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SÍNTESE

“Não cheguei mais


perto da morte porque
eu e ela somos uma
só.” Andressa sempre
viveu na incerteza de
seu ser. Suas lutas
incansáveis se
predominavam, seu eu
incomum a mutilava
lhe deixando cega,
sem poder enxergar a
verdade; sem poder
ver o que não só seu
corpo espelhava como
sua alma. E no final
ela teve do seu lado a
vida e a morte de
mãos dadas, com 101
motivos para desistir
e 101 motivos para
persistir...

1O1 NOITE Autor


Eurídice Santos

Viver entre á Morte


«Foi preciso morrer para viver
Pois enquanto eu morria…
Um novo eu renascia!»
Copyright © 2022-2023 by Eurídice Santos

TÍTULO ORIGINAL

101 Noites – Viver Entre a Morte

PREPARAÇÃO

Eurídice Santos

REVISÃO

Eurídice Santos

ARTE DE CAPA

Luísneto_artista

ADAPTAÇÃO DE CAPA

Luísneto_artista

REVISÃO DE E-BOOK

Eurídice Santos

GERAÇÃO DE E-BOOK

Eurídice Santos

Edição digital: 2022 – 2023

1ª edição

Todos os direitos desta edição reservados à:

EURÍDICE SANTOS

Angola-Luanda – 05-03

Tel.: 929783540
De:

EurídiceSantos
Breviário

FOLHA DE ROSTO

CRÉDITOS

NOTA DA AUTORA

PREFÁCIO

CAPITULO I
Viver Entre a Morte
CAPITULO II
RENASCER
CAPITULO III
O EMBARQUE
CAPITULO IV
BEM VINDA AO LAR
CAPITULO V
O INÍCIO DA MINHA REDENÇÃO
CAPITULO VI
LIBERDADE NÃO CONDICIONAL
CAPITULO VII
ESCULPIDO DE SADISMO
CAPITULO VIII
HONRA
CAPITULO IX
AQUECE O MEU CORPO E MINHA ALMA TAMBÉM
CAPITULO X
LEMBRANÇAS
CAPITULO XI
DIAS BONS, DIAS RUÍNS
CAPITULO XII
DIGA QUE SIM
CAPITULO XIII
LAÇOS DE AMOR, LAÇOS DE DESTRUIÇÃO
CAPITULO XIV
NUMA ESCALA DE UM Á DEZ, QUAL É A PROBABILIDADE DE
TER VOCE?
CAPITULO XV
FELIZ NATAL
CAPITULO XVI
O “NÓS” QUE NUNCA EXISTIRÁ
CAPITULO XVII
MANIPULAÇÃO DO AMOR
CAPITULO XVIII
O MAL QUE AINDA EXISTE EM MIM
CAPITULO XIX
ALMA NUA
CAPITULO XX
O FIM DO MEU REINADO
CAPITULO XXI
ASSIM O DESTINO O QUIS…!
O EU EM MIM
CAPITULO XXIII
LIBERTA-TE
Epílogo
Nota da Autora

Caro leitor,

Este livro é a continuação de 101 Noites e foi escrito para dar suporte ao
primeiro.

Trouxe alguns pontos que no decorrer da escrita achei por bem serem
frisados aqui e deixar o livro bem mais delineado.

Apresentei um pouco mais da realidade de Porto Rico, e foquei-me também


naquilo que são Problemas Existenciais e Emocionais e alguns traços de
Transtorno de Personalidade dentro do ramo da Psicologia, como também
alguns comportamentos, sinais e sintomas presentes em pessoas que se
caracterizam por um quadro de «instabilidade emocional», o que muitas
vezes pode ou não ser considerado como transtorno propriamente dito.

Fique descansado se notar qualquer semelhança. Não quer dizer que sejas
uma pessoa com alguma doença mental. Eles são difusos. Só um teste e
uma boa avaliação feita por um especialista poderão dizer se és ou não
uma pessoa doente.

Obs.: Para perceber-se esta segunda parte convém ler o primeiro livro - 101
Noites – Disponível!

Obrigada por acompanhar-me neste meu mundo louco e fantasiado

Espero que gostes e, espelhe seu veneno enquanto te libertas de tudo que te
prende! 😂 – um recadinho da nossa “Venenosa” Andressa Martinez e do
nosso líder do “Liberta-te” Rafael Alano
PREFÁCIO
Após todo o compilado de episódio que refletiam suas dúvidas e incertezas;
seu suposto “eu” pouco convencional…, Andressa aceitou em ato de
coragem persistir, encarando tudo o que provinha do seu obscuro, insano e
controverso, como um possível caminho para o alcance do seu eu
verdadeiro; lutando arduamente contra si mesma.

O que Ela não sabia é que suas noites, assim como sua mente avassaladora
apesar de insanas, eram também um tanto quanto enigmáticas, pois
emanavam pistas para que alcançasse o seu verdadeiro eu.

Mesmo detestando este seu lado, que consequentemente a deixava confusa


sobre o seu ser, nascendo a dúvida se representava na totalidade seu eu
verdadeiro ou apenas uma força do interior pela qual ela tinha que lutar
contra se quisesse descobrir quem ela realmente era.

Nesta segunda parte do livro 101 Noites – Viver entre a Morte, você vai
perceber que:

Essa luta permitiu que ela finalmente conhecesse seu outro lado diferente
do conhecido que anteriormente predominava em seu íntimo. Tudo isso
como recompensa de sua persistência na luta contra o amor e o prestígio
relutante evasivo.

101 Noites não seriam 101 Noites, se Andressa não tomasse seu lado
controverso com a definição do seu ser. E aqui suas noites continuam pois
preferiu acreditar que o melhor estava por vir.

Luísneto_artista
PRÓLOGO

Andressa sempre teve um lado… diferente; ou como ela mesma designava


“venenosa” – a sua pior versão; seu lado ruim e obscuro.

Era a parte que ela mais detestava em si; o lado que mais a consumia por
dentro, que não sabia ao certo se era ela mesma (o seu eu verdadeiro), ou se
apenas lutava contra ele, se fugia dele, evitava ou fingia não a pertencer…
em geral, era a sua pior versão.

Nesta segunda parte do livro mostra-nos que em meio suas lutas, ela
conhecerá um lado novo. O lado que talvez ela não reconhecia, ou
simplesmente a desconhecia.

Viaje comigo e se sinta livre de vivenciar a interligação da Morte e a Vida


andando de mãos dadas

Trago-vos 101 Noites – Viver entre á Morte


Loucura foi achar que estava tudo bem. Não estava bem coisa
nenhuma.
Não estava nada bem!
Rafael tinha acabado de me ver no meu pior estado, no qual nem eu
mesma me reconhecia. Como se não fosse pouco eu me permiti sentir.
Era um facto que eu sentia algo por ele. Por mais que eu não queira
admitir; por mais que me custe aceitar; eu acho que… o amo.
CAPITULO I

Viver Entre a Morte

Se escapar da morte é a sua chance de viver

Então viva

Se vingando daqueles que quiseram acabar com a sua vida!

Anteriormente…

Em cada ano da vida nós esperamos que o próximo sempre seja melhor.
Melhor em dias bons, melhor em conhecer sítios novos, melhor em sonhar,
acreditar, realizar e exclusivamente melhor em viver.

Começava um novo ano, e sem minha mãe parecia o pior… não melhor,
mas sim o pior ano da minha vida.

Fui brutalmente espancada pelo meu padrasto. Segundo o que eu ouvi,


fiquei em estado de coma sofrendo um trauma na cabeça. Duas semanas;
duas semanas fiquei internada no hospital e fui abandonada lá.

Meu padrasto deixou-me a mercê da sorte. Jogada na entrada do hospital


com ferimentos graves.

Fui socorrida a tempo, graças a Deus. Recebi os primeiros socorros, e o


meu estado já estava estabilizando. Por sinal fui muito bem atendida e
graças aos excelentes cuidados, aos poucos surgiam melhorias
consideráveis, porém, ficaram comigo feridas que jamais foram curadas.

Em algum momento passou-me pela cabeça perguntar sobre meu padrasto


ou se tinha visitas. Eu sabia que não tinha ninguém. Minha maior
preocupação começou a surgir com a sugestão da alta – Para aonde eu
iria? Eu não tinha casa, e de jeito algum se eu voltaria a ficar sob o mesmo
teto com o homem que me vez isso. Mas onde eu dormiria? A quem eu
ligaria? Quem eu procuraria para me ajudar…? Ninguém. Absolutamente
ninguém. Estava sozinha.

Enquanto rotulava minha mente uma jovem enfermeira entrou me


distraindo.

_então. Como te sentes hoje?


_Bem. Me sinto melhor.

_consigo ver isso. O seu olho esquerdo não tem doído?

_Não necessariamente. Quando vou poder tirar a faixa? Começa a


incomodar só ter que olhar com um olho. É estranho.

_sobre isso…

Enquanto falava com a enfermeira, a porta foi aberta e dela emergiu um


jovem mancando, apoiado a uma moleta. Ele entrou interrompendo nossa
conversa.

_posso?

_oi. Que bom que você já está aqui. Deixa apresentar-vos: Andressa este é
Jameson. Jameson…

_finalmente posso falar com você. Como te sentes?... Que pergunta


estúpida não é!? Perdão. Meu nome é Jameson, mas podes tratar-me por
Jay, James, Jamy… como preferir. Estou radiante por finalmente falar
contigo Andressa.

Olhava pasmada com a excentricidade da pessoa que balbuciava a minha


frente sem parar.

Jameson. Assim se chamava o homem que aparentemente estava ansioso


por me conhecer. Seria um apaixonado meu? – Como se fosse possível…

Graças a Ele fiquei sabendo que não foram duas semanas que estava
naquele hospital, mas sim um mês. Estava quase fazendo um mês que me
encontrava abandonada ao relento. Eu estava acordada do coma por duas
semanas, mas já tinha ficado mais duas semanas no hospital antes de
despertar do coma.

Soube também que tinha sido operada. Eu tinha queimaduras de terceiro


grau e a princípio meu estado era crítico; ouvi-o dizer: tuviste suerte de que
sobrevivieras

Que traduzindo para o português quer dizer – foi uma sorte eu ter
sobrevivido. Aparentemente ele falava espanhol. Soube disso quando eu o
perguntei o que queria dizer com aquela frase.
Dissera-me que vivia em Puerto Rico, por isso o sotaque estranho e o
português arranhado.

Eu disse-lhe que aqui nós pronunciamos Porto Rico.

Custou-me acreditar, mas eu estaria morta agora.

Não, eu já estava morta. Me sentia morta.

Ouvi James contar-me tudo que passei; tudo que ele também passou por
minha causa, acontece que durante aquele período todo ele esteve lá,
segurando minha mão e me dizendo (mesmo não ouvindo) que estaria tudo
bem, que ficaria bem.

Por muito tempo eu me senti perdida, abandonada e rejeitada. Finalmente


eu estava sendo resgatada por alguém que meus olhos desconheciam.
Jameson continuou me contando pormenor por pormenor. Foi detalhando a
pilha de dinheiro…, sim, o tanto de dinheirão que ele teve que gastar nas
minhas operações, e poder continuar ligada as máquinas, dando tempo ao
tempo e com um pingo de esperança retomar a vida.

Doía-me saber que ele teve tanto trabalho para ajudar salvar alguém
desconhecido.

Fui egoísta quando lhe disse que melhor seria deixar-me morrer. O que não
era mentira, por dentro eu já me sentia morta.

Ele chorou comigo. Jameson não me esclareceu ao certo o por quê de ter
feito tanta coisa por mim; eu não compreendia, apercebi-me apenas que
naquele mesmo dia estava começando o ciclo do que seria uma grande
amizade.

***
Pouco tempo depois eu fui avisada que dentro em breve receberia alta.
Minha liberdade estava próxima. Chamei-lhe de liberdade porque nunca
tinha ficado tanto tempo fora do radar.

Além das cirurgias, das operações, fui submetida a uma desintoxicação;


aparentemente meu organismo estava quase entrando em colapso. Minhas
drogas na verdade estavam fazendo o seu trabalho na perfeição: me matar
lentamente.

Descobri que tinha perdido um olho. Quase enfartei.

Definitivamente meu padrasto tinha conseguido!… Acabou com a vida da


minha mãe, e depois disto acabou com a minha também.
CAPITULO II

RENASCER

Foi preciso morrer para viver

Pois enquanto eu morria

Um novo eu renascia

O que seria mais fácil? Viver tendo a escolha de esquecer, contrapartida


revivendo o passado ou simplesmente morrer e esquecer tudo?

Eu não escolhi viver, a vida fez isso por mim. Minha escolha foi a morte.
Porém, viva estou e não esqueci o passado, pois eu vivo e revivo ele.

Talvez devesse ser o tempo de renascer. Deixar o passado e seguir em


frente; só que não! Ainda havia muitos pontos para acertar e contas para
pagar.

****

Três meses se passaram e eu me sentia uma parasita. Embora tenha


recebido alta, ainda não estava livre das excessivas idas ao hospital, sem
esquecer das visitas aos inúmeros cirurgiões que tive de conhecer dando
possíveis soluções ao caso do meu olho perdido.

Jameson fazia questão que eu operasse e fizesse implante de um olho


postiço, o que seria bom, muito bom na verdade, talvez assim eu não
quisesse me matar toda vez que visse o meu reflexo no espelho ou em
algum objeto qualquer que se atrevia refletir sobre minha face.

Por enquanto a opção era um tapa olho.

Que excecional!
Sempre me achei
desequilibrada; ou talvez
alguém que tentava sentir-se
menos ela mesma.

O ponto real é: eu era desequilibrada, ou alguém morta que vivia com


feridas incuráveis? Que ao invés de sangue, escorria veneno em suas
veias!? Então tá…

***
Era o meu último ano na cidade de VINHEDO.

Ninguém mais sabia da minha existência. E muito bom para mim, seria
mais fácil sumir e esquecer tudo.

Mas antes tinha algo a fazer…

Jameson dissera-me que já estavam prontos os nossos passaportes e que


tinha em mãos os nossos bilhetes só de ida para P0RTO RICO. Perguntei-
me como ele tinha conseguido os bilhetes assim tão rápidos sendo que eu
não tinha os meus documentos. Surpreendi-me quando soube por ele
mesmo que tinha estado em minha antiga casa e pego os meus documentos.

Ele era que nem o meu anjo da sorte, meu protetor. Cuidava melhor de
mim do que minha própria mãe um dia o fez. Esteve comigo quando eu
mais precisei de alguém, segurou minha mão ene vezes - quando estive em
coma e quando tive o primeiro surto psicótico após ver minha horrenda
face. Monitorava os meus remédios sem eu pedir que o fizesse, olhava por
mim antes de dormir, e quando eu não conseguia pegar no sono ele
simplesmente ficava comigo a noite inteira sem nem sequer pestanejar ou
reclamar.

Jameson era a minha resposta; meu sinal. Minha luz na escuridão. Era
alguém que, sem eu ter pedido ele veio, entrou na minha vida e me mostrou
que ainda assim, em meio a perdição, a morte consciente, eu poderia viver.
Mesmo não querendo, mesmo não desejando… eu viveria; não por mim,
por ele. Ele me fez prometer que viveria por ele, pois se dependesse de
mim, eu já estaria morta.
Antes do rumo á Porto Rico, tinha duas visitas a fazer. Precisava despedir-
me de uma… não, duas pessoas.

Encontrava-me dentro da casa que durante dezassete anos eu fui vítima de


todo tipo de maus tratos e negligência por quem me criara (minha mãe e
meu padrasto).

Ele estava no sofá, deitado. A casa encontrava-se suja, imunda; exalava um


odor a cadáver ou algo podre. Ele fedia, seu odor tresandava, parecia que
ele tinha ficado naquele sofá durante dias, sem nem sequer ter passado água
em seu corpo. Sua barba não estava aparada como de costume e suas vestes
estavam acastanhadas, totalmente sujas. Definitivamente ele estava sem as
lavar.

_Andressa

Sussurrou meu nome num leve susto. Seu hálito exalava a álcool, o que não
foi novidade para mim, era o costume. Seus dentes estavam amarelados e
alguns já podres e desfeitos em sua boca. Ele cheirava mal. Não consegui
olha-lo sem desviar o meu rosto para o lado e tapar o nariz afastando o bafo
horrível que soltava e o mau cheiro que também possuía aquela casa.

Ele continuou olhando para mim atónito, desacreditado. Certamente porque


pensou que tinha morrido, que ele tinha acabado com a minha vida.

E ele não tinha?

Segui em direção reta me desviando dele até dar origem ao meu velho e
antigo quarto. Olhei para aquelas paredes, reparei em cada detalhe que nele
possuía e, uma onda de negatividade emergiu me arrepiando o corpo.
Afastei o meu colchão velho e sujo, e no chão deu lugar ao que eu
designava por “covardia”. Ainda haviam os rabiscos que eu fazia contando
os dias que eu passava ainda viva, não tendo a coragem de tirar minha
própria vida.

A casa era minha, ou ao menos devesse ser. Entretanto eu não a queria.


Nada que vinha dali era bom, e meu padrasto estava pagando pelo que
tinha feito, não só a mim, como a minha mãe também. Seu estado
catatónico descrevia sua culpa, sua horrenda natureza; sua podridão. A
escória que sua alma representava – escuridão.

E como dizem por aí «Cá se faz, cá se paga!»


***
Eu não quis, mas encontrava-me em sua porta.

Minhas mãos tremiam e minhas pernas recusavam-se a marcar passos. E o


meu coração… batia, eu acho.

Desconhecia as razões que me levaram á la estar, não compreendia como


ele apesar deste tempo todo ainda conseguia causar isso em mim.

Eu não o via, porém, a sensação de prestes estar diante da sua presença me


descontrolava. Perto dele era como se estivesse a usar minhas drogas, só
que com um efeito adverso – Enquanto elas me transmitiam uma ilusória e
temporária sensação de paz na qual deixava meu corpo e minha mente
relaxada, com ele era o oposto, invés disso fazia com que meu corpo e
minha mente se agitassem e se descontrolassem.

Sem querer eu bati seu portão. Feliz ou infelizmente não foi o que eu
esperava.

No seu lugar aflorou uma menina de altura mediana, cabelos escuros e


alisados, mas muito bem bagunçados; usava saltos altos e tinha vestida uma
mini saia que incrivelmente favorecia seu rosto coberto de maquilhagem
improvisada e muito mal feito.

_pois não…_disse ela.

_Desculpa, quem é você?

_quem deveria fazer esta pergunta sou eu, não achas? Tu vens e bates a
porta da casa do meu namorado…

Namorado?

Ela disse…meu namorado?

Após o “meu namorado”, meus ouvidos recusaram-se a ouvir o que se


prosseguia, resolvendo ficar surdos para quem fosse aquela menina de mini
saia a minha frente.

_quem é amor?

Amor?
Mais uma vez questionei-me repetindo as palavras que ouvia e que me
eram surpreendentes.

Desta vez a voz era diferente, mesmo á quilómetros eu podia reconhece-la.

Finalmente sua visão se fez presente e eu me senti cair ao chão sem forças.
Seu olhar surgiu como flexa encontrando-se com o meu.

Seus olhos foram de cima a baixo, e uma expressão indecifrável emergiu de


seu semblante. Tão logo me recompus e pude ver o que aquela expressão
representava: desdém, repudia, nojo. Seguido de uma outra que me era
bastante familiar: admiração.

_Andreia!? _inqueriu Luís estupefacto

Embora dito errado o meu nome, ele ainda sabia quem eu era.

_você está viva?

_Amor, ela é a garota que sumiu? A que você me falou?

_sim, sim. É ela. Tu estás… “Nossa!”

_ “Nossa!”

Exclamaram os dois em uníssono.

Evidentemente o que este “nossa” quer dizer é: nossa, como você está
horrível; nossa, o que aconteceu contigo? um caminhão passou por cima
de ti? Nossa, você deve ter dado um oi na morte…nossa, nossa, nossa.

Esta última seria a escolha exata. Com certeza eu tinha dado sim um “oi”
na morte, e ela gostou de ter me visto lá.

Não conseguia dizer uma só palavra depois disso. E bem feito para mim. O
que lá fui fazer!? O que eu achei? Que ele olharia para mim e me
abraçasse? Que me mandaria entrar em sua casa? Ou que finalmente
declararia o seu amor inexistente!? Que enxugaria minhas lágrimas,
curaria minhas feridas e me resgataria do poço? Não, claro que não. Ele
não se importava, nunca se importou. Somente tu te importavas Andressa.

Perguntei-me se era uma maldição as mulheres venerarem o seu primeiro


homem. É uma coisa tão estúpida. No final a gente sempre acaba dando a
virgindade para os rapazes mais desprezíveis e que nunca valorizam o tanto
que a gente se guarda unicamente para eles.

***
_por onde você andou? Procurei-te por toda parte. O nosso voo sai em duas
horas… há algum lugar que queiras ir antes? _disse James para mim.

_sim.

Sua última morada; minha última visita.

Diante do jazigo de minha mãe, deixei o silencio falar por mim. Eu não
tinha palavras, não tinha lágrimas, somente a dor que me consumia. Uma
dor que não me permitia sentir mais nada além dela mesma, e essa dor
representava tudo que já vivi e sentia por ela. Então eu me virei e agora sim
eu poderia partir.

No seu túmulo lá deixei o que á muito eu tinha perdido - Vida.

Oficialmente nada mais me prendia ao Brasil. Embora uma parte de mim


esteja feliz por finalmente estar a abandonar Vinhedo e ter a oportunidade
de recomeçar… melhor, de começar uma vida em outro lugar, ainda assim
eu me sentia morta. Sentia que não havia esperanças em mim, ou ao menos
me fazia crer nisso.

Acontece que, um outro lugar, uma outra vida não apagaria tudo que já vivi
até aqui. Eu precisaria não de uma, mas de cem vidas para apagar esta que
me custou uma apenas!
CAPITULO III

O EMBARQUE

Entre viver e morrer

A escolhida foi o meu passaporte

com o voo direito para

uma outra vida.

Porto Rico. Ou como dizem os latinos Puerto Rico.

O que eu sei sobre este país?

Durante as aulas de Geografia e História aprendi um pouco da história de


cada país americano; alguns deles estiveram marcados pela colonização e
Porto Rico não fugia disso.

«Sua história foi marcada pela colonização espanhola e pela condição


contraditória de, mesmo após a independência, sofreu as intervenções dos
Estados Unidos. Em geral foi com o assentamento do arquipélago pelo
povo ortoiroide entre 3000 e 2000 a.C. Na época da chegada de Cristóvão
Colombo ao Novo Mundo em 1492, a cultura indígena dominante era a dos
taínos, que quase foram dizimados na segunda metade do século XVI por
causa das novas doenças infecciosas transportadas pelos europeus, a
exploração de colonos espanhóis e por guerras.

Em seus primórdios, Porto Rico foi habitado por populações que vieram
da região do Orinoco, situado na América do Sul. Com o passar do tempo
e a chegada de outros povos, ali desenvolveu-se a chamada cultura taino.

A etimologia do nome Porto Rico refere-se as riquezas que saíam do porto


de Sam Juan Bautista para a Espanha. Cristóvão Colombo batizou com o
nome de San Juan Bautista.»

Informações estas que foi possível extrair da internet assim que decidi ligar
o tablet e pesquisar no Google sobre o novo mundo que me esperava.
Assim como um país tem sua
história de origem, o ser humano
tem sua história de vida.

Diferente ou não, todos começam com os “fundadores” da nação. Os que se


auto intitulam como os ditadores, os ascendentes da história que formaram
e construíram a pátria sendo designados formalmente por Pioneiros
(homens que dirigiram um povo). Compreendidos por mim como donos de
algo ou alguém, o que não difere muito.

Nos países temos os fundadores –pioneiros, os líderes. Na vida nós temos


os pais, os (Pro) genitores – nossos líderes pessoais.

Dentro do avião, Jameson continuou me contando um pouco mais da sua


história de vida.

Eu sabia que ele tinha estado no hospital porque procurava seu pai que se
mudara de Porto Rico para á Argentina logo após ter finalizado o
casamento com sua mãe; toda via quando parou em Brasil, ele sofreu um
acidente de carro, tendo ficado internado.

Durante os dias que lá esteve, enquanto ele olhava pela janela do quarto
onde estava, no além surgiu o vulto que chamou sua atenção. Ele viu duas
pessoas segurarem algo e colocarem perto da entrada do hospital, a seguir
foram embora á correrias. Este algo que surgiu era eu sendo abandonada
pelo meu padrasto e sua amiguinha.

Sua curiosidade foi maior e assim que se apercebeu acionou as enfermeiras.


Mesmo mancando, sem nem conseguir andar direito, correu para me
socorrer. Desde então ele acompanhou todo o processo da minha
recuperação. Mesmo após ter recebido alta, James não deixou de ir ao
hospital ver como eu estava, se pronunciando toda vez que algo acontecia
comigo. Estava sempre de prontidão para o que der e vier.

Soube das razões pelo qual seus pais tinham se separado – Ele. Jameson era
um dos principais motivos.

Desde pequeno James revelou-me que sempre se sentiu diferente,


entretanto tinha medo desta mesma diferença.
Ele sentia-se bem em participar de conversas femininas, como falar de
homens e gostar deles também. Á princípio sua mãe achava seu ser
peculiar, não muito diferente de outras crianças. Eles sempre tiveram uma
ligação muito forte, o que a afastava encarar a promíscua possibilidade da
sexualidade de seu filho. Porém seu pai já desconfiava e sempre tentou
chamar a razão de Michel (sua esposa), só que esta não cogitava ser real.
Por esta mesma razão eles brigavam muito, e estas brigas findaram com o
seu casamento. Seu pai por fim decidiu firmar-se novamente, mas com uma
outra mulher e não mais entrou em contacto com sua ex. mulher e seu filho.

Pouco tempo depois Jameson conheceu alguém e finalmente tinha revelado


a mãe e ao mundo sua sexualidade, tendo se declarado como Gay –
homossexual.

Sua mãe ficou devastada. Culpou-lhe por ter sido o responsável pela ida do
seu pai e a razão dela ter perdido seu amor.

Ele tentou de várias formas e diversas vezes explicar que não tinha culpa,
que ele simplesmente nasceu daquele jeito, com desejos e escolhas
diferentes, que apesar disso ele não deixou de ser seu filho, que nada tinha
mudado, e ele ter se revelado foi a melhor coisa que já tinha feito na sua
vida. Finalmente ele se encontrou e estava feliz com sua escolha.

De forma alguma sua mãe aceitou sua triagem. Por muito tempo ela viveu
no desgosto e no ressentimento. Desde então ela nunca mais foi a mesma,
com ele e com mais ninguém. Sua mãe vivia num vazio que dia pôs dia
consumia sua luz, sua energia e o seu ser. Por último ela acabou por
sucumbir.

Sua história de vida era muito triste, comovi-me e me revi nas vestes de
Jameson. Ele era mais um que vivia sendo incompreendido, que foi
renegado por sua própria família e culpabilizado pela sua escolha, por ser
quem é.

Nosso destino por mais que incerto estava cruzado. Nós tínhamos que
carregar fardos que não eram nosso. Tínhamos que lutar contra o nosso
passado, contra os nossos líderes que se tornaram oponentes face ao rumo
dado as nossas vidas.
Ele não tinha culpa por ser Gay e preferir homens ao invés de mulheres; e
eu… eu não tinha culpa pelas escolhas malfeitas da minha mãe, por se
relacionar com homens desprezíveis.

Infelizmente este era o preço que tínhamos que pagar pela má governação
de quem deveria ser mais que um líder, um exemplo a seguir.

***
Faziam-se apenas dois meses que James tinha perdido sua mãe,
contrapartida já se passavam oito anos desde que seu pai não mais
mantinha contacto com ele. Mesmo assim ele sentiu-se no dever e na
obrigação de contar ao seu pai que sua ex. esposa havia falecido e deixado
uma epístola para ele.

Mostrou-me a missiva que estava em suas mãos, ainda celada e perfumada.

Com o acidente e o meu surgimento em sua vida, ele acabou por não ter
completado á incumbência, tendo ficado pelo caminho. James dissera-me
que todo o ocorrido era nada mais e nada menos que a força do destino.
Segundo ele sua missão não era encontrar seu pai, mas sim uma passagem
para ter me encontrado.

_Como você tem certeza disso? _perguntei.

_Não tenho. Eu sinto. Pergunto-me qual seria o destino de nossas vidas


caso eu não tivesse sofrido o acidente e tu não tivesses sido ferida pelo seu
padrasto naquele dia. Certamente eu não te conheceria, e nossas vidas
nunca estariam cruzadas. Talvez. Particularmente eu não acredito em
coincidência; e para te provar que foi força do destino…quando estive lá no
hospital eu tomava remédios para dormir. Eram receitados e me ajudavam
a não sentir as dores na perna que normalmente eram fortes e frequentes.
Acontece que naquele dia embora doendo-me muito a perna em momento
algum cogitei a hipótese do uso dos comprimidos, simplesmente mantive-
me acordado e perambulava pelo quarto até ver você. Si eso no es el
destino entonces que es? _indagou sorridente e confiante. _O que eu
acredito Andressa, é na existência de um Deus que faz tudo acontecer
quando ele quer que aconteça. Mesmo não tendo comprido com a minha
merecida missão, creio que Dios sabia que não era o meu destino, não era o
que ele tinha escrito e reservado para mim. E olha, ainda tenho muito
tempo para entregar esta carta. E se verdadeiramente for o plano de Deus
que meu pai á tenha em sua posse, él mismo vendrá a ella.
CAPITULO IV

BEM VINDA AO LAR


Sonhos são perversos

Transformam o mundo real num jogo mental

Na qual deixam expostos seus medos,

suas angústias e seus desejos

mais sombrios e ocultos.

Por volta dos meus doze anos eu cheguei á minha mãe e inocentemente
disse para ela: você me ama?

Lembro bem que naquela altura eu não obtive nenhuma resposta, na


verdade estava na cara. O que eu não sabia é que existem diversas formas
de expressar o amor que a gente sente por alguém.

O escritor “Gary Chapman” em seu livro citou cinco linguagem do amor: a


primeira ele descreve como palavras de afirmação – é onde a pessoa que é
amada gosto de ser agraciado por frases que a descrevem e lhe dão razão de
viver; a segunda é por meio de tempo de qualidade; a terceira por
intermédio de presentes; a quarta por atos de serviço e por último pelo
toque físico. A que mais se predominava em mim era a fala – por meio de
palavras. Eu quis que ela me dissesse pelo menos uma vez “eu te amo!”.
Por muito tempo almejei esta resposta, e este sempre foi o meu maior
sonho.

***

James nunca me disse um “te amo”, mas era possível sentir por intermédio
de suas ações.

Estava dentro de um mundo novo que eu desconhecia. Não só o lugar que


era novo, sua afeição por mim também me era nova. Não estava
acostumada ter alguém que se preocupasse em cuidar tão bem de mim.

O avião aterrou e nós ficamos num hotel por já se fazer tarde. Condado
Vanderbeilt assim se chamava o lugar. – Um lugar que exalava a luxúria e
possuía ótimas comodidades.
No quarto em que fiquei tinha uma ótima visão para o mar. Fiquei
fascinada com a paisagem.

