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Ponto Com

Julianna Costa
Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 e
19/02/1998.
Este livro, ou qualquer parte dele, não pode ser reproduzido
por quaisquer meios sem prévia autorização expressa da autora
Prólogo
Tatiana
Há alguns anos, eu li um estudo sobre as diferenças entre
homens e mulheres no mercado de trabalho. Sua conclusão era
que, enquanto mulheres são promovidas por experiência
(recebem uma nova oportunidade apenas depois de provarem que
são capazes), homens são promovidos pelo potencial (recebem
uma nova oportunidade porque seus superiores acreditam que
eles são capazes).
Promover uma mulher precisa ser um investimento certo.
Promover um homem pode ser um risco aceitável.
É absurdo. Quero dizer… A física canadense Donna
Strickland só foi promovida na universidade em que trabalhava
depois de ganhar um maldito prêmio Nobel.
Acho que é por isso que eu decidi abrir minha própria
empresa.
Muito cedo eu percebi que precisaria trabalhar o dobro
para receber metade do reconhecimento. Lição que eu aprendi
depressa, considerando que sou filha de um pai conservador e
uma mãe submissa.
Meus pais não apoiaram minha decisão de cursar a
faculdade de engenharia. Não apoiaram minha decisão de
recusar a proposta de noivado e encerrar o namoro de três
anos para aceitar um emprego de desenvolvedora em uma empresa
bem reconhecida no mercado. Também não apoiaram minha decisão
de pedir demissão para tentar minha própria sorte com um novo
software de minha criação.
Eu aprendi a funcionar sem apoio.
Meus pais morreram antes que eu pudesse provar que
estavam errados.
Em 1984, 37% das pessoas formadas em ciências da
computação eram mulheres.
Em 2018, apenas 17%.
É verdade: tem muito mais gente no mercado hoje do que na
década de 80, mas a proporção de mulheres caiu.
E daquelas de nós que sobrevivem a formação, metade não
sobrevive ao mercado.
Sexismo, assédio, diferença salarial, recusa em promoções
e, o que eu considero o pior: o trabalho que efetivamente nos
é confiado e creditado.
No meu primeiro ano na empresa, meus colegas eram
incentivados em tarefas que quase pareciam além de suas
capacidades. Era desafiador, inovador. O aprendizado era
imensurável.
E eu…
Eu fazia o trabalho básico que qualquer aluno de terceiro
ano do meu curso conseguiria concluir sem dificuldade.
Não havia desafio.
Não havia ambição.
Acho que é por isso que me interessei por Daniel.
Porque ele me ofereceu uma bebida, naquele bar, anos
atrás, depois de um dia particularmente infernal… e foi
reconfortante conversar com um cara que tinha opiniões
radicais como, sei lá, achar que uma mulher deveria receber o
mesmo que um homem por realizar exatamente o mesmo trabalho.
Um ano depois, Daniel colocou uma aliança no meu dedo, e
ela ficou ali por mais de dez anos.
Ficou ali quando meu novo software recebeu sua primeira
rodada de investimentos internacionais.
Ficou ali quando Daniel foi convidado para tocar com a
Filarmônica Tcheca.
Ficou ali quando meu aplicativo novo foi vendido por
algumas centenas de milhões.
Ficou ali quando Daniel lotou o Royal Concert Hall em
Nottingham.
Ficou ali quando decidimos que seria melhor sair do
Brasil e comprar uma casa em Nova York.
Ficou ali quando meus investimentos em bitcoins pagaram
mais do que eu jamais esperaria.
Minha aliança ficou bem ali.
Por mais de dez anos.
Nós éramos jovens e ambiciosos.
Fomos parceiros por muito tempo.
Eu, apaixonada pelos meus códigos.
Ele, apaixonado pelo seu piano.
A dúvida que me ataca agora é saber até quando fomos
apaixonados um pelo outro.
Não que faça mais qualquer diferença.
Há três anos, Daniel se foi.
"Se foi", aqui, significa que o aneurisma em seu cérebro
rompeu-se, causando uma hemorragia intracraniana que resultou
em uma morte cerebral declarada às 17 horas e 27 minutos de
uma quinta-feira. Seu coração ainda estava batendo e seus
órgãos foram doados, tantos quanto possível, porque meu luto
jamais interferiu em meu pragmatismo.
Eu sou uma pessoa técnica.
Exata.
Eu acredito em números.
Números me disseram que minha sobrevivência em uma
corporação de tecnologia resultaria em uma denúncia de
assédio e uma demissão jovem, por isso abri minha própria
empresa.
Números me disseram que a existência tecnológica ia
precisar de um escape financeiro, por isso investi em
bitcoins.
Números me disseram que o Wall Mart vende em torno de
três milhões de dólares a cada 7 minutos, por isso eu apostei
no crescimento da Amazon.
Números não mentem.
É por isso que eu gostaria de conseguir demonstrar meu
relacionamento com Daniel através de uma equação, talvez
assim eu pudesse entender melhor o que aconteceu. Eu, somada
a ele, multiplicados por nossas várias conquistas, divididos
por nossos diferentes interesses. Resulta em quê?
Três anos de luto.
Revivendo, em minha memória, as palavras que lhe disse
sem saber que seriam as últimas.
Dois anos de terapia.
Eu não estava pronta para dizer o que a Dra. Albert
queria escutar e, por 600 dólares por hora, eu preferi
encerrar nossos encontros a perder uma hora, toda quinta-
feira, em silêncio constrangedor, em um escritório
intencionalmente decorado para passar a sensação de conforto.
Mas eu não sentia conforto.
Eu sentava naquela poltrona bege no sala da Dra. Albert e
lembrava que foi em um quinta-feira medíocre, assim como
aquela, que eu recebi a ligação do hospital.
Daniel teve um aneurisma e se foi.
E eu fiquei com minha aliança, marcando "viúva" em todos
os formulários dali em diante.
Mudei para uma cobertura no Upper East Side, no último
ano.
Não gostava mais de nossa casa.
Não era tanto a memória de Daniel que me assombrava em
cada aposento… era o piano.
O maldito piano de cauda Steinway & Sons, no meio da
minha sala.
A casa era pequena demais pra nós dois.
Livrei-me da terapia, da casa, do piano.
Restava só a aliança.
Bem… a aliança e a Pamela.
Minha melhor amiga que, no último Reveillon, decidiu que
três anos é tempo demais para um luto e arrancou minha
aliança para jogá-la no mar assim que a contagem regressiva
terminou.
Pamela tem uma relação muito íntima com seu trabalho, com
seu bar favorito e com sexo.
Pelos últimos três anos, ela esteve investida em me ver
de volta tanto ao trabalho, quanto em seu bar favorito e ao…
sexo. Mas a aliança que eu, mesmo viúva, carregava no dedo,
era o meu colete salva-vidas contra companhias indesejadas.
A questão é que, nas palavras de Pamela, todas as
companhias que eu tinha eram indesejadas e estava na hora de
eu começar a desejar companhias.
Todo dia, 120 milhões de pessoas têm relações sexuais ao
redor do mundo.
Eu não sei o que você acha disso mas, para mim, parece um
número baixo. Em um planeta com 7,5 bilhões de pessoas, isso
significa que apenas 1,6% das pessoas estão fazendo sexo a
cada dia. É um número minúsculo, não é? Quero dizer… qual a
verdadeira relevância de uma atividade que só é realizada por
1,6% dos seres humanos?
Claro, temos que excluir do número total as pessoas que
são muito jovens - ou porventura excessivamente idosas - para
ter vida sexual ativa. E temos que lembrar que pessoas
diferentes podem estar se relacionando a cada dia, o que
aumentaria a porcentagem de sexo/por pessoa/por semana. Mas
ainda assim!
É incompreensível porque Pamela coloca essa atividade em
um ponto tão alto da hierarquia.
É só sexo.
Estou vivendo muito bem sem ele há alguns anos.
O nosso corpo precisa de vitaminas, proteínas,
carboidratos, gorduras, minerais e água para sobreviver.
"Orgasmos" não está na lista.
Não é necessário.
Números não mentem.
Fatos são incontestáveis.
É por isso que Pamela está errada e, mesmo que minha
aliança esteja no fundo do Pacífico, eu não preciso de
companhia.
Eu não sinto falta de sexo.
Não sinto.
Nem um pouquinho.
***************
Spencer

A vida é uma bagunça.


Ou talvez seja só a minha.
Eu quase abandonei a escola. Quase não terminei o curso
de culinária. Quase desisti de me mudar para Nova York.
E essas não são sequer as piores coisas na minha longa
lista de "quases".
A melhor coisa que eu aprendi em meus 23 anos de vida é
que não dá pra controlar tudo. Não dá pra viver como se
seguisse uma receita porque, sem aviso, a vida aumenta a
temperatura da panela ou esquece de descascar as batatas e
aí, colega, fodeu.
A vida não tem obrigação de colaborar contigo então, a
melhor solução é tratar ela como uma amiga.
Aquela que você xinga de vez em quando porque ela é
louca, vai fazer merda e voltar pra ex… mas você ama mesmo
assim.
O fato é que: se você confiar na vida, ela não vai te
trair.
Acho que o que eu quero dizer é que eu acredito em
Destino. É! É isso! Se você tiver que definir minha
personalidade com uma frase, pode dizer "O Spencer acredita
em Destino". Não acho que tem outro modo de explicar o
perfeito alinhamento de coincidências que aconteceram na
minha vida.
Veja bem: eu sempre sonhei em ser ator. Ou modelo… modelo
também serve. São duas profissões relativamente fáceis,
certo? Quero dizer, decorar um monte de diálogos e ficar
parado sendo lindo não é exatamente engenharia espacial. A
única questão, se estamos sendo honestos e - cá entre nós -
não vejo razão para não sermos: se você tiver uma certa
aparência, sua carreira é mais fácil.
E eu sou gostoso.
Muito gostoso.
Do tipo que já foi abordado algumas vezes, no meio da
rua, por agências de modelos.
Meu cabelo escuro e rebelde é perfeito para um comercial
de shampoo.
Meu corpo definido, reflexo de anos na equipe de natação,
é ideal para um editorial de roupas de banho.
Meu porte alto e robusto é na medida pra um ensaio de
ternos de grife.
Meus olhos castanhos e sinceros combinados ao meu sorriso
levado (com direito a duas covinhas inocentes) te
convenceriam a comprar quase qualquer coisa.
Eu sou exatamente o que uma agência de modelos procura e
exatamente o que um diretor de elenco precisa.
Minha genética abençoada se alinhou perfeitamente ao meu
maior sonho profissional. E como você explicaria isso?
Destino.
O Universo me quer sorrindo em uma tela de cinema. De
cueca, em outdoors pelas principais avenidas do país.
Então, pelo meu ponto de vista, eu devo isso ao Universo,
certo? Eu tenho que ir lá conseguir essas coisas para honrar
a decisão do Destino.
E por "lá", eu quero dizer "qualquer cidade que não seja
Ocean Springs, Mississipi".
Se eu tivesse nascido em Los Angeles ou Nova York, eu já
teria uma carreira sólida a essa altura.
Mas, ao invés disso, eu perdi dois anos em um curso de
culinária em Jackson e uma porção de verões trabalhando no
mercado do meu pai.
Já perdi muito tempo…
Próximo fim de semana será meu vigésimo terceiro
aniversário e eu pretendo comemorá-lo bem longe daqui. Minha
passagem só de ida para Nova York está comprada há uma semana
e, na mala, eu levo apenas algumas roupas, dois livros e uns
itens pessoais.
Eu não tenho emprego, lugar para morar ou qualquer coisa
que se assemelhe a um plano, mas… Destino, lembra?
Vai dar tudo certo.
Eu confio na vida. A vida vai cuidar de mim.
Ela vai colocar no meu caminho um cara legal com um
apartamento bacana e um quarto livre, um emprego do caralho e
uma mulher gostosa que vai agir como se me detestasse mas, na
verdade, vai ser apenas um modo dela lidar com nossa química
inegável.
Não sou eu que estou falando isso, meu bem.
É o Destino.
Bem… o Destino e talvez esses livros de romance que eu
costumo ler. Para… pesquisa, se alguém perguntar.
Eu sei que não é exatamente sensual um homem admitir que
gosta de romances água-com-açúcar. Ou "água-com-açúcar-mel-e-
chocolate" no caso de alguns.
Homens deveriam gostar de ficção científica, mistérios
com assassinatos e biografias de generais mortos, não é?
Mas, só entre nós, confesso que nenhum desses me
interessa. Ficção científica é um saco, assassinatos me
causam desconforto e biografias me dão sono. Eu gosto mesmo é
daquelas histórias despretensiosas em que um cara conhece uma
mulher e tudo dá errado até dar tudo certo. Simples, eu sei.
Mas quem precisa de complicado?
Gosto especialmente daquelas que tem umas cenas obscenas
bem extravagantes porque prefiro que a escolha de ignorar o
sexo seja minha e não do autor. Se a cena estiver lá e eu não
estiver no clima, é só pular as páginas. Mas e se eu chegar
na hora da nudez, duro e pronto para um carinho inocente
antes de dormir, apenas pra descobrir que o autor escureceu a
tela, pulou o capítulo, e só me mostrou o que acontece na
manhã seguinte? Eu faço o que com meu pau nessa hora? Enrolo
em umas fitinhas bonitas pra ele não se sentir
desprestigiado?
E eu simpatizo com os personagens. Todo mundo está sempre
muito preocupado com alguma outra coisa que não seja um
romance, mas quando um romance acontece… um de verdade, é uma
sensação incrível, não é? Ou pelo menos deve ser. Eu não sou
exatamente um especialista no tema e, se alguma coisa, esse
meu fraco por romances já me colocou em situações estúpidas.
É por isso que, na minha vida, eu priorizo o sexo.
Eu me sirvo bem e com frequência. Romances são simples na
literatura. Na vida real são complicados. E quem precisa de
complicado?
Sexo é tudo que eu preciso.
Não sinto falta de romance.
Não sinto.
Nem um pouquinho.
1. Uma sugestão
Tatiana
Se Pamela fosse normal, eu poderia dizer que somos
melhores amigas.
Mas que tipo de relacionamento você tem com alguém que
rouba tua aliança pra jogar no fundo do Pacífico e te
abandona no meio da noite pra ir parar na cama de alguém?
Bem… considerando que nada disso muda o tanto que eu a
amo e confio nela… acho que talvez "melhores amigas" seja
mesmo a melhor definição.
- Explica pra mim como você pode ser dona da empresa e
nunca ter usado o produto? - ela me pergunta. Passa os dedos
pelos cabelos loiros ao jogá-los sobre os ombros. Seu sorriso
é morno e sensual, assim como seus olhos azuis. Ela parece
uma estrela de filmes antigos que desistiu do glamour para
abrir uma casa de prostituição. E se analisar a história da
sua vida com cuidado vai descobrir que… é quase exatamente
isso que aconteceu.
Eu sou o exato oposto: morena de olhos escuros. A
imigrante latina que só passa despercebida porque tem uma
pronúncia impecável, aprendida depois de anos de esforço
metódico. Minhas curvas acentuadas estão sempre bem
disfarçadas sob roupas sóbrias e profissionais. Meu cabelo
cairia em ondas fartas sobre meus ombros - assim como faz o
dela - mas eu normalmente o prefiro preso em um rabo de
cavalo longo, apertado e elegante.
- Eu não sou dona do SugarLove.com, meu bem. - lembro,
lavando as palavras com mais um gole de vinho - Você é. Eu
sou apenas uma das investidoras malucas que viu potencial na
sua ideia.
O Bemelman's Bar está apinhado de gente ocupando seus
estofados de couro marrom e mesas estreitas de madeira
escura. O jazz delicado do piano parece brigar contra o
típico zumbido de pessoas demais falando ao mesmo tempo. Um
casal se espreme entre duas mesas no bar, em seu caminho para
o restaurante, e o espaço que deixaram para trás é
rapidamente ocupado por um pequeno grupo de amigos.
É fim do expediente em uma sexta-feira, e o bar na
esquina da Avenida Madison com a East 76 oferece happy hour
para empresários e turistas, sem distinções.
Pamela sorri ao encarar alguém sobre meu ombro. Sei que
ela está flertando porque o modo como coloca as castanhas na
língua - uma de cada vez - faz o ato de comer petiscos
parecer uma preliminar e eu estou quase perguntando se ela
quer um pouco de privacidade.
- Você é dona de 12% do negócio e tem direito de voto. -
ela responde como se não estivesse, na verdade, dividindo sua
atenção entre eu e… seja lá quem for que ela escolheu para
essa noite.
Abro os olhos pra ela com uma risada impaciente:
- Você nunca leu nenhum dos documentos legais da sua
empresa, não é? Eu tenho 8% e nunca tive direito a voto!
- Quem tem paciência para documentos legais? - dá de
ombros, engolindo mais algumas de suas castanhas eróticas.
Assim que sua mão está vazia, ela balança os dedos longos em
um "tchauzinho" que mais parece um "olá".
- Você quer que eu te deixe a sós? - dou risada.
- Não, ainda não. - ela pisca um olho - Acho que ele tem
um amigo. - alonga-se, verificando alguém a distância.
Mas sua última frase fez meu sorriso desaparecer e ela
não demora a notar.
Na verdade, acho que notou minha apreensão antes mesmo de
dizer a frase que a causaria.
Melhores amigas.
É por isso que parou de observar seus novos amigos, do
outro lado do bar, e me encara como uma águia.
- Tati… - ela começa.
- Pam, não. Tudo bem? Não.
Vejo seus ombros caírem e me preparo para o monólogo.
Você é jovem, linda e bem sucedida. Sua vida não acabou.
Não é errado conhecer alguém novo.
Blá blá blá.
Viro mais um gole do vinho, sem paciência.
Mas, ao invés de dizer o que eu espero, Pamela apenas me
surpreende com:
- Tudo bem. Você quem sabe.
Entalo com a bebida.
- Sério? Vai me deixar em paz? - não acredito.
- Vou. O Marcus está chegando daqui a pouco pra te fazer
companhia. Eu não me incomodo desde que você saia um pouco e
tenha alguém com você. É quando você fica escondida em casa
assistindo filme com seu cachorro que eu fico preocupada.
Engulo em seco ao escutar o nome dele. O olhar de Pamela
brilha, encarando-me como se me desafiasse a falar, ou a
calar. Qualquer uma das duas condutas responde sua dúvida do
mesmo jeito.
- Eu não fico escondida em casa assistindo filme com…
Ela me encara porque sabe que estou mentindo e eu calo.
- Eu só pego no seu pé porque eu te amo. - ela insiste -
E porque três anos é tempo demais pra ficar sem sexo. É
questão de saúde.
- Eu não estou sem sexo!
- Vibrador não é sexo. - torce o nariz - Você precisa de
um homem quente no meio das pernas, Tatiana.
- Estou bem, obrigada.
- Não, não está.
- Sexo não é tão importante pra mim quanto é pra você,
Pam.
- É porque você nunca teve o tipo de sexo que eu tenho,
meu amor.
Esfrego meus olhos, rindo.
- E você nunca teve o tipo de sexo que eu tive. - lembro
- Como pode saber qual é melhor?
- E qual foi o sexo que você teve? - inclina-se,
autoritária - Papai-e-mamãe com o mesmo homem por dez anos?
Realmente, não dá pra comparar.
- Não era papai-e-mamãe por…
- Tati, eu sou sua melhor amiga há muito tempo. Quando
sua vida sexual com o Daniel morreu, eu compareci ao enterro,
lembra? Estive lá para ouvir todos os detalhes.
- Pamela, já chega, está bem?
- "Já chega"? - ela respira fundo - Por que "já chega"?
Estou mentindo? Tati, o que aconteceu com o Dan foi uma
fatalidade. Mas a sua vida não precisa ser definida por isso,
sabe? "Já chega" mesmo. Três anos de luto é tempo demais.
Ninguém vai te julgar se você quiser continuar vivendo. Você
é jovem, linda e bem sucedida…
E aí está.
Ocupo-me do meu vinho e reviro os olhos enquanto ela
continua o monólogo.
Eu já o conheço de cor. Não preciso ouvir de novo.
- … você devia experimentar sair com alguém. Você precisa
de companhia. - observa-me com o canto do olho como se
estivesse me conduzindo por uma fração da ideia quando já tem
um plano completo pronto.
- Preciso de companhia?
- Precisa de sexo suado e agressivo, daqueles que te
deixam sem conseguir usar as coxas por 72 horas, mas
"companhia" é um bom começo.
- Você é louca. - respiro - Eu te amo, mas você é louca.
Pamela morde o lábio inferior e o segundo que ela demora
para reunir coragem parece se prolongar por uma eternidade.
- Você devia sair com o Marcus.
Meu plano era dizer "Eu já saio com o Marcus toda semana,
somos amigos, hahaha" e agir como se a sugestão da Pam fosse
igualmente inocente e desnecessária.
Mas, ao invés de soar casual e desinteressada, eu entalo
com o vinho e não consigo colocar mais de duas palavras em
sequência.
- É. - ela ri - Definitivamente devia sair com o Marcus.
- repete.
Respiro fundo e tento lembrar que meu pragmatismo é maior
que minha vergonha momentânea.
- Não vou começar a namorar com o melhor amigo do meu
falecido marido, Pamela.
- Jesus, Tatiana! E quem falou em namorar? Você me ouviu
quando eu disse que você precisava de sexo? Ou, se não
estiver pronta pra isso ainda, pelo menos uns beijos
indecentes enquanto um cara experimenta os teus peitos.
- Meu Deus. - escondo os olhos na mão.
- O que? Você tem uns peitos ótimos. Levei uma foto sua,
pelada, pro meu cirurgião quando fui colocar meu silicone,
sabia? Eu disse "Lorenzo, eu quero esses peitos aqui".
- Você está mentindo.
- Não estou.
Eu a encaro por um segundo e ela muda a narrativa.
- Como sabe que eu estou mentindo?
- Porque você nunca colocou silicone, sua cirurgiã
plástica é uma mulher chamada Natalie e eu tenho bastante
certeza que você não tem uma foto minha pelada.
- Detalhes. - ergue um ombro - Mas voltando ao assunto de
deixar o Marcus te comer.
- "Voltando ao assunto"? - abro os olhos, indignada -
Esse nunca foi o assunto! Meu Deus, por que eu sou sua amiga?
- Você sabe que ele é apaixonado por você, não sabe?
- Pamela, eu te imploro…
- Claro que sabe. Eu já te disse isso um milhão de vezes.
Não que eu precisasse: O Marcus te olha como se você tivesse
pendurado a Lua no céu e pintado uma porção de estrelinhas ao
redor.
- Você exagera.
- Tati, você podia ser uma simpatizante nazista com
inclinações ao canibalismo e o Marcus ainda ia querer ser pai
dos seus filhos.
- Acabou? - peço.
- Por que você nega isso? - irrita-se - Você não é cega!
E, com certeza, não é burra! Quando você e o Daniel brigaram
sério daquela vez, a ex-mulher do Marcus entrou em depressão.
- O quê? O que uma coisa tem a ver com a outra?
- Eu a peguei chorando, no quarto, na festa de Natal! Ela
não conseguiu engolir o nervosismo e me disse com todas as
palavras que se você se divorciasse do Daniel, o Marcus se
divorciaria dela. Ele SEMPRE foi apaixonado por você,
Tatiana. Só casou com a Lara depois que você começou a
comemorar Bodas com o melhor amigo dele. E, assim que você se
viu viúva, ele se viu divorciado. Está esperando seu luto
acabar, como um bom garoto e, sinceramente, me irrita, porque
se ele fosse um mau garoto já tinha feito alguma coisa e
tirado tua boceta dessa aposentadoria compulsória há uns dois
anos.
- Você é mesmo uma dama. - sarcástica, diante de seu
curto monólogo.
- Meu bem, se as damas se divertissem como as vadias, eu
seria uma dama.
Preciso rir.
Mas é apenas por um instante.
O gosto amargo em minha garganta faz meu humor escurecer
e pesar. Até os sons alegres dos grupos de amigos ao nosso
redor parecem distantes, como se eu os escutasse da outra
ponta de um túnel.
- Eu não sou burra. - murmuro.
- Eu sei.
As coisas que o Marcus me disse.
As coisas que o Marcus me disse dois dias antes de Daniel
morrer.
Eu não posso.
E é isso que eu digo a Pamela.
- Eu não posso, Pam. Não posso.
Ela acena como se compreendesse, mas não compreende.
Toca meu braço com carinho.
- Tati… O Marcus é o homem da sua vida.
Ela deixa as palavras causarem seu efeito, mas o único
efeito que causam é dor.
- Vocês dois são perfeitos juntos. E eu sei que você não
quer ouvir isso: mas ele seria melhor pra você do que o Dan
jamais foi.
- Pamela… O Marcus é meu amigo. Eu não estou pronta para
ficar com alguém. Sair com ele seria um desastre e eu
perderia o amigo.
- Eu sei. Vocês dois são perfeitos um para o outro mas,
ao mesmo tempo, é muita responsabilidade. Vocês têm história
demais. O Marcus vai te levar pra jantar uma vez e vai querer
te pedir em casamento, já pensando em qual o melhor bairro
com boas escolas pra comprar uma casa. É bagagem demais. Você
precisa… esquentar.
- Esquentar?
- Você precisa viver um pouco, amiga. Você casou muito
cedo, e eu sei que me odeia sempre que digo isso… Mas você
não estava feliz com o Daniel. Não no fim, e não por muitos
anos. Você precisa de um cara que te aperte contra a parede e
te beije de um jeito que você não sabia que podia ser
beijada. Precisa de um cara que te coma com vontade, porque
eu não tenho certeza se alguém já te comeu. Um cara que te
faça gozar, porque eu também não tenho certeza se você já
gozou. Precisa se divertir. Precisa de alguém que faça você
se sentir viva! E não cheia de responsabilidades. O Marcus
pode até ser a linha de chegada que eu gostaria pra você. Mas
se começar pelo fim vai dar tudo errado. Seu casamento com o
Daniel acabou sendo uma prisão. O luto também. E o Marcus é
só mais uma gaiola.
- Estou confusa, Pam. Você quer que eu fique com o Marcus
ou não?
Mas eu não escuto a resposta porque a voz masculina às
nossas costas atrai minha atenção.
- E aí? O que estamos bebendo? - a voz grave de Marcus é
animada. Causa-me arrepios desconcertantes, principalmente
porque parte de mim teme que ele tenha ouvido minha última
frase.
- Merlot. 2008. - aponto para a garrafa com um sorriso.
Ele beija cada uma de nós na bochecha e pede uma terceira
taça ao garçom.
Ele é alto e forte. Mas dois adjetivos assim, sozinhos,
não são suficientes para descrevê-lo.
As mangas da camisa social estão enroladas em seus
antebraços largos. Meu olhar se perde por um instante e…
Não sei quando, nos últimos três anos, comecei a notar o
tanto que Marcus é… homem.
Largo e imenso com sua barba metodicamente por fazer e os
fios grisalhos marcando suas têmporas. O queixo quadrado de
feições rígidas. Ele tem um charme cru e é tão estranho que
eu tenha sido imune a ele por tantos anos porque,
ultimamente, é só nisso que consigo pensar.
- Como foi o trabalho, querido? - Pamela exagera no falso
tom de esposa cansada e Marcus ri.
- O de sempre, querida. - devolve a brincadeira - Nada de
novo no mundo do marketing.
- Isso soa contraproducente. - aviso - Marketing não
deveria ser sempre novo?
Ele revira os olhos para minha gracinha:
- Vocês entenderam o que eu quis dizer.
Ele tem um cheiro bom.
Um perfume caro e uma fragrância de homem. Estou
encarando.
- Marcus! - Pamela lhe dá um tapa na perna, e me salva. É
por isso que é minha amiga - Você ainda não confirmou se vai
levar alguém para minha festa!
Eu viro para nosso amigo com um meio sorriso,
recuperando-me:
- Você também adora como ela chama um jantar beneficente
de "minha festa"?
Marcus ri com gosto. Seu sorriso é gentil. Ele aperta os
olhos com naturalidade e suas poucas rugas se acentuam de um
jeito adorável.
Meu Deus.
Não, Tatiana. O melhor amigo do Daniel, não.
- Ei! Sou eu que estou organizando, não é? - ela se
defende - Marcus? E então?
Encaro minha taça de vinho e tento recitar parâmetros de
base da minha linguagem de códigos favorita para tentar
ignorar o homem quente sentado tão perto de mim que seu braço
raspa no meu sempre que se move.
Não preciso de sexo.
Claro que não preciso.
Não tenho sexo há anos.
Não me faz falta.
- Bem… - ele responde, observando-me - Na verdade, eu ia
perguntar para a Tati se ela não queria ir comigo.
Eu congelo.
Congelo, porque ele está me convidando como amigo. Assim
como faz há anos. Mas a Pamela está me encarando como se
minha resposta fosse a diferença entre Céu e Inferno.
- Ahm… - gaguejo.
Sinto como se estivesse traindo Daniel.
Traindo meu marido com seu melhor amigo.
Pro Diabo com a lógica, é assim que eu me sinto.
E eu me odeio porque sempre me orgulhei de minha
racionalidade inabalável, mas eu não consigo.
Não consigo olhar pra ele e não pensar no que ele me
disse pouco antes de Daniel morrer.
Não consigo olhar pra ele e não pensar no que eu disse a
Daniel em seguida.
A última conversa que tive com meu marido.
Seria hilário se não fosse trágico: a coisa que eu não
consigo dizer em voz em alta é a mesma coisa que não consigo
parar de pensar.
Sentir meu coração bater de um jeito esquisito sempre que
Marcus me toca é o tipo de problema que eu não preciso.
Sinto muito, Marcus.
Sinto muito se isso te magoar.
Talvez eu não esteja pronta para um homem, mas
definitivamente não estou pronta pra você.
- Não. - Pamela me salva mais uma vez e eu estou pronta
para declarar meu amor eterno a ela - Não pode ir com ela.
- Por que não? - ele ri, ainda incerto se deveria estar
rindo.
- Por causa do meu leilão beneficente. Todas as mulheres
solteiras e desacompanhadas serão leiloadas e eu quero a Tati
bem livre para o meu leilão. Se você quiser ficar com ela,
vai ter que fazer um lance. - provoca.
O sorriso incerto de Marcus se expande de uma orelha a
outra.
- Entendo. - gesticula em rendição - Estarei lá, pronto
para uma guerra de lances, então.
As palavras deveriam ser uma brincadeira, mas o tom morno
com que as recita sugere tudo menos isso.
Marcus parece que ia propor um brinde, mas olha ao redor
ainda procurando o garçom que nunca voltou com sua taça.
- O que diabos um homem precisa fazer para beber alguma
coisa aqui? - nos pede licença e levanta para resolver o
problema ele mesmo.
Eu respiro muito fundo quando ele se vai e Pamela segura
a gargalhada.
- O que foi? - rosno.
- Nada. Nadinha. - bebe seu vinho, encarando-me sobre a
borda da taça.
Eu estou pronta para afundar em autocomiseração quando
algo importante me ocorre:
- Pamela, eu NÃO vou ser leiloada. Você me ouviu?
- Ah-ham.
- Eu estou falando sério. Não vou subir em um palco para
homens fazerem lances por mim. Isso é baixo e ridículo e…
- Você devia usar o site.
- Que site? - enrugo a testa.
- O meu site. - explica, sugestiva.
Eu entalo com a saliva e começo a tossir.
- O Sugar Love? - estou rindo - Sua resposta para minha
solidão é contratar um garoto de programa?
- Então você admite que está solitária? - agarra-se ao
meu deslize.
- Louca. - repito - Você é louca.
- Não é um garoto de programa, Tati. - ela belisca minha
mão sobre a mesa - Você sabe que não é assim. O Sugar Love
não é um site de prostituição. Seria um encontro entre
amigos.
- Ah-ham. - murmuro, sarcástica.
- Um encontro honesto em que as duas partes sabem
exatamente o que as espera. Ele vai ser um homem lindo e
interessante, de sua escolha. E tudo que você precisa fazer é
pagar a conta no fim do jantar. Ou da viagem. Ou do motel. -
pisca um olho.
- E aí está. - anuncio.
- Você tem o controle absoluto. Não precisa fazer nada
que não queira. Não vai haver nenhuma expectativa da parte
dele. Não de sexo, pelo menos. Você tem a sua companhia, ele
conhece um lugar legal. Todo mundo ganha!
- A ideia é boa, Pam. Eu já investi nela, lembra?
- Ótimo. Que bom que concordamos. Faz um perfil no site.
Dá uma olhada. Não custa nada e você pode acabar encontrando
alguém que te agrada.
- Não custa nada? Você está ciente que tem uma
mensalidade para os perfis que estão procurando companhia?
- Tatiana, você é bilionária. 49,90 por mês dificilmente
vai te fazer falta.
- É assim que você encontra clientes para o seu negócio?
- estreito os olhos, provocando-a - Encurralando viúvas
indefesas que ainda não estão prontas para um relacionamento?
Além do mais, não era você que estava defendendo que eu
deveria sair com o Marcus?
- Eu sei lá o que eu estou defendendo. Eu sou louca. Você
não devia me escutar.
- Concordamos, enfim.
- Mas me escuta! - avisa e não parece perceber a ironia
de suas próprias palavras - Você precisa de um homem pra
praticar antes de sair com o Marcus. Pra ficar mais a vontade
e evitar que o primeiro encontro seja um desastre. E você
precisa de um sexo pesado. De um tipo que o Marcus
dificilmente sabe como faz.
Aperto os olhos.
Marcus com seus ombros largos, suas mãos imensas e seu
cheiro de homem. Não entendo como Pamela pode achar que ele
não saberia o que fazer com uma mulher na cama, mas pelo
menos nós duas já concordamos que ela é louca.
- É o plano perfeito! Sai com uns caras no site como
aquecimento. E, quando estiver pronta, sai com o Marcus.
- Ótima ideia! - abro os olhos.
- Então vai fazer isso?
- Não. - resmungo - Não vou fazer nem mesmo uma única
parte de nada disso que você disse.
Ela tem um sorriso vitorioso nos lábios que não faz muito
sentido.
- Você quem sabe. - dá de ombros e eu fico nervosa porque
sei que ela percebeu algo que ainda me escapa - Mas, meu
amor, daqui a um mês, estando você pronta ou não, o Marcus
vai te comprar. E aí, Tati… - ela ri - Aí eu quero ver o que
você vai fazer.

***************
Spencer

Minha vida é boa pra caralho.


Conheci um cara em um bar no meu primeiro dia na cidade.
Ele estava tentando pegar uma mulher e estava falhando
terrivelmente. Eu ajudei como pude… ele não conseguiu a
garota, mas eu consegui um amigo. E um apartamento! Porque o
Eric - esse é o nome dele - tinha um lugar legal perto do
metrô e um quarto vazio. Sucesso, han?
E aí eu consegui um emprego também porque eu sou foda!
Assistente de cozinha em um restaurante italiano a três
esquinas do apartamento do Eric. O salário não é algo digno
de nota, mas vai pagar minhas contas enquanto Hollywood não
me descobre.
Além disso, escuta só: consegui marcar horário em quatro
agências de modelos diferentes para as próximas duas semanas.
Eu sei que é um exagero marcar tantas, sendo que as ofertas
das duas primeiras já devem ser boas o suficiente, mas é
melhor pecar pelo excesso. Também consegui colocar meu nome
em dois testes: para um comercial e para um seriado.
E tudo isso em uma única semana, meu bem.
Sete dias e Spencer Reese está dominando esse caralho
dessa cidade porque "Destino" é uma mulher gostosa que abre
as pernas assim que sente meu cheiro.
E falando em abrir as pernas, eu não quero ser o nojento
que trata mulheres como calorias e conta quantas comeu na
semana, mas sete mulheres em seis dias - ao contrário do meu
salário - é algo digno de nota.
Bem… oito, em sete dias, se contar onde estou no exato
segundo.
As luzes do meu quarto estão apagadas, mas a luz fraca da
noite lá fora entra pela janela.
Lambo sua boca devagar, sentindo o hálito de seus gemidos
na minha língua.
Se trabalhar fosse tão bom quanto sexo, seríamos todos
ricos.
Bianca arranha os músculos do meu peito e me pede muitas
coisas: mais força, mais velocidade, ela quer um tapa na
bunda, um puxão nos cabelos, uma mordida no mamilo. As
instruções são regadas a desespero erótico e, apesar de
desconexas e confusas, faço questão de segui-las. Eu sou um
garoto esforçado e obediente. O orgasmo a ataca, rápido e
violento. O meu não fica muito atrás.
Ela está rindo com os cabelos espalhados pelo meu
travesseiro.
- Meu Deus, Mississipi. - ela morde os lábios,
satisfeita, ainda tentando recuperar o fôlego. Usa meu estado
de origem no lugar do nome e eu não sei se é um apelido
carinhoso, ou se ela esqueceu como eu me chamo.
Não me sinto ofendido de um modo ou de outro.
Estou chamando-a de "Bianca" em minha mente, mas tenho
apenas 75% de certeza que esse é realmente seu nome.
90% de chance de começar com B.
- Ah, linda, você ainda não viu nada. - beijo sua boca.
"Linda" ao invés de "Bianca", percebe?
Pra quê arriscar? Eu ainda pretendo seguir por mais duas
rodadas ou três antes de encerrar a noite e errar o nome
agora vai foder meus planos.
Levanto para pegar água para nós dois e encontro a luz da
sala acesa.
- Se divertindo? - Eric tem um sorriso escroto estampado
no meio da cara e parece estar em vias de explodir em
gargalhadas.
- Caralho! - enfio as mãos nos cabelos perfeitamente
ciente do nível de barulho que eu estive fazendo pela última
hora - Desculpa, cara, eu achei que a casa estava vazia!
Achei que você tinha um encontro!
- E eu tenho, mas você chegou do bar mais cedo.
Aperto os olhos, constrangido.
Não somos amigos.
Sequer somos conhecidos.
Estamos morando juntos há poucos dias.
A merda é que não tínhamos exatamente definido como seria
a política para trazer mulheres pra casa e eu não queria
irritar o cara logo na primeira semana.
- Sinto muito, cara, eu sei que a gente não conversou
sobre…
- Mano, eu também tenho vinte e três anos. - ri - Vai ter
muita mulher entrando e saindo desse apartamento. Não se
preocupa. A gente organiza um esquema depois. E… - ele ergue
uma sobrancelha - Acho que vamos precisar sair juntos com
alguma frequência. Você não demorou uma hora pra trazer ela
de volta pra casa, não foi?
Eu abro um sorriso orgulhoso e ele me oferece o punho.
- Bom trabalho, filho da puta. E feliz aniversário. - o
celular treme em sua mão - Merda. Tenho que ir!
Ele corre pela porta sem se despedir. Eu ainda estou
rindo. Vamos nos dar bem.
Eu e ele, eu e Nova York.
Levo o copo de água para Bianca e percebo que esqueci de
pegar um para mim.
É a curiosidade que me leva até as grandes janelas na
frente do apartamento. Lá embaixo, Eric atravessa a rua, com
pressa. É só então que noto que ele está bem vestido: muito
bem vestido. Não notei, há pouco, quando ele ainda estava na
sala, talvez pelo susto de ter quebrado alguma regra
implícita do Manual de Convivência com meu sexo barulhento.
Mas aí está: bem vestido. Não parece o Eric que vi nos
últimos dias, mas uma mísera semana dificilmente me torna um
especialista em seu guarda roupa.
Do outro lado da rua, o poste ilumina o carro estacionado
com sua luz amarela, o vidro escuro da porta traseira se
abaixa, em um lento compasso eletrônico. Eric inclina o rosto
pela janela e uma mão feminina envolve seus cabelos escuros.
Eles se beijam, discretamente, na penumbra. A mulher deve
ter aberto a porta e se afastado, porque Eric enfia-se no
mesmo banco que ela e desaparece.
O carro segue com o murmúrio baixo de seu motor acelerado
pelas ruas de Nova York, levando consigo meu colega de quarto
em suas roupas caras e deixando a mim sem entender muita
coisa.
- Ei, Spencer. - sua voz rouca de sexo atrai minha
atenção. Lembra do meu nome.
Está nua e eu viro o copo de água contra o meu sorriso.
Bianca vem me abraçar, lambe meu queixo e promete fazer
coisas que nunca me ocorreriam pedir.
A noite vai ser longa e deliciosa.
Minha vida é boa pra caralho.

***************

Spencer
Duas semanas depois…

Minha vida é uma merda.


O restaurante do Rodolfo é o pior lugar que eu já
trabalhei na minha vida, Anna não para de me mandar mensagens
constrangedoras, e meu sonho de ser ator parecer estar mais
distante agora do que no dia que saí de casa.
- Pode virar, por favor? De perfil. - ela pede.
Não gosto do jeito como ela diz "por favor". Não sabia
que era possível colocar tanto desdém em duas palavras tão
pequenas.
Eu obedeço e deixo as duas mulheres sentadas atrás da
mesa observarem-me de perfil.
Elas cochicham algo entre si.
- De costas, por favor?
Viro mais uma vez.
Mais cochichos.
Não me incomoda que elas me tratem como um pedaço de
carne: desde que cheguei na cidade, estive em agências de
modelos o suficiente para saber que o mercado é assim. O que
realmente me causa desconforto é a mudança. Não me entenda
mal, não quero soar arrogante, mas eu estou bem acostumado a
ser o cara mais insuportavelmente gostoso em qualquer lugar
que eu entro. Foi assim na escola, no curso de culinária, nas
festas de adolescente, encontros de família e bares de Nova
York. Eu nunca tive aquela beleza comum do cara que é bom em
esportes e consegue as garotas. Não… Eu sempre fui mais que
isso. Eu sou o cara que as pessoas na rua viram o rosto para
olhar uma segunda vez. Na minha última visita a um
consultório médico, a oftalmologista prendeu a respiração ao
me ver. No critério "beleza" sempre foi raro encontrar alguém
que pudesse competir comigo, quem dirá ganhar.
E aí eu comecei a frequentar agências de modelos e isso
tudo… mudou.
Eu, que estava acostumado a deixar mulheres sem graça em
minha presença - perdidas entre sorrisos e prendendo a
respiração - tinha que enfrentar as duas mulheres sentadas
naquela mesa, encarando-me como se eu fosse pouco mais que um
cabide. Elas deveriam ter visto uns trinta homens mais
bonitos do que eu antes de sequer parar pro almoço.
Elas não se constrangiam ou intimidavam.
Pelo contrário: elas me diziam…
- Agora pode tirar as roupas, por favor?
A mais nova apontou para o vestiário ao fundo, onde eu
poderia me despir com alguma dignidade antes de desfilar para
elas usando nada mais que minha roupa íntima.
Minha vida é uma merda.
Tem pouca coisa que ataque sua auto estima tanto quanto
desfilar de cueca para duas mulheres, e assisti-las balançar
a cabeça em discreta reprovação.
- Bem. - a mais nova sorriu, sem alegria, gesticulando
para que eu interrompesse minha caminhada - Obrigada… ahm… -
ela olhou de volta para o meu book e currículo. Ela sequer
lembrava meu nome - Spencer. - curva os lábios, ainda
entediada - Estamos procurando modelos mais magros para essa
coleção em particular. Músculos muito protuberantes ou
definidos não são a nossa tendência para esse desfile. Nós
temos o seu número, entraremos em contato se houver alguma
mudança. Boa tarde.
Ela se volta para conversar com a outra, deixando-me
recusado e de cueca.
Legal.
Eu me visto depressa e escapo de lá como o diabo deve
fazer diante da Cruz. Ou a Cruz diante do Diabo, dependendo
de qual parte da equação corra mais depressa.
Nunca vi alguém torcer o nariz para meus músculos
protuberantes e definidos. Isso era o tipo de coisa que
arrancava suspiros e orgasmos de qualquer uma. Menos, é
claro, da designer e sua assistente: para elas, meu físico
era insuficiente.
E ela sequer lembrava o meu nome.
Mordo o lábio lembrando de uma das garotas que levei pra
cama nas últimas semanas. Ela me chamava de "Mississipi", eu
achei que tinha esquecido meu nome e isso não me incomodou.
Mas agora… agora era diferente.
Eu queria uma oportunidade profissional e tinha que
encarar a dolorosa verdade de que me tornei… esquecível.
Tento respirar fundo, mas essa cidade tem rasgado minha
sanidade e abocanhado minha resiliência uma mordida por vez.
Minha paciência não deve aguentar muito mais. Cerro os
punhos, sentindo-os tremer.
- Atrasado. - Rodolfo anuncia com seu sotaque carregado
assim que cruzo a porta da cozinha.
- Eu… - eu avisei pra ele que ia me atrasar hoje! Estou
cumprindo tantas horas extras nessa porcaria que nunca
imaginei que uma merda de atraso seria um problema. Mas não
vale a pena discutir com Rodolfo. Ele misteriosamente para de
compreender inglês sempre que corre o risco de perder uma
discussão - Desculpe. - resmungo com um sorriso amarelo.
Inferno.
Deveria ser mais fácil, não era?
Deveria ser a coisa mais fácil do mundo.
E se não der certo?
O pensamento traz uma careta involuntária ao meu rosto.
Percebo Laurie com o canto do olho: entre as garçonetes
do Mangiare, foi com ela que eu mais simpatizei. Isso
significa que me conhece o suficiente para perceber problemas
diante de minha careta.
Mantenho minha cabeça baixa e faço o trabalho que sou
pago pra fazer.
Tento não pensar nas escolhas que eu fiz.
Tento não pensar aonde isso vai me levar.
Tento não pensar sobre minha decisão de ser modelo: é
algo que eu queria fazer? Ou é a única coisa que eu achei que
conseguiria fazer?
Olho pra o armário onde deixei minha mochila. Tem um
exemplar de "Faz de Conta" dentro dela. Henry Shaw, o Conde
de Lancaster, está muito nervoso com Alice, a mulher com quem
organizou um casamento de conveniências. "Muito nervoso" aqui
é um eufemismo para "ele queria colocar a gostosa de quatro e
comer ela dentro do banheiro enquanto serviam a ceia", mas eu
não sou um mestre com as palavras, então prefiro ficar com o
eufemismo.
Eu simpatizo com Alice. Ela não tinha nenhuma perspectiva
e não fazia ideia do que fazer com sua vida. Por que não
aceitar a proposta e fingir que era esposa de um nobre
arrogante? Quero dizer, se você não tem escolhas, qualquer
opção é sucesso.
Balanço a cabeça tentando afastar o pensamento.
Foco no meu trabalho.
Me causa pouco orgulho e muita ansiedade, mas paga as
contas.
Horas se passaram quando Laurie finalmente aponta para a
porta dos fundos, sugerindo que é hora da nossa pausa.
Empurro a porta de metal que dá no beco estreito e respiro o
ar frio de Nova York.
- Ele está especialmente desagradável hoje? - ela
pergunta.
- Quem? O Rodolfo? - confirmo - Não. Só o normal.
Ela me passa uma garrafa de água mineral e eu bebo metade
sem respirar.
- Você fica nojento com esse suor de cozinha. - ela torce
o nariz, exagerada, e eu começo a rir.
Laurie é tímida e desbocada. Duas características que,
para mim, não fazem sentido juntas, mas é assim que ela é.
Eu estava trabalhando no Mangiare há dois dias quando nós
dois nos descobrimos em uma amizade rápida. Foi logo então
que ela anunciou que não se apaixonaria por mim: algo bizarro
de se ouvir de uma desconhecida, mas Laurie dificilmente
guardava pensamentos para si.
Ela se apaixona rápido por pessoas que nunca retribuem. É
a sua mazela. E quando me percebeu, bonito e simpático,
decidiu quebrar o ciclo.
Então aquela virou nossa brincadeira particular: ela me
desqualifica sempre que me acha gostoso.
- E você fica muito gostosa com esse avental fodido. -
pisco um olho.
- Como você é engraçado. - mastiga as palavras, apática.
Laurie é uma garota bonita. Não é meu tipo e, se estamos
sendo honestos, não pode ser considerada o tipo que para o
trânsito. Mas me dói o coração que ela se perceba como tão
pouco.
Você é linda, garota. E merecia um homem que finalmente
enxergasse isso.
Frases que eu tentei dizer pra ela, no passado, e que
resultaram em um murro forte contra o meu peito, porque
Laurie é pequena e fofinha, mas forte como um bebê elefante.
Eu não estou autorizado a dizer coisas adoráveis para
ela, pelo bem de nossa amizade: apenas posso ser nojento ou
escroto.
- Como foi na agência, hoje?
Respiro muito fundo e deixo minha cabeça cair.
- Ruim assim? - pergunta, de novo, sem precisar da minha
resposta.
- Sim, senhora. - respondo e o canto de sua boca treme
com o mesmo sorriso curto sempre que eu exagero no meu
sotaque de garoto do sul - Pior. Dessa vez, eu estava de
cueca quando elas me recusaram.
- De cueca? - Laurie engole em seco - Elas não quiseram
você de cueca? O que há de errado com essa gente? - seu tom
de ofensa é tão genuíno que eu me sinto reconfortado.
- Obrigado, Lala.
- Garoto! Não sorri pra mim desse jeito! - rosna e eu
engulo meu sorriso depressa, tentando não rir - E eu posso
contar essa história pra Vanessa?
Estreito os olhos porque não entendo a lógica. Desde que
cheguei no Mangiare, tento manter distância de Vanessa.
Ela é uma garçonete assim como Laurie mas, ao contrário
da minha amiga, Vanessa parece ter resolvido que iria me
conquistar, me levar até um padre e me dar quatro filhos. Eu
adoro sexo… mas sexo com gente que você trabalha e precisa
ver todo dia é uma merda.
- Eu ia preferir se Vanessa não ouvisse histórias sobre
minha cueca. - aviso.
- Mas já imaginou como ela ia ficar se revirando? Só de
imaginar mulheres que puderam te recusar? - balança a cabeça,
satisfeita apenas por imaginar a ideia.
Laurie e Vanessa não se dão bem.
E isso também foi um eufemismo.
- Tá. - autorizo - Faz o que você quiser. A Vanessa
dificilmente vai ser a pior parte do meu dia.
- A garota da sua cidade ainda está te mandando
mensagens?
- Hm. - Eu assinto - Anna. E eu precisei mentir pra minha
mãe sobre minha situação aqui ou ela vai começar a insistir
que eu volte pra casa.
- O que você disse pra ela?
- Bem… eu não disse que estou preso em um emprego lixo,
sem conseguir qualquer chance como modelo e que o único papel
que consegui foi como substituto em um teatro amador. Ah! E
que to sem dinheiro para um computador novo.
- O seu computador quebrou mesmo?
- Estou mandando currículos pelo celular.
- Ai. - abre os olhos - Talvez você devesse se
prostituir, como seu colega de quarto.
- Ei! - aponto para sua fofoca - A gente não tem certeza
que é isso que ele está fazendo!
- Ah, Spence, por favor! - revira os olhos - As roupas de
marca, as mulheres diferentes em carros importados, os
presentes chiques? Ele é garoto de programa ou acompanhante
de luxo. Provavelmente ambos e você ganharia mais dinheiro do
que ele.
- Lala…
- Você é muito mais gostoso do que o Eric! E eu estou
dizendo isso porque sou uma mulher com uma vagina que gosta
de pau e não porque sou sua amiga.
- Muito obrigado. - aceno.
- Disponha.
- Mas a gente não sabe se é isso que ele faz. - repito -
Pode ser que ele seja muito bom em economizar.
- O perfume que ele usa custa mais que a roupa mais cara
que eu tenho no meu guarda roupa. As bebidas que ele paga na
sexta a noite… a prensa de café italiano que vocês têm no
apartamento deve ter sido uma pequena fortuna. E tudo isso
com um salário de barista? Não, Spencer.
Respiro fundo. Dou de ombros. Mas Laurie ainda tem algo
estranho no olhar.
- Você devia perguntar pra ele.
- Não vou fazer isso. - minha risada é alta.
- De repente não é prostituição, nem nada ilegal…
- E você está dizendo que…
- Estou dizendo que a vida é uma merda. Você não consegue
uma chance para o emprego que queria, o Rodolfo é um pequeno
tirano com um inglês seletivo, sua ex-namorada não te deixa
em paz e seu computador é um pedaço de lixo que pifou.
- Não é minha ex-namorada. - É tudo que consigo dizer.
- Se o Eric sabe de algo que pode te ajudar, não faz mal
se você quiser saber o que é. E também não faz mal se me
contar, logo depois, lógico. - ri.
- Ah, claro! - bagunço seus cabelos e olho pro relógio.
Rodolfo vai começar a gritar meu nome daqui a quinze segundos
- Melhor a gente voltar. - aponto - Quer ir assistir um filme
comigo depois daqui?
- Não. - resmunga.
- Eu prometo que não passo a mão em você, nem fico de
cueca. - provoco.
- De jeito nenhum.
- Lala, você entende que é a única amiga que eu tenho
nessa cidade, não é?
- Spence. - ela respira fundo - Eu te adoro, mas esses
filmes que você gosta são uma merda.
- O que tem de errado com os filmes que eu gosto? - eu a
sigo através da porta de metal.
- O último foi duas horas de cinema mudo, seu idiota. -
faz uma careta imensa.
- É um documentário sobre bruxaria que foi banido e
censurado em uma porção de países! Você é feminista, achei
que ia gostar!
Ela se vira pra mim, irritada:
- Duas horas. Cinema mudo. Acho que eu preferia se você
tivesse ficado de cueca e passado a mão em mim.
- Isso foi um convite? - pisco o olho - Porque você fica
muito gostosa nesse avental fodido.
- Nojento. - ela rosna, mas me dá um beijo rápido na
bochecha antes de voltar ao trabalho.
E eu gostaria muito de dizer que o dia melhorou depois
disso.
Mas seria mentira.

***************

A Alice tem algo fácil a seu favor: É quase GARANTIDO que


ela abandonou tudo mas vai ganhar um amor verdadeiro. E o
cara é um Lord! Eu acho. Condes são chamados de "lord"
também? Ou só "conde"? Preciso ler uns romances de época de
vez em quando, pra tirar essa dúvida.
O fato é que a Alice deixou pra trás tudo que conhecia,
mas vai casar com um cara rico que ela ama. Ainda não cheguei
nessa parte… ainda não cheguei sequer na parte que eles
transam. Mas o Lord Conde de Lancaster acabou de agarrá-la
para um beijo que descreveu como "transcendental" e, veja
bem, caras não descrevem qualquer coisa como transcendental.
Fonte: eu sou um cara.
E aí temos eu. Se eu abandonar tudo, eu ganho o quê?
Se eu descobrir que abandonei a segurança da minha casa e
da minha família na expectativa de um emprego que nunca vai
acontecer, eu ganho o quê?
Se eu finalmente aceitar que, na real, eu nunca quis ser
modelo ou ator, e só enfiei isso na cabeça porque me parecia
fácil e eu nunca tive muitas capacidades ou talentos para
fazer qualquer outra coisa além de "ser o cara bonito", eu
ganho o quê?
Eu não fazia ideia que essas carreiras eram tão difíceis.
Nunca fui inteligente, mas hoje me sinto especialmente
idiota.
"Destino" é uma mulher gostosa que queria me comer, mas
tudo que fez foi me dar um orgasmo meia boca e uma DST.
Meu celular vibra no bolso da calça assim que aperto o
botão do elevador velho no meu prédio.
Duas mensagens não lidas.
Rodolfo querendo que eu faça mais algumas horas extras,
sem qualquer intenção de me pagar por elas.
Anna pedindo desculpas, de novo.
Respondo para o primeiro que tudo bem e para a segunda
que não se preocupe, porque não quero me indispor com nenhum
dos dois.
Entrar em casa é um alívio. Me jogar no sofá é um sinal
de derrota.
Fecho os olhos, enfiando-me nas almofadas, e não tenho
qualquer intenção de me mover até a fome me derrotar.
- Dia longo? - Eric está na cozinha americana, servindo-
se de algum coisa.
Eu emito um rosnado grave.
- Imaginei. - ele ri - Daqui a pouco aparece alguma
coisa, cara. Se fosse fácil, todo mundo fazia. Você só
precisa persistir.
Abro um olho e o vejo erguendo os polegares.
Está vestido para um encontro.
No começo, eu achei que ele tinha alguma namorada rica
que mantinha seu estoque interminável de roupas de marca e
presentes caros. Mas, os carros que vinham buscá-lo eram
diferentes, o que significa que ou ele tinha pelo menos
quatro mulheres, ou sua namorada era dona de uma
concessionária.
Laurie estava certa: A teoria da prostituição fazia
bastante sentido.
- Vai sair? - pergunto.
- Hm. - confirma, com um menear breve da cabeça.
Encontro de negócios.
O Eric tem dois tipos de encontros.
Os normais: ele se veste de seu jeito de sempre. Traz a
garota de volta pro quarto ou passa a noite fora. E não
consegue calar a boca sobre todos os pequenos detalhes, mesmo
que eu não tenha feito qualquer pergunta.
Os de negócios: ele se veste bem. Nunca volta pra casa
acompanhado e pode até chegar muito tarde, mas nunca passa a
noite fora. Nunca diz qualquer coisa sobre onde esteve mesmo
que eu tente perguntar. Ah! E ele sempre volta com algo novo.
Uma paletó de marca, um relógio que vale mais que meus
últimos dois salários, ingressos pra um jogo de basquete.
Tento não me meter em seus assuntos, mas cada vez que eu
tenho que ficar de cueca ouvindo uma recusa cheia de desdém,
me pergunto se talvez o caminho de Eric não seja o mais
inteligente.
Mordo a parte interna da minha bochecha enquanto ele
verifica o celular.
- Tenho que sair. - avisa - Ei, antes que eu esqueça.
Pode ficar com meu computador antigo, se quiser. - ele aponta
para o aparelho sobre o balcão da cozinha americana, e eu
percebo que tem dois laptops ali.
- O quê? - sento de volta no sofá, enfiando os pés no
chão.
- Você não disse que o seu quebrou? Pode ficar com o meu
antigo.
- Antigo? Você comprou um novo?
Ele inspira fundo como se fosse dizer algo, mas apenas dá
de ombros.
Eu aceno e ele se despede verificando as horas e
murmurando algo sobre estar atrasado.
Fico deitado no sofá encarando os dois laptops sobre o
balcão.
O velho dele, que agora é meu.
O novo que ele ganhou… como?
Parece que "fome" não era a única capaz de me tirar do
sofá.
"Curiosidade" é uma concorrente do mesmo nível.
Inspeciono as duas peças e EU JURO que não estava
bisbilhotando… mas assim que encostei no laptop dele para
tirá-lo do caminho, a tela acendeu.
O site aberto em seu navegador tinha um design clean e
elegante em tons escuros.
Passo a língua no lábio inferior e arrisco um toque no
mouse apenas para…
A porta se abre e Eric dá de cara com uma cena que não dá
pra explicar, não é mesmo? Porque eu to mexendo na porra do
computador dele quando ele acabou de me dar um de presente.
- Ahm… eu só estava tirando do caminho.
Eric fica mudo por um instante.
- Esqueci meu casaco. - murmura apenas e, por um segundo,
acho que ele vai ignorar o que aconteceu.
- Eu não estava mexendo nas suas coisas, cara, eu juro! -
aviso sem saber quanto daquilo é verdade - Só fui tirar o
computador do caminho, bati a mão no mouse, a tela acendeu e…
- Tudo bem, Spence. - promete - Eu estou atrasado. Não
estressa.
- Tem certeza? Porque olha… eu não me incomodo se você se
prostitui. Cada um faz o que…
- O quê? - ele para ainda na porta e olha pra mim. Dessa
vez tem um pouco de sorriso no seu rosto e eu não me sinto
tão mal.
Deixo a boca aberta por um segundo antes de decidir dizer
algo.
- Não é isso que você faz? Se prostitui? Por isso todas
as mulheres e presentes caros?
Eric ri e passa a mão nos cabelos antes de fechar a porta
de casa.
Encara-me por um longo segundo.
- É um site. - sorri.
- Um site?
- Eles tem um aplicativo também. Acho que você pode
chamar de "rede social", se quiser.
- De prostituição?
- Não! Dá pra você desistir da coisa da prostituição? -
engole em seco - Não é exatamente isso.
- E como é, exatamente?
Ele ri sozinho e deixa os ombros caírem.
- Você já quis ir em algum lugar, ou fazer alguma coisa,
mas desistiu porque sabia que não tinha dinheiro?
- Você sabe que sim. Que tipo de pergunta é essa?
- E se eu te dissesse que você pode fazer isso tudo:
pode… - ele hesita por um segundo, procurando exemplos - ir a
uma ópera, ou jantar em um restaurante super caro. Pode ir
passar a semana em Paris. Com tudo pago. - avisa - E para ter
isso tudo, só o que precisaria fazer é servir de companhia
para alguém?
- Isso parece um bocado com prostituição. - abro os olhos
e ele ri antes de sentar na cadeira a minha frente,
verificando o relógio para verificar o quanto vai se atrasar.
- Spencer, não é sexo. Você não precisa transar com essas
mulheres, a maior parte delas sequer espera isso. Você não
precisa beijá-las, não precisa de nenhum tipo de intimidade.
Só precisa…
- Sentar com ela e jantar?
- Basicamente. - dá de ombros - E conversar.
- E elas pagam a conta e te enchem de presente só por
isso?
- Spence. Essas mulheres são viciadas em trabalho, são
muito ocupadas e não têm tempo pra relacionamentos. Ou talvez
tenham um casamento frustrado e não querem a complicação. Ou
não são tradicionalmente bonitas e não conseguiriam arranjar
alguém do jeito normal. Mas são solitárias. E ricas. O mesmo
vale para os homens ricos, mas eu imagino que não seja seu
público alvo?
Eu assinto, mas ainda não sei se estou certo do que ele
está sugerindo.
- É uma soma simples, cara. Elas são ricas e solitárias,
e não se incomodam de suprir alguns luxos em troca de
companhia. Você é o cara jovem, bonito e simpático que não se
incomoda em acompanhá-las em troca de algum luxo. Só isso.
- E elas te dão… - gesticulo - computadores e máquinas de
café?
- Varia. - ele dá de ombros - Os presentes que você
recebe depende de quão rica ela é e do nível de intimidade
entre vocês. Se você começa a sair muito com uma mesma mulher
e vocês têm química, ela gosta de você e te dá presentes
melhores.
- Química?
- É muito fácil de fingir, Spence. Basta dizer como elas
são lindas e como você gosta da sua companhia. Como é
divertido e prazeroso pra você e blá blá blá.
Torço o nariz.
- Você mente pra essas mulheres pra ganhar coisas?
- Eu não minto. Todas elas sabem que não são exclusivas.
Mas eu faço com que todas se sintam especiais. E aí elas me
dão computadores e máquinas de café. E você é um cara
charmoso, Spence. Você é boa companhia, tem esse sotaque
sulista e um par de covinhas, tem muitas mulheres naquele
site que te dariam montanhas de computadores por algumas
horas da sua semana. Pensa nisso.
Mordo meu lábio inferior.
Não parece uma ideia ruim.
Mas também não parece uma ideia boa.
Ele verifica as horas pela milésima vez e adianta-se para
o computador sobre o balcão, que era dele e agora - parece -
é meu. Digita algo no navegador antes de me entregar o
aparelho.
- Faz um perfil enquanto você decide. Eles normalmente
demoram algumas semanas para autorizar novos usuários.
- Semanas?
- Pois é. - acena diante de minha surpresa - Eles são bem
cuidadosos com quem eles deixam entrar no site. Um amigo meu
foi recusado três vezes, antes de conseguir. Soa nojento, mas
eu acho que o segredo são as fotos: eu juro, parece que os
analistas dão prioridade para os candidatos mais bonitos.
- Quanto tempo levou pra você?
- Uma semana. - ele pisca um olho - Faz o perfil,
Spencer! Depois você decide se vai usar ou não.
Ele vai embora, apressado, deixando a porta bater atrás
de si.
O laptop em meu colo está aceso. A tela brilhando no
mesmo site clean em tons escuros que vi em seu laptop.
No topo da tela, letras elegantes anunciam: Sugar Love.

***************
O cheiro do café automaticamente preparado já encheu o ar
quando eu saio do quarto na manhã seguinte.
Eric ainda está com o cabelo molhado do banho e eu não
sei como ele conseguiu acordar tão cedo. Eu caí no sono antes
de ouvi-lo chegar.
- Fez o perfil? - ele diz, com um sorriso imenso, antes
mesmo de desejar "bom dia".
- Fiz. - resmungo - Ainda não sei se vou usar.
- Vai usar. - cantarola.
- Como você sabe?
- Sabe o que eu ganhei ontem?
- Outro computador? Pro novo ter um amigo?
- Um carro. - pisca um olho.
- Filho da puta! Mentira!
- Calma. Não é uma Ferrari, nem nada assim. É um modelo
simples, não foi uma fortuna.
- Mas é um carro!
- É um carro! - ele ri, oferecendo o punho fechado em
cumprimento - Esse site é a melhor coisa que já aconteceu na
minha vida! - ri - Tudo bem que eu preciso sair com umas seis
mulheres diferentes para conseguir manter um fluxo bom de
lucros, mas vale a pena!
- Seis?
Ele ergue um ombro.
- Se você conseguir uma muito rica, pode se aposentar só
com ela. Mas é raro.
Pesco o laptop sobre a mesa de cabeceira.
Foda-se.
- Abre o seu perfil. - peço - Me mostra como funcion…
Um email.
Confirmação de cadastro.
- Dá aqui e eu te mostro. - Eric pede.
Mas eu já abri um sorriso imenso.
Depois de um mês inteiro sendo recusado pela indústria da
Moda, é uma delícia saber que alguém, em algum lugar, ainda
me acha satisfatório.
- Não precisa. - dessa vez, sou eu quem pisca um olho -
Meu perfil foi autorizado.
- O quê? - o sorriso desaparece do rosto do Eric - Em um
dia? Impossível! - ele vem sentar ao meu lado e puxa o
computador porque quer ter certeza.
- Menos de um dia, na verdade. - lembro.
- Vai se foder! - ele ri, encarando o email com o link de
confirmação.
- Tá e o que eu faço agora? - tento pegar o laptop de
volta, mas Eric está se divertindo com minha virgindade.
- Agora você pesquisa mulheres por interesses. Se você
quer causar uma boa impressão, a conversa no primeiro
encontro precisa ser boa. Ter interesses em comum é o melhor
jeito de garantir isso. Essa aqui é a barra de pesquisa. -
ele aponta.
- E eu mando mensagens pra todas?
- Bem, tem dois jeitos de entrar em contato com elas. Vou
te mostrar. - ele faz uma pesquisa genérica e abre o perfil
de uma Anna. Ela se descreve como "dona de um pequeno
hospital veterinário e uma invejável coleção de LP's". Exibe
um sorriso imenso em sua foto de perfil e parece ter quase
cinquenta anos. - Está vendo esse coração aqui? - aponta para
o ícone bem ao lado do nome dela - Se você clicar nesse
ícone, ela recebe uma notificação de que você "gostou" dela.
E aí ela pode ir no seu perfil e, caso ela se interesse, pode
te mandar uma mensagem. Esse é o jeito mais educado e
discreto de entrar em contato com alguém. É como piscar o
olho e sorrir para alguém do outro lado do bar. Mas presta
atenção! Nem sempre as mulheres gostam de iniciar o contato.
Às vezes, você vai dizer que "gostou" de uma delas, e elas
apenas vão marcar o coração de volta, para dizer que também
"gostaram" de você.
- Aí eu posso mandar uma mensagem?
- Exato.
- E o que é isso aqui? - aponto para um medalhão prateado
do lado do nome da Anna.
- Ah! Isso é quanto ela ganha por ano. Não é obrigatório
deixar essa informação disponível, mas muitas delas deixam.
Do mesmo jeito que não é obrigatório colocar foto sem camisa,
mas se você colocar, a chance de alguém te escolher é bem
maior, entendeu?
- Entendi. - Eric ri da minha careta. Acho que eu ainda
sou muito "garoto do interior" para esse tipo de interação.
Mas eu fui aceito no site, o Eric ganhou um carro e minha
vida é uma merda.
Então… foda-se.
- E o prata significa que ela ganha quanto? - pergunto.
- Bronze significa que a pessoa ganha até cem mil dólares
por ano. Prata, até 250 mil. Ouro, até 500 mil. Platina, até
um milhão. E os unicórnios são os que ganham mais de um
milhão de dólares por ano. Minha recomendação é tentar focar
no Ouro. São ótimos presentes, viagens e não são tão difíceis
quanto as Platinas.
- Calma, calma, calma. - eu estou rindo porque ainda
estou pensando em algo que ele disse antes - Unicórnios?
- É! - ri - É como a comunidade chama os bilionários
raros e míticos. - exagera - Ninguém consegue um unicórnio. A
etiqueta manda que você "goste" de todas elas e mande uma
mensagem, só porque "nunca se sabe". Elas escolhem quem
quiserem e dificilmente é um de nós. Mas… - ele realiza a
busca pela categoria "Diamante", que deve ser o nome oficial
dos "unicórnios", e encontra apenas cinco resultados em Nova
York. Ele clica nos corações de todas e envia uma mensagem de
"oi, linda" para cada uma.
- "Oi, linda"? - reclamo - Sério?
- Não estressa, elas não vão responder.
- Claro que não… você disse "oi, linda". Quem responderia
uma mensagem assim?
Eric dá dois tapinhas no meu ombro e me devolve o laptop
para que eu siga fazendo minhas próprias buscas.
- Bem vindo, irmão. - sua gargalhada vibra o sofá quando
percebe que, assim como ele, eu também vou descer pelo buraco
do coelho.

***************

O buraco é um lixo e o coelho deveria encontrar outro


lugar pra morar.
COMO o Eric consegue fazer isso toda semana, há tanto
tempo?
Nos últimos quatro dias, eu saí com quatro mulheres e
tive quatro vontades de cancelar o meu perfil e não voltar
àquele site nunca mais.
- Por que, Spencer? Por quê? - meu chef implora, com seu
sotaque forte.
Fecho os olhos e mordo meu lábio inferior.
É só um pedaço de alho, mas o Rodolfo age como se eu
estivesse assassinando sua irmã.
- Por que corta tudo assim, han? Por que não tem respeito
com a comida? Precisa ter respeito com a comida. Minha avó,
que Deus a tenha, morreria de novo se visse o que está
fazendo com a receita dela.
Ele toma a faca da minha mão porque, aparentemente, eu
não sei cortar um alho.
Também não sei atuar.
Não sirvo pra modelo.
Nunca tive boas notas.
Não fui pra universidade.
Nova York está fodendo minha auto estima.
Talvez eu devesse largar tudo e ir pra Inglaterra
arranjar alguma condessa.
Mas até lá, eu preciso assistir meu chef cortando um
alho.
Culinária pode ser arte. Mas na cozinha do Rodolfo é uma
ciência exata. Você faz tudo exatamente como a avó dele
fazia, ou está tudo errado. Eu não reclamo, mas dificilmente
diria que é o tipo de trabalho que me inspira.
Ou talvez eu esteja ficando arrogante depois da porção de
restaurantes chiques que conheci no último fim de semana.
"Chiques" não… "Premiados com estrelas do Michelin" é a
definição correta.
Michelin é provavelmente o guia turístico mais famoso da
história. Anualmente, ele premia os melhores restaurantes do
mundo com suas preciosas estrelas. Basta receber uma delas
para garantir que os preços no menu serão exorbitantes e
inacessíveis. Acho que eu deveria agradecer o Sugar Love já
que, sem ele, eu nunca teria conhecido um desses.
"Conhecido" entre aspas. Porque ou estive muito nervoso
ou muito entediado para aproveitar. Os restaurantes de luxo
que prometiam experiências gastronômicas acabaram sendo uma
porção de comidas que eu enfiei na boca, depressa, esperando
que a noite acabasse logo. Na maior parte das vezes, sequer
pude escolher o que queria comer. Ou seja… bem divertido.
- Está com fome, Spence? - Laurie me encara com um meio
sorriso que significa que ela provavelmente estava querendo
dizer algo além do que dizia.
- Não, eu to legal. - observo sua indiscrição enquanto
lavo as panelas do turno, deixando tudo preparado para o
pessoal da noite.
- Certeza? Porque você tá encarando a Vanessa como se
quisesse cobrir ela de chocolate e comer.
O peso da vergonha.
A expressão deveria significar algo abstrato, mas não é:
é literal.
Meus ombros se curvam, minha cabeça abaixa.
Vergonha pesa.
- Ai meu Deus! - ela se aproxima - Você está a fim da
Vanessa? Spencer, eu vou te matar! Vou te bater! Aliás, vou
te matar e depois vou te bater!
- Não acho que essa ordem daria certo…
Ela bate em mim com uma colher de madeira.
- Ai! - esfrego meu braço.
- Nossa amizade acaba no instante que você encostar nela,
me ouviu?
- Eu não to a fim da Vanessa. - tomo a colher da sua mão
antes que ela me acerte de novo - É só que eu… - engulo em
seco.
- Spencer, eu te conhecia há um dia quando disse que te
achava gostoso. E você tá com vergonha de me dizer o quê?
- Eu tenho saídos com essas mulheres do site nos últimos
dias, então… Faz uma semana que eu não transo.
Laurie ergue uma sobrancelha, divertindo-se.
- E isso pra você é tipo… uma eternidade?
- A última vez que eu passei tanto tempo assim sem sexo,
eu era virgem.- exagero.
- Caralho, Spencer! Uma semana é o seu máximo? Sério?
- Minha experiência faz você me achar ainda mais gostoso,
não é? - provoco, arrogante.
- Bem o oposto, na verdade. - ela torce o nariz - Um
homem que não aguenta duas semanas na seca sem começar a
desejar crias de satanás tipo a Vanessa… sua fraqueza é bem
brochante.
Na verdade, eu estou exagerando.
Eu aguentaria mais tempo sem sexo. Já aguentei mais tempo
sem sexo.
Mas sabe aquela frase que diz "faça o que você faz bem"?
Pois é.
Eu não sei atuar.
Eu não sirvo pra modelo.
Eu não sei cortar um alho.
Mas nu em cima de uma mulher eu sou glorioso e, pelo
menos isso, esse caralho dessa cidade não vai tirar de mim.
Sexo tem sido um escape quando todo o resto dá errado.
Então, me perdoe se eu pareço um adolescente virgem
quando digo isso mas: eu preciso de sexo.
É a única coisa que tem me salvado.
O problema é que, ultimamente, eu sinto como se nem isso
eu estivesse fazendo bem.
Sexo tem a ver com confiança.
Ou pelo menos bom sexo.
Por que você acha que a maioria desses livros safados tem
protagonistas poderosos, ricos e seguros que sabem exatamente
o que estão fazendo?
Porque o Spencer gostoso com um emprego de merda sem
saber o que está fazendo com a própria vida dificilmente é
erótico para a maioria das mulheres.
Merda… Ultimamente o Spencer idiota sequer é erótico para
o próprio Spencer.
A Alice não teria chupado o Lord Conde se ele não tivesse
certeza que queria ela de joelhos ali no meio da padaria. Ou
talvez tenha sido uma "pradaria". Não sei, eu li essa parte
meio depressa.
O fato é que minha hesitação tem atrapalhado minha libido
e minha confiança em minha performance na cama. Eu sinto
muita falta de uma mulher que me olhe com uma fome
inquestionável e é por isso que eu tenho medo de acabar
comendo a Vanessa.
Visto meu casaco depois de guardar as últimas panelas e a
sigo para a saída.
Vanessa ainda está limpando algumas mesas, ela vai ficar
para o segundo turno e está usando uma porra de um short
curto que faz meu sangue ferver.
Ao contrário de minha amiga, Vanessa é boa de um jeito
bem evidente.
Um beliscão forte em minhas costelas.
- Olhos pra frente, Spencer.
- Sim, senhora. - engulo em seco.
- Com quem é o encontro hoje? - ela pergunta quando
caminhamos juntos para o metrô.
- A Platina. - aceno - Tricia.
- Hm. A desagradável que acha que é sua dona porque tem
um monte de dinheiro?
- A própria. Eu juro, quanto mais ricas essas mulheres
são, piores elas ficam.
- A Ouro foi a que você mais gostou até agora, não foi?
Ou ela é Platina também?
- Ouro.
- Sua vida sexual me deixa muito confusa.
- Não tenho vida sexual.
- É verdade. - ela ri - Mas resume pra mim de novo. Foram
quatro encontros?
- Três Platinas e uma Ouro.
- E o Eric já está morrendo porque você conseguiu mais
platinas em um mês do que ele em um ano?
- Ele não liga.
Lala me encara como se eu não fizesse ideia de como estou
errado.
- Eu tenho uma pergunta. Se essa "Tricia" foi a que você
mais detestou, por que vai sair com ela de novo?
Fico em silêncio sentindo a porra da vergonha pesando em
todos os lugares.
Laurie entende com um aceno veemente:
- Ela te dá os melhores presentes. Spencer, acho que vou
voltar no Mangiare pra pegar a colher porque você merece
outra surra! Você SABE que ela só te deu aqueles presentes
porque queria te levar pra cama. E ao invés de cortar o mal
pela raiz você vai lhe dar exatamente o que quer?
- Não vou pra cama com ela.
- Você tá sem sexo há uma semana! Você iria pra cama com
a Vanessa.
- Ela tava bem gostosa com aquele short hoje… - fecho os
olhos.
- SPENCER! - ela não precisa da colher. Me enche de
murros. Forte como um bebê elefante - Você acha certo isso de
comer qualquer uma só porque passou sete dias sem mulher
nenhuma? - seus gritos atraíram a atenção de transeuntes - E
vocês estão olhando o quê? Perderam algo na minha roupa? -
grita com os estranhos.
- Lala, por favor não grite com desconhecidos.
- Meu bem, eu sou nova-iorquina, eu grito com quem eu
quiser. - mas suas bochechas estão vermelhas de vergonha.
Lala é uma contradição humana - Aqui não é Ocean Springs,
Mississipi. Se você não quiser que gritem com você, não se
meta nos assuntos alheios.
2. Facas e estrelas
Tatiana

Ainda bem que eu investi no Sugar Love antes de vê-lo


funcionando… Porque se eu tivesse lido o modo como alguns
desses caras se descrevem antes de assinar o contrato, a
ideia da Pamela nunca teria saído do papel e essa é a
verdade.
Escuta isso:

Aaron Mckinney. 21 anos.


Sobre você: Sou jovem, mas tenho jeito e porte de homem.
O que está buscando: Roupas caras.
Aaron incluiu muitas fotos, e eu te prometo: ele não tem
jeito nem porte de homem. Parece um jovem mal saído da
adolescência.

Lucas Valby. 24 anos.


Sobre você: (Não preenchido. Sério, Lucas? Não conseguiu
formular nem uma única frase completa?)
O que está buscando: Passar uma noite em Paris. Você vai
adorar.
Já sentiu seus olhos revirarem com tanta força que eles
se enfiam na nuca e seguem girando até voltar pra frente só
pra ter o gosto de se enfiar na nuca de novo?

August Woods. 47 anos.


Sobre você: Modelo publicitário, atlético. Sei como guiar
uma conversa e manter uma dama entretida.
O que está buscando: Um valor mensal para que eu possa
investir como preferir. Mas uns presentinhos também são bons,
não é? Haha. Procuro uma mulher que cuide de mim.
Eu não quero soar baixa, mas pelas fotos do August, eu
duvido que ele seja modelo.

Taylor Becker. 25 anos.


Sobre você: Cantor.
O que está buscando: Alguém para cobrir os custos da
gravação do meu primeiro álbum, dois assistentes, equipe de
Relações Públicas e agência de marketing. Contrato assinado
para que você tenha direito a um quinto dos meus lucros no
primeiro ano.
É O QUÊ, Taylor?

Dennis Crest. 21 anos.


Sobre você: Gosto de mulheres mais velhas.
O que está buscando: Mulheres mais velhas.
Gosto do Dennis porque ele é um cara simples. Objetivo.

Brian Highton. 28 anos.


Sobre você: Vai precisar perguntar para descobrir.
O que está buscando: Uma mulher que não seja pão-duro.
Fecho o laptop.

Quando Pamela sussurrou que eu deveria fazer um perfil no


site naquela noite no Bemelman's Bar, a ideia me pareceu
péssima.
Mas eu encontrei o Marcus no dia seguinte e…
Eu não posso ser leiloada, você me entende, não é?
E, definitivamente, não posso ser leiloada para o Marcus.
E aí eu fiz o perfil no inferno do Sugar Love e agora
estou aqui, sozinha em minha casa, refletindo sobre que tipo
de insanidade me atacou para que eu tivesse realmente feito
aquilo.
Foram três encontros que deveriam ter sido "nenhum".
O primeiro não estava exatamente interessado em me fazer
companhia, queria apenas usar nosso jantar como tempo livre
para vender suas ideias e tentar me convencer a investir em
suas empresas. Suas ideias eras estúpidas, os investimentos
eram péssimos. Não pretendo entrar em contato com ele de novo
e, pelo modo como pareceu decepcionado com minha reação à
suas apresentações, suspeito que, mesmo que eu mandasse a
mensagem, ela não seria respondida.
O segundo fez um esforço homérico para deixar muito claro
que estava perfeitamente acostumado a todos os luxos que eu
poderia oferecer. Disse que já conhecia o restaurante e
chamou o garçom para mudar meu pedido para algo que "eu
gostaria mais" (não gostei mais), chamou atenção do maitre
porque o vinho foi servido do jeito errado (não foi) e
criticou a ópera que assistimos porque a história original
não era daquele jeito (era sim). Quando ele tentou me
explicar pela terceira vez porque eu estava investindo meu
dinheiro do jeito errado, tive vontade de lembrá-lo que
aqueles investimentos errados me renderam milhões. Como eu
tento, ativamente, me manter longe de pessoas que trazem a
tona o pior em mim, preferi esquecer esse também.
O terceiro era um garoto de programa que agia como se
estivesse me fazendo um favor. Foi erótico a ponto de me
constranger. Considerando como ele era lindo, é até
surpreendente que ele tenha conseguido me causar tamanho
desinteresse sexual apesar de suas melhores tentativas.
O site de Pamela se mantinha sobre o princípio da
honestidade: "eu sei o que você quer, você sabe o que eu
posso oferecer". Mas, na prática, era uma bagunça como
qualquer outro site de relacionamentos ou bar de solteiros.
Um monte de mentirosos empilhados, tentando disfarçar os
próprios interesses vis em uma pífia tentativa de torná-los
doces aos olhos do outro. Prometeram-me companhia em troca de
um jantar caro, mas, na verdade, o que queriam era uma
reunião de negócios, fingir que eram alguém que não são, e
sexo. Igual a um encontro normal.
Isso me frustrava porque se eu quisesse alguém pra me
levar pra cama, eu iria para um bar. Sei que não tenho mais
20 anos, mas acho que não seria horrível conseguir alguém e
eu não precisaria pagar 49,90 pra Pamela.
Esfrego os olhos.
Era demais pedir um pouco de honestidade?
Um pouco de vulnerabilidade?
Alguém que parecesse minimamente humano, e não um bloco
gigantesco de músculos e interesses?
Talvez não.
Bruce late exigindo atenção e eu coço suas orelhas
brancas e felpudas.
- Você podia me levar pra jantar, Bruce. - beijo seu
focinho e ele me encara com seus olhos pretos miúdos,
perdidos na imensidão do seu pelo - Porque eu não aguento
mais esses… - respiro fundo, sem encontrar a palavra.
Não aguento mais ficar sozinha.
Não aguento mais depender de Pamela pra tudo.
E, se a última semana serviu para algo, foi para
evidenciar que preciso de afastar de Marcus ou vou magoá-lo.
Bruce late de um jeito sofrido como se espelhasse meu
espírito.
- É, meu amor, eu sei. - faço carinho em seu pelo.
- Quando você começa a conversar com seu cachorro, eu
fico preocupada. - Julia entra no meu escritório munida de
contratos.
- Fique preocupada se eu achar que ele está respondendo.
Esses são da TradeWorks? - aponto para as pastas em suas
mãos.
- Com as modificações que você pediu.
- E você já…
- Verifiquei três vezes. - sorri, sem precisar ouvir o
fim da minha pergunta.
Julia é minha assistente há cinco anos. Mas precisou de
apenas dois meses no trabalho para aprender a ler minha
mente.
É por isso que há dois anos eu a transformei em gerente
executiva, com o maior aumento da História dos Aumentos.
Não vivo sem ela, e ela sabe disso.
- Sem sucesso nos encontros, ainda?
Abro os olhos, confusa.
- Ah, chefe, é claro que eu sei que você tá usando o site
da Madame. - revira os olhos e abre a tela do meu laptop para
ver as opções - Eu controlo sua agenda inteira, esqueceu?
Achou mesmo que eu não ia notar?
Respiro fundo.
De que adianta reclamar?
- Esse aqui é bem bonitinho. Sai com esse. - escolhe e aí
favorita o ser humano.
- JULIA! - eu tomo o laptop de volta - Ainda tem mais
alguma coisa pra mim? - devolvo os contratos assinados.
- Você quer que eu vá embora pra você voltar a falar com
seu cachorro?
Abro e fecho a boca, desprovida de palavras. Meus ombros
caem primeiro e eu murcho na cadeira.
Ela ri e continua:
- Você está fazendo isso porque a Madame mandou? - sequer
tenta disfarçar a careta de nojo - Ela é louca, você sabe
disso, não é?
- Você precisa mesmo chamar a Pamela de "Madame"?
Julia dá de ombros e pisca seus imensos olhos castanhos.
- É como eram chamadas as donas do bordel, na Era de
Ouro. É mais elegante que "cafetina".
- "Era de Ouro"? - ergo as sobrancelhas.
- Por que está seguindo o conselho dela?
Respiro muito fundo.
Daquele jeito que fazemos quando a pretensão é exorcizar
um pensamento ruim.
- Porque dessa vez ela teve um bom argumento.
- Tem algo a ver com o Marcus?
Arregalo os olhos, assustada. Mas Julia apenas acena.
- Você está estranha. Desde a reunião com o escritório de
marketing dele… Ele vai recusar a proposta de ir pra São
Francisco por sua causa, não é? Ele quer ficar aqui por você.
É.
E eu não posso deixar que faça isso.
- E você não sabe se gosta dele o suficiente para que
isso seja uma boa ideia?
Dou de ombros.
A habilidade que Julia tem para ler minha mente
transforma nossos diálogos em interações que dificilmente
precisam de palavras de minha parte.
- Você não é idiota. - murmura com um sorriso quieto -
Você sempre soube que ele era a fim de você. Onze anos é
tempo demais pro cara arrastar uma asa pela mesma mulher.
Entre ele ser melhor amigo do seu falecido marido, a obsessão
de anos - revira os olhos - e o fato de que vai estar
literalmente abrindo mão da carreira por você…
- É responsabilidade demais para colocar em cima de um
relacionamento recém nascido. O que acontece se eu sair com
ele e, no fim, não houver química? Se eu desistir e resolver
que prefiro ficar sozinha?
Julia assente como se eu não precisasse ter concluído a
frase para que ela compreendesse o que eu quero dizer.
- E… - continuo - E como eu sei se isso tudo não é só
solidão, Ju? Será que eu gosto mesmo do Marcus ou será que eu
só estou sentindo falta de ter alguém e ele, por acaso,
estava por perto quando eu senti isso?
- Eu não acho que o Marcus é uma boa ideia pra você,
Tati.
Estou rindo.
- Você e Pamela iriam discordar.
- E não só sobre isso! - rosna - Eu e aquela ali temos
NADA em comum. Você precisa sair, Tati. A queda foi feia, mas
você precisa subir de volta no cavalo. Se, pra mais nada,
pelo menos pra ver como se sente.
- Mas eu tenho feito isso! - aponto para o site - É
justamente isso que tenho feito!
- Tatiana, você pediu pra Lucille te ligar no meio de
cada um desses encontros para você poder fingir que tinha uma
desculpa, caso quisesse sair! Não passou mais de meia hora
com nenhum desses caras!
- Eu…
- Olha, eu detesto o site da Madame mais que qualquer
outra pessoa. Mas… se já começou, vai até o fim.
- Acha que eu devia dar mais uma chance pro Sugar Love?
- Acho que, do jeito que você é técnica e tímida,
internet é o melhor jeito pra você conhecer um cara novo e eu
tenho muita pena do que ia acontecer com você no Tinder.
Então… é: usa o site da Madame mesmo. É o jeito.
- Não acha que eu conseguiria usar o Tinder?
- Acho que você é carne fresca e ia ser comida mal
passada antes de perceber o que aconteceu. Você não tem
maturidade pro Tinder, Tatiana. Confia em mim.
Ela abre os olhos e eu acredito.
Shakespeare diria "Uma vez mais para a brecha, queridos
amigos", eu digo "foda-se". Duas expressões que, se não derem
no mesmo, dão em algo muito parecido. E um valor aproximado,
nesse equação específica, é tão bom quanto um absoluto.
Encaro meu cachorro.
Ela me encara de volta.
Respiro fundo e pego o laptop de volta.
Certo.
Última chance.

***************
Spencer

Tricia ri alto.
A mulher é levemente atraente, sim. Mas é tão
estupidamente irritante que eu me pego girando a faca em meus
dedos, considerando quão fundo eu preciso enfiá-la em meu
olho para justificar uma ida ao hospital sem me matar.
- As únicas entradas são caviar e escargot. Oh, Spencer,
você não tem o hábito de comer nenhum dos dois, não é? - ela
sequer espera minha resposta - O chef pode alterar a entrada
dele pela sopa? Depois, ele vai querer a salada. E o salmão.
- eu abaixo o cardápio, enquanto ela segue dando ordens ao
garçom - E vai parear com os vinhos sugeridos pela casa. E
nenhum de nós dois vai comer a sobremesa. Você não pode
prejudicar seu físico, não é, lindo? - ela pisca um olho,
atrevida, e eu preciso meditar em busca da paz interior para
conseguir sorrir. O garçom se vai e ela segue falando
praticamente sozinha, já que não precisa de interlocutor -
Esses restaurantes premiados com estrelas do Guia Michelin
são caríssimos, Spencer, você tem muita sorte de poder ver um
desses. - sussurra como se fosse um segredo.
É um jogo de poder para Tricia.
Ela gosta de ter muito dinheiro e de saber que eu… bem…
não tenho.
Lala definiu bem: É como se, pra ela, isso significasse
que eu sou sua posse.
Ela está pagando por mim, logo sou dela.
É
É nojento.
Faz eu me sentir sujo.
- Quando você tem muito dinheiro, é claro que não faz
mais diferença. Michelin, McDonalds… o preço dá no mesmo. A
qualidade é que é a diferença. Depois que você come em um
três estrelas do Michelin, nada mais serve. A não ser,
talvez, um quatro estrelas, lógico! - ri.
Eu sorrio e aceno.
Talvez eu devesse fazer o que Eric sugeriu e mentir:
fingir que já fui em muitos restaurantes como aquele e
melhores. Se, para mais nada, apenas para tentar fazê-la
calar a boca.
Mas eu não minto bem quando estou em paz e menos ainda
quando me sinto intimidado.
E este último é o exato caso: os talheres me intimidam, o
salão imenso, os olhares dos garçons.
Não estou no meu ambiente, então é melhor deixar Tricia
falar o que quiser. Dentro d'água, não se aposta corrida
contra o tubarão.
Mas a cada novo prato, um novo golpe. Ou o ego dela é
muito frágil ou muito grande. Seja como for, ela segue
fazendo comentários cruéis para diminuir minha auto estima
até estilhaça-la. Suspeito que, em parte, ela esteja fazendo
isso para que eu escute seu convite para segui-la até sua
casa - e sua cama, sem dúvida - como o maior dos elogios: Eu
sou rica, bem sucedida e maravilhosa, e quem é você, Spencer?
É uma honra ser convidado para os meus lençóis.
Foi uma tentativa válida mas, depois de uma semana, eu
comeria até a Vanessa.
Se Tricia quiser me levar para casa, eu vou negar?
Mas o pensamento basta para revoltar meu estômago.
Acho que, no fim das contas, não estou tão desesperado
por sexo quanto pensei.
No lugar da sobremesa, o que ela me dá é um convite para
voltar com ela ao seu apartamento para uma bebida. Eu
preferia a sobremesa.
- Não vai me fazer essa desfeita, de novo, vai? -
murmura, arranhando minha mão com suas unhas longas.
Vai recusar sexo, Spencer?
Respiro fundo.
Ela me encara como se eu fosse um pedaço de carne que
acabou de chegar a mesa no exato ponto que ela pediu.
E aí eu lembro da Alice.
O Conde olha pra ela desse jeito também.
A diferença é que ela gosta.
Interesse faz a atenção ser bem vinda.
Carinho transforma qualquer intensidade em desejo.
Mas eu não tenho interesse por Tricia. Não tenho carinho.
E, sinceramente, não sei se tenho paciência.
Eu sou apenas um produto pra essa mulher. Ela quer
arrancar a embalagem, comer o que tem dentro e jogar o resto
fora.
E eu…
Eu não ligo pra sexo casual, sabe?
Mas, ultimamente…
Eu queria uma Alice.
Tricia conseguiria me deixar duro, mas não conseguiria me
deixar doido.
- Eu sinto muito - decido - mas preciso acordar cedo
amanhã.
- Não vou te manter acordado até muito tarde. - ela pisca
um olho enchendo a palavra de significado. Tem um sorriso
confiante de quem que não está acostumada a receber um "não"
duas vezes. E eu tenho um sorriso desconfortável de quem não
sabe o que fazer com suas investidas.
- Tricia… - peço, com cuidado - Acho que temos intenções
diferentes com esses encontros.
- Ah? - ela desliza a mão para longe da minha. Seu
sorriso confiante desaparece para dar lugar a uma careta
seca.
- Não quis te ofender. - acrescento depressa - Eu só quis
dizer que não estou procurando por…
- Me ofender? - ela ri, depois de beber um gole do seu
vinho, seus olhos carregados de um misto de desdém e pena -
Garotinho, você não conseguiria me ofender nem que se
esforçasse. Sua opinião não significa tanto assim pra mim.
Mas eu estou curiosa para saber: o que você esperava? Ficar
sentado aí comendo uma refeição cara sem precisar dar nada em
troca? Eu deveria deixar você pagar sua própria conta para
aprender como o mundo funciona.
- Tricia, a intenção do site não é ter um relacionamento
físico e…
- Spencer, você é inocente ou idiota? - ela deixa o
queixo cair como se não aceitasse que eu existisse.
Estou atordoado porque é difícil imaginar que alguém
possa ser tão bruto na vida real.
Esse é o tipo de comportamento que eu esperaria de um
vilão de filme infantil, não de uma mulher adulta.
Tricia, no entanto, se importa muito pouco com minhas
expectativas. Tudo que ela sente é a mágoa ao próprio ego.
Dois "nãos" é um a mais do que ela estava disposta a suportar
e, agora, ela pretende deixar isso muito claro. Laurie estava
certa. De novo.
- Sinto muito se não fui a companhia que você esperava,
mas acho que fui claro desde o começo.
- Vai.
- Com licença?
- Vai embora. - ela repete, sem me olhar nos olhos - Eu
não quero mais companhia alguma.
- Tricia…
- Spencer. Ou você sai agora, ou saio eu e aí você vai
ter que pagar a conta. Escolha.
É difícil dizer se em algum outro momento eu me senti tão
pequeno e humilhado como no instante que precisei levantar
daquela mesa.
As palavras que coçavam na minha língua eram "Tá, então
sai você, sua egocêntrica mal educada. Não quero te comer nem
que você me pagasse e eu tenho pena do pobre coitado que um
dia pensar em te beijar, porque você é tão podre que a língua
dele vai necrosar e cair. Vai embora você e eu pago essa
porra".
Infelizmente, no entanto, a "porra" era cara o suficiente
para, naquele instante, valer mais que meu ego.
Deixo o guardanapo sobre a mesa e levanto sem dizer outra
palavra.
Ela não me olha nos olhos e por um milésimo de segundo
quase tenho pena dela.
Sozinha e infeliz. Pagando alguém por uma intimidade que
não conseguiria de outro modo e, mesmo assim, sendo recusada.
Mas então ela rosna alguma grosseria para o garçom e
minha pena passa como se nunca tivesse existido.
Estou com dor de cabeça quando chego de volta na minha
casa.
A sala está escura e quando meu celular toca alto, eu o
atendo antes que acorde Eric.
- Alô?
- Spence?
Esfrego meus olhos ao respirar fundo. Eu realmente não
preciso disso agora.
- Oi, Ann.
- Que bom que atendeu. Desculpe ligar tarde, mas eu
imaginei que seu turno…
- Tudo bem, eu não trabalhei hoje. O que foi? Algum
problema?
- Não. - pausa - Eu só queria… conversar com você.
- O que houve?
- Eu… - eu posso imaginá-la andando pela sala estreita da
casa dos seus pais. Enrolando-se com seu casaco rosa favorito
e apertando as têmporas, tentando tomar coragem para dizer
coisas que não deveriam ser ditas - Spence, se você quiser
voltar pra casa, eu…
- Não tem a ver com você, Ann. Eu já te disse isso: minha
mudança pra Nova York não foi por sua causa.
- Eu sei, mas eu ainda me sinto tão mal pelo que
aconteceu.
— Foi minha culpa, está bem?
- Não, não foi. Não pode se responsabilizar por isso.
- Ann, não importa mais. Não faz diferença. Eu prometo.
Só… esquece isso.
- Tá. - ela ri, sem jeito - Se você diz… Mas e então?
Como está Nova York?
- Ah, maravilha.
- Tão ruim assim?
- Acho que essa cidade me detesta e não tem sequer a
educação de tentar esconder.
Ela ri um pouco.
Sua risada é confortável. Familiar.
- É… difícil. - eu continuo. Familiar. Anna é familiar e
eu me aqueço por dentro - Parece que não importa o tanto que
eu me esforce, é como se eu nunca fosse suficiente. Pra…
nada.
Eu não deveria estar desabafando, não pra ela.
Mas as palavras já foram ditas e eu fecho os olhos, no
escuro, esperando que ela me conforte.
- Talvez você devesse voltar pra casa. - Anna sugere,
devagar, quase como se fingisse estar brincando. Mas nós dois
sabemos que não está. - Você sempre foi suficiente para nós.
Mordo meu lábio e deixo escapar uma risada de escárnio.
Aí está.
- Seu pai ia adorar ter você de volta. - ela continua - A
Sara também sente sua falta! A Liz… a Liz precisa de você,
Spence. E a Abby e… e eu.
Engulo em seco.
- Ann, eu preciso ir.
- Spencer…
- Está tudo bem, de verdade. Eu te perdoo pelo que
aconteceu. Na verdade, eu já esqueci e ia preferir que você
esquecesse também.
- Vai ligar essa semana?
- Diga oi aos seus pais, por mim.
Desligo.
Jogo o celular para longe.
O novo.
Presente da Tricia.
Preciso pegar o velho de volta.
Deito no sofá, deixando o escuro aquietar minha dor de
cabeça.
Ela precisa de mim.
O pai, a Abby, a Liz, a Sara…
Todo mundo precisa de mim.
E eu… estou cansado.
Estou cuidando dos outros desde os meus quinze anos.
Anna não sabe o que está falando.
Sara não sente minha falta, mas sente falta de ter alguém
que vá buscar seu marido no bar pela terceira vez na semana,
sem fazer muitas perguntas ou contar ao papai. Ela precisa
que eu cuide dela, enquanto mamãe cuida dos seus filhos.
Os gêmeos são trabalho em tempo integral.
E é por isso que eu também preciso cuidar do papai, da
mercado, da Liz.
Estou cansado.
Estou cansado de cuidar de todo mundo e ter ninguém
cuidando de mim.
Cansado dessas agências que não me acham bom o bastante.
Cansado do Rodolfo que acha que eu não sei cortar um
alho.
Cansado de não ter planos pra minha vida.
Cansado dessas mulheres desse site idiota que acabam
jogando mais uma mão de terra no fundo do meu poço.
- Ei, cara, ce tá legal?
Eu me viro para encontrar Eric parado no corredor, a luz
atrás dele sugere que as lâmpadas estão acesas no seu quarto.
- Achei que você estava dormindo.
- Não, ainda não. Como foi o encontro?
Um sorriso amarelo e um polegar pra cima antes de me
enterrar de volta no sofá.
- Nossa, sinto muito. - ele compreende - Mas vai
melhorar! Você teve dezenas de convites. - ele soa levemente
incomodado sempre que relembra a quantidade de interesse que
eu recebi em seu querido site - Talvez você devesse focar nas
Ouro, como eu te disse. Essas Platinas são complicadas.
- Não sei, Eric. Acho que isso não é pra mim, sabe? -
abro o aplicativo no celular.
- Sério? Você vai desistir?
- Talvez eu volte, depois. Mas não acho que foi uma boa…
Engasgo.
- Que foi?
- Estranho.
Muito estranho.
Tenho muitas notificações de mensagens recebidas (o que é
comum) e apenas uma marcada como "resposta".
"Resposta" significa que alguma mensagem que eu enviei
foi respondida.
Mas… eu não mandei mensagens.
Mandei?
- O que foi? - ele acende a luz, irritando meus olhos, e
vem sentar ao meu lado.
- Recebi uma resposta… - murmuro. Levo alguns segundos
para me acostumar a claridade antes de ler a troca de
mensagens que começa com "Oi, linda".
Meu coração falha por um segundo.
- Caralho. - Eric reage por mim. E foi o "caralho" mais
sem emoção que eu já ouvi. Não houve exclamação depois
daquela palavra, não houve qualquer entonação. Houve apenas
atordoada descrença. E eu simpatizava com ele porque me
sentia igual - Uma Diamante te respondeu?
- Faz diferença? - murmuro mais uma vez - Eu to querendo
sair disso porque não aguento as Platinas. Já imaginou como
uma Diamante deve ser?
- RICA PRA CACETE!
- Insuportável, cheia de si, egocêntrica… Não preciso
disso, agora, cara.
- Vai se foder, Spencer! - ele tenta tomar meu celular -
Vai se foder pra caralho! Se você não quer, pelo menos diz
pra ela que tem um amigo que vai mudar a vida dela!
- Você acabou de dizer que eu devia desacelerar e tentar
uma Ouro.
- Isso é uma Unicórnio, seu imbecil! Não se recusa uma
Unicórnio! - ele está em pânico. Pânico real. É quase
engraçado de assistir.
- Cara, eu…
- Por mim! Vai por mim! Porque eu nunca vou conseguir uma
mulher dessas e você precisa me representar! Por favor! - ele
junta as mãos e eu concordo antes que ele se coloque de
joelhos.
Encaro o teclado do celular, ainda lendo sua resposta.

Olá.

Só isso.
Só uma palavra.
Três letras.
E Eric está praticamente prostrado de joelhos orando para
alguma divindade de sua escolha.
Tudo isso por causa de uma conta no banco.
Balanço a cabeça.
Que merda.
Eu nunca devia ter entrado nesse site.

Oi

Digito de volta.
O chat sinaliza que a mensagem foi lida e ela está
respondendo.
- Puta merda, ela tá online AGORA! - Eric vai enfartar. É
uma possibilidade real.
- Cara, se acalma. - estou rindo.
O celular vibra.

Você já disse isso =)

- Caralho, Spencer, me dá essa merda! Você vai dizer a


coisa errada! Vai perder essa porra e eu vou te dar uma
surra!
- Shh, quieto. - eu o empurro, dessa vez, mantendo-o
longe do celular.

Verdade. Desculpe, acho que fiquei nervoso =)

- "Fiquei nervoso"? Mas que CACETE, SPENCER! Não diz pra


mulher que você tá "nervoso"! Idiota! Diz que ela só demorou
pra te responder porque não sabe o que está perdendo! Diz que
você é foda e vai deixá-la sem conseguir levantar depois de
uma lambida.
Eu encaro meu amigo empoleirado no sofá:
- Meu Deus, você realmente consegue pegar alguma mulher
com essa merda?
- Mulheres gostam de confiança, Spence. De virilidade e
potência, não de…
Meu celular vibra.

Nervoso?

- Viu! - Eric bate palmas, irritado - Eu não disse? Me dá


aqui esse caralho!

Sou novo por aqui. Não sei exatamente o que dizer.

Tento salvar.
Eric encara a tela do meu celular e desiste.
- Deus não presenteia os comuns com esse tipo de benção.
- resmunga, para si mesmo - Não! Deus escolhe os idiotas para
premiar. E aí os idiotas perdem a oportunidade.
- Você disse que era estranho dizer que eu estava
nervoso! Isso explica! Melhor do que dizer que fiquei nervoso
porque ela é rica!
- Aí você foi de "nervoso" pra "virgem". Ótimo.
- Eu não disse que era virgem. - reviro os olhos.
Mais um aviso do celular.

Bem, deixe eu tentar, então. Você está livre no próximo


sábado a noite? Tem um restaurante que eu gostaria de
conhecer.
- Filho de uma… - Eric choraminga - Tua mãe abriu as
pernas pro céu, porque tu nasceu com a bunda virada pra Lua.
Mas eu ignoro seus comentários poéticos porque há algo
mais importante que os lamentos de meu amigo e eu prefiro
digitar depressa:

Marcado. Qual o endereço?

***************

Puxo a gola alta da camisa e ajeito o blazer.


Eric não me deixou sair de casa com minhas roupas, então
tive que pegar emprestado algumas das dele. O problema é que
meu colega de quarto, apesar de toda sua boa vontade, é
alguns centímetros mais baixo e um pouco mais esguio que eu.
Não é fácil ficar a vontade quando o tecido ao seu redor
parece querer te enforcar.
A recepção do restaurante é estreita, mas é o que eu
esperaria de um lugar de luxo. Luxuosos sofás vermelhos
cravados em uma madeira lustrada de uma cor rosa-creme que
não devia ser natural a madeiras.
O lustre cai a meia altura em uma mosaico de cristais
indiretamente iluminados. Eu me distraio por um instante
porque não tenho certeza se tem lâmpadas dentro daquilo ali
ou se as luzes estão ao seu redor e os cristais apenas…
- Spencer?
A voz feminina às minhas costas é delicada, pronuncia meu
nome hesitante quase como se pedisse desculpas, e eu me viro
para encontrar Tatiana Corso e descobrir que suas fotos de
perfil não lhe fazem justiça.
Isso não significa que é a mulher mais linda que já vi na
vida… mas é mais atraente do que eu esperava.
Sobre seus saltos finos, ela é quase de minha altura. O
cabelo castanho-escuro está amarrado em um rabo-de-cavalo
metódico e apertado, com os poucos cachos largos descendo por
suas costas. As curvas de seu corpo atraem o olhar,
voluptuosas no quadril e no busto, evidentes na blusa de seda
e na saia justa. Os dois primeiros botões estão desfeitos,
exibindo a carne no topo dos seios e o colar discreto com uma
única pérola como pingente.
A mulher é rica.
Isso é perceptível na suas roupas, no seu porte e até
mesmo no perfume.
Uma elegância discreta de quem tem dinheiro suficiente
para escolher e cuidado suficiente para não exagerar.
Não parece ser um dia mais velha que trinta anos, apesar
de anunciar "36" em seu perfil.
- Tatiana? - eu a tomo em um abraço curto, envolvendo sua
cintura, para um beijo rápido em sua bochecha.
Ela cora porque não esperava a intimidade.
- Oh, olá. - atrapalha-se em meus braços e logo se livra
deles.
Meu sorriso é natural e satisfeito. Ainda consigo deixar
algumas mulheres envergonhadas.
- Acho que nossa mesa já está pronta. - ela avisa e nos
conduz, primeiro para a recepcionista, e então pelo salão de
paredes lilás, forrado por um longo tapete escuro e felpudo.
Nossa mesa, preta, brilhante e estreita, aceita apenas duas
pessoas e é ladeada - em um dos lados - por um sofá roxo e
comprido que serve também outras mesas e - do outro - por uma
poltrona larga de moldura escura acolchoada com veludo
branco. O candelabro de cristal flutua pesado sobre todo o
conjunto, com uma iluminação delicada refletindo nas pequenas
pedras decorativas.
A camisa de Eric me incomoda e eu preciso puxá-la para os
lados mais uma vez antes de sentar.
Ela sorri.
Eu sorrio.
É estranho e levemente desconfortável.
Forçado.
Quando você está solteiro em um bar é delicioso encontrar
uma mulher que te interessa e ir até lá descobrir se é
recíproco. Eu sei bem como é: se ela te cativa - seja pela
beleza, pelo olhar, ou até pelo tom de voz - você já chega
nela com um sorriso gostoso rasgado na boca. É genuíno. Como
salivar, com fome, diante de seu prato favorito. É um negócio
que não dá pra impedir.
Tatiana… por mais bonita e elegante que seja, é como um
sanduíche improvisado no fim da noite quando você já bebeu
demais: não é que o pão com queijo seja ruim, mas você não tá
com fome e a cada dentada, teu estômago insiste em te lembrar
que, no fim, aquilo pode acabar sendo uma péssima ideia.
Ainda assim você come, no entanto. Porque bebida de barriga
vazia é pior ainda.
Você come não por gosto.
Mas por necessidade.
Não é natural como a mulher que você encontra em um bar.
Não é uma conversa orgânica entre duas pessoas que demonstram
um interesse imediato.
Eu e Tatiana Corso, sentados naquele restaurante, é um
interesse calculado.
Algo que ela quer.
Algo que eu quero.
E uma tensão imensa para descobrir se vai funcionar.
O garçom entrega a folha branca de papel resistente, com
suas bordas em arabescos dourados e as informações sobre
quais pratos estão disponíveis.
A distração é bem vinda enquanto escolhemos o que comer
mas, assim que o garçom se vai, somos obrigados a encarar
nossa absoluta falta de química.
Não consigo pensar em qualquer assunto para quebrar o
gelo.
Eu sorrio.
Ela sorri.
Merda.
- Então. - arrisco - Você já veio aqui antes?
- Não. - ela diz - Eu acho que te disse isso, quando
trocamos mensagens? Que queria "conhecer" esse lugar.
- Ah! Verdade! - lembro. Bato os dedos na mesa e puxo a
manga do blazer - Você gosta de restaurantes assim?
- Assim? - não entende minha pergunta.
- Premiados pelo Michelin e tudo o mais.
Tatiana estreita os olhos e parece incerta sobre como
responder.
- Ah… Não acho que esse foi premiado.
- Não? - olho ao redor. O lugar é chique pra caralho,
seguindo o ritmo dos meus últimos encontros e considerando a
fortuna que ela tem, imaginei que… - Eu achei que fosse. -
corrijo depressa.
- Não, sinto muito. - ela ainda parece levemente confusa
- Eu deveria ter perguntando antes! Você preferia ter ido a
um…
- Não, não! - interrompo suas desculpas porque a noite já
está desajeitada o suficiente sem que ela precise lembrar do
aspecto financeiro de nosso arranjo - Está ótimo. Eu não
deveria ter suposto. Você gosta… - tento salvar a pergunta -
de restaurantes?
Ela pisca os olhos escuros e não sabe o que fazer comigo.
Somos dois.
Que caralho de pergunta é "você gosta de restaurantes"?
O que eu vou perguntar a seguir? Se ela gosta de correios
ou bancos de praça?
- Ah… gosto. - responde, sem apontar a estranheza de
minha pergunta. A educação de Tatiana é realmente uma coisa
exemplar. Obrigado, viu, meu bem - Sou muito reservada. Acho
que gosto de restaurantes, cinema, teatro… ou ficar em casa.
- brinca.
- Legal! Parece divertido!
- É. - assente, dando um fim a nossa troca curta.
O garçom serve alguns pães com manteiga verde.
Sirvo-me para manter a boca ocupada.
O gosto azedo me atinge imediatamente fazendo-me apertar
os olhos.
Que inferno…?
Tem salsa naquela manteiga. E anchova. Mas o gosto desses
dois é quase absolutamente anulado por algo azedo e poderoso.
Não parece ser apenas limão ou algo mais tradicional. Parece
rumex ou alguma acetosa. E o pão, feito na casa, também é
horrível. A crosta está mole e o interior na melhor das
hipóteses está cru, na pior, foi jogado de qualquer jeito em
um prato ainda molhado.
A expressão no rosto de minha acompanhante é reflexo do
meu.
Mas…
Ela sorri.
Eu sorrio.
Nosso código de honra da noite.
Não importa se o encontro for um pesadelo, o restaurante
pegar fogo e eu precisar espremer a umidade do pão para nos
salvar das chamas: continue sorrindo.
- Então. - volto a tentar - O que gosta de fazer para se
divertir?
Tatiana me encara como se não acreditasse na pergunta
que, para mim, era completamente inocente até ela dizer:
- Restaurantes, cinema, teatro ou…
- Ficar em casa. - percebo que ela acabou de dizer
aquilo. - Sim. Divertido. - repito.
Não estou conseguindo respirar direito. Culpo a camisa de
Eric, mesmo sabendo que o culpado sou eu.
Quero que essa noite acabe.
E acho que ela também.
Ela abre a boca como se fosse tentar guiar a conversa,
mas eu já estava expulsando a próxima pergunta da língua.
- Já esteve em algum restaurante premiado pelo Michelin?
- Já. - ela inclina o rosto, provavelmente confusa em
relação a minha obsessão pelo Michelin. Não posso culpá-la,
estou confuso também.
- Em algum que recebeu duas estrelas?
- Já. - mais uma vez, um modelo de educação, Deus a
abençoe.
- Três estrelas? - continuo levando nossa conversa
deprimente para lugar nenhum.
- Já. - ela sorri, cansada.
Eu engulo em seco porque se já vim até aqui…
- Quatro estrelas?
Ela pausa.
- Ahm… Não acho que existe um quatro estrelas.
Abro os olhos.
- Sério? Em nenhum lugar do mundo?
- Não. Não acho que existe.
- Hm. Estranho. Uma amiga mencionou, uma vez, eu imaginei
que existisse.
- Acho que ela está enganada.
- Talvez seja um novo?
Tatiana está tentando se manter gentil, mas minha
insistência não lhe dá muitas opções.
- Não. Não acho que é possível.
- Bem, vai ser interessante quando alguém conseguir a
quarta! Vai ser impossível conseguir uma reserva.
- Spencer. - ela respira fundo - Eu realmente não acho
que é possível.
Eu ia tentar dizer algo, mas sou interrompido pelo garçom
e a primeira rodada de pratos.
Acho que foi melhor assim.
Eu acabaria dizendo algo estúpido de novo.
Eu só preciso manter minha boca ocupada durante a noite.
Ou com comida ou com assuntos genéricos.
Eu só preciso manter a conversa por algumas horas e não
vai ser tão mal assim. Nem que, pra isso, eu precise citar
minhas receitas ou itens de cozinha: Qualquer coisa é melhor
que silêncio constrangedor.
E quem sabe?
Pode até ser que, no fim da noite, o encontro tenha sido
um sucesso.

