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Copyright © 2021 Fernanda Freitas

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É proibida a reprodução, transmissão ou distribuição não autorizada desta


obra, seja total ou parcial, de qualquer forma ou quaisquer meios eletrônicos,
mecânicos, sistema de banco de dados ou processo similar, sem a devida
autorização prévia e expressa do autor. (Lei 9.610/98)

Capa:
Larissa Chagas

Ilustração:
Gabriela Gois

Diagramação:
Fernanda Freitas
Para todas as almas dilaceradas e os corações partidos.
Vocês são maiores e mais fortes do que o medo e o mal.
"É pelas rachaduras do coração que deixamos a luz entrar."
— Lindsay Harris
NOTA DA AUTORA
Aviso de gatilhos

Oi, gente. Tudo bem?

Se você chegou até Surrender, então imagino que tenha lido a


duologia de Bad Blood e o primeiro conto — Ever —, mas caso você tenha
caído nesse livro de paraquedas, saiba que Surrender é o segundo conto de
uma duologia principal chamada Bad Blood.

Esclarecida essa primeira parte, Surrender é um livro new adult


classificado como dark romance, tá bom? Isso significa que os temas
abordados aqui são pesados. Esse livro possui gatilhos de abuso sexual
(estupro) e abuso psicológico, sofridos no passado pela protagonista.
Também possui cenas de sexo explícito, pensamentos com tendência suicida
e violência (incluindo porte de armas de fogo), portanto não é recomendado
para menores de 18 anos. Por conta do tema, também não é recomendado
para pessoas sensíveis. Se você não se sentir confortável com a leitura, não
leia. Sua saúde mental em primeiro lugar.

A protagonista, conforme você deve ter lido nos outros livros, sofreu
abuso sexual e possui uma carga emocional muito pesada em cima do
assunto. Mesmo que esse livro não contenha cenas de estupro, o tema é
recorrente durante toda a narrativa e possui reflexões e recordações da
personagem sobre os abusos sofridos.

Deixo claro de antemão que não compactuo com nenhum


comportamento abusivo ou com qualquer tipo de violência, seja ela física,
psicológica ou sexual. Qualquer comentário ou atitude que transmita essa
ideia tem única e exclusivamente a ver com a contextualização e a realidade
na qual os personagens foram inseridos.

Tendo isso em mente, desejo a todos uma boa leitura.


Com amor, Fers.
PLAYLIST
Para acompanhar a playlist do livro, basta procurar por Surrender: Bad
Bloood Conto 2 ou clicar em PLAYLIST.
PRÓLOGO

Escuridão.

Realisticamente e metaforicamente falando, isso é tudo o que eu vejo


desde que fui capturada por Joshua.

A minha noção de tempo nesse lugar é irreal, estranha, distorcida. Sei


que estou aqui há muito tempo; mais tempo do que eu julgava ser capaz de
suportar; tempo suficiente para pensar em cada mínimo detalhe da minha
vida, cada escolha que fiz, cada rosto que vi, cada frase que proferi. Tempo
suficiente para pensar que acabar com a minha própria vida seria a única
forma de realmente sair daqui, de voltar a ter o que um dia chamei de
liberdade.

Os dias e as noites se combinam de uma forma perturbadora. Eu não


sei o que é um e o que é o outro. As horas são iguais, os segundos também.
Não tenho nada para me distrair, nada o que fazer além de pensar, pensar e
pensar.

Minha mente poderia ser um refúgio se não estivesse


devastadoramente quebrada, cheia de pesadelos horríveis e demônios
assustadores. Não há paz, não há esperança, não há nada além do infinito e
ensurdecedor silêncio. Nada além do breu.

Há quanto tempo estou aqui?

Eu contava os dias no início, mas quando parei de ter noção das horas,
dos dias, da passagem do tempo como um todo, não consegui mais. Me perdi
na minha própria conta.

Será que já faz anos?

Tempo demais.

Tempo demais.

O único resquício de esperança que me resta é que Skye tome


conhecimento de que eu não estou morta. Eu estou viva, embora isso aqui
não seja realmente viver. Eu estou apenas existindo. Além dos homens
responsáveis por “cuidar” de mim, Joshua é o único que sabe que sobrevivi.
Se Skye não me encontrou ainda, talvez ela esteja morta.

Não. Joshua teria jogado isso na minha cara para matar qualquer
mínima esperança que eu ainda pudesse alimentar.

Skye está viva. Eu sei que está. Eu só preciso aguentar um pouco


mais. Só mais um pouco. Um dia, ela vai me encontrar. Eu vou sair daqui.

Sonhei várias vezes com esse momento. O momento em que minha


irmã passa pela grade e me encontra, me liberta, me salva. E nas primeiras
vezes eu chorei e gritei por horas quando percebi que não se passava de um
sonho.

Sempre um sonho. Nada além de sonhos misturados com pesadelos e


realidade dolorosa.

Não sei o que é pior ou o que dói mais. Talvez eu já esteja


entorpecida demais para conseguir sentir qualquer coisa. Quando Joshua me
visita, eu sei o que esperar. Sei que ele vai me puxar pelos cabelos e me jogar
no chão antes de vir para cima de mim e tomar o que ele quer, o que ele acha
que tem direito sobre; o que ele toma por puro ódio da minha irmã, como se
imaginasse ela quando me violenta, como se pudesse puni-la através de mim.

Eu não luto mais. Não tem sentido. Ele é mais forte do que eu. E
mesmo que eu não estivesse faminta, magra demais e fraca demais, eu ainda
não conseguiria ser capaz de lutar contra ele. Então, eu o deixo pegar de mim
o que quer.

Uma moribunda que existe para fins sexuais. Isso é o que eu me


tornei, o que ele fez de mim.

Você é menos que nada.

Ninguém vai te encontrar aqui.

Você vai apodrecer e morrer aqui, vagabunda.

A voz dele invade a minha cabeça, forte e cruel.

— Lindsay!

Não.

Não, não, não.

Por favor, apenas me mate. Me mate. Por favor, me mate.

— Lind! Você está aí?

Não. Não. Não.

Um faixo de luz corta a persistente escuridão e eu me encolho contra


a parede da minha cela.

Me mate. Me mate. Por favor. Apenas me mate.

Um barulho estrondoso soa e ecoa pelos corredores úmidos e pútridos


da construção subterrânea. Eu me encolho ainda mais, sentando-me em
posição fetal contra a parede e abraçando meus próprios joelhos.

Joshua esteve aqui não tem muito tempo. Mesmo que eu não saiba
quantos dias se passaram desde a sua visita, meu corpo ainda sente o abuso
serpenteando sob a minha pele. Não faz muito tempo. Ele costuma me dar
mais tempo para me recuperar.
Por favor, eu preciso de mais tempo. Por favor.

— Lind?

Uma voz feminina atinge meus ouvidos. Uma voz assustadoramente


familiar. Skye. Eu tenho certeza de que é a voz dela. Eu me lembro. Eu
sempre me lembraria.

Um sonho.

Eu devo estar sonhando de novo.

— Não é real, não é real — eu murmuro para mim mesma,


balançando para frente e para trás enquanto abraço os próprios joelhos,
tentando enlouquecidamente manter a minha sanidade mental. — Não é real.

Eu repeti isso todas as outras vezes, pois se começasse a acreditar que


minha irmã havia finalmente me encontrado e depois viesse a consciência de
que tudo não se passou de uma farsa forjada pela minha mente, então eu
enlouqueceria.

— Eu sou real — a voz balbucia, em completo estado de pavor. —


Olhe para mim, eu sou real, eu estou bem aqui.

Uma mão toca o meu ombro, um toque delicado, mas físico. Um


toque físico. Um toque real. Eu levanto a cabeça, apavorada em pensar que
posso estar sendo enganada pelo meu cérebro, mas então encontro um par de
olhos cinzentos olhando para mim. Há horror, culpa e profunda tristeza
presente neles.

Olhos cinzentos.

Os olhos de Skye.

Mãos trêmulas seguram o meu rosto.

— É realmente você — Skye balbucia. Sua voz está tão trêmula que
as palavras quase não são capazes de deixar os seus lábios. — Você está
viva!

Eu estreito meus olhos, buscando a confirmação de que não estou


vendo coisas.

— Skye? — Eu ouso perguntar em voz alta.

Ela faz que sim com a cabeça, os olhos tomados pelas lágrimas.

— Sou eu. Sou eu. Eu estou aqui.

Meu peito se quebra e o choro irrompe forte antes de eu me atirar nos


braços da minha irmã para abraçá-la. Preciso senti-la, preciso ter cem por
cento de certeza de que ela é mesmo real.

— Você me encontrou — eu choro copiosamente enquanto a abraço.


— Ah, Deus, finalmente. Finalmente.

Skye me abraça com força e dá vários beijos no alto da minha cabeça,


mesmo que eu esteja imunda e com certeza fedendo também. Não lembro a
última vez que tomei um banho. Mas minha irmã não parece nem um
pouquinho preocupada com isso.

— Eu sinto muito — Skye balbucia para mim. — Eu sinto muito. Eu


sinto tanto, Lind. Me perdoe.

Eu escondo o rosto na curva do seu pescoço e choro sem parar. E


assim nós ficamos pelo que me parece uma eternidade. Abraçadas e
chorando, sentindo todo o peso, a angústia e a dor.

— Vamos tirar você daqui, ok? — Skye me afasta de si apenas o


suficiente para olhar em meus olhos. — Tudo vai ficar bem agora, eu
prometo.

E é nesse momento que eu o vejo.

Parado junto a grade da cela, com olhos tomados por lágrimas e uma
cólera mal contida, os músculos tensos, está Dallas.
Dallas.

Os olhos dele não deixam os meus quando Dallas começa a se


aproximar, devagar, com cautela. Meu peito dói, assim como o meu corpo
inteiro. A saudade que senti dele é tão grande que é física. Eu sinto meu
corpo latejar de saudade apenas por olhar para ele, mas também me sinto suja
e sem valor. O que Joshua fez comigo... O que eu me tornei... Não sou mais a
garota que um dia ele amou; estou suja, destruída. Estou corrompida.

Dallas se ajoelha ao meu lado, ainda sustentando o meu olhar com


seus lindos e incisivos olhos verdes.

— Você veio — eu choramingo para ele, meus lábios tremendo


descontroladamente.

— Claro que eu vim — ele responde, a voz sai baixa e trêmula. Sua
mão toca suavemente o meu rosto, como se ele precisasse ter certeza de que
eu sou mesmo real. Meu corpo estremece com o toque. — Eu pensei que
havia perdido você pra sempre.

Eu nego com a cabeça, embora saiba que, sim, ele me perdeu pra
sempre. Aquela garota que ele conheceu e amou... Ele a perdeu pra sempre.

— O que ele fez com você? — Dallas pergunta, com um quê de


hesitação em sua voz.

Ele me devastou, me quebrou, me destruiu, me humilhou e me marcou


para sempre.

No entanto, eu não respondo à pergunta, apenas balanço a cabeça de


um lado para o outro. Não posso falar sobre isso. Não com ele. Não quero
que ele precise visualizar todas as atrocidades que Joshua fez comigo. Não
quero que ele me enxergue assim. Eu não aguentaria.

— Está tudo bem, Lind — Skye assegura, se esforçando para não


chorar ainda mais. — Acabou.

Acabou.
Começo a chorar mais e Dallas de repente me puxa para o seu colo,
me alinhando ao seu peito como se eu fosse um bebê. Sinto meus músculos
ficarem rígidos pelo medo do toque estrangeiro, mas me forço ao máximo
para tentar relaxar nos braços dele. Dallas nunca me machucaria. Ele não vai
me machucar.

— Eu estou aqui, amor — ele sussurra para mim. — Você está a


salvo agora. Vou cuidar de você.

Cuidar.

Eu acho que nem sei mais o que essa palavra significa.


01.
Ligação

Porque aqui fora na escuridão

E fora da luz

Se você chegar até mim tarde demais

Só sei que eu tentei

| Sam Tinnesz – Far From Home (The Raven)

Acordo com o barulho dos passarinhos cantando na janela do meu


quarto.

Depois de quase um ano e meio do meu resgate da Casa Escura, eu


ainda estranho acordar e poder ver os raios de sol adentrando o meu quarto,
iluminando o cômodo como se pudesse iluminar a minha vida. Ainda é
estranho não acordar em uma cela escura e não ter nada para ver além do
breu infinito que me rodeava, penetrando meu corpo e minha mente e me
enlouquecendo dia após dia durante quase onze meses.

Não sei como sobrevivi. Nos primeiros meses, desejei com todas as
forças estar morta. Pensei em me matar, pois pensar nas visitas que Joshua
me fazia de tempos em tempos me quebrava até a alma, me doía, me destruía
e me dilacerava. Joshua me devastou de todas as formas que ele podia, e
mesmo depois de um ano e meio, eu ainda consigo sentir as mãos dele em
mim, as mordidas, os socos, os tapas, os estupros. Dia após dia; noite após
noite, ele me destruiu.

Depois de lutar muito contra o desejo quase irrecusável de acabar com


a minha própria vida, eu me agarrei na esperança quase inexistente de que
talvez minha irmã me encontrasse. Eu não sabia como isso iria acontecer e
nem sabia se iria acontecer, pois todos acreditavam que eu estava morta.
Mesmo assim eu rezei, implorei e supliquei para qualquer um, para qualquer
força maior, para que me encontrassem e me salvassem.

E me encontraram. E me salvaram.

No entanto, mesmo com toda a beleza da vida que me cerca agora, eu


ainda me sinto tão vazia e quebrada quanto antes. Eu saí daquele lugar, mas
estou começando a achar que aquele lugar nunca sairá de mim, não importa o
quanto eu me esforce para isso.

Anos atrás, eu disse para a Skye que é pelas rachaduras do coração


que deixamos a luz entrar, mas eu não a enxergo. A luz. Eu não a vejo.
Pensei que depois de um tempo eu conseguiria me reerguer, conseguiria
esquecer, mas não consigo. Quanto mais eu tento, mais eu lembro, mais eu
me afogo, mais eu sucumbo.

Estou morrendo por dentro e não sei como fazer isso parar, não sei
voltar a ser a garota que um dia eu fui, não sei como viver sem o peso do que
aconteceu comigo. Talvez tenha sido um dano irreparável.

Forço o meu corpo para fora da cama e vou até a cozinha preparar o
meu café da manhã.

Mason e Skye me acolheram em sua propriedade e me deram uma


casa para morar. Não é enorme, mas é aconchegante. É verdade que precisa
de algumas reformas, mas eu não me importo — e também não tenho
qualquer ânimo ou energia para realizá-las. É bom estar perto da minha irmã,
é bom poder finalmente construir uma relação de irmandade e não só de
amizade. E mesmo que eu esteja percorrendo um longo caminho para ficar
bem, ter Skye comigo é o que me faz querer ter forças para melhorar, para ser
feliz. Para finalmente ser feliz.

Preparo o meu café da manhã, ainda apreciando o canto dos pássaros,


e consigo me sentir sortuda por poder ouvir esse som agradável de novo.
Depois, tomo um banho rápido e vou até a casa principal, onde Skye e Mason
moram. Nós duas combinamos de cavalgar hoje. Segundo Skye, a sensação
de liberdade diminui o peso nos nossos ombros pelo passado que temos, mas
eu a conheço e sei que ela está aprontando alguma coisa, só ainda não
descobri o que é. Minha irmã estava agindo de forma muito suspeita ontem à
noite.

— Bom dia — Mason, o namorado da minha irmã, me cumprimenta


quando me vê adentrando a cozinha da casa principal. — Café?

— Bom dia. Não, eu já tomei um. — Sorrio. — A Skye está


dormindo ainda?

Conheço Mason há muitos anos, mas nunca o vi tão relaxado quanto


nesses últimos meses. Mason Crawford costumava ter uma áurea sombria,
olhos azuis opacos e vazios, mas isso nada se assemelha com o homem
parado diante de mim agora. Embora ainda tenha um quê de perigo exalando
pelos seus poros, sua postura é relaxada e seus olhos brilhantes me deixam
saber o quanto ele é feliz agora.

Se for para ser sincera, eu quase o invejo.

— Skye está acordada faz tempo, está toda animada com o passeio de
vocês.

Suspiro.

— Ela está aprontando, não está?

Mason dá de ombros. É claro que ele sabe, mas também é claro que
não vai me contar o que se passa na cabeça da minha irmã mais velha.

— Onde ela está? — pergunto, desistindo de arrancar qualquer


informação dele.

— Nos estábulos, preparando os cavalos.

Aceno com a cabeça e me viro para sair da casa, mas então paro antes
mesmo de sair da cozinha e me viro novamente para Mason. Uma pergunta
está rodeando minha mente há semanas e eu tenho tentado ignorá-la, mas
estou a ponto de ficar louca. Preciso saber.

— Mason — eu chamo, e ele levanta os olhos azuis para mim. —


Ahn... você tem falado com o Dallas?

— Sim, falei com ele ontem.

— E ele está bem?

— Por que você não liga para ele e descobre por si mesma? — sugere
ele, gentilmente.

Dallas e eu não conversamos há um ano e meio. Desde que nos


despedimos em Portland, não nos vimos ou conversamos nesses últimos
meses. O pouco que sei sobre ele é por meio de Skye, nunca cheguei a
perguntar para o Mason. Até agora.

— Eu... ahn... não sei se ele vai querer falar comigo depois de tanto
tempo de silêncio.

Mason sorri como se a resposta para o que eu disse fosse óbvia.

— Ele vai querer falar com você, confie em mim. Apenas ligue para
ele, Lind. Sei que Dallas vai gostar de ouvir a sua voz.

Eu não estou tão certa disso, mas não quero desabafar com Mason
sobre Dallas. É verdade que meu cunhado se revelou um amigo e tanto desde
que chegamos à Califórnia, mas eu ainda não estou pronta para essa
conversa. Dezoito meses é bastante tempo para os sentimentos de uma pessoa
mudarem. Talvez Dallas tenha seguido em frente e conhecido uma mulher
que pode dar a ele o que ele quer e precisa, já que claramente essa mulher não
sou eu. Não agora. Não mais.
Na maior parte do tempo, eu consigo seguir os meus dias sem que ele
cruze meus pensamentos. Mas quando me permito pensar nele, em seus
lindos e apaixonados olhos verdes, na atitude galanteadora e altruísta que
sempre me encantou, como um príncipe em um cavalo branco, pronto para
resgatar a donzela em perigo; quando penso em como cuidava de mim e me
protegia, como me amava e me desejava... Sinto algo dentro de mim se
despedaçar e doer. Doer muito. E sei que dói porque sinto falta dele, porque o
nosso amor interrompido ainda existe dentro de mim, como sempre existiu,
como sempre ardeu, mas eu não sei mais quem eu sou, não sei como
encontrar a luz no fim do túnel em meio a escuridão que tão irrefutavelmente
me envolve.

Eu não sou o que ele precisa.

Ele se partiria por mim, para me consertar, e eu o quebraria.

— Vou procurar a Skye — aviso, e sem dar tempo de Mason dizer


qualquer outra coisa, saio da casa.

Encontro Skye nos estábulos, penteando a crina de Star, a égua branca


que Mason deu de presente para Skye em seu último aniversário. Minha irmã
é completamente apaixonada por essa égua.

— Aí está você! — Skye sorri ao me ver. — Estava me perguntando


se teria que te derrubar da cama.

Eu me aproximo e corro minha mão nos pelos macios de Star, a égua


relincha, me cumprimentando.

— Cash já está pronto pra você — Skye me informa. — Escovei o


pelo dele antes de começar com Star. Ele está especialmente manhoso hoje.

Me aproximo da baia de Cash, meu lindo cavalo marrom de pelo


reluzente e crina preta, e ele se aproxima quando estendo minha mão para
encontrar a sua cara. Massageio suas orelhas e sorrio quando Cash relincha.

— Oi, garoto.
Skye termina de escovar Star e nós selamos os cavalos antes de partir
para o passeio. A propriedade é enorme, muito grande mesmo — os anos de
trabalho na máfia renderam muito dinheiro ao Mason, e Devon, meu pai,
também bonificou Skye pela tomada do império de Joshua.

Joshua.

Apenas pensar nas letras que formam o nome dele me faz estremecer
até os ossos. Pensar em seus olhos azuis, no tom da sua voz, ríspida e cruel,
nos sorrisos sádicos e nas mãos dele sobre mim... A náusea bate no fundo da
minha garganta e de repente estou de volta à Casa Escura, no vazio, no
silêncio, no breu infinito que me envolvia e me consumia segundo após
segundo de cada maldito dia.

Cash deve ter sentido a minha mudança de humor — dizem que os


animais sentem mesmo —, pois fica agitado, como se estivesse tentando
avisar Skye que eu estou deslizando para dentro do buraco que
constantemente tenta me sugar, que serpenteia minha pele buscando uma
brecha para me fazer sucumbir por completo.

— Lind — Skye me chama, parando Star ao lado de Cash. Eu nem


me toquei que havia parado. — Está tudo bem?

Balanço sutilmente a cabeça, tentando me livrar dos pensamentos que


me assombram sempre que me descuido em afastá-los.

— Estou bem — minto.

Minha irmã me encara, esquadrinhando o meu rosto, e sei que ela vai
enxergar a minha mentira sem qualquer esforço.

— Não, não está. — Skye suspira. — Não consigo te ajudar se você


não falar comigo.

— Não sei o que você espera que eu diga, Skye. A minha resposta
não é diferente da que lhe dei ontem quando me fez essa mesma pergunta, e
nem antes de ontem e nem antes disso.
— Eu estava pensando que talvez fosse uma boa ideia fazermos uma
festa de aniversário para você — ela começa, cautelosa. — O Natal está
chegando também, então poderíamos emendar as festividades. Everlee está
louca para te ver.

Se eu for sincera, eu também estou morrendo de saudades de Everlee.


Minha irmã caçula encontrou seu lugar na máfia, e embora não seja nem de
longe um lugar em que eu queira estar novamente, eu estou feliz por ela estar
feliz. Everlee merece.

— Devon também quer te ver — continua Skye.

Devon.

Meu pai.

Mesmo depois de um ano e meio ainda é estranho pensar que tenho


um pai.

Depois que Skye, Mason e eu chegamos na Califórnia, minha irmã


mais velha me contou tudo sobre a nossa mãe e como ela morreu; sobre o
nosso pai e como foi quando ele finalmente contou a verdade a ela sobre o
nosso parentesco. Foi muito para absorver e não tive muitas oportunidades de
realmente me aproximar dele. No começo, confesso, senti raiva por ele ter
nos abandonado; ter nos deixado à nossa própria sorte, mas eu já havia
sentido raiva demais, por tempo demais, não quero mais sentir raiva ou dor
ou ressentimento ou ódio. Não. Eu só quero sentir paz. Não sei se um dia
sentirei felicidade, mas se conseguir atingir a paz, então estarei satisfeita.

A ideia de uma festa de aniversário não me anima muito. Meu último


aniversário aconteceu enquanto eu estava na Casa Escura e foi um dos piores
dias da minha vida. Joshua fez questão de me estuprar mais de uma vez
naquele dia, para que eu realmente não sentisse um pingo de felicidade ou
esperança no meu aniversário. Mas eu estou viva, estou livre e cada segundo
que eu passo pensando no que aconteceu comigo é um segundo a mais que
dou ao Joshua ao invés de dar ao meu futuro, ao invés de me dar uma chance
de felicidade.
— O que me diz? — Skye insiste quando permaneço em silêncio.

— Acho que pode ser divertido.

Skye abre um sorriso largo e entusiasmado que tento retribuir com a


mesma intensidade, mas sei que não consigo.

Nos próximos segundos, no entanto, seu sorriso vai morrendo, como


se ela tivesse se lembrado de algo.

— E... ahn... o Dallas? O convite pode ser estendido a ele?

Não sei se estou pronta para vê-lo de novo, se estou pronta para
encará-lo nos olhos e perceber que o amor que ele sente por mim não está
mais lá. Ou pior, perceber que ainda está e que eu não sei como deixá-lo
entrar na minha vida depois de tudo. Não sei se consigo magoá-lo de novo,
não depois da conversa que tivemos naquele quarto, na casa de Skye em
Portland.

Mas, ao mesmo tempo, Dallas é parte da minha família. Ele e Mason


são melhores amigos, QD é meu primo e meio irmão de Dallas. Quer eu
esteja pronta, quer não, nós somos família e não posso evitá-lo para sempre
ou não o convidar para vir até a Califórnia para as festividades, se toda a
família estará aqui. Não é justo. Não é certo.

— Eu mesma vou convidá-lo — digo à minha irmã. — Falarei com


ele assim que estiver pronta. Ainda tenho tempo até o meu aniversário.

Duas semanas. Esse é o tempo que tenho para criar coragem e ligar
pra ele.

Star começa a ficar impaciente por estarmos parados, então Skye e eu


retomamos o passeio. Cash é paciente comigo, espera os meus comandos sem
ansiedade e parece sentir exatamente tudo o que eu sinto. Desde que ele
chegou à fazenda, depois que ser resgatado por maus tratos, eu me
comprometi a cuidar dele pessoalmente, pois eu entendia o que era ser
maltratada também. Nós dois criamos um vínculo e Cash foi capaz de
melhorar e esquecer o seu passado difícil muito mais rápido do que eu seria
capaz. Ele está feliz agora.

Eu espero conseguir ser também. Um dia.

Cinco dias se passaram e eu não ainda não criei coragem para ligar
para o Dallas. Eu estou postergando, sei disso, mas todas as vezes que pego o
telefone e começo a discar o número dele, penso no que dizer e minha mente
fica em branco. O que eu vou dizer? E se ele estiver com outra mulher? E se
ele não quiser falar comigo e Mason tiver interpretado seja lá o que Dallas
disse a ele de forma errada? Dezoito meses é muito tempo, muita coisa pode
ter mudado para ele.

E se, e se, e se...

Eu estou enlouquecendo.

Na noite do sexto dia, eu me deito na cama e meus olhos desviam do


teto para o meu celular inúmeras vezes. Droga. Quando me canso desse jogo
de tortura, eu pego o celular, disco o número de Dallas e levo o aparelho até o
meu ouvido antes que perca totalmente o ímpeto, pois essa atitude nada tem a
ver com coragem.

Dallas atende no terceiro toque.

— Lindsay? — Ele não consegue esconder a surpresa em sua voz.


Não sei nem ao menos se ele tentou esconder.

— Ahn... oi.

— Oi.
O desconforto entre nós é tão tangível que consigo senti-lo
impregnado na minha pele.

— Desculpe ligar assim do nada... Você... você está ocupado? E-eu


posso ligar depois — eu gaguejo, praguejando-me mentalmente pelo meu
completo mau jeito.

— Não! — ele se apressa a dizer. — Quer dizer, eu não estou


ocupado. Posso falar agora. Como você está?

— Estou melhorando — me limito a dizer. — E você?

— Estou bem.

Silêncio.

É claro que não sabemos mais como lidar um com o outro depois de
tanto tempo, depois da despedida que tivemos e o silêncio dos últimos vários
meses.

— Então, eu... eu não sei se você se lembra, mas o meu aniversário


está chegando...

— Eu me lembro — ele me corta, e eu quase consigo senti-lo sorrindo


do outro lado da linha.

É claro que ele se lembra.

Sorrio.

— Bom, Skye quer dar uma festa para mim e aproveitar que meu
aniversário é perto do Natal e juntar as duas festas. E... bom, eu sei que QD,
Everlee e Devon virão, então eu queria saber se... de repente... se você não
estiver ocupado, talvez você pudesse vir também. Mas só se você quiser.

Há um momento de silêncio do outro lado.

— Você quer que eu vá?


Meu coração aperta com a ideia de vê-lo de novo em uma semana,
mas mesmo com medo, mesmo com a ansiedade, mesmo sem saber o que
acontecerá por conta desse reencontro, eu quero vê-lo, quero que ele venha.

— Quero — respondo com firmeza.

— Então eu irei.

Meu coração, que antes estava apertado, agora dispara com a certeza
de encontrá-lo. E consigo ouvir a respiração de Dallas ficar mais pesada do
outro lado da linha.

— Okay — é o que consigo responder, em um sopro de voz. — Então


eu vejo você daqui uma semana.

— Vejo você daqui uma semana — ele responde, e de novo tenho


aquela sensação de que ele está sorrindo. — Boa noite, Lindsay.

Sorrio com a forma como meu nome soa na sua voz.

— Boa noite, Anthony.

Desligo o telefone e o aperto contra o meu peito. Um sorriso


persistente se instala nos meus lábios junto com a sensação de euforia que
revira o meu estômago. Borboletas. Estou sentindo borboletas no estômago.

Quando finalmente caio no sono, o sorriso ainda está preso em meus


lábios como se nunca mais fosse sair.
02.
Família

Essa é você, esse sou eu, isso é tudo que precisamos

É verdade? Minha fé está abalada, mas eu ainda acredito

Essa é você, esse sou eu, isso é tudo que precisamos

Então, você não vai ficar um pouco?

| Lewis Capaldi – Hold Me While You Wait

Fico olhando para o celular por quase cinco minutos antes de perceber
que estou sorrindo feito um idiota. Eu não sabia quanto tempo demoraria para
que Lindsay finalmente entrasse em contato. Nos primeiros meses, eu fiquei
neurótico cada vez que meu celular tocava, mas depois de quase seis meses
de silêncio, eu entendi que ela não ligaria tão cedo. Aos poucos, deixei de
esperar. Não que eu estivesse desistindo dela, porque eu não imagino o dia
em que vou tomar a decisão de desistir de Lindsay Harris, mas entendi que
talvez ela demoraria muito mais para sarar do que eu estava imaginando.

Quando vi o nome dela na tela do meu celular, quase tive uma parada
cardíaca. Engasguei-me com a água que estava engolindo e agarrei o celular
tão depressa que ele quase saiu voando da minha mão.

É verdade que o desconforto estava tão presente em nossa breve


conversa que foi possível senti-lo tocando minha pele, mas não importa. Ela
ligou. Ela finalmente ligou. E mais do que somente ligar, ela me quer na sua
festa de aniversário.

Sei que tenho que manter minhas expectativas realistas, pois sei —
por meio de Skye e Mason — que ela não está tão bem quanto tenta os fazer
acreditar. Skye jura que a escuta gritando durante a noite por conta dos
pesadelos. Quando Skye me contou sobre isso, passei dias sem conseguir
dormir enquanto pensava nela, sozinha naquela casa, gritando e chorando,
sofrendo sozinha, me mantendo afastado por querer ser capaz de se curar
sozinha.

Eu a entendo. De verdade. E até acho que ela está certa por não querer
depositar a sua força e a sua felicidade em outra pessoa, mas eu quero ser
capaz de fazer algo. Qualquer coisa, porra. Qualquer coisa mesmo. Me mata
diariamente saber que estou do outro lado do país, impotente, quando tudo o
que eu quero é estar do lado dela, confortando-a, ajudando-a a enfrentar esses
demônios que a estão destruindo.

— Ele está com uma cara esquisita. — Escuto uma voz infantil atingir
os meus ouvidos, me trazendo de volta à realidade.

Quando olho para frente, Emma e QD estão olhando para mim, ambos
com os braços apoiados na ilha da cozinha, me analisando.

— Eu acho que a mente dele foi invadida por alienígenas — diz QD


para Emma.

Os olhos azuis de Emma se arregalam e ela olha para o meu irmão


como se estivesse aterrorizada.

— Eles existem de verdade? — ela pergunta, espantada. — A Sra.


Williams, professora da escola, disse que eles não são reais, papai.

QD abre um sorriso largo e fica todo abobado. Desde que Emma


começou a chamá-lo de papai, meu irmão virou o maior babão pelo pequeno
projeto de Everlee. Cara, Emma é tão parecida com a mãe que é assustador.
Mas, graças a Deus, ela não tem a personalidade diabólica de Everlee.

— Tio Dallas, os alienígenas invadiram o seu cérebro? — Emma olha


para mim cheia de curiosidade.

— Invadiram — eu respondo, seco, e me levanto da minha cadeira,


indo até Emma, vestindo a minha cara de homem mau, que nem é tão difícil
de fingir depois dos anos que trabalhei com Joshua. — E agora eu vou
invadir o seu, por estar acordada fora de hora.

Emma grita e sai correndo pela cozinha. Eu corro atrás dela.

— Comida! Comida! Comida! — eu imito uma voz de robô.

Ela grita de novo, mas depois começa a rir.

— Papai! — ela berra para QD.

Pego Emma no colo e a jogo para cima. Ela grita e ri ao mesmo


tempo.

— Oh, Deus! E agora? Quem me defenderá? — QD dramatiza em um


papel horrível de homem indefeso.

Everlee aparece na porta da cozinha, cruza os braços e se apoia no


batente enquanto olha para a cena com uma sobrancelha arqueada.

— Mamãe! — Emma grita enquanto ainda dá risada. — Tio Dallas


foi possuído por um alienígena! Papai está indefeso!

— Eu estou indefeso! — QD continua encenando.

Preciso segurar a gargalhada, e percebo que Everlee também se


esforça para não rir da atuação ridícula do marido.

— Ah, é mesmo? — Everlee entra na cozinha.


QD faz um beicinho para ela. Péssimo ator. Péssimo.

— Sabe o que vai acontecer com o indefeso e o alienígena se Emma


não estiver na cama em dez minutos? — ela pergunta, séria. — Eu aposto que
nenhum dos dois vai querer descobrir.

— Não, senhora — QD confirma. — Emma, já pra cama!

— Ah — ela lamenta. — Mas está tão divertido.

— Ou — continua QD — podemos atacar a mamãe e neutralizá-la.


Quem está dentro?

— ATACAR!!!!!! — Emma grita e nós três partimos para cima de


Everlee, que entra na brincadeira e sai correndo, indo em direção ao quintal
de casa.

Continuamos por quase quarenta minutos com o ataque alienígena no


quintal. Spencer entra na brincadeira depois que Emma o atinge com a sua
arminha de água, dizendo ter abatido um alienígena fugitivo. Emma dispara
água contra todos os homens que aparecem e todos acabam entrando na
brincadeira da minha sobrinha.

Nunca em um milhão de anos eu imaginei que veria os homens da


máfia brincando com uma garota de cinco anos, encenando serem alienígenas
apenas para que ela possa se divertir um pouco. E é nesse momento que eu
tenho certeza de que Emma sempre será muito bem protegida e que esses
homens dariam a vida para salvar a dela.

— Mas o que está acontecendo aqui? — Devon aparece na porta do


quintal e sua voz de trovão nos deixa imóveis no lugar.

Emma se aproxima do avô e simplesmente — simplesmente — atira


na cara dele com a sua arminha de água.

Puta que pariu!

— ALIENÍGENA FUGITIVO! — ela berra. — ATACAR!


Ninguém se move.

Por quase um minuto inteiro, o silêncio é tão profundo que


conseguimos ouvir o barulho dos carros na avenida próxima à nossa casa.

De repente, Devon tira uma arma de água das costas e atira em


Emma, fazendo-a gritar e correr.

— RETALIAÇÃO DOS ALIENÍGENAS! — Devon berra e vários


outros homens saem de dentro da casa com arminhas de água.

Mas que caralho é isso?!

— Porra! — Spencer xinga e é empurrado para dentro da piscina.

O quintal vira um verdadeiro campo de guerra, mas nunca vi Emma


tão feliz quanto nesse momento.

Depois de colocar uma Emma toda sorridente para dormir e verificar


se Chasin ainda dormia tranquilamente, Everlee se junta a mim e ao QD no
quintal para tomarmos uma cerveja. A maioria dos homens desapareceu para
voltar a cumprir suas funções, mas Devon permaneceu conosco. Ele está
sério enquanto toma a sua cerveja. Não é do seu feitio realmente passar
tempo conosco, porque ele sempre tem muito o que fazer, então algo me diz
que ele está aqui porque quer nos dizer algo.

E a minha suspeita se prova verdadeira quando ele encosta as costas


na cadeira e começa a falar:

— O que aconteceu aqui hoje foi por Emma, para que ela pudesse se
divertir, mas não pode se tornar um hábito. Emma é uma criança feliz que
precisa, sim, se divertir, mas vocês não devem esquecer nem por um segundo
que ela está crescendo na máfia. Ela precisa se acostumar com o lado ruim
também.

— Ela só tem cinco anos — Everlee replica, irritada. Ela e Devon


ainda não conseguiram realmente se entender, embora ela não seja mais tão
ácida com ele quanto um dia foi. — Eu vou poupá-la dessa realidade o
máximo que eu puder.

Devon se levanta da cadeira.

— Quanto antes ela aprender, mais segura ela estará, mais preparada
também. — Ele nos encara, sério. — Nós estamos tendo paz agora, mas não
se enganem, a paz no nosso mundo é curta e rara. Você quer poupá-la ou quer
mantê-la viva? Emma é uma criança inteligente, ela tem que saber o que fazer
se um dia formos atacados. Já está na hora.

Sem dizer mais nada, Devon vai embora.

— Quem ele pensa que é? — Everlee se levanta do colo de QD e


começa a andar de um lado para o outro na nossa frente. — Ela é uma
criança!

QD e eu nos entreolhamos.

— Eu detesto admitir, capetinha, mas ele está certo.

Eu preciso segurar a risada diante do apelido que meu irmão deu para
a própria mulher.

Everlee olha para QD como se pudesse matá-lo.

— Não fique do lado dele!

— Não é questão de ficar do lado dele, Ever — eu me intrometo. —


A questão é que essa é a nossa realidade.

QD concorda com a cabeça.

— Não precisamos expor toda a verdade na cara dela, porque, sim,


Emma é apenas uma criança, mas é bom que ela saiba onde se esconder se
formos atacados, por exemplo, e saiba onde fica o telefone de emergência se
ela precisar ligar para Skye e Mason, caso algo aconteça conosco. É para a
segurança dela, linda. Eu também não gosto disso, mas é preciso.

Everlee bufa e se senta na cadeira ao lado de QD ao invés de voltar a


se sentar no colo dele. Ela está puta, mas parece ter entendido que é preciso,
embora nunca vá admitir.

— Mudando de assunto — eu começo —, Lindsay me ligou.

Os dois me olham, surpresos.

— Ligou? — Everlee exclama.

Faço que sim.

— E me convidou para o aniversário dela.

— Convidou? — QD exclama.

— Vocês dois estão com algum problema de audição, porra? — eu


reclamo. — Sim, ela ligou e me convidou para o aniversário dela.

— Isso é progresso, não é? — Everlee pergunta, meio incerta. —


Quer dizer, depois de todo esse tempo, ela ligar é algo bom, não é?

Dou um gole na minha cerveja.

— Sim, é algo bom.

— Então por que você está com essa cara de quem comeu e não
gostou? — QD pergunta com o cenho franzido.

— Também não entendi. Você devia estar soltando fogos de artifício,


não é? — Everlee acrescenta.

— Acreditem, eu estou, mas acho que é normal que eu esteja...


receoso, certo? Eu não sei o que esperar desse convite.
Everlee dá de ombros de forma despreocupada.

— Você só vai saber quando chegar lá. Mantenha suas expectativas


baixas até que você saiba exatamente onde está pisando — Everlee me
aconselha. — É melhor do que estar cheio de esperanças e ter seu coração
partido de novo.

QD concorda com a cabeça.

— A Lind está em um lugar muito ruim, cara. Eu sei que você a ama
e que fará qualquer coisa por ela, mas eu acho que o que você precisa
continuar tendo por enquanto é muita paciência com ela — QD completa.

Everlee concorda com a cabeça.

— Vocês perceberam que estão completando os pensamentos um do


outro e que sempre concordam com a cabeça com o que o outro diz? — eu
aponto.

— Isso é amor — QD diz, puxando Everlee para o seu colo e


mordendo o ombro dela.

Reviro os olhos.

— Essa é minha deixa. Vocês vão começar a se pegar agora e eu não


preciso ver ou ouvir isso de novo.

— Boa noite, Dallas — eles se despedem em uníssono quando eu me


levanto da cadeira.

Mais tarde, naquela mesma noite, eu me deito na cama e encaro o teto


do meu quarto pelo que parece horas a fio, perseguindo o sono que insiste em
estar quilômetros na minha frente. Por fim, desisto. Nada será capaz de tirá-la
da minha cabeça essa noite.

E provavelmente pelas noites que se seguirão até que eu finalmente a


veja de novo.
03.
Reencontro

Eu ainda te amo, prometo

Nada aconteceu da maneira que eu queria

Cada canto desta casa é assombrado

E eu sei que você disse que não estamos nos falando

Mas sinto sua falta, me desculpe

| Gracie Abrams – I miss you, I’m sorry

— Você está tensa — aponta Debra, olhando para mim como se


estivesse me analisando minuciosamente.

— Não estou — replico, teimosa. — Só estou cansada.

Debra me olha como se não acreditasse em mim nem por um


segundo.

Desde que cheguei à Califórnia, ela foi a única amiga que fiz e fui
capaz de manter, pois Debra não dá a mínima para a minha personalidade
reclusa. Na verdade, eu acho que ela adora, pois assim ela pode falar, falar e
falar enquanto eu apenas escuto. Debra é egocêntrica de um jeito tolerável.
Não é que ela não se importe comigo, ela apenas não fica insistindo para
entender tudo o que se passa na minha cabeça. Eu acho que ela enlouqueceria
se fosse capaz de saber exatamente o que se passa na minha cabeça.

Nos conhecemos quando eu comecei a trabalhar na floricultura da


cidade mais próxima de casa. Gosto desse contato com a natureza, gosto de
trabalhar com as minhas mãos e criar coisas bonitas depois de ter visto tanta
feiura e destruição. É bom saber que ainda sou capaz de fazer algo belo. Os
meus arranjos são os mais comentados pelos clientes e isso me deixa muito
feliz.

