Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Julianna Costa
Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 e
19/02/1998.
Este livro, ou qualquer parte dele, não pode ser reproduzido
por quaisquer meios sem prévia autorização expressa da autora
Prólogo
Tatiana
Há alguns anos, eu li um estudo sobre as diferenças entre
homens e mulheres no mercado de trabalho. Sua conclusão era
que, enquanto mulheres são promovidas por experiência
(recebem uma nova oportunidade apenas depois de provarem que
são capazes), homens são promovidos pelo potencial (recebem
uma nova oportunidade porque seus superiores acreditam que
eles são capazes).
Promover uma mulher precisa ser um investimento certo.
Promover um homem pode ser um risco aceitável.
É absurdo. Quero dizer… A física canadense Donna
Strickland só foi promovida na universidade em que trabalhava
depois de ganhar um maldito prêmio Nobel.
Acho que é por isso que eu decidi abrir minha própria
empresa.
Muito cedo eu percebi que precisaria trabalhar o dobro
para receber metade do reconhecimento. Lição que eu aprendi
depressa, considerando que sou filha de um pai conservador e
uma mãe submissa.
Meus pais não apoiaram minha decisão de cursar a
faculdade de engenharia. Não apoiaram minha decisão de
recusar a proposta de noivado e encerrar o namoro de três
anos para aceitar um emprego de desenvolvedora em uma empresa
bem reconhecida no mercado. Também não apoiaram minha decisão
de pedir demissão para tentar minha própria sorte com um novo
software de minha criação.
Eu aprendi a funcionar sem apoio.
Meus pais morreram antes que eu pudesse provar que
estavam errados.
Em 1984, 37% das pessoas formadas em ciências da
computação eram mulheres.
Em 2018, apenas 17%.
É verdade: tem muito mais gente no mercado hoje do que na
década de 80, mas a proporção de mulheres caiu.
E daquelas de nós que sobrevivem a formação, metade não
sobrevive ao mercado.
Sexismo, assédio, diferença salarial, recusa em promoções
e, o que eu considero o pior: o trabalho que efetivamente nos
é confiado e creditado.
No meu primeiro ano na empresa, meus colegas eram
incentivados em tarefas que quase pareciam além de suas
capacidades. Era desafiador, inovador. O aprendizado era
imensurável.
E eu…
Eu fazia o trabalho básico que qualquer aluno de terceiro
ano do meu curso conseguiria concluir sem dificuldade.
Não havia desafio.
Não havia ambição.
Acho que é por isso que me interessei por Daniel.
Porque ele me ofereceu uma bebida, naquele bar, anos
atrás, depois de um dia particularmente infernal… e foi
reconfortante conversar com um cara que tinha opiniões
radicais como, sei lá, achar que uma mulher deveria receber o
mesmo que um homem por realizar exatamente o mesmo trabalho.
Um ano depois, Daniel colocou uma aliança no meu dedo, e
ela ficou ali por mais de dez anos.
Ficou ali quando meu novo software recebeu sua primeira
rodada de investimentos internacionais.
Ficou ali quando Daniel foi convidado para tocar com a
Filarmônica Tcheca.
Ficou ali quando meu aplicativo novo foi vendido por
algumas centenas de milhões.
Ficou ali quando Daniel lotou o Royal Concert Hall em
Nottingham.
Ficou ali quando decidimos que seria melhor sair do
Brasil e comprar uma casa em Nova York.
Ficou ali quando meus investimentos em bitcoins pagaram
mais do que eu jamais esperaria.
Minha aliança ficou bem ali.
Por mais de dez anos.
Nós éramos jovens e ambiciosos.
Fomos parceiros por muito tempo.
Eu, apaixonada pelos meus códigos.
Ele, apaixonado pelo seu piano.
A dúvida que me ataca agora é saber até quando fomos
apaixonados um pelo outro.
Não que faça mais qualquer diferença.
Há três anos, Daniel se foi.
"Se foi", aqui, significa que o aneurisma em seu cérebro
rompeu-se, causando uma hemorragia intracraniana que resultou
em uma morte cerebral declarada às 17 horas e 27 minutos de
uma quinta-feira. Seu coração ainda estava batendo e seus
órgãos foram doados, tantos quanto possível, porque meu luto
jamais interferiu em meu pragmatismo.
Eu sou uma pessoa técnica.
Exata.
Eu acredito em números.
Números me disseram que minha sobrevivência em uma
corporação de tecnologia resultaria em uma denúncia de
assédio e uma demissão jovem, por isso abri minha própria
empresa.
Números me disseram que a existência tecnológica ia
precisar de um escape financeiro, por isso investi em
bitcoins.
Números me disseram que o Wall Mart vende em torno de
três milhões de dólares a cada 7 minutos, por isso eu apostei
no crescimento da Amazon.
Números não mentem.
É por isso que eu gostaria de conseguir demonstrar meu
relacionamento com Daniel através de uma equação, talvez
assim eu pudesse entender melhor o que aconteceu. Eu, somada
a ele, multiplicados por nossas várias conquistas, divididos
por nossos diferentes interesses. Resulta em quê?
Três anos de luto.
Revivendo, em minha memória, as palavras que lhe disse
sem saber que seriam as últimas.
Dois anos de terapia.
Eu não estava pronta para dizer o que a Dra. Albert
queria escutar e, por 600 dólares por hora, eu preferi
encerrar nossos encontros a perder uma hora, toda quinta-
feira, em silêncio constrangedor, em um escritório
intencionalmente decorado para passar a sensação de conforto.
Mas eu não sentia conforto.
Eu sentava naquela poltrona bege no sala da Dra. Albert e
lembrava que foi em um quinta-feira medíocre, assim como
aquela, que eu recebi a ligação do hospital.
Daniel teve um aneurisma e se foi.
E eu fiquei com minha aliança, marcando "viúva" em todos
os formulários dali em diante.
Mudei para uma cobertura no Upper East Side, no último
ano.
Não gostava mais de nossa casa.
Não era tanto a memória de Daniel que me assombrava em
cada aposento… era o piano.
O maldito piano de cauda Steinway & Sons, no meio da
minha sala.
A casa era pequena demais pra nós dois.
Livrei-me da terapia, da casa, do piano.
Restava só a aliança.
Bem… a aliança e a Pamela.
Minha melhor amiga que, no último Reveillon, decidiu que
três anos é tempo demais para um luto e arrancou minha
aliança para jogá-la no mar assim que a contagem regressiva
terminou.
Pamela tem uma relação muito íntima com seu trabalho, com
seu bar favorito e com sexo.
Pelos últimos três anos, ela esteve investida em me ver
de volta tanto ao trabalho, quanto em seu bar favorito e ao…
sexo. Mas a aliança que eu, mesmo viúva, carregava no dedo,
era o meu colete salva-vidas contra companhias indesejadas.
A questão é que, nas palavras de Pamela, todas as
companhias que eu tinha eram indesejadas e estava na hora de
eu começar a desejar companhias.
Todo dia, 120 milhões de pessoas têm relações sexuais ao
redor do mundo.
Eu não sei o que você acha disso mas, para mim, parece um
número baixo. Em um planeta com 7,5 bilhões de pessoas, isso
significa que apenas 1,6% das pessoas estão fazendo sexo a
cada dia. É um número minúsculo, não é? Quero dizer… qual a
verdadeira relevância de uma atividade que só é realizada por
1,6% dos seres humanos?
Claro, temos que excluir do número total as pessoas que
são muito jovens - ou porventura excessivamente idosas - para
ter vida sexual ativa. E temos que lembrar que pessoas
diferentes podem estar se relacionando a cada dia, o que
aumentaria a porcentagem de sexo/por pessoa/por semana. Mas
ainda assim!
É incompreensível porque Pamela coloca essa atividade em
um ponto tão alto da hierarquia.
É só sexo.
Estou vivendo muito bem sem ele há alguns anos.
O nosso corpo precisa de vitaminas, proteínas,
carboidratos, gorduras, minerais e água para sobreviver.
"Orgasmos" não está na lista.
Não é necessário.
Números não mentem.
Fatos são incontestáveis.
É por isso que Pamela está errada e, mesmo que minha
aliança esteja no fundo do Pacífico, eu não preciso de
companhia.
Eu não sinto falta de sexo.
Não sinto.
Nem um pouquinho.
***************
Spencer
***************
Spencer
***************
Spencer
Duas semanas depois…
***************
***************
O cheiro do café automaticamente preparado já encheu o ar
quando eu saio do quarto na manhã seguinte.
Eric ainda está com o cabelo molhado do banho e eu não
sei como ele conseguiu acordar tão cedo. Eu caí no sono antes
de ouvi-lo chegar.
- Fez o perfil? - ele diz, com um sorriso imenso, antes
mesmo de desejar "bom dia".
- Fiz. - resmungo - Ainda não sei se vou usar.
- Vai usar. - cantarola.
- Como você sabe?
- Sabe o que eu ganhei ontem?
- Outro computador? Pro novo ter um amigo?
- Um carro. - pisca um olho.
- Filho da puta! Mentira!
- Calma. Não é uma Ferrari, nem nada assim. É um modelo
simples, não foi uma fortuna.
- Mas é um carro!
- É um carro! - ele ri, oferecendo o punho fechado em
cumprimento - Esse site é a melhor coisa que já aconteceu na
minha vida! - ri - Tudo bem que eu preciso sair com umas seis
mulheres diferentes para conseguir manter um fluxo bom de
lucros, mas vale a pena!
- Seis?
Ele ergue um ombro.
- Se você conseguir uma muito rica, pode se aposentar só
com ela. Mas é raro.
Pesco o laptop sobre a mesa de cabeceira.
Foda-se.
- Abre o seu perfil. - peço - Me mostra como funcion…
Um email.
Confirmação de cadastro.
- Dá aqui e eu te mostro. - Eric pede.
Mas eu já abri um sorriso imenso.
Depois de um mês inteiro sendo recusado pela indústria da
Moda, é uma delícia saber que alguém, em algum lugar, ainda
me acha satisfatório.
- Não precisa. - dessa vez, sou eu quem pisca um olho -
Meu perfil foi autorizado.
- O quê? - o sorriso desaparece do rosto do Eric - Em um
dia? Impossível! - ele vem sentar ao meu lado e puxa o
computador porque quer ter certeza.
- Menos de um dia, na verdade. - lembro.
- Vai se foder! - ele ri, encarando o email com o link de
confirmação.
- Tá e o que eu faço agora? - tento pegar o laptop de
volta, mas Eric está se divertindo com minha virgindade.
- Agora você pesquisa mulheres por interesses. Se você
quer causar uma boa impressão, a conversa no primeiro
encontro precisa ser boa. Ter interesses em comum é o melhor
jeito de garantir isso. Essa aqui é a barra de pesquisa. -
ele aponta.
- E eu mando mensagens pra todas?
- Bem, tem dois jeitos de entrar em contato com elas. Vou
te mostrar. - ele faz uma pesquisa genérica e abre o perfil
de uma Anna. Ela se descreve como "dona de um pequeno
hospital veterinário e uma invejável coleção de LP's". Exibe
um sorriso imenso em sua foto de perfil e parece ter quase
cinquenta anos. - Está vendo esse coração aqui? - aponta para
o ícone bem ao lado do nome dela - Se você clicar nesse
ícone, ela recebe uma notificação de que você "gostou" dela.
E aí ela pode ir no seu perfil e, caso ela se interesse, pode
te mandar uma mensagem. Esse é o jeito mais educado e
discreto de entrar em contato com alguém. É como piscar o
olho e sorrir para alguém do outro lado do bar. Mas presta
atenção! Nem sempre as mulheres gostam de iniciar o contato.
Às vezes, você vai dizer que "gostou" de uma delas, e elas
apenas vão marcar o coração de volta, para dizer que também
"gostaram" de você.
- Aí eu posso mandar uma mensagem?
- Exato.
- E o que é isso aqui? - aponto para um medalhão prateado
do lado do nome da Anna.
- Ah! Isso é quanto ela ganha por ano. Não é obrigatório
deixar essa informação disponível, mas muitas delas deixam.
Do mesmo jeito que não é obrigatório colocar foto sem camisa,
mas se você colocar, a chance de alguém te escolher é bem
maior, entendeu?
- Entendi. - Eric ri da minha careta. Acho que eu ainda
sou muito "garoto do interior" para esse tipo de interação.
Mas eu fui aceito no site, o Eric ganhou um carro e minha
vida é uma merda.
Então… foda-se.
- E o prata significa que ela ganha quanto? - pergunto.
- Bronze significa que a pessoa ganha até cem mil dólares
por ano. Prata, até 250 mil. Ouro, até 500 mil. Platina, até
um milhão. E os unicórnios são os que ganham mais de um
milhão de dólares por ano. Minha recomendação é tentar focar
no Ouro. São ótimos presentes, viagens e não são tão difíceis
quanto as Platinas.
- Calma, calma, calma. - eu estou rindo porque ainda
estou pensando em algo que ele disse antes - Unicórnios?
- É! - ri - É como a comunidade chama os bilionários
raros e míticos. - exagera - Ninguém consegue um unicórnio. A
etiqueta manda que você "goste" de todas elas e mande uma
mensagem, só porque "nunca se sabe". Elas escolhem quem
quiserem e dificilmente é um de nós. Mas… - ele realiza a
busca pela categoria "Diamante", que deve ser o nome oficial
dos "unicórnios", e encontra apenas cinco resultados em Nova
York. Ele clica nos corações de todas e envia uma mensagem de
"oi, linda" para cada uma.
- "Oi, linda"? - reclamo - Sério?
- Não estressa, elas não vão responder.
- Claro que não… você disse "oi, linda". Quem responderia
uma mensagem assim?
Eric dá dois tapinhas no meu ombro e me devolve o laptop
para que eu siga fazendo minhas próprias buscas.
- Bem vindo, irmão. - sua gargalhada vibra o sofá quando
percebe que, assim como ele, eu também vou descer pelo buraco
do coelho.
***************
***************
Spencer
Tricia ri alto.
A mulher é levemente atraente, sim. Mas é tão
estupidamente irritante que eu me pego girando a faca em meus
dedos, considerando quão fundo eu preciso enfiá-la em meu
olho para justificar uma ida ao hospital sem me matar.
- As únicas entradas são caviar e escargot. Oh, Spencer,
você não tem o hábito de comer nenhum dos dois, não é? - ela
sequer espera minha resposta - O chef pode alterar a entrada
dele pela sopa? Depois, ele vai querer a salada. E o salmão.
- eu abaixo o cardápio, enquanto ela segue dando ordens ao
garçom - E vai parear com os vinhos sugeridos pela casa. E
nenhum de nós dois vai comer a sobremesa. Você não pode
prejudicar seu físico, não é, lindo? - ela pisca um olho,
atrevida, e eu preciso meditar em busca da paz interior para
conseguir sorrir. O garçom se vai e ela segue falando
praticamente sozinha, já que não precisa de interlocutor -
Esses restaurantes premiados com estrelas do Guia Michelin
são caríssimos, Spencer, você tem muita sorte de poder ver um
desses. - sussurra como se fosse um segredo.
É um jogo de poder para Tricia.
Ela gosta de ter muito dinheiro e de saber que eu… bem…
não tenho.
Lala definiu bem: É como se, pra ela, isso significasse
que eu sou sua posse.
Ela está pagando por mim, logo sou dela.
É
É nojento.
Faz eu me sentir sujo.
- Quando você tem muito dinheiro, é claro que não faz
mais diferença. Michelin, McDonalds… o preço dá no mesmo. A
qualidade é que é a diferença. Depois que você come em um
três estrelas do Michelin, nada mais serve. A não ser,
talvez, um quatro estrelas, lógico! - ri.
Eu sorrio e aceno.
Talvez eu devesse fazer o que Eric sugeriu e mentir:
fingir que já fui em muitos restaurantes como aquele e
melhores. Se, para mais nada, apenas para tentar fazê-la
calar a boca.
Mas eu não minto bem quando estou em paz e menos ainda
quando me sinto intimidado.
E este último é o exato caso: os talheres me intimidam, o
salão imenso, os olhares dos garçons.
Não estou no meu ambiente, então é melhor deixar Tricia
falar o que quiser. Dentro d'água, não se aposta corrida
contra o tubarão.
Mas a cada novo prato, um novo golpe. Ou o ego dela é
muito frágil ou muito grande. Seja como for, ela segue
fazendo comentários cruéis para diminuir minha auto estima
até estilhaça-la. Suspeito que, em parte, ela esteja fazendo
isso para que eu escute seu convite para segui-la até sua
casa - e sua cama, sem dúvida - como o maior dos elogios: Eu
sou rica, bem sucedida e maravilhosa, e quem é você, Spencer?
É uma honra ser convidado para os meus lençóis.
Foi uma tentativa válida mas, depois de uma semana, eu
comeria até a Vanessa.
Se Tricia quiser me levar para casa, eu vou negar?
Mas o pensamento basta para revoltar meu estômago.
Acho que, no fim das contas, não estou tão desesperado
por sexo quanto pensei.
No lugar da sobremesa, o que ela me dá é um convite para
voltar com ela ao seu apartamento para uma bebida. Eu
preferia a sobremesa.
- Não vai me fazer essa desfeita, de novo, vai? -
murmura, arranhando minha mão com suas unhas longas.
Vai recusar sexo, Spencer?
Respiro fundo.
Ela me encara como se eu fosse um pedaço de carne que
acabou de chegar a mesa no exato ponto que ela pediu.
E aí eu lembro da Alice.
O Conde olha pra ela desse jeito também.
A diferença é que ela gosta.
Interesse faz a atenção ser bem vinda.
Carinho transforma qualquer intensidade em desejo.
Mas eu não tenho interesse por Tricia. Não tenho carinho.
E, sinceramente, não sei se tenho paciência.
Eu sou apenas um produto pra essa mulher. Ela quer
arrancar a embalagem, comer o que tem dentro e jogar o resto
fora.
E eu…
Eu não ligo pra sexo casual, sabe?
Mas, ultimamente…
Eu queria uma Alice.
Tricia conseguiria me deixar duro, mas não conseguiria me
deixar doido.
- Eu sinto muito - decido - mas preciso acordar cedo
amanhã.
- Não vou te manter acordado até muito tarde. - ela pisca
um olho enchendo a palavra de significado. Tem um sorriso
confiante de quem que não está acostumada a receber um "não"
duas vezes. E eu tenho um sorriso desconfortável de quem não
sabe o que fazer com suas investidas.
- Tricia… - peço, com cuidado - Acho que temos intenções
diferentes com esses encontros.
- Ah? - ela desliza a mão para longe da minha. Seu
sorriso confiante desaparece para dar lugar a uma careta
seca.
- Não quis te ofender. - acrescento depressa - Eu só quis
dizer que não estou procurando por…
- Me ofender? - ela ri, depois de beber um gole do seu
vinho, seus olhos carregados de um misto de desdém e pena -
Garotinho, você não conseguiria me ofender nem que se
esforçasse. Sua opinião não significa tanto assim pra mim.
Mas eu estou curiosa para saber: o que você esperava? Ficar
sentado aí comendo uma refeição cara sem precisar dar nada em
troca? Eu deveria deixar você pagar sua própria conta para
aprender como o mundo funciona.
- Tricia, a intenção do site não é ter um relacionamento
físico e…
- Spencer, você é inocente ou idiota? - ela deixa o
queixo cair como se não aceitasse que eu existisse.
Estou atordoado porque é difícil imaginar que alguém
possa ser tão bruto na vida real.
Esse é o tipo de comportamento que eu esperaria de um
vilão de filme infantil, não de uma mulher adulta.
Tricia, no entanto, se importa muito pouco com minhas
expectativas. Tudo que ela sente é a mágoa ao próprio ego.
Dois "nãos" é um a mais do que ela estava disposta a suportar
e, agora, ela pretende deixar isso muito claro. Laurie estava
certa. De novo.
- Sinto muito se não fui a companhia que você esperava,
mas acho que fui claro desde o começo.
- Vai.
- Com licença?
- Vai embora. - ela repete, sem me olhar nos olhos - Eu
não quero mais companhia alguma.
- Tricia…
- Spencer. Ou você sai agora, ou saio eu e aí você vai
ter que pagar a conta. Escolha.
É difícil dizer se em algum outro momento eu me senti tão
pequeno e humilhado como no instante que precisei levantar
daquela mesa.
As palavras que coçavam na minha língua eram "Tá, então
sai você, sua egocêntrica mal educada. Não quero te comer nem
que você me pagasse e eu tenho pena do pobre coitado que um
dia pensar em te beijar, porque você é tão podre que a língua
dele vai necrosar e cair. Vai embora você e eu pago essa
porra".
Infelizmente, no entanto, a "porra" era cara o suficiente
para, naquele instante, valer mais que meu ego.
Deixo o guardanapo sobre a mesa e levanto sem dizer outra
palavra.
Ela não me olha nos olhos e por um milésimo de segundo
quase tenho pena dela.
Sozinha e infeliz. Pagando alguém por uma intimidade que
não conseguiria de outro modo e, mesmo assim, sendo recusada.
Mas então ela rosna alguma grosseria para o garçom e
minha pena passa como se nunca tivesse existido.
Estou com dor de cabeça quando chego de volta na minha
casa.
A sala está escura e quando meu celular toca alto, eu o
atendo antes que acorde Eric.
- Alô?
- Spence?
Esfrego meus olhos ao respirar fundo. Eu realmente não
preciso disso agora.
- Oi, Ann.
- Que bom que atendeu. Desculpe ligar tarde, mas eu
imaginei que seu turno…
- Tudo bem, eu não trabalhei hoje. O que foi? Algum
problema?
- Não. - pausa - Eu só queria… conversar com você.
- O que houve?
- Eu… - eu posso imaginá-la andando pela sala estreita da
casa dos seus pais. Enrolando-se com seu casaco rosa favorito
e apertando as têmporas, tentando tomar coragem para dizer
coisas que não deveriam ser ditas - Spence, se você quiser
voltar pra casa, eu…
- Não tem a ver com você, Ann. Eu já te disse isso: minha
mudança pra Nova York não foi por sua causa.
- Eu sei, mas eu ainda me sinto tão mal pelo que
aconteceu.
— Foi minha culpa, está bem?
- Não, não foi. Não pode se responsabilizar por isso.
- Ann, não importa mais. Não faz diferença. Eu prometo.
Só… esquece isso.
- Tá. - ela ri, sem jeito - Se você diz… Mas e então?
Como está Nova York?
- Ah, maravilha.
- Tão ruim assim?
- Acho que essa cidade me detesta e não tem sequer a
educação de tentar esconder.
Ela ri um pouco.
Sua risada é confortável. Familiar.
- É… difícil. - eu continuo. Familiar. Anna é familiar e
eu me aqueço por dentro - Parece que não importa o tanto que
eu me esforce, é como se eu nunca fosse suficiente. Pra…
nada.
Eu não deveria estar desabafando, não pra ela.
Mas as palavras já foram ditas e eu fecho os olhos, no
escuro, esperando que ela me conforte.
- Talvez você devesse voltar pra casa. - Anna sugere,
devagar, quase como se fingisse estar brincando. Mas nós dois
sabemos que não está. - Você sempre foi suficiente para nós.
Mordo meu lábio e deixo escapar uma risada de escárnio.
Aí está.
- Seu pai ia adorar ter você de volta. - ela continua - A
Sara também sente sua falta! A Liz… a Liz precisa de você,
Spence. E a Abby e… e eu.
Engulo em seco.
- Ann, eu preciso ir.
- Spencer…
- Está tudo bem, de verdade. Eu te perdoo pelo que
aconteceu. Na verdade, eu já esqueci e ia preferir que você
esquecesse também.
- Vai ligar essa semana?
- Diga oi aos seus pais, por mim.
Desligo.
Jogo o celular para longe.
O novo.
Presente da Tricia.
Preciso pegar o velho de volta.
Deito no sofá, deixando o escuro aquietar minha dor de
cabeça.
Ela precisa de mim.
O pai, a Abby, a Liz, a Sara…
Todo mundo precisa de mim.
E eu… estou cansado.
Estou cuidando dos outros desde os meus quinze anos.
Anna não sabe o que está falando.
Sara não sente minha falta, mas sente falta de ter alguém
que vá buscar seu marido no bar pela terceira vez na semana,
sem fazer muitas perguntas ou contar ao papai. Ela precisa
que eu cuide dela, enquanto mamãe cuida dos seus filhos.
Os gêmeos são trabalho em tempo integral.
E é por isso que eu também preciso cuidar do papai, da
mercado, da Liz.
Estou cansado.
Estou cansado de cuidar de todo mundo e ter ninguém
cuidando de mim.
Cansado dessas agências que não me acham bom o bastante.
Cansado do Rodolfo que acha que eu não sei cortar um
alho.
Cansado de não ter planos pra minha vida.
Cansado dessas mulheres desse site idiota que acabam
jogando mais uma mão de terra no fundo do meu poço.
- Ei, cara, ce tá legal?
Eu me viro para encontrar Eric parado no corredor, a luz
atrás dele sugere que as lâmpadas estão acesas no seu quarto.
- Achei que você estava dormindo.
- Não, ainda não. Como foi o encontro?
Um sorriso amarelo e um polegar pra cima antes de me
enterrar de volta no sofá.
- Nossa, sinto muito. - ele compreende - Mas vai
melhorar! Você teve dezenas de convites. - ele soa levemente
incomodado sempre que relembra a quantidade de interesse que
eu recebi em seu querido site - Talvez você devesse focar nas
Ouro, como eu te disse. Essas Platinas são complicadas.
- Não sei, Eric. Acho que isso não é pra mim, sabe? -
abro o aplicativo no celular.
- Sério? Você vai desistir?
- Talvez eu volte, depois. Mas não acho que foi uma boa…
Engasgo.
- Que foi?
- Estranho.
Muito estranho.
Tenho muitas notificações de mensagens recebidas (o que é
comum) e apenas uma marcada como "resposta".
"Resposta" significa que alguma mensagem que eu enviei
foi respondida.
Mas… eu não mandei mensagens.
Mandei?
- O que foi? - ele acende a luz, irritando meus olhos, e
vem sentar ao meu lado.
- Recebi uma resposta… - murmuro. Levo alguns segundos
para me acostumar a claridade antes de ler a troca de
mensagens que começa com "Oi, linda".
Meu coração falha por um segundo.
- Caralho. - Eric reage por mim. E foi o "caralho" mais
sem emoção que eu já ouvi. Não houve exclamação depois
daquela palavra, não houve qualquer entonação. Houve apenas
atordoada descrença. E eu simpatizava com ele porque me
sentia igual - Uma Diamante te respondeu?
- Faz diferença? - murmuro mais uma vez - Eu to querendo
sair disso porque não aguento as Platinas. Já imaginou como
uma Diamante deve ser?
- RICA PRA CACETE!
- Insuportável, cheia de si, egocêntrica… Não preciso
disso, agora, cara.
- Vai se foder, Spencer! - ele tenta tomar meu celular -
Vai se foder pra caralho! Se você não quer, pelo menos diz
pra ela que tem um amigo que vai mudar a vida dela!
- Você acabou de dizer que eu devia desacelerar e tentar
uma Ouro.
- Isso é uma Unicórnio, seu imbecil! Não se recusa uma
Unicórnio! - ele está em pânico. Pânico real. É quase
engraçado de assistir.
- Cara, eu…
- Por mim! Vai por mim! Porque eu nunca vou conseguir uma
mulher dessas e você precisa me representar! Por favor! - ele
junta as mãos e eu concordo antes que ele se coloque de
joelhos.
Encaro o teclado do celular, ainda lendo sua resposta.
Olá.
Só isso.
Só uma palavra.
Três letras.
E Eric está praticamente prostrado de joelhos orando para
alguma divindade de sua escolha.
Tudo isso por causa de uma conta no banco.
Balanço a cabeça.
Que merda.
Eu nunca devia ter entrado nesse site.
Oi
Digito de volta.
O chat sinaliza que a mensagem foi lida e ela está
respondendo.
- Puta merda, ela tá online AGORA! - Eric vai enfartar. É
uma possibilidade real.
- Cara, se acalma. - estou rindo.
O celular vibra.
Nervoso?
Tento salvar.
Eric encara a tela do meu celular e desiste.
- Deus não presenteia os comuns com esse tipo de benção.
- resmunga, para si mesmo - Não! Deus escolhe os idiotas para
premiar. E aí os idiotas perdem a oportunidade.
- Você disse que era estranho dizer que eu estava
nervoso! Isso explica! Melhor do que dizer que fiquei nervoso
porque ela é rica!
- Aí você foi de "nervoso" pra "virgem". Ótimo.
- Eu não disse que era virgem. - reviro os olhos.
Mais um aviso do celular.
***************
***************
Tatiana
O encontro é um desastre.
Estou contando os segundos para a ligação de Lucille me
salvar dessa catástrofe.
Você já assistiu Forrest Gump? Sabe aquela cena em que
Bubba cita TODOS os tipos de pratos que sua mãe sabe fazer
usando camarões? Bubba passa horas, dias, meses, narrando a
longa lista de habilidades culinárias de sua matriarca.
Spencer Reese tem a mesma habilidade de Bubba para puxar
um assunto.
"Conversa" para ele se resume a citar receitas,
ingredientes e, mais que tudo, suas adoradas estrelas do
Michelin.
Quando começou a me explicar como eram os diferentes
tipos de faca que um restaurante utiliza, eu tive vontade de
pegar a que estava ao lado do meu prato e enfiá-la em meus
olhos. Quão fundo eu precisaria enfiar para justificar uma
ida ao hospital sem perder a visão?
Eu e o homem a minha frente temos nada em comum: nenhum
assunto, nenhum interesse, nenhuma opinião.
É apenas uma consequência lógica que tenhamos nenhuma
química.
E a cereja no topo da chacina é a diferença de idade.
Spencer é treze anos mais novo do que eu e, apesar de ter
todo o conjunto físico digno de um homem, eu não consigo
afastar a sensação de que é um moleque. Um jovem adulto mal
saído da adolescência que vai começar a falar sobre seus
truques para pegar mulheres em um bar assim que exaurir sua
lista de nomenclaturas para itens de cozinha.
Mas… Pelo menos ele é gostoso de olhar.
E gostoso é a palavra ideal para definir.
Homens como ele deviam vir com um aviso de cuidado. Uma
placa vermelha com letras garrafais que se chocasse contra
sua cabeça antes dele entrar em seu campo de visão. Porque
aqueles olhos castanhos, o sorriso indecente e o par de
covinhas quase era mais do que eu conseguia suportar sem
perder o decoro.
Respiro fundo.
- … mas é diferente da Santoku. A faca Santoku… -
continua.
E continua.
E continua.
A única diferença entre Spencer e Bubba é que Bubba,
eventualmente, calava a boca.
Gostaria de dizer que ao menos a refeição me distraiu.
Mas a comida daquela porcaria conseguia ser pior que a
palestra de Spencer.
A noite é um desastre absoluto e quando termina, estamos,
eu e ele, aliviados.
Saímos do restaurante mantendo uma distância segura entre
nós, os dois temendo que qualquer contato adicional torne a
noite ainda mais desagradável.
- Precisa de uma carona? - ofereço, assim que vejo minha
motorista parar o carro na entrada do restaurante.
- Não, eu estou de carro. - aponta para o manobrista.
- Oh, eu não…
Não paguei o manobrista dele.
Devo pagar o manobrista dele?
Meu Deus, esses encontros deveriam ser mais simples.
- Não se preocupa. - ele se adianta, lendo meu
constrangimento - Seu carro já chegou. A gente se fala! Você
tem meu número.
Ele me dá outro meio abraço desajeitado e quase implora
pra que eu o deixe sozinho.
Acho que estava mais desesperado que eu para ver a noite
acabar.
Tudo bem.
Aceno e me enfio no banco de trás do carro.
Respiro tão fundo que minha motorista, Lucille, sente
minha dor.
- Muito horrível ou pouco horrível? - ela pergunta, vejo
seu sorriso no espelho retrovisor.
- Acho que batemos um novo recorde hoje, Lu.
Ela ri alto.
Tem acompanhado a série de infortúnios de minha vida
pessoal da primeira fila e tem intimidade suficiente para
dizer:
- O próximo vai ser pior, você sabe, não é?
- Também te amo, Lu. - esfrego os olhos - E você não
ligou!
- A Julia disse que, dessa vez, não era pra…
Eu aceno e peco que ela nem termine a frase.
Maldita Julia.
- Você não está pronta pra encontros. - cantarola - Você
não sabe relaxar! Se fica tensa, nunca consegue se divertir.
- E como uma pessoa aprende a relaxar? - resmungo.
Ela considera por um instante e dá de ombros.
- Talvez você devesse pagar alguém pra isso. Ao invés de
pagar por… sexo. - ri.
- LUCILLE! Não estou pagando por sexo.
- Certo, chefe. - ri baixinho - Se você diz. Direto pra
casa?
- Não. - choramingo - Estou morrendo de fome.
- Fome? - faz uma careta - Mas…
- A comida era horrível! E pouca!
- Nossa. Esse bateu o recorde mesmo.
- Eu te disse!
- Tudo bem. Pra onde então?
- O lugar mais perto que tenha a comida mais rápida.
- Acabamos de passar por um McDonald's.
- Perfeito.
Lucille precisa fazer uma volta que acaba sendo mais
longa do que meu estômago gostaria. Ela oferece o drive-in,
mas eu preciso comer agora.
- Você quer alguma coisa?
- Não, vou esperar no carro. - ela avisa, mostrando o
celular - Estou quase passando de fase. - a tela já está
iluminada no jogo das bolinhas.
Toco no ombro dela e a encaro com intensidade.
- Você está viciada. Isso é doença e você precisa de
ajuda profissional.
- Chefe, a senhora bem que podia fazer uns joguinhos de
celular também, não era? E me dar os códigos pra passar
rápido das fases chatas.
Balanço a cabeça para sua resposta e desço do carro.
O caminho para o balcão está vazio. Não há qualquer fila,
e eu agradeço aos deuses antigos e novos porque minha fome
não aguenta muito mais. Meus pés doem e eu arranco os saltos
no meio do pedido, em algum lugar entre o menu do big mac e a
porção extra de nuggets. Deslizo para o lado, assim que
terminei de pagar e algo em minha visão periférica atrai
minha atenção.
O homem sentado na mesa mais próxima está me encarando
como se questionasse a sanidade dos próprios olhos. Ainda tem
a boca entreaberta e a única batata frita suspensa no ar.
Spencer Reese. Congelado.
Ai, não.
Sorrio e aceno.
Ele engole em seco e devolve minha cortesia antes de
levar a batata esquecida ao destino final. Prende a
respiração e aponta para a cadeira a sua frente, convidando-
me para sentar.
De jeito nenhum.
- Eu pedi para levar. - explico, apontando com o polegar
para o lugar onde, por infernal coincidência, a atendente
terminou de colocar todo o meu pedido em uma bandeja.
Dessa vez, o sorriso de Spencer é envergonhado. Como se
entendesse a rejeição apesar de meus eufemismos.
Derrubo meus ombros.
Não quis ofendê-lo. O encontro foi horroroso, mas ele não
é uma pessoa ruim.
Pego minha bandeja e sento na cadeira que ofereceu.
- Acho que ela não me entendeu quando pedi pra levar. Eu
te faço companhia.
- Não precisa fazer isso, de verdade.
- Tudo bem. - ergo um ombro - Acho que não fui a única a
achar a comida horrível. - brinco.
- Não, não foi.
- Sinto muito.
- Não é culpa sua que o chef não sabe cozinhar.
Sorrimos, sem jeito.
E de volta ao silêncio constrangedor.
Bem… o lado bom é que pelo menos um sanduíche é mais
rápido que uma refeição de seis pratos.
Spencer me observa ao tirar o canudo da boca:
- Você não vai me ligar de novo, vai?
Sua pergunta não soa agressiva ou desagradável.
Ele é… genuíno.
Doce.
Não consigo lhe dizer "não".
- Bem… - murmuro.
Ele abre um sorriso divertido como se estivesse curioso
para ouvir que desculpa esfarrapada eu daria agora.
Eu escolho a verdade:
- Ora, vamos. - desisto - Você não pode ter achado que
esse encontro foi bom.
- Eu estava falando sobre facas? - espreme os olhos,
ainda rindo - Acho que passei boa parte da noite falando
sobre facas.