O local estava recheado de gente chegando e outras passeando e


explorando com diversas opções de restaurantes. Os hóspedes tinham ao
seu dispor uma equipe com uma fascinada e contagiante vibração.

Jameson convidou-me para jantar, escolhemos o local de nossa preferência.


Como eu não sabia ainda falar o espanhol, James escolheu a comida por
mim. Ele pediu Mamposteao com pernil assado. Disse-me que era sua
comida preferida e que ele amava muito; caso eu não gostasse tinha todo
direito de reivindicar e pedir uma outra coisa. O que acabou não sendo
necessário porque esse tal mamposteao era simplesmente arroz preparado
com feijão cozido, cebola e outras especiarias.

Para acompanhar bebemos Rum (bebida emblemática daquela região).


Como sobremesa ele pediu pudim feito com leite de coco, amido de milho,
sal, canela e açúcar - não muito diferente dos que preparam lá no Brasil;
acontece que neste incluía cravo, nozes/baunilha e por cima estava barrado
com creme de leite. Uma mistura de sabores de cortar a respiração. Era a
primeira vez que provava um pudim desta dimensão.

O dia seguinte ficou reservado para compras. Ainda tínhamos duas noites
no Condado. Não quis abusar da ajude de James, mas eu me perguntei de
onde vinha tanto dinheiro. Ele explicou-me dizendo que sua mãe era
professora e além disso tinha em posse uma pequena escola do primeiro
ciclo, então praticamente todo dinheiro da senhora lhe pertencia. Sendo ele
filho único, isso o fazia herdeiro legítimo de tudo. Ele podia gastar o que
quisesse sem se preocupar em trabalhar. Deu até inveja.

Comprei só o que achei preciso, algumas calças, vestidos, blusas... De


seguida fizemos um passeio rápido por aquela zona e posso afirmar que
entramos em todas as lojas de roupas que estiveram a nossa vista.

Quando regressamos para o hotel, eu sentia água escorrer pelo meu corpo.
Era suor. Eu transpirava á bessa, e o dia favorecia a isso.

Fui até ao banheiro me molhar, quando regressei por cima da minha cama
havia uma sacola de presente. Abri-o, nele contia um conjunto de biquíni
de praia. Peguei e me imaginei usando, meu rosto murchou. Do lado havia
um bilhete escrito em espanhol:
| Para tí.

Te esperaré en la piscina |

O que me fez perceber que ele estava me esperando na piscina.

Mas, o que não entendi e o que me intrigava até agora era o simples facto
d´ele não ter percebido ainda e se tocado que eu não falo espanhol.

Credo!

Sentei a beirada da cama e fiquei idealizando meu corpo naquela pecinha


minúscula de roupa. Minha autoestima nunca foi o ponto mais alto do meu
ser, e meu corpo não ajudava em nada. Eu era uma jovem de dezanove
anos que possuía um corpo de uma criança de treze ou catorze anos. Não
tinha muito o que me gabar.

Coloquei o presente de James de lado e optei por usar uma de minhas


roupas novas: calça de ganga larga, uma blusa mangas compridas e
chinelos, já que eu tinha que o encontrar na piscina.

_ que merda é essa que você ta usando? Cade o biquíni que comprei para
ti?

_ eu amei, muito obrigada. Mas não precisava… mesmo. Eu não gosto


muita de piscina.

James abanou a cabeça se negando acreditar nas minhas palavras. Eu o


ignorei e para cortar o meu barato perguntei o que ele estava bebendo.

_ simplesmente o melhor whisky do mundo. Quer provar?

_Não obrigada, eu não bebo.

_Querida, ontem você bebeu.

_ontem bebi? o quê? _perguntei arregalando os olhos totalmente


desacreditada.

_Rum. É bebida. Contém álcool. Você pensou que estava bebendo o que?
água com gás!? _ disse James rindo de mim e da minha cara.

Toquei em meu rosto, deslizando a mão até meu peito chocada que tinha
bebido álcool e nem cheguei de perceber.
Ficamos na piscina. Eu via como ele estava amando tomar aquele sol que
só de olhar sentia minha pele torrar. Se eu tivesse o seu tom de pele acho
que não me arriscaria em apanhar aquele todo sol.

Ele era branco, o que eu achei impossível e me questionei: como ele e


pessoas que têm sua totalidade de pele eram designados e chamados de
brancos sendo que não são de cor branca? Por que de todo…, era visível
para mim que ele tinha uma cor assim, meio que rosada, amarelada, uma
mesclagem deste género que dava uma cor hermética, mas de cor branca
ele não era. Ou eu sou daltónica e não sei distinguir a cor da estirpe
branca?

Deixei-o no seu sol e fui pedir um pudim. Estava a me viciar naquilo.


Encontrávamo-nos
finalmente em sua casa que ficava numa das cidades de Porto Rico,
PONCE.

Achei a habitação muito bonita, tinha aparentemente dois andares. Foi a


segunda casa mais grande que já tinha entrado em toda minha vida, a
primeira foi a do senhor Paulo. A diferença é que esta tinha o ar dos anos
noventa, mas com tudo muito bem preservado. Em cada canto da casa
haviam fotos de sua falecida mãe em diversos lugares do mundo. Viajar era
de família pelos vistos.

_ fique á vontade. Mi casa es tu casa.

Esta eu entendi de primeira e sabia muito bem falar.

_mandei preparar um quarto para ti, já deve estar quase pronto. Enquanto
isso deseja comer alguma coisa?

_Não, estou cheia depois daquelas bolachas e os sucos. Está tudo bem.

_ok.

_sua mãe era muito bonita. Parecia ser alguém muito feliz.

_realmente ela foi. Nesta foto aqui ela acabava de ganhar a briga de galo

_Briga de galo? Isso não foi proibido e declarado como crime ambiental?

_sim foi; em alguns países. Aqui é legal e temos todos os anos. Inclusive
minha mãe chegou de viajar pelo mundo e obter os três tipos de galos da
espécie Gallus gallus mais utilizadas no concurso. Nós tínhamos um
Shamo que ela conseguiu no Japão; um Asseal – vindo direito da Índia, e
dois Bankivas. Estes são provenientes daqui mesmo, de Porto Rico.
Praticamente tínhamos um galinheiro em casa. _sorriu pelas recordações.

***

James já tinha tudo agendado e muito bem coordenado.

Eu tinha consulta marcada com um cirurgião plástico e um oftalmologista;


a seguir tinha com um médico profissional nutricionista, um terapeuta
muito bem qualificado e um personal trainer que me ajudaria nos
exercícios físicos. Até da minha estrutura física ele se preocupou. Eu tinha
á disposição uma equipe toda muito bem treinada e qualificada.

Comecei primeiramente as consultas médicas.

Encontrava-me no consultório do doutor Mário, e na mesma sala estavam


presentes o especialista em incisão, Dr. Felipe; e a nutricionista Dra. Dália.
Eu tinha que ser observada pelos dois profissionais da saúde visual e ocular
– fui diagnostica com Traumatismo Ocular, o que não me pareceu ser tão
grave, aceto o que levou a perda do meu olho esquerdo.

Segundo a ótica do Dr. Mário eu tinha razões para prosseguir com a ideia
da prótese, mas como tudo, tinha os seus prós e contras. Existiam razões
para desistir embora minúsculas. Ele apresentou-me um formulário que
dizia:
Olho de Vidro

Também chamado de prótese de olho ou olho artificial implantado é uma opção de


tratamento comum para quem perdeu um olho. Possui importante função para o
mecanismo ocular. Isso porque a prótese aumenta o conforto na órbita ocular do olho
que foi removido.

O olho de vidro pode ser pré-fabricado, quando não tem ajuste ou cor personalizada.
Ou pode ser exclusivo, nos casos em que é necessário produzi-lo especificamente
para as necessidades do paciente.

Benefícios da prótese do olho de vidro

Apesar de não restaurar a visão perdida, usar uma prótese de olho de vidro possui
diversos benefícios, como por exemplo:

o Melhorar a estética do paciente;


o Restaurar e manter a forma dos tecidos circundantes;
o Proporcionar uma sensação de bem-estar físico e mental;
o Permitir movimentos de pálpebras adequado;
o Menor incidência de ulceração.
o É prático e não compromete em nada sua rotina.
o Uso durante suas atividades diárias, incluindo chuveiros, e durante esportes
como esqui e natação;
o Permite chorar, já que seus olhos fazem lágrimas nas pálpebras;
o Fazer a implantação do olho de vidro pelo seu convênio médico;
o Mover a prótese em sincronia com seu outro olho para um olhar natural.

Riscos e possíveis efeitos colaterais da cirurgia de implante de olho de vidro

Assim como qualquer outra cirurgia, o implante de olho vidro também


apresenta riscos. Embora seja extremamente rara, em alguns casos pode
ocorrer um tipo incomum de inflamação chamada oftalmite simpática após a
cirurgia. Apesar de ter tratamento, essa inflamação pode levar à perda de
visão em seu olho saudável.

Outro risco raro da cirurgia é do local do olho de vidro infeccionar, mas isso
também pode ser facilmente tratado com antibióticos. Nos primeiros meses
após realizar o implante ocular também é comum sentir um desconforto ou
aperto no olho.

Resultados

Nas primeiras 72 horas após o implante ocular, o paciente sentirá dor, inchaço e
náusea. Receita obrigatória: Analgésicos. Antibióticos orais e colírios antibióticos.

Nas duas semanas após a cirurgia, exigesse a permanencia das pálpebras costuradas
que cobrem seu implante ocular. Remoção e entrega da prótese depois de 3-4 meses
O Dr. Mário foi transparente comigo, me esclareceu cada ponto referente
no formulário. Disse que apesar de ser benéfico o uso de um olho de vidro,
sua cirurgia vinha carregada de prós e contra. Eu tinha tudo para seguir em
frente ou parar no meio do caminho.

Mas a verdade era apenas uma, ou eu arriscava numa das operações, ou eu


continuava me vendo como um monstro e nunca estaria livre dos olhares
penosos vindo de outrem e, nunca poderia se quer fingir direito o quanto
isso me afetava e que quase findou com a minha desgraçada vida.

Então…

***

Eu tinha duas opções de cirurgias, por intermédio de uma Evisceração ou


Enucleação. – Vai saber que tipo de merda é essa.

Segui com o tratamento ao pé da letra. Com James me vigiando, não tinha


como falhar.

Após a cirurgia tive uma série de regras a seguir, cuidados que tinha que ter
com o olho.

Uma delas era de remover a parte acrílica do olho protético uma vez por
mês e lavar muito bem com água e sabão, secar e só assim colocá-la de
volta na órbita ocular. Eu podia dormir com a prótese no lugar e só podia
remover em casos de lavagem e ida ao médico; tinha que usar colírios
lubrificantes sobre a prótese acrílica (isso ajudava na limpeza e na sua
purificação). Anualmente tinha que levá-lo ao oculista para ser polido, e
tinha que mudar de prótese pelo menos uma vez a cada três ou cinco
anos…, mas isso era para lá mais a frente.

Com o passar do tempo, por uma razão que eu desconhecia fui me


desestabilizando emocionalmente. Passei a ter problemas sérios de
comportamento. Minhas atitudes não correspondiam ao normal –
Inconscientemente eu cravava as unhas nas palmas das minhas mãos, o que
originava muitas vezes a ferimentos; batia-me na cabeça, gritava por razões
nenhuma, e quando não gritava, eu simplesmente não falava nada, uma
palavra sequer saia da minha boca embora querendo.

Sentia a cabeça cheia com pensamentos assustadores e aterrorizantes, logo


depois eu me e entregava a eles. E dai simplesmente me desesperava; vinha
a angustia e o desespero agudo, como se outrora quisesse me afogar.
Quando finalmente eu me afogava, desesperadamente eu lutava para me
resgatar.

Parei com a medicação. Atenuadamente me recusava a tomar mais os


comprimidos… até os médicos notarem os meus problemas existenciais e
emocionais dando o prognóstico de uma Depressão em estagio grave e
presentes sinais e traços de Transtorno de Personalidade – Borderline, para
ser mais específica.

Imediatamente fui submetida a um outro tipo de tratamento, originando


numa nova morada, embora temporária.

Encontrava-me no centro de reabilitação psiquiátrico.

Fiquei lá por duas semanas.

Aparentemente o meu comportamento desassociado devia-se á tudo que


estava acontecendo comigo e por nunca ter reagido de forma normal. Tudo
estava conectado as minhas origens – desde o abandono do meu pai, a falta
de afeição de minha mãe até sua morte, e aos maus-tratos do meu padrasto.
Eu nunca tinha sentido nada, ou ao menos evitava sentir, e quando comecei
a sentir veio com tudo. Eu sentia-me instável em relação á impulsos, afetos;
sentia a agonia de um vazio; outras vezes raiva e com dificuldades de
controlo. Tudo isso deu lugar aos surtos repentinos.

Uma parte de mim queria nunca ter sentido, mas isso não era bom. Eu
precisava sentir. Foi necessário e com os comprimidos e a dosagem
adequada eu finalmente sentia o que a vida toda eu tentei retrair com as
minhas drogas. Sempre foi mais fácil fugir deles do que encará-los.

Após a alta fui submetida a acompanhamento direito de um terapeuta


ocupacional, Arnaud Kenai que ficaria supervisionando meus passos,
minha medicação, meus exercícios, minha rotina, minha vida…, meu dia a
dia. Estaria comigo vinte e quatro horas por dia sendo minha sombra ou
melhor, meu outro lado. O lado da razão, da lucidez e direção certa.

***

Já em casa, fora dos meus afazeres que eram remédio atras de remédios,
quando estivesse livre das regras de Kenai eu fazia uma única coisa –
dormir.
Sobre sonhos…

Aprendi que dormir é uma das formas mais próximas não só da morte,
como da realidade, e isso é um facto – segundo Stella.

Nos dias em que estive na psiquiatria conheci uma mulher. Chamava-se


Stella.

Ela podia estar nos seus trinta e poucos anos, mas sua aparência era
devastadora, como de uma sénior; ou de alguém abalada, desgastada e
cansada. Stella passava metade do dia dormindo, para não dizer todo dia,
porque era despertada na hora da medicação, alimentação e do banho.
Entretanto, assim que terminasse, logo voltava a hibernar. Perguntava-me
como alguém podia dormir tanto assim…

Certo dia houve uma pequena confusão entre outros pacientes e tivemos
todos de ficar numa sala até resolverem o incidente. Stella resmungava,
dizia o tempo todo que precisava dormir. O incrível é que não se fazia nem
meia hora que ela acabava de ser despertada.

Naquele mesmo dia ela ficou a noite toda acordada, pela primeira vez
desde que lá pus os pés; e eu estava extremamente admirada.

_que porra você está procurando em mim, garota?

O meu espanto não foi por finalmente ter sido notada por ela, ou por quase
me atacar com suas palavras, mas sim por ela ter falado tão bem o
português.

_ você fala português?

_sim e daí? Sou brasileira…

_minha nossa! Eu também

_que novidade…_debochou_ é claro que és. Basta olhar para ti e nesse


rosto de…

Quase me senti ofendida com suas palavras. Mas sua fala era tão morta que
até me deu preguiça de escutar o resto. Ela falava sem moral, sem animo,
sem vontade, sem qualquer esforço que me faria percebe-la. Com um ar de
aborrecimento e preguiça, muita, muita preguiça.
_não precisava né… _disse indignada

_tanto faz garota, só não fale comigo.

Como não iria falar com ela se já se faziam dias…uma semana para ser
mais exata que a observava com inúmeras questões rodando minha cabeça
ao seu respeito. Era impossível não expor agora que tinha uma
oportunidade.

_por que estás sempre a dormir? _perguntei.

_porque não tenho mais nada para fazer aqui. Ou tu ta vendo alguém aqui
capaz de alguma coisa sozinho?

_Ah sei lá… você não fala com ninguém daqui?

_Sério!? Olha para este bando de loucos… acha que tem alguém para
conversar?

_a gente está tendo uma conversa agora.

_não. Você está a falar, me enchendo o saco p´ra caralho, fazendo uma
pilha de perguntas e eu estou sendo minimamente educada em responde-
las. E já agora, fecha o bico.

_hum. mas ainda não respondeste a minha pergunta.

_Não disse que responderia.

_porque você dorme tanto?

_vamos fazer o seguinte… Já que não te calas, e eu estou farta de ouvir a


tua voz, te apresentarei uma visão diferente do mundo em que estas
acostumada. Se isso quebrar de vez com o seu psicológico… que óbvio, já
deve estar, caso contrário aqui não estarias…o problema é seu. E não
adianta procurar culpados, este será o preço a pagares por seres
intrometida. Fechou?

_fechou!

_quero que olhes para o seu redor, assim, lentamente. Repara cada detalhe
e em cada pessoa que vês. Agora me diz: em algum momento da tua vida
você se imaginou ou pensou que verias tudo isso? Que estarias neste
lugar? Ou se algum dia perderias a cabeça e por conta disso ou o que
fosse, acabarias aqui?

Fiquei encabulada por alguns instantes tentando analisar, processar e


digerir aquela visão. Mas então ela continuou:

_num momento você está aí, vivendo sua vida, fazendo o que quiser…, o
que bem entender, e no outro você está desorientado, incapacitado,
irreconhecível. Você está descontrolado; gritando aos choros por razões
desconhecidas por ti mesma. Surtando, perdendo de vez a cabeça –
ameaçando de morte, e pior, tentando se matar, pois, não mais se
reconheces, nem tu te compreendes mais, a visão do seu “eu” desaparece
subitamente diante de ti. Você já não se vê, e daí você se questiona: em que
momento cheguei a este extremo? Você não tem resposta. E de repente
você se vê aqui. Vivendo dopada de comprimidos, rodeada de gente
desconhecidas – pessoas iguais ou piores a ti, e diante dos ditos “os tais”,
os solucionadores do nosso problema, dizendo-se especialistas no assunto
- até pode ser, mas com teorias. Porque na verdade eles não sabem o que a
gente passa realmente, não sabem o que a gente pensa. Dizem
compreender, tudo bem. Ok, nós entendemos que estudaram para isso, mas
quer saber? Eles não compreendem porra nenhuma, pois nunca passaram
por tal coisa, nunca estiveram na nossa pele realmente, nunca sentiram o
que a gente sente, nem se quer sabem o que queremos. Mas você faz o que?
Você diz “sim” quando mandarem abrir a tua boca; você diz “sim”
quando te questionarem sobre algo que talvez tenhas feito; diz “sim”
quando apontarem as supostas razões das tuas ações e apresentarem-te a
raiz do teu problema; e diz sim aos medicamentos e tudo o resto que darem
para ti. Porque eles agora respondem por ti. Tu já não és dona de ti
mesma. E sabe qual a melhor forma de fugir de tudo isso? Destes gatilhos?
A melhor forma de te sentires… menos você mesma? Você me pergunta e
eu te respondo: dormir. Sonhar que estás em um outro lugar, vivendo uma
outra vida bem diferente desta e da tua outra antiga que originou tudo
isso. Eu durmo, nem que for por frações de segundos. Um pequeno instante
longe é o suficiente para mim - eu me desligo e nada mais é tão
significativo. – …
… _ «Sonhos são beatificados. Eles transformam o nosso mundo real
naquilo que almejamos; deixam-nos confiantes e fortes. Amenizam, ainda
que em segundo nossa dor e nosso sofrimento, pois eles realizam todos os
nossos desejos de benevolência»

Ela terminou seu discurso com esta frase que transladou minha mente de tal
maneira que eu me convenci de tudo. Stella sabia bem como usar a retórica.

Hoje eu durmo para estar nessa beatificação. Vou em busca de uma outra
realidade por intermedio dos sonhos.

Entretanto, diferente do discurso de Stella, meus sonhos são diferenciados


dos seus. Acho que foi este o pequeno erro dentro da sua visão.

Todos nós somos diferentes, e é impossível afirmar categoricamente que


por intermédio de tal coisa teremos a mesma benevolência.

Por isso tomei a mestria de desmistificar a ideologia de Stella, desfazendo a


ideia de que os sonhos são beatificados, mas sim que são perversos, que
eles transformam o mundo real num jogo mental no qual deixam expostos
nossos medos, nossas angústias e nossos desejos.

Acontece que…

Eles traziam á tona meus desejos mais sombrios e ocultos.


CAPITULO V

O INÍCIO DA MINHA REDENÇÃO


Busco a salvação

Percorrendo pelos vales sombrios da minha perdição

Durante muito tempo eu não pensava em sexo.

Tinha problemas maiores como a minha baixa auto estima, minhas crises
de pânico, depressão profunda... Eu não me sentia desejada nem tão pouco
desejava alguém – não me dava ao trabalho de me arrumar e me sentir
bonita. Eu me sentia morta! E quem aceitaria relacionar-se com uma
mulher sem vida? Sem energia? Eu não espelhava nada, nada além da
minha negatividade.

Já haviam se passado meses que minha rotina era hospital atrás de hospital,
terapias atrás de terapias e remédios atrás de remédios –o que não foi uma
total perda de tempo.

Conheci anestésicos novos e mais fortes. Aprendi diferentes formas de me


medicar, embora que por um pequeno fio, lá estava novamente a minha
bela, porém curta e ilusória sensação de paz.

Um novo êxtase!

Foi quando menos esperava que eu o senti novamente.

Acabava de renascer em mim o fervoroso desejo de um corpo humano; um


homem.

Não mais cogitava esta promíscua possibilidade.

Por pouco achei que fosse pela mesma pessoa, mas, minha mente recusou-
se a mostrar seu rosto, e eu agradeci por isso.

Saí de onde estava atónita. Sentia uma estranha energia emergir do lado de
fora. Procurei, não sei o que, e como mágica uma luz sobrenatural
dissimulava minha visão. Lá estava o vislumbre que meus olhos tanto
almejavam.

Arnaud!
Meu terapeuta.

Eu nunca tinha reparado no seu corpo ou no seu rosto!?

Arnaud nunca havia chamado minha atenção. Não como hoje.

Estagnei apenas o observando. Pela primeira vez eu via como ele era.
Como seus cabelos combinavam tão bem com os seus olhos, como as
maçãs de seu rosto ficavam em evidência ao sorrir e, em como a sua bata
assentava perfeitamente no seu corpo todo definido e revestido de
músculos.

Ele se aproximou, segurou-me pelo braço e naquele momento senti nossos


corpos se fundirem numa calorosa e energética sensação de posse. Ele me
pertencia e eu a ele.

_¿qué estás haciendo fuera de la habitación, Andressa? su anestesia aún


no ha passado. Vamanos! _disse Kenai segurando-me pelo braço e me
levando de volta para a minha cama.

Minha anestesia?

Porcaria...

Eu estava drogada, isso explicava muita coisa.

Maleditos comprimidos alucinógenos!


Mesmo achando e perpetuando
que a razão da minha absorção se devia aos comprimidos, após aquele dia
eu não mais parei de pensar e desejar Arnaud.

Por conta disso e mais outras razões usei de forma irresponsável e abusiva
os meus compridos suscitando nua quase parada cardíaca.

Fui submetida a um novo tratamento e considerada paciente em estado


crítico; isso prolongou a estadia de Arnaud em minha vida.

Arnaud Kenai era gentil, cavaleiro e acima de tudo profissional. Ele nunca
colocaria em risco sua carreira; isso incluía a gente, eu. Ele nunca me
escolheria e em momento algum cismei por essa possibilidade.

Estava lá vistorizando os meus remédios (perdi o total acesso a eles), minha


alimentação e tudo o resto. Só não controlava meu vestuário porque eu não
fazia menção de trocar de roupa todos os dias, nem tão pouco tomar banho.

Mas a gente estando sobre o mesmo teto, eu banhava três vezes ao dia e até
perfume usava. Credo! Sua presença deixava-me mais ativa, digamos que,
com esperanças de vida.

Jameson por minha causa estava tendo problemas no seu relacionamento.


Seu… bem, noivo? Sei lá, namorado, ou namorada estava em outro país
onde eles já viviam juntos. Mudou-se apenas por conta do falecimento de
sua mãe e a carta que era para ter entregue ao seu pai.

Tudo foi se complicando e saindo do seu controle, pois lá estava eu com


crises atrás de crises, e ele tentando se dividir. James teve de confiar as
cegas em Arnaud e deixar as chaves da casa de sua mãe para um
desconhecido, e cuidar da sua protegida – Andressa. Neste caso… Eu!

Foi muito constrangedor ver meu amigo passar por tudo aquilo graças a
mim e ao simples facto de não me importar e sustentar esse desejo de
morte.

Por que eu não consigo ter esperanças em mim como estas pessoas que
mal me conhecem têm? Porque eu não consigo lutar? Porque eu não
consigo me desfazer deste veneno?
Quando James saiu por aquela porta indo ao resgaste de seu amor, eu pude
ver sua luta interior. Ele não quis escolher entre mim e o seu parceiro, e ele
não tinha o porque fazê-lo. Então tomei a minha decisão – Assim que
terminasse a condicional, eu faria de bom grado as restantes terapias que
tivesse; participaria em cada evento apresentado ou solicitado na
reabilitação, e tão logo terminasse de fazer todas as consultas eu seria
outra. Desta vez não faria pelos outros, mas por mim mesma, porque queria
ver-me em outra pele, em uma vida diferente sem ter pessoas a me dizer o
que fazer. Queria ser dona de mim mesma. Bastava eu querer e desta vez
realmente eu quis. Viveria por mim.

Que comece a minha Redenção!

****

Os dias foram se passando e eu me sentia melhor, muito melhor na


verdade. Eu conseguia rir das piadas sem graça de Jameson e do seu
namorado Hilário que passavam o dia todo fazendo ligações para mim. Não
mais me sentia abatida ou sem vida. Me sentia renascida.

_Como te sentes hoje? _perguntou Kenai

_Bem. Eu não acredito que vocês fizeram isso comigo ontem…

_tínhamos que nos certificar se já estavas pronta

_foi golpe baixo

_foi antes uma boa estratégia.

Vi brotar um sorriso largo nos seus lábios definidos e bem delineados


seguido de uma piscadela no olho direito; o que me deixou sem graça e um
pouco envergonhada.

Sem o uso constante dos comprimidos e agora com a lucidez, passava vinte
e quatro horas com a pessoa que havia despertado o que a muito estava
adormecido ou encubado – o meu desejo sexual. Arnaud havia reacendido
esta chama, e eu passava metade do meu tempo pensando na gente
fazendo…aquilo.

_o que vai querer para o pequeno almoço?

_o que você quiser eu topo. _sorri gentilmente


Ele se dirigiu a cozinha e eu ao meu quarto. Sentei na cama dando tempo
para não transparecer a tristeza que nascia e crescia dentro de mim ao
pensar que nunca o teria.

Saí de lá e não o vi na cozinha nem na sala. Enquanto isso resolvi ir ao


banheiro fazer minha higiene pessoal – uma ducha cairia bem.

Não usei o meu banheiro habitual, desta vez optei pelo comum que ficava
num dos cómodos da casa. Entrei, retirei minha roupa e me coloquei no
poli banho. A água estava gélida, mas meu corpo também, não tendo tanto
efeito. Fechei o cortinado e deixei a água jorrar em mim.

Sem querer havia deixado a porta entreaberta, talvez porque estava


acostumada a deixar a porta do meu banheiro deste jeito.

Ao terminar o banho, fiquei inerte com os olhos serrados, em pé, divagando


minha mente para algum lugar.

Eu não ouvi a porta ser aberta, porque óbvio, ela já estava. Não sei por
quanto tempo, mas ele estava lá.

Arrastei o cortinado para o lado e automaticamente bloqueei. Arnaud


estava com as calças entreabertas, seu falo de fora, urinando, e com alguma
coisa indecifrável pela boca. Do mesmo modo, ele estagnou-se também ao
me ver pelada.

Não consegui reagir de um jeito mais normal como gritar ou falar


aleatoriamente, ou sei lá, me cobrir por exemplo… ficamos hesitantes
olhando apenas um para o outro por segundos, ou minutos – o tempo era o
menor dos nossos problemas. Notei seu membro reagir aquela situação o
que me fez centrar meus olhos ainda mais nele. Ele virou-se para o outro
lado, estendeu-me a toalha, desculpou-se por não ter batido na porta antes e
retirou-se.

Bonito!

Acabava de chegar no nível mais alto da história dos nicos. Agora sim
tinha mais uma boa razão para detestar minha vida e tudo que me acontece.

Amarrei a toalha ao corpo chateada comigo mesma.

Receava sair e dar de cara novamente com ele. Inconscientemente espreitei


na porta certificando-me que ele não estava à vista, corri até o meu quarto e
trancafie-me lá – que absurdo! Brincadeira de criança. Coisa mais tosca
de se fazer.

Fiquei por lá cerca de uma hora, de jeito nenhum eu desceria.

_Andressa

Assustei-me quando ouvi ele chamar por mim do outro lado do quarto.
Meu coração estava quase saltando do lugar.

_Andressa…

Chamou novamente e eu ainda não tinha unido forças para responder o seu
chamado.

Aguardou por mais alguns minutos e voltou a chamar.

_Andressa, está tudo bem aí?

Desta vez sua voz estava áspera, demonstrando preocupação e uma pitada
de desespero. E eu sabia bem o porque…

_sim, sim, está tudo bem.

Ouvi quase um “ufa” soar baixinho, como um suspiro de alívio por ter dado
aquela resposta, e por eu não ter tido uma recaída. O que já era habitual e
compreensível.

_ pus a mesa, estou esperando por ti. Não te demores, sim?

Perguntei-me como ele achou que eu teria coragem de me sentar á mesa


com ele depois do que aconteceu…ou foi coisa da minha cabeça?

_estou aguardando você aqui.

Ele sabia que eu não sairia, então tentou que eu saísse a todo custo.

_fui a mercearia e comprei um bolo de chocolate para a gente comemorar.


Hoje é seu último dia da condicional.

Não foi só um susto para ele como para mim também quando abri a porta
repentinamente fazendo com que nossos rostos colidissem. Não sabia que
ele estava tão perto assim da porta.

_pronta? _disse Arnaud sorridente me olhando de cima.


Era incrível como eu me sentia desproporcional diante de muita gente,
inclusive dele que parecia ter o dobro do meu meio metro de altura. Minha
altura era uma vergonha.

_acho que sim. _falei cabisbaixa

_hei. Não fica assim, pensa antes que finalmente te vais livrar desse
aborrecimento andante que sou eu.

Ri forçado. Não sei se estava pronta para perder mais alguém e me sentir
sozinha de novo.

Tomamos o pequeno almoço juntos. Enquanto ele falava aleatoriamente


sobre o fim da condicional e a tão “almejada” liberdade, eu me mantive
concordando com que fosse…, minha cabeça estava longe e meu rosto não
transparência a felicidade.

_pensei em fazermos algo diferente hoje.

_como o que? _perguntei curiosa.

_hum… sei que você nasceu e cresceu no Brasil e praticamente és nova


aqui. Infelizmente nas condições que aqui chegaste temo não teres
conhecido a cidade ainda. Pensei em… antes quero que me digas o seu
maior desejo.

Morrer!

_meu desejo? Ah… para ser sincera não sei. Acho que não tenho nenhum.

_não acredito. Todo nós temos! Por exemplo o meu é Wing Walking

_ e o que isso é?

