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CONCEPÇÕES DE AGRESSIVIDADE NO
Ijuí,
2007
2
Ijuí,
2007
RESUMO
The present paper deals about the aggressiveness conceptions in the extent of the infantile
education. It is taken as referential the freud-lacaniana psychoanalysis, what allows
considering the aggressiveness a building tendency of me. Part of the teachers' questions of
infantile education in relation to their students' aggressive manifestations, evidencing a lack of
discussions and information on this subject. The central objective of the paper consists of
verifying the speech related to the school background regarding the aggressiveness conception
and their implications in the infantile education. So, we understand as essential to define the
aggressiveness notion trying to differentiate it from violence, from referential originating
from the common sense, from philosophy, from psychology and, mainly, from
psychoanalysis. In order to understand the extent of the infantile education, we also look for
to identify the specificities and the basic presuppositions of this segment of the teaching.
Besides the bibliographical research, it is used as methodology the focal groups destined to
listen to teachers of infantile education from the municipal net of teaching of Panambi / RS
concerning the aggressiveness in the first stage of the basic education. So, are highlighted
conceptions of the aggressiveness as a result of the influences of the environment, as phase of
the development or as expression form. From this result, implications that come from the
different present aggressiveness conceptions are inferred in the teachers’ speech, analyzing
the possibility of the education to conceive the aggressiveness as consequence of a process of
constitution of the me.
adultos.
desvendar a infância.
AGRADECIMENTOS
à Professora Cláudia Luíza Caimi, minha co-orientadora, por ser fundamental para que
infância;
suas contribuições.
Aos meus pais que, em todos os momentos, acreditaram que eu pudesse atingir meus
Ao meu querido irmão, familiares e amigos que foram suporte em momentos felizes e
Crisálida (Grupo de Estudos sobre a Infância e a Juventude), com quem compartilhei leituras,
de Educação e Cultura, Nara Viviane Gräff e à Coordenadora de Educação Infantil, Ana Paula
Cardias, pelo entusiasmo com que receberam a proposta de trabalho e por possibilitarem as
condições necessárias para que a pesquisa se realizasse com as professoras da rede municipal
de ensino.
INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 08
REFERÊNCIAS...................................................................................................... 127
Agredir, agressão, agressivo, agressividade... Tais palavras estão cada vez mais
Este é um tema que suscita muitos questionamentos aos profissionais da educação e que
profissional para que possam lidar com essas questões. Entre outros fenômenos, o que é
relacionado com agressividade ganha destaque, pois denuncia um certo limite à educação.
Faz-se necessário buscar alguma alternativa, em outros campos do conhecimento que, talvez,
educação infantil, constatamos que as indagações a esse respeito passam a tomar o foco das
atitudes agressivas, alegando que, mesmo usando várias alternativas e estratégias para o
controle de tais situações, não obtêm sucesso em suas tentativas. Elas mostram um “não
saber” em relação a esse fenômeno. Proibir brincadeiras que envolvam atitudes agressivas
acaba sendo, muitas vezes, uma das formas utilizadas com o intuito de amenizar a
agressividade presente entre as crianças, pois há o receio de que essas brincadeiras agressivas
estejam incentivando a violência e, por isso, devem ser banidas. Percebemos uma certa
A agressividade que se evidencia no brincar e na fantasia das crianças marca com mais
veemência esse “não saber” das educadoras. Matar, por exemplo, é considerada uma atitude
errada. Como a escola iria consentir tal brincadeira? Ao mesmo tempo, reconhecem que
parece haver uma necessidade por parte da criança de destruir determinado personagem,
aniquilar aquele que a ameaça, mesmo que seja através de seu brincar.
pequeno ser humano não é tão simples, pois a noção de infância vem carregada de
Essa trajetória vai indicando um tema a ser pesquisado. Tal temática, pertinente e
atual, encontra espaço e suporte para ser discutida no Mestrado em Educação nas Ciências,
cuja proposta amplamente interdisciplinar vai dando forma ao que antes eram apenas
questionamentos.
Em vista dessas considerações iniciais, esta pesquisa tem como objetivo central
implicações no processo educativo. Tendo esta finalidade definida, optamos por discutir o
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uma tendência estruturante do eu. Para trabalhar com essa concepção, procuramos fazer uma
freudiana. Dentro ainda dessa discussão, as formulações de Lacan a respeito dessa temática
constituição do eu.
agressividade no âmbito da educação infantil, entendemos ser pertinente o estudo dos seus
fundamentos e das suas especificidades. Para essa discussão, recorremos a autores clássicos,
agressividade e das suas implicações no processo educativo, parece adequado e pertinente dar
espaço para os sujeitos envolvidos diretamente com a problemática, pois o lugar do qual o
sujeito enuncia-se tem relação com a sua verdade, com o seu posicionamento frente aos
outros, dentro de uma rede de linguagem. O fato de esta pesquisa estar calcada na teoria
psicanalítica, a qual pode ser definida como uma experiência que provém da palavra, justifica
tal abordagem. Nesse sentido, além da metodologia ser composta por revisão bibliográfica,
optamos também pela coleta de dados através de grupos focais, nos quais foi possível a escuta
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aceitaram o convite para debater sobre o tema principal deste trabalho, a agressividade na
da teoria com o campo empírico é inevitável. Nessa etapa da análise são levantados
agressividade, podemos tomar vários caminhos. Podemos optar pela via jurídica, a partir dos
crimes de agressão, a partir das patologias que geram comportamentos agressivos ou, ainda, a
partir do senso comum, pois em geral há muitas falas a esse respeito, mas, quase sempre, com
em vários momentos, são tomadas como sinônimas. Entendemos como fundamental essa
definição por supor que a falta de precisão pode gerar conseqüências, pois a forma como se
termos, pois a origem das palavras pode contribuir para o entendimento de seus significados.
noção de agressividade. O interesse da filosofia pelo tema é apresentado através dos estudos
de Hannah Arendt, em função da consistência de sua obra “Da violência”. Apesar dessa obra
considerações sobre o foco deste estudo. Também recorremos aos estudos da psicologia sobre
a agressividade, a partir das pesquisas de Konrad Lorenz, autor que se destaca dentro da sua
área por buscar respostas sobre esse tema. Com maior ênfase, apresentamos os estudos
psicanalíticos sobre a agressividade, formando a maior parte deste capítulo, pois esse é o
referencial predominante de meu trabalho. Além disso, é nesse campo teórico que se
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Larousse Cultural (1988), agressividade é definida como “tendência a atacar, a provocar” (p.
116). No dicionário de Celso Pedro Luft (1987), essa palavra é apenas citada como um
substantivo relacionado ao adjetivo agressivo, o qual é conceituado como aquele que envolve
Muitas vezes, o termo agressividade acaba sendo usado como sinônimo de violência.
caráter de violento. 2. Ação violenta: cometer violências. 3. Ato ou efeito de violentar.” (p.
6.084) Ao verbete “violento”, apresenta a seguinte explicação: “1. Que atua com força, com
ímpeto; forte, impetuoso (...). 2. Em que se usa força bruta: ação violenta. 3. Colérico,
justiça, à razão: decreto violento.” (p. 6.084) No dicionário de Celso Luft, o verbete violência
é complementado com a seguinte definição. “2. Constrangimento físico ou moral.” (p. 574)
latim: “gradior” que significa movimento para frente. Outra definição etimológica encontrada
para o verbo agredir2 esclarece que, em latim, “ad” significa “na direção de”, e “gradí” se
refere a “ir, caminhar”, fazendo observar que possui a mesma origem etimológica de
1
Cf. site www.sedes.org.br/Departamentos/formacao_Psicanalise/angustia_superego.htm.
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Cf. nota de rodapé do livro “Jogo de posições da mãe e da criança: ensaio sobre o transitivismo”, de Jean
Berges e Gabriel Balbo (2002, p. 125).
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congresso, digressão e “gradus”, palavra latina sinônimo de passo, estágio, grau. Já a palavra
autora estabelece uma relação entre o conceito de poder e de violência. Nesse estudo, Arendt
Para esses cientistas, o que ocorre com os humanos não difere muito daquilo que
ocorre entre os animais. Arendt complementa, afirmando que, a partir de uma pesquisa
realizada nas áreas sociais e naturais, o comportamento violento pode ser uma reação mais
“natural” do que se supunha até então. Todavia, afirma que não é possível fazer uma exata
necessidades orgânicas e também estímulos externos. Esses instintos não desaparecem, não
cessam, pois a sua satisfação pode ser considerada vital. Já a agressividade, caso não seja
provocada, ou seja, instigada, pode ser reprimida. Essa repressão poderia gerar acúmulo de
comparativo dos comportamentos humano e animal. Em seu livro “Sobre a agressão” (1963)3,
agressividade, no ser humano, poderia ser orientada para comportamentos socialmente úteis.