Mas o motivo de Debra estar dizendo que estou tensa é porque minha
família chega hoje à Califórnia. Passei a semana inteira tentando me preparar
psicologicamente para ver Dallas novamente, mas acho que nada poderia
realmente me preparar para isso. Estou tão nervosa que estou sentindo dor de
barriga e minhas mãos não param de suar. Poderia colocar a culpa no clima
quente do interior da Califórnia, mas eu sei que nada tem a ver com o calor.
Eu estou tensa, nervosa, preocupada, ansiosa... tudo de uma só vez.

— Você deveria estar saltitando por ver seu namorado de novo.

— Ele não é meu namorado — eu corrijo minha amiga. — Ele é... —


O que ele é exatamente? — É complicado.

Debra solta um murmuro de concordância, mas sei que ela não está
acreditando em mim. Eu nem sequer deveria ter dito nada a ela sobre Dallas,
só contei porque queria poder conversar com alguém que não sabe sobre tudo
o que eu passei. Queria me sentir como uma garota normal sem um passado
sombrio e cruel.

— Quer saber... Vá para casa, tome um banho, fique linda para


receber o seu homem e depois me conte tudo — aconselha Debra, me
dispensando com a mão.

— Mas eu ainda tenho uma hora inteira de trabalho — protesto. Ir


para casa torna tudo muito real e eu não estou preparada. Ainda não.
— Olhe ao redor, gatinha, você vê algum cliente? Não. E qualquer
cliente que aparecer na próxima hora, eu dou conta. Suma da minha frente,
Lin-Lin.

Faço uma careta diante do apelido ridículo pelo qual Debra insiste em
me chamar.

Suspiro, derrotada, e tiro o avental, pendurando-o no gancho atrás do


balcão. Pego a minha bolsa e lanço um olhar nada satisfeito para a minha
amiga.

— Eu estou te odiando nesse momento, saiba disso.

— Não se esqueça de usar uma lingerie pequena! — Debra grita para


mim quando eu abro a porta da floricultura para ir embora. — Aposte em
vermelho! Preto também serve!

Meu corpo estremece somente com a ideia de Dallas me ver em uma


lingerie. É verdade que ele já viu muito mais do meu corpo do que isso, assim
como também é verdade que quando fazíamos amor, ele era carinhoso, gentil
e se preocupava em me dar prazer também. Era perfeito, prazeroso e certo.
Era certo. Mas agora é como se a palavra sexo estivesse atrelada ao nome de
Joshua e não consigo pensar nisso sem lembrar de quantas vezes ele me
estuprou brutalmente.

Sinto meus olhos enchendo de lágrimas, mas rapidamente os seco.


Não quero chamar atenção dos moradores dessa cidade. É um lugar
acolhedor e maravilhoso, mas cidade pequena é sinônimo de fofoca. Todo
mundo sabe da vida de todo mundo mesmo sem querer saber e não quero
ninguém especulando a minha vida.

Entro no meu carro e rapidamente pego o caminho para casa, me


esforçando ao máximo para não permitir que minha mente me leve de volta
àquele lugar, àqueles meses cruéis.

Dallas não é em nada parecido com Joshua. Em absolutamente nada.


Até o ar que eles respiravam era diferente. Eu sei disso, meu corpo sabe
disso, minha mente e minha alma sabem disso, mas eu simplesmente não
consigo aguentar pensar em ter as mãos de um homem sobre mim agora.
Mesmo que esse homem seja o Dallas, mesmo que eu ainda sinta meu
coração transbordar de amor por ele, mesmo que eu nunca tenha esquecido a
sua sensibilidade, paciência e carinho quando transamos pela primeira vez e
ele tirou minha virgindade. Foi lindo e mágico, mas eu não sou mais aquela
garota. Nada mais é simples como um dia foi.

Quando chego em casa, me enfio embaixo do chuveiro, esperando


que a água leve a tensão embora do meu corpo, mas isso não acontece. Sinto
cada músculo tenso e dolorido e a ansiedade que habita em mim é tão grande
quanto o pânico. Dallas é perspicaz e ele me conhece talvez melhor do que
Skye — ou costumava conhecer. Ele vai notar o meu desespero no segundo
que colocar os olhos em mim e qualquer tentativa de manter o clima leve vai
evaporar.

Desistindo de tentar relaxar no banho, eu desligo o chuveiro, me seco


e dou início à saga de encontrar uma roupa adequada. Quer dizer, não quero
parecer recatada demais nem disponível demais. Não quero passar qualquer
impressão errada para ele.

Deus. Eu acho que essa noite pode realmente me levar à loucura.

Uma batida na porta me faz pular de susto e meu coração dispara


como um foguete dentro do peito. Olho para o relógio da parede do meu
quarto. Será que eles chegaram mais cedo? Não, não, não. Eu não estou
pronta.

— Lind, sou eu! — Skye grita, e eu automaticamente relaxo. Um


pouco.

Visto o meu roupão e vou abrir a porta para a minha irmã. Skye está
lindíssima com o seu vestido azul marinho, soltinho e de alcinhas finas. Se eu
bem conheço o meu cunhado, Mason vai adorar destruir mais um dos
vestidos da minha irmã. Ela está sempre reclamando que Mason não tem
paciência de tirar as roupas como uma pessoa normal. Os dois transam como
coelhos, completos ninfomaníacos, e minha irmã está constantemente
comprando roupas novas para abastecer o guarda-roupa.
— Mason já te viu nesse vestido? — provoco.

Skye faz uma careta.

— Se ele rasgar mais esse vestido, eu juro que vou entrar em greve.
Ele não terá o meu corpo até aprender a parar de destruir minhas roupas!

— Aham, sei — debocho, pois nem ela mesma consegue sustentar


essa ideia de greve de sexo.

— Estou falando sério!

Apenas concordo com a cabeça. Prefiro não entrar no mérito da


questão.

— Eles chegaram? — eu pergunto, e não consigo esconder a


apreensão que desliza pelas minhas palavras.

— Mason foi buscá-los no aeroporto. Eu vim até aqui para saber ser
você já está pronta, mas pelo visto ainda temos um longo caminho para isso
acontecer.

Faço uma careta.

— Não sei o que vestir — admito, derrotada. — Eu não... não quero


passar a impressão errada.

Skye anui, entendendo. Ela sempre entende, e eu a amo muito por


isso.

— Vamos dar uma olhada no seu guarda-roupa.

Minha irmã segura a minha mão e me puxa até o meu quarto.

Eu me sento na cama enquanto Skye vasculha as minhas roupas. Com


exceção de dois vestidos elegantes, eu não tenho muitas opções de roupa.
Descobri não ser mais tão vaidosa quanto costumava ser. Aquela luz da
vaidade também se apagou em mim.
— O que acha desse? — Skye sugere, me mostrando um vestido preto
com algumas flores rose estampadas. — Não é colado, nem curto, mas
também não é longo. Deve bater nos seus joelhos, certo? E o decote é bem
discreto. Você vai estar bonita e confortável.

— Pode ser.

Eu coloco o vestido e me sento na frente da penteadeira enquanto


Skye seca o meu cabelo. Me maquio o mínimo possível. Apenas um pouco de
rímel para realçar os meus olhos e um batom rosa discreto. Passo um pouco
de blush para dar uma cor ao meu rosto e tentar disfarçar o quanto pareço
pálida pelo nervosismo.

Quando Skye termina de secar o meu cabelo, ela deixa o secador de


lado e apoia o queixo no meu ombro enquanto nós duas nos olhamos no
espelho.

— Você está linda — ela me elogia.

Sorrio.

— Obrigada. Você também está.

Minha irmã me abraça por trás.

— Olha, eu sei que você está nervosa, mas tente se lembrar que
Dallas é um homem bom. Ele não vai fazer nada para te deixar
desconfortável. Você está segura agora, ok? Eu vou proteger você com a
minha vida e se Dallas for um idiota, o que eu duvido muito que aconteça, eu
vou chutar as bolas dele por você.

Solto uma risadinha.

— Vou me lembrar disso. Obrigada.

— Eu te amo, Lind.

— Eu também te amo.
Ela me abraça mais forte por alguns instantes antes de me soltar.

— Está pronta?

Me olho mais uma vez no espelho e seco as mãos suadas no tecido do


vestido.

— Tão pronta quanto se é possível estar, eu suponho.

Minha irmã estende a mão pra mim, e eu a seguro, torcendo para que
eu não estrague essa noite com o meu pânico crescente.

Emma é a primeira a entrar. Skye e eu nos levantamos e nossa


sobrinha vem correndo ao nosso encontro. Skye a pega no colo e Emma puxa
nós duas para um abraço apertado, passando cada um dos seus bracinhos por
nossos pescoços. Nós três rimos.

— Ah meu Deus, olhe só pra você! — eu exclamo. — Está enorme!


O que sua mãe está te dando para comer que você está crescendo rápido
assim?

Emma dá risada.

— Papai e eu fazemos lanches escondidos durante a noite.

Skye e eu lançamos um olhar para QD, que acaba de passar pela porta
de casa.

— Culpado.

Everlee revira os olhos antes de caminhar até nós, com um Chasin


adormecido em seus braços, e nos abraçar com o braço livre logo após Skye
colocar Emma no chão.

— Boston é tão sem graça sem vocês duas lá — Everlee fala.

— É verdade! — Emma concorda. — Nós fizemos uma guerra de


água outro dia. Até o vovô participou.

Skye e eu damos risada.

— Como está essa coisinha linda? — eu pergunto, fazendo um


carinho de leve na bochecha gorducha de Chasin.

— Está mais levado a cada dia que passa — Everlee responde,


sorridente.

— Ele é lindo, Ever — Skye diz, fazendo carinho no cabelo preto do


nosso sobrinho.

— Obrigada.

Devon entra em casa nesse momento e abre um sorriso largo para


mim e para Skye. Minha irmã mais velha e ele já conseguiram se entender
melhor do que eu e Everlee com ele, mas talvez eu consiga me aproximar do
meu pai nessa visita. Quem sabe?

— Vocês estão lindas, queridas — ele elogia após nos abraçar.

QD é o próximo. Ele me abraça com cuidado, mas com carinho.


Quando chega em Skye, ele a agarra tão forte que a tira do chão e a rodopia
pela sala. Os dois se aproximaram muito durante a guerra contra Joshua e sei
que minha irmã sente falta dele todos os dias.

— É tão bom te ver, Skyzie — ele exclama. — Ah, é muito bom ver
você também, Lind, não me entenda mal.

Eu esqueço que deveria responder quando o vejo passando pela porta


de casa ao lado de Mason.

Dallas.
Minha garganta fecha, meu corpo é dominado pela ansiedade, pelo
calor das lembranças que me atingem em cheio, e o perfume dele toma conta
de todo o ambiente. Nossos olhos se encontram e eu paraliso. De repente,
tudo ao meu redor some. Todos somem; a casa some. E existe ele. Ele e eu
sem qualquer tempo ou espaço entre nós. Minhas mãos suam, e eu tenho
certeza de que estou prendendo a respiração, pois me sinto perto de desmaiar.

Dallas.

Ele parece mais velho, é claro, mas não consideravelmente. Seu


cabelo loiro ainda tem o mesmo corte, os olhos verdes ainda são incisivos,
mas carinhosos, e ele ainda é tão alto e forte quanto eu me lembro. Tão lindo.
E a sutil barba por fazer que desponta em seu rosto o deixa ainda mais bonito.

Não consigo respirar.

Eu esqueci como se respira.

Ele se aproxima de mim com calma, sem nunca deixar os meus olhos,
e me pergunto se ele está sentindo toda essa loucura de sentimentos como eu
estou, me pergunto se ele sente o coração disparado, o corpo quente e as
borboletas enlouquecidas no estômago.

Quando Dallas para bem na minha frente, preciso erguer os olhos para
continuar olhando para ele, pois nossa diferença de altura é considerável.

Engulo em seco.

— Olá — eu sopro, baixo demais, covarde demais.

Ele sorri, gentil.

— Oi — ele devolve, suave. E meu corpo inteiro se arrepia apenas


com o timbre da sua voz.

Eu preciso dizer mais alguma coisa, mas meu cérebro está em branco.
Não consigo parar de olhar pra ele. Não consigo me mover ou respirar ou
falar ou pensar em qualquer maldita coisa para dizer.
— Obrigado por me convidar.

Limpo a garganta.

— Obrigada por vir.

Ele sorri de novo.

Percebo que ele ergue a mão para ajeitar uma mecha do meu cabeço
que se solta de trás da minha orelha, mas para e deixa sua mão cair
novamente ao lado do corpo.

Toque em mim. Toque em mim. Por favor.

Não. Não. Não toque. Não sei se aguento.

Ah Deus.

Alguém pigarreia na sala e eu desvio os olhos dos dele, dando um


passo necessário para trás. Ele nota que me afastei, mas não diz nada.

— Eu imagino que vocês devam estar com fome — Skye pontua. —


O jantar está pronto. Venham por aqui.

O transe é quebrado e todos nós seguimos para a sala de jantar. Emma


se senta entre QD e Everlee, Skye e Mason se sentam cada um em uma ponta
da mesa, como os perfeitos anfitriões, e eu me sento entre Devon e Dallas.

Deus me ajude.

Lanço um olhar para Skye e ela devolve como se pedisse


silenciosamente que eu fique calma, que me lembre de respirar, que está tudo
bem.

Respirar. Certo. Eu consigo fazer isso.

O jantar corre tranquilamente. Os homens presentes conversam sobre


negócios, embora eu perceba que eles se esforçam muito para deixar o
assunto leve. Os negócios da família não é um assunto agradável para se ter à
mesa. Skye e Everlee conversam enquanto Emma assiste um desenho no
celular de QD.

Minhas irmãs tentam me incluir na conversa, mas eu simplesmente


não encontro meios de relaxar e bater papo como se não estivesse sentindo as
ondas de calor que o corpo de Dallas emana ao lado do meu.

— Você está bem?

Eu me sobressalto ao ouvir a sua voz rouca no pé do meu ouvido.

— Desculpa, não queria te assustar.

— Tudo bem. Me desculpa, eu... eu só estou um pouco nervosa —


admito. Não tem motivo para mentir, minha linguagem corporal está gritando
o meu nervosismo.

Aquele mesmo sorriso gentil se abre pra mim.

— Eu também estou nervoso.

Eu o encaro, cética.

— É verdade — ele insiste, com suavidade. — Eu só sou melhor em


esconder.

Eu acho que ele está certo. Depois de anos mentindo sobre onde sua
lealdade estava, eu acredito nele quando diz que é melhor em esconder suas
emoções. Seu rosto não entrega nenhum sinal de nervosismo, mas seus lindos
olhos verdes me deixam saber que ele realmente está tenso.

— Acredito em você — digo a ele, com um sorriso singelo.

— Você mal tocou na comida — ele observa, mantendo nossa


conversa baixa enquanto todos parecem distraídos em suas próprias
conversas.

— Me desculpa. Eu... acho que vou colocar tudo pra fora se tentar
comer.

Em outras palavras, estou nervosa demais para comer.

— Apenas tente comer um pouco, por favor — ele pede, e embora sua
voz seja suave, não deixo de notar uma pitada de preocupação.

Olho para a comida e seguro o meu garfo, levando uma garfada de


salada até a minha boca. Mastigo e engulo com certa dificuldade, mas quando
olho novamente para Dallas, ele está sorrindo. Lindo.

— Obrigado.

— Sobremesa! — Emma exclama quando Skye coloca um enorme


pudim de chocolate em cima da mesa.

Nós damos risada do entusiasmo de Emma. Minha sobrinha me faz


lembrar o que é valorizar pequenas coisas.

Depois do jantar, como Skye havia cozinhado para todos nós e Mason
foi o motorista, eu me ofereço para lavar a louça. Estou organizando tudo
para começar a lavar quando sinto alguém se aproximando pelas minhas
costas. Fico tensa na mesma hora.

— Precisa de ajuda? — Dallas pergunta atrás de mim.

Me forço a relaxar.

É o Dallas, lembro a mim mesma. Ele não vai me machucar. Ele


nunca me machucaria.

— Você não sabe que as visitas nunca devem ser responsáveis pela
limpeza?

Ele sai de trás de mim e para ao meu lado, já arregaçando as mangas


da camisa social azul que está vestindo.

— Não me importo. — Ele dá de ombros.


Eu semicerro os olhos para ele.

— Você lava e eu seco? — Dallas sugere.

Entrego um pano de prato para ele.

— Obrigada.

Nós lavamos a louça em um silêncio quase confortável. Consigo


sentir meu corpo relaxando segundo após segundo, mesmo com os olhares de
esguelha de Dallas na minha direção. Minhas bochechas queimam e me
praguejo por estar corando. Eu poderia ser mais patética que isso?

Entrego o último prato para Dallas e os seus dedos encostam nos


meus pela primeira vez. Eu solto o prato pelo susto e ele se espatifa no chão
em dezenas de pedaços.

— Droga — praguejo.

Eu me abaixo rapidamente para recolher os cacos e Dallas faz o


mesmo.

— Deixa, eu pego — ele pede com gentileza. — Você vai acabar se


cortando.

— Me desculpa — eu digo novamente. — Eu não... eu... Me


desculpa.

— Lindsay — ele diz meu nome com firmeza, mas ao mesmo tempo
com doçura. Eu paro e o encaro. — Primeiro, pare de me pedir tantas
desculpas, está me deixando maluco.

— Descul...

Ele me encara, sério.

Fecho a boca.

— Em segundo lugar, por favor, relaxe. Eu também estou nervoso,


isso tudo é complicado para nós dois, mas eu vou agradecer muito se você
tentar não se encolher cada vez que eu chego perto de você.

Eu abro a boca para me desculpar, mas ele apenas balança a cabeça


como se suplicasse que eu não fizesse isso.

Engulo em seco e apenas assinto com a cabeça.

Dallas toca as minhas mãos com cautela e eu prendo a respiração


quando sinto sua pele quente na minha. Ele tira os cacos de vidro das minhas
mãos e os deposita na sua. Depois, ele termina de pegar os que ainda estavam
no chão e nós levantamos. Ele os embrulha em papel toalha e os joga no lixo.
Depois, ele varre os caquinhos menores e termina de limpar a bagunça que eu
fiz.

— Obrigada — eu digo, embora queira me desculpar de novo por


estar tão nervosa.

Dallas passa as mãos pelo cabelo, o primeiro sinal de nervosismo que


ele deixa escapar essa noite, e então seus incisivos olhos verdes se prendem
nos meus.

— Você quer mesmo que eu fique aqui? Eu vou entender se isso for
demais pra você. Talvez você precise de mais tempo, eu...

Sem sequer pensar, eu nego com a cabeça.

— Não — digo com firmeza, pela primeira vez nessa noite. — Eu


quero você aqui.

Dallas esquadrinha meu rosto por alguns segundos, procurando por


qualquer sinal de hesitação ou mentira, mas ele não encontrará nenhum. Eu
realmente o quero aqui, eu só estou com medo de como essa visita vai acabar.
Não sei se aguento outra despedida como a que tivemos em Portland. Aquilo
doeu mais do que eu esperava que fosse doer. E doeu por muitos meses
depois também.

— E eu quero estar aqui. — Ele suspira e dá um passo na minha


direção, ficando perto, mas não perto demais. Como sempre, ele está
respeitando o meu espaço; o meu tempo. — Vamos devagar. Não precisamos
ficar tão tensos desse jeito, não precisamos esperar nada ou nos cobrar de
nada, tá bom? Vamos apenas usar esses dias para nos conhecer de novo e
conversar. Quando eu precisar voltar para Boston, então a gente se preocupa
com o que vai acontecer, o que acha?

Ergo meus olhos para encontrar os dele novamente.

— Eu gosto disso.

— Que bom. Eu gosto disso também.

Sorrio. Permito um sorriso largo dessa vez, um genuíno.

— Isso. — Ele sorri também, satisfeito. — Eu senti falta desse sorriso


lindo. Você está linda, a propósito.

Sinto o rubor atingir minhas bochechas. Merda. Eu devo estar


vermelha como um tomate.

A risadinha de Dallas me confirma isso.

Em um movimento ousado, mas suave, Dallas faz um carinho na


minha bochecha com o polegar. O toque causa um arrepio no meu corpo, e eu
estremeço, ainda olhando-o nos olhos, me perdendo neles; me encontrando
neles.

Talvez manter Dallas afastado de mim não esteja me ajudando a me


curar como eu achei que ajudaria, talvez eu precise dele para isso; talvez ele
seja a luz que não consigo encontrar, a luz que vai acender as outras que
continuam apagadas, mortas, dentro de mim. Talvez ele seja capaz de me
ajudar a me salvar. Talvez eu seja mais forte com ele.

Mas... e se eu estiver irreparavelmente quebrada? E se nem mesmo


Dallas for capaz de me salvar da escuridão na qual eu mergulho e afundo?

O que acontecerá comigo, então?


O que acontecerá conosco?
04.
Recomeço | Parte I

Você afirma que não está nas cartas

E que o destino está te levando para muito longe

E para fora do meu alcance

Mas você está aqui no meu coração

Então quem pode me parar se eu decidir que você é meu destino?

| James Arthur ft. Annie-Marie – Rewrite the Stars

— O que exatamente você está procurando? — QD me pergunta


enquanto olho as vitrines das lojas da avenida principal da cidade.

Emma está nos ombros de Mason, tomando um sorvete enquanto nós


três andamos na calçada, atraindo alguns olhares da população feminina.
Mason, por sua vez, cumprimenta as pessoas conforme passa. Cidade
pequena, todo mundo conhece todo mundo, e visitantes sempre geram
burburinhos.

— Não sei — respondo ao meu irmão.


O aniversário de Lindsay é amanhã e enquanto as meninas estão em
casa pensando em bolo e playlist para a festa, eu convoquei meu melhor
amigo e meu irmão para me ajudarem a escolher um presente de aniversário
pra ela. Ah, e Emma é um bônus, porque eu preciso de uma opinião feminina.

— Que tal um anel? — Emma sugere entre uma lambida e outra em


seu sorvete. — Papai deu um anel pra mamãe e ela ficou muito feliz. Não foi,
papai?

Meus amigos e eu nos entreolhamos.

A ideia de pedir Lindsay em casamento já passou pela minha cabeça


várias vezes, mas isso foi no passado. Agora, cogitar tal coisa seria um
absurdo, embora ainda sinta o desejo irrefutável de um dia poder chamá-la de
minha esposa. Mas se não posso ainda chamá-la de namorada, um anel está
completamente fora de cogitação.

— Verdade — QD responde, suavemente. — Mas era uma outra


situação, meu amor. O Tio Dallas e a Tia Lindsay ainda estão... se
conhecendo.

Emma fica pensativa e dá outra lambida em seu sorvete enquanto


reflete.

— Eu ouvi a Tia Skye dizendo para a mamãe que ela acha que a Tia
Lindsay passa muito tempo sozinha em casa. E se ela tivesse um amigo com
quem conversar? — Emma sugere.

Olho para a minha sobrinha.

— Alguém já te falou que você é meio que um gênio? — pergunto.

— Sim, você me diz isso o tempo todo, Tio Dallas.

— Você está estragando a minha filha — QD reclama, brincalhão. —


Se ela ficar esnobe, vou falar para Everlee ter um acerto de contas com você.

— Colocando sua mulher para lutar suas batalhas, QD? — Mason


provoca, rindo. — E você pretende assumir a máfia? — Meu melhor amigo ri
mais. — Talvez eu devesse voltar para Boston e te ensinar como se faz.

Percebo que QD se segura para não mostrar o dedo do meio para


Mason na frente de Emma.

— Eu estou te mandando para aquele lugar, Crawford, saiba disso.

— Que lugar? — Emma quer saber.

— É, QD, que lugar? — Mason provoca mais um pouco,


comprimindo os lábios em uma linha reta para não gargalhar.

Eu dou risada quando QD fecha a cara em uma carranca profunda e


resmunga alguma coisa ininteligível, provavelmente xingando Mason sem
que Emma possa ouvir.

As provocações continuam por mais algum tempo, Emma insiste em


tomar mais um sorvete e depois de quase uma hora andando eu consigo
finalmente encontrar um presente de aniversário para Lindsay.

Quando voltamos para casa, QD leva Emma para tomar banho, já que
ela se sujou inteira com o sorvete, e Mason estrategicamente vai procurar
Skye quando meus olhos encontram Lindsay dentro de um círculo demarcado
por cercas, junto com um cavalo, como se estivesse tentando domá-lo.

Viro para perguntar ao Mason se isso é seguro, mas ele já desapareceu


de vista. Hesito em me aproximar e espero que Lindsay olhe na minha
direção, para me dizer que não vou atrapalhar seja lá o que ela está tentando
fazer. E enquanto isso não acontece, eu a observo. Seu cabelo loiro está preso
em uma trança frouxa, jogada sobre um dos ombros, e ela veste shorts jeans,
que me dá uma visão maravilhosa das suas pernas e das coxas firmes. Ela
recuperou o peso de antes, está linda e fisicamente saudável, embora tenha
ficado claro para mim, pela noite anterior, que ela está muito longe de estar
emocionalmente e mentalmente bem.

O sol bate contra o dourado do seu cabelo e praticamente a vejo


brilhando. Linda. Lindsay pode acreditar que está envolta em escuridão, mas
pra mim ela brilha mais que o próprio sol. Ela é a única estrela no meu céu.
Minha estrela guia.

Fiquei completamente maluco ontem quando meus olhos encontraram


os dela logo que entrei na casa. Seus lindos olhos verdes me encaravam com
tanta admiração, mas também com tanto pavor que senti meu peito apertado.
Depois, quando estávamos na mesa e ela se assustou ao ouvir minha voz, mal
conseguiu comer... Deus, e as desculpas dela... como se precisasse se
certificar de que eu não estivesse nervoso, como se realmente fosse culpada
por estar com medo. Aquilo me enlouqueceu. Eu sabia que ela estava
sofrendo, que estava difícil, mas enxergar o quanto ela realmente está
quebrada me destruiu. E se Joshua já não estivesse morto, eu o mataria
novamente e o faria com prazer.

O cavalo corre dentro da cerca, fazendo círculos e fazendo Lindsay


girar em seus próprios calcanhares, e é quando ela finalmente me encontra
parado, olhando para ela. E então ela sorri, tímida, as bochechas assumindo
um rubor que me deixa encantado.

Lindsay se aproxima da beirada da cerca e eu dou alguns passos para


me aproximar dela. Seus olhos vão de mim para o cavalo atrás de si, mas ele
parece um pouco mais tranquilo agora.

— Oi — ela me cumprimenta, não tão sem jeito quanto ontem, mas


ainda soando nervosa.

— Oi. — Sorrio, semicerrando os olhos por conta do sol forte. — O


que você está fazendo aí?

Lindsay olha para o cavalo atrás de si mais uma vez.

— Eu ajudo na reabilitação de cavalos que sofreram maus tratos —


ela me conta. — É difícil no começo e esse garoto chegou tem três dias.
Ainda não conseguimos nos entender, mas acho que vamos chegar lá.

Arqueio as sobrancelhas, surpreso.

— Reabilitação de cavalos?

— É. — Ela sorri, tímida. — Ajuda quando você sabe pelo que eles
passaram.

Seu sorriso desaparece do rosto e sei que as lembranças a estão


invadindo. Eu a estou perdendo.

— Ei — chamo, cauteloso. — Posso ajudar? Eu nunca cheguei perto


de um cavalo antes, mas sou bom com pessoas. Talvez eu seja bom com
cavalos?

Ela solta uma risadinha.

— Você precisa ser paciente com ele.

— Eu sei ser paciente — afirmo.

O sorriso dela volta ao seu lindo rosto e não consigo deixar de sorrir
também.

— Tudo bem — ela concorda.

Com um impulso, eu salto pela cerca para dentro do círculo e o cavalo


relincha, parecendo irritado.

— Ei, ei, tudo bem — Lindsay se aproxima dele devagar, com as


mãos estendidas para a frente. — Shhh, está tudo bem.

Fico onde estou, esperando que ela faça a sua mágica para tranquilizar
o cavalo. Leva um tempo, mas ela finalmente consegue. Lindsay faz carinho
entre os olhos do animal e com a outra mão pede que eu me aproxime. Eu
obedeço, me aproximando com cuidado do cavalo que me encara diretamente
nos olhos.
— Levante a sua mão com cuidado, bem devagar — orienta Lindsay,
falando baixinho para não assustar o animal. — Deixa que ele veja a sua
mão, deixa que ele escolha se vai permitir que você o toque ou não.

Faço o que Lindsay disse, mas quando estou quase tocando no pelo do
cavalo, ele se move rapidamente e eu me assusto. Lindsay segura o meu
antebraço com força, impedindo que eu me afaste.

— Não se mova — ela diz, baixinho, mas com uma firmeza


inquestionável. — Se você fizer movimentos bruscos, ele vai ficar agitado,
estamos perto demais, é perigoso.

Meu corpo congela momentaneamente com a intensidade do toque


dela e sinto meu coração disparado dentro do peito. A onda de choque que
corre pela minha coluna quase me faz estremecer, mas consigo resistir.
Quando ela cai em si e percebe que está me tocando, rapidamente me solta, e
lentamente dá alguns passos para trás, se afastando do animal. Eu faço o
mesmo.

— Acho que é suficiente por hoje — ela diz quando já estamos


distantes. — Não quero forçar muito. O tempo dele é mais importante que o
meu.

A analogia à nossa própria situação é tangível. O tempo dela é mais


importante que o meu.

Lindsay olha para o próprio relógio no pulso e se sobressalta.

— Ai, droga! Eu estou atrasada!

Sem qualquer dificuldade, ela escala a cerca e saí do círculo. Vou


atrás dela, pulando para fora.

— Atrasada? — Tento acompanhar as suas passadas rápidas.

— Eu preciso estar no trabalho em dez minutos, mas nunca vou


conseguir chegar lá na hora. Droga!
— Eu te levo.

— Eu tenho um carro. — Ela sorri sem jeito. — Eu preciso tomar um


banho e me apressar, mas eu... ahn... te vejo depois?

Tento esconder a minha decepção. Ela precisa trabalhar, não é como


se ela fosse faltar por minha causa, mas meu tempo aqui é limitado e eu
quero poder passar cada segundo possível ao lado dela.

— Claro. Te vejo mais tarde.

— Okay. — Ela sorri.

Lindsay vira as costas para mim e se apressa em direção à sua casa.


Respiro fundo antes de começar a caminhar em direção à casa principal. Que
porra de calor desgraçado. Preciso de um banho. Um banho gelado.

— Dallas — Escuto Lindsay grita e eu olho para trás. — Ahn... Você


gostaria de vir comigo? Eu... eu trabalho em uma floricultura. Não é nada
emocionante, mas...

— Eu vou — eu a corto, não me importando de parecer extremamente


interessado.

Lindsay dá uma risadinha.

— Eu só preciso de uns quinze minutos. Vou tomar um banho bem


rápido.

Eu anuo.

— Claro.

Ela sorri para mim de novo e fica ainda mais linda quando sorri
assim.

Lindsay dá as costas para mim e entra em sua casa. Eu corro até a


casa principal, porque também preciso tomar um banho. Vai ser o banho mais
rápido que já tomei na vida.
— Calma, cowboy! — Skye ri quando entro correndo na casa e subo
as escadas de dois em dois degraus.

Não perco tempo respondendo. Adentro o quarto, pego uma roupa


limpa dentro da mala e me enfio dentro do banheiro.

Encontro Lindsay na frente do seu carro exatamente quinze minutos


depois. Um vestido verde e florido a faz parecer uma perfeita menina do
campo, muito diferente da garota com roupas de couro que eu conheci anos
atrás. Mas acho que ela está ainda mais bonita agora do que antes. Esse
cenário todo combina muito com ela.

— Vejo que não fui a única a tomar o banho mais rápido da vida —
ela brinca, parecendo muito mais relaxada do que antes.

— Aqui é quente demais — eu comento ao entrar do lado do


passageiro de seu carro.

Lindsay também entra e coloca o cinto de segurança. Faço o mesmo.

— É mesmo, mas eu gosto. O frio me deixa... deprimida. — Ela


começa a dirigir. — Gosto de acordar e sentir o calor esquentando a minha
pele e o sol brilhando. Eu gosto desse lugar.

— Eu gosto de você — eu digo antes de conseguir segurar a língua.


Lindsay fica tensa. — Desculpa — me apresso a dizer. — Foi mal, Lind, eu
não devia ter dito isso.

— Tudo bem. — Ela se ajeita no banco do carro, visivelmente


desconfortável.
Idiota. Burro pra caralho.

— Eu também gosto de você, Dallas — ela diz baixinho, sem olhar


pra mim. Meu coração se acalma, no entanto. — Como está em Boston? —
ela pergunta.

Me agarro nessa mudança de assunto.

— Estamos em paz, por enquanto. É sempre uma linha tênue entre a


paz e a guerra, mas estou feliz em estar perto do QD de novo.

Lindsay concorda com a cabeça.

— Skye me disse que o QD vai assumir em breve, então eu imagino


que você vá ser o braço direito dele, não é?

Uma pergunta um tanto quanto difícil de responder. Sim, eu deveria


ser o braço direito de QD quando ele assumir à frente da máfia. No entanto,
eu sei que se quero ter qualquer chance de ter um relacionamento com
Lindsay, preciso estar ciente de que ela não vai voltar para a máfia. Nunca
mais.

— A princípio, sim — respondo.

— A princípio?

Dou de ombros de forma displicente.

— As coisas mudam — eu me limito a dizer, pois não quero e nem


posso pressioná-la.

Lindsay não insiste no assunto. Nós seguimos em silêncio pelo resto


do caminho até a cidade.

Ao estacionar o carro na frente da floricultura, Lindsay congela de


repete, como se tivesse se lembrado de algo importante.

— Merda — ela pragueja.


— O que foi?

Ela se vira para mim, tensa.

— É, ahn... a m-minha colega de trabalho pode ser um pouco...


intensa. Ela diz o que vem à mente, não tem muito filtro e... e ela pode ser um
tanto quanto... inconveniente.

— Posso lidar com isso.

Mas tenho a impressão de que ela não tem certeza se pode lidar com
isso.

— Lind, relaxe — eu peço.

Ela anui rapidamente, quase automaticamente.

— Só ignore tudo o que ela disser, por favor.

— Farei isso — prometo.

Nós saímos do carro e Lindsay vai na minha frente, entrando na


floricultura.

— Já estava na hora, gatinha! — diz uma garota de trás do balcão. —


Parece que o seu namorado-não-namorado te deu uma canseira ontem à noite.
Você usou a lingerie pequena que eu sugeri?

Lingerie? O quê?

Lindsay solta um gemido baixinho e angustiado ao meu lado.

— Oi — eu cumprimento a garota, tentando salvar Lindsay de morrer


de vergonha. Os olhos castanhos da amiga de Lindsay me encaram, como se
só agora tivesse se dado conta da minha presença. — Eu sou o namorado-
não-namorado. E Lindsay está atrasada por minha causa, sim, mas porque eu
tentei cozinhar pra ela e coloquei fogo na cozinha. Um desastre completo —
minto, inventando uma história. — Desculpe por fazê-la se atrasar.
O queixo da garota caí. Ela deve ter mais ou menos a idade de
Lindsay. Com certeza não passa dos vinte e três anos.

— Você é o namorado? — Ela não acrescenta o não-namorado


depois. Gosto disso. — Uau. Nossa! Lin-Lin você não me avisou que ele era
gostoso assim. Uau! Parabéns, moço, você é muito... Nossa! E eu digo isso
com todo o respeito. Todo o respeito, não é, gatinha? Lin-Lin me conhece, eu
falo sem parar quando fico nervosa, é um mal de família, sabe? Mas não é
por mal e, por favor, não pense que eu estou dando em cima de você. Que
tipo de amiga eu seria, não é? Não, não. É só que... cidade pequena, sabe?
Nós não temos deuses gregos andando por essas bandas e...

— Debra — Lindsay intervém em uma súplica. — Por favor.

— Ah, é pra eu ficar muda? Certo. — A tal Debra finge passar um


zíper nos lábios. — Ah! Antes de eu ficar muda, você tem um arranjo para
fazer. Deixei tudo anotado aqui.

Debra coloca um papel em cima do balcão e depois some nos fundos


da loja, saindo do meu campo de visão.

— Me desculpa por isso — diz Lindsay, envergonhada e vermelha


como um tomate. — Ela é uma pessoa ótima, mas não consegue segurar a
língua dentro da boca.

— Eu percebi. — Dou uma risadinha. — Lind, relaxe — eu peço


mais uma vez, colocando as mãos em seus ombros.

Lindsay se encolhe e preciso me segurar para não deixar a tristeza


transparecer.

— Me desculpa — ela sopra, parecendo muito cansada de repente. —


Não é por mal, eu juro. Me desc...

— Para — eu suplico, cortando-a. — Por favor, só para. — Respiro


fundo. — Lindsay, eu sei que você não tem medo de mim, eu sei que isso é
uma reação de reflexo que o seu corpo tem por conta do trauma que você
passou. Eu sei disso. Linda, não estou cobrando nada de você, então, por
favor, não me peça mais desculpas. Você não tem nada pelo que se desculpar,
okay? Eu entendo, está tudo bem.

Vejo que ela se esforça para não se desculpar de novo e não consigo
entender de onde vem essa necessidade absurda de estar sempre se
desculpando.

— Por que você não me mostra o que faz aqui? — sugiro, tentando
deixar o clima pesado para trás.

Lindsay anui.

Me aproximo um pouco; ela deixa. Faço um breve carinho em seu


queixo. Ela estremece, mas não se encolhe. E só o fato de deixar que eu a
toque, mesmo que minimamente, eu já considero um progresso.
05.
Recomeço | Parte II

Estamos enterrados em sonhos quebrados

Estamos atolados sem um fundamento

Eu não quero saber como é viver sem você

Não quero conhecer o outro lado do mundo sem você

| Ruelle – The Other Side

Dallas está me observando montar o arranjo de flores como se fosse a


coisa mais interessante que ele já viu na vida. O cliente, que Debra não
deixou o nome anotado, pediu um arranjo de girassóis e me deu a liberdade
de combiná-los com outras flores, confiando na minha habilidade de
combinar cheiros e cores. Eu gosto quando os clientes me dão liberdade para
criar.

— Girassóis continuam sendo suas flores favoritas? — Dallas me


pergunta. Ele está apoiado no balcão, com o queixo apoiado em uma das
mãos, ainda me observando.

Faço que sim com a cabeça.


— Mas confesso que, depois que comecei a trabalhar aqui, o cheiro
dos lírios passou a ser o meu preferido — conto. — Aqui. — Eu pego um
lírio de dentro de um dos baldes e o coloco perto do rosto de Dallas.

Ele inclina para frente e inala o cheiro da flor, fechando os olhos para
apreciar.

— É gostoso — Dallas diz.

Eu levo a mesma flor até o meu nariz e cheiro.

— É mesmo, não é? — concordo ao colocar a flor de volta no lugar.

Debra decide voltar ao balcão da loja segundos após eu terminar o


arranjo dos girassóis. Seus olhos castanhos vão de Dallas para mim e de mim
para Dallas algumas vezes, como se ela estivesse tentando entender alguma
coisa. Seja o que for, eu prefiro ficar muito longe da mente ensandecida de
Debra.

— O que você acha? — pergunto à Debra, me referindo ao arranjo.


Eu poderia falar sobre o clima ou sobre a poeira do ar, qualquer coisa para
não manter sua atenção sobre mim e Dallas. Já era difícil o suficiente estar
tão perto e tão longe dele desse jeito, eu não preciso do estresse adicional de
Debra tentando entender o que está rolando.

— Está lindo — ela responde. — Você é muito boa nisso, Lin-Lin.

Sorrio, satisfeita. Está mesmo lindo. Acho que é um dos melhores


arranjos que já fiz.

— Obrigada. O cliente disse que horas vinha buscar as flores? Talvez


seja melhor colocá-las na água se ele for demorar muito.

— Na verdade, — diz Dallas, puxando a carteira de dentro do bolso


frontal da calça e estendendo um cartão de crédito para mim — o cliente
acompanhou toda a montagem do arranjo.

Eu o encaro com os olhos arregalados.


— Você? Mas... mas como? O pedido já estava feito quando
chegamos...

— Skye me contou que você trabalhava em uma floricultura, me deu


o nome e eu fiz o pedido antes de sairmos de casa.

Eu pisco.

Pisco de novo.

Debra toma a iniciativa de pegar o cartão de crédito da mão de Dallas


e registrar a venda, pois eu estou paralisada no mesmo lugar, olhando para
ele.

Depois de um segundo, algo surge em minha mente. Dallas comprou


girassóis e me perguntou se ainda eram minhas flores favoritas. Ele as
comprou pra mim?

Quando Debra devolve o cartão de crédito para ele e Dallas guarda a


carteira no bolso, eu estendo o buquê de flores para ele, sem ter certeza se as
flores são realmente para mim. Não quero pressupor que são, porque talvez
ele possa tê-las comprado para Skye, por ela ser uma boa anfitriã ou algo
assim, não é?

Dallas sorri para mim quando eu tento entregar o buquê para ele.

— Eu acho que as flores já estão com quem elas pertencem.

Sinto minhas bochechas ficando quentes e tenho vontade de me


esconder atrás do enorme arranjo de girassóis.

— Obrigada — eu digo, emocionada.

— Aí, pelo amor de Deus, sumam os dois da minha frente —


resmunga Debra, deprimida. — Eu não vou aguentar esse clima romântico no
ar o dia inteiro. Eu sou uma mulher de vinte e um anos, encalhada igual um
navio em águas rasas, porque dizer solteira seria um eufemismo, e acho que
só vou receber flores no dia que eu morrer! Os pombinhos vão acabar me
matando de tristeza pela minha solidão.
Dallas gargalha, e eu também não consigo aguentar uma risada que
me escapa. Debra é a rainha do drama.