***************
Tatiana

O encontro é um desastre.
Estou contando os segundos para a ligação de Lucille me
salvar dessa catástrofe.
Você já assistiu Forrest Gump? Sabe aquela cena em que
Bubba cita TODOS os tipos de pratos que sua mãe sabe fazer
usando camarões? Bubba passa horas, dias, meses, narrando a
longa lista de habilidades culinárias de sua matriarca.
Spencer Reese tem a mesma habilidade de Bubba para puxar
um assunto.
"Conversa" para ele se resume a citar receitas,
ingredientes e, mais que tudo, suas adoradas estrelas do
Michelin.
Quando começou a me explicar como eram os diferentes
tipos de faca que um restaurante utiliza, eu tive vontade de
pegar a que estava ao lado do meu prato e enfiá-la em meus
olhos. Quão fundo eu precisaria enfiar para justificar uma
ida ao hospital sem perder a visão?
Eu e o homem a minha frente temos nada em comum: nenhum
assunto, nenhum interesse, nenhuma opinião.
É apenas uma consequência lógica que tenhamos nenhuma
química.
E a cereja no topo da chacina é a diferença de idade.
Spencer é treze anos mais novo do que eu e, apesar de ter
todo o conjunto físico digno de um homem, eu não consigo
afastar a sensação de que é um moleque. Um jovem adulto mal
saído da adolescência que vai começar a falar sobre seus
truques para pegar mulheres em um bar assim que exaurir sua
lista de nomenclaturas para itens de cozinha.
Mas… Pelo menos ele é gostoso de olhar.
E gostoso é a palavra ideal para definir.
Homens como ele deviam vir com um aviso de cuidado. Uma
placa vermelha com letras garrafais que se chocasse contra
sua cabeça antes dele entrar em seu campo de visão. Porque
aqueles olhos castanhos, o sorriso indecente e o par de
covinhas quase era mais do que eu conseguia suportar sem
perder o decoro.
Respiro fundo.
- … mas é diferente da Santoku. A faca Santoku… -
continua.
E continua.
E continua.
A única diferença entre Spencer e Bubba é que Bubba,
eventualmente, calava a boca.
Gostaria de dizer que ao menos a refeição me distraiu.
Mas a comida daquela porcaria conseguia ser pior que a
palestra de Spencer.
A noite é um desastre absoluto e quando termina, estamos,
eu e ele, aliviados.
Saímos do restaurante mantendo uma distância segura entre
nós, os dois temendo que qualquer contato adicional torne a
noite ainda mais desagradável.
- Precisa de uma carona? - ofereço, assim que vejo minha
motorista parar o carro na entrada do restaurante.
- Não, eu estou de carro. - aponta para o manobrista.
- Oh, eu não…
Não paguei o manobrista dele.
Devo pagar o manobrista dele?
Meu Deus, esses encontros deveriam ser mais simples.
- Não se preocupa. - ele se adianta, lendo meu
constrangimento - Seu carro já chegou. A gente se fala! Você
tem meu número.
Ele me dá outro meio abraço desajeitado e quase implora
pra que eu o deixe sozinho.
Acho que estava mais desesperado que eu para ver a noite
acabar.
Tudo bem.
Aceno e me enfio no banco de trás do carro.
Respiro tão fundo que minha motorista, Lucille, sente
minha dor.
- Muito horrível ou pouco horrível? - ela pergunta, vejo
seu sorriso no espelho retrovisor.
- Acho que batemos um novo recorde hoje, Lu.
Ela ri alto.
Tem acompanhado a série de infortúnios de minha vida
pessoal da primeira fila e tem intimidade suficiente para
dizer:
- O próximo vai ser pior, você sabe, não é?
- Também te amo, Lu. - esfrego os olhos - E você não
ligou!
- A Julia disse que, dessa vez, não era pra…
Eu aceno e peco que ela nem termine a frase.
Maldita Julia.
- Você não está pronta pra encontros. - cantarola - Você
não sabe relaxar! Se fica tensa, nunca consegue se divertir.
- E como uma pessoa aprende a relaxar? - resmungo.
Ela considera por um instante e dá de ombros.
- Talvez você devesse pagar alguém pra isso. Ao invés de
pagar por… sexo. - ri.
- LUCILLE! Não estou pagando por sexo.
- Certo, chefe. - ri baixinho - Se você diz. Direto pra
casa?
- Não. - choramingo - Estou morrendo de fome.
- Fome? - faz uma careta - Mas…
- A comida era horrível! E pouca!
- Nossa. Esse bateu o recorde mesmo.
- Eu te disse!
- Tudo bem. Pra onde então?
- O lugar mais perto que tenha a comida mais rápida.
- Acabamos de passar por um McDonald's.
- Perfeito.
Lucille precisa fazer uma volta que acaba sendo mais
longa do que meu estômago gostaria. Ela oferece o drive-in,
mas eu preciso comer agora.
- Você quer alguma coisa?
- Não, vou esperar no carro. - ela avisa, mostrando o
celular - Estou quase passando de fase. - a tela já está
iluminada no jogo das bolinhas.
Toco no ombro dela e a encaro com intensidade.
- Você está viciada. Isso é doença e você precisa de
ajuda profissional.
- Chefe, a senhora bem que podia fazer uns joguinhos de
celular também, não era? E me dar os códigos pra passar
rápido das fases chatas.
Balanço a cabeça para sua resposta e desço do carro.
O caminho para o balcão está vazio. Não há qualquer fila,
e eu agradeço aos deuses antigos e novos porque minha fome
não aguenta muito mais. Meus pés doem e eu arranco os saltos
no meio do pedido, em algum lugar entre o menu do big mac e a
porção extra de nuggets. Deslizo para o lado, assim que
terminei de pagar e algo em minha visão periférica atrai
minha atenção.
O homem sentado na mesa mais próxima está me encarando
como se questionasse a sanidade dos próprios olhos. Ainda tem
a boca entreaberta e a única batata frita suspensa no ar.
Spencer Reese. Congelado.
Ai, não.
Sorrio e aceno.
Ele engole em seco e devolve minha cortesia antes de
levar a batata esquecida ao destino final. Prende a
respiração e aponta para a cadeira a sua frente, convidando-
me para sentar.
De jeito nenhum.
- Eu pedi para levar. - explico, apontando com o polegar
para o lugar onde, por infernal coincidência, a atendente
terminou de colocar todo o meu pedido em uma bandeja.
Dessa vez, o sorriso de Spencer é envergonhado. Como se
entendesse a rejeição apesar de meus eufemismos.
Derrubo meus ombros.
Não quis ofendê-lo. O encontro foi horroroso, mas ele não
é uma pessoa ruim.
Pego minha bandeja e sento na cadeira que ofereceu.
- Acho que ela não me entendeu quando pedi pra levar. Eu
te faço companhia.
- Não precisa fazer isso, de verdade.
- Tudo bem. - ergo um ombro - Acho que não fui a única a
achar a comida horrível. - brinco.
- Não, não foi.
- Sinto muito.
- Não é culpa sua que o chef não sabe cozinhar.
Sorrimos, sem jeito.
E de volta ao silêncio constrangedor.
Bem… o lado bom é que pelo menos um sanduíche é mais
rápido que uma refeição de seis pratos.
Spencer me observa ao tirar o canudo da boca:
- Você não vai me ligar de novo, vai?
Sua pergunta não soa agressiva ou desagradável.
Ele é… genuíno.
Doce.
Não consigo lhe dizer "não".
- Bem… - murmuro.
Ele abre um sorriso divertido como se estivesse curioso
para ouvir que desculpa esfarrapada eu daria agora.
Eu escolho a verdade:
- Ora, vamos. - desisto - Você não pode ter achado que
esse encontro foi bom.
- Eu estava falando sobre facas? - espreme os olhos,
ainda rindo - Acho que passei boa parte da noite falando
sobre facas.
Eu aceno, em pânico, e ele desata em risadas de quem não
liga mais para bons modos.
- Droga, parte de mim estava esperando que tivesse sido
uma alucinação.
- Você é muito dedicado a facas. Seria assustador se não
fosse tão…
- Adorável?
- Eu ia dizer "entediante". Mas, claro, "adorável". -
brinco e ele ri um pouco mais.
- Acho que eu fiquei nervoso. - dá de ombros - Sinto
muito.
Dou uma mordida no meu sanduíche e o observo com cuidado.
Ele não está rindo, mas as covinhas ainda estão marcadas
em seu sorriso apertado.
Adorável.
- A culpa não é só sua. - confesso - Pelo menos você
estava se esforçando para manter uma conversa. Eu podia ter
ajudado.
- É verdade. - ele mastiga, fingindo indiferença e
fazendo-me rir - A culpa é sua. A noite toda, você só disse
que "realmente não dava pra um restaurante ter uma quarta
estrela do Michelin".
- E que obsessão é essa com as estrelas? Homem, você
precisa deixar isso pra lá.
- Melhor ser obcecado do que ser descrente. Te falta
confiança nas habilidades culinárias das pessoas do mundo.
Pode ser que alguém, por aí, algum dia seja bom suficiente
para ganhar uma quarta estrela.
Ele está errado e eu termino de engolir a batata antes de
lhe explicar por quê.
- Você sabe o que é o Michelin? - ergo as sobrancelhas.
- Eu fiz um curso de culinária e trabalho em um
restaurante, Riquinha Rico, o que você acha?
Eu estou rindo alto.
- Você me chamou de "Riquinha Rico"?
- É. - revira os olhos - É de um filme bem velho que…
- Eu sei que filme é. E nem ouse dizer que é tão velho
assim, moleque. - ergo o indicador e ele distrai o sorriso no
canudo - E, respondendo sua pergunta, não acho que você sabe
o que é.
É
- É uma guia de turismo. - explica - Marca locais
interessantes de visitar e restaurantes bons de conhecer. Os
críticos são excepcionais e as estrelas só são oferecidas a
cozinhas de luxo que são realmente muito boas.
- É um guia rodoviário. - corrijo - "Michelin" é uma
marca de pneu. Mas sim, quando não existia internet, GPS e
Yelp, o guia do Michelin era o de maior credibilidade na hora
de organizar uma viagem.
- Dá no mesmo.
- Não dá.
- Posso saber por quê?
Respiro fundo.
- As estrelas são marcações para cozinhas de luxo: o
quanto elas valem a pena para quem está "na estrada". "Uma
estrela" significa que o restaurante é bom e, se você estiver
passando por ele, vale a pena parar e conhecê-lo. "Duas
estrelas" significa que o restaurante é muito bom e, se você
estiver passando perto dele, vale a pena fazer um desvio para
ir conhecê-lo. "Três estrelas" significa que o restaurante é
tão maravilhosamente bom que vale a pena fazer uma viagem SÓ
para conhecê-lo. Então, eu acho muito difícil eles colocarem
uma quarta estrela porque… qual seria essa categoria? Um
restaurante tão perfeito que vale a pena você sair da Terra e
voltar de novo SÓ para visitá-lo?
Spencer fica em silêncio considerando minha explicação.
E quando finalmente fala, é com uma voz jocosa que me faz
rir antes mesmo de concluir a frase:
- Sabe, eu estive pensando, não acho que dá pra um
restaurante ganhar uma quarta estrela.
- Não, não acho que dá. - concordo - E já que você está
tão complacente, por que não me diz sobre o que teria
conversado essa noite, se não estivesse tão interessado em
listar facas?
- Garfos e colheres. - assente, sério, e a risada escapa
mais alta do que eu esperava, preciso cobrir a boca com a mão
- Mas não acho que temos intimidade suficiente para esses
dois, ainda.
- Oh, não. Você está certo. Para um primeiro encontro é
realmente melhor ficar só com as facas.
Seu sorriso diminui, mas ainda está lá.
- Por que a gente não faz o contrário? - convida - Já que
provavelmente nunca mais vamos nos ver de novo - considera -
por que não me diz algo que nunca diria?
- Em um primeiro encontro?
- Ou na vida. - dá de ombros - Somos dois estranhos que
nunca mais vão se cruzar. Nossos segredos estão a salvo.
Deixo a boca entreaberta porque não sei o que fazer com
minha hesitação. Spencer dá de ombros e sorri.
- Foi um convite estranho. - desculpa-se - Esquece. Na
verdade, se você pudesse esquecer essa noite inteira seria
bem legal!
Dou risada.
Ele puxa a gola da camisa de um jeito nervoso.
Lindo.
O homem é lindo.
Do tipo que te deixa desconcertada. É um benefício imenso
que ele seja tão jovem. Se fosse mais velho - com um olhar de
experiência, um sorriso de quem sabe exatamente como cuidar
de uma mulher e alguns cabelos grisalhos - eu estaria bem
fodida.
- Foi um convite estranho, mas… - dou de ombros também -
Pode ser divertido. Quero dizer… dificilmente vai ser pior
que o resto da noite.
- Dificilmente! - concorda, enfático, e gesticula para
que eu responda.
- Não, não, não. - balanço o canudo ainda preso em meus
dedos - Você primeiro.
Ele abre um sorriso imenso.
Desconcertado, ele também.
Passa a mão larga nos cabelos escuros de um jeito jovial
que parece ser de propósito.
Balança a cabeça devagar enquanto considera suas
possibilidades e, por um instante, seu sorriso desaparece…
assim que ele decide o que dizer.
Oferece o copo de papel em um brinde vazio.
- Eu sou medíocre. - anuncia.
Enrugo a testa.
- Medíocre?
Respira fundo, precisa de fôlego para o que vai dizer:
não tanto pela quantidade de palavras, mas pela sua
intensidade.
- Nunca fui bom em esportes, nunca tirei boas notas,
nunca tive um talento especial. - admite, sem me olhar nos
olhos - Nunca fui especialmente inteligente. A única coisa
que eu tenho a meu favor é que eu sou bonito. E isso não é
mérito meu. É aleatoriedade genética. - sorri, sem jeito -
Acho que é por isso que eu sempre quis ser modelo ou ator. Me
pareceu fácil, simples. Só que eu estava enganado. Bem
enganado. Não é fácil. Não é simples. Foi idiota achar o
contrário. E agora estou aqui, sem qualquer expectativa
profissional, preso em um emprego que me dá pouco prazer ou
orgulho e… é isso. Não sou um bom partido. Pensando assim,
você faz muito bem em não me ligar de novo. - pisca um olho,
mas sua expressão é cabisbaixa.
Não sei o que responder.
Não sei se há o que responder.
- Sua vez. - avisa, antes que o silêncio se prolongue.
- Ah… - estreito os olhos, buscando em minha memória algo
que sirva como revelação - Estou um pouco envergonhada de
estar usando esse site. É estranho levar uma porção de
garotos de vinte anos para jantar. Acabo me sentindo como…
- Não. - ele recusa, interrompendo-me.
- O quê?
- Eu disse "não". Não vale. Eu admiti algo íntimo, que me
envergonha e que nunca disse em voz alta antes. E você está
me contando a mesma coisa que vai contar pra um bando de
amigas assim que chegar em casa.
- Não vou con…
- Não vale. - repete.
- Não vale?
- Não, senhora. Você consegue fazer melhor do que isso.
Encaro Spencer.
Seus olhos castanhos de vinte e três anos que eu,
provavelmente, nunca mais verei de novo.
- Se eu te perguntar qual é a coisa que mais te incomoda
e que você nunca admitiu em voz alta. - pede - Qual a
primeira coisa que você pensa?
Engulo em seco.
Ao contrário da maioria das pessoas, eu acho que sinto
minhas emoções na garganta primeiro, não no coração.
Ela fica ressecada, rouca, dolorida ou fechada quando um
pensamento me atinge muito rápido. Muito forte.
Eu sei exatamente o que dizer para Spencer.
É o mesmo que minha terapeuta quis me ouvir dizer por
dois anos inteiros.
É o mesmo que Pamela imagina.
É o mesmo que me assusta sempre que olho pra Marcus com
carinho.
Eu sei o que dizer.
Mas saber é mais fácil do que conseguir.
Há anos eu tento tomar coragem.
Mas as palavras sempre me abandonam e me deixam no
silêncio.
Abro a boca e sinto-as na língua.
Mas, ao invés de dizê-las… eu escolho outras.
- Acho que estou gostando do melhor amigo do meu marido.
Ele engasga com o refrigerante.
- Você é casada?
- Viúva. Spencer, você não leu o meu perfil, não é?
- Não, só mandei a mensagem porque você era a mulher mais
rica que tinha no site.
Estou rindo de sua sinceridade inabalável. Quero dizer…
ele sequer hesitou.
- Então, você está a fim do cara que era melhor amigo do
seu marido? E por que isso é um problema? E mais importante:
se você está a fim dele, por que está saindo com uma porção
de garotos de vinte anos?
Respiro fundo.
- Você é muito novo. - suspiro - Você não conseguiria
entender.
- Tente, ainda assim.
Assinto, com um sorriso divertido.
- Você já assistiu "Friends"?
- O que isso tem a ver?
- Responde a pergunta, garoto. - reviro os olhos - Já
assistiu "Friends" ou "How I met your mother"… qualquer um
desses seriados de comédia?
- Já assisti "How I met your mother". Friends é meio
chato.
Engasgo.
- Tá, a gente vai voltar pra esse assunto depois. - ergo
as sobrancelhas - Mas você já assistiu os episódios mais de
uma vez?
- Já.
Assinto.
- Já percebeu como, nos primeiros episódios, os atores
ainda não estão a vontade com os próprios personagens? Ou
"não tão a vontade" quanto eles ficam depois que já estão
interpretando os papeis por um ano ou dois? Quero dizer… se
você assiste, na sequência, o último episódio de uma dessas
séries, e depois assiste o primeiro, é perceptível como os
atores ainda estão encontrando sua profundidade.
- Tudo bem. Mas o que isso tem a ver?
- Relacionamentos são isso. O relacionamento que um ator
tem com o papel que ele interpreta, é o mesmo que nós temos
uns com os outros, enquanto pessoas. Enquanto amigos,
amantes… o que seja. Leva tempo até você descobrir quem você
é dentro daquela dinâmica. Acabar um relacionamento é como
perder um papel. É ter que começar a dinâmica toda de novo.
- Você quer dizer que você muda quem é em um
relacionamento?
- Não… eu… - mordo o lábio, tentando decidir como
explicar - Na última temporada, existe história entre o ator
e o personagem que ele interpreta. Existe anos de
desenvolvimento, leitura de roteiro, pequenas percepções do
dia-a-dia e maneirismos adquiridos… coisas que você não vê na
tela. Mas que aconteceram para o ator.
- Certo.
- A mesma coisa acontece em um relacionamento. Eu estive
com Daniel por mais de dez anos. É quase metade da minha
vida. E, durante todo esse tempo, eu e Marcus fomos amigos.
Sair em um encontro com ele agora é como se… como se alguém
me pedisse pra mudar de personagem no meio do seriado. Nós
temos história demais. Tem uma estranheza entre nós… uma
responsabilidade muito grande de fazer dar certo porque, se
der errado, ambos perdemos um amigo. Isso tudo misturado a
culpa que eu sinto… como se estivesse traindo Daniel com seu
melhor amigo. - engulo em seco.
Sem querer, estou contando a Spencer muito mais do que
pretendia. Espero que ele acene em respeito, mesmo que ainda
não tenha idade para compreender.
No entanto, o que ele faz é revirar os olhos:
gloriosamente.
- Meu Deus, como você é complicada.
- Perdão?
- É isso que acontece quando a gente fica velho? A gente
fica complicado por nenhuma razão?
- E eu sou velha agora? - estou rindo de sua explosão de
sinceridade.
- Você pegou a referência a "Riquinho Rico" bem depressa.
E gosta mais de Friends… Acho que você seria velha mesmo que
não fosse velha.
Escondo os olhos atrás da mão e ainda estou rindo.
- Você é péssimo em encontros, Spencer.
- Isso não é mais um encontro. Estou só dizendo um fato.
- Um fato?
- A tua analogia é um lixo.
- Um lixo?
- Um lixo imenso e estúpido. Quero dizer… tá, os atores
de seriados demoram alguns anos pra aprofundar personagens
porque essa é a mídia. Mas e atores de filmes? Eles precisam
entregar um personagem completo em meses. Pior ainda se for
um filme biográfico e eles tiverem que interpretar alguém
real! E eles fazem isso algumas vezes no ano e ainda recebem
prêmios. Eles são especialistas em relacionamentos por causa
disso?
- Não… foi só uma analogia.
- Uma analogia bem lixo. Você tá com medo de sair com o
cara que gosta e tá inventando um monte de razões pra se
convencer que está certa. Mas você está tão certa sobre
relacionamentos quanto eu sobre o Michelin.
- E voltamos ao assunto do Michelin. Você precisa de um
pouco de variedade.
- E você precisa assistir Orphan Black. Olha… Se quer
sair com o cara, sai com o cara. Transa com ele logo no
primeiro encontro.
- E isso vai resolver o quê?
- Nada cria intimidade como sexo, meu amor.
- E você acha que pode ficar aí, do alto dos seus vinte e
poucos anos de idade, me dando conselhos sobre
relacionamento?
- Não sobre relacionamento, sobre sexo. Sobre
relacionamento, eu não tenho conselho pra dar. E, sendo
sincero, mesmo que eu desse, você não deveria seguir. A
última vez que levei uma garota pra cama, passei metade do
tempo na dúvida se ela sabia meu nome e na certeza que eu não
sabia o dela.
- Pois eu preciso de amigos que entendam de
relacionamento. Do tipo que só entende de sexo, eu já tenho
uma.
- E ela está fazendo um péssimo trabalho ou você já tinha
superado isso.
- Garoto…
- Já que você gosta de histórias nada a ver, deixa eu te
contar uma, então.
Gesticulo para que ele fique a vontade.
- Quando eu era novo…
- Quando você era novo? E agora você é velho?
- Quieta. - resmunga - Quando eu era mais novo, tinha uns
10 anos… tinha uma mulher estranha que morava na casa na
frente da minha. Devia ter uns 70 anos de idade. A gente
conseguia vê-la pela janela, nos observando, às vezes. Mas
ela nunca saía de casa.
- Deixa eu adivinhar: era a "bruxa" da sua rua?
- "Vampiro", na verdade.
- Vampiro?
- Era a teoria. Porque ela nunca saía durante o dia. Mas
durante a noite eu a via… ela abria a porta de casa e ficava
sacudindo as chaves no meio do quintal, encarando a rua. Às
vezes ela caminhava pelo quintal ou molhava as plantas. Mas
sempre de noite.
Faço uma careta porque o comportamento certamente era
estranho.
- Todo mundo na rua morria de medo dela e fazia o
possível pra evitar até passar na frente da casa. Até que um
dia, alguém chutou a bola e quebrou a sua janela.
- Meu Deus, isso parece cena de filme ruim.
- Obrigado. Posso continuar?
- De nada e por favor.
- Os meus amigos me desafiaram a ir até lá buscar a bola.
E agora que você já ofendeu minha história, eu vou pular os
detalhes… mas ela acabou me oferecendo um copo de suco e foi…
gentil. Gente boa, sabe? De um jeito que eu não esperava de
uma senhora-vampiro de 70 anos que sacudia as chaves a meia
noite. Comecei a ir pra casa dela, às vezes. Não só eu… mas
todos nós, da rua. A gente se alternava cortando a grama dela
ou ajudando a limpar algo e ela sempre nos pagava bem e
oferecia suco. Depois de algumas semanas, eu tomei coragem
para perguntar.
- Sobre as chaves?
- Sobre tudo. E aí ela me contou… bem… não com detalhes,
mas de um modo que uma criança de 10 anos pudesse entender:
ela tinha sofrido muitos abusos a vida inteira. Do pai, do
irmão, do marido. Isso acabou deixando-a doente. Ele tinha
fobia de sair de casa. Só a ideia de colocar o pé na rua a
deixava em pânico.
- Agorafobia.
- Exato. Ela disse que tinha piorado ao longo dos anos,
mas que sempre era mais fácil pra ela sair a noite. Talvez o
silêncio ou o fato de que tem menos gente na rua… É por isso
que ela caminhava pelo quintal quando escurecia.
- E as chaves?
- A irmã dela estava doente. Câncer. Os médicos disseram
que ela não ia viver mais que um ano. Mas ela morava em outra
cidade e minha vizinha…
- Não conseguia sair de casa.
- Nem mesmo para ficar com a irmã doente. É por isso que
ela ficava ali, de noite, encarando o carro com as chaves na
mão. Ela estava pensando em tudo que queria fazer, mas tinha
medo. E eu… bem… eu tinha 10 anos e nunca fui muito bom em
dar conselhos.
- A parte dos conselhos, eu já notei.
- Pois é. - ri - E aí eu só disse pra ela que "ainda bem"
que era só isso, porque nós todos achávamos que ela era um
vampiro.
- E ela?
- Ela riu. Mas eu fiquei pensando e acabei dizendo pra
ela que talvez fosse mais fácil se ela fosse, de fato, um
vampiro. Porque aí ela não precisaria ter medo de nada. Ela
pareceu ficar muito triste na hora e foi isso. Algumas noites
eu ainda a via no quintal. Mas eu não tinha mais medo… eu só
torcia para que ela conseguisse. Mas… não. - ele ergue os
ombros - Até que um dia, eu fui até o quintal dela para pegar
o cortador de grama e notei que o carro tinha desaparecido.
Fui bater na porta para ver se ela estava bem e encontrei um
pedaço de papel preso ali, com uma nota escrita a mão. Dizia
"Adeus, Spencer. Eu decidi virar um vampiro". Ela juntou as
coisas e foi embora de madrugada. Foi ficar com a irmã dela.
Aperto os lábios porque sua história foi preciosa.
- E esse é o seu problema, Tatiana…
Espera.
- E a bateria?
- Você tem que… Han? - interrompe-se.
- A bateria do carro. Você disse que ela não usava há
meses, no mínimo. A bateria estava funcionando?
Ele me encara entre o sorriso e a cólera.
- A história não é minha.
Pisco os olhos.
- Não… não sei se aconteceu de verdade. - admite e eu
começo a rir - É uma dessas histórias que viram lenda urbana,
sabe? Escutei quando era criança. Deve ter acontecido com
alguém!
- Ah-ham! Tenho certeza que sim!
- Ah, vai pro inferno. - ri - Dá pra pelo menos aceitar a
lição da história? Esse é o seu problema: você tem que virar
um vampiro.
- Sabe? A culpa é minha por querer buscar sabedoria em
uma criança. - aponto.
- Minha vizinha entendeu algo que você se recusa a
aceitar!
- Sua vizinha é uma obra de ficção!
- Que enfrentar nossos medos é uma decisão. Você pode
ficar com esse papo de relacionamentos de seriado e sites de
sugar baby o tanto que você quiser. Mas, se você quiser
perder o medo de ficar com alguém, você tem que ficar com
alguém e pronto. Você tem que decidir parar de ter medo. Vire
um vampiro.
Ele sorri, resoluto, como se tivesse acabado de encerrar
sua defesa de sucesso em um tribunal. Encaro seus olhos por
um instante.
- Amanhã, quando minha amiga me perguntar sobre esse
encontro, eu vou precisar contar pra ela que você me chamou
de velha e me contou uma história sobre vampiros. Vai ser
divertido ouvir o que ela vai dizer.
- Não esquece de dizer que eu sou gostoso.
- Pode deixar. - estou rindo.
Spencer observa algo atrás de mim com um interesse
cuidadoso. Eu me viro e encontro Lucille, parada com as
portas de vidro ainda entreabertas. Hesita porque não queria
interromper.
- Só verificando se você está bem. - ergue um polegar,
antes de voltar para o carro.
- Ah! Tudo bem! – respondo – Esse é o Spencer, Lu.
Acabamos nos encontrando aqui de n... - Verifico as horas
porque se Lucille parou o jogo das bolinhas eu devo ter
demorado demais. -- Meu Deus. - encaro o relógio - Eu
preciso… preciso ir!
Spencer levanta, levando as bandejas até o lixo.
Saímos juntos. O estacionamento está quase vazio.
- Qual o seu? - aponto para os carros e Spencer aperta os
olhos.
- Ah, eu… eu estacionei na esquina.
- Vem comigo, então, te dou carona até seu carro.
- Não… não precisa. - engole em seco e eu pauso.
- Spencer.
- Hm?
- Você não tem um carro, não é?
- Eu não sei por que eu disse que tinha. - dá um tapa na
própria testa como se não conseguisse entender como o próprio
cérebro funciona.
- Diz seu endereço pra Lucille. A gente te deixa em casa.
- Não precisa.
- Está com medo de me dar seu endereço? Acha que vou
voltar lá pra te roubar?
Os ombros dele caem quando revira os olhos.
- Não quero te incomodar.
- Não vou te deixar no meio da rua a essa hora.
- Eu sei me virar.
- Garoto. - rosno - Entra no carro.
Ele obedece e eu sei que Lucille está nos vigiando pelo
retrovisor com seu meio-sorriso intrometido.
- Pra casa, chefe? - ela pergunta com um sorriso que vai
de orelha a orelha.
Acho que o meio sorriso não foi suficiente.
- Não. Vamos deixar Spencer em casa, primeiro.
Ele diz o endereço e agradece mais uma porção de vezes.
Por alguns minutos, o ronco baixo do motor é tudo que
preenche o silêncio. Verifico as mensagens no celular para me
manter distraída enquanto Spencer bate os dedos contra o
joelho.
- Espero que dê tudo certo entre você e o cara. - deseja,
finalmente.
- Que cara? - Lucille se intromete.
- Obrigada. - falo alto, cortando-a - Mas não sei o que
quero fazer, ainda.
- Se gosta dele, sabe o que quer fazer. Só está com medo.
- Marcus. - Lucille murmura para si mesma, porque já
entendeu tudo - Marcus é "o cara".
Spencer olha de mim para Lu, com um sorriso confuso,
tentando decifrar a natureza de nosso relacionamento.
- Todo mundo que trabalha pra mim é horrivelmente
inapropriado. - explico, arregalando os olhos - Se você
conhecer alguém discreto que não dê atenção pra vida alheia,
pode dar meu telefone e dizer que eu estou contratando. -
encaro Lucille pelo retrovisor quando digo isso, mas ela
apenas ri mais um pouco.
O homem ao meu lado é largo. E quente. Sinto o calor dele
no espaço onde nossos braços se tocam.
Respiro fundo.
Irrelevante.
- Bem… eu espero que você tome coragem. - dá de ombros -
Essa coisa de encontros é como um músculo. Você precisa
exercitar.
- É o que eu vivo dizendo. - Lu avisa.
- E eu tentei. - resmungo - Mas o site não deu muito
certo.
- Você não achou esse daí no site? - aponta para Spencer
- Com ele já foi um pouco melhor que os outros, não foi?
- Lucille…
- Você foi o melhor até agora. - ela me entrega - Ela
perdeu a hora conversando com você e ela nunca perde a hora.
- Sério? - ele dobra o lábio e me encara com um olhar
muito divertido.
- Não fique arrogante. - aviso - Além do mais…
- Por que vocês dois não fazem isso? - Lu sugere.
- Fazer o quê? - pergunto.
- Saem em encontros?
- Tentamos. - ele argumenta - Apesar dela ter perdido a
hora, te garanto que foi um fracasso.
- Hm. E por que não fingem? Por que não saem em encontros
falsos?
- E um encontro falso vai ser melhor que um de verdade? -
Spencer pergunta.
- Ei, ei, ei. - paro a loucura - Ninguém vai a encontros
com ninguém. Nem falsos, nem verdadeiros.
- Chefe, a ideia é boa: ele deve precisar de dinheiro.
Ei, garoto, você precisa de dinheiro?
- Eu… ahm…
- Ele precisa de dinheiro. - Lucille decide - E você tem
dinheiro. Ela tem dinheiro. - avisa para o garoto.
- Lucille… - repito.
- Vocês continuam saindo, a chefe te paga e vai ser como
uma consultoria.
- Consultoria? - pergunto.
- De encontros! Olha, alguma coisa no encontro de vocês
deu certo. Talvez continuar saindo com esse daí seja um bom
modo de relaxar, chefe. Se acostumar com ter um cara por
perto e um pouco de romance. Mesmo que falso! Só pra…
exercitar o músculo. Até você se sentir mais a vontade para
sair com o Marcus.
- Lucille. Não posso obrigar o Spencer a…
- Quem falou em "obrigar"? Espera. - ela já estava
discando um número e nos colocou no viva-voz.
- Alô? Lu? - o timbre no viva-voz é um que eu reconheço
imediatamente.
- Julia! - Lucille cumprimenta minha assistente - Estou
aqui com um cara que vai ensinar a chefe a sair em encontros.
- Ah… certo…
Minha boca está aberta porque eu não acredito no que está
acontecendo. Lucille continua:
- E eu quero saber quanto a gente pode pagar pra ele.
- "A gente"? - eu finalmente encontro as palavras.
Mas a confusão de Julia é maior que a minha:
- Lucille, o que diabos está acontecendo?
Spencer cobre a boca com a mão, mas suas gargalhadas são
audíveis.
- A chefe teve um bom encontro! Tem um cara aqui no carro
com ela.
- Mentira!
- Juro por Deus!
Eu me jogo contra o banco do carro, fecho os olhos e
respiro fundo.
- Oi, cara no carro.
- Spencer. - ele se apresenta.
- Hmm, gostei da voz dele. Grave. Bonita.
- E ele é bem bonito também! Muito bonito mesmo!
- Obrigado.
Ainda estou de olhos fechados. Minha esperança é acordar
na minha cama daqui a dez minutos e descobrir que isso tudo
foi um pesadelo esquisito.
- A chefe perdeu a hora com ele, Julia.
- Ela NUNCA perde a hora.
- Foi o que eu disse! Escuta! Eu acho que eles deviam
continuar saindo. Esse foi o primeiro que deu certo até agora
e a chefe tá precisando voltar ao cavalo depois da queda e
tudo o mais.
- FOI O QUE EU DISSE!
- Mas, nesse site as mulheres precisam pagar, não é? Não
por sexo! - ela acrescenta. Parece ter dito isso diretamente
pro Spencer e eu quero morrer. - Não se paga por sexo nesse
site, eu acho - ela soa particularmente confusa - Essa parte
ainda não me explicaram direito.
- Lucille, quieta! - Julia ri - Spencer, ela pode pagar
seu aluguel e… o que você faz da vida?
Ele fica mudo e eu preciso abrir os olhos para ver o que
aconteceu no universo. Spencer está me observando como se não
tivesse certeza do que fazer.
Eu também não tenho certeza do que fazer.
Na verdade, a única certeza que eu tenho é que, se eu não
fizer o que aquelas duas estão sugerindo, essa história vai
chegar na Pamela e aí eu não vou ouvir o fim disso NUNCA
MAIS. E pior: eu serei leiloada para um homem que tem toda
intenção de me comprar e estragar sua própria vida por uma
chance que eu sequer estou certa se quero lhe dar. Melhor
ficar a frente da curva. Traçar um plano, estabelecer metas,
cumprir etapas.
Ao contrário de toda a bagunça que aconteceu nos últimos
minutos, essa é a parte que me deixa calma.
Respiro fundo e deixo a Tatiana Pragmática assumir o
controle:
- Eu posso pagar seu aluguel. - confirmo - Um book novo e
conseguir uma agência pra te representar. - o queixo de
Spencer cai como se a lista fosse mais dinheiro do que ele
sabia contar - E quando isso tudo terminar, em troca do seu
cuidado e discrição, posso te dar… cinquenta mil dólares. -
considero - Mas não preciso que me ensine a sair em
encontros… Só preciso que seja meu namorado de mentira por
algum tempo.
Vejo Lu estreitando os olhos pelo retrovisor.
Marcus está indo para São Francisco.
Só preciso ganhar tempo.
- Vou precisar de sua companhia para um evento
beneficente, daqui a duas semanas. - inclino o rosto,
tentando ignorar o peso da vergonha que começa a dar as caras
- Não é black tie, mas ainda assim acho que era melhor
sairmos para comprar umas roupas para você. Sabe? Para você
não ter que pegar emprestado. - encaro sua camisa.
- Dá pra notar?
- Você não parou de mexer na gola a noite toda, parece
que a coitada é sua inimiga.
- Meu amigo é menor do que eu. - admite.
- Vamos fazer compras. - decido. Eu amo a Tatiana
Pragmática. Vê como ela conseguiu lidar com toda essa
situação surreal sem gaguejar uma única vez? - Outra coisa: O
evento é organizado por uma amiga minha e eu vou dizer pra
ela que nós estamos… sexualmente envolvidos. Para que ela não
me coloque a leilão.
Spencer me encara em descrença.
- Tem tanta coisa nessa frase que eu não entendi.
- Eles leiloam mulheres. - explico.
- Tipo escravidão? - faz uma careta horrível.
- É, Spencer. Eu sou uma bilionária, desenvolvedora de
software de ponta, e vou, voluntariamente, me oferecer para
escravidão. Ficou louco? É uma brincadeira que alguns eventos
beneficentes fazem. Eles "leiloam" as mulheres. Os
interessados fazem lances e o mais alto ganha um jantar com a
acompanhante escolhida. Todo o dinheiro é doado. Todas as
mulheres solteiras participam. Se eu aparecer nesse evento
"solteira", Pamela vai me enfiar na lista para leilão. Então,
se alguém perguntar, nós estamos juntos há um mês e
sexualmente ativos. A parte do sexo é importante.
- Posso perguntar por quê?
- Porque essa minha amiga tem um fraco por sexo. Se eu
disser que estamos apenas saindo, ela não vai me liberar. E,
Spencer, eu não pretendo ser leiloada, entendeu?
- Sim, senhora. - sorri. Pela primeira vez na noite, seu
sotaque sulista aparece forte. Esteve tentando disfarçá-lo
pelas últimas horas. Talvez isso signifique que ele,
finalmente, está a vontade. - Então talvez a gente devesse
sair em outro encontro antes desse evento. Se você quer
convencer sua amiga que estamos transando, vai ser melhor se
a gente já estiver um pouco mais a vontade um com o outro.
- Tudo bem. Alguma sugestão?
- Se "estamos juntos há um mês", é importante a gente
saber algumas coisas sobre o outro. Que tal… - ele pausa por
um instante enquanto considera - vermos o filme favorito do
outro? Cada um escolhe o seu. Assistimos os dois e eu cozinho
o jantar?
- Ótimo. Na minha casa?
- Combinado.
- Chegamos. - Lucille avisa, mordendo a ponta da língua.
- Tchau, linda. - ele belisca minha cintura e me dá um
beijo na bochecha, desnecessariamente perto da boca.
- O que está fazendo? - encaro-o, congelada.
- Se você vai fingir que é minha namorada é melhor fingir
um pouco melhor. Porque depois que eu levo uma mulher pra
cama, ela não fica tensa desse jeito.
A única coisa mais aberta que meus olhos é minha boca.
Não consigo colocar em palavras o…
- O que foi? - ele inclina a cabeça - Você disse que todo
mundo que trabalha pra você é inapropriado, não é? Estou
tentando me incluir na família. - pisca um olho, exibindo
toda a glória do seu sorriso safado ladeado pelas covinhas
inocentes. Algo em mim treme… bem de leve.
- Garoto, eu gostei de você! - Lucille defende, de
imediato.
Ele ainda está rindo quando sai do carro.
- Chefe, eu gostei dele! Julia! Eu gostei muito dele.
Julia está gargalhando quando eu me enfio de volta no
banco e peço a minha motorista que, pelo amor de Deus, me
leve de volta pra casa.
3. Ray Charles
Spencer

Acho que dei intimidade demais pra Laurie.


E é uma merda porque intimidade é o tipo de coisa que não
dá pra pedir de volta.
Reviro os olhos até senti-los doer quando entro no
restaurante naquela manhã e sou recebido por Ray Charles
tocando "I've got a woman" alto demais no som do Mangiare.
Ela sorri pra mim como se a letra da música por si só não
tivesse sido suficientemente clara.
- Sério? - reclamo, mas é impossível não rir.
Laurie fecha as mãos em uma dancinha ridícula, descalça
no meio do salão que já começou a ensaboar, enquanto Ray
Charles segue cantarolando que "ela me dá dinheiro, quando eu
preciso".
- Muito engraçado. - aviso.
- Eu tenho uma mulher, do outro lado da cidade - canta,
ignorando-me - Que me trata bem.
Quando desci do carro de Tatiana, naquela noite, eu
decidi que não ia comentar nosso arranjo com ninguém.
Discrição era o melhor caminho. Eu ia ficar calado e cumprir
todos os elementos de nosso contrato verbal. Esse era o
plano.
E o plano durou até o dia seguinte quando Laurie me
perguntou como foi o encontro e viu, na minha cara idiota,
que eu estava tentando esconder alguma coisa.
Intimidade é uma merda.
Agora, ela sabe.
E, agora, ela faz questão de deixar claro que sabe.
- Diz pra mim, Spencer! - ela ri - Ela guarda o amor
dela, toda manhã bem cedo, só pra você? - recita a letra.
Pego os baldes para ajudá-la na limpeza antes de seguir
para preparar a cozinha. Mas respingo água em suas pernas de
propósito.
- Fique sabendo que meu arranjo de consultor é excelente.
Dois dias de trabalho e já tenho o dinheiro do aluguel
garantido.
- Ela já depositou o dinheiro pra você? - de repente, a
diversão é substituída por uma inveja que ela sequer faz
questão de disfarçar.
Eu aceno devagar, ostentando a provocação a minha melhor
amiga.
- Filho da puta! Ah, como eu queria ser gostosa!
- Han?
- Pra poder entrar nesse site e conseguir um cara bem
rico também.
- Como assim, princesa? - aperto sua cintura, cheio de
falsa malícia - Você é muito gostosa.
Ela me encara com raiva.
- "Princesa"? Sério? Três passos pra trás, Reese, e mãos
nos bolsos ou eu jogo o balde na sua cabeça.
- Deliciosa. - provoco com um olhar exagerado de tesão.
- Quando vocês vão sair de novo?
- Hoje. Assim que acabar aqui.
- É o evento beneficente?
- Não! Esse ainda vai demorar umas semanas.
- Ah! É mesmo! - ela ri - Vocês vão comprar roupinhas
para o Spencer. Ela vai te dar um sorvete se você se
comportar direitinho?
- Você lembra que foi você quem sugeriu que eu fizesse
isso?
- E você achou que só por causa disso eu não ia te zoar?
- parece ofendida e eu dou de ombros.
Laurie ainda está se divertindo às minhas custas - e não
parece que pretende parar nos próximos minutos - mas minha
audição sai do ar assim que escuto meu celular tocando e vejo
o nome de Anna estampado na minha tela.
Uma semana da última vez que falei com ela? Quase isso?
Achei que ela ia durar mais tempo dessa vez.
Eu poderia deixar cair na caixa de mensagens, mas, às
vezes, se você não quer mais maçãs, tem que cortar a
macieira.
Aperto o botão para recusar a ligação e, depois de apenas
dois toques, se Anna tiver o mínimo de bom senso, vai
entender o que aconteceu.
- Spence? - Laurie tem um olhar curioso. Acho que não é a
primeira vez que ela me chamou nos últimos segundos.
Algo em meus ouvidos apita fazendo o desconforto em meu
peito desaparecer apenas um pouco.
Não é hora de pensar nisso, Spence.
Nunca mais vai ser "hora de pensar nisso".
- Hm?
- Você tá legal? Porque eu estava só brincando, não quis…
- Eu sei, eu sei. Não é você.
- Eu acho ótimo que você esteja fazendo isso por si
mesmo. De verdade. - promete, com um sorriso sapeca.
- O quê? Servindo de brinquedo para uma mulher mais
velha?
- Consultoria! - pisca um olho - Se ela te indicar para
amigas depois, você abre um negócio e fica rico.
- Ah-ham.
- Me contrata ou eu conto toda sua história pra um
tabloide sensacionalista e destruo teu negócio.
- E é assim que quer começar nossa relação profissional?
Ameaçando seu futuro patrão?
- Quem disse que vai ser meu patrão? Estou pensando mais
em uma sociedade, já que a ideia foi minha, idiota.
- Eu não acho que poderia ser seu patrão, linda. - pisco
um olho, descarado - Ia ser uma questão de tempo até eu
precisar te ver pelada.
Ela fica vermelha, mas ergue o dedo do meio. E, como para
provar um ponto, aumenta o volume de Ray Charles assim que a
música começa de novo.
- Você está escutando isso em loop?
- É uma música maravilhosa!
- Ele diz que "a mulher sabe que seu lugar é dentro de
casa"! E você acha isso maravilhoso?
- … me dá dinheiro, quando eu preciso. - ignora-me
gloriosamente.
Intimidade é uma merda.

***************
Tatiana

- A ferramenta precisa entrar agora.


- Senhora Corso, a ferramenta ainda não está pronta. -
Doug é o supervisor das minhas equipes de desenvolvimento
full stack. É ótimo em seu trabalho, mas eu gostaria que
fosse menos conservador.
- Ferramentas nunca ficam prontas, Doug. - lembro - Tem
que ativá-la e ver o que acontece.
- Eu me sentiria mais confortável se pudesse fazer mais
algumas rodadas de testes antes de ativa-la para os clientes.
- Claro que se sentiria. Você quer evitar erros. Mas
deixa eu te contar o que vai acontecer: Não importa quando
você ativar essa ferramenta, vinte e quatro horas depois, o
Inferno vai cair sobre a plataforma inteira. Porque erros
são…
- … inevitáveis. - completa minha frase porque já tivemos
aquela conversa um milhão de vezes.
- É a regra número um em programação, Doug. Você não
precisa que eu te diga isso.
- Não, senhora. Mas ainda assim eu me sentiria mais
confortável se pudesse…
- Doug, estamos testando essa ferramenta há dez meses.
Bebês humanos ficam prontos mais rápido do que isso.
- Sim, senhora. - bagunça os cabelos.
Ele está nervoso. Está nervoso porque essa é a maior
adição que ele já fez a minha plataforma e tem medo que algo
dê errado. Acha que eu posso responsabiliza-lo. Não vou fazer
isso. Erros acontecem.
- Fique tranquilo! Se algo der errado, vamos lidar com
isso.
- Eu realmente acho que cobrimos tudo, mas nunca se pode
ter certeza.
- Não cobriu tudo. - estou rindo - Garanto que não
cobriu. Programação é o Quinto Cavaleiro do Apocalipse. O que
chegou depois da festa quando todo mundo achava que não dava
mais pra piorar.
Ele ri e eu deslizo o dedo em meu tablet para verificar
minha agenda.
Ele move a cabeça devagar.
- Sim, senhora.
- Se é só isso, Doug, eu preciso…
Ele se levanta para sair da sala de reuniões e me deixar
a sós quando Julia se enfia pela porta entreaberta:
- O pessoal do RH está esperando. Você precisa começar a
reunião agora se quiser sair a tempo.
Ela enche a expressão de duplo sentido porque está se
referindo a minhas compras com Spencer.
Reviro os olhos porque meu trabalho está tão acima de
"roupas para Spencer" em minha lista de prioridades que, se
as duas coisas entrarem em conflito, ele vai ficar nu.
- Pode pedir pro pessoal entrar, por favor. - peco, sem
tirar os olhos da planilha em meu tablet. Vou precisar
contratar duzentas pessoas nos próximos seis meses para
conseguir continuar o crescimento mínimo. Essa empresa tem
crescido mais rápido do que eu antecipei.
- Certo. - ela acena para Doug quando ele sai pela porta
- E talvez depois seja legal você ir até o pessoal do back
end.
Isso atrai minha atenção imediatamente.
- E por que seria legal eu fazer isso? - pergunto,
preocupada.
- Porque uns garotos recém contratados mexeram com algo
que não deviam… - acrescenta depressa - E acho que seriam bom
dar uma olhada no…
- Calma, calma! - ergo a mão - Os "garotos recém
contratados" mexeram em quê?
- Nada demais. Algo está errado com a ferramenta de
pagamento.
- Então as pessoas não podem mais me pagar?
- É.
- E isso é "nada demais"? - levanto - Diga a Michele que
faça a reunião do RH sem mim e atualize as informações na
planilha. Encaixe ela na minha agenda para amanhã, vou
precisar conversar com ela sobre os detalhes.
- E você vai pra onde?
- Pra onde você acha? Vou ralhar com os recém contratados
e descobrir o que aconteceu com minha ferramenta de
pagamentos. E ligue para o Spencer e…
- Tatiana, você não vai desmarcar seu primeiro encontro.
- resmunga.
- Não é mais o primeiro encontro. E o que você quer que
eu faça? Minha ferramenta de pagamento saiu do ar!
- Você já tem um monte de dinheiro. Mas sabe o que você
não tem? - pisca um olho - Um Spencer.
- Julia. - rosno, com um sorriso amarelo.
- Hm?
- Vai trabalhar. - aviso antes de me enfiar na fileira de
computadores.
- Vou. - devolve - Mas daqui a uma hora eu volto aqui e
você vai sair com aquele cara, nem que eu tenha que te levar
arrastada, ouviu?
Eu ignoro.
Mas sei que ela está falando sério.

***************

Eu não estou de bom humor.


Talvez porque a preocupação com Marcus segue pairando
sobre minha cabeça como um helicóptero inconveniente.
Talvez porque dois desenvolvedores júnior receberam
autorização para mexer em ferramentas que sequer deveriam
estar em seu radar.
Talvez porque pequenos detalhes desagradáveis andam se
somando em minha vida e cheguei no ponto em que, ou
transborda o copo, ou transbordo eu.
Seja como for: não estou de bom humor.
E Spencer, sentado no banco do carro ao meu lado, já
percebeu isso.
Pelo menos foi educado o suficiente para não mencionar.
- Você está de mau humor. - ele murmura.
Pelo menos foi educado o suficiente para não mencionar,
até agora.
- Problemas no trabalho. - esfrego minha testa com força.
- Eu acho que ainda não perguntei o que você faz. -
lembra.
- Mexo com computadores. - explico, desinteressada.
- Ai. - ele geme como se eu tivesse lhe batido.
- O que?
- Nada… - sorri - Eu sei que não sou um gênio, mas você
podia pelo menos ter tentando explicar.
Expiro, sem paciência, com parte da minha atenção ainda
no celular.
- É um monte de coisa técnica, Spencer.
Ele hesita por um único segundo.
- Sabe? Se você usar palavras na minha língua, pode ser
que eu entenda. - provoca.
Tudo bem.
- Eu tenho diferentes investimentos e diferentes partes
em diferentes empresas. Mas meu negócio principal é uma
plataforma que desenvolvi para interações gerais e operações
financeiras b2b.
Ela fica em silêncio por outro segundo antes de rir
ostensivamente.
- Uau, você se esforçou para ter certeza que eu não iria
entender, não é?
- É um Facebook para empresas! - sorrio, mas queria que
ele se calasse. Doug vai colocar a ferramenta nova no ar a
qualquer instante e eu não precisava desse problema com as
opções de pagamento. Malditos novatos! Justo hoje. - É uma
rede social mas, ao invés de conectar pessoas, ela conecta
empresas. E empresas não se importam em te mostrar o que elas
comeram no almoço ou o look do dia. Empresas querem comprar
material de escritório todo mês e em volume alto. Elas
precisam fazer invoice de pagamento e precisam ter certeza
que o pessoal da portaria tem a informação do frete para
receber a mercadoria. Minha plataforma faz todas essas
conexões automaticamente, sem que você precise se preocupar.
- Nossa. Essa ideia é boa.
- Não é só uma ideia. - sorrio.
Meu celular apita.
Só uma mensagem da Pam.
Mexo no meu pescoço e sinto o princípio de uma dor de
cabeça.
Lucille nos deixa em frente ao Barney's na Madison Avenue
e Spencer mantem a porta aberta para mim depois de descer.
Os jatos de água da fonte já estão ligados, mesmo sendo
apenas o começo de primavera. Mantenho os olhos no celular.
Nada.
Respiro fundo.
- Se você estiver muito ocupada, podemos fazer isso outro
dia - ele sugere - Ainda temos tempo até…
- Não. Hoje é melhor. - decido, sentindo minhas costas
doerem.
- O que houve? - ele aperta meu ombro, em uma massagem
casual e sei que a natureza de sua pergunta mudou. - Seu
músculo está todo rígido.
- Nada. Acho que dormi do jeito errado.
- Ontem a noite? Ou pelos últimos cinco anos? - aperta
meu ombro um pouco mais e eu preferia que me soltasse.
Eu tinha treze anos de idade quando o garoto nasceu. Ele
ainda estava aprendendo a falar quando eu perdi a virgindade
e sentir sua mão quente e imensa sobre meu corpo é o tipo de
interação fadada ao desastre.
Compre algumas roupas, assista um filme, leve-o ao jantar
de Pamela e pronto.
Só algumas semanas e Marcus estaria em São Francisco.
Ele provavelmente cancelaria o cruzeiro e eu iria para o
Caribe sozinha com Pamela.
Só algumas semanas.
Spencer está tentando contar alguma história sobre uma
música que tocou em um restaurante. Ou sobre quando Ray
Charles cantou para sua amiga? Não sei. Não estou prestando
atenção o suficiente.
Verifico meu celular de novo, esperando uma atualização
dos desenvolvedores.
Nada.
Eu não me considero uma pessoa ríspida… mas, hoje, estou
bem perto de demitir alguém por razão nenhuma.
Escolho roupas que me agradam. Spencer me segue de perto
e o percebo curioso em sua observação sobre mim.
- O que foi?
- Nada. - ele diz, mas tem um sorriso que diz o oposto.
Eu poderia insistir, mas não tenho tempo nem paciência
pra isso.
Talvez eu tenha me precipitado. Talvez fosse melhor
simplesmente ser sincera com Marcus. Colocar pra fora as
palavras que me assombram e me livrar delas.
Movo meu ombro, sentindo-o incomodar.
Quando alcançamos os provadores masculinos tenho uma
pilha de roupas nas mãos, e sequer me lembro de ter escolhido
a maior parte delas.
- Acho que peguei coisas dema…
Viro-me para Spencer e vejo a pilha de roupas que
coloquei nas mãos dele também.
Dá de ombros com um sorriso que… me confunde.
Parece que há palavras atrás da curva de seus lábios, e
que ele teme abri-los e deixá-las sair.
- O que foi?
- Nada. - o sorriso.
Irritaria-me.
Se eu não tivesse preocupações mais urgentes.
As cabines estão estranhamente vazias, ele escolhe a mais
distante e eu espero diante de sua porta.
Verifico o celular de novo.
- Deus. - resmungo, ao ver que nada foi feito. Ainda.
Spencer emite uma risada baixa que soa como algo entre
diversão e descrença.
- O que foi? - repito e já perdi a conta de quantas
vezes. Travo os lábios irritada para exigir que me diga o
que…
Ele não fechou a porta da cabine.
Despiu a camisa que usava para experimentar uma de linho
branca que ainda tem nas mãos.
Balança o tecido no ar antes de vesti-lo e…
Eu sou atacada pela sensação de comprar algo novo.
Você sabe como é.
Todo mundo sabe como é.
A sensação de querer algo desesperadamente e economizar,
pelo tempo que for preciso, até ter dinheiro suficiente.
Para mim, foi um SSD.
Hoje, ele é algo trivial. Mas houve um tempo em que um
SSD era um artigo de luxo e, antes da minha fortuna, o SSD
não era apenas algo que eu queria. Era algo que eu precisava.
Meu computador era perfeitamente útil e estava longe de ser
obsoleto para a tecnologia da época. Mas o SSD ia mudar tudo.
O SSD ia transformar a capacidade de processamento da minha
máquina em algo digno de poemas.
O SSD me fazia salivar.
Sempre que eu pensava nele, sentia um calor nas
entranhas.
Sempre que fazia uma busca online e orava em silêncio
para Deuses surdos para que a porcaria entrasse em uma
promoção que coubesse em meu bolso raso.
Não era apenas vontade ou necessidade.
O SSD era desejo.
Era luxúria.
Soberba.
Era raspar o prato da sobremesa mesmo depois da refeição
de oito pratos.
E foi isso que atacou meu útero assim que ergui os olhos
para encontrar Spencer Reese sem camisa.
Soberba.
O torso robusto de músculos protuberantes. Os braços
longos, exibindo bíceps imorais e antebraços fortes,
pincelados por veias que saltavam de sua pele como se me
desafiassem a observá-las. Os ombros largos que pareciam
servir para nada além de completar a provocação e dizer "é,
eu sou largo em toda parte. Quer ver?".
Ele não se depilava como os homens mais jovens e
atléticos normalmente parecem fazer. Mas… parecia ter se
depilado há pouco tempo. Os pelos que cobriam seu tórax eram
curtos, mas inevitáveis. Desapareciam, de repente, deixando
nu seu abdômen rígido. E então voltavam, curtos e escassos,
logo abaixo do umbigo, apenas para desaparecer mais uma vez
no cós da calça jeans.
Spencer não era do tipo atlético-esguio. Ele era
atlético-imenso. O tipo de corpo potente que conseguiria te
espremer contra uma parede sem fazer qualquer esforço.
Másculo de um jeito que - por qualquer razão que seja - eu
ainda não tinha me permitido notar.
Eu nunca tinha visto de tão perto um corpo digno de tanta
saliva.
Era antiético que um homem tão bonito tivesse um corpo
tão bem desenhado.
Devia ter uma lei contra aquilo em algum lugar.
Minha boca ainda estava entreaberta.
Ele era a fatia grossa e larga de bolo de chocolate, do
tipo que basta olhar para você ter certeza que vai querer
raspar o prato.
Vai querer lambê-lo inteiro.
O prato, eu quero dizer.
Eu acho.
Engulo em seco.
- Ah, então é isso que o cara precisa fazer pra ter sua
atenção? - provoca, com um sorriso imenso - Ótimo, acho que
nem vou vestir a camisa.
Abaixa o tecido que tinha nas mãos e eu preciso dizer
alguma coisa ou minha dignidade vai deixar de existir.
- O… o quê?
Seu sorriso aumenta.
Não achei que era possível.
- Você me acha gostoso e agora está sem graça. É
adorável.
- Garoto, me respeite. - gaguejo. Mas ele deu dois passos
na minha direção e está bem perto de testar minha teoria do
"espremer alguém contra a parede sem fazer esforço" - Eu
tenho idade pra ser sua mãe.
Ela balança a cabeça em um "não" provocante, com seu
jeito de moleque. Mas seu cheiro é de homem e ele está perto
demais para que eu negue isso.
- Talvez uma prima mais velha, no máximo.
- E você não respeitava sua primas mais velhas, por
acaso? - tento engolir em seco, mas minha garganta… minha
garganta é sempre a primeira a sentir minhas emoções.
- Não. - responde, com descaso - Eu era o demônio e elas
me detestavam.
Tenho que olhar para cima para ver seu rosto.
Ele está perto demais agora.
Por que está tão perto?
- Bem, eu não sou sua prima. - tento não encarar seu
rosto mas se abaixo meu olhar, seu tórax é tudo que vejo.
- Não. - ele responde, manso, com um sorriso cheio de
malícia - Definitivamente não é.
- O que está fazendo? - Cruzo os braços diante de mim
para proteger-me dele.
- Estou tentando entender porque você ficou tão sem graça
de repente.
- Não fiquei sem graça.
Ele não responde, apenas inclina o rosto para encarar
minha mentira.
- Eu não achei que ia se despir no meio da loja. -
explico - Me surpreendeu. Só isso.
- Quando foi a última vez que você transou?
- Com licença? - rosno, ultrajada.
- Ah, você me contratou pra escapar de um cara depois de
admitir que gostava dele. E eu estou aqui imaginando a quanto
tempo faz isso: foge de caras. É uma pergunta super simples.
- É pessoal e inapropriado.
- Última vez que eu transei foi uma semana antes do nosso
jantar.
- Eu não perguntei!
- Mas eu respondi! Porque não é nada demais. Agora é sua
vez!
- Não é minha vez! Não tem "vez"! Não é uma brincadeira.
- gesticulo, mas meu nervosismo não deve estar agindo a meu
favor porque ele mantém um sorriso glorioso.
Escuto alguém se aproximando do corredor de provadores e
junto as mãos em uma prece.
- Dá pra você terminar de fazer isso - indico a camisa -
dentro da cabine, por favor? Tem gente chegando.
- Claro. - ele responde, sem hesitar.
Eu ia respirar fundo e agradecer mas, junto com uma
porção de roupas, ele agarrou meu pulso e enfiou nós dois ali
dentro.
A cabine não é grande o suficiente para nós dois e as
toneladas de roupas que eu escolhi. E, mesmo que fosse, o
modo como Spencer parece estar sempre perto demais me faria
sentir igual claustrofobia.
No susto, eu coloquei minhas mãos em seu peito. Mas, já
notei e já as tirei dali, igualmente rápido. Algo que, por
alguma razão, o fez rir calorosamente.
- Você ficou louco? - sussurro, nervosa.
- Eu li isso em um livro uma vez e sempre quis
experimentar.
- Leu em um livro?
- É, o cara puxava a mulher pra dentro de um provador e
eles se divertiam um pouquinho.
- Não era Hemingway, eu imagino. - critico suas escolhas
literárias.
- Não, não era. - abana a cabeça e então pausa - Espera.
Hemingway não escrevia sobre mulheres que tem tesão por
dinossauros, não é?
- Por favor, me diga que você está brincando.
- Sobre qual parte?
Minha boca está entreaberta, em choque, e eu não sei como
responder.
Ele revira os olhos, cansado de me provocar.
- Eu já li "O Velho e o Mar" e "Por Quem os Sinos
Dobram", está bem? Pode ficar calma. A não ser que seu pânico
seja sobre a existência de livros eróticos entre mulheres e
dinossauros. Porque esses existem mesmo e aí, nesse caso,
pode ficar nervosa.
- É "tocam". - corrijo, atordoada - "Por Quem os Sinos
Tocam".
Ele estreita os olhos e suas mãos descem pelos meus
braços, causando-me arrepios.
- Não. Tenho certeza que é "Dobram".
Eu estou prestes a lhe explicar por que está errado
quando algo que disse antes volta a minha mente.
- E nós não vamos nos divertir aqui dentro. - enfio um
indicador em seu peito.
Seu músculo rígido mal se altera e ela apenas sorri um
pouco mais.
- Tati. Daqui a duas semanas você quer me colocar na
frente da sua melhor amiga e fingir que estamos transando pra
escapar de um leilão. Como você pretende fazer isso se não
consegue nem lidar comigo sem camisa?
- Você vai ficar sem camisa no jantar beneficente?
- Não. Mas acho que seria bom para nosso teatrinho se
você não ficasse tão tensa com a mera sugestão da minha
nudez. - pausa - E viu como eu falei bonito, agora? "Sugestão
da minha nudez" foi bem foda. Hemingway ficaria orgulhoso,
han?
- Eu não vou ficar tensa.
- Claro que vai! - abre os braços apenas um pouco, como
se para provar um ponto - Você tá pálida! Tati, é só o tórax
de um cara. Não tem nada demais. Olha pra mim.
- Estou olhando!
- Não para os meus olhos, engraçadinha. Olha pro meu
corpo.
- "Olha pro meu corpo". Hemingway teria uma síncope.
Ele dá um passo pra trás.
- Tatiana… Foi você quem quis fazer isso. Não posso
ajudar se você não deixa. Agora, olha pra mim.
Eu estava olhando para os seus olhos, antes.
Agora, estou arranjando desculpas metafísicas para olhar
para o teto.
- Como assim "olhar pra você"? O que você quer que eu
faça?
- Quero que abaixe o rosto e encare meu peito. Pode
demorar o tempo que quiser e me examinar com bastante
indecência. Eu não ligo. Além do mais eu já sei que você me
acha gostoso e está sem graça, então… não tem muito mais que
você possa esconder, não é mesmo?
Travo os lábios e encaro seu rosto. Sustento seu olhar
por um segundo antes de descer os olhos, rapidamente, por seu
corpo desenhado.
Deus me ajude.
- Pronto. - engulo em seco - Olhei. Satisfeito?
- Nem perto. - murmura, com uma gula indecorosa - Isso é
o que você chama de "examinar com indecência"? Você olhou pra
mim com a presteza de quem toma um remédio ruim.
- Eu nunca disse que ia examinar com indecência! Foi você
quem falou isso!
- Tatiana! - reclama.
- Tá, tá! - aperto as mãos, nervosa.
Respiro fundo e faço o que ele mandou.
Olho devagar.
Bem devagar.
Spencer é lindo.
Lindo de um jeito imoral.
De um jeito pornográfico.
De um jeito que dá vontade de ficar no escuro e se
esfregar em um lugar gostoso.
Não sei há quanto tempo ele está com o botão e o zíper da
calça jeans abertos, mas eu os percebo agora. Exibindo a
barra de sua cueca azul marinho. Os pelos escuros fazem uma
pequena trilha abaixo do seu umbigo até desaparecer no
tecido. Seu abdômen é definido. Consigo contar seis blocos e
tenho vontade de beliscar cada um deles. Mas nada… nada se
compara ao seu peitoral largo coberto de pelos curtos e
igualmente escuros. A sensação daquele peitoral suado debaixo
dos dedos deve ser…
Engulo em seco.
Indecência demais por um dia.
- Pronto? - murmuro, fraca.
Ele se aproxima. Tem uma mão de cada lado do meu corpo,
pressionando-me contra a cabine.
- Agora, você toca.
- Não, obrigada. - gaguejo.
- Tati… - ele insiste.
- Spencer, não é necessário. Não vou ficar tensa, você
vai ver. Sou boa atriz.
- Eu duvido muito. Um toque não vai te matar. Faço uma
brincadeira com você.
- Não quero brincar, obrigada.
Ele ri.
- Ou você toca o meu peito, ou eu beijo o seu pescoço.
Eu não sei qual daquelas duas coisas me excitou mais, mas
o resultado que elas conquistaram é certo.
- Que… que tipo de brincadeira é essa?
- Uma que eu acabei de inventar e vai ser bem legal. Me
experimenta. Eu sou gostoso de sentir nas mãos, prometo. Só
toca o meu peito e tenta fingir que isso não vai te matar. -
ri - Porque pela sua cara nesse exato segundo, eu estou meio
preocupado.
- Eu… eu acho que…
- Você escolhe qual duas opções?
Ele desliza o nariz pela minha bochecha e eu fecho os
olhos.
Seu hálito quente contra minha pele confunde meus
sentidos e… o que é isso? Esse ardor entre minhas pernas como
se as paredes da minha vagina quisessem me matar de ódio.
Eu estou molhada.
Estou… molhada.
Isso não é possível, é?
Não por tão pouco?
Os lábios de Spencer são macios, raspando na curva do meu
pescoço. Eu vou me entregar ali mesmo.
Vou desistir e a farsa vai virar verdade porque se ele se
colocar entre minhas pernas, eu vou deixar que entre. Talvez
eu até implore.
Mas então ele se vai.
Se vai depressa e deixa, a mim, em um sobressalto.
É
É só então que noto que, em minha perda de consciência,
toquei seu peito.
- Pronto. - ele diz, ainda brincando enquanto eu estou,
claramente, perdida - Não doeu, doeu? - segura minhas mãos
sobre seu peito e as desliza em sua pele - Agora você
experimenta um pouco.
Escorrego as mãos do seu peito para o seu abdômen e o
problema é que, se antes eu queria tocá-lo, agora, acho que
quero lambê-lo.
Ele estava certo: ele é gostoso de ter nas mãos.
É delicioso.
Nunca toquei um homem assim antes.
Faz coisas comigo.
Parece que apenas sentir seus músculos sob meus dedos foi
capaz de acordar meu corpo inteiro.
Spencer é homem do tipo que transforma mulheres
inteligentes em animais irracionais.
- Pode tocar onde quiser. - convida.
Olho para baixo, atacada pela vergonha e Spencer ri.
- Não. Aí ainda não. Mas pode me tocar em qualquer outro
lugar.
Ergo a cabeça depressa porque ele interpretou mal o meu
gesto de cansaço.
- Não! - corrijo, envergonhada - Eu não quis dizer que…
- Tá tudo bem. - seu sorriso é lindo. Espontâneo. - Nada
de errado em querer experimentar um cara.
Eu expiro longamente porque não acho que consigo sentir
ainda mais vergonha e deixo meu rosto cair. Minha testa
apoiada em seu ombro quando ele me toma pela cintura, gentil.
- Tati, quando foi a última vez que você transou?
Ainda adianta não responder para preservar meu decoro?
Não, né?
- Seis anos.
Spencer se afasta apenas um pouco. Apenas para conseguir
olhar em meu olhos e ele parece profundamente confuso.
- Espera. Quando seu marido morreu?
- Três anos. - sorrio, sem alegria.
Ele faz a careta dos que compreendem.
- Você tá há seis anos sem sexo?
- Se o objetivo dessa consultoria é me deixar a vontade,
você está falhando. - lembro.
- Desculpa! - acena depressa. Encara—me por um segundo
que parece demorar demais - Você precisa tirar a roupa. -
decide.
- O quê? - dou risada
- Shh! - ri, lembrando-nos que ainda estamos em uma
situação… precária - Precisa tirar a roupa, Tati.
- E por que eu faria isso?
- Não precisa tirar tudo. Só o vestido.
- E eu repito: por que eu faria isso?
- Eu posso tirar a calça se isso te deixar mais vontade.
- Mais uma vez: por que eu…
- Seis anos é tempo demais para ficar sem intimidade. Seu
caso é grave. Você precisa arrancar o band-aid de uma vez.
Quanto mais tempo passar, pior. Você precisa ficar seminua
com um homem, logo, e ver que isso não vai te matar.
- Você entende que você não é um psicólogo especialista
em relacionamentos, não é? Não vou transar com você!
- E quem falou em transar? Tira a roupa, sua controladora
teimosa.
- Spencer…
- Tatiana, você vai ficar nua com um homem em algum
momento daqui pro fim da sua vida. A questão é: depois de
seis anos, você prefere que a primeira vez seja com um cara
que você contratou pra isso, ou com um namorado que você
realmente gosta e com quem você queria ficar a vontade para
não foder a chance de um bom relacionamento?
Eu calo.
Ele cala.
Sabe que encontrou um bom argumento.
E a Tatiana Pragmática nunca recusa um bom argumento.
- Essa cabine do Barney's é o lugar mais seguro do mundo.
- avisa - E eu posso tirar a calça, se você preferir.
- Não. - prendo a respiração - Não acho que prefiro.
Ele está certo: é melhor fazer isso agora. No entanto…
Ficar de roupa íntima na frente do Spencer já vai ser ruim o
suficiente. Mas se ele também estiver quase nu, minha libido
vai enlouquecer. E quando a pessoa está passando fome, você
não pode entupi-la de comida de uma vez… tem que ser aos
poucos.
- Tudo bem.
Eu sei que, indiretamente, eu já concordei… mas não sei
se consigo fazer isso.
Ele tem um sorriso macio.
- Aqui. - adianta-se - Eu te ajudo.
Mas suas mãos apenas pairam sobre os poucos botões sobre
meu decote enquanto ele espera que eu confirme se pode mesmo
fazer aquilo.
Assinto depressa e fecho os olhos.
Sinto seus dedos raspando em meus seios enquanto ele me
despe.

***************
Spencer
Ok.
Tatiana é gostosa.
Ela é uns dez anos mais velha que eu - como já fez
questão de lembrar em mais de uma ocasião - e, não vou
mentir, sabe? Ninguém a confundiria com uma garota de 22 anos
de idade. Mas é estranho olhar pra essa mulher na minha
frente e imaginar que ela está mais perto dos quarenta do que
dos trinta.
Mais estranho ainda é imaginar que a última vez que
alguém a comeu foi há seis anos.
Puta merda.
Isso significa que ela mal tinha 30 anos última vez que
transou.
Estou desfazendo os botões em seu decote e assistindo a
carne dos seus peitos ficar mais livre a cada instante.
Ela ainda era casada.
Que tipo de animal passa três anos com uma mulher dessas
na cama sem dar uma mísera lambida?
Arrepia-se sob meu toque e faz o impossível para não me
olhar nos olhos. O encolher-se envergonhado de uma Tatiana
sendo despida faz maravilhas pela minha auto estima que tem
levado golpe atrás de golpe nos últimos tempos. Livro-me do
seu casaco, primeiro, antes de enfiar os dedos pelas alças de
seu vestido. O tecido é suave e desliza pelas suas curvas em
um instante.
Ou deslizaria se ela não tivesse interrompido seu
percurso na metade do caminho.
Seu lábio inferior treme e eu afasto as mãos para que ela
saiba que tudo bem.
Boa parte do seu sutiã está a mostra mas acho que é só
isso que Tatiana pretende me mostrar hoje.
E, acredite: é quase mais do que consigo aguentar.
Usa uma roupa íntima preta. Simples, mas suficiente para
me fazer endurecer.
Ai, droga…
Eu sei que nunca fui o rapaz mais esperto do ambiente,
mas correr pra nudez em um cubículo apertado foi a mais
estúpida das ideias.
Ainda bem que ela nos interrompeu ou eu estaria perdido.
Mas fazer o quê?
Sem problemas.
Não é como se eu nunca tivesse lidado com uma excitação
casual antes.
E também não é como se isso fosse razão suficiente para
me fazer perder a chance de verificá-la. Examinar com
indecência vale pros dois lados, não é?
Ok.
Tatiana é muito gostosa.
As curvas fartas e angulosas nos quadris e nos seios, as
pernas longas, a pele suave de tez latina. Ela parece que foi
esculpida em alguma coisa. "Alguma coisa" que eu gostaria de
morder um pouquinho porque parece ter um gosto bom.
A mulher é linda.
Minha rigidez é pouca. Discreta. Do tipo que basta um
puxão na calça jeans e logo estou confortável de novo.
Não toco seu corpo além do ato do quase despir porque
imagino que isso pode ultrapassar um limite e ela está
encolhida contra a lateral da cabine como se eu fosse capaz
de queimá-la.
Estou prestes a sorrir e fazer alguma piada: qualquer
comentário idiota para quebrar o clima tenso que se construiu
entre nós. Algo que a deixe mais a vontade e a faça perceber
que não há nada demais ali.
Mas eu ergo o olhar e, talvez, assim como ela fez mais
cedo, eu também deveria ter evitado seus olhos.
Você já foi atingido por um trem?
Eu também não.
Mas acho que as pessoas subestimam essa expressão quando
a usam.
Você acorda cansado em uma segunda-feira e diz que parece
que foi atingido por um trem.
Mas… não. Não parece.
Não parece que um comboio de vagões de cem toneladas se
chocou contra o teu peito, descarrilhando-se fora do eixo,
estilhaçando todos os ossos que você tem no corpo e deixando
pra trás centenas de outras vítimas e incontáveis famílias em
interminável luto. Não parece que tem uma chapa de metal te
impedindo de respirar enquanto farpas de vidro se enfiam no
seu coração.
Não parece isso.
Não de verdade.
Eu ergo o olhar para encarar Tatiana Corso e seu sorriso
tímido faz alguma coisa comigo.
Alguma coisa que eu não esperava.
Alguma coisa que eu não antecipei.
Alguma coisa que eu não achava que era possível e, mesmo
que fosse, certamente não achava que aconteceria por tão
pouco.
Um olhar.
Um sorriso.
Sobre seus saltos finos, ela é quase de minha altura. E o
que me perturba não é apenas seu corpo escultural que me leva
a meia ereção sem dificuldade. Ou seus cabelos longos e
escuros, presos em um rabo de cavalo alto, que me fazem
considerar qual seria sua textura se eu os enrolasse em minha
mão enquanto a como de quatro.
Não é apenas o tesão pelo corpo porque esse eu conheço,
espero e lido sem complicações.
O que me perturba é essa vontade que eu tenho de beijá-
la.
Vontade que apareceu sem muita razão e que,
definitivamente, não estava aqui há meio segundo.
Eu queria dizer uma piada.
Queria fazer um comentário que a distraísse.
Mas, de repente, não consigo pensar em nada.
Mordo meu lábio inferior. Talvez a dor ajude minha
concentração.
Diz alguma coisa, idiota.
Ela toca meu peito.
Não com libido ou intenção.
É apenas um toque.
É… honesto.
Íntimo.
Foge do meu olhar e eu o busco pra mim. Seus olhos
escuros e poderosos, vertendo-se em vulneráveis. Ela se
sentiu segura o bastante para ficar exposta e indefesa. Pra
mim. Por mim.
Não parece uma bilionária de 36 anos.
Parece uma virgem de 19.
E, em algum lugar entre essas duas personalidade que
lutam para assumir o controle do seu corpo, ela descobriu que
confia em mim.
Em mim.
De todas as pessoas…
Seu toque sobre meu peito é frio, mas me esquenta por
dentro.
Ela é linda.
Acho que até agora - até esse exato segundo - eu não
tinha notado o quanto.
Coloco minha mão sobre a dela e Tatiana se permite me
olhar nos olhos.
O trem.
Tem uma força estranha nos seus olhos escuros.
Algo forte e poderoso que me impede de respirar. Que faz
meu coração arder como se estilhaços de vidro estivessem
separando minhas artérias.
Cem toneladas de metal.
Vítimas e pânico.
Minha boca ainda está aberta.
Eu ainda não disse nada.
Preciso dizer alguma coisa.
A piada lembra?
O comentário leve para quebrar a tensão.
Respiro fundo e abro a boca. Mas as únicas palavras que
consigo expulsar são:
- Seu marido era um idiota. - ofego.
Seu sorriso tímido escapa em uma risada baixa de
descrença.
- Não se deve falar mal dos mortos… - anuncia, metódica,
como sempre.
- Não estou falando mal. - murmuro, rouco, e, por alguma
razão, acho que meu nariz está quase tocando o dela - Estou
falando um fato. Ele era idiota. - respiro fundo tentando
organizar minha mente mas o perfume dela me fode - Muito
idiota.
E eu estou duro.
Não casualmente.
Não pela metade.
Estou duro.
Pleno, imenso e doendo contra minha calça. Pronto para
fodê-la pela primeira vez em seis anos e é só nisso que
consigo pensar.
Estamos em silêncio, apreciando o calor um do outro, mas
não vai durar.
Devagar, chegamos ao ponto em que ou eu a fodo, ou a
visto de volta e acho que Tati também percebeu isso porque
abandona o meu peito para buscar as alças do vestido.
- Aqui. - afasto-me tentando quebrar a hipnose. Abaixo-me
para pegar minha camisa caída aos seus pés, é mais ou menos
aí quando eu sinto o cheiro.
É inconfundível, sabe?
Estou ajoelhado na sua frente e tenho certeza que aquele
cheiro é da sua umidade.
Sua calcinha está pesada e molhada nesse exato segundo e
eu estou aqui, de joelhos, sentindo seu cheiro de longe e
refletindo sobre minha vontade de senti-lo de perto.
Passo uma língua rápida sobre meus lábios secos.
Eu já estava duro antes. Mas agora minha situação é
absurda.
Ergo-me depressa. É melhor ela se cobrir logo ou eu acabo
esporrando nas calças.
O que diabos está acontecendo?
Engulo em seco. Ela se veste rápido. Talvez sentindo o
mesmo que eu, ou talvez isso seja apenas minha imaginação
arrogante projetando nela desejos que são meus.
- Acho melhor eu experimentar mais algumas camisas. -
limpo a garganta - Já que acabamos a lição de hoje. - tento
sorrir, desconcertado. Mas, veja bem: eu sou um homem bem
grande e eu estou bem duro. Por mais que Tatiana tenha se
permitido ser vulnerável a ponto de parecer a virgem de 19,
ela ainda é a mulher de 36.
Ela sabe que eu estou duro.
Eu sei que eu estou duro.
Se eu sair dessa cabine agora, o Barney's inteiro vai
saber que eu estou duro.
Ela, no entanto, é a rigorosa definição de "polidez" e
não menciona meu estado por qualquer sugestão que seja.
Eu a agradeço, mentalmente, porque, se qualquer
comentário fosse feito eu não acho que saberia responder.
Será que eu estou com vergonha? Aperto os olhos por um
instante. Minha desordem emocional chega a ser risível.
Em qualquer outro caso eu poderia ser explícito e obsceno
e foda-se. Apontar pra minha virilha e dizer "olha o que você
faz comigo". É idiota, eu sei: mas funciona.
Só que com Tatiana… parece errado.
Foi o modo como tocou meu peito.
O modo como olhou pra mim.
Uma intimidade preciosa que eu não quero destruir sendo o
babaca que fala de sexo.
Ela me oferece uma camisa azul e eu visto prontamente.
Inclino-me para que ela julgue e isso vira uma nova
brincadeira.
Não. "Brincadeira" não é a palavra certa.
O que acontece entre a gente é… carinho?
Ela escolhe as camisas e eu as visto. Ela as aprova com
polegares animados e um sorriso lindo. Ou recusa com uma
careta adorável.
Eu ainda estou duro nutrindo um sorriso imbecil na minha
cara. Principalmente quando ela se sente a vontade o
suficiente para me ajudar com os botões.
Tiro minhas mãos do caminho e deixo ela me vestir.
Desliza os dedos pelo meu peito e seu toque, com certeza,
não é fraternal ou familiar.
Mas também não é erótico.
É… algo novo.
Belisco sua cintura e ela me dá um tapa de leve, sem
perder o sorriso.
Eu tenho vontade de trazê-la pra perto. Sentir o cheiro
do seu cabelo. Ficar abraçado com ela, no meio das roupas e
escutar enquanto ela tenta me convencer que eu não sei o
título certo dos livros.
Eu tenho vontade de lhe dar um beijo.
Um de verdade.
Minha mão pesa na parte baixa de suas costas e seu
celular toca.
Ela se sobressalta como se tivesse esquecido que tem um
celular.
Como se tivesse esquecido que existe um mundo lá fora.
- Alô? - toca a testa, como se quisesse apertar os
próprios pensamentos - Oi Doug! Não, eu não… Já está no ar?
Há quanto tempo? - abre os olhos, nervosa, e verifica o
relógio em seu pulso - Não, eu… esqueci. - fecha os olhos,
lutando contra algo que preferiu não colocar em palavras -
Estive ocupada. Eu sei, eu sei. Não! Eu quero ouvir agora.
Você pode…? - ela fica em silêncio por alguns segundos -
Certo! Ótimo! - afasta o celular do rosto e olha pra mim -
Preciso de quinze minutos. Trabalho. Por que não experimenta
o resto e escolhe o que quiser? Eu já levo essas para o
caixa. - aponta para as que já aprovou - Doug? Oi. Pode
começar.
O trabalho parece tê-la hipnotizado de volta porque abre
a porta da cabine sem se incomodar que alguém possa vê-la.
Acho que estamos juntos porque eu também não me preocupo.
Na verdade, a única coisa que me incomoda é que ela se
foi.
E eu me sinto sozinho.
De um jeito estranho.
De um jeito… diferente.
Queria que ela voltasse.
Queria passar o ano inteiro com ela, dentro daquela
cabine.
4. Doze
Spencer

"Eu a percebo pelo sorriso. É como se houvesse algo


sobrenatural que nos vinculasse, mesmo que não fizesse
qualquer sentido. Eu, rude e experiente, marcado pela vida e
pela guerra: na alma e na cicatriz que trago no rosto. Ela,
delicada e pura, inocente para mais coisas do que posso
contar. Foi uma ideia ruim, Lancaster. Se era para casar por
aparências deveria ter escolhido uma mulher vivida. Uma que
soubesse o que está fazendo e no que está se metendo. E não
uma que, por engano, achou que não tinha escolha. Mas aí
estava. Votos ditos e alianças nos dedos, era minha mulher.
Ou deveria ser minha, mas nunca era. E nunca seria. Era parte
do nosso acordo: apenas aparências. Eu dei minha palavra de
homem e de cavalheiro que não a buscaria em sua cama ou
esperaria herdeiros. E, por mais que agora soassem nefastas e
dignas de tortura, eu não quebraria minhas palavras ou
macularia minha honra. Alice era tudo que eu queria. Alice
era tudo que eu não podia ter."
Fecho o livro.
Eu já terminei de ler esse livro e não sei por que me deu
vontade de começar a ler de novo.
Acho que gostei tanto que nada que eu tento ler depois
parece bom o suficiente.
Verifico as horas.
Teria sido melhor se eu tivesse que trabalhar hoje. Mas
depois de duas horas na academia, meus afazeres acabaram.
Hoje eu tinha nada para fazer… Ficar deitado no sofá,
encarando o relógio e esperando a hora de ir pra casa da
Tatiana ser vigorosamente ignorado por uma mulher deliciosa
não fazia bem pra minha ansiedade. O único problema de ir
trabalhar, esses dias, era a Vanessa que estava ficando mais
gostosa na mesma medida que eu ficava mais abstinente. Quase
aceitei seu convite antes de ontem. Quase a convidei ontem. O
que caralho ia acontecer se eu a visse hoje?
Verifico as horas de novo e nada no meu relógio se moveu
além do ponteiro dos segundos.
Alice era tudo que eu queria.
Alice era tudo que eu não podia ter.
Eu não queria Vanessa.
Eu queria sexo.
Minha questão era descobrir se eu queria sexo mesmo que
fosse com a Vanessa. Provavelmente não.
Eu poderia ir agora mesmo em um bar e arranjar uma mulher
pra comer no banheiro, apertada contra as cabines.
Provavelmente sim.
"Eu a percebo pelo sorriso", o conde de Lancaster tinha
dito.
O sorriso de Tati que me deixou preso de um jeito
curioso.
Minha abstinência de duas semanas.
A abstinência dela de seis anos.
O espaço que eu tenho na sua vida é bem claro: ela só
precisa de mim para manter o tal Marcus bem longe. Não existe
exatamente uma razão para eu achar isso uma ideia ruim: ter a
companhia de uma mulher linda e interessante por alguns dias
em troca de um aluguel pago, um book, alguns contatos e…
Cinquenta mil dólares.
Isso era dinheiro pra me manter o ano inteiro.
Provavelmente mais.
Passei os últimos cinco anos economizando e, depois de
minha mudança para Nova York, tudo que tinha me restado era
pouco mais de dois mil.
Um mês por cinquenta mil não era nada mal.
E eu não precisaria mentir ou ser usado ou transar…
O pensamento escorrega doce entre tantos outros, faz
pesar minhas pálpebras e consciência. Estou de olhos fechados
com o livro caído sobre meu peito.
Lancaster observando Alice a distância, desejando poder
fazer com ela coisas que ela nunca experimentou.
Eu observando Tatiana de perto, desejando poder fazer com
ela coisas que ela tinha esquecido.

À
Abro os olhos e esfrego meu rosto com força. Às vezes, a
gente precisa dar uns tapas metafísicos em si mesmo para
afastar ideias que nunca deveriam ter sido germinadas pra
começo de conversa. Eu só preciso de sexo.
É por isso que estou considerando Vanessa.
É por isso que não consigo parar de pensar em Tatiana.
Só por isso.
Não tem a ver com aquela bunda gostosa ou aquela pele
macia.
Deus, como eu queria que tivesse derrubado o vestido.
Acho que sonhei com o topo dos seus peitos hoje.
Cobertos por aquele sutiã preto e bem simples, me
deixando mais duro que muita mulher nua em pelo. Só um
relance de um decote, timidamente tapado por mãos arredias e
incertas.
Delicada e pura.
Inocente para mais coisas do que eu poderia contar.
Ela merecia umas mordidas.
Talvez até precisasse.
Esfrego meu rosto de novo.
Fico de pé com um pulo.
Daqui a poucas horas preciso estar em sua casa e é mesmo
melhor para todo nós que eu não esteja perdido em divagações
sobre sua bunda ou o que gostaria de fazer com ela se tivesse
mais colhões que o Lancaster. Mas somos dois covardes, eu e
ele.
Sei que ele vai se masturbar pensando em Alice, no
capítulo seguinte, para tentar impedir seus pensamentos
impuros diante da mulher que, apesar de suas melhores
tentativas de fingir o oposto, é virgem ainda. E se foder o
próprio punho é bom o bastante para um lord, vai ter que ser
bom o bastante para mim também.
Poucas horas.
O Lancaster vai se agradar uma vez só.
Mas eu tenho tempo pra duas.

***************

Tatiana
Doze.
No sistema de numeração duodecimal, o doze é o número
base.
A referência.
O padrão.
Doze meses no ano, doze pontos no compasso, doze signos
do zodíaco.
Acho que é por isso que os egípcios acharam de bom tom
definir que uma hora seria 1/12 de um dia, entre o nascer e o
pôr do sol.
Doze minutos para o fim do expediente.
Eu poderia ter ido pra casa mais cedo, mas o que eu ia
fazer lá?
Passar doze minutos a mais esperando o Spencer?
Pensando em tudo que poderia dar errado e tudo que
poderia dar certo.
Ele era uma década mais novo do que eu. Treze anos para
ser exata. Mal tinha começado a vida adulta e é por isso que
eu só pretendia tê-lo pelas aparências. Fingir que ele era
algo que, em realidade, eu jamais o permitiria ser, apenas
por algumas horas de alguns dias para afastar o outro que eu
fingia não querer quando, em realidade, mal conseguia parar
de desejar.
Passei pouco mais de uma hora com o Spencer naquela loja…
e agora eu estava encarando aquele plano com outros olhos e
outros receios.
1/12 de um dia, entre o nascer e o pôr do sol tinham
mudando muita coisa.
O que aconteceria hoje? Quando eu passasse outra 1/12 de
um dia com ele, mas, dessa vez, entre o pôr do sol e o
nascer?
Ele era lindo e bom de ter nas mãos. Essa parte eu tinha
percebido depressa. Encarou minha pele coberta por nada além
de roupa íntima e modéstia, respirando meu perfume, fazendo-
me derreter em luxúria. Soberba.
Antes da cabine, ele era só um cara.
Depois da cabine, ele era um cara que eu poderia querer.
O cara treze anos mais novo que eu poderia querer.
Meu Deus, Tatiana… no rank das más ideias essa era tão
grande que ocupava, sozinha, os primeiros três lugares.
Mas não me abandonava essa sensação forte de ter,
possuir, morder, querer e agarrar.
Existe mesmo homens no mundo que são violentamente
deliciosos e, sim, essa é a palavra: violentamente. Não
existe nada pacífico em Spencer sem camisa. Não existe nada
calmo, reflexivo ou adequado. Aquele peito despido é uma
agressão. É um negócio que te faz querer mostrar os dentes e
arranhar até verter sangue. Tem homem que tira a camisa e
parece que leva tua sanidade junto. Nunca tinha acontecido
comigo, até agora.
Era rígido de um jeito macio, ou macio de um jeito
rígido. Jovem a ponto de me fazer questionar e experiente a
ponto de me fazer implorar. Havia pouca coisa em Spencer que
não fosse uma contradição, mas toda ela só ficou evidente no
Pós-Cabine.
Maldita hora que decidi fazer aquilo.
Maldito 1/12.
Respiro fundo em meu escritório de paredes de vidro,
encarando o relógio sobre minha mesa.
O ponteiro dos segundos se move como se estivesse
apontando para mim e rindo. Como se tivesse feito uma máfia
com todos os outros relógios do mundo para atrasar a rotação
da Terra apenas para garantir que os doze minutos que me
faltavam iam correr como doze anos.
Só vai pra casa, Tati.
Não tem mais o que fazer aqui.
Esses minutos dificilmente vão fazer diferença.
Encaro meu computador tentando fingir que ainda consigo
me concentrar para fazer a última coisa do dia. Mas não
consigo. Eu sei disso e todos os ponteiros de segundos no
mundo sabem também.
Respiro fundo.
Por que estou tão ansiosa?
O que diabos eu acho que vai acontecer?
E mais que isso: o que diabos eu queria que acontecesse?
Péssimo dia para usar um rabo de cavalo porque eu queria
mesmo enfiar as mãos pelos meus cabelos até arrancar dali
pensamentos incoerentes de uma libertinagem que nunca me foi
característica.
Spencer com seu cheiro de homem e sua barba mal feita
pressionando-me contra a parede. Minhas entranhas ardendo e
derretendo, implorando por uma coisa que eu sequer sei se é
certo pedir.
Eu devia ter pedido pra Pamela ficar, depois de nossa
reunião. Talvez ela conseguisse me distrair.
Ou, talvez ela lesse meu desespero bem demais e eu
acabasse confessando a origem da minha ansiedade. E aí o
arrependimento seria bem maior.
Manter-me entretida por aqueles doze minutos exige um
sacrifício digno de Homero.
A sobrevivência ali é uma vitória por si só.
Hora de ir pra casa e fingir que eu não estive esperando
por esse jantar o dia inteiro.
- Estou incomodando? - Marcus bate na minha porta
entreaberta e tem um sorriso que me faz hesitar.
- Marcus! Não sabia que vinha! Temos algo marcado?
- Tive um reunião com seu pessoal de marketing, achei que
você ia participar.
Respiro fundo.
- Ah, não, não. Eu tive que fazer… outras coisas. -
explico.
Ele assente, com um sorriso agradável e um piscar de
olho.
Eis o que você precisa saber sobre Marcus: ele não
precisa participar dessas reuniões de marketing. Contratei
sua agência há muito tempo e nunca me arrependi, mas ele está
muito alto na hierarquia para efetivamente precisar
comparecer pessoalmente em toda e qualquer reunião. A de
hoje, por exemplo, é tão baixa no radar de importância que eu
sequer sabia que estava acontecendo. Ele, no entanto, parece
agarrar qualquer oportunidade para vir fazer uma visita.
E isso é parte do problema.
- Você quer sair pra beber alguma coisa? - convida,
tomando minha cintura para me dar um beijo na bochecha.
Aceito seu abraço e seu beijo. Meus olhos se fecham
devagar e eu me sinto culpada.
Marcus tem algo igual ao Spencer e algo completamente
diferente.
Ele também é imenso com seu cheiro de homem e barba mal
feita. Tem o mesmo charme cru.
Mas, enquanto Spencer tem um jeito de quem sabe lamber,
Marcus tem um jeito de quem sabe beijar.
O tipo de homem que sabe exatamente como te abraçar pra
te fazer sentir querida e protegida.
- Eu… eu tenho planos. - mal consigo respirar.
Ele não me soltou. Ainda estou presa contra seu peito,
seus dedos acariciando minha cintura de um jeito tão
familiar.
- Não. Desmarque. - ri, brincando - Vai sair comigo,
hoje.
Eu estou rindo também. Abaixo o rosto, disfarçando meu
sorriso e ele tem o nariz nos meus cabelos. Respira-me e
beija minha testa.
É tão fácil com Marcus.
É tão simples.
Quando ergo o olhar de volta ele está tão perto que
poderia me beijar. Deslizo as mãos por seus ombros.
Às vezes, queria que ele fizesse isso: me beijasse.
Através da minha culpa e insegurança. Apenas tomasse a
decisão por nós dois e me beijasse, talvez assim fosse mais
fácil. Ou mais difícil.
Engulo em seco e sinto minha garganta doer.
Minhas emoções começam na garganta.
Aquele abraço é tão bom que eu não quero que acabe.
Mas eu sei que não pode continuar.
Nada bom vem daquele abraço.
Se ele me beijasse só haveria culpa e desconforto.
A ideia do desejo e me deliciar na sua boca é algo que só
existe na minha cabeça. No segundo que os lábios se tocassem,
a doçura da ilusão ia ser substituída pela amargura da
realidade e eu ia perceber que a diferença dos sabores, aqui,
seria suficiente para um engano desastroso.
- Fiquei sabendo da sua promoção! Vai dirigir o
escritório em São Francisco? - tento mudar de assunto. Mas
tensão sexual é como uma barata em um acidente nuclear: ela
vai sobreviver, não importa o que aconteça.
- Ainda não aceitei. - dá de ombros.
Não me solta.
Nunca me solta.
- E por que está hesitando? É uma oferta incrível!
- Eu não… - ele é lindo com seu sorriso desconcertado -
não quero deixar os amigos para trás. Tenho coisas demais
aqui.
- Mas São Francisco tem o sol! E o mar! Uma casa perto da
praia deve ser incrível.
- Ah é? - ri - Está pensando em se mudar, Corso? Porque
isso pode ser um ponto a favor de São Francisco!
- Nunca se sabe! - estou me divertindo na brincadeira,
mas é só quando seu sorriso muda de intensidade que eu
percebo o que fiz.
- A gente pode dividir uma casa, então. - provoca, mas
tem seriedade demais no seu tom - Ser colegas de quarto.
- Ia ser uma boa economia de dinheiro. - arregalo os
olhos, sarcástica.
Ele me solta um pouco porque sua risada exige.
- Não. - engulo em seco, nos trazendo de volta ao trilho
- Não posso sair de Nova York. Alguém tem que cuidar da
Pamela.
- Verdade. - assente.
Tem calor no jeito como me observa.
Adoro ficar sozinha com ele.
Detesto ficar sozinha com ele.
Olho para o relógio.
Doze minutos.
Se eu tivesse saído doze minutos antes poderia evitar
tudo isso.
- Vem beber alguma coisa comigo. - pede - Eu deixo você
tentar me convencer.
- A ir? Ou a ficar?
- Você escolhe. - tem tanto significado por trás da sua
resposta.
Por trás do jeito como ele pronuncia as palavras.
Não posso fazer isso.
Não posso, não posso, não posso.
E é exatamente isso que digo:
- Não posso, Marcus. - cabe a mim empurra-lo educadamente
para fugir do seu abraço - Tenho planos. Eu… - ah meu Deus -
Eu tenho um encontro.
Acho que nem um tiro seria capaz de fazê-lo recuar tão
depressa. A sua surpresa é igualada apenas pela sua
incredulidade, quando me observa como se pergunta nenhum no
mundo fosse suficiente para apaziguar a confusão que sente no
momento.
- Um encontro?
- É. Eu… conheci alguém. Já imaginou? Logo eu. - sorrio,
sem jeito - Ele vai cozinhar pra mim hoje a noite. Preciso ir
para casa, recebê-lo.
- Ah!
"Ah".
É tudo que ele diz.
Atordoado.
Observa-me como se estivesse tentando me colocar em foco
apenas para descobrir que não é possível.
Eu o machuquei tentando não machucá-lo. O mal que a gente
faz quando não queria fazer mal algum.
Preciso sair dessa sala.
Preciso sair desse prédio.
- Acho que Pamela ainda está aqui! - aviso, tentando
disfarçar o desespero que é sempre tão perceptível no tom
agudo da voz em momentos assim - Ela vai adorar ir com você!
- Ah?
Ele parece preso naquela mesma palavra.
Naquela mesma letra.
- É! - tento animá-lo - Vem! Não faz quinze minutos que
ela foi embora! - fechei a porta da minha sala e estou
conduzindo Marcus pelos meus corredores. "Pânico" talvez seja
um exagero. Ou talvez "pânico" seja a medida certa - Ela
ainda deve estar aqui! - minha afirmação, na verdade, é um
pedido. Um que logo se concretiza porque estou ouvindo a voz
dela.
Hesito.
Estou ouvindo os gritos dela.
- … E VOCÊ ACHA QUE É DA SUA CONTA?
- É da minha conta se interfere com minha vida!
- Se é sua obrigação de trabalho, Julia, não tem nada a
ver com "interferência na sua vida". É uma coisa que te pagam
pra fazer e você faz.
- E você me paga? Desde quando?
A outra voz é Julia, minha assistente.
Desconheço qual o motivo para tanta comoção, mas vejo as
duas nas imediações dos tapas assim que entro na recepção,
temporariamente esquecendo do Marcus em minha tentativa de
evitar que a discussão vire caso de polícia.
- A Tatiana não te paga? Isso é pra Tatiana.
- É por isso que eu recebo minhas ordens dela e não de
você!
- Não sei quem te deu intimidade pra…
- Não preciso de intimidade! Eu tenho noção! Algo que te
falta!
Pamela enche os pulmões de ar. Está lívida e vai
responder com algo a altura e além quando eu preciso me
colocar entre as duas.
- Ei, ei, ei! Vamos abaixar as vozes! - olho ao redor do
hall para a pequena plateia que as duas já cativaram - O que
aconteceu?
Minha amiga encara o relógio como quem não consegue
acreditar que passou tanto tempo discutindo algo tão sem
importância.
- Eu pedi pra Julia fazer uma alteração nas nossas
reservas pro cruzeiro porque eu decidi levar um acompanhante.
É ela quem está resolvendo as nossas reservas, não é?
- É ela quem está resolvendo as minhas reservas. -
corrijo.
Pamela estreita os olhos.
- A minha está junto com a sua! Eu nem tenho os códigos
da porcaria!
- Tudo bem. Julia, você pode ver se as reservas da Pam
estão vinculadas a minha? Se estiver, pode fazer a alteração.
Não entendo qual o problema.
- O problema é que sua assistente é louca.
- O problema - Julia reforça a palavra - É que você fez
essa reserva em seu cartão profissional. E como vamos saber a
procedência de quem a madame vai levar? Vai querer pagar a
viagem de um garoto de programa no seu cartão da empresa,
chefe?
- Garota, a tua cara de pau é um negócio mesmo admirável!
- Pamela rosna - Quem te deu intimidade para julgar minhas
companhias?
Julia só dá de ombros e eu preciso intervir de novo,
antes que a gritaria retorne.
- Ju! - ergo as mãos para as duas, como adultos fazem a
crianças - "Cartão profissional" é só uma separação que eu
faço para controlar minhas próprias finanças, não faz
diferença qual cartão eu uso, são todos meus e você sabe
disso! Pode acrescentar o convidado da Pamela a nossa reserva
e depois eu resolvo o valor com ela. Se era só essa sua
preocupação, está resolvido.
Pamela morde o lábio inferior como se fosse capaz de
matar alguém diante de polícia, júri e juiz.
Julia, por sua vez, respirou fundo e é o retrato da
dignidade.
- Era só essa minha preocupação. Se me dão licença.
Suas palavras são curtas e quase educadas, mas seu rosto
está rígido e corado.
- Você precisa demitir essa assistente! - Pamela é a
personificação da fúria assim que estamos a sós com Marcus.
- Não vou fazer isso.
- Mas devia! Garota mal educada, inapropriada… - ela
deixa a palavra solta como quem tenta pensar em outras para
continuar, mas não consegue lembrar de nenhuma - Desde quando
é da conta dela com quem eu saio? Ela fica vigiando os teus
encontros também?
A frase parece arrancar Marcus do torpor que se enfiou
desde que ouviu minha confissão.
- Eu… eu acabei de lembrar que tenho que ir pra casa.
Preciso terminar de resolver umas coisas.
Congelo onde estou.
- Tem certeza? A Pamela pode ir com você. - ofereço sem
sequer ter conversado com ela.
- Pra onde? - ela pergunta.
- O Marcus queria sair, mas eu tenho um compromisso.
Imaginei que você podia ir com ele.
- Posso ir. - ela ainda tem uma careta de irritação.
- Não. - ele repete - Tenho que… casa…
Ele se vai.
Não sei se se despediu. Acho que não.
Pamela me encara em vívida mistura de confusão e
desconforto.
- Eu vou encontrar um bar e um homem solteiro. - resmunga
- Antes que essa noite fique ainda mais estranha.

***************

Spencer

Tatiana fez questão de chamar o Uber pra mim.


Eu não discuti. Está chovendo como se o mundo fosse
acabar e a mulher já está me dando tanto dinheiro, que
diferença faz uns poucos dólares?
É estranho porque minha criação sempre foi "o homem paga"
ou "vocês dividem". Deixar a mulher pagar tudo assim sem nem
questionar exige um pouquinho de esforço, mas aqui estamos.
Ela mora em um apartamento em Manhattan, no coração do
Upper East Side, o bairro de Nova York conhecido por ser o
lar do histórico Hotel Carlyle, do Museu de Arte
Metropolitana e de muita gente rica. Eu entendo quase nada do
mercado imobiliário, mas suspeito que esse bairro seja um dos
metros quadrados mais caros do mundo.
- É aqui? - O motorista do Uber pergunta, esticando-se
para investigar a altura de um dos prédios, além da chuva
torrencial.
Eu não faço ideia se é aqui.
Mas se o GPS diz que é aqui, então é aqui.
E é exatamente isso que digo:
- É aqui.
Desço do carro, depressa, para me esconder embaixo da
primeira proteção que encontro e é minha vez de investigar a
altura do prédio de Tatiana.
É castanho e colossal.
A entrada parece ter sido esculpida direto em pedra e
bronze. O portão de cobre tem uma aparência clássica e velha,
mas brilha como se fosse uma joia.
Está aberto e ladeado por dois jarros escuros, cada um
ocupado por uma planta imensa de aparência exótica que deve
ter custado mais que meu salário completo. Ao lado da porta,
como se fizesse parte da decoração, um porteiro de uniforme
cinza me aguarda com um sorriso que é educado, mas não
exatamente amigável.
- Boa noite, senhor, posso ajudar? - fala alto, para ser
ouvido além da tempestade.
- Ah… - gaguejo - Número 515? - confirmo.
- É aqui mesmo, senhor. Veio visitar alguém?
Engulo em seco.
Ele me encara de cima pra baixo.
Sempre me impressiona como funcionário de gente rica
consegue intimidar tanto.
- Número… ah… quinze? - pergunto - Acho que o décimo
quinto andar.
Ele pisca como se minha resposta parecesse de verdade com
uma mentira.
- Quem o senhor veio visitar? Talvez eu possa ajudar,
caso não lembre o andar.
Suas palavras são perfeitamente comportadas, caso eu
esteja falando a verdade.
Mas estão, ainda assim, plenas de animosidade, caso eu
não esteja.
Deve ter um curso que precisam fazer: "Como intimidar
pedestres plebeus que cruzem o seu caminho mesmo que, no fim
do dia, você seja basicamente igual a ele".
- Tatiana Corso? - não sei porque aquilo soa como uma
pergunta.
Mas minha entonação permaneceu ignorada, já que o nome
foi suficiente para mudar sua expressão.
- Veio visitar a senhorita Corso?
- Isso. - aceno.
- Qual seu nome, senhor?
- Reese. Spencer! - corrijo.
- Por aqui, senhor. - além do portão de cobre, que está
aberto e parece ser meramente decorativo, há um par de portas
de vidro que pesam na mão e no braço. Aquilo parece aço e um
monte de vidro a prova de balas se você me perguntar, mas não
acho que perguntou então seguimos.
O porteiro tem um pequeno rádio na mão e diz as palavras:
- Reese Spencer para a senhorita Corso. - ao me deixar
entrar.
O hall do prédio é de cerâmica branca e imaculada. Um
tapete marrom escuro a esquerda é acompanhado por alguns
sofás e poltronas que parecem mais confortáveis que minha
cama e mais caros que meu aluguel. A direita, quatro
elevadores e uma pequena recepção.
O homem que me espera ali também está devidamente vestido
com seu uniforme cinza e confirma meu nome para o rádio que
tem na mão.
- Boa noite, a senhorita Corso já está esperando o
senhor. Se me der um instante, vou só avisar que já está
aqui. - ele pega o telefone na recepção e me convida para
sentar enquanto espero.
Eu fico de pé até porque, rápido demais, ele volta.
- Senhor? Por aqui. - ele passa o cartão de acesso em um
dos elevadores para chamá-lo, e mais uma vez antes de apertar
o botão.
O último andar.
A cobertura.
Lógico.
A viagem para cima não demora muito e logo as portas se
abrem direto para a sala de entrada de Tatiana.
Digo "sala de entrada" porque não sei se aquilo tem um
nome específico e certamente não deve ser a única sala que
ela tem.
Sou recebido, primeiro, pelo cachorro. Um collie imenso e
felpudo.
- Oi, garoto. - coço suas orelhas, mas a personalidade
dele está mais próxima de um lord do que da minha. Apenas me
observa sem dar muita intimidade para um desconhecido.
- Acho que o Bruce gostou de você! Trouxe suas facas? -
sua voz atrai minha atenção ao me provocar - Sei como é
apegado a elas.
- Droga! Sabia que estava esquecendo alguma coisa. -
beijo sua bochecha, levemente aliviado. Acho que parte de
minha ansiedade derivava do como nos despedimos da última
vez. A experiência da troca de roupas foi incrível, mas logo
depois que ela foi embora… eu não tinha mais certeza se ela
estava só ocupada com o trabalho, ou se estava mantendo-se
ocupada para não precisar me encarar.
- Vem. A cozinha é por aqui. Quer ajuda? - aponta pra
minha mochila com um ar de curiosidade.
- Trouxe meus ingredientes! - explico.
- Spencer, eu tenho uma despensa cheia!
- Está se exibindo? - brinco, seguindo-a.
- Não precisava ter trazido nada!
Ela usa um vestido branco e pesado que se agarra em suas
curvas. Mas a verdade é que Tatiana tem curvas tão deliciosas
que acho difícil ela achar algum tecido que não se agarre a
elas. Tem um decote modesto e, por cima de tudo, um casaco
cinza bem fino.
- Você sequer sabe como as estrelas do Michelin
funcionam… acha mesmo que vou confiar na sua cozinha?
- Trinta segundos e já mencionou as estrelas.
- Próxima vez nem espero vinte.
Seu apartamento é imenso.
A sensação é que estou em uma mansão.
Uma mansão a dezenas de andares pra cima, mas uma mansão
ainda assim.
A sala de entrada se abre para a direita e esquerda em
uma combinação de outras salas e ambientes até perder a
vista. O apartamento pareceria continuar infinitamente, não
fossem pelas janelas largas que vão do chão ao teto exibindo
a vista para a enoitecer da cidade nublada pela tempestade.
Não há iluminação nos tetos, pelo menos nenhuma acesa, no
momento. Toda iluminação é indireta, criando uma penumbra
confortável sobre a mobília cara de Tatiana que certamente
foi escolhida a dedo.
Nada ali parece ter sido colocado no lugar pra ocupar
espaço, por falta de reflexão ou porque era o que cabia no
orçamento.
- As facas estão ali. - avisa quando, por fim, entramos
na cozinha - Não sei se tenho as certas.
Estou rindo porque não sei se foi uma piada.
- Tem as certas. - Tem as erradas também. Tem todas.
Na verdade, tem absolutamente tudo mesmo.
Já vi cozinhas de restaurantes menos preparadas do que
aquela.
Ela tem absolutamente tudo e acho que meu queixo caiu
quando raspo as pontas dos dedos pelo equipamentos de ponta
espalhados em sua cozinha.
- Nossa… - me permito um segundo de admiração diante do
seu sous-vide - Olha pra isso…
- Excitado? - brinca.
- Tatiana, isso é melhor que mulher.
- Sério? - ela ri muito alto - Vou lembrar que disse
isso.
- Pode botar por escrito que eu assino. Você tem um
steamer comercial em casa? - verifico aparelho - Se eu
soubesse que você tinha todos os brinquedos legais eu tinha
me preparado pra cozinhar outro prato.
- Minha despensa está cheia, lembra? Pode mudar de ideia,
se quiser.
- Posso mesmo? - ela tem os braços cruzados quando me
observa com aquele sorriso lindo. Tem um par de rugas que
aparece abaixo de cada um de seus olhos quando ela sorri
daquele jeito. Fica ainda mais bonita.
Engulo em seco.
- Eu insisto.
Ela escolhe uma das cadeiras no balcão da cozinha e me
observa a distância enquanto eu exploro sua cozinha como
faria a um parque de diversões.
Aquilo é quase uma cozinha profissional.
A única coisa que falta é tamanho, juro por Deus.
E quando ela disse que a despensa estava "cheia" eu
pensei na feira do mês… Mas Tatiana tinha lagosta, salmão
escocês, trufas negras e sorbet de mostarda.
Aquilo era o paraíso.
E foi exatamente isso que eu disse:
- Isso aqui é o paraíso.
- Melhor que mulher? - acena.
- Nua e na minha cama.
Escuto sua risada às minhas costas.
- Eu posso fazer um cannelloni de abacate com esse
salmão. OU! Uma salada de beterraba e maçã pra comer com esse
sorbet de mostarda verde. SABE O QUE TAMBÉM FICAVA ÓTIMO? Um
ravioli de lagostim com essa trufa, você tem fois gras e
repol…? Claro que tem. - encontro os itens - Eu não sei o que
fazer primeiro! Você tá com fome? Quer mais de um prato?
Ela está escondendo o sorriso. Deixou-se cair sobre o
balcão pra deixar bem claro o quanto está achando hilário o
meu deslumbramento.
- É, eu sou pobre, tá? Pode rir. Mas isso aqui pra mim é
tipo natal, ou aniversário, ou…
- Mulher nua na sua cama.
- De perna aberta, Tatiana. Bem aberta.
- Meu Deus.
Eu ia explicar pra ela exatamente que eu estava chegando
o mais perto que dá de um orgasmo sem tirar as roupas, mas aí
eu vi algo com o canto do olho, em seu refrigerador ainda
entreaberto.
- Isso… Isso aqui é wagyu?
- Não sei. - ela se estica pra conferir - Acho que sim.
Mas a marcação na embalagem transparente a vácuo é bem
clara.
350g de Wagyu.
E ela tem uma porção de cortes.
- Já experimentou? - pergunta.
Eu olho pra ela sem responder. Acho que meu choque
respondeu por mim.
- Acho que temos um vencedor! - sorri.
Se você não sabe, deixa eu te explicar: wagyu é o caralho
da carne mais cara que existe no mundo. É gado de corte
japonês alimentado a vida inteira de acordo com regras muito
específicas. Restaurantes cobram - fácil - mais de 150
dólares por 100g de wagyu no seu prato.
E eu to segurando dois pedaços de 350 agora mesmo.
Até a respiração falhou.
- Spencer? - seu tom é levemente preocupado.
- Steaks com purê de batata. - decido - Simples e sem
arrodeios.
Ela só gesticula para que eu fique a vontade.

***************
Tatiana

Eu não sou uma pessoa erótica.


Minha libido nunca foi uma coisa acentuada, sabe? Nunca
fui vítima de calores ou fraqueza das pernas.
Daniel era sóbrio e clássico. Nossa vida sexual, quando
viva, era calma e comportada.
Eu tinha muita experiência com quantidade e até com
qualidade: Como aprender a compreender os gostos daquele um
homem.
Mas se você precisa de alguém com diversidade, vai
precisar continuar procurando porque eu não posso te ajudar.
Não sei como é ter uma noite de sexo suado que signifique
nada. Nunca transei em cômodos da casa que não fossem o
quarto, minha única experiência em uma banheira foi horrível
e só de pensar em sexo em lugares públicos minha vagina
resseca de pânico.
Eu também sou sóbria e clássica, eu acho.
Nunca tive em mim aquele desejo arrebatador que as
pessoas descrevem como responsável por fazê-las cometer
loucuras quando a carne é tão fraca que a razão deixa de
existir.
Minha carne é forte.
Talvez isso tenha ajudado a matar minha vida sexual com
meu falecido marido.
O pouco interesse dele somado ao meu pouco interesse dava
resultado negativo.
Eu não sou uma pessoa erótica.
É por isso que é estranho me perceber encarando Spencer
enquanto ele cozinha.
Subiu as mangas, exibindo antebraços que são só músculos
e veias. De costas, distraído com as batatas, me dá tempo
para observá-lo com calma: as costas fortes e aquela bunda
que me dá vontade de…
Tatiana!
Desvio o olhar como se tivesse sido pega, mesmo que tenha
nenhuma testemunha de meu crime além de minha própria
consciência.
Ele é lindo.
Lindo de um jeito que não é normal, sabe?
Não é aquele cara que você olha e diz "nossa".
É mais que isso.
Spencer é lindo de um jeito que causa sorrisos
involuntários.
Parece que teu queixo derrete quando você olha pra ele e
não dá mais pra parar de sorrir. Não dá pra desviar o olhar.
Não dá pra quebrar o encanto.
E seria só isso.
Principalmente se ele continuasse sendo o homem sem papo
que só conseguia falar de facas e contar estrelas, mas aí eu
descobri que ele é simpático e quando ele ficou sem camisa…
Não sei se dá pra voltar no tempo e fingir que não sei dessas
duas coisas.
Fingir que não sei que ele é gentil.
Fingir que não sei que ele é delicioso.
Esfrego meus olhos.
Não faz diferença.
Ele é bem mais novo que eu e está ali para prestar um
serviço.
Se eu continuar a encará-lo desse jeito vou constrangê-
lo.
- Você não tem música na sua cozinha, tem? - pergunta,
com uma careta de quem acha que está pedindo demais - Eu
tenho costume de ouvir algo enquanto… - aponta para as
batatas que está descascando.
- Tenho. - aponto pra caixa de som do Google Home. -
Alguma preferência?
- Qualquer coisa que você estivesse escutando. - dá de
ombros.
Ativo o comando de voz para que toque minha playlist.
Assim que a música começa a tocar, eu me arrependo.
Não uso palavrões com frequência, é por isso que quando
digo que a música que preenche minha cozinha é romântica PRA
CARALHO, eu espero que você acredite em mim. O violão
acústico é quase o único instrumento, a voz melodiosa
feminina é como se a cantora tivesse aprendido a derreter os
próprios suspiros enquanto canta que "quando eu quero você,
tudo que eu preciso fazer é sonhar".
Ele para de descascar as batatas e se vira lentamente,
quase dramático, sorrindo.
- Eu vou… mudar. - gesticulo - O que você gosta de ouvir?
- Não, não. Essa tá ótima.
Tem um par de covinhas adoráveis, faz você ter vontade de
mordê-lo todinho quando sorri daquele jeito.
Meu Deus, Tatiana!
Qual o meu problema?
Eu não sou erótica, lembra?
Então por que diabos a cada três pensamentos que tenho,
quatro envolvem morder o Spencer?
Treze anos de diferença. Treze anos de diferença. Treze
anos de diferença.
- Ah… - coço a testa, ele virou de costas e eu preciso
implorar aos deuses por algo que me distraia de sua bunda -
Que filme você quer assistir? - pergunto.
Isso. Boa ideia, Tati.
Conversa sobre algo casual.
Não fica lembrando da sensação da pele nua dele sob teus
dedos.
O assunto do filme é seguro.
Desde que ele não queira ver um filme pornô, tá tudo
certo.
- Ah! Ele está disponível no youtube, de graça! -
responde.
- Eu… não acho que foi isso que eu perguntei.
Ele morde o canto do lábio quando olha por cima do ombro
para me analisar.
- O que foi? Spencer… qual o filme?
- Não sei se é exatamente o que você estava esperando…
- Eu não vou assistir pornô, Spencer. - decido.
Abandona as batatas para se virar pra mim. Tem um sorriso
imenso de descrença.
Suas covinhas se marcam profundas nas duas bochechas
quando passa a ponta da língua no sorriso.
Por que as covinhas, Deus? Está me punindo por alguma
coisa? É isso?
Estou lembrando do cheiro da sua pele. Da carne rígida
dos seus músculos.
- Eu nem sabia que pornô era uma opção.
Sei que estou vermelha porque sinto minhas bochechas
queimando. Prendo a respiração enquanto ele mantem aquela
risada travessa, decidindo o que fazer comigo.
- E não… - gaguejo, incerta - E não é mesmo!
- Hmhum. - cruzou os braços, apoiado contra o balcão da
minha cozinha. Tem um olhar que não chega a ser carnívoro,
mas é quase. - Gosto como você foi direto pra pornô. Estou
curioso pra saber o que você escolheu, agora. Acho que vou
preferir começar por ele.
- Já fez sua piada? - ralho, com um sorriso constrangido
e ele ri mais alto - Já se divertiu às minhas custas?
- Você foi DIRETO pra pornô!
- Já estou BEM arrependida! Pode por favor me dizer qual
o seu filme?
- Gatinhas na Banheira: O Retorno. - ri.
Eu jogo uma laranja inteira na cabeça dele, mas ele a
apanha no ar
- Cozinha em silêncio, acho que é melhor! - jogo outra
laranja nele e mais outra, ele apanha todas e faz um pequeno
malabarismo, mantendo-as alternadamente no ar antes de
colocá-las de volta no balcão.
- É um filme de 1920. Faz uma análise sobre bruxaria e
como a sociedade percebia o comportamento feminino, em dois
períodos históricos diferentes.
- 1920?
- É. Porque ao contrário de certas pessoas que não serão
nomeadas eu sou uma pessoa de cultura.
- Escolheu um filme de 1920? - eu o encaro sem acreditar.
- Acha que só porque eu sou mais novo não sou capaz de
apreciar um filme preto e branco?
- Não é só preto e branco! - quem está rindo sou eu - É
cinema mudo. Você escolheu… - dou de ombros - Duas horas de
cinema mudo pra assistir em um encontro? Eu achei que você
era tipo o ás da sedução! Eu já vi esse filme! É inspirado no
Mallus Malleficarum, não é? COMO você consegue dar em cima de
uma mulher vendo esse filme?
Ele fica em silêncio por um segundo.
Tem um sorriso calmo. Um olhar quente.
Quase parece desajeitado quando passa a mão nos cabelos,
é tão lindo que eu tenho vontade de chorar e tirar uma foto
sua para depois poder chorar olhando pra foto.
- Eu não sabia que era um encontro. - murmura - Não sabia
que estava tentando te seduzir.
Meu estômago afunda.
Claro que não é um encontro.
Claro que não está tentando me seduzir.
Eu ficaria desconcertada, mas o jeito como ele me olha… O
jeito como parece se arrepender de não ter notado que aquele
cenário era possível. A satisfação em seu sorriso ao ouvir
minha confissão acidental.
Mas minha vergonha é maior que seu olhar. Maior que seu
sorriso.
E, por fim, "desconcertada" é exatamente o que fico.
- Eu sinto muito! Eu não quis dizer que…
Ele gesticula, deixando claro que minhas desculpas não
são necessárias.
- Então já assistiu? - segue o assunto, absolvendo-me e
Deus o abençoe porque eu não sei onde ia me esconder caso ele
decidisse me provocar naquele tópico.
- Já. É um bom filme.
- É… - dá de ombros - Não é um pornô! - exagera - Mas é
ok.
- As laranjas acabaram, Spencer! Só tenho facas agora!
Ele ri.
Minhas bochechas estão tão quentes que vão derreter meus
dentes.
Ainda estou envergonhada.
Por que diabos precisei chamar aquilo de encontro?
Qual o meu problema?
- Ah! Antes que eu esqueça! Pode guardar as coisas da
minha mochila? - pede.
- Guardar?
- É, eu trouxe uns ingredientes, lembra? Tem umas coisas
aí que precisam ficar na geladeira, se não for muito
trabalho!
Eu abro o zíper e começo a separar os itens que precisam
ficar em certa temperatura, enquanto ele coloca as batatas
cortadas e descascadas em uma panela de água.
Ahm…
Algo no fundo da mochila chama minha atenção.
O que é isso?
Um livro.
Mas não é tanto o livro que chama minha atenção… é a
capa.
É a imagem do torso musculoso e pelado de um cara
elegante montado em um cavalo. Ou tão elegante quanto se pode
ser sem camisa ou sapatos, só de calças sociais e
suspensórios.
Pego o exemplar com a boca entreaberta de surpresa.
"Faz de Conta" é o que tem escrito na capa.
Faz de Conta.
O cara seminu.
Isso é livro erótico para mulheres, na falta de expressão
melhor para definir o gênero.
Será que alguma namorada esqueceu com ele?
- Ahm… - ergo o livro.
O que Spencer faz a seguir, no entanto, é resposta
suficiente. De início, olha pra mim casualmente, apenas para
descobrir o que quero… mas assim que vê o livro que tenho nas
mãos fica branco como se todo seu sangue tivesse se
escondido.
- Eu… ah…
É dele.
- Não é Hemingway. - decido.
- Não. - espreme o sorriso.
- Alguma amiga esqueceu com você? - ele me absolveu,
então acho de bom tom devolver a cortesia.
- Você quer que eu minta? - estreita os olhos.
- É seu?
- Gosto de livros assim.
- Sério? Achei que você ia ter pelo menos um pouquinho de
vergonha de admitir.
- Não. - dá de ombros, provocando-me - Depois da tua
empolgação com pornô, acho melhor eu ser sincero também.
Mordo meu lábio inferior.
Maldito, né?
Eu achei que tinha me absolvido.
Me observa com sua expressão sapeca de quem quer saber o
que eu vou dizer a seguir. O sangue que tinha se escondido,
já voltou e seu constrangimento mal durou dez segundos.
Mas eu tenho munição suficiente nas mãos. CERTEZA que
consigo achar algo naquele livro digno de deixá-lo perdido e
sem graça.
Viro o exemplar e leio a sinopse:
- Casamento arranjado… país exótico… um lord?
- Pode rir, mas esse tipo de livro me ajuda a entender
mulheres bem melhor.
- A Inglaterra é o país exótico?
Estou chocada quando olho pra ele e deixo que minha
expressão seja bem evidente.
- Você está julgando um livro pela capa. - aponta para o
vinho que deixei sobre o balcão quando suas batatas já estão
fervendo - Posso?
Assinto e aponto para a gaveta com o abridor de vinho
antes de me voltar para o livro.
- Capa e sinopse.
- Essa sinopse é mais um provocativo. - defende.
- Ah é? - estou rindo - Então, me ajude. Qual a história?
- É um romance de época. A Alice é de uma família
humilde, tem uma porção de irmãs que nunca casaram.
- Jane Austen está às lágrimas.
Ele faz uma careta de falsa raiva para que eu me cale,
mas ainda estou rindo.
- Aí o Conde de Lancaster…
- Duque.
- O quê?
- Aqui diz "duque".
- Dá no mesmo.
- Não acho que dá.
- Eu quis dizer… - ele espreme os lábios, não sei se pra
impedir um sorriso ou uma mordida - Você tem esse costume de
não deixar a pessoa falar. Aqui. - corta um pedaço de queijo
e paira diante dos meus lábios, brincando - Come isso aqui
pra ver se fica quieta.
Eu pego o pedaço de queijo e obedeço, mas não parei de
rir. Não sei se consigo.
- Eu quis dizer que pra história não faz muita diferença
ser conde ou duque.
- Hmm. - concordo, mordendo meu queijo.
Ele serve o vinho, exagerando em sua suspeita diante de
minha concordância.
- Então, o DUQUE de Lancaster precisa encontrar uma
esposa. Mas ele é um cara bem rancoroso e agressivo,
traumatizado pelo guerra. Ninguém gosta dele, nem a própria
Alice, no começo. E se você falar de Jane Austen de novo -
ergue o dedo porque percebeu em minha expressão que eu ia
dizer alguma coisa - eu coloco um pornô mesmo.
Eu me calo, bem comportada.
- Eles casam e com o tempo começam a gostar um do outro.
- Mentira! - levo a mão ao peito fingindo choque - Nunca
iria imaginar!
- Juro por Deus! - ele entra na minha brincadeira - Eu
também quase caio da cadeira de surpresa!
Termina de temperar seus preciosos cortes de Wagyu e me
ocorre que não lhe ofereci ajuda.
- Você quer que eu faça alguma coisa? Pra ajudar?
Spencer me encara dos pés a cabeça como se estivesse
decidindo se vai me deixar se aproximar de suas panelas.
- Você sabe cozinhar?
- Eu quase fiz arroz uma vez.
Ele acena bem devagar.
- É. Não. - decide - Fica aí. Lê o livro, de repente
aprende alguma coisa sobre boa literatura.
- Ah é? - abro em uma página aleatória e limpo a garganta
teatralmente, fazendo-o rir - "Mas o que eu poderia fazer
diante de tamanha animosidade? E essa é a palavra para
descrevê-lo: Henry Shaw olha para mim como se fosse um
animal. Como se fôssemos, os dois, animais" Até porque são
mesmo, não é, querida? - resmungo - Seres humanos são animais
também.
- Depende.
- De quê?
- Ah, você sabe como é. Quando o cara fica doido de tesão
assim, às vezes só vê vermelho.
- Continua sendo um animal.
- É, mas o homem é um animal racional. - derrubou um
pouco de sal nas costas de uma das mãos - Mas tem mulher que
tira a roupa e te faz esquecer isso… - chupa o sal da própria
pele, observa-me enquanto faz isso como se o gesto fosse uma
promessa - Te coloca em um estado primitivo.
- Primitivo?
- Hmhum.
Engulo em seco.
Estou olhando pra sua mão.
A mão que ele lambeu.
A mão que ele colocou no meu corpo naquela cabine.
Respiro fundo.
Eu preciso de uma terapia de choque pra despertar desse
efeito que me enfiei.
Não sou erótica. Não sou erótica. Não sou erótica.
Então, por que estou sentindo essa fraqueza nas pernas?
Spencer não desvia o olhar e eu acho que estou com calor.
Tiro o casaco e percebo seu olhar caindo para meu decote.
Não consigo respirar.
Desvio o olhar e sorrio para o livro. Spencer acorda e
engasga com absolutamente nada.
- Vai me desculpar se eu te julgar por isso aqui! -
brinco, tentando rir, mas ele ficou sério de repente. Lava as
mãos e dá um gole largo no vinho.
Eu o imito.
Álcool.
Álcool vai nos salvar.
- "Avança pelo cômodo um passo de cada vez", como se
fosse possível avançar de algum outro modo - acrescento,
tentando nos levar de volta para antes de estado primitivo,
sexo e decotes - "Buscando-me com olhos pesados de
intenções", certo, essa frase foi ok. Pelo menos uma. "Deve
ter esquecido que está sem camisa. Minhas provocações nunca
são intencionais, mas sempre parecem atingi-lo mesmo assim.
Vejo em seus olhos e no modo como espreme os lábios em fúria
que devo enlouquecê-lo até a cólera. Até a ruína." - exagero
em uma voz de sedução, mas ele ainda está em silêncio - "Não
é de propósito, mas o resultado é igual: está furioso. A
ponto de esquecer que está sem camisa, pois de outro modo sua
boa educação jamais o permitiria avançar para uma dama com
tamanha nudez. Se é que ainda me vê como uma dama. Eu nunca
teria deixado que me tocasse naquele fim de tarde, na
pradaria… se soubesse o tipo de sentimentos que um único
toque é capaz de despertar. Por que o corpo precisa ser
assim? Está absolutamente sonolento para toda a sorte de
paixões e deixa-me viver em paz. Mas então um único toque.
Uma única palavra, murmurada com sua voz quente de animal
largo e pesado, e algo que estava dormindo acordou. Está vivo
e desperto dentro de mim. Esse desejo que nada pode suprir a
não ser a mera visão de seu torso nu e colérico avançando
para mim como se fosse capaz de me dar um tapa na bunda e uma
mordida nos peitos" - coro. Engasgo na última palavra. E acho
que me distraí pelo livro assim como Alice pelo peito nu do
Duque, porque não percebi que Spencer se aproximou até estar
às minhas costas. Sua respiração na curva do meu pescoço,
inalando meu perfume de um jeito que não pode ser chamado de
decoroso, nem com a melhor das intenções.
Estou inclinada contra o balcão e, agora, Spencer está
inclinado contra mim.
A virilha perfeitamente alinhada em minha bunda e eu
deveria estar perdida em pensamentos libidinosos sobre o
pouco pano e espaço que ainda nos separa. No entanto, eu
estou pensando em hálito.
Estou tentando impedir o fechar de olhos pela mera
sensação de sua respiração em minha pele.
É a verdade sobre os corpos, não é?
Não é necessária nudez ou palavras ou toques ou mordidas…
embora todos esses fossem muito bem vindos: não são
necessários. Desejo precisa só um pouco de hálito para se
encher de vida. A ar morno que sai dos seus lábios para
atingir meu pescoço causando arrepios e toda sorte de
calafrios.
Ele me envolve com os braços, apoiando-se no balcão, fica
inteiro ao meu redor. Os antebraços musculosos ainda a mostra
bem no alcance das minhas unhas. Da minha língua.
Meu tórax está ondulando enquanto tento controlar meus
pulmões.
O que inferno está acontecendo comigo?
Spencer leva a mão ao meu pescoço. Toca a corrente do meu
colar com uma delicadeza imoral, o movimento faz mexer o
pingente caído em meu decote, erguendo-o apenas o suficiente
para que acaricie a carne dos meus seios.
- Bonito colar. - sussurra.
Eu vou cair.
Meus joelhos estão fracos.
- Obrigada. - suspiro.
Ele desce os dedos pela corrente, raspa-os no topo dos
meus seios antes de abandoná-los.
- Muito lindo mesmo. - murmura, rouco.
Suas mãos estão nas minhas. Acariciando meus dedos ao
redor do seu livro.
- Continua lendo pra mim? - pede.
Alice estava certa.
Descreveu melhor do que eu jamais seria capaz: Por que o
corpo precisa ser assim? Está absolutamente sonolento… mas
então um único toque. Uma única palavra, e algo que estava
dormindo acordou.
Está vivo e desperto dentro de mim.
Eu não queria sexo, antes.
Mas acho que, agora, eu quero.
Acho que, agora, eu preciso.
- Qual… qual parte? - gaguejo.
- Essa mesmo. Pra você entender bem direitinho o que
acontece quando a mulher enlouquece o homem - sua voz é grave
e quente - e o transforma em um bicho.
Rosna a última palavra como se fosse uma promessa e eu
não sei mais se está falando apenas do livro.
- Mas suspeito - continua - que você já sabe exatamente
como é.
- Sei?
- Hm. - geme, soa como se tivesse fechado os olhos. Tem
os lábios bem perto da minha orelha. Sua respiração na minha
bochecha causando em mim calores. - Precisou de mim só pra
manter outro pretendente a distância.
Outro?
- Eu…
- Bem compreensível. Não deve ser fácil ficar longe de
você. - ele toma minha cintura com o braço e me aperta contra
seu corpo. Minha bunda está na sua virilha e não há
escapatória.
- Não… ele… é complicado. Acho que foi tudo um engano.
Aperta os lábios como se estivesse decidindo se continua
sendo quase gentil ou se sugere logo o pornô.
- Acho que a gente precisa resolver esses enganos porque…
é um desperdício.
Eu vou desmaiar.
Sinto um ardor na minha virilha.
Estou molhada.
- Um desperdício?
O alerta toca avisando que as batatas estão prontas.
Sobressalto-me e ele se afasta apenas um pouco.
Apenas para me deixar respirar.
Tem um sorriso breve que desaparece depressa, devolvendo
sua intensidade.
- Uma pena. - é tudo que diz antes de ir colocar as
carnes no fogo - Uma pena, mesmo.