Explica, em seu livro “Por trás do espelho: uma pesquisa por uma história natural do
conhecimento humano” (1973)4, que a luta e a guerra têm uma base inata no homem, a qual,
mesmo assim, pode sofrer alterações. Para Lorenz, o comportamento agressivo não pode ser
instrumentos, armas que multiplicaram o poder ofensivo do homem. Segundo Arendt, a razão
é o que torna o homem mais perigoso do que qualquer outro animal, ou seja, justamente o que
razão que nos torna perigosamente ‘irracionais’” (ARENDT, 1970, p. 34). A autora afirma
que, freqüentemente, associa-se a agressividade somente ao irracional, ao que não faz parte do
caça, precisam matar para se alimentar, assim como necessitam usar suas defesas para se
cultura, usa sua razão para cometer as maiores atrocidades, de acordo com suas
conveniências. Não há nada de irracional em grande parte dos atos violentos humanos, como
a tortura, a guerra ou um crime premeditado. Contudo, Arendt afirma que quando a violência
3
Cf. COBRA, Rubem Queiroz. O técnico da agressividade e fundador da Etologia. Página de educação e
comportamento. Disponível em: http://cobra.pages.nom.br.ecp-lorenz.html. Acesso em 17 nov. 2005.
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Idem.
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perde a função de autopreservação, quando não há uma provocação natural, passa a ser
irracional, tornando os humanos mais bestiais que os outros animais. “Utilizar a razão quando
esta é usada como uma armadilha não é ‘racional’; assim como utilizar uma arma em
situações difíceis, pois a ausência de emoções não causa e nem promove a racionalidade, a
apatia, sim, seria desumana. O que retira a característica de humano não são as emoções, mas
Arendt também se refere a autores como Sorel, Pareto e Fanon, os quais, muito antes
glorificavam a violência. Para esses autores, a violência está ligada à criatividade, a uma força
criadora, pois a destruição e a criação seriam duas faces da mesma moeda. Contudo, Arendt
faz a seguinte ressalva. “A prática da violência, como toda ação, transforma o mundo, mas a
Aceitar a visão de que a violência é algo instintivo é uma maneira de conformidade com a
destruição, como se não houvesse outra saída para compreender atitudes violentas do ser
humano, pois não passaria de uma herança biológica, algo orgânico. Sendo essa a realidade,
psicanálise que se destaca por dedicar-se a temas sociais. Em seu livro “Violência e
seria “[...] o emprego desejado da agressividade, com fins destrutivos” (2003, p. 39). A
violentos. Complementa essa definição, explicando que a violência animal ocorre devido a
Para Costa, a ação agressiva ganha significado de ação violenta a partir da percepção
do sujeito que sofreu a violência ou de algum observador externo de que o sujeito autor da
violência possui o desejo de destruição. Portanto, para ele, não há violência instintiva, pois se
ou desumanidade que o bebê teria em relação a sua mãe, pois esta é para a criança apenas
puramente instintiva” (COSTA, 2003, p.41). A mãe, na maioria das vezes, não vê propósito
agressivo nos gestos espontâneos nem na voracidade do bebê, e acaba acolhendo a vitalidade
A partir da leitura desses autores que se dedicaram ao estudo da violência, assim como
da agressividade, observamos uma certa indistinção entre esses dois termos. Há tentativas de
diferenciação, mas identificamos a necessidade de avanço nesses estudos, ou seja, eles podem
ser ampliados. A agressividade, sendo tomada como sinônimo de violência, pode ser tratada e
determinado assunto permite que se tome uma posição, indicando a atitude a ser tomada.
discussão é calcada na psicanálise. Essa referência passa a ser norteadora desta pesquisa
programa tem sua fundamentação na teoria psicanalítica. Portanto, neste capítulo, são
campo teórico.
A obra freudiana foi sofrendo transformações à medida que seu campo conceitual foi
novas articulações, novos termos, entrelaçados com o que já estava teorizado anteriormente.
Essa produção é uma prova de que o conhecimento não é estanque, não se fecha, não se
esgota, mas vai se construindo à medida que o pesquisador continua investigando, refletindo,
agressividade.
De acordo com Mezan (1982)5, os últimos vinte anos da obra freudiana foram
5
Este autor destaca-se em função da consistência de sua obra “Freud: a trama dos conceitos” (1982), na qual
realiza um apurado estudo a respeito do desenvolvimento dos principais conceitos da teoria freudiana.
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de que não há uma independência das tendências agressivas, ou seja, elas não são totalmente
separação, de conservar e destruir. Eros e Tânatos estão interligados e não são mais
considerados oposições.
que afastam o homem do estado animal dos seus ancestrais. Teria duas finalidades principais:
proteger o homem contra a natureza e regular as relações dos homens entre si. Segundo Millot
(1995), o primeiro objetivo foi alcançado, mas o segundo não obteve tanto êxito.
sua obra, é possível observar que a crueldade e o instinto sexual estão ligados intimamente na
vida de seus ancestrais. Até então, não havia muitos estudos sobre essas relações, a não ser o
No texto “Moral sexual ‘civilizada’ e doença nervosa moderna” (1908), Freud chama
atenção para o fato de que a cultura se baseia na renúncia que cada indivíduo faz em relação à
Nossa civilização repousa, falando de modo geral, sobre a supressão dos instintos.
Cada indivíduo renuncia a uma parte dos seus atributos: a uma parcela do seu
sentimento de onipotência ou ainda das inclinações vingativas ou agressivas de sua
personalidade. Dessas contribuições resulta o acervo cultural comum de bens
materiais e ideais. Além das exigências da vida, foram sem dúvida os sentimentos
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familiares derivados do erotismo que levaram o homem a fazer essa renúncia, que
tem progressivamente aumentado com a evolução da civilização (FREUD, 1980,
p.192).
O fato de os homens cederem dessa forma seria motivado por Eros, ou seja, pela
época em que escreveu esse texto, Freud criticava a severa moral vitoriana. Para ele, a
neuroses.
A experiência nos ensina que existe para a imensa maioria das pessoas um limite
além do qual suas constituições não podem atender às exigências da civilização.
Aqueles que desejam ser mais nobres do que suas constituições lhes permitem são
vitimados pela neurose. Esses indivíduos teriam sido mais saudáveis se lhes fosse
possível ser menos bons (FREUD, 1980, p. 197).
autor aponta alguns riscos que corriam os homens, ao esforçarem-se para se adaptar às
exigências culturais. Segundo ele, estariam querendo ser superiores, sobre-humanos, acima de
suas condições estruturais e, por isso, poderiam adoecer. Será que também estava se referindo
à interdição das tendências agressivas? Que conseqüências teriam tais interdições? Qual o
destino das pulsões ligadas à agressividade? Millot, pautada nos escritos freudianos, auxilia
considerado causador de doenças. Posteriormente, Freud conclui que não seriam as restrições
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impostas pela civilização que trariam danos à psique e, dessa forma, não acreditava mais em
uma prevenção das neuroses. Passou a considerar que fatores intrínsecos à constituição
psíquica do ser humano, por si só, seriam responsáveis pelo desencadear de determinadas
manifestações neuróticas.
No texto “Reflexões para os tempos de guerra e morte” (1915), escrito seis meses
depois do início da Primeira Guerra Mundial, Freud afirma que não existe homem bom ou
que pudessem ser colocados em prática. A educação e a cultura teriam o papel de substituir as
más inclinações do homem por uma tendência a fazer o bem. As moções primitivas sofreriam
uma certa evolução até a vida adulta. Elas seriam inibidas, dirigidas para outras metas,
mudariam seus objetos e se voltariam, em parte, sobre os mesmos. Isso aconteceria a partir
Nesse período, ele considerava que a reforma das pulsões fosse resultado de alguns fatores
inatos, como o fato de pulsões egoístas se transformarem em pulsões sociais, pela necessidade
do ser humano em ser amado, assim como de fatores externos que consistiam na educação e
nas exigências do meio cultural. “A sociedade civilizada, que exige boa conduta e não se
preocupa com a base instintual dessa conduta, conquistou assim a obediência de muitas
pessoas que, para tanto, deixam de seguir suas próprias naturezas” (FREUD, 1980, p. 321).
moções primitivas, selvagens,... Para ele, o homem primitivo seria marcado por características
Como marco desse pensamento, podemos nos referir a “Totem e tabu” (1913), obra
em que Freud, embasado em Darwin, retrata a horda primitiva como modo de vida dos
primórdios. Haveria um pai extremamente severo, o qual é assassinado pelos seus filhos. Em
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seguida, comemoram comendo o pai, retratando uma busca de identificação, pois necessitam
que torna o pai morto mais forte que antes, exigindo-se a criação de um totem. A partir daí,
surgem as proibições, as interdições. Um pacto entre os irmãos passa a ser necessário, pois a
rivalidade entre eles, em função do poder e da posse das mulheres, coloca em risco o grupo.
impulso erótico interior que ordena os seres humanos a unirem-se em uma massa. Contudo,
ele acredita que esse fenômeno ocorre devido a um sentimento de culpa. Esse sentimento, que
Freud, a partir da filogenética, explica a estrutura que perpassa a vida de cada homem
horda primitiva, segundo Millot (1995), nunca foi provada, mas Freud não abre mão dela por
seus analisados. A abundância de amor e ódio em relação aos progenitores, a hostilidade entre
mantinham-se presentes.
