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Belo Horizonte
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Belo Horizonte
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AGRADECIMENTOS
Agradecemos primeiramente a Deus por nos ter sustentado, guiado e nos dado
forças durante todo o curso até a realização dessa pesquisa.
Agradecemos às nossas famílias que mesmo sem entender esse processo de
escrita, compreenderam nossos momentos de cansaço, de ansiedade, das ausências,
dos estresses e mesmo assim se preocuparam conosco, nos apoiando nessa caminhada
e acompanhando em toda a trajetória.
Agradeço a minha dupla e amiga por ter sido companheira de escrita durante todo
esse processo de pesquisa, auxiliando e dando força durante a escrita deste trabalho.
Todas as amizades formadas ao longo desse caminho, assim como as colegas do
grupo de orientandas da professora Mariana Veríssimo, que permitiram que essa
trajetória fosse mais suportável e trouxeram alegria durante os períodos que realizamos
nossas pesquisas. Agradecemos também o Daniel Ribeiro Victor, por ter nos auxiliado
com os vídeos feitos com as entrevistas durante este período pandêmico.
Gostaríamos de demonstrar nossa gratidão às professoras entrevistadas que
aceitaram contribuir com seus conhecimentos e vivência e que participaram da nossa
pesquisa. A participação delas foi fundamental para a elaboração deste trabalho, assim
como nos proporcionou a pensar as nossas atitudes como futuras docentes.
Por fim, agradecemos a nossa professora e orientadora Mariana Veríssimo por
todas as suas orientações e paciência conosco no processo de elaboração deste
Trabalho Final de Graduação.
RESUMO
ABSTRACT
When talk about family, one immediately thinks of an environment that is pleasant,
welcoming, affectionate and that encourages children to develop in the best possible way.
However, in this context, there is intrafamily violence, especially against children. It is
questioned to what extent the Intrafamily Violence against children impacts on school life,
what are their relationships, how to prepare professionals and how to avoid and help
children. Thus, this research aims to understand and explain the phenomenon of
Intrafamily Violence against children and the impacts that this violence reflects on
student’s school development. The study is based on a qualitative approach, bibliographic
research and the realization of four semi-structured structures with elementary school
professionals. The research found that, in fact, the Intrafamily Violence has negative
effects on children's school life. These children suffer in their family environment and
reflect performance in the school environment, with low performance, low self-esteem and
relationships and biggest aggressiveness. When teachers experience these cases, they
seek to soften from the care, to be sensitized with the situation that their students go
through. We conclude that the importance of this theme for the school context is essential
and that the teachers need to be trained to be able to identify situations of neglect and
other types of Intrafamily Violence against children, and that, increasingly, these
professionals learn to identify, work and exercise their roles as responsible for making
these complaints and at the same time as those who will contribute to the development of
these students.
LISTA DE SIGLAS
LISTA DE QUADROS
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ………………………………………………………………………...…... 09
1.1 Problema ………………………………………………………………...………..…...... 11
1.2 Objetivo Geral …………………...…………………………………………………...…. 12
1.3 Objetivos Específicos …………………………………………………………….....… 12
1.4 Justificativa …..…………………………………………………………………………. 12
1.5 Metodologia …………………………………………………………………………....... 13
1 INTRODUÇÃO
1.1 Problema
1.4 Justificativa
Com isso, será possível que profissionais da área da educação tenham maior
conhecimento e informações sobre a Violência Intrafamiliar contra a criança. Da mesma
forma, a pesquisa auxiliará no seu desenvolvimento profissional, sabendo proceder em
casos de percepção de Violência Intrafamiliar contra a criança, realizando identificações
e denúncias, e encaminhando para os órgãos responsáveis.
1.5 Metodologia
1
Ver apêndice.
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anos iniciais, chamaremos de Escola Educacional Saber (E.E.S), Colégio Construir (C.C)
e Escola Municipal Aprender (E.M.A).
A professora Ana tem trinta e um anos, é graduada em Pedagogia, especialização
em Neuropsicopedagogia e em Programação na área da informática, com experiência
em coordenação escolar. É professora de uma turma do 3º ano do Ensino Fundamental
I e leciona na Escola Educacional Saber.
A professora Maria tem quarenta e três anos, é formada no Magistério do Ensino
Médio e no curso Normal Superior. Ela atua como professora do 3º ano do Ensino
Fundamental I e também leciona na Escola Educacional Saber.
A professora Rosa tem trinta e sete anos, é graduada em Pedagogia e fez
especialização em Psicopedagogia. Ela atuou como professora de Ensino de Jovens e
Adultos (EJA) em alfabetização e letramento, possui mestrado em Educação e está
realizando o doutorado em Estudos da Linguagem. Atua com alunos do 1° ano do Ensino
Fundamental I, no Colégio Construir.
A professora Margarida tem trinta e sete anos, é graduada em Pedagogia, tem
especialização em Psicopedagogia e em Alfabetização e Letramento. Ela cursa
especialização em Justiça Restaurativa e possui experiência na Diretoria de Educação
da Região Noroeste. Atualmente Margarida leciona para o quinto ano do Ensino
Fundamental I, na Escola Municipal Aprender.
Esta monografia está organizada em cinco capítulos. Iniciado pela Introdução, na
qual há uma breve discussão e referência sobre a temática principal que será abordada
ao decorrer de todo o Trabalho Final De Graduação (TFG), além de abordar a justificativa,
problemas, objetivos e metodologia que pautam esta pesquisa.
O Capítulo 2, aborda sobre a evolução dos sentimentos e ideias de família, criança
e infância, devido às mudanças ocorridas na sociedade e com isso as dando maior
importância ao sujeito central dessa pesquisa que é a criança. Nesse segundo capítulo,
focaliza-se esses sujeitos, por serem os principais envolvidos quando se aborda a
temática da Violência Intrafamiliar.
Para o Capítulo 3, a temática principal estrutura-se nos conceitos da violência
como um fator social e cultural, bem como a diferenciação de Violência Intrafamiliar e
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doméstica, focalizando nos diversos tipos que atingem as crianças e seus impactos sobre
elas.