Sem dizer nada, Dallas dá as costas para nós duas e percorre a


floricultura com os olhos antes de pegar uma orquídea em um dos baldes. Ele
puxa a carteira do bolso novamente, coloca uma nota de dez dólares no
balcão e entrega a flor para Debra.

Ela pisca.

Pisca de novo.

E depois olha para mim como se estivesse buscando esclarecimento.

— Todas as mulheres deveriam receber flores de vez em quando —


Dallas diz para Debra. — Aceite como um agradecimento por cuidar de
Lindsay enquanto eu estive fora.

Debra olha para mim de novo, como se quisesse garantir que eu não a
estou fuzilando com os olhos. Mas não, rivalidade feminina não é a minha
praia e é de Dallas que estamos falando, ele sempre quer fazer com que todos
se sintam importantes. Ele valoriza os sentimentos alheios tanto quanto cuida
dos seus próprios.

Ele é a pessoa mais altruísta e encantadora que eu conheço.

Debra pega a flor e percebo que, pela primeira vez desde que eu a
conheço, ela está sem palavras. Dallas conseguiu o impossível.

— Obrigada — ela diz, baixinho, antes de sorrir para ele. Seus olhos
castanhos encontram os meus uma terceira vez. — Lin-Lin, se você não se
casar com esse homem, esse príncipe, eu me caso. Agora desapareçam da
minha frente!

Ignoro o rubor nas minhas bochechas tanto quanto ignoro o olhar de


Dallas.

— Eu cheguei há uma hora, não posso ir embora. Tenho um


expediente de trabalho inteiro pela frente!

— Lindsay Harris, se você ficar aqui com esse homem lindo e vocês
ficarem se olhando desse jeito na minha frente, eu vou começar a chorar de
tristeza porque minha vida amorosa é de-sas-tro-sa! — ela diz pausadamente
para dar ênfase. — Você quer que eu te lembre do meu último encontro?

Faço uma careta.

O último encontro de Debra foi lamentável, de fato. No final do


jantar, o cara lançou a desculpa de “puts, eu esqueci a carteira em casa, gata,
por que você não paga o jantar?” e ainda a deixou sozinha para voltar para
casa a pé, sendo que ele a havia levado de carro. Babaca.

— O que vocês ainda estão fazendo aqui? — Debra exclama,


impaciente. — Vão! Vão!

Desisto de tentar protestar. Como filha da dona da floricultura, Debra


tem total poder de me liberar mais cedo e essas coisas, mas não gosto de
parecer preguiçosa. Gosto do meu emprego e não quero perdê-lo. No entanto,
quando minha amiga enfia alguma coisa na cabeça, é impossível fazê-la
mudar de ideia, então não me dou ao trabalho. Pego minha bolsa atrás do
balcão e saio da floricultura carregando meu buquê de flores, com Dallas
logo atrás de mim.

— Obrigada pelas flores — eu digo, lembrando que ainda não o


agradeci. — Eu não esperava por isso.

— De nada. — Ele abre aquele sorriso largo pra mim. Lindo.

Nós caminhamos até o meu carro e entramos. Eu coloco as flores no


banco de trás e assim que fechamos as portas, olhamos um para o outro e a
pergunta saí ao mesmo tempo, em uníssono:

— O que você quer fazer agora?

Nós damos risadinhas nervosas.

— O que você quer fazer? — eu pergunto a ele.


— Temos o dia todo livre, certo?

Faço que sim com a cabeça.

— Que tal você me levar em um passeio pelos arredores? Eu gostaria


de conhecer os lugares que fazem você amar essa cidade.

Penso por um momento para onde posso levá-lo que seja


minimamente interessante. Petaluma não é uma cidade com muitas atrações
turísticas, já que a própria vista das fazendas já serve suficientemente para
tirar o fôlego de qualquer um. É um lugar lindo e calmo que te faz se sentir
mais perto do paraíso.

— Bem, eu posso te levar para um passeio a cavalo, que com certeza


é uma das coisas que eu mais gosto de fazer por aqui, mas há um parque de
diversões em uma cidade vizinha. Fica há uns trinta minutos de carro daqui,
mais ou menos.

— Eu acho que podemos deixar o lance do cavalo para outro


momento — Dallas responde, rindo de nervoso. — Deixa eu me acostumar
com essa ideia, não sou realmente um homem do campo.

Dou uma risadinha.

Não, ele com certeza não é um homem do campo.

— Parque de diversões então?

— Sim, com certeza.

— Okay, mas você tem que prometer que vai pelo menos tentar andar
de cavalo. Tem lugares lindos na propriedade que eu gostaria que você
conhecesse.

Dallas umedece os lábios e abre um sorriso. E apenas a visão de ver a


língua dele deslizar pelo seu lábio inferior me faz engolir em seco.

— Você está tentando me fazer passar vergonha porque não sei andar
de cavalo, Lin-Lin? — ele pergunta, divertido.

Faço uma careta diante do apelido.

— Por Deus, não comece a me chamar assim você também.

Ele ri. O som invade o interior do carro e algo dentro do meu peito
aperta e aquece ao mesmo tempo. Faz muito tempo que não o escuto rindo
assim e eu havia me esquecido o quanto amo ouvi-lo dando risada, o quanto o
som é melódico, grave e delicioso, como se não houvesse nada no mundo que
pudesse abalar a felicidade que ele sente quando ri assim.

Olho para frente e ligo o carro, tentando colocar a minha cabeça no


lugar, tentando esconder o quanto esse pequeno momento me desestabilizou.
Não porque eu queira manter Dallas afastado, mas porque não posso dar
esperanças para ele se não tiver certeza de que consigo supri-las. Seria
doloroso demais para nós dois.

— Eu acho que é um apelido muito bom — ele continua.

— É mesmo, Anthony? — Eu olho para ele de esguelha.

Dallas passa o dedo indicador sobre o lábio inferior, tentando conter


outra risada com um sorriso que parece que nunca deixará o seu rosto bonito.

— Senti falta do timbre da sua voz quando você fala meu nome e está
puta comigo — ele diz, ainda sorrindo.

— Você gosta que eu esteja puta com você?

— Eu gosto de tudo em você, Lind. Você pode estar puta, pode estar
sorrindo ou chorando, eu vou gostar de você de qualquer jeito.

Minhas mãos começam a suar e preciso lutar contra o impulso de


secá-las na minha roupa, então apenas aperto o volante quando sinto meu
rosto queimar. Estou corando. Merda. Meu corpo realmente precisa encontrar
uma forma de não reagir a ele desse jeito. É intenso demais, visível demais.

— Sempre galanteador — eu brinco, tentando aliviar meu


nervosismo.

Dallas dá de ombros. Ele parece estar se divertindo com tudo isso.

— Faço o melhor que eu posso.

Nós ficamos em silêncio o resto do caminho, ouvindo as músicas do


rádio e apreciando a vista e o vento que desliza pelo carro, tocando nossos
rostos. Preciso me conter para não fechar os olhos e respirar fundo pelo puro
e verdadeiro prazer de me sentir livre assim, principalmente depois de passar
tanto tempo acreditando que talvez nunca mais fosse me sentir dessa forma.

Ao chegarmos no parque de diversões, paro o carro no


estacionamento e nós saímos. Dallas compra os ingressos na cabine da
entrada do parque e nós seguimos, olhando ao redor enquanto decidimos em
qual brinquedo vamos andar primeiro. E acabamos nos decidindo pela roda-
gigante, pois é uma boa forma de Dallas poder ver toda a extensão do
território. E a vista é maravilhosa. Talvez isso o faça entender o porquê eu
amo tanto esse lugar.

Nós entramos no pequeno e apertado assento da roda-gigante, o


funcionário fecha a grade de proteção e nos dá algumas recomendações de
segurança.

Meu corpo encolhe um pouco ao sentir o corpo de Dallas me


pressionando. A sensação me causa um aperto no peito e uma sensação de
claustrofobia, mesmo que eu esteja ao ar livre. Sinto meus batimentos
cardíacos acelerarem ao me sentir presa, prensada contra o corpo de um
homem. Nossos ombros se tocam, assim como nossas coxas também.

— Lind — Dallas me chama baixinho e sua mão encontra a minha. É


quando percebo que estou tremendo. As lembranças de ter meu corpo
pressionado contra o de outra pessoa me apavoram. Não, não outra pessoa.
Joshua. O corpo de Joshua contra o meu... — Olhe pra mim.

Com gentileza, Dallas segura o meu queixo e gira minha cabeça para
que eu olhe para ele. Sua outra mão permanece na minha, transmitindo calor
para o meu corpo, que de repente ficou gelado, mesmo com o clima quente
da Califórnia.

— Me desculpa — eu lamento, baixinho, cansada demais de me sentir


apavorada perto dele.

Dallas fecha os olhos por um momento e solta o ar dos pulmões.


Então me lembro que ele me pediu que eu parasse de me desculpar.

Respiro fundo e procuro uma mudança de assunto. Nós estávamos nos


divertindo até agora e eu não quero estragar isso. Forço meu corpo a relaxar e
entrelaço meus dedos nos dele, o que faz com que Dallas abra os olhos.

— Olha! — Eu aponto para o horizonte e Dallas olha para onde estou


apontando. — A vista não é linda?

A paisagem do campo se estende até sumir de vista. O verde da


natureza e suas nuances encontram o azul claro do céu no horizonte. É quase
como uma pintura.

— É — Dallas concorda, mas de canto de olho percebo que é para


mim que ele está olhando e não para a paisagem. — É realmente linda.

Levo meus olhos até os dele e por um minuto inteiro nós apenas nos
encaramos. Sinto o seu polegar começar a se mexer nas costas da minha mão
em um carinho lento e exploratório, que eu permito. Meus olhos o
esquadrinham, desde o cabelo loiro, que agora está bagunçado de um jeito
muito sexy, descendo até os olhos verdes esmeralda, até o nariz e os lábios
convidativos. Eu me lembro da sensação de ter os lábios dele sobre os meus,
sobre a minha pele e sobre meu corpo inteiro. Eu me lembro de ter as mãos
dele em mim, me lembro da sua voz rouca dizendo que me amava... Lembro
de tudo como se houvesse sido uma vida inteira atrás e não consigo deixar de
me perguntar se um dia seremos capazes de nos ter nos braços um do outro
de uma forma tão sublime.

— No que está pensando? — eu pergunto em um sopro, baixinho,


presa aos olhos dele como se estivesse enfeitiçada. Perigosamente
enfeitiçada.
Dallas sorri.

— Você se lembra do dia em que nos conhecemos?

Eu sorrio também.

— Claro que eu me lembro.

Ele umedece os lábios e continua sorrindo.

— Você era praticamente uma criança. Uma criança irritante e


insolente demais.

— Eu não era irritante ou insolente — me defendo. — Você que era


todo cheio de si, achando que mandava em alguma coisa, mas era só um
garoto de quinze anos metido a mafioso. E eu não era uma criança!

Dallas gargalha.

— Você tinha doze anos, Lind.

— E daí? — replico. — Eu sempre fui mentalmente evoluída.

Ele ri mais ainda e eu bato meu ombro contra o dele.

— Idiota.

— Lind, você esbarrou no meu ombro no corredor, de propósito, devo


acrescentar, e quando pedi educadamente que você me pedisse desculpas,
você bateu a porta do quarto na minha cara — ele diz, rindo, e as lembranças
daquele dia invadem a minha mente. — Depois, você encheu a minha cama
de mel e eu precisei dormir no chão naquela noite porque meu colchão estava
condenado.

Eu dou risada ao me lembrar disso.

— Você me dava nos nervos.

— O que eu fazia que te deixava tão irritada? — ele quer saber.


— Acho que eu estava interessada em você — admito, envergonhada.
— Então acho que te infernizar foi a forma que eu encontrei de chamar a sua
atenção.

Dallas ergue uma sobrancelha, o que o torna insuportavelmente mais


sexy do que ele naturalmente já é.

— Então você estava caidinha por mim, huh?

Reviro os olhos.

— Pelo visto, você ainda tem um pouco daquele comportamento


metido de anos atrás.

Ele dá uma risadinha, mas não fala mais nada.

A roda gigante começa a sua descida e Dallas e eu ficamos em


silêncio absorvendo a paisagem diante dos nossos olhos.

Pelas próximas horas, nós andamos em quase todos os brinquedos do


parque, deixando de lado apenas o tão temido Queda Livre, que é uma
espécie de bungee jump. Não, obrigada.

As horas passaram depressa e nós rimos como costumávamos rir


juntos antigamente. Paramos para comer alguma coisa e tomamos um sorvete
— e eu sujei o nariz dele com a massa de chocolate do meu sorvete como
costumava fazer. Ele riu, alegando que certas coisas, pelo visto, nunca
mudavam. E naquele momento eu desejei que ele estivesse certo, que nós
dois nunca mudássemos, mas no fundo eu sabia que não éramos mais dois
adolescentes apaixonados. Muita coisa havia acontecido, muito sofrimento e
muita dor.

No caminho de volta para casa, o dia lindo e ensolarado dá lugar a


nuvens de chuva carregadas e em um tom de cinza chumbo. Até o cheiro do
ar remete à promessa da tempestade que se forma pouco a pouco sobre as
nossas cabeças.
06.
Tempestade

Eu preciso ter certeza de que você sabe que

Você é a única que eu amarei

(Tenho que te dizer, tenho que te dizer)

Sim, você, se não é você, não é ninguém

(Tenho que te dizer, tenho que te dizer)

Olhando para trás na minha vida

Você é a única coisa boa que eu já fiz

| Justin Bieber – Anyone

Quando Lindsay estaciona o carro na frente da sua casa, a tempestade


já está castigando, batendo violentamente contra as janelas do carro. O
barulho dos trovões adiciona à sinfonia e faz algumas lembranças atingirem a
superfície. Foi em uma noite com uma tempestade como essa que Skye quase
morreu, que vi o desespero de Mason ao pensar que havia perdido a mulher
que amava. Eu sabia muito bem o que era sentir aquilo, o vazio, o desespero
e a impotência que tomam conta do seu corpo quando você não consegue
salvar a vida de uma pessoa que ama.

Por muito tempo, pensei que sentiria aquele vazio, aquela culpa e
aquele arrependimento para o resto da minha vida, mas não. O universo havia
me dado uma segunda chance, e nesse momento ela está sentada bem ao meu
lado enquanto olha para a tempestade do lado de fora do carro com os lábios
contraídos, como se soubesse que não há meios de não ficar enxarcada no
segundo em que sair da proteção do carro.

Sem dizer nada, eu abro a porta e saio para a chuva. Já do lado de


fora, eu vejo a feição confusa de Lindsay olhar para mim através da janela.
Ela abaixa o vidro e me encara como se eu fosse maluco.

— O que você está fazendo? — ela fala alto, tentando ser ouvida
mesmo em meio ao barulho escandaloso da chuva.

— Dizem que a água purifica, não é? — eu respondo, falando alto


também. — Venha!

Ela balança a cabeça, negando.

— Nós vamos acabar ficando doentes e a chuva está forte demais,


estamos em uma região de queda de raios, Dallas. Isso é loucura!

— Isso é viver! — eu replico. — Vamos, Lind! Temos que aproveitar


as pequenas coisas; aproveitar que estamos vivos!

Ela morde o lábio inferior e percebo que está pensativa, considerando


o meu pedido. E não consigo deixar de sorrir como um idiota quando ela abre
a porta do carro e se junta a mim na tempestade. Seu corpo treme ao sentir a
água fria contra a sua pele e Lindsay dá alguns passos hesitantes na minha
direção.

Eu a admiro enquanto se aproxima. Linda como uma deusa. O vestido


verde gruda em seu corpo, se tornando uma segunda pele e marcando as
curvas que eu conheço tão bem; pelas quais anseio todos os dias. Seu cabelo
loiro gruda em seu rosto e os olhos verdes escuros esquadrinham me
esquadrinham com cautela quando ela finalmente para na minha frente. Perto,
mas não perto demais. Sei que ela tem medo, sei que é uma reação natural do
seu corpo e não é um medo direcionado a mim, especificamente. Sei disso,
mas me mata ver o pavor tremeluzir em seus olhos. Me mata que eu não
tenha sido capaz de impedir que aquele filho da puta a quebrasse tão
profundamente; me mata que eu não possa tomá-la em meus braços nesse
exato momento e beijá-la como tenho sonhado em fazer desde que descobri
que ela estava viva.

— O que foi? — ela pergunta, hesitante.

De repente, fica realmente difícil de respirar. A forma como ela me


olha me deixa saber com certeza que aquela chama que queimava entre nós
quase três anos atrás ainda está bem viva, ainda queima, ainda arde, pois ela
olha para mim com fascínio. No entanto, o medo está tão presente quanto. Eu
consigo sentir pela forma cautelosa com a qual ela me observa, como se
tentasse antecipar o meu próximo movimento para que pudesse se preparar
para ele.

— Você é linda — eu declaro, vendo-a estremecer visivelmente. —


Você é a mulher mais linda que já vi.

Suas bochechas ficam rubras e ela abaixa o olhar, mas eu seguro o seu
queixo com gentileza e ergo sua cabeça, querendo que ela olhe para mim,
querendo que veja no fundo dos meus olhos que tudo o que tenho a oferecer
pra ela é amor, abrigo e proteção; querendo que ela veja que eu estou
implorando para que ela me dê uma chance de ser isso pra ela: um abrigo;
uma maldita fortaleza se for preciso. Nada, nunca mais, vai machucá-la sem
antes ter de passar por mim.

— Eu não sou — ela diz, tão baixo que eu quase não consigo ouvi-la.

Vejo quando as lágrimas tomam conta dos seus olhos e escorrem


pelas suas bochechas, se combinando com as gotas de chuva presas à sua pele
levemente bronzeada pelo sol da Califórnia.

— Ele... — ela se interrompe, como se falar sobre ele, falar o nome


dele, fosse uma maldição. E eu acho que realmente é. — Ele me fez ficar suja
e... sem valor.

Sinto a minha cólera queimar dentro de mim, pronta para me fazer


explodir e querer matar o primeiro desgraçado que me tirar do sério, mas é o
outro sentimento que me destrói. Uma tristeza profunda que inunda meu
coração quando eu me dou conta de que ela realmente acredita que Joshua
tirou o seu valor.

— Amor — Eu seguro o rosto dela entre as minhas mãos e ela


estremece com o meu toque, mas não se afasta. — Você é a coisa mais
valiosa do mundo pra mim.

— Como você pode dizer isso? Como você pode me ver assim? Você
sabe o que ele fez comigo.

Eu sei, e isso me perturba todos os dias.

— Sim, eu sei, mas o que ele fez não tira o seu valor — eu afirmo, e
deslizo meus polegares pelas suas bochechas, afastando as lágrimas e
sentindo a sua pele gelada sob meus dedos, mas não acho que isso tenha a ver
com a chuva. — Nunca mais diga que você é sem valor. Você é uma
guerreira, uma sobrevivente e a coisa mais linda que existe. Está me
ouvindo?

Lindsay começa a chorar copiosamente, seu corpo todo treme e ela


parece tão fraca, tão destruída e vulnerável que me dilacera de dentro pra
fora. Sem pensar em nada além do desejo de fazê-la se sentir bem, de fazê-la
se sentir digna, eu a puxo para um abraço, envolvendo o seu corpo pequeno
nos meus braços. Ela não retribui de imediato, mas eu não a solto. Quando
seus braços finalmente se fecham na minha cintura, eu a abraço ainda mais
forte, quase como se quisesse fundir nossos corpos para nos tornarmos um só,
para que eu seja capaz de protegê-la do mundo.

Não era exatamente isso que eu tinha em mente quando a chamei para
a chuva. Imaginei que poderíamos brincar, rir e ter um momento leve, como
aconteceu durante todo esse dia, mas estou feliz que ela tenha sido capaz de
sequer falar sobre isso comigo. Eu sei, e acho que ela também sabe, que
vamos ter que falar sobre o que aconteceu em algum momento; vamos ter que
falar de nós dois, mas Lindsay ainda está tão assustada que não tenho
coragem de jogar o assunto em seu colo. Ela não está pronta para lidar com
isso ainda.

A chuva fica ainda mais forte e o frio acaba vencendo. Lindsay não
move um centímetro para longe de mim, mesmo quando escuto seus dentes
batendo pelo frio.

— Vou pegar você no colo, ok? — eu aviso.

Ela hesita e seu corpo fica tenso por um momento, mas ela acaba
concordando com a cabeça.

Passo um dos meus braços por trás dos seus joelhos, envolvendo suas
costas com o outro e a ergo do chão. Lindsay se alinha ao meu peito enquanto
caminho lentamente até a porta da sua casa.

Do lado de dentro, eu coloco Lindsay no chão e ela imediatamente se


afasta, abrindo a distância entre nós como se cada maldito centímetro fosse
importante demais. Eu não faço menção de me aproximar, mas ela continua
se afastando até suas costas baterem no balcão da cozinha, do outro lado da
sala.

— Eu acho que eu deveria ir embora agora, certo? — pergunto,


querendo me certificar de que estou entendendo direito a sua linguagem
corporal.

Lindsay abre a boca para responder, mas nada sai. Ela apenas olha
para mim e seus olhos verdes estão tão tomados pela confusão que não
consigo saber qual sentimento é maior dentro dela nesse momento.

Não espero que ela diga alguma coisa, pois depois de alguns segundos
entendo que isso não vai acontecer, então simplesmente saio de sua casa,
sentindo um peso enorme no meu peito enquanto caminho sem pressa pela
chuva até a casa principal da propriedade.
A tempestade continuou durante o resto da tarde, pegando também
uma boa parte da noite. Lindsay não apareceu para o jantar, e eu tentei não
encarar isso como uma recusa direta a mim. Eu sabia que seria difícil, mas a
realidade é muito mais complicada do que eu havia pensado.

No dia seguinte, as atividades na casa começaram cedo para que tudo


estivesse pronto para o aniversário de Lindsay, no final da tarde. Everlee e
Skye se enfiaram na cozinha junto com Devon para preparar o bolo. Sim,
Devon van Howard fazendo um bolo. Está aí uma coisa que eu achei que
nunca veria na vida.

QD e Mason ficaram encarregados das crianças. Distrair Emma e


Chasin não é difícil. Emma adora passar o tempo na piscina ou fazendo
desenhos e Chasin ainda é um bebê, então não há muito o que fazer com ele
além de garantir que não tenha uma insolação, uma fralda suja por muito
tempo e que esteja alimentado.

Eu fiquei encarregado da decoração, o que é um desastre, porque eu


não levo o menor jeito pra isso. Skye garantiu que eu teria ajuda de uma
profissional, mas a mulher não apareceu ainda, e eu estou encarando os itens
de decoração sem a fazer a menor ideia do que eu deveria fazer com eles.

— Meu Deus, você nem sequer começou?

Eu me viro na direção da voz para ver, ninguém mais, ninguém


menos, que Davina Dal Bon Rivelli. Ela está com as mãos na cintura, o
cabelo preto e comprido está preso em um rabo de cavalo desleixado e as
tatuagens adornando os seus braços contrastam com o tom claro da sua pele.

— Dav? — Não consigo esconder a surpresa na minha voz. — O que


diabos você está fazendo aqui?
Ela dá uma risadinha e se aproxima de mim, me dando um abraço
apertado ao qual eu retribuo.

— Lindsay também é minha amiga. Esqueceu que fomos todos


criados naquela maldita casa?

Como se um dia eu fosse me esquecer.

Assim como Lindsay, Davina foi criada na casa de Joshua. As duas já


estavam lá quando eu cheguei para trabalhar infiltrado. Anos depois, quando
Skye apareceu, as três se tornaram muito próximas, antes de Joshua vender
Davina para Lorenzo Rivelli, seu ex-marido morto.

— É bom te ver longe daquele lugar, Dallas.

— É bom te ver também. — Sorrio. — É você quem vai me ajudar


com essas coisas de decoração?

— Ajudar? Eu provavelmente vou acabar fazendo tudo sozinha.


Achei que você já tinha começado — ela resmunga.

Faço uma careta.

O que eu posso fazer? Eu sou muito bom em muitas coisas, mas isso?
Cara, eu não faço ideia de por onde eu começo.

— Vamos nessa! — Davina bate palmas, já disparando ordens pra


mim.

Suspiro.

Vai ser uma tarde bem longa.


07.
Feliz aniversário, amor

E está me matando dizer que eu estou bem, eu estou bem

Quando eu realmente quero dizer

Você é tudo para mim e mais

Tudo o que eu sei, você me ensinou

Você é tudo para mim e mais

Mas eu preciso de espaço para respirar

| Lauv – Breathe

Alguns anos atrás, olhando para o meu reflexo no espelho, eu me


acharia bonita nesse vestido azul. A cor contrasta bem com a minha pele e o
meu cabelo e o corte do vestido valoriza a curva da minha cintura, além de
deixar minhas pernas e costas à mostra. Provavelmente seria um vestido que
eu usaria em um dos muitos encontros que tive com Dallas, quando ainda
morávamos na casa de Joshua. De alguma forma, eu havia encontrado uma
maneira de me sentir segura lá. Eu não criava problemas, não metia meu
nariz no que não me dizia respeito e mantinha minha opinião para mim
mesma, falando apenas se falassem comigo. Foi como consegui sobreviver
ilesa naquela casa por tanto tempo.

Agora, no entanto, eu não consigo enxergar tal beleza. Por fora, eu


continuo a mesma garota que sempre fui. A mesma cor e o mesmo corte de
cabelo, os mesmos olhos verdes escuros, o mesmo corpo — agora que
recuperei meu peso... A única diferença externa é que estou mais bronzeada
do que nunca, graças ao sol da Califórnia. Por fora, igual. Mas por dentro...
Há tanta coisa errada por dentro que eu não faço ideia de por onde começar a
consertar.

Às vezes eu acho que há tanto dentro de mim, tanto caos, tanta


destruição, tanta dor e desespero. Mas às vezes sinto como se não houvesse
nada além de um doloroso, irrefutável e infinito vazio.

Não sou nada além de um enorme vazio.

Uma batida na porta me puxa de volta para a realidade. Eu olho para a


porta do meu quarto e encontro Everlee parada ali. Como de costume, minha
irmã veste preto dos pés à cabeça. A calça preta está rasgada nas coxas,
dando um ar de desleixo estiloso e a regata preta praticamente se confunde
com a cor do seu cabelo, também preto. Assim como Mason, seu ponto
colorido está nos olhos azuis cristalinos.

— Skye pediu que eu viesse ver se você está pronta — ela diz,
entrando no meu quarto.

Everlee e eu não tivemos muitos momentos de convivência


pessoalmente, embora nos falemos por telefone com bastante frequência. Não
tenho com ela a relação que tenho com Skye, mas com certeza é algo que está
em construção.

— Você está linda, Lind.

— Obrigada. — Eu forço um sorriso. — Você também está.

— Como você está se sentindo? — ela quer saber. — Eu imagino que


deva ser bem difícil pra você ver o Dallas de novo depois de tudo.
Difícil não chega nem perto de descrever. É o eufemismo do século.

— Honestamente, eu não faço ideia do que fazer.

Everlee confirma com a cabeça.

— Sabe, nós duas passamos por coisas muito parecidas. Eu também


fui quebrada da mesma forma que você foi.

Eu olho para a minha irmã. Sei que ela teve uma vida difícil, mas
Everlee nunca falou sobre isso com detalhes pra mim ou para a Skye, até
onde eu sei.

— O homem que ficou responsável por mim quando eu ainda era uma
criança, me usava para pornografia infantil. Eu sei o que você sentiu
enquanto estava trancada naquele lugar. Eu sei o que é não ter qualquer
controle sobre o que vai acontecer com você, o que é precisar ficar à mercê
de alguém contra a sua vontade. Eu sei o que é não enxergar nem um faixo de
luz no final do maldito túnel. Eu entendo tudo isso, Lindsay.

— Meu Deus! Eu sinto muito, Everlee — digo, com toda a


honestidade que consigo. — Eu não fazia ideia. Você é tão incrivelmente
forte e... Como você conseguiu? Como você conseguiu viver depois disso?
Como você conseguiu... se relacionar com um homem?

— Eu não tinha escolha senão continuar em frente. Emma precisava


de mim, ela precisava que eu não desistisse. E por ela, eu não desisti, embora
eu pensasse sobre isso todos os dias. Foi minha filha quem me manteve viva
— ela confessa. — Você é mais forte do que pensa que é. Eu sei que você
provavelmente não acha isso, que provavelmente não enxerga essa força em
nenhum lugar dentro de você, mas está aí, Lindsay.

Ela está certa, eu não vejo qualquer indício dessa força dentro de
mim.

— Quanto a se relacionar com um homem... Eu queria que fosse


alguém que eu escolhesse, eu queria que eu tivesse o controle. Isso me
ajudava. Estar no controle. Dessa forma, eu não me sentia vulnerável ou à
mercê, sabe? — Everlee fica de frente para mim e segura os meus ombros. —
O Dallas te ama. Ele te ama muito. Se tem um homem nesse mundo que faria
qualquer coisa por uma mulher, esse homem é ele. Você não precisa ter medo
ou vergonha. Você é uma sobrevivente, assim como eu. E a melhor forma de
você se vingar de quem tentou te destruir, é tirando o poder dessa pessoa, é
vivendo feliz, realizando seus sonhos, construindo sua vida... É assim que
você se vinga. Tire o poder dele, Lindsay. Não deixe que, mesmo do inferno,
aquele filho da puta dite a sua vida. Você continua à mercê dele, só que é de
uma forma diferente agora. Quebre o laço.

Sinto meus olhos ardendo e o nó crescendo na minha garganta. Não


quero chorar agora. Queria poder nunca mais chorar por causa disso. Queria
simplesmente esquecer.

— Eu não sei como — digo, baixinho.

— Comece com algo simples. Deixe que ele toque em você. Nada
muito íntimo, à princípio. Deixe que ele segure a sua mão ou faça carinho em
você... Toque nele também. As pessoas subestimam a importância de um
toque — Everlee me aconselha, com suavidade. — E tenha em mente o
tempo todo que se você falar “não”, Dallas vai parar imediatamente.
Estabeleça o seu limite e o estenda pouco a pouco. Passos de bebê, Lind.

— Passos de bebê — eu repito, mais para mim mesma do que pra ela.
— Ok. Eu... eu acho que posso fazer isso.

Everlee sorri pra mim.

— É claro que pode. E lembre-se, você é uma sobrevivente. Nunca se


envergonhe disso. Você é mais forte do que pensa que é e vai descobrir isso
mais cedo ou mais tarde.

Sorrio de volta para a minha irmã antes de abraçá-la. Everlee me


abraça de volta, me apertando contra o seu corpo. Embora ela seja a irmã
mais nova, sua força a faz parecer mais velha, mais sábia.

— Agora melhore essa carinha e aproveite a sua festa — ela diz,


secando as lágrimas que escaparam dos meus olhos. — Pode fazer isso?
— Posso.

Ela sorri.

— Perfeito! Vem! Vamos exibir você pra todo mundo.

Eu dou risada quando Everlee segura a minha mão e começa a me


puxar para fora da minha casa, rumo ao casarão principal.

A noite está quente e maravilhosamente agradável, então o coração da


festa é no enorme quintal da casa, próximo à área da piscina. Assim que eu
apareço ao lado de Everlee, Skye vem para o nosso lado junto com Devon,
que abre um enorme sorriso ao olhar para nós três, juntas. Suas filhas.

— Você está linda, querida — ele diz, sorridente.

— Obrigada.

— Posso lhe dar um abraço?

Devon me olha com tanta expectativa que me deixa comovida.

Assinto com a cabeça e me preparo para quando os braços dele me


envolvem, carinhosamente. Forço meu corpo a não estremecer.

Passos de bebê.

Quebre o laço.

Respiro fundo e abraço Devon de volta.

É estranho pensar que tenho um pai depois de acreditar, durante toda


a minha vida, que eu nunca teria um, que nunca o conheceria. Mas é bom. Eu
não me lembro muito da minha mãe, já que fui tirada dela quando ainda era
muito nova. Eu nunca realmente tive pais, embora sentisse falta deles de uma
forma que não sabia muito bem como explicar.

— Feliz aniversário, meu bem — Devon deseja.


Eu sorrio quando ele me solta do abraço.

— Obrigada.

QD é o próximo que vem me cumprimentar. Percebo que ele hesita ao


pensar em me abraçar, mas acaba me abraçando mesmo assim. Emma vem
logo em seguida, com seu sorriso largo e olhos brilhando. Depois, Mason
envolve os braços ao meu redor e beija o topo da minha cabeça ao me dar os
parabéns. Skye é a próxima. Minha irmã me abraça apertado, como se nunca
fosse capaz de me soltar, e diz que me ama e o quanto está feliz por estarmos
juntas.

— Olhe só pra ela! — uma voz feminina e altamente empolgada


atinge os meus ouvidos.

Viro-me na direção do som e meu queixo vai no chão quando vejo


Davina.

— Dav? Ah meu Deus, o que você está fazendo aqui?

Minha amiga me abraça apertado.

— Você não achou mesmo que eu fosse perder o seu aniversário, não
é? — Ela sorri. — Inclusive, toda essa decoração é graças a mim. Dallas é
péssimo com decoração.

Dallas.

Onde ele está?

— Você está lindíssima! — Davina elogia.

— Obrigada.

Eu sorrio o tempo todo, sentindo todo o amor que eles disparam na


minha direção. Minha família.

E então, ele aparece.


Dallas.

Ele olha diretamente para mim, como se tudo ao nosso redor não
existisse. O ar fica preso nos meus pulmões e o mundo ao meu redor também
deixa de existir quando meus olhos encontram os dele. Dallas está lindo com
a sua camiseta social branca, mangas arregaçadas e calça jeans escura. As
tatuagens despontando por baixo do tecido da camisa e descendo pelo seu
antebraço. Lembro-me o quanto eu as achava sexy.

Engulo em seco quando ele se aproxima. Seus lábios estão repuxados


em um sorriso discreto e os olhos verdes brilham com empolgação.

— Uau — é a primeira coisa que ele diz quando para bem na minha
frente, perto o suficiente para que eu sinta o seu perfume dominando minhas
narinas, mas distante o suficiente para me deixar confortável. — Você está
maravilhosa, Lind.

Sinto minhas bochechas ficando quentes e sei que estou corando.

— Obrigada. Você também está muito bonito.

Ele sorri.

— Feliz aniversário, amor — ele diz, com tanta doçura que meu
coração dispara.

— Obrigada. — Olho rapidamente para Everlee e ela faz um


movimento de mão como se me incentivasse a agir. Volto a olhar para o
Dallas. — Ahn... você quer... quer dançar comigo?

Noto a surpresa dominar o seu rosto e os seus olhos, mas ele se


recupera rápido e volta a sorrir.

— Eu adoraria.

Dallas estende a mão para mim. Eu encaro a sua mão antes de


levantar os meus olhos para encontrar os dele. Há tanto amor e cuidado
presente ali que sinto meu peito apertar.
Deixe que ele toque em você.

Deixe que ele segure a sua mão.

Passos de bebê.

Eu sorrio e coloco a minha mão sobre a dele, sentindo o calor da sua


pele na minha. Dallas leva minha mão até os seus lábios e deposita um beijo
tênue nos meus dedos. Eu sinto um arrepio percorrer todo o meu corpo, mas
não é ruim.

Dallas me guia até a pista de dança improvisada e, de soslaio, eu vejo


quando Everlee se aproxima do som. A música agitada que tocava antes é
substituída por uma lenta, que eu identifico ser a música Breathe do Lauv.
Deus, essa música é simplesmente maravilhosa e tem tudo a ver comigo e
com o Dallas e com tudo o que está acontecendo entre nós.

Frente a frente, eu hesito por um momento antes de colocar uma das


minhas mãos no ombro de Dallas, e ele hesita por um instante antes de me
segurar suavemente pela cintura e me puxar para um pouco mais perto de si.
Eu exalo, sentindo minha respiração tensa por tê-lo tão perto assim, mas ao
mesmo tempo tão feliz por ele estar aqui, por eu ter a chance de vê-lo de
novo, de sentir o seu toque e ouvir a sua voz. Houve momentos, enquanto eu
estava presa naquele lugar, que eu acreditei que nunca mais teria essa
oportunidade.

Pensar nisso faz o choro ficar entalado na minha garganta. Sinto meu
queixo tremendo enquanto tento miseravelmente conter as lágrimas.

— Ei, o que foi? — Dallas pergunta, baixinho, ao levar a mão até o


meu queixo e levantar o meu rosto.

— Eu... — Solto o ar dos pulmões. — Eu só estou feliz de te ver de


novo. Eu achei que isso não aconteceria.

Dallas se aproxima devagar e gruda a sua testa na minha, não


deixando de dançar, dando um passinho para um lado e outro passinho para o
outro. Meu corpo estremece, mas eu não me afasto. Fecho meus olhos e
deixo que o seu cheiro me conduza à tranquilidade que sempre senti ao seu
lado.

— Você é tudo para mim e mais — ele murmura, baixinho, repetindo


um trecho do que diz a música. — Você é o meu milagre.

Não consigo mais conter o choro. As lágrimas correm aos montes


pelas minhas bochechas enquanto eu soluço e Dallas me segura com mais
força, mas ao mesmo tempo com a mesma suavidade. Nós permanecemos
com as nossas testas coladas e, em determinado momento da música, meus
braços estão, ambos, entrelaçados ao redor do pescoço dele, e os dele ao
redor da minha cintura.

Quando a música acaba, Dallas e eu nos afastamos apenas o suficiente


para olharmos nos olhos um do outro. Percebo que uma vermelhidão abraça o
verde dos seus olhos, provavelmente porque ele também estava chorando,
embora muito mais discretamente do que eu.

Nós ficamos nos olhando, sem saber o que dizer um para o outro,
mas, na verdade, eu acho que as palavras nem sequer são necessárias. Nossos
olhos dizem tudo o que precisamos saber, tudo o que sentimos tão
profundamente em nossas almas.

— Fica — eu peço, mas a minha voz falha para proferir essa única
palavra. Limpo a garganta. — Fica — digo de novo, com mais firmeza. —
Quando todos forem embora amanhã, fica. Eu... eu não sei o que vai
acontecer, não sei se vou conseguir deixar você entrar e ser pra você o que
você precisa, mas... eu quero tentar. — Sinto meu queixo tremendo de novo,
porque, de novo, estou à beira das lágrimas. — Apenas fique comigo, Dallas.

Ele abre aquele sorriso que faz o meu mundo inteiro um lugar mais
bonito. E com toda a suavidade que lhe é tão característica quando o foco sou
eu, ele afasta uma lágrima que corria pela minha bochecha e o seu polegar faz
um carinho lento no meu rosto.

— Eu fico, amor — ele diz, um sorriso presente em seu rosto. —


Deus, eu pensei que você nunca pediria.
Eu dou uma risadinha e Dallas dá um beijo na minha testa.

— Não vou monopolizar você a festa inteira, embora seja a minha


vontade, mas depois eu tenho algo para te mostrar. Um presente.

— O que é? — eu pergunto, curiosa.

— Você saberá em breve. — Ele faz um carinho no meu queixo. —


Agora vai, aproveite a sua festa, amor. Eu quero ver você se divertindo.

Não consigo parar de sorrir, e quando me afasto de Dallas, meu corpo


automaticamente fica mais frio, mas nem mesmo isso consegue arrancar o
sorriso do meu rosto. Tê-lo tão perto de mim foi uma vitória. Uma pequena
vitória diante de todas as outras batalhas que virão a seguir.
08.
Perspectiva

Talvez seja porque eu fiquei um pouco mais velho

Talvez seja por tudo o que eu passei

Eu gostaria de pensar que é como você se apoia no meu ombro

E como eu me vejo com você

Eu não digo uma palavra

Mas ainda assim, você tira o meu fôlego e rouba as coisas que eu
sei

Lá vai você, me salvando do frio

| Sam Smith – Fire On Fire

— Você parece feliz — aponta Mason, aparecendo do meu lado de


repente, logo depois do “Parabéns”.

E eu estou mesmo feliz. Contra todas as possibilidades, Lindsay pediu


que eu fique aqui, que fique com ela, para que nós dois possamos finalmente
tentar encontrar o nosso caminho de volta um para o outro. Isso é tudo o que
eu estava esperando com essa visita. Uma chance.

— Lindsay pediu que eu fique — conto ao meu melhor amigo.

Os olhos azuis de Mason se arregalam por um instante, mas um


sorriso aparece em seu rosto logo em seguida.

— Isso é ótimo, cara! — Mason passa o braço pelos meus ombros e


balança meu corpo, empolgado. — Vai ser bom ter você por perto de novo,
em uma circunstância bem mais agradável.

Eu sorrio.

— Eu estou feliz por você também, a propósito. Você e Skye parecem


mais felizes do que nunca.

Os olhos de Mason automaticamente encontram a namorada, que está


do outro lado da piscina, sentada em uma espreguiçadeira com Everlee,
Lindsay e Davina ao seu redor. As quatro conversam sobre alguma coisa que
as faz rir sem conseguir parar.

Mason sorri.

— Ela é o meu mundo inteiro, cara. Não tem nada que eu não faria
por essa mulher.

Eu sei muito bem como ele se sente.

Observo Lindsay jogar a cabeça para trás, gargalhando de algo que


Davina disse. Meu sorriso cresce ainda mais. É precioso vê-la rindo desse
jeito, faz com que um brilho a rodeie de uma forma linda.

— É, eu entendo o que você está falando.

Como se sentisse o meu olhar sobre ela, Lindsay vira o rosto na


minha direção e quando me pega encarando, vejo suas bochechas ficarem
rubras pela timidez. Ela sorri para mim antes de voltar a prestar atenção na
conversa.
— Cara, eu não sei se é uma boa ideia Everlee e Davina estarem na
mesma roda de conversa — diz QD, aparecendo ao nosso lado, segurando um
Chasin muito agitado em seus braços.