Com o complexo de Édipo, Freud já admite que haja uma conjunção de desejos
amorosos e hostis no início da vida de cada ser humano. A passagem pelo Édipo se dá entre
dois ou três anos, tendo caráter universal. Esse conceito percorre toda a obra freudiana, sendo
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de 1910 a primeira inserção com essa terminologia. Já em 1897, em uma carta que escreve a
Fliess, refere-se ao mito grego de Édipo-Rei, como algo que lhe teria acontecido: sentimentos
teria como objeto de desejo sua mãe e, portanto, rivalizaria com seu pai. Com a ameaça de
castração, deixaria de desejar essa mulher que é do pai, passando a identificar-se com ele e
ficaria livre para querer outra mulher que não fosse a sua mãe. Constata-se que a hostilidade e
o amor ficam bem próximos. Já na menina, o complexo se inicia quando ela se percebe
inferior em relação ao menino, pois já se sente castrada por constatar que não tem pênis. Isso
gera uma hostilidade em relação à mãe por esta não lhe prover o falo, como tem o pai. Passa,
por conseguinte, a desejar o pai. Porém, percebe que, para ter o pai, precisa identificar-se com
a mãe. A dissolução do Édipo na menina não é tão clara como no menino, pois é como se
ficasse em aberto, não resolvido, o que traria particularidades à psique feminina. Esse
fenômeno estaria presente na vida de todos, mas tais recordações estariam sob efeito do
apresentada na relação edipiana é identificada por Mezan (1982) como uma das maneiras
Por estarem amor e ódio tão próximos, essa ambivalência de sentimentos e desejos
recebe um esclarecimento somente a partir da teoria das pulsões. Já em 1890, Freud indagava-
se sobre a origem da força de viver do ser humano e sobre a fonte da força dos sintomas
neuróticos, demonstrando que já suspeitava que se tratava de um mesmo tipo de força. Acaba
concluindo que a pulsão pode ser conceituada como uma força constante, considerando-a um
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conceito fronteiriço, ou seja, que está entre o anímico e o somático, como se fosse um
Muitas vezes, o conceito de pulsão é confundido com instinto, sendo usado, com
freqüência, como um sinônimo. Em parte, isso acontece devido às traduções equivocadas que
são feitas desse termo usado por Freud. É pertinente cogitar, também, a idéia de que a busca
pela cientificidade da psicanálise desencadeasse essa tendência em usar termos mais próximos
à biologia, ou seja, relativos às ciências exatas. Ao definir a diferença entre tais terminologias,
cada ser. O animal, por exemplo, pensando de modo geral, logo ao nascer, vai, de forma
instintiva, buscar os alimentos necessários a sua subsistência. Já o ser humano precisa ser
apresentado por outro ser humano àquilo que vai satisfazer as suas necessidades. Dessa forma,
apesar de haver a necessidade de alimentação, por exemplo, ele vai desejar alimentar-se com
um ou outro alimento, não tendo uma forma específica ou determinada para satisfazer a fome
de todos os seres humanos. Assim como em outras situações, nota-se que há algo diferente
que move o homem no seu viver, ou seja, a pulsão é sua mola propulsora. O instinto, portanto,
mediação com o outro, nas relações sociais que ocorrem mesmo antes do nascimento do bebê
durante toda sua obra. Na chamada primeira teoria das pulsões, Freud utiliza-se de duas
conservação da espécie, quando não deslocadas para uma das vias consideradas perversas.
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semelhante ao que daria ao corpo de um objeto sexual. Segundo ele, todo ser vivo teria um
afirmado que o eu não está presente desde o início da vida do indivíduo. Este primeiro
Com essas elaborações, o autor inicia uma nova concepção acerca do dualismo
pulsional, pois começa a afirmar que tanto as pulsões do eu como as sexuais atuam em união,
com interesses narcisistas. Não mais haveria motivo para separação tão abrupta entre pulsões
sexuais e pulsões do eu, pois o eu também passa a ser considerado objeto sexual. Em 1915,
Freud escreve “Os instintos e suas vicissitudes”, obra na qual apresenta, com mais nitidez,
interessante que, logo no início desse texto, ele faz uma ressalva referente às tentativas de
definir-se e conceituar, afirmando que o progresso científico não tolera nenhum tipo de
Cada pulsão possui uma meta, um objeto, uma fonte e uma força. A meta de cada
pulsão é invariável, mas o caminho que será usado para alcançar a meta pode ser diverso. É
pelo objeto que se atinge a meta, ou seja, a satisfação. O objeto é o que mais sofre variações,
não precisando ser sempre algo exterior, pois pode ser alguma parte do próprio corpo. A fonte
configura pelo seu fator motor, sendo a medida da exigência de trabalho imposto ao aparelho
psíquico.
Ainda nesse texto, Freud apresenta os destinos das pulsões ou suas vicissitudes. São
mais perfeito, pois substitui um objeto sexual por um não sexual, alterando
socialmente.
Pensamos que o entendimento dos destinos das pulsões seja importante para
compreender a lógica da elaboração freudiana acerca da pulsão. Esse conceito toma outras
proporções no decorrer de sua obra, e esta compreensão torna-se necessária, à medida que
esse processo responsável pelas criações artísticas, pela vontade de saber, pela inventividade.
Por mais que, nesta pesquisa, trate de assuntos diretamente ligados à educação, não
a idéia de uma pulsão de agressão é defendida por Adler, mas Freud não leva em
consideração. Como foi mencionado anteriormente, somente em 1920 ele começa a dar
atenção aos fenômenos agressivos. No início da obra freudiana, a agressividade está presente
quando se fala das relações entre amor e ódio, do sadismo e do masoquismo. Quando o objeto
representa a sensação de prazer, há uma tendência a buscar uma aproximação com esse objeto
que se ama. O inverso seria a tendência a procurar manter distância deste, e o ódio surge
como inclinação à agressão. Mezan (1982) afirma que o ódio é a agressividade dirigida ao
exterior, tendo sua gênese num duplo movimento de fusão e defusão, ligação e separação.
Freud afirma que ódio e agressão não podem ser aplicáveis às pulsões, mas que dizem
respeito à relação do eu total com seus objetos. Tanto as pulsões de conservação como as
pulsões sexuais requerem uma relação com os objetos, com o mundo externo. Primeiramente,
o eu narcisista repulsa os objetos externos, pois há somente o auto-erotismo, e tudo que virá
do exterior pode colocar em risco o eu que está em início de estruturação. Portanto, pode-se
considerar que o ódio e a repulsa apresentam-se antes do amor no psiquismo humano, sendo
tanto as pulsões egóicas como as pulsões sexuais possuem interesses narcisistas e atuam em
união, revertendo em amor a si mesmo. Esse tempo mítico, chamado por Freud de narcisismo
primário, é marcado por uma suposta completude, um momento de total satisfação, em que
mãe e bebê parecem ser apenas um, bem como no conceito freudiano de eu ideal.
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(1949). Situado entre os seis a dezoito meses, poderia ser traduzido como “[...] uma
identificação, no sentido pleno que a análise atribui a esse termo, ou seja, a transformação
produzida no sujeito quando ele assume uma imagem [...]” (Lacan, 1998, p.97).
com as palavras de Lacan, “[...] por ser ainda mergulhado na impotência motora e na
dependência da amamentação [...]” (Lacan, 1998, p. 97), a criança possui uma imagem
fragmentada de seu corpo, não fazendo diferença entre seu corpo e o de sua mãe, por
imagem especular narcisista. Somente a partir dos seis a oito meses a criança tem a sua
confirmação de que esta imagem é sua. Como já mencionado anteriormente, o bebê humano
(até os seis meses) traz sinais neurológicos e humorais de uma prematuração natal fisiológica.
Então, essa imagem que vê é uma unidade ideal em relação à descoordenação profunda de sua
motricidade. Por volta dos oito meses, caso duas crianças se confrontem (com dois meses e
meio de diferença entre elas), constata-se um esforço de uma querer acompanhar os gestos da
outra. Isso mostra que a criança vai antecipando no plano mental a conquista da unidade
Para fundamentar esta elaboração, Lacan traz exemplos da biologia que demonstram o
constituição do eu, pois essa alienação ao Outro permite que a criança antecipe uma imagem
de eu na qual ela se identifica. Essa alienação pode ser considerada uma condição necessária
Portanto, por mais que seja uma maturação de ordem natural, indica-se que a
relevante destacar que, por mais que o autor situe o estádio do espelho como um momento, é
possível afirmar que essa alienação ao Outro está presente em toda a vida do homem, pois não
confundindo-se também com a sua imagem e nas relações com os que estão a sua volta.
A criança que bate diz que bateram nela, a que vê cair, chora. Do mesmo modo, é
numa identificação com o outro que ela vive toda a gama das reações de imponência
e ostentação, cuja ambivalência estrutural suas condutas revelam com evidência,
escravo identificado com o déspota, ator com o espectador, seduzido com o sedutor.
[...] Essa relação erótica, em que o indivíduo humano se fixa numa imagem que o
aliena em si mesmo, eis aí a energia e a forma donde se origina a organização
passional que ele irá chamar de seu eu (LACAN, 1998, p. 116).
Nesse período de transitivismo descrito por Lacan fica evidente uma ambivalência de
emoções e uma agressividade estrutural do ser humano. A agressividade faz parte dessa
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constituição da unidade e da imagem corporal, pois à medida que o sujeito está alienado ao
outro, ele precisa opor-se para que possa constituir o seu espaço, a fim de não ser aniquilado
por esse outro. De acordo com Sousa (2000), a agressividade seria o ruído do processo de
constituição do eu.