_desporto radical. É um tipo de desporto em que a pessoa desafia todas as


leis existenciais contra a preservação da vida humana. Segundo a minha
ótica. Mas, repara… A pessoa viaja do lado de fora do avião, amarrado
apenas em uma cadeira, por vezes realiza várias acrobacias, para ser mais
impactante e excitante. Porém, é um total atentado a vida e com certeza
insulto a Deus. Me diz se isso não é uma blasfémia?

_Não entendi… se você acha tudo isso aí deste tal wing wock*…

_Wing Walking _emendou ele, me cortando e rindo por ter dito errado.
_...tanto faz. Porque ainda assim é seu desejo? Se você acha ele uma
blasfémia. Ta faltando um parafuso aí na sua cabeça também? _falei no
gozo

_não necessariamente. Eu gosto desta visão de que podemos tudo, que o


mundo é nosso e que estas atividades, estes desportos são apenas uma
pequena parte do que a gente pode provar. É que o ser humano tem uma
capacidade incrível de achar que precisa provar algo. Existe esta
necessidade entre nós e, eu sendo humano, evidentemente não fugiria do
caso não é!? Não sou nenhuma exceção. Particularmente eu amo esta
liberdade de sentir que podemos mais, que é possível passar pela morte e a
melhor forma de provar isso é fazendo coisas que desafiam a vida. Para
além deste tem outros que eu também amo e aprecio bastante como escalar
uma montanha, fazer rapel, rafting, voar de asa-delta, parapente…Não diga
que eu te contei isso, mas a sensação é como se estivesses à beira da louca.

_dizes isso por ser psiquiatra?

_sim e não. Digo por acreditar que embora sã (aparentemente), nossa mente
e o nosso corpo entram em um contraste colapso que nos deixa fora do
normal e longe do controlo. Você imagina…quem em seu perfeito juízo
acharia bonito e divertido colocar suas vidas em risco só pelo belo prazer?
É preciso estar numa fusão de discernimento para tal ato. Mas…, com tudo,
eu amo, pois é incrível, e a sensação deve ser maravilhosa – descer do alto,
sentir aquela brisa, o ar fresco ou ainda melhor, de baixo da chuva, sentir a
água descer pelas partes do seu corpo…

Ao dizer “partes do seu corpo”, meu cérebro viajou e fiquei imaginando


um cenário totalmente diferente do que suas palavras representavam.

Eu vi Arnaud de baixo da chuva a princípio, com a camisa branca que


usava ser molhada e marcar ainda mais em seu corpo. A brisa bater e soltar
seus cabelos para o ar desproporcionalmente enquanto seus braços
discorriam de seu peito até seu rosto afastando a água. Rapidamente a
imagem foi alterada quando me permiti imagina-lo sem roupa, a visão foi
da chuva até ao momento perturbador que ocorreu pela manhã. Vi
novamente seu membro, tão logo afastei os pensamentos pois começava a
sentir minha boca seca consequentemente a vontade de ser tocada, beijada,
acariciada e penetrada. Meu corpo se contorcia e arrepiava assim que o
desejo foi se intensificando. Nesta altura eu já não ouvia uma palavra se
quer que vinha de sua boca que naquele momento em meu intimo já a
beijava.

Voltei novamente a ouvi-lo e a única coisa que fez sentido foi «atividade
épica e divertida? Sabendo que há ene possibilidades de cair e ser
desmembrado e ainda o mais comum e fatal de todos eles “morrer”»

_credo! E ainda assim este tipo de coisa é o seu maior desejo… _retorqui

_desafiar-nos é o objetivo. Enfrentar a morte e escapar dela é o desejo!

{...}

_como podes ver todo mundo tem um lado pouco convencional Andressa.
Sei que tens razões para desacreditar na vida, mas tu e mais ninguém soube
o que é estar lado a lado com a morte. Dou-te créditos por isso. Podes não
ver agora, mas eu sei que ainda darás graça por cada experiencia vivida
hoje.

Encantei-me pelas palavras, não só por sentir que estava apaixonada e


achar tudo bonito que vinha dele, mas por que realmente eu precisava
daquilo. Ouvir e encarar de uma vez o que passei e parar de me
compadecer, saber que não era a única no mundo com problemas e com
desejos esquisitos.

Como disse Kenai «sou humana, estou submetida a isso»

_então… a partir de hoje o meu desejo será de renascer das cinzas.

_como a Fénix

_como quem?

_Fénix!? Que ressurgiu das cinzas… _inqueriu Arnaud com cara de quem
não estivesse a acreditar que eu não sabia quem era essa tal Fénix de que
falava.

_não sei o que isso é.... quero apenas poder largar as mãos da morte e
finalmente segurar nas mãos da vida.

_radiante.

_mas com isso nós podemos fazer os dois. Fico com o seu desejo também,
até porque não seria de longe uma novidade
_não…?

_não. Eu já abracei a morte. Saltar de um avião seria um simples “olá, tudo


bem? Surpresa por me ver de novo? _gargalhei

_boa. Muito boa. Eu gostei dessa…_gargalhou Arnaud comigo

Arnaud prometeu dar-me o melhor último dia da condicional.


Levou-me para conhecer os pontos mais incríveis da cidade de Ponce e
uma parte de sua história.

Começamos por visitar o “Former Park of Pumps” que é nada mais nada
menos que a antiga sede de bombas daquela cidade.

Um espaço antigo que hoje é considerado museu histórico e centro de


informações turísticas.

O que mais me impressionou não foi ver o local todo ele blindado com as
cores preto e vermelho, e os materiais de bombeiros antigos, mas sim a sua
história.

Segundo Arnaud Kenai o edifício é o porte de bombeiro mais original de


Ponce – Construído em 1882, sendo o pavilhão principal da Feira de
Exposições.

Arnaud continuou contando-me sua evolução enquanto caminhávamos e


apreciava as imagens e os símbolos que descreviam, completavam e davam
significado as suas palavras.

Ele partiu de seus heróis, os fundadores do Former. Disse que em 1820,


justamente quando Ponce começou a surgir, a cidade foi parcialmente, mas
seriamente destruída por um terrível incêndio que queimou centenas de
casas. Três anos mais tarde, o governador Miguel de la Torre,
profundamente impressionado com a tragédia fundou o primeiro corpo de
bombeiros da cidade.

«Fair 1882 - com novas influências arquitetónicas chegou em Ponce, e um


deles era o estilo mourisco vagamente reminiscente da Alhambra, em
Granada, estilo árabe de dois pavilhões…»

_...um foi totalmente destruído por um incêndio em 1914 e o outro é o atual


Old Firehouse – que acumula um venerável ancião, documentos,
fotografias, ferramentas e carros de grande valor histórico. Como podes ver
aqui. Tornando-se assim no Museu Oficial de Fogo. Estas pinturas são
como uma reminiscência dos oito Heróis Polvorín _mostrou-me os quadros
e pinturas de cada um dos heróis que estavam pendurados á parede. _eles
arriscaram suas vidas para evitar a loja da queima de munições e tomar
metade da cidade em frente. Dão-nos um exemplo de coragem e bravura de
Ponce. Se reparares bem, o seu distinto design e cor vermelho escuro
simbolizam o valor incalculável de si e do seu conteúdo. Mas o imenso
prazer que tenho e sinto é de apreciar a infinita bondade das pessoas que
cuidam deste sítio preservando cada fonte e sua história. Este local torna-se
o segundo dos monumentos mais visitados em Porto Rico.

Incrível! Não sei se fiquei admirada pela sua triste mais recompensada
história, ou pelo facto de Arnaud souber grau por grau do percurso de sua
cidade. Do Brasil eu só sabia da colonização e da sua emancipação.

Ao sair do museu dos corpos de bombeiros, Arnaud questionou-me sobre


minha religião. Queria saber se eu era ou não cristã. Não percebi a origem
de sua pergunta até surgirmos numa rua que ficava atrás do Former – o
corpo dos bombeiros.

Estava diante de uma igreja. Meus olhos foram de lá para “é sério?”. Não
entendi porque razão ele lá me levara. Antes mesmo de dizer alguma coisa
ele pronunciou o nome do local na sua língua:

_Catedral de Nuestra Señora de Guadalupe

O que traduzindo para o português quer dizer “Catedral da Nossa Senhora


da Guadalupe” – Continua sendo uma igreja!

Mantive-me expectante, aguardando um sinal seu explicando-me a razão,


ou ainda, ouvir a história daquele local. Consegui perceber que ele era um
bom contador de história e que tinha total conhecimento da cidade e de
diversas coisas, que nem uma enciclopédia ambulante.

Suspirou e seus olhos brilharam ao comtemplar a igreja, ou melhor a


Catedral.

_meus pais casaram-se aqui.

Lá estava a razão.

_eu costumava vir sempre aqui com eles, participávamos em todas as


missas. É um lugar que sempre me imaginei entrar e esperar minha esposa
no altar. _ciciou mais uma vez e sorriu; tendo mudado repentinamente e no
lugar do sorriso deu origem á um semblante triste.

Conseguiu se recompor e então começou mais uma vez o breve historial de


La Guadalupe.
_tido como o templo católico mais imponente de Puerto Rico. Foi
construída originariamente em 1830, porém parcialmente destruída…
_cortei suas palavras imaginariamente com a voz da minha cabeça me
perguntando: - «mas, tudo nesta cidade foi construído e destruído depois
construído de novo?» _...por um terremoto em 1918. Mais tarde
reconstruída com a sua fachada atual. Isso entre 1931 e 1937. Não tenho
muito que falar, é simplesmente um lugar sagrado. Vamos entrar e quero
que vejas por ti só.

Entramos no local e tanto fora como maior parte dela era toda folheada de
branco. Aparentemente o lugar possuía uns três ou quatro andares. Era
verdadeiramente enorme, com vastas cadeiras e um altar impressionante.
Não muito diferente dos que estou acostumada a ver. Acontece que os
católicos são bem previsíveis e seus templos são bem semelhantes – sempre
com suas estátuas de um jesus cristo sangrando e crucificado; Maria mãe
de Jesus com os olhos cerrados e as mãos entre abertas, suplicando não sei
o que…, e outras figuras que eu desconhecia os seus significados.

Para um local que foi construído desde mil e oitocentos estava muito bem
conservado. Provei que os latinos tinham muito respeito e valorização
quanto aos seus monumentos históricos. É de ressaltar!

Outra coisa que reparei já dentro da catedral foi o teto pintado de um céu
azul como metafórico, certamente se encaixava no resto dela. O altar-mor
feito com alabastros; as capelas laterais eram simples, já os retábulos mais
complicados, como se assustassem com o fogo do inferno. Eram imagens
que recebiam a fé de Ponce. O magnífico altar de Sacramento ou lápides de
mármore na parede lembravam os bispos eméritos que estavam lá dentro da
catedral (como uma representação). Era uma miscelânea de estilos, formas
e cores que só podiam ser acomodadas em um templo de verdade. A
catedral é um exemplo de cuidado e amor do povo de Ponce para a sua
herança, sua história e sua fé, e isso pude ver e sentir em Arnaud.

Apreciei enquanto ele fazia sua oração de joelhos ao altar. De seguida


despediu-se de um bispo ou padre, e a gente saiu da igreja com ele
segurando minhas mãos, e os dedos entrelaçados. Eu não contava com
aquilo.

Caminhamos até uma área muito espaçosa, composta por fontes de água,
árvores decoradas, bancos para relaxar e tendas de vendas.
_estás diante d´ Las Delícias Park ou seja, o parque das delícias. Também
conhecida como La Plaza del Ponce.

_a praça de Ponce? _perguntei.

_exatamente!

Dentro do parque eu conseguia ver a Câmara Municipal de Ponce. E


segundo Arnaud ela é dividida entre a Praça Degetau e a Praça Muñoz
Rivera. – Não sei em qual das duas nos encontrávamos naquele momento.

Percebi que de lá dava para ver os locais que outrora visitamos, como o
antigo Parque de Bombas e a Catedral de Guadalupe. Mais a frente estava a
Fonte de leões – o que era incrível. Dentro da boca daquelas estátuas saia
água, como se estivessem a cuspi-las. Também tinha os monumentos de
Luis Muñoz Rivera e o compositor Juan Morel Campos – não sei quem são
eles, mas ouvi Arnaud mostrar e citar seus nomes.

Eu amei os variados leões e o que eles representavam segundo a lenda e


crença daquela cidade. Fizemos algumas fotografias, na verdade Arnaud
fez, eu mal conseguia olhar-me ao espelho imagina fazer fotos!?

Provei com certeza o melhor sorvete da minha vida.

Ao redor haviam muitas arquibancadas, se vendendo de tudo um pouco.


Enquanto eu atirava moedas numa das fontes de leões, Arnaud comprou-
me um presente. Era uma pulseira prateada que possuía suas bordas
listradas de vermelho; mas o que chamou minha atenção foi ver o que nela
estava encrespado – meu nome. Andressa, brilhava com a prata e alguns
corações e flores, e outros enfeites que desconhecia, entretanto deixava ela
feminizada e unicamente linda e especial. Eu amei.

Ajudou-me a coloca-la e para finalizar disse baixinho no meu ouvido:

_vermelho é a sua cor.

Eu nunca pensei em uma cor que me representasse, mas de alguma forma


eu com certeza me revi nela. O vermelho é uma cor que não só transparece
a sangue, fogo, caos e destruição; como também representava a força,
autenticidade, ousadia, desejo, paixão… amor e poder.
Arnaud segurou-me novamente pelas mãos e nos dirigimos para fora do
parque. Pegamos um táxi que em poucos minutos estávamos meio que de
frente a um castelo.

Ele abriu a porta para mim, delicadamente ajudou-me a descer do carro,


fechou a porta e seguimos em frente.

_bienvenido en el “Museu Castillo Serralles”

Meus olhos estavam diante de uma verdadeira mansão.

Demos os primeiros passos para frente subindo as escadas um pé após o


outro; meus olhos estavam desacreditados. Era um palácio de verdade!

Sua estrutura era extraordinariamente bela, igual ao castelo da Cinderela e


do príncipe – uma comparação nada a ver, mas foi o mais próximo que
consegui chegar.

Subimos as primeiras escadas e eu reparei no enorme jardim que tinha nos


dois lados logo a entrada ao castelo, com lindas borboletas ao redor das
flores – um magnífico encanto.

O castelo encontrava-se praticamente numa colina; verdadeiramente


estávamos a subir para as alturas.

Logo no início tudo já pareceu espetacular, mágico. Quando tivemos


acesso inteiramente á casa, reparei que à entrada principal da rua da frente
deu origem á duas escadas semicirculares (como uma bola de círculo feito
de pedra) que partem da entrada e levam á portas duplas francesas que se
abrem para uma grande área de receção com piso de cerâmica – o
vestíbulo, onde tínhamos que deixar nossas coisas pessoais e nossos
casacos, eu estava sem, então…

Foram cerca de três escadas com oito a dez pisos para estarmos
finalmente dentro do Museu Castillo Serralles

A vista deste quarto deletou-nos um pátio aberto com uma fonte, a sala de
estar formal estava à minha esquerda, do vestíbulo onde nos
encontrávamos. E segundo Arnaud, revelou-me que lá era o único quarto
com piso em parquet. Sabe lá o que isso quer dizer...

Seguimos em frente e eu não me sustive em reparar que tudo parecia ser


feito com os mínimos detalhes de luxúria e da mais alta qualidade. Para já a
casa possuía quatro andares: o rés-do-chão que albergava a garagem e uma
cave utilizada como zona de serviço; no segundo andar continha a
biblioteca, um pátio central, um solário, a sala de estar, a sala de jantar e a
cozinha; o terceiro andar continha todos os quartos de dormir; e no quarto
andar o terraço, com uma área coberta e outra descoberta, com o seu
pavimento todo em mosaico. De lá tive acesso as vistas mais
impressionantes e dominantes da cidade, conseguia ver-se tudo, melhor
ainda quando anoiteceu e dava para ver as luzes das casas e dos prédios
como pequenos faróis de iluminação. Era uma vista incrível. Tão logo, a
imagem me fez lembrar da vista do meu quarto no hotel Condado.

Ao sair, a visão era ainda melhor. A casa estava toda reluzente, haviam
lustres penduradas em cada andar, cada janela e portas. Era como uma
árvore de natal decorada e bem enfeitada; bem como na véspera de natal.
Simplesmente mágico e magnífico!

_então gostou? _perguntou Arnaud

_eu amei. Tudo. Cada cómodo da casa, os lugares que a gente visitou
hoje…, cada história, tudo que representavam..., e saber que, esta casa, esta
mansão toda aqui era antes um espaço agrícola… foi tipo um puf que soou
na minha cabeça. Como transformaram uma industria de cana de açúcar em
tudo isso? Incrível… e imaginar esse casarão num salão de festas… deve
ser um sonho comemorar aqui o seu casamento ou o aniversário. É tudo
incrível cara…muito foda.

_é mesmo…, muito bonito. E, é daqui também que saio o primeiro fabrico


do Rum. Que é a nossa bebida típica.

_falando desta bebida… _gracejei_ você acredita que eu bebi e não soube
que era tipo, bebida, bebida?

_como assim? _perguntou Arnaud já rindo

_então, estávamos num restaurante que e tal…, Jameson pediu a comida e


para acompanhar ele pediu esse tal Rum. Eu bebi na inocência achando que
fosse um suco, sei lá, qualquer outra coisa menos bebida alcoólica.

_meu deus, jura?

_é sério. No dia seguinte ele estava bebendo sei lá o que, aí eu percebi que
era bebida alcoólica. Então ele me pergunta se queria beber. Eu toda
convincente digo: «não obrigada, eu não bebo». Caraaaaaa. Meio que,
nossa, estava…uh. Aí ele disse - «você bebeu ontem». E eu «como
assim?». «Sim, você bebeu Rum, é bebida alcoólica, contém álcool». Eu
juro que naquele momento eu quis me enterrar.

_sinto muito por você. _disse Arnaud ainda rindo de mim

_sabe o que é pior?

_o que?

_eu gostei. Ah. Gostei muito _elevei a cabeça e fingi um grito de desespero
e um choro falso.

_hilariante.

A gente riu muito… aquele dia tinha sido um tapa na cara, e foi bom, eu
conseguia ser aberta com ele. Arnaud me transmitia paz, dava-me liberdade
e um conforto sem igual.

_nossa, ta tarde, não é? _disse olhando para o meu pulso sob um imaginário
relógio.

_estás cansada? Quer ir já para casa?

_não. Quer dizer…ao menos que já não tenhas lugares para me mostrar.

Ele receou por alguns segundos. Já se fazia tarde. O relógio batia dez da
noite e a gente estava longe de casa.

_tem mais um lugar que quero te levar. É o meu preferido.

De algum modo meu coração se agitou. Na minha cabeça pensei “ele vai
me levar no seu local preferido. Sabe o que isso quer dizer?”

Eu acreditava que partilha do género, em linguagens codificadas de amor


ou cantada representava a maior intimidade entre duas pessoas. Era como
se ele tivesse me dando uma parte de si, como se com aquilo ele quisesse
dizer – Uma parte de mim agora pertence á você, e sempre que estiveres
neste lugar tu lembrarás de mim e do meu amor por ti.

Típica frase de livros de romances. Estava na vida real, e sei que aquilo não
significava nada para ele, mas para mim? Eu não sei dizer, sinceramente.
CAPITULO VI

LIBERDADE NÃO CONDICIONAL

A razão da vida está nas escolhas

Estejam elas nas ações insignificantes ou as mais marcantes

nos pequenos até aos grandes momentos

na escolha das palavras certas

e nas pessoas selecionadas.

Uma parte de mim agora pertence á você, e sempre que estiveres neste
lugar tu lembrarás de mim e do meu amor por ti

Arnaud levou-me á uma praia paradisíaca – o seu lugar.

Sempre achei as praias lindas, maravilhosas, uma verdadeira obra de arte


da natureza e do Deus criador. Eu nunca tinha contemplado uma de noite,
seria minha primeira experiencia, até porque sempre achei que a praia fosse
um lugar de contemplação solar (apenas visitada quando tivesse sol ou
durante o dia).

Nos dias de verão as praias lá em Brasil ficavam constantemente cheias de


pessoas, e eu tinha problemas sérios com essa gente, não as suportava; com
lixos ao chão, crianças correndo por todo lado, mulheres quase seminuas
exibindo seus corpos artificiais, e homens paquerando uma atrás de outra.
Era uma situação apática que nunca me trouxe prazer algum…, mas aí eu
estava vivenciando o que seria o maior e melhor acúmen.

A praia estava vazia, sem qualquer vestígio de pessoas excluindo a gente -


isso tendo em conta a hora que nos fazíamos lá presente.

O céu estava estrelado, radiante. O tempo estava frio e ventoso.

Eu me fazia vestida de uma calça jeans e uma blusa de mangas curtas de


tecido leve. Senti a brisa passar e bater meu corpo num impulso forte que
me causou arrepios pelos braços, a sensação foi muito boa, começava a
gostar. Fechei os olhos e senti mais uma vez outra onda forte de ar embater
o meu corpo. Meus pés se moveram. Abri os olhos, retirei meus calçados e
meus pés tocaram suavemente o chão sentindo a areia húmida que causou
um desconforto bom.

Dei os meus primeiros passos em direção a água, entretanto sua mão


travou-me. Manuseei a cabeça em sinal positivo, sorri para ele e então
soltou-me. Segui com o segundo passo até estar na beirada da água.

A primeira onda emergida tocou os dedos dos meus pés e senti a água
ainda mais gélida; uma vez mais meu corpo correspondeu sentindo a
conexão que ambos tinham – o tempo e a água.

Elevei meus braços parando no ar, ergui a cabeça e vi o reflexo do brilho


das estrelas sobre a água cintilarem iluminando o céu. Voltei a fechar os
olhos e desta vez eu percebi que era possível achar a paz naquele pequeno
instante.

Minha mente estava vazia, meu corpo relaxado e minha alma em paz.

Eu sentia como se aquela brisa e as ondas do mar estivessem levando todos


os meus pensamentos; todas minhas aflições, preocupações; toda minha
angústia.

Era uma vida cheia de preocupações que instantaneamente estava sendo


resgatada, socorrida e liberta.

Desci os meus braços e uma mão quente e maior entrelaçou os meus dedos,
não precisei olhar para saber de quem se tratava. Abri os olhos por último e
minha visiva foi surpreendente.

A presente linha do horizonte que se espelhava no além trouxe-me imensas


reflexões; uma delas se revestia na existência de um mundo não muito
diferente deste por detrás desta mesma linha – até quando se parece o fim,
pode ser o começo. Pensei.

O exemplo disso era aquela paisagem. Ela poderia ser vista de dois lados
dependendo do nosso posicionamento. Eu tinha certeza que tal como nós,
naquele mesmo momento haviam pessoas que olhavam para o mesmo
horizonte se perguntando talvez “o que há por detrás dela!?” e a resposta
era simples: Vida!
Chegamos a casa e praticamente já era um outro dia. O relógio na parede
marcava meia noite, e o incrível é que eu não me sentia cansada ou
esgotada pelo longo dia que tivemos, pelo contrário, estava ativa, com uma
vontade gigantesca de repetir tudo. Vivenciar novamente cada segundo que
foi passar ao lado dele. Eu não queria que aquele dia acabasse. Nunca!

_finalmente em casa. Uf. Que dia… _gracejou Arnaud

Enquanto ele se acomodava em casa, eu estive distante.

Minha mente estava no momento em que estivemos de mãos dadas na praia


olhando para o mar. Entretanto, alguma coisa aconteceu - em algum
momento daquela cena toda maravilhosa, eu senti que aí no meio do nada,
sozinhos, em completo silencio, somente o barulho da mãe natureza…,
suas mãos tocaram meu rosto e sua boca beijou meus lábios. Eu podia jurar
que realmente aquilo aconteceu. No final era apenas minha mente que
esteve me punindo pelo não uso dos meus comprimidos; me fazendo crê
em algo que não aconteceu nem nunca acontecerá.

_estás sem sono ainda?

_sim. Me apetece fazer mais alguma coisa…

_quer ver um filme? Assim a gente relaxa. Sei que tua mente hoje absorveu
muita coisa, um filme vai compensar.

_boa. Você escolhe o filme enquanto organiza a sala, e eu faço as pipocas.

_excelente. Maus á obra.

_hei. Eu vou querer o meu espaço bem confortável está bem!?_falei


sorrindo e ele assentiu devolvendo o sorriso

Fiz as pipocas, dirigi-me até a sala e o local estava extremamente


organizado. O sofá estava todo ele produzido como uma espécie de cama
coberto com um edredom macio; eu podia esticar meus pés na vertical, e
dormir aí mesmo; com as janelas entreabertas e, na sala soltava aquele ar
fresco da madrugada que era bom de se sentir; com as luzes apagadas, a
tevê ligada e o filme prestes a começar.
Arnaud apareceu com duas garrafas de água, uma de refrigerante e alguns
doces e batatas fritas; sorriu para mim e disse:

_pronta?

Assenti. A gente se deitou e ele colocou o filme.

O que eu não esperava é que o filme escolhido seria de terror. Eu achei que
a gente veria sei lá, um romance. Não que fosse a minha preferência, mas
tendo em conta…tendo em conta nada Andressa! Tudo me levava sempre a
esta possibilidade.

No final eu agradeci pela escolha. Não houve nenhum constrangimento;


não daquele tipo, pois eu estava centrada nas cenas do filme e nas
expressões aterrorizantes que eu fazia.

O filme era um pouco pesado. Eu podia jurar ter visto Arnaud chorar em
meio as gargalhadas.

Mas, quem ri e chora assistindo um filme de terror? Não era suposto ser
assustador, causar medo e pânico? E não o oposto?

Cogitei que quem na verdade estivesse desequilibrado emocionalmente,


pelo menos naquele momento era ele. Eu mal conseguia vê-lo, estava
sempre me cobrindo ou fechando os olhos. Foram chuvas de corpos e
banhos de sangue durante o filme inteiro. Dei graças á Deus e suspirei
assim que o filme terminou depois de uma hora e quarenta e seis minutos.
Quase duas horas vendo um massacre.

_gostou do filme?

_não. Claro que não. Qual era tua ideia? Matar-me…

Antes mesmo que terminasse de discursar, emergiu do meu semblante a


expressão que representava a ideia inerente a minha instantânea percepção;
do seu rosto o mesmo. Ele sabia que eu sabia.

_...isso foi extraordinariamente… Wau! _exclamei admirada

Embora tendo percebido o óbvio, que era como se ele testasse minhas
emoções ou o nível delas, também percebi que não se tratava dele querer
passar um tempo de qualidade comigo. Ele não estava sendo um
companheiro, não estava me mostrando seu lugar preferido…, não. Ele
estava fazendo terapias comigo. Tudo aquilo não passou de mais uma
consulta. Mesmo até quando não achei, ele sempre esteve nas vestes do
meu terapeuta.

Como pude ser tão cega e insignificante!?

_eu sabia que você perceberia. Andressa Martinez declaro-te oficialmente


uma pessoa sã e dotada de suas capacidades mentais! _ deu uma pequena
parada e sorriu para mim suavemente. _pode seguir sua vida sendo uma
pessoa normal sem qualquer perigo para os demais e/ou para si mesma.

Ele dizia eufórico, com total entusiamo. Estava feliz por mim. Entretanto
eu estava cética, não acreditava e nem demonstrava qualquer felicidade. Eu
estava desiludida comigo mesma.

_obviamente que não é assim que funciona, é só uma pequena


demonstração. Como uma encenação. Precisarei assinar a petição, ser
avaliada e validada pelos meus colegas e pelo hospital; mas é só
formalidade. Terás mais alguns dias de acompanhamento, porém não serei
eu a faze-lo e de três á seis meses poderás retornar ao hospital para mais
algumas seções…fora isso nada mais, ficará tudo bem. Vai correr tudo
bem. Tu serás uma pessoa capaz de tudo Andressa. Confio em ti.

Finalmente seria uma pessoa livre e dita capaz (nas suas faculdades
mentais) – é assim que se diz, segundo aqueles que estudaram a mente e o
comportamento humano.

****

No dia seguinte, tudo que eu queria era não levantar e não ter que encarar o
hoje e o “daqui em diante”.

Quando meus olhos abriram eu senti-los nitidamente pesados, até a minha


prótese me incomodava as vezes.

Nos dias em que eu não dormia como o de ontem, eu sentia a orbita do meu
olho encorpado, como se tivesse um encoste sobre ela, e realmente tinha –
um vidro.

Após as atividades do dia anterior, ficar deitada era a única coisa que meu
corpo desesperadamente suplicava. Eu sentia o cansaço bater até as minhas
articulações. Cada membro dela gritava de dores. Mesmo que quisesse eu
não conseguiria me levantar.

Ainda deitada e com os olhos cerrados lembrei que nesta altura ele já
estaria arrumando suas coisas. Agora ele era livre, e eu também.

Ouvi o som vindo do outro lado da porta, mas me mantive muda. Não sei
porque, até responder o seu chamado naquele momento me custava.

_podes vir um pouco aqui Andressa?

{...}

_podes ao menos responder? Não me deixa preocupado.

{...}

_Andressa…

Juntei forças para me levantar e no exato momento senti minhas pernas


tremerem; meu corpo tombou no chão.

Arnaud ouviu o estrondo, entrou correndo e me viu no chão do quarto


caída. Levantou-me, e desta vez eu não dei ouvidos as vozes
aterrorizadoras da minha cabeça. Puxei-lhe para mais perto de mim e
finalmente dei-lhe o tão ansiado beijo.

Senti meu corpo tremer, eu o beijava com medo.

Embora quisesse tanto aquele momento, uma parte minha estava receosa.
Esperava que a qualquer instante me soltasse e se afastasse de mim; não só
naquele instante que meu corpo ardia e necessitava do seu, mas em todo
resto das nossas vidas. Eu sabia que isso era o provável acontecer,
entretanto eu sentia suas mãos apertar meus braços com tanta força e seu
corpo tremer igual ou pior ao meu. Seus lábios pressionavam a minha boca
como se quisesse desesperadamente ser interrompido, e em nenhum
momento eu quis que acontecesse, então prosseguimos com o beijo.

Tal como eu, Arnaud não quis parar por aí. Sabia que tinha algo amais para
oferecer-me – Prazer. Justamente o que eu queria!
Intensifiquei o nosso beijo, gemendo e dizendo baixo o quanto eu o
desejava esse tempo todo; o quanto ele mexia comigo e que queria de uma
vez saciar-me a ele.

Quando dei por mim ele estava no controlo de tudo.

Jogou-me na cama. Naquela altura senti-me como um saco de batatas ser


arremessado. Desesperadamente Kenai tirava suas vestes com os olhos
presos em mim, naquele instante era como se fosse outra pessoa, estava
diferente, eu não o reconhecia. Porém sua visão fez qualquer pensamento
meu ser apagado na hora. Seu corpo pelado fazia jus a todas as minhas
fantasias.

Mordi os lábios enquanto ele subia na cama se prontificando para mim,


colocou-se a minha frente, por cima do meu corpo, voltou a beijar-me, ao
mesmo tempo mordia os meus lábios, o que me fez sentir o gosto de sangue
entre o nosso beijo. Com uma de suas mãos Arnaud prendeu os meus
pulsos por cima da minha cabeça, enquanto a outra mão apertava o meu
pescoço, me sufocando. Eu quase não conseguia respirar.

Travava a minha respiração por alguns segundos. Enquanto me sufocava


ele depositava em mim beijos quentes, dando-me o seu ar, como se
estivesse tirando minha vida e retribuindo com a sua, por recompensa.