Eu aceno, em pânico, e ele desata em risadas de quem não
liga mais para bons modos.
- Droga, parte de mim estava esperando que tivesse sido
uma alucinação.
- Você é muito dedicado a facas. Seria assustador se não
fosse tão…
- Adorável?
- Eu ia dizer "entediante". Mas, claro, "adorável". -
brinco e ele ri um pouco mais.
- Acho que eu fiquei nervoso. - dá de ombros - Sinto
muito.
Dou uma mordida no meu sanduíche e o observo com cuidado.
Ele não está rindo, mas as covinhas ainda estão marcadas
em seu sorriso apertado.
Adorável.
- A culpa não é só sua. - confesso - Pelo menos você
estava se esforçando para manter uma conversa. Eu podia ter
ajudado.
- É verdade. - ele mastiga, fingindo indiferença e
fazendo-me rir - A culpa é sua. A noite toda, você só disse
que "realmente não dava pra um restaurante ter uma quarta
estrela do Michelin".
- E que obsessão é essa com as estrelas? Homem, você
precisa deixar isso pra lá.
- Melhor ser obcecado do que ser descrente. Te falta
confiança nas habilidades culinárias das pessoas do mundo.
Pode ser que alguém, por aí, algum dia seja bom suficiente
para ganhar uma quarta estrela.
Ele está errado e eu termino de engolir a batata antes de
lhe explicar por quê.
- Você sabe o que é o Michelin? - ergo as sobrancelhas.
- Eu fiz um curso de culinária e trabalho em um
restaurante, Riquinha Rico, o que você acha?
Eu estou rindo alto.
- Você me chamou de "Riquinha Rico"?
- É. - revira os olhos - É de um filme bem velho que…
- Eu sei que filme é. E nem ouse dizer que é tão velho
assim, moleque. - ergo o indicador e ele distrai o sorriso no
canudo - E, respondendo sua pergunta, não acho que você sabe
o que é.
É
- É uma guia de turismo. - explica - Marca locais
interessantes de visitar e restaurantes bons de conhecer. Os
críticos são excepcionais e as estrelas só são oferecidas a
cozinhas de luxo que são realmente muito boas.
- É um guia rodoviário. - corrijo - "Michelin" é uma
marca de pneu. Mas sim, quando não existia internet, GPS e
Yelp, o guia do Michelin era o de maior credibilidade na hora
de organizar uma viagem.
- Dá no mesmo.
- Não dá.
- Posso saber por quê?
Respiro fundo.
- As estrelas são marcações para cozinhas de luxo: o
quanto elas valem a pena para quem está "na estrada". "Uma
estrela" significa que o restaurante é bom e, se você estiver
passando por ele, vale a pena parar e conhecê-lo. "Duas
estrelas" significa que o restaurante é muito bom e, se você
estiver passando perto dele, vale a pena fazer um desvio para
ir conhecê-lo. "Três estrelas" significa que o restaurante é
tão maravilhosamente bom que vale a pena fazer uma viagem SÓ
para conhecê-lo. Então, eu acho muito difícil eles colocarem
uma quarta estrela porque… qual seria essa categoria? Um
restaurante tão perfeito que vale a pena você sair da Terra e
voltar de novo SÓ para visitá-lo?
Spencer fica em silêncio considerando minha explicação.
E quando finalmente fala, é com uma voz jocosa que me faz
rir antes mesmo de concluir a frase:
- Sabe, eu estive pensando, não acho que dá pra um
restaurante ganhar uma quarta estrela.
- Não, não acho que dá. - concordo - E já que você está
tão complacente, por que não me diz sobre o que teria
conversado essa noite, se não estivesse tão interessado em
listar facas?
- Garfos e colheres. - assente, sério, e a risada escapa
mais alta do que eu esperava, preciso cobrir a boca com a mão
- Mas não acho que temos intimidade suficiente para esses
dois, ainda.
- Oh, não. Você está certo. Para um primeiro encontro é
realmente melhor ficar só com as facas.
Seu sorriso diminui, mas ainda está lá.
- Por que a gente não faz o contrário? - convida - Já que
provavelmente nunca mais vamos nos ver de novo - considera -
por que não me diz algo que nunca diria?
- Em um primeiro encontro?
- Ou na vida. - dá de ombros - Somos dois estranhos que
nunca mais vão se cruzar. Nossos segredos estão a salvo.
Deixo a boca entreaberta porque não sei o que fazer com
minha hesitação. Spencer dá de ombros e sorri.
- Foi um convite estranho. - desculpa-se - Esquece. Na
verdade, se você pudesse esquecer essa noite inteira seria
bem legal!
Dou risada.
Ele puxa a gola da camisa de um jeito nervoso.
Lindo.
O homem é lindo.
Do tipo que te deixa desconcertada. É um benefício imenso
que ele seja tão jovem. Se fosse mais velho - com um olhar de
experiência, um sorriso de quem sabe exatamente como cuidar
de uma mulher e alguns cabelos grisalhos - eu estaria bem
fodida.
- Foi um convite estranho, mas… - dou de ombros também -
Pode ser divertido. Quero dizer… dificilmente vai ser pior
que o resto da noite.
- Dificilmente! - concorda, enfático, e gesticula para
que eu responda.
- Não, não, não. - balanço o canudo ainda preso em meus
dedos - Você primeiro.
Ele abre um sorriso imenso.
Desconcertado, ele também.
Passa a mão larga nos cabelos escuros de um jeito jovial
que parece ser de propósito.
Balança a cabeça devagar enquanto considera suas
possibilidades e, por um instante, seu sorriso desaparece…
assim que ele decide o que dizer.
Oferece o copo de papel em um brinde vazio.
- Eu sou medíocre. - anuncia.
Enrugo a testa.
- Medíocre?
Respira fundo, precisa de fôlego para o que vai dizer:
não tanto pela quantidade de palavras, mas pela sua
intensidade.
- Nunca fui bom em esportes, nunca tirei boas notas,
nunca tive um talento especial. - admite, sem me olhar nos
olhos - Nunca fui especialmente inteligente. A única coisa
que eu tenho a meu favor é que eu sou bonito. E isso não é
mérito meu. É aleatoriedade genética. - sorri, sem jeito -
Acho que é por isso que eu sempre quis ser modelo ou ator. Me
pareceu fácil, simples. Só que eu estava enganado. Bem
enganado. Não é fácil. Não é simples. Foi idiota achar o
contrário. E agora estou aqui, sem qualquer expectativa
profissional, preso em um emprego que me dá pouco prazer ou
orgulho e… é isso. Não sou um bom partido. Pensando assim,
você faz muito bem em não me ligar de novo. - pisca um olho,
mas sua expressão é cabisbaixa.
Não sei o que responder.
Não sei se há o que responder.
- Sua vez. - avisa, antes que o silêncio se prolongue.
- Ah… - estreito os olhos, buscando em minha memória algo
que sirva como revelação - Estou um pouco envergonhada de
estar usando esse site. É estranho levar uma porção de
garotos de vinte anos para jantar. Acabo me sentindo como…
- Não. - ele recusa, interrompendo-me.
- O quê?
- Eu disse "não". Não vale. Eu admiti algo íntimo, que me
envergonha e que nunca disse em voz alta antes. E você está
me contando a mesma coisa que vai contar pra um bando de
amigas assim que chegar em casa.
- Não vou con…
- Não vale. - repete.
- Não vale?
- Não, senhora. Você consegue fazer melhor do que isso.
Encaro Spencer.
Seus olhos castanhos de vinte e três anos que eu,
provavelmente, nunca mais verei de novo.
- Se eu te perguntar qual é a coisa que mais te incomoda
e que você nunca admitiu em voz alta. - pede - Qual a
primeira coisa que você pensa?
Engulo em seco.
Ao contrário da maioria das pessoas, eu acho que sinto
minhas emoções na garganta primeiro, não no coração.
Ela fica ressecada, rouca, dolorida ou fechada quando um
pensamento me atinge muito rápido. Muito forte.
Eu sei exatamente o que dizer para Spencer.
É o mesmo que minha terapeuta quis me ouvir dizer por
dois anos inteiros.
É o mesmo que Pamela imagina.
É o mesmo que me assusta sempre que olho pra Marcus com
carinho.
Eu sei o que dizer.
Mas saber é mais fácil do que conseguir.
Há anos eu tento tomar coragem.
Mas as palavras sempre me abandonam e me deixam no
silêncio.
Abro a boca e sinto-as na língua.
Mas, ao invés de dizê-las… eu escolho outras.
- Acho que estou gostando do melhor amigo do meu marido.
Ele engasga com o refrigerante.
- Você é casada?
- Viúva. Spencer, você não leu o meu perfil, não é?
- Não, só mandei a mensagem porque você era a mulher mais
rica que tinha no site.
Estou rindo de sua sinceridade inabalável. Quero dizer…
ele sequer hesitou.
- Então, você está a fim do cara que era melhor amigo do
seu marido? E por que isso é um problema? E mais importante:
se você está a fim dele, por que está saindo com uma porção
de garotos de vinte anos?
Respiro fundo.
- Você é muito novo. - suspiro - Você não conseguiria
entender.
- Tente, ainda assim.
Assinto, com um sorriso divertido.
- Você já assistiu "Friends"?
- O que isso tem a ver?
- Responde a pergunta, garoto. - reviro os olhos - Já
assistiu "Friends" ou "How I met your mother"… qualquer um
desses seriados de comédia?
- Já assisti "How I met your mother". Friends é meio
chato.
Engasgo.
- Tá, a gente vai voltar pra esse assunto depois. - ergo
as sobrancelhas - Mas você já assistiu os episódios mais de
uma vez?
- Já.
Assinto.
- Já percebeu como, nos primeiros episódios, os atores
ainda não estão a vontade com os próprios personagens? Ou
"não tão a vontade" quanto eles ficam depois que já estão
interpretando os papeis por um ano ou dois? Quero dizer… se
você assiste, na sequência, o último episódio de uma dessas
séries, e depois assiste o primeiro, é perceptível como os
atores ainda estão encontrando sua profundidade.
- Tudo bem. Mas o que isso tem a ver?
- Relacionamentos são isso. O relacionamento que um ator
tem com o papel que ele interpreta, é o mesmo que nós temos
uns com os outros, enquanto pessoas. Enquanto amigos,
amantes… o que seja. Leva tempo até você descobrir quem você
é dentro daquela dinâmica. Acabar um relacionamento é como
perder um papel. É ter que começar a dinâmica toda de novo.
- Você quer dizer que você muda quem é em um
relacionamento?
- Não… eu… - mordo o lábio, tentando decidir como
explicar - Na última temporada, existe história entre o ator
e o personagem que ele interpreta. Existe anos de
desenvolvimento, leitura de roteiro, pequenas percepções do
dia-a-dia e maneirismos adquiridos… coisas que você não vê na
tela. Mas que aconteceram para o ator.
- Certo.
- A mesma coisa acontece em um relacionamento. Eu estive
com Daniel por mais de dez anos. É quase metade da minha
vida. E, durante todo esse tempo, eu e Marcus fomos amigos.
Sair em um encontro com ele agora é como se… como se alguém
me pedisse pra mudar de personagem no meio do seriado. Nós
temos história demais. Tem uma estranheza entre nós… uma
responsabilidade muito grande de fazer dar certo porque, se
der errado, ambos perdemos um amigo. Isso tudo misturado a
culpa que eu sinto… como se estivesse traindo Daniel com seu
melhor amigo. - engulo em seco.
Sem querer, estou contando a Spencer muito mais do que
pretendia. Espero que ele acene em respeito, mesmo que ainda
não tenha idade para compreender.
No entanto, o que ele faz é revirar os olhos:
gloriosamente.
- Meu Deus, como você é complicada.
- Perdão?
- É isso que acontece quando a gente fica velho? A gente
fica complicado por nenhuma razão?
- E eu sou velha agora? - estou rindo de sua explosão de
sinceridade.
- Você pegou a referência a "Riquinho Rico" bem depressa.
E gosta mais de Friends… Acho que você seria velha mesmo que
não fosse velha.
Escondo os olhos atrás da mão e ainda estou rindo.
- Você é péssimo em encontros, Spencer.
- Isso não é mais um encontro. Estou só dizendo um fato.
- Um fato?
- A tua analogia é um lixo.
- Um lixo?
- Um lixo imenso e estúpido. Quero dizer… tá, os atores
de seriados demoram alguns anos pra aprofundar personagens
porque essa é a mídia. Mas e atores de filmes? Eles precisam
entregar um personagem completo em meses. Pior ainda se for
um filme biográfico e eles tiverem que interpretar alguém
real! E eles fazem isso algumas vezes no ano e ainda recebem
prêmios. Eles são especialistas em relacionamentos por causa
disso?
- Não… foi só uma analogia.
- Uma analogia bem lixo. Você tá com medo de sair com o
cara que gosta e tá inventando um monte de razões pra se
convencer que está certa. Mas você está tão certa sobre
relacionamentos quanto eu sobre o Michelin.
- E voltamos ao assunto do Michelin. Você precisa de um
pouco de variedade.
- E você precisa assistir Orphan Black. Olha… Se quer
sair com o cara, sai com o cara. Transa com ele logo no
primeiro encontro.
- E isso vai resolver o quê?
- Nada cria intimidade como sexo, meu amor.
- E você acha que pode ficar aí, do alto dos seus vinte e
poucos anos de idade, me dando conselhos sobre
relacionamento?
- Não sobre relacionamento, sobre sexo. Sobre
relacionamento, eu não tenho conselho pra dar. E, sendo
sincero, mesmo que eu desse, você não deveria seguir. A
última vez que levei uma garota pra cama, passei metade do
tempo na dúvida se ela sabia meu nome e na certeza que eu não
sabia o dela.
- Pois eu preciso de amigos que entendam de
relacionamento. Do tipo que só entende de sexo, eu já tenho
uma.
- E ela está fazendo um péssimo trabalho ou você já tinha
superado isso.
- Garoto…
- Já que você gosta de histórias nada a ver, deixa eu te
contar uma, então.
Gesticulo para que ele fique a vontade.
- Quando eu era novo…
- Quando você era novo? E agora você é velho?
- Quieta. - resmunga - Quando eu era mais novo, tinha uns
10 anos… tinha uma mulher estranha que morava na casa na
frente da minha. Devia ter uns 70 anos de idade. A gente
conseguia vê-la pela janela, nos observando, às vezes. Mas
ela nunca saía de casa.
- Deixa eu adivinhar: era a "bruxa" da sua rua?
- "Vampiro", na verdade.
- Vampiro?
- Era a teoria. Porque ela nunca saía durante o dia. Mas
durante a noite eu a via… ela abria a porta de casa e ficava
sacudindo as chaves no meio do quintal, encarando a rua. Às
vezes ela caminhava pelo quintal ou molhava as plantas. Mas
sempre de noite.
Faço uma careta porque o comportamento certamente era
estranho.
- Todo mundo na rua morria de medo dela e fazia o
possível pra evitar até passar na frente da casa. Até que um
dia, alguém chutou a bola e quebrou a sua janela.
- Meu Deus, isso parece cena de filme ruim.
- Obrigado. Posso continuar?
- De nada e por favor.
- Os meus amigos me desafiaram a ir até lá buscar a bola.
E agora que você já ofendeu minha história, eu vou pular os
detalhes… mas ela acabou me oferecendo um copo de suco e foi…
gentil. Gente boa, sabe? De um jeito que eu não esperava de
uma senhora-vampiro de 70 anos que sacudia as chaves a meia
noite. Comecei a ir pra casa dela, às vezes. Não só eu… mas
todos nós, da rua. A gente se alternava cortando a grama dela
ou ajudando a limpar algo e ela sempre nos pagava bem e
oferecia suco. Depois de algumas semanas, eu tomei coragem
para perguntar.
- Sobre as chaves?
- Sobre tudo. E aí ela me contou… bem… não com detalhes,
mas de um modo que uma criança de 10 anos pudesse entender:
ela tinha sofrido muitos abusos a vida inteira. Do pai, do
irmão, do marido. Isso acabou deixando-a doente. Ele tinha
fobia de sair de casa. Só a ideia de colocar o pé na rua a
deixava em pânico.
- Agorafobia.
- Exato. Ela disse que tinha piorado ao longo dos anos,
mas que sempre era mais fácil pra ela sair a noite. Talvez o
silêncio ou o fato de que tem menos gente na rua… É por isso
que ela caminhava pelo quintal quando escurecia.
- E as chaves?
- A irmã dela estava doente. Câncer. Os médicos disseram
que ela não ia viver mais que um ano. Mas ela morava em outra
cidade e minha vizinha…
- Não conseguia sair de casa.
- Nem mesmo para ficar com a irmã doente. É por isso que
ela ficava ali, de noite, encarando o carro com as chaves na
mão. Ela estava pensando em tudo que queria fazer, mas tinha
medo. E eu… bem… eu tinha 10 anos e nunca fui muito bom em
dar conselhos.
- A parte dos conselhos, eu já notei.
- Pois é. - ri - E aí eu só disse pra ela que "ainda bem"
que era só isso, porque nós todos achávamos que ela era um
vampiro.
- E ela?
- Ela riu. Mas eu fiquei pensando e acabei dizendo pra
ela que talvez fosse mais fácil se ela fosse, de fato, um
vampiro. Porque aí ela não precisaria ter medo de nada. Ela
pareceu ficar muito triste na hora e foi isso. Algumas noites
eu ainda a via no quintal. Mas eu não tinha mais medo… eu só
torcia para que ela conseguisse. Mas… não. - ele ergue os
ombros - Até que um dia, eu fui até o quintal dela para pegar
o cortador de grama e notei que o carro tinha desaparecido.
Fui bater na porta para ver se ela estava bem e encontrei um
pedaço de papel preso ali, com uma nota escrita a mão. Dizia
"Adeus, Spencer. Eu decidi virar um vampiro". Ela juntou as
coisas e foi embora de madrugada. Foi ficar com a irmã dela.
Aperto os lábios porque sua história foi preciosa.
- E esse é o seu problema, Tatiana…
Espera.
- E a bateria?
- Você tem que… Han? - interrompe-se.
- A bateria do carro. Você disse que ela não usava há
meses, no mínimo. A bateria estava funcionando?
Ele me encara entre o sorriso e a cólera.
- A história não é minha.
Pisco os olhos.
- Não… não sei se aconteceu de verdade. - admite e eu
começo a rir - É uma dessas histórias que viram lenda urbana,
sabe? Escutei quando era criança. Deve ter acontecido com
alguém!
- Ah-ham! Tenho certeza que sim!
- Ah, vai pro inferno. - ri - Dá pra pelo menos aceitar a
lição da história? Esse é o seu problema: você tem que virar
um vampiro.
- Sabe? A culpa é minha por querer buscar sabedoria em
uma criança. - aponto.
- Minha vizinha entendeu algo que você se recusa a
aceitar!
- Sua vizinha é uma obra de ficção!
- Que enfrentar nossos medos é uma decisão. Você pode
ficar com esse papo de relacionamentos de seriado e sites de
sugar baby o tanto que você quiser. Mas, se você quiser
perder o medo de ficar com alguém, você tem que ficar com
alguém e pronto. Você tem que decidir parar de ter medo. Vire
um vampiro.
Ele sorri, resoluto, como se tivesse acabado de encerrar
sua defesa de sucesso em um tribunal. Encaro seus olhos por
um instante.
- Amanhã, quando minha amiga me perguntar sobre esse
encontro, eu vou precisar contar pra ela que você me chamou
de velha e me contou uma história sobre vampiros. Vai ser
divertido ouvir o que ela vai dizer.
- Não esquece de dizer que eu sou gostoso.
- Pode deixar. - estou rindo.
Spencer observa algo atrás de mim com um interesse
cuidadoso. Eu me viro e encontro Lucille, parada com as
portas de vidro ainda entreabertas. Hesita porque não queria
interromper.
- Só verificando se você está bem. - ergue um polegar,
antes de voltar para o carro.
- Ah! Tudo bem! – respondo – Esse é o Spencer, Lu.
Acabamos nos encontrando aqui de n... - Verifico as horas
porque se Lucille parou o jogo das bolinhas eu devo ter
demorado demais. -- Meu Deus. - encaro o relógio - Eu
preciso… preciso ir!
Spencer levanta, levando as bandejas até o lixo.
Saímos juntos. O estacionamento está quase vazio.
- Qual o seu? - aponto para os carros e Spencer aperta os
olhos.
- Ah, eu… eu estacionei na esquina.
- Vem comigo, então, te dou carona até seu carro.
- Não… não precisa. - engole em seco e eu pauso.
- Spencer.
- Hm?
- Você não tem um carro, não é?
- Eu não sei por que eu disse que tinha. - dá um tapa na
própria testa como se não conseguisse entender como o próprio
cérebro funciona.
- Diz seu endereço pra Lucille. A gente te deixa em casa.
- Não precisa.
- Está com medo de me dar seu endereço? Acha que vou
voltar lá pra te roubar?
Os ombros dele caem quando revira os olhos.
- Não quero te incomodar.
- Não vou te deixar no meio da rua a essa hora.
- Eu sei me virar.
- Garoto. - rosno - Entra no carro.
Ele obedece e eu sei que Lucille está nos vigiando pelo
retrovisor com seu meio-sorriso intrometido.
- Pra casa, chefe? - ela pergunta com um sorriso que vai
de orelha a orelha.
Acho que o meio sorriso não foi suficiente.
- Não. Vamos deixar Spencer em casa, primeiro.
Ele diz o endereço e agradece mais uma porção de vezes.
Por alguns minutos, o ronco baixo do motor é tudo que
preenche o silêncio. Verifico as mensagens no celular para me
manter distraída enquanto Spencer bate os dedos contra o
joelho.
- Espero que dê tudo certo entre você e o cara. - deseja,
finalmente.
- Que cara? - Lucille se intromete.
- Obrigada. - falo alto, cortando-a - Mas não sei o que
quero fazer, ainda.
- Se gosta dele, sabe o que quer fazer. Só está com medo.
- Marcus. - Lucille murmura para si mesma, porque já
entendeu tudo - Marcus é "o cara".
Spencer olha de mim para Lu, com um sorriso confuso,
tentando decifrar a natureza de nosso relacionamento.
- Todo mundo que trabalha pra mim é horrivelmente
inapropriado. - explico, arregalando os olhos - Se você
conhecer alguém discreto que não dê atenção pra vida alheia,
pode dar meu telefone e dizer que eu estou contratando. -
encaro Lucille pelo retrovisor quando digo isso, mas ela
apenas ri mais um pouco.
O homem ao meu lado é largo. E quente. Sinto o calor dele
no espaço onde nossos braços se tocam.
Respiro fundo.
Irrelevante.
- Bem… eu espero que você tome coragem. - dá de ombros -
Essa coisa de encontros é como um músculo. Você precisa
exercitar.
- É o que eu vivo dizendo. - Lu avisa.
- E eu tentei. - resmungo - Mas o site não deu muito
certo.
- Você não achou esse daí no site? - aponta para Spencer
- Com ele já foi um pouco melhor que os outros, não foi?
- Lucille…
- Você foi o melhor até agora. - ela me entrega - Ela
perdeu a hora conversando com você e ela nunca perde a hora.
- Sério? - ele dobra o lábio e me encara com um olhar
muito divertido.
- Não fique arrogante. - aviso - Além do mais…
- Por que vocês dois não fazem isso? - Lu sugere.
- Fazer o quê? - pergunto.
- Saem em encontros?
- Tentamos. - ele argumenta - Apesar dela ter perdido a
hora, te garanto que foi um fracasso.
- Hm. E por que não fingem? Por que não saem em encontros
falsos?
- E um encontro falso vai ser melhor que um de verdade? -
Spencer pergunta.
- Ei, ei, ei. - paro a loucura - Ninguém vai a encontros
com ninguém. Nem falsos, nem verdadeiros.
- Chefe, a ideia é boa: ele deve precisar de dinheiro.
Ei, garoto, você precisa de dinheiro?
- Eu… ahm…
- Ele precisa de dinheiro. - Lucille decide - E você tem
dinheiro. Ela tem dinheiro. - avisa para o garoto.
- Lucille… - repito.
- Vocês continuam saindo, a chefe te paga e vai ser como
uma consultoria.
- Consultoria? - pergunto.
- De encontros! Olha, alguma coisa no encontro de vocês
deu certo. Talvez continuar saindo com esse daí seja um bom
modo de relaxar, chefe. Se acostumar com ter um cara por
perto e um pouco de romance. Mesmo que falso! Só pra…
exercitar o músculo. Até você se sentir mais a vontade para
sair com o Marcus.
- Lucille. Não posso obrigar o Spencer a…
- Quem falou em "obrigar"? Espera. - ela já estava
discando um número e nos colocou no viva-voz.
- Alô? Lu? - o timbre no viva-voz é um que eu reconheço
imediatamente.
- Julia! - Lucille cumprimenta minha assistente - Estou
aqui com um cara que vai ensinar a chefe a sair em encontros.
- Ah… certo…
Minha boca está aberta porque eu não acredito no que está
acontecendo. Lucille continua:
- E eu quero saber quanto a gente pode pagar pra ele.
- "A gente"? - eu finalmente encontro as palavras.
Mas a confusão de Julia é maior que a minha:
- Lucille, o que diabos está acontecendo?
Spencer cobre a boca com a mão, mas suas gargalhadas são
audíveis.
- A chefe teve um bom encontro! Tem um cara aqui no carro
com ela.
- Mentira!
- Juro por Deus!
Eu me jogo contra o banco do carro, fecho os olhos e
respiro fundo.
- Oi, cara no carro.
- Spencer. - ele se apresenta.
- Hmm, gostei da voz dele. Grave. Bonita.
- E ele é bem bonito também! Muito bonito mesmo!
- Obrigado.
Ainda estou de olhos fechados. Minha esperança é acordar
na minha cama daqui a dez minutos e descobrir que isso tudo
foi um pesadelo esquisito.
- A chefe perdeu a hora com ele, Julia.
- Ela NUNCA perde a hora.
- Foi o que eu disse! Escuta! Eu acho que eles deviam
continuar saindo. Esse foi o primeiro que deu certo até agora
e a chefe tá precisando voltar ao cavalo depois da queda e
tudo o mais.
- FOI O QUE EU DISSE!
- Mas, nesse site as mulheres precisam pagar, não é? Não
por sexo! - ela acrescenta. Parece ter dito isso diretamente
pro Spencer e eu quero morrer. - Não se paga por sexo nesse
site, eu acho - ela soa particularmente confusa - Essa parte
ainda não me explicaram direito.
- Lucille, quieta! - Julia ri - Spencer, ela pode pagar
seu aluguel e… o que você faz da vida?
Ele fica mudo e eu preciso abrir os olhos para ver o que
aconteceu no universo. Spencer está me observando como se não
tivesse certeza do que fazer.
Eu também não tenho certeza do que fazer.
Na verdade, a única certeza que eu tenho é que, se eu não
fizer o que aquelas duas estão sugerindo, essa história vai
chegar na Pamela e aí eu não vou ouvir o fim disso NUNCA
MAIS. E pior: eu serei leiloada para um homem que tem toda
intenção de me comprar e estragar sua própria vida por uma
chance que eu sequer estou certa se quero lhe dar. Melhor
ficar a frente da curva. Traçar um plano, estabelecer metas,
cumprir etapas.
Ao contrário de toda a bagunça que aconteceu nos últimos
minutos, essa é a parte que me deixa calma.
Respiro fundo e deixo a Tatiana Pragmática assumir o
controle:
- Eu posso pagar seu aluguel. - confirmo - Um book novo e
conseguir uma agência pra te representar. - o queixo de
Spencer cai como se a lista fosse mais dinheiro do que ele
sabia contar - E quando isso tudo terminar, em troca do seu
cuidado e discrição, posso te dar… cinquenta mil dólares. -
considero - Mas não preciso que me ensine a sair em
encontros… Só preciso que seja meu namorado de mentira por
algum tempo.
Vejo Lu estreitando os olhos pelo retrovisor.
Marcus está indo para São Francisco.
Só preciso ganhar tempo.
- Vou precisar de sua companhia para um evento
beneficente, daqui a duas semanas. - inclino o rosto,
tentando ignorar o peso da vergonha que começa a dar as caras
- Não é black tie, mas ainda assim acho que era melhor
sairmos para comprar umas roupas para você. Sabe? Para você
não ter que pegar emprestado. - encaro sua camisa.
- Dá pra notar?
- Você não parou de mexer na gola a noite toda, parece
que a coitada é sua inimiga.
- Meu amigo é menor do que eu. - admite.
- Vamos fazer compras. - decido. Eu amo a Tatiana
Pragmática. Vê como ela conseguiu lidar com toda essa
situação surreal sem gaguejar uma única vez? - Outra coisa: O
evento é organizado por uma amiga minha e eu vou dizer pra
ela que nós estamos… sexualmente envolvidos. Para que ela não
me coloque a leilão.
Spencer me encara em descrença.
- Tem tanta coisa nessa frase que eu não entendi.
- Eles leiloam mulheres. - explico.
- Tipo escravidão? - faz uma careta horrível.
- É, Spencer. Eu sou uma bilionária, desenvolvedora de
software de ponta, e vou, voluntariamente, me oferecer para
escravidão. Ficou louco? É uma brincadeira que alguns eventos
beneficentes fazem. Eles "leiloam" as mulheres. Os
interessados fazem lances e o mais alto ganha um jantar com a
acompanhante escolhida. Todo o dinheiro é doado. Todas as
mulheres solteiras participam. Se eu aparecer nesse evento
"solteira", Pamela vai me enfiar na lista para leilão. Então,
se alguém perguntar, nós estamos juntos há um mês e
sexualmente ativos. A parte do sexo é importante.
- Posso perguntar por quê?
- Porque essa minha amiga tem um fraco por sexo. Se eu
disser que estamos apenas saindo, ela não vai me liberar. E,
Spencer, eu não pretendo ser leiloada, entendeu?
- Sim, senhora. - sorri. Pela primeira vez na noite, seu
sotaque sulista aparece forte. Esteve tentando disfarçá-lo
pelas últimas horas. Talvez isso signifique que ele,
finalmente, está a vontade. - Então talvez a gente devesse
sair em outro encontro antes desse evento. Se você quer
convencer sua amiga que estamos transando, vai ser melhor se
a gente já estiver um pouco mais a vontade um com o outro.
- Tudo bem. Alguma sugestão?
- Se "estamos juntos há um mês", é importante a gente
saber algumas coisas sobre o outro. Que tal… - ele pausa por
um instante enquanto considera - vermos o filme favorito do
outro? Cada um escolhe o seu. Assistimos os dois e eu cozinho
o jantar?
- Ótimo. Na minha casa?
- Combinado.
- Chegamos. - Lucille avisa, mordendo a ponta da língua.
- Tchau, linda. - ele belisca minha cintura e me dá um
beijo na bochecha, desnecessariamente perto da boca.
- O que está fazendo? - encaro-o, congelada.
- Se você vai fingir que é minha namorada é melhor fingir
um pouco melhor. Porque depois que eu levo uma mulher pra
cama, ela não fica tensa desse jeito.
A única coisa mais aberta que meus olhos é minha boca.
Não consigo colocar em palavras o…
- O que foi? - ele inclina a cabeça - Você disse que todo
mundo que trabalha pra você é inapropriado, não é? Estou
tentando me incluir na família. - pisca um olho, exibindo
toda a glória do seu sorriso safado ladeado pelas covinhas
inocentes. Algo em mim treme… bem de leve.
- Garoto, eu gostei de você! - Lucille defende, de
imediato.
Ele ainda está rindo quando sai do carro.
- Chefe, eu gostei dele! Julia! Eu gostei muito dele.
Julia está gargalhando quando eu me enfio de volta no
banco e peço a minha motorista que, pelo amor de Deus, me
leve de volta pra casa.
3. Ray Charles
Spencer
***************
Tatiana
***************
***************
Spencer
Ok.
Tatiana é gostosa.
Ela é uns dez anos mais velha que eu - como já fez
questão de lembrar em mais de uma ocasião - e, não vou
mentir, sabe? Ninguém a confundiria com uma garota de 22 anos
de idade. Mas é estranho olhar pra essa mulher na minha
frente e imaginar que ela está mais perto dos quarenta do que
dos trinta.
Mais estranho ainda é imaginar que a última vez que
alguém a comeu foi há seis anos.
Puta merda.
Isso significa que ela mal tinha 30 anos última vez que
transou.
Estou desfazendo os botões em seu decote e assistindo a
carne dos seus peitos ficar mais livre a cada instante.
Ela ainda era casada.
Que tipo de animal passa três anos com uma mulher dessas
na cama sem dar uma mísera lambida?
Arrepia-se sob meu toque e faz o impossível para não me
olhar nos olhos. O encolher-se envergonhado de uma Tatiana
sendo despida faz maravilhas pela minha auto estima que tem
levado golpe atrás de golpe nos últimos tempos. Livro-me do
seu casaco, primeiro, antes de enfiar os dedos pelas alças de
seu vestido. O tecido é suave e desliza pelas suas curvas em
um instante.
Ou deslizaria se ela não tivesse interrompido seu
percurso na metade do caminho.
Seu lábio inferior treme e eu afasto as mãos para que ela
saiba que tudo bem.
Boa parte do seu sutiã está a mostra mas acho que é só
isso que Tatiana pretende me mostrar hoje.
E, acredite: é quase mais do que consigo aguentar.
Usa uma roupa íntima preta. Simples, mas suficiente para
me fazer endurecer.
Ai, droga…
Eu sei que nunca fui o rapaz mais esperto do ambiente,
mas correr pra nudez em um cubículo apertado foi a mais
estúpida das ideias.
Ainda bem que ela nos interrompeu ou eu estaria perdido.
Mas fazer o quê?
Sem problemas.
Não é como se eu nunca tivesse lidado com uma excitação
casual antes.
E também não é como se isso fosse razão suficiente para
me fazer perder a chance de verificá-la. Examinar com
indecência vale pros dois lados, não é?
Ok.
Tatiana é muito gostosa.
As curvas fartas e angulosas nos quadris e nos seios, as
pernas longas, a pele suave de tez latina. Ela parece que foi
esculpida em alguma coisa. "Alguma coisa" que eu gostaria de
morder um pouquinho porque parece ter um gosto bom.
A mulher é linda.
Minha rigidez é pouca. Discreta. Do tipo que basta um
puxão na calça jeans e logo estou confortável de novo.
Não toco seu corpo além do ato do quase despir porque
imagino que isso pode ultrapassar um limite e ela está
encolhida contra a lateral da cabine como se eu fosse capaz
de queimá-la.
Estou prestes a sorrir e fazer alguma piada: qualquer
comentário idiota para quebrar o clima tenso que se construiu
entre nós. Algo que a deixe mais a vontade e a faça perceber
que não há nada demais ali.
Mas eu ergo o olhar e, talvez, assim como ela fez mais
cedo, eu também deveria ter evitado seus olhos.
Você já foi atingido por um trem?
Eu também não.
Mas acho que as pessoas subestimam essa expressão quando
a usam.
Você acorda cansado em uma segunda-feira e diz que parece
que foi atingido por um trem.
Mas… não. Não parece.
Não parece que um comboio de vagões de cem toneladas se
chocou contra o teu peito, descarrilhando-se fora do eixo,
estilhaçando todos os ossos que você tem no corpo e deixando
pra trás centenas de outras vítimas e incontáveis famílias em
interminável luto. Não parece que tem uma chapa de metal te
impedindo de respirar enquanto farpas de vidro se enfiam no
seu coração.
Não parece isso.
Não de verdade.
Eu ergo o olhar para encarar Tatiana Corso e seu sorriso
tímido faz alguma coisa comigo.
Alguma coisa que eu não esperava.
Alguma coisa que eu não antecipei.
Alguma coisa que eu não achava que era possível e, mesmo
que fosse, certamente não achava que aconteceria por tão
pouco.
Um olhar.
Um sorriso.
Sobre seus saltos finos, ela é quase de minha altura. E o
que me perturba não é apenas seu corpo escultural que me leva
a meia ereção sem dificuldade. Ou seus cabelos longos e
escuros, presos em um rabo de cavalo alto, que me fazem
considerar qual seria sua textura se eu os enrolasse em minha
mão enquanto a como de quatro.