Mason dá risada.

— Está preocupado que a sua esposa e a mulher com quem você fez
um ménage entrem em disputa por você, Quentin? — Mason pergunta,
provocando QD.

Meu irmão o fuzila com os olhos.

— Se você não fosse irmão da minha mulher e namorado da minha


melhor amiga, eu acabaria com a sua raça, Crawford. Juro por Deus.

Mason gargalha.

— Eu adoraria ver você tentar, Capo. — Meu melhor amigo bate


continência, debochado.

QD ainda não é o Capo da máfia, mas está bem perto disso. Devon já
mencionou que quer se afastar dos negócios e deixar que QD assuma. Mason,
no entanto, não perde uma oportunidade de infernizar a vida do meu irmão.

— Babaca irritante — QD resmunga. — O que a Skyzie viu em você,


eu nunca vou entender.

— Eu posso dizer o mesmo da minha irmã.

Eu reviro os olhos.

— Vocês parecem duas crianças, porra. Me dê o meu sobrinho


enquanto vocês tentam se matar.

Pego Chasin no colo quando Mason e QD começam a andar em


círculos, como se estivessem se preparando para a luta. Idiotas. Os olhos
verdes de Chasin os observam com curiosidade.
— Mas que diabos vocês estão fazendo? — Everlee pergunta quando
percebe a movimentação dos dois.

— Eu vou mostrar para o seu marido o que é ser o rei do submundo,


Ever — Mason responde. — O pequeno QD tem muito o que aprender.

— Eu sou mais velho que você, seu idiota — QD replica.

— E daí? Eu sou mais experiente — Mason tréplica, debochado.

Eu reviro os olhos de novo.

— Vai, papai! — Emma grita, encorajando QD.

— O seu pai e o seu tio são uns idiotas, Chasin — eu digo para o meu
sobrinho. — Lembre-se disso quando você crescer.

Mason avança na direção de QD e eles começam a tentar derrubar um


ao outro no chão, sem realmente distribuírem socos, afinal de contas, isso é
uma festa de família e Emma está presente — Chasin ainda não entende nada
disso.

— Mason, cuidado! — Skye grita o seu aviso.

No entanto, tarde demais. Os dois acabam caindo dentro da piscina,


espirrando água para tudo quanto é lado, molhando quem estava ao redor.

— Seu babaca! — QD joga água em Mason quando os dois emergem.


— Olha o que você fez!

— Eu? Você que é descoordenado! — Mason retruca, jogando água


em QD também.

Emma gargalha e pula na piscina de novo, ficando entre Mason e QD.

— Eu te protejo, papai! — ela diz, fechando as mãozinhas em punhos


e olhando para Mason com o seu melhor olhar assustador.

QD sorri como um idiota, encantado pela filha.


— Ah, não! — Mason lamenta. — Agora estou acabado. Amor, me
proteja! O pequeno furacão vai me destruir!

Skye dá risada.

— Arque com as suas encrencas, meu amor — ela replica, achando


graça. — Acaba com ele, Emma!

— É! — QD incentiva. — Acaba com ele, filha!

Everlee balança a cabeça de um lado para o outro, mas está rindo.

— ATACAR! — Emma berra antes de partir para cima de Mason,


que afunda na piscina como se Emma estivesse mesmo conseguindo destruí-
lo. — Tio Mason, você está roubando! Eu não consigo mergulhar com as
minhas boias! — ela reclama.

Mason gargalha.

— Eu me rendo! — Ele levanta as mãos no ar. — Eu me rendo!

Emma sorri, satisfeita.

— Pronto, papai. Inimigo destruído.

QD gargalha, pegando a filha no colo e jogando-a para o alto, fazendo


Emma gargalhar também.

— Essa é a minha garota! — Ele beija o alto da cabeça de Emma. —


Toma essa, Crawford!

Do meu colo, Chasin observa tudo com curiosidade. Provavelmente


ele deve estar pensando que o pai é um grande maluco. Bom, ele não estaria
errado.

— Você fica bonito segurando um bebê — Lindsay diz, parando ao


meu lado.
Me esforço muito para não abrir um sorriso safado. Nós ainda não
estamos nessa etapa do processo.

— Ah, é mesmo?

— É mesmo. — Ela sorri, tímida. — Você disse que tinha um


presente para me dar depois. Agora é depois.

Dou risada.

— É verdade. Deixe-me entregar o Chasin para a Everlee e vamos


resolver isso, ok?

Lindsay concorda com a cabeça.

— Por que estamos na minha casa? — ela me pergunta, desconfiada.

— Talvez você queira ir até o seu quarto.

Lindsay olha para mim, os olhos verdes carregados de suspeita, mas


ela caminha pelo pequeno corredor e abre a porta do seu quarto. Assim que
ela faz isso, seu queixo cai.

— Ah meu Deus! Dallas! — ela exclama ao se abaixar no chão e


pegar o cachorrinho que adotei para ela naquele dia que fui até a cidade com
Mason, QD e Emma. — Ah meu Deus! Oi, fofinho — ela fala com o filhote.

Eu sorrio. Vê-la feliz é tudo o que eu preciso na vida.

— Skye disse que você ficava muito tempo sozinha aqui, então Emma
sugeriu que você talvez devesse ter um amigo, uma companhia — eu explico.
— É um macho, a propósito. Ele vai ficar grande, segundo me disseram,
então talvez te ajude a se sentir protegida.

Lindsay abre um sorriso largo e seus olhos se fixam no filhote.

— Ele é perfeito. Eu amei. — Ela olha para mim de novo. —


Obrigada.

— De nada, linda.

— Eu vou chamá-lo de... Anthony.

Eu dou risada.

— Fala sério, Lind!

— O quê? — Ela ri também. — É um ótimo nome!

Balanço a cabeça, rindo.

Ela se aproxima de mim e segura a minha mão. Percebo que o seu


corpo estremece, mas ela não se afasta, apenas respira fundo e mantém o
sorriso.

— Obrigada.

— Você está diferente — observo. — Não estou reclamando, eu só


estou... um pouco confuso.

— Eu tive uma conversa com a Everlee... sobre as coisas que


aconteceram comigo e com ela. Me fez querer tentar com mais afinco. —
Lindsay solta o ar dos pulmões. — Eu te amo, Dallas, e eu não quero perder
você sem pelo menos tentar. Mas não vou mentir, eu estou apavorada.

Meu coração dispara com a declaração dela. É claro que eu sei que
Lindsay me ama, o que nós temos é forte o suficiente para que eu saiba,
mesmo sem palavras, o que ela sente, mas, ainda assim, é simplesmente
maravilhoso ouvir.

Levanto minha mão — a que ela não segura — e lentamente toco o


seu rosto, fazendo um carinho suave em sua pele macia. Ela fecha os olhos e
solta o ar pela boca, lutando contra o medo que eu sei que ainda habita o seu
corpo e a sua mente.

— Eu também te amo — eu digo a ela. — E eu sei que você está


assustada, mas nós vamos fazer tudo no seu ritmo. Você estará no controle o
tempo todo, amor. Mande em mim.

Ela dá uma risadinha.

— E se isso não der certo, Dallas?

— Essa possibilidade não existe, amor. Pode levar o tempo que for,
eu sou um homem paciente e loucamente apaixonado por você.

Lindsay levanta a mão que não segura Anthony e percebo que ela
hesita em tocar no meu rosto, como se estivesse decidindo se é uma boa
ideia. Eu espero. E então ela encosta na minha bochecha em um toque quase
exploratório, como se estivesse me descobrindo de novo. Seus olhos brilham
com entusiasmo ao esquadrinharem o meu rosto e a minha respiração fica
presa nos meus pulmões.

— Nós ainda somos nós, não é? — ela pergunta em um sussurro. —


Nada entre nós dois realmente mudou.

— Nós ainda somos nós.

Lindsay prende o lábio inferior entre os dentes, o que me deixa


desesperado para beijá-la, mas não faço qualquer menção de transformar o
desejo em realidade. Quando ela estiver pronta, ela vai me beijar. Eu não
farei nenhuma investida enquanto isso.

Devagar, Lindsay se afasta de mim. Pela fisionomia em seu rosto, eu


entendo que já foi um grande passo para um dia só. Ela me deixou tocá-la,
dançou comigo, me pediu para ficar e se aproximou de mim
espontaneamente. É muito mais do que eu estava esperando para essa noite.

— Acho que é o bastante por hoje — digo, e como imaginava, ela


confirma com a cabeça. — Vejo você amanhã, então?

— Vejo você amanhã, sim.

Nós sorrimos um para o outro antes de eu caminhar até a porta, mas


paro antes de sair.

— Cuide dela, Anthony — peço.

Lindsay sorri.

E o seu sorriso permanece comigo quando eu me deito na cama


naquela noite. Até o momento em que fecho os olhos e apago.

— Você não vai voltar pra casa com a gente, Tio Dallas? — Emma
me pergunta quando eu me ajoelho no chão para ficar do seu tamanho.

Eu sorrio para a minha sobrinha.

— Agora não, pequeno furacão. Isso significa que é você quem vai ter
que tomar conta do seu pai e do Tio Spencer, porque você sabe que eles
precisam de supervisão, né?

Vejo QD revirando os olhos.

— Você acha que pode cuidar deles pra mim? — pergunto a ela.

Emma faz que sim com a cabeça e entrelaça os bracinhos ao redor do


meu pescoço, me abraçando. Eu a pego no colo, me levanto do chão e a
abraço de volta, fazendo carinho nas suas costas quando percebo que ela está
perto de chorar.
— Ei, por que disso? — eu pergunto com suavidade.

— Eu vou ficar com saudade — ela responde, fungando. — Eu não


gosto de dizer adeus.

Afasto minha sobrinha apenas o suficiente para que ela olhe pra mim.

— Ninguém está dizendo adeus, Emmy. Eu preciso ficar aqui agora,


mas eu vou te ligar todos os dias, ok? E vou estar em casa para o seu
aniversário — prometo a ela. — Vamos fazer uma festa, não vamos?

Ela faz que sim com a cabeça.

— Você promete?

— Claro que eu prometo, pequena. — Beijo a testa de Emma e ela me


abraça de novo. — Amo você, Emma.

— Eu também te amo, Tio Dallas.

Entrego Emma para QD e, com o braço que não a segura, ele me


abraça.

— Conquiste a sua garota, cara — ele diz pra mim. — Leve o tempo
que precisar.

Eu o abraço de volta. Uma parte do meu coração se aperta de ter que,


mais uma vez, me despedir de QD. De repente, parece que somos duas
crianças de novo, dando adeus sem saber o que aconteceria a seguir. A
situação é completamente diferente agora, eu sei, mas odeio ter de me
despedir dele.

— Obrigado, Q.

Meu irmão sorri para mim e se afasta, indo se despedir de Skye. Ele
entrega Emma para Mason, deixando que os dois se despeçam, e segura Skye
nos braços, apertando-a e tirando-a do chão. Ela ri. E eu sorrio vendo a cena.

— Ei — Devon chama a minha atenção. — Você vai ficar bem,


garoto?

— Não se preocupe comigo, tio. Eu vou ficar bem.

Devon anui.

— Sabe, QD vai precisar de você em Boston quando os negócios


forem passados pra ele. Ele vai precisar de um subchefe... você entende o que
eu estou falando, certo?

Confirmo com a cabeça.

Eu vou precisar escolher. Mais cedo ou mais tarde. Lindsay não vai
voltar para qualquer lugar perto da máfia, e eu nunca pediria tal coisa pra ela.
Não depois de tudo o que essa vida tirou dela. Então, eventualmente, eu vou
precisar escolher entre ela e o meu posto nos negócios, ao lado de QD, como
está previsto para ser desde que éramos crianças.

— Tomarei a decisão quando a hora chegar.

Devon coloca a mão no meu ombro.

— Eu estou orgulhoso de você, filho. O meu maior medo quando te


mandei para Portland era que Joshua, de alguma forma, conseguisse arrancar
o bem que eu sei que há em você, mesmo com a vida que levamos. Fico feliz
de saber que aquele desgraçado não conseguiu tal coisa. Seu pai estaria
orgulhoso de você também.

— Obrigado, tio.

Nós nos abraçamos rapidamente e Devon me dá alguns tapinhas nas


costas, sorrindo para mim quando saímos do abraço.

— Ligue se precisar de alguma coisa — ele me instrui.

Assinto.

Everlee é a próxima a se aproximar de mim para se despedir. Ela abre


um sorriso antes de entrelaçar um dos braços ao redor do meu pescoço e me
dar um abraço, segurando Chasin no outro braço. Ela não é a pessoa mais
carinhosa que existe — não mesmo —, mas, com o passar dos meses, ela tem
se esforçado para deixar as pessoas chegarem mais perto.

— Certifique-se de que ela sempre se sinta no controle de tudo, Dallas


— Everlee diz quando me solta do abraço. — Esse poder foi tirado dela por
Joshua. Devolva-o a ela e tenha paciência, ela vai encontrar o caminho para
fora dessa escuridão.

— Obrigado, Ever. — Olho para o meu sobrinho. — Tchau, Chase.


— Dou um beijo na testa do meu sobrinho. — Cuide da sua mãe e da sua
irmã, ok?

Chasin me encara com seus grandes olhos verdes e Everlee sorri.

— Boa sorte, Dallas.

Mason os leva até o aeroporto e aproveita para levar Skye para o


trabalho, me deixando sozinho na casa. Sei que Lindsay se despediu de todo
mundo mais cedo, pois ela também precisava ir para o trabalho.

Eu me sento em uma das cadeiras na varanda e fico observando o


lugar com a atenção que não direcionei para isso até então. É um lugar lindo,
rodeado pela natureza para todos os cantos que você olha e sem nenhum
vizinho perto o suficiente para que você consiga ver. É fácil de entender por
que Mason, Skye e Lindsay gostam desse lugar. É pacífico. É tudo o que
nenhum de nós teve enquanto crescíamos.

Paz.

É bom poder sentir isso pela primeira vez. No entanto, me pego


pensando se eu conseguiria levar a vida que eles levam aqui, se conseguiria
me tornar um homem do campo depois de sentir a adrenalina da vida na
máfia nas veias. Essa vida é a única que eu conheço, é no que eu sei que sou
bom. Pode parecer insano para a maioria das pessoas, mas eu nasci e cresci
na máfia. Não há outra coisa no mundo que eu saiba fazer. Lidar com armas,
guerras, tráfico, prostitutas e filhos da puta sádicos é o que eu sei fazer, é o
que fui ensinado a fazer desde... bom, sempre.
Mas eu sei que não há nada que eu não faria por Lindsay. Embora eu
ame meu irmão e tenha imaginado como seria comandar a máfia ao seu lado
quando esse momento chegasse, meu lugar é com ela. Eu não seria feliz se
não a tivesse na minha vida, já tive provas o suficiente disso, pois realmente
achei que a tinha perdido para sempre na noite da fuga de Skye. Não quero
voltar a sentir aquilo, aquela dor, aquele vazio, aquele desespero. Nunca
mais.

Se eu sair da máfia, não estaria perdendo QD ou Devon ou Everlee ou


Emma e Chasin, mas se eu ficar na máfia, irei perder a Lindsay.
09.
Não desiste de mim

Desesperada, tão consumida por toda essa dor

Se você me perguntar, não sei por onde começar

Raiva, amor, confusão

Estradas que levam a lugar nenhum

Eu sei que existe um lugar melhor

Porque você sempre me leva lá

| Jess Glynne – Take Me Home

Quando saio do trabalho, Dallas está parado do lado de fora da


floricultura, encostado no meu carro com uma mochila sobre um dos ombros.
Eu franzo o cenho. Mochila?

— Oi — eu o cumprimento, receosa. — Vai para algum lugar?

— Nós vamos — ele responde com um sorriso.

Tento conter o sorriso.


— E para onde nós vamos?

— Skye me disse que tem um lago com uma cachoeira perto da casa,
então pensei em irmos dar um mergulho para aproveitar o dia bonito — ele
diz, empolgado. — E eu trouxe comida.

— Você pensou em tudo, não foi?

Ele sorri, orgulhoso de si mesmo.

— Pode apostar, amor.

Se eu for ser honesta comigo mesma, minhas pernas estão tremendo


ao pensar em ficar sozinha com ele, longe de outras pessoas. Completamente
sozinhos. Eu sei que Dallas não vai fazer nada que eu não queira fazer, mas a
apreensão que invade o meu corpo é tão involuntária quanto é indesejada,
mas me esforço para não deixar que ele note que eu estou nervosa, mesmo
que eu não consiga fingir durante todo o tempo em que ficarmos na
cachoeira.

Dirijo até lá, uma música qualquer tocando no rádio e o vento


atravessando o carro, fazendo meu cabelo ricochetear no meu rosto ao
mesmo tempo em que a brisa fresca e o cheiro da terra úmida invadem o
veículo. Nós não falamos nada durante o caminho, mas não é preciso. O
silêncio é deliciosamente agradável e sei que Dallas está tentando me deixar à
vontade, porque nós nunca realmente precisamos de palavras para nos
entendermos.

Estaciono o carro e nós saímos. Mostro o caminho para Dallas por


entre as árvores, mas não é realmente difícil de encontrar, pois o barulho
poderoso da água caindo na cachoeira por si só já aponta o caminho correto.

— Uau — Dallas exclama, olhando para a cachoeira com admiração.


— É lindo.

Eu sorrio, fechando os olhos por um momento para absorver toda a


sensação de paz que esse lugar me proporciona.
— É mesmo, não é?

Dallas coloca a mochila no chão e começa a tirar as coisas do nosso


piquenique de lá. Uma toalha clássica quadriculada, frutas, bolo, uma caixa
de suco de laranja e pão cortado em triângulos e recheados com pasta de
amendoim. Meus preferidos. É claro que ele se lembra disso.

Nós nos sentamos em cima da toalha e comemos. Eu conto para ele


sobre o meu dia no trabalho, e ele fala sobre Emma ter chorado quando eles
foram se despedir e como ele se sentiu em paz quando foi deixado sozinho na
casa e pode realmente prestar atenção na beleza do lugar onde moramos.
Enquanto o escuto falar, me pergunto se Dallas se adaptaria a essa vida
tranquila. Mason parece ter se adaptado sem dificuldades, mas sei que meu
cunhado nunca realmente quis ter uma vida na máfia, assim como eu e Skye
também não. Mas Dallas? Ele foi criado para estar ao lado de QD e assumir o
comando quando fosse a hora. Será que ele jogaria tudo isso para o alto para
viver comigo? Aqui, no interior da Califórnia? Em uma cidadezinha
minúscula, sem qualquer tipo de ação? Honestamente, eu não sei.

Eu sei que Dallas me ama e que ele faria quase qualquer coisa por
mim, mas não posso pedir que escolha entre mim e sua família, seu dever. Eu
jamais pediria tal coisa a ele, mas acho também que Dallas sabe que eu nunca
voltaria para dentro da máfia. Parte da minha família pode sempre fazer parte
desse mundo, mas não eu. Nunca mais.

— Que tal um mergulho agora? — ele pergunta, me tirando dos meus


pensamentos.

E então me dou conta de que eu não tenho nenhum biquini ou maiô


aqui.

— Eu não estou com nenhum biquini.

— Você pode entrar de lingerie — ele diz, e acrescenta depressa: —


Ou... ou vestida totalmente. Você decide, amor. Só estamos nós dois aqui.

Eu engulo em seco.
Tirar a roupa na frente dele? Quer dizer, não há nada aqui que ele já
não tenha visto centenas de vezes, mas esse não é o ponto. O último homem
que me viu nua me destruiu, e eu ainda consigo sentir o olhar de Joshua sobre
mim, me devorando de uma maneira repugnante.

Tire o poder dele, Lindsay. Não deixe que, mesmo do inferno, aquele
filho da puta dite a sua vida. Você continua à mercê dele, só que é de uma
forma diferente agora. Quebre o laço.

As palavras de Everlee ecoam no fundo da minha mente.

— Vamos fazer o seguinte — Dallas começa —, eu vou entrar


primeiro e, se você decidir se juntar a mim, eu vou estar lá. — Ele se
aproxima de mim e faz um carinho no meu queixo. — Você manda, lembra?

Faço que sim com a cabeça. Ele sorri.

Observo quando Dallas tira a camiseta e chuta os tênis para longe,


arrancando as meias logo em seguida. Sinto borboletas no estômago quando
esquadrinho seu peito desnudo, os músculos que meus dedos costumavam
percorrer e conhecer tão detalhadamente, as tatuagens que eu beijei centenas
de vezes... Ele é o homem mais lindo que já conheci.

Quando Dallas tira a calça, olho rapidamente para baixo, para os meus
próprios pés, com vergonha de continuar devorando-o com os olhos, mas
tenho um vislumbre da sua cueca box preta. Deus. Eu não estou nem um
pouco pronta pra isso.

Sem mais nenhuma palavra, Dallas entra no lago, mergulhando e


desaparecendo por alguns segundos dentro da água. Quando emerge, ele olha
na minha direção e lança uma piscadela, mantendo um sorriso casual no
rosto. E então, ele volta a nadar, não olhando mais na minha direção, me
dando o espaço que preciso para me decidir.

— Quebre o laço — eu repito pra mim mesma, como um mantra. —


Ele não vai me machucar. Eu estou no controle.

Respiro fundo e seguro a barra da minha camiseta, mas não a puxo.


Não ainda.

— Tire o poder dele — eu continuo falando. — Eu não estou à mercê


dele. Não mais. Nunca mais.

Solto o ar pela boca, tentando reunir coragem ao mesmo tempo que


tento acalmar meu coração que bate descompassado dentro do meu peito.
Consigo senti-lo batendo nos meus ouvidos.

— Quebre o laço. Eu consigo fazer isso.

Puxo a minha camiseta para cima da minha cabeça, sentindo a brisa


fresca atingir a pele da minha barriga, me deixando arrepiada.

Encho os pulmões de ar de novo e solto pela boca.

Tiro meus tênis e minhas meias.

— Eu consigo fazer isso. Eu estou no controle.

Seco minhas mãos suadas no tecido da minha calça jeans e abro o


botão, descendo o zíper e deslizando a peça pelas minhas pernas.

Quando estou só de sutiã e calcinha, sinto meu corpo começar a


tremer pelo pavor. Meus olhos queimam com a vontade súbita de começar a
chorar, mas eu luto contra ela, empurrando o pânico o mais fundo que
consigo dentro de mim.

— Tire o poder dele. Ele está morto. Eu estou viva. Eu não estou à
mercê dele — eu continuo repetindo, internalizando as palavras, gravando-as
no meu cérebro. — Quebre o laço, Lindsay. Quebre a porcaria do laço.

Dou um passo em direção ao lago, fechando os olhos, porque acho


que, se Dallas olhar pra mim agora, eu não vou conseguir. Mas, dentro do
lago, com a água cobrindo o meu corpo, impossibilitando que ele veja com
clareza a minha seminudez, acho que dou conta. Então, continuo caminhando
para dentro do lago com os olhos fechados. Só quando sinto a água bater no
meu peito é que abro os olhos e encontro Dallas olhando pra mim, os orbes
verdes brilhando com o que eu acho ser orgulho.
Dallas se aproxima de mim devagar e involuntariamente eu me afasto,
não suportando a ideia de ele tocar em mim agora, não quando estou tão
vulnerável, como se, de alguma forma, minhas roupas me protegessem.

— Me desculpa — eu digo quando noto a ponta de tristeza atravessar


os seus olhos. — Eu não... Eu... Me desculpa.

— Pare de se desculpar — ele implora, exausto. — Apenas pare.

— Me desculpa — digo, não conseguindo me conter.

— Lindsay...

— Ele me obrigava a me desculpar — eu digo de repente, as palavras


simplesmente escapando da minha boca. E de repente fica difícil demais
olhar para ele, então desvio o olhar, olhando para o outro lado enquanto o
silêncio nos engole de uma forma nada confortável. — Ele... ele ficava
irritado com frequência, principalmente se as coisas nos negócios estivessem
dando errado e normalmente isso era culpa da Skye, então ele mandava que
eu me desculpasse pelos atos da minha irmã. Ele me batia e depois ordenava
que eu pedisse desculpas, como se ele estivesse batendo em Skye e não em
mim. Pedi desculpas tantas vezes que parecia ser a única coisa que eu sabia
dizer.

Fecho os olhos, não aguentando o peso das lembranças.

— Eu consigo senti-lo — eu continuo, mas não abro meus olhos. —


Como... como se ele habitasse o meu corpo por baixo da minha pele. Eu
consigo senti-lo o tempo todo, como um lembrete infinito do que ele fez
comigo durante todos aqueles meses. — Abro os olhos e ouso olhar para
Dallas. Ele está imóvel, olhando pra mim com uma cólera mal contida nos
olhos. — Quando você toca em mim, não é só medo que eu sinto, mas nojo.
Não de você, mas de mim, porque eu sinto que ele vive em mim, então é
como se ele estivesse aqui, entre nós dois, e eu não consigo suportar a ideia
de você olhar para mim desse jeito, como se eu fosse a coisa mais linda que
seus olhos já viram, quando tudo o que eu enxergo é ele e o que ele fez
comigo. E a pior parte é que eu não sei como fazer esse sentimento ir embora,
porque eu olho pra você e tudo o que eu quero é que você me tome nos seus
braços e me beije, me ame e me tenha, de todas as formas possíveis, mas
quando eu penso sobre fazer isso, ele está lá, me lembrando que, mesmo que
eu ainda esteja viva, eu estou morta por dentro.

Dallas olha para o céu por um instante e quando volta a olhar pra
mim, eu vejo as lágrimas escapando dos olhos dele. A dor presente em seu
rosto me destrói, assim como eu imagino que a minha faça o mesmo com ele.

— Deixe que eu o mate por você — Dallas sussurra, voltando a se


aproximar de mim. — Deixe que eu seja tudo o que você vê e tudo o que
você sente. Deixe que eu o tire de você, amor. Apenas me deixe fazer isso.

— Como? Eu não sei como.

Dallas segura o meu rosto entre as suas mãos e olha bem no fundo dos
meus olhos.

— Me beije — ele pede, quase em uma súplica. — Apenas me beije.


Me deixe amar você, pelo amor de Deus.

O desespero em sua voz me comove. Ele está tão perto agora que
consigo sentir sua respiração acelerada na minha pele. Sua testa está colada
na minha e meu corpo treme, em pânico, mas consigo não me afastar. Eu
quero beijá-lo, quero sentir seus lábios macios nos meus, só não sei se
consigo lidar com as lembranças que podem surgir.

— Me beije, amor — ele diz, tão baixo que eu mal consigo ouvi-lo.

Fecho meus olhos com força e grudo meus lábios nos dele.

Dallas.

Afasto meus lábios o suficiente para conseguir soltar o ar pela boca e


respirar. Não porque foi um beijo de tirar o fôlego, mas porque estou nervosa
demais.

— Eu te amo — ele sussurra pra mim.


Eu o beijo de novo, apertando meus lábios contra os dele. Ele não
tenta aprofundar o beijo, apenas aceita o que eu consigo dar a ele agora.

— Eu quero você — ele sussurra de novo quando eu solto os seus


lábios.

Eu respiro depressa, lutando contra a parte de Joshua que ainda vive


em mim. Levo uma das minhas mãos até a nuca de Dallas e sinto quando as
mãos dele descem lentamente até a minha cintura e ele as entrelaça ali, me
segurando próxima a ele.

— Eu te respeito — ele continua sussurrando.

Uno meus lábios aos dele de novo e Dallas me aperta com suavidade,
nunca colando nossos corpos para que eu não me sinta sobrecarregada.
Mesmo porque eu sei, e acho que ele também sabe, que se eu o sentir
excitado, vou perder a cabeça.

— Você é minha — ele diz, e a possessividade em sua voz me faz


estremecer, mas não por ser ruim, mas por eu sentir que esse é ele tentando
tirar Joshua de mim. — Você nunca foi dele. Nem mesmo por um maldito
segundo. Você é minha.

Eu choro, mas o beijo de novo.

Quando me afasto de novo, Dallas me puxa para um abraço. Ele beija


o meu cabelo quando eu enfio meu rosto na curva do seu pescoço, sentindo a
sua pele quente contra a minha e inalando o seu cheiro natural, que sempre
me fez sentir como se eu estivesse em casa. Ele é minha casa.

— Nós vamos conseguir, amor — ele afirma, contundente. — Eu não


vou desistir de você, então não desiste de mim, ok?

Eu faço que sim com a cabeça e ele me segura com mais força, como
se estivesse com medo de que eu fosse desaparecer.

Não sei quanto tempo ficamos daquele jeito, abraçados, dentro do


lago, sussurrando promessas de amor, mas foi o suficiente para o sol começar
a se pôr no horizonte e a água se tornar fria demais. Dallas e eu caminhamos
de mãos dadas para fora do lago e ele não olha na minha direção enquanto eu
me visto, o que me faz amá-lo ainda mais. Se é que é possível amar alguém
tanto assim.
10.
É um encontro, então

Porque se um dia você acordar e achar que sente minha falta

E seu coração começar a perguntar onde na Terra eu poderia estar

Pensando que talvez você volte aqui para o lugar onde nos
conhecemos

| The Script – The Man Who Can’t Be Moved

Uma semana depois de nos beijarmos na cachoeira, Lindsay e eu


estamos sentados no sofá da pequena sala da sua casa, assistindo Stranger
Things. Os olhos verdes de Lindsay estão arregalados e grudados na televisão
enquanto ela pega pipoca de dentro do bowl e mastiga automaticamente.
Comprimo os lábios um no outro, segurando a risada pela forma como ela
parece horrorizada com o Demogorgon.

De repente, ela olha para mim.

— O quê? — ela me pergunta. — Por que você está rindo?

Não consigo mais segurar a risada.


— Eu não estava rindo, eu estava tentando não rir da sua cara. Você
parece horrorizada.

— Lógico que eu pareço horrorizada, essa coisa...

— Demogorgon — esclareço.

— ... é horrorosa.

Dou de ombros.

— Por que ele tem um corpo quase humano e uma cabeça de flor com
dentes? Isso não faz o menor sentido, Dallas!

Eu rio de novo.

— Ele é um monstro, amor. Você já viu algum monstro com uma


aparência que faça sentido?

Ela abre a boca para falar, mas fecha logo em seguida, provavelmente
não tendo com o que contra-argumentar.

Mesmo com as cenas de ação da série, Anthony dorme tranquilamente


entre mim e Lindsay, no sofá. Suas patinhas estão para cima, assim como sua
barriga, e ele solta barulhinhos fofos, como se estivesse latindo em seu sonho
ou algo assim.

Quando o episódio acaba, Lindsay coloca o bowl de pipoca em cima


da mesa de centro.

— Aí, chega desse negócio. A série é maravilhosa, mas já está bem


tarde pra ficar vendo essa coisa. Anthony vai ter pesadelos.

— Anthony, é? — brinco.

Ela mostra a língua pra mim e se levanta do sofá, caminhando até a


cozinha e abrindo a geladeira.

— Estava pensando em tomar uma taça de vinho. Quer?


— Claro.

Eu me levanto do sofá, deixando Anthony ainda dormindo


tranquilamente, e me junto à Lindsay na pequena cozinha. Ela enche duas
taças de vinho e me entrega uma. Nós brindamos rapidamente e tomamos um
gole. Normalmente, eu não sou muito fã de vinho, prefiro cerveja, mas não
digo nada.

— Me conte algo sobre você que eu ainda não sei e que ninguém sabe
também — ela pede de repente, os olhos verdes brilhando de empolgação ao
pensar em descobrir algo novo sobre mim.

Acho graça.

— Ahn... — eu penso por um momento. — Eu tenho problema para


lidar com a minha raiva.

Lindsay franze o cenho.

— Você? Não acredito.

Solto o ar dos pulmões.

— Eu não sou um cara violento de natureza. Nunca fui. No entanto,


durante os anos em que morei com Joshua, precisei ser. Eu precisava ser
ruim, muito ruim. Às vezes eu me esquecia que aquele não era quem eu
realmente era, sabe? Às vezes eu estava tão imerso no personagem que me
perdia de mim mesmo. Então, até hoje, quando fico muito irritado, como
aconteceu quando resgatei Emma daquele filho da puta pedófilo, eu tenho
vontade de destruir tudo e matar pessoas sem sentir qualquer traço de
misericórdia. E a pior parte é que, quando isso acontece, eu gosto de ver o
pânico nos olhos dos nossos inimigos. — Respiro fundo. — Suponho que
todos nós tenhamos as nossas marcas dessa vida.

Lindsay abre um sorriso complacente.

— Você realmente se transformava em outra pessoa quando estava


perto dele — ela comenta, baixinho. — Agora entendo por que você era tão
diferente quando estava comigo. Quando você estava comigo, você era você
de verdade.

Concordo com a cabeça.

Lindsay nunca soube que eu trabalhava infiltrado. Foi um segredo que


escondi dela para proteger nós dois. Quanto mais longe ela estivesse da
verdade sobre a minha permanência naquela casa, mais segura ela estaria
caso, um dia, tudo fosse descoberto.

— Sua vez — digo, tentando mudar o clima pesado. — Me conte algo


sobre você que eu ainda não sei e que ninguém sabe também.

Ela pensa por um momento.

— Você lembra da conversa que tivemos no dia em que Skye e eu


fugimos?

Tento puxar a conversa da minha memória.

— Você disse que tinha algo para me contar.

Ela confirma com a cabeça.

— Mas Jesse apareceu antes que eu pudesse falar e me mandou ir


encontrar a Skye porque estava na hora de irmos. — Ela abre um sorriso
quase imperceptível. — O que eu ia dizer a você é que eu achava que estava
grávida.

Meu queixo cai.

— Grávida?

— Eu não estava, na verdade, mas minha menstruação estava atrasada


há dias, então eu achei que pudesse estar. Isso me motivou a realmente querer
fugir, porque eu não queria que um filho nosso crescesse sob aquele teto.
Acabou sendo bom que eu não estivesse grávida, levando em consideração
que tudo deu errado naquela noite e eu acabei capturada, mas o ponto é que
eu queria muito estar. Eu queria ter um filho seu.
Sinto uma onda de calor percorrer o meu corpo ao pensar em Lindsay
barriguda, esperando um filho meu. Um filho nosso.

Sorrio.

— Ah, linda, isso me deixaria muito feliz — digo, me aproximando


dela devagar. Quando ela não se afasta, eu entrelaço meus braços em sua
cintura, sentindo-a ficar levemente tensa, mas Lindsay continua sem se
afastar. — Quando você estiver pronta, podemos tentar isso de novo.

Ela abre a boca para falar, mas eu sou mais rápido.

— Eu sei que vai demorar, eu sei que sexo provavelmente nem passa
pela sua cabeça ainda e tudo bem. Vai acontecer no momento certo e quando
você quiser, quando você estiver pronta e confortável, ok? Eu posso esperar.

Lindsay sorri, e eu beijo a pontinha no nariz dela, como costumava


fazer antigamente. Ela reconhece o gesto e dá uma risadinha.

— Está tarde, eu deveria ir — digo, não querendo ir embora, mas


sabendo que há barreiras que ela ainda não está pronta para cruzar.

— Obrigada por ficar comigo.

Faço um carinho em seu queixo.

— Sempre.

Lindsay fica na ponta dos pés e encosta os lábios nos meus. O beijo
dura menos de dez segundos, sendo apenas um breve encostar de lábios, mas
ela tem feito isso com mais frequência nos últimos dois dias. Desde a
cachoeira, ela tem deixado eu me aproximar mais, sempre com calma e de
uma forma que ela consiga antecipar meu movimento, nunca pegando-a de
surpresa. Ela me beija quando quer, quando se sente confortável pra isso e
por quanto tempo ela quiser. Eu nunca tomo a iniciativa — embora não me
falte vontade — e nunca interrompo o beijo, é sempre ela. Tudo ela.

Controle.
Essa é a forma que posso ajudá-la, dando a ela total controle sobre
absolutamente tudo. E aos poucos, em passos de bebês, nós vamos acabar
chegando em algum lugar.

— Boa noite, amor — eu digo, beijando sua testa.

Ela sorri.

— Boa noite.

Me afasto dela, faço um carinho em Anthony quando passo pela sala e


olho para Lindsay mais uma vez, linda como sempre foi, antes de ir embora.

No dia seguinte, Mason e eu estamos há duas horas na garagem,


trabalhando juntos no motor de um carro que Mason ficou de verificar. Desde
que ele se mudou para a Califórnia com Skye, meu melhor amigo tem
trabalhado como mecânico. Ele diz que é terapêutico poder trabalhar com as
mãos e não as usar para matar pessoas. E olhando a vida que Mason leva
agora, parece insano o que costumávamos fazer — o que eu ainda faço.

— Como as coisas estão indo com a Lindsay? — Mason me pergunta,


limpando as mãos de graxa em um pano.

— Devagar — eu digo, secando o suor da minha testa e dando um


gole na minha cerveja. O calor desse lugar é loucura. — Mas estamos
progredindo. Ela me beijou.

Mason abre aquele sorriso arrogante e de lado dele, que costumava


fazer Skye querer matá-lo.

— Ela beijou, huh?


— Ah, cale a boca! — Eu jogo o pano que eu estava usando para
limpar as mãos nele e meu melhor amigo dá risada. — Babaca idiota.

Mason continua rindo.

— Eu estou feliz por você, cara — ele diz, e sei que é genuíno. —
Vocês dois merecem ser insuportavelmente felizes.

Eu sorrio.

— Valeu, Mase.

De repente, o silêncio é cortado por um alto e sonoro:

— Mason Reed Crawford! — Skye grita de algum lugar da


propriedade, e pelo timbre da sua voz, ela não está nem um pouco feliz.

Os olhos azuis de Mason brilham de entusiasmo.

— Que merda foi que você fez? — indago.

— Eu estava me perguntando quando ela se daria conta. — Ele ri


consigo mesmo. — Eu, sem querer, destruí todas as calcinhas dela. Sabe
como é, elas estavam no meu caminho, então eu as eliminei. Todas elas. Ela
deve ter se dado conta de que não tem mais nenhuma calcinha sobrevivente.

Eu começo a rir.

Skye aparece na porta da garagem enrolada em uma toalha. O cabelo


comprido e dourado está molhado, o que indica que ela acabou de sair do
banho, deve ter ido se vestir e não encontrou nenhuma calcinha.

— Dallas, por favor, você pode me dar um minuto com o meu


namorado para que eu possa matá-lo com as minhas próprias mãos? — Skye
fala sem realmente olhar para mim. Seus olhos cinzentos estão presos em
Mason e fúria tremeluz neles. Ela poderia instaurar o caos com aquele olhar.

— Boa sorte, Mase — eu digo. Caminho em direção à saída da


garagem e paro ao lado de Skye, falando baixinho pra ela: — Lembre-se que
você o ama.

— Por que você acha que ele ainda está vivo? — ela replica, virando
aqueles olhos cinzentos flamejantes na minha direção. — Agora, saia.

Eu passo por Skye e olho na direção de Mason mais uma vez. Ele não
parece nem um pouco preocupado com o olhar mortal da namorada. Na
verdade, eu consigo identificar a luxúria brilhando nos olhos dele.

Basta que eu me afaste um pouco da garagem para ouvir Skye


gritando:

— Pare de destruir minhas calcinhas, seu babaca ridículo!

— Ridículo não, amor. Eu sou irresistivelmente gostoso — ele


replica, rindo.

— Gostoso vai ser quando eu acabar com a sua raça! Qual é o seu
problema?!

A risada de Mason vem logo em seguida.

Meu melhor amigo realmente gosta de brincar com o perigo.

— Eles estão brigando? — pergunta Lindsay, aparecendo ao meu lado


de repente.

— Mason destruiu todas as calcinhas da sua irmã.

Ela dá risada.

— Talvez você queira ficar um pouco mais longe da garagem do que


isso. Eu dou dois minutos pra eles começarem a transar. — Um tom de
vermelho atinge as bochechas dela com a simples menção de sexo. — Eu
estava indo dar banho nos cavalos. Quer vir comigo?

Eu sorrio pra ela.


— Claro.

Sigo Lindsay até os estábulos e observo quando ela tira um cavalo


branco da baia e o leva para o lado de fora, amarrando-o em um suporte perto
de uma mangueira. Ela faz a mesma coisa com o próximo cavalo, um marrom
de pelo brilhante, amarrando-o ao lado do primeiro.

— Não fique atrás deles, ok? — Lindsay me orienta. — Eles não


estão acostumados com você ainda, então fique onde eles conseguem te ver.

Confirmo com a cabeça.

— Sim, senhora.

Nós começamos a molhar os cavalos, e Lindsay me dá uma esponja


para que eu possa esfregar o corpo do cavalo branco — que na verdade é uma
égua, ela me diz depois, chamada Star — enquanto ela faz o mesmo com o
outro, Cash. Parece que Star é a égua de Skye, que Mason deu para a
namorada de presente de aniversário; já o Cash, é um dos cavalos que
Lindsay reabilitou e ambos acabaram criando um vínculo, segundo ela.

— Você vai estar livre amanhã à noite? — Lindsay pergunta de


repente.

Eu olho para ela, encontrando-a com as bochechas vermelhas.

— Pra você? Sempre, amor.

Ela ri, revirando os olhos.

— A cidade vai promover um Drive In — ela diz. — Skye e Mason


vão estar lá, então eu pensei que, sabe, se você quiser, nós podíamos ir
também. Como nos velhos tempos.

Eu sorrio ao pensar nos velhos tempos.

O meu primeiro encontro com Lindsay foi em um Drive In, que são
aqueles cinemas ao ar livre em que os carros ficam estacionados em frente a
uma tela enorme para assistir ao filme. Foi naquele dia que demos o nosso
primeiro beijo.

— Claro, amor. Que horas?

— Às oito.

— Eu te pego às sete, então. A não ser que você queira ficar com a
Skye e o Mason no mesmo carro...

