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TÍTULO ORIGINAL
PREPARAÇÃO
Eurídice Santos
REVISÃO
Eurídice Santos
ARTE DE CAPA
Luísneto_artista
ADAPTAÇÃO DE CAPA
Luísneto_artista
REVISÃO DE E-BOOK
Eurídice Santos
GERAÇÃO DE E-BOOK
Eurídice Santos
1ª edição
EURÍDICE SANTOS
Angola-Luanda – 05-03
Tel.: 929783540
De:
EurídiceSantos
Breviário
FOLHA DE ROSTO
CRÉDITOS
NOTA DA AUTORA
PREFÁCIO
CAPITULO I
Viver Entre a Morte
CAPITULO II
RENASCER
CAPITULO III
O EMBARQUE
CAPITULO IV
BEM VINDA AO LAR
CAPITULO V
O INÍCIO DA MINHA REDENÇÃO
CAPITULO VI
LIBERDADE NÃO CONDICIONAL
CAPITULO VII
ESCULPIDO DE SADISMO
CAPITULO VIII
HONRA
CAPITULO IX
AQUECE O MEU CORPO E MINHA ALMA TAMBÉM
CAPITULO X
LEMBRANÇAS
CAPITULO XI
DIAS BONS, DIAS RUÍNS
CAPITULO XII
DIGA QUE SIM
CAPITULO XIII
LAÇOS DE AMOR, LAÇOS DE DESTRUIÇÃO
CAPITULO XIV
NUMA ESCALA DE UM Á DEZ, QUAL É A PROBABILIDADE DE
TER VOCE?
CAPITULO XV
FELIZ NATAL
CAPITULO XVI
O “NÓS” QUE NUNCA EXISTIRÁ
CAPITULO XVII
MANIPULAÇÃO DO AMOR
CAPITULO XVIII
O MAL QUE AINDA EXISTE EM MIM
CAPITULO XIX
ALMA NUA
CAPITULO XX
O FIM DO MEU REINADO
CAPITULO XXI
ASSIM O DESTINO O QUIS…!
O EU EM MIM
CAPITULO XXIII
LIBERTA-TE
Epílogo
Nota da Autora
Caro leitor,
Este livro é a continuação de 101 Noites e foi escrito para dar suporte ao
primeiro.
Trouxe alguns pontos que no decorrer da escrita achei por bem serem
frisados aqui e deixar o livro bem mais delineado.
Fique descansado se notar qualquer semelhança. Não quer dizer que sejas
uma pessoa com alguma doença mental. Eles são difusos. Só um teste e
uma boa avaliação feita por um especialista poderão dizer se és ou não
uma pessoa doente.
Obs.: Para perceber-se esta segunda parte convém ler o primeiro livro - 101
Noites – Disponível!
Espero que gostes e, espelhe seu veneno enquanto te libertas de tudo que te
prende! 😂 – um recadinho da nossa “Venenosa” Andressa Martinez e do
nosso líder do “Liberta-te” Rafael Alano
PREFÁCIO
Após todo o compilado de episódio que refletiam suas dúvidas e incertezas;
seu suposto “eu” pouco convencional…, Andressa aceitou em ato de
coragem persistir, encarando tudo o que provinha do seu obscuro, insano e
controverso, como um possível caminho para o alcance do seu eu
verdadeiro; lutando arduamente contra si mesma.
O que Ela não sabia é que suas noites, assim como sua mente avassaladora
apesar de insanas, eram também um tanto quanto enigmáticas, pois
emanavam pistas para que alcançasse o seu verdadeiro eu.
Nesta segunda parte do livro 101 Noites – Viver entre a Morte, você vai
perceber que:
Essa luta permitiu que ela finalmente conhecesse seu outro lado diferente
do conhecido que anteriormente predominava em seu íntimo. Tudo isso
como recompensa de sua persistência na luta contra o amor e o prestígio
relutante evasivo.
101 Noites não seriam 101 Noites, se Andressa não tomasse seu lado
controverso com a definição do seu ser. E aqui suas noites continuam pois
preferiu acreditar que o melhor estava por vir.
Luísneto_artista
PRÓLOGO
Era a parte que ela mais detestava em si; o lado que mais a consumia por
dentro, que não sabia ao certo se era ela mesma (o seu eu verdadeiro), ou se
apenas lutava contra ele, se fugia dele, evitava ou fingia não a pertencer…
em geral, era a sua pior versão.
Nesta segunda parte do livro mostra-nos que em meio suas lutas, ela
conhecerá um lado novo. O lado que talvez ela não reconhecia, ou
simplesmente a desconhecia.
Então viva
Anteriormente…
Em cada ano da vida nós esperamos que o próximo sempre seja melhor.
Melhor em dias bons, melhor em conhecer sítios novos, melhor em sonhar,
acreditar, realizar e exclusivamente melhor em viver.
Começava um novo ano, e sem minha mãe parecia o pior… não melhor,
mas sim o pior ano da minha vida.
_sobre isso…
_posso?
_oi. Que bom que você já está aqui. Deixa apresentar-vos: Andressa este é
Jameson. Jameson…
Graças a Ele fiquei sabendo que não foram duas semanas que estava
naquele hospital, mas sim um mês. Estava quase fazendo um mês que me
encontrava abandonada ao relento. Eu estava acordada do coma por duas
semanas, mas já tinha ficado mais duas semanas no hospital antes de
despertar do coma.
Que traduzindo para o português quer dizer – foi uma sorte eu ter
sobrevivido. Aparentemente ele falava espanhol. Soube disso quando eu o
perguntei o que queria dizer com aquela frase.
Dissera-me que vivia em Puerto Rico, por isso o sotaque estranho e o
português arranhado.
Ouvi James contar-me tudo que passei; tudo que ele também passou por
minha causa, acontece que durante aquele período todo ele esteve lá,
segurando minha mão e me dizendo (mesmo não ouvindo) que estaria tudo
bem, que ficaria bem.
Doía-me saber que ele teve tanto trabalho para ajudar salvar alguém
desconhecido.
Fui egoísta quando lhe disse que melhor seria deixar-me morrer. O que não
era mentira, por dentro eu já me sentia morta.
Ele chorou comigo. Jameson não me esclareceu ao certo o por quê de ter
feito tanta coisa por mim; eu não compreendia, apercebi-me apenas que
naquele mesmo dia estava começando o ciclo do que seria uma grande
amizade.
***
Pouco tempo depois eu fui avisada que dentro em breve receberia alta.
Minha liberdade estava próxima. Chamei-lhe de liberdade porque nunca
tinha ficado tanto tempo fora do radar.
RENASCER
Um novo eu renascia
Eu não escolhi viver, a vida fez isso por mim. Minha escolha foi a morte.
Porém, viva estou e não esqueci o passado, pois eu vivo e revivo ele.
****
Que excecional!
Sempre me achei
desequilibrada; ou talvez
alguém que tentava sentir-se
menos ela mesma.
***
Era o meu último ano na cidade de VINHEDO.
Ninguém mais sabia da minha existência. E muito bom para mim, seria
mais fácil sumir e esquecer tudo.
Ele era que nem o meu anjo da sorte, meu protetor. Cuidava melhor de
mim do que minha própria mãe um dia o fez. Esteve comigo quando eu
mais precisei de alguém, segurou minha mão ene vezes - quando estive em
coma e quando tive o primeiro surto psicótico após ver minha horrenda
face. Monitorava os meus remédios sem eu pedir que o fizesse, olhava por
mim antes de dormir, e quando eu não conseguia pegar no sono ele
simplesmente ficava comigo a noite inteira sem nem sequer pestanejar ou
reclamar.
Jameson era a minha resposta; meu sinal. Minha luz na escuridão. Era
alguém que, sem eu ter pedido ele veio, entrou na minha vida e me mostrou
que ainda assim, em meio a perdição, a morte consciente, eu poderia viver.
Mesmo não querendo, mesmo não desejando… eu viveria; não por mim,
por ele. Ele me fez prometer que viveria por ele, pois se dependesse de
mim, eu já estaria morta.
Antes do rumo á Porto Rico, tinha duas visitas a fazer. Precisava despedir-
me de uma… não, duas pessoas.
_Andressa
Sussurrou meu nome num leve susto. Seu hálito exalava a álcool, o que não
foi novidade para mim, era o costume. Seus dentes estavam amarelados e
alguns já podres e desfeitos em sua boca. Ele cheirava mal. Não consegui
olha-lo sem desviar o meu rosto para o lado e tapar o nariz afastando o bafo
horrível que soltava e o mau cheiro que também possuía aquela casa.
Segui em direção reta me desviando dele até dar origem ao meu velho e
antigo quarto. Olhei para aquelas paredes, reparei em cada detalhe que nele
possuía e, uma onda de negatividade emergiu me arrepiando o corpo.
Afastei o meu colchão velho e sujo, e no chão deu lugar ao que eu
designava por “covardia”. Ainda haviam os rabiscos que eu fazia contando
os dias que eu passava ainda viva, não tendo a coragem de tirar minha
própria vida.
Sem querer eu bati seu portão. Feliz ou infelizmente não foi o que eu
esperava.
_quem deveria fazer esta pergunta sou eu, não achas? Tu vens e bates a
porta da casa do meu namorado…
Namorado?
_quem é amor?
Amor?
Mais uma vez questionei-me repetindo as palavras que ouvia e que me
eram surpreendentes.
Finalmente sua visão se fez presente e eu me senti cair ao chão sem forças.
Seu olhar surgiu como flexa encontrando-se com o meu.
Embora dito errado o meu nome, ele ainda sabia quem eu era.
_ “Nossa!”
Evidentemente o que este “nossa” quer dizer é: nossa, como você está
horrível; nossa, o que aconteceu contigo? um caminhão passou por cima
de ti? Nossa, você deve ter dado um oi na morte…nossa, nossa, nossa.
Esta última seria a escolha exata. Com certeza eu tinha dado sim um “oi”
na morte, e ela gostou de ter me visto lá.
Não conseguia dizer uma só palavra depois disso. E bem feito para mim. O
que lá fui fazer!? O que eu achei? Que ele olharia para mim e me
abraçasse? Que me mandaria entrar em sua casa? Ou que finalmente
declararia o seu amor inexistente!? Que enxugaria minhas lágrimas,
curaria minhas feridas e me resgataria do poço? Não, claro que não. Ele
não se importava, nunca se importou. Somente tu te importavas Andressa.
***
_por onde você andou? Procurei-te por toda parte. O nosso voo sai em duas
horas… há algum lugar que queiras ir antes? _disse James para mim.
_sim.
Diante do jazigo de minha mãe, deixei o silencio falar por mim. Eu não
tinha palavras, não tinha lágrimas, somente a dor que me consumia. Uma
dor que não me permitia sentir mais nada além dela mesma, e essa dor
representava tudo que já vivi e sentia por ela. Então eu me virei e agora sim
eu poderia partir.
Acontece que, um outro lugar, uma outra vida não apagaria tudo que já vivi
até aqui. Eu precisaria não de uma, mas de cem vidas para apagar esta que
me custou uma apenas!
CAPITULO III
O EMBARQUE
Em seus primórdios, Porto Rico foi habitado por populações que vieram
da região do Orinoco, situado na América do Sul. Com o passar do tempo
e a chegada de outros povos, ali desenvolveu-se a chamada cultura taino.
Informações estas que foi possível extrair da internet assim que decidi ligar
o tablet e pesquisar no Google sobre o novo mundo que me esperava.
Assim como um país tem sua
história de origem, o ser humano
tem sua história de vida.
Eu sabia que ele tinha estado no hospital porque procurava seu pai que se
mudara de Porto Rico para á Argentina logo após ter finalizado o
casamento com sua mãe; toda via quando parou em Brasil, ele sofreu um
acidente de carro, tendo ficado internado.
Durante os dias que lá esteve, enquanto ele olhava pela janela do quarto
onde estava, no além surgiu o vulto que chamou sua atenção. Ele viu duas
pessoas segurarem algo e colocarem perto da entrada do hospital, a seguir
foram embora á correrias. Este algo que surgiu era eu sendo abandonada
pelo meu padrasto e sua amiguinha.
Soube das razões pelo qual seus pais tinham se separado – Ele. Jameson era
um dos principais motivos.
Sua mãe ficou devastada. Culpou-lhe por ter sido o responsável pela ida do
seu pai e a razão dela ter perdido seu amor.
Ele tentou de várias formas e diversas vezes explicar que não tinha culpa,
que ele simplesmente nasceu daquele jeito, com desejos e escolhas
diferentes, que apesar disso ele não deixou de ser seu filho, que nada tinha
mudado, e ele ter se revelado foi a melhor coisa que já tinha feito na sua
vida. Finalmente ele se encontrou e estava feliz com sua escolha.
De forma alguma sua mãe aceitou sua triagem. Por muito tempo ela viveu
no desgosto e no ressentimento. Desde então ela nunca mais foi a mesma,
com ele e com mais ninguém. Sua mãe vivia num vazio que dia pôs dia
consumia sua luz, sua energia e o seu ser. Por último ela acabou por
sucumbir.
Sua história de vida era muito triste, comovi-me e me revi nas vestes de
Jameson. Ele era mais um que vivia sendo incompreendido, que foi
renegado por sua própria família e culpabilizado pela sua escolha, por ser
quem é.
Nosso destino por mais que incerto estava cruzado. Nós tínhamos que
carregar fardos que não eram nosso. Tínhamos que lutar contra o nosso
passado, contra os nossos líderes que se tornaram oponentes face ao rumo
dado as nossas vidas.
Ele não tinha culpa por ser Gay e preferir homens ao invés de mulheres; e
eu… eu não tinha culpa pelas escolhas malfeitas da minha mãe, por se
relacionar com homens desprezíveis.
Infelizmente este era o preço que tínhamos que pagar pela má governação
de quem deveria ser mais que um líder, um exemplo a seguir.
***
Faziam-se apenas dois meses que James tinha perdido sua mãe,
contrapartida já se passavam oito anos desde que seu pai não mais
mantinha contacto com ele. Mesmo assim ele sentiu-se no dever e na
obrigação de contar ao seu pai que sua ex. esposa havia falecido e deixado
uma epístola para ele.
Com o acidente e o meu surgimento em sua vida, ele acabou por não ter
completado á incumbência, tendo ficado pelo caminho. James dissera-me
que todo o ocorrido era nada mais e nada menos que a força do destino.
Segundo ele sua missão não era encontrar seu pai, mas sim uma passagem
para ter me encontrado.
Por volta dos meus doze anos eu cheguei á minha mãe e inocentemente
disse para ela: você me ama?
***
James nunca me disse um “te amo”, mas era possível sentir por intermédio
de suas ações.