Soma-se a essas constatações o fato de que não há uma definição quanto ao desejo, o
qual somente fica visível a partir do objeto de desejo. A definição do objeto de desejo também
se delimita em função do outro. O seu objeto é objeto de desejo do outro, o qual se constitui
numa concorrência agressiva, sendo aí que se origina a relação entre o outro, o eu e o objeto.
Lacan cita uma frase de Santo Agostinho, que já antecipara sinais dessa agressividade
original.
– ‘Vi com meus olhos e conheci bem uma criancinha tomada pelo ciúme: ainda não
falava e já contemplava, pálida e com uma expressão amarga, seu irmão de leite.’
Assim liga ele imperecivelmente, à etapa infans (anterior à fala) da primeira
infância, a situação da absorção especular: a criança contemplava, reação
emocional; inteiramente pálida, reativação das imagens da frustração primordial; e
com uma expressão amarga, que são as coordenadas psíquicas e somáticas da
agressividade original (LACAN,1998, p.117).
interminável na vida do sujeito. Esse ciúme (original) vai ao encontro daquilo que Lacan fala
sobre o “Eu é um outro” (1998, p. 120), pois para dizer quem é o eu, como ele é, reporta-se ao
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outro. Essa referência também é determinante na satisfação do desejo humano, que somente
constituição do objeto e, a partir desse prisma, é possível pensar numa diferenciação entre
Oliveira (2002) fornece mais elementos para essa distinção, levando em conta a determinação
do objeto.
Ainda sobre a questão da constituição do eu, pode-se afirmar que a imagem que o
sujeito tem de si e que apreende no outro é de perfeição. Quando essa imagem é ameaçada ou
agressividade. Nas fases da vida humana em que há uma metamorfose libidinal, nas quais há
Pensamos que o ingresso na escola, que ocorre geralmente na educação infantil, pode
também ser um desses momentos que demarcam essa quebra narcísica. O simples fato de ir
para a escola pode representar um corte na relação mãe-filho. Nesse período, muitas crianças
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são desmamadas para que possam freqüentar a escola de educação infantil, o que traz mais
um drama, associado ao ficar sem a mãe. Além disso, as crianças se deparam com uma
instituição totalmente organizada, com horários, regras e hábitos, os quais, na maioria das
vezes, não fazem parte do seu cotidiano. É nesse período que a criança busca sua
que a presença da agressividade nessa fase faz parte da realidade de quem trabalha com
educação infantil, sendo justificada por esse abalo que o eu sofre em todo esse processo.
decorrer da vida do sujeito, ele passe por várias reedições do complexo de Édipo, o que ocorre
nesse período é marcado como uma primeira interdição. É imposta uma lei, a lei do incesto, a
qual é preciso respeitar, para não sofrer as conseqüências de uma possível castração. Diante
de um laço social, da instituição configurada pelo casal parental, a criança se pergunta sobre o
seu lugar. Concomitantemente, depara-se com a escola, que pode ser considerada como um
nesses momentos de abalos no eu, como um modo de defesa, de não ser engolfado pela
alienação ao outro e para impor-se diante da eminência da castração. Sendo todo esse
processo de estruturação mediado pelo outro, percebe-se que a agressividade se direciona para
um objeto determinado, ou seja, não é algo desvinculado da relação com o outro. E é nessa
inter-relação que algumas instâncias responsáveis pela consciência moral são engendradas.
Nas suas elaborações, Freud descreve que o homem não consegue renunciar à
satisfação uma vez alcançada, porém não pode mantê-la por toda a vida. Este período
6
O termo individuação refere-se a um processo de separação do bebê de sua mãe, ou seja, de diferenciação entre
aquilo que é o eu e o que é o outro.
34
investimento libidinal que a criança faz direcionado a si mesma, não é sustentável. Esse
narcisismo perdido é substituído por uma busca incessante que se configura pelo ideal do eu
que, segundo Lacan, é uma instância pertencente ao simbólico7, pois regula a estrutura
em que o sujeito vai receber a libido que anteriormente dirigiu a objetos externos.
narcisismo primário, quando a libido precisa ser deslocada para suprir exigências externas,
prioridade torna-se satisfazer o objeto. Caso isso não ocorra, continuará considerando a si
mesmo o seu próprio ideal, cristalizando uma idealização dos tempos da infância. O ideal do
eu impõe difíceis condições, mas ele é necessário para a manutenção da vida em sociedade. A
educação pode ser vista como uma das condições para o convívio no social. As crianças, ao
serem submetidas ao processo educativo, estão sendo inseridas numa cultura que, por sua vez,
O ideal do eu é constituído por influências dos educadores, pela herança paterna, pelos
não ter capacidade de realizá-la, de forçá-la. Esse conceito se refere ao que é valorizado no
supereu. Pertencendo à segunda teoria do aparelho psíquico da obra freudiana, esse conceito
foi descrito como uma instância que se constitui após a dissolução do complexo de Édipo
(1924), pois quando os investimentos objetais são abandonados, as imagens parentais são
desinvestidas e substituídas por uma identificação. O supereu conserva, por toda a vida, as
7
Simbólico, na perspectiva desta abordagem, remete ao que é do campo da linguagem, característica
especificamente humana.
35
como se fosse responsável por julgar o eu, pois está intimamente relacionado à questão moral,
Dessa forma, pode-se dizer que, sendo o herdeiro do complexo de Édipo, o supereu
traz a possibilidade de controle das moções destrutivas, mesmo que essa agressão seja
supereu é a internalização da autoridade. Contudo, não é qualquer autoridade, mas é uma certa
identificação com as proibições, interdições e princípios daqueles que o sujeito mais ama,
mais admira, ou seja, pais, professores, aqueles que se envolvem com a sua educação.
que a criança está na educação infantil, justificando, mais uma vez, o quanto essa fase da vida
da criança é repleta de mudanças para ela, assim como é para os educadores, os quais
Quando se fala em busca de satisfação ou satisfação dos desejos, parece que está se
fazendo referência apenas ao princípio de prazer. Freud reconhece que o princípio de prazer
deriva do princípio de constância, indicando que muitas vezes se está em busca da diminuição
Referente a isso, Freud começa a se perguntar pela intensidade e freqüência com que
as pessoas repetem situações desagradáveis, como se houvesse uma tendência masoquista nos
seres humanos. São alguns exemplos: os sonhos que repetem situações traumáticas e as
Essa passagem é ilustrada pela cena de um menino de um ano e meio que Freud
observava. A criança jogava o carretel, preso a um cordão, longe de si e dizia “o-o-o”, que
significava “fort”, ou seja, “se foi” e, em seguida, puxava de volta “da”: “aqui está”. Seria
uma forma de a criança admitir, sem protestos, a partida da mãe. Uma renúncia pulsional
necessária para suportar o que sofria passivamente. No dia-a-dia, o menino era afetado por
essa ação, mas no brincar, tornava-se ativo e, por isso, repetia, apesar do desprazer.
como se existisse algo que está além do princípio do prazer. Outro exemplo se refere aos
culpa. Fala ainda a respeito da repetição de situações idênticas pela mesma pessoa, mesmo
que sejam experiências de sofrimento. Cabe citar também a resistência à cura como uma
tema deste trabalho, é possível pensar nas brincadeiras infantis repetidas inúmeras vezes,
brincadeiras agressivas, que tanto assustam os adultos, são exemplos: derrubar a torre que
levou tempo a ser construída; “matar” os inimigos; dar sustos; levar sustos repetidas vezes;
esconder-se com medo de ser encontrado; brincar de pega-pega mesmo correndo o risco de
ser pego e até derrubado; destruir inúmeras vezes o monstro do game favorito; assistir muitas
e muitas vezes à parte do filme mais aterrorizante; pedir aos pais para que contem a mesma
de Freud de 1920, “Além do princípio de prazer”, o qual traz conceitos que são considerados
37
mas agora seria visto como a expressão da natureza conservadora do ser vivo. Seria um
reproduzir um estado anterior. Contudo, Freud admite que “[...] além dos instintos de
conservação que impelem à repetição, poderão existir outros que impulsionam no sentido do
A hipótese apresentada por Freud é de que toda a pulsão gostaria de reproduzir algo
anterior. O inanimado, a morte, é o anterior à vida. Para ele, as pulsões se empenhariam por
alcançar uma velha meta através de velhos e novos caminhos, lembrando que a meta de toda
vida é a morte.
segundo Freud, conservam a vida por intervalos de tempo maiores. A oposição entre as
pulsões pode ser descrita pela seguinte diferenciação: uma procura e alcança o mais rápido
possível a meta final da vida, e outra se lança para trás. Mesmo assim, esse caminho para trás,
em geral, não leva à plena satisfação, pois é obstruído pelas resistências, colaborando para a
A partir desse ponto de sua teorização, Freud propõe um novo dualismo pulsional:
pulsões de vida e pulsões de morte. Quando se fala em pulsões de vida, procura-se relacionar
às pulsões sexuais, por essas levarem a uma certa imortalidade, já que a fusão das células
sacrificariam individualmente para se fundirem e darem vida a uma nova célula. Portanto,
também há morte nas pulsões sexuais. Da mesma forma, o autor conclui que nas pulsões do
egóicas. Nessa perspectiva, é possível entender a repetição de certas atividades por parte das
crianças.