Ela nega com a cabeça. Graças a Deus.

— É um encontro, então — decreto.


11.
Drive In

Nada pode mudar o que você significa pra mim

Tem muitas coisas que eu poderia dizer

Mas só me abrace agora

Porque o nosso amor vai iluminar o caminho

| Bryan Adams – Heaven

Uma batida na porta da minha casa soa quando eu termino de colocar


os sapatos. Anthony levanta a cabecinha na mesma hora e sai em disparada
do meu quarto, parando em frente a porta com o rabinho balançando,
empolgado com quem pode ser. Eu sorrio.

Quando abro a porta, os olhos verdes esmeralda de Dallas me


esquadrinham dos pés à cabeça e percebo que sua respiração fica presa em
seu pulmão.

Para essa noite, eu abandonei os vestidos floridos e coloquei uma


blusa preta que acentua o meu cabelo loiro e uma calça também preta com
um coturno. Ao me olhar no espelho, pareceu que o tempo não tinha de fato
passado. De repente, eu estava de novo na casa de Joshua, me arrumando
para um dos muitos encontros com Dallas, quando a maior parte das minhas
roupas seguiam a mesma paleta de cor das de todas as pessoas que moravam
naquela casa. Preto e cinza sempre predominando.

— Cacete! — Dallas exclama, e vejo o pomo de Adão dele descer e


subir quando ele engole em seco. — Lind, você está... nossa!

Eu sorrio, satisfeita com a reação dele e me esforçando loucamente


para deixar a vergonha longe do meu rosto. Parece que basta que ele olhe na
minha direção agora para que eu sinta que estou corando. Eu não costumava
ser essa garota e, para falar a verdade, às vezes sinto falta da Lindsay de antes
de tudo isso. Ela era muito mais segura, muito mais forte do que sou agora.

— Obrigada. — Sorrio. — Pensei que, sei lá, talvez tentar algo


diferente pudesse ser bom.

Anthony coloca as patinhas dianteiras na perna de Dallas, como se


pedisse colo, e Dallas o pega, fazendo carinho em sua cabeça à medida que
Anthony se acomoda, adorando receber atenção.

— Eu estava pensando que deveríamos levá-lo — sugiro. — Não


quero deixá-lo sozinho em casa à noite. Ele ainda é muito bebê.

— Acho que é uma boa ideia — concorda Dallas. — Você já está


pronta?

Faço que sim com a cabeça.

No caminho até a caminhonete de Skye — ela e Mason foram com a


caminhonete dele, então eu peguei a dela emprestada para ser mais
confortável de assistir ao filme na parte de trás do carro —, eu paro para
reparar em Dallas. Ele está vestindo uma das suas calças pretas e uma camisa
azul clara. Os primeiros botões estão abertos, deixando à mostra o início de
seu peito tatuado, e as mangas estão arregaçadas até os cotovelos, deixando
seus antebraços, igualmente tatuados, também à mostra. Esse visual meio
formal, meio informal, com as tatuagens aparecendo, quase um bad boy, mas
não tanto, costumava tirar o meu sono durante à noite.
— Lind?

Eu levanto meus olhos, encontrando um sorriso preso em seus lábios.

— Desculpe, eu estava longe. Você falou comigo?

— Eu perguntei se você quer dirigir ou se eu posso dirigir.

— Você dirige.

Entro no banco do passageiro e Dallas coloca Anthony no meu colo.


Eu vou guiando Dallas pelo percurso, pois ele não conhece muito da cidade
ainda e não sabe onde o Drive In vai acontecer.

Quando chegamos, eu não faço ideia de como encontrar Skye e


Mason no meio de tantos carros, mas se for para ser sincera, eu quero ficar
apenas com Dallas — e Anthony. Muito lentamente, eu tenho me sentido
mais confortável perto dele. É claro que ainda é muito distante do que um dia
fomos, e pensar em ter as mãos dele em mim me assusta, pois eu acho que
pode ativar gatilhos que não estou nem um pouco pronta para reviver. No
entanto, é o Dallas. Ele é o amor da minha vida, o único homem que amei e
em quem confio para tentar, futuramente, ter algo sexual de novo.

É mais fácil com ele. Acredito que se eu o tivesse conhecido agora, o


ritmo das coisas seria ainda mais lento. Mas eu não o conheci agora. Não.
Anthony Dallas já faz parte da minha vida há muito, muito tempo. Nosso
relacionamento durou por sete anos enquanto estávamos sob o mesmo teto de
Joshua. Ele é uma parte de mim. Eu não lembro de um único momento bom
em que ele não estivesse presente ao meu lado. Foram sete anos. É um pouco
menos da metade da minha vida.

Coloco Anthony no banco de trás, para ele ter mais espaço para se
movimentar enquanto Dallas vai até uma das muitas barraquinhas de pipoca
para garantir a nossa alimentação. Eu sinto borboletas no estômago e minhas
mãos estão suadas, evidenciando meu nervosismo. Eu quero que isso dê
certo. Eu quero poder estar sozinha com ele e não ter medo de ser tocada por
ele, de ser beijada por ele. E, Deus, como eu quero ser beijada por ele.
Aqueles beijos que costumavam me tirar o fôlego e me deixar à mercê dele.
Me assusto quando a porta é aberta e forço meu coração e meu corpo
a relaxar quando Dallas entra no carro, o seu perfume dominando todo o
ambiente e me deixando zonza. Ele é tão cheiroso.

— Comprei um milkshake de morango pra você. Ainda é o seu


preferido? — Dallas me pergunta, fechando a porta do carro.

— É sim.

Eu pego o milkshake da mão dele e dou um gole, saboreando o


frescor da bebida gelada nesse clima quente e o gosto maravilhoso de
morango. Eu amo tudo que tem morango.

— Podemos nos sentar do lado de fora? Na parte de trás da


caminhonete? — Dallas sugere. — Acho que vai ser mais fresco do que
ficarmos aqui dentro.

Eu faço que sim com a cabeça, pegando Anthony do banco de trás e


saindo do carro. Dallas sobe na parte de trás da caminhonete e estende a mão
para me ajudar a subir. Eu me acomodo na caçamba, me sentando em cima
do cobertor e acomodando Anthony do meu lado. Ele roda no próprio eixo,
querendo se acomodar, e se deita, olhando pra mim com seus grandes
olhinhos amendoados. Faço carinho em sua cabeça peluda quando Dallas se
senta ao meu lado e os trailers começam a passar na tela.

— Isso é legal — diz Dallas, se acomodando.

Se eu disser que estou prestando atenção no filme, estou mentindo.


Embora eu esteja, sim, olhando para a enorme tela à nossa frente, minha
mente está longe. Minha conversa com Everlee, um pouco mais de uma
semana atrás, ecoa na minha cabeça enquanto eu sinto o calor do corpo de
Dallas ao lado do meu. Nossos ombros estão se tocando e o cheiro dele
invadindo minhas narinas me deixa nostálgica e levemente emotiva.

Toque em mim, Dallas. É o que quero dizer, mas não encontro a


coragem para isso. Anos atrás, em Portland, nós nos sentamos no carro dele e
assistimos a tantos filmes em Drive In que faz o peso desse encontro, agora,
ser maior. Eu quero que isso dê certo. Droga. Eu quero não ter medo o tempo
todo. Eu quero, eu quero, eu quero... tantas coisas. Tantas malditas coisas,
mas não consigo encontrar em mim a coragem para fazê-las, para tomar a
situação nas minhas próprias mãos, tomar as rédeas da minha própria vida.
Quebrar a porcaria do laço com Joshua é muito mais difícil do eu pensei,
embora tenha parecido fácil quando Everlee disse.

Toque nele, ela me disse. As pessoas subestimam a importância de um


toque.

Disfarçadamente, seco minhas mãos suadas na minha calça e


tamborilo meus dedos nas minhas coxas, inquieta, pensando no que um toque
pode levar.

Uma vozinha no fundo da minha mente diz: Não pense muito. Apenas
faça. Não pense demais.

Fecho os olhos e pouso minha mão em cima da mão dele.


Imediatamente, Dallas entrelaça os nossos dedos e vira a cabeça na minha
direção. O sorriso que adorna o seu rosto é um daqueles que costumavam
fazer as borboletas no meu estômago alçarem voo, desgovernadas. E é
exatamente isso o que acontece. Exatamente como sempre foi. Minha
respiração fica presa no pulmão quando ele volta a olhar para frente, para o
filme, mas seu polegar faz um carinho lento e circular nas costas da minha
mão.

No meio do filme — no qual eu mal consegui prestar atenção —, eu


deito minha cabeça no ombro de Dallas depois de passar quase vinte minutos
pensando se deveria fazer isso ou não. Dallas não soltou a minha mão em
momento nenhum, e mesmo que eu sinta o suor se acumulando ali, eu
também não tiro a minha mão da dele.

Nós não conversamos muito durante o filme, mas palavras não são
realmente necessárias para que nós nos entendamos. Elas nunca foram
necessárias e isso mostra o quanto nos conhecemos bem, o quanto o nosso
laço é forte.

Deus, eu preciso parar de ler Sarah J. Maas. Esse negócio de laço está
ficando muito enraizado na minha cabeça.

— No que você tanto pensa nessa sua cabecinha linda? — A voz de


Dallas quebra o silêncio no qual estávamos tão deliciosamente envolvidos.

Eu sorrio.

— Tanta coisa que eu nem saberia por onde começar a te explicar —


admito, com toda a sinceridade que consigo.

Dallas tira a sua atenção do filme e olha pra mim.

— Posso te perguntar uma coisa?

Eu faço que sim com a cabeça.

— Como você imagina que vai estar a sua vida daqui uns dois anos?

Penso sobre a pergunta por alguns segundos. Tem tanta coisa que eu
quero que esteja diferente daqui dois anos, tanta coisa que eu quero
alcançar...

— Eu queria entrar na faculdade — conto. — Não sei por que ainda


não fiz isso, na verdade. Eu acho que queria um tempo perto de Skye até que
eu colocasse a minha cabeça no lugar.

— E o que você estudaria?

— Psicologia. — Sorrio. — Acho que me ajudaria com o que


aconteceu comigo, e eu poderia ajudar outras pessoas que passaram por
coisas semelhantes. Sei lá, é uma coisa que passa pela minha cabeça às vezes,
mas, ao mesmo tempo, eu não quero sair dessa cidade e, talvez eu esteja
errada, mas não sei se encontraria mercado de trabalho nesse ramo por aqui.
— Dou de ombros. — Talvez eu trabalhe na floricultura com Debra e
continue fazendo reabilitação para cavalos. Eu também amo isso, então acho
que eu seria feliz.

— E agora? Você é feliz agora? — ele quer saber.


Há tanta intensidade nos olhos de Dallas que é quase difícil respirar
com a forma como ele me olha, mas também não tenho coragem ou vontade
de desviar o olhar.

— Não — confesso. — Não completamente, mas estou mais feliz


agora do que antes, com você aqui comigo.

Dallas beija a pontinha do meu nariz, como fez tantas vezes no


passado, e o gesto arranca um sorriso largo dos meus lábios.

— Eu também quero... — hesito por um momento, mas continuo: —


quero que você esteja na minha vida daqui dois anos. Quero que, de alguma
forma, nós tenhamos sido capazes de superar isso, que eu tenha sido capaz de
superar isso.

— Eu não tenho dúvida nenhuma de que você vai conseguir, amor.


Nós vamos conseguir. Juntos.

Os olhos verdes de Dallas brilham quase tão forte quanto as estrelas


sobre nossas cabeças e percebo, pela forma como ele umedece os lábios, que
ele quer me beijar, mas não toma nenhuma iniciativa quanto a isso, pois sou
eu que escolho, sou eu que digo se vamos ou não nos beijar, se ele vai ou não
tocar em mim. Eu. E a forma como ele reprime o próprio desejo para que eu
fique bem, para que eu fique confortável, só reafirma o quanto esse homem
me ama.

O tempo dele é mais importante que o meu, foi o que eu disse a ele
quando me referi ao cavalo que estou cuidando depois de muito tempo de
maus tratos com seu antigo tutor. Isso é o que Dallas está fazendo comigo, é
o que tem feito desde que chegou à Califórnia. Ele respeita o meu tempo,
pois o meu tempo é mais importante pra ele do que o tempo dele mesmo.

Não desfaço o contato visual quando pergunto:

— E você? Como você se imagina daqui dois anos?

Ele abre um sorriso que está entre uma linha tênue do arrogante e do
envergonhado.
— Você quer que eu seja sincero?

Eu acho graça da sua pergunta.

— Ora, mas é claro que sim.

Dallas dá uma risadinha nervosa.

— Eu me imagino casado com você.

Sinto quando o meu queixo cai e meus olhos arregalam, mas eu me


esforço para me recuperar rápido. Meu coração acelera e é como se fogos de
artifício estivessem explodindo no meu âmago e se espalhando pela minha
corrente sanguínea. Sinto meu corpo inteiro quente.

— Eu... — Limpo a garganta para ser capaz de falar com clareza. —


Eu gostaria disso.

Nós sorrimos um para o outro e retornamos ao silêncio confortável


em que nos encontrávamos antes. Nenhuma outra palavra sendo necessária.

Dallas estaciona o carro na frente da casa e desliga o motor. Anthony


dorme tranquilamente no banco de trás, assim como também dormiu durante
todo o filme. Eu o pego no colo quando saio do carro e Dallas nos
acompanha até a porta da minha casa, que fica um pouco, mas não muito,
afastada da casa principal. Eu coloco Anthony dentro de casa e fecho a porta,
ficando frente a frente com Dallas, decidindo se dou voz para o que vim
pensando durante todo o caminho de volta.

— Foi divertido — ele diz, sorridente. — E eu realmente gostei da


sua escolha de roupas.
Dou uma risadinha, mas estou nervosa demais para conseguir
responder. Não confio nem um pouco na minha voz agora.

— Bom, eu deveria ir — Dallas conclui quando eu não digo nada. —


Boa noite, Lind.

Minhas mãos estão suando.

— Boa noite. — Tento sorrir naturalmente.

Quando Dallas dá as costas para mim e começa a caminhar em


direção à casa de Skye e Mason, meu coração acelera e a guerra se instaura
na minha mente.

Faça alguma maldita coisa!

— Espera!

Dallas para e olha na minha direção, se virando completamente pra


mim quando eu elimino a distância entre nós dois e paro na sua frente. Estou
ofegante como se tivesse corrido até lá, mas devo ter dado menos de quinze
passos. Os olhos dele me esquadrinham, confusos, mas com uma ponta de
curiosidade.

— Sete anos — eu digo de repente.

Dallas franze o cenho.

— O quê?

— Nós namoramos por sete anos antes de... — Balanço a cabeça. —


Nós namoramos por sete anos.

— O que...

— Quando você chegou aqui, eu estava preocupada que todos esses


anos tivessem se perdido na desgraça que a nossa vida foi envolvida. Achei
que seríamos diferentes, achei que seria como se eu estivesse conhecendo
você tudo de novo e fiquei apavorada, porque eu não conseguiria lidar com
um homem novo depois do que aconteceu. Eu não saberia como começar a
explicar e como começar a me abrir, eu não... — Balanço a cabeça de novo.
— Eu não conseguiria com ninguém novo, mas você não é alguém novo.
Você é você. Você ainda é aquele cara de anos atrás e o que sinto quando
estou com você não é diferente do que eu sentia naquela época. Nós não
mudamos. Eu posso ter mudado e você pode ter mudado, mas nós... nós
dois... isso não mudou.

Dallas sorri.

— Eu quero tentar uma coisa — eu digo de uma vez, antes que eu


perca a coragem. — Eu não sei se vou conseguiu ou se vou surtar
totalmente...

— Lindsay, respire! — ele ordena com gentileza.

— Certo.

Eu me obrigo a respirar e tentar acalmar a euforia misturada ao


nervosismo que domina todo o meu corpo.

— Isso. De novo.

E eu puxo o ar com força para dentro dos pulmões e solto pela boca.

— Isso. Essa é minha garota.

Mais calma, eu dou outro passo na direção de Dallas. Ele fica


completamente imóvel, me observando, me dando o controle da situação.

Por favor!, eu imploro pra mim mesma.

Uno os meus lábios aos de Dallas quando me aproximo mais um


passo, mas diferente dos últimos beijos que compartilhamos, eu abro os meus
lábios e roço a ponta da minha língua nos lábios dele, pedindo passagem.
Sinto a surpresa irradiar do corpo dele, mas Dallas abre os lábios e nossas
línguas se encontram. Meu corpo inteiro treme ao sentir o toque suave da sua
língua aveludada na minha e várias lembranças de nós dois invadem a minha
mente. Nosso primeiro encontro, nosso primeiro beijo, nossa primeira vez, as
noites em que eu fugia para o quarto dele e nós dormíamos agarrados, o
apartamento que ele comprou para que nós tivéssemos mais privacidade,
longe dos olhos cruéis de Joshua e de todos os outros homens que habitavam
aquela casa amaldiçoada... Mas essas boas lembranças são rapidamente
substituídas por uma cela escura, pútrida, meu corpo sendo prensado contra o
chão úmido e sujo; meus gritos ecoavam pelas paredes com a mesma
intensidade que o barulho dos gemidos dele, da língua dele invadindo a
minha boca.

É demais.

Interrompo o beijo com brutalidade e me afasto de Dallas com tanta


rapidez que tropeço nos meus próprios pés e caio de bunda no chão.

— Lind, você está bem? Se machucou? — Ele se aproxima, a


preocupação nos seus olhos me destrói.

— Não! — Eu me arrasto no chão, me afastando dele. — Não! Por


favor, não... não toque em mim! Por favor.

— Amor, está tudo bem! — Dallas tenta me acalmar. — Você está


segura!

— Você é meu brinquedinho agora, sua vadia traidora! — A voz dele


invade minha mente.

Não percebo quando começo a chorar, mas sinto o gosto salgado na


minha boca e a nitidez da minha visão se desfaz.

— Amor, por favor, respira! — Dallas implora, o desespero em sua


voz me dilacerando.

— Ninguém está vindo por você, e quando eu matar a vagabunda da


sua irmã, ninguém nunca virá. Você vai morrer aqui, dando essa boceta pra
mim, que é a única coisa para a qual você serve, sua vadia imunda!

Meu corpo se encolhe no chão, e eu tampo meus ouvidos com as


mãos como se conseguisse calar a voz dele dessa forma, mas é inútil, ela está
dentro da minha cabeça, gravada nas minhas lembranças. Para todo o maldito
sempre.

— O que o seu precioso Dallas diria se pudesse te ver agora, huh?


Provavelmente ele se daria conta que você é tão suja quanto a sua irmã. O
que ele diria se soubesse que você abriu as pernas pra mim?

Eu grito, tentando silenciar a voz dele e me concentrar em outra coisa.


Qualquer coisa. Por favor! Alguém me ajude! Por favor, por favor, por
favor...

— Lindsay! — A voz de Dallas tenta me trazer de volta, mas eu já


estou longe demais pra ser alcançada.
12.
Você está se escondendo

Não quero acrescentar nada a sua dor

Rezo para que o tempo faça uma mudança em sua vida

Percebo o quanto você mudou a minha vida

E eu não quero passá-la com mais ninguém

| Justin Bieber – No Pressure

Lindsay se afastou de mim desde aquela noite.

Skye foi quem conseguiu acalmá-la; foi a única pessoa que Lindsay
permitiu que a tocasse. Ela chorou e chorou sem dizer nenhuma palavra, e
então adormeceu. Skye ficou com ela naquela noite, e pela fisionomia no
rosto de Mason, aquela não havia sido a primeira vez que Lindsay havia
ficado daquele jeito. Distante. Inalcançável. E o grito que saiu de sua boca
naquela noite... Deus, eu nunca vou esquecer a angústia presente naquele
som, a dor, o desespero. Aquele grito vai me assombrar até o restante dos
meus dias.

Lindsay não tem falado comigo desde então. Ela nem sequer olha pra
mim. Quando eu chego, ela vai embora; e se percebe que eu estou em algum
lugar, ela não se aproxima.

Faz duas semanas.

Duas malditas semanas que eu não faço ideia do que fazer para ajudá-
la, para trazê-la de volta pra mim, para o pequenino progresso que havíamos
conseguido alcançar antes de tudo desmoronar ao nosso redor, deixando
ruínas.

Sei que Lindsay voltou para a terapia. Skye me contou há alguns dias.
E eu não posso deixar de pensar que fui eu o responsável por desencadear
essa nova onda de sofrimento nela. Se eu não estivesse aqui, ela estaria bem,
certo? Se eu não estivesse aqui, ela não iria se sentir tentada a dar um passo
adiante, certo? Um passo provavelmente maior do que ela estava pronta para
dar.

Eu não sei.

Eu faria qualquer coisa para arrancá-la desse lugar obscuro no qual


ela se encontra, mas não sei o que mais eu posso fazer sem que ela tenha
gatilhos de memória que a machucam. E, Deus, eu não quero machucá-la. Eu
não aguento isso, porra. Eu só quero protegê-la e amá-la.

— Você parece estar longe — aponta Mason, me trazendo de volta


para a realidade. — Parece que estava pensando na sua vida inteira.

Suspiro.

— Talvez eu devesse voltar para Boston — digo, dando voz aos meus
pensamentos.

Mason vira aqueles olhos azuis na minha direção, uma interrogação


gigantesca preenche todo o seu rosto.

— Isso não está funcionando. Eu a estou machucando, cara. Lindsay


nem ao menos consegue olhar pra mim — eu elaboro, meu coração pesando
cinquenta toneladas dentro do meu peito. — E por mais que eu odeie a ideia
de deixá-la, ficar aqui e vê-la desse jeito por minha causa me mata. Não é
justo.

— Nada sobre toda a história de vocês dois é justo, Dallas.

É... ele está certo sobre isso.

— Eu não sei que porra eu estou fazendo. Pensei que dar a ela o
controle ajudaria, pensei que o que sentimos um pelo outro a faria mais forte,
a deixaria mais segura, mas eu nem sequer sei se isso ajudou um por cento.

— Está brincando? É claro que ajudou — replica Mason. — Fazia


tempo que eu não via a Lindsay tão feliz. Skye disse que ela até voltou a
cantarolar, coisa que ela não fazia quando você não estava aqui. Você a
ajudou, Dallas.

— Não o suficiente — eu divago, desolado. — Eu só quero que ela


seja feliz, Mase. Isso é tudo o que eu quero. Mas, pra mim, ela não parece
nem um pouco feliz agora.

Mason passa a mão pelo queixo, pensativo.

— Dê mais um tempo antes de realmente decidir voltar pra Boston.


Nós não temos como saber o que está se passando na cabeça dela, cara. Não
temos como saber exatamente o que o Joshua fez com ela, embora dê para ter
uma ideia, conhecendo-o como conhecíamos. — A voz de Mason fica mais
sombria quando ele cita o irmão. — Ele provavelmente a fez desejar a morte.

Cerro meus punhos, sentindo meu sangue ferver, mas apenas


confirmo com a cabeça. Não quero nem começar a pensar nisso porque acho
que sou capaz de destruir a casa de Mason em um acesso de raiva.
Estou deitado na cama do meu quarto, esperando o sono dar as caras,
quando uma batida ressoa pelo cômodo, me despertando completamente.
Levanto-me da cama e abro a porta, jurando que vou encontrar a Skye do
outro lado — já que Mason nunca se dá ao trabalho de realmente bater —,
mas não é a Skye.

Lindsay.

— Oi! — eu digo, tentando esconder a minha surpresa.

Ela me dá um meio sorriso quase imperceptível.

— Oi. Podemos conversar rapidinho?

Meu coração está acelerado, mas consigo manter minha fisionomia


tranquila para não a deixar nervosa. Abro mais a porta do quarto e Lindsay
entra. Ela olha ao redor como se pudesse descobrir algo novo sobre mim, mas
não é como se esse fosse realmente o meu quarto, a minha casa. Quando
fecho a porta em um baque surdo, Lindsay vira de frente pra mim. Eu me
atenho a ficar perto da porta e longe dela, não sabendo exatamente como
devo me comportar com ela agora, depois do que aconteceu duas semanas
atrás.

— Eu sei que você odeia que eu faça isso, mas eu queria me desculpar
por estar te evitando, eu... eu só precisava de um tempo para entender o que
eu estava sentindo. Eu não imaginava que aquilo fosse acontecer porque eu
queria beijar você. — Ela respira fundo. — E eu realmente queria beijar você,
Dallas.

Ela parece cansada, como se estivesse revirando aquela noite na sua


cabeça, sem parar.

— No que você pensou enquanto estava me beijando? — pergunto


com suavidade.

— No começo eu pensei em nós dois e em como era bom estar


beijando você de novo, mas depois... — Ela balança a cabeça. — Eu me
lembrei de coisas que ele disse pra mim. Ele falava de você para me
machucar, falava coisas como “O que ele pensaria se te visse agora? Se
soubesse que você abriu as pernas pra mim?”, como se eu tivesse tido alguma
escolha quanto a isso, mas... Foi nisso que eu pensei.

Fecho minhas mãos em punhos, tentando controlar a cólera. É a cara


do filho da puta miserável do Joshua falar uma coisa dessas; fazer esse tipo
de tortura psicológica. Eu odeio tanto o desgraçado que eu poderia matá-lo de
novo se fosse possível. Com as minhas próprias mãos. E eu iria amar cada
maldito segundo disso, iria amar ver a vida deixar os olhos dele.

— Me dê a sua mão — eu peço a ela, estendendo a minha para que


ela pegue.

Sem hesitar, Lindsay segura a minha mão. Sua pele está fria e esse é o
único indício que tenho do quanto ela está tensa, já que seu rosto e seus olhos
não me entregam muita coisa. Eu a guio até o grande espelho no canto do
quarto. Nós paramos na frente dele; eu parado logo atrás dela.

— Olhe — eu peço. — O que você vê?

Lindsay tomba a cabeça para o lado, esquadrinhando o próprio reflexo


no espelho.

— Vejo algo diferente do que eu costumava ver — ela diz, lacônica.

Assinto.

— Sabe o que eu vejo? — pergunto retoricamente. Lindsay levanta os


olhos e encara os meus pelo espelho. — Eu vejo que o verde dos seus olhos
ainda é o mesmo e eu amo como eles ainda brilham quando você olha pra
mim.

Ela tenta disfarçar um sorriso, mas seu rosto inteiro a trai. Eu consigo
ver as suas bochechas ficando coradas.

— Eu vejo que o seu cabelo loiro ainda é o mesmo. — Eu pego uma


mecha entre os meus dedos e levo até o meu nariz. — E tem o mesmo cheiro.
Baunilha. E eu amo porque foi o cheiro que ficou no meu travesseiro, e eu me
agarrei a ele quando pensei que você tinha morrido.

Vejo que os olhos dela começam a brilhar com lágrimas.

— Eu vejo o seu corpo e as suas curvas e me lembro do quanto já as


amei. Na minha cama, na sua cama, no carro, no banheiro, na cozinha, em
quase todos os lugares que encontrávamos — eu continuo, minha voz um
pouco mais rouca do que antes.

Ela solta uma risadinha ao mesmo tempo em que uma lágrima escapa
dos seus olhos. Eu luto contra a vontade de secar essa lágrima, porque não
quero tocá-la ainda. Não ainda.

— Eu vejo você. Você inteira. A imagem que eu tenho de você antes


e agora é a mesma, Lind. Ele não destruiu isso, mesmo que eu consiga
imaginar as coisas inomináveis que ele fez com você... Ele não destruiu a
imagem que tenho de você, ele nunca seria capaz de fazer tal coisa. — Eu
toco o ombro dela e a giro devagar, para que ela fique de frente pra mim. —
Pare de pensar que eu tenho nojo de você ou que, de alguma forma, você não
me merece. O que aconteceu não foi culpa sua! E, porra, você me merece! Eu
te mereço! Eu te quero! Pare de pensar ao contrário! Eu quero você! Mesmo
com tudo o que aconteceu, eu continuo te querendo exatamente como sempre
quis.

Eu afasto uma mecha do cabelo dela, prendendo-a atrás da sua orelha


e segurando os olhos dela presos aos meus à medida que um sorriso hesitante
se forma em seus lindos lábios rosados.

— Tem uma coisa que quero te mostrar, mas você precisa me


prometer que vai ficar calma. Eu não vou me mover, entendeu?

Ela faz que sim com a cabeça.

— Diga.

— Eu entendi.

Dou dois passos para longe dela, abrindo a distância deliberadamente,


solto o ar pela boca e levo minhas mãos até a parte de trás da minha camiseta,
puxando-a por cima da minha cabeça. Escuto quando Lindsay prende a
respiração. Dispenso a camiseta em cima da cama e olho para ela, vendo-a
esquadrinhar meu peito desnudo.

— Está vendo isso aqui? — eu pergunto, apontando para uma cicatriz


na minha barriga.

Lindsay estreita os olhos e depois os arregá-la.

— Isso é uma...

— Uma cicatriz de tiro — eu afirmo, sério. — É.

Seus olhos verdes encontram os meus carregados de preocupação.

— Você foi baleado? O que aconteceu? Você não tinha essa cicatriz
antes.

Não, eu não tinha.

— Dois meses depois que eu achei que você tinha morrido, eu... eu
não estava bem, Lind. De repente, todo mundo com quem eu me importava
sumiu. Você, o Jesse, a Skye, o Mason, eu não podia falar com QD... Eu
estava enlouquecendo — eu conto, e noto como minha voz fica mais
sombria. — Uma noite, Joshua pediu que eu, o Fitz e mais alguns caras
fossemos cobrar uma dívida. Minha cabeça não estava no lugar e quando a
coisa toda foi pelos ares, eu levei um tiro. A primeira coisa que passou pela
minha cabeça foi que eu iria morrer. Eu tinha certeza de que eu iria morrer. A
segunda coisa que passou pela minha cabeça foi que talvez aquilo não fosse
tão ruim, porque eu sabia que se eu morresse, eu veria você de novo. Nós
estaríamos juntos e toda aquela vida de merda acabaria. Então eu não chamei
ajuda, apenas deixei acontecer. Eu estava em um lugar sombrio naquela
época, mas... isso é o quanto eu amo você, o quanto eu queria estar com
você.

— Dallas...
Ela se aproxima de mim e hesita por um instante antes de tocar a
cicatriz na minha barriga. Quando seus olhos encontram os meus de novo, eu
sei, pelas lágrimas presentes ali, que ela está devastada.

— Eu nunca iria te perdoar por não lutar pra viver — ela diz, a voz
embargada.

— Eu estava cansado de lutar — eu murmuro. — Eu nem sequer


sabia mais pelo que eu estava lutando.

Lindsay me abraça, enterrando o rosto no meu peito. Eu sou pego pela


surpresa, mas a abraço de volta alguns segundos depois. A seguro com força
nos meus braços e beijo o alto da sua cabeça.

— Eu sinto muito — ela diz, chorosa. — Eu sinto muito por tudo o


que aconteceu naquela noite. Skye e eu deveríamos ter nos preparado melhor,
deveríamos ter sido mais cuidadosas.

Eu balanço a cabeça.

— Joshua dominava Portland, Lind. Vocês nunca conseguiriam sair


tranquilamente, nós sabíamos disso. Foi um milagre que Skye tenha
conseguido sair viva da cidade — eu replico. — Mas, de qualquer forma, isso
não importa agora. Pensar nisso não vai mudar o que aconteceu. Temos que
focar no futuro, pois o passado é o que é, não podemos fazer nada quanto a
isso.

Ela concorda com a cabeça, e o silêncio cai sobre nós por alguns
instantes.

— Eu voltei para a terapia — Lindsay diz de repente, levantando o


rosto para olhar pra mim, mas sem sair dos meus braços.

— Skye me contou. Como está indo isso?

— Bem. Está indo bem. — Ela sorri, mas o sorriso não alcança os
seus olhos. — É de repente que tudo deixa de estar bem.

Eu anuo.
— Eu vou voltar para Boston, Lind — comunico.

Lindsay franze o cenho à medida que me solta do abraço e se afasta.

— Por que você faria isso?

— Porque eu acho que a minha presença aqui pressiona você.

— Você não me pressiona — ela retruca, irritada. — Tudo o que você


faz é precisamente não me pressionar.

— Eu sei, mas ainda assim, eu te pressiono — insisto. — Ou você vai


me dizer que não passa pela sua cabeça que eu quero mais do que só beijos?

Lindsay abraça o próprio corpo e desvia os olhos dos meus. E essa é


toda a resposta que eu preciso.

— Foi o que eu pensei — concluo. — Eu sei que você sabe que eu


vou esperar, que não vou, nunca, intencionalmente pressionar você, que tudo
o que eu quero é que você se sinta bem, confortável e segura, mas, de uma
forma ou de outra, você vai se sentir pressionada a dar um passo que talvez
não esteja pronta só porque sua mente vai tentar te convencer de que eu quero
mais.

— E não quer? — ela indaga, voltando a me encarar.

— É claro que eu quero, mas não se isso for te deixar daquele jeito.
Não se for te torturar; não se for pra ver você se encolhendo no chão,
desesperada para se livrar da voz dele na sua cabeça; não se for pra ver o
medo nos seus olhos. Eu não quero assim. — Eu solto o ar dos pulmões antes
de me aproximar dela de novo. — Nós não estamos prontos ainda, linda. Nós
tentamos, mas está óbvio que você precisa de mais tempo e eu não acho que
ficar aqui vai te ajudar a ter o espaço que você ainda precisa.

Lindsay começa a balançar a cabeça, pronta para discordar de mim, e


mesmo que meu peito pareça pesar toneladas agora, eu forço minhas
emoções para dentro de mim para que consiga fazer o que precisa ser feito.
Ela não está pronta. E mesmo que me mate pensar em deixá-la de novo, eu
não fui egoísta com ela antes, então não começarei a ser agora.

Com gentileza, eu seguro o seu queixo e levanto o seu rosto para que
ela possa me olhar nos olhos.

— Eu te amo — eu declaro com firmeza.

— Então não vá embora — ela replica, chorosa.

Fecho os meus olhos por um momento.

— Eu não posso ficar. É por amar você que vou embora. Eu não sou o
que você precisa agora.

— E o que eu preciso? — ela pergunta, irritada, se afastando de mim


de novo. — De que porra eu preciso então, Dallas, senão de você?

Meu peito aquece com o lampejo da Lindsay que eu costumava


conhecer, da mulher por quem eu me apaixonei. A força presente na voz dela
nesse momento me enche de lembranças.

— Você precisa lutar — eu respondo. — Você disse que não me


perdoaria por não lutar, então por que você não está lutando?

Ela ri com escárnio, mas as lágrimas não deixam de se desprender dos


seus olhos.

— Sério? Eu não estou lutando? Então o que eu tenho feito no último


um ano e meio?

— Eu acho que você tem se escondido do seu medo — eu digo, sério.


— Você não está lutando, caramba! Você está se escondendo!

Ela nega com a cabeça.

— Você não sabe do que está falando.

— Ah, não? Então diga, o que você tem feito nesse um ano e meio
além de cuidar de cavalos e trabalhar na floricultura? Você sai com os seus
amigos? Você sequer tem algum amigo além da garota que trabalha com
você? — pergunto, e percebo pelo timbre da minha voz que estou ficando
irritado. — Huh?

Lindsay desvia o rosto de novo.

— Você nem sequer consegue me olhar porque sabe que eu estou


certo, Lindsay! Você não está nem tentando, porra! Você está escondida atrás
dos seus vestidos floridos e da sua recém adquirida postura passiva onde você
não luta de volta... quem diabos é você?!

— Eu fui estuprada! — ela grita pra mim, explodindo. — Muitas


vezes, Dallas! Muitas! Eu fui torturada, espancada, invadida e destruída por
quase um maldito ano inteiro! Você não tem ideia das coisas que Joshua fez
comigo naquele lugar esquecido por Deus! Não ouse achar que você entende
o que aconteceu comigo lá, porque você não sabe nem a primeira maldita
coisa sobre nada dessa merda, Anthony!

— Agora você está com raiva? — eu grito de volta pra ela.

Vejo os seus olhos verdes fervendo pela cólera.

— Com raiva? — Ela ri com escárnio. — Ah não. Eu não estou com


raiva, eu estou furiosa!

— Então me mostre! — eu provoco, seco. — Onde está toda essa sua


fúria? Pare de se esconder, porra! Me mostra!

Lindsay me empurra ao mesmo tempo em que grita:

— Cala a boca! Você não sabe de nada!

Eu rio, debochado.

— Isso é só o que você tem? Me mostre o que eu te ensinei anos


atrás! Lute, caralho!

Preciso segurar o sorriso quando ela realmente parte pra cima de mim,
desferindo socos certeiros, mas que não tenho nenhuma dificuldade de
bloquear. Ela está há muito tempo sem treinar comigo, mas sua memória
muscular é boa o suficiente.

Deixo que ela descarregue a raiva, sem nunca revidar, apenas me


defendendo dos golpes dela. E então, como eu esperava, ela começa a chorar
tanto que seus socos começam a ficar mais fracos até que ela esteja apoiada
contra o meu peito, exausta e chorando. Eu a seguro nos meus braços,
apertando-a contra mim. Não posso salvá-la se ela não se salvar. Eu preciso
que ela lute.

— Por que você está fazendo isso? — ela balbucia entre o choro.

— Porque eu sei que você está devastada, mas você ainda tem força aí
dentro, amor, e eu precisava que você se lembrasse disso. Pare de sentir pena
de si mesma. O que aconteceu com você foi monstruoso, mas você ainda está
aqui. O dia que você desiste de lutar por si mesma, é o dia que você deixa de
viver para apenas existir. Pare de existir e comece a viver. — Eu seguro o seu
rosto entre as minhas mãos, enterrando meus dedos no seu cabelo sedoso. —
Lembre-se da mulher que você costumava ser, lembre-se da força que ela
tinha e da sua inigualável vontade de ser feliz. Comece a viver para que
possamos fazer isso juntos, pois eu não posso viver com você se você não
estiver vivendo por si mesma.

Ela faz que sim com a cabeça, fica na ponta dos pés e une os seus
lábios nos meus. Eu inspiro o seu cheiro e tento acalmar meu coração.

— Quando nos encontrarmos de novo, será para ficarmos juntos pra


sempre — eu sussurro minha promessa contra os lábios dela.

Lindsay envolve meu pescoço com os braços ao ficar na ponta dos


pés. Seu corpo treme contra o meu à medida que ela chora.

— Eu estou tão cansada de dizer adeus pra você — ela balbucia


contra a minha pele.

— Isso não é um adeus — afirmo. — Isso é só um até logo. Nós


vamos ver um ao outro de novo, amor. Eu prometo.
Eu a aperto em meus braços e fecho os olhos com força, contendo a
dor dentro do meu peito.

Tudo o que eu queria era que ela reagisse, que sentisse algo além da
dor excruciante, que ela enxergasse que ela ainda tem força, que ainda
consegue lutar, pois Lindsay parecia caminhar em direção ao fundo do poço
sem nem sequer se dar conta disso.

Mas agora ela sabe que consegue lutar.


13.
O submundo diz “Olá de novo”

Você consegue ouvir o silêncio?

Você consegue ver a escuridão?

Você consegue restaurar o que foi destruído?

Você consegue sentir o meu coração?

| Bring Me The Horizon – Can You Feel My Heart?

— Tio Dallas! — Emma grita e corre na minha direção assim que eu


passo pela porta de casa.

Eu a pego no colo e a jogo para cima, fazendo-a gargalhar. Minha


sobrinha agarra o meu pescoço e me abraça apertado, deixando claro toda a
sua saudade pela minha ausência.

— Oi, meu pequeno furacão. — Eu sorrio. — Como está a minha


princesa?

— Estou bem. — Ela abre um sorriso largo pra mim. — Eu tomei


conta do papai e do tio Spencer como você me pediu.
Eu dou risada.

— Essa é minha garota.

Coloco Emma no chão para dar um abraço em QD. Meu irmão parece
ligeiramente mais cansado do que da última vez que eu o vi, o que me faz
acreditar que ou Chasin está dando trabalho durante a noite ou Devon já
começou a transferir algumas coisas para QD.

— É bom ter você em casa, irmão — diz QD, me abraçando apertado.

Não respondo, apenas o abraço mais forte. Não é que não seja bom
estar em casa, com a minha família, porque é, mas sinto como se estivesse
incompleto. Não é como eu queria que as coisas estivessem.

— Você está bem? — eu pergunto quando saímos do abraço. — Onde


está Everlee e Devon?

— Everlee está colocando o Chasin para dormir e Devon está em uma


reunião com alguns informantes do Texas.

Franzo o cenho.

— Do Texas?

QD olha de esguelha para Emma, como se para se certificar de que a


filha não está prestando atenção à nossa conversa.

— As coisas com a Ravagers não estão boas. Killian quer guerra por
conta da morte da esposa e ele exige que nós escolhamos um lado. Se não
estivermos com ele, então estamos contra ele — QD me situa, falando baixo
para não chamar a atenção de Emma. — Devon não quer tomar partido de
nada, mas estamos meio sem opção aqui.

— Maldito Darryl! — praguejo.

Darryl Griffin como Capo da Ravagers só irá nos trazer dor de


cabeça.
— Não posso dizer que Killian está errado em só estar vendo
vermelho e querer sangue. Ele tem um filho pequeno para proteger. — QD
olha para Emma e vejo toda a preocupação em seus olhos. — Não vou
colocar minha família em perigo por causa daquele filho da puta, Dallas. Não
vou entrar em outra maldita guerra.

Confirmo com a cabeça, mas então me dou conta de uma coisa.

— Espera, você não vai entrar em outra guerra? Devon colocou a


decisão nas suas mãos?

Meu irmão confirma com a cabeça.

— Eu tenho tomado todas as últimas decisões referentes aos negócios.


Devon me aconselha, mas a palavra final é minha. E você sabe tão bem
quanto eu que toda e qualquer escolha tem a sua consequência.