***************
Spencer

Eu vou comer Tatiana Corso no meio da cozinha dela.


É
É isso mesmo que vou fazer.
Vai ser antiprofissional como o caralho porque ela só tá
me pagando pra fazer uma coisa, mas a outra é tão mais
divertida.
Puta merda que mulher boa.
Ela tem uma bunda gostosa e uns peitos que…
Bagunço meus cabelos.
Tirei a água quente das batatas e sei que estou meio
duro. Viro-me para ela a tempo de vê-la virar tudo que resta
na taça de vinho. Não julgo. Pelo contrário, eu a imito.
Está corada, com um sorriso tímido e eu estou tentando
não ficar completamente duro.
Provavelmente vou falhar, é uma merda, mas tenho que,
pelo menos, fazer um esforço.
- Vem até aqui. - convido.
- Han? - ela arregala os olhos, assustada.
- Preciso de ajuda com as batatas.
- Eu achei que eu tinha sido recusada.
- É só amassar, acho que você consegue. - brinco.
Ela ri e vem até mim.
Coloco as batatas em um recipiente e encontro o
amassador. Ela, com certeza, tem ferramentas melhores que
aquela. Mas, com o amassador, eu tenho uma desculpa pra
colocá-la nos meus braços de novo.
- Assim. - fico ao seu redor para mostrar como usa.
Amassador de batatas é um negócio bem intuitivo que não
precisa de explicação e, mesmo que precisasse, não precisaria
do abraço. Só que… foda-se, não é? Quem liga?
Tenho aquela bundinha perfeita bem perto do meu pau de
novo. Estou fechando os olhos e considerando oferecer o pornô
de uma vez.
- Assim? - confere.
- Isso. Amassa essas enquanto eu faço a carne?
Ela ergue um polegar e se põe a trabalhar.
- Qual o ponto pra você?
- Mal passada?
- Sim, senhora.
Preparo as duas antes de colocá-las no prato e deixo-as
descansar enquanto termino o purê.
- A gente não começa a comer logo?
- Não! Carne precisa sentar um pouquinho, ela continua
cozinhando mesmo quando sai do fogo.
- Ah! Certo!
Ela fica de pé, espremendo os próprios dedos, como se
estivesse esperando a permissão de alguém para fazer alguma
coisa. O que é meio cômico porque a cozinha - bem como o
apartamento inteiro - é obviamente seu.
E ainda assim, aí está ela. Esperando permissão.
Para fazer o quê, eu não sei.
Ela chamou de encontro.
Ela falou sobre ser seduzida.
Veja bem: eu queria muito abordar qualquer uma dessas
coisas desde que ela me recebeu com aquele vestido gostoso.
Mas nunca teria me ocorrido que aquele pensamento era mais
que minha pura imaginação.
Foi ela quem trouxe o assunto pra mesa.
Meu coração bate tão alto que eu receio que ela escute.
Caralho Spencer, você precisa de sexo.
Não é a Tatiana que está fazendo isso comigo, certo?
É a abstinência.
O fato dela ser linda, sagaz e uma delícia de olhar e
apertar não tem nada a ver.
Não, não tem.
Não pode ter.
Estou aqui para fazer uma coisa.
Vou fazer uma coisa.
Não vou pensar na outra coisa.
Esquece a outra coisa.
Sirvo os dois pratos e ela está beliscando mais um pedaço
do queijo, entre os goles de vinho. Aperta ele nos lábios,
devagar, entretida em pensamentos que - se são eróticos ou
não, eu não sei - mas certamente é isso que parecem.
Vou te dar uma coisa pra colocar nessa tua boquinha
linda.
Vou te dar uma coisa pra mordiscar e experimentar.
Sirvo os dois pratos.
- Estamos prontos? - ela sorri, satisfeita.
Pego dois pares de talher e confirmo.
Ela experimenta um pedacinho da carne e geme. Experimenta
um pouco do purê e geme mais ainda.
- Spencer! Meu Deus, isso tem um gosto tão bom.
Tento manter o sorriso, mas é difícil, hein colega?
Porque eu não consigo parar de pensar na coisa que eu não
deveria pensar e Tatiana gemendo e falando sobre coisas que
tem um gosto tão bom está mesmo piorando minha situação.
Eu experimento a carne também para me distrair e puta que
pariu.
Wagyu é quase só gordura. Gordura boa e maravilhosa.
Daquele que faz a carne inteira derreter na sua língua como
se fosse mel.
É o pedaço de carne mais maravilhoso que eu já comi e
Deus o abençoe e preserve para sempre porque esse wagyu é
tudo que me salvou de uma ereção plena.
- Bom, não é? - ela ri. Acho que minha expressão deve ter
deixado meus pensamentos bem evidentes.
Comemos ali mesmo. De pé. Em silêncio. Por dois ou três
minutos.
Observando-nos um ao outro com um cuidado calculado.
- Então. - sou eu quem quebro o silêncio - Qual é a do
cara?
- Cara?
- Marcus. - recito o nome pra perceber que ele tem um
gosto ruim na língua - O que você quer se livrar.
- Ah! - leve timidez em suas bochechas, não estava
esperando minhas perguntas tão diretas.
- Ele tá a fim de você mas você não tá interessada, não é
isso?
- Não é exatamente isso.
- E o que é exatamente? Se… quiser compartilhar, claro. -
acrescento, porque minha curiosidade é muita mas a educação
ainda é necessária.
Ele experimenta mais uma porção do purê, parece estar em
conflito consigo mesma. Indecisa sobre o que dizer a seguir.
- Ele gosta de mim. - explica, encarando nada em
particular - Ele nunca disse nada, mas eu sei disso há algum
tempo. E, agora, tenho tentado ativamente impedi-lo de dizer.
- Porque não gosta dele. - compreendo.
- Não! Eu… - engole em seco.
Meu coração fica bem pesado.
Um desconforto no meu tórax.
Movo os ombros. Deve ser só digestão.
- Gosta dele? - pergunto baixinho.
Ela expira longamente antes de responder:
- Talvez.
Talvez.
Não gosto daquele talvez.
Acho uma palavra feia mesmo, sabe? Nem devia existir no
dicionário.
"Não" é uma palavra bonita. Uma bem certa e sem
arrodeios.
Ela devia ter usado essa.
- Mas é complicado. - decide - Ele recebeu uma proposta
excelente mas precisa ir morar em outra cidade.
- Relacionamento à distância é uma porcaria.
- Eu acho que poderia ir com ele. - estreita os olhos.
O que é isso?
Esse desconforto que eu sinto.
Como se eu estivesse afogando. Como se o ar ao meu redor
tivesse virado uma neblina pegajosa, prendendo-se aos meus
pulmões.
- Seria uma adaptação enorme, porque eu ia precisar mover
a empresa, pelo menos em parte. - continua - Ou ele poderia
recusar a proposta e ficar aqui.
Eu balanço a cabeça, concordando, embora "concordar" seja
a última coisa que eu gostaria de fazer. Bebo mais vinho
porque acho que preciso de álcool. Mais agora do que há cinco
minutos.
De que te importa, Spencer?
De que te importa se ela gosta do cara ou não.
Não me importa!
É só… digestão. É. É isso. Meu estômago de pobre
desacostumado com o wagyu. Tem que ser isso.
- Mas esse é o problema, entende?
Continuo concordando, mas…:
- Ah… Não. Não entendo. Qual o problema?
Tati sorri.
- É muita pressão. Já imaginou se ele desiste de uma
oportunidade profissional por mim, ou se eu mudo minha vida
toda por ele e, no fim, não dá certo?
Ah.
- É. Realmente não dá. - concordo - Mas acho que qualquer
relacionamento é um risco, não?
SPENCER, CALADO.
Por que está ajudando o cara?
É um problema, mesmo. Problema enorme. Imenso pra
caralho. Intransponível.
Faz uma festa de despedida bonita e manda ele embora.
- Acho que sim. E talvez eu estivesse disposta a arriscar
se tivesse certeza que gosto dele.
- E não tem?
Claro que não tem.
O cara soa como um imbecil. Gosta da mulher mas não disse
nada? Arranjou um emprego melhor em outro lugar?
Certo, nenhuma dessas duas coisas parece tão ruim.
Mas tenho certeza que deve ser um imbecil ainda assim.
- Eu fui casada por muito tempo. Eu parei de me permitir
certas coisas, enquanto fui casada.
- Tipo o quê?
- Eu não olhava para outros homens com interesse. Nem
genuíno, nem hipotético. E aí depois que o Daniel… se foi. -
sua voz engasga - Passei bastante tempo de luto e acho que…
acho que ultimamente comecei a me ver pronta para fazer isso
de novo, sabe? Ter interesse em homens. E comecei a perceber
o Marcus de um jeito que nunca tinha percebido antes.
- Perceber o quê?
- Ele é charmoso. - ela respira fundo de um jeito
sonhador que me desagrada - Cuidadoso, gentil. Tem uma voz
gostosa e um cheiro bom. É… um homem. Não só "o meu amigo.
Marcus". Tem alguma coisa nele que não sei exatamente o que
é.
- Hm. - é tudo que consigo dizer.
Cuidadoso e gentil e mimimi.
Deve ser um imbecil raquítico que nunca tomou coragem pra
te colocar nua, isso sim.
- O problema é que eu não sei se estou interessado no
Marcus ou se estou só despertando. Meu Deus! - esconde os
olhos nas mãos - Soa tão brega quando eu falo assim. Mas é
isso: não sei se gosto dele ou se ele, por acaso, estava por
perto quando eu decidi voltar a gostar de alguém. E não acho
justo arriscar nossas vidas em um ponto tão importante por
algo que sequer tenho certeza.
- Justo. - engulo em seco. A comida perdeu um pouquinho
do gosto.
Indigestão.
- De todo modo, ele vai aceitar o emprego e em breve deve
se mudar pra bem longe.
- Ah! Ótimo! - sorrio e então entalo com a comida - Pra
você! Porque… por causa das coisas… que disse! - explico
depressa - De ser arriscado e tudo o mais.
- Sim, sim. É. Só preciso de você até que ele vá embora.
Aí estou a salvo e você está livre. - brinca.
Mas sua brincadeira me incomoda.
Vai acabar em breve. Você já imaginava isso, não é?
- Spencer! - ela leva a mão aos lábios.
- O que foi?
- Eu nem te levei pra mesa! - indica nossa situação,
comendo, de pé contra o balcão - Isso estava tão bom que eu
me distraí!
- Nem se preocupa! - estou rindo - Foi um elogio, então.
- Comer em pé! Ótimo elogio!
- Não seja por isso! Vamos terminar isso de uma vez e aí
você me mostra um sofá! A gente vai pular o meu filme mas
ainda pode assistir o seu.
- A gente não precisa pular o seu filme!
Você mesma disse que isso não é filme para um encontro.
Não é filme para seduzir uma mulher.
Eu sorrio devagar mas, não, Tatiana…
A gente definitivamente não vai ver o meu filme.

***************
Tatiana

Não coloquei o filme na minha sala de cinema porque achei


que seria esnobe demais.
Ao invés disso, a televisão na biblioteca já está ligada
no filme que escolhi. Tem um sofá maravilhosamente
confortável diante dela e é aí mesmo que ficaremos. Estou bem
satisfeita com minha decisão quando escuto sua voz grave
atrás de mim.
- Ce tá de sacanagem comigo?
- Hm? - estou confusa sobre o que lhe causou tanta
indignação.
Spencer está rindo quando aponta para minha TV. Na tela,
o filme pausado anuncia o título, a sinopse e o tempo de
duração.
- Cidadão Kane?
- Qual o problema?
Ele está rindo muito.
- Você tem a cara de pau de julgar O MEU FILME por ser
duas horas de preto e branco e aí escolhe um que é… duas
horas de preto e branco?
- O seu é cinema mudo! Completamente diferente!
- Pelo menos a história do meu é boa!
Abro minha boca e arregalo os olhos diante de sua ofensa
desmedida.
Ele me encara com um aceno curto, puxando as mangas com
um sorriso que diz "é isso mesmo, se defenda".
- Isso é Orson Welles!
- E daí? - dá de ombros - A história é horrível!
- A história é uma análise da efemeridade da vida e da
verdadeira relevância das ambições! Contada em um formato que
nunca tinha sido usado antes no cinema!
- A história é um idiota mimado que morreu sem ser de
importância pra ninguém! Contada em um formato que tenta
forçar o espectador a simpatizar com ele mesmo que seja um
antipático que mereceu tudo que recebeu!
- Isso foi tudo que você entendeu desse filme?
- Isso é tudo que existe nesse filme!
- Spencer, Cidadão Kane tem muito mais dimensão do que
isso.
- Se você estivesse falando sobre Doutor Jivago… ou Ben
Hur… eu até concord…
- VOCÊ GOSTA DE DOUTOR JIVAGO? - estou esfregando minhas
têmporas.
- Aquele, sim, é um filme com mais dimensões.
- Aquele filme é uma masturbação pseudointelectual. -
resmungo e ele ri muito alto de minha falta de decoro - Horas
demais de homens sendo nefastos como apenas homens podem ser.
- Você precisa assistir de novo porque, claramente, não
entendeu nada.
- E BEN HUR!
- Vai reclamar de Ben Hur?
- Você sabe que Charlton Heston é um ser humano horrível,
não sabe?
- Eu não to falando do elenco, to falando do filme.
Mordo minha boca porque não tenho nada ruim pra falar de
Ben Hur. Ele se inclina para manter os olhos nos meus,
provocando-me… incitando-me a dizer algo… Mas eu tenho nada:
- Não acredito que você não gosta de Cidadão Kane! -
exaspero-me
- Teu filme favorito é horrível. - sibila.
- Você é horrível. - resmungo, infantil.
Ele tapa a boca com a mão quando ri.
É uma pena porque estava exibindo as covinhas e eu
descobri que gosto mesmo de vê-las.
- Vem, vamos ver esse teu filme ruim.
- Não precisa. - faço um bico de incômodo.
- Não, a gente assiste. Mas eu vou passar duas horas
reclamando, se prepare.
Ele me puxa para o sofá e eu me encolho ao seu lado.
- Não acredito que não gosta!
- Shh, começou. - ralha - Presta atenção ou perde as
dimensões.
- Cala a boca! - estou batendo nele com uma almofada e
ele me aperta em seus braços para se defender.
E aí estou encolhida no abraço do Spencer.
E o Spencer é todo rígido e largo com aquele cheiro
embriagante de homem que está sempre pronto pra qualquer
coisa.
Fico quieta e mal quero me mexer.
Não quero que ele me solte.
Vou me envergonhar disso amanhã. Vou fechar os olhos e me
detestar por minha fraqueza. Vou lembrar da nossa diferença
de idade e querer me esconder de desgosto.
Amanhã.
Hoje, eu fico quietinha.
Spencer me puxa para o seu peito, os nós dos dedos
deslizando por meus braços com uma casualidade que simula
inocência perfeitamente bem.
Tensão sexual é como um teatro. Duas pessoas pensando em
sexo tentando fingir que são duas pessoas que não estão
pensando em sexo.
Acho que, nos últimos anos, minha libido morreu e levou
minha imaginação com ela. Eu não tinha mais o dom de olhar
pra um homem e ficar me deliciando com possibilidades que, de
um jeito ou de outro, sempre envolviam calores e suor. Mesmo
minha masturbação era mecânica e rara. Era como intolerância
a lactose, só que ao invés de leite, era sexo que meu corpo
não sabia mais como processar.
Aquele carinho em meus braços, no entanto era tortura de
uma nova categoria.
São só dedos raspando em pele mas o arrepio em minha nuca
é forte e inconfundível. Algo em minha virilha se contrai
como se ressentisse o espaço vazio dentro dela por tanto
tempo. Spencer move o braço que tem ao meu redor e tira meu
rabo de cavalo do caminho, jogando-o para o outro lado de
modo que fique longe dele. Inclina o rosto para respirar meu
perfume de um modo ostensivo porque o homem, claramente,
existe no lado oposto ao meu no espectro da sexualidade: o
que me causa intolerância é elemento sempre presente na sua
dieta.
Prendo a respiração porque tenho certeza que vai beijar
meu rosto, mas ele apenas volta a assistir o filme como se
não tivesse quase me fodido com o nariz.
Meu corpo é um paradoxo: prendendo a respiração enquanto
corro o risco de hiperventilar.
Eu não sou erótica.
Mas, por Deus, queria ser.
Queria ser, agora mesmo.
Seus dedos em meu braço se movem de um jeito lento e
libertino, a pressão levemente maior do seu dedo médio
fazendo meu corpo inteiro pensar que ele está dedilhando
outra coisa.
Estou molhada.
Deus me salve.
Meu corpo acordou e quer… algo.
Puxo minha gola para baixo.
Eu acho que quero sexo?
Meu Deus… que inferno.
Depois de tanto tempo.
Por que, corpo? POR QUÊ?
A gente estava vivendo tão bem. Em paz.
E agora isso.
Agora o Spencer está sentado no sofá ao meu lado, no auge
dos seus 23 anos, com uma camisa escura de malha gostosa e eu
estou divagando sobre qual a sensação de tê-lo sem ela sob os
dedos. Sob a língua.
Ele tem 23 anos, Tatiana.
13 anos mais novo que você.
Você já tinha dado seu primeiro beijo e tido sua primeira
menstruação antes dele nascer.
E está pagando.
Está dando dinheiro pra ele.
Se fizer alguma investida, ele vai achar que as coisas
estão relacionadas.
Vai te pedir pra parar e será o momento mais
constrangedor da sua vida.
Ou vai continuar e aí você vai pagar por sexo.
Não sei o que é pior.
Isso SE eu tivesse coragem de fazer alguma investida.
Algo que, obviamente, não tenho.
Mas, por Deus, ele tem um cheiro bom.
Queria que tirasse a mão do meu ombro porque só consigo
pensar que ele tem 23 anos e isso é errado, mas ele tem 23
anos e provavelmente conseguiria ser errado várias vezes
seguidas.
Algo em mim está coçando. Estou pensando na Alice e nas
suas reflexões sobre agir como animais.
Certo, foco.
Nada de pensar em sexo.
E, mais especificamente, nada de pensar em sexo com o
Spencer.
Observo-o com o canto do olho e ele está bem concentrado
no filme.
Não é um encontro.
Ele não está ali pra me seduzir.
Então por que esfrega os dedos em mim daquele jeito?
Minha garganta dói. Meus lábios estão secos. Sinto meu
coração batendo nas orelhas.
Sei que existem cinco tipos de orgasmo, dependendo do
estímulo: clitoriano, vaginal, anal, combinado e zonas
erógenas.
Minha pergunta é: braço vale como uma zona erógena?
Porque depois de seis anos acho que vou gozar só com aquele
esfregar de dedos bem ali.
Deus, eu sou patética.
Queria tanto que ele me comesse.
Sou atacada pelo princípio de uma dor de cabeça.
Será que me come se eu pedir por favor?
Não.
Foco.
Não é um encontro.
É só uma desculpa, lembra.
Pra afastar o Marcus.
É.
Isso.
Eu lembro.
- Tudo bem aí?
- Han? O quê? Claro! - sorrio, assustada - Ótimo. Por
que… por que não estaria?
Ele me encara entre um sorriso e uma dúvida.
- Nada. Você não está respirando faz um tempinho.
- É o filme. - explico.
- Quer que eu te conte o que vai acontecer? Pra ver se
você relaxa?
Eu estou rindo alto da sua piada.
Sua piada não foi tão engraçada assim.
Sua piada não foi engraçada nem de longe.
Na verdade, nem sei se foi uma piada.
Spencer me encara com confusão enrugando sua testa.
- Não. - engulo em seco - Eu… só assiste.
- Sim, senhora.
Tira o braço que tem ao meu redor para colocar a mão em
meu ombro. Larga e pesada, como todo ele é, o polegar aperta
minha nuca sensível demorando-se em uma massagem pouquíssimo
inocente. Fecho os olhos. Acho que me enfiei em seu peito.
Tenho certeza que gemi.
Foi baixo e discreto. Talvez ele sequer tenha ouvido. Se
ouviu pode ter achado que era só minha respiração.
Mas a dúvida é suficiente para me jogar em um pânico que
me faz despertar.
Spencer tem um sorriso que é a definição de malícia.
Não fui baixa e discreta.
Ele me ouviu.
Sabe que não é só minha respiração.
Engulo em seco e tento me agarra com essa coisa pequena e
murcha que é minha dignidade.
Seu polegar em minha nuca continua com suas carícias
impróprias mesmo quando ele desvia o olhar de volta para a
tela. E assim que eu sei que não estou sendo observada, meu
corpo começa a me trair. As pálpebras são sempre as
primeiras, essas descaradas. Pesam um tonelada sobre cada
olho, forcando o fechar de olhos que sempre deixar
transparente o nível do tesão. Meus lábios entreabertos,
suspirando gemidos engolidos. Meus músculos contraídos,
encolhendo meu corpo até me enfiar no sofá.
Eu vou gozar.
Vou gozar com um polegar na minha nuca.
Preciso morder meus lábios e sufocar o gemido porque uma
coisa é gozar desse jeito, outra coisa é deixar ele perceber.
Minhas coxas começam a se mexer sozinhas e eu cruzo as
pernas.
Não. Não, senhoras. Comportem-se.
Meu mover de pernas atrai sua atenção.
- O que… O que é isso? - sorri, interessado.
Ele percebeu que eu estou rebolando sozinha?
Ai meu Deus, eu vou morrer de vergonha.
Morrer mesmo. Do tipo que precisa de enterro e epitáfio.
"Tatiana Corso, que não conseguiu manter as pernas fechadas".
Mas Spencer pegou a perna que cruzei e trouxe para o
próprio colo.
- O… o que está fazendo?
Ele não está mais flagelando minha nuca com aquele
polegar depravado. Dedica suas carícias, agora, para o meu
tornozelo.
Minha tatuagem.
Foi isso que ele viu.
Não o rebolar.
Obrigada, Senhor.
Ele se demora na carícia, arrastando os nós dos dedos
pelas linhas escuras marcadas na minha pele.
- Não tinha percebido que tem uma tatuagem. - parece que
lhe dei intimidade demais, porque puxa meu vestido, despindo
minhas pernas para investigar muito mais do que a tatuagem.
Porque a coitada já apareceu por completo e Spencer continua
puxando o pano pra cima.
Meu joelho está despido quando ele para.
- Notas musicais? Uma música favorita?
Eu dou uma risada alta.
Parte é pra aliviar o estresse da situação.
Parte é o fator genuinamente cômico de sua pergunta.
- Não, não é uma música favorita. - decido.
Ele fica quieto evitando a pergunta que todo mundo sempre
faz diante de uma tatuagem.
- É a primeira linha da primeira sinfonia que o meu
falecido marido compôs. - explico.
- Uau.
- É. - assinto, com bem menos energia - Ele tinha uma
tatuagem também. A primeira linha de código que escrevi pro
meu software.
Ele parecia impressionado e satisfeito.
- Nossa, isso é bem legal.
- Eu também achei que seria.
- Por que está desbotada? - ele ainda tem os dedos na
minha pele, como lambidas. Sua voz morna é quase um sussurro.
- Porque eu fiz umas duas sessões de laser para remover.
- Depois que ele morreu?
- Não. Antes.
- Antes? Mas desistiu?
- Hm?
- Você disse que faz alguns anos que ele morreu. Mas
ainda tem a tatuagem. Não deve faltar mais que uma ou duas
sessões para remover isso aqui.
- Muito perceptivo de sua parte.
- Isso não foi uma resposta.
- Não. - sorrio - Não foi.
Ele ri, concordando. Ainda tem as pontas dos dedos sobre
meu corpo mas não pretende continuar com as perguntas.
Abaixa o rosto para inspecionar a arte de perto. Eu me
curvo, também, e é por isso que, quando ele ergue o olhar de
volta, seu nariz atinge o meu.
- É linda. - murmura, grave. Não se afasta, ergue o rosto
para raspar o nariz na minha pele. Consigo sentir seu calor…
na verdade, é mais que isso: não consigo escapar do seu
calor. Talvez eu tivesse forças para me afastar dele… mas
Spencer tem mãos em minha perna e ao meu redor. Não vou me
mover um centímetro sem que ele deixe e, naquele instante,
não acho que vai deixar. - Você é toda linda.
Sua boca está tão perto da minha que consigo sentir seu
hálito na língua. Os olhos castanhos e profundos na penumbra
da sala. Estou considerando se deveria pedir que parasse, mas
minha mão está agarrada em sua camisa puxando-o para mim,
algo que eu demorei a notar mas suspeito que ele já tenha
percebido.
Ele não se afasta.
Vai me beijar.
Sua barba arranha meus lábios e eu quero dizer alguma
coisa. Eu quero fechar os olhos. Eu quero resistir mas também
quero desistir.
Não consigo mais pensar. Minha razão me abandonou e tudo
que deixou pra trás foi meu clitóris latejando e implorando
por alguma coisa que, há tanto tempo não peço, que não sei
mais colocar em palavras.
Spencer respira fundo, está tão perto que faz cócegas em
minha pele. A imediação do beijo. Aquela sensação poderosa
que parece durar uma eternidade e, ao mesmo tempo, instante
nenhum. É mais poderoso que sexo. Mais forte que um orgasmo.
- O… o filme. - gaguejo, minhas unhas arranhando sua
camisa - Está… perdendo o filme.
- Eu já vi. - rosna, rouco, antes de tomar minha boca.
O beijo.
Primeiro, os lábios.
O tocar, o sugar, o experimentar.
Depois, as línguas.
A saliva, o enroscar, o se entregar.
Segura meu rosto nas mãos e não acho que pretende me
soltar. Estou agarrada em sua camisa e acho que decidi a
mesma coisa.
Meu beija por muito tempo.
Arranho seu pescoço causando nele arrepios. Geme na minha
língua.
Eu estive errada: não ia gozar com as carícias em meu
braço. Ia gozar com aquele beijo.
Não sei se há no mundo mulher que conseguiria sair
daquele beijo com a calcinha inteira.
Spencer agarra minha coxa e me puxa para si. Ele me quer
montada em seu colo e me puxa firme pela cintura até me ter
onde me quer.
Braços ao meu redor, apertando-me inteira contra aquele
bloco duro de homem. E eu o agarro de volta: os ombros, os
braços, o pescoço, enfiando meus dedos pelos seus cabelos.
Ele sequer recosta no sofá, prendendo-me com força contra
seu peito, igualando minha intensidade.
E minha intensidade é muita. Acho que eu estive com sede,
morrendo de sede. Sede de intimidade, de… saliva.
Liberta-me do beijo apenas por um segundo, para recuperar
o fôlego. Pressiono meus lábios no seu, exigindo uma porção
de pequenos beijos superficiais, enquanto ele respira. Beijo
seu sorriso e ele me beija de volta antes de se afastar um
pouco mais. É através de pálpebras meio fechadas que vejo
seus olhos castanhos.
Ele é tão meigo.
Tão… doce.
Me observando com afeição, quando toca meu rosto, como se
pra tirar fios de cabelo do caminho. Fica em silêncio, imóvel
por dois segundos. Observa-me como se estivesse, ele também,
tentando entender o que aconteceu e o que está sentindo.
Tentando resolver a equação para entender quais fatores nos
levaram até ali. Demora-se em seu toque lânguido em meu
rosto. O polegar, até então erótico, desliza sobre meus
lábios memorizando-me. Spencer tem um sorriso tranquilo e em
seus olhos há… carinho.
Ele me puxa pela nuca para continuar me beijando enquanto
tiver fôlego, mas eu preciso interrompê-lo. Coloco meus
braços entre nós e ele hesita.
- Algo errado? - sussurra, ainda sem ar.
- Eu… ah… - engulo em seco. Suas mãos em meu pescoço
ainda tentam me trazer para si, afetado por um campo
gravitacional que eu criei só pra ele.
O que diabos eu estou fazendo?
Montada no cara mais novo que eu paguei pra jantar
comigo?
- Spencer, eu não acho que isso é uma boa ideia. -
murmuro. As palavras cortando minha garganta.
- Ah! - ele leva um choque. Um metafórico, mas dava igual
se fosse literal porque é súbito ao me soltar - Eu… me
desculpe! Eu não deveria…
- Não, não foi culpa sua! - deslizo para sair de seu colo
e voltar a segurança do sofá - Eu deveria… - o quê? Deveria
ter feito o quê? - Não foi culpa sua! - decido por uma rota
segura. - É só que isso é… muito. Rápido demais e…
- Claro, claro! Eu entendo. Me desculpa!
Ele sorri, sem graça. Não sabe pra onde olhar.
Eu também não.
E aí o pior de todos os males: o silêncio.
Cortado por nada além das vozes do filme, funcionando
como um eco, para evidenciar ainda mais o quanto nossas
palavras acabaram.
Ele espreme os olhos e parece verdadeiramente
envergonhado quando pergunta:
- Você quer que eu vá embora?
Mordo o lábio e me amaldiçoo.
O modo como ele escolheu fazer aquela pergunta é cruel.
Não posso continuar o beijo.
E não sei como podemos, os dois, ficar aqui sentados por
mais uma hora e depois nos despedir com um aperto de mão.
Sim, é melhor você ir embora.
Mas eu não quero que faça isso.
Respiro fundo e não sei o que responder.
Acho que Spencer notou meu conflito interno porque
assente com um sorriso e diz:
- Acho melhor eu ir.
Eu faço que sim com a cabeça e tento sorrir de volta.
Mas minha alegria se esvaziou.
O que diabos eu estou fazendo?
O que diabos está acontecendo comigo?
Ele se coloca de pé e eu levanto também.
- Bem… acho que… te vejo depois? - ele move as mãos,
desconfortável.
Talvez quisesse me dar um abraço ou um beijo no rosto,
mas tudo parece tão horrivelmente inapropriado agora. Toca
meu braço e sou eu que levo o choque dessa vez. Ele é quente
e maravilhoso e eu quero que fique.
Mas não posso querer isso.
É uma péssima ideia.
Péssima, horrível, desastrosa.
Aperta meu braço, incerto, como uma despedida desajeitada
e se vai.
Eu o guio até o elevador.
Não consigo respirar até as portas se fecharem levando-o
embora.
5. CEO
Spencer

Parece que minha boca adormeceu.


Está formigando desde que Tatiana me beijou.
Montada no meu colo daquele jeito, eu só queria arrancar
as roupas dela com meus dentes e lavar ela inteira de língua.
Só isso que eu queria. É pedir muito?
Aquele perfume doce, aqueles peitos pesados. Meu Deus,
que beijo bom.
Curioso é que pra mim, beijo sempre tinha sido aquela
coisa que você faz pra chegar no sexo. Tipo a escada que leva
pro restaurante… ninguém vai pra uma churrascaria pra ficar
sentado no degrau. Mas a porra da Tatiana fazia o degrau ser
erótico pra cacete e eu tinha esquecido que a churrascaria
existia.
Esfrego meus cabelos.
Trabalhar é difícil hoje.
É bem difícil, porque ela não me ligou e eu estou
desesperado pra descobrir se acabou.
Caralho de mulher boa.
Queria morder ela inteira. Queria chupar aquela bocetinha
até ela chorar, implorando por mais.
Seis anos.
E puta merda, eu queria ser o primeiro.
Preparo a massa bem devagar antes de começar a cortar as
cenouras.
Ela disse que o Marcus era charmoso. Nunca tinha
percebido antes, mas não importa, não é? Porque agora ela já
percebeu. O Marcus charmoso, em uma idade apropriada, com seu
emprego de adulto e promovido por mérito. Devia ter dinheiro
suficiente para se mudar para o outro lado do país sem
precisar contar os centavos, como eu fiz.
Eu sou bonito - não tanto quanto eu imaginava, como
descobri recentemente - mas e o que mais? Preso em um emprego
que eu não gosto, sem quaisquer perspectivas, mais de dez
anos mais novo e com uma gloriosa conta bancária com dois mil
e quinhentos dólares e nada mais.
Não sou inteligente, não sou interessante. Conhecer os
filmes que ela gosta foi um golpe de sorte porque não gostei
muito de nenhum deles.
Eu, com meus romances baratos, ela com seu wagyu fino.
Não existe ponto de intersecção entre nós dois e é uma
pena mesmo que eu esteja interessado porque se ela decidiu
que acabou, perdi minha chance.
- Spence? Você tá legal? - Lala me pergunta enquanto
espera um prato na cozinha.
- Hm? To, to ótimo. - aceno.
Um beijo.
Um só.
Mas que beijo.
Se eu fechasse os olhos eu conseguia vê-la no meu colo.
Aquele decote bem apetitoso a alcance da minha língua,
aquele rabo de cavalo bem apertado de mulher certinha, aquela
boca entreaberta com a respiração desesperada.
- Spencer! - Rodolfo precisa de alguma coisa e eu não
faço a menor ideia do que é.
Eu quero pegar meu celular. Quero ver se tem alguma
ligação dela.
Alguma mensagem.
Nova York, você já me recusou e maltratou demais, está na
hora de minha sorte mudar, certo? Por favor? Nova York?
Eu perdia oportunidades em agências para outros mais
bonitos e mais preparados do que eu.
Perdia oportunidades em restaurantes para outros
cozinheiros mais experientes.
Perder a Tati pro Marcus ia ser um prego a mais do que eu
aguentava na minha Cruz.
O tempo até o fim do meu turno parece se arrastar,
moribundo.
Perder a Tati.
E desde quando ela foi tua?
Ela é, muito provavelmente, do Marcus.
Está lutando e resistindo, mas você viu como ela derreteu
quando falou dele.
Se bobear, era nele que ela estava pensando quando te
beijou.
Falta meia hora pra terminar quando eu desisto de esperar
e corro para o meu armário só para dar uma olhada rápida no
celular e é quase com um ataque do coração que eu vejo sua
mensagem brilhando na tela como uma benção de misericórdia.
Prendo a respiração por um segundo porque aquela mensagem
pode ser algo tipo: "Spencer, sinto muito, mas não posso mais
fazer isso".
"Spencer" ela começa. Meu coração fica batendo na minha
garganta.
"Sinto muito" ela continua.
Fecho os olhos. Bato o celular duas vezes na minha testa.
Merda.
Encaro a tela do meu celular com desgosto para ler o
resto da mensagem que diz "… mas esqueceu sua mochila na
minha casa. Trouxe ela comigo para o escritório, quer que eu
deixe na sua casa?"
Respiro.
Certo.
Não acabou, então.
Ou talvez tenha acabado mas ela não vai dizer isso em uma
mensagem?
Ou talvez ela não ache que precisa dizer qualquer coisa…
considerando a origem de nosso arranjo, se ela não precisar
mais de mim pode apenas desaparecer, certo?
Engulo em seco.
Eu queria ser confiante pra caralho agora, porque aí eu
ia poder ir com calma. Mas insegurança faz a gente sentir a
necessidade de agir mais rápido.
Deixar na minha casa significa que a motorista dela deve
ir lá deixar, e se for assim eu não vou vê-la.
Preciso saber se acabou.
Preciso saber o que ela está pensando.
Digito depressa:
"Não quero te incomodar. Posso pegar aí, depois do meu
turno?"
Talvez seja invasivo.
Talvez seja inapropriado
Talvez ela mande eu me foder. Mas, é claro, com palavras
bem polidas porque a Tatiana raramente se agarra a palavras
baixas.
Ela demora uns segundos pra responder, mas daria no mesmo
se tivesse demorado anos porque eu envelheci meio século
esperando ela decidir.
"32 andar, vou deixar seu nome na recepção"
A mensagem seguinte é o endereço.
Técnica.
Nada de troca de carinhos ou provocações.
Ela não é tua namorada, Spencer.
É
É, eu sei.
Mas…
Bagunço meus cabelos.
Não é minha namorada.
Olho pro relógio de novo.
Vinte e oito minutos pro fim do meu turno.
Vinte e oito.

***************

As portas do elevador se abrem no 32 andar.


Pelas placas no lobby principal, a empresa de Tatiana
parece ocupar pelo menos uns três andares.
A recepção é uma mesa triangular de porcelanato branco,
com um mosaico grande em aço escovado e fosco. Por trás da
recepção, a parede tem um tom metálico de chumbo e é
completamente neutra a não ser pelo nome da empresa em relevo
iluminado.
Uma das recepcionistas usa um daqueles headsets de
telefone, a outra sorri para me receber.
- Senhor Reese? Se puder esperar por um instante, vou
verificar se a Senhora Corso já pode recebê-lo.
Um sofá e duas poltronas marrons. Escolho uma das
poltronas e me sento.
A gente escuta as histórias sobre essas empresas de
tecnologias e meio que fica esperando dar de cara com um
escorregador colorido para adultos no saguão de entrada. Se é
assim em outros lugares, eu não sei. Mas Tatiana preservou os
tons metálicos e sóbrios e se livrou de todo o resto.
Sua recepção é imaculada.
Silenciosa a ponto de me permitir ouvir minha própria
respiração.
- Spencer?
- Olá!
Ela tem o cabelo castanho claro na altura dos ombros.
Olhos simpáticos cor de mel e um sorriso sóbrio de quem nunca
se permite ser mais agradável do que profissional.
- Oi! Tudo bem? - aperta minha mão, com um sorriso - Meu
nome é Julia, sou assistente da Tati! Vem comigo! Ela está em
reunião, mas eu te deixo na sala dela.
- Eu não queria incomodar! - acrescento enquanto ela me
conduz pelos corredores de madeira clara.
- Besteira! Ela já está terminando! Fiquei sabendo que
você também vai se juntar a nós no evento beneficente na
próxima semana?
Certo.
Bom sinal.
Se ela confirmou com a assistente que eu estou convidado,
então talvez…
Ou talvez tenha esquecido de cancelar minha presença.
- É. Acho que sim. - respondo, sem dar muitos detalhes.
Todos os blocos do andar parecem ser divididos por
paredes de vidro, e as placas de metal ao lado de cada porta
denominam as salas com nomes de constelações. Julia abre um
par de portas de vidro e me coloca dentro do que deve ser o
escritório da Tati.
A mesa de madeira branca é fina e muito longa.
Tem dois monitores brancos e um laptop em cima da mesa.
Um bloco de anotações, algumas canetas e umas poucas coisas
decorativas.
As paredes da sala são quase inteiras de vidro, a não ser
por um pequeno espaço onde Tatiana colocou uma estante branca
e assimétrica para sustentar alguns livros, prêmios, diplomas
e ainda mais alguns artigos de decoração.
Uma das laterais da sala tem um vaso imenso que parece
ter sido roubado de um museu. Diante de sua mesa, duas
poltronas gordas e cinzentas. Julia aponta para uma delas e
eu sento.
- Quer alguma coisa? Uma água ou…?
- Não, não. Estou bem. Obrigado.
Ela sorri, acena e se vai.
Eu movo meus ombros, desconfortável, olhando ao redor.
Estou me sentindo severamente atacado pela elegância do
ambiente.
Deixa eu explicar meu problema: no nosso segundo
encontro, Tatiana me levou para comprar roupas e exagerou.
Ela me deu quase um guarda-roupas inteiro. Mas eu ainda ia
trabalhar com minha blusa velha do Queen, porque ela é
confortável pra caralho. Só que agora eu estou no meio da
empresa dela, cercado por classe e luxo, vestindo uma camisa
que EU SEI estar furada na barra.
Puxo o pano para baixo, certificando-me que escondi a
parte comprometida na cadeira. O tecido ainda é velho e
puído, mas é tarde demais para hesitar. Se eu suspeitasse que
iria vê-la logo depois do trabalho, teria me vestido melhor.
Se eu tivesse conseguido pensar em qualquer coisa que não
fosse lambê-la no caminho até aqui, talvez tivesse passado em
casa para trocar de roupa.
Mas nenhuma dessas duas inteligências me ocorreu. E aí
restou eu aqui sentado com minha burrice e minha camisa
furada.
Preciso de poucos segundos para perceber que a sala de
reuniões está logo do outro lado do corredor. É fechada, como
todo o resto, por paredes de vidro. Consigo ver Tatiana
sentada a cabeceira da mesa. Usa uma saia grafite colada
naquelas curvas imaculadas e uma blusa branca cheia de botões
abertos. Tem a ponta de uma caneta presa entre os dentes. O
cabelo amarrado naquele rabo de cavalo cheio que já parece
ser sua marca registrada.
Ela é linda, sabe?
Muito.
Gostosa de fazer salivar por toda parte.
Minha boca formiga.
Está sempre formigando enquanto eu tenho sonhos vívidos
de como seria enrolar aquele rabo de cavalo todinho na minha
mão e comê-la pelo cu.
Será que Tatiana já deu a bunda alguma vez na vida? Se
sim, era uma pena que não tenha sido pra mim. Se não, era uma
pena pelo desperdício.
A mulher está trabalhando, mas eu só queria que me
amarrasse naquela mesa para me dar uma lição. Uns tapas bem
dados pra eu aprender a não esquecer minha mochila pra trás.
Eu aceitaria tudo de bom grado, se em troca ela me deixasse
dar umas mordidas naquelas coxas.
Esfrego meu queixo com raiva.
As pessoas ao redor na mesa devem estar discordando de
tudo porque tem pelo menos quatro falando ao mesmo tempo.
Tati ergue uma mão e esse gesto é tudo que ela precisa para
calar a todos.
Eles devem estar pensando em suas palavras, eu só estou
pensando que lamberia cada um daqueles dedos antes de fazê-la
enfiá-los em si mesma.
Ela se inclina contra o espaldar da cadeira enquanto
fala. Parece tomar decisões rápidas. Mexe casualmente nas
mangas.
Eu tiraria sua camisa, primeiro. Ficaria de joelhos pra
beijar seus pés.
Eu devia ter chegado mais cedo.
Não sabia que era tão erótico assistir alguém trabalhar.
Acho que ela terminou porque, com poucas palavras, o
grupo se desfaz e ela está de volta nas portas de sua sala.
- Spencer!
- Tati! - eu tenho um sorriso imenso no rosto, não sei
por quê. Pode ser que ela me dê um fora em oito segundos.
- Boa banda. - aponta para minha camisa com um sorriso
assim que levanto para falar com ela.
Droga. Esqueci que estava vestindo essa porcaria furada,
de novo.
Essa mulher tem um efeito preocupante sobre minha
concentração.
- Gosta?
- Bastante.
- Imaginei que você só gostasse de músicas românticas
acústicas. - provoco.
- Está me julgando pela minha playlist? - ela soa
ofendida, mas tem uma expressão genuinamente divertida.
- Nunca. Você sabe que eu só te julgo pelo teu gosto pra
filmes.
Ela ri.
Tem um sorriso gostoso que me esquenta.
Acho que estamos bem.
- Não precisava ter vindo até aqui! - ela finalmente se
aproxima para me cumprimentar e eu beijo sua bochecha. Ela é
bem suave. Dá vontade de ficar ali, deslizando o nariz na sua
pele o resto do dia. E aquele perfume… Deus me salve.
Vou ficar duro.
Não posso ficar duro.
E se eu ficar duro?
Ela, no entanto, já se afastou e receio que talvez eu não
cause nela o mesmo efeito que causa em mim.
- Eu podia mandar alguém te entregar! - ela avisa,
abrindo um móvel atrás da sua mesa para pegar minha mochila.
- Não, eu não queria te dar trabalho. Além do mais, eu… -
respiro fundo. Ela me observa, clínica. Não está mais
vermelha e nervosa. Acho que estamos no seu ambiente e, aqui,
ela não se intimida com facilidade. Ótimo pra ela, péssimo
pra mim - Eu queria pedir desculpas de novo. Pelo jeito como
tudo…
- Spencer. - ela gesticula de um modo bem definitivo. Não
é rude, mas também não dá abertura para questionamentos.
Eu me calo porque quero ouvir o que ela vai dizer, mas
duas batidas em sua porta de vidro fazem com que ela, assim
como eu, cale também. Ela me pede desculpas com um gesto e
acena para que a pessoa entre.
O homem usa uma camisa lilás que, pra mim, é de péssimo
gosto, tem um bloco de paletas de cores na mão. Não diz uma
palavra, apenas ergue a primeira amostra e vai seguindo para
as outras a medida que Tatiana autoriza:
- Não. - ela diz - Não. Talvez. Não. Talvez.
Ele separa apenas as duas amostras que receberam um
"talvez". Ergue as duas, lado a lado, e espera a decisão
final.
Tatiana estreita os olhos por um segundo.
- Essa. - aponta para a da esquerda.
O homem vai embora sem dizer outra palavra.
Ela sorri pra mim e inspira fundo para dizer algo mas é
interrompida mais uma vez quando Julia entra na sala:
- O pessoal do comemorativo estourou o orçamento de novo,
você precisa assinar a extensão. Eu já estou com o roteiro da
viagem, preciso que você autorize antes de enviar pra
agência. O Henrik Krause está na linha, ele quer falar com
você sobre a nova política de segurança? O pessoal da Coca
Cola já está na sala Andrômeda, estão esperando você. E o
veterinário ligou, o Bruce já está pronto.
- O Bruce está doente? - preocupe-me.
Ela ergue o indicador com um sorriso divertido:
- Não, ele está bem, só rotina. Eles estouraram o
orçamento em quanto? - pergunta pra Julia.
- Cinco mil.
- Autorize mais quinze. Mas diga pra eles que só
autorizei os cinco e que estou irritada. Mande o roteiro pro
meu email, só vou conseguir ver isso amanhã, diga pra agência
esperar a confirmação na segunda. Não vou atender o Henrik,
ele vai passar quarenta minutos falando sobre nada. Diga pra
ele que estou em reunião, mas marque um horário pra próxima
semana, peça pra ele trazer o manual completo que eu verifico
ponto por ponto com ele. Pede a Lu pra pegar o Bruce. E avisa
pro pessoal da Coca Cola que eu chego lá em cinco minutos.
Julia assente e sai.
- Você não tem muito tempo pra respirar, não é?
- Às vezes fica corrido. - ri.
Ela sustenta meu olhar.
Seu sorriso é lindo.
Não sei escolher qual parte dela eu gosto mais.
Acho que estou sorrindo também.
Ela move o rabo de cavalo, deixando o cabelo cair sobre
seu ombro.
Eu vou dizer que ela é linda.
Vou começar a dar em cima dela aqui mesmo porque as
palavras estão se enchendo na minha boca.
- Foi bom que você tenha vindo! - diz e eu estou sorrindo
porque acho que ela vai dizer que gostou de me ver - Sobre o
que aconteceu ontem… - ela volta ao assunto que eu já tinha
esquecido que existia e meu sorriso murcha - Não foi culta
sua. Aconteceu. Mas não vai acontecer de novo.
Abro a boca mas não sei o que dizer.
Mais uma rejeição.
Mais um tapa.
Merda, Nova York, achei que a gente tinha um acordo.
Eu me encolho.
- Podemos continuar nosso acordo até o fim, se você ainda
estiver interessado! Até o dia do leilão e nem um dia a mais.
- sorri, comportada - Mas eu… acho que eu estava mais
solitária do que me permiti admitir. Mas não quero misturar
as coisas.
- Claro, eu entendo. - minha língua parece pesada dentro
da boca.
Entendo mesmo?
- Bem… eu não quero te atrapalhar! Obrigado por…
- Chefe? - mais uma batida na porta, mas um gesto para
que entre. A mulher baixinha amarrou os longos cabelos
escuros em um coque descontraído. Usa uma camisa de filme e
uma saia preta. Acho que o código de vestimenta aqui é bem
casual, a começar pelo cara que ela contratou em um site de
relacionamentos - Você já…
- Não. - Tatiana responde.
- Mas e o…
- Na quarta-feira. Talvez na quinta.
- Tá! Mas tem certeza que…
- Tenho. E Vicky! Diga pra equipe da Anna que se eles
continuarem fazendo aquelas modificações sem acrescentar os
logs, estão todos demitidos.
Ela ergue o polegar, dando risada, e vai embora.
- Essa é a parte que os livros não mostram. – estou
pronto para sair porque já entendi que ela deveria ter uma
reunião em cinco minutos e não quero atrasá-la. Eu queria
mesmo passar a tarde inteira ali, mas se estou com medo de
ser recusado porque fui rápido demais talvez o certo seja lhe
dar algum espaço - O tanto que os CEO's trabalham.
- CTO. - ela ri.
- O quê?
- Não sou CEO, sou CTO.
- Nos livros é sempre CEO. - estreito os olhos - Tem
certeza que não é isso que você é?
Tati ri muito alto.
Tem uma risada deliciosa.
Uma risada que me deixa morno e faz meu rosto se derreter
em um sorriso.
Ela é tão linda.
Eu sei que já disse isso uma porção de vezes. Mas ela é
mesmo.
De um jeito óbvio e avassalador.
- Tenho certeza. - promete - CEO são os chefes
executivos, cuidam das decisões administrativas. CFO são os
chefes financeiros, cuidam dos… números e impostos. - ri -
CTO é o chefe de tecnologia.
- Eu achei que a empresa era sua.
- E é. Mas eu sou péssima com finanças ou questões
administrativas. Então contratei duas pessoas muito capazes
para serem meus CEO e CFO. No dia a dia, eu cuido da parte
tecnológica. É o meu produto. O meu bebê. Mas… - dá de ombros
- ainda sou a dona. As decisões dos outros dois passam pelo
meu crivo e se eu discordar…
- Demite.
- Eu ia dizer "anulo sua decisão". - ri - Mas é… seu
jeito também serve.
Ela respira fundo de um jeito diferente e eu sei que meu
tempo acabou.
- Sinto não poder te acompanhar até a saída, Spencer. Mas
preciso…
- Eu sei, eu sei! Não se preocupa. Eu só queria…
Fico ali de pé.
Só queria o quê?
- Eu posso perguntar quando vou te ver de novo?
Ela encara o vazio e parece estar refletindo sobre coisas
demais.
- Não quero te pressionar, eu só… Se ainda vamos fingir
que estamos juntos eu acho que… acho que precisamos ficar
mais a vontade perto do outro. Principalmente se quer enganar
sua melhor amiga.
Ela considera por um instante.
A decisão que toma é rápida, assim como todas as outras.
- Verdade. Faz sentido.
Verifica as horas.
- Você vai voltar pro trabalho?
- Não, meu turno acabou.
- Hm. - espreme os lábios - Se não tiver planos… minha
reunião deve durar meia hora. Se quiser esperar, a gente pode
ir beber alguma coisa depois. Como amigos. - acrescenta - E
eu respondo todas as suas perguntas.
- Todas?
- Todas as que forem relevantes. - promete.
- Eu te espero! - Isso! - A gente vai pra sua casa, ou…
- Não! - responde, rápido demais - Para um bar. Um
restaurante. Algum lugar bem público. - acena, nervosa, como
se temesse não conseguir se controlar caso tivéssemos
privacidade.
- Certo. Certo. Eu posso correr pra casa, pra trocar de
roupa!
- E me roubar da chance de fazer graça da sua camisa?
Não, senhor.
É aquela troca de sorrisos bem ali.
A troca de provocações.
A troca de tantas coisas que acontecem em um segundo e
que a gente chama de "química" porque não há palavra melhor.
- Tudo bem. - concordo - Eu te espero, então.

***************

- MENTIRA! - estou gargalhando.


- É sério! Ela faz isso o tempo todo!
- E ela desapareceu?
- Por três dias! Eu juro por Deus! Eu quase chamei a
polícia!
- E por quê não chamou?
- Porque no segundo dia ela respondeu minha mensagem
dizendo "estou viva, não sei onde estão minhas roupas, não
chama a polícia".
Talvez um dia eu consiga parar de rir, mas não vai ser
hoje.
- Eu preciso conhecer essa sua amiga! Ela é meu tipo de
gente!
- Engraçado é que se ela tivesse dito apenas "estou viva,
não chama a polícia", eu acharia que era o sequestrador.
- Mas o "não sei onde estão minhas roupas"…
- É a CARA da Pamela.
- Ela deve se divertir como pouca gente no mundo. E é
dona do Sugar Love? O Eric ia morrer!
- É o seu colega de quarto, não é?
- Hmhum.
- O responsável pelo "oi, linda"? - brinca, referindo-se
a primeira mensagem que lhe mandei.
- Exatamente! Não pode me responsabilizar por aquilo! Eu
nunca diria aquilo.
- Ah! Eu achei simples e gentil. Só respondi por causa
disso. Acho que deveria ter respondido ao seu amigo e não a
você, então.
- Respondeu minha mensagem por causa do "oi, linda"? -
encaro Tatiana com descrença porque tenho CERTEZA que ela tá
me sacaneando.
- Foi profundo e poético.
- Você gostou das minhas fotos sem camisa.
- Foi algo no jeito como ele digitou a vírgula… - segue,
tentando me irritar.
- Teria respondido mesmo que eu tivesse só digitado
"tchau". - faço uma careta infantil e ela desata a rir.
- Pegou alguma das namoradas do seu primo assim?
- Não acredito que te contei isso!
- E nem pode dizer que estava bêbado porque disse isso
antes da primeira cerveja! - ri.
- Olha, eu não me orgulho de roubar as namoradas dele,
certo.
- Pareceu orgulhoso quando contou a história!
- Ele era melhor do que eu em tudo! As notas, esportes,
todos os professores gostavam mais dele! Nós temos a mesma
idade, íamos pro mesmo colégio e ele vivia competindo comigo!
Eu não tenho muito a meu favor, sabe? Mas eu sei conquistar
uma mulher.
- Ah é? - ergue uma sobrancelha.
- Você vai ver.
Estou começando minha terceira cerveja enquanto Tati
termina seu segundo drink. Não posso dizer que nenhum de nós
dois está sóbrio e acho que nossa situação ainda vai piorar.
Conversar com ela é tão fácil que não ficaria surpreso se da
próxima vez que olhasse pro relógio já tivessem se passado
três horas.
- Certo, mas já ouvi muitas histórias da Pamela e do seu
genuíno amor por uma vida sexual ativa. Agora me conta
algumas suas.
Ela engasga no drink.
- Não estou pedindo pra me contar histórias eróticas,
Corso! Se acalme!
- Eu sei lá! Todo mundo que eu conheço é inapropriado.
- Nada disso. Você que é certinha demais.
- Não sou certinha.
- É? Qual foi o lugar mais inusitado que já transou?
- Achei que não estava pedindo uma história erótica.
- Pois eu mudei de ideia.
É ela quem faz uma careta infantil, dessa vez.
Mordisca o canudo do seu drink, as bochechas vermelhas.
Não consegue me olhar nos olhos.
- Certo. Me conta sobre o Marcus, então.
- UMA BANHEIRA DE HOTEL! - ela anuncia, mudando de
assunto e eu estou rindo.
- Não, não! Eu perguntei sobre o Marcus agora.
- Tem certeza? Porque foi HORRÍVEL na banheira!
Ela pede mais um drink e eu vou impedi-la de tomar mais
outro depois desse. Ela não parece aguentar muito álcool.
É o meio da semana e o bar não está muito cheio. Nossa
mesa fica escondida em um dos cantos mais separados do salão.
O máximo de privacidade que se poderia ter no ambiente, mas
ainda é público o suficiente para impedir os beijos de sofá
que ela prometeu que não se repetiriam.
- Hm… - reflito - Certo, quero ouvir a história,
primeiro. Depois o Marcus.
- Não. Tem que escolher.
- Droga! Tá, a banheira! Me conta!
Ela ergue uma sobrancelha, observando-me como fazem os
juízes que ainda não decidiram a sentença.
- Achei que éramos amigos. - uso sua palavra contra ela -
Amigos conversam sobre essas coisas.
Ela revira os olhos. Parece não acreditar em meu
argumento ruim, mas álcool frequentemente basta para nos
fazer compartilhar coisas que nunca diríamos sóbrios.
- Era uma banheira de hotel! Eu liguei a hidromassagem e
a gente começou a… sabe? Na banheira.
- Muito safada. Quase um pornô.
- Silêncio!
- Sim, senhora!
- Só que hidromassagem é só umas bombas que puxam a água
da banheira por um buraco e jogam de volta por outros, certo?
- Certo.
- E aí, sem querer, eu apoiei minha coxa no buraco da
sucção e não conseguia soltar de jeito nenhum.
- E gozou presa no buraco?
- Não! A gente teve que parar e desligar a banheira.
Fico esperando mais alguma coisa, mas parece que ela
terminou?
- Isso é a tua história? Isso acontece com um monte de
gente!
- Está menosprezando minha história!
- Pode ter certeza! Essa é tua pior história?
- É uma boa história!
- Se… sei lá… um cavalo tivesse entrado no quarto de
hotel arrastando um casal pelado, eu ia concordar contigo.
Mas se machucar na banheira é tão de praxe que nem dá pra
contar como uma experiência. É tipo dizer "ah eu fui nesse
bar e bebi uma água ótima". Não conta.
- Claro que conta! Sabe qual é o teu problema?
- Eu sou pobre, burro e sem muito talento? - abro um
sorriso enorme e ela me encara sem paciência.
- Você é muito jovem.
- Ah! Esse problema!
- Vocês, jovens, acham que sexo só é bom se for
diversificado. Lugares diferentes, pessoas diferentes. Acha
que isso te torna especialista.
- E não?
- Me diz uma coisa, especialista, qual o máximo de vezes
que já ficou com uma mesma mulher?
- Sei lá. - dou de ombro - Três?
Ela ri como se soubesse decorado um segredo que eu nunca
ouvi.
- O que foi? - pergunto - Qual o problema?
- O problema é que você não deve fazer a menor ideia de
como ler uma mulher. Isso é algo que a gente só aprende
quando se demora em uma única pessoa. É o único jeito de
aprender a ler nuances.
- Eu sei ler nuances! Fique sabendo que eu nunca termino
antes de garantir o orgasmo dela!
- É o que você pensa…
- O que diabos isso quer dizer?
- Como sabe que elas não estão mentindo?
Expiro com desdém.
- Tatiana, me respeita, eu sei a diferença de um orgasmo
verdadeiro pra um falso.
- Já começa que orgasmo falso não é orgasmo. - ri - E
como você tem certeza? Mulheres são tão diferentes. Elas
gozam de jeitos diferentes e mentem de jeitos diferentes
também. Se você só ficou uma vez com uma mulher não tem como
fazer a distinção.
Mais essa agora.
A única coisa sobre a qual minha autoestima ainda
descansava e ela está tentando puxar pra longe.
Fico mastigando as palavras dela. As minhas.
- Eu sei a diferença! - é tudo que digo e ela ri.
Não muito.
Apenas um sorriso comedido.
É ela quem parece estar fervendo em pensamentos agora.
No que está pensando?
- Pergunte.
- O quê? - assusta-se.
- Seja lá o que for que você tá se roendo pra perguntar.
Seu sorriso é tímido, encara-me sapeca e desvia o olhar
para a mesa quando diz:
- E você? Qual o lugar mais inusitado que já transou?
- O vão, embaixo da escada, na casa da minha avó.
- Você nem precisou pensar!
- Não é fácil manter uma ereção na casa da sua avó.
Ela está rindo.
- Tive que pensar nas minhas melhores fantasias eróticas
e em todos os meus pornôs favoritos.
- É? - ela está rindo tanto que precisou tapar a própria
boca - E quais são esses, por acaso?
Qualquer outra mulher e eu sorriria safado ao perguntar
"está interessada, han?"
Mas Tatiana, apesar de meus interesses, tinha sido bem
clara.
Só amigos.
- Se eu disser "mulheres mais velhas" você vai achar que
eu estou te sacaneando?
- Vou. - responde de imediato.
- Certo, então deixa eu pensar no segundo lugar. - levo
um tapa no braço - É sério! - prometo - Tem algo muito
excitante em ficar com uma mulher mais velha. Mais
experiente.
- Claro que tem. - revira os olhos, incrédula diante de
minhas palavras porque acha que só as digo em seu benefício.
- Eu gosto daqueles pelo ponto de vista do cara. - digo -
Com a mulher pagando um boquete com gosto. Ou duas mulheres.
- Bem simples.
- Sou um cara de poucas pretensões.
- Percebe-se.
- E você?
- Eu o quê? - ela me encara em choque.
- Eu contei o meu, agora você conta o seu.
- Eu não assisto pornô.
Eu não digo uma palavra. Só a encaro enquanto espere que
mude a narrativa e diga a verdade.
- É sério! - ela resiste. Eu me inclino para encará-la
mais de perto.
Tati respira bem fundo.
- Bem… Talvez tenha um que eu gosto.
- E aí está. Qual é esse um?
Morde o canto do lábio em um princípio de fúria, como se
não conseguisse acreditar que me deu tanta liberdade.
- Nós somos AMIGOS!
- Essa desculpa não vai funcionar muitas vezes na mesma
noite, Spencer!
- Se a tua melhor amiga quiser detalhes?
- Da nossa suposta vida sexual? Não acho que a Pamela
iria ir tão longe a ponto de te perguntar sobre… - mas ela se
cala quando seu olhar se perde no vazio, percebendo que
Pamela poderia sim ir tão longe. O modo como respira fundo
anuncia sua derrota de um modo bem evidente - Não é
exatamente um vídeo, é uma coisa que, às vezes, os caras
fazem nesses vídeos.
- Que é?
- É só uma besteira.
- E qual é a besteira?
O que Tatiana tem diante de sexo não é vergonha, é só…
falta de conforto. É um assunto que ela não tem o habito de
abordar e, pelo que tenho percebido, principalmente se for
com um homem.
Passa a ponta da língua nos lábios.
Ainda está hesitando.
Considerando.
Me conta.
Por favor, me conta.
- Tá! - decide - Sabe nesses vídeos que a mulher está
distraída fazendo algo, normalmente deitada, ou curvada, meio
que… - ela demora sem terminar a frase.
- De quatro?
- É, e aí o cara tem acesso fácil a…
Ela se demora de novo, esperando que eu conclua e diga
"boceta" por ela. Mas eu só mantenho os sorriso.
- A quê? - pergunto.
- Você sabe. - irrita-se.
- Não sei. Não faço ideia. Vai precisar me dizer.
- Eu te odeio.
- Eu sei. Agora, me conta.
- O cara tem acesso fácil a… intimidade dela.
- INTIMIDADE? Sério? Essa foi a palavra que você escolheu
usar?
- E aí ele coloca a mão nela… mesmo por cima da calcinha.
- "Intimidade". Uma mulher adulta. Não acredito. - estou
rindo.
- E aí ele faz… carinho bem devagar na… boceta dela. -
sussurra as últimas palavras e eu me arrependo de minha
brincadeira porque meu sangue congelou - Sem pressa. Ele só…
- ela coloca o dedo médio nas costas da minha mão e faz o
movimento suave, o raspar de seu dedo na minha pele sugerindo
como deveria ser o raspar do meu dedo em sua boceta. Estou
salivando. Sentindo minha virilha inteira em chamas enquanto
o sangue começa a pulsar, acordando-me para uma tarefa que a
publicidade do lugar jamais permitiria. - Bem assim. -
murmura, fodendo minha pele com seu dedo.
Ela me solta com ares de quem terminou a explicação e eu
quero agarra-la por aquele rabo de cavalo imaculado pra foder
sua bunda bem ali.
Acho que é exatamente esse desejo cru e violento que está
em meus olhos enquanto ela sorri.
Estou pensando no meu toque no seu grelinho.
Não consigo pensar em outra coisa.
Não sei se algum dia vou conseguir pensar em outra coisa.
- Viu como é fácil? - tem algo brincalhão em seu tom que
me faz despertar.
- O… o quê? - gaguejo.
- Viu como é fácil fazer a pessoa pensar em sexo se a
gente sabe como ler as nuances?
Filha da…
- Você estava fazendo de propósito? - arregalo os olhos.
O dedo, a escolha das palavras, o tom.
Jesus Cristo me salve.
Ela dá de ombros como se me conduzir tivesse sido a coisa
mais fácil do mundo.
Quando abro a boca, é exasperação que escuto em minhas
palavras:
- Teu marido era uma anta.
Cada sílaba é um sofrimento. Eu derrubo minha testa na
mesa, em genuíno desespero e ela ri enfiando os dedos pelos
cabelos, bem ali na altura da minha nuca.
Seu carinho é tão bom que eu seguro sua mão. Olho pra
ela, deslizando sua mão para o meu rosto. Deixando que ela me
experimente enquanto eu me derreto sob sua atenção.
- Não posso mesmo dar em cima de você? - imploro.
- Não. - ela decide.
- Tá. - aceito, miúdo - Estou tendo que me esforçar um
bocado, viu?
- Eu agradeço! - ri.
- Muito. - gemo.
- Spencer. - ralha.
- Tá, tá… Muda de assunto! - imploro - Me conta alguma
coisa que você não gosta na cama.
- Ah! Uma amiga, uma vez, ficou com um cara que ela
gostava… e ele chamou ela de "tigresa" no meio do sexo. Eu
acho isso ridículo!
- Só tigres? Ou qualquer animal da floresta?
- Qualquer animal da floresta! Mas não acho que isso é
uma mudança de assunto! Ainda estamos falando de sexo!
Sua mão desce para o meu ombro.
Tati me pergunta sobre minha profissão, sobre o
restaurante e as agências.
Eu respondo suas perguntas mas parte de mim queria voltar
ao assunto de sexo.
Queria voltar ao beijo do sofá.
Queria voltar a lhe dizer o quanto seu marido é estúpido
e o quanto ela é linda.
E, mais que qualquer outra coisa, queria voltar àquele
cafuné.
6. Rabo de cavalo
Investigo as prateleiras na livraria.
Como você sabe que eram orgasmos de verdade?
Merda, né?
Minha autoconfiança que já tinha virado essa coisa
frágil, agora ia precisar de ajuda pra sobreviver.
Nada em nenhuma daquelas prateleiras salta ao olhar.
Existe um conforto único em livros de romance
previsíveis. Às vezes você só quer se sentir bem, não é? Só
aquela sensação quente dentro do seu peito que leva um
sorriso imenso ao seu rosto, do tipo que só é capaz quando a
gente sabe que vai ficar tudo bem.
Vai ficar tudo bem.
Não dá pra ser mais ficção do que isso.
Na vida real, nem sempre fica tudo bem.
Na verdade, na vida real, as coisas se esforçam mesmo
para ficar mal e você tem que fazer um malabarismo insano
apenas para se manter de pé… quem dirá feliz.
É por isso que Tatiana era uma experiência estranha.
O provador, o sofá, o bar… Não foi como sexo.
Até porque não houve sexo.
Eu quero dizer que não foi só um alívio temporário pro
estresse e caos. Não foi a rápida sensação de estar bem.
Tatiana no provador foi como Alice e o Conde que, desde o
início, eu já sabia que iam ficar juntos.
Tatiana era como a vida deveria ser se tudo sempre fosse
ficar bem.
- E esse aqui? - Laurie pergunta - "Duas irmãs
apaixonadas pelo mesmo homem" - recita - "apenas uma pode ter
seu amor retribuído".
- Não. - torço o nariz.
- Parece ser bem emocionante.
- Lala, eu quero um que eu saiba o que vai acontecer no
final.
- Que graça tem isso?
- Não é pra ter graça.
- "O que ela pode fazer quando descobre que o homem que
sempre amou é responsável pela morte do seu pai…" Credo, hein
filha? - resmunga para o livro.
Tiro o exemplar da sua mão.
Laurie é nova em caçadas como aquela, mas eu sou
experiente e sei exatamente do que preciso.
- Procura um que tenha gente pelada na capa.
- Que?
- Aqueles que tem homem sem camisa, exibindo uns músculos
de photoshop.
Ela tem um sorriso de descrença roubando suas palavras.
Reviro os olhos:
- Eu não ligo pra foto do cara.
- Tem certeza? Porque pareceu mesmo que essa parte era
super importante. - ri.
- Esses têm o costume de ser clichê. Eu quero um que seja
clichê.
- Que graça você vê nesses livros previsíveis?
- Que graça você vê nos imprevisíveis? De caótica já me
basta a vida. Quando eu começo um livro eu quero mesmo saber
que vai ficar tudo bem perfeito no final, obrigado.
- Esse daqui tem uma escola de sexo, um assassinato e uma
herdeira de uma indústria pornô.
Faço uma careta.
- Não.
- Deve ter um monte de cena de sexo.
- Se você quer ler, leva. Não vou te julgar.
- claro que não vai. Até parece que depois de tudo que
ouvi hoje você teria alguma condição de me julgar.
Experimento mais alguns exemplares espalhados pelas
gôndolas.
Ela tem uma pele macia.
Um gosto bom.
"Não vai acontecer de novo" ela disse.
Nada de misturar as coisas.
Só amigos.
Esfrego meus cabelos.
Droga.
Não consigo tirar a mulher da cabeça.
Que inferno, Spencer!
E daí que vão ser só amigos? Ela só estava te pagando por
companhia, lembra?
- Não sei de que adianta comprar outro livro se você só
vive relendo o mesmo.
- Não acho outro tão bom quanto! - resmungo - Quando você
acha algo bom, às vezes precisa se prender a ele.
Arregala os olhos com o sorriso espremido.
- E está falando só de livros? Ou de alguma outra coisa?
- Do que mais eu estaria falando?
- Nada. - dá de ombros, mas seu olhar é curioso - É
melhor você escolher depressa ou a gente vai se atrasar pro
trabalho. - verifica as horas - E esse daqui? O cara pede pro
irmão gêmeo ir casar no lugar dele. - ela ri alto - Isso
NUNCA daria certo.
- ESSE! - pego - Certeza que vai dar tudo certo no final.
Se tem uma coisa que eu aprendi com livros de romance é
que quanto mais insana a situação, maior a probabilidade de
dar tudo certo. São os livros com histórias sérias e
verossímeis demais que me deixam preocupado. Esses viram
drama e lágrimas em um segundo e, de drama e lágrimas, já me
basta minha vida.
- Quando vai vê-la de novo? - Lala me pergunta assim que
chegamos ao Mangiare. Eu acho estranho porque tenho certeza
que estivesse pensando na Tati, mas também tenho certeza que
não estive falando nela. Ou pelo menos, eu acho que não. Mas
Laurie me faz a pergunta como se aquele fosse o assunto desde
o ano passado e eu acho que posso estar enganado. Não vai ser
a primeira vez que minhas certezas valem de nada, não é?
- Ah… Não sei.
- Ela vai pra agência com você, amanhã?
- Não! Ela só conseguiu um horário pra mim. Eu vou
sozinho.
- Essa agência é bem chique, não é?
- É a melhor da cidade. Talvez uma das melhores do país.
Ela balança a cabeça, positivamente, mas sua expressão
parece hesitar.
- Tenta se concentrar, Spence. É uma boa oportunidade.
Não perde porque estava com a cabeça… em outro lugar. -
sugere - Sai hoje de noite. Faz alguma coisa. Não fica em
casa lendo e remoendo pensamentos porque vai dormir pensando
nisso e vai acordar cheio de assuntos pendentes. Vai se
arrepender pra sempre se perder essa oportunidade porque não
conseguia se concentrar.
Estou prestes a contestar porque estou bem seguro que
minha concentração é impecável mas ela me dá um beijo na
bochecha e vai se trocar antes de me deixar dizer qualquer
palavra.
Deixo minhas coisas no armário e devia ir imediatamente
para a cozinha, de onde já consigo escutar o Rodolfo
reclamando do nosso atraso de dois minutos e treze segundos,
mas estou encarando meu celular. Bem… meus livros e meu
celular. O novo, que eu acabei de comprar, e o da Alice que
ainda não tirei do armário.
Destravo o aparelho e digito depressa. A mensagem de
texto é simples, enviada pelo aplicativo do Sugar Love mesmo
para reproduzir nossa primeira conversa, e consiste de apenas
duas palavras: "oi, tigresa".
Infelizmente, não vou poder ficar ali esperando a
resposta.
Não perde a oportunidade porque estava com a cabeça em
outro lugar.
Com a cabeça na Tatiana.
O tempo todo.
Eu pensando nela e ela pensando em outro como uma roda
macabra que termina com um monte de corações partidos.
- Oi.
Vanessa cola o corpo nas minhas costas e sorri de um
jeito sapeca quando estala a palavra bem suave no meu ouvido.
Não é um erotismo que, na verdade, é uma brincadeira.
É uma brincadeira que, na verdade, é um erotismo.
- Oi. - aceno.
Ela tem os cabelos pretos e muito longos, presos em um
rabo de cavalo bem apertado. Tem uns peitos fartos e
suculentos, somados a uma cinturinha fina de mulher que geme
bem agudo quando a fodem direito.
- Quero saber quando é que você vai me levar pra sair. -
ajeita o rabo de cavalo sobre o ombro como se estivesse
apenas revisitando um assunto comum e não dando
descaradamente em cima de um colega de trabalho que não faz a
menor ideia do que ela está falando.
- Não sabia que era uma obrigação. - provoco. Mas eu sou
lindo e tenho um sorriso gostoso, a provocação é bem recebida
e ela me dá um tapinha no braço que vira uma caricia.
- Hoje de noite? - pergunta, manhosa, com a mão subindo
pelo meu braço para experimentar meu peito.
A palavra "não" está bem na ponta da minha língua.
Porque ela é minha colega de trabalho, sim.
Mas principalmente por causa da outra pessoa que parece
ter entrado na minha cabeça dias atrás e firmado residência
permanente.
Ao contrário dos seis anos de Tatiana, no entanto,
Vanessa é o tipo que dificilmente fica sem por mais de seis
horas.
É evidente no modo como ela passa a língua nos lábios com
uma falsa inocência capaz de deixar duro qualquer um que se
permita. Ela me quer na sua boca e eu bem que poderia usar
uma boca que me quer.
Não fica em casa lendo e remoendo pensamentos.
Veja bem, eu tenho CERTEZA que quando a Lala me deu essa
sugestão, ela NÃO quis dizer "come a Vanessa pra passar o
tempo".
Mas "comer a Vanessa" é a ideia que está no ar diante de
mim naquele segundo.
Um único segundo.
Existe uma clareza mental muito única que acontece com um
homem depois que ele bate uma. É melhor ainda depois do sexo.
Os problemas se tornam simples, as soluções se tornam
evidentes. Os caras que descobriram como chegar na Lua?
Deviam bater uma todo dia antes do trabalho.
E é isso que estou dizendo a mim mesmo: que tudo bem, a
Vanessa é só parte de um plano para me ajudar a desatar o nó
que eu dei em minha vida pessoal antes que ele se torne
irrecuperável.
Não sei se é verdade.
Mas também não sei que diferença faz.
Porque eu já abri minha boca e a resposta que dei pra
Vanessa foi:
- Que horas?
***************

Tatiana

Spencer é problema.
Eu sou uma pessoa prática.
Eu tento evitar problemas e, quando não é possível, eu
tento resolvê-los.
É por isso que tem uma parte imensa de mim gritando que
eu deveria encerrar esse acordo agora.
Pagar o que devo, lhe desejar boa sorte e ter uma
conversar desagradável com Marcus.
Essa é a coisa mais razoável a fazer, eu sei que é. E,
pela minha vida, é isso mesmo que eu queria conseguir fazer.
Só amigos.
"Só amiga" de um cara treze anos mais novo.
Aquilo não ia dar certo. Ele é só imaturidade e
inconsequência enquanto eu estou fragilizada, reaprendendo
como me relacionar. É o equivalente a dar uma peça delicada
de cristal a uma criança muito pequena: ela vai se partir em
um milhão de pedaços e a culpa vai ser sua, sim.
Eu achei que já tinha desinstalado o aplicativo do Sugar Love
a aquela altura e é por isso que recebo a notificação em meu
celular com a testa enrugada de confusão.
"Oi, tigresa".
Duas palavras e a mensagem que, antes, era de procedência
duvidosa, agora é de origem bem certa.
"Oi, golfinho", devolvo, aleatória.
Ele não responde.
E não responde.
E não responde.
Deve estar trabalhando enquanto eu encaro meu celular
como uma adolescente.
O que diabos há de errado comigo?
Tento me distrair por algumas horas e quase consigo
fingir que esqueci do celular, até ele apitar mais uma vez
causando-me sobressaltos explicados apenas pela euforia.
"Desculpa! Eu estava trabalhando! Você tá bem?"
"Eu imaginei. Estou bem, por que está mandando mensagens
por aqui?"
"Eu achei que seria engraçado"
Encaro a tela do meu celular por dois segundos inteiros.
Acho que foi tempo suficiente para a insegurança de
Spencer atacá-lo porque recebo outra mensagem:
"Fui engraçado?"
"Foi" respondo "Hilário. Estou rindo muito até agora"
"Não precisa ser cruel!" ele adiciona à sua mensagem um
emote de um pequeno rosto amarelo com uma língua estirada.
"Está me dando língua?"
"Ou uma lambida. Você escolhe."
"Língua" prefiro.
"C r u e l"
Eu respondo com nada além do mesmo rosto amarelo e língua
que ele me dedicou.
"Lambida." Responde, fazendo, ele também, sua escolha.
"Como está o trabalho?"
"Adoro como você tenta nos manter longe do assunto que me
interessa"
"Você não sabe se comportar"
"Nem estou tentando"
"Deveria estar envergonhado"
"Teu autocorretor transformou 'excitado' em
'envergonhado'. Sim, estou."
"Vou supor que seu trabalho está bem e tranquilo, diante
dessa conversa"
"O Rodolfo decidiu que eu não sei fazer massa também.
Estou bem curioso para descobrir o que mais eu não vou saber
fazer amanhã"
"Sinto muito, Spencer… mas amanhã você tem a entrevista,
não é? Pode ser que se veja livre do Rodolfo em breve"
"Sim! Amanhã! Obrigado, de novo, Tati! Não sei como você
conseguiu agendar isso!"
"Eu te disse, eu a conheço há algum tempo. Espero que dê
tudo certo!"
"Quer dizer que espera que eu não estrague tudo?"
"Exatamente isso mesmo que quis dizer"
"Hahahaha Vou me esforçar"
"Vai dar tudo certo!"
"Preciso voltar ao trabalho antes que o Rodolfo decida
que eu não sei esquentar água"
"Boa sorte!"
Ele não responde por quase dois minutos.
Estou prestes a desistir de esperar, imaginando que ele
fez exatamente o que disse que ia fazer e já voltou ao
trabalho, quando mais uma notificação acende minha tela.
"Está ocupada hoje?"
"Não"
"Quer fazer alguma coisa mais tarde?"
Encaro as letras escuras no aplicativo.
Má ideia.
Péssima ideia.
Dou a única resposta que posso dar:
"Não."
"Só amigos, não é?"
"Só amigos" repito.
"Não vai precisar de mim antes da festa do leilão?"
"Acho que não. Mas se puder passar aqui, amanhã, para
experimentar o terno, é uma boa ideia! Se não puder, eu peco
a Lu para levar na sua casa, assim que possível"
"Eu posso ir!" responde depressa.
"Que horas quer que eu chegue?" acrescenta.
"Eu te mando uma mensagem amanhã?"
"Combinado! E quer fazer alguma coisa depois?"
"Spencer…"
"Eu já vou estar aí! Eu posso te fazer uma massa ou
esquentar uma água"
Estou rindo sozinho. Não sei se de sua graça, sua
insistência ou sua desgraça.
"Eu tenho uma festa no escritório amanhã a noite."
"Não vai precisar de companhia pra essa?"
Mordo o canto da boca.
É bem provável que o Marcus esteja lá. Mas eu já tinha
dito a mim mesmo que apenas mais uma festa com o Spencer e
esse acordo chegaria ao fim, antes que qualquer uma das
partes tropeçasse e nos levasse mais longe do que eu achava
certo ir.
"Não, estou bem, obrigada"
"Tudo bem"
Penso em escrever mais alguma coisa, mas… o quê?
Melhor deixá-lo em paz.
Deixá-lo trabalhar.
E eu sigo fingindo.
Fingindo que está tudo bem, que não estou verificando meu
celular e que não estou pensando no que aconteceria se eu
desistisse de minha resolução e levasse Spencer para uma
festa a mais do que planejei.
Só uma.
***************

Spencer

"Tudo bem".
Ela sequer respondeu minha mensagem.
E eu passei os últimos cinco minutos do meu intervalo
encarando nossas palavras e esperando.
Ô, filho de Deus, acorda.
Tem realmente alguma parte de você que acha que essa
mulher pode estar interessada em você?
TALVEZ pelo meu corpo ou pelo meu charme. Mas eu já tinha
tentado isso e não funcionou.
E eu não tinha muito mais fora isso pra oferecer.
A Vanessa ainda tá lá batendo papo com alguns clientes. O
Rodolfo até considerou pedir pra ela parar de conversar tanto
enquanto as pessoas comem, mas a mulher é boa pra cacete e é
bem evidente que tem alguns caras que só voltam aqui todo dia
pra dar em cima dela. O Rodolfo vende mais comida, a Vanessa
recebe mais gorjetas. Funciona pra todo mundo. Até pra mim,
inclusive, que não quero que a Lala fique sabendo dos meus
planos da noite.
Se a Vanessa estivesse pronta, nós íamos sair juntos e aí
o que eu ia dizer pra minha amiga? Que a Vanessa se perdeu e
precisa de ajuda pra voltar pra casa? Mesmo que fosse
verdade, a Laurie ia achar que era mentira.
Me despeço de todo mundo com a velocidade típica dos que
não querem dar satisfação e digo pra Van que vou em casa
tomar banho antes de encontrar com ela. A resposta que me dá
é um piscar de olho tão erótico que parece até que me fodeu
ali mesmo na frente de todo mundo.
Vou mesmo precisar do banho agora.
Estou bem comportado e tomado banho, sentado no sofá,
esperando Vanessa dar os ares da graça, mas os únicos ares
que ela dá vem em formato de uma mensagem pedindo desculpa
pelo atraso.
Tudo bem, né? Fazer o quê? A verdade é que o cara
desculpa quase tudo de uma mulher que está prestes a comer.
A Laurie vai me matar.
Vai deixar de ser minha amiga.
Vale a pena, Spencer?
Não, não vale.
E por que tá fazendo isso, ô animal? Vai no chuveiro,
bate uma bem pesada. Duas ou três se precisar. E pronto.
Mas eu fecho os olhos e vejo a Vanessa.
De quatro com aquela bunda deliciosa apontada pra cima.
Ela tava com um rabo de cavalo bem apertado hoje, que ia
encher minha mão bem direitinho enquanto eu a fodia ali e…
Engulo em seco.
Arregalo os olhos como se tivesse acabado de acordar pela
primeira vez no ano e descobrir que existe vida depois do
orgasmo.
O rabo de cavalo.
O caralho do rabo de cavalo.
A bunda deliciosa que eu to imaginando quando fecho os
olhos não é a da Vanessa.
Ai merda.
É por isso, POR ISSO que a gente pensa com a cabeça e não
com o pau, sabe? Porque o pau vê uma mulher e diz "quero", aí
ele vê outra e diz "não quero, mas serve" e começa a querer
te convencer.
Eu não queria a Vanessa.
Eu queria outra morena gostosa que tinha o hábito de usar
um rabo de cavalo.
Uma que a vida já tinha resolvido que eu não ia poder
experimentar.
Aí minha cabeça disse "ok".
Meu coração disse "seguimos"
E meu pau disse "e daí, jovem? De rabo de cavalo tem
MUITAS" e assumiu o controle.
Estou com raiva quando pego meu celular de volta.
Não sei por que estou com tanta raiva, mas é com isso que
estou.
"Você esqueceu de me desejar boa sorte" aviso, no
aplicativo do Sugar Love.
"Hm?"
"Boa sorte. Para minha entrevista amanhã."
"Ah… boa sorte!"
"Obrigado!"
- Vai! Diz mais alguma coisa! - resmungo, sozinho.
Sabe qual é o problema?
O beijo interrompido.
Esse é o caralho do problema.
Se eu nunca tivesse beijado Tatiana, eu estaria ok.
Se eu tivesse comido a Tatiana, eu estaria ok.
O problema é que eu tinha uma semana de merda, aí uma
mulher incrível pra cacete me queria, MAS… só por vinte
segundinhos. Depois disso, ela me botava pra fora e só queria
minha amizade. Eu sou um amigo DE MERDA, Tatiana! Olha o que
eu to fazendo com a Lala! Minha melhor amiga, e eu to prestes
a comer a mulher que ela detesta só porque não consigo me
livrar de uma coceirinha besta. Homem não presta, tá certo?
Essa é a verdade dos fatos e da vida. Nós somos todos
horríveis e é isso.
EU NÃO QUERO SER TEU AMIGO.
A gente começou o beijo e agora eu quero sentir tua
bocetinha quente na minha língua.
Se você quiser me botar pra fora e ser amigo DEPOIS
disso, TÁ ÓTIMO, princesa.
Mas depois, por favor. Não antes.
Antes é sacanagem.
Bagunço meus cabelos com raiva.
Meu celular apita mas não é Tatiana. Claro que não. É
Vanessa dizendo que já está tarde e que é melhor se eu for
direto pra casa dela. "Eu visto algo mais confortável e a
gente fica aqui?" ela pergunta.
"Confortável" na língua da Vanessa quer dizer "pelada".
Eu sou fluente nisso aí também. Ao contrário da língua da
Tatiana que eu, aparentemente, nem sei como dizer "quero te
dar umas lambidas" de um jeito que ela aceite.
Ah, inferno.
Meu celular apita de novo.
- Vou te comer, Vanessa, tá certo, todo mundo já
entendeu! - rosno. Mas a mensagem, dessa vez, é da Tati.
"Como está o livro?" pergunta.
Seguro meu celular e até parece que, de repente, esqueci
como usá-lo.
"Bom. Você devia experimentar."
"Me mande uma lista com suas cinco melhores recomendações
e eu compro um"
"Adoro que você disse 'eu compro um' e não 'eu leio um'"
"Estou tentando ser sincera"
"Pois eu te mando a lista se você prometer que lê pelo
menos um"
"Eu prometo que leio pelo menos um"
"Sabe? Você tá fazendo esse esforço todo pra fingir que
não liga, mas eu tenho certeza que você está morrendo de
curiosidade"
"Eu já disse que leio, não disse? Do que você ainda está
reclamando?"
"Você quer uns bem safados ou uns mais normais?"
"O oposto de 'safado' é 'normal'?
"Vai ficar discutindo vocabulário ou vai responder minha
pergunta?"
"Pode sugerir um de cada?"
"Só se você começar pelo safado"
"Eu sei que você não está tentando se comportar, mas está
mesmo se esforçando para não se comportar."
"Que bom que estamos na mesma página"
"Por que está fazendo isso?"
Eu estava rindo porque, até aqui, achei que nossa troca
era em tom de brincadeira. É o diabo das mensagens de texto,
não é? Se você acha que a pessoa estava rindo quando, na
verdade, estava séria como o apocalipse. Releio suas últimas
mensagens e agora estou com receio de tê-la chateado.
"O que quer dizer?"
"Spencer… Você sabe"
"Não sei"
Ela demora minutos inteiros para responder e eu estou
quase pedindo desculpas mesmo sem saber o que fiz de errado.
"Você não está interessado por mim"
- Quê? Como não estou…? Claro que estou! Ficou doida? Ela
ficou doida. - converso sozinho, em minha sala escura.
Mas o tempo que levei em meu ultraje bastou para que ela
seguisse:
"Sei que está interessado nos termos do nosso acordo e eu
entendo! Claro! Não quero ser rude, nós dois sabíamos no que
estávamos nos enfiando. Mas… não preciso que finja estar
interessado por mim".
"Tati, eu não sei o que dizer, mas não estou fingindo."
"Spencer, não precisa fazer isso. Não precisa dar em cima
de mim só por causa das nossas circunstâncias"
"Se as circunstâncias fossem outras, eu daria em cima de
você do mesmo jeito"
Ela não responde.
Mas não tem problema, eu sei o que precisa ser dito.
"Se as circunstâncias fossem outras, seria ainda mais
fácil".
"Mais fácil fazer o quê?"
"Mais fácil terminar aquele beijo."
"O beijo terminou, Spencer."
"O beijo foi interrompido, Tatiana."
"E o que mais poderia acontecer?"
E esse é o outro diabo das mensagens de texto. Se, por um
lado, você pode entender a pessoa errado por acidente… por
outro lado, você pode entendê-la errado de propósito.
Tatiana provavelmente quis dizer "ficou louco? Estou te
pagando e você é mais novo! O beijo não foi uma boa ideia, o
que diabos você achou que poderia acontecer?"
Eu, no entanto, decido entender que ela disse "hm,
verdade… e se tivéssemos continuado, o que teria feito?"
E é isso que eu respondo.
"Eu ia te deitar naquele sofá e ia cuidar de você a noite
inteira. É isso que poderia acontecer."
Não espero que ela responda de imediato e ela não me
decepciona. Tenho tempo de continuar:
"Mas isso foi antes. Agora eu mudei de ideia."
"Mudou de ideia?"
"Agora, eu ia te fazer implorar"
"E o que te faz pensar que eu imploraria?"
"Eu sei o que estou fazendo"
"Duvido que saiba" provoca.
Ou pelo menos eu acho que foi uma provocação.
"Só tem coragem de dizer isso porque não estou aí do teu
lado agora. Se eu estivesse, ia tirar tua dúvida em um
instante."
"Você sabe o que fazer com garotas. Não sei se sabe o que
fazer com mulheres."
"Por que não me dá uma chance de experimentar?"
"Spencer, esse foi o meu jeito educado de dizer 'não'"
"Quer saber o que eu estou fazendo agora?"
Abro o meu cinto e desço o zíper.
"O quê?"
"Enfiando uma mão na minha cueca. Estou flácido e no meio
da minha sala. Posso parar se você pedir."
"E que controle eu tenho sobre você?"
"Está me pedindo pra parar?"
"Você faz o que quiser! O que eu tenho a ver com isso?"
Eu faço exatamente o que prometi.
Fecho os olhos por um segundo.
Estou pensando no gosto que um mamilo suado tem quando
você prende sua pontinha entumecida entre os dentes. Estou
pensando em seus olhos revirando-se com a sobrecarga de tesão
quando minha língua cobre os arrepios dos seus peitos
experimentando sua pele e seu suor. Não demoro a ficar duro.
Fodo meu punho bem devagar. Movimentos muito longos e lentos.
"Quer saber no que eu estou pensando?"
"Eu não perguntei"
Não. Não perguntou.
Mas também não jogou o celular pra longe.
"Estou pensando no gosto do suor direto do teu decote se
eu tivesse te lambido naquele provador. Estou pensando no que
você teria feita se eu tivesse te bolinado ali mesmo"
Silêncio.
Meu toque sobre meu pau fica mais pesado.
"Você fala sobre eu não estar interessado. Quer ouvir uma
verdade, Tati?"
"O quê?"
"Ultimamente, eu fico duro só de pensar no teu decote."
Silêncio.
Não está sequer digitando.
"É mais que isso. Acho que fico duro só de pensar no teu
rabo de cavalo".
Nada.
Meu celular arde na minha mão, minhas palavras bastando
para me deixar louco. Meu pau endurecendo dentro do meu
punho, empurrando meus dedos enquanto a carne se estica e
enrijece. O desejo que eu sinto vem misturado com uma raiva
que eu não sei dizer exatamente de onde nasceu. Talvez do
somatório de frustrações que culminou com a rejeição de Tati.
Talvez da vontade de calar sua boca quando acha que sou um
garoto que não sabe fazer gozar uma mulher. Talvez do fato de
que a cabecinha do meu cacete duro já está babando fartos
gole de um pré-gozo pegajoso que eu não queria desperdiçar
nos meus dedos, e sim fazer cobrir os dela.
A mensagem que recebo, no entanto, é de Vanessa. Ela quer
saber quanto tempo eu demoro, mas eu apenas ignoro a mensagem
e sigo digitando outra coisa.
"Faz nenhum sentido isso, ficar excitado por causa de um
rabo de cavalo. Mas é isso que tem acontecido. Acho que fico
considerando como seria assumir o controle, e te colocar do
jeito que eu quisesse."
Meu pau está cheio em minha mão.
Fecho os olhos e sinto ela ali.
Bem ali comigo.
Por favor, responde.
"Será que você pode ir pro quarto?"
"Vem comigo?"
"Se está falando a verdade, seu colega de quarto vai te
pegar a qualquer momento!"
"Então, me ajuda a terminar mais rápido".
Não responde.
Eu não sei o que pensar, sabe? Não acho que ela foi
embora, ou não teria respondido às últimas mensagens. Também
não acho que quer que eu cale a boca ou teria respondido de
outro jeito. E se ela nem foi embora nem quer que eu cale a
boca, a única alternativa que me resta é continuar. Meu pau
lateja tão forte na minha mão que chega a doer.
Tesão é uma coisa com diferentes limites. Quanto mais
tesão você tem, menos os arredores se importam. Basta uma
vontade um pouco mais forte e você fica duro até no volante,
dirigindo no caminho pra casa. Eu não podia ter Tati no meu
colo, mas tê-la bem ali, presa nas minhas palavras,
acompanhando o meu masturbar era o mais perto que eu
conseguia chegar de aliviar a tensão que eu sentia, sem
precisar pegar o metrô e ir tocar sua campainha.
"Ainda to fodendo meu punho bem devagar. Vem fazer isso
comigo"
Ela não responde.
Não responde, não responde e não responde.
Mas que INFERNO. O que diabos eu preciso fazer pra me
enfiar na pele dessa mulher até fazer o desejo dela ser tão
insuportável quanto o meu?
"Você ainda está pensando na minha idade?"
Eu sigo mandando mensagens sem esperar mais as suas, já
que elas raramente vem:
"Ou no dinheiro?
"Ou nas duas coisas?"
"Eu preferia que você pensasse só no meu pau porque eu to
pensando só na tua boceta"
"Se o teu receio é ter algo físico comigo, não acho que
isso conta, Tati. São só mensagens" prometo.
"Só mensagens inocentes. Eu posso ser outra pessoa se
você quiser. Eu posso ser um cara de 45 anos, divorciado duas
vezes e dono de uma concessionária. Serve assim?"
"É isso que sou" decido "Oi, gostosa. Meu nome é Spencer,
eu tenho 45 anos e to doido de vontade de te foder. Agora, se
fosse possível. Mas como não é, eu fodo minha mão e finjo que
é você. Meu pau ta duro. Completamente. Não dá pra ficar
maior que isso. Agora você me diz o que quer que eu faça com
ele."
É aí que ela finalmente responde:
"Eu nunca fiz isso antes."
"Masturbou um cara? Meu amor… eu preciso ir aí, agora"
"Troquei mensagens eróticas, Spencer. Eu não sei o que
espera que eu diga".
Troquei mensagens eróticas.
Isso significa que ela está brincando também, não é?
"Me diz o que está vestindo"
"Roupas"
"Tatiana… me diz a cor da tua calcinha. Quero saber se
ela tá bem enfiada na tua bunda e molhada daquele jeito que
você sente pesar"
"Eu acho que azul. E um pouco"
"Acha? Fica pelada pra mim e me diz com certeza"
"Não preciso ficar pelada pra saber a cor da minha
calcinha"
"Precisa ficar pelada porque eu to mandando"
"Agora" insisto.
Não vou conseguir digitar muito mais. Minha mão achou um
ritmo bom e a ideia de Tati tirando as roupas pra mim, mesmo
que a distância é suficiente para deixar o toque gostoso
daquele jeito que te faz esquecer a vida e o tempo.
O rabo de cavalo enrolado na minha mão, tirando a
calcinha azul escuro do caminho pra me deixar tomar sua carne
todinha.
De quatro.
Rebolando.
Fecho os olhos.
O esporro sai alto e gordo, sujando minha camisa e, temo,
uma das almofadas.
Preciso de alguns segundos para respirar.
Preciso limpar tudo antes que Eric volte.
Mas, acima de tudo, preciso que ela responda.
Minutos se passam. Muitos deles.
Uma hora até.
Afundando-me em desespero de que talvez eu tenha lido sua
entonação de um jeito absolutamente errado.
Ela pode estar furiosa.
Pode estar envergonhada.
Pode estar tantas coisas.
Ela não responde.
Eu já respirei, limpei tudo e estou quase dormindo.
E ela não responde.

***************
Tatiana

"Precisa ficar pelada porque eu estou mandando"


Mordo meu lábio inferior e não sei se estou respirando em
paz.
Tem algo naquelas palavras que me fazem pensar em um
sussurro.
Em intensidade.
Em sexo.
Até porque é exatamente isso que aquelas palavras são.
Parte de mim queria que ele estivesse ali.
Parte de mim queria nunca tê-lo conhecido.
O que as duas partes tinham em comum, no entanto, é que
nenhuma das duas sabia o que responder.
Spencer parece ter desaparecido pouco tempo depois.
Suspeito que tenha desistido de mim e minhas incertezas.
Paciência é uma habilidade que se desenvolve com o tempo e
sua juventude não parece ter sido capaz de suportar os dez
minutos que eu levei para decidir…
Decidir o quê?
Que eu poderia fingir aceitar a história dos 45 anos?
Que se eram apenas mensagens não era tão errado?
Que somos os dois, apesar da diferença de idade, adultos
e que se não estou forçando-o a nada, qual o problema?
Disse a mim mesma que eu precisava de um banho, mas
depois que tirei a roupa foi na cama que me enfiei e não no
chuveiro.
Destravo o celular e pairo meus dedos sobre as letras
enquanto decido o que dizer.
Estou molhada.
Quero muito lhe dizer o que fazer.
Quero muito que me diga o que fazer.
Minha curiosidade é hoje maior que meu arrependimento
será amanhã.
Foda-se.
"Azul" digito antes que me falte coragem "Mas não estou
mais usando ela".
Aperto a tecla para enviar e fecho o aplicativo depressa,
como se tivesse medo que ele pudesse me morder.
Respiro fundo e tento fingir que não acabei de me colocar
em uma posição extremamente vulnerável.
Deixo meu celular sobre a cômoda e espero o alerta de
notificação enquanto minto para mim mesma que não me importo.
Espero que ele responda.
Espero por uma hora inteira.
Mas a resposta não vem.
7. Closet
Spencer

Dormi demais.
Fiquei acordado encarando a tela do celular esperando uma
mensagem que nunca veio. Considerando se deveria mandar mais
uma depois da última coisa que ela me disse.
Ela sumiu. Você sabia que ela não ia continuar a conversa
Spencer. Por que ficou acordado até tão tarde esperando para
descobrir se estava errado
Bem… porque a Laurie estava certa pra caralho: eu estou
com a cabeça em outro lugar.
Um lugar que definitivamente não é meu emprego ou minhas
ambições, vide o fato de que dormi demais e acordei meia hora
depois do que deveria justo na manhã que tenho um compromisso
importante e inadiável.
Parabéns.
Duas torradas com queijo e geleia, um copo de suco e duas
bananas.
Eu como pouco de manhã porque sou simples, pobre e
atrasado. Mas, eu sou imenso e queimo calorias como incêndio
em fábrica de pólvora. Comeria três vezes aquilo sem qualquer
dificuldade.
Mas não tenho tempo para comer.
Mal tenho tempo para pensar.
Tudo que eu preciso essa manhã é pressa e adrenalina e é
só por causa dessas duas que eu consigo chegar na hora.
Levo meia hora, menos do que isso, e ali estou: A
DeLucca-Margot é uma das maiores agências de talentos de Nova
York. Uma das maiores do mundo. Eles representam gente que
vai parar na Fashion Week de Paris e no novo seriado da HBO.
Conseguir uma hora com eles é… impossível. Agências desse
porte escolhem quem querem representar. Não é qualquer um que
entra pela porta da frente e sai com um contrato.
Mas Tatiana Corso não é qualquer um e, aparentemente, já
tinha contratado serviços da agência para suas próprias
campanhas de publicidade vezes suficientes para ser
considerada uma cliente importante. Por que uma empresa de
tecnologia precisava de tantos modelos para publicidade era a
parte que eu não tinha entendido… mas achei que não era da
minha conta perguntar.
As portas do elevador se abrem direto para a recepção. E
para o caos.
As poltronas da área de espera estão todas ocupadas por
talentos em potencial, usando suas melhores roupas e os
maiores saltos. Tamborilando dedos e respirando fundo
agarrados aos seus books.
Merda.
Eu devia ter trazido meu book.
Tatiana disse que eu não me preocupasse porque ela já
tinha enviado pra alguém, mas… Era inteligente dobrar
esforços, não era? Caso eles precisassem.
Droga.
Tem, pelo menos umas oito pessoas atravessando o lobby,
conversando, discutindo, terminando de tomar um café. Duas
mulheres passam correndo a esquerda, uma delas precariamente
vestida no que parece um vestido de noiva ainda em produção e
a outra segurando parte das saias para ajudá-la a se mover
mais depressa.
Há um fundo branco em uma das laterais e um homem esguio
com uma polaroide tira close ups de alguns candidatos.
Eu estou acostumado com essa bagunça.
Vi muito disso desde que cheguei nessa cidade.
Essas agências dificilmente recebem clientes no local. O
contato com clientes é todo feito em sede própria ou a
distância. É por isso que não precisam se preocupar em ser
enxutos na aparência. A baderna funciona desde que apresente
resultados.
- Com licença? - tento chamar atenção da recepcionista
que parece capaz de lidar com doze problemas ao mesmo tempo,
sem hesitar.
No entanto, ao que tudo indica, os outro onze problemas
estão na minha frente na sua lista de prioridade e eu sou
categoricamente ignorado por alguns segundos.
É uma merda, não é? Eu entro em um café e, juro por Deus,
consigo perceber as atendentes acotovelando umas as outras
para ver qual consegue me atender primeiro.
Mas em agências de modelos eu sou invisível.
Absolutamente ignorável.
As pessoas que trabalham naquele meio parecem ter perdido
a sensibilidade para qualquer tipo de beleza em um nível tal
que nem sei o que seria preciso para chamar sua atenção.
Acho que eu poderia ficar pelado ali, absolutamente nu, e
ainda assim receberia pouco mais de atenção que…
E assim que eu penso nisso, como se Deus quisesse provar
um ponto, vejo mais adiante no corredor dois caras e uma
mulher: um deles está de cueca, o outro de toalha, ela usa a
parte de baixo de um biquini e tapa os seios nas mãos.
Desaparecem por uma porta do lado da que saíram e ninguém
sequer ergueu os olhos para questioná-los.
- Com licença? Eu acho que tenho uma reunião marcada para
as 10 horas.
- Com quem? - ela pergunta, sem me olhar nos olhos.
- Com um de seus agentes, não me disseram qual. Meu nome
é Spencer Reese.
Ela verifica suas planilhas.
- Ah… não vejo nada aqui. Como disse que se chama?
- Spencer. Reese. R-e-e-s-e.
- Eu não vejo esse nome aqui. Tem certeza que é hoje?
- Absoluta.
- Sinto muito, mas não está na minha agenda.
- Pode olhar de novo?
Mas ela já atendeu outra ligação e eu deixei de existir.
Ótimo.
Maravilhoso mesmo.
O que eu faço agora?
Vou embora e finjo que não aconteceu?
Esfrego meus olhos com força.
Vou precisar mandar uma mensagem pra Tatiana.
Depois do modo como encerramos a noite passada, quebrar
um silêncio com "me ajuda, por favor" é a coisa mais
deprimente que poderia acontecer no meu dia. Mas… ainda não
são dez da manhã e Deus sabe que muita desgraça ainda pode
acontecer na minha vida nas próximas quatorze horas.
Bem…
Se não há o que fazer é porque já está feito… digito
depressa:
"Desculpa te incomodar, mas você sabe quem é a pessoa que
me receberia na agência? Eles não têm meu nome na recepção"
Fico encarando meu celular e mando mais um "desculpa por
te incomodar!" porque… puta que pariu, né? Ela me conseguiu
aquela hora eu não sou sequer capaz de atravessar a porta
sozinho?
Meu celular não demora a tremer em meus dedos.
"Espere aí um instante".
Certo.
Fico de pé na recepção considerando quanto tempo é "um
instante" e acho que era menos de cinco minutos, no fim das
contas, porque esse é o tempo que um cara baixo de óculos
muito quadrados demorou para aparecer no lobby e chamar
"Spencer? Spencer Reese?" bem alto.
- Aqui. - me aproximo.
- Ótimo, vem comigo! Ela só tem três minutos! - ele
acelera pelo corredor e eu o sigo até cruzar uma segunda
recepção, menor e bem mais quieta. Ele bate em uma porta
dupla de madeira escura que está entreaberta. Lá dentro, três
ou quatro pessoas conversam sem modéstia no volume da voz.
- Josephine? - ele chama, abrindo a porta.
No meio da sala, eu vejo a quase noiva, a mulher que a
ajuda com o vestido, uma terceira que segura uma trena e uma
porção de agulhas e uma quarta, elegante em cima de um par de
saltos muito altos e um terno feminino justo e bem cortado.
Parece ter quarenta anos e o cabelo loiro muito curto.
- É ele. - Óculos Quadrados me apresenta.
- Spencer? - ela me oferece a mão e eu a aperto - Acabei
de falar com Tatiana, acho que houve algum engano e
esqueceram de colocar seu nome na lista. As vezes as coisas
aqui ficam uma loucura! Sinto muito!
- Sem problemas, eu sei como é. - assinto.
A costureira ainda está falando com a modelo e a
assistente. Josephine me convida para sentar.
- Eu sou Josephine DeLucca, a Tati é uma cliente antiga e
ela falou muito bem de você. Achou que a gente deveria se
conhecer.
Hesito e mal consigo sentar.
DeLucca?
- Ela é muito gentil. - engasgo - Ela mencionou que era
cliente.
- Ela e a Pamela, na verdade.
- Pamela?
- A sócia dela. Elas têm um site juntas. Por causa da
natureza do site elas têm parceria com muitas lojas de
artigos de luxo e sempre nos contratam para o marketing
especializado. Trabalhamos juntas há alguns anos.
Eu aceno porque não sei exatamente o que dizer.
Ela se estica para observar algo atrás de mim:
- Ele já terminou? - pergunta.
- Já. - o assistente de óculos quadrados voltou - Já está
no set, esperando. Sabe quantas horas ele vai cobrar?
- Não deve demorar mais que duas ou três. Pode colocar na
conta da Corso. Se ele cobrar. - sorri - Está pronto? - olha
pra mim.
- Pronto?
- O Stavo acabou de terminar um ensaio, ele ainda está
aí. Pode fazer o seu agora. Assim a gente não perde tempo.
- O meu… o quê?
- O seu ensaio. As fotos novas para o book.
- Eu já… eu achei que a Tati tinha te enviado o meu book.
- Ela enviou. Mas você precisa de umas fotos melhores.
Tem algumas coisas faltando no seu book. O guarda-roupa está
pronto… MIKE! O guarda-roupa está pronto?
- Está no set com o Stavo.
- Você pode levar o Spencer? Ele te acompanha, Spencer,
eu preciso terminar aqui.
- Claro, claro… - eu estou muito confuso.
- E depois ele te leva pra… MIKE! - ela chama de novo -
Depois leva o Spencer pra Tamy. Pra assinar os contratos.
- Certo! - ele ergue os polegares.
- Contratos?
- É, nosso contrato de retenção. Você precisa assinar pra
gente poder te representar.
- Me repres… Eu fui aprovado?
- Claro! A Tamy vai te dar os documentos!
Ela se vira de volta para a noiva e eu preciso correr
atrás de Óculos Quadrados ou sou deixado para trás.

***************

"Stavo" era Gustavo Lewer, o fotógrafo.


