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Capa:
Larissa Chagas
Ilustração:
Gabriela Gois
Diagramação:
Fernanda Freitas
Para todas as almas dilaceradas e os corações partidos.
Vocês são maiores e mais fortes do que o medo e o mal.
"É pelas rachaduras do coração que deixamos a luz entrar."
— Lindsay Harris
NOTA DA AUTORA
Aviso de gatilhos
A protagonista, conforme você deve ter lido nos outros livros, sofreu
abuso sexual e possui uma carga emocional muito pesada em cima do
assunto. Mesmo que esse livro não contenha cenas de estupro, o tema é
recorrente durante toda a narrativa e possui reflexões e recordações da
personagem sobre os abusos sofridos.
Escuridão.
Eu contava os dias no início, mas quando parei de ter noção das horas,
dos dias, da passagem do tempo como um todo, não consegui mais. Me perdi
na minha própria conta.
Tempo demais.
Tempo demais.
Não. Joshua teria jogado isso na minha cara para matar qualquer
mínima esperança que eu ainda pudesse alimentar.
Eu não luto mais. Não tem sentido. Ele é mais forte do que eu. E
mesmo que eu não estivesse faminta, magra demais e fraca demais, eu ainda
não conseguiria ser capaz de lutar contra ele. Então, eu o deixo pegar de mim
o que quer.
— Lindsay!
Não.
Joshua esteve aqui não tem muito tempo. Mesmo que eu não saiba
quantos dias se passaram desde a sua visita, meu corpo ainda sente o abuso
serpenteando sob a minha pele. Não faz muito tempo. Ele costuma me dar
mais tempo para me recuperar.
Por favor, eu preciso de mais tempo. Por favor.
— Lind?
Um sonho.
Olhos cinzentos.
Os olhos de Skye.
— É realmente você — Skye balbucia. Sua voz está tão trêmula que
as palavras quase não são capazes de deixar os seus lábios. — Você está
viva!
Ela faz que sim com a cabeça, os olhos tomados pelas lágrimas.
Parado junto a grade da cela, com olhos tomados por lágrimas e uma
cólera mal contida, os músculos tensos, está Dallas.
Dallas.
— Claro que eu vim — ele responde, a voz sai baixa e trêmula. Sua
mão toca suavemente o meu rosto, como se ele precisasse ter certeza de que
eu sou mesmo real. Meu corpo estremece com o toque. — Eu pensei que
havia perdido você pra sempre.
Eu nego com a cabeça, embora saiba que, sim, ele me perdeu pra
sempre. Aquela garota que ele conheceu e amou... Ele a perdeu pra sempre.
Acabou.
Começo a chorar mais e Dallas de repente me puxa para o seu colo,
me alinhando ao seu peito como se eu fosse um bebê. Sinto meus músculos
ficarem rígidos pelo medo do toque estrangeiro, mas me forço ao máximo
para tentar relaxar nos braços dele. Dallas nunca me machucaria. Ele não vai
me machucar.
Cuidar.
E fora da luz
Não sei como sobrevivi. Nos primeiros meses, desejei com todas as
forças estar morta. Pensei em me matar, pois pensar nas visitas que Joshua
me fazia de tempos em tempos me quebrava até a alma, me doía, me destruía
e me dilacerava. Joshua me devastou de todas as formas que ele podia, e
mesmo depois de um ano e meio, eu ainda consigo sentir as mãos dele em
mim, as mordidas, os socos, os tapas, os estupros. Dia após dia; noite após
noite, ele me destruiu.
E me encontraram. E me salvaram.
Estou morrendo por dentro e não sei como fazer isso parar, não sei
voltar a ser a garota que um dia eu fui, não sei como viver sem o peso do que
aconteceu comigo. Talvez tenha sido um dano irreparável.
Forço o meu corpo para fora da cama e vou até a cozinha preparar o
meu café da manhã.
— Skye está acordada faz tempo, está toda animada com o passeio de
vocês.
Suspiro.
Mason dá de ombros. É claro que ele sabe, mas também é claro que
não vai me contar o que se passa na cabeça da minha irmã mais velha.
Aceno com a cabeça e me viro para sair da casa, mas então paro antes
mesmo de sair da cozinha e me viro novamente para Mason. Uma pergunta
está rodeando minha mente há semanas e eu tenho tentado ignorá-la, mas
estou a ponto de ficar louca. Preciso saber.
— Por que você não liga para ele e descobre por si mesma? — sugere
ele, gentilmente.
— Eu... ahn... não sei se ele vai querer falar comigo depois de tanto
tempo de silêncio.
— Ele vai querer falar com você, confie em mim. Apenas ligue para
ele, Lind. Sei que Dallas vai gostar de ouvir a sua voz.
Eu não estou tão certa disso, mas não quero desabafar com Mason
sobre Dallas. É verdade que meu cunhado se revelou um amigo e tanto desde
que chegamos à Califórnia, mas eu ainda não estou pronta para essa
conversa. Dezoito meses é bastante tempo para os sentimentos de uma pessoa
mudarem. Talvez Dallas tenha seguido em frente e conhecido uma mulher
que pode dar a ele o que ele quer e precisa, já que claramente essa mulher não
sou eu. Não agora. Não mais.
Na maior parte do tempo, eu consigo seguir os meus dias sem que ele
cruze meus pensamentos. Mas quando me permito pensar nele, em seus
lindos e apaixonados olhos verdes, na atitude galanteadora e altruísta que
sempre me encantou, como um príncipe em um cavalo branco, pronto para
resgatar a donzela em perigo; quando penso em como cuidava de mim e me
protegia, como me amava e me desejava... Sinto algo dentro de mim se
despedaçar e doer. Doer muito. E sei que dói porque sinto falta dele, porque o
nosso amor interrompido ainda existe dentro de mim, como sempre existiu,
como sempre ardeu, mas eu não sei mais quem eu sou, não sei como
encontrar a luz no fim do túnel em meio a escuridão que tão irrefutavelmente
me envolve.
— Oi, garoto.
Skye termina de escovar Star e nós selamos os cavalos antes de partir
para o passeio. A propriedade é enorme, muito grande mesmo — os anos de
trabalho na máfia renderam muito dinheiro ao Mason, e Devon, meu pai,
também bonificou Skye pela tomada do império de Joshua.
Joshua.
Apenas pensar nas letras que formam o nome dele me faz estremecer
até os ossos. Pensar em seus olhos azuis, no tom da sua voz, ríspida e cruel,
nos sorrisos sádicos e nas mãos dele sobre mim... A náusea bate no fundo da
minha garganta e de repente estou de volta à Casa Escura, no vazio, no
silêncio, no breu infinito que me envolvia e me consumia segundo após
segundo de cada maldito dia.
Minha irmã me encara, esquadrinhando o meu rosto, e sei que ela vai
enxergar a minha mentira sem qualquer esforço.
— Não sei o que você espera que eu diga, Skye. A minha resposta
não é diferente da que lhe dei ontem quando me fez essa mesma pergunta, e
nem antes de ontem e nem antes disso.
— Eu estava pensando que talvez fosse uma boa ideia fazermos uma
festa de aniversário para você — ela começa, cautelosa. — O Natal está
chegando também, então poderíamos emendar as festividades. Everlee está
louca para te ver.
Devon.
Meu pai.
Não sei se estou pronta para vê-lo de novo, se estou pronta para
encará-lo nos olhos e perceber que o amor que ele sente por mim não está
mais lá. Ou pior, perceber que ainda está e que eu não sei como deixá-lo
entrar na minha vida depois de tudo. Não sei se consigo magoá-lo de novo,
não depois da conversa que tivemos naquele quarto, na casa de Skye em
Portland.
Duas semanas. Esse é o tempo que tenho para criar coragem e ligar
pra ele.
Cinco dias se passaram e eu não ainda não criei coragem para ligar
para o Dallas. Eu estou postergando, sei disso, mas todas as vezes que pego o
telefone e começo a discar o número dele, penso no que dizer e minha mente
fica em branco. O que eu vou dizer? E se ele estiver com outra mulher? E se
ele não quiser falar comigo e Mason tiver interpretado seja lá o que Dallas
disse a ele de forma errada? Dezoito meses é muito tempo, muita coisa pode
ter mudado para ele.
Eu estou enlouquecendo.
— Ahn... oi.
— Oi.
O desconforto entre nós é tão tangível que consigo senti-lo
impregnado na minha pele.
— Estou bem.
Silêncio.
É claro que não sabemos mais como lidar um com o outro depois de
tanto tempo, depois da despedida que tivemos e o silêncio dos últimos vários
meses.
Sorrio.
— Bom, Skye quer dar uma festa para mim e aproveitar que meu
aniversário é perto do Natal e juntar as duas festas. E... bom, eu sei que QD,
Everlee e Devon virão, então eu queria saber se... de repente... se você não
estiver ocupado, talvez você pudesse vir também. Mas só se você quiser.
— Então eu irei.
Meu coração, que antes estava apertado, agora dispara com a certeza
de encontrá-lo. E consigo ouvir a respiração de Dallas ficar mais pesada do
outro lado da linha.
Fico olhando para o celular por quase cinco minutos antes de perceber
que estou sorrindo feito um idiota. Eu não sabia quanto tempo demoraria para
que Lindsay finalmente entrasse em contato. Nos primeiros meses, eu fiquei
neurótico cada vez que meu celular tocava, mas depois de quase seis meses
de silêncio, eu entendi que ela não ligaria tão cedo. Aos poucos, deixei de
esperar. Não que eu estivesse desistindo dela, porque eu não imagino o dia
em que vou tomar a decisão de desistir de Lindsay Harris, mas entendi que
talvez ela demoraria muito mais para sarar do que eu estava imaginando.
Quando vi o nome dela na tela do meu celular, quase tive uma parada
cardíaca. Engasguei-me com a água que estava engolindo e agarrei o celular
tão depressa que ele quase saiu voando da minha mão.