Eu anuo.

— Mas se você não se unir ao Killian e nem ao Darryl, então Killian


pretende fazer o quê? Nos atacar? Ele não pode ser tão burro. Nós
controlamos todo o norte da costa leste, ele seria aniquilado.

QD passa a mão pelos cabelos.

— Eu não sei, Dallas, mas, por experiencia própria, Killian não deve
estar pensando direito agora. Eu sei que eu não estava quando Hanna foi
morta. Ele só quer sangue, independente de quem seja.

— Deixe que eu seja diplomático. — Coloco a mão no ombro do meu


irmão para tentar tranquilizá-lo. — Vou falar com Killian.

— Obrigado. Acho que sou capaz de piorar as coisas se tiver que


sequer ouvir a voz dele.

As coisas com certeza piorariam. QD não suporta sequer a menção de


Killian, imagina precisar lidar com ele em pessoa.
— Tio Dallas, vamos brincar? — Emma me pergunta, se
aproximando novamente.

— Agora não posso, pequeno furacão. Preciso resolver algumas


coisas, mas podemos brincar mais tarde, o que acha?

Minha sobrinha confirma com a cabeça, e eu sorrio pra ela.

— Tente respirar — digo para o meu irmão. — Vou resolver isso.

QD confirma com a cabeça.

Caminho até o escritório de Devon — ou o escritório de QD, agora


não tenho mais certeza — e me sento na cadeira atrás da enorme mesa de
mogno. Procuro pelo telefone de Killian entre os contatos e faço a chamada.

Por um momento, enquanto estava na Califórnia com Lindsay, pensei


que não precisaria voltar a interpretar esse papel. Ninguém além da minha
família realmente sabe que eu não sou o monstro inescrupuloso que Joshua
fez o mundo acreditar que eu sou, e é melhor assim. Na máfia, você precisa
ser temido para ter uma chance de sobreviver.

— Devon. — A voz de Killian invade o meu ouvido.

— Tente de novo — eu digo, sombrio. É quase como se eu


conseguisse sentir a minha alma se tornando obscura. Toda a leveza que senti
na Califórnia, acabou.

— Dallas — ele diz, o desgosto é tão palpável em sua voz que


consigo senti-lo na minha pele. — Eu pensei que Devon teria a decência de
me colocar para falar com quem comanda. Esse seria o seu irmão agora, não?

Se tem uma coisa que aprendi com Joshua que realmente serve para o
mundo em que vivemos é que o deboche é sempre a melhor arma, faz parecer
que você é inatingível.

— Você vai descobrir que eu posso dar ordens tão bem quanto o meu
irmão. O que você acha de eu mandar alguns homens para lhe fazer uma
visita de cortesia? — sugiro, deixando claro para Killian que estou sorrindo
enquanto falo. — Mas não acho que isso seria uma boa ideia, dada a sua atual
situação.

Eu consigo ouvi-lo rosnar do outro lado da linha.

— O que você quer, Dallas?

— Te colocar na porra do seu devido lugar. Se você acha que pode


nos ameaçar, está terrivelmente equivocado, Killian. Acho que você esqueceu
que, dado o seu histórico com o meu irmão, você não tem qualquer direito de
impor que ele se alie a você. Devo te lembrar que Hanna está morta por uma
ordem que você deu.

— Mas parece que seu irmão se saiu muito bem, não é? Pelo que sei,
ele tem uma esposa linda e dois filhos preciosos.

É tangível quando o mal me invade. Eu consigo senti-lo correndo nas


minhas veias.

— Isso é uma ameaça?

— Não, apenas uma observação — ele retruca, cínico.

— Vou deixar uma coisa muita clara, Killian. Se você ameaçar minha
cunhada e meus sobrinhos, eu vou, pessoalmente, garantir que seu filho
cresça órfão. E não, isso não é uma ameaça, é a porra de uma promessa.
Então, se eu fosse você, pensaria muito bem antes de tomar uma decisão
estúpida que custe ao seu filho ambos os pais. E você sabe muito bem o que
vai acontecer com ele se não houver quem o proteja, não sabe? — Faço uma
pausa para esperar por uma resposta, mas quando ela não vem, eu sei que
consegui o que queria. — Não teste a porra da minha paciência de novo —
aviso, sombrio como o inferno. — E mantenha seus problemas longe da
minha família. Nós não vamos tomar partido nessa guerra. Você tem a minha
palavra de que não vamos nos aliar ao Darryl, então não nos dê uma razão
para mudar de ideia. Até porque, se nós nos unirmos a ele contra você, é fugir
ou morrer. A escolha é sua. Fui claro?

O silêncio do outro lado da linha é tão longo que, por um momento,


eu acho que Killian teve a audácia de desligar o telefone, mas então o escuto
dizer:

— Sim.

Sorrio. Vê-lo precisar engolir o orgulho é simplesmente delicioso,


considerando o quanto o filho da puta fez o meu irmão sofrer.

— Que bom. Tenha um ótimo dia, Killian.

A linha fica muda logo em seguida e um sorriso quase como o do


coringa adorna o meu rosto quando coloco o telefone de volta no gancho.

— Ei. — Everlee aparece de repente, sentando-se ao meu lado na


espreguiçadeira na área da piscina.

Eu não sei quanto tempo faz que eu estou sentado aqui, olhando a
água imóvel da piscina, os pensamentos tão distantes quanto se é possível
estar.

— Oi. — Eu sorrio para ela.

— QD acabou de receber uma ligação de Neil. Parece que, seja lá o


que você disse ao Killian, surtiu algum efeito.

Neil é o braço direito de Killian desde que QD matou o seu primo,


após ele ter sido a mão que puxou o gatilho que matou Hanna.

— Que bom — eu digo, lacônico. — Vamos ver se o filho da puta vai


pensar duas vezes da próxima vez que abrir a boca para ameaçar você ou os
meus sobrinhos.
Everlee franze o cenho.

— Ele nos ameaçou?

— Não com todas as letras, mas para bom entendedor, meia palavra
basta. Não é o que dizem?

Everlee fica em silêncio por alguns instantes, pensando


profundamente sobre algo. Seus olhos azuis não entregam nada, no entanto.
Embora Everlee tenha evoluído muito em suas relações interpessoais, às
vezes ela consegue ser tão enigmática quanto um dia foi. Seu rosto e seus
olhos são uma folha em branco nesse momento.

— No que você está pensando? — pergunto, curioso.

— Ainda é estranho ter alguém cuidando de mim, sabe? Não precisar


me preocupar com tudo sozinha... Ter uma família. — Ela lança um pequeno
sorriso que não alcança os seus olhos. É como se ela estivesse se lembrando
vividamente da época em que não havia ninguém a quem recorrer por ajuda.

— Eu morreria por você, Ever. Por Emma e Chasin também. Você


sabe disso, não sabe? QD e Devon morreriam por você e por seus filhos.

— Eu sei. — Ela segura a minha mão, me pegando completamente de


surpresa com o gesto. — Eu morreria por você também.

— Não ouse — eu quase rosno pra ela. — Você tem Emma, Chasin e
QD que precisam de você.

Seus olhos azuis escurecem e percebo que ela está com raiva.

— Não diga isso como se você não tivesse ninguém com quem
deveria se importar ou que morreria por dentro se algo acontecesse com você
— ela me repreende.

Eu suspiro.

— Eu não quis dizer dessa forma.


Everlee se levanta da espreguiçadeira e se ajoelha ao meu lado, de
modo que seus olhos incisivos conseguem capturar os meus com
determinação, sem deixar brechas para que eu escape.

— Converse comigo — ela ordena, tão firme quanto Devon quando


ele está disparando ordens para nós. Está no sangue.

— Não há nada para conversar.

Ela nega com a cabeça.

— Você está afundando, eu consigo ver — ela acusa. — Seus ombros


estão rígidos e seus olhos estão escuros, como só costumava acontecer
quando você mantinha a sua guarda alta, quando interpretava o seu papel
nessa merda toda. Esse é o Dallas que o submundo conhece, não o Dallas que
nós conhecemos.

Eu olho bem para Everlee, deixando que ela veja que esse é
exatamente o homem que eu preciso ser agora para não precisar sentir que
perdi. De novo.

Não sou o tipo de cara que foge das coisas — principalmente não
quando disse à Lindsay que parasse de fugir. Hipocrisia não faz o meu estilo,
mas nesse momento, até que a dor assente dentro de mim de novo, eu preciso
focar no lado que me entorpece. Cada um tem o seu próprio modo de lidar
com a dor e a sobreviver quando coisas ruins acontecem. Esse é o meu. A
maioria das pessoas não sabe quantas merdas fodidas eu vivenciei e precisei
engolir e arrumar uma forma de não as internalizar para não enlouquecer.

— Everlee, com todo o respeito, cuide da sua própria vida e me deixe


em paz, pode ser? — Eu sustento seus olhos desafiadores. — Eu não quero
ser rude com você, por favor.

Minha voz sai fria e dura. Eu sei que ela está tentando me ajudar
porque ela se importa, sei que essa é a mulher do meu irmão e a última coisa
que eu preciso agora é QD me enchendo o saco por ter perdido a cabeça com
sua esposa. E falei sério antes, quando disse que morreria por ela, porque a
amo e ela é minha família. No entanto, eu tenho meus limites.
Vejo a decepção atravessar o rosto de Everlee, mas é efêmero.

— Está tudo bem aqui? — A voz de QD me faz desviar os olhos de


Everlee. A tensão nos ombros do meu irmão é visível.

— Tudo ótimo — Everlee responde, levantando-se e ficando ao lado


do marido. — Seu irmão e eu só estávamos conversando.

QD arqueia uma sobrancelha, olhando de mim para Everlee como se


soubesse que foi mais do que uma simples conversa. Em segundos, Everlee e
eu quase travamos uma guerra fria com os olhos.

— Certo — QD diz, cismado. — Dallas, nós precisamos ir. Estamos


com um problema no Deviant.

Eu me levanto da espreguiçadeira já sentindo a adrenalina sendo


injetada nas minhas veias.

O Deviant é um dos nossos clubes de strip-tease/prostíbulo. É o lugar


onde normalmente temos mais problemas com clientes que acham que podem
bater nas nossas meninas só por elas serem prostitutas, e sair impune. Ah,
não. Não em Boston. Não sob a nossa vigília.

— O que aconteceu? — Everlee pergunta.

— Uma das garotas foi espancada por um cliente — conta QD, e


consigo ver a fúria nos seus olhos. — Esses filhos da puta estão testando a
porra da minha paciência.

— Malditos — pragueja Everlee. Isso é mais difícil de lidar para ela,


que já fora, muitas vezes, forçada a estar no lugar dessas garotas. Diferente de
como as coisas acontecem com as nossas meninas, Everlee não teve poder de
escolha. — Me leve junto. Chasin e Emma estão dormindo. Spencer e Devon
podem cuidar deles na nossa ausência. Eu quero garantir que a garota receba
o atendimento médico necessário.

QD confirma com a cabeça.


Devon está praticamente tratando de assuntos administrativos agora e
é o rosto do meu irmão que os homens passaram a ver com mais frequência
nas últimas semanas.

Eu dirijo até o Deviant enquanto QD afia as facas e checa as armas.


Everlee, que vai no banco de trás, está no telefone com o Dr. Cupelli, o
médico que cuida dos nossos feridos e é bom em manter as coisas... discretas.
É o único homem fora da nossa máfia que Devon confia.

Quando entramos no Deviant, com QD à frente, o movimento corre


normalmente, com as garotas dançando nuas no palco, no colo dos clientes
ou os arrastando para o corredor lateral que leva até os quartos privativos.
QD segue diretamente até os fundos, onde uma porta leva para o escritório de
Martin, o gerente.

— Cadê o desgraçado? — QD pergunta assim que entra no escritório.

— Cadê a garota? — Everlee pergunta ao mesmo tempo.

Martin olha para QD e depois para Everlee, escolhendo


estupidamente ignorar a pergunta dela.

— Nós o colocamos no depósito, QD — Martin responde, quase


orgulhoso demais de si mesmo. — A situação está sob controle.

Meu irmão encara Martin, com olhos tempestuosos.

— Existe algum motivo para você não ter respondido à pergunta da


minha esposa? — ele pergunta, sombrio como o inferno.

Martin olha para Everlee como se só agora realmente a enxergasse.

— Desculpe, QD, é só que...

— É só que o quê? — A paciência do meu irmão começa a ir pelos


ares.

— Mulheres não são comuns aqui. A menos que elas estejam lá fora
trabalhando.
Burro idiota.

Eu quase tenho vontade de rir da merda descomunal que ele acaba de


dizer.

QD empurra Martin até a parede dos fundos do escritório, prendendo


o seu braço na garganta do gerente do Deviant, que luta em busca de ar. Os
olhos castanhos de Martin estão tão arregalados que poderiam saltar das
órbitas.

— Cuidado — meu irmão avisa, a crueldade deslizando em cada letra.


— É da minha mulher que você está falando, Martin. Então, eu sugiro que
quando ela lhe fizer uma pergunta, você responda a porcaria da pergunta. Se
ela falar, você escuta; se ela lhe ordenar qualquer porra, você obedece. Eu fui
claro, cacete?

— Sim, senhor. Isso não vai se repetir.

— Não, não vai — afirma QD, contundente, ainda pressionando a


garganta de Martin com o braço. — Porque qualquer um que olhar ou falar
com ela de forma errada ou meramente sugestiva e desrespeitosa, pode ser
considerado um homem morto. É bom que você avise a todos.

Martin assente rapidamente.

— Agora, peça desculpas a ela. — QD empurra Martin no chão,


fazendo-o cair de joelhos aos pés de Everlee, que ficou parada durante todo o
tempo. — E é bom que soe genuíno.

— Desculpe, senhora — Martin diz. — Me perdoe.

Everlee revira os olhos.

— Tanto faz — ela desdenha. — Onde está a garota?

— Nós a deixamos no quarto e ligamos para avisar o ocorrido.

— Qual o nome dela?


— Joana.

Everlee anui.

— Da próxima vez que uma merda assim acontecer, você vai chamar
o médico e cuidar da garota. Você não precisa que meu marido faça isso por
você, precisa? — Everlee pergunta, irritada. — Talvez seja hora de trocarmos
o gerente desse lugar, se ele não sabe fazer a porra de uma ligação para
garantir o bem-estar das garotas.

Martin olha para QD como se esperasse que meu irmão dissesse não
para Everlee.

— Acho que você está certa, querida — ele diz.

Everlee abre um sorriso cruel para Martin quando ele volta a olhar
para ela.

— Não me irrite de novo e talvez você seja capaz de manter o seu


emprego — ela diz, condescendente. Em seguida, Everlee olha para QD. —
Eu vou atrás da garota e garantir o Dr. Cupelli trabalhe direitinho.

Meu irmão concorda.

— Khalid — QD grita, e a porta do escritório é aberta quando um dos


seguranças do Deviant aparece.

— Senhor? — Khalid pergunta, pronto para receber suas ordens.

— Acompanhe a minha esposa até a garota que foi agredida e se


certifique que ela volte pra mim sem um fio de cabelo fora do lugar.
Entendido?

Khalid confirma com a cabeça.

— Sim, senhor.

QD lança uma piscadela carregada de orgulho para a esposa antes de


ela sair do escritório junto com Khalid.

— O que você ainda está fazendo no chão? — eu pergunto ao Martin.


— Levante-se, porra!

Ele fica em pé em um pulo.

— Nos leve até o cretino — QD ordena.

No depósito do Deviant, o desgraçado agressor está amarrado à uma


cadeira e juro por Deus que ele estremece quando QD e eu entramos no
cômodo. Ah, é, ele sabe bem quem nós somos. E para a minha surpresa, ele
não faz o estereótipo de homens que normalmente encontramos nesse
cômodo depois de eles cometerem a burrice de agredir nossas garotas.

Os homens que costumam fazer isso são sempre os mais velhos, por
volta de quarenta anos, com barrigas salientes e poucos cabelos na cabeça.
São aqueles homens que normalmente já fizeram tanta bosta na vida que a
mulher já não suporta ser tocada por eles, onde o casamento às vezes é um
beco sem saída para ambos, por sabe-se Deus qual motivo, e eles procuram
prazer em lugares como esses. Mas esse cara é novo, não deve passar de vinte
e oito anos, tem boa aparência e poderia facilmente conseguir uma garota
sem precisar pagar por sexo.

Talvez não seja nada, mas isso acende um alerta vermelho na minha
cabeça. Coisas incomuns merecem certo nível de cuidado nesse mundo.

— Ora, ora, ora — QD começa. — O que nós temos aqui?

Eu encosto meu corpo na parede e apenas observo, prestando atenção


nas mudanças de expressão do garoto enquanto QD se concentra em
intimidá-lo.

— Talvez o bonitão queira começar me explicando o que o fez pensar


que poderia machucar uma das minhas garotas?

O garoto levanta o queixo em uma atitude arriscada.

— Ela não estava fazendo direito o que foi paga para fazer.
— Ela não estava fazendo o que direito, exatamente? Ela não estava
fodendo o seu pauzinho do jeito que você gosta?

— Eu não transo de camisinha — responde o garoto com um quase


rosnado — e ela queria me obrigar a colocar.

Eu sei que as garotas fazem testes de DST com frequência e que


muitas delas não tem problemas em transar com os clientes sem camisinha;
outras, preferem sempre usar o preservativo. É algo que é combinado antes
com cliente, para que ele já vá para o quarto sabendo o que esperar.

— Mas eu aposto que ela te avisou sobre isso antes de vocês irem
para o quarto, não avisou? — retruca QD.

O garoto não responde.

QD segura o queixo dele e o força a encará-lo, segurando a mandíbula


do idiota com tanta brutalidade que consigo ouvir o garoto gemer de dor.

— Quando eu faço uma pergunta, eu espero a porra de uma resposta!


Ela te avisou ou não te avisou que não transava sem camisinha?

— Sim — ele responde de má vontade. — Mas ela é uma puta, e eu


estou pagando. Ela não tem direito de exigir porra nenhuma. Se eu quero
fodê-la sem camisinha, ela tem que deixar!

QD ri.

— Ouviu isso, Dallas? — meu irmão pergunta, rindo. — Ela tem que
deixar porque ela é uma puta.

Eu abro um sorriso sombrio para o garoto.

— Vamos fazer outra analogia, podemos? — eu pergunto,


desencostando meu corpo da parede e caminhando na direção do garoto. —
Você sabe o que eu sou? Eu sou um torturador, então, nessa sua linha de
raciocínio de merda, você tem que deixar que eu te torture porque é isso o
que eu sou, certo? E agora você está no meu radar. Se você teve culhões para
bater em uma das nossas garotas, então você também tem culhões para
aguentar o que eu pretendo fazer com você.

O garoto engole em seco.

— Você não pode fazer isso! Tortura não é permitida nesse país!

Eu dou risada. Uma risada sombria.

— Você está em Boston, garoto. Aqui, nós somos a lei.

QD e eu encontramos Everlee no quarto de Joana. O Dr. Cupelli


cuidou dos ferimentos no rosto dela e a está mantendo no soro com
analgésicos para ajudar com a dor. Eu corro meus olhos pelo corpo de Joana,
analisando os hematomas em seus braços, barriga e pernas.

Filho da puta desgraçado.

Everlee está sentada na beirada da cama, alimentando Joana com uma


sopa quente que ela, carinhosamente, assopra e leva até a boca da garota para
que ela coma, exatamente como ela costuma fazer com Emma.

Joana estremece visivelmente quando eu e QD entramos no quarto,


provavelmente devido ao sangue que cobre nossas peles e roupas.

— Está tudo bem, Joana — Everlee garante. — Eles não vão


machucá-la.

A garota relaxa. Um pouco.

— Como você está, Joana? — meu irmão pergunta, a voz muito mais
suave do que momentos atrás.
— Estou viva, eu suponho, senhor.

— Sinto muito que isso tenha acontecido, mas posso lhe garantir, se
serve de algum consolo, que ele está muito, muito pior que você.

Joana abre um minúsculo sorriso autodepreciativo.

— Não serve, mas obrigada mesmo assim.

Eu semicerro os olhos para a garota.

— Quantos anos você tem, Joana? — pergunto, minha voz sai um


pouco mais áspera do que eu pretendia.

A garota olha para Everlee como se buscasse ajuda


desesperadamente, como se tivesse sido pega no flagra e soubesse que está
encrencada. Isso é resposta o suficiente para mim.

— Você não é maior de idade, é? — eu pressiono.

Vejo quando os olhos castanhos dela enchem de lágrimas por puro


desespero.

— Por favor, não me mandem embora — ela choraminga,


balbuciando as palavras. — Eu preciso desse emprego. Eu não vou criar mais
problemas, eu prometo. Vou trabalhar direitinho.

O fato de ela achar que criou algum problema por querer se proteger
ao transar de camisinha faz meu sangue borbulhar de raiva. Não dela, mas da
situação em si.

— Quantos anos você tem, Joana? — eu repito a pergunta, com mais


firmeza dessa vez, deixando-a saber que eu quero uma resposta.

— Quinze — ela murmura.

Everlee olha para QD, fúria dominando os seus olhos.


— Por que uma menina de quinze anos está trabalhando aqui? — ela
exige saber.

— É isso o que eu quero saber também — responde QD, a raiva


presente com bastante ênfase em sua voz. — Foi o Martin quem te contratou?

— Por favor, eu preciso desse emprego — Joana repete, chorando.

— Por quê? — Everlee quer saber.

Joana hesita.

— Querida, ouça, você não está encrencada — garante QD,


suavemente. — Se há uma pessoa nessa história toda que não está
encrencada, é você, ok? — Joana confirma. — Ótimo, então eu preciso que
você me explique: por que você está trabalhando aqui sendo menor de idade?

Quando Joana não responde, Everlee intervém.

— Escute, eu sei o que você está sentindo. Eu fui garota de programa


também. De uma forma um pouco diferente, mas fui.

Joana arregala os olhos inchados.

— Mas você é a esposa do chefe...

Everlee sorri, gentil.

— Eu sou, mas a minha vida foi bem difícil antes disso. — Ela olha
bem para a garota. — Tem alguém forçando você a trabalhar aqui, Joana?

Finalmente, a menina confirma com a cabeça.

— Quem? — eu pergunto.

— Meu pai — ela confessa, baixinho. — Nós precisamos do dinheiro


para comer e pagar o aluguel.

QD fecha os olhos para conter a cólera explicita.


— E no que o seu pai trabalha? — eu pergunto, já imaginando a
resposta que eu vou receber.

Joana chora.

— Ele está desempregado no momento.

Clássico.

Porra, esse mundo é mesmo uma grandessíssima bosta.

Everlee lança um olhar carregado de ódio para QD.

— Dallas...

Eu assinto com a cabeça, não precisando que meu irmão diga mais
nada. Um vagabundo está prestes a receber uma visita minha e, infelizmente
para ele, não vai ser nem um pouco agradável.
14.
Passos de bebê

Eu quero você

Sim, eu quero você

E nada chega perto da maneira que eu preciso de você

Eu gostaria de poder sentir a sua pele

E eu quero você de algum lugar profundo

Parece que há oceanos entre você e eu, mais uma vez

| Seafret – Oceans

Dallas voltou para Boston há três semanas.

Por mais que eu odeie ter me despedido dele de novo e sentir que nós
caminhamos e caminhamos e nunca chegamos ao nosso tão desejado final
feliz, eu entendo o que ele fez. Eu não estou pronta, mas não sabia como
dizer isso a ele; como dizer isso a mim mesma, pois, droga, eu quero estar
pronta, eu quero estar com ele, eu quero tudo com ele e provavelmente teria
de fato me sobrecarregado para conseguir tê-lo comigo. Isso me mataria.
— Lindsay! — Debra estala os dedos na frente do meu rosto,
chamando a minha atenção. — Você não está me ouvindo!

Pisco rapidamente para trazer meus pensamentos de volta para o


presente.

— Desculpe, o que você estava falando?

— Que amanhã é meu aniversário e terá uma festa na minha casa. Eu


estava tentando te convidar para ir antes de você me deixar aqui falando
sozinha!

Dou uma risadinha. Não há um dia em que Debra deixe de fazer o seu
tão famigerado drama, mas isso é uma das coisas que eu mais gosto nela,
para ser sincera.

— E antes que você abra essa boca para recusar mais esse convite,
saiba que se você não aparecer na minha festa, vou te demitir!

Meu queixo cai e eu arregalo os olhos, não sendo capaz de esconder a


minha surpresa e a minha indignação.

— Que absurdo! Você não pode fazer isso.

— Eu posso e eu vou. — Ela sorri, toda satisfeita consigo mesma. —


Eu vivo te chamando para sair comigo e os meus amigos e você sempre diz
não. Tudo bem, eu entendo que você não é uma garota festeira, mas é o meu
aniversário, Lindsay!

Me pergunto o que Debra pensaria de mim se soubesse que eu não a


convidei para o meu aniversário. Bom, não é como se eu não a quisesse lá,
mas considerando a minha família e os negócios, eu fiquei com medo de
colocar uma completa forasteira entre eles. Quanto menos Debra souber
sobre o meu passado e a minha família, melhor. Ela estará mais segura assim.
Por mais que estejamos fora da máfia atualmente, não é como se a máfia
estivesse, de fato, fora de nós. Todos no submundo sabem quem é a minha
irmã, quem é Mason Reed Crawford e, por mais que eu odeie isso, todos
também sabem quem eu sou e o que aconteceu comigo. Não me
surpreenderia se um dia, de repente, nosso passado viesse bater na nossa
porta.

— Você vai — decreta Debra.

— E eu achando que nós vivíamos em um país livre...

Ela mostra a língua pra mim.

Pare de existir e comece a viver.

Comece a viver para que possamos fazer isso juntos, pois eu não
posso viver com você se você não estiver vivendo por si mesma.

As palavras de Dallas reverberam na minha cabeça.

— Ok — eu concordo, por fim. — Eu vou na sua festa.

Debra se engasga com a água que tinha acabado de levar à boca.

— Sério? Não posso crer!!! Eu consegui a proeza de te convencer a


finalmente sair! Dias de glória!

Eu reviro os olhos, dando risada.

— Você é uma palhaça!

— Nós precisamos comemorar as conquistas diárias, Lin-Lin. A vida


também é feita das pequenas coisas.

Eu sorrio para isso, porque ela está certa. A vida também é feita das
pequenas coisas, eu só passei muito tempo sem me lembrar disso.
— Como tem sido essa semana, Lindsay? — pergunta a Dra. Scott,
minha psicóloga. — Você tem sonhado com Joshua?

É claro que eu tive que contar a ela o que aconteceu comigo, embora
eu tenha deixado de fora todo o ambiente da máfia, alegando que eu havia
sido sequestrada, o que também não é uma mentira. Eu preferi proteger o
envolvimento da minha família com Joshua, e quando eu contei à Dra. Scott
que Joshua morreu em um confronto com a polícia, quando eles foram me
resgatar, ela não fez novas perguntas sobre o assunto.

— Eu estou bem, dentro do possível. E não, eu não tive novos sonhos


com ele. Mas não é como se eu precisasse estar dormindo para vê-lo na
minha cabeça.

A Dra. Scott confirma com a cabeça, complacente.

— Eu fui convidada para uma festa amanhã à noite — conto,


apreensiva. — Uma amiga minha vai fazer aniversário e ela insistiu que eu
fosse à festa.

— E você aceitou o convite?

Faço que sim com a cabeça.

— Isso é bom, não é? Quer dizer, eu estou tentando me colocar fora


da minha concha protetora para viver. Foi o que Dallas pediu que eu tentasse
fazer.

A Dra. Scott também sabe de Dallas, embora não com uma riqueza de
detalhes. Ela sabe o necessário para conseguir me ajudar.

— É o que você quer fazer? — ela indaga.

— Sim. Eu não quero viver nesse ciclo vicioso para o resto da minha
vida. Eu quero não sentir medo o tempo todo. Medo de ser tocada, de ser
beijada, de transar... Mas eu estaria mentindo se dissesse que não estou
nervosa com essa festa. As pessoas não sabem o que aconteceu comigo;
minha amiga não sabe. E se ela tentar bancar o cupido ou algo assim? E se
algum homem se aproximar para conversar e tiver com segundas intenções?
E se eu for tocada e surtar?

— O seu medo é completamente normal, Lindsay. É a primeira vez


que você estará de volta nesse ambiente, que vai se relacionar com pessoas
desconhecidas em um lugar que normalmente leva a uma transa sem
compromisso. É normal que esteja assustada, ok? — Eu confirmo com a
cabeça. — O que você pode fazer para tentar se sentir mais à vontade é evitar
situações em que você precise ficar sozinha com um homem, pelo menos
nessa primeira vez, até você se sentir mais confortável com essa retomada à
sua vida normal. Conforme você for progredindo nas interações sociais
básicas, podemos começar a avançar para uma interação mais pessoal. Talvez
seja bom que você treine autodefesa, para fazer você se sentir mais confiante
de que pode se proteger se algo sair do normal.

Dallas costumava treinar autodefesa comigo, mas isso já faz muito


tempo. Talvez Mason possa me ajudar com isso agora.

— Eu posso fazer isso — eu digo, com um sorriso.

— Você pode fazer muito mais do que pensa que é capaz, Lindsay.
Passos de bebê. Nós vamos chegar lá.

Ainda sorrindo, eu confirmo com a cabeça.

Eu vou chegar lá.

Chego na frente da casa de Debra sentindo minhas mãos suarem frio e


meu estômago revirar de puro e completo nervosismo. E em uma tentativa
desesperada de sentir certo conforto, eu pego o meu celular dentro da minha
bolsinha e antes que possa me impedir, ligo para Dallas.
O telefone toca e toca e eu me dou conta do que estou fazendo, mas
antes que eu possa desligar e deixar de ser ridícula, Dallas atende.

— Lind?

Merda.

— Oi! Oi — eu tento normalizar meu tom de voz eufórico. — Ahn...


Tudo bem?

Dallas dá uma risadinha do meu nervosismo. Ai, eu sou uma idiota.

— Tudo bem, amor. E você?

A forma como ele diz amor faz meu coração acelerar


descontroladamente.

— Estou bem. — Coço o alto da minha cabeça. — Desculpa ligar


assim do nada, você nem tem nada a ver com isso, mas eu estava nervosa e...

— Você pode me ligar sempre que quiser, linda.

Eu sorrio.

— Eu estou em uma festa — conto. — Quer dizer, eu ainda não entrei


porque estou nervosa. É a primeira festa desde que tudo aconteceu e há tantas
variáveis do que pode acontecer quando eu entrar lá.

Há um momento de silêncio do outro lado da linha.

— Eu estou orgulhoso de você, amor. Três semanas e você já está se


abrindo para o mundo. Fica tranquila, vai dar tudo certo. Divirta-se.

Eu confirmo com a cabeça, mesmo sabendo que ele não pode me ver.

— Certo. Ok. E se algo der errado?

— Então você dá uma joelhada nas bolas do idiota que ousar tocar em
você sem que você queira. Treinamos isso centenas de vezes, lembra?
O fato de Dallas achar que vou querer que outro homem além dele me
toque, me deixa quase irritada.

— Sim, eu me lembro.

— Essa é a minha garota. — Eu consigo senti-lo sorrindo do outro


lado da linha. — Agora vá e divirta-se.

— Ok. — Eu sinto sua falta. — Obrigada, Dallas.

— Sempre que precisar, amor.

Eu desligo o telefone e o pressiono contra o meu peito, de repente


sentindo um buraco onde tecnicamente deveria ficar o meu coração. Há um
país inteiro entre nós agora, mas a distância física não chega nem perto de
doer como a distância emocional dói.

— Lindsay! — Debra grita quando me vê parada feito uma estátua no


jardim da frente da sua casa. — Você veio!

Forço um sorriso e guardo meu celular na bolsa.

— Eu te disse que viria.

Um pouco bêbada, minha amiga cambaleia até mim e me abraça.

— Feliz aniversário, Deb.

Ela sorri quando me solta do abraço.

— Obrigada! Vem, eu vou te apresentar pra todo mundo.

Quando Debra segura a minha mão, eu deixo que ela me arraste para
dentro da sua casa ao mesmo tempo em que empurro o desconforto para as
profundezas do meu ser, me esforçando para ser, pelo menos por uma noite,
uma garota de vinte e dois anos meramente normal.
— Mantenha seus braços erguidos e firmes — Mason me orienta,
balançando meus braços para ter certeza de que eu os estou mantendo firmes
como ele pediu. — Bom. Agora, eu vou atacar você e quero que se defenda,
não tenha medo de me machucar, ok?

Eu confirmo com a cabeça, me preparando, mas quando Mason vem


pra cima de mim, a semelhança dele com Joshua me faz paralisar. Os olhos
azuis de Mason são bem mais claros que os de Joshua, mas o cabelo escuro, o
tamanho, as tatuagens e até mesmo alguns traços em seu rosto me fazem
pensar no seu irmão mais velho, e eu travo, me encolhendo quando ele chega
perto demais.

— Lind! — ele me repreende.

— Eu sei, me desculpe — eu murmuro, irritada comigo mesma. —


Você... você se parece um pouco com ele.

Mason fecha os olhos por um momento, como se doesse nele ouvir


isso, mesmo que eu saiba que ele amou Joshua mais do que qualquer um —
antes de perceber que o irmão que ele conhecia havia se tornado um sádico
psicótico.

— Me desculpe, Lind — ele diz, baixinho.

Eu balanço a cabeça.

— Por favor, não se desculpe. Você não tem culpa de nada.

— Você o vê sempre que olha pra mim? — ele indaga, e percebo o


incômodo em sua voz.

— Não, não sempre, mas às vezes, sim — confesso.


— Você acha que Skye o vê em mim? — A dor no rosto de Mason
faz eu me aproximar dele e tocar o seu ombro, querendo confortá-lo.

— A sua semelhança com Joshua começa e termina na aparência,


Mason. Eu sei disso; Skye sabe disso. Ele era seu irmão, é inevitável que
vocês sejam parecidos fisicamente, mas isso é o mais próximo que você
chega de quem ele era. Você é bom, Mason Crawford.

Ele sorri, mas é autodepreciativo.

— Ninguém nesse mundo é bom, Lind.

Dou de ombros.

— Talvez não. Talvez você esteja certo. Mas com certeza há mais
bondade em você do que em muitas pessoas, Mason. Você fez o que
precisava ser feito para sobreviver. Todos nós fizemos. — Eu repuxo meus
lábios em um sorriso, mas sem mostrar os meus dentes. — E a minha irmã é
completamente louca por você. Ela te ama muito. Não fica pensando sobre
isso, não fará bem a nenhum de vocês dois, acredite.

Meu cunhado me encara com olhos tristes e sei o que ele vai dizer a
seguir antes mesmo que ele abra a boca.

— Eu sinto muito pelo que ele fez com você, Lind. Eu queria ter sido
capaz de impedir. Talvez se eu estivesse mais envolvido nos negócios, ele
teria confiado de contar pra mim sobre você, então eu poderia ter te salvado
antes.

— Nada daquilo foi culpa sua, Mason, e você não poderia me salvar
sem sofrer as consequências por isso. Nós dois sabemos que o seu irmão não
fazia o tipo que perdoava — argumento. — De qualquer forma, o que está
feito está feito, ficar pensando no que poderia ter acontecido não ajuda
ninguém.

Ele concorda com a cabeça.

— Está certo. Vamos de novo, então. Do início. Mas você precisa se


defender, ok? Imagine que eu seja ele e você tem a chance de revidar agora.
Pegue toda a raiva que eu sei que você sente, tão forte quanto a tristeza, e
revide.

Eu estremeço, mas concordo com a cabeça. Eu posso fazer isso.


Pensar na raiva que sinto com tudo isso é bem fácil, o difícil é fazer meu
corpo responder ao que eu quero que ele faça.

— Pronta? — Mason quer saber.

— Pronta.

Mason bate as luvas de boxes uma na outra, se preparando, e então


vem para cima de mim. Eu prendo meus olhos nos dele, imaginando-os em
um tom de azul um pouco mais escuro e a raiva emerge em mim tão forte e
arrebatadora quanto o medo, mas sou capaz de dar um soco no rosto de
Mason. Ele cambaleia para trás e um sorriso adorna os seus lábios.

— De novo — ele ordena.

Quando Mason se aproxima de novo e tenta me agarrar, eu revido.


Meus golpes são desgovernados, sem qualquer coordenação, pois tudo o que
eu penso é em manter o meu corpo em movimento para tornar difícil pra ele
conseguir de fato me segurar e me imobilizar.

— Pare! — Mason grita pra mim.

E eu paro.

— Se você continuar desferindo socos assim só vai se cansar, dando


ao seu agressor mais essa vantagem. Ele já será provavelmente maior que
você, com certeza mais forte. Se você ficar cansada, já era, Lind — Mason
me orienta. — Você sabe os pontos onde deve acertar. Virilha, garganta e
boca do estômago — ele me lembra. — Pare de distribuir socos no vento.
Concentre-se e acerte os lugares certos.

Eu respiro com certa dificuldade, meus batimentos cardíacos


descompassado, o suor escorrendo da minha testa sob o sol quase escaldante
da Califórnia.

— Ok, estou pronta — eu aviso.

Mason vem para cima de mim de novo e eu acerto um soco no seu


estômago. Isso faz com que Mason dobre o corpo para frente, o que facilita
para que eu acerte um soco em seu rosto. O primeiro eu consigo acertar, mas
o segundo ele bloqueia. Até aí, eu consigo lidar bem com a proximidade, mas
quando ele entrelaça os braços na minha cintura por trás e me puxa contra o
seu corpo, eu gelo.

— Revire! — ele ordena. — Me impeça!

Eu respiro fundo algumas vezes, tentando controlar meu desespero


para que eu seja capaz de agir. Meu corpo inteiro treme e o suor de repente
ficou frio, lembranças dolorosas invadem meus pensamentos e preciso fechar
os olhos por um instante para não deixar que elas me arrastem e me afoguem.

— Revide, Lindsay! Vamos! Você consegue fazer isso! Me impeça de


conseguir te imobilizar.

Abro meus olhos e começo a revidar. Tento abrir espaço entre o meu
corpo e o de Mason para conseguir acertá-lo na virilha — ou pelo menos
fazer a menção de acertá-lo lá, não quero realmente machucá-lo. Mason luta
para me imobilizar, e eu luto para me libertar, usando toda a força que
consigo, mas tentando acertá-lo nos lugares certos, conforme ele me orientou.
Também tento me lembrar dos treinos com Dallas, quando ele me ensinava
como sair de um mata-leão, por exemplo.

— Eu não vou fazer isso, mas eu poderia te dar uma cabeçada que
provavelmente quebraria o seu nariz e me daria tempo suficiente para correr
— eu digo, ofegante.

E Mason me solta. Eu me afasto, necessitando de um pouco mais de


espaço.

— Legal — ele aprova, com um sorrisinho presunçoso que me faz


revirar os olhos. Mason ri. — Você é realmente irmã da Skye. Ela também
odeia quando eu sorrio assim.

— Você é o melhor em irritá-la, sabe disso, não é?

O sorriso em seu rosto cresce.

— Ah, eu sei. Mas você não conhece a sua irmã? Nada fica barato
com ela. Skye revida e me destrói. Sempre. Deus, eu amo aquela mulher.

Eu dou risada.

— Vocês são completamente malucos, mas são fofos juntos.

— Sim, nós somos — diz Skye, se aproximando de nós com duas


garrafas de água nas mãos. — Vocês dois estão aqui há horas. Hidratem-se.

Mason e eu pegamos cada um uma garrafa e bebemos. Ele dá um


beijo na têmpora da minha irmã ao agradecer.

— Como foi? — Skye quer saber.

— Foi bem — Mason responde. — Lind tem uma boa memória


muscular. Com o tempo, vamos conseguir melhorar os reflexos e o fato de ela
ainda paralisar quando eu a prendo.

Minha irmã me lança um sorriso encorajador.

— QD ligou — ela conta. — Ele queria falar com você.

— Comigo? — Mason pergunta, franzindo o cenho.

Skye confirma.

— Parece que ele e Dallas tiveram que dar um jeito em Martin, o


gerente do Deviant. O babaca estava contratando menores de idade para
trabalhar lá. Dá para acreditar? — Skye pergunta retoricamente, indignada.
— QD queria saber se você conhece alguém de confiança para colocar no
lugar de Martin.
Mason passa a mão pelo queixo, pensativo.

— Um nome me vem à mente, sim. Eu vou ligar para o QD. —


Mason olha pra mim. — Bom trabalho hoje, Lind.

Eu sorrio.

— Obrigada.

Meu cunhado dá um beijo rápido nos lábios da minha irmã antes de


caminhar em direção à casa — provavelmente para ligar para QD.

— Então, como foi a festa ontem à noite? — Skye me pergunta


quando eu começo a tirar as luvas de boxe. — Você chegou tarde, então não
conseguimos conversar.

— Foi bem legal, na verdade — admito. — Eu estava terrivelmente


apreensiva no início, mas os amigos de Debra são muito legais. A conversa
fluiu fácil, ninguém me forçou a beber ou tentou bancar o cupido, e os dois
caras que vieram falar comigo foram bem simpáticos e nada desrespeitosos.
Eu me diverti.

É verdade que passei o tempo todo sentindo dor de estômago por


conta do meu estado constante de nervosismo. Mesmo que eu tenha relaxado
um tempo depois, nem de longe fiquei completamente livre da preocupação
de que tudo podia ir pelos ares no segundo seguinte.

Skye sorri.

— Isso é ótimo, Lind. Eu estou tão orgulhosa de você. Te ver


assumindo as rédeas da sua própria vida me deixa muito feliz. Eu espero que
você também esteja feliz.

— Eu estou. Bom, quase.

