respondeu, apenas desligou sem mais explicações.
Levantei-me, sem pensar em mais nada além de sair dali.
— Podemos ir, por favor?
Mal terminei de falar, um rapaz surgiu usando roupa de
garçom.
— Miss Beatriz Miranda?
Bia se adiantou, falando em inglês com ele sob o olhar atento
de Richard. Ela pegou um chaveiro com o garçom e respirei aliviada. Só
podia ser a chave da casa de Ashley que Jack havia mandado e dei
graças a Deus por aquilo. Depois de ouvir o tom de voz decidido de
Daniel ao exigir falar comigo, sentia mais urgência ainda de sair
daquela festa.
Assim que o garçom foi embora, olhei ansiosamente para
Richard.
— Podemos ir agora?
— Da minha parte, sim — ele confirmou, virando-se para Bia.
— Já tem tudo o que precisa?
— Sim, podemos ir.
Capítulo 35
Ana
TRÊS PASSOS PARA a saída foi tudo o que consegui dar
antes que a figura alta de Daniel surgisse na entrada do salão. Ele não
olhou para ninguém, muito menos disse uma única palavra que fosse.
Simplesmente veio direto na minha direção.
Parei, torcendo a bolsa nas mãos. Ele também parou bem à
minha frente, o rosto uma máscara de seriedade.
— Quero conversar sozinho com Ana! — rugiu dentro do
salão.
— Não! — neguei alto e sem vacilar, sabendo que Bia não me
deixaria sozinha com ele.
— Você não vai sair desta casa sem que seja comigo! — disse
firmemente, os olhos presos nos meus. — Precisamos conversar, Ana.
Como adultos.
— Não temos absolutamente nada para conversar, seja como
adultos ou não! — repliquei de imediato. — E vou sair daqui agora e
será sem você!
— Não vai! — ele rugiu, segurando-me pelos braços. — Não
vou deixar!
— Ora, solte-me! — exclamei com raiva por ele estar me
dando ordens, quando estava aos beijos com outra minutos atrás.
Tentei me soltar, mas ele não deixou, aproximando mais o
corpo do meu e envolvendo a minha cintura com firmeza.
Bia veio para o meu lado, ficando de frente para Daniel.
— Solte-a! — interferiu em tom revoltado.
Richard veio para perto também e colocou a mão no braço do
amigo.
— Calma, Daniel! Não vá perder a cabeça e fazer algo que se
arrependa depois. Eu as levarei em segurança.
Ouvi o rugido de raiva dele e só então fiquei livre,
aproveitando para me afastar de Daniel. Bia me abraçou pela cintura,
dando-me apoio.
— Vamos, Aninha!
— Se Ana quer ir para casa, eu a levarei! — Daniel falou com
a voz mais controlada, dirigindo-se à Bia, mas olhando firmemente para
mim. — Não ficarei sozinho na merda dessa festa sem ela.
— Sozinho? — explodi, com raiva. — E desde quando vai
ficar sozinho, se estava com outra mulher?
Falei em um impulso de raiva, sem me lembrar da presença de
Richard e de Bia, mas depois fiquei morta de vergonha por ter admitido
algo tão humilhante.
Daniel comprimiu os lábios, os olhos brilhando furiosos.
— A única mulher que tenho está na minha frente agora e foi
só com você que fiquei na festa! Você!
— E a Hillary é o quê?
— Para mim não é ninguém, porra!
— Oh, chega! Quero ir embora.
Tentei passar por ele, mas fui novamente envolvida pela
cintura e presa em seus braços. Nem pude reagir quando ele me pegou
no colo com aquela expressão decidida que eu já conhecia tão bem.
— Solte-a, Daniel! — Bia deu um passo em nossa direção.
Richard se colocou à frente dela, olhando firmemente para o
amigo.
— Deixe que os dois conversem. Ele não a machucará.
— Eu jamais machucaria Ana! — Foi a resposta rugida
entredentes, antes que ele me levasse para longe deles.
— Quer me soltar, por favor? — disse-lhe com raiva,
remexendo-me em seus braços.
Fui colocada no chão do outro lado da sala, mas ainda
permaneci presa pela cintura.
Oh, merda!
— Se quer ir embora, eu a levarei! — ele disse com
determinação. — Conversaremos em casa.
Só então percebi que Daniel achava que eu ia voltar para a casa
dele.
— Eu não vou para a sua casa! Ficarei com Bia na casa de
Ashley.
Seus olhos se arregalaram de surpresa, os braços me apertando
com mais força e me fazendo sentir o corpo grande por inteiro. Ficava
difícil raciocinar daquele jeito, por isso fechei os olhos para não ver o
rosto dele tão perto do meu.
— Isso não, Ana! — A voz enrouquecida tinha um tom de
urgência e percebi o desespero nos olhos escuros quando o fitei. —
Fique comigo em minha casa. Deixarei que durma no outro quarto e só
conversaremos amanhã ou até mesmo outro dia, mas fique comigo.
A tentação era grande demais, só que a dor que eu sentia
também era.
— Já decidi e não vou mudar de ideia. — Tentei soar firme e
até acho que consegui, apesar de estar emocionalmente em pedaços. —
Agora me solte, por favor!
As mãos de Daniel se espalmaram na pele exposta das minhas
costas, pressionando-me mais contra o corpo dele, aquele calor
conhecido querendo me convencer a não o deixar.
— Não! Eu não vou permitir! — aquele grunhido era um misto
de raiva e de desespero crescente, ao perceber que eu não estava falando
à toa.
Mas a minha raiva se igualava à dele, ainda que por motivos
diferentes.
— Você não tem que permitir! Sou livre para ir onde quiser.
Os lábios dele se apertaram em uma linha de tensão, o olhar
fixo no meu.
— Eu sei disso e respeito o seu direito, mas quero que pense
com calma e não tome decisões de cabeça quente. Fique em minha casa
e amanhã conversaremos.
Olhei o rosto forte que eu tanto amava e fiquei arrasada só em
imaginá-lo aos beijos com a belíssima Hillary.
— Não estou de cabeça quente — disse-lhe com tristeza, sem
conseguir disfarçar a dor ou a desilusão com ele.
Incrivelmente, sentia a raiva ceder lugar a uma dura aceitação
da realidade. Uma realidade que mostrava que eu não estava à altura de
competir com Hillary, que era a mulher perfeita para circular com
Daniel naquele meio social privilegiado que ele frequentava. Uma
realidade que me mostrava o quanto fui ingênua em acreditar que ele
poderia amar uma mulher inadequada como eu.
Até conhecer Hillary, vivi o sonho do amor perfeito, de ser
especial, de ser amada. Eu não conseguia imaginá-lo com outra, porque
Daniel tinha o poder de me fazer acreditar ser uma mulher única.
Acordar daquele sonho de forma tão abrupta e cruel estava sendo
demais para mim.
— Quero ficar sozinha e gostaria que me soltasse agora. —
Respirei fundo antes de completar. — E não me toque mais.
Daniel inspirou fundo, as narinas se dilatando. Contrariamente
ao que eu disse, ele me apertou ainda mais nos braços.
— Não vou parar de tocar em você, porque é a minha mulher!
E vou provar que é a única mulher com quem estou e a única com quem
quero ficar! — rosnou baixo, falando pausadamente cada palavra e sem
afastar as mãos das minhas costas nuas. — Mas se “agora” é isso o que
você quer, vou soltá-la e permitir que Richard a leve. Se quer ir para a
casa de Ashley, deixarei que vá e que durma lá esta noite. Ficarei
aguardando que pense com calma e reconsidere tudo isso. Amanhã irei
vê-la e espero que volte comigo para a “nossa” casa.
Vacilei com aquela última frase, com a determinação dele, com
aquela certeza do que queria, atitudes que faziam de Daniel um homem
de palavra.
— Vou esperar que volte para mim! — finalizou, deixando-me
ver nos olhos escuros o brilho de uma emoção que me fez estremecer.
Envolveu o meu cabelo com uma das mãos e se aproximou,
deixando nossos rostos quase colados. A outra mão se colou aberta em
minhas costas, marcando o meu corpo com o seu toque.
Eu me senti atraída para ele como uma mariposa pela luz. O
calor da palma grande, o hálito úmido bafejando o meu rosto, o odor do
perfume masculino inebriando os meus sentidos e a emoção forte que
brilhava nos olhos escuros.
Entreabri involuntariamente a boca, já ansiando por Daniel, até
que o movimento de segurar o meu cabelo deixou evidente o colarinho
sujo pelo batom vermelho de Hillary. Uma mancha que parecia zombar
da minha ingenuidade em acreditar novamente nele.
Com um arquejo de ultraje, empurrei-o com os braços, ouvindo
o xingamento em inglês quando ele percebeu a direção do meu olhar.
— Vá contar suas mentiras para Hillary! — exclamei com
raiva, contorcendo-me com tanta força que ele me soltou.
— Não são mentiras e vou provar isso para você! — ele disse
com firmeza, parecendo incontestável em suas palavras. — Nem pense
que vou desistir, porque não vou mesmo! Lutarei por você até o fim!
— A sua imagem de homem honesto fica seriamente
comprometida com esta mancha de batom que está exibindo para quem
quiser ver, doutor Daniel Ortega. — Fui seca na minha resposta. — Isto
sim, é uma prova incontestável da sua traição.
Os olhos dele brilharam perigosamente, mas não me deixei
intimidar por sua raiva. Surpreendentemente, ele começou a tirar o
paletó do smoking e depois o jogou sobre o sofá. Estupefata, observei-o
soltar a gravata borboleta e desabotoar a camisa, puxando-a da faixa
presa à cintura e arremessando-a ao chão com desprezo.
Daniel ficou de peito nu à minha frente, até pegar novamente o
paletó e vestir.
— Se era isso o que a incomodava, já não existe mais! —
Foram as palavras também secas que ele disse, usando um tom soturno
que o fazia parecer muito mais sério do que o normal.
— Isso não vai me fazer esquecer o que vi antes — falei
cansadamente.
As mãos firmes seguraram os meus braços com determinação.
Apesar de ser um homem grande e forte, Daniel sabia dosear muito bem
a força que usava comigo, pois em nenhum momento me machucava
com a sua pegada. Eu só não podia dizer o mesmo com relação à dor
emocional que me infligia. Em poucos dias em Nova York, aquela já era
a segunda vez que as atitudes dele me deixavam arrasada.
— Eu sei que não vai ser fácil você esquecer, mas não quero
que merda nenhuma faça com que se afaste ainda mais de mim! —
Acariciou os meus braços com os polegares, a voz enrouquecida quando
continuou. — Ana, por favor, volte comigo para casa! Desde que a
conheci, não existe outra mulher na minha vida. Só você! E já estava
sozinho antes de acontecer entre nós dois.
Aquilo era tudo o que eu queria acreditar! Se pudesse, eu
passaria a borracha na página da minha história que começava no
momento em que entramos na mansão dos Stevens. Mas, por
experiência própria, sabia que o passado não podia ser apagado ou teria
feito o mesmo com o assalto que deixou o meu pai tetraplégico.
Engoli o nó que se formou na minha garganta ao perceber que
não poderia mais evitar o inevitável. Aquela noite realmente aconteceu
e não poderia ser apagada. Assim como a Hillary, o beijo e a traição de
Daniel.
Olhei-o com tristeza, a aceitação amarga trazendo lágrimas aos
meus olhos quando comecei a falar, invertendo nossas posições naquele
drama.
— Você me vê conversando intimamente com um homem e
logo depois eu o seguro pelo braço e levo para fora da festa. —
Comecei a narrar a cena que ele e Hillary protagonizaram, sentindo o
corpo de Daniel enrijecer à medida que me ouvia, percebendo bem o
que eu ia fazer e até onde ia chegar.
— Ana, não faça isso! — ele grunhiu em advertência, um
músculo pulsando no maxilar contraído.
Àquela altura eu já não conseguiria parar nem que quisesse,
por isso o ignorei totalmente e continuei.
— Você não quer acreditar no que os seus olhos vêm e resolve
nos seguir. Quando me encontra sozinha, estou sem batom e com
indícios de que fui beijada. Tenho manchas do meu batom vermelho no
vestido branco e no meu pescoço, como se os lábios dele tivessem
sujado sem querer.
— Para, Ana! — ele rugiu, furioso.
— Eu digo que ele era um ex-namorado com quem não tenho
mais nada há muito tempo e que não o beijei, mas que foi ele quem me
beijou. Você acredita totalmente em mim, não questiona mais nada e
fica tudo bem? Mesmo que o meu ex-namorado apareça de um canto
escuro, com um sorriso de satisfação no rosto e o olhar apaixonado?
As mãos de Daniel soltaram os meus braços e ficaram
rigidamente fechadas em punhos ao lado do corpo tenso enquanto me
ouvia. A expressão dele se fechou, ficando endurecida.
— Me imaginar aos beijos com um ex-namorado, quando sou a
“sua” namorada, não causa nada dentro de você? Ver este homem
andando atrás de mim pela festa, mesmo eu estando ao seu lado, não
abala você de maneira nenhuma?
Como eu já esperava, Daniel não disse uma única palavra, não
emitiu nenhum protesto, muito menos contestou o que eu disse. E nem
precisava, porque eu sabia a resposta. Nós sabíamos a resposta.
Capítulo 36
Ana
PASSEI POR ELE e caminhei até onde Bia estava esperando
por mim. Mais ao fundo, Richard aguardava o desfecho de tudo.
Ela veio logo para o meu lado, a testa franzida de preocupação.
Segurou a minha mão, apertando com força quando a sentiu trêmula e
úmida de suor frio.
— Vamos, amiga! Aguenta só mais um pouco e já estaremos
longe daqui — sussurrou, dando-me um olhar reconfortante e
encorajador.
— Então, tire-me logo daqui ou vou quebrar na frente dele! —
murmurei com a voz engasgada, agarrando-lhe a mão com desespero.
Bia não precisou ouvir mais nada. Resoluta, levou-me para fora
da sala, ignorando Richard e Daniel.
— Se James quiser mesmo nos levar, virá atrás. Caso contrário,
iremos de táxi — ela foi dizendo ao cruzarmos os corredores para a
saída da mansão, deixando para trás o som da música de Terri e a festa
de aniversário de Meghan. — Tivemos um azar muito grande de Daniel
nos encontrar. Ele foi mais rápido do que eu pensava. Tinha certeza de
que conseguiríamos sair daqui antes que ele nos encontrasse.
Eu não disse nada, ansiosa para me livrar do ambiente
sufocante da mansão dos Stevens. A minha mente só pensava em uma
coisa: ficar sozinha, chorar e dormir para esquecer. Aquele era o meu
padrão comportamental de sempre vindo à tona. Ele já estava tão
enraizado dentro de mim, que não conseguia agir de forma diferente.
Foi naquele exato momento que a minha mente registrou um
detalhe importante das palavras de Bia.
“Daniel foi mais rápido do que eu pensava.”
Não demorou muito para que eu matasse aquela charada e
parasse de andar abruptamente, apertando nervosamente a bolsa nas
mãos.
Virei-me para trás, vendo-o nos seguir a uma curta distância ao
lado de Richard, ambos com a expressão carregada e concentrados em
uma conversa sussurrada.
— Ana?! — A voz de Bia denotava surpresa com a minha
atitude.
Eles dois pararam também, com Daniel franzindo o cenho ao
olhar para mim.
Olhei para a bolsa que segurava. Com dedos trêmulos, abri e
retirei de lá o celular que ele havia me dado, colocando-o sobre um
elegante console de mármore que estava próximo. Com aquele gesto, eu
quebrava mais um elo que antes nos unia.
Não olhei para ele, apenas dei meia volta e segui ao lado de
Bia. Pegamos nossos casacos e fomos para a entrada da casa. Quando lá
chegamos, Richard surgiu, passando à frente e entregando a chave do
carro para um dos manobristas.
Fiquei estática, olhando fixamente para o nada. Fechei os
olhos, sentindo o vento frio soprar forte no meu rosto, querendo que
varresse para longe a dor que eu sentia.
Em poucos minutos, que para mim se arrastaram penosamente,
um reluzente carro preto parou ao nosso lado. Dei um passo para a porta
de trás, deixando que Bia fosse à frente para orientar Richard no
caminho da casa de Ashley.
Esperei que o manobrista abrisse a porta, mas foi o corpo alto
de Daniel que surgiu ao meu lado, adiantando-se para abri-la. Evitei
olhá-lo de frente, mas senti seu cheiro invadir o meu espaço, trazido
pelo vento.
Quando me aproximei para entrar, ele estendeu a mão com o
meu celular.
— Por favor, leve-o. Permita que continue cuidando de você.
— Ele usou um tom controlado e persuasivo, a voz grave fazendo
estragos no meu íntimo. — Não deixe que a raiva que está sentindo faça
com que corra riscos.
— Estarei com Bia e não correrei risco algum. — Olhei-o,
tentando aparentar segurança no que ia dizer. — Pode ficar tranquilo e
seguir com a sua vida, que eu seguirei com a minha. Não precisa se
preocupar comigo ou se sentir responsável por qualquer coisa. Estarei
bem e a partir de agora você está livre!
Eu me sentia péssima por ser vista como uma mulher incapaz
de cuidar de si mesma, quando antes tinha amado a preocupação dele
comigo ao me dar aquele celular. Fazia-me parecer uma garota idiota e
bobona quando comparada com a mulher autoconfiante e segura que era
Hillary. Dizer-lhe aquilo doeu, mas assim libertava Daniel para ficar
com quem quisesse
Não esperei mais nada e entrei no carro, puxando a porta e
fechando-a antes que ele pensasse em dizer alguma coisa.
Evitei chorar à medida que o carro percorria os quilômetros até
a casa de Ashley, ouvindo a conversa monossilábica entre Bia e Richard
sobre o caminho para chegarmos lá.
Eu já estava a ponto de ter um colapso nervoso e a única coisa
que pensava era entrar debaixo dos lençóis e esquecer aquela noite
horrível.
Respirei fundo e fechei os olhos, deixando a cabeça cair para
trás no encosto do banco.
Daniel, por que você fez isso comigo?
Tanto amor antes, para agora acontecer aquela traição. Será
que a Victoria estava certa e eles só terminaram porque Hillary não
aceitou desistir da carreira de modelo? Se fosse assim, talvez ainda se
amassem, por isso sempre voltavam quando se viam.
Oh, meu Deus, o que vou fazer agora?
Angustiada, virei o rosto para o lado, olhando as luzes da
cidade pela janela, e dei de cara com o Escalade preto seguindo ao lado
do carro de Richard.
O meu coração falhou uma batida, porque não imaginava que
ele estivesse a nos seguir. Por um momento fiquei sem ação, olhando a
janela do carro imponente. Mesmo com o vidro escuro, sabia que ele
estava na direção. Poderia até ser outro Escalade preto e não o dele, mas
eu sentia no coração que aquele era o Daniel.
O carro parou ao nosso lado quando o semáforo fechou e o
vidro escuro do motorista foi baixado. Ainda que eu tivesse dúvidas se
era ele, todas teriam ido abaixo quando a figura de Daniel surgiu, o
rosto forte e marcante com uma expressão tão sombria que me
surpreendeu.
Os olhos intensos bateram direto nos meus, prendendo-me com
a força da personalidade determinada que ele tinha. Não havia ali
desistência de espécie alguma, nem fraqueza ou mudança de objetivos.
Ao contrário, a mensagem estava muito clara para mim: ele não ia
simplesmente desaparecer da minha vida só porque eu o liberei.
Prendi a respiração, massacrando a bolsa de festa com mãos
tensas, o coração vacilando na minha determinação. Então, lembrei-me
dos seus lábios manchados com o batom de Hillary, da beleza inegável
dela e da angústia de vê-los conversando intimamente na festa. Imaginá-
los aos beijos foi o golpe final.
Decidida, quebrei o contato visual com Daniel, virando o rosto
para o outro lado. Segundos depois, ouvi o som potente do motor do
Escalade roncar alto quando ele acelerou e saiu em alta velocidade
assim que o sinal abriu, deixando-nos para trás.
Vê-lo ir embora causou uma estranha sensação de perda no
meu peito, mas procurei sufocá-la. Era melhor assim.
Só então olhei para a frente, cruzando com o olhar atento de
Richard pelo espelho retrovisor.
— Dê-lhe uma chance para se explicar quando estiver mais
calma. — Foi a única coisa que ele disse antes de colocar o carro em
movimento.
Bia se virou imediatamente para mim.
— Está tudo bem, Aninha?
O que dizer? Que o meu coração doía demais e que já sentia
saudades dele? Que queria gritar de raiva e, ao mesmo tempo, chorar de
dor? Que o amava desesperadamente, mas que também o odiava pelo
que fez?
— Sim, estou bem.
Ela pareceu satisfeita, apesar do olhar preocupado, voltando a
se acomodar no banco ao lado de Richard.
Fiquei olhando o movimento do trânsito pela janela, tentando
disfarçar a súbita ansiedade em saber que Daniel estava dirigindo
naquela velocidade pelas ruas de Nova York, quando habitualmente
conduzia o carro com muita moderação.
Lembrei que ele tinha bebido algumas doses de whisky na festa
e a minha preocupação aumentou. Depois percebi que aquele era um
pensamento bobo, afinal, Richard também havia bebido e estava
dirigindo em baixa velocidade. Se brincar, chegaríamos mais rápido se
estivéssemos em um táxi.
Os quilômetros foram sendo vencidos até deixarmos a parte
mais movimentada da rodovia para trás. Apesar de tudo o que
aconteceu, a minha preocupação com Daniel não diminuía. Era
impossível não ficar chateada comigo mesma por causa daquilo, mas
era um sentimento intenso demais e eu não me via com forças para
vencê-lo naquele momento.
Já estava pensando em fazer alguma bobagem, como pedir a
Richard que ligasse para Daniel, só para saber se ele estava bem,
quando um facho de luz potente iluminou a traseira do carro, fazendo o
meu coração saltar no peito.
O condutor do outro veículo piscou os faróis, fazendo sinal
para Richard. Pela altura da luz que incidia sobre o carro onde
estávamos, só podia ser o Escalade, e confirmei aquilo quando Richard
piscou as luzes em resposta. Era mesmo o Daniel!
Ele não foi embora!
Como que para provar aquilo, ele acelerou, alinhando o carro
enorme ao lado da minha porta. Daquela vez, ele não baixou o vidro,
apenas permaneceu lá por breves segundos antes de tomar a dianteira e
seguir à frente de Richard, guiando-o durante o restante do caminho até
a casa de Ashley.
Exausta daquela adrenalina toda, relaxei no banco.

Quando chegamos, Daniel estacionou do lado de fora, mas


Richard entrou pelos portões, deixando-nos em frente à entrada. Ele
desceu e veio abrir a porta para nós duas.
Fazia frio e o vento forte não ajudava em nada.
— Me dê a chave. — Richard estendeu a mão aberta para Bia.
Pensei que ela fosse recusar e começar uma nova discussão
com ele, mas milagrosamente apenas lhe entregou o chaveiro em
silêncio. Respirei aliviada, ansiosa para entrar, quando senti uma mão
segurar suavemente o meu cotovelo por trás e o corpo alto de Daniel
surgir ao meu lado.
— Venha, saia do frio. — A voz profunda combinava com a
expressão séria.
Igual à Bia, não discuti nem reagi negativamente ao seu toque,
apenas me deixei levar para a varanda coberta, enquanto esperávamos
que Richard abrisse a porta.
Feito aquilo, dei um passo à frente, mas Daniel não soltou o
meu braço de imediato, obrigando-me a olhá-lo.
— Amanhã após o almoço virei ver você e espero que esteja
mais calma e descansada para conversarmos, porque gostaria que
voltasse comigo para casa.
Tentei não demonstrar nenhuma emoção com aquelas palavras.
Daniel olhou para Bia, que acompanhava tudo ao lado de Richard, e
continuou.
— Chegarei pelas três da tarde. Você tem o meu número e
peço que ligue a qualquer momento, caso precisem de alguma coisa
antes disso.
Depois, apontou para a porta aberta, sem dizer mais nada.
Segurei a mão de Bia e entramos. Sozinhas na casa e longe
deles, nos abraçamos no hall, ouvindo o som dos carros indo embora.
Só então chorei tudo o que queria e tinha direito, soluçando nos braços
dela.
— Calma, Aninha — ela sussurrou com carinho, alisando o
meu cabelo. — Tudo vai passar.
— Q-quero voltar para o Brasil e fi-ficar com o meu p-pai. —
Solucei entre lágrimas.
— Oh, mas que merda esses homens! — ela xingou, apertando-
me com força. — Por agora vamos dormir. Amanhã, quando estivermos
mais calmas, resolveremos isso. Até eu estou nervosa hoje e não quero
me precipitar em decisões drásticas estando assim.
— Não vou mudar de ideia amanhã. Nunca mais quero ver o
Daniel, nem ficar nessa cidade amaldiçoada. Tudo aqui tem sido um
pesadelo para mim.
— Não diga isso, porque é mentira. Você passou momentos
maravilhosos com Daniel, apaixonou-se por ele e foi feliz aqui.
Só em ouvir aquilo chorei mais ainda, pois era a mais pura
verdade.
Eu o amava!
— Ai, meu Deus! Olha só a merda que eu fiz! — Ela se
recriminou ao me ver chorar, mas eu já não conseguia parar só para
tranquilizá-la. — Aninha, não chora, por favor. Vamos subir e tomar um
banho quente para relaxar. Vou lhe dar umas roupas minhas para dormir
e amanhã resolveremos tudo isso com calma.
Capítulo 37
Ana
NO DIA SEGUINTE, acordei me sentindo emocionalmente
massacrada. A primeira coisa que veio à minha cabeça foi que Hillary
realmente existia e que eu havia sido traída por Daniel.
Fechei novamente os olhos, recusando-me a voltar ao mundo
real.
Daniel, por quê?
Aquela pergunta não parava de martelar no meu cérebro
confuso, que procurava desesperadamente motivos para acreditar nele,
mas sem conseguir. Tentei me mexer, porém, não encontrava forças
para me levantar daquela cama, muito menos continuar vivendo o
drama que era a minha vida.
Na cama ao lado, Bia também se acordou, sentando-se e
olhando para mim. Não demorou para ela vir se deitar comigo,
abraçando-me.
— Estava só esperando você se acordar para conversarmos.
Na noite anterior, adormeci assim que encostei a cabeça no
travesseiro. O sono sempre foi o meu refúgio da dor e eu já sabia como
limpar a mente e me deixar levar para o nada. Daquela vez não foi
diferente.
— Estou em pedaços — disse-lhe tristemente.
— Aninha, estive a pensar. Deve haver uma explicação para o
que aconteceu e acho que vocês dois deveriam conversar. Tenho certeza
de que o Daniel é apaixonado por você.
Eu também tinha certeza daquilo até ontem à noite.
— Você a viu? Ela é simplesmente linda!
Bia respirou fundo antes de admitir.
— Sim, a Hillary é mesmo linda. Não é à toa que é um dos
anjos da Victoria’s Secret.
Olhei-a, abismada, pois cheguei a comparar a Hillary com uma
delas, mas tinha sido uma comparação à toa. Nunca ia imaginar que
fosse verdade mesmo.
— Tem certeza? — perguntei em um fio de voz.
— Tenho. Eu a reconheci assim que ela chegou na mesa atrás
de Daniel — Bia comentou com resignação.
Oh, meu Deus!
— Que homem vai querer ficar comigo quando pode ter aquela
mulher de sonho? — sussurrei, sentindo-me completamente arrasada. —
Eles são ex-namorados, o que significa que Daniel já a beijou imensas
vezes e fez amor com ela até cansar. Ai, Jesus, não sei se aguento
pensar nisso!
Afundei o rosto no travesseiro, sangrando por dentro.
Bia segurou o meu rosto e me forçou a encará-la.
— Para, Aninha! Você também é linda e só precisa se valorizar
mais. A Hillary pode ter tido mais oportunidades na vida do que você e
se transformado em uma supermodelo famosa, mas você não é menos
do que ela por causa disso. Coloque na sua cabeça que você é tão linda
fisicamente quanto ela, só que a sua beleza é natural e não fabricada.
Além disso, tem uma beleza interior que conquista muito mais do que a
exterior. E tenho certeza de que foi isso que atraiu o Daniel e o fez se
apaixonar por você.
— Você só está dizendo isso porque é minha amiga. —
Abracei-a com carinho. — Mas nós duas sabemos que não chego aos
pés dela.
— Pode chegar para o Daniel e é isso o que importa. — Ela fez
uma pausa, ficando pensativa. — Acho que está na hora de testar ele e
ver o quanto gosta de você.
Afastei-me, olhando-a com atenção.
— O que quer dizer com isso?
— Se o Daniel realmente a quer, se verdadeiramente gosta de
você e só de você, então, que lute e prove que não a traiu.
Eu não sabia se tinha forças suficientes para apostar naquilo,
agarrando-me a ilusões que poderiam facilmente se transformar em
desilusões. A sorte nunca esteve a meu favor desde que pisei em Nova
York.
— Não sei se tenho estrutura emocional para aguentar teste
nenhum — disse-lhe com sinceridade, encarando-a com um pedido de
desculpas nos olhos. — Ajude-me a voltar para o Brasil. É tudo o que
peço.
Ela suspirou, conformada.
— Tudo bem, vou tentar, mas não prometo conseguir. As
companhias aéreas não têm horários vagos assim da noite para o dia. —
Olhou-me com preocupação. — Teremos de pegar o seu passaporte e a
bagagem na casa de Daniel. Verei quem pode nos levar, porque algo me
diz que ele não vai facilitar as coisas para nós trazendo tudo para cá.
— Não pretendo vê-lo tão cedo — falei com convicção. —
Podemos aproveitar que ele ficou de vir hoje aqui para irmos à casa dele
na sua ausência. Carmencita me deixará entrar, então poderei pegar as
minhas coisas sem precisar falar com ele.
— Você está sendo covarde ao adiar o inadiável. Bem sabemos
que Daniel é determinado. Se ele realmente quiser você, não vai desistir
por causa disso. — Um sorriso suave curvou os lábios dela. — Okay!
Que ele comece a provar o quanto a quer!
Eu não apostava naquilo, mas pelo menos pegaria as minhas
coisas e ainda teria a possibilidade de antecipar a minha volta para o
Brasil, sem precisar falar com Daniel novamente.

Programamos sair antes do provável horário que Daniel estaria


vindo para a casa de Ashley, assim não corríamos o risco de nos
cruzarmos. Quem nos levaria seria a Julie, uma vez que o Jack e a
Ashley estariam fora, ambos envolvidos nos novos contratos de shows
que conseguiram para a Terri na festa dos Stevens. A garota foi
ovacionada durante a apresentação feita no aniversário de Meghan e
tudo indicava que foi aberta para ela uma porta no mundo do jet set.
Discreta e simpática, Julie fez o trabalho de nos levar com a
tranquilidade de sempre. Apesar de que tranquilidade nenhuma faria o
meu coração parar de bater acelerado daquele jeito. Eu me sentia
nervosa com a possibilidade de algo não funcionar naquele plano e
darmos de cara com Daniel.
Quando o carro entrou na rua dele, eu já tinha as mãos
transpirando. Limpei-as na calça, naquele vício terrível que tinha
quando estava nervosa demais.
— Talvez seja a hora de ligarmos para Carmencita — falei
para Bia assim que vi a mansão ao fundo.
Ela se virou para trás no banco, olhando para mim com um
sorriso confortador.
— Calma, ainda não chegamos lá. É melhor esperarmos uns
minutinhos para ver a movimentação da casa.
Estendi-lhe a mão, pedindo apoio. Ela a pegou e apertou com
carinho.
— Vai dar tudo certo — sussurrou.
— Estou nervosa — murmurei, sentindo-me sufocar de
ansiedade.
Bia olhou para Julie.
— Encoste aqui e vamos aguardar um pouco.
Feito aquilo, ficamos dentro do carro em expectativa até Bia
considerar que o tempo ideal havia passado.
Quase gemi de alívio quando ela abriu a bolsa para pegar o
celular, ligar para Carmencita e passar para mim. Fiquei segurando o
aparelho com as mãos úmidas, respirando fundo a cada toque sem que
ela atendesse. Quando achei que ia cair, por fim ouvi a sua voz.
— Carmencita! Soy yo, Ana.
— Niña Ana? — Era evidente a surpresa e a preocupação na
voz dela. — Oh, Madre de Dios! Donde estás, pequeña?
— Aqui fora. Queria que abrisse o portão para eu entrar.
Apesar de falar em português, eu sabia que ela me entenderia
bem. Não queria tocar no nome de Daniel nem dar explicações,
esperando que o carinho dela por mim a fizesse abrir o portão sem me
questionar nada.
Houve um longo tempo sem resposta, como se ela tivesse
ficado em choque, e aquilo deveria ter sido o meu primeiro alerta de que
algo não estava bem.
— Aquí en la casa?! — O tom era de urgência.
Tive a impressão de que ela estava andando com alguma pressa
dentro da casa e pensei que seria para abrir o portão.
— Sí. Estoy aquí — confirmei em espanhol.
— Virgen Maria! Solo un minuto, niña! — Foi a única resposta
que me deu.
— Sí.
No mesmo instante em que ela acabou de falar, o portão
começou a se abrir e soltei o ar preso nos pulmões, aliviada.
— Gracías, Carmencita. Vamos entrar — disse-lhe, dando um
sorriso trêmulo para Bia, que acompanhava a nossa conversa em
expectativa.
— Oh, no niña! No entrar!
O grito de Carmencita se perdeu com o ronco forte e potente do
motor do Lamborghini de Daniel saindo pelo portão. Soltei o celular e
me escondi atrás do encosto do banco de Bia, desesperada para que ele
não me visse. Mesmo sabendo que a distância em que estávamos era
segura, o medo tirou a minha percepção de tudo.
Daniel realmente não me viu, mas eu o vi quando o carro
passou em disparada ao lado do nosso. Mesmo com a velocidade que
dirigia, eu o vi perfeitamente bem, assim como vi Hillary sentada ao
lado dele.
O meu mundo ruiu completamente diante daquela cena e caí
para trás no meu banco, tapando o rosto com as mãos trêmulas. Estava
mais do que óbvio que eles passaram a noite juntos na casa dele,
enquanto eu estava com Bia na casa de Ashley.
— Filho da puta! — Bia xingou alto dentro do carro. — Entra
logo pelo portão, Julie! Vamos pegar as coisas de Ana!
As lágrimas explodiram sem que eu as pudesse conter e nem
me preocupei com o que Julie acharia daquilo tudo. A dor que sentia era
grande demais para pensar nos outros.
Senti o carro andar rápido e, logo depois, parar bruscamente
dentro da casa. Bia desceu, abriu a minha porta e se sentou ao meu lado,
trazendo-me junto ao peito em um abraço carinhoso.
— Vamos, amiga! Força! — sussurrou no meu ouvido. —
Precisamos ser rápidas, antes que Daniel resolva voltar por qualquer
motivo com aquela modelo vadia com quem anda.
Só de pensar na humilhação que seria para mim dar de cara
com os dois juntos, concordei com a cabeça, passando as mãos no rosto
para enxugar as lágrimas.
— Sim, vamos! — disse com a voz ainda embargada pelo
choro.
Ela pegou o celular e desligou, segurando a minha mão como
se eu fosse uma criancinha. E nem pensei em soltá-la, porque, naquele
momento, não me sentia outra coisa que não fosse uma menina perdida,
sem rumo e amedrontada.
Fomos em direção à porta da casa, que acabava de ser aberta
por uma Carmencita com a expressão desolada. Fiquei com pena da
pobre senhora, que tentou de todas as maneiras me impedir de ver o
Daniel saindo com a Hillary.
— Niña, Ana! — ela disse com os olhos nublados de
preocupação. — Lo siento mucho. Sinto muito!
Abracei-a com verdadeiro carinho, engolindo o choro por saber
que também deixaria de vê-la quando saísse pela última vez por aquela
porta.
— Estoy bien. — Tranquilizei-a, apesar de estar na minha cara
que nada estava bem.
Bia se adiantou, falando rapidamente com ela em espanhol para
explicar que íamos pegar as minhas coisas e ir embora logo.
Carmencita só concordava, olhando com atenção para mim,
mas depois nos levou para dentro. Assim que coloquei os pés no grande
hall, ouvi os latidos estridentes de Candy.
Oh, meu Deus! Como vou aguentar me despedir dela também?
Era muita perda de uma só vez!
Agachei-me e peguei-a, beijando-lhe a cabecinha enfeitada
com um lacinho cor-de-rosa.
— Oi, docinho. — Aconcheguei-a no meu peito e segui atrás
de Bia para as escadas.
Em poucos minutos arrumei as coisas que estavam no meu
quarto, mas vacilei na hora de entrar no quarto de Daniel, sem querer
ver os indícios da noite de amor deles dois.
Abri a porta de comunicação com a respiração presa no peito,
tanto por medo do que ia encontrar, quanto pela saudade dos momentos
que passamos juntos ali. Observei o ambiente masculino e, por fim,
soltei o ar, aliviada. Estava tudo normal e recolhi apressadamente as
minhas coisas, voltando para o meu quarto, onde Bia me ajudou a
guardar tudo na mala, sob o olhar preocupado de Carmencita e de
Candy, que andava inquieta em cima da minha cama.
— Pronto, acho que não falta nada.
— O seu passaporte? — ela perguntou de repente.
— Na bolsa — peguei-a sobre a poltrona e vasculhei lá dentro,
procurando-o.
Revirei tudo nervosamente, mas não o encontrei.
Olhei para Bia, mas ela já tinha percebido o que se passava e
tomou a bolsa da minha mão, virando tudo em cima da cama. Lá estava
o celular da mãe dela, a minha carteira, a passagem aérea, a nécessaire
de maquiagem, mas nada do passaporte.
— Tem certeza de que não guardou em outro lugar? — ela
perguntou com suavidade, já sabendo das minhas dificuldades de
memorização.
— Sim, tenho certeza — confirmei com segurança. — Estou
nervosa, mas não esqueceria isso.
Nós duas nos encaramos, desconfiadas.
— Ele pegou! — Bia disse com convicção. — Tenho certeza
absoluta de que o Daniel está com o seu passaporte e espero que seja
para lhe entregar. Garanto que se não for para isso, vou processá-lo, seja
ele CEO da S&Stevens ou não!
Fiquei sem reação por longos segundos, incapaz de raciocinar
direito, com muitas possibilidades passando pela minha cabeça confusa.
— Eu não quero ser obrigada a ver o Daniel de novo para
reaver o meu passaporte. — Foi a única coisa que consegui dizer.
— Não se preocupe, eu farei isso no seu lugar. — Ela me
tranquilizou com firmeza. — Agora, é melhor irmos embora logo daqui
enquanto ainda temos tempo.
Juntei as minhas coisas espalhadas sobre a cama e joguei na
bolsa, pegando a Candy ao colo.
Bia pegou a minha mala e descemos, encontrando com Julie na
sala. Quando chegamos ao hall, virei-me para Carmencita, que nos
acompanhava em silêncio.
Abracei-a, deixando que a Candy ficasse no meio de nós duas,
já sentindo aquela dor familiar no peito por estar me despedindo delas
para sempre.
— No lo sé qué pasó — ela disse, mas se corrigiu depois,
tentando falar em português. — Não sei o que aconteceu, mas sei que te
ama.
Ela estava com a voz embargada de emoção, fazendo-me
segurar a vontade de chorar também ao perceber não só o carinho que
sentia por mim, mas por vê-la acreditar que Daniel me amava.
— Vamos, Ana! — Bia me apressou com razão, uma vez que
nada garantia que ele não voltasse a qualquer momento.
Afastei-me dela e dei vários beijinhos em Candy, o coração
doendo por deixá-las. Entreguei-a com um sorriso conformado,
mordendo os lábios com força para não chorar.
Virei-me depois e fui embora com Bia e Julie.
Capítulo 38
Ana
— O QUE FAREMOS se ele ainda estiver lá quando
chegarmos? — perguntei à Bia no caminho de volta para a casa de
Ashley.
— Não sabemos o tempo que Daniel vai levar para se livrar
daquela vaca!
— Puedes hacer un paseo — Julie falou em espanhol, dando
aquela sugestão em tom suave, parecendo consternada com a situação.
— Conocer Nueva York. Un turismo seguro ya que Ana está sin
pasaporte.
— É isso! Vamos passear! — Bia aceitou com entusiasmo,
virando-se depois para mim no banco de trás. — É melhor do que você
ficar em casa chorando pelo Daniel ou corrermos o risco de o
encontrarmos lá. Afinal, estamos de férias. O que acha?
Ela tinha razão e apesar de me sentir aos pedaços, concordei.
Precisava me distrair de alguma maneira ou enlouqueceria pensando no
fim do meu namoro com Daniel.
— Sim, vamos passear.
Bia estendeu a mão para mim.
— Me dê o seu celular. É melhor desligarmos ele para evitar
estresse.
Eu não havia pensado na possibilidade de Daniel me ligar caso
não nos encontrasse na casa de Ashley. Bia tinha novamente razão e por
isso passei-o para ela, que o desligou e enfiou na bolsa.
— Agora vamos turistar.
Julie foi uma excelente guia turística, mostrando uma Nova
York diferente. O nosso destino foram as lojas de um shopping, um
turismo tipicamente feminino, que aproveitei mais do que esperava a
princípio. Apesar de estarmos longe da agitação das ruas, o movimento
intenso do lugar acabou por me distrair um pouco. O difícil era arrancar
o Daniel do coração e, de tempos em tempos, a minha mente voltava
para ele.
Naquela luta entre coração e razão, em determinado momento
bateu em mim um cansaço súbito, talvez um reflexo de todo aquele
desgaste emocional junto com as poucas horas de sono. No início não
quis me queixar, mas chegou uma hora em que foi impossível ficar
calada.
— Vamos fazer uma pausa? É que estou precisando me sentar
e descansar ou terei de ser carregada de volta ao carro.
Para o meu alívio e felicidade, elas concordaram prontamente e
Julie nos levou para um restaurante acolhedor. Só vim descobrir o
motivo da minha indisposição quando fui ao banheiro com Bia e vi que
tinha um pequeno sangramento na calcinha, que indicava a chegada do
meu ciclo menstrual.
Aqueles quinze dias em Nova York foram tão intensos que
nem notei que já estava perto de menstruar novamente.
Quinze dias amando Daniel loucamente.
Aquele seria o dia em que eu estaria no aeroporto voltando ao
Brasil, caso não tivesse atendido ao pedido dele de aumentar o meu
tempo de férias em Nova York.
Mordi o canto da boca e engoli a emoção, procurando não dar
muita atenção ao fato, mesmo sentindo como se menstruar fosse um
sinal de que tudo realmente havia acabado entre nós. Apesar de todo o
meu drama de engravidar e de ter um filho disléxico, uma tristeza
estranha se abateu sobre mim.
Não! Estou aliviada, é isso.
Abri a portinhola do cubículo onde estava, olhando ao redor do
banheiro até encontrar Bia secando as mãos.
— Bia, vem cá!
Ela parou a secagem e se aproximou, preocupada.
— O que foi?
— Menstruei e não tenho nada comigo.
— Eu tenho. — Ela abriu a bolsa e me deu um absorvente. —
Espero que dê, porque não tenho outro comigo agora. Só na casa de
Ashley.
— Dá, sim. Vem pouco no meu primeiro dia.
Quando fui lavar as mãos, ela prontamente comentou que era
bom não ter mais de se preocupar com uma gravidez.
— Imagina só descobrir que está grávida depois de uma traição
dessas! Graças a Deus que isso não aconteceu.
Eu não disse nada, incapaz de emitir qualquer palavra sem
deixar transparecer a minha tristeza. Engoli o choro, a autopiedade ou
seja lá que nome pudesse dar para aquela dor que sentia.
Saímos do banheiro e voltamos à mesa, onde Julie nos
aguardava. Procurei esquecer o Daniel de vez e aproveitar a refeição.
— Nem percebi que estava com tanta fome — disse, assim que
comecei a comer.
— Nem eu — Bia admitiu, rindo. — Bater perna em shopping
é um prejuízo financeiro dos dois lados. Compras e comida!
A comida era excelente e durante um bom tempo ficamos
caladas, cada uma concentrada no seu prato.
Eu estava escolhendo uma sobremesa quando me assustei com
a exclamação de Bia. Ela estava tapando a boca, olhando chocada para
uma das televisões do restaurante.
— Olha isso, Aninha!
— O que foi?
Acompanhei o olhar de Bia e prestei atenção à reportagem.
Uma jornalista na rua segurava um microfone, com alguns carros de
polícia atrás dela. Tentei entender o que dizia, mas a mulher falava
rápido demais e o meu precário inglês não serviu de nada.
— Uma brasileira foi encontrada morta aqui em Nova York.
Fiquei horrorizada, com um sentimento inexplicável de
insegurança percorrendo o meu corpo. Sentindo-me mal com o tema da
reportagem, assisti a cena de um corpo coberto por um pano ser
carregado em uma maca. Logo depois, apareceu a foto de uma garota
linda, sorridente, de longos cabelos castanhos. Ela aparentava ter quase
a minha idade, parecia muito feliz e cheia de vida. Saber que estava
morta era triste demais.
— O que aconteceu com ela?
— Eles não sabem, ainda estão investigando. Estava
desaparecida, mas agora encontraram o corpo.
— Ai, que horror, Bia! Até dá medo!
— Um pouquinho — ela admitiu a contragosto. — Mas já
houve outros casos idênticos de brasileiras mortas aqui, segundo diz a
reportagem. Infelizmente, agora tem mais uma para entrar na lista das
que morreram nos Estados Unidos. O pior é que poucos casos são
investigados a fundo e, às vezes, ninguém sabe o que aconteceu ao
certo.
Julie entrou na conversa, tentando nos tranquilizar, mas a
continuação da reportagem não ajudava muito. Quando percebi, já
estava sentindo falta da segurança que sentia quando estava com o
Daniel. Agora, eu entendia que a preocupação dele comigo na cidade
tinha fundamento.
E pensar que ainda me perdi naquele parque e quase fui
estuprada!
Assistindo aquela reportagem e ouvindo sobre tantos outros
casos, não restava dúvida de que eu teria sido assassinada também.
— Acho melhor mudar de assunto ou volto amanhã mesmo
para o Brasil.
— Não precisamos nos preocupar, Aninha. Estamos seguras.
Julie concordou, dando um sorriso tranquilizador e mudando
imediatamente de assunto.
O tempo foi passando e esquecemos da reportagem, entretidas
em discutir o que vimos nas lojas e o que mais poderíamos conhecer no
dia seguinte.
Ficamos concentradas no assunto até que uma voz masculina
nos interrompeu, bem ao meu lado.
— Ora, mas que feliz coincidência! É um prazer encontrá-las
aqui.
Virei-me, vendo Arthur Montenegro de pé, muito elegante e
charmoso, com um enorme sorriso no rosto.
Não acredito! É muita coincidência mesmo!
Senti logo o pé de Bia cutucando o meu com a ponta do sapato.
— Oh, olá, Arthur — ela disse, sorrindo-lhe educadamente. —
É realmente uma grande coincidência, pois nunca esperaria encontrá-lo
aqui.
O sorriso dele não diminuiu, ao contrário, pareceu até
aumentar.
— Também ando em shoppings como o resto do mundo! — ele
brincou, olhando depois para mim. — Posso me sentar?
Já era a segunda vez em menos de vinte e quatro horas que ele
se sentava em uma mesa conosco.
— Claro! — Bia se adiantou na resposta, tirando a bolsa da
cadeira ao lado dela. — Fique à vontade.
Ele realmente ficou, mas foi à vontade em uma cadeira ao lado
da minha, ignorando a que ela desocupou.
Nós duas trocamos um olhar de entendimento, até que a única
opção foi relaxar mesmo. O “estar à vontade” de Arthur passava por nos
entreter com uma conversa leve e divertida, que, mesmo a contragosto,
fez-me rir junto com elas.
A Julie parecia estar mais do que encantada com ele, pois eu
nunca a tinha visto rir tanto.
Sentado ao meu lado, em determinado momento ele colocou o
braço no encosto da minha cadeira, um gesto que parecia estar se
tornando um hábito natural para ele. O problema era que eu não me
sentia confortável com a aproximação nada discreta dele e comecei a
cutucar o pé de Bia sob a mesa, incitando-a a encerrar a refeição.
Se eu fizesse aquilo, ficaria muito na cara que estava
incomodada e não queria ser indelicada, uma vez que ele realmente era
muito agradável e educado.
— Arthur, a companhia está muito boa, mas acho que já está na
nossa hora. Temos ainda um bom percurso até a casa de Ashley.
O comentário de Bia pareceu despertar Julie do transe
“Arthurniano” pelo qual passava. Ela soltou um gritinho de surpresa ao
olhar o celular e ver as horas.
— Oh, sim! Infelizmente, temos mesmo que ir.
As duas pegaram as bolsas para acertar a conta, mas ele as
impediu, insistindo em pagar.
— Sinto-me honrado em cuidar de três mulheres tão lindas.
Sem falar que foram muito simpáticas comigo, permitindo-me
acompanhá-las. Ficarei ofendido se não me deixarem assumir esta
despesa. E espero poder repeti-la em breve.
Eu fingi que não entendi aquela última parte, começando a
ficar ansiosa para sairmos logo dali. Arthur era uma boa companhia e eu
até havia gostado da conversa bem humorada dele, mas as insinuações
constantes para o meu lado tiravam parte do prazer da sua presença.
Não sei o que o Arthur tinha visto em mim, mas a última coisa
que eu queria era ter alguma coisa com ele.