O avião aterrou e nós ficamos num hotel por já se fazer tarde. Condado
Vanderbeilt assim se chamava o lugar. – Um lugar que exalava a luxúria e
possuía ótimas comodidades.
No quarto em que fiquei tinha uma ótima visão para o mar. Fiquei
fascinada com a paisagem.
O dia seguinte ficou reservado para compras. Ainda tínhamos duas noites
no Condado. Não quis abusar da ajude de James, mas eu me perguntei de
onde vinha tanto dinheiro. Ele explicou-me dizendo que sua mãe era
professora e além disso tinha em posse uma pequena escola do primeiro
ciclo, então praticamente todo dinheiro da senhora lhe pertencia. Sendo ele
filho único, isso o fazia herdeiro legítimo de tudo. Ele podia gastar o que
quisesse sem se preocupar em trabalhar. Deu até inveja.
Quando regressamos para o hotel, eu sentia água escorrer pelo meu corpo.
Era suor. Eu transpirava á bessa, e o dia favorecia a isso.
Fui até ao banheiro me molhar, quando regressei por cima da minha cama
havia uma sacola de presente. Abri-o, nele contia um conjunto de biquíni
de praia. Peguei e me imaginei usando, meu rosto murchou. Do lado havia
um bilhete escrito em espanhol:
| Para tí.
Te esperaré en la piscina |
Mas, o que não entendi e o que me intrigava até agora era o simples facto
d´ele não ter percebido ainda e se tocado que eu não falo espanhol.
Credo!
_ que merda é essa que você ta usando? Cade o biquíni que comprei para
ti?
_Rum. É bebida. Contém álcool. Você pensou que estava bebendo o que?
água com gás!? _ disse James rindo de mim e da minha cara.
Toquei em meu rosto, deslizando a mão até meu peito chocada que tinha
bebido álcool e nem cheguei de perceber.
Ficamos na piscina. Eu via como ele estava amando tomar aquele sol que
só de olhar sentia minha pele torrar. Se eu tivesse o seu tom de pele acho
que não me arriscaria em apanhar aquele todo sol.
_mandei preparar um quarto para ti, já deve estar quase pronto. Enquanto
isso deseja comer alguma coisa?
_Não, estou cheia depois daquelas bolachas e os sucos. Está tudo bem.
_ok.
_sua mãe era muito bonita. Parecia ser alguém muito feliz.
_realmente ela foi. Nesta foto aqui ela acabava de ganhar a briga de galo
_Briga de galo? Isso não foi proibido e declarado como crime ambiental?
_sim foi; em alguns países. Aqui é legal e temos todos os anos. Inclusive
minha mãe chegou de viajar pelo mundo e obter os três tipos de galos da
espécie Gallus gallus mais utilizadas no concurso. Nós tínhamos um
Shamo que ela conseguiu no Japão; um Asseal – vindo direito da Índia, e
dois Bankivas. Estes são provenientes daqui mesmo, de Porto Rico.
Praticamente tínhamos um galinheiro em casa. _sorriu pelas recordações.
***
Segundo a ótica do Dr. Mário eu tinha razões para prosseguir com a ideia
da prótese, mas como tudo, tinha os seus prós e contras. Existiam razões
para desistir embora minúsculas. Ele apresentou-me um formulário que
dizia:
Olho de Vidro
O olho de vidro pode ser pré-fabricado, quando não tem ajuste ou cor personalizada.
Ou pode ser exclusivo, nos casos em que é necessário produzi-lo especificamente
para as necessidades do paciente.
Apesar de não restaurar a visão perdida, usar uma prótese de olho de vidro possui
diversos benefícios, como por exemplo:
Outro risco raro da cirurgia é do local do olho de vidro infeccionar, mas isso
também pode ser facilmente tratado com antibióticos. Nos primeiros meses
após realizar o implante ocular também é comum sentir um desconforto ou
aperto no olho.
Resultados
Nas primeiras 72 horas após o implante ocular, o paciente sentirá dor, inchaço e
náusea. Receita obrigatória: Analgésicos. Antibióticos orais e colírios antibióticos.
Nas duas semanas após a cirurgia, exigesse a permanencia das pálpebras costuradas
que cobrem seu implante ocular. Remoção e entrega da prótese depois de 3-4 meses
O Dr. Mário foi transparente comigo, me esclareceu cada ponto referente
no formulário. Disse que apesar de ser benéfico o uso de um olho de vidro,
sua cirurgia vinha carregada de prós e contra. Eu tinha tudo para seguir em
frente ou parar no meio do caminho.
Então…
***
Após a cirurgia tive uma série de regras a seguir, cuidados que tinha que ter
com o olho.
Uma delas era de remover a parte acrílica do olho protético uma vez por
mês e lavar muito bem com água e sabão, secar e só assim colocá-la de
volta na órbita ocular. Eu podia dormir com a prótese no lugar e só podia
remover em casos de lavagem e ida ao médico; tinha que usar colírios
lubrificantes sobre a prótese acrílica (isso ajudava na limpeza e na sua
purificação). Anualmente tinha que levá-lo ao oculista para ser polido, e
tinha que mudar de prótese pelo menos uma vez a cada três ou cinco
anos…, mas isso era para lá mais a frente.
Uma parte de mim queria nunca ter sentido, mas isso não era bom. Eu
precisava sentir. Foi necessário e com os comprimidos e a dosagem
adequada eu finalmente sentia o que a vida toda eu tentei retrair com as
minhas drogas. Sempre foi mais fácil fugir deles do que encará-los.
***
Já em casa, fora dos meus afazeres que eram remédio atras de remédios,
quando estivesse livre das regras de Kenai eu fazia uma única coisa –
dormir.
Sobre sonhos…
Aprendi que dormir é uma das formas mais próximas não só da morte,
como da realidade, e isso é um facto – segundo Stella.
Ela podia estar nos seus trinta e poucos anos, mas sua aparência era
devastadora, como de uma sénior; ou de alguém abalada, desgastada e
cansada. Stella passava metade do dia dormindo, para não dizer todo dia,
porque era despertada na hora da medicação, alimentação e do banho.
Entretanto, assim que terminasse, logo voltava a hibernar. Perguntava-me
como alguém podia dormir tanto assim…
Certo dia houve uma pequena confusão entre outros pacientes e tivemos
todos de ficar numa sala até resolverem o incidente. Stella resmungava,
dizia o tempo todo que precisava dormir. O incrível é que não se fazia nem
meia hora que ela acabava de ser despertada.
Naquele mesmo dia ela ficou a noite toda acordada, pela primeira vez
desde que lá pus os pés; e eu estava extremamente admirada.
O meu espanto não foi por finalmente ter sido notada por ela, ou por quase
me atacar com suas palavras, mas sim por ela ter falado tão bem o
português.
Quase me senti ofendida com suas palavras. Mas sua fala era tão morta que
até me deu preguiça de escutar o resto. Ela falava sem moral, sem animo,
sem vontade, sem qualquer esforço que me faria percebe-la. Com um ar de
aborrecimento e preguiça, muita, muita preguiça.
_não precisava né… _disse indignada
Como não iria falar com ela se já se faziam dias…uma semana para ser
mais exata que a observava com inúmeras questões rodando minha cabeça
ao seu respeito. Era impossível não expor agora que tinha uma
oportunidade.
_porque não tenho mais nada para fazer aqui. Ou tu ta vendo alguém aqui
capaz de alguma coisa sozinho?
_Sério!? Olha para este bando de loucos… acha que tem alguém para
conversar?
_não. Você está a falar, me enchendo o saco p´ra caralho, fazendo uma
pilha de perguntas e eu estou sendo minimamente educada em responde-
las. E já agora, fecha o bico.
_fechou!
_quero que olhes para o seu redor, assim, lentamente. Repara cada detalhe
e em cada pessoa que vês. Agora me diz: em algum momento da tua vida
você se imaginou ou pensou que verias tudo isso? Que estarias neste
lugar? Ou se algum dia perderias a cabeça e por conta disso ou o que
fosse, acabarias aqui?
_num momento você está aí, vivendo sua vida, fazendo o que quiser…, o
que bem entender, e no outro você está desorientado, incapacitado,
irreconhecível. Você está descontrolado; gritando aos choros por razões
desconhecidas por ti mesma. Surtando, perdendo de vez a cabeça –
ameaçando de morte, e pior, tentando se matar, pois, não mais se
reconheces, nem tu te compreendes mais, a visão do seu “eu” desaparece
subitamente diante de ti. Você já não se vê, e daí você se questiona: em que
momento cheguei a este extremo? Você não tem resposta. E de repente
você se vê aqui. Vivendo dopada de comprimidos, rodeada de gente
desconhecidas – pessoas iguais ou piores a ti, e diante dos ditos “os tais”,
os solucionadores do nosso problema, dizendo-se especialistas no assunto
- até pode ser, mas com teorias. Porque na verdade eles não sabem o que a
gente passa realmente, não sabem o que a gente pensa. Dizem
compreender, tudo bem. Ok, nós entendemos que estudaram para isso, mas
quer saber? Eles não compreendem porra nenhuma, pois nunca passaram
por tal coisa, nunca estiveram na nossa pele realmente, nunca sentiram o
que a gente sente, nem se quer sabem o que queremos. Mas você faz o que?
Você diz “sim” quando mandarem abrir a tua boca; você diz “sim”
quando te questionarem sobre algo que talvez tenhas feito; diz “sim”
quando apontarem as supostas razões das tuas ações e apresentarem-te a
raiz do teu problema; e diz sim aos medicamentos e tudo o resto que darem
para ti. Porque eles agora respondem por ti. Tu já não és dona de ti
mesma. E sabe qual a melhor forma de fugir de tudo isso? Destes gatilhos?
A melhor forma de te sentires… menos você mesma? Você me pergunta e
eu te respondo: dormir. Sonhar que estás em um outro lugar, vivendo uma
outra vida bem diferente desta e da tua outra antiga que originou tudo
isso. Eu durmo, nem que for por frações de segundos. Um pequeno instante
longe é o suficiente para mim - eu me desligo e nada mais é tão
significativo. – …
… _ «Sonhos são beatificados. Eles transformam o nosso mundo real
naquilo que almejamos; deixam-nos confiantes e fortes. Amenizam, ainda
que em segundo nossa dor e nosso sofrimento, pois eles realizam todos os
nossos desejos de benevolência»
Ela terminou seu discurso com esta frase que transladou minha mente de tal
maneira que eu me convenci de tudo. Stella sabia bem como usar a retórica.
Hoje eu durmo para estar nessa beatificação. Vou em busca de uma outra
realidade por intermedio dos sonhos.
Acontece que…
Tinha problemas maiores como a minha baixa auto estima, minhas crises
de pânico, depressão profunda... Eu não me sentia desejada nem tão pouco
desejava alguém – não me dava ao trabalho de me arrumar e me sentir
bonita. Eu me sentia morta! E quem aceitaria relacionar-se com uma
mulher sem vida? Sem energia? Eu não espelhava nada, nada além da
minha negatividade.
Já haviam se passado meses que minha rotina era hospital atrás de hospital,
terapias atrás de terapias e remédios atrás de remédios –o que não foi uma
total perda de tempo.
Um novo êxtase!
Por pouco achei que fosse pela mesma pessoa, mas, minha mente recusou-
se a mostrar seu rosto, e eu agradeci por isso.
Saí de onde estava atónita. Sentia uma estranha energia emergir do lado de
fora. Procurei, não sei o que, e como mágica uma luz sobrenatural
dissimulava minha visão. Lá estava o vislumbre que meus olhos tanto
almejavam.
Arnaud!
Meu terapeuta.
Estagnei apenas o observando. Pela primeira vez eu via como ele era.
Como seus cabelos combinavam tão bem com os seus olhos, como as
maçãs de seu rosto ficavam em evidência ao sorrir e, em como a sua bata
assentava perfeitamente no seu corpo todo definido e revestido de
músculos.
Minha anestesia?
Porcaria...
Por conta disso e mais outras razões usei de forma irresponsável e abusiva
os meus compridos suscitando nua quase parada cardíaca.
Arnaud Kenai era gentil, cavaleiro e acima de tudo profissional. Ele nunca
colocaria em risco sua carreira; isso incluía a gente, eu. Ele nunca me
escolheria e em momento algum cismei por essa possibilidade.
Mas a gente estando sobre o mesmo teto, eu banhava três vezes ao dia e até
perfume usava. Credo! Sua presença deixava-me mais ativa, digamos que,
com esperanças de vida.
Foi muito constrangedor ver meu amigo passar por tudo aquilo graças a
mim e ao simples facto de não me importar e sustentar esse desejo de
morte.
Por que eu não consigo ter esperanças em mim como estas pessoas que
mal me conhecem têm? Porque eu não consigo lutar? Porque eu não
consigo me desfazer deste veneno?
Quando James saiu por aquela porta indo ao resgaste de seu amor, eu pude
ver sua luta interior. Ele não quis escolher entre mim e o seu parceiro, e ele
não tinha o porque fazê-lo. Então tomei a minha decisão – Assim que
terminasse a condicional, eu faria de bom grado as restantes terapias que
tivesse; participaria em cada evento apresentado ou solicitado na
reabilitação, e tão logo terminasse de fazer todas as consultas eu seria
outra. Desta vez não faria pelos outros, mas por mim mesma, porque queria
ver-me em outra pele, em uma vida diferente sem ter pessoas a me dizer o
que fazer. Queria ser dona de mim mesma. Bastava eu querer e desta vez
realmente eu quis. Viveria por mim.
****
Sem o uso constante dos comprimidos e agora com a lucidez, passava vinte
e quatro horas com a pessoa que havia despertado o que a muito estava
adormecido ou encubado – o meu desejo sexual. Arnaud havia reacendido
esta chama, e eu passava metade do meu tempo pensando na gente
fazendo…aquilo.
Não usei o meu banheiro habitual, desta vez optei pelo comum que ficava
num dos cómodos da casa. Entrei, retirei minha roupa e me coloquei no
poli banho. A água estava gélida, mas meu corpo também, não tendo tanto
efeito. Fechei o cortinado e deixei a água jorrar em mim.
Eu não ouvi a porta ser aberta, porque óbvio, ela já estava. Não sei por
quanto tempo, mas ele estava lá.
Bonito!
Acabava de chegar no nível mais alto da história dos nicos. Agora sim
tinha mais uma boa razão para detestar minha vida e tudo que me acontece.
_Andressa
Assustei-me quando ouvi ele chamar por mim do outro lado do quarto.
Meu coração estava quase saltando do lugar.
_Andressa…
Chamou novamente e eu ainda não tinha unido forças para responder o seu
chamado.