Não, deixa eu dizer isso de novo.
O Fotógrafo.
O cara que fotografava rainhas e atrizes pornô.
O ensaio que ele fez pra Vogue francesa era estudado em
cursos de arte.
Ele já tinha ganhado um Pulitzer de fotografia e sido
indicado pra um segundo.
Gustavo Lewer não fotografava um qualquer e,
definitivamente, não "por acaso".
Ele aperta minha mão com um sorriso profissional e
desinteressado que é exatamente o mesmo que deu para as duas
modelos que saíam do seu set quando eu entrei. O homem parece
uma máquina absolutamente desprovida de interesse ou emoção
quando olha para pessoas. O único mundo que o interessa é o
que acontece através das lentes. O resto de nós são bonecos e
cabides. Eu preciso trocar de roupas algumas vezes, o fundo
branco é imutável mas, vez ou outra, uns assistentes trazem
uma poltrona ou uma mesa para compor um cenário. Também me
entregam itens aleatórios como relógios caros, maletas ou um
copo de bebida.
Lewer faz sugestões específicas e eu acho que aprendi
mais sobre fotografia na última hora do que nos últimos 23
anos.
Ele quase não me olha nos olhos, mas quando encara as
imagens no laptop ao seu lado, acena como quem está quase
satisfeito.
Mike verifica as horas.
- Quase duas horas, Stavo? - confirma.
- Achei que isso era pra Tati? - coloca a mão atrás do
pescoço e se alonga por um instante.
- É, sim. - Mike confirma, ajustando seus óculos
quadrados - Já pode trocar de roupa, Spencer. Terminamos
aqui, já te levo pra Tamy.
- Se é pra Tati é por minha conta. - Lewer decide,
guardando suas coisas - Mais alguma coisa pra hoje?
- Não, era só isso! Obrigado!
Lewer não parece precisar de dinheiro ou gratidão.
- A gente vai trabalhar as fotos e te avisa quando
estiver tudo pronto. - Mike me explica depressa enquanto
avançamos pelos corredores. Tudo ali é feito depressa. - A
Josephine vai escolher quais entram no seu book e alguém
entra em contato com você pra verificar sua agenda. Vai
precisar voltar aqui amanhã para fazer o teste de câmera. O
mesmo horário funciona pra você?
- Sim… - eu gaguejo, mas já fui empurrado para dentro da
sala da Tamy e ela, lógico, também está com pressa.
As três vias de contrato são assinadas em dois segundos e
eu mal li alguma coisa. Não que eu fosse entender tudo
aquilo, mas acho que seria bom ter uma chance de tentar.
A porta atrás de mim se abre assim que entrego a última
via para a Tamy.
- Esse é o cara da Tatiana Corso? - a mulher na porta tem
uma pasta escura e comprida nas mãos. Do tipo que se coloca
documentos.
- É ele mesmo.
- Você pode entregar isso pra ela? - enfia a pasta nas
minhas mãos - Ela nunca mandou alguém buscar e nunca marcou
uma hora para enviarmos… Entrega isso pra ela, está bem? Em
mãos. - ergue um indicador - Nas mãos dela. Pode fazer isso?
Eu confirmo até porque ela já deixou a pasta comigo e foi
embora.
Sou posto pra fora com a mesma eficiência e velocidade
com que fui recebido.
E… acho que é isso.
Sou um modelo agenciado agora.
Progresso.
Laurie mal acredita quando conto pra ela.
- Quem diria! - acena muito devagar com um exagero que
lhe é típico - É quase como se ter muito dinheiro facilitasse
as coisas.
- Quase. - estou rindo.
- Precisamos contar isso pra outras pessoas!
- E talvez fundar um novo sistema econômico em cima dessa
recém descoberta realidade.
- E precisou transar com ela?
- Quê? Não!
- Spencer, desculpa, mas essa tua saga de garoto de
programa tá muito censura livre. Só volta a me contar quando
acontecer algo interessante.
- E eu conseguir um contrato de representação não é
interessante?
- Mais ou menos, porque eu só to com inveja. Não sei se
isso é muito saudável pra nossa amizade. - ri, mas aí me dá
um tapa no estomago e um abraço - Parabéns, idiota!
- Dificilmente foi mérito meu.
- Bem, você podia ter estragado tudo. E não fez isso.
Parabéns.
- Eu adoro como você tem tanta fé em mim.
- Pois é.
- Me deixa muito excitado, sabe? Eu lembro como você é
gostosa.
- Vai se foder. - rosna - Devagar e pelo cu.
- Nossa.
- É.
Eu vou devolver mais alguma gracinha, mas nosso carrasco
Rodolfo já apareceu e fez questão de nos lembrar que não nos
paga para ficar trocando flertes.
Uma pena.
***************

- Você está me devendo um pedido de desculpas bem lento e


gostoso. - Vanessa me encontra.
Na verdade, ela me encurrala. Contra o armário e a parede
quando estou pegando minhas coisas para ir embora.
Lento e gostoso são as palavras que ela usa. E nós dois
sabemos exatamente do que ela está falando. Todo mundo sabe
exatamente do que ela está falando.
Vanessa se distrai, fingindo desinteresse enquanto espera
minha resposta. Dobra a camisa que estava em meu armário e me
entrega, devagar.
- Ehr… Sinto muito. Tive uma emergência.
"Emergência".
É assim que estou chamando minha troca de mensagens com
Tatiana que me fez esquecer da vida. Quem dirá da Vanessa.
Fazia tempo que eu não gozava daquele jeito. Só consegui
impedir o sono por tempo suficiente para me certificar que
ela não ia mesmo me responder.
E não respondeu.
Merda.
Por que eu preciso ser sempre tão imbecil quando o
assunto é ela?
- Não. - ergue o indicador, recusando minha tentativa -
Não vai ser assim tão fácil. Lento e gostoso, lembra? E mais
de uma vez. - acrescenta com um tom safado que não poderia
ser confundido com outra coisa nem que fosse abafado por uma
britadeira.
- Não acho que vai dar certo, Van…
- O quê? - ela pega a pasta escura em meu armário e
experimenta o cordão que a mantém fechada.
- Não sei se é uma boa ideia sair com uma colega de
trabalho, pode complic… Isso não é meu, por favor, não mexe.
- tento tirar das suas mãos
- Spencer. - ela abre o cantinho da pasta, casualmente -
Eu vou sair com alguém, hoje, porque eu preciso de sexo. Eu
só estou perguntando se vai ser você.
- Bem… então… não. Mas boa sorte!
Ela tem uma risada de desdém diante do que viu dentro da
pasta.
- Claro que não. Acho que vai estar ocupado. - ela enfia
a mão na abertura e eu acho que vou ter um ataque cardíaco.
Acho. Até ver o que ela tem nas mãos e aí eu tenho certeza.
- Não mexe nis…
- Sua namorada? - ela pergunta.
O que ela tem nas mãos é uma foto.
Uma, do que são muitas, dentro da pasta pesada.
Uma foto.
Tirada por Stavo Lewer, sem dúvidas.
Uma foto.
De Tatiana.
Usando nada além de uma calcinha lilás minúscula, com um
lençol de seda precariamente cobrindo os seios.
Você tem noção do que é ficar duro em uma fração de
segundo?
Pois é.
Porque eu não tinha.
Mas agora, claramente, tenho.
Eu tenho que guardar aquela foto de volta porque ela não
me pertence, nem sequer deveria estar comigo e é uma violação
de privacidade sem tamanho.
O que eu consigo fazer, no entanto, é encarar a foto por
cinco segundos inteiros.
Vou babar no chão.
Que caralho de mulher linda.
Meu Deus.
Ela deve ter uns vinte e cinco anos na foto.
Eu acho… Mas atualmente ela não parece os quase quarenta
que diz ter, então, só Deus sabe quantos tem ali.
As fotos, dentro da pasta, são um ensaio sensual que ela
deve ter feito para o marido.
Eu a enfio de volta e ralho com Vanessa por dois
segundos.
Não mais que isso porque estou duro nas calças e acho
melhor não me demorar naquela situação.
Ainda estou duro no metro.
Estou duro quando chego em casa.
Puta que pariu.
- Quer rachar uma pizza? - Eric pergunta assim que
atravesso a porta.
- Não, eu… Vou sair.
Ele sorri entre a graça e a inveja.
- Achei que não estava interessado nas mulheres do site.
É diferente quando é uma Unicórnio, han?
Eu aceno de qualquer jeito e vou direto para o meu
quarto.
Preciso entregar aquelas fotos pra Tatiana, depressa.
Tê-las ali comigo é uma tentação que não vai passar.
Esfrego meus olhos.
Meus cabelos.
Que merda, né.
Eu vou me masturbar pensando em Tatiana.
Vou fazer isso já já.
De novo.
E aí toda vez que olhar pra ela vou ter vontade de
repetir.
Seria ótimo se ela fosse tipo as outras mulheres que só
queriam me usar. Porque aí ela ia querer me comer também e ia
ser ótimo.
Mas não.
Ela estava estressada, me vendo como um jovem inocente
propenso a ser desvirtuado.
Eu não sabia o que fazer para convencê-la que eu não era
inocente e a propensão a desvirtude era algo que eu
ativamente perseguia.
Abro o zíper.
Vou me masturbar, tá bem? Não dá.
Quando o cara tá duro desse jeito não dá pra tomar um
sorvete e esperar passar.
Essa ideia é péssima. Vai foder teu relacionamento com
ela. Não pensa nela desse jeito.
Fecho o zíper.
A pasta em cima da cama fica me encarando.
O problema é que eu JÁ penso nela desse jeito.
Desço o zíper, só um pouquinho.
Vai piorar.
Se eu fizer isso, não tem volta.
Vai ser uma perversão.
Fecho o zíper.
Vai ser só um carinho.
Abro o zíper.
AH CARALHO!
Eu quero sexo.
Eu quero amarrar Tatiana em cima de uma cama com tanta
força que vai deixar marcas na sua pele por dias, em uma
posição boa para me deixar comer aquela bocetinha
maravilhosa, sentindo a ponta dos seus peitos endurecer nas
minhas mãos.
Pare.
Pare, Spencer, enquanto você ainda tem algum controle.
Ah merda.
Empurro o cacete da pasta de Satanás para longe e, porque
Satanás realmente deve estar envolvido, ela se abre
espalhando Tatiana pelada e quase-pelada por todos os cantos
do meu quarto.
Tocando os cabelos, envergonhada, usando uma lingerie que
faz meu sangue entrar em ebulição.
Experimentando os próprios seios de um jeito que não
consegue ser pornográfico porque é excessivamente artístico.
O rabo de cavalo. O caralho do rabo de cavalo.
Sem o sutiã com os biquinhos escuros endur…
Eu olho pro teto.
Senhor Jesus, por favor, me ajuda.
Eu sei que não sou o filho favorito e a gente quase nunca
se fala.
Mas tem misericórdia da minha alma nesse momento de
angústia.
Recolho as fotos o mais rápido que consigo. Mantenho os
olhos fechados por metade do procedimento e enfio tudo de
volta na pasta. Fecho ela bem fechadinha fechadíssima,
Tatiana vai precisar de um ladrão de carreira com ferramentas
profissionais pra abrir aquela porra de volta.
Enfio ela embaixo do braço e vou direto pra casa dela.
Direto.
Não posso ficar com aquilo na minha casa.
Não vai fazer bem pra minha honra ou pra minha saúde.
***************

Da portaria, me encaminham direto pro elevador e de lá


estou no meio da sala de entrada de Tatiana.
Quem me recebe, dessa vez, não é ela ou Bruce, mas uma
mulher grande com cabelos cacheados amarrados em um coque
apertado e com um sorriso familiar.
- Oi, garoto.
Eu queria mesmo que todo mundo parasse de me chamar de
garoto.
Eu tenho 1,92 de altura. Uma barba por fazer.
Meu peso inteiro é praticamente músculo.
E essa gente me chama de "garoto".
- Oh, olá! - cumprimento - Tatiana está me esperando.
- Ela está lá em cima, no quarto dela. Você pode entrar.
- a voz dela é muito familiar.
Enrugo a testa.
- Eu sou Lucille. A motorista? Nos conhecemos
rapidamente, mas você só deve ter encarado minha nuca por
todo o tempo. - ri.
- Ah! Claro! Olá! - cumprimento de novo e aperto sua mão
- Desculpe, não te…
- Lu, você pode voltar na agência e pegar o… - outra
mulher entra na sala. Eu lembro dela… estava no escritório da
Tatiana - Ah! Spencer! Como vai?
- Bem, obrigado. Julia, não é isso?
- Isso. Bom te ver de novo. Veio ver a Tati?
- Vim entregar isso! - indico a pasta na minha mão - E
ela disse algo sobre experimentar um terno?
- Terno? - Julia vira-se para Lucille - O terno dele já
chegou?
- Só se estiver com as outras roupas. - explica.
- Deixo no…
- Deixei.
Julia assente.
- Pode subir, Spencer. O terno deve estar com as outras
roupas no quarto da Tati. Ela está lá, mas está trabalhando.
- Pra variar. - Lucille dá de ombros.
- Pra variar. - Julia ri - Só subir as escadas. É o
quarto no fim do corredor, à esquerda. A porta deve estar
aberta, nem precisa bater. Aproveita e leva isso também. -
ela me entrega um vestido de festa ainda no cabide e proteção
de plástico.
As duas me oferecem o sorriso que a Monalisa teria se
estivesse pensando em sacanear o Da Vinci.
Eu me afasto dando passos para trás porque não quero dar
as costas para as duas. O nível de insanidade no ambiente é
alto e palpável, e eu aprendi bem cedo que não se dá as
costas pra gente doida.
Todo mundo que trabalha pra mim é inapropriado.
Era isso que a Tati tinha dito quando a gente se conheceu
e, bem… estava mesmo certa.
Todo mundo, inclusive eu. Que vou até tarde mandando
mensagens que ela, provavelmente, sequer queria receber.
Encaro o chão com uma careta. Se isso fosse um dos meus
livros eu podia marchar até o seu quarto, dizer uma frase de
efeito e beijá-la. Estaríamos nus antes da página seguinte.
Mas não… ali estou eu lidando com as consequências de minha
pouca vergonha. Às vezes, na vida, a gente é um idiota… mas
com essa parte eu já estou acostumado. O difícil é ser
inconsequente quando sua contraparte é o retrato da
maturidade e sensatez.
O nível da idiotice dos atos está sempre relacionado a
quem está do outro lado como destinatário dos atos.
Deixa eu te dar um exemplo: uma coisa é você se
arrepender de uma mensagem que mandou pra ex quando estava
nervoso, outra coisa é você acordar e lembrar que passou a
noite bêbado, passando trote imoral pro padre que te conhece
desde criança.
Tatiana não é exatamente um padre mas, se eu tivesse que
apostar onde me encontro, no momento, acho que estou mais
perto deste do que daquele.
Eu subo as escadas e encontro o quarto indicado. As
portas duplas estão entreabertas, mas muito pouco. E, apesar
da instrução que me foi dada, eu vou ser enfiado na farinha e
no óleo para ser fritado a milanesa antes de entrar sem bater
no quarto de uma mulher.
Dou três batidas audíveis na porta e escuto sua voz:
- Entra, estou no closet.
Eu abro a porta.
O quarto parece um… parece um…
Não sei.
Eu sou pobre demais pra ter palavra para aquilo.
Fica em um dos cantos do prédio e duas das paredes, na
verdade, são janelas. Janelas inteiras do chão ao teto, de
lateral a lateral. Não apenas janelas, mas portas de vidro
que se abrem completamente pro por do sol da cidade. A
varanda, do outro lado é larga o suficiente para conter meu
apartamento inteiro. Tem um jardim, uma porção de mobília
externa em tons marrons aconchegantes e algo que, suspeito,
deve ser uma jacuzzi.
E isso é só o lado de fora do quarto.
A parte de dentro parece ser dividida em três ambientes:
um com um conjunto de sofás e poltronas sobre um tapete
felpudo, outro com uma penteadeira de mogno e um jogo de
espelhos diante de uma cadeira elegante, e um terceiro com… a
cama.
Uma pequena escada de madeira escura leva para a área da
cama que é cercada por paredes de vidro por todos os lados.
Uma elevação de pouco mais de meio metro. Lá em cima, a
cama colossal, uma televisão suspensa no ar como por magia e
uma lareira. As cortinas correm ao redor das paredes de
vidro. Creme e pesadas mas, no momento, abertas.
Mesmo a área da cama é duas vezes o tamanho da minha
sala.
- No closet! - ela chama, de uma porta a esquerda.
- Tati, a Julia pediu para eu tr…
Entro no closet e Tatiana está de roupa íntima.
Claro que está de roupa íntima.
Lógico.
Por que não estaria?
Deus me detesta e aquelas duas lá embaixo queriam mesmo
me sacanear.
- SPENCER! - ela se cobre com o vestido que tem nas mãos
e eu me coloco de costas.
Mas não se cobriu rápido o suficiente.
Se o objetivo era preservar minha integridade, eu já
tinha visto mais do que deveria.
A calcinha de renda preta tinha uma fita de seda rosa que
parecia entrar e sair da costura apenas em alguns lugares,
como se a intenção fosse ser uma filha da puta escrota mesmo,
sabe? Atraindo tua atenção justamente pra parte que você
deveria, por cavalheirismo, ignorar.
O sutiã conseguia ser ainda pior porque era firme o
suficiente para segurar aquele par de peitos deliciosos sem
qualquer problema, empurrando-os para cima, deixando as
curvas de sua carne em maior evidência. Mas, apesar de toda
sua estrutura firme, o tecido era bem delicadinho, do tipo
que quase ameaçava ser transparente mas insistia em não se
decidir.
Acho que consigo ver o bico duro dos seus peitos.
Talvez seja ilusão de ótica.
Ou talvez eu esteja tonto e ameaçando desmaiar.
A única coisa que me salva é que seus cabelos estão
soltos. Se estivesse usando aquela porra daquele rabo de
cavalo não sei se seria capaz de responder por mim.
Mas, ainda assim, vou ficar duro de novo.
- O que DIABOS está fazendo aqui? - vocifera.
- Desculpa! A Julia disse que eu podia entrar e me pediu
pra trazer isso! - estico o braço com o vestido, mantendo-me
de costas.
Estou ficando duro de novo, eu mencionei isso?
- A Julia! - ela arranca o vestido do meu braço, furiosa
- Ótimo! Só gente inapropriada! - resmunga para si mesma - É
isso que trabalha pra mim! Só gente inapropriada! Eu tenho um
dom! Ou uma maldição!
- Você quer que eu vá embora?
- Quero! - rosna e eu já estou obedecendo - Não! - ordena
e eu paro - Tem que experimentar o terno!
Seu closet é imenso. As paredes são todas cobertas do
chão ao teto com armários fechados ou prateleiras. Cubos
iluminados de madeira escura para cada par de sapatos. Roupas
metodicamente dobradas sobre as prateleiras ou rigorosamente
alinhadas em cabides de veludo. Duas poltronas robustas e um
divã ocupam o meio do ambiente, com seus pés pesados
afundando no tapete creme que cobre todo o espaço.
Nada disso, é claro, atrai tanto minha atenção quanto a
mulher ainda precariamente coberta pelo vestido escuro que
mantem a sua frente.
Mas eu não olho diretamente para ela porque parece, na
falta de palavra mais apropriada, furiosa.
- Ali. - aponta para o que deve ser um terno ainda
protegido pela capa plástica e escura que gente rica gosta de
usar para transportar roupas. Está bem em cima do divã, no
meio do closet e muito mais perto da Tatiana semi nua do que
eu ousaria me aproximar sem permissão.
Mas ela mandou eu pegar, não foi? Acho que isso conta
como permissão.
Ela dá um passo para trás quando me aproximo, mas se
choca contra suas prateleiras de madeira e não tem mais onde
se esconder.
Não olhe pra ela.
Não olhe pra ela.
Não existe física que consiga fazer ela se cobrir em
absoluto. Estou, inclusive, suspeitando que o que ela tinha
nas mãos nem era um vestido, mas uma saia. Tapa muito mal
suas curvas e assim que me aproximo fico impossivelmente
ciente de cada uma delas.
Expira, irritada.
Ela parece estar com muita raiva.
Mas… de quê?
Tá, eu fui agressivo ontem, mesmo depois de ouvi-la
decidir que seríamos só amigos. Mas ela poderia ter me
impedido e não fez isso. E quando ela foi embora, eu não lhe
mandei um monte de mensagens, não foi? Eu respeitei sua
decisão e sua distância. Meu comportamento talvez fosse digno
de uma ou duas palavras concisas e algum constrangimento… mas
não fúria.
- Quer que eu experimente aqui? - pergunto. Tenho certeza
que ela deve ter um banheiro não muito longe, ou outro quarto
onde eu possa…
- Não vai tirar as roupas aqui! - treme. Parece estar bem
perto mesmo de começar a salivar de raiva.
Eu hesito.
- Nossa. Calma. - experimento, com cuidado - Eu não quis
dizer "aqui, na sua frente". Quis dizer se quer que eu leve
pra casa ou…
- Ah. - ela engole em seco e parece tentar se recuperar.
Como uma criança pequena com a boca toda suja de chocolate
jurando que ainda não comeu a sobremesa - Não, você… você
experimenta aqui. Não na minha frente! - acrescenta depressa
e eu assinto porque essa parte eu já entendi - Mas aqui.
Porque se ainda precisar fazer algum ajuste…
- Não sei se ainda dá tempo de fazer algum ajuste. -
sorrio, mas ela ainda está séria.
Ainda está… incomodada?
Não me olha nos olhos.
- O banheiro é ali. - aponta, seca.
Eu não sei exatamente o que eu fiz, mas eu sou homem,
sabe? Com certeza fiz alguma coisa errada.
- Sim, senhora. - pego a roupa com plástico de rico e
cabide e tudo e estou a caminho do banheiro quando lembro -
Ah! E isso aqui é pra você! - indico a pasta ainda na minha
mão. Acho que ela já estava a caminho do robe, mas eu me viro
e ela se tapa mais uma vez. Encarando-me com aquele fogo
peculiar. - Desculpa! - acrescento - Aqui.
Eu dou a pasta para Tatiana, mas ela não tem como pegá-la
sem soltar o pano que usa para se cobrir. É aí, entre sua
nudez e indecisão, que eu me atrapalho também e não sei se
levo a pasta comigo ou se espero ela se vestir. Tem um divã!
Eu posso só soltar a porcaria em cima de uma das poltronas,
mas os segundos que eu levo para ter essa ideia genial foram
suficientes para constranger todos nós e Tati assume o
controle.
- Só se vira de costas! - brada e eu obedeço - Meu Deus!
- resmunga, para si mesma - Pode me passar aquele robe, por
favor?
Pego o robe sobre o divã para lhe entregar e, por
instinto, quase me viro de volta para ela.
- Não precisa se virar! - ela tem os dedos no meu queixo
impedindo o movimento do meu rosto - Só me entrega! Sem se
virar! - repete a instrução como se eu fosse idiota. Mas,
considerando que eu quase, de fato, me virei, talvez seja
esperto me tratar como idiota.
O problema dela ter a mão no meu queixo, no entanto, não
é apenas o seu toque doce ou o cheiro do perfume que ela deve
ter colocado bem no pulso e que agora me invade como se
quisesse me matar… O problema é que se ela tem uma mão em mim
e a outra para o robe… não sobrou mão para segurar o vestido
que a cobria.
Está nua.
Ou quase.
Ou bem perto disso.
A centímetros de mim.
Tocando meu corpo.
Posso me virar e morder seus dedos. Empurrá-la contra as
prateleiras e fodê-la em seu robe.
Quero tanto fazer isso que preciso travar os dentes e
olhar pra cima.
Pro Céu.
Pra Deus.
Implorando ajuda divina porque minha carne está bem
pertinho de me trair.
Ela toma o robe que tenho nos dedos e escuto o leve arfar
do tecido ao seu redor quando se cobre.
- Pode me dar agora. - decide.
Entrego a pasta, ainda de costas, porque a ereção não é
plena, mas é presente. E se ela conseguir percebê-la acho que
minha situação piora.
- O que é isso?
- O Lewer mandou te entregar.
Lewer.
As fotos.
Em uma das fotos Tatiana tinha um lençol de seda cobrindo
seu corpo enquanto erguia os braços… nada segurava o lençol
no lugar a não ser a pontinha de seus peitos.
Ela tinha um rabo de cavalo ali também, caindo por sobre
o ombro para proteger um dos seios caso o lençol caísse.
Minha virilha arde.
Sinto a pressão do sangue me fazendo crescer.
Garoto, quieto.
Fecho os olhos.
- Mas já estão com você! - acrescento por nenhuma razão -
Estão aí na sua mão. Não são mais minha responsabilidade.
Você faz com elas o que quiser. - começo a andar em direção
ao banheiro porque preciso demais sair desse closet agora -
Fora das minhas mãos. Sim, senhora.
- Espere. - sua voz é um comando único - Parado.
Engulo em seco e congelo onde estou.
- O que é minha responsabilidade? Do que está…
Eu ainda estou de costas, sabe? Mas imagino que seja mais
ou menos aí que ela abriu a pasta e descobriu do que
estávamos falando.
Precisa de uns quatro segundos inteiros antes de
conseguir voltar a falar.
- Você… Você viu isso aqui?
- Ahm… não…
- E por que está falando no plural?
- Que plural?
- "Estão aí na sua mão", "você faz o que quiser com
elas". Por que está chamando o que tem aqui dentro de "elas"
se não viu o que é?
- Eu não vi de propósito. - explico.
- Spencer.
- Tatiana.
- Olhe pra mim.
- Ah… eu prefiro ficar aqui como estou, obrigado.
- Spencer!
- Tatiana, minha situação não tá muito boa! Se eu me
virar, vai ficar com raiva e acho que vai me bater. Eu
preferia não apanhar hoje, se pudesse escolher.
- Quando você viu isso? - ela não parece ter ouvido o que
acabei de dizer - Hoje ou ontem?
- Hoje.
- Tem certeza?
- Absoluta.
- Então isso não tem nada a ver com você não ter me
respondido?
O quê?
- O quê? - eu me viro.
- Você não me respondeu, ontem. - ela tem os braços
cruzados e encara o chão com o queixo rígido.
O robe é bem curtinho e justo. Ela o amarrou depressa. Me
dá uma vontade tão grande de fazer carinho naquele decote.
- Quando foi que eu não te respondi?
Ela me encara, sem paciência.
Sorri com desdém e abana a cabeça como se desistisse.
- Isso é bem feito. Bem feito pra mim por querer me
envolver com um moleque.
- Ei! Do que está falando?
- Vai experimentar o terno, Spencer!
Enfia os dedos nos cabelos como se massageasse a própria
nuca.
- Ei! - eu me aproximo - Não. - seguro seu braço e a
trago de volta - Quando foi que eu não respondi?
Seus olhos escuros assim, tão perto, me enlouquecessem
mais que o decote.
- Ontem a noite. Quando você me pediu pra tirar a roupa e
te dizer a cor da minha roupa íntima. - ela tem um sorriso de
dor e arrependimento, como se detestasse a si mesma pelo que
fez - E eu obedeci.
Um arrepio toma conta do meu corpo inteiro e vai terminar
em cheio na minha ereção.
- O q… Fez o quê?
- Eu obedeci e te respondi. Mas acho que você deve ter
encontrado algumas fotos e não gostou do que viu.
Espera.
O quê?
- E aí desapareceu e agora está fingindo que não foi isso
que aconteceu. - continua.
Eu gesticulo em desespero antes de conseguir encontrar
palavras para reagir.
- Espera, espera, ESPERA. Você acha que eu DESISTI de te
comer DEPOIS de ver essas tuas fotos? Você ficou LOUCA?
- Vai experimentar o terno!
- Não! A gente vai terminar essa conversa aqui!
- Não precisa dizer nada, Spencer.
- Aparentemente, eu preciso. Porque você é louca! Você
tem alguma noção… QUALQUER noção do tanto que você é gostosa?
- Não desistiu de me responder depois que viu as fotos?
- Tatiana, olha, com todo o respeito, mas se eu estivesse
vendo as tuas fotos enquanto me masturbava, não acho que eu
ia ter condições de tá digitando mensagens.
Ela abre a boca, horrorizada, e eu percebo o erro do que
acabei de dizer:
- Eu NÃO estou dizendo que parei de responder porque
estava me masturbando olhando para as tuas… Tatiana, EU NÃO
RECEBI MENSAGEM NENHUMA! - decido me apegar com esse
argumento porque ele é o mais importante.
- Como pode não ter recebido?
- Não sei! Tem certeza que você mandou? Talvez tenha
pegado no sono e sonhado que mandou.
- Eu não sonhei com você!
- Adoro como você chega a essas conclusões! Não foi isso
que eu disse!
- Eu mandei a mensagem.
- Não mandou! - enfio a mão no bolso para pegar meu
celular.
- Mandei!
- Tatiana, me respeita! Você acha que eu ia ignorar
mensagem de mulher nua? - verifico o aplicativo e lá está.
Última mensagem foi minha.
Enviada.
E ignorada.
- Ignorado fui eu! - deixo que ela pegue meu celular.
- Você apagou?
Reviro os olhos.
Ela volta para o quarto e eu a sigo de braços cruzados.
Pega o celular sobre a cama e precisa de dois segundos para
me olhar de volta entre o choque e a vergonha.
- Não mandou, não foi? - sorrio.
- Eu… Sinto muito, Spencer! Eu tinha certeza que tinha
mandado. Não sei o que houve. Será que fechei o aplicativo
rápido demais?
- Nossa! Me responsabilizando por algo que eu nem fiz!
- Desculpe! Eu devia ter… não sei. Devia ter verificado.
- E como o aplicativo é seu, acho que é duplamente sua
culpa. Eu sou um santo.
- Não exagere. - estreita os olhos - Já pedi desculpas.
- Chefe, a Lu quer saber se… oh! - Julia para na porta do
quarto tentando compreender a cena ali dentro.
Tatiana, de robe, em cima da cama. E eu de pé, ali,
casualmente sorrindo.
- O… o que… Eu volto depois! - decide.
- Não! Parada aí. Suponho que o Spencer entrando no meu
closet, sem avisar, é coisa sua?
- Eu avisei! - reclamo.
Ela gesticula para que eu fique quieto.
- Mas eu avisei. - repito.
- Em minha defesa. - Julia começa - Eu achei que você
estava trabalhando. Não achei que estava… fazendo algo que
não é da minha conta.
- Estávamos conversando. - ralha.
Eu faço uma careta e o gesto de mais ou menos, Julia ri.
- A Lu quer saber se já está pronta? A festa já começou.
- Festa? - pergunto.
- Do escritório dela! Você vai, Spencer?
- Não, não fui convidado. Ela só gosta do meu corpo nu.
- Spencer! - Tatiana fica tão vermelha que me dá vontade
de mordê-la todinha.
Mas Julia ainda está rindo.
- Você devia vir. - a assistente diz.
- E posso ir assim mesmo? - indico minhas roupas.
- Está ótimo, não é nada formal! Mas você devia se
trocar, chefe. O robe é um pouquinho demais. - dá de ombros.
- Não sei. Eu achei o robe incrível.
- Gente inapropriada. - ela tem um sorriso amarelo de
desistência - Só gente inapropriada.

***************
Tatiana

Eu não sei até que ponto foi uma boa ideia trazer Spencer
para um evento de trabalho. Mas, aparentemente, Julia manda
na minha vida. Ela não quis vir para a festa, mas insistiu em
enviá-lo em seu lugar. Passei vinte minutos no carro tentando
descobrir por que deixei isso acontecer e assim que precisei
apresentá-lo para a primeira pessoa na festa, ouvi o leve tom
de pânico em minha voz. Eu devo satisfações a um total de
zero pessoas ali. Mas ainda assim é desagradável imaginar a
fofoca de escritório no dia seguinte.
O problema é que a primeira hora se passou e…
Eu não sei até que ponto foi uma má ideia trazer Spencer
para um evento de trabalho. Ele é simpático e divertido. Faz
amizades depressa e tem nenhuma vergonha de puxar assunto. E
mesmo que não ganhe as pessoas pela personalidade, basta um
sorriso para desconcertar qualquer interlocutor,
principalmente se mulher. Ele é lindo. Muito e absolutamente.
De um jeito que nem sequer fica aberto a diferentes opiniões.
Ele é uma boa companhia.
E eu não mandei a mensagem.
Por que não abri a porcaria do aplicativo pra verificar?
Por que confiei na notificação?
Bem… porque eu me sinto ridícula encarando a tela do
celular esperando resposta de um cara.
E aí tanto me senti ridícula que acabei me fazendo
ridícula mesmo.
Ele não respondeu porque eu nunca lhe dei espaço para
resposta e, assim como trazer Spencer para a festa, minha
mensagem não enviada era o tipo da coisa que eu não tinha
conseguido decidir se era boa ou ruim.
Spencer está entretendo um pequeno grupo de pessoas com
uma história sobre pegar uma balsa, bêbado, com dois
desconhecidos. O grupo ri preso em cada uma de suas palavras
e eu me afasto para pegar um copo de champanhe.
O que eu teria feito se ele tivesse respondido?
Teria me masturbado junto com ele?
Bebo um gole largo, aperto meus olhos e respiro fundo.
- Tati. - a voz familiar. A mão quente na parte baixa de
minhas costas.
- Marcus!
- Oi! - sorri.
Minha empolgação foi, em parte, alívio. Por um segundo,
achei que era Spencer e não sei se consigo me controlar se
ele me tocar agora.
Meu amigo, no entanto, lê minha reação como alegria pura
e sorri de acordo.
- Ótima festa!
- Oh, obrigada. Mas temo que tive muito pouco a ver com
sua organização.
- A sua presença fez com que ela ficasse perfeita!
- Você é gentil demais.
- Sou gentil na medida. - sorri.
É lindo também.
De um jeito diferente.
De um jeito mais… experiente.
Ainda tem uma mão em minhas costas, desliza o polegar ali
em uma carícia que ainda é polida mas quase atravessa a linha
para o inapropriado.
- E como vai o cargo em São Francisco? Já decidiu? -
prendo a respiração. É bem evidente que o assunto não me
deixa confortável.
- Ainda não. Mas temos tempo. A gente não precisa falar
sobre isso agora.
É curioso…
Ele quase fala como se aquela fosse uma decisão que temos
que tomar juntos.
- E tudo pronto para a festa da Pamela? - brinca.
- Você também está chamando assim agora?
Dá de ombros com um sorriso gostoso.
- Acho que tudo pronto. Eu vou tentar chegar um pouco
mais cedo, caso ela precise de ajuda.
- E por "precise de ajuda" você quer dizer…
- "Impedir que ela mate algum funcionário". - assinto
enquanto ele conduz as palavras que, já sabe, eu vou dizer.
- Posso chegar mais cedo também. Caso você queira
companhia.
- Não… não é preciso. Eu vou… ahm… o Spencer vai comigo.
- Spencer. - murmura o nome e sua mão, em minha cintura,
fica mais pesada - É o cara?
- Hm?
- O do encontro.
- É. Spencer. - engulo em seco - O Spencer. É… o nome
dele. Spencer.
- Spencer. - repete, achando graça de meu desconforto -
Preciso mesmo conhecê-lo. Quem sabe ele me dá umas dicas.
- Dicas?
E aí tem outra mão na minha cintura.
Uma mão forte, larga e intensa, sem qualquer vergonha de
disputar o controle pelo meu corpo.
Marcus, Deus o abençoe, me solta, assustado. E ainda bem
que fez isso ou ficariam os dois me puxando como a uma corda.
E aí Spencer, que não tem a discrição do Marcus, me puxa
pela cintura até me colar ao seu corpo.
- Dicas para o quê? - pergunta, com seu sorriso de causar
vítimas.
Meu amigo, diante dele, apenas enruga a testa como se
estivesse lutando arduamente para entender o que está
acontecendo.
- Spencer. - aponto - Esse é o Marcus.
- Esse é o Spencer? - se tentou esconder o choque em sua
voz, tentou muito mal e falhou. Faz uma careta para mim e é a
mesma que ainda tem no rosto quando se vira de volta para
observar o outro.
- Acho que minha fama me precede. - sorri - Mas desculpa,
não ouvi seu nome?
- Marcus. - ele engole, incomodado, ainda investigando
Spencer de cima abaixo.
- Hm. Você… trabalha com a Tati? Não me lembro de já ter
ouvido seu nome.
- Ah… Não. Mais ou menos. Somos amigos. - explica.
- Ótimo. Você também vai pra festa, esse fim de semana?
Hesita.
Parece precisar de um segundo depois que Spencer fala.
Como se estivesse se beliscando e aceitando a realidade.
- Vou.
- Acho que nos vemos lá.
- Sim, sim… - responde, de qualquer jeito - Me desculpe.
- sorri - Mas c… como vocês se conheceram?
Eu não faço ideia como responder essa pergunta.
Não que isso seja um problema porque Spencer tem um
sorriso atrevido e já se adiantou:
- Ah! É uma longa história. E a maior parte dela não dá
pra contar, assim, em público. - pisca um olho - Amor, pode
vir aqui comigo, um instante? Desculpa, Matt, preciso roubá-
la. Foi ótimo te conhecer. Amor?
- Sim, claro. Já volto. - acrescento para um Marcus que
parece estar tão atordoado quanto eu.
- "Amor?" - sussurro, assim que entramos em uma das
poucas salas que não é inteiramente de vidro.
A luz está apagada e o fato de que Spencer não se
incomodou em acendê-la deveria ser um indicativo de suas
intenções.
- O que você disse?
- O quê?
- Na mensagem. A que não enviou. - ele fechou a porta e,
apesar de ter uma sala inteira atrás de si, no manteve ali.
Estou presa entre ele e a madeira.
- Me tirou de lá só pra falar disso?
- Te tirei de lá porque você quer evitar o Marcus,
lembra? Só estou puxando assunto enquanto estamos aqui.
- Muito sagaz de sua parte. - recrimino, mas ele escuta
apenas um elogio.
- Obrigado. - sorri, satisfeito - O que disse na
mensagem?
- Não acredito que voltou a pensar nisso agora.
- Estive pensando nisso a noite inteira.
Suas mãos escorregam da minha cintura pro meu quadril.
- Bem… - continua - Nisso e no que eu diria depois.
Engulo em seco.
Spencer é um bloco imenso de músculos, apertando-me
contra a porta. Respira meu perfume com um gemido grave que
eu sinto tremer fundo em minha virilha.
- O que diria depois? - murmuro.
- Primeiro, eu preciso saber o que você disse, não é
mesmo?
- Eu… - gaguejo - Não… não lembro.
- Não lembra? - ele está tão perto que escuto o estalar
dos seus lábios em meu ouvido quando sussurra. Sinto seu
hálito em meus arrepios. Minhas mãos em seu peito na
penumbra. O bater do coração tão alto que o sinto em minha
garganta. Suas mãos descem para minhas coxas, brincando com a
barra da minha saia - Que pena. - murmura, a rouquidão
intensa me fazendo pensar que ele fechou os olhos. A ponta de
seu nariz raspa na curva do meu pescoço enquanto escorrega as
pontinhas dos dedos pela parte interna de minhas pernas. -
Uma pena mesmo. - promete.
A carícia que faz entre minhas pernas me rouba o ar e a
razão. Fecho os olhos. Agarro sua camisa.
Sua mão sobe e sobe.
Entre minhas pernas.
Até encontrar minha calcinha.
Desliza um único dedo pela minha entrada. Bem devagar.
Ainda por cima do pano.
Pouca pressão. Pouca pretensão.
Casualmente experimentando-me com um único dedo.
O pornô.
É exatamente o que eu disse pra ele que gostava.
O que eu disse que me enlouquecia.
Ele vai me comer.
No meio da festa.
E eu vou deixar.
Meu Deus, eu vou deixar.
Mas Spencer parece ter outros planos porque me solta e dá
um passo para trás.
Arfo alto assim que ele nos move para abrir a porta.
- Quer beber alguma coisa, amor?
O quê?
Como assim?
Eu… eu…
Ele vai parar? Assim?
Ele sorri e eu sei que está vendo todas essas perguntas e
vontades em meus olhos.
Está me provocando.
- Hm. - é tudo que consigo responder.
Verifico a integridade da minha saia e tomo sua frente.
Mas ele me segue de perto.
A noite toda.
Sempre muito perto.
Respirando meus cabelos. Abraçando minha cintura.
Raspando sua virilha em minha bunda tão gentilmente que
duvido que qualquer pessoa notasse, mesmo que estivesse
prestando atenção.
Beija meu rosto e sussurra convites.
Não estamos mais no telefone, agora.
Não é mais só uma troca de mensagens.
É muito mais divertido assim.
E ele sabe disso.
***************
Spencer

Estou de volta na casa da Tati.


A festa foi… maravilhosa.
Não só pela comida, pela música ou pela cara de idiota do
Marcus.
Mas porque sempre que eu a abraçava eu conseguia sarrar
nela só um pouquinho e, muito rápido, ela estava se
esfregando de volta.
Achei que ia morrer a primeira vez que aconteceu. Eu
estava só tentando provocá-la, apertando minha virilha
naquela bunda redondinha só pra lembrá-la que eu estava bem
ali e poderia ficar duro assim que ela quisesse. Mas aí eu me
apertei nela e Tatiana deu uma reboladinha rápida contra o
meu pau… eu tive que ir de "fico duro quando você quiser" pra
"Spencer, pelo amor de Deus não vamos ficar duros aqui no
meio dessa festa".
E a melhor parte mesmo foi lembrar eu ainda não tinha
experimentado o maldito terno.
Porque quando a festa acabou eu percebi que não estava
pronto pra me despedir dela.
E, acho, ela também não estava pronta para se despedir de
mim.
- Vai andando na minha frente e não olha pra trás. - sua
voz é firme mas ela está sorrindo.
- O que foi que eu fiz?
- Você sabe exatamente o que fez.
- Eu fui um garoto levado? Você vai me levar pro seu
quarto pra me punir?
- Não, senhor
- Droga. Sabia que devia ter feito mais mal criação.
- Spencer!
Ela me segura pelos braços e vai me empurrando devagar
pelos corredores. É quase como se tivesse medo do que
aconteceria se nos permitisse um segundo de silêncio.
Um único segundo nos meus olhos e nas minhas mãos.
Compreensível.
Se eu tivesse esse um segundo, ia fazer ele todinho valer
a pena.
Ela acende todas as luzes do seu quarto, como se quisesse
provar um ponto: nada de escuro, nada de penumbra, nada de
nada.
- Você quer que eu tire as roupas onde?
- Por que precisa fazer isso? - ralha, mas está rindo.
Me solta e eu me viro. Mordo o canto do meu sorriso e
tenho sua atenção. Presa em mim assim como estou preso nela.
Dou um passo, vou tocá-la.
Engole em seco e foge do meu toque, ajeita os cabelos
atrás da orelha encarando o chão. Tem os cabelos soltos e,
não que ela saiba, mas é só isso que ainda me salva.
- Só experimenta a roupa? Por favor? - rende-se.
Eu não quero só experimentar a roupa.
Quero experimentar ela.
Quero o gosto dela na minha língua de novo.
Mas o jeito doce como se rende em seu pedido sincero é
bastante para me desarmar. Assinto com um gesto educado.
- Ali? - aponto para o closet.
Ela sorri, agradecida e me acompanha até o closet.
Estamos os dois ali dentro de novo.
Uma reprise do começo da noite mas agora parece que…
parece que aconteceu alguma coisa.
Entre minhas provocações carnívoras e sua rendição
gentil, surgiu entre nós um acordo não verbal. Uma… neblina.
Cobrindo nossos corpos e intenções. Eu a quero muito e acho
que ela me quer também.
Mas ninguém está com pressa.
Ela pendura o cabide com o terno em um dos ganchos no seu
closet e abre a proteção de plástico escuro.
- Me avisa quando estiver pronto. - sussurra, se
afastando.
Mas assim que passa por mim… algo acontece.
É seu perfume.
É seu jeito.
É seu corpo.
Eu seguro seu braço e a mantenho ali. Tatiana me observa
sem compreender o que eu quero até porque não a puxei de
volta. Apenas seguro seu braço, um pedido silencioso para que
fique me ali se quiser.
Estou vulnerável, também, Tati.
Rendido também.
Só fica aqui comigo, por favor.
Ela para e eu a solto.
Não se afasta. Não vai embora.
Fica ali, de pé, me observando. Aceitando o convite que
lhe fiz.
Tiro a camisa primeiro. Depois as calças.
Não sou libidinoso nos atos, sabe? Sequer tento provocá-
la. É só meu corpo. Sou só eu.
Tati me observa tentando disfarçar a própria fome,
apertando os lábios para não deixar escapar a língua. Me dá
vontade de sorrir. Todas as mulheres em agências de modelos e
representantes de grife que torciam o nariz para o meu corpo…
e eu aceitaria todas elas, sem qualquer problema desde que
pudesse ter pelo menos uma mulher - pelo menos aquela mulher
ali - ainda presa em mim.
Se eu pudesse encantar ela, todo o resto era irrelevante.
Meu peito se esquenta. É o calor dela.
Ela causa isso em mim.
Visto as calças sociais e me sinto nu. Mesmo que não
esteja.
Mas não de um jeito humilhante ou indigno.
Me sinto nu e… bem.
Me sinto livre.
Exposto.
Confio em você.
Vem até mim devagar. Inspeciona o terno que vesti. Ataca
os botões em meus punhos e testa um par de abotoaduras. Aí dá
o nó em minha gravata e acena rapidamente em uma aprovação
que em agrada. Sorrio. Toco seu queixo.
Quero te beijar.
Quero tanto fazer isso.
Está bem perto agora, abaixo a cabeça e respiro seus
cabelos. Ajeita minha camisa sob o paletó. Passando os dedos
pelo tecido verificando se está bem vestida com todos os
botões atacados. Examinando se o tamanho é correto e se… nem
sei mais o quê.
Porque ela está passando a mão no meu estômago já faz um
bocado de tempo. Suficiente para ter inspecionado tudo que
precisa duas vezes, mas ainda tem as mãos em meu corpo. Eu
inclino o rosto com um meio sorriso. Ela não me olha nos
olhos, ainda está encarando meu tórax e tentando fingir que
tem razões meramente técnicas para estar passando a mão em
mim.
Eu fico rindo para mim mesmo enquanto espero ela acabar.
Desliza as mãos do meu estômago para o meu peito e raspa
as unhas ali, devagar. Respira fundo quase como se gemesse.
- Quer que eu tire a camisa de volta?
Ela tira as mãos de mim como se tivesse levado um choque.
- Só estava vendo se serviu.
- Não acho que serviu. Tem outra pra eu experimentar? Eu
troco e você verifica de novo. - sugiro, morno.
Morde o sorriso, envergonhada.
- Por que me provoca tanto?
Eu não tenho uma resposta porque estou hipnotizado.
Tatiana é linda. E assim, tão perto, não dá pra desviar o
olhar.
Não dá pra pensar em outra coisa.
A pergunta que me fez foi uma, mas minha mente está em
outro lugar. Fazendo outras considerações:
- Como pode achar que eu não teria te respondido? -
sussurro - Como pode imaginar isso?
Dá de ombros, encolhida.
- Eu não sou o tipo da maioria dos homens, Spence.
Principalmente dos da sua idade.
- Não é o tipo de… - tenho uma risada curta de desespero
- Será que algum dia vai entender? - tem um jeito… tem um
jeito bem rápido de fazê-la entender - Quer acreditar em mim?
- decido - Quer ver o tanto que você é gostosa? - dou um
passo para trás para que perceba minha rigidez - Me dá sua
mão?
Ela engole em seco.
Hesita por três segundos inteiros.
Me dá sua mão e ainda não consegue desviar completamente
o olhar de minha virilha.
Eu a coloco sobre meu estômago, deslizando-a para baixo
devagar, para que ela saiba exatamente para onde estou indo e
tenha tempo de me interromper.
Ela, no entanto, não faz isso.
Encara minha virilha uma última vez antes de prender sua
atenção em meus olhos.
Deixo seus dedos em minha ereção e ela me faz um carinho
lento. Fecho os olhos com um gemido baixo.
Raspo meu nariz em sua bochecha.
Vou morder essa mulher.
Vou mordê-la agora.
- E isso foi só você ajeitando minha camisa. Imagina se
eu tirasse a tua?
Sua respiração nervosa perdeu o ritmo.
Passa a língua sobre os lábios e fecha os olhos também.
Não consegue fechar a mão ao meu redor por causa da porcaria
da calça.
- Aqui. - eu abro o cinto e desço o zíper. Tudo é feito
devagar. Ela pode me mandar parar quando quiser… mas, ao
invés disso, ela fecha o punho ao redor do meu pau ainda
enfiado na cueca assim que o tem com um pouco mais de
liberdade.
Meu gemido é grave e eu preciso apoiar minha testa contra
a dela. Agarro sua cintura e é minha vez de descer a mão pelo
seu estômago.
Lento.
Muito lento.
O mais lento que consigo ser.
Até me enfiar sob a saia e entre suas pernas.
Tatiana é quente.
Úmida.
Aperto os olhos.
Deliciosa foi uma definição bem apropriada.
É exatamente isso que ela é.
Experimentei sua bocetinha só por um segundo mais cedo e
precisei vender minha alma para conseguir me interromper
antes de esporrar nas calças.
- Spen… Spencer…
- Shh… - sussurro. Sinto a umidade atravessando sua
calcinha. Sinto minha virilidade inteira na sua mão.
Só preciso de um dedo para tirar sua calcinha do caminho.
Está molhada, derretendo com aquele líquido viscoso que é
declaração expressa de um prazer que não dá mais pra conter
dentro da carne. A bocetinha salivando pelas suas coxas. Com
fome. Ela rebola de um jeito que seria quase imperceptível se
eu não estivesse tão duro e tão perto.
Agarrada a minha camisa e a minha carne, sussurrando meu
nome como se implorasse mesmo que não soubesse pelo quê.
Apertada entre nós, a blusa abaixou-se o suficiente para que
eu veja seu decote e a roupa íntima que o cobre. O sutiã
simples e preto com uma renda escrota fazendo uma linha bem
pequena ao redor do bojo. Subindo e descendo. Escapando do
corpo do sutiã para lamber a carne dos peitos de Tatiana.
- Spencer… - sua voz é quase inexistente - O que… o que
vai fazer?
Está corada e quente.
Escuto seu coração latejando na virilha.
- Eu queria te abrir e te comer. Mas não acho que vai me
deixar fazer isso.
Ela mal respira. Gagueja, ainda se apertando contra o meu
corpo, como se estivesse bem perto de mudar de ideia e me
dizer "sim".
Fecha os olhos com força e parece lutar para sobreviver
ao conflito de sua própria indecisão: a dor de ter que
recusar o prazer que queria sentir.
Por que ainda está resistindo, Tati?
Suas coxas estão entreabertas e ela não se afasta. Está
tão úmida que eu não teria qualquer dificuldade para me
escorregar para dentro dela.
Raspo a pontinha do meu toque em sua entrada. Sinto sua
bocetinha aberta e babando. Eu estou muito duro. Esfregando
meu pau coberto pela cueca contra sua saia, suas coxas e o
que mais eu encontrar. Ela ainda aperta minha ereção, mas o
meu toque em sua intimidade parece ter sido suficiente para
fazê-la esquecer de qualquer outro sentido que não fosse o
tato que tem bem ali entre as pernas.
Esfrego meu polegar sobre o seu clitóris e ela se
contrai, ofegando de surpresa e desejo.
A essa altura, é certo que já esqueceu o próprio nome.
E eu mal comecei.
Mordo seu queixo com força quando enfio dois dedos nela.
Tatiana se agarra ao meu braço.
Violência é uma coisa que vem da raiva mas que também vem
do prazer. Se você bolina uma mulher e ela não enfia as unhas
na tua carne como se estivesse tentando lutar pela própria
vida, você tá fazendo algo errado. E Tati está ali, agarrada
ao meu braço, como se fosse tudo que a salvasse de cair de um
precipício.
Não que eu seja capaz de notar nada disso: ela é bem
quente e apertada ao redor dos meus dois dedos e eu consigo
fazer muito pouco além de respirar fundo e não perder a
consciência.
- Vai gemer pra mim? - peco, com os dedos dentro dela -
Vai me deixar ouvir?
Mas ela aperta os lábios com a mesma força que aperta os
olhos.
Lutando contra o prazer do mesmo jeito que lutou contra a
tentação.
Por Deus, mulher, pare de resistir.
- Vou ter que me esforçar, então? - suspiro - Tudo bem.
Curvo os dedos dentro dela para fodê-la mais forte. Mais
rápido.
Está trêmula em meus braços. O suor frio escorre pelas
suas têmporas aumentando a vontade que eu tenho lambê-la até
estar coberta com nada além do seu suco e minha saliva.
Ela engole um grito baixo quando eu a masturbo.
Violência é a palavra.
Eu a masturbo com violência.
- O… o… O que está fazendo? - geme, mordendo meu ombro.
Aquele desespero erótico é sublime em qualquer mulher.
Mas naquela dali. Naquela que está tentando resistir há tanto
tempo, e com tanto sucesso. Naquela que está vivendo na
abstinência e acreditando estar a salvo. Acreditando que
transcendeu.
Senti-la agarrada ao meu braço esfregando-se em meus
dedos como uma cachorra no cio. Arranhando meu ombro através
da camisa, gemendo incongruências que significam tanto mesmo
que incompreensíveis.
Naquela mulher, o desespero é mais que sublime.
Vou gozar só por assistir sua angústia.
- O que está fazendo? - choraminga. Saliva escorrendo de
seus lábios para minha camisa.
Salivando por todos os lugares porque perdeu o controle
sobre seu próprio corpo.
- Estou fodendo essa tua boceta apertada porque quero te
ouvir gritar. Porque faz anos que você não grita e eu quero
ouvir como é.
Belisco seu grelinho seu piedade. Ela enfia os dentes na
minha carne mas não tem problema, eu sou um cara forte. Já
levei mordidas antes. Eu aguento.
- Vai gritar pra mim?
O mel que escorre da sua boceta é suficiente para
encharcar suas coxas e minha mão O barulho viscoso acompanha
o movimento dos meus dedos enquanto a fodo depressa, e é um
som gostoso pra caralho de escutar. O silêncio absoluto a não
ser pelo entrar de dedos na boceta cheia de seus suco pesado
e pelos gemidos que Tatiana ainda tenta sufocar em meu ombro.
Relaxa, Tati.
Só relaxa, linda.
Minha camisa está úmida de saliva no lugar onde ela segue
me mordendo. Tiras vermelhas marcadas na minha pele pelo
antebraço até a mão, onde ela passou as unhas em desespero.
É como se ela estivesse loucamente tentando se manter
firme a sua abstinência, depois de cultivá-la por tanto tempo
certamente se tornou preciosa.
Essa mulher precisa gozar.
Seis anos.
Ela precisa gozar.
- Deus, como você é gostosa. Quero muito colocar meu pau
aqui e te apertar contra aquela parede. Ser o primeiro depois
de tantos anos pra poder te assistir quando lembrar como isso
é bom.
Eu não sei como ela está aguentando.
Porque eu não aguento mais, sabe?
Empurro minha cueca pra baixo e deixo meu pau livre.
Esfregando a cabecinha em suas coxas, sentindo sua pele macia
deslizando nas gotas largas que minha ereção cospe
antecipando uma boceta que, se estamos sendo sinceros, não
sei se vai chegar.
- Vai gozar aqui, no meus dedos, entendeu? - resmungo -
Não vou embora enquanto não fizer isso. Teu luto acaba hoje.
Ela rebola na minha mão e acho que quem vai gozar sou eu.
Me arranha com os olhos apertados, em pânico.
Ela não sabe mais gozar.
Desaprendeu.
- Puta que pariu, Tatiana, relaxa. Só relaxa.
As coxas lutando contra minha mão, a consciência lutando
contra o próprio desejo.
- Tá. - rosno - Se dedos não resolvem, vai ser com a
língua então.
Ela arfa quando eu a solto sem aviso, estou de joelho e
consigo dar uma lambida inteira nela antes de sermos
interrompidos.
- O que são todas essas luzes aces… TATI! Você voltou? -
É Julia. A assistente.
No quarto. Não consegue nos ver, mas é só uma questão de
tempo.
A merda, no entanto, não é o "quase ser pegos".
A merda é que eu lambi Tatiana.
Tenho o gosto do suco dela na minha língua.
E ela é boa pra caralho.
Quero enfiar meu nariz e minha língua ali de volta e
ficar chupando aquele doce pelas próximas duas horas.
Nada disso vai ser possível, lógico.
Porque Tatiana me empurrou para longe de sua boceta e me
puxou pela camisa, exigindo que eu ficasse de pé. Tem uma mão
autoritária tapando minha boca e ordenando silêncio.
- Estou aqui. - responde, sem ar - Estou trocando de
roupa. Achei que você já tinha ido embora.
- Eu achei que você queria terminar de ver os relatórios
antes da festa da Madame. - Julia responde e parece ter
parado de caminhar pelo quarto.
Minha língua está formigando. Meu pau vai explodir a
qualquer instante. Sinto ele tão duro que acho que dá pra
usar o coitado pra bater um prego.
- Ah! - fecha os olhos, sofrendo, provavelmente ao
lembrar que tinha mesmo combinado aquilo. Solta minha boca
para esfregar a própria testa, em descrença.
Eu a aperto contra o armário. Tenho minha boca no seu
ouvido.
- Eu quero voltar lá pra baixo. - sussurro, desço minha
mão e agarro sua boceta de volta - Quero terminar o que
comecei.
- Como foi lá? - Julia pergunta.
- Normal! - Tatiana geme, tira minha mão de suas coxas em
pânico, mas não se afasta. Nossas testas coladas. Raspando
meu nariz no dela como se sexo fosse possível só com aquele
movimento ali.
E agora eu quero beijá-la.
Quero beijá-la e foda-se se a Julia vai notar alguma
coisa.
Ela deve ter percebido minhas intenções, porque colocou
os dedos sobre minha boca e afastou meu rosto do seu.
- E o Spencer se comportou? - Julia pergunta.
Tati toma minha ereção e me masturba. Muito. Bem gostoso.
Fecho os olhos.
- Não vou terminar sem você. - sussurro.
Mas estou enganando absolutamente ninguém.
Vou terminar sim, e vou terminar rápido.
Tati parece ter esquecido como conseguir o próprio
prazer, mas lembra muito bem como conseguir o dos outros.
O movimento de sua mão é divino e bem cheio de
experiência.
Punheta de mulher que já fez aquilo bem e muito. Agarro
sua cintura.
Violência.
Violência em minhas mãos.
Violência nas dela.
Mordo meu lábio inferior
- Não vou terminar sem você. - tento resistir com um
último sussurro.
É aí que ela me lambe.
Não uma lambida rápida e erótica só pra provocar.
Ela me lambe lenta.
Nos lábios.
É sensual, mas é doce.
É tão doce.
Como se me lambesse não porque quer, mas porque precisa.
Eu me curvo atingindo minha crise. Esporro em sua mão e
suas coxas.
Longo e quente.
- Tati? O Spencer se comportou?
Tenho a boca enfiada na curva do seu pescoço enquanto
tento me recuperar.
Maldita.
Eu gozei e ela não.
Seis anos que vão acabar virando sete porque eu sou um
incompetente.
Gotas pesadas do meu leite, grosso e quente, ainda
pingando no chão do seu closet.
- Não. - ela responde para a assistente e me encara cheia
de sugestão - o Spencer nunca se comporta.
8. Improviso
Tatiana

Gostar de alguém muda o jeito como a percebemos.


Antes, Marcus sorria e era isso: só um sorriso.
Agora, algo em seus lábios parecia sempre prender minha
atenção.
Especialmente quando sorri.
E é isso mesmo que está fazendo agora.
Sorrindo, enquanto ajuda os funcionários a colocar as
mesas da Pamela no lugar.
Tirou o paletó e gravata, desfez os primeiros botões da
sua camisa social e eu, que também deveria estar ajudando,
abandonei qualquer atividade para apreciar a vista.
Ele é lindo.
Sabe como alguns caras tem beleza e outros tem charme? O
Marcus tem porte.
Não que não tenha beleza ou charme… ele tem as duas
coisas. Mas seu porte é o que realmente chama atenção.
Ele tem atitude exalando pelos poros: é o seu modo de
andar e de sorrir. Tem uma elegância natural de homem bem
esperto e bem decidido que poderia fazer exatamente a coisa
certa ou exatamente a coisa errada, a qualquer instante, sem
jamais confundir as duas.
Engulo em seco.
- Aqui. - ofereço um copo imenso de água gelada - Melhor
tomar cuidado ou vai ficar todo suado antes mesmo da festa
começar. - provoco.
- Não se preocupe comigo.
- Você diz isso, mas não para de carregar coisas para
todos os lados!
- Combino uma coisa com você! - promete - Se eu ficar
suado, te deixo me dar um banho. - ele quase esconde a última
palavra na borda do copo enquanto bebe a água. Mas eu a ouvi
muito bem. E ele me encara só para ter certeza. - Não? -
sorri, ao abandonar o copo - Não está interessada? - paro de
respirar. Nunca sei o que responder quando ele decide ser
direto. Eu sei como lidar com o amigo cuidadoso que nunca
admite seus sentimentos por mim, mas esse Marcus das últimas
semanas: esse que diz exatamente o que quer e pressupõe que
eu quero o mesmo… não faço ideia de como lidar com esse.
Desvio o olhar para o chão, tentando escapar de sua análise.
Sua risada é baixa, mas me conforta quando continua - Você
está linda.
Linda.
Eu desisti do vestido de pérolas.
Desisti do vermelho e do azul marinho também.
Escolhi um preto simples.
Um colar e um par de brincos de diamantes. Os cabelos
presos em um rabo de cavalo alto.
Passo meu polegar sobre o meu dedo nu, onde antes ficava
a minha aliança. É como um membro fantasma. Ainda consigo
senti-la ali mesmo que já tenha ido embora há muito tempo.
- Obrigada. - devolvo, educada.
- Sempre linda. - murmura.
- A festa também! - aponto, tentando me salvar - A
anfitriã caprichou!
A Pamela não poupou esforços.
A piscina de borda infinita no meio do gramado da sua
casa de campo está cercada de abajures de papel, redondos
pendurados nas árvores, retangulares em moldes de madeira
escura no chão. O pôr do Sol evidenciando a luz amarela
dentro de cada um deles. Uma infinidade de mesas e poltronas
distribuídas por tapetes estampados que forram grama e pedra
crua, prontos para serem ocupados pela centena de convidados.
A ponte de madeira, que cruza a piscina, iluminada por velas.
A música é um jazz suave. O bar parece ter sido entalhado em
troncos. A mesa de frios é de madeira rústica, ornada por
pequenos arranjos de galhos secos e esbranquiçados
emoldurando umas poucas flores exóticas. A comida é divina.
Dá pra saber só pelo cheiro.
- Está linda, não acha? - indico os arredores com um
olhar sugestivo.
- Não tanto quando você. - ele nos traz de volta.
Quase quero lhe dar uma pancada na cabeça.
Quase quero lhe sacudir e lhe implorar que pare.
Que não faça isso.
Que não complique nossa amizade ou vai acabar por
destruí-la.
Essa conversa seria horrível inclusive porque sei
exatamente como ela vai começar e como vai acabar.
Não quero ouvir o que ele vai dizer. Não vou dizer o que
ele quer ouvir.
Essa conversa seria o funeral de nossa amizade.
É por isso que a evitei por tanto tempo.
É por isso que entrei no site da Pamela e arranjei um
homem e, com ele, uma desculpa.
- Marcus, eu estou acompanhada. - lembro, devagar.
Temo ofendê-lo, mas não acho que "ofensa" é uma palavra
que se encaixa nesse contexto porque… ele está rindo.
Por que está rindo?
- Tati, por favor…
- O que foi?
- Tati… - ele engasga no próprio sorriso como se fosse
sua vez de escolher palavras que não vão me ofender - Eu vou
admitir que fiquei com ciúmes, tá bem? Quando você disse que
tinha um encontro. Eu… não gostei. - confessa, intenso - Eu
sei que não me deve nada… por Deus. - encara o vazio, educado
- É claro que sei. Mas não gostei ainda assim. E aí você
apareceu na festa com… um adolescente. - ri, como se a
afirmação fosse uma piada ou um absurdo, possivelmente as
duas coisas - De onde aquele cara saiu? Parece o tipo que
desfila por aí com a Pamela, não com você. É algum amigo
dela?
- Marcus, eu te garanto que o Spencer não é um
adolescente. - recrimino porque, intencionalmente ou não, ele
me ofendeu.
- Desculpe, desculpe! - acrescenta depressa - Não quis
dizer isso. Mas ele definitivamente não é um homem. E acho
que você sabe disso porque sempre foi bem enfática em
criticar certas companhias da Pamela.
- Acho que mordi minha própria língua então.
- Tem certeza? Porque eu tenho uma explicação diferente.
- ele enlaça o próprio pescoço com a gravata, vestindo-se de
volta. Os primeiros convidados não devem demorar a chegar -
Quer saber qual é?
- Não sei se quero.
Ele balança a cabeça, afirmando para o vazio.
- Você é inteligente. - diz - É provavelmente a pessoa
mais inteligente que eu conheço. Você sabe o que está
acontecendo aqui. - aponta para nós dois - Se ainda não
admitiu para si mesma é apenas por modéstia. Mas eu tenho
certeza que sabe o que está acontecendo. Sabe exatamente. E
eu acho… - respira fundo. Alcança o paletó que deixou sobre o
espaldar de uma cadeira enquanto se demora entre as palavras
- Eu acho, Tati, que você está com medo do que acontece
quando decidir admitir. É por isso que não me deixa falar e
não quer ouvir. É por isso que a Pamela te apresentou a um
amigo para tentar… o quê? Me convencer a não fazer um lance?
Tem um sorriso doce.
Uma paciência meiga em seu olhar experiente.
Inclina-se e me beija a bochecha.
- Eu não vou a lugar algum, Tati. Já devia ter percebido
isso há muito tempo. - desliza sua carícia inapropriada por
meu braço - A única pergunta é por quanto tempo você vai
mesmo tentar resistir? - sussurra. Ele é quente e viril.
Agiganta-se ao meu redor e eu estou bem ciente de que vou
precisar de uma alternativa ou ele vai mesmo fazer um lance.
Só diz pra ele se afastar, Tati. Por que tanto medo de perder
o amigo? Se ele não entender um "não", sequer era um bom
amigo pra começo de conversa, certo? Ou você ainda acha que
quer dizer "sim"? - Quanto tempo vai levar pra perceber que
isso - toca meus dedos em uma tentativa de entrelaçá-los, mas
eu não colaboro porque sei que é uma má ideia - é o certo?
Pode demorar, se quiser! - sorri - Eu espero!
Espera.
Sorrio porque não sei o que dizer. Não um sorriso pleno e
alegre. Um discreto e inseguro.
Não que palavras fossem necessárias, já que ele pisca um
olho como se já tivesse entendido tudo que eu quero dizer
mesmo que, suspeito, tenha entendido nada. Mas os convidados
da Pamela começaram a chegar, subindo pelas longas escadas de
pedra que dão acesso ao gigantesco quintal de sua casa de
campo. Logo estaremos cercados de conhecidos e meu
desconforto com Marcus será diluído pela presença de outros.
Outros.
É aí que o vejo.
Subindo as escadas.
Usando o paletó sob medida que mandei fazer.
Exibindo seu sorriso de derreter as pernas assim que
nossos olhares se cruzam.
Spencer parece ser capaz de aumentar a temperatura do
planeta. Basta que se aproxime e eu tenho vontade de me
abanar e pedir um copo de água. Não sei se porque já o senti
sob meus dedos ou em minha língua, mas percebi que ele tem um
efeito interessante: Spencer atrai para si toda a atenção ao
seu redor, como um buraco negro, sugando toda a luz. Não
estou falando apenas dos olhares que o acompanham - algo que,
de fato, acontece - mas… do modo como meu olhar o acompanha.
Minha respiração densa.
Parece que o mundo ao seu redor sai de foco. Como se a
luz se alterasse e eu não conseguisse me concentrar em muita
coisa além dele.
Por um segundo, esqueço que não estamos a sós e só lembro
de volta porque seu olhar desvia do meu por um instante,
enquanto verifica Marcus ao meu lado.
A mão pesada em minha cintura é urgente. Separa-me de
Marcus exatamente como fez da outra vez.
- Matt, certo? - oferece a mão.
Meu Deus! Marcus.
Engulo em seco.
Marcus ainda está aqui.
Encaro o chão, desconcertada.
- Marcus. - ele corrige, com um sorriso inabalável - Boa
noite, Spencer, como vai?
Fala com Spencer mas seus olhos ainda estão em mim. Está
querendo dar um recado muito claro de que percebe os
joguinhos imaturos de meu acompanhante - que insiste em
fingir não saber seu nome - e que não apenas não se deixou
atingir, mas que também não vai se permitir jogar. O sorriso
de Marcus é só para deixar claro que ele é um adulto e não
vai se misturar em infantilidades.
Passo os dedos em minha testa apenas para esconder meus
olhos por um instante.
- Muito bem, Marcus e você? - eles apertam as mãos e meu
amigo está quase respondendo quando Spencer se vira para mim
- Oi, amor.
E, de novo, ele me traz para seu peito.
E, de novo, ele me beija.
Mas, dessa vez, na boca.
Não é impróprio e cheio de língua, é apenas um beijo
simples. Superficial. Um espremer de lábios. Mas o excesso de
pudor em seu beijo acaba sendo pior do que seria a ausência.
Antes tivesse mesmo me apertado contra a parede e enfiado sua
língua deliciosa na minha até sentir minha garganta. Eu
seria, sem dúvida, atacada pela vergonha e o afastaria sem ar
e sem jeito, ralhando com um olhar já que não saberia quais
palavras dizer.
Mas seria melhor.
Seria melhor do que o modo íntimo como me beija agora. O
beijo suave e gentil, o sorriso com os lábios ainda nos meus,
antes de me beijar de novo e então de novo. Lento. Doce. Sem
qualquer pressa. Algo que deveria ser só uma demonstração
pública para Marcus, que é nossa audiência, mas que
rapidamente se torna privado.
Íntimo.
Entrelaça nossos dedos e eu colaboro depressa mesmo que
também pareça ser uma má ideia.
Ah, não, Tati.
Ele é lindo com camisa e gostoso sem. Ficar desejando se
esfregar nele é uma coisa, se perder nesse beijo é outra.
Estupidamente mais jovem e me acompanhando por dinheiro:
entreter libido é recriminável mas compreensível. Entreter
sentimentos é insanidade.
Afasta-se, embora ainda me tenha nos braços:
- Oi. - eu sinto meu sorriso desengonçado.
- Oi. - ele repete, rindo do meu embaraço.
- Oi. - eu tento repetir, um pouco mais séria e no
controle, mas falho e tenho um meio sorriso.
- OI. - Julia toca no meu ombro.
- Oi. - eu digo, assustada, porque não a tinha visto ali.
- Oi. - Spencer acena para a Julia.
Eu paro de respirar. Os dois se cumprimentam e acho que
acabaram se tornando amigos rápidos.
Um segundo de silêncio que parece uma eternidade.
Marcos tem um sorriso de mau gosto e não sei se ele vai
falar ou se vai dar as costas.
Seja lá o que for, será intencional: exatamente a coisa
certa ou exatamente a coisa errada, lembra?
- Oi. - Pamela chega, de repente, quebrando a tensão sem
sequer perceber.
Julia revira os olhos imediatamente.
- Essa conversa está ótima! - bate palmas, angustiada não
sei se pelo coletivo de "ois" ou se pela presença de Pamela -
Mas eu só vim cumprimentar vocês e já vou.
Spencer beija sua bochecha e ela sorri. Ergue uma mão
gentil para Marcus e está quase dando as costas.
Quase mesmo, sabe?
A Pamela só precisava prender a respiração por mais oito
segundos e a deixaria em paz.
- Eu não sabia que você tinha sido convidada. - Pam torce
o nariz ao terminar o próprio champanhe e sinalizar para o
garçom que quer mais uma taça - A não ser que esteja
trabalhando. Nesse caso, pode me trazer outra bebida.
Julia para onde está e eu fecho os olhos porque já
imagino que o que virá a seguir dificilmente será amigável.
- Eu fui convidada, sim, meu amor. - eu não sabia que
dava pra colocar tanto sarcasmo em duas palavras, mas
aparentemente dá sim.
- Ah, foi? De nada. - Pamela diz, assumindo o crédito por
absolutamente tudo em sua festa.
- Não fui convidada por você. Fui convidada pela ONG! -
rosna, de volta - Já doei bastante dinheiro pra eles!
- Bem… Obrigada pelo seu dinheiro! - agradece, com um
sorriso de provocação.
Encara Julia nos olhos como se a desafiasse. A fazer o
quê, eu não sei.
- Não dei o dinheiro pra você! Você não é a ONG! Você
sequer sabe qual é a ONG? - inclina o rosto, analisando a
falsa inocência de sua contra parte.
Pamela ergue um ombro e olha pra mim.
Respiro fundo.
- Campanha de imunização infantil em Uganda.
- Campanha… de imunização infantil em Uganda. - ela
repete quase ao mesmo tempo.
- Você é ridícula. - não tira os olhos de Pamela ao
criticar.
- Julia! - recrimino.
As duas nunca se deram bem… Nunca.
O estilo de vida de Pamela, por alguma razão, parece
atacar a alma de Julia sempre que o assunto está aberto a
discussão. As duas sempre estiveram a duas frases mal
entendidas de começar uma briga, mas nas últimas semanas
parecem estar constantemente disputando pela última vaga no
Arrebatamento.
- O que foi? Ela é ridícula!- enfatiza.
- E ainda assim sua querida ONG me escolheu para
representá-los.
Fecho os olhos.
Eis o que você precisa saber: Julia está com raiva e
Pamela não presta. Basta que se cale para acalmar a situação…
basta isso. Só precisa ficar em silêncio e deixar a Ju ir
embora. Ela, no entanto, tem nenhuma intenção de paz e toda
intenção para a guerra.
- Eles não… - fica vermelha, impossivelmente vermelha,
não percebe que está sendo provocada e enfia-se direto na
armadilha montada especialmente para ela - Não é assim que
funciona e VOCÊ SABE! Meu Deus, teu ego é maior que uma
montanha! Não sei como você não desmaia sem oxigênio.
- Meu ego é algo que eu mereci com minha personalidade e
conquistas. - ergue uma sobrancelha - Nem todos nós podemos
nos dar o luxo de dizer algo assim, han?
Julia abre a boca e não sei se já decidiu o que vai
dizer.
Spencer tem os olhos arregalados porque é sua primeira
vez presenciando aquele pequeno confronto que para mim e
Marcus tem se tornado mais corriqueiro que um "bom dia".
- Pamela… - recrimino, ela também, porque Julia está se
exaltando, mas ela provoca de graça.
Minha amiga, no entanto, apenas pisca seus longos cílios
para mim, sorrindo como se fosse mais inocente que uma
enviada do Papa.
- O que foi? Eu só…
Julia, no entanto, ou percebeu a armadilha ou desistiu de
lutar contra, apenas gesticulou irritada e já foi embora.
Pamela sequer termina a frase antes de começar a rir.
- Ah, Tati! Me deixa em paz! Essa garota me provoca todos
os dias, eu tenho direito de me divertir de vez em quando. -
aperta meu braço, fraternal e subitamente mais leve e
simpática assim que a outra foi embora. Seu olhar logo foge
de mim e cai sobre o único alvo ao redor que ainda lhe é
desconhecido - E quem é você?
Sua atenção se agarra em Spencer de um jeito imoral.
- Spencer. - ele oferece a mão e ela não hesita em
aceitá-la, toma seus dedos como se fosse possível começar uma
preliminar com nada além de um toque - Bela festa. E… bela
briga.
Ele provoca, com um sorriso sapeca. Dou uma cotovelada
leve em suas costelas para que não encoraje esse tipo de
comportamento e a atenção de Pamela - que até então tinha meu
acompanhante como único alvo - volta-se para mim. Minha
cotovelada atrai seu olhar e a curva em seus lábios que,
antes parecia ser libido e interesse, agora parece
curiosidade e descrença.
- Hm. O que está acontecendo aqui? - ela aponta, tentando
esconder o sorriso. Soltou os dedos de Spencer.
- Nada.
- "Nada". - ela recita, antes de virar-se para Marcus
para observar o claro desconforto de nosso amigo que, ao
contrário de um Spencer que parece perfeitamente dentro do
seu elemento, está com os braços cruzados e o queixo rígido.
Se um dia Marcus foi capaz de sorrir, nenhum de nós se lembra
mais.
- Absolutamente nada. - ela repete - Tenho certeza. E
quem é você, Spencer? Não lembro do seu nome na minha lista
de convidados.
- Ah! - assumo - Spencer é meu…
Meu… o quê?
Pamela me observa interessada porque, como boa melhor
amiga que é, já sabe exatamente o que está acontecendo, o que
eu preciso dizer e por que estou resistindo.
E eu… eu tenho a boca entreaberta e vazia de palavras.
Gaguejando o pronome possessivo que mal terminei de dizer e
sem fazer a menor ideia do que direi a seguir. A minha frase
é tipo um curso universitário. Quando eu comecei, estava bem
certa para onde estava indo, mas depois de pouco tempo mal
tenho certeza se vou conseguir terminar.
Spencer é meu… o quê?
Não sei como terminar a frase.
Mas preciso terminá-la de algum jeito porque "Spencer é
meu" é uma frase completa que me causa mais problemas que
qualquer complemento que eu decida enfiar.
- Seu…? - Pamela provoca, porque claramente já percebeu
minha desgraça e decidiu que ela era pouca.
Ter uma melhor amiga é uma coisa péssima. Não recomendo.
- Namorado. - Spencer decide por nós todos, deixando
Pamela em êxtase e eu em choque - Sou o namorado dela.
Marcus emite uma risada de desdém que não pode sequer ser
chamada de "discreta".
- Quantos anos você tem? - ele pergunta.
Eu estou prestes a recriminá-lo também. Mas Spencer falou
primeiro.
- Vinte e três. - responde, educado. Passa a mão pela
minha cintura puxando-me para si, transbordando intimidade,
como um desafio.
A irritação de Marcus é igualada apenas pelo tamanho do
sorriso de Pamela.
Eu não achei que era, de fato, possível sorrir de orelha
a orelha: mas é.
Ela parece ter criado até dentes a mais só pra poder
caber no sorriso inteiro.
Marcus acena muito devagar. Aperta os lábios com tanta
força que vejo as manchas brancas.
- Pois eu nunca diria. Você parece mais velho. - Pamela
pisca um olho. - Ar de maturidade é uma coisa muito
importante em um homem.
- E em uma mulher. - Spencer acrescenta.
Não dá pro sorriso de Pamela ficar maior.
Mas parece que dá.
Ela deu um jeito.
Porque Spencer fala e há ainda mais felicidade no seu
rosto.
- Gostei de você, garoto. - ela murmura, suave.
- Bem, isso faz um de nós. - Marcus resmunga.
- Dois, se contar a Tati. - Spencer devolve.
Pamela ri alto e bate palmas.
- Nossa, gostei muito de você.
- Pega ele pra você.
- Ele está comprometido, Marcus, Não ouviu?! E não há
concorrência contra a Tati hoje. Você está linda! Ela não
está linda, Spencer?
Ele hesita e me encara. Desliza o polegar pelo lábio
inferior enquanto considera o que responder. Deve levar um ou
dois segundos, mas parece uma eternidade. Sinto meu coração
batendo na minha garganta e na minha virilha.
O pior é que ele sequer sorri. Observa-me como se fosse
capaz de começar a me beijar de novo a qualquer segundo e
fingir que não existia mais ninguém ali. Não tira os olhos de
mim quando responde:
- Prefiro a lingerie. - suspira - Mas esse rabo de cavalo
está lindo. - acrescenta, morno.
Sabe quando você consegue sentir o exato segundo em que
sua pressão cai?
Pra mim foi quando Spencer disse a palavra "lingerie".
Marcus também parece ter desistido, porque termina sua
bebida em um gole e se afasta sem se despedir.
O homem ao meu lado, que ainda me tem pela cintura,
encara o outro como se temesse que ele fosse voltar depressa
para me roubar.
Pamela, por sua vez, não tira os olhos de Spencer.
Analisa descaradamente cada centímetro do homem e se inclinou
até para medir sua bunda.
- Bem… - eu decido, tentando quebrar aquela tensão porque
estou mesmo com medo do que sou capaz de fazer se ele
continuar me apertando desse jeito - Acho que a gente vai dar
uma volta. Quer beber alguma coisa, Spen…
- O leilão é em uma hora! - ela me avisa.
- Ah, não! O Spencer é muito ciumento, Pam. Não vou
participar do leilão.
Pamela ergue o indicador em uma negativa e seu sorriso
imenso está de volta como se nunca tivesse ido embora.
- O Spencer é um acompanhante do SugarLove, e vai aceitar
o leilão sem problemas.
Que bela merda, hein?
- Ah, não… a gente… - olho pra ele pedindo socorro.
- A gente se conheceu pelo SugarLove - ele guia, me
encarando - Mas a gente está junto.
- Juntos. - eu afirmo.
- Claro que estão. - ela acena, sarcástica - Olha nos
meus olhos, Tatiana, e me diz que transou com ele.
- Pamela!
- Se é seu namorado, qual o problema? - Encara-me,
intensa. Seus olhos azuis cheios de diversão e desafio. - Diz
na minha cara que já transou com ele e eu te libero do
leilão.
Certo.
Fácil.
Eu consigo mentir.
Abro a boca, cheia de arrogância.
Ela pisca, tentando não rir e espera que eu falhe.
Mas eu não vou falhar! Respiro fundo e:
- Eu… Eu… o que é "transar", não é mesmo? A gente
precisaria definir a palavra, porque…
Spencer derruba a cabeça como se eu não tivesse salvação.
- "Já transei com ele" - ele recita - "A gente transa
todo dia, transou antes de vir pra cá".
- É minha melhor amiga! Não consigo mentir pra ela!
- Dá pra esticar a verdade, sabe? - resmunga - A gente
meio que já…
- SPENCER! - arregalo os olhos, implorando para que ele
cale a boca AGORA.
Pamela se limita a rir.
- Adorei isso. - gesticula em nossa direção com as mãos
abertas - Adorei. Se tivesse transado com ele, até te deixava
livre do leilão. Apenas pela ousadia.
Spencer não continua sua frase mas inclina o rosto e sei
exatamente o que ele quer dizer.
"Esse é o teu plano. Me usar para escapar do leilão. Só
precisa dizer uma coisa. Admitir uma verdade. Chegou a hora.
E aí?"
- Eu… transei com ele. - minto, com desgosto.
- Dá pra você mentir isso com um pouquinho mais de
animação? - ele pede - Se não por você, por mim.
Pamela ainda está rindo.
- A gente não transou! Mas a gente… fez outras coisas. -
sussurro.
A verdade, no entanto, chegou tarde demais e agora ela
não acredita em mais nada. Desfez-se de mim com um gesto.
- Eu não vou ser leiloada!
- Você tem uma hora! - avisa - Dá tempo de transar com o
Spencer em algum armário por aí e eu te libero.
- Você não pode me obrigar a fazer isso!
- Vai recusar vacina a crianças no Butão?
- UGANDA, Pamela!
- É muito parecido.
- É outro CONTINENTE. - digo antes dela ir embora. Acena
uma mão para ninguém em particular e se vai.
Eu me viro de volta para Spencer.
- Bem… isso foi um desastre.
- VOCÊ ACHA? Bastava ter dito que a gente transou.
- Eu… não consegui! - aperto seu braço.
- É. Eu notei. Mas… por que não?
- Porque…
Por quê?
- Não sei. - dou de ombros - É minha melhor amiga.
Ele concorda com um meneio da cabeça, mas não parece
acreditar em mim.
- Mas e aí?
- E aí o quê?
Tem um sorriso safado atravessado no rosto.
- A gente vai procurar o armário ou…
Eu o encaro feroz e ele se cala.
- Sem armário. Entendi. Nada de armário.

***************
Spencer
Ela está sem graça.
Me apresenta como "amigo" ou só diz o meu nome e nada
mais.
A diferença de idade a incomoda e imagino que é o tipo de
coisa que muita gente julga.
Não é exatamente justo porque contei pelo menos uns
quatro caras com mais de quarenta anos que estão acompanhados
por mulheres que dificilmente fizeram vinte e cinco.
Tatiana é a única que não parece ficar a vontade.
Mas eu gosto de tê-la no meu braço. Gosto de beijar sua
bochecha quando se distrai e adoro quando ela cora por minha
causa.
Tati faz meu coração bater devagar.
Ela se afasta quando eu tento fazer qualquer demonstração
pública de afeto. Eu entendo, não somos nada de verdade e ela
está constrangida.
Paro de tentar.
Mas dói.
Sei lá, sabe?
As vezes a gente vê uma pessoa no mundo e pensa "meu Deus
como ia ser bom lambê-la", só que aí não dá pra lambê-la, mas
também não dá pra parar de pensar em lambê-la. Eu chamo de
Paradoxo da Lambida. Aquela pessoa deliciosa que merecia
muito ter a tua língua na pele, mas… não vai ter.
Não vai ter lambida.
Nem uma bem pequenininha.
Ela não se afasta em absoluto, até porque eu estou sempre
na sua órbita, mas também não é minha.
E caralho… acho que eu queria mesmo que fosse minha.
Respira fundo, viu idiota?
Até parece que uma mulher linda, rica, inteligente,
poderosa e bem resolvida vai querer alguma coisa com você.
Talvez queira sexo e, se quiser, vou terminar a noite
agradecendo pela oportunidade.
Eu a observo no quintal da Pamela - se é que dá pra
chamar aquilo de quintal - e ela é… encantadora.
Não é só a questão da beleza física, a Tati tem um jeito
de conversar que te seduz. Porque ela é inteligente e sagaz e
espreme os lábios de um jeito adorável quando está
contrariada mas não quer que ninguém perceba.
Ela é linda e meu coração bate devagar.
Bate bem devagar.
Acho que passei a maior parte da hora encarando Tatiana
enquanto ela falava com amigos e conhecidos. Parecia cansada
e eu queria que fosse minha para que recebesse minha massagem
nos ombros em paz. Mas assim que toco seu braço ela se
contrai.
É ínfimo.
Mas está lá.
Não vai acontecer, Spence.
Ela te pagou pra uma coisa.
Você vai fazer essa coisa.
Vai ser pago.
Vai embora.
Não vai ter lambida.
Não importa o quanto ela queira existir.
- Oh, David! - ela sorri para alguém do outro lado do
salão. Parece ser pouco mais velho do que eu - Você me dá um
instante? É um amigo!
- Claro!
Ela se vai assim que termino de concordar.
Não se afastou mais que poucos metros mas eu estou só.
Meu braço pesa sem ela.
Meu coração bate esquisito.
Minha respiração fica oca.
Eu sei que estou a fim da mulher, mas que diabos? Estou a
um segundo de suar frio e por causa de quê?
- Spencer Reese!
Eu me viro para encontrar Josephine DeLucca.
- Senhora DeLucca!
- Já disse que pode me chamar de Josephine! Estou muito
feliz de te ver aqui!
Está?
Depois do meu teste de câmera embaraçoso e da recusa
imediata, agente ou não, achei que ela ia querer me evitar
por uma semana.
- Sim! Claro! Vi você com a Tatiana! Eu imaginei que
fosse um conhecido dela, não sabia que eram… - ela sorri como
se não quisesse dizer a palavra - amigos.
- Ah, somos. Somos amigos.
- Spencer. - ela aperta meu braço - Espero que não seja
inapropriado falar de negócios aqui, assim. Até porque você
está… trabalhando? - quase tem um tom de pergunta na sua
palavra, mas ela não espera uma resposta - Mas precisa ir ao
escritório para a gente conversar melhor sobre o seu
portfólio! Não sabia que você trabalhava como… acompanhante.
Isso vai mudar completamente os seus horizontes! - exclamou,
satisfeita - Queria que tivesse me dito isso antes. Sei que é
um assunto delicado para abordar, mas nós somos discretos até
porque o assunto exige.
- Ah… senhora DeLucca, eu sinto muito mas…
- Eu achei que você era só ator e modelo! E fiquei
preocupada porque não saberia o que dizer pra Tatiana! Como
modelo… há algum espaço para você. Mas sua beleza é
tradicional demais. O mercado está sempre procurando algo
novo e você é muito padrão, entende? E como ator… - ela ri -
Por Deus… Ninguém pode ter todos os talentos, não é? E esse
definitivamente não é o seu! Mas isso… - gesticula,
referindo-se a minha atual circunstância - Isso é algo que eu
posso trabalhar. Você não vai ter tempo pra quantidade de
clientes que eu vou conseguir pra você. E nada de companhia
para festas de casamento da prima, Spencer. As mulheres que
trabalham comigo precisam de companhia para um Ano Novo em
Berlim ou pra fashion week de Paris.
Meu Deus.
Se Josephine DeLucca estava me elogiando ou ofendendo era
algo pra uma tese de mestrado definir.
Eu só consegui ficar confuso.
É surreal ouvir uma confirmação palpável de que todos os
seus sonhos vão dar em lugar nenhum de um jeito jocoso e
divertido.
O tom alegre de boas notícias misturado a um anúncio de
desastre.
Olha que maravilha! Vai ter um tornado amanhã que vai
destruir sua casa e todos os seus pertences, até a última
cueca! Não é ótimo!
É, sim, Josephine. É ótimo. Muito obrigado, viu?
Ela fala pelo que parecem horas mas que, na verdade,
devem ter sido segundos.
Vai embora com uma despedida rápida e uma promessa de que
vai organizar tudo. Eu estou atordoado. Acho que deveria
pará-la até porque aquilo pode dar uma merda sem tamanho.
Mas… e aí vou fazer o quê?
Morrer trabalhando no restaurante do Rodolfo depois que a
Tati acabar comigo e for embora com o Marcus?
Eu não vou ser modelo.
Claramente não vou ser ator.
O que me resta?
Tati ainda está a poucos metros de distância
cumprimentando o mesmo amigo. Eu poderia me aproximar dela
mas, ao invés disso, meus pés me levam na direção oposta.
Acho que perambulei até um dos salões internos da casa de
campo da Pamela.
Lá fora, no jardim, a festa segue com sua trilha sonora
que intercala jazz refinado e música clássica, garçons
andando apressados entre tapetes e gramados para se
certificar que nada faltava a convidado algum.
Eu sento na mesa de jantar vazia de Pamela e observo as
pessoas através das janelas.
As luzes estão acesas onde eu estou, então dificilmente
estou escondido.
E queria estar.
Queria desaparecer.
Só por um segundo.
Só para colocar as ideias em ordem e escavar o poco onde
minha autoestima tinha se enterrado pra descobrir se alguma
parte da coitadinha tinha sobrevivido.
Mas não há tempo.
Engulo em seco.
Queria ter trazido um dos meus livros.
Eu me sinto melhor quando tenho uma história por perto.
Me sinto seguro.
Talvez a Tatiana esteja certa: talvez eu seja mesmo só um
garoto.
- Estava te procurando! - sua voz injeta vida nas minhas
veias.
- Ah! Oi!
- Oi. - ela sorri, sentando ao meu lado.
- Oi. - repito cansado.
- Spencer, não acho que posso começar isso de novo. -
brinca e eu tenho uma risada cansada.
Acho que ela percebe imediatamente.
- Quando eu me virei de volta você tinha sumido! O que
houve?
Aumento o sorriso para fingir que está tudo bem. Bom
acompanhante de luxo eu sou, derrubando meus problemas nela
no meio do encontro.
- Ei. - ela arranha meu antebraço de leve. Desliza os
dedos pelo meu punho em um carinho discreto.
Eu tenho vontade de segurar sua mão e pedir um abraço.
Trabalhando como companhia, mas quem está solitário, no
fim, sou eu.
Limpo a garganta e tento soar casual.
- Encontrei a Josephine DeLucca. Ela fez uns comentários…
difíceis.
- Ela te chamou para falar sobre trabalho no meio de uma
festa?
- Não, não… ela… ela não achou que eram más notícias.
Espreme os lábios.
Contrariada.
- Ela não devia te incomodar no meio de uma festa, não
importa o motivo. Eu posso ir até lá falar com ela.
- Não. - seguro sua mão com um sorriso de desespero -
Não, por favor. - arregalo os olhos.
- Qual o problema?
- O problema é que… devia ser o cara? - estreito os olhos
porque não sei como vou ser recebido.
- Devia ser o cara? - ela se inclina na minha direção,
tentando compreender.
Ela tem um cheiro delicioso.
Um perfume bom de limão recém cortado e ervas aromáticas
saídas do forno.
- É. A mulher é que devia ficar ofendida em uma festa e
aí o cara vai e defende sua honra. Todo mundo se derrete
quando isso acontece, sabe? É meio difícil ter empatia pelo
oposto.
Seu sorriso é enorme e divertido.
- Está dizendo que, porque eu sou uma mulher e você é um
homem, eu não posso te proteger?
- Não. - corrijo, rápido e educado - Estou dizendo que
você pode, mas estou dizendo que não deveria. Deveria ser o
contrário. Eu deveria te proteger.
- Combinado, Spencer. - ela diz, mas ainda está rindo -
Se eu estiver presa em alguma terra exótica, como a
Inglaterra - acrescenta sarcástica - e precisar de alguém que
defenda minha honra, eu inscrevo você no duelo.
- Você sabe o que eu quis dizer…
- Spencer, shh! Quieto. O que houve? O que ela te disse?
Respiro fundo.
- Spence? - pede. Seus dedos nos meus. Não sei se consigo
recusar.
- Ela deixou bem claro que eu não vou conseguir ser
modelo ou ator. Ela não fez por mal, ela achou que… que eu
estava interessado em outra carreira.
- Outra carreira?
- Não é importante. - gesticulo, envergonhado - Mas, é
isso. Eu não sei o que fazer com minha vida e é bem
embaraçoso ter que admitir isso pra você o tempo inteiro.
- Por que tanta ênfase no "para mim"?
- Porque você é toda bem resolvida e você… você não tem
selos, sabe?
- Selos?
- É! Quando eu era mais novo…
- Ah, ótimo, vai ser outra história. - tem os olhos bem
abertos, provocando-me.
- Quando eu era mais novo… - resmungo - Meu avô tinha uma
porção de selos que ele colecionava. Um dia ele abriu um dos
potes na garagem, sem querer e espalhou todos. A gente tentou
achar, mas alguns se perderam. E ele não sabia mais quais
eram… eu e meus primos íamos pra garagem de vez em quando
tentar encontrar algum selo. Porque alguns deles podiam ser
bem valiosos, sabe? Mas a gente nunca sabia se…
- Spencer, shh. - pede.
- Eu ainda não terminei a história.
- Você precisa descer do trem.
- Que trem?
- Esse trem maluco que você se enfiou e que está te
levando muito depressa pra lugar nenhum.
- Está falando da minha carreira?
- Estou falando do seu jeito de lidar com problemas. E
daí que a Jo disse que você não pode ser ator ou modelo? Ela
não precisa estar certa.
- Mas não acho que ela está errada.
- Spence, se é algo que você realmente acredita, corre
atrás. Mas… se não é. Escolhe outra coisa. Você é muito novo.
Ainda tem muito tempo pra mudar de ideia sobre o que quer.
- Acho que sim.
- E você acha que EU sou bem resolvida? Eu também tenho
as minhas histórias, Spence. Tenho minhas dores e minha
cicatrizes.
- Tipo o quê?
Uma troca de olhares.
Eu queria conhecê-la melhor para saber exatamente o que
aquele olhar ali significava.
- Coisas. - suspira - Algumas que eu nunca disse em voz
alta, nem pra mim mesma.
- Mas você é bem sucedida ainda assim!
- Sou! Significa que ganhei muita coisa pelo caminho, mas
perdi algumas também. Spencer, ninguém é profissional em
viver. Está todo mundo improvisando.
- Você não parece estar improvisando.
- Mas estou. - promete - Você não faz ideia! Você só
precisa parar de ser tão neurótico com o "pra onde estou
indo". Você é muito novo. Só… só vai. Se der receio, vai com
receio mesmo. Vai viver e cometer um monte de erros. Seu
sonho é mesmo ser ator e modelo? Tenta por mais alguns anos!
Se não der certo, vai tentando descobrir quais são outros
sonhos que você tem.
- Tipo o quê? Eu não sou bom em muita coisa.
- Você lê um monte!
- É, mas… romances baratos.
- Não importa. E não é só isso que você lê. Eu não ia te
dizer porque não queria dar o braço a torcer mas você estava
certo sobre o título do livro de Hemingway.
- Han?
- Lembra? Você disse que era "Por quem os sinos dobram"?
- E você achou que… - aponto, lembrando.
- Eu estava errada. Você estava certo. Você lê uma porção
de coisas. É interessado e inteligente. Deve ter tirado notas
ruins na escola porque estava mais preocupado em pegar as
namoradas do seu primo do que em estudar. E você cozinha!
Cozinha muito bem! Já pensou em seguir carreira assim?
Estreito os olhos.
Eu gosto de cozinhar.
Não pro Rodolfo, mas…
Gosto.
Adoro.
Nunca tinha pensado naquilo antes.
- Não sei se sou bom o suficiente para…
- Sua comida é uma delícia! Devia pensar nisso com
carinho. Talvez haja muito sucesso aí pra você.
Aceno por um instante e a observo, analítico:
- É por isso que não quer transar comigo?
- Quê? - ofega
- Não quer transar comigo porque eu sou um moleque
perdido e inseguro? Mulheres não gostam muito disso, eu sei.
E pra todas as outras da minha idade, eu sempre consegui ser
um poco infinito de auto confiança porque…
Ela segura meus lábios nos dedos, impedindo-os de se
mexer.
- Eu não quero transar com você - sussurra, colérica -
porque estou te pagando e me parece errado!
- Só por isso?
- Só por isso.
- Então ficaria pelada comigo? - provoco - Se não
estivesse me pagando?
Ela abre a boca como se não houvesse palavras para
responder, mas me encara de um jeito que…
- Está pensando em mim sem roupas, não está? - rio.
Fecha a boca e engole em seco. Afastou-se, mas eu estou
só começando:
- Pode dizer que me acha gostoso. Por favor, acho que
estou precisando ouvir isso.
- Mas olha só pra hora! Eu tenho que ir ser leiloada! -
está de pé e eu estou rindo mais alto.
- Prefere ser leiloada do que responder minha pergunta?
Tatiana, trás sua bunda gostosa de volta pra cá!
- Vem, garoto! - provoca, exagerando a palavra. Aperta
meus dedos, que já estão na sua mão, quando tenta me conduzir
de volta para o jardim. Mas eu gostei da brincadeira e não
quero que ela acabe.
- Vai me chamar de garoto de novo?
- Vai fazer o quê? - provoca.
- Acho que a gente já descobriu que eu sei te fazer calar
a boca de um jeito bem divertido. - pisco um olho, para
desconcerta-la.
Mas Tatiana tem um meio sorriso típico de quem sabe que a
vitória é certa e o caminho exato para alcançá-la:
- Claro. - concorda, sarcástica - E gozou antes de mim. -
sussurra, baixinho. Tem um tom erótico na palavra "gozou" que
faz a saliva desaparecer da minha boca. Minha ereção começa a
acordar só com uma maldita palavra sussurrada naqueles lábios
gostosos. Seu jeito atrevido é cheio de uma promessa que me
enche de esperança.
- Está me provocando, Corso?
- Me corrija se eu estiver errada, Reese, mas não é o
cara que faz a mulher gozar em um segundo, nesses seus
livros? - ela fala tudo muito baixo em um falso tom de
confusão. Tem um sorriso travesso e ainda quer me provocar,
mas tem vergonha das coisas que precisa dizer para conseguir
isso.
- Fala essa frase de novo, um pouquinho mais alto, e
talvez eu te leve a sério. E se a tua assistente não tivesse
chegado, você tinha gozado - digo a palavra alto e ela cora
mas ainda tem seu olhar divertido - algumas vezes.
- Shh! - pede, desistindo da brincadeira.
- É assim nos meus livros, linda. Os homens nunca têm
pressa. - inclino-me para respirar seu perfume - E eu também
não.

***************

Eu fico afastado e sozinho enquanto algumas mulheres são


conduzidas para a ponte de madeira sobre a piscina.
Todos os leilões terminam na faixa dos três mil dólares e
muitos deles são maridos comprando as próprias esposas. A
coisa toda é só uma brincadeira idiota de gente rica que
precisa de entretenimento para assinar um cheque que,
tecnicamente, também poderia ser assinado no tédio.
Eu bebo champanhe e assisto o espetáculo.
Os maiores lances foram de uns ricos nojentos querendo se
exibir para as namoradas. Dez, vinte mil dólares.
Um dos caras de quase quarenta deu um lance de cinquenta
mil dólares para sua namorada de quase vinte e cinco, e a
menina só faltou gozar ali na ponte de madeira mesmo.
É fácil ser gostoso e confiante desse jeito, viu irmão?
Quero ver ser confiante para pegar uma morena no bar, com
dez dólares na carteira e um sorriso no rosto.
Uma por uma, cada uma das mulheres vai sendo escolhida
por um dos cavalheiros, até chegar a vez da Tati.
Ela não gosta de holofotes, a minha linda.
Fica vermelha, quase encolhida, tentando manter um
sorriso constrangido enquanto espera desesperadamente que
aquilo tudo acabe.
O leiloeiro a anuncia com uma descrição rápida e chama o
lance inicial de mil dólares, que é de praxe no evento.
- Mil dólares! - David, o amigo. Talvez tenha sido isso
que ela foi falar com ele? Pedir que ele fizesse o lance para
acabar logo com sua angústia.
Ela sorri para o confidente e para mim. Eu acho graça de
sua vergonha e bebo mais um gole do champanhe.
O leiloeiro abre a boca para…
- Mil e quinhentos!
Eu olho para trás.
A voz grave e rouca responsável pelo lance está umas
quatro mesas de distância, mas eu o reconheço imediatamente.
Ótimo.
O Marcus.
Claro.
O cara que é a fim dela.
O cara que ela tá a fim.
O que me fode não é que ele tem uma idade ideal pra ela.
Não é o fato de que ele tem um bom emprego, bom carro e
dinheiro suficiente para fazer um lance de mais de mil
dólares como se fosse nada.
Não é sequer o fato de que, apesar de tudo isso, ele
ainda é um cara bonito e charmoso.
O que me fode é que ele faz o lance com um sorriso e
pisca um olho pra ela como se aquilo fosse exatamente o que
os dois estavam planejando desde o começo.
- Mil e quinhentos! - o leiloeiro aceita - Eu ouvi…
- Mil e seiscentos!
Não.
Eu não sei por que eu gritei isso.
Nem me pergunta. Eu não faço ideia.
Tudo que eu sei é que os lances tem subido de quinhentos
em quinhentos, mas eu só tenho dois mil na conta então vai
ter que ser assim.
Percebo sorrisos ao meu redor dos convidados que acharam
curiosa a minha escolha de valor.
Sorrisos de todos menos, é claro, Marcus e Tatiana.
Encaro o leiloeiro e aceno.
Mil e seiscentos dólares. Quase todas as minhas
economias.
- Dois mil. - Marcus corrige, sem pensar.
- Dois e quinhentos!
Spencer!
Spencer, CALA A BOCA.
Você não tem dois mil e quinhentos.
Dá pra pedir um empréstimo.
PRA QUEM, SEU ASNO? PRA TATIANA?
- Dois e quinhentos. - repito baixinho. Se pro leiloeiro,
pra mim, ou pra Jesus, eu não sei.
- Três mil. - ele continua.
Eu engulo em seco.
Ele vai chegar no dobro do que eu tenho a disposição
daqui a pouco. Sem nem hesitar ou trocar os números.
Eu to daqui considerando quanto tempo eu teria que passar
sem comer se quiser fazer outro lance.
- Diz quatro mil. - a voz ao meu lado, ordena.
- Eu não tenho…
O leiloeiro começa a contagem.
- Diz, agora! - Pamela ordena, beliscando meu braço.
- QUATRO MIL!
Tatiana me olha, da ponte, como se considerasse em
quantos pedaços vai precisar me dividir pra fazer o
churrasco.
Pamela sorri me observando devagar, pensando em um milhão
de coisas ao mesmo tempo.
Marcos respira como um touro.
- Cinco.
Pamela me cutuca.
- Seis!
- VINTE! - Marcus rosna - Vinte mil.
Ajeita a gravata como se soubesse que eu não consigo
passar daquilo.
Eu estou tremendo bem de leve porque aquilo talvez seja
mais dinheiro do que consigo contar.
Bem másculo de minha parte, eu sei, mas é a verdade.
- Diz cinquenta. - Pamela sussurra.
- Você te…
- Diz. - belisca de novo.
- Cin… cinquenta! - eu peco.
Acho que não há qualquer convidado ali que não tenha se
virado para Marcus.
Ele sorri, contrariado. A fúria dos cavalheiros.
Gesticula como se em rendição ou oferta.
O leiloeiro encerra os lances e Tatiana é minha.
Ainda restam algumas mulheres a leiloar o que me dá tempo
de beber mais uma dose antes de ter que enfrentar Tatiana.
Pamela dá dois tapinhas satisfeitos no meu braço e vai
embora.
E eu…
Eu acho que vou desmaiar.

***************
Tatiana

Ele está pálido.


E é bom mesmo que esteja.
Já tinha feito minhas pazes com o Destino e aceitado que
teria que sair em um encontro com Marcus antes de vê-lo ir
embora para São Francisco. Não era ideal, mas todo o resto
tinha falhado.
E aí o Spencer…
Acabou de gastar cinquenta mil reais que vai tirar de
onde?
Rasgo o chão até ele como um demônio.
- O que diabos foi isso? - pergunto.
Ele engole em seco e ainda parece atordoado quando
responde:
- Improviso?
- Improviso? Isso é o que você chama de "improviso"?
Ficou louco?
- Olha, você disse que não queria ser leiloada, não é? -
reclama, com gestos de desespero - Você disse que o tal cara
não podia te comprar? Pois então, eu resolvi.
- Spencer, se fosse pra resolver assim eu teria combinado
com você antes!
Avanço e ele dá dois passos para trás.
- Eu ia parar! - diz sem respirar - Eu ia parar quando
chegou em três mil e alguma coisa mas ela me disse pra
continuar, o leiloeiro estava chamando o lance e eu fiquei
nervoso, está bem? E eu não gosto desse cara. O jeito que ele
estava fazendo os lances me incomodou. Então talvez tenha
sido um pouquinho pessoal, e me desculpe. Mas foi só um
pouquinho!
Termina sua defesa quase sem fôlego, mas teve uma parte
importante no que ele disse:
- "Ela" te disse pra continuar? Quem é "ela"?
Ele não responde.
E, sinceramente, nem precisa.
Ergo um indicador autoritário:
- Você fica aqui.
- Sim, senhora. - seu sotaque sulista é forte. Só fica
forte assim quando quer me provocar ou quando está nervoso
demais para controlar as origens. Acho que sei diante de qual
das duas opções eu estou.
A cozinha está lotada. Barulhenta e caótica.
Preciso segurar um dos funcionários pelos braços para lhe
perguntar onde está a Pamela.
Ele aponta em direção ao interior da casa. A parte que
não está mais iluminada porque não faz parte da festa.
- Acho que ela entrou ali a direita. - alguém explica.
Eu atravesso a porta de vai e vem que separa a cozinha do
corredor interno, há um lance de escadas na penumbra e eu
nunca visitei essa casa antes, não faço ideia para onde estou
indo.
Viro o corredor a direita e há três portas, abro uma e
encontro um escritório vazio.
Abro outra e encontro um armário que é pequeno demais
para a Pamela seminua e para a Julia, igualmente seminua, que
ela tem nos braços.
Elas prendem a respiração quando me veem.
Mas foi apenas por um segundo porque eu bato a porta de
volta antes que veja mais do que me cabe.
Se é que já não vi.
Julia abre a porta três segundos depois e já está quase
vestida.
- Isso foi a última vez. Foi só um erro, chefe. Não vai
acontecer de novo! - não sei se ela está falando para mim ou
para si mesma - Foi a ÚLTIMA vez! - dessa vez, com certeza,
foi pra Pamela que ela dirigiu o grito.
- Mhm, claro que foi. - minha amiga passa os dedos pelos
lábios limpando a saliva.
Julia parece estar às margens das lágrimas de fúria ou
dos arrepios de libido. Mas não parece decidir antes de
desaparecer pelo corredor na penumbra como se o Diabo
estivesse atrás dela para mostrar o chicote novo.
Eu me viro de volta para Pam.
- É por isso que vocês duas não param de brigar? O que
está fazendo?
- Me divertindo! - dá de ombros.
- Não com a Julia, Pam. A Ju não é como você! Ela se
apaixona! - esfrego as têmporas porque eu sei que essa
conversa vai ser impossível - Se você machucar a Ju, eu vou
precisar te matar. - é aí que lembro o que fui fazer ali -
Talvez eu te mate antes disso! Mandou o Spencer fazer lances?
- Ah! - ela ri como se aquilo tivesse acontecido há tanto
tempo que ela mal lembrasse. - Falando em diversão! Amiga,
aquilo foi ótimo! Valeu cada centavo.
- Você não vai pagar esse valor, eu faço a doação em nome
dele, certo? E, por favor, pare de se meter na minha vida!
Vai cuidar da sua que, aparentemente, tá precisando de
atenção!
- Você pode bradar o tanto que você quiser. - ao
contrário de Julia, ela ainda estava seminua quando as portas
se abriram. Só agora começa a se vestir - Mas eu só tentei
terminar o que ele já tinha começado.
- O quê?
- O Spencer decidiu que te queria sozinho. Eu só decidi
investir quando vi que ele não tinha como continuar nos
lances. Ele já estava beirando os três mil quando eu
interferi, meu amor.
- De três mil pra cinquenta tem um abismo, Pamela!
- Tem mesmo! Esses cinquenta mil significam nada pra mim
ou pra você. Três mil pro Spencer seria, provavelmente, um
bom tempo sem comer direito. O três mil dele vale muito mais
que o nosso cinquenta e você sabe disso.
Eu não sei o que responder.
Aí não respondo nada.
- Ele te queria e merecia te ganhar. Eu fui só… uma
intermediária da Justiça.
- Não acredito que fez isso.
- Eu gosto do garoto. - dá de ombros - E quem sabe? De
repente assim você transa com ele.

***************

Spencer

Ela mandou eu ficar e eu fico.


Fico bem quietinho.
Refletindo sobre ter gritado "cinquenta mil dólares" em
um leilão. A Laurie ia adorar essa história. Se ela
conseguisse acreditar, claro.
- Aqui. - Marcus coloca dois copos de uísque sobre a mesa
- Um brinde entre cavalheiros.
Certo.
- Obrigado. Eu… não gosto de uísque.
- Experimenta ainda assim. - empurra o copo com um meio
sorriso - É uma bebida de homens, mas você se acostuma.
- Ha! - finjo achar graça de sua piada idiota e ele finge
me acompanhar.
- Onde está sua… namorada?
- Foi procurar a Pamela. Deve estar de volta daqui a
pouco.
- Hm. E, aqui entre nós, é a Tati quem vai pagar o seu
lance ou é a Pamela?
Bato com os nós dos dedos contra a mesa.
Preciso manter a calma. Ser o adulto.
Mas eu queria muito ser infantil agora.
Queria muito.
- Olha, cara, eu não te conheço. Se você tem algo pra
dizer, diz pra Tati. Ou pra Pamela. Eu só sou…
- Você só é um garoto de programa.
- Amigo, é melhor você começar a tomar cuidado com o que
fala.
- Ah é? - diverte-se e aproxima-se - Por quê?
- Porque um cara pobre bate tão bem quanto um rico.
Talvez melhor.
- Está me ameaçando? Bem típico. - ri - Não, garoto,
adultos não começam briga por razão nenhuma. Eu só queria
saber onde um qualquer como você encontra uma mulher como a
Tatiana?
- Tá querendo umas dicas? Já que ela não te dá atenção?
Ele ri, mas dessa vez é mais irritado.
- Eu estou tentando entender por que ela te contratou.
Foi só pra vir até aqui e não me deixar comprá-la?
- Já te disse cara, é minha…
- "Namorada", é, eu sei. E ainda assim ela passou a noite
toda te apresentando como "amigo". Ela te trouxe até aqui
porque quer me afastar?
- Por que não pergunta isso pra ela?
- Porque ela vai negar.
- E acha que eu não vou fazer o mesmo?
- Acho que você pode deixar escapar alguma coisa. Ela é
inteligente, você é um imbecil. - termina sua bebida.
- Imbecil?
- Imbecil.
- Eu to tentando ser educado. Qual o seu problema comigo?
- Além de ser um imbecil?
Ele está me provocando.
Provocando de propósito.
Por quê?
- É. - devolvo - Além de ser um imbecil. Qual o teu
problema comigo? É porque eu to comendo a mulher que você
queria?
Eu sei, eu sei.
É mentira e é deselegante.
Mas eu estou irritado e engolindo até agora.
E ele ficou um tom de vermelho glorioso depois que eu
disse isso.
Então, eu vou me permitir esse único deslize de caráter,
enquanto outros não vêm.
- Spencer, pode vir comigo para… - Tati toca meu braço.
Eu sou só um sorriso imenso. Tomo seu braço no meu e
beijo sua bochecha:
- Como você quiser, linda. - respondo, sem sequer saber
pra onde.
Pamela está logo atrás dela:
- E muito obrigada pela sua generosa doação, Spencer! Já
está tudo resolvido com o seu cheque.
- É. E agora a Pamela precisa ir resolver um problema,
não é? - as duas trocam um olhar cheio de significado.
A outra parecia prestes a concordar, mesmo que a
contragosto, mas:
- Essa é a história que vocês vão contar? - Marcus se
exalta.
- Do que está falando? - Pamela enruga a testa.
- Vão dizer que ele realmente pagou esse dinheiro e que
não foi uma de vocês duas?
- Marcos, bebê… - Pamela o encara com irritação - Pulou a
parte em que explica por que isso é da tua conta.
- Porque eu ganhei. O prêmio é meu. Não dele.
- O "prêmio"? - Tatiana bate os cílios longos para suas
palavras idiotas.
Quem é o imbecil agora, han?
Eu fico em silêncio porque parece que o Marcus vai
destruir a própria reputação sozinho, sem precisar de
qualquer apoio meu.
- Você sabe o que eu quis dizer.
- Não, não sei. - ela cruza os braços - Me explique.
- Você encontrou esse garoto no site da Pamela? Ou
contratou de alguma esquina mesmo? Não sabia que estava tão
desesperada por sexo assim, Tati. O primeiro cara que te
tocou depois de tanto tempo é um acompanhante pago? Sério? O
que o Daniel diria?
Eu respiro fundo porque vou mandar ele calar a boca e dar
dois passos para trás, mas o tapa que a Tati enfiou na sua
cara foi mais rápido.
O estalo fez desaparecer a conversa ao nosso redor.
- Vem, Spence, a festa acabou. - ela diz, tremendo.
- Sim, senhora.
Ela toma minha mão e a sinto fria. Vou envolvê-la com meu
braço e tirar nós dois dali, mas…
- Você tem noção do quanto é RIDÍCULA?
Ela para apenas para respirar fundo.
- É melhor você ir pra casa, Marcus. Bebeu demais.
- O moleque tem metade da tua idade, Tatiana. É quase
pedofilia.
- Vai dizer isso pro Roger também? Ou pro Nate? Ou pro
seu irmão mais velho, que namora uma garota dois anos mais
nova que o Spencer?
- É diferente pra homens.
- Ah! Claro que é!
- É diferente! É biológico…
- Vai mesmo tentar se defender com esse argumento
machista nojento?
- Não é nojento!
- Marcus…
- Não é! - seus delírios atraíram espectadores e ele
agora parece argumentar em defesa da própria honra - É
biológico, sim! Quero dizer que mulheres param de reproduzir
muito cedo, homens ainda são férteis por anos a fio. É uma
questão sexual. Homens têm certos interesses por mais tempo.
Uma questão sexual.
Tatiana cora e eu sei que vai perder a discussão.
Ela não vai conseguir enfrentá-lo nesse quesito sem ficar
sem graça.
Não de modo tão público.
- E você só transa pra se reproduzir? - interfiro e ela
aperta minha mão - Está explicado porque é difícil achar uma
mulher que te queira.
- Acho mulheres muito bem, obrigado. - devolve - E fique
quieto que os adultos estão conversando.
- Mulheres mais velhas tem mais orgasmos múltiplos que as
mais novas. Mas homens mais velhos não conseguem comparecer
por múltiplas rodadas, conseguem?
- Do que caralho você tá falando?
- Eu to falando que aqui dos meus vinte e três anos eu
consigo comer uma mulher a noite inteira. Eu fico duro
quantas vezes ela quiser. Mas e você aí dos sessenta? -
exagero - Consegue ficar duro uma única vez sem ajuda
medicinal?
- Vai tomar no cu, moleque.
- Ah, eu atingi um ponto fraco? - devolvo - Não precisa
ter vergonha. É só biologia, sabe? Só uma questão sexual,
imbecil.
Ele se vira, colérico e eu desvio do murro no último
instante. Solto a mão de Tatiana para tirá-la do caminho
quando ele tenta me atingir com um segundo, depois que o
primeiro falhou. Preciso segurá-lo com um braço.
Um murro é um acaso.
Mas dois murros é uma briga.
E se é uma briga, eu vou bater também. Enfio um soco em
seu estômago e ele cai me agarrando pela camisa, derrubando
nós dois em cima de uma das mesas.
- SPENCER! - Tatiana implora, mas é tarde demais.
Ele está agarrado na minha camisa e enfiou um murro nas
minhas costelas. Eu levanto a tempo de desviar de outro
golpe, que deveria ter sido para o meu rosto mas acaba
atingindo o ombro.
Fecho meu punho na cara dele e vejo o sangue escorrer.
Sinto a dor nas minhas costelas e na minha mão apesar da
adrenalina. Marcus é forte. É ágil.
Mas acho que eu estou ganhando.
Ou pelo menos é isso que eu achava, até ele me agarrar
pela cintura tentando me derrubar. Eu ando para trás tentando
recuperar o equilíbrio mas o chão acaba… acaba em água.
Caímos os dois na piscina e ele me soltou porque agora
precisa dos braços. Estou perfeitamente encharcado. Marcus
emerge passando as mãos nos cabelos e me encarando com nojo
como se a culpa de tudo aquilo fosse minha. Os seguranças já
estão ao redor da piscina antes de conseguirmos sair. Ele usa
a escada, eu me impulsiono pela lateral porque não quero me
aproximar dele de novo.
Pamela estava segurando Tati nos braços. Ela a solta
assim que estamos separados por uma pequena fileira de
seguranças.
Mas é para mim que ela corre.
Para mim.

***************

Tatiana

Ele está encharcado.