Repetiu o mesmo episódio duas, três, quatro vezes até eu me sentir fraca e
sem energias. Virou-me de costas, tirou minha roupa me deixando pelada
diante si, foi quando senti sua mão grande e pesada desferir em meu
traseiro alguns tapas que outrora eram leves e outras intensificadas e
dolorosas. Eu não sei se estava gemendo de dor ou prazer, mas algum
barulho estranho soava entre minha boca acompanhado das minhas
expressões de dor.

Ele continuou até eu o ouvir gritar de fúria enquanto vergastava minha ré e


escoriava minhas costas. Intui-o vacilar em algum momento, mas foi aí que
comecei a gostar. Arnaud apertava meu corpo com toda sua força e eu me
via presa naquilo. Virei-me e disse olhando nos seus olhos:

_dá-me todo o seu prazer.

Arnaud olhou-me por alguns segundos, seu olhar estava profundo e


medonho. Redirecionou-me novamente de costas para si e finalmente eu
senti seu falo não deslizar, mas desferir minha parte íntima. Era como se
estivesse me rasgando. Ele não foi delicado e eu não sei se queria
delicadeza. Acontece que eu amei a sensação dele simplesmente estar a
socar minha vagina sem alguma preocupação se estivesse ou não me
afligir.

Em condições normais eu talvez diria que aquilo era um estupro, ou abuso


sexual; mas não, eu queria, não estava sendo obrigada, porém a brutalidade
me fazia colocar um pé atrás.

Retrocedi quando ele me puxou repentinamente, saindo de dentro de mim,


colocando minha cabeça em direção do seu falo impulsionando para uma
possível felação.

Minha boca estava a centímetros do seu órgão genital. Assustei-me!


Eu não fazia ideia do que fazer nem como fazer. Era primeira vez que tinha
relações sexuais com alguém mais velho e obviamente mais experiente,
porém a segunda vez que me relacionava, e de experiencia eu tinha zero.

Fiz sinal negativo ao seu pedido, mas ele insistiu aproximando a minha
boca ainda mais do seu órgão; abri-a e ele fez o mesmo quando
simplesmente engrazou o seu comprimento no meu colo do útero até minha
vulva.

A primeira impressão foi desconfortante, seu membro me reprimia,


entretanto, assim que ouvi seu rosnar, subjuguei me dando prazer de estar
fazendo aquilo. Ele murmurava ao mesmo tempo que apertava meus
cabelos e movimentava minha cabeça bruscamente para frente e para atrás.
Eu me engasgava e tossia. Parecia que me ver sufocar em seu membro o
dava mais prazer, pois enquanto eu me asfixiava ele intensificava os seus
movimentos se dando prazer na minha boca, até eu o sentir soltar seu
primeiro orgasmo intensificado e puramente pegajoso. Foi muita bosta na
minha cara.

Olhei-o ofegante la de baixo enquanto Arnaud ainda se mantinha apertando


meus cabelos posicionando minha cabeça presa na direção dos seus olhos,
me fazendo olhar bem no fundo deles.

Por alguns instantes fiquei com medo, pois no seu olhar já não brotava
aquele brilho e pureza como nos dias anteriores. Seu semblante estava
enrugado, com os olhos e os sobrolhos semicerrados, encarando-me
enquanto sua respiração também estava ofegante e expressava á fúria.

Senti como se naquele momento tivesse despertado uma fera adormecida.

Que merda acabei de fazer?

Perguntei-me assustada.
CAPITULO VII

ESCULPIDO DE SADISMO

Deixe sua marca em meu corpo

Que assim mais ninguém além de ti o terá em sua posse!

Eu vi Jameson chorar do meu lado e não conseguia entender as razões.


Pedia desculpas por ter me abandonado e ter ficado longe durante este
tempo todo. Eu continuava sem entender nada.

Ele se desculpava e lamentava pelo que tinha acontecido comigo e dizia


que era tudo culpa sua – Eu me perguntava o que tinha acontecido comigo,
por que eu não sabia que raio da porra estava a se passar naquele momento.

Sem ainda me esclarecer segurou minha mão e disse:

_vamos! Eu juro que desta vez não te abandono de novo.

Mil pontos de interrogações estavam sobre minha cabeça.

Primeiro é que ele veio sem avisar; segundo é que eram tipo oito horas
para ele estar aí me enchendo com sei lá o que, sem me esclarecer
porcaria alguma. E por último, para onde ele estava me levando?

Permaneci calada e segui-o para onde quer que fosse. Observei-o falar com
alguém ao telefone no mesmo instante que o motorista chegou com o carro.
James abriu a porta para mim, entrei, de seguida ele, e o motorista arrancou
com o carro.

Chegamos num lugar completamente desconhecido por mim. Continuava


sem saber o que estava a se passar. Não consegui perguntar nem recolher
mais informações por que á viagem inteira ele esteve ao telefone.

Finalmente o carro parou. Novamente segurou minha mão e antes de


descermos ele voltou a dizer:

_seja forte! Estou contigo desta vez. Não quero que tenhas medo.

Medo de quê?
Do que eu precisava ser forte?

Quando tentei perguntar, ele já estava descendo do carro. E lá estava


novamente os mil pontos de interrogações, só que desta vez duplicados.

Entramos no local e nós ficamos numa sala esperando.

O quê? Quem dera eu soubesse…

Avistei uma mulher de farda e um crachá com seu rosto e seu nome, só
assim percebi onde estávamos.

estamos numa delegacia?

_o que estamos fazendo aqui, Jameson? _falei para ele baixinho e assustada
no intuito da moça não ouvir, já que ela estava muito próxima de nós.

Ela ficou a minha frente e disse:

_senhora Andressa Martinez? _ acenei com a cabeça duvidosamente


respondendo-a. _acompanhe-me por favor.

Meus pés tremeram. Olhava para James aterrorizada sentindo meu corpo
paralisado e minha boca seca.

Virei-me para o Jameson depois para a mulher; novamente para o Jameson


e nada de concreto me ocorria.

_por favor senhorita Martinez, por aqui…

_estou aqui meu bem. Pode ir com a policial. _Disse Jameson para mim na
tentativa de dar-me conforto que não me confortou, me deixou ainda mais
preocupada e desesperada, mas eu assenti e segui a policial.

Se alguma coisa desse errado ele ainda ali estaria. Era única certeza que
tinha naquele momento.

Segui a mulher até uma sala vazia que tinha apenas uma mesa e duas
cadeiras.

Pediu que eu me sentasse numa delas. Ela sentou-se na outra bem a minha
frente.

_então senhora Martinez, pode me dizer como era sua relação com o
esculápio Arnaud Kenai?
_que?

_falo do seu médico; O dr. Kenai, seu terapeuta.

Eu não entendia as razões de estar aí muito menos porque ela me


perguntava sobre Arnaud. Mantive a postura de quem – não falo sem a
presença do meu advogado, por mais que eu não tivesse um.

_então... alguma vez ele foi imoral com a senhora? Vocês chegaram a
passar muitas horas juntos? Digo, enquanto paciente-médico…

{...}??

_vocês… digamos, como classificaria, sra. Martinez o tratamento do Dr.


Arnaud? Numa escala de zero á dez? cinco…? oito…? sete…? dois…?
um??

{...}

_está bem. Tem alguma coisa que queira contar-me? Algo que esteja a
incomoda-la?

{...}

_sabe ao menos porque está aqui, senhorita Martinez? _disse a mulher já


aborrecida.

Finalmente uma pergunta que eu sabia como responder

_não, eu não sei porque estou aqui. Nem o que essas perguntas sobre o meu
ex. terapeuta significam.

_eu sabia. Encerramos por aqui.

Ela disse dando sinais para as câmaras e abrindo a porta para mim enquanto
James se aproximava perguntando o que se passava. Eu continuei confusa
não percebendo absolutamente nada.

_ela mal sabe o que está a acontecer... façam-me um favor, não perturbem a
ordem pública. _ finalizou a oficial da polícia.

Jameson irritou-se muito com a mulher, e instantaneamente dentro do local


surgiu um alvoroço.
No meio da confusão eu vi Arnaud sair algemado da sala ao lado em
outrora me encontrava.

Naquele mesmo instante vi tudo rodar e eu não conseguia ouvir mais nada,
surgiu o mal-estar e de repente uma completa escuridão.

****

Quando meus olhos se abriram, James estava do meu lado segurando


minha mão. Perguntou-me se estava bem, eu assenti.

Fomos para casa e no caminho a gente não trocou uma única palavra.

Ele levou em consideração o meu mal-estar, e eu precisava clarear as


ideias, pois, ainda me custava crer no que tinha visto.

Chegamos a casa e James ajudou-me a subir até meu quarto.

A subalterna da casa trouxe uma bandeja recheada de frutas e sumo natural,


comi um pouquinho enquanto Jameson me fazia companhia acariciando
meus cabelos.

_agora quero que descanses está bem!? Hoje o dia foi pesado demais para
você.

Desta vez eu não podia deixar passar e ficar com estes pontos todos
inquestionáveis na cabeça.

_o que está acontecendo Jameson? O que foi aquilo? Porque a gente foi até
a delegacia? Eu vi..._este último vacilei. Minha cabeça ainda estava
confusa e duvidava se realmente tinha visto ou não o que vi.

James suspirou fundo e começou por dizer:

_Arnaud...

Quando ele citou seu nome meu coração palpitou. Meus batimentos
aceleraram e dai tive certeza que era real. Era ele. Era ele que estava na
delegacia algemado.

_... ele vai ser julgado e espero que condenado pelo que fez contigo.

_que fez comigo? _falei quase em um sussurro, com a voz abafada.

_ele vai pagar. Eu não quero que penses mais nisso.


{...}

_O triste vai ser te ver nisso. Nunca quis que acontecesse. Você não
merecia Andressa.

Continuava sem entender. Mesmo sem saber das razões naquele exato
momento não quis saber de mais nada.

Eu tinha medo do que estaria por detrás daquilo tudo. Me mantive calada e
com mais mil interrogações na cabeça.

Acabei por dormir com as dúvidas e incertezas; com mil perguntas sem
nenhuma resposta.

Passou-se uma semana e eu continuava ignorando as minhas dúvidas e


curiosidades.
Enquanto assistia tevê ouvi o som da campainha e fui averiguar. Era o
correio. Chegou um envelope carimbado com selo e o meu nome escrito.
Era para mim.

Abri e li.

Estava a ser convocada para depor contra Arnaud Kenai.

Minhas mãos tremiam.

Jameson apareceu repentinamente e viu-me chorar. Perguntou o que estava


acontecendo e eu não conseguia responder. Retirou-me o papel das mãos,
deu uma rápida olhada e me colocou sentada no sofá enquanto eu me
lamentava.

_como eu vou depor contra ele? O que ele fez comigo? Ele não fez nada.
Jameson, o que está acontecendo?

Finalmente eu soube.

Arnaud estava sendo julgado por violação de normas e abuso sexual.

Jameson contou que no seu passado, «por volta dos seus dezoito anos,
Arnaud aparentemente havia abusado sexualmente uma jovem – que na
aquela época era sua namorada. A jovem levou-o a tribunal alegando ter
sido forçada a ter relações com ele mesmo contra sua vontade. Disse
também que ele foi tão agressivo com ela na cama que varias vezes
suplicou que ele parasse, mas ele não o fez até se sentir satisfeito. A jovem
chegou até aparecer com hematomas e alguns ferimentos no corpo
afirmando que ele era extremamente agressivo e perturbado»

Eu estava aterrorizada com aquela história.

Enquanto James contava-me detalhadamente este horrível facto de á nove


anos, eu via todo aquele horror ser transferido para o dia em que a gente
esteve junto. Finalmente eu enxerguei o que meus olhos se recusavam a
ver.
Corri para o meu quarto, despi-me e fiquei de frente ao espelho com o meu
corpo desnudo reparando nas possíveis evidências que me levariam a crer
que o mesmo tivesse acontecido comigo durante o coito.

Comecei por tocar em meus lábios e minha mente mostrou-me Arnaud


extirpa-os com o seu beijo agressivo – senti-me agonizada. Deslizei minhas
mãos ate minhas bochechas e vi a sua tocar meu rosto num forte tapa
enquanto me fodia de forma íngreme; de seguida resvalei até meu pescoço
e o apertei sentindo suas mãos novamente lá, me asfixiando. Uma lágrima
escorreu sobre meu olho.

Virei-me de costas ao espelho e vi estigmas á volta com manchas pretas.


Soltei um grito abafado sentindo minha alma defluir do corpo e perder-se
em algum lugar. E mais uma vez vi ele atrás de mim arranhando minhas
costas com algum objeto qualquer pontiagudo.

Caí de bruços, ajoelhada ao chão vendo o quão estrangulado meu corpo


estava.

O pior não foi ter visto ou sentido nada. O pior foi eu ter gostado. Eu gostei
da dor, gostei de sentir sua força, sua fúria, seu desejo fervoroso e sua
frenética e insaciável compulsão sexual.

Me permiti imaginar novamente cada detalhe e desta vez eu me excitei.


Percebi que era aquilo que eu queria, uma nova sensação que não me
deixava enxergar a realidade.

Foi como se estivesse usando minhas drogas.

Eu não sentia nada e Arnaud provou que eu não precisava dos anestésicos,
nem de nenhum alucinogénio, só de alguém que me fodesse. Que me dessa
sua alma, sua energia, sua insanidade… seu sadismo.

Alguém que me proporcionaria um sexo capaz de me deixar inativa,


submersa e desligada do meu corpo e da minha mente – eu precisava
exclusivamente de Arnaud Kenai.
***

Pouco tempo depois soube que foi ele mesmo que havia se entregado a
justiça.

Com o que houve entre a gente e associando o que tinha ocorrido anos
atrás, ele culpou-se.

Ninguém via o outro lado da história. Ninguém percebia o que ele tinha
feito comigo. Todos quiseram acreditar que ele era culpado!

Culpado por ter me libertado das drogas? Culpado por ter me resgatado
do fundo do paço enquanto outros faziam questão de apenas me ver por
lá!?

Arnaud fez o que muitos só abafavam e viam como um “caso perdido”

Quando chegou o dia do meu depoimento eu expliquei tudo que tinha


acontecido e como foi que aconteceu. Embora eu tenha dito que foi de
mútuo acordo, minhas palavras não foram validadas, até porque ele mesmo
fazia questão de me contradizer.

Segundo Arnaud eu o fazia por proteção a ele, isso por alegar estar
apaixonada.

Quando fui questionada sobre este facto, eu não soube como responder. O
que eu sabia sobre amor, paixão ou qualquer tipo de sentimento? Nada.

Eu chorei porque naquele momento percebi que tudo estava perdido, para
mim e especialmente para ele. Arnaud não queria ser salvo.

Eu só quis tirá-lo do poço tal como ele fez comigo. Mas ele preferia se
manter lá encarcerado.

Por fim saiu a declaração do Juiz.

Arnaud foi declarado culpado não podendo mais exercer a profissão de


terapeuta, nem tão pouco voltar ao hospital psiquiátrico – Estaria agora na
condição de indivíduo instável. Alguém incapaz, e predisposto a práticas
sádicas, merecendo estar isolado e longe do radar social.

Essa foi a condição que lhe impuseram.


Por mais que os tribunais, os psicólogos, psiquiatras e outros profissionais
digam o contrário…aos meus olhos Arnaud Kenai sempre será inocente e
declarado como o meu sádico – libertador da opressão sexual.
CAPITULO VIII

HONRA
Pouco falta para minha sanidade

Porém, isso não me torna salubre!

Embora estivesse a amar tamanha sorte que tinha, eu não podia me


acobertar e deixar ser sustentada, apesar de James oferecer-se para tal. Eu
não iria permitir.

Sentamos e tivemos uma longa conversa.

A minha decisão foi unicamente reservada a minha independência.

Eu queria não só ser livre dos meus problemas, como da dependência em


minha vida pessoal.

Eu já não precisava ter ninguém cuidando de mim e me dizendo o que


fazer, pelo contrário, desta vez queria ser eu a mandar.

No fundo do meu ser e no interior do meu eu, sempre existiu uma Andressa
que se permitia ser o que quisesse; e isso incluía preservação pessoal.

Do James só precisava simplesmente que ele custeasse á princípio minha


formação – ele assim o fez. Entrosou um instrutor profissional de línguas –
aprendi quatro línguas diversas: o espanhol, por ser a principal já que
estava em um país latino; adicionou-se o inglês, por ser fluente e tida como
uma língua internacional (a mais falada no mundo); e também o francês e o
irlandês (pacote promocional – nunca é demais aprender línguas novas).
Estas últimas aprendi com James, ele falava cinco línguas e alguns dialetos.
Ele aprendeu porque durante sua vida passou viajando por algumas partes
do mundo, conhecendo culturas e línguas diversas.

A seguir ajudou-me a concluir minha formação de Gestão Empresarial;


Gestão de Marketing; Computação e Economia. O que foi muito bom
porque sempre tive um pequeno desejo de ser dona de um negócio e graças
á ele estava muito perto de o conseguir.

Jameson, apoio todas as minhas ideias e projetos. Ajudou-me a montar a


minha loja de móveis.
Minha pequena vida está aqui – Martinez A&J Furniture

Nela depositei todas minhas energias, minha paixão, minha dor e um pouco
da minha perdição. Estava formando o meu mundo, me sentindo
oficialmente renascida.

A Martinez A&J Furniture Muebles – fortaleza de móveis, levou cerca de


dois anos para finalmente ser inaugurado.
Como sempre, nem todas as lojas logo no princípio são bem apreciadas.
Não tive muito sucesso como ansiava e, tudo bem, estava apenas
começando… Não desisti e continue com o meu pequeno negócio até que a
renda foi aumentando e alcançando minhas expectativas.

Me sentia realizada!

Eu já não dependia do Jameson a cem por cento e para retribuí-lo por tudo
eu o coloquei como meu sucessor adjunto.

Era o meu braço direito e surpreendi-me ao ver como ele lhe dava tão bem
com o negócio. Parecia que fizera o curso de administração – ele tinha um
talento nato.

Foi bom para ambos, tanto é que meu amigo se dedicava a tempo integral
nos negócios.

Dissera que era como um sonho que nunca teve, mas que talvez um dia já o
desejou. Ele depositava paixão no trabalho e fazia com que tudo desse certo
da melhor forma.

PUERTO RICO – SAN JUAN era minha morada e o começo de uma vida
após a morte!
Eu não tenho só cicatrizes;
tenho feridas que nunca sararão.

Ando com a faca que me apunhalaram cruzada entre o


meu peito, sentindo
a dor e
convivendo com ela.
CAPITULO IX

AQUECE O MEU CORPO E MINHA ALMA TAMBÉM

Precisei da luz quando estive na escuridão

Meu corpo é chama

Não precisa de luz

Porque eu sou a luz da minha própria escuridão!

“Venenosa”

Andressa Martinez

Nunca restaram dúvidas da minha toxidade, apesar de oculta.

Era notório a minha podridão…

Por mais que me custava enxergar quem verdadeiramente era, desta vez já
nada ocultava o veneno que se revestia pelo meu corpo

Estava transplantada de provas.

Sabia quem eu era, sempre soube.

Só precisava olhar-me para um espelho que refletisse a minha alma!


Atualmente…

Encontrava-me ainda em choque.

Passou-se algum tempo desde que nos vimos pela última vez, desde que ele
me viu daquele jeito.

Ele não ligava nem se quer me procurava para o sexo.

Ele ouviu-me.

Eu disse que não precisava dele, que não o queria ver…, então ele afastou-
se.

Rui tentou manter contacto comigo, mas recusei todas as vezes que ele se
desculpou e me jurou que estava fora de si quando me disse tudo aquilo.
No fundo eu sabia que não, até porque ele não mentiu. Uma boa parte era
verdade.

Pela primeira vez na vida eu me sentia limpa.

Fazia hoje dois meses que eu não consumia álcool, não fazia uso dos meus
comprimidos nem tão pouco tinha relações com homens que eu
desconhecia.

Eu me sentia abatida

Vencida.

Derrotada!

Sempre cogitei que seriam os meus comprimidos que me matariam. Nunca


achei que estaria tão enganada e equivocada.

Foram as palavras de um homem que me consumiram e sentenciaram o


meu fim.

Era oficial

Andressa Martinez estava finalmente morta!!


*****

Ficar sóbria e limpa deixava-me preguiçosa.

Tenho passado o dia inteiro e metade destes dois últimos meses na cama ou
deitada no sofá.

Fico pensando a cada segundo por coisas que desconheço as razões e sem
meios de coordena-los. Sem os meus comprimidos, sem o álcool e sem o
sexo; sendo que me tinha abdicado de tudo isso – Estava em uma total
abstinência. E a minha dilaceração compulsiva estava de volta.

Em todos os meus pensamentos tinha algo que se predominava: Rafael

Não saia da minha cabeça o nome Rafael Alano.

Como uma única pessoa deixava minha cabeça bamba!? Meus


pensamentos incontroláveis e minha atenção perdida?

Eu não podia deixar-me abater de novo. Já passei por muita coisa nesta
vida e nenhuma deixou-me incapaz de passar por cima.

E não seria a primeira vez. Não mesmo!


CAPITULO X

LEMBRANÇAS

Lembrança é o que sobrou de você

Monto cada pedaço do seu rosto espalhados pela minha memória

Para apaga-los

Antes que elas mesmas decidem fazer isso por mim.

“Venenosa”

Andressa Martinez

Sempre acreditei que a nossa mente nos leva para uma divisão do que nós
fomos e do que queremos ser.

Eu queria ser diferente, porém minha memória sempre regredia para o que
eu fui e isso para mim refletiu sempre quem sou.

***

Quanto a minha sexualidade, digo já que após a minha segunda relação


sexual inconscientemente eu adquiri (se assim posso dizer) o prazer pelo
sadismo, e o sexo sem envolvimento afetivo. Isso após ter confundido
paixão e atração que tinha pelo meu terapeuta por amor.

Enquanto a solidão tomava conta de mim e deixava as lembranças se


apoderarem da minha mente, divaguei ao dia da minha primeira transa
casual.

***

«Eu flertava com um rapaz da cafeteria PANNES que ficava perto do meu
prédio. Por sempre lá frequentar, reparei na sua forma de olhar, falar, e seu
jeito gentil.

No seu dia normal de trabalho, usei o telefone da cafeteria e pedi o meu


almoço por encomenda. O pedido era exclusivo – ele.
O rapaz chegou ao meu apartamento, pedi educadamente que entrasse e
ficasse à vontade. Chamei sua atenção com conversas aleatórias e
provocantes, a princípio senti-o desconfortável.

Ele era apenas um menino, deveria estar no seu dezoito ou dezanove anos
mesmo não parecendo pelo seu gigantesco comprimento.

Convidei-o que se juntasse á mim no meu pequeno almoço, houve uma


ligeira negação compreensível. Ele estava no seu horário de expediente,
entretanto o meu desejo estava a flor da pele e eu já tinha arquitetado tudo.
De maneira alguma que as suas limitações me depravariam.

Fui insistente e perspicaz, ele cedeu e em frações de segundos estava no


meu quarto, sentado em uma cadeira sem suas vestes do trabalho tal como
eu ordenei.

Encontrava-me parada, recostada na parede do meu quarto enquanto


perscrutava a feição da minha primeira casual voluptuosidade.

Calmamente andejei em sua direção enquanto nossos olhares estiveram


fixos; institui que se colocasse em pé e levantasse seus braços no sinal da
cruz – ele assim o fez. Acariciei seus ombros e os senti rígidos – ele podia
ser magro, mas tinha força; a seguir perpassei os meus dedos e a palma das
minhas mãos no seu peito – ele não era másculo nem o seu corpo tinha
aquelas divisões de homens do ginásio, toda via gostava da flexibilidade
com que tinha sua barriga e cintura.

Ele era simplesmente um atendente da loja de café, porém eu amava ver o


seu corpo não definido naquele uniforme amarelo e azul escuro.

Ai como eu amava.

Tinha a alcatra que ficava em evidencia nas suas calças, e o seu charme de
menino educado costumava chamar minha atenção. Seus lábios para mim
sempre quiseram dizer algo além do «o que vai desejar hoje?»

Você!

Era minha resposta.

Seu sorriso meigo e fragilizado nunca me convenceu. Ele era apenas


educado, não santo.
Mandei que se sentasse novamente. Ele sentou a homem – pernas abertas,
ombros para frente, braços caídos e rosto cerrado.

Ali já não era o doce jovem do café. Eu pude sentir sua efêmera tesão, seu
desejo íntimo. Mordeu os lábios ao ver partes do meu corpo visivelmente
para ele.

Eu tinha vinte e três anos, e graças aos treinamentos que tive e da dieta
equilibrada eu consegui ganhar peso e formosura corporal. Era dona de um
corpo saudável e em forma. Igual ao que toda mulher deseja alcançar.

Posicionei-me a sua trás, puxei seus cabelos com força recostando sobre
mim a sua cabeça. Olhei para sua face e lá estava seu malicioso olhar
sedutor – me fascinava visões como aquela.

Podia sentir seu desespero em não poder tocar-me e saciar-se. Homens não
são muito pacientes na hora do sexo, porém, amam ser surpreendidos pela
mulher, principalmente quando esta decide estar no controlo.

Voltei-me para sua frente e lá de cima ele olhava-me quase ao escumo


enquanto eu manipulava cada vez mais seu desejo e anseio.

Apertei sua bochechas com uma das mãos, levantei seu rosto e seus olhos
se fitaram com os meus, inclinei-me e beijei sua boca; no desespero,
agarrou minha cintura prendendo-me ao seu corpo. Soltei-me rapidamente
e me levantei. Regressei para sua trás e sua respiração estava ofegante.
Ainda naquela mesma posição sujeitei-me entrelaçando meus braços no seu
corpo na intenção de alcançar suas calças e seu membro com a finalidade
de o provocar mais ainda, dando um pouco daquilo que seu corpo já
suplicava. Fiquei massageando seu falo ainda dentro de sua roupa interior.
Ele deixou-se levar na sensação, tentou segurar minhas mãos para tirá-lo
fora, porém o travei.

_aqui quem manda sou eu! _disse.

Foi o suficiente para o manter quieto e perceber de uma vez quem estava
no controlo.

Continuei massageando-o até que o tirei para fora. O processo foi o


mesmo, comecei pelos movimentos lentos e delicados, sua respiração
oscilava – enquanto eu movimentava devagar, sua respiração era lenta igual
aos movimentos, quando acelerava intensificava até surgirem suspiros e
gemidos.

Porra! Eu amava ouvir os seus gemidos. Incluído os dos outros homens


com quem eu já me relacionei

Os gemidos masculinos eram uma viajem para uma outra dimensão, um


outro lugar. Eram tão genuínos… Diferente dos gemidos femininos, estes
eram 100% reais e naturais. Sem dizer que não eram escandalosos como de
muitas...

Intensificava mais e mais até ele não mais aguentar, pois enquanto eu o
masturbava, não só gemia junto com ele como também proferia algumas
palavras no seu ouvido que o desorientava.

Sempre que pudesse, eu usava minha voz baixa e serena (sensualizada),


pronunciando palavras como:

Geme para mim

Ai preto

Fale meu nome

Gostoso

Sexy

Isso...

Continua…

Sem nunca faltar aquela pitada de agressividade no palavreado

Goza porra

Vai, fode

Me come

Merda!

Que porra é essa!?

Que gostoso
Muito. Muito gostoso

…isso e muitas outras que originavam na minha cabeça de alguma forma.

No final eu acabei por foder ele, sentada em seu colo, rebolando e


movimentando o quadril de forma delirante e avassaladora.»

***

Após esta experiencia posso dizer que naquela altura eu tinha provado o
prazer!

Foi uma experiência única.

Não houve sentimento da minha parte, nem tão pouco da sua.

Até naquele momento eu desconhecia esta sensação e confesso que era boa.
Acreditava ser melhor. E era muito boa, confesso!

Essa sensação de desejo, de vontade de comer e de ser devorada sem


promessas, sem intenções, sem afinidade e o melhor, sem amor…! Ser
tocada por alguém que seu olhar não transmitia promessas, que seus braços
não me transmitiam esperança ou proteção, e o seu beijo nunca soube á
amor.

Ser possuída por alguém que desconhecia, que meu coração por ele não
sentia nada, somente o meu corpo o reputava; e o melhor é que apesar disso
nossos desejos se correspondiam significativamente.

Eu amei, não ser amada!

A partir daí conheci o meu desejo. Meu Doce Pecado

Minha nova versão. Meu novo eu.


Hoje eu questiono-me: «Será possível
fazer-se sexo sem qualquer sentimento? Sem nenhum envolvimento?»

Creio que do contrário seria uma balbúrdia…

Enganei-me por muito tempo achando que poderia envolver-me sem


qualquer envolvimento – que ironia tão grande.

Nunca foi só atração; nunca foi só desejo. Foi paixão à primeira, amor a
segunda.

Por mais homens que tenham passado na minha vida... melhor, na minha
cama, eu escondi meus sentimentos. Não porque não os sentia,
simplesmente não os quis admitir. Nunca os quis sentir verdadeiramente.

Dito é certo – o amor é plantado. E no fundo eu sempre soube.

Por esta razão não saia com ninguém, do contrário estaria a plantar os
sentimentos e no final colheria o desprezo pelo o que eu era, pelo que
plantei da minha personalidade…

…E caro seria o preço a pagar por algo que me custou tão pouco!
CAPITULO XI

DIAS BONS, DIAS RUÍNS

Comece o dia com alegria

Por mais difícil que esteja sua vida

Pois, sorrir liberta o corpo e a alma

E tudo que estiver ruim

“Liberta-te”

Rafael Alano

Para começar um dia a gente segue abrindo os olhos, levantar da cama e se


prontificar para o que o dia nos reserva.

Mas, ultimamente meus dias nada mais têm me reservado.

Eu vou para o trabalho, bebo e volto para casa. Trabalho, bebo e volto para
casa...

Passei a regular as bebidas por horas extras no trabalho, de modos a que


não me tornasse num viciado alcoólatra.

Por conta disso optei em descarregar todas minhas energias no trabalho.


Melhor isso do que romper um órgão por intermédio da bebida.

Deste modo minha atenção ficava virada para os casos que tinha que
resolver e limpar as ruas de San Juan de gente caricata; e talvez assim
ganhar uma promoção -ser Sargento ou Coronel, ou mesmo ser transferido
para uma nova delegacia de polícia longe de casa…, quem sabe até
pertencer finalmente ao FBI – sempre foi um sonho desde que entrei na
polícia.
Faziam-se dois meses que eu tentava a todo custo não pensar na Cálida, ou
melhor, na Andressa Martinez

Aquela imagem repercutia nitidamente na minha cabeça. Sempre que


fechasse os olhos eu via ela.

Todas as noites eu sonhava com ela – Os sonhos eram diferenciados, mas


repetiam-se…Ora, eu via ela segurando aquela faca e agressivamente
desferia contra seu peito gritando frenética a frase “segure a minha mão”

E noutras aparecia ela chorando em um buraco, ou em um lugar muito


escuro, como se estivesse dentro de um poço sem luz, pedindo socorro
esticando sua mão para mim. E novamente repetia a mesma frase “segure a
minha mão”

Hoje despertei cedo por mais uma vez ter sonhado com ela e com o cenário
repetitivo. Era sempre a mesma coisa!