Desta vez sua voz estava áspera, demonstrando preocupação e uma pitada
de desespero. E eu sabia bem o porque…
Ouvi quase um “ufa” soar baixinho, como um suspiro de alívio por ter dado
aquela resposta, e por eu não ter tido uma recaída. O que já era habitual e
compreensível.
Ele sabia que eu não sairia, então tentou que eu saísse a todo custo.
Não foi só um susto para ele como para mim também quando abri a porta
repentinamente fazendo com que nossos rostos colidissem. Não sabia que
ele estava tão perto assim da porta.
_hei. Não fica assim, pensa antes que finalmente te vais livrar desse
aborrecimento andante que sou eu.
Ri forçado. Não sei se estava pronta para perder mais alguém e me sentir
sozinha de novo.
Morrer!
_meu desejo? Ah… para ser sincera não sei. Acho que não tenho nenhum.
_não acredito. Todo nós temos! Por exemplo o meu é Wing Walking
_ e o que isso é?
_Não entendi… se você acha tudo isso aí deste tal wing wock*…
_Wing Walking _emendou ele, me cortando e rindo por ter dito errado.
_...tanto faz. Porque ainda assim é seu desejo? Se você acha ele uma
blasfémia. Ta faltando um parafuso aí na sua cabeça também? _falei no
gozo
_sim e não. Digo por acreditar que embora sã (aparentemente), nossa mente
e o nosso corpo entram em um contraste colapso que nos deixa fora do
normal e longe do controlo. Você imagina…quem em seu perfeito juízo
acharia bonito e divertido colocar suas vidas em risco só pelo belo prazer?
É preciso estar numa fusão de discernimento para tal ato. Mas…, com tudo,
eu amo, pois é incrível, e a sensação deve ser maravilhosa – descer do alto,
sentir aquela brisa, o ar fresco ou ainda melhor, de baixo da chuva, sentir a
água descer pelas partes do seu corpo…
Voltei novamente a ouvi-lo e a única coisa que fez sentido foi «atividade
épica e divertida? Sabendo que há ene possibilidades de cair e ser
desmembrado e ainda o mais comum e fatal de todos eles “morrer”»
_credo! E ainda assim este tipo de coisa é o seu maior desejo… _retorqui
{...}
_como podes ver todo mundo tem um lado pouco convencional Andressa.
Sei que tens razões para desacreditar na vida, mas tu e mais ninguém soube
o que é estar lado a lado com a morte. Dou-te créditos por isso. Podes não
ver agora, mas eu sei que ainda darás graça por cada experiencia vivida
hoje.
_como a Fénix
_como quem?
_Fénix!? Que ressurgiu das cinzas… _inqueriu Arnaud com cara de quem
não estivesse a acreditar que eu não sabia quem era essa tal Fénix de que
falava.
_não sei o que isso é.... quero apenas poder largar as mãos da morte e
finalmente segurar nas mãos da vida.
_radiante.
_mas com isso nós podemos fazer os dois. Fico com o seu desejo também,
até porque não seria de longe uma novidade
_não…?
Começamos por visitar o “Former Park of Pumps” que é nada mais nada
menos que a antiga sede de bombas daquela cidade.
O que mais me impressionou não foi ver o local todo ele blindado com as
cores preto e vermelho, e os materiais de bombeiros antigos, mas sim a sua
história.
Incrível! Não sei se fiquei admirada pela sua triste mais recompensada
história, ou pelo facto de Arnaud souber grau por grau do percurso de sua
cidade. Do Brasil eu só sabia da colonização e da sua emancipação.
Estava diante de uma igreja. Meus olhos foram de lá para “é sério?”. Não
entendi porque razão ele lá me levara. Antes mesmo de dizer alguma coisa
ele pronunciou o nome do local na sua língua:
Lá estava a razão.
Entramos no local e tanto fora como maior parte dela era toda folheada de
branco. Aparentemente o lugar possuía uns três ou quatro andares. Era
verdadeiramente enorme, com vastas cadeiras e um altar impressionante.
Não muito diferente dos que estou acostumada a ver. Acontece que os
católicos são bem previsíveis e seus templos são bem semelhantes – sempre
com suas estátuas de um jesus cristo sangrando e crucificado; Maria mãe
de Jesus com os olhos cerrados e as mãos entre abertas, suplicando não sei
o que…, e outras figuras que eu desconhecia os seus significados.
Para um local que foi construído desde mil e oitocentos estava muito bem
conservado. Provei que os latinos tinham muito respeito e valorização
quanto aos seus monumentos históricos. É de ressaltar!
Outra coisa que reparei já dentro da catedral foi o teto pintado de um céu
azul como metafórico, certamente se encaixava no resto dela. O altar-mor
feito com alabastros; as capelas laterais eram simples, já os retábulos mais
complicados, como se assustassem com o fogo do inferno. Eram imagens
que recebiam a fé de Ponce. O magnífico altar de Sacramento ou lápides de
mármore na parede lembravam os bispos eméritos que estavam lá dentro da
catedral (como uma representação). Era uma miscelânea de estilos, formas
e cores que só podiam ser acomodadas em um templo de verdade. A
catedral é um exemplo de cuidado e amor do povo de Ponce para a sua
herança, sua história e sua fé, e isso pude ver e sentir em Arnaud.
Caminhamos até uma área muito espaçosa, composta por fontes de água,
árvores decoradas, bancos para relaxar e tendas de vendas.
_estás diante d´ Las Delícias Park ou seja, o parque das delícias. Também
conhecida como La Plaza del Ponce.
_exatamente!
Percebi que de lá dava para ver os locais que outrora visitamos, como o
antigo Parque de Bombas e a Catedral de Guadalupe. Mais a frente estava a
Fonte de leões – o que era incrível. Dentro da boca daquelas estátuas saia
água, como se estivessem a cuspi-las. Também tinha os monumentos de
Luis Muñoz Rivera e o compositor Juan Morel Campos – não sei quem são
eles, mas ouvi Arnaud mostrar e citar seus nomes.
Foram cerca de três escadas com oito a dez pisos para estarmos
finalmente dentro do Museu Castillo Serralles
A vista deste quarto deletou-nos um pátio aberto com uma fonte, a sala de
estar formal estava à minha esquerda, do vestíbulo onde nos
encontrávamos. E segundo Arnaud, revelou-me que lá era o único quarto
com piso em parquet. Sabe lá o que isso quer dizer...
Ao sair, a visão era ainda melhor. A casa estava toda reluzente, haviam
lustres penduradas em cada andar, cada janela e portas. Era como uma
árvore de natal decorada e bem enfeitada; bem como na véspera de natal.
Simplesmente mágico e magnífico!
_eu amei. Tudo. Cada cómodo da casa, os lugares que a gente visitou
hoje…, cada história, tudo que representavam..., e saber que, esta casa, esta
mansão toda aqui era antes um espaço agrícola… foi tipo um puf que soou
na minha cabeça. Como transformaram uma industria de cana de açúcar em
tudo isso? Incrível… e imaginar esse casarão num salão de festas… deve
ser um sonho comemorar aqui o seu casamento ou o aniversário. É tudo
incrível cara…muito foda.
_falando desta bebida… _gracejei_ você acredita que eu bebi e não soube
que era tipo, bebida, bebida?
_é sério. No dia seguinte ele estava bebendo sei lá o que, aí eu percebi que
era bebida alcoólica. Então ele me pergunta se queria beber. Eu toda
convincente digo: «não obrigada, eu não bebo». Caraaaaaa. Meio que,
nossa, estava…uh. Aí ele disse - «você bebeu ontem». E eu «como
assim?». «Sim, você bebeu Rum, é bebida alcoólica, contém álcool». Eu
juro que naquele momento eu quis me enterrar.
_o que?
_eu gostei. Ah. Gostei muito _elevei a cabeça e fingi um grito de desespero
e um choro falso.
_hilariante.
A gente riu muito… aquele dia tinha sido um tapa na cara, e foi bom, eu
conseguia ser aberta com ele. Arnaud me transmitia paz, dava-me liberdade
e um conforto sem igual.
_nossa, ta tarde, não é? _disse olhando para o meu pulso sob um imaginário
relógio.
_não. Quer dizer…ao menos que já não tenhas lugares para me mostrar.
Ele receou por alguns segundos. Já se fazia tarde. O relógio batia dez da
noite e a gente estava longe de casa.
De algum modo meu coração se agitou. Na minha cabeça pensei “ele vai
me levar no seu local preferido. Sabe o que isso quer dizer?”
Típica frase de livros de romances. Estava na vida real, e sei que aquilo não
significava nada para ele, mas para mim? Eu não sei dizer, sinceramente.
CAPITULO VI
Uma parte de mim agora pertence á você, e sempre que estiveres neste
lugar tu lembrarás de mim e do meu amor por ti
A primeira onda emergida tocou os dedos dos meus pés e senti a água
ainda mais gélida; uma vez mais meu corpo correspondeu sentindo a
conexão que ambos tinham – o tempo e a água.
Minha mente estava vazia, meu corpo relaxado e minha alma em paz.
Desci os meus braços e uma mão quente e maior entrelaçou os meus dedos,
não precisei olhar para saber de quem se tratava. Abri os olhos por último e
minha visiva foi surpreendente.
O exemplo disso era aquela paisagem. Ela poderia ser vista de dois lados
dependendo do nosso posicionamento. Eu tinha certeza que tal como nós,
naquele mesmo momento haviam pessoas que olhavam para o mesmo
horizonte se perguntando talvez “o que há por detrás dela!?” e a resposta
era simples: Vida!
Chegamos a casa e praticamente já era um outro dia. O relógio na parede
marcava meia noite, e o incrível é que eu não me sentia cansada ou
esgotada pelo longo dia que tivemos, pelo contrário, estava ativa, com uma
vontade gigantesca de repetir tudo. Vivenciar novamente cada segundo que
foi passar ao lado dele. Eu não queria que aquele dia acabasse. Nunca!
_quer ver um filme? Assim a gente relaxa. Sei que tua mente hoje absorveu
muita coisa, um filme vai compensar.
_pronta?
O que eu não esperava é que o filme escolhido seria de terror. Eu achei que
a gente veria sei lá, um romance. Não que fosse a minha preferência, mas
tendo em conta…tendo em conta nada Andressa! Tudo me levava sempre a
esta possibilidade.
O filme era um pouco pesado. Eu podia jurar ter visto Arnaud chorar em
meio as gargalhadas.
Mas, quem ri e chora assistindo um filme de terror? Não era suposto ser
assustador, causar medo e pânico? E não o oposto?
_gostou do filme?
Embora tendo percebido o óbvio, que era como se ele testasse minhas
emoções ou o nível delas, também percebi que não se tratava dele querer
passar um tempo de qualidade comigo. Ele não estava sendo um
companheiro, não estava me mostrando seu lugar preferido…, não. Ele
estava fazendo terapias comigo. Tudo aquilo não passou de mais uma
consulta. Mesmo até quando não achei, ele sempre esteve nas vestes do
meu terapeuta.
Ele dizia eufórico, com total entusiamo. Estava feliz por mim. Entretanto
eu estava cética, não acreditava e nem demonstrava qualquer felicidade. Eu
estava desiludida comigo mesma.
Finalmente seria uma pessoa livre e dita capaz (nas suas faculdades
mentais) – é assim que se diz, segundo aqueles que estudaram a mente e o
comportamento humano.
****
No dia seguinte, tudo que eu queria era não levantar e não ter que encarar o
hoje e o “daqui em diante”.
Nos dias em que eu não dormia como o de ontem, eu sentia a orbita do meu
olho encorpado, como se tivesse um encoste sobre ela, e realmente tinha –
um vidro.
Após as atividades do dia anterior, ficar deitada era a única coisa que meu
corpo desesperadamente suplicava. Eu sentia o cansaço bater até as minhas
articulações. Cada membro dela gritava de dores. Mesmo que quisesse eu
não conseguiria me levantar.
Ainda deitada e com os olhos cerrados lembrei que nesta altura ele já
estaria arrumando suas coisas. Agora ele era livre, e eu também.
Ouvi o som vindo do outro lado da porta, mas me mantive muda. Não sei
porque, até responder o seu chamado naquele momento me custava.
{...}
{...}
_Andressa…
Embora quisesse tanto aquele momento, uma parte minha estava receosa.
Esperava que a qualquer instante me soltasse e se afastasse de mim; não só
naquele instante que meu corpo ardia e necessitava do seu, mas em todo
resto das nossas vidas. Eu sabia que isso era o provável acontecer,
entretanto eu sentia suas mãos apertar meus braços com tanta força e seu
corpo tremer igual ou pior ao meu. Seus lábios pressionavam a minha boca
como se quisesse desesperadamente ser interrompido, e em nenhum
momento eu quis que acontecesse, então prosseguimos com o beijo.
Tal como eu, Arnaud não quis parar por aí. Sabia que tinha algo amais para
oferecer-me – Prazer. Justamente o que eu queria!
Intensifiquei o nosso beijo, gemendo e dizendo baixo o quanto eu o
desejava esse tempo todo; o quanto ele mexia comigo e que queria de uma
vez saciar-me a ele.
Repetiu o mesmo episódio duas, três, quatro vezes até eu me sentir fraca e
sem energias. Virou-me de costas, tirou minha roupa me deixando pelada
diante si, foi quando senti sua mão grande e pesada desferir em meu
traseiro alguns tapas que outrora eram leves e outras intensificadas e
dolorosas. Eu não sei se estava gemendo de dor ou prazer, mas algum
barulho estranho soava entre minha boca acompanhado das minhas
expressões de dor.
Fiz sinal negativo ao seu pedido, mas ele insistiu aproximando a minha
boca ainda mais do seu órgão; abri-a e ele fez o mesmo quando
simplesmente engrazou o seu comprimento no meu colo do útero até minha
vulva.
Por alguns instantes fiquei com medo, pois no seu olhar já não brotava
aquele brilho e pureza como nos dias anteriores. Seu semblante estava
enrugado, com os olhos e os sobrolhos semicerrados, encarando-me
enquanto sua respiração também estava ofegante e expressava á fúria.
Perguntei-me assustada.
CAPITULO VII
ESCULPIDO DE SADISMO
Primeiro é que ele veio sem avisar; segundo é que eram tipo oito horas
para ele estar aí me enchendo com sei lá o que, sem me esclarecer
porcaria alguma. E por último, para onde ele estava me levando?
Permaneci calada e segui-o para onde quer que fosse. Observei-o falar com
alguém ao telefone no mesmo instante que o motorista chegou com o carro.
James abriu a porta para mim, entrei, de seguida ele, e o motorista arrancou
com o carro.
_seja forte! Estou contigo desta vez. Não quero que tenhas medo.