Não é apenas o tesão pelo corpo porque esse eu conheço,
espero e lido sem complicações.
O que me perturba é essa vontade que eu tenho de beijá-
la.
Vontade que apareceu sem muita razão e que,
definitivamente, não estava aqui há meio segundo.
Eu queria dizer uma piada.
Queria fazer um comentário que a distraísse.
Mas, de repente, não consigo pensar em nada.
Mordo meu lábio inferior. Talvez a dor ajude minha
concentração.
Diz alguma coisa, idiota.
Ela toca meu peito.
Não com libido ou intenção.
É apenas um toque.
É… honesto.
Íntimo.
Foge do meu olhar e eu o busco pra mim. Seus olhos
escuros e poderosos, vertendo-se em vulneráveis. Ela se
sentiu segura o bastante para ficar exposta e indefesa. Pra
mim. Por mim.
Não parece uma bilionária de 36 anos.
Parece uma virgem de 19.
E, em algum lugar entre essas duas personalidade que
lutam para assumir o controle do seu corpo, ela descobriu que
confia em mim.
Em mim.
De todas as pessoas…
Seu toque sobre meu peito é frio, mas me esquenta por
dentro.
Ela é linda.
Acho que até agora - até esse exato segundo - eu não
tinha notado o quanto.
Coloco minha mão sobre a dela e Tatiana se permite me
olhar nos olhos.
O trem.
Tem uma força estranha nos seus olhos escuros.
Algo forte e poderoso que me impede de respirar. Que faz
meu coração arder como se estilhaços de vidro estivessem
separando minhas artérias.
Cem toneladas de metal.
Vítimas e pânico.
Minha boca ainda está aberta.
Eu ainda não disse nada.
Preciso dizer alguma coisa.
A piada lembra?
O comentário leve para quebrar a tensão.
Respiro fundo e abro a boca. Mas as únicas palavras que
consigo expulsar são:
- Seu marido era um idiota. - ofego.
Seu sorriso tímido escapa em uma risada baixa de
descrença.
- Não se deve falar mal dos mortos… - anuncia, metódica,
como sempre.
- Não estou falando mal. - murmuro, rouco, e, por alguma
razão, acho que meu nariz está quase tocando o dela - Estou
falando um fato. Ele era idiota. - respiro fundo tentando
organizar minha mente mas o perfume dela me fode - Muito
idiota.
E eu estou duro.
Não casualmente.
Não pela metade.
Estou duro.
Pleno, imenso e doendo contra minha calça. Pronto para
fodê-la pela primeira vez em seis anos e é só nisso que
consigo pensar.
Estamos em silêncio, apreciando o calor um do outro, mas
não vai durar.
Devagar, chegamos ao ponto em que ou eu a fodo, ou a
visto de volta e acho que Tati também percebeu isso porque
abandona o meu peito para buscar as alças do vestido.
- Aqui. - afasto-me tentando quebrar a hipnose. Abaixo-me
para pegar minha camisa caída aos seus pés, é mais ou menos
aí quando eu sinto o cheiro.
É inconfundível, sabe?
Estou ajoelhado na sua frente e tenho certeza que aquele
cheiro é da sua umidade.
Sua calcinha está pesada e molhada nesse exato segundo e
eu estou aqui, de joelhos, sentindo seu cheiro de longe e
refletindo sobre minha vontade de senti-lo de perto.
Passo uma língua rápida sobre meus lábios secos.
Eu já estava duro antes. Mas agora minha situação é
absurda.
Ergo-me depressa. É melhor ela se cobrir logo ou eu acabo
esporrando nas calças.
O que diabos está acontecendo?
Engulo em seco. Ela se veste rápido. Talvez sentindo o
mesmo que eu, ou talvez isso seja apenas minha imaginação
arrogante projetando nela desejos que são meus.
- Acho melhor eu experimentar mais algumas camisas. -
limpo a garganta - Já que acabamos a lição de hoje. - tento
sorrir, desconcertado. Mas, veja bem: eu sou um homem bem
grande e eu estou bem duro. Por mais que Tatiana tenha se
permitido ser vulnerável a ponto de parecer a virgem de 19,
ela ainda é a mulher de 36.
Ela sabe que eu estou duro.
Eu sei que eu estou duro.
Se eu sair dessa cabine agora, o Barney's inteiro vai
saber que eu estou duro.
Ela, no entanto, é a rigorosa definição de "polidez" e
não menciona meu estado por qualquer sugestão que seja.
Eu a agradeço, mentalmente, porque, se qualquer
comentário fosse feito eu não acho que saberia responder.
Será que eu estou com vergonha? Aperto os olhos por um
instante. Minha desordem emocional chega a ser risível.
Em qualquer outro caso eu poderia ser explícito e obsceno
e foda-se. Apontar pra minha virilha e dizer "olha o que você
faz comigo". É idiota, eu sei: mas funciona.
Só que com Tatiana… parece errado.
Foi o modo como tocou meu peito.
O modo como olhou pra mim.
Uma intimidade preciosa que eu não quero destruir sendo o
babaca que fala de sexo.
Ela me oferece uma camisa azul e eu visto prontamente.
Inclino-me para que ela julgue e isso vira uma nova
brincadeira.
Não. "Brincadeira" não é a palavra certa.
O que acontece entre a gente é… carinho?
Ela escolhe as camisas e eu as visto. Ela as aprova com
polegares animados e um sorriso lindo. Ou recusa com uma
careta adorável.
Eu ainda estou duro nutrindo um sorriso imbecil na minha
cara. Principalmente quando ela se sente a vontade o
suficiente para me ajudar com os botões.
Tiro minhas mãos do caminho e deixo ela me vestir.
Desliza os dedos pelo meu peito e seu toque, com certeza,
não é fraternal ou familiar.
Mas também não é erótico.
É… algo novo.
Belisco sua cintura e ela me dá um tapa de leve, sem
perder o sorriso.
Eu tenho vontade de trazê-la pra perto. Sentir o cheiro
do seu cabelo. Ficar abraçado com ela, no meio das roupas e
escutar enquanto ela tenta me convencer que eu não sei o
título certo dos livros.
Eu tenho vontade de lhe dar um beijo.
Um de verdade.
Minha mão pesa na parte baixa de suas costas e seu
celular toca.
Ela se sobressalta como se tivesse esquecido que tem um
celular.
Como se tivesse esquecido que existe um mundo lá fora.
- Alô? - toca a testa, como se quisesse apertar os
próprios pensamentos - Oi Doug! Não, eu não… Já está no ar?
Há quanto tempo? - abre os olhos, nervosa, e verifica o
relógio em seu pulso - Não, eu… esqueci. - fecha os olhos,
lutando contra algo que preferiu não colocar em palavras -
Estive ocupada. Eu sei, eu sei. Não! Eu quero ouvir agora.
Você pode…? - ela fica em silêncio por alguns segundos -
Certo! Ótimo! - afasta o celular do rosto e olha pra mim -
Preciso de quinze minutos. Trabalho. Por que não experimenta
o resto e escolhe o que quiser? Eu já levo essas para o
caixa. - aponta para as que já aprovou - Doug? Oi. Pode
começar.
O trabalho parece tê-la hipnotizado de volta porque abre
a porta da cabine sem se incomodar que alguém possa vê-la.
Acho que estamos juntos porque eu também não me preocupo.
Na verdade, a única coisa que me incomoda é que ela se
foi.
E eu me sinto sozinho.
De um jeito estranho.
De um jeito… diferente.
Queria que ela voltasse.
Queria passar o ano inteiro com ela, dentro daquela
cabine.
4. Doze
Spencer
À
Abro os olhos e esfrego meu rosto com força. Às vezes, a
gente precisa dar uns tapas metafísicos em si mesmo para
afastar ideias que nunca deveriam ter sido germinadas pra
começo de conversa. Eu só preciso de sexo.
É por isso que estou considerando Vanessa.
É por isso que não consigo parar de pensar em Tatiana.
Só por isso.
Não tem a ver com aquela bunda gostosa ou aquela pele
macia.
Deus, como eu queria que tivesse derrubado o vestido.
Acho que sonhei com o topo dos seus peitos hoje.
Cobertos por aquele sutiã preto e bem simples, me
deixando mais duro que muita mulher nua em pelo. Só um
relance de um decote, timidamente tapado por mãos arredias e
incertas.
Delicada e pura.
Inocente para mais coisas do que eu poderia contar.
Ela merecia umas mordidas.
Talvez até precisasse.
Esfrego meu rosto de novo.
Fico de pé com um pulo.
Daqui a poucas horas preciso estar em sua casa e é mesmo
melhor para todo nós que eu não esteja perdido em divagações
sobre sua bunda ou o que gostaria de fazer com ela se tivesse
mais colhões que o Lancaster. Mas somos dois covardes, eu e
ele.
Sei que ele vai se masturbar pensando em Alice, no
capítulo seguinte, para tentar impedir seus pensamentos
impuros diante da mulher que, apesar de suas melhores
tentativas de fingir o oposto, é virgem ainda. E se foder o
próprio punho é bom o bastante para um lord, vai ter que ser
bom o bastante para mim também.
Poucas horas.
O Lancaster vai se agradar uma vez só.
Mas eu tenho tempo pra duas.
***************
Tatiana
Doze.
No sistema de numeração duodecimal, o doze é o número
base.
A referência.
O padrão.
Doze meses no ano, doze pontos no compasso, doze signos
do zodíaco.
Acho que é por isso que os egípcios acharam de bom tom
definir que uma hora seria 1/12 de um dia, entre o nascer e o
pôr do sol.
Doze minutos para o fim do expediente.
Eu poderia ter ido pra casa mais cedo, mas o que eu ia
fazer lá?
Passar doze minutos a mais esperando o Spencer?
Pensando em tudo que poderia dar errado e tudo que
poderia dar certo.
Ele era uma década mais novo do que eu. Treze anos para
ser exata. Mal tinha começado a vida adulta e é por isso que
eu só pretendia tê-lo pelas aparências. Fingir que ele era
algo que, em realidade, eu jamais o permitiria ser, apenas
por algumas horas de alguns dias para afastar o outro que eu
fingia não querer quando, em realidade, mal conseguia parar
de desejar.
Passei pouco mais de uma hora com o Spencer naquela loja…
e agora eu estava encarando aquele plano com outros olhos e
outros receios.
1/12 de um dia, entre o nascer e o pôr do sol tinham
mudando muita coisa.
O que aconteceria hoje? Quando eu passasse outra 1/12 de
um dia com ele, mas, dessa vez, entre o pôr do sol e o
nascer?
Ele era lindo e bom de ter nas mãos. Essa parte eu tinha
percebido depressa. Encarou minha pele coberta por nada além
de roupa íntima e modéstia, respirando meu perfume, fazendo-
me derreter em luxúria. Soberba.
Antes da cabine, ele era só um cara.
Depois da cabine, ele era um cara que eu poderia querer.
O cara treze anos mais novo que eu poderia querer.
Meu Deus, Tatiana… no rank das más ideias essa era tão
grande que ocupava, sozinha, os primeiros três lugares.
Mas não me abandonava essa sensação forte de ter,
possuir, morder, querer e agarrar.
Existe mesmo homens no mundo que são violentamente
deliciosos e, sim, essa é a palavra: violentamente. Não
existe nada pacífico em Spencer sem camisa. Não existe nada
calmo, reflexivo ou adequado. Aquele peito despido é uma
agressão. É um negócio que te faz querer mostrar os dentes e
arranhar até verter sangue. Tem homem que tira a camisa e
parece que leva tua sanidade junto. Nunca tinha acontecido
comigo, até agora.
Era rígido de um jeito macio, ou macio de um jeito
rígido. Jovem a ponto de me fazer questionar e experiente a
ponto de me fazer implorar. Havia pouca coisa em Spencer que
não fosse uma contradição, mas toda ela só ficou evidente no
Pós-Cabine.
Maldita hora que decidi fazer aquilo.
Maldito 1/12.
Respiro fundo em meu escritório de paredes de vidro,
encarando o relógio sobre minha mesa.
O ponteiro dos segundos se move como se estivesse
apontando para mim e rindo. Como se tivesse feito uma máfia
com todos os outros relógios do mundo para atrasar a rotação
da Terra apenas para garantir que os doze minutos que me
faltavam iam correr como doze anos.
Só vai pra casa, Tati.
Não tem mais o que fazer aqui.
Esses minutos dificilmente vão fazer diferença.
Encaro meu computador tentando fingir que ainda consigo
me concentrar para fazer a última coisa do dia. Mas não
consigo. Eu sei disso e todos os ponteiros de segundos no
mundo sabem também.
Respiro fundo.
Por que estou tão ansiosa?
O que diabos eu acho que vai acontecer?
E mais que isso: o que diabos eu queria que acontecesse?
Péssimo dia para usar um rabo de cavalo porque eu queria
mesmo enfiar as mãos pelos meus cabelos até arrancar dali
pensamentos incoerentes de uma libertinagem que nunca me foi
característica.
Spencer com seu cheiro de homem e sua barba mal feita
pressionando-me contra a parede. Minhas entranhas ardendo e
derretendo, implorando por uma coisa que eu sequer sei se é
certo pedir.
Eu devia ter pedido pra Pamela ficar, depois de nossa
reunião. Talvez ela conseguisse me distrair.
Ou, talvez ela lesse meu desespero bem demais e eu
acabasse confessando a origem da minha ansiedade. E aí o
arrependimento seria bem maior.
Manter-me entretida por aqueles doze minutos exige um
sacrifício digno de Homero.
A sobrevivência ali é uma vitória por si só.
Hora de ir pra casa e fingir que eu não estive esperando
por esse jantar o dia inteiro.
- Estou incomodando? - Marcus bate na minha porta
entreaberta e tem um sorriso que me faz hesitar.
- Marcus! Não sabia que vinha! Temos algo marcado?
- Tive um reunião com seu pessoal de marketing, achei que
você ia participar.
Respiro fundo.
- Ah, não, não. Eu tive que fazer… outras coisas. -
explico.
Ele assente, com um sorriso agradável e um piscar de
olho.
Eis o que você precisa saber sobre Marcus: ele não
precisa participar dessas reuniões de marketing. Contratei
sua agência há muito tempo e nunca me arrependi, mas ele está
muito alto na hierarquia para efetivamente precisar
comparecer pessoalmente em toda e qualquer reunião. A de
hoje, por exemplo, é tão baixa no radar de importância que eu
sequer sabia que estava acontecendo. Ele, no entanto, parece
agarrar qualquer oportunidade para vir fazer uma visita.
E isso é parte do problema.
- Você quer sair pra beber alguma coisa? - convida,
tomando minha cintura para me dar um beijo na bochecha.
Aceito seu abraço e seu beijo. Meus olhos se fecham
devagar e eu me sinto culpada.
Marcus tem algo igual ao Spencer e algo completamente
diferente.
Ele também é imenso com seu cheiro de homem e barba mal
feita. Tem o mesmo charme cru.
Mas, enquanto Spencer tem um jeito de quem sabe lamber,
Marcus tem um jeito de quem sabe beijar.
O tipo de homem que sabe exatamente como te abraçar pra
te fazer sentir querida e protegida.
- Eu… eu tenho planos. - mal consigo respirar.
Ele não me soltou. Ainda estou presa contra seu peito,
seus dedos acariciando minha cintura de um jeito tão
familiar.
- Não. Desmarque. - ri, brincando - Vai sair comigo,
hoje.
Eu estou rindo também. Abaixo o rosto, disfarçando meu
sorriso e ele tem o nariz nos meus cabelos. Respira-me e
beija minha testa.
É tão fácil com Marcus.
É tão simples.
Quando ergo o olhar de volta ele está tão perto que
poderia me beijar. Deslizo as mãos por seus ombros.
Às vezes, queria que ele fizesse isso: me beijasse.
Através da minha culpa e insegurança. Apenas tomasse a
decisão por nós dois e me beijasse, talvez assim fosse mais
fácil. Ou mais difícil.
Engulo em seco e sinto minha garganta doer.
Minhas emoções começam na garganta.
Aquele abraço é tão bom que eu não quero que acabe.
Mas eu sei que não pode continuar.
Nada bom vem daquele abraço.
Se ele me beijasse só haveria culpa e desconforto.
A ideia do desejo e me deliciar na sua boca é algo que só
existe na minha cabeça. No segundo que os lábios se tocassem,
a doçura da ilusão ia ser substituída pela amargura da
realidade e eu ia perceber que a diferença dos sabores, aqui,
seria suficiente para um engano desastroso.
- Fiquei sabendo da sua promoção! Vai dirigir o
escritório em São Francisco? - tento mudar de assunto. Mas
tensão sexual é como uma barata em um acidente nuclear: ela
vai sobreviver, não importa o que aconteça.
- Ainda não aceitei. - dá de ombros.
Não me solta.
Nunca me solta.
- E por que está hesitando? É uma oferta incrível!
- Eu não… - ele é lindo com seu sorriso desconcertado -
não quero deixar os amigos para trás. Tenho coisas demais
aqui.
- Mas São Francisco tem o sol! E o mar! Uma casa perto da
praia deve ser incrível.
- Ah é? - ri - Está pensando em se mudar, Corso? Porque
isso pode ser um ponto a favor de São Francisco!
- Nunca se sabe! - estou me divertindo na brincadeira,
mas é só quando seu sorriso muda de intensidade que eu
percebo o que fiz.
- A gente pode dividir uma casa, então. - provoca, mas
tem seriedade demais no seu tom - Ser colegas de quarto.
- Ia ser uma boa economia de dinheiro. - arregalo os
olhos, sarcástica.
Ele me solta um pouco porque sua risada exige.
- Não. - engulo em seco, nos trazendo de volta ao trilho
- Não posso sair de Nova York. Alguém tem que cuidar da
Pamela.
- Verdade. - assente.
Tem calor no jeito como me observa.
Adoro ficar sozinha com ele.
Detesto ficar sozinha com ele.
Olho para o relógio.
Doze minutos.
Se eu tivesse saído doze minutos antes poderia evitar
tudo isso.
- Vem beber alguma coisa comigo. - pede - Eu deixo você
tentar me convencer.
- A ir? Ou a ficar?
- Você escolhe. - tem tanto significado por trás da sua
resposta.
Por trás do jeito como ele pronuncia as palavras.
Não posso fazer isso.
Não posso, não posso, não posso.
E é exatamente isso que digo:
- Não posso, Marcus. - cabe a mim empurra-lo educadamente
para fugir do seu abraço - Tenho planos. Eu… - ah meu Deus -
Eu tenho um encontro.
Acho que nem um tiro seria capaz de fazê-lo recuar tão
depressa. A sua surpresa é igualada apenas pela sua
incredulidade, quando me observa como se pergunta nenhum no
mundo fosse suficiente para apaziguar a confusão que sente no
momento.
- Um encontro?
- É. Eu… conheci alguém. Já imaginou? Logo eu. - sorrio,
sem jeito - Ele vai cozinhar pra mim hoje a noite. Preciso ir
para casa, recebê-lo.
- Ah!
"Ah".
É tudo que ele diz.
Atordoado.
Observa-me como se estivesse tentando me colocar em foco
apenas para descobrir que não é possível.
Eu o machuquei tentando não machucá-lo. O mal que a gente
faz quando não queria fazer mal algum.
Preciso sair dessa sala.
Preciso sair desse prédio.
- Acho que Pamela ainda está aqui! - aviso, tentando
disfarçar o desespero que é sempre tão perceptível no tom
agudo da voz em momentos assim - Ela vai adorar ir com você!
- Ah?
Ele parece preso naquela mesma palavra.
Naquela mesma letra.
- É! - tento animá-lo - Vem! Não faz quinze minutos que
ela foi embora! - fechei a porta da minha sala e estou
conduzindo Marcus pelos meus corredores. "Pânico" talvez seja
um exagero. Ou talvez "pânico" seja a medida certa - Ela
ainda deve estar aqui! - minha afirmação, na verdade, é um
pedido. Um que logo se concretiza porque estou ouvindo a voz
dela.
Hesito.
Estou ouvindo os gritos dela.
- … E VOCÊ ACHA QUE É DA SUA CONTA?
- É da minha conta se interfere com minha vida!
- Se é sua obrigação de trabalho, Julia, não tem nada a
ver com "interferência na sua vida". É uma coisa que te pagam
pra fazer e você faz.
- E você me paga? Desde quando?
A outra voz é Julia, minha assistente.
Desconheço qual o motivo para tanta comoção, mas vejo as
duas nas imediações dos tapas assim que entro na recepção,
temporariamente esquecendo do Marcus em minha tentativa de
evitar que a discussão vire caso de polícia.
- A Tatiana não te paga? Isso é pra Tatiana.
- É por isso que eu recebo minhas ordens dela e não de
você!
- Não sei quem te deu intimidade pra…
- Não preciso de intimidade! Eu tenho noção! Algo que te
falta!
Pamela enche os pulmões de ar. Está lívida e vai
responder com algo a altura e além quando eu preciso me
colocar entre as duas.
- Ei, ei, ei! Vamos abaixar as vozes! - olho ao redor do
hall para a pequena plateia que as duas já cativaram - O que
aconteceu?
Minha amiga encara o relógio como quem não consegue
acreditar que passou tanto tempo discutindo algo tão sem
importância.
- Eu pedi pra Julia fazer uma alteração nas nossas
reservas pro cruzeiro porque eu decidi levar um acompanhante.
É ela quem está resolvendo as nossas reservas, não é?
- É ela quem está resolvendo as minhas reservas. -
corrijo.
Pamela estreita os olhos.
- A minha está junto com a sua! Eu nem tenho os códigos
da porcaria!
- Tudo bem. Julia, você pode ver se as reservas da Pam
estão vinculadas a minha? Se estiver, pode fazer a alteração.
Não entendo qual o problema.
- O problema é que sua assistente é louca.
- O problema - Julia reforça a palavra - É que você fez
essa reserva em seu cartão profissional. E como vamos saber a
procedência de quem a madame vai levar? Vai querer pagar a
viagem de um garoto de programa no seu cartão da empresa,
chefe?
- Garota, a tua cara de pau é um negócio mesmo admirável!
- Pamela rosna - Quem te deu intimidade para julgar minhas
companhias?
Julia só dá de ombros e eu preciso intervir de novo,
antes que a gritaria retorne.
- Ju! - ergo as mãos para as duas, como adultos fazem a
crianças - "Cartão profissional" é só uma separação que eu
faço para controlar minhas próprias finanças, não faz
diferença qual cartão eu uso, são todos meus e você sabe
disso! Pode acrescentar o convidado da Pamela a nossa reserva
e depois eu resolvo o valor com ela. Se era só essa sua
preocupação, está resolvido.
Pamela morde o lábio inferior como se fosse capaz de
matar alguém diante de polícia, júri e juiz.
Julia, por sua vez, respirou fundo e é o retrato da
dignidade.
- Era só essa minha preocupação. Se me dão licença.
Suas palavras são curtas e quase educadas, mas seu rosto
está rígido e corado.
- Você precisa demitir essa assistente! - Pamela é a
personificação da fúria assim que estamos a sós com Marcus.
- Não vou fazer isso.
- Mas devia! Garota mal educada, inapropriada… - ela
deixa a palavra solta como quem tenta pensar em outras para
continuar, mas não consegue lembrar de nenhuma - Desde quando
é da conta dela com quem eu saio? Ela fica vigiando os teus
encontros também?
A frase parece arrancar Marcus do torpor que se enfiou
desde que ouviu minha confissão.
- Eu… eu acabei de lembrar que tenho que ir pra casa.
Preciso terminar de resolver umas coisas.
Congelo onde estou.
- Tem certeza? A Pamela pode ir com você. - ofereço sem
sequer ter conversado com ela.
- Pra onde? - ela pergunta.
- O Marcus queria sair, mas eu tenho um compromisso.
Imaginei que você podia ir com ele.
- Posso ir. - ela ainda tem uma careta de irritação.
- Não. - ele repete - Tenho que… casa…
Ele se vai.
Não sei se se despediu. Acho que não.
Pamela me encara em vívida mistura de confusão e
desconforto.
- Eu vou encontrar um bar e um homem solteiro. - resmunga
- Antes que essa noite fique ainda mais estranha.
***************
Spencer
***************
Tatiana
***************
Spencer
***************
Tatiana
***************
***************
Tatiana
Spencer é problema.
Eu sou uma pessoa prática.
Eu tento evitar problemas e, quando não é possível, eu
tento resolvê-los.
É por isso que tem uma parte imensa de mim gritando que
eu deveria encerrar esse acordo agora.
Pagar o que devo, lhe desejar boa sorte e ter uma
conversar desagradável com Marcus.
Essa é a coisa mais razoável a fazer, eu sei que é. E,
pela minha vida, é isso mesmo que eu queria conseguir fazer.
Só amigos.
"Só amiga" de um cara treze anos mais novo.
Aquilo não ia dar certo. Ele é só imaturidade e
inconsequência enquanto eu estou fragilizada, reaprendendo
como me relacionar. É o equivalente a dar uma peça delicada
de cristal a uma criança muito pequena: ela vai se partir em
um milhão de pedaços e a culpa vai ser sua, sim.
Eu achei que já tinha desinstalado o aplicativo do Sugar Love
a aquela altura e é por isso que recebo a notificação em meu
celular com a testa enrugada de confusão.
"Oi, tigresa".
Duas palavras e a mensagem que, antes, era de procedência
duvidosa, agora é de origem bem certa.
"Oi, golfinho", devolvo, aleatória.
Ele não responde.
E não responde.
E não responde.
Deve estar trabalhando enquanto eu encaro meu celular
como uma adolescente.
O que diabos há de errado comigo?
Tento me distrair por algumas horas e quase consigo
fingir que esqueci do celular, até ele apitar mais uma vez
causando-me sobressaltos explicados apenas pela euforia.
"Desculpa! Eu estava trabalhando! Você tá bem?"
"Eu imaginei. Estou bem, por que está mandando mensagens
por aqui?"
"Eu achei que seria engraçado"
Encaro a tela do meu celular por dois segundos inteiros.
Acho que foi tempo suficiente para a insegurança de
Spencer atacá-lo porque recebo outra mensagem:
"Fui engraçado?"
"Foi" respondo "Hilário. Estou rindo muito até agora"
"Não precisa ser cruel!" ele adiciona à sua mensagem um
emote de um pequeno rosto amarelo com uma língua estirada.
"Está me dando língua?"
"Ou uma lambida. Você escolhe."
"Língua" prefiro.
"C r u e l"
Eu respondo com nada além do mesmo rosto amarelo e língua
que ele me dedicou.
"Lambida." Responde, fazendo, ele também, sua escolha.
"Como está o trabalho?"
"Adoro como você tenta nos manter longe do assunto que me
interessa"
"Você não sabe se comportar"
"Nem estou tentando"
"Deveria estar envergonhado"
"Teu autocorretor transformou 'excitado' em
'envergonhado'. Sim, estou."
"Vou supor que seu trabalho está bem e tranquilo, diante
dessa conversa"
"O Rodolfo decidiu que eu não sei fazer massa também.
Estou bem curioso para descobrir o que mais eu não vou saber
fazer amanhã"
"Sinto muito, Spencer… mas amanhã você tem a entrevista,
não é? Pode ser que se veja livre do Rodolfo em breve"
"Sim! Amanhã! Obrigado, de novo, Tati! Não sei como você
conseguiu agendar isso!"
"Eu te disse, eu a conheço há algum tempo. Espero que dê
tudo certo!"
"Quer dizer que espera que eu não estrague tudo?"
"Exatamente isso mesmo que quis dizer"
"Hahahaha Vou me esforçar"
"Vai dar tudo certo!"
"Preciso voltar ao trabalho antes que o Rodolfo decida
que eu não sei esquentar água"
"Boa sorte!"
Ele não responde por quase dois minutos.
Estou prestes a desistir de esperar, imaginando que ele
fez exatamente o que disse que ia fazer e já voltou ao
trabalho, quando mais uma notificação acende minha tela.
"Está ocupada hoje?"
"Não"
"Quer fazer alguma coisa mais tarde?"
Encaro as letras escuras no aplicativo.
Má ideia.
Péssima ideia.
Dou a única resposta que posso dar:
"Não."
"Só amigos, não é?"
"Só amigos" repito.
"Não vai precisar de mim antes da festa do leilão?"
"Acho que não. Mas se puder passar aqui, amanhã, para
experimentar o terno, é uma boa ideia! Se não puder, eu peco
a Lu para levar na sua casa, assim que possível"
"Eu posso ir!" responde depressa.
"Que horas quer que eu chegue?" acrescenta.
"Eu te mando uma mensagem amanhã?"
"Combinado! E quer fazer alguma coisa depois?"
"Spencer…"
"Eu já vou estar aí! Eu posso te fazer uma massa ou
esquentar uma água"
Estou rindo sozinho. Não sei se de sua graça, sua
insistência ou sua desgraça.
"Eu tenho uma festa no escritório amanhã a noite."
"Não vai precisar de companhia pra essa?"
Mordo o canto da boca.
É bem provável que o Marcus esteja lá. Mas eu já tinha
dito a mim mesmo que apenas mais uma festa com o Spencer e
esse acordo chegaria ao fim, antes que qualquer uma das
partes tropeçasse e nos levasse mais longe do que eu achava
certo ir.
"Não, estou bem, obrigada"
"Tudo bem"
Penso em escrever mais alguma coisa, mas… o quê?
Melhor deixá-lo em paz.
Deixá-lo trabalhar.
E eu sigo fingindo.
Fingindo que está tudo bem, que não estou verificando meu
celular e que não estou pensando no que aconteceria se eu
desistisse de minha resolução e levasse Spencer para uma
festa a mais do que planejei.
Só uma.
***************
Spencer
"Tudo bem".
Ela sequer respondeu minha mensagem.
E eu passei os últimos cinco minutos do meu intervalo
encarando nossas palavras e esperando.
Ô, filho de Deus, acorda.
Tem realmente alguma parte de você que acha que essa
mulher pode estar interessada em você?
TALVEZ pelo meu corpo ou pelo meu charme. Mas eu já tinha
tentado isso e não funcionou.
E eu não tinha muito mais fora isso pra oferecer.
A Vanessa ainda tá lá batendo papo com alguns clientes. O
Rodolfo até considerou pedir pra ela parar de conversar tanto
enquanto as pessoas comem, mas a mulher é boa pra cacete e é
bem evidente que tem alguns caras que só voltam aqui todo dia
pra dar em cima dela. O Rodolfo vende mais comida, a Vanessa
recebe mais gorjetas. Funciona pra todo mundo. Até pra mim,
inclusive, que não quero que a Lala fique sabendo dos meus
planos da noite.
Se a Vanessa estivesse pronta, nós íamos sair juntos e aí
o que eu ia dizer pra minha amiga? Que a Vanessa se perdeu e
precisa de ajuda pra voltar pra casa? Mesmo que fosse
verdade, a Laurie ia achar que era mentira.
Me despeço de todo mundo com a velocidade típica dos que
não querem dar satisfação e digo pra Van que vou em casa
tomar banho antes de encontrar com ela. A resposta que me dá
é um piscar de olho tão erótico que parece até que me fodeu
ali mesmo na frente de todo mundo.
Vou mesmo precisar do banho agora.
Estou bem comportado e tomado banho, sentado no sofá,
esperando Vanessa dar os ares da graça, mas os únicos ares
que ela dá vem em formato de uma mensagem pedindo desculpa
pelo atraso.
Tudo bem, né? Fazer o quê? A verdade é que o cara
desculpa quase tudo de uma mulher que está prestes a comer.
A Laurie vai me matar.
Vai deixar de ser minha amiga.
Vale a pena, Spencer?
Não, não vale.
E por que tá fazendo isso, ô animal? Vai no chuveiro,
bate uma bem pesada. Duas ou três se precisar. E pronto.
Mas eu fecho os olhos e vejo a Vanessa.
De quatro com aquela bunda deliciosa apontada pra cima.
Ela tava com um rabo de cavalo bem apertado hoje, que ia
encher minha mão bem direitinho enquanto eu a fodia ali e…
Engulo em seco.
Arregalo os olhos como se tivesse acabado de acordar pela
primeira vez no ano e descobrir que existe vida depois do
orgasmo.
O rabo de cavalo.
O caralho do rabo de cavalo.
A bunda deliciosa que eu to imaginando quando fecho os
olhos não é a da Vanessa.
Ai merda.
É por isso, POR ISSO que a gente pensa com a cabeça e não
com o pau, sabe? Porque o pau vê uma mulher e diz "quero", aí
ele vê outra e diz "não quero, mas serve" e começa a querer
te convencer.
Eu não queria a Vanessa.
Eu queria outra morena gostosa que tinha o hábito de usar
um rabo de cavalo.
Uma que a vida já tinha resolvido que eu não ia poder
experimentar.
Aí minha cabeça disse "ok".
Meu coração disse "seguimos"
E meu pau disse "e daí, jovem? De rabo de cavalo tem
MUITAS" e assumiu o controle.
Estou com raiva quando pego meu celular de volta.
Não sei por que estou com tanta raiva, mas é com isso que
estou.
"Você esqueceu de me desejar boa sorte" aviso, no
aplicativo do Sugar Love.
"Hm?"
"Boa sorte. Para minha entrevista amanhã."
"Ah… boa sorte!"
"Obrigado!"
- Vai! Diz mais alguma coisa! - resmungo, sozinho.
Sabe qual é o problema?
O beijo interrompido.
Esse é o caralho do problema.
Se eu nunca tivesse beijado Tatiana, eu estaria ok.
Se eu tivesse comido a Tatiana, eu estaria ok.
O problema é que eu tinha uma semana de merda, aí uma
mulher incrível pra cacete me queria, MAS… só por vinte
segundinhos. Depois disso, ela me botava pra fora e só queria
minha amizade. Eu sou um amigo DE MERDA, Tatiana! Olha o que
eu to fazendo com a Lala! Minha melhor amiga, e eu to prestes
a comer a mulher que ela detesta só porque não consigo me
livrar de uma coceirinha besta. Homem não presta, tá certo?
Essa é a verdade dos fatos e da vida. Nós somos todos
horríveis e é isso.
EU NÃO QUERO SER TEU AMIGO.
A gente começou o beijo e agora eu quero sentir tua
bocetinha quente na minha língua.
Se você quiser me botar pra fora e ser amigo DEPOIS
disso, TÁ ÓTIMO, princesa.
Mas depois, por favor. Não antes.
Antes é sacanagem.
Bagunço meus cabelos com raiva.
Meu celular apita mas não é Tatiana. Claro que não. É
Vanessa dizendo que já está tarde e que é melhor se eu for
direto pra casa dela. "Eu visto algo mais confortável e a
gente fica aqui?" ela pergunta.
"Confortável" na língua da Vanessa quer dizer "pelada".
Eu sou fluente nisso aí também. Ao contrário da língua da
Tatiana que eu, aparentemente, nem sei como dizer "quero te
dar umas lambidas" de um jeito que ela aceite.
Ah, inferno.
Meu celular apita de novo.
- Vou te comer, Vanessa, tá certo, todo mundo já
entendeu! - rosno. Mas a mensagem, dessa vez, é da Tati.
"Como está o livro?" pergunta.
Seguro meu celular e até parece que, de repente, esqueci
como usá-lo.
"Bom. Você devia experimentar."
"Me mande uma lista com suas cinco melhores recomendações
e eu compro um"
"Adoro que você disse 'eu compro um' e não 'eu leio um'"
"Estou tentando ser sincera"
"Pois eu te mando a lista se você prometer que lê pelo
menos um"
"Eu prometo que leio pelo menos um"
"Sabe? Você tá fazendo esse esforço todo pra fingir que
não liga, mas eu tenho certeza que você está morrendo de
curiosidade"
"Eu já disse que leio, não disse? Do que você ainda está
reclamando?"
"Você quer uns bem safados ou uns mais normais?"
"O oposto de 'safado' é 'normal'?
"Vai ficar discutindo vocabulário ou vai responder minha
pergunta?"
"Pode sugerir um de cada?"
"Só se você começar pelo safado"
"Eu sei que você não está tentando se comportar, mas está
mesmo se esforçando para não se comportar."
"Que bom que estamos na mesma página"
"Por que está fazendo isso?"