Minha irmã confirma com a cabeça, entendendo. Eu estou feliz de


estar progredindo, mesmo que bem devagar. No entanto, eu estaria muito
mais feliz se as coisas entre Dallas e eu estivessem melhores.
Passos de bebê.

Nós vamos chegar lá.


15.
Distante

Estou exausto, merda, eu preciso de descanso

Mas como posso escapar de você se você estiver na minha cabeça?

Estou ouvindo ruídos, que porra é esse som?

Abusando do meu fígado vai manter as emoções longe

| Chase Atlantic – Uncomfortable

Doze meses depois.

— Não brinca comigo, Mason, porra! — eu digo ao telefone. Consigo


sentir meus olhos arregalados e juro por Deus que o ar deixou
momentaneamente os meus pulmões.

— Eu estou falando sério, caralho! Eu a pedi em casamento e Skye


disse sim — ele repete pela terceira vez, rindo como um perfeito idiota
apaixonado. — Ela disse sim, Dallas, porra!

Eu dou risada, o entusiasmo do meu amigo me fazendo sentir algo


bom pela primeira vez em muito tempo.

As coisas têm sido difíceis nos últimos meses. Desde que QD assumiu
a máfia completamente, nós temos enfrentado certa instabilidade, o que já era
esperado. A troca de um chefe sempre traz inquietação e é quando os
inimigos acreditam encontrar uma brecha para ataque, então nós temos nos
mantido alertas quase que vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana.
É exaustivo pra caralho.

— Eu estou feliz por vocês, cara. Sério. Já estava na maldita hora.

Mason ri.

— Foi o que eu disse pra ela. Skye quer fazer uma cerimônia simples,
mas memorável. Então ainda temos alguns meses de planejamento pela
frente, mas é bom que você arrume o seu melhor smoking, porque você vai
ser o meu padrinho.

Eu esperava que isso fosse acontecer quando Mason e Skye


finalmente decidissem se casar, mas, mesmo assim, ter o meu melhor amigo
me convidando para ser seu padrinho me deixa ligeiramente emocionado.

— Será uma honra, Mase.

Consigo sentir meu amigo sorrindo do outro lado do telefone.

— Passe o recado para o maluco do seu irmão, porque parece que se


tornou impossível falar com ele por telefone — resmunga Mason. — Eu
também quero aquele idiota como padrinho do meu casamento.

Eu dou risada.

— Eu vou falar com ele.

Há um momento de silêncio entre nós.

— Como ela está? — indago.

Lindsay e eu não nos falamos há meses. Ela me ligou no meu


aniversário para me dar parabéns, mas esse foi basicamente todo o contato
que tivemos. Eu sinto tanto a falta dela, de ouvir a sua voz, que às vezes
acredito que estou perdendo a cabeça e vou enlouquecer.

— Ela está bem — Mason responde, e pela leveza em sua voz, eu sei
que ele está falando sério. — Ela está muito bem, na verdade. Vai à psicóloga
todas as semanas, fez novas amizades e até elegeu um bar favorito na cidade,
onde ela e as amigas vão todas as sextas-feiras. Ela também está infalível nas
aulas de defesa pessoal comigo. Ela está muito bem, cara.

Assinto com a cabeça, mesmo sabendo que Mason não pode me ver.

— E... ela encontrou alguém? — pergunto, mas a verdade é que eu


não quero realmente saber, porque se Lindsay estiver namorando, isso vai me
destruir. É óbvio que eu quero que ela seja feliz, mas não sei se estou pronto
para saber que ela seguiu em frente.

— Toda vez que nós nos falamos, você me faz essa pergunta. Você
tem certeza de que quer uma resposta?

Eu consigo sentir quando meu coração afunda dentro do meu peito. E


dói. Pra caralho.

— Eu quero.

— Não. Ela não encontrou alguém, mas se quer minha opinião, você
não deveria ficar se torturando desse jeito, cara.

É indescritível a sensação de alívio que eu sinto.

— Não saber é pior.

Mason fica em silêncio por um momento.

— Você sabe que vocês dois vão se encontrar no casamento, não


sabe? — Mason pergunta, receoso. — Everlee me contou que você tem
estado... distante.

Por distante, Everlee quer dizer que eu estou basicamente parado no


tempo. Todos os âmbitos da minha vida continuam seguindo em frente, mas
romântica e sexualmente falando, eu estou estagnado. Não consigo me
envolver com uma mulher com Lindsay dominando todo e qualquer
pensamento meu nesse departamento. Não parece certo. Eu sinto como se a
estivesse traindo, mesmo sabendo que, quando fui embora da Califórnia um
ano atrás, eu estava dando a ela sinal verde para fazer o que ela julgasse
necessário ser feito para se curar.

Bom, aparentemente isso foi um acordo unilateral e que me mata um


pouco a cada dia.

— Eu estou bem — eu digo, categórico. — Não se preocupe comigo,


Mase. Concentre-se nos preparativos do casamento e me mantenha
informado, ok?

— Tudo bem — Mason desiste de tentar arrancar algo de mim. —


Vejo você em alguns meses.

Eu sorri sem mostrar os dentes.

— Vejo você em alguns meses.

Quando desligo o telefone e levo a garrafa de cerveja até os meus


lábios é que percebo que Spencer está parado na soleira da porta, me
observando. Caralho! Parece que todas as pessoas ao meu redor têm me
observado de perto desde que eu voltei da Califórnia, há uma porra de um
ano atrás.

— O quê? — eu pergunto, de mau humor.

Spencer dá de ombros.

— Nada.

Eu semicerro os olhos na direção dele.

— Então por que porra você está me olhando assim?

Spencer cresceu junto comigo e com QD na máfia de Devon, e depois


que eu fui embora para Portland, ele se tornou o melhor amigo de QD. É um
cara bem decente, quando falamos dos padrões da máfia, é claro. E ele foi um
dos encarregados de cuidar da Skye em Portland quando estávamos em
guerra com Joshua, mais de dois anos atrás.

Cacete. Já faz mais de dois anos, mas às vezes parece que tudo acabou
ontem.

— Nós estamos em uma festa e você está escondido no escritório do


QD — Spencer diz como se isso fosse de alguma forma autoexplicativo.

— E?

Minha paciência tem estado por um fio ultimamente e eu nem sei


exatamente o porquê. Eu tenho estado irritado desde que voltei para Boston,
mas não é como se eu nunca tivesse ficado longe de Lindsay antes e não é
como se eu não soubesse que eu fiz a coisa certa também. Eu precisava
voltar. QD precisa de mim aqui, e ela não estava pronta.

— E que você já está nessa há um ano, cara. Por que você não liga pra
ela e diz que está com saudade? Que quer vê-la?

— Porque não é disso que ela precisa — replico.

Spencer revira os olhos.

— Você já se deu conta de que você faz tudo por todo mundo e não
faz porra nenhuma por si mesmo? — ele tréplica, e fico surpreso ao perceber
que ele está realmente irritado.

Abro a boca para retrucar, mas percebo que não tenha a merda de uma
resposta pra isso. Então, apenas solto o ar dos pulmões e bebo o restante da
minha cerveja.

— Você não vai falar nada? — ele insiste.

— O que você quer que eu diga, Spencer? — eu pergunto, irritado. —


Que você está certo? É, talvez você esteja. Feliz?
Spencer cruza os braços, nem um pouco satisfeito.

Eu me levanto da cadeira, pronto para seguir para o meu quarto e


deixar toda essa conversa para trás.

— Não que seja da porra da sua conta, mas eu vou vê-la em alguns
meses. Skye e Mason vão se casar — eu digo, e saio do escritório antes que
Spencer possa dizer qualquer outra coisa que me deixe ainda mais irritado.
16.
Felicidade e Medo

Levante-se

Vamos lá

Por que você está assustado?

Você nunca mudará o que aconteceu e o que passou

Porque todas as estrelas estão desaparecendo

Apenas tente não se preocupar

Você as verá algum dia

Pegue o que você precisa e siga o seu caminho

E pare de chorar tanto

| Oasis – Stop Crying Your Heart Out

Cinco meses depois.


— Ele está vindo para a Califórnia em duas semanas — eu conto para
a Dra. Scott, minha psicóloga.

— E você está claramente em pânico — ela aponta, e está coberta de


razão. Eu estou em pânico.

É verdade que eu progredi muito no último ano. Agora, eu consigo


ficar perto dos homens desconhecidos sem sentir medo, consigo sair para
dançar e me divertir com as minhas amigas — amigas de Debra que
acabaram se tornando minhas amigas também, quando eu finalmente parei de
recusar todos os convites de Debra para sair —, consigo conversar com o
sexo masculino, receber beijos na bochecha como forma de cumprimento e
abraços também. Há um ano, eu não seria capaz de fazer nem metade disso.
No entanto, Dallas é uma história completamente diferente.

Dallas não é qualquer cara, ele é o homem da minha vida. O único


que eu quero, que eu sempre quis, e encontrá-lo de novo, depois de ele dizer
que a próxima vez que nos encontrássemos seria pra sempre, me faz ter dor
de barriga.

Eu não tive nenhum contato romântico ou sexual com outro homem.


Mesmo que eu tenha recebido flertes sem perder a cabeça ou morrer de medo,
isso foi tudo o que sempre foi. Flertes. E eu quero muito mais com Dallas do
que apenas flertes e beijos recatados.

Eu quero uma vida inteira com ele e isso engloba sexo. E esse sim
continua sendo o meu maior medo.

— Estou — admito. — Estou desesperada, na verdade. Eu quero que


isso dê certo, eu quero ficar com ele, mas eu realmente não sei se consigo. Eu
melhorei em todos os outros âmbitos da minha vida, mas nesse? Eu ainda suo
frio só de pensar no assunto.

A Dra. Scott confirma com a cabeça.

— Lindsay, quando temos medo de alguma coisa, nós não fugimos ou


ignoramos o medo, porque isso não nos faz superá-lo. Então, o que nós
devemos fazer? Nós devemos chamar o medo para se sentar frente a frente
conosco. Eu não tentei fazer isso com você antes porque não achei que
estivesse preparada, mas acho que chegou a hora.

Eu franzo o cenho, confusa.

— Joshua está morto — eu lembro a ela.

— Eu sei, mas você vai enfrentá-lo de frente mesmo assim.

Eu continuo completamente confusa.

— Como eu deveria fazer isso?

— Feche os seus olhos — ela me instrui, e eu obedeço. — Relaxe e


deixe a sua mente limpa.

Eu faço o que ela me pediu e me esforço para não deixar que nenhum
pensamento se aloje na minha mente.

— Agora, eu quero que você pense em Joshua, pense no que te


assusta, no que te apavora. Visualize-o na sua mente e me diga o que você
sente e o que você vê.

Um arrepio percorre todo o meu corpo quando o rosto de Joshua


enche os meus pensamentos. Os olhos azuis escuros e impiedosos, vazios; o
cabelo preto, as tatuagens, a voz grave e sombria.

Minha respiração fica acelerada e o ar ao meu redor se torna gelado.


Eu consigo senti-lo beliscando a minha pele e estremeço, completamente
apavorada. Um nó do tamanho da Califórnia se forma na minha garganta,
mas eu o forço para baixo, engolindo-o, para que eu consiga falar. Estou
tremendo.

— Eu o vejo — eu começo. — Ele está parado na minha frente,


olhando para mim. Há um sorriso convencido no rosto dele, como se ele
soubesse que ainda me tem.

— E o que você sente? — a voz da Dra. Scott é suave, baixa, quase


distante.
Eu tremo de novo.

— Pavor. Completo e puro pavor. Me sinto petrificada.

— E como é esse lugar onde vocês estão?

Meus olhos enchem de lágrimas e eu começo a chorar quando eu


visualizo a cela onde, por tanto tempo, eu fiquei presa, submissa a ele,
sozinha, quebrada.

— É o lugar onde ele me deixou presa. — eu respondo. — Eu estou


na minha cela. É vazio e não há nada além de infinita escuridão.

— Ok. Continue com os seus olhos fechados. Agora, eu quero que


você pense em uma cor que represente felicidade pra você. Encha esse
ambiente escuro com essa cor.

Eu faço o que ela me pediu, tornando o breu da Casa Escura em uma


linda paisagem com nuances de amarelo. Amarelo me traz paz. É a cor do
sol, dos girassóis, minhas flores preferidas; é a cor do meu cabelo, do cabelo
de Skye, do cabelo de Dallas. Eu amo amarelo.

— Que cor é esse lugar que você está agora? — a Dra. Scott quer
saber.

— Amarelo.

— Ótimo. Agora, eu quero que você pense em todas as pessoas que


você ama e me diga quem está nesse lugar com você.

Eu sorrio.

— Minhas irmãs — eu digo. — E o Dallas, o Mason, o QD, a Emma


e o Chasin, o meu pai. — Eu engulo o embargo. — Eu gostaria de ver minha
mãe, mas ela não está aqui. Mas as minhas amigas estão. Debra, Zara e Ryka.
Davina também, ela está aqui.

— Muito bom. Agora, pense em momentos felizes que você teve com
essas pessoas. Pense em momentos em que você deu risada, em que se sentiu
amada e protegida — a Dra. Scott me orienta. — E me diga o que vem à sua
mente.

Imediatamente, eu começo a rir.

— Sabe, Dallas e eu tivemos alguns problemas no início. Ele me


irritava muito com o seu jeito metido, então eu coloquei mel na cama dele
para irritá-lo e ele precisou dormir no chão. Ele não ficou nem um pouco
feliz. — Eu rio. — E teve outra vez, quando Skye, Davina e eu éramos bem
mais jovens, nós tentamos descolorir o cabelo de Davina porque ela não
achava justo que nós fôssemos loiras e ela morena. Ela queria que nós
fôssemos o trio das loiras. Nós compramos a tinta errada e o cabelo dela ficou
laranja. Não ruivo, laranja mesmo. Um laranja bem feio. — Eu gargalho. —
Parecia que a cabeça dela estava pegando fogo. Tivemos que pintar de volta
para o castanho depois do fiasco que foi.

Vasculho a minha mente atrás de mais momentos bons.

— Quando Dallas comprou um apartamento, para nós dois termos


mais espaço e mais privacidade, eu me senti amada de verdade. Foi a
primeira vez na vida que eu realmente me senti amada e cuidada por alguém.
E, naquela noite, ele me disse que se casaria comigo um dia. Eu soube que
tinha encontrado a pessoa com quem eu queria passar o resto da minha vida.

Eu choro ao pensar nisso, mas não é de tristeza. É de emoção, de


amor, de agradecimento por tudo o que ele fez por mim, pra me fazer feliz.

— Ah, não posso esquecer dos meus sobrinhos. Emma é incrível. Ela
é uma garotinha muito inteligente e tenho vontade de rir sempre que ela abre
a boca para defender o QD. Ela é completamente apaixonada pelo pai. É
muito bonito de ver. Chasin ainda é bem pequeno, mas não poderia ter
nascido em uma família melhor.

Seco as lágrimas que correm pelas minhas bochechas, mas não abro
os olhos.

— Penso no momento em que Skye me encontrou no cativeiro. Eu


estava... eu estava em um lugar muito obscuro, mas me senti verdadeiramente
feliz depois de muito, muito tempo. Eu soube que estava segura, soube que
ela me protegeria — eu continuo. — Penso também em como foi incrível
conhecer o meu pai depois de anos acreditando que nunca o encontraria. E
também em como é engraçado ver o Mason e o QD infernizarem a vida um
do outro. — Eu rio de novo. — Eu tenho certeza de que no fundo eles se
amam, mas é muito engraçado ver a implicância.

— Muito bom, Lindsay. Você sabe qual é o nome desse lugar que
você está? — a Dra. Scott pergunta.

Eu faço que não com a cabeça.

— Não.

— Se chama Felicidade.

Eu não sei exatamente o porquê, mas começo a chorar de novo.

— Agora, eu quero que você volte para o lugar onde o seu medo está.
Depois de pensar em todos esses momentos bons, como você se sente em
relação ao seu medo.

Volto para o lugar escuro onde Joshua continua parado, olhando para
mim.

— O medo continua aqui, mas... — Faço uma pausa para tentar


entender como estou me sentindo — Parece... parece mais leve agora, mais
suportável. Eu não sei explicar.

— Você consegue perceber que você tem muitos momentos bons na


sua vida, com pessoas que você ama, e que esses momentos bons, embora
não façam os ruins desaparecerem, podem torná-los mais suportáveis, como
você mesma disse?

Eu choro mais ainda.

— É, eu consigo sentir isso.


— Ótimo. Volte para o cômodo da Felicidade. O que você vê?

Eu fungo, secando as lágrimas, mas permaneço de olhos fechados.

— Minha família e meus amigos. Eles estão sorrindo pra mim. Eles
parecem orgulhosos de mim. Eles parecem felizes.

— Bom. Agora, volte e encare o seu medo de novo.

E eu obedeço.

Joshua aparece na minha mente de novo. Ele não se move, não fala,
mas olha para mim com a mesma intensidade cruel com a qual costumava me
olhar. Se o mal tivesse um rosto, seria o dele; se tivesse um nome, seria o
dele. Ele é a personificação de tudo o que é ruim.

— Se você pudesse dizer algo a ele agora, se ele realmente estivesse


frente a frente com você, o que você diria a ele, Lindsay?

Eu não respondo imediatamente. Primeiro porque não consigo parar


de chorar e, segundo, porque eu preciso de um momento. Eu só preciso de
um momento. E então, eu fixo meus olhos nos seus.

Frente a frente, enfim, mesmo que só na minha imaginação.

— Eu diria... Eu diria que eu o odeio pelo que ele fez comigo. Eu


diria que não o quero mais na minha vida, de nenhuma forma — eu digo,
sentindo minha voz ficar mais forte a cada frase. Então, falo diretamente com
ele: — Você não vai mais controlar a minha vida, Joshua. Você está morto e
não tem mais nenhum poder de me machucar. Acabou. Eu vou seguir a
minha vida e ser feliz com as pessoas que eu amo. E eu tenho pena que você
não tenha sido capaz de amar ninguém, que não tenha sido capaz de deixar
que amassem você. Eu tenho pena que você nunca será capaz de conhecer a
força e o poder do amor. E por mais que você tenha tentado com todas as
suas forças me fazer sentir sozinha e destruída, você era quem estava sozinho
e destruído todo o tempo. Acabou, Joshua. Eu estou deixando você pra trás.
Eu estou quebrando o maldito laço que me prende a você para que eu possa
ser feliz. E eu serei incondicionalmente feliz.
Há um momento de silêncio até que a voz da Dra. Scott soe
novamente.

— Abra os olhos, Lindsay.

E eu obedeço.

Lágrimas despencam e correm pelo meu rosto. Eu as seco.

— Você conseguiu — diz a Dra. Scott com um sorriso. — Você


enfrentou o seu medo.

Eu choro mais ainda.

— Ah meu Deus! — eu balbucio, escondendo meu rosto nas minhas


mãos.

A Dra. Scott se levanta da sua cadeira e vem se sentar comigo no sofá


da sua sala. Um dos seus braços envolve os meus ombros em um gesto de
conforto.

— O que aconteceu com você nunca vai desaparecer por completo,


Lindsay. Vai haver momentos em que você vai se lembrar, vai haver
situações que ativarão gatilhos, é inevitável. Você passou por um trauma
muito grande e muito sério. No entanto, você tem pessoas na sua vida que
nunca deixarão que você passe por esses momentos difíceis sozinha. E talvez,
falando agora do que mais te preocupa em relação ao seu relacionamento com
o Dallas, você não consiga transar na primeira vez que vocês tentarem, nem
na segunda, mas agora você sabe que o seu cômodo da Felicidade é muito
maior e mais poderoso do que o cômodo do Medo.

Ela tem razão.

— Obrigada — eu agradeço com todo o meu coração. — Você não


faz ideia de como me ajudou esse tempo todo. Eu... Eu... Eu acho que
finalmente estou livre. — Meu queixo treme com o choro. — Eu não o sinto
mais.
A Dra. Scott sorri pra mim e segura a minha mão.

— Eu só mostrei a você o que você não conseguia ver sozinha,


querida. Todo o resto, é mérito seu. É a sua força, a sua vontade de viver e
ser maior do que o que aconteceu com você. E você é maior e a sua dor te faz
mais forte.

Eu seco as lágrimas novamente, mas elas continuam caindo sem


parar. A Dra. Scott me oferece uma caixinha de lenços, que eu aceito de bom
grado.

Minutos depois, quando já sou capaz de controlar a minha respiração


e os meus batimentos cardíacos, ela olha para mim com um sorriso
encorajador e diz:

— Agora é a hora de você cumprir o que disse e ser


incondicionalmente feliz.
17.
Imutável

Então talvez

Talvez nós sempre tenhamos sido feitos para nos encontrar

Como se esse fosse todo o nosso destino

Como se você já soubesse que seu coração nunca será quebrado


por mim

| James Arthur – Maybe

Cinco meses depois que Mason me contou que pediu Skye em


casamento, a data finalmente foi marcada. QD colocou Spencer
temporariamente no comando para que todos nós pudéssemos voar para a
Califórnia e assistir à cerimônia.

Skye escolheu não se casar na igreja. Ela aproveitou o espaço enorme


do quintal da sua propriedade para montar toda a festa e a cerimônia ali. Eu
não sou um cara religioso, apesar de acreditar em um poder maior que todos
nós, mas acho que não me sentiria confortável entrando em uma igreja, não
com a quantidade de sangue que eu tenho nas mãos.
Mason é quem vem nos receber assim que chegamos. Ele está
vestindo um terno preto com uma gravata vermelha escarlate, seus olhos
estão brilhando de uma maneira que eu nunca havia visto antes e o sorriso em
seu rosto é tão genuíno que faria qualquer um sorrir também.

— Ah, bonitão! — eu digo quando nós nos abraçamos. — Olhe só pra


você, todo engomadinho.

— Vai se foder! — Ele ri, me abraçando mais forte. — Que saudade,


irmão.

— Eu também senti sua falta, Mase.

Quando Mason me solta, Everlee envolve o irmão em um abraço


apertado ao mesmo tempo que Emma agarra as pernas do tio.

— Tio Mason, olha o meu vestido! — Emma balança o corpinho para


o seu vestido florido dançar. — Eu que escolhi.

Mason agacha para ficar na linha de visão de Emma.

— Você é a garota mais bonita dessa festa — ele diz para a sobrinha.
— Eu amei o seu vestido, princesa.

Emma dá uma risadinha antes de abraçar o pescoço de Mason, que


retribui o abraço antes de fazer cosquinhas na barriga de Emma, fazendo-a
gargalhar.

— Você está um gato, Mase — Everlee elogia quando o irmão fica


em pé novamente.

Meu melhor amigo dá uma voltinha, se achando a última bolacha do


pacote, o que me faz revirar os olhos. Por Deus... não há ninguém mais
exibido que esse babaca.

— E você está deslumbrante nesse vestido vermelho, maninha —


Mason elogia. — É melhor ficar de olho nela, QD, ou algum californiano
pode acabar tomando-a de você.
— Vai começar... — Meu irmão bufa. — Eu só não arrebento a sua
cara hoje, Crawford, porque a Skyzie arrancaria as minhas bolas se você
estivesse com um olho roxo na porra do altar.

— Papai, você disse uma palavra feia! — Emma o repreende.

O mau humor de QD some.

— Desculpe, minha princesa.

— Onde está a minha filha? — Devon pergunta, depois de dar um


abraço em Mason.

— Está no nosso quarto. Acho que ela deve estar terminando de se


arrumar agora. — Mason sorri. — Eliott está aqui, mas ela ainda não sabe.

Everlee arregala os olhos azuis.

— Sério?! Nossa, a Skye vai ficar radiante com essa notícia.

— Com certeza — garante Mason, sorridente.

Everlee pega a mão de Emma e entra na casa para encontrar Skye e


ajudá-la a terminar de se arrumar. Enquanto isso, Mason, QD e eu — e o
Chasin — cumprimentamos os convidados que vão chegando. Eu tento
manter a minha atenção no que está acontecendo, mas só consigo pensar que
Lindsay está a poucos metros de mim, em algum lugar nessa propriedade, e
eu estou morrendo para vê-la.

Peço licença, com a desculpa de que preciso ir ao banheiro antes do


início da cerimônia, e entro na casa na esperança de encontrá-la. O lugar é
grande, mas tive a chance de conhecer cada cômodo quando fiquei
hospedado aqui um ano e meio atrás.

O quarto de Skye e Mason é no andar de cima, então tento a sorte e


subo as escadas. E bem quando chego no topo, a porta de um dos banheiros
se abre e Lindsay domina totalmente o meu campo visual.
O ar some dos meus pulmões, me deixando imóvel no topo da escada,
ainda segurando o corrimão.

Ela está com um penteado elaborado, que deixa metade do seu cabelo
preso e a outra metade solto; o vestido vermelho escarlate — assim como a
gravata de Mason e o vestido de Everlee — destaca o seu cabelo loiro e a
pele bronzeada pelo sol. Seus olhos verdes estão ressaltados por uma
maquiagem muito bem-feita e ela é a verdadeira imagem de um anjo na terra.

Meu anjo.

Lindsay sorri ao me ver e não sinto que ela fica tensa com a minha
presença, como costumava acontecer um ano e meio atrás.

— Oi — ela diz, e um sorriso repuxa os seus lábios pintados de


vermelho.

Meu coração erra a porra de um batimento.

— Oi. — Eu limpo a garganta. — Ahn... Você... Nossa... Você está


lindíssima, Lind.

O sorriso no rosto dela expande.

— Obrigada. Você também está lindo.

Nós ficamos em silêncio por alguns segundos, apenas olhando um


para o outro, sentindo a atmosfera ao nosso redor nos envolver em um véu
transparente de memórias. Nós temos muita bagagem, vivemos muita coisa.

— Como você tem passado? — ela me pergunta.

— Bem — eu minto. Porra, esse é o eufemismo do século. — E você?

— Eu estou muito bem.

Meu coração fica um pouco mais leve.

— Escuta, eu queria...
— Dallas! — Mason grita o meu nome do primeiro andar da casa,
interrompendo o que Lindsay ia dizer. — Dallas?

Eu vou matá-lo.

— Pode ir — Lindsay diz, sorrindo. — Podemos conversar depois.


Guarde uma dança para mim, ok?

— Tem muitas coisas que eu guardo só pra você, Lind.

Lindsay se aproxima de mim e me dá um beijo na bochecha. O


perfume dela me invade como uma avalanche, me deixando completamente
desestabilizado.

— Eu senti sua falta todos os dias, Anthony Dallas.

E com isso dito, ela sorri mais uma vez antes de começar a descer as
escadas, me deixando parado ali, estático, completamente hipnotizado e
rendido por ela. Exatamente como eu sempre fui.

— Ele está lá em cima — eu a escuto dizer do primeiro andar,


provavelmente para Mason.

Em segundos, meu melhor amigo aparece do meu lado.

— Se não fosse o dia do seu casamento, eu iria socar a sua cara por
atrapalhar Lindsay e eu — resmungo.

— É, é, eu estou sabendo. Você e o QD deveriam tirar no palitinho


quem vai me bater primeiro — diz Mason, impaciente. — Sinto muito por te
atrapalhar, cara, mas está na hora.

Nós descemos os degraus da escada depressa e seguimos para o altar.


Lindsay, Everlee e Davina já estão paradas do lado esquerdo do altar; e eu me
junto ao QD e ao Eliott do lado direito. Lind abre um sorriso para mim assim
que paro ao lado de Eliott, e eu retribuo, sentindo-me muito mais relaxado do
que quando cheguei.
— Bom te ver de novo, Dallas — Eliott diz, tirando minha atenção de
Lindsay para que eu olhe na direção dele.

— Bom te ver também, Eliott. — Eu sorrio. — Que bom que você


veio. A Skye deve ter ficado extasiada.

Ele ri.

— Ah, ela ficou. Eu não perderia o casamento dela por nada.

Sempre admirei a capacidade de Skye de fazer amigos verdadeiros em


todos os lugares por onde passou. Até mesmo na casa de Joshua. Davina é a
prova disso. E mesmo quando ela era uma fugitiva, ela foi capaz de encontrar
Eliott e Sutton. Infelizmente, Sut não conseguiu sair viva da experiência de se
envolver com a máfia. Uma perda horrível.

Quando Skye aparece, caminhando ao lado de Devon até o altar,


Mason sorri tanto que ele chega a brilhar. Meu peito se enche de felicidade ao
ver meu amigo nesse nível de paz e alegria.

A cerimônia foi linda.

Skye estava deslumbrante no seu vestido e Mason sorria tanto que


nem parece que um dia todos nós fomos desesperadamente miseráveis.

Logo após a cerimônia e os discursos, a pista de dança finalmente é


liberada. Eu corro meus olhos por todo o lugar, à procura de Lindsay, mas
não consigo encontrá-la entre os convidados. Quando estou a ponto de ir até a
casa para ver se ela está por lá, sinto dois toques no meu ombro direito. Me
viro rapidamente e encontro Lindsay olhando para mim com um sorriso largo
nos lábios. Com os raios do sol batendo no cabelo dourado dela dessa
forma... Uau. É quase como se ela inteira estivesse brilhando.
Eu sorrio de volta pra ela.

— Aí está você — eu digo.

— Dance comigo — ela pede, docemente.

Eu estendo minha mão pra ela e Lindsay coloca seus dedos sobre os
meus. Eu fecho minha mão na dela e a guio até a pista de dança, nos juntando
ao Mason e a Skye que já dançam juntos. Faço Lindsay girar no próprio eixo
antes de puxá-la para mim lentamente e pousar minha mão na sua lombar. Ela
coloca uma mão no meu ombro e nós começamos a dançar.

— Você realmente parece bem, Lind.

— É porque, dessa vez, eu realmente estou — ela responde com um


sorriso. — Eu preciso te agradecer, sabe...

Eu franzo o cenho.

— Me agradecer?

— Se você não tivesse tido coragem de jogar algumas verdades na


minha cara naquela noite, talvez eu ainda estivesse me escondendo, talvez
ainda estivesse afundando. — Ela prende o seu olhar no meu. — Uma parte
de mim tinha medo de que você iria sempre me tratar como uma garota
quebrada, mas você sabe melhor que isso. Você sempre sabe exatamente o
que eu preciso, não é?

Um sorriso se forma nos meus lábios segundos antes de Lindsay


encostar a cabeça no meu ombro, sem parar de dançar. Damos passinhos
minúsculos de um lado para o outro e uma, duas ou talvez até três danças
depois, nós ainda não falamos uma só palavra. E mesmo que haja uma
infinidade de coisas que quero dizer a ela, nada parece realmente importante
nesse momento. Podemos lidar com tudo mais tarde. Agora, eu só quero
segurar minha garota nos meus braços como se ela nunca estivesse estado em
outro lugar senão neles.

— Tem uma coisa que eu preciso que você veja — Lindsay diz ao
final da quarta música.

— Agora?

Ela faz que sim com a cabeça e há um quê de apreensão misturado


com um quê de empolgação na forma como os seus olhos verdes brilham pra
mim. Lindsay prende o lábio inferior entre os dentes, como se isso a fizesse
conter seja lá o que for que ela quer me mostrar.

Eu dou uma risadinha.

— Tá bom. Mostre o caminho.

Nós seguimos em direção à sua casa e é só no caminho até lá que vejo


Anthony. Caramba, como ele cresceu. Não é mais o filhotinho que eu adotei
para Lindsay. Ele já está grande e brinca com Emma e Chasin como se nada
mais importasse no mundo. E isso automaticamente me faz sorrir, mas
rapidamente volto minha atenção para Lindsay. Ela abre a porta da sua casa e
estende a mão para que eu entre. Eu entro. Ela me guia pelo pequeno corredor
até a última porta e então percebo que estou no quarto dela. Mesmo que eu já
tenha estado na sua casa anteriormente, eu nunca passei da sala e da cozinha.

O cômodo é pequeno, mas muito aconchegante. Tudo em tons claros


e nudes, a cama está perfeitamente arrumada e... Eu franzo o cenho quando
Lindsay para ao lado de duas malas de viagem enormes.

Eu pisco, confuso.

— Você... — Eu limpo a garganta quando a minha voz falha. Porra,


se ela estiver indo embora, saindo do país ou sei lá, eu não sei como vou
esconder a minha tristeza. — Você vai viajar?

Lindsay balança a cabeça como quem diz “mais ou menos”.

— Acho que dá para dizer que sim.

Franzo o cenho.

— Eu estou perdido aqui.


Ela dá uma risadinha antes de se aproximar de mim e segurar ambas
as minhas mãos nas suas. Ai porra, é nessa hora que ela vai se despedir de
mim, não é? Está com cara de que é sim.

— Nessas últimas duas semanas, muitas coisas passaram pela minha


cabeça, sabe? Eu tive uma experiência incrível com a minha psicóloga, e eu
senti, pela primeira vez, que o que aconteceu comigo não era uma cruz que eu
teria que carregar para o resto da minha vida. Eu me senti livre e feliz e forte
como há muito, muito tempo eu não me sentia. Eu percebi que tudo o que eu
precisava para me curar e para ser feliz, estava dentro de mim todo esse
tempo, mas também estava bem aqui, bem debaixo do meu nariz.

Lindsay encara os meus olhos enquanto eu tento decifrar se suas


palavras são uma declaração ou uma despedida. Tudo que consigo pensar
agora é que ela pode estar de fato me deixando, de verdade dessa vez.

— Você esteve presente em todos os piores momentos da minha vida,


Dallas, mas, ao mesmo tempo, você é todos os momentos felizes da minha
vida. Eu vivi ambos ao seu lado. E eu percebi que, desde que nos
conhecemos, você tem abdicado de quase tudo por mim. Você fez tudo por
mim quando não havia ninguém e você foi tudo pra mim quando ninguém
mais foi, quando eu pensei que estava sozinha, quando pensei que Skye e
minha mãe tinham me abandonado e me esquecido. Eu duvidei de tudo e
todos a minha vida toda, duvidei até mesmo de mim, mas eu nunca, nunca,
nunca duvidei de você. Você sempre foi a única certeza que eu sempre tive.

Sinto meus olhos queimando e minha garganta fechando com o


embargo, mas me recuso a desviar meus olhos dos dela, me recuso a perder
qualquer palavra que saia da sua linda boca rosada.

— Por que você está me dizendo tudo isso, mas está com malas
prontas para ir embora?

— Porque eu estou indo embora — ela confirma com um sorriso. —


Eu estou indo embora com você.

Eu pisco. E depois pisco de novo. As palavras levando mais tempo do


que o normal para serem processadas pelo meu cérebro.

— O que você quer dizer com ir embora comigo? — eu pergunto,


atordoado.

Lindsay dá mais um passo para perto de mim e entrelaça seus braços


ao redor do meu pescoço, automaticamente fazendo com que eu leve minhas
mãos até a sua cintura.

— Eu quero dizer que você abriu mão de coisas suficientes por mim.
Agora é a minha vez de abrir mão de algo por você — ela elabora. — Eu amo
morar aqui, amo estar perto da Skye e do Mason, amo trabalhar com cavalos
e estar perto da natureza e sei que se eu pedisse, você deixaria Boston,
deixaria a máfia e tudo para ficar aqui comigo, mas eu também sei que você
foi criado para estar ao lado do seu irmão quando o momento de ele assumir
os negócios chegasse. Eu sei que você nasceu para governar ao lado dele e
mesmo que não seja a vida que você ama, você ama o QD talvez tanto quanto
você me ama. E ele te ama e precisa de você agora, então...

Imediatamente, minha cabeça se mexe de um lado para o outro.

— Não — eu digo, soando mais ríspido do que eu pretendia. — Eu


nunca pediria que você voltasse para a máfia por mim.

Lindsay sorri.

— Então que bom que você não está me pedindo. Essa foi uma
decisão que eu tomei sozinha.

Nego com a cabeça de novo, preocupado com os tipos de gatilhos que


ela pode vir a ter por estar novamente no ambiente que a destruiu tão
profundamente. Ela está bem agora, por que mudar as coisas? Não se mexe
em time que está ganhando, não é o que dizem?

— Você não pertence àquele lugar.

— Eu pertenço com você e você pertence àquele lugar — ela diz,


categórica. — Meu lar não é um lugar, Dallas, é uma pessoa. É você.
— Você não tem que fazer isso por mim, Lindsay. Não depois de tudo
que a máfia fez com você.

Ela sorri, como se soubesse de algum grande segredo que eu ainda


não descobri.

— Eu estou fazendo isso por nós. E sim, a máfia me destruiu em


muitos sentidos e cada coisa que eu vivi lá fará parte da minha vida e de
quem eu sou até o dia em que eu morrer. Nada vai mudar isso, Dallas. Para
qualquer lugar que eu vá, eu sempre vou carregar o que aconteceu comigo
porque não é o lugar, sou eu. O que aconteceu está dentro de mim, faz parte
de mim, mas não precisa ser quem eu sou e não precisa definir como vou
viver.

Eu solto o ar dos meus pulmões e a puxo para mais perto de mim,


unindo nossas testas quando a ficha finalmente começa a cair.

— Você tem certeza disso? — eu pergunto em um sussurro. —


Porque... Deus, se há qualquer mínima parte de você que duvide dessa
decisão, então eu fico com você aqui. Eu estava me preparando para isso de
qualquer forma, só precisava saber que você estava pronta.

Lindsay afasta sua testa da minha e olha nos meus olhos, querendo
que eu veja a certeza brilhar nas suas nuances de verde. Ela desliza as mãos
pelas laterais da minha cabeça, fazendo carinho em mim.

— Eu nunca tive tanta certeza. Me leve, Dallas, e me faça sua, como


tantas vezes dissemos, como tantas vezes sonhamos.

O ar escapa pela minha boca, trêmulo, e meu peito sobe e desce


depressa enquanto eu tento conter a avalanche de emoções que inunda o meu
peito e me consome por completo.

E então, tudo o que eu vejo é ela. Tudo o que eu quero é ela. E nós
pertencemos um ao outro como almas gêmeas que se encontram no final
mesmo que o caminho tenha contido todos os obstáculos que se é possível
conter.
— Eu te amo — eu balbucio, emocionado. — Deus, eu te amo tanto.

Ela ri baixinho, mas percebo que está chorando.

— Eu te amo, Anthony Dallas.

Lindsay fica na ponta dos pés e une os seus lábios nos meus. Eu fecho
meus braços na sua cintura e a puxo para mais perto de mim. A língua dela se
insinua nos meus lábios, e eu abro passagem. No segundo que nossas línguas
se tocam, meu corpo inteiro treme de saudade, de paixão, de amor e de
desejo. Lindsay move os seus lábios nos meus, deitando a cabeça para
aprofundar o beijo, enquanto metade de mim se entrega à essa sensação sem
igual e a outra metade fica atenta a qualquer sinal de desconforto da parte
dela, mas esse desconforto não se manifesta.

— Talvez nós devêssemos voltar pra festa agora — ela sussurra, sem
realmente desgrudar os nossos lábios.

— Você provavelmente está certa — eu concordo, mas ao invés de


soltá-la, eu a beijo de novo.

Lindsay ri com os lábios nos meus e leva exatos três segundos para
voltar a me beijar de novo. E então, parece que os quatro anos em que
ficamos separados nunca realmente existiram. Mas mesmo que eles tenham,
de fato, existido e nos transformado, o amor que sentimos um pelo outro é
imutável.

E eu sei, com tudo o que sou, que ele sempre será.


18.
Âncora

E eu vou me erguer

Eu vou me erguer como o nascer do dia, eu vou me erguer

Eu vou me erguer sem medo, eu vou me erguer

E eu o farei mais mil vezes

E eu vou me erguer, Alto como as ondas, eu vou me erguer

Apesar da dor, eu vou me erguer

E eu o farei mais mil vezes

| Andra Day – Rise Up

Um mês depois.

De modo geral, estar de volta na máfia é estranho, mas quando pensei


a coisa toda na minha cabeça, pensei que seria pior do que realmente tem
sido. Eu estou na máfia, mas não estou de fato envolvida. QD, Dallas e
Devon tiveram uma longa conversa a respeito do meu retorno para Boston e
os três chegaram à conclusão de que o ideal era que Dallas e eu não
morássemos na mesma casa que o QD e a Everlee, já que ali era, de fato, o
coração dos negócios. Dallas quer que eu fique o mais longe possível de toda
a parte obscura dessa vida, e eu concordei com isso sem nem precisar pensar
a respeito.

Mesmo que Dallas tenha sido a minha maior motivação no momento


em que tomei a decisão de voltar, no fim das contas, eu voltei porque eu quis,
mas isso não significa que quero estar envolvida como Everlee está, por
exemplo. Minha irmã é a rainha de Boston, está envolvida em todos os
assuntos e em todas as decisões importantes que QD toma. Já eu? Não. Dallas
me mantém informada do que julga necessário para a minha segurança e
ponto final. E eu amo que seja dessa forma.

Com isso definido, Dallas me surpreendeu ao comprar uma casa perto


da casa de QD. Estamos perto — bem perto, para o caso de uma emergência
—, mas não estamos dentro e isso é suficiente pra mim.

Embora ninguém tenha comentado abertamente comigo, eu pude ver


o brilho de gratidão nos olhos de QD quando Dallas contou que ficaríamos
em Boston — quando ainda estávamos na Califórnia, dois dias depois do
casamento de Skye e Mason. Eu sei que QD teria entendido caso eu não
tivesse tomado a decisão que tomei e Dallas tivesse escolhido ficar na
Califórnia comigo, mas eu também sei que ele queria e precisava do irmão
em Boston. Assim como eu também sei que Dallas, mesmo que fosse
insuportavelmente feliz comigo na Califórnia, sempre sentiria que algo
estaria faltando, porque ele foi criado para essa vida e ele é
inquestionavelmente bom no que faz.