Medo de quê?
Do que eu precisava ser forte?
Avistei uma mulher de farda e um crachá com seu rosto e seu nome, só
assim percebi onde estávamos.
_o que estamos fazendo aqui, Jameson? _falei para ele baixinho e assustada
no intuito da moça não ouvir, já que ela estava muito próxima de nós.
Meus pés tremeram. Olhava para James aterrorizada sentindo meu corpo
paralisado e minha boca seca.
_estou aqui meu bem. Pode ir com a policial. _Disse Jameson para mim na
tentativa de dar-me conforto que não me confortou, me deixou ainda mais
preocupada e desesperada, mas eu assenti e segui a policial.
Se alguma coisa desse errado ele ainda ali estaria. Era única certeza que
tinha naquele momento.
Segui a mulher até uma sala vazia que tinha apenas uma mesa e duas
cadeiras.
Pediu que eu me sentasse numa delas. Ela sentou-se na outra bem a minha
frente.
_então senhora Martinez, pode me dizer como era sua relação com o
esculápio Arnaud Kenai?
_que?
_então... alguma vez ele foi imoral com a senhora? Vocês chegaram a
passar muitas horas juntos? Digo, enquanto paciente-médico…
{...}??
{...}
_está bem. Tem alguma coisa que queira contar-me? Algo que esteja a
incomoda-la?
{...}
_não, eu não sei porque estou aqui. Nem o que essas perguntas sobre o meu
ex. terapeuta significam.
Ela disse dando sinais para as câmaras e abrindo a porta para mim enquanto
James se aproximava perguntando o que se passava. Eu continuei confusa
não percebendo absolutamente nada.
_ela mal sabe o que está a acontecer... façam-me um favor, não perturbem a
ordem pública. _ finalizou a oficial da polícia.
Naquele mesmo instante vi tudo rodar e eu não conseguia ouvir mais nada,
surgiu o mal-estar e de repente uma completa escuridão.
****
Fomos para casa e no caminho a gente não trocou uma única palavra.
_agora quero que descanses está bem!? Hoje o dia foi pesado demais para
você.
Desta vez eu não podia deixar passar e ficar com estes pontos todos
inquestionáveis na cabeça.
_o que está acontecendo Jameson? O que foi aquilo? Porque a gente foi até
a delegacia? Eu vi..._este último vacilei. Minha cabeça ainda estava
confusa e duvidava se realmente tinha visto ou não o que vi.
_Arnaud...
Quando ele citou seu nome meu coração palpitou. Meus batimentos
aceleraram e dai tive certeza que era real. Era ele. Era ele que estava na
delegacia algemado.
_... ele vai ser julgado e espero que condenado pelo que fez contigo.
_O triste vai ser te ver nisso. Nunca quis que acontecesse. Você não
merecia Andressa.
Continuava sem entender. Mesmo sem saber das razões naquele exato
momento não quis saber de mais nada.
Eu tinha medo do que estaria por detrás daquilo tudo. Me mantive calada e
com mais mil interrogações na cabeça.
Acabei por dormir com as dúvidas e incertezas; com mil perguntas sem
nenhuma resposta.
Abri e li.
_como eu vou depor contra ele? O que ele fez comigo? Ele não fez nada.
Jameson, o que está acontecendo?
Finalmente eu soube.
Jameson contou que no seu passado, «por volta dos seus dezoito anos,
Arnaud aparentemente havia abusado sexualmente uma jovem – que na
aquela época era sua namorada. A jovem levou-o a tribunal alegando ter
sido forçada a ter relações com ele mesmo contra sua vontade. Disse
também que ele foi tão agressivo com ela na cama que varias vezes
suplicou que ele parasse, mas ele não o fez até se sentir satisfeito. A jovem
chegou até aparecer com hematomas e alguns ferimentos no corpo
afirmando que ele era extremamente agressivo e perturbado»
O pior não foi ter visto ou sentido nada. O pior foi eu ter gostado. Eu gostei
da dor, gostei de sentir sua força, sua fúria, seu desejo fervoroso e sua
frenética e insaciável compulsão sexual.
Eu não sentia nada e Arnaud provou que eu não precisava dos anestésicos,
nem de nenhum alucinogénio, só de alguém que me fodesse. Que me dessa
sua alma, sua energia, sua insanidade… seu sadismo.
Pouco tempo depois soube que foi ele mesmo que havia se entregado a
justiça.
Com o que houve entre a gente e associando o que tinha ocorrido anos
atrás, ele culpou-se.
Ninguém via o outro lado da história. Ninguém percebia o que ele tinha
feito comigo. Todos quiseram acreditar que ele era culpado!
Culpado por ter me libertado das drogas? Culpado por ter me resgatado
do fundo do paço enquanto outros faziam questão de apenas me ver por
lá!?
Segundo Arnaud eu o fazia por proteção a ele, isso por alegar estar
apaixonada.
Quando fui questionada sobre este facto, eu não soube como responder. O
que eu sabia sobre amor, paixão ou qualquer tipo de sentimento? Nada.
Eu chorei porque naquele momento percebi que tudo estava perdido, para
mim e especialmente para ele. Arnaud não queria ser salvo.
Eu só quis tirá-lo do poço tal como ele fez comigo. Mas ele preferia se
manter lá encarcerado.
HONRA
Pouco falta para minha sanidade
No fundo do meu ser e no interior do meu eu, sempre existiu uma Andressa
que se permitia ser o que quisesse; e isso incluía preservação pessoal.
Nela depositei todas minhas energias, minha paixão, minha dor e um pouco
da minha perdição. Estava formando o meu mundo, me sentindo
oficialmente renascida.
Me sentia realizada!
Eu já não dependia do Jameson a cem por cento e para retribuí-lo por tudo
eu o coloquei como meu sucessor adjunto.
Era o meu braço direito e surpreendi-me ao ver como ele lhe dava tão bem
com o negócio. Parecia que fizera o curso de administração – ele tinha um
talento nato.
Foi bom para ambos, tanto é que meu amigo se dedicava a tempo integral
nos negócios.
Dissera que era como um sonho que nunca teve, mas que talvez um dia já o
desejou. Ele depositava paixão no trabalho e fazia com que tudo desse certo
da melhor forma.
PUERTO RICO – SAN JUAN era minha morada e o começo de uma vida
após a morte!
Eu não tenho só cicatrizes;
tenho feridas que nunca sararão.
“Venenosa”
Andressa Martinez
Por mais que me custava enxergar quem verdadeiramente era, desta vez já
nada ocultava o veneno que se revestia pelo meu corpo
Passou-se algum tempo desde que nos vimos pela última vez, desde que ele
me viu daquele jeito.
Ele ouviu-me.
Eu disse que não precisava dele, que não o queria ver…, então ele afastou-
se.
Rui tentou manter contacto comigo, mas recusei todas as vezes que ele se
desculpou e me jurou que estava fora de si quando me disse tudo aquilo.
No fundo eu sabia que não, até porque ele não mentiu. Uma boa parte era
verdade.
Fazia hoje dois meses que eu não consumia álcool, não fazia uso dos meus
comprimidos nem tão pouco tinha relações com homens que eu
desconhecia.
Eu me sentia abatida
Vencida.
Derrotada!
Era oficial
Tenho passado o dia inteiro e metade destes dois últimos meses na cama ou
deitada no sofá.
Fico pensando a cada segundo por coisas que desconheço as razões e sem
meios de coordena-los. Sem os meus comprimidos, sem o álcool e sem o
sexo; sendo que me tinha abdicado de tudo isso – Estava em uma total
abstinência. E a minha dilaceração compulsiva estava de volta.
Eu não podia deixar-me abater de novo. Já passei por muita coisa nesta
vida e nenhuma deixou-me incapaz de passar por cima.
LEMBRANÇAS
Para apaga-los
“Venenosa”
Andressa Martinez
Sempre acreditei que a nossa mente nos leva para uma divisão do que nós
fomos e do que queremos ser.
Eu queria ser diferente, porém minha memória sempre regredia para o que
eu fui e isso para mim refletiu sempre quem sou.
***
***
«Eu flertava com um rapaz da cafeteria PANNES que ficava perto do meu
prédio. Por sempre lá frequentar, reparei na sua forma de olhar, falar, e seu
jeito gentil.
Ele era apenas um menino, deveria estar no seu dezoito ou dezanove anos
mesmo não parecendo pelo seu gigantesco comprimento.
Ai como eu amava.
Tinha a alcatra que ficava em evidencia nas suas calças, e o seu charme de
menino educado costumava chamar minha atenção. Seus lábios para mim
sempre quiseram dizer algo além do «o que vai desejar hoje?»
Você!
Ali já não era o doce jovem do café. Eu pude sentir sua efêmera tesão, seu
desejo íntimo. Mordeu os lábios ao ver partes do meu corpo visivelmente
para ele.
Eu tinha vinte e três anos, e graças aos treinamentos que tive e da dieta
equilibrada eu consegui ganhar peso e formosura corporal. Era dona de um
corpo saudável e em forma. Igual ao que toda mulher deseja alcançar.
Posicionei-me a sua trás, puxei seus cabelos com força recostando sobre
mim a sua cabeça. Olhei para sua face e lá estava seu malicioso olhar
sedutor – me fascinava visões como aquela.
Podia sentir seu desespero em não poder tocar-me e saciar-se. Homens não
são muito pacientes na hora do sexo, porém, amam ser surpreendidos pela
mulher, principalmente quando esta decide estar no controlo.
Apertei sua bochechas com uma das mãos, levantei seu rosto e seus olhos
se fitaram com os meus, inclinei-me e beijei sua boca; no desespero,
agarrou minha cintura prendendo-me ao seu corpo. Soltei-me rapidamente
e me levantei. Regressei para sua trás e sua respiração estava ofegante.
Ainda naquela mesma posição sujeitei-me entrelaçando meus braços no seu
corpo na intenção de alcançar suas calças e seu membro com a finalidade
de o provocar mais ainda, dando um pouco daquilo que seu corpo já
suplicava. Fiquei massageando seu falo ainda dentro de sua roupa interior.
Ele deixou-se levar na sensação, tentou segurar minhas mãos para tirá-lo
fora, porém o travei.
Foi o suficiente para o manter quieto e perceber de uma vez quem estava
no controlo.
Intensificava mais e mais até ele não mais aguentar, pois enquanto eu o
masturbava, não só gemia junto com ele como também proferia algumas
palavras no seu ouvido que o desorientava.
Ai preto
Gostoso
Sexy
Isso...
Continua…
Goza porra
Vai, fode
Me come
Merda!
Que gostoso
Muito. Muito gostoso
***
Após esta experiencia posso dizer que naquela altura eu tinha provado o
prazer!
Até naquele momento eu desconhecia esta sensação e confesso que era boa.
Acreditava ser melhor. E era muito boa, confesso!
Ser possuída por alguém que desconhecia, que meu coração por ele não
sentia nada, somente o meu corpo o reputava; e o melhor é que apesar disso
nossos desejos se correspondiam significativamente.
Nunca foi só atração; nunca foi só desejo. Foi paixão à primeira, amor a
segunda.
Por mais homens que tenham passado na minha vida... melhor, na minha
cama, eu escondi meus sentimentos. Não porque não os sentia,
simplesmente não os quis admitir. Nunca os quis sentir verdadeiramente.
Por esta razão não saia com ninguém, do contrário estaria a plantar os
sentimentos e no final colheria o desprezo pelo o que eu era, pelo que
plantei da minha personalidade…
…E caro seria o preço a pagar por algo que me custou tão pouco!
CAPITULO XI
“Liberta-te”
Rafael Alano
Eu vou para o trabalho, bebo e volto para casa. Trabalho, bebo e volto para
casa...
Deste modo minha atenção ficava virada para os casos que tinha que
resolver e limpar as ruas de San Juan de gente caricata; e talvez assim
ganhar uma promoção -ser Sargento ou Coronel, ou mesmo ser transferido
para uma nova delegacia de polícia longe de casa…, quem sabe até
pertencer finalmente ao FBI – sempre foi um sonho desde que entrei na
polícia.
Faziam-se dois meses que eu tentava a todo custo não pensar na Cálida, ou
melhor, na Andressa Martinez
Hoje despertei cedo por mais uma vez ter sonhado com ela e com o cenário
repetitivo. Era sempre a mesma coisa!
***
Se um dia precisei morrer para viver... foi única e exclusivamente por ela!
Por termos perdidos os nossos pais ainda muitos jovens, eu tive de ser pai e
mãe da minha irmãzinha. Desde muito cedo tive de aprender a ser
responsável e arcar com as despesas da casa, desde cuidar da nossa
alimentação, saúde e a formação. Não podia deixar nossas vidas
desmoronar. Ela só tinha a mim. Se eu não a cuidasse e ficasse a me
lamentar pela perda prematura de nossos progenitores quem colocaria
comida na mesa? Quem pagaria a escola da minha irmã? Ninguém.
Não foi fácil, nada é, e quando penso nisso e olho hoje para mim, para
minha irmã, para as nossas vidas…, não me arrependo de nada. Não me
arrependo de ter largado a escola e ter me dedicado única e exclusivamente
a minha família – Felícia.
Hoje ela pode desfrutar de uma vida digna, e eu…? Bem, eu posso
desfrutar dela também. A vida deu-me momentos ruins, mas também soube
retribuir-me com bons momentos, e eu sou eternamente grato! Então, não
tenho nada do que reclamar.
Así es la vida.
Felícia apareceu enquanto eu divagava
minha mente e ficou me observando em silêncio.
Embora não satisfeita, ela respeitou o meu silêncio. Sabia que assim que eu
me sentisse melhor com certeza contar-lhe-ia o que se estava a passar
comigo.
Felícia tocou minha mão enquanto a outra prendia o meu pescoço pelas
costas e dava-me múltiplos beijos na minha bochecha.
Senti ela parar de me amaçar quando notou o anel que eu segurava nas
mãos. Parou com os beijos e eu posso jurar que a vi soltar uma lágrima.
Tristeza? Talvez, mas com certeza não foi por saudades da minha ex.
esposa falecida, foi por perceber que até hoje ainda não havia superado,
que durante estes dois anos eu me corroía pela morte dela e ainda me
culpabilizava – Isso fazia com que eu nunca me desprendesse de Lisa e não
permitia outra pessoa ocupar o seu lugar. Seu eterno lugar.
Felícia sabia falar umas boas verdades mesmo sem abrir a boca. Assim que
ela saiu da sala e esteve longe da minha presença transbordei em lágrimas.
Desta vez não sei se chorava pela perda da minha Lisa ou pela distância
entre mim e Andressa.