Sei que tenho que manter minhas expectativas realistas, pois sei —
por meio de Skye e Mason — que ela não está tão bem quanto tenta os fazer
acreditar. Skye jura que a escuta gritando durante a noite por conta dos
pesadelos. Quando Skye me contou sobre isso, passei dias sem conseguir
dormir enquanto pensava nela, sozinha naquela casa, gritando e chorando,
sofrendo sozinha, me mantendo afastado por querer ser capaz de se curar
sozinha.
Eu a entendo. De verdade. E até acho que ela está certa por não querer
depositar a sua força e a sua felicidade em outra pessoa, mas eu quero ser
capaz de fazer algo. Qualquer coisa, porra. Qualquer coisa mesmo. Me mata
diariamente saber que estou do outro lado do país, impotente, quando tudo o
que eu quero é estar do lado dela, confortando-a, ajudando-a a enfrentar esses
demônios que a estão destruindo.
— Ele está com uma cara esquisita. — Escuto uma voz infantil atingir
os meus ouvidos, me trazendo de volta à realidade.
Quando olho para frente, Emma e QD estão olhando para mim, ambos
com os braços apoiados na ilha da cozinha, me analisando.
— O que aconteceu aqui hoje foi por Emma, para que ela pudesse se
divertir, mas não pode se tornar um hábito. Emma é uma criança feliz que
precisa, sim, se divertir, mas vocês não devem esquecer nem por um segundo
que ela está crescendo na máfia. Ela precisa se acostumar com o lado ruim
também.
— Quanto antes ela aprender, mais segura ela estará, mais preparada
também. — Ele nos encara, sério. — Nós estamos tendo paz agora, mas não
se enganem, a paz no nosso mundo é curta e rara. Você quer poupá-la ou quer
mantê-la viva? Emma é uma criança inteligente, ela tem que saber o que fazer
se um dia formos atacados. Já está na hora.
QD e eu nos entreolhamos.
Eu preciso segurar a risada diante do apelido que meu irmão deu para
a própria mulher.
— Convidou? — QD exclama.
— Então por que você está com essa cara de quem comeu e não
gostou? — QD pergunta com o cenho franzido.
— A Lind está em um lugar muito ruim, cara. Eu sei que você a ama
e que fará qualquer coisa por ela, mas eu acho que o que você precisa
continuar tendo por enquanto é muita paciência com ela — QD completa.
Reviro os olhos.
Desde que cheguei à Califórnia, ela foi a única amiga que fiz e fui
capaz de manter, pois Debra não dá a mínima para a minha personalidade
reclusa. Na verdade, eu acho que ela adora, pois assim ela pode falar, falar e
falar enquanto eu apenas escuto. Debra é egocêntrica de um jeito tolerável.
Não é que ela não se importe comigo, ela apenas não fica insistindo para
entender tudo o que se passa na minha cabeça. Eu acho que ela enlouqueceria
se fosse capaz de saber exatamente o que se passa na minha cabeça.
Mas o motivo de Debra estar dizendo que estou tensa é porque minha
família chega hoje à Califórnia. Passei a semana inteira tentando me preparar
psicologicamente para ver Dallas novamente, mas acho que nada poderia
realmente me preparar para isso. Estou tão nervosa que estou sentindo dor de
barriga e minhas mãos não param de suar. Poderia colocar a culpa no clima
quente do interior da Califórnia, mas eu sei que nada tem a ver com o calor.
Eu estou tensa, nervosa, preocupada, ansiosa... tudo de uma só vez.
Debra solta um murmuro de concordância, mas sei que ela não está
acreditando em mim. Eu nem sequer deveria ter dito nada a ela sobre Dallas,
só contei porque queria poder conversar com alguém que não sabe sobre tudo
o que eu passei. Queria me sentir como uma garota normal sem um passado
sombrio e cruel.
Faço uma careta diante do apelido ridículo pelo qual Debra insiste em
me chamar.
Visto o meu roupão e vou abrir a porta para a minha irmã. Skye está
lindíssima com o seu vestido azul marinho, soltinho e de alcinhas finas. Se eu
bem conheço o meu cunhado, Mason vai adorar destruir mais um dos
vestidos da minha irmã. Ela está sempre reclamando que Mason não tem
paciência de tirar as roupas como uma pessoa normal. Os dois transam como
coelhos, completos ninfomaníacos, e minha irmã está constantemente
comprando roupas novas para abastecer o guarda-roupa.
— Mason já te viu nesse vestido? — provoco.
— Se ele rasgar mais esse vestido, eu juro que vou entrar em greve.
Ele não terá o meu corpo até aprender a parar de destruir minhas roupas!
— Mason foi buscá-los no aeroporto. Eu vim até aqui para saber ser
você já está pronta, mas pelo visto ainda temos um longo caminho para isso
acontecer.
— Pode ser.
Sorrio.
— Olha, eu sei que você está nervosa, mas tente se lembrar que
Dallas é um homem bom. Ele não vai fazer nada para te deixar
desconfortável. Você está segura agora, ok? Eu vou proteger você com a
minha vida e se Dallas for um idiota, o que eu duvido muito que aconteça, eu
vou chutar as bolas dele por você.
— Eu te amo, Lind.
— Eu também te amo.
Ela me abraça mais forte por alguns instantes antes de me soltar.
— Está pronta?
Minha irmã estende a mão pra mim, e eu a seguro, torcendo para que
eu não estrague essa noite com o meu pânico crescente.
Emma dá risada.
Skye e eu lançamos um olhar para QD, que acaba de passar pela porta
de casa.
— Culpado.
— Obrigada.
— É tão bom te ver, Skyzie — ele exclama. — Ah, é muito bom ver
você também, Lind, não me entenda mal.
Dallas.
Minha garganta fecha, meu corpo é dominado pela ansiedade, pelo
calor das lembranças que me atingem em cheio, e o perfume dele toma conta
de todo o ambiente. Nossos olhos se encontram e eu paraliso. De repente,
tudo ao meu redor some. Todos somem; a casa some. E existe ele. Ele e eu
sem qualquer tempo ou espaço entre nós. Minhas mãos suam, e eu tenho
certeza de que estou prendendo a respiração, pois me sinto perto de desmaiar.
Dallas.
Ele se aproxima de mim com calma, sem nunca deixar os meus olhos,
e me pergunto se ele está sentindo toda essa loucura de sentimentos como eu
estou, me pergunto se ele sente o coração disparado, o corpo quente e as
borboletas enlouquecidas no estômago.
Quando Dallas para bem na minha frente, preciso erguer os olhos para
continuar olhando para ele, pois nossa diferença de altura é considerável.
Engulo em seco.
Eu preciso dizer mais alguma coisa, mas meu cérebro está em branco.
Não consigo parar de olhar pra ele. Não consigo me mover ou respirar ou
falar ou pensar em qualquer maldita coisa para dizer.
— Obrigado por me convidar.
Limpo a garganta.
Percebo que ele ergue a mão para ajeitar uma mecha do meu cabeço
que se solta de trás da minha orelha, mas para e deixa sua mão cair
novamente ao lado do corpo.
Ah Deus.
Deus me ajude.
Eu o encaro, cética.
Eu acho que ele está certo. Depois de anos mentindo sobre onde sua
lealdade estava, eu acredito nele quando diz que é melhor em esconder suas
emoções. Seu rosto não entrega nenhum sinal de nervosismo, mas seus lindos
olhos verdes me deixam saber que ele realmente está tenso.
— Me desculpa. Eu... acho que vou colocar tudo pra fora se tentar
comer.
— Apenas tente comer um pouco, por favor — ele pede, e embora sua
voz seja suave, não deixo de notar uma pitada de preocupação.
— Obrigado.
Depois do jantar, como Skye havia cozinhado para todos nós e Mason
foi o motorista, eu me ofereço para lavar a louça. Estou organizando tudo
para começar a lavar quando sinto alguém se aproximando pelas minhas
costas. Fico tensa na mesma hora.
Me forço a relaxar.
— Você não sabe que as visitas nunca devem ser responsáveis pela
limpeza?
— Obrigada.
— Droga — praguejo.
— Lindsay — ele diz meu nome com firmeza, mas ao mesmo tempo
com doçura. Eu paro e o encaro. — Primeiro, pare de me pedir tantas
desculpas, está me deixando maluco.
— Descul...
Fecho a boca.
— Você quer mesmo que eu fique aqui? Eu vou entender se isso for
demais pra você. Talvez você precise de mais tempo, eu...
— Eu gosto disso.
— Eu ouvi a Tia Skye dizendo para a mamãe que ela acha que a Tia
Lindsay passa muito tempo sozinha em casa. E se ela tivesse um amigo com
quem conversar? — Emma sugere.
Quando voltamos para casa, QD leva Emma para tomar banho, já que
ela se sujou inteira com o sorvete, e Mason estrategicamente vai procurar
Skye quando meus olhos encontram Lindsay dentro de um círculo demarcado
por cercas, junto com um cavalo, como se estivesse tentando domá-lo.
— Reabilitação de cavalos?
— É. — Ela sorri, tímida. — Ajuda quando você sabe pelo que eles
passaram.
O sorriso dela volta ao seu lindo rosto e não consigo deixar de sorrir
também.
Fico onde estou, esperando que ela faça a sua mágica para tranquilizar
o cavalo. Leva um tempo, mas ela finalmente consegue. Lindsay faz carinho
entre os olhos do animal e com a outra mão pede que eu me aproxime. Eu
obedeço, me aproximando com cuidado do cavalo que me encara diretamente
nos olhos.
— Levante a sua mão com cuidado, bem devagar — orienta Lindsay,
falando baixinho para não assustar o animal. — Deixa que ele veja a sua
mão, deixa que ele escolha se vai permitir que você o toque ou não.
Faço o que Lindsay disse, mas quando estou quase tocando no pelo do
cavalo, ele se move rapidamente e eu me assusto. Lindsay segura o meu
antebraço com força, impedindo que eu me afaste.
Eu anuo.
— Claro.
Ela sorri para mim de novo e fica ainda mais linda quando sorri
assim.