***

Aproximava-se o Natal e minha irmã Felícia como sempre estava se


hospedando em minha casa. Em breve chegariam seu marido e os seus dois
filhos.

Nós sempre passamos o natal juntos, principalmente após a morte de


nossos pais. Ela precisou que eu fosse forte por ela, e desde então sempre
fomos só nós dois.

Mesmo após eu ter me relacionado com Lisa, não a larguei, continuei


segurando sua mãe e cuidando dela, e ela esteve do meu lado me apoiando.
Nunca deixei de ser sua bússola, e quando minha mulher morreu fui eu a
precisar dela para continuar.

Felícia sempre foi a alegria da família, minha protetora... minha razão de


viver.

Se um dia precisei morrer para viver... foi única e exclusivamente por ela!

Adoro sua energia, sua maneira de falar, de estar à vontade e sua


determinação em me fazer viver mais a vida.

Eu sempre fui reservado e posso dizer que um pouco desligado do mundo.


Preocupo-me mais por coisas primárias e necessárias. Metas e etapas. Sou
seletivo, o que muitas vezes dificultava na socialização e interação com as
pessoas, e em lidar com a relação com o mundo externo.

Por termos perdidos os nossos pais ainda muitos jovens, eu tive de ser pai e
mãe da minha irmãzinha. Desde muito cedo tive de aprender a ser
responsável e arcar com as despesas da casa, desde cuidar da nossa
alimentação, saúde e a formação. Não podia deixar nossas vidas
desmoronar. Ela só tinha a mim. Se eu não a cuidasse e ficasse a me
lamentar pela perda prematura de nossos progenitores quem colocaria
comida na mesa? Quem pagaria a escola da minha irmã? Ninguém.

Aprendi a caminhar sozinho, e com apenas catorze anos comecei a


trabalhar. Tive de conhecer o doce sabor amargurado que era a vida. A
nossa realidade.

Não foi fácil, nada é, e quando penso nisso e olho hoje para mim, para
minha irmã, para as nossas vidas…, não me arrependo de nada. Não me
arrependo de ter largado a escola e ter me dedicado única e exclusivamente
a minha família – Felícia.

Hoje ela pode desfrutar de uma vida digna, e eu…? Bem, eu posso
desfrutar dela também. A vida deu-me momentos ruins, mas também soube
retribuir-me com bons momentos, e eu sou eternamente grato! Então, não
tenho nada do que reclamar.

Así es la vida.
Felícia apareceu enquanto eu divagava
minha mente e ficou me observando em silêncio.

Sem ainda me virar percebo sua presença.

_ pode falar. _ digo sorrindo

_ agora tens olhos na nuca?

_é que mesmo calada, tu ainda falas. kkkk _sorrimos juntos

_como você está irmão?

_bem. Feliz por te ter aqui.

Eu sei que esta não era a resposta que ela esperava.

Já se passavam duas semanas que ela estava em casa e observava o meu


estado. Desde os sonhos, as minhas distrações, até ao facto de ora estar no
trabalho até tarde e ora achar garrafas de bebidas no saco de lixo.

Embora não satisfeita, ela respeitou o meu silêncio. Sabia que assim que eu
me sentisse melhor com certeza contar-lhe-ia o que se estava a passar
comigo.

Felícia tocou minha mão enquanto a outra prendia o meu pescoço pelas
costas e dava-me múltiplos beijos na minha bochecha.

Senti ela parar de me amaçar quando notou o anel que eu segurava nas
mãos. Parou com os beijos e eu posso jurar que a vi soltar uma lágrima.
Tristeza? Talvez, mas com certeza não foi por saudades da minha ex.
esposa falecida, foi por perceber que até hoje ainda não havia superado,
que durante estes dois anos eu me corroía pela morte dela e ainda me
culpabilizava – Isso fazia com que eu nunca me desprendesse de Lisa e não
permitia outra pessoa ocupar o seu lugar. Seu eterno lugar.

Aos olhos de Felícia já estava mais que da hora de eu procurar um novo


amor, e entender que, embora Lisa tenha sido alguém muito importante na
minha vida e com um papel extremamente significativo, ela não estava
viva. Ela não poderia dar-me mais uma vez o seu amor, nem tão pouco eu
poderia retribuir.
A amo? Sim, com certeza! Mas conviver com ela na minha cabeça no
intuito de me sentir menos culpado, não a traria de volta; não me faria
recuar no tempo e tê-la novamente do meu lado. Eu sabia de tudo isso.

Minha irmãzinha nunca perdeu a esperança em mim e na possibilidade de


encontrar um novo amor, tão puro quanto ao que tive com Lisa; embora eu
nunca cogitar nesta promíscua possibilidade.

Quando Felícia chegou aqui em casa, não parava de me perguntar se estava


namorando alguém. Então aquele olhar que ela me deu com certeza foi de
decepção.

Apesar disso, ela foi compreensiva comigo e me deu um último beijo e um


abraço reconfortante que aqueceu o meu coração congelado.

Felícia sabia falar umas boas verdades mesmo sem abrir a boca. Assim que
ela saiu da sala e esteve longe da minha presença transbordei em lágrimas.

Desta vez não sei se chorava pela perda da minha Lisa ou pela distância
entre mim e Andressa.
CAPITULO XII

DIGA QUE SIM

Se existe uma distância entre nós,

por favor quebre-a

Não consigo ficar nem mais um segundo longe de ti

“Liberta-te”

Rafael Alano

Duas coisas. Ou eu te pego ou a gente se pega.

Minha mente repercutia está frase varias vezes.

Eu preferia lembrar-me dela nesta versão. Ela podia não estar sã, sóbria e
totalmente lúcida, mas foi assim que a gente se conheceu. Foi assim que ela
se apresentou a mim, e foi assim que eu pude ver o seu fogo, sua aura, sua
energia. Esta era a versão que Andressa era minha Andressa. Minha
Cálida.

Fechei os olhos e imaginei cada segundo passado com ela. Desta vez me
permiti sentir. Quem sabe eu ganhe coragem e a procura desta vez…

Eu vi sua íris acastanhada cruzada com os meus olhos, a medida que sentia
suas mãos delicadas tocar meu corpo. Vi ela andar em minha direção. Ouvi
mais uma vez sua voz me dizer:

Sonho transar contigo todas as noites

Meu corpo sentiu e reagiu à sua voz na minha cabeça.

Suspirei seu nome em um tom leve, mas ao mesmo tempo pesado.

_Andressa!

Gracejei ao lembrar-me do momento em que ela tentou dar-me o troco.


Ouvi mais uma vez sua voz ecoar na minha cabeça.

Lembro-me de ter sentido exatamente o mesmo que estejas sentindo agora


Soltei outro suspiro. Este ainda mais forte ao ouvir sua voz de forma
maliciosa na minha cabeça enquanto eu a penetrava no primeiro dia que
ficamos juntos.

_ Ah, Andressa! _suspirei tenso.

Apertei meu membro que já começava a endurecer, enquanto mordia os


lábios desejando mais uma vez sentir seu fogo em mim.

Suspiro seu nome e ouço a porta ser batida e aberta. Caio da cadeira da
minha sala, assustado.

Olho para o meu amigo e para a minha irmã. Volto para meu amigo e noto
seu olhar voltado na minha ereção e disfarço. Graças a Deus minha irmã
não percebeu, só ele.

Fernandes estava quase caindo de tanto rir. Pediu a minha irmã que saíssem
por alguns instantes para fora da minha sala. Sabia que tinha que me
recompor e aliviar à tesão.

Quando finalmente me recompus, voltei-me para eles e minha irmã


desconfiou de alguma coisa, pois graças ao meu bom amigo que não parava
de rir.

_usted es extraño. _disse Felícia passando um olhar de desconfiança para


nós. _Bom, maninho…, hoje é seu aniversário e de jeito algum você vai
ficar preso aqui. Longe de mim te ver trabalhar até tarde num dia como
hoje.

_não estou com ânimo. Inclusive, há muita coisa por se fazer aqui.

_ sem desculpas. Você vai com a gente.

_ahora?

_ahora?

(retorquimos, eu e o Fernandes) com cara de que era pouco provável


largarmos naquele horário. Impossível na verdade.

_why? Qual é o problema??

_muito trabalho. _disse Fernandes


_ é isso, muito trabalho. _finalizei.

_ parem de frescura. Tudo bem. As seis? Acho que até lá vocês conseguem
sair. _ fizemos gestos com a cabeça dando a entender que era uma péssima
hora para largar também. _. Está bem. As nove. Nem mais, nem menos. Te
espero en el bar da familia. Sin retrasos.

Felícia falou saindo da delegacia.

Repeti o local baixo que só eu pude ouvir.

_El Bar da Familia.

Já se passavam quantos…, dois…? Três…? quatro meses que o meu bute lá


não colocava.

_com tantos bares em Porto Rico é logo este Felícia.

Falei resmungando para ela, mas ela já tinha ido embora.

Bati o pé no chão feito uma criança insatisfeita.

Agora sim as lembranças vão me consumir por completo.


CAPITULO XIII

LAÇOS DE AMOR, LAÇOS DE DESTRUIÇÃO


O mesmo laço

que nos uniu

Foi o mesmo que nos destruiu.

Cinzas – “Venenosa”

Andressa Martinez

Que mundo pequeno...

Até parece que foi ontem que entrei neste bar drogada e alcoolizada, e
mesmo assim meus olhos notaram ele.

Hoje aqui estou novamente, porém sóbria, com um copo de água sobre a
mesa rezando mais uma vez que ele apareça, assim como nos restantes três
meses sem sua presença.

***

Meu mundo parecia tão morto, tão clichê…

Porque eu classifico sempre minha vida como clichê? – Deve ser uma
droga mesmo.

Voltei a ir ao psicólogo e contar como me sentia nos últimos dias; apesar


de me sentir vazia e angustiante.

Não sei mais o que a psicóloga precisava ouvir de mim, todas as sessões eu
dizia a mesma coisa, e posso apostar que usava as mesmas palavras.

Ela não me ajudava em nada. Fazia questões, por vezes incomodantes e


estúpidas.

Mesmo não querendo estar aí, a única maneira de la não estar, era estando.

Precisava confrontar meus medos e encerrar o passado – dissera a


psicóloga.

E lá estava eu…, mais uma vez esperando ele no único lugar que nos unia e
ao mesmo tempo separava.
Levantei-me decepcionada me retirando do bar.

Quase a saída esbarro-me com uma mulher que entrava no local. Ela se
desculpou e eu também; logo segui com o meu caminho.

Prestes a pegar o meu táxi a mesma mulher corre para me alcançar, estende
seu braço me entregando algo que estava em suas mãos.

_tome, acho que a pertence.

Era o meu cartão da empresa. Agradeci pelo gesto.

_muchas gracias.

_perdão. Não consegui resistir e dei uma olhada nele. Trabalhas neste
lugar? É que eu sou meio que nova aqui sabe, e estou pensando me mudar
porque meu irmão está aqui já alguns anos e eu vivo distante dele.
Acontece que ele é a única família que tenho agora, e não queria estar
longe dele, mas também nem tão perto, ta me entendendo?? Queria
remodelar sua casa, como gesto de agradecimento por ter cuidado de mim
após a morte de nossos pais...

Deu uma parada rápida enquanto…, sei lá, sentia-se triste?

_...é que eles faleceram quando eu era muito pequena sabe!? _voltou a
calar-se e desta vez eu tive a certeza que estava triste; pouco tempo depois
recuperou a energia que começara deste o princípio da conversa. _ fazer
uma surpresa para ele… Hoje é seu aniversário e viemos aqui comemorar.
Mas ainda estou pensando em algo mais, tipo, os móveis dele já são mo
velhos (risos). E eu acho que poderias me ajudar neste sentido caso
trabalhes neste local aí. Não precisa ser modesta eu aposto que…

{...}

Fiquei tonta só de lhe ouvir a falar. Eu no seu lugar já teria perdido o ar e


suplicado por água. Misericórdia! Como é possível alguém falar tanto
assim, e de uma vez só assuntos diversos em uma única conversa?

Ela interrompeu o seu discurso quando de certeza notou minha expressão


aterrorizada por estar diante de uma máquina falante. Nem as máquinas
falam assim tanto; Jesus!
Surpreendi-me por ela ser tão aberta com uma simples estranha. Meus
olhos estavam arregalados nitidamente surpreendida e confusa. Não sabia
como prosseguir depois do tanto de informação.

_. Eh…

Mexi na minha bolsa e de lá tirei um cartão de visita da empresa com o


meu número telefónico.

_este é o meu número de telefone. Ligue-me um dia destes, quando


quiseres, e eu mesma levo-te até a mobiliária. Conheces o lugar, das uma
olhada para o que a gente tem e aí decides. Está bom para você assim?

_ótimo! Muito muito obrigada senhora...

_Martinez. Andressa Martinez

_Andressa. Prazer. Que Deus a Abençoe. Eu sou Felícia

_tudo bem Felícia., a gente se vê.


Rafael Alano

Meus olhos abriram e se fecharam.

Voltei a abri-los e não pude disfarçar que a fitava de forma nítida.

Observei-a falar com minha irmã e nem se quer me passou pela cabeça as
razões de vê-las juntas de frente ao bar conversando.

Olhei ao redor receoso de dar os primeiros passos em sua direção.


Finalmente atravessei a rua porque já era tarde. Seus olhos tinham
encontrado os meus.

Parei a sua frente e reparei o quão diferente ela estava. Sua faceta parecia
pálida, seus olhos cansados. Vestia preto. Estava ela toda de preto e seus
cabelos também. Estavam diferentes – antes curtos e cacheados, agora
alisados e compridos, o que a deixava com um ar mais senhoril, pois o seu
rosto estava magro. Entretanto, ainda assim conseguia estar radiantemente
bela.

De repente, enquanto a observava estávamos em sua casa no exato


momento onde tudo terminou. Ela olhava para mim com a postura rígida, e
mais uma vez disse-me para sair de sua presença e ir-me embora.

Não preciso de uma babá. _disse ela.

A mesma dor.

O mesmo ressentimento.

A mesma mágoa surgiu como uma maré que colidiu com a minha vontade
de querer saber mais sobre ela e poder ajudar contra sua decisão de não me
querer por perto, sem necessitar minha ajuda.

Dei os primeiros passos para me retirar de seu caminho. Tal como ela
ordenou naquele dia.

Tal como ela quis que eu fizesse.

Tal como eu fiz, e voltei a faze-lo!


Andressa Martinez

Ver ele depois de tanto tempo... não sei se fico contente ou magoada.

Nós simplesmente olhamos um no olho do outro. Não conseguimos dizer


uma única palavra. Nem ao menos eu consegui pedir desculpas por ter o
expulsado de minha casa á quase quatro meses.

Ele estava magoado. E com razão. Eu também não me perdoaria nunca.

Peguei o táxi e fui para o trabalho. Não queria ficar em casa e me lamentar
por mais uma queda.

A psicóloga disse que me sentiria melhor assim que enfrentasse os meus


medos.

Então…,

Porque me sinto pior? Porque sinto uma ferida tão grande ser aberta?
Porque sinto que essa dor é eterna e que a culpada de tudo isso sou eu…!?

E eu sou!

Eu procurei isso.

Eu cavei este buraco e me afundei nele.


***

Estive na minha escrivaninha, sentada, observando a papelada toda que


estava por cima dela.

Olhei as anotações de Jameson, de tudo que se vendeu e o que a gente


precisava comprar e acrescentar no stock. James era impecável, nada
escapava nas suas mãos.

Suspirei contente por algumas contas feitas pela Melissa não estarem
corretas. Assim eu tive com o que me ocupar.

_gracias, Meli.

Fiquei até tarde refazendo todo o cálculo e não me apercebi que já estava
amanhecendo. Olhei para o meu celular –

04:50

_Dios mio!

Não sei como, mas não me sentia nada cansada, não até decidir me levantar
e quase cambalhotar ao chão pelas pernas dormentes.

Com muita dificuldade consegui me posicionar e ficar em pé.

Tentei dar o primeiro passo, mas minha perna pareceu paralisada, arrastei-o
de forma a baloiçar e aliviar a cãibra.

Infelizmente derrubo o meu café e deslizo nele cambalhotando e acho


que… o que ouvi foi um tilintar de algo torcer ou quebrar.

O meu pé.

Grito de dor, ninguém vem ao meu socorro. Claro, eram quatro da manhã.
Estava sozinha.

A loja abre as oito da manhã e os meus funcionários só chegam às sete.

Tento levantar e voltar á cadeira para ver se era grave. Movimento o meu
pé pousando ao chão, entretanto sinto um arder agudo e vou soltando
gemidos. Tiro os sapatos jogando-os para longe. Como se estivesse com
raiva deles. Como se eles tivessem culpa de alguma coisa.
Era um indulto, de modos a me aliviar do furor que ainda sentia por ter
visto Rafael.

Pelos vistos afundar-me no trabalho não resolveu em nada. Somente numa


perna escaqueirada.

Que sorte a minha!


Arfo de dor já em casa com a
perna inchada e dois sacos de
gelo por cima dela.

Segundo o médico que também trabalhava como auxiliar administrativo na


minha empresa, disse-me que foi apenas um pequeno mal jeito que a perna
levou. Felizmente não fraturou como tinha pensado.

Assim que ele apertou o calcanhar e o torceu de modos a colocar o tônus no


lugar senti a dor subir e descer do meu corpo. Graças a Deus a dor foi tão
rápida quanto os seus movimentos.

Disse que em dois ou três dias o inchaço passaria e voltaria a andar


normalmente. Enquanto isso precisarei de hastes para me locomover.

Não foi tão ruim assim. Suspiro aliviada.


CAPITULO XIV

NUMA ESCALA DE UM Á DEZ, QUAL É A


PROBABILIDADE DE TER VOCE?

E se eu estou sentindo isso agora

É porque senti-o todo o dia nos últimos dias!

“Liberta-te”

Rafael Alano

Felícia tinha todas as artimanhas junto com sua perspicácia.

Ela adorava uma boa surpresa. Sabe qual era a surpresa para este natal??

Duas coias…

Primeira – mudar-se para cá (Porto Rico) e estar mais perto de mim, já que
ela ainda vivia na antiga casa de nossos pais.

Segunda – remodelar minha casa. Segundo ela meus pouquíssimos móveis


eram velhos e antiquado. Ao seu ver, minha casa tinha um ar esmarrido.

Desbotado

Findo

Murcho

Sem Luz… Sem vida.

É com estas palavras que ela descreveu o meu lar.

Resultado…, estamos de frente a uma loja com uma avultada placa


enraizada as escrituras – A&J Furniture.

Essa letra “A” …

…sumptuosamente o nome Andressa aflorou da minha cabeça.

Meus olhos não se cansavam de ver Andressa no meu trabalho, no meu


escritório, na minha casa, na minha cama, nos meus pensamentos, no meu
quarto, até no meu sonho ela estava.
_só pode ser brincadeira! _exclamei para mim mesmo, ao entrarmos na loja
me deparei com uma mulher de cabelos cacheados e ruivo nas pontas. Igual
aos dela.

A mulher estava de costas, eu pensei que fosse ela. Não era ela? Então ela
se virou e sorriu para nós. Não, não era ela.

Senti um alívio, mas também um pouco de dó. Percebi que estava obcecado
por ela. Desesperadamente a via em todo lugar, e agora até a confundia
com outras mulheres.

Eu não conseguia enxergar mais ninguém se não ela.

Pedi a mesma mulher que me acompanhasse até ao banheiro para que, pelo
menos me desfizesse da sua imagem nítida.

No regresso fiquei perdido. Não mais vi Fernandes, nem minha irmã, nem a
mulher que nos recebeu. Optei em dar uma olhada nos móveis que eles
tinham.

Reparei nas cadeiras á amostras. Eles tinham os mesmos modelos, porém


com o stock divergindo nas cores, o que era bom.

Por exemplo eu não sou fá de cores muito vívidas, e móveis para mim, ou
são acastanhados ou cinzentos, mas uma sala colorida também não estava
mal. Nunca optei em uma porque foi assim que Lisa tinha imaginado nosso
lar – Cores vivas me fazem pensar nela, e na vida que nunca tivemos
juntos.

Haviam duas simulações de sala de estar junto a de jantar, com os mesmos


móveis e o mesmo cenário (desde as cores, os cortinados até aos pisos e
molduras na parede), idênticos, porém, diferenciados.

Para ser mais explícito, era como estar em casas aparentemente iguais pelos
móveis serem do mesmo calibre, mesma tonalidade de cores, mesmos
arranjos decorativos…, cada casa possuía uma estante do mesmo tipo e cor,
os mesmos sofás, e os mesmos quadros. Novamente, porém, diferentes nos
dois lados.

Em cada casa os móveis estavam expostos de formas a divergirem-se,


posicionadas não do mesmo modo. Cada móvel estava acentuado de
maneira irregular e intrínseca, a que fosse possível notar que não
precisamos todos fazer do mesmo jeito. Não precisamos parecer todos
iguais por mais que tenhamos as mesmas coisas. É possível ser-se diferente
até na igualdade.

E se te dissesse que não era possível notar a diferença, estaria a ser


obreptício e medíocre.

Você já teve a sensação de estar em um lugar onde tudo parece igual, mas
que na verdade, não é?

Fiquei parado num ponto em que me possibilitava a observação das duas


simulações de sala de estar. Não foi difícil perceber que era uma incrível e
meticulosa obra de arte que talvez expressasse a magnitude da vida
humana.

Era como se fossem duas pessoas com as mesmas oportunidades e


possibilidades, entretanto, o que as diferenciava era a colocação e
atribuição destas mesmas oportunidades e possibilidades em sua casa. Em
seu lar. Em sua vida.

Fantástico!

_os mesmos móveis; os mesmos acessórios. As mesmas cores… diferentes


maneiras de os posicionar em ângulo distintos. As vezes o nosso problema
está em como usar o que temos, e na dificuldade em olhar para os
diferentes ângulos.

Virei-me para olhar a pessoa que falava. Tal como eu, ele também estava
pávido, retraído.

_hum-hum. _ajeitou-se de modos a ser natural. Soltou um largo sorriso


para mim e continuou. _bienvenido a nuestra tienda señor. La Martinez
A&J Furniture. Escolhemos o melhor para si dando vida aos seus sonhos.

Eu ainda o encarava insípido.

Ainda assim consegui sorrir da sua última frase – «Escolhemos o melhor


para si dando vida aos seus sonhos».

Sonhos

exatamente o que eu não tinha.


Apesar disso eu o reconheci. Nunca me esqueceria do rosto da pessoa que
esteve em casa da Andressa naquele dia.

Pela sua expressão e pelo sorriso embora forçado, mas meigo e gentil ele
também me reconheceu. Porém foi extremamente profissional.

Perguntou-me o que estava achando dos móveis e do local em si. De um


modo geral, disse que até ao momento não tinha nada que reclamar, tudo
encaixava-se na perfeição.

Voltou a fazer-me perguntas do género.

Quis saber se tinha em mente algo específico que quisesse adquirir naquele
momento – respondi que ainda estava só observando. Ele assentiu e
sugeriu-me que desse também uma olhada na ala de cima. Dissera que
eram móveis novos acabadinhos de chegar. Apesar de parecerem de alta
qualidade, o preço não era exorbitante. Assenti e disse que daria uma
olhada com certeza.

O observei se retirar, e continuei olhando os móveis.

Finalmente tive a certeza que ele era homossexual. Não que eu tenha
problemas ou preconceito quanto a sua escolha; ou este caminho em sua
vida. É como ele mesmo disse: «são os mesmos móveis, os mesmos
acessórios. As mesmas cores. Diferentes maneiras de os posicionar em
ângulo distintos».

Reforcei sua ideia na minha cabeça modificando o cenário e o adequando


neste contexto – Pessoas com o mesmo sexo, as mesmas etnias, o mesmo
padrão social. Diferentes maneiras de seguir com a vida. Por mais que
tenhamos crescido com os mesmos sexos, os mesmos padrões sociais;
ouvindo que homem é aquele que carrega um pénis de baixo das pernas, e
mulher aquela que carrega uma vagina. Que um homem deve ficar com
uma mulher…, e vice-versa; não quer dizer que tenhamos de o absorver da
mesma forma. Ele podia ter se questionado – Porque? Apenas isso dita que
sou um homem? Mesmo sendo homem, posso não gostar de uma mulher e
ainda assim ser um homem? Sei lá eu… eu nunca pensei nisso, nem nunca
me fiz tais questões.

E…por nunca ter me feito estas questões, isso faz de mim um ser
ignorante? Uma pessoa submersa e submissa aos padrões sociais?
O que vale é que eu sei que sou um homem e me aceito. Gosto de
mulheres…, de uma mulher!

Eu nãos sei se ela estava realmente em


todo lugar, ou só na minha cabeça.
Mas ela estava ali.

Estava tão diferente...


Olhei-a em seus olhos e estava quase irreconhecível. Mas de um jeito bom.
Na minha cabeça ainda predominava aquela Andressa de cabelos crespos
com algumas madeixas avermelhadas, de olhos acastanhados e rasgados,
como de um bebe recém-nascido – abrir os olhos até pareciam lhe dificultar
de tão finos que eram. Ela sempre estava simples. Nunca usava roupas
chamativas e/ou muito atraentes e vulgares. Estava sempre de vestidos, ou
saias e calças sociais; ou ainda de shorts, como todas as vezes que a
encontrei em sua casa, e nunca, nunca estava com os chinelos nos pés.
Sempre a encontrava descalça, algo que reparei, mas não exteriorizei por
que… sei lá, não tínhamos a intimidade que definiria este padrão ou nível
de proximidade, ou ela não gostaria de falar sobre. E também por que, o
nosso lance era

Só sexo Rafael; só sexo…

***

Ela falava com cautela e máxima prudência.

Suas palavras estavam leves, serenas, mansas... talvez porque estava no seu
posto de serviço.

Surpreendi-me quando soube que ela era a dona e gerente daquela loja.

Era uma empresa grande, com uma equipa completa, e com os produtos da
melhor qualidade.

Nunca me passaria pela cabeça que fosse tão destemida assim.

O incrível estava na comparação feita por mim ao ver o seu tamanho…, tão
pequeno, sua altura bem abaixo da média e ainda assim ser dona do seu
próprio negócio. Andressa era dona de um cérebro gigante.

Só de pensar nisso fez-me soltar um largo sorriso. Estava feliz por ela. Ela
era incrível na sua tonalidade. Dona de uma força interior muito poderosa.

Andressa não só gerenciava sua vida, como criou um negocio que dirigia
homens, pessoas maiores que ela. Voltei a sorrir com este pensamento.

Ela mandava, era a dona. Ela gerou oportunidades de empregos…

Wau!
Minha Nossa!

Durante o período em que eu e a Andressa ficamos juntos, ela deixou bem


claro que comigo só queria uma coisa… Sexo; que eu não passava só de
corpo, e que de mim só queria prazer. Não refutei por que naquela altura eu
não sabia nem o que dizer.

Ela era linda; ainda é na verdade. Eu estava fascinado com ela.

Tinha algo que me fazia a ter por perto. Não a queria longe, por isso aceitei
sua condição estúpida. Caí no seu jogo. Me perdi nas suas malditas chamas
e agora estou aqui todo fodido sem saber o que meu estúpido coração sente
em relação a tudo isso.

Merda!

Nem tentei conhecê-la. E por quê o faria?

Ela não queria. Não queria alguém a controlar seus passos, e sinceramente
eu não a censuro, não sei se estava apto a me relacionar. Depois de Lisa,
ela foi a segunda mulher que eu tentei... não, não tentei, Andressa foi a
segunda mulher com quem eu me envolvi.

Nunca foi só sexo.

Mas, como eu posso gostar, quase amar alguém que cujo a vida eu não sei
nada? Como isso é possível?

!?
Andressa Martinez

Ele pediu um minuto a sós. Pediu que a gente falasse.

Finalmente aconteceria…

Depois de tanto tempo sem se ver, e com dois encontros incomuns, era
óbvio. Estava na cara que foi tudo obra do destino.

Bolas destino, tu nunca falhas!

_podemos ficar na minha sala se quiseres.

_claro! _assentiu

Entramos e eu fechei a porta. Arreei os cortinados e pedi que se sentasse.


Ele obedeceu, porém, continuou inquieto? sem palavras? Ou só...

Fiquei insegura.

Ele ainda parecia igual. Igual ao dia que o conheci – Com os cabelos
médios, a barba por fazer que incrivelmente lhe ficavam tão bem…, os
olhos castanhos escuros e profundos; usava o mesmo número de roupa que
pareciam não ser do seu tamanho. Eu via os seus braços naquela camisa
pedindo socorro querendo se ver livre. Sorri meiga ao imaginar o
constrangimento que seria caso seus braços decidissem optar pela
liberdade.

Ele cortou meus pensamentos e chamou minha atenção quando soltou suas
primeiras palavras num tom suave e baixo, tal como no dia que nos vimos
pela segunda vez.

_Cálida

Arregalei os olhos e sua reação não me foi nada surpreendente.

_desculpa, quero dizer Andressa.

Sorri. De verdade eu ri. Quase gargalhei. A mesma cena de a alguns meses


estava a ser repetida.

Ele riu também. Com certeza ele também se viu naquela cena.

Olhei-o serenamente
_pelo meu olhar. Pela minha energia. Pela minha aura quente e
excentricamente ardente.... Cálida, porque eu me pareço com o fogo!

Ele abriu um largo sorriso por que sim, eu tinha acabado de repetir suas
palavras.

E ele continuou…

_Alguém já te disse isso?

Estava a gostar do jogo, prossegui.

_sim!

Não era esta á resposta.

Entretanto não foi a primeira vez que ouvia aquela comparação. Então eu
não menti.

Rafael foi a única pessoa que descreveu minha personalidade numa única
palavra. Cálida – fogo ardente.

Eu gostava quando me tratava por este nome. Sentia-me mais eu.

Aquela era a minha personalidade.

Eu podia me quebrar algumas vezes, podia também me sentir perdida e


desequilibrada; procurar razões que justificassem meus erros, e me
condenar pelo meu passado. Ainda assim eu conseguia transparecer minha
essência. Por mais que algumas vezes eu duvide da sua existência.

Eu era Andressa Martinez

Eu era uma Cálida aos olhos de Rafael

Independentemente dos meus erros, das minhas falhas, até do meu passado
condenador e auto destruidor… eu sempre fui eu. E isso nunca mudará!
CAPITULO XV

FELIZ NATAL
Acendem-se as luzes

e abrem-se os presentes

Uma época perfeita para começar a te amar

Só um pouco mais, e nada mais…!

“Liberta-te”

Rafael Alano

Felícia conseguiu.

Bem antes do dia do Natal recebi os móveis novos. Ela tinha razão,
realmente precisava dar uma nova aparência a minha casa.

Vida!

Assim descreveu Felícia após organizar e reorganizar os móveis novos.

Só não mexeu no meu quarto porque eu não deixei.

Ainda quis um lugar que tivesse seu toque, sua imagem, seu cheiro... ainda
a quis sentir presente, mesmo estando ausente.

Meus sobrinhos, Natália e Carlos estavam mexendo e vasculhando o que


não lhes diz respeito como sempre. Felícia e Romeu estavam na minha
nova sala de estar. Ouvi vozes e sai do quarto.