No Capítulo 3, remete-se a análise dos dados obtidos com as professoras
participantes da pesquisa, na qual aborda-se a percepção que elas têm acerca da
temática da Violência Intrafamiliar, baseando em suas experiências dentro de sala de
aula, suas opiniões sobre as formações e atitudes realizadas que tem o intuito de buscar
melhorar um pouco a vida e desenvolver o aprendizado dessas crianças vítimas.
Por fim, e não menos importante, as Considerações Finais, na qual é realizado
uma síntese de tudo o que foi abordado na pesquisa, dando o parecer sobre os objetivos
e questões que permearam a discussão acerca da temática de Violência Intrafamiliar
contra crianças.
18
A família vem passando por mudanças ao longo dos tempos, tanto em seu
significado, quanto em sua composição. De acordo com o Ministério da Saúde (2002), a
família é o primeiro núcleo de socialização dos indivíduos; quem primeiro transmite os
valores, usos e costumes que irão formar as personalidades e o componente emocional
das pessoas. Chama-se de família ao grupo de pessoas com vínculos afetivos, de
consanguinidade ou de convivência.
Por essa razão, pode-se entender que nem sempre o conceito de família foi o
mesmo que se conhece atualmente. Por exemplo, a relação entre pais e filhos durante a
Idade Média era restrita à conservação de ofícios. De acordo com Ariès (1981):
Segundo Ariès (1981, p. 04), a passagem da criança pela família era muito breve
e muito insignificante para que tivesse tempo ou razão de forçar a memória e tocar a
sensibilidade dos envolvidos. Dessa forma, não se tinha tempo de criar laços afetivos
entre eles.
Todos os conhecimentos apreendidos pelas crianças juntamente com outras
pessoas que não eram de sua própria família, permitiam que estas participassem da vida
dos adultos sem nenhuma restrição ou impedimento. Por esse motivo, essas crianças
eram consideradas apenas como “adultos em miniatura”, já que o trabalho,
principalmente o doméstico, era uma forma muito comum de educação.
A escola tornou-se o lugar das aprendizagens e, portanto, levaria as crianças a
uma nova forma de aprendizagem. Assim elas não necessitavam mais ficar
acompanhando os adultos em seus afazeres, para aprender o trabalho e os saberes que
são restritos à família, diretamente com os familiares.
A partir da criação da escola, as crianças passaram a ser mantidas nos colégios,
começando assim o processo de escolarização. De acordo com Coelho (2007), o século
XVIII passa a ser o período de valorização das tarefas educativas, sendo a infância
considerada como um período de vida que exigia proteção. Deste modo, as famílias
passaram a se relacionar de maneira mais afetiva com as crianças, principalmente
quando se associavam à importância que passou a ser atribuída à educação escolar.
A partir dos estímulos que são oferecidos para a criança, será possível
desenvolver suas relações primordiais, baseando em seus aprendizados adquiridos no
ambiente familiar e na vivência com os próximos. Evidencia-se o ambiente familiar como
o local que representa os primeiros aprendizados de vida social dessas crianças. Para o
Ministério da Saúde (2002):
A família é aquela que tem o dever de proteger aqueles que são considerados os
mais frágeis, como as crianças e os adolescentes. Dessen e Braz (2005) definem família
20
Neste sentido, segundo Coelho (2007), a família que pensamos hoje, do ponto de
vista da variação em sua forma e arranjos e em sua organização particular, não é a
mesma que existia no Brasil colônia, ou mesmo no início do século passado, bem como
a de outras sociedades e culturas. Verifica-se atualmente que com o passar dos anos, as
famílias têm se tornado menores, com pais e filhos se vendo poucas vezes durante o dia
no espaço familiar. De acordo com Coelho (2007):
Até o final do século XIX havia um conceito tradicional de família em que esta
deveria ser uma instituição natural que necessitaria de laços consanguíneos. Esta
composição definia que a família era formada por um pai, uma mãe e os filhos. Nesta
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à pessoa, à sua felicidade e a seus direitos individuais. Não há mais que se falar
em obrigação matrimonial, hoje as pessoas podem se divorciar de forma imediata
caso queiram, inclusive, sem o consentimento do outro cônjuge ou da família,
não há mais a figura do chefe de família, sendo cada indivíduo responsável por
suas escolhas, possuindo o livre arbítrio e não há mais que se falar em uma
família patrimonializada, vez que a via que cria os laços familiares é subjetiva e
depende do elemento volitivo das partes. (AUGUSTO, 2015, p. 4).
Muitas vezes essas mães, que também são o “pai” e chefe de família, saem de
casa bem cedo, para trabalhar e ficam afastadas da vida cotidiana de seus filhos,
retornando às suas casas apenas à noite. [...] Os relatos evidenciam dificuldades
financeiras e o reduzido contato entre mãe e filho(s), sendo a falta de tempo um
elemento forçosamente incorporado à rotina da mulher, que tem como prioridade
sair de casa para trabalhar. (BRITO, 2008, p. 44).
Essa composição familiar pode ser constituída por duas mulheres ou dois homens
e o(s) filho(s), contanto que exista afetividades na relação. Assim como para Costa e
Filho (2015) o termo usado para esse grupo era “homossexual”, a palavra “homo” tem
origem no grego antigo significa igual e a palavra “sexus” que tem origem do latim,
significando sexo, ou seja, juntando os temos se torna “mesmo sexo”.
De acordo com Alves (2014, p. 31), “esta configuração familiar é constituída pela
união de duas pessoas de mesmo sexo (gênero), as quais formam entre si laços afetivos.”
Para a formação desse grupo, é importante, assim como o nome do núcleo projeta, que
haja afetividade entre os envolvidos. Este grupo familiar, apesar de já ser reconhecido
como família pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e mesmo pelo seu crescente
aparecimento nos últimos anos, como exibido nesta pesquisa, foi, e ainda é, alvo de muito
preconceito e repugnação. Atualmente, essa composição ainda não é completamente
aceita pela sociedade, mas em comparação há anos, pode ser observado a
desconstrução dessa ideia.