Eu estava rindo porque, até aqui, achei que nossa troca
era em tom de brincadeira. É o diabo das mensagens de texto,
não é? Se você acha que a pessoa estava rindo quando, na
verdade, estava séria como o apocalipse. Releio suas últimas
mensagens e agora estou com receio de tê-la chateado.
"O que quer dizer?"
"Spencer… Você sabe"
"Não sei"
Ela demora minutos inteiros para responder e eu estou
quase pedindo desculpas mesmo sem saber o que fiz de errado.
"Você não está interessado por mim"
- Quê? Como não estou…? Claro que estou! Ficou doida? Ela
ficou doida. - converso sozinho, em minha sala escura.
Mas o tempo que levei em meu ultraje bastou para que ela
seguisse:
"Sei que está interessado nos termos do nosso acordo e eu
entendo! Claro! Não quero ser rude, nós dois sabíamos no que
estávamos nos enfiando. Mas… não preciso que finja estar
interessado por mim".
"Tati, eu não sei o que dizer, mas não estou fingindo."
"Spencer, não precisa fazer isso. Não precisa dar em cima
de mim só por causa das nossas circunstâncias"
"Se as circunstâncias fossem outras, eu daria em cima de
você do mesmo jeito"
Ela não responde.
Mas não tem problema, eu sei o que precisa ser dito.
"Se as circunstâncias fossem outras, seria ainda mais
fácil".
"Mais fácil fazer o quê?"
"Mais fácil terminar aquele beijo."
"O beijo terminou, Spencer."
"O beijo foi interrompido, Tatiana."
"E o que mais poderia acontecer?"
E esse é o outro diabo das mensagens de texto. Se, por um
lado, você pode entender a pessoa errado por acidente… por
outro lado, você pode entendê-la errado de propósito.
Tatiana provavelmente quis dizer "ficou louco? Estou te
pagando e você é mais novo! O beijo não foi uma boa ideia, o
que diabos você achou que poderia acontecer?"
Eu, no entanto, decido entender que ela disse "hm,
verdade… e se tivéssemos continuado, o que teria feito?"
E é isso que eu respondo.
"Eu ia te deitar naquele sofá e ia cuidar de você a noite
inteira. É isso que poderia acontecer."
Não espero que ela responda de imediato e ela não me
decepciona. Tenho tempo de continuar:
"Mas isso foi antes. Agora eu mudei de ideia."
"Mudou de ideia?"
"Agora, eu ia te fazer implorar"
"E o que te faz pensar que eu imploraria?"
"Eu sei o que estou fazendo"
"Duvido que saiba" provoca.
Ou pelo menos eu acho que foi uma provocação.
"Só tem coragem de dizer isso porque não estou aí do teu
lado agora. Se eu estivesse, ia tirar tua dúvida em um
instante."
"Você sabe o que fazer com garotas. Não sei se sabe o que
fazer com mulheres."
"Por que não me dá uma chance de experimentar?"
"Spencer, esse foi o meu jeito educado de dizer 'não'"
"Quer saber o que eu estou fazendo agora?"
Abro o meu cinto e desço o zíper.
"O quê?"
"Enfiando uma mão na minha cueca. Estou flácido e no meio
da minha sala. Posso parar se você pedir."
"E que controle eu tenho sobre você?"
"Está me pedindo pra parar?"
"Você faz o que quiser! O que eu tenho a ver com isso?"
Eu faço exatamente o que prometi.
Fecho os olhos por um segundo.
Estou pensando no gosto que um mamilo suado tem quando
você prende sua pontinha entumecida entre os dentes. Estou
pensando em seus olhos revirando-se com a sobrecarga de tesão
quando minha língua cobre os arrepios dos seus peitos
experimentando sua pele e seu suor. Não demoro a ficar duro.
Fodo meu punho bem devagar. Movimentos muito longos e lentos.
"Quer saber no que eu estou pensando?"
"Eu não perguntei"
Não. Não perguntou.
Mas também não jogou o celular pra longe.
"Estou pensando no gosto do suor direto do teu decote se
eu tivesse te lambido naquele provador. Estou pensando no que
você teria feita se eu tivesse te bolinado ali mesmo"
Silêncio.
Meu toque sobre meu pau fica mais pesado.
"Você fala sobre eu não estar interessado. Quer ouvir uma
verdade, Tati?"
"O quê?"
"Ultimamente, eu fico duro só de pensar no teu decote."
Silêncio.
Não está sequer digitando.
"É mais que isso. Acho que fico duro só de pensar no teu
rabo de cavalo".
Nada.
Meu celular arde na minha mão, minhas palavras bastando
para me deixar louco. Meu pau endurecendo dentro do meu
punho, empurrando meus dedos enquanto a carne se estica e
enrijece. O desejo que eu sinto vem misturado com uma raiva
que eu não sei dizer exatamente de onde nasceu. Talvez do
somatório de frustrações que culminou com a rejeição de Tati.
Talvez da vontade de calar sua boca quando acha que sou um
garoto que não sabe fazer gozar uma mulher. Talvez do fato de
que a cabecinha do meu cacete duro já está babando fartos
gole de um pré-gozo pegajoso que eu não queria desperdiçar
nos meus dedos, e sim fazer cobrir os dela.
A mensagem que recebo, no entanto, é de Vanessa. Ela quer
saber quanto tempo eu demoro, mas eu apenas ignoro a mensagem
e sigo digitando outra coisa.
"Faz nenhum sentido isso, ficar excitado por causa de um
rabo de cavalo. Mas é isso que tem acontecido. Acho que fico
considerando como seria assumir o controle, e te colocar do
jeito que eu quisesse."
Meu pau está cheio em minha mão.
Fecho os olhos e sinto ela ali.
Bem ali comigo.
Por favor, responde.
"Será que você pode ir pro quarto?"
"Vem comigo?"
"Se está falando a verdade, seu colega de quarto vai te
pegar a qualquer momento!"
"Então, me ajuda a terminar mais rápido".
Não responde.
Eu não sei o que pensar, sabe? Não acho que ela foi
embora, ou não teria respondido às últimas mensagens. Também
não acho que quer que eu cale a boca ou teria respondido de
outro jeito. E se ela nem foi embora nem quer que eu cale a
boca, a única alternativa que me resta é continuar. Meu pau
lateja tão forte na minha mão que chega a doer.
Tesão é uma coisa com diferentes limites. Quanto mais
tesão você tem, menos os arredores se importam. Basta uma
vontade um pouco mais forte e você fica duro até no volante,
dirigindo no caminho pra casa. Eu não podia ter Tati no meu
colo, mas tê-la bem ali, presa nas minhas palavras,
acompanhando o meu masturbar era o mais perto que eu
conseguia chegar de aliviar a tensão que eu sentia, sem
precisar pegar o metrô e ir tocar sua campainha.
"Ainda to fodendo meu punho bem devagar. Vem fazer isso
comigo"
Ela não responde.
Não responde, não responde e não responde.
Mas que INFERNO. O que diabos eu preciso fazer pra me
enfiar na pele dessa mulher até fazer o desejo dela ser tão
insuportável quanto o meu?
"Você ainda está pensando na minha idade?"
Eu sigo mandando mensagens sem esperar mais as suas, já
que elas raramente vem:
"Ou no dinheiro?
"Ou nas duas coisas?"
"Eu preferia que você pensasse só no meu pau porque eu to
pensando só na tua boceta"
"Se o teu receio é ter algo físico comigo, não acho que
isso conta, Tati. São só mensagens" prometo.
"Só mensagens inocentes. Eu posso ser outra pessoa se
você quiser. Eu posso ser um cara de 45 anos, divorciado duas
vezes e dono de uma concessionária. Serve assim?"
"É isso que sou" decido "Oi, gostosa. Meu nome é Spencer,
eu tenho 45 anos e to doido de vontade de te foder. Agora, se
fosse possível. Mas como não é, eu fodo minha mão e finjo que
é você. Meu pau ta duro. Completamente. Não dá pra ficar
maior que isso. Agora você me diz o que quer que eu faça com
ele."
É aí que ela finalmente responde:
"Eu nunca fiz isso antes."
"Masturbou um cara? Meu amor… eu preciso ir aí, agora"
"Troquei mensagens eróticas, Spencer. Eu não sei o que
espera que eu diga".
Troquei mensagens eróticas.
Isso significa que ela está brincando também, não é?
"Me diz o que está vestindo"
"Roupas"
"Tatiana… me diz a cor da tua calcinha. Quero saber se
ela tá bem enfiada na tua bunda e molhada daquele jeito que
você sente pesar"
"Eu acho que azul. E um pouco"
"Acha? Fica pelada pra mim e me diz com certeza"
"Não preciso ficar pelada pra saber a cor da minha
calcinha"
"Precisa ficar pelada porque eu to mandando"
"Agora" insisto.
Não vou conseguir digitar muito mais. Minha mão achou um
ritmo bom e a ideia de Tati tirando as roupas pra mim, mesmo
que a distância é suficiente para deixar o toque gostoso
daquele jeito que te faz esquecer a vida e o tempo.
O rabo de cavalo enrolado na minha mão, tirando a
calcinha azul escuro do caminho pra me deixar tomar sua carne
todinha.
De quatro.
Rebolando.
Fecho os olhos.
O esporro sai alto e gordo, sujando minha camisa e, temo,
uma das almofadas.
Preciso de alguns segundos para respirar.
Preciso limpar tudo antes que Eric volte.
Mas, acima de tudo, preciso que ela responda.
Minutos se passam. Muitos deles.
Uma hora até.
Afundando-me em desespero de que talvez eu tenha lido sua
entonação de um jeito absolutamente errado.
Ela pode estar furiosa.
Pode estar envergonhada.
Pode estar tantas coisas.
Ela não responde.
Eu já respirei, limpei tudo e estou quase dormindo.
E ela não responde.
***************
Tatiana
Dormi demais.
Fiquei acordado encarando a tela do celular esperando uma
mensagem que nunca veio. Considerando se deveria mandar mais
uma depois da última coisa que ela me disse.
Ela sumiu. Você sabia que ela não ia continuar a conversa
Spencer. Por que ficou acordado até tão tarde esperando para
descobrir se estava errado
Bem… porque a Laurie estava certa pra caralho: eu estou
com a cabeça em outro lugar.
Um lugar que definitivamente não é meu emprego ou minhas
ambições, vide o fato de que dormi demais e acordei meia hora
depois do que deveria justo na manhã que tenho um compromisso
importante e inadiável.
Parabéns.
Duas torradas com queijo e geleia, um copo de suco e duas
bananas.
Eu como pouco de manhã porque sou simples, pobre e
atrasado. Mas, eu sou imenso e queimo calorias como incêndio
em fábrica de pólvora. Comeria três vezes aquilo sem qualquer
dificuldade.
Mas não tenho tempo para comer.
Mal tenho tempo para pensar.
Tudo que eu preciso essa manhã é pressa e adrenalina e é
só por causa dessas duas que eu consigo chegar na hora.
Levo meia hora, menos do que isso, e ali estou: A
DeLucca-Margot é uma das maiores agências de talentos de Nova
York. Uma das maiores do mundo. Eles representam gente que
vai parar na Fashion Week de Paris e no novo seriado da HBO.
Conseguir uma hora com eles é… impossível. Agências desse
porte escolhem quem querem representar. Não é qualquer um que
entra pela porta da frente e sai com um contrato.
Mas Tatiana Corso não é qualquer um e, aparentemente, já
tinha contratado serviços da agência para suas próprias
campanhas de publicidade vezes suficientes para ser
considerada uma cliente importante. Por que uma empresa de
tecnologia precisava de tantos modelos para publicidade era a
parte que eu não tinha entendido… mas achei que não era da
minha conta perguntar.
As portas do elevador se abrem direto para a recepção. E
para o caos.
As poltronas da área de espera estão todas ocupadas por
talentos em potencial, usando suas melhores roupas e os
maiores saltos. Tamborilando dedos e respirando fundo
agarrados aos seus books.
Merda.
Eu devia ter trazido meu book.
Tatiana disse que eu não me preocupasse porque ela já
tinha enviado pra alguém, mas… Era inteligente dobrar
esforços, não era? Caso eles precisassem.
Droga.
Tem, pelo menos umas oito pessoas atravessando o lobby,
conversando, discutindo, terminando de tomar um café. Duas
mulheres passam correndo a esquerda, uma delas precariamente
vestida no que parece um vestido de noiva ainda em produção e
a outra segurando parte das saias para ajudá-la a se mover
mais depressa.
Há um fundo branco em uma das laterais e um homem esguio
com uma polaroide tira close ups de alguns candidatos.
Eu estou acostumado com essa bagunça.
Vi muito disso desde que cheguei nessa cidade.
Essas agências dificilmente recebem clientes no local. O
contato com clientes é todo feito em sede própria ou a
distância. É por isso que não precisam se preocupar em ser
enxutos na aparência. A baderna funciona desde que apresente
resultados.
- Com licença? - tento chamar atenção da recepcionista
que parece capaz de lidar com doze problemas ao mesmo tempo,
sem hesitar.
No entanto, ao que tudo indica, os outro onze problemas
estão na minha frente na sua lista de prioridade e eu sou
categoricamente ignorado por alguns segundos.
É uma merda, não é? Eu entro em um café e, juro por Deus,
consigo perceber as atendentes acotovelando umas as outras
para ver qual consegue me atender primeiro.
Mas em agências de modelos eu sou invisível.
Absolutamente ignorável.
As pessoas que trabalham naquele meio parecem ter perdido
a sensibilidade para qualquer tipo de beleza em um nível tal
que nem sei o que seria preciso para chamar sua atenção.
Acho que eu poderia ficar pelado ali, absolutamente nu, e
ainda assim receberia pouco mais de atenção que…
E assim que eu penso nisso, como se Deus quisesse provar
um ponto, vejo mais adiante no corredor dois caras e uma
mulher: um deles está de cueca, o outro de toalha, ela usa a
parte de baixo de um biquini e tapa os seios nas mãos.
Desaparecem por uma porta do lado da que saíram e ninguém
sequer ergueu os olhos para questioná-los.
- Com licença? Eu acho que tenho uma reunião marcada para
as 10 horas.
- Com quem? - ela pergunta, sem me olhar nos olhos.
- Com um de seus agentes, não me disseram qual. Meu nome
é Spencer Reese.
Ela verifica suas planilhas.
- Ah… não vejo nada aqui. Como disse que se chama?
- Spencer. Reese. R-e-e-s-e.
- Eu não vejo esse nome aqui. Tem certeza que é hoje?
- Absoluta.
- Sinto muito, mas não está na minha agenda.
- Pode olhar de novo?
Mas ela já atendeu outra ligação e eu deixei de existir.
Ótimo.
Maravilhoso mesmo.
O que eu faço agora?
Vou embora e finjo que não aconteceu?
Esfrego meus olhos com força.
Vou precisar mandar uma mensagem pra Tatiana.
Depois do modo como encerramos a noite passada, quebrar
um silêncio com "me ajuda, por favor" é a coisa mais
deprimente que poderia acontecer no meu dia. Mas… ainda não
são dez da manhã e Deus sabe que muita desgraça ainda pode
acontecer na minha vida nas próximas quatorze horas.
Bem…
Se não há o que fazer é porque já está feito… digito
depressa:
"Desculpa te incomodar, mas você sabe quem é a pessoa que
me receberia na agência? Eles não têm meu nome na recepção"
Fico encarando meu celular e mando mais um "desculpa por
te incomodar!" porque… puta que pariu, né? Ela me conseguiu
aquela hora eu não sou sequer capaz de atravessar a porta
sozinho?
Meu celular não demora a tremer em meus dedos.
"Espere aí um instante".
Certo.
Fico de pé na recepção considerando quanto tempo é "um
instante" e acho que era menos de cinco minutos, no fim das
contas, porque esse é o tempo que um cara baixo de óculos
muito quadrados demorou para aparecer no lobby e chamar
"Spencer? Spencer Reese?" bem alto.
- Aqui. - me aproximo.
- Ótimo, vem comigo! Ela só tem três minutos! - ele
acelera pelo corredor e eu o sigo até cruzar uma segunda
recepção, menor e bem mais quieta. Ele bate em uma porta
dupla de madeira escura que está entreaberta. Lá dentro, três
ou quatro pessoas conversam sem modéstia no volume da voz.
- Josephine? - ele chama, abrindo a porta.
No meio da sala, eu vejo a quase noiva, a mulher que a
ajuda com o vestido, uma terceira que segura uma trena e uma
porção de agulhas e uma quarta, elegante em cima de um par de
saltos muito altos e um terno feminino justo e bem cortado.
Parece ter quarenta anos e o cabelo loiro muito curto.
- É ele. - Óculos Quadrados me apresenta.
- Spencer? - ela me oferece a mão e eu a aperto - Acabei
de falar com Tatiana, acho que houve algum engano e
esqueceram de colocar seu nome na lista. As vezes as coisas
aqui ficam uma loucura! Sinto muito!
- Sem problemas, eu sei como é. - assinto.
A costureira ainda está falando com a modelo e a
assistente. Josephine me convida para sentar.
- Eu sou Josephine DeLucca, a Tati é uma cliente antiga e
ela falou muito bem de você. Achou que a gente deveria se
conhecer.
Hesito e mal consigo sentar.
DeLucca?
- Ela é muito gentil. - engasgo - Ela mencionou que era
cliente.
- Ela e a Pamela, na verdade.
- Pamela?
- A sócia dela. Elas têm um site juntas. Por causa da
natureza do site elas têm parceria com muitas lojas de
artigos de luxo e sempre nos contratam para o marketing
especializado. Trabalhamos juntas há alguns anos.
Eu aceno porque não sei exatamente o que dizer.
Ela se estica para observar algo atrás de mim:
- Ele já terminou? - pergunta.
- Já. - o assistente de óculos quadrados voltou - Já está
no set, esperando. Sabe quantas horas ele vai cobrar?
- Não deve demorar mais que duas ou três. Pode colocar na
conta da Corso. Se ele cobrar. - sorri - Está pronto? - olha
pra mim.
- Pronto?
- O Stavo acabou de terminar um ensaio, ele ainda está
aí. Pode fazer o seu agora. Assim a gente não perde tempo.
- O meu… o quê?
- O seu ensaio. As fotos novas para o book.
- Eu já… eu achei que a Tati tinha te enviado o meu book.
- Ela enviou. Mas você precisa de umas fotos melhores.
Tem algumas coisas faltando no seu book. O guarda-roupa está
pronto… MIKE! O guarda-roupa está pronto?
- Está no set com o Stavo.
- Você pode levar o Spencer? Ele te acompanha, Spencer,
eu preciso terminar aqui.
- Claro, claro… - eu estou muito confuso.
- E depois ele te leva pra… MIKE! - ela chama de novo -
Depois leva o Spencer pra Tamy. Pra assinar os contratos.
- Certo! - ele ergue os polegares.
- Contratos?
- É, nosso contrato de retenção. Você precisa assinar pra
gente poder te representar.
- Me repres… Eu fui aprovado?
- Claro! A Tamy vai te dar os documentos!
Ela se vira de volta para a noiva e eu preciso correr
atrás de Óculos Quadrados ou sou deixado para trás.
***************
***************
Tatiana
Eu não sei até que ponto foi uma boa ideia trazer Spencer
para um evento de trabalho. Mas, aparentemente, Julia manda
na minha vida. Ela não quis vir para a festa, mas insistiu em
enviá-lo em seu lugar. Passei vinte minutos no carro tentando
descobrir por que deixei isso acontecer e assim que precisei
apresentá-lo para a primeira pessoa na festa, ouvi o leve tom
de pânico em minha voz. Eu devo satisfações a um total de
zero pessoas ali. Mas ainda assim é desagradável imaginar a
fofoca de escritório no dia seguinte.
O problema é que a primeira hora se passou e…
Eu não sei até que ponto foi uma má ideia trazer Spencer
para um evento de trabalho. Ele é simpático e divertido. Faz
amizades depressa e tem nenhuma vergonha de puxar assunto. E
mesmo que não ganhe as pessoas pela personalidade, basta um
sorriso para desconcertar qualquer interlocutor,
principalmente se mulher. Ele é lindo. Muito e absolutamente.
De um jeito que nem sequer fica aberto a diferentes opiniões.
Ele é uma boa companhia.
E eu não mandei a mensagem.
Por que não abri a porcaria do aplicativo pra verificar?
Por que confiei na notificação?
Bem… porque eu me sinto ridícula encarando a tela do
celular esperando resposta de um cara.
E aí tanto me senti ridícula que acabei me fazendo
ridícula mesmo.
Ele não respondeu porque eu nunca lhe dei espaço para
resposta e, assim como trazer Spencer para a festa, minha
mensagem não enviada era o tipo da coisa que eu não tinha
conseguido decidir se era boa ou ruim.
Spencer está entretendo um pequeno grupo de pessoas com
uma história sobre pegar uma balsa, bêbado, com dois
desconhecidos. O grupo ri preso em cada uma de suas palavras
e eu me afasto para pegar um copo de champanhe.
O que eu teria feito se ele tivesse respondido?
Teria me masturbado junto com ele?
Bebo um gole largo, aperto meus olhos e respiro fundo.
- Tati. - a voz familiar. A mão quente na parte baixa de
minhas costas.
- Marcus!
- Oi! - sorri.
Minha empolgação foi, em parte, alívio. Por um segundo,
achei que era Spencer e não sei se consigo me controlar se
ele me tocar agora.
Meu amigo, no entanto, lê minha reação como alegria pura
e sorri de acordo.
- Ótima festa!
- Oh, obrigada. Mas temo que tive muito pouco a ver com
sua organização.
- A sua presença fez com que ela ficasse perfeita!
- Você é gentil demais.
- Sou gentil na medida. - sorri.
É lindo também.
De um jeito diferente.
De um jeito mais… experiente.
Ainda tem uma mão em minhas costas, desliza o polegar ali
em uma carícia que ainda é polida mas quase atravessa a linha
para o inapropriado.
- E como vai o cargo em São Francisco? Já decidiu? -
prendo a respiração. É bem evidente que o assunto não me
deixa confortável.
- Ainda não. Mas temos tempo. A gente não precisa falar
sobre isso agora.
É curioso…
Ele quase fala como se aquela fosse uma decisão que temos
que tomar juntos.
- E tudo pronto para a festa da Pamela? - brinca.
- Você também está chamando assim agora?
Dá de ombros com um sorriso gostoso.
- Acho que tudo pronto. Eu vou tentar chegar um pouco
mais cedo, caso ela precise de ajuda.
- E por "precise de ajuda" você quer dizer…
- "Impedir que ela mate algum funcionário". - assinto
enquanto ele conduz as palavras que, já sabe, eu vou dizer.
- Posso chegar mais cedo também. Caso você queira
companhia.
- Não… não é preciso. Eu vou… ahm… o Spencer vai comigo.
- Spencer. - murmura o nome e sua mão, em minha cintura,
fica mais pesada - É o cara?
- Hm?
- O do encontro.
- É. Spencer. - engulo em seco - O Spencer. É… o nome
dele. Spencer.
- Spencer. - repete, achando graça de meu desconforto -
Preciso mesmo conhecê-lo. Quem sabe ele me dá umas dicas.
- Dicas?
E aí tem outra mão na minha cintura.
Uma mão forte, larga e intensa, sem qualquer vergonha de
disputar o controle pelo meu corpo.
Marcus, Deus o abençoe, me solta, assustado. E ainda bem
que fez isso ou ficariam os dois me puxando como a uma corda.
E aí Spencer, que não tem a discrição do Marcus, me puxa
pela cintura até me colar ao seu corpo.
- Dicas para o quê? - pergunta, com seu sorriso de causar
vítimas.
Meu amigo, diante dele, apenas enruga a testa como se
estivesse lutando arduamente para entender o que está
acontecendo.
- Spencer. - aponto - Esse é o Marcus.
- Esse é o Spencer? - se tentou esconder o choque em sua
voz, tentou muito mal e falhou. Faz uma careta para mim e é a
mesma que ainda tem no rosto quando se vira de volta para
observar o outro.
- Acho que minha fama me precede. - sorri - Mas desculpa,
não ouvi seu nome?
- Marcus. - ele engole, incomodado, ainda investigando
Spencer de cima abaixo.
- Hm. Você… trabalha com a Tati? Não me lembro de já ter
ouvido seu nome.
- Ah… Não. Mais ou menos. Somos amigos. - explica.
- Ótimo. Você também vai pra festa, esse fim de semana?
Hesita.
Parece precisar de um segundo depois que Spencer fala.
Como se estivesse se beliscando e aceitando a realidade.
- Vou.
- Acho que nos vemos lá.
- Sim, sim… - responde, de qualquer jeito - Me desculpe.
- sorri - Mas c… como vocês se conheceram?
Eu não faço ideia como responder essa pergunta.
Não que isso seja um problema porque Spencer tem um
sorriso atrevido e já se adiantou:
- Ah! É uma longa história. E a maior parte dela não dá
pra contar, assim, em público. - pisca um olho - Amor, pode
vir aqui comigo, um instante? Desculpa, Matt, preciso roubá-
la. Foi ótimo te conhecer. Amor?
- Sim, claro. Já volto. - acrescento para um Marcus que
parece estar tão atordoado quanto eu.
- "Amor?" - sussurro, assim que entramos em uma das
poucas salas que não é inteiramente de vidro.
A luz está apagada e o fato de que Spencer não se
incomodou em acendê-la deveria ser um indicativo de suas
intenções.
- O que você disse?
- O quê?
- Na mensagem. A que não enviou. - ele fechou a porta e,
apesar de ter uma sala inteira atrás de si, no manteve ali.
Estou presa entre ele e a madeira.
- Me tirou de lá só pra falar disso?
- Te tirei de lá porque você quer evitar o Marcus,
lembra? Só estou puxando assunto enquanto estamos aqui.
- Muito sagaz de sua parte. - recrimino, mas ele escuta
apenas um elogio.
- Obrigado. - sorri, satisfeito - O que disse na
mensagem?
- Não acredito que voltou a pensar nisso agora.
- Estive pensando nisso a noite inteira.
Suas mãos escorregam da minha cintura pro meu quadril.
- Bem… - continua - Nisso e no que eu diria depois.
Engulo em seco.
Spencer é um bloco imenso de músculos, apertando-me
contra a porta. Respira meu perfume com um gemido grave que
eu sinto tremer fundo em minha virilha.
- O que diria depois? - murmuro.
- Primeiro, eu preciso saber o que você disse, não é
mesmo?
- Eu… - gaguejo - Não… não lembro.
- Não lembra? - ele está tão perto que escuto o estalar
dos seus lábios em meu ouvido quando sussurra. Sinto seu
hálito em meus arrepios. Minhas mãos em seu peito na
penumbra. O bater do coração tão alto que o sinto em minha
garganta. Suas mãos descem para minhas coxas, brincando com a
barra da minha saia - Que pena. - murmura, a rouquidão
intensa me fazendo pensar que ele fechou os olhos. A ponta de
seu nariz raspa na curva do meu pescoço enquanto escorrega as
pontinhas dos dedos pela parte interna de minhas pernas. -
Uma pena mesmo. - promete.
A carícia que faz entre minhas pernas me rouba o ar e a
razão. Fecho os olhos. Agarro sua camisa.
Sua mão sobe e sobe.
Entre minhas pernas.
Até encontrar minha calcinha.
Desliza um único dedo pela minha entrada. Bem devagar.
Ainda por cima do pano.
Pouca pressão. Pouca pretensão.
Casualmente experimentando-me com um único dedo.
O pornô.
É exatamente o que eu disse pra ele que gostava.
O que eu disse que me enlouquecia.
Ele vai me comer.
No meio da festa.
E eu vou deixar.
Meu Deus, eu vou deixar.
Mas Spencer parece ter outros planos porque me solta e dá
um passo para trás.
Arfo alto assim que ele nos move para abrir a porta.
- Quer beber alguma coisa, amor?
O quê?
Como assim?
Eu… eu…
Ele vai parar? Assim?
Ele sorri e eu sei que está vendo todas essas perguntas e
vontades em meus olhos.
Está me provocando.
- Hm. - é tudo que consigo responder.
Verifico a integridade da minha saia e tomo sua frente.
Mas ele me segue de perto.
A noite toda.
Sempre muito perto.
Respirando meus cabelos. Abraçando minha cintura.
Raspando sua virilha em minha bunda tão gentilmente que
duvido que qualquer pessoa notasse, mesmo que estivesse
prestando atenção.
Beija meu rosto e sussurra convites.
Não estamos mais no telefone, agora.
Não é mais só uma troca de mensagens.
É muito mais divertido assim.
E ele sabe disso.
***************
Spencer
***************
Spencer
Ela está sem graça.
Me apresenta como "amigo" ou só diz o meu nome e nada
mais.
A diferença de idade a incomoda e imagino que é o tipo de
coisa que muita gente julga.
Não é exatamente justo porque contei pelo menos uns
quatro caras com mais de quarenta anos que estão acompanhados
por mulheres que dificilmente fizeram vinte e cinco.
Tatiana é a única que não parece ficar a vontade.
Mas eu gosto de tê-la no meu braço. Gosto de beijar sua
bochecha quando se distrai e adoro quando ela cora por minha
causa.
Tati faz meu coração bater devagar.
Ela se afasta quando eu tento fazer qualquer demonstração
pública de afeto. Eu entendo, não somos nada de verdade e ela
está constrangida.
Paro de tentar.
Mas dói.
Sei lá, sabe?
As vezes a gente vê uma pessoa no mundo e pensa "meu Deus
como ia ser bom lambê-la", só que aí não dá pra lambê-la, mas
também não dá pra parar de pensar em lambê-la. Eu chamo de
Paradoxo da Lambida. Aquela pessoa deliciosa que merecia
muito ter a tua língua na pele, mas… não vai ter.
Não vai ter lambida.
Nem uma bem pequenininha.
Ela não se afasta em absoluto, até porque eu estou sempre
na sua órbita, mas também não é minha.
E caralho… acho que eu queria mesmo que fosse minha.
Respira fundo, viu idiota?
Até parece que uma mulher linda, rica, inteligente,
poderosa e bem resolvida vai querer alguma coisa com você.
Talvez queira sexo e, se quiser, vou terminar a noite
agradecendo pela oportunidade.
Eu a observo no quintal da Pamela - se é que dá pra
chamar aquilo de quintal - e ela é… encantadora.
Não é só a questão da beleza física, a Tati tem um jeito
de conversar que te seduz. Porque ela é inteligente e sagaz e
espreme os lábios de um jeito adorável quando está
contrariada mas não quer que ninguém perceba.
Ela é linda e meu coração bate devagar.
Bate bem devagar.
Acho que passei a maior parte da hora encarando Tatiana
enquanto ela falava com amigos e conhecidos. Parecia cansada
e eu queria que fosse minha para que recebesse minha massagem
nos ombros em paz. Mas assim que toco seu braço ela se
contrai.
É ínfimo.
Mas está lá.
Não vai acontecer, Spence.
Ela te pagou pra uma coisa.
Você vai fazer essa coisa.
Vai ser pago.
Vai embora.
Não vai ter lambida.
Não importa o quanto ela queira existir.
- Oh, David! - ela sorri para alguém do outro lado do
salão. Parece ser pouco mais velho do que eu - Você me dá um
instante? É um amigo!
- Claro!
Ela se vai assim que termino de concordar.
Não se afastou mais que poucos metros mas eu estou só.
Meu braço pesa sem ela.
Meu coração bate esquisito.
Minha respiração fica oca.
Eu sei que estou a fim da mulher, mas que diabos? Estou a
um segundo de suar frio e por causa de quê?
- Spencer Reese!
Eu me viro para encontrar Josephine DeLucca.
- Senhora DeLucca!
- Já disse que pode me chamar de Josephine! Estou muito
feliz de te ver aqui!
Está?
Depois do meu teste de câmera embaraçoso e da recusa
imediata, agente ou não, achei que ela ia querer me evitar
por uma semana.
- Sim! Claro! Vi você com a Tatiana! Eu imaginei que
fosse um conhecido dela, não sabia que eram… - ela sorri como
se não quisesse dizer a palavra - amigos.
- Ah, somos. Somos amigos.
- Spencer. - ela aperta meu braço - Espero que não seja
inapropriado falar de negócios aqui, assim. Até porque você
está… trabalhando? - quase tem um tom de pergunta na sua
palavra, mas ela não espera uma resposta - Mas precisa ir ao
escritório para a gente conversar melhor sobre o seu
portfólio! Não sabia que você trabalhava como… acompanhante.
Isso vai mudar completamente os seus horizontes! - exclamou,
satisfeita - Queria que tivesse me dito isso antes. Sei que é
um assunto delicado para abordar, mas nós somos discretos até
porque o assunto exige.
- Ah… senhora DeLucca, eu sinto muito mas…
- Eu achei que você era só ator e modelo! E fiquei
preocupada porque não saberia o que dizer pra Tatiana! Como
modelo… há algum espaço para você. Mas sua beleza é
tradicional demais. O mercado está sempre procurando algo
novo e você é muito padrão, entende? E como ator… - ela ri -
Por Deus… Ninguém pode ter todos os talentos, não é? E esse
definitivamente não é o seu! Mas isso… - gesticula,
referindo-se a minha atual circunstância - Isso é algo que eu
posso trabalhar. Você não vai ter tempo pra quantidade de
clientes que eu vou conseguir pra você. E nada de companhia
para festas de casamento da prima, Spencer. As mulheres que
trabalham comigo precisam de companhia para um Ano Novo em
Berlim ou pra fashion week de Paris.
Meu Deus.
Se Josephine DeLucca estava me elogiando ou ofendendo era
algo pra uma tese de mestrado definir.
Eu só consegui ficar confuso.
É surreal ouvir uma confirmação palpável de que todos os
seus sonhos vão dar em lugar nenhum de um jeito jocoso e
divertido.
O tom alegre de boas notícias misturado a um anúncio de
desastre.
Olha que maravilha! Vai ter um tornado amanhã que vai
destruir sua casa e todos os seus pertences, até a última
cueca! Não é ótimo!
É, sim, Josephine. É ótimo. Muito obrigado, viu?
Ela fala pelo que parecem horas mas que, na verdade,
devem ter sido segundos.
Vai embora com uma despedida rápida e uma promessa de que
vai organizar tudo. Eu estou atordoado. Acho que deveria
pará-la até porque aquilo pode dar uma merda sem tamanho.
Mas… e aí vou fazer o quê?
Morrer trabalhando no restaurante do Rodolfo depois que a
Tati acabar comigo e for embora com o Marcus?
Eu não vou ser modelo.
Claramente não vou ser ator.
O que me resta?
Tati ainda está a poucos metros de distância
cumprimentando o mesmo amigo. Eu poderia me aproximar dela
mas, ao invés disso, meus pés me levam na direção oposta.
Acho que perambulei até um dos salões internos da casa de
campo da Pamela.
Lá fora, no jardim, a festa segue com sua trilha sonora
que intercala jazz refinado e música clássica, garçons
andando apressados entre tapetes e gramados para se
certificar que nada faltava a convidado algum.
Eu sento na mesa de jantar vazia de Pamela e observo as
pessoas através das janelas.
As luzes estão acesas onde eu estou, então dificilmente
estou escondido.
E queria estar.
Queria desaparecer.
Só por um segundo.
Só para colocar as ideias em ordem e escavar o poco onde
minha autoestima tinha se enterrado pra descobrir se alguma
parte da coitadinha tinha sobrevivido.
Mas não há tempo.
Engulo em seco.
Queria ter trazido um dos meus livros.
Eu me sinto melhor quando tenho uma história por perto.
Me sinto seguro.
Talvez a Tatiana esteja certa: talvez eu seja mesmo só um
garoto.
- Estava te procurando! - sua voz injeta vida nas minhas
veias.
- Ah! Oi!
- Oi. - ela sorri, sentando ao meu lado.
- Oi. - repito cansado.
- Spencer, não acho que posso começar isso de novo. -
brinca e eu tenho uma risada cansada.
Acho que ela percebe imediatamente.
- Quando eu me virei de volta você tinha sumido! O que
houve?
Aumento o sorriso para fingir que está tudo bem. Bom
acompanhante de luxo eu sou, derrubando meus problemas nela
no meio do encontro.
- Ei. - ela arranha meu antebraço de leve. Desliza os
dedos pelo meu punho em um carinho discreto.
Eu tenho vontade de segurar sua mão e pedir um abraço.