— Vou ligar para Ashley e saber como estão as coisas em casa.


Mesmo tentando disfarçar a ansiedade, foi impossível não ficar
tensa enquanto acompanhava a conversa de Bia pelo celular. Já era noite
e eu tinha certeza de que Daniel não estaria mais me esperando sendo
tão tarde.
Quando ela desligou, olhei-a em expectativa.
— Ashley também estava fora de casa e não sabe de nada. Vai
falar com a empregada e depois me liga dizendo algo.
Relutei em perguntar, mas não aguentei e soltei logo.
— Ele me ligou?
Ela conferiu o meu celular e confirmou.
— Ligou algumas vezes. — Mas não disse quantas e talvez
fosse melhor nem saber mesmo.
Fechei os olhos e me deixei cair no encosto do banco, lutando
contra a saudade que teimava em ficar. O amor só era bom quando
correspondido, porque o contrário daquilo era ruim demais.
Que merda!
Não esperamos muito até Ashley ligar de volta. Aguardei que
Bia falasse com ela para me dar notícias.
— Ele esteve lá e aguardou um bom tempo pelo nosso retorno.
Depois foi embora, alegando que tinha uma reunião muito importante
logo de manhã, mas pediu para avisar a você que vai retornar à tarde. —
Então, ela suspirou, chateada. — Espero que volte mesmo ou teremos
de ir novamente à casa dele. Precisamos pegar o seu passaporte de volta.
Parecia fácil falando daquele jeito e eu só esperava que fosse
mesmo, afinal, também precisava devolver para ele as joias que me deu
para usar na festa.
Durante todo o caminho de volta à casa de Ashley tentei não
pensar muito em Daniel. Quando chegamos, fui direto para o quarto,
cansada demais para qualquer tipo de conversa. Também não queria
cruzar com o Jack pelos cômodos da casa.
Depois de um banho rápido, caí na cama e tive a sorte de
dormir logo depois. Como sempre, o meu refúgio era o sono.
Capítulo 39
Ana
NO DIA SEGUINTE, fui acordada por Bia, mas ainda não me
sentia disposta a me levantar da cama.
— Ainda tenho sono — resmunguei mal-humorada.
— Já é tarde! Não tem fome?
— Não, só quero dormir — respondi sem abrir os olhos,
virando-me para o outro lado.
— Tudo bem, descansa.
Não sei quantas horas a mais dormi, até ouvir a voz preocupada
dela ao meu lado.
— Aninha, você está melhor?
Ela estava debruçada sobre mim, tentando ver o meu rosto
virado para a parede.
Sentia-me bem melhor e girei o corpo para vê-la.
— Estou — respondi, bocejando e olhando-a com carinho. —
Não se preocupe, estou bem. Acho que fui muito abaixo com tudo o que
aconteceu, só isso.
— Pode ser da menstruação.
— Também.
— Quer algum remédio?
Pensei bem sobre aquilo, mas no fundo só sentia uma leve
cólica que não justificava tomar nada agora.
— Ainda não é preciso — garanti. — Vou tomar um banho e
me levantar. Não quero atrasar o nosso passeio.
— A Julie vai nos levar novamente. Jack estará com muitos
compromissos de trabalho nos próximos dias. Ele só poderá nos
acompanhar à noite e mesmo assim apenas quando não houver nenhum
show de Terri.
Escondi a minha satisfação com aquela notícia e não comentei
nada.
— Não demoro.
Peguei as minhas roupas, o material de higiene e fui para o
banheiro. Quando voltei, estava mais do que intrigada.
— Que estranho — disse, sentando-me na cama.
Ela retocava a maquiagem em frente ao espelho, mas parou
quando viu a minha cara.
— O que foi que aconteceu?
— O absorvente amanheceu limpo — falei, confusa. —
Geralmente o meu segundo dia vem com muito fluxo.
Ela veio se sentar ao meu lado na cama.
— E não veio mais nada?
— Não. Só aquele pouquinho de ontem.
Bia ficou quieta, pensativa.
— Talvez ainda desça.
Uma palavra indefinida.
— É, talvez.
Foi quando nos encaramos, desconfiadas.
— Aninha, Aninha, não estou gostando disso. — Ela ficou
girando o batom nas mãos. — Fizemos as contas da sua última
menstruação direitinho e não havia risco algum, porque você havia
acabado de menstruar alguns dias antes da viagem. A menos que
falharam no preservativo.
Quase aconteceu, mas não houve falhas.
— Usamos todas as vezes depois daquele dia — afirmei com
convicção.
— Falando assim, até parece que o local das suas férias foi a
cama de Daniel e não Nova York.
Senti o meu rosto ficar vermelho de vergonha, mas ela tinha
razão. Desde a primeira vez que fizemos amor, nunca mais paramos,
exceto nas duas últimas noites depois da festa.
Bia nem notou o meu constrangimento, já fazendo contas.
— Deveríamos ter voltado ao Brasil ontem, então, estamos
com dezesseis dias em Nova York. Você disse que menstruou antes de
virmos. Vamos acrescentar mais uns sete dias do ciclo menstrual e já
temos pouco mais de vinte e um dias.
— Vinte e um dias é muito cedo para um outro ciclo —
interrompi, ansiosa.
O olhar dela não me tranquilizou.
— Depende de você ter anotado bem o dia da sua última
menstruação. Se já estava no período fértil antes de começarem a usar o
preservativo, literalmente isso fodeu tudo. Eu avisei!
Fechei os olhos, sem querer acreditar naquilo.
— Diga-me que é muito cedo — pedi, segurando a mão dela.
Em vez de responder, ela devolveu com uma pergunta.
— Sente algum daqueles sintomas típicos de gravidez?
Até gemi quando ouvi aquilo.
— Não sinto nada de diferente em mim.
Ela parou para pensar.
— Também nunca engravidei para saber todos os sintomas, por
isso não sou a melhor pessoa para analisar se você está ou não. — Ela
pegou o celular e começou a fazer pesquisas. — Sintomas da
fecundação: leve cólica, inchaço abdominal, ligeiro corrimento rosado,
cansaço, sonolência, dor de cabeça leve, seios sensíveis e inchados.
Engoli em seco, cada vez mais nervosa e, instintivamente,
apalpei os meus seios doloridos.
— Pensei que fosse da menstruação chegando. A cólica
também — falei, sem acreditar no que estava acontecendo comigo. —
Eu estava cansada ontem, mas achei que fosse esgotamento dos últimos
dias.
Ficamos olhando uma para outra, até ela contrair a boca e
voltar ao celular.
— O site de uma clínica de reprodução daqui de Nova York diz
que o sangramento vaginal ocorre entre dez a quatorze dias depois da
fecundação e que só dura um dia. Isso acontece quando o óvulo é
fecundado e consegue aderir à parede do útero com sucesso. A partir
daí, eles consideram que a mulher está realmente… — Ela olhou para
mim com os olhos arregalados de choque. — Grávida!
Dez a quatorze dias após a fecundação. Aquele era o meu
período de tempo com Daniel e só usamos o preservativo bem depois da
primeira vez.
— Dez a quatorze dias — murmurei, abalada.
Coloquei a mão sobre a barriga, descendo até o ventre.
Meu Deus! Será?!
“Quando o óvulo fecundado consegue aderir à parede do útero
com sucesso.” Aquela frase ficou se repetindo na minha cabeça,
enquanto eu me perguntava se o meu filho com Daniel havia
conseguido fazer aquilo.
Bia nem percebeu o meu total estado de choque, continuando a
mexer freneticamente no celular.
— Um outro site diz que é de seis a doze dias depois.
Mesmo sendo péssima em fazer cálculos, eu sabia que o tempo
conspirava contra mim. Sem dúvida alguma que eu e Daniel havíamos
feito amor vezes suficientes dentro daquele período para eu estar
realmente grávida.
— Bia, o que é que eu faço?
Eu sabia que era uma pergunta boba, mas nunca me senti mais
confusa e desorientada na minha vida do que naquele momento.
Ela suspirou, preocupada.
— Não vamos nos desesperar por tão pouco. Podemos estar
fazendo esse drama todo e amanhã sua menstruação chegar. O melhor é
aguardar mais uns dias. Só depois faremos um teste de farmácia — ela
decidiu, dando-me um sorriso encorajador. — Não estou preparada para
ser tia agora, portanto, deve ser um alarme falso.
Capítulo 40
Ana
VOLTAMOS DO PASSEIO no final da tarde, que foi um
misto de prazer e tormento para mim.
Já totalmente ciente de uma possível gravidez e atenta ao meu
corpo, passei a sentir coisas que antes nem percebia. Foi quando
comecei a achar que me deixei sugestionar pelos sintomas que Bia
falou. Sentia-me pesada e sem energia, como se só conseguisse fazer as
coisas em câmera lenta. Passei a notar muito mais a sensibilidade dos
seios e a cólica, leve o suficiente para não incomodar, mas persistente o
suficiente para não me deixar esquecê-la.
Todas as vezes que tive oportunidade, fui ao banheiro para ver
se havia menstruado, sempre com a esperança de ver um sangramento
qualquer que indicasse a menstruação. Mas nada. Absolutamente nada.
Bia olhava para mim, preocupada, esperando uma confirmação
e a única coisa que eu fazia era negar com a cabeça.
Além daquele estresse, ainda havia a grande expectativa de
rever Daniel. Eu não conseguia me esquecer de que ele ficou de retornar
à tarde, quando estivesse livre das reuniões na empresa.
Mesmo contra a minha vontade, fiquei aguardando
ansiosamente, irritada comigo mesma por estar daquele jeito. Eu
esperava sentir por ele uma raiva igual a que senti com a traição de
Bruno, mas me pegava com saudades de Daniel e aquilo estava me
matando por dentro. Era difícil tirar da mente a visão do batom
vermelho de Hillary na boca dele, assim como o fato de ter visto os dois
saindo da casa de Daniel no Lamborghini. Doía me lembrar de tudo
aquilo.
Tentando aparentar uma tranquilidade que não sentia, desci do
carro e acompanhei Bia e Julie para dentro de casa. Não havia nenhum
dos carros de Daniel estacionado lá, mas em seu lugar tinha um outro.
Bia e eu trocamos um olhar em expectativa.
Assim que ultrapassamos o hall, já deu para ouvir uma voz
masculina conhecida, o que me fez encarar Bia.
Mas o que Arthur Montenegro faz aqui? Primeiro no
restaurante e agora na casa de Ashley?
Sem acreditar naquilo, entramos e vimos uma Ashley
sorridente conversando alegremente com ele na sua aconchegante sala
de estar.
Emocionalmente esgotada e fisicamente cansada do jeito que
eu estava, tudo o que eu queria era subir e ficar sozinha no quarto, mas
fui obrigada a permanecer com eles o tempo necessário para não ser mal
educada.
— Eu não sabia que você conhecia os Spencer, Arthur — Bia
comentou com um sorriso suave, mas eu sabia que ela estava sondando
a situação.
— Na verdade, nos conhecemos na festa de Meghan, logo
depois da apresentação de Terri. — Ele olhou para Ashley. — E preciso
dizer que foi uma apresentação sublime.
Ela ficou encantada com o elogio ao talento da filha e
rapidamente percebi como foi que Arthur havia conseguido estar agora
sentado naquela sala. Claro que a garota era talentosa, mas, sem dúvida
alguma, ele usou do charme que possuía para alcançar seus objetivos.
O que me intrigava eram os objetivos de Arthur Montenegro.
Inquieta, rezei para não fazer parte deles.
Fiquei divagando enquanto a conversa social decorria na sala,
até que o som da campainha tocando interrompeu os meus pensamentos.
Imediatamente fiquei alerta, pensando se era o Daniel. Não demorou
muito para descobrir aquilo, pois foi justamente o timbre grave da voz
dele que se fez ouvir no hall, quando a empregada lhe abriu a porta.
Ashley se levantou para ir recebê-lo e dei graças a Deus por
estar sentada de costas para a entrada da sala, assim poderia me refazer
do choque antes que entrassem.
Com as mãos crispadas no colo, ouvi o Richard saudando a
dona da casa. Sem entender o motivo da presença dele na casa de
Ashley, olhei para Bia sentada à minha frente, que entreabriu a boca em
um “oh” de surpresa.
Logo depois, ouvi uma voz feminina cumprimentando Ashley
em inglês e gelei por dentro, trocando um olhar estarrecido com Bia.
Como Daniel ousou trazer Hillary para cá?
Arthur franziu a testa ao ouvi-la e depois se levantou, ficando
de pé em uma atitude estranhamente preocupada.
Sem conseguir controlar a indignação, levantei-me do sofá e
me virei no momento exato em que todos entravam na sala. Daniel
estava com uma expressão séria, que ficou mais carregada ainda quando
seus olhos bateram direto em Arthur e ambos se encararam com
animosidade.
Richard vinha logo atrás, com uma Hillary estranhamente
nervosa no meio deles.
Sem perceber nada de estranho naquela reunião surreal, Ashley
agiu como a anfitriã perfeita, apresentando Arthur aos três. Não houve
apertos de mãos nem sorrisos amistosos e o clima pesou logo depois.
Daniel desviou sua atenção de Arthur e olhou para mim,
analisando-me por inteiro com um único olhar profundo. Tive a
impressão de que ficou satisfeito com o que viu, porque a tensão do
rosto pareceu diminuir. Virou-se depois para Ashley, falando-lhe em
espanhol com cortesia.
Pelo que entendi, ele pedia desculpas por invadir a casa
daquele jeito, mas que, se fosse possível abusar um pouco mais da
generosidade dela, gostaria de conversar em particular comigo.
Comigo e em particular? Nem pensar!
Dei um passo para o lado, decidida a sair da sala, mas Bia
segurou o meu braço discretamente, apertando-o em um gesto de alerta.
— Quero saber porque ele trouxe essa vadia aqui — ela
sussurrou para mim em segredo, aproveitando que eles continuavam
conversando.
— Mas eu não! — A última coisa que eu queria era ficar
novamente frente a frente com Daniel e Hillary.
— Eu ficarei com você.
Educadíssima, Ashley disse para Daniel que se sentisse à
vontade para usar o seu escritório, pois ela continuaria conversando com
Arthur na sala. Pela cara de Daniel e de Arthur, não senti que eles
gostaram daquele arranjo, como se achassem que a casa era pequena
demais para os dois.
Ashley nos guiou para o seu pequeno escritório, que em nada
se assemelhava ao espaçoso escritório que Daniel tinha na casa dele. O
ambiente pareceu sufocante quando a porta foi fechada e um silencioso
Richard se colocou à frente dela, dando a impressão de que ninguém
sairia sem que ele permitisse.
Senti o olhar de Daniel sobre mim, mas evitei encará-lo.
— Ana — ele me chamou, aproximando-se ao ver que me
esquivei do seu olhar.
Parou bem à minha frente, tão perto que quase nos tocávamos.
Procurei não vacilar, mantendo-me firme no mesmo lugar.
— Sei que não deve ser fácil para você vê-la aqui, mas trouxe
Hillary para que seja ela a lhe dizer o que aconteceu na festa — falou
com a voz baixa para que apenas eu ouvisse.
Pega de surpresa com aquilo, ergui a cabeça para o encarar.
Com os saltos baixos que usava, Daniel se impunha com sua altura
diante de mim e o impacto do olhar intenso me abalou.
Merda!
Lá estava aquela emoção profunda brilhando nos olhos dele,
que senti me devorarem.
— Você não acreditou no que eu disse e concordo que as
circunstâncias estavam todas contra mim. Foi só por isso que trouxe a
Hillary. — Ele continuou mantendo o tom de voz baixo, excluindo os
outros da conversa. — Viemos ontem, mas você não estava.
— Eu os vi saindo juntos da sua casa. — Fiz questão de dizer,
para que não perdesse tempo tentando me fazer acreditar em mentiras.
Daniel fez um gesto de assentimento com a cabeça.
— Carmencita me informou e sinto muito que tenha visto mais
uma cena que me compromete, mas garanto que só estava trazendo
Hillary para cá — ele disse, sem esconder a preocupação na voz. — Sei
que nada do que eu disser vai apagar da sua mente o que viu, exceto,
talvez, ouvir tudo pela boca dela, que foi quem causou toda esta
confusão.
— E por que devo acreditar no que ela vai dizer? Vocês podem
ter combinado tudo.
Ele respirou fundo, parecendo se encher de paciência para
continuar.
— Não sou homem de meias-palavras e você sabe disso —
falou naquele tom de voz seguro e incontestável que tanto o
caracterizava. — Entenda que se eu quisesse ficar com ela, não estaria
aqui agora lutando para esclarecer tudo com você. Simplesmente lhe
dava as costas e seguia a minha vida. Só que a minha escolha nunca foi
ela. Nem antes, nem agora. A minha escolha é você!
A determinação com que ele disse aquilo foi tão forte que senti
o meu corpo responder de imediato, com o coração batendo acelerado e
a paixão que sentia por ele explodindo dentro de mim. Eu estaria
mentindo se dissesse que não estremeci de prazer com aquelas palavras
firmes, além do brilho de desejo e posse nos olhos escuros.
Acho que deixei transparecer o que sentia, porque ouvi a
inspiração profunda que ele deu.
— Senti a sua falta ontem à noite — disse, pegando em minha
mão.
Oh, não! Ele não vai me ter de volta tão fácil assim!
Havia muito o que explicar e o meu coração ainda doía ao
imaginá-lo com Hillary nos braços.
— Não me toque — sussurrei, afastando a mão para longe.
O maxilar dele endureceu quando comprimiu os lábios tensos.
— Hillary! — Elevou o tom de voz, chamando-a bruscamente.
A mulher, que na festa parecia tão autoconfiante, deu um passo
incerto em nossa direção, os olhos ansiosos fixos nele.
Daniel lançou um olhar frio para ela e falou alguma coisa em
inglês. Hillary se aproximou mais, deixando-me insegura ao ver sua
beleza tão de perto e à luz do dia. Aos meus olhos, ela era fisicamente
perfeita!
— Hillary não domina muito bem o espanhol e vai falar em
inglês, mas Bia poderá traduzir tudo para você.
Bia chegou mais perto de onde estávamos, colocando-se ao
meu lado. Durante os minutos seguintes, fiquei escutando-a traduzir o
que Hillary estava falando. A mulher confirmou o fim do namoro com
Daniel meses atrás por decisão dele. Disse que não se conformou e que
tentou reatar, mas ele não quis. Ela ficou sabendo que Daniel estava
com uma nova namorada e viu na festa uma oportunidade de nos
separar. Admitiu ter planejado ficar a sós com ele para deixar indícios
de traição e foi por isso que o beijou, deixando as manchas de batom.
A história parecia básica e coerente, mas vi uma falha ali.
— Pergunte como conseguiu afastar Daniel da festa, já que ele
não tinha mais interesse em voltar para ela.
Para mim, não havia lógica nenhuma no que Hillary disse. Eu
os vi juntos e foi Daniel quem a segurou pelo braço e tirou do salão
onde acontecia a festa.
Senti que ele ficou tenso ao ouvir o que eu disse. Percebi de
imediato que não esperava por aquela minha pergunta. Claro que Daniel
não contava com aquilo, afinal, ele não sabia que eu os vi juntos antes
de o encontrar “por acaso” na minha suposta ida ao banheiro.
Bia traduziu a minha pergunta para ela, que pareceu surpresa.
Porém, Hillary foi rápida na resposta, dizendo que não precisou afastar
Daniel da festa. Ela o viu saindo do salão e foi atrás, abordando-o longe
de lá.
Paralisei quando ouvi aquilo, pois sabia que era a mais pura
mentira.
O meu coração disparou e senti uma vontade insana de
esbofetear a cara perfeita dela. Sem dúvida alguma, Hillary não era
apenas uma modelo famosa, mas também uma grande atriz.
Se havia algo que eu abominava, eram duas mulheres batendo
uma na outra por causa de um homem e não seria agora que eu entraria
em uma briga de tapa por ninguém.
— Bia, por favor, repita a pergunta para ela.
Bia olhou para mim, admirada, mas fez o que pedi.
Daquela vez, Hillary ficou calada, desviando o olhar para
Daniel. Foi uma rápida fração de segundo, mas o suficiente para me dar
a certeza de que a verdadeira resposta era algo que ele não queria que eu
soubesse. E, pelo jeito, ela sabia daquilo, porque seu olhar era de quem
perguntava o que fazer.
Aquele entendimento mudo entre eles dois foi o suficiente para
trazer a minha raiva de volta e me fazer sentir novamente enganada e
traída. Pareciam cúmplices e aquilo doeu dentro de mim.
Encarei o Daniel, vendo-o vacilar pela primeira vez desde que
o conheci.
— O que você tem a me dizer sobre isso?
Capítulo 41
Daniel
NUNCA UMA PERGUNTA me pareceu tão difícil de
responder quanto aquela de Ana. Com trinta e dois anos e depois de ter
levado praticamente sozinho a S&Stevens na última década, aquela era
a primeira vez que eu me via sem uma resposta imediata para dar.
Eu poderia insistir na versão que Hillary havia acabado de
contar, mas aquele meu instinto que não falhava me alertou de que Ana
não estava blefando ao fazer aquela pergunta. Ela era autêntica demais
nas suas emoções para fingir a revolta e a raiva que eu via em seus
olhos. Tive uma estranha certeza de que ela sabia de algo que eu
desconhecia e que aquilo poderia ser a minha ruína.
Estava óbvio que se sentia enganada novamente e com toda a
razão. Mas como lhe contar toda a verdade sem que ficasse mais
magoada ainda comigo e eu corresse o risco de a perder
definitivamente?
Pela milésima vez desde a festa de Meghan, arrependi-me
amargamente do envolvimento que tive com Hillary. Quando terminei
tudo da última vez, não esperava cruzar novamente com ela em tão
pouco tempo, muito menos na casa dos Stevens e estando com Ana ao
meu lado.
Encontrá-la justamente na festa de Meghan foi uma
desagradável surpresa.
Na noite da festa
— Daniel, darling!
Parei bruscamente quando reconheci aquela voz e logo depois
senti uma mão segurando o meu braço. Mais do que irritado, virei-me.
— Boa noite, Hillary — cumprimentei-a secamente.
— Oh, Daniel, que saudação mais fria. — Ela deu seu
costumeiro sorriso malicioso, os lábios destacados por um batom de
vermelho intenso.
Eu sabia que aquele sorriso era usado para incendiar o corpo de
um homem, mas ficou para trás o tempo em ela conseguia despertar o
meu desejo.
— Que bom que o encontrei na festa. Faz dias que ligo e você
não me atende.
— Ando muito ocupado e também não temos mais o que
conversar.
Eu já havia deixado bem claro que não tinha mais intenção
alguma de marcar encontros fortuitos com ela. A última vez que fiz
aquilo trouxe arrependimento suficiente para mim e jamais teria
acontecido se eu não achasse que Ana tinha desistido de falar comigo.
— Não diga isso, darling. — Ela se aproximou, falando com
intimidade. — Passamos tantos momentos bons juntos.
Se aqueles “momentos bons” que ela estava insinuando foram
as horas de sexo que tivemos, eu poderia dizer que não foram marcantes
o suficiente para serem repetidos. Ana, com sua inocência, falta de
experiência e emoção à flor da pele, despertou em mim sensações
desconhecidas que me marcaram muito profundamente. Tão
profundamente que já não saíam mais de dentro de mim.
O meu silêncio diante do comentário dela foi a minha resposta,
o que fez Hillary suspirar com resignação.
— Oh, Daniel, também não precisa ser grosseiro comigo.
Nunca neguei que sou apaixonada por você, mas também não quero
estar com um homem que não me quer.
— Fico satisfeito que pense desta forma, assim não insistirá
nas ligações. — Fui taxativo, sem me preocupar se estava sendo
grosseiro como ela havia dito, mas deixando bem claro que esperava
não ser mais incomodado. — Agora, peço licença. Preciso voltar à
minha mesa.
— Não, darling! — A mão dela voltou a segurar o meu braço
com urgência. — Espere, por favor! Deixe-me pelo menos dizer o
motivo que me fez procurar você, mesmo sabendo que evitava falar
comigo. É algo muito sério e preciso da sua ajuda.
De súbito, ela pareceu ficar nervosa. A postura, antes sensual,
mudou drasticamente, deixando à minha frente uma Hillary de olhar
angustiado.
Não gostei da sensação de perigo que me dominou.
— Do que se trata? — Fui incisivo, para não lhe dar falsas
esperanças de que a ajudaria.
— Oh, agora que chegou a hora não sei como dizer! — Olhou
ao redor, constrangida. — É um assunto tão íntimo para ser dito assim
no meio de uma festa. Não podemos marcar em outro lugar?
Quase ri da ingenuidade dela em tentar me manipular daquele
jeito.
— Sem chance. — Foi a minha única resposta.
— Tudo bem, pelo menos eu tentei. — Ela respirou fundo e,
antes que eu pudesse reagir, aproximou-se do meu ouvido. — Estou
grávida de um filho seu.
Grávida?! Mas que espécie de piada de mau gosto é essa?
Segurei Hillary pelo pulso, afastando-a de mim e tentando
controlar a súbita raiva que me dominou. Na minha cabeça só vinha a
imagem do meu filho, mas era o meu filho com Ana. Com Ana!
Estremeci só em pensar na reação dela se ouvisse um absurdo
daqueles. Não perdi tempo e arrastei Hillary para fora do salão, o mais
longe possível das vistas de Ana.
— Daniel!
Ouvi a exclamação assustada de Hillary, que ignorei
totalmente, levando-a até uma sala adjacente que estava vazia, onde a
soltei.
— Você me machucou! — ela reclamou, alisando o pulso.
— Não machuquei, mas garanto que farei coisa pior se não me
disser o motivo desta encenação! Quem você pensa que está enganando
com isso, Hillary? A mim?! — rugi, furioso.
Os olhos de Hillary se arregalaram de medo ao mesmo tempo
em que ela respirava fundo, visivelmente assustada com a minha reação.
E era bom que tivesse medo mesmo, porque eu ia destruí-la se insistisse
naquilo.
— Calma, Daniel! Você nunca agiu assim comigo antes —
disse, nervosa.
Aproximei-me ameaçadoramente, disposto a tudo para proteger
Ana.
— Você nunca me conheceu de verdade, nem sabe do que sou
capaz, por isso aconselho a ter muito cuidado comigo! Por que inventou
essa história de gravidez agora?
Ela voltou a respirar fundo e pareceu engolir em seco, mas não
se acovardou.
— Não é invenção. Estou mesmo grávida.
— De quem? Porque, se estiver, garanto que não é de um filho
meu.
Os olhos dela brilharam de raiva.
— Não me ofenda, Daniel! Na nossa última vez…
— Usei preservativo todas as vezes — interrompi, lembrando-a
do fato.
Ela fez um gesto impaciente com as mãos.
— Sei disso, mas algo aconteceu, porque engravidei. Não
fiquei com mais ninguém depois e tenho certeza de que você é o pai.
Perdi a paciência de vez, aproximando-me com um olhar duro
e ameaçador.
— Não sou homem para ser chantageado, Hillary! Tenha muito
cuidado com o que pensa fazer, porque me lembro muito bem de tudo o
que fiz naquela foda com você. Gozei uma única vez e usando um
maldito preservativo, que depois desceu pela descarga do banheiro para
o inferno. Tenho certeza absoluta de que não a engravidei naquela noite,
da mesma maneira como nunca a engravidei antes ou qualquer outra das
namoradas que já tive!
Ela ficou paralisada por longos instantes, até os olhos claros se
encherem de lágrimas.
— Darling, não fale assim nem me trate desse jeito. Sabe que
sou apaixonada por você! Tenho certeza de que posso voltar a fazê-lo
feliz se ficarmos juntos.
Soltei o ar com força quando ouvi aquilo, porque Hillary só
podia ter enlouquecido. No entanto, antes que eu dissesse algo, ela se
atirou sobre mim e começou a me beijar na boca, os braços firmemente
presos no meu pescoço.
— Pare já com isso! — Afastei a boca para o lado, puxando-
lhe os braços.
Ela me abraçou mais forte ainda, resistindo.
Foda-se! Mas que merda de situação é essa?
Mesmo correndo o risco de deixar marcas nos braços finos e de
ser acusado depois de violência contra ela, forcei os braços de Hillary a
me soltarem, conseguindo afastá-la.
— Não acredito que você vai me deixar sozinha em uma hora
dessas! — ela reclamou com a voz chorosa.
— Se está realmente grávida, vá pedir ajuda ao pai do seu
filho! — disse-lhe friamente, antes de lhe dar as costas para voltar ao
salão.
— Mas, darling, é você!
Um caralho que sou eu!
Por segurança, pediria a Richard para iniciar um processo de
investigação sobre aquela possível gravidez de Hillary. Depois, acabaria
com ela em tribunal.
Ignorei-a e saí de lá, arrumando o terno do smoking e só
pensando em uma única coisa. Voltar para Ana!
Ana, que encontrei alguns passos à frente e que, por causa de
Hillary e daquela suposta gravidez, poderia vir a perder para sempre se
não tivesse cuidado.
Capítulo 42
Daniel
AGORA, OBSERVANDO A revolta e a mágoa com que Ana
esperava a minha resposta, percebi o grande risco que corria de
realmente perder a mulher que amava.
Não foi fácil mentir dizendo que estava com Richard, mas a
única coisa que pensei na hora foi em protegê-la. Não queria que ficasse
mais insegura do que já era ao ver Hillary, mas todo o meu esforço foi
em vão, porque a filha da puta da mulher me sujou propositadamente de
batom.
Quase não acreditei quando percebi que havia caído na
armadilha mais idiota do mundo, ainda que fosse uma armadilha muito
bem montada por ela. Restava saber o motivo.
A noite da festa de Meghan, que inicialmente era apenas para
cumprir uma obrigação social, transformou-se em um campo de guerra
em que tive de lutar contra duas ameaças para não perder Ana. A
primeira foi a Hillary e a outra foi o Arthur Montenegro.
Vê-lo na nossa mesa e tocando em Ana me tirou do sério. Ser
questionado por ele sobre quem era a minha mulher, enfureceu-me mais
ainda. Estive a ponto de esmurrá-lo, até lembrar que estávamos na casa
do doutor Stevens, a quem não queria desagradar criando uma cena
daquelas, ainda mais na festa de aniversário da filha. Meghan também
não merecia aquilo.
Porém, da minha resposta ele não escapou.
— A minha mulher é Ana Cabral e é melhor se manter bem
afastado dela, Arthur Montenegro! — rugi na cara dele em tom
ameaçador.
Notei-lhe a surpresa quando falei o nome dele, provavelmente
se questionando de onde o conhecia.
Ignorei-o e me virei para ir atrás de Ana. Ela era a minha
prioridade naquele momento, mas esbarrei em Hillary, a quem também
aproveitei para dar um recado ameaçador.
— E você se prepare para me ver em Tribunal. Vai se foder em
minhas mãos.
Deixei-os e comecei a circular entre os convidados,
preocupado em encontrar Ana. Eu sabia que ela deveria estar se
sentindo arrasada depois de ouvir o que Arthur disse.
Aquele maldito Artur Montenegro!
Ninguém precisava apresentá-lo para que eu soubesse quem
era. Jamais esqueceria o americano que enviou uma mensagem para
Ana no mensagensde@amor. O rosto dele ficou marcado na minha
mente, justamente por ser tão parecido com o meu. Ainda que restasse
em mim alguma dúvida sobre a identidade dele, ela foi totalmente
esclarecida hoje quando Ashley o apresentou em sua sala de estar.
A minha grande preocupação agora era saber como ele havia
conseguido se aproximar tanto assim de Ana, a ponto de já estar
frequentando a casa de Ashley.
Muitas coisas estranhas estavam acontecendo ao mesmo tempo
e todas elas vinham em forma de ameaça ao nosso relacionamento.
Nunca estive tão alerta quanto nos últimos dias. Eu pretendia proteger
Ana e lutar por ela com todas as minhas forças, ainda que precisasse
usar métodos pouco recomendáveis para aquilo.
Nunca havia sentido antes o gosto amargo do desespero como
senti na noite da festa, ao ouvir Ana dizer que eu estava livre para seguir
o meu caminho sem ela. Aquilo era o mesmo que dizer que eu estava
condenado a viver sozinho, pois sabia, de uma maneira inexplicável,
que ela era a única mulher que me faria feliz. Era com ela que eu queria
viver e eram dela os filhos que eu queria ter, fossem disléxicos ou não.
E eu ia começar a provar aquilo para Ana a partir de agora.
— Richard, você já pode levar Hillary — falei em português
para que ela entendesse.
Ele daria prosseguimento ao que planejamos. Hillary olhou
chateada para Richard quando ele se aproximou, já sabendo o que
estava por vir.
— Daniel, isso é desnecessário! — Ela reclamou
nervosamente. — Você não vai permitir que isso aconteça, não é? Os
meus contratos e a minha imagem, como vão ficar? Ele vai acabar
comigo, droga!
Ela continuava apelando para não enfrentar Richard nos
tribunais e eu achava muito bom que ele tivesse aquela fama temerária
mesmo, porque pretendia assustar Hillary o suficiente para nunca mais
sequer pronunciar o meu nome.
Aquela conversa em inglês fez Bia lançar um olhar surpreso
para Richard, mas não desviei um minuto sequer a minha atenção de
Ana. Mesmo sem entender tudo, ela acompanhava a cena com atenção.
Richard parou ao lado de Hillary com o rosto impassível.
— Tivesse pensado nisso antes. — Foi a resposta lacônica dele,
representando bem o meu pensamento. — Agora, vamos.
— Tudo isso por causa dessa garota? — ela explodiu de vez.
Virei-me de frente para Hillary, colocando-me parcialmente à
frente de Ana.
— Nem ouse continuar — ameacei em tom frio e cortante.
Ela comprimiu os lábios com raiva, até bufar e se dar por
vencida.
— Merda!
Com isso, virou-se e saiu da sala, sendo seguida por Richard.
— O que foi tudo isso? — Ana perguntou à Bia.
— Parece que ela está com receio de algo que Daniel e Richard
vão fazer com ela. — Bia olhou para mim com ar interrogativo e cínico.
— Mesmo não sentindo nem um pingo de pena da mulher, talvez você
possa nos explicar o que está acontecendo.
Enfim, havia chegado o momento de tentar reconquistar Ana e
respirei fundo. Desde a noite da festa que eu esperava que ela desse uma
chance para eu me explicar, ouvindo com calma o que eu tinha para
dizer. Eu precisava fazer Ana entender tudo o que aconteceu e me
perdoar pela mentira que fui forçado a contar para protegê-la.
Infelizmente, de lá para cá, eu já tinha sido obrigado a esconder outro
fato importante, mas nada me faria admitir agora que Hillary me tirou
da festa com aquela alegação de gravidez.
— Por um motivo que ainda desconheço, Hillary armou uma
encenação na festa para fazer você acreditar que eu a estava traindo —
respondi, olhando para Ana. — Eu e Richard estamos tentando
descobrir o que a motivou, mas ao menos consegui convencê-la a
admitir tudo para você.
Minimizei a situação, pois a verdade é que fui de manhã cedo
ao apartamento de Hillary e ameacei acabar com a carreira dela e
desmoralizá-la publicamente em um processo, caso não assumisse o
golpe que arquitetou.