Outro motivo que pode gerar preconceito é pela questão religiosa. Os valores
pregados por algumas crenças, podem tornar-se verdade absoluta para alguns fiéis, e
estes não aceitam a contrariedade que os indivíduos vivem fora da verdade de seus
fundamentos. Dessa forma, os indivíduos que não respeitassem tais princípios, poderiam
não ser bem vistos e/ou serem considerados pecadores.
De forma a iniciar a discussão sobre a infância, Silva e Souza (2008) afirmam que
“A palavra Infância é composta pelo prefixo de negação in, e pelo radical fante, particípio
passado do verbo latino fari, significando falar, dizer. Então a infância em sua origem
significa aquele que não fala, que não tem palavra, que não tem voz”. (SILVA; SOUZA,
2008, p. 22).
De acordo com o dicionário online Michaelis (2020), o termo infância possui cinco
significados, o primeiro deles diz que infância é o "período da vida, no ser humano, que
vai desde o nascimento até o início da adolescência; meninice, puerícia" (MICHAELIS,
2020, s/p). Esse significado há algumas décadas atrás não representava o que se
pensava sobre a infância. Para Antunes (2010), a construção do sentimento de infância
começa a surgir a partir do século XVII, juntamente com o processo de transição para a
sociedade moderna. A história da infância é marcada pela discriminação, pela
marginalização e pela exploração.
Nesse contexto, ao imaginar a criança como um adulto em miniatura, fez com que
elas fossem alvos de relações de maus tratos e agressões em diversas instituições
sociais. Muitas crianças trabalhavam para complementar a renda familiar por causa do
baixo salário dos pais. Com isso, as indústrias justificavam a exploração do trabalho
infantil como sendo uma proteção para evitar que essas crianças ficassem nas ruas,
sendo assim a composição de seus futuros.
Dessa maneira, é necessário compreender que “o olhar sobre a infância e a
criança e ainda sua valorização na sociedade não ocorrem nem ocorreram sempre da
27
conceito dessa faixa etária como um ‘vir a ser’ tem um especial interesse para o campo
de formulações execuções políticas para essa idade”.
Ao abordar a condição de criança, de acordo com as Diretrizes Curriculares
Nacionais da Educação Infantil (DCNEI), pela Resolução Câmara de Educação Básica
(CEB) nº 5/2009, definem a criança como:
menino, para substitui o pai; menina: para aprender com a mãe. (COELHO, 2007,
p. 210).
[...] violência, aqui, não é entendida como um ato isolado, psicologizado pelo
descontrole, pela doença, pela patologia, mas como um desencadear de relações
que envolvem a cultura, o imaginário, as normas, o processo civilizatório de um
povo. (FALEIROS; FALEIROS, 2008, p. 30).
Pensando dessa maneira, a violência torna-se uma questão com raízes profundas
marcadas historicamente, socialmente e principalmente culturalmente. Não se limita ao
ato de agressão física e psicológica, mas também em diversas outras vertentes, tais
como: a desigualdade socioeconômica definida também como violência, caracteriza-se:
“[...] pelo destaque na atuação das classes, grupos ou nações econômicas ou
politicamente dominantes, que se utilizam de leis e instituições para manter sua situação
privilegiada, como se isso fosse um direito natural”. (MINAYO, 2010 apud FALEIROS;
FALEIROS, 2008, p. 32).
A violência além de ser uma expressão cultural é também uma maneira de
demonstrar poder ou controle sobre algo ou alguém. Pode ser um sentimento de
superioridade das pessoas em qualquer classe social e cultural. O conceito de violência,
de Michaud (1989) considera que há violência quando:
Essa violência pode ser usada como um modo de demonstrar quem possui o
poder, a superioridade e a inferioridade de alguém, na qual deve respeitar a qualquer
custo. De acordo com o Ministério da Saúde (1997, p. 11), “corresponde ao uso de força
física no relacionamento com a criança ou o adolescente por parte de seus pais ou por
quem exerce autoridade no âmbito familiar.” A violência física também pode ser usada
como uma forma de correção, vista pelos pais e/ou responsáveis como punição para a
criança pelos erros cometidos.
Segundo Faleiros e Faleiros (2008, p. 35), “essa violência é acompanhada pelo
medo, pelo terror, pela submissão, pelo espanto, pelo sofrimento psíquico, constituindo-
se ao mesmo tempo em violência psicológica”.
Mesmo com a presença de marcas que ficam no corpo dessas crianças, como
lesões, machucados, traumatismos, arranhões e diversos hematomas, desnutrição e até
a morte. A violência física é acobertada pelo silêncio, negação ou mentiras (FALEIROS;
FALEIROS, 2008).
A prática desse tipo de violência contra a criança é uma violação dos direitos
humanos universais e dos direitos peculiares à pessoa em desenvolvimento, sendo
assegurado na Constituição Brasileira, no ECA e também na Normativa Internacional.
Previstas como crimes as lesões corporais dolosas e culposas, o Código Penal em seu
artigo 129 de 1940 corresponde a “ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem”.
Na maioria dos casos, as situações de Violência Intrafamiliar contra a criança são
principalmente notadas por profissionais da saúde, mas podem ser observadas por
pessoas como: professores, familiares, sociedade em geral. Neste sentido, qualquer
pessoa tem o dever de realizar a denúncia ao Conselho Tutelar e por se tratar de um
crime, a denúncia deve ser notificada aos órgãos policiais.
[...] uma violação dos direitos humanos universais e dos direitos peculiares à
pessoas em desenvolvimento: direito à integridade física e psicológica, ao
respeito à dignidade, ao processo de desenvolvimento físico, psicológico, moral
e sexual sadio e à proteção integral. (FALEIROS; FALEIROS, 2008, p. 38).
O abuso sexual infantil é uma forma de violência que envolve poder, coação e/ou
sedução. É uma violência que envolve duas desigualdades básicas: de gênero e
geração. O abuso sexual infantil é frequentemente praticado sem o uso da força
física e não deixa marcas visíveis, o que dificulta a sua comprovação,
principalmente quando se trata de crianças pequenas. O abuso sexual pode
variar de atos que envolvem contato sexual com ou sem penetração a atos em
que não há contato sexual, como o voyeurismo e o exibicionismo. (ARAÚJO,
2002, p. 5).