texto “O ego e o id”, de 1923, Freud afirma que essas duas classes de pulsões se encontram
entrelaçadas. Cita o exemplo do ódio que, em muitas vezes, é o precursor nos vínculos entre
onde estaria atuando uma ou outra pulsão, cogita-se a idéia de que não haveria pulsões, mas
uma pulsão. Essa pulsão que é constante, que está intimamente ligada à constituição do eu,
move o sujeito das mais variadas formas, dependendo das especificidades de sua estruturação.
classes de pulsões como: pulsões sexuais (Eros) e as pulsões de agressão. Afirma que a
bondade, vista como parte da natureza humana, é mais uma ilusão de que os homens se
utilizam para embelezarem e trazerem alívio para suas vidas, porém, lhes resulta em mais
danos, pois não passa de um engano. Não parece, portanto, que fica claro que a bondade
estaria para as pulsões sexuais, referente a Eros, assim como a maldade ou a destruição
liberdade e da felicidade por uma parcela de segurança, ou seja, a cultura passa a regular as
cultural, a sublimação das pulsões passa a predominar como se fosse o destino imposto pela
civilização.
considerar efetivo o poder da comunidade. Mas existem algumas tendências humanas que
parecem colocar em risco a paz e a suposta tranqüilidade do convívio social. Para Freud, há
uma considerável quota de agressividade na carga pulsional do ser humano, impedindo que
seja vista como um ser manso e amável, ameaçando, dessa forma, a unidade da vida em
grupo. “Em tudo o que se segue, adoto, portanto o ponto de vista de que a inclinação para a
à minha opinião de que ela é o maior impedimento à civilização” (FREUD, 1980, p. 144).
Dessa forma, faz pensar que não há uma pulsão que seja responsável pela inclinação
A cultura passa a consistir num esforço grandioso para que essas inclinações
agressivas não predominem nos vínculos, nos relacionamentos. É como se houvesse uma
recebessem alguma limitação. Dessa forma, há uma mobilização da cultura com o objetivo de
Freud destaca que, para os comunistas, a propriedade privada seria a responsável por
corromper a natureza boa dos homens. Mas, para ele, é preciso considerar a hipótese de que
desde os primórdios já existia agressão, havendo outras motivações para as discórdias, pois
esforços para que as pulsões agressivas não sejam dirigidas aos seus iguais, como uma
tentativa de manter a harmonia. Dessa forma, surgem as agressões direcionadas ao que está
fora do grupo, ao que é diferente, pois as pulsões agressivas não se diluem, elas procuram
outros alvos.
estão isoladas entre si. Destruição e erotismo andam juntos, pois enquanto uma pulsão quer
reunir, a outra reconduz a um estado inorgânico inicial, sem vida, de aniquilamento, já que um
destrói o outro na união. A cultura está a serviço de Eros. Ligadas libidinosamente entre si, a
havia endereçado para o outro, o supereu dirige contra o eu. A consciência moral,
Conseqüentemente, a consciência moral passa a fazer cada vez mais renúncias. Ainda antes de
agressões dirigidas aos outros, logicamente, deveria gerar nos indivíduos uma sensação de
41
consciência tranqüila, uma vigilância mais amena em relação ao eu. Porém, o que ocorre é o
contrário.
Freud alerta para que não se considere a severidade do supereu infantil o retrato da
educação que recebeu, pois pode ter recebido uma educação branda na infância e ter se
formado um supereu severo. Porém, afirma que severidade da educação exerce influência
satisfação no mundo exterior, por chocar-se com impedimentos reais, então é dirigido para si.
supereu a cada parcela de agressão que o sujeito renuncia em função da vida em sociedade.
instintiva (imposta a nós de fora) cria a consciência, a qual, então, exige mais renúncias
instintivas” (FREUD, 1980, p.152). De forma irônica, Freud faz o seguinte comentário a
respeito dessa questão, em seu texto “Novas Conferências introdutórias sobre psicanálise”
[1933 (1932)].
42
outros e não se destruir por essa renúncia? Para Freud, é graças à subordinação cultural que a
necessária essa subordinação. São regras, normas, combinações, uma rotina a ser cumprida.
humano, quando ele necessita estabelecer relações sociais com outras pessoas, fora do
ambiente familiar. Esse novo mundo é apresentado para a criança, geralmente, através do seu
ingresso na educação infantil. Podemos dizer que aí começam a se impor, de forma mais
educação infantil.
2 A EDUCAÇÃO INFANTIL E SUAS ESPECIFICIDADES
identificar o modo como esse segmento do ensino foi se constituindo, bem como a maneira
finalidades e referenciais. Consideramos pertinente este breve estudo por ser nesse âmbito que
como se configura a educação infantil pode trazer elementos importantes para a identificação
polidez, bons modos, cortesia. A significação mais abrangente desse termo é “Ação ou efeito
de educar(-se)” (LUFT, 1987, p. 198). Segundo Lajonquière, a palavra educar “[...] vem do
latim educare que significa criar, alimentar, ter cuidados com, adestrar animais, formar e
Esse imperativo que deve ser desenvolvido nas escolas traz resquícios das
ou seja, de desenvolver uma maneira de ser, de existir dentro de uma determinada sociedade,
pertence.
44
espaço privilegiado para a socialização do pequeno ser humano que inicia mais uma etapa de
protegido e, provavelmente, com um lugar já constituído a partir do olhar dos pais, na escola,
a criança vai se deparar com outras iguais a ela, necessitando, cada vez mais, o seu
Freud se refere em seu texto “Mal-estar na civilização” (1930 [1929]), evidencia-se com
muita nitidez. Diante de tais observações, torna-se importante uma abordagem das
nascimento do conceito que se tem hoje de infância a partir de Philippe Áries. Com essa
abordagem temos como objetivo mostrar como essa noção se constitui concomitantemente
com a idéia de escola entendida, a partir de então, como o lugar destinado à infância. Em
seguida, fazemos menção à obra de Rousseau e sua influência sobre as concepções que se têm
de zero a seis anos, ou seja, dos jardins-de-infância, como eram denominadas as escolas de
educação infantil. Nesse percurso, faz-se necessária uma visão a respeito da educação infantil
dentro da realidade brasileira. Para alcançar esse objetivo, recorremos às leis que regem esse
CIDADÃO
cada época. O entendimento da visão de escola como lugar do infantil, bem como da
Idade Média não existia o sentimento de infância tal qual se conhece hoje, pois esse somente
Esse sentimento de infância inexistente, ressaltado por Ariès, não significa que, nos
trabalho, às diversões, ao vestuário, à vida sexual, não se considerava que a criança tivesse
peculiaridades ou que necessitasse cuidados e atenção diferenciada. Quando era bebê, “não
Média, onde as crianças são representadas como adultos, diferenciando-se apenas pelo
particularidade infantil, ou seja, aquela que distingue a criança do adulto e faz com que a
citada por Gagnebin (1997), na Idade Média a criança era considerada um símbolo do pecado
original, sendo que a infância seria o território do erro e das paixões. A educação, portanto,
deveria ser rigorosa para que os indivíduos se afastassem ao máximo dessa posição.
Observa-se uma diferença extrema entre a maneira como a criança era vista na Idade
sociedade.
8
Expressão usada por Molière, citado por Ariès (1981), p.99.
9
É a família que se forma a partir do casamento, compondo-se do casal de cônjuges e os filhos provenientes
dessa união.
10
De acordo com Dumont (1993, p. 37), o individualismo está presente em um tipo de sociedade em que o
indivíduo é o valor supremo, distinguindo-se das sociedades holistas em que o valor central está no grupo social
como um todo. Esta nova configuração social é constituída a partir de várias mudanças no âmbito religioso,
47
Ocidente, que traz como ideais a felicidade e a emancipação – valores marcantes dessa época,
principalmente no século XVIII. Cuidar e valorizar a criança seria uma forma de exaltar o
indivíduo, de preparar o cidadão do futuro, o qual devia se afastar ao máximo das possíveis
paparicação11 da criança, a qual é considerada ingênua, inocente e graciosa. Esse ser passa a
passa a ser amada de forma incondicional. “Um novo sentimento da infância havia surgido,
em que a criança, por sua ingenuidade, gentileza e graça, se tornara uma fonte de distração e
Os moralistas e educadores do século XVII, descontentes com essa forma dos adultos
necessitando ser corrigida, através de uma educação, de uma moralização, que somente
poderia ser exercida pelos adultos, seres calcados na razão. De acordo com Balthazar Gratien,
a partir de seu tratado sobre educação, de 1646, citado por Ariès (1981, p. 104), todo o
homem teria sentimentos, dentro de si, de uma certa insipidez da infância, que repugnaria a
razão. Essa relevância à razão, difundida pelo meio eclesiástico e pelos homens da lei,
necessidade de ter uma escola para as crianças serem moralizadas e disciplinadas, vão se
cultural, abrangendo a ciência, a filosofia, a arte e a política, começando a se desenvolver a partir do século XV e
tendo seu auge a partir do século XVIII.
11
Cf Ariès (1981, p. 100).