Absolutamente.
Roupas e cabelo pingando no chão do quarto de visitas, no
segundo andar.
A mobília rústica sobre o chão de madeira corrida segue o
tema de decoração da casa de campo de Pam. A cama de casal no
meio do cômodo é alta e larga, com seus cobertores fofos de
cores sóbrias. A iluminação é indireta, deixando o quarto
mergulhado na penumbra mesmo que quase todas as luzes estejam
acesas. Fecho as cortinas pesadas nos separando ainda mais da
festa lá fora, forçando-a a se tornar apenas uma música
distante.
- Aqui! - Pam me entrega uma bolsa de gelo - Tem toalhas
no banheiro! A secadora é lá embaixo. Precisa de alguma
coisa?
- Não, obrigada! - gaguejo depressa, ainda estou tremendo
- E desculpe por…
- Shh. - ela pede, apertando meu braço. Seu olhar é
carinhoso e compreensivo. Ela se vai. Talvez para lidar com
Marcus e seguranças, ou talvez apenas para o resto de sua
festa.
Aperto meus punhos algumas vezes, sentindo-os rígidos.
Adrenalina.
Neurotransmissor responsável por preparar seu corpo
inteiro para lutar ou fugir.
Fecho a porta atrás dela antes de me virar de volta para
o homem parado no meio do quarto. Ainda derretendo-se em água
de piscina e…
Encara o chão com um olhar frio quando tira o paletó.
Tem a camisa branca, colada no torso, quase transparente
aqui e ali.
- Sinto muito. - observa-me, envergonhado, ainda
segurando o paletó encharcado que não sabe onde colocar.
Eu ainda sinto a adrenalina. Mas e ele? Sente o quê?
Tomo a peça das suas mãos e deixo que caia no chão.
- Não precisa se desculpar. Não foi culpa sua.
- Foi um pouquinho culpa minha.
Sorrio.
- Foi um pouquinho culpa sua. Eu não sei onde colocar
isso. - indico a bolsa de gelo que Pamela me deu - Onde dói?
- Em canto nenhum. Ele bate mal e pouco. - dá de ombros
com um bico infantil.
- Esse gelo vai ajudar a não inchar e não doer depois.
Tem certeza que quer bancar o machão?
Encolhe-se com uma careta e me entrega a mão direita. Os
nós dos dedos estão vermelhos.
- Melhor assim. - sorrio, cobrindo seus dedos com a
bolsa. Estão frios mas envolvem minha mão com carinho e deixa
que eu cuide dele - Vai precisar tirar essas roupas molhadas.
Pode tomar um banho enquanto espera suas roupas secarem.
- Diz pra sua amiga que eu sinto muito?
- Spencer, a Pam não liga. É bem provável que tenha
achado divertidíssima essa demonstração pública de
masculinidade. Vocês não quebraram nada nem machucaram
ninguém. Mais ninguém. - corrijo, diante de sua mão.
- Não gostei do jeito como ele falou com você.
- Precisou defender minha honra? - movo a bolsa para
investigar seus dedos. Ele os move sob minha liderança e não
parece mal, mas coloco o gelo de volta.
- Você deu o primeiro tapa e ele deu o primeiro murro. Eu
só estava tentando me incluir.
- Justo. - sorrio - Precisa tirar essas roupas.
Espreme os olhos e eu reviro os meus.
- Vá, faça sua piada. - autorizo, sorrindo - Sim,
Spencer, estou doida pra tirar suas roupas.
Mas ele balança a cabeça.
Os olhos castanhos escuros e sérios. Os lábios rígidos.
Um leve tremor em seu corpo que pode ser frio ou pode ser
outra coisa.
Passa a mão livre pelos cabelos molhados jogando gotas de
água para toda parte.
- Por que gosta dele?
- Hm?
- O cara é um idiota, Tati. "Homens podem ficar com
mulheres mais novas, é biológico" que diabos foi isso?
- Eu acho que ele bebeu demais. Não é assim normalmente.
- Você vai defendê-lo?
- Não estou defendendo! Fui eu que dei o tapa, lembra?
Mas isso foi muito fora do normal para o Marcus. Ele,
normalmente, é um perfeito cavalheiro.
- Ah! - ele se exalta e solta minha mão - É, tenho
certeza que é.
- Spencer… não estou defendendo o que ele fez. Tapa. -
aponto para mim mesma, lembrando da agressão que acabei de
cometer - Mas você não o conhece. Ele não é sempre um idiota.
Acho, na verdade, que é a primeira vez que foi um id…
- Talvez tenha sido a primeira vez que ele teve
oportunidade. Já pensou nisso? - ele se afastou e está
andando pelo quarto como se quisesse rasgar um buraco na
madeira - Talvez não tenha sido um idiota antes porque não
teve chance. Mas assim que teve uma bem pequenininha, se
jogou de cabeça. Isso faz dele um idiota sempre.
- Eu também estou com raiva dele! Mas não acho que é
justo julgar uma pessoa por um único erro. É só isso que quis
dizer.
- Um único erro? O cara queria me matar! - brada, fazendo
tremer minha carne. Joga a bolsa de gelo sobre o paletó no
chão e encara as cortinas, com raiva.
- Por que está se exaltando? Ele foi embora. Acabou! Eu
não estou defendendo ele! Não por isso!
- Por que… Por que você gosta dele?
- O quê? Por que está repetindo isso?
- Você disse que queria afastá-lo, mas não consegue dizer
isso pra ele. E… e é, Tati, podia ter combinado comigo desde
o começo! Eu faria os lances. Mas você… você queria que ele
ganhasse?
- NÃO! Eu… Spencer… tem tanta história aqui que você não
conhece!
- Por que não me conta, então? Por que não me explica?
- Porque esse momento é absolutamente inapropriado pra
isso!
- NÃO ACREDITO que você gosta dele! O cara é um… um… um
banana!
Eu hesito.
- Sério? Essa é a ofensa que você decidiu usar? - estou
sorrindo.
- Um banana do caralho! Melhorou?
- Bastante. - sarcástica.
Mas não acho que Spencer acha graça da minha piada. Enfia
as mãos nos cabelos com raiva e encara o chão, travando os
dentes, como se quisesse dizer alguma coisa que não pode ser
dita.
- O que diabos você tem?
- Tenho raiva! - rosna - Cólera, ira, fúria, angústia!
- Spencer, eu sinto muito se você se machucou, eu…
- Não é por isso!
- E por quê, então?
- Eu não gosto dele!
- Já percebi isso!
- Mas você gosta!
Abro a boca para negar, mas… existe alguma verdade
naquilo.
Existe verdade, ainda.
O segundo que eu levo, em silêncio, para descobrir que
não sei o que dizer é suficiente para que Spencer me devolva
uma risada de desdém. De escárnio.
- Não acredito! NÃO ACREDITO que gosta dele!
- Que diferença faz pra você? Isso é problema meu! Por
que se importa?
Morde o lábio inferior.
"Angústia" foi uma palavra boa para definir. Melhor que
todas as outras porque é isso mesmo que ele parece, no
momento. "Angustiado". Engolindo palavras que queria
desesperadamente cuspir. Move os lábios como se elas
estivesse bem ali: literalmente na ponta da língua. Coçando e
rasgando, implorando para sair. Entreabre os lábios mas
mantém o dentes travados, lutando para mantê-las presas.
- Diga! - insisto.
Ele move os braços, irritado, quando explode em palavras
que mal tem ar para recitar.
- Porque eu to DOIDO pra te comer, Tatiana. Se você ainda
não entendeu: to BEM doido pra fazer isso já tem um tempo.
Mas não dá, sabe? Não dá pra competir porque minha idade é um
problema, e o jeito que a gente se conheceu é um problema, e
teu luto é um problema, e teu amigo é um problema e nosso
arranjo financeiro é um problema. TUDO é um problema! E eu
sou o oposto do alfa, tá? Eu sei! Eu sou um beta, um charlie,
um delta, sei lá o que caralho é o da letra Z, é
provavelmente é isso aí que eu sou. E eu sei como pegar a
menina no bar, mas eu não sei como pegar uma mulher como
você. Eu não sei o que fazer, não sei o que dizer. E eu sei
que não sou concorrência pro Marcus. - diz o nome dele com
infantilidade - Ele ia doar vinte mil como um lord, eu mal
consegui dizer a palavra "cinquenta" sem gaguejar. Eu não sou
do teu mundo. Eu sei disso muito bem. Mas isso não significa
que eu preciso gostar. Principalmente quando o cara é um
escroto! Ele não vale um centavo! Nem uma única moeda de um
centavo quebrada no meio! E ainda assim você gosta dele e ele
sorri e pisca o olho e faz um lance de vinte mil que, no
fundo, talvez você até quisesse que ganhasse! E eu… eu não
tenho nada. Mas puta merda você me faz querer ter! Se eu
tivesse aqueles vinte mil, eu teria feito o lance! Não porque
eu queria que ele perdesse, mas porque, por Deus Tati, eu
queria muito te ganhar.
Ele para de falar e fica tentando recuperar o fôlego.
Eu o observo na penumbra enquanto tento descobrir o que
dizer, mas não preciso esperar muito tempo porque Spencer
derruba os braços, em desistência.
- Eu achei que você ia me beijar. - resmunga.
- Achou que eu ia…?
- É. Depois que o cara faz uma declaração bem desesperada
e genuína. É isso que acontece nos…
- Não diz "nos livros", Spencer.
Ele engole o fim da frase e fica bem quieto.
Respira fundo. Experimenta o lábio inferior com a ponta
da língua enquanto encara o vazio. Ainda está furioso.
Angustiado.
Quero tocar nele e reconfortá-lo. Apertar seus braços e o
trazer para perto, mas tenho medo do que isso pode
significar.
Tenho medo do que pode acontecer a seguir.
Tenho medo de gostar.
- É só o dinheiro? - pergunta - Mais nada?
- Que?
- É por isso que não me deixa te beijar?
- Spencer, acho que já te deixei me…
- É só por isso que está resistindo? Porque está me
pagando? Ou tem mais alguma coisa? Ou… - engole em seco - não
está interessada?
A minha beleza não é exatamente padrão.
Some-se a isso o fato de que eu sou sóbria e séria.
Técnica.
Então quando um homem como Spencer… um homem
absolutamente jovem, lindo e delicioso de todos os modos que
eu decidir elencar, diz que quer me comer é muito difícil não
me sentir inadequada. Abraço-me e encolho-me.
- Se fosse só eu. - acrescenta, dando um passo para mim -
Só eu, sem dinheiro envolvido… e eu dissesse que quero… - ele
se demora na palavra e quando seu olhar cai para o meu corpo
é cheio de fome - … quero muito te ter nua. Você me
afastaria? Você me diria que quer ser só minha amiga?
Tento fugir do seu olhar mas, suspeito, é inescapável. Dá
mais um passo.
Estou excessivamente ciente de cada linha de seus
músculos sob a camisa quase transparente de umidade, colou-se
especialmente sobre o peito, exibindo sua pele através do
tecido.
- Não sei. - sussurro. Ele está bem perto agora.
Escorrega o polegar pelo meu braço, até meu pulso. Toma meus
dedos devagar - Se não houvesse dinheiro, o que você diria? -
devolvo a pergunta.
Seu meio sorriso é um atentado ao pudor. Tem erotismo até
no modo como respira quando leva a mão livre ao meu rabo de
cavalo. Enrola-o no punho por um instante e é tão lento no
piscar de pálpebras pesadas que, por um segundo, suspeitei
que não fosse mais abrir os olhos.
Aperta os lábios com força e solta meus cabelos.
- Não sei o que eu diria. Mas sei exatamente o que faria.
- E o que é? - minha garganta arde. Seca. Impedindo minha
respiração.
- Não, senhora. Você primeiro. Ainda não respondeu minha
pergunta. É só o dinheiro, Tati? É sua única objeção?
A verdade.
Qual é a verdade?
Se aquele homem largo e delicioso me agarrasse com
intenções de me lamber, morder e engolir… eu recusaria?
- É só o dinheiro. - murmuro.
- Pois então eu não quero mais.
- Não quer…
- Não quero mais seu dinheiro. Quero outra coisa.
- Spencer! Você não sabe o que está pedindo.
- Hm. - geme, grave. Raspa o nariz no meu, de um lado e
então do outro.
Longo no derreter-se do movimento.
Sem qualquer pressa.
- Eu sei exatamente o que estou pedindo. - murmura, tão
rouco que mal consigo discernir as palavras.
- Eu não… não poderia fazer isso. Estou interessada no
seu sucesso, agora, entende? Eu sei que você merece muito
mais do que tem e esse dinheiro pode te ajudar a chegar lá!
Eu estou torcendo por você! Eu não poderia…
- Tatiana, shhh, quieta.
- Mas eu só estou querendo te dizer que…
- Shh. Calada.
Ele me encara, firme, porque sabe que quer me beijar e
pretende fazer isso agora mesmo. Eu, no entanto, preciso
lutar contra o embaraço e não sei se tenho ousadia suficiente
para encará-lo de volta. Tento escapar de sua observação,
mesmo que ele não tenha qualquer intenção de me deixar fazer
isso.
- Precisa tirar essas roupas. - gaguejo.
- Preciso mesmo.
- Eu não… não quis dizer… - não tive motivações eróticas.
Foi apenas uma tentativa de desviar o foco e atenuar a tensão
sexual que crescia entre nós a ponto de nos fazer sentir seu
gosto.
- Aqui. - sussurra. Tão baixo. Tão suave. Conduz minhas
mãos para os botões de sua camisa - Me ajuda?
Suas mãos pesam em minha cintura como garras. Afiadas. Se
eu tentar fugir, vai me dilacerar.
Tiro sua gravata do caminho para poder me ocupar de seus
botões. Spencer me puxa para o seu peito e me beija na
bochecha. É quente. Lento. Úmido. Íntimo. Mal consigo descer
meus braços entre nós para desfazer o botão seguinte, ele
quase não me dá espaço. Parece mais distraído com a atividade
que arranjou para si do que com a que incumbiu para mim.
Beija a linha da minha mandíbula. Beija atrás da minha
orelha.
Estou tão apertada contra seu corpo que desfazer os
botões rapidamente transforma-se em um vagaroso esfregar de
corpos. Eu tentando despi-lo, ele raspando beijos em toda a
curva do meu pescoço.
Terminam os botões mas não os beijos. Seu toque é frio,
certamente consequência da água da piscina, mas me esquenta
ainda assim. Calores e arrepios fazendo-me contrair coxas e
virilha. Tento tirar sua camisa, mas a água a colou em seu
corpo. Preciso enfiar minhas mãos entre pele e tecido,
empurrando-a de seus ombros, sentindo a rigidez de seus
músculos sob meu toque. Flexiona os braços quando eu os
alcanço, de propósito, sem dúvida, para me ajudar ou para me
provocar, obrigando-me a experimentar a protuberância nem um
pouco modesta de seus bíceps.
As mangas ficam presas em seus pulsos e eu preciso
abandonar seus braços para desatacar os botões e abotoaduras
em seus punhos.
Minha risada é baixa e desajeitada diante de minha
incapacidade de despi-lo com agilidade. Spencer sorri e beija
minha têmpora, respirando meus cabelos.
Mantem uma mão na minha cintura enquanto eu trabalho na
outra. Beija meu queixo, morde meu ombro, raspa os dentes em
minha orelha. Sua boca está sempre em mim. Sempre.
Finalmente consigo tirar sua camisa e estou quase
respirando de alívio quando ele geme:
- O cinto.
Congelo.
- Vamos lá. - pede, rouco - Você mesma disse que eu
preciso tirar essas roupas.
Tira os próprios sapatos e os chuta pra longe.
Obedeço.
Movendo a ponta do seu cinto bem devagar, tentando não
tocar em algo que não devo.
Está duro.
Está muito duro.
Saltando grosso e imenso no pano da calça. Puxo uma das
pontas do cinto para que saia inteiro.
- Agora, as calças. - peco. Imploro. Sugerindo que ele
faça isso.
- Concordo. - é tudo que diz, enquanto espera.
Não vou conseguir desatacar esse botão e descer o zíper
sem tocá-lo, é impossível.
Desce beijos por minha bochecha e lambe o canto do meu
lábio. Enrolou o punho no meu rabo de cabalo, duas voltas
completas, e o segura com tanta força que seu braço inteiro
se contrai. Me segura tão perto de seu peito que não consigo
mais ver o que estou fazendo. Abri seu botão e tento segurar
o pano com uma das mãos enquanto desço seu zíper com a outra,
com cuidado, para não machucar nada. A lentidão do meu
movimento, meus dedos resvalando ao longo do caminho do
zíper, em todo o comprimento de sua ereção. Spencer fecha os
olhos. Geme, grave e gutural, como se perdesse as forças.
Enfia os dedos na minha carne, a respiração pesada
através dos lábios que pairam a poucos centímetros dos meus.
Não sei como tirar suas calças, também levemente coladas
ao seu corpo, e acho que ele percebeu isso. Sua urgência
agora, no entanto, parece ser maior que sua vontade de me
provocar, é por isso que a tira do caminho, ele mesmo,
levando as meias junto.
Usa nada além da cueca azul marinho. O tecido escurece
ainda mais sobre a cabeça do seu pau, onde ele deve estar
babando lubrificante como se não houvesse amanhã.
Ergo os dedos para a pontinha de sua ereção. É
curiosidade e libido. Minha intenção era tocá-lo apenas com a
almofada dos dedos, mas a fome de Spencer está saindo do
controle e ele tem suas garras na minha cintura com tanta
força que eu me sobressalto. Fechei a mão, sem querer, ao seu
redor e ele engole um urro, mordendo meu pescoço.
- Desculpe! - faço menção de soltá-lo, mas ele cobre
minha mão com a sua, mantendo-me ali.
A mordida em meu pescoço se suaviza, transformando-se em
um chupão demorado, sugando minha pele entre gemidos arfados
e rendidos.
Permito-me explorá-lo. Sua circunferência é farta,
enchendo minha mão. Esfrego meu polegar na sua ponta antes de
escorregar minha palma por todo o caminho até suas bolas.
Assisto-o se curvar e se contrair ao meu redor, os joelhos
fraquejando diante do meu toque. Ainda segura meu rabo de
cavalo com força e, assim que percebe que não vou mais me
afastar, solta minha mão para escorregar a sua própria para
minha bunda. Aperta-me com gosto e não lembro se algum dia
fui tocada assim. Devolvo, apertando seus testículos de leve
e acho que isso foi mais do que ele conseguia suportar.
Solta-me e sei que me quer nua.
E eu entendo.
Eu me quero nua também.
Estou quase fazendo aquilo, mas ele me impede.
O Spencer me toca de um jeito dengoso. Respirando minha
pele enquanto segue o deslizar do dedo no zíper e do zíper no
corpo. Lento até beirar o desnecessário.
O Spencer respira fundo de um jeito insano. Tem cobiça
nos dedos gananciosos que ele enfia por dentro do vestido
para sentir minha cintura. Ambicioso até beirar o possessivo.
O Spencer se livra do meu vestido de um jeito carnívoro.
Tirando qualquer pano de nosso caminho para me ter na língua.
Faminto.
Até beirar a saliva.
Respira devagar pelos lábios entreabertos. A testa na
minha. Os hálitos e os desejos se misturando como se nunca
tivessem sido dois.
Toco seu peito nu. Ainda está frio, mas sinto seu coração
batendo na sua pele acelerado, pronto para aquecê-lo de volta
em instantes.
Desço os dedos pelo seu abdômen até a barra da cueca.
- Você é linda. - murmura rouco.
Às vezes, os homens te elogiam como o Marcus. Dizem "você
está linda" com um sorriso e uma casualidade. Pode ser
genuíno, mas soa falso.
Às vezes, os homens te elogiam como o Daniel, quando nos
conhecemos. Dizem "você está linda" olhando fundo nos seus
olhos e você se sente querida. Pode ser falso, mas soa
genuíno.
Mas às vezes…
Às vezes, os homens te elogiam como Spencer. Dizem "você
é linda" com um rosnado rouco de desespero. Com uma angústia
que cabe apenas aos atormentados na busca de um tipo muito
específico de alívio. Um elogio visceral que vem do âmago das
vontades e dos instintos.
E você não se importa mas se é falso ou genuíno.
Não importa.
Nada mais importa.
Porque o algo que há em você também está atormentado,
agora. E também precisa do alívio, agora.
- Faz tempo que não faço isso. Espero que não seja o tipo
de coisa que dá pra desaprender.
- Você é muito linda. - leva as mãos ao meu rosto. Parece
hipnotizado.
- Está me ouvindo?
- Não. - fecha os olhos.
- Vai tentar me ouvir?
- Não.
Ele me puxa para si e me beija.
É suave e carinhoso.
Apenas por um segundo.
Antes de se tornar animal e violento.
E eu, que não sentia lábios há anos, sinto lábios e
línguas e saliva.
Na minha boca.
No meu pescoço.
Na minha alma.
Tão perdida em jogos de sedução inapropriados e
pensamentos de sexo… eu tinha esquecido daquela parte.
O beijo.
A parte que deveria ser simples.
A parte que era capaz de te causar arrepios em um
instante.
A parte que te fazia perceber que todo o resto é
inevitável.
Não vou parar agora.
Não há força em mim que conseguisse me impedir agora.
É nisso que estou pensando - em não ter forças - quando
Spencer interrompe o beijo.
9. Roupas secas
Ele abaixa a cabeça, gesticulando negativamente.
Parece tentar exorcizar alguma coisa, apertando os lábios
com força.
Eu não consigo respirar.
Fiz algo errado?
Essa é a parte em que ele ri e diz que estava tentando me
enganar, mas ficou com pena e vai embora antes de me magoar?
- Assim não. - é tudo que ele diz.
- Assim não?
Mas aí ele toma meu rosto nas mãos e me beija de novo.
Cobre meus lábios com os seus em beijos superficiais e
pesados. Dois, três.
E aí me solta de novo: a boca, não a mão.
- Cama! - ordena, urgente - Cama, cama, cama. Você não
faz isso há muito tempo, então a gente vai fazer do jeito
certo. E vai fazer com calma.
- Ah… - gaguejo, quando ele me empurra pra cama de
visitas da Pamela.
É aí que eu entendo porque a autora do livro barato
descreveu o cara de animal.
O Spencer me conduzindo pra cama é um animal faminto.
Diante de um pedaço de carne depois de dias sem comer.
Ele vai me engolir inteira e se alguém entrar no seu caminho,
vai levar um murro e ser jogado na piscina.
Estou diante da cama quando percebo que o dono do quarto
é o Spencer.
O cara inseguro desapareceu. Acho que essa é sua zona de
conforto. O lugar em que ele sabe o que está fazendo e tem
poucas dúvidas de quão bom consegue ser.
Ele me beija de novo mas parece que esse beijo é muito
mais para ele do que para mim. Derrete-se na minha boca,
gemendo baixo quando escorrega as mãos pelo meu corpo.
Enfio os dedos pelos seus cabelos quando ele me agarra
pela cintura.
- Isso aqui vai ter que sair. - murmura, os dedos
raspando na barra da minha calcinha - E isso também. - ele
desataca o meu sutiã com um único toque. Parece ter aberto,
na vida, mais sutiãs que eu, apesar disso soar impossível.
Eu me contraio, sobressaltada, segurando minha roupa
íntima sobre os seios, evitando que caia.
Ele tem apenas um sorriso calmo.
Quente.
Beija minha boca com um sorriso imenso, como se duvidasse
que meu carinho pelo sutiã fosse durar muito tempo.
Ele me beija.
E me beija.
Acho que esqueceu que tem algo para acontecer depois do
beijo e decidiu ficar nessa parte mesmo.
Está rígido na cueca. Duro e pesado. Mas não solta meu
rosto. Não solta minha boca.
E acho que estava certo porque logo esqueci o sutiã e
tenho as mãos nos seus cabelos. Seu tórax nu apertado contra
meu seios.
Ele tem um cheiro de homem e uma mão firme que conduz meu
queixo exatamente para onde me quer. Sua língua toma minha
boca como se já fosse sua há muito tempo e não houvesse mais
saída.
Afasta-se para tirar a cueca e…
Respira fundo.
Você é uma mulher adulta.
Já fez isso antes.
Já viu um desses antes.
Spencer é grosso. Já tinha percebido no toque, mas é a
primeira coisa que confirmo. Não quero dizer que não é
grande, só quero dizer que a circunferência é impressionante
a ponto de ser a protagonista.
Ou talvez eu só esteja perdida porque Daniel era menor.
Bem menor.
- Sua vez. - sua voz é baixa, mas o quarto é só silêncio
e tesão ao ponto de fazer o sussurro parecer um grito.
Minha vez.
Mas ele não espera que eu a tire, porque já se ajoelhou
para fazer isso ele mesmo. Deixa um rastro de beijos em minha
coxa que causa gemidos e arrepios.
Estou molhada.
Muito molhada.
Eu sei disso e ele tem certeza.
Despe a última parte que falta de minha roupa íntima,
deixando-me absolutamente nua e… preocupada.
Não consigo olhar pra baixo porque tem um homem nu e
delicioso ajoelhado aos meus pés e não sei o que essa visão
vai fazer com meus joelhos. Por fora eu sou apenas o ofegar e
o gemer, mas por dentro… por dentro, estou gritando.
Quando foi a última vez que me depilei?
Eu nunca tive muito pelos e tenho certeza que me depilei
mês passado, mas acho que também há duas semanas?
Definitivamente não essa semana. Será que semana passada? A
Pamela tinha sugerido aquele lugar novo e eu fui, mas isso
foi mês passado?
Por Deus, que eu tenha ido semana passada!
A preocupação que me sobra, no entanto, falta em Spencer.
Ele beija minha virilha e tem dedos atrevidos
experimentando-me entre os lábios. Seu carinho é um deslizar
de dedos que são quase cócegas.
Minha respiração falha, meu coração acelerando como se
tivesse sido liberado para decolagem. Sinto congelar minhas
pontas dos dedos, as extremidades vazias de um sangue que, no
momento, é necessário em outras partes. É quase como a
sensação que antecede um desmaio, mas ao contrário. O corpo
se preparando para o orgasmo é a iminência do despertar. É o
momento de loucura antes da lucidez.
Nenhuma dessas reflexões, no entanto, parece atingir
minha contra parte que, por sua vez, não pausa ou reduz a
velocidade.
Enfia dois dedos entre minhas carnes para me expor para
sua língua. E aí eu sinto sua boca.
Um beijo.
Um sugar.
Um lamber.
Um… possuir? Mesmo que sem penetração já que ele parece
estar em uma jornada para me provar o que consegue fazer com
uma mulher quando não tem receio de ser interrompido.
Eu recebo o desejo de sua boca em minha virilha - que já
se aquece úmida entre o meu suco e sua saliva - por apenas um
instante antes da incongruência do tesão me fazer dar um
passo para trás quando tudo que eu queria era dar outro para
frente: agarrá-lo pelos cabelos, montar em sua boca e rebolar
por horas, até a lucidez e além.
Isso é o que eu queria.
O que eu fiz, no entanto,, foi dar o passo completo para
trás até me chocar com a cama.
Spencer lambe os lábios, uma sombra sobre os olhos
escuros e determinados de quem não vai deixar um único passo
afastá-lo de sua presa.
Avança o passo que eu recuei, ainda de joelhos e me força
a sentar na cama. Bem no cantinho, puxando-me pelos joelhos
para me manter aberta e acessível.
- Eu não acabei. - seu suspiro é contra meu clitóris,
logo antes de prendê-lo entre os dentes.
Faz algum tempo que não gozo. Faz muito tempo que não
transo.
Mas aquilo… a boca de um homem cobrindo-me bem ali… eu
não consigo lembrar quando fiz aquilo pela última vez.
Eu fecho os olhos com força, enfiando os dedos no colchão
ao tentar agarrar o lençol, mas o desespero é tanto que ele
escapa. Tento sufocar o gemido, mas ele é intenso demais para
suportar e quando eu finalmente falho descubro que virou um
grito.
Sua boca é voraz.
Suas mãos pesam nos meus peitos, empurrando-me contra a
cama. Ele me engole com fogo e fúria, inclinando-se com meus
joelhos sobre seus ombros.
Meus dedos enfiados em seus cabelos, minhas unhas
raspando em seu pescoço.
Olho para baixo para vê-lo me tomar. O corpo arqueado
sobre mim, os braços largos, o topo de suas costas é um
delicioso emaranhando de músculos pulsantes.
Tento me mover mas ele tem minhas coxas presas.
Não vai me deixar sair.
Não vai me deixar sair antes do gozo.
Quer provar um ponto.
Para mim, para si mesmo, para Deus.
Sua língua se move depressa, atacando meu clitóris como a
um inimigo.
Aquele único ponto do corpo que é mais sensível que a
alma.
É a angústia da tortura, ausente a dor.
Estou perto.
Estou tão perto.
Spencer, no entanto, não se importa.
Interrompe seus movimentos agressivos e os substitui por
um sugar lento que me faz querer bater em sua cabeça.
- Não! - imploro - Continua, continua! - gaguejo, sem ar.
- Calma. - ele ri, seu hálito quente contra minha boceta
faz um arrepio de insanidade tomar o controle do meu corpo -
Eu te disse que ia fazer isso sem pressa lembra? - me lambe -
Por que está correndo?
- Spencer! - choramingo.
- É, linda, eu sei. Eu sei. - me embala com um dengo
falso - Vai passar, viu? Eu vou fazer passar.
Cada lambida é uma chicotada. Meu corpo inteiro reage,
contorcendo-se.
Quanto mais eu quero, menos ele me dá.
Estou diante das lágrimas e do choro, genuíno e
irrepreensível, quando ele me morde e bate a ponta da língua
contra meu pontinho sensível de novo.
Eu vou gozar.
Eu vou explodir.
Eu tinha esquecido como aquilo era bom.
Ou talvez aquilo fosse bom em um nível que eu ainda não
tinha experimentado para ser possível lembrar.
Tudo é bom.
O homem imenso agarrado às minhas coxas.
As mãos pesadas que sempre voltam aos meus seios,
agarrando carnes e beliscando mamilos.
A visão de suas costas fortes curvadas sobre minha
virilha.
Seus gemidos baixos e quentes contra minha entrada.
E a língua.
Mais que tudo, a língua.
Spencer me suga com força e continua me sugando até quase
me fazer perder a consciência.
E aí para.
Eu quero machucá-lo.
Quero matá-lo.
- SPENCER!
- Calma. - provoca, rindo. Ainda me beija bem ali. Beijos
calmos e tranquilos.
Eu só consigo emitir um rugido rouco que não é um gemido
mas também não é um grito.
Ele aumenta a velocidade e eu fecho os olhos bem
apertados.
Minhas unhas rasgando o topo de seus ombros e o lençol ao
meu redor.
- Se parar… se parar se novo… - ofego - Te jogo da
varanda. Juro por Deus! - minhas promessas agudas de aflição.
- É? E aí quem vai terminar pra você?
- Eu… termino sozinha.
- E que graça tem isso?
Ele enfia um dedo em mim quando me chupa indecoroso.
Mordisca meu clitóris apenas por um instante antes de
voltar a me castigar com a língua.
Orgasmo é única coisa que ganha do instinto. Acho que se
a casa da Pamela estivesse pegando fogo, eu ainda ia ficar
ali, ameaçando Spencer caso ele se atrevesse a parar.
É quase absurdo pensar nisso, não é? Em uma língua que
pode ser melhor que a vida?
Mas era isso que ele era.
E dessa vez, ele não para.
Segue não parando por minutos e minutos que, apesar de
muitos em quantidades, parecem segundos para meu corpo
solitário e sedento.
Por favor, por favor, por favor.
Eu acho que estou implorando em silêncio, mas sua risada
me faz suspeitar que eu talvez esteja falando em voz alta.
Não me importa.
Nada mais me importa.
Chego no meu limite, gemendo murmúrios descontrolados de
tesão, e transbordo.
Um único segundo de silêncio que anuncia meu orgasmo
melhor que qualquer grito, e então me desfaço em sua boca.
O prazer atravessando meu corpo como as chamas do
incêndio que nunca aconteceu.
Estou tentando respirar fundo e engolir em seco quando
ele se coloca de pé.
Tem o abdômen dividido daquele jeito que dá pra desenhar
as linhas e contar cada bloquinho entre elas.
Acabei de gozar, mas assim que ele levanta e eu vejo
aquela barriga acho que estou pronta de novo.
Alguns homens são assim, não é?
Têm um corpo tão delicioso que te faz desligar a sanidade
e querer demais que fosse socialmente aceito tirar as roupas
em qualquer lugar só pra se esfregar em alguém?
É isso que sinto quando Spencer levanta.
Quero me esfregar nele.
Quero me esfregar naquela barriga gostosa porque tenho
certeza que consigo gozar de novo só com aquela fricção ali.
- Ainda não acabei. - ele promete.
Melhor assim.
Estou rapidamente superando o estranhamento causado pela
minha longa abstinência e lembro de alguns truques.
Ainda tenho umas coisas pra te mostrar…
Ele rasteja pela cama para me cobrir com seu corpo.
Beija meu estômago.
Meus seios.
Meu pescoço.
- Como é que você gosta? - sussurra.
Eu hesito.
Acho que consigo contar em uma mão a quantidade de homens
que tive na minha cama. Não foram muitos, mas nenhum deles
jamais me fez essa pergunta.
Eu não sei o que responder.
Como é que eu gosto?
É bem típico de homens, não é? Não pedir direção e acabar
se perdendo porque não fazem a menor ideia de pra onde estão
indo.
Mas não Spencer.
Ele apenas me observa, sussurrando em minha boca,
esperando instruções porque não tem medo de perguntar desde
que isso signifique descobrir minhas preferências.
- Eu… eu não sei. - é o que eu respondo.
Certamente, eu sei. Certeza absoluta que sei. Mas… nunca
precisei responder aquilo antes e, agora, não sei colocar em
palavras.
- Tudo bem. - sorri. É um meio sorriso lindo e gostoso -
A gente descobre.
Está na minha boca quando guia a própria ereção para
dentro da minha carne.
Encaixando-se perfeito com um gemido rouco.
O prazer dele aumentando meu.
Fazendo-me sentir que sou, eu também, deliciosa.
Morde minha boca e se perde em mim.

***************

Spencer

Deixa eu te explicar uma coisa que descobri sobre


mulheres na cama: elas fazem muito pouco.
Não precisa se sentir ofendida, não estou dizendo que
você faz muito pouco.
Estou dizendo que, como regra, mulheres fazem pouco.
E eu não to falando de preliminares, ta bem?
To falando de penetração.
Todas as mulheres que já fiquei na minha vida acharam que
seu trabalho acaba na hora que o pau entra.
As que eu achava boas de cama eram as boas nas
preliminares.
Era isso que eu achava…
E aí eu comi a Tatiana.
Por semanas, ela tinha sido a sobremesa que eu não podia
experimentar. Bastou enfiar o dedo nela e eu soube que estava
perdido porque quando você quase esporra só por enfiar um
dedo em uma bocetinha apertada, você sabe que não está mais
no controle.
E, por Deus, ela era apertada.
Macia, quente e gostosa.
Saborosa.
Boa de chupar e ter na língua.
Implorando em rosnados ininterruptos, perdendo o ar.
Faltou muito pouco pra eu esporrar no chão.
As preliminares foram apetitosas, assim como aqueles
peitos maravilhosos que ela tem.
O oral foi bom de dar vontade de repetir.
Quando me enfiei nela, achei que era a rodada final.
Estocar aquela boceta com uma virilidade que ela não
experimentava há alguns anos e arrancar mais uns gemidos e um
orgasmo antes de me derreter nela.
Só que a Tatiana era boa de cama.
Boa, de verdade.
Do tipo que não acha que transar é deitar e dar uns
beijos enquanto recebe o que lhe dou.
A Tatiana não transa no improviso.
Ela sabe o que está fazendo.
Sabe exatamente como atingir o seu orgasmo e como fazer
um cara atingir o dele.
Talvez falte um detalhe aqui ou ali para adequar o seu
movimento ao meu gosto, mas o que ela faz, sozinha, já é de
enlouquecer o homem.
Estou por cima, mas não perco a sensação de que quem está
me fodendo é ela.
Rebola de um jeito delicioso de encontro a cada uma de
minhas estocadas, definindo nosso ritmo de um jeito que eu
nem sabia que preferia. Suga os próprios dedos com um
erotismo não intencional antes de guiar os seios para os meus
dentes. O esfregar de suas pernas nas minhas seria um crime
por si só, não fosse todo o resto.
Mas é a coisa que ela faz com a virilha que me faz fechar
os olhos e temer gozar no fim da segunda estocada.
Ela tem um jeito de te apertar o pau que te faz implorar
por misericórdia.
Não bastasse a mulher ser gostosa a ponto de dar vontade
de comer de colher, ela ainda precisa ter aquele suspiro doce
e saber o que está fazendo.
Mesmo que eu tivesse comido ela no primeiro encontro, em
cima da mesa do Michelin, ainda assim eu estaria perdido.
Depois de semanas de esperas, é difícil dizer quanto tempo eu
vou conseguir durar.
Mas caralho né?
Não posso gozar depressa de novo ou perco minha
credibilidade.
Seguro Tati pelos quadris tentando mantê-la quieta.
- Você não gosta assim? - ela geme.
- Estou gostando demais. - choramingo - Esse é o
problema.
Ela pausa por um segundo inteiro. Tem um sorriso sapeca
quando me analisa.
- Ah é? - ela rebola mais forte, apesar de meus toques.
- Tatiana. - rosno.
- Se me quiser quieta, vai ser preciso um pouco mais do
que isso, Spence. - provoca.
- E eu achei que você era pura.
- Sou discreta. Mas acho que o momento pra isso… acabou.
- ela recita, apertando dentro de sua carne.
Vou desmaiar.
Acho que meu sangue desapareceu de toda minha corrente
sanguínea porque meu pau está mais duro que o chão de
madeira.
- Vai ser assim, é? - belisco seus peitos e meto com
força.
Já que não dá pra me defender…
Ela fecha os olhos ofegando rápido e eu me inclino para
atingir um ponto melhor. Enfia a cabeça nos travesseiros,
arqueando as costas com violência.
Seu grito traz um sorriso pro meu rosto. Um sorriso
rápido e fugaz porque logo estou, eu também, perdendo-me no
mesmo orgasmo que a atinge.

***************

Ela se veste depressa e eu me ofenderia, sabe? Pensando


que talvez queira se ver livre de mim. Mas ela mantém um
sorriso cúmplice no rosto, observando-me enquanto coloca o
vestido de volta.
A festa
A casa da sua amiga.
Não é exatamente o lugar ideal para começar uma segunda
rodada.
Pisco um olho para ela e coloco minha cueca de volta.
- Eu preciso secar suas roupas! - avisa, quando faço
menção de colocar as calças.
Fico segurando a peça nas mãos, considerando.
- E o que eu vou fazer aqui, sozinho, enquanto espero
secarem?
- Pode tomar um banho.
- Você volta? Porque se for voltar, pode inclusive perder
as roupas no caminho. Não me importo mais com elas.
Tati ri.
Tem uma risada tão gostosa que aquece meu peito.
Meu Deus.
Essa mulher vai ser minha ruína.
- Muito engraçado, hilário!
- Obrigado.
Ela toma as calças da minha mão, apanha camisa e paletó.
- Eu já volto. Tente se comportar?
Mas eu detesto me comportar. Belisco sua cintura e beijo
sua boca.
Aquela delícia daquele rabo de cavalo que, no fim das
contas, eu mal consegui aproveitar.
- Volta mesmo? - insisto - Secadoras demoram um tempo
horrível. Vem ficar aqui comigo que eu sei um jeito de fazer
o tempo passar mais rápido.
- Eu volto. - murmura, urgente.
Beijo sua boca e vou beijar de novo mas ela abre a porta
para nos interromper.
O que nos interrompe, no entanto, não é tanto a porta que
ela abriu como a pessoa que a espera do outro lado. Pamela
está no corredor e parecia estar exatamente a caminho do
quarto em que estamos.
Tatiana fica impossivelmente vermelha como é de praxe:
- Eu só estava… ah… pegando as roupas dele pra secadora!
E atrasei porque…
Pamela ergue os indicadores.
- Meu amor, antes de você se comprometer com alguma
mentira, deixa só eu te dizer que… hm… - ela ri sozinha - Eu
só vim até aqui convidar vocês para irem para um quarto na
outra parte da casa? Voltado para os fundos? Tão confortável
quanto esse, eu prometo, mas mais distante da festa.
- O quê? - Tatiana parece confusa mas eu arregalo os
olhos porque já entendi o problema da Pamela.
- Meio que… dá pra ouvir vocês… lá de fora.
Tatiana murcha.
- Mas tá tudo bem! - Pamela promete ao assistir a amiga
morrer - Ninguém sabe quem era! Todo mundo acha que vocês já
foram embora! E nem foi tão alto assim! Quero dizer… deu pra
ouvir. Mas não estava dando pra ouvir em todo lugar, sabe?
Era mais pra quem estava prestando aten…
Eu gesticulo para que Pamela se cale porque não acho que
ela está ajudando.
- Alguém… comentou? - Tati pergunta.
- Bebê, deixa eu te dar uma sugestão! Diz pro Spencer
colocar as roupas molhadas mesmo e vai secá-las na sua casa.
- termina a frase cheia de sugestão - Seca elas várias vezes,
sabe! Seca até de manhã. Sem pressa.
- Eu…
- Eu vou sair agora! - Pamela decide - Porque eu sei que
você é envergonhada e porque o Spencer está de cueca. E eu
não quero ficar com mais inveja do que já estou! - dá um
beijo na bochecha da amiga e vai embora.
Mas Tati fica em silêncio, encarando a porta que se
fechou quando a outra se foi.
Ir pra casa dela secar as roupas várias vezes parece uma
ótima ideia.
- A gente faz o que ela mandou? - quebro o silêncio. Mas
ela ainda está congelada e apática, parada na frente da
porta, segurando minhas coisas em seus braços sem vida.
Eu me aproximo devagar, dou um beijo na sua testa e pego
minhas roupas de volta.
- A gente faz o que ela mandou. - aceno para mim mesmo.

***************

- O que eu gritei?
- Eu não lembro, Tati.
- Eu gritei seu nome? Porque a Pamela disse que todo
mundo achava que a gente já tinha ido embora, mas se eu
gritei seu nome…
- Linda, eu estava muito entretido pra prestar atenção em
detalhes.
- E se eu gritei de um jeito que deu pra reconhecer minha
voz? Será que eu gritei seu nome?
Ela desaba assim que o elevador se abre em seu
apartamento. Veio o caminho inteiro balançando as pernas e
engolindo as palavras que não queria dizer na frente do
motorista. Não era a Lucille hoje, se fosse, acho que teria
desabado no caminho mesmo.
- Eu devo ter gritado seu nome! - continua, espremendo os
olhos enquanto sobe as escadas - Será?
- Faz o seguinte, tira a roupa e vem ficar aqui comigo e
eu juro que presto atenção dessa vez.
- Spencer, isso não é engraçado!
- Tati, relaxa! A Pamela disse que mal deu pra ouvir
através da música. Ela provavelmente só ouviu porque sabia da
situação e estava esperando.
- Ah meu Deus.
- Ei, vem aqui! - eu a tomo pelos braços - Ninguém ouviu.
Você não gritou meu nome.
- Você não lembra.
- Eu tinha esquecido, mas já lembrei.
- Está mentindo! - choraminga e eu preciso rir.
- A única pessoa que te ouviu foi a Pamela, meu amor.
Espera.
Saiu sem querer, sabe?
Aquelas duas palavrinhas bem pequenas mas que não devem
ser ditas sem uma porção de contexto.
Eu engulo em seco, sentindo-as amargas e traidoras.
Tatiana ergue as sobrancelhas e tenho certeza que, não
apenas ela me ouviu, como está fazendo a mesma consideração
que eu.
Silêncio.
Silêncio por tempo demais.
Silêncio que precisa ser preenchido urgentemente.
- Ah… eu posso tirar essas…
- Claro! - acorda da hipnose - Claro! Aqui…
Ela me leva até o banheiro do seu quarto. Não o de
visitas. O do quarto dela. Eu estou sorrindo pra mim mesmo,
de satisfação, mas aí entro no banheiro e engasgo. Não é que
o banheiro seja grande… o banheiro é colossal.
O banheiro da Tatiana parece uma sala de estar. A
passagem por onde entramos é um espaço logo atras de uma
parede curva que emoldura uma banheira branca imensa, e uma
porção de luminárias assimétricas alinhadas. O chão é de
madeira aquecida e confortável, o vaso sanitário tem um
formato ovalado que parece ter sido esculpido na mão.
Porcelana branca alternando-se com madeira por toda a parte
e, no centro de tudo, uma pequena área elevada com um
chuveiro duplo, no meio do banheiro.
QUEM tem um chuveiro NO MEIO do banheiro, pelo amor de
Deus?
E tem plantas lá dentro! Do chuveiro!
Tem uma claraboia e janelas imensas por toda a parede em
um dos lados, separada do resto do ambiente por uma cortina
de treliças de algum material tão delicado que parece ser
capaz de se desfazer na mão.
Eu não sei o que dizer.
A Tatiana tem um bonsai no balcão. Bem entre as duas
pias.
Eu mudei de ideia, aquilo não parece uma sala de estar,
parece um jardim oriental. No meio de uma cabana na floresta.
Mas com piso aquecido, jacuzzi e toalhas caras.
- Quanto dinheiro você tem? - eu digo, sem querer.
Ela me encara, confusa.
- Estamos falando sobre isso de novo?
- Você tem um chuveiro no meio do banheiro!
- Ah! - ela ri, entendendo meu problema - Foi sugestão do
arquiteto.
- Teu vaso sanitário parece uma obra de arte!
- Foi sugestão do…
- Você tem um BONSAI na pia!
Ela desiste de explicar a começa a rir.
- Eu me sinto pobre com frequência, sabe? - confesso -
Mas isso aqui é um exagero!
Está rindo ainda mais alto. Coloca a mão sobre os lábios
e é tão linda que toma minha atenção de volta para si.
- Me lembre de te levar em uma viagem na Ethiad.
- Na o quê?
Tati balança a cabeça, apertando os lábios, divertindo-se
em uma ideia que eu desconhecia.
- Isso é um país, ou…?
- Não, não é um país. Agora, você precisa tirar essas
roupas que, a essa altura, já estão secas. Mas eu sou uma
escrava das formalidades.
- Por mim tá ótimo. - já tirei o paletó e estou no meio
do caminho com a camisa.
- Não vai me fazer tirar dessa vez?
- Se você quiser, eu não vou te impedir.
- Não. - faz um bico infantil de descaso - Perdeu a
graça.
Meu sorriso é enorme e exuberante.
- Hm, tenho certeza que sim. - sarcástico, até porque ela
não tira os olhos do meu peito - Quer que eu fique aqui um
tempo, antes de tirar as calças? Para você admirar melhor?
Não? Perdeu a graça? Tudo bem. - eu finjo que estou alongando
os braços, mas os flexiono de todos os jeitos certos,
contraindo meu abdômen para fazer os músculos pularem.
Tatiana tem os braços cruzados sob os seios, mas leva uma
das mãos para a boca, as pontas dos dedos raspando no lábio
inferior como se tivesse muitos planos do que gostaria de
fazer comigo a seguir.
- Vai tomar um banho. - ela decide, suspirando.
- E é você quem vai me dar?
Ela tem um sorriso que é ao mesmo tempo descarado e de
descrença. Liga o chuveiro e me encara entre a graça e a
raiva.
- Tira essas roupas de uma vez que eu preciso colocá-las
na secadora!
- Vai tirar o seu vestido também?
- Ah, eu estou seca! Ao contrário de certas pessoas, eu
não me meto em brigas que terminam na pisc…
Eu a pego pela cintura e a empurro para debaixo do jato
do chuveiro.
Encharcada. Assim como eu fiquei.
O rabo de cavalo pesado de água, o vestido, os cílios.
Passa a mão no rosto e tem um sorriso homicida.
- Isso é um Valentino. - aponta para o vestido.
- Fica bonito molhado. Devia vesti-lo assim sempre.
- Você é muito engraçadinho.
- É um talento aprendido. Dizem que mulheres gostam de
humor.
- Ah é? Eu não sei se concordo, pessoalmente.
- É o vestido molhado, não te deixou ouvir a piada
direito. Quer que eu o tire do caminho?
Morde o sorriso quando balança a cabeça, um claro sinal
de descrença. Ou desistência.
- Bem… - dá de ombros e aí faz uma coisa que eu detesto:
solta o cabelo.
Mas se enfia de volta na água, deixando os cabelos se
encharcarem até ficam completamente molhados e aí…
Tira o vestido.
Não faz isso sem pressa.
Mas faz isso sem pudor.
Simplesmente se despe exibindo a lingerie escura que usa
por baixo e que, embora eu já tenha visto, não sei se já
apreciei o suficiente.
Tira o vestido do caminho e eu sei que minha boca está
entreaberta. Um nível educado de queixo caído, que não vai
permanecer comportado por muito tempo. Tati tem uns peitos
pesados e bem apetitosos, os biquinhos duros marcando o
tecido com uns pontinhos discretos. E essa é dificilmente a
única curva gostosa que essa morena tem no corpo. Preciso
fechar a boca ou vou começar a babar.
- Não vai se mexer? - pergunta.
- Não vai continuar? - indico seu strip-tease.
Aperta os lábios tentando impedi-los de se curvar e
denunciar seu pensamento. Leva as mãos às costas, para se
livrar do sutiã, mas eu estou encarando seus peitos com tanto
ardor que meu corpo assumiu o controle e desistiu de esperar.
Tenho seus seios nos meus dedos, aperto-os com gosto antes de
espremer os biquinhos em beliscões libidinosos.
- Eu faço isso. - decido.
- Ah, não, não, eu já comecei! - provoca.
Eu enfio nós dois na água e mordo sua orelha.
- Eu faço isso. - rosno e assumo o controle. Arranco seu
sutiã do caminho para ter seus peitos nus e molhados sob meu
toque. O pudor que ela tinha ainda está ali, em algum lugar,
mas severamente mitigado diante da nudez e luxúria de poucas
horas atrás. Abre minha calça, e enfia a mão em minha cueca
para me agarrar exatamente onde eu preciso. Fico fodendo seu
punho, devagar, enquanto trago seus peitinhos pra minha boca.
Minha calça e cueca vão desaparecendo: gravidade, água,
mãos famintas de Tatiana… uma combinação de tudo isso.
Vou me abaixar para tirar sua calcinha porque é só isso
que falta.
Ou pelo menos esse era meu plano.
Estava quase me afastando quando Tati me beija.
Na boca.
Daquele jeito bem suave e dengoso.
Quero comê-la, mas não quero interromper esse beijo.
Nunca mais.
A renda é delicada, não acho que precisa de muito. Enfio
meus dedos nela e rasgo o pano com único puxão. Tatiana geme
na minha boca e me encara assustada:
- Isso era mesmo necessário?
- Era sim. - prometo, enfiando-me de volta na sua boca.
O jato de água envolve nós dois. Fazendo pesar meus
cabelos e os dela. Minhas mãos em seu rosto, preservando o
beijo enquanto afasto as mexas molhadas para fora do meu
caminho.
Eu lembro de ter tido um ou dois beijos ruins na minha
vida. Mas, no geral, eu sempre achei todo beijo bom. Nunca
tive muitos requisitos nesse assunto.
Até hoje.
Até essa mulher e esse chuveiro.
Ela movia a língua macia como se me experimentasse no
começo de uma refeição. Arranhando meu peito e gemendo
baixinho. Seus suspiros na minha boca fazendo meu arrepio se
espalhar até explodir em meu pau.
Dizer que aquele beijo era "bom" parecia uma ofensa.
Comparar aquele beijo com todos os outros que tive na
vida era uma vergonha.
Afasta-se e coloca dois dedos sobre meus lábios, eu os
chupo devagar mas ela os mantém ali e os lambo com vontade.
Ela os leva pra bocetinha, assisto suas pálpebras pesarem
quando ela se bolina casualmente. Como faria se eu não
estivesse ali. E é uma pena mesmo que eu não estivesse sempre
ali pra assistir a Tati se masturbar sempre que ela fizesse
isso. Porque está aí uma demonstração que deveria mesmo ser
assistida.
- Quer que eu faça isso um pouquinho? - imploro,
escorrendo meus dedos por suas curvas.
- Shh, não. - ofega - Quieto.
- Deixa, por favor. Tá querendo ficar molhada mais rápido
pra eu te comer, é?
- Não. - geme - Isso é só lazer… eu ainda estou molhada.
- Desde a casa da Pamela? - sorrio, provocando.
Ela geme uma concordância que faz minha brincadeira
morrer, porque fico tão duro que não tenho sangue pra mais
nada nessa vida.
- Vim molhada o caminho inteiro. E… você não usou
camisinha… ainda to bem molhadinha do teu leite.
Eu engasgo.
Vou morrer.
Vou morrer aqui nesse chuveiro no meio do banheiro.
Mas ela ainda continua:
- Acho que ainda to sentindo um pouquinho dele aqui no
meu grelinho, deixa o carinho mais gost…
Eu coloco minha palma na sua boca. Agarro seu rosto quase
inteiro na minha mão impedindo que ela continue.
- Tatiana, cala a boca, pelo amor de Deus. Eu vou gozar
antes de te comer, tem piedade de mim.
Piedade, no entanto, é uma coisa que ela claramente não
tem, porque coloca a língua pra fora e lambe minha palma.
- Filha da… Vai ser assim, então? - rosno.
- Vai. - murmura, mordendo o lábio, erótica.
Ergo seu joelho e me enfio nela. Até o talo. Até raspar
minha virilha no seu grelinho.
É
- Deixa eu te dar mais um pouquinho, então. É assim que
você gosta? - estoco com força, seu olhos revirando-se
enquanto ela tenta sufocar gemidos mudos.
Acena uma porção de vezes antes de agarrar meus ombros e
sorrir:
- E você? - geme, move-se no meu pau com um rebolado
infernal e me aperta dentro de si de novo - É assim que você
gosta?
- Tati, para. - choramingo.
- Ou vai gozar antes de mim? De novo? Que vergonha,
Spence.
Mordo meu lábio segurando uma gargalhada furiosa.
E é mais ou menos aí que perco minha misericórdia.
Me enfio em Tatiana com violência. Com cólera.
Agarro seu outro joelho e ela desliza pelo box de vidro,
perdendo o apoio dos meus ombros. Tem um gritinho sacana que
logo se transforma em uma meia risada antes de voltar aos
gemidos. Agarra-se em uma das plantas para tentar manter o
equilíbrio mas a coitadinha é fraca e se quebra em seus dedos
gananciosos. Não há apoio. Por mais que ela procure outro
galho ou outro, arrancando plantas até a raiz enquanto busca
se sustentar… está a minha mercê agora. O vidro balança com a
agressão dos meus golpes e eu temo quebrá-lo e terminar a
noite entre cacos. Mas trouxe, nós dois, até aquele limite
ínfimo antes do prazer, em que mais nada parece importar.
O beijo, os dedos em meus cabelos, o impacto da minha
carne dentro dela. Tatiana grita meu nome. Alto. E muito. Eu
tenho um sorriso molhado na sua boca. A festa inteira ouviu
que eu estava te comendo, então. O Marcus ouviu.
Melhor assim.
Bem melhor assim.
Atinge sua crise apertando as coxas e tremendo em minhas
mãos. E eu mal consigo esperar que termine a sua para
alcançar a minha.
Me falta ar quando termino.
Preciso sentar.
Preciso deitar.
O jardim no chuveiro de Tatiana está morto.
E eu também.

***************
Tatiana

Ele me trouxe pra cama mas está beijando meu pescoço de


novo. Enfiando a mão entre minhas coxas e provocando meu
clitóris.
Ã
- Você NÃO PODE estar falando sério!
- Que foi? - observa-me inocente, mas ainda tem um de
meus mamilos entre o polegar e o indicador.
- Você quer mais? Como aguenta ir de novo? Homens
precisam descansar!
Spencer tem um sorriso imenso.
- Eu disso pro seu amigo, não disse? Vinte e três anos de
idade, querida. - me beija - Estou só começando.
- Pois eu tenho trinta e seis e preciso dormir!
- Tem certeza?
Ele tem um biquinho adorável de moleque persistente e
desce seus beijos pelo meu corpo até encontrar meu clitóris,
mais uma vez. Lambidas. Beijos. Sussurros.
Como ele ainda aguenta?
Eu não sei.
Mas meu corpo já está no limite da sensibilidade.
Meu orgasmo não demora mais de cinco minutos até chegar,
como se fosse um pedido de desistência.
Spencer vem se enfiar em mim e seu movimento é tão bom.
Não é como Daniel tinha sido… só um movimento brusco do
quadril e nada mais.
Spencer me fode com o corpo inteiro. Enfiando-me no
colchão com um ondular delicioso que vai de suas costas
largas até suas coxas fortes, como se cada estocada quisesse
se enfiar mais fundo em mim que a anterior. Ele demora mais
dessa vez, demora tanto que estou pronta de novo.
Estou quase gozando.
Fecho os olhos.
- Isso… - geme, na minha boca - Mais uma vez, pra mim.
Vem.
- Deus… eu tinha esquecido como isso era bom!
- Vai ficar melhor… - belisca meu grelinho e o esfrega
com gosto.
Meu orgasmo, dessa vez, é violento. Assassino.
Arranca toda a vida que ainda me restava. Estou tão
cansada que é bem possível que tenha desmaiado com Spencer
ainda dentro de mim.
Estou sozinha quando acordo.
A luz invadindo o quarto por toda parte.
Não fechei as cortinas.
O relógio diz que são nove e meia da manhã.
Esfrego meus olhos e sinto minhas coxas doendo, sensíveis
e avermelhadas por toda a parte interna. Coitadas, há anos
não levavam uma boa surra.
- Spencer?
Silêncio.
Respiro fundo encolhida nos lençóis.
É.
Acho que faz parte, não é?
Levanto para tomar um banho. Um, de verdade. Mas assim
que saio do banheiro percebo que tenho companhia.
- Bom dia… - tem uma bandeja nas mãos.
Certo…
- Poxa, eu queria te pegar ainda na cama! Por que
levantou?
- Porque são dez horas da manhã!
- De um domingo!
- O que é isso?
- Café da manhã na cama. - ele tem um sorriso galanteador
e exagera no charme quando pisca um olho pra mim - É, eu sei,
eu sou incrível.
Estou confusa.
- A Annie fez isso? É domingo! Ela deveria estar em casa.
Spencer murcha com uma careta irritada.
- Eu fiz! Dá licença? - resmunga.
- Você… Por quê? Não… não precisava.
- A gente já conversou sobre isso! Sua cozinha é tipo um
parque de diversões.
- Que bom que se divertiu. - estou rindo quando sento ao
seu lado. Ele me dá um beijo.
Na boca.
É casual e… gostoso.
Estou tentando não entrar em curto-circuito pensando em
tudo que aquele beijo pode significar. E tudo bem porque a
bandeja está tão carregada de comidas que atrai minha atenção
e meu choque.
Ele engole um morango depressa erguendo o indicador:
- Pronta?
- Vai anunciar cada prato como eles fazem em restaurantes
chiques?
A pergunta parece interromper sua linha de raciocínio:
- Por que eles fazem isso?
- Não faço ideia! Eu fico doida que o garçom termine logo
pra que eu possa começar a comer.
- Estava escrito no cardápio! Você sabe o que pediu!
- Talvez seja pra massagear o ego, sabe? E explicar como
foi complicado. Que nem você vai fazer agora. - provoco,
apertando a risada.
- Você não tinha cardápio, não sabe o que tem aqui. -
defende-se vitorioso.
- Isso é um crepe, isso é geleia, omeletes… sopa?
- Ei, ei, ei! - abana as mãos - Não é "crepe". Não é
assim tão simples!
- Ah não? - pisco os olhos, esperando que ele caía em
contradição.
- Isso é crepe de chá verde com pedacinhos de morango,
pêssego e sorvete de baunilha. Não é "sopa", senhorita! É
bisque de vegetais assados em purê com mini sanduíches de
quatro queijos derretidos. Isso aqui é bacon defumado em
madeira de maçã! E o "omelete" é de salmão com mostarda de
wasabi e flocos de… ah cala a boca! - joga um travesseiro em
mim quando não consigo parar de rir.
- Não, não, continua! O omelete é com flocos de quê? A
comida nem está ficando fria enquanto você fala!
- Isso é um DESRESPEITO pela arte! - joga outro
travesseiro, mas eu não consigo parar de rir.
- A gente já pode comer ou só depois que sair no
Michelin?
- Eu vou levar comigo! - ameaça se levantar - Já que você
não quer!
- Eu quero! Eu quero! Desculpa! - eu o seguro, ainda
rindo.
A comida está deliciosa.
Quase mais deliciosa que o Spencer.
A concorrência é acirrada.
Deveria fazer isso.
Deveria cozinhar.
É bom nisso.
Mas sonhos são sonhos e eu não quero me meter nos seus.
Ele tem uma expressão curiosa quando acabamos de comer.
- Você quer que eu vá embora?
Seu tom é casual. Como se fosse perfeitamente capaz de
fazer qualquer coisa que eu pedisse sem pensar muito sobre
isso. Mas o modo como derruba a pergunta no meio da cama me
pega desprevenida.
- Só se quiser. - dou de ombros.
Ele acena devagar.
- E se eu quiser ficar?
- Então, fica. - sorrio - Mas fique avisado que eu
provavelmente vou te pedir pra fazer o almoço! - aponto pra
bandeja do café da manhã, elogiando seu talento.
- Tem carne de javali na sua geladeira! Você sabia disso?
CARNE DE JAVALI! Eu nunca cozinhei carne de javali antes!
Parece mais satisfeito com essa descoberta do que quando
lhe consegui um horário com a DeLucca, mas escolho não
apontar isso.
- Tem uma primeira vez pra tudo.
- Você não se importa?
- Se cozinhar pra gente? Não, claro que não. Sei que só
quer ficar porque se apaixonou pela minha cozinha.
- É claro! Isso e a morena pelada que é muito gostosa. -
me puxa pra mais um beijo e eu me permito enfiar os dedos nos
seus cabelos.
- Vai deixar eu me vestir?
Estreita os olhos, considerando.
- Vai deixar eu me vestir! - aponto - Eu preciso de um
descanso, Spencer!
- E a noite de sono foi o quê?
- Homem, piedade! - imploro.
- Tá, tá. - resmunga - Come, tudo! - avisa - Pra
recuperar as forças e eu te deixo se vestir.
Espreme os lábios de um jeito específico e é minha vez de
estreitar os olhos pra ele.
- Você quer voltar pra minha cozinha, não é?
- Eu ia fazer uma massa artesanal pra gente almoçar! -
exclama, parecendo uma criança pequena.
- Vai. - estou rindo.
- Tem certeza?
- Tenho! Eu já terminei aqui. Vou me vestir e fazer umas
ligações.
Dou um beijo em sua bochecha, mas ele me puxa para me
beijar a boca.
De novo.
E de novo.
Respira minha pele e geme baixinho antes de me deixar ir.
10. Vinte e três anos
- Quem te ensinou a cozinhar?
Ele aprendeu a usar o meu dispositivo na cozinha e já
montou uma playlist. Move os quadris de um jeito suave,
dançando entre seus ingredientes enquanto termina de preparar
sua massa.
- Meu tio! Ele gostava de fazer umas refeições enormes
pra família inteira no fim de semana.
- E esse tio é… pai do primo que você não gosta?
- Eu não disse que não gosto dele!
- Só roubava suas namoradas!
- De vez em quando. Mas é… não gosto dele. Aqui. - ele me
traz uma colher com um molho - Está quente.
Eu sopro antes de experimentar um pouco e…
- Meu Deus! - arregalo os olhos.
- Bom, não é? - sorri - Mais sal? Mais creme de leite?
- Não sei! Mas acho que está perfeito assim! É um dos
pratos que você faz no restaurante que trabalha? É italiano,
não é?
- É. Mas não. - ri - O Rodolfo não tem muito espaço para
culinária criativa.
- Que pena. Porque eu pagaria muito dinheiro para comer
esse molho e ficaria satisfeita.
- Eu recebo meus pagamentos com nudez, obrigado.
- Bom saber.
Experimenta um macarrão para testar o ponto da massa.
- Quase. - murmura sozinho. Assisti-lo cozinhar é
especialmente agradável porque ele não vestiu a camisa. Acho
que seria capaz de pagar ainda mais por aquele molho se isso
significasse um Spencer sem camisa. Respiro fundo e estou tão
perdida encarando seu corpo que não notei seus olhos
estreitos, julgando-me. Prendo a respiração porque acho que
fui pega, mas tudo que ele diz é:
- Posso confiar em você para lavar uns tomates?
- Acho que essa parte eu sei fazer. - aproximo-me.
- Só água fria, tá bem? Nada dessa gente doida que passa
detergente nas frutas e legumes.
- Só água fria.
Ligo a torneira e tenho a porção de frutas debaixo d'água
quando sinto o homem atrás de mim, com as mãos na minha
cintura, inspecionando meu trabalho.
- Eu consigo lavar tomates, Spencer!
- Eu sei. - beija meu pescoço - Estou só… sabe… - ele se
inclina e acho que está olhando pra minha bunda. Desce as
mãos pelas minhas curvas para me beliscar e aí eu tenho
certeza - Acompanhando de perto.
- Tomates são bem importantes pra você, não é?
- São a parte mais importante do prato. De verdade. -
cola a virilha na minha bunda e eu teria que estar removida
da realidade para não perceber seu sarro desavergonhado.
- Presta atenção no seu macarrão, pra não perder os
pontos.
- Eu tenho uns minutos. - seu toque na minha cintura,
subindo para a base dos meus seios - Dá pra fazer um bocado
em uns minutos.
- Dá mesmo! Podemos conversar um monte! - tento empurrá-
lo para trás com meu quadril, mas o truque se volta contra
mim quando ele agarra meu corpo e se choca de volta contra
minha bunda como se estivesse me comendo por cima da roupa. O
sarro, que já não era discreto, torna-se absolutamente
explícito quando Spencer roca o pau em minha bunda, gemendo
bem baixinho, fazendo-o enrijecer. - Por que decidiu
cozinhar? - arrisco, rindo de sua tara evidente.
- Sei lá. - belisca meus mamilos e eu começo a ficar
molhada - Conta pra mim, de novo, como você ficou bem
molhadinha com meu leite.
- Gostou daquilo, han? Mas eu não repito figurinhas, meu
bem.
- Então me mostra uma nova?
- Por que não me conta sobre sua família e termina de
cozinhar? Vamos ver se a gente consegue passar algumas horas
sem falar de sexo.
- Tá certo. - sussurra, mas escorrega a mão entre minhas
pernas e enfia um dedo fundo na minha carne.
- Spencer! - surpreendo-me, sentindo-o bem gostoso.
Inclino-me contra o balcão e estou prestes a fechar os olhos
quando ele tira o dedo.
Chupa-o todinho. Fechando os olhos ao sentir meu gosto.
- Será que dá pra colocar isso no molho?
- Não acho que é higiênico.
- Então eu quero mais um pouquinho. - enfia o dedo em mim
de novo fazendo-me sufocar um grito agudo de surpresa. O
jeito como move o dedo arqueado dentro de minha carne me faz
beirar a perda da consciência. - Gosta assim, não é? - eu
confirmo com a cabeça, mas não consigo responder - O quê?
Vamos… você não disse que queria conversar? Eu te fiz uma
pergunta. - ele me fode com dois dedos agressivos, meu gemido
é alto e claro - Gosta assim?
- G… gosto.
- Gosta. Mhm. E vai me contar sobre a tatuagem?
- O… o quê?
Ainda estou inclinada sobre o balcão, ergue minha saia
expondo minha bunda e estala um beijo em uma das bochechas
antes de descer minha calcinha.
- A sua tatuagem? Por que começou a remover e desistiu?
Ainda estou curioso.
- Não acho que… não acho que é o melhor… momento…
- Teve alguma coisa a ver com o Marcus?
- Não! - não é mentira.
Mas não é verdade.
- Hm. Melhor ass… - ele está no meio da palavra quando
enfia os dedos entre as bochechas da minha bunda até resvalar
em um ponto bem específico que me causa um sobressalto de
susto. Ele trava, sorrindo em minha orelha - Sério? - ri -
Nunca experimentou? Nunquinha? - derrete as sílabas, rouco e
morno, perdendo-se em uma fantasia muito específica.
- Spence… - peco.
- Tudo bem! Tudo bem… - leva a mão de volto ao meu
clitóris, mal me provocou por um instante e eu já estou
gemendo incongruências - Bom assim? - pergunta.
- É tão melhor com os dedos.
- Em comparação a…?
- Vibradores. - explico - Acho que estive usando
vibradores por tempo demais.
- É? - belisca bem apertadinho, fazendo-me gritar - Mas
eu sei que você prefere mesmo de outro jeito. - raspa as
pontas dos dedos por toda minha entradinha encharcada. Uma
carícia bem leve e despretensiosa exatamente como me atrevi a
confessar, uma vez.
Preciso que me foda.
Estou beliscando meus próprios mamilos e esfregando minha
bunda contar sua virilha.
- Spencer… por favor.
- Mas já? Achei que você queria descansar.
Seus dedos fazem cócegas em minha boceta, torturando-me,
contorcendo-me, enlouquecendo-me.
Deve ter abaixado as calças e cueca porque o que sinto
entre minhas coxas, sem dúvidas, é seu pau nu.
- Por favor.
Ele sorri, mordiscando-me. Ininterrupto em suas carícias
de tormento.
Ele vai continuar até me matar.
- Foi por causa do Marcus. - ofego.
- O quê? - ele para.
- Ele dava em cima de mim e eu… eu queria muito que ele
me comesse.
Spencer fica imóvel e em silêncio por dois segundos
completos.
E aí eu sou rasgada pela sua ereção. Enfia-se em mim bem
fundo, sem qualquer piedade.
- O que foi que você disse?
Estou salivando sobre a pedra do balcão.
Sua estocada é firme. É punição.
- Eu disse… - engulo em seco tentando reunir o ar - que
eu queria. Ele… flertava comigo, eu estava tão solitária no
meu casamento e queria que me comesse. Às vezes… - murmuro
baixinho - queria muito.
- Filha da…
Spencer morde a risada porque sabe exatamente o que eu
estou fazendo. Mas saber o plano não é capaz de impedir sua
eficácia e ele me fode como se quisesse me matar.
Minhas coxas, ainda sensíveis da noite anterior, ardem
com o estalar pesado do movimento dos nossos quadris.
A mão larga e impiedosa me agarra pelos cabelos, me puxa
para longe do balcão e contra seu torso. Agarra-me pelos
peitos e me mantem bem apertada diante de si enquanto rosna
em meu ouvido.
- Ele dava em cima de uma mulher casada? O escroto de
merda?
- Acho que ele queria muito me comer também. - provoco e
Spencer se enfia em mim como se quisesse me calar a boca pela
boceta.
Funciona.
Porque eu estou gemendo como uma cachorra.
- Não. - rosna, rouco. - Não. Me ouviu?
- Nunca aconteceu. - gemo - Era só uma fantasia. -
sussurro, mal conseguindo respirar - Às vezes, eu pensava
nele enquanto fazia isso aqui… - desço a mão pelo meu
estômago, mas Spencer sequer permite que eu alcance meu
clitóris. Levo um tapa na mão e ele assume meu grelinho antes
que eu tenha qualquer ideia.
- Mas nem aconteceu e nem vai acontecer. - treme - Aquele
ali não tem potência pra te deixar satisfeita.
- É? E você tem?
- Isso, Tatiana. Me provoca. - ralha, furioso - Amanhã
você não conseguir sentar.
- Por quê? Você vai ligar pro Marcus pra ele vir me
foder?
Spencer está rindo na minha pele. Seu hálito morno e
gostoso. Eu me inclino contra seu peito, desabotoando minha
blusa para expor meus seios.
- E eu achei que você era certinha. Eu estava errado pra
cacete.
- É a idade. - provoco, rindo - Você ainda é muito
novinho pra saber certas coisas. - aperto meus mamilos nus e
mordo sua orelha.
O gemido de Spencer é um murmúrio de dor e aflição.
- É, vagabunda? - lambe minha língua - Vou te mostrar a
parte que eu sei, então.
É com ímpeto que ele me come. Com uma força e resistência
que só cabe aos saudáveis e jovens. O impacto faz fraquejar
minhas coxas e eu logo estou inclinada contra o balcão mais
uma vez, enquanto ele me toma a boceta e enfia a mão entre as
bandas da minha bunda para me bolinar em um local que já
descobriu ser sensível.
Eu me afasto, de susto, mas ele me mantém bem presa a si.
- Não vou colocar. - promete - Mas experimenta só um
pouquinho.
Ele faz o que prometeu: nada é colocado em lugar algum,
mas ele provoca as imediações por toda a parte.
O mesmo carinho suave e superficial que me enlouquece em
pornô, agora sendo dedicado a outra parte do meu corpo. E
entre o pau imenso dentro da minha carne, aquele dedo
provocante e a ideia maravilhosa de algo absolutamente novo e
proibido… estou perdendo a razão.
Fechei os olhos e nem me incomodo mais em controlar os
gemidos.
Nem escuto quando meu telefone toca e só percebo que foi
isso que ele fez porque Spencer ri.
- Olha só… bem na hora…
A tela brilha com o nome do Marcus, estico o braço para
recusar a ligação, mas teria feito melhor se apenas tivesse
deixado tocar porque, na angústia dos calores, apertei o
botão errado e não apenas atendi como o fiz no viva-voz.
Spencer me atinge com um impacto audível e meu gemido é
em volume comparável.
- Ahn… Tati? - a voz do outro lado da linha.
- O… oi. Marcus.
- Você está ocupada?
- Um pouco. - confesso, em sofreguidão e Spencer me morde
pra esconder a risada - Posso ligar d… depois?

É
- É rápido. - anuncia soturno - Eu só queria me desculpar
pelo meu comportamento, ontem. Acho que realmente bebi demais
e nada justifica o modo como… - Marcus começa um longo e
elaborado pedido de desculpas. Tenho certeza que usou todas
as melhores palavras e quer seria capaz de tocar o coração de
qualquer um que estivesse ouvindo.
O problema é que eu, no caso, não estava.
Tudo que eu conseguia ouvir eram os sons altos de sexo,
causados por um Spencer que parecia mais e mais intencionado
em fazer o homem do outro lado da linha ouvir o que estava
acontecendo.
- … posso te levar pra almoçar?
Eu ainda estou perdida.
O ritmo que nossos corpos encontraram é tão bom.
Aquele pau grosso e rígido tomando-me é tão bom.
O toque pesado no meu corpo mantendo-me presa contra a
pedra fria é tão bom.
Mas aquele dedo… aquele dedo é o que me causa calafrios.
Eu vou gozar.
E o homem que me fode como se eu fosse de pano sabe
perfeitamente disso.
Belisca meu clitóris uma última vez.
- Tati?
- Hm… hm… hm?
Estou tentando não gemer.
Estou tentando fingir que não são gemidos.
- Almoço amanhã?
- Sim. Amanhã. Claro. Sim. Sim. - eu desligo a ligação
enquanto ainda tenho forças, porque minhas afirmativas são
cada vez menos para Marcus e cada vez mais para Spencer.
Ele explode, me enchendo de gozo mais uma vez, beliscando
as pontinhas dos meus peitos enquanto me chama de vagabunda.
Eu gozo até não sentir mais minhas pernas.
A água evaporou por completo e o macarrão de Spencer
queimou.
Não acho que nenhum de nós dois se importa.

***************

- E então?
Pamela mal espera que eu sente. Tem duas taças sobre a
mesa e ela já começou a beber sem mim.
- Pam… - eu gemo - Meu. Bom. Deus.
- Bom assim, han? - seu sorriso é imenso. Quase uma
gargalhada.
- Vinte e três anos é uma idade maravilhosa.
- Eu te disse! Quantas vezes eu já te disse!
- E você estava certa! - eu aceito a taça de seja lá qual
for o vinho que ela já escolheu para nós duas.
- E onde está o garanhão?
- Voltou pra casa, a contragosto. Eu disse que tinha
planos de te encontrar!
Pamela parece absolutamente horrorizada.
- Amiga! Se eu soubesse que a alternativa era sexo, tinha
cancelado tudo!
- Eu sei! - estou rindo - Mas… eu precisava de um
descanso.
- Ah! - ela acena, em divertida compreensão - Vinte e
três anos.
- Vinte. E três. Anos. - dou mais um gole no vinho. Assim
que afasto a taça dos meus lábios sei que tenho um sorriso
imenso.
Ela está em silêncio. Seus olhos azuis parecem curiosos,
entretidos… tentando colocar em palavras algo que ela já deve
ter percebido desde o segundo que cheguei no bar.
- Você parece bem. - é tudo que diz.
Aperto meu sorriso quando aceno de volta.
- Eu me sinto bem.
- Orgasmo seguidos fazem isso com a pessoa. - pisca um
olho - Eu quase me sinto mal em perguntar sobre o Marcus, mas
acho que preciso fazer isso.
- Ah… ele ligou mais cedo. - sinto minhas bochechas
esquentarem e sei que Pamela está derrubando todo seu olhar
clínico sobre minhas mudanças de humor - Pediu desculpas e me
chamou pra almoçar amanha.
- E você disse o quê?
- Eu aceitei.
- Aceitou? Tati, ele foi um imbecil, ontem.
- Eu sei, mas ele ligou pra pedir desculpas. E desconfio
que esse também é o motivo do almoço.
- Eu achei que você não queria mais ficar a sós com ele,
a não ser que envolvesse um filme ou espetáculo ou qualquer
coisa que não fosse… - ela gesticula - só vocês dois. E
comida. E conversa. E bebida. E sozinhos. Só… vocês dois. -
ela continua, mas eu já entendi o que quer dizer três ênfases
atrás.
- Ele está indo embora, Pam. Não queria lhe dar abertura
para dizer certas coisas mas também não quero que vá embora
como… um estranho. Ele é um amigo que bebeu demais e fez uma
besteira.
- Uma besteira horrível e quase imperdoável, se me
perguntar.
- Nunca imaginei que você iria se incomodar com dois
homens brigando.
- Ah, não, essa parte foi ótima! Foi a parte em que ele
te ofendeu e teve um ataque machista que me incomodou. Não
sabia que ele tinha isso em si.
- Eu também não. Mas vou culpar a bebida. - sorrio.
Ela ainda me observa.
Morde o cantinho do lábio como se tivesse… pena?
Revira os olhos por um instante, lutando com as ideias,
antes de respirar fundo e:
- Bebida não cria monstros, Tati. Só liberta os que já
existem.
- Está dizendo que eu não deveria perdoá-lo?
- Estou dizendo que deve ter cuidado.
- Pamela! Há um mês você estava defendendo arduamente que
eu deveria me jogar na cama do Marcus. Ou… perdão! Que eu
deveria me jogar em qualquer cama pra me preparar pra cama do
Marcus!
- É! E eu também te disse que eu sou doida e que é pra
ouvir meus conselhos com moderação! E, não sei, Tati… O jeito
como o Marcus estava ontem. Eu… chame de instinto, se quiser.
Tem algo errado ali.
- Finalmente chegou a hora dele perceber que não vai
acontecer nada entre nós dois. É isso que está errado ali.
Ele vai precisar de um segundo, talvez. Mas não acho certo só
dar as costas para um cara que foi meu amigo por tantos anos.
Eu vou almoçar com ele, vou escutar seu pedido de desculpas e
vou lhe dar adeus. E é isso.
- "Adeus"? Então desistiu mesmo dele?
- Por Deus, mulher! Não é justamente isso que está
sugerindo que eu faça?
- Sim, mas você aceitou bem depressa. E pode negar pra
quem quiser, mas eu sei que tinha algo aí… entre vocês dois,
por muito tempo!
Dou de ombros.
- As coisas mudam.
- Hm. - acena - As coisas mudam? Ou o Spencer mudou as
coisas? - sorri.
- Um pouco de cada? - tento controlar o sorriso, mas não
sei se consigo.
- Não consegue nem ouvir o nome dele sem sorrir! - bate
palmas - Meu Deus, amiga! Não está apaixonada tão rápido,
está? - brinca.
Eu tenho uma risada de desdém que soa um pouco mais
desesperada do que eu gostaria.
O barulho é suficiente para fazer Pamela pausar. Seu
queixo cai e ela o empurra ainda mais pra baixo como que de
propósito.
- Não estou apaixonada. - aviso.
- Ai meu Deus! - é tudo que ela diz.
- Não estou!
Pamela tapa a boca com as mãos, não tira os olhos de mim
e acho que está quase gargalhando.
- Ele me chamou de "meu amor" e fica todo cheio de
carinho, às vezes! Mas eu não correspondi em nada!
Eu digo as palavras como um escudo para me defender dos
julgamentos dela mas, por alguma razão, elas soam cruéis e
ocas.
Ele me chamou de meu amor.
Ele me trata com carinho.
E eu ignorei seu chamado e fiz questão de não retribuir.
Não acho que estou apaixonada por ele, mas… gosto dele.
Por que não me permiti gostar dele e deixar que ele
soubesse disso?
Termino o vinho.
Pamela está rindo e dizendo algo sobre como nós temos que
beber a noite toda para comemorar o fim do meu luto ou algo
que o valha. Mas eu sei exatamente como cortar sua alegria.
- E agora que já investigamos toda a minha vida, que
horas vamos começar a falar da sua?
- O que tem a minha?
- Você e Julia?
- Ah. - é a vez dela ter um sorriso modesto - Aconteceu.
- dá de ombros.
- "Aconteceu"? Só isso?
- Se quiser os detalhes do meu sexo, vai ter que me
contar os detalhes do seu, Tatiana.
- Eu não perguntei isso! Estou preocupada com ela!
- Com ela? COM ELA? E não comigo?
- Por que eu estaria preocupada com você?
- Porque… porque… - ela incha e tem as bochechas muito
vermelhas. Os lábios apertados e furiosos, esmagando palavras
que ela ainda não decidiu se é uma boa ideia compartilhar. Os
seios no seu decote subindo depressa quando ela prende a
respiração.
- Ai meu Deus. - é minha vez - Você está apaixonada pela
Julia?
- Não, Tatiana. Deixa de ser ridícula. Você acha que eu
me apaixono tão fácil? E ainda por cima por aquela ali.
- AI MEU DEUS! Pamela!
- Shhh, quieta!
Encho as duas taças de volta porque acho que ela está
certa: vamos mesmo precisar beber a noite toda.
E é exatamente isso que fazemos. A taça de vinho vira um
par de drinks que vira outra taça de vinho que vira outro par
de drinks.
Acho que estamos falando muito alto.
Acho que eu fiz um brinde ao "SugarLuck".
Acho que Pamela me disse que esse não era o nome.
Acho que falamos de amor e de sexo e de livros e de
projetos e de cruzeiros e de amigos que queriam ser namorados
e namorados que não eram bons amigos.
Mas, em algum momento, acho que comecei a pensar no
Spencer.
Não só nele, mas no que me disse.
"Meu amor".
Foi um ato falho, com certeza. Mas ainda assim, ele tinha
sido bem mais aberto e espontâneo que eu. Tinha sido mais
carinhoso e receptivo.
E eu… eu queria aquilo, não era? Desde que o Daniel me
abandonou mesmo antes de nosso casamento terminar em sua
morte. Eu queria carinho. Queria companhia. E ali estava
Spencer oferecendo as duas coisas e eu não lhe disse que
gostava dele.
Não disse nem ao menos que o achava gostoso.
Algo que, me minha mente ébria parecia ainda mais
importante do que a parte do gostar.
Ele quase me fez gozar desde a primeira vez que me tocou.
Me deixou louca no provador. Me deixou molhada no meu closet.
Eu nunca disse isso pra ele.
Acho que eu deveria dizer.
- Pam, eu preciso ir! - interrompo algo que ela estava
dizendo e que, para ser sincera, não acho que eu estava mais
ouvindo.
- Vai pra onde?
- Tchau, amiga! - eu pago a conta. Eu acho.
Não! A gente tem uma conta aqui! Eles cobram no cartão.
Eu vou embora.
Ela deu um tchau pra algum cara perto do balcão e ele
veio ver se o "tchau" era um "olá".
E eu vou embora.
Tenho uma péssima ideia na cabeça e quero muito mesmo
executá-la.
***************
Spencer

Acho que são onze horas da noite.


Eu estava considerando dormir quando escuto batidas
erráticas na minha porta.
É possível que o Eric tenha esquecido a chave. Não sei se
isso já aconteceu antes, mas tem uma primeira vez pra tudo?
Abro a porta sem camisa, achando que pode ser meu colega
de quarto e descubro que é minha mulher.
- Você é muito gostoso! - ela diz.
- Boa noite. - sorrio.
Eu já estou com saudade dela?
Como?
- Muito muito muito gostoso! - acrescenta com
intensidade, entrando na minha sala.
Está usando um vestido escuro, preto e cinza, desses bem
coladinhos no corpo, acompanhando todas as suas curvas bem
doces e fartas. Um desses vestidos que te faz ter certeza que
a mulher sabe que é gostosa, mesmo que a deste caso insista
em não fazer ideia.
- Você está bêbada?
- Sabe aquele dia que a gente se agarrou dentro do
provador? Que você veio com aquela lorota de "ahh é só pra
ficar a vontade com um cara" - exagera na falsidade da voz -
Mas queria mesmo passar a mão em mim?
- Está bêbada. - decido.
- Pois eu queria muito te lamber! Ali mesmo.
- Está muito bêbada. - estou rindo porque não há
salvação.
- Teu corpo, Spencer… - se abana - Não dá, sabe? Não dá.
E aí, no outro dia, no meu closet… Eu quero água. Aqui é a
cozinha?
- É. - ainda estou rindo - Eu pego pra você.
- No outro dia, no closet, lembra?
- Lembro.
- Que você colocou os dedos em mim? Lembra? Spencer?
- Lembro!
- Aquele dia… Spencer! - ela segura meu braço - Aquele
dia foi muito bom. - fecha os olhos - Eu ia gozar. Cheguei
pertinho assim! - mal separa o polegar do indicador - Aí a
Julia chegou e eu precisava que você acabasse logo ou
acabaria comigo.
- Mas eu adoro acabar com você.
- Eu sei! E você faz isso muito bem, viu? Eu vim te dar
os parabéns! E dizer outra coisa… - estreita os olhos
tentando lembrar.
- Dizer que eu sou gostoso?
- ISSO! Você é gostoso! Tchau! Boa noite!
- Você não vai querer a água? Meu Deus, mulher! Eu te
levo até o carro! - procuro minha camisa - A Lu está lá
embaixo?
Ela para.
Olha ao redor, confusa.
- Não. A Lu… não sei cadê a Lu.
- Não sabe cadê a Lu? E veio pra cá como?
- Táxi! Não! O outro!
- Uber?
- Não sei. Talvez um táxi.
É
- Hmm! - aceno - É, não vou te deixar voltar pra casa
sozinha.
Ela senta no meu sofá e passa a mão no tecido.
- Esse sofá é bom. Confortável.
Ela vai pegar no sono no carro.
- Por que não fica aqui? - convido.
- No sofá?
Estou rindo.
- É. Fica aí. - reviro os olhos.
Deixo ela entretida com os itens espalhados sobre minha
mesa por um único instante enquanto faço o café mais forte
que minhas posses me permitem.
- A cafeteira que o Eric ganhou não é tão boa quanto a
sua, mas vai servir!
Tinha dois croissants na geladeira que eu não estou muito
certo da procedência… então só joguei uma fatia de queijo em
um pão e levei também. Se eu me demorar fazendo algo mais
rebuscado, ele dorme no sofá mesmo.
Bebe o café e come o sanduíche.
- Eu estou muito bêbada?
- Está. - sorrio, tirando seus cabelos dos olhos.
Ela aperta um sorriso envergonhado, mas ainda tem um
brilho nos olhos.
Você é muito linda, Tatiana.
Será que faz ideia?
- Como foi com a Pamela?
- Ela e a Julia estão apaixonadas!
- Ah! - estou rindo - Faz sentido.
- Não sei! Eu me preocupo com a Julia. Ela é tipo eu. E a
Pamela é tipo você. - estreita os olhos.
- É? Como assim?
- Toda… erótica e tudo o mais.
- E é isso que eu sou? - estou rindo muito.
- Ela não sabe cozinhar! Mas fora isso…
- Hm, claro. Mas a parte da comida é bem importante. E
bebe mais do café. - aviso e ela obedece fazendo uma careta
de malcriação.
- Você parece ser tão apaixonado por comida. Sempre quis
ser ator? E modelo?
- Sim! Sempre. Desde que consigo me lembrar. Sempre achei
que ia ser bom nisso. Agora… pra ser sincero, não tenho mais
tanta certeza.
- Não deixe a concorrência destruir sua auto confiança.
- Não é isso. É só que… É a coisa dos floco de neve, não
é?
- Que coisa dos flocos de neve?
- Todo mundo quer ser único. - sorrio - Eu nunca tive
nada especial. Então eu sempre pensei que talvez isso fosse o
meu "algo especial". Isso seria a coisa para a qual eu teria
um dom. E tudo seria fácil e daria certo. Acho que eu estava
errado. Talvez eu não tenha um dom pra isso.
- Pode mudar de ideia se quiser, sabe disso, não é? -
balança o pedaço do sanduiche no ar.
- Você também pode mudar de ideia sobre a tatuagem, sabe?
- Quer mesmo saber a história dessa tatuagem, não é?
- Quero! - estou rindo - Mas não hoje. Quando você
acordar. Se ainda achar que deve.
Ela engole em seco e parece tímida por um instante.
- Vou me arrepender de ter vindo pra cá, amanhã?
- Acho que vai, mas gostaria que não se arrependesse.
- Ah é?
- É. Gostei que tenha vindo.
- Mesmo que atrapalhe sua noite de domingo?
- Não tinha "noite de domingo" antes de você chegar.
Ela arregala os olhos como se minha resposta tivesse sido
incrível.
Eu concordo.
- Boa.
- Obrigado. Quer tomar um banho?
- Quer tirar minhas roupas?
- Serei um perfeito cavalheiro, se quiser minha ajuda.
- E se eu não quiser que seja um cavalheiro?
- Serei um cavalheiro, mesmo assim, porque você bebeu
demais. Vem.
Tiro suas roupas e me certifico que está bem, ela prende
o cabelo em um coque improvisado no topo da cabeça que deixa
uns fios longos caindo pela sua pele molhada e eu tenho
palpitações.
Cavalheiro, cavalheiro, cavalheiro.
Saio do chuveiro para a toalha que tenho nas mãos e eu a
enrolo depressa.
Passa as mãos pelo meu peito, mordendo a ponta da língua.
Eu fico duro porque sou humano.
- Nem pense nisso. - lembro - Eu prometi que seria um
perfeito cavalheiro.
- Então por que está duro? - provoca.
- Porque estou vivo. - resmungo - E você é gostosa pra
caralho.
Ela ri e deixa que eu termine de secá-la antes de enfiá-
la em uma de minhas camisetas.
Deita na cama, ainda úmida.
Fica ali por um instante, me embalando. Deixando que eu a
embale.
Mas parece ter um pensamento preso dentro dela. Algo que
a está incomodando talvez desde que chegou. Ou talvez antes
até. Toca meu peito e apesar de olhar ao redor não parece
estar observando nada em particular. Sua análise é quase
meditativa. Contemplativa.
Respira fundo e aperta os olhos bem apertados.
- Eu me… desapaixonei pelo meu marido.
- Você se…?
- Não sei se faz sentido. - murmura devagar. Sua
respiração é lenta e pesada, como se ainda não tivesse
decidido ainda o que vai dizer ou nem ao menos SE vai dizer -
"Se desapaixonar". Mas é muito parecido com se apaixonar.
- Só que ao contrário.
- É. - ri, mas tem uma porção de dor ali - Em algum
momento eu acho que deixei de amá-lo. Ele deixou de ser meu
marido, tornou-se um amigo e, depois de um tempo, acho que
deixou de ser isso também. Era só um conhecido. Um cara que
morava na minha casa e dormia na minha cama. E eu… eu me
tornei o mesmo pra ele. Eu fiquei muito, muito, solitária em
meu casamento.
Eu aceno devagar porque entendi o que ela está fazendo.
- É por isso que tirou a tatuagem? Tati, não precisa me
contar isso agora. Eu sei que esteve bebendo e…
- Estou melhor. - promete baixinho - Eu quero te contar,
quero… contar pra alguém e acho que se não fizer isso agora,
não faço nunca mais.
Respiro fundo.
Aperto seus braços e procuro sua mão.
- É complicado, sabe, Spence? Quando você vê seu
casamento acabar, de dentro. É diferente de ver o casamento
de outra pessoa acabar, de fora. Você sempre acha que tem uma
saída fácil ou que faria tudo de outro jeito, até acontecer
com você. Eu não o amava mais, mas um divórcio é uma
cirurgia. É algo sério e definitivo, não é algo que você faz
levianamente. Ou pelo menos, não para mim. E, mais que tudo,
era um sentimento de fracasso. Como se o fim de um
relacionamento fosse uma derrota, mesmo que… - esfrega a
própria testa. - mesmo que não seja. Meu Deus… o fim de um
relacionamento pode ser um sucesso enorme, não é? Mas é tão
difícil perceber isso, quando está acontecendo com você. Eu
só sentia que deveria insistir mais um pouco, a desistência
seria um fracasso. Mas o Daniel também não me amava mais. A
Música era sua esposa. Ele a amava mais a cada dia. O piano,
o violino… Eu era um acessório. Como a gravata ou o relógio…
um coisa que ele usava mas que dificilmente era essencial. Eu
era só a mulher que morava na sua casa e dormia na sua cama.
- Foi aí que começou a tirar a tatuagem.
Ela confirma.
- Isso e o Marcus.
- O Marcus? - ergo as sobrancelhas.
- Ele… me via. De um jeito que meu marido não me via
mais. E eu sei que era casada, e que ele era casado. Deus,
Spencer. Não me orgulho disso, pelo contrário, me envergonho.
Muito. Mas… eu gostava. Nós nunca fizemos nada! - garante,
enfática - Nada… físico. Mas os flertes eram… por mais que eu
fingisse que não via, para preservar minha própria
moralidade… era só hipocrisia. Eu… eu sabia o que ele estava
fazendo. Quando ele me olhava cheio de sugestão, ou quando um
toque demorava demais. Quando fazia comentários inapropriados
sempre seguidos de um aviso de que estava só brincando,
quando eu sabia que não estava. E eu… gostava. Eu estava tão
sedenta por atenção que a aceitei de qualquer lugar. Isso faz
de mim uma pessoa horrível?
- Não. Tati… eu não estou julgando.
- Hm. - aceita, respirando muito fundo - Bem… - ergue o
ombro - Seja como for, os comentários de Marcus se tornaram
mais insistentes. E eu me permiti… imaginar como seria se eu
me divorciasse de Daniel e…
- Ficasse com ele? - meu estômago embrulha.
Não sei se consegui disfarçar a careta de nojo, mas
quando ela confirma eu paro de tentar.
Esconde os olhos nas mãos.
- E aí o dia da música…
- Música?
- Beethoven. Opus 27, número 2. - sussurra, mas não acho
que é para mim. Acho que está falando sozinha - Terceiro
movimento.
- O que tem a música?
- Foi o dia que eu decidi me desfazer da tatuagem. No dia
que fiquei ali, sentada, ouvindo aquela música horrível. -
diz a última palavra com um rancor que eu nunca tinha visto
antes - E eu ia tirá-la inteira! Arrancar até minha pele se
fosse preciso, mas… aí ele morreu.
- Ah. - entendo - E aí desistiu?
Ela acena, devagar.
- Parece errado, agora. Ele não pode mais tirar a dele.
Então, talvez eu também não devesse mais tirar a minha.
Parece fraca quando termina a frase.
Mas, ao mesmo tempo, parece leve.
Fica em silêncio enquanto eu faço carinho nos seus
cabelos. Um cafuné bem lento para substituir as palavras
porque não sei se há algo que pode ser dito. Adoro que ela
tenha confiado em mim mas, ao mesmo tempo, sei que se a
bebida influenciou nessa decisão é possível que a ressaca
moral do dia seguinte a atinja com força.
Beijo sua testa.
Vou fingir que não me disse nada.
Vou esquecer todas as palavras e deixar que me conte de
novo, um dia, se quiser.
Não sei quanto tempo se passou, mas sua respiração está
mais delicada agora.
Eu a puxo para os meus braços quando ela suspira, quente,
parecendo estar quase pegando no sono.
Agarro sua cintura trazendo-a para bem perto.
- O que está fazendo? - ri - Quer dormir de conchinha, é?
- Eca, não. - exagero e ela ri mais alto - Só quero essa
tua bunda na minha virilha.
- Hmm. Claro! - brinca.
Eu a abraço.
Quente.
Adorei que tenha vindo.
Adorei tanto.
Acho que coloquei mesmo sua bunda contra minha virilha,
mas eu sequer percebo.
Porque enfiei o nariz nos seus cabelos e peguei no sono
respirando seu perfume.

***************

Ela amarrou a porra do cabelo em um rabo de cavalo de


novo.
- Bom dia.
Tati se encolhe estreitando os olhos e ao invés de "bom
dia" tudo que diz é:
- Me desculpe.
- Hm… - aceno - Se arrependeu de ter vindo. - compreendo.
- Não, eu… eu fui inapropriada! Não deveria ter…
- Ei! - pego sua mão e beijo o canto da sua boca. Espero
que ela sorria antes de beijá-la mais uma vez - Adorei que
tenha vindo. Se quiser beber de novo hoje, inclusive, eu vou
adorar. Te espero lá pra meia noite?
Ela dá uma tapa brincalhão no meu peito mas deixa que eu
a beije.
- Tem umas aspirinas aqui, se quiser.
- Eu estou… bem. Surpreendentemente. - brinca.
- Melhor assim! Fiz café.
- Nada de omeletes de salmão ou sei lá o quê? - engole
uma de minhas torradas, bem satisfeita.
- Não. Eu guardo as coisas chiques da minha cozinha pras
mulheres que não me visitam bêbadas.
- Ah, claro!
- Se vier sóbria essa noite, tem caviar.
Tati ri. Eu estou rindo também.
Deus, eu adoro o som da sua risada.
- Obrigada. - murmura, tímida, apertando a curva nos
lábios.
- Por essa torrada safada? Me respeita, Tatiana.
- Por ser… um cavalheiro.
- Ah, de nada. Quer ficar mais um pouco? - toco sua
cintura para me aproximar do seu pescoço - Eu posso chegar
atrasado.
- E por que faria isso?
- Porque eu fui um cavalheiro, ontem. - beijo o cantinho
de sua orelha pra assistir seu arrepio - Ia adorar não ser um
cavalheiro agora.
- Hm, claro. - ri - Infelizmente, eu preciso trabalhar.
- Pede demissão. - sugiro. Ela ri com gosto.
- É, isso ia dar certo… - murmura, sarcástica.
- Você trabalha tanto assim e ainda nem é CEO! - provoca
- Essa gente não te dá valor, você devia procurar outro
lugar.
- Você gosta mesmo da coisa do CEO!
- Depois de tantos livros… É tipo um fetiche a essa
altura.
- Ah é? Eu posso demitir a minha e ocupar seu lugar por
umas semanas se você acha que ajuda.
- Não sei. - estreito os olhos - Você é obcecada por
controle? Tem um terno bem cortado e uma sala de sexo na sua
casa?
Ela mastiga a torrada, considerando,
- Eu sou metódica e tenho uns vestidos feitos sob medida.
- arrisca - Serve?
Faço uma careta de decepcionado.
- Sem sala de sexo?
- Sinto muito.
- Que tipo de CEO é esse? Sem sala de sexo! Eu achei que
toda gente rica deveria ter uma.
- Você precisa muito ler outros livros.
- Você precisa de uma sala de sexo.
- Eu tenho uns brinquedos no meu banheiro. - ela dá de
ombros e eu acho que não percebeu a confissão que acabou de
fazer.
Eu interrompo a brincadeira.
- O que disse?
- Que eu tenho uns… - ela percebe que meu olhar mudou e
entende minha intenção. Engole os restos das palavras com um
sorriso e ergue o indicador em uma negativa.
- Disse que tem uns brinquedos em casa? Que tipo de
brinquedos?
- Não, senhor. Eu não disse nada.
- Disse sim! Acabou de dizer, que eu ouvi! Por que não me
mostrou?
- Eu não disse nada!
- POR QUE a gente não usou? Quais são os brinquedos que
tem?
- Olha a hora! Eu preciso ir.
- Quais brinquedos? TATIANA!
Ela me belisca e olha ao redor.
Eu compreendo o pensamento que deve ter acabado de lhe
ocorrer.
- O Eric não tá aí. Ele dormiu fora. - explico -
Acontece.
- Claro que acontece. Mas eu realmente preciso ir. - me
dá um beijo na bochecha porque eu ainda estou mantendo meu
bico infantil.
- E quando eu vou te ver de novo? - Eu a seguro pela
cintura, trazendo-a de volta - Na sua casa. Não por causa dos
brinquedos… claro que não. Lógico.
- Lógico. - revira os olhos, mas está rindo - Não sei. A
gente se fala? Você me liga ou…
- Não, não, não… Hoje de noite?
Ela tem uma gravidade própria, e eu estou cada vez mais
perto. Tenho ela contra o meu peito, apertando-a em meu
abraço.
Queria muito que ela pedisse demissão ou sei lá o quê.
Morde o lábio e eu beijo o lugar onde ela está mordendo.
- Hoje de noite? - insisto - Hm? - meu nariz raspando em
sua pele. Um beijo bem lento e íntimo. E então outro.
- Hoje de noite. - ela concorda, de olhos fechados.
- Eu não vou ser um cavalheiro, tá bem?
- Eu não estava esperando que fosse.
Está escapando dos meus braços e quase indo embora.
Mas se interrompe no meio do caminho. Acena sozinha, com
um sorriso de confidências quando diz:
- Flocos de neve não são únicos.
- Hm?
- Os cristais de neve são todos iguais quando se formam.
Eles não são únicos.
- O quê? Não, não, tenho certeza que…
Ela balança a cabeça.
- Eles são idênticos quando se formam. Mas, no caminho
pro chão, o ângulo da inclinação na atmosfera, a incidência
da umidade, a força do vento… tudo influencia cada cristal de
um jeito próprio. E é impossível repetir exatamente as mesmas
circunstâncias para todos… Eles são idênticos quando se
formam, mas são diferentes quando chegam. Não é nenhum
talento metafísico que lhes dá exclusividade. - sorri - É a
jornada que os torna únicos.
Tenho um sorriso enorme porque gostei disso pra caralho.
E mais ainda porque…
- Você lembra da conversa sobre flocos de neve?
- Lembro.
- Você lembra de tudo que me disse ontem?
- Lembro. - tem um sorriso comedido - E não estou
arrependida, se é isso que quer saber.
Enfio as mãos nos bolsos e encaro o chão por um segundo.
Eu não sei por que… mas…
Algo quente aperta meu peito de um jeito bem confortável
ao perceber que ela confia em mim.
Confia em mim.
- É a jornada?
- É a jornada. - garante.
Eu a puxo pela cintura e beijo sua boca.
Estou tão envolvido no beijo que sequer noto quando Eric
entra. Tatiana se afasta, envergonhada.
- Sinto muito. - é a primeira coisa que ela diz.
Educada até o fim.
- Imagina! - Eric cumprimenta, com um sorriso - Fui eu
que interrompi.
- Eu já estou indo! - fala, baixinho, para mim.
- Te vejo de noite?
- Hm…
- Tatiana. - resmungo.
- De noite! De noite. - me dá mais um beijo, acena para
Eric e se vai.
Meu coração está explodindo no peito.
Confia em mim.
Por que alguém confiaria em mim é algo que eu não consigo
compreender. Eu sou perdido, desajeitado, irresponsável e…
Único.
É a jornada, não é?
Se eu for digno da confiança dela, acho que não preciso
ser…
Hm?
- Eric? - pergunto, porque ele ainda está me encarando -
Tudo bem?
- Tudo! É só que… caralho, Spencer. Era a diamante?
Reviro os olhos com uma risada genuína.
Eric ainda está preocupado com as etiquetas de seu
precioso site. E, embora nós dois tenhamos começado lá, acho
que estamos em lugares completamente diferentes agora.
A jornada.
Ela estava certa.
A jornada faz toda a diferença.
***************
Tatiana
Marcus dirige sua Mercedes com bancos de couro que grudam
na sua pele. Tiro o cabelo da frente dos olhos e ajeito meu
óculos escuro.
Ela já me pediu desculpas três vezes e, suspeito, ainda
deve pedir pelo menos mais uma três.
- Parece ótimo! - sorrio quando ele termina de explicar
como é a posição que lhe ofereceram em São Francisco - E
parece que decidiu aceitar?
Fica em silêncio e me observa com o canto do olho.
- Não olhe pra mim. - peco - Olhos na estrada.
- Sabe porque estou olhando pra você.
Seguro meu óculos por não saber o que fazer com as mãos.
- Sei.
- Nunca terminamos nossa conversa.
Nossa conversa.
A última conversa antes de Daniel morrer.
É disso que ele está falando.
É exatamente disso.
- Já terminamos essa conversa, Marcus.
- Eu não acho que terminamos.
- Bem, mas ela acabou ainda assim.
- Tati, eu…
- Marcus! - interrompo - Por favor, será que pode… será
que pode, por favor…
Foi o Destino que colocou aquele sinal vermelho no nosso
caminho para que ele pudesse se virar e ver em minha
expressão que acabou. Eu não quero mais ter essa conversa.
Ele não devia estar se segurando a ela por tanto tempo.
Acabou.
Mesmo que ninguém tenha terminado.
Ele balança a cabeça em uma concordância típica dos
cavalheiros.
- Estou pensando em alugar um apartamento. - avisa - Em
São Francisco, se eu realmente decidir aceitar a proposta. Um
lugar temporário enquanto eu organizo tudo.
- Faz sentido! - sorrio, grata pela mudança de assunto -
Tem alguém lá que possa te ajudar?
- A agência me deu o contato de uma corretora de imóveis,
hoje de manhã. Eles já me ofereceram um monte de opções de
compra, mas…
- É bom conhecer a cidade melhor antes de tomar esse tipo
de decisão.
- Com certeza! - observa-me com o canto do olho, mais uma
vez, enquanto acelera pelas avenidas - É bom conhecer tudo
antes de tomar uma decisão.
- Mh. - concordo.
- Quase qualquer coisa, não acha?
É minha vez de observá-lo, com um leve nível de
impaciência:
- O que está tentando dizer?
- Nada. - promete, mas ato contínuo - Você e o Spencer
parecem estar bem juntos.
- É isso que está tentando dizer. - volto meu olhar para
fora da janela.
- Não, não estou… não estou tentando me meter, Tati.
Prometo! Olha, eu sei que eu e ele tivemos um péssimo começo.
Mas eu ainda sou teu amigo e me importo com você. Sabe disso.
- Sei.
- E não pode me julgar por ficar preocupado. O cara é
quinze anos mais novo que você…
- Treze.
- … vocês se conheceram no site da Pamela!
- O que isso tem a ver?
- Tati… você não é inocente assim! O cara claramente
queria uma mulher rica por interesses. E tudo bem! Se isso
funciona pra vocês dois, ótimo. Só toma cuidado.
- Marcus, desculpa ser ríspida. Mas isso não é da sua
conta.
- Eu sei. E me desculpa! Eu não estou querendo te
convencer a largar ele! Se te faz feliz, vai fundo! Eu só
quero te lembrar, como amigo, que as circunstancias em que
vocês se conheceram são muito específicas. Só lembra da
realidade. Quão bem você conhece esse cara?
- Você se preocupa como se eu já estivesse procurando um
vestido de noiva.
- Eu sei que está só se divertindo. E acho ótimo! Estava
na hora de você voltar a viver essa parte da vida! Só… só
promete que vai tomar cuidado.
Só me divertindo.
Compartilhando detalhes da minha vida com ele, como há
muito tempo não ouso fazer com ninguém.
Engulo em seco.
- Eu vou tomar cuidado. Prometo. Agora, a gente vai
conversar feito pessoas normais ou você só me trouxe aqui pra
falar do Spencer?
- Eu não tenho nada contra ele!
- Sei! - sorrio, sarcástica.
- É sério! Olha, vamos almoçar lá no restaurante dele! A
Pamela disse que ele cozinha, não é?
- Ajudante de cozinha, não é ele que vai cozinhar tudo.
Mas se quiser comer a comida dele, um dia, a gente organiza
isso também. - aviso.
- Ajudante, que seja. Vamos até lá e a gente prestigia o
trabalho dele. Prometo pra você: o problema que eu tive com
ele foi todo causado pela bebida. Me diz o endereço.
Estreito os olhos.
- Eu… nunca fui lá antes.
Ele me encara, desapontado.
- Então, agora nós temos mesmo que ir. Você sabe o nome
do lugar, não sabe? Procura o endereço e vamos lá conhecer.

***************
Spencer

- Assim? Ou você quer menor? Ou maior? - mostro o corte


do ravioli pro Rodolfo.
- Assim está bom.
- E o molho? Eu tentei fazer exatamente na medida da
receita antiga, como você prefere! - ergo os polegares com um
sorriso.
- Perfeito! Viu como ficou mais gostoso?
- Uma delícia, Chef! DELÍCIA! Você estava mesmo certo! -
beijo a ponta dos meus dedos e ele ri, satisfeito.
É o oposto de Lala que me encara como se eu tivesse
perdido a sanidade.
- Você está bêbado? - sussurra.
- O quê? Não! Ficou doida?
- Você está muito feliz fazendo tudo que o Rodolfo quer.
Ah, meu Deus! - os olhos estreitos de desconfiança
rapidamente se arregalam quando ela entende o que aconteceu -
Você ficou com a…
- Rodolfo! Eu preciso de cinco minutos.
Arrasto Lala pelo braço e a levo para nosso intervalo.
Abro a porta dos fundos, olhando ao redor, antes que ela abra
a boca para entregar detalhes da minha vida pessoal e, mais
especificamente, do site do Eric, para alguém no Mangiare.
- É. - respondo, assistindo seu queixo cair até o chão -
Fiquei com ela.
- E está feliz. Está muito feliz!
Eu tenho um sorriso imbecil estampado no meio da cara e
sei bem disso.
- Estou muito feliz. - confirmo, categórico.
- O sexo foi bom assim, ou…?
- O sexo foi… - fecho os olhos e respiro fundo.
- Sério? Acho que as mulheres mais experientes conhecem
alguns truques, han?
- Conhecem todos os truques, Deus me salve, Lala. A
mulher é muito boa.
Agarro minha camisa, em claro sinal de dor e aflição.
E Laurie…
Uma amizade é um vínculo de cumplicidade. Algo existe
entre uma troca de olhares, um gesto, uma palavra… que tem
mais significado entre amigos do que entre estranhos. E
quanto mais profunda a amizade, mais visceral é esse
sentimento. Quando Lala olha pra mim naquele começo de tarde,
do lado de fora do Mangiare, tem algo em seus olhos que me
faz a pergunta antes que ela articule as palavras,
Mas… ela as articula ainda assim:
- E você está muito feliz só porque ela é gostosa? Ou tem
mais alguma coisa?
Aperto minha nuca, alongando o pescoço. Encaro o chão.
Preciso de um segundo para responder não porque eu não
saiba a resposta, mas porque preciso de coragem para dizê-la.
- Spencer? - ela insiste.
Dou de ombros com um sorriso tímido.
- Eu acho que gosto dela. Gosto de verdade. Quero dizer…
mal estamos juntos há poucas semanas, mas tem algo aí. Nunca
senti isso antes, sabe? Essa vontade de saber aonde vai dar.
Depois do sexo.
Seu sorriso se expande.
- E ela sente o mesmo?
- Não sei. - bagunço meus cabelos, muito mais do que
seria necessário. Então paro e respiro fundo. Laurie ri de
meu desconcerto - Ela é muito técnica e séria. E eu sei que
minha idade é um problema porque a deixa sem jeito perto de
seus amigos. Também sei que o jeito que a gente se conheceu
não é exatamente algo que inspira confiança. - ergo as
sobrancelhas - Mas às vezes ele faz algo. Ou diz uma coisa. E
eu acho que ela também quer tentar ver aonde vai dar.
- É muito cedo ainda. Vai levando um dia de cada vez.
- É, eu sei. É só que eu gosto muito dela! Nossa, se eu
pudesse, eu a veria todos os dias. Todos. Mas eu acho, de
verdade, que se eu disser algo assim vou assustá-la. Ela é
viúva e está engatinhando de volta, enquanto eu já me diverti
bastante nos últimos anos e queria mesmo algo… algo…
- Algo sério?
Mordo o canto do sorriso.
- Algo sério.
- Namorar e casar?
- Quem sabe? - dou de ombros.
- Que nem nos seus livros?
- Ah, não fala mal dos meus livros! Eles são um exemplo
perfeito de relacionamentos que eu gosto!
Ela ri muito alto.
- É mesmo? E como é isso?
- Um monte de sexo que leva a amor de verdade. E, sabe?
Talvez seja justamente isso que eu quero.
- Quem diria!
- É sério! - prometo.
- Eu ainda preciso ler alguns desses teus livros!
- É literatura de qualidade.
- Coisa nenhuma! - ela provoca - Você só lê pelas cenas
eróticas. Pra ver se aprende alguma coisa! Ou pra te deixar
pronto.
- A tua bunda é que me deixa pronto. - devolvo.
- Pare!
- Nunca! Você sabe que eu te acho muito gostosa com esse
avental! Fico logo querendo…
Lala se inclina, vendo algo às minhas costas.
- Posso te ajudar?
***************

Tatiana

O Mangiare é maior do que eu imaginava, mas é apertado.


Estranho imaginar um lugar que possa ter tanto espaço e,
ao mesmo tempo, espaço nenhum.
Parece que o dono quis entupir o lugar com o máximo de
mesas possíveis para garantir lotação absoluta. Mesmo que
fosse difícil imaginar que ele ocupasse mais de metade das
cadeiras em um dia normal.
- Boa tarde, meu nome é Vanessa e eu vou servir vocês
hoje. - a garota em um curto short escuro e camiseta xadrez
sorri. Mais para Marcus que para mim. Ela é linda e deve
saber trabalhar isso para melhorar as gorjetas. Não julgo.
Está parada e sorridente ao nosso lado e imagino que
Marcus faça um esforço terrível para manter os olhos no
cardápio a nossa frente que, por sinal, é exatamente como
Spencer o descreveu: italiano e medíocre.
Não digo "medíocre" querendo dizer "ruim".
Digo "medíocre" como oposto de "extraordinário".
Spencer com seu crepe de chá verde deve ficar de luto
pela própria criatividade em todos os dias de trabalho. Mas
também não julgo. É um trabalho digno que acaba tendo muito
mais a ver com ele do que a carreira que imaginou sonhar.
- Posso trazer uma água ou bebidas enquanto decidem?
- Vai beber alguma coisa? - Marcus pergunta.
- Só uma água por enquanto.
- Duas. - ele pede e a garota se vai. Ele ergue os olhos
para seu corpo, mas é fugaz e me faz sorrir.
- Vai fazer uma inspeção no restaurante e chamar a
vigilância sanitária como um vilão de histórias infantis? -
pergunto.
- Um vilão de…? O que quer dizer?
Engulo em seco porque fui rude.
Hesito.
- Nada. - peço.
Mas ele respira fundo e me observa com um menear leve da
cabeça porque sabe exatamente o que eu quis dizer.
Parece que alguma coisa afeta o ar quando uma tensão se
forma entre duas pessoas. Algo que torna difícil manter o
olhar do outro e deixa desconfortável a respiração. Sei que
Marcus vai admitir algo constrangedor antes que ele abra a
boca e não sei se consigo impedi-lo.
A essa altura sequer sei se vale mais a pena.
- Eu tenho uma queda por você. - admite. Assim com todas
as palavras, de um jeito que nunca ousou fazer antes.
Admite depois de tantos anos, no meio da minha semana em
um restaurante de esquina.
Abandonando toda a pompa e circunstância que sempre fez
questão de cultivar diante desse assunto.
- Tive uma queda por você por anos e eu sei que sabe
disso.
- Marcus…
- Tati, tá tudo bem. Eu fui um idiota com o Spencer e eu
sinto muito. Você… não está interessada. E eu preciso seguir
em frente também. Eu sou um adulto, sabe? Não um vilão de… -
gesticula.
- Histórias infantis.
Tem as mãos sobre o colo e quase parece miúdo,
analisando-me como quem espera um veredicto.
- É. - sorri - Eu fui muito idiota na festa da Pamela e
eu nunca vou conseguir me desculpar o suficiente por aquilo.
Mas eu não tenho nenhum rancor por você ou por qualquer cara
que esteja com você. Eu só me preocupo. Você é uma das
mulheres mais inteligentes que eu conheço, mas
emocionalmente… você pode ser frágil, Tati! Principalmente
depois de tudo. E eu tenho receio que alguém te engane e que
eu não possa ajudar porque fui um idiota uma vez e você parou
de me ouvir. Então… se você está bem com o Spencer, eu estou
bem. Só… só me diz que sabe no que está se metendo.
Sorrio e aperto sua mão.
Sua preocupação não é absurda.
Longe disso.
- Eu sei no que estou me metendo.
- Duas águas! - Vanessa coloca os copos diante de nós.
- Alguma sugestão? - Marcus pergunta - O que é bom aqui?
- Tudo! - sorri, como uma boa vendedora - Mas o ravioli
de ricota é o meu favorito.
Marcus estreita os olhos para a palavra "ricota" e a
garçonete ri.
- A massa é fresca, feita na casa, e o queijo é bem
levinho! - ela ainda ri - É bom pra se manter em forma! Não
que você precise. - ela quase toca o ombro dele.
Não controlo o sorriso, baixo o olhar para o cardápio. A
garota gosta de flertar.
- Obrigado. - sorri, sustentando o olhar e o elogio que
recebeu - Você também não precisa.
Ela se mexe fingindo estar sem jeito.
Mas é perceptível que nunca na vida esteve mais a vontade
em seu elemento.
- Você conhece o Spencer? - pergunta - Acho que ele
trabalha aqui também.
- O Spencer! Claro! Quer que eu vá chamá-lo?
Marcus me observa por um segundo mas… eu não avisei ao
Spencer que iria ali hoje. Ele e Marcus não são melhores
amigos. De repente, eu imagino todo tipo de problema que
poderia causar em seu ambiente de trabalho.
- Não, não. - aviso - Não é preciso.
- De onde vocês o conhecem? - ela pergunta.
Eu prendo a respiração por um instante.
Não há qualquer parte do meu relacionamento com seu
colega de trabalho que eu esteja a vontade em discutir no
momento.
- Ahmm… da vida. - Marcus assume ao perceber meu
desconforto. Bastou um sorriso e a garota está derretida em
seu encanto mais uma vez - Ele é uma boa pessoa. - continua,
sem saber pra onde está indo - Ouvi dizer que é muito bom na
cozinha.
- O Spencer é bom em todo lugar. - murmura por instinto.
Tapa os lábios com as mãos com um olhar assustado quase
imediatamente.
- Oh? - Marcus engole em seco.
- É. Perdão, eu não quis ser… - ela tenta salvar - É só
porque… o Spencer, você sabe como é. Ele é muito charmoso. -
Marcus enruga a testa. Deve estar preocupado com o que ela
está insinuando por minha causa, mas Vanessa interpreta seu
gesto como se estivesse perdendo seu interesse - Não
significa nada! É só porque o Spencer flerta com todo mundo!
Se eu fosse um cara e tivesse a aparência dele, acho que ia
fazer isso também, não é? - brinca.
- É. - Marcus mexe na própria gola - Tenho certeza que
não significa nada.
Tem um cuidado quase temeroso no modo como olhar pra mim,
mas Vanessa ainda parece achar que o interesse do cliente é
por causa dela.
- Ah, absolutamente nada! O Spencer é ótima pessoa mas
pra mulheres ele é bem o tipo que não presta.
Marcus entreabre a boca em um estado de quase pânico.
Provavelmente temendo que eu ache que arquitetou aquilo. Mas
Vanessa é genuína demais em sua confusão: ou é natural ou ela
deveria procurar carreira como atriz.
- Não faz um mês, ele apareceu aqui com um monte de fotos
de uma mulher bem… quase nua. - sussurra, como se contasse
uma piada entre amigos íntimos - Parecia um ensaio sensual
que alguma coitada mandou fazer pra dar pra ele de presente.
E ele largou dentro do armário do trabalho. Ele é ótimo
amigo, mas eu nunca aceitaria sair com ele. - sorri para
Marcus.
- Dois raviólis. - ele pede.
Implora.
Só quer se livrar dela.
Bebo minha água até acabar o copo. Só para me manter
ocupada com alguma coisa.
Um mês.
Fotos de um ensaio sensual.
Ele trouxe minhas fotos para mostrar no trabalho?
Não, ele não faria isso.
E ele disse que viu as fotos por acidente, não foi?
Talvez tenha sido isso… talvez a Vanessa viu as fotos e ele
teve que tirar das mãos dela.
Mas… Como ela teria visto as fotos dentro de uma pasta
fechada dentro do armário dele a não ser que ele tenha
deixado que visse?
"Diz pra mim que sabe no que está se metendo, Tati"
Marcus me disse isso há minutos.
E eu disse que sabia.
Eu achava que sabia.
Mas será que eu sei?
Quão bem eu realmente conheço o Spencer?
E se ele for exatamente o tipo de cara que poderia fazer
tudo aquilo?
Tem um aviso de banheiros em um dos cantos do Mangiare.
- Me dá licença um minuto? - peco.
- Tati, eu…
- Tá tudo bem. - prometo - Só preciso lavar o rosto.
De repente, estou com frio.
Puxo minhas mangas mais para baixo.
Talvez minha vida não seja uma comédia romântica. Talvez
minha vida seja um drama daqueles que você passa o filme
inteiro gritando pra tela na pífia esperança metafísica de
que talvez a protagonista te escute e deixe de ser IDIOTA.
Independente de qual foi a razão: a Vanessa viu as fotos.
Ou as minhas, ou o Spencer estava vendo mulheres quase
nuas demais.
Fiz a curva e estou diante de um corredor estreito que
leva aos banheiros e, um pouco mais adiante, à cozinha.
Eu deveria ir ao banheiro, almoçar com o Marcus e seguir
minha vida. Mas escuto uma voz bem ali, logo adiante.
Ele.
Sigo pelo corredor embora ainda não faça a menor ideia do
que vou fazer se, de fato, encontrar o Spencer ali.
O que diabos eu tenho pra dizer pra ele?
Engulo em seco.
Ainda estou andando.
Estou atravessando uma das laterais da cozinha e fiz mais
uma curva.
Não adianta falar com ele agora.
Você só está nervosa… não queria colocá-lo em uma
situação constrangedora no trabalho, lembra? Principalmente
se aquilo for um engano.
Mas e se não for?
A Vanessa pode lhe contar o que aconteceu e ele teria uma
desculpa pronta pra…
Sua voz.
Bem mais alto.
A porta dos fundos está entreaberta. Tem uma panela velha
e pesada impedindo a porta de se fechar.
Além dela, no que deve ser o beco, na parte de trás do
restaurante, eu consigo escutar um par de vozes. Uma delas é
uma mulher, sorri baixinho como se compartilhasse uma
sequencia interminável de piadas e curiosidades, a outra, sem
dúvidas, é o Spencer.
- É sério! - ele promete, fazendo a outra rir ainda mais.
- Eu ainda preciso ler alguns desses teus livros!
- É literatura de qualidade.
- Coisa nenhuma! - ela provoca - Você só lê pelas cenas
eróticas. Pra ver se aprende alguma coisa! Ou pra te deixar
pronto.
- A tua bunda é que me deixa pronto. - ele derrete,
macio.
Eu congelo, estou com a mão na porta e consigo vê-los.
Spencer ainda está de costas pra mim.
É ele mesmo.
Não confundi a voz.
Não é engano.
- Pare! - ela pede.
- Nunca! Você sabe que eu te acho muito gostosa com esse
avental! Fico logo querendo…
- Posso te ajudar? - ela me vê. Inclina-se com um
sorriso. Tem as bochechas vermelhas. Corada de vergonha ou
de… quem sabe?
- Não. - murmuro, soltando a porta.
Spencer se vira e me vê no último segundo.
Consigo ver o brilho desaparecer de seus olhos antes da
porta se fechar.
11. Mal entendido
Spencer

Os vinte segundos que eu levei pra entender que aquilo


tinha acontecido e os outros vinte que levei para conseguir
reagir foram suficientes para Tati ir embora. Quando cheguei
na calçada, ela já tinha cancelado o pedido e desaparecido no
carro.
Ainda estou tentando entender o que aconteceu.
Ainda estou tentando aceitar que realmente aconteceu.
- Era sua amiga? - Vanessa pergunta.
- Han?
- O casal. Eles te mencionaram. Eles te conhecem de onde?
- C… casal?
- É, a mulher toda elegante e o cara gostoso.
- Cara… que cara, Vanessa?
Ela mal começou a descrição e eu já reconheci o Marcus.
O almoço.
Eles vieram para cá.
Deixo Vanessa para trás e quase esbarro em Laurie que me
seguia de perto porque, mesmo sem explicação, preencheu as
lacunas pelo contexto.
- Era…?
- Era! - ofego - Há quanto tempo ela estava ali?
Ergue as mãos, rendida.
- Eu não sei! Mas quando eu a vi, já estava lá. Não
estava abrindo a porta, sabe? Acho que estava lá há algum
tempo.
- Lala! - seguro seus braços, essa parte é importante -
Você acha que ela ouviu a conversa sobre relacionamento sério
e casamento?
Laurie pisca, confusa.
- Lembra? Do que a gente estava conversando? - pergunto -
Você acha que ela ouviu? Foi por isso que ela foi embora?
- Spencer… - gagueja - Acho que ela foi embora porque te
ouviu dando em cima de mim.
- O quê? - enrugo a testa.
- A nossa brincadeira? Você estava me chamando de… - ela
olha ao redor antes de dizer baixinho - gostosa.
É como se o mundo inteiro estivesse em câmera lenta e, ao
mesmo tempo, como se tudo estivesse andando rápido demais.
Preciso pedir uma pausa, mas também preciso que as coisas
aconteçam mais depressa. Vou passar mal.
- Era só uma brincadeira!
- Eu sei e você sabe… mas não sei se ela sabe.
- Ainda assim. - as palavras se embolam na minha língua
enquanto tento pronunciá-las - Ela vai entender que foi só
brincadeira, não vai?
- Vai. - Laurie diz, com um menear de cabeça, mas não
parece muito segura.
- O que foi? Acha que ela não vai entender?
- Eu falo com ela, se você precisar! Eu confirmo que foi
só brincadeira.
- Acha que vai precisar? Não acha que ela vai entender?
- Spencer… - esconde os olhos na mão ao esfregar as
sobrancelhas.
- O quê?
- As circunstâncias do relacionamento de vocês dois… ela
devia imaginar que não era única. Te ouvir dando em cima de
alguém deve ter servido pra confirmar suas suspeitas.
- Mas são suspeitas erradas!
- Não é assim que funciona a cabeça de mulheres quando
estão desconfiadas.
Enfio as mãos nos cabelos com força. Tenho vontade de
arrancá-los toda pela raiz.
É claro que precisava dar tudo errado.
E é claro que o Marcus vai se aproveitar disso.
- Você gosta dela, não é?
Respiro fundo e sinto meu peito doer.
Preciso pensar no que fazer a seguir.
Preciso de reações rápidas.
Mas entre a câmera lenta e o acelerado, só existe um
pensamento que toma o controle de minha mente.
Um só pensamento.
Uma só palavra.
Merda.