_eu quero um deste querido, seria ótimo para nossa nova casa. E este
também. Estaria bem moldurado na sala de estar, não achas!?

Minha irmã mostrava as mobílias ao meu cunhado, o que me pareceu que


na verdade ela me fez comprar os móveis no intuito de querer uma casa
igual.

Não acredito que fui só um passe livre para que seu marido atendesse aos
seus caprichos...

Romeu olhava para mim abanando a cabeça, cansado de estar meia hora
ouvindo minha irmã falar do que queria. Ele amava ela com certeza, não
duvido, com tudo, não nego que minha querida e adorada irmã as vezes
cansava. Assim que começasse a falar, ninguém a parava. Sorri e voltei
para o meu quarto. Não quis ficar entre o casal.

Tinha algo no meu quarto que era novo.

Uma mesa de cabeceira giratória, de cor branca que possuía duas gavetas -
era muito útil e prático.

Alguma coisa diferente tinha que estar naquele quarto todo revestido de
cinza e castanho. Ela dava um ar mais... natural, mas vívido. Amei.

Sorri e pequei o que estava por cima dela. Um papel listrado de vermelho e
branco. A parte branca dizia:

| “Pela tua luz

pela tua aura natural revestida de esperança.

Como Branco no Preto

Teus olhos transmitem paz e libertação.

Tu és a Paz Rafael” |

Abri um largo sorriso ao ler o envelope pela milésima vez só no dia de


hoje.

No inverso do cartão, na parte vermelha estava engrumado –

«De “Cálida”»

Gracejei.

Era um lindo presente de Natal. Não tinha como não amar.

Pousei o cartão e me deitei na cama. Fechei os olhos e na minha cabeça


Andressa sorriu para mim. Ela era tão linda.

Seu sorriso era a melhor coisa que tinha visto este ano.
Andressa Martinez

Acabava de embrulhar o último presente para os meus funcionários.

Hoje todos estavam de folga. Ninguém trabalha no natal, pelo menos foi a
regra que eu impregnei e que era mais que justo.

Deixei-os perto da árvore de natal que montamos pela manhã todos juntos
como uma grande e numerosa família. Confesso que comecei a sentir-me
dentro de um lar após ter esta conexão com os meus funcionários.
Infelizmente com a minha própria família nunca tivemos algo fora do que é
apenas viver sobre o mesmo teto.

Para além da atividade no natal, nossa agenda estava preenchida com mais
outras que incluía pegadinhas, jogos, competições…, até um dia de
mistério. Nossa empresa não era só um lugar onde os funcionários
prestavam serviço a outrem, e viviam fazendo o que eu mandasse, não, era
como uma casa. Apesar de todos terem seus papeis, suas funções…
tínhamos os pequenos momentos que fortalecia e promovia a nossa união,
aumentando na nossa aproximação. Como eu disse, éramos como uma
grande família – numerosa e unida.

Fui para casa porque precisava descansar e aproveitar a semana de férias.

Parei na entrada do meu apartamento quando vi o que estava recostado á


porta. Uma caixinha preta com um buquê de flores vermelhas bem ao lado.

Begônias

Com Lírios vermelhos a volta e uma Rosa Vermelha no meio.

Uma combinação perfeita de “felicidade e lealdade” acompanhada da


aromatização dos lírios, finalizado com a simbolização da “paixão, amor,
beleza e consumação” de uma única rosa vermelha no centro.

Um arranjo de flores simples, porém feito com os mínimos detalhes com


que cada flor vermelha representava.

Abri um largo sorriso pegando-os do chão.

Pousei a caixinha no sofá do meu lado enquanto agraciava e contemplava


encantada as minhas flores sobrepostas nos meus braços. Havia um cartão.
Gracejei ao ler o que nela estava impregnada.
Não tinha assinatura, e não precisava, a palavra Cálida escrita nela era mais
do que suficiente.

Pousei delicadamente o buquê e resolvi abrir a caixa. Tinha algo vintage


nela.

O objecto me era bastante familiar.

Era a minha antiga pulseira. A mesma que tinha ganho de Arnaud.

Já não me lembrava que a tinha, nem que havia perdido.

Enquanto olhava para ela e tentava recordar quando foi que a perdi, ouvi o
som do meu celular vibrar. Acabava de chegar uma mensagem dele.

|. Esqueci que o tinha.

Você a perdeu no dia em que nos conhecemos.

Feliz Navidad! |

Foi quando lembrei que no dia do evento, e assim como todos os anos,
aquele era o único dia que eu usava a pulseira. O dia do meu aniversário. O
dia da morte da minha mãe.

Este dia para mim sempre representou a dor e a destruição; e o meu desejo
de querer apagar quem fui.

Saber que aquela data estaria aí, todos os anos, que nunca a poderei
esquecer por mais que me esforce e suplique que alguém o faça, não era
possível, mas desde o dia que Arnaud colocou em mim aquela pulseira, eu
senti que poderia suportar esta e qualquer dor. Foi o único dia que me senti
verdadeiramente amada, até hoje…

…Rafael pode ter me dado algo que não veio de si, mas era algo que vinha
de mim, da Andressa que soube se reconstruir e lutar para viver.

Não a usava sempre porque não queria lembrar de Arnaud e do que ele fez
comigo, mas ainda assim ele soube me dar uma oportunidade de ser eu
mesma. Ele mostrou quem eu era e conseguiu ver-me por detrás das minhas
dores. Soube ver o meu eu verdadeiro.

Peguei a pulseira e me revi no dia em que ele me dera e lembrei de suas


palavras após me ajudar a coloca-la.
Vermelho é a sua cor

Sumptuosamente lembrei as de Rafael.

Tu te pareces com o fogo

Vermelho

Fogo

A cor do elemento fogo é o vermelho.

E… qual a probabilidade de isso ser uma coicidência?

Não pode ser só uma coincidência. Recuso-me a acreditar nisso.

Como as duas únicas pessoas que viram e testemunharam o meu fim e o


meu começo descreveram-me da mesma maneira?

Arnaud testemunhou a minha morte consciente – no período em que eu me


entreguei a ela -vivendo morta. E Rafael é testemunha da minha luta entre a
ambas, a vida e a morte.

Arnaud viu-me a segurar a mão da morte enquanto a vida lutava para ser
resgatada. E eu no meio de tudo isso. Da vida e da morte. Uma luta que
parece nunca ter fim.

Se o meu ser se parece com o fogo e o vermelho é a minha cor, isso quer
dizer que eu sou o caos, a destruição; o pecado, a perdição e a
personificação do mal encarnado em pessoa… sou o sangue que o ser
humano derrama ao ser ferido e morto. O mesmo sangue que o permite
viver. _Pensei.

Minha vida sempre foi tomada única e exclusivamente pela minha alma
revestida de podridão. Minha energia sempre foi negativa, fosse o que
fosse, aconteça o que acontecer, eu nunca fugiria daquilo que sempre me
concebeu – uma vida sem vida.

Sempre me farei acompanhada da vida e a morte, entrelaçadas, andando de


mãos dadas uma segurando a outra, lutando para ver quem me consome
primeiro.
CAPITULO XVI

O “NÓS” QUE NUNCA EXISTIRÁ

A união entre duas pessoas

depende das suas energias

Quando os dois forem a vida, a morte

nunca predominará

Mas, enquanto um for a vida e o outro a morte

Perde-se a carne mais fraca!

“Venenosa”

Andressa Martinez

Como funcionaria um relacionamento entrelaçado com a Morte e a


Perdição; contra a Salvação e a Motivação?

Eu sempre acreditei que minha vida estava revestida de veneno, que nada
do que fizesse mudaria este facto. Que eu sou o mal, e que as chamas que
carregava a minha alma queimavam todo o lugar que eu pisasse.

Ele era a liberdade. A luz.

Mesmo no meio deste todo veneno, ele conseguia transparecer a pureza e


fazer crer que o mundo não estava todo fodido com a minha existência.
Que poderia existir luz na escuridão. Ele seria minha luz, enquanto eu me
permitisse sentir.

Ouvi o som da campainha. Era um pouco tarde e eu não esperava ninguém


com certeza. Já lá se iam as festas e amanhã eu tinha trabalho.

Espreitei no olho de vidro da porta e a figura de Rafael estava lá, fitando-a


impaciente, esperando ser aberta.

Durante este período a gente não parou de trocar mensagens e falar ao


telefone por horas seguidas. Nossa conexão parecia mais forte, tínhamos
ganho uma aproximação que eu juraria nunca acontecer.
Após o dia em que ele esteve no meu trabalho, hoje seria o terceiro dia que
o via; porém o primeiro do ano novo.

Abri a porta ainda sem dizer uma palavra, seus lábios estavam
comprimidos, ansiosos, mas de seguida soltou um largo sorriso e eu o
correspondi de igual. Antes de qualquer uma outra coisa acontecer, Rafael
afastou seus braços e se encaixou no meu minúsculo corpo preenchendo-se
em mim em forma de abraço.

_oi, Cálida.

Sua voz estava mansa, quase como um sopro. O pseudónimo Cálida foi
dito com calor, senti as letras serem soltas no meu ouvido humidamente.
Ao me deixar levar pelo momento, sua fragância atravessou o meu rosto
empregando-se em meu olfato.

_que surpresa Rafael.

_desculpe-me ter vindo sem avisar. Mas não seria uma surpresa se eu
avisasse…

Foi só depois dele entrar que reparei que suas mãos estavam tomadas de
sacolas de compras e meus olhos estiveram presos nelas.

_ah, isso. Trouxe para você… bem, nós. Se quiser que eu te acompanhe
esta noite. _ gracejou ao explicar-se.

Incrível como aquele sorriso caia bem com a barba e o brilho nos olhos.
Seus dentes brilhavam como se fossem o reflexo dos seus olhos. Havia uma
improvável, mas incrível semelhança entre ambas – com certeza sua beleza
estava entre a ligação de seus olhos e o reflexo nos dentes, com o seu
sorriso e a barba composta.

Ficamos na minha sala assistindo desenho animado. Eu gostava, e estava na


hora da minha série infantil preferida “O Incrível Mundo de Gumball”.

Não parava de rir das piadas de Gumball e do seu irmão Darwin. Eu amava
a ingenuidade de Darwin – ele era gentil, tinha bom coração e conseguia
lhe dar melhor com os outros; diferente de Gumball que era arrogante,
excêntrico, egoísta e acima de tudo alguém que não tinha receio de
transparecer o seu pior lado e demonstrar que todos nós temos isso. Um
lado bom que poucos o verão e um lado ruim, que te fará ser julgado por
todo mundo.

Sou que nem o Gumball, tenho um lado difícil de ser compreendido por
quem comigo não convive, e de longe só é possível ver o egoísmo e a
excentricidade. O meu “eu” nunca foi notado á 100%. Somente 70 fica em
evidencia maior parte do tempo por ser fechada, centrada e desligada do
mundo exterior. Entretanto quando há recaídas, o restante da percentagem,
estes 30% causam toda a diferença.

_então, ele é um peixe que fala e tem pernas; o outro é um gato egocêntrico
e maquiavélico? E os dois são irmãos?

_não necessariamente…, mas sim.

Era a quinta vez que tentava explicar o desenho animado ao Rafael que só
entendia de crimes e homicídios; de desenho animado entendia patavina
alguma.

_não entendo... Mas, e o coelho rosa?

_é o pai, Rafa…

_como é que uma gata e um coelho fizeram um filho peixe?

_por el amor de Dios, Rafael… ele é adotado. _ desta vez eu ri da sua


pergunta. Não me aguentei, foi muito engraçado.

_ah. Agora sim faz sentido. Ok prossiga.

Voltei o som da tela e continuamos a ver o boneco em silencio.


Infelizmente o que pareceu ser finalmente possível foi quebrado três
minutos depois.

_então quer dizer…

_ahhh Rafael...

Gargalhamos os dois. Rimos das suas incessáveis questões, e por eu ter me


aborrecido. Parecia estar com uma criança irrequieta que não para de fazer
perguntas.

_seu sorriso é lindo, Andressa.


Mordi os lábios afastando a madeixa de cabelo que se sobrepunha no meu
rosto.

_posso fazer-te uma pergunta? _inqueriu Rafael.

_mais uma? Não sei se aguento.

_desta vez nada tem a ver com gatos e peixes; ou pais gatos e coelhos que
fazem filhos peixes…ah

voltamos a rir, desta vez por este desenrolar de palavras.

_neste caso…ta.

_porque alisou o cabelo?

Não contava com aquela pergunta. Na verdade, não me lembrava da razão


de ter alisado o cabelo.

_não alisei o cabelo. Fiz um relaxamento capilar.

_tá, ok… Acho que não entendo o que isso quer dizer.

_quer dizer que quando eu quiser, ele voltara na sua consistência.

_como?

_simples, água. Quer ver?

Senti-o receoso. Acredito que tenha achado sua pergunta inoportuna ou que
revelasse algo mais, reconfortei-o com minhas palavras.

_tranquilo. Faria isso de qualquer jeito. Hoje ou amanhã. Já que


perguntaste, melhor fazer hoje e assim tu me ajudas também.

Pedi que me acompanhasse ao meu quarto. Quando lá chegamos eu entrei,


entretanto ele ficou parado na porta, bem a minha trás. Eu estava a sua
frente então não me apercebi quando seus passos pararam. Virei-me e o vi
do outro lado do quarto com os olhos fixos no chão.

Droga!

Esqueci-me que era o lugar onde ele viu-me daquele jeito e eu o expulsei.
Parei também o observando. Estava em transe. Era como se tivéssemos
recuado no tempo; á seis meses. Exatamente no mesmo momento onde
tudo terminou.

Senti-me culpada depois disso!


Rafael Alano

Meus olhos ainda se mantiveram presos no chão.

Podia dizer que não, mas eu tive medo de rever ela naquele estado outra
vez. Estive com receio de levantar a cabeça e ver aquele cenário de novo;
ver a Andressa desestruturada e totalmente quebrada. Tive medo de apagar
a imagem dela que já havia se reconstruído dentro da minha cabeça.

Fechei meus olhos apertando com força ao ouvir suas palavras ecoar na
minha cabeça de forma sinistra

pronto para o sexo? Sexo… sexo…

Tentei dissuadir os pensamentos abanando a cabeça no intuito de desviar


aquela imagem, mas outra vez suas palavras daquele dia estiveram ali
penetrantes, e desta vez mais fortes e pesadas, vieram como um grito. Tal
como naquele dia

NÃO. NÃOOOOO. Não me batas mais. Por favor. Não me machuque mais.

Senti as lágrimas a escorrerem ao ouvir suas súplicas e desespero nestas


palavras. Por último ouvi o que pareceu ser a primeira vez

¿Tienes sentimientos por mí?

Levantei a cabeça e meu olhar foi como flecha no seu. Andressa me


encarava do mesmo jeito que me encarou naquele dia apos ter-me feito esta
pergunta. Foi quando me apercebi que a mesma nunca foi respondida por
mim.

Ainda assim, seu olhar suplicava-me alguma coisa. Algo que sua boca
nunca teria coragem de me dizer e que seu corpo talvez não soubesse como
expressar.

Finalmente atravessei a linha que cortava o corredor com o seu quarto.


Pronto, estava dentro.

Não tinha noção do quanto aquele dia tinha me afetado, ate hoje…

_está tudo bem Andressa? _perguntei sinceramente preocupado

Eu não tinha que reagir daquele jeito. Mas como eu disse, não sabia que
aquele dia tinha me afetado tanto – apanhou-me desprevenido.
_Desculpa Andressa. Eu não queria reagir assim; eu só…

_não faz mal. Não podemos fugir do passado e nem fingir que nada
aconteceu. Certamente mereces uma explicação, infelizmente eu ainda não
sei como o fazer.

_não, não se preocupe com isso. Eu não quero que te sintas pressionada em
contar algo que não estejas confortável para falar. Eu entendo, sério. Não te
preocupes.

_obrigada. Isso é muito importante para mim. …, mas, aproveito para me


desculpar. Fui muito rude naquele dia. Nada justifica ter te expulsada assim
daqui. Me perdoe Rafael.

_hei. _aproximei-me dela e á abracei. _não tenho nada que perdoar. Eu


entendo que não estavas bem. Não te preocupes, de verdade. _depositei um
beijo na sua cabeça. _não foi culpa sua.

Apertava seu corpo no meu enquanto a confortava e a fazia entender que


estava tudo bem; que aquele dia não foi o fim.

Ficamos abraçados por tempo suficiente para garantir sua tranquilidade.


Entretanto, já que estávamos tapando os buracos daquele dia…, não estava
na hora de responder aquela pergunta?

Não encontrei coragem de dizer. Na verdade, eu nem tinha pensado ainda


numa resposta…provavelmente apos aquela pergunta viria outra, do tipo
“qual sentimento tens por mim?” o que eu iria responder?

Não, definitivamente ainda não era a altura de tocar neste assunto.


CAPITULO XVII

MANIPULAÇÃO DO AMOR

Enquanto tua vida estiver presa a um amor inexistente

Não deixa seus desejos confundir seu coração

O amor de outrem não preenche o seu vazio

E se não amas quem te ama

Deixe a outra pessoa viver e ser feliz sem ti.

“Liberta-te”

Rafael Alano

Rafael

E aí…vai voltar a pintar o cabelo também?

Andressa

Acho que não. Vou cortar.

Rafael

É sério? E será que posso saber o porque desta escolha?

Andressa

Simples, cansei do habitual. Quero ouvir um pouco do “nossa, estás diferente”

Andressa

Quero deixar todo mundo doido com a minha figura. Kkkk

Rafael

Arrasa, Cálida! (^_^)

_com quem estás a trocar mensagens desde aquela hora? _perguntou


Fernandes já aborrecido.

_ninguém.
_ninguém, sei… Pronto?

_ta. Já saio. Vou só responder essa e… já esta. Podemos ir.

Segundo dia da semana. O ano estava só começando e a delegacia já tinha


que nos mandar em missão de serviço fora do país.

Um mês longe de casa.

Em tempos mais remotos em que o trabalho era o meu refúgio eu teria


amado essas missões longe de casa e no radar de todo mundo. Acontece
que agora, há uma ligeira diferença.

Mas eu aguento, são apenas algumas semanas…sem Andressa.

Aguentei quatro meses, que diferença faz só mais um?


Andressa Martinez

Soube da viagem de Rafael para a Argentina; não era muito distante, um


país vizinho, mas um mês…era muito tempo.

Do que estou a reclamar? Eu e ele não tínhamos nada.

Porque eu me sentiria mal pela sua ausência?

_onde está essa cabeça mocinha? _perguntou Jameson

_pensamiento…pensamiento.

_percebi… o que pensas em fazer neste final de semana? Faz tempo que a
gente não faz nada junto, já que sua vida agora é só Rafael, Rafael e Rafael

_minha vida não é só isso. Eu trabalho também…

_então, admites que ultimamente tens estado mais com ele do que comigo.

_¿Estás celoso?

_estou. Estou sim com ciúmes. Me sinto trocado. Você…

_oh. _levantei-me da cadeira e fui abraçar meu amigo que começava a


fazer birra. _. Você sempre será meu melhor amigo. _depositei um beijo
em sua testa. _. Mi persona favorita. _outro beijo. _e, no te cambiaría por
nada ni por nadie.

_jura?

_te lo juro

_nem pelo Rafael?

Hesitei por instantes antes de responder causando um suspense no intuito


de o provocar. Funcionou. Seu corpo reagiu querendo se soltar do meu
abraço, mas estive firme com as minhas mãos em seu corpo.

_deja de ser tonto. Incluso Rafael no tomaría su lugar. Eres todo para mí
Jay.

_com licença…

_sim Melissa
_desculpa interromper Andressa… tem alguém que quer vê-la

_quem? O Rafael? Minha felicidade durou puco, eu sabia!

_deixa de ser tonto Jay. Mande entrar Meli, por favor.

_sim senhora. Com licença…

_e você… não merecerias saber, mas, para o seu governo o Rafael não está
no país. Saiu em missão de serviço.

_Dios mio. Gratidão pela bênção senhor

_tu és impossível…

_oi, bom dia.

_oi Felícia. Que surpresa! Como você está?

_estou ótima.

_oi Fely. _acenou Jameson para Felícia atribuindo nomes como sempre.

_oi James, tudo bom?

Jameson fez sinal com as mãos dizendo sem som a palavra “perfeito”, mas
verificando se alguém estava a sua trás. Bem, verificando se Rafael estava
a sua atrás.

_estou com o meu marido. A gente veio ver os móveis. Já conseguimos um


apartamento aqui na cidade.

_nossa, que maravilha. Fico feliz por ti. Então…tem algo em mente? Quer
levar só da sala, cozinha…

_na verdade…queremos tudo.

_tudo?

_tudo?

_tudo o que? Tudo, tudo, tudo?

Eu e James nos entreolhamos contentes. Seria a segunda vez que alguém


compraria móveis completos; e isso quer dizer, mais trabalho, e o nosso
preferido, aumento da renda. Essas compras eram que nem um milagre,
raros, porém altamente benéficos e satisfatórios.

Existe forma melhor de começar o ano se não com mais dinheiro na conta?

Um mês se passou e Rafael estaria de


volta finalmente.

Nós nunca paramos de nos comunicar. Foram excessivas ligações e


mensagens até os dedos estourar com bolhas.

No dia em que ele chegou, apareceu em meu apartamento, como sempre


sem avisar. Estivemos parados na porta do meu AP com um fiozinho de
distancia entre nós.

– Entre a troca de olhares e a pulsação do sangue escorrer pelas nossas


veias.

Era como uma efémera energia residual em que nossos corpos se


comunicavam, anseiam um estar perto do outro.
Rafael Alano

Eu sabia que antes de a fazer sentir, ela já me sentia em si.

Em sua imaginação.

Seu corpo vibrava e me empolgava juntamente com o meu, que a cada


minuto parado o desejava intimamente.

Dei o primeiro passo e o seu corpo retrocedeu. Dei o segundo e ela voltou a
recuar. Quanto mais me aproximava, mas ela se afastava. Um jogo quente
no qual desesperadamente eu me sentia perdido.

Finalmente seu corpo parou sentada no sofá.

Enquanto eu a encarava de cima, seu olhar era convidativo, contrapartida


não quis apressar nada. Ainda não tinha permissão para a tocar, embora eu
não precisasse. Eu quis que ela desse os primeiros passos.

Andressa demonstrava sinais de entusiasmo e precipitação, o que me


motivava a continuar e quase mesmo sem fazer nada, ela sentia-me!

Meu toque já estava em sua memória. Os poros de seu corpo se abriam com
a minha vibração.

Era possível ouvir o calor da nossa respiração. O suspirar de nossas bocas


abrindo e se fechando, com o desejo de uni-los num beijo intenso no qual
cada gota proveniente dela se esvazie.

Apertava as minhas mãos por cima do sofá com a mesma vontade e força
que desejava apertar seu corpo.

Não a precisei tocar, porque assim como eu, antes de nos fazermos sentir,
já nos sentíamos um dentro do outro! Nossas almas faziam amor, enquanto
nossos corpos se contorciam de desejo, um a espera do outro para ser
completo!
CAPITULO XVIII

O MAL QUE AINDA EXISTE EM MIM

Se desejas frutos dócil, mas não os plantaste

Nunca os colherás,

Tuas raízes nunca serão quebradas

Pois o mal sempre virá á tona, porque tu és proveniente dele

E os frutos colhidos serão sempre a podridão que tu um dia plantaste

“Venenosa”

Andressa Martinez

Todos nós sabemos que a vida é feita de escolhas. Ou escolhemos a


direção certa seguindo o caminho longo, mas recto; ou escolhemos a
direção errada, seguindo o caminho curto e fácil.

Na verdade, meus caminhos nunca foram curtos nem fáceis. Sempre soube
a direção que meus passos davam; sempre soube qual o caminho que eu
trilhava. Sempre soube desta longa, porém difícil e desgastante jornada.

O que eu não sabia é que isso me condenaria para sempre, e que seria um
caminho sem volta, que por mais que eu tente fugir dela, ela sempre volta
para me fazer lembrar que faz parte de mim, que eu vivo dela e sem ela eu
não vivo.

Infelizmente para mim, sou eu o fruto podre desta árvore. Sou a minha
própria destruição e o meu próprio veneno!

***

_mi reina _beijou meu pescoço surpreendentemente enquanto se dirigia


para mim. Senti seu hálito a whisky puro.

Meu corpo endureceu. Meus batimentos cardíacos aceleraram ao notar sua


presença. Se não me controlasse, certamente teria um ataque de pânico.

Ele sorria para mim enquanto se sentava a minha frente, ocupando um


lugar que não o pertencia. Naquele exato momento senti a raiva se apoderar
do meu corpo e meu sangue ferver; enquanto ele segurava uma garrafa de
whisky me encarando sorridente.

Elevou a cabeça ao mesmo tempo que suspirou contente a frase:

_ah. Porto Rico tu nunca me dececionas!

Mantive-me inerte. Quanto mais eu olhava para o seu rosto, mais raiva
sentia.

_ Andressa…justamente o que eu precisava.

Justo o que precisava? O que ele queria dizer com aquilo?

Meu mundo deu uma rápida parada. Em frações de segundos naquele lugar
não havia mais ninguém se não a gente. O som da música parou, as pessoas
voltaram a lá estar, porém não ouvia suas vozes nem os via se mover.

Houve um silêncio agudo e sua voz também foi cortada na minha cabeça.

Rui. De novo ele.

Porque o destino faz isso comigo?

O que desta vez você me preparou, destino…?

Lá vamos nós para um segundo golpe.

Mais uma queda.

_ você acredita que minha noiva me deixou no altar? Justo eu? Rui
McLoughlin.

_Palhaçada!

Fiquei feliz pela sua noiva ter tido uma escolha sensata. Bem que lhe
mereceu.

_que humilhação. Estou tão carente Andressa…preciso de ti. Preciso que


me faças tirar esta vergonha da cabeça.

Fechei meus olhos com tanta força que os senti arder.

Porra destino. Que merda é essa!?


Suspirei e pedi a Deus que me dessas forças para levantar daí e ir-me
embora.

Fugir.

De novo… mais uma vez.


Rafael Alano

Voltei do bandeiro, e antes que chegasse a nossa mesa avistei um homem


beija-la.

Hesitei por uns instantes, não queria tomar uma decisão estúpida e me
condenar por agir sem pensar, toda via já sentia a raiva apoderar-se de
mim.

Observei-os e notei que Andressa nada fazia. Deixou ele sentar-se em meu
lugar, a sua frente e se apoderar até da nossa garrafa de whisky.

Esperei para ver qual seria o seu proceder. Ela pediu-me confiança acima
de tudo, mesmo não sabendo nada da sua vida. Andressa não se sentia
ainda confortável em me contar. Não a censuro, tal como ela, eu também
tinha segredos. Coisas da minha vida sem gnose, que não me sentia
predisposto em contar-lhe.

Neste contexto ser impulsivo estava fora do alcance, entretanto minha raiva
aumentou com a ideia de que aquele mesmo homem talvez já tivesse ela
em seus braços; em sua cama... Era á única coisa que eu sabia dela. Que
Andressa tinha uma lista interminável de homens. Sabia bem que não tinha
sido o primeiro, nem o segundo homem com quem ela ficava
compulsivamente. Preferi não receber os detalhes, mas eu tinha noção.

Receava que ela não aguentasse um relacionamento; nem eu tinha a certeza


disso também. Estávamos os dois perdidos, presos ao passado e ao que nos
tornava incapazes de seguir firmes com nossas vidas atuais.

Fiquei aí, parado, observando-os por tempo necessário até decidi ir-me
embora.

Não tinha nada á fazer. Tudo estava em suas mãos. Se ela permitiu ele
sentar-se e ficar aquele tempo todo..., pois bem, ela sabia o que estava á
fazer.

Passei antes no trabalho e no regresso fui para casa.

Entrei em meu apartamento esgotado psicologicamente. Aquela imagem


ainda se predominava na minha cabeça. Pousei as chaves, tirei o casaco,
ajeitei minha camisa enquanto andava até a cozinha, acendi as luzes, peguei
um copo com água e bebi. Abri a geladeira e dela saquei uma garrafa de
cerveja, quis a servir no copo, mas aí lembrei onde estava e o que vi.
Necessitava de algo forte, então dei um longo gole na bebida e senti ela
queimar meu peito. Foi forte, justo o que precisava.

Virei-me de frente a sala e notei algo se mover no meu sofá. A sala estava
escura, entretanto brotava feixes de luz proveniente da cozinha, o que
deixava ela não tão escura. Peguei minha arma me posicionando em caso
de ataque. Aproximei-me para ver quem era, apontei a arma para o vulto,
liguei as luzes da cozinha e...

_Andressa!?

Parei desacreditado ainda com a minha arma na mão.

Não era a primeira vez que ela aparecia em meu apartamento de forma
repentina. As outras vezes a gente fez sexo, muito sexo. Ela sabia bem
como apimentar as coisas.

Estava cabisbaixa, não tendo se assustado com a minha presença; suas


mãos cerradas, como se estivesse segurando alguma coisa…, algo
revelador, prestes a me desafiar...

Confesso que me assustei. Será?

Fiquei com medo que ela tivesse mexido nas minhas coisas e encontrado o
anel da Lisa. Eu ainda não tinha lhe contado. Por quê? Não sei. Mas não
estava na hora. Ainda não...

ela abriu suas mãos e elevou ao rosto. Suspirei aliviado – Não foi desta,
Rafael.

Então eu lembrei o que possivelmente a levou estar aí. O homem no bar…

Andejei até a cozinha, peguei minha garrafa de cerveja e voltei a me servir


dela.

_O que fazes estás horas aqui, Andressa?

{...} Não ouvi ela dizer nada, talvez porque não tinha nada a dizer.

_achei que estivesses muito ocupada. Com… sei lá, o seu amiguinho...

{...}
_...já que fui descartado, e trocado por ele.

{...}

Continuei a provoca-lhe na esperança de ver sua reação. Quando me dei


conta estava a agir de um modo infantil. Tudo bem que estava chateado e
magoado, mas ela merecia explicar-se!

Preocupei-me quando ouvi ruido de choros provenientes dela.

_Andressa. Desculpa, não foi o que quis dizer. Eu. Eu fiquei magoado.
Chateado e irritado. Fogo! você deixou ele sentar no meu lugar e... Eu não
sabia mais o quê fazer. Me senti trocado. Traído.... Tudo isso é muito
confuso para mim…

{...}

_...nós precisamos conversar. Não podemos ficar deste jeito, sempre nas
incógnitas e nestas suposições. Tem algo que queiras me contar agora?
Algo que... _engoli em sego e serrei meu punho ao proferir aquelas
palavras que saíram com a maior dificuldade. _ ... aconteceu entre tu e ele?

Ela continuou calada, suspirando fundo; a seguir inclinou sua cabeça até
suas mãos que estiveram por cima de seus joelhos, e por último limpou as
lágrimas que escorriam sem parar.

Parei com as questões e resolvi ampara-la. Era notório o seu sofrimento, e


minha avalanche de questões só piorava no seu estado.

Sentei-me do seu lado, coloquei sua cabeça em meu colo enquanto


segurava uma de suas mãos e ao mesmo tempo acariciava seus cabelos.