48
formando vários campos do conhecimento, assim como técnicas específicas para suprir os
alguns dos saberes especializados em organizar o arcabouço necessário para formar um bom
constato que as manifestações agressivas, por exemplo, não condizem com esse ser
equilibrado, controlado. Identificamos aí uma falha nesse arcabouço, nessas ciências aplicadas
Este ser que era visto como incompleto, ingênuo, puro, moldado, dependendo das
exigências e ajustado de acordo com os ideais de seu tempo, deveria ser resguardado das
coisas que poderiam lhe contaminar, tanto física como moralmente. Por isso foi levado à
escola, a uma educação sistematizada, afastado do convívio com adultos, onde era possível
preservá-lo das influências provenientes da sociedade. Como a infância era considerada pura,
o social poderia corromper ao proporcionar contato das crianças com os elementos do mundo
adulto.
A infância deixa de ocupar seu lugar como resíduo da vida comunitária, como parte
de um grande corpo coletivo (Gélis, 1986). Agora a criança começa a ser percebida
como um ser inacabado, carente e portanto individualizado, produto de um recorte
que reconhece nela necessidade de resguardo e proteção.
A modernidade portanto produz um primeiro movimento de recorte, de segregação
para restituir a infância à sociedade, mas agora com um novo status: segregação e
restituição inseparáveis no tempo, complementares de um mesmo fenômeno. Agora
a infância é individualizada a partir de um processo lento de demarcação e
reinserção de um outro modo na sociedade (NARODOWSKI, 2001, p. 27-28).
escolas onde, nos séculos XVIII e XIX, as crianças viviam enclausuradas em internatos, com
um regime rígido, sob rigorosa disciplina, privando a infância de toda a liberdade. “Passou-se
a admitir que a criança não estava madura para a vida, e que era preciso submetê-la a um
regime especial, a uma espécie de quarentena antes de deixá-la unir-se aos adultos” (ARIÈS,
1981, p. 194). Privadas de contato com o social, com familiares e outros adultos, imaginava-
49
De acordo com Varela (2002), a obrigatoriedade da escola foi ficando cada vez mais
pública, principalmente, passava a ser responsável por civilizar e disciplinar as crianças das
educação seria a via possível para tirar o sujeito de seu estado de selvageria e civilizá-lo,
socializá-lo. A escola de educação infantil parecia ser uma espécie de medida condizente com
essa forma de pensamento, ou seja, imbuída de tirar a criança de seu estado de brutalidade e
barbárie.
rotina e um modo de portar-se que vai estabelecendo características de um novo ser: o aluno.
Este passa a ser submetido a um poder conferido pelos adultos: os professores que ocupam o
lugar daqueles que sabem, que possuem o poder de orientar, de conduzir esse ser em
desenvolvimento.
O teólogo Comenius, em sua obra “Didática Magna”, publicada em 1657, retrata uma
nova concepção de escola que ia ao encontro dos interesses da época. Elabora um sistema
educacional dividido por faixas etárias, com conteúdos programáticos, a fim de que cada
cada etapa. Para ele, o acesso ao conhecimento seria uma forma de erradicar os males,
que a todos os que nasceram homens a educação é necessária, para que sejam homens e não
50
animais ferozes, não animais brutos, não paus inúteis” (COMENIUS, 2002, p. 76). A
destinada a mais tenra idade, são abordadas em várias passagens de sua obra.
De tudo o que foi dito, fica evidente que a condição do homem é semelhante à da
árvore. De fato, assim como uma árvore frutífera (macieira, pereira, figueira,
videira) pode crescer sozinha e por virtude própria, mas uma árvore silvestre só dá
frutos silvestres, ao passo que para produzir frutos doces e maduros é preciso que
um agricultor experiente a plante, irrigue e pode, também o homem, por si só, cresce
com feições humanas (assim como o bruto com as suas), mas não poderá tornar-se
animal racional, sábio, honesto e piedoso se antes não forem nele enxertados os
brotos da sabedoria, da honestidade, da piedade. Agora mostraremos que o enxerto
deve ser feito enquanto a planta é jovem (COMENIUS, 2002, p. 77).
podemos dizer que a escola, a partir de seu sistema de ensino, contribui para a formação de
um jeito de ser criança, de uma forma de crescer, pois constrói saberes sobre a infância,
marcando uma relação baseada na heteronomia entre criança e adulto, ou seja, de dependência
consiste num exemplo sobre o processo de educação e infantilização que teria como objetivo
salvaguardar a pureza da criança em função dos riscos provenientes do meio social, bem
como de sua frágil condição. Para Rousseau, a boa educação seria aquela que respeitasse a
51
condição natural da infância, considerando a educação uma “arte de formar homens”12 Para
Uma educação adequada seria aquela que respeitasse o ritmo natural, porém acompanhada de
Na primeira parte de sua obra, o autor aborda prescrições a respeito de uma boa
saudável, principalmente no que se refere aos cuidados desde o nascimento. Há uma gama de
orientações específicas de como uma criança pequena deve ser cuidada que, talvez até hoje,
apresentado por alguns educadores sobre as más influências do meio sobre a criança. Para
Rousseau, evitar o acesso a quaisquer influências seria uma forma de preservar sua natureza
boa e pura. O autor afirma que era mais indicado educar a criança longe das multidões, da
Que saiba que o homem é naturalmente bom e julgue o próximo por si mesmo; mas
que veja como a sociedade deprava e perverte os homens; que encontramos nos
preconceitos deles a fonte de todos os seus vícios; que seja levado a estimar cada
indivíduo mas que despreze a multidão... (ROUSSEAU, 1968, p. 267).
A idéia era resguardar a criança até mesmo da família, pois esta poderia corromper,
contaminar a natureza boa do ser infantil. A família é apontada como uma das grandes
etária de zero a seis anos, a qual é dirigida a educação infantil, está dentro do mais perigoso
12
Cf. Rousseau (1968, p. 6)
52
período da vida de um ser humano, que se estenderia do nascimento até os doze anos. Essa
observação revela o quanto Rousseau acreditava que esse momento da vida seria determinante
para o futuro das crianças. Essa primeira educação não deveria se responsabilizar em ensinar
virtudes e verdades, mas em preservar o coração do vício e o espírito do erro. A criança seria
criança era carente de razão, ela precisaria de cuidados e proteção para conseguir chegar à
vida adulta, à época da razão. Visto como amoral, o infante não teria razão desenvolvida e
nem consciência sobre suas ações, não sendo possível avaliar se sua atitude era certa ou
errada, marcando uma relação baseada na heteronomia entre criança e adulto, ou seja, de
essa a ordem natural” (ROUSSEAU, 1968, p. 76). Portanto, para o autor não surtiriam efeito
discursos, sermões, pois seriam as conseqüências naturais das ações, as experiências, o que
selvagens”, isto é, selvagens passíveis de receber uma educação adequada para conviver na
sociedade. Esse caráter de selvagem é traduzido pela seguinte descrição: “Uma criança quer
desmantelar tudo o que vê: parte, quebra tudo o que pode alcançar, pega um passarinho como
pegaria uma pedra e o estrangula sem saber o que está fazendo” (ROUSSEAU, 1968, p.48).
Como a razão não teria sido desenvolvida, a criança não seria responsabilizada pelos seus
atos. Ele ainda complementa dizendo “Não é por maldade que ela parece ter mais tendência
para destruir, é porque a ação que forma é sempre lenta e a que destrói, sendo mais rápida,
Uma das grandes funções da educação seria o fato de que as crianças deveriam
aprender a subordinar seus desejos a sua força, ou seja, não deixar que os desejos passassem a
53
dominar. Para Rousseau, não existiria uma “[...] perversidade original no coração humano
[...]” (ROUSSEAU, 1968, p.78). Seria necessário receberem orientações adequadas para que
sua pureza não fosse corrompida e para que pudessem conviver em sociedade. Podemos
constatar que, mesmo considerando essa natureza boa, Rousseau reconhece a existência de
diferentes temperamentos.
Há temperamentos dóceis e tranqüilos que podemos levar longe sem perigo para sua
inocência primeira; mas há os também violentos cuja ferocidade se desenvolve cedo
e que precisamos apressar-nos em deles fazer homens, para não sermos obrigados a
acorrenta-los (ROUSSEAU, 1968, p. 84).
O autor alerta para uma correlação direta entre os comportamentos infantis e adultos,
pois, na sua visão, a criança que não desenvolvesse bons hábitos e princípios, a partir da
orientação dos adultos, desencadearia em atitudes inadequadas na vida futura. “[...] quem quer
bater, sendo jovem, desejará matar quando grande” (ROUSSEAU, 1968, p.85).