CAPITULO XII
“Liberta-te”
Rafael Alano
Eu preferia lembrar-me dela nesta versão. Ela podia não estar sã, sóbria e
totalmente lúcida, mas foi assim que a gente se conheceu. Foi assim que ela
se apresentou a mim, e foi assim que eu pude ver o seu fogo, sua aura, sua
energia. Esta era a versão que Andressa era minha Andressa. Minha
Cálida.
Fechei os olhos e imaginei cada segundo passado com ela. Desta vez me
permiti sentir. Quem sabe eu ganhe coragem e a procura desta vez…
Eu vi sua íris acastanhada cruzada com os meus olhos, a medida que sentia
suas mãos delicadas tocar meu corpo. Vi ela andar em minha direção. Ouvi
mais uma vez sua voz me dizer:
_Andressa!
Suspiro seu nome e ouço a porta ser batida e aberta. Caio da cadeira da
minha sala, assustado.
Olho para o meu amigo e para a minha irmã. Volto para meu amigo e noto
seu olhar voltado na minha ereção e disfarço. Graças a Deus minha irmã
não percebeu, só ele.
Fernandes estava quase caindo de tanto rir. Pediu a minha irmã que saíssem
por alguns instantes para fora da minha sala. Sabia que tinha que me
recompor e aliviar à tesão.
_não estou com ânimo. Inclusive, há muita coisa por se fazer aqui.
_ahora?
_ahora?
_ parem de frescura. Tudo bem. As seis? Acho que até lá vocês conseguem
sair. _ fizemos gestos com a cabeça dando a entender que era uma péssima
hora para largar também. _. Está bem. As nove. Nem mais, nem menos. Te
espero en el bar da familia. Sin retrasos.
Cinzas – “Venenosa”
Andressa Martinez
Até parece que foi ontem que entrei neste bar drogada e alcoolizada, e
mesmo assim meus olhos notaram ele.
Hoje aqui estou novamente, porém sóbria, com um copo de água sobre a
mesa rezando mais uma vez que ele apareça, assim como nos restantes três
meses sem sua presença.
***
Porque eu classifico sempre minha vida como clichê? – Deve ser uma
droga mesmo.
Não sei mais o que a psicóloga precisava ouvir de mim, todas as sessões eu
dizia a mesma coisa, e posso apostar que usava as mesmas palavras.
Mesmo não querendo estar aí, a única maneira de la não estar, era estando.
E lá estava eu…, mais uma vez esperando ele no único lugar que nos unia e
ao mesmo tempo separava.
Levantei-me decepcionada me retirando do bar.
Quase a saída esbarro-me com uma mulher que entrava no local. Ela se
desculpou e eu também; logo segui com o meu caminho.
Prestes a pegar o meu táxi a mesma mulher corre para me alcançar, estende
seu braço me entregando algo que estava em suas mãos.
_muchas gracias.
_perdão. Não consegui resistir e dei uma olhada nele. Trabalhas neste
lugar? É que eu sou meio que nova aqui sabe, e estou pensando me mudar
porque meu irmão está aqui já alguns anos e eu vivo distante dele.
Acontece que ele é a única família que tenho agora, e não queria estar
longe dele, mas também nem tão perto, ta me entendendo?? Queria
remodelar sua casa, como gesto de agradecimento por ter cuidado de mim
após a morte de nossos pais...
_...é que eles faleceram quando eu era muito pequena sabe!? _voltou a
calar-se e desta vez eu tive a certeza que estava triste; pouco tempo depois
recuperou a energia que começara deste o princípio da conversa. _ fazer
uma surpresa para ele… Hoje é seu aniversário e viemos aqui comemorar.
Mas ainda estou pensando em algo mais, tipo, os móveis dele já são mo
velhos (risos). E eu acho que poderias me ajudar neste sentido caso
trabalhes neste local aí. Não precisa ser modesta eu aposto que…
{...}
_. Eh…
Observei-a falar com minha irmã e nem se quer me passou pela cabeça as
razões de vê-las juntas de frente ao bar conversando.
Parei a sua frente e reparei o quão diferente ela estava. Sua faceta parecia
pálida, seus olhos cansados. Vestia preto. Estava ela toda de preto e seus
cabelos também. Estavam diferentes – antes curtos e cacheados, agora
alisados e compridos, o que a deixava com um ar mais senhoril, pois o seu
rosto estava magro. Entretanto, ainda assim conseguia estar radiantemente
bela.
A mesma dor.
O mesmo ressentimento.
A mesma mágoa surgiu como uma maré que colidiu com a minha vontade
de querer saber mais sobre ela e poder ajudar contra sua decisão de não me
querer por perto, sem necessitar minha ajuda.
Dei os primeiros passos para me retirar de seu caminho. Tal como ela
ordenou naquele dia.
Ver ele depois de tanto tempo... não sei se fico contente ou magoada.
Peguei o táxi e fui para o trabalho. Não queria ficar em casa e me lamentar
por mais uma queda.
Então…,
Porque me sinto pior? Porque sinto uma ferida tão grande ser aberta?
Porque sinto que essa dor é eterna e que a culpada de tudo isso sou eu…!?
E eu sou!
Eu procurei isso.
Suspirei contente por algumas contas feitas pela Melissa não estarem
corretas. Assim eu tive com o que me ocupar.
_gracias, Meli.
Fiquei até tarde refazendo todo o cálculo e não me apercebi que já estava
amanhecendo. Olhei para o meu celular –
04:50
_Dios mio!
Não sei como, mas não me sentia nada cansada, não até decidir me levantar
e quase cambalhotar ao chão pelas pernas dormentes.
Tentei dar o primeiro passo, mas minha perna pareceu paralisada, arrastei-o
de forma a baloiçar e aliviar a cãibra.
O meu pé.
Grito de dor, ninguém vem ao meu socorro. Claro, eram quatro da manhã.
Estava sozinha.
Tento levantar e voltar á cadeira para ver se era grave. Movimento o meu
pé pousando ao chão, entretanto sinto um arder agudo e vou soltando
gemidos. Tiro os sapatos jogando-os para longe. Como se estivesse com
raiva deles. Como se eles tivessem culpa de alguma coisa.
Era um indulto, de modos a me aliviar do furor que ainda sentia por ter
visto Rafael.
“Liberta-te”
Rafael Alano
Ela adorava uma boa surpresa. Sabe qual era a surpresa para este natal??
Duas coias…
Primeira – mudar-se para cá (Porto Rico) e estar mais perto de mim, já que
ela ainda vivia na antiga casa de nossos pais.
Desbotado
Findo
Murcho
A mulher estava de costas, eu pensei que fosse ela. Não era ela? Então ela
se virou e sorriu para nós. Não, não era ela.
Senti um alívio, mas também um pouco de dó. Percebi que estava obcecado
por ela. Desesperadamente a via em todo lugar, e agora até a confundia
com outras mulheres.
Pedi a mesma mulher que me acompanhasse até ao banheiro para que, pelo
menos me desfizesse da sua imagem nítida.
No regresso fiquei perdido. Não mais vi Fernandes, nem minha irmã, nem a
mulher que nos recebeu. Optei em dar uma olhada nos móveis que eles
tinham.
Por exemplo eu não sou fá de cores muito vívidas, e móveis para mim, ou
são acastanhados ou cinzentos, mas uma sala colorida também não estava
mal. Nunca optei em uma porque foi assim que Lisa tinha imaginado nosso
lar – Cores vivas me fazem pensar nela, e na vida que nunca tivemos
juntos.
Para ser mais explícito, era como estar em casas aparentemente iguais pelos
móveis serem do mesmo calibre, mesma tonalidade de cores, mesmos
arranjos decorativos…, cada casa possuía uma estante do mesmo tipo e cor,
os mesmos sofás, e os mesmos quadros. Novamente, porém, diferentes nos
dois lados.
Você já teve a sensação de estar em um lugar onde tudo parece igual, mas
que na verdade, não é?
Fantástico!
Virei-me para olhar a pessoa que falava. Tal como eu, ele também estava
pávido, retraído.
Sonhos
Pela sua expressão e pelo sorriso embora forçado, mas meigo e gentil ele
também me reconheceu. Porém foi extremamente profissional.
Quis saber se tinha em mente algo específico que quisesse adquirir naquele
momento – respondi que ainda estava só observando. Ele assentiu e
sugeriu-me que desse também uma olhada na ala de cima. Dissera que
eram móveis novos acabadinhos de chegar. Apesar de parecerem de alta
qualidade, o preço não era exorbitante. Assenti e disse que daria uma
olhada com certeza.
Finalmente tive a certeza que ele era homossexual. Não que eu tenha
problemas ou preconceito quanto a sua escolha; ou este caminho em sua
vida. É como ele mesmo disse: «são os mesmos móveis, os mesmos
acessórios. As mesmas cores. Diferentes maneiras de os posicionar em
ângulo distintos».
E…por nunca ter me feito estas questões, isso faz de mim um ser
ignorante? Uma pessoa submersa e submissa aos padrões sociais?
O que vale é que eu sei que sou um homem e me aceito. Gosto de
mulheres…, de uma mulher!
***
Suas palavras estavam leves, serenas, mansas... talvez porque estava no seu
posto de serviço.
Surpreendi-me quando soube que ela era a dona e gerente daquela loja.
Era uma empresa grande, com uma equipa completa, e com os produtos da
melhor qualidade.
O incrível estava na comparação feita por mim ao ver o seu tamanho…, tão
pequeno, sua altura bem abaixo da média e ainda assim ser dona do seu
próprio negócio. Andressa era dona de um cérebro gigante.
Só de pensar nisso fez-me soltar um largo sorriso. Estava feliz por ela. Ela
era incrível na sua tonalidade. Dona de uma força interior muito poderosa.
Andressa não só gerenciava sua vida, como criou um negocio que dirigia
homens, pessoas maiores que ela. Voltei a sorrir com este pensamento.
Wau!
Minha Nossa!
Tinha algo que me fazia a ter por perto. Não a queria longe, por isso aceitei
sua condição estúpida. Caí no seu jogo. Me perdi nas suas malditas chamas
e agora estou aqui todo fodido sem saber o que meu estúpido coração sente
em relação a tudo isso.
Merda!
Ela não queria. Não queria alguém a controlar seus passos, e sinceramente
eu não a censuro, não sei se estava apto a me relacionar. Depois de Lisa,
ela foi a segunda mulher que eu tentei... não, não tentei, Andressa foi a
segunda mulher com quem eu me envolvi.
Mas, como eu posso gostar, quase amar alguém que cujo a vida eu não sei
nada? Como isso é possível?
!?
Andressa Martinez
Finalmente aconteceria…
Depois de tanto tempo sem se ver, e com dois encontros incomuns, era
óbvio. Estava na cara que foi tudo obra do destino.
_claro! _assentiu
Fiquei insegura.
Ele ainda parecia igual. Igual ao dia que o conheci – Com os cabelos
médios, a barba por fazer que incrivelmente lhe ficavam tão bem…, os
olhos castanhos escuros e profundos; usava o mesmo número de roupa que
pareciam não ser do seu tamanho. Eu via os seus braços naquela camisa
pedindo socorro querendo se ver livre. Sorri meiga ao imaginar o
constrangimento que seria caso seus braços decidissem optar pela
liberdade.
Ele cortou meus pensamentos e chamou minha atenção quando soltou suas
primeiras palavras num tom suave e baixo, tal como no dia que nos vimos
pela segunda vez.
_Cálida
Ele riu também. Com certeza ele também se viu naquela cena.
Olhei-o serenamente
_pelo meu olhar. Pela minha energia. Pela minha aura quente e
excentricamente ardente.... Cálida, porque eu me pareço com o fogo!
Ele abriu um largo sorriso por que sim, eu tinha acabado de repetir suas
palavras.
E ele continuou…
_sim!
Entretanto não foi a primeira vez que ouvia aquela comparação. Então eu
não menti.
Rafael foi a única pessoa que descreveu minha personalidade numa única
palavra. Cálida – fogo ardente.
Independentemente dos meus erros, das minhas falhas, até do meu passado
condenador e auto destruidor… eu sempre fui eu. E isso nunca mudará!
CAPITULO XV
FELIZ NATAL
Acendem-se as luzes
e abrem-se os presentes
“Liberta-te”
Rafael Alano
Felícia conseguiu.
Bem antes do dia do Natal recebi os móveis novos. Ela tinha razão,
realmente precisava dar uma nova aparência a minha casa.
Vida!
Ainda quis um lugar que tivesse seu toque, sua imagem, seu cheiro... ainda
a quis sentir presente, mesmo estando ausente.
_eu quero um deste querido, seria ótimo para nossa nova casa. E este
também. Estaria bem moldurado na sala de estar, não achas!?
Não acredito que fui só um passe livre para que seu marido atendesse aos
seus caprichos...
Romeu olhava para mim abanando a cabeça, cansado de estar meia hora
ouvindo minha irmã falar do que queria. Ele amava ela com certeza, não
duvido, com tudo, não nego que minha querida e adorada irmã as vezes
cansava. Assim que começasse a falar, ninguém a parava. Sorri e voltei
para o meu quarto. Não quis ficar entre o casal.
Uma mesa de cabeceira giratória, de cor branca que possuía duas gavetas -
era muito útil e prático.
Alguma coisa diferente tinha que estar naquele quarto todo revestido de
cinza e castanho. Ela dava um ar mais... natural, mas vívido. Amei.
Sorri e pequei o que estava por cima dela. Um papel listrado de vermelho e
branco. A parte branca dizia:
Tu és a Paz Rafael” |
«De “Cálida”»
Gracejei.
Seu sorriso era a melhor coisa que tinha visto este ano.
Andressa Martinez
Hoje todos estavam de folga. Ninguém trabalha no natal, pelo menos foi a
regra que eu impregnei e que era mais que justo.
Deixei-os perto da árvore de natal que montamos pela manhã todos juntos
como uma grande e numerosa família. Confesso que comecei a sentir-me
dentro de um lar após ter esta conexão com os meus funcionários.
Infelizmente com a minha própria família nunca tivemos algo fora do que é
apenas viver sobre o mesmo teto.
Para além da atividade no natal, nossa agenda estava preenchida com mais
outras que incluía pegadinhas, jogos, competições…, até um dia de
mistério. Nossa empresa não era só um lugar onde os funcionários
prestavam serviço a outrem, e viviam fazendo o que eu mandasse, não, era
como uma casa. Apesar de todos terem seus papeis, suas funções…
tínhamos os pequenos momentos que fortalecia e promovia a nossa união,
aumentando na nossa aproximação. Como eu disse, éramos como uma
grande família – numerosa e unida.
Begônias
Enquanto olhava para ela e tentava recordar quando foi que a perdi, ouvi o
som do meu celular vibrar. Acabava de chegar uma mensagem dele.