“— Escute bem o que vou dizer agora, porque não


pretendo me repetir — disse-lhe friamente. — Se você não
esclarecer esta merda com Ana, garanto que usarei toda a
minha influência para que nenhum contrato chegue às suas
mãos, nem receba convites para estar nos meios sociais onde
tão lindamente circula hoje. Com a idade que tem, em breve
será esquecida no mundo da moda e terá mesmo que
engravidar de algum milionário para se manter.
Os olhos de Hillary se arregalaram, horrorizados,
e ela ficou muda por um longo tempo. Estava incomodada
com a referência à idade que tinha, mas que era notório que
após os trinta anos muitas modelos começavam a perder
espaço para outras mais jovens e aquilo já deveria estar
acontecendo com ela.
— Você não teria coragem, Daniel! — falou num
sussurro. — Você não é assim!
Tive vontade de gargalhar diante daquele
comentário, porque eu era exatamente daquele jeito ou talvez
pior. Se não o fosse, jamais seria o temido homem de ferro
da S& Stevens.
— Já avisei ontem que você não me conhece —
lembrei-a secamente.
— Mas você me conhece! Fui sua namorada e não
acredito que…
— Pois aconselho que acredite, porque é o que vai
acontecer se não limpar a merda que fez — cortei-a,
encarando tranquilamente seu rosto assustado.
— Não entendo — ela meneou a cabeça,
parecendo confusa. — Ela é só uma garota! Quantos anos
tem? Vinte? Você deve ser uns doze anos mais velho do que
ela.
Touché para Hillary, que, inteligentemente, trouxe
à baila a nossa diferença de idade.
— Temos exatos nove anos de diferença —
esclareci, sem me deixar abalar pelo comentário dela. —
Mas garanto que, mesmo sendo tão jovem, Ana é mais
mulher do que muitas que já conheci.
Olhei-a significativamente, observando como
apertou os lábios com desagrado.
— Quando você estiver na frente de Ana, nem
pense em tocar no assunto dessa gravidez que inventou ou o
nosso acordo está desfeito e acabarei com você — adverti em
tom cortante. — Assim que sairmos de lá, Richard
acompanhará você a uma clínica, onde fará um teste de
gravidez em caráter de urgência para comprovar se está
mesmo grávida. O resultado virá direto para mim.
Ela empalideceu e aquela reação não me passou
despercebida.
— “Se” realmente estiver grávida e continuar
insistindo que sou o pai, é melhor estar preparada para fazer
um teste de paternidade assim que for possível e arcar com
as consequências da sua idiotice, porque tenho certeza
absoluta de que não sou o pai. Richard me representará
durante todo o tempo.
— O Richard?! — Hillary exclamou com uma voz
esganiçada.
Vi o medo nos olhos dela e quase voltei a rir com a
sua desgraça. A fama de Richard nos tribunais era igual ou
pior do que a minha como homem de ferro da S&Stevens.
— Ele mesmo. Por isso, reze para não estar
grávida e reze mais ainda para convencer Ana de que foi a
única responsável por aquela cena de traição que inventou.”
Capítulo 43
Daniel
OLHEI PARA ANA, esperando que a presença de Hillary
tivesse sido suficiente para convencê-la de que não tive culpa, não beijei
ninguém e muito menos a traí.
— Podemos falar em particular, Ana?
Resolvi não forçar nem exigir que ficasse a sós comigo. Aquele
não era o momento para me impor, mesmo querendo arrastar Ana de
volta para minha casa a qualquer custo. Eu deixaria que ela decidisse
por vontade própria, ainda que estivesse ansioso para levá-la comigo e
mantê-la o mais afastada possível de Arthur Montenegro.
Senti que ela vacilou, o que significava que estava analisando a
possibilidade, o que já era muito bom. Fiquei na expectativa, vendo-a
olhar para Bia, pensativa.
“Vamos, Ana! Diga que sim!”
— Tudo bem.
Ela mantinha o rosto tão sério que eu soube logo que não seria
nada fácil contornar aquela situação a meu favor.
— Tem certeza? — Bia questionou e me controlei para não
perder a paciência com a desconfiança dela a meu respeito.
Ainda assim resolvi não interferir, apostando que Ana não
tivesse perdido totalmente a confiança em mim.
— Sim, amiga. Pode ir tranquila porque não vou demorar.
Parecia decidida a me descartar rápido e ouvir aquilo foi um
duro golpe para o meu ego, mas mantive a expressão impassível mesmo
com um estranho sentimento de dor se alastrando pelo peito.
Aguardei a saída de Bia para indicar o pequeno sofá de dois
lugares no canto do escritório.
— Podemos nos sentar?
— Isso não vai demorar, Daniel. — Ela fez questão de avisar,
fazendo-me inspirar fundo para dominar a vontade de dizer que o tempo
para terminarmos aquela conversa dependeria unicamente dela, bastava
acreditar rapidamente em mim.
— Ainda assim podemos conversar sentados.
Ana não comentou nada. No entanto, apesar de ter dito que
preferia ficar de pé, sentou-se pesadamente em uma das pontas do sofá,
como se estivesse exausta. Pousou as mãos sobre os joelhos e manteve o
rosto virado para a frente, sem me encarar. O cabelo solto caiu pelos
ombros, cobrindo parte dos seios altos mal disfarçados pela roupa justa.
Mais do que seduzido por sua beleza natural, que naquela manhã me
pareceu maior do que antes, acomodei-me na outra ponta.
O sofá era pequeno e, para minha sorte, ficamos próximos o
suficiente para eu sentir a perna dela tocando na minha. Sem ter para
onde recuar, apesar de tentar, Ana se manteve tensa, aguardando. Como
não falei nada por um bom tempo, ela virou o rosto e nos olhamos.
Estávamos perto o bastante para vermos nos olhos um do outro que não
adiantava tentar escapar do que sentíamos.
Ela inspirou fundo, entreabrindo os lábios, e o desejo de
devorá-los explodiu dentro de mim. Senti imediatamente aquela
descarga de tensão sexual se acumulando na virilha.
— Ana — grunhi com rouquidão, a saudade que senti naquelas
duas longas noites de afastamento me fazendo desejá-la como um louco.
Ela arquejou e fez um movimento para se levantar, mas a
impedi segurando o seu pulso, o que só aumentou a vontade de tê-la nos
braços.
Mas que merda, não aguento essa tortura!
— Não vá, por favor! — pedi, detendo-a.
— Solte-me! Não quero que me toque mais! — resistiu,
puxando o braço e afastando o corpo para longe de mim.
Aquelas palavras doeram, mas ignorei a dor. Eu nunca havia
desistido de nada que quisesse muito para mim e não ia desistir agora
justamente da mulher que queria. Preparei-me para lutar para ter Ana de
volta em minha vida e ouvi-la me pedir para tocá-la cada vez mais.
— Soltarei, mas por favor não vá!
Dito isso, soltei-lhe o braço a contragosto e esperei, respirando
aliviado quando Ana permaneceu sentada ao meu lado. Eu precisava
agir rápido, antes que ela resolvesse fugir de vez, negando-se a me
ouvir.
— Você sabe que o que sentimos é forte demais e não vai
acabar da noite para o dia. Sempre que nos encontrarmos ou estivermos
juntos sentiremos essa atração. Não dá para ignorar isso!
Ela me encarou com a raiva brilhando nos olhos.
— O que não dá para ignorar é o que aconteceu na festa! Ou
acha que sou alguma idiota que pode magoar num dia e reconquistar no
outro?
Olhei-a firmemente, furioso que pensasse que eu seria capaz de
achar aquilo dela ou brincar com os seus sentimentos.
— Sabe muito bem que jamais pensaria isso de você ou faria
propositadamente algo para a magoar! Pense com calma, Ana! Não se
deixe influenciar pelo que acha que viu, porque eu não traí você!
Trouxe Hillary aqui hoje para que tivesse plena certeza disso.
— E quem me garante que vocês não estão todos mentindo? O
Richard é seu amigo. A Hillary é sua amante e tem todo o interesse…
— Ela não é minha amante! — cortei imediatamente,
controlando-me para falar em tom normal. — Tivemos um
relacionamento que já acabou há meses. Entenda que a mulher com
quem estou agora e com quem quero continuar é você!
Senti o nervosismo dela, que foi confirmado pelo habitual
gesto de esfregar as mãos suadas na calça. Aquilo me tocou fundo,
aumentando a vontade de pegar Ana ao colo, colocá-la no carro e levar
de volta para minha casa, onde nos amaríamos até cansar.
— Se vocês já terminaram antes de mim e se você também não
sente mais nada por Hillary, então, diga-me como ela o convenceu a sair
da festa. Diga-me por que você a levou para uma sala isolada onde se
beijaram.
A voz magoada aumentou a minha raiva contra Hillary.
Aquelas palavras também me deram a certeza de que ela realmente nos
viu, mostrando que não fui rápido o suficiente para afastar aquela
golpista do salão da festa.
— Eu quis proteger você, porque sabia que teria uma
impressão errada daquela conversa caso nos visse juntos. — Prendi o
olhar de Ana com o meu. — E foi exatamente isso o que aconteceu, não
foi? Você nos viu conversando.
— Sim, eu vi. — Ela não tentou negar. — Assim como vi os
dois juntos no carro quando saíram da sua casa. Acho que já vi coisas
demais, para agora acreditar em tudo o que você diz.
Era o que eu já imaginava! Agora, realmente não tinha mais
tempo a perder e decidi que estava na hora de apostar tudo.
Olhei para a mulher que, definitivamente, tinha conquistado o
meu coração com seu jeito doce, suas inseguranças e limitações. Eu já
não conseguia me imaginar sem ela e estava na hora de lhe mostrar
aquilo.
— Pela primeira vez na minha vida de homem adulto fiquei
desesperado e tudo por causa do medo de perdê-la. Tive duas noites
terríveis sem você em casa. No dia seguinte à festa, fui ao apartamento
de Hillary, decidido a fazê-la esclarecer tudo com você. Não vou dizer
que a convenci, porque não foi isso o que aconteceu. Obriguei-a mesmo,
ameaçando destruir a carreira dela, processá-la e desmoralizá-la
socialmente.
Ana arregalou os olhos, horrorizada.
— Você faria isso com ela?
Sustentei o seu olhar e mantive a minha posição.
— Faria até pior se fosse preciso! E não é por ser ela, porque
farei o mesmo com qualquer outra pessoa que se meter entre nós dois e
tentar separar você de mim!
Ana desviou o olhar e senti que estava tentando assimilar o que
eu disse. Fiquei em silêncio, dando-lhe o tempo que precisava, mas
depois estendi a mão em sua direção, com a palma virada para cima.
— Volte para mim, Ana. Por favor — pedi com firmeza, ainda
que por dentro estivesse sendo corroído pelo receio de ter a minha
primeira derrota na vida. — Eu entendo perfeitamente que você precise
de um tempo para pensar, mas faça isso na minha casa. Permita que eu
esteja perto durante este tempo ou enlouquecerei de preocupação se não
puder cuidar de você.
Ela não reagiu, permanecendo quieta e calada. Não retirei a
mão aberta, aguardando em tensa expectativa. O tempo pareceu parar e
demorar séculos para voltar ao ritmo normal até Ana pousar a mão na
minha, seu calor invadindo a minha pele. Uma emoção estranha e
poderosa tomou conta do meu peito e senti um nó na garganta que me
surpreendeu demais.
Engoli em seco e fechei a minha mão sobre a dela, prendendo-a
pelo que esperava fosse para sempre. Ainda estava úmida de tensão, o
que me fez passar o polegar sobre o dorso macio para acalmá-la.
— Senti muito a sua falta.
Repeti o que havia dito antes, esperando que reagisse melhor
agora que estava mais calma.
— Também senti — admitiu num murmúrio suave.
Controlei o ímpeto de puxá-la para os braços sem pedir licença,
como teria feito antes daquela maldita noite acontecer.
— Vai voltar comigo? — perguntei, contendo a respiração de
expectativa.
Ela apertou minha mão, baixando a cabeça e deixando o cabelo
esconder seu rosto de mim.
— Ainda não. Ficarei aqui com Bia.
— Não faça isso! Volte comigo, por favor. — Tentei não
transparecer o meu desespero na voz, mas não tive muito sucesso,
porque estava mesmo desesperado para a ter ao meu lado.
— Preciso mesmo de um tempo, Daniel.
Fechei os olhos quando a escutei me chamar de Daniel e não de
Dan. Tentei raciocinar que Ana ainda estava magoada e que, com o
tempo, eu voltaria a ser o Dan para ela, mas o meu coração relutava em
aceitar aquela lógica.
Não sabia como conseguiria entrar no carro e voltar para casa
sozinho. Sentia-me como se estivesse deixando-a vulnerável no meio de
lobos.
Foi impossível não lembrar daquele Arthur Montenegro e da
carta que recebi.
— Como ele veio parar aqui? — A pergunta saiu com irritação
antes que eu pudesse controlar.
Ana ergueu o rosto e observei-a com atenção. O que vi foi uma
preocupação genuína nos olhos dela, o que só despertou mais ainda o
meu instinto protetor.
— Ele disse que conheceu os Spencer após o show de Terri na
festa de Meghan. Hoje veio visitar a Ashley.
Ashley, não. Ele veio atrás de Ana!
— O que ele fazia na nossa mesa?
Apesar do meu aparente controle, sentia-me em tensa
expectativa para ver se ela ia admitir que já o conhecia do
mensagensde@amor.
— Foi a senhora Stevens quem o apresentou quando eu e Bia
estávamos sozinhas. Ele é brasileiro e acho que ela disse que é sobrinho
de uma amiga.
A Victoria?!
Fiquei perplexo com aquela informação. Afinal, como era
possível que Victoria pudesse conhecer um dos homens que estava na
carta anônima que denunciava Ana?
A minha mente já estava tentando montar o quebra-cabeças
daquela situação. Se as conversas entre Ana e Arthur no site foram
montadas, aquele súbito aparecimento dele na festa de Meghan não era
uma simples coincidência.
O mais estranho de tudo era o fato de ele ser um conhecido de
Victoria.
— Não gosto disso! — afirmei com rispidez, sem medir as
palavras. — Queria pedir que se mantivesse afastada dele. Pode ser,
Ana?
A minha vontade era de exigir aquilo, o que me surpreendeu
demais, uma vez que nunca precisei ser tão extremista assim com
nenhuma outra mulher. Não me lembrava de alguma vez na vida ter
proibido que uma de minhas antigas namoradas fizesse qualquer coisa
que fosse.
Ela me olhou com estranheza.
— Por quê? Achei-o educado, respeitador e até mesmo
divertido. Falar com alguém da minha terra também é confortador.
Eu sabia que não tinha o direito de proibir nada, ainda mais na
situação delicada em que o nosso relacionamento estava, mas também
não podia deixar que se aproximasse cada vez mais dele.
— Não confio nesse Arthur. Gostaria pelo menos que você
tivesse o cuidado de não ficar a sós com ele — insisti, olhando-a com
seriedade.
— Mas ele deve ser de confiança, afinal, foi apresentado pela
própria senhora Stevens. Não acredito que represente qualquer perigo,
concorda?
Eu não concordava, mas também não pretendia falar sobre as
minhas suspeitas. Antes de qualquer coisa, precisava esclarecer aquela
história com Victoria. Talvez nem ela mesma soubesse que o Arthur já
estava interessado em Ana antes de conhecê-la na festa. Restava
descobrir como ele chegou de uma maneira tão certeira até ela, fora do
mensagensde@mor.
— Sinto que ele está interessado em você — justifiquei,
naquele que era o motivo principal e que, por si só, já bastava.
Ana hesitou, sem conseguir esconder um lampejo de percepção
no olhar, que escondeu ao baixar a vista para nossas mãos unidas sobre
o colo.
Ela sabia! Ana sabia que Arthur estava interessado nela. O que
significava que aquele filho da puta já havia assediado a minha mulher
naquele curto espaço de tempo.
— O que ele fez? — perguntei de imediato, pois não ia fingir
que não tinha percebido sua reação.
— Nada! Ele não fez nada. — A resposta apressada não me
convenceu e ela percebeu aquilo quando me encarou. — É sério, Dan!
Procurei não demonstrar a emoção que senti ao ouvi-la me
chamar novamente de Dan. Aquilo significou muito para mim.
— Então, por que ficou nervosa?
— Estou assim há alguns dias, não tem nada a ver com ele.
Levantei a mão de Ana e dei um suave beijo no dorso. Fiquei
com a impressão de ouvir um leve suspiro de prazer involuntário
escapar dos lábios dela.
— Me desculpe por tudo o que passou. Eu só queria proteger
você e acabei por magoá-la sem querer.
Ana não respondeu, mas relaxou visivelmente ao deixar o
corpo cair sobre o encosto do sofá. Parecia emocionalmente exausta e,
mais do que nunca, senti necessidade de convencê-la a voltar comigo.
Eu queria lhe devolver a paz e a alegria que tinha antes de ir para a festa
de Meghan. Na minha casa, tendo Carmencita e Candy como
companhia, ela desabrocharia novamente.
Eu tentaria honrar a minha palavra e deixá-la ficar no quarto ao
lado do meu durante o tempo que precisasse para voltar a confiar em
mim.
Capítulo 44
Daniel
— FALE-ME SOBRE ESTE Arthur. É importante. — Diante
do silêncio dela, resolvi contar parte do que sabia. — Tinha uma
mensagem dele no seu perfil do site, o que significa que já a conhecia
antes da festa.
Ana aprumou o corpo no sofá, olhando-me, assustada. Não
deixei de notar como apertou a minha mão com força em um gesto
instintivo.
— Ele já me conhecia?
— Sim, porque não acredito que ele esqueceria do seu rosto
naquela foto.
O silêncio dela se prolongou e os olhos expressaram um
entendimento que me deixou inquieto.
— Então, ele já sabia quem eu era quando falou comigo —
disse mais para si mesma do que para mim.
Aquele comentário só aumentou o meu estado de tensão.
— O que está acontecendo que eu não sei?
Ela usou as duas mãos para segurar a minha sobre o colo.
— Eu também já o conhecia antes de ontem.
Enrijeci de tensão, sentindo o ciúme correr pelo meu sangue
como um veneno mortal. Fiz um esforço tremendo para manter a calma
ao me lembrar da carta anônima.
— Como o conheceu?
Observei-a com atenção, não encontrando nenhum indício de
dissimulação na expressão do rosto delicado. Ana continuava a mesma
de sempre, espontânea nas suas emoções. Emoções que eu facilmente
conseguia decifrar.
Aquilo me acalmou com relação a ela, mas não eliminou de
forma nenhuma a raiva de Arthur Montenegro, que a cada momento só
aumentava. Não ia demorar muito para nós dois termos uma conversa
séria!
— Ele estava no lounge quando me perdi no show da Terri.
Apesar de não ser a informação que eu esperava, me surpreendi
ao saber que se encontraram naquela noite. Eu tinha certeza de que Ana
não estava mentindo ou escondendo que houve conversas íntimas entre
os dois no site, o que significava que a presença constante de Arthur nos
mesmos locais onde ela estava não era uma coincidência.
— Era ele mesmo? Pode tê-lo confundido com outro homem.
— Era o Arthur. Ele me ouviu falar em português com você ao
celular e percebeu que eu estava perdida. Ofereceu ajuda, querendo me
levar do lounge até o bar onde você estava.
Mas o que ele quer com Ana, ainda mais agora que sabe que
ela está comigo?
Só havia uma maneira de descobrir aquilo.
— Fique aqui! — disse, soltando as nossas mãos.
Levantei-me e fui em direção à porta.
— Dan?!
— Não saia daqui até que eu volte!
Saí do escritório e fui em passos rápidos até a sala,
determinado a esclarecer tudo de uma vez.
Apenas Bia e Ashley conversavam no sofá, sem sinal dele.
— Onde está o Arthur?
Foi a Ashley quem respondeu.
— Já foi. Recebeu uma ligação importante e precisou sair há
uns dez minutos. — Olhou espantada para mim. — Algum problema,
Daniel?
— Não. Apenas gostaria de falar com ele.
— Se quiser, tenho o número dele. Arthur deixou comigo para
o caso de precisar de algo.
Era o suficiente.
— Quero, sim.
Anotei o número que ela deu, pedi licença e voltei ao
escritório, ignorando o olhar atento e curioso de Bia.
Encontrei Ana em pé ao lado da porta, com a fisionomia
preocupada.
— Está tudo bem — tranquilizei-a, levando-a para dentro.
Queria abraçá-la junto ao peito, mas me contentei em voltar a
segurar a mão dela.
— Ele já foi, mas peguei o número do celular com Ashley.
— O que pensa fazer? — ela perguntou visivelmente tensa,
olhando-me com apreensão. — Acho que não há necessidade de criar
confusão com isso. Pode ser tudo apenas uma grande coincidência.
Mesmo não abrindo totalmente o jogo com ela sobre a
existência daquela carta anônima, eu precisava fazer com que Ana
entendesse que não era seguro estar perto dele.
— No meu mundo não há coincidências, muito menos desta
natureza. Não vou arriscar nada, por isso você volta comigo para casa
agora. — Daquela vez não pedi, mas exigi, usando o meu habitual tom
de comando.
Mesmo ciente de que estava arriscando muito ao impor a
minha vontade, mas não dava para agir de outra forma. Se antes já era
difícil ir embora sem ela, agora aquilo era impossível para mim.
— Não posso ir e deixar Bia para trás. Se está mesmo
acontecendo algo estranho, ela precisa ter tanto cuidado quanto eu.
Joguei à merda o fato de não poder tocá-la e puxei Ana pela
cintura, prendendo-a firmemente junto ao peito. Ignorei a exclamação
de surpresa que ela soltou e segurei seu rosto com a mão, olhando-a
firmemente.
— Ele quer você! Ainda não entendeu isso?
Os olhos expressivos se arregalaram com a minha abordagem
direta, mas Ana precisava entender que ela era o alvo e não Bia.
O estranho sentimento de posse que me dominava desde que a
conheci fez o meu corpo reagir de imediato. Comecei a ficar excitado e
duro de encontro ao ventre liso. Ergui Ana um pouco mais, de forma a
esfregar nela a minha ereção intumescida pelo desejo de possuir a
minha mulher. Um desejo duro e agressivo, estimulado pela saudade das
noites que passei sem ela, pelo ciúme e por aquele louco desejo de
posse.
— Daniel! — Ela tentou resistir, mas não a deixei se afastar. —
Solte-me!
Ainda não!
Sustentando-a, fechei a porta, encostando o corpo de Ana na
madeira e o meu corpo no dela.
— Chame-me de Dan! — exigi, rugindo aquela ordem no seu
ouvido. — Ou não a largarei!
Trouxe-a mais para cima e fiz com que separasse as pernas,
encaixando-me entre elas. Dei-lhe uma estocada firme sobre nossas
roupas, ouvindo seu gemido sufocado de prazer, os braços delicados
envolvendo os meus ombros. Contudo, eu queria muito mais do que
aquilo e o silêncio dela fez com que desse outra investida, e mais outra,
até ouvir o que eu queria.
— Dan! — ela arquejou com prazer evidente, afundando o
rosto no meu pescoço. — Oh, Dan! Mas que merda! Por que você tinha
que fazer isso comigo?
Ela deu um soco nas minhas costas com o punho fechado,
colocando a raiva para fora. Puxei o ar com força para os pulmões,
rogando todas as pragas possíveis para a filha da puta da Hillary, ao
perceber facilmente os sinais de choro na voz de Ana.
— Não fique assim, por favor! — consolei-a, apertando o
corpo esguio com carinho. — Eu não fiz nada, garanto. Para mim só
existe você!
Trinquei os dentes para controlar a emoção ao vê-la tão
desolada, sentindo-me frustrado em grau máximo. Depois de tanto
esforço para fazer com que Ana superasse todos os eventos traumáticos
que havia passado em Nova York, agora vinha mais outra situação de
estresse.
Foda-se!
Deixei que chorasse para desabafar logo tudo, enquanto
prometia a mim mesmo que ainda ia provar o meu amor por ela.
Foi então que paralisei, estarrecido, ao me dar conta da palavra
que usei.
Amor.
Apertei-a mais fortemente nos braços e fechei os olhos, sem
querer analisar mais profundamente as implicações daquela descoberta.
— Vamos para casa, Ana — disse-lhe seriamente, sentindo a
minha voz enrouquecida de emoção. — Lá, você estará segura. Terá a
Carmencita por perto e estarei sempre ao seu lado também. Poderá
dormir no seu quarto e só voltarei a tocar em você quando, e se, quiser.
Ela assentiu e só então deslizei-a para baixo, soltando-lhe a
cintura apenas quando a senti firme no chão.
— E Bia? — lembrou-me com preocupação, limpando o rosto.
— Tenho certeza de que ela continuará bem, mesmo ficando
aqui. Mas o convite para que se hospede em minha casa continua
valendo. Basta ela querer ir.
— Vou falar com ela. — Encarou-me com os olhos ainda
vermelhos do choro. — O meu passaporte desapareceu. Está com você?
Abri o terno e o retirei do bolso, onde o havia guardado.
— Sim, está. Eu o peguei ontem e peço desculpas por tê-lo
retirado de sua bolsa. Não tinha certeza se conseguiria convencê-la a
voltar comigo e não queria que ficasse na cidade sem identificação.
Ela não precisava saber que aquela foi outra situação em que,
pela primeira vez na vida, duvidei da minha capacidade de conseguir
algo, que era convencê-la a voltar comigo para casa.
Ana não comentou nada sobre o assunto, apenas o pegou de
volta.
— Vou falar com Bia agora. Logo depois podemos ir, se você
quiser.
E como quero!

Eu estava no escritório de casa naquela noite, quando recebi


uma mensagem de Richard no celular com o resultado do teste de
gravidez de Hillary.
— Filha da puta! — exclamei, exultante, ao terminar de ler.
Como esperado, era negativo. O documento faria parte do
processo contra ela, que não seria levado adiante, mas que serviria para
assustá-la por muitos anos.
Restava saber o que estava por trás daquilo tudo, porque nada
me convencia de que apenas lhe deu na puta da cabeça armar aquele
circo de traição e gravidez para me separar de Ana.
Apesar de ter certeza de que ela jamais estaria grávida de um
filho meu, aquela vitória era importante e também encerrava um drama
pessoal para mim. Agora, não me sentia escondendo nada de Ana. Se
não havia gravidez, não havia mentira da minha parte quando omiti que
havia saído do salão com Hillary por causa daquilo.
Ana nunca vai precisar saber dessa suposta gravidez de
Hillary!
Capítulo 45
Ana
DOIS DIAS DEPOIS de chegar à casa de Daniel, percebi que
não ia ser tão fácil assim evitar termos contato físico. Apesar de ele
estar respeitando o que prometeu, de não me tocar até que eu quisesse,
sabia que também não estava sendo fácil para ele.
Eu percebia no olhar e na postura dele que se esforçava para
me dar o espaço que pedi. E que merda de espaço era aquele, pois eu
dormia no meu quarto olhando para a porta de comunicação. Sonhava
em abri-la e cair nos braços dele, implorando para que fizesse amor
comigo.
Dois dias sob o mesmo teto que Daniel e sem fazer amor com
ele era uma tortura, ainda mais observando o corpo forte, a presença
marcante, a personalidade carismática que me atraía mais do que tudo.
Dois dias inteiros separados eram também dois dias a menos
juntos, porque o tempo não voltava atrás e as minhas férias estavam
passando.
Quarenta e oito horas depois era muito tempo e eu já estava
mais do que decidida a esquecer a vadia da Hillary e voltar para Daniel.
Achei que aguentaria mais tempo, mas tinha de admitir
vergonhosamente que o meu amor e desejo por ele eram maiores do que
o meu orgulho.
Bia não quis vir comigo para a casa dele, mas, em
compensação, passeamos bastante naqueles dois dias, sempre na
companhia de Daniel e de Jack. Infelizmente, o Jack.
Eram nos passeios que ficava mais difícil resistir à Daniel, uma
vez que acabávamos nos tocando o tempo todo. Ele andava sempre de
mãos dadas comigo ou passava o braço por meus ombros e cintura,
mantendo-me perto dele. Nos restaurantes, nossas pernas estavam
sempre se tocando por baixo da mesa e frequentemente ele pousava uma
mão em minha coxa. Nestas ocasiões, enquanto conversávamos os
quatro, ele colocava o braço no encosto da minha cadeira, deixando-nos
bem próximos um do outro. Acostumada a tê-lo assim antes, eu me
recostava contra o peito largo e ele descia o braço para minha cintura,
aconchegando-me mais.
Era quando eu me deliciava ao ouvir a voz grave bem perto do
meu ouvido, o hálito quente soprando no meu rosto e o peitoral se
expandindo quando ele puxava o ar com força para tentar controlar as
reações do próprio corpo.
Assim que chegávamos em casa, ficava aquela tensão no ar na
hora de subirmos aos quartos. Daniel sempre esperava que eu entrasse
no meu, para só depois ir para o dele, como se não houvesse uma porta
de comunicação entre os dois quartos que dispensava aquele ritual. E
quando eu fechava a porta e ficava sozinha, era sempre para a outra
porta que eu olhava, na expectativa de que fosse aberta de repente, que
ele me tomasse nos braços e me amasse loucamente.
Mas Daniel não fez aquilo, respeitando o meu tempo e o meu
espaço. Aquele tempo que voava, diminuindo os dias que ainda
restavam das minhas férias com ele.
Respirei fundo, desconsolada e cansada daquela situação, mas
sabendo que dependia de mim ficarmos novamente juntos.
Estava tão concentrada pensando nele, que levei um susto
quando Carmencita colocou um pratinho com biscoitos à minha frente.
Sentada na cozinha e com a Candy ao colo, nem percebi que estava
sonhando acordada, sem prestar mais atenção à receita que ela fazia.
— Me desculpe, Carmencita.
Ela apenas sorriu, olhando-me com sabedoria.
Peguei um biscoitinho e Candy latiu, querendo também.
— O seu é outro, docinho. — Coloquei-a no chão e ela correu
para perto de Carmencita, que colocou o biscoito dela no chão.
O meu celular começou a tocar e me estiquei para pegá-lo,
ansiosa para ver se era Daniel. Disfarcei a decepção ao ver que era Bia.
Ela estava aguardando a minha ligação para irmos passear. Só que eu
aguardava Daniel chegar de uma reunião para confirmar o passeio.
— Oi, Bia!
— Aninha, fiquei um tempão esperando você ligar e nada! —
ela falou apressadamente. — Está pronta?
Olhei constrangida para Carmencita, antes de responder.
— Já estou pronta, mas Daniel ainda não chegou, por isso não
liguei.
— Vamos sem ele, então. Estou quase chegando aí.
Fiquei de pé, surpresa com o que ela disse.
— Você já está aqui?
— Sim, por isso se prepare. Daqui a pouco pego você.
E agora? Como explicar que não podia ir sem o Daniel?
— Não posso ir.
Fez-se silêncio do outro lado e percebi que ela tinha ficado
surpresa com a minha negativa.
— Não pode? — repetiu, parecendo preocupada. — Por quê?
Aconteceu alguma coisa?
Respirei fundo e contraí a boca para controlar a irritação,
fugindo do olhar atento de Carmencita. À minha frente, ela escutava
tudo e eu tinha certeza de que entenderia boa parte da conversa. Mas,
independentemente de tudo, eu precisava ser sincera com Bia, mesmo
sabendo que ela ficaria irritada.
— Não aconteceu nada, exceto que Daniel não está aqui. Ele
não quer que eu saia de casa sozinha.
Eu até conseguia imaginar a cara de abismada dela quando
terminei de falar.
— Você não está saindo sozinha. Está comigo! Sou sua amiga
há anos e fui eu quem viajei de férias com você a Nova York. Eu
entendo e aprovo os cuidados de Daniel. Fico até tranquila, pois sei que
nada de mal vai acontecer de novo com a minha amiga, mas ele tem de
entender que você também estará segura quando estiver comigo. Nem
admito que diga o contrário, por isso, arrume-se para sairmos juntas.
— Daniel não ia dizer nada contra você. — Tentei acalmá-la,
mostrando que estava errada quanto a Daniel. — Ele confia em você e
sabe que somos amigas. Daqui a pouco ele vai chegar e poderemos sair.
— Não vou esperar. — Escutei o suspiro impaciente dela. —
Estas reuniões de Daniel nunca têm hora para acabar e você sabe disso.
Provavelmente ainda vão arrastá-lo para aqueles almoços de trabalho e
nós vamos ficar sem nos divertir.
Daquela vez fui eu quem suspirei, mas foi de tristeza, pois
aquela era outra verdade. Por mais que Daniel se esforçasse para sair
cedo das reuniões, ficava sempre preso em compromissos e obrigações
com o presidente da empresa.
Olhei para Carmencita e notei sua expressão de reprovação. Ela
era leal demais a Daniel e jamais entenderia a visão de Bia.
— Tudo bem. Irei com você.
Desliguei, encarando Carmencita.
— Vou sair com Bia. Não vamos esperar por ele.
Ela se empertigou com o rosto muito sério.
— O doutor Daniel não gostar. — Tentou falar em português,
ainda que faltando palavras, mas entendi. — Espere ele.
— Já tentei ligar e não atende.
— Trabajo — disse em espanhol, justificando o fato de ele não
ter atendido.
— Sei disso. — Abracei-a com carinho. — Já sabemos que
Daniel não terá hora para chegar e não vou ficar ligando para ele várias
vezes e atrapalhar seu trabalho. Irei com Bia. Quando ele retornar a
minha ligação, irá se encontrar com a gente. Vai dar tudo certo, você vai
ver — tranquilizei-a.
Ela não pareceu mais calma com o que eu disse, abraçando-me
com força. Agitou a cabeça em negativa, repetindo em português.
— Não vá! O doutor Daniel…
Daniel. Daniel. Daniel.
Só em ouvir o nome dele o meu coração aquecia. Eu sabia que,
por vontade própria, ficaria mesmo em casa esperando ele chegar, sem
me importar com a opinião de Bia, tivesse ela razão ou não quando
afirmava que ultimamente Daniel tinha um cuidado excessivo comigo.
Fechei os olhos, ainda abraçada à Carmencita.
Eu ia com Bia, mas ficaria torcendo para que ele conseguisse
se encontrar com a gente onde estivéssemos. O passeio sem o Daniel
nunca seria o mesmo.
Capítulo 46
Ana
QUANDO ENTREI NO carro, a minha grande surpresa foi
encontrar a Julie na direção e não o Jack. Ele também havia ficado
retido em alguma reunião e Bia não desmarcou o passeio que queria
fazer só por causa da ausência dele.
Particularmente, adorei não o encontrar no carro e fazer aquele
passeio na companhia de Julie. Sentia-me muito mais confortável assim.
Desde a festa de Meghan, eu tentava evitá-lo a todo custo quando não
estava com Daniel.
Talvez tenha sido por isso que não resisti muito em voltar para
a casa dele depois da conversa que tivemos na casa de Ashley. Na hora
do desespero e da raiva de vê-lo com Hillary, nem pensei que estava
indo para uma casa onde Jack circulava livremente. No fundo, não me
sentia bem em estar em um lugar onde a qualquer momento poderia
encontrá-lo de novo. E pior, sem ter o Daniel ao meu lado, pois, sem
dúvida alguma, a presença dele mantinha Jack afastado, uma vez que o
homem nunca me assediou tão abertamente quanto na festa de Meghan.
Ainda não tive coragem de conversar com Bia sobre o que
havia acontecido, mas pretendia tocar no assunto em breve e só
esperava que ela acreditasse em mim.
Duas horas depois de turistar bastante, entramos em um
restaurante simples, mas muito aconchegante. Aquele, sem dúvida, não
era o ambiente de Daniel, mas combinava bem com o nosso espírito de
turistas. Mal nos sentamos, abri a bolsa para ver se havia alguma ligação
ou mensagem dele no celular.
Nada ainda.
— Eu não disse? — Bia falou ao meu lado com um sorriso
compreensivo nos lábios. — Quando Daniel entra nessas reuniões,
dificilmente consegue sair cedo. Aconselho a ir se acostumando com
isso, amiga. Tenho certeza de que vamos voltar e ele ainda não vai ter
chegado em casa.
Guardei o celular na bolsa, respirando fundo e sendo forçada a
concordar com ela.
— Sorte que nos divertimos muito hoje, assim não há
frustrações de nenhuma das partes — falei em tom leve, afinal, apesar
da falta que ele fazia, o passeio havia sido muito bom.
Fizemos nossos pedidos e o tempo foi passando
agradavelmente, até que Julie consultou o relógio e lembrou que tinha
um compromisso no final da tarde. Enquanto ela pedia a conta, virei-me
para Bia.
— Preciso ir ao banheiro.
Apesar de querer mesmo ir, também estava obcecada em ver se
havia menstruado ou não.
— Até agora nada?
— Não.
Tentei não me desesperar com a cara de preocupação dela.
— Acho que já passou do tempo. Vamos comprar uns testes.
Só em ouvir aquilo já fiquei mais ansiosa ainda.
— Pode ser que eu tenha uma surpresa agradável agora.
O garçom se afastou e Julie segurou a mão de Bia.
— Também quero ir ao banheiro e posso acompanhar Ana. A
menos que você também precise usá-lo. — A mistura de português e
espanhol que ela usava estava perfeita e já nos entendíamos bem.
— Não, só ia levá-la. — Bia me olhou com um sorriso
tranquilo. — Tudo bem?
— Claro que sim! — Dei-lhe um chute no pé por baixo da
mesa, detestando aquele cuidado excessivo que fazia com que me
sentisse uma inútil.
Eu e Julie pegamos nossas bolsas e fomos ao banheiro, que
ficava no final de um corredor estreito. No lado esquerdo, havia uma
passagem que levava à cozinha.
No cubículo onde havia o sanitário, soltei um gemido de
aflição quando comprovei que não havia o mínimo sinal de
menstruação. Por tudo o que era mais sagrado, as evidências apontavam
realmente para uma gravidez.
Conformada, saí de lá e fui lavar as mãos. Ao meu lado, Julie
fazia o mesmo. Já estávamos terminando quando tudo aconteceu.
A luz piscou uma vez, duas vezes e depois se apagou
completamente. Ainda nos encaramos, surpresas, antes de tudo ficar
escuro.
— Julie? — chamei naquela escuridão horrível, ouvindo o
gritinho de susto que ela soltou.
— Estoy aquí, Aña! — Sua mão gelada segurou o meu braço,
agarrando-se em mim com desespero.
Ela parecia apavorada e aquilo acabou por me acalmar um
pouco.
— O que aconteceu? Será que apagamos as luzes sem querer?
— No — ela sussurrou, as mãos trêmulas fincadas no meu
braço a ponto de doer. — Tengo miedo de la oscuridad.
Dava para notar que ela tinha medo de escuridão, mas preferi
não dizer nada.
— Fica calma. Vamos tentar encontrar a porta e sair daqui —
disse-lhe, puxando-a para onde sabia que estava a porta.
Seguindo a intuição, saí tateando as paredes do banheiro até
chegar à porta. Segurei a maçaneta com força e já ia respirar aliviada ao
ver que estávamos livres quando ela não se abriu. Tentei de novo e de
novo, mas foi em vão.
Eu já estava pensando em ligar para Bia e pedir ajuda, quando
ouvi a respiração entrecortada de Julie no que parecia ser uma crise de
pânico.
Bati o punho com força na porta.
— Help me, please!!
Ouvi um barulho do lado de fora e alguém mexeu na maçaneta.
— Graças a Deus! — rezei, recuando para o lado.
A porta se abriu e o corpo alto de um homem surgiu bem à
nossa frente, com a luz incidindo por trás.
Pisquei, sem acreditar no que via. Pisquei de novo, achando
que a súbita claridade estava pregando peça nos meus olhos, pois tive a
nítida impressão de que ele estava encapuzado.
Foi quando a luz do banheiro se acendeu e ele entrou
rapidamente, seguido logo depois por outro homem também
encapuzado, que fechou a porta.
Em questão de segundos, fiquei sob a mira de uma arma
apontada para a minha cabeça, com duros olhos negros me encarando
friamente. O grito que eu ia dar ficou preso na garganta quando ele
rosnou algo em inglês por baixo da máscara.
Eu não entendi nada do que o homem disse e nem precisava,
porque a linguagem de um bandido era a mesma em qualquer lugar do
mundo. Mesmo não estando no Brasil, eu sabia que ficar calada era
minha única chance de não levar um tiro no meio da testa.
Desde o assalto de quatro anos atrás, eu tinha verdadeiro pavor
de armas e bloqueei, ficando sem reação. No meio do caos mental que
me dominou, ainda consegui pensar que o restaurante devia estar sendo
assaltado e me lembrei logo de Bia sozinha na mesa.
Esperei que ele pegasse a minha bolsa e fugisse, só que, em vez
disso, o homem me segurou com força pelo braço e aproximou o rosto
do meu.
— Se falar, morre!
Travei a exclamação de surpresa quando ele falou em um
português com sotaque. Foi quando o verdadeiro pânico me dominou,
porque significava que ele sabia que eu era brasileira e aquilo não era
um acaso do destino.
Ouvi o som nauseante de uma pancada e Julie caiu ao chão,
agredida na cabeça pelo outro homem. Pálida e assustada, esperei que
fizessem o mesmo comigo. Instintivamente, coloquei as mãos na
barriga, querendo proteger o meu filho de qualquer agressão, caso ele
estivesse mesmo dentro de mim.
No entanto, em vez disso, fui levada para fora do banheiro com
uma arma nas minhas costas. A cada passo que eu dava com as pernas
trêmulas, esperava aquele revólver disparar acidentalmente e me deixar
como o meu pai.
“Você é toda descoordenada, só tinha que dar no que deu!”
As palavras da minha mãe voltaram à minha mente como num
flash e a única coisa que eu conseguia pensar era em colocar uma perna
na frente da outra sem tropeçar, para que ele não disparasse sem querer.
Eu queria viver e ter o meu filho.
Ainda olhei ansiosamente ao redor, esperando encontrar
alguém que pudesse nos ajudar, mas o curto caminho até os fundos do
restaurante estava deserto. Saímos para uma rua estreita, onde um
furgão preto com as portas traseiras já abertas nos aguardava.
Fui obrigada a entrar nele e tive a sensação de que a minha
sorte acabava ali. Não existiam bancos e rastejei para um canto, ficando
longe dos dois homens que entraram comigo.
Alguém já devia estar na direção, porque o furgão arrancou
pela rua em alta velocidade assim que as portas foram fechadas.
Os dois homens à minha frente permaneceram calados, com os
olhos fixos em mim. Perdi a noção do tempo que ficamos rodando pela
cidade, até que o carro diminuiu de velocidade e parou repentinamente.
O pânico que senti foi monumental e me arrastei o mais que
pude para longe deles, as lágrimas querendo saltar e um gosto amargo
subindo pela minha garganta. Tentei respirar e não consegui. Tentei de
novo, sem sucesso, até que tudo escureceu ao meu redor.
Capítulo 47
Ana
APAGUEI COMPLETAMENTE, MAS não por muito
tempo. A consciência foi voltando aos poucos e com ela a certeza de
que estava em perigo. Algo em mim gritava aquilo e me forcei a
permanecer acordada, apesar da náusea que sentia.
Uma urgência angustiante tomou conta de mim quando percebi
que estava sendo carregada por braços fortes. Entreabri os olhos e vi
uma parede encardida, que ladeava a escada que subíamos. Ergui a vista
para o rosto dele e lá estava o capuz cobrindo-o, deixando ver apenas os
olhos duros.
Tentei não reagir e ficar quieta, fingindo ainda estar
desacordada. Eu precisava descobrir o que era aquilo tudo e pensar em
um plano de fuga. Para mim, estava óbvio que ele não era um simples
assaltante. Se fosse, eu tinha certeza de que já estaria morta. Se ainda
permanecia viva, era porque não podia morrer. Pelo menos não agora!
Oh, meu Deus! Eu nem queria pensar quais seriam os motivos
para ainda estar viva, porque todos eles eram assustadores.
Estupro? Prostituição? Um sequestro pelo fato de Daniel ser
um homem rico? Se fosse o último caso, eu não tinha dúvida alguma de
que ele pagaria qualquer resgate para me ter de volta, mas também não
duvidava de que morreria assim que aquele homem recebesse o
dinheiro.
Daniel!
Segurei as lágrimas, pois aquele não era o momento de chorar,
mas de lutar pela minha vida e do nosso filho. Deixaria para chorar
depois e esperava que fosse de alívio por ter escapado daquele pesadelo.
Chegamos no que parecia ser um longo corredor com vários
quartos com as portas fechadas. Contei um, dois, três... sete quartos, só
de um lado. Se no lado oposto também existissem quartos idênticos,
aquela estranha casa possuía pelo menos quatorze quartos naquele
andar.
Um arrepio de medo tomou conta de mim quando tive a
estranha premonição de estar em um local de prostituição. Vários
filmes, novelas e reportagens vieram à minha mente e, a cada segundo,
tinha mais certeza daquilo.
O homem seguiu com passos firmes até o fim do corredor e
abriu a última porta com o ombro. Fiquei com a sensação de que o
quarto estava pronto à minha espera e estremeci quando ultrapassamos o
vão da porta, certa de que havia acabado de entrar na minha cela, como
uma prisão.
— É essa?
Era uma mulher com a voz cansada, mas aparentemente jovem.
— Sim. — Foi a resposta seca dele. — Puxe as cobertas.
Mantive os olhos fechados e o corpo mole, continuando a
fingir que estava inconsciente. Fui largada em um colchão e rezei para
que não percebessem que eu já estava consciente.
— É muito bonita — ela disse, alisando o meu cabelo. — Daria
um bom dinheiro.
— Já deu.
— Eu quis dizer que daria muito mais.
Oh, Jesus!
— Já avisei que ela não é como as outras! — ele disse em tom
duro. — Agora saia daqui!
Outras? Havia mais mulheres ali?
Ouvi passos leves se afastarem e senti os olhos do homem
sobre mim. Comecei a rezar para que ele não percebesse nada,
dominada por uma tensão de estourar os nervos.
Uma mão grande e pesada tocou os meus seios, desabotoando
parte da blusa e puxando-a para o lado. Ele não me tocou mais, apesar
de eu sentir que analisava o meu corpo.
Quando pensei que não aguentaria mais aquela tensão, as
passadas pesadas dele o levaram à porta. Logo depois, o barulho do
trinco da porta soou dentro do quarto quando uma chave rodou na
fechadura, deixando-me presa.
Ainda fiquei por um tempo na mesma posição, com medo de
que ele estivesse me testando, mas relaxei ao ter certeza de que estava
mesmo sozinha. Engoli um soluço de desespero e afundei o rosto no
travesseiro cheirando a perfume barato.
Deixei o meu corpo relaxar e depois ergui o rosto, olhando pela
primeira vez o lugar onde estava. Era um quarto deprimente e, sem
dúvida alguma, tudo ali tinha a aparência de um prostíbulo.
Não perdi tempo e me sentei, analisando o ambiente ao meu
redor atrás de uma maneira de fugir dali. Não havia janelas, mas vi o
que parecia ser um banheiro. Fui até lá, mas também não havia
nenhuma janela.
Restava a porta, para onde fui. Colei o ouvido na madeira e
escutei. Estava tudo silencioso no corredor e girei o trinco, mesmo
sabendo que deveria estar trancada. Afinal, não custava tentar.
Como esperado, a porta não se abriu.
Merda! E agora?
Se pelo menos estivesse com a minha bolsa, ligaria para
Daniel.
Pense, Ana! Pense!
Foi exatamente aquilo que fiz nos instantes seguintes, até que
um clique se deu na minha mente.
Ajoelhei-me no chão e olhei pelo buraco da fechadura.
Sim, lá estava ela. A chave! E na posição certinha!
Medi o espaço entre a porta e o chão, quase chorando de alívio
ao ver que, enfim, ainda havia uma chance para mim. Só tinha de ser
rápida, porque não sabia quando voltariam.
Levantei-me e dei uma olhada pelo quarto. Eu precisava de
papel e corri para o banheiro, achando um rolo de papel higiênico sobre
o vaso sanitário. Agora, faltava encontrar algo longo e pontiagudo para
enfiar na fechadura, mas depois de revirar tudo não encontrei
absolutamente nada.
Segurando a vontade de chorar, comecei a analisar a minha
roupa à procura de algo, só que nada servia. O brinco era curto e não
estava usando nenhuma fivela para prender o cabelo, muito menos cinto
ou broche na blusa.
Com as mãos trêmulas, tapei a boca para engolir o choro.
Calma, porra! Calma!
Fechei os olhos e encontrei a resposta. Desabotoei a blusa e
tirei o sutiã. Fui até o bojo e senti o arame. Era isso!
Nos minutos seguintes, tentei rasgar a costura com os dentes,
ficando a ponto de gritar de raiva a cada vez que não conseguia ter
sucesso. Me senti como um prisioneiro que passava meses ou anos
cavando um túnel para escapar da prisão.
Depois do que me pareceram séculos, a pontinha do arame
surgiu e puxei-o para fora. Voltei a vestir o que restou do sutiã, coloquei
blusa e corri para a porta.
Fiz um tapetinho com o papel higiênico e coloquei no chão por
baixo dela. Com o arame, saí empurrando a chave com cuidado, com
medo de que caísse fora do papel. Se isso acontecesse, adeus liberdade!
Por fim, ela se soltou da fechadura e caiu com um som seco.
Prendi a respiração, rezando para ninguém ter ouvido.
Larguei o arame e me deitei, colando o rosto no chão.
Encontrei-a exatamente em cima do papel, que puxei devagarzinho,
trazendo-a cada vez mais para perto de mim. Ela ultrapassou o vão da
porta e peguei-a de um fôlego só, apertando contra o peito.
Obrigada, meu Deus!
Levantei-me e abri a porta o mais silenciosamente que
consegui. Olhei o corredor e não havia ninguém. Ver aquelas portas
todas trancadas me trouxe uma sensação angustiante no peito. Eu só
conseguia pensar que, por trás delas, estavam as “outras”.
Todas as portas tinham as chaves do lado de fora. Por um
momento hesitei, pensando se deveria abri-las e libertar quem estivesse
lá dentro. O problema era se eu estivesse enganada e acabasse me
ferrando ainda mais.
Saia daqui, Ana!
Tentei me acalmar e avancei, ultrapassando os metros que me
separavam da escada, que desci com cuidado. Parei no último degrau e
olhei ao redor, procurando a saída.
Ouvi vozes em uma das salas do térreo e fui na direção oposta,
dando de cara com uma porta aberta. Com o coração aos pulos,
aproximei-me lentamente no que parecia ser os fundos da casa. Vi um
carro estacionado e engoli em seco com a ansiedade de me ver livre.
Apenas um passo além da porta foi o suficiente para que eu
visse um homem de pé encostado em outro carro diferente do que havia
me trazido. Para minha sorte, ele estava de costas e falava ao celular,
concentrado.
Dei meia volta sem nem respirar e entrei novamente na casa,
pensando se deveria arriscar e sair, tentando me esconder lá fora sem
que ele me visse. Contudo, o som da voz dele se aproximando me
obrigou a recuar mais para dentro.
Mesmo com toda aquela tensão, ainda consegui raciocinar o
suficiente para deduzir que a frente da casa devia ser no lado oposto, já
que os fundos estavam ali. Foi para onde me dirigi, rezando para que o
meu precário sentido de orientação não me enganasse. Quando já me
sentia encurralada e sem escapatória, vi uma porta que parecia ser a da
rua e fui naquela direção.
Segurei a maçaneta e girei, abrindo-a. No mesmo instante, um
sino de vento emitiu um som harmonioso pela casa. Olhei para cima,
assustada, vendo um móbile com vários tubinhos de madeira batendo
uns nos outros.
Uma armadilha!
Passos ecoaram vindo da sala e corri para fora, sem pensar em
mais nada que não fosse fugir. A minha maior frustração foi chegar a
tocar no portão da rua antes de ser agarrada por trás com violência,
encostada em um peito duro e ter a boca tapada.
Respire, Ana! Respire!
Mas ele não suavizou a pressão e comecei a sufocar, até
precisar desesperadamente de ar. A última coisa que vi foi o portão
bater com a força do vento, fechando de vez o meu caminho para a
liberdade.

Arthur Montenegro
Encostei o carro no meio fio e peguei o celular que tocava
insistentemente. Achei que fosse o Ortega, mas respirei aliviado ao ver
que era o Santiago.
Àquela altura, eu desconfiava de que Daniel Ortega já deveria
estar louco para me pegar e que ficaria mais ainda quando recebesse as
fotos. Só esperava que aquele idiota do John tivesse feito tudo certo.
— Diz, Santiago!
— Tenho novidades! Há uma movimentação estranha na casa.
Aquela era uma informação importante e fiquei imediatamente
alerta.
— O que aconteceu?
— Chegaram dois carros, entre eles o furgão habitual. Então, já
sabe, né?
Sim, eu sabia. Só que há muito tempo que a casa não tinha
aquele tipo de movimentação. Havia sido esvaziada e seus “assuntos”
transferidos para outro local.
— Tem certeza?
— Não tenho, por isso estou enviando um vídeo e algumas
fotos que tirei. Veja e decida o que fazer. Ligue-me depois.
Santiago desligou e em questão de segundos o material chegou
ao meu celular.
Analisei as fotos e não vi motivo algum de preocupação, até
uma delas chamar a minha atenção. Uma mulher estava sendo carregada
ao colo, com o cabelo castanho solto ao vento. Não dava para ver o
rosto dela, mas reconheci logo o homem que a carregava, mesmo
encapuzado.
Merda!
Fechei as fotos, irritado, e fui atrás do vídeo.
Era a mulher de costas correndo pelo jardim. Sem dúvida que
estava tentando fugir, mas não foi muito longe até ser pega por ele.
Ninguém conseguia fugir daquela casa!
Após agarrar a mulher, ele se virou para voltarem para dentro e
os dois ficaram de frente para a câmera de Santiago. Foi quando o rosto
dela surgiu no vídeo.
Um rosto que eu conhecia muito bem.
Capítulo 48
Daniel
DESLIGUEI O CELULAR depois que a ligação caiu mais
uma vez sem que ninguém atendesse. Há dois dias que tentava falar
com Arthur Montenegro sem conseguir e, daquela vez, a minha
paciência se esgotou completamente.
Tomaria outras providências daquele momento em diante.
Fiz outra ligação, desta vez para Jeremy e passei para ele todos
os dados que tinha de Arthur, dizendo que estava envolvido no assunto
da carta anônima e pedindo que tentasse descobrir tudo o que pudesse
sobre ele.
Depois liguei para casa, falando com Carmencita.
— Está tudo bem?
— Sim, doutor Daniel — ela garantiu a tranquilidade de
sempre.
— Ótimo. Ana está aí?
Eu sabia que as duas gostavam de ficar juntas na cozinha,
conversando e envolvidas com receitas, tendo a Candy ao pé delas.
Carmencita também estava lhe ensinando o espanhol e o inglês sempre
que podia.
— Sim, ao meu lado.
— Passe-me ela.
Aguardei apenas breves segundos para a voz de Ana acalmar
meu coração.
— Oi, Dan.
Deixei o meu corpo responder por inteiro ao tom naturalmente
sedutor, pois a saudade de possuí-la era grande demais. Eu ainda não
sabia quanto tempo mais conseguiria manter distância e aguardar que
ela estivesse pronta para fazer amor comigo de novo. Nos últimos dois
dias, o tempo parecia passar rápido e lento ao mesmo tempo. Tanto por
se aproximar o fim das férias dela, quanto por se arrastarem lentamente
as horas que não a tinha nos braços.
— Você está bem?
Eu sabia que aquela era uma pergunta idiota, mas ouvir Ana
confirmando me dava uma calma diferente.
— Sim. Estamos programando o jantar que daremos para Bia.
Ouvir o nome de Bia me lembrou do passeio.
— Farei o máximo possível para não me atrasar dessa vez.
— Bom, estarei sempre aqui esperando por você. — O tom era
de riso.
Respirei fundo, controlando a emoção com aquele “sempre
aqui esperando por você”. Limpei a garganta antes de responder.
— Ligarei assim que terminar a reunião. Beijo.
— Beijo.
Logo a seguir, ouvi o latido de Candy, fazendo-nos rir juntos.
— Ela está lhe mandando um beijo também. — Ana traduziu,
brincalhona.
— Dê um nela por mim.
Peguei os relatórios sobre a mesa, meti na pasta e subi para a
presidência, onde o doutor Stevens já estava com a comitiva dos
chineses. Aquela seria uma longa reunião, sem hora prevista para
acabar, mas eu esperava estar em casa a tempo para o passeio com Ana.
Tê-la segura em minha casa e saber que estava feliz me dava a
tranquilidade de que precisava para me concentrar totalmente no
trabalho.
Coloquei o celular offline e, nas horas seguintes, tratei apenas
dos assuntos da empresa, colocando os meus problemas pessoais em
segundo plano. Apesar das longas horas em que a reunião decorreu, o
tempo pareceu voar. Quando terminou e os chineses saíram, ainda fiquei
discutindo o resultado com o doutor Stevens.
Só quando ele se deu por satisfeito foi que aproveitei para
tentar conseguir algum outro contato de Arthur Montenegro.
— Estou há dois dias tentando falar sem sucesso com um
conhecido de vocês, a quem fui apresentado na festa de Meghan. Seria
possível conseguir algum outro contato dele? Chama-se Arthur
Montenegro.
Ele franziu o cenho, como se tentasse lembrar quem era.
— Pelo nome não lembro quem seja.
— Sei que é sobrinho de uma amiga de Victoria que mora no
Brasil. Foi ela quem o apresentou à Ana.
O vinco na testa dele aumentou, passando a ficar com uma
expressão preocupada. Aquela reação me deixou inquieto, uma vez que
conhecia o doutor Stevens há tempo suficiente para saber que ele não
havia gostado de saber daquilo.
— Posso saber qual é o motivo que o faz querer falar com ele?
Parecia uma pergunta normal, ainda assim analisei com
cuidado se seria sensato lhe confidenciar as minhas suspeitas contra
alguém que poderia ser um amigo pessoal da família, sem ligações com
o trabalho. Contudo, também não podia ignorar o fato de que o Arthur
havia se transformado em uma ameaça para Ana.
Ele se meteu com a pessoa errada!
— Para ser sincero, não é um homem que me passe confiança.
Tenho provas suficientes de que está se aproximando demasiado de Ana
e quero saber o motivo. Ele já vem assediando minha namorada muito
antes de serem apresentados por Victoria na festa, fato que sua esposa
desconhece. Ela pode estar, inclusive, sendo manipulada por este Arthur
sem nem perceber.
O silêncio se prolongou após minhas palavras e fiquei
analisando a reação dele. Foi quando, enfim, tive a certeza de que algo
não estava bem naquela história toda. O olhar incisivo e frio do doutor
Scott se fixou na ponta da caneta, que fincou no papel à sua frente como
se fosse uma adaga. Aquele gesto não me passou despercebido, uma
característica marcante dele quando se via diante de um adversário que
ameaçava o seu império financeiro.
A partir daquele momento, quem não gostou da situação fui eu.
Até senti o cheiro do perigo ao meu redor, um perigo que ameaçava
Ana!
— O que está acontecendo? — perguntei-lhe, sem disfarçar a
dureza na minha própria voz.
Ele se levantou e fiz o mesmo, ambos tensos demais para
meias-palavras.
— Terei uma conversa séria com Victoria hoje à noite e
amanhã direi algo concreto. Mas garanto que este assunto de Arthur
Montenegro estará resolvido.
— Agradeço, mas gostaria eu mesmo de resolver este assunto
com ele. — Aquilo era algo que eu não abriria mão para ninguém. — Se
conseguir com Victoria um outro contato dele, sou eu quem garanto que
tudo ficará resolvido.
O doutor Stevens apenas assentiu com a cabeça.
— Que seja!