— Vejo que não fui a única a tomar o banho mais rápido da vida —
ela brinca, parecendo muito mais relaxada do que antes.
— A princípio?
Mas tenho a impressão de que ela não tem certeza se pode lidar com
isso.
Lingerie? O quê?
Vejo que ela se esforça para não se desculpar de novo e não consigo
entender de onde vem essa necessidade absurda de estar sempre se
desculpando.
— Por que você não me mostra o que faz aqui? — sugiro, tentando
deixar o clima pesado para trás.
Lindsay anui.
Ele inclina para frente e inala o cheiro da flor, fechando os olhos para
apreciar.
Eu pisco.
Pisco de novo.
Dallas sorri para mim quando eu tento entregar o buquê para ele.
Ela pisca.
Pisca de novo.
Debra olha para mim de novo, como se quisesse garantir que eu não a
estou fuzilando com os olhos. Mas não, rivalidade feminina não é a minha
praia e é de Dallas que estamos falando, ele sempre quer fazer com que todos
se sintam importantes. Ele valoriza os sentimentos alheios tanto quanto cuida
dos seus próprios.
Debra pega a flor e percebo que, pela primeira vez desde que eu a
conheço, ela está sem palavras. Dallas conseguiu o impossível.
— Obrigada — ela diz, baixinho, antes de sorrir para ele. Seus olhos
castanhos encontram os meus uma terceira vez. — Lin-Lin, se você não se
casar com esse homem, esse príncipe, eu me caso. Agora desapareçam da
minha frente!
— Lindsay Harris, se você ficar aqui com esse homem lindo e vocês
ficarem se olhando desse jeito na minha frente, eu vou começar a chorar de
tristeza porque minha vida amorosa é de-sas-tro-sa! — ela diz pausadamente
para dar ênfase. — Você quer que eu te lembre do meu último encontro?
— Okay, mas você tem que prometer que vai pelo menos tentar andar
de cavalo. Tem lugares lindos na propriedade que eu gostaria que você
conhecesse.
— Você está tentando me fazer passar vergonha porque não sei andar
de cavalo, Lin-Lin? — ele pergunta, divertido.
Ele ri. O som invade o interior do carro e algo dentro do meu peito
aperta e aquece ao mesmo tempo. Faz muito tempo que não o escuto rindo
assim e eu havia me esquecido o quanto amo ouvi-lo dando risada, o quanto o
som é melódico, grave e delicioso, como se não houvesse nada no mundo que
pudesse abalar a felicidade que ele sente quando ri assim.
— Senti falta do timbre da sua voz quando você fala meu nome e está
puta comigo — ele diz, ainda sorrindo.
— Eu gosto de tudo em você, Lind. Você pode estar puta, pode estar
sorrindo ou chorando, eu vou gostar de você de qualquer jeito.
Com gentileza, Dallas segura o meu queixo e gira minha cabeça para
que eu olhe para ele. Sua outra mão permanece na minha, transmitindo calor
para o meu corpo, que de repente ficou gelado, mesmo com o clima quente
da Califórnia.
Levo meus olhos até os dele e por um minuto inteiro nós apenas nos
encaramos. Sinto o seu polegar começar a se mexer nas costas da minha mão
em um carinho lento e exploratório, que eu permito. Meus olhos o
esquadrinham, desde o cabelo loiro, que agora está bagunçado de um jeito
muito sexy, descendo até os olhos verdes esmeralda, até o nariz e os lábios
convidativos. Eu me lembro da sensação de ter os lábios dele sobre os meus,
sobre a minha pele e sobre meu corpo inteiro. Eu me lembro de ter as mãos
dele em mim, me lembro da sua voz rouca dizendo que me amava... Lembro
de tudo como se houvesse sido uma vida inteira atrás e não consigo deixar de
me perguntar se um dia seremos capazes de nos ter nos braços um do outro
de uma forma tão sublime.
Eu sorrio também.
Dallas gargalha.
— Idiota.
Reviro os olhos.
Por muito tempo, pensei que sentiria aquele vazio, aquela culpa e
aquele arrependimento para o resto da minha vida, mas não. O universo havia
me dado uma segunda chance, e nesse momento ela está sentada bem ao meu
lado enquanto olha para a tempestade do lado de fora do carro com os lábios
contraídos, como se soubesse que não há meios de não ficar enxarcada no
segundo em que sair da proteção do carro.
— O que você está fazendo? — ela fala alto, tentando ser ouvida
mesmo em meio ao barulho escandaloso da chuva.
Suas bochechas ficam rubras e ela abaixa o olhar, mas eu seguro o seu
queixo com gentileza e ergo sua cabeça, querendo que ela olhe para mim,
querendo que veja no fundo dos meus olhos que tudo o que tenho a oferecer
pra ela é amor, abrigo e proteção; querendo que ela veja que eu estou
implorando para que ela me dê uma chance de ser isso pra ela: um abrigo;
uma maldita fortaleza se for preciso. Nada, nunca mais, vai machucá-la sem
antes ter de passar por mim.
— Eu não sou — ela diz, tão baixo que eu quase não consigo ouvi-la.
— Como você pode dizer isso? Como você pode me ver assim? Você
sabe o que ele fez comigo.
— Sim, eu sei, mas o que ele fez não tira o seu valor — eu afirmo, e
deslizo meus polegares pelas suas bochechas, afastando as lágrimas e
sentindo a sua pele gelada sob meus dedos, mas não acho que isso tenha a ver
com a chuva. — Nunca mais diga que você é sem valor. Você é uma
guerreira, uma sobrevivente e a coisa mais linda que existe. Está me
ouvindo?
Não era exatamente isso que eu tinha em mente quando a chamei para
a chuva. Imaginei que poderíamos brincar, rir e ter um momento leve, como
aconteceu durante todo esse dia, mas estou feliz que ela tenha sido capaz de
sequer falar sobre isso comigo. Eu sei, e acho que ela também sabe, que
vamos ter que falar sobre o que aconteceu em algum momento; vamos ter que
falar de nós dois, mas Lindsay ainda está tão assustada que não tenho
coragem de jogar o assunto em seu colo. Ela não está pronta para lidar com
isso ainda.
A chuva fica ainda mais forte e o frio acaba vencendo. Lindsay não
move um centímetro para longe de mim, mesmo quando escuto seus dentes
batendo pelo frio.
Ela hesita e seu corpo fica tenso por um momento, mas ela acaba
concordando com a cabeça.
Passo um dos meus braços por trás dos seus joelhos, envolvendo suas
costas com o outro e a ergo do chão. Lindsay se alinha ao meu peito enquanto
caminho lentamente até a porta da sua casa.
Lindsay abre a boca para responder, mas nada sai. Ela apenas olha
para mim e seus olhos verdes estão tão tomados pela confusão que não
consigo saber qual sentimento é maior dentro dela nesse momento.
Não espero que ela diga alguma coisa, pois depois de alguns segundos
entendo que isso não vai acontecer, então simplesmente saio de sua casa,
sentindo um peso enorme no meu peito enquanto caminho sem pressa pela
chuva até a casa principal da propriedade.
A tempestade continuou durante o resto da tarde, pegando também
uma boa parte da noite. Lindsay não apareceu para o jantar, e eu tentei não
encarar isso como uma recusa direta a mim. Eu sabia que seria difícil, mas a
realidade é muito mais complicada do que eu havia pensado.
O que eu posso fazer? Eu sou muito bom em muitas coisas, mas isso?
Cara, eu não faço ideia de por onde eu começo.
Suspiro.
| Lauv – Breathe
— Skye pediu que eu viesse ver se você está pronta — ela diz,
entrando no meu quarto.
Eu olho para a minha irmã. Sei que ela teve uma vida difícil, mas
Everlee nunca falou sobre isso com detalhes pra mim ou para a Skye, até
onde eu sei.
— O homem que ficou responsável por mim quando eu ainda era uma
criança, me usava para pornografia infantil. Eu sei o que você sentiu
enquanto estava trancada naquele lugar. Eu sei o que é não ter qualquer
controle sobre o que vai acontecer com você, o que é precisar ficar à mercê
de alguém contra a sua vontade. Eu sei o que é não enxergar nem um faixo de
luz no final do maldito túnel. Eu entendo tudo isso, Lindsay.
Ela está certa, eu não vejo qualquer indício dessa força dentro de
mim.
— Comece com algo simples. Deixe que ele toque em você. Nada
muito íntimo, à princípio. Deixe que ele segure a sua mão ou faça carinho em
você... Toque nele também. As pessoas subestimam a importância de um
toque — Everlee me aconselha, com suavidade. — E tenha em mente o
tempo todo que se você falar “não”, Dallas vai parar imediatamente.
Estabeleça o seu limite e o estenda pouco a pouco. Passos de bebê, Lind.
— Passos de bebê — eu repito, mais para mim mesma do que pra ela.
— Ok. Eu... eu acho que posso fazer isso.
Ela sorri.
— Obrigada.
Passos de bebê.
Quebre o laço.
— Obrigada.
— Você não achou mesmo que eu fosse perder o seu aniversário, não
é? — Ela sorri. — Inclusive, toda essa decoração é graças a mim. Dallas é
péssimo com decoração.
Dallas.
— Obrigada.
Ele olha diretamente para mim, como se tudo ao nosso redor não
existisse. O ar fica preso nos meus pulmões e o mundo ao meu redor também
deixa de existir quando meus olhos encontram os dele. Dallas está lindo com
a sua camiseta social branca, mangas arregaçadas e calça jeans escura. As
tatuagens despontando por baixo do tecido da camisa e descendo pelo seu
antebraço. Lembro-me o quanto eu as achava sexy.
— Uau — é a primeira coisa que ele diz quando para bem na minha
frente, perto o suficiente para que eu sinta o seu perfume dominando minhas
narinas, mas distante o suficiente para me deixar confortável. — Você está
maravilhosa, Lind.
Ele sorri.
— Feliz aniversário, amor — ele diz, com tanta doçura que meu
coração dispara.
— Eu adoraria.