Trabalhando como companhia, mas quem está solitário, no
fim, sou eu.
Limpo a garganta e tento soar casual.
- Encontrei a Josephine DeLucca. Ela fez uns comentários…
difíceis.
- Ela te chamou para falar sobre trabalho no meio de uma
festa?
- Não, não… ela… ela não achou que eram más notícias.
Espreme os lábios.
Contrariada.
- Ela não devia te incomodar no meio de uma festa, não
importa o motivo. Eu posso ir até lá falar com ela.
- Não. - seguro sua mão com um sorriso de desespero -
Não, por favor. - arregalo os olhos.
- Qual o problema?
- O problema é que… devia ser o cara? - estreito os olhos
porque não sei como vou ser recebido.
- Devia ser o cara? - ela se inclina na minha direção,
tentando compreender.
Ela tem um cheiro delicioso.
Um perfume bom de limão recém cortado e ervas aromáticas
saídas do forno.
- É. A mulher é que devia ficar ofendida em uma festa e
aí o cara vai e defende sua honra. Todo mundo se derrete
quando isso acontece, sabe? É meio difícil ter empatia pelo
oposto.
Seu sorriso é enorme e divertido.
- Está dizendo que, porque eu sou uma mulher e você é um
homem, eu não posso te proteger?
- Não. - corrijo, rápido e educado - Estou dizendo que
você pode, mas estou dizendo que não deveria. Deveria ser o
contrário. Eu deveria te proteger.
- Combinado, Spencer. - ela diz, mas ainda está rindo -
Se eu estiver presa em alguma terra exótica, como a
Inglaterra - acrescenta sarcástica - e precisar de alguém que
defenda minha honra, eu inscrevo você no duelo.
- Você sabe o que eu quis dizer…
- Spencer, shh! Quieto. O que houve? O que ela te disse?
Respiro fundo.
- Spence? - pede. Seus dedos nos meus. Não sei se consigo
recusar.
- Ela deixou bem claro que eu não vou conseguir ser
modelo ou ator. Ela não fez por mal, ela achou que… que eu
estava interessado em outra carreira.
- Outra carreira?
- Não é importante. - gesticulo, envergonhado - Mas, é
isso. Eu não sei o que fazer com minha vida e é bem
embaraçoso ter que admitir isso pra você o tempo inteiro.
- Por que tanta ênfase no "para mim"?
- Porque você é toda bem resolvida e você… você não tem
selos, sabe?
- Selos?
- É! Quando eu era mais novo…
- Ah, ótimo, vai ser outra história. - tem os olhos bem
abertos, provocando-me.
- Quando eu era mais novo… - resmungo - Meu avô tinha uma
porção de selos que ele colecionava. Um dia ele abriu um dos
potes na garagem, sem querer e espalhou todos. A gente tentou
achar, mas alguns se perderam. E ele não sabia mais quais
eram… eu e meus primos íamos pra garagem de vez em quando
tentar encontrar algum selo. Porque alguns deles podiam ser
bem valiosos, sabe? Mas a gente nunca sabia se…
- Spencer, shh. - pede.
- Eu ainda não terminei a história.
- Você precisa descer do trem.
- Que trem?
- Esse trem maluco que você se enfiou e que está te
levando muito depressa pra lugar nenhum.
- Está falando da minha carreira?
- Estou falando do seu jeito de lidar com problemas. E
daí que a Jo disse que você não pode ser ator ou modelo? Ela
não precisa estar certa.
- Mas não acho que ela está errada.
- Spence, se é algo que você realmente acredita, corre
atrás. Mas… se não é. Escolhe outra coisa. Você é muito novo.
Ainda tem muito tempo pra mudar de ideia sobre o que quer.
- Acho que sim.
- E você acha que EU sou bem resolvida? Eu também tenho
as minhas histórias, Spence. Tenho minhas dores e minha
cicatrizes.
- Tipo o quê?
Uma troca de olhares.
Eu queria conhecê-la melhor para saber exatamente o que
aquele olhar ali significava.
- Coisas. - suspira - Algumas que eu nunca disse em voz
alta, nem pra mim mesma.
- Mas você é bem sucedida ainda assim!
- Sou! Significa que ganhei muita coisa pelo caminho, mas
perdi algumas também. Spencer, ninguém é profissional em
viver. Está todo mundo improvisando.
- Você não parece estar improvisando.
- Mas estou. - promete - Você não faz ideia! Você só
precisa parar de ser tão neurótico com o "pra onde estou
indo". Você é muito novo. Só… só vai. Se der receio, vai com
receio mesmo. Vai viver e cometer um monte de erros. Seu
sonho é mesmo ser ator e modelo? Tenta por mais alguns anos!
Se não der certo, vai tentando descobrir quais são outros
sonhos que você tem.
- Tipo o quê? Eu não sou bom em muita coisa.
- Você lê um monte!
- É, mas… romances baratos.
- Não importa. E não é só isso que você lê. Eu não ia te
dizer porque não queria dar o braço a torcer mas você estava
certo sobre o título do livro de Hemingway.
- Han?
- Lembra? Você disse que era "Por quem os sinos dobram"?
- E você achou que… - aponto, lembrando.
- Eu estava errada. Você estava certo. Você lê uma porção
de coisas. É interessado e inteligente. Deve ter tirado notas
ruins na escola porque estava mais preocupado em pegar as
namoradas do seu primo do que em estudar. E você cozinha!
Cozinha muito bem! Já pensou em seguir carreira assim?
Estreito os olhos.
Eu gosto de cozinhar.
Não pro Rodolfo, mas…
Gosto.
Adoro.
Nunca tinha pensado naquilo antes.
- Não sei se sou bom o suficiente para…
- Sua comida é uma delícia! Devia pensar nisso com
carinho. Talvez haja muito sucesso aí pra você.
Aceno por um instante e a observo, analítico:
- É por isso que não quer transar comigo?
- Quê? - ofega
- Não quer transar comigo porque eu sou um moleque
perdido e inseguro? Mulheres não gostam muito disso, eu sei.
E pra todas as outras da minha idade, eu sempre consegui ser
um poco infinito de auto confiança porque…
Ela segura meus lábios nos dedos, impedindo-os de se
mexer.
- Eu não quero transar com você - sussurra, colérica -
porque estou te pagando e me parece errado!
- Só por isso?
- Só por isso.
- Então ficaria pelada comigo? - provoco - Se não
estivesse me pagando?
Ela abre a boca como se não houvesse palavras para
responder, mas me encara de um jeito que…
- Está pensando em mim sem roupas, não está? - rio.
Fecha a boca e engole em seco. Afastou-se, mas eu estou
só começando:
- Pode dizer que me acha gostoso. Por favor, acho que
estou precisando ouvir isso.
- Mas olha só pra hora! Eu tenho que ir ser leiloada! -
está de pé e eu estou rindo mais alto.
- Prefere ser leiloada do que responder minha pergunta?
Tatiana, trás sua bunda gostosa de volta pra cá!
- Vem, garoto! - provoca, exagerando a palavra. Aperta
meus dedos, que já estão na sua mão, quando tenta me conduzir
de volta para o jardim. Mas eu gostei da brincadeira e não
quero que ela acabe.
- Vai me chamar de garoto de novo?
- Vai fazer o quê? - provoca.
- Acho que a gente já descobriu que eu sei te fazer calar
a boca de um jeito bem divertido. - pisco um olho, para
desconcerta-la.
Mas Tatiana tem um meio sorriso típico de quem sabe que a
vitória é certa e o caminho exato para alcançá-la:
- Claro. - concorda, sarcástica - E gozou antes de mim. -
sussurra, baixinho. Tem um tom erótico na palavra "gozou" que
faz a saliva desaparecer da minha boca. Minha ereção começa a
acordar só com uma maldita palavra sussurrada naqueles lábios
gostosos. Seu jeito atrevido é cheio de uma promessa que me
enche de esperança.
- Está me provocando, Corso?
- Me corrija se eu estiver errada, Reese, mas não é o
cara que faz a mulher gozar em um segundo, nesses seus
livros? - ela fala tudo muito baixo em um falso tom de
confusão. Tem um sorriso travesso e ainda quer me provocar,
mas tem vergonha das coisas que precisa dizer para conseguir
isso.
- Fala essa frase de novo, um pouquinho mais alto, e
talvez eu te leve a sério. E se a tua assistente não tivesse
chegado, você tinha gozado - digo a palavra alto e ela cora
mas ainda tem seu olhar divertido - algumas vezes.
- Shh! - pede, desistindo da brincadeira.
- É assim nos meus livros, linda. Os homens nunca têm
pressa. - inclino-me para respirar seu perfume - E eu também
não.
***************
***************
Tatiana
***************
Spencer
***************
Tatiana
***************
Spencer
***************
***************
- O que eu gritei?
- Eu não lembro, Tati.
- Eu gritei seu nome? Porque a Pamela disse que todo
mundo achava que a gente já tinha ido embora, mas se eu
gritei seu nome…
- Linda, eu estava muito entretido pra prestar atenção em
detalhes.
- E se eu gritei de um jeito que deu pra reconhecer minha
voz? Será que eu gritei seu nome?
Ela desaba assim que o elevador se abre em seu
apartamento. Veio o caminho inteiro balançando as pernas e
engolindo as palavras que não queria dizer na frente do
motorista. Não era a Lucille hoje, se fosse, acho que teria
desabado no caminho mesmo.
- Eu devo ter gritado seu nome! - continua, espremendo os
olhos enquanto sobe as escadas - Será?
- Faz o seguinte, tira a roupa e vem ficar aqui comigo e
eu juro que presto atenção dessa vez.
- Spencer, isso não é engraçado!
- Tati, relaxa! A Pamela disse que mal deu pra ouvir
através da música. Ela provavelmente só ouviu porque sabia da
situação e estava esperando.
- Ah meu Deus.
- Ei, vem aqui! - eu a tomo pelos braços - Ninguém ouviu.
Você não gritou meu nome.
- Você não lembra.
- Eu tinha esquecido, mas já lembrei.
- Está mentindo! - choraminga e eu preciso rir.
- A única pessoa que te ouviu foi a Pamela, meu amor.
Espera.
Saiu sem querer, sabe?
Aquelas duas palavrinhas bem pequenas mas que não devem
ser ditas sem uma porção de contexto.
Eu engulo em seco, sentindo-as amargas e traidoras.
Tatiana ergue as sobrancelhas e tenho certeza que, não
apenas ela me ouviu, como está fazendo a mesma consideração
que eu.
Silêncio.
Silêncio por tempo demais.
Silêncio que precisa ser preenchido urgentemente.
- Ah… eu posso tirar essas…
- Claro! - acorda da hipnose - Claro! Aqui…
Ela me leva até o banheiro do seu quarto. Não o de
visitas. O do quarto dela. Eu estou sorrindo pra mim mesmo,
de satisfação, mas aí entro no banheiro e engasgo. Não é que
o banheiro seja grande… o banheiro é colossal.
O banheiro da Tatiana parece uma sala de estar. A
passagem por onde entramos é um espaço logo atras de uma
parede curva que emoldura uma banheira branca imensa, e uma
porção de luminárias assimétricas alinhadas. O chão é de
madeira aquecida e confortável, o vaso sanitário tem um
formato ovalado que parece ter sido esculpido na mão.
Porcelana branca alternando-se com madeira por toda a parte
e, no centro de tudo, uma pequena área elevada com um
chuveiro duplo, no meio do banheiro.
QUEM tem um chuveiro NO MEIO do banheiro, pelo amor de
Deus?
E tem plantas lá dentro! Do chuveiro!
Tem uma claraboia e janelas imensas por toda a parede em
um dos lados, separada do resto do ambiente por uma cortina
de treliças de algum material tão delicado que parece ser
capaz de se desfazer na mão.
Eu não sei o que dizer.
A Tatiana tem um bonsai no balcão. Bem entre as duas
pias.
Eu mudei de ideia, aquilo não parece uma sala de estar,
parece um jardim oriental. No meio de uma cabana na floresta.
Mas com piso aquecido, jacuzzi e toalhas caras.
- Quanto dinheiro você tem? - eu digo, sem querer.
Ela me encara, confusa.
- Estamos falando sobre isso de novo?
- Você tem um chuveiro no meio do banheiro!
- Ah! - ela ri, entendendo meu problema - Foi sugestão do
arquiteto.
- Teu vaso sanitário parece uma obra de arte!
- Foi sugestão do…
- Você tem um BONSAI na pia!
Ela desiste de explicar a começa a rir.
- Eu me sinto pobre com frequência, sabe? - confesso -
Mas isso aqui é um exagero!
Está rindo ainda mais alto. Coloca a mão sobre os lábios
e é tão linda que toma minha atenção de volta para si.
- Me lembre de te levar em uma viagem na Ethiad.
- Na o quê?
Tati balança a cabeça, apertando os lábios, divertindo-se
em uma ideia que eu desconhecia.
- Isso é um país, ou…?
- Não, não é um país. Agora, você precisa tirar essas
roupas que, a essa altura, já estão secas. Mas eu sou uma
escrava das formalidades.
- Por mim tá ótimo. - já tirei o paletó e estou no meio
do caminho com a camisa.
- Não vai me fazer tirar dessa vez?
- Se você quiser, eu não vou te impedir.
- Não. - faz um bico infantil de descaso - Perdeu a
graça.
Meu sorriso é enorme e exuberante.
- Hm, tenho certeza que sim. - sarcástico, até porque ela
não tira os olhos do meu peito - Quer que eu fique aqui um
tempo, antes de tirar as calças? Para você admirar melhor?
Não? Perdeu a graça? Tudo bem. - eu finjo que estou alongando
os braços, mas os flexiono de todos os jeitos certos,
contraindo meu abdômen para fazer os músculos pularem.
Tatiana tem os braços cruzados sob os seios, mas leva uma
das mãos para a boca, as pontas dos dedos raspando no lábio
inferior como se tivesse muitos planos do que gostaria de
fazer comigo a seguir.
- Vai tomar um banho. - ela decide, suspirando.
- E é você quem vai me dar?
Ela tem um sorriso que é ao mesmo tempo descarado e de
descrença. Liga o chuveiro e me encara entre a graça e a
raiva.
- Tira essas roupas de uma vez que eu preciso colocá-las
na secadora!
- Vai tirar o seu vestido também?
- Ah, eu estou seca! Ao contrário de certas pessoas, eu
não me meto em brigas que terminam na pisc…
Eu a pego pela cintura e a empurro para debaixo do jato
do chuveiro.
Encharcada. Assim como eu fiquei.
O rabo de cavalo pesado de água, o vestido, os cílios.
Passa a mão no rosto e tem um sorriso homicida.
- Isso é um Valentino. - aponta para o vestido.
- Fica bonito molhado. Devia vesti-lo assim sempre.
- Você é muito engraçadinho.
- É um talento aprendido. Dizem que mulheres gostam de
humor.
- Ah é? Eu não sei se concordo, pessoalmente.
- É o vestido molhado, não te deixou ouvir a piada
direito. Quer que eu o tire do caminho?
Morde o sorriso quando balança a cabeça, um claro sinal
de descrença. Ou desistência.
- Bem… - dá de ombros e aí faz uma coisa que eu detesto:
solta o cabelo.
Mas se enfia de volta na água, deixando os cabelos se
encharcarem até ficam completamente molhados e aí…
Tira o vestido.
Não faz isso sem pressa.
Mas faz isso sem pudor.
Simplesmente se despe exibindo a lingerie escura que usa
por baixo e que, embora eu já tenha visto, não sei se já
apreciei o suficiente.
Tira o vestido do caminho e eu sei que minha boca está
entreaberta. Um nível educado de queixo caído, que não vai
permanecer comportado por muito tempo. Tati tem uns peitos
pesados e bem apetitosos, os biquinhos duros marcando o
tecido com uns pontinhos discretos. E essa é dificilmente a
única curva gostosa que essa morena tem no corpo. Preciso
fechar a boca ou vou começar a babar.
- Não vai se mexer? - pergunta.
- Não vai continuar? - indico seu strip-tease.
Aperta os lábios tentando impedi-los de se curvar e
denunciar seu pensamento. Leva as mãos às costas, para se
livrar do sutiã, mas eu estou encarando seus peitos com tanto
ardor que meu corpo assumiu o controle e desistiu de esperar.
Tenho seus seios nos meus dedos, aperto-os com gosto antes de
espremer os biquinhos em beliscões libidinosos.
- Eu faço isso. - decido.
- Ah, não, não, eu já comecei! - provoca.
Eu enfio nós dois na água e mordo sua orelha.
- Eu faço isso. - rosno e assumo o controle. Arranco seu
sutiã do caminho para ter seus peitos nus e molhados sob meu
toque. O pudor que ela tinha ainda está ali, em algum lugar,
mas severamente mitigado diante da nudez e luxúria de poucas
horas atrás. Abre minha calça, e enfia a mão em minha cueca
para me agarrar exatamente onde eu preciso. Fico fodendo seu
punho, devagar, enquanto trago seus peitinhos pra minha boca.
Minha calça e cueca vão desaparecendo: gravidade, água,
mãos famintas de Tatiana… uma combinação de tudo isso.
Vou me abaixar para tirar sua calcinha porque é só isso
que falta.
Ou pelo menos esse era meu plano.
Estava quase me afastando quando Tati me beija.
Na boca.
Daquele jeito bem suave e dengoso.
Quero comê-la, mas não quero interromper esse beijo.
Nunca mais.
A renda é delicada, não acho que precisa de muito. Enfio
meus dedos nela e rasgo o pano com único puxão. Tatiana geme
na minha boca e me encara assustada:
- Isso era mesmo necessário?
- Era sim. - prometo, enfiando-me de volta na sua boca.
O jato de água envolve nós dois. Fazendo pesar meus
cabelos e os dela. Minhas mãos em seu rosto, preservando o
beijo enquanto afasto as mexas molhadas para fora do meu
caminho.
Eu lembro de ter tido um ou dois beijos ruins na minha
vida. Mas, no geral, eu sempre achei todo beijo bom. Nunca
tive muitos requisitos nesse assunto.
Até hoje.
Até essa mulher e esse chuveiro.
Ela movia a língua macia como se me experimentasse no
começo de uma refeição. Arranhando meu peito e gemendo
baixinho. Seus suspiros na minha boca fazendo meu arrepio se
espalhar até explodir em meu pau.
Dizer que aquele beijo era "bom" parecia uma ofensa.
Comparar aquele beijo com todos os outros que tive na
vida era uma vergonha.
Afasta-se e coloca dois dedos sobre meus lábios, eu os
chupo devagar mas ela os mantém ali e os lambo com vontade.
Ela os leva pra bocetinha, assisto suas pálpebras pesarem
quando ela se bolina casualmente. Como faria se eu não
estivesse ali. E é uma pena mesmo que eu não estivesse sempre
ali pra assistir a Tati se masturbar sempre que ela fizesse
isso. Porque está aí uma demonstração que deveria mesmo ser
assistida.
- Quer que eu faça isso um pouquinho? - imploro,
escorrendo meus dedos por suas curvas.
- Shh, não. - ofega - Quieto.
- Deixa, por favor. Tá querendo ficar molhada mais rápido
pra eu te comer, é?
- Não. - geme - Isso é só lazer… eu ainda estou molhada.
- Desde a casa da Pamela? - sorrio, provocando.
Ela geme uma concordância que faz minha brincadeira
morrer, porque fico tão duro que não tenho sangue pra mais
nada nessa vida.
- Vim molhada o caminho inteiro. E… você não usou
camisinha… ainda to bem molhadinha do teu leite.
Eu engasgo.
Vou morrer.
Vou morrer aqui nesse chuveiro no meio do banheiro.
Mas ela ainda continua:
- Acho que ainda to sentindo um pouquinho dele aqui no
meu grelinho, deixa o carinho mais gost…
Eu coloco minha palma na sua boca. Agarro seu rosto quase
inteiro na minha mão impedindo que ela continue.
- Tatiana, cala a boca, pelo amor de Deus. Eu vou gozar
antes de te comer, tem piedade de mim.
Piedade, no entanto, é uma coisa que ela claramente não
tem, porque coloca a língua pra fora e lambe minha palma.
- Filha da… Vai ser assim, então? - rosno.
- Vai. - murmura, mordendo o lábio, erótica.
Ergo seu joelho e me enfio nela. Até o talo. Até raspar
minha virilha no seu grelinho.
É
- Deixa eu te dar mais um pouquinho, então. É assim que
você gosta? - estoco com força, seu olhos revirando-se
enquanto ela tenta sufocar gemidos mudos.
Acena uma porção de vezes antes de agarrar meus ombros e
sorrir:
- E você? - geme, move-se no meu pau com um rebolado
infernal e me aperta dentro de si de novo - É assim que você
gosta?
- Tati, para. - choramingo.
- Ou vai gozar antes de mim? De novo? Que vergonha,
Spence.
Mordo meu lábio segurando uma gargalhada furiosa.
E é mais ou menos aí que perco minha misericórdia.
Me enfio em Tatiana com violência. Com cólera.
Agarro seu outro joelho e ela desliza pelo box de vidro,
perdendo o apoio dos meus ombros. Tem um gritinho sacana que
logo se transforma em uma meia risada antes de voltar aos
gemidos. Agarra-se em uma das plantas para tentar manter o
equilíbrio mas a coitadinha é fraca e se quebra em seus dedos
gananciosos. Não há apoio. Por mais que ela procure outro
galho ou outro, arrancando plantas até a raiz enquanto busca
se sustentar… está a minha mercê agora. O vidro balança com a
agressão dos meus golpes e eu temo quebrá-lo e terminar a
noite entre cacos. Mas trouxe, nós dois, até aquele limite
ínfimo antes do prazer, em que mais nada parece importar.
O beijo, os dedos em meus cabelos, o impacto da minha
carne dentro dela. Tatiana grita meu nome. Alto. E muito. Eu
tenho um sorriso molhado na sua boca. A festa inteira ouviu
que eu estava te comendo, então. O Marcus ouviu.
Melhor assim.
Bem melhor assim.
Atinge sua crise apertando as coxas e tremendo em minhas
mãos. E eu mal consigo esperar que termine a sua para
alcançar a minha.
Me falta ar quando termino.
Preciso sentar.
Preciso deitar.
O jardim no chuveiro de Tatiana está morto.
E eu também.
***************
Tatiana
É
- É rápido. - anuncia soturno - Eu só queria me desculpar
pelo meu comportamento, ontem. Acho que realmente bebi demais
e nada justifica o modo como… - Marcus começa um longo e
elaborado pedido de desculpas. Tenho certeza que usou todas
as melhores palavras e quer seria capaz de tocar o coração de
qualquer um que estivesse ouvindo.
O problema é que eu, no caso, não estava.
Tudo que eu conseguia ouvir eram os sons altos de sexo,
causados por um Spencer que parecia mais e mais intencionado
em fazer o homem do outro lado da linha ouvir o que estava
acontecendo.
- … posso te levar pra almoçar?
Eu ainda estou perdida.
O ritmo que nossos corpos encontraram é tão bom.
Aquele pau grosso e rígido tomando-me é tão bom.
O toque pesado no meu corpo mantendo-me presa contra a
pedra fria é tão bom.
Mas aquele dedo… aquele dedo é o que me causa calafrios.
Eu vou gozar.
E o homem que me fode como se eu fosse de pano sabe
perfeitamente disso.
Belisca meu clitóris uma última vez.
- Tati?
- Hm… hm… hm?
Estou tentando não gemer.
Estou tentando fingir que não são gemidos.
- Almoço amanhã?
- Sim. Amanhã. Claro. Sim. Sim. - eu desligo a ligação
enquanto ainda tenho forças, porque minhas afirmativas são
cada vez menos para Marcus e cada vez mais para Spencer.
Ele explode, me enchendo de gozo mais uma vez, beliscando
as pontinhas dos meus peitos enquanto me chama de vagabunda.
Eu gozo até não sentir mais minhas pernas.
A água evaporou por completo e o macarrão de Spencer
queimou.
Não acho que nenhum de nós dois se importa.
***************
- E então?
Pamela mal espera que eu sente. Tem duas taças sobre a
mesa e ela já começou a beber sem mim.
- Pam… - eu gemo - Meu. Bom. Deus.
- Bom assim, han? - seu sorriso é imenso. Quase uma
gargalhada.
- Vinte e três anos é uma idade maravilhosa.
- Eu te disse! Quantas vezes eu já te disse!
- E você estava certa! - eu aceito a taça de seja lá qual
for o vinho que ela já escolheu para nós duas.
- E onde está o garanhão?
- Voltou pra casa, a contragosto. Eu disse que tinha
planos de te encontrar!
Pamela parece absolutamente horrorizada.
- Amiga! Se eu soubesse que a alternativa era sexo, tinha
cancelado tudo!
- Eu sei! - estou rindo - Mas… eu precisava de um
descanso.
- Ah! - ela acena, em divertida compreensão - Vinte e
três anos.
- Vinte. E três. Anos. - dou mais um gole no vinho. Assim
que afasto a taça dos meus lábios sei que tenho um sorriso
imenso.
Ela está em silêncio. Seus olhos azuis parecem curiosos,
entretidos… tentando colocar em palavras algo que ela já deve
ter percebido desde o segundo que cheguei no bar.
- Você parece bem. - é tudo que diz.
Aperto meu sorriso quando aceno de volta.
- Eu me sinto bem.
- Orgasmo seguidos fazem isso com a pessoa. - pisca um
olho - Eu quase me sinto mal em perguntar sobre o Marcus, mas
acho que preciso fazer isso.
- Ah… ele ligou mais cedo. - sinto minhas bochechas
esquentarem e sei que Pamela está derrubando todo seu olhar
clínico sobre minhas mudanças de humor - Pediu desculpas e me
chamou pra almoçar amanha.
- E você disse o quê?
- Eu aceitei.
- Aceitou? Tati, ele foi um imbecil, ontem.
- Eu sei, mas ele ligou pra pedir desculpas. E desconfio
que esse também é o motivo do almoço.
- Eu achei que você não queria mais ficar a sós com ele,
a não ser que envolvesse um filme ou espetáculo ou qualquer
coisa que não fosse… - ela gesticula - só vocês dois. E
comida. E conversa. E bebida. E sozinhos. Só… vocês dois. -
ela continua, mas eu já entendi o que quer dizer três ênfases
atrás.
- Ele está indo embora, Pam. Não queria lhe dar abertura
para dizer certas coisas mas também não quero que vá embora
como… um estranho. Ele é um amigo que bebeu demais e fez uma
besteira.
- Uma besteira horrível e quase imperdoável, se me
perguntar.
- Nunca imaginei que você iria se incomodar com dois
homens brigando.
- Ah, não, essa parte foi ótima! Foi a parte em que ele
te ofendeu e teve um ataque machista que me incomodou. Não
sabia que ele tinha isso em si.
- Eu também não. Mas vou culpar a bebida. - sorrio.
Ela ainda me observa.
Morde o cantinho do lábio como se tivesse… pena?
Revira os olhos por um instante, lutando com as ideias,
antes de respirar fundo e:
- Bebida não cria monstros, Tati. Só liberta os que já
existem.
- Está dizendo que eu não deveria perdoá-lo?
- Estou dizendo que deve ter cuidado.
- Pamela! Há um mês você estava defendendo arduamente que
eu deveria me jogar na cama do Marcus. Ou… perdão! Que eu
deveria me jogar em qualquer cama pra me preparar pra cama do
Marcus!
- É! E eu também te disse que eu sou doida e que é pra
ouvir meus conselhos com moderação! E, não sei, Tati… O jeito
como o Marcus estava ontem. Eu… chame de instinto, se quiser.
Tem algo errado ali.
- Finalmente chegou a hora dele perceber que não vai
acontecer nada entre nós dois. É isso que está errado ali.
Ele vai precisar de um segundo, talvez. Mas não acho certo só
dar as costas para um cara que foi meu amigo por tantos anos.
Eu vou almoçar com ele, vou escutar seu pedido de desculpas e
vou lhe dar adeus. E é isso.
- "Adeus"? Então desistiu mesmo dele?
- Por Deus, mulher! Não é justamente isso que está
sugerindo que eu faça?
- Sim, mas você aceitou bem depressa. E pode negar pra
quem quiser, mas eu sei que tinha algo aí… entre vocês dois,
por muito tempo!
Dou de ombros.
- As coisas mudam.
- Hm. - acena - As coisas mudam? Ou o Spencer mudou as
coisas? - sorri.
- Um pouco de cada? - tento controlar o sorriso, mas não
sei se consigo.
- Não consegue nem ouvir o nome dele sem sorrir! - bate
palmas - Meu Deus, amiga! Não está apaixonada tão rápido,
está? - brinca.
Eu tenho uma risada de desdém que soa um pouco mais
desesperada do que eu gostaria.
O barulho é suficiente para fazer Pamela pausar. Seu
queixo cai e ela o empurra ainda mais pra baixo como que de
propósito.
- Não estou apaixonada. - aviso.
- Ai meu Deus! - é tudo que ela diz.
- Não estou!
Pamela tapa a boca com as mãos, não tira os olhos de mim
e acho que está quase gargalhando.
- Ele me chamou de "meu amor" e fica todo cheio de
carinho, às vezes! Mas eu não correspondi em nada!
Eu digo as palavras como um escudo para me defender dos
julgamentos dela mas, por alguma razão, elas soam cruéis e
ocas.
Ele me chamou de meu amor.
Ele me trata com carinho.
E eu ignorei seu chamado e fiz questão de não retribuir.
Não acho que estou apaixonada por ele, mas… gosto dele.
Por que não me permiti gostar dele e deixar que ele
soubesse disso?
Termino o vinho.
Pamela está rindo e dizendo algo sobre como nós temos que
beber a noite toda para comemorar o fim do meu luto ou algo
que o valha. Mas eu sei exatamente como cortar sua alegria.
- E agora que já investigamos toda a minha vida, que
horas vamos começar a falar da sua?
- O que tem a minha?
- Você e Julia?
- Ah. - é a vez dela ter um sorriso modesto - Aconteceu.
- dá de ombros.
- "Aconteceu"? Só isso?
- Se quiser os detalhes do meu sexo, vai ter que me
contar os detalhes do seu, Tatiana.
- Eu não perguntei isso! Estou preocupada com ela!
- Com ela? COM ELA? E não comigo?
- Por que eu estaria preocupada com você?
- Porque… porque… - ela incha e tem as bochechas muito
vermelhas. Os lábios apertados e furiosos, esmagando palavras
que ela ainda não decidiu se é uma boa ideia compartilhar. Os
seios no seu decote subindo depressa quando ela prende a
respiração.
- Ai meu Deus. - é minha vez - Você está apaixonada pela
Julia?
- Não, Tatiana. Deixa de ser ridícula. Você acha que eu
me apaixono tão fácil? E ainda por cima por aquela ali.
- AI MEU DEUS! Pamela!
- Shhh, quieta!
Encho as duas taças de volta porque acho que ela está
certa: vamos mesmo precisar beber a noite toda.
E é exatamente isso que fazemos. A taça de vinho vira um
par de drinks que vira outra taça de vinho que vira outro par
de drinks.
Acho que estamos falando muito alto.
Acho que eu fiz um brinde ao "SugarLuck".
Acho que Pamela me disse que esse não era o nome.
Acho que falamos de amor e de sexo e de livros e de
projetos e de cruzeiros e de amigos que queriam ser namorados
e namorados que não eram bons amigos.
Mas, em algum momento, acho que comecei a pensar no
Spencer.
Não só nele, mas no que me disse.
"Meu amor".
Foi um ato falho, com certeza. Mas ainda assim, ele tinha
sido bem mais aberto e espontâneo que eu. Tinha sido mais
carinhoso e receptivo.
E eu… eu queria aquilo, não era? Desde que o Daniel me
abandonou mesmo antes de nosso casamento terminar em sua
morte. Eu queria carinho. Queria companhia. E ali estava
Spencer oferecendo as duas coisas e eu não lhe disse que
gostava dele.
Não disse nem ao menos que o achava gostoso.
Algo que, me minha mente ébria parecia ainda mais
importante do que a parte do gostar.
Ele quase me fez gozar desde a primeira vez que me tocou.
Me deixou louca no provador. Me deixou molhada no meu closet.
Eu nunca disse isso pra ele.
Acho que eu deveria dizer.
- Pam, eu preciso ir! - interrompo algo que ela estava
dizendo e que, para ser sincera, não acho que eu estava mais
ouvindo.
- Vai pra onde?
- Tchau, amiga! - eu pago a conta. Eu acho.
Não! A gente tem uma conta aqui! Eles cobram no cartão.
Eu vou embora.
Ela deu um tchau pra algum cara perto do balcão e ele
veio ver se o "tchau" era um "olá".
E eu vou embora.
Tenho uma péssima ideia na cabeça e quero muito mesmo
executá-la.
***************
Spencer
***************
***************
Spencer
Tatiana
***************
Parece que levei duas Eras Glaciais entre convencer o
Rodolfo a me deixar sair e chegar ao bairro dela.
Estou ofegando quando chego na porta.
É só aí que me ocorre que talvez ela não tenha voltado
pra casa.
E se ela tiver ido para o trabalho?
E se tiver ido pra casa do Marcus?
E se tiver ido para outro restaurante?
Eu espero aqui.
É o plano, não é?
O porteiro me deixa subir depois de falar com alguém e eu
em poucos minutos eu estou no meio da sua sala de entrada
mais uma vez.
- Tat… - eu mal consigo terminar o nome porque veja uma
sombra no chão, aproximando-se pelo corredor - Tati. - digo,
mais baixo.
Mas não é a Tati.
Claro que não é a Tati.
É o Marcus.
O Marcus sem camisa, com o cinto e o zíper aberto.
- Que diabos está fazendo aqui? - rosna.
Por que ela já está meio despido?
Não.
Não deu tempo.
Não deu tempo da Tati desistir de mim e dar uma chance
pra ele.
Deu?
Ele me deu atenção.
Era o que ela tinha dito.
E ela gostou.
Por mais que se envergonhasse disso… ela o queria.
- O que… o que está fazendo? - pergunto.
- Não é da sua conta. Nada mais aqui é da sua conta. Vai
embora, agora.
- Eu vou, depois que eu falar com a Tatiana.
Ele tem a boca entreaberta de choque e incredulidade.
- Moleque, se você acha que tem alguma chance de eu te
deixar chegar perto dela depo…
- Você não tem que me deixar fazer nada.
Ele esfrega os olhos.
- Spencer, para! Para!
- Para você! Quer me dizer que já está ficando com a
Tatiana cinco minutos depois que…
- É, é exatamente isso que estou dizendo. - acena,
agressivo - A Tati levou um bocado de tempo pra abandonar o
luto, mas agora, fez isso. E, em parte, graças a você. Mas
vocês dois… vocês dois não foram feitos pra durar. Não
acredito que preciso mesmo te dizer isso! Ela te contratou
pra um propósito e você serviu a esse propósito.
Ela queria ficar a vontade por causa dele.
Eu a deixei a vontade.
E agora ela acha que eu não presto? Por causa de duas
palavras em um restaurante?
- Eu preciso falar com ela.
- Que pena.
- Sai do meu caminho ou…
- Quer mesmo que eu chame os seguranças, Spencer? Ela não
quer falar com você. E estamos, os dois, ocupados. Adeus. -
aponta para o elevador.
Não vai acabar assim.
É absurdo que acabe assim.
Três semanas.
Não é suficiente pra ela confiar em você, Spence.
Eu sei que não é.
Mas também não quero ir embora.
Não quero que ela fique com o Marcus.
- Eu vou embora quando a Tatiana disser que é pra eu ir
embora. - engulo em seco.
Ele aperta os lábios, furioso.
- Eu acabei de te dizer que ela não quer falar com você!
Além do mais, não está percebendo minha situação? - aponta
para seu peito sem camisa - O que acha que está acontecendo
lá dentro? - ele olha para trás, com urgência - Eu só vim
aqui te mandar ir embora. Vai. Agora. - ele faz menção de
tomar meu braço e eu vou reagir.
Mas nada daquilo é preciso porque Tatiana aparece na
sala:
- Marcus, você viu a Annie? Acho que o ouvi o interf…
Marcus! - Tatiana arregala os olhos para nossa interação e é
um misto absoluto de choque e confusão - O que está fazendo?
Onde está sua camisa?