A cada dia que passa, eu tenho mais certeza de que tomei a decisão
certa ao voltar. Emma, que já está com sete anos, está radiante em me ter
mais perto — e por ter trazido Anthony junto, já que ela é completamente
apaixonada por ele, assim como Chasin, que já tem quase três anos de idade.
Meu Deus, o tempo passou rápido demais. Everlee também está feliz com a
minha proximidade, o que vai nos dar ainda mais tempo e a devida
convivência para nos conhecermos mais profundamente... Sem contar que
posso ajudá-la com as crianças, o que eu faço com toda a satisfação do
mundo. Estar perto dos meus sobrinhos é o ponto alto do meu dia. Bom, isso
se eu não considerar quando Dallas chega em casa ou quando ele dá uma
escapadinha na hora do almoço para me dar um beijo ou dois.

Tem sido como um sonho estar com ele de novo, senti-lo me


abraçando durante a noite, como ele costumava fazer anos atrás e que ainda
me traz o mesmo senso inigualável de proteção e pertencimento. É verdade
que a parte do sexo ainda é uma missão em andamento, mas temos trabalhado
nisso.

Passos de bebê.

Duas semanas depois que chegamos em Boston, tentamos pela


primeira vez. Eu fui capaz de deixá-lo tirar a minha roupa e tocar o meu
corpo em locais neutros, como meus ombros, meus braços, minha cintura...
Mas esse foi o mais longe que consegui chegar. É frustrante às vezes, querer
e não conseguir; sentir que meu corpo não responde ao meu desejo, mas
entendo que preciso ter paciência comigo mesma e respeitar o meu próprio
tempo. Eu já evoluí muito se levar em consideração o lugar de onde comecei.

Dois dias depois dessa primeira tentativa, houve a segunda. Não foi
muito melhor, mas eu consegui tocá-lo sem sentir meu estômago se revirar
diante do pau dele bem na minha frente, firme, duro. Precisei respirar fundo
inúmeras vezes para apenas segurá-lo.

Passos de bebê.

E quando tudo parece demais, quando me sinto realmente


sobrecarregada, eu volto ao cômodo do Medo, depois visito o cômodo da
Felicidade, volto para o cômodo do Medo e me lembro de que a felicidade é
mais poderosa que o medo. Respiro fundo, medito, faço caminhadas ao ar
livre para sentir o vento batendo no meu rosto e sentir que, sim, eu estou livre
e tudo está bem.

Há dias e dias. Há dias em que parece que nada aconteceu, que dou
risada, que me sinto leve como uma pluma e a vida é boa e brilhante; mas
também há dias em que tudo é pesado demais, real demais, vívido demais.
Estar perto da minha família ajuda, no entanto. Eles são essenciais para o
meu processo de cura.
— Oi, linda — Dallas diz, aparecendo de repente ao meu lado e me
trazendo de volta dos meus pensamentos.

Eu estava tão longe que nem sequer o escutei chegando em casa.


Gosto de ficar no sofá próximo à janela do nosso quarto, olhando para fora e
simplesmente deixando a mente vagar.

— Oi. — Eu sorrio para ele. — Desculpe, eu estava longe.

Dallas se senta ao meu lado e coloca minhas pernas no seu colo,


imediatamente tomando meus pés em suas mãos para fazer uma massagem,
como se eu fosse aquela que passou o dia todo fora de casa e estivesse
exausta e necessitada de uma massagem nos pés.

— Tudo bem? — ele quer saber, cauteloso.

Eu sorrio para livrá-lo da preocupação.

— Tudo bem, e você? Como foi o seu dia?

— Caótico — ele responde, lacônico. — Mas eu estou mais


interessado em saber como foi o seu dia.

— Bom, eu enviei os formulários de matrícula para todas as


faculdades de Boston — eu conto, animada. — Agora preciso esperar uma
resposta.

— Eu posso fazer acontecer, amor.

— Eu sei, mas eu quero entrar por mérito e não porque você “fez
acontecer”.

Ele sorri.

— Está certo. — Dallas continua fazendo massagem nos meus pés. —


Me avise quando tiver um retorno das faculdades, então.

— Você será o primeiro a saber.


Ele lança uma piscadela na minha direção.

— O que você acha de pedirmos uma pizza hoje? — Dallas sugere.


— Temos um vinho na geladeira e algumas velas guardadas em algum lugar.

Eu solto uma risadinha.

— Pizza, vinho e velas? O que estamos comemorando?

— Que você se inscreveu na faculdade, é claro. Mas também o quanto


você é linda e o quanto eu te amo — ele responde, galanteador. Eu dou
risada. — Mas antes, eu preciso muito tomar um banho. Dê uma olhada no
cardápio da pizzaria e peça o que quiser, ok? — Ele se inclina para frente e
me dá um beijo macio nos lábios. — Eu volto rapidinho.

— Está bem.

Dallas levanta as minhas pernas para conseguir se levantar, me dá


mais um beijo na testa e então entra no banheiro, sem se dar ao trabalho de
fechar a porta. E eu agradeço que ele não o fez, pois pela posição do espelho
na parede do banheiro, eu consigo ver o momento em que ele tira a camiseta
e seus músculos refletem no espelho, enchendo os meus olhos com essa visão
tentadora.

Eu mordo o lábio inferior, considerando as minhas opções.

Eu poderia me juntar a ele no banho. Nós costumávamos tomar banho


juntos o tempo todo, mas não fizemos isso desde que eu voltei para Boston.
Para ser sincera, eu sinto falta desse tipo de contato. E nós temos tentado,
como eu disse antes, e a cada nova tentativa, por mais que frustrante e ao
mesmo tempo compreensível, eu tenho vontade de ir um pouquinho mais
longe.

Quando eu escuto o barulho do chuveiro sendo ligado, eu me coloco


em movimento. Hesito por alguns poucos segundos à porta, mas espanto o
nervosismo com toda a determinação que possuo e entro no banheiro já
puxando minha blusa por cima da minha cabeça. Me livro dos meus shorts de
pijama e da minha lingerie logo em seguida.

Dallas deve ter sentido a minha presença, pois vira de frente para
mim, não sendo capaz de esconder a sua surpresa ao me ver nua e parada no
meio do cômodo, olhando para ele como se esperasse alguma reação ou
comentário dele. Na verdade, eu só estou esperando meu coração tranquilizar
os batimentos cardíacos.

O box está embaçado, mas eu consigo ver o momento em que Dallas


sorri e abre a porta, me convidando para me juntar a ele. E esse acaba se
tornando todo o incentivo que eu preciso, o clássico empurrãozinho. A água
morna toca a minha pele ao mesmo tempo em que Dallas pousa uma das
mãos na minha cintura. Seus lindos olhos verdes olham para mim em uma
mistura de fascínio e paixão, e isso aquece o meu corpo de uma forma que a
água não é capaz.

— Oi — eu digo, inocentemente, com um sorriso que o faz dar risada.

— Você sempre invade banhos alheios? — ele pergunta, brincalhão.

A frase faz uma lembrança emergir: a primeira vez em que invadi o


banho de Dallas.

Nós estávamos saindo há quase dois meses, mas ainda não tínhamos
dormido juntos. Ele me levou até a porta do meu quarto naquela noite, se
despediu de mim com um beijo de tirar o fôlego e depois atravessou o
corredor e entrou no próprio quarto. E eu fiquei parada ali por quase cinco
minutos, pensando no quanto eu precisava de mais do que só um beijo de
despedida. Então, eu também atravessei o corredor, invadi o quarto dele, tirei
toda a minha roupa, deixando-as espalhadas pelo chão do cômodo, e invadi o
banho dele exatamente como acabei de fazer.

Naquela noite, ele me fez essa mesma pergunta. Então, eu respondo,


lhe dando a mesma resposta:

— Só quando meu corpo não se contenta com apenas um beijo.

Seus olhos verdes brilham e o sorriso em seu rosto aumenta. Ele


também se lembrou.

Quando os lábios de Dallas encostam nos meus, suaves e carinhosos,


um gemido baixinho me escapa. Eu adoro quando ele me beija, é algo que já
consigo aproveitar sem medo de ter lembranças ruins invadindo a minha
cabeça.

Por longos e deliciosos minutos, Dallas apenas me beija, deixando


meu corpo relaxado e à vontade, além de com vontade de mais, que é tão
importante quanto. E eu aproveito isso. Aproveito o toque da língua dele na
minha, aproveito o seu cheiro maravilhoso, a forma como os seus braços
envolvem a minha cintura com possessividade, mas também com carinho. Eu
aproveito tudo.

— Me avise se quiser que eu pare, ok? — Dallas diz, a voz tão rouca
que é quase difícil de entendê-lo.

Eu concordo com a cabeça, não querendo que ele pare, não querendo
deixar de sentir meu corpo quente e relaxado.

— Por favor, não pare.

Os lábios de Dallas descem até o meu pescoço, onde ele distribui


beijos quentes e minuciosos, como se ele quisesse cobrir toda a extensão da
minha pele com beijos. As mãos de Dallas, no entanto, permanecem
ancoradas na minha cintura e sei que a atitude de as colocar em outra região
do meu corpo deve partir de mim, pois o controle é meu. Ele não as moverá a
menos que eu faça alguma coisa.

E eu faço.

Levo minhas mãos até as mãos dele e as guio para onde as quero.
Uma delas, eu deslizo para baixo até que esteja envolvendo a minha bunda; a
outra, eu deslizo para cima, até o meu seio direito, que ele agarra com
gentileza à medida que um gemido gutural escapa pelos seus lábios.

Paro por um momento para prestar atenção em como me sinto em ter


as mãos dele no meu corpo dessa forma. Procuro por algum sinal de pânico,
de desconforto, mas não encontro nada além do compreensível nervosismo.
Estaria mentindo se dissesse que não estou nervosa, mas enquanto me sentir
confortável com o que está acontecendo, o nervosismo pode ser trabalhado.

— Você está bem? — Dallas me pergunta, olhando nos meus olhos.

— Estou bem — respondo com firmeza, para que ele não fique com
nenhuma dúvida. — Por favor, continue.

E ele faz o que eu peço.

Com o polegar, Dallas provoca o meu mamilo enrijecido. O toque da


sua mão é leve e quente, mas também maravilhosamente provocativo. A água
caindo sobre nossas cabeças é um bônus para ajudar meu corpo a relaxar.

Eu gemo quando Dallas aperta a minha bunda e me puxa para mais


perto de si, fazendo com que eu sinta o seu pau duro cutucar a minha barriga.
Por um momento, meu corpo enrijece e é claro que ele sente a minha
mudança de humor, o que o faz parar de se mover no mesmo instante.

— Está tudo bem — eu digo. — Só me dê um segundo.

Olho para baixo, vendo o seu membro imponente entre nós dois. Eu
solto o ar pela boca devagar, dizendo ao meu corpo e à minha mente que está
tudo bem. Eu estou segura, eu tenho o controle. Então, devagar, quase
timidamente, eu fecho minha mão ao redor do pau de Dallas, fazendo puxar o
ar para dentro entre dentes, sibilando.

— Lindsay — ele sopra meu nome como se fosse uma prece,


reafirmando para o meu cérebro que eu sou uma das coisas mais importantes
da vida dele.

Eu estou segura.

Ele me ama.

Como se eu estivesse redescobrindo o que sexo significa, eu começo a


mover minha mão para cima e para baixo, devagar, mas firme. Também
presto atenção em como me sinto, e percebo, entusiasmada, que dar prazer a
ele me faz sentir bem, me faz sentir confortável e feliz. Porque é ele. Porque
ele é minha alma gêmea, o homem que lutou por mim com todas as armas
que tinha e até com as que não tinha.

— Dallas — eu arquejo, meu corpo quente. Uma vontade de chorar


enorme me atinge quando percebo que o meio das minhas pernas está
molhado, mas isso nada tem a ver com a água que nos enxarca. Não. Isso é
tesão. — Toque em mim.

Ao invés de ir direito atender ao meu pedido, ele me beija. Seus lábios


devoram os meus, famintos, e eu o beijo de volta com o mesmo desespero
por mais. Faz muito tempo. Tempo demais. E eu o amo demais.

Sinto quando ele desliza a mão que estava no meu seio para baixo,
passando pela minha barriga, me deixando arrepiada, e seguindo mais para
baixo até me encontrar úmida. A respiração dele fica tão pesada quanto a
minha quando jogo minha cabeça para trás, querendo aproveitar cada
milésimo de segundo dessa sensação, do cuidado com o qual ele trata o meu
corpo, a minha mente e a minha alma.

— Como se sente? — ele quer saber. Seus dedos não se movem, estão
apenas pressionados contra o meu clitóris, mas ele espera pela minha
aprovação.

— Muito bem — eu respondo, ofegante. — Isso é bom.

— E se eu fizer isso? — Dallas faz círculos lentos em cima do meu


clitóris. — Tudo bem se eu fizer isso?

Eu confirmo com a cabeça.

— Sim, sim.

Continuo movendo minha mão sobre o pau de Dallas enquanto ele


estimula o meu clitóris, sem nunca me penetrar com os dedos, apenas me
provocando e me instigando, colocando a pressão certa no meu clitóris.

— Eu acho que posso gozar assim — eu digo, baixinho, a respiração


presa nos meus pulmões. Tenho medo de respirar ou de piscar e toda essa
maravilhosa se transformar em mais uma tentativa frustrada.

Dallas une os nossos lábios de novo à medida que seus dedos


começam a se mover mais depressa no meu clitóris, pressionando e soltando,
fazendo círculos lentos, depois mais rápido... E sua língua trabalha na minha,
me envolvendo em um véu transparente de sensações que há muito tempo
foram esquecidas, porque depois de ter o seu corpo invadido e tomado contra
a vontade, como o meu foi, você facilmente esquece que é possível sentir
prazer com sexo. No momento certo, quando seu corpo e sua alma estão
curados, com alguém que você confie, que respeite o que aconteceu com
você, que respeite o seu corpo e as suas limitações, que esteja disposto a ir até
onde você consegue... é possível sentir prazer de novo.

Se tem algo que eu aprendi durante todo esse processo, é que eu


preciso ouvir o meu corpo, e que buscar por ajuda foi a decisão mais sábia
que tomei.

O tempo e o espaço ajudam o amor a curar.

Meu corpo começa a tremer ligeiramente quando os indícios do


orgasmo despertam o meu âmago adormecido. Eu gemo baixinho.

— Ah meu Deus! — eu arquejo nos lábios de Dallas.

Sinto na palma da minha mão quando o pau de Dallas pulsa, me


deixando saber que ele também está quase lá. Eu quero que consigamos isso
juntos, porque é como sempre fizemos tudo. Juntos. Intensifico os
movimentos, colocando pressão. O corpo dele estremece e ele geme nos
meus lábios. O som me causa arrepio, mas é extraordinariamente
maravilhoso.

E nós chegamos ao ápice juntos. Gemendo, nos entregando, nos


rendendo ao nosso amor.

E eu explodo com as lágrimas que estava me esforçando tanto para


conter.
— Eu consegui — eu balbucio, chorando tanto que não consigo
respirar direito. — Eu... Nós conseguimos.

Dallas segura a minha cabeça entre as suas duas mãos.

— Você conseguiu, meu amor. — Ele ri, extasiado pela felicidade, e


o orgulho que brilha em seus olhos é tão palpável que me faz chorar mais. —
Você conseguiu.

Dallas me abraça com força.

— Eu te amo — ele declara, feliz. — Eu te amo tanto.

Eu não consigo responder, pois o embargo na minha garganta é


grande demais, o alívio é grande demais, a felicidade, a liberdade... Subir esse
último degrau da escada da minha cura é tão importante, tão significativo,
que eu não consigo expressar em palavras o tamanho da minha gratidão e o
que essa conquista significa pra mim. Suponho que somente quem sentiu na
pele o que eu senti, tenha noção da importância e do peso desse momento.

— Eu também te amo — eu consigo dizer, alguns minutos mais tarde.


— E eu quero me casar com você.

Dallas olha para mim.

— Por que esperar mais? Nós já sabemos que fomos feitos um para o
outro, nós já sabemos que vamos envelhecer juntos, então por que esperar?
Nós já esperamos tanto...

Ele sorri para mim, aquele sorriso que poucas pessoas têm o
privilégio de testemunhar; o sorriso do homem altruísta e bom que ele é, mas
que a nossa realidade não permite que ele mostre ao restante do mundo. Esse
sorriso... Foi esse sorriso que me deixou encantada tantos anos atrás.

— Você está arruinando os meus planos de fazer um grande gesto


para te pedir em casamento, amor.

— Eu não quero um grande gesto, eu só quero você.


Dallas afasta uma mecha do meu cabelo molhado do meu rosto e
sorri.

— Lindsay Harris, você me daria a felicidade de ser a minha esposa?

Eu rio.

— Não vale, eu pedi primeiro!

Ele balança a cabeça, sorrindo.

— Não, não pediu. Você disse “E eu quero me casar com você”. Isso
não é um pedido, amor. Não há uma pergunta nessa sua frase aí.

Reviro os olhos.

— Sendo assim... Anthony Dallas, você me daria a felicidade de ser


meu marido?

Os olhos dele brilham.

— Isso é tudo o que eu mais quero, amor.

— E isso é tudo o que eu mais quero, amor — eu digo, também


respondendo ao seu pedido.

E Dallas e eu nos casamos uma semana depois.

É verdade que Skye e Everlee ficaram malucas quando eu disse que


não faria uma enorme cerimônia e que não passaria pelo menos uns dois
meses programando tudo. Eu não queria nada disso. Eu só queria olhar para
Dallas e poder chamá-lo de meu marido.
Mas, no final das contas, mesmo com a correria insana que foi essa
última semana, tudo deu certo. Nós nos casamos na praia, próximo à mais
nova casa de Devon, em uma cerimônia intimista para as pessoas que
realmente são importantes para nós dois. Nossa família e amigos mais
próximos. Debra, Zara e Ryka foram as únicas pessoas mais distante que eu
fiz questão de convidar, pois elas se tornaram importantes para mim e para
todo o meu processo de cura interna.

Agora, sozinha com meu marido em nosso quarto, logo após o


término da festa de casamento, eu anseio pela noite de núpcias.

Dallas e eu não tivemos mais nenhum contato sexual desde o que


aconteceu no banheiro. Ele disse que era importante que fizéssemos as coisas
com calma para que eu não me sentisse sobrecarregada e pudesse aproveitar
as pequenas vitórias. E eu fiz isso. Revirei aquela noite na minha mente todos
os dias, me perguntando se eu conseguiria sentir aquele mesmo prazer
quando ele estivesse dentro de mim. E honestamente, estou torcendo para
descobrir isso essa noite. Mas acho que ter tido o meu primeiro orgasmo sem
uma penetração foi o melhor que poderia ter acontecido. Agora, eu me sinto
pronta e relaxada o suficiente para tentar ir além.

— Eu não me canso de dizer o quanto você está linda, amor — diz


Dallas, afrouxando a gravata do terno enquanto seus olhos me percorrem de
forma contemplativa. — Nem acredito que você finalmente é minha esposa.

— Depois de tudo o que passamos, realmente parece que é um


sonho — eu concordo. — Mas é real. Finalmente é real.

Dallas sorri para mim antes de eliminar a distância entre nós e


envolver os seus braços ao redor da minha cintura.

— Aqui está o que eu pensei... Que tal se na nossa viagem de lua de


mel até a Indonésia, nós déssemos uma paradinha na Escócia para você
conhecer aqueles castelos daquela série que você costumava assistir. Qual é
mesmo o nome?

— Outlander?! — eu pergunto, e sei que meus olhos estão brilhando.


Parece que faz séculos desde a última vez que eu assisti a um episódio da
série, mas eu costumava ser viciada. Não perdia o lançamento de um episódio
sequer.

— Essa mesma. — Ele sorri. — O que você me diz?

Eu envolvo meus braços ao redor do pescoço dele, sorrindo tanto que


as minhas bochechas chegam a doer.

— Eu adoraria! — respondo, empolgada. — Obrigada.

Dallas passa a pontinha do seu nariz no meu nariz e sorri. Eu


aproveito a proximidade para ficar na ponta dos pés e unir os nossos lábios.
Eu posso beijá-lo mil vezes e tudo o que vou querer é beijá-lo mais mil.

Em um movimento rápido, Dallas me pega em seus braços e acomoda


meu corpo com delicadeza em cima do colchão. Seus olhos estão fixos nos
meus, como em uma pergunta silenciosa sobre prosseguir ou parar por aqui.
E como resposta, eu o beijo novamente, puxando seu corpo para cima do
colchão também. Dallas ajoelha na cama e tira o terno, descartando-o no chão
do quarto junto com a sua camisa. Uma regata branca é tudo o que sobrou,
mas ele não faz menção de arrancá-la. Ao invés disso, ele segura as minhas
mãos quando percebe que eu estou tentando alcançar o zíper do meu vestido.

— Deixa que eu faço isso — ele pede, gentilmente.

E eu obedeço, virando-me de barriga para baixo na cama e deixando


minhas costas livres para que ele possa deslizar o zíper. Mas é claro que
Dallas não faz isso imediatamente. Primeiro, ele afasta todo o meu cabelo,
tirando-o das minhas costas e jogando-o para o lado, de forma que os fios
dourados se esparramam pelo travesseiro. Então, ele dá um beijo suave na
minha nuca, o que me faz ficar arrepiada, para só então ele pegar o zíper do
meu singelo vestido de noiva e começar a deslizá-lo para baixo. E conforme
faz isso, Dallas vai distribuindo beijos na pele que se torna visível para ele.

Eu solto o ar pela boca, quase em um gemido.

Quando Dallas terminar de abaixar o zíper do meu vestido, eu giro


meu corpo na cama, deitando-me de barriga para cima e encontrando seus
olhos verdes mais escuros pela luxúria. É difícil de respirar quando ele me
olha desse jeito, como uma obra de arte que merece ser apreciada
minuciosamente.

Sutilmente, Dallas solta o ar pela boca, como se o estivesse prendendo


antes. Então, ele leva suas mãos até os meus ombros, segurando o tecido do
meu vestido e pergunta:

— Posso?

Eu confirmo com a cabeça.

Dallas puxa o tecido para baixo devagar, liberando meus seios nus —
já que eu não estava usando sutiã. Quando estou vestindo apenas a minha
calcinha branca e rendada, sinto minha pele queimar pelo olhar dele, mas
Dallas não se move para me atacar, como fica tão claro pelos seus olhos que
é o que ele quer fazer. Não. Ele apenas espera.

Sem quebrar o contato visual, eu me sento da cama e seguro a barra


da sua regata segundos antes de puxá-la por cima da sua cabeça. Eu dou um
beijo em seu abdômen antes de lhe dar um beijo suave nos lábios. Dallas me
empurra com suavidade para que eu volte a me deitar na cama e seu corpo
cobre o meu quando seus lábios encontram os meus de novo. Sua língua
cálida e macia encontra a minha em uma dança gostosa que nos faz gemer
baixinho.

Quando seus lábios deixam os meus para beijar o meu pescoço, eu


fecho meus olhos para aproveitar cem por cento da sensação incrível que me
invade, mas volto a abri-los quando Dallas desce os lábios mais um pouco,
pairando sobre o meu seio direito. Ele levanta os olhos verdes para mim,
buscando permissão para continuar. Eu concedo com um manear firme de
cabeça. E então os seus lábios se fecham ao redor do meu mamilo enrijecido
e eu gemo.

— Como você se sente? — Dallas me pergunta, carinhosamente.

— Bem. Estou bem.


Dallas chupa o meu seio novamente, passando a língua pelo meu
mamilo e me fazendo estremecer. Deus! Eu havia me esquecido o quanto eu
gosto disso. Quando Dallas solta meu mamilo com um barulho molhado, seus
lábios imediatamente encontram o meu outro mamilo, repetindo todo o
processo e quase me fazendo ver estrelas.

Quando os lábios de Dallas descem pela minha barriga, trilhando o


caminho até o meio das minhas pernas, meu corpo fica rígido
involuntariamente e Dallas para de se mexer.

— Amor — ele me chama, com carinho. — Mantenha seus olhos em


mim, ok?

Eu faço que sim com a cabeça.

— Ok.

Quando Dallas segura o tecido da minha calcinha, preparando-se para


tirá-la, eu travo completamente. E é claro que ele sente a mudança imediata
no meu corpo.

— Ei — Dallas segura o seu queixo com carinho e sorri. — Você


confia em mim?

— É claro que eu confio em você.

— Então você não tem nada do que ter medo. Você é dona do seu
próprio corpo, você é a chefe. Uma palavra e nós paramos imediatamente.
Você não precisa ter medo.

Eu não sei dizer se medo é exatamente o que eu estou sentindo nesse


momento. Quer dizer, eu não tenho medo de Dallas ou medo de que ele não
vai parar se eu pedir ou algo assim, porque eu sei que basta que eu respire da
maneira errada para que ele pare imediatamente. É só que... eu estou nervosa
de não conseguir relaxar, preocupada que sexo seja para sempre um problema
e talvez... É, talvez haja uma parte de mim que está com medo de que aquelas
memórias horríveis venham para a superfície quando meu corpo for
penetrado novamente, mesmo que dessa vez seja com o meu total
consentimento, mesmo que eu queira muito isso.

— Eu não tenho medo de você, eu tenho medo das lembranças —


admito.

— Amor, elas não podem te machucar. Olhe em volta — ele pede, e


eu obedeço. — Nada aqui se parece com aquele lugar. Você saiu. E você
percorreu um caminho tão árduo até aqui e olhe o quanto você progrediu. Eu
sei que as lembranças do que você viveu lá são... insuportáveis, mas agora
elas são apenas lembranças, não são mais a sua realidade. Nada, nem
ninguém, vai machucar você desse jeito de novo, eu prometo.

— Eu acredito em você.

E acredito mesmo. Sei que Dallas morreria antes de deixar que algo
meramente parecido com aquilo acontecesse comigo novamente.

E por isso, e por tantas outras razões, eu o amo e quero me entregar


pra ele.

— Por favor, continue — eu peço.

Ele nega com a cabeça.

— Isso não vai dar certo dessa forma — ele constata, e então fica em
silêncio, como se estivesse pensando. — Ok, mudança de planos.

Eu franzo o cenho.

— Como assim?

Dallas se deita ao meu lado, de costas na cama, e olha para mim como
se tivesse tido a melhor de todas as ideias.

— Tire a sua calcinha e sente-se na minha cara, amor. O controle é


seu, lembra? Se você estiver por cima, você consegue controlar melhor o que
quer e como quer.
Uma mistura de nervosismo e excitação se instala no meu corpo e
quase sinto como se houvesse borboletas no meu estômago. No entanto, faço
o que ele disse e me livro da minha calcinha antes de me ajoelhar na cama ao
lado dele, hesitando apenas por um instante antes de montar em cima do seu
rosto. Eu ajeito as minhas pernas, cada uma de um lado da sua cabeça, e
lentamente abaixo o meu corpo.

No momento em que a língua de Dallas toca o meu clitóris, eu gemo.


A delicadeza com a qual ele faz isso, me faz pensar na nossa primeira vez,
em como ele foi paciente, amoroso e atencioso com as respostas que o meu
corpo dava ao que ele estava fazendo comigo. E é exatamente assim que eu
me sinto: como se estivesse novamente na minha primeira vez.

Dallas move a língua pelo meu clitóris, colocando a quantidade certa


de pressão antes de chupar, para depois voltar a lamber. E eu começo a me
mexer sobre a sua língua, buscando aumentar o atrito para conseguir chegar
ao orgasmo. As mãos dele ficam na minha bunda o tempo todo; ele não chega
nem perto de colocar um dedo dentro de mim.

Quando o orgasmo me varre, eu gemo mais alto, e estremeço quando


um som gutural escapa pelos lábios de Dallas contra o meu clitóris sensível.

Eu saio de cima dele, sorrindo, radiante porque... caramba, eu


consegui de novo.

Dallas passa a língua pelos lábios, aproveitando o meu gosto, e então


sorri pra mim. Meu Deus, como é sexy.

— É assim que vamos conseguir, amor.

— Comigo por cima? — pergunto para me certificar.

— Você por cima.

Faz sentido.

Todas as vezes que Joshua me pegou contra a minha vontade, eu


fiquei por baixo, sentindo o peso dele sobre o meu corpo, me imobilizando,
restringindo meus movimentos para que eu não conseguisse lutar, e então ele
me invadia. Mas nada disso se parece com o que Dallas e eu acabamos fazer.

Ansiosa para tentar testar essa teoria, eu ajudo Dallas a se livrar da


calça e da cueca e quando ele está nu em toda a sua maravilhosa glória, eu
estou perto de explodir de expectativa, nervosismo, ansiedade e medo.
Minhas emoções estão tão confusas que é difícil saber no que devo focar.

Dallas se senta na cama, apoiando as costas na cabeceira, e espera.


Seus olhos são encorajadores e possuem um brilho saudável de desejo que
me fazem relaxar um pouco.

— Se eu não conseguir...

— Nós tentaremos de novo amanhã — ele me interrompe,


carinhosamente. — Não se preocupe com nada além de relaxar e aproveitar,
amor. Sexo é para ser prazeroso para ambos. E nós temos a vida inteira pela
frente, não precisamos apressar nada.

Eu confirmo com a cabeça antes de montar em seu colo, sentando-me


sobre as suas coxas e respirando fundo, tentando, de alguma forma que não
sei como, controlar os meus pensamentos e meus sentimentos. Quando eu
levanto meu corpo e Dallas posiciona a pontinha da cabeça do seu pau na
minha entrada, ele segura o meu queixo com a outra mão e fixa os seus olhos
nos meus.

— Olhe pra mim — ele pede, baixinho. — Só pra mim. Só pra mim,
amor.

E eu obedeço.

Devagar, deslizo o meu corpo para baixo, sentindo-o entrar, me


tomando com amor, com gentileza e com respeito.

Dallas solta o ar dos pulmões lentamente, mas não quebra o contato


visual.

— Continue olhando pra mim — ele diz quando eu ameaço fechar os


olhos. — Não feche os olhos. Fique aqui comigo.

Dallas.

Quando sinto que ele está completamente dentro de mim, meus olhos
começam a queimar com lágrimas, mas eu continuo olhando pra Dallas. Meu
marido segura as minhas mãos e as coloca uma de cada lado do seu rosto.

— Fique comigo — ele repete, e então percebo que seu pedido é para
que eu não permita que as lembranças me atinjam e me levem da realidade,
desse momento. — Fique comigo.

— Eu fico — eu respondo, ofegante pelo nervosismo.

— Não feche os olhos.

Eu anuo.

E então, começo a me mexer devagar, aprendendo como é me sentir


bem diante do sexo, me lembrando do que eu gosto e de como eu gosto.

Não vou mentir, é estranho. Não ruim, só estranho. Depois de tudo,


me sentir bem ao transar parece quase algo forasteiro, esquecido. Mas não
foco minha atenção nesse pensamento. Não. Eu foco minha atenção nos olhos
verde esmeralda que olham para mim, que me ancoram em terra firme para
que o mar de tormenta não consiga me alcançar.

E isso o que Dallas é. Minha âncora.

E talvez haja momentos em que eu não consiga escapar do passado e


ele tente me afogar no desespero dos momentos em que vivi naquele lugar,
mas eu sei, claro como a luz do dia, que Anthony Dallas estará lá para me
trazer de volta para a terra firme.

E eu sei, com tudo o que há em mim, que a felicidade é muito mais


poderosa que o medo.

E ainda que haja escuridão na sua vida, ainda que seu coração e sua
alma tenham sido dilacerados, não se esqueça: é pelas rachaduras do coração
que deixamos a luz entrar.
EPÍLOGO

Eu queria poder parar

Mas esse sentiment tomou todo o controle

Não posso continuar com isso

Alguém me tranca, não confio mais em mim mesma

Não me odeie, eu sei que sou aquela que você culpa

Não é nada que eu possa controlar

O amor me fez fazer isso

| Ellise – Love Made Me Do It

Doze anos depois.

O silêncio da casa quase me deixa inquieto. Lindsay e eu não temos


presenciado um momento de silêncio desde que ela deu à luz aos gêmeos.
Logan e Keegan foram dois bebês extremamente agitados, consequentemente
se tornaram duas crianças agitadas. Agora, com doze anos, os dois estão a um
passo de me fazer terem cabelos brancos antes da maldita hora. Porra, eu só
tenho 38 anos, mas às vezes me sinto com 60 com esses dois.

Como anjos dos céus, Mason e Skye convidaram os gêmeos para


passarem as férias escolares na Califórnia. Eu desejo a eles toda a sorte do
mundo, porque quando os gêmeos se juntam com Sutton e Jesse, incêndios
podem ser formados, terremotos detectados e toda a órbita terrestre treme.

Sutton e os gêmeos têm a mesma idade, com uma pequena diferença


de meses. Jesse, mesmo sendo mais novo, agora com oito anos, consegue
acompanhar a irmã e os primos em todas as travessuras. Eu, sinceramente,
não sei o que Skye e Mason têm na cabeça para convidar os meus filhos para
ficarem um mês na casa deles, mas eu estou reclamando? Nunca em um
milhão de anos! Eu amo meus filhos tanto quanto amo a mãe deles, mas, por
Deus, vai ser maravilhoso ter um tempo a sós com a minha linda esposa
depois de doze anos de caos — já que é a primeira vez que os gêmeos vão
ficar tanto tempo longe e sem mim ou Lindsay por perto.

As tão merecidas férias começaram.

— Meu Deus, esse silêncio é quase assustador — comenta Lindsay,


olhando ao redor como se fosse ver os gêmeos correndo por aí. — É quase
como o silêncio que antecede uma travessura.

Eu dou risada, abraçando a minha esposa por trás e depositando um


beijo em seu pescoço.

— Nós costumávamos ser muito bons em lidar com o silêncio — eu


sussurro em seu ouvido, sentindo-a estremecer de prazer nos meus braços. —
O meu plano é nós aproveitarmos cada segundo desse silêncio. Quem sabe
fazer outro bebê.

Lindsay ri.

— Você está doido? Começar tudo do zero depois de doze anos e com
dois filhos que quase nos fazem subir pelas paredes querendo arrancar cada
fio de cabelo da cabeça? — ela aponta, rindo. — Não acho que seja sábio. —
Lindsay gira nos meus braços, ficando de frente pra mim. — No entanto, eu
gosto da parte do plano que envolve nós dois, o silêncio e uma cama. Na
verdade, sinto falta de poder transar com você em todos os cômodos dessa
casa.

— É uma casa bem grande — eu provoco.

Lindsay olha para mim com aqueles olhos verdes, aquela mesma
expressão da garota que conheci anos atrás. A lascívia presente em cada
detalhe do seu lindo rosto.

— Então eu sugiro que nós coloquemos o seu plano em andamento


agora mesmo.

Sem precisar de mais nenhum incentivo, eu levo minhas mãos até a


bunda de Lindsay e a puxo para cima. Minha mulher entrelaça as pernas ao
redor do meu corpo e eu a coloco sentada no balcão da cozinha. Lindsay abre
as pernas pra mim, e eu me acomodo entre elas, já distribuindo beijos
molhados em seu pescoço e chupando sua pele cheirosa, sabendo que posso
acabar deixando uma marca ali.

Os dedos de Lindsay adentram o meu cabelo e ela puxa os fios de


modo que guia a minha boca até a dela. Eu aperto a sua bunda quando a puxo
para mais perto de mim; meu pau já duro sob o zíper da calça, louco para dar
início à essa nossa nova aventura de sexo pela casa. E Lind parece estar com
o mesmo entusiasmo, pois suas mãos deslizam para dentro da minha blusa,
arranhando a minha pele segundos antes de arrancar a peça por cima da
minha cabeça.

Eu não perco tempo, agindo rápido e me livrando da sua camiseta —


ou da minha camiseta no seu corpo. Lindsay ama vestir as minhas roupas. E
quando eu estou me preparando para arrancar os shorts de pijama da minha
esposa, escuto a porta da frente abrir e logo em seguida se fechar com um
baque alto, o que me faz rapidamente tirar a arma presa no cós da minha
calça e virar na direção do invasor já com a arma em punho.

Emma solta um grito agudo.

Lindsay solta um grito logo depois.


Emma grita de novo, virando-se de costas para nós dois, cobrindo os
olhos.

— Ah meu Deus! — minha sobrinha exclama. — Me desculpem!


Deus, eu não tinha que ver isso! Tio Dallas, não acredito que você apontou
uma arma pra mim!

— Emma! — eu a repreendo, furioso, abaixando a arma e a


prendendo novamente no cós da minha calça. — Você está maluca? Eu
poderia ter atirado em você! Você sabe que não deve entrar de surpresa desse
jeito! Por Deus!

Eu pego a minha camiseta do chão, vestindo-a, e entrego a minha


outra camiseta para que Lindsay a vista novamente.

— Desculpe! É uma emergência — Emma se explica.

— Você já pode se virar agora — eu digo, bufando.

Lindsay ri.

— Vocês já estão vestidos?

— Já, engraçadinha — responde Lindsay, pulando para fora do balcão


da cozinha.

Emma vira-se de frente para nós. Seu enorme cabelo cor de ébano
está preso em um rabo de cavalo alto e desleixado e algumas mechas finas
emolduram o seu rosto. É impressionante o quanto ela se parece com Everlee.
Emma tem recém-completados dezenove anos agora, praticamente a mesma
ideia que Everlee tinha quando a conhecemos. É quase como ver a minha
cunhada na adolescência de novo.

— Por que vocês estavam prestes a transar na cozinha? — ela


pergunta, curiosa.

— Isso não é da sua conta, mocinha — eu respondo. — A pergunta


certa é o que você está fazendo em Boston? Ainda deveria estar em Londres,
o seu voo de volta supostamente deveria ser em dois dias.

— Supostamente, sim — minha sobrinha concorda. — Eu reagendei o


meu voo.

Lindsay e eu trocamos um olhar carregado de suspeita.

— E por que você faria isso? — minha esposa pergunta. —


Aconteceu alguma coisa? QD e Everlee já sabem que você voltou?

— Não, ninguém sabe — ela responde.

— Por que eu acho que não vou gostar disso? — eu murmuro para
Lindsay.

Minha esposa não diz nada, mas a forma como olha pra mim me
deixa saber que ela também não está gostando nada disso.

— Querida, o que aconteceu? — Lindsay pergunta, receosa.

— Eu fiz uma merda muito grande. Tipo, muito grande mesmo, uma
merda que pode causar uma guerra no submundo.

Eu juro por Deus...

— O que exatamente você fez, Emma? — eu indago, pausadamente.

Minha sobrinha solta o ar dos pulmões.

— Eu me apaixonei e transei com Jared Del Bonni — Emma revela,


angustiada. — O filho do Killian.

Puta que pariu! Caralho!

O filho do maldito Killian? QD vai enlouquecer com isso.

Lá se vai a porra das minhas férias!


FIM

Vejo vocês em Legacy.


NOTA DA AUTORA
Oi, gente!

Para aqueles que não viram quando a anunciei no Instagram, a


duologia Bad Blood terá continuação. Sim!!!!! Vem aí a série Legacy, que
contará a história dos filhos dos três casais principais — Skye e Mason;
Everlee e QD; Lindsay e Dallas. Ao total, serão seis livros, um para cada
filho.

É isso mesmo. Isso não é um treinamento, pequenos mafiosos. A nova


temporada do caos está começando.

O primeiro livro de Legacy tem lançamento previsto para abril/maio


de 2022. Fique de olho no meu
Instagram para mais novidades sobre esse e outros projetos.

Instagram/Twitter: @autorafers

E para todas as pessoas que de alguma forma se identificaram com o


trauma e as dores da Lindsay, saibam que vocês não estão sozinhos. E
lembrem-se sempre que a felicidade e o amor são muito mais poderosos que
o medo. Sejam fortes, vivam intensamente e não tenham medo. Vocês são
maiores do que o mal.

Com todo o meu carinho, Fers.


AGRADECIMENTOS
Caramba, que jornada incrível! São quase meia noite e está fazendo
oito graus por aqui, mas, mesmo morrendo de frio, eu queria agradecer.
Agradecer a Deus pela oportunidade de atingir as pessoas, de ensinar alguma
coisa, de aconselhar, de fazer com que sintam que os personagens que eu crio
são, de alguma forma, amigos que ajudam em momentos difíceis. Foi por
esse motivo que eu comecei a escrever, pois eu queria poder tocar as pessoas.

Agradeço à minha família, que esteve do meu lado desde o início, que
vibrou com cada conquista e que mergulhou de cabeça comigo no meu sonho
de ser escritora. Vocês são a minha luz, as minhas âncoras. Eu amo vocês.

Agradeço ao meu Comando, que esteve comigo desde o início do


primeiro livro de Bad Blood, que me incentivaram e cuidaram de mim
quando eu não estava bem. Eu jamais imaginei que encontraria pessoas tão
incríveis nessa jornada. Vocês se tornaram mais que minhas leitoras, se
tornaram minhas amigas e amigos. Obrigada por estarem comigo, pelas
teorias malucas que vocês criam e que me divertem tanto. Obrigada
simplesmente por existirem. Eu amo vocês.

Agradeço à Camila Moura e Thais Cortez por toda a ajuda durante


todo o processo e todo o desenvolvimento do livro. Vocês são anjos que Deus
colocou na minha vida. Eu amo vocês.

Agradeço à Larissa Chagas pela capa incrível e à Gabriela Gois pela


ilustração maravilhosa do Dallas e da Lindsay. Essas profissionais eu quero
carregar para todos os meus trabalhos.

E claro que não poderia faltar meu cachorro, Toddy Cleiton. Que
continua sendo meu maior companheiro das madrugadas, basicamente de
todos os momentos. Obrigada, filho, eu te amo.

E a todos os leitores que se apaixonaram, choraram, sorriram, deram


risada e se identificaram com esses personagens, o meu mais sincero muito
obrigada. Sem vocês, eu não estaria aqui. Mesmo que eu não conheça todos
vocês, saibam que possuem um lugar especial no meu coração.

Até a próxima, pessoal.

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