Durante toda a sua obra, vai se revelando uma idéia de criança associada a de um ser
em desenvolvimento, portanto não acabado. Um dos aspectos que necessita desenvolver, para
infância, sendo caracterizado pelo controle, pela razão, pela civilidade, distanciando-se do
A escola, segundo o autor, seria a instituição que resgataria o selvagem de seu estado
puro. Talvez o grande mal-estar da escola, diante das manifestações agressivas, seja o fato de
elas denunciarem um certo fracasso do processo educativo. No “Emílio” está explícito que “A
única lição de moral que convém à infância, e o mais importante em qualquer idade, é o de
não fazer mal a ninguém” (ROUSSEAU, 1968, p.99). Os comportamentos não passíveis de
controle e que se configuram como anti-sociais, por quebrarem com as regras da boa
convivência, remetem a uma educação que não cumpriu o seu papel de disciplinamento e
moralização. Indica que o “bom selvagem” não foi protegido suficientemente, pois sua
54
natureza pura foi corrompida. Dessa forma, o juízo, a razão, a sensatez, o controle,
responsáveis pela sua educação, propiciar condições para que a criança saísse de um estado de
Portanto, a escola seria fundamental para o desenvolvimento da criança, para que deixasse o
por longo tempo, o pensamento ligado à educação. Questionando sobre o lugar do adulto
INFÂNCIA
Sabemos que a educação infantil atual é diferente daquela praticada no início de sua
história. Compreendermos o caminho percorrido até aqui pode ser revelador, pois acreditamos
que é nessa trajetória que foi se construindo a escola de educação infantil que se tem hoje. As
instituições destinadas aos cuidados da criança de zero a seis anos surgem acompanhando o
A primeira creche foi fundada por Eugène Marbeau, na França, em 1844. A idéia de
profilaxia social é um fator que muito contribuiu para a criação de instituições dessa natureza,
pois se imaginava que seria uma maneira de inculcar princípios, hábitos e valores na
um novo jeito de ser, visto que poderiam influenciar seus familiares, desde irmãos até as
mães. O ingresso da mulher no mercado de trabalho também é outro fator determinante para a
(Kindergarten), inaugurado por Friedrich Froebel (1782-1852). Mais tarde, nas favelas
italianas, Maria Montessori (1870-1951) também se destaca por seu trabalho destinado a essa
faixa etária.
a três anos) e as salas de asilo ou escolas maternais e os jardins-de- infância (para as crianças
13
Kuhlmann Jr. é um pesquisador brasileiro que se destaca pelo estudo da história da educação infantil.
14
As exposições que ocorriam nas cidades de destaque internacional tinham como objetivo apresentar os
produtos e atributos da modernidade, tanto econômicos, como sociais e tecnológicos. Representavam o otimismo
que havia em torno do inovador e, principalmente, da cientificidade. As exposições ocorreram entre 1851 a
1922.
56
na qual a educação destinada às crianças pequenas compunha uma série de medidas para
lugar destinado ao cultivo de flores e de belas plantas, servindo para embelezar, pois transmite
graça, harmonia e organização. Contudo, requer muito trabalho: plantar, adubar, regar,
podar... e, assim, as plantas devem crescer e dar alegria a todos. Jardim-de-infância seria
desenvolverá, a qual precisa de um adulto para que isso aconteça, ou seja, precisa das
“jardineiras”, como eram chamadas, até pouco tempo atrás, as profissionais que trabalhavam
progresso científico, por ser visto como uma educação calcada na racionalidade. A educação
infantil nasce num momento histórico em que a ênfase está na racionalidade científica. O
ideal iluminista de colocar em destaque o que provém da razão estava em todos os âmbitos,
sujeito dessa educação. Dentro desse paradigma, as pretensões de Froebel eram que seu
Havia uma preocupação bem acentuada com horários, planejamentos, sendo destinada uma
grande importância à ordem, a uma ritualização das atividades e uma grande ênfase à
formação moral dos sujeitos envolvidos. O sistema froebeliano foi usado amplamente em
pessoas nascem como pecadoras e, para Froebel, a infância é inerentemente boa. Mesmo
assim, havia uma apropriação da religiosidade froebeliana presente nas atividades que tinham
como objetivo a educação moral das crianças. A preocupação com a formação dos bons
hábitos, do cultivo da docilidade, remete à idéia de bom selvagem de Rousseau, como se fosse
Froebel [...]” (KUHLMANN JR., 1998, p. 160) com o objetivo de formar homens completos.
contribuiria para o crescimento do ser infantil. Nesse sentido, Froebel, assim como Rousseau,
adulto.
Uma prova histórica de que o Brasil também foi influenciado por esse modo de
conceber a educação infantil é a opinião de Rui Barbosa, citado por Kuhlmann Jr. (1998)
58
sobre essas instituições. Ele afirma que os jardins poderiam ser considerados espaços
obediência e a polidez. Talvez, por esses pressupostos, a questão da agressividade gera tantas
preocupações por parte dos professores de educação infantil, pois, aparentemente, está em
Brasil, esse movimento ocorreu na década de 1970. Essas instituições se configuravam como:
As classes populares eram as mais visadas a partir desse trabalho, pois como
sociedade melhor, mais saudável e educada conforme os ideais da época, marcados pela
com a alimentação, higiene e saúde, as creches seriam uma forma de estimulação cognitiva, a
15
A abordagem da privação cultural e de uma educação compensatória entende que a carência cultural seria
fruto de um ambiente fraco em estimulação, o que levaria a um atraso intelectual. A linguagem seria outro fator
importante, pois as crianças trariam um déficit verbal e, portanto, um déficit no pensamento lógico. O que
determinaria o fracasso escolar seria um fatalismo sociológico. Contudo há críticas em relação a esta abordagem,
pois além de possuir um significado político, passa a legitimar um comportamento padrão e outro inferior,
podendo levar ao racismo. Somente um modelo de criança, de linguagem ou de saber são válidos e aceitos. Mais
informações a respeito ver em Kramer, 1995.
59
teve incidências nessa trajetória pelo cuidado com a proteção da criança, já que o início do
espécie. A religião, por sua vez, através de um caráter assistencialista, garante um lugar de
destaque, pois era de grande interesse a sua participação no cuidado dos futuros cidadãos.
Dessa forma, poderiam trabalhar aspectos morais e religiosos com as crianças, pois a religião,
moderna.
CONTEMPORANEIDADE
educação infantil, percebemos que vem imbuída das influências acima citadas e,
necessidade cada vez maior de instituições que atendessem crianças na faixa etária destinada à
educação infantil (zero a seis anos), surgiram leis que foram suprindo essa demanda: a
e Bases de 1996. A expressão “educação infantil”, em nosso país, foi legitimada a partir
dessas leis. Essa legislação veio corroborar a idéia de que o sujeito da educação infantil passa
jardim-de-infância era considerado uma instituição mais voltada à educação, ao passo que as
educação infantil passou a ser definida como aquela que está “entre o cuidar e o educar”17.
infantil. Nesse sentido, foi elaborado o Referencial Curricular Nacional para a Educação
Infantil (RCN) em 1998, um documento emitido pelo Ministério da Educação e Cultura, que
pretende padronizar e qualificar esse segmento do ensino. Muitas críticas foram emitidas a
respeito desse documento, pois não foram atendidas as solicitações por parte de educadores de
todo o Brasil, nem maiores debates e reflexões sobre esse documento antes de acontecer o seu
lançamento18.
Para situar o que é prioridade na educação infantil hoje, no Brasil, de acordo com sua
Infantil (MEC, 1998). Esse documento é composto por três volumes. O primeiro destina-se a
uma introdução, trazendo conceitos básicos sobre educação infantil, como princípios,
instituição. O volume dois dedica-se à “Formação pessoal e social”, sendo composto por
indicação de conteúdos e atividades que contemplam esse tema. O volume três chama-se
16
Por mais que as creches, os jardins-de-infância, escolas maternais fossem consideradas assistencialistas,
Kuhlmann Jr. defende a interpretação de que elas têm seu caráter de instituições educacionais, pois sempre
visavam a formação de um tipo de sujeito.
17
Expressão utilizada por Bujes, no texto “Escola infantil: pra que te quero?”, 2001.
18
Sobre isso ver Cerisara, 2002.
61
diferenças e às particularidades, há uma certa padronização que se espera daqueles que fazem
parte da educação infantil, tanto de crianças, como de professores. Segundo Cerisara (2002),
aprisionar o gesto, a fala, a emoção, o pensamento, a voz e o corpo das crianças” (p. 340).
conteúdos, pensamos que o padrão do ensino fundamental seja o vetor a ser seguido,
implicando uma cristalização de práticas logo no início da vida escolar do sujeito infantil.
Infantil na prática pedagógica, recorremos aos estudos de Bujes (2002), em sua obra “Infância
e Maquinarias”. Essa autora, que tem como referencial Michel Foucault, desenvolve sua
hipótese sobre as relações entre infância e poder a partir da constituição do sujeito infantil
como um fenômeno da ordem da cultura. Os estudos de Bujes permitem avançar nas questões
62
referentes ao modo como os alunos da educação infantil são tomados pelo discurso
pedagógico para que, mais tarde, seja possível compreender as concepções de agressividade
para uma boa atuação em sociedade. O Referencial Curricular Nacional apresenta-se como
discurso pedagógico que produz um padrão de criança, a partir da definição de currículos e/ou
desenvolvimentista que estipula as formas e possibilidades com base nas quais o curso da vida
Além disso, esse modo de conceber o desenvolvimento infantil não parece levar em
conta as articulações que constituem o sujeito, ou seja, seus aspectos estruturais. Para Coriat e
instrumentais. Os primeiros seriam compostos pelo sistema nervoso central, pelo sujeito
19
Há várias teorias do desenvolvimento humano que, apesar de considerarem tais aspectos indissociáveis, dão
ênfases diferenciadas a cada um deles. Neste contexto, destaca-se a teoria de Jean Piaget (1896-1980), que
enfatiza o desenvolvimento intelectual, tendo grande inserção no campo da educação.