Ela desvia o olhar ao perceber o zíper aberto e, além de
estar completamente vestida, parece genuinamente
desconfortável.
Encaro Marcus e sinto cólera transbordando de meu
espírito. Nunca estive tão perto de ter vontade de matar
alguém.
- É, Marcus. - rosno - Onde está sua camisa?
Ele não me olha de volta.
- Eu… ah… derrubei vinho nela, eu… Eu só tirei para…
- Onde está? Quer usar a máquina de lavar?
- Não. - ele gagueja - Eu vou passar um pouco de água.
Mas ouvi o interfone e…
- E veio atender sem camisa? - enruga a testa - Vá, vá
resolver sua camisa.
Filho da puta.
Filho de uma puta bem baratinha que não fez questão de
lhe dar qualquer educação.
- Não queria te deixar sozinha, Tati. Sei como você está
sensível depois que…
Inspiro fundo para lhe mandar tomar bem no meio do cu com
alguma coisa metálica que vibre e dê choque.
- Marcus. - Tatiana interrompe nós dois - Não quero ser
grosseira, mas isso não lhe diz respeito. Pode nos dar
licença, por favor?
Ele murcha.
Murcha, definha e morre.
Estou fechando meus punhos com tanta força.
Meu Deus como eu queria lhe dar uma surra. Devia ter
aproveitado melhor minha chance na piscina. Se soubesse o
tanto que ele ia merecer cada porrada que levou, teria sido
menos misericordioso.
- Estou bem ali se precisar de mim.
- Não vou precisar, mas obrigada. Spencer? - ela me
convida para a sala ao lado.
Não me convidou para entrar.
O que você precisa entender é que a entrada da casa de
Tatiana meio que se bifurca. Para a esquerda fica o corredor
principal, a sala de jantar e o resto da casa inteira, mas
bem a direita há uma única sala de visitas. É ampla e rica
como todo o resto, mas é onde são recebidos os hóspedes que
não vão ficar muito tempo.
Acho que não vou ficar muito tempo.
Ela me convida pra sentar com uma formalidade que dói
mais que o murro que eu queria dar no Marcus.
Fica de pé, no entanto e eu decido acompanhá-la.
- Desculpe ter ido ao seu trabalho sem avisar e desculpe
o modo como eu saí.
Pisco, confuso.
Achei que era eu quem ia ter que me desculpar.
- Eu… achei melhor sair antes de causar alguma situação
inapropriada em seu local de trabalho. Sinto muito.
- Não… não é problema. Eu entendo. Eu… eu vim até aqui
pedir desculpas também. Eu só não sei ainda pelo quê. Se pela
Laurie ou pelo que… disse.
- A Laurie?
- A minha amiga, no beco atrás do restaurante.
- Ah! - ela engole em seco, há uma rigidez entranha em
seu lábio. Como se estivesse conduzindo uma entrevista de
emprego e não…
- A Lala é minha amiga. SÓ amiga. A gente tem essa
brincadeira idiota em que ela diz que eu sou nojento e eu dou
em cima dela. Mas é completamente inocente!
- Claro. - sorri, gelada.
Está magoada.
Eu a magoei.
Está tentando ser fria e objetiva, mas queria jogar
alguma coisa na minha cabeça.
- E o que eu disse antes… foi só porque…
Tati ergue a mão me pedindo que pare de falar.
- Não sei se quero ouvir mais sobre o que você disse
antes.
Ela balança a cabeça com um sorriso curto como se
estivesse decepcionada consigo mesmo por estar surpresa.
- Eu acho melhor você ir embora agora.
- Quer que eu volte mais tarde?
- Não, Spencer. - ela tem uma postura altiva de quem quer
mostrar ter mais determinação do que, de fato, sente - Acho
que é melhor você não voltar.
- Não v…
A palavra falha e eu tenho expiro baixinho. Tristeza.
Descrença.
- E é isso? - pergunto.
- Acho que sim. Acho que é isso.
É isso.
Queria desesperadamente saber o que dizer porque o
silêncio vai fazer com que tudo termine ainda mais rápido.
Não quero que acabe.
Mas acho que é tarde demais pra isso.
Acho que já acabou.
- Obrigada por tudo. - ela respira fundo como se
estivesse se forcando a sair de um transe. Me oferece a mão
em um cumprimento formal que é o mesmo que um tapa na cara -
De verdade! Sabe sair sozinho, sim?
Aperto sua mão.
Deslizo o polegar em sua pele.
- Tchau, Spence.
Tchau.
Engulo em seco.
Palavra miúda que saí como se estivesse agarrada na minha
carne, me fazendo sangrar quando tento expulsá-la.
- Tchau, Tati.
***************
Tatiana
***************
Marcus
50 mil dólares.
O número parece surreal sempre que abro minha conta no
celular.
Cada uma das vezes pela última semana.
Tatiana depositou o valor assim como disse que faria na
noite em que nos conhecemos e eu gostaria de dizer que fiquei
feliz - até porque 50 mil dólares de graça assim dificilmente
é motivo pra tristeza - mas toda vez que eu encaro aquele
número lembro que acabou.
Acabou.
"É isso" foi tudo que ela disse.
Duas palavras que sequer significavam muita coisa e todas
as minhas pretensões tinham acabado em nada.
Fecho os olhos e me enfio nos travesseiros.
Ela dormiu aqui comigo.
Uma das noites.
Esteve bem aqui.
Deitada ao meu lado, me chamando de gostoso.
Era bom.
Tinha sido bom.
Por que tinha sido tão bom?
O negócio todo estava provavelmente fadado ao desastre
desde o começo. Eu era o tipo de cara com quem ela ficaria
por um tempo, mas não o do "para sempre". Eu sabia disso.
Então por que eu não conseguia parar de pensar na sua
boca?
- Vai conseguir. - Lala promete.
- Não sei. Minha situação tá bem ruim.
Ela faz uma careta.
Eu não tenho o otimismo da Lala porque minha mãe dizia
que desgraça sempre vem de três em três, então quando a
primeira acontece, é bom fazer um café quente e se preparar
para receber as outras.
Minha primeira desgraça era bem evidente: perdi a Tati.
A segunda, era mais delicada: fui demitido.
O Rodolfo disse que foi por causa do meu desaparecimento
no mesmo dia da Tati e a Laurie se culpava por achar que
talvez não tenha feito um bom trabalho em acalmar nosso chefe
ou esclarecer que tinha sido uma emergência. Mas não é culpa
dela.
Eu ainda duvido que seja culpa minha…
Se estava me demitindo porque eu desapareci no meio do
trabalho, deveria ter me demitido na hora. Mas esperou três
dias e aí me demitiu com essa desculpa esfarrapada.
Foda-se, eu detestava trabalhar ali de qualquer modo.
A DeLucca… bem… ela me ligou algumas vezes para encontros
com suas clientes mas apesar das promessas de excelentes
ressarcimentos financeiros, eu preferi recusar. Depois do meu
terceiro "não" ela deve ter desistido de mim. Melhor.
E não é exatamente como se eu precisasse de dinheiro.
50 mil dólares.
Consigo sobreviver um ano com aquilo, talvez dois.
- Vai conseguir outro emprego, já já! - minha amiga
repete.
Eu sorrio porque sei que não é culpa sua, embora ela não
pare de se responsabilizar.
É culpa minha.
É culpa da vida que, aparentemente, me detesta.
Duas desgraças.
Ainda falta mais uma.
Um café forte e estou preparado.
Anna está ligando como se não houvesse amanhã e suspeito
que é daí que virá meu desastre. E eu queria mesmo me
preocupar com isso, mas não consigo. Pela minha vida, só o
que consigo pensar é que há poucos dias, Tatiana estava
dormindo nessa cama, do meu lado.
É difícil.
Tenho calafrios só de pensar no Marcus perto dela.
Esse é o problema, não é?
Não é só perder a mulher incrível: é perdê-la pro cara
que não vale nada.
Pro cara que você detesta.
É como se eu perdesse duas vezes: perdi ela, e perdi pra
ele.
Devia ter dado mais um murro.
Já estava fodido mesmo, pelo menos a memória da surra
seria suficiente pra me aquecer.
A da piscina foi só legítima defesa. Não consegui botar
minha cólera inteira na cara dele como merecia.
E o pior de ficar cozinhando em raiva é quando você tem
que ficar sentado esperando.
Esperando a terceira desgraça e cozinhando em
possibilidades.
50 mil dólares.
Pego meu telefone.
Eu sei o que quero fazer com esse dinheiro.
Sei desde o momento que vi que ele estava na minha conta.
Faltou-me coragem porque eu sei o que significa fazer
isso.
Mas é o certo.
É o digno.
Pego meu telefone e quase tenho vontade de chorar.
50 mil dólares.
Mas precisa ser feito, sabe?
É a minha terceira desgraça.
Eu sabia que ela estava vindo.
***************
Pamela
***************
***************
***************
Tatiana
FILHO DA PUTA.
Imbecil!
Idiota!
Tarado, safado, cachorro, desavergonhado, imoral,
indecente, descarado, CÍNICO!
Seco meu corpo, irritada. Pamela está mordendo a ponta do
óculos de sol como se alguém tivesse acabado de anunciar que
o jantar, hoje de noite, é sexo.
- O que ele está fazendo aqui?
- Quem? - ela pergunta e eu paro de me secar para encará-
la com raiva.
- Eu cuido disso. - Marcus levanta, soturno.
- Cuida de quê? - rosno.
- Vou tirá-lo daqui! Vou falar com o responsável, com o
capitão se for prec…
- Você vai ficar sentado aí que ninguém te pediu pra
fazer nada! - aviso e ele senta de volta, observando-me em
choque enquanto escolhe os movimentos com cuidado, como faria
diante de um animal selvagem.
Pamela tem uma risadinha sacana de quem é capaz de se
divertir diante de incêndio e dá um tapinha no joelho do
nosso amigo.
Amigo.
Quando o Marcus disse que vinha nessa viagem também, eu…
Não é hora de pensar nisso.
Ele está dando em cima das passageiras!
Claro que está!
"Gosto de mulheres mais velhas".
Idiota.
IDIOTA!
Ele e eu. Que acreditei nessa ladainha.
Esfrego minha testa com raiva.
MEU DEUS! COMO eu fui tão cega e imbecil? Como?
Foi só por um segundo, só por um dia, mas eu realmente
acreditei que…
AH! INFERNO!
- Você quer ir embora, amiga? - ela pergunta - Quer dar
uma volta? Ou ficar sozinha?
- Não. Ele está trabalhando aqui. Pois que trabalhe. Eu
estou de férias e tinha planos de passar minha tarde na
piscina, Pamela, e sabe o que mais? É EXATAMENTE isso que eu
vou fazer. Eu não vou sair!
- Ótimo. E eu quero um drink! - ela acena para algum
garçom atrás de mim.
- Só não chama…
- Sim?
- Oi, Spencer. Azul marinho fica ótimo em você. - ela
diz.
- Obrigado. Posso trazer alguma coisa pra vocês?
Eu estou de costas pra ele e decido ficar assim. Só ouvir
sua voz já é mais do que eu aguento.
- Pode desaparecer. - Marcus resmunga.
- Não seja mal educado. - Pam recrimina - Eu quero… o que
é que você recomenda?
- Sexo na praia. - aviso, arisca - É o favorito dele.
- Era o nome do drink! - ele repete, frustrado - Era o
drink que ela queria.
Levanto a mão para que ele se cale porque eu não quero
ouvir.
Fui muito adulta e recatada no nosso rompimento em meu
apartamento. Agora, eu já não posso mais prometer o mesmo.
- Sexo na praia. - Pamela estala as palavras na língua -
Pois é isso mesmo que eu vou querer. E um pra Tati, também,
que ela está nervosa.
- Eu não estou nervosa.
- Bastante vodka na dela. - pede - Bastante na minha
também! E… você faz aquela versão sem álcool desse mesmo
drink? Como é mesmo que se chama?
- Virgens na praia? - pergunta.
- Esse mesmo! Um desse pro Marcus.
- Ah, pelo amor de… - ele se levanta, irritado e acho que
ouvi Spencer rir.
- Posso pedir pra outra pessoa trazer. - diz, educado.
- Não, querido. Você é ótimo.
Ele ainda está parado atrás de mim. Eu o sinto ali.
Encarando minha nuca, queimando minha pele. Só consigo
respirar quando escuto seus passos se afastando.
- Sabe? - digo para minha amiga - Se eu te matar e jogar
teu corpo no mar, seria o crime perfeito.
- E por que faria isso?
- Por que está sendo gentil com ele?
- O garoto está só trabalhando, Tati, relaxa.
- Só… Pamela! Você tem alguma coisa a ver com isso?
- Hm?
- Pamela, se você tiver alguma coisa a ver com isso, eu
vou te matar!
- Tatiana, por que você está tão nervosa?
- Ele estava dando em cima daquela mulher ali!
Descaradamente!
- Oh meu Deus! - ela leva a mão ao peito, teatralmente -
Um homem solteiro? Dando em cima de uma mulher? Um
funcionário de cruzeiro gostoso flertando com clientes? Não
acredito!
Eu incho de indignação e não sei quais palavras usar:
- Ele… ele…
- Ele… ele… não te deve nada! - lembra.
- E mesmo quando devia, deu em cima de outra!
- Pelo que eu me lembro… - estreita os olhos - você disse
que não se incomodou e que já estava mesmo esperando isso.
Disse que "não era nada sério" e que estava "só se
divertindo"?
Espremo meus lábios com muita força.
- Ou era mentira? - provoca - Ou você estava sim gostando
dele e só inventou essa história de "não ligo" pra se sentir
melhor? Eu não julgo, Tati. Mas se você não gosta dele, não
sei porque está tão nervosa. Deixa ele dar em cima de quem
quiser.
Coloca os óculos de sol de volta no rosto e deita na
espreguiçadeira.
- Eu estou impedindo? - resmungo - Eu, por acaso, estou
impedindo o Spencer de fazer alguma coisa?
- Tati, você tá bloqueando o Sol. - reclama.
- E você está bloqueando meu humor.
- Claro. Tenho certeza que sou eu a culpada pelo seu
humor… ah! Obrigada, querido!
Ela se ergue na espreguiçadeira para aceitar os drinks.
Ele trouxe o do Marcus também, apesar de não existir mais
Marcus agora, ao que tudo indica. Desapareceu, não sei pra
onde e, pra ser sincera, não fosse o terceiro drink que
restou sem dono, eu sequer teria percebido.
- Não botei bastante vodka no seu. - avisa.
E está esperando o quê? Gratidão?
- Ótimo, até porque eu sequer pedi um drink, não foi?
- Tati… - Pamela começa e eu estou prestes a dizer "tá,
tudo bem, desculpa", mas Spencer é mais rápido que qualquer
uma de nós:
- Qual o seu problema? - reclama.
- O meu problema?
É
- É! Eu achei que a gente tinha terminado em paz. Não
fiquei feliz com o jeito como você decidiu acabar tudo, mas
eu aceitei. E não teve drama ou briga… achei que, pelo menos,
seríamos adultos.
Minha boca está entreaberta porque ainda não decidi do
que reclamar primeiro.
- Mas aí você chega aqui agora e não para de ser…
arredia. Que mal eu te fiz?
Respiro fundo.
Estou fervendo de raiva.
De ciúmes.
Eu sei que é isso.
É exatamente isso.
Mas ele está certo. E Pamela está certa.
O pouco direito que eu tinha de sentir ciúmes acabou e
ele está só trabalhando.
Encho os pulmões e vou lhe pedir desculpas. Juro que vou.
- Além do mais - ele continua - se alguém aqui tem
motivos para ficar com raiva, sou eu.
O quê?
- O que foi que disse?
- Que quem tem motivo pra estar com raiva sou eu.
Cruzo os braços e o encaro de frente, talvez pela
primeira vez desde que descobri que estava ali.
Isso quase me desarma mais do que me ajuda. Ele usa uma
camisa branca bem justa nos braços, parece capaz de prender
sua circulação quando flexiona os músculos, fazendo-os pular
daquele jeito que implora por uma língua. O cabelo preto
caindo por cima dos olhos escuros é a única coisa que lhe dá
um ar travesso, porque todo o resto dele é homem e imenso. O
queixo rígido e quadrado, os lábios irritados e bem
desenhados, a sombra de sua barba malfeita que é uma delícia
de sentir nas coxas.
A única coisa que me salva é minha fúria.
Agarro-me a ela para não me afogar.
- E que motivo seria esse?
Spencer tem um sorriso de desdém que me dá vontade de lhe
dar um tapa.
Na bunda, talvez.
Mas muito forte, ainda assim.
- Olha, a gente não devia conversar sobre isso agora.
- Ah! Mas o momento para modéstia veio e foi-se, Reese. -
rosno - Vamos conversar sobre isso agora, sim.
Seus olhos castanhos firmes sobre mim. O tremer do lábio
inferior de quem quer muito terminar uma conversa que deve
estar entalada em sua garganta há muito tempo, mas ao mesmo
tempo sabe que não poderia escolher um momento pior para
fazer isso nem que lhe dessem um calendário e liberdade de
escolha.
- Eu disse que gostava de você. - dobra o lábio, o tremer
do lábio traduzindo-se em fúria também - E você me botou pra
fora, sem cerimônia.
- O quê?
- Você ouviu, não foi? O que eu estava conversando com a
Laurie no beco atrás do restaurante.
- Ouvi sim.
- Tudo?
- Ouvi o suficiente. Vocês demoraram para me perceber.
Você fica muito gostosa com esse avental.
- E aí acabou comigo?
- Você queria que eu fizesse o quê? - acho que me exaltei
porque atraí olhares.
A amiga.
"Amiga", era o que ele dizia. O cachorro!
CACHORRO!
- Não queria casar e ter filhos até o fim da semana,
Tatiana. Mas achei que a gente pudesse…
- Continuar transando? Sem compromisso? - ofendo-me.
Acho que você está me confundindo com outra pessoa,
Spencer.
- Era só isso pra você? - ele reduz a voz até ser pouco
mais que um rosnado rouco de cólera.
- Vai mesmo colocar a culpa disso em cima de mim?
- Não, não. Acho que a culpa é minha. Acho que esperei
demais de você depois de um relacionamento de poucas semanas.
- O quê? O que diabos quer dizer com isso?
Ele está me criticando por esperar fidelidade?
E daí que foram só poucas semanas? NÓS ESTÁVAMOS JUNTOS!
Spencer repuxa a própria camisa como se ela o incomodasse
por toda a parte. Tem os lábios apertados até fazê-los
desaparecer.
- o que está fazendo? - reclama - Você apertou minha mão
e me colocou pra fora da sua casa! Encerrou a nossa transação
e se quis ver livre de mim. Me usou como quis e depois me
jogou fora.
- O QUÊ?
- E agora ainda tem a cara de pau de achar que eu mereço
ser destratado?
- Cara de pau? EU? Como você SE ATREVE!
- … por estar fazendo meu trabalho?
- Ah! Eu tinha esquecido que seu trabalho é dar em cima
de mulheres mais velhas.
- E se for? Não é da tua conta, Tatiana.
- Não! NADA que você faz é da minha conta! - estou
lívida. Sinto cada músculo do meu corpo ficar tenso, minhas
mãos viraram punhos e eu acho que nunca estive tão perto de
apelar pra violência na minha vida. - Você é um adulto. AGE
como se fosse um moleque. Mas é um adulto, não é?
- Eu sou o moleque? Você sai de férias com o Marcus,
depois de tudo que aconteceu e…
- AH, e ISSO é da TUA conta?
- Reese?
- Que foi? - rosna para a mulher às suas costas, mas
recua assim que nota com quem está falando.
Ela tem os cabelos escuros presos em um coque apertado.
Usa o mesmo uniforme que ele e tem uma expressão de educada
impaciência estampada no rosto. A educação, suspeito, para
mim. A impaciência, sem dúvida, para ele.
- Pode vir comigo, por favor? Preciso de você no bar.
Ele respira fundo e parece acordar de um pesadelo.
- Claro. - murmura baixo. Mal se despede com um olhar
curto e se vai.
As poucas pessoas ao redor que já começavam a perceber
nosso conflito rapidamente se voltam aos próprios afazeres
até me restar nenhum espectador fora Pamela.
Eu sento na espreguiçadeira ao lado da dela. Sinto meu
humor encolher com o peso literal da vergonha.
- Eu estava falando muito alto?
- Um pouquinho. - acena.
- Mas você ouviu o que ele disse? - tento me defender.
- Tati, vocês não estavam falando baixo. A princesa
Ariel, lá no fundo do mar, ouviu o que ele disse.
Eu sinto minhas emoções na garganta.
Ressecada e dolorida.
Algo amargo preso ali, transbordando tristeza até me
fazer notar que estou segurando lágrimas.
- Ele chamou o que a gente teve de transação. - sussurro,
sentindo meu coração doer.
Eu não estava apaixonada por ele.
Mas… Transação? Sério, Spencer?
- É. - Pamela fala, casualmente, mas ainda está olhando
por cima do meu ombro. Como se tivesse partes do quebra-
cabeça que eu desconheço e estivesse fazendo um esforço para
entender que imagem ele forma - Eu ouvi. - conclui, técnica.
- É só isso que vai dizer? Meu Deus, Pam, normalmente eu
sou a fria.
- Tem algo a respeito do Spencer, que… chame de instinto
se qui…
- Você e seu instinto! - resmungo - Fez o maior inferno
quando eu disse pro Marcus que ele podia vir conosco se
quisesse! O MARCUS! Que é nosso amigo há anos e que você
mesma já quis que namorasse comigo. Mas, de repente, ele não
presta mais e quem presta é o Spencer?
Ela se vira apenas um pouco e eu acho que deve estar me
encarando através dos óculos escuros.
- Amiga, Deus sabe que eu te amo, mas você precisa se
acalmar! Está parecendo uma ex fora de controle!
Travo meus punhos com ímpeto.
Era só isso que eu não queria.
Usei TODA a minha resiliência para acabar tudo com
Spencer do modo mais profissional e adulto possível. E aí
agora eu estava jogando tudo fora por causa de um "sexo na
praia".
Aperto meus dentes e respiro fundo.
- Eu acho que tem algo no Spencer, sabe? - sorri, mística
- Algo que talvez você ainda não esteja conseguindo ver.
Aperta meu joelho em uma tentativa breve de me confortar
e deita-se de volta na espreguiçadeira. E eu… eu passo a
tarde na piscina com ela.
Ignorando a existência de um garçom que deve ter sido
categoricamente instruído para ficar longe de nós porque,
pelas próximas três horas, não nos serviu uma única vez.
Mas ainda está ali.
Com todo seu porte robusto de homem que sabe usar o corpo
inteiro pra te espremer no colchão. Com seu sorriso atrevido
e seus cabelos escuros bagunçando-se no vento. E eu o observo
enquanto faço meu melhor para fingir que estou fazendo tudo
menos isso. Eu o observo e tento ver o que o instinto da
Pamela viu: algo que eu ainda não estivesse conseguindo.
Mas, pelas próximas três horas, só o que vejo é meu
Spencer dando em cima de todas as mulheres ao nosso redor.
***************
Spencer
***************
Spencer
***************
Tatiana
***************
Spencer
Puta que me pariu, hein?
Na boca.
Eu achei que ela ia me beijar.
Estava CERTO que ela tinha dito "chega" e veio tomar o
que era dela. E eu ia beijá-la de volta, bem devagar e
gostoso, assim que sua língua encostasse na minha pele.
Mas ela levou minha garrafa e foi embora com o Marcus.
Excelente.
É bom que o Noah tenha levado parte da atenção consigo
porque eu não consigo mais parar de olhar pra Tatiana.
Na jacuzzi.
Com o Marcus.
E o champanhe.
Estão dividindo a garrafa e ele a abraça quando ri contra
sua bochecha.
Não dá.
Não dá não dá não dá não dá.
Usei tudo que restava de meu autocontrole quando ela
lambeu o Noah.
Aquela língua boa pra cacete, bem dengosa e safada,
experimentando a pele de outro cara. Só isso já tinha sido
suficiente pra me fazer morder a parte interna de minhas
bochechas com tanta força que eu sentia o gosto de sangue.
Ainda assim eu fui um guerreiro e fiquei quieto.
Mas esse carinho todo com o Marcus não dá, sabe?
Preparei um copo imenso de uísque para ninguém e coloquei
em uma bandeja.
Eu vou até lá.
Vai até lá fazer o quê, Spencer?
Dar um murro nele!
Acabar mais uma festa com uma briga na piscina? Você vai
ser demitido.
Dou um murro nele e jogo ele no mar.
Uns vinte murros.
E depois o mar.
O irracional venceu.
O instinto venceu.
Porque eu tenho o copo de uísque na bandeja e estou a
caminho da jacuzzi. Ele a tem nos braços e eu sinto meu corpo
inteiro palpitar. Convulsões metafísicas, fazendo cada
centímetro cúbico de minha carne se contrair de cólera.
Jogo o copo de uísque inteiro na piscina. Não exatamente
em cima do Marcus porque ele está abraçado com minha mulher e
eu não quero machucá-la, mas jogo na água mesmo, perto o
suficiente para respingar nele e chamar sua atenção.
Chamar a atenção dos dois.
- O que… o que diabos está fazendo?
Eu engulo em seco com essa linda cara de pau que Deus
achou de bom tom me dar:
- Eu tropecei. - assinto, sem alegria - Desculpe.
- Tropeçou? Você não tropeçou! - Marcus se levanta,
irado.
- Vou precisar pedir que saiam da jacuzzi, senhor. Vou
precisar esvaziá-la e limpar tudo.
- Você é muito ruim nesse trabalho. - ele reclama,
ajudando Tati a sair da água.
- Sim, senhor. Desculpe, senhor.
Eles se afastam e mordo meu lábio inferior com força.
NAO. Não sei por que CARALHO eu fiz isso.
Mas fiz.
Está feito.
Ajoelho-me para desligar a hidromassagem e fechar a
jacuzzi.
- Deixou cair.
Percebo-a atrás de mim.
Abaixada, perto o suficiente para que eu sinta seu calor
tão bem quanto sua presença. Mas quando me viro só o que vejo
são seus peitos naquele biquini lilás. Bem pesados e
molhadinhos.
- Spencer?
- Hm? - acordo e volto minha atenção para os seus olhos.
- Aqui. - Tati me mostra o copo de uísque que joguei na
jacuzzi - Deixou cair.
- Ah, obrigado.
- De nada. Pode levar isso também? - coloca a garrafa de
champanhe no chão - Já terminamos de usar.
Aceno, colérico.
Não consigo impedir a risada de desdém.
- Não imaginava que você fosse o tipo que faz isso. -
resmungo, apesar de estar plenamente ciente que quem começou
o "isso" fui eu.
No entanto, sua resposta gelada destrói minha dignidade
mais do que qualquer autorreflexão seria capaz de fazer.
- Você não me conhece. - lembra, casualmente - E acho que
eu não te conheço também.
Eu assinto com um menear da cabeça.
Um bem amplo e irritado.
Ela se vai mas minha irritação fica e eu sigo acenando
para mim mesmo. Balançando a cabeça como se ouvisse uma
música silenciosa que ninguém mais consegue escutar: a
Sinfonia do Desastre.
- Reese? - Bia se abaixa ao meu lado, tenta falar baixo e
ser o mais discreta possível, mas suas palavras são secas e
objetivas - Vai embora.
- O quê?
- Agora mesmo. Vai pra cabine, pra outro setor, pra onde
quiser.
- Bia, eu…
- Não discute comigo, Reese! Estou fazendo isso pro seu
bem! - promete e eu sei que é verdade - A gente cobre seu
turno aqui e você fecha, por mim, essa noite, está bem?
- Eu não… - bagunço meus cabelos - Não queria te deixar
na mão. Eu sinto muito.
- Olha, eu não sei qual é a história aqui e nem é da
minha conta. Mas você está deixando interferir no serviço e é
minha responsabilidade te impedir, certo? Então… - ela
gesticula no vazio - Vai descansar em algum lugar, vai correr
pra gastar energia, não sei! Mas precisa sair daqui!
Aceno devagar.
Envergonhado.
Constrangido.
- Tudo bem.
***************
***************
***************
Tatiana
Estou congelada contra a porta. Prendendo minha
respiração ao mesmo tempo que tento voltar a respirar.
Por que ele precisa ser tão gostoso?
Spencer é lindo de todo jeito.
Sem camisa, de uniforme, de terno.
Mas essa camisa branca de botões bem coladinha no peito é
um crime. De verdade.
Estou engolindo choramingos. Não esperava ter que vê-lo
tão cedo.
Gozar me esfregando nele foi muito bom, mas poderia ter
sido melhor e eu ainda sinto uma coceira deliciosa entre
minhas coxas que ele seria capaz de resolver em pouco tempo.
Abraço meu celular, ainda tenho as costas contra a porta
quando escuto a campainha mais uma vez.
Meu jantar, provavelmente.
Achei que era isso que estaria me esperando no corredor
antes, mas dei de cara com Spencer e agora sinto minhas
pernas trêmulas.
Sacudo minhas mãos com força e balanço minha cabeça.
Foco, Tatiana.
Ele é só um cara.
Foi só sexo.
Já acabou.
Abro a porta com um sorriso pronta para desejar boa noite
para…
- Spencer?
- Boa noite, senhorita Corso. O Alan não está se sentindo
muito bem, eu vou tomar seu lugar essa noite, caso precise de
alguma coisa. Eu trouxe seu jantar e, me foi dito que a
senhorita pediu que preparasse um banho? Se puder me deixar
entrar?
Acho que perdi meu queixo.
Vão precisar de uma escavadeira e uma equipe de
arqueologia para encontrá-lo de volta.
- Você tá falando sério?
- Perdão? - ele tem um sorriso polido que má dá vontade
de lhe dar um tapa.
Vai mesmo fazer o papel de profissional um segundo depois
de bater na minha porta como meu amante?
- Eu perguntei se você está falando sério. - repito,
tentando esconder meu desespero. Não sei se consegui.
Ele se inclina na minha direção fazendo-me sentir seu
perfume:
- Muito sério. - murmura.
Estou mordendo a ponta da língua. Minha testa enrugada,
minha respiração fora de ritmo… mas eu não tenho saída,
tenho?
Ou desisto de comer ou aceito o que ele trouxe.
Abro a porta e saio do seu caminho.
- Com licença. - ele sorri, empurrando o carrinho para
dentro da suíte, antes de fechar a porta.
A porta fica em um pequeno hall de entrada, perto do
quarto de visitas, mas eu pretendo fazer minha refeição na
mesa da sala e é para lá que sigo, alguns metros adiante,
logo depois que o hall dá espaço para a imensa sala
retangular dividida em três espaços.
- Pode coloc…
Spencer ficou para trás.
Ainda está quase dentro do hall, perto do piano de cauda,
antes mesmo do sofá e das poltronas.
- O que foi? - pergunto.
- Você tem… um PIANO dentro da cabine?
- É só decorativo, pelo menos pra mim. Se tivesse um
quarto como esse sem o piano, eu preferiria, acredite.
Ele assente porque deve se lembrar de algumas de nossas
conversas, mas ainda olha ao redor admirado.
A suíte, de esquina, tem um pé direito duplo e uma
varanda em L que segue por toda a lateral do quarto. As
janelas de parede inteira enchem o ambiente de luz durante o
dia, agora, no entanto, só consigo ver as cortinas flutuando
ao vento e as estrelas lá fora. Logo depois do piano, sofá e
poltronas da sala principal, há uma mesa com oito lugares e
um balcão estreito com algumas poucas amenidades.
- Aqui? - ele pergunta apontando para a mesa.
- Por favor.
Ainda tenho meus braços cruzados e não sei o que fazer
comigo mesma. É estranho ser servida por Spencer.
Pelo menos aqui e desse modo. Diferente das vezes em que
cozinhou para mim.
Parece errado.
Ele coloca pratos, talheres e bebidas sobre a mesa e eu,
que com qualquer funcionário normal já estaria sentada, ainda
estou de pé.
- Senhorita. - ele cumprimenta - E onde gostaria que eu
preparasse o banho?
Ai meu Deus.
- Não precisa. - decido - Eu mudei de ideia.
- Já está pago.
- Não tem importância.
Ele respira fundo, contrariado.
- Já entendi que não quer falar comigo, mas pode me
deixar fazer meu trabalho?
Engulo em seco.
Spencer tem um par de olhos castanhos capaz de
enfraquecer os joelhos até te deixar rendida. Seu sorriso
atrevido é delicioso, mas essa seriedade máscula faz alguma
coisa dentro de mim tremer.
Eu devia ter me esfregado mais um pouquinho.
É difícil não encarar sua camisa justa, especialmente
quando você sabe exatamente como é o tanquinho que ele traz
por baixo. Rígido e…
Arregalo os olhos, trazendo-me de volta à força.
- Lá em cima. - aponto para a escada que leva a parte
superior do loft e ao quarto - Eu vou… comer lá fora. - pego
meu prato e aponto para a varanda - Você pode sair quando
terminar. Fica a vontade.
Acho que ele ofereceu levar o prato por mim, mas eu já
fugi dele.
Fugi de medo do que eu posso fazer se continuar encarando
aquele sorriso.
Sento a mesa do lado de fora e sequer trouxe minha
bebida. Não me importa, como bem quietinha, apertando minhas
coxas e sentindo a ansiedade se acumular entre elas. Vou me
masturbar. Preciso fazer isso por uma questão de saúde mesmo,
sabe? Não dá pra manter o controle sobre o próprio corpo
quando se quer sexo a cada instante e, com Spencer por perto,
eu preciso manter o controle.
Minha refeição não demora vinte minutos.
Perdi o apetite quase que absolutamente e parte de mim só
quer que ele vá embora.
Mas fica no banheiro do quarto principal por quase os
vinte minutos completos que eu demoro em meu jantar.
É com um exalar aliviado que eu recebo os sons de seus
passos perto da porta. Mas fico ali, sentada, encarando o mar
iluminado por nada além da Lua e uma porção de estrelas, meu
alívio obrigando-me a refletir sobre o que sequer causou
minha tensão.
Acho que gosto dele.
Droga.
Essa vontade de ficar perto de alguém, de conversar, de
morder… não lembro de ter sentido isso antes. Talvez com
Daniel, mas no começo que foi há tanto tempo que minha
memória sequer consegue resgatar.
Ou talvez seja só luxúria.
É.
É isso.
Levo o prato para dentro e o deixo sobre o balcão. Bebo
metade de uma garrafa de água, não estou com sede: estou
procrastinando. Ainda tenho ao meu redor o mesmo vestido que
estava usando quando ele me comeu. Não tive tempo de tomar
banho antes de sair, o que significa que passei as últimas
duas horas sorrindo e dançando com meus amigos, coberta de
suor e Spencer. Bem… coberta de suor e Tatiana, quero dizer.
Já que não houve Spencer.
Eu precisava de mais que um chuveiro se queria me livrar
do cheiro e da lembrança. Mas sem problemas! A suíte Royal
funciona com um sistema que eles chamam de "Lâmpada". A
palavra que parece ser absolutamente aleatória é uma
referência ao gênio da lâmpada: o serviço existe para atender
qualquer um de seus desejos e o meu era tirar Spencer da
minha cabeça. Perceba como a vida é mesmo uma filha da puta
sem consideração: para tirar o Spencer da minha cabeça, eu
escolhi um banho aromático relaxante do catálogo do spa e
pedi que fosse preparado na minha suíte. Meu plano era deitar
na água quente cheia de hidratantes, óleos e sais de banho
por um boa hora até sobrar absolutamente nenhum resquício do
cheiro dele no meu corpo. Genial. Infalível.
Até o Spencer chegar pra preparar meu banho de livramento
do Spencer.
A Lâmpada claramente estava quebrada, essa porcaria.
Já deve fazer alguns poucos minutos que ele se foi quando
eu subo as escadas ainda abraçada ao meu próprio corpo.
Independente de quem tenha vindo colocar os sais dentro da
água quente, ela está salgada e aquecida, não é? Melhor fazer
uso. Coloco o vestido no saco de roupas a ser lavadas. Vou
pedir que recolham amanhã e que lavem esse vestido aqui duas
vezes. Talvez três. E mesmo assim, talvez eu ainda toque fogo
nele antes de jogar fora porque há uma parte de mim que
duvida que eu consiga, algum dia, olhar pra ele sempre
lembrar da sensação fria daquele espumante na minha pele nua.