Araújo (2002) não considera que na violência sexual ocorra força física, pois a
criança pode não ter o entendimento e a compreensão do que aquela situação possa
significar e com isso. A violência sexual nega a dignidade do outro, o ponto de vista de
sua integridade física e psicológica (FALEIROS; FALEIROS, 2008).
sendo que deveria ser um lugar seguro, acolhedor, aconchegante, confortável e que
garantisse proteção.
Ao abordarmos essa violência primeiramente é necessário que tenhamos uma
definição clara do seu significado, como já explicado há uma pequena sutileza em relação
à diferença entre à Violência Doméstica e Intrafamiliar. O Ministério da Saúde (2002)
conceitua Violência Intrafamiliar como:
A Violência Intrafamiliar possui certos agravantes que fazem com que uma pessoa
parta de uma ação mais branda até uma agressão mais grave. Em grande parte das
situações, a Violência Intrafamiliar desenvolve-se pela falta de estrutura familiar, como
por exemplo, famílias que são baseadas em uma distribuição desigual de autoridade e
poder, conforme papéis de gênero, sociais ou sexuais, idade etc., atribuídos a seus
membros.
A esse respeito é possível perceber as relações de poder que se tem em uma
família, principalmente quando esta é formada com base no conceito patriarcal, no qual
o pai é o responsável pela renda familiar ou no qual há sempre uma disputa de poder e
de autoridade entre os seus membros, o que também influencia para que a violência seja
perpetuada. No que tange a essa situação:
A grande maioria das famílias no Brasil são protetoras, milhões delas ao custo
de enormes sacrifícios. No entanto, também nessas famílias protetoras
encontram-se traços culturais, em diferentes graus, de relações familiares
etnocêntricas, machistas, autoritárias, que as tornam mais ou menos violentas.
(FALEIROS E FALEIROS, 2008, p. 49).
Pode ser visto assim, que em ambos contextos, as violências contra as crianças e
aos adolescentes são crescentes e necessitam de toda atenção possível a fim de evitar
suas perpetuações e traumas, que afetam todo o ambiente de convívio, seja familiar ou
não.
43
Pelo fato de a escola ser o local em que as crianças passam grande parte de seu
dia, é necessário que todos os profissionais da educação estejam atentos a mudanças
no comportamento dos alunos. É responsabilidade da escola trabalhar no processo
ensino-aprendizagem, garantindo aos alunos a aquisição dos saberes historicamente
construídos, mas isso não a autoriza a “fechar os olhos”, a descuidar e desinteressar para
esses aspectos e condições de vida dos seus educandos (GUIMARÃES et al., 2008).
Para que assim, qualquer comportamento diferente do aluno possa ser observado e o
funcionário possa intervir, oferecendo ajuda ao aluno, conversando com os familiares e
até mesmo encaminhando o caso para os órgãos que estejam preparados para lidar com
a Violência Intrafamiliar sofrida pela criança.
O ECA (1990), em relação às escolas, espera que a instituição seja uma
importante colaboradora e fonte de denúncias caso ocorra a percepção de sinais que
remeta a alguma vítima de violência intrafamiliar dentro do ambiente escolar. Este
regulamenta que:
[...] a necessidade dos educadores compreenderem que sua atuação não pode
ser neutra, que sua atuação não deve ser a favor do nada. É preciso romper com
esse ciclo de violências, de crueldade e de opressão. Superar a ideia de que a
relação do educador-educando se dá meramente através da transmissão do
conhecimento erudito. (ALMEIDA et al. 2010, p.10).
Pelo fato de lidar com crianças, é necessário que os professores além dos
conteúdos, tenham o cuidado e a sensibilidade para cuidar de vidas. Com isso, devem
prestar atenção às diversas situações que indicam que esses alunos sofrem Violência
Intrafamiliar que pode prejudicá-los em seu desenvolvimento.
O ambiente educacional é imprescindível para o enfrentamento de situações de
violência contra as crianças e necessita, através dos diversos setores, estar envolvido
numa perspectiva de interação para que os casos sejam abordados com a devida
45
Mesmo com o diverso cenário cultural e as mudanças que ocorreram desde aquela
época até os dias atuais, a utilização da violência física contra a criança, tem como
justificativa a forma de ensinar, tornou-se algo que permaneceu na cultura de muitas
famílias e gerações. Dessa forma, as famílias aderiram a essa alternativa de correção,
por julgarem ser o único método de ensino eficaz quando se objetiva disciplinar.
Isso sucedeu-se, principalmente, naqueles núcleos familiares onde havia o maior
abuso do poder entre os adultos sobre as crianças em relação à obediência e o respeito
aos adultos, que, de certa forma, constituía um ambiente no qual o diálogo e a autonomia
das crianças não eram considerados pelos pais. Assim, verifica-se que a punição como
forma de educação não se origina com os pais.
47
[...] quando o ambiente familiar é marcado pela violência, onde os pais são
agressivos entre si, ou mesmo com os filhos, há uma predisposição para
transformar a violência em algo natural, em que o apanhar passa a não simbolizar
desamor, mas, sim, uma forma natural de agir, um processo de aprendizagem
desenvolvido na infância (COSTA; TEIXEIRA, s/d, p.10).
As pessoas não percebem o quanto a violência pode ser marcante e nem o que
pode acarretar no modo em que a criança vê o mundo, gerando a naturalização e
perpetuação da violência. Essas formas de punições contra as crianças não desenvolvem
apenas a dor física, mas também produzem efeitos psicológicos que irão ser carregados
durante a adolescência e até mesmo serão levados para a vida adulta. O Projeto de Lei
7.672/2010 que altera a lei 8.069 de 13 de julho de 1990, do ECA, estabelece o direito
da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos
corporais ou de tratamento cruel ou degradante. Esta dispõe em seu Artigo 17-A:
A partir desse Projeto de Lei, define-se como castigo corporal a ação de natureza
disciplinar ou punitiva com o uso da força que resulte em dor ou lesão à criança
ou adolescente, também considera como tratamento cruel ou degradante a
conduta que humilhe, ameace gravemente ou ridicularize a criança e o
adolescente. (BRASIL, 2010, s/p).