Feliz Navidad! |
Foi quando lembrei que no dia do evento, e assim como todos os anos,
aquele era o único dia que eu usava a pulseira. O dia do meu aniversário. O
dia da morte da minha mãe.
Este dia para mim sempre representou a dor e a destruição; e o meu desejo
de querer apagar quem fui.
Saber que aquela data estaria aí, todos os anos, que nunca a poderei
esquecer por mais que me esforce e suplique que alguém o faça, não era
possível, mas desde o dia que Arnaud colocou em mim aquela pulseira, eu
senti que poderia suportar esta e qualquer dor. Foi o único dia que me senti
verdadeiramente amada, até hoje…
…Rafael pode ter me dado algo que não veio de si, mas era algo que vinha
de mim, da Andressa que soube se reconstruir e lutar para viver.
Não a usava sempre porque não queria lembrar de Arnaud e do que ele fez
comigo, mas ainda assim ele soube me dar uma oportunidade de ser eu
mesma. Ele mostrou quem eu era e conseguiu ver-me por detrás das minhas
dores. Soube ver o meu eu verdadeiro.
Vermelho
Fogo
Arnaud viu-me a segurar a mão da morte enquanto a vida lutava para ser
resgatada. E eu no meio de tudo isso. Da vida e da morte. Uma luta que
parece nunca ter fim.
Se o meu ser se parece com o fogo e o vermelho é a minha cor, isso quer
dizer que eu sou o caos, a destruição; o pecado, a perdição e a
personificação do mal encarnado em pessoa… sou o sangue que o ser
humano derrama ao ser ferido e morto. O mesmo sangue que o permite
viver. _Pensei.
Minha vida sempre foi tomada única e exclusivamente pela minha alma
revestida de podridão. Minha energia sempre foi negativa, fosse o que
fosse, aconteça o que acontecer, eu nunca fugiria daquilo que sempre me
concebeu – uma vida sem vida.
nunca predominará
“Venenosa”
Andressa Martinez
Eu sempre acreditei que minha vida estava revestida de veneno, que nada
do que fizesse mudaria este facto. Que eu sou o mal, e que as chamas que
carregava a minha alma queimavam todo o lugar que eu pisasse.
Abri a porta ainda sem dizer uma palavra, seus lábios estavam
comprimidos, ansiosos, mas de seguida soltou um largo sorriso e eu o
correspondi de igual. Antes de qualquer uma outra coisa acontecer, Rafael
afastou seus braços e se encaixou no meu minúsculo corpo preenchendo-se
em mim em forma de abraço.
_oi, Cálida.
Sua voz estava mansa, quase como um sopro. O pseudónimo Cálida foi
dito com calor, senti as letras serem soltas no meu ouvido humidamente.
Ao me deixar levar pelo momento, sua fragância atravessou o meu rosto
empregando-se em meu olfato.
_desculpe-me ter vindo sem avisar. Mas não seria uma surpresa se eu
avisasse…
Foi só depois dele entrar que reparei que suas mãos estavam tomadas de
sacolas de compras e meus olhos estiveram presos nelas.
_ah, isso. Trouxe para você… bem, nós. Se quiser que eu te acompanhe
esta noite. _ gracejou ao explicar-se.
Incrível como aquele sorriso caia bem com a barba e o brilho nos olhos.
Seus dentes brilhavam como se fossem o reflexo dos seus olhos. Havia uma
improvável, mas incrível semelhança entre ambas – com certeza sua beleza
estava entre a ligação de seus olhos e o reflexo nos dentes, com o seu
sorriso e a barba composta.
Não parava de rir das piadas de Gumball e do seu irmão Darwin. Eu amava
a ingenuidade de Darwin – ele era gentil, tinha bom coração e conseguia
lhe dar melhor com os outros; diferente de Gumball que era arrogante,
excêntrico, egoísta e acima de tudo alguém que não tinha receio de
transparecer o seu pior lado e demonstrar que todos nós temos isso. Um
lado bom que poucos o verão e um lado ruim, que te fará ser julgado por
todo mundo.
Sou que nem o Gumball, tenho um lado difícil de ser compreendido por
quem comigo não convive, e de longe só é possível ver o egoísmo e a
excentricidade. O meu “eu” nunca foi notado á 100%. Somente 70 fica em
evidencia maior parte do tempo por ser fechada, centrada e desligada do
mundo exterior. Entretanto quando há recaídas, o restante da percentagem,
estes 30% causam toda a diferença.
_então, ele é um peixe que fala e tem pernas; o outro é um gato egocêntrico
e maquiavélico? E os dois são irmãos?
Era a quinta vez que tentava explicar o desenho animado ao Rafael que só
entendia de crimes e homicídios; de desenho animado entendia patavina
alguma.
_é o pai, Rafa…
_ahhh Rafael...
_desta vez nada tem a ver com gatos e peixes; ou pais gatos e coelhos que
fazem filhos peixes…ah
_neste caso…ta.
_tá, ok… Acho que não entendo o que isso quer dizer.
_como?
Senti-o receoso. Acredito que tenha achado sua pergunta inoportuna ou que
revelasse algo mais, reconfortei-o com minhas palavras.
Droga!
Esqueci-me que era o lugar onde ele viu-me daquele jeito e eu o expulsei.
Parei também o observando. Estava em transe. Era como se tivéssemos
recuado no tempo; á seis meses. Exatamente no mesmo momento onde
tudo terminou.
Podia dizer que não, mas eu tive medo de rever ela naquele estado outra
vez. Estive com receio de levantar a cabeça e ver aquele cenário de novo;
ver a Andressa desestruturada e totalmente quebrada. Tive medo de apagar
a imagem dela que já havia se reconstruído dentro da minha cabeça.
Fechei meus olhos apertando com força ao ouvir suas palavras ecoar na
minha cabeça de forma sinistra
NÃO. NÃOOOOO. Não me batas mais. Por favor. Não me machuque mais.
Ainda assim, seu olhar suplicava-me alguma coisa. Algo que sua boca
nunca teria coragem de me dizer e que seu corpo talvez não soubesse como
expressar.
Não tinha noção do quanto aquele dia tinha me afetado, ate hoje…
Eu não tinha que reagir daquele jeito. Mas como eu disse, não sabia que
aquele dia tinha me afetado tanto – apanhou-me desprevenido.
_Desculpa Andressa. Eu não queria reagir assim; eu só…
_não faz mal. Não podemos fugir do passado e nem fingir que nada
aconteceu. Certamente mereces uma explicação, infelizmente eu ainda não
sei como o fazer.
_não, não se preocupe com isso. Eu não quero que te sintas pressionada em
contar algo que não estejas confortável para falar. Eu entendo, sério. Não te
preocupes.
MANIPULAÇÃO DO AMOR
“Liberta-te”
Rafael Alano
Rafael
Andressa
Rafael
Andressa
Andressa
Rafael
_ninguém.
_ninguém, sei… Pronto?
_pensamiento…pensamiento.
_percebi… o que pensas em fazer neste final de semana? Faz tempo que a
gente não faz nada junto, já que sua vida agora é só Rafael, Rafael e Rafael
_então, admites que ultimamente tens estado mais com ele do que comigo.
_¿Estás celoso?
_jura?
_te lo juro
_deja de ser tonto. Incluso Rafael no tomaría su lugar. Eres todo para mí
Jay.
_com licença…
_sim Melissa
_desculpa interromper Andressa… tem alguém que quer vê-la
_e você… não merecerias saber, mas, para o seu governo o Rafael não está
no país. Saiu em missão de serviço.
_tu és impossível…
_estou ótima.
_oi Fely. _acenou Jameson para Felícia atribuindo nomes como sempre.
Jameson fez sinal com as mãos dizendo sem som a palavra “perfeito”, mas
verificando se alguém estava a sua trás. Bem, verificando se Rafael estava
a sua atrás.
_nossa, que maravilha. Fico feliz por ti. Então…tem algo em mente? Quer
levar só da sala, cozinha…
_tudo?
_tudo?
Existe forma melhor de começar o ano se não com mais dinheiro na conta?
Em sua imaginação.
Dei o primeiro passo e o seu corpo retrocedeu. Dei o segundo e ela voltou a
recuar. Quanto mais me aproximava, mas ela se afastava. Um jogo quente
no qual desesperadamente eu me sentia perdido.
Meu toque já estava em sua memória. Os poros de seu corpo se abriam com
a minha vibração.
Apertava as minhas mãos por cima do sofá com a mesma vontade e força
que desejava apertar seu corpo.
Não a precisei tocar, porque assim como eu, antes de nos fazermos sentir,
já nos sentíamos um dentro do outro! Nossas almas faziam amor, enquanto
nossos corpos se contorciam de desejo, um a espera do outro para ser
completo!
CAPITULO XVIII
Nunca os colherás,
“Venenosa”
Andressa Martinez
Na verdade, meus caminhos nunca foram curtos nem fáceis. Sempre soube
a direção que meus passos davam; sempre soube qual o caminho que eu
trilhava. Sempre soube desta longa, porém difícil e desgastante jornada.
O que eu não sabia é que isso me condenaria para sempre, e que seria um
caminho sem volta, que por mais que eu tente fugir dela, ela sempre volta
para me fazer lembrar que faz parte de mim, que eu vivo dela e sem ela eu
não vivo.
Infelizmente para mim, sou eu o fruto podre desta árvore. Sou a minha
própria destruição e o meu próprio veneno!
***
Mantive-me inerte. Quanto mais eu olhava para o seu rosto, mais raiva
sentia.
Meu mundo deu uma rápida parada. Em frações de segundos naquele lugar
não havia mais ninguém se não a gente. O som da música parou, as pessoas
voltaram a lá estar, porém não ouvia suas vozes nem os via se mover.
Houve um silêncio agudo e sua voz também foi cortada na minha cabeça.
_ você acredita que minha noiva me deixou no altar? Justo eu? Rui
McLoughlin.
_Palhaçada!
Fiquei feliz pela sua noiva ter tido uma escolha sensata. Bem que lhe
mereceu.
Fugir.
Hesitei por uns instantes, não queria tomar uma decisão estúpida e me
condenar por agir sem pensar, toda via já sentia a raiva apoderar-se de
mim.
Observei-os e notei que Andressa nada fazia. Deixou ele sentar-se em meu
lugar, a sua frente e se apoderar até da nossa garrafa de whisky.
Esperei para ver qual seria o seu proceder. Ela pediu-me confiança acima
de tudo, mesmo não sabendo nada da sua vida. Andressa não se sentia
ainda confortável em me contar. Não a censuro, tal como ela, eu também
tinha segredos. Coisas da minha vida sem gnose, que não me sentia
predisposto em contar-lhe.
Neste contexto ser impulsivo estava fora do alcance, entretanto minha raiva
aumentou com a ideia de que aquele mesmo homem talvez já tivesse ela
em seus braços; em sua cama... Era á única coisa que eu sabia dela. Que
Andressa tinha uma lista interminável de homens. Sabia bem que não tinha
sido o primeiro, nem o segundo homem com quem ela ficava
compulsivamente. Preferi não receber os detalhes, mas eu tinha noção.
Fiquei aí, parado, observando-os por tempo necessário até decidi ir-me
embora.
Não tinha nada á fazer. Tudo estava em suas mãos. Se ela permitiu ele
sentar-se e ficar aquele tempo todo..., pois bem, ela sabia o que estava á
fazer.
Virei-me de frente a sala e notei algo se mover no meu sofá. A sala estava
escura, entretanto brotava feixes de luz proveniente da cozinha, o que
deixava ela não tão escura. Peguei minha arma me posicionando em caso
de ataque. Aproximei-me para ver quem era, apontei a arma para o vulto,
liguei as luzes da cozinha e...
_Andressa!?
Não era a primeira vez que ela aparecia em meu apartamento de forma
repentina. As outras vezes a gente fez sexo, muito sexo. Ela sabia bem
como apimentar as coisas.
Fiquei com medo que ela tivesse mexido nas minhas coisas e encontrado o
anel da Lisa. Eu ainda não tinha lhe contado. Por quê? Não sei. Mas não
estava na hora. Ainda não...
ela abriu suas mãos e elevou ao rosto. Suspirei aliviado – Não foi desta,
Rafael.
{...} Não ouvi ela dizer nada, talvez porque não tinha nada a dizer.
_achei que estivesses muito ocupada. Com… sei lá, o seu amiguinho...
{...}
_...já que fui descartado, e trocado por ele.
{...}
_Andressa. Desculpa, não foi o que quis dizer. Eu. Eu fiquei magoado.
Chateado e irritado. Fogo! você deixou ele sentar no meu lugar e... Eu não
sabia mais o quê fazer. Me senti trocado. Traído.... Tudo isso é muito
confuso para mim…
{...}
_...nós precisamos conversar. Não podemos ficar deste jeito, sempre nas
incógnitas e nestas suposições. Tem algo que queiras me contar agora?
Algo que... _engoli em sego e serrei meu punho ao proferir aquelas
palavras que saíram com a maior dificuldade. _ ... aconteceu entre tu e ele?
Ela continuou calada, suspirando fundo; a seguir inclinou sua cabeça até
suas mãos que estiveram por cima de seus joelhos, e por último limpou as
lágrimas que escorriam sem parar.
_chore à vontade, meu bem. Não vou julgá-la por isso. Seja o que for,
quando estiveres pronta eu ainda aqui estarei para te ouvir! Não ligue os
meus ciúmes. As vezes eu exagero.
_tiveste ciúmes?
Ouvi um leve sorriso soar entre suas palavras. Foi fofo. Sua voz estava
mais calma, porém aguda e roca.
_não? Nem mesmo os seus ex...._estaquei mais uma vez. Graças a Deus ela
soube o que eu iria dizer.
_namorados. Não. Eu... _agora foi ela a dar uma ligeira pausa.
_...nunca tive.
Retrai a respiração e esperei ouvir o que vinha a seguir. Coisa boa não era...
_eu só...
E mais uma vez senti uma facada no cocarão. Sei que não devia, acontece
que eu sentia que Andressa era muito minha, e saber que vários homens a
tiveram, me deixava enraivecido. Era duro pensar nela daquele jeito. Mas
era… sem julgamentos, Rafael.
Engoli em seco ao ouvir estas palavras. Tal como aquele jovem e tantos
outros que se envolveram com ela, eu não era diferente.
ALMA NUA
O vazio em minha alma
“Cinzas” – Venenosa
Andressa Martinez
Abrir os olhos foi a coisa mais difícil que tentei fazer depois de uma noite
completa de lágrimas.
Seu “bom dia” não podia ser o mais prazeroso. Deu-me um beijo na testa e
nas suas mãos segurava uma bandeja rechiada com o pequeno almoço.