Saí da presidência mais tenso do que antes e duas vezes mais


preocupado com aquele assunto. Apesar de saber que no dia seguinte
teria uma resposta concreta do doutor Stevens, algo dentro de mim
gritava por urgência.
Sem paciência para aguardar o elevador, desci as escadas,
entrando de supetão na recepção do meu andar. Ignorei o olhar surpreso
das secretárias e fui para minha sala.
— Doutor Daniel! — Deborah chamou alto, fazendo-me parar
abruptamente, irritado.
A mulher engoliu em seco, mas cumpriu a função de secretária
dela.
— Sua assistente de casa, Carmencita, ligou várias vezes e
pediu que retornasse quando estivesse livre da reunião.
Enfiei a mão no bolso do paletó e tirei o celular, vendo as
inúmeras chamadas não atendidas. Apesar de ser comum encontrar
várias delas no final das minhas reuniões, sempre de pessoas diferentes,
naquele dia em especial senti uma inquietação diferente no peito.
Entrei na sala e fui verificar todas, descartando rapidamente as
que não me interessavam, até encontrar às de casa e de Bia. Não havia
nenhuma de Ana e aquilo me tranquilizou.
Como já sabia que a ligação de Bia era para reclamar do
cancelamento do passeio por causa do meu atraso, ignorei-a e liguei
para casa, assim falaria com Carmencita e com Ana ao mesmo tempo.
— Doutor Daniel!
O tom aliviado de Carmencita quase me fez rir, uma vez que,
sem dúvida alguma, não devia ter sido fácil lidar com a irritação de Bia.
— Já imagino o que aconteceu, Carmencita — tranquilizei-a,
afinal, a pobre senhora nunca teve tantos momentos de tensão como
ultimamente, desde a chegada de Ana. — Agora se acalme e me deixe
falar com Ana.
— Mas ela não está! — A voz era de surpresa, mas também de
preocupação. — A senhorita Ana saiu com Bia. Como ainda não
voltaram, liguei-lhe para saber se já estavam juntos, porque estranhei a
demora.
Paralisei, dominado por um mau pressentimento. Demorei
apenas o tempo de uma inspiração profunda para me recuperar, agindo
rápido logo a seguir. Agora, quem queria falar com Bia era eu!
— Não se preocupe. Vou ligar para Bia e digo algo depois.
Nos minutos seguintes, fiquei ouvindo o tom de chamada tocar,
tocar e tocar até cair. Apertando o celular com força desmedida,
continuei tentando outras vezes.
— Daniel?! — Ela atendeu de repente. — Oh, meu Deus, até
que enfim! Ana desapareceu!
Foi daquele jeito, sem aviso algum e de uma maneira
inesperadamente brusca, que o meu mundo ruiu pela segunda vez nos
últimos dias. Senti como se estivesse caindo de um precipício em queda
livre, sem nada onde pudesse me agarrar, quando o que eu mais queria
era estar preso ao cabelo selvagem da minha mulher.
— Mas que merda é esta que está me dizendo? — explodi sem
medir as palavras. — Como você deixou isso acontecer, sua
irresponsável?
— Eu não tive culpa, juro! — ela se defendeu com voz
chorosa. — Olha, Daniel, se quiser me culpar, culpe. Mas encontre
Aninha primeiro, pelo amor de Deus!
— Eu vou encontrá-la! Custe o que custar, vou trazê-la de
volta! — rosnei, dominado por uma raiva assassina. — Ligo-lhe depois.
Desliguei e fiz outra chamada para o celular de Ana. A cada
toque sem que ela atendesse, sentia-me enlouquecer de preocupação.
Comecei a andar impacientemente pela sala, até desistir ao perceber que
não me atenderia.
Ativei o rastreador do aparelho e não estava nada preparado
para o que vi.
— Fuck!! — praticamente gritei de raiva dentro do escritório.
Peguei a chave do carro e saí da sala, furioso e a ponto de
matar quem fez aquilo com a minha mulher. Não cruzei com ninguém
até entrar no carro, xingando mentalmente por ter decidido usar o
Escalade naquela manhã, mais pesado e menos ágil no trânsito do que o
Lamborghini.
Liguei para Bia.
— Conte o que aconteceu — exigi no viva-voz enquanto
conduzia o carro para fora do estacionamento do prédio.
— Julie foi ao banheiro com Ana e me contou depois que
ficaram presas lá dentro. Dois homens abriram a porta, mas não foi para
ajudar. Eles estavam armados e encapuzados — ela contou e apertei o
volante com força, querendo que fosse o pescoço de um deles. — Julie
foi agredida e desmaiou, ficando desacordada. Como as duas estavam
demorando muito para voltar do banheiro, fui atrás delas. Foi quando a
encontrei e soube o que aconteceu. Liguei imediatamente para você.
— Onde foi isso e há quanto tempo? Quero saber de tudo!
Bia continuou falando enquanto eu tentava avançar o mais
rápido que podia no trânsito, pensando em ligar para Jeremy e acionar a
polícia. Algo tremendamente suspeito estava acontecendo e eu já
deveria ter pedido a interferência dele antes.
Como era possível que Ana estivesse novamente envolvida em
uma situação daquelas em tão pouco tempo? Eu só esperava que, depois
que a encontrasse, ela não tivesse decidido se afastar de mim ao
perceber que não valia a pena continuar comigo porque o nosso namoro
só lhe trouxe dissabores.
— Sabe dizer se ela está com o celular?
Pela primeira vez, eu esperava que não. O lugar para onde o
GPS apontava era um dos bairros mais perigosos da região.
— Ela estava com a bolsa, mas já liguei várias vezes e não me
atende. Tentei falar com Jack, mas também não consegui. Graças a
Deus você ligou logo!
Foda-se o Jack!
Se o pai de Ana não tivesse me garantido que Bia era uma
menina de ouro e praticamente irmã para a filha dele, eu já teria cortado
Jack Spencer definitivamente das minhas relações.
— Preciso desligar agora, mas darei notícias.
— Vou para sua casa, Daniel. Quero estar lá quando a Aninha
chegar!
— Pode ir.
Aguardei mudar de faixa para só então fazer outra ligação.
— Boa tarde, doutor Daniel — ouvi a saudação de Jeremy. —
Precisa de alguma coisa?
— Sim, preciso urgente.
Capítulo 49
Ana
TENTEI ABRIR OS olhos, mas não consegui. Tive a
sensação de ir e vir entre a consciência e o adormecer, sentindo um
cheiro horrível que fez com que me sentisse ainda pior. Naquela luta
contra a indisposição que me dominava, resolvi que permanecer na
inconsciência era uma boa escolha.
Acho que apaguei completamente mesmo. Quando acordei
novamente, tive a sensação de que o tempo tinha voado. Em um rápido
flash de memória, veio à minha mente a imagem de Daniel.
Daniel. Eu preciso dele!
Pensei em chamá-lo, mas nenhum som saiu da minha garganta,
e não foi por outro motivo além do fato de ter uma fita tapando a minha
boca. Já totalmente consciente, percebi que também tinha os olhos
vendados. Tentei erguer as mãos para me libertar, mas elas estavam
amarradas atrás das costas.
A percepção de tudo aquilo fez o meu coração acelerar e fiquei
durante longos minutos refém de um terror paralisante.
Sem enxergar nada, os meus outros sentidos se apuraram e o
mais sensível deles naquele momento era o olfato, que detectou
novamente o cheiro repugnante de dejetos e de urina. A náusea subiu
outra vez pela minha garganta, mas me lembrei de que, amordaçada
daquele jeito, eu ia sufocar no meu próprio vômito.
Eu estava tentando ignorar o cheiro nauseabundo daquele
lugar, quando ouvi passos rápidos se aproximando. Em pânico, escutei
uma porta se abrir bruscamente e aquelas passadas apressadas chegarem
até onde eu estava.
Controlei a respiração para fingir que continuava desacordada,
tentando ver sem sucesso o homem que se debruçou sobre mim,
segurando o meu queixo com uma mão grande e quente. Ele não falou
nada, apenas mexeu nas coisas ao meu redor, como se estivesse
procurando algo. Depois, jogou alguma coisa sobre a minha barriga,
pegou-me ao colo e começou a andar com uma pressa preocupante. A
minha mente aterrorizada só tentava imaginar quem era ele e para onde
estava me levando.
Depois, tudo o que aconteceu a seguir ficou registrado na
minha cabeça como um borrão. A sensação de ser carregada, os
xingamentos baixos dele, alguma claridade que ainda conseguia
ultrapassar o tecido da venda que eu usava, tudo se sucedendo em um
caleidoscópio vertiginoso.
Fui deitada em um banco, provavelmente de um carro, porque,
de repente, ouvi o ronco de um motor e tudo começou a se mover
embaixo de mim.
O tempo deixou de ter medida na minha percepção embotada
das coisas, enquanto parecia que rodávamos sem destino pelas ruas da
cidade. Em determinado momento, o carro parou e senti como se o meu
coração fosse parar junto com ele, na expectativa do que ia acontecer
comigo. Só pensei que agora iam me eliminar de vez.
Mãos fortes me desamarraram, a fita foi arrancada com
violência da minha boca e a venda retirada dos olhos. Ofuscada pela
claridade repentina, voltei a fechá-los, tentando me acostumar
novamente com a luz.
— Desce! Rápido! — o homem rugiu, impaciente.
Descer?!
Apesar da ordem ríspida, não consegui reagir, continuando na
mesma posição.
Ele balançou o meu braço com força.
— Acorda, Ana! — falou alto, em um tom duro e urgente.
Ouvi-lo me chamar pelo nome me deixou sem ação. Girei a
cabeça e olhei para ele, virado para o meu lado com uma expressão
impaciente.
— Desce, rápido! — insistiu.
Foi quando vi o rosto dele pela primeira vez, arregalando os
olhos de surpresa.
Arthur Montenegro!
Atordoada, fiquei olhando a barba bem tratada igual à de
Daniel, os olhos penetrantes, que agora estavam duros, e a expressão
séria do rosto, sem o sorriso gentil com que sempre falava comigo.
— Levanta, porra! Não tenho tempo!
Inclinou-se sobre o banco de trás onde eu estava e colocou uma
mão forte por baixo das minhas costas, ajudando-me a levantar do
banco. Sentei-me com muita dificuldade, olhando para ele sem entender
nada.
— Ar-Arthurr?! — gaguejei, completamente chocada.
— Desce de vez, Ana! Não tenho tempo a perder!
Ele jogou algo sobre o meu colo e se virou para o painel do
carro, acionando o comando das portas. Inclinou-se outra vez sobre a
traseira e abriu a minha porta, empurrando-me com brusquidão para
fora do carro.
Saí de qualquer jeito, tropeçando nas próprias pernas e
deixando cair no chão o que estava no meu colo. Olhei para baixo e vi a
minha bolsa.
— Ligue para o Daniel vir pegar você! — ele disse, voltando a
fechar a porta com força.
O som do motor roncou alto e o carro saiu em uma velocidade
alucinante pela rua.
Ainda tonta e desnorteada com tudo aquilo, olhei para a rua
onde fui largada.
Meu Deus, onde estou? Que lugar é esse?
A rua estava deserta, com prédios decadentes e alguns carros
estacionados em frente a eles. Eu nunca tinha visto aquele lugar nos
passeios que fiz com Daniel e vacilei nas pernas quando percebi a
situação desesperadora em que estava.
Respirei fundo para me acalmar e me abaixei quase que em
câmera lenta para pegar a bolsa no chão, rezando para que o meu celular
ainda estivesse lá dentro.
Eu precisava chamar o Daniel.
Capítulo 50
Daniel
ENTRAR NA ÁREA mais perigosa do Bronx com aquele
carro ia ser arriscado, mas segui em frente, pois não tinha mais tempo a
perder. A minha outra única opção seria pegar um táxi, mas aquilo me
deixaria sem uma via rápida e segura para sair dali com Ana.
E eu pretendia sair dali com a minha mulher dentro do meu
carro!
Parei nas imediações de onde o GPS apontava a localização
dela. Tirei a gravata e o paletó, jogando-os no banco de trás. Abri o
painel do carro e peguei no compartimento inferior a pistola automática,
deixada ali para ser usada em casos de urgência. Enfiei a glock no cós
traseiro da calça, coloquei o celular no bolso e desci. Olhei ao redor
antes de caminhar a passos largos para o beco entre dois prédios
decadentes, arregaçando as mangas da camisa.
Só de imaginar Ana sozinha naquele lugar já sentia a
adrenalina disparar no sangue.
Os tijolos avermelhados dos prédios estavam pixados com
palavras e desenhos sem sentido, que só quem os fez entenderia o
significado. Observei tudo com atenção antes de avançar, tendo o
cuidado de não fazer barulho. Com exceção de duas bicicletas velhas
presas em uma grade ao fundo, tudo parecia abandonado e sem
ninguém.
Continuei andando até ultrapassar os contentores de lixo.
Escondido atrás deles, havia um sofá encardido e velho, onde um rapaz
aparentando pouco mais de vinte anos estava sentado, concentrado no
celular.
O celular de Ana!
Ao lado dele sobre o sofá estava a bolsa dela aberta com os
pertences espalhados. Identifiquei logo o passaporte e aquela cena fez
uma dor lancinante varar o meu peito.
Avancei com uma fúria incontrolável sobre ele. Antes que o
rapaz se desse conta do que acontecia, segurei-lhe o braço e o empurrei
com força, deitando-o de bruços sobre o sofá. Finquei um joelho em
suas costas e torci o braço dele para trás, fazendo o celular de Ana cair
ao chão com um baque seco.
— Onde está a dona do celular?
Passada a surpresa do ataque, ele tentou se soltar, mas empurrei
o joelho com mais força em suas costelas, imobilizando-o pelo pescoço
com meu braço.
— Responda, caralho! — rugi, enfurecido.
— O celular é meu, cara!
— E a bolsa também é sua? — Torci-lhe mais o braço. — É
melhor falar antes que a polícia chegue. Eles vêm logo atrás de mim e
garanto que sou mais camarada do que os policiais!
— Fuck!
— Onde ela está?
Ele permaneceu calado, parecendo pensar se falava ou não.
Apesar da minha urgência, dei-lhe aquele tempo, pois não pretendia
esperar o reforço de Jeremy chegar para só então procurar por Ana.
Mesmo não sendo tão religioso quanto a minha mãe, rezei para
que a resposta dele fosse qualquer outra, menos que havia encontrado a
bolsa ao lado do corpo sem vida dela em algum daqueles becos sujos.
— No outro lado do bairro! Roubei a bolsa quando ela estava
distraída — admitiu a contragosto. — Mas não a machuquei! Deixei-a
viva, por isso se a encontrar morta a culpa não é minha!
O meu alívio foi tão grande que senti o corpo todo tremer.
— Leve-me até onde ela está! — exigi, levantando-o com um
safanão.
Quando ele se pôs de pé à minha frente, vi que tinha razão ao
achar que tivesse cerca de vinte anos. Era pouco mais do que um garoto.
— Eu não vou! — Um medo genuíno surgiu nos olhos dele. —
Aquela área é território dos tigers e não volto lá!
Provavelmente era uma das gangues que controlavam a região.
Restava saber como Ana tinha ido parar ali e quem a levou.
A cada momento, tornava-se mais urgente encontrá-la e não
hesitei em puxar o rapaz pelo colarinho com violência, prensando-o na
parede à minha frente.
— Se você a encontrou lá é porque anda pelo território dos
tigers, por isso vai me levar agora para onde ela está!
— Calma, cara! Eu levo, mas mantenha a polícia longe de mim
ou a minha mãe vai me matar. Tenho mais medo dela do que dos tiras e
dos tigers!
Em outra situação, até gostaria da presença de espírito do
rapaz, mas não havia como achar graça em nada com a urgência que eu
tinha de encontrar Ana.
— Pegue as coisas da minha mulher e coloque na bolsa. E que
não falte nada!
Os olhos dele se arregalaram de surpresa.
— Ela é sua mulher? — Encarou com atenção o meu olhar
sério. — Sim, já vi que é! Olha, cara, vou colaborar. Mas volto assim
que chegarmos ao local onde a deixei e você resolve o resto sozinho. E
me livra dos tiras, ok?
— Vamos! — Foi a única resposta que dei, observando-o
colocar tudo de volta na bolsa dela, que passou depois para mim.
Segurei-o pelo braço e arrastei para fora do beco.
— Shit! Só me meto em confusão!
Ignorei as lamúrias dele e o arrastei até o meu carro. Ele
tropeçou nos pés ao olhar para o Escalade.
— Porraaa!!! Esta máquina é sua?
— Cale-se e entre!
Não precisei falar duas vezes. Ele correu para o carro, passando
a mão no capô como se acariciasse uma mulher.
— Cara! Nunca vi um desse de perto! — exclamou,
assombrado, sentando-se ao meu lado. — Ninguém vai acreditar quando
eu disser que entrei numa máquina dessas.
— Já disse para calar a boca! — rosnei, impacientando-me
com sua ladainha. — Onde fica?
— Não quero estar perto do seu carro quando os tigers o virem.
Talvez seja melhor esperar os tiras chegarem.
Segurei-o com força pela gola casaco.
—Escute aqui, rapaz, chega de falar merda! — estourei de vez.
— Mostre onde ela está!
Ele ergueu as mãos no ar.
— Tudo bem. Só não diga depois que não avisei.
Seguimos por três quarteirões até ele apontar para a calçada.
— Um carro deixou sua mulher exatamente aqui, que é uma
área segura, mas ela parecia drogada.
Apertei as mãos no volante, respirando fundo para conter a
raiva e o desespero.
— Viu quem a deixou?
— Um homem de barba. Foi só o que vi e nem pense que vou
ser testemunha de nada.
— Para onde ela foi?
— Para o pior lugar que uma mulher que não conhece a região
poderia ir. O território dos tigers.
— Quem são eles?
— Animais, se quer mesmo saber. Especialistas em
prostituição. Quase todas são drogadas e obrigadas a traficar.
Àquela altura, eu já estava mais do que disposto a matar
qualquer um que me impedisse de tirar Ana dali, com ou sem os homens
de Jeremy.
— Onde a viu pela última vez?
— Na próxima rua à direita. Ela tentou fazer uma ligação, mas
devia estar pedrada demais porque não conseguiu. Encostou-se na
parede e ficou lá, parada. Peço desculpas pelo que vou dizer agora, mas
aquela foi a oportunidade perfeita para mim. Puxei a bolsa dela e corri
para o meu território.
Tive vontade de dar um bom soco na cara dele ao ouvir o que
disse, mas eu precisava encontrar Ana antes de fazer aquilo.
O meu celular tocou e atendi o Jeremy.
— Já entramos no Bronx!
Onde está, doutor Daniel?
Fiquei surpreso que ele tivesse vindo junto com os policiais,
apesar de saber do comprometimento que tinha com a segurança da
presidência e da diretoria.
— Estou entrando no território dos tigers, segundo o meu
informante. — Ignorei o xingamento dele e me virei para o rapaz. —
Qual é o seu nome?
— Thomas.
— Thomas, diga-lhe onde estamos. É só falar alto.
Eu só esperava que Jeremy conseguisse chegar a tempo, caso
eu realmente viesse a precisar de ajuda para tirar Ana dali.
— É melhor não avançar mais e deixar isso por nossa conta,
doutor Daniel — Jeremy aconselhou com preocupação quando voltamos
a nos falar. — Nós a encontraremos, garanto!
— Eu não saio daqui sem ela! É tudo.
Desliguei, parando no ponto indicado por Thomas. Era uma rua
de pouco movimento, em nada melhor do que o local onde o encontrei.
— Qual é o seu nome? — o rapaz me perguntou e o olhei de
cara fechada.
— Daniel.
— Pois bem, senhor Daniel. Temos que ser rápidos!
— Faz tempo que a deixou aqui?
— Cerca de quarenta minutos.
É tempo demais para ela estar sozinha neste inferno!
Desci, olhando ao redor e contendo a muito custo a vontade de
gritar o nome de Ana bem alto no meio da rua, na esperança de que ela
ouvisse e viesse para mim.
— Se ninguém a pegou, ela não deve estar longe — Thomas
deduziu com seu estranho conhecimento de atos criminosos. —
Poderíamos tentar encontrá-la em um desses inúmeros apartamentos e
perguntar se alguém viu a sua mulher, caso tivéssemos tempo. Mas não
temos. Em breve eles saberão que o seu carro está nas redondezas e não
quero estar aqui quando chegarem para averiguar quem é você. E deve
agradecer se vierem apenas para averiguar.
Praguejei em silêncio, odiando a sua lógica de delinquente.
— Obrigado pela ajuda — disse-lhe com ironia. — Agora já
pode ir embora.
Fechei o carro, determinado a circular pelas imediações, ainda
que a rua estivesse estranhamente deserta para aquela hora do dia.
— Por que não tem ninguém nas ruas?
— Medo.
Nem precisei de mais explicações para entender o clima de
terror imposto no território dos tigers. Subi na calçada, olhando para as
residências mais próximas.
Se Ana parou ali, algo me dizia que seria ali que ela deveria
estar. E eu pretendia encontrá-la!
Capítulo 51
Ana
— MOM! THERE’S A big car on the street! — o pequeno
Mathias disse, com o rosto colado no vidro da janela.
Cerca de meia hora depois de me abrigar na pequena sala da
senhora Brown, eu já estava bem mais lúcida do que quando fui
abandonada ali por Arthur.
Agora, sentia-me melhor, mas o susto que passei foi enorme
quando dois homens saíram aos socos de uma casa do outro lado da rua.
Logo atrás deles, vieram mais quatro homens mal-encarados que
ficaram assistindo, impassíveis, aquela cena horrível de selvageria,
enquanto eu olhava em estado de choque.
Facas foram tiradas e um deles foi atingindo no estômago,
soltando um grito sufocado de morte que me deixou doente. Certa de
que tinha acabado de testemunhar um assassinato em plena luz do dia,
recuei para longe da rua e me escondi no vão de uma porta fechada na
lateral do prédio onde estava.
Tremores de medo começaram a percorrer o meu corpo ao
perceber que ali não seria o melhor lugar para ficar, pois ainda ficaria
visível caso olhassem com atenção para o beco.
Eu precisava encontrar outro lugar rápido, pois tinha certeza de
que aqueles homens não hesitariam em me pegar caso me vissem ali.
Depois de assistir tamanha atrocidade, eu nem queria imaginar o que
fariam comigo.
Ai, meu Deus. Faça tudo isso acabar, por favor! Já não
aguento mais!
Assustadíssima, ouvi uma porta ranger. Quando olhei para o
outro lado do beco, vi surgir nela uma cabeça escura. Olhos apreensivos
me encararam.
— Come here! — a mulher negra falou, fazendo um gesto com
a mão e entreabrindo mais a porta.
Eu entendi o que ela disse e hesitei, mas foi por pouco tempo.
O meu instinto de sobrevivência me dizia que lá dentro haveria menos
perigo para mim do que do lado de fora. Corri então para a porta,
entrando em um apartamento minúsculo, bem menor do que o meu em
Fortaleza. O dela era escuro, mas muito limpo, onde vi que morava com
dois filhos pequenos.
Se entendi bem o que ela disse, foi o filho mais velho de dez
anos quem me viu, pois gostava de observar a rua pela janela da sala
quando estava perto da hora do pai chegar em casa.
E foi o abençoado filho dela quem havia acabado de falar sobre
o carro enorme na rua. E carros enormes só me lembravam o Escalade
de Daniel.
Daniel!
Corri para a janela, vendo-o de pé ao lado do carro, observando
a rua com a expressão preocupada. Senti as lágrimas escorrendo pelo
rosto ao comprovar que, mais uma vez, ele tinha vindo me procurar.
Olhei para a senhora Brown com ansiedade. Apesar de Daniel
não ser o meu marido, falei como Carmencita me orientou a fazer em
qualquer situação que precisasse me identificar em Nova York. Como
esposa dele.
— He’s my husband!
Um sorriso de satisfação curvou os lábios generosamente
carnudos e ela imediatamente foi abrir a porta da rua para mim. Assim
que coloquei o pé fora do apartamento, virei-me com lágrimas nos
olhos.
— Thank you very much!
Ela apenas sorriu, fazendo um gesto de assentimento com a
cabeça e fechando a porta.
Fui para o beco o mais rápido que pude, com medo de Daniel ir
embora antes que eu aparecesse.
— Dan! — gritei.
Rápido, ele se virou e me viu, correndo em minha direção.
— Ana!
Acabamos por nos encontrar no meio do caminho e me atirei
nos braços dele, sendo suspendida pela cintura com força, para depois
ser apertada com desespero junto ao peito amplo.
— Ana, Ana!
A mão firme me segurou pela nuca e, no segundo seguinte, eu
já sentia o seu beijo quente em minha boca. Foi um beijo rápido e
desesperado de posse, agressivo na sua intensidade, mas cheio de
saudade.
Ele se afastou logo depois, os olhos atentos no meu rosto,
enquanto as mãos percorriam as minhas costas, apalpando-me com
cuidado.
— Você está bem? Machucaram você?
Neguei com a cabeça, agarrada em seu pescoço.
— Vamos sair daqui, por favor — implorei, com medo que
aqueles homens aparecessem de novo e o machucassem.
O maxilar dele endureceu e logo corremos para o carro.
Entramos nele e Daniel manobrou para sairmos da rua, acelerando para
nossa fuga.
Quando nos aproximávamos da esquina que nos tiraria dali,
quatro homens mal-encarados surgiram correndo. Um deles ergueu a
mão armada, apontando para alguém que também corria mais à frente
no lado oposto da rua, fugindo daqueles criminosos.
Com uma expressão fria e assassina, o homem deu um tiro.
— Fuck! — Daniel xingou alto junto com o som do disparo.
Ver aquela cena me lembrou do assalto que deixou o meu pai
inválido. Sem acreditar no que estava acontecendo, gritei dentro do
carro.
— Pai!!
Daniel freou abruptamente, não sei se assustado com o meu
grito ou para evitar que a bala nos atingisse, já que cruzávamos naquele
momento a linha do tiro. Ele se recuperou rápido e manobrou o carro
possante com habilidade, mas, para minha surpresa, colocou o Escalade
justamente entre o atirador e a vítima.
Estupefata, eu o vi abrir sua janela e gritar para fora.
— Thomas! Entra!
A porta traseira foi destravada e um rapaz quase da minha
idade pulou para o banco de trás. Daniel deu marcha à ré para realinhar
o carro, mas foi o tempo que os bandidos precisavam para correr em
nossa direção. Dois deles ficaram mesmo em frente ao Escalade,
apontando as armas para Daniel, e os outros dois na minha janela,
tendo-me como alvo.
Meu Deus! Vamos ser executados ao mesmo tempo!
O primeiro tiro atingiu a minha janela e os outros se seguiram
em uma rápida sequência, em uma verdadeira saraivada de balas.
Gritei de pavor, abaixando a cabeça sobre o colo e tapando os
ouvidos com as mãos, certa de que a desgraça ia se abater novamente
em minha vida. Porém, incrivelmente, não ouvi o som de vidro
quebrado, nem senti dor ao ser atingida pelo tiro, muito menos Daniel
deu sinal de ter sido ferido.
— Calma, Ana! O carro é blindado! — ele gritou para que eu o
ouvisse acima do som dos tiros, ainda manobrando o carro. — Confie
em mim. Sei o que estou fazendo.
Ainda assim não quis olhar, apenas me encolhi no banco,
assustada com o impacto das balas.
— O carro aguenta tudo isso? — o rapaz perguntou do banco
de trás.
— Aguenta mais do que isso! — Daniel vociferou, pisando no
acelerador e arrancando em alta velocidade para cima deles.
Ouvi o barulho de um corpo se chocando contra o carro quando
o Escalade atropelou um dos homens, deixando-me novamente
nauseada.
As balas ricochetearam na traseira do carro, mas saímos de lá
sem um arranhão sequer, apesar de o meu coração bater descompassado
no peito. Daniel seguiu em frente e só quando viramos a esquina mais à
frente foi que ouvi o som de sirenes passarem por nós.
Era a polícia!
O Escalade seguiu adiante por mais um tempo até diminuir de
velocidade e parar. Só então relaxei no banco e tive coragem para abrir
os olhos. Eu tremia tanto que nem consegui enxugar as lágrimas do
rosto.
Daniel me segurou pelos braços, atraindo-me para ele.
Encostei-me em seu peito, ainda chorando, sentindo-o limpar as
lágrimas do meu rosto.
— Já acabou! Fica calma. — Beijou a minha testa, olhando-me
com preocupação. — Só mais um pouco e você já estará segura em
casa.
Casa! Era tudo o que eu queria naquele momento.
Não havia como falar nada, por isso apenas meneei a cabeça
em assentimento, mas não consegui travar as lágrimas. Eu odiava o som
de tiros, que só me lembravam do assalto de quatro anos atrás.
Daniel praguejou, puxando-me para o peito o quanto permitia o
painel do carro. Escondi o rosto nele e respirei o seu cheiro, agarrando-o
com força pela cintura.
Ouvi um pigarro discreto vindo do banco de trás e só então me
lembrei do rapaz.
— Posso descer por aqui — ele disse.
Sem me soltar, Daniel olhou para o banco de trás.
— Por que atiraram em você? — Seu tom era desconfiado.
— Infelizmente, faço parte dos lyons, que dominam o território
mais à frente. Mas garanto que não prostituímos mulheres como eles
fazem!
Estremeci ao ouvir o que ele disse, lembrando-me daquela casa
e de tudo o que passei na última hora. Daniel sentiu e me apertou mais
nos braços.
Um carro preto parou ao lado da janela de Daniel e um outro
seguiu até a traseira do Escalade, parando também. Ficamos cercados e
a tensão voltou a me dominar, mas Daniel apenas me afastou
calmamente para o meu banco.
— Não há perigo. Deixe-me falar com ele.
Baixou o vidro, sendo imitado pelo outro motorista.
— Estão todos bem? — O homem perguntou com um olhar
preocupado, mas sua atenção estava em Daniel.
— Estamos bem, Jeremy.
O tal Jeremy observou o carro marcado pelas balas com um
olhar experiente de aprovação, mas manteve o rosto sério. Era um
homem bonito, moreno, aparentemente da idade de Daniel e ambos
pareciam se conhecer há tempos.
— Ele aguentou bem. — Foi o comentário que fez após
analisar o Escalade.
— Sim, aguentou.
— Não poderá circular com ele assim. É melhor trocarmos
agora. Por segurança, enviarei um carro de vigilância da empresa para
sua residência até pegarmos quem fez isso.
Daniel não comentou nada, como se não estivesse surpreso
com as providências. Apenas se virou para o rapaz no banco de trás.
— Thomas, você fica no carro e segue com ele. E não se
preocupe, pois Jeremy só o levará para casa.
— Tem certeza? — o rapaz perguntou com desconfiança.
— Dou-lhe a minha palavra.
E aquilo pareceu ser o suficiente, porque Thomas não retrucou.
Daniel pegou a minha bolsa e recolheu seus pertences pessoais
do Escalade, olhando para mim.
— Espere um pouco.
Ele desceu do Escalade e veio abrir a minha porta, enquanto eu
observava o outro motorista também descer do carro junto com mais
dois homens enormes e com cara de poucos amigos, que eu tinha
certeza estarem armados.
Daniel me ajudou a descer e entrar no outro carro. Acompanhei
ele se despedir do tal Jeremy, enquanto os outros homens entravam no
Escalade onde um desconfortável Thomas permanecia aguardando.
Senti simpatia pelo rapaz, apesar de tê-lo reconhecido como
sendo o mesmo que roubou a minha bolsa.
Daniel entrou e deu a partida no carro, saindo rapidamente
daquele lugar e encerrando mais uma aventura surreal que vivi em Nova
York.
Só esperava apenas que daquela vez fosse mesmo
definitivamente.
Capítulo 52
Daniel
— SEI QUE ELA está abalada, mas precisamos de
informações sobre o que aconteceu. Se agirmos rápido conseguiremos
bons resultados — Jeremy disse antes da troca dos carros.
Eu sabia que ele tinha razão, mas também tinha urgência de vê-
la em segurança dentro da minha casa.
— Ligo-lhe já.
Aquela era a única resposta que podia lhe dar naquele
momento, e ele não insistiu.
Entrei no carro e saí do Bronx. Assim que tive a certeza de
estarmos em uma área segura da cidade, procurei um local onde parar.
Ainda estávamos longe da minha casa e não havia como esperar mais
tempo para o que eu precisava fazer.
Calada, Ana me olhou com curiosidade, sentada rigidamente.
— Vem cá, Ana.
Inclinei-me sobre ela, rodeando sua cintura com o braço e
puxando-a para mim. O carro era bem mais compacto do que o meu e
permitiu que a trouxesse para perto sem problemas. Abracei-a junto ao
peito, saciando primeiro a minha necessidade de senti-la viva em meus
braços.
— Quase enlouqueci de preocupação! Você está mesmo bem?
— Estou sim.
A voz dela saiu abafada pelo meu casaco, onde escondia o
rosto, mas aquela resposta não acalmou a apreensão que existia no meu
peito com relação ao que lhe aconteceu enquanto esteve longe de mim.
— Tocaram em você?
Não era uma pergunta fácil para nenhum de nós dois, mas que
precisava ser feita, apesar de sentir a ansiedade da resposta me rasgando
por dentro.
— Não! — ela respondeu firmemente, reforçando a negativa
com a cabeça.
Fuck!
Só então soltei a respiração que estava presa. O alívio de ouvi-
la e de tê-la de volta fez com que me esquecesse completamente da
promessa que fiz de me manter fisicamente afastado. Sem resistir,
beijei-a com um desejo desesperado. Ela correspondeu com a mesma
intensidade e a distância dos últimos dias foi quebrada por inteiro.
Eu tinha total consciência de que nunca havia sentido algo tão
forte assim por uma mulher. Ana estava provando, de todas as maneiras
possíveis, o quanto era especial para mim.
Fartei-me com o sabor de Ana, até me afastar, segurando seu
rosto com ambas as mãos e prendendo o seu olhar.
— Temos que conversar agora. Preciso saber o que aconteceu,
para pegar quem fez isso. Conte-me tudo.
— Não sei se poderei ajudar muito. Perdi os sentidos e só
voltei a mim quando chegamos em uma casa e estávamos subindo para
o andar de cima, onde havia vários quartos. Fingi que ainda estava
desacordada até ser deixada sozinha em um deles. Foi quando consegui
fugir, mas a porta da rua fez barulho ao abrir e me pegaram de volta.
Gelei na hora, preocupado que a tentativa de fuga pudesse ter
sido motivo para alguma violência maior contra ela.
— E o que fizeram com você depois?
— Colocaram-me em um outro lugar, amarrada, amordaçada e
vendada. Por isso não posso dar indicações de como era.
Tentei não reagir mal ao ouvi-la, segurando seus braços com
cuidado para ver os pulsos. Havia marcas vermelhas, mas nenhum
ferimento.
Procurei manter o mesmo tom de voz controlado.
— Acha que consegue encontrar esta casa novamente? —
perguntei com suavidade, sabendo que o pouco sentido de orientação
que ela tinha não ajudaria muito. — Essa informação vai ajudar Jeremy
a pegá-los.
Ana baixou a vista e ficou calada, fugindo do meu olhar. Sua
testa se franziu, como se estivesse tentando se lembrar.
— Qualquer informação é importante — insisti com carinho.
— Se eu voltar a ver a casa, posso confirmar se é a mesma.
Tem dois andares, um jardim abandonado na frente e o muro é baixo,
com um portão antigo. O corredor do piso superior é comprido e sem
móveis, com várias portas. Eu estava tão ansiosa para chegar logo à rua
que não prestei muita atenção em detalhes, mas vi um homem moreno
nos fundos e pelo menos dois carros estacionados. Só não consigo dar
indicações de como chegar lá — admitiu, constrangida.
— Reconheceria quem a levou?
— Não, estavam encapuzados. — Então, os olhos expressivos
brilharam, aliviados, como se tivesse se lembrado de algo importante.
— Tem alguém que sabe de tudo, Dan! Foi o Arthur quem me tirou de
lá!
Enrijeci de imediato, a raiva explodindo no meu peito ao ouvir
aquilo.
O quê?! O filho da mãe do Arthur Montenegro?
Afastei-a ligeiramente para nos olharmos melhor, sem acreditar
que aquele homem esteve envolvido no sequestro de Ana. Um homem
que tinha ligações com Victoria e que o doutor Scott ficou de averiguar
poucas horas atrás.
Como isso é possível?!
— O Arthur Montenegro? Tem certeza disso?
— Sim, tenho! Ele me deixou naquele lugar e disse que ligasse
para você. Eu tentei, mas não consegui.
Aquele filho da puta covarde ainda largou Ana sozinha
naquele bairro cheio de criminosos!
Procurei não demonstrar a intensidade da minha raiva, mesmo
fervendo por dentro. No tempo certo, Arthur ia prestar contas comigo!
Peguei o meu celular e liguei para Jeremy. Eu não queria tratar
de detalhes do assunto na frente dela, por isso apenas lhe passei em
poucas palavras todas as informações que ela havia me dado.
— Falamos melhor depois — disse-lhe no final. — Mas não
deixe de me ligar de imediato caso saiba de algo importante.
— Isso é o suficiente para avançarmos bastante na
investigação. Este Arthur é a peça-chave que vai nos levar ao mandante.
Conseguiremos pegá-lo — Jeremy garantiu com segurança e tive a
certeza de que assim seria.
Depois que desliguei, dei com Ana me observando com
atenção.
— Você acha que ele está envolvido no sequestro? É que ele
me salvou e já nem sei o que pensar.
Isso era algo que eu pretendia perguntar diretamente a Arthur
quando Jeremy o pegasse, fosse conhecido de Victoria ou não!
— Como ele lhe tirou de lá?
— Não sei, foi tudo rápido demais.
Ela parou de falar e fechou os olhos. Uma ruga de
concentração se formando em sua testa, até que suspirou, frustrada.
— Só lembro que ele tinha pressa e me deixou na rua sem
explicação alguma, dizendo apenas que ligasse para você, mas… mas
nem isso consegui fazer. — O tom de voz mudou, como se estivesse
com raiva de si mesma. — Eu tentei, merda! Tentei, mas não consegui!
Passou as mãos no rosto, soltando outro suspiro frustrado que
me fez abraçá-la novamente.
— Não fique assim, Ana. — Eu não queria vê-la se
martirizando daquele jeito. — Muitas pessoas travam em situações de
perigo.
Ana se afastou de mim, olhando-me com desânimo e um
cansaço preocupante na fisionomia.
— Você não entende! — exclamou, visivelmente angustiada.
— O que eu não entendo? — perguntei com cautela.
Ela desviou a vista e mordeu o canto da boca, apertando
nervosamente as mãos no colo.
— Eu... eu sou… sou diferente. — Respirou fundo, como se
buscasse coragem para falar, mas depois parou.
Deixei-a à vontade para falar, sem forçar que me contasse o
que há muito tempo eu queria ouvir da boca dela. Sabia que Ana só
contaria se confiasse em mim e eu precisava desesperadamente daquela
prova de confiança.
— Eu travo em várias situações. Não é apenas quando estou
em perigo, como acontece com as outras pessoas — disse com tristeza,
fazendo um gesto conformado com a cabeça. — Sou cheia de
limitações. Tenho bloqueios bobos e sou incapaz de fazer coisas simples
que até uma criança saberia fazer.
Parou de falar e permaneceu séria, interrompendo o desabafo.
Não pare agora, Ana! Confie em mim e fale tudo.
Capítulo 53
Daniel
ANA PRECISAVA CONTINUAR falando, pois aquilo não
era importante só para mim, mas principalmente para ela, que
necessitava se libertar do peso de se sentir “diferente” dos outros.
— Você tem essas limitações quando está nervosa? —
perguntei, motivando que continuasse com as confidências.
Ela negou com um lento meneio de cabeça.
— Pioram quando estou nervosa, mas é sempre. — Encarou-
me com a expressão devastada. — Você já deve ter percebido que não
sou normal, Daniel!
Trinquei os dentes quando ouvi o termo que ela usou,
consciente de que muitas pessoas haviam colaborado com atitudes
erradas para fazer com que Ana pensasse aquilo de si mesma.
— Sei que está nervosa, mas não fale assim. Você é tão normal
quanto eu! — repreendi com firmeza.
— Oh! Você falou agora igual ao meu pai! — ela exclamou
com impaciência.
— Isto é um sinal de que estamos certos.
Ela fez um gesto de pouco caso com a mão, como se
desvalorizasse a nossa opinião. Vi ali um resquício da adolescente
rebelde que disse ter sido quando era mais nova.
— Vocês não sabem de nada! — Ana falou em tom de revolta,
parecendo não conseguir mais se conter. — Não sabem o que é passar
anos na escola sendo ignorada por uns e desprezada por outros ou ser
chamada de burra por não ter o mesmo nível de aprendizagem da turma.
Olha bem para mim, Daniel! Eu sempre fui a Ana Banana, a burra
bonita da classe!
Fodam-se todos! Se eu pudesse, destruía cada um daqueles
idiotas agora!
— Ana... — comecei a dizer, mas ela me ignorou
completamente, continuando a falar de forma agressiva.
— Sabe o que é conviver diariamente com bloqueios? Tenho
falhas de memorização terríveis e muitas coisas não consigo nem me
lembrar das coisas. Posso estar falando com você agora e travar porque
esqueci o que queria dizer. Preciso anotar tudo, porque tenho
dificuldades de decorar as coisas. E as anotações têm que ser simples ou
não vou entender nada depois, porque a grande verdade é que não
consigo ler direito e escrevo pior do que leio. As letras e os números se
embaralham à minha frente e demoro horrores para ler uma única folha!
Aquela admissão era tudo o que eu queria ouvir há muito
tempo, contudo, agora que acontecia, eu estava detestando cada palavra
dita por ela.
— Chega, Ana! — Tentei fazê-la parar, segurando suas mãos
agitadas e sentindo a umidade nelas.
— Não! Não diga nada! — Ela puxou as mãos e se afastou. —
Não quero ouvir você dizendo que me entende, quando sei que não
entende! Cansei de ouvir gente dizendo que entende tudo o que eu
passo!
Mantive a mesma postura tranquila, mesmo achando as
palavras dela injustas.
— Mas eu entendo! — afirmei mesmo assim, usando um tom
muito calmo e firme.
Ela deu um sorriso amargo.
— Como consegue entender, se é um homem inteligente,
competente em tudo o que faz e que nunca teve nenhuma limitação?
Você é perfeito e pessoas perfeitas não entendem o que é ter limitações,
simplesmente porque nunca as tiveram.
Eu não pretendia deixar que ela usasse as nossas diferenças
para abrir um abismo entre nós dois, por isso puxei Ana para mim com
determinação, vencendo sua resistência.
— Posso ser tudo isso, mas quando digo que entendo e aceito
você como é, estou falando a verdade! Você é muito mais capaz do que
pensa! Não são todas as pessoas que cuidariam durante anos de um pai
dependente como você fez, ainda mais estando sozinha e sendo apenas
uma adolescente. Entenda que muitas destas pessoas “perfeitas” não
seriam capazes disso!
Ela ficou em silêncio após ouvir as minhas palavras,
simplesmente me olhando, paralisada.
— Mas ele está assim por minha culpa! — gritou, enraivecida,
batendo com a mão no próprio peito. — Eu sou a culpada por ele estar
inválido! Fui eu quem pisei na merda do acelerador. O meu pai levou
aquele tiro por minha culpa! Minha culpa, entendeu agora?
Suportei bem o choque de saber como o doutor Jorge havia
ficado tetraplégico, ao ouvir aquele desabafo sofrido de Ana, que
deixava à mostra todo o sentimento de culpa que carregava há anos pela
atual condição do pai. Fiquei momentaneamente sem ação, surpreso
demais, mas também compreendendo, enfim, a dimensão do drama que
ela viveu sendo tão jovem e com aquelas limitações todas.
Ana voltou a tapar a boca com as mãos trêmulas,
provavelmente horrorizada com o que havia acabado de desabafar
durante aquela crise nervosa. As lágrimas rolaram pelos olhos que me
fitavam, chocados.
Com um soluço doloroso, curvou-se sobre as pernas e se pôs a
soluçar convulsivamente, o cabelo longo caindo para a frente e cobrindo
o rosto de beleza única.
Não hesitei um segundo sequer em tirá-la com cuidado do seu
banco e trazê-la para o meu colo. Não houve resistência da parte dela
quando a apertei junto ao peito.
Deixei que chorasse tudo o que precisava, compreendendo,
então, o motivo que a fez gritar pelo pai durante o tiroteio no Bronx.
Dei-lhe um beijo no alto da cabeça, sobre o cabelo macio, acariciando-
lhe as costas enquanto os soluços se sucediam, até, por fim, cessarem.
— Ana, o que você precisa entender é que eu a quero com ou
sem limitações — afirmei calmamente, falando com total segurança do
que dizia. — Se você esquecer das coisas, eu lembrarei delas para você.
O que tiver dificuldades de ler, leremos juntos ou lerei para você. Se
não souber fazer algo, ensinarei como fazer. O que eu mais quero é estar
ao seu lado para partilharmos tudo isso juntos.
Ela negou com a cabeça.
— Eu não acredito nisso — disse com a voz cansada e
derrotista, limpando o rosto com as mãos e se afastando do meu peito
para me olhar de frente. — Você pode ter a mulher que quiser, Daniel.
Mulheres lindas e tão inteligentes quanto a Hillary. E vai querer uma
disléxica como eu?
Pronto, enfim, ela admitiu!
Respirei aliviado ao receber a confirmação das minhas
suspeitas, observando a expressão desafiadora, mas ao mesmo tempo
frágil, com que ela me olhava.
— É isso o que você tem, Ana? Dislexia? — perguntei com
carinho, louco para abraçá-la novamente.
Ela sustentou o meu olhar sem vacilar.
— Sim, sou disléxica — admitiu com firmeza e desafio na
postura.
Fiquei pensando o que ela diria se soubesse que eu já
desconfiava daquilo e que aceitava naturalmente.
— E acha que não vou querer ficar com você por causa disso?
Ana se manteve firme e aquela atitude fez com que eu a
admirasse mais ainda pela coragem de não aceitar nada menos do que
tudo de mim.
— Acho! Você pode até querer ficar comigo hoje, mas amanhã
ainda vai querer? Muita gente vai dizer que sou uma oportunista, uma
mulher sem perspectivas de vida, que estou abaixo do seu nível, que não
tenho formação e você é um homem de sucesso…
— E eu vou mandar todos eles se foderem! — afirmei alto
dentro do carro para impedir que ela continuasse a se desvalorizar
daquele jeito. — Já lhe disse que ninguém vai falar isso na minha frente
e se falarem pelas costas, o problema é deles, porque estaremos felizes,
vivendo a nossa vida.
Observei-a torcer as mãos no colo, um gesto que denunciava
que a aparente expressão de calma ainda escondia o nervosismo.
— Mesmo que sejam pessoas da sua família que falem isso? —
perguntou, desconfiada.
Contive um sorriso, porque a minha mãe ia adorar saber que eu
estava apaixonado e que ainda sonhava em ter filhos.
— Os meus pais vão amar você!
— E os outros?
— Acredito que amarão da mesma forma. — Puxei-a então
para o meu peito e não lhe dei mais chance de retrucar nada, beijando-a
com uma emoção tão forte que até doía de tão intensa.
Achei que ela fosse resistir, mas Ana se entregou, relaxando
nos meus braços e devolvendo o beijo sem restrições. Separou os lábios
carnudos e me deixou invadir a boca macia com a língua, que chupou
com ansiedade e paixão.
Eu a queria desesperadamente e só esperava que Ana
percebesse o quanto era dona do meu coração.
— Você é muito importante para mim, Ana! Muito mesmo! —
grunhi entre os seus lábios, afastando-lhe o cabelo para trás e segurando
seu rosto com as duas mãos. — Acredite quando digo que a aceito,
admiro e quero para mim do jeito que é. Não quero outra mulher. Quero
você!
Ela colou o rosto no meu peito e fechou os olhos, as mãos
crispadas agarrando com força a minha camisa por baixo do casaco.
Estava tensa e engoli uma praga ao perceber que aquele sequestro só
serviu para acrescentar mais um evento dramático à sua estadia em
Nova York.
Abracei-a, apoiando a cabeça no encosto do meu banco.
Automaticamente, olhei para o espelho retrovisor e vi um carro
estacionado a alguns metros de distância. O motorista havia colocado o
veículo em uma posição que impedia qualquer outro de se aproximar,
mas que também bloqueava a minha saída.
Tenso, observei com atenção os dois homens que estavam
dentro dele, mas relaxei quando vi o logotipo da empresa de Jeremy na
porta do veículo. Quase no mesmo instante, o motorista piscou os faróis,
identificando-se. Só então percebi que o carro que eu estava usando
deveria ter um rastreador e que Jeremy havia providenciado uma escolta
para nos acompanhar.
Aquilo me lembrou de que o melhor lugar para Ana estar
naquele momento era dentro da minha casa.
— É melhor irmos. Você precisa descansar e eu preciso ver
que está em segurança.
Quando ela já estava novamente em seu banco, liguei o carro e
aguardei que eles desobstruíssem a saída. Cumprimentei-os na
passagem, mas arranquei o mais rápido que pude para casa, determinado
a apagar das nossas vidas qualquer lembrança daquele sequestro.
Capítulo 54
Daniel
NÃO FOI NADA fácil encontrar uma Bia desesperada nos
aguardando ao lado do detestável Jack Spencer. Se a minha paciência
com ele já era pouca em uma situação normal, voltando de um sequestro
era totalmente nula.
Fui dominado por uma estranha inquietação ao vê-lo dentro da
minha casa. Sempre atento às minhas intuições, anotei mentalmente o
fato para analisar com calma depois, porque raramente aqueles meus
“feelings” falhavam.
— Não temos mais segurança nesta cidade — ele disse,
cumprimentando-me. — Isso é um caso de polícia, Daniel!
Segurei a tempo uma resposta agressiva e tentei buscar um
mínimo de cordialidade para comentar o fato. Bia foi quem
indiretamente salvou a situação ao abraçar Ana em lágrimas e com isso
desviar a atenção para elas.
— Aninha! Você está bem? O que aconteceu? Fizeram-lhe
mal? — As perguntas se sucediam nervosamente, mostrando o precário
estado emocional dela.
— Estou muito cansada para falar agora. Podemos conversar
depois?
Ana retribuiu o abraço com evidente carinho. Quando se
afastou tinha um sorriso tranquilizador no rosto, mas para mim estava
óbvio que era apenas para acalmar a amiga.
Aquela reação era o que eu precisava para interferir.
— Peço desculpas por não podermos ficar muito tempo com
vocês, mas Ana precisa descansar e eu tenho providências a tomar.
Marcaremos uma outra hora para conversarmos melhor.
— Sim, claro! — Jack concordou, falando para Bia. — Vamos
deixá-los, querida! Ana já foi localizada e está tudo bem agora.
Mas Bia não parecia convencida, olhando angustiada para a
amiga.
— Desculpa por tudo isso. A culpa é minha.
— Deixe de ser boba, você não tem culpa de nada. Da mesma
forma como aconteceu comigo, poderia ter acontecido com você. Acho
que eu estava no lugar errado e na hora errada. — Ana voltou a abraçá-
la. — Não quer ficar aqui hoje, só para eu me sentir melhor?
Não me passou despercebido que Ana conversava o tempo
todo olhando apenas para Bia, estranhamente tensa na presença de Jack,
a quem não encarou nenhuma vez. Ela também não se afastou de mim,
mantendo-se sempre um passo atrás, como se usasse o meu corpo para
se resguardar. Eu tinha certeza de que se Bia estivesse sozinha a reação
dela seria outra.
Já a ponto de expulsá-lo da minha casa, aguardei a resposta de
Bia, que olhou para Jack e deu um sorriso amarelo de desculpas.
— Vou ficar.
— Faz bem, querida — ele concordou de imediato. — Acho
que Ana precisa de você. Só que amanhã terei algumas reuniões e não
poderei vir buscá-la.
Rangi os dentes de raiva ao ouvir aquilo.
— Eu a levarei — disse-lhe, encerrando o assunto. —
Agradeço que tenha trazido Bia à minha casa, mas agora, infelizmente,
não posso mais me demorar.
Minutos depois, tive o prazer de ver o carro dele saindo pelos
portões da minha casa. Deixei Ana no quarto recebendo os cuidados de
Bia e desci para o meu escritório.
Estava na hora de falar com Jeremy e pedir um reforço na
segurança da casa. Decidi também que colocaria o meu motorista para
ser a sombra de Ana, por isso orientei Carmencita para pedir a Clayton
que viesse falar comigo no escritório. Depois, ela subiria para atender
Ana.
A partir daquele dia, Clayton seria o motorista particular dela,
atuando também como guarda-costas, e quem ousasse tocá-la
novamente pagaria com a própria vida!