A mudança pode ser facilitada por meio do diálogo entre educadores e crianças
na escola, na família e na comunidade, com atitudes tais como: a valorização da
criança e do adolescente como seres humanos e não como objetos ou
propriedades; a implementação de políticas públicas de valorização do
trabalhador para que este possa ter mais tempo para dedicar-se à família como
grupo primeiro de socialização e educação; a implementação de políticas
públicas de planejamento familiar; a realização de pesquisas científicas que
fomentem novas possibilidades de educação e cuidados para com as crianças e
adolescentes, dentre outras possibilidades. (RIBEIRO, 2012, p. 56).
Assim, os pais podem aprender a orientar as crianças, sem partir da violência, mas
as encorajando, as incentivando para que elas possam desenvolver sua autonomia, sua
autoestima, sua coragem e sua determinação, e com isso, preparando-as para o mundo,
sem que haja a necessidade do uso da punição como forma educativa ou como forma de
se ter obediência.
No próximo capítulo, serão tratados os conhecimentos que as professoras
entrevistadas possuem sobre a temática da Violência Intrafamiliar, sobre suas atuações
quando percebidos os sinais nas crianças e outras questões relacionadas à Violência
Intrafamiliar, escola, família e Pandemia.
Este capítulo tem como objetivo apresentar resultados da pesquisa, a partir das
entrevistas feitas com as professoras participantes. Deve-se lembrar que os nomes das
professoras e das escolas serão fictícios, como explicitado na metodologia da pesquisa,
50
nas páginas da introdução, garantindo assim seu anonimato e sua liberdade de poder
expressar sem medo. Foram definidos assim os nomes de Ana (31 anos), Maria (43
anos), Rosa (37 anos) e Margarida (37 anos).
O capítulo está dividido em seis sessões. A primeira trata das percepções das
professoras acerca da Violência Intrafamiliar contra a criança e se estas já presenciaram
alunos nesta situação. Em seguida, se apresenta a compreensão das professoras sobre
os comportamentos apresentados pelas crianças vítimas de Violência Intrafamiliar. A
terceira sessão aborda as relações entre os pais das crianças e professoras, assim como
a compreensão desses docentes frente aos comportamentos desses responsáveis. A
quarta sessão, se relaciona com as ações pedagógicas que são desenvolvidas pelas
professoras com o intuito de trabalhar os conteúdos com as crianças vítimas da Violência
Intrafamiliar, visto que o trabalho realizado não possui uma estrutura fixa, variando de
caso em caso, assim como é abordada a situação das formações sobre a Violência
Intrafamiliar para os docentes. A quinta sessão se relaciona com as formas de
notificações da Violência Intrafamiliar, quando a mesma é percebida pelas professoras,
quais as atitudes e os passos que devem ser tomados para a realização da denúncia.
Por fim, na sexta sessão é abordado a questão da Violência Intrafamiliar contra crianças
e a Pandemia, devido ao momento atual vivenciado, sendo relatadas as preocupações e
medos das docentes pelas situações que seus alunos podem estar vivenciando.
Violência Intrafamiliar para mim é aquela que ocorre no âmbito familiar, né? (sic)
(...) então, a violência intrafamiliar, que ocorre no…no interior, né? (sic) Dentro
da família, com os membros da família, é o que eu talvez né? (sic) Tenha de
definição, é isso. (ANA, ago., 2020).
Ah, a violência intrafamiliar no meu ponto de vista é aquela que a criança sofre,
né? (sic) Dentro do seu âmbito familiar e ela acaba externando isso pra suas
vivências externas, na escola, ou seja na sociedade, né? (sic) Como os lugares
que frequentam, ela acaba externando isso, o que sofre dentro da família, né?
(sic) (MARIA, ago., 2020).
Então, a primeira coisa que a gente tem que entender é que violência não é só
violência física, violência é também a violência emocional, né? (sic) A violência
psicológica. Então, mais do que a questão física ela está relacionada a situações
psicológicas. (ROSA, set., 2020).
“Na verdade, a violência em si é (...) são todas essas práticas, dessas maneiras
que nos distanciam da nossa dignidade humana mesmo, né? (sic) Então todas
as vezes que uma criança sofre qualquer tipo de violência, eu acho que a
52
violência intrafamiliar, ela não é uma coisa fragmentada, sabe? Não é só uma
coisa que acontece só dentro daquela família, ela é um reflexo também social de
forma que a gente vive em si essa violência num campo mais estrutural, né (sic),
num campo social, cultural, então eu entendo a violência de uma forma muito
ampla e muito complexa. (MARGARIDA, set., 2020).
A grande maioria das famílias no Brasil são protetoras, milhões delas ao custo
de enormes sacrifícios. No entanto, também nessas famílias protetoras,
encontram-se traços culturais, em diferentes graus, de relações familiares
adultocêntricas, machistas, autoritárias, que as tornam mais ou menos violentas.
(FALEIROS; FALEIROS, 2007, p. 49).
Neste sentido, percebe-se que o docente deve estar atento a toda e qualquer
mudança, para perceber qualquer sinal suspeito que os alunos possam, eventualmente,
exibir. Os dados revelam que os alunos apresentam sinais variados e diferentes, visto
que cada um reage de forma diferente face às situações. Assim, uns indicam de forma
mais intensa e deixam mais evidente alguma situação de violência vivenciada. Outros
dão sinais que podem ser mais difíceis de serem percebidos, o que exige maior atenção
dos professores no sentido de estarem alertas a qualquer detalhe que revela mudança
53
de comportamento. De acordo com Azevedo e Guerra (1989) citado por Veiga e outros
(2009):
Portanto, a pesquisa possibilita afirmar que muitas das situações que as crianças
vivenciam no ambiente familiar podem ter repercussão na escola. Isto pode ser
observado por meio de alterações em suas atitudes, ações, humores e comportamentos.