_eu já me vou, meu bem. Quero que comas e que voltes a descansar a
seguir, sim…!? Quero encontrar-te quando regressar do trabalho, pode ser?
Assenti. Voltou a dar-me aquele mesmo beijo molhado e singelo, desta vez
foi na boca, a seguir na testa.
Eu e Rafael não estávamos numa relação como tal, até porque… sei lá, não
sentamos ainda para falar sobre isso. Mas o meu corpo não conseguia mais
ficar longe do seu. É algo totalmente novo para mim. Ele é tudo que uma
garota sonhadora deseja ter. Atencioso, inteligente, gentil, cavalheiro;
cuidador, protetor, transparente, gato, gostoso… incrível. Um bom homem.
Uma excelente pessoa com caráter.
Se ele não se pronunciar, eu mesma darei os primeiros passos para que isso
aconteça. Para que de uma vez sejamos “Eu e Ele”. O Nós – Andressa e
Rafael para todo sempre.
Talvez ele devesse estar á espera de um sinal meu, ou que eu diga alguma
coisa que o faça concordar comigo; neste caso… sem problemas!
| Vamos á isso! |
Jameson
O embate foi forte, o que fez com que caíssem as roupas das minhas mãos,
e do local uma caixinha de madeira. Ela abriu-se e tudo que nele continha
espalhou-se no chão.
Peguei o que esteve mais próximo de mim – o cartão que eu o tinha dado
de presente quando mandei a mesa de cabeceira. Junto a roupa cintilava um
objeto metálico. Segurei confusa.
_não, não, não, não, não. Não! Ele não pode ser casado.
Naquele mesmo instante senti meu corpo entorpecer. Uma data de coisas se
passou pela minha cabeça como um flashback.
Chorei amargamente porque sim, acreditava que a outra devesse estar com
a mulher, obviamente! Enquanto ele escondia a sua.
Estava zonza. Não conseguia acreditar que ele fizera isso comigo.
Este tempo todo eu fui uma tola, boba, estúpida em abrir meu coração e me
permitir sentir algo por ele.
Tinha o melhor sorriso, o melhor carisma; possuía um ser completo. Ela era
radiante, alguém que transparecia a felicidade e amor puro.
Foi tremenda loucura, toda via nunca me senti tão vivo e certo de alguma
coisa quando nos casamos, não tendo me arrependido um só dia por ter
feito. Ela estava tão feliz…, mais feliz que nunca! apesar de termos nos
casados do dia para noite sem o anúncio prévio aos nossos parentes, e sem
sua comparência e testemunho – apenas eu e ela. Ainda assim foi o melhor
momento de nossas vidas.
Três dias depois, foi o fim daquilo que seria um começo. O início de uma
vida á dois – da nossa unificação e jura de amor eterno.
A morte chegou cedo demais, sem um rótulo ou um apresto. Sem uma data
de antecedência que nos preparasse para o último adeus.
Minha Lisa se foi, porém, sua vida de mim nunca será esquecida ou
apagada.
Nem que passem mil anos, eu não me esqueço que foi culpa minha. Só
minha!
Deitei na cama colocando o meu anel no
dedo – Foi melhor assim…
Eu ainda amo a minha Mulher, sempre a vou amar. Andressa não precisava
de um fardo do seu lado, não tinha que sofrer mais com este amor
impossível. Ela estava melhor sem mim.
Meu corpo dizia Lisa. Meus passos caminham com Lisa. Minha alma
transparece à Lisa. E eu…, continuo amando a minha mulher. Minha eterna
Lisa.
CAPITULO XX
“Cinzas”
Rafael Alano
«Não precisamos ser fortes todos os dias. Por vezes é necessário permitir-
nos sentir e nem que for por um instante deixar fluir os pensamentos
negativos; pensar no quão foda nossa vida está por conta dos erros e das
falhas…só não deixe isso te consumir. No final saiba libertar-se da
negatividade e te desprenderes das manchas pretas criadas pela
escuridão.»
***
Aos poucos via minha luz interior ser apagada e esvaecer-se, tal e qual
quando perdi Lisa.
Foi aqui que conheci o amor e a dor. Soube o que é ser resgatado da
opressão, porém aniquilado por um amor complicado demais, ou ao menos
eu o complicava.
A primeira semana foi suportável, eu conseguia inibir meus sentimentos e
não deixar eles ainda tomar partido de qualquer decisão.
Minha irmã Felícia aparecia algumas vezes em minha casa e via o meu
estado. Por mais que minha boca dissesse as palavras “eu estou bem”, meu
rosto contrariava á descarada.
{...}
_odeio ver-te deste jeito... Cadê aquela energia que ainda as tinhas mês
atrás? Cadê o meu Rafael? Aquele que proporciona luz no meio da
escuridão…? por onde estiver ilumina e realumia…? Cadê...
Tal como Felícia, Andressa também chegou de dizer que eu era como uma
luz.
Como é possível eu ser a luz de alguma coisa sendo que faz anos que me
sinto totalmente apagado!? Faz anos que a vida obrigou a desgastar-me
dela –Perdi meus pais muito cedo; perdi minha esposa, e agora perdi
alguém que em partes nunca á tive, contrapartida sentia-lhe minha.
Que luz era essa que verdadeiramente nunca á senti reluzir? Que luz é essa
que nunca a vi brilhar na escuridão, nem tão pouco no final do túnel? Que
tipo de luz era feito Rafael Alano?
Nada mais esperei porque estava decidido.
Saí às pressas dirigindo feito louco até a avenida 114 e parar o elevador no
penúltimo andar –Porta à esquerda, apartamento 10.
Cerca de vinte minutos fiquei parado, encarando a porta e imaginando uma
data de coisas.
Foi quando pensei que talvez não devesse estar em casa e sim em outro
lugar. De novo às pressas conduzi até seu local de trabalho.
_não, o senhor não pode entrar… _emendou a rececionista, mas já era tarde
demais
Quando entrei ela não moveu nenhum músculo do seu corpo, apenas
sobressaltou os olhos á porta em minha direção. O seu olhar encontrou-se
com o meu, porém nada representou naquele momento. Estava
indecifrável, inexpressiva.
Logo a seguir voltou ao que outrora estava fazendo, como se tivesse feito
um reverse, e como se eu não estivesse ali.
Tal como sua posição, uma parte de seus cabelos também estava inclinado
para o lado esquerdo. Ela ficava sexy quando os colocava numa das
laterais, fazia realçar os traços de seu rosto deixando-lhe numa perfeita
combinação de inocência e perigo.
O barulho que o objeto vez ao tocar-se com o móvel foi como um fiozinho
de sinalização de um canal de rádio, ensurdecedor para muitos,
esperançoso para quem anseia ouvir o canal.
Andressa não era dura, entretanto esta sua postura rígida e de desprezo no
fundo eu bem sei que merecia.
Andressa Martinez
Ouvi o som do anel ser pousado a minha frente. O metal colidiu com a
mesa fazendo o meu corpo arrepiar-se.
O arrepio foi a única reação que permiti meu corpo perpetrar e, sua voz
quebrou o silêncio que se predominava naquela sala.
_quando quiseres, embora não mereça, eu sei, mas eu peço-te. Imploro por
me deixar contar-te sobre isso. Mas só quando quiseres.
{...}
_demore o tempo que quiseres. Leve o tempo que achares necessário para
ti, estás no teu direito. Ainda assim, estarei esperando por ti pacientemente.
{...}
_Andressa...
E, a aliança…
Não sei por que quis esconder dele o anel, mas no fundo eu sabia sim o por
quê…
Não gostava de esconder coisas do meu amigo, porém não o quis chatear
com isso de novo.
Ele já estava envolvido demais com os meus problemas. Ele também tinha
os seus.
Um final que Eu e Tu
Nunca merecemos!
“Liberta-te”
Andressa Martinez
Fui inaudita com sua resposta, em algum momento eu esperei ouvir o que
ouvi.
Fechei meus olhos sentindo o peso daquelas palavras. Por fim as lágrimas
que se prendiam em volta de suas íris soltaram-se, escorrendo entre seu
rosto até minhas mãos.
_não, não Andressa. Não é isso que estás a pensar. Eu sou culpado sim,
mas eu não… a verdade é que eu vi ela morrer e não pude fazer nada. Não
consegui segurar sua mão enquanto ela gritava freneticamente por ajuda;
suplicava que eu segurasse..., eu não consegui. Não fui rápido o suficiente,
não fui um bom marido, não cuidei bem dela…eu deixei ela morrer. Deixei
ela cair e sumir do meu campo de visão. Fui um imaturo, não a protegi,
Andressa. Não segurei sua mão. Não fiz a única coisa que ela pediu que eu
fizesse naquele momento.
Sua pandega situação fazia-me crer na hipótese de que era a primeira vez
em que Rafael se libertava. Acreditei ser a primeira vez que ele expressava
seus sentimentos mais profundos e íntimos para alguém; dizer o que sua
alma gritava incessantemente. Talvez devesse estar neste silencio á anos,
guardando para si estas palavras, vivendo camuflado, preso nesta
lembrança aterrorizante; sofrendo sozinho – somente ele e sua dor.
Péssima escolha de palavras, Rafael – Não sei porque, não devia, mas ele
ter dito aquilo me magoou. Estava com ciúmes de uma pessoa morta!?
Onde já se viu isso Andressa, cade a empatia?
Ele esteve lá e não pode fazer nada. Esteve a centímetros de salvar uma
vida, mas o destino tinha outros planos – deixar sua vida marcada com essa
culpa, com essa dor, com esse fardo difícil de carregar. Ainda assim ele o
fazia. Onde quer que ele estivesse essa imagem o perseguia, sua esposa
estava lá pedindo que ele, seu homem, seu marido, seu protetor o
protegesse, que á salvasse. A vida de alguém nunca esteve tão dependente
quanto a de Lisa esteve da do Rafael. Ela dependia única e exclusivamente
dele. De suas mãos.
Não foi culpa sua. Ele nunca saberia que aquilo iria acontecer justo com
ela. Ele nunca pensou que aquilo aconteceria no auge de seus dias mais
felizes e que aquilo acabaria com sua vida se tornando numa assombração.
Ele não tinha culpa por mais que o mundo o condene. O estar naquele lugar
foi consensual, ambos quiseram.
Estiveram desprotegidos? Sim, mas isso não ditaria que o pior tinha que
acontecer justo com eles. Não mereciam. Rafael não merecia.
Três curtíssimos dias que não cobriram com certeza o tanto de amor que
sentiam um pelo outro.
Os planos... meu Deus, …os projetos que tiveram juntos…o tanto que esse
casal teria para dar, mas o destino privou-lhes de tudo isso. Porque assim
ele o quis.
Talvez devesse ser a escolha de Deus. Mas eu nunca vi tanta injustiça vinda
dele. Perdoe-me senhor, mas não me cabe ouvir esta história e achar
alguma benevolência. Não encaixa a expressão “Deus sabe o que faz”.
Minha vida nunca foi tão insignificante ao lado da de Rafael. Não imagino
perder alguém que amo, e ainda mais nestas condições. Vê-lo morrer e não
conseguir fazer nada, por mais que me capacite.
Rafael deve ter sentido o desespero afluir naquele momento, mil coisas
devessem atravessar sua mente numa onda incansável de questionamentos
– “Por quê viemos aqui? Por quê eu não a segurei? Por quê eu tinha que
assistir de camarote? Por quê eu não tive forças suficientes em segurar sua
mão quando ela suplicava por isso? Por quê eu não tive forças? Por quê
ela e não eu? Por quê essa dor? Por quê esse tormento, essa angustia e
profunda tristeza? Por quê eu não consigo esquecer…?”
Engoli em seco e mais uma vez eu pude perceber o quão merda a vida é.
Não sei como Andressa recebeu toda essa história, nem ao menos sei se
verdadeiramente acreditou em mim.
Olhei-a, mas seu rosto não expressava nada, ou eu estava abalado demais
para no mínimo tentar decifrar seus pensamentos.
Minha casa estava silenciosa. Ouvia-se apenas o som emitido pelas nossas
respirações, da minha pelo menos, ela parecia estar... desestabilizada. Era
um bom sinal, isso podia significar que tinha acreditado em mim.
Meus olhos encheram-se de lágrimas. Desta vez não foi por tristeza. Foi
porque Andressa estava tirando um peso das minhas costas. Finalmente eu
sentia o alívio que a anos venho procurado. Eu acreditei! Desta vez eu
realmente acreditei que não era o culpado pela morte de Lisa. Eu sentia
isso, e foi bom.
Eu quase não abraçava ninguém, com Andressa foi tão natural, tão
libertador.
***
Não conseguia perceber direito no que ela se reveria, queria saber mais,
porém tinha receio em perguntar. Eu sabia que um dia Andressa se
revelaria para mim, era só uma questão de tempo.
_...eu e Lisa tivemos uma história, não posso dizer que faz parte do meu
passado sendo que na verdade nunca tivemos um final. Acho que
privilegiadas são aquelas pessoas que terminam um relacionamento por
intermédio de uma briga, ou por não se conhecerem mais; por não houver
compatibilidade nos gostos, planos ou sonhos, que do dia para noite o amor
que outrora sentiam um pelo outro tenha chegado ao fim, evaporou-se,
sendo surpreendidos pelo desamor… Ou ainda aqueles casais que depois de
tudo percebem que os anos foram compensadores para eles e que chegou a
hora de cada um seguir o seu caminho na passividade…. Estes sim são
abençoados. É uma bênção, creio eu, poder findar com o casamento por
intermédio de uma briga seja ela boba ou não; ou mesmo ainda terminar
por uma traição. Aceitaria tudo isso, menos uma morte prematura e trágica.
{...}
_nós não tivemos brigas, nem traições, somente sonhos, planos e o desejo
de permanecer juntos. Não sei se o destino verdadeiramente assim o quis, a
verdade é que para mim a morte de Lisa nunca foi o nosso fim. Eu vivi
durante estes anos todos com suas lembranças, com o seu sorriso, sua voz
doce, suas palavras…, memória é tudo que fez de nós, ser nós. Hoje eu não
tenho nada disso, não tenho nada por que no final nunca tivemos nada! Em
três dias não se constrói uma vida, em três dias não se forma o “para
sempre”; e o “até que a morte os separa” não era para ser em três dias. O
que eu quero dizer com isso Andressa é que sim, eu amei Lisa, ela foi o
meu primeiro amor, mas, eu amei quem ela foi, e quem ela é hoje? Um
esquálido, uma pessoa inexistente, um ser que a vida lhe foi privada muito
cedo. Hoje Lisa é só lembranças que ainda vivem em mim. Não tenho
desejo algum de apagá-las, com tudo, isso não quer dizer que eu não possa
seguir com a minha vida. Por anos acreditei nunca ser possível, mas aí, no
lugar em que menos esperava apareceu uma mulher, de cabelos escuros,
usando um vestido vermelho e causando o maior caos em apenas duas
horas. Cálida. Andressa Martinez. Você.