Quando subi, Ana já tinha tomado banho e estava conversando


com Bia no quarto. As duas se entendiam muito bem e era visível para
qualquer pessoa o carinho que nutriam uma pela outra. Ter a amiga por
perto em um momento daqueles ajudaria também a aumentar a sensação
de segurança de Ana. Carmencita e Candy acompanhavam as duas,
todas cercando Ana de carinho e atenção.
Suspirei, satisfeito, ao ouvir as vozes delas no quarto ao lado.
Deixei-as à vontade e fui tomar um banho para diminuir a tensão das
últimas horas.
Das últimas horas, não! Dos últimos dias. Desde que brigamos
na festa de Meghan que eu me sentia a ponto de explodir de tanta
tensão.
Entrei debaixo da água quente, sentindo os músculos tensos
começarem a relaxar. Fechei os olhos, tentando esquecer todos os
perigos pelos quais Ana passou, o corpo descontraindo ao lembrar que
agora já podia tocá-la, tê-la nos braços e amá-la sem restrições. Em
questão de segundos, outro tipo de tensão me dominou, mas daquela vez
era uma tensão sexual. Uma tensão acumulada nas últimas quatro noites
em que dormi sem ela ao meu lado.
Decidido, terminei rapidamente o banho e em poucos minutos
estava batendo na porta de comunicação entre nossos quartos. Já era
hora de elas saírem de lá e me deixarem sozinho com Ana.
Um burburinho se fez ouvir lá dentro, até que Carmencita veio
abrir a porta.
Quando entrei, só conseguia olhar para Ana sobre a cama,
usando um pijama que a cobria por completo, mas que não conseguia
esconder os seios fartos por baixo do tecido. Vi os mamilos se
sobressaindo e que pareciam implorar por meus beijos. O cabelo
castanho se espalhava pelos ombros e o rosto tinha um leve tom rosado.
Ela estava linda e o meu desejo só aumentou diante daquela
cena tentadora.
— Já estamos saindo, Daniel — Bia disse, segurando Candy ao
colo e arrastando Carmencita para fora.
Nem lhes dei atenção, porque a minha atenção estava toda em
Ana.
Só em Ana! A minha Ana.
Decisão tomada, caminhei com passadas largas até a cama,
notando o olhar de expectativa com que seguiu os meus movimentos.
Ela não reagiu quando coloquei um joelho sobre a cama e a peguei ao
colo, tirando-a de lá.
Ana se agarrou ao meu pescoço e permaneceu calada enquanto
eu saía do quarto dela e entrava no meu. Bati a porta com o pé e fui para
a minha cama, onde a coloquei.
Ergui o corpo e comecei a tirar a camisa.
— Este é o seu lugar, de onde não quero que saia nunca mais!
Não consegui evitar o tom exigente e autoritário, mas ela
apenas jogou a cabeça para trás com um brilho de satisfação no olhar
quando atirei a camisa sobre a cama e comecei a abrir a calça.
— Não quero sair daqui.
O tom suavemente sedutor da sua voz só fez crescer o meu
desejo. Um desejo que ganhou proporções gigantescas dentro de mim e
que já não havia mais como controlar.
Fiquei duro só em ouvi-la e mais ainda quando ela tirou
lentamente a blusa, deixando os seios nus à minha frente. Depois,
deitou-se sobre o colchão e ergueu sensualmente o quadril, puxando a
calça do pijama em uma cena de tirar o fôlego.
— Ana! — rosnei roucamente.
— O que foi, Dan? — ela sussurrou, mordendo os lábios
macios.
— Você está me enlouquecendo. — Ainda consegui dizer, mas
depois emudeci completamente quando ela ergueu novamente o quadril
e, quase em câmera lenta, foi deslizando a calcinha pelas coxas roliças,
erguendo as pernas para tirá-las e deixando que o sexo úmido
aparecesse aos poucos para mim.
Estremeci, com a respiração ofegante e me sentindo tão duro
que chegava a doer.
— Então vem para mim, porque há quatro dias que também
estou louca por você.
Porra!
Aquilo era provocação demais e totalmente insano de desejo,
arranquei minha roupa do corpo com uma urgência irrefreável. Peguei
um preservativo e coloquei-o rapidamente.
Sem controle algum sobre mim, deitei-me em cima dela e
devorei sua boca em um beijo duro, tão duro como eu me sentia. E foi
duramente também que penetrei Ana de uma única vez, a carne molhada
me recebendo por completo.
Ela arqueou o quadril para cima, buscando-me com ansiedade.
Sem pensarmos em mais nada, movidos pela saudade, pelo desejo
acumulado e por todos os perigos daquele dia incomum, começamos a
investir cada vez mais forte um contra o outro, cada vez mais
intensamente, cada vez mais rápido.
Baixei a cabeça e beijei os seios que me enlouqueciam,
sugando os mamilos intumescidos de desejo. Ela gemeu, as mãos se
agarrando com força em meus braços.
Apesar de Ana não dizer nada, entendi seu apelo.
— Quer agora? — grunhi entre os seios macios, dando-lhe
mais uma estocada firme.
— Sim!
Toquei o clitóris inchado, ouvindo seu murmúrio de prazer
quando meu dedo o estimulou, nossos corpos se chocando em um ritmo
alucinante. Em pouco tempo, o desejo de Ana explodiu sob o meu
corpo. Ela atirou a cabeça para trás em um orgasmo que, só de ver,
excitou-me ainda mais.
Ciente de que agora estava livre para satisfazer o meu desejo,
investi com ímpeto renovado, seu interior quente e apertado fazendo
loucuras com os meus sentidos. Gozei como se fosse a última vez da
minha vida, tal a intensidade que senti naquele momento.
Respiração ofegante, coração acelerado, músculos tensos e
emoção à flor da pele, derramei-me dentro dela até não ter mais forças.
Depois, caí sobre o seu corpo trêmulo, amando-a mais do que tudo em
minha vida.
— Não me deixe nunca mais, Ana!
— Não deixarei.
Deitei-me de lado, trazendo-a comigo e prometendo a mim
mesmo que faria de tudo para que não houvesse mais separações entre
nós.

Acordei horas depois e fiquei observando a expressão tranquila


do rosto dela durante o sono. Voltei a fechar os olhos, sentindo o calor
do corpo macio junto ao meu.
Continuei assim por um longo tempo, até levar a mão ao ventre
plano, pensando quando teria o prazer de vê-lo crescer com o meu filho
dentro. Nunca pensei que fosse desejá-lo tanto, mas a cada dia que
passava ao lado de Ana, mais aumentava a minha certeza de que
também o queria em minha vida. Faltava convencê-la a lhe dar a chance
de vir.
Beijei-a com suavidade na testa, tentando imaginar como ele
seria. Ou ela! Sim, porque poderia ser uma menina tão linda quanto a
mãe.
Ana se remexeu em meus braços e fiquei quieto para não a
acordar, mas seus olhos se abriram logo depois. Ficou parada por alguns
segundos, piscando sonolenta, até erguer o olhar para mim.
— Está acordado — sussurrou com a voz rouca de sono.
— Acordei agora. — Não quis admitir que estava sonhando
acordado com nosso filho.
Observei o rosto dela com atenção, em busca de algum
resquício da tensão do dia anterior, e fiquei satisfeito ao perceber que
aparentava estar muito bem.
— Como se sente? — perguntei só para confirmar.
O sorriso de felicidade e a malícia no olhar encheu o meu peito
de satisfação ao perceber que ela estava pensando na noite anterior.
— Muito bem — disse, apertando a minha cintura por baixo
dos lençóis.
Deitei-me sobre ela, que me olhou com surpresa e expectativa.
— Eu estava com muita saudade de ter você assim comigo, de
acordarmos juntos depois de me saciar em você.
Um suspiro de prazer foi a única resposta que ela deu antes que
a beijasse. A mão delicada roçou o meu queixo, como gostava de fazer
para sentir a barba na pele.
— Também senti a sua falta à noite. Já me acostumei a dormir
com você.
— Quero que se acostume a fazer muito mais do que isso, Ana.
Quero que se habitue a viver aqui, a dividir a sua vida comigo.
O olhar atônito me mostrou o quanto estava admirada com o
que eu havia acabado de dizer.
— É sério isso, Dan?
— Muito sério — confirmei, beijando-a com carinho. — Em
breve você verá o quanto é sério.
Um sorriso tímido foi a única resposta que ela deu ao meu
comentário, antes de deitar a cabeça no meu peito e me abraçar.
Em breve, Ana. Muito em breve!
Capítulo 55
Victoria Stevens
— VOCÊ ESTÁ LOUCA ou o quê?
Perplexa, olhei para Scott, que acabava de entrar
intempestivamente no meu quarto, batendo a porta de comunicação na
parede com um forte estrondo.
Levantei-me calmamente da cama, sem deixar transparecer a
minha surpresa com a atitude dele. Não me lembrava de vê-lo agir
daquela forma em nenhuma ocasião desde que nos casamos. Irritado,
sim. Mas descontrolado e agressivo, nunca!
— O que aconteceu, Scott? Por que diz isso? — perguntei,
demonstrando preocupação.
Seu rosto estava vermelho de raiva e mantive a postura serena,
certa de que não havia como ele descobrir nada sobre os meus planos.
— Eu já tinha avisado a você que, se continuasse a se meter na
vida de Daniel, eu tomaria minhas providências, Victoria! Desta vez,
basta!
— Mas eu não estou entendendo o motivo disso tudo. Eu não
fiz nada!
Ele se aproximou mais de mim, segurando o meu braço com
força.
— Ah, não fez? — encarou-me duramente. — Então me diga
quem é Arthur Montenegro!
Uma mulher esperta tem de estar pronta para qualquer
imprevisto nos seus planos e esperteza não me faltava.
— O Arthur? Mas o problema é com ele? — Fiz pouco caso do
assunto. — Não sei o motivo que o deixou assim, mas se isso deixar
você mais calmo, eu explico. Ele é sobrinho de Rosália Montenegro. E
antes que me pergunte quem é ela, respondo logo que você não a
conhece. Na verdade, você nunca se interessou antes pelas minhas
amigas e não estou entendendo qual o problema com o sobrinho de uma
delas.
Scott me lançou um olhar duro e penetrante, mas ainda não era
daquela vez que eu ia tremer diante dele. Poucas coisas me causavam
medo na vida. Na verdade, acho que quase nada me amedrontava.
— Você deve achar que é muito esperta, não? — ele disse com
um sorriso autoconfiante que me preocupou mais do que a explosão de
raiva. — Deve estar pensando aí nesta sua cabeça fria e calculista que
vai conseguir me enganar de novo com suas dissimulações. Mas não se
esqueça de um detalhe muito importante, Victoria. Eu não sou quem sou
à toa. Sou o dono da S&Stevens. Se permaneço no topo até hoje, é
porque também sou esperto o suficiente para vencer pessoas arrogantes
que se acham muita coisa e não são nada. Pessoas assim como você!
Dito isto, soltou o meu braço com um safanão.
— Não admito ser tratada desta forma, Scott! — respondi,
usando um tom duro igual ao dele. — É bom lembrar que sou sua
esposa e não um de seus subordinados ou concorrentes!
O riso dele se alargou e uma sobrancelha se ergueu
ironicamente.
— É minha esposa enquanto eu quiser que seja, minha querida
Victoria — ele disse friamente, usando uma entonação tão estranha que
o olhei com desconfiança. — Desde que o mundo é mundo, as esposas
têm de ter alguma serventia para o marido. Quando isso deixa de existir,
elas normalmente são trocadas.
Inspirei fundo, sem querer acreditar no que ouvi.
— Quem você pensa que é para me tratar com esse desrespeito,
Scott?
Ele deu um passo à frente, os olhos duros fixos em mim.
— Quem você pensa que é para se achar insubstituível,
Victoria? Durante quanto tempo um homem pode aguentar uma mulher
amarga, fria, calculista e desprovida de carinho como você? Eu acho
que já aguentei o suficiente, por isso, se pretende manter a sua condição
de senhora Scott Stevens por mais algum tempo, recolha-se à sua
posição básica de esposa e pare de se meter na vida pessoal de Daniel,
na minha empresa ou nos meus negócios. Acredite quando lhe digo que
você está perto de ser demitida da função de minha esposa e quando
decido demitir um funcionário poucas coisas me fazem voltar atrás.
— Não admito que me trate desta forma, como se fosse um
funcionário qualquer. Sou sua esposa, mulher e mãe de sua única filha!
— Durante quanto tempo mais? — O tom incisivo me fez
enrijecer com as implicações daquela pergunta. — Na verdade, penso
aqui com os meus botões durante quanto tempo nossos amigos ainda
vão convidar você para os eventos sociais quando for apenas a ex-
mulher do poderoso doutor Scott Stevens.
Apenas aquelas poucas palavras foram necessárias para me
fazer ver que existia sim algo que me aterrorizava. Após anos de
casamento, nunca ouvi Scott insinuar nada parecido.
— Você não ousaria — disse-lhe com seriedade. — Ajudei-o a
construir este império que tem hoje.
Ele riu, divertido. Depois, gargalhou na minha frente.
— Ajudou-me em quê, Victoria? A desfilar ao meu lado nos
eventos sociais e sair em fotos nas revistas? — Olhou-me com atenção,
deixando de rir e ficando de repente muito sério. — Nem um filho
homem você me deu para herdar o meu império, dizendo estar
traumatizada com a gravidez de Meghan.
Segurei a vontade de esbofeteá-lo por ousar se lembrar daquilo,
mantendo-me rigidamente impassível diante dele.
— Daniel é o filho que não tive e seria uma honra para mim se
ele quisesse se casar com a minha Meghan. Mas, se ele não quer, se ela
também não quer, eu aceito. Jamais os forçaria a ficarem juntos e
infelizes, como nós dois somos.
Deu-me as costas e foi em direção à porta, onde parou com a
mão na maçaneta.
— Se eu souber de qualquer outra coisa contra Daniel e Ana
que envolva o seu nome, considere-se uma mulher divorciada.
Saiu e fechou a porta com um cuidado enervante, deixando-me
fervendo de raiva.
Vamos ver quem é o mais esperto de nós dois, meu querido
esposo!
Capítulo 56
Daniel
— DORIS, VERIFIQUE SE o doutor Stevens pode me
receber agora!
Eu sabia que o meu tom de voz soou exageradamente
autoritário, mas, àquela altura dos acontecimentos, já não conseguia ser
cordial. Não, quando tinha conhecimento de que Arthur Montenegro
estava envolvido no sequestro de Ana e que ele fazia parte das relações
da família Stevens.
Mesmo com o doutor Stevens garantindo que hoje me daria
uma resposta, eu não conseguiria ficar apenas aguardando que me
chamasse. Com plena certeza do que fazia, adiantei-me ao chamado
dele.
Discreta e experiente, Doris não questionou o meu tom de
comando e pediu licença para consultar o chefe, voltando à linha
segundos depois.
— Pode subir à presidência, doutor Daniel.
Quando entrei na sala do doutor Stevens, ele estava com o
semblante extremamente sério. Cumprimentamo-nos e fui direto ao que
me interessava.
— Vim tratar do assunto sobre o Arthur Montenegro.
Ele assentiu, as mãos cruzadas na mesa.
— Fez muito bem, Daniel. Eu estava mesmo para lhe chamar.
Conversei ontem com a Victoria e não há motivos para desconfiar das
intenções dele com relação à Ana. Pode ficar tranquilo quanto a isso.
Recostei-me na poltrona, endurecido até a alma ao ouvi-lo.
— Não há motivos? — questionei com aparente tranquilidade.
— Nenhum — ele confirmou com muita segurança do que
dizia. — Entendo perfeitamente a sua preocupação, mas o Arthur
Montenegro passa agora a ser um assunto meu e por isso mesmo prefiro
que não tente mais entrar em contato com ele. Por tudo o que soube
através de Victoria, garanto que ele não representa nenhum perigo para
Ana.
O doutor Stevens me deu aquela garantia em tom incisivo,
deixando-me cada vez mais incomodado com os desdobramentos
daquela reunião. Nunca pensei que um dia fosse duvidar do meu
presidente, mas ali estava eu vivendo aquela situação pela primeira vez
em uma década de trabalho na S&Stevens. Tudo isso porque, tão certo
quanto era o meu amor por Ana, eu tinha certeza absoluta de que ele
estava escondendo fatos importantes de mim.
A grande questão era saber o motivo de ele precisar esconder
as informações que tinha sobre Arthur Montenegro, considerando que o
homem tinha algum tipo de participação no sequestro de Ana.
Foi impossível não sentir a minha confiança abalada com a
atitude dele, uma confiança inquestionável até minutos atrás.
— Então, parece que posso continuar confiando totalmente no
meu presidente, como sempre aconteceu nestes anos todos.
Ignorei seu olhar de surpresa ao ouvir as minhas palavras e o
encarei com firmeza. A expressão dele também endureceu e nos
olhamos em silêncio por longos segundos.
— Sempre houve confiança entre nós dois e não será agora que
isso vai mudar, Daniel. E nem admito que duvidem do que eu digo! —
ele falou, enrijecendo visivelmente do outro lado da imponente mesa de
trabalho.
Não me intimidei com sua postura, porque, igual a ele, eu
também não admitia que duvidassem da minha palavra ou quebrassem o
meu sentido de lealdade.
— Isso significa que poderei sair por aquela porta e ficar
tranquilo de que a minha mulher nunca mais será vítima de um
sequestro no qual Arthur Montenegro esteja envolvido. Afinal, o meu
presidente está dando a palavra de honra de que este homem é de
confiança. É esta a garantia que tenho?
Ignorei a expressão de incredulidade que se apoderou do rosto
dele e me levantei lentamente, certo da decisão que acabava de tomar.
— Existem certas coisas difíceis de reconquistar depois que
são destruídas, e confiança é uma delas. Vou considerar que o doutor
Stevens se equivocou terrivelmente em suas deduções sobre este
homem, caso contrário, ainda hoje terá em sua mesa a minha carta de
demissão.
Ele se ergueu abruptamente, o choque visível no rosto forte e
marcante. Diante de mim estava um homem que admirei durante anos e
o único responsável por ainda me manter preso à S&Stevens,
independentemente dos conselhos dos meus pais para me libertar de
tantas responsabilidades naquela corporação.
— Sequestro?! — explodiu, enraivecido. — Mas o que é que
você está me dizendo?
— Isso mesmo que ouviu. Sequestro! — rosnei com raiva,
porque já me sentia ferver por dentro só em lembrar o risco que Ana
correu no dia anterior. — Ainda estamos investigando para saber quem
são os mandantes, mas está confirmado que Arthur esteve envolvido.
Foi ele quem, inexplicavelmente, tirou Ana do cativeiro onde estava
presa. Jeremy poderá lhe contar todos os detalhes, porque eu,
definitivamente, não tenho mais paciência para isso!
— Quando aconteceu? Eu não soube de nada!
— Ontem, enquanto estávamos em reunião.
A expressão dele ficou carregada, mostrando o homem temível
que era quando se sentia desafiado em seu poder.
— Ela foi ferida? — Apesar da voz dura, a preocupação era
genuína.
— Não, mas foi uma experiência traumática, como bem deve
imaginar. Uma experiência que pretendo que nunca mais se repita.
Ele voltou a se sentar, apontando para minha poltrona.
— Sente-se, Daniel. Vamos continuar a conversar.
Apesar do pedido, ele não falou nada pelos próximos segundos.
O silêncio se prolongou na sala até ser quebrado por um xingamento
baixo. Aquela reação dele trouxe de volta a mesma sensação estranha
que senti antes, de que havia muito mais ali do que ele deixava
transparecer.
— O que está acontecendo? — indaguei logo, pois não
pretendia fingir que não estava percebendo nada. — Para mim, é óbvio
demais que está guardando para si informações que me interessam.
Como o senhor mesmo me disse antes, confiança nunca faltou entre nós.
Ele soltou um suspiro de frustração, encarando-me
honestamente.
— Existem coisas que um homem guarda só para si, meu caro
Daniel. Coisas delicadas, como um casamento fracassado.
Aquele desabafo me surpreendeu pelo tema abordado e foi
impossível não pensar no que Arthur Montenegro tinha a ver com o
casamento do doutor Stevens, exceto se fosse por ser amante de
Victoria.
— Há muito tempo que quero acabar com essa situação, mas
sempre me deixo acomodar. E justamente por falta de tempo. — Riu-se,
o sarcasmo natural da sua personalidade vindo à tona.
Controlei a tensão iminente no meu corpo, aguardando para
saber qual era a relação entre o casamento dele e Arthur.
— Não pretendo ver sua rescisão contratual com a S&Stevens
em minha mesa, até porque esta empresa é sua também, uma vez que é
um dos acionistas majoritários. Estamos há dois dias de fechar esta
negociação comercial com os chineses, que vai nos colocar a anos-luz
de distância dos nossos concorrentes. Preciso de você aqui comigo. A
S&Stevens precisa de você! Não vou permitir que o império que os
meus avós construíram, que o meu pai fez crescer e que eu herdei, seja
destruído por ninguém.
Para reforçar as palavras, ele bateu a palma da mão aberta
sobre a mesa, fazendo ecoar um som seco dentro da sala.
— Assim que tivermos este contrato assinado, você poderá
tirar suas merecidas férias junto com Ana. Quanto ao Arthur, vou
colocar em causa aqui a nossa confiança um no outro e pedir que confie
em mim, deixando-me resolver isso. — Inclinou-se em minha direção,
os olhos de águia mostrando uma emoção rara. — Vejo-o como um
filho e sucessor, até que os meus netos possam assumir em meu lugar, já
que Meghan nunca se interessou pelas empresas. Não há ninguém além
de você que seja mais competente, que mereça mais e em quem eu
confie cem por cento para entregar toda esta herança.
Aqueles eram argumentos fortes demais para serem ignorados
e percebi que não me restava outra alternativa além de confiar que tudo
ficaria resolvido nas mãos dele. Mesmo com uma inquietação insidiosa
se alastrando no meu peito, resolvi lhe dar a chance de provar que não
havia mais motivos de preocupação da minha parte.
O que eu não precisava lhe dizer era que, ainda assim, estaria
seguindo de perto os passos de Arthur Montenegro.

Horas depois, no meu escritório de casa, tive vontade de


queimar na lareira os papéis que estavam em minhas mãos, tamanha era
a raiva que sentia naquele momento. Para não cair na tentação, joguei-
os sobre a mesa e comecei a andar pelo escritório para tentar me
acalmar e não cometer aquela loucura.
Eu precisava deles para tentar encontrar o responsável. Se os
destruísse, estaria destruindo provas, apesar de que o responsável só
podia ser o próprio Arthur Montenegro!
Voltei à mesa, observando novamente os papéis espalhados.
Agora, em vez de prints de conversas íntimas no site, haviam me
enviado fotos de Ana e Arthur juntos em um restaurante.
Sentado ao seu lado e virado para ela, Arthur mantinha o braço
no encosto da cadeira de Ana, uma posição que os deixava próximos
demais para o meu gosto. Apesar de ela estar com o rosto sério em
algumas fotos, em outras Ana sorria de algo que ele dizia, parecendo
muito à vontade.
“Achei-o educado, respeitador e até mesmo divertido”.
Fechei os olhos para não ver mais aquelas cenas, respirando
fundo para raciocinar.
Alguém havia fotografado os dois juntos, imprimido as
imagens, colocado em um envelope idêntico ao anterior e agora
esperava… o quê? Que eu terminasse tudo com ela, expulsando-a da
minha vida? Quem poderia ganhar algo com aquilo?
Olhei a data das fotos, que a pessoa fez questão de deixar
visível. Foi no dia depois da festa de Meghan, o que poderia dar a
entender que Ana não estava tão abalada assim com o suposto fim do
nosso namoro.
Passei a enumerar todas as possibilidades, começando pelo
próprio Arthur, por ter interesse em Ana. Mas, naquele caso, apesar das
evidências, eu tinha certeza de que ela era inocente, de que não estava
interessada nele e nem sabia daquelas mensagens no site até eu mesmo
lhe falar.
Voltando ao site, a outra única pessoa que teve acesso a ele foi
a Bia. Apesar de ela ter um péssimo gosto ao escolher Jack, não
apostava as minhas fichas nela. Sentia que amava a amiga e não faria
aquilo.
Por fim, havia a Hillary, com seu interesse em mim. Contudo,
eu também não acreditava que se arriscasse a provocar novamente a
minha fúria contra ela depois do susto que levou com o processo.
Merda!
Não havia mais ninguém. Por isso, dos três, só podia ser
mesmo o Arthur. Mas, sendo ele, por que enviou também as fotos do tal
Gordon Smith na primeira carta? Para tirar as suspeitas de si mesmo?
Eram muitas perguntas, que só o filho da puta do Arthur
poderia responder. Um homem ousado, charmoso e que conhecia…
Victoria!
Não! É impossível que ela tenha algo a ver com tudo isso.
Se eu acreditasse em coincidências, poderia dizer que era
coincidência demais que Arthur fosse sobrinho de uma amiga e que ela
o tivesse apresentado à Ana na festa.
Mas o que Victoria tem a ganhar com isso?
Não precisei pensar muito para encontrar a única resposta.
Meghan e a sucessão das empresas da família.
Sendo filho único e tendo apenas Meghan como filha, o doutor
Stevens só tinha como sucessor um primo, filho do seu único tio. Robert
Stevens atualmente ocupava o cargo de diretor comercial, mas almejava
muito mais, sendo uma constante pedra no sapato do doutor Stevens.
Mesmo com todas as lutas de poder que aconteciam nos
bastidores da sucessão da S&Stevens, era difícil acreditar que Victoria
visse naquilo um motivo para investir contra Ana. Nunca dei qualquer
indício de que um dia pensaria em assumir um compromisso com
Meghan.
Eu tinha plena noção de que Victoria era uma mulher
autoritária, arrogante e orgulhosa. Sua posição como esposa do doutor
Stevens lhe dava poder para muita coisa, mas aquele poder não
alcançava a minha vida, as minhas escolhas, muito menos as pessoas
que eu amava.
No dia seguinte, teria de falar novamente com o doutor
Stevens. Mas, daquela vez, o assunto seria sobre a esposa dele.
Capítulo 57
Daniel
SE EU ACHEI que as notícias ruins daquele dia haviam
acabado, estava redondamente enganado. Eu me preparava para sair do
escritório e ir jantar com Ana, quando o meu celular tocou sobre a mesa.
Acostumado com ligações do trabalho a qualquer hora do dia
ou da noite, não estranhei quando identifiquei que a ligação era de
Doris.
— O doutor Scott sofreu um acidente e está hospitalizado!
Levantei-me de imediato quando ouvi o que ela disse,
completamente abalado com aquela notícia.
— Acidente?! Mas quando foi isso?
— Há cerca de trinta minutos, mas ainda não tenho muitas
informações, doutor Daniel. Sei apenas que ele levou uma queda em
casa e bateu com a cabeça. Charlotte me ligou quase de imediato para
que o avisasse a pedido dos familiares.
Charlotte era a assistente pessoal da residência dos Stevens. Se
o acidente aconteceu lá, provavelmente Victoria e Meghan estavam
presentes.
— Diga-me para qual hospital ele foi levado.
A voz de Doris estava embargada quando me passou as
informações, mas percebi o esforço que fez para tentar falar o mais
profissionalmente possível.
— Poderia me dar notícias assim que for possível, doutor
Daniel?
Eu imaginava bem o estado de ansiedade dela, sendo sua fiel
secretária há tantos anos.
— Claro que sim. Pode aguardar.
Saí imediatamente do escritório e fui atrás de Ana na cozinha,
onde ela e Carmencita terminavam de preparar o jantar.
O sorriso dela desapareceu quando viu o meu rosto
preocupado.
— Tudo bem? — perguntou logo, aproximando-se.
Segurei a mão e abracei-a.
— O doutor Scott está hospitalizado e preciso ir vê-lo —
expliquei às pressas, ainda sem conseguir acreditar naquilo.
— Oh, meu Deus! Que horror, Dan! Mas o que aconteceu com
ele?
— Um acidente em casa. — Olhei para Carmencita, que
também tinha a mesma expressão horrorizada no rosto. — Não vou
jantar e nem sei que horas volto, mas ligarei para dar notícias e saber
como estão.
Inclinei-me para beijar Ana, que me abraçou pela cintura.
— Posso chegar tarde — avisei, porque sabia que ela ia querer
me esperar.
— Não dormirei até que dê notícias — garantiu com firmeza,
acariciando a minha barba e me olhando com emoção. — E vou rezar
para que não seja nada grave e ele fique bem.
Abracei-a apertado, pedindo a Deus que as preces dela fossem
atendidas, porque o meu instinto me alertava o contrário.

Assim que entrei no andar que foi reservado à família no


hospital, encontrei Victoria rigidamente sentada em um sofá com
Meghan ao lado, que tinha os olhos inchados de tanto chorar pelo pai.
— Daniel! — Victoria chamou assim que me viu, levantando-
se para falar comigo. — Que bom que você veio! Nem sei o que fazer
depois do que aconteceu com Scott. Ele sempre tomou conta de tudo e
me sinto perdida.
Procurei não me lembrar de que, ainda naquela manhã, o
doutor Scott me confidenciou o fracasso do casamento com Victoria.
Agora, vendo aquela cena, pensei se ele chegou a lhe falar algo antes do
acidente.
Eu também não conseguia me esquecer de que o nome dela
estava associado ao de Arthur Montenegro e tudo que dizia respeito
àquele homem me enraivecia profundamente.
— O que aconteceu com ele, Victoria? — perguntei-lhe,
esperando conseguir mais informações.
— Eu não sei exatamente. Estávamos no quarto conversando
antes do jantar, ele desceu na minha frente e depois só ouvi o seu grito
quando caiu das escadas. Fiquei tão nervosa que o resto é um borrão na
minha mente. Nunca pensei que isso fosse acontecer com Scott!
Victoria começou a chorar, emocionada. Segurei-a pelo braço e
levei-a de volta para o sofá, onde se sentou pesadamente.
— É melhor aguardar aqui enquanto tento saber mais
informações sobre o estado dele.
Ela agarrou a minha mão com desespero, impedindo-me de me
afastar.
— Como ficarão as empresas sem ele, Daniel?
Estranhei aquela preocupação em um momento tão delicado da
vida do marido, mas me mantive impassível quando respondi.
— Cuidarei de tudo até que ele esteja bem.
Deixei mãe e filha sendo consoladas por duas irmãs de Victoria
e liguei para Ana. Já tinha percebido que tão cedo sairia dali e fui pedir
que fosse dormir.
— E você? Sei que amanhã precisará estar na empresa e tem
que descansar também, Dan — ela disse suavemente, fazendo-me
querer estar ao seu lado.
— Não se preocupe comigo. Assim que puder irei para casa.
Ela deu um suspiro conformado antes de continuar.
— Tudo bem. Sei que a situação exige isso, mas me acorde
quando chegar, por favor. Quero estar com você.
— Eu também.
Assim que desliguei, fui atrás de informações sobre o estado de
saúde do doutor Scott. Quando voltei, me surpreendi com o ambiente ao
meu redor. Em pouco tempo, a recepção do andar reservado aos
familiares íntimos ficou pequena para tanta gente que havia chegado.
Irritei-me com o fluxo exagerado de pessoas, algumas delas que eu
sequer conhecia, dando-me a péssima impressão de parecer um funeral.
Aquela era uma falha gravíssima do hospital e do staff
particular dos Stevens. Sem dúvida que a entrada estava liberada e em
breve até os jornalistas estariam naquela área exclusiva da família.
Trinquei os dentes com irritação e peguei o celular, resolvendo
acabar com aquilo.
Assim que Doris atendeu, passei-lhe todas as ordens que
precisava.
— Quero que assuma no lugar de Charlotte e entre em contato
com a administração do hospital para impedir a entrada de pessoas neste
andar. Nenhuma informação do estado de saúde do doutor Scott deve
ser divulgada sem a minha autorização. — Não fiz pausa, porque sabia
que ela anotaria tudo com eficiência. — Diga a Jeremy que envie
homens para fazerem a segurança do andar e impedir que a imprensa
consiga chegar perto dos familiares. O hospital que providencie de
imediato a retirada das pessoas que estão aqui. Só ficam Victoria e as
irmãs dela, além de Meghan. Falarei com elas sobre isso. Qualquer
reclamação, seja do hospital, de familiares ou do staff pessoal dos
Stevens, diga que venham falar comigo.
— Providenciarei tudo — ela me garantiu com a característica
competência profissional que tinha, mas também notei que estava
aliviada, dando-me a impressão de estar satisfeita em assumir os
cuidados com a privacidade do doutor Scott. — Doutor Daniel, como
ele está?
— Ainda não sabemos. Está sendo avaliado pelos médicos e só
saberemos o diagnóstico depois. — Em um rápido flash, lembrei-me das
palavras de Ana dizendo que rezaria por ele e disse em um impulso. —
Se tem o costume de rezar, aconselho que faça isso agora.
A resposta de Doris me surpreendeu pelo tom enigmático.
— Já rezo por ele há muito tempo.
Ficamos em silêncio, ligados pelo respeito e consideração pelo
homem que nos liderava há anos.
— Quero que marque uma reunião amanhã cedo com todos os
diretores-acionistas. Convoque-os em caráter de urgência para estarem
sem falta às dez horas na presidência.

— E como ficarão as empresas sem ele?


Já era a terceira pessoa que me perguntava a mesma coisa
naquela noite fatídica. A vez era de Bernard Field, um dos nossos mais
antigos acionistas, que havia resolvido comparecer ao hospital assim
que foi convocado para a reunião de urgência.
— Todos já estão comentando isso — ele continuou, com uma
expressão carregada no rosto enrugado pela idade. — Em breve a
imprensa estará noticiando tudo e nossas ações podem despencar
assustadoramente se Scott não se recuperar rápido. Temos um contrato
em andamento com os chineses e corremos o risco de o perder com este
acidente dele.
— Ele vai se recuperar — garanti firmemente, mesmo sem
saber o resultado da avaliação dos médicos. — Amanhã decidiremos o
que fazer.
Eu não podia deixar que a incerteza no amanhã se instalasse
dentro da própria empresa, porque isso seria meio fracasso garantido. Já
haveria muita pressão externa causada pelas especulações no mercado
financeiro, que poderiam minar a imagem sólida da empresa e afastar os
investidores, como os chineses.
Passei a mão na barba, ciente de que no dia seguinte já
começaria uma dura luta para manter o império do doutor Scott intacto
até o retorno dele à ativa.
Bernard me encarou sombriamente, uma mensagem muito
clara nos olhos experientes.
— Independentemente do que os médicos disserem, você sabe
muito bem o que iremos decidir amanhã, Ortega. — Segurou-me pelo
braço, confidenciando em voz baixa. — Não podemos deixar que outro
tome o lugar de Scott e, na ausência dele, mude tudo o que o homem
construiu até hoje. Você sabe que este lugar é seu!
Sim, infelizmente eu sabia. Apesar de não querer mais uma
responsabilidade nos meus ombros, também não podia ignorar que o
meu sentido de lealdade me impelia a cuidar das empresas até o retorno
dele.
E aquilo acontecia justamente agora, quando o que eu mais
queria era tempo livre para ficar com Ana.