O zumbido baixo a contínuo dos jatos de água da banheira
é audível mesmo do closet, amarro meu cabelo no topo da
cabeça e respiro fundo.
Vamos deixar o livramento começar.
Curar meu corpo e minha mente desse mal que a aflige até
que Spencer seja pouco mais que um pontinho bem distante no
meu retrovisor. Um desses que mal dá pra lembrar se foi mesmo
um carro ou se é apenas um mosquitinho.
Primeira etapa é um bom banho.
Segunda etapa é uma boa noite de sono.
Não vai resolver, mas vai ajudar.
O que não vai ajudar, no entanto, é o Spencer Reese que
AINDA está no meu banheiro assim que abro a porta. Nua. Em
pelo.
Eu sequer tenho meu vestido na mão! Não existe condições
de me cobrir. Acho que é por isso que eu grito, mesmo que não
seja mulher de gritar.
Não é exatamente um grito agudo de medo. É mais um
exasperar desesperado de susto e descrença.
Ele se vira de costas imediatamente, mas isso não o salva
de meus ataques.
- O QUE ESTÁ FAZENDO?
- O BANHO! - ele grita de volta. Não sei se por causa do
barulho dos jatos de água ou se pelo pânico que deve, ele
também, sentir no sangue.
- AINDA?
- EU NÃO SEI O QUE ESTOU FAZENDO! - ele tapa os olhos,
não sei por quê… está de costas. Mas os tapa ainda assim.
Encolhido como se a proximidade com minha nudez lhe causasse
dores.
- NA VIDA? EU JÁ PERCEBI! - pego duas toalhas sobre o
balcão uma para me cobrir e a outra porque preciso muito de
alguma coisa para jogar nele. Mas minha força é pouca, a
toalha não colabora e cai aberta na água, respingando e
atraindo sua atenção. Ele quase se vira, mas eu ainda não
estou coberta. - NÃO SE MEXE!
- DESCULPA!
- NÃO! NÃO ACHO QUE VOU DESCULPAR! EU TE OUVI SAIR!
- EU ACHEI QUE TINHA ACABADO MAS PERCEBI QUE TINHA
ESQUECIDO UM DOS POTES.
- UM DOS POTES?
- UM DOS POTES!
- AH MEU DEUS! - aperto minhas têmporas às vésperas de
dar um tapa em mim mesma porque isso deve ser pesadelo. Não é
possível que a realidade aceite esse tipo de evento.
- A gente pode parar de gritar? - pede.
Eu fico em silêncio. Não consigo olhar pra ele.
Ele não se vira mas fica em silêncio também.
Deve ter passado um milênio quando ele suspira:
- Sinto muito. Eu estava mesmo só preparando as coisas.
Respiro fundo porque a vergonha pesa mas ela é só minha
para carregar:
- Eu sei. - aceito. Acredito nele.
Ergo os olhos e o vejo encurvado.
Gesticulo antes de dizer qualquer coisa, não importa que
ele não possa me ver, preciso ocupar minhas mãos.
- Pode… pode se virar de volta, já estou coberta. E acho
melhor você ir! - aviso.
Mantem os olhos baixos, evita sequer olhar na minha
direção.
- Sim, senhora.
Os braços estão encharcados, molhados até as mangas.
- O que estava fazendo?
- Han?
- Molhou até a camisa?
Spencer engole em seco e tem a mesma expressão que tinha
no dia que o encontrei no McDonald’s.
Perdido.
- Não sabia como preparar o banho, não é?
Faz uma careta adorável de quem não queria ser pego, mas
não há o que fazer. Coca a nuca e o modo como exibe os
músculos por acidente me faz ciente de minha própria nudez.
- É por isso que demorou quase meia hora e ainda esqueceu
uns potes? - continuo.
Arrisca um olhar na minha direção e eu sei que já entendi
seu problema.
- Não sabia como ligar a banheira? Não teve treinamento
pra fazer isso, não é? Trocou de lugar com o Alan porque
queria falar comigo?
- Não! - responde apenas a última pergunto porque,
suspeito, não quer responder as outras - Não troquei de
lugar. Não foi isso.
Estreito os olhos porque tenho certeza que foi isso que
aconteceu. Mas acho que ele está me vencendo só pelas
palavras que escolhi usar.
- Convenceu o Alan a trocar de lugar? Prometeu alguma
coisa pra ele? Comprou a troca? - sigo experimentando.
Spencer ri.
- Você não vai deixar isso pra lá, vai?
- Agora você transformou em um desafio.
- Eu apostei com ele. Poker.
- Ah! - estalo os dedos. Não acredito que demorei pra
pensar nessa. - Eu não sabia que você era bom em poker. Mas
acho que faz sentido que você saiba blefar.
- Está tentando me ofender, de novo?
- Talvez.
- Por favor, não conta pro Alan que eu fiz besteira? -
estreita os olhos.
- E pegou uma passageira nua? Eu guardo seu segredo.
- Obrigado.
- Você queria mesmo falar comigo, han?
Ele ri baixinho, tirando a toalha que joguei na banheira.
- É. E mesmo enquanto eu estava aqui, tentando descobrir
como esse inferno de banheira funciona. - torce o nariz para
a água e eu imagino que, enquanto eu jantava, ele deve ter
feito uma inimiga - Eu fiquei pensando em como poderia te
fazer ouvir e o que eu poderia te dizer para acreditar em
mim, mas… - ele não olha para mim. Não olha para nada em
particular. Só encara o vazio com um sorriso triste - Você
não quer me ouvir, quer? Não quer acreditar em mim. - dá de
ombros - Então, no fundo, acho que não tem muito que eu possa
fazer.
Torce a toalha na pia e a pendura no box.
- Posso deixar essa aqui? - pede - Não faço a menor ideia
como levar isso embora sem molhar o quarto inteiro.
- Claro. - murmuro, desconcertada não pela pergunta da
toalha, mas pelas que fez antes.
Eu fui cruel.
Senti-me traída mas a verdade é que nunca definimos o que
éramos. Talvez eu seja velha demais para relacionamentos
modernos o que dificilmente é culpa dele. Ou talvez ele seja
um traidor cachorro maldito. Mas ele estar errado não fazia
de mim certa.
Sequer o deixei gozar.
- Boa noite, Tati. - ele sorri, envergonhado. Tem a
cabeça baixa quando passa por mim.
- Spencer?
- Hm?
Ele se vira para esperar o que eu ia dizer. O problema é
que eu não faço ideia do que ia dizer.
- Ah… - coloco os fios de cabelos atrás da orelha. "Boa
noite"? Não… "Obrigada"? Mas pelo quê? Por ter feito tudo
errado e me visto nua? "Quando vou te ver de novo"? Não.
Definitivamente não. Sorrio. - Nada.
- Ah, não! - pede - Não pode fazer isso! O que quer
dizer?
- Nada, eu mudei de ideia.
- Me diz, por favor?
- Spencer…
- Olha, depois de tudo que a gente já passou, você vai
mesmo ficar com vergonha de dizer alguma coisa?
Engulo em seco.
- Eu só ia perguntar…
- O quê?
Quando vou te ver de novo?
Se posso te ver de novo?
Não. Não misture emoção.
Foi emoção que te destruiu com ele.
O sexo foi a parte boa.
O sexo foi a parte que deu certo.
- Você… terminou?
Seu sorriso envergonhado desaparece porque sua vergonha
desapareceu.
- Está me perguntando se eu me masturbei?
- Esquece! - me arrependo imediatamente - Deixa pra lá!
- Não, não. Eu só queria ter certeza.
- Boa noite.
- Não, Tati, eu não terminei. Não me masturbei desde que…
desde que você me deixou na mão.
Espremo meus lábios com tanto empenho que sinto meus
dentes enfiados na carne.
- Certo. Certo. - tento soar casual. Sei que falhei
porque ele está rindo e deu um passo na minha direção. E
então deu outro e outro até ficar bem perto.
- Preferia que eu tivesse feito isso? Ou que não tivesse?
- Eu não preferia nada. - respondo depressa.
- Claro que não. - ele resvala os dedos por meus cabelos,
prendendo fios soltos em minha orelha. Respira a centímetros
da minha bochecha quando desliza o toque pela toalha - Macia.
- sussurra. Mas abandona a toalha e escorre os nós dos dedos
pela minha pele - Bem macia.
Tenho vontade de fechar os olhos. Ao invés disso, no
entanto, me limito a piscar. Piscar demoradamente, pálpebras
pesadas e malcriadas.
- E você? - está quase raspando os lábios em mim -
Terminou de novo? Porque aquela vez mal conta.
- Conta, sim. - gaguejo.
- Não conta, não. Você foi embora depressa porque ficou
com raiva. Com ciúmes. - ele dá um beijo no meu pescoço. Deus
me proteja, não vou conseguir resistir. Estou agarrada a
toalha, mas se ele quiser arrancá-la acho que vou deixar.-
Ciúmes do teu Spencer dando em cima de outra mulher.
- Eu não tenho um Spencer. - murmuro.
- Ah, eu discordo. - ele ri e me beija no pescoço de
novo. Mais molhado dessa vez. Mais íntimo. - Deixa eu
terminar pra você? - sussurra - Aquela vez não conta.
É por isso que Eva aceitou a maçã, sabe?
Porque pecado é uma coisa deliciosa.
- E por que eu te deixaria fazer isso? - minha pergunta é
sã, mas minha sanidade acaba logo depois da interrogação
porque, apesar de minha indagação, estou agarrada a sua
camisa. Abandonei a toalha que só não caiu ainda porque está
presa entre nossos corpos.
- E por que não deixaria?
- Está só querendo se aproveitar de mim porque você não
terminou. - lembro.
- Hm. - ele considera por um segundo - E se for só pra
você?
- Hm?
- E se eu não gozar? - ele faz um biquinho para tentar
impedir o sorriso - E se eu fizer só pra você e prometo que
não gozo. Assim você pode punir teu Spencer por ele não ter
se comportado.
- Eu não tenho um Spencer. - mas dessa vez eu estou rindo
e ele está na minha boca.
Ele tem um beijo doce. Derretido.
Saboroso.
Morde meu queixo com afinco.
- Se eu fui um garoto levado, você devia mesmo me punir.
- Isso quer dizer que foi levado?
- Não, eu fui um anjo. Você entendeu tudo errado. Mas se
você quiser me punir… eu vou gostar.
Eu o seguro pelo queixo e ele para. Minhas unhas enfiadas
nas suas bochechas.
- Você não goza?
- Não, senhora. - exagera naquele sotaque que eu adoro -
Só posso gozar depois que você me perdoar. - promete - Até
lá… é tudo só pra você.
Mordo meu sorriso. Ele está salivando. Acho que estou
salivando também.
Ergo as sobrancelhas e decido que, se vou ceder, é melhor
ceder logo.
- Então, fica de joelhos.
- Sim, senhora.
E já está de joelhos.
Eu tinha mais algumas provocações prontas, mas Spencer
pulou elas todas. Colocou um de meus joelhos sobre o ombro e
engoliu minha boceta inteira com tanta violência que eu me
choquei contra a parede atrás de mim. Não há apoio para uma
mulher em desespero conseguir se manter de pé, enfio as mãos
nos seus cabelos, arqueando as costas apoiando-me na parede
que é tudo que me restou.
Ele não fala. Só trabalha. Chupando-me bem devagar,
levando um único dedo a minha entrada em um toque que é quase
cócegas.
O caminho pro orgasmo é uma tortura. Uma aflição contínua
e crescente, destruindo seu corpo inteiro em sensações e
suores muitos em quantidade, inebriantes em essência. Deve
ser por isso que estou murmurando "por favor" infinitas
vezes, sem qualquer coerência. Porque a iminência do prazer
te dá uma sede de desfecho: você precisa terminar. A
conclusão é o fim da corrida. O clímax. A crise. Aqueles
segundos perfeitos em que você não consegue mais sequer gemer
porque tudo que você tem está se diluindo em prazer.
Prazer.
Essa coisa que é só uma palavra, até você começar a
senti-la. Aí ela se torna mais. Aí ela se torna tudo.
Por favor, por favor, por favor.
Spencer de joelhos, mas quem implora sou eu.
Estou gritando com as mãos em seus cabelos enquanto ele
me flagela com a língua. A tortura necessária que faz parte
do caminho sem o qual não há orgasmo.
A língua.
A boceta.
Acho que ele está gemendo também, mas fez uma promessa
que o impede de se permitir aflições do mesmo grau que me
atinge. Rebolo em sua boca e ele me bebe. Adorando-me.
Resvalando dedos suaves em meu corpo que são perfeita
antítese de sua língua arisca.
Por favor, por favor.
Está bem ali.
O fim.
Consigo senti-lo.
Quase.
Fecho os olhos.
Sentidos precisam ser abandonados para atravessar o
último túnel que falta.
Tudo precisa ser abandonado.
Paro de respirar.
Paro de pensar.
Paro de gemer.
Só existe a língua.
A boceta.
O silêncio e aqueles segundos perfeitos em que a jornada
acaba.
Ainda tenho os dedos em seus cabelos em um cafuné erótico
que fica mais tranquilo a medida que eu respiro melhor.
Spencer ainda me lambe. Acho que está se permitindo mais
aflições do que imaginei.
Eu o empurro, devagar, tirando meu joelho de seu ombro,
mas ele ainda está quase agarrado a uma de minhas coxas. Não
quer tirar a língua de minha pele e, mesmo que eu não
conseguisse imaginar por que, ele se coloca de pé e vejo sua
razão bem dura entre as pernas. Esticando a calça até quase
rasgá-la.
- Você prometeu. - lembro.
Seu olhar é opaco.
Como o dos carnívoros quando já escolheram a presa.
Preciso quebrar a hipnose e tirá-lo da caçada. É quase um
procedimento cirúrgico: esse de remover o Spencer do tesão.
Encara-me como se fosse capaz de quebrar sua palavra oito
vezes antes do Sol nascer.
- Eu prometi. - engole em seco.
Enrolo-me na toalha, mais uma vez, mas me sinto fraca.
- Vai terminar quando voltar pra sua cabine? - pergunto.
A curiosidade nos olhos de Spencer é quase masoquista.
- Eu prometi não terminar até você me perdoar. - entende
minha provocação.
- E eu ainda não perdoei. - lembro.
Ele bagunça os cabelos com uma risada amarga de quem já
se arrependeu da brincadeira porque descobriu ser uma
maratona o que pensou ser apenas cem metros rasos. Mas, ao
mesmo tempo, morde um sorriso sacana de quem mal pode esperar
para ver aonde aquilo vai dar.
- Então acho que eu não vou terminar.
- Bom garoto. - sorrio e ele aprova - Boa noite, Spencer.
- Eu estou no turno até amanhã de manhã. Se precisar de
mim.
- Não vou precisar. - eu solto a toalha porque vou tomar
meu banho e não faz muito sentido ter pudores na frente dele.
- Tem certeza? - choraminga e eu sei que ainda está me
encarando.
- Tenho. - murmuro, procurando algo entre meus pertences.
- Por favor, precise de mim. - sua voz é rouca. Carnívora
ainda - Pra qualquer coisa.
- Estou bem, obrigada e… ah! Achei! - mostro meu vibrador
- Esse é a prova d'água!
Entro na banheira e faço questão de ligar o vibrador
ostensivamente antes de mergulhá-lo entre minhas pernas.
Mordo um gemido bem gostoso antes de piscar os olhos e vê-lo
ali, em minha porta. Sem reação.
A tortura da jornada sem o alívio do fim.
Está duro nas calças. Imenso e colérico.
Eu sorrio.
- Boa noite, Spencer.
A mordida que ele dá na boca é visceral.
Quer me morder.
Acho que ainda vai fazer isso.
Acho que eu vou deixar.
- Boa noite, Tati.
***************
Spencer
***************
Tatiana
Meu Deus.
Eu fiquei nua.
No meio de um bar.
No meio de um navio.
Em um lugar público.
Com um garoto de vinte anos.
Que sequer era meu namorado.
E depois deixei que ele me comesse de novo.
E de novo.
O que há de errado comigo?
Eu nunca tive problemas com erotismos dentro de quatro
paredes, desde que fosse DENTRO DE QUATRO PAREDES. Parece, no
entanto, que meu tesão por Spencer foi tanto que eu esqueci
as paredes e me joguei sem nenhuma mesmo. E depois, só pra
comparar, parece que decidi experimentá-lo com as paredes
também.
Burra.
O que está acontecendo comigo?
Por que é tão divertido brincar com ele
Provocá-lo.
Ser provocada.
Eu não faço isso!
Eu não me jogo em irracionalidades que nunca antecipei a
não ser que tenha um motivo razoável e um bom plano de
escape.
E, falando em irracionalidades sem motivos, Marcus está
sorrindo pra mim assim que chegamos na quadra de tênis.
Eu disse a Spencer que ia tomar um banho, dormir e fingir
que nada daquilo tinha acontecido. Obviamente, meu plano
tinha falhado de todos os modos que um plano era capaz de
falhar. E os sorrisos de Marcus estavam me enchendo de culpa.
Era sempre culpa com Marcus, não era? Como se eu fosse
incapaz de qualquer outra emoção diante dele.
- Vamos dar uma surra neles! - Julia ri para Will e Jess.
Marcus concorda com um jeito jovial que há muito tempo não o
via demonstrar.
- O que eu estou fazendo aqui? - Pamela resmunga -
Tatiana, o que eu estou fazendo aqui?
- Vai ser divertido. - digo, sem prestar atenção. Minha
bunda está dolorida cheia de queimaduras de carpete.
- Está muito quente para estar tão longe da água.
- Longe? Pamela, olha o oceano pra todo lado!
- Eu quis dizer piscina e você sabe!
- A gente vai voltar pro lounge logo depois do jogo, pode
ser?
- Achei que você ia querer se esconder do Spencer.
Engulo em seco e tento mudar de assunto antes que eu core
e ela perceba.
- Olha, tem umas poltronas ali e estão servindo bebidas.
- ÓTIMO! - Pamela se joga na direção que apontei sem
sequer confirmar qualquer uma de minhas afirmações, enquanto
Julia e Marcus começam o jogo contra nosso casal de amigos -
Por que a gente também precisa ficar aqui? Eu não jogo tênis.
Você não joga tênis. Eu sequer gosto de tênis. A gente sabe
as regras de tênis?
- Por favor, pare de dizer a palavra tênis. - dou risada,
sentando em uma das poltronas.
Ai.
Bunda.
Queimaduras.
- O que é isso? - sua expressão de choque faz eu me virar
imediatamente para descobrir o que atrás de mim chamou sua
atenção.
Spencer?
Que merda, Tatiana… essa é a primeira coisa que você
pensa? Que é o Spencer?
Será que dá pra gente esquecer que ele existe apenas por
um segundo?
Essa brincadeira toda é só pra puni-lo um pouco, não é?
Só isso.
Só isso.
Certo?
- Não, não… - Pamela traz minha atenção de volta, quase
respondendo a pergunta que sequer sabe que eu fiz. Mas puxa o
decote do meu vestido bem de leve para indicar do que está
falando - O que é essa marca aqui? Tatiana Corso! Isso é uma
mordida?
- O quê? - prendo a respiração - Não! Claro que não.
Mas Pamela enfiou o indicador para descer meu decote e
deve estar vendo bem claramente algo que, em meu desespero de
tesão e confusão mental, eu esqueci de esconder.
- Isso é uma mordida! - deixa o queixo cair - É uma bela
dentada! Quem deixou essa marca aí?
- Eu me bati! No chuveiro!
- Contra a boca de alguém? Tatiana! Quem foi! Me conta
agora!
- Shh! - imploro - Não foi ninguém!
- Foi o Marcus? Vocês dois…?
- NÃO! Pamela!
- Que foi? Vocês dois estavam no maior chamego ontem.
- Isso foi só porque eu aceitei sair com ele! E agora
parece que ele está inoculado contra qualquer mau humor?
- Você aceitou o quê? Meu Deus! QUANTO TEMPO eu passei
comendo a Julia? Eu perdi tudo!
- Será que você pode ser um pouco mais recatada, por
favor?
- Disse a mulher com marca de dentes nos peitos. Quem é o
dono da mordida? Se não é o Marcus…
- A gente não vai mudar de assunto, vai?
- … é o Spencer.
Ela se cala.
Eu me calo.
Não digo uma palavra.
Não olho na sua direção porque tenho medo que meu olhar
me incrimine mais que minha falsa distração.
- Sua safada! - ela bate nos próprios joelhos com força -
Você deixou o Spencer morder teus peitos ontem! Mas isso
ainda está tão vermelho! E o que mais deixou ele fazer?
Quando foi isso? E ONDE?
- Se você fizer silêncio, pode ser que eu te conte.
- Por que está tentando ser discreta? Ainda vai sair com
o Marcus?
- Por que não sairia?
Sinto meu corpo inteiro se contrair.
Culpa.
Punição.
Meu Deus.
Minha vida era tão simples antes do sexo.
- Porque o Spencer estava mordendo teus… Quem é você? -
arregala os olhos assustada - E o que você fez com minha
amiga? A Tati que eu conheço nunca iria pra cama de um em um
dia e pra um encontro com outro depois.
- Um balcão de bar dificilmente é uma cama.
- Ele te comeu no balcão do bar! - dessa vez é o meu
joelho que ela ataca - Em público! A velha Tatiana foi
abduzida, e essa nova é um ESTOURO!
- Eu me deixei levar, tá certo? Não vai acontecer de
novo.
Decido omitir o banheiro.
E o tapete.
- Por que não? - torce o nariz, chateada - Deixa
acontecer muito, meu bem. Você merece. Só não to entendendo
por que o Marcus ainda tá na equação.
- Porque eu quero experimentar isso e descobrir onde vai
dar.
Minto.
Pra ela?
Pra mim?
Quem sabe, a essa altura.
Pam não tem palavras dessa vez. Só dobra o lábio
inferior, impressionada, e ergue as mãos em rendição.
- Eu ainda voto no Spencer.
- Por quê?
- Eu acho que ele tem mais jogo que o Marcus.
- É por isso que deu um jeito de colocar ele nesse
cruzeiro?
Pamela me observa com o canto do olho e um sorriso
mínimo.
- Me ofende que você ache que eu ainda não percebi que
foi isso que aconteceu. Quer mesmo que eu acredite que é
coincidência ele estar aqui?
- Mas eu não escolhi o lugar onde ele trabalharia! - ri,
satisfeita - Achei que ia ter que fazer um esforço terrível
pra vocês dois se cruzarem! Mas lá estava ele, no lounge! Eu
quase morro!
- Não foi você que colocou ele lá?
- Não. - ela toca o próprio peito dengosa - Foi o cupido.
- Ah, pelo amor de Deus. Justo você? Parece que a velha
Pamela foi abduzida também. Além do mais! Por que está
defendendo ele? Depois do que ele fez… - ela tem um olhar
suspeito, uma careta de culpada que a denuncia além de
qualquer prova - Pamela? - ai meu Deus - Pamela! O que você
fez?
Ela engole em seco e me encara demoradamente, parece
ainda estar decidindo se vai me contar ou não. Mas eu sei que
é só fingimento. Ela vai contar.
- Tá. Eu digo, mas não quero que você surte! Eu… dei uma
olhada nele.
- Deu uma olhada nel… AI MEU DEUS! Pamela! Você contratou
um detetive particular pra investigar o homem?
- Foi rápido. Só durante essas semanas, antes do
cruzeiro. Eu queria ter certeza que não estava te jogando pra
cima de um golpista.
- Não acredito em você! NÃO ACREDITO!
- Foi um detetive que a Lu sugeriu! A SUA segurança!
- Você falou com a… - não há palavras, sabe? - Só gente
inapropriada… - mordo as sílabas.
- Você quer saber o que eu descobri ou não?
- Não! Isso é uma invasão de privacidade horrível!
- Claro, claro. Mas eu já fiz. E se eu falar aqui em voz
alta ao seu lado e você, por acaso, escutar, não tem nada
demais, não é?
Eu olho pra ela porque sinto que aquilo é errado, mas
estou tão curiosa.
- Deixa eu acabar seu tormento, Tati. Não achei nada
demais. - conclui com simplicidade - É um garoto de interior,
bem dedicado a família. Não fez nada digno de nota, fora
destruir corações às dezenas, algo que só de olhar pra ele já
dá pra imaginar. Não tem passagem pela polícia, umas duas
multas de trânsito por besteira… Mas ele parece uma boa
pessoa.
- "Boa pessoa"? Se fosse ruim seriam três multas? Não
defende ele! Será que dá pra você ficar do meu lado?
- Tati. - ela sorri - Tem uma garota na cidade dele que
engravidou de um cara da família dele. Não engravidou dele! -
ela exclama depressa, assim que eu arregalo os olhos - Eu
verifiquei. Três vezes. Era um primo, ou algo assim. Só que o
cara, o pai, era um idiota. Foi embora da cidade e deixou a
garota grávida sozinha lá. O detetive me passou alguns
relatos de conhecidos… aparentemente o Spencer foi um doce.
Ficou tentando ajudar a garota por meses.
- Como assim?
- Não vou mentir, de início eu achei que ele pudesse ser
o pai. Mas não é mesmo, pode acreditar. Ele só ajudou porque…
é uma boa pessoa. Mas parece que a garota começou a se
apaixonar por ele e aí ele foi embora antes que causasse mais
mal do que bem. Ele é… bom. Gentil, sabe?
- "Gentil"? Você precisava ouvir o que ele disse pra
garota no restaurante…
- Ai, você e essa história do restaurante! - revira os
olhos - Já tentou ouvir o que ele tem pra dizer sobre isso?
Pode não ser o que você imagina.
- Pode ser exatamente o que eu imagino!
- Tá. Tá certo. Pode dizer o que quiser, mas eu ainda
aposto no Spencer!
Respiro fundo.
Não sei mais o que pensar ou dizer. Sinto como se a vida
tivesse aberto um funil aos meus pés e eu estivesse sempre
caindo.
Não tenho o hábito de girar sem rumo ou foco. E não posso
dizer que estou gostando.
- Você está louca. O Spencer não presta! E eu e o Marcus…
mesmo depois de tudo, nós temos uma história.
- Claro. Spencer não presta. História é importante. Mas
me diz de novo… - ela sorri, colocando os óculos de sol com
um sorriso vencedor - Qual dos dois teve os dentes no teu
decote?
***************
Spencer
***************
Tatiana
Acho que enlouqueci.
Estou agindo como uma adolescente.
O problema é que nem quando eu era uma adolescente eu
agia como uma adolescente.
Então, devo ter ficado louca.
É isso que deve ter acontecido.
É a única explicação.
Mas meu Deus como essa loucura era gostosa.
Fazia anos que eu não me sentia assim.
Viva.
Confiante.
Até minha autoestima parecia ter sofrido uma boa reforma.
Estou sorrindo quando atravesso a porta que separa o
acesso dos funcionários do lounge. Pessoas apinhando a área
da piscina entre conversas e bebidas. O Sol brilhando forte e
poderoso com seus raios refletindo em cores sobre as águas do
oceano e das piscinas. Um dos garçons parece estar suprindo a
Sharon com a atenção que precisa agora que perdeu o Spencer.
Mas a Sharon não é capaz de me incomodar. Tenho um sorriso
imenso e satisfeito que nada seria capaz de desfazer. Nem a
Sharon que me encara com evidente desgosto. Nem o garçom que
a atende que é o mesmo que me ofereceu bebida na boca. Nem o
pianista no lounge tocando um jazz descontraído em um piano
de cauda. Nem a Pamela sentada na espreguiçadeira me
encarando cheia de curiosidade e provocação. Nem o Marcus que
me espera…
Ah, merda.
O Marcus.
Está bem na minha frente.
Eu tenho certeza que meus cabelos estão bagunçados. Passo
os dedos pelos fios tentando colocar alguma ordem no caos mas
não sei se há tempo suficiente para esse tipo de
empreendimento.
Eu engoli o Spencer enquanto ele enfiava os dedos ali…
acho muito difícil que minha aparência esteja apresentável
depois do seu desespero.
- Tati! Eu achei que íamos desembarcar hoje.
- Ah! Não… - o cruzeiro chegou em uma das ilhas ontem a
noite mas minha confusão mental é tanta que acho que esqueci
desse detalhe - A Pam fez umas reservas para a gente para
amanhã, eu acho.
- Certo, mas isso é a Pam. - pisca um olho - Eu fiz umas
reservas para nós dois para essa noite. Ainda vem jantar
comigo, não é?
- Claro. - olho por cima do ombro para ver se Spencer
está por perto, mas acho que ele ainda está na área de
serviço - Claro. - repito, sem nenhuma alegria.
- Você vai adorar! Fiz uma reserva em um restauran… Você
está bem? - ele se interrompe.
- Hm? Estou. O que houve?
- Você está… - ele olha para os meus cabelos. Mas sorri
como quem não quer ser indelicado. Tento amarrar meus cabelos
para lhes dar alguma ordem mas, assim que estão bem apertados
no topo da minha cabeça, a confusão no olhar de Marcus
aumenta - O… o que é isso? - torce o nariz apontando para um
ponto em meu pescoço.
- Han? - passo os dedos no local que ele indicou e…
Esperma.
Bem espesso e viscoso. Preso a minha pele por um
instante.
- Isso é…? - a confusão em seu rosto virou nojo.
Seu olhar se desvia, em choque, para algo atrás de mim.
Eu escuto o som da porta e quase não quero olhar para
trás porque sei que Spencer acabou de sair da mesma porta que
eu.
Marcus tenta rir com seu típico desdém mas o nojo ainda é
muito forte para que ele consiga demonstrar qualquer outra
emoção.
Spencer acabou de entrar no lounge e mexe,
desconfortavelmente, na bermuda que está claramente apertada
na virilha.
Ele ainda está duro.
Homem! Eu acabei de te chupar! Malditos vinte e três
anos!
- Isso é sério? - Marcus ofega, irritado - Diz pra mim
que isso não é sério?
- O quê? - engulo em seco, tentando decidir até que ponto
eu devo alguma explicação sobre a minha vida.
- DIZ pra mim que isso não é sério!
Seu tom exaltado atraiu olhares.
E atraiu Spencer também.
- Está tudo bem aqui? - pergunta. Mais para mim que para
Marcus.
- Tudo ótimo, por que não vai cuidar da sua vida? Não tem
nenhuma sarjeta que você precisa varrer?
- Marcus!
- Não é uma ofensa. É o que ele faz.
- Spencer, está tudo bem, obrigada. Você não precisa
ficar aqui e ser ofendido.
- Ele não está me ofendendo. - tem um sorriso imenso no
rosto. Sequer olha pra Marcus quando responde. Parece preso
em mim. Preso em poucos minutos atrás quando o tive na minha
boca e parece estar mesmo decidindo quais passos precisa
seguir para que isso aconteça de novo - Não acho que é capaz
de me ofender.
- Isso é porque eu nem comecei a tentar ainda, seu
moleque de merda.
- Já basta. - aponto pra ele.
- É. - Spencer repete, com um tom bem mais ameaçador que
o meu - Acho que já basta.
- Sabe, garoto, eu estou muito cansado de você decidir o
ritmo que as coisas acontecem na MINHA vida. - rosna - Acho
que EU decido quando basta, han? - deu um passo para mim com
uma clara intenção de intimidar. Foi por reflexo que Spencer
colocou um braço entre nós, mantendo-o longe de mim.
Mas o braço, que deveria servir para acalmar a situação,
é a última fagulha que a explosão precisava para acontecer.
As rajadas vermelhas na pele de Spencer são marcas da
minha unha. Arranhões vermelhos e profundos por toda parte,
em seu braços e até suas mãos.
Marcus encara os machucados com uma risada jocosa de
fúria.
- Você diz que vai sair comigo e faz isso?
- Marcus, talvez seja melhor a gente conversar em outro
lugar.
- Não, a gente vai conversar aqui.
- Você não precisa conversar com ele. - Spencer
interfere.
Pamela, que estava deitada, sentou-se na espreguiçadeira
e parece estar esperando muito pouco para intervir.
- Garoto, vai procurar gente que seja do teu nível. -
reclama.
- Marcus, pare! Já chega!
- Vai defendê-lo? O cara que te traiu na CARA DE PAU?
Tatiana, eu juro por Deus, eu não te reconheço mais! Você
sempre foi uma… uma dama. E agora está fazendo… isso? -
aponta para o resto de Spencer em meu pescoço - Se esfregando
com um moleque por qualquer lugar? Você merece mais que isso.
Ficou louca?
- Você precisa dar dois passos pra trás. - Spencer avisa.
Marcus tenta rebater e a conversa rapidamente está
virando uma discussão.
Uma em que Marcus julga minha índole e meu caráter,
acusando-me de maldades semelhantes às que apontei em
Spencer, já que tinha aceitado sair com um enquanto estava
transando com outro.
Eu poderia responder.
Eu deveria responder.
O problema é que o pianista mudou a música e o mundo
parou de girar.
Os gritos de Marcus.
Os gritos de Spencer.
E eu estou lembrando dos meus gritos.
Beethoven. Opus 27, número 2.
O pianista avança pelas teclas e eu reconheço a melodia
imediatamente.
Sinto os pelos da minha nuca se erguerem.
Minha respiração fica superficial e eu preciso que todo
mundo pare de gritar agora.
Seguro o braço de Spencer porque acho que o navio está
girando. Ou talvez seja eu.
Os lábios de Marcus se movem. Angustiados e coléricos,
está me dedicando palavras que não são gentis e encara minha
fraqueza momentânea como vergonha, o que parece lhe dar mais
confiança em seu discurso e sua razão.
Spencer ainda se coloca entre nós e tentava contra-
argumentar, ou talvez estivesse tentando apenas provocar o
outro.
É difícil saber.
Principalmente porque eu não consigo mais lhes ouvir.
Suas vozes desapareceram.
Eu só escuto o piano.
Aquele instrumento vil.
Os acordes de tríades quebradas.
O Baixo de Alberti.
Não sinto meus joelhos. Acho que eles se dobraram. Acho
que Spencer foi tudo que me impediu de cair.
Marcus ainda está dizendo alguma coisa, mas Spencer se
calou.
Ele fica em silêncio por dois segundo inteiros antes de
empurrar Marcus pra trás.
- Chega. - ele diz - Se não calar a boca agora, vou te
dar um murro! Vem - murmura pra mim antes de assoviar muito
alto. Chama atenção do pianista que interrompe sua música -
Dá pra você tocar outra coisa? - pede, sem se incomodar com
educação.
Marcus está atrás de nós, mas Spencer já nos conduz a
caminho do meu quarto.
- Ele está incomodando a passageira. - avisa para um
segurança que já parecia estar mesmo se aproximando diante da
comoção.
Trocam algumas palavras apressadas e acho que estou sendo
levada ao meu quarto de novo.
Através dos corredores. Através da porta.
Estou sentada em uma cadeira na sala do meu loft quando
Spencer se ajoelha aos meus pés.
Será que ele quer sexo?
Ele é insaciável e sorria como se quisesse que eu
repetisse o que acabei de fazer.
Talvez tenha visto na grosseria de Marcus uma
oportunidade de ficar a sós comigo?
- Você está bem? - toca meus cabelos.
Tem tanta doçura em sua voz que eu consigo voltar a
respirar.
- Eu… estou. Estou bem. Não sei. - confesso.
Ele acena, lentamente. Tem olhos preocupados em mim. Toca
meus joelhos querendo me reconfortar mas ainda com medo que
eu esteja delicada demais, no momento, e que qualquer toque
possa ser suficiente para me quebrar. É com muito cuidado que
diz:
- Foi a música, não foi?
Sinto o pânico em meus pulmões.
Meus gritos.
A dor.
A escada.
Agarro seus braços.
Acho que estou chorando.
- Como… como você sabe?
Passa os polegares em minhas bochechas, fazendo carinho
em meu rosto. Está sério e cheio de preocupação. Não sorri
mais.
- Você mencionou… quando apareceu bêbada na minha casa. -
um sorriso mínimo diante da lembrança - Você mencionou uma
música clássica e parecia… ser algo traumático. E eu nunca te
vi ficar desse jeito, sem reação em uma discussão. Você
esconde suas emoções, ou fica sem graça com comentários
públicos sobre sexo, mas… nunca sem reação. Era essa musica,
não era?