****
Foi um sorriso breve, durou apenas alguns segundos. Rápido demais para
poder o contemplar, quase a obriguei a repeti-lo.
{...}
_nos meus sonhos reinava uma anarquia. Eras tu, era a tua imagem usando
as últimas palavras de Lisa antes de…dizias – “Segure á minha mão”
dentro de um poço. Era como se precisasses de mim; que precisasses que
eu segurasse a tua mão, tal como… a Lisa precisou. Minha vida nunca
esteve num equívoco tão grande… eu quero…ajudar, mas não sabia
como… E no final, a meio de tudo isso o que doeu mais foi ver que não
confiavas em mim o suficiente para entender-te e que a melhor solução
para ti foi afastares-me da tua vida.
_eu sei. Não o digo no intuito de fazer com que te sintas mal.
Simplesmente estou a ser honesto contigo, contando toda minha história. E
acredites ou não ela não girou só em torne de Lisa. _gracejei.
O EU EM MIM
Andressa Martinez
.........****.......
A muito que levo uma vida soberba, macabra, uma vida robusta. E não,
não serve de consolo para ti nem para mim, porque nunca fui uma flor que
se cheire. Percebi da pior forma!
Por anos tentei lutar contra mim mesma, fingindo não ver quem eu era.
Nunca fugi, nunca evitei, só ignorei os sinais. Ignorei a minha alma podre
por dentro, o veneno que se apoderava do meu corpo e se mantinha lá,
encarcerado; ignorei os passos que eu dava trilhando um caminho sujo,
um caminho profundo que me afundava cada vez que marcava os meus
passos e seguia pela mesma direção.
Eu ouço o meu coração bater, mas não o sinto. Á muito que sou essa
escória. Essa perdição.
Vendi minha alma ao diabo e sei que isso não tem salvação. Condenei-me
e me submeti a ele. Sou um ser sem vida, sem luz e sem direção.
É justo dizer que eu vivo, mas caminho de mãos dadas com a morte por
que eu e ala somos uma só, como a unificação do mal. Uma maldição
inquebrável. Venenosa, por dentro e por fora.
***
Rafael segurou minha mão retirando o olho sobre ela, pousou na cabeceira
enquanto fixei meu olhar para nos lenções azuis cobertos na cama. Elevou
o meu rosto, beijou minha bochecha direita, a seguir meus lábios, e por fim
minhas mãos – Conforto. Segurança. Atenção. Foi o que aqueles beijos
queriam dizer para mim.
Rafael disse, porém sem palavras que estava inteiramente para mim
naquele momento. Que não só me ouviria, como me confortaria. Acontece
o que acontecer, ele continuaria segurando minhas mãos.
Terceiro e último passo – Tire para fora o que nunca foste capaz de o
fazer. E diga em voz alta as palavras duras que te custam dizer.
_17 anos. Eu tinha 17 anos quando achei o corpo da minha mãe pendurada
no quarto, com um banco que mal os seus pés o alcançavam, enrolada ao
pescoço uma corda. Ela decidiu acabar com sua própria vida no exato dia
que eu completava os malditos 17 anos; no dia do meu aniversário.
Agora foi ele que esteve cabisbaixo, imaginando talvez, o que é ver sua
mãe morta no seu suposto dia especial.
_feliz…ou infelizmente não é daí onde tudo começa. Eu sou... bem, eu fui
usuário de drogas por um bom tempo. Muito tempo na verdade. Eu cresci
usando drogas. Recorri aos anestésicos porque achei que precisava deles
para…bem, sobreviver. Usei um pouco de Xilocaína/Lidocaína, Cetamina,
Morfina... e algumas misturas que os meninos do meu bairro adquiriam de
alguma forma e que eu já não lembro dos nomes…, são as drogas que...
_fazia algum tempo que não os usava, antes de te conhecer. Mas naquele
dia, naquela noite vi-me obrigada a faze-lo. Era o dia do meu aniversário.
Como já deves saber, também foi o dia em que ela… Sempre amaldiçoei
este dia, porque era nele que eu via toda minha máscara cair. Neste dia eu
via quem eu realmente era. Eu não conseguia fingir. A Andressa de á nove
anos estava lá, vestida de preto, com os pulsos cortados e ferimentos por
toda parte do corpo. A cabeça cheia com a rejeição e a negação. Esta era a
imagem que me fazia todos os anos não querer que nenhum músculo do
meu corpo se movesse. Que meu cérebro deixasse de funcionar e que me
deixasse ficar naquele vazio, imóvel, com o corpo totalmente petrificado.
{...}
_eh…, enquanto em vida, minha mãe foi dependente de álcool. _semicerrei
os olhos, suspirei falando com a voz trémula, sentindo a dor aguda por
dentro ao dizer.... _. Nunca conheci meu pai. Não sei se existe de verdade
_sorri forçado _ou minha mãe me fez sozinha. Rhun. A verdade é que ela
nunca me contou nada a respeito; teve outra relação que… não sei se foi
uma fuga para sua vida miserável. Meu padrasto era a pessoa mais
desprezível que eu já conheci. _disse no passado por que…ah, sei lá. _.
Com dezasseis anos eu fugi de casa. Minha mãe tentou matar seu marido
pela terceira ou quarta vez, isso devido os maus-tratos. Ele batia nela, e
pouco tempo depois ele passou a bater-me também.
_este homem nunca foi para a justiça. Ele era a justiça. _falei com o olhar
distante, por um instante eu vi a raiva que sentia por ele retomar.
Rafael olhou profundamente nos meus olhos e vi seus dentes ranger, com o
punho cerrado amassando os lençóis da cama. Ele se corroía de raiva pelo
homem que quem sabe Deus ainda estaria vivo ou não...
_não demorou muito para que eu visse sua verdadeira monstruosidade, seu
verdadeiro eu por dentro. Quase morri em suas mãos. Fui parar ao hospital
com graves queimaduras. Fiquei em coma por um mês, e quando despertei
já era um ano novo. Eu tinha ganho o maior e melhor presente que já tive
na vida – uma vida após a morte. Ah, e esta imagem. _disse por último
apontando para meu rosto desfigurado.
Receei por algum momento antes de dizer o bendito procriador desta obra.
_meu padrasto…
senti mais um aperto forte nas minhas mãos. Desta vez doeu, tanto que me
dificultou terminar a frase.
_Andressa… _sussurrou meu nome com a voz falha. Ele estava devastado,
conseguia ver sua aflição.
_este homem quase acabou com a minha vida. Tenho sua marca
inamovível em meu corpo para todo o sempre. Por mais terapias que faça,
por mais soluções que me sejam apresentadas por cirurgiões plásticos,
oftalmologistas, todos esses médicos... ninguém, nenhum deles conseguiu
tirar essa cicatriz e apagar esta história. Dói, Rafael; até hoje dói. Eu olho
para mim e só consigo ver a menina de 17 anos que foi brutalmente
espancado por pessoas desumanas, podres por fora e por dentro, que não
medem as consequências de seus atos, que para eles ninguém merece viver
além deles mesmo. Eu vejo uma menina que nunca foi amada pelos seus
pais, que foi abandonada, negligenciadas e maltratada. Olho para mim e
vejo dor, sofrimento, feridas incuráveis, uma vida revestida de perversão.
Olho para mim e... _já era difícil conter as lágrimas. Elas se espalhavam, e
transbordavam juntamento com o desespero que sentia.
_...vejo nada. Vazio! Eu nunca fui alguém. Sempre me fiz acreditar que era
forte, que conseguia passar por cima do meu passado, dos olhares, dos
meus erros, das minhas falhas…, mas no fundo era tudo mentira. Farsa.
Uma escapatória a minha realidade. Ao meu eu verdadeiro.
{...}
_olha para mim, Rafael…, quem amaria uma mulher deste tipo? Você?
Você aceitaria ficar com uma viciada em drogas? Com uma mulher que se
deita com qualquer homem que aparece a sua frente? Uma mulher sem
vida, morta, destruída por dentro e por fora? Preenchida de buracos…?
Aconteça o que acontecer, que o mundo e minhas palavras me condenem.
Nem que se passem mil anos isso nunca mudará. Minhas feridas nunca
serão curadas. Meu destino está marcado e selado. Eu sou a escuridão,
Rafael, eu sou a morte encarnada em pessoa.
«Palavras são importantes.
Mas ainda tinha as minhas dúvidas. Ainda tinha questões que me faziam
duvidar da minha verdadeira essência. Então eu disse para Rafael, olhando
na íris de seus olhos e duvidando das minhas próprias palavras:
_ Eu não sei quem eu sou. Acho que nunca soube. Não sei se sou aquela
menina que sofreu as piores atrocidades durante a fase que era suposto me
conhecer, ou se sou esta jovem mulher que se deita com qualquer homem;
ou ainda se sou esta Cálida que tanto dizes eu ser. Que é autêntica, que tem
luz própria, que transcende e possui sua aura quente, como dizes:
«excentricamente ardente». Talvez seja uma escapatória afirmar
categoricamente que não me conheço, facto é –nunca me dei a
oportunidade de o fazer. Sempre fugi da minha realidade, optei em não
sentir, em não me importar... como vou saber quem sou se não me permiti
se quer me conhecer? Saber das minhas aflições e o impacto que elas
traziam para mim? Saber até que ponto todo o meu passado influenciou na
minha personalidade transformando-os em medos, angustias e
frustrações? Pergunto-me qual seria o meu papel no meio de tudo isso.
Como é suposto encarar o presente e superar o passado? E, a quem se
basearia o meu eu – A Menina sofrida, a jovem mulher desprezível, ou a
Cálida, uma pessoa que só tu conheces, Rafael.
LIBERTA-TE
E tão logo percebi que
o segredo
e sim,
Rafael Alano
Andressa se demonstrava ser alguém aparentemente forte. Mas ela era sim.
Em suas costas carregava uma luta desmedida, que seus olhos nunca foram
capazes de ver o turbilhão de coisas que esta mulher alavancava por dentro.
E isso representava quem verdadeiramente ela era.
Sei que me chamo Rafael Alano – órfão de pais, tem uma irmã como sua
única família, trabalha numa delegacia em Porto Rico, tem…bem, tinha
planos de vida, porém por força do destino seus planos foram por água a
baixo; perdeu a mulher muito antes de ter vivido tudo que juntos
planejaram. E… Hoje tem apenas o trabalho, sem sonhos, sem novos
planos; dececionado com o rumo que o seu destino escolheu. Anda
amargurado pelo mesmo outrora ter lhe proporcionado pequenos instantes
que eram para ser uma vida completa. Então... este é quem eu sou??
……..****…….
_. Algumas pessoas acabam por não aguentar suas lutas, suas dores...
desculpa em dizer, mas…, olha para sua mãe!? Ela não foi forte como
você, ela não aguentou suas lutas, suas dores, e acabou por se matar. E tu?
Tu continuas aqui, lutando. Não foste capaz em pegar numa corda e acabar
com sua própria vida. Nunca o fizeste. Tu preferiste caminhar, preferiste
navegar neste mar embora carregado de ondas destruidoras e icebergues.
Viver é como estar no mar, a deriva, na beira da água – á medida que
marcamos os passos, que caminhamos surgem ondas leves e outras mais
agressivas. O que vale é não ficar pelo caminho, e não se deixar afogar. A
linha de chegada está bem a sua frente, Andressa. Você conseguiu,
navegaste por cima das ondas e conduziste o seu barco até a maré. Sei que
ainda assim existirão marcas, suas cicatrizes. Não deves olhar nelas como
fracasso, como a marca do que te feriu; nem deves sentir sua dor
novamente. Elas não servem para isso, servem para te autoavaliares. Suas
cicatrizes mostram-te o quão forte tu és, que não foram capazes de te
destruir, elas nunca conseguiram acabar com sua vida! Prende-te nisso,
Andressa.
_sei que isso não apaga o seu passado, nem tão pouco vai refazer sua
história. Eu digo para que, pelo menos amenize o teu sofrimento. Eu sei
que dói, porém, toda dor passa, e acredita em mim, quando chegar sua
hora, tu nem te vais aperceber que tudo isso não passou de um teste. E
adivinha só?... você passou. Essa és tu, Andressa – a sobrevivente.
Não precisas de mim ou de ninguém para tirar-te do poço infinito de
incertezas e dúvidas quanto ao teu verdadeiro eu. Tu já fazes isso desde
pequena!
Liberta-te, Andressa.
Liberta-te e seja esse fogo ardente, esse ser que possui uma excentricidade
que sempre esteve revestido dentro de ti. Liberta-te do teu próprio veneno.
Saiba que… Ele nunca foi mais forte que tu!
Epílogo
Algumas horas mais tarde…
Segurar suas mãos não foi suficiente, nada do que diria seria hábil para
moldar o que Andressa sentia.
Retirei cada peça que compunha o seu libré até deixar seu corpo exposto
para mim, deslizei minha língua na sua boca, a seguir ao seu queixo no
mesmo instante que beijava carinhosamente suas bochechas, e as demais
partes do seu rosto. Minha boca passou pelo seu pescoço, seus ombros,
seus seios e seu umbigo. O corpo de Andressa estava gélido, o oposto da
sua personalidade; ela ainda sentia toda dor e angustia, mas ainda assim
não parei de proporcionar-lhe as carícias que significam o quão sua historia
era importante para mim.
Eu não a estava dando prazer, não era a minha intenção. Estava a fornecer-
lhe conforto e estabilidade por intermédio dos beijos e das carícias,
entabular seu corpo para receber o meu amor.
Andressa não parou de chorar, e eu não parei de dar a ela o conforto de que
precisava. Continuei perpassando minha língua pelo seu corpo, enquanto
isso, eu proferia palavras que de certa forma achei necessário dizer.
Um beijo – Tu
Um beijo – ou Cálida
Um beijo – E eu
Um beijo – Rafael
Um beijo – juntos
Um beijo – tivemos
Um beijo – mil maneiras de viver
Um beijo – e…
Um beijo – o destino
Um beijo – quis
Um beijo – …, nada
Um beijo – conseguiu
Um beijo – acabar
Um beijo – nada
Um beijo – conseguiu
Um beijo – não
Um beijo – ditam
Um beijo – quem
Um beijo – tu és.
Um beijo – não é
Um beijo – nem
Um beijo – seu futuro.
Um beijo – Tu
Um beijo – és
…***…