***************
Parece que levei duas Eras Glaciais entre convencer o
Rodolfo a me deixar sair e chegar ao bairro dela.
Estou ofegando quando chego na porta.
É só aí que me ocorre que talvez ela não tenha voltado
pra casa.
E se ela tiver ido para o trabalho?
E se tiver ido pra casa do Marcus?
E se tiver ido para outro restaurante?
Eu espero aqui.
É o plano, não é?
O porteiro me deixa subir depois de falar com alguém e eu
em poucos minutos eu estou no meio da sua sala de entrada
mais uma vez.
- Tat… - eu mal consigo terminar o nome porque veja uma
sombra no chão, aproximando-se pelo corredor - Tati. - digo,
mais baixo.
Mas não é a Tati.
Claro que não é a Tati.
É o Marcus.
O Marcus sem camisa, com o cinto e o zíper aberto.
- Que diabos está fazendo aqui? - rosna.
Por que ela já está meio despido?
Não.
Não deu tempo.
Não deu tempo da Tati desistir de mim e dar uma chance
pra ele.
Deu?
Ele me deu atenção.
Era o que ela tinha dito.
E ela gostou.
Por mais que se envergonhasse disso… ela o queria.
- O que… o que está fazendo? - pergunto.
- Não é da sua conta. Nada mais aqui é da sua conta. Vai
embora, agora.
- Eu vou, depois que eu falar com a Tatiana.
Ele tem a boca entreaberta de choque e incredulidade.
- Moleque, se você acha que tem alguma chance de eu te
deixar chegar perto dela depo…
- Você não tem que me deixar fazer nada.
Ele esfrega os olhos.
- Spencer, para! Para!
- Para você! Quer me dizer que já está ficando com a
Tatiana cinco minutos depois que…
- É, é exatamente isso que estou dizendo. - acena,
agressivo - A Tati levou um bocado de tempo pra abandonar o
luto, mas agora, fez isso. E, em parte, graças a você. Mas
vocês dois… vocês dois não foram feitos pra durar. Não
acredito que preciso mesmo te dizer isso! Ela te contratou
pra um propósito e você serviu a esse propósito.
Ela queria ficar a vontade por causa dele.
Eu a deixei a vontade.
E agora ela acha que eu não presto? Por causa de duas
palavras em um restaurante?
- Eu preciso falar com ela.
- Que pena.
- Sai do meu caminho ou…
- Quer mesmo que eu chame os seguranças, Spencer? Ela não
quer falar com você. E estamos, os dois, ocupados. Adeus. -
aponta para o elevador.
Não vai acabar assim.
É absurdo que acabe assim.
Três semanas.
Não é suficiente pra ela confiar em você, Spence.
Eu sei que não é.
Mas também não quero ir embora.
Não quero que ela fique com o Marcus.
- Eu vou embora quando a Tatiana disser que é pra eu ir
embora. - engulo em seco.
Ele aperta os lábios, furioso.
- Eu acabei de te dizer que ela não quer falar com você!
Além do mais, não está percebendo minha situação? - aponta
para seu peito sem camisa - O que acha que está acontecendo
lá dentro? - ele olha para trás, com urgência - Eu só vim
aqui te mandar ir embora. Vai. Agora. - ele faz menção de
tomar meu braço e eu vou reagir.
Mas nada daquilo é preciso porque Tatiana aparece na
sala:
- Marcus, você viu a Annie? Acho que o ouvi o interf…
Marcus! - Tatiana arregala os olhos para nossa interação e é
um misto absoluto de choque e confusão - O que está fazendo?
Onde está sua camisa?
Ela desvia o olhar ao perceber o zíper aberto e, além de
estar completamente vestida, parece genuinamente
desconfortável.
Encaro Marcus e sinto cólera transbordando de meu
espírito. Nunca estive tão perto de ter vontade de matar
alguém.
- É, Marcus. - rosno - Onde está sua camisa?
Ele não me olha de volta.
- Eu… ah… derrubei vinho nela, eu… Eu só tirei para…
- Onde está? Quer usar a máquina de lavar?
- Não. - ele gagueja - Eu vou passar um pouco de água.
Mas ouvi o interfone e…
- E veio atender sem camisa? - enruga a testa - Vá, vá
resolver sua camisa.
Filho da puta.
Filho de uma puta bem baratinha que não fez questão de
lhe dar qualquer educação.
- Não queria te deixar sozinha, Tati. Sei como você está
sensível depois que…
Inspiro fundo para lhe mandar tomar bem no meio do cu com
alguma coisa metálica que vibre e dê choque.
- Marcus. - Tatiana interrompe nós dois - Não quero ser
grosseira, mas isso não lhe diz respeito. Pode nos dar
licença, por favor?
Ele murcha.
Murcha, definha e morre.
Estou fechando meus punhos com tanta força.
Meu Deus como eu queria lhe dar uma surra. Devia ter
aproveitado melhor minha chance na piscina. Se soubesse o
tanto que ele ia merecer cada porrada que levou, teria sido
menos misericordioso.
- Estou bem ali se precisar de mim.
- Não vou precisar, mas obrigada. Spencer? - ela me
convida para a sala ao lado.
Não me convidou para entrar.
O que você precisa entender é que a entrada da casa de
Tatiana meio que se bifurca. Para a esquerda fica o corredor
principal, a sala de jantar e o resto da casa inteira, mas
bem a direita há uma única sala de visitas. É ampla e rica
como todo o resto, mas é onde são recebidos os hóspedes que
não vão ficar muito tempo.
Acho que não vou ficar muito tempo.
Ela me convida pra sentar com uma formalidade que dói
mais que o murro que eu queria dar no Marcus.
Fica de pé, no entanto e eu decido acompanhá-la.
- Desculpe ter ido ao seu trabalho sem avisar e desculpe
o modo como eu saí.
Pisco, confuso.
Achei que era eu quem ia ter que me desculpar.
- Eu… achei melhor sair antes de causar alguma situação
inapropriada em seu local de trabalho. Sinto muito.
- Não… não é problema. Eu entendo. Eu… eu vim até aqui
pedir desculpas também. Eu só não sei ainda pelo quê. Se pela
Laurie ou pelo que… disse.
- A Laurie?
- A minha amiga, no beco atrás do restaurante.
- Ah! - ela engole em seco, há uma rigidez entranha em
seu lábio. Como se estivesse conduzindo uma entrevista de
emprego e não…
- A Lala é minha amiga. SÓ amiga. A gente tem essa
brincadeira idiota em que ela diz que eu sou nojento e eu dou
em cima dela. Mas é completamente inocente!
- Claro. - sorri, gelada.
Está magoada.
Eu a magoei.
Está tentando ser fria e objetiva, mas queria jogar
alguma coisa na minha cabeça.
- E o que eu disse antes… foi só porque…
Tati ergue a mão me pedindo que pare de falar.
- Não sei se quero ouvir mais sobre o que você disse
antes.
Ela balança a cabeça com um sorriso curto como se
estivesse decepcionada consigo mesmo por estar surpresa.
- Eu acho melhor você ir embora agora.
- Quer que eu volte mais tarde?
- Não, Spencer. - ela tem uma postura altiva de quem quer
mostrar ter mais determinação do que, de fato, sente - Acho
que é melhor você não voltar.
- Não v…
A palavra falha e eu tenho expiro baixinho. Tristeza.
Descrença.
- E é isso? - pergunto.
- Acho que sim. Acho que é isso.
É isso.
Queria desesperadamente saber o que dizer porque o
silêncio vai fazer com que tudo termine ainda mais rápido.
Não quero que acabe.
Mas acho que é tarde demais pra isso.
Acho que já acabou.
- Obrigada por tudo. - ela respira fundo como se
estivesse se forcando a sair de um transe. Me oferece a mão
em um cumprimento formal que é o mesmo que um tapa na cara -
De verdade! Sabe sair sozinho, sim?
Aperto sua mão.
Deslizo o polegar em sua pele.
- Tchau, Spence.
Tchau.
Engulo em seco.
Palavra miúda que saí como se estivesse agarrada na minha
carne, me fazendo sangrar quando tento expulsá-la.
- Tchau, Tati.
***************
Tatiana

Eu queria jogar alguma coisa na cabeça dele.


O vaso em cima da mesa de centro parecia perfeito. Mas é
porcelana chinesa de 400 anos de idade, ia se quebrar bem
fácil e dificilmente causaria estrago suficiente naquela
cabecinha linda e perfeita.
"A tua bunda é que me deixa pronto".
DESCARADO!
Safado, imprestável, ridículo!
"Brincadeira inocente"?
Sério?
Spencer… SÉRIO?
Achou mesmo que eu ia engolir essa desculpa estúpida,
esfarrapada e exaustiva?
Chamou ela de gostosa só de brincadeira.
Transou com ela só na amizade.
Se não tirar as meias não vale, é isso?
E levou minhas fotos para o restaurante! Mostrou pra todo
mundo e depois vem com essa história de garoto inocente?
IMBECIL.
Ele.
E eu.
Que me deixei levar nessa história.
Fecho os olhos e os escondo atrás das mãos.
E eu fui pra casa dele bêbada. Ele deve ter rido tanto
disso. Deve ter contado para todos os amigos.
COMO eu me permiti ser tão vulnerável?
Mas não adiantava brigar agora. O melhor que eu poderia
fazer era respirar fundo, sorrir e não perder o pouco de
dignidade que me restava. Eu sempre podia ter sonhos lúcidos
e vívidos sobre estourar um vaso em sua cabeça. De
preferência um que fosse mais resistente que uma antiguidade
de porcelana porque, com a raiva que eu sentia, ia ser
preciso mais que um golpe.
- Fez bem em mandá-lo embora. - Marcus toca meu braço com
carinho - Eu sempre soube que…
- Cadê a mancha? - resmungo.
- Mancha?
- Você disse que derrubou vinho na camisa?
- Ah… foi pouco eu…
Por que eu gosto de homem?
Olho pra cima como reflexo porque acho que esse problema
é entre eu e Deus.
A mulher heterossexual é colocada nessa Terra pra sofrer
e seguir sofrendo até descobrir que sofrimento é infinito.
Porque homem é uma coisa burra e absolutamente despida de
qualquer tipo de inteligência.
- Marcus, acho melhor você ir embora.
- Mas nosso almoço, eu…
- A gente almoça outro dia. É uma refeição que se repete.
Você vai me desculpar, não estou de bom humor.
- Tati, se isso é por causa do Spencer…
- Marcus. Me desculpe cancelar os planos assim. Mas eu
quero ficar sozinha. Sinto muito, mas é melhor você ir.
- Só isso? - indigna-se.
Eu respiro fundo.
Sabe o que me estressa?
Desde que Daniel morreu o assunto "relacionamentos" se
tornou o meu ponto fraco. Marcus sugere que vai dar em cima
de mim e eu fico constrangida. Spencer fala sobre sexo e eu
sinto minhas bochechas corarem. Pamela resmunga que eu
preciso de um homem e eu não sei o que dizer.
E aí minha insegurança diante deste único tópico fez toda
essa gente ao meu redor achar que eu sou maleável, inocente e
manipulável.
Começaram a achar que eu sou insegura com tudo e que
podem me guiar como quiserem com suas desculpas idiotas e
suas insistências indecorosas.
Basta.
Eu sou uma mulher adulta que paga as próprias contas e as
de muitos outros.
Gosto de ser educada, mas tudo nessa vida tem um limite.
- Já pedi desculpas, Marcus. Pode me desculpar ou não.
Mas se quer alguma coisa fora isso, infelizmente, vai ficar
querendo.
- Eu fico com você. Te faço companhia.
- Não. - decido, antes de dar as costas.
- "Não"? Por que não?
- "Não" é uma frase completa. Boa tarde.
Minha paciência acabou.
Minha paciência para homens e para relacionamentos.
Tenho meus vibradores. Tenho minhas amigas.
Há pouca coisa na vida que não dê pra resolver com uma
dessas duas.

***************

Marcus

A Tatiana é a mulher da minha vida.


A nossa história é uma dessas de um romance impossível
que atravessa anos. Décadas, se for preciso. Se alguém me
pedisse pra colocar em um papel todas as características que,
para mim, definiriam a mulher perfeita, o resultado seria
ela. Exatamente ela. Mesmo com cada defeito.
Soube disso na noite que a conheci. No mesmo instante.
Meu coração afundou no estômago quando percebi que ela estava
com o Daniel. Deveria ter sido minha. Sempre minha. Foi um
acaso do tempo que impediu que isso acontecesse. Uma
aberração na cronologia do Destino que deixou Daniel conhecê-
la primeiro.
Por muitos anos, eu esperei. Ela sabia que tinha casado
com o homem errado e eu esperei pacientemente para que ela
finalmente notasse quem seria o certo, para que eu pudesse
lhe surpreender e deixar claro que sua recém-descoberta era
algo que eu já sabia há muito tempo.
Eu a imaginava com lágrimas nos olhos, vulnerável ao
admitir que se apaixonou pelo melhor amigo de seu marido. O
cara que sempre esteve por perto e que, por acaso, também era
casado. Ela se sentiria fraca e triste por ter que admitir
seu amor, temendo jamais ter o meu. E aí eu lhe diria que
está errada. Tomaria seu rosto nas mãos para que soubesse que
eu sempre a amei, limparia suas lágrimas, beijaria sua boca e
abraçaria para sempre. Ia pedir o divórcio no dia seguinte e
ela também.
Era pra ser assim.
E ela estava quase mesmo pedindo o divórcio. Sei que
estava.
Talvez eu tenha sido um pouco insistente demais em
sugerir que ela deveria fazer isso, mas tudo seria explicado
em breve.
E aí o Daniel morreu.
Eu senti pelo meu amigo, é claro. Mas havia ali uma
oportunidade. Uma que não criei ou desejei, mas que a vida me
apresentou ainda assim. Ela estava livre e desimpedida. Era
mais limpo assim. Mais romântico. Sem vítimas além das já
existentes. Pedi o divórcio e esperei que seu luto acabasse.
Mas seu luto durou.
E durou.
Eu queria que ela viesse a mim primeiro. Precisava ser
assim, lembra? Com a vulnerabilidade e as lágrimas e a culpa.
Entregando-se para mim para que eu a absolvesse e salvasse.
Mas seu luto não acabava.
Desisti de esperar e já tinha decidido as palavras.
Tatiana era orgulhosa demais. Teimosa demais. Alguns dos
defeitos que eu aceitava, mas que saberia curvar a minha
vontade com o tempo. Enquanto esse tempo não chegasse, no
entanto, parece que caberia a mim, o cavalheiro, enfrentar as
palavras que ela temia: estavam nos meus lábios. Eu já
saberia recitá-las de cor… e aí o Spencer.
O maldito Spencer.
O filho da puta do Spencer.
Com sua juventude e seu corpo de modelo e seu sorriso de
moleque.
Ele atacou sua fragilidade e a derrotou enquanto eu me
distraí sendo o cavalheiro.
E, de novo, quase me fez desistir.
Eu estava prestes a ir embora. Iria me mudar para longe e
seguir minha vida. Aquele mês foi infernal e eu não
conseguiria sobreviver ao Daniel 2.0. Tatiana, mais uma vez,
se entregando a um homem que, no fundo do seu coração, não
era o que ela realmente queria. Por que tinha tanto medo de
ser feliz? Era só culpa? Ou talvez achasse que não me
merecia? Que estava me mantendo preso a algo menor do que eu
seria capaz de conquistar?
Foi O Destino que me fez perceber que eu estava errado.
Eu queria ir embora em paz, até estava disposto a ser
pacífico com o merdinha. Eu ia deixar que os dois seguissem
com o seu teatro: ele iludindo e ela iludida, por mais que me
doesse, eu sempre fui o cavalheiro e a troca de interesse de
outros não é da conta de cavalheiros. Foi a Vida quem me deu
um tapa e me lembrou que a Tati é minha. O escroto do Spencer
estava apenas usando a mulher que eu amo e é meu dever
protegê-la.
Se apenas fosse fácil!
Se apenas pudesse ser fácil!
Se apenas Tatiana pudesse perceber ali e agora a verdade
que, para mim, sempre foi óbvia.
Mas não.
Ele aparecia e ela me colocava pra fora.
Porque a verdade é que apesar de meus maiores cuidados,
essa não era uma luta de cavalheiros.
Não havia nobreza em tipos como Spencer.
Ele é um verme que luta no esgoto
Eu não poderia me manter limpo se quisesse destruí-lo.
E preciso destruí-lo para proteger minha mulher.
Preciso protegê-la de si mesma.
Já desisti antes e não pretendo fazer isso de novo. Ela é
minha. A vida tentou me provar isso de novo e de novo:
colocando-a no meu caminho, tirando Daniel do nosso e agora
provando para mim quem Spencer realmente era.
Não vou desistir de novo. Custe o que custar.
Toco a campainha e ajeito minha gravata.
O cara que abre a porta parece ter a idade do Spencer.
- Boa tarde. - enruga a testa confuso.
- Boa tarde. Meu nome é Marcus. Spencer Reese mora aqui?
- Mora. Posso ajudar?
Sorrio.
- Depende. Vocês são muito próximos?
Dá de ombros.
- A gente se conhece há uns dois meses. Quem você disse
mesmo que era?
Aceno, satisfeito.
- Eu sou o cara que vai te deixar rico.
12. Três
Spencer

50 mil dólares.
O número parece surreal sempre que abro minha conta no
celular.
Cada uma das vezes pela última semana.
Tatiana depositou o valor assim como disse que faria na
noite em que nos conhecemos e eu gostaria de dizer que fiquei
feliz - até porque 50 mil dólares de graça assim dificilmente
é motivo pra tristeza - mas toda vez que eu encaro aquele
número lembro que acabou.
Acabou.
"É isso" foi tudo que ela disse.
Duas palavras que sequer significavam muita coisa e todas
as minhas pretensões tinham acabado em nada.
Fecho os olhos e me enfio nos travesseiros.
Ela dormiu aqui comigo.
Uma das noites.
Esteve bem aqui.
Deitada ao meu lado, me chamando de gostoso.
Era bom.
Tinha sido bom.
Por que tinha sido tão bom?
O negócio todo estava provavelmente fadado ao desastre
desde o começo. Eu era o tipo de cara com quem ela ficaria
por um tempo, mas não o do "para sempre". Eu sabia disso.
Então por que eu não conseguia parar de pensar na sua
boca?
- Vai conseguir. - Lala promete.
- Não sei. Minha situação tá bem ruim.
Ela faz uma careta.
Eu não tenho o otimismo da Lala porque minha mãe dizia
que desgraça sempre vem de três em três, então quando a
primeira acontece, é bom fazer um café quente e se preparar
para receber as outras.
Minha primeira desgraça era bem evidente: perdi a Tati.
A segunda, era mais delicada: fui demitido.
O Rodolfo disse que foi por causa do meu desaparecimento
no mesmo dia da Tati e a Laurie se culpava por achar que
talvez não tenha feito um bom trabalho em acalmar nosso chefe
ou esclarecer que tinha sido uma emergência. Mas não é culpa
dela.
Eu ainda duvido que seja culpa minha…
Se estava me demitindo porque eu desapareci no meio do
trabalho, deveria ter me demitido na hora. Mas esperou três
dias e aí me demitiu com essa desculpa esfarrapada.
Foda-se, eu detestava trabalhar ali de qualquer modo.
A DeLucca… bem… ela me ligou algumas vezes para encontros
com suas clientes mas apesar das promessas de excelentes
ressarcimentos financeiros, eu preferi recusar. Depois do meu
terceiro "não" ela deve ter desistido de mim. Melhor.
E não é exatamente como se eu precisasse de dinheiro.
50 mil dólares.
Consigo sobreviver um ano com aquilo, talvez dois.
- Vai conseguir outro emprego, já já! - minha amiga
repete.
Eu sorrio porque sei que não é culpa sua, embora ela não
pare de se responsabilizar.
É culpa minha.
É culpa da vida que, aparentemente, me detesta.
Duas desgraças.
Ainda falta mais uma.
Um café forte e estou preparado.
Anna está ligando como se não houvesse amanhã e suspeito
que é daí que virá meu desastre. E eu queria mesmo me
preocupar com isso, mas não consigo. Pela minha vida, só o
que consigo pensar é que há poucos dias, Tatiana estava
dormindo nessa cama, do meu lado.
É difícil.
Tenho calafrios só de pensar no Marcus perto dela.
Esse é o problema, não é?
Não é só perder a mulher incrível: é perdê-la pro cara
que não vale nada.
Pro cara que você detesta.
É como se eu perdesse duas vezes: perdi ela, e perdi pra
ele.
Devia ter dado mais um murro.
Já estava fodido mesmo, pelo menos a memória da surra
seria suficiente pra me aquecer.
A da piscina foi só legítima defesa. Não consegui botar
minha cólera inteira na cara dele como merecia.
E o pior de ficar cozinhando em raiva é quando você tem
que ficar sentado esperando.
Esperando a terceira desgraça e cozinhando em
possibilidades.
50 mil dólares.
Pego meu telefone.
Eu sei o que quero fazer com esse dinheiro.
Sei desde o momento que vi que ele estava na minha conta.
Faltou-me coragem porque eu sei o que significa fazer
isso.
Mas é o certo.
É o digno.
Pego meu telefone e quase tenho vontade de chorar.
50 mil dólares.
Mas precisa ser feito, sabe?
É a minha terceira desgraça.
Eu sabia que ela estava vindo.

***************
Pamela

Estou na dúvida entre três biquínis.


O que significa que vou levar os três.
Acho que a vendedora me ama e como ganha por comissão,
espero que me ame mesmo. Me oferece um champanhe enquanto eu
me afasto para outro setor da loja de departamentos de luxo,
escolhendo mais algumas coisas para ficar na dúvida entre,
antes de levar absolutamente tudo que couber no meu cartão de
crédito.
Meu celular toca e eu só atendo porque sei que a Kris
jamais me ligaria para falar de negócio.
Estou praticamente de férias e trabalho é proibido quando
se está praticamente de férias. É o que manda minha religião.
- Kris? Como vai, linda?
- Estou bem, Pam e você? - mas ela sequer espera minha
resposta - Te liguei pra avisar que não precisamos usar seu
cheque! Você quer que o rasgue ou quer que eu devolva?
Han?
- Meu cheque?
- É. O seu cheque.
- Qual cheque?
- Da doação.
Da… o quê?
- Kris, do que diabos você está falando?
Ela ri.
- O cheque! De 50 mil, do leilão, lembra? Você pagou por
um dos lances.
Ah.
Certo.
- Sim, o que tem? Algo errado com o cheque?
- Não, nada. Mas antes de sacá-lo eu percebi que já
recebemos o valor pelo lance. Não sei se você queri…
- Espera, espera… como assim já receberam o valor?
- Transferência bancária. Já foi depositado o valor de 50
mil.
Tatiana.
Fecho os olhos, sem paciência.
- Vou mandar alguém buscar o cheque, Kris, obrigada por
me avisar.
Mal me despeço porque preciso fazer uma ligação urgente
para a Julia.
Porque não adianta falar com a Tatiana, sabe? Ela é uma
porta, às vezes.
- Você deixou ela pagar? - ralho.
- Primeiro, boa tarde. - resmunga, fazendo-me revirar os
olhos - E deixar quem pagar o quê?
- A Tatiana! Eu disse que ia pagar o lance que o Spencer
fez na gala. Foi ideia minha, não era pra ela pagar.
- Ahm… ela não pagou.
- Pois eu tenho certeza que pagou.
- Pois eu tenho certeza que não pagou.
- Pois eu tenho certeza que você está errada.
- Pois eu tenho certeza que, entre nós duas, quem conhece
as finanças da Tatiana sou eu.
- Julia! - espremo o celular. É por isso que ela é tão
boa de comer. Porque me tira a paciência - Eu acabei de falar
com a responsável pela ONG. Eles receberam o pagamento de 50
mil pelo lance do Spencer. Se eu não paguei e a Tatiana não
pagou, me explica quem…
E aí eu entendo.
Não preciso sequer terminar a pergunta.
Já entendi exatamente o que aconteceu.
***************
Spencer
Meu telefone toca e eu o atendo sem medo.
As três desgraças já aconteceram e minha mãe nunca disse
nada sobre uma quarta. Eu devo estar bem seguro.
Eu acho.
Eu espero.
- Spencer Reese? - a voz desconhecida me pergunta.
- Eu mesmo. Com quem falo?
- Senhor Reese, meu nome é Arthur Monte, estou ligando do
Royal Oceanic Tours, vimos seu currículo online e tenho uma
oportunidade de emprego que gostaria de lhe oferecer.
Hesito.
Minha testa se enruga tanto que quase fecho os olhos.
É o quê?
Sabe quando você recebe um email de um príncipe saudita
querendo te dar um monte de dinheiro? A proposta parece
incrível até você descobrir que, antes dele te pagar, como
demonstração de boa-fé, você deve fazer um pequeno depósito
para ele. É raro uma excelente notícia simplesmente cair do
céu na tua frente de um jeito tão inesperado que te faz até
tropeçar em cima dela.
Normalmente quando a esmola é demais é porque não era
esmola coisa nenhuma, e uma ligação no meio da tarde me
oferecendo um emprego - que eu preciso desesperadamente - a
partir de um currículo online - que eu não me lembro de ter
feito - é o tipo de coisa que parece mesmo esmola demais.
- Você… está vendendo algum curso? - arrisco. Uma porção
dos processos de seleção que fiz na verdade acabaram sendo
propaganda de cursos. "Você não conseguiu a vaga, senhor
Reese, mas foi por muito pouco. Sim, muito pouco. Você tem
muito potencial, só precisa usá-lo um pouco melhor. Será que
podemos te recomendar esse curso? Por nove parcelas de 99,99
você vai libertar todo seu potencial. É de lá que pegamos a
maior parte de nosso elenco. Blá blá blá".
- Curso? - ele responde - Não, tenho uma vaga de emprego
e quero saber se o senhor se interessa.
- Uma vaga de emprego?
- É. Como ajudante de cozinha em um de nossos cruzeiros.
Algumas pessoas da nossa equipe ficaram doentes e estamos
precisando ocupar as vagas abertas com urgência. Você tem
experiência em restaurante italiano, não é?
- Tenho… tenho sim.
- Ótimo. Está trabalhando no momento? Porque essa vaga
exige que esteja embarcado por dois meses.
- Embarcado?
- É. Trabalho para a Royal Oceanic, senhor Reese. A vaga
é em um cruzeiro.
Eu não sei o que responder.
Isso não faz nenhum sentido. Qualquer sentido.
Mas aí o Arthur Monte me diz qual o salário e eu, que
estou precisando desesperadamente de qualquer dinheiro, não
me vejo em condições de recusar muito dinheiro. Cada mês em
um cruzeiro é quatro vezes o que o Rodolfo me pagava.
Estou concordando rápido demais quando ele menciona um
curso.
- Achei que não estava vendendo um curso.
- Não estou. Mas tem alguns cursos que são necessários
antes de trabalhar em uma embarcação. Principalmente cursos
de segurança. Zarpamos em duas semanas, então preciso que o
senhor venha para Miami imediatamente.
- E o curso… quanto custa?
- Nós ministramos o curso, senhor Reese, não precisa
pagar por ele.
Certo.
- Mando todas as informações por email. Pode vir para
Miami imediatamente?
O que eu tenho a perder?
- Posso.
13. Sazerac
Spencer
Duas semanas depois

Eu não estou pensando na Tatiana.


O sol está em um ângulo horrível, atacando meus olhos
enquanto eu preparo as bebidas no bar que me foi designado.
Os passageiros já começaram a embarcar, desaguando
rapidamente nas piscinas já que muitos deles ainda sequer têm
suas malas.
Fico repassando algumas das minhas instruções na cabeça,
mas não vou conseguir fazer isso por muito tempo. Logo, logo
- suspeito - vou ser sufocando por hóspedes ansiosos por seu
veneno favorito.
E eu não estou pensando em Tatiana.
Talvez eu tenha pensado nela nos primeiros dias,
confesso.
Mas passou.
Não faria sentido eu ainda estar pensando nela.
Só ficamos juntos por umas poucas semanas.
Dois dias de sexo.
Não é?
E eu estou bem ocupado aqui.
Com os curso e viagens das últimas semanas. Precisei
fazer um milhão de exames e tomar centenas de vacinas.
Não tenho tempo pra pensar nela, sabe?
E aí eu cheguei aqui e eu deveria ser ajudante de cozinha
mas aí uma olhada em mim e meu superior, um cara esguio de
olhos agitados chamado Guido, decidiu que eu seria de melhor
serviço no bar. Onde passageiras pudessem me ver e conversar
e interagir e…
O Guido não me disse pra flertar. Na verdade, todas as
palavras que, de fato, disse me mandavam fazer o oposto.
O problema é que o Guido é um desses caras que anda bem
em cima da linha da moralidade, se equilibrando pra ter
certeza que não vai cair em nenhum dos dois lados. Então, ele
opera com o que sabe. E eis aqui a lista:
Ele sabe que a política da empresa é pela não-
confraternização de funcionários com passageiros. Mas ele
também sabe que as gorjetas são melhores quando o cliente
está satisfeito. E ela sabe que um bom jeito de deixar uma
cliente satisfeita é colocar um cara jovem e lindo pra
flertar com ela.
Então, quando o Guido olha pra mim e diz:
- Vou te colocar no bar, Reese. Você é charmoso, as
passageiras vão simpatizar com você. Não estou te dizendo pra
flertar com elas, hm? Estou te dizendo que… ser simpático é
um bom jeito de ganhar gorjetas.
Só o que eu escuto é:
"Flerte com elas. Deixe-as felizes. Não me
responsabilize."
Até porque o jeito como ele enuncia a palavra "simpático"
parece quase uma preliminar por si só.
E aí eu estou no bar, cercado por passageiras, tentando
ser simpático.
Eu só queria que o Sol subisse mais um pouco, de uma vez.
Porque ali onde ele está, dói meus olhos.
Pelo menos posso me distrair com isso.
Não que eu precise de uma distração. Até porque não estou
pensando na Tatiana.
Não estou.
Não estou pensando em como terminamos tudo, daquele jeito
bem inacabado.
Não estou pensando no gosto da sua boca.
Não estou pensando no seu rosto tímido de bebida e
vergonha me chamando de gostoso.
Não estou pensando em suas confissões no travesseiro ou
no cheiro dos seus cabelos.
Não estou pensando no modo como me provoca apertando
minha ereção…
O Sol.
O Sol dói meus olhos.
E é só nisso que eu estou pensando.
Só nisso.
Em mais nada.
- Três mimosas! - uma senhora de rosto redondo e sotaque
forte pede com um sorriso exuberante.
- Caprichados! São minhas primeiras passageiras, hoje! -
pisco um olho.
- De verdade? - uma delas se inclina no balcão de um
jeito libidinoso, encarando-me até me fazer sentir nu.
- Verdade! E é minha primeira vez em um cruzeiro, também,
então são as primeiras passageiras de sempre!
- Ah! Ele é virgem! - elas brincam quando eu as sirvo.
Não perco o sorriso nem por um instante quando sussurro de
volta:
- Agora mais não.
Elas riem e querem saber meu nome. Vão dar um mergulho
mas prometem já voltar. Eu digo que vou esperar ansiosamente
e mais qualquer besteira que o valha.
As primeiras passageiras são seguidas de perto pelos
segundos, terceiros e centésimos.
Duas horas do embarque passam como se o relógio não
funcionasse dentro do barco do mesmo jeito que funciona fora.
Eu vejo tantos rostos, escuto tantas vozes, servi tantos
drinks… acho que minha cabeça mal conseguiu processar os
detalhes.
Estou de costas quando escuto sua voz, causando-me um
calafrio típico dos mau-agouros.
Grave e arrogante.
- Uma dose do melhor uísque que você tiver. - avisa -
Puro.
Um tremor atravessando o meu corpo. Eu sou o único
barista ali. Não tem escapatória. Eu não vou conseguir fugir
pra um intervalo e deixar meu colega no meu lugar, enquanto
me escondo em algum canto até ele desaparecer.
Viro-me devagar, procurando a garrafa de uísque e rezando
aos Céus para que, talvez, ele pegue sua bebida e vá embora
sem me notar.
Mas eu não sou o filho favorito de Deus, Ele escuta meus
pedidos e ri.
Sirvo o copo com um sorriso amarelo quando ele exala uma
risada de desdém.
- Você TEM que estar de sacanagem. - rosna.
Eu estou trabalhando e não quero ser demitido no primeiro
dia, antes da gente sequer zarpar.
- Senhor. - aceno, educado.
Poderia tentar descrever a angústia que me causa não
apenas estar perto do Marcus, mas ter que servi-lo e chamá-lo
de "senhor". Mas engulo meu orgulho e espero que ele não me
puna por isso.
Ele usa uma pulseira, assim como todos os outros
passageiros, que o dá acesso às áreas específicas de acordo
com seu pacote. A sua, obviamente, é a mais elite possível.
Marcus tem acesso a tudo, inclusive a open bar. O que
significa que ele pode ficar sentado no banco do meu bar
bebendo o dia inteiro sem pagar nenhum centavo adicional por
isso.
Estou esclarecendo essa parte só pra você entender que
quando ele jogou o uísque no chão e disse "mudei de ideia,
quero outra bebida", eu já sabia que meu dia ia ser longo.
- Senhor? - repito educado e o puto de merda abre um
sorriso de invejável magnitude.
- Um uísque sour. Já ouviu falar?
- Claro, senhor. Bourbon?
- E com o que caralho seria se não um Bourbon? Que tipo
de uísque sour é esse que você faz?
- Só confirmando. - rosno, com dentes semicerrados -
Senhor.
Na minha cabeça, eu estou fingindo que "senhor" é um "vai
tomar no cu". Cada segundo que ele me irritar, eu vou chamá-
lo de senhor. Mudei o significado da palavra agora mesmo e,
embora Marcus esteja absolutamente alheio a isso, ainda assim
serve para me dar alguma paz.
Eu entrego sua nova bebida com mais um sorriso e um
"senhor"
Ele dá um único gole e mal terminei de servir outras duas
pessoas, já o vejo jogando a bebida no chão mais uma vez.
A Tatiana soube escolher viu?
Esse cara não é só escroto, não. Ele é o pior tipo de
verme que existe na Terra. É tipo aquelas tênias que se
grudam em você e te matam aos pouquinhos.
- Isso era só suco de limão e açúcar. Economizou no
Bourbon, Spence?
Travo meus dentes com força.
Respira fundo.
Não deixa ele te tirar do sério.
Não deixa.
Repito a bebida com Bourbon suficiente pra causar um
incêndio, mas, esse também, vai parar no chão.
- Se eu quisesse Bourbon puro, tinha pedido Bourbon puro.
- Eu coloquei bastante como o senhor pediu.
- Eu não quero bastante, eu quero a proporção correta, é
pedir demais? Na verdade, esquece. Você estragou Bourbon pra
mim. Me faz um sazerac.
Eu não lembro o que é um sazerac.
Eu aceitei uma posição de assistente de cozinha! E o
Guido, com certeza, não imaginou que eu ia precisar ser
testado no meu primeiro dia. Abro o cardápio com as seleções
e Marcus ri.
- Não sabe fazer um sazerac?
- Estou confirmando, senhor. Não quero errar de novo.
- Vai errar. - murmura baixinho.
E, de fato, erro.
Erro três vezes e ele me faz repetir cada uma delas.
Intercalo os pedidos de outros passageiros enquanto ele
experimenta minha última tentativa, mas os vários copos
emborcados no chão já chamaram a atenção da equipe de limpeza
e mais de um passageiro o pediu que parasse.
Mas Marcus apenas me responsabiliza e me pede que faça
mais uma opção.
Detesto gente rica.
Detesto os ricos e arrogantes que gostam de me humilhar.
Detesto as ricas e gostosas que me botam pra fora e me
condenam a passar o resto da vida lembrando da sua língua.
Meu dia vai ser uma merda. E, agora que o Marcus me
descobriu ali, suspeito que a viagem inteira vai seguir o
tema.
Já zarpamos e o sol já subiu quando ele finalmente recebe
uma ligação e vai embora. Não deve ter bebido mais que dois
drinks, não deve ter desperdiçado menos de dez.
Escroto de merda.
- Limpe isso aqui, sim? - foi a última coisa que ele me
disse, apontando para a pequena poca que ele acumulou ao lado
do seu banco, apesar de um funcionário da limpeza já ter
passado ali duas vezes. Ainda fez questão de pisar em cima do
líquido e sair deixando suas pegadas asquerosas por toda
parte.
Se Deus fosse bom e misericordioso ele ia me conceder a
chance de voltar no tempo e esmurrar o Marcus de novo. Eu ia
sair da piscina e continuar batendo nele por mais meia hora.
Só ia parar quando desse a hora de comer a Tatiana.
Mas eu só bagunço os cabelos, abro um sorriso e sigo
servindo meus passageiros. Um ou outro compartilham algumas
palavras de simpatia pelo mal educado que "já começou a
viagem bêbado", porque essa era a única explicação que
conseguiam dar. Eu agradeço sua gentileza, mas sei que a
verdade é muito mais torpe que sua imaginação.
Semanas preso nesse barco com o Marcus. Isso se ele
estivesse no menor itinerário. O itinerário completo era uma
viagem de dois meses. Se eu tivesse que ficar trancado ali
com aquele idiota por todo esse tempo eu ia acabar me jogando
no mar. Ou jogando ele. O que desse menos trabalho.
O dia é longo.
Cansativo.
Interminável.
Há algo especialmente desagradável em trabalhar quando
todas as pessoas ao seu redor estão de férias. Ou talvez meu
mau humor tenha sido causado apenas por causa do meu
passageiro bêbado.
Eu estava até me divertindo antes dele aparecer.
Eu estava até me divertindo antes de saber que ele
existia no mundo.
Idiota.
Estou exausto quando volto para minha cabine.
"Cabine", no caso, é uma porta, um espaço estreito e um
beliche. A direita, um armário simples, uma porção de
gavetas, algumas prateleiras e um frigobar, guardam a
totalidade dos meus pertences. Bem… meus e do Benito, meu
colega de cabine. Italiano e viciado em jogos de cartas,
Benito tem um milhão de histórias para contar sobre Roma,
mulheres, bebida ou, normalmente, as três coisas juntas.
Histórias que ele sempre conta alto demais. Mas tem um
sorriso gentil e sabe respeitar sua privacidade. Eu o conheço
há três dias, incluindo parte do treinamento, e já nos
considero bons amigos.
A cabine também inclui uma pequena mesa, uma cadeira e um
banheiro que deveria ser pequeno demais para seres humanos,
mas aí está.
Benito é mais baixo e estreito do que eu, então não vai
ter muitos problemas com o chuveiro, mas eu já sei que vou
precisar me abaixar quando quiser tomar banho.
- Reeso! - ele está deitado na cama inferior do beliche
quando eu entro no quarto. Diz meu nome (ou uma versão do meu
nome) com seu sotaque italiano carregado e eu bato meu punho
no dele antes de deixar minhas coisas em das prateleiras que
tomei como minha - Como foi o primeiro dia? Já conheceu as
bellas?
Esse deve ser o vigésimo cruzeiro para ele, então eu
sempre escuto seus conselhos.
O problema é que, mesmo sendo um navegante experiente,
seus conselhos sempre parecem envolver… Roma, mulheres ou
bebidas.
- Ainda não. - sorrio, tirando a camisa - Vai usar o
banheiro?
- Reeso! Precisa conhecer as bellas! Não pode perder
tempo ou os superiores pegam todas!
Ele está falando das dançarinas. O pessoal que trabalha
em um cruzeiro é um pequeno exército. Equipe de segurança,
limpeza, serviço, cozinha… e entretenimento.
As mulheres mais bonitas a bordo que não são passageiras
são, de acordo com ele, sempre as dançarinas que ele,
gentilmente, chama de "bellas".
- Vai usar o banheiro? - repito, rindo.
- Não. Vá tomar seu banho, ragazzo. E saia de lá com uma
camisa, por favor. Você com esses músculos todos a mostra me
deixa intimidado.
- Sim, senhor.
- Reeso! Você precisa me visitar em Roma um dia! Um cara
como você, vai ter todas as mulheres! Te levo para tomar uma
bebida, ragazzo. Em Roma! As mais bellas belas. Você vai ver,
han?
Eu já entrei no banheiro porque aprendi que Beni nunca
encerra uma conversa.
Dobro meus joelhos para me colocar embaixo da água e
respiro fundo.
O Marcus.
Ótimo.
Maravilhoso.
Era só isso mesmo que eu precisava.
Deito pra dormir sem camisa, o Beni faria alguma piada
mas já fechou a cortina ao redor do seu beliche e acho que
dormiu. Eu me enfio na cama superior e fecho, eu também,
minha pequena cortina para o pouco de privacidade que me cabe
pelos dois meses que tenho a minha frente. Meus pés quase
batem na parede onde a cama termina e eu tenho que tomar
cuidado ou vou chutar a pequena televisão colocada ali, uma
em cada cama do beliche para os breves momentos de descanso
privado da tripulação.
Aperto o travesseiro entre meu rosto e meu punho.
Não estou pensando em Tatiana.
Estou cansado. Exausto. Não tenho tempo pra pensar em
Tatiana, sabe?
Não tenho tempo pra imaginar como seria bem melhor se
fosse ela no meu bar, hoje, ao invés do seu amigo.
Teria feito todos os drinks que ela quisesse, quantas
vezes quisesse, com um sorriso no rosto.
Inferno.
Dois meses trancado em um barco com o Marcus com nada
para proteger minha dignidade além da amizade do Beni e uma
cortina estreita ao redor do meu beliche.
Vão ser dois meses bem longos.
Não consigo dormir.
Viro para o lado e pesco o livro que está enfiado nos
cobertores comigo.
Alguns capítulos antes de dormir.
Só um ou dois para acalmar o espírito.

***************

Estou de pé desde às 4:30 da manhã, como ajudante de


cozinha, para preparar o café da manhã em um dos salões
principais. Existe uma paz muito única em uma cozinha
barulhenta. Algo que te coloca no piloto automático e te
mantém ao mesmo tempo distraído e engajado. É… meditação. O
ressoar constante das pessoas e do bater de instrumentos em
panelas, as pequenas engrenagens da refeição, sempre de plano
de fundo, como ruído branco: ajudando a concentração ao invés
de atrapalhá-la.
Não que eu precise disso porque já deixei bem claro que
não estou pensando em nada demais.
Ainda assim, no entanto… eu gosto dessa paz.
Principalmente por saber que tenho um longo turno no bar
da piscina depois que isso aqui acabar.
Se um certo passageiro decidir que parte do seu lazer das
férias deve incluir a tortura de um antigo conhecido, tem
muito pouco que eu possa fazer.
Minha resignação é tão grande que nem espero boas
notícias quando Guido se aproxima de mim depois que o serviço
do café da manhã foi concluído.
- Reese, vou fazer uma alteração na sua agenda.
- Algum problema? - ainda estou limpando minha bancada
então só consigo lhe dar metade de minha atenção.
- Parece que um dos passageiros teve um problema com
você?
E agora ele tem minha atenção completa. Deixo o pano de
prato em cima do ombro para respirar fundo, lutando para
manter minha recém encontrada resignação.
- Não precisa dizer nada! - desfaz-se de minha frustração
com um gesto - Eu falei com algumas pessoas da equipe, o cara
estava bêbado. Acontece, você deu azar, Reese. Mas ele fez
uma reclamação formal, então se ele te ver lá de novo hoje
pode gerar um constrangimento.
Hesito.
Isso são… boas notícias?
Eu não preciso voltar pro bar?
Acho que chegou a hora de eu me converter, porque se isso
não foi testemunhar um milagre, eu não sei o que seria.
- Sem problemas, Guido! Eu posso ficar na cozinha ou…
- Não, já falei com a Rosa. Você assume o turno dela no
serviço de piscina no lounge do Deck 17. Como garçom e
atendente.
- Tem certeza? - imploro - Porque eu posso ficar na
cozinha, sem pro…
- Tenho certeza. Só se certifica que todo mundo tem
toalhas secas e bebidas geladas.
- Sim, senhor.
- Ah… e Reese. - ele tem um sorriso dúbio - Sabe como é,
né? As passageiras gostam do seu sorriso! Lembre de sorrir.
Um pouco de galanteio não faz mal a ninguém.
Aperto os lábios e aceno afirmando.
- Não estou dizendo pra flertar com passageiras! - ele
repete e eu tenho que resistir ao impulso de revirar os olhos
- Nunca. Ouviu? Mas… um sorriso. - sorri, ele mesmo, como
para demonstrar. Mas tem um piscar de olho que parece mesmo
com a dica de um flerte.
Eu mostro os dentes em um sorriso sem alegria e ele
aprova com dois polegares.
Tenho tempo para tomar um banho rápido, trocar de roupas
e comer alguma coisa pequena. E só isso.
Nada mais.
A bermuda azul marinho e a camisa branca de botões que
sempre parece estar um pouco colada demais. Passo os dedos
pela pequena placa dourada com meu nome enquanto o elevador
secundário de serviço me leva até o deck 17. Nos bastidores,
toda parte é igual, mas assim que abro a porta de acesso ao
lounge parece que caí, por acidente, em um universo paralelo.
Precisei fazer o tour completo pelo navio, assim como o
resto da equipe, mas eu ia ser ajudante de cozinha, sabe?
Quando passamos por aquela parte do navio, nosso instrutor
tinha uma atitude que era muito mais "essa parte do navio
existe, só pra vocês saberem!", do que "prestem atenção nisso
aqui".
O deck 17 é a área VIP.
Não… "área VIP" soa mundano nesse contexto.
O deck 17 é a parte mais exclusiva que existe no navio. É
o modo mais luxuoso que existe de viajar pelo oceano. O
lounge inclui uma área a céu aberto com uma piscina larga de
três profundidades, e um espelho de água ocupado por uma
porção de espreguiçadeiras. A outra área é coberta, o
"solário", absolutamente cercado por vidro, tem um bar
próprio e suntuoso, um conjunto de mesas e cadeiras já
parcialmente ocupados por convidados e uma piscina curva de
borda infinita que desagua, não no vazio, mas logo antes de
um vidro inclinado em direção ao oceano.
O chão de madeira escura, a mobília bege e creme em
contraposição ao azul da água por todos os lados marca o tom
da elegância do lugar. E há muito verde ali. Tantas plantas e
pequenos jardins que o lounge é quase sua própria floresta.
Uma pequena corredeira entre pedras em uma das laterais
indica a entrada para o SPA. A área é exclusiva para adultos
e há um pianista no bar principal conduzindo a música de
fundo.
Merda.
É aqui que o Marcus deve estar, não é?
Meu plano de fuga foi excelente, mesmo. Me tirou do prato
da Besta pra me colocar nos seus dentes. Eu sabia que estava
comemorando rápido demais… eu batizei de milagre antes de
lembrar que milagres, se existem, nunca abençoaram minha
vida.
Bianca, a encarregada principal do lounge, me dá uma
bandeja e uma porção de afazeres que eu tento seguir com
cabeça baixa e eficiência. Não me demoro demais em nenhuma
parte sob receio de ser percebido. Ou talvez eu tenha sorte,
não é? Talvez ele tenha ido frequentar outra parte do
cruzeiro. Quem sabe até a piscina principal, esperando que eu
apareça no mesmo bar de ontem para continuar minhas punições.
Talvez eu esteja a salvo.
Estar a salvo do Marcus, no entanto, era diferente de
estar a salvo em absoluto.
Algumas das passageiras - e até mesmo um dos passageiros
- parecem ter se encantado um pouco demais por mim e agora
exigem minha atenção além do que manda meu mero trabalho.
Elas fazem questão de se apresentar e eu de decorar seus
nomes. Tocam meus braços como que por acidente, tocam meu
peito como que por brincadeira. É o Sugar Love de novo.
Mulheres ricas me tratando como brinquedo até que eu me sinta
como um pedacinho de carne.
Eu só queria ficar na cozinha.
Mas, desempregado e precisando de dinheiro, esse trabalho
ainda é uma benção e se tudo que eu preciso fazer é sorrir
para algumas mulheres, bem… pelo menos esse dom Deus me deu.
Sirvo suas bebidas, aceito suas brincadeiras, rio de suas
piadas e, pela minha vida, decoro seus nomes. As gorjetas são
boas e quem sabe, não é? De repente, se eu cair em suas boas
graças, elas até me ajudam contra o Marcus. Vou mesmo
precisar de qualquer escudo que eu conseguir.
Estou no bar a maior parte da tarde. Obedecendo os
comandos de Bianca para ter certeza que não faltou bebida a
nenhum dos passageiros... Servindo de boneco de pano para
minhas novas amigas.
Quando meu turno chega ao fim, e eu desapareço mais uma
vez pela porta que separa o mundo dos ricos do mundo dos
bastidores, faço uma nota mental de "menos um". Sobrevivi a
um dia.
Talvez eu consiga sobreviver a mais 59.
E os próximos três dias quase confirmam minha teoria.
Estou na cozinha às quatro da manhã. Estou no lounge do
17 logo depois do almoço. De volta na minha cabine de noite.
Nada de Marcus.
Acho que, hoje, até esqueci que ele estava aqui, em algum
lugar.
Nunca falta o que fazer, o trabalho é intenso, o Beni
começou um jogo de poker paralelo entre os funcionários que
me diverte em minhas horas livres e, é claro, as bellas. Tem
pelo menos duas delas que eu vou comer antes dessa viagem
acabar. Pode ter certeza.
Se quiser me chamar de cachorro, eu vou latir, porque a
perspectiva de sexo sem dúvidas melhorou meu humor.
Isso e minhas passageiras no 17 que apesar de me tratarem
como nada além de uma embalagem agradável, serviram para
melhorar minha autoestima comprometida e deixam meus bolsos
pesados de gorjetas no fim de cada turno.
Encontro meu colega de quarto no hall da tripulação assim
que meu dia termina.
- Reeso! Como está indo? Ainda está prestes a se jogar no
mar?
Eu contei minha história pro Benito.
Quer dizer…
Contei uma versão da minha história pro Benito.
Uma bem suavizada nos detalhes.
- Que nada! Lá é até bem… feliz. Exatamente como você
disse, Beni. - brinco e ele ri.
- Eu te disse, ragazzo! Trabalhar fixo nas áreas
exclusivas é a melhor parte. As gorjetas são eróticas! Vai
conseguir pagar umas férias pra Roma assim que acabar aqui.
- Você estava certo. - sento-me ao seu lado enquanto ele
prepara o jogo de poker da noite - Eu me curvo a sua
sabedoria!
- Eu queria mesmo trabalhar de mordomo do Loft Royal.
Eu engulo a gargalhada. As pretensões do Benito são uma
coisa bem peculiar.
- Pode rir, se quiser, América. Mas se você acha as
gorjetas boas no lounge, não faz ideia de como são no serviço
direto de uma suíte tipo o Royal. Quem sabe eu ganho uma
semana lá, essa noite.
- Uma o quê?
- Estamos apostando isso também! No poker! - ri.
- Apostando…
- Agenda! Se eu tiver um turno que você quer pode tentar
tomá-lo de mim, Reeso! Mas precisa usar as cartas! - indica,
misterioso.
- De verdade? - escondo os olhos na mão quando começo a
rir - Está mesmo apostando isso?
- Por que não? O Alan - aponta para o homem de pé diante
da máquina de café na sala comum da tripulação - tem turno lá
essa semana. Posso tentar pegar os dele. A Rosa também. Por
que não tenta?
- Não, não. Estou bem onde estou.
- Quem diria! - canta - Logo você que queria se jogar no
mar logo depois do primeiro dia no lounge! - faz pouco das
palavras que usei para descrever minha experiência inicial.
- Ei! Eu te expliquei o que houve! Eu não quero encontrar
o cara!
- O navio é grande demais, Reeso. Ele pode passar um ano
aqui sem nunca visitar aquele lounge. Mesmo que ele esteja na
área exclusiva, acho que você está seguro.
- É, e as gorjetas são…
- Oi, Spence.
Ela toca meu ombro de um jeito libidinoso e eu já estou
sorrindo porque imagino, pela expressão do Beni, quem deve
ser.
- Oi, linda! - ao contrário das minhas passageiras,
confesso que ainda não aprendi o nome dessa bella. Mas é uma
das duas que já mordeu o anzol e tá bem prontinha pro abate.
- Vocês vão passar a noite jogando?
- Eu vou. - Beni responde, mesmo que a pergunta não tenha
sido feita pra ele.
- Não. Eu sou um garoto responsável, preciso estar de pé
bem cedo.
- Hm. Será que a cozinha não deixa a gente te pegar
emprestado, um pouquinho?
Ela tem um par de olhos castanhos e uns peitos que são
umas coisas de ficar de joelhos.
Está usando um rabo de cavalo que faz meu sangue…
Engulo em seco.
Fico de pé.
Acho que estou bagunçando meu cabelo.
Estou rindo.
Bella se afasta e Benito parece pronto para me acudir
caso eu tenha um ataque.
- Eu… eu tenho que ir. - engulo em seco - Na verdade,
tenho que ir agora mesmo. Vocês me dão licença. - sinto um
calafrio horrível quando me afasto dos dois.
Um banho frio!
Bem frio.
Gelado.
E uma boa noite de sono.
É disso que eu preciso.
Só disso.

***************

Uma semana de cruzeiro e eu acho que estou gostando dessa


vida.
A Bianca é uma boa chefe, a equipe do 17 se tornou uma
pequena família, minhas gorjetas são gordas e o Marcus parece
ter desaparecido pro mesmo buraco de onde saiu.
Meu tempo livre é pouco mas muito bem aproveitado. Não
tenho tempo para me exercitar todos os dias como gosto de
fazer, mas consigo correr ao redor de um dos decks todo fim
de tarde. Além disso… o hall da tripulação é bem servido, já
tenho sexo no meu radar e em alguns dias vamos fazer a
segunda parada e, dessa vez, eu vou ter um dia de folga.
Mas a melhor parte mesmo é a cozinha.
Nessa manhã, me colocaram no serviço de um brunch
italiano. O chef da porra do brunch era o Roman Alko.
Roman Alko.
O cara era minha paixão profissional e toda minha
aspiração.
Trabalhar em uma cozinha do lado dele era o tipo de coisa
que eu ia contar pros meus filhos.
Imagina que você vai em um show do seu cantor favorito e
aí ele te chama, escolhido a dedo no meio da plateia, e te
coloca no palco pra cantar uma música com ele e você, que
nunca achou que sabia cantar direito, pega o microfone e faz
um milagre acontecer. Era assim que eu me sentia naquela
manhã. Como se eu fosse o novo nome descoberto pelo Rock
internacional, que recebeu uma chance de dividir o palco e
fazer um dueto com o Roman Alko.
Eu estava com um sorriso estampado no rosto quando
cheguei ao 17 naquela tarde e acho que nada na vida seria
capaz de roubar minha alegria.
- Spencer… - ela canta.
Aprendi a reconhecer minhas clientes regulares pelo
cantar de seus sotaques. Agora, por exemplo, mesmo sem me
virar sei que é a Sharon: a empresária canadense de férias
com duas amigas, que já levou três caras diferentes pra cama
nos primeiros seis dias. E nenhum deles… era passageiro se é
que você me entende.
Ela caça membros da tripulação.
Jovens musculosos com sorrisos simpáticos são seus
favoritos. Já colocou na sua coleção um personal trainer da
academia do cruzeiro, o Noah que está na equipe do 17 comigo
e um fulano da equipe de segurança que eu não conheço.
E, ao que tudo indica, eu estou na lista pra ser o número
quatro.
Na verdade, acho que estou na lista para ser o número um
há algum tempo, mas resisto a suas investidas como um lord.
O Lancaster me ensinou muito bem.
- Boa tarde, Sharon! - meu sorriso ainda é consequência
do Roman Alko, mas não vou corrigi-la se ela achar que é pra
ela - Como você está hoje?
- Bem, agora que você está aqui. Melhor quando disser que
aceita. - pisca um olho.
- Sharon. - sou eu quem canta as vogais do seu nome dessa
vez - Você sabe que eu iria, se pudesse, mas é contra a
política da empresa! Não posso confraternizar com
passageiras, por mais lindas, simpáticas e irresistíveis que
elas sejam.
- Acho que não sou tão irresistível assim. - espreme o
sorriso em um biquinho de garota mimada. Ela deve ter…
quarenta anos? Talvez menos, mas parece ter um pouco mais.
Divorciada, ou… "sobrevivente de três divórcios" como já a
ouvi dizer, não tem muito resguardo na hora de dar em cima de
alguém. Já vi acontecer com o Noah e, claramente, comigo.
- Você quer que eu perca meu emprego? - sou eu quem faz o
bico de garoto ferido e ela aperta meus braços com afinco,
experimentando meus músculos - Ninguém te traz bebidas e
toalhas tão bem quanto eu.
- Isso é verdade. - sorri, confidente.
- Por que não te trago mais uma bebida? Sex on the beach
- recito o drink do "sexo na praia" - feito com capricho. -
prometo, derretido.
- E é você quem vai fazer?
- Se você quiser.
- Pois eu quero!
- Então, eu já volto.
Ela sorri e vai se sentar na espreguiçadeira, coloca os
óculos escuros e me dá um tchau que move todos os dedos só
para que eu saiba que vai encarar minha bunda assim que eu me
virar.
- Sex on the beach, Bia! - Bianca, além de ser minha
chefe, deve ser a barista mais competente que eu já vi
trabalhar. Ela ergue um polegar para deixar claro que me
ouviu e já está em serviço.
- Ela está te dando trabalho, não é? - Noah provoca -
Dois Macallans, Bia!
Ela ergue os polegares de novo e eu aperto a mão do meu
colega.
- Não sou fraco como certas pessoas. - brinco - Ainda
estou resistindo.
- Um dia te conto quanto ela me deu de gorjeta depois do
nosso encontro e talvez você mude de ideia. - sussurra -
Quero que ela te pegue logo pra voltar a circular.
- Voltar a circular?
- Ele quer ficar com ela de novo, pelo dinheiro. - Bianca
resmunga, entregando nossos drinks.
A Bia é como se sua tia favorita fosse sua chefe. Ela vai
ralhar porque quer que você faça o negócio direito, mas seria
capaz de se jogar na navalha antes de deixar você se foder.
- Mas a Sharon está obcecada - continua - e só vai voltar
a pegar outros caras, depois que pegar você. - explica com
todas as letras e o Noah aponta, concordando - Ou isso é o
que o Noah diria, se não estivesse MUITO ocupado - rosna para
nós dois, cheia de sugestão - com o próprio trabalho.
- Sim, senhora! - é a resposta que nós dois damos.
- Vou terminar o sex on the beach, Reese. Acabaram de
chegar mais convidados em umas cadeiras no solário. Leve umas
toalhas!
Já assenti e já comecei a obedecer.
Tenho três toalhas na mão quando entro no solário e meu
sangue inteiro desce pros meus pés. Parece que Deus apertou
um botão no controle remoto porque há um segundo tudo estava
bem, e aí atravessei uma porta e minha paz acabou. Estou
gelado, pálido e absolutamente incapaz de me mover. O que
ataca meu desespero não é o Marcus sentado de lado em uma das
espreguiçadeiras que eu deveria servir, mas a mulher loira ao
lado dele, passando protetor nos próprios ombros, enquanto
conversam.
Pamela.
Não, não, não.
Esse pensamento não tinha me ocorrido.
Ansioso com o Marcus e sobrecarregado pelo emprego, eu
nem sequer me permiti pensar que aquela era uma
possibilidade.
Mas se a Pamela está aqui, então…
Eu me viro devagar, em uma tentativa de fugir antes de
ser percebido. O problema é que a mulher que sai da piscina,
bem na minha frente, parece subir as escadas em câmera lenta,
com gotinhas de água escorregando por aquele corpo que me
causa arrepios, mal coberto por um biquíni vermelho que nem
de longe é bastante para todas as suas curvas. Os cabelos
escuros encharcados e colados no seu corpo, assim como
estavam na noite do chuveiro.
Tento engolir em seco mas acho que minha garganta se
fechou para sempre.
Tenho plena compreensão de que devo parecer uma estátua
naquele instante, segurando as toalhas como uma oferenda.
Ela está muito perto.
Perto demais.
Só consigo olhar pra ela.
Só existe ela.
Ela e o oceano.
- Ah! Posso pegar uma dessas? - ela sorri, vendo apenas
as toalhas nas minhas mãos.
Não respondo e seu sorriso desaparece assim que olha pra
mim.
Desaparece como se nunca tivesse existido no seu rosto
qualquer coisa além da careta de choque e pânico.
- O… - gagueja - O quê…
- Pode! - tento salvar, erguendo uma das toalhas - Quer
que eu te enrole ne… não, ah, toma! Aqui. Uma toalha. Está
seca essa. Limpa. Melhor assim. Toalhas secas. Quer que eu te
traga mais toalhas? Ou uma bebida? No copo, não na toalha,
porque aí ela ficaria molhada e não seca, ou… - engulo em
seco, cruzo os braços, respiro fundo - Oi.
Ela precisa de um segundo inteiro para conseguir reagir.
- Você não está aqui. - é tudo que diz - Não pode estar
aqui. O que está fazendo aqui?
- Trabalho aqui. - dou um tapinha na placa dourada com
meu nome sobre meu peito.
- Não trabalha aqui. - ela decide. Segue anunciando
coisas como se o simples ato de dizê-las fosse capaz de
torná-las realidade - Isso não está acontecendo.
Coço minha cabeça.
- Você quer que eu vá embora?
- Do navio?
- Não. Do navio, não dá. Quis dizer…
- Oh… eu…
- Spencer… - as vogais, cantadas daquele jeito - Vim ver
por que está demorando tanto.
Tatiana olha para Sharon como se considerasse enfiá-la em
uma estaca e queimá-la agora mesmo por ter nos interrompido
antes que ela pudesse colocar ordem no caos.
Se aquilo não é fácil de aceitar para mim, que sou do
culto "deixa a vida me levar", imagina pra Tatiana Pragmática
que não dá meio passo sem um plano.
Sharon, no entanto, tem nenhuma noção da história que se
desenvolve diante dela e, suspeito, mesmo que tivesse ainda
teria arranhado meu peito, exatamente do mesmo jeito e dito:
- Você me prometeu sexo na praia. Feito por você. E com
capricho. - murmura, erótica.
Caralho, hein.
Não sei se dava pra minha situação ficar pior, mas tenho
até medo de dizer isso em voz alta e o Universo escutar como
um desafio.
Tatiana tem uma risada frustrada de desdém. É um "puta
merda" sem as palavras.
- Claro. - diz pra si mesma - Lógico.
- Tati… - peço, mas ela me encara com fogo nos olhos.
Desafiando-me a me atrever a usar seu apelido, de novo.
- Eu vou pegar uma dessas. - toma a toalha da minha mão,
sem cortesia - Na verdade, vou pegar todas. E aí eu deixo
suas mão livres pro sexo na praia.
- Ela quis dizer o drink! - explico, só pra ter certeza
que ela entendeu.
Mas, se entendeu, não se importa. Já se afastou, furiosa
e, além dela, Pamela espera com uma das pontas do óculos de
sol enfiado na língua e no sorriso, e Marcus bem ao lado
movendo os lábios como se quisesse descobrir um jeito de
morder os próprios dentes.
Tento respirar mas alguma coisa metafísica prende meu
peito.
- Spencer…? - canta.
- Vou pegar seu drink. - prometo, sem sorriso ou cortesia
dessa vez.
Acho que ela ia dizer alguma coisa, mas eu prefiro me
afastar e agir apenas como garçom pelo menos até colocar
minha cabeça de volta no lugar.

***************
Tatiana

FILHO DA PUTA.
Imbecil!
Idiota!
Tarado, safado, cachorro, desavergonhado, imoral,
indecente, descarado, CÍNICO!
Seco meu corpo, irritada. Pamela está mordendo a ponta do
óculos de sol como se alguém tivesse acabado de anunciar que
o jantar, hoje de noite, é sexo.
- O que ele está fazendo aqui?
- Quem? - ela pergunta e eu paro de me secar para encará-
la com raiva.
- Eu cuido disso. - Marcus levanta, soturno.
- Cuida de quê? - rosno.
- Vou tirá-lo daqui! Vou falar com o responsável, com o
capitão se for prec…
- Você vai ficar sentado aí que ninguém te pediu pra
fazer nada! - aviso e ele senta de volta, observando-me em
choque enquanto escolhe os movimentos com cuidado, como faria
diante de um animal selvagem.
Pamela tem uma risadinha sacana de quem é capaz de se
divertir diante de incêndio e dá um tapinha no joelho do
nosso amigo.
Amigo.
Quando o Marcus disse que vinha nessa viagem também, eu…
Não é hora de pensar nisso.
Ele está dando em cima das passageiras!
Claro que está!
"Gosto de mulheres mais velhas".
Idiota.
IDIOTA!
Ele e eu. Que acreditei nessa ladainha.
Esfrego minha testa com raiva.
MEU DEUS! COMO eu fui tão cega e imbecil? Como?
Foi só por um segundo, só por um dia, mas eu realmente
acreditei que…
AH! INFERNO!
- Você quer ir embora, amiga? - ela pergunta - Quer dar
uma volta? Ou ficar sozinha?
- Não. Ele está trabalhando aqui. Pois que trabalhe. Eu
estou de férias e tinha planos de passar minha tarde na
piscina, Pamela, e sabe o que mais? É EXATAMENTE isso que eu
vou fazer. Eu não vou sair!
- Ótimo. E eu quero um drink! - ela acena para algum
garçom atrás de mim.
- Só não chama…
- Sim?
- Oi, Spencer. Azul marinho fica ótimo em você. - ela
diz.
- Obrigado. Posso trazer alguma coisa pra vocês?
Eu estou de costas pra ele e decido ficar assim. Só ouvir
sua voz já é mais do que eu aguento.
- Pode desaparecer. - Marcus resmunga.
- Não seja mal educado. - Pam recrimina - Eu quero… o que
é que você recomenda?
- Sexo na praia. - aviso, arisca - É o favorito dele.
- Era o nome do drink! - ele repete, frustrado - Era o
drink que ela queria.
Levanto a mão para que ele se cale porque eu não quero
ouvir.
Fui muito adulta e recatada no nosso rompimento em meu
apartamento. Agora, eu já não posso mais prometer o mesmo.
- Sexo na praia. - Pamela estala as palavras na língua -
Pois é isso mesmo que eu vou querer. E um pra Tati, também,
que ela está nervosa.
- Eu não estou nervosa.
- Bastante vodka na dela. - pede - Bastante na minha
também! E… você faz aquela versão sem álcool desse mesmo
drink? Como é mesmo que se chama?
- Virgens na praia? - pergunta.
- Esse mesmo! Um desse pro Marcus.
- Ah, pelo amor de… - ele se levanta, irritado e acho que
ouvi Spencer rir.
- Posso pedir pra outra pessoa trazer. - diz, educado.
- Não, querido. Você é ótimo.
Ele ainda está parado atrás de mim. Eu o sinto ali.
Encarando minha nuca, queimando minha pele. Só consigo
respirar quando escuto seus passos se afastando.
- Sabe? - digo para minha amiga - Se eu te matar e jogar
teu corpo no mar, seria o crime perfeito.
- E por que faria isso?
- Por que está sendo gentil com ele?
- O garoto está só trabalhando, Tati, relaxa.
- Só… Pamela! Você tem alguma coisa a ver com isso?
- Hm?
- Pamela, se você tiver alguma coisa a ver com isso, eu
vou te matar!
- Tatiana, por que você está tão nervosa?
- Ele estava dando em cima daquela mulher ali!
Descaradamente!
- Oh meu Deus! - ela leva a mão ao peito, teatralmente -
Um homem solteiro? Dando em cima de uma mulher? Um
funcionário de cruzeiro gostoso flertando com clientes? Não
acredito!
Eu incho de indignação e não sei quais palavras usar:
- Ele… ele…
- Ele… ele… não te deve nada! - lembra.
- E mesmo quando devia, deu em cima de outra!
- Pelo que eu me lembro… - estreita os olhos - você disse
que não se incomodou e que já estava mesmo esperando isso.
Disse que "não era nada sério" e que estava "só se
divertindo"?
Espremo meus lábios com muita força.
- Ou era mentira? - provoca - Ou você estava sim gostando
dele e só inventou essa história de "não ligo" pra se sentir
melhor? Eu não julgo, Tati. Mas se você não gosta dele, não
sei porque está tão nervosa. Deixa ele dar em cima de quem
quiser.
Coloca os óculos de sol de volta no rosto e deita na
espreguiçadeira.
- Eu estou impedindo? - resmungo - Eu, por acaso, estou
impedindo o Spencer de fazer alguma coisa?
- Tati, você tá bloqueando o Sol. - reclama.
- E você está bloqueando meu humor.
- Claro. Tenho certeza que sou eu a culpada pelo seu
humor… ah! Obrigada, querido!
Ela se ergue na espreguiçadeira para aceitar os drinks.
Ele trouxe o do Marcus também, apesar de não existir mais
Marcus agora, ao que tudo indica. Desapareceu, não sei pra
onde e, pra ser sincera, não fosse o terceiro drink que
restou sem dono, eu sequer teria percebido.
- Não botei bastante vodka no seu. - avisa.
E está esperando o quê? Gratidão?
- Ótimo, até porque eu sequer pedi um drink, não foi?
- Tati… - Pamela começa e eu estou prestes a dizer "tá,
tudo bem, desculpa", mas Spencer é mais rápido que qualquer
uma de nós:
- Qual o seu problema? - reclama.
- O meu problema?

É
- É! Eu achei que a gente tinha terminado em paz. Não
fiquei feliz com o jeito como você decidiu acabar tudo, mas
eu aceitei. E não teve drama ou briga… achei que, pelo menos,
seríamos adultos.
Minha boca está entreaberta porque ainda não decidi do
que reclamar primeiro.
- Mas aí você chega aqui agora e não para de ser…
arredia. Que mal eu te fiz?
Respiro fundo.
Estou fervendo de raiva.
De ciúmes.
Eu sei que é isso.
É exatamente isso.
Mas ele está certo. E Pamela está certa.
O pouco direito que eu tinha de sentir ciúmes acabou e
ele está só trabalhando.
Encho os pulmões e vou lhe pedir desculpas. Juro que vou.
- Além do mais - ele continua - se alguém aqui tem
motivos para ficar com raiva, sou eu.
O quê?
- O que foi que disse?
- Que quem tem motivo pra estar com raiva sou eu.
Cruzo os braços e o encaro de frente, talvez pela
primeira vez desde que descobri que estava ali.
Isso quase me desarma mais do que me ajuda. Ele usa uma
camisa branca bem justa nos braços, parece capaz de prender
sua circulação quando flexiona os músculos, fazendo-os pular
daquele jeito que implora por uma língua. O cabelo preto
caindo por cima dos olhos escuros é a única coisa que lhe dá
um ar travesso, porque todo o resto dele é homem e imenso. O
queixo rígido e quadrado, os lábios irritados e bem
desenhados, a sombra de sua barba malfeita que é uma delícia
de sentir nas coxas.
A única coisa que me salva é minha fúria.
Agarro-me a ela para não me afogar.
- E que motivo seria esse?
Spencer tem um sorriso de desdém que me dá vontade de lhe
dar um tapa.
Na bunda, talvez.
Mas muito forte, ainda assim.
- Olha, a gente não devia conversar sobre isso agora.
- Ah! Mas o momento para modéstia veio e foi-se, Reese. -
rosno - Vamos conversar sobre isso agora, sim.
Seus olhos castanhos firmes sobre mim. O tremer do lábio
inferior de quem quer muito terminar uma conversa que deve
estar entalada em sua garganta há muito tempo, mas ao mesmo
tempo sabe que não poderia escolher um momento pior para
fazer isso nem que lhe dessem um calendário e liberdade de
escolha.
- Eu disse que gostava de você. - dobra o lábio, o tremer
do lábio traduzindo-se em fúria também - E você me botou pra
fora, sem cerimônia.
- O quê?
- Você ouviu, não foi? O que eu estava conversando com a
Laurie no beco atrás do restaurante.
- Ouvi sim.
- Tudo?
- Ouvi o suficiente. Vocês demoraram para me perceber.
Você fica muito gostosa com esse avental.
- E aí acabou comigo?
- Você queria que eu fizesse o quê? - acho que me exaltei
porque atraí olhares.
A amiga.
"Amiga", era o que ele dizia. O cachorro!
CACHORRO!
- Não queria casar e ter filhos até o fim da semana,
Tatiana. Mas achei que a gente pudesse…
- Continuar transando? Sem compromisso? - ofendo-me.
Acho que você está me confundindo com outra pessoa,
Spencer.
- Era só isso pra você? - ele reduz a voz até ser pouco
mais que um rosnado rouco de cólera.
- Vai mesmo colocar a culpa disso em cima de mim?
- Não, não. Acho que a culpa é minha. Acho que esperei
demais de você depois de um relacionamento de poucas semanas.
- O quê? O que diabos quer dizer com isso?
Ele está me criticando por esperar fidelidade?
E daí que foram só poucas semanas? NÓS ESTÁVAMOS JUNTOS!
Spencer repuxa a própria camisa como se ela o incomodasse
por toda a parte. Tem os lábios apertados até fazê-los
desaparecer.
- o que está fazendo? - reclama - Você apertou minha mão
e me colocou pra fora da sua casa! Encerrou a nossa transação
e se quis ver livre de mim. Me usou como quis e depois me
jogou fora.
- O QUÊ?
- E agora ainda tem a cara de pau de achar que eu mereço
ser destratado?
- Cara de pau? EU? Como você SE ATREVE!
- … por estar fazendo meu trabalho?
- Ah! Eu tinha esquecido que seu trabalho é dar em cima
de mulheres mais velhas.
- E se for? Não é da tua conta, Tatiana.
- Não! NADA que você faz é da minha conta! - estou
lívida. Sinto cada músculo do meu corpo ficar tenso, minhas
mãos viraram punhos e eu acho que nunca estive tão perto de
apelar pra violência na minha vida. - Você é um adulto. AGE
como se fosse um moleque. Mas é um adulto, não é?
- Eu sou o moleque? Você sai de férias com o Marcus,
depois de tudo que aconteceu e…
- AH, e ISSO é da TUA conta?
- Reese?
- Que foi? - rosna para a mulher às suas costas, mas
recua assim que nota com quem está falando.
Ela tem os cabelos escuros presos em um coque apertado.
Usa o mesmo uniforme que ele e tem uma expressão de educada
impaciência estampada no rosto. A educação, suspeito, para
mim. A impaciência, sem dúvida, para ele.
- Pode vir comigo, por favor? Preciso de você no bar.
Ele respira fundo e parece acordar de um pesadelo.
- Claro. - murmura baixo. Mal se despede com um olhar
curto e se vai.
As poucas pessoas ao redor que já começavam a perceber
nosso conflito rapidamente se voltam aos próprios afazeres
até me restar nenhum espectador fora Pamela.
Eu sento na espreguiçadeira ao lado da dela. Sinto meu
humor encolher com o peso literal da vergonha.
- Eu estava falando muito alto?
- Um pouquinho. - acena.
- Mas você ouviu o que ele disse? - tento me defender.
- Tati, vocês não estavam falando baixo. A princesa
Ariel, lá no fundo do mar, ouviu o que ele disse.
Eu sinto minhas emoções na garganta.
Ressecada e dolorida.
Algo amargo preso ali, transbordando tristeza até me
fazer notar que estou segurando lágrimas.
- Ele chamou o que a gente teve de transação. - sussurro,
sentindo meu coração doer.
Eu não estava apaixonada por ele.
Mas… Transação? Sério, Spencer?
- É. - Pamela fala, casualmente, mas ainda está olhando
por cima do meu ombro. Como se tivesse partes do quebra-
cabeça que eu desconheço e estivesse fazendo um esforço para
entender que imagem ele forma - Eu ouvi. - conclui, técnica.
- É só isso que vai dizer? Meu Deus, Pam, normalmente eu
sou a fria.
- Tem algo a respeito do Spencer, que… chame de instinto
se qui…
- Você e seu instinto! - resmungo - Fez o maior inferno
quando eu disse pro Marcus que ele podia vir conosco se
quisesse! O MARCUS! Que é nosso amigo há anos e que você
mesma já quis que namorasse comigo. Mas, de repente, ele não
presta mais e quem presta é o Spencer?
Ela se vira apenas um pouco e eu acho que deve estar me
encarando através dos óculos escuros.
- Amiga, Deus sabe que eu te amo, mas você precisa se
acalmar! Está parecendo uma ex fora de controle!
Travo meus punhos com ímpeto.
Era só isso que eu não queria.
Usei TODA a minha resiliência para acabar tudo com
Spencer do modo mais profissional e adulto possível. E aí
agora eu estava jogando tudo fora por causa de um "sexo na
praia".
Aperto meus dentes e respiro fundo.
- Eu acho que tem algo no Spencer, sabe? - sorri, mística
- Algo que talvez você ainda não esteja conseguindo ver.
Aperta meu joelho em uma tentativa breve de me confortar
e deita-se de volta na espreguiçadeira. E eu… eu passo a
tarde na piscina com ela.
Ignorando a existência de um garçom que deve ter sido
categoricamente instruído para ficar longe de nós porque,
pelas próximas três horas, não nos serviu uma única vez.
Mas ainda está ali.
Com todo seu porte robusto de homem que sabe usar o corpo
inteiro pra te espremer no colchão. Com seu sorriso atrevido
e seus cabelos escuros bagunçando-se no vento. E eu o observo
enquanto faço meu melhor para fingir que estou fazendo tudo
menos isso. Eu o observo e tento ver o que o instinto da
Pamela viu: algo que eu ainda não estivesse conseguindo.
Mas, pelas próximas três horas, só o que vejo é meu
Spencer dando em cima de todas as mulheres ao nosso redor.

***************
Spencer

Ela aparece na minha casa bêbada! Troca um monte de


carinhos e confidências. Depois acaba o namoro e me bota pra
fora como se eu fosse o cara do gás que só esteve ali pra
consertar o encanamento. E eu tentei ser o adulto, sabe?
Engoli minhas emoções e não liguei pra ela de madrugada
quando não conseguia dormir. Não mandei sequer uma única
mísera mensagem porque eu já tinha entendido o recado: ela
era mulher demais pra mim e nosso acordo, que nunca tinha
sido feito pra durar, acabou.
Teve uma parte bem pequena de mim que quase preferiu que
aquilo tivesse sido apenas ciúmes da Lala e do que eu tinha
dito pra ela naquele beco… essa parte era fácil de explicar e
as pessoas dificilmente têm ciúmes de alguém que não gostam.
Então, Tati com ciúmes seria um bom sinal, certo?
Significaria que ela gosta de mim.
Mas eu perguntei.
Perguntei com todas as letras na casa dela e expliquei
que era só uma brincadeira entre amigos… e ela sequer alterou
a voz.
Não foi isso.
Foi outra coisa que ela ouviu.
"Vocês demoraram pra me perceber".
Ela tinha ouvido minha declaração e não gostou do que
ouviu. Não gostou do meu atrevimento de achar que eu tinha
chances com uma mulher como ela.
Eu disse a ela que não queria casar e ter filhos em uma
semana, mas só queria… sei lá, sabe? Ver onde isso ia dar.
Mas o que ela diz?
Qual a primeira coisa que ela diz?
"Continuar transando? Sem compromisso?"
Não, Tati. Isso não ia dar pra fazer.
Mas era só isso que ela queria.
Meu trabalho era "dar em cima de mulheres mais velhas",
como ela tinha recitado com tanto gosto.
Era só isso que ela via. O cara do site. O cara do site
que se envolveu demais e precisava ser descartado.
- Reese, precisa trocar de turno?
- Não. - prometo - Vou me comportar.
- O que diabos foi isso? - Bia murmura, irritada - Perdeu
o juízo?
- Ex namorada. - explico, engolindo em seco - Achei que a
gente tinha terminado as coisas em bons termos, mas acho que
me enganei.
Bia, no entanto, não parece ter escutado o fim da minha
frase porque ainda está presa no começo.
- Ex namorada? A gordinha muito gostosa?
Confirmo e o queixo dela cai até ser absolutamente
perceptível.
- Ce tá me zoando.
- Juro por Deus.
- O que houve? - Noah se aproxima.
- Olha a ex do Spencer! - aponta.
- MENTIRA! - o outro recusa - Era tua namorada?
- Namorada de quem? - Eli também se junta a nós.
- A gostosa de biquini vermelho, tá vendo? Ex do Spencer.
- Sério? Puta merda.
- Nossa, que mulher boa.
- Deus abençoe.
- EI! Será que a gente pode voltar a trabalhar, por
favor? - resmungo.
Bia sorri mas concorda.
É É
- É melhor. Eli cuida do solário essa tarde. É melhor o
Spencer ficar longe da ex.
- Eram vocês dois que estavam batendo boca? - Eli
pergunta, rindo.
- Ei, eu posso ficar com o solário. - Noah encara Tati a
distância e eu acho que posso bater nele se continuar olhando
pra ela desse jeito - Se ela gosta dos mais novos e o Spencer
não se incomoda… - ele tem um sorriso de quem está brincando,
mas sei que está falando sério.
- Eu me incomodo. - resmungo com dentes semicerrados. Ele
dá um passo pra trás e se rende.
A Bia acena pra que ele fique quieto e deixa o Eli
responsável pela Tatiana e Pamela.
- Tem certeza que consegue se comportar? - ela aponta o
dedo pra mim.
Aperto meus olhos e respiro fundo. Tudo dói.
Tudo.
Não tenho certeza de nada mas, pela Bia, eu vou tentar.
Balanço minha cabeça concordando e volto para as outras
mesas. A Sharon precisa de mais uma toalha e de ajuda com o
protetor.
- Já trago mais uma toalh…
- Não tem pressa! - ela decide, enfiando o pote nas
minhas mãos. Desce as alças e segura o biquini apenas pela
parte superior. Certamente, achando-se absolutamente sedutora
em seu pequeno truque e, não me entenda mal, Sharon é uma
mulher linda… mas se meu interesse antes era pouco, agora que
Tatiana está bem ali em algum lugar… meu interesse é menor
ainda.
Coloco as mãos em seus ombros sem qualquer duplo sentido.
Ela remexe os ombros deixando claro que aprecia o toque, mas
eu apenas tenho um sorriso cortês e um cumprimento. Ou pelo
menos era isso que eu tinha até sentir uma calor em minha
nuca. É quase metafísico, meu corpo percebendo os arredores
com um sentindo que eu nunca soube que tinha, um super poder
recém adquirido. Como se eu estivesse sentindo sua presença
com minha alma.
Não preciso me virar para saber que Tatiana está me
encarando.
Mas eu me viro ainda assim.
E ali está ela.
Mastigando o canudo do seu drink enquanto ignora por
completo a bebida dentro do copo.
Continuar transando? Sem compromisso?
Deus, eu queria dar um tapa na sua bunda quando disse
aquilo.
Um tapa bem forte.
Escorrego meus polegares pelas costas de Sharon em uma
massagem bem mais envolvente do que eu jamais tinha
pretendido lhe dar.
- Bom assim? - pergunto.
- Hmmm. Ótimo! - ela geme, enroscando uns dedos nos meus,
impedindo que me afaste.
Tatiana estava quase deitada na espreguiçadeira. Mas
agora sentou e está quase de pé.
Um sorriso involuntário em meu rosto.
Ciúmes significa algo, não é?
Significa interesse.
Significa que talvez ela sinta algo.
Tudo bem.
Posso trabalhar com isso.
Sharon recebe uma massagem completa.
Estamos quase do lado oposto de Tatiana mas ela consegue
nos ver muito bem, mesmo a distância, através da piscina
principal e não tira os olhos de mim por um único segundo.
Passei protetor em Sharon suficiente para uns três dias de
piscina e só saio dali porque acho que estou correndo o risco
de transformar uma provocação de leve em erotismo
indisfarçável, principalmente quando ela começa a gemer de um
jeito desconcertante.
- Decidiu comer a Sharon? - Eli sussurra quando nos
cruzamos no bar - Ou está fazendo ciúmes na ex?
- Vai me julgar se eu disser que é a segunda coisa?
- Não. - ele ri - Porque está funcionando.
- Está? - prendo a respiração. Imaginei que estivesse,
mas também imaginei que poderia ser só minha imaginação
imaginando imagens.
- Ela não tira o olho de você! Tem um cara com elas?
- Tem. - torço o nariz.
- Pois ele chegou, perguntou umas coisas e foi embora sem
resposta porque ela sequer notava que ele existe. Acho que
você vai matá-la antes do dia terminar.
Dou de ombros, sem conseguir impedir o sorriso.
Estou bem certo que Marcus ainda vai mandar alguém me
demitir ou me matar mas enquanto esse dia não chega, eu
aproveito todos os outros.
- Cuba Libre? - Tabia pergunta, mordendo a ponta da
língua entre o sorriso quando me vê passar.
- Com bem pouquinho álcool? - estreito os olhos.
- Ou com bastante! - ri, olhando ao redor para indicar
que o pai não está por perto.
Tabia é outra de minhas clientes regulares no deck 17.
Acabou de fazer 21 anos mas apesar de, legalmente, poder
consumir bebidas alcoólicas, está viajando com a família e
seu pai, um milionário egípcio, é severamente contra o
hábito.
Ela pede "uma coca" quando ele está por perto e "cuba
libre" quando ele não está. Os dois pedidos significam a
mesma coisa, só o que muda é a quantidade de álcool que peco
pra Bia colocar e a discrição com que faço a entrega.
Hoje, no entanto, ela está sozinha.
E hoje, portanto, ela achou de bom tom alisar meu braço
quando faz o pedido.
- Vou colocar pouco álcool ainda assim. - aviso.
- Não quer me deixar bêbada? - murmura em tom de segredo.
- Jamais. - anuncio alto, afastando-me.
Mas mal me viro e eis Tatiana, a distância, observando-
me. Aí eu volto, pisco um olho pra Tabia e tomo sua mão para
beijar-lhe os dedos.
Só de sacanagem.
É.
Pode me julgar.
O dia inteiro se passa assim.
Basta que uma das passageiras encoste em mim e consigo
sentir o olhar crítico de uma morena gostosa me derretendo
por inteiro.
E eu gosto.
Por mais patético que seja, se divertir às custas do
ciúme alheio - se é que é ciúme o que Tatiana sente - é a
única coisa que eu tenho. É o único pouquinho de paz que
tenho em meu espírito durante aquele dia. Vê-la perseguindo-
me com o olhar sempre - e apenas - que uma outra mulher está
colada no meu braço ou nos meus olhos.
Preferia que fosse ela.
Mas ela preferiu me colocar pra fora da sua vida e,
agora, prefere se colocar de costas sempre que estou perto o
suficiente para ver suas sardas.
Tabia sai da piscina para roubar um beijo em minha
bochecha assim que trago o que pediu. Eu sorrio desconcertado
porque, de repente, minha posição ali mudou, não é?
Não é mais só brincadeiras e gorjetas. Agora é um monte
de mulheres que não me interessam versus a mulher que eu
queria.
O dia se arrasta devagar, fazendo-me acreditar que não
vai acabar nunca.
Mas acaba.
Acaba com Tati e Pamela indo embora para suas suítes no
17 e eu para minha cabine.
Beni está terminando uma partida de poker contra Eli e
outras três pessoas que ele conseguiu enfiar em nosso quarto
minúsculo através de métodos que, um dia, a Física vai tentar
explicar.
- Desculpe, Reeso! Já estamos terminando aqui!
Eu aceno para que ele não se incomode. Beni tem um turno
a noite, deve sair em cinco minutos de qualquer modo. Não me
faz diferença esperar.
Mas eu mal tenho tempo de baixar os olhos para o meu
celular até escutar ruídos simultâneos de vitória e derrota
quando o jogo acaba.
- Seu turno é meu, Alan! - Beni comemora.
- Tá. - resmunga, mal humorado, que dia você vai querer?
- Depois do próximo desembarque. - anuncia, sem hesitar.
- Roubou um dos meus turnos, também. - Eli me avisa,
culpado - Melhor avisar pra Bia.
- Não roubei nada, ragazzo. - Beni anuncia - Ganhei nas
cartas! Vitória justa, han?
- Tá, tá. - Eli se despede, assim como todos os outros,
deixando as cartas sobre a cama.
- Mordomo na Royal? - pergunto.
- Em algum dia depois de um desembarque. Os passageiros
sempre voltam cansados quando temos um dia atracados em algum
lugar, Reeso. Eles vão em trilhas e passeios e chegam mortos.
E aí o que acontece? Eles encontram Benito, han! Pronto para
servi-los com luxos que nem sabiam que o cruzeiro poderia
oferecer. As gorjetas, Reeso, precisa ver as gorjetas! - ri e
aperta-me.
- Estou feliz por você. - minha gargalhada é genuína.
- E agora, eu preciso ir! E você ainda está com os mesmos
turnos essa semana?
- Por enquanto, sim. Mas o Guido já me avisou que as
agendas mudam em breve.
- Ele vai te colocar como salva-vidas na piscina
principal qualquer dia desses.
- Han? Por quê?
- Fez o treinamento? Para ser salva-vidas?
- O básico.
Ele dá de ombros.
- É suficiente. Tem uma porção de salva-vidas na
principal, você não ficaria sozinho.
- Mas por que… eu sou ajudante de cozinha!
- Ele ainda não deve ter te visto sem camisa. Mas quando
vir, vai te colocar lá, anote o que eu estou dizendo.
Entrega-me um bloquinho de papel e um lápis para causar
efeito. E aí me dá um beijo na testa e vai embora.
Quando ele voltar, eu já devo estar acordando para ir
embora.
Para a cozinha.
Para o brunch.
E, mais uma vez, para o 17
Porque se Marcus fez alguma reclamação, ela não foi bem
recebida: o dia seguinte veio e o Guido não mudou minha
agenda.
Eu vou pro 17 como quem vai pra guerra.
Orando para que eu consiga vencer a batalha ou, pelo
menos, sair dela vivo.
14. O prólogo do manual
Tatiana

É o truque mais velho que existe, não é?


"Causar ciúmes no outro".
No manual de relacionamentos, esse tópico deve vir logo
no prólogo.
E, ainda assim, eu me deixei levar.
Se ele estava me provocando intencionalmente ou se foi
acidental, não importa. O resultado foi o mesmo.
A preciosa dignidade que eu tinha preservado naquela
tarde em meu apartamento estava se perdendo aos poucos. Eu
conseguia senti-la escapando a cada nova mordida que eu dava
no canudo daquele maldito drink, com gelos que derreteram e
esquentaram na minha mão, sem nunca ser bebido.
Esse cruzeiro tem dezenove decks. Fora as áreas restritas
a tripulação é seguro dizer que eu poderia ir para qualquer
um deles. Então, por que quando eu me visto naquela manhã,
depois do café, eu sei exatamente para onde quero ir?
Estou usando um salto muito alto e um vestido de verão
bem leve. Deixei meu cabelo solto e entro no lounge me
forçando a ignorar os funcionários.
Não olhe pra ele. Não olhe pra ele. Não olhe pra ele.
Meu mantra, no entanto, é em vão. Porque apesar de meus
melhores argumentos lógicos, estou inconscientemente
procurando Spencer assim que dou um passo para dentro do
lounge. E é vão também porque, apesar do desejo de vê-lo que
eu nunca confessaria, ele não está lá.
Livrei-me de meus amigos para absolutamente nada.
Ou pelo menos achei que tinha feito isso porque estou no
lounge há exatos sete minutos quando escuto suas vozes.
- Agendei umas massagens pra gente no SPA. - Pamela
aperta meu braço - Para você não ficar perdida aqui sozinha.
- O… o quê?
- Era de tarde quando ele chegou, meu bem. O turno dele
só deve começar depois do almoço.
- Eu…
- "…não faço ideia do que você está falando". - imita o
que, acho, deve ser minha voz - Claro que não sabe. Vem.
Ela guia nós quatro para dentro do Spa e, de lá, para uma
imensa jacuzzi aquecida enquanto esperamos.
Estou vagamente consciente de nós quatro dentro da água.
Vagamente consciente de três pessoas conversando ao meu
redor.
Vagamente.
Porque o resto de mim está pensando no que me levou até
ali.
O que está fazendo, Tati?
Por que quer chamar a atenção do Spencer?
E, mais importante, por que acha que vai conseguir?
Você dificilmente é a mulher mais bonita que ele já teve
na vida. Pode ter duas de você essa noite mesmo, se quiser e
aí? De que isso vai servir para sua autoestima?
- … eu posso pedir ao Marcus. - Julia avisa - Você joga
tênis, não é?
- Suficiente para não passar vergonha. - ele diz.
- O Will e a Jess reservaram uma quadra. Por que não vem
também?
- Não vou tomar o lugar da Pamela? - pergunta, mas é pra
mim que olha.
- Você já viu a Pamela jogando tênis? - Julia faz uma
careta - Já viu a Pamela fazer qualquer coisa que não seja
beber ou compras?
- Tenho certeza que de todas as pessoas aqui, você já me
viu fazer outras coisas. - promete, indecorosa, fazendo Julia
corar e calar.
- A gente pode jogar quand… - Marcus tenta salvar, mas
seu cavalheirismo é desnecessário porque uma das atendentes
voltou para levar Julia e Pamela embora. Prometeu já voltar
para o resto de nós e eu sorrio, educada.
É bom que essa massagista seja milagrosa ou dificilmente
vou conseguir relaxar.
O som homogêneo da hidromassagem ocupa todo o silêncio já
que nenhum de nós dois se preocupou em preenchê-lo com
qualquer palavra. A água borbulha com sais de banho
perfumados e eu dou um gole no champanhe que alguém colocou
na minha mão.
O que estou fazendo?
O que pretendo fazer quando ele aparecer?
Vai embora, Tati.
Vai cuidar da tua vida. Para de se humilhar.
- Você quer que eu vá embora? - a voz de Marcus é
frustrada.
- Han?
- Eu posso ir ficar com o Will ou o Lee. - cita alguns de
nossos conhecidos também no cruzeiro.
- Han? - repito.
- Tati, você parece que não me quer aqui.
Meu Deus, homem.
Eu sequer estava pensando em você.
- Não, não é isso. - engulo em seco.
- É o Spencer. - recita o nome irritado.
- Vai melhorar. - eu digo.
- Não deveria sequer estar ruim. - morde as palavras -
Tati, ele não te merece. Nunca mereceu. Você é mulher demais
pra ele.
- Marcus, eu prefiro não falar sobre isso.
- Claro que prefere! Mas… - aperta as têmporas, enfia as
mãos molhadas nos cabelos. Tem uma careta de frustração que
nunca vi antes.
- Marcus…
- Sai comigo amanhã?
- O quê?
- Você me ouviu. Sai comigo amanhã. Um jantar. Só nós
dois.
E, de repente, não estou mais pensando em Spencer.
O pânico é grande demais.
- Marcus, isso é uma péssima ideia.
- Por quê? Porque eu fui apaixonado pela esposa do meu
melhor amigo minha vida inteira? Ou porque eu me atrevi a te
dizer que queria que se divorciasse dele? Ou porque eu tive o
AZAR de te dizer isso logo antes dele morrer?
- Não é isso.
- É exatamente isso, Tatiana. Exatamente. Você se sente
culpada. Se sente como se estivesse traindo ele porque queria
dizer sim. Porque queria se separar dele e queria ficar
comigo.
- Marcus, você acha mesmo que é apropriado falar disso
agora?
- Não! Mas não é apropriado falar disso nunca! Eu
respeitei seu luto por anos como o bom cavalheiro que sou e
quando você finalmente está pronta para seguir em frente
arranja um moleque de vinte anos no site da Pamela? Sério?
- Não sei se me ofender é o melhor jeito de me convidar
para um encontro.
Ele ri, cansado.
Triste.
É lindo, ele também.
Um charme que só maturidade é capaz de dar. Os cabelos
começando a encontrar um tom grisalho, um sorriso adulto que
é quase o oposto perfeito do atrevimento de Spencer. E está
sem camisa na água. Os ombros largos a mostra, flexionando os
músculos dos braços quando leva as mãos aos cabelos mais uma
vez.
- Eu gosto de você. - suspira - Gosto de você há anos e
eu acho… eu acho que você também gosta de mim. Ou gostaria,
se se permitisse. E eu não quero isso na minha lista de
arrependimentos. Quando minha hora chegar, não quero olhar
pra trás e ver que eu poderia ter feito alguma coisa. Esperei
a hora certa por anos e ela nunca veio. E agora estou indo
embora pra outra cidade, em parte porque você está quase me
enxotando para fora de Nova York.
- Não fiz isso!
- Mas antes de ir. Antes de acabar. Eu só queria um
jantar, Tati. Só um. Se não acontecer, não aconteceu. Mas…
mas pode ser que…
- Senhora Corso? - a atendente me chama.
Ele abaixa a cabeça para a água, frustrado.
Decepcionado.
Eu o observo, sem saber o que dizer.
Gostei dele.
Gostei muito e parte do que ele disse é verdade.
Talvez tudo que disse.
Mordo o lábio e espremo os olhos antes de respirar fundo.
- Amanhã a noite. - decido.
Ele me olha de volta com a mais absoluta descrença.
- De verdade?
Eu sorrio.
- De verdade.

***************

Spencer

Sou envolvido por um ritmo latino contagiante assim que


abro a porta para o lounge.
Salsa.
Noah está dançando com uma das passageiras e tenho
certeza que vai levar essa também pra cama.
O homem é uma arma de destruição em massa. Seus cabelos
loiros bem cacheados e o par de olhos amendoados lhe dão uma
expressão quase angelical. Mas, ao invés de asas, ele tem um
peitoral de nadador e um short que está sempre muito apertado
só para deixar claro a relevância do pacote que traz entre as
pernas. Não chega a ser imoral, mas sempre que ele se abaixa,
o olhar atento das mulheres ao seu redor desvia-se para sua
virilha e, mesmo que ele não tivesse me contado seu plano em
alto e bom som, ainda assim suspeitaria que a escolha do
tamanho de roupa era intencional.
- O Reese também sabe dançar! - ele aponta, incluindo-me
na sua pré-orgia mesmo que não faça a menor ideia se é
verdade o que acabou de dizer.
- Não, Noah, você vai precisar me ensinar.
- Precisa pedir pra Ellie, então. - aponta para uma das
mulheres sentada por perto - Ela está ensinando todos nós,
hoje.
Ellie tem um sorriso imenso e me convida com um gesto,
mas eu peco desculpas e vou direto para o bar porque acabei
de chegar no meu turno e não quero começar meu dia levando
bronca da Bia.
- Boa tarde, chefe!
- Ela está aqui de novo! - anuncia antes de me
cumprimentar - Sua ex, no solário. Vai se comportar?
Coloco minha mão na nuca para alongar meus ombros e
pescoço.
Preciso acordar às 4:30 da manhã, mas hoje eu estava de
pé às 3.
Na verdade, mal consegui dormir.
E acho que é bom que a primeira coisa que fiz quando
acordei foi destruir minha energia acumulada na academia ou
eu estaria entrando em ebulição agora.
- Posso ficar bem longe do solário.
- Era nisso que eu estava pensando. Sabe preparar os
drinks, não sabe?
- A maioria.
- Vou assumir seu turno e você fica no bar. Se precisar
de ajuda ou não souber como faz alguma coisa, me chama?
- Sim, senhora.
Ela me guia rapidamente pelo bar e me lembra que eu
sempre posso pedir para trocar de turno com alguém em outro
deck.
Mas eu não quero fazer isso.
Não vou ser colocado pra fora de novo.
Gosto dos meus colegas aqui. Gosto do trabalho e gosto
das gorjetas.
E, quem estou querendo enganar? Gosto dos olhares dela
também.
É horrível que, para ela, eu esteja preso entre ser
ignorado e ser maltratado, mas se a alternativa é não vê-la -
sabendo que está se divertindo em alguma piscina com o Marcus
- acho que prefiro a tortura.
Patético, eu sei.
Faço o impossível para não olhar na direção do solário.
Mas parece que Satanás passa a próxima hora inteira me
cutucando com seu espeto salgado sussurrando "olha, olha,
olha" bem no meu pé do ouvido.
Umas instruções eróticas do diabo que serviriam para
foder ninguém além de mim mesmo.
Não olha pra Tatiana, Spencer.
Você está a fim da mulher.
Ela vai estar usando uma porra de um biquini minúsculo e
você vai lembrar do gosto dos peitos dela.
O problema é… Você já tentou não pensar em alguma coisa?
É difícil pra caralho.
Você tenta se distrair, apelar pra meditação, transcender
o estado de espírito pra alcançar o Nirvana… E aí quando está
quase conseguindo e jura que está a salvo, você se vira por
um único instante e lá está ela.
Com a porra de um biquini minúsculo me fazendo lembrar do
gosto dos seus peitos, exatamente como eu SABIA que ia
acontecer.
Todo lilás e estampado. Cobrindo só o suficiente para não
deixá-la nua.
O cabelo escuro e úmido está bem amarrado, não em um rabo
de cavalo, mas… como se ela tivesse feito mesmo o rabo de
cavalo, mas depois tivesse enrolado o cabelo em um coque
improvisado por cima. Deixa seu pescoço inteiro a mostra.
Ainda estou molhada do teu leite.
Ainda tenho um pouquinho dele aqui.
Vai gozar antes de mim? De novo?
Eu preciso comer as dançarinas.
Preciso fazer uma fila bem longa de bellas na porta da
minha cabine, todas com rabo de cavalo a serem comidas de
quatro.
É o plano.
Eis o plano.
Os pedidos chegam rápido e encadeados. O lounge está
cheio hoje e eu vou chamar isso de benção porque todo o resto
que me aconteceu até agora tem gosto de maldição, então está
na hora do karma se equilibrar.
- Dois Macallans e um Grey Goose. - Eli.
Só mantenha a cabeça baixa, Spence.
Nada de olhar na direção do solário.
Só isso.
- Uma mimosa, um screwdriver e um rob roy. - Noah.
Cabeça baixa.
Cuide do seu trabalho.
O tempo vai passar depressa.
- Dois martinis. - Bianca.
Dois sex on the beach, um Johnny Walker com RedBull, três
coqueteis de fruta, um Chivas, cinco doses de tequila…
Eu sou um garoto ocupado.
Estou limpando o balcão quando Noah chega com uma cara de
urgência e um pedido pra oito pessoas.
- Preciso tomar essa da sua mão. - a voz feminina tem uma
melodia gostosa.
A passageira inclinada contra o balcão parece ser pouco
mais velha do que eu. Tem um sorriso lindo, um piscar de olho
atrevido e um corpo de comer ajoelhado.
- Com licença? - pergunto, confuso.
- Preciso tomar da sua mão. - mostra a dose de tequila.
- Da minha mão?
Ela aponta para o pequeno grupo sorridente atrás dela e
anuncia:
- Despedida de solteira!
Um quase grito coletivo toma conta do grupo.
- Não acho que você deixa eu tomar essa do seu umbigo,
deixa? - pisca um olho, fazendo-me sorrir por instinto.
- Pode tomar do meu se ele não quiser. - Noah interrompe
seu pedido urgente para rir de minha situação.
- Infelizmente não posso tirar o uniforme durante o
trabalho. - puxo minha camisa, com uma curva divertida nos
lábios.
- A gente pode esperar você acabar o trabalho. - uma das
amigas se manifesta.
Eu tenho um sorriso grudado no rosto porque tem pouco que
dê pra fazer quando um monte de mulher gostosa decide que vai
dar em cima de você.
- Ah é?
Se eu não estivesse trabalhando, levaria metade delas pra
cama. Talvez até a noiva.
Qualquer coisa pra tirar minha mente de…
- É uma prenda. - ela explica - Estamos fazendo uma
gincana, se você não me ajudar eu vou perder. - ela tem um
biquinho de garota contrariada que quase não consegue manter
diante do sorriso crescente.
- Ah, eu não posso te deixar perder! - procuro o sal e
limão atrás do bar - Não posso tirar a camisa, mas posso
ajudar com o sal?
Coloco o sal nos meus dedos e ela toma minha mão com
fome. Me lambe todinho, erótica no enfiar do meu dedo na
própria boca e…
Eu preciso muito comer as dançarinas.
Não fiquei com ninguém depois de Tatiana e Deus sabe que
a comi muito pouco se comparado com minha necessidade.
A boca da dama de honra é bem molhada e quentinha, ela me
chupa estalando a própria saliva na minha pele e eu estou
começando a sentir meu pau acordar. O sal acabou faz muito
tempo, mas ela ainda está me lambendo incentivada pelas
amigas. Toma sua dose de tequila sem tirar os olhos de mim. E
eu sou muitas coisas nessa vida, mas não sou inocente. Já
cortei um limão no meio e segurei uma das metades nos dentes.
Ela vem chupar o limão da minha boca e quase morde meu
lábio se eu não tivesse saído do caminho.
- Eu acho que vou querer uma dose dessas também! - outra
dama de honra se manifesta, mesmo que a primeira ainda me
tenha preso nos olhos.
Tem uns peitos gostoso e deve ficar bem boa de cabelo
preso.
O Noah come passageiras o tempo todo sem problemas, não
é? Talvez eu também devesse experim…
- Reese? - ele me chama. Tem algo errado no seu tom, eu
me viro meio esperando a Bianca e uma bronca, mas encontro
algo pior.
Marcus já tem um drink na mão. Mas a Tati só tem um
sorriso de descrença.
- Sexo na praia. - pede - Ouvi dizer que é a
especialidade da casa.
- Pra já. - assinto.
Profissional, lembra?
Eu não questiono.
- Não tem pressa. Dá pra ver que você está ocupado.
O coque se desfez e agora tudo que ela tem é meu penteado
favorito.
Ela tem um vestido bem leve por cima do biquini. Deus me
salve, pelo menos está vestida. A porcaria ainda tem um
decote imenso mas é alguma ajuda.
Bem pouca, porque eu estou imaginando como ficaria
encharcado. Como o Valentino.
Se desfazendo nas minhas mãos enquanto ela esfrega aquela
bocetinha molhada nas minhas coxas.
Será que ela topa lamber o sal dos meus dedos também? Já
estou levemente duro, se ela colocar a saliva na minha pele
acho que eu gozo e consigo voltar a me concentrar no
trabalho.
Profissional. Profissional, profissional, profissional.
Vodka, suco de laranja, schnapps de pêssego… misturo tudo
na melhor proporção que consigo e faço um drink lindo pra
Tati.
- Obrigada.
- Meu prazer.
Marcus rosna uma risada de desdém que não me incomoda…
ela está falando comigo, mesmo que seja para trocar
provocações é melhor do que quando me ignora. E, sendo
sinceros, eu aceitaria qualquer coisa de Tatiana em um dia
normal, mas em um dia com aquele rabo de cavalo, ela poderia
andar por cima de mim com saltos afiados e eu só perguntaria
se está confortável.
- Está uma delícia!
Sorrio pra ela.
Está sim, meu amor, foi feito com carinho.
Engole essa, idiota. Você joga minhas bebidas no chão,
mas ela gost…
- Quer experimentar? - ela vira o próprio canudo para
Marcus.
E aí acontece uma coisa que faz o mundo inteiro sair de
foco.
Ele toma sua mão no copo, uma carícia bem delicada em
seus dedos, puxando-o para a própria boca. Tem a outra mão na
sua cintura e eu sinto alguma coisa violenta no meu peito.
Bebe um gole direto do canudo dela e sorri.
- É, está bem bom.
Deve ter um resto da bebida nos lábios. Muito pouco
porque eu mal consigo notar… mas Tati passa o polegar no
lábio inferior de Marcus como se para limpá-lo e depois o
leva a própria boca… e chupa.
Bem discreta, de um jeito sedutor e puritano.
Ele trava os olhos nela e os dois parecem esquecer que
estão em público.
Meu coração afunda. Atravessando o estômago e vai se
encaixar entre meus rins.
Não.
Não, não, não.
- Vai querer alguma coisa? - pergunto pra ele. Pergunto
muito alto. Com a intenção mesmo de quebrar o clima e atrair
o olhar.
Ele desvia-se dela para mim apenas por um segundo:
- Não, o… obrigado. - e já se voltou para ela de novo.
Tatiana por sua vez não tirou os olhos do filho da puta
nem pra verificar minha saúde. Posso ter um ataque do coração
e morrer, bem aqui no meio do deck 17, e ela sequer
perceberia a turbulência.
Eles trocam um sorriso de confidências. Um bem íntimo e
cheio de promessa.
BEM NA MINHA CARA!
Saíram OS DOIS do CARALHO do solário pra vir trocar
sorrisinho aqui na minha porta?
Debaixo do MEU teto?
Ah, vão se foder.
Mas não juntos, sabe?
- Acho que vou tomar um pouco de sol. - ela suspira, com
uma risada tímida.
Eu amo aquela risada tímida.
Era pra ser só minha!
Está tentando me fazer ciúmes, Tati?
Está funcionando. Para, por favor.
- Eu te acompanho. - ele tem um sorriso apaixonado que
vai de orelha a orelha. Seria capaz de segui-la até para uma
sessão de degustação de veneno.
Estou segurando um copo de vidro na mão e só o que me
falta é uma boa desculpa pra jogá-lo nele.
Pensa RÁPIDO, Spencer! Tem que ter uma razão boa pra
jogar um copo na cara do idiota.
Ou uma garrafa.
"Eu tropecei, desculpa".
Será que serve?
Vai ter que servir.
Estou segurando o copo com tanta força que meus dedos
doem e acho que estou bem perto de estourá-lo na minha mão.
Mas demorei demais pensando em desculpas e eles se foram.
Tatiana não demora a estar fora do vestido de novo, fazendo-
me querer chorar e morrer.
Morrer chorando ou chorar morrendo.
Dou uns cinco murros curtos no balcão antes de Noah
interferir.
- Cara, para. - sussurra - Se controla.
Sinto uma falta de ar horrível, estou vendo manchas
escuras e não sei o que caralho está acontecendo. Já
encontrei ex namoradas antes e nunca foi assim.
Acho que eu não gostava delas.
Acho que foi a primeira vez que gostei de alguém.
De verdade.
Que ótimo.
Maravilhoso mesmo.
Eu queria ser rico. Queria ser milionário como os caras
dos livros. Pra poder destruir o Marcus de alguém jeito bem
horrível e tomar minha mulher de volta com algum plano que
envolvesse jatos particulares e diamantes.
Tudo que tenho, no entanto, é meu sorriso e um corpo
definido.
O que dá pra fazer?
- Ainda estamos esperando nossas doses! - o coro de
mulheres me lembra.
Ah.
É isso que dá pra fazer.
Quando me viro de volta pra elas tenho um sorriso safado
que toma meu rosto inteiro.
- Pra me desculpar por ter feito vocês esperarem… - tiro
a camisa e percebo meia dúzia de mulheres prendendo a
respiração. Noah ri satisfeito, escondendo a gargalhada na
mão - Vocês queriam tomar uma dose no… era no meu peito ou no
meu umbigo. Eu não lembro. - dou de ombros antes de exagerar
enrijecendo meus músculos - Que tal experimentar as duas
coisas? Quem é a primeira?

***************
Tatiana

Ele está SEM CAMISA! No meio do lounge, oferecendo doses


de vodka e tequila direto do próprio corpo.
Eu achei que isso aqui era um lugar de nível.
Achei que era um lugar decente.
Achei que era… AH! INFERNO!
É… é exatamente isso que é. É um inferno.
Eu já desisti de buscar conforto na Pamela porque ela só
faz rir e ameaçou até ir lá pegar uma dose, ela também.
Eu já desisti de buscar conforto na Julia que está certa
que nós dois estamos só provocando um ao outro e que isso vai
acabar em sangue ou sexo.
Eu já desisti de buscar conforto em nossos outros amigos
que sequer conhecem a história e eu preferia não ter que
compartilhar.
Só me sobrou o Marcus.
E agora eu estou mesmo presa nessa narrativa até porque
aceitei seu convite para jantar e, sem querer, acabei dando
em cima dele.
Tá… não foi TÃO sem querer assim. Na verdade, foi bem
calculado e intencional, mas a culpa é do Spencer! Ele estava
oferecendo limão da própria boca! Era pra eu ficar quieta?
- Eu vou até lá! - Pamela não consegue ficar quieta.
- Pare com isso! - imploro.
- Ah, vai! Parece estar muito divertido. Eu já volto. -
ela pisca um olho pra mim, provocando-me. Desafiando-me.
- Pamela! Pamela! - rosno, mas ela levantou e se foi.
Julia respira fundo como se não acreditasse que, de todas
as pessoas do planeta, seu coração e sua vagina decidiram
escolher aquela ali.
Eu te entendo, Julia. Meu coração e minha vagina são
animais irracionais também. Órgãos ESTÚPIDOS que fazem NADA
além de atrapalhar minha vida.
- Tati, ela está só te provocando. - Marcus sorri.
Parece mais calmo desde que aceitei seu convite e comecei
a lhe dar atenção.
Como se as coisas finalmente estivessem no lugar.
Só que não estão! Não existem mais coisas! Não existe
mais lugar! Só existe caos e sua paciência infinita está
começando a me dar nos nervos.
Sorrio, amarela.
- Pois eu não gosto de ser provocada e vou até lá impedi-
la. - decido.
Marcus diz meu nome como quem quer argumentar, mas não
existe argumento e eu já estou a caminho da Pamela e de um
Spencer que reuniu uma pequena plateia.
Já jogou tanta bebida no próprio corpo que até a bermuda
está molhada. Está virando um terço de uma garrafa de
champanhe sobre o próprio peito agora mesmo. A garota loira
de joelhos deve ter exatamente sua idade e sua libido, porque
tem a mão perigosamente em cima de sua virilha enquanto lambe
a barra de sua bermuda, enfiando a língua além do limite da
roupa, experimentando os desenhos de sua pélvis.
A última lambida que lhe dá é tão fundo dentro de sua
bermuda que deve ter encontrado seus pelos.
Eu vou pegar fogo.
Minhas bochechas estão quentes, minhas palmas estão
suadas, eu vou queimar de dentro pra fora e vou explodir.
- Eu quero experimentar também! - Pamela ergue a mão,
antes de piscar um olho pra mim - A não ser que você queira o
meu lugar.
Spencer se volta para nós duas com a ponta da língua no
sorriso.
- Não. - resmungo, com um sorriso infeliz - Vou só
assistir.
- Onde você quer? - Spencer convida.
- Nos dedos! - ela decide, cheia de decoro.
Sério? Esse alarde todo e ela escolhe os dedos?
Dou um passo para trás e me choco com Marcus que,
aparentemente, decidiu nos seguir.
Falta nele o auto controle que Julia possui, porque ela
ficou lá tomando Sol como se nada estivesse acontecendo
nunca.
Pamela mal encosta na pele de Spencer e eu começo a
suspeitar que ela queria experimentá-lo coisa nenhuma. Acho
que ela só queria me trazer até aqui para apreciar Sodoma e
Gomorra de perto.
- Eu quero o meu limão, Reese! - uma das garotas ao redor
coloca metade de um limão na sua boca mais uma vez e ele o
morde como um garoto obediente até que ela venha tomá-lo. A
garota usa língua demais para pegar a fruta, tenho certeza
que ela lhe lambeu e a revolta que causa em meu estômago é
grande o suficiente para quebrar minha inércia.
Spencer tem aquele sorriso lindo e confiante, erótico até
me fazer tremer.
Certo.
- Sabe? Acho que eu quero experimentar também! - decido,
sentindo a raiva tomar conta da minha boca.
- Quer? - Pamela e Marcus perguntam em uníssono. A
entonação que colocaram na palavra, no entanto, foi
absolutamente diferente. A dela, cheia de vida e alegria. A
dele, morte e desconforto.
- Quero.
A curva dos lábios de Spencer se expande em um sorriso
satisfeito de antecipação.
Balança a garrafa de champanhe no ar.
- Onde você quer, meu amor?
Enche as últimas duas palavras de ênfase, como se não
tivesse qualquer resquício de vergonha na cara.
- Acho que na boca. - engulo em seco.
Seu sorriso diminui de tamanho apenas porque aumentou em
curiosidade.
Parou de respirar.
Não tira os olhos de mim, como se temesse que eu pudesse
me desmaterializar se desviasse a atenção.
- Você manda. - murmura, cheio de calor.
- Ah. - ergo a mão quando ele começa a vir até mim - Mas
não você. - explico e ele congela - Você já está todo cheio
de saliva. - finjo um arrepio de nojo, recusando-o com um
gesto. Spencer para de andar e me encara como se estivesse
esperando o fim da piada. Mas não é uma piada. E o fim é esse
mesmo - Quero você. - aponto para o garoto loiro de cabelos
cacheados ao lado dele.
Também é funcionário no bar, tem um corpo lindo e uma
pele bronzeada de dar inveja.
- Agora mesmo. - ele já tirou a camisa, complacente.
Marcus, atrás de mim, ri satisfeito.
A inimizade entre ele e Spencer é tão aparente que aceita
qualquer derrota do outro como uma vitória sua.
- Posso? - indico o champanhe que Spencer tem nas mãos.
Sou eu quem sorri agora. Alegre e participativa.
Ele parece ter morrido um pouco, arrependendo-se
amargamente de sua brincadeira.
Encara a garrafa como se precisasse de um segundo para
decidir o que fazer. E o que decide é sorrir.
- Claro.
Vou buscar a garrafa em suas mãos, mas ele dá um passo
muito largo e invade meu espaço pessoal.
Muito perto.
Quem para de respirar sou eu.
Está tão próximo que sequer vejo mais a garrafa. Vejo
apenas seu tórax úmido e seus braços imensos. Ele para ali, a
poucos centímetros, afetando-me com seu calor e respira fundo
em minha bochecha.
- Aqui, meu amor. - entrega a garrafa na minha mão quando
sussurra contra minha pele.
Dou um passo para trás, depressa, ou traio meu próprio
plano.
Balanço o champanhe para meu novo amigo que abre os
braços me convidando a escolher uma parte do seu corpo.
Mas eu já decidi e não mudei de ideia.
- Posso? - mantenho meu sorriso mais pleno e gentil
quando lhe ofereço um gole do champanhe direto da garrafa.
Ele inclina a cabeça para trás para me deixar servi-lo, e
para permitir que uma boa parte do líquido escorra pelo seu
queixo e pescoço.
E aí, eu preciso lembrar todos vocês que sou uma pessoa
metódica.
E pessoas metódicas traçam um plano e o executam.
Passo minha língua na linha da mandíbula do loiro até
chupar seu queixo. Escorrego um sugar rápido pelo seu pescoço
e ele exagera em fingir um calafrio.
Eu me afasto para aplausos e risadas. Algumas mulheres
querem experimentar o loiro também.
- Delícia. - pisco um olho referindo-me a ele ou ao
champanhe… cada um escolha entender como preferir.
Spencer, no entanto, tem os braços cruzados e encara-me
como se fosse capaz de me engolir em dentadas.
- Essa brincadeira é divertida. - sorrio, arranhando o
braço de Marcus - Quer experimentar?
Acho que ele ficou muito sério e talvez tenha raspado o
nariz em minha bochecha.
- Quero. - murmura.
Mas eu estou olhando pra Spencer.
- Se incomoda se eu ficar com essa daqui? - indico a
garrafa em minha mão.
Ele não responde.
Tem gelo nos olhos.
Tem fogo na expressão.
Trava os dentes como se fosse feito de pedra.
- Obrigada. - pisco um olho.
O truque mais velho da história.
O prólogo do manual.

***************

Spencer
Puta que me pariu, hein?
Na boca.
Eu achei que ela ia me beijar.
Estava CERTO que ela tinha dito "chega" e veio tomar o
que era dela. E eu ia beijá-la de volta, bem devagar e
gostoso, assim que sua língua encostasse na minha pele.
Mas ela levou minha garrafa e foi embora com o Marcus.
Excelente.
É bom que o Noah tenha levado parte da atenção consigo
porque eu não consigo mais parar de olhar pra Tatiana.
Na jacuzzi.
Com o Marcus.
E o champanhe.
Estão dividindo a garrafa e ele a abraça quando ri contra
sua bochecha.
Não dá.
Não dá não dá não dá não dá.
Usei tudo que restava de meu autocontrole quando ela
lambeu o Noah.
Aquela língua boa pra cacete, bem dengosa e safada,
experimentando a pele de outro cara. Só isso já tinha sido
suficiente pra me fazer morder a parte interna de minhas
bochechas com tanta força que eu sentia o gosto de sangue.
Ainda assim eu fui um guerreiro e fiquei quieto.
Mas esse carinho todo com o Marcus não dá, sabe?
Preparei um copo imenso de uísque para ninguém e coloquei
em uma bandeja.
Eu vou até lá.
Vai até lá fazer o quê, Spencer?
Dar um murro nele!
Acabar mais uma festa com uma briga na piscina? Você vai
ser demitido.
Dou um murro nele e jogo ele no mar.
Uns vinte murros.
E depois o mar.
O irracional venceu.
O instinto venceu.
Porque eu tenho o copo de uísque na bandeja e estou a
caminho da jacuzzi. Ele a tem nos braços e eu sinto meu corpo
inteiro palpitar. Convulsões metafísicas, fazendo cada
centímetro cúbico de minha carne se contrair de cólera.
Jogo o copo de uísque inteiro na piscina. Não exatamente
em cima do Marcus porque ele está abraçado com minha mulher e
eu não quero machucá-la, mas jogo na água mesmo, perto o
suficiente para respingar nele e chamar sua atenção.
Chamar a atenção dos dois.
- O que… o que diabos está fazendo?
Eu engulo em seco com essa linda cara de pau que Deus
achou de bom tom me dar:
- Eu tropecei. - assinto, sem alegria - Desculpe.
- Tropeçou? Você não tropeçou! - Marcus se levanta,
irado.
- Vou precisar pedir que saiam da jacuzzi, senhor. Vou
precisar esvaziá-la e limpar tudo.
- Você é muito ruim nesse trabalho. - ele reclama,
ajudando Tati a sair da água.
- Sim, senhor. Desculpe, senhor.
Eles se afastam e mordo meu lábio inferior com força.
NAO. Não sei por que CARALHO eu fiz isso.
Mas fiz.
Está feito.
Ajoelho-me para desligar a hidromassagem e fechar a
jacuzzi.
- Deixou cair.
Percebo-a atrás de mim.
Abaixada, perto o suficiente para que eu sinta seu calor
tão bem quanto sua presença. Mas quando me viro só o que vejo
são seus peitos naquele biquini lilás. Bem pesados e
molhadinhos.
- Spencer?
- Hm? - acordo e volto minha atenção para os seus olhos.
- Aqui. - Tati me mostra o copo de uísque que joguei na
jacuzzi - Deixou cair.
- Ah, obrigado.
- De nada. Pode levar isso também? - coloca a garrafa de
champanhe no chão - Já terminamos de usar.
Aceno, colérico.
Não consigo impedir a risada de desdém.
- Não imaginava que você fosse o tipo que faz isso. -
resmungo, apesar de estar plenamente ciente que quem começou
o "isso" fui eu.
No entanto, sua resposta gelada destrói minha dignidade
mais do que qualquer autorreflexão seria capaz de fazer.
- Você não me conhece. - lembra, casualmente - E acho que
eu não te conheço também.
Eu assinto com um menear da cabeça.
Um bem amplo e irritado.
Ela se vai mas minha irritação fica e eu sigo acenando
para mim mesmo. Balançando a cabeça como se ouvisse uma
música silenciosa que ninguém mais consegue escutar: a
Sinfonia do Desastre.
- Reese? - Bia se abaixa ao meu lado, tenta falar baixo e
ser o mais discreta possível, mas suas palavras são secas e
objetivas - Vai embora.
- O quê?
- Agora mesmo. Vai pra cabine, pra outro setor, pra onde
quiser.
- Bia, eu…
- Não discute comigo, Reese! Estou fazendo isso pro seu
bem! - promete e eu sei que é verdade - A gente cobre seu
turno aqui e você fecha, por mim, essa noite, está bem?
- Eu não… - bagunço meus cabelos - Não queria te deixar
na mão. Eu sinto muito.
- Olha, eu não sei qual é a história aqui e nem é da
minha conta. Mas você está deixando interferir no serviço e é
minha responsabilidade te impedir, certo? Então… - ela
gesticula no vazio - Vai descansar em algum lugar, vai correr
pra gastar energia, não sei! Mas precisa sair daqui!
Aceno devagar.
Envergonhado.
Constrangido.
- Tudo bem.