Passos de bebê.
Pensar nisso faz o choro ficar entalado na minha garganta. Sinto meu
queixo tremendo enquanto tento miseravelmente conter as lágrimas.
Nós ficamos nos olhando, sem saber o que dizer um para o outro,
mas, na verdade, eu acho que as palavras nem sequer são necessárias. Nossos
olhos dizem tudo o que precisamos saber, tudo o que sentimos tão
profundamente em nossas almas.
— Fica — eu peço, mas a minha voz falha para proferir essa única
palavra. Limpo a garganta. — Fica — digo de novo, com mais firmeza. —
Quando todos forem embora amanhã, fica. Eu... eu não sei o que vai
acontecer, não sei se vou conseguir deixar você entrar e ser pra você o que
você precisa, mas... eu quero tentar. — Sinto meu queixo tremendo de novo,
porque, de novo, estou à beira das lágrimas. — Apenas fique comigo, Dallas.
Ele abre aquele sorriso que faz o meu mundo inteiro um lugar mais
bonito. E com toda a suavidade que lhe é tão característica quando o foco sou
eu, ele afasta uma lágrima que corria pela minha bochecha e o seu polegar faz
um carinho lento no meu rosto.
Mas ainda assim, você tira o meu fôlego e rouba as coisas que eu
sei
Eu sorrio.
Mason sorri.
— Ela é o meu mundo inteiro, cara. Não tem nada que eu não faria
por essa mulher.
Mason dá risada.
— Está preocupado que a sua esposa e a mulher com quem você fez
um ménage entrem em disputa por você, Quentin? — Mason pergunta,
provocando QD.
Mason gargalha.
QD ainda não é o Capo da máfia, mas está bem perto disso. Devon já
mencionou que quer se afastar dos negócios e deixar que QD assuma. Mason,
no entanto, não perde uma oportunidade de infernizar a vida do meu irmão.
Eu reviro os olhos.
— O seu pai e o seu tio são uns idiotas, Chasin — eu digo para o meu
sobrinho. — Lembre-se disso quando você crescer.
Skye dá risada.
Mason gargalha.
— Ah, é mesmo?
Dou risada.
— Skye disse que você ficava muito tempo sozinha aqui, então Emma
sugeriu que você talvez devesse ter um amigo, uma companhia — eu explico.
— É um macho, a propósito. Ele vai ficar grande, segundo me disseram,
então talvez te ajude a se sentir protegida.
— De nada, linda.
Eu dou risada.
— Obrigada.
Meu coração dispara com a declaração dela. É claro que eu sei que
Lindsay me ama, o que nós temos é forte o suficiente para que eu saiba,
mesmo sem palavras, o que ela sente, mas, ainda assim, é simplesmente
maravilhoso ouvir.
— Essa possibilidade não existe, amor. Pode levar o tempo que for,
eu sou um homem paciente e loucamente apaixonado por você.
Lindsay levanta a mão que não segura Anthony e percebo que ela
hesita em tocar no meu rosto, como se estivesse decidindo se é uma boa
ideia. Eu espero. E então ela encosta na minha bochecha em um toque quase
exploratório, como se estivesse me descobrindo de novo. Seus olhos brilham
com entusiasmo ao esquadrinharem o meu rosto e a minha respiração fica
presa nos meus pulmões.
Lindsay sorri.
— Você não vai voltar pra casa com a gente, Tio Dallas? — Emma
me pergunta quando eu me ajoelho no chão para ficar do seu tamanho.
— Agora não, pequeno furacão. Isso significa que é você quem vai ter
que tomar conta do seu pai e do Tio Spencer, porque você sabe que eles
precisam de supervisão, né?
— Você acha que pode cuidar deles pra mim? — pergunto a ela.
Afasto minha sobrinha apenas o suficiente para que ela olhe pra mim.
— Você promete?
— Conquiste a sua garota, cara — ele diz pra mim. — Leve o tempo
que precisar.
— Obrigado, Q.
Meu irmão sorri para mim e se afasta, indo se despedir de Skye. Ele
entrega Emma para Mason, deixando que os dois se despeçam, e segura Skye
nos braços, apertando-a e tirando-a do chão. Ela ri. E eu sorrio vendo a cena.
Devon anui.
Eu vou precisar escolher. Mais cedo ou mais tarde. Lindsay não vai
voltar para qualquer lugar perto da máfia, e eu nunca pediria tal coisa pra ela.
Não depois de tudo o que essa vida tirou dela. Então, eventualmente, eu vou
precisar escolher entre ela e o meu posto nos negócios, ao lado de QD, como
está previsto para ser desde que éramos crianças.
— Obrigado, tio.
Assinto.
Paz.
— Skye me disse que tem um lago com uma cachoeira perto da casa,
então pensei em irmos dar um mergulho para aproveitar o dia bonito — ele
diz, empolgado. — E eu trouxe comida.
Eu sei que Dallas me ama e que ele faria quase qualquer coisa por
mim, mas não posso pedir que escolha entre mim e sua família, seu dever. Eu
jamais pediria tal coisa a ele, mas acho também que Dallas sabe que eu nunca
voltaria para dentro da máfia. Parte da minha família pode sempre fazer parte
desse mundo, mas não eu. Nunca mais.
Eu engulo em seco.
Tirar a roupa na frente dele? Quer dizer, não há nada aqui que ele já
não tenha visto centenas de vezes, mas esse não é o ponto. O último homem
que me viu nua me destruiu, e eu ainda consigo sentir o olhar de Joshua sobre
mim, me devorando de uma maneira repugnante.
Tire o poder dele, Lindsay. Não deixe que, mesmo do inferno, aquele
filho da puta dite a sua vida. Você continua à mercê dele, só que é de uma
forma diferente agora. Quebre o laço.
Quando Dallas tira a calça, olho rapidamente para baixo, para os meus
próprios pés, com vergonha de continuar devorando-o com os olhos, mas
tenho um vislumbre da sua cueca box preta. Deus. Eu não estou nem um
pouco pronta pra isso.
— Tire o poder dele. Ele está morto. Eu estou viva. Eu não estou à
mercê dele — eu continuo repetindo, internalizando as palavras, gravando-as
no meu cérebro. — Quebre o laço, Lindsay. Quebre a porcaria do laço.
— Lindsay...
Dallas olha para o céu por um instante e quando volta a olhar pra
mim, eu vejo as lágrimas escapando dos olhos dele. A dor presente em seu
rosto me destrói, assim como eu imagino que a minha faça o mesmo com ele.
Dallas segura o meu rosto entre as suas mãos e olha bem no fundo dos
meus olhos.
O desespero em sua voz me comove. Ele está tão perto agora que
consigo sentir sua respiração acelerada na minha pele. Sua testa está colada
na minha e meu corpo treme, em pânico, mas consigo não me afastar. Eu
quero beijá-lo, quero sentir seus lábios macios nos meus, só não sei se
consigo lidar com as lembranças que podem surgir.
— Me beije, amor — ele diz, tão baixo que eu mal consigo ouvi-lo.
Fecho meus olhos com força e grudo meus lábios nos dele.
Dallas.
Uno meus lábios aos dele de novo e Dallas me aperta com suavidade,
nunca colando nossos corpos para que eu não me sinta sobrecarregada.
Mesmo porque eu sei, e acho que ele também sabe, que se eu o sentir
excitado, vou perder a cabeça.
Eu faço que sim com a cabeça e ele me segura com mais força, como
se estivesse com medo de que eu fosse desaparecer.
Pensando que talvez você volte aqui para o lugar onde nos
conhecemos
— Demogorgon — esclareço.
— ... é horrorosa.
Dou de ombros.
— Por que ele tem um corpo quase humano e uma cabeça de flor com
dentes? Isso não faz o menor sentido, Dallas!
Eu rio de novo.
Ela abre a boca para falar, mas fecha logo em seguida, provavelmente
não tendo com o que contra-argumentar.
— Anthony, é? — brinco.
— Me conte algo sobre você que eu ainda não sei e que ninguém sabe
também — ela pede de repente, os olhos verdes brilhando de empolgação ao
pensar em descobrir algo novo sobre mim.
Acho graça.
— Grávida?
Sorrio.
— Eu sei que vai demorar, eu sei que sexo provavelmente nem passa
pela sua cabeça ainda e tudo bem. Vai acontecer no momento certo e quando
você quiser, quando você estiver pronta e confortável, ok? Eu posso esperar.
— Sempre.
Lindsay fica na ponta dos pés e encosta os lábios nos meus. O beijo
dura menos de dez segundos, sendo apenas um breve encostar de lábios, mas
ela tem feito isso com mais frequência nos últimos dois dias. Desde a
cachoeira, ela tem deixado eu me aproximar mais, sempre com calma e de
uma forma que ela consiga antecipar meu movimento, nunca pegando-a de
surpresa. Ela me beija quando quer, quando se sente confortável pra isso e
por quanto tempo ela quiser. Eu nunca tomo a iniciativa — embora não me
falte vontade — e nunca interrompo o beijo, é sempre ela. Tudo ela.
Controle.
Essa é a forma que posso ajudá-la, dando a ela total controle sobre
absolutamente tudo. E aos poucos, em passos de bebês, nós vamos acabar
chegando em algum lugar.
Ela sorri.
— Boa noite.
— Eu estou feliz por você, cara — ele diz, e sei que é genuíno. —
Vocês dois merecem ser insuportavelmente felizes.
Eu sorrio.
— Valeu, Mase.
Eu começo a rir.
— Por que você acha que ele ainda está vivo? — ela replica, virando
aqueles olhos cinzentos flamejantes na minha direção. — Agora, saia.
Eu passo por Skye e olho na direção de Mason mais uma vez. Ele não
parece nem um pouco preocupado com o olhar mortal da namorada. Na
verdade, eu consigo identificar a luxúria brilhando nos olhos dele.
— Gostoso vai ser quando eu acabar com a sua raça! Qual é o seu
problema?!
Ela dá risada.
— Sim, senhora.