As vítimas da Violência Intrafamiliar podem apresentar diversos comportamentos,
tornando-se crianças agressivas ou apresentando sinais de introspecção. As crianças
manifestam determinadas atitudes por meio de conversas, pela fisionomia e até mesmo
pelo rendimento escolar.
Ao tratarem da questão relativa aos principais comportamentos e sinais que
indicam que as crianças são ou podem ser vítimas da Violência Intrafamiliar, houve uma
repetição considerável dos sinais mais percebidos pelas professoras.
A gente vê que essas crianças geralmente têm baixo rendimento, têm dificuldade
de realizar trabalho em grupo, têm dificuldade do toque, né? (sic) Às vezes o
professor chega e fala oi, ele já assusta. Às vezes cê (sic) vai olhar no olho, ele
não dá conta de te olhar no olho o tempo inteiro, essas crianças tendem a ser
violentas, a hora que cê (sic) tenta se aproximar elas tentam te afastar, sai fora,
né? (sic) Umas se afastam de você, pra você conseguir, de alguma maneira com
seu vínculo afetivo com eles, é muito difícil, [..]” (ROSA, set., 2020).
realizar as tarefas, impondo barreiras para não fazerem as atividades e veem-se como
incapazes. Nesse sentido, a professora Margarida relata que percebe esses sinais
quando:
[...] ela é muito calada na sala, quando ela fica muito isolada, quando ela é muito
tímida, quando ela realmente começa a apresentar dificuldade de aprendizagem,
né? (sic) Muito acentuada, que tá ali sempre com uma desatenção, que tá sempre
ali parecendo que tá num outro mundo, a tanto também como ele pode é (…) às
vezes manifestar essa violência a partir também de um comportamento violento
na escola, às vezes numa agressividade, numa situação de brigas constantes,
de se envolver sempre em conflitos. (MARGARIDA, set., 2020).
[...] cada criança, ela vai manifestar de uma maneira, né? (sic) (…) se é uma
criança que sofre muitas violências psicológicas, é uma criança que ela vai tá
apresentando ali sinais de baixa estima, de achar que não consegue fazer nada,
né? (sic) De (...) de sempre, às vezes, durante uma atividade, tá sempre colocando
dificuldade pra poder conseguir realizar. E então essas são algumas
possibilidades, não quer dizer também que todas as crianças vão apresentar esses
sinais, né? (sic) (MARGARIDA, set., 2020).
Todo esse comportamento de baixa autoestima são alguns dos efeitos que podem
evidenciar a violência psicológica contra a criança, fazendo com que esses maus tratos
acabem provocando sentimento de insegurança, de solidão, dificultando ainda mais os
processos de aprendizagem e de criar novas relações sociais.
A relação família-escola deve ser construída para que haja uma relação de
parceria entre os pais e professores. Torna-se, assim, de grande importância que exista
uma conexão saudável de diálogo, de comunicação e de empatia entre a escola, os
responsáveis e os alunos.
A escola deve garantir a segurança do aluno e ficar atenta a qualquer
comportamento fora do normal. Para tanto é necessário conhecer bem os alunos e
55
Alguns pais tão sempre participativos, outros não. Infelizmente, os pais mais
negligentes, que não são participativos, que não procuram escola, que os alunos
não fazem “para a casa''. Os pais participativos os alunos vão muito melhores,
mesmo que eles tenham dificuldade, os que participam, mesmo os filhos tendo
dificuldades, eles têm às vezes um êxito muito bom, sabe?” (MARIA, ago., 2020).
inteirados das intenções que foram construídas e pré-estabelecidas. Sendo, deste modo,
uma construção coletiva do bem comum para todos ali atribuídos.
É uma incógnita, gente, porque nós temos os dois lados, nós temos aquele que
vem, fingem que tá tudo lindo e fala que o menino tem minhoca na cabeça, que
vive inventando coisa e ainda fala, “lá em casa também ele tem falado isso e isso,
falou até que a professora bateu nele”, né? (sic) Pra tentar esconder ou ele
simplesmente não aparece na escola. (MARIA, ago., 2020).
[...] a gente faz construção de cartazes, com figuras de revistas, é por exemplo,
eu gosto de fazer (...) eu divido a turma em grupos e a gente faz cartaz de quem
tá tendo os direitos e quem não tá né? (sic) Por exemplo, aí tem uma campanha
lá na revista, “violência não”, aí eles acham, muitas vezes a gente coloca revista
assim já é de propósito pra ver quem acha e fala: nossa professora é essa, por
isso que é bom quando eles já tão pelo menos no segundo ano, por que muitos
interpretam, já lê e interpreta. (ANA, ago., 2020).
Verifica-se que por meio desse olhar é possível elaborar estratégias e reconduzir
a criança novamente para desenvolver sua aprendizagem. E considerando que não há
uma estratégia única e pronta para o trabalho, é preciso sempre reinventar novas
oportunidades para despertar novamente o interesse das crianças pela escola e por
aprender coisas novas e diferentes. Essas estratégias devem ter sempre uma
perspectiva da especificidade de cada situação.
A professora Margarida também ressalta que cada criança é única e cabe a
professora ter um olhar mais cuidadoso para cada criança vítima de Violência
Intrafamiliar. Assim, é possível perceber qual é o apoio que ela precisa. Como medida
pedagógica, assim como a Ana, a professora Margarida busca trabalhar a temática, por
exemplo, com a língua portuguesa:
58
Então, eu sempre tento trazer para o contexto de sala de aula, textos e imagens
né? (sic) Pra projetos a gente vai trabalhar a questão da violência numa
abordagem macro. Então, é a gente trabalhando a questão da diversidade, né?
(sic) Das questões étnicas, a questão do bullying, a questão (…) é, dos direitos
humanos, então eu sempre tento trazer para minha prática esse elemento,
discutindo né? (sic) (MARGARIDA, set., 2020).
A partir desses projetos e das discussões que são desenvolvidas com os alunos,
a professora Margarida busca ajudar os alunos a estabelecerem relação entre os
conteúdos pedagógicos e as situações concretas que vivenciam no dia a dia.