***************

São seis horas quando eu volto pro deck 17 e encontro o


lounge VIP vazio.
Bia me entregou as chaves e me deixou para arrumar tudo e
trancar as portas sozinho já que tive uma folga não opcional
durante a tarde.
O vento salgado atinge meu rosto com uma brisa delicada
de fim do dia.
O sol está se pondo com seus raios alaranjados no
horizonte, além dos painéis de vidro do solário, refletindo
luzes coloridas em todas as piscinas. Sento em uma das
espreguiçadeiras por um instante.
Qual o plano, Spence?
Provocar Tatiana e Marcus até ser demitido?
Foder o turno de todos os outros funcionários que não tem
nada a ver com a tua vida pessoal?
Apoio os cotovelos nos joelhos e seguro minha cabeça nos
punhos.
Preciso ser profissional.
Preciso engolir o pouco orgulho que eu ainda tenho e
fazer a coisa certa.
Estou rindo sozinho porque é surreal, não é?
O tamanho do meu azar?
Tatiana tinha que estar ali? Que coincidência do cacete.
E eu…
Eu gosto dela.
Gosto, de verdade.
Mas preciso superar.
Levanto de uma vez. Decidido a deixar essas amarguras
para trás. Se ela quer o Marcus, que seja bem feliz com ele.
E que eu consiga, um dia, encontrar alguém que seja boa pra
mim. Mas, por enquanto, tenho que fazer meu trabalho até
porque, sem isso, estou desempregado.
Ligo o som do lounge e parece que o destino escolheu não
me dar trégua porque Ray Charles está cantando que "eu tenho
uma mulher que é boa pra mim".
"Ela me dá dinheiro, quando eu preciso".
É a música da Laurie.
Estou com saudade da minha amiga.
Estou com saudade de um dia na minha vida em que meus
maiores problemas eram agências de modelo.
Saudade de uma época em que eu não me sentia assim.
Usado e abandonado.
Os caras dos livros não se sentem assim.
Eles ficam tristes e com saudade mas não se sentem
usados.
Pelo menos não nos que eu li.
Acho que essa sensação de ser descartável é a pior. O
resto é suportável.
Ray Charles se vai e alguma outra música começa. E outra
e outra. Eu recolho todas as toalhas espalhadas e estou
arrumando o bar na penumbra quando percebo algo se movendo
perto da piscina externa.
- A piscina já está fechada! - aviso, aproximando-me.
Tatiana vira-se para mim entre as mesas, está procurando
algo em algumas das cadeiras.
Os cabelos estão soltos. Usa um vestido vermelho justo e
bem curtinho. Ela tem aquele desenho de ampulheta no corpo,
como se tivesse sido intencionalmente esculpida. E ali, na
penumbra, delineada contra as luzes que mal escapam dos
corredores para a área aberta, e sob um brilho delicado da
Lua, é como se fosse mesmo uma estátua. De alguma Deusa
cultuada por milênios. Nobre e imperial, descansando em algum
jardim sobrenatural além das ondas.
Queria derrubar a garrafa de champanhe todinha nela e
lambê-la inteira.
Encaro meus pés.
Profissional.
Limpo a garganta.
- Posso ajudar?
- Acho que deixei meu celular pra trás. - engole em seco
ao me perceber ali. Move os ombros como se estivesse decidida
a ignorar minha presença - Não consigo encontrá-lo em lugar
nenhum. - verifica embaixo das cadeiras que deve ter usado
por último.
- Se alguém encontrou deve estar nos achados e perdidos
do bar. Posso dar uma olhada.
Não sei exatamente onde a Bia deixa a caixa com os itens
recolhidos e preciso de um minuto até encontrar o armário
correto. Tati vem me encontrar atrás do bar mas fica sempre a
três passos de distância com os braços cruzados.
- Esse? - pergunto.
- Não, não é um iphone.
- Certo… - eu continuo revirando a caixa procurando pelos
aparelhos - Quer vir até aqui dar uma olhada? - convido - Já
que você sabe qual é…
- Não. Eu prefiro ficar aqui onde estou. Não quero correr
o risco de encostar em você e me contaminar com umas vinte
salivas diferentes.
Derrubo minha mão dentro da caixa, frustrado e a encaro
com raiva.
- Eu tomei banho.
- Foi por isso que desapareceu? - resmunga - Um banho
para cumprir alguma ordem da vigilância sanitária depois de
tantas lambidas?
- Notou que eu desapareci? Achei que o Marcus estava
parafusado na sua linha de visão.
Profissional, Spence.
Profissional.
Ah, foda-se.
- Você precisa deixar o Marcus em paz, sabe? Ele já
esqueceu que você existe!
- Claro. Tenho certeza que sim. Tinha esquecido que o
Marcus é um cavalheiro que jamais tem qualquer atitude ou
pensamento impróprio. Um lord de tato e gentileza.
- Já basta, Spencer.
- Está só querendo me deixar com ciúmes? Por favor, diz
que é isso. Porque se está realmente com ele, eu vou vomitar.
- Pois vire pro outro lado. Porque eu e ele temos um
encontro.
- Está mentindo.
- Amanhã.
Abro e fecho a boca vezes demais antes de decidir o que
dizer. Abandonei a caixa de achados e perdidos completamente.
- Tem um encontro com ele amanha? Com o Marcus? Vai sair
pra jantar com ele? Só vocês dois?
- Não que nada disso seja da sua conta, mas sim, sim, sim
e sim.
- Não acredito em você.
- Ele disse algo que fez sentido.
- Pela primeira vez na história?
- Ele disse que a gente deveria pelo menos tentar, para
não nos arrepender depois. - ainda tem os braços cruzados,
mas fala depressa com os lábios contraídos de um jeito
adorável - E eu acho que ele está certo. Nós temos muita
história e eu quero experimentar isso.
- Quer experimentar? - arregalo os olhos em descrença - O
cara machista que te trata como se fosse uma posse?
- Você não conhece o Marcus!
- Ainda bem! Esse tipo de amizade eu não quero.
- Ah, claro! Você prefere as amizades que podem ficar
nuas na sua cama.
- Eu não disse isso!
- Pra você USAR do jeito que quiser e depois encerrar a
TRANSACAO.
- É assim que você descreve o que a gente teve?
- Não! É assim que VOCÊ descreveu o que a gente teve!
- QUANDO?
- ONTEM!
Estamos gritando. Os dois.
Vozes exaltadas ecoando em vidro e água.
- Eu estava sendo sarcástico! Estava falando de VOCÊ!
- Você é criança demais pra usar sarcasmo! Só se
arrependeu do que disse e está querendo voltar atrás.
- Ah, vai se foder!
- Ótimo argumento!
- Sabe o que é um ótimo argumento? Por que VOCÊ termina
tudo e depois VOCÊ fica com raiva? Que direito você tem pra
estar com raiva de mim?
- Ah, vai se foder VOCÊ! - rosna. Tem os punhos cerrados,
agitados no ar, se controlando para não me dar um murro.
- Ótimo argumento! - devolvo.
- Cala a boca!
- Um show de maturidade!
- Quem é você pra falar de maturidade?
- Pelo menos eu estava só tentando fazer meu trabalho!
- Seu trabalho? Seu TRABALHO? Eu sou o Spencer! - força
uma voz grave para tentar me imitar - Pode me lamber onde
quiser, é meu trabalho! Aqui! - pega uma garrafa de espumante
do bar e dá um gole curto direto do gargalo.
- Dá pra parar com isso?
- Pode me chupar onde quiser. - dá mais um gole curto -
Quer que eu segure o limão com a minha boca? CACHORRO! - ela
me dá um tapa no estômago.
- EI!
- É só meu trabalho! Dar em cima de todas as mulheres e
tirar a camisa e deixam que ENFIEM A LÍNGUA NA MINHA BERMUDA!
- E VOCÊ?
- O QUE TEM EU?
- VOCÊ LAMBEU O NOAH! Levou a garrafa pra ficar com o
Marcus. - afino a voz para ridicularizá-lo.
- Esse é o nome dele? O Noah é muito gostoso. Nossa! Não
me arrependo, viu?
- Cala a boca! - levo as mãos aos cabelos - Você tava
passando a língua nele! - eu urro pro vazio - Eu vou ter
pesadelos com isso o resto da minha vida!
- Ai, cresce, Spencer…
- Cresce, você!
- … eu estava só seguindo uma brincadeira…
- Que beleza de brincadeira!
- … QUE VOCÊ COMECOU!
- EU SÓ COMECEI PORQUE VOCÊ VEIO PASSAR SEUS DEDOS NA
BOCA DO MARCUS!
- Quando eu cheguei no seu bar você já estava dando limão
na boca pra um bando de mulheres!
- Foi uma brincadeira!
- Ah, agora é uma brincadeira?
- Não vai jantar com o Marcus! - reclamo, birrento de
desespero.
- Vou jantar com quem eu quiser!
- Pois eu vou dar limão pra quem eu quiser!
- Levo o Noah junto!
- Leve! Pode levar!
- Vou dar champanhe pra ele da minha boca na próxima vez.
Ou talvez eu convide o Marcus primeiro. - ela dá mais um gole
curto e eu perco a paciência.
- Já chega! - avanço para tomar a garrafa de volta, mas
fico perto demais rápido demais.
Ela se sobressalta e entala com o espumante. Virou a
garrafa do jeito errado e uma porção de gotas escapa pelo
canto do seu lábio. Leva a mão a boca, por um instante, mas é
só um instante.
Só um segundo.
E aí ela me percebe.
Muito perto.
Minha mão na garrafa.
Minha outra mão… em sua nuca?
Não me lembro de ter decidido fazer aquilo.
Sinto seus cabelos nas pontas dos meus dedos quando os
deslizo pelo seu pescoço.
Ela para de falar.
Para de se mexer ou respirar. Sei que tem os olhos presos
em mim, mas eu só consigo ver a gota.
A única que escapou de seus lábios e de sua mão.
Uma só.
Escorregando pelo seu queixo, segue caindo em um caminho
discreto.
Precisa erguer o rosto para conseguir olhar pra mim o que
deixa seu pescoço bem lindo e exposto.
Ela não respira.
Acho que eu também não.
Tenho meu nariz raspando em sua pele. Acho que ela fechou
os olhos.
A gotinha.
Bem ali.
Naquele pescoço saboroso.
Eu me inclino e deito minha língua em sua pele, tomando a
gota e fazendo o seu caminho contrário de volta ao queixo e
aos lábios. Lambendo ela bem devagarzinho, até encontrar sua
boca e pressionar um beijo ali.
Tatiana expira, trêmula.
Meu nariz colado no dela.
Nossos hálitos se misturando enquanto nenhum dos dois
decide o que fazer.
Até meu corpo decidir por nós.
Empurro as alças do seu vestido, despindo seu busto, e
quem fica trêmulo sou eu. Tati nua é uma coisa pra encher a
boca de saliva. Empurro minha testa contra a sua, admirando
aqueles peitos lindos e tentando não prender a respiração por
tempo demais ou vou desmaiar.
- O que está fazendo? - ela ergue as mãos, mas não se
cobre por completo. Na verdade, se cobre quase nada. Só deixa
as mãos ali como um freio de segurança.
- Tem uma coisa que eu quero experimentar também. -
sussurro.
Tomo a garrafa e derrubo uma porção de espumante em seu
decote, estou mordendo minha boca com violência e quase sinto
pena dos seus peitos porque são eles que eu vou morder, já
já, e acho difícil que eu consiga reduzir a intensidade
quando os tiver bem cheios na minha boca. Encosto meus lábios
no seu mamilo enrijecido e ela deixa as mãos caírem. Agarro
sua cintura quando me abaixo para beber o espumante bem ali.
Deslizando como um pequeno rio estreito, fazendo a pontinha
do seu seio de cachoeira. Bebo dois ou três goles, ou o mais
perto disso que as circunstâncias permitem antes de desistir
da garrafa e morder seu peito. Rolo seu mamilo na minha
língua até ouvi-la gemer. Escuto minha respiração
descompassada, quente, contra sua pele, puxando seu mamilo
entre meus dentes até tê-lo bem duro na minha boca e estar,
eu, bem duro dentro da minha calça. E aí eu volto minha
atenção para a carne do seu peito e o vale entre eles. Lavo
ela todinha de lambidas até voltar ao seu pescoço, com fome,
enchendo-a de chupões em qualquer parte que consiga enfiar
minha língua.
Tati é espremida contra o balcão do bar até que o
coletivo de nossos corpos e vontades a coloquem sentada ali
em cima. As pernas bem abertas. Nada entre elas a não ser eu
e sua calcinha.
Soltar sua pele é quase um exorcismo.
Um exercício pleno de determinação.
Dou um passo para trás para assistir seus peitos nus,
brilhando de espumante e saliva. Ela cora e não fosse a
penumbra que mal nos permite ver qualquer coisa, acho que
estaria se cobrindo.
- O que foi? - pergunta, insegura.
- Shh. - ordeno.
Levo a garrafa pra minha boca e dou um gole sedento, sem
nunca tirar os olhos de seu torso.
Deixo o espumante em minha língua enquanto considero. Um
dar de ombros, um torcer de nariz:
- Prefiro puro. - anuncio.
Tatiana se tapa, furiosa.
- Idiota!
Mas eu a seguro pelas coxas e a mantenho bem quietinha.
Tenho seus peitos na minha boca, de novo, antes que
consiga me xingar outra vez.
- Eu quis dizer isso aqui, meu amor. - mordisco sua
carne, deixando marcas de minhas dentadas em toda parte - Teu
corpo é muito melhor puro. - estou gemendo - Se acrescentar
qualquer coisa… estraga.
- Idiota… - recrimina, mas logo se cala com um gritinho
safado quando agarro seus peitos inteiros.
- Eu vou foder esse teu decote, hoje, é isso que eu vou
fazer. - rosno, rouco.
- Não vou fazer isso. - avisa - Você não presta! É um
descarado, sem vergonha e eu tenho um encontro amanhã.
- Tá certo. - suspiro em seu pescoço.
- Não vou fazer isso! - repete, mas eu tenho dois dedos
em seus lábios e ela os chupa vigorosamente. Enfiando-os
todinhos na boca, bem sacana e faminta.
Fecho os olhos.
Fico só escutando o som da sua saliva e dos seus lábios
na minha pele.
Deus, como isso é bom.
Acho que dá pra gozar assim.
Mordo seu queixo enfiando meus dedos contra sua bochecha,
sua língua. E ela os chupa e chupa.
- Deus, como você é quentinha. - não consigo afastar meus
dentes dela. Não dá. Tiro sua calcinha do caminho e enfio os
dois dedos que ela lambeu em sua boceta. Estou duro.
Latejando contra a calça. Explodindo até doer. Movo meu
quadril involuntariamente porque meu corpo está transbordando
de tesão ao ponto de achar que já é sexo - Tão quentinha.
Colo minha testa na dela.
Tati arfa e geme. Contorcendo-se ao redor dos meus dedos,
empurrando minha camisa tentando me despir.
- Você quer que eu tire? - sorrio - Mas eu achei que eu
era um descarado que não presta?
- Spencer, cala a boca! - geme - Tira, agora!
- Sim, senhora.
Eu me livro da camisa e Tatiana enfia as unhas nos meus
ombros e, juro por Deus, me arranha dos ombros ao umbigo. É
como uma dona de gado querendo me deixar marcado, é a única
explicação. Porque deixa rastros imensos de arranhões
atravessados no meu peito.
- Ai… - reclamo.
- Shh. - comanda.
E não é só a voz que usa pra me dar ordens, não… agarra
meu pau duro por cima da calça e me puxa para si:
- Vai me comer, agora.
- Depois de tudo que você fez comigo? Não vou, não.
- Vai sim. - está comandando ou implorando… não dá pra
saber.
Seguro seu pescoço e sua coxa quando deixo meus lábios em
cima dos seus. Murmuro bem devagar:
- Não vou, não. - lambo sua boca inteira.
- Como quiser. - eu devia saber pelo seu sorriso sacana
que eu estava fodido. Mas tentei resistir ainda assim.
Tati tira meu pau do caminho e vem esfregar a boceta no
meu abdômen. Encara meus músculos, arranhando-me enquanto
ondula o corpo de um jeito que me causa tonturas. Fode os
músculos da minha barriga dividida, com uma fricção
deliciosa.
- Meu Deus, como você é gostoso. - choraminga, apertando
meus braços. Acho que quer me morder. Acho que quer me
engolir.
Eu não consigo fazer mais nada, porque esperava só mais
um pouco de provocação e penetração. Mas Tatiana tinha planos
diferentes.
O suquinho da sua boceta cobrindo minha pele enquanto ela
se esfrega, gemendo, gostosa. Leva os dedos a minha boca e é
minha vez de chupá-los. Rápido demais ela tenta se afastar e
eu preciso segurar sua mão porque quero um pedacinho dela na
minha boca, nem que seja só mais um pouquinho.
Os dedos, ela os leva para o grelinho e o ataca com a
velocidade que quer.
Rápida.
Abraçando-me com suas coxas enquanto não para de me usar
como um boneco.
E eu gosto.
Eu adoro.
Fico parado, duro como aço enquanto aquela mulher
deliciosa rebola, arqueada contra o balcão do bar, no por do
sol, me usando para encontrar o próprio prazer. Faço carinho
em seus pelos, assistindo seu movimento libidinoso até não
aguentar mais.
Belisco seus mamilos e assisto sua masturbação ficar mais
violenta. Mais desesperada. Seus gemidos se tornam gritos e
eu mudei de ideia: vou fodê-la. Vou fazer isso agora mesmo.
Tiro o pau das calças e ela me interrompe.
- Não. Você disse que não… que não ia.
- Eu mudei de ideia.
Ela ri, sacana:
- Que pena pra você.
- Tá falando sério?
Joga a cabeça para trás com os olhos fechados e um
sorriso nos lábios.
Vai terminar.
Vai terminar agora.
Filha da puta.
- Tudo bem.
Eu pego a garrafa de volta e jogo o espumante na sua
virilha. Vou beber direto do seu grelinho, mas mal minha
língua toca sua boceta e ela explode em um orgasmo que deve
durar quase o minuto completo.
Enfio minha língua nela, enquanto atinge seu clímax,
lambendo seu suco já que aquilo é tudo que me foi permitido
fazer.
Ela desce do balcão e eu estou beijando seu pescoço, sua
nuca, sua orelha.
- Fica de quatro. - rouco, enrolando seu cabelo no meu
punho - Sabia que eu adoro quando você usa um rabo de cavalo?
- Ah é?
- É. - estou gemendo - Tenho um tesão do caralho por esse
teu penteado, me dá uma vontade louca de comer tua bunda.
- Hm. Bom saber.
- Fica de quatro, minha Tati. - derreto - Não vou comer
teu cuzinho, não. Prometo. Eu quero tua bocetinha, mas deixa
eu te comer assim? Fica de quatro?
- E por que eu faria isso?
Eu congelo.
É seu tom.
Se ela tivesse dito exatamente aquelas palavras de um
jeito provocante eu saberia que ainda está brincando comigo.
Mas o modo como recita as palavras é seco.
Estou confuso.
Afasto-me apenas um pouco.
- Eu… não terminei. - explico.
- E…? - cruza os braços assim que termina de colocar o
vestido de volta no lugar.
- Você não pode estar falando sério. - gaguejo.
- Eu não sei se você notou, mas eu me virei sozinha. -
aponta para o balcão - Tenho certeza que você consegue fazer
o mesmo.
- Está falando sério? MESMO? - tudo bem, eu me rendo. Não
quero mais brincar disso.
- Ah, Spence. Se achar que precisa de ajuda, liga pra sua
amiga do avental! Tenho certeza que ela vai te ajudar!
- Amiga do… Do que diabos você está falando? - coloco meu
pau de volta pra dentro das calças porque já entendi que não
vai rolar mais nada.
- Da sua amiga! No beco atrás do restaurante! Eu ouvi
vocês, lembra?
Han?
Enrugo minha testa por um segundo até entender do que ela
está falando.
- A Laurie?
- Não sei o nome dela, mas tenho certeza que você sabe.
- Espera! A Laurie é só minha amiga!
- Uma amiga com uma bunda que você acha muito boa. Eu
lembro! Eu escutei!
- Eu te disse que… - estou confuso pra cacete - Eu te
disse que era só uma amiga! Aquilo é uma brincadeira!
- Assim como a sua brincadeira dessa tarde? Nossa,
Spencer, você tem mesmo as melhores brincadeiras!
- Tati - eu estou rindo de desespero - A coisa com a
Laurie é absolutamente inocente. Eu nunca tive nada com ela,
nem quero ter. Ela é tipo minha irmã!
- Claro que é! - sorri.
- Espera… Espera, espera! - estou gesticulando sozinho -
Foi por isso que acabou comigo?
Ela está lívida quando se vira de volta pra mim:
- E POR QUE MAIS teria sido? Você estava dando em cima de
outra mulher! Estava todo fofo me chamando de "meu amor" e
dizendo que queria me ver de noite e aí fica dando em cima de
uma colega de trabalho.
Fico mudo porque…
Puta merda.
- Tati! Pelo amor de Deus, a Lala é uma amiga. Eu te
explico a brincadeira, você pode até perguntar pra ela se
quiser. Mas eu juro que é inocente! Não acredito que foi por
isso que acabou comigo! Estava com ciúmes? Então… - espera -
então, você gosta de mim?
- No passado, não é, meu bem? "Gostava". Porque eu tenho
amor próprio. Pouco. - resmunga para si mesma, indicando o
que acabamos de fazer - Mas tenho.
- Tati, você precisa me ouvir! Na sua casa, eu te falei
que a Lala era uma brincadeira e você acreditou… você disse
que acreditou e eu acreditei em você! Linda, eu achei que
você tinha acabado comigo por causa do que eu disse antes!
- E o que foi isso?
- Eu estava dizendo pra ela que eu gosto de você. Que
queria algo sério, mas que não sabia o que você ia achar. Por
causa da diferença de idade e de como a gente se conheceu.
- Você achou que eu acabei as coisas com você porque te
ouvi dizer que gostava de mim?
- É!
- E espera que eu acredite nisso?
- É VERDADE!
- E levou minhas fotos para mostrar no trabalho por quê?
É assim que um cara mostra que está interessado em uma mulher
lá de onde você vem?
- O quê?
- A garçonete! Que me atendeu! Ela disse que viu umas
fotos sensuais de uma namorada sua. Era o meu ensaio? Ou leva
fotos de tantas mulheres peladas pro trabalho que já perdeu a
conta?
- O quê?
O que caralho…?
- Spencer. Eu vou tomar um banho, ter uma boa noite de
sono e esquecer que isso aconteceu. Sugiro que você faça o
mesmo.
Fotos do ensaio…?
E aí assim que ela se vira, eu entendo.
Entendo tudo.
Entendo exatamente o que aconteceu.
- Tati, por favor!
- Está tudo bem aqui? - um dos caras da segurança aparece
na porta principal.
- Está. - ela diz - Tudo ótimo. Eu já estava voltando
para o meu quarto.
Ele me observa com uma careta estranha. Deve ter ouvido o
tom exaltado das vozes e imaginou que estou discutindo com
uma passageira.
Ele não vai deixar eu ir atrás dela.
Ela não vai voltar pro 17 amanhã.
Esse navio é uma cidade, eu nunca vou encontrá-la, se ela
não quiser.
Eu a vejo se afastar, levando meu coração na mão.
Mas, pelo menos, eu entendi duas coisas.
A primeira é que ela gosta de mim.
A segunda é que eu não vou deixá-la ir embora.
15. Royal
Você já tentou trabalhar duro?
Eu não recomendo.
Tatiana foi embora, mas eu ainda preciso terminar de
arrumar o lounge. Aumento o volume da música e tento ser
rápido, seja para me distrair ou para me punir. Meu pau está
formigando, minhas bolas estão pesadas pra cacete, eu preciso
muito de uns minutos sozinhos pra foder meu punho pensando no
cuzinho dela.
De quatro porque, na minha imaginação, quando ela me
provocava eu a segurava contra o balcão e a comeria ali
mesmo.
Minhas pernas estão irritadiças, meu abdômen dói como se
eu tivesse levado uma surra com um cabo de vassoura. Um bem
erótico que sussurrava no meu ouvido que ia me deixar gozar,
sim, antes de começar a rir na minha cara.
Você já tentou trabalhar com o suco de uma mulher gostosa
ainda espalhado na sua barriga?
Eu não recomendo.
Passo a hora inteira de trabalho sentindo o cheiro dela.
No vento. Na minha carne.
Na minha alma.
Eu quero tanto comer Tatiana que vou enlouquecer.
Não é um exagero, é literal.
Vou perder a sanidade, precisar de ajuda profissional e
de uma camisa de força pra me impedir de bater uma
aleatoriamente, durante o dia, porque não consigo parar de
pensar nela.
Já apaguei as luzes e estou prestes a trancar tudo quando
lembro de uma coisa.
O celular.
Ela veio procurá-lo, mas foi embora antes que o
encontrasse.
Acendo a luz do bar para procurar entre os itens na caixa
de achados e perdidos mais uma vez. A política é manter um
item perdido no lugar onde ele foi encontrado por 48 horas.
Se o dono não voltar, procurando, o item é enviado para a
central de achados e perdidos do navio. Se ela acabou de
perder o celular, a Bia ainda não deve tê-lo mandado a lugar
algum.
Ela disse que não era um iphone.
Só tem um iphone dentro da caixa.
Não… tem outro ali.
E aí está!
Um celular.
Não é um iphone.
A etiqueta colada com a assinatura da Bianca diz a data
de hoje e "Lounge VIP, deck 17", como referência caso ele
seja enviado para outro lugar.
É dela.
É esse.
Aperto o botão lateral e a imagem de um collie acende
como fundo de tela.
Bruce.
Definitivamente, é esse.
Eu posso deixar aqui, é certeza que ela vem procurar, de
novo, amanhã.
Ou… eu posso devolver?
Não é egoísta de minha parte, certo? Estou só preocupado
com sua propriedade. E uma mulher como Tatiana certamente usa
o celular para questões profissionais, também. Devolver o
item rapidamente é só uma questão de zelo.
Coloquei o celular no bolso antes de sair do Lounge e já
estou a caminho da minha cabine mesmo que ainda não tenha
decidido qual a melhor opção aqui.
A Tatiana está em alguma suíte do deck 17, eu tenho
certeza. O problema é: qual suíte?
Preciso falar com ela.
Mas como?
Não parece que ela vai me ouvir.
Tenho que tentar.
O celular pode ser um bom modo de quebrar o gelo.
Pensamentos furiosos girando em minha mente e eu sei que
não vou conseguir ficar parado em minha cabine, sozinho, por
muito tempo. Preciso me manter ocupado.
Queria que alguém me desse um plano que eu pudesse
seguir, porque fazer um sozinho não é exatamente minha
especialidade.
Droga.
Eu não sei onde encontrá-la. E mesmo que soubesse não
saberia como fazê-la me ouvir. E mesmo que soubesse não
saberia o que dizer.
Estou perdido de todos os modos possíveis.
Spencer não é bom nessas horas.
Na hora que o problema precisa ser analisado e
diagnosticado.
A Tatiana é boa nessas horas.
Era melhor se fosse o oposto: se fosse ela quem estava
desesperada para falar comigo, procurando-me em cada canto do
navio até porque, com o acesso que ela tem, bastaria falar
com o capitão e eu seria materializado para ela, pelo tempo
que quisesse.
Universo, me ajuda.
Eu prometo que vou ser um bom garoto.
Nem vou tentar transar com ela, só quero conversar,
Universo, eu juro!
Nada de sexo, Universo, prometo.
Me ajuda só um pouquinho! Eu prometo me comportar!
Beni e Eli estão jogando com outras três pessoas quando
entro no hall da tripulação.
- Reese! Está melhor? - Eli brinca com um sorriso - A ex-
namorada dele está no 17, quase mata ele do coração. -
explica, terminando sua cerveja.
- Ela também está trabalhando no cruzeiro? Que
coincidência do caralho! - Beni ri.
- Não, não! - Eli explica, baixinho, com ares de urgência
secreta - A ex dele está no 17. É uma passageira.
- Sua ex está no 17? - a mesa inteira olha pra mim,
compreendendo o que a afirmação significa.
- Longa história. - desabo em uma das cadeiras,
absolutamente sem forças ou vida.
Minha ausência de explicação obviamente não serve para
calar ninguém e eu, cansado e derrotado, sou cercado pelo
coletivo de vozes.
- Tua ex deve ser muito rica.
- O 17 não é pra qualquer um.
- Tenta conquistar ela de volta.
- Em qual suíte? - a pergunta do Alan se destaca, entre
todas as outras, pela sua especificidade.
Por que diabos ele quer saber em qual suíte?
- Faz diferença?
Ele dá de ombros:
- Se ela estiver na Comodoro é rica. Se estiver no Blue
Loft é muito rica. Se estiver no Silver Loft é podre de rica.
E se estiver na Royal… aí eu nem sei que palavra usar.
Mordo meu lábio inferior, atropelado por uma solução
óbvia para o meu problema..
O Alan trabalha como mordomo na Royal.
É quase fácil demais.
É quase como se o Universo tivesse decidido que…
Respiro fundo e olho pra cima.
Universo, quando eu falei que não queria transar com ela,
eu tava só brincando. Você sabe disso, né?
- Alan… Quem é o passageiro que está na Royal?
- Uma bilionária de Nova York.
Meu sangue gela.
- Tatiana Corso? - ergo as sobrancelhas.
Ele me encara de volta entre a absoluta descrença e a
absoluta diversão.
- Tua ex é uma BILIONÁRIA?
Uma única fração de segundo de silêncio e aí a mesa
inteira explode em perguntas de novo.
Eli quer saber como eu a conheci.
Alan quer saber se eu estou falando sério.
Beni quer saber se ela é tão bonita quantas às bellas.
E tem dois caras que eu sequer conheço muito bem querendo
saber se ela não tem umas amigas que eu possa apresentar.
Royal.
Já sei onde ela está.
Agora só preciso descobrir como fazê-la me ouvir e o que
dizer.
E, de preferência, antes do seu encontro com o Marcus.
Ao meu redor, ainda tem cinco homens que desconhecem o
significa da palavra discrição e que não dão qualquer sinal
de que vão respeitar a privacidade alheia. Não que isso
importe pra mim. Alan confirmou que ela estava na Royal e,
desavisadamente, empurrou tudo em minha vida para o plano de
fundo. Uma cortina de neblina ofuscando tudo que não fosse
ela e uma porta mítica que, em minha imaginação, dá lugar a
uma suíte luxuosa e uma morena boa que, por culpa do meu pau
ainda meio duro, está sempre pelada.
Que merda de promessa eu inventei de fazer pro Universo.
Mas espera.
O Alan está aqui.
O turno de mordomos na Royal é fixo, a não ser em seu dia
de folga.
- Por que você não está trabalhando? É turno de outra
pessoa agora?
- Não. - ele dá de ombros - Ela tem uma aula de salsa
agora. A suíte está vazia.
- Que horas é a aula?
- Eu não vou te dizer isso! - ri.
O vestido vermelho.
Ela estava pronta pra sair.
A aula deve ser agora? Ou bem perto.
Ela deve estar de volta no quarto em duas horas.
Mas tem outro pensamento que me ataca e é mais violento
do que qualquer um que tive essa noite, depois que Tati me
deixou com um pau duro e solitário nas mãos.
Será que ela saiu ainda molhadinha?
Ela parecia pronta para sair… se não tomou outro banho,
deve ter saído com seus amigos - com o Marcus - ainda lavada
na minha saliva.
Eu fico duro de novo.
Estou perdendo o controle sobre o meu corpo.
Parece até que meu pau é dela, agora.
- Alan. - murmuro - O que você quer pra trocar de turno
comigo, agora?
- Trocar de turno? Você está trabalhando desde as 4 da
manhã. Meu turno essa noite vai até às dez de amanhã. Você
não vai aguentar.
- Vou aguentar. - gaguejo, em desespero - O que você
quer? Pode dizer, qualquer coisa.
O coletivo de vozes se cala.
Eu entreguei minha mão muito cedo e agora ele sabe
exatamente o tanto que eu quero essa troca de turno.
Essa é uma péssima posição para se colocar em uma
negociação, mas eu nunca fui um bom negociante e, no momento,
serei um péssimo ainda.
Ele tem um sorriso esguio que deveria ser bem típico de
cobras, se elas sorrissem.
- Suas gorjetas. - ri - Deve ter ganhado muito dinheiro
no lounge. E me apresenta a Kim.
- Kim?
- Kim.
Fico em silêncio esperando que ele continue porque… eu
deveria saber quem é Kim?
- Meu Deus. - ele enfia a mão nos cabelos, incrédulo - A
porra da dançarina mais gostosa do navio está te dando mole
há uma semana e você nem sabe o nome dela? Me apresenta a
Kim, fala muito bem dos meus talentos e… as gorjetas.
- Fechado. - eu nem hesitei.
Eu deveria ter hesitado.
É bastante dinheiro e…
Eu só consigo pensar na Tati.
É o leilão de novo, sabe?
Meu desespero para ficar perto dela destruindo minha
lógica e me colocando em uma precariedade financeira
desnecessária.
- Não, não tão fácil. - ele ri - Não é uma transação.
- Não?
- Não. Se você quiser meu turno, pode apostar. - aponta
para as cartas - O vencedor leva tudo.
Nossa mesa fica em absoluto silêncio enquanto espera de
mim as únicas palavras que eu sou capaz de dizer naquele
instante:
- Então vamos jogar.

***************

Tem uma coisa que você precisa saber sobre poker.


Não é o meu jogo.
Eu tenho uma vaga noção das regras e não sei blefar.
Só o que eu tenho é desespero e uma esperança do caralho
que o Universo tá fechado comigo e vai me ajudar no último
segundo.
Eu já perdi a Kim e metade das minhas gorjetas. O Alan
sempre aposta seu turno da noite, além das suas próprias
gorjetas, mas nem ele e nem o Beni parecem capazes de perder
essa noite.
Estou nos meus últimos cinquenta dólares quando recebo
dois ases.
O jogo é Texas Hold'em, o que significa que cada um de
nós recebe duas cartas, outras cinco cartas são postas na
mesa e ganha quem tiver o melhor jogo incluindo as duas
cartas em mãos mais as cinco da mesa.
Olho pras primeiras três cartas que já foram postas na
mesa. Um seis, um dois e um dez.
Naipes diferentes, afastadas o suficiente para que
ninguém tenha uma sequência. Meu par de ases na mão é um bom
jogo.
- Aposto tudo.
É minha última chance.
Acho que se tornou um jogo de cavalheiros porque todo
mundo sai da partida menos Alan, que cobre minha aposta e
vira as próprias cartas.
Como eu não tenho mais dinheiro, não existe mais rodadas
de apostas ou blefes. Só existe sorte.
As cartas de Alan são um sete e um dois de naipes
diferentes. Eu entendo muito pouco de Texas Hold'em mas sei
que essa é a pior mão que você pode receber no jogo: são os
pares mais baixos, o straight mais difícil e mais baixo, o
flush mais improvável. Você precisa de muita sorte pra ganhar
com essa mão. O Alan deveria ter saído do jogo assim que viu
o que tinha. Só deve ter permanecido e coberto minha aposta
porque depois de levar quase todo meu dinheiro, quer estender
uma bandeira branca e me dar o turno que quero.
Viro meus dois ases e sou parabenizado.
Cedo demais.
Porque a próxima carta que o Beni vira é um sete.
Já tem um dois na mesa, o que significa que agora o Alan
tem dois pares.
Ele ganha.
Eu preciso que a próxima carta seja um ás. É a única
coisa que me salva.
Prendo a respiração.
Consigo sentir a mesa inteira torcendo por mim.
Talvez até o Alan.
O Beni vira a última carta e é uma rainha.
Claro que tinha que ser uma mulher. Ultimamente, na minha
vida, mulheres só me fodem.
O clima de tensão se desfaz, anticlimático, quando o Alan
toma minhas últimas fichas.
Fecho os olhos, pesaroso.
A única coisa que me falta é implorar, e é isso mesmo que
eu faço.
- Troca de turno comigo, cara.
- Não é assim que funciona, Reese!
- Vai, Alan, deixa de ser imbecil. - Eli interfere - Não
te custa nada.
- Claro que custa! Foi um acordo de cavalheiros, íamos
decidir com as cartas.
- Abre uma exceção dessa vez! - Eli insiste.
- Vai ser assim os jogos agora? Sempre que alguém perder
pode chorar e pegar o dinheiro de volta? Se não sabe jogar
com os adultos, sente na mesa das crianças, Reese.
- É diferente dessa vez, Alan. - Beni lembra - Ele quer
muito o turno.
- E eu quero muito o dinheiro dele.
- Ele não está te pedindo o dinheiro de volta! Dá o
turno, idiota.
- Eu não vou ficar aqui sendo ofendido. - levanta-se - Se
quiser seu dinheiro de volta, ou o turno, Reese, eu estou
disposto a seguir apostando. Mas você precisar arranjar algo
que eu queira. E não sei se você ainda tem alguma coisa.
***************

"Não sei se você ainda tem alguma coisa".


Acho que vou escutar a voz do Alan na minha cabeça a
noite toda.
Dou um murro de leve no teto da cabine.
Eu me sinto sozinho.
Longe da minha casa e da minha família pra perseguir um
sonho que deu em nada. Apaixonado por uma mulher que eu perdi
por besteira. E agora ainda mais pobre depois de me desfazer
de todo meu dinheiro em uma tentativa desesperada de
reencontrá-la.
Puxo meu livro das cobertas e encaro a capa.
Alice.
Eu trouxe outros livros. Outros quatro ou cinco. Mas
ontem a noite me peguei relendo esse de novo.
Era o que eu estava lendo quando a conheci.
Era o que eu estava relendo quando ela acabou comigo.
Linda.
Provocando-me.
Com ciúmes.
Ela gosta de mim.
Tem uma chance que goste de mim.
Mas eu sou burro, pobre e imbecil.
A Alice nunca se apaixonaria por mim, sabe? O Conde é um
cara confiante. Um cara que sabe o que quer e vai lá buscar.
E eu?
Eu sou o quê?
Eu "vou lá pegar" e perco.
Ou me perco no caminho indo lá pegar.
A Alice foi sequestrada e precisou que alguém fosse lá
salvá-la, e ainda bem que o cara do livro era o conde e não
eu. Se fosse o Spencer, a coitada ia morrer no frio e ninguém
ia encontrá-la jamais.
Eu sou tão perdido na vida que é provável que eu me
perdesse até no caminho pra suíte Royal e olha que eu estou
trabalhando no deck 17 há uma eternidad…
Royal.
Eu sei onde ela está.
Sei onde está agora mesmo. Levanto minha camisa apenas
para experimentar meu estômago com os dedos. Ainda consigo
senti-la ali. Seu suco delicioso escorregando por toda parte.
Eu ainda não tomei banho.
Eu não queria tomar banho.
Um banho, uma noite de sono e esquecer tudo. Foi isso que
ela disse, não foi?
Pois eu não quero.
Eu vou ser demitido.
Vou ser demitido agora mesmo se decidir fazer isso.
Mas, mesmo com esse pensamento preso na cabeça, ali estou
eu: indo para os elevadores de serviço e subindo até o deck
17 no começo da noite. Oito horas da noite. Talvez ela já
tenha voltado? Verifico as horas de novo. E de novo.
Compulsivo como um viciado.
Talvez já esteja na suíte.
Abro a porta que separa a área de serviço do resto do
andar e percebo que, como de costume, estou na parte errada…
o lounge é separado dos quartos por dois longos corredores
estreitos, forrados de tapetes de luxo e escotilhas douradas.
Sou perdido, mas esse erro é fácil de corrigir: Atravesso o
corredor procurando o quarto correto.
Deve haver apenas duas dezenas de suítes naquela parte do
navio, talvez pouco mais que isso, no máximo. A Royal é uma
das suítes de esquina, eu lembro dessa parte. É uma suíte
única no cruzeiro e fica em uma das laterais, voltado para a
popa e bombordo. Como já estabelecemos, no entanto, eu não
sou o conde. E o Spencer perdido deu duas voltas no hall e já
não sabe mais que lado é pra cima ou pra baixo.
Tentativa e erro.
Já que tudo mais deu errado… é isso que me sobrou.
Poucas dezenas de suítes, não demoro a encontra a certa,
percebendo, inclusive que acho que já passei por ela antes.
A porta dupla de madeira escura, a placa dourada com o
nome da suíte gravado em alto relevo.
Toco a campainha e prendo a respiração.
Demoro poucos instantes para ouvir um baralho na porta… é
quase como se ela estivesse esperando alguém. "Alguém" que,
obviamente, não sou eu, até porque assim que abre a porta e
me encontra do outro lado seu sorriso desaparece,
imediatamente substituído por uma careta de indignação.
- Spencer? O que está fazendo aqui?
Ergo o celular.
- Você deixou pra trás. É esse?
Sua careta se dilui. Ainda tem um monte de suspeita no
olhar, mas aceita o celular tomando-o de mim lentamente.
- Oh. Obrigada.
- De nada.
Ela acena com um sorriso envergonhado e sem vida.
- Boa noite.
- Espera. - peco - Eu… ahm…
- "Você… ahm…"?
- Me dá dois minutos? Você entendeu tudo errado. - ela
revira os olhos assim que eu começo a falar - Pode me deixar
explicar?
- Spencer… - ela cruza os braços encarando o chão - Não
sei se posso. Não sei se devo.
- Dois minutos? Pode colocar no cronometro.
- Não vai fazer diferença! Isso - aponta para nós dois -
não é uma boa ideia. Estava fadado ao desastre de qualquer
modo. Eu prefiro que você vá embora, Spencer. Boa noite.
Ela fecha a porta sem me deixar dizer qualquer outra
coisa.
Fadado ao desastre.
E aí é isso.
Fiz tudo que ainda podia ser feito e tive nenhum
resultado.
Fecho os olhos por um segundo ao enfiar minhas mãos nos
bolsos.
Acabou.
Eu preciso repetir essa palavra muitas vezes e aceitá-la.
Gostei dela. Muito e de verdade.
Mas acabou e é isso.
Jogo minha cabeça para trás para encarar o teto e
respirar fundo. Afasto-me de sua porta com passos curtos e
contrariados, mas afasto-me ainda assim. Estou quase no
corredor quando uma porta de serviço que eu sequer sabia que
existia se abre a minha direita.
- Spencer?
- Alan?
Ele traz um carrinho com o que parece ser uma refeição e
uma caixa de itens de banho.
- Eu estava te procurando. - sua voz não é animada. É o
exato oposto disso, na verdade. É ranzinza e miúda - Você não
estava na sua cabine, aí eu tive que correr. Explica isso pro
Beni, tá?
- Han? Estava me procurando por quê?
- Porque você ganhou o turno. - empurra o carrinho e o
deixa em meu comando - Até amanhã, às dez horas, depois eu
volto. - ergue o indicador - E, Spencer, não fode com meus
passageiros! Faz o trabalho direito e sem confusão.
Eu ainda estou atordoado.
Como assim "eu ganhei"? Tenho certeza que perdi.
Repetidas vezes, inclusive.
- O Eli vai cobrir o teu turno de manhã, na cozinha. Se
alguém perguntar, diz que eu não estava me sentindo bem. As
instruções do banho estão na caixa, segue à risca… por favor,
não irrita ninguém. E, ah! - ele enfia a mão no bolso, saca
uma porção de dinheiro e me entrega - Parte das gorjetas que
você perdeu. Não é tudo, mas é mais da metade.
Tenho uma mão no dinheiro, uma no carrinho e é uma pena
que eu só tenha duas porque, no momento, sinto que faria bom
uso de uma terceira para cocar a cabeça.
- Alan… do que caralho você tá falando? Eu perdi.
- E olha essa boca aqui no 17! - resmunga - É… você
perdeu. Mas o Beni ganhou.
- O Beni? - arregalo os olhos assim que entendo o que
aconteceu - O Beni apostou com você? O turno? E as minhas
gorjetas?
- É. E ganhou. - tem uma careta de raiva. Eu sinto uma
vontade de beijar o Beni que é quase maior do que a que sinto
de comer Tatiana - O filho da puta entende tudo de cartas.
- E de mulher. - eu sorrio - E de Roma.

***************

Tatiana
Estou congelada contra a porta. Prendendo minha
respiração ao mesmo tempo que tento voltar a respirar.
Por que ele precisa ser tão gostoso?
Spencer é lindo de todo jeito.
Sem camisa, de uniforme, de terno.
Mas essa camisa branca de botões bem coladinha no peito é
um crime. De verdade.
Estou engolindo choramingos. Não esperava ter que vê-lo
tão cedo.
Gozar me esfregando nele foi muito bom, mas poderia ter
sido melhor e eu ainda sinto uma coceira deliciosa entre
minhas coxas que ele seria capaz de resolver em pouco tempo.
Abraço meu celular, ainda tenho as costas contra a porta
quando escuto a campainha mais uma vez.
Meu jantar, provavelmente.
Achei que era isso que estaria me esperando no corredor
antes, mas dei de cara com Spencer e agora sinto minhas
pernas trêmulas.
Sacudo minhas mãos com força e balanço minha cabeça.
Foco, Tatiana.
Ele é só um cara.
Foi só sexo.
Já acabou.
Abro a porta com um sorriso pronta para desejar boa noite
para…
- Spencer?
- Boa noite, senhorita Corso. O Alan não está se sentindo
muito bem, eu vou tomar seu lugar essa noite, caso precise de
alguma coisa. Eu trouxe seu jantar e, me foi dito que a
senhorita pediu que preparasse um banho? Se puder me deixar
entrar?
Acho que perdi meu queixo.
Vão precisar de uma escavadeira e uma equipe de
arqueologia para encontrá-lo de volta.
- Você tá falando sério?
- Perdão? - ele tem um sorriso polido que má dá vontade
de lhe dar um tapa.
Vai mesmo fazer o papel de profissional um segundo depois
de bater na minha porta como meu amante?
- Eu perguntei se você está falando sério. - repito,
tentando esconder meu desespero. Não sei se consegui.
Ele se inclina na minha direção fazendo-me sentir seu
perfume:
- Muito sério. - murmura.
Estou mordendo a ponta da língua. Minha testa enrugada,
minha respiração fora de ritmo… mas eu não tenho saída,
tenho?
Ou desisto de comer ou aceito o que ele trouxe.
Abro a porta e saio do seu caminho.
- Com licença. - ele sorri, empurrando o carrinho para
dentro da suíte, antes de fechar a porta.
A porta fica em um pequeno hall de entrada, perto do
quarto de visitas, mas eu pretendo fazer minha refeição na
mesa da sala e é para lá que sigo, alguns metros adiante,
logo depois que o hall dá espaço para a imensa sala
retangular dividida em três espaços.
- Pode coloc…
Spencer ficou para trás.
Ainda está quase dentro do hall, perto do piano de cauda,
antes mesmo do sofá e das poltronas.
- O que foi? - pergunto.
- Você tem… um PIANO dentro da cabine?
- É só decorativo, pelo menos pra mim. Se tivesse um
quarto como esse sem o piano, eu preferiria, acredite.
Ele assente porque deve se lembrar de algumas de nossas
conversas, mas ainda olha ao redor admirado.
A suíte, de esquina, tem um pé direito duplo e uma
varanda em L que segue por toda a lateral do quarto. As
janelas de parede inteira enchem o ambiente de luz durante o
dia, agora, no entanto, só consigo ver as cortinas flutuando
ao vento e as estrelas lá fora. Logo depois do piano, sofá e
poltronas da sala principal, há uma mesa com oito lugares e
um balcão estreito com algumas poucas amenidades.
- Aqui? - ele pergunta apontando para a mesa.
- Por favor.
Ainda tenho meus braços cruzados e não sei o que fazer
comigo mesma. É estranho ser servida por Spencer.
Pelo menos aqui e desse modo. Diferente das vezes em que
cozinhou para mim.
Parece errado.
Ele coloca pratos, talheres e bebidas sobre a mesa e eu,
que com qualquer funcionário normal já estaria sentada, ainda
estou de pé.
- Senhorita. - ele cumprimenta - E onde gostaria que eu
preparasse o banho?
Ai meu Deus.
- Não precisa. - decido - Eu mudei de ideia.
- Já está pago.
- Não tem importância.
Ele respira fundo, contrariado.
- Já entendi que não quer falar comigo, mas pode me
deixar fazer meu trabalho?
Engulo em seco.
Spencer tem um par de olhos castanhos capaz de
enfraquecer os joelhos até te deixar rendida. Seu sorriso
atrevido é delicioso, mas essa seriedade máscula faz alguma
coisa dentro de mim tremer.
Eu devia ter me esfregado mais um pouquinho.
É difícil não encarar sua camisa justa, especialmente
quando você sabe exatamente como é o tanquinho que ele traz
por baixo. Rígido e…
Arregalo os olhos, trazendo-me de volta à força.
- Lá em cima. - aponto para a escada que leva a parte
superior do loft e ao quarto - Eu vou… comer lá fora. - pego
meu prato e aponto para a varanda - Você pode sair quando
terminar. Fica a vontade.
Acho que ele ofereceu levar o prato por mim, mas eu já
fugi dele.
Fugi de medo do que eu posso fazer se continuar encarando
aquele sorriso.
Sento a mesa do lado de fora e sequer trouxe minha
bebida. Não me importa, como bem quietinha, apertando minhas
coxas e sentindo a ansiedade se acumular entre elas. Vou me
masturbar. Preciso fazer isso por uma questão de saúde mesmo,
sabe? Não dá pra manter o controle sobre o próprio corpo
quando se quer sexo a cada instante e, com Spencer por perto,
eu preciso manter o controle.
Minha refeição não demora vinte minutos.
Perdi o apetite quase que absolutamente e parte de mim só
quer que ele vá embora.
Mas fica no banheiro do quarto principal por quase os
vinte minutos completos que eu demoro em meu jantar.
É com um exalar aliviado que eu recebo os sons de seus
passos perto da porta. Mas fico ali, sentada, encarando o mar
iluminado por nada além da Lua e uma porção de estrelas, meu
alívio obrigando-me a refletir sobre o que sequer causou
minha tensão.
Acho que gosto dele.
Droga.
Essa vontade de ficar perto de alguém, de conversar, de
morder… não lembro de ter sentido isso antes. Talvez com
Daniel, mas no começo que foi há tanto tempo que minha
memória sequer consegue resgatar.
Ou talvez seja só luxúria.
É.
É isso.
Levo o prato para dentro e o deixo sobre o balcão. Bebo
metade de uma garrafa de água, não estou com sede: estou
procrastinando. Ainda tenho ao meu redor o mesmo vestido que
estava usando quando ele me comeu. Não tive tempo de tomar
banho antes de sair, o que significa que passei as últimas
duas horas sorrindo e dançando com meus amigos, coberta de
suor e Spencer. Bem… coberta de suor e Tatiana, quero dizer.
Já que não houve Spencer.
Eu precisava de mais que um chuveiro se queria me livrar
do cheiro e da lembrança. Mas sem problemas! A suíte Royal
funciona com um sistema que eles chamam de "Lâmpada". A
palavra que parece ser absolutamente aleatória é uma
referência ao gênio da lâmpada: o serviço existe para atender
qualquer um de seus desejos e o meu era tirar Spencer da
minha cabeça. Perceba como a vida é mesmo uma filha da puta
sem consideração: para tirar o Spencer da minha cabeça, eu
escolhi um banho aromático relaxante do catálogo do spa e
pedi que fosse preparado na minha suíte. Meu plano era deitar
na água quente cheia de hidratantes, óleos e sais de banho
por um boa hora até sobrar absolutamente nenhum resquício do
cheiro dele no meu corpo. Genial. Infalível.
Até o Spencer chegar pra preparar meu banho de livramento
do Spencer.
A Lâmpada claramente estava quebrada, essa porcaria.
Já deve fazer alguns poucos minutos que ele se foi quando
eu subo as escadas ainda abraçada ao meu próprio corpo.
Independente de quem tenha vindo colocar os sais dentro da
água quente, ela está salgada e aquecida, não é? Melhor fazer
uso. Coloco o vestido no saco de roupas a ser lavadas. Vou
pedir que recolham amanhã e que lavem esse vestido aqui duas
vezes. Talvez três. E mesmo assim, talvez eu ainda toque fogo
nele antes de jogar fora porque há uma parte de mim que
duvida que eu consiga, algum dia, olhar pra ele sempre
lembrar da sensação fria daquele espumante na minha pele nua.
O zumbido baixo a contínuo dos jatos de água da banheira
é audível mesmo do closet, amarro meu cabelo no topo da
cabeça e respiro fundo.
Vamos deixar o livramento começar.
Curar meu corpo e minha mente desse mal que a aflige até
que Spencer seja pouco mais que um pontinho bem distante no
meu retrovisor. Um desses que mal dá pra lembrar se foi mesmo
um carro ou se é apenas um mosquitinho.
Primeira etapa é um bom banho.
Segunda etapa é uma boa noite de sono.
Não vai resolver, mas vai ajudar.
O que não vai ajudar, no entanto, é o Spencer Reese que
AINDA está no meu banheiro assim que abro a porta. Nua. Em
pelo.
Eu sequer tenho meu vestido na mão! Não existe condições
de me cobrir. Acho que é por isso que eu grito, mesmo que não
seja mulher de gritar.
Não é exatamente um grito agudo de medo. É mais um
exasperar desesperado de susto e descrença.
Ele se vira de costas imediatamente, mas isso não o salva
de meus ataques.
- O QUE ESTÁ FAZENDO?
- O BANHO! - ele grita de volta. Não sei se por causa do
barulho dos jatos de água ou se pelo pânico que deve, ele
também, sentir no sangue.
- AINDA?
- EU NÃO SEI O QUE ESTOU FAZENDO! - ele tapa os olhos,
não sei por quê… está de costas. Mas os tapa ainda assim.
Encolhido como se a proximidade com minha nudez lhe causasse
dores.
- NA VIDA? EU JÁ PERCEBI! - pego duas toalhas sobre o
balcão uma para me cobrir e a outra porque preciso muito de
alguma coisa para jogar nele. Mas minha força é pouca, a
toalha não colabora e cai aberta na água, respingando e
atraindo sua atenção. Ele quase se vira, mas eu ainda não
estou coberta. - NÃO SE MEXE!
- DESCULPA!
- NÃO! NÃO ACHO QUE VOU DESCULPAR! EU TE OUVI SAIR!
- EU ACHEI QUE TINHA ACABADO MAS PERCEBI QUE TINHA
ESQUECIDO UM DOS POTES.
- UM DOS POTES?
- UM DOS POTES!
- AH MEU DEUS! - aperto minhas têmporas às vésperas de
dar um tapa em mim mesma porque isso deve ser pesadelo. Não é
possível que a realidade aceite esse tipo de evento.
- A gente pode parar de gritar? - pede.
Eu fico em silêncio. Não consigo olhar pra ele.
Ele não se vira mas fica em silêncio também.
Deve ter passado um milênio quando ele suspira:
- Sinto muito. Eu estava mesmo só preparando as coisas.
Respiro fundo porque a vergonha pesa mas ela é só minha
para carregar:
- Eu sei. - aceito. Acredito nele.
Ergo os olhos e o vejo encurvado.
Gesticulo antes de dizer qualquer coisa, não importa que
ele não possa me ver, preciso ocupar minhas mãos.
- Pode… pode se virar de volta, já estou coberta. E acho
melhor você ir! - aviso.
Mantem os olhos baixos, evita sequer olhar na minha
direção.
- Sim, senhora.
Os braços estão encharcados, molhados até as mangas.
- O que estava fazendo?
- Han?
- Molhou até a camisa?
Spencer engole em seco e tem a mesma expressão que tinha
no dia que o encontrei no McDonald’s.
Perdido.
- Não sabia como preparar o banho, não é?
Faz uma careta adorável de quem não queria ser pego, mas
não há o que fazer. Coca a nuca e o modo como exibe os
músculos por acidente me faz ciente de minha própria nudez.
- É por isso que demorou quase meia hora e ainda esqueceu
uns potes? - continuo.
Arrisca um olhar na minha direção e eu sei que já entendi
seu problema.
- Não sabia como ligar a banheira? Não teve treinamento
pra fazer isso, não é? Trocou de lugar com o Alan porque
queria falar comigo?
- Não! - responde apenas a última pergunto porque,
suspeito, não quer responder as outras - Não troquei de
lugar. Não foi isso.
Estreito os olhos porque tenho certeza que foi isso que
aconteceu. Mas acho que ele está me vencendo só pelas
palavras que escolhi usar.
- Convenceu o Alan a trocar de lugar? Prometeu alguma
coisa pra ele? Comprou a troca? - sigo experimentando.
Spencer ri.
- Você não vai deixar isso pra lá, vai?
- Agora você transformou em um desafio.
- Eu apostei com ele. Poker.
- Ah! - estalo os dedos. Não acredito que demorei pra
pensar nessa. - Eu não sabia que você era bom em poker. Mas
acho que faz sentido que você saiba blefar.
- Está tentando me ofender, de novo?
- Talvez.
- Por favor, não conta pro Alan que eu fiz besteira? -
estreita os olhos.
- E pegou uma passageira nua? Eu guardo seu segredo.
- Obrigado.
- Você queria mesmo falar comigo, han?
Ele ri baixinho, tirando a toalha que joguei na banheira.
- É. E mesmo enquanto eu estava aqui, tentando descobrir
como esse inferno de banheira funciona. - torce o nariz para
a água e eu imagino que, enquanto eu jantava, ele deve ter
feito uma inimiga - Eu fiquei pensando em como poderia te
fazer ouvir e o que eu poderia te dizer para acreditar em
mim, mas… - ele não olha para mim. Não olha para nada em
particular. Só encara o vazio com um sorriso triste - Você
não quer me ouvir, quer? Não quer acreditar em mim. - dá de
ombros - Então, no fundo, acho que não tem muito que eu possa
fazer.
Torce a toalha na pia e a pendura no box.
- Posso deixar essa aqui? - pede - Não faço a menor ideia
como levar isso embora sem molhar o quarto inteiro.
- Claro. - murmuro, desconcertada não pela pergunta da
toalha, mas pelas que fez antes.
Eu fui cruel.
Senti-me traída mas a verdade é que nunca definimos o que
éramos. Talvez eu seja velha demais para relacionamentos
modernos o que dificilmente é culpa dele. Ou talvez ele seja
um traidor cachorro maldito. Mas ele estar errado não fazia
de mim certa.
Sequer o deixei gozar.
- Boa noite, Tati. - ele sorri, envergonhado. Tem a
cabeça baixa quando passa por mim.
- Spencer?
- Hm?
Ele se vira para esperar o que eu ia dizer. O problema é
que eu não faço ideia do que ia dizer.
- Ah… - coloco os fios de cabelos atrás da orelha. "Boa
noite"? Não… "Obrigada"? Mas pelo quê? Por ter feito tudo
errado e me visto nua? "Quando vou te ver de novo"? Não.
Definitivamente não. Sorrio. - Nada.
- Ah, não! - pede - Não pode fazer isso! O que quer
dizer?
- Nada, eu mudei de ideia.
- Me diz, por favor?
- Spencer…
- Olha, depois de tudo que a gente já passou, você vai
mesmo ficar com vergonha de dizer alguma coisa?
Engulo em seco.
- Eu só ia perguntar…
- O quê?
Quando vou te ver de novo?
Se posso te ver de novo?
Não. Não misture emoção.
Foi emoção que te destruiu com ele.
O sexo foi a parte boa.
O sexo foi a parte que deu certo.
- Você… terminou?
Seu sorriso envergonhado desaparece porque sua vergonha
desapareceu.
- Está me perguntando se eu me masturbei?
- Esquece! - me arrependo imediatamente - Deixa pra lá!
- Não, não. Eu só queria ter certeza.
- Boa noite.
- Não, Tati, eu não terminei. Não me masturbei desde que…
desde que você me deixou na mão.
Espremo meus lábios com tanto empenho que sinto meus
dentes enfiados na carne.
- Certo. Certo. - tento soar casual. Sei que falhei
porque ele está rindo e deu um passo na minha direção. E
então deu outro e outro até ficar bem perto.
- Preferia que eu tivesse feito isso? Ou que não tivesse?
- Eu não preferia nada. - respondo depressa.
- Claro que não. - ele resvala os dedos por meus cabelos,
prendendo fios soltos em minha orelha. Respira a centímetros
da minha bochecha quando desliza o toque pela toalha - Macia.
- sussurra. Mas abandona a toalha e escorre os nós dos dedos
pela minha pele - Bem macia.
Tenho vontade de fechar os olhos. Ao invés disso, no
entanto, me limito a piscar. Piscar demoradamente, pálpebras
pesadas e malcriadas.
- E você? - está quase raspando os lábios em mim -
Terminou de novo? Porque aquela vez mal conta.
- Conta, sim. - gaguejo.
- Não conta, não. Você foi embora depressa porque ficou
com raiva. Com ciúmes. - ele dá um beijo no meu pescoço. Deus
me proteja, não vou conseguir resistir. Estou agarrada a
toalha, mas se ele quiser arrancá-la acho que vou deixar.-
Ciúmes do teu Spencer dando em cima de outra mulher.
- Eu não tenho um Spencer. - murmuro.
- Ah, eu discordo. - ele ri e me beija no pescoço de
novo. Mais molhado dessa vez. Mais íntimo. - Deixa eu
terminar pra você? - sussurra - Aquela vez não conta.
É por isso que Eva aceitou a maçã, sabe?
Porque pecado é uma coisa deliciosa.
- E por que eu te deixaria fazer isso? - minha pergunta é
sã, mas minha sanidade acaba logo depois da interrogação
porque, apesar de minha indagação, estou agarrada a sua
camisa. Abandonei a toalha que só não caiu ainda porque está
presa entre nossos corpos.
- E por que não deixaria?
- Está só querendo se aproveitar de mim porque você não
terminou. - lembro.
- Hm. - ele considera por um segundo - E se for só pra
você?
- Hm?
- E se eu não gozar? - ele faz um biquinho para tentar
impedir o sorriso - E se eu fizer só pra você e prometo que
não gozo. Assim você pode punir teu Spencer por ele não ter
se comportado.
- Eu não tenho um Spencer. - mas dessa vez eu estou rindo
e ele está na minha boca.
Ele tem um beijo doce. Derretido.
Saboroso.
Morde meu queixo com afinco.
- Se eu fui um garoto levado, você devia mesmo me punir.
- Isso quer dizer que foi levado?
- Não, eu fui um anjo. Você entendeu tudo errado. Mas se
você quiser me punir… eu vou gostar.
Eu o seguro pelo queixo e ele para. Minhas unhas enfiadas
nas suas bochechas.
- Você não goza?
- Não, senhora. - exagera naquele sotaque que eu adoro -
Só posso gozar depois que você me perdoar. - promete - Até
lá… é tudo só pra você.
Mordo meu sorriso. Ele está salivando. Acho que estou
salivando também.
Ergo as sobrancelhas e decido que, se vou ceder, é melhor
ceder logo.
- Então, fica de joelhos.
- Sim, senhora.
E já está de joelhos.
Eu tinha mais algumas provocações prontas, mas Spencer
pulou elas todas. Colocou um de meus joelhos sobre o ombro e
engoliu minha boceta inteira com tanta violência que eu me
choquei contra a parede atrás de mim. Não há apoio para uma
mulher em desespero conseguir se manter de pé, enfio as mãos
nos seus cabelos, arqueando as costas apoiando-me na parede
que é tudo que me restou.
Ele não fala. Só trabalha. Chupando-me bem devagar,
levando um único dedo a minha entrada em um toque que é quase
cócegas.
O caminho pro orgasmo é uma tortura. Uma aflição contínua
e crescente, destruindo seu corpo inteiro em sensações e
suores muitos em quantidade, inebriantes em essência. Deve
ser por isso que estou murmurando "por favor" infinitas
vezes, sem qualquer coerência. Porque a iminência do prazer
te dá uma sede de desfecho: você precisa terminar. A
conclusão é o fim da corrida. O clímax. A crise. Aqueles
segundos perfeitos em que você não consegue mais sequer gemer
porque tudo que você tem está se diluindo em prazer.
Prazer.
Essa coisa que é só uma palavra, até você começar a
senti-la. Aí ela se torna mais. Aí ela se torna tudo.
Por favor, por favor, por favor.
Spencer de joelhos, mas quem implora sou eu.
Estou gritando com as mãos em seus cabelos enquanto ele
me flagela com a língua. A tortura necessária que faz parte
do caminho sem o qual não há orgasmo.
A língua.
A boceta.
Acho que ele está gemendo também, mas fez uma promessa
que o impede de se permitir aflições do mesmo grau que me
atinge. Rebolo em sua boca e ele me bebe. Adorando-me.
Resvalando dedos suaves em meu corpo que são perfeita
antítese de sua língua arisca.
Por favor, por favor.
Está bem ali.
O fim.
Consigo senti-lo.
Quase.
Fecho os olhos.
Sentidos precisam ser abandonados para atravessar o
último túnel que falta.
Tudo precisa ser abandonado.
Paro de respirar.
Paro de pensar.
Paro de gemer.
Só existe a língua.
A boceta.
O silêncio e aqueles segundos perfeitos em que a jornada
acaba.
Ainda tenho os dedos em seus cabelos em um cafuné erótico
que fica mais tranquilo a medida que eu respiro melhor.
Spencer ainda me lambe. Acho que está se permitindo mais
aflições do que imaginei.
Eu o empurro, devagar, tirando meu joelho de seu ombro,
mas ele ainda está quase agarrado a uma de minhas coxas. Não
quer tirar a língua de minha pele e, mesmo que eu não
conseguisse imaginar por que, ele se coloca de pé e vejo sua
razão bem dura entre as pernas. Esticando a calça até quase
rasgá-la.
- Você prometeu. - lembro.
Seu olhar é opaco.
Como o dos carnívoros quando já escolheram a presa.
Preciso quebrar a hipnose e tirá-lo da caçada. É quase um
procedimento cirúrgico: esse de remover o Spencer do tesão.
Encara-me como se fosse capaz de quebrar sua palavra oito
vezes antes do Sol nascer.
- Eu prometi. - engole em seco.
Enrolo-me na toalha, mais uma vez, mas me sinto fraca.
- Vai terminar quando voltar pra sua cabine? - pergunto.
A curiosidade nos olhos de Spencer é quase masoquista.
- Eu prometi não terminar até você me perdoar. - entende
minha provocação.
- E eu ainda não perdoei. - lembro.
Ele bagunça os cabelos com uma risada amarga de quem já
se arrependeu da brincadeira porque descobriu ser uma
maratona o que pensou ser apenas cem metros rasos. Mas, ao
mesmo tempo, morde um sorriso sacana de quem mal pode esperar
para ver aonde aquilo vai dar.
- Então acho que eu não vou terminar.
- Bom garoto. - sorrio e ele aprova - Boa noite, Spencer.
- Eu estou no turno até amanhã de manhã. Se precisar de
mim.
- Não vou precisar. - eu solto a toalha porque vou tomar
meu banho e não faz muito sentido ter pudores na frente dele.
- Tem certeza? - choraminga e eu sei que ainda está me
encarando.
- Tenho. - murmuro, procurando algo entre meus pertences.
- Por favor, precise de mim. - sua voz é rouca. Carnívora
ainda - Pra qualquer coisa.
- Estou bem, obrigada e… ah! Achei! - mostro meu vibrador
- Esse é a prova d'água!
Entro na banheira e faço questão de ligar o vibrador
ostensivamente antes de mergulhá-lo entre minhas pernas.
Mordo um gemido bem gostoso antes de piscar os olhos e vê-lo
ali, em minha porta. Sem reação.
A tortura da jornada sem o alívio do fim.
Está duro nas calças. Imenso e colérico.
Eu sorrio.
- Boa noite, Spencer.
A mordida que ele dá na boca é visceral.
Quer me morder.
Acho que ainda vai fazer isso.
Acho que eu vou deixar.
- Boa noite, Tati.

***************
Spencer

Se meu pau falasse, ele chorava.


Daria um piti mesmo, digno de criança mimada.
E eu tenho uma vontade horrível de lhe fazer um carinho e
prometer que vai ficar tudo bem, só que eu já prometi pro
Universo que só queria conversar e pra Tatiana que não ia
terminar, eu não posso mais fazer promessa pra ninguém até
porque eu sou claramente péssimo em julgar o quanto eu sou
realmente capaz de me comprometer com algo.
Eu tentei dormir, não deu certo.
Tentei comer, não deu certo.
Nada dá certo.
Sabe quando você está com a bexiga cheia mas ainda não
pode ir ao banheiro? Aí só te resta dar adeus a dignidade e
fazer aquela dancinha ridícula de pular para um lado e para o
outro, esperando que a alegria da atividade distraia a tua
bexiga por tempo suficiente?
Pois é.
Eu acabei de descobrir que tenho um equivalente para o
sexo.
Minhas bolas pesadas, parecendo uma represa rachada
remendada no chiclete, prestes a estourar de tesão.
Meu pau sofrendo, fica duro quando bate o vento,
lacrimeja de tristeza porque de desejo eu não deixo.
E eu me balanço para um lado e para o outro enquanto
finjo que estou bem.
Estou ótimo.
Não tem nada demais acontecendo.
Nada.
São nove horas da manhã quando eu chego de volta na sua
porta porque ela não precisou de mim durante a noite,
obviamente. Estou com seu café da manhã que, hoje, ela
escolheu que fosse servido no quarto.
Tudo bem.
Ela vai estar com algum roupão cobrindo as curvas, não é?
Ou vai estar pelada.
Dou um murro curto no meu peito.
Coragem, Spencer.
A gente fica duro mas a gente sobrevive.
Só mais uma hora e o turno é do Alan.
Não que faça diferença até porque, a não ser que ela te
perdoe nessa uma hora, você vai ter que continuar seco o
resto do dia. Mas sobreviver longe da tentação é bem mais
fácil que sobreviver perto.
Vestida ou pelada.
Eu vou abrir essa porta e NÃO IMPORTA o que tenha do
outro lado, eu sou um homem corajoso, um guerreiro, e vou
sobreviver. Combinado?
Olho pra baixo pra ver se meu cacete está de acordo. Não
está. Sei que não está porque ele dói como se quisesse me
matar devagarzinho, ele e a Tatiana, concorrendo pra ver quem
consegue primeiro. Mas ele não está duro. E, ultimamente na
minha vida, se não é fracasso, eu considero sucesso.
Abro a porta. Empurro o carrinho pelo hall de entrada pro
apartamento de luxo que Tatiana chama de cabine. Ela tem um
piano na entrada, um sofá e poltronas para doze pessoas em
cima de um tapete persa diante de uma televisão de 58
polegadas. Uma suíte extra caso ela receba convidados, uma
mesa grande o suficiente para sentá-los todos. E se a jacuzzi
que ela tem no banheiro principal não for de seu agrado, sem
problemas: tem outra convenientemente colocada na varanda.
Mas é claro que eu não noto nada disso agora, porque
assim que entro na sala, eu a vejo ali.
Nem pelada, nem vestida.
Acho que Tatiana deve ter acordado bem cedo e pensado
arduamente em qual seria o melhor modo de me foder. A
conclusão que ela chegou foi: uma camiseta leve e branquinha,
quase translúcida, e umas calças daquelas de Yoga, coladas
até parecer um adesivo.
Me fode.
Muito.
Porque aí eu vejo todas as suas curvas, até os biquinhos
dos peitos, mas ao mesmo tempo vejo nada.
A Tatiana quer mesmo que eu tome no cu e meu pau concorda
demais com ela, esse vendido do caralho, e já acordou
depressa.
Está no meio do caminho pra uma ereção e Tatiana -
praticando Yoga, de fato, bem no meio da sua sala - muda de
posição, erguendo aquela bundinha linda bem pra mim, fazendo-
me ter certeza que a meia ereção já já vai virar uma
completa.
- Bom dia.
Ela se sobressalta.
Estava com fones de ouvido, mas deveriam estar baixos.
- Não queria o café agora?
- Ah, está ótimo. Achei que ainda tinha uns vinte minutos
antes de você chegar.
- Eu sou pontual.
- Demorou meia hora pra encher uma banheira. Me perdoe se
achei que…
Mas uma coisa me ocorre.
- Você faz Yoga todo dia de manhã?
- Ás vezes… - enruga a testa - Por quê?
- Aqui? No cruzeiro?
- Acho que sim. - dá de ombros, mas ainda tem curiosidade
no rosto - Por quê?
- Com o Alan entrando e saindo?
Ela se senta sobre a esteira e me encara sem paciência:
- Ciúmes? Sério?
- Estou só dizendo que, de repente, entendi porque ele
não queria me dar o turno.
- Eu normalmente termino bem antes dele chegar. Ele traz
o café às nove e meia.
- Ah, então ele demora pra…
- Spencer, pode colocar tudo ali em cima da mesa, por
favor? - ela me interrompe com um sorriso porque já deve ter
percebido que essa conversa vai levar a lugar nenhum.
Eu concordo.
A contragosto porque já estou tão duro que queria mesmo
discutir com ela pra ver se terminava em sexo.
Mas ela voltou aos seus exercícios de Yoga e, se não
importa se ela está fazendo aquelas posições especialmente
para mim ou não, porque meu pau decidiu que é pra ele e já
está reagindo de acordo.
Passa a mão na bunda dela, é o que ele sussurra pra mim.
Um cavalheiro, percebe-se.
Respiro fundo e coloco os itens do café na mesa.
- Dormiu bem? - minha pergunta é cheia de duplo sentido.
- Maravilhosamente. - ri - E você?
- Eu durmo pouco. - dou de ombros - Fiquei mais na
academia. - Flexiono meus músculos casualmente assim que
suspeito ter seu olhar.
O problema é que Tatiana foi muito bem fodida na noite
anterior e, contando com sua masturbação na banheira, deve
ter gozado umas três vezes, pelo menos. Ela estava bem.
Estava ótima. Conseguiria resistir aos meus músculos sem
dificuldades, por mais que ela sempre aparentasse aprová-los.
Quem estava no zero a zero era eu.
Ela sorri como se não acreditasse no descaso de minha
resposta e volta a sua posição. Eu estou perto da mesa agora,
então não tenho mais sua bunda voltada para mim. É uma pena.
Principalmente porque acabei de servir o café e não tenho
mais desculpas para ficar.
- Café está pronto. - aviso - Boa refeição.
- Obrigada.
- Ainda precisa de mim?
- Não. Era só isso?
- Tem certeza? Posso ficar para… - olho ao redor. Ficar
para quê? Ela para o alongamento para me observar com
diversão nos olhos, curiosa para ouvir o fim da minha frase.
Acho que minha vergonha acabou porque eu decido me jogar do
precipício - Posso ficar para te assistir.
- Me assistir? - pergunta descrente.
- É. Caso você queira público.
Ela ri muito alto.
Tati tem um desses sorrisos que pedem companhia. Lindo e
imenso, genuíno. Uma mistura perfeita de inocência com
provocação.
Tento me impedir por um segundo, mas meus lábios estão se
curvando para acompanhá-la.
- Não? - arrisco, divertindo-me com a imbecilidade do meu
próprio argumento.
Revira os olhos mas ainda está rindo.
- Fique a vontade.
- Sério?
- É! - ela ri porque não acha que eu estou falando sério.
Ou saiba que estou, mas não se incomoda em me provocar por
mais alguns minutos.
A diferença é que eu não tenho planos de ser alvo
sozinho.
Pego uma das cadeiras sobre a mesa e a arrasto até suas
costas.
- Sério? - dessa vez é ela quem pergunta quando eu me
posiciono na primeira fila para assistir sua bunda.
- Você disse que eu ficasse a vontade. Estou ficando a
vontade.
Dá de ombros.
Sabe por que ela dá de ombros?
Porque gozou pelo menos três vezes ontem. Porque foi
muito bem chupada e está se sentindo levinha. Ao contrário do
peso que eu sinto entre as pernas, puxando minhas bolas pra
baixo como se alguém tivesse apertado um botão e aumentado a
gravidade da Terra.
Tá certo.
Está sentada sobre os próprios tornozelos quando alonga
os braços contra o chão, apoiando a testa na esteira.
A calça de Yoga bem apertadinha desenhando sua bunda
inteira, enfiando-se entre as pernas de um jeito que me faz
imaginar sua bocetinha. Bem ali. Ao alcance dos meus dedos.
- A gente só pode assistir? - pergunto e ela ri de minha
interrupção.
- Shh!
- Eu só quero saber se o show é interativo.
- Pra fazer o quê?
- Reproduzir um daqueles pornôs que você gosta. - murmuro
- Só o raspar dos dedos, não é assim?
Ela para de rir.
Engole em seco.
Vira-se de volta pra esteira sem me responder.
De repente, perdeu a graça, não é?
De repente, ficou mais sério.
Inclina-se para me observar como se quisesse ter certeza
se estou falando sério. Eu vou me abaixar perto dela pra
explicar que estou falando sério, sim.
- Como era? - deslizo os dedos em suas costas, descendo
até a curva de sua bunda. Dando-lhe tempo suficiente para me
interromper se for isso que ela decidir fazer. Sua respiração
fica pesada. Não diz uma palavra. Será que fechou os olhos?
Agarro sua bunda, agressivo, engolindo-a na palma da
minha mão. Puta merda que mulher boa. Que mulher deliciosa.
Estou salivando pela boca, pelo pau, por toda parte. Suor
frio em minhas têmporas. O contato do tecido de minha calça e
cueca apertado contra minha rigidez é quase tão bom quanto
uma carícia. Quanto dedos de um certa morena dona de uma
libido bem gulosa.
- Acho que você viu o pornô errado. - provoca diante de
minha mão, como uma garra na bochecha da sua bunda.
Tenho que controlar o impulso de estalar um tapa ali
mesmo, por cima da calça de Yoga.
- Mas você é muito descarada viu?
- Você acha? Foi só um comentário. - ela diz, inocente,
mas senta sobre os calcanhares de novo, quase prendendo minha
mão ali, para esticar os braços e usar uma fita que tem ao
redor do pulso para prender os cabelos em…
Ela amarra o rabo de cavalo com um zelo erótico do
caralho. Tomando bastante cuidado para ter certeza que pegou
todos os fios. Ela o amarra bem farto e alto, me obrigando a
assistir aquilo que, dentro desse contexto, é o mesmo que uma
masturbação. Percebe-me com o canto do olho e um sorriso no
canto da boca. Puxa os fios para ter certeza que o penteado
está bem preso antes de se alongar contra o chão de novo.
É mais forte do que eu.
Bato minha mão na sua bunda fazendo o tapa estalar alto
mas sua surpresa não dura e ela logo está dizendo:
- Também não era assim. Você realmente devia assistir o
pornô de novo, Spencer. Claramente não entendeu como é.
- Quer levar outro? - mordo minha boca.
- Se vai ficar batendo fraco desse jeito, não. Perda de
tempo.
Ela cutucou a bicho por tempo demais. Agora, estou
furioso.
Ajoelho-me atrás dela e sou violento ao puxar sua bunda.
- Sei exatamente como é. Mas não sei se você merece.
Agarro sua boceta para o prazer dela, e o rabo de cavalo
para o prazer meu.
Meu dedo médio na sua entrada, por cima da calça, fazendo
as cócegas bem superficiais que ela tanto gosta. Tatiana geme
como uma cachorrinha.
- Esse é mesmo teu ponto fraco, hein, sua putinha? -
tenho seus cabelos bem enrolados no meu punho e, dessa vez,
vou aproveitar. Meu nariz enfiado na sua bochecha,
perfeitamente ciente que estou sarrando descarado em uma das
bandas da sua bunda, fazendo-a rebolar no dedo que eu afasto
sempre que ela o procura demais.
Ela quer o dedo.
Quer muito.
Eu roço apenas um pouco antes de afastar de novo.
Pode me provocar se quiser, linda, mas eu sei devolver.
- Responde. - ela leva um tapa. Bem na bocetinha.
Seu gemido é audível e faz meu caralho encher de sangue
até virar pedra.
- É meu ponto fraco. - sussurra, obediente.
Passo a língua no meu sorriso e aí, meu amor, eu bolino
Tatiana.
Dedilho Tatiana como ela nunca foi dedilhada na vida.
Vinte e cinco minutos fodendo os arredores de sua boceta com
meus dedos, por cima da calça. Ele rebola, espreme as coxas,
geme, choraminga e implora. E eu não paro. É uma coisa linda
de assistir. Mantendo seu corpo preso por aquele rabo de
cavalo no meu punho, mordendo qualquer pedacinho do seu rosto
que esteja a meu alcance.
Seu café da manhã esfriou e estragou em cima da mesa onde
permanece absolutamente esquecido, porque ela está além da
fome. Além da sede e do cansaço.
A única coisa que ela lembra que existe naquele momento
são meus dedos.
Eu comecei devagar, só tocava nela quase sem querer. Mas
agora… agora já faz uns cinco minutos que ela trepa no meu
dedo como um animal no cio.
- Isso. - murmuro, bem quente - Você quer mais, não quer?
Cachorra.
Tenta me responder, mas gagueja incongruências, salivando
sobre a esteira sempre que meu punho permite que ela se
abaixe.
Minha mão envolta por seus cabelos, movendo-se como se eu
estivesse batendo uma. Meu pau está tão sensível que o vento
que bastava para deixá-lo duro há uma hora, agora seria capaz
de me fazer esporrar no tapete persa.
Ela não consegue mais controlar os espasmos, só quem os
controla sou eu. Que paro assim que ela está perto de
ultrapassar a linha de chegada.
Tatiana me xinga, chama meu nome e implora mais um pouco.
Mas eu não paro.
Implora que eu a deixe gozar. Implora que eu vá mais
rápido. Mais forte.
Implora.
Mas é só quando ela diz:
- Me come. Spencer, Spencer, por favor, me come, por
favor, por favor por favor.
É só aquela sequência interminável de "por favor" gemido
em desespero que me faz desistir. Não por pena dela, mas por
pena de mim.
- Acabou a brincadeira. Vem aqui.
Tirar uma calça de Yoga é uma merda. O que aquela porra
tem de ser deliciosa tem de ser colada. Mas tesão é uma força
que não pode ser detida, e o meu somado ao de Tatiana é
suficiente para tirar o Sol da órbita se for preciso.
Está nua.
Abertinha no chão.
Eu me enterro nela até o talo. Até sentir minha virilha
na dela e nada mais entre nós. Tiro sua blusa e enfio uma
estocada potente. É só a primeira, mas meu tesão é tanto que
já está saindo pelos poros junto com o suor.
- Vou gozar. - murmuro, porque se eu conseguir segurar
mais duas estocadas já vai ser um milagre.
E aí Tati me segura pelo queixo. Suas unhas longas
enfiadas nas minhas bochechas.
- Não vai, não! - ofega - Você prometeu.
- Tatiana, pelo amor de Deus!
Ela rebola e agora sou eu quem xinga e chama seu nome.
Tudo bem.
Eu consigo.
Guerreiro, lembra?
Sobrevivente.
Eu me enfio bem fundo nela. Até arrancar gemidos, de
novo. Gritos.
Está bem perto e eu preciso muito que ela goze logo ou eu
vou morrer. Não é um exagero, é um quadro clínico. Vou
morrer. Tatiana vai me matar.
Meus joelhos ardendo enquanto minhas estocadas violentas
arrastam nós dois pelo tapete, suas unhas deliciosas cravando
em minha carne… nas costas, nos braços. Aquela dor boa que é
sinal de trabalho bem feito, não é?
Beijo sua boca.
Mordo sua boca.
Suspiro em sua boca.
- Estou quase. - ela promete - Quase, quase,
quasequasequase…
É com as costas das mãos que eu dou um tapa em seu
clitóris. Forte.
Ela se queixa com uma porra de um gritinho agudo, mas se
contorce beliscando os próprios mamilos e derrete bem
gostosa:
- Faz isso de novo? Spence… bate no meu grelinho, de
novo?
Eu sinto lágrimas.
De sangue.
- Tatiana, eu vou gozar. - travo os dentes.
- Não! Só mais… um pouquinho…
- Então, cala a boca. Não me pede… não me pede…
- Pra dar uma surra no meu grelinho? - sorri, safada.
Meus punhos doem. Eu não tenho mais lugar pra enfiar
tanta tensão. Abocanho um de seus peitos e mordo com força.
Prendo minha mordida ali enquanto como Tatiana, colérico.
Como se minha intenção fosse roubar o que ela já estava me
dando.
Ela goza alto.
Gloriosa.
Ostensiva.
Lambendo meu queixo e sussurrando coisas em uma língua
que eu não conheço.
E pronto.
Agora eu tenho mais um fetiche com essa mulher. Acabei de
desenvolver.
Ela me deixa sair dela e eu faço isso como um soldado
ferido.
Enfio minha testa no tapete sentindo meu suor frio,
trêmulo. Fraco.
Preciso gozar.
Puta merda, que brincadeira imbecil essa que eu fui
inventar.
O que me fode é que ela parece estar se divertindo
horrores com minha punição e, no fim, deve ser um bom caminho
para fazê-la me ouvir.
Se eu gozar pode ser que ela só ria e diga que não
acredita que eu achei que ela estava falando sério. Mas pode
ser que se afaste e termine tudo.
Eu posso arriscar?
Não preciso pensar na resposta pra essa pergunta.
Eu já sei exatamente o que tenho que fazer.

***************
Tatiana

Meu Deus.
Eu fiquei nua.
No meio de um bar.
No meio de um navio.
Em um lugar público.
Com um garoto de vinte anos.
Que sequer era meu namorado.
E depois deixei que ele me comesse de novo.
E de novo.
O que há de errado comigo?
Eu nunca tive problemas com erotismos dentro de quatro
paredes, desde que fosse DENTRO DE QUATRO PAREDES. Parece, no
entanto, que meu tesão por Spencer foi tanto que eu esqueci
as paredes e me joguei sem nenhuma mesmo. E depois, só pra
comparar, parece que decidi experimentá-lo com as paredes
também.
Burra.
O que está acontecendo comigo?
Por que é tão divertido brincar com ele
Provocá-lo.
Ser provocada.
Eu não faço isso!
Eu não me jogo em irracionalidades que nunca antecipei a
não ser que tenha um motivo razoável e um bom plano de
escape.
E, falando em irracionalidades sem motivos, Marcus está
sorrindo pra mim assim que chegamos na quadra de tênis.
Eu disse a Spencer que ia tomar um banho, dormir e fingir
que nada daquilo tinha acontecido. Obviamente, meu plano
tinha falhado de todos os modos que um plano era capaz de
falhar. E os sorrisos de Marcus estavam me enchendo de culpa.
Era sempre culpa com Marcus, não era? Como se eu fosse
incapaz de qualquer outra emoção diante dele.
- Vamos dar uma surra neles! - Julia ri para Will e Jess.
Marcus concorda com um jeito jovial que há muito tempo não o
via demonstrar.
- O que eu estou fazendo aqui? - Pamela resmunga -
Tatiana, o que eu estou fazendo aqui?
- Vai ser divertido. - digo, sem prestar atenção. Minha
bunda está dolorida cheia de queimaduras de carpete.
- Está muito quente para estar tão longe da água.
- Longe? Pamela, olha o oceano pra todo lado!
- Eu quis dizer piscina e você sabe!
- A gente vai voltar pro lounge logo depois do jogo, pode
ser?
- Achei que você ia querer se esconder do Spencer.
Engulo em seco e tento mudar de assunto antes que eu core
e ela perceba.
- Olha, tem umas poltronas ali e estão servindo bebidas.
- ÓTIMO! - Pamela se joga na direção que apontei sem
sequer confirmar qualquer uma de minhas afirmações, enquanto
Julia e Marcus começam o jogo contra nosso casal de amigos -
Por que a gente também precisa ficar aqui? Eu não jogo tênis.
Você não joga tênis. Eu sequer gosto de tênis. A gente sabe
as regras de tênis?
- Por favor, pare de dizer a palavra tênis. - dou risada,
sentando em uma das poltronas.
Ai.
Bunda.
Queimaduras.
- O que é isso? - sua expressão de choque faz eu me virar
imediatamente para descobrir o que atrás de mim chamou sua
atenção.
Spencer?
Que merda, Tatiana… essa é a primeira coisa que você
pensa? Que é o Spencer?
Será que dá pra gente esquecer que ele existe apenas por
um segundo?
Essa brincadeira toda é só pra puni-lo um pouco, não é?
Só isso.
Só isso.
Certo?
- Não, não… - Pamela traz minha atenção de volta, quase
respondendo a pergunta que sequer sabe que eu fiz. Mas puxa o
decote do meu vestido bem de leve para indicar do que está
falando - O que é essa marca aqui? Tatiana Corso! Isso é uma
mordida?
- O quê? - prendo a respiração - Não! Claro que não.
Mas Pamela enfiou o indicador para descer meu decote e
deve estar vendo bem claramente algo que, em meu desespero de
tesão e confusão mental, eu esqueci de esconder.
- Isso é uma mordida! - deixa o queixo cair - É uma bela
dentada! Quem deixou essa marca aí?
- Eu me bati! No chuveiro!
- Contra a boca de alguém? Tatiana! Quem foi! Me conta
agora!
- Shh! - imploro - Não foi ninguém!
- Foi o Marcus? Vocês dois…?
- NÃO! Pamela!
- Que foi? Vocês dois estavam no maior chamego ontem.
- Isso foi só porque eu aceitei sair com ele! E agora
parece que ele está inoculado contra qualquer mau humor?
- Você aceitou o quê? Meu Deus! QUANTO TEMPO eu passei
comendo a Julia? Eu perdi tudo!
- Será que você pode ser um pouco mais recatada, por
favor?
- Disse a mulher com marca de dentes nos peitos. Quem é o
dono da mordida? Se não é o Marcus…
- A gente não vai mudar de assunto, vai?
- … é o Spencer.
Ela se cala.
Eu me calo.
Não digo uma palavra.
Não olho na sua direção porque tenho medo que meu olhar
me incrimine mais que minha falsa distração.
- Sua safada! - ela bate nos próprios joelhos com força -
Você deixou o Spencer morder teus peitos ontem! Mas isso
ainda está tão vermelho! E o que mais deixou ele fazer?
Quando foi isso? E ONDE?
- Se você fizer silêncio, pode ser que eu te conte.
- Por que está tentando ser discreta? Ainda vai sair com
o Marcus?
- Por que não sairia?
Sinto meu corpo inteiro se contrair.
Culpa.
Punição.
Meu Deus.
Minha vida era tão simples antes do sexo.
- Porque o Spencer estava mordendo teus… Quem é você? -
arregala os olhos assustada - E o que você fez com minha
amiga? A Tati que eu conheço nunca iria pra cama de um em um
dia e pra um encontro com outro depois.
- Um balcão de bar dificilmente é uma cama.
- Ele te comeu no balcão do bar! - dessa vez é o meu
joelho que ela ataca - Em público! A velha Tatiana foi
abduzida, e essa nova é um ESTOURO!
- Eu me deixei levar, tá certo? Não vai acontecer de
novo.
Decido omitir o banheiro.
E o tapete.
- Por que não? - torce o nariz, chateada - Deixa
acontecer muito, meu bem. Você merece. Só não to entendendo
por que o Marcus ainda tá na equação.
- Porque eu quero experimentar isso e descobrir onde vai
dar.
Minto.
Pra ela?
Pra mim?
Quem sabe, a essa altura.
Pam não tem palavras dessa vez. Só dobra o lábio
inferior, impressionada, e ergue as mãos em rendição.
- Eu ainda voto no Spencer.
- Por quê?
- Eu acho que ele tem mais jogo que o Marcus.
- É por isso que deu um jeito de colocar ele nesse
cruzeiro?
Pamela me observa com o canto do olho e um sorriso
mínimo.
- Me ofende que você ache que eu ainda não percebi que
foi isso que aconteceu. Quer mesmo que eu acredite que é
coincidência ele estar aqui?
- Mas eu não escolhi o lugar onde ele trabalharia! - ri,
satisfeita - Achei que ia ter que fazer um esforço terrível
pra vocês dois se cruzarem! Mas lá estava ele, no lounge! Eu
quase morro!
- Não foi você que colocou ele lá?
- Não. - ela toca o próprio peito dengosa - Foi o cupido.
- Ah, pelo amor de Deus. Justo você? Parece que a velha
Pamela foi abduzida também. Além do mais! Por que está
defendendo ele? Depois do que ele fez… - ela tem um olhar
suspeito, uma careta de culpada que a denuncia além de
qualquer prova - Pamela? - ai meu Deus - Pamela! O que você
fez?
Ela engole em seco e me encara demoradamente, parece
ainda estar decidindo se vai me contar ou não. Mas eu sei que
é só fingimento. Ela vai contar.
- Tá. Eu digo, mas não quero que você surte! Eu… dei uma
olhada nele.
- Deu uma olhada nel… AI MEU DEUS! Pamela! Você contratou
um detetive particular pra investigar o homem?
- Foi rápido. Só durante essas semanas, antes do
cruzeiro. Eu queria ter certeza que não estava te jogando pra
cima de um golpista.
- Não acredito em você! NÃO ACREDITO!
- Foi um detetive que a Lu sugeriu! A SUA segurança!
- Você falou com a… - não há palavras, sabe? - Só gente
inapropriada… - mordo as sílabas.
- Você quer saber o que eu descobri ou não?
- Não! Isso é uma invasão de privacidade horrível!
- Claro, claro. Mas eu já fiz. E se eu falar aqui em voz
alta ao seu lado e você, por acaso, escutar, não tem nada
demais, não é?
Eu olho pra ela porque sinto que aquilo é errado, mas
estou tão curiosa.
- Deixa eu acabar seu tormento, Tati. Não achei nada
demais. - conclui com simplicidade - É um garoto de interior,
bem dedicado a família. Não fez nada digno de nota, fora
destruir corações às dezenas, algo que só de olhar pra ele já
dá pra imaginar. Não tem passagem pela polícia, umas duas
multas de trânsito por besteira… Mas ele parece uma boa
pessoa.
- "Boa pessoa"? Se fosse ruim seriam três multas? Não
defende ele! Será que dá pra você ficar do meu lado?
- Tati. - ela sorri - Tem uma garota na cidade dele que
engravidou de um cara da família dele. Não engravidou dele! -
ela exclama depressa, assim que eu arregalo os olhos - Eu
verifiquei. Três vezes. Era um primo, ou algo assim. Só que o
cara, o pai, era um idiota. Foi embora da cidade e deixou a
garota grávida sozinha lá. O detetive me passou alguns
relatos de conhecidos… aparentemente o Spencer foi um doce.
Ficou tentando ajudar a garota por meses.
- Como assim?
- Não vou mentir, de início eu achei que ele pudesse ser
o pai. Mas não é mesmo, pode acreditar. Ele só ajudou porque…
é uma boa pessoa. Mas parece que a garota começou a se
apaixonar por ele e aí ele foi embora antes que causasse mais
mal do que bem. Ele é… bom. Gentil, sabe?
- "Gentil"? Você precisava ouvir o que ele disse pra
garota no restaurante…
- Ai, você e essa história do restaurante! - revira os
olhos - Já tentou ouvir o que ele tem pra dizer sobre isso?
Pode não ser o que você imagina.
- Pode ser exatamente o que eu imagino!
- Tá. Tá certo. Pode dizer o que quiser, mas eu ainda
aposto no Spencer!
Respiro fundo.
Não sei mais o que pensar ou dizer. Sinto como se a vida
tivesse aberto um funil aos meus pés e eu estivesse sempre
caindo.
Não tenho o hábito de girar sem rumo ou foco. E não posso
dizer que estou gostando.
- Você está louca. O Spencer não presta! E eu e o Marcus…
mesmo depois de tudo, nós temos uma história.
- Claro. Spencer não presta. História é importante. Mas
me diz de novo… - ela sorri, colocando os óculos de sol com
um sorriso vencedor - Qual dos dois teve os dentes no teu
decote?

***************
Spencer

Pamela me encara de cima a baixo assim que elas chegam no


lounge do 17. Só as duas. Nada de Marcus, nada de Julia, nada
de amigos.
Eu aponto pro Noah indicando que eu cuido das duas e ele
se rende como se não quisesse se meter.
- Boa tarde. - eu estou acordado há quase 48 horas, mas o
único incômodo que eu sinto é no meio das pernas - Posso
trazer alguma coisa pra vocês?
Tati tem um sorriso cheio de promessa quando escuta minha
pergunta.
Não está mais me ignorando.
Pelo contrário: me encara com tanta fome que deve ter
esquecido que Pamela está ali. Não que eu vá reclamar,
consigo ver a marca da minha mordida no seu decote e também
estou rapidamente esquecendo que deveria existir um mundo ao
nosso redor.
- Só um suco de laranja pra mim. - Pamela se inclina
entre nós como quem diz "detesto interromper" - Com um
pouquinho de vodka porque eu estou de férias.
- Pra já. - prometo, mas não acho que olhei pra ela.
Tatiana está tirando o vestido e ajeita o biquini bem em
cima da marca dos meus dentes.
Minha.
Na minha boca.
Gemendo meu nome.
Respiro fundo porque não posso ficar duro. Pelo amor de
Deus, alguém avisa pro meu pau que eu não posso ficar duro.
- Eu vou querer… - ela sustenta o sorriso por um instante
como se pensasse na provocação perfeita - champanhe. -
decide.
- Estamos comemorando alguma coisa? - Pamela ri.
- Eu acho que ela se confundiu. - explico para Pam antes
de me voltar para Tati - Era espumante.
Ela tem um sorriso tão lindo.
Tão lindo, Deus me proteja, estou perdido.
Não sei se serei capaz de desviar o olhar dela. Não sei
se consigo parar de sorrir de volta. Acho que vou derreter.
- Espumante? - ela pergunta.
- Isso.
- Então, é um espumante que eu quero.
- Vou trazer exatamente o mesmo.
- Por favor.
- Em um copo? - pergunto, porque eu também sei brincar -
Garrafa, ou…?
- No copo está ótimo. - cora só um pouco. Só porque não
consegue se impedir.
Mordo o sorriso antes de me virar de volta para o bar.
- Vai ter confusão hoje? - Bianca pergunta com uma
expressão pouco amigável.
- Não, senhora.
- Tem certeza?
- Absoluta! - prometo - Vou ser um garoto exemplar hoje.
Ela tem um jeito de me olhar que grita "não acredito em
uma palavra do que você acabou de dizer, mas vou deixar
quieto". Balança a cabeça concentrando-se no próprio trabalho
e acho que se alguém lhe oferecesse um milhão de dólares para
demonstrar um pouquinho de fé em mim, ela ia acabar o dia sem
o dinheiro.
É muito honesto da parte dela, até porque Tatiana está no
bar agora mesmo com seu biquini estampado sobre a minha
mordida e eu suspeito que prometi me comportar cedo demais.
Olho pra ela, confuso, porque tenho certeza que não demorei
mais que dois minutos.
- Esqueci de pedir toalhas! - ela explica, antes que eu
pergunte. Mas tem toalhas disponíveis sobre as
espreguiçadeiras que a gente sempre repõe mesmo sem que os
passageiros pe…
- Spencer… - a canção das vogais.
Sharon.
Não tiro os olhos de Tati e a vejo engolindo em seco. Não
consigo impedir o sorriso e, sinceramente? Mesmo que
conseguisse, ainda deixaria que ela visse.
Está com ciúmes.
Viu Sharon se aproximar e correu para pedir… toalhas?
- Levo suas toalhas, também. - prometo, piscando um olho
- Boa tarde, Sharon.
- Senti sua falta, ontem! - ela quase se inclina sobre o
balcão para arranhar meu braço.
- Na verdade - Tatiana chama minha atenção - a gente está
precisando das toalhas agora. Você pode trazer as bebidas
depois.
Seus cabelos escuros são muito longos, caindo sobre os
ombros e as curvas. Tem os lábios bem apertados e sequer
arrisca olhar na direção de Sharon: é só pra mim que ela
olha. Com uma expressão impositiva de quem sabe que é minha
dona e não está disposta a dividir.
- Agora. - concordo, deixando a garrafa e a taça sobre a
mesa no bar - Me dá licença, Sharon?
Foi uma pergunta retórica, mas é melhor eu sair depressa
ou corro o risco de Sharon dizer "não, não dou" e aí eu vou
ter que ser rude com ela porque é claro que não vou recusar
minha Tati.
Respiro em seus cabelos assim que passo por ela. É íntimo
e inapropriado mas ela tem um cheiro delicioso de limão
fresco que me causa arrepios e…
Cara, a gente já conversou sobre isso. Não pode ficar
duro assim no meio do trabalho.
Puxo minha bermuda tentando folgar a região sobre o meu
pau antes que a fricção com o pano me foda de novo.
- Levo pra você em um instante. - suspiro ao passar por
ela.
Mas acho que Sharon deve estar me encarando um pouco
demais porque Tati tem um tom pragmático de mulher no
controle quando diz:
- Eu vou com você.
Eu concordo, até porque ela não fez uma pergunta.
Acompanha-me até o armário de toalhas como uma guarda-
costas, é impossível não rir, sabe?
- Do que está rindo?
- Nada.
- Do que está rindo? - repete.
Eu abaixo meu rosto bem pertinho do seu, alinhando nossos
olhos, narizes e bocas.
- Nada. - sibilo, enquanto considero lambê-la.
Acho que eu preciso arranjar um emprego que eu goste
mais. Porque esse daqui não é suficiente para me impedir de
sonhar acordado sobre ter a boceta dela na minha língua. Acho
que seria capaz de despir nós dois agora mesmo, na frente do
lounge inteiro, se ela deixasse. Eu seria demitido, é claro,
mas todo o resto ia fazer valer a pena.
Só tem uma toalha no armário e o Noah desapareceu.
- Ah… você precisa de duas, certo?
Tatiana tem confusão nos olhos, já deve ter esquecido de
qual desculpa usou para me afastar de Sharon.
- Toalhas? - eu ajudo - Uma pra você e uma pra Pamela?
- Ah! Sim! Duas! Preciso de duas!
- Claro que precisa. - empurro a porta de serviço ao lado
do armário para ir buscar mais toalhas. Já dei dois passos
para dentro da área exclusiva de funcionários quando noto que
ela ainda está me seguindo. - Não acho que passageiros podem
entrar nessa parte. - dou risada.
- Eu não estou com ciúmes! - confessa, achando que está
enganando alguém e eu estou rindo mais alto porque aquele
sequer era o assunto.
- Eu não disse isso.
- Pois eu não estou!
- Não disse isso em momento algum.
- Mas está rindo! Eu conheço essa risada! - estreita os
olhos - Você acha que eu estou te seguindo porque estou com
ciúmes! Mas não é isso!
- Por que estaria com ciúmes? - falso.
- Por causa daquela mulher no bar que não para de dar em
cima de você!
- Mas não está com ciúmes por causa disso!
- NÃO! Eu só quero toalhas.
- Claro.
- Mais nada.
- Só as toalhas. - concordo - Já te dou suas toalhas e
seu espumante para poder voltar pro bar e servir a Sharon.
- Claro que está com pressa. Para servir a Sharon. -
torce o nariz - Deve estar explodindo, não é? Vai aceitar a
primeira que aparecer.
- E estou "explodindo" por culpa de quem? - não consigo
parar de rir, ela está caindo em todas as provocações!
Eu adoro isso.
Adoro que eu consigo ter esse efeito sobre ela.
A Tatiana Pragmática que sequer conseguia abandonar o
celular e as obrigações de trabalho quando saímos para
comprar roupas, ignorando-me como se eu sequer existisse… e
agora, me segue além da área permitida a passageiros em uma
clara crise de ciúmes que tenta disfarçar enquanto espreme os
lábios e cora de um jeito absolutamente adorável.
Eu também mudei, não é?
Alguns meses atrás eu sequer consideraria abstinência por
uma mulher ou relacionamentos monogâmicos e agora aqui estou
eu, fazendo qualquer coisa pra que ela me dê uma chance.
Você mudou as coisas pra mim.
Mas parece que eu também mudei as coisas pra você.
- Spencer! - ela fecha os punhos, nervosa - Se transar
com a Sharon, eu…
- Por que eu transaria com a Sharon? - minha careta é
parte da resposta.
Tatiana está absolutamente vermelha. Envergonhada e
furiosa tentando aprender como lidar com emoções ardentes já
que parece não ter experiência prévia.
- Porque ela está bem linda e disponível e você… bem… -
ela observa minha virilha de relance forçando-me a admitir
que já estou meio duro.
Ela tem uma saia longa amarrada nos quadris, o busto
despido de qualquer coisa que não seja o biquini estampado em
tons claros de azul e branco. O pano, muito mal, cobrindo a
marca de minha agressão daquela manhã.
- Isso não é culpa minha! - defendo minha pobre ereção
inocente. Eu não tinha intenção de fazer nada além de minha
defesa quando comecei aquela frase, mas os peitos da Tatiana
são uma coisa que não dá pra resistir mesmo quando ela está
séria, quando está assim: vermelhinha e com raiva, meu tesão
fica mais forte que minha força de vontade - Não é culpa da
Sharon também. - murmuro, bem mais grave. Mais quente.
Tirando seus cabelos do caminho para poder deslizar meu dedo
entre pele e biquini na altura da minha mordida.
- E quer dizer que a culpa é minha?
Dou um passo adiante para prendê-la entre mim e a parede.
É curioso como, às vezes, ela parece miúda. Pequena do tipo
que caberia na minha mão, para eu apertar e espremer onde
quisesse. Como quisesse.
É assim que está agora. Sem me encarar nos olhos enquanto
eu subo meu carinho por seus braços, procurando seu rosto.
Procurando um beijo.
- É exatamente isso que estou dizendo. - suspiro,
beijando sua boca.
Ela me deixa beijá-la.
Ela me beija de volta.
Eu já mencionei que gosto do seu rabo de cavalo, não é?
Estou certo que devo ter mencionado isso superficialmente,
uma ou duas vezes… Mas acho que desenvolvi um novo fetiche
por essa mulher: suas unhas.
O jeito como arranha os meus braços como se quisesse me
manter por perto pela carne. Impedindo que eu me afastasse
sob pena de me punir com sangue, se necessário.
Enfio minha língua na sua boca e, como o pudor já foi pro
inferno, agarro seus peitos antes de descer minhas mãos pra
sua bunda.
Eu não estou apenas sarrando com Tatiana naquele
corredor.
Estou sarrando com Tatiana como apenas adolescentes
deveriam fazer, já que o resto de nós deveria ter um
autocontrole um pouco mais bem desenvolvido do que aquilo.
Minha rigidez pressionada contra sua coxa, estou mordendo
seus lábios engolindo seus gemidos com meu desejo. E ela
geme. Bem baixinho, quase como um suplício, um pedido, um
desespero.
Paro o beijo porque quero ouvir seu gemido bem de
pertinho. Quero apreciar melhor o calor dos seus sons.
Mas… autocontrole é uma coisa que não existe. E assim que
ela recupera o ar, eu não sei mais se quero esperar os
gemidos ou se quero me esforçar para causá-los. A
concorrência entre as duas opções é agressiva, mas meu
cérebro - que regrediu à adolescência - decidiu que quer tudo
ao mesmo tempo. Beijo seu pescoço enquanto ela desce as unhas
pelo meu peito, meus braços, meu pescoço. Aqui e ali eu
começo a sentir o ardor, consequências das suas unhas pesadas
e famintas, mas é um ardor como pimenta bem colocada em um
prato que acaba deixando tudo ainda mais saboroso.
Passo minha língua no seu queixo. Mordo bem ali.
- Espera. - pede - Espera.
Sinto um arrepio porque já imagino o que vai acontecer:
- Você vai me pedir pra parar de novo, não vai? -
choramingo.
Tati lambe o sorriso e enfia a mão por dentro da minha
bermuda.
- Talvez. - promete, mas fechou o punho ao meu redor e eu
preciso fechar os olhos.
Eu já bati uma muitas vezes na minha vida. Sei reconhecer
a textura da minha mão e o meu toque tão bem que, às vezes,
dificilmente é excitante. Essa é a diferença de ter a mão de
outra pessoa te agarrando ali. Existe algo muito gostoso no
diferente, no inusitado. Especialmente ali, depois de duas
semanas querendo sexo, depois de dois dias precisando de
alívio. Meu pau está tão cheio de sangue que se Tatiana o
arranhar demais eu sofro uma hemorragia. Eu tinha poucas
forças, mas aí ela geme batendo uma pra mim e as poucas
forças viram nenhuma.
Deixo minha testa cair contra a curva do seu pescoço e eu
sou um homem entregue.
Que ninguém espere nada de mim nesse momento, porque eu
não sou capaz. Até morrer exige mais esforço do que eu
consigo suportar.
Estou vendo manchas escuras.
Ela vai parar.
Eu sei que ela vai parar.
Não vai me deixar gozar.
Eu acho que talvez eu morra mesmo, no fim das contas.
- Por favor. - imploro, rouco - Por favor, termina. -
seguro sua mão e fodo seus dedos.
- Não. - ela geme, sacana - Assim não.
Ela se afasta e eu rosno seu nome com dentes
semicerrados.
Estou prestes a me colocar de joelhos e implorar, mas aí…
quem se coloca de joelhos é ela.
Desce minha bermuda, afoita, e eu tento me segurar na
parede porque minhas pernas estão perdendo as forças.
Espreme os seios e me encaixa ali, entre eles,
massageando minha ereção com a carne macia dos seus peitos. A
sensação é deliciosa pra caralho, mas o que me fode com
absoluta aflição é a imagem. É Tati, ali, aos meus pés, com
os peitos juntinhos para me foder.
Eu vou gozar.
Se não gozar agora, vou gozar no segundo depois que ela
parar.
Ou vou gozar quando ela virar as costas, sem sequer tocar
no meu pau, porque só aquela imagem basta.
Vou gozar no banho, na cama, no meio do trabalho… assim
que aquela imagem invadir minha mente e eu sei que ela virá,
porque eu não sei se sou capaz de pensar em outra coisa.
O segundo que eu levo para me desesperar diante de minha
perdição final é o mesmo segundo que ela leva para me enfiar
na boca.
Inteiro.
Sinto sua língua quente na base do meu cacete. Suas mãos
me puxando pela bermuda, querendo-me mais fundo, até minha
cabecinha estar bem enfiada em sua garganta sentindo sua
saliva nas minhas bolas.
Meu Deus como ela é quentinha.
Quentinha e molhada e perfeita.
Eu não consigo mais pensar ou respirar.
Tira-me de sua garganta para me deixar foder sua bochecha
enquanto recupera o ar. Se foder minha mão é legal e foder a
mão dela é melhor, eu vou precisar encontrar uma palavra nova
para descrever o que é foder sua boca.
Tenho meus dedos enfiados nos seus cabelos, lutando
contra a vontade de fechar os olhos porque quero muito
assistir enquanto ela faz isso. Quero lembrar daquilo pra
sempre. Tento tirar seus cabelos do caminho para ver seu
rosto, mas eu mal tenho forças para qualquer coisa e sentir
minha cabecinha sensível se chocando contra a parede interna
de sua bochecha, enchendo sua boquinha do meu pre-gozo é uma
sensação que me rouba o discernimento para fazer todo o
resto.
Tati me chupa como se eu fosse um canudo enfiado na sua
bebida favorita e eu começo a gozar. Ejaculando jatos do meu
leito grosso em sua boca e quanto mais ela me engole, mais
tesão eu sinto.
Não lembro de alguma vez na minha vida ter esporrado
tanto ou por tanto tempo.
Ela me bebe até achar que eu acabei, mas ainda estou
ejaculando quando me tira da boca. Gotas pesadas da minha
porra em seus lábios e seu queixo. Ela limpa meus resquícios
de sua pele com o polegar e o lambe.
Essa mulher é boa demais.
Ela é gostosa de me causar lágrimas e calafrios.
Solto seus cabelos e ela vem lamber meu pau. Limpa-o
todinho com a língua antes de o colocar de volta na cueca e
bermuda. Estou meio duro de novo. Porque Tatiana é tão
gostosa que eu só preciso de trinta segundos, juro por Deus,
e se ela virar de quatro, eu sou capaz de comer sua bunda
agora mesmo.
Meu coração bate tão rápido que sinto seu pulsar vibrando
meu peito.
Ela está de pé com um sorriso. Ergue um indicador
enquanto eu tento respirar:
- Nada de Sharon. - decide.
- Não, senhora. - é tudo que eu consigo dizer antes que
ela vire as costas e saia pelo corredor.

***************
Tatiana
Acho que enlouqueci.
Estou agindo como uma adolescente.
O problema é que nem quando eu era uma adolescente eu
agia como uma adolescente.
Então, devo ter ficado louca.
É isso que deve ter acontecido.
É a única explicação.
Mas meu Deus como essa loucura era gostosa.
Fazia anos que eu não me sentia assim.
Viva.
Confiante.
Até minha autoestima parecia ter sofrido uma boa reforma.
Estou sorrindo quando atravesso a porta que separa o
acesso dos funcionários do lounge. Pessoas apinhando a área
da piscina entre conversas e bebidas. O Sol brilhando forte e
poderoso com seus raios refletindo em cores sobre as águas do
oceano e das piscinas. Um dos garçons parece estar suprindo a
Sharon com a atenção que precisa agora que perdeu o Spencer.
Mas a Sharon não é capaz de me incomodar. Tenho um sorriso
imenso e satisfeito que nada seria capaz de desfazer. Nem a
Sharon que me encara com evidente desgosto. Nem o garçom que
a atende que é o mesmo que me ofereceu bebida na boca. Nem o
pianista no lounge tocando um jazz descontraído em um piano
de cauda. Nem a Pamela sentada na espreguiçadeira me
encarando cheia de curiosidade e provocação. Nem o Marcus que
me espera…
Ah, merda.
O Marcus.
Está bem na minha frente.
Eu tenho certeza que meus cabelos estão bagunçados. Passo
os dedos pelos fios tentando colocar alguma ordem no caos mas
não sei se há tempo suficiente para esse tipo de
empreendimento.
Eu engoli o Spencer enquanto ele enfiava os dedos ali…
acho muito difícil que minha aparência esteja apresentável
depois do seu desespero.
- Tati! Eu achei que íamos desembarcar hoje.
- Ah! Não… - o cruzeiro chegou em uma das ilhas ontem a
noite mas minha confusão mental é tanta que acho que esqueci
desse detalhe - A Pam fez umas reservas para a gente para
amanhã, eu acho.
- Certo, mas isso é a Pam. - pisca um olho - Eu fiz umas
reservas para nós dois para essa noite. Ainda vem jantar
comigo, não é?
- Claro. - olho por cima do ombro para ver se Spencer
está por perto, mas acho que ele ainda está na área de
serviço - Claro. - repito, sem nenhuma alegria.
- Você vai adorar! Fiz uma reserva em um restauran… Você
está bem? - ele se interrompe.
- Hm? Estou. O que houve?
- Você está… - ele olha para os meus cabelos. Mas sorri
como quem não quer ser indelicado. Tento amarrar meus cabelos
para lhes dar alguma ordem mas, assim que estão bem apertados
no topo da minha cabeça, a confusão no olhar de Marcus
aumenta - O… o que é isso? - torce o nariz apontando para um
ponto em meu pescoço.
- Han? - passo os dedos no local que ele indicou e…
Esperma.
Bem espesso e viscoso. Preso a minha pele por um
instante.
- Isso é…? - a confusão em seu rosto virou nojo.
Seu olhar se desvia, em choque, para algo atrás de mim.
Eu escuto o som da porta e quase não quero olhar para
trás porque sei que Spencer acabou de sair da mesma porta que
eu.
Marcus tenta rir com seu típico desdém mas o nojo ainda é
muito forte para que ele consiga demonstrar qualquer outra
emoção.
Spencer acabou de entrar no lounge e mexe,
desconfortavelmente, na bermuda que está claramente apertada
na virilha.
Ele ainda está duro.
Homem! Eu acabei de te chupar! Malditos vinte e três
anos!
- Isso é sério? - Marcus ofega, irritado - Diz pra mim
que isso não é sério?
- O quê? - engulo em seco, tentando decidir até que ponto
eu devo alguma explicação sobre a minha vida.
- DIZ pra mim que isso não é sério!
Seu tom exaltado atraiu olhares.
E atraiu Spencer também.
- Está tudo bem aqui? - pergunta. Mais para mim que para
Marcus.
- Tudo ótimo, por que não vai cuidar da sua vida? Não tem
nenhuma sarjeta que você precisa varrer?
- Marcus!
- Não é uma ofensa. É o que ele faz.
- Spencer, está tudo bem, obrigada. Você não precisa
ficar aqui e ser ofendido.
- Ele não está me ofendendo. - tem um sorriso imenso no
rosto. Sequer olha pra Marcus quando responde. Parece preso
em mim. Preso em poucos minutos atrás quando o tive na minha
boca e parece estar mesmo decidindo quais passos precisa
seguir para que isso aconteça de novo - Não acho que é capaz
de me ofender.
- Isso é porque eu nem comecei a tentar ainda, seu
moleque de merda.
- Já basta. - aponto pra ele.
- É. - Spencer repete, com um tom bem mais ameaçador que
o meu - Acho que já basta.
- Sabe, garoto, eu estou muito cansado de você decidir o
ritmo que as coisas acontecem na MINHA vida. - rosna - Acho
que EU decido quando basta, han? - deu um passo para mim com
uma clara intenção de intimidar. Foi por reflexo que Spencer
colocou um braço entre nós, mantendo-o longe de mim.
Mas o braço, que deveria servir para acalmar a situação,
é a última fagulha que a explosão precisava para acontecer.
As rajadas vermelhas na pele de Spencer são marcas da
minha unha. Arranhões vermelhos e profundos por toda parte,
em seu braços e até suas mãos.
Marcus encara os machucados com uma risada jocosa de
fúria.
- Você diz que vai sair comigo e faz isso?
- Marcus, talvez seja melhor a gente conversar em outro
lugar.
- Não, a gente vai conversar aqui.
- Você não precisa conversar com ele. - Spencer
interfere.
Pamela, que estava deitada, sentou-se na espreguiçadeira
e parece estar esperando muito pouco para intervir.
- Garoto, vai procurar gente que seja do teu nível. -
reclama.
- Marcus, pare! Já chega!
- Vai defendê-lo? O cara que te traiu na CARA DE PAU?
Tatiana, eu juro por Deus, eu não te reconheço mais! Você
sempre foi uma… uma dama. E agora está fazendo… isso? -
aponta para o resto de Spencer em meu pescoço - Se esfregando
com um moleque por qualquer lugar? Você merece mais que isso.
Ficou louca?
- Você precisa dar dois passos pra trás. - Spencer avisa.
Marcus tenta rebater e a conversa rapidamente está
virando uma discussão.
Uma em que Marcus julga minha índole e meu caráter,
acusando-me de maldades semelhantes às que apontei em
Spencer, já que tinha aceitado sair com um enquanto estava
transando com outro.
Eu poderia responder.
Eu deveria responder.
O problema é que o pianista mudou a música e o mundo
parou de girar.
Os gritos de Marcus.
Os gritos de Spencer.
E eu estou lembrando dos meus gritos.
Beethoven. Opus 27, número 2.
O pianista avança pelas teclas e eu reconheço a melodia
imediatamente.
Sinto os pelos da minha nuca se erguerem.
Minha respiração fica superficial e eu preciso que todo
mundo pare de gritar agora.
Seguro o braço de Spencer porque acho que o navio está
girando. Ou talvez seja eu.
Os lábios de Marcus se movem. Angustiados e coléricos,
está me dedicando palavras que não são gentis e encara minha
fraqueza momentânea como vergonha, o que parece lhe dar mais
confiança em seu discurso e sua razão.
Spencer ainda se coloca entre nós e tentava contra-
argumentar, ou talvez estivesse tentando apenas provocar o
outro.
É difícil saber.
Principalmente porque eu não consigo mais lhes ouvir.
Suas vozes desapareceram.
Eu só escuto o piano.
Aquele instrumento vil.
Os acordes de tríades quebradas.
O Baixo de Alberti.
Não sinto meus joelhos. Acho que eles se dobraram. Acho
que Spencer foi tudo que me impediu de cair.
Marcus ainda está dizendo alguma coisa, mas Spencer se
calou.
Ele fica em silêncio por dois segundo inteiros antes de
empurrar Marcus pra trás.
- Chega. - ele diz - Se não calar a boca agora, vou te
dar um murro! Vem - murmura pra mim antes de assoviar muito
alto. Chama atenção do pianista que interrompe sua música -
Dá pra você tocar outra coisa? - pede, sem se incomodar com
educação.
Marcus está atrás de nós, mas Spencer já nos conduz a
caminho do meu quarto.
- Ele está incomodando a passageira. - avisa para um
segurança que já parecia estar mesmo se aproximando diante da
comoção.
Trocam algumas palavras apressadas e acho que estou sendo
levada ao meu quarto de novo.
Através dos corredores. Através da porta.
Estou sentada em uma cadeira na sala do meu loft quando
Spencer se ajoelha aos meus pés.
Será que ele quer sexo?
Ele é insaciável e sorria como se quisesse que eu
repetisse o que acabei de fazer.
Talvez tenha visto na grosseria de Marcus uma
oportunidade de ficar a sós comigo?
- Você está bem? - toca meus cabelos.
Tem tanta doçura em sua voz que eu consigo voltar a
respirar.
- Eu… estou. Estou bem. Não sei. - confesso.
Ele acena, lentamente. Tem olhos preocupados em mim. Toca
meus joelhos querendo me reconfortar mas ainda com medo que
eu esteja delicada demais, no momento, e que qualquer toque
possa ser suficiente para me quebrar. É com muito cuidado que
diz:
- Foi a música, não foi?
Sinto o pânico em meus pulmões.
Meus gritos.
A dor.
A escada.
Agarro seus braços.
Acho que estou chorando.
- Como… como você sabe?
Passa os polegares em minhas bochechas, fazendo carinho
em meu rosto. Está sério e cheio de preocupação. Não sorri
mais.
- Você mencionou… quando apareceu bêbada na minha casa. -
um sorriso mínimo diante da lembrança - Você mencionou uma
música clássica e parecia… ser algo traumático. E eu nunca te
vi ficar desse jeito, sem reação em uma discussão. Você
esconde suas emoções, ou fica sem graça com comentários
públicos sobre sexo, mas… nunca sem reação. Era essa musica,
não era?
Eu faço que sim e ele compreende.
- Você quer água?
- Por favor.
- Tati? - Pamela entra no meu loft pela porta que une o
meu quarto ao dela. Spencer assusta-se porque claramente não
sabia que aquele acesso era possível - O que aconteceu?
Spencer respira fundo quando olha pra mim.
Eu devo estar pálida.
Não quero ter essa conversa agora.
- Tati? Você está bem?
Ele ainda está ajoelhado aos pés da cadeira. Me observa
por um segundo inteiro e acho que consegue ler minha mente,
porque sorri pra Pamela:
- Ela está bem. O Marcus teve uma crise de ciúmes e eu a
arranquei de lá porque queria ficar a sós, mas você estragou
meu clima, Pam!
- Ah, então eu já vou embora! - ela ri.
- Não, não. Você destruiu meus planos. - ele brinca,
exagerando, e ela ri mais um pouco - E eu preciso voltar pro
trabalho. Cuida dela por mim? Se o Marcus quiser minha mulher
eu vou ter que voltar aqui pra jogar ele na piscina de novo.
Pamela o encara com um sorriso de admiração e descrença.
- "Minha mulher", han? Então acho que o encontro com o
Marcus essa noite está cancelado?
Ela olha pra mim.
Spencer olha pra mim.
Eu não sei o que dizer porque ainda estou me recuperando.
Spencer balança a cabeça, decepcionado.
- Você não devia sair com ele. - desabafa - Tati… depois
de tudo… - aperta os lábios, tentando encontrar as palavras
certas para dizer. Respira devagar, em clara frustração.
Pausa por um instante antes de alinhar as costas e me encara
com firmeza - Você não devia sair com ele. Devia sair comigo.
Pamela arregala os olhos e acho que está se segurando
para não gritar "isso aí!" ou algo que o valha.
- Spence… - eu tento começar, mas ele ergue uma mão
pedindo que eu o deixe falar.
- E eu tenho direito, certo? Ao encontro? Eu ganhei um
encontro. E eu nunca pude te levar.
Minha boca ainda está entreaberta e cheia do argumento
anterior, mas isso que ele decidiu dizer é novidade.
"Tenho direito"?
- O quê? Do que você está falando?
- Estou falando do leilão! Eu ganhei um encontro com
você, no leilão. Eu quero meu encontro. E quero hoje a noite.