As notícias que chegaram horas depois não foram as piores,


mas também não eram as melhores. Quem apareceu para falar com a
família foi o doutor Julian Smith, diretor da Unidade de Reanimação
Neurocirúrgica do hospital e responsável pelo caso do doutor Scott.
— O senhor Scott Stevens sofreu um traumatismo craniano e
isso originou um edema que está comprimindo parte do cérebro.
Tivemos que colocá-lo em coma induzido para diminuir a pressão
intracraniana que o edema está provocando.
— Coma? — Victoria perguntou com a voz angustiada. — Ele
entrou em coma?
— Nós o colocamos em coma através de sedativos para evitar
que o edema crescesse e afetasse áreas importantes do cérebro —
explicou com paciência.
— Por quanto tempo ele ficará assim? — perguntei, porque a
questão tempo pesava sobre os meus ombros.
— Ainda é muito cedo para definir o período, mas adianto que
a recuperação pode ser mais demorada do que o tempo que ficará
sedado. Precisaremos de mais alguns dias e exames para dizer algo
sobre isso. Prefiro não adiantar nada e espero que compreendam que
estamos trabalhando para que ele volte para vocês como era antes do
acidente.
Não gostei daquelas respostas ambíguas, mas entendia que os
médicos precisavam de tempo para terem informações mais precisas
sobre o estado de saúde dele.
— Por enquanto, o prognóstico do paciente é de estado grave e
a previsão é de meses — declarou, sucinto, pedindo licença e deixando
todos em um silêncio angustiante.
Meses!
Aquele era um tempo que não tínhamos, com um contrato para
assinar nos próximos dias e um mercado financeiro para acalmar.
— O que vamos fazer sem ele? — Victoria repetiu mais uma
vez, após falarmos com a junta médica. — E as empresas, como vão
ficar? Meu Deus!
— Marquei uma reunião amanhã com os acionistas para
discutirmos os próximos passos a dar — disse-lhe resumidamente,
olhando depois para Meghan. — Manterei vocês informadas. Estou
deixando uma equipe de segurança aqui e terão tudo o que precisarem.
Aconselho que tentem descansar, porque a recuperação do doutor Scott
será longa. Ficarem exaustas logo nos primeiros dias não vai ajudar em
nada.
Meghan parecia mais calma depois de saber o real estado de
saúde do pai, apesar de não terem sido notícias nada animadoras.
— Faremos isso — ela confirmou, segurando no braço da mãe.
— Liguem-me se precisarem de alguma coisa.
Capítulo 58
Ana
— VOCÊ ASSISTIU O noticiário de hoje na televisão? —
Bia perguntou ao telefone.
Não pude deixar de rir com a pergunta dela.
— Claro que não, sua boba! Por acaso esqueceu que não falo
inglês fluente para entender tudo o que dizem? Eles falam rápido
demais!
— Oh, é mesmo! É que ainda estou em choque — falou,
agitada, mas emendou logo depois. — Pelo seu tom de voz tranquilo, já
vi que o Daniel não lhe contou nada!
Daniel? O noticiário tinha a ver com ele?
— Não estou entendendo — disse-lhe com cautela e me
sentando na cama, porque algo me dizia que precisaria estar sentada
para o que ia ouvir. — O que eu deveria saber por ele e não sei?
Lembrei-me da expressão sempre preocupada dele nos últimos
dias e pensei se o doutor Scott havia falecido e eu ainda não sabia.
— O acidente do doutor Stevens aconteceu há quatro dias. De
lá para cá, as ações das empresas do grupo tiveram uma queda brusca e
parece que os investidores ficaram receosos, porque a corporação agora
está sendo taxada pelo mercado financeiro como de alto risco.
À medida que ela falava, mas abismada eu ficava. Em
momento algum Daniel havia tocado naquele assunto comigo.
Será que ele acha que sou incapaz de entender tudo o que está
acontecendo com as empresas?
Um desconforto inesperado começou a me dominar com aquela
possibilidade, mas o afastei rapidamente, sem querer que as minhas
antigas inseguranças voltassem.
— Isso significa que eles vão falir? — perguntei, sem ter
certeza se a queda na bolsa seria suficiente para aquilo acontecer.
— Acho que não vai chegar a tanto. Algo tão drástico assim só
aconteceria no caso de não terem mesmo solidez. Mas com certeza eles
vão perder muitos negócios ou ter de reduzir despesas, como fechar
algumas filiais no exterior ou empresas do grupo. Os especialistas estão
fazendo previsões pessimistas devido ao grave estado de saúde do
doutor Stevens, que dizem nunca mais será o mesmo para comandar a
corporação. É aí que está a bomba que eu queria contar para você.
Ela fez uma pausa para respirar e fiquei com o coração na mão
para saber o que vinha a seguir.
— Fala logo, Bia! Já estou nervosa com esta história e você
ainda para?
— Calma que eu vou contar! A bomba é que o nome de Daniel
está sendo citado constantemente como sendo o mais indicado para
assumir a presidência do grupo, mas parece que até agora ele não se
pronunciou a respeito. Acreditam que ele é o único que pode substituir o
doutor Scott à altura, porque já comandava o grupo com mão de ferro na
gestão anterior. Os investidores confiam nele e o mercado financeiro
está só aguardando que Daniel faça um pronunciamento, que ele não fez
até agora e ninguém sabe o porquê. Toda vez que corre um boato de que
isso vai acontecer, as ações voltam a subir. Depois que nada acontece,
caem novamente. Esta oscilação já dura desde o acidente, há quatro
dias.
Caí deitada na cama, fechando os olhos.
Daniel o novo presidente da S&Stevens? Meu Deus!
Se já era difícil para mim estar com um homem na posição
dele, ficaria ainda mais com aquele novo status de presidente das
empresas. Onde eu me encaixaria na vida de um homem como ele?
— Eu quase não acredito no que estou ouvindo! — desabafei,
sem conseguir guardar aquelas impressões só para mim. — O que mais
vai acontecer para aumentar esta distância social que já existe entre nós
dois?
— Aninha, nem pense nisso! — Ela me alertou em tom de
irritação. — Você devia ficar feliz com o sucesso dele, mesmo sendo
em uma situação tão dolorosa quanto essa!
— Eu fico feliz por ele e você sabe disso! Admiro-o demais
por sua competência profissional e por ser o homem inteligente que é.
Mas isso não me faz ser cega com relação às nossas diferenças, Bia.
Tenho plena consciência de que estamos em lados opostos da escala
social.
— Estejam em lados opostos ou não, ele a ama e isso é o que
importa. Além disso, você é perfeita para estar ao lado dele e formam
um casal lindo juntos. Eu shippo vocês dois. — Finalizou em tom de
graça.
Não pude deixar de rir junto com ela, que sempre via o lado
bom de tudo. Depois que desligamos, fiquei olhando por um bom tempo
para o teto do quarto, pensando como estaria a cabeça de Daniel com
tudo aquilo que estava acontecendo naquele momento.
Eu sabia que não estava sendo fácil para ele ver o doutor Scott
inconsciente no hospital, uma vez que eu já havia passado por aquilo
com o meu pai. Além do mais, a pressão na empresa era grande e ele
suportava tudo sem reclamar.
As horas de trabalho de Daniel haviam aumentado muito nos
últimos dias, fosse na S&Stevens ou no escritório em casa, e nossos
momentos juntos diminuíram proporcionalmente. Mas ainda assim ele
continuava o mesmo de sempre quando estávamos juntos: carinhoso,
apaixonado, cheio de cuidados comigo e fazendo amor de forma
intensa.
Na falta de tempo dele, passeei pela cidade com Bia, mas
sempre em companhia de Carmencita e do fiel Clayton, o motorista de
Daniel que havia retornado de férias dias atrás. Era um homem de quase
quarenta anos, sempre sério e que assustava à primeira vista pela
aparência fechada, mas que, na verdade, era uma simpatia de pessoa.
Daniel não abria mão que nossos passeios fossem feitos
daquela forma e acabamos por descobrir, Bia e eu, que nos divertíamos
bastante assim.
Só não entendia o motivo que o fez não me dizer nada até
agora sobre o fato de estar sendo cogitado para assumir a presidência
das empresas no lugar do doutor Scott. Eu esperava apenas que não
fosse por minha causa.
Tomei a decisão de continuar agindo normalmente e fingir que
não sabia de nada. Ia respeitar o silêncio dele e torcer para que, em
algum momento, contasse para mim o que estava acontecendo.
Capítulo 59
Ana
ASSIM QUE BIA chegou na casa de Daniel, soltou logo a
bomba.
— Aconteceu, Aninha!
Oh, meu Deus!
— É sério, Bia? — O meu coração disparou no peito quando
ouvi aquela notícia. — Tem certeza?
Ela vinha atualizando as informações para mim por telefone e
combinamos que seria melhor mesmo que eu ficasse calada, sem
confrontar o Daniel. Mas, hoje, Bia veio me visitar, aproveitando uma
carona de Julie, que passaria no final da tarde para pegá-la.
Assim que chegou, levei-a para o meu antigo quarto, que eu
quase não usava mais desde que voltei a dormir com Daniel.
— Senta que vou ler a manchete.
Ela abriu a bolsa e tirou de lá uma série de revistas e jornais,
que jogou sobre a cama. Impressionada, olhei para tudo aquilo, vendo
que alguns tinham até a foto de Daniel.
— Amiga, mas o que é tudo isso? — perguntei,
verdadeiramente assustada.
— Hoje resolvi comprar tudo o que encontrei para mostrar a
você. — Ela folheou o jornal que tinha na mão à procura da parte que
falava de economia. — Olha aqui!
A reportagem mostrava três imagens de Daniel em situação
diferentes. Em uma delas, estava sozinho ao lado do doutor Scott. Na
outra, estava com a família Stevens no que parecia ser um evento social.
Na última foto, ele estava sozinho entrando nos escritórios da empresa,
muito elegante em um de seus ternos feitos à medida, esbanjando poder
e competência para quem quisesse ver.
Senti o meu coração acelerar mais ainda, tanto de amor por vê-
lo tão lindo, seguro e elegante, quanto de angústia ao perceber que
aquele mundo não era o meu.
Acima das três fotos estava escrito: “Who is Daniel Valdez
Ortega, the next president of S&Stevens Corporation?”
Engoli um gemido de frustração e de medo.
— Ai, Bia! Que loucura é essa? Quase não acredito no que
estou vendo!
Uma coisa era ouvir a minha amiga falando sobre as
especulações que aconteciam no mercado financeiro em torno de
Daniel, em que tudo o que ela dizia parecia algo meio surreal para mim.
Porém, ver aquelas imagens e ler aquela manchete fazia tudo real
demais. E uma realidade muito distante da minha.
— Isso aqui não é nada, porque esta reportagem é de ontem.
Agora vê essa! É de hoje.
Bia pegou outro jornal e mostrou para mim. Nele, havia uma
foto do rosto de Daniel e a manchete: “The New President of Stevens &
Ortega”.
Abri a boca e não consegui mais fechar. Olhei para Bia e dei de
cara com a típica expressão dela de “o que foi que eu disse?”.
Antes que eu conseguisse articular uma única palavra, ela se
adiantou na explicação.
— Resumindo tudo o que está aqui. — Fez um gesto indicando
todos os jornais e revistas abertos sobre a cama. — Daniel anunciou
hoje cedo que assume como novo presidente. O que ele não disse, mas
os jornais descobriram através de fontes extraoficiais, como sempre
acontece, é que ele injetou capital das empresas da família dele na
S&Stevens. Com esta estratégia, ele dá garantias ao mercado financeiro
e aos investidores de que o grupo está mais sólido do que nunca. As
ações subiram de forma assustadora, os acionistas estão todos eufóricos
e ele ainda conseguiu um contrato estratosfericamente milionário com
os chineses, colocando a concorrência no chinelo. Eu nem faço ideia do
valor desse contrato, mas, pelo pouco que li, é um absurdo de dinheiro.
— Ela fez uma pausa para respirar, parecendo tão eufórica quanto o
mercado financeiro estava. — Literalmente, Daniel esmagou os
concorrentes, que estavam se aproveitando das incertezas causadas pelo
acidente do doutor Stevens para diminuir a confiança dos investidores
na S&Stevens, com a intenção de ganhar o mercado deles. Durante estes
dias difíceis, Daniel era o homem em quem todos confiavam para levar
a corporação adiante como novo presidente e ele não falhou em dar o
que eles queriam, assumindo o cargo hoje. Para finalizar, o nome do
grupo passou a ser agora Stevens & Ortega. É isso!
A mudança de nome foi a primeira coisa que percebi na
reportagem. Apesar do choque com tudo aquilo, eu estava feliz que ele
tivesse conseguido ter sucesso na negociação com os chineses depois de
tantas reuniões desgastantes.
O meu orgulho de Daniel aumentou e me senti uma felizarda
por ser sua namorada. Restava agora saber o que o futuro me reservava
ao lado dele.

Apesar daquela notícia ter sido um choque enorme para mim,


foi outra notícia que abalou o meu mundo no dia seguinte.
— Estou supernervosa, Bia! — falei pela milésima vez,
secando as mãos úmidas no vestido que usava.
— Pior que também estou! — ela confessou, respirando fundo
e me olhando sem esconder a ansiedade.
— E com medo — completei, torcendo as mãos. — Não, medo
é pouco. Estou apavorada!
Ela segurou as minhas mãos, apertando-as com carinho.
— Ai, amiga, eu também estaria se fosse comigo.
— Estou sem coragem de olhar.
Fechei os olhos e voltei a respirar fundo para me acalmar.
— Vamos fazer assim. Contamos até três e olhamos juntas —
ela disse com cara de quem havia encontrado a solução perfeita para
algo que eu sabia não ter outra solução.
— Oh, mas que merda! — desabafei o meu nervosismo antes
de concordar. — Tudo bem.
Apertamos nossas mãos e contamos juntas.
— Um. Dois. Três!
Viramos as duas no mesmo instante e olhamos para a bancada
de mármore da pia do banheiro.
Depois, veio o silêncio. Ela não falou nada. Eu, tampouco.
Ficamos olhando emudecidas para as palavras escritas que pareciam
zombar de mim. O grito ficou entalado na minha garganta, mas não na
dela.
— Oh, my God! Oh, my God! Oh, my God!
Bia exclamava sem parar, completamente chocada e
descontrolada.
— Bia, por favor, diz que não estou lendo isso! — implorei,
sentindo-me a ponto de desmaiar. — Diz que estou lendo errado, pelo
amor de Deus!
— Sinto muito, mas você está lendo certo, sim.
— Eu não acredito! — Apoiei as mãos na bancada da pia.
— Pois acredite, amiga. Este teste é digital e não erra! E ele
está dizendo que vou ser titia daqui a alguns meses e que você será a
mãe do tão desejado filho de Daniel.
Gemi alto, desesperada, quando ouvi o nome dele.
— Ai, por favor! Vamos fazer o outro teste também para
confirmar — implorei, ainda incrédula com o meu destino. — Este pode
estar com defeito.
Ela riu maliciosamente.
— Com defeito? Duvido! — negou com a cabeça, pegando-o e
analisando de perto o resultado. — Este é um dos testes mais precisos
que existem e ainda diz aqui que vocês fizeram o meu sobrinho há duas
ou três semanas.
— Bia, não brinca!
— Eu não estou brincando! — Ela apontou para o próprio peito
e depois para mim. — Agora, quem andou brincando de fazer bebês foi
você. Eu avisei!
Ela tinha razão, porque aviso não me faltou.
— Ainda assim podemos fazer outro? — pedi com aflição.
— Claro que sim. Foi para isso que trouxe dois testes
diferentes.
Ela abriu a embalagem do segundo teste de gravidez,
colocando-o no copinho da urina.
Ficamos observando em expectativa até a primeira linha
aparecer. Foi quando comecei a rezar para não surgir nenhuma outra,
mas a segunda linha veio logo depois.
Outro positivo! Perdi as esperanças.
Bia bateu palminhas, mas depois caiu na real e parou.
— Nem sei porque estou tão feliz — recriminou a si mesma
com um gesto indulgente de cabeça, até voltar a rir. — Mas já que não
tem mais solução, amiga, vamos comemorar.
— Deixa eu me sentar, porque não confio nas minhas pernas.
— Ai, meu Deus! Você não pode cair agora. Está proibida! —
Abraçou-me pela cintura e me ajudou a sentar no vaso sanitário. — Não
vá machucar o meu sobrinho!
O tom era de brincadeira e não resisti em dar um tapinha no
braço dela.
— Não seja exagerada e pare de viajar. Posso estar em estado
de choque, mas me sinto muito bem. — Olhei para ela com seriedade,
hesitante. — O que faço agora?
Parecia uma pergunta boba, mas estava mesmo me sentindo
perdida. Desde os dezenove anos que eu não tinha uma mãe com quem
conversar sobre coisas de mulher e não havia aproximação suficiente
com tia Silvia para tratar daqueles assuntos. Também nunca tive amigas,
nem na época da escola. Bia era a minha salvação e, naquele momento,
agradeci muito a Deus por ela ter conseguido ficar comigo em Nova
York durante os trinta dias de férias que Daniel havia me pedido.
— Você tem de fazer duas coisas, só precisa decidir qual fará
primeiro — respondeu tranquilamente, sentando-se na borda da
banheira. — Ir para um ginecologista e contar a Daniel. Como nossas
férias já estão acabando, podemos deixar a ida a um ginecologista para
quando estivermos no Brasil, mas o ideal é não adiar muito isso. Você
vai precisar tomar ácido fólico rapidinho para o bebê nascer saudável. O
remédio evita malformação fetal.
Fiquei horrorizada quando ouvi aquilo, colocando a mão sobre
a barriga.
— Malformação?! Ai Bia, não quero que ele nasça com
problemas por minha culpa. Já basta a dislexia — disse-lhe, insegura
sobre como fazer as coisas. — Não podemos ir logo a um ginecologista
aqui, nem que seja para ele receitar esse ácido fólico? Depois, continuo
o acompanhamento da gravidez no Brasil.
Ela fez um gesto de calma com as mãos.
— Nada de ficar nervosa, porque isso também não é bom para
uma grávida — orientou com sabedoria.
Tentei ficar tranquila, mas a grande verdade era que, até ver o
resultado positivo, tudo parecia meio irreal. Agora que a ficha realmente
havia caído, sentia-me superinsegura. E aquela insegurança não
aguentava a dura realidade que me aguardava pelos próximos nove
meses: eu estava grávida!!
Quando dei por mim, já estava chorando.
— Estou com medo! — choraminguei, devastada.
— Aninha, não fique assim! — Ela se ergueu e veio me
abraçar, ajoelhando-se no chão à minha frente. — Você precisa contar a
Daniel! Ele vai resolver tudo e dar a segurança que você precisa agora.
Só em ouvir o nome dele chorei mais ainda. Contar-lhe
significava ver a decepção no rosto dele quando soubesse que o filho
provavelmente seria tão disléxico quanto a mãe.
— Não posso!
— O que você não pode é levar esta gravidez sozinha quando o
pai da criança está lá embaixo.
— Mas será que ele vai gostar?
A risada divertida de Bia encheu o banheiro.
— Agora quem precisa parar de viajar é você, pois sabemos
que Daniel vai amar. É o sonho dele se tornando realidade, claro! Filho
da mãe, tanto fez que conseguiu!
— Sim, eu sei que ele queria muito, mas antes não havia essa
confusão toda na empresa, nem o acidente com o doutor Scott. Talvez
não seja o melhor momento para ele, entende? Quase não temos mais
tempo para ficarmos juntos.
— Mas isso não quer dizer que ele mudou de ideia ou que
deixou de gostar de você.
Assenti, porque era a mais pura verdade, mas as lágrimas
teimavam em cair, deixando-me irritada com a minha fraqueza.
— Não consigo parar de chorar.
— Isso é normal na gravidez. As mulheres ficam mais
emotivas e choram à toa.
— E essa insegurança também é normal? — funguei, limpando
o rosto. — Admito sem problema algum que estou morrendo de medo!
Ela suspirou, olhando-me com compreensão.
— É normal, sim. Você não sabe qual vai ser a reação de
Daniel e se sente insegura com isso. Também não é uma mulher casada
há anos com um marido que aguarda um filho. Tudo é novo e incerto
para você, então, tem todo o direito de estar insegura e com medo. Até
eu estaria!
O som de uma batida na porta do quarto nos fez calar de
imediato.
— Ana?
Era o Daniel!
Capítulo 60
Ana
OLHEI PARA BIA sem saber o que fazer, mas ela sabia
muito bem, pois se levantou e começou a guardar os testes na bolsa,
limpando tudo e deixando o banheiro sem indícios de nada.
— Ana? — ele insistiu em tom mais alto.
— Ele vai ver logo que chorei — sussurrei para ela, indo olhar
o meu rosto no espelho.
Mesmo não estando com a cara inchada, ele notaria.
— Não podemos ficar trancadas aqui dentro enquanto ele
chama lá fora. É melhor sairmos e rezar para ele não notar.
Eu duvidava muito daquilo, mas não comentei nada.
Quando saímos do banheiro, ele já estava abrindo a porta do
quarto.
— Desculpe invadir assim, mas você não respondeu e… —
Olhou o meu rosto e franziu a testa, preocupado. — O que aconteceu?
Eu já ia dizer “nada”, quando o medo e a insegurança
explodiram com força dentro de mim. A única coisa que pensei foi em
buscar segurança em Daniel, o que me fez vencer a pouca distância que
nos separava e me jogar nos braços dele.
Se estar grávida era estar sensível daquele jeito, eu não sabia
como ia aguentar nove meses com as emoções à flor da pele.
Daniel me atraiu junto ao peito e, incrivelmente, relaxei,
sentindo-me segura.
— O que aconteceu? — ele repetiu com a voz endurecendo.
Percebi que a pergunta estava sendo dirigida à Bia e neguei
com a cabeça, para que não a culpasse pelo meu estado de nervos.
— Não é nada. Estou bem — esclareci, querendo poupá-la de
um interrogatório. — Estávamos falando dos nossos pais e a saudade
bateu. Só isso.
Não o senti muito satisfeito com a desculpa fraca que dei,
porque segurou o meu rosto com as duas mãos e me observou com
atenção.
Olhei-o pela primeira vez como sendo o pai do meu filho, a
única pessoa que poderia aliviar aquele medo que eu sentia do amanhã e
que dividiria comigo a responsabilidade daquela gravidez.
Bia pigarreou discretamente, dirigindo-se à porta.
— Vou aguardar vocês dois lá embaixo. Fiquem à vontade.
Não tenho pressa.
Ele nem reagiu, os olhos desconfiados presos em mim.
— Por que está assim, Ana? O que conversaram?
— Se eu pedisse para não perguntar nada, apenas me abraçar e
acalmar, faria isso? — pedi simplesmente, sem condições para contar
nada ainda.
Daniel apertou os lábios com força, o maxilar enrijecendo.
Pensei que ia negar e insistir, mas depois me abraçou contra o peito,
confirmando.
— Faço o que você quiser — respondeu, inspirando fundo. —
Seja lá o que aconteceu, acho que já sabe que estarei sempre ao seu lado
para ajudar em tudo. Nunca mais estará sozinha, por isso, fique calma.
Relaxei de encontro a ele, aliviada, aquela força enorme de
Daniel dando a segurança que eu precisava naquele momento.
Ele me levou para a poltrona ao lado da cama e se sentou
comigo ao colo. Aconcheguei-me em seus braços e fechei os olhos, sem
pensar em mais nada além do prazer de estar ali.
— Diga-me apenas se Jorge está bem.
Daniel havia criado um relacionamento ótimo com o meu pai e
entendi sua preocupação com o bem-estar dele.
— Sim, ele está muito bem.
Ele ficou em silêncio, até levar uma mão ao meu cabelo,
puxando-o para trás e erguendo o meu queixo. Os olhos sérios
devassaram o meu rosto com um brilho de posse, aquecendo-me a ponto
de me sentir molhando de prazer. Admirei o rosto másculo que eu tanto
amava, a barba que o fazia tão austero às vezes, mas que escondia um
homem excepcionalmente emotivo comigo. E, por fim, aqueles lábios
que causavam um estrago no meu corpo.
E foram aqueles lábios que desceram sobre os meus em um
beijo voraz, a língua decidida invadindo a minha boca e me fazendo
gemer de prazer. Apertei-o com mais força, atraindo-o pelo pescoço,
ansiosa para me sentir amada por ele.
Como sempre acontecia entre nós, Daniel não me decepcionou
ao aprofundar o beijo. Um beijo que rapidamente detonou um desejo
sexual irrefreável em mim quando sua mão envolveu o meu seio,
acariciando o mamilo com habilidade.
Respondi com outro gemido de prazer, ansiando por senti sua
boca nele. Eu adorava quando Daniel fazia aquilo e a expectativa fez o
meu sexo se contrair com o desejo crescente.
Remexi o corpo em seu colo, sentindo o membro endurecendo
e a minha excitação só aumentou.
— Dan!
Abismada comigo mesma diante do desejo súbito que senti,
não consegui esconder na voz o pedido mudo para que me satisfizesse.
Ele se ergueu ligeiramente e fez com que eu ficasse de frente para ele,
as pernas abertas sobre o seu colo. O meu vestido foi levantado e me
sentei sobre o seu quadril, sentindo-o pronto para mim.
Daniel desabotoou a parte superior do meu vestido e o sutiã,
deixando o caminho livre para sua boca devorar com sofreguidão o meu
mamilo. Fui ao paraíso e pressionei a cabeça morena sobre ele para que
não parasse. Ele satisfez o meu desejo e ainda desceu a outra mão para
minha calcinha, puxando-a para o lado e estimulando meu clitóris.
Ouvi o grunhido de prazer que ele soltou quando sentiu o meu
sexo úmido sob os dedos ágeis, arremessando a ereção para cima em
busca de satisfação. O desejo explodiu entre nós dois com aquela força
incontrolável que já conhecíamos.
Tentei abrir a calça dele, mas Daniel afastou a minha mão e
abriu ele mesmo. Apoiei os joelhos na poltrona para facilitar o trabalho
dele, meus seios roçando a barba macia e me excitando mais ainda.
Daniel me sustentou com um braço ao redor do quadril e
depois me fez baixar suavemente sobre ele. Quando o senti tocar a
minha entrada, até gemi alto no quarto com a contração que senti lá
dentro.
Eu já deixar que entrasse todo em mim, quando ele me segurou
com força, mantendo-me longe. Daniel afundou o rosto entre os meus
seios e emitiu um som de frustração, as mãos apertando as minhas
nádegas com força.
— Para, Ana!
— Por quê? — perguntei, sem entender nada e ansiosa demais
para parar.
— Não podemos fazer assim! Esqueci que estou sem
preservativo aqui — rosnou, tentando disfarçar a raiva consigo mesmo.
— Me desculpe.
Respirei fundo, porque preservativo me lembrava de gravidez e
eu já estava cem por cento grávida.
Segurei suas mãos e coloquei ambas sobre os meus seios,
dando-lhe ao mesmo tempo um beijo ávido na boca. Busquei sua língua
com a minha, exultando de prazer quando ele perdeu o controle e me
segurou pelo cabelo, aprofundando o beijo. Depois, largou a minha boca
e desceu para o mamilo, meus seios mais sensíveis da gravidez
respondendo na hora ao enviar uma contração de prazer para o meu
interior.
Segurei o membro duro embaixo do meu corpo, afastei mais a
calcinha para o lado e desci sobre ele.
Mal entrou em mim, Daniel ficou tenso e afastou a boca dos
meus seios, olhando-me com surpresa. Encarei-o, muito segura do que
fazia. Sem lhe dar tempo para reagir, baixei mais, gemendo de prazer
quando a ereção abriu espaço dentro de mim, preenchendo-me toda.
— Ana! — ele grunhiu com a voz enrouquecida, deixando a
cabeça cair para trás na poltrona e fechando os olhos.
Comecei então a me mover sobre ele, em um movimento
rítmico para cima e para baixo. Daniel abriu os olhos nublados de prazer
e mostrou para mim uma emoção que me roubou o fôlego
completamente. Se eu soubesse que fazer amor comigo sem
preservativo traria aquele brilho aos olhos de Daniel, eu teria jogado a
minha dislexia para o alto há mais tempo e confiado no amor dele por
mim.
— Por quê?
— Não me pergunte. Só me ame — pedi com suavidade.
Continuei me movendo, observando a expressão de prazer
aumentar a cada vez que baixava sobre.
Lentamente, Daniel ergueu a mão e tive o meu cabelo preso
com firmeza. Fui atraída para um beijo possessivamente devorador,
enquanto seu quadril arremetia junto comigo naquela dança erótica.
Excitados como estávamos, não demorou muito para chegarmos à borda
do orgasmo e precisei de pouco estímulo de suas mãos hábeis para
gozar.
Senti quando ele gozou dentro de mim, ejaculando com vigor,
a respiração ofegante e os músculos contraídos com a força do prazer
que sentia. Caí sobre ele depois, o corpo trêmulo e coração exultando de
felicidade.
Fui abraçada com força e ficamos agarrados naquela posição
por algum tempo. Só depois foi que ele saiu de dentro de mim e me
colocou sentada em seu colo, ajudando-me a fechar o vestido sobre os
seios.
— Posso sujar sua calça — lembrei-o, ainda ofegante.
— Eu troco por outra. — Foi a resposta simples que deu,
ajeitando-me melhor em seu colo e dando um beijo tão carinhoso nos
meus lábios que senti vontade de chorar. — Obrigado.
Fiquei calada e apenas o abracei, pois sabia que agradecia pelo
filho que tanto queria.
O que diria se soubesse que eu já estava grávida?

Quando descemos, encontramos Bia conversando


animadamente com Carmencita na cozinha, várias receitas espalhadas
pela longa bancada de trabalho. Culinária era algo que eu adorava desde
menina e havia encontrado em Bia uma amiga que também tinha as
mesmas afinidades culinárias. Apesar da aversão que ela tinha pelos
doces, possuía um gosto refinado que me encantava.
Como ela ia ficar a tarde inteira comigo, Daniel se despediu de
nós três e foi para o trabalho.
Tempos depois, quando voltamos a ficar sozinhas no meu
quarto, ela não perdoou no interrogatório.
— Então, contou tudo? Como ele reagiu? — perguntou,
respondendo ela mesma. — Ele deve ter dado pulos de alegria e estar
muito feliz. Digo isso pela cara de satisfação com que ele desceu. Era de
quem havia ganhado na megasena acumulada, mesmo já sendo podre de
rico.
— Ai, Bia. Para com isso, amiga — Fiquei rubra de vergonha,
porque a satisfação de Daniel era por outro motivo. — Ainda não tive
coragem de contar nada.
Ela parou mesmo, mas foi de choque.
— Não contou nada? Mas… pensei que… vocês demoraram
tanto que… — Então, parou de novo, revirando os olhos com
impaciência. — Ora, eu superpreocupada com você aqui sozinha
contando tudo para ele e, no fundo, vocês estavam fazendo novos
bebês!
— Bia! — reclamei, envergonhada.
— Mas não é a verdade? — bufou, irritada. — Aninha,
Aninha, você não vai escapar por muito tempo de ter que contar tudo
para Daniel. Daqui a pouco esta barriga vai crescer. A menos que você
já esteja no Brasil e ele só a veja da cintura para cima, Daniel vai
descobrir rapidinho que está grávida. E algo me diz que não vai gostar
de saber que você escondeu isso dele.
Eu sabia daquilo. Só precisava de um tempo para encontrar
coragem.
— Eu vou contar. Deixa eu assimilar melhor tudo isso, afinal,
só descobri que estou mesmo grávida a poucas horas atrás.
— Tudo bem, neste ponto eu entendo e até concordo, mas não
estique muito o tempo, porque precisa começar logo as consultas de
acompanhamento da gravidez. — Ficou pensativa e depois torceu os
lábios como se estivesse chateada. — Só tem uma coisa que você
precisa estar preparada.
A expressão séria que tomou conta do rosto de Bia me deixou
cautelosa.
— Ai, amiga, o que é?
— Daniel agora está sob a mira da imprensa e tudo o que ele
faz hoje vira notícia amanhã. Se já era rico, ficou mais rico ainda. Se era
influente, passou a ser muito mais. Homens assim são muito visados
pelas mulheres e com você engravidando dele, poderá acontecer de…
— Nem precisa continuar, porque já sei o que vai dizer. —
Estendi a mão, impedindo-a de falar. — Poderei ser acusada de dar o
golpe da barriga, ainda mais se souberem que sou uma simples
recepcionista de hospital, sem formação ou dinheiro.
— Infelizmente, é isso mesmo — ela confirmou com
sinceridade. — A sociedade não perdoa quem está fora dos seus
padrões. Mesmo você sendo linda e muito bem educada, ainda assim
vão lhe apontar o dedo. Imagina então se estivesse fora dos padrões de
beleza dessa sociedade fútil!
Ela fez uma cara de desprezo e depois segurou as minhas mãos,
olhando-me com firmeza.
— Você terá de ser forte, amiga! Não vão perdoá-la por fisgar
um solteiro como Daniel, cobiçado pelas herdeiras deles. E é melhor
incluir aí a senhorita Meghan Stevens, pois as revistas de fofoca já estão
insinuando coisas, questionando se agora haverá uma união de fato
entre as duas famílias depois que Daniel assumiu o controle de tudo —
preveniu com sabedoria.
Fiquei calada quando ouvi o nome de Meghan. Eu sabia que,
pela lógica, aquele seria um casamento de ouro para Daniel. Uma garota
de excelente família, herdeira das empresas e uma simpatia de pessoa.
Eles se conheciam há anos e eu até entendia que todos esperassem uma
notícia como aquela.
Bateu a insegurança e fechei os olhos, respirando fundo. Mas
então a minha mente se encheu de imagens de nós dois juntos, do som
da risada profunda dele quando conversávamos, do cuidado que tinha
comigo e de como aceitava bem as minhas limitações. Lembrei-me dos
beijos e abraços apaixonados, daquela maneira de fazer amor que me
enlouquecia e da voz enrouquecida que me pedia para nunca o deixar.
Não! Não vou desistir dele tão fácil assim!
Foi a mim que ele escolheu, portanto, era melhor que todas elas
se conformassem e mantivessem distância dele, porque Daniel Ortega já
tinha dona!
E um filho!
Capítulo 61
Daniel
“JÁ ESTÁ TUDO pronto, doutor Daniel.”
Li a mensagem de Carmencita, satisfeito ao ver que tudo corria
da maneira como eu havia planejado.
“Vamos voltar.”
Respondi e olhei depois para Ana, sentada à minha frente no
restaurante onde tínhamos ido almoçar.
Acostumada com as constantes mensagens, ligações e
interrupções dos nossos momentos juntos por causa do meu trabalho,
ela aguardava, olhando distraidamente o movimento ao redor.
Observei o perfil de linhas perfeitas que a faziam única para
mim, ciente de que estava cada dia mais apaixonado. Não me cansava
de admirar Ana em silêncio.
— Acho que está na hora de voltarmos — disse, segurando a
mão macia sobre a mesa.
Ela tinha as mãos nuas, sem nenhum anel adornando os dedos.
Segurei o anelar, acariciando-o inconscientemente com mais intensidade
do que os outros.
— Por mim, tudo bem. — Ela entrelaçou os dedos nos meus
com um brilho quente no olhar.
— Se quiser, podemos ficar mais tempo — sugeri, sem querer
forçá-la a ir.
— Não! — disse com mais ênfase, dando um sorriso tímido
depois. — Quer dizer… prefiro voltar para casa.
Apertei a mão delicada na minha, observando seu rosto
ruborizar e os olhos brilharem de expectativa. Sim, era chegada a hora
de irmos embora, ainda que tão cedo pudéssemos ficar realmente
sozinhos.
— Vamos.
Cerca de meia hora depois entramos em casa, sendo recebidos
por uma sorridente Carmencita. Ela olhou significativamente para mim,
antes de falar com Ana.
— Señorita Ana! Tem visitas para si.
Acompanhei a expressão de surpresa tomar conta do rosto dela,
que olhou logo para mim, momentaneamente sem ação.
— Para mim? É a Bia? — A voz ficou preocupada ao se voltar
para Carmencita. — Ela não me disse nada. Aconteceu algo com ela?
— Não, está tudo bem! Estão na sala.
O sorriso tranquilo de Carmencita foi o suficiente para acalmar
Ana quanto à Bia, mas senti a ansiedade dela quando me olhou
novamente. Estava curiosa, mas também insegura.
Ficou parada ao meu lado, sem reação.
Sem querer que ficasse mais nervosa ainda, segurei sua mão,
acariciando-a.
— Vem, Ana. Vamos ver quem é.
Assim que entramos na sala ela parou abruptamente, soltando-
se de mim para tapar a boca com as duas mãos, perplexa ao ver quem a
aguardava.
— Pai?!
A voz ficou embargada e os olhos se encheram de lágrimas
quando Ana olhou o homem confortavelmente sentado na cadeira de
rodas.
Tive pouco tempo para ver Jorge pessoalmente pela primeira
vez, porque Ana correu pela sala e se jogou nos braços dele.
— Oh, pai!
Ele ria, satisfeito com a recepção da filha.
— Ora, pensei que fosse ficar feliz em me ver e não chorar,
Aninha — brincou com ela, mostrando um bom humor admirável.
— Mas… mas eu não sabia… — ela gaguejou, lançando-me
um olhar tão emocionado que bateu fundo no meu peito. — Você não
me disse nada, ninguém me disse nada.
E olhou novamente para o pai, que continuava com um sorriso
tranquilo no rosto. Apesar de sua condição, pude comprovar que o
homem jovial que falava comigo pelo Skype era pessoalmente muito
mais carismático.
Eu achava que só o conheceria no Brasil, quando levasse Ana
de volta depois das férias. No entanto, o acidente do doutor Scott e a
situação complicada que se criou na empresa com o afastamento dele
me impossibilitava de sair de Nova York nas próximas semanas. Para
minha sorte, Jorge aceitou o meu convite com boa vontade.
Adiantei-me para cumprimentá-lo, feliz ao ver o carinho e
amor que havia entre os dois. E pensar que aquele relatório ainda
insinuou que Ana o tivesse colocado em uma instituição para não ter
trabalho com ele.
— É um prazer ter você em minha casa, Jorge. — Tive o
cuidado de não o chamar de senhor, já que deixou muito claro em
nossas conversas que não queria ser tratado daquele jeito.
— O prazer é meu, Daniel. Apesar de já ter agradecido a você
através do Skype, quero agradecer pessoalmente a oportunidade de estar
aqui. Estava com muitas saudades da minha Aninha.
— Não precisa agradecer. O importante é que estamos os três
juntos no mesmo lugar. Ana está feliz. E se ela está feliz, nós dois
também estamos.
Ana se levantou e veio me abraçar. Emocionada, ela não disse
nada, apenas envolveu o meu pescoço com os braços e me deu um beijo
no queixo, esfregando o rosto em minha barba como gostava de fazer.
Aquele era o agradecimento que eu precisava. Sem palavras,
feito apenas de pura emoção e vindo da minha mulher.
Capítulo 62
Ana
ESTAR NA MESMA casa com os dois homens da minha vida
era a melhor sensação do mundo e nunca me senti tão feliz. Tê-los
juntos de mim fazia com que me sentisse completa, uma vez que não
precisava lamentar a saudade de nenhum deles.
Daniel foi perfeito em tudo. Ele providenciou não só a vinda do
meu pai, mas também preparou a casa para recebê-lo sem que eu nem
percebesse.
Por causa da cadeira de rodas especial, uma ala no térreo da
casa foi adaptada para ele, onde dormiria com a companhia de um
cuidador particular contratado por Carmencita. Diferentemente de mim,
o meu pai falava inglês e não houve nenhum problema de comunicação
entre ele e a equipe que o atenderia.
Eu nem queria imaginar o dinheiro que Daniel gastou com tudo
aquilo, mas a única coisa que pude fazer foi lhe agradecer mesmo.
Quando toquei no assunto das despesas, ele me calou de duas formas.
Com um beijo e com palavras que me emocionaram.
— Para quê ter tanto dinheiro se não posso fazer a minha
mulher feliz? — disse em tom sério, olhando ao redor para o luxo em
que vivia. — Tenho uma casa enorme e que passa a maior parte do ano
sem vida, porque minha família só vem aqui no dia de Ação de Graças
ou no Natal. Desde que você chegou, tudo aqui ficou diferente, especial,
e não quero perder isso. Trazer o seu pai não é nada comparado à
felicidade que você trouxe para mim.
Diante daquilo, eu não disse mais nada e apenas aproveitei o
prazer de amá-los.
Agora, estávamos os três sozinhos no escritório após o jantar,
com a Candy deitadinha no sofá ao meu lado. Para mim, o escritório de
Daniel havia se transformado no meu lugar preferido dentro da casa.
Além de ter a personalidade dele, e aquilo me fazia sentir bem, hoje
achava-o um lugar acolhedor. Com as grandes estantes cheias de livros,
o escritório me dava mais a impressão de ser uma aconchegante sala de
leitura. Um ambiente que já nem me parecia mais o palco de um drama
humilhante.
Deliciada, observei como a conversa fluía bem entre meu pai e
Daniel. Dois homens de personalidades fortes e que no começo
pareciam oponentes, mas que agora se entendiam muito bem.
Eu já havia ligado para contar a novidade à Bia. Ela viria nos
visitar no dia seguinte de manhã, apesar de ter ficado preocupada.
— Sei que o tio vai arrancar o meu couro, mas irei correndo
vê-lo.
Eu estava com a mente divagando, quando Daniel me
surpreendeu ao segurar minha mão com mais força, como se quisesse
chamar minha atenção.
Olhei-o, curiosa, mas ele estava concentrado no meu pai.
— Jorge, quero aproveitar o momento para dizer algo que tem
a ver comigo e com a sua filha. Eu poderia deixar para amanhã ou outro
dia, mas acho que já me conhecer o suficiente para saber que não sou de
adiar por muito tempo coisas importantes para mim.
— Sim, claro! Um homem de decisões rápidas — brincou o
meu pai, fazendo Daniel rir com o comentário.
— Exatamente — concordou em tom divertido, mas depois
olhou para mim e segurei a respiração com o que vi lá.
Profundidade. Seriedade. Possessividade.
Era aquele olhar característico de Daniel que fazia com que eu
me sentisse mulher dele e que também dizia que ele era só meu, pois
nunca o vi olhar assim para outra pessoa.
Ele, então, virou-se para o meu pai.
— O tempo para mim tem um valor diferente e único,
justamente por não ter muitos momentos livres para a minha vida
pessoal. Ana deu um novo significado aos meus dias, que hoje não se
restringem apenas ao trabalho. Ela trouxe algo que antes eu não tinha e
que, agora que possuo, não quero mais perder.
Engoli em seco, emocionada e sem saber o que dizer. Não
consegui desviar os meus olhos de Daniel, vendo o perfil másculo e
amando cada pequeno detalhe dele.
— Se o tivesse conhecido desde que falei com sua filha pela
primeira vez, teria pedido sua aprovação para o meu namoro com ela.
Hoje, peço sua aprovação para outro pedido.
Naquele momento, congelei totalmente.
Que pedido?
Acho que apertei a mão dele sem querer, porque Daniel
devolveu com outro aperto confortador, acariciando-a com o polegar.
Virou-se para mim, prendendo meu olhar com o dele.
— Aceita ser minha noiva, Ana? — perguntou com firmeza e
decisão, a voz grave e a expressão muito séria. — Sei que nunca toquei
no assunto antes e que deve ser uma surpresa enorme para você este
meu pedido, mas quero que seja minha esposa. Esperarei o tempo que
precisar para que tome uma decisão.
Totalmente pega de surpresa e sem reação, emudeci, incapaz
de falar. Olhei para o meu pai, que tinha um sorriso enigmático no rosto.
Encarei Daniel de novo, que aguardava em tensa expectativa.
Com um gemido emocionado, atirei-me nos braços dele,
envolvendo-o com força pelo pescoço. Fui atraída para o peito forte,
onde enterrei o rosto, feliz demais para continuar calada.
— Oh, Dan! Sim, sim e sim!
Senti a inspiração profunda que ele deu quando o tórax amplo
se expandiu, como se, enfim, ele estivesse respirando aliviado. O braço
musculoso me pressionou mais junto ao corpo, a mão firme apertando a
minha cintura com aquela pegada que me derretia toda.
Ganhei um beijo rápido e intenso, mas cheio de promessas, que
serviu para firmar o compromisso que assumíamos um com o outro.
Depois, ele se afastou de mim e falou com o meu pai.
— Temos a sua bênção, Jorge?
— Apesar de achar que você é autoritário e que toma decisões
muito rápidas, neste caso concordo que é uma sábia decisão, porque a
minha Aninha é uma menina de ouro. Dou a minha bênção para o
noivado, mas vamos conversar melhor sobre o casamento, que é um
passo muito mais importante.
Daniel não contestou, apenas assentiu com um gesto de cabeça.
— É justo que seja assim.
Para minha surpresa, ele deu um suave assobio.
— Candy, vem aqui!
Ela ergueu a cabecinha, deitada na outra ponta do sofá, e
prontamente correu para sua mão estendida. Não consegui deixar de rir
ao vê-la atendendo obedientemente ao dono.
Daniel ergueu o corpinho minúsculo e virou a Candy para
mim, deixando-a na altura do meu rosto.
— Acho que ela quer lhe dizer algo sobre isso.
Sem conter uma risada, olhei a carinha pequena e olhos
castanhos dela fixos em mim. Segurei-a, dando-lhe um beijinho.
— Ora, o que tem a me dizer, docinho?
Ela estava linda, com um lacinho vermelho na cabeça e a
coleirinha no pescoço que brilhava com a luz.
Oh, meu Deus!
Sem ação, sem fôlego, boquiaberta e com os olhos arregalados
de surpresa, encarei Daniel como uma boba.
— Dan?!
Foi a única coisa que consegui dizer, acompanhando o sorriso
satisfeito que surgiu nos lábios dele com a minha reação.
Candy latiu, chamando a minha atenção, e foi quando surtei
completamente. Senti os meus olhos se enchendo de lágrimas, mas me
controlei para não chorar feito uma boba. Se brincar, Bia tinha razão e
aquela minha vontade de chorar por tudo e por nada era por causa da
gravidez.
Segurei com dedos trêmulos a coleirinha de Candy, onde um
anel e duas alianças estavam penduradas, fazendo o meu coração
disparar no peito com a beleza das pedras.
— São seus e espero que goste.
Foi a única coisa que Daniel disse e só consegui pensar como
não gostar deles.
— São lindos — sussurrei, até com medo de tocá-los.
Coloquei Candy nas minhas pernas para tirar os anéis, mas
Daniel se inclinou sobre mim e o fez em meu lugar. Olhei para o meu
pai, que observava tudo com atenção.
Trocamos um olhar e ele fez um imperceptível movimento de
cabeça, aprovando silenciosamente a atitude de Daniel.
Depois que os anéis foram retirados, ele colocou Candy de
volta no sofá, onde ela ficou muito quietinha, como se soubesse que não
era a protagonista principal naquele momento.
Daniel estendeu a mão para mim, a palma virada para cima.
— Dê-me a sua mão esquerda.
Sequei-a no vestido que usava e coloquei sobre a dele, que
pegou o anel de noivado e colocou no meu dedo anelar.
— A outra.
Dei-lhe a direita, onde ele colocou a aliança.
— Agora, Ana Elisabeth Cabral, você é minha noiva!
E me deu um beijo na boca logo a seguir, para consolidar o
compromisso.
Emocionada, peguei a mão direita dele e coloquei a aliança no
dedo.
— Agora, Daniel Ortega, você é meu noivo!
E beijei-o na boca.
Depois, sustive a respiração, abalada demais com o significado
de tudo aquilo e com um estranho sentimento de posse ao vê-lo com a
grossa aliança de ouro no dedo.
Unimos nossas mãos com força e recebi outro rápido beijo
territorial na boca, que devolvi com a mesma intensidade.
Quando nos separamos, lembrei-me do meu pai. Levantei-me e
fui me ajoelhar ao lado da cadeira de rodas dele, mostrando-lhe as duas
mãos.
— Não são lindos, pai?
— São lindos e combinam com você.
Dei-lhe um beijo no rosto e virei o meu para receber o beijo
dele.
Só então o meu pai olhou para Daniel com um brilho
provocador nos olhos.
— Parece que você deixou de ser um “candidato a genro” e
passou a ocupar o cargo de “trainee de genro” com competência.
Aquele comentário arrancou uma risada alegre dos dois, que
acompanhei com gosto, naquele que era um dos momentos mais
marcantes da minha vida e que nunca achei que aconteceria. Nem nos
meus sonhos mais ousados imaginei que conheceria um homem como
Daniel, muito menos que receberia um pedido de casamento dele.
Candy, parecendo muito feliz com tudo o que acontecia,
desceu para o chão e correu, apoiando-se com as duas patinhas na
minha barriga. Afastei-a, protegendo instintivamente o bebê, para só
então perceber o que fiz.
Olhei disfarçadamente para Daniel, mas ele conversava com o
meu pai. Para minha sorte, nenhum deles havia notado nada.
Peguei a Candy e fui me sentar novamente no sofá, mantendo-a
ao meu lado. Mas aquela situação trouxe à minha mente algo que havia
esquecido, que era a minha gravidez e o fato de ainda não ter tido
coragem de contar nada para Daniel.
Tentei não me sentir culpada por estar aceitando seu pedido de
casamento sem que ele soubesse da hereditariedade da dislexia. Aquilo
não era justo. Não era justo com ele, mas também não era justo comigo.
A felicidade que eu sentia começou a ser roubada pela minha
consciência pesada, pelo sentimento de culpa e pela revolta diante da
situação que vivia desde sempre.
Olhei para Daniel, tão lindo, seguro, bem sucedido,
determinado e inteligente. O que diria quando soubesse que o filho que
tanto queria talvez não fosse igual a ele?
Apertei as mãos nervosamente sobre o colo, ciente de que o
meu sonho de casamento perfeito poderia acabar em questão de horas,
uma vez que, infelizmente, teria de contar tudo para ele naquela mesma
noite!
Capítulo 63
Daniel
A SATISFAÇÃO PURAMENTE masculina que eu sentia ao
ver o anel de noivado e a aliança nos dedos de Ana era algo
assustadoramente sem explicação para mim. Ela estava linda hoje,
resplandecendo de felicidade com a presença do pai.
Eu já era apaixonado por Ana e fiquei ainda mais depois de ela
ter desistido do preservativo. Contudo, acabei me apaixonando
perdidamente foi ao ver o amor que existia entre pai e filha. Ana
demonstrava seu amor e cuidado em cada pequeno gesto, em cada
expressão, olhar ou palavra que dirigia a ele.
Tudo aconteceu como eu havia planejado. Encerrar a noite
tendo Ana como minha noiva e futura esposa encheu o meu peito com
uma emoção forte demais até para mim mesmo. Desacostumado com a
palavra amor, desconfiava que daquela vez não havia como ignorar o
que vinha sentindo.
Depois que nos despedimos de Jorge, que foi levado pelo
cuidador para o quarto dele, segurei a mão de Ana e subimos as escadas.
Parei quando cheguei em frente à porta fechada do quarto, sem entrar.
Ana estranhou, olhando-me com curiosidade.
Abri a porta e peguei-a ao colo, ouvindo sua exclamação de
surpresa e a risada feliz.
— O que é isso?
— Isso é a primeira vez que você entra em nosso quarto como
minha noiva e tem de ser uma entrada especial.
Ela riu ainda mais, abraçando-me, com os olhos brilhando de
malícia.
— Ah, mas se é assim, também quero fazer “outras coisas”
pela primeira vez como sua noiva.
Fechei a porta com o pé e levei-a até a cama.
— Seu desejo é uma ordem.
Deitei-a e me acomodei ao seu lado, segurando-lhe a mão
esquerda.
— Gostou mesmo do anel? Posso trocar, se quiser ir comigo e
escolher outro.
Ela fechou a mão, como se quisesse me impedir de tirá-lo.
Então, olhou para mim com uma certa timidez, como se estivesse
insegura sobre o que ia dizer.
— Adorei esse aqui, porque foi você quem o escolheu para
mim, mas confesso que tenho uma quedinha especial pela minha
aliança. Eu a amei, Dan.
Pegou a minha mão direita e juntou com a dela, observando as
duas alianças juntas.
— Elas casam direitinho — disse suavemente, lançando-me
um olhar apaixonado depois.
Aquele olhar único que aquecia o meu peito e me fazia sentir o
maior homem do mundo.
— Os donos também — completei, amando o suave sorriso de
satisfação que curvou os lábios carnudos e extremamente sensuais.
Ela se virou de lado na cama, ficando de frente para mim, a
mão onde estava a aliança vindo acariciar a minha barba como gostava
de fazer. Baixei a cabeça e capturei seus lábios entre os meus, pois eles
eram capazes de me enlouquecer só de olhá-los. Puxei o corpo de
curvas generosas mais para perto, com a intenção de amar Ana pela
primeira vez na condição de minha noiva.
Apertei-a junto ao peito, sentindo os seios amplos que eu tanto
amava me pressionando. Porém, em vez de ouvir um gemido de prazer,
o gemido que ouvi foi de dor. Ela ficou tensa e tentou se afastar, ao
mesmo tempo que eu também já me afastava, preocupado.
Em um gesto automático, Ana cobriu os seios com a mão.
— Me desculpe. Machuquei?
Recriminei-me mentalmente, certo de que devia ter apertado
demasiado o corpo dela, sem notar a força que usei.
— Não! Estou bem.
A resposta foi rápida demais, fazendo-me olhá-la, desconfiado.
Aproximei a mão dos seios grandes, tocando-os suavemente.
Pareciam maiores, como se estivessem inchados.
— Doem?
Ela suspirou, fechando os olhos e ficando com uma expressão
tão triste que me deixou verdadeiramente preocupado.
— Ana, tem algo errado?
Lembrei-me logo do choro da tarde anterior, quando ela esteve
conversando com Bia, e uma apreensão traiçoeira tomou conta de mim.
Será que ela está doente e não quer me contar?
Cheguei mais perto, atraindo-a para mim, mas tendo o cuidado
de não lhe tocar os seios. Ana ergueu os olhos e a dor que vi lá dentro
acabou de vez com a minha paz de espírito.
— Não me deixe de fora do que está acontecendo com você. Já
disse que estarei sempre ao seu lado.
Encarei-a, deixando que assimilasse bem as minhas palavras.
Ela exalou um suspiro nervoso e engoliu em seco, como se procurasse
coragem para falar.
Aguardei pacientemente, encorajando-a com o olhar.
— Você já sabe que sou disléxica, mas tem noção do que ela
causa?
Aquela pergunta me deixou dividido entre o alívio e a
preocupação. Por um lado, estava aliviado ao ver que Ana não tinha
nenhuma doença grave, mas também estava preocupado ao saber que o
motivo podia ser algo relacionado ao trauma da dislexia.
Eu só esperava que, daquela vez, pudéssemos resolver
definitivamente qualquer bloqueio que ela tivesse, por isso resolvi ser
sincero e abrir o jogo.
— Até conhecer você, eu não sabia nada sobre a dislexia,
porque no mundo em que vivia nunca entrei em contato com alguém
disléxico. Mas, quando você veio para minha casa e apresentou os
primeiros sinais de bloqueio, fiz algumas pesquisas que me levaram a
desconfiar de que fosse isso que tivesse.
Ela não desviou os olhos, mesmo deixando transparecer a
surpresa que sentia diante das minhas palavras.
— Quando foi isso?
— No dia em que Jonas veio pegar você — contei, lembrando-
me da raiva que senti dele. — Logo depois, você me pediu que ligasse
para Bia porque não estava conseguindo. Foi quando fiz a minha
primeira pesquisa e descobri algumas coisas.
A mão dela se crispou na minha camisa, deixando visíveis os
primeiros sinais de nervosismo. Segurei-a, acariciando o dorso com o
polegar.
— E o que descobriu? — perguntou num fio de voz.
Sustentei-lhe o olhar com firmeza, pois queria que soubesse
que nada daquilo mudou o que sentia por ela. Ao contrário, só fez com
que a admirasse mais ainda pela coragem de conviver diariamente com
as limitações que tinha.
— A dificuldade de ler, de escrever e de fazer cálculos, além
do pouco sentido de orientação.
— Só isso? — ela insistiu, ansiosa.
Ana estava apertando a minha mão sem nem perceber, os olhos
nervosos presos nos meus.
Eu sabia que agora ia tocar no ponto que mais a abalava. No
entanto, se a oportunidade de falarmos sobre o assunto surgiu, não a
deixaria passar em branco. Aquela era uma conversa importante e que já
deveríamos ter tido antes.
— Descobri que a dislexia é hereditária e que o nosso filho
poderá tê-la.
Ana soltou um arquejo de constrangimento e virou o corpo,
tentando se afastar pelo outro lado da cama, sem me dar chance de
continuar. Fui rápido e segurei-a pela cintura, tendo o cuidado de não
machucar os seios que pareciam doloridos. Coloquei uma perna sobre as
dela, segurando-a com firmeza à minha frente, as costas macias coladas
ao meu peito.
— Tem calma, Ana! Nada disso fez com que eu deixasse de
querer você e ao nosso filho. Eu te amo!
Só depois que falei foi que tive noção do que disse.
Eu te amo.
Ana parou e eu também. Por um momento fechei os olhos,
segurando-a com firmeza e sentindo o calor do corpo macio. Inclinei-
me e dei um beijo em seu ombro, roçando a barba na pele suave. Puxei
o longo cabelo castanho com reflexos dourados para trás e também
beijei o pescoço perfumado, repetindo no ouvido dela o que já havia
dito antes.
— Quero você e quero o nosso filho. Amo os dois, sejam
disléxicos ou não.
Ela ficou quieta, calada, mas depois relaxou o corpo sobre a
cama. Não se virou de frente para mim, mas senti que estava mais calma
e que não tentaria se afastar novamente.
Aproximei-me mais, encaixando o corpo esguio totalmente no
meu, as nádegas em minha virilha, as costas no meu peito e a cabeça
apoiada no meu braço.
— Acredita em mim? — perguntei, erguendo-me mais sobre o
antebraço para olhar o rosto dela.
Ana não respondeu, permanecendo com os olhos fechados,
como se ponderasse se deveria acreditar ou não. Quando eu já ia insistir,
ela segurou a minha mão que envolvia sua cintura e colocou sobre o
ventre liso, com a dela por cima.
Era a resposta que eu queria e estremeci por dentro com o
significado daquele gesto. Entendi que ela dizia acreditar em mim. Ana
acreditava que eu a queria e ao nosso filho, independentemente de
qualquer coisa.
Quis afastar a mão para virá-la de frente para mim e beijá-la,
mas Ana não a largou, apertando-a mais contra o próprio ventre. Deixei
ficar mais um pouco naquela posição, porém, quando fui tentar tirar a
mão de novo, ela não deixou, segurando-me.
— Ana?
Não houve resposta, exceto um leve pressionar de sua mão
sobre a minha. Depois, Ana afastou lentamente a dela, como se tivesse
receio de que eu retirasse a minha logo em seguida.
Deixei minha mão onde estava, observando-lhe o rosto, que
agora parecia mais calmo. Os olhos permaneciam fechados, mas os
lábios guardavam um resquício de tensão.
— Faz um carinho nele — ela disse de repente, surpreendendo-
me.
Olhei o corpo deitado de lado à minha frente, admirando os
seios fartos que pareciam a ponto de estourar o decote do vestido que
ela usava, deixando-a extremamente feminina, além da curva acentuada
do quadril, que destacava a cintura fina. Contemplei, apaixonado, as
nádegas arredondadas e a barriga lisinha onde a minha mão repousava e
onde o meu filho cresceria um dia.
O meu filho.
“Faz um carinho nele.”
Tive a sensação de cair para trás com o choque, com receio de
acreditar no que eu achava ter entendido ela dizer. Olhei a minha mão
sobre o ventre plano, sem conseguir conter a súbita onda de puro
orgulho masculino que encheu o meu peito.
Receoso de estar me iludindo, apelei para ela.
— Ana, não faz isso comigo.
Ela voltou a colocar a mão sobre a minha.
— Faz um carinho no teu filho, Daniel.
Olhei, fascinado, nossas mãos entrelaçadas, as duas alianças
brilhando juntas sobre… o meu filho!!
Inspirei fundo e soltei o ar lentamente para controlar a emoção,
ainda duvidando que fosse verdade. Instintivamente, abri mais a mão
sobre o ventre dela, como se assim também pudesse cobrir o meu filho
por inteiro e protegê-lo, impedindo que o tirassem de mim.
Mergulhei o rosto em seu cabelo e abracei-a por completo,
sentindo suas mãos segurarem os meus braços com força,
aconchegando-se mais em mim.
O meu coração disparava no peito com a emoção de ver
realizado o inexplicável desejo que senti desde a primeira vez que
possuí Ana.
Um filho!
Um filho com a mulher que escolhi para mim e que conheci
quase por acaso em um site de relacionamento.
Com um cuidado excessivo, fiz com que se virasse de frente
para mim. Eu não queria forçar nada e se ela quisesse se afastar,
deixaria. Contudo, daquela vez Ana se virou, olhando-me em
expectativa.
Passei a mão ao longo do seu corpo até chegar ao cabelo, que
agarrei como um desesperado.
— É verdade? Você está grávida?
— Estou — sussurrou, tão baixo que até duvidei do que ouvi.
Sem conseguir mais controlar a emoção, beijei-a, enterrando as
mãos em seu cabelo e suspendendo o corpo sobre o dela. Beijei-a várias
vezes, dominado pelo prazer de saber que seria pai.
— Ana, Ana… tem certeza?
Afastei-me, segurando-a pelo rosto.
— Fiz o teste ontem aqui em casa e deu positivo.
Lembrei-me de como ela me abraçou chorando no dia anterior
e senti um baque no coração.
— Não gostou de estar grávida?
Apesar de saber que desde o começo ela não queria engravidar
por causa da dislexia, tinha esperanças de que tivesse gostado de estar
grávida do meu filho.
— Fiquei insegura e confusa, sem saber o que fazer. Com
muito medo de que o bebê também seja disléxico — admitiu, fechando
os olhos e passando a mão no rosto, como se lembrasse o que sentiu. —
Na verdade, continuo do mesmo jeito. Insegura e com medo.
Deu um sorriso de desculpas, como se achasse que deveria ser
mais forte do que era.
— Acho que é normal você se sentir assim. Não queira ser
forte o tempo todo. — Abracei-a, querendo lhe passar a mesma
segurança que eu tinha. — Se o nosso filho ou filha herdar a dislexia,
será tão amado como se não a tivesse. Há especialistas que poderão nos
orientar sobre a melhor maneira de ajudá-lo a superar tudo. Tenho
certeza de que conseguiremos. Apenas cuide de você e do bebê e deixe
que eu cuidarei dos dois. Já disse e volto a repetir: todo o resto eu farei
por nós.
Ela fechou os olhos, como se realmente tentasse se acalmar.
— Sofri tanto na escola — desabafou num sussurro. — Não
queria ver um filho meu sofrer o mesmo.
— Nem eu gostaria de ver isso, Ana! Mas a história dele pode
ser diferente da sua. Andei pesquisando sobre a dislexia e mesmo
sabendo que nos homens ela é mais predominante, ainda assim gostaria
que fosse um menino.
Os olhos dela se arregalaram de espanto.
— Eu não sabia disso!
— Mas é verdade e nem por isso vou desejá-lo menos ou torcer
fervorosamente para que seja uma menina, apenas para que a dislexia
venha mais leve. Seja um ou outro vou amar da mesma forma e ensiná-
los a serem fortes — disse-lhe com segurança e tranquilidade, dando um
beijo leve nos lábios dela. — Enfrentaremos tudo juntos, como uma
família.
Ela ficou em silêncio, relaxando em meus braços, e deixei que
absorvesse com calma as minhas palavras.
— Precisamos repetir o teste — falei minutos depois.
— Repeti duas vezes com Bia. — Um sorriso suave curvou
seus lábios. — Um deles era digital e deu duas a três semanas de
gravidez.
Trocamos um olhar de cumplicidade, rindo, porque tudo
indicava que provavelmente ela engravidou logo nos primeiros dias
comigo. O preservativo, motivo de tanta angústia e de uma dolorosa
discussão dias depois, de nada serviu.
— Vamos repetir agora. — Não havia como esperar mais
tempo, nem eu conseguiria dormir sem confirmar a vinda do meu filho.
— Agora?! — Ela se ergueu sobre o meu peito, perplexa.
— Sim, agora! — Beijei seus lábios e me afastei para pegar o
telefone.
— Mas… já é de noite e tão tarde.
Parei, hesitando. Estava ansioso para ter o resultado oficial nas
mãos, mas talvez ela estivesse cansada demais para fazer o teste agora.
— Algum problema em fazermos ainda hoje? Se estiver
cansada, podemos deixar para amanhã.
Ana se sentou de lado na cama com a expressão confusa.
— Sinto-me bem. Apenas pensei onde poderíamos fazer o teste
de sangue a esta hora.
Só então entendi que ela achava que íamos sair para fazer o
teste em algum lugar.
— Não se preocupe, o atendimento é em domicílio. Vou
chamá-los e será feito aqui em casa.
Fiz a ligação e depois pedi à Carmencita que avisasse ao
segurança para deixá-los entrar. Quando terminei, Ana havia se deitado
novamente e me observava com atenção.
— Não me acostumo com tudo isso — comentou
simplesmente.
Eu sabia que não deveria ser fácil para ela conviver com o que
considerava um privilégio, mas com o tempo se acostumaria.