O meu primeiro encontro com Lindsay foi em um Drive In, que são
aqueles cinemas ao ar livre em que os carros ficam estacionados em frente a
uma tela enorme para assistir ao filme. Foi naquele dia que demos o nosso
primeiro beijo.
— Às oito.
— Eu te pego às sete, então. A não ser que você queira ficar com a
Skye e o Mason no mesmo carro...
— Você dirige.
Coloco Anthony no banco de trás, para ele ter mais espaço para se
movimentar enquanto Dallas vai até uma das muitas barraquinhas de pipoca
para garantir a nossa alimentação. Eu sinto borboletas no estômago e minhas
mãos estão suadas, evidenciando meu nervosismo. Eu quero que isso dê
certo. Eu quero poder estar sozinha com ele e não ter medo de ser tocada por
ele, de ser beijada por ele. E, Deus, como eu quero ser beijada por ele.
Aqueles beijos que costumavam me tirar o fôlego e me deixar à mercê dele.
Me assusto quando a porta é aberta e forço meu coração e meu corpo
a relaxar quando Dallas entra no carro, o seu perfume dominando todo o
ambiente e me deixando zonza. Ele é tão cheiroso.
— É sim.
Uma vozinha no fundo da minha mente diz: Não pense muito. Apenas
faça. Não pense demais.
Nós não conversamos muito durante o filme, mas palavras não são
realmente necessárias para que nós nos entendamos. Elas nunca foram
necessárias e isso mostra o quanto nos conhecemos bem, o quanto o nosso
laço é forte.
Deus, eu preciso parar de ler Sarah J. Maas. Esse negócio de laço está
ficando muito enraizado na minha cabeça.
Eu sorrio.
— Como você imagina que vai estar a sua vida daqui uns dois anos?
Penso sobre a pergunta por alguns segundos. Tem tanta coisa que eu
quero que esteja diferente daqui dois anos, tanta coisa que eu quero
alcançar...
O tempo dele é mais importante que o meu, foi o que eu disse a ele
quando me referi ao cavalo que estou cuidando depois de muito tempo de
maus tratos com seu antigo tutor. Isso é o que Dallas está fazendo comigo, é
o que tem feito desde que chegou à Califórnia. Ele respeita o meu tempo,
pois o meu tempo é mais importante pra ele do que o tempo dele mesmo.
Ele abre um sorriso que está entre uma linha tênue do arrogante e do
envergonhado.
— Você quer que eu seja sincero?
— Espera!
— O quê?
— O que...
Dallas sorri.
— Certo.
— Isso. De novo.
E eu puxo o ar com força para dentro dos pulmões e solto pela boca.
É demais.
Skye foi quem conseguiu acalmá-la; foi a única pessoa que Lindsay
permitiu que a tocasse. Ela chorou e chorou sem dizer nenhuma palavra, e
então adormeceu. Skye ficou com ela naquela noite, e pela fisionomia no
rosto de Mason, aquela não havia sido a primeira vez que Lindsay havia
ficado daquele jeito. Distante. Inalcançável. E o grito que saiu de sua boca
naquela noite... Deus, eu nunca vou esquecer a angústia presente naquele
som, a dor, o desespero. Aquele grito vai me assombrar até o restante dos
meus dias.
Lindsay não tem falado comigo desde então. Ela nem sequer olha pra
mim. Quando eu chego, ela vai embora; e se percebe que eu estou em algum
lugar, ela não se aproxima.
Duas malditas semanas que eu não faço ideia do que fazer para ajudá-
la, para trazê-la de volta pra mim, para o pequenino progresso que havíamos
conseguido alcançar antes de tudo desmoronar ao nosso redor, deixando
ruínas.
Sei que Lindsay voltou para a terapia. Skye me contou há alguns dias.
E eu não posso deixar de pensar que fui eu o responsável por desencadear
essa nova onda de sofrimento nela. Se eu não estivesse aqui, ela estaria bem,
certo? Se eu não estivesse aqui, ela não iria se sentir tentada a dar um passo
adiante, certo? Um passo provavelmente maior do que ela estava pronta para
dar.
Eu não sei.
Suspiro.
— Talvez eu devesse voltar para Boston — digo, dando voz aos meus
pensamentos.
— Eu não sei que porra eu estou fazendo. Pensei que dar a ela o
controle ajudaria, pensei que o que sentimos um pelo outro a faria mais forte,
a deixaria mais segura, mas eu nem sequer sei se isso ajudou um por cento.
Lindsay.
— Eu sei que você odeia que eu faça isso, mas eu queria me desculpar
por estar te evitando, eu... eu só precisava de um tempo para entender o que
eu estava sentindo. Eu não imaginava que aquilo fosse acontecer porque eu
queria beijar você. — Ela respira fundo. — E eu realmente queria beijar você,
Dallas.
Sem hesitar, Lindsay segura a minha mão. Sua pele está fria e esse é o
único indício que tenho do quanto ela está tensa, já que seu rosto e seus olhos
não me entregam muita coisa. Eu a guio até o grande espelho no canto do
quarto. Nós paramos na frente dele; eu parado logo atrás dela.
Assinto.
Ela tenta disfarçar um sorriso, mas seu rosto inteiro a trai. Eu consigo
ver as suas bochechas ficando coradas.
Ela solta uma risadinha ao mesmo tempo em que uma lágrima escapa
dos seus olhos. Eu luto contra a vontade de secar essa lágrima, porque não
quero tocá-la ainda. Não ainda.
— Diga.
— Eu entendi.
— Isso é uma...
— Você foi baleado? O que aconteceu? Você não tinha essa cicatriz
antes.
— Dois meses depois que eu achei que você tinha morrido, eu... eu
não estava bem, Lind. De repente, todo mundo com quem eu me importava
sumiu. Você, o Jesse, a Skye, o Mason, eu não podia falar com QD... Eu
estava enlouquecendo — eu conto, e noto como minha voz fica mais
sombria. — Uma noite, Joshua pediu que eu, o Fitz e mais alguns caras
fossemos cobrar uma dívida. Minha cabeça não estava no lugar e quando a
coisa toda foi pelos ares, eu levei um tiro. A primeira coisa que passou pela
minha cabeça foi que eu iria morrer. Eu tinha certeza de que eu iria morrer. A
segunda coisa que passou pela minha cabeça foi que talvez aquilo não fosse
tão ruim, porque eu sabia que se eu morresse, eu veria você de novo. Nós
estaríamos juntos e toda aquela vida de merda acabaria. Então eu não chamei
ajuda, apenas deixei acontecer. Eu estava em um lugar sombrio naquela
época, mas... isso é o quanto eu amo você, o quanto eu queria estar com
você.
— Dallas...
Ela se aproxima de mim e hesita por um instante antes de tocar a
cicatriz na minha barriga. Quando seus olhos encontram os meus de novo, eu
sei, pelas lágrimas presentes ali, que ela está devastada.
— Eu nunca iria te perdoar por não lutar pra viver — ela diz, a voz
embargada.
Eu balanço a cabeça.
Ela concorda com a cabeça, e o silêncio cai sobre nós por alguns
instantes.
— Bem. Está indo bem. — Ela sorri, mas o sorriso não alcança os
seus olhos. — É de repente que tudo deixa de estar bem.
Eu anuo.
— Eu vou voltar para Boston, Lind — comunico.
— É claro que eu quero, mas não se isso for te deixar daquele jeito.
Não se for te torturar; não se for pra ver você se encolhendo no chão,
desesperada para se livrar da voz dele na sua cabeça; não se for pra ver o
medo nos seus olhos. Eu não quero assim. — Eu solto o ar dos pulmões antes
de me aproximar dela de novo. — Nós não estamos prontos ainda, linda. Nós
tentamos, mas está óbvio que você precisa de mais tempo e eu não acho que
ficar aqui vai te ajudar a ter o espaço que você ainda precisa.
Com gentileza, eu seguro o seu queixo e levanto o seu rosto para que
ela possa me olhar nos olhos.
— Eu não posso ficar. É por amar você que vou embora. Eu não sou o
que você precisa agora.
— Ah, não? Então diga, o que você tem feito nesse um ano e meio
além de cuidar de cavalos e trabalhar na floricultura? Você sai com os seus
amigos? Você sequer tem algum amigo além da garota que trabalha com
você? — pergunto, e percebo pelo timbre da minha voz que estou ficando
irritado. — Huh?
Eu rio, debochado.
Preciso segurar o sorriso quando ela realmente parte pra cima de mim,
desferindo socos certeiros, mas que não tenho nenhuma dificuldade de
bloquear. Ela está há muito tempo sem treinar comigo, mas sua memória
muscular é boa o suficiente.
— Por que você está fazendo isso? — ela balbucia entre o choro.
— Porque eu sei que você está devastada, mas você ainda tem força aí
dentro, amor, e eu precisava que você se lembrasse disso. Pare de sentir pena
de si mesma. O que aconteceu com você foi monstruoso, mas você ainda está
aqui. O dia que você desiste de lutar por si mesma, é o dia que você deixa de
viver para apenas existir. Pare de existir e comece a viver. — Eu seguro o seu
rosto entre as minhas mãos, enterrando meus dedos no seu cabelo sedoso. —
Lembre-se da mulher que você costumava ser, lembre-se da força que ela
tinha e da sua inigualável vontade de ser feliz. Comece a viver para que
possamos fazer isso juntos, pois eu não posso viver com você se você não
estiver vivendo por si mesma.
Ela faz que sim com a cabeça, fica na ponta dos pés e une os seus
lábios nos meus. Eu inspiro o seu cheiro e tento acalmar meu coração.
Tudo o que eu queria era que ela reagisse, que sentisse algo além da
dor excruciante, que ela enxergasse que ela ainda tem força, que ainda
consegue lutar, pois Lindsay parecia caminhar em direção ao fundo do poço
sem nem sequer se dar conta disso.
Coloco Emma no chão para dar um abraço em QD. Meu irmão parece
ligeiramente mais cansado do que da última vez que eu o vi, o que me faz
acreditar que ou Chasin está dando trabalho durante a noite ou Devon já
começou a transferir algumas coisas para QD.