É
Fecho os olhos e coço minha testa. É nessas horas que
sinto sua juventude e imaturidade.
Ele só quer competir com o Marcus e esqueceu os detalhes.
- Spencer, aquilo foi loucura da Pamela e, na verdade,
foi ela quem ganhou o leilão.
- Não foi, não. - ele afirma.
- Spencer…
- Não foi, não. - Pamela ecoa com um tom de culpa.
Viro-me para ela com olhos estreitos de quem exige
explicações.
- Pamela? - arrisco.
- Bem… - ela estala o B nos lábios - Eu acho que não te
contei essa parte. - ela ri, sem jeito, exageradamente
culpada - Mas O Spencer pagou o lance. Então… é… ele tem
direito a um encontro.
Isso não faz nenhum sentido.
Ela está tentando ajudar ele, mas estão, os dois, achando
que eu sou idiota.
- Foi ele quem pagou? Uma conta de cinquenta mil dólares?
- Foi ele.
- Fui eu.
- Certo. - aceno em descrença - E será que um de vocês
dois pode me explica como ele pagou essa conta? - sorrio,
amarela - Sem ofensas, Spence, mas você não tem cinquenta mil
dó… - e aí eu entendo.
Aí eu faço as contas e entendo o que aconteceu.
Não termino a frase porque meu queixo cai em uma
expressão de pânico.
- Não. - sussurro - Não fez isso.
- Fiz isso.- acena.
- Usou o dinheiro todo para pagar o leilão? SPENCER! Você
perdeu o juízo? Aquele dinheiro era…
- Era meu! Era meu dinheiro e eu usei como quis. Não pode
gritar comigo. E eu quero meu encontro.
- Você sabia disso? - pergunto pra Pamela.
- Parece que vocês dois já têm tudo sobre controle, eu
acho melhor eu…
- Por que não me contou?
- Isso não importa agora, tá bem? - ele diz - Meu
encontro. Hoje a noite.
- Precisa ser hoje a noite? - eu o observo com
impaciência porque sei que sua escolha do dia é apenas
infantilidade.
Ele coca a barba e bagunça os cabelos. Parece nervoso.
Parece irritado.
Parece, ele também, impaciente.
- Precisa, Tati. Porque eu não quero mais ficar nessa
dança com o Marcus. Se você acha que vocês dois tem uma
É
história e quer descobrir aonde isso vai dar, tudo bem. É sua
escolha. É uma escolha errada. - acrescenta para si mesmo -
Mas é sua escolha. E se você quiser ficar comigo - ele
encolhe. A palavra é dita quase como um pedido - então fica
comigo. Sem brincadeiras ou discussões. Sem Sugar Love. Com
todo o respeito. - diz para Pamela e ela gesticula como quem
não liga - Só eu e você. Então: é. Precisa ser hoje. Ou fica
comigo ou com ele. Não acho que dá pra ficar com os dois.
- Não é inteligente dar um ultimato para mulheres
teimosas. - lembro.
- Eu sei. - assente - Mas eu gosto de você. Gosto de
verdade. - engole em seco - E isso está me magoando de um
jeito que… nunca aconteceu comigo antes, sabe? Eu preciso que
você escolha. Ou pra gente seguir em frente juntos ou para…
eu seguir em frente sozinho. Estou na zona de desembarque C
às sete horas. - avisa - Se você aparecer… eu te levo pra
jantar.
16. Dois vinhos
Tatiana

Coloquei meu cabelo de lado. Meu vestido tem um corte e


cores fortes, então uso brincos discretos e uma maquiagem
delicada. Justo e colado, preto da cintura para cima com um
decote que beira a imoralidade, desfazendo-se em rosa da
cintura para baixo em uma saia que desce até a metade das
minhas coxas.
São seis e meia quando bato na porta do Marcus, depois de
passar o dia escondida em minha suíte refletindo e tentando
me convencer de coisas que, no fundo, eu já tinha certeza.
Ele tem um sorriso calmo quando abre a porta.
- Oi. - coloca as mãos nos bolsos, tem um jeito tímido e
jovial quando desvia o olhar para o chão antes de olhar para
mim. Típico de quem se preparar para pedir desculpas,
esperando ser perdoado antes mesmo de precisar dizer as
palavras.
Ele é lindo.
É inegável.
Tem algo nele que falta em Spencer. Aquele ar de
maturidade e experiência que frequentemente torna
irresistível homens comuns.
O problema é que Spencer não é comum.
Pensar no que os anos vão fazer com ele é o tipo de
pensamento que me causa fraqueza nas pernas. Spencer com um
olhar experiente e uma porção de cabelos brancos vai fazer
gozar mulheres as dezenas, sem sequer precisar tocá-las.
- Oi. - respondo.
- Entra, estou quase pronto. Achei que a gente ia se
encontrar às sete. - hesita porque eu não fiz menção de
segui-lo.
Essa é a parte difícil.
É a parte definitiva.
A parte que deveria ter sido feita há alguns anos mas
que, por fraqueza ou ignorância, eu não tive coragem de
fazer.
- Não vou entrar, Marcus, só vim te pedir desculpas e
dizer que… que preciso cancelar. Não acho que vai ser uma boa
ideia sairmos hoje.
- Não está se sentindo bem? - encara meu corpo, em
dúvida, claramente considerando por que estou vestida para um
encontro se não pretendo sair em um.
- Marcus… Eu preciso te dizer uma coisa e sei que corro o
risco de soar arrogante e egocêntrica, mas preciso dizer
ainda assim.
- O que houve? Tati… isso é sobre o que aconteceu mais
cedo? Sinto muito se perdi a cabeça, aquele moleque me tira
do normal. E eu já te perdoei. - gesticula como quem quer se
livrar daquele assunto e seguir para um próximo - Você não é
muito experiente com relacionamento e ele está se
aproveitando de você. Você é a vítima aqui.
- Com licença?
Meu queixo cai.
E Marcus ele…
Diminui.
Não encolhe fisicamente ou murcha de vergonha, nada
disso… embora, talvez, devesse. Ele diminui para os meus
olhos.
Até ali sempre tinha sido um amigo querido, e então
alguém com quem eu me permiti sonhar. Mas agora parecia
minúsculo, repulsivo, e uma parte grande de mim não conseguia
conceber como um dia nutri por ele qualquer desejo.
Acho que eu estava mais solitária do que me permiti
reconhecer.
- Você é a vítima. O Spencer é o golpista.
Ergo o indicador porque não foi só com essa parte que eu
tive um problema.
Spencer estava certo, não é? Eu dificilmente me encolho
diante de uma discussão.
- Você "me perdoa"? Pelo quê?
- Tati… - sorri com um desdém de mágoa - Você sabe. Você…
- move a língua contra a parede interna do lábio como se não
conseguisse dizer a palavra. Tudo bem. Eu digo por ele.
- Eu transei com Spencer?
- Quer mesmo conversar desse jeito?
- Marcus, eu acho que você está tendo dificuldade em
entender a parte em que eu sou uma mulher solteira que não
deve satisfações a ninguém.
- Tecnicamente solteira. - aponta, irritado.
- "Tecnicamente"? O que diabos isso quer dizer?
- Tatiana, você pode entrar, por favor? Não vou ter essa
conversa na porta.
- Então não vai ter essa conversa em absoluto, porque eu
não vou entrar.
- Sério? Tá, tudo bem. Deixa eu colocar meus sapatos e a
gente sai pra jantar. A gente conversa no restaurante.
- Marcus, eu não vou sair com você.
Ele expira, impaciente.
- E por que não?
Quem respira fundo dessa vez sou eu.
As palavras são tão fáceis de dizer que me surpreendo de
não tê-las dito antes:
- Porque "eu e você" nunca foi uma boa ideia. E,
ultimamente, para ser sincera tenho perdido o respeito por
você.
- Tem perdido o respeito por mim? - avança - Você aparece
no meio da piscina toda suja de porra e sou eu quem perde o
respeito? Tatiana, você tem sorte que eu sou um cara pacato.
Tem sorte que eu gosto de você o suficiente para superar
essas coisas ou você teria perdido todas as chances comigo.
Incredulidade.
É isso que me ataca nesse momento.
Absoluta incredulidade.
Ele passa a mão nos cabelos e se acalma.
- Vamos jantar. Eu e você. Como você disse que faríamos.
Como já devíamos ter feito há muito tempo, entendeu? E vamos
resolver isso tudo para… O que foi? Por que está me olhando
assim?
- Porque estou tentando decidir se algo mudou nos últimos
meses e te transformou em um idiota, ou se você sempre foi um
idiota e eu estava solitária demais para notar.
- EU sou o idiota?
- Você está agindo como se eu te pertencesse!
- É porque pertence! - exaspera-se - Mesmo que não tenha
percebido ainda! Eu te amo e você me ama, e eu já estou muito
cansado de esperar o teu doce acabar. Eu fui um homem
comportado, fui um cavalheiro, esperei minha vez. E aí o
Spencer chega e acha que vai furar a fila? Não. Você pode até
ficar com ele se quiser, mas vai precisar nos dar uma chance
primeiro.
Eu estou… em choque?
Acho que "choque" não é uma palavra forte o suficiente.
Ele não pode ter mudado nos últimos meses, porque ninguém
muda tanto assim tão rápido.
A única alternativa que resta é que ele sempre foi assim.
Criou alguma versão romântica em sua mente em que eu
pertencia a ele mesmo que estivesse com Daniel e, em minha
solidão, eu alimentei sua delírio.
- A culpa é minha também.
- O que disse?
- Eu disse que a culpa é minha também. A culpa por você
estar agindo assim.
- Tatiana…
- Foi errado, Marcus. Ter flertado com você. Por mais que
fosse inocente e nunca tenha acontecido nada… eu não deveria
ter te dado esperanças daquele jeito. E ontem, eu… Eu deixei
essa situação com o Spencer sair do controle e te dei a
impressão errada sobre minhas intenções. Essa é a minha parte
da culpa, mas o resto… você ficou louco? Eu não pertenço a
você, nem a ninguém. Eu não te devo nada!
- Eu esperei por você!
- E algum dia eu te pedi que fizesse isso?
- Eu sabia o que você precisava! Mesmo que não
conseguisse dizer!
- Marcus! Você está ouvindo o que diz? Percebe como soa
insano? Psicopata, até?
- Eu sou o psicopata? Não o cara que está te usando por
dinheiro?
- Não vai acontecer, Marcus. "Eu e você" não vai
acontecer. Nem hoje, nem nunca. Se estava esperando por mim,
sinto te dizer que esperou em vão. Eu sou solteira. Eu não te
devo nada. Se eu quiser tomar banho na porra do Spencer é
exatamente isso que vou fazer.
- Está tentando me deixar com ciúmes?
- MARCUS, PARE! - espremo os punhos - Você está soando
como um homem louco! O Daniel… me abandonou. E eu me permiti
aceitar de você algo que não recebia dele. Foi errado e
passou. Você NUNCA deveria ter me dito para pedir o divórcio
porque NUNCA teve intimidade para esse tipo de conversa! Eu
normalizei algo que não deveria ter normalizado. Meu eventual
divórcio não era da sua conta, assim como meu casamento
também nunca foi. Assim como o que eu decidir ter com
Spencer. É da minha conta. Só minha. E eu achei que gostava
de você, de verdade. Não tinha coragem porque eu olhava para
você e sentia que estava traindo Daniel. Mas agora isso não
importa mais, Marcus. Porque você é um escroto idiota.
- Vai se arrepender disso, amanhã.
- Não vou. E agora, se me dá licença, estou atrasada.
- Atrasada? Pra sair com o Spencer?
Viro as costas porque não lhe devo respostas.
- Você não vai. - ele me segura pelo braço.
Com força.
Eu o encaro com fogo nos olhos.
Cólera.
- Marcus. - aviso, lenta, observando a mão que prende meu
braço e impede meu movimento - Pense com muito cuidado no que
você vai fazer a seguir.
Travo meus dentes e espero que ele decida.
Assisto sua expressão mudar entre a angústia e o
arrependimento.
Ele abre a mão.
Eu vou embora.

***************

Spencer

Ela está quinze minutos atrasada.


Quinze minutos é pouca coisa.
Pouca coisa.
Certeza.
Mas a Tatiana não é o tipo que se atrasa.
Verifico as horas de novo.
Se ela ainda não está aqui talvez tenha desistido.
Respiro fundo mas é como se ainda estivesse com falta de
ar.
Preciso me preparar pra isso.
Preciso aceitar que talvez ela não venha. Preciso lembrar
que…
- Desculpe o atraso.
Fecho os olhos.
Sinto meu sorriso.
- Quer me matar do coração, é?
- Tive um breve compromisso. - ela ri e eu esqueço do meu
nervosismo.
Usa um vestido preto e rosa com um decote que faz meu
sangue parar de circular.
- Um breve compromisso para se livrar de um compromisso?
- brinco.
- Mais ou menos, isso aí. - ri.
- Bem… não quero estragar a noite falando de outros
compromissos. Vem? - eu ofereço um braço que ela prontamente
aceita - Fiz reserva em um restaurante que vai te
enlouquecer!
- Sério?
- Não, não faço ideia, nunca fui lá antes.
Tatiana explode em gargalhadas.
- Ninguém pode te acusar de não ser honesto.
Eu tomo sua mão e não solto mais. Dei um beijo na sua
bochecha no caminho para o restaurante mas aquilo era tão bom
- ter sua mão na minha, colada no meu corpo, minha - que o
que deveria ter sido um beijo rápido se transformou em um
milhão de beijos porque eu não consegui parar até chegarmos
ao destino.
O lugar é arrumado mas está longe de ser um Michelin. Foi
uma dica do Benito quando lhe perguntei onde era um bom lugar
para comer e seduzir uma mulher e, como tudo o mais na minha
vida, Beni não decepciona. É pequeno e acolhedor, uma
penumbra gostosa e uma ritmo latino romântico. Há plantas em
toda a parte, as mesas de madeira são estreitas mas as
poltronas confortáveis.
Somos conduzidos até uma das mesas, em um dos cantos mais
reservados, e estou folheando o cardápio quando Tati limpa a
garganta:
- Hm? Spence?
- Hm?
Ela sorri indicando nossas mãos e o cardápio.
Não soltei sua mão.
- Não… você não precisa das duas mãos pra isso. - torço o
nariz - Essa daqui é minha. - aperto seus dedos - Você se
vira com a outra.
Tati dá de ombros com um sorriso de concordância e solta
o cardápio sobre a mesa para poder virar as páginas com uma
mão só.
O garçom chega e eu não demoro a fazer o meu pedido
porque sei exatamente o que eu quero.
O único problema é que, apesar de ser um lugar turístico,
o jovem garçom não parece exatamente prendado na língua
inglesa e o meu espanhol é um atestado a minha incompetência
linguística.
- Ahm… dos… - ensaio.
- Dos vinos? - o garçom sugere.
Eu acho que é isso?
- Sim? Sí?
- Não! - Tatiana arregala os olhos - Acho que você está
pedindo duas garrafas.
- Não dá pra pedir só as taças? - estreito os olhos pra
ela, pedindo socorro.
Tati curva os lábios naquele sorriso que me faz esquecer
que o resto do mundo ainda está girando.
Ela faz os nossos pedidos no que, para os meus ouvidos, é
um espanhol perfeito.
O garçom se vai, satisfeito, e eu aceno:
- Acho melhor você assumir as coisas daqui pra frente.
- Acho melhor. - ela brinca.
- E, mulher… Quantas línguas você fala?
- Fluente? Sete.
- Sete? Não dava pra ser, sei lá, três? Pra me humilhar
um pouco menos?
Tati cobre a risada com a mão.
- Ah, eu contei errado, eu quis dizer duas!
- Isso. Melhor.
O garçom volta com duas taças de vinho ao invés de duas
garrafas, Deus abençoe minha mulher.
Ergo a taça para um brinde e ela me acompanha, esperando
para saber o que eu vou dizer, mas eu não tenho nada. Seguro
a taça no ar por três segundos de completo silêncio.
Aperto os olhos, tentando espremer meu cérebro para
qualquer coisa que valha um brinde sem soar idiota.
Acho que tenho um sorriso sem graça porque Tatiana me
observa como estivesse prestes a perguntar se eu quero ajuda.
- Eu queria fazer um brinde mas não sou muito poético.
Ela abaixa a cabeça para rir mais um pouco.
- Então, se você quiser interferir… - peco, rindo - Pode
ficar a vontade.
- Que tal a um bom jantar? - sugere.
- Ótimo! Você também é péssima nisso! A um bom jantar! -
aceito.
- Ei! Seria o primeiro para nós dois!
- O primeiro bom jantar? Tatiana, se você vai ofender
minha comida, eu vou te levar de volta.
- Não. - estira a língua, provocando-me - A primeira vez
que não é um desastre. Sabe? A primeira vez que estivemos em
um restaurante, juntos, você não parou de falar de facas. E
na segunda, eu te peguei dando em cima de outra mulher.
- Só que não foi isso que estava acontecendo. - lembro.
Ela me observa por cima da borda da taça quando dá um
gole lento no vinho. Passa a língua rapidamente nos lábios,
considerando o que vai dizer a seguir embora eu suspeite que
ela já sabe exatamente o que é.
- Certo. - arrisca - E o que estava acontecendo?
- A Laurie é uma amiga. Uma das poucas boas amigas que
fiz em Nova York e nunca aconteceu nada entre a gente. Ela é
tipo minha irmã, a essa altura. Eu não sinto qualquer atração
por ela.
- Mas não era isso que estava dizendo.
- A Laurie se apaixona depressa por homens que não
prestam. Quando a gente se conheceu, ela me contou isso e
brincou que nós seríamos bons amigos então eu tinha que ser
nojento o tempo todo para não arriscar a amizade. Em algum
momento, isso virou uma piada interna entre nós dois. Ela
sempre me chama de nojento, eu sempre a chamo de gostosa. Mas
nenhuma das duas coisas é genuína. A gente faz isso de um
jeito tão casual e inocente que, sinceramente, eu nem percebi
que poderia ser um problema pra você. Mas, se te incomoda, eu
posso parar.
- Nunca aconteceu nada entre vocês dois?
- Nunca.
- Não estava dando em cima dela de verdade?
- Não. - eu tento impedir meu sorriso porque ela está
corando - Ficou com ciúmes?
- Eu não disse isso.
- Não, não disse. Mas eu estou perguntando. - sussurro,
entrelaçando nossos dedos - Ficou com ciúmes?
Tati morde o lábio inferior, contrariada. Mas ergue um
ombro e diz:
- Fiquei. E sei que você não me deve nada, mas…
- Shh. Calma. - estou rindo - Tudo bem se ficar com
ciúmes. Teria sido melhor se tivesse conversado comigo antes,
sabe? Porque você entendeu tudo errado.
- Pode me culpar?
Enfio os dedos nos meus cabelos.
Sou mais novo e te conheci em um site de sugar.
- Não, não posso. - concordo - Eu achei que você tinha
terminado comigo porque me ouviu dizer pra Laurie que gosto
de você.
- Gosta de mim? - tem um sorriso travesso.
- Gosto! Apesar de você me torturar como se quisesse
extrair informações!
- Não foi tão mal assim.
- Só um pouquinho. Mas agora é minha vez. - aceno - Qual
a história?
- História?
Faço carinho nos seus dedos. Não quero ultrapassar um
limite, mas acho que está na hora de perguntar.
Ela assente porque entendeu mesmo que eu não tenha
respondido.
- Da música?
- Se quiser me contar. - murmuro - Se achar que deve.
Encara a mesa por um segundo. Passando os dedos pela
borda da taça, contemplando suas possibilidades. Bebe um gole
largo e eu acho que está pronta.
- Eu te contei sobre o Daniel.
- Contou.
- Nosso casamento tinha acabado, mesmo que ainda
estivéssemos, os dois, agarrados a ele. Mas ainda assim eu…
eu queira uma família. Eu queria ter filhos.
- E ele não quis?
- Ele foi indiferente. O que deveria ter sido um sinal.
Ele aceitou para me manter quieta. E eu engravidei.
- Engravidou?
Eu sei que ela não é mãe, então…
Tatiana ergue o indicador sugerindo que eu espere o fim
da história.
- Beethoven. Opus 27, número 2. - ela encara o vazio como
se buscasse na memória - Terceiro movimento.
- É a música?
Ela bebe mais vinho.
- A gente morava em Nova York. A alguns quarteirões de
onde eu moro hoje. Em uma casa de tijolos aparentes. Era isso
que ele tocava quando eu caí descendo as escadas. - ela pausa
e respira fundo, como se buscasse ar para contar tudo de uma
vez ou não vai contar nunca - A dor que eu senti… eu tive
certeza que algo estava errado quase imediatamente. Eu chamei
por ele, porque não conseguia levantar sozinha, mas eu mal
tinha forças. Meus gritos eram fracos e foram abafados pelo
seu querido Terceiro Movimento. - torce o nariz em uma careta
de dor. De asco. - Eu precisei de alguns minutos para
conseguir me por de pé. Caída na escada, abortando, enquanto
um dos maiores pianistas vivos fazia sua performance privada
de uma das mais reconhecidas melodias da música clássica.
Assim que levantei daquela escada, percebi que não amava mais
meu marido. Eu liguei pro médico, chamei um carro, fui ao
hospital e recebi a notícia do aborto sozinha. Voltei pra
casa e ele sequer percebeu que eu tinha saído. - seu sorriso
dessa vez não tem vida.
- Tati, eu sinto muito.
- Eu sei. Obrigada. - responde, miúda - Mas ainda assim
não pedi o divórcio. - ela ri como se aquela fosse uma piada
horrível que ninguém jamais achou graça - Eu comecei a fazer
terapia e, hoje, eu não acho que o que aconteceu é um trauma
para mim. Ele estava envolvido demais com sua música e
consigo mesmo, não acho que fez por mal. O problema é que eu
já tinha chegado em um ponto em que eu o ressentia tanto e
por tanta coisa… Nossa vida sexual minguou e morreu. Pouco
restou da nossa amizade ou companheirismo. Em algum momento
eu comecei a me desfazer da tatuagem. Sessões intercaladas
por meses. Lenta em me livrar da tinta assim como fui lenta
em me livrar do meu amor. E aí um dia eu decidi que bastava.
Não sei se foi uma decisão inteiramente minha porque Marcus…
na semana anterior, eu estava almoçando com ele e…
- Ele deixou claro que as investidas não eram inocentes?
- Ele queria que eu pedisse o divórcio. Foi… brusco,
agora que paro para pensar. Na época, eu não notei, só lhe
pedi para não falar sobre isso e fui embora. Mas aquilo era
algo que eu já estava considerando há muito tempo e um dia…
- Decidiu que bastava?

É
- É. Eu chamei Daniel e eu lhe disse "chega" e pedi o
divórcio. Ele ficou em pânico, disse que não tinha imaginado
que eu estava naquele ponto. Interrompeu nossa conversa, como
normalmente fazia. Ritmo sempre foi importante para Daniel,
desde que fosse o dele. Ele me pediu para respirar, ele iria
dar um volta ao redor do quarteirão para esfriar a cabeça e
nós poderíamos continuar a conversa. Eu disse que tudo bem.
- E o que ele fez?
- Morreu. - ela sorri sem nenhuma alegria - Quase como se
fosse de propósito. - tem uma lágrima no seu olho direito que
se recusa a cair - É claro que sei que não foi isso. É
infantil sugerir que alguém teria morrido só por teimosia.
- Foi um acidente?
- Aneurisma. Não havia como prevenir ou evitar.
Simplesmente morreu. Dando sua volta ao redor do quarteirão.
- Eu sinto muito.
Ela acena como se minha gentileza não fosse necessária
mas, ainda assim, fosse bem vinda.
- Eu não consegui viver o luto como uma viúva porque eu
sentia que o tinha traído. E também não conseguia me libertar
da culpa porque é como se eu sempre estivesse casada com ele.
Como se eu nunca tivesse conseguido concluir essa parte da
minha vida. É tão errado. Ele era tão jovem. Talvez eu
devesse ter feito aquilo antes para que ele pudesse ter
seguido sua vida com a música em paz. Ou talvez eu nunca
devesse ter feito aquilo, já que ele iria morrer de qualquer
modo? - ela tem uma risada baixa de pânico - Eu queria olhar
para trás agora e amá-lo. Ficamos juntos por mais de dez
anos, eu queria sentir a dor de sua morte como alguém que o
ama. Mas… eu não sinto. Porque não o amo mais. Há muito tempo
não o amava. E isso parece tão errado. Eu sei que morte
sempre deixa uma ar de assuntos não concluídos. Algo que não
foi dito, que não foi feito, um sonho não realizado… Mas, que
inferno, sabe? Literalmente no meio da conversa? Meu Deus! -
ela olha para cima por um instante como se estivesse mesmo se
dirigindo ao próprio - Se ele tinha que morrer, não dava pra
esperar uma semana?
- Teria feito diferença?
- Acho que não. - dá de ombros - E isso tudo só faz com
que eu me sinta pior. Ele morreu e eu estou aqui reclamando
porque o momento foi desagradável para mim. Ou o que isso fez
comigo. Que tipo de pessoa egoísta tem pensamentos assim?
- As pessoas lidam com luto do jeito que dá, Tati. Eu
dificilmente sou especialista no tema, mas acho que se sentir
culpada por se sentir culpada é demais.
Ela respira muito fundo de um jeito esquisito.
Como se estivesse se libertando de um peso.
- Acho que sim.
Acho que sim.
O garçom chega com alguns de nossos pratos e ela leva a
mão livre aos olhos.
- Não queria te fazer chorar em nosso encontro. - peco
desculpas.
Mas eu ter ficado sem jeito parece ter quebrado a
seriedade do clima porque ela começou a rir.
Um sorriso discreto ainda entre as lágrimas, mas que logo
vira uma gargalhada baixa.
- O que foi? - pergunto, entretendo eu também uma risada
que é consequência da dela.
- Estou te dizendo, Spence! - ri - Nós dois e
restaurantes!
Assinto porque entendi a piada.
- É uma péssima combinação.

***************

Tatiana

Apesar de minha provocação, parece que a terceira vez deu


certo.
Havia assuntos pendentes que nós dois precisávamos tirar
do caminho e, no meu caso, era algo que eu precisava colocar
para fora há anos.
Sinto-me melhor agora.
Mais leve.
Mais… livre?
Sem o Marcus.
Sem o Daniel.
Sem as responsabilidades e as culpas.
Sou só eu.
Gosto de ser só eu.
Acho que consigo experimentar a vida melhor assim.
Embarcamos de volta e Spencer ainda está tentando dizer
algumas frases em espanhol enquanto eu tento corrigir sua
pronúncia em vão.
- Eu sou americano! - reclama - Meu povo é conhecido
internacionalmente por ser péssimo com as línguas dos outros.
- Não tem problema! - estou rindo - Você já usa sua
língua muito bem para o que importa!
Ele para no meio do deck e como minha mão está presa a
sua, eu paro também.
Spencer me encara entre a surpresa e o orgulho.
- Essa foi muito boa. - parabeniza e eu respondo com uma
pequena cortesia - Eu gosto quando você é safada.
- Gosta quando eu sou certinha, também.
- Adoro quando você é certinha. Me dá a chance de ser o
safado.
- E você faz isso muito bem. Mas vai ser um cavalheiro
hoje, me levar até o meu quarto e me dar um beijo de boa
noite antes de ir?
- Ficaria até te dar um beijo de bom dia, mas não é
educado se convidar para o quarto dos outros.
- Sempre pode me convidar para o seu. - pisco um olho,
derretida.
Ele ri com gosto.
- Quase quero fazer isso, só pra você ver como a outra
metade vive.
- Não tem piano no seu quarto?
- Não.
- Então já é melhor do que o meu. - torço o nariz - Seu
colega de quarto não se incomodaria?
Observa-me de um jeito engraçado.
- Ele está trabalhando até de madrugada, mas… Está
falando sério? Quer vir?
- Não sei. Vou te colocar em problemas se visitar sua
cabine?
- Não mais do que se me chupar no meio da área de serviço
na metade do dia.
- Se não gostou, NÃO FACO MAIS!
Ele me puxa pela cintura e me beija.
Mantendo-me bem presa em seus braços. Beija-me de novo e
de novo.
- Vem, minha safada. - lambe minha boca fazendo-me
espremer os lábios contrariadas - Eu te mostro meu quarto e a
gente arranja algum lugar público pra eu te comer.
- Você é puro romance.
- De nós dois, quem foi que puxou o assunto de "usar a
língua"?
Belisco seu estômago mas ele sequer hesita. Toma minha
mão guiando-me por partes do navio que eu já conheço, até o
elevador. O deck que ele nos leva é um que eu nunca fui.
Exclusivo para funcionários e serviço.
Está vazio de noite, mas ele verifica os corredores
apertados aqui e ali antes de nos conduzir adiante. Cruzamos
com alguns funcionários desavisados que sorriem confusos para
nossos cumprimentos de "boa noite", mas somos deixados em
paz. Seguimos por um corredor repleto de portas até Spencer
estancar de um modo súbito tal que eu quase me choco contra
ele.
- Chegamos. Está pronta?
- Estou pronta.
- Não está pronta. - murmura para si mesmo, mas abre a
porta ainda assim.
Certo.
A cabine de Spencer é… apertada.
E bagunçada, o que é compreensível dado que quase não há
espaço para seus pertences.
Ele fecha a porta e mal há espaço para nós dois ali
dentro.
Estou no meio da cabine e não sei se consigo abrir os
braços sem me chocar com alguma coisa.
Inspeciono o beliche e as prateleiras com uma curiosidade
educada. Spencer, por sua vez, me inspeciona também, com uma
curiosidade pouco educada.
Inclina-se contra a porta com os braços cruzados.
As mangas compridas bem justinhas nos músculos de um
jeito casual. O queixo quadrado, a barba bem feita, o sorriso
erótico.
Cacete de homem delicioso.
- Já está assustada e pronta pra voltar correndo pro seu
quarto? - ri.
Mas eu dou de ombros, mostrando-lhe minhas costas.
- Pode me ajudar com esse zíper?
Spencer, no entanto, fica exatamente onde está, preso por
um misto de choque e descrença.
Tiro o cabelo do caminho e não me abalo. Ele precisa de
dois segundos e quando vem até mim é com aquela respiração
densa que me esquenta por inteiro.
Desliza os nós dos dedos pela minha nuca e beija meu
pescoço antes de descer meu zíper. Lento. Apreciando cada
instante.
Eu me livro do vestido e estou de lingerie no meio da sua
cabine. Spencer lambe o sorriso como se quisesse se engolir
enquanto não pode me engolir.
- Então. - provoco as bordas do meu sutiã de um jeito
sacana, demorando-me sobre a marca de sua mordida, antes de
apontar para o beliche - Qual dessas duas é a sua?

***************

Spencer
Era só isso que minha cabine precisava para se tornar o
melhor lugar da Terra: Tatiana pelada. De repente, eu queria
ficar ali o resto do ano.
- A de cima. - eu aviso e colo nela quando sobe para
minha cama porque quero morder sua bunda.
- Não sei se… - ela começa, mas logo se interrompe - O
que é iss… AH MEU DEUS!
Tatiana achou meu livro e matou o clima porque está rindo
como se não houvesse amanha.
Eu tiro Alice das suas mãos e a deixo em cima da mesa.
- Você trouxe seus livros!
- Trouxe.
- Você é adorável.
- Sou. Deixa eu começar a usar minha língua e vou ficar
mais adorável ainda.
Tiro minha roupa para subir na cama com ela porque aquele
espaço é tão apertado que, se eu entrar vestido, vou ter que
ficar assim até o fim.
- Espera. - ela pede.
O que foi?
Fiz algo errado?
Estou prestes a perguntar, mas Tati encara meu peito com
lascívia nos olhos e nos lábios e eu flexiono os músculos um
pouquinho para deixá-la se divertir.
- Pronto? Já posso te comer agora?
- Não sei. - exagera - Vira de costas?
Ela tem os cabelos espalhados no meu travesseiro e é tão
linda com seu sorriso sapeca que eu acho que vou derreter.
Estou duro e imenso na cueca, esperando nada além de sua
autorização.
Começo a virar de costas quando ela agarra meu braço.
- Eu estou brincando! Não acredito que ia obedecer!
- Eu sou um cara obediente!
- Ah, é? Vem aqui e vamos testar.
Subo até ela e puxo a cortina ao redor da minha cama para
nos dar alguma privacidade caso um Benito desavisado entre
mais cedo do que o esperado.
- Nem um pouquinho claustrofóbico! - ela ri e acho que ia
dizer outra gracinha, mas eu agarrei sua boceta inteira na
minha mão antes de beijá-la e, se ela pretendia me provocar
de algum outro modo, esqueceu qual era.
Minha intenção é comer a mulher embaixo de mim até um de
nós dois gritar "basta". Ela primeiro, de preferência, já que
eu ultrapassei minha cota de gozar antes dela. Pretendo
dedilhá-la até sentir seu suco inundando meus lençóis. Mordê-
la até assistir seus lábios incharem. Raspar meu nariz entre
seus peitos para deixar mais algumas marcas ali. Me enfiar
nela erguendo seus joelhos, bem abertinha.
Esse é o plano.
Era o plano.
Até eu entreabrir os olhos entre os beijos e vê-la
deitada na minha cama. O calor do seu corpo bem perto do meu.
A urgência acabou.
Não tem mais a ansiedade da primeira vez, ou o nervosismo
da competição, ou a angústia da última chance. Tati, na minha
cama, é minha. De verdade e de um jeito que nunca foi antes.
Acho que é por isso que, mesmo espremidos em uma cama de
solteiro com nenhuma privacidade além de uma cortina safada,
ela não está com pressa e eu também não. É mais do que tesão
e carinho.
É segurança?
Estabilidade.
E existe uma calma tão profunda nessa sensação que, de
repente, as histórias dos meus livros começam a fazer
sentido.
Acho que estou apaixonado por ela.
Amor não é um negócio louco que te faz perseguir uma
mulher por anos e dar um murro no novo namorado dela por
ciúmes em uma briga que termina na piscina.
Amor é um negócio simples que te faz esquecer que está em
uma cama minúscula de um quarto fodido.
Amor não é uma coisa que te faz precisar colocar o seu
coração acima do bem estar dos outros.
Amor é uma coisa que te faz estar em cima de uma mulher
gostosa e nua, e ainda assim pensar em nada além de beijá-la.
E sorrir.
Minha intenção era comer a mulher embaixo de mim, mas ela
é tão doce em meus braços que muda minha intenção sem dizer
qualquer palavra.
Meus dedos em sua umidade são um carinho que a preenche
de suspiros. Minhas mordidas em seus lábios só existem porque
eu a quero tanto que os beijos falham. Deslizo meu nariz
entre seus seios porque preciso soltar o beijo por um
instante ou esqueço de respirar. Ela tem os lábios na minha
testa, as mãos nos meus cabelos.
Nua e deliciosa e eu queria muito fodê-la, mas ao invés
disso estou pensando em Alice. Estou pensando no conde. Estou
pensando em todos os meus livros que eram só romances de
mentira em páginas mal redigidas e que agora, de repente, são
compreensíveis. São reais. Possíveis. Até as poesias - que
nunca foram meu forte e sempre pareceram confusas - se fazem
entender. A emoção que os autores descreveram ali não era só
uma coisa ilusória para enganar os corações dos sonhadores, e
sim algo genuíno. Algo puro, que muitas pessoas ignoram
sentir porque estão esperando algo escandaloso e nunca se dão
o trabalho de perceber que as emoções verdadeiras, as que
realmente valem a pena ser sentidas, são delicadas.
Amor não é confusão e problemas. Não é fogos de artifício
e grandes demonstrações exageradas.
Amor é… clareza? É olhar para aquela pessoa e esquecer da
cama apertada ou do quarto pequeno.
É
É esquecer até o sexo.
Amor é sentir.
Não estou mais tentando me enfiar nela. Dedilha-la,
mordê-la ou apertá-la. Ela está ao meu redor e eu só quero
senti-la.
Tatiana faz poesia fazer sentido.
É amor o que eu faço quando a cubro para unir nossos
corpos.
E é amor que eu espero que ela sinta.

***************

É engraçado como essa cama é confortável agora que ela


está aqui.
Tenho certeza que demorei pra me acostumar com a falta de
conforto do alojamento e que a cama em especial sempre foi
desagradável.
Mas com ela encolhida no meu peito, o lugar ficou bem
bom.
Beijo sua testa, distraindo-me em um cafuné.
- Amanhã no mesmo horário? - pergunto e ela ri.
Abraça-me bem dengosa, beijando meu peito.
- Talvez no meu quarto?
- Não gostou do beliche?
- Ah, o beliche é ótimo. Mas eu quero experimentar a
banheira de novo.
Estou segurando a risada.
- O que foi?
- Nada! - sorrio - Eu achava que você estava brincando,
mas está falando sério?
- Spencer, você é muito novo pra saber, mas tem coisas
que não se brinca.
Sinto seu sorriso na minha pele quando enfio o meu em
seus cabelos.
Fechei os olhos.
Eu não durmo há dois dias e o cansaço está comecando a me
alcançar agora que o desespero se foi, levando com ele a
preciosa adrenalina que era tudo que existia entre eu e a
inconsciência.
- Você quer que eu vá embora? - sussurra.
Fecho meus braços ao seu redor com um gemido de dor.
Quero que fique. Mas sei que não é razoável. Eu preciso
acordar as quatro e meia da manhã: ou ela teria que acordar
comigo, ou ficaria sozinha no quarto… com o Beni.
Definitivamente não quero que fique.
Mas estou com tanto sono.
Minhas pálpebras estão tão pesadas.
Acho que devo ter cochilado, porque quando escuto a voz
de Beni além da minha cortina meu coração dispara.
- Ahm… Reeso? - ele chama.
O vestido dela está no chão do quarto.
Tati fica rígida em meus braços e acho que talvez eu não
tenha cochilado por tanto tempo assim porque ela ainda não
dormiu.
Ou talvez tenha acordado em pânico também.
- Beni! Ah… eu… cara, eu…
- Está com uma bella aí, han? - consigo imaginar seu
sorriso. Fecho os olhos com força e Tatiana para de respirar
- Eu vou dar uma volta, está bem? Quinze minutos? Mais?
Menos?
- Quinze minutos, Beni, obrigado.
Ele se vai fazendo muito barulho ao fechar a porta e eu
desato a rir.
- Que bom que você está achando engraçado. - ela
recrimina mas está rindo também.
- O Beni é gente boa. Não precisa se preocupar com ele. -
prometo, escorregando na cama para colar meu nariz no dela. A
descarga de adrenalina foi suficiente para me acordar de
volta e agora eu quero um beijo.
- Hm. - ela geme na minha boca - Que pena que você não
pediu mais que quinze minutos, han?
Ainda estou tentando beijar sua boca quando vejo seu
sorriso se afastar.
Desce do beliche para se vestir depressa e me deixa
gemendo de angústia.
- Você pode passar a noite aqui! - sugiro - Eu te trago
café da manhã e se deixar as cortinas fechadas o Beni não vai
te incomodar.
- E se eu precisar ir ao banheiro? - já está dentro do
vestido.
Estreito os olhos tentando manipular a realidade para
encontrar uma solução.
- Grita pro Beni sair! - estalo os dedos.
- Tão simples! - finge concordar.
- Eu sei!
Mas ela me cutuca e me belisca até que eu saia do beliche
e me enfie nas roupas para acompanhá-la.
Acho que já teria fugido no susto se soubesse o caminho.
Minha Tati.
Dou mais um beijo rápido na sua boca antes de abrir a
porta.
Safada comigo.
Já perdeu qualquer pudor.
Mas ainda tem suas vergonhas dos outros.
Eu a guio pelos corredores até o elevador principal, ela
usa sua pulseira para ativar o acesso ao 17, mas eu ainda
estou segurando as portas para mais um beijo.
- Precisa me deixar ir antes que mais alguém nos perceba.
- Você diz que se perdeu! Ninguém vai brigar com você.
- Já está colocando a culpa em mim? - ela tem a mão no
meu rosto, nos meus cabelos. Beijando minha boca com vários
beijos rápidos e curtos enquanto tenta me convencer a deixá-
la ir.
- Vou te roubar de novo amanhã a noite. Te trago para
conhecer todo mundo e aí você não precisa se preocupar.
- Ah é?
- É! Você sabe jogar poker? De repente ganha meu dinheiro
de volta.
- Perdeu dinheiro no poker?
- É uma longa história! Mas eu te trago pro hall dos
funcionários e você joga com a gente. Vai ser ótimo. Tipo
Titanic!
Ela faz uma careta horrível que só não é absolutamente
destruída porque ainda está sorrindo.
- Não acho que essa comparação é boa.
- Sabe de qual cena estou falando! - recrimino.
- Ainda assim. - segura meu queixo e me dá um beijo.
Longo e firme - Agora, xô! Me deixa ir!
- Hmmm. - eu tenho os dentes travados de incômodo.
Tati pisca um olho pra mim, ainda tem os cabelos
bagunçados e sei que é linda de todo jeito, mas assim:
bagunçada pelas minhas mãos, vestida com pressa ao sair da
minha cama… acho que é o mais linda que ela já esteve.
Eu a deixo ir a contragosto, mas fico ali, encarando as
portas fechadas do elevador por alguns segundos.
A mão sobre a porta metálica, divertindo-me com meu
sorriso no rosto.
Acho que é minha namorada, agora?
Vai ser um relacionamento dessa vez e vou fazer tudo do
jeito certo.
Verifico as horas no meu caminho de volta pra cabine para
descobrir quanto tempo de sono eu ainda tenho para…
Puta merda.
São seis e meia.
Eu já estou DUAS HORAS atrasado pro meu turno. E como
CARALHO eu não sinto qualquer desconforto? Dormir sozinho
naquela cama já não é a melhor coisa do mundo, dividindo com
outra pessoa deveria ter sido horrível.
Acho que nada com ela é horrível.
Estou atrasado pra cacete mas tenho um sorriso que não
vai embora e acho que nunca mais na vida vou me sentir
cansado. Não importa o que aconteça!
E aí eu chego no meu quarto e percebo que comemorei
rápido demais.
Guido está ali, esperando por mim. Mas não está sozinho.
Traz consigo três seguranças e um Marcus que parece não ter
dormido muito bem mas está consciente o bastante para fazer
um pequeno estrago.
- Guido? - tento manter os olhos nele apesar de sentir
Marcus queimando ao seu lado.
- Reese. Estava procurando por você. Perdeu o turno?
- Eu perdi a hora, me desculpe. Eu… O que houve?
Guido tem um olhar ríspido e uma postura formal.
Eu o conheço o suficiente para saber que aquilo não é
para mim, mas para o passageiro.
Não me entenda mal, eu levaria uma bronca pelo atraso,
mas acho que não levaria aquela bronca.
- Reese, recebemos algumas reclamações sobre seu
comportamento inapropriado no lounge do deck 17. - Marcus
paira sobre as palavras de Guido como se estivesse ali só
para ter absoluta certeza que eu sei que foi ele quem me
fodeu. Filho da puta. - Verificamos algumas das câmeras de
segurança e… - ele respira fundo como se detestasse aquela
situação, não só pelo que precisa fazer mas pelo fato de ter
um idiota rico respirando no seu pescoço - Vou precisar te
pedir para arrumar suas coisas e desembarcar.
Eu fico em silêncio por tempo demais porque ainda estou
tentando entender o que ele quer dizer.
Câmeras de segurança?
Ele… me viu com Tatiana?
- Desembarcar?
- É. Está no seu contrato de trabalho. A empresa paga sua
passagem aérea daqui pra Nova York, mas preciso que abandone
o navio imediatamente. Pode, por favor, arrumar suas coisas?
Demitido.
Ele está me demitindo.
Balanço a cabeça encarando Marcus porque não acredito que
alguém pode cair tanto no fundo do poco e seguir cavando com
tanto empenho.
- Sério? - pergunto, mas não para o Guido ou para o Beni,
que acabou de voltar para o quarto e não faz ideia do que
está acontecendo. Pergunto para o Marcus - Mesmo?
Ele passa pelos outros dois e se aproxima de mim. Quase
invade meu espaço pessoal, colocando a mão no meu ombro, para
murmurar em meu ouvido:
- Vou te fazer ser demitido quantas vezes forem
necessárias. - sorri e me observa, analítico, para ter
certeza que eu entendi o recado.
Quantas vezes.
No plural.
Filho da puta.
Espremo meus lábio e tento resistir ao impulso de
transformar aquilo em outra briga.
O Rodolfo não era o melhor chefe do mundo mas não tinha
problemas com o meu desempenho.
Foi ele.
Foi o escroto do Marcus.
E ele quer que eu saiba.
- Melhor você voltar pra casa, ouviu? Porque não acho que
consegue trabalho em Nova York. Na verdade - acrescenta com
um sorriso sádico - Acho que não consegue trabalho em lugar
nenhum perto dela. - diz isso tudo bem baixo, só pra mim.
Cumprimenta Guido com um aceno e aumenta o tom de voz para
concluir - Faca boa viagem de volta, Spence.
Dá dois tapinhas no meu braço antes de ir embora.
- Reese? - Guido retorce os lábios, irritado - Eu te
disse pra não dar em cima das passageiras! - Disse? - Deu em
cima da namorada do cara? Ele ficou puto e falou direto com o
Capitão! A Sabrina do RH já deve ter resolvido a tua
passagem. Arruma as suas coisas e passa lá antes de sair. -
ele gesticula para os seguranças - Sem confusão, Reese?
- Eu posso mandar uma mensagem pra…
- Não, não pode. - resmunga - Vai arrumar suas coisas,
entrar em um táxi e ir direto pro aeroporto. Sem confusão!
Merda.
Fecho meus punhos, nervoso.
Beni me encara por cima do ombro de Guido.
Um olhar dúbio de quem quer dizer mais coisas do que o
momento permite.
- Vou te deixar sozinho um instante, Reeso. - ele diz,
misterioso - Para arrumar suas coisas em paz.
Não sei se entendi o que ele vai fazer, mas aprendi a
confiar no Beni.
E eu tenho coisas mais importantes para me preocupar
agora.
17. Check out
Fui escoltado da minha cabine para a secretaria e de lá
para o desembarque.
Tentei ligar pra Tati do meu celular, mas sem sucesso.
O Sol já nasceu, lá fora, brilhando por cima do oceano e
a mim não foi sequer permitido me despedir de meus colegas.
Sem confusão, era o que o Guido tinha dito e eu não
pretendia fazer confusão. Os seguranças, no entanto, não
tinham qualquer razão para me dar a chance de mudar de ideia.
Estou com minhas malas diante da rampa. Guido foi gentil o
suficiente para chamar um táxi, ou talvez me queira fora dali
o mais rápido possível e a gentileza é apenas para impedir
que eu me demore.
Seja como for, ali estou: as malas, a rampa, o táxi.
Direto para o aeroporto.
Direto para Nova York.
Com alguma sorte consigo falar com Tatiana antes do mês
terminar para que ela não pense que eu desapareci.
Com alguma sorte ela não esqueceu que gosta de mim quando
eu finalmente tiver oportunidade de vê-la de novo.
Nova York.
Quanto tempo Marcus ainda vai me perseguir?
Até me afastar da Tati?
Ou além disso? Até o fim da minha vida, apenas por rancor
e vingança?
- Boa viagem, Reese. - Guido acena sem apertar minha mão.
A coisa toda só não é mais humilhante porque há um ar de
incredulidade em tudo aquilo. Como se fosse outra pessoa
andando pelos corredores, carregando suas malas, vigiada por
seguranças. Outra pessoa. Não eu.
Outra pessoa recebendo os olhares de indagação no meio do
caminho. Outra pessoa ouvindo os sussurros. Outra pessoa
escutando as palavras secas de superiores.
Não eu.
Mas agora estou diante da rampa e não tem mais ninguém. É
hora de encarar que sou eu sim.
Desembarcando sozinho, do mesmo jeito que embarquei. Do
mesmo jeito que vou chegar em Nova York e do mesmo jeito que…
- Reese? - Guido chama.
- Hm? - acho que me distraí entre pensamentos e ainda
estou encarando a rampa.
- Boa viagem. - ele repete, sugerindo uma despedido e
alguma urgência.
- Obrigado. - murmuro.
Engulo em seco, passando a mão pelos meus cabelos.
Não pude deixar uma mensagem pra ela.
- Guido, eu posso te pedir uma coisa?
Ele respira fundo de um modo exagerado e impaciente.
- Não sei, Reese. Acho melhor você ir, cara.
- Eu só preciso deixar uma mensagem pra uma pessoa. Um
recado.
- Eu te pedi pra não fazer confusão.
- Não estou fazendo confusão! É só um pedido, Guido. Por
favor, eu só…
- Com licença? O que está acontecendo aqui?
Eu congelo porque tenho certeza que a voz às minhas
costas é Tatiana.
Mas isso faz quase nenhum sentido.
- Bom dia, senhora, só questões de pessoal do navio.
Posso ajudá-la com algo? Donny. - ele murmura para um dos
seguranças que vem tomar meu braço para me tirar do caminho.
- Spencer, essas são todas as suas malas? - ela também
toca meu braço e o gesto é suficiente para impedir que Donny
me arraste para onde quer que seja.
Explica pra ela depressa.
Pede pra ela te ligar quando voltar pra Nova York.
Faz ela prometer.
- Tati…
- São todas as suas malas? - ergue o indicador,
interrompendo-me.
- São, eu…
- Ótimo. - junta as mãos com um sorriso - Vamos?
- Senhora, sinto muito envolvê-la com assuntos
profissionais do navio. - Guido sorri - Mas o Reese acabou de
ser demitido por algumas condutas impróprias.
Tatiana olha para Guido como se absolutamente nada do que
ele diz fosse em qualquer nível, grau ou instrução, relevante
para ela. Mas espera pacientemente que ele termine ainda
assim. Está usando um robe por cima do que, suspeito, seja um
pijama.
Como diabos ela me encontrou?
- Que bom que não quer me envolver! - ela sorri para
Guido - Porque eu não quero ser envolvida. Spencer? Vamos?
Pra onde, mulher?
O que diabos quer que eu faça? Fique no navio contra a
vontade do capitão? Não acho que isso vai dar certo.
- Senhora, sinto muito, mas não acho que me compreendeu.
Reese foi demitido.
- Eu compreendi, sim.
- Ele não pode ir com a senhora.
- E por que não? - ergue as sobrancelhas.
- Porque ele não trabalha mais aqui.
- Ah. - ela ri - Claro que não trabalha! Spencer, vem
comigo. - ela tem um jeito tão nobre de comandar que eu estou
obedecendo antes mesmo de processar a ideia e lembrar que
segui-la não faz sentido.
- Senhora. Donny! - Guido pede e o segurança vem impedir
minha passagem. - Senhora, Spencer foi demitido, ele não é
mais parte da tripulação e precisa desembarcar agora. São
ordens do capitão. Sinto muito se não fui claro…
- Foi perfeitamente claro. Ele não trabalha mais no
navio. E é por isso que estou dizendo para ele me acompanhar.
- Acompanhar? - Guido parece usar todas as suas forças
para não discutir com uma passageira - Para onde?
- Eu estou no Loft Royal, no deck 17. - basta aquela
frase e o Guido parece ter desaprendido como seres humanos
normais devem se mexer - E o Spencer é meu convidado.
- Convidado? Senhora… eu preciso…
- Falar com o capitão? Pois faça isso. Aproveite para
explicar para ele que a passagem de Spencer, com todas as
taxas devidas, já está paga. Integralmente. E que eu sequer
pretendo processar essa companhia por tê-lo feito trabalhar
na primeira semana já que deveria ter sido um hóspede desde o
começo.
- Processar? Senhora, eu sinto muito, eu tenho ordens do
capitão para acompanhar Reese para fora do navio. Eu preciso
falar com ele se…
- Ótimo. Fale com ele. Venha me procurar quando terminar,
para fazer o check in do Spencer. Do jeito certo, dessa vez.
- Senhora! Não… Não posso deixá-lo reembarcar.
- Mas ele sequer desembarcou!
- Com toda respeito, senhora, não acho que isso importa!
Ele foi ordenado a se retirar por conduta imprópria.
- E que conduta foi essa?
- Ele…
- Sim?
- Ele se envolveu em atividades indiscretas com uma
passageira. É contra o código da empresa.
- A passageira com quem ele se envolveu fui eu. E ele não
era sequer um funcionário… você está prestando atenção?
- Ele se envolveu com a senhora? - o choque de Guido
parece forçá-lo a fazer perguntas mesmo que não tenha em si
capacidade de acreditar nas respostas - É por isso que é seu…
convidado?
- "Convidado"? - sorri - Eu me expressei mal. "Namorado".
- corrige e meu coração para de bater - Spencer é meu
namorado. - ela não hesita diante da palavra. Não cora ou se
encolhe como fazia antes para se referir a mim sequer como
"amigo" - Agora vá falar com seu capitão e venha nos procurar
quando terminar. Donny, não é isso? - sorri para o segurança
- Pode trazer essas malas para a Royal, por favor? Obrigada.
- acrescenta, sem esperar uma resposta - Spence?
Ela me oferece a mão e enlaça minha cintura assim que me
aproximo. Envolvo seus ombros com meu braço e ainda estou tão
atordoado que é ela quem precisa nos guiar de volta.
- Pagou mesmo minha passagem? - pergunto.
- Paguei, mas… - ela tem uma careta de culpada - Não sei
se o pagamento já foi processado. Vou precisar de uma hora ou
duas para fazer uma ligação.
- Eles não vão te dar uma hora ou duas! Tati, olha, só
promete que liga pra mim quando voltar pra…
Ela passa a língua no sorriso e me beija.
Devagar.
Para calar minha boca.
- Spencer, deixa eu te explicar uma coisa sobre ter muito
dinheiro?
Eu estou de olhos meios fechados com o peso do beijo.
Meus lábios pairando bem pertinho dos dela.
- Sim, senhora.
- Eles vão me dar uma hora ou duas. - promete, rindo -
Vão me dar quantas horas eu quiser.

***************

Eles nos deram uma hora ou duas.


Acho que teriam dado quantas horas Tatiana quisesse.
E agora eu tenho uma pulseira no meu braço e sou hóspede
também.
No quarto com o piano e a morena que é muito mais
impressionante que o piano.
A expressão do Guido enquanto fazia o meu check-in é algo
que eu dificilmente vou conseguir esquecer. Não há palavras
para definir sua confusão, mas "atordoado" chega bem perto.
Fez todo o procedimento e me deu tudo que eu precisava mas,
em nenhum instante, acho que acreditou realmente que aquilo
estava acontecendo. Passou todos os minutos esperando que
alguém anunciasse que era piada e, quando chegou a hora de ir
e precisou encarar que era, de fato, verdade, seu
atordoamento que já parecia infinito deu um jeito de se
multiplicar.
Ele se foi.
Com Donny e os outros seguranças.
Deixou para trás apenas eu, Tatiana e minhas malas, que
ela fez questão de colocar no closet do quarto principal
depois de me oferecer o de convidados, caso eu quisesse mais
privacidade. Mas eu não queria mais privacidade.
Eu queria mais dela.
O que é péssimo porque ela trocou de roupa e acho que
vamos sair?
Eu não queria sair.
Você já esteve tão derretido por alguém que precisa lutar
constantemente contra a vontade de passar o dia deitado na
cama só respirando sua pele? Porque eu estou entretendo fazer
nada pelas próximas 24 horas que não envolva minha língua no
seu corpo. Tatiana, no entanto, com seu vestido azul claro
parece ter decidido algo diferente.
Ou pelo menos é isso que eu acho, até ela respirar fundo
e sorrir:
- Seria me aproveitar demais de você se eu pedisse o café
da manhã no quarto e a gente passasse o dia na…
Eu a beijo antes que ela termine a frase porque existe
uma chance bem pequena dela terminar aquela frase de um jeito
diferente do que eu espero. É bem pequena, a chance, eu sei.
Mas pra quê arriscar?
- Certo. - ri - Mas comida, primeiro, homem. Por favor.
- Você come. - sussurro, tenho minha boca presa a curva
do seu pescoço - Eu estou bem aqui.
- Tatiana! - uma voz alta na sua varanda me assusta,
obrigando-me a me afastar de sua boca.
- O que diabos…?
- É bom que você já esteja pronta porque o guia vai nos
encontrar às… Spencer. - Pamela hesita assim que cruza as
portas de vidro da varanda para a sala e percebe que não
estão sozinhas. Eu coloco uma almofada em cima do meu colo
porque eu já estava pronto pra tirar a roupa em trinta
segundos, se Pamela não tivesse aparecido em dez.
- Pamela! Bom te ver. Tem um porta nessa tua varanda, é?
- eu pergunto pra Tati porque estou começando a suspeitar que
uma chave vai se fazer necessária.
- Dá pra ligar os quartos pela varanda, sim. - ela
explica, corando.

Ó
- Hm. Ótimo. - sorrio - E dá pra desligar os quartos
também?
Pamela tem um sorriso imenso e pouquíssimo discreto,
encara a almofada que me protege sem qualquer decoro.
- Acho melhor você puxar mais pro lado querido. - indica
minha proteção que, deste ângulo, está protegendo nada -
Dormiram bem?
- Eu não acho que dormimos. - a resposta de Tatiana foi
genuína dada as circunstâncias mas sua melhor amiga tem um
sorriso em eterna expansão.
- Ah! E o encontro ainda não acabou? Spencer está fazendo
valer os cinquenta mil, hein, meu amor?
- Pamela, eu gosto demais de você. - confesso - Mas será
que você podia voltar daqui a uma hora? Ou duas? Ou seis?
Ela se rende como uma dama, beija a ponta dos dedos antes
de acená-los para nós.
- Não dá pra remarcar o guia porque é nosso última dia
aqui. Amanhã já zarpamos pra outro lugar, então eu e a Ju
vamos aproveitar o dia na ilha! Mas vocês… Divirtam-se! .
Despede-se.
- Ah… Pam? - Tati pede.
- Hm?
- A Ju está com o roteiro das próximas paradas?
- Está. - responde com um ar óbvio de quem claramente
imagina que todos sabem a resposta para aquela pergunta.
- Pode pedir para ela acrescentar mais um convidado?
- Mais um…? - sua confusão se desfaz assim que desce os
olhos sobre mim, mais uma vez - Ah! Claro! Spencer vai se
juntar a nós no próximo passeio?
- Spencer vai se juntar a nós em todos os passeios. - ela
esclarece - Se ele quiser! - acrescenta, para mim.
Eu sorrio porque não sei se tem alguma parte de mim que
considerou recusar.
Pamela tem um leque na mão que usa para estapear a palma
livre como se estivesse assistindo o desenrolar do episódio
do seu seriado favorito.
- Pois será muito bem vindo. - ergue um ombro - Julia e
Tati são dadas a conversas monótonas e roteiros
desnecessariamente organizados, Spencer. Eu e você vamos nos
dar muito bem.
- Desde que você nos deixe à sós por algumas horas, Pam,
seremos melhores amigos. - prometo e ela ri.
Pamela está prestes a sair. Eu ainda estou duro por baixo
da almofada e Tatiana continua gostosa, sentada ao medo lado,
naquele vestidinho azul que logo, logo estará na minha boca
antes de ir parar no chão. E eu estou começando a achar que
vai ficar tudo bem quando escuto um grupo de vozes na varanda
e os olhos da Pamela se arregalam em pânico.
- … licença de mergulhador! Mas é fácil conseguir isso
depois, basta… Oh! Bom dia, Tati e…
- Jess, Will! - ela cumprimenta a mulher de longos
cabelos escuros e o homem, magro e comprido, que ela traz
pela mão - Esse é Spencer. São meus amigos! A Julia você já
conhece. E o Marcus.
Sabe nos filmes, quando um diretor quer te dizer que o
personagem tá fodido e perdendo a consciência, e aí tudo fica
turvo com a câmera girando pra todo lado enquanto vozes falam
coisas aleatórias ao seu redor?
É mais ou menos assim que eu me sinto.
Estávamos só nós dois ali. Ela tinha me chamado de
"namorado" e a gente ia passar o dia juntos e sem roupas.
Entra Pamela. Que é só uma amiga, gente boa, nunca me
tratou mal. Estou levemente embaraçado, mas nada que seja
digno de nota.
Entra a Júlia e um casal de amigos. Lembre que eu ainda
estou duro embaixo da almofada o que complica minha situação,
se é preciso que eu levante para apertar a mão de alguém.
Entra o Marcus.
Engulo em seco.
Não contei pra Tatiana o que ele fez. Ainda.
Mas suspeito que ele ainda não acabou.
E assim que encaro seus olhos lúcidos em pleno desejo de
homicídio, confirmo todas as minhas suspeitas.
- Olá, Spe… - Jess e Will tentam me cumprimentar. Mas a
fúria de Marcus os interrompe.
- Você não pode tá falando sério!
Ele não falou isso baixo.
Também não foi exatamente um grito.
Foi um rosnado de cólera como jamais ouvi de alguém.
- Marcus! - Jess pede e Pamela o encara como se fosse,
ela também, recriminar seu comportamento.
- Meu Deus, moleque, você é pior que uma praga! Não dá
pra se livrar de você nem com pesticida! Você NÃO É BEM
VINDO! Será que dá pra aceitar?
Ninguém diz uma palavra.
O que acaba sendo perfeito porque assim que ele acaba
suas frases, o silêncio absoluto faz com ele mesmo perceba o
quanto foi estúpido e mal-educado.
Mas Tatiana se levanta ainda assim.
- Eu quero você fora do meu quarto, agora. - ela é calma.
Técnica. Recita as palavras com um sobriedade que não deveria
ser permitida em uma discussão. Faz Marcus parecer ainda
menor e mais imaturo - Acho que não somos mais amigos,
Marcus. E prefiro se você não me dirigir mais qualquer
palavra.
Jess e Will estão tentando não deixar o queixo cair
porque, certamente, não fazem a menor ideia do que caralho
está acontecendo ali.
Julia abaixa a cabeça porque deve conhecer Tatiana o
suficiente para saber que quando uma mulher do seu nível de
educação e diplomacia decide dizer "basta" é porque algo
grave se passou.
Pamela ainda tem olhos cheios de julgamento e escárnio
para Marcus. Está aí uma mulher que não desvia o olhar do
barraco nem que ele seja uma explosão nuclear capaz de deixá-
la cega.
E eu… eu sei de parte da história. Sei da parte que me
coube até aqui. Mas Tatiana? Ela parecia estar bem com ele
até ontem. Tinham um encontro. E ela não sabe de nada que ele
fez comigo até agora. Ainda não tive oportunidade de lhe
contar. Por que está tão furiosa?
Ele enfia as mãos nos bolsos e respira fundo.
- Eu não queria fazer isso, Tati.
- Marcus, eu não quero mais ouvir.
- Quer sim. Eu evitei dizer isso porque não queria te
machucar. Esperei que você tomasse a decisão correta sozinha
porque você sempre foi uma mulher inteligente…
- Marcus, chega.
- Mas esse moleque te seduziu e te cegou! Você não
consegue mais pensar direito! Abandonou toda a razão?
Ela tem uma risada sofrida de pena.
- Estou cega porque não te quero? Essa é a sua lógica? Eu
estou feliz, Marcus. Pela primeira vez em muito tempo, eu me
sinto leve e livre. A única coisa que me machuca agora é
você! É essa sua obsessão que surgiu não sei de onde!
- Você acha que eu sou o vilão e ele é o pobre garoto
indefeso, mas eu só estive tentando te proteger esse tempo
todo. Só estive tentando cuidar de você!
- Pois eu não preciso que cuidem de mim.
- Pois eu acho que precisa.
- Marcus, vai embora. - decide, seca.
- Eu vou, Tati. E você vai se arrepender disso pra
sempre, assim que eu te disse o que escondi por todo esse
tempo. O que eu escondi para te proteger. Você vai perceber
que eu sempre fui o homem certo pra você e que você jogou
tudo fora por causa de um garotão de vinte anos que te disse
umas palavras doces pra se aproveitar de você.
- Cara, vai tomar no cu. - levanto, eu também.
Ia deixar a Tatiana resolver até porque tem uns amigos
dela ali que eu nunca vi, e ela parece mesmo ter a situação
sob controle. Mas eu não aguento mais esse cara.
- Você me fez ser demitido! Qual o teu problema?
- Fez o quê? - Pamela e Tati me encaram ao mesmo tempo.
- Ele me denunciou para o Capitão e me fez ser demitido
do cruzeiro.
- Foi demitido do cruzeiro? - Pamela leva a mão ao peito,
ainda se atualizando dos últimos eventos.
- Fez isso? - é com uma careta de nojo que Tati encara
seu antigo amigo.
- Me fez ser demitido do restaurante também, não foi? -
pergunto.
Ele tem um meio sorriso que serve de resposta suficiente
para todos.
Jess e Will se entreolham dando um ou dois passos para
trás, claramente se arrependendo de ter entrado ali naquela
manhã.
- Marcus, como se atreve? - é a vez de Tati rosnar
colérica.
- Vamos ser honestos, então, Spencer? Ótimo. - ele não
tira os olhos de mim - Já contou pra Tati que você tem uma
filha?
Han?
Tenho nada além de genuína confusão quando percebo alguns
olhares ao redor da sala caírem sobre mim.
É muito cedo pra esse tipo de cabaré, sabe?
Não são nove horas da manhã. Eu mal dormi. Ainda não
tomei café. E esse cara tá aqui alucinando no meio do meu
dia?
- Acho que pulou essa parte, não é? Deve ter pulado
também a parte em que abandonou sua namorada grávida pra trás
e é por isso que foi parar em Nova York? Porque não queria
assumir suas responsabilidades e ser pai?
- Cara, do que cacete você está falando?
- De você, seu moleque de merda. Que deixou alguma pobre
garota para trás enquanto ia se divertir na cidade grande
tentando se aproveitar de mulheres ricas.
- Você já tá bêbado a essa hora da manhã?
- Não, não estou bêbado, Spencer. Mas estive no seu
apartamento.
- Esteve onde? - travo meus dentes. Esse cara já
ultrapassou todos os limites.
Se eu tivesse dinheiro pra um advogado tenho certeza que
cabia um processo.
Tatiana tenta interferir mas ele é mais rápido.
Ou mais alto.
- Eu estava preocupado com você. - olha pra Tati - E quis
me certificar que não era um aproveitador. Estive em seu
apartamento e falei com seu colega de quarto. E não posso
dizer que estou surpreso, Spencer. Você é exatamente quem eu
achei que seria.
- Marcus, é melhor você calar a boca e ir embora antes de
passar mais vergonha. - Pamela sugere.
- E eu acho que talvez o Spencer devesse explicar quem é
Anna?
Meu sangue congela.
É DISSO que ele está falando?
Merda.
As ligações não foram poucas. O Eric sabia parte da
história e a parte que ele não sabia pode ter completado a
partir das minhas conversas no telefone.
Só que ele colou as peças do jeito errado.
Ele entendeu tudo errado e agora o Marcus ia usar essa
versão nefasta dos fatos para me foder. Caralho, Eric.
A Tatiana ia acreditar em mim?
Alguém ia acreditar em mim?
- Tati, eu posso explicar…
- Mas não precisa. - ela anuncia.
Calma, ainda.
Educada, ainda.
- Não deve explicações da sua vida pra ele. - defende.
- Mas eu quero que você saiba que…
- Ela já sabe. - Pamela explode - Ah, que inferno!
Marcus! E eu achei que você era boa pessoa! Me enganei por
anos! Vou precisar tomar um banho de sal grosso e sal é
PÉSSIMO pra minha pele.
- Pamela, sai daqui que essa conversa não te diz
respeito. - resmunga.
- Não, sai você daqui! - ela devolve - Que essa conversa
não diz respeito A VOCÊ! Sua anta! Estúpido, vil e
incompetente!
- Com licença? - ele tem uma risada de escárnio.
- Você foi investigar sozinho e descobriu um monte de
coisa errada. Gente normal quando está preocupada com a amiga
contrata um profissional.
- O quê? - Marcus enruga a testa e é bom que tenha feito
essa pergunta porque quem estava prestes a fazê-la era eu.
- Não me leve a mal, Spencer! - ela diz, diplomática, e
Tati esfrega a testa encarando o chão - Mas quando percebi
que você pagou o lance do leilão eu… Olha, no começo, eu
achei que você era só um garoto gostoso querendo se divertir
com alguns luxos! É o perfil da maior parte dos usuários do
site, certo? E se alguém nesse mundo sabe disso, esse alguém
sou eu!
- Não sei se estou entendendo.
- Você contratou um detetive particular para investigá-
lo? - Marcus compreende antes de mim e eu encaro Pamela.
Sério?
- Eu achei que você só queria se divertir às custas da
Tati e TUDO BEM, se ela só estivesse se divertindo às suas
custas. Mas aí no leilão, você… não sei. - dá de ombros -
Chame de instinto se quiser, mas achei que poderia haver algo
aí. E depois você fez questão de usar todo o dinheiro que
tinha para realmente pagar o lance, mesmo que não precisasse
fazer isso! Eu queria… eu queria te trazer para cá e te
colocar perto da Tati de novo!
- FOI VOCÊ? - dessa vez eu e Marcus parecemos estar do
mesmo lado por motivos diferentes.
- Foi. Mas antes de te trazer, eu precisava ter certeza
que não estava jogando um aproveitador para cima da minha
amiga. Então, me desculpe, mas sim, eu contratei alguém.
- Eu só quero deixar claro que eu não sabia de nada
disso. - Tatiana tira a mão da frente dos olhos e parece
envergonhada pela falta de vergonha da amiga - Até… dois dias
atrás. - completa - Eu percebi que tinha que ter sido ela a
te trazer. Era coincidência demais, de outra forma. E aí ela
falou sobre o detetive e sobre a… Anna.
- Você sabe? - foi Marcus quem falou mas poderia ter sido
eu.
- Sei.
- E não se importa? - ele a observa com nojo.
- Não tem nada para se importar! - defendo-me.
- A garota não engravidou dele, seu idiota! - Pamela
explica - Foi de outra pessoa da família dele e, se alguma
coisa, Spencer ainda tentou ajudá-la.
Eu sento de volta no sofá porque parece que a situação se
explodiu e se resolveu sozinha, mas levou embora minhas
forças ainda assim.
- Vocês acreditaram mesmo nessa história que ele contou?
- Não foi ele que contou! - Pamela se exalta - Foi um
detetive prof… você está prestando atenção?
- É? E talvez seu detetive queira explicar isso aqui que
eu encontrei no quarto dele? - enfia a mão no bolso para
pegar a carteira.
- Esteve no meu quarto? Revirou minhas coisas? - eu não
sei qual o tamanho da repulsa em minha expressão, mas mal
consigo abrir os olhos.
- Ah, claro, ofenda-se o tanto que quiser! Mas explique
isso! - ele tirou algo da carteira, parece um papel, mas mais
rígido. Foi dobrado muitas vezes e ele precisa desdobrá-lo
até revelar uma foto de Tatiana seminua.
Ela exaspera-se e avança para arrancar a foto de sua mão
de uma vez.
- Mas que caralho? - meu nojo é ainda maior - Seu
pervertido! Você anda por aí com essa foto na carteira?
- Ele ia tentar te chantagear! - anuncia, em seu delírio
infinito - Era isso que ia fazer. Por que mais tiraria essa
foto sua e esconderia embaixo da cama?
Tenho meu joelho na coxa e escondo minha boca na mão.
- Você acha que foi Spencer quem tirou essa foto? -
Tatiana o encara em absoluta descrença.
- E quem mais teria sido? O Daniel não…
- Eu contratei um fotógrafo para… - Tatiana respira fundo
como se, de repente, lembrasse que não lhe deve explicações -
Não que eu te deva justificativas. Não que você mereça -
rosna a palavra, em pura ira - qualquer coisa de mim a essa
altura que não um chute. Mas não foi Spencer quem tirou essa
foto e eu sabia que Spencer tinha essas fotos.
- Fotos?
- É, meu querido, no plural. Agora, se você já acabou… se
já acabou com essa sua obsessão ofensiva e com essa ilusão de
que eu te pertenço… se já acabou de fazer Spencer ser
demitido duas vezes, de investigar sua vida com a pior das
intenções, de distorcer fatos que desconhece e de guardar uma
foto erótica minha como algum psicopata pervertido… se já
terminou… Vai embora.
A arrogância de seu rosto desapareceu.
Desapareceu porque ele não tem mais nada com o que se
agarrar. Usou todas as suas ferramentas, atirou todas as
armas, e feriu ninguém além de si mesmo.
- Tati, eu acho que…
- Não, Marcus! - ela ergue o indicador - Você não acha
mais nada. Você vai embora agora. Se vai ficar nesse cruzeiro
ou não, é problema seu. Mas eu não quero mais olhar para tua
cara ou ouvir tua voz. E assim que voltar pra Nova York vou
fazer questão de conseguir uma medida preventiva contra você
para mim e para Spencer. E Marcus, acredite quando eu digo
que se OUSAR interferir no ganha-pão de alguém para nutrir
seu próprio ego de novo, eu vou me considerar pessoalmente
responsável por te destruir. E se o assunto é ter dinheiro
para pagar advogados exorbitantemente caros por tempo
ilimitado, eu acho que eu ganho.
O silêncio que se segue parece que nunca vai acabar.
Mas acaba.
Acaba com Marcus indo embora.
Devagar e quieto.
Sem qualquer outra palavra.
Tatiana pede desculpas aos amigos mas eles têm apenas um
sorriso gentil como resposta e promessas de compreensão.
São mais amigos dela do que dele pelo que entendi e não
tem por ele nenhuma estima em especial.
Mais fácil.
Pamela beija sua bochecha e aperta meu ombro antes de
guiar todos para fora.
Para a ilha.
Eu e Tati vamos ficar no quarto, como era o plano.
Ainda é o plano.
Assim que nós dois nos acalmarmos.
Ela senta no sofá ao meu lado e ainda está em silêncio.
Demora muitos minutos antes de dizer:
- Sinto muito pela Pamela, eu não sabia que…
- Não é culpa sua. E eu entendo. Ela, pelo menos, teve
boas intenções.
- Acho que sim.
- E eu sinto muito por não ter te contado sobre Anna. Meu
Deus! Eu não achei que…
- Não precisa pedir desculpas. Isso não foi culpa sua.
- Nem sua. - lembro.
Ela me observa com o canto do olho, mas acho que ainda se
sente um pouco culpada.
O que é mesmo uma pena, principalmente depois da conversa
que tivemos ontem e do tanto que ela pareceu ficar bem depois
de finalmente se libertar de tanta culpa que já tinha
acumulado ao longo da vida.
- Não é culpa sua. - repito e tomo sua mão.
Tati apoia o queixo em meu ombro e fecha os olhos por um
segundo.
Beijo a ponta do seu nariz.
- Eu acho que a gente precisa de um bom café da manhã. -
balança a cabeça com um sorriso constrangido.
- E sexo. - imploro - Melhor coisa para tirar estresse do
caminho.
- Se você diz! - ela ergue um ombro antes de levantar -
Ou! A gente pode comer na cama.
Eu a sigo imediatamente.
- Você é a mais inteligente de nós dois! - eu a agarro
para um abraço fazendo-a rir.
Vamos precisar de uns minutos pra deixar o drama se
diluir, mas acho que já estamos no caminho certo.
- Guardou uma foto minha pelada? - estreita os olhos, mas
tem um sorriso no canto da sua boca e deixo meus ombros
caírem.
- Tatiana, se eu soubesse que essas fotos iam resultar
nesse problema todo, eu juro por Deus que teria olhado pra
elas com mais cuidado. Para pelo menos valer a pena: cometer
o crime já que eu ia ser punido de qualquer modo, sabe?
- Não viu as fotos?
- BEM por cima! - meu nervosismo é quase arrependimento -
Não me pareceu certo! Elas vieram parar na minha mão por
acidente e eu não sou um tarado, sabe? Mas aí a Vanessa abre
a pasta sem minha permissão e eu vejo uma sem querer. Não
fechei a pasta direito, ela se abriu quando joguei em cima da
cama e…
- Se espalharam por todo lado? - ela ri.
- Eu recolhi todas DE OLHOS FECHADOS! Você faz ideia de
como isso é difícil? Porque eu faço! E pra quê? Pro maluco
vir me acusar!
- Um verdadeiro cavalheiro, você é.
Me encolho, irritado.
- Eu quero ver as fotos. - resmungo.
- Te mostro quando voltarmos.
- Quero ver todas.
- Vai ver.
- Bem devagar.
- Pode ver ao vivo também, se preferir.
Eu paro e deixo meu sorriso responder primeiro.
- Mas você é mesmo a mais inteligente de nós dois! - ela
ri e eu a beijo. Respiro fundo porque quero tirar aquilo do
caminho - E posso te contar tudo, depois. - prometo - Sobre
Anna e meu primo. Com todos os detalhes.
- Eu sei que pode. - sorri, mas não faz qualquer pergunta
e é só por isso que eu não respondo. - Mas a Pamela, ela…
- Foi perfeccionista?
- Bastante. Sinto muito. - acrescenta depressa - Mas ela
disse que você foi incrivelmente gentil e que ficou com a
moca pelo máximo de tempo que pode.
- É. Eu… sei lá. Meu primo foi um escroto e a gente vivia
competindo por mulheres. Eu sei que o que ele teve com a Anna
foi para passar na minha frente. Eu me senti culpado.
- "Culpa" - acena - Está aí algo que eu entendo bem. E
ela se apaixonou por você?
- Acho que sim. Talvez tenha sido culpa minha também.
Achei melhor me distanciar, por nós dois.
- Eu sinto muito.
- Ela me mandou algumas fotos da bebê! Ela é uma
gracinha!
- Tenho certeza que é. - sorri.
- Mas… eu não… eu não gostava dela desse jeito. Eu só
quis ajudar e ela confundiu as coisas. Acho que começou a
imaginar que seríamos uma família! Como se eu estivesse
pronto pra ser pai! - estou rindo - Eu! Pai!
Beijo Tati mais uma vez e estou nos conduzindo de volta
para a cama, porque ela me prometeu sexo e comida.
Não sei se percebi que ela tinha enrijecido bem ali.
Não sei se percebi que algo que eu disse fez uma porção
de engrenagens girar em sua cabeça.
Não sei se percebi naquela hora.
Mas com certeza percebi pouco tempo depois.
***************

Ela vai acabar comigo.


Não sei exatamente quando percebi isso, mas aí está.
As últimas três semanas foram… perfeitas. E eu evito usar
a palavra "perfeição" levianamente.
Perfeitas.
Começou com Tatiana nua na cama.
Depois com uma explicação de que tinha sido o Beni que a
avisou que eu estava sendo demitido.
Aí, a meu pedido, a Pamela conseguiu garantir o Beni como
mordomo do Loft Royal pelas próximas cinco viagens do navio.
Acho que ele teve vontade de me beijar na boca quando lhe
contei, mas só encarou todos nós com um sorriso e me beijou
na bochecha mesmo.
Eu queria fazer mais por ele.
Até porque era estranho ficar naquele navio sendo servido
pelas pessoas que tinham sido meus colegas de trabalho, mas
todos eles eram pessoas incríveis, sabe? Da Bianca que riu
aliviada por não me ter mais no seu serviço, ao Alan que
passou a receber de Tatiana as gorjetas mais exorbitantes da
história das gorjetas e até ao Noah que - suspeito com
veemência - deu um jeito de parar na cama da Pamela com a
Julia.
Três semanas.
Só não tive Tatiana nua todos os dias porque depois das
primeiras quatro noites seguidas ela riu e disse que ia pedir
clemência. O que não foi qualquer problema porque quando me
deitei ao seu lado percebi que, com sexo ou não, eu tinha uma
vontade imensa de abraçá-la e assisti-la dormir. Percebi que
gosto mesmo de deslizar os nós dos meus dedos pelo seu rosto
e enfiar as mãos em seus cabelos, rabo de cavalo ou sem.
Estou apaixonado por ela.
Antes, eu estava na dúvida, mas depois desse mês eu tive
certeza.
Certeza porque aquele cruzeiro tinha luxos que eu sequer
sabia serem possíveis e, ainda assim, minha parte favorita
era a noite, quando ela se deitava ao meu lado com seu
sorriso entre a timidez e a provocação.
Minha parte favorita era ficar sozinho com ela em
qualquer lugar.
Era sentir sua mão na minha.
Respirar seu perfume.
Lavar seu corpo quando se enfiava comigo na banheira.
Apertá-la bem forte contra o meu peito até combinar o
batimento de seu coração com o meu.
Estou muito apaixonado por ela.
Apaixonado daquele jeito que você para de notar outras
mulheres. Outras pessoas. Outros eventos.
Eu esqueço compromissos quando ela sorri.
Esqueço pensamentos quando ela me beija.
Estou apaixonado por ela e talvez isso que eu sinto seja
até mais do que só paixão.
Mas ela vai acabar comigo.
Eu não sei exatamente se foi algo que eu disse, ou algo
que fiz… Mas sei que algo está errado.
Notei, pela primeira vez, há duas semanas quando brinquei
sobre quando seria nosso primeiro encontro quando
estivéssemos de volta a Nova York e ela riu.
Não sua risada espontânea e contagiante. Uma risada…
constrangida.
E nunca me respondeu.
A mesma coisa acontecia sempre que eu tentava navegar
sobre quaisquer assuntos que envolvessem "discutir nosso
relacionamento" ou o que aconteceria quando as férias
acabassem.
O sorriso constrangido.
A ausência de resposta.
A mudança de assunto.
Ela vai acabar comigo.
Não sei por quê.
Não sei o que houve.
Mas, no fundo do meu coração, sei que isso aqui tem prazo
de validade.
Tento ignorar e curtir a viagem porque eu gosto demais da
sua pele, dos seus cabelos, daquela porra de roupa justa que
ela usa para fazer Yoga. Gosto demais dela pelada na minha
mão e na minha língua.
Então, eu ignoro.
Ignoro o que eu sei que está bem ali.
Mas nos últimos dias, a medida que Tati fica mais
distante e mais fria, fica igualmente mais difícil me agarrar
com falsas esperanças para me convencer de que talvez eu
tenha entendido errado e fique tudo bem.
Ela vai acabar comigo.
Essa é minha suspeita.
E, naquela manhã: no nosso último dia no cruzeiro, com as
malas prontas e aguardando para serem apanhadas, o fingimento
que era difícil passa a ser impossível assim que meu celular
apita com uma mensagem que deveria me levar aos pulos de
alegria mas, ao invés disso, tem um peso nefasto.
"300.000,00 dólares depositados em sua conta".
Preciso ler a mensagem três vezes, acessar meu banco para
verificar a informação e ainda assim preciso de alguns
segundos para acreditar que é verdade.
Estou rico, sabe?
Aquilo é mais dinheiro do que eu jamais esperei conseguir
juntar em vida. E aí está.
A minha disposição.
Já recebi dois e-mails do meu banco, inclusive, me
oferecendo um novo cartão de crédito e uma planilha de
investimentos.
Nunca recebi nada do meu banco fora spam de "feliz
natal".
Estou rico.
Mas nem consigo sorrir porque eu sei exatamente o que
aquilo significa.
Tati terminou de arrumar sua última mala e desceu para a
sala. Eu levanto meu celular para ela com uma curva dolorida
nos lábios.
É melhor resolver isso de uma vez.
Arrancar o band-aid.
- Está acabando comigo, Tati?
- Hm? - tem dúvida em seu rosto. Mas também tem susto.
Olho pro meu celular, sem conseguir esconder a tristeza.
- Tem um monte de dinheiro na minha conta. Foi você?
- Ah! - ela sorri, sem jeito - Não deveria ter entrado
até amanhã. - engole em seco.
Amanhã.
Quando já estivéssemos em casa.
- Presente de despedida? - pergunto.
Não é uma crítica. Não é uma briga. Não é uma ofensa.
Eu só preciso saber.
Estou curvado no sofá e não consigo olhar para ela por
muito tempo.
Me apaixonei por você. E você vai me jogar fora de novo.
Ela parece que vai dizer algo mas desiste. Respira muito
fundo e senta ao meu lado. Toca meu joelho como se temesse me
quebrar.
- Spence… - sua voz falha. Ela também não consegue olhar
diretamente para mim. Parece sofrer do mesmo mal que eu. Da
mesma dor. Mas então por que está fazendo isso? - Esse mês
foi… - seu sorriso é cheio de carinho.
- Eu não ligo pro seu dinheiro, Tati. - murmuro.
- Eu sei! Eu não… quis dizer isso. Esse dinheiro é só
porque… você foi demitido por minha culpa.
- Não foi culpa sua! - viro-me para ela.
- E porque não é uma quantia que me faz diferença. -
coloca os dedos sobre meus lábios me impedindo de falar. Eu
tenho que lutar contra a vontade de fechar os olhos assim que
tenho sua pele em minha boca - E sei que vai fazer pra você.
Eu te desejo… tudo de bom, Spence. - aquela frase deveria ser
clichê, mas o jeito como ela pronuncia as palavras, com tanto
sentimento… com lágrimas quase ali. Eu sinto o que ela quer
dizer - Tudo. - repete - E sei que isso vai te ajudar. Então,
vai aceitar, está bem? E tente não gastar tudo de uma vez em
algum leilão beneficente.
Eu sorrio apesar de tudo e ela enfia os dedos em meus
cabelos.
- Foi alguma coisa que eu disse? Eu fiz algo errado, eu…
- Não! Não! - puxa meu queixo e beija minha boca. Não sei
se foi uma boa ideia porque agora eu tenho seu rosto em
minhas mãos e não quero parar de beijá-la - Você é muito
novo. - sussurra, assim que interrompe o beijo, mas ainda
está ali: na minha boca.
- Eu sei, mas se explicar com calma eu entendo, sabe?
- Não! Eu não quis dizer que é muito novo para entender,
eu só quis dizer que…
- Sou muito novo. - assinto.
- A diferença de idade é muito grande, Spence. Nós
estamos em momentos muito diferentes da vida.
- Eu achei que a gente ia tentar. Eu achei que…
- Eu quero uma família. - sua expressão é de felicidade
mas também é de angústia - E você tem 23 anos. Você precisa
se divertir e descobrir para onde quer ir na vida. Não é
justo eu te roubar esses anos. Mas também não é justo que eu
precise esperar.
- "Roubar esses anos"? Tati, mas e se eu quiser…
- Spencer, eu não posso esperar muito. Por uma questão
biológica, inclusive. - ela fala bem devagar. Morna. Pesada.
- Eu quero uma família. Eu quero filhos. Mesmo que eu tenha
que fazer isso sozinha. - aperta meus dedos e beija minha
bochecha. Deixa a testa descansar contra minha têmpora quando
sussurra - E você tem 23 anos.
Pisco os olhos e sinto meus cílios pesados.
Acho que vi uma lágrima cair direto na minha bermuda.
- Então, é isso? - pergunto baixinho.
- Eu queria muito que você fosse alguns anos mais velho.
Ou que eu fosse alguns anos mais nova. Mas…
- Mas eu tenho 23 anos. - murmuro, frustrado. Não sabia
que dava para ter tanta raiva da própria idade.
E aí ela diz algo que me deixa com mais raiva ainda:
- Eu me apaixonei por você. - ainda segura meu queixo, a
testa apoiada em meu rosto. Eu fecho os olhos porque se olhar
para ela vou beijá-la e fazer algo absurdo como implorar -
Talvez isso soe mentira, talvez soe patético, mas esses
últimos meses foram os melhores da minha vida. Eu nunca me
senti tão… querida.
- Então fica. - aperto seus dedos de volta e escuto minha
voz abafada. Acho que estou implorando mesmo que não tenha
olhado pra ela.
- Eu queria.
- Então fica! - repito.
- Mas não é justo. Para nenhum de nós dois, então eu
preciso ser a adulta aqui. Eu sinto muito. Você não faz ideia
do quanto.
- A gente precisa mesmo decidir isso agora? - engulo em
seco - Só… só espera uma semana e me liga? E aí a gente… a
gente vê?
- Não vou voltar pra Nova York, Spence. Estou indo pra
Alemanha por dois meses.
Enfio as mãos nos cabelos porque puta que pariu, hein?
Mordo meu lábio inferior e tento respirar fundo.
- Dois meses, então. - aceno e me viro de volta para ela.
Tem lágrimas nos cílios também. - Me liga daqui a dois meses?
Quando estiver em Nova York de novo? Me deixa te levar pra
jantar e, se você achar que não existe mais nada, que não
precisa de… - eu não sei o que eu quero. Não sei pra onde
estou indo com aquilo - Só… me liga em dois meses? Quando
voltar? Por favor?
Eu me inclino para ela e recebo seu beijo em minha testa.
Tem as mãos em meu pescoço fazendo carinho em minha nuca.
- Ligo. Ligo em dois meses. - ela promete.
Mas estava mentindo.

***************

Seis meses depois


Tatiana
Entro no carro da Pamela e ela me aperta quase gritando
em meu ouvido antes de me deixar colocar o cinto de
segurança.
- Achei que você não ia voltar mais! Como foi a Alemanha?
E o Japão e sei lá mais onde você esteve?
- Foi ótimo. - estou rindo. Talvez pela primeira vez em
seis meses. Se o trabalho viesse em um pote, eu me enfiei tão
fundo que bati no vidro. - Eu precisava mesmo fazer isso.
Ainda não tinha visitado alguns dos escritórios desde que
abriram.
- Você tem mesmo filiais em todos esses lugares? Parece a
Rainha da Inglaterra, visitando todos os países do Império.
- A maior parte são só estacoes de marketing e venda,
você sabe. Mas eu queria fazer isso. Estava adiando há muito
tempo.
- E agora pareceu um bom momento? - ela dirige, levando-
nos não sei para onde porque acabou de perder a entrada.
- Pam, você não tinha que ter virado a direita? - olho
para trás, vendo a rua que ela acabou de ignorar.
- Não vamos para o Bemelman's. - avisa.
- Não? - estou chocada - Vai trair seu bar favorito?
- Estou com fome. Pensei que a gente podia parar para
comer, primeiro. - ela me observa com o canto do olho e tem
sugestão demais em suas intenções.
Eu respiro fundo porque tinha certeza que esse momento ia
chegar, não é?
Reviro os olhos e aceito meu Destino:
- Vamos lá. Pergunte.
Ela espreme os lábios demonstrando um decoro que não
combina com ela.
Faz silêncio por uns instantes, deixando-nos ouvir nada
além do ronco baixo do carro antes de finalmente se render:
- Falou com ele?
- Com Spencer? Não. - engulo em seco. Meu apaixonei por
você. O nome dele tem um sabor estranho na minha língua.
Ataca minha garganta como navalhas afiadas. Me apaixonei por
um cara de 23 anos.
- E não vai falar?
- Não sei se é uma boa ideia, Pam.
O silêncio.
O ronco do carro.
As ruas que nos levam não sei para onde.
- E por que não? - ela quase sussurra. Quase como se
soubesse que o assunto dói e preferisse não me machucar mesmo
sabendo que é inevitável.
- Não ia dar certo. Estava fadado ao desastre.
- Acha mesmo? Vocês combinavam tão bem.
Passo os dedos por minhas sobrancelhas, mas é apenas para
me distrair.
Apenas para fingir que não estou querendo chorar.
Me apaixonei por você.
Mas tenho tanto medo.
Medo de estragar sua vida.
Medo de estragar a minha.
A verdade é que acho que me arrependi assim que o avião
pousou em Frankfurt, e aí passei os meses seguintes me
convencendo de que aquilo era o melhor a ser feito. Eu o
amava, não é? Precisava deixá-lo viver em paz.
- O Spence, ele… ele nunca soube exatamente o que queria
da vida, Pam. Ele ainda estava se descobrindo. O que é normal
para sua idade, mas para mim… eu…
- Você não está se descobrindo?
- Eu já sei quem eu sou. - encaro-a sem paciência.
Mas, ao invés de me responder com palavras, Pamela tem
apenas um chiado de desdém que se desfaz em uma risada de
descrença.
- Você passou anos casada com um cara que não amava mais!
E depois anos achando que gostava do Marcus!
- Não estou falando disso! Você sabe o que eu quero
dizer!
- Não, não sei. Você age como se fosse uma anciã no fim
da vida a quem não restou mais nenhuma descoberta ou
novidade. Mas bastou um punhado de meses com um cara novo e
você já descobriu um monte de coisas novas.
- Eu…
- Você descobriu emoção. Experiências! Descobriu vida,
Tati! E daí que ele é mais novo?
- E se ele ficar comigo e se arrepender?
- E daí? Às vezes, as pessoas se arrependem, Tati. Faz
parte. Tua lógica é nem experimentar?
- Pamela! Não importa mais! Já faz seis meses da última
vez que o vi, talvez ele tenha esperado pelos dois primeiros
meses, mas seis? Ele já deve ter seguido com a própria vida.
Não faz mais diferença!
- Eu não estou…
- Eu acabei de chegar na cidade! Nem desfiz as malas! A
gente pode mudar de assunto? - imploro, alto - Por favor?
Como está a Julia?
Ela respira fundo, engolindo a vontade de resmungar.
Encara-me com o canto do olho e sei que não quer mudar de
assunto, mas faz isso ainda assim.
- Está bem. Eu a convidei para morar comigo e ela só riu
na minha cara.
Eu preciso rir também.
- Até você? - recrimina - Será que você podia falar com
ela? De repente, você a convence?
Já estou balançando a cabeça antes mesmo dela terminar a
pergunta:
- Não. Eu vou ficar longe dessa briga, obrigada. - ainda
estou rindo e é a vez dela revirar os olhos. - E o Marcus? -
pergunto porque aquela é uma pendência que, por menor que
seja, é bom tirar do caminho - Ouviu algo dele?
- Não. O Lee disse que ele está perfeitamente acomodado
na Califórnia. Parece nunca ter morado em outro lugar.
- Bom.
- "Bom"? - torce o nariz - Eu acho péssimo. Ele merecia
que a vida lhe desse uma surra de pau.
- Desde que ele fique longe de mim, não lhe desejo mal. -
aceno, diplomática.
- Ai, Tatiana, te falta ódio. Mas deixa eu te contar uma
coisa que talvez destrua essa tua calma: o Lee disse que ele
está namorando…
- E por que isso destruiria minha calma?
- … uma garota de 21 anos!
- MENTIRA! - estou rindo.
Rindo do desaforo.
- Juro por Deus. E parece que fez 21 no mês passado. E
eles já estão juntos há dois meses, então…
- Estava namorando com uma garota de 20 anos? Aos 38.
Depois de ter a pachorra de me julgar e fazer a maior cena no
meio das minhas férias constrangendo todo mundo? - aceno
devagar.
- Ainda não lhe deseja mal?
- Talvez uma doença venérea. - suspiro - Uma que tenha
cura mas arda como o inferno.
- Aí está. Bem vinda ao Time do Ódio. - ela ri alto. Olha
para mim assim que para o carro no sinal. Tem sugestão demais
no seu olhar, a ponta de me deixar desconfiada.
- O que foi?
- A Julia disse que você cancelou todas as consultas.
- Ah. - encolho-me.
Ela está falando sobre a ginecologista especialista em
fertilidade e sobre as três vezes que eu marquei uma consulta
para minha primeira semana de volta em Nova York apenas para
mudar de ideia e cancelar logo depois.
- Mudou de ideia? Eu achei que…
- Eu não sei ainda.
- Eu achei que você já tivesse "se descoberto". - provoca
- E que já tivesse tudo resolv…
- Pam. Para. - murmuro - Por favor?
Ela tinha um sorriso brincalhão no rosto, mas se cala
assim que percebe que estava me magoando.
Acena vezes demais, balançando a cabeça resoluta.
- Você precisa comer. Vai adorar esse lugar, a comida é
deliciosa! Abriu faz três meses e ganhou uma estrela do
Michelin!
Meu corpo inteiro congela.
Acho que nunca mais vou conseguir ouvir falar nessas
estrelas sem lembrar dele.
Mas… há pouca ultimamente que não me faça lembrar dele.
O letreiro do lado de fora anuncia o Gelo, mas assim que
Pam empurra as portas eu percebo que a decoração é o perfeito
oposto do nome do lugar. Mesas acolhedoras de madeira escura
e rústica, cercadas de poltronas e cadeiras de diferentes
estilos e tons de bege e marrom. Há plantas por toda a parte
e lampiões rudimentares de vidro sobre as mesas. Ou pelo
menos essa é a ideia… porque o lugar definitivamente ainda
parece estar em obras.
Os grandes vasos de terracota estão encostados em uma das
paredes ainda forrados por plástico bolha. Uma das paredes
parece ter sido pintada há poucos dias. Mesas e cadeiras já
estão no lugar, mas algumas das mesas estão cobertas pelas
loucas e copos que parecem ter sido retirados de caixas mas
ainda não colocados em seu destino final.
A iluminação é indireta mas sem dúvidas está acesa, há
uma porção de gente andando pelo salão e muito barulho vindo
dos fundos.
- Ahm… Pamela? Tem certeza que estamos no lugar certo?
- Absoluta. Estão em reforma, mas eu conheço o dono.
- Não era melhor a gente comer em outro lugar? - tento
sair do caminho de uma garota que passa carregando o que
parece ser uma caixa de guardanapos de pano - Eles parecem
estar bem ocupados aqui.
- Não. Bobagem. Olá! Theo, não é? - ela cumprimenta um
jovem com um avental preto que vem a nosso encontro com um
sorriso.
- Isso! Olá! Como foi de viagem? - ele me pergunta, para
minha eterna confusão.
- Foi… boa. Obrigada.
- Ah, ótimo! - sorri - Aqui! A mesa de vocês já está
pronta!
Ele nos conduz para uma das mesas mais reservadas ao
fundo. A única que está perfeitamente posta com direito a
almofadas e velas acesas.
Vejo o cardápio sobre a mesa quando estou tirando o
casaco. Pamela está pedindo bebidas e acho que ela quer
cumprimentar o chef, mas algo no cardápio chama minha atenção
como uma sirene estivesse apitando até me deixar surda.
Gelo.
Um pequeno texto bem no topo do cardápio, a esquerda, é
emoldurado com uma formatação feita especialmente para atrair
seu olhar. Um pequeno texto que fala sobre flocos de neve.
Como cristais de gelo se tornam único não pelo modo como são
criados, mas por causa de sua jornada.
Meu coração acelera até começar a explodir em meu peito
quando viro o cardápio procurando a assinatura do chef.
Já sei o que vou encontrar ali mesmo antes de colocar os
olhos sobre a marcação em alto relevo.
Spencer Reese.
Como ele…?
Fecho os olhos.
É claro.
- Oi. - seu sussurro grave transborda masculinidade até
quase me causar arrepios.
Não levanto os olhos.
Ainda tenho os dedos sobre sua assinatura.
- Achei que tinha te dito para não gastar tudo em um
lugar só.
- Ah, não. Isso daqui foi com investimento do banco… e da
Pam.
- A Pam investiu no seu restaurante? - finalmente ergo os
olhos e percebo que Pamela foi embora.
Deus me salve.
Seis meses e o homem conseguiu ficar ainda mais
delicioso.
Sua barba parece um pouco mais cheia agora. Como se ele
tivesse abandonado o estilo barba mal feita de moleque sapeca
e tivesse decidido nutrir uma intencional, bem aparada e
delineada nos lugares certos. O cabelo está um pouco mais
longo também, mais revolto. A camisa cinza de mangas longas é
justa o suficiente para fazer qualquer um querer encará-lo.
Estou pensando que é até melhor que ele esteja completamente
coberto ou eu não sei o que seria de mim, quando ele ergue as
mangas o suficiente para exibir os antebraços largos.
- É! Depois da estrela, acho que eu me tornei um
investimento certo. - ri - Quem diria?
- Depois da estrela? - olho ao redor - Eu estou muito
confusa. Isso é uma reforma ou você ainda não inaugurou?
Ele abre um sorriso imenso e bagunça os cabelos quando
inclina o rosto.
- O dinheiro que você me emprestou eu usei para comprar
uma… van.
- Uma van?
- Tipo um trailer. Um food truck. Foi lá que eu ganhei a
estrela.
- Ganhou uma estrela do Michelin com um food truck?
- Pois é, eu também não acreditei! - ri mais alto - Mas,
aparentemente, não é a primeira vez que aconteceu. Tem uma
barraca de comida de rua na Tailândia que ganhou uma também.
- dá de ombros como se, apesar de saber a informação, ainda
questionasse sua veracidade.
- Ainda assim deve ser muito raro!
- É! É bem raro!
- Parabéns, Spencer!
- Obrigado. - aperta o sorriso com uma mistura de orgulho
e alegria que lhe cai muito bem. - Aí eu decidi aproveitar o
marketing por causa disso e abrir um restaurante de verdade.
Consegui o empréstimo que precisava. A gente abre próxima
semana.
- Nossa, Spencer, isso é… - e aí eu estreito os olhos
porque outra coisa que ele disse chamou minha atenção -
Espera! Como assim "dinheiro que eu te emprestei"?
- Eu pretendo te pagar de volta. Mais seis ou oito meses,
se puder esperar. Meu contador disse que não demoro mais de
um ano até ter liquidez no valor completo sem prejudicar o
resto dos investimentos.
Deixo meu queixo cair em uma risada muda.
- Contador? Liquidez? Investimentos? - divirto-me com a
mudança que seis meses tiveram - Parece que você deu um jeito
na sua vida! - sorrio.
O sorriso dele, no entanto, tem uma natureza diferente do
meu.
- Não. Acho que não.
- Como não? Olhe pra isso! Você tem um restaurante
prestes a inaugurar! E deve ser o chef mais novo a conseguir
uma estrela?
- Não. Tem um inglês que conseguiu uma aos 22!
- Nossa! Por causa de um ano! - aperto minhas mãos.
- Dois. Eu fiz 24.
- Ah! - gaguejo porque… perdi seu aniversário. Eu sei que
meu plano era sequer vê-lo de novo, mas sentada ali, a frente
dele, saber que perdi seu aniversário me magoa de um jeito
que não antecipei.
- É. Sou um garoto crescido agora. - exagera - Bem mais
velho e experiente.
- Estou vendo! Mas ainda assim, só dois anos de
diferença!
- Não acho que me importo com isso. - seu sorriso é
lindo. Me conforta. Me acalma. - Dois anos antes, dois anos
depois. - dá de ombros - Eu acho que nós dois estávamos
errados, sabe?
- Em relação a quê?
- A vida.
- Ah, é?
- Você acha que é preciso controlar tudo. E eu achava que
não era preciso controlar nada. Mas hoje, eu… eu acho que a
gente tem que tentar controlar o agora do melhor jeito que
puder. É importante tentar se preparar para o futuro, mas
também é importante perceber que não dá pra se preparar pra
tudo. - estreita os olhos como se estivesse confundindo a si
mesmo - Não sei se isso faz sentido.
- Faz. - murmuro baixinho - Faz, sim. E o seu agora está
indo muito bem! Ganhou até a bendita estrela!
- E você sabe como elas são importantes para mim! - ri.
- Claro! Quem sabe com o restaurante não ganha duas?
- Ou três?
- Ou quatro?
- Não acho que dá pra ganhar quatro. - balança a cabeça
em falsa reprovação - Depois eu te explico como elas
funcionam. - promete e eu estou rindo.
- Por favor!
Sua risada ecoa a minha até se diluir em intensidade. Um
silêncio entre nós dois. O olhar de um sustentando o olhar do
outro.
Alguém coloca duas taças de vinho sobre a mesa quebrando
nosso vínculo.
- Obrigado, Theo. - ele acena e toca a taça a sua frente,
sem beber um gole - Não, eu… eu não acho que vou conseguir
outras estrelas. O que aconteceu com o food truck foi um
ponto fora da curva. As estrelas vão para os lugares de luxo
e eu… eu gosto de comida que deixa as pessoas a vontade. O
purê de batatas improvisado, comido em cima do balcão da
cozinha. - mexe na própria barba, desajeitado.
- É o meu tipo favorito também.
Um sorriso miúdo nele.
Silêncio por segundos demais.
Eu observo suas mãos ainda na taça de vinho e reconheço
que estou lutando contra a vontade de tomar seus dedos.
Arrependida.
Arrependida desde que pousei em Frankfurt.
- É bom te ver. - ele diz.
Assinto, mas não consigo olhar pra ele quando digo:
- Você também.
Não consigo porque estive evitando suas ligações.
Desapareci sem intenções de voltar mesmo quando lhe disse que
faria isso.
- Eu sei porque sumiu. - avisa.
- Sabe?
- Estava tentando nos proteger. Fez o que achou que fosse
melhor pra você, mas também pra mim.
- Não daria certo, Spencer. - me dói precisar dizer
aquilo de novo. Viver aquilo de novo - Estamos em momentos
diferentes.
- Sabe, Tati, há seis meses quando me disse isso pela
primeira vez, eu acreditei em você. Mas não acho que acredito
mais. Essa coisa de "momentos"… não sei se isso existe! Eu
estou me tornando um chef bem sucedido aos 24 anos e isso é
incrível! Mas se eu tivesse demorado mais dez anos, estaria
tudo bem, também. Se você casa com alguém e dá certo, é
incrível. Mas se não dá, está tudo bem também. Está tudo bem
que você tenha se apaixonado pelo seu marido e se…
desapaixonado. Está sempre tudo bem. Não tem ordem certa para
fazer as coisas. Não tem idade exata. Não tem como colocar a
vida inteira sob controle. Eu me apaixonei por você. E acho
que você se apaixonou por mim também. Eu estou errado?
Encolho-me.
- Não. Não está.
Ele assente.
- Eu implorei para a Pamela te trazer aqui porque eu
precisava te dizer isso. Pelo menos isso: Se você não me quer
porque não me quer, tá tudo bem, meu amor. Vai doer mas eu
sobrevivo. Mas se não me quer só porque acha que o plano não
encaixa… isso não está certo, sabe? Precisa pensar no que
acha melhor fazer agora. Não no que talvez vai achar melhor
depois de amanhã. Eu me apaixonei por você. - suspira ao
repetir - Eu te amo. Passei os últimos seis meses pensando em
você. Senti muito a tua falta. Quando eu recebi a notícia
sobre essa estrela… você foi a primeira pessoa para quem eu
quis contar. Eu queria tanto que você estivesse lá comigo. Eu
te amo. Não me importa se faz sentido ou não… eu te amo.
Preciso resistir.
Tenho uma vontade enorme de fechar os olhos e desaparecer
porque sei exatamente quais são as palavras que estão na
minha boca agora.
Eu as sinto antes mesmo de ter coragem de dizê-las. Mas
Spencer está bem ali. E é exatamente como ele disse: mesmo
que seja um péssimo plano, mesmo que não faça sentido, eu
quero dizê-las.
- Eu também te amo. - confesso.
Ele sorri e toma minha mão. É discreto e carinhoso.
Não me solta.
- Eu só estava tentando fazer a coisa certa. - sussurro.
- Meu amor, você precisa parar de fazer sempre a coisa
certa. Às vezes, a errada faz mais sentido.
- Talvez. Mas isso não muda nada, Spence. Eu ainda quero
ter filhos.
- E quem te disse que eu não quero?
- Você! Você disse que não estava pronto para ser pai.
- Aos vinte anos! De uma garota que eu sequer gostava e
que estava grávida do meu primo. Não é a mesma coisa, Tati.
Olha! Eu não estou dizendo que acho que a gente deveria ter
filhos amanhã. Mas você nem nos deus uma chance.
- Eu não sei o que fazer. - admito. Não é uma posição
confortável para mim, essa de não saber o que fazer, mas aí
está - O que você quer de mim, Spence?
Ele aperta os olhos com um sorriso lindo.
- Eu quero te levar pra jantar. E aí quero fazer amor com
você. Trazer café da manhã na cama, passar a semana juntos.
Quero que você venha comigo para a inauguração do restaurante
próxima semana porque você é a razão para tudo de bom que tem
acontecido na minha vida. Eu quero ser teu namorado. Quero
que a gente passe muito tempo juntos, dessa vez. Quero morar
com você e quero te pedir em casamento. Quero ser pai dos
teus filhos e quero envelhecer ao teu lado. E você? O que me
diz?
Seus dedos entrelaçados nos meus e eu estou sorrindo
porque não sei mais como evitar.
- Eu acho que a gente pode começar com o jantar. -
brinco.
Ele levanta da mesa e me puxa pela mão. Me traz para os
seus braços quando diz:
- Na minha casa ou na sua?
Tomo seu rosto nas mãos e deixo ele me beijar.
Epílogo
Dez anos depois

Eu só queria um copo de água mas a cozinha está uma


bagunça.
"Bagunça", na verdade, é um eufemismo.
Tem potes abertos em cima do balcão. Não existe um único
utensílio ali que ainda esteja limpo. A louça suja se
acumulou na pia até transbordar. Farelos de pão no chão,
restos de chocolate no tapete, pipoca e uma porção de milho
não estourado ainda no micro-ondas, e algo que pode ou não
ser geleia de morango no teto.
- … sorvete na pipoca?
Eu me viro assim que escuto as vozes na porta.
Vozes, no caso, são três: meu ilustre marido e nossas
duas filhas de oito e seis anos. Três indivíduos que
interrompem sua conversa no exato segundo que me percebem ali
e que não poderiam parecer mais culpados nem que tivessem
sido pegos com uma arma na mão.
- Eu achei que sua yoga era até as três. - Spencer
hesita.
- São três e meia. - aviso.
- Não são, não. - ele recusa a realidade.
A realidade, no entanto, não se importa com sua recusa.
Aponto para o relógio na parede da cozinha para que ele
perceba que perdeu a hora, como normalmente perde sempre que
decide passar os fins de semana fazendo todas as vontades das
filhas.
- Qual de vocês quer me explicar o que aconteceu com a
cozinha? - pergunto, tentando esconder a vontade de rir.
- Uma tempestade… - ele começa.
- O cachorro… - Anna ensaia.
- … esqueci todas as janelas abertas. - ele exagera,
gesticulando.
- … a gente tentou segurá-lo fora da cozinha! - Lily
tenta ajudar a irmã mais nova.
- Hmhum. - encaro os três criminosos diante de mim -
Claro.
- Mamãe, foi só um pouquinho de bagunça! A gente vai
limpar tudo! - Lily promete.
Estou assentindo porque gosto de provocá-los, mas sei
que…
- É, mamãe! E aqui está até limpo! A sala está BEM pior!
- Anna completa e eu engasgo.
- O que aconteceu com a sala?
Lily dá um beliscão na irmã e os três arregalam os olhos
para mim.
- Nada. - Spencer move a cabeça em uma negativa
horrivelmente lenta - Nada mesmo. - ele empurra as filhas
para trás e Lily agarra a irmã mais nova antes de
desaparecerem, as duas, para o corredor em direção a sala.
Provavelmente para tentar se livrar das provas do crime.
- O que aconteceu com a sala? - eu pergunto quando
ficamos a sós.
Ele ri e vem me abraçar.
Lindo.
Muito mais lindo do que qualquer um poderia imaginar que
ele ficaria.
E eu confesso que minha imaginação para isso sempre foi
muito boa.
Começou a exibir os primeiros cabelos brancos no último
ano. O porte de homem superou seu jeito travesso e agora, na
metade dos trinta, Spencer era largo e másculo e delicioso,
com um sorriso que se derretia em charme e experiência.
- Eu ia flambar umas bananas, mas acabei flambando umas
cortinas.
- Flambar? Tipo álcool e chamas? Com duas crianças?
- Eu chamo de "flambar" aqui no restaurante de
mentirinha. Mas era só chocolate derretido.
Agarra minha cintura e esfrega a virilha na minha bunda
de um jeito absolutamente indecoroso.
- "Só" chocolate derretido nas cortinas. Por que vocês
comem sorvete do pote nos fins de semana?
- Muito sem graça. - torce o nariz e morde minha orelha -
E você? Como foi a aula?
- Boa, eu… o que está fazendo? - estou rindo alto.
- Nada. - beija meu pescoço, mas ainda está sarrando em
minha bunda. Eu a empurro para trás para provocá-lo de volta.
- Eu gosto muito dessas tuas calças coladas.
- E do rabo de cavalo. - aponto.
- Claro.
- Explica pra mim como você é um chef com cinco
restaurantes em três países e duas estrelas no Michelin… e
consegue flambar cortinas?
- Três estrelas. - sussurra.
Arregalo os olhos e me viro para encará-lo.
- Sério? Recebeu a ligação?
Ele tem um sorriso largo atravessado no rosto quando
balança a cabeça, afirmando.
- SPENCER! - eu agarro seu pescoço para abraça-lo -
Parabéns!
- Obrigado, meu amor.
- A gente precisa comemorar! O que você quer fazer?
Ele beija a minha boca com voracidade e me vira de costas
para se espremer contra meu corpo, de novo.
- Eu acabei de te dizer.
- Tá. - estou rindo - A gente comemora essa noite.
- Por que essa noite? Por que não agora?
- As meninas estão acordadas, agora.
- Resolvo isso num instante. - faz uma careta sapeca e eu
já sei que vai fazer alguma piada - Coloco um pouco de vodka
no sorvete delas. Derrubo as duas. Te encontro lá em cima?
Dez minutos?
Curvo a cabeça, rindo e não tenho sequer onde me apoiar
no balcão porque está tudo ocupado ou sujo.
- Que tal assim? - sugiro, virando-me para lhe dar um
beijo - Eu vou tomar um banho e, se tiver limpado isso tudo
quando eu voltar, aí hoje de noite, depois que elas dormirem,
eu te deixo passar vodka em mim.
Ele congela, mordendo o canto do sorriso sacana.
- É?
- É! Mais ainda não ouviu o final.
- Não?
- Não… Se eu voltar, e ainda não tiver limpado. Aí eu vou
beber minha vodka do corpo de outro cara.
- Não gostei dessa piada, não, senhora. - mas está rindo.
Tento me afastar, mas ele me puxa pela mão e fica
beijando meu sorriso.
- Te amo. - suspira na minha boca.
- Também te amo.
Dá um tapa na minha bunda e eu o ajudo a arrumar a
cozinha.
Agradecimentos
Acho que, até agora, esse foi um dos livros que mais tive
dificuldade em escrever (ou, no caso, reescrever) e, como
acontece com todas as jornadas, essa também não foi feita
sozinha: agradeço demais por cada uma das pessoas que
participou desse processo. Seja aguentando os meus atrasos e
desculpas, puxando minha orelha ou lidando com meus ataques
de insanidade temporária: amo vocês! Muito obrigada!

Um agradecimento especial a algumas pessoas que estiveram


particularmente perto da minha zona de explosão quando decidi
de centenas de páginas dessa história para começar tudo de
novo.

Para Vih e Gi, que já não são mais marinheiras de primeira


viagem e já conhecem bem minhas loucuras.

Um obrigada imenso também para esse grupo incomparável de


pessoas que, no último ano, se tornou família. Minhas
fanfiqueiras queridas que eu tenho uma honra enorme de ter no
meu inbox e na minha vida. PS.: Vocês me chamam de inocente,
mas quem foi que acreditou que Ponto Com ia sair em setembro?
NÃO ME BANE!

Para Bia, perceba que coloquei o agradecimento no fim do


livro para tentar não spoilar a menina Bia, mas suspeito que
ela tenha começado a leitura por aqui.

Para Carol, rainha criativa, que transforma em arte todos os


nossos ships e desejos. (Incluindo umas fotos que hoje me
fazem desconfiar da veracidade de tudo que vejo na internet!)

Para Gio, nossa consultora médica para todas as horas e


fragmentada apenas nas horas vagas.

Para Gis, a pessoa mais organizada que já andou sobre a


Terra. Coloquei essa lista de nomes em ordem alfabética em
sua homenagem! (Mas essa é a única ordem que eu coloco na
minha vida, não crie expectativas).

Para Lani, nossa especialista particular de romances de época


por razões que a gente não pode revelar ainda, mas já deixo
aqui o recado porque eu sou cara de pau.

Para a Let, que só tá aqui porque às vezes tem treta. Nós te


entendemos, amiga.

Para Lu, dona de um dom incomparável de acompanhar todos os


assuntos e se manter atualizada.

Para Madu, ávida defensora de que um final bom não precisa


ser um final feliz. Nossa hora vai chegar!

Para Nat, que nos lê em trânsito, desbravando os confins de


nosso país.

Outro obrigada também para Le, Ca, Yara, Mari, Silvia, Mih e
Etti que aceitaram ser cobaias dessa vez e ler a história
antes que fosse publicada.

E para todas as leitoras dos grupos Restritas em todas as


redes sociais e ao pessoal da Leitura Coletiva, um obrigada
especial e um pedido de desculpas pelas promessas e atrasos!
Mal posso esperar para atrasar o próximo livro também,
pessoal! Acho que é o do Sven? Hahaha! Obrigada demais pelo
carinho e um beijo e outro beijo e mais um beijo!
Table of Contents
Prólogo
1. Uma sugestão
2. Facas e estrelas
3. Ray Charles
4. Doze
5. CEO
6. Rabo de cavalo
7. Closet
8. Improviso
9. Roupas secas
10. Vinte e três anos
11. Mal entendido
12. Três
13. Sazerac
14. O prólogo do manual
15. Royal
16. Dois vinhos
17. Check out
Epílogo
Agradecimentos

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