_chore à vontade, meu bem. Não vou julgá-la por isso. Seja o que for,
quando estiveres pronta eu ainda aqui estarei para te ouvir! Não ligue os
meus ciúmes. As vezes eu exagero.

_tiveste ciúmes?

Ouvi um leve sorriso soar entre suas palavras. Foi fofo. Sua voz estava
mais calma, porém aguda e roca.

Sorri também ao me aperceber.

_estava. Realmente estava.


_ninguém nunca teve ciúmes de mim.

_não? Nem mesmo os seus ex...._estaquei mais uma vez. Graças a Deus ela
soube o que eu iria dizer.

_namorados. Não. Eu... _agora foi ela a dar uma ligeira pausa.

Sustive as caricias em seus cabelos para prestar mais atenção, entretanto


isso foi como se eu estivesse apenas á escuta-la e não a amparar e estar
inteiramente aí para ela. Ao me aperceber desta falha, continuei acariciando
seus cabelos e por último beijei sua cabeça. Então ela continuou:

_...nunca tive.

Retrai a respiração e esperei ouvir o que vinha a seguir. Coisa boa não era...

_eu só...

_eu sei. _antes mesmo dela terminar eu já sabia.

_e aquele jovem era...

E mais uma vez senti uma facada no cocarão. Sei que não devia, acontece
que eu sentia que Andressa era muito minha, e saber que vários homens a
tiveram, me deixava enraivecido. Era duro pensar nela daquele jeito. Mas
era… sem julgamentos, Rafael.

_...eu me arrependo muito… Não justifico os meus erros. Eu só achei quê...


eu estava com raiva Rafael. Ele chegou á mesa, sentou-se, estava ébrio e
hostil. Pediu que... pediu que eu o fizesse esquecer que foi deixado no altar.
Eu merecia ouvir aquilo. É isso que eu fui para os homens durante muito
tempo. Um mero objeto sexual. Uma fuga para os seus problemas.

Um mero objeto sexual.

Uma fuga para os seus problemas.

Engoli em seco ao ouvir estas palavras. Tal como aquele jovem e tantos
outros que se envolveram com ela, eu não era diferente.

O que realmente me diferenciava de todos deles?

Eu também a usava e, me doía pensar nisso. Nunca foi minha intenção.


Acontece que eu não sei verdadeiramente o que sinto por ela.
Como vou saber que não a estou á enganar? Como saberei que é a
Andressa o meu futuro? Como…? se até hoje ainda não me desprendi da
Lisa?

Andressa continuou dizendo mais algumas palavras, acontece que naquele


momento minha mente esteve presa nestas questões. Eu precisava tomar
partido o quanto antes.

Ela não merecia isso. Se eu não conseguia me desfazer da presença de Lisa,


não podia amar Andressa.

Precisava me afastar. Ela merece alguém melhor.


CAPITULO XIX

ALMA NUA
O vazio em minha alma

Deixa nossos corpos em chama

“Cinzas” – Venenosa

Andressa Martinez

Abrir os olhos foi a coisa mais difícil que tentei fazer depois de uma noite
completa de lágrimas.

Dormi nos braços de Rafael ainda chorando e me corroendo pelo meu


passado infernal.

_bom dia, Cálida.

Seu “bom dia” não podia ser o mais prazeroso. Deu-me um beijo na testa e
nas suas mãos segurava uma bandeja rechiada com o pequeno almoço.

_eu já me vou, meu bem. Quero que comas e que voltes a descansar a
seguir, sim…!? Quero encontrar-te quando regressar do trabalho, pode ser?

Assenti. Voltou a dar-me aquele mesmo beijo molhado e singelo, desta vez
foi na boca, a seguir na testa.

Servi-me de tudo que havia na bandeja e, desta vez encontrava-me pronta


para ter um dia preguiçoso.

Eu e Rafael não estávamos numa relação como tal, até porque… sei lá, não
sentamos ainda para falar sobre isso. Mas o meu corpo não conseguia mais
ficar longe do seu. É algo totalmente novo para mim. Ele é tudo que uma
garota sonhadora deseja ter. Atencioso, inteligente, gentil, cavalheiro;
cuidador, protetor, transparente, gato, gostoso… incrível. Um bom homem.
Uma excelente pessoa com caráter.

Como eu disse - tudo que uma garota sonhadora desejaria ter.

Eu nunca sonhei com nenhum tipo de homem – o príncipe encantado, o rei,


o soberano ou o cavaleiro em busca da sua Donzela, por exemplo. Todos
eles para mim serviam única e exclusivamente para o sexo. Nunca os
apreciei ou os olhei com outros olhos. Mas com Rafael era tudo totalmente
diferente. De alguma forma ele conseguia me fazer ver o outro lado dos
homens, um lado que nunca conheci, nem nunca me comprometi em
conhecer. O lado do cavalheirismo, da gentileza, pureza; da firmeza em
suas palavras e em seu ser.

Eu gostava desta sensação de sermos feito um para o outro. Dele me


pertencer e eu a ele. Era boa.

Se ele não se pronunciar, eu mesma darei os primeiros passos para que isso
aconteça. Para que de uma vez sejamos “Eu e Ele”. O Nós – Andressa e
Rafael para todo sempre.

Talvez ele devesse estar á espera de um sinal meu, ou que eu diga alguma
coisa que o faça concordar comigo; neste caso… sem problemas!

Perto dele eu conseguia estar á vontade, ser eu mesma independentemente


de quem eu fui, quem eu sou e o que tenha feito. Rafael conseguia ver-me
além de mim mesma, ele conseguia enxergar a Andressa quebrada na
valentia das minhas lutas que perdurava dia-após-dia.

Rafael preenchia o vazio formado em minha alma. Então…, porquê não?

Sorri contente. Peguei no celular procurei o número e disquei a mensagem:

| Vamos á isso! |

Aguardei a resposta que não demorou para chegar.

Um emoji sorridente, outro pulando e um mandando beijos e levantando as


mãos.

Jameson

| 😅🥳😘🙌🏻 – Boa garota! |

Sorri pulando de alegria baloiçando os pés. O apoio de Jameson era


incondicional.
Rafael devesse estar tão apressado que nem conseguiu dobrar suas roupas.
Havia uma pilha delas por cima da cadeira em seu quarto perto, levantei-
me para pegar e colocar no seu respetivo lugar.

Ao organiza-las, sem querer bati o pé no guarda-roupas. Pelo material ser


amante a meresia o meu chute não repercutiu sobre ela, mas sim sobre mim
tendo suscitando numa dor ainda mais aguda a que já tinha conseguido
involuntariamente.

O embate foi forte, o que fez com que caíssem as roupas das minhas mãos,
e do local uma caixinha de madeira. Ela abriu-se e tudo que nele continha
espalhou-se no chão.

Peguei o que esteve mais próximo de mim – o cartão que eu o tinha dado
de presente quando mandei a mesa de cabeceira. Junto a roupa cintilava um
objeto metálico. Segurei confusa.

Era um anel. Uma aliança na verdade.

Voltei-me na caixa caída com outras coisas avultada, no lado de cá havia


uma fotografia prepóstera. Segurei-a para observar melhor, tendo me
surpreendido quando a sobrepus.

O rosto de Rafael abraçado á uma mulher se fez presente. A mesma estava


vestida de um jeito simples, porém a coroa de flores em sua cabeça deixava
mais do que evidente que era um casamento, e para complementar…,
ambos usavam a mesma aliança. Os dois estavam sorrindo, felizes.

Em um segundo o desespero surgiu como alude.

_não, não, não, não, não. Não! Ele não pode ser casado.

Segurei na aliança e vi as escrituras “Rafael & Lisa” cravado nela.

Naquele mesmo instante senti meu corpo entorpecer. Uma data de coisas se
passou pela minha cabeça como um flashback.

Suspirei tensa, ainda assim tentei manter a racionalidade – Era só uma


aliança.... guardada nas suas roupas; nas suas coisas… Cadê á outra?

Chorei amargamente porque sim, acreditava que a outra devesse estar com
a mulher, obviamente! Enquanto ele escondia a sua.
Estava zonza. Não conseguia acreditar que ele fizera isso comigo.

Ele era casado!

Este tempo todo eu fui uma tola, boba, estúpida em abrir meu coração e me
permitir sentir algo por ele.

Como eu pude? Como ele se atreveu?

Retirei-me do seu apartamento porque já nada me importava, nada mais me


prendia naquele lugar, nada me fazia ficar e esperar uma explicação, estava
tudo claro. Agora eu entendia tudo! Agora sim tudo se encaixava na
perfeição.
Rafael Alano

Adentrei em meu apartamento e ele estava bastante silencioso. Achei que


ela estivesse dormindo.

Direcionei-me para o meu quarto e da porta observei o que estava


espelhado ao chão.

Minhas roupas, e... minha aliança.

Chegou o final Rafael.

Já não há mais volta!

Andejei calmamente até elas e apanhei peça por peça enquanto os


posicionava no seu devido lugar.

O apógrafo junto de minha esposa abraçados – Lisa. Já não me lembrava


de como era lindo o seu sorriso…

Tinha o melhor sorriso, o melhor carisma; possuía um ser completo. Ela era
radiante, alguém que transparecia a felicidade e amor puro.

Ateei em minha cama com as mãos preenchidas – na direita estava a nossa


foto, nossa única foto, nossa última fotografia junta; na esquerda as nossas
alianças.

Eu e Lisa nos casamos de forma impetuosa. O nosso amor estava tão


intenso que não queríamos esperar mais.

Foi tremenda loucura, toda via nunca me senti tão vivo e certo de alguma
coisa quando nos casamos, não tendo me arrependido um só dia por ter
feito. Ela estava tão feliz…, mais feliz que nunca! apesar de termos nos
casados do dia para noite sem o anúncio prévio aos nossos parentes, e sem
sua comparência e testemunho – apenas eu e ela. Ainda assim foi o melhor
momento de nossas vidas.

Pedi-lhe em casamento e no mesmo dia a gente se casou!

Três dias depois, foi o fim daquilo que seria um começo. O início de uma
vida á dois – da nossa unificação e jura de amor eterno.

Tal como o cerimonialista disse –


«Na saúde e na doença. Na riqueza e na pobreza até que a morte os
Separe»

A morte chegou cedo demais, sem um rótulo ou um apresto. Sem uma data
de antecedência que nos preparasse para o último adeus.

Sua morte trágica e repentina nunca foi apagada de minha memória, e se o


fizesse um dia podia ser considerado como o pior ser humano que já
existiu.

Minha Lisa se foi, porém, sua vida de mim nunca será esquecida ou
apagada.

Nem que passem mil anos, eu não me esqueço que foi culpa minha. Só
minha!
Deitei na cama colocando o meu anel no
dedo – Foi melhor assim…

Estou preso ao passado, e Andressa ter descoberto só provou o quão


distante um do outro deveríamos estar.

Eu ainda amo a minha Mulher, sempre a vou amar. Andressa não precisava
de um fardo do seu lado, não tinha que sofrer mais com este amor
impossível. Ela estava melhor sem mim.

Nunca me perdoaria se algum dia destes eu a chamasse de Lisa por engano,


enquanto a gente faz amor ou sei lá…, dentro do lar, morando juntos. Ou
mesmo quando me levantasse com a sua imagem na minha cabeça. Quando
a culpa batesse me fazendo sentir o lixo humano que sou; ser obrigado a
usar a aliança no intuito de me fazer provar que ela ainda vivia em mim,
que tal como jurei no dia do nosso casamento que a amaria eternamente,
fazia jus dessas palavras todos os dias mesmo sem a ter por perto. Tudo por
não ter coragem de em desprender dela.

Minha vida toda estava ligada a ela.

Meu corpo dizia Lisa. Meus passos caminham com Lisa. Minha alma
transparece à Lisa. E eu…, continuo amando a minha mulher. Minha eterna
Lisa.
CAPITULO XX

O FIM DO MEU REINADO

A caída do meu reinado

Foi o resultado do meu maior fracasso!

“Cinzas”

Rafael Alano

«Não precisamos ser fortes todos os dias. Por vezes é necessário permitir-
nos sentir e nem que for por um instante deixar fluir os pensamentos
negativos; pensar no quão foda nossa vida está por conta dos erros e das
falhas…só não deixe isso te consumir. No final saiba libertar-se da
negatividade e te desprenderes das manchas pretas criadas pela
escuridão.»

***

Por décadas não me sentia assim tão sem vida!

Perder Andressa definitivamente me matava por dentro. Meu semblante


transparecia a tristeza pura que crescia dia a pós dia dentro de mim.

Aos poucos via minha luz interior ser apagada e esvaecer-se, tal e qual
quando perdi Lisa.

Os pensamentos levaram-me na certeza de que o que sentia pela Andressa


era amor, puro e genuíno; tão puro que eu me via na obrigação de a deixar
livre e, talvez assim conhecer um amor que não venha carregado de fardos.

Encontrava-me sentado no único lugar que sentia meu mundo unificar-se


pelas boas recordações que outrora foram ali formadas, entretanto que ao
mesmo tempo destruíam algum vestígio de esperança.

Foi aqui que conheci o amor e a dor. Soube o que é ser resgatado da
opressão, porém aniquilado por um amor complicado demais, ou ao menos
eu o complicava.
A primeira semana foi suportável, eu conseguia inibir meus sentimentos e
não deixar eles ainda tomar partido de qualquer decisão.

A Segunda semana estava na balança, apesar de alguns instantes do dia


sentir-me bem, na maior parte do tempo me sentia angustiado, deprimido e
exausto, como se de nada valesse mais viver.

Minha irmã Felícia aparecia algumas vezes em minha casa e via o meu
estado. Por mais que minha boca dissesse as palavras “eu estou bem”, meu
rosto contrariava á descarada.

Á princípio ela limitava-se a dar-me espaço, mas fazia semanas que eu me


encontrava daquele jeito. Sei que doía-lhe ver-me desta forma, e a mim
mais ainda. Não a queria magoar nem preocupar, porém era inevitável.

_vá lá maninho, anima-te! Queres que eu traga aqui as crianças? Para te


distraíres!?...já que minha mágica não tem funcionado.

{...}

_odeio ver-te deste jeito... Cadê aquela energia que ainda as tinhas mês
atrás? Cadê o meu Rafael? Aquele que proporciona luz no meio da
escuridão…? por onde estiver ilumina e realumia…? Cadê...

Luz no meio da escuridão

Felícia ainda balbuciava quando deixei de a ouvir assim que pronunciou a


frase «luz na escuridão»

O que a fazia afirmar que eu era a luz de alguma coisa?

Tal como Felícia, Andressa também chegou de dizer que eu era como uma
luz.

Como é possível eu ser a luz de alguma coisa sendo que faz anos que me
sinto totalmente apagado!? Faz anos que a vida obrigou a desgastar-me
dela –Perdi meus pais muito cedo; perdi minha esposa, e agora perdi
alguém que em partes nunca á tive, contrapartida sentia-lhe minha.

Que luz era essa que verdadeiramente nunca á senti reluzir? Que luz é essa
que nunca a vi brilhar na escuridão, nem tão pouco no final do túnel? Que
tipo de luz era feito Rafael Alano?
Nada mais esperei porque estava decidido.

Saí às pressas dirigindo feito louco até a avenida 114 e parar o elevador no
penúltimo andar –Porta à esquerda, apartamento 10.
Cerca de vinte minutos fiquei parado, encarando a porta e imaginando uma
data de coisas.

Na minha visão o umbral era translúcido e reluzia todos os nossos


momentos até agora vividos, dentro e fora daquele pequeno espaço.

O limiar de vítreo denotava as cenas outrora criados. Tive acesso ao dia em


que nos conhecemos e a levei em sua casa pela primeira vez – eu vi
Andressa embriagada, vi Andressa pulsando de desejos, e vi Andressa
quebrada e destruída por dentro; igual como me sinto agora, manchado por
uma nuvem cinzenta, sem era nem bera. Desorientado e sem luz.

Toquei a campainha umas cinco vezes e não fui correspondido. Voltei a


tocar uma última vez e a seguir bati-a; nenhum sinal dela.

Foi quando pensei que talvez não devesse estar em casa e sim em outro
lugar. De novo às pressas conduzi até seu local de trabalho.

Entrei e educadamente pedi que me levassem ao seu escritório.

Antes mesmo da rececionista anunciar a minha chegada, apressei meus


passos e em frações de segundos me encontrava dentro de sua sala. O que
repercutiu á jovem um pânico agudo devido o meu súbito ato.

_não, o senhor não pode entrar… _emendou a rececionista, mas já era tarde
demais

E lá estava ela. Minha Cálida.

Sorri intimamente por lhe ver e pelo meu ato.

Andressa estava sentada na sua escrivania, com as mãos sobre a mesa, a


cabeça inclinada para o lado, com a atenção virada para o que estava a
fazer.

Quando entrei ela não moveu nenhum músculo do seu corpo, apenas
sobressaltou os olhos á porta em minha direção. O seu olhar encontrou-se
com o meu, porém nada representou naquele momento. Estava
indecifrável, inexpressiva.

_peço desculpas, Andressa. Ele entrou assim, e eu não o consegui deter.


_falou a mulher atrás de mim.
Andressa ergueu uma sobrancelha, o que a deixou muito sexy, passou um
leve olhar a sua funcionária e a seguir voltou-se para mim.

_com sua licença... _disse a funcionária se retirando.

Logo a seguir voltou ao que outrora estava fazendo, como se tivesse feito
um reverse, e como se eu não estivesse ali.

Continuei parado sem nada dizer no momento.

Tal como sua posição, uma parte de seus cabelos também estava inclinado
para o lado esquerdo. Ela ficava sexy quando os colocava numa das
laterais, fazia realçar os traços de seu rosto deixando-lhe numa perfeita
combinação de inocência e perigo.

Ainda em pé continuei a observando. Não tinha ganho coragem de... por


segundos esqueci-me da razão que levou-me estar aí por aquelas horas.

Retirei a aliança do meu bolso e sobrepus em sua mesa.

O barulho que o objeto vez ao tocar-se com o móvel foi como um fiozinho
de sinalização de um canal de rádio, ensurdecedor para muitos,
esperançoso para quem anseia ouvir o canal.

Analisei, esperei ver sua reação. Ela continuou emersa.

Andressa não era dura, entretanto esta sua postura rígida e de desprezo no
fundo eu bem sei que merecia.
Andressa Martinez

Ouvi o som do anel ser pousado a minha frente. O metal colidiu com a
mesa fazendo o meu corpo arrepiar-se.

O arrepio foi a única reação que permiti meu corpo perpetrar e, sua voz
quebrou o silêncio que se predominava naquela sala.

_quando quiseres, embora não mereça, eu sei, mas eu peço-te. Imploro por
me deixar contar-te sobre isso. Mas só quando quiseres.

{...}

_demore o tempo que quiseres. Leve o tempo que achares necessário para
ti, estás no teu direito. Ainda assim, estarei esperando por ti pacientemente.

{...}

_Andressa...

Seu clamor veio acompanhado de clemencia. Rafael clamava por


intermédio de súplicas uma chance de se explicar, de se remediar…de se
desculpar.

«O ser humano tem uma capacidade incrível de arranjar formas de se


emendar quando comete um erro que foi capaz de inventar uma frase como
“errar é humano” para se justificar e se possibilitar permanecer no erro
ou continuar a comete-los. Pois bem, eu digo que é tão humano quanto a
sua natureza profana e completa de hipocrisia –infelizmente ninguém está
a salvo das prostrações humanas!»

Eu continuei cala até Rafael optar pela saída.

Depois de alguns segundos de assimilação foi quando finalmente consegui


me despetrificar. Sai do transe em que me submeti erguendo a cabeça e
parar de fazer o que outrora fazia – que era dar atenção as palavras que me
esforçava a perceber, por que assim que Rafael entrou naquela sala minha
atenção estive perdida.

E, a aliança…

Porra! Porque raio ele trouxe essa merda e a deixou aqui?

É para zoar da minha cara?


A porta da minha sala foi aberta e rapidamente peguei no metal e o escondi.
Era Jameson, eu sabia.

Não sei por que quis esconder dele o anel, mas no fundo eu sabia sim o por
quê…

Jameson tinha passado a semana inteira tentando me reanimar, ajudando-


me a levantar desta queda. Seria esforço em vão caso ele soubesse da visita
de Rafael, e pior ainda se visse o que ele deixou.

Não gostava de esconder coisas do meu amigo, porém não o quis chatear
com isso de novo.

Ele já estava envolvido demais com os meus problemas. Ele também tinha
os seus.

Minha vida não podia girar em torno da sua o tempo todo.


CAPITULO XXI

ASSIM O DESTINO O QUIS…!

Cruel foi o destino que tivemos

Um final que Eu e Tu

Nunca merecemos!

“Liberta-te”

Andressa Martinez

Apareci em seu apartamento depois de horas…dias refletindo sobre ele,


sobre nós, sobre essa aliança em minhas mãos.

Rafael deixou-me entrar e eu acomodei-me no canapé enquanto procurava


as palavras, procura organizar as ideias e perceber se realmente estar aí foi
a decisão certa.

A primeira coisa que saiu da minha boca foi…

_onde está sua esposa?

Rafael não disse nada no momento. Levantou-se, se ajoelhou á minha


frente tocando meu rosto com suas mãos em um gesto de delicadeza. Seus
olhos brilhavam e os vi encher de lágrimas. Seus lábios estavam
comprimidos, eles abriam e fechavam, parecia que lutava contra o que
queria dizer, contra a verdade – nua e crua.

Fui inaudita com sua resposta, em algum momento eu esperei ouvir o que
ouvi.

_minha… minha esposa ela…. Faleceu á quatro anos.

Fechei meus olhos sentindo o peso daquelas palavras. Por fim as lágrimas
que se prendiam em volta de suas íris soltaram-se, escorrendo entre seu
rosto até minhas mãos.

Levantou um pouco seu corpo e pegou a outra aliança do bolso de sua


calça.
_eu guardo-a no intuito de ter um pouco dela. Esta foi a única coisa que a
família me permitiu ficar, já que eles nunca aprovaram o nosso casamento.

_por quê? _sussurrei angustiada.

Estava com um nó na garganta só de pensar qual o rumo desta historia.


Pensei em como pode ter sido doloroso e difícil para ele, não poder ficar
com mais nada de sua mulher como recordação, somente um metal que até
sua família não considerava como a prova do seu amor.

_por que… eu… Eu sou o culpado pela morte dela.

Meu corpo vacilou para traz. Semicerrei as sobrancelhas imaginando o


pior.

Ele matou a esposa???

Minha cabeça latejou ao fazer-me esta questão, meus olhos estavam


arregalados e minha expressão era de alguém assustada. Aterrorizada.

Rafael percebeu a minha hesitação e angustia.

_não, não Andressa. Não é isso que estás a pensar. Eu sou culpado sim,
mas eu não… a verdade é que eu vi ela morrer e não pude fazer nada. Não
consegui segurar sua mão enquanto ela gritava freneticamente por ajuda;
suplicava que eu segurasse..., eu não consegui. Não fui rápido o suficiente,
não fui um bom marido, não cuidei bem dela…eu deixei ela morrer. Deixei
ela cair e sumir do meu campo de visão. Fui um imaturo, não a protegi,
Andressa. Não segurei sua mão. Não fiz a única coisa que ela pediu que eu
fizesse naquele momento.

Eu via aquele homem com dobro do meu tamanho, alto e musculado


chorando no meu colo, sem pudor, sem filtros, somente sua dor que
transbordava.

Sua pandega situação fazia-me crer na hipótese de que era a primeira vez
em que Rafael se libertava. Acreditei ser a primeira vez que ele expressava
seus sentimentos mais profundos e íntimos para alguém; dizer o que sua
alma gritava incessantemente. Talvez devesse estar neste silencio á anos,
guardando para si estas palavras, vivendo camuflado, preso nesta
lembrança aterrorizante; sofrendo sozinho – somente ele e sua dor.

Como nos parecíamos.


Acariciava seus cabelos enquanto ele ainda transbordava por fora, com a
cabeça pousada em meu colo. Até que finalmente conseguiu acalmar-se.

_eu preciso te contar tudo…

Rafael soluçava e suas palavras viam ao meio por intermédio das


interferências visíveis, porém desambiguadas.

_Lisa foi o meu primeiro amor.

Péssima escolha de palavras, Rafael – Não sei porque, não devia, mas ele
ter dito aquilo me magoou. Estava com ciúmes de uma pessoa morta!?
Onde já se viu isso Andressa, cade a empatia?

_eu e lisa namoramos cerca de um ano e meio. Nos conhecemos quando eu


tinha vinte e dois anos e ela estava fazendo dezanove. Ela fazia a faculdade
e eu era apenas um rapaz que lutava para conseguir um emprego digno,
entrar na polícia. Um ano depois eu consegui finalmente, e então eu pedi
ela em namoro. Pouco tempo depois eu não quis mais esperar, resolvi
fazer-lhe o pedido de casamento. Ela estava deslumbrada e eu ainda mais.
Foi tão louco que no mesmo dia nos casamos. Lisa quis assim, e eu só
queria ver-lhe feliz. Então nos casamos sem o consentimento de seus pais.
Estávamos fora da cidade. O que para os pais de Lisa era um acampamento
de verão entre colegas da universidade, para a gente foi o nosso momento
de glamour e pendor. _Usei a expressão de “não percebi” no meio do seu
relato, ele ignorou-me e continuou. _Lisa mentiu aos seus pais para estar
comigo; mentiu por amor e morreu por ele. Três dias. Três dias depois nós
resolvemos fazer uma espécie de lua de mel, conhecendo e explorando o
lugar até tudo ir abaixo… Lisa escorregou se desequilibrando na falésia.
Ela estava desprotegida, nós estávamos desprotegidos. Sem corda, sem
nenhum mantimento que garantisse a nossa segurança e ainda assim, lá
estávamos nós. Ela gritou por mim, pediu, suplicou, implorou que eu
segurasse sua mão, mas eu não consegui. Ela escorregou e acabou caindo
na entranha, até não mais ouvir seus gritos, até não ver suas mãos e o resto
do seu corpo.

Pressionei meus olhos quando os senti arder, fazendo as lágrimas escorrer


sem detenção. Meu Deus. Nunca vivenciei um relato sobre a morte de
alguém, sua dor era tão grande que me fez senti-la.
Numa hora aquele lugar ficou sem ar, meu corpo estremecia e arrepiava-se
ao imaginar aquela cena horrenda e difícil de apagar da mente. Rafael tem
razão em sentir-se culpado.

Ele esteve lá e não pode fazer nada. Esteve a centímetros de salvar uma
vida, mas o destino tinha outros planos – deixar sua vida marcada com essa
culpa, com essa dor, com esse fardo difícil de carregar. Ainda assim ele o
fazia. Onde quer que ele estivesse essa imagem o perseguia, sua esposa
estava lá pedindo que ele, seu homem, seu marido, seu protetor o
protegesse, que á salvasse. A vida de alguém nunca esteve tão dependente
quanto a de Lisa esteve da do Rafael. Ela dependia única e exclusivamente
dele. De suas mãos.

Essa com certeza seria a condenação de Rafael –Viver preso ao passado,


condenar-se por algo que ele não teve controlo algum.

Não foi culpa sua. Ele nunca saberia que aquilo iria acontecer justo com
ela. Ele nunca pensou que aquilo aconteceria no auge de seus dias mais
felizes e que aquilo acabaria com sua vida se tornando numa assombração.

Rafael não tinha controlo algum de que aquela mentirinha de jovens


acabaria nesta enorme tragédia.

Ele não tinha culpa por mais que o mundo o condene. O estar naquele lugar
foi consensual, ambos quiseram.

Estiveram desprotegidos? Sim, mas isso não ditaria que o pior tinha que
acontecer justo com eles. Não mereciam. Rafael não merecia.

Por Deus! Eles tinham acabado de se casar.

Não conheceram as brigas de marido e mulher, não souberam como é


acordar um do lado do outro, como é atuar suas manhas, suas crises; como
é ter a sua mulher do seu lado dentro do lar. Dizer para o mundo “estamos
casados a x anos” – Eles nunca poderão dizer isso. Hoje Rafael só
consegue dizer “estivemos casados por 3 dias”

Três curtíssimos dias que não cobriram com certeza o tanto de amor que
sentiam um pelo outro.
Os planos... meu Deus, …os projetos que tiveram juntos…o tanto que esse
casal teria para dar, mas o destino privou-lhes de tudo isso. Porque assim
ele o quis.

Talvez devesse ser a escolha de Deus. Mas eu nunca vi tanta injustiça vinda
dele. Perdoe-me senhor, mas não me cabe ouvir esta história e achar
alguma benevolência. Não encaixa a expressão “Deus sabe o que faz”.

Será que ele sabe mesmo? Sempre foi assim?

Minha vida nunca foi tão insignificante ao lado da de Rafael. Não imagino
perder alguém que amo, e ainda mais nestas condições. Vê-lo morrer e não
conseguir fazer nada, por mais que me capacite.

Rafael deve ter sentido o desespero afluir naquele momento, mil coisas
devessem atravessar sua mente numa onda incansável de questionamentos
– “Por quê viemos aqui? Por quê eu não a segurei? Por quê eu tinha que
assistir de camarote? Por quê eu não tive forças suficientes em segurar sua
mão quando ela suplicava por isso? Por quê eu não tive forças? Por quê
ela e não eu? Por quê essa dor? Por quê esse tormento, essa angustia e
profunda tristeza? Por quê eu não consigo esquecer…?”

Não consigo imaginar o desespero vindo destas questões.

Engoli em seco e mais uma vez eu pude perceber o quão merda a vida é.

E que ninguém escapa do Destino – quando ele quer te destruir ele


consegue.
Rafael Alano

Revelar para Andressa o meu maior segredo custou-me o seu amor, e eu


sabia bem disso, que aquilo seria o nosso fim –o fim daquilo que nunca
começou.

Mesmo assim eu arrisquei. Estava cansado de guardar tudo isso, de mentir;


de mentir para mim mesmo que estava tudo bem, de sofrer calado e nunca
poder me desprender desta prisão infernal.

Não sei como Andressa recebeu toda essa história, nem ao menos sei se
verdadeiramente acreditou em mim.

Olhei-a, mas seu rosto não expressava nada, ou eu estava abalado demais
para no mínimo tentar decifrar seus pensamentos.

Levantei-me e finalmente consegui me recompor.

Andressa não se moveu mesmo quando eu saí de seu colo.

Minha casa estava silenciosa. Ouvia-se apenas o som emitido pelas nossas
respirações, da minha pelo menos, ela parecia estar... desestabilizada. Era
um bom sinal, isso podia significar que tinha acreditado em mim.

_Andressa eu... eu não sei quais sejam os teus pensamentos em relação á


tudo isso, sobre esta história. Eu peço que acredites em mim, por favor. Eu
não teria coragem de inventar, ou mentir para ti. Jamais brincaria com os
teus sentimentos. Isso quer dizer.... Sinceramente eu não sei o que estou
sentindo agora. Antes de te conhecer eu só conseguia me crucificar e me
condenar; só conseguia pensar no quão a vida foi injusta comigo –Primeiro
perdi meus pais quando eu tinha apenas 14 anos e Felícia somente 8. Você
consegue imaginar isso? consegue... ver o quão difícil é crescer sem seus
pais? Sentir-se sozinho no mundo e desamparado? Quando Lisa surgiu em
minha vida foi como uma luz, ela me tirou da escuridão em que estava.
Lembro-me que naquela altura eu só pensava em trabalhar, juntar dinheiro
para cuidar da minha irmãzinha porque éramos somente eu e ela e mais
ninguém. Foi injusto Andressa. Tive que viver emancipado, eu nunca fui
uma criança verdadeiramente…

_..., e então, como feixe de luz emergida da superfície, ela apagou-se!