Não respondo, apenas o abraço mais forte. Não é que não seja bom
estar em casa, com a minha família, porque é, mas sinto como se estivesse
incompleto. Não é como eu queria que as coisas estivessem.
Franzo o cenho.
— Do Texas?
— As coisas com a Ravagers não estão boas. Killian quer guerra por
conta da morte da esposa e ele exige que nós escolhamos um lado. Se não
estivermos com ele, então estamos contra ele — QD me situa, falando baixo
para não chamar a atenção de Emma. — Devon não quer tomar partido de
nada, mas estamos meio sem opção aqui.
Eu anuo.
— Eu não sei, Dallas, mas, por experiencia própria, Killian não deve
estar pensando direito agora. Eu sei que eu não estava quando Hanna foi
morta. Ele só quer sangue, independente de quem seja.
Se tem uma coisa que aprendi com Joshua que realmente serve para o
mundo em que vivemos é que o deboche é sempre a melhor arma, faz parecer
que você é inatingível.
— Você vai descobrir que eu posso dar ordens tão bem quanto o meu
irmão. O que você acha de eu mandar alguns homens para lhe fazer uma
visita de cortesia? — sugiro, deixando claro para Killian que estou sorrindo
enquanto falo. — Mas não acho que isso seria uma boa ideia, dada a sua atual
situação.
— Mas parece que seu irmão se saiu muito bem, não é? Pelo que sei,
ele tem uma esposa linda e dois filhos preciosos.
— Vou deixar uma coisa muita clara, Killian. Se você ameaçar minha
cunhada e meus sobrinhos, eu vou, pessoalmente, garantir que seu filho
cresça órfão. E não, isso não é uma ameaça, é a porra de uma promessa.
Então, se eu fosse você, pensaria muito bem antes de tomar uma decisão
estúpida que custe ao seu filho ambos os pais. E você sabe muito bem o que
vai acontecer com ele se não houver quem o proteja, não sabe? — Faço uma
pausa para esperar por uma resposta, mas quando ela não vem, eu sei que
consegui o que queria. — Não teste a porra da minha paciência de novo —
aviso, sombrio como o inferno. — E mantenha seus problemas longe da
minha família. Nós não vamos tomar partido nessa guerra. Você tem a minha
palavra de que não vamos nos aliar ao Darryl, então não nos dê uma razão
para mudar de ideia. Até porque, se nós nos unirmos a ele contra você, é fugir
ou morrer. A escolha é sua. Fui claro?
— Sim.
Eu não sei quanto tempo faz que eu estou sentado aqui, olhando a
água imóvel da piscina, os pensamentos tão distantes quanto se é possível
estar.
— Não com todas as letras, mas para bom entendedor, meia palavra
basta. Não é o que dizem?
— Não ouse — eu quase rosno pra ela. — Você tem Emma, Chasin e
QD que precisam de você.
Seus olhos azuis escurecem e percebo que ela está com raiva.
— Não diga isso como se você não tivesse ninguém com quem
deveria se importar ou que morreria por dentro se algo acontecesse com você
— ela me repreende.
Eu suspiro.
Eu olho bem para Everlee, deixando que ela veja que esse é
exatamente o homem que eu preciso ser agora para não precisar sentir que
perdi. De novo.
Não sou o tipo de cara que foge das coisas — principalmente não
quando disse à Lindsay que parasse de fugir. Hipocrisia não faz o meu estilo,
mas nesse momento, até que a dor assente dentro de mim de novo, eu preciso
focar no lado que me entorpece. Cada um tem o seu próprio modo de lidar
com a dor e a sobreviver quando coisas ruins acontecem. Esse é o meu. A
maioria das pessoas não sabe quantas merdas fodidas eu vivenciei e precisei
engolir e arrumar uma forma de não as internalizar para não enlouquecer.
Minha voz sai fria e dura. Eu sei que ela está tentando me ajudar
porque ela se importa, sei que essa é a mulher do meu irmão e a última coisa
que eu preciso agora é QD me enchendo o saco por ter perdido a cabeça com
sua esposa. E falei sério antes, quando disse que morreria por ela, porque a
amo e ela é minha família. No entanto, eu tenho meus limites.
Vejo a decepção atravessar o rosto de Everlee, mas é efêmero.
— Mulheres não são comuns aqui. A menos que elas estejam lá fora
trabalhando.
Burro idiota.
Everlee anui.
— Da próxima vez que uma merda assim acontecer, você vai chamar
o médico e cuidar da garota. Você não precisa que meu marido faça isso por
você, precisa? — Everlee pergunta, irritada. — Talvez seja hora de trocarmos
o gerente desse lugar, se ele não sabe fazer a porra de uma ligação para
garantir o bem-estar das garotas.
Martin olha para QD como se esperasse que meu irmão dissesse não
para Everlee.
Everlee abre um sorriso cruel para Martin quando ele volta a olhar
para ela.
— Sim, senhor.
Os homens que costumam fazer isso são sempre os mais velhos, por
volta de quarenta anos, com barrigas salientes e poucos cabelos na cabeça.
São aqueles homens que normalmente já fizeram tanta bosta na vida que a
mulher já não suporta ser tocada por eles, onde o casamento às vezes é um
beco sem saída para ambos, por sabe-se Deus qual motivo, e eles procuram
prazer em lugares como esses. Mas esse cara é novo, não deve passar de vinte
e oito anos, tem boa aparência e poderia facilmente conseguir uma garota
sem precisar pagar por sexo.
Talvez não seja nada, mas isso acende um alerta vermelho na minha
cabeça. Coisas incomuns merecem certo nível de cuidado nesse mundo.
— Ela não estava fazendo direito o que foi paga para fazer.
— Ela não estava fazendo o que direito, exatamente? Ela não estava
fodendo o seu pauzinho do jeito que você gosta?
— Mas eu aposto que ela te avisou sobre isso antes de vocês irem
para o quarto, não avisou? — retruca QD.
QD ri.
— Ouviu isso, Dallas? — meu irmão pergunta, rindo. — Ela tem que
deixar porque ela é uma puta.
— Você não pode fazer isso! Tortura não é permitida nesse país!
— Como você está, Joana? — meu irmão pergunta, a voz muito mais
suave do que momentos atrás.
— Estou viva, eu suponho, senhor.
— Sinto muito que isso tenha acontecido, mas posso lhe garantir, se
serve de algum consolo, que ele está muito, muito pior que você.
O fato de ela achar que criou algum problema por querer se proteger
ao transar de camisinha faz meu sangue borbulhar de raiva. Não dela, mas da
situação em si.
Joana hesita.
— Eu sou, mas a minha vida foi bem difícil antes disso. — Ela olha
bem para a garota. — Tem alguém forçando você a trabalhar aqui, Joana?
— Quem? — eu pergunto.
Joana chora.
Clássico.
— Dallas...
Eu assinto com a cabeça, não precisando que meu irmão diga mais
nada. Um vagabundo está prestes a receber uma visita minha e, infelizmente
para ele, não vai ser nem um pouco agradável.
14.
Passos de bebê
Eu quero você
| Seafret – Oceans
Por mais que eu odeie ter me despedido dele de novo e sentir que nós
caminhamos e caminhamos e nunca chegamos ao nosso tão desejado final
feliz, eu entendo o que ele fez. Eu não estou pronta, mas não sabia como
dizer isso a ele; como dizer isso a mim mesma, pois, droga, eu quero estar
pronta, eu quero estar com ele, eu quero tudo com ele e provavelmente teria
de fato me sobrecarregado para conseguir tê-lo comigo. Isso me mataria.
— Lindsay! — Debra estala os dedos na frente do meu rosto,
chamando a minha atenção. — Você não está me ouvindo!
Dou uma risadinha. Não há um dia em que Debra deixe de fazer o seu
tão famigerado drama, mas isso é uma das coisas que eu mais gosto nela,
para ser sincera.
— E antes que você abra essa boca para recusar mais esse convite,
saiba que se você não aparecer na minha festa, vou te demitir!
Comece a viver para que possamos fazer isso juntos, pois eu não
posso viver com você se você não estiver vivendo por si mesma.
Eu sorrio para isso, porque ela está certa. A vida também é feita das
pequenas coisas, eu só passei muito tempo sem me lembrar disso.
— Como tem sido essa semana, Lindsay? — pergunta a Dra. Scott,
minha psicóloga. — Você tem sonhado com Joshua?
É claro que eu tive que contar a ela o que aconteceu comigo, embora
eu tenha deixado de fora todo o ambiente da máfia, alegando que eu havia
sido sequestrada, o que também não é uma mentira. Eu preferi proteger o
envolvimento da minha família com Joshua, e quando eu contei à Dra. Scott
que Joshua morreu em um confronto com a polícia, quando eles foram me
resgatar, ela não fez novas perguntas sobre o assunto.
A Dra. Scott também sabe de Dallas, embora não com uma riqueza de
detalhes. Ela sabe o necessário para conseguir me ajudar.
— Sim. Eu não quero viver nesse ciclo vicioso para o resto da minha
vida. Eu quero não sentir medo o tempo todo. Medo de ser tocada, de ser
beijada, de transar... Mas eu estaria mentindo se dissesse que não estou
nervosa com essa festa. As pessoas não sabem o que aconteceu comigo;
minha amiga não sabe. E se ela tentar bancar o cupido ou algo assim? E se
algum homem se aproximar para conversar e tiver com segundas intenções?
E se eu for tocada e surtar?
— Você pode fazer muito mais do que pensa que é capaz, Lindsay.
Passos de bebê. Nós vamos chegar lá.
— Lind?
Merda.
Eu sorrio.
Eu confirmo com a cabeça, mesmo sabendo que ele não pode me ver.
— Então você dá uma joelhada nas bolas do idiota que ousar tocar em
você sem que você queira. Treinamos isso centenas de vezes, lembra?
O fato de Dallas achar que vou querer que outro homem além dele me
toque, me deixa quase irritada.