Menos de duas horas depois caí sobre o travesseiro e fiquei


olhando para o teto do quarto, com Ana descansando sobre o meu peito.
Eu quase não acreditava que ia encerrar aquela noite com uma notícia
que mudaria a minha vida para sempre.
Estava confirmado. Eu ia ser pai!
Passei a mão no rosto, emocionado.
A gravidez de Ana, o noivado e a presença de Jorge em minha
casa eram motivos suficientes para compensar a pressão dos últimos
dias no trabalho, o acidente do doutor Scott e as mudanças na
presidência do grupo.
Tinham sido dias difíceis, que foram vencidos com muita
persistência e determinação. Porém, saber que ia ser pai era o que me
fazia sentir realmente um vitorioso.
No entanto, como em todo paraíso havia uma serpente
traiçoeira, lembrei-me do sequestro e gelei ao me dar conta de que Ana
já estava grávida quando foi sequestrada. Furioso, cerrei o punho ao me
lembrar de todos os perigos que ela passou durante o resgate. Ela e o
meu filho!
Fuck! Quem estiver por trás disso vai pagar caro!
— Daniel? — Ana chamou, preocupada, como se sentisse o
meu corpo tenso. — Está tudo bem?
Tentei relaxar e disfarçar a raiva que sentia, porque não queria
vê-la preocupada justamente agora que estava grávida.
— Está tudo bem. Amanhã providenciarei um ginecologista.
— Você vai comigo? — ela perguntou de imediato, mas logo
depois voltou atrás. — Quer dizer, eu entendo se não puder ir. Pedirei à
Bia para me acompanhar.
Eu jamais perderia aquele momento ou qualquer outro
relacionado a ela e ao bebê.
— Irei com você — Ergui o vestido acima do quadril, vendo a
calcinha preta e, mais acima, o ventre ainda lisinho com o meu filho
dentro. — Irei com vocês.
Inclinei-me e dei um beijo nele, fazendo uma promessa ao meu
filho de que nunca o deixaria sozinho como a mãe de Ana havia feito
com ela.
Quanto àquelas cartas anônimas, que eu até havia pensado em
mostrar para Ana, continuariam trancadas em uma gaveta no meu
escritório, porque não pretendia preocupá-la com isso agora. Queria que
a gravidez fosse tranquila e sem todos aqueles dramas que a
antecederam.
No tempo certo, tanto as cartas anônimas quanto o sequestro
seriam resolvidos. E, sem dúvida alguma, a solução passava por pegar
Arthur Montenegro, que estava envolvido em ambos os assuntos.
Capítulo 64
Ana
— MESMO SABENDO QUE já estamos perto de voltar ao
Brasil, se Daniel permitir, gostaria que você trouxesse este Jack aqui
para eu conhecer — o meu pai falou para Bia com a expressão muito
séria.
Estávamos os três sozinhos no escritório de Daniel, que havia
ido trabalhar agora pela manhã, mas à tarde me levaria para a primeira
consulta no ginecologista. Depois, à noite, combinamos contar a
novidade para o meu pai.
Bia foi chamada para uma conversa e o meu pai não estava
nada satisfeito ao olhar para nós duas.
— Quando Ana me contou que estavam separadas, pelo menos
pude conhecer o Daniel na mesma hora. Forcei-o com uma conversa
dura para ver a reação dele e gostei da firmeza com que assumiu suas
responsabilidades com Ana. Daniel me passou uma segurança que foi
crescendo durante os dias que continuou a falar comigo. Posso dizer que
ele fez questão que falássemos quase todos os dias, para me deixar
tranquilo com relação à minha filha — disse, surpreendendo-me com
aquela informação, pois eu nem imaginava que os dois haviam se falado
com tanta frequência assim. — Já este Jack com quem você está, eu
nunca vi. E como considero você quase como uma filha, quero conhecê-
lo. Pelo menos, já o mostrou para os seus pais?
Bia ficou calada, parecendo pensar no que dizer e duvidei que
os pais dela já soubessem.
— Já vi que não! — ele bufou, irritado, ao ver a cara pensativa
dela.
— Os meus pais não estão muito preocupados com isto! Quer
dizer, não é que não se preocupem, apenas não é tanto quanto o tio faz
com a Aninha. A minha mãe tem a vida dela, o meu pai a dele e eu, a
minha. Ninguém tem muito tempo para a vida do outro. A minha conta
está cheia de dinheiro, os meus cartões também, tenho tudo o que
preciso e pronto. É isso! — Bia ergueu os ombros em um gesto
resignado que deixou o meu coração condoído pela falta de atenção dos
pais dela. — É assim que as coisas funcionam lá em casa.
Ao ouvi-la, o meu pai suavizou um pouco a expressão
carregada, mas também não amenizou a exigência que fez.
— Se é assim, eu assumirei a responsabilidade por você. Agora
que sei o que está acontecendo, não posso agir de outra forma. Traga
este Jack aqui para eu conhecer. — Ele olhou para mim. — Daniel já o
conhece? O que achou dele? Nunca pensei em lhe perguntar.
Fiquei em uma situação delicada, porque sabia que Daniel não
gostava dele tanto quanto eu. Mas como dizer aquilo na frente de Bia, se
eu ainda nem havia tido coragem de conversar com ela sobre a atitude
estranha dele na festa?
— Isso mesmo, pergunte a Daniel — Bia se precipitou em
responder na minha frente, ansiosa para acalmar as desconfianças do
meu pai.
— Falarei com ele, mas, apesar de ter passado a confiar em
Daniel, isso não me fará desistir de ver pessoalmente este Jack e tirar as
minhas próprias conclusões. A atitude de vocês duas foi uma insensatez,
para não dizer uma tremenda irresponsabilidade. Nunca ouviram falar
de tráfico humano? Sabem quantas jovens brasileiras sofrem no exterior
com escravidão sexual, trabalhos forçados e tráfico de drogas? Há
organizações criminosas que atraem garotas até para barriga de aluguel,
remoção de óvulos ou casamentos forçados. Só Deus sabe o que mais
eles são capazes de fazer!
Fiquei horrorizada ao ouvir as últimas palavras do meu pai e
instintivamente coloquei a mão sobre a minha barriga.
— Barriga de aluguel? — sussurrei, sem conseguir impedir que
a pergunta saísse.
— Claro que sim, filha. Um bebê é mais um ser humano para
ser vendido.
Engoli a náusea que subiu pela minha garganta, enojada com a
maldade humana.
— Vocês tiveram muita sorte de nada de mal ter acontecido
“até agora” — o meu pai continuou, desviando sua atenção para Bia. —
Apesar do que você disse sobre os seus pais, tenho certeza de que o
Miranda não aprovaria que estivesse hospedada com pessoas estranhas.
Vou pedir ao Daniel que a hospede aqui na casa dele. Acredito que não
vai negar.
Depois de ouvir sobre todos aqueles perigos e sabendo da
personalidade estranha de Jack, até fiquei aliviada com a exigência do
meu pai. Não é que o achasse capaz de todas aquelas atrocidades, mas
algo nele não me agradou desde o primeiro momento.
— Daniel já convidou Bia várias vezes, pai. Estávamos
combinando que ela passaria uns dias aqui comigo.
— Ótimo. Então, está decidido!
Bia contraiu a boca, chateada.
— Oh, tudo bem! Eu venho para cá — concordou a
contragosto. — Mas tio, já que estou deixando que se meta na minha
vida e que mude os meus planos, vou conversar sobre um assunto muito
sério, que diz respeito a nós duas.
Nós duas?
Olhei-a, abismada, porque não imaginava que assunto sério era
aquele. Bia trocou um olhar tranquilizador comigo.
— Sabe que amo a Aninha como uma irmã e que confio nela
totalmente. Acontece que me apaixonei pelos Estados Unidos desde a
primeira vez que vim de férias com meus pais. Depois, quando fiz o
intercâmbio, o meu sonho de me mudar para cá só fez crescer. Eu não
gosto da minha vida no Brasil e acho que está na hora de tomar o meu
rumo e ser independente dos meus pais. Eles passam férias aqui quase
todos os anos, por isso, não deixaremos de nos ver.
O meu pai cerrou os olhos, desconfiado, olhando para nós
duas.
— E o que isso tem a ver com a Aninha?
Bia não se intimidou com o tom de voz dele.
— Daniel está apaixonado por Aninha. Para mim, está óbvio
demais que não vai deixar que ela volte para o Brasil, ainda mais com
aquela personalidade de “dono do mundo” que ele tem. Já estou até
vendo a Aninha morando aqui com ele e com o tio. — Fez sinal para
não ser interrompida antes que terminasse de falar. — Sim, ele trouxe o
tio porque sabe que Ana ia ficar dividida entre os dois e a quer demais
para vê-la voltar ao Brasil. Não precisa ser nenhuma vidente para
adivinhar suas intenções, que, diga-se de passagem, são muito boas! Eu
não planejei nada disso, mas o destino está concretizando o meu sonho e
decidi que não vou voltar ao Brasil. Pedirei ao meu pai para conversar
com a diretoria do hospital e rescindir o meu contrato. Tem coisa
melhor do que ficarmos os três aqui em Nova York?
Por um momento, fiquei sem saber o que dizer, abismada com
o discurso de Bia.
— Mas eu não decidi morar aqui, nem o Daniel tocou no
assunto comigo — esclareci logo, para ela não criar falsas esperanças.
— A única coisa que ele pediu foi para eu passar trinta dias com ele em
Nova York, em vez dos iniciais quinze dias, garantindo que se
encarregaria de mudar a data da minha passagem.
Ela deu um sorriso confiante.
— Daniel nem precisava falar nada, porque já disse tudo com
este anel de noivado caríssimo que você tem no dedo. Ele achou pouco
e ainda deu uma aliança nada discreta que está agora na sua mão direita,
mas que, garanto, ele está ansioso para passar para a esquerda. —
Piscou um olho malicioso para mim. — Pensa que não vi o pneu no
dedo dele hoje de manhã? Daniel poderia ter lhe dado apenas um anel
de noivado, mas fez questão das alianças também, porque assim cala a
boca de todo mundo antes que eles sequer pensem em abrir a boca. E
quem vai mexer com a mulher do agora duplamente poderoso Daniel
Ortega? Ninguém, claro!
Olhei para o meu pai, em dúvida quanto àquilo tudo que ela
dizia, mas ele assentiu em silêncio.
— Não me deixem nervosa com isso, porque é muita
responsabilidade nos meus ombros. E se amanhã algo der errado e
Daniel desistir de ficar comigo, vamos ficar presos aqui em Nova York?
— Encarei Bia, assustada. — Você sabe que o meu pai precisa de
tratamento médico constante.
— Aninha, o futuro com Daniel aqui em Nova York é seu — o
meu pai disse em tom tranquilo, interrompendo-me. — Eu estou bem no
Brasil com a sua tia e posso continuar assim. Não deixe de construir o
seu futuro com ele por minha causa, porque não é isso o que quero. O
meu sonho é vê-la feliz com um homem que a ame e cuide bem de você.
Fiquei com um nó na garganta só de ouvi-lo.
— Nem pensar! Não o deixarei nunca, pai! — Olhei para Bia,
tentando não chorar na frente dele, mas aquela sensibilidade ridícula da
gravidez já encheu os meus olhos d’água. — Não vamos nos separar.
Apesar de falar para ela, foi ele quem respondeu.
— Tenho consciência de que você já deixou de viver muita
coisa por minha causa e não quero mais isso, filha.
Era doloroso pensar naquela situação, porque amava os dois.
No entanto, se fosse forçada a escolher, eu ficaria com o meu pai, ainda
que estivesse com um filho de Daniel na barriga.
— Não vamos nos separar — repeti com convicção, olhando-o
com todo o meu amor.
— Calma, porque isso não vai acontecer! Acredito que Daniel
não vai desistir de você, ainda mais agora — Bia disse com segurança,
olhando-me de forma significativa por causa da minha gravidez. —
Mas, para termos certeza de que não ficaremos mal caso isso aconteça,
nós duas precisamos ser independentes.
Fiquei sem entender aonde ela queria chegar. O olhar de Bia
ficou sério, deixando de ser a brincalhona de sempre.
— Estou terminando a minha faculdade de Gestão. Apesar de
ser no ramo hospitalar, acredito que posso administrar bem um
restaurante aqui em Nova York, tendo você como minha sócia.
A minha surpresa foi monumental com aquela proposta.
— Sócia?
— Claro! — ela confirmou, olhando para o meu pai, que ouvia
tudo com atenção. — Tio, acho que já deve ter notado que Aninha tem
um talento excepcional com artes culinárias. Tudo o que ela faz é
perfeito em sabor e em apresentação. Venho reparando nisso há algum
tempo, mas ela insiste em se perder na recepção daquele hospital. Acho
que poderia ser uma grande chef de cuisine se tivesse a oportunidade de
trabalhar nisso.
Senti o meu rosto ficar vermelho de vergonha, porque nunca
deixei transparecer para o meu pai que detestava trabalhar no hospital e
que vivia frustrada por não poder fazer algo que realmente amasse.
— Mas, Bia… — Tentei fazê-la parar de falar.
— Não vou calar a boca, por isso desista, Aninha! — Ela olhou
para o meu pai com a expressão decidida. — É a verdade, tio! E fico
triste em vê-la desperdiçar seu talento desse jeito.
— Eu não tenho nenhum curso de gastronomia, muito menos
dinheiro, para ser sócia em um restaurante. Nem falo inglês para fazer
nada aqui.
Ela fez um gesto de pouco caso.
— Não vejo nenhum impedimento para que você possa
aprender a falar inglês com o tempo. Além do mais, o que é importante
mesmo é o seu talento, e não o seu inglês. Eu entro com o dinheiro e
você entra com o talento. Conversei com Carmencita quando estava na
cozinha esperando por vocês e fiquei abismada em saber que é você
quem tem feito muitas das refeições de Daniel, e ele ainda nem
percebeu isso.
— Ela contou?
Por essa eu não esperava!
— Por que escondeu isso, filha?
Olhei para o meu pai, envergonhada.
— Porque não acho que faço nada de especial na cozinha.
Apenas gosto de cozinhar os pratos, mas fico sempre insegura se vão
gostar ou não. Aprendi muita coisa assistindo programas na televisão e
vendo eles fazerem. Como tenho dificuldade em ler, aprendo mais
rápido vendo e ouvindo. — Senti o meu rosto arder de vergonha, mas
continuei. — Pedi à Carmencita que me deixasse preparar algumas
refeições sozinha com as receitas dela, mas que não contasse nada para
o Daniel. São alguns pratos típicos da Espanha que ele gosta muito e
quis aprender a fazer.
— Vê o que digo? Você tem talento! Já estou até vendo o
nosso restaurante com comidas brasileiras e espanholas.
Dei-lhe um beliscão.
— Ei, não acha que é demais? Pare de sonhar tão alto assim. —
olhei para o meu pai. — Vê o que dá estimular esta louquinha?
Rimos os três, como sempre fazíamos em nossas conversas no
Brasil.
Bia relaxou no sofá, esticando as pernas para a frente. Parecia
muito certa do que queria fazer na vida.
— Garanto que estou com os pés bem presos na terra. Já decidi
que não precisamos abrir nada muito grande no começo. Conheço
alguns restaurantes brasileiros aqui em Nova York que visitei em
minhas viagens anteriores e são todos muito bons. Alguns servem
comidas típicas da região de onde vieram, mas grande parte é de comida
brasileira em geral. As suas sobremesas vão fazer sucesso e vamos
contratar algumas pessoas para nos ajudar até você ter… — Hesitou,
parando na hora e percebi que ia falar do bebê. — Até você ter alguns
cursos de gastronomia e belle cuisine. Você não vai ficar cozinhando
como uma empregada, porque não é isso o que quero. Podemos ter uma
equipe bem legal para dar apoio e já pensei até em contratar garotas
brasileiras que estejam cá procurando emprego. O que você precisará é
supervisionar a cozinha e garantir que os pratos que saiam de lá sejam
de qualidade, como uma chef faria. Garanto que também posso ajudar
na cozinha. Enfim, acho que é uma boa oportunidade. Você estaria se
realizando profissionalmente e não passaria a vida inteira apenas
esperando Daniel chegar do trabalho. O que acha?
Eu amei a ideia e olhei para o meu pai, que estava calado
aquele tempo todo, só ouvindo com atenção e me observando.
— Pai?
— Acho que a Beatriz está sendo uma empreendedora e gosto
da ideia, desde que tenha certeza de que consegue montar tudo isso aqui
em Nova York. Não é o nosso país e pode ter muitas dificuldades.
Bia bateu palminhas, feliz que ele estivesse aprovando a
proposta dela.
— Ótimo! Vou começar a planejar tudo com calma. — De
repente, olhou para nós dois com o rosto muito sério. — Mas quero que
isso fique apenas entre nós três até que tudo esteja encaminhado. Não
quero dinheiro de ninguém neste projeto.
Aquele ninguém era o Daniel e naquilo eu concordava
plenamente com ela, porque a última coisa que queria era ajuda
financeira dele. Em matéria de dinheiro, Bia era muito independente.
Tanto, que fez questão de pagar a minha passagem e estadia em Nova
York para que eu não ficasse devendo nada a Daniel caso “o encontro”
não desse certo. Eu não esperaria outra atitude dela com relação ao
restaurante.
Combinamos manter sigilo sobre os nossos planos daquele
projeto até que tudo estivesse encaminhado. Bia começaria a estudar o
mercado, ver os trâmites legais necessários e preparar tudo, sob a
supervisão e aconselhamento do meu pai.
Da minha parte, só esperava conseguir conciliar o Daniel, o
meu pai, a gravidez e o restaurante.
Capítulo 65
Ana
NAQUELE MESMO DIA, fui à minha primeira consulta de
gravidez com Daniel. Eu estava ansiosa e não escondi aquilo dele.
— Estou nervosa — disse-lhe quando entramos no carro.
— Eu também.
— Você?!
Ele me surpreendeu com aquele comentário. Daniel tinha um
sorriso tão tranquilo no rosto que desmentia suas palavras.
— Oh, não brinque comigo, Daniel! — disse, beliscando-o na
cintura.
— É sério! — assegurou, lançando um olhar grave para mim.
— Tenho trinta e dois anos, nunca fui pai antes e o meu primeiro filho
está crescendo na barriga da mulher que amo. Lógico que estou ansioso
para saber como vocês dois estão.
Impossível não me emocionar com as palavras dele,
principalmente por aquele ser um Daniel diferente do que eu conhecia.
Gostei de saber que ele também estava ansioso com a consulta.
— Mas fique calma, porque tudo vai dar certo — disse
enquanto manobrava o carro para fora dos portões de casa.
Procurei me tranquilizar, lembrando-me de Bia dizendo que
ansiedade demais não faria bem ao bebê. Apesar de não querer fazer
exigências descabidas para Daniel, fiquei aliviada quando entrei no
elegante consultório e vi que seria acompanhada por uma médica.
Aquela era uma especialidade em que realmente preferia ser atendida
por mulheres.
Mesmo sem saber se a escolha de Daniel por uma médica havia
sido apenas uma coincidência, eu nem sabia quantos beijos daria nele
para agradecer. Além de ser uma simpatia, a doutora Barbara White me
recebeu falando em espanhol.
Depois que nos acomodamos nas poltronas à frente dela, a
médica fez algumas perguntas sobre a nossa saúde e da família, dizendo
que tudo contribuía para a herança genética do bebê. Ela falava devagar
para que eu compreendesse tudo o que dizia em espanhol. O que eu não
entendia, Daniel traduzia para mim.
Respondi que não tinha nenhuma doença crônica, mas
acrescentei apenas que era disléxica. Sentado ao meu lado, Daniel
apertou a minha mão, mas me deixou conversar à vontade com a
médica, interrompendo apenas para me explicar melhor algum termo
usado ou tirar suas próprias dúvidas.
Ela explicou o que já sabíamos sobre a hereditariedade,
aconselhando que, desde o início, houvesse uma equipe multidisciplinar
acompanhando o desenvolvimento cognitivo do nosso filho. Isso
facilitaria detectar a dislexia e o grau que teria no desenvolvimento
futuro dele.
Sua forma de falar me passou segurança e a presença de Daniel
ao meu lado também.
A minha única decepção foi não fazer uma ultrassonografia
naquele mesmo dia, mas ela explicou que aconselhava aguardar a
próxima consulta, dali a duas semanas, quando a gravidez estaria no
tempo certo para vermos detalhes do nosso filho e ouvir o coraçãozinho
dele. Seria também o tempo que precisávamos para fazer alguns exames
de laboratório que ela ia pedir. Estranhei que Daniel também os fizesse,
mas, aparentemente, ele achou aquilo normal.
Tudo tinha lógica, mas foi difícil me conformar em não ter uma
prova mais concreta da gravidez além de um pedaço de papel. Disse-lhe
exatamente o que pensava, sem me importar se estava sendo boba, mas
ela apenas riu.
— El resultado del examen de embarazo fue muy preciso. Me
aseguro que está muy embarazada.
Daniel sorriu, satisfeito, olhando-me intensamente. Sim, eu
estava mesmo “muito grávida”.
Depois daquele diagnóstico preciso, ela me deu várias
orientações sobre os sintomas que teria, as mudanças de humor, as
alterações no meu corpo, a necessidade de descanso e uma alimentação
mais adequada à minha condição de grávida. Finalizou receitando
algumas vitaminas e o tal ácido fólico que Bia havia falado.
Eram tantas recomendações que duvidei que conseguisse me
lembrar de todas quando saísse dali, mas fiquei aliviada ao perceber que
a médica falava para mim, mas não deixava de olhar para Daniel,
incluindo-o na conversa.
Sem dúvida, ele não me deixaria esquecer de nada. Eu tinha
certeza daquilo.
Quando ela terminou todas as recomendações e a consulta
chegou ao fim, Daniel olhou para mim.
— Ficou com alguma dúvida?
— Não, entendi tudo.
Então, ele se virou para a médica com uma expressão
indecifrável no rosto forte.
— Eu tenho uma dúvida — disse, fazendo-me olhá-lo com
curiosidade. — Com relação ao sexo, há alguma orientação especial ou
podemos fazer normalmente?
Fiquei sem reação quando o ouvi, porque era um detalhe que
não me ocorreu mesmo.
A doutora Barbara confirmou que não havia impedimento
algum, já que eu não apresentava nenhum tipo de complicação na
gravidez que contraindicasse o ato sexual. Se continuasse assim,
poderíamos fazer até o fim da gestação sem problema alguma.
Quando já estávamos no carro seguindo para casa foi que
comentei sobre o assunto com ele.
— Jamais pensei em perguntar à médica sobre sexo.
Ele riu muito tranquilamente.
— Foi por isso que eu perguntei. Não quero fazer nada que
prejudique o bebê. Sei de alguns casos em que o médico pede para o
casal suspender a atividade sexual. O descolamento de placenta, o risco
de aborto e a pré-eclâmpsia são alguns deles e não quero arriscar nada.
Só em ouvir aquilo já pus logo a mão sobre a barriga, fazendo
Daniel pousar imediatamente a dele sobre a minha.
— Mas nada disso vai acontecer com você e com o nosso filho.
Vou cuidar muito bem dos dois quando amar você — disse em tom
carinhoso.
Relaxei sobre o banco do carro, cheia de boas expectativas com
relação à minha vida em Nova York. Daniel, a gravidez, o meu pai, o
restaurante com Bia. Tudo parecia se encaixar para que, enfim, eu me
sentisse realizada, autoconfiante e feliz.
— Agora já podemos contar tudo para o seu pai. Acredito que
ele vai amar saber que vai ser vovô.
Suspirei, cheia de felicidade, porque achava exatamente aquilo.
E foi o que fizemos assim que chegamos em casa. Procuramos
o meu pai para contar a novidade.
Fiquei sem saber o que fazer quando vi a cara de surpresa dele
ser substituída pela de alegria. Por fim, lágrimas umedeceram seus olhos
quando se fixaram em mim. Ele estava emocionado.
Abracei-o sobre a cama onde estava deitado, beijando-lhe o
rosto.
— Gostou, pai?
— Mas que pergunta boba, Aninha! Não está me vendo chorar
de alegria? — brincou comigo.
Limpei-lhe o rosto e olhei para Daniel, sentado na poltrona ao
lado da cama, observando-nos. Lembrei-me do que Bia falou sobre
achar que ele pretendia que ficássemos os dois com ele.
Arranjei coragem para tocar no assunto, já que estávamos os
três sozinhos e a ocasião era importante.
— Não vou me separar do meu pai em situação nenhuma.
Daniel ficou calado, a expressão séria presa em nós dois.
— Aninha! — o meu pai exclamou em tom de advertência. —
Já conversamos sobre isso.
— Pai, só estou repetindo o mesmo que disse quando
conversamos. Não quero iludir ninguém, por isso acho importante
esclarecermos tudo. — Voltei a olhar para Daniel, ciente de que não
havia como adiar aquele assunto. — Já não falta muito tempo para
voltarmos ao Brasil. Mesmo estando grávida, viajo com o meu pai. Não
vou deixá-lo.
Daniel sustentou bem o meu olhar, não aparentando estar
surpreendido com a minha decisão. Ele me conhecia bem o suficiente
para saber que aquilo nunca passaria pela minha cabeça.
Quando respondeu, foi para o meu pai.
— Ana precisa do pai tanto quanto o meu filho precisa de mim.
Nunca foi minha intenção separar vocês dois, como também jamais
permitiria que alguém me separasse do meu filho. — A entonação da
voz se tornou mais dura quando falou as últimas palavras. — Não é só
Ana quem precisa da sua presença, Jorge. Eu e o seu neto também
precisamos e a melhor solução é ficarmos todos juntos, como uma
família, aqui na minha casa. Acredito que não haja nada que os prendam
ao Brasil e que impeça a mudança para Nova York.
Sentei-me na cama de frente para o meu pai, analisando a
reação dele diante da proposta de Daniel. Aquele era um pedido formal
e não suposições feitas em conversas com Bia.
— Pai?
— Jorge, ainda que Ana não estivesse grávida, eu faria este
pedido — Daniel continuou, reforçando o que havia dito antes. — E
tenho vários motivos para desejar a sua presença aqui conosco. Ela o
ama e eu passei a admirá-lo muito e a gostar sinceramente da sua
companhia. O meu filho veio acrescentar mais um motivo para você ser
tão importante para nós dois.
Um sorriso satisfeito curvou os lábios do meu pai. Foi quando
percebi que, mais uma vez, ele estava esperando aquelas palavras de
Daniel.
— Num futuro próximo, também precisarei viajar a negócios e
ficarei muito mais tranquilo sabendo que Ana terá o pai ao seu lado.
Fui totalmente pega de surpresa com o que ele disse. Apesar de
saber de suas constantes viagens desde os nossos primeiros contatos no
site, eu havia me esquecido completamente delas. Estava mais do que
óbvio que Daniel continuaria precisando viajar, ausentando-se assim de
Nova York e me deixando sozinha.
Ele olhou para mim com o rosto sério, entendendo os meus
pensamentos.
— Ainda vai demorar um pouco para isso acontecer, mas
acontecerá futuramente. Mesmo deixando você com Carmencita e com
a minha equipe de funcionários, ter o Jorge aqui será uma tranquilidade
a mais para mim.
Pensei por um minuto e resolvi aproveitar que estávamos
discutindo assuntos tão importantes para pedir mais uma coisa.
— Se por acaso Bia decidir morar em Nova York, ela poderia
ficar aqui conosco?
Apesar da surpresa na expressão dele, Daniel concordou
prontamente, mas sem esconder um sorriso gozador.
— Será mais uma companhia para você durante as minhas
viagens, mas a condição é que ela não a envolva em nenhuma de suas
aventuras fantásticas.
Foi impossível não rir com a comparação que ele fez e
acabamos por nos divertir com aquilo, até o meu pai falar novamente.
— Por mim, tudo bem. A decisão de ficarmos aqui passa por
Aninha. O que ela decidir, eu farei.
Até senti a tensão abandonar o corpo de Daniel e foi olhando-o
com todo o meu amor que respondi.
— Nós ficamos, pai — decidi com firmeza.
Eu sabia que estava tomando uma decisão que ia mudar
radicalmente a minha vida, mas estava confiante de que, junto deles
dois, conseguiria vencer qualquer desafio que surgisse nesta minha nova
realidade em Nova York.
Capítulo 66
Daniel
ABRI A PORTA e entrei na sala da presidência, colocando a
minha pasta sobre a mesa. Como sempre acontecia desde que assumi o
cargo, estranhei ocupar o gabinete do doutor Scott. No entanto, se eu
queria que todos me considerassem o atual presidente da Stevens &
Ortega, tinha que ser dali que eu deveria comandar o império que ajudei
a construir na última década.
Minutos depois, Doris bateu à porta para tratarmos da minha
agenda e despachar os documentos mais urgentes que estavam
pendentes de decisão. Há dias que criamos aquela rotina, que vinha
funcionando perfeitamente como um relógio suíço. Tive a grande sorte
de tê-la como assessora, porque sua discreta eficiência era tudo o que eu
precisava naquele momento.
Já se foi o tempo de ter Deborah como Secretária.
— Tem novidades do hospital?
Era a pergunta que não podia faltar e sempre esperava uma
notícia diferente da dos últimos dias.
O leve sorriso dela foi promissor e fiquei na expectativa da
resposta.
— Sim. Hoje vão começar a tirá-lo do coma induzido e ver
como reage. Estou rezando para que ele consiga vencer mais esta etapa.
Ficaram de me ligar a cada mudança de turno para atualizar as
informações, para que o senhor possa ir vê-lo.
Aquilo era ótimo, uma notícia que eu esperava há dias. A
equipe médica já estava ciente de que deveriam me chamar a qualquer
sinal de retorno de consciência do doutor Scott.
Eu ainda não estava totalmente convencido daquele acidente.
Não combinava com a esperteza, a vitalidade e o dinamismo dele,
simplesmente cair sozinho nas escadarias da residência. Eu também não
conseguia me esquecer de que era justamente naquela noite que ele ia
tratar com a Victoria sobre o envolvimento de Arthur Montenegro no
sequestro de Ana.
Eu não queria tirar conclusões precipitadas, mas as minhas
suspeitas com relação ao que aconteceu com o doutor Scott só
aumentavam a cada dia.

Apesar da minha grande expectativa, foi só no dia seguinte que


recebi informações positivas do hospital.
Falei por telefone diretamente com o doutor Julian Smith.
— Bom dia, doutor Julian. Como ele está? — perguntei logo.
Já havíamos conversado tanto nos últimos dias que criamos um
relacionamento que dispensava excessivas cortesias. Descobrimos que
ambos tínhamos muito pouco tempo a perder e nossas conversas eram
extremamente diretas.
— É o que já tinha lhe dito, Daniel. Começamos pouco a pouco
a retirar a sedação e somente agora ele voltou ao seu estado clínico base.
Isso significa que fisicamente o doutor Scott está bem, mas ficamos na
expectativa de ver sua resposta neurológica ao traumatismo. A partir do
momento em que os sedativos são suspensos, ele tanto pode continuar
inconsciente quanto acordar progressivamente.
Sustentei bem a emoção ao saber daqueles detalhes, porque o
doutor Scott era quase um segundo pai para mim. Vê-lo vencendo
aquela luta era muito importante.
Ele sempre seria o meu presidente e um exemplo a ser seguido.
— Estamos observando o paciente desde que retiramos
totalmente a sedação e fazendo alguns testes para ver se responde aos
estímulos verbais. Coisas simples, como pedir para abrir e fechar os
olhos ou apertar a nossa mão. A notícia boa é que hoje ele teve sua
primeira reação ocular ao abrir os olhos. Mesmo sendo por pouco
tempo, foi motivo de comemoração para toda a equipe médica que o
acompanha.
Soltei o ar que prendia, aliviado.
— Ele falou alguma coisa?
— Por enquanto não, mas ainda é muito cedo para dizermos
como será este seu retorno à consciência. Cada paciente reage do seu
jeito e no seu ritmo, mas estamos confiantes que a recuperação dele será
boa. Temos apenas que aguardar, porque tudo ainda é muito recente.
Mesmo ciente da lógica de tudo aquilo, era enorme a minha
ansiedade de ver o doutor Scott igual como era antes, mas pelo menos
me conformei que as notícias eram promissoras.
— Quando posso vê-lo?
— Vou pedir que aguarde mais um pouco. Terei uma reunião
hoje com toda a equipe médica que o acompanha e logo depois direi
algo. Ainda não avisei a família sobre o seu retorno do coma, apesar da
esposa ligar quase todos os dias para saber notícias dele.
Eu não sabia daquelas ligações diárias de Victoria e aquilo me
fez pensar. Não questionava o direito dela de saber informações sobre o
marido ou de se preocupar com ele, mas sentia que havia algo mais ali.
— Aguardarei.