Em relação a como preparar-se para conseguir identificar as crianças vítimas de
Violência Intrafamiliar, as professoras participantes da pesquisa consideram que os
profissionais deveriam estar preparados, atentos e analisando todo e qualquer tipo de
sinal e/ou detalhe que venha a aparecer. Elas consideram que o docente deve estar
preparado para saber lidar com a situação, como abordar o aluno, como proporcionar um
diálogo com a criança, para compreender e buscar estabelecer uma relação de confiança
com ela.
Outras questões relevantes a serem objeto de conhecimento dos professores
referem-se a: quem deve ser a primeira pessoa a ser alertada? Para onde encaminhar a
criança? Quais órgãos que tratam especificamente do cuidado e da segurança da
criança? Como abordar os pais? Em relação às questões acima, pergunta-se: os
docentes receberam uma preparação adequada para tratarem essa situação quando
estiverem atuando na escola?
Dentre as instituições principais de convívio social, “a violência quando identificada
pelo sistema educacional traz importantes elementos para as autoridades competentes
atuarem no combate ao problema”. (GARBIN et al., 2010, p. 214). Sendo assim, as
participantes da pesquisa apresentaram seus pontos de vista acerca da preparação
durante a formação inicial de professores. Nesse sentido, a professora Rosa faz a
seguinte afirmação:
Então, gente, antes eu diria que não, até uns três anos atrás, sabe? Mas hoje em
dia tem sido feito um trabalho muito cuidadoso de formação de professores.
Então, hoje em dia a gente tem dito muito da comunicação não violenta, né? (sic)
E dentro desse tema maior de comunicação não violenta, a gente passa por
formações que trabalham também essa questão de como acolher, de como
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cuidar dessa criança que sofre violências diversas e um tema que tem sido muito
trabalhado foi a, é o desenvolvimento socioemocional, né? (sic) [...] (ROSA, set.,
2020).
Ela ressalta que hoje em dia a formação tem sido um pouco mais cuidadosa no
que se refere aos cuidados que os profissionais devem ter ao tratar com alunos vítimas
da Violência Intrafamiliar. Segundo a professora Rosa, a partir de discussões realizadas
no ambiente acadêmico, surgiram assuntos sobre a questão de como promover a
segurança do aluno, abordagens que diminuam o impacto das falas dos professores com
essas crianças e ainda completa, dizendo que:
[...] quando a gente trabalha isso, a gente pensa estratégias pra trabalhar com
essa criança também, que é agressora. Então, hoje eu vejo assim, é muito bom.
Ainda não é na medida que deveria ser, eu acho que não é sobre educação não,
é pra todas as esferas, né (sic), de trabalho. A gente precisa disso, mas eu
percebi que a gente tem tido um cuidado maior no tratamento desse tema no
sentido de olhar pra esse sujeito e pensar o que fazer. (ROSA, set., 2020).
Eu acho que a gente já avançou muito, nós estamos no processo, né? (sic) Mas
eu acho que são questões tão complexas que (...) que ainda nos falta, formação
pra isso, sabe? Acho que ainda a gente precisa ter um investimento, assim, mais
informação pra professores. (MARGARIDA, set., 2020).
Essa informação complementa o que afirmou a professora Rosa, de que ainda não
há preparação para que os profissionais da educação tratem a temática em sala de aula
com os devidos cuidados. Ela considera ainda que embora tenha tido um expressivo
avanço nos últimos anos, a complexidade do problema impõe maior investimento no
preparo docente.
É não temos muita não, a gente vai tentando é o que nossa formação (...) nós
não temos (...) nós temos às vezes a experiência, né? (sic) De vividos por
algumas situações, mas falar que nós temos sabemos como agir de forma
concreta e tudo (...) nem sempre. (MARIA, ago., 2020).
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Percebe-se entre as falas das professoras Ana e Maria, que ainda não há de fato
uma preparação ou formação adequada sobre a temática da Violência Intrafamiliar contra
as crianças, e que o que as levam a atuar de forma eficaz, é o conhecimento que a própria
experiência profissional lhes proporciona.
Segundo a Professora Ana, a formação sobre a Violência Intrafamiliar também
deixa bastante a desejar,
Acredito que não, acho que falta muito. Na verdade, a gente enquanto na
caminhada, assim, né (sic), profissional, muitas vezes a gente tem que correr
atrás daquilo que a gente sente que tá precisando é melhorar e aquilo que a gente
não domina, só que muitas coisas caem no colo e a gente tem que buscar ajuda,
buscar informação, buscar estudar, não temos formação. (ANA, ago., 2020).
Então, na verdade, tem dois passos, porque a gente precisa ter cuidado também
com essa ficha de notícia, já teve casos de menino chegar machucado, que não
é comum. (...) mas nos casos em que a gente sabe que são constantes que são
reincidentes, bem, a gente preenche na ficha que a gente chama de lista de
notificação, a gente fala tudo que a gente observou, do comportamento do
menino, antes disso claro a gente chama a família como eu disse pra vocês, aí a
gente põe que sempre que a família vai ou tem desculpa que se chama, a família
não vai e aí vai prum (sic) outro órgão, né? (sic) Passa por alguns órgãos, vai pro
conselho tutelar, vai pra outros órgãos que for necessário, chegando inclusive a
um órgão jurídico […] (ROSA, set., 2020).
Ela adverte que é necessário cuidados com o que relata, porque seres vivos
sempre estão propensos a machucarem-se, seja propositalmente ou não, caso isso
ocorra, irá surgir alguma ferida ou mancha. Se isso ocorre com seres humanos, logo,
acontece com as crianças, e nelas podem aparecer com maior frequência, pelo fato delas
serem mais agitadas e curiosas, então, estão ainda mais predispostas a se machucarem.
Assim, estão mais predispostas a sofrerem mais,
Como afirma a professora Rosa, assim que é notado que o aluno apresenta algum
ferimento, logo deve ficar mais atento ao aluno, por ter a chance de ser um hematoma
que pode ter sido ocasionado sem querer ou por ter sido originado por algum tipo de
violência.