— Sim, eu me lembro.
Quando Debra segura a minha mão, eu deixo que ela me arraste para
dentro da sua casa ao mesmo tempo em que empurro o desconforto para as
profundezas do meu ser, me esforçando para ser, pelo menos por uma noite,
uma garota de vinte e dois anos meramente normal.
— Mantenha seus braços erguidos e firmes — Mason me orienta,
balançando meus braços para ter certeza de que eu os estou mantendo firmes
como ele pediu. — Bom. Agora, eu vou atacar você e quero que se defenda,
não tenha medo de me machucar, ok?
Eu balanço a cabeça.
Dou de ombros.
— Talvez não. Talvez você esteja certo. Mas com certeza há mais
bondade em você do que em muitas pessoas, Mason. Você fez o que
precisava ser feito para sobreviver. Todos nós fizemos. — Eu repuxo meus
lábios em um sorriso, mas sem mostrar os meus dentes. — E a minha irmã é
completamente louca por você. Ela te ama muito. Não fica pensando sobre
isso, não fará bem a nenhum de vocês dois, acredite.
Meu cunhado me encara com olhos tristes e sei o que ele vai dizer a
seguir antes mesmo que ele abra a boca.
— Eu sinto muito pelo que ele fez com você, Lind. Eu queria ter sido
capaz de impedir. Talvez se eu estivesse mais envolvido nos negócios, ele
teria confiado de contar pra mim sobre você, então eu poderia ter te salvado
antes.
— Nada daquilo foi culpa sua, Mason, e você não poderia me salvar
sem sofrer as consequências por isso. Nós dois sabemos que o seu irmão não
fazia o tipo que perdoava — argumento. — De qualquer forma, o que está
feito está feito, ficar pensando no que poderia ter acontecido não ajuda
ninguém.
— Pronta.
E eu paro.
Abro meus olhos e começo a revidar. Tento abrir espaço entre o meu
corpo e o de Mason para conseguir acertá-lo na virilha — ou pelo menos
fazer a menção de acertá-lo lá, não quero realmente machucá-lo. Mason luta
para me imobilizar, e eu luto para me libertar, usando toda a força que
consigo, mas tentando acertá-lo nos lugares certos, conforme ele me orientou.
Também tento me lembrar dos treinos com Dallas, quando ele me ensinava
como sair de um mata-leão, por exemplo.
— Eu não vou fazer isso, mas eu poderia te dar uma cabeçada que
provavelmente quebraria o seu nariz e me daria tempo suficiente para correr
— eu digo, ofegante.
— Ah, eu sei. Mas você não conhece a sua irmã? Nada fica barato
com ela. Skye revida e me destrói. Sempre. Deus, eu amo aquela mulher.
Eu dou risada.
Skye confirma.
Eu sorrio.
— Obrigada.
Skye sorri.
As coisas têm sido difíceis nos últimos meses. Desde que QD assumiu
a máfia completamente, nós temos enfrentado certa instabilidade, o que já era
esperado. A troca de um chefe sempre traz inquietação e é quando os
inimigos acreditam encontrar uma brecha para ataque, então nós temos nos
mantido alertas quase que vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana.
É exaustivo pra caralho.
Mason ri.
— Foi o que eu disse pra ela. Skye quer fazer uma cerimônia simples,
mas memorável. Então ainda temos alguns meses de planejamento pela
frente, mas é bom que você arrume o seu melhor smoking, porque você vai
ser o meu padrinho.
Eu dou risada.
— Ela está bem — Mason responde, e pela leveza em sua voz, eu sei
que ele está falando sério. — Ela está muito bem, na verdade. Vai à psicóloga
todas as semanas, fez novas amizades e até elegeu um bar favorito na cidade,
onde ela e as amigas vão todas as sextas-feiras. Ela também está infalível nas
aulas de defesa pessoal comigo. Ela está muito bem, cara.
Assinto com a cabeça, mesmo sabendo que Mason não pode me ver.
— Toda vez que nós nos falamos, você me faz essa pergunta. Você
tem certeza de que quer uma resposta?
— Eu quero.
— Não. Ela não encontrou alguém, mas se quer minha opinião, você
não deveria ficar se torturando desse jeito, cara.
Spencer dá de ombros.
— Nada.
Cacete. Já faz mais de dois anos, mas às vezes parece que tudo acabou
ontem.
— E?
— E que você já está nessa há um ano, cara. Por que você não liga pra
ela e diz que está com saudade? Que quer vê-la?
— Você já se deu conta de que você faz tudo por todo mundo e não
faz porra nenhuma por si mesmo? — ele tréplica, e fico surpreso ao perceber
que ele está realmente irritado.
Abro a boca para retrucar, mas percebo que não tenha a merda de uma
resposta pra isso. Então, apenas solto o ar dos pulmões e bebo o restante da
minha cerveja.
— Não que seja da porra da sua conta, mas eu vou vê-la em alguns
meses. Skye e Mason vão se casar — eu digo, e saio do escritório antes que
Spencer possa dizer qualquer outra coisa que me deixe ainda mais irritado.
16.
Felicidade e Medo
Levante-se
Vamos lá
Eu quero uma vida inteira com ele e isso engloba sexo. E esse sim
continua sendo o meu maior medo.
Eu faço o que ela me pediu e me esforço para não deixar que nenhum
pensamento se aloje na minha mente.
— Que cor é esse lugar que você está agora? — a Dra. Scott quer
saber.
— Amarelo.
Eu sorrio.
— Muito bom. Agora, pense em momentos felizes que você teve com
essas pessoas. Pense em momentos em que você deu risada, em que se sentiu
amada e protegida — a Dra. Scott me orienta. — E me diga o que vem à sua
mente.
— Ah, não posso esquecer dos meus sobrinhos. Emma é incrível. Ela
é uma garotinha muito inteligente e tenho vontade de rir sempre que ela abre
a boca para defender o QD. Ela é completamente apaixonada pelo pai. É
muito bonito de ver. Chasin ainda é bem pequeno, mas não poderia ter
nascido em uma família melhor.
Seco as lágrimas que correm pelas minhas bochechas, mas não abro
os olhos.
— Muito bom, Lindsay. Você sabe qual é o nome desse lugar que
você está? — a Dra. Scott pergunta.
— Não.
— Se chama Felicidade.
— Agora, eu quero que você volte para o lugar onde o seu medo está.
Depois de pensar em todos esses momentos bons, como você se sente em
relação ao seu medo.
Volto para o lugar escuro onde Joshua continua parado, olhando para
mim.
— Minha família e meus amigos. Eles estão sorrindo pra mim. Eles
parecem orgulhosos de mim. Eles parecem felizes.
E eu obedeço.
Joshua aparece na minha mente de novo. Ele não se move, não fala,
mas olha para mim com a mesma intensidade cruel com a qual costumava me
olhar. Se o mal tivesse um rosto, seria o dele; se tivesse um nome, seria o
dele. Ele é a personificação de tudo o que é ruim.
E eu obedeço.
Então talvez
— Você é a garota mais bonita dessa festa — ele diz para a sobrinha.
— Eu amei o seu vestido, princesa.
Ela está com um penteado elaborado, que deixa metade do seu cabelo
preso e a outra metade solto; o vestido vermelho escarlate — assim como a
gravata de Mason e o vestido de Everlee — destaca o seu cabelo loiro e a
pele bronzeada pelo sol. Seus olhos verdes estão ressaltados por uma
maquiagem muito bem-feita e ela é a verdadeira imagem de um anjo na terra.
Meu anjo.
Lindsay sorri ao me ver e não sinto que ela fica tensa com a minha
presença, como costumava acontecer um ano e meio atrás.
— Escuta, eu queria...
— Dallas! — Mason grita o meu nome do primeiro andar da casa,
interrompendo o que Lindsay ia dizer. — Dallas?
Eu vou matá-lo.
E com isso dito, ela sorri mais uma vez antes de começar a descer as
escadas, me deixando parado ali, estático, completamente hipnotizado e
rendido por ela. Exatamente como eu sempre fui.
— Se não fosse o dia do seu casamento, eu iria socar a sua cara por
atrapalhar Lindsay e eu — resmungo.
Ele ri.
Eu estendo minha mão pra ela e Lindsay coloca seus dedos sobre os
meus. Eu fecho minha mão na dela e a guio até a pista de dança, nos juntando
ao Mason e a Skye que já dançam juntos. Faço Lindsay girar no próprio eixo
antes de puxá-la para mim lentamente e pousar minha mão na sua lombar. Ela
coloca uma mão no meu ombro e nós começamos a dançar.
Eu franzo o cenho.
— Me agradecer?
— Tem uma coisa que eu preciso que você veja — Lindsay diz ao
final da quarta música.
— Agora?
Eu pisco, confuso.
Franzo o cenho.
— Por que você está me dizendo tudo isso, mas está com malas
prontas para ir embora?
— Eu quero dizer que você abriu mão de coisas suficientes por mim.
Agora é a minha vez de abrir mão de algo por você — ela elabora. — Eu amo
morar aqui, amo estar perto da Skye e do Mason, amo trabalhar com cavalos
e estar perto da natureza e sei que se eu pedisse, você deixaria Boston,
deixaria a máfia e tudo para ficar aqui comigo, mas eu também sei que você
foi criado para estar ao lado do seu irmão quando o momento de ele assumir
os negócios chegasse. Eu sei que você nasceu para governar ao lado dele e
mesmo que não seja a vida que você ama, você ama o QD talvez tanto quanto
você me ama. E ele te ama e precisa de você agora, então...
Lindsay sorri.
— Então que bom que você não está me pedindo. Essa foi uma
decisão que eu tomei sozinha.
Lindsay afasta sua testa da minha e olha nos meus olhos, querendo
que eu veja a certeza brilhar nas suas nuances de verde. Ela desliza as mãos
pelas laterais da minha cabeça, fazendo carinho em mim.