Naquele dia em que voltei a estar numa completa escuridão, sentindo o
peso da morte mais uma vez. Nunca me senti tão vazio quanto quando
perdi Lisa, e o pior é que tudo foi culpa mi...

_ não foi culpa sua. _retorquiu Andressa

Minhas palavras foram cortadas quando ela tentou defender-me. Varias


pessoas me disseram o mesmo. Pessoas como Felícia, Fernandes, Bela, até
a Suzi.... mas nunca foi tão significativa quanto ouvir isso de Andressa.

_ não tiveste culpa alguma Rafael.

Meus olhos encheram-se de lágrimas. Desta vez não foi por tristeza. Foi
porque Andressa estava tirando um peso das minhas costas. Finalmente eu
sentia o alívio que a anos venho procurado. Eu acreditei! Desta vez eu
realmente acreditei que não era o culpado pela morte de Lisa. Eu sentia
isso, e foi bom.

Levantei-a e a abracei fortemente. Da minha boca soltou-se um “obrigado”


… obrigado por me ouvir; obrigado por não me julgar, e obrigado por
este abraço ser reconfortante e cheio de esperanças – obrigado por ser
minha luz.

Eu quase não abraçava ninguém, com Andressa foi tão natural, tão
libertador.

Para além de precisar ser libertado da minha própria prisão, necessitava


também que outra pessoa sentisse a minha dor, assim reduzia o peso hostil
fazendo com que não carregasse mais essa cruz sozinho. Aquele abraço
fez-me sentir que tinha Andressa comigo, e que sim, estava pronto para
finalmente responder aquela questão e tantas outras.

***

Andressa sugeriu um passeio a meio da noite. Inquerindo que estar em um


lugar fechado fazia parecer que os problemas a qualquer momento
regressariam, com mais negatividade e mais impactantes. Pois é que as
energias ainda lá estavam, tanta sua dor como a minha de qualquer forma.
Então precisávamos de um lugar aberto – a praia, sugeriu ela.

_aqui eu finalmente vi quem eu era. Sempre que me perdesse, eu vinha


aqui para me encontrar, reconstruir e me formatar. Mas na verdade tudo
não passava duma tentativa de fuga. Eu sempre vivi fugindo. Até não dar
mais…

Não conseguia perceber direito no que ela se reveria, queria saber mais,
porém tinha receio em perguntar. Eu sabia que um dia Andressa se
revelaria para mim, era só uma questão de tempo.

_você ainda á ama?

Estávamos caminhando, nossos passos em sintonia, um pé após o outro


quando ela subitamente parou ao me fazer aquela pergunta.

E aí Rafael, você ainda ama Lisa?

_ estaria mentindo se dissesse que não... _. Suspirei ofegante sem me


preocupar em ver sua reação. Estava me revelando para Andressa, não
podia mentir uma única vez.

_...eu e Lisa tivemos uma história, não posso dizer que faz parte do meu
passado sendo que na verdade nunca tivemos um final. Acho que
privilegiadas são aquelas pessoas que terminam um relacionamento por
intermédio de uma briga, ou por não se conhecerem mais; por não houver
compatibilidade nos gostos, planos ou sonhos, que do dia para noite o amor
que outrora sentiam um pelo outro tenha chegado ao fim, evaporou-se,
sendo surpreendidos pelo desamor… Ou ainda aqueles casais que depois de
tudo percebem que os anos foram compensadores para eles e que chegou a
hora de cada um seguir o seu caminho na passividade…. Estes sim são
abençoados. É uma bênção, creio eu, poder findar com o casamento por
intermédio de uma briga seja ela boba ou não; ou mesmo ainda terminar
por uma traição. Aceitaria tudo isso, menos uma morte prematura e trágica.

{...}

_nós não tivemos brigas, nem traições, somente sonhos, planos e o desejo
de permanecer juntos. Não sei se o destino verdadeiramente assim o quis, a
verdade é que para mim a morte de Lisa nunca foi o nosso fim. Eu vivi
durante estes anos todos com suas lembranças, com o seu sorriso, sua voz
doce, suas palavras…, memória é tudo que fez de nós, ser nós. Hoje eu não
tenho nada disso, não tenho nada por que no final nunca tivemos nada! Em
três dias não se constrói uma vida, em três dias não se forma o “para
sempre”; e o “até que a morte os separa” não era para ser em três dias. O
que eu quero dizer com isso Andressa é que sim, eu amei Lisa, ela foi o
meu primeiro amor, mas, eu amei quem ela foi, e quem ela é hoje? Um
esquálido, uma pessoa inexistente, um ser que a vida lhe foi privada muito
cedo. Hoje Lisa é só lembranças que ainda vivem em mim. Não tenho
desejo algum de apagá-las, com tudo, isso não quer dizer que eu não possa
seguir com a minha vida. Por anos acreditei nunca ser possível, mas aí, no
lugar em que menos esperava apareceu uma mulher, de cabelos escuros,
usando um vestido vermelho e causando o maior caos em apenas duas
horas. Cálida. Andressa Martinez. Você.

****

O céu estava limpo, sem estrelas e nuvens, a lua brilhava e no exato


momento que ela sorriu, o reflexo do luar pousou bem no meio dele.

Foi um sorriso breve, durou apenas alguns segundos. Rápido demais para
poder o contemplar, quase a obriguei a repeti-lo.

Andressa ficava linda quando sorria. Seus lábios se distendiam para as


laterais, e os cantos da boca se elevavam ligeiramente deixando-os mais
finos, fazendo seus dentes sempre ficarem em evidência tocando nos lábios
inferiores, arquitetando um desenho perfeito da sua boca.

_quando estivemos afastados, apenas conseguia pensar em você e no


quanto mexias comigo. Porém, toda vez que eu tivesse certeza de alguma
coisa que sentia, as lembranças de Lisa surgiam como uma onda sísmica,
pronta para me destruir; pronta para destruir qualquer coisa criada entre nós
os dois. Era como se eu estivesse preso entre ela e os meus sentimentos.
Mas na verdade era apenas eu me condenando pela sua morte. Eu sempre
me culpei, seus pais culparam-me; de algum modo me fiz acreditar nesta
idiotice. Achei que a melhor forma de me redimir, de provar que sua morte
não foi…, era de me prender a ela. não mais amar ninguém além dela.
Precisei prender-me para me libertar. Eu sei… foi a pior coisa que fiz na
minha vida. Eu afastei todo mundo que se aproximou de mim. Até prendi-
me a um objeto para sentir-me menos culpado. Estava sempre com sua
aliança para...

_ sempre? Quando nos conhecemos tu não usavas o anel, do contrário eu


nunca ficaria contigo.
_ é verdade. Nunca a usei na tua presença. Não queria que... ela estivesse
entre nós. Contigo eu me permiti ter algo só nosso. Sem Lisa. Sem Rafael
preso á Lisa...!

{...}

_...depois de algum tempo foi Rafael preso em Andressa. Você acredita?


Não sei se é seguro tocar neste assunto, mas…, quando nos separamos…;
digo, quando nos distanciamos, meio que, a história foi a mesma, só que
desta vez foi mais doloroso. Tenho que confessar! Porque tu estavas aqui
presente, sabia a tua morada, tinha o teu número- varias vezes tentei ligar,
entretanto não tive coragem, escrevi um monte de mensagens que no final
sempre foram deletadas, nunca enviadas. Estava magoado e achei por bem
dar-te o espaço que pediste. Entretanto… lá esta eu, de novo na estaca zero.
Já estava acostumado a viver sem Lisa, eu não tinha o que fazer quanto a
isso, mas não conseguia acostumar-me a viver sem ti, Andressa. Sabendo
que estavas a poucos quilômetros ainda assim não te poderia encontrar.
Não vou mentir, foi doloroso a distância que tivemos. Era como se
estivesse vivendo um segundo luto, só que desta vez pior. Várias vezes
questionei-me se estava sofrendo pela perda da Lisa ou pela perda de
Andressa. Porém a dor não tinha limites, estava mais do que evidente o
meu sofrimento interior.

_nos meus sonhos reinava uma anarquia. Eras tu, era a tua imagem usando
as últimas palavras de Lisa antes de…dizias – “Segure á minha mão”
dentro de um poço. Era como se precisasses de mim; que precisasses que
eu segurasse a tua mão, tal como… a Lisa precisou. Minha vida nunca
esteve num equívoco tão grande… eu quero…ajudar, mas não sabia
como… E no final, a meio de tudo isso o que doeu mais foi ver que não
confiavas em mim o suficiente para entender-te e que a melhor solução
para ti foi afastares-me da tua vida.

_eu não fiz por mal Rafael. _ lamentou Andressa

_eu sei. Não o digo no intuito de fazer com que te sintas mal.
Simplesmente estou a ser honesto contigo, contando toda minha história. E
acredites ou não ela não girou só em torne de Lisa. _gracejei.

Novamente via-se o pendor afável estampado em sua boca.

Beijei-a depois de horas só desejando.


Foi um beijo lento, suave, como de duas almas gémeas que estiveram
distanciadas e se reencontraram finalmente podendo pertencer um ao outro.
Pois estávamos tão á vontade que pareceu ser já um costume.

Andressa acabou sendo a minha libertação naquele pequeno instante em


que nossas bocas se amavam.
CAPITULO XXII

O EU EM MIM

No final das contas temos…


101 motivos para desistir e 101 motivos para persistir!

Andressa Martinez

O que faria de nós seres humanos? _Os erros? Os atos de benevolência, a


empatia, a compaixão e solidariedade; ou a ignorância, a surdes e a
cegueira mental? A soberba; ou ainda a podridão reinada em nossos
corações desde o nosso nascimento com a condição de sermos todos
pecadores?

«Somos a representação de um espaço existente, porém vazio e incoerente;


a matéria da qual carece o espaço vazio – a nossa coerência!»

.........****.......

A muito que levo uma vida soberba, macabra, uma vida robusta. E não,
não serve de consolo para ti nem para mim, porque nunca fui uma flor que
se cheire. Percebi da pior forma!

Por anos tentei lutar contra mim mesma, fingindo não ver quem eu era.
Nunca fugi, nunca evitei, só ignorei os sinais. Ignorei a minha alma podre
por dentro, o veneno que se apoderava do meu corpo e se mantinha lá,
encarcerado; ignorei os passos que eu dava trilhando um caminho sujo,
um caminho profundo que me afundava cada vez que marcava os meus
passos e seguia pela mesma direção.

O ponto real é…, está é quem eu sou. Está é Andressa Martinez!


Viver condenada a uma vida
sem vida.

Viver e não saber para que


viver.

Eu ouço o meu coração bater, mas não o sinto. Á muito que sou essa
escória. Essa perdição.

Vendi minha alma ao diabo e sei que isso não tem salvação. Condenei-me
e me submeti a ele. Sou um ser sem vida, sem luz e sem direção.

É justo dizer que eu vivo, mas caminho de mãos dadas com a morte por
que eu e ala somos uma só, como a unificação do mal. Uma maldição
inquebrável. Venenosa, por dentro e por fora.
***

_. Eu acho que estou pronta! _disse.

_pronta pra quê? _inqueriu Rafael.

_pronta para falar…

Soltei um suspiro longo e pesado na tentativa de reunir forças e energia


para a minha revelação.

Primeiro passo – Mostra quem és

Ouvi a voz da psicóloga na minha cabeça como incentivo, me dizendo as


três fases para recomeçar sua vida e seguir com o caminho certo.

Retirei o meu olho de vidro a sua frente na intuição de revelar-me para


Rafael.

Estávamos sentados na minha cama, eu do lado direito e ele no esquerdo,


parado olhando para mim com a expressão incerta, não revelando o que se
passava no seu íntimo. Voltei a suspirar, me submetendo a aquelas
palavras.

Segundo passo – Conte sua história

Senti-me nervosa, apertei o olho de vidro de forma bruta tentando me


redimir.

Rafael segurou minha mão retirando o olho sobre ela, pousou na cabeceira
enquanto fixei meu olhar para nos lenções azuis cobertos na cama. Elevou
o meu rosto, beijou minha bochecha direita, a seguir meus lábios, e por fim
minhas mãos – Conforto. Segurança. Atenção. Foi o que aqueles beijos
queriam dizer para mim.

Rafael disse, porém sem palavras que estava inteiramente para mim
naquele momento. Que não só me ouviria, como me confortaria. Acontece
o que acontecer, ele continuaria segurando minhas mãos.

Terceiro e último passo – Tire para fora o que nunca foste capaz de o
fazer. E diga em voz alta as palavras duras que te custam dizer.

_17 anos. Eu tinha 17 anos quando achei o corpo da minha mãe pendurada
no quarto, com um banco que mal os seus pés o alcançavam, enrolada ao
pescoço uma corda. Ela decidiu acabar com sua própria vida no exato dia
que eu completava os malditos 17 anos; no dia do meu aniversário.

Receio olhar para Rafael no momento, entretanto eu tive de me certificar se


estas palavras “duras” tiveram alguma repercussão; se valeria a pena
continuar dizendo o que nunca fui capaz de dizer em voz alta.

Agora foi ele que esteve cabisbaixo, imaginando talvez, o que é ver sua
mãe morta no seu suposto dia especial.

_feliz…ou infelizmente não é daí onde tudo começa. Eu sou... bem, eu fui
usuário de drogas por um bom tempo. Muito tempo na verdade. Eu cresci
usando drogas. Recorri aos anestésicos porque achei que precisava deles
para…bem, sobreviver. Usei um pouco de Xilocaína/Lidocaína, Cetamina,
Morfina... e algumas misturas que os meninos do meu bairro adquiriam de
alguma forma e que eu já não lembro dos nomes…, são as drogas que...

_bloqueiam a capacidade sensitiva do organismo. Que não te deixam sentir


nada. _ inqueriu Rafael com os olhos distantes. _pesquisei para que
serviam o tipo de comprimidos que caíram de sua bolsa no dia em que nos
conhecemos.

Apertei sua mão subitamente nervosa. Porém continuei.

_ eu os usava porque eles me deixavam inerte. Gostava da sensação do


vazio. Minha cabeça estava preenchida por ene coisas, e de alguma forma
tinha que os fazer parar.

Voltei a silenciar-me. Sua mão continuou segurando a minha.

_fazia algum tempo que não os usava, antes de te conhecer. Mas naquele
dia, naquela noite vi-me obrigada a faze-lo. Era o dia do meu aniversário.
Como já deves saber, também foi o dia em que ela… Sempre amaldiçoei
este dia, porque era nele que eu via toda minha máscara cair. Neste dia eu
via quem eu realmente era. Eu não conseguia fingir. A Andressa de á nove
anos estava lá, vestida de preto, com os pulsos cortados e ferimentos por
toda parte do corpo. A cabeça cheia com a rejeição e a negação. Esta era a
imagem que me fazia todos os anos não querer que nenhum músculo do
meu corpo se movesse. Que meu cérebro deixasse de funcionar e que me
deixasse ficar naquele vazio, imóvel, com o corpo totalmente petrificado.

{...}
_eh…, enquanto em vida, minha mãe foi dependente de álcool. _semicerrei
os olhos, suspirei falando com a voz trémula, sentindo a dor aguda por
dentro ao dizer.... _. Nunca conheci meu pai. Não sei se existe de verdade
_sorri forçado _ou minha mãe me fez sozinha. Rhun. A verdade é que ela
nunca me contou nada a respeito; teve outra relação que… não sei se foi
uma fuga para sua vida miserável. Meu padrasto era a pessoa mais
desprezível que eu já conheci. _disse no passado por que…ah, sei lá. _.
Com dezasseis anos eu fugi de casa. Minha mãe tentou matar seu marido
pela terceira ou quarta vez, isso devido os maus-tratos. Ele batia nela, e
pouco tempo depois ele passou a bater-me também.

A expressão de Rafael mudou automaticamente quando cheguei finalmente


na pior parte da minha história; apesar deles já não terem tanto significado.
Falar dos maus-tratos que tive na infância já não me afetavam, já não me
trazia agonia ou sentia qualquer tipo de ódio pelo meu padrasto – as sessões
terapêuticas ajudaram-me muito neste sentido, e também porque eu tinha
certeza que o meu padrasto pagou, e bem caro pelo mal que fez comigo e
com a minha mãe. Entretanto para Rafael… senti sua mão apertar
fortemente meu braço, como se estivesse enraivecido. Era perturbador
demais para Rafael, no momento não pensei como seria contar isso para
alguém. Com Jameson já estava acostumada. Ele teve uma recção
diferente, foi mais do tipo – “Vamos abafar o passado e tentar esquecer.
Recompensar com o presente, por que o hoje e o agora é que importa! e
nunca mais se tocou no assunto”.

_este homem nunca foi para a justiça. Ele era a justiça. _falei com o olhar
distante, por um instante eu vi a raiva que sentia por ele retomar.

Rafael olhou profundamente nos meus olhos e vi seus dentes ranger, com o
punho cerrado amassando os lençóis da cama. Ele se corroía de raiva pelo
homem que quem sabe Deus ainda estaria vivo ou não...

_não demorou muito para que eu visse sua verdadeira monstruosidade, seu
verdadeiro eu por dentro. Quase morri em suas mãos. Fui parar ao hospital
com graves queimaduras. Fiquei em coma por um mês, e quando despertei
já era um ano novo. Eu tinha ganho o maior e melhor presente que já tive
na vida – uma vida após a morte. Ah, e esta imagem. _disse por último
apontando para meu rosto desfigurado.

Receei por algum momento antes de dizer o bendito procriador desta obra.
_meu padrasto…

senti mais um aperto forte nas minhas mãos. Desta vez doeu, tanto que me
dificultou terminar a frase.

_Andressa… _sussurrou meu nome com a voz falha. Ele estava devastado,
conseguia ver sua aflição.

É isso aí Rafael, esta é quem eu sou.

_este homem quase acabou com a minha vida. Tenho sua marca
inamovível em meu corpo para todo o sempre. Por mais terapias que faça,
por mais soluções que me sejam apresentadas por cirurgiões plásticos,
oftalmologistas, todos esses médicos... ninguém, nenhum deles conseguiu
tirar essa cicatriz e apagar esta história. Dói, Rafael; até hoje dói. Eu olho
para mim e só consigo ver a menina de 17 anos que foi brutalmente
espancado por pessoas desumanas, podres por fora e por dentro, que não
medem as consequências de seus atos, que para eles ninguém merece viver
além deles mesmo. Eu vejo uma menina que nunca foi amada pelos seus
pais, que foi abandonada, negligenciadas e maltratada. Olho para mim e
vejo dor, sofrimento, feridas incuráveis, uma vida revestida de perversão.
Olho para mim e... _já era difícil conter as lágrimas. Elas se espalhavam, e
transbordavam juntamento com o desespero que sentia.

_...vejo nada. Vazio! Eu nunca fui alguém. Sempre me fiz acreditar que era
forte, que conseguia passar por cima do meu passado, dos olhares, dos
meus erros, das minhas falhas…, mas no fundo era tudo mentira. Farsa.
Uma escapatória a minha realidade. Ao meu eu verdadeiro.

{...}

_. Eu não sou nenhuma Cálida, Rafael. Eu não espelho nada. Eu sou


drogas, vazio, perdição, caos, destruição e veneno. Eu fui profanados ao
sadismo; tente ao menos ver o que isso quer dizer... Sexo para mim era
como uma Droga –Viciante, e mais uma fuga, meu passe livre para a
ilusão, para uma vida cheia de profanação e desrespeito, de repudia... de
nojo. Eu dei o meu corpo para homens que unicamente se interessavam
pelo meu exterior, pelas minhas pernas abertas, livres para qualquer um
entrar e fazer nela o que quiser, a custe zero. Da minha vida, minha
história... do meu verdadeiro eu ninguém nunca quis saber. E eu? Não
estava a fim de contar.
Minhas lagrimas estavam descontroladas, as palavras saiam iguais a elas.
Livres, soltas, escorrendo como uma tubagem, esvaziando-a, soltando o
líquido que outrora se filtrava nela. Não havia razões de pudor, embelezar
as palavras como se tentasse parecer que não era tão ruim; pois era... Estas
palavras frias vinham da representação da minha alma, fria!

_olha para mim, Rafael…, quem amaria uma mulher deste tipo? Você?
Você aceitaria ficar com uma viciada em drogas? Com uma mulher que se
deita com qualquer homem que aparece a sua frente? Uma mulher sem
vida, morta, destruída por dentro e por fora? Preenchida de buracos…?
Aconteça o que acontecer, que o mundo e minhas palavras me condenem.
Nem que se passem mil anos isso nunca mudará. Minhas feridas nunca
serão curadas. Meu destino está marcado e selado. Eu sou a escuridão,
Rafael, eu sou a morte encarnada em pessoa.
«Palavras são importantes.

Porém, as vezes parecem insignificantes e vazias aos olhos e ouvidos de


quem se mantém cego e surdo!»

Após a minha revelação explosiva, eu percebi que em algum momento da


minha vida eu tive o prazer de olhar-me por dentro e perceber quem eu era
realmente. Isso só aconteceu quando um homem me fez ouvir suas palavras
e ver o que elas traziam de forma subliminar. Finalmente olhei para mim
mesma, e percebi tudo. Retirei a fenda do meu olho esquerdo; literalmente
eu vivia numa cegueira interna – Só um ignorante não consegue ver o que
faz com sua vida se não for um cego mental.

Mas ainda tinha as minhas dúvidas. Ainda tinha questões que me faziam
duvidar da minha verdadeira essência. Então eu disse para Rafael, olhando
na íris de seus olhos e duvidando das minhas próprias palavras:

_ Eu não sei quem eu sou. Acho que nunca soube. Não sei se sou aquela
menina que sofreu as piores atrocidades durante a fase que era suposto me
conhecer, ou se sou esta jovem mulher que se deita com qualquer homem;
ou ainda se sou esta Cálida que tanto dizes eu ser. Que é autêntica, que tem
luz própria, que transcende e possui sua aura quente, como dizes:
«excentricamente ardente». Talvez seja uma escapatória afirmar
categoricamente que não me conheço, facto é –nunca me dei a
oportunidade de o fazer. Sempre fugi da minha realidade, optei em não
sentir, em não me importar... como vou saber quem sou se não me permiti
se quer me conhecer? Saber das minhas aflições e o impacto que elas
traziam para mim? Saber até que ponto todo o meu passado influenciou na
minha personalidade transformando-os em medos, angustias e
frustrações? Pergunto-me qual seria o meu papel no meio de tudo isso.
Como é suposto encarar o presente e superar o passado? E, a quem se
basearia o meu eu – A Menina sofrida, a jovem mulher desprezível, ou a
Cálida, uma pessoa que só tu conheces, Rafael.

E a pergunta que nunca se quer calar…

Quem na verdade é Andressa Martinez?


CAPITULO XXIII

LIBERTA-TE
E tão logo percebi que

o segredo

era não focar na profundidade do poço

e sim,

na melhor forma de tirar-te de lá!

Rafael Alano

Ouvir sua história foi para lá de perturbador. Nunca imaginei tamanha


vulnerabilidade.

Andressa se demonstrava ser alguém aparentemente forte. Mas ela era sim.
Em suas costas carregava uma luta desmedida, que seus olhos nunca foram
capazes de ver o turbilhão de coisas que esta mulher alavancava por dentro.
E isso representava quem verdadeiramente ela era.

Acredito que isso seja a ambiguidade existente em todos nós.

Então temos um passado e um presente. O nosso passado dita quem fomos,


o presente quem estamos a ser... na verdade nenhum deles diz quem somos
verdadeiramente; muito menos o futuro dita isso, que se reveste no incerto.

Sei que me chamo Rafael Alano – órfão de pais, tem uma irmã como sua
única família, trabalha numa delegacia em Porto Rico, tem…bem, tinha
planos de vida, porém por força do destino seus planos foram por água a
baixo; perdeu a mulher muito antes de ter vivido tudo que juntos
planejaram. E… Hoje tem apenas o trabalho, sem sonhos, sem novos
planos; dececionado com o rumo que o seu destino escolheu. Anda
amargurado pelo mesmo outrora ter lhe proporcionado pequenos instantes
que eram para ser uma vida completa. Então... este é quem eu sou??

……..****…….

Apreciei a Andressa, lobriguei em sua alma e tão logo percebi que o


segredo não era focar-me na profundidade do poço em que estava, mas sim
na melhor forma de tirar-lhe de lá. Acabar com suas dúvidas, mostrar quem
verdadeiramente era ela agora – Andressa Martinez.
Segurei suas mãos, acareei-as e tive certeza das minhas palavras.

_Tu és a menina que passou pelos vales sombrios da vida. Tu és a jovem


mulher que teve que lutar contra seus desejos, que não teve outro modo de
viver se não a fuga aos seus sentimentos, seus medos. E tu és a Cálida –A
minha excentricidade. A mulher que pelo seu olhar transcende a força. Tu
tens luz Andressa. Luz própria! Tu sozinha reconheceste os teus medos,
sozinha tu deste a volta por cima. Andressa, em nenhum momento alguém
disse que ao chegares no presente tu te esquecerias do passado; em nenhum
momento alguém disse que ao vivenciares ele isso faria de ti uma pessoa
errada, uma pessoa podre por dentro. Tu és a menina que... ah meu Deus!
Que sobreviveu a morte, tu és a jovem que lutou para viver. És a única
pessoa que eu conheço na vida que viveu neste enlace. Andressa... tu és tu.
Sabe o que faz de ti ser Andressa? Conseguires passar por cima de tudo
isso. Tu caíste e te levaste, estiveste muito tempo sozinha lutando contra ti
mesma, uma luta não muito justa. E ninguém, olha para mim…, ninguém te
pode crucificar pelas tuas escolhas. Tudo o que fazemos é sobreviver. Tu
sobreviveste Andresa. …

_. Algumas pessoas acabam por não aguentar suas lutas, suas dores...
desculpa em dizer, mas…, olha para sua mãe!? Ela não foi forte como
você, ela não aguentou suas lutas, suas dores, e acabou por se matar. E tu?
Tu continuas aqui, lutando. Não foste capaz em pegar numa corda e acabar
com sua própria vida. Nunca o fizeste. Tu preferiste caminhar, preferiste
navegar neste mar embora carregado de ondas destruidoras e icebergues.
Viver é como estar no mar, a deriva, na beira da água – á medida que
marcamos os passos, que caminhamos surgem ondas leves e outras mais
agressivas. O que vale é não ficar pelo caminho, e não se deixar afogar. A
linha de chegada está bem a sua frente, Andressa. Você conseguiu,
navegaste por cima das ondas e conduziste o seu barco até a maré. Sei que
ainda assim existirão marcas, suas cicatrizes. Não deves olhar nelas como
fracasso, como a marca do que te feriu; nem deves sentir sua dor
novamente. Elas não servem para isso, servem para te autoavaliares. Suas
cicatrizes mostram-te o quão forte tu és, que não foram capazes de te
destruir, elas nunca conseguiram acabar com sua vida! Prende-te nisso,
Andressa.

_sei que isso não apaga o seu passado, nem tão pouco vai refazer sua
história. Eu digo para que, pelo menos amenize o teu sofrimento. Eu sei
que dói, porém, toda dor passa, e acredita em mim, quando chegar sua
hora, tu nem te vais aperceber que tudo isso não passou de um teste. E
adivinha só?... você passou. Essa és tu, Andressa – a sobrevivente.
Não precisas de mim ou de ninguém para tirar-te do poço infinito de
incertezas e dúvidas quanto ao teu verdadeiro eu. Tu já fazes isso desde
pequena!

Liberta-te, Andressa.

Liberta-te e seja esse fogo ardente, esse ser que possui uma excentricidade
que sempre esteve revestido dentro de ti. Liberta-te do teu próprio veneno.
Saiba que… Ele nunca foi mais forte que tu!
Epílogo
Algumas horas mais tarde…

Segurar suas mãos não foi suficiente, nada do que diria seria hábil para
moldar o que Andressa sentia.

Beijei seus lábios lascivamente, amiúde tentando a custo zero resgata-la,


resgatar-nos. Minha língua adjurou com delicadeza que entrasse em sua
boca e tocasse a sua, vagarosamente o pedido foi concedido. Eu sentia seus
lábios tremer e as lágrimas ainda escorreriam, deixava o nosso beijo com o
sabor agridoce. De olhos oclusos deitei-a na cama, enaltecendo seu corpo e
sua fragilidade sem interromper nosso beijo.

Retirei cada peça que compunha o seu libré até deixar seu corpo exposto
para mim, deslizei minha língua na sua boca, a seguir ao seu queixo no
mesmo instante que beijava carinhosamente suas bochechas, e as demais
partes do seu rosto. Minha boca passou pelo seu pescoço, seus ombros,
seus seios e seu umbigo. O corpo de Andressa estava gélido, o oposto da
sua personalidade; ela ainda sentia toda dor e angustia, mas ainda assim
não parei de proporcionar-lhe as carícias que significam o quão sua historia
era importante para mim.

Eu não a estava dando prazer, não era a minha intenção. Estava a fornecer-
lhe conforto e estabilidade por intermédio dos beijos e das carícias,
entabular seu corpo para receber o meu amor.

Andressa não parou de chorar, e eu não parei de dar a ela o conforto de que
precisava. Continuei perpassando minha língua pelo seu corpo, enquanto
isso, eu proferia palavras que de certa forma achei necessário dizer.

Um beijo – Tu

Outro beijo – Andressa Martinez

Um beijo – ou Cálida

Um beijo – E eu

Um beijo – Rafael

Um beijo – juntos

Um beijo – tivemos
Um beijo – mil maneiras de viver

Um beijo – mil formas de nos conhecermos.

Um beijo – e…

Um beijo – o destino

Um beijo – quis

Um beijo – que assim fosse.

Um beijo – …, nada

Um beijo – nem ninguém

Um beijo – conseguiu

Um beijo – acabar

Um beijo – com a sua vida.

Um beijo – nada

Um beijo – e nem ninguém

Um beijo – conseguiu

Um beijo – apagar suas chamas.

Um beijo – Essas feridas

Um beijo – não

Um beijo – ditam

Um beijo – quem

Um beijo – tu és.

Um beijo – Seu passado

Um beijo – não é

Um beijo – seu presente

Um beijo – nem
Um beijo – seu futuro.

Um beijo – Tu

Um beijo – és

Um beijo – muito mais…

…***…

Enquanto a beijava e proferia essas palavras, era como se estivesse a


consumir sua alma partilhando comigo sua dor, seu sofrimento.

Queria que Andressa percebesse que –

Foram cento e uma noite em sua vida transcendentes de poder e submissão

Cento e uma noite em que se viu perdida no seu próprio ser

E em apenas uma noite ela foi capaz de encontrar-se!


«Não existe os “felizes para Sempre”
Existem é momentos felizes e momentos tristes
Que apesar deles
Ainda consigamos olhar para frente
Erguer a cabeça
E em meio as lágrimas sorrir!»

“Sua vida nunca foi em vão


Sua história merece ser contada.”
Fim…
Dedicado á…

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