Eu faço que sim e ele compreende.
- Você quer água?
- Por favor.
- Tati? - Pamela entra no meu loft pela porta que une o
meu quarto ao dela. Spencer assusta-se porque claramente não
sabia que aquele acesso era possível - O que aconteceu?
Spencer respira fundo quando olha pra mim.
Eu devo estar pálida.
Não quero ter essa conversa agora.
- Tati? Você está bem?
Ele ainda está ajoelhado aos pés da cadeira. Me observa
por um segundo inteiro e acho que consegue ler minha mente,
porque sorri pra Pamela:
- Ela está bem. O Marcus teve uma crise de ciúmes e eu a
arranquei de lá porque queria ficar a sós, mas você estragou
meu clima, Pam!
- Ah, então eu já vou embora! - ela ri.
- Não, não. Você destruiu meus planos. - ele brinca,
exagerando, e ela ri mais um pouco - E eu preciso voltar pro
trabalho. Cuida dela por mim? Se o Marcus quiser minha mulher
eu vou ter que voltar aqui pra jogar ele na piscina de novo.
Pamela o encara com um sorriso de admiração e descrença.
- "Minha mulher", han? Então acho que o encontro com o
Marcus essa noite está cancelado?
Ela olha pra mim.
Spencer olha pra mim.
Eu não sei o que dizer porque ainda estou me recuperando.
Spencer balança a cabeça, decepcionado.
- Você não devia sair com ele. - desabafa - Tati… depois
de tudo… - aperta os lábios, tentando encontrar as palavras
certas para dizer. Respira devagar, em clara frustração.
Pausa por um instante antes de alinhar as costas e me encara
com firmeza - Você não devia sair com ele. Devia sair comigo.
Pamela arregala os olhos e acho que está se segurando
para não gritar "isso aí!" ou algo que o valha.
- Spence… - eu tento começar, mas ele ergue uma mão
pedindo que eu o deixe falar.
- E eu tenho direito, certo? Ao encontro? Eu ganhei um
encontro. E eu nunca pude te levar.
Minha boca ainda está entreaberta e cheia do argumento
anterior, mas isso que ele decidiu dizer é novidade.
"Tenho direito"?
- O quê? Do que você está falando?
- Estou falando do leilão! Eu ganhei um encontro com
você, no leilão. Eu quero meu encontro. E quero hoje a noite.
É
Fecho os olhos e coço minha testa. É nessas horas que
sinto sua juventude e imaturidade.
Ele só quer competir com o Marcus e esqueceu os detalhes.
- Spencer, aquilo foi loucura da Pamela e, na verdade,
foi ela quem ganhou o leilão.
- Não foi, não. - ele afirma.
- Spencer…
- Não foi, não. - Pamela ecoa com um tom de culpa.
Viro-me para ela com olhos estreitos de quem exige
explicações.
- Pamela? - arrisco.
- Bem… - ela estala o B nos lábios - Eu acho que não te
contei essa parte. - ela ri, sem jeito, exageradamente
culpada - Mas O Spencer pagou o lance. Então… é… ele tem
direito a um encontro.
Isso não faz nenhum sentido.
Ela está tentando ajudar ele, mas estão, os dois, achando
que eu sou idiota.
- Foi ele quem pagou? Uma conta de cinquenta mil dólares?
- Foi ele.
- Fui eu.
- Certo. - aceno em descrença - E será que um de vocês
dois pode me explica como ele pagou essa conta? - sorrio,
amarela - Sem ofensas, Spence, mas você não tem cinquenta mil
dó… - e aí eu entendo.
Aí eu faço as contas e entendo o que aconteceu.
Não termino a frase porque meu queixo cai em uma
expressão de pânico.
- Não. - sussurro - Não fez isso.
- Fiz isso.- acena.
- Usou o dinheiro todo para pagar o leilão? SPENCER! Você
perdeu o juízo? Aquele dinheiro era…
- Era meu! Era meu dinheiro e eu usei como quis. Não pode
gritar comigo. E eu quero meu encontro.
- Você sabia disso? - pergunto pra Pamela.
- Parece que vocês dois já têm tudo sobre controle, eu
acho melhor eu…
- Por que não me contou?
- Isso não importa agora, tá bem? - ele diz - Meu
encontro. Hoje a noite.
- Precisa ser hoje a noite? - eu o observo com
impaciência porque sei que sua escolha do dia é apenas
infantilidade.
Ele coca a barba e bagunça os cabelos. Parece nervoso.
Parece irritado.
Parece, ele também, impaciente.
- Precisa, Tati. Porque eu não quero mais ficar nessa
dança com o Marcus. Se você acha que vocês dois tem uma
É
história e quer descobrir aonde isso vai dar, tudo bem. É sua
escolha. É uma escolha errada. - acrescenta para si mesmo -
Mas é sua escolha. E se você quiser ficar comigo - ele
encolhe. A palavra é dita quase como um pedido - então fica
comigo. Sem brincadeiras ou discussões. Sem Sugar Love. Com
todo o respeito. - diz para Pamela e ela gesticula como quem
não liga - Só eu e você. Então: é. Precisa ser hoje. Ou fica
comigo ou com ele. Não acho que dá pra ficar com os dois.
- Não é inteligente dar um ultimato para mulheres
teimosas. - lembro.
- Eu sei. - assente - Mas eu gosto de você. Gosto de
verdade. - engole em seco - E isso está me magoando de um
jeito que… nunca aconteceu comigo antes, sabe? Eu preciso que
você escolha. Ou pra gente seguir em frente juntos ou para…
eu seguir em frente sozinho. Estou na zona de desembarque C
às sete horas. - avisa - Se você aparecer… eu te levo pra
jantar.
16. Dois vinhos
Tatiana
***************
Spencer
É
- É. Eu chamei Daniel e eu lhe disse "chega" e pedi o
divórcio. Ele ficou em pânico, disse que não tinha imaginado
que eu estava naquele ponto. Interrompeu nossa conversa, como
normalmente fazia. Ritmo sempre foi importante para Daniel,
desde que fosse o dele. Ele me pediu para respirar, ele iria
dar um volta ao redor do quarteirão para esfriar a cabeça e
nós poderíamos continuar a conversa. Eu disse que tudo bem.
- E o que ele fez?
- Morreu. - ela sorri sem nenhuma alegria - Quase como se
fosse de propósito. - tem uma lágrima no seu olho direito que
se recusa a cair - É claro que sei que não foi isso. É
infantil sugerir que alguém teria morrido só por teimosia.
- Foi um acidente?
- Aneurisma. Não havia como prevenir ou evitar.
Simplesmente morreu. Dando sua volta ao redor do quarteirão.
- Eu sinto muito.
Ela acena como se minha gentileza não fosse necessária
mas, ainda assim, fosse bem vinda.
- Eu não consegui viver o luto como uma viúva porque eu
sentia que o tinha traído. E também não conseguia me libertar
da culpa porque é como se eu sempre estivesse casada com ele.
Como se eu nunca tivesse conseguido concluir essa parte da
minha vida. É tão errado. Ele era tão jovem. Talvez eu
devesse ter feito aquilo antes para que ele pudesse ter
seguido sua vida com a música em paz. Ou talvez eu nunca
devesse ter feito aquilo, já que ele iria morrer de qualquer
modo? - ela tem uma risada baixa de pânico - Eu queria olhar
para trás agora e amá-lo. Ficamos juntos por mais de dez
anos, eu queria sentir a dor de sua morte como alguém que o
ama. Mas… eu não sinto. Porque não o amo mais. Há muito tempo
não o amava. E isso parece tão errado. Eu sei que morte
sempre deixa uma ar de assuntos não concluídos. Algo que não
foi dito, que não foi feito, um sonho não realizado… Mas, que
inferno, sabe? Literalmente no meio da conversa? Meu Deus! -
ela olha para cima por um instante como se estivesse mesmo se
dirigindo ao próprio - Se ele tinha que morrer, não dava pra
esperar uma semana?
- Teria feito diferença?
- Acho que não. - dá de ombros - E isso tudo só faz com
que eu me sinta pior. Ele morreu e eu estou aqui reclamando
porque o momento foi desagradável para mim. Ou o que isso fez
comigo. Que tipo de pessoa egoísta tem pensamentos assim?
- As pessoas lidam com luto do jeito que dá, Tati. Eu
dificilmente sou especialista no tema, mas acho que se sentir
culpada por se sentir culpada é demais.
Ela respira muito fundo de um jeito esquisito.
Como se estivesse se libertando de um peso.
- Acho que sim.
Acho que sim.
O garçom chega com alguns de nossos pratos e ela leva a
mão livre aos olhos.
- Não queria te fazer chorar em nosso encontro. - peco
desculpas.
Mas eu ter ficado sem jeito parece ter quebrado a
seriedade do clima porque ela começou a rir.
Um sorriso discreto ainda entre as lágrimas, mas que logo
vira uma gargalhada baixa.
- O que foi? - pergunto, entretendo eu também uma risada
que é consequência da dela.
- Estou te dizendo, Spence! - ri - Nós dois e
restaurantes!
Assinto porque entendi a piada.
- É uma péssima combinação.
***************
Tatiana
***************
Spencer
Era só isso que minha cabine precisava para se tornar o
melhor lugar da Terra: Tatiana pelada. De repente, eu queria
ficar ali o resto do ano.
- A de cima. - eu aviso e colo nela quando sobe para
minha cama porque quero morder sua bunda.
- Não sei se… - ela começa, mas logo se interrompe - O
que é iss… AH MEU DEUS!
Tatiana achou meu livro e matou o clima porque está rindo
como se não houvesse amanha.
Eu tiro Alice das suas mãos e a deixo em cima da mesa.
- Você trouxe seus livros!
- Trouxe.
- Você é adorável.
- Sou. Deixa eu começar a usar minha língua e vou ficar
mais adorável ainda.
Tiro minha roupa para subir na cama com ela porque aquele
espaço é tão apertado que, se eu entrar vestido, vou ter que
ficar assim até o fim.
- Espera. - ela pede.
O que foi?
Fiz algo errado?
Estou prestes a perguntar, mas Tati encara meu peito com
lascívia nos olhos e nos lábios e eu flexiono os músculos um
pouquinho para deixá-la se divertir.
- Pronto? Já posso te comer agora?
- Não sei. - exagera - Vira de costas?
Ela tem os cabelos espalhados no meu travesseiro e é tão
linda com seu sorriso sapeca que eu acho que vou derreter.
Estou duro e imenso na cueca, esperando nada além de sua
autorização.
Começo a virar de costas quando ela agarra meu braço.
- Eu estou brincando! Não acredito que ia obedecer!
- Eu sou um cara obediente!
- Ah, é? Vem aqui e vamos testar.
Subo até ela e puxo a cortina ao redor da minha cama para
nos dar alguma privacidade caso um Benito desavisado entre
mais cedo do que o esperado.
- Nem um pouquinho claustrofóbico! - ela ri e acho que ia
dizer outra gracinha, mas eu agarrei sua boceta inteira na
minha mão antes de beijá-la e, se ela pretendia me provocar
de algum outro modo, esqueceu qual era.
Minha intenção é comer a mulher embaixo de mim até um de
nós dois gritar "basta". Ela primeiro, de preferência, já que
eu ultrapassei minha cota de gozar antes dela. Pretendo
dedilhá-la até sentir seu suco inundando meus lençóis. Mordê-
la até assistir seus lábios incharem. Raspar meu nariz entre
seus peitos para deixar mais algumas marcas ali. Me enfiar
nela erguendo seus joelhos, bem abertinha.
Esse é o plano.
Era o plano.
Até eu entreabrir os olhos entre os beijos e vê-la
deitada na minha cama. O calor do seu corpo bem perto do meu.
A urgência acabou.
Não tem mais a ansiedade da primeira vez, ou o nervosismo
da competição, ou a angústia da última chance. Tati, na minha
cama, é minha. De verdade e de um jeito que nunca foi antes.
Acho que é por isso que, mesmo espremidos em uma cama de
solteiro com nenhuma privacidade além de uma cortina safada,
ela não está com pressa e eu também não. É mais do que tesão
e carinho.
É segurança?
Estabilidade.
E existe uma calma tão profunda nessa sensação que, de
repente, as histórias dos meus livros começam a fazer
sentido.
Acho que estou apaixonado por ela.
Amor não é um negócio louco que te faz perseguir uma
mulher por anos e dar um murro no novo namorado dela por
ciúmes em uma briga que termina na piscina.
Amor é um negócio simples que te faz esquecer que está em
uma cama minúscula de um quarto fodido.
Amor não é uma coisa que te faz precisar colocar o seu
coração acima do bem estar dos outros.
Amor é uma coisa que te faz estar em cima de uma mulher
gostosa e nua, e ainda assim pensar em nada além de beijá-la.
E sorrir.
Minha intenção era comer a mulher embaixo de mim, mas ela
é tão doce em meus braços que muda minha intenção sem dizer
qualquer palavra.
Meus dedos em sua umidade são um carinho que a preenche
de suspiros. Minhas mordidas em seus lábios só existem porque
eu a quero tanto que os beijos falham. Deslizo meu nariz
entre seus seios porque preciso soltar o beijo por um
instante ou esqueço de respirar. Ela tem os lábios na minha
testa, as mãos nos meus cabelos.
Nua e deliciosa e eu queria muito fodê-la, mas ao invés
disso estou pensando em Alice. Estou pensando no conde. Estou
pensando em todos os meus livros que eram só romances de
mentira em páginas mal redigidas e que agora, de repente, são
compreensíveis. São reais. Possíveis. Até as poesias - que
nunca foram meu forte e sempre pareceram confusas - se fazem
entender. A emoção que os autores descreveram ali não era só
uma coisa ilusória para enganar os corações dos sonhadores, e
sim algo genuíno. Algo puro, que muitas pessoas ignoram
sentir porque estão esperando algo escandaloso e nunca se dão
o trabalho de perceber que as emoções verdadeiras, as que
realmente valem a pena ser sentidas, são delicadas.
Amor não é confusão e problemas. Não é fogos de artifício
e grandes demonstrações exageradas.
Amor é… clareza? É olhar para aquela pessoa e esquecer da
cama apertada ou do quarto pequeno.
É
É esquecer até o sexo.
Amor é sentir.
Não estou mais tentando me enfiar nela. Dedilha-la,
mordê-la ou apertá-la. Ela está ao meu redor e eu só quero
senti-la.
Tatiana faz poesia fazer sentido.
É amor o que eu faço quando a cubro para unir nossos
corpos.
E é amor que eu espero que ela sinta.
***************
***************
Ó
- Hm. Ótimo. - sorrio - E dá pra desligar os quartos
também?
Pamela tem um sorriso imenso e pouquíssimo discreto,
encara a almofada que me protege sem qualquer decoro.
- Acho melhor você puxar mais pro lado querido. - indica
minha proteção que, deste ângulo, está protegendo nada -
Dormiram bem?
- Eu não acho que dormimos. - a resposta de Tatiana foi
genuína dada as circunstâncias mas sua melhor amiga tem um
sorriso em eterna expansão.
- Ah! E o encontro ainda não acabou? Spencer está fazendo
valer os cinquenta mil, hein, meu amor?
- Pamela, eu gosto demais de você. - confesso - Mas será
que você podia voltar daqui a uma hora? Ou duas? Ou seis?
Ela se rende como uma dama, beija a ponta dos dedos antes
de acená-los para nós.
- Não dá pra remarcar o guia porque é nosso última dia
aqui. Amanhã já zarpamos pra outro lugar, então eu e a Ju
vamos aproveitar o dia na ilha! Mas vocês… Divirtam-se! .
Despede-se.
- Ah… Pam? - Tati pede.
- Hm?
- A Ju está com o roteiro das próximas paradas?
- Está. - responde com um ar óbvio de quem claramente
imagina que todos sabem a resposta para aquela pergunta.
- Pode pedir para ela acrescentar mais um convidado?
- Mais um…? - sua confusão se desfaz assim que desce os
olhos sobre mim, mais uma vez - Ah! Claro! Spencer vai se
juntar a nós no próximo passeio?
- Spencer vai se juntar a nós em todos os passeios. - ela
esclarece - Se ele quiser! - acrescenta, para mim.
Eu sorrio porque não sei se tem alguma parte de mim que
considerou recusar.
Pamela tem um leque na mão que usa para estapear a palma
livre como se estivesse assistindo o desenrolar do episódio
do seu seriado favorito.
- Pois será muito bem vindo. - ergue um ombro - Julia e
Tati são dadas a conversas monótonas e roteiros
desnecessariamente organizados, Spencer. Eu e você vamos nos
dar muito bem.
- Desde que você nos deixe à sós por algumas horas, Pam,
seremos melhores amigos. - prometo e ela ri.
Pamela está prestes a sair. Eu ainda estou duro por baixo
da almofada e Tatiana continua gostosa, sentada ao medo lado,
naquele vestidinho azul que logo, logo estará na minha boca
antes de ir parar no chão. E eu estou começando a achar que
vai ficar tudo bem quando escuto um grupo de vozes na varanda
e os olhos da Pamela se arregalam em pânico.
- … licença de mergulhador! Mas é fácil conseguir isso
depois, basta… Oh! Bom dia, Tati e…
- Jess, Will! - ela cumprimenta a mulher de longos
cabelos escuros e o homem, magro e comprido, que ela traz
pela mão - Esse é Spencer. São meus amigos! A Julia você já
conhece. E o Marcus.
Sabe nos filmes, quando um diretor quer te dizer que o
personagem tá fodido e perdendo a consciência, e aí tudo fica
turvo com a câmera girando pra todo lado enquanto vozes falam
coisas aleatórias ao seu redor?
É mais ou menos assim que eu me sinto.
Estávamos só nós dois ali. Ela tinha me chamado de
"namorado" e a gente ia passar o dia juntos e sem roupas.
Entra Pamela. Que é só uma amiga, gente boa, nunca me
tratou mal. Estou levemente embaraçado, mas nada que seja
digno de nota.
Entra a Júlia e um casal de amigos. Lembre que eu ainda
estou duro embaixo da almofada o que complica minha situação,
se é preciso que eu levante para apertar a mão de alguém.
Entra o Marcus.
Engulo em seco.
Não contei pra Tatiana o que ele fez. Ainda.
Mas suspeito que ele ainda não acabou.
E assim que encaro seus olhos lúcidos em pleno desejo de
homicídio, confirmo todas as minhas suspeitas.
- Olá, Spe… - Jess e Will tentam me cumprimentar. Mas a
fúria de Marcus os interrompe.
- Você não pode tá falando sério!
Ele não falou isso baixo.
Também não foi exatamente um grito.
Foi um rosnado de cólera como jamais ouvi de alguém.
- Marcus! - Jess pede e Pamela o encara como se fosse,
ela também, recriminar seu comportamento.
- Meu Deus, moleque, você é pior que uma praga! Não dá
pra se livrar de você nem com pesticida! Você NÃO É BEM
VINDO! Será que dá pra aceitar?
Ninguém diz uma palavra.
O que acaba sendo perfeito porque assim que ele acaba
suas frases, o silêncio absoluto faz com ele mesmo perceba o
quanto foi estúpido e mal-educado.
Mas Tatiana se levanta ainda assim.
- Eu quero você fora do meu quarto, agora. - ela é calma.
Técnica. Recita as palavras com um sobriedade que não deveria
ser permitida em uma discussão. Faz Marcus parecer ainda
menor e mais imaturo - Acho que não somos mais amigos,
Marcus. E prefiro se você não me dirigir mais qualquer
palavra.
Jess e Will estão tentando não deixar o queixo cair
porque, certamente, não fazem a menor ideia do que caralho
está acontecendo ali.
Julia abaixa a cabeça porque deve conhecer Tatiana o
suficiente para saber que quando uma mulher do seu nível de
educação e diplomacia decide dizer "basta" é porque algo
grave se passou.
Pamela ainda tem olhos cheios de julgamento e escárnio
para Marcus. Está aí uma mulher que não desvia o olhar do
barraco nem que ele seja uma explosão nuclear capaz de deixá-
la cega.
E eu… eu sei de parte da história. Sei da parte que me
coube até aqui. Mas Tatiana? Ela parecia estar bem com ele
até ontem. Tinham um encontro. E ela não sabe de nada que ele
fez comigo até agora. Ainda não tive oportunidade de lhe
contar. Por que está tão furiosa?
Ele enfia as mãos nos bolsos e respira fundo.
- Eu não queria fazer isso, Tati.
- Marcus, eu não quero mais ouvir.
- Quer sim. Eu evitei dizer isso porque não queria te
machucar. Esperei que você tomasse a decisão correta sozinha
porque você sempre foi uma mulher inteligente…
- Marcus, chega.
- Mas esse moleque te seduziu e te cegou! Você não
consegue mais pensar direito! Abandonou toda a razão?
Ela tem uma risada sofrida de pena.
- Estou cega porque não te quero? Essa é a sua lógica? Eu
estou feliz, Marcus. Pela primeira vez em muito tempo, eu me
sinto leve e livre. A única coisa que me machuca agora é
você! É essa sua obsessão que surgiu não sei de onde!
- Você acha que eu sou o vilão e ele é o pobre garoto
indefeso, mas eu só estive tentando te proteger esse tempo
todo. Só estive tentando cuidar de você!
- Pois eu não preciso que cuidem de mim.
- Pois eu acho que precisa.
- Marcus, vai embora. - decide, seca.
- Eu vou, Tati. E você vai se arrepender disso pra
sempre, assim que eu te disse o que escondi por todo esse
tempo. O que eu escondi para te proteger. Você vai perceber
que eu sempre fui o homem certo pra você e que você jogou
tudo fora por causa de um garotão de vinte anos que te disse
umas palavras doces pra se aproveitar de você.
- Cara, vai tomar no cu. - levanto, eu também.
Ia deixar a Tatiana resolver até porque tem uns amigos
dela ali que eu nunca vi, e ela parece mesmo ter a situação
sob controle. Mas eu não aguento mais esse cara.
- Você me fez ser demitido! Qual o teu problema?
- Fez o quê? - Pamela e Tati me encaram ao mesmo tempo.
- Ele me denunciou para o Capitão e me fez ser demitido
do cruzeiro.
- Foi demitido do cruzeiro? - Pamela leva a mão ao peito,
ainda se atualizando dos últimos eventos.
- Fez isso? - é com uma careta de nojo que Tati encara
seu antigo amigo.
- Me fez ser demitido do restaurante também, não foi? -
pergunto.
Ele tem um meio sorriso que serve de resposta suficiente
para todos.
Jess e Will se entreolham dando um ou dois passos para
trás, claramente se arrependendo de ter entrado ali naquela
manhã.
- Marcus, como se atreve? - é a vez de Tati rosnar
colérica.
- Vamos ser honestos, então, Spencer? Ótimo. - ele não
tira os olhos de mim - Já contou pra Tati que você tem uma
filha?
Han?
Tenho nada além de genuína confusão quando percebo alguns
olhares ao redor da sala caírem sobre mim.
É muito cedo pra esse tipo de cabaré, sabe?
Não são nove horas da manhã. Eu mal dormi. Ainda não
tomei café. E esse cara tá aqui alucinando no meio do meu
dia?
- Acho que pulou essa parte, não é? Deve ter pulado
também a parte em que abandonou sua namorada grávida pra trás
e é por isso que foi parar em Nova York? Porque não queria
assumir suas responsabilidades e ser pai?
- Cara, do que cacete você está falando?
- De você, seu moleque de merda. Que deixou alguma pobre
garota para trás enquanto ia se divertir na cidade grande
tentando se aproveitar de mulheres ricas.
- Você já tá bêbado a essa hora da manhã?
- Não, não estou bêbado, Spencer. Mas estive no seu
apartamento.
- Esteve onde? - travo meus dentes. Esse cara já
ultrapassou todos os limites.
Se eu tivesse dinheiro pra um advogado tenho certeza que
cabia um processo.
Tatiana tenta interferir mas ele é mais rápido.
Ou mais alto.
- Eu estava preocupado com você. - olha pra Tati - E quis
me certificar que não era um aproveitador. Estive em seu
apartamento e falei com seu colega de quarto. E não posso
dizer que estou surpreso, Spencer. Você é exatamente quem eu
achei que seria.
- Marcus, é melhor você calar a boca e ir embora antes de
passar mais vergonha. - Pamela sugere.
- E eu acho que talvez o Spencer devesse explicar quem é
Anna?
Meu sangue congela.
É DISSO que ele está falando?
Merda.
As ligações não foram poucas. O Eric sabia parte da
história e a parte que ele não sabia pode ter completado a
partir das minhas conversas no telefone.
Só que ele colou as peças do jeito errado.
Ele entendeu tudo errado e agora o Marcus ia usar essa
versão nefasta dos fatos para me foder. Caralho, Eric.
A Tatiana ia acreditar em mim?
Alguém ia acreditar em mim?
- Tati, eu posso explicar…
- Mas não precisa. - ela anuncia.
Calma, ainda.
Educada, ainda.
- Não deve explicações da sua vida pra ele. - defende.
- Mas eu quero que você saiba que…
- Ela já sabe. - Pamela explode - Ah, que inferno!
Marcus! E eu achei que você era boa pessoa! Me enganei por
anos! Vou precisar tomar um banho de sal grosso e sal é
PÉSSIMO pra minha pele.
- Pamela, sai daqui que essa conversa não te diz
respeito. - resmunga.
- Não, sai você daqui! - ela devolve - Que essa conversa
não diz respeito A VOCÊ! Sua anta! Estúpido, vil e
incompetente!
- Com licença? - ele tem uma risada de escárnio.
- Você foi investigar sozinho e descobriu um monte de
coisa errada. Gente normal quando está preocupada com a amiga
contrata um profissional.
- O quê? - Marcus enruga a testa e é bom que tenha feito
essa pergunta porque quem estava prestes a fazê-la era eu.
- Não me leve a mal, Spencer! - ela diz, diplomática, e
Tati esfrega a testa encarando o chão - Mas quando percebi
que você pagou o lance do leilão eu… Olha, no começo, eu
achei que você era só um garoto gostoso querendo se divertir
com alguns luxos! É o perfil da maior parte dos usuários do
site, certo? E se alguém nesse mundo sabe disso, esse alguém
sou eu!
- Não sei se estou entendendo.
- Você contratou um detetive particular para investigá-
lo? - Marcus compreende antes de mim e eu encaro Pamela.
Sério?
- Eu achei que você só queria se divertir às custas da
Tati e TUDO BEM, se ela só estivesse se divertindo às suas
custas. Mas aí no leilão, você… não sei. - dá de ombros -
Chame de instinto se quiser, mas achei que poderia haver algo
aí. E depois você fez questão de usar todo o dinheiro que
tinha para realmente pagar o lance, mesmo que não precisasse
fazer isso! Eu queria… eu queria te trazer para cá e te
colocar perto da Tati de novo!
- FOI VOCÊ? - dessa vez eu e Marcus parecemos estar do
mesmo lado por motivos diferentes.
- Foi. Mas antes de te trazer, eu precisava ter certeza
que não estava jogando um aproveitador para cima da minha
amiga. Então, me desculpe, mas sim, eu contratei alguém.
- Eu só quero deixar claro que eu não sabia de nada
disso. - Tatiana tira a mão da frente dos olhos e parece
envergonhada pela falta de vergonha da amiga - Até… dois dias
atrás. - completa - Eu percebi que tinha que ter sido ela a
te trazer. Era coincidência demais, de outra forma. E aí ela
falou sobre o detetive e sobre a… Anna.
- Você sabe? - foi Marcus quem falou mas poderia ter sido
eu.
- Sei.
- E não se importa? - ele a observa com nojo.
- Não tem nada para se importar! - defendo-me.
- A garota não engravidou dele, seu idiota! - Pamela
explica - Foi de outra pessoa da família dele e, se alguma
coisa, Spencer ainda tentou ajudá-la.
Eu sento de volta no sofá porque parece que a situação se
explodiu e se resolveu sozinha, mas levou embora minhas
forças ainda assim.
- Vocês acreditaram mesmo nessa história que ele contou?
- Não foi ele que contou! - Pamela se exalta - Foi um
detetive prof… você está prestando atenção?
- É? E talvez seu detetive queira explicar isso aqui que
eu encontrei no quarto dele? - enfia a mão no bolso para
pegar a carteira.
- Esteve no meu quarto? Revirou minhas coisas? - eu não
sei qual o tamanho da repulsa em minha expressão, mas mal
consigo abrir os olhos.
- Ah, claro, ofenda-se o tanto que quiser! Mas explique
isso! - ele tirou algo da carteira, parece um papel, mas mais
rígido. Foi dobrado muitas vezes e ele precisa desdobrá-lo
até revelar uma foto de Tatiana seminua.
Ela exaspera-se e avança para arrancar a foto de sua mão
de uma vez.
- Mas que caralho? - meu nojo é ainda maior - Seu
pervertido! Você anda por aí com essa foto na carteira?
- Ele ia tentar te chantagear! - anuncia, em seu delírio
infinito - Era isso que ia fazer. Por que mais tiraria essa
foto sua e esconderia embaixo da cama?
Tenho meu joelho na coxa e escondo minha boca na mão.
- Você acha que foi Spencer quem tirou essa foto? -
Tatiana o encara em absoluta descrença.
- E quem mais teria sido? O Daniel não…
- Eu contratei um fotógrafo para… - Tatiana respira fundo
como se, de repente, lembrasse que não lhe deve explicações -
Não que eu te deva justificativas. Não que você mereça -
rosna a palavra, em pura ira - qualquer coisa de mim a essa
altura que não um chute. Mas não foi Spencer quem tirou essa
foto e eu sabia que Spencer tinha essas fotos.
- Fotos?
- É, meu querido, no plural. Agora, se você já acabou… se
já acabou com essa sua obsessão ofensiva e com essa ilusão de
que eu te pertenço… se já acabou de fazer Spencer ser
demitido duas vezes, de investigar sua vida com a pior das
intenções, de distorcer fatos que desconhece e de guardar uma
foto erótica minha como algum psicopata pervertido… se já
terminou… Vai embora.
A arrogância de seu rosto desapareceu.
Desapareceu porque ele não tem mais nada com o que se
agarrar. Usou todas as suas ferramentas, atirou todas as
armas, e feriu ninguém além de si mesmo.
- Tati, eu acho que…
- Não, Marcus! - ela ergue o indicador - Você não acha
mais nada. Você vai embora agora. Se vai ficar nesse cruzeiro
ou não, é problema seu. Mas eu não quero mais olhar para tua
cara ou ouvir tua voz. E assim que voltar pra Nova York vou
fazer questão de conseguir uma medida preventiva contra você
para mim e para Spencer. E Marcus, acredite quando eu digo
que se OUSAR interferir no ganha-pão de alguém para nutrir
seu próprio ego de novo, eu vou me considerar pessoalmente
responsável por te destruir. E se o assunto é ter dinheiro
para pagar advogados exorbitantemente caros por tempo
ilimitado, eu acho que eu ganho.
O silêncio que se segue parece que nunca vai acabar.
Mas acaba.
Acaba com Marcus indo embora.
Devagar e quieto.
Sem qualquer outra palavra.
Tatiana pede desculpas aos amigos mas eles têm apenas um
sorriso gentil como resposta e promessas de compreensão.
São mais amigos dela do que dele pelo que entendi e não
tem por ele nenhuma estima em especial.
Mais fácil.
Pamela beija sua bochecha e aperta meu ombro antes de
guiar todos para fora.
Para a ilha.
Eu e Tati vamos ficar no quarto, como era o plano.
Ainda é o plano.
Assim que nós dois nos acalmarmos.
Ela senta no sofá ao meu lado e ainda está em silêncio.
Demora muitos minutos antes de dizer:
- Sinto muito pela Pamela, eu não sabia que…
- Não é culpa sua. E eu entendo. Ela, pelo menos, teve
boas intenções.
- Acho que sim.
- E eu sinto muito por não ter te contado sobre Anna. Meu
Deus! Eu não achei que…
- Não precisa pedir desculpas. Isso não foi culpa sua.
- Nem sua. - lembro.
Ela me observa com o canto do olho, mas acho que ainda se
sente um pouco culpada.
O que é mesmo uma pena, principalmente depois da conversa
que tivemos ontem e do tanto que ela pareceu ficar bem depois
de finalmente se libertar de tanta culpa que já tinha
acumulado ao longo da vida.
- Não é culpa sua. - repito e tomo sua mão.
Tati apoia o queixo em meu ombro e fecha os olhos por um
segundo.
Beijo a ponta do seu nariz.
- Eu acho que a gente precisa de um bom café da manhã. -
balança a cabeça com um sorriso constrangido.
- E sexo. - imploro - Melhor coisa para tirar estresse do
caminho.
- Se você diz! - ela ergue um ombro antes de levantar -
Ou! A gente pode comer na cama.
Eu a sigo imediatamente.
- Você é a mais inteligente de nós dois! - eu a agarro
para um abraço fazendo-a rir.
Vamos precisar de uns minutos pra deixar o drama se
diluir, mas acho que já estamos no caminho certo.
- Guardou uma foto minha pelada? - estreita os olhos, mas
tem um sorriso no canto da sua boca e deixo meus ombros
caírem.
- Tatiana, se eu soubesse que essas fotos iam resultar
nesse problema todo, eu juro por Deus que teria olhado pra
elas com mais cuidado. Para pelo menos valer a pena: cometer
o crime já que eu ia ser punido de qualquer modo, sabe?
- Não viu as fotos?
- BEM por cima! - meu nervosismo é quase arrependimento -
Não me pareceu certo! Elas vieram parar na minha mão por
acidente e eu não sou um tarado, sabe? Mas aí a Vanessa abre
a pasta sem minha permissão e eu vejo uma sem querer. Não
fechei a pasta direito, ela se abriu quando joguei em cima da
cama e…
- Se espalharam por todo lado? - ela ri.
- Eu recolhi todas DE OLHOS FECHADOS! Você faz ideia de
como isso é difícil? Porque eu faço! E pra quê? Pro maluco
vir me acusar!
- Um verdadeiro cavalheiro, você é.
Me encolho, irritado.
- Eu quero ver as fotos. - resmungo.
- Te mostro quando voltarmos.
- Quero ver todas.
- Vai ver.
- Bem devagar.
- Pode ver ao vivo também, se preferir.
Eu paro e deixo meu sorriso responder primeiro.
- Mas você é mesmo a mais inteligente de nós dois! - ela
ri e eu a beijo. Respiro fundo porque quero tirar aquilo do
caminho - E posso te contar tudo, depois. - prometo - Sobre
Anna e meu primo. Com todos os detalhes.
- Eu sei que pode. - sorri, mas não faz qualquer pergunta
e é só por isso que eu não respondo. - Mas a Pamela, ela…
- Foi perfeccionista?
- Bastante. Sinto muito. - acrescenta depressa - Mas ela
disse que você foi incrivelmente gentil e que ficou com a
moca pelo máximo de tempo que pode.
- É. Eu… sei lá. Meu primo foi um escroto e a gente vivia
competindo por mulheres. Eu sei que o que ele teve com a Anna
foi para passar na minha frente. Eu me senti culpado.
- "Culpa" - acena - Está aí algo que eu entendo bem. E
ela se apaixonou por você?
- Acho que sim. Talvez tenha sido culpa minha também.
Achei melhor me distanciar, por nós dois.
- Eu sinto muito.
- Ela me mandou algumas fotos da bebê! Ela é uma
gracinha!
- Tenho certeza que é. - sorri.
- Mas… eu não… eu não gostava dela desse jeito. Eu só
quis ajudar e ela confundiu as coisas. Acho que começou a
imaginar que seríamos uma família! Como se eu estivesse
pronto pra ser pai! - estou rindo - Eu! Pai!
Beijo Tati mais uma vez e estou nos conduzindo de volta
para a cama, porque ela me prometeu sexo e comida.
Não sei se percebi que ela tinha enrijecido bem ali.
Não sei se percebi que algo que eu disse fez uma porção
de engrenagens girar em sua cabeça.
Não sei se percebi naquela hora.
Mas com certeza percebi pouco tempo depois.
***************
***************
Outro obrigada também para Le, Ca, Yara, Mari, Silvia, Mih e
Etti que aceitaram ser cobaias dessa vez e ler a história
antes que fosse publicada.