E então, tudo o que eu vejo é ela. Tudo o que eu quero é ela. E nós
pertencemos um ao outro como almas gêmeas que se encontram no final
mesmo que o caminho tenha contido todos os obstáculos que se é possível
conter.
— Eu te amo — eu balbucio, emocionado. — Deus, eu te amo tanto.
Lindsay fica na ponta dos pés e une os seus lábios nos meus. Eu fecho
meus braços na sua cintura e a puxo para mais perto de mim. A língua dela se
insinua nos meus lábios, e eu abro passagem. No segundo que nossas línguas
se tocam, meu corpo inteiro treme de saudade, de paixão, de amor e de
desejo. Lindsay move os seus lábios nos meus, deitando a cabeça para
aprofundar o beijo, enquanto metade de mim se entrega à essa sensação sem
igual e a outra metade fica atenta a qualquer sinal de desconforto da parte
dela, mas esse desconforto não se manifesta.
— Talvez nós devêssemos voltar pra festa agora — ela sussurra, sem
realmente desgrudar os nossos lábios.
Lindsay ri com os lábios nos meus e leva exatos três segundos para
voltar a me beijar de novo. E então, parece que os quatro anos em que
ficamos separados nunca realmente existiram. Mas mesmo que eles tenham,
de fato, existido e nos transformado, o amor que sentimos um pelo outro é
imutável.
E eu vou me erguer
Um mês depois.
A cada dia que passa, eu tenho mais certeza de que tomei a decisão
certa ao voltar. Emma, que já está com sete anos, está radiante em me ter
mais perto — e por ter trazido Anthony junto, já que ela é completamente
apaixonada por ele, assim como Chasin, que já tem quase três anos de idade.
Meu Deus, o tempo passou rápido demais. Everlee também está feliz com a
minha proximidade, o que vai nos dar ainda mais tempo e a devida
convivência para nos conhecermos mais profundamente... Sem contar que
posso ajudá-la com as crianças, o que eu faço com toda a satisfação do
mundo. Estar perto dos meus sobrinhos é o ponto alto do meu dia. Bom, isso
se eu não considerar quando Dallas chega em casa ou quando ele dá uma
escapadinha na hora do almoço para me dar um beijo ou dois.
Passos de bebê.
Dois dias depois dessa primeira tentativa, houve a segunda. Não foi
muito melhor, mas eu consegui tocá-lo sem sentir meu estômago se revirar
diante do pau dele bem na minha frente, firme, duro. Precisei respirar fundo
inúmeras vezes para apenas segurá-lo.
Passos de bebê.
Há dias e dias. Há dias em que parece que nada aconteceu, que dou
risada, que me sinto leve como uma pluma e a vida é boa e brilhante; mas
também há dias em que tudo é pesado demais, real demais, vívido demais.
Estar perto da minha família ajuda, no entanto. Eles são essenciais para o
meu processo de cura.
— Oi, linda — Dallas diz, aparecendo de repente ao meu lado e me
trazendo de volta dos meus pensamentos.
— Eu sei, mas eu quero entrar por mérito e não porque você “fez
acontecer”.
Ele sorri.
— Está bem.
Dallas deve ter sentido a minha presença, pois vira de frente para
mim, não sendo capaz de esconder a sua surpresa ao me ver nua e parada no
meio do cômodo, olhando para ele como se esperasse alguma reação ou
comentário dele. Na verdade, eu só estou esperando meu coração tranquilizar
os batimentos cardíacos.
Nós estávamos saindo há quase dois meses, mas ainda não tínhamos
dormido juntos. Ele me levou até a porta do meu quarto naquela noite, se
despediu de mim com um beijo de tirar o fôlego e depois atravessou o
corredor e entrou no próprio quarto. E eu fiquei parada ali por quase cinco
minutos, pensando no quanto eu precisava de mais do que só um beijo de
despedida. Então, eu também atravessei o corredor, invadi o quarto dele, tirei
toda a minha roupa, deixando-as espalhadas pelo chão do cômodo, e invadi o
banho dele exatamente como acabei de fazer.
— Me avise se quiser que eu pare, ok? — Dallas diz, a voz tão rouca
que é quase difícil de entendê-lo.
Eu concordo com a cabeça, não querendo que ele pare, não querendo
deixar de sentir meu corpo quente e relaxado.
E eu faço.
Levo minhas mãos até as mãos dele e as guio para onde as quero.
Uma delas, eu deslizo para baixo até que esteja envolvendo a minha bunda; a
outra, eu deslizo para cima, até o meu seio direito, que ele agarra com
gentileza à medida que um gemido gutural escapa pelos seus lábios.
— Estou bem — respondo com firmeza, para que ele não fique com
nenhuma dúvida. — Por favor, continue.
Olho para baixo, vendo o seu membro imponente entre nós dois. Eu
solto o ar pela boca devagar, dizendo ao meu corpo e à minha mente que está
tudo bem. Eu estou segura, eu tenho o controle. Então, devagar, quase
timidamente, eu fecho minha mão ao redor do pau de Dallas, fazendo puxar o
ar para dentro entre dentes, sibilando.
Eu estou segura.
Ele me ama.
Sinto quando ele desliza a mão que estava no meu seio para baixo,
passando pela minha barriga, me deixando arrepiada, e seguindo mais para
baixo até me encontrar úmida. A respiração dele fica tão pesada quanto a
minha quando jogo minha cabeça para trás, querendo aproveitar cada
milésimo de segundo dessa sensação, do cuidado com o qual ele trata o meu
corpo, a minha mente e a minha alma.
— Como se sente? — ele quer saber. Seus dedos não se movem, estão
apenas pressionados contra o meu clitóris, mas ele espera pela minha
aprovação.
— Sim, sim.
— Por que esperar mais? Nós já sabemos que fomos feitos um para o
outro, nós já sabemos que vamos envelhecer juntos, então por que esperar?
Nós já esperamos tanto...
Ele sorri para mim, aquele sorriso que poucas pessoas têm o
privilégio de testemunhar; o sorriso do homem altruísta e bom que ele é, mas
que a nossa realidade não permite que ele mostre ao restante do mundo. Esse
sorriso... Foi esse sorriso que me deixou encantada tantos anos atrás.
Eu rio.
— Não, não pediu. Você disse “E eu quero me casar com você”. Isso
não é um pedido, amor. Não há uma pergunta nessa sua frase aí.
Reviro os olhos.
— Posso?
Dallas puxa o tecido para baixo devagar, liberando meus seios nus —
já que eu não estava usando sutiã. Quando estou vestindo apenas a minha
calcinha branca e rendada, sinto minha pele queimar pelo olhar dele, mas
Dallas não se move para me atacar, como fica tão claro pelos seus olhos que
é o que ele quer fazer. Não. Ele apenas espera.
— Ok.
— Então você não tem nada do que ter medo. Você é dona do seu
próprio corpo, você é a chefe. Uma palavra e nós paramos imediatamente.
Você não precisa ter medo.
— Eu acredito em você.
E acredito mesmo. Sei que Dallas morreria antes de deixar que algo
meramente parecido com aquilo acontecesse comigo novamente.
— Isso não vai dar certo dessa forma — ele constata, e então fica em
silêncio, como se estivesse pensando. — Ok, mudança de planos.
Eu franzo o cenho.
— Como assim?
Dallas se deita ao meu lado, de costas na cama, e olha para mim como
se tivesse tido a melhor de todas as ideias.
Faz sentido.
— Se eu não conseguir...
— Olhe pra mim — ele pede, baixinho. — Só pra mim. Só pra mim,
amor.
E eu obedeço.
Dallas.
Quando sinto que ele está completamente dentro de mim, meus olhos
começam a queimar com lágrimas, mas eu continuo olhando pra Dallas. Meu
marido segura as minhas mãos e as coloca uma de cada lado do seu rosto.
— Fique comigo — ele repete, e então percebo que seu pedido é para
que eu não permita que as lembranças me atinjam e me levem da realidade,
desse momento. — Fique comigo.
Eu anuo.
E ainda que haja escuridão na sua vida, ainda que seu coração e sua
alma tenham sido dilacerados, não se esqueça: é pelas rachaduras do coração
que deixamos a luz entrar.
EPÍLOGO
Lindsay ri.
— Você está doido? Começar tudo do zero depois de doze anos e com
dois filhos que quase nos fazem subir pelas paredes querendo arrancar cada
fio de cabelo da cabeça? — ela aponta, rindo. — Não acho que seja sábio. —
Lindsay gira nos meus braços, ficando de frente pra mim. — No entanto, eu
gosto da parte do plano que envolve nós dois, o silêncio e uma cama. Na
verdade, sinto falta de poder transar com você em todos os cômodos dessa
casa.
Lindsay olha para mim com aqueles olhos verdes, aquela mesma
expressão da garota que conheci anos atrás. A lascívia presente em cada
detalhe do seu lindo rosto.
Lindsay ri.
Emma vira-se de frente para nós. Seu enorme cabelo cor de ébano
está preso em um rabo de cavalo alto e desleixado e algumas mechas finas
emolduram o seu rosto. É impressionante o quanto ela se parece com Everlee.
Emma tem recém-completados dezenove anos agora, praticamente a mesma
ideia que Everlee tinha quando a conhecemos. É quase como ver a minha
cunhada na adolescência de novo.
— Por que eu acho que não vou gostar disso? — eu murmuro para
Lindsay.
Minha esposa não diz nada, mas a forma como olha pra mim me
deixa saber que ela também não está gostando nada disso.
— Eu fiz uma merda muito grande. Tipo, muito grande mesmo, uma
merda que pode causar uma guerra no submundo.
Instagram/Twitter: @autorafers
Agradeço à minha família, que esteve do meu lado desde o início, que
vibrou com cada conquista e que mergulhou de cabeça comigo no meu sonho
de ser escritora. Vocês são a minha luz, as minhas âncoras. Eu amo vocês.
E claro que não poderia faltar meu cachorro, Toddy Cleiton. Que
continua sendo meu maior companheiro das madrugadas, basicamente de
todos os momentos. Obrigada, filho, eu te amo.