Caso seja constatado que realmente ocorre violência contra a criança (de qualquer
que for), a escola convoca a família com o objetivo de compreender e explicar o que vem
acontecendo com o discente. Se for violência dos pais contra a criança, os pais são
orientados a eliminar esse tipo de ação, mas caso a violência continue, os funcionários
escolares são instruídos a preencherem uma lista de notificação, contendo informações
sobre o que foi observado no aluno vítima da violência intrafamiliar e seus
comportamentos. Se esses eventos se agravarem, a notificação é encaminhada para
outros órgãos, como conselho tutelar ou até mesmo um órgão jurídico.
Outra questão relevante a ser mencionada, e que também foi citada pela
professora Maria, refere-se ao medo que alguns professores têm de fazer as denúncias:
Hoje em dia eu consigo levar isso com um pouco mais de tranquilidade, mas
ainda tenho medo por mim, sabe? Porque a gente não sabe com quem que a
gente tá lidando, né? (sic) Uma instrução que cê (sic) dá pro filho dessa pessoa,
que ele não fica satisfeito, cê (sic) não sabe o que ele pode fazer com você.
62
Então, a gente até para lidar com as violências que essas crianças sofrem, a
gente tem que ter cuidado né? (sic). (MARIA, ago., 2020).
A pesquisa permite afirmar que em algumas escolas a própria gestão também tem
medo de denunciar os casos relacionados a violência e por isso deixam velados alguns
eventos. Quando a Violência Intrafamiliar é identificada e a escola procura os pais e/ou
responsáveis para dialogar e esclarecer as dúvidas, com o objetivo de solucionar o
problema, alguns pais ameaçam o professor e a escola.
Outras escolas não denunciam não por terem medo das ameaças, mas para não
manchar o nome da escola. Assim que é comentado que algum aluno é violentado, o
assunto logo circula e pode acontecer dos outros pais pedirem que a escola afaste os
filhos da criança vítima de violência.
Em outros casos, pais trocam os filhos de escola por não quererem que os filhos
frequentem a escola onde podem conviver com vítimas de violência. Então, para que a
instituição não seja mal vista pela população e para que não haja uma rejeição à escola,
a gestão da escola evita que esse tipo de assunto venha à tona, para que ela não seja
vista como um ambiente problemático.
De acordo com as participantes da pesquisa, o principal motivo desse medo citado
é atribuído ao fato desses profissionais terem que lidar com pais que são violentos ou
que vieram de uma comunidade que possui um comportamento agressivo. Devido a esse
receio “comumente as pessoas não querem se envolver em questões desta natureza,
seja por medo das ameaças que são feitas ou mesmo por terem a opinião de que não
devem se intrometer em assuntos pessoais”. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002, p. 38).
63
[...´] e tá (sic) muito mais difícil da gente identificar, por que aquilo que a gente vê
é somente aquilo que passam pra (sic) gente pelo celular ou pela plataforma que
tiver, que a gente estiver usando, então a gente não tá tendo a visão do aluno, a
visão dos direitos. (ANA, ago., 2020).
A professora Maria, relata também que durante esse período de pandemia, está
vivendo uma preocupação com os alunos em relação aos seus pais, porque:
Os pais tão passando por uma certa pressão porque tão (sic) tendo que assumir
um papel de professor. (...) essas crianças que já passam por algum tipo de
violência, elas devem estar mais agudas nesse momento que as pessoas estão
mais sensíveis, tão mais estressadas também né? (sic) E acabam às vezes
descontando no que não deve, que são as crianças, seus filhos né? (sic) (MARIA,
ago., 2020).
Devido a essa pressão que os pais vêm sentido por exercerem muitas tarefas ao
mesmo tempo, uma das soluções que algumas das professoras tiveram foi a redução de
atividades ou uma simplificação das mesmas, de forma a facilitar para que os alunos
consigam fazer sozinhos, sem causar mais estresses para ambas as partes. Em relação
às dificuldades que algumas crianças e familiares tiveram durante o isolamento social, a
professora refere-se às situações econômicas precárias do núcleo familiar no qual essas
crianças estão inseridas.
Para a professora Rosa, esse período de isolamento tem sido doloroso para ela,
principalmente quando ela relata sobre a situação em que muitos alunos podem estar
passando, o que se reflete nos questionamentos feitos por ela: “será que ele já está
usando drogas, ou trabalhando de aviãozinho, entregando drogas […]” (ROSA, 2020).
Isso pelo fato de que a família inteira usa. Ela relata que sabia de casos de crianças em
que a escola era o único local onde a criança se alimentava e com certo pesar na sua
65
fala ela complementa “ainda agora, muita gente perdendo emprego, então aumentou o
uso de álcool, então esses meninos estão apanhando" (ROSA, 2020).
Esse período de pandemia, tem sido um período de sofrimento para muitas
crianças que perderam o contato com a escola e os seus professores, já que eram, muitas
vezes, os únicos que poderiam aliviar ou perceber alguma situação de violência contra
os alunos. Isso pode ser reforçado com o que a Childhood Brasil (2021), diz:
[...] com certeza absoluta (...). Essa taxa aumentou muito, e aí agora eles não
têm as pessoas que de repente poderiam de alguma maneira cuidar dele, né?
(sic). Então, eu só peço a Deus para cuidar desses meninos, pra aparecer um
anjo na vida deles pra tirar eles dessa situação, ou diminuir, mas está muito maior
agora, com certeza. (ROSA, set., 2020).
A partir de suas experiências e da análise feita, não há uma receita para resolver
essas situações, nem em como abordar os alunos, e também, não há uma fórmula que
possibilita identificar os alunos vítimas de Violência Intrafamiliar. Esses cenários podem
não ter um padrão, porém, todos os envolvidos devem estar atentos a qualquer que seja
o sinal, mesmo sendo algo mínimo, pois pode indicar algo grande. E, para que dessa
forma, tomar providências o quanto mais cedo, maior será a taxa de diminuição dos
traumas.
67
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
vindos de pais agressivos, que possam ameaçá-los e/ou agredi-los por realizar as
denúncias de violências contra seus filhos.
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