Saí do elevador e entrei pelos corredores do hospital que


levavam à área reservada ao doutor Scott. Cumprimentei o segurança e
segui em frente. Ao me aproximar, vi o doutor Julian aguardando mais à
frente, alto e magro em sua roupa médica.
Como sempre, ele parecia saído de uma cirurgia ou prestes a
entrar em outra.
— Bom dia, doutor — cumprimentei-o com um firme aperto
de mãos.
— Bom dia, Daniel. Já estávamos achando que não viria.
Ele disse aquilo e já foi seguindo pelo corredor, levando-me
para o quarto do doutor Scott.
— Fiquei retido no trânsito, mas nada me faria deixar de vir.
Como ele está? Já falou hoje?
Dias atrás, disseram-me que até agora a resposta dele aos
estímulos verbais haviam sido alguns sons desconexos e aquilo me
preocupava muito, pois o doutor Scott sempre foi dono de um discurso
inteligente e de uma mente ágil.
— Sim, falou. — O médico deu um meio sorriso ao empurrar a
porta de vidro do corredor seguinte. — Conseguimos que falasse o seu
nome quando acordou hoje pela manhã.
— O meu? — Não consegui disfarçar a surpresa com aquela
novidade.
— Sim. Perguntamos quem ele gostaria que chamássemos para
vê-lo e citamos três nomes. Entre Victoria, Meghan e Daniel, ele
escolheu o seu.
Apesar de abismado com aquela informação, não pude deixar
de me emocionar e ver a lógica daquilo. Sendo um homem que
praticamente viveu a vida inteira dentro das empresas, era
compreensível que esta fosse a sua primeira lembrança ao acordar. Mas
o motivo que o fez não chamar alguém da família ficou suspenso na
minha mente, sendo um alerta que analisaria depois.
— Acha que ele conseguirá conversar comigo?
— Não posso garantir, mas se ele estiver consciente, tudo o
que você falar será um estímulo para obter respostas. Previno apenas
que, mesmo tendo falado o seu nome, o doutor Scott poderá não reagir à
sua presença. Seu estado de consciência ainda é instável. Traumatismos
cranianos literalmente mexem muito com a nossa cabeça e a mente
humana vai ser sempre uma caixinha de surpresas.
Mesmo sabendo de tudo aquilo, esperava que a história dele
fosse um caso de sucesso.
Seguimos em frente. Quando entrei no quarto, a minha atenção
se prendeu unicamente na figura dele sobre a cama.
Era difícil ver o homem forte e vigoroso, de olhar arguto e
sorriso irônico, refém daquela situação. De olhos fechados, ele estava
aparentemente sem ligação nenhuma com a realidade à sua volta.
— Vou deixá-los à vontade.
— Obrigado, doutor Julian — agradeci mecanicamente, porque
a minha atenção continuava presa ao doutor Scott.
Quando ficamos sozinhos, puxei a cadeira para perto da cama,
notando a mão dele que permanecia imóvel ao lado do corpo.
— Doutor Scott? Sou eu, o Daniel.
Segurei-lhe a mão, observando-o com atenção em busca de
qualquer reação que fosse. Passados alguns segundos sem nada da parte
dele, resolvi continuar falando.
— Levei um susto enorme quando soube do acidente e até hoje
não entendo o que aconteceu. Conversamos horas antes e fico pensando
o tempo todo o que pode tê-lo feito tropeçar nas escadas e cair.
Contive a minha frustração ao vê-lo daquele jeito e não poder
fazer nada para ajudar o homem que eu tanto admirava, além de falar.
— Se estiver me ouvindo, tente apertar a minha mão ou me dê
um outro sinal qualquer.
Nada, nem um leve aperto.
— Preciso que continue lutando, doutor Scott! Não desista
fácil. Você nunca foi homem de desistir e aguardo ansioso o seu
retorno.
Inclinei-me mais sobre ele, apertando suavemente sua mão e
decidindo entrar nos assuntos mais importantes da vida dele.
— Sinto muito a sua falta na presidência, mas pode ficar
tranquilo quanto às empresas, porque estou cuidando de tudo até a sua
volta. Não vou deixar que ninguém destrua o que construiu.
Calei-me abruptamente quando senti um leve movimento na
minha mão. Olhei para o rosto dele em uma fração de segundo, tentando
pegar aquela reação, mas ele continuava impassível. Observei sua mão
entre as minhas, agora completamente parada.
Em dúvida se a minha ansiedade em obter uma resposta fez
com que imaginasse coisas, resolvi continuar.
— Precisei tomar algumas decisões importantes para manter o
controle de tudo e não permitir que Robert se aproveitasse de sua
ausência para assumir a presidência em seu lugar. Agora sou o novo
presidente do grupo até a sua volta.
As pálpebras dele tremerem ligeiramente e paralisei diante
daquela reação inesperada, mas muito esperada.
— Ouviu bem, doutor Scott? — insisti, falando pausadamente,
na esperança de que as minhas palavras conseguissem alcançá-lo de
alguma maneira. — Hoje sou o novo presidente da S&Stevens, que
agora se chama Stevens & Ortega. Convenci o meu pai a injetar capital
no grupo, porque as ações caíram após o seu acidente e corríamos o
risco de perder tudo. Fechei o contrato com os chineses e agora somos
mais fortes do que antes.
Apenas seus dedos mexeram, mas os olhos se abriram e
inspirei fundo para aguentar a emoção.
Fiquei de pé e me aproximei, suspendendo-me sobre ele para
que pudesse ver o meu rosto sem muito esforço.
— Estou aqui.
Apesar do rosto estar inexpressivo, os olhos continuavam
sagazes e muito vivos. Senti que o homem que conheci estava lá dentro,
mesmo aparentando estar preso dentro de um corpo ainda
estranhamente inerte.
— Consegue me ver?
A única resposta foi um aperto quase imperceptível na minha
mão.
— Entendeu tudo o que eu disse?
Outro aperto e os olhos me encararam.
Sim, ele havia entendido.
Engoli em seco para tirar o travo de emoção da garganta.
— Então, escute bem o que vou dizer. Ninguém vai tirar nada
do que é seu enquanto eu for vivo. Quero que lute para ficar bom, mas
também quero que fique tranquilo, porque tem todo o tempo do mundo
para se recuperar. Tenho o grupo inteiro sob controle e vou lhe devolver
tudo quando você voltar a pisar naquela presidência. Tem a minha
palavra!
A boca dele se mexeu, mas nenhum som saiu e senti sua
frustração como se fosse minha. Resolvi tranquilizá-lo, para que aquilo
não o prejudicasse de forma nenhuma.
— Fique calmo e dê tempo a si mesmo para voltar ao que era.
Tem uma excelente equipe médica cuidando de você e eu virei vê-lo
constantemente.
Ele sempre foi um homem forte, difícil de quebrar ou de se
intimidar com os desafios da vida. Eu acreditava que o doutor Scott
venceria aquela batalha, mesmo sabendo que seria uma dura batalha.
Lembrei-me de sua família, que deveria ser um motivo de
preocupação para ele também.
— Estou dando toda a assistência para Meghan e Victoria. Elas
estão bem e em breve poderá vê-las.
Sua mão apertou mais a minha, a boca tentando falar.
— O que foi?
Encarei-o e não gostei da expressão desesperada do seu olhar.
Parecia querer me pedir algo importante. A minha intuição me deixou
alerta de imediato. Em um flash, lembrei-me de que o acidente que o
deixou naquela cama de hospital havia acontecido em casa.
O misterioso acidente que o tirou de cena e quase o matou.
Olhei para o aparelho que monitorava suas funções vitais,
preocupado que aquela conversa alterasse o estado de saúde dele.
Apesar do nível dos valores não ter alcançado o patamar da urgência,
continuava a subir.
— É melhor se acalmar ou terei de chamar o médico e vão me
mandar sair.
Sua boca fez o movimento de um “não”, apesar de nenhum
som sair.
— Então, tenha calma, doutor Scott. — Sorri pela primeira vez
desde que entrei ali. — Ainda terá que me aguentar muitas vezes aqui e
haverá tempo para muitas conversas.
Ele fechou os olhos e ficou daquele jeito por um bom tempo.
Pensei se havia voltado à inconsciência, mas sua mão continuava
apertando a minha, como se tentasse me segurar ou tirar forças daquele
contato para continuar.
Aguardei pacientemente, até que ele voltou a abrir os olhos.
Parecia mais calmo e resolvi continuar nossa conversa.
— Vou fazer algumas perguntas e você responde apertando a
minha mão. Sem pressa. Tenho tempo para ficar aqui, porque Doris está
cuidando de tudo na minha ausência.
Seus olhos brilharam quando ouviu o nome dela.
— Sim. Ela é uma verdadeira leoa e mantém a diretoria bem
controlada. Quando você voltar, precisarei encontrar uma assessora tão
boa quanto ela — brinquei, observando o quanto seus olhos suavizaram.
— Assim que puder, ela virá aqui vê-lo.
Novo aperto.
Como ele parecia mais calmo, avancei nas perguntas.
— Ficou nervoso quando falei o nome de Meghan e de
Victoria. Está preocupado com elas?
Sim, ele estava, porque voltou a apertar a minha mão.
Será que o acidente não foi um acidente e ele tinha receio de
que elas também fossem vítimas de algo semelhante?
— Tem a ver com o seu acidente?
Mais um aperto e comecei a pensar nas possibilidades, disposto
a ir até o fim para descobrir o que havia acontecido.
— Já lhe disse que estou dando toda a assistência que elas
precisam e que estão bem protegidas também. Elas correm algum
perigo?
Nada, nem uma reação da parte dele e deduzi que a resposta
era um “não”. Eu já estava pensando em falar com Jeremy para
aumentar o sistema de segurança na residência, mas diante da reação do
doutor Scott decidi que não era preciso.
— Então, o que o preocupa?
Apesar da mão dele continuar parada, os olhos brilharam e o
monitor acusou uma subida nos batimentos cardíacos. Fiquei
desconfiado e o olhei firmemente.
— Foi um acidente?
“Não”.
Senti o meu corpo enrijecer e não pude evitar que a tensão
endurecesse a minha voz.
— Tentaram matá-lo?
“Sim”.
Fuck!!
Daquela vez fui eu quem apertei sua mão com força, sentindo-
o devolver o aperto. Ele se agarrava em mim como se a sua vida
dependesse daquilo.
— Quem?
De todas as perguntas que fiz, aquela era a mais importante,
mas que dependia de muito mais do que apenas um “sim” ou um “não”.
— Preciso de um nome — pedi, sentindo a raiva crescer e
determinado a pegar quem fez aquilo. — Só um nome.
Ele abriu a boca com muito esforço. Tentou falar, mas não
conseguiu e fiquei duplamente frustrado.
— Não desista, mas fique calmo. Sairei daqui com este nome,
nem que passemos o dia inteiro tentando — garanti com firmeza.
Ele apertou a minha mão mais uma vez, como se me puxasse.
Inclinei-me mais e aguardei em tensa expectativa.
— Vi... — murmurou tão baixinho que cheguei mais perto,
encostando o ouvido bem próximo à sua boca — Vic..to.. ria.
Por um instante me senti congelar, a surpresa se transformando
em raiva. Virei o rosto para ele, dando com seus olhos atormentados que
me encararam firmemente.
— Victoria? Foi ela?
— Ss…ss..ssim — sussurrou com muito esforço, o som
rascante escapando com dificuldade pela garganta.
Fechou os olhos depois, como se estivesse exausto.
Afastei-me lentamente, ainda absorvendo o choque daquela
informação.
Victoria!
Maldição! Como isso é possível?
Ter problemas conjugais para resolver era algo comum de
acontecer, mas tentar matar o próprio marido transformava um divórcio
litigioso em caso de polícia.
Olhei-o preso àquela cama de hospital, sem poder se mover e
fazendo um esforço monumental para falar uma única palavra, quando
antes era um homem que esbanjava saúde, inteligência e vitalidade.
O doutor Scott abriu os olhos e, naquele momento, fiz-lhe uma
promessa.
— Prometo que ela vai pagar por isso!
Ele finalmente pareceu se tranquilizar, como se durante todo o
tempo quisesse unicamente me dizer aquilo. Agora eu entendia porque o
meu nome foi o primeiro que ele chamou, em vez de ser o delas.
— Procure melhorar e fique tranquilo que resolverei tudo —
garanti com firmeza, querendo deixá-lo calmo para se recuperar o mais
rápido possível. — A partir de hoje, as visitas ficam restritas a mim e à
Doris. Não poderei permitir a vinda de Meghan sem justificar porque
estou proibindo a mãe dela de entrar aqui. Direi que você ainda não
retornou do coma. Me autoriza a fazer isso?
Ele não negou, apertando a minha mão em concordância.
— Pedirei a Jeremy para reforçar a segurança aqui no andar do
hospital. Quem quiser vê-lo, terá primeiro que falar comigo.
Não ia ser fácil proibir a entrada dela, mas Jeremy conseguiria
um bom segurança que impedisse até a poderosa Victoria Stevens de
entrar naquele quarto. Em última hipótese, o segurança entraria com ela
e não sairia até que ela também saísse.
O restante ficava por minha conta.
Os olhos do doutor Scott voltaram a se fechar e trinquei os
dentes para controlar a emoção de vê-lo tão fragilizado.
— Agora vou deixar que descanse, mas voltarei sempre que
puder e também quando me chamar. Doris alternará os dias comigo.
Inclinei-me sobre ele, mas daquela vez foi para lhe dar um
beijo na testa.
— Sei que me considera quase como um filho, mas saiba que
também o considero como um segundo pai.
Capítulo 67
Daniel
QUANDO SAÍ DE lá minutos depois, estava fervendo de
raiva.
Relatei ao doutor Julian as reações promissoras do doutor Scott
durante a nossa conversa e informei que o sistema de segurança seria
reforçado devido à indicação que ele me deu de que o acidente não foi
natural, mas provocado.
Tive de dizer que já tinha um suspeito na família e que, por
causa daquilo, ia restringir mais ainda o acesso ao quarto dele até que a
investigação fosse concluída.
— O que vou dizer agora pode até ser algo contrário às normas
do hospital, mas pretendo resguardar o doutor Scott de qualquer ameaça
— disse-lhe em uma conversa particular no seu consultório. — Mesmo
sendo uma atitude até arbitrária, decidi em comum acordo com ele que a
família não deverá ser informada do seu retorno à consciência, até que
esteja mais apto para se comunicar e assim contar em detalhes tudo o
que aconteceu.
O médico fez um gesto de concordância, com o semblante mais
sério do que já era.
— Eu entendo perfeitamente que bastaria deixar o caso nas
mãos da polícia se fosse um outro paciente, mas, considerando que o
doutor Scott é um homem influente e poderoso, com uma imagem
pública a ser resguardada, não poderemos agir da mesma forma.
— Não quero que a polícia entre no caso agora, pois corremos
o risco de a imprensa ter conhecimento de tudo. Nossos seguranças se
encarregarão da proteção dele até que se recupere. — Olhei-o sem
esconder a frustração. — É difícil vê-lo lutando para falar uma única
palavra. Sempre foi um homem com um discurso invejável.
— É preciso lhe dar tempo. Muita pressão para que fale pode
ter o efeito contrário e acabar por prejudicar o processo de recuperação.
Tempo. Era incrível como a minha vida ultimamente dependia
de um tempo que eu não tinha. Primeiro, a Ana. Agora, o doutor Scott.
— Vou orientar a equipe médica — ele disse, deixando-me
satisfeito e aliviado. — Nosso trabalho é salvar vidas e, se a vida dele
está ameaçada, concordamos em mantê-lo em segurança — concordou
com uma expressão severa.
Acertamos mais alguns detalhes sobre os procedimentos que
íamos adotar, o que me deixou mais tranquilo para ir embora. Só depois,
já próximo ao elevador, foi que vi o segurança e parei ao lado dele.
— Estão proibidas todas visitas para o doutor Scott. Ninguém
entra lá, exceto eu e Doris Hamilton da presidência. Mais ninguém.
Ele manteve a postura ereta, mas vi a confusão nos olhos
alertas.
— Peço desculpas pelo que vou perguntar, doutor Ortega, mas
preciso ter certeza para desempenhar bem as minhas funções. Nem a
família? — quis confirmar.
— Ninguém é ninguém — ressaltei secamente, deixando bem
claro as minhas ordens. — Lembre-se de que você é funcionário das
empresas e não da família, portanto, se alguém lhe questionar, diga que
recebeu ordens minhas. Quem quiser que venha falar comigo.
— Sim, senhor.
— Comunicarei tudo ao Jeremy, mas até que ele repasse as
novas ordens para todos, você começa a cumpri-las a partir de agora.
— Sim, senhor — ele confirmou pela segunda vez e me dei por
satisfeito.
Minutos depois, já sozinho no carro, liguei para Doris.
— Estou indo para o escritório. Avise a Jeremy que o aguardo
para uma reunião de urgência assim que chegar. Quero que você
também esteja presente, por isso, organize-se a tempo.
Desliguei, ciente de que os eventos dos últimos dias me
levaram a declarar guerra contra os dois membros mais ambiciosos do
clã Stevens. Robert e Victoria!
Robert Stevens, por tentar impugnar a minha posse como
presidente, alegando que eu não era um membro da família. A injeção
de capital que consegui com o meu pai não foi apenas para acalmar o
mercado financeiro e convencer os chineses da solidez das empresas, foi
também uma forma de aumentar a minha participação como acionista
majoritário da antiga S&Stevens e calar a boca de Robert e dos diretores
que o apoiavam.
A outra única solução, que foi forçadamente sugerida pela
própria Victoria, seria assumir publicamente um compromisso com
Meghan, um noivado feito às pressas para garantir a sucessão das
empresas dentro da família e assumir a presidência sem tantos
problemas. Só que aquela hipótese não existia para mim, pois já havia
decidido que a única mulher que usaria a minha aliança era Ana.
Contudo, foi a Victoria quem indiretamente me ajudou na
posse da presidência, ao declarar o seu apoio à minha candidatura e não
a de Robert Stevens. Não lhe pedi que o fizesse e fui pego de surpresa
com a declaração dela. Restava saber o porquê daquela atitude, já que
me neguei em assumir um compromisso com Meghan.
Sabendo agora do envolvimento dela no acidente do doutor
Scott, além da ligação que tinha com Arthur Montenegro e o sequestro
de Ana, eu só podia deduzir que ela provavelmente devia ter algo contra
Robert ou o teria apoiado em meu lugar.
Difícil é saber com quem Victoria não tem algum tipo de
problema!
Manobrei o carro para fora do estacionamento, seguindo pela
via mais rápida que me levaria ao escritório, pensando que Victoria
Stevens era uma mulher com intenções complexas demais para ser
decifrada de uma única vez.
Não seria nada fácil acusar a esposa de tentar matar o marido e
aquilo era mesmo uma grande merda! O doutor Scott era o único que
sabia dos fatos que antecederam o acidente. Só que, para acusá-la, ele
precisaria falar e não apenas fazer sinais quase imperceptíveis com a
mão.
Victoria era uma mulher muito esperta e não se abalaria com
qualquer tipo de acusação, ainda mais vinda de um homem que poderia
não ter pleno domínio de sua capacidade mental devido ao traumatismo
craniano que sofreu.
Eu já previa ali um longo e desgastante processo judicial, que
talvez só servisse para causar instabilidade nas ações da empresa.
Precisava analisar tudo com muita calma ou não poderia
cumprir a promessa que fiz ao doutor Scott de lhe devolver o grupo
mais forte do que antes!
Capítulo 68
Doris Hamilton
TENTEI MANTER A voz o mais profissional possível
quando atendi o telefone.
— Bom dia, senhora Stevens.
— Bom dia, Doris. Passe-me para o Daniel.
— Infelizmente não posso, senhora. Ele se encontra em reunião
e tenho ordens para não o interromper.
Fez-se silêncio do outro lado da linha e revirei os olhos,
rogando a Deus pela milésima vez que me desse paciência para aguentar
aquela víbora.
— Essas ordens não me incluem, Doris. Achei que já soubesse
disso — ela disse em um tom ameaçador que pouca diferença fez para
mim.
O que a poderosa Victoria Stevens já deveria saber, era que
ameaças veladas como aquela não funcionavam comigo. Nunca
funcionou na época do doutor Scott e continuaria não funcionando
agora na gestão do doutor Daniel.
— Peço desculpas, senhora, mas só estou cumprindo ordens da
presidência.
Houve um novo silêncio e pensei se, daquela vez, ela
explodiria de raiva.
Ah, e eu tenho essa sorte?
— Avise que liguei e peça que me ligue de volta quando
terminar esta reunião — ela ordenou, usando o mesmo tom arrogante de
sempre.
— Sinto muito informar, mas o doutor Daniel tem um
compromisso urgente após a reunião e deverá sair imediatamente
depois.
Ela não se deixou abalar pela informação.
— Ligarei direto para o celular dele.
— Mas, senhora…
Não pude continuar, porque ela desligou na minha cara.
Bom, eu tentei avisar!
Suspirei, cansada daquelas irritantes demonstrações de poder
daquela mulher.
Em questão de segundos, escutei o celular empresarial do
doutor Daniel tocar à minha frente. Resignada em ter de falar
novamente com ela, estiquei a mão e peguei o aparelho, atendendo com
o mesmo profissionalismo de sempre.
— Bom dia, senhora Stevens — repeti o cumprimento de
minutos atrás.
Obriguei-me a não soar irônica, usando o tom de voz mais
impessoal que consegui. O silêncio que se seguiu ao meu cumprimento
foi mortal, quase fúnebre, mas me mantive impassível, esperando que a
raiva dela fosse tanta que morresse com o próprio veneno.
— Mas o que você faz com o celular de Daniel? — Enfim, ela
explodiu do outro lado da linha.
— Eu tentei avisar, mas a senhora desligou antes. O doutor
Daniel não quer ser interrompido e deixou o celular comigo.
— E desde quando uma simples secretária fica com o celular
particular de um presidente do grupo? Isso nunca aconteceu com Scott!
Mas bem que o doutor Scott gostaria de ter tido a coragem do
doutor Daniel para fazer isso, querida!
Estava na hora de explicar para a arrogante Victoria Stevens as
mais recentes diretrizes impostas pelo novo presidente. Respirei fundo e
soltei tudo de uma única vez.
— Permita-me informar, com todo o respeito que lhe tenho,
que não sou uma simples secretária. Já era secretária sênior do doutor
Scott há muitos anos. Também não sou mais uma secretária sênior. Fui
promovida pelo doutor Daniel e agora sou assessora direta da
presidência. É por este motivo que estou com o celular profissional dele.
Além disso tudo, o doutor Daniel agora tem um novo número pessoal,
exclusivo para a família dele… e para sua assessora, que sou eu. — Esta
última parte era dispensável, mas não consegui ficar calada.
— Passe-me agora este novo número dele! — ela exigiu
autoritariamente.
— Peço novamente desculpas, mas recebi ordens para não o
divulgar. Posso registrar que me fez este pedido e comunicá-lo depois
ou, então, a senhora mesma poderá pedir o número diretamente a ele,
“no dia em que conseguir falar com o doutor Daniel”.
Apesar de ser obrigada a respeitar aquela mulher como sendo a
esposa do dono da empresa, vontade às vezes não me faltava de lhe dar
a resposta que merecia. A minha satisfação era saber que o doutor
Daniel jamais daria seu número pessoal para ela, mesmo que a própria
Victoria pedisse.
Eu só queria estar presente para ver a cara dela!
— Avise a Daniel que liguei e que aguardo seu retorno de
imediato! — Ela parecia estar rangendo os dentes de raiva, mas a
resposta veio no tom prepotente de sempre.
Assumi o modo “piloto automático” e cumpri a minha
obrigação, já prevendo a reação dela.
— Poderia dizer qual é o assunto, por favor? Se for urgente,
avisarei assim que ele terminar. Caso contrário, infelizmente só poderei
passar o recado amanhã de manhã. Como disse, o doutor Daniel vai sair
logo depois.
— Mas claro que é urgente!
— E poderia me informar do que se trata para que eu possa
repassar a informação para ele? Peço desculpas por insistir, mas é que o
doutor Daniel vai me perguntar qual é o assunto urgente. Se eu não
apresentar nada a ele, o assunto será tratado sem urgência alguma e a
ligação não será retornada tão cedo.
Daquela vez, o silêncio se prolongou por tanto tempo que
pensei em desligar, mesmo sabendo que ela ainda estava do outro lado
da linha.
— É urgente e pessoal! — Ela rugiu com voz rascante, como
se dar aquela resposta significasse baixar a altura dos seus saltos altos
em alguns centímetros.
Eu até imaginava o quanto deveria ser difícil para a ex-
poderosa Victoria Stevens ter que dar uma explicação para a simples ex-
secretária sênior e agora influente assessora da presidência.
— Sinto muito, muito mesmo, mas a prioridade é para assuntos
urgentes e “profissionais”. Só passarei o da senhora amanhã.
Eu tive certeza absoluta de ouvir um xingamento, seguido do
barulho de algo sendo atirado à distância, mas fingi que era surda.
— Você sempre foi impertinente, Doris Hamilton. — Sem
conseguir mais se conter, ela rosnou com raiva evidente, enfim,
destilando o veneno sem fingimentos. — Sempre se achando muito
importante por trabalhar diretamente com o presidente. Mas tenha muito
cuidado, porque posso demiti-la na hora em que eu quiser!
Aquela era a primeira vez que Victoria Stevens partia para uma
ameaça explícita comigo. Antes do acidente do doutor Scott, eu sentia a
raiva dela contra mim e até houve algumas tentativas falhas de me
ameaçar veladamente, mas nada do que ela fizesse conseguia me atingir.
Agora que o marido estava em uma cama de hospital por tempo
indeterminado, ela se sentia a dona de tudo. Claro que a primeira coisa
que tentaria fazer seria se livrar da secretária que nunca teve poder para
eliminar do seu caminho.
O que ela não sabia, era que o doutor Scott demitiria o staff
inteiro que o assessorava, mas jamais demitiria a mim. E eu sentia a
mesma segurança com relação ao doutor Daniel.
— Posso destruir a sua vida profissional e fazer com que nunca
mais encontre emprego em lugar nenhum deste mundo! — A mulher
disse sem disfarçar nem um pouco o ódio que sentia. — Destruo você e
a sua família inteira. Tenho certeza de que, quando estiver passando
fome, sede e frio, vai se lembrar de mim e deste dia de hoje!
Sem dúvida alguma, ela havia perdido totalmente o controle
para me ameaçar de uma maneira tão direta. Antes, nos tempos do
doutor Scott, tudo era muito sutil, como uma cobra venenosa que fica só
rastejando ao redor, mas sem dar o bote. Daquela vez, ela mostrou o
veneno todo.
Suspirei, enojada com tudo aquilo, mas não consegui evitar de
olhar o relógio e consultar as horas. Eu precisava ligar para a filial de
Londres e aquela conversa estava me atrasando.
— As demissões do staff pessoal do doutor Daniel Ortega só
podem ser feitas por ele mesmo, senhora Stevens — informei em tom
profissional. — Mas poderá tentar, se quiser.
Tum… tum… tum…
Ok, Doris. Ela desligou!
Eu confiava totalmente que o doutor Daniel não permitiria que
ela fizesse nada contra mim, da mesma maneira como o doutor Scott
nunca havia permitido naqueles anos todos.
Depois de tantos anos em que eu trabalhava na presidência,
Victoria Stevens já deveria ter aprendido que com Doris Hamilton não
se mexe!
Capítulo 69
Victoria Stevens
— FILHA DA PUTA! Vadia! Filha da puta! — rosnei,
enfurecida até a medula.
Aquela maldita sempre esteve fora do meu alcance, mantendo-
se intocável ao lado do Scott! Mas agora que ele era quase uma carta
fora do baralho, ela ia se ver comigo. Ah, como ia!
E vai ser agora!
Fui em busca da minha agenda, procurando apressadamente os
números pessoais dos gestores mais importantes da empresa. Achei o
que eu queria. Matthew Brown, o diretor executivo de recursos
humanos.
Liguei para ele diretamente do meu celular, assim ficava mais
privativo e também dava um toque de privilégio dele em me atender.
— Senhora Stevens! — A surpresa em sua voz era visível e
sorri intimamente. — Bom dia. Tudo bem?
— Bom dia, Matthew. Infelizmente, não estou nada bem e
preciso que me ajude a resolver um problema sério.
— Claro que sim! — ele afirmou em tom extremamente
preocupado. — Em que posso ajudá-la?
Em muita coisa, garanto!
— Vou direto ao assunto, porque estou mesmo muito
aborrecida com o que aconteceu agora na empresa.
— Aqui na empresa? Mas o que a aborreceu? — A entonação
da voz dele endureceu e eu sabia que, sendo um homem linha-dura com
os funcionários, me atenderia sem questionar.
— Eu não queria ter de partir para uma atitude tão drástica,
mas o que aconteceu foi inadmissível. Custa-me fazer isso, mas preciso
que demita uma funcionária que faltou ao respeito comigo. — Usei um
tom consternado, antes de continuar com voz sofrida. — E justamente
agora, em um momento tão difícil que estou passando com o Scott no
hospital.
— Mas isto é mesmo inadmissível, senhora Stevens! Quem na
empresa ousou desrespeitá-la? Tomarei providências imediatas quanto a
isso!
Sorri, satisfeita.
Agora, Doris Hamilton, você vai conhecer o poder de Victoria
Stevens!
— Sinto-me tremendamente mal por ter de dizer quem foi, por
se tratar de alguém que já tem muitos anos na empresa. Das outras
vezes, achei melhor não dizer nada e até escondi o fato de Scott, mas
hoje ela ultrapassou o limite e me senti muito ofendida.
— Houve outras vezes? — o diretor exclamou, horrorizado. —
Nunca deveria ter se calado sobre o fato, mas entendo que, sendo
sempre tão benevolente e generosa com todos os funcionários, tenha
preferido não prejudicar ninguém.
— Oh, fico feliz que me entenda, Matthew. Também não quis
preocupar o Scott com isso.
— Deveria ter me procurado antes, senhora Stevens. Eu teria
resolvido o assunto de imediato e a senhora hoje não estaria tão abalada
com o ocorrido. Diga-me o nome do funcionário, por favor.
Direi com muito prazer!
— Doris Hamilton.
Os segundos foram se arrastando sem que ele dissesse nada e
resolvi dar tempo ao homem para que assimilasse bem a surpresa
daquela informação. Porém, à medida que aquele silêncio se prolongou
além do esperado, comecei a tamborilar as unhas longas e afiadas na
madeira da minha mesa de trabalho.
— Doris Hamilton? — ele pediu confirmação.
— Sim.
— Da presidência? — Era evidente a incredulidade dele.
— Sim, ela mesma.
— Mas...
— Mas o quê? — interrompi, lutando para manter a voz doce e
consternada.
— É que ela faz parte do staff pessoal do doutor Ortega.
Trinquei os dentes ao ouvir aquela merda de novo.
— Acredito que seja apenas mais uma funcionária da empresa,
Matthew. Assim como você. — Apesar de colocá-lo no mesmo nível de
todos, usei um tom suave.
— Sim, claro que é mais uma funcionária nossa, só que
existem alguns colaboradores de alto escalão que não fazem parte da
minha alçada e competência. Estes, só a presidência pode demitir.
Apertei a caneta com força entre os dedos, desejando que fosse
o pescoço de Doris.
— Mas vou falar com o doutor Ortega e informá-lo do seu
pedido.
— Oh, não faça isso, Matthew! Daniel já tem tantas
responsabilidades e preocupações para ser incomodado com esse
assunto! Foi por isso que procurei você e não ele. Não quis aborrecer o
Daniel com algo tão trivial.
— E fez bem — ele concordou comigo, pigarreando logo em
seguida. —Só que, ainda que eu pudesse mexer no staff pessoal do
doutor Ortega, ainda assim não poderia demitir sua assessora sem o
conhecimento dele. Espero que compreenda a minha posição.
Rangi os dentes de raiva a ponto de sentir o maxilar doendo.
— Claro que entendo! E é justamente por isso que vou pedir
agora que não lhe diga nada. Não quero que você fique na posição
desconfortável de ter que tratar deste assunto com o Daniel.
— Faz parte do meu trabalho, senhora Stevens, e também
tenho um excelente relacionamento com o doutor Ortega. Ele é um
homem muito justo em suas atitudes e decisões.
Justo até demais!
— Estamos entendidos, Matthew. Não faça nada. Eu, da minha
parte, tentarei não me aborrecer mais com a Doris, afinal, ela tem
muitas obrigações na presidência e deve estar sob muita pressão. É
compreensível. Talvez eu também esteja muito sensível, sempre
preocupada com o Scott. Enfim, acho que não estou em um dos meus
melhores dias.
Tentei usar um tom leve e confiante de quem se sabia dona de
todo o império Stevens. Eu podia me dar ao luxo de ser magnânima com
trabalhadores comuns como eles.
Não perdi muito mais tempo e me despedi, desligando o
celular.
Segurei-o firme entre os dedos e depois o arremessei com
violência na parede do outro lado do escritório.
Respirei lentamente várias vezes até controlar a raiva.
Levantei-me e comecei a andar pela sala.
Então, todos estão pensando que vão conseguir vencer
Victoria Stevens!
Pois bem, eles que rissem agora, porque quem ia gargalhar no
futuro seria eu! Ana Cabral e Doris Hamilton que me aguardassem!
Epílogo

Ana
ENFIM, HAVIA CHEGADO a hora!
Deitei-me na mesa de exame com a ajuda de uma enfermeira
para fazer a minha primeira ultrassonografia. Pelos cálculos da doutora
Barbara, eu estava com seis semanas de gravidez e, naquele dia, íamos
ver como o embrião estava e tentar ouvir seu coraçãozinho.
Quando eu já estava pronta, a enfermeira se afastou e chamou
Daniel para se sentar na cadeira ao meu lado, enquanto a médica se
preparava junto ao aparelho de ultrassom. Concentrei-me em respirar
pausadamente para relaxar, porque a minha ansiedade não tinha
tamanho. Desde a minha primeira consulta com ela, passei a contar nos
dedos o dia em que faria aquele exame.
Antes de começar, a doutora Barbara me olhou com um sorriso
gentil no rosto.
— Vamos a ver a este bebé? — ela me perguntou em espanhol.
Assenti com um meneio de cabeça, incapaz de falar.
Daniel aproximou a cadeira para mais perto de mim e segurou
a minha mão, atento às imagens que já apareciam na tela. Agarrei-me
nele, em uma deliciosa expectativa.
No começo, tudo parecia um borrão, mas a médica foi
mostrando cada pequeno detalhe com muita paciência. Primeiro, o
útero. Depois, o saco gestacional. Por fim, bem pequenino, o embrião.
O meu bebê!
— Ai, meu Deus! — Não consegui segurar a emoção, sentindo
as lágrimas chegarem rapidinho aos meus olhos.
Daniel apertou a minha mão com força, o olhar preso em nosso
filho. Em seguida, ele soltou o ar com força, como se tivesse prendido a
respiração por um longo tempo. Foi com um amor profundo que
segurou o meu queixo e nos olhamos, felizes demais para falar alguma
coisa. Recebi um beijo nos lábios e, logo depois, ele deu um sorriso
orgulhoso que me fez sentir a mulher mais feliz do mundo.
A doutora Barbara chamou a nossa atenção, dizendo que agora
íamos ver o coração dele, e voltamos a olhar para o nosso filho. Apesar
de estar esperando há dias por aquele momento, nada me preparou para
o som das batidas daquele coraçãozinho minúsculo, mas que parecia tão
barulhento para mim.
— Dan! Está ouvindo? — perguntei como uma boba, uma vez
que o som enchia todo o ambiente. — Não é lindo?
— Ele está fazendo tanto barulho que é impossível não ouvir.
— Apesar da brincadeira que fez, a voz enrouquecida de Daniel
mostrava a emoção que sentia.
A médica nos deixou ouvir mais um pouco e depois começou a
tirar as medidas dele, fazendo anotações e cálculos. Quando finalizou,
olhou-nos com um sorriso sereno, confirmando o meu tempo de
gravidez e dando a data provável do parto.
Daniel aproximou a boca do meu ouvido e sussurrou.
— Quer saber o sexo do bebê?
Olhei-o, insegura.
Depois de saber que a dislexia era mais forte nos homens,
fiquei dividida quanto a desejar que fosse um menino. Mesmo sabendo
que amaria o bebê independentemente do sexo, ser um menino me
amedrontava mais.
— Vou amar um ou outro. — Ao perceber a minha
insegurança, ele repetiu com firmeza o que já havia dito várias vezes
desde que lhe contei sobre a gravidez.
— Eu também.
— Então, está decidido. Vou perguntar quando poderemos
saber o sexo do nosso bebê.
Ele olhou para a doutora Bárbara e fez a pergunta. A médica se
afastou do aparelho onde finalizava o trabalho que fazia e os dois
travaram uma rápida conversação em espanhol. Apesar de entender
algumas coisas, a maior parte foi incompreensível para mim, mas
Daniel traduziu logo depois.
— Ela disse que a sexagem fetal pode ser feita a partir da
oitava semana de gravidez, através de um exame de sangue.
Tão cedo assim?
— E você já confirmou com ela que queremos?
— Ainda, não. Posso confirmar, Ana?
— Sim, pode.
Recebi um olhar cúmplice de aprovação antes de ele voltar o
olhar novamente para a médica.
— Nos gustaría hacer el examen. — A voz decidida não
deixava dúvidas sobre sua forma de lidar com a situação.
Ouvi-lo fez o meu coração bater forte, pois agora só restava
saber o que o destino nos reservava.

Duas semanas depois


— Ana?
Daniel entrou no escritório, largando a pasta de trabalho sobre
a mesa e vindo para o sofá, onde eu dividia espaço com a Candy.
Estávamos no meio da tarde e o meu pai descansava no quarto
dele. Como eu estava cada vez mais sonolenta durante aquele horário
após o almoço, acabei por me refugiar ali para descansar no meu local
preferido da casa.
Daniel olhou para mim com um sorriso compreensivo no rosto
ao perceber a minha cara de sono. A grande verdade é que eu havia
acabado de acordar pouco antes de ele entrar.
— Adivinha o que eu trouxe? — perguntou com ar de mistério,
jogando o paletó no encosto do sofá.
Não aguentei ficar sem o provocar.
— Não se pode deixar uma gestante ansiosa, por isso, é melhor
não fazer suspense e me dar logo o que trouxe. Se for um doce, vou
adorar!
Eu já havia reduzido muito o consumo de açúcar, mas, ainda
assim, todos ao meu redor insistiam em vigiar as minhas sobremesas.
A risada profunda e divertida de Daniel invadiu os meus
sentidos ainda adormecidos e até suspirei de prazer com o som
extremamente sensual.
Eu continuava me sentindo uma grande sortuda por ter
encontrado aquele homem maravilhoso na internet e não parava de pedir
a Deus que conservasse tudo daquele jeito.
Ter o Daniel, o meu pai e o bebê juntos eram o meu sonho
transformado em realidade.
— É melhor do que um doce, garanto — voltou a brincar,
sentando-se ao meu lado e me puxando para um beijo.
O cheiro do perfume cítrico entrou pelos meus pulmões,
inebriando-me. Muito mais sensível a tudo por causa da gravidez, cada
toque, cheiro e sabor ganhavam uma dimensão diferente e me
excitavam muito mais.
Enfiei a língua em sua boca e, daquela vez, gemi de prazer nos
braços dele.
— Ah, Dan.
— Ana.
— Amo tanto você.
— Eu também amo muito.
O timbre grave e enrouquecido da voz mostrava bem a
profundidade da declaração que fez junto comigo.
— Gosto de ouvir isso — ronronei em sua boca, sentando-me
em seu colo.
— E eu gosto de falar — admitiu, abraçando-me pela cintura,
uma mão indo direto para minha barriga. — Como ele está?
— Comportou-se muito bem, como a mãe. — Segurei o riso,
encostando a cabeça no ombro dele. — Não vai me dar o doce?
Daniel puxou o paletó e tirou um envelope do bolso.
— Aqui está o doce.
Aprumei o corpo em seu colo sem nem piscar, adivinhando de
cara o que era aquilo.
— O exame!
Ele confirmou, mostrando-me o envelope dos dois lados.
— Está lacrado! Não quis abrir sem estarmos juntos.
Olhei-o, abismada.
— Como conseguiu esperar? Eu já teria aberto e passado cola
novamente.
A risada espontânea que ele deu me deixou extasiada, mas eu
não ia desviar a minha atenção do envelope. Peguei-o, fascinada.
Senti os braços de Daniel se fecharem ao redor do meu corpo,
aconchegando-me mais junto ao peito. Quase rasguei o envelope com a
urgência de ver o resultado.
Tirei o papel e parei.
— Dan? — sussurrei, hesitante, já que estava tudo escrito em
inglês.
Eu já falava e entendia muita coisa em inglês, mas a leitura
continuava sendo o meu grande problema de sempre.
Ele não respondeu. Ficou paralisado, lendo o exame.
Depois, deitou a cabeça no encosto do sofá e fechou os olhos,
como se estivesse segurando a emoção. Havia um leve sorriso em seus
lábios que me deu a certeza de que havia gostado.
— Então? — insisti.
Olhou-me, com um sorriso de satisfação no rosto másculo que
eu tanto amava.
— Vamos ser pais de um lindo menino.
Sustive a respiração, sem acreditar.
— Jura? — Já sentia os olhos enchendo de lágrimas ao
imaginar uma cópia de Daniel estendendo os bracinhos para mim.
— Juro — ele confirmou, abraçando-me com carinho. —
Vamos ter um menino!
Três homens na minha vida!
Ficamos um longo tempo abraçados, saboreando o prazer
daquela novidade. A mão quente e cheia de carinho segurou o meu rosto
e, logo depois, um beijo apaixonado devorou os meus lábios.
Correspondi com uma emoção diferente, feliz demais por Daniel ter
entrado na minha vida e proporcionado a realização de tantos sonhos
adormecidos que eu tinha.
Sonhos que eu, meses atrás, jamais pensaria que poderiam se
tornar realidade.
— Você gostou? — perguntei só para ter certeza.
Ele voltou a soltar uma risada alegre, jogando a cabeça para
trás e olhando para o alto, como se agradecesse a Deus por ter lhe dado
o filho homem que queria.
Quando me olhou novamente, o orgulho masculino estava
evidente na expressão do rosto feliz.
— Gostar é pouco, Ana! Poderia ser uma menina que eu
amaria do mesmo jeito, mas confesso que desejava um menino. Deve
ser coisa de homem — admitiu, rindo de si mesmo.
— Mesmo sabendo que...
Ele me interrompeu com um beijo exigente, calando-me.
Depois, fixou o olhar no meu, a fisionomia muito tranquila e segura.
— Mesmo sabendo de tudo — afirmou sem receio algum no
tom de voz ou na postura confiante de sempre. — E talvez por isso
mesmo algo me diz que será um lutador forte e determinado, que
conseguirá vencer sozinho e ser feliz com uma mulher tão maravilhosa
quanto a mãe dele é.
Engoli o nó que se formou na minha garganta com a emoção
que senti. Ver o amor de Daniel pelo filho que ainda nem havia nascido
fez com que o meu amor por ele duplicasse milhões de vezes.
— E você, gostou? — Foi a vez dele me perguntar.
Naquele momento, as lágrimas que estava segurando rolaram
de vez, uma felicidade indescritível aquecendo o meu coração.
— Muito! — sussurrei com a voz embargada. — Muito
mesmo! Estou ansiosa para tê-lo nos braços e lhe dar muito amor.
Fui deitada no sofá com cuidado, tendo o corpo grande sobre o
meu.
— Então somos dois, porque penso em fazer o mesmo. Não só
com ele, mas com a mãe também.
Segurou o meu cabelo e afundou o rosto no meu pescoço, a
barba macia roçando a minha pele e me arrepiando toda.
— E vou ter que esperar esse tempo todo para receber amor?
— provoquei-o, abrindo as pernas e deixando que se encaixasse entre
elas.
A mão hábil em me excitar entrou por baixo da minha blusa e
esperei em expectativa que cobrisse o meu seio. Quando ele o fez, um
calor de pura paixão esquentou o meu corpo e, instintivamente, arqueei
o quadril contra o dele, adorando sentir o membro grosso enrijecer.
A barba bem feita saiu arranhando levemente o meu queixo,
até que a boca poderosa cobriu a minha. Fechei os olhos e me deixei ser
amada por Daniel, um homem de poucas palavras, decisões rápidas e
atitudes firmes.
Como sempre, ele me mostrou, da melhor maneira possível,
que tomava para si aquilo que desejava, não dando chance para mais
ninguém tocar no que era dele.

FIM DO LIVRO 2
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Daniel & Ana na Série Mensagens de Amor, porque o amor verdadeiro
nunca se acaba nem tem fim…
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muita paixão com o enigmático Brandon, não prepararam Catriona para
o choque de vê-lo rejeitar sua gravidez. Após eventos dramáticos, ela
descobre segredos do passado de Brandon que podem destruir de vez a
vida a dois que planejaram. Quanto tempo uma pessoa precisa para
aceitar algo que lhe causa imensa dor?
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Trilogia Angélica & Lorenzo
Série Linhas do Destino

Angélica se prepara para entrar na universidade e será em sala


de aula que vai conhecer Lorenzo, um italiano com aparência de bad
boy e personalidade complexa que em nada se parecia com o rapaz dos
seus sonhos românticos. Apesar das aparentes diferenças, eles
descobrem que possuem mais coincidências do que pensavam. Assim
que os olhares se cruzam pela primeira vez, uma ligação imediata se faz
sentir nos dois, dando-lhes a sensação de se conhecerem há muito
tempo. Sentem uma conexão que nada consegue quebrar, mesmo
quando precisam lutar contra um cerco de inimigos dispostos a impedir
que fiquem juntos. É quando Angélica descobre que aquele rapaz
aparentemente errado era o homem certo do seu destino.
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Livro 3 — Dominado Por Um Anjo: https://amzn.to/2vkZia4
Biografia e Redes Sociais
Lettie S.J. é natural do Recife, mas reside em Portugal desde
2007. Romântica assumida e apaixonada por livros desde sempre, diz
que não escreve apenas romances, mas também respira, vive e sonha
com eles. Tem uma predileção especial pelos históricos e medievais.
Apesar disso, começou na escrita com romances contemporâneos,
sempre com muito amor envolvido, aventura e suspense. Publicou seu
primeiro livro em 2016 no Wattpad, o new adult Linhas do Destino,
romance que ganhou neste mesmo ano o Prêmio Wattys da plataforma
online, mudando o rumo da sua história e resgatando-a em uma fase
difícil da vida. Afinal, quem disse que livros não salvam vidas?
No ano seguinte, tornou-se Embaixadora do Wattpad.
Atualmente, tem vários e-books publicados na Amazon que a tornaram
uma autora best-seller no ranking dos mais vendidos, além de ter livros
físicos publicados por editoras no Brasil e em Portugal.
Conheça mais sobre a autora no site: www.lettiesj.com
Instagram: @lettie.sj
Canal do YouTube: Lettie S.J.
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