63
psíquico e sujeito cognitivo. Segundo os autores, esses sistemas definem e situam o lugar e o
modo pelo qual o sujeito se manifesta. No início da vida da criança, principalmente, não é
possível distinguir o que diz respeito a cada sistema separadamente, pois há uma imbricação
sujeito se vale para realizar suas inter-relações. A ausência de uma dessas ferramentas não
impede a estruturação da criança, mas pode lhe trazer dificuldades. Desse prisma, podemos
constatar que, à medida que uma criança apresente algum déficit no seu desenvolvimento, é
preciso considerar uma série de aspectos, pois não se trata apenas do sujeito cognitivo ou
biológico, por exemplo, e sim de um sujeito estruturado por vários aspectos interligados.
produzindo novas práticas pedagógicas e novas formas de conceber o sujeito infantil, sem
levar muito em conta outros aspectos, a não ser o cognitivo. Segundo Jobim e Souza “[...] os
[...]” (JOBIM e SOUZA, 1997, p.41), pois a rede de linguagem em que o sujeito está inserido
contribuirá para sua estruturação. Dessa forma, passa-se a ser dada uma ênfase àqueles
Atingir tal formação, tal desenvolvimento pressupõe uma certa disciplina, que se dá
através de uma ordem, calcada em coerções sutis, a partir do controle do tempo, dos gestos,
dos espaços: hora de lanchar, hora de orar, hora do soninho, esperar para falar, sentar-se em
seu lugar, guardar seu material, fazer fila etc. Cada criança é incentivada a autovigiar,
64
autocontrolar, construindo uma forma de relação consigo mesmo que visa a alcançar um certo
Por tal razão, apontei como o RCN, com suas prescrições, constitui-se num conjunto
de estratégias de sutil coação cuja finalidade é a internalização das disciplinas, por
parte dos indivíduos infantis. Como, pela utilização contínua e progressiva de tais
coações que se dirigem ao corpo das crianças apoiadas no ‘saber pedagógico’ e
impostas a partir de fora, o documento prescreve, no limite, a internalização da
disciplina. Para Elias, o disciplinamento funcionou (e ainda funciona) como
instrumento por excelência de disseminação do código civilizado (VEIGA-NETO,
1996a)20. ‘O indivíduo disciplinado é aquele que não só tem a sua liberdade mais
limitada, como, ainda e principalmente, é aquele que passa a dar respostas mais
homogêneas, mais padronizadas e mais automáticas (idem, p.220). Que outro
objetivo, que não este, anima as práticas educativas nas instituições destinadas às
crianças pequenas? (BUJES, 2002, p. 145).
Curricular Nacional, é um eu com uma entidade singular e distinta, com capacidades que lhe
sujeito consciente, controlado e auto-reflexivo, pois tem interiorizada a disciplina, o que lhe
permite fazer parte desse código civilizado, afastando-o da selvageria. A autora ainda afirma
que este documento (RCN) apresenta um universo ficcional, onde não há conflitos, pois todos
atuação na sociedade.
Contudo, por mais que o Referencial Curricular Nacional procure essa padronização,
não parece existir apenas um tipo de criança, descrito pela psicologia do desenvolvimento.
impossível sustentar uma educação que preconiza um único jeito de ser criança, não levando
20
A referência do texto citado por Bujes é VEIGA-NETO, Alfredo. A ordem das disciplinas. Tese de Doutorado
em Educação. Porto Alegre: PPGDU/UFRGS, 1996a.
65
Nacional, como se este aspecto fosse algo inexistente no que se propõe ou se espera como
ideal do sujeito infantil. Por um lado, é interessante que não existam referências sobre este
tema, pois, dessa forma, não há prescrições e normatizações a respeito. Por outro lado,
pensamos que essa constatação é mais uma demonstração da necessidade de discussões acerca
como algo que entra em choque com os ideais da educação infantil. Ao entrar em confronto
com uma certa linearidade esperada no processo educativo, a agressividade faz emergir
maneira agressiva, como se manifestações que tivessem tais conotações não fossem
consideradas naturais ao comportamento padrão do ser infantil. Talvez por esse motivo, gere
tantas inquietações.
o modo como a criança se apresenta na atualidade também causa impactos nos educadores,
bem como em pais e na sociedade como um todo. As professoras22 afirmam que seus alunos
não mais são como os de anos atrás. Há um acesso livre à informação, uma liberdade que
possuem em relação aos seus pais, dando a impressão de que tudo lhes é permitido.
Coisas de adulto e coisas de crianças já não estão mais tão separadas assim. A escola
de educação infantil é destinada à infância. Então, como lidar com essas surpreendentes
21
As falas das professoras são abordadas no próximo capítulo.
22
Quando falamos de professoras, nesse momento, queremos nos reportar às falas de um modo geral, ou seja,
não se referem especificamente aos encontros de grupos focais.
66
demonstrações de que as crianças parecem não mais ser as mesmas? Crianças que questionam
adultos e, ao mesmo tempo, adultos inferiorizados pelos seres infantis. Quando se trata do
domínio de tecnologias, por exemplo, não é raro que os filhos saibam mais que seus pais. Os
supostos seres completos definidos, tradicionalmente, como aqueles que vão conduzir a
educação do novo ser humano, parecem um tanto destituídos e surpresos com essa nova
realidade.
mostrando-se em sua artificialidade, ou seja, em sua heterogeneidade. Supomos que essa idéia
nos ideais da educação infantil, está em crise. Acreditamos que esse eu seja múltiplo, poroso,
cindido, em constante construção e inter-relação com aqueles que o rodeiam – este é o eu pós-
moderno. Talvez, por essas características, este eu que não é natural e, tampouco original,
passa a ser descrito por alguns teóricos como “ciborgues ou monstros”13. Não é por acaso que
vinculados pela mídia. O ogro Shrek, Pokemón e Digimón, as cartas assustadoras dos Yu-Gi-
Ohs, o Zeta, o Robocop e tantos outros... Monstros e robôs com poderes sobrenaturais e, por
vezes, com características humanas, podem transformar-se facilmente em outro ser mais
A idéia de que a criança é um ser ingênuo, puro e natural cai por terra. Ela é um ser
subjetivado, inventado neste meio social que se apresenta em uma heterogeneidade que
invade tanto seu corpo, sua representação corporal, como seu psíquico. Isso que é indefinido,
que não é homogêneo e puro, passa a ser algo que vem questionar a racionalidade e, por isso,
23
No sentido em que é usado pela teoria cultural contemporânea, a respeito da artificialidade da subjetividade
humana, do cruzamento de fronteiras entre o humano e o não-humano, entre cultura e natureza. O termo
“ciborgue”, em especial, é largamente utilizado por Donna Haraway e Hari Kunzuru, em sua obra “Antropologia
do ciborgue – As vertigens do pós-moderno” (2000). A expressão “monstros” provém da obra “Pedagogia dos
Monstros” (2000) de Iam Hunter, James Donald, Jeffrey Cohen e José Gil.
67
assusta pais, professores, o social... Assustamo-nos com o que está sendo inventado –
monstros dos quais não temos o devido domínio, ciborgues que vieram sem manuais
explicativos. Manuais que precisam ser elaborados, mas que, pela velocidade das
crise em relação ao conceito de infância. A criança da atualidade não é mais aquela dos
velhos tempos.25 Aquela infância da modernidade parece que chegou ao fim. As crianças já
não são mais tão protegidas, principalmente no que se refere às informações. Novamente
participam do mundo adulto, usam roupas de adultos e até fazem atividades que antes eram
somente para adultos... O discurso que vinha da pedagogia moderna era de preparar a criança
para ser um adulto realizado. Agora, é como se, já na infância, pudessem vivenciar o universo
dos adultos.
Da mesma forma, a infância invade o mundo dos adultos, numa certa infantilização,
pois o vestuário, o lazer, as ocupações, os espaços são cada vez mais compartilhados, não
mais havendo uma definição exata do que é próprio do ser adulto e do que é próprio do ser
Adultos não mais reconhecem nessas “crianças adulteradas” a infância assim como foi
concebida até bem pouco tempo. Em contrapartida, as crianças não mais reconhecem no
adulto uma instância, a qual precisam respeitar, espelhar-se, pois, muitas vezes, colocam-se
em igualdade. Surpreendidos com o ser infantil da atualidade, pais e professores afirmam ser
difícil lidar com as crianças, pois não sabem o que fazer frente a essa nova realidade.
O sujeito infantil sabe recriar e dar novos sentidos aos objetos, às palavras, às suas
experiências... As crianças não são presas a pré-conceitos teóricos, como os adultos que
24
Autores como Mariano Narodowsky, Contardo Calligaris, Sandra Mara Corazza.
25
Expressão usada no senso comum.
68
querem encaixar tudo em seus parâmetros. A linguagem do sujeito infantil, capturada através
do seu brincar, é sempre nova, ela está sempre ressignificando o que está ao seu redor, de
Constatamos, mais uma vez, que não há um único tipo de sujeito, pois cada criança,
sustentará, se tiver um único modelo de criança para encaixar às mais diversas realidades.
Aprender com a criança a arte de ressignificar, não concebê-la a partir de um único modelo,
pode ser uma forma de tecer uma outra educação infantil que possibilite o emergir das vozes
infantis.
A visão psicanalítica pode favorecer um outro olhar sobre o sujeito da infância, pois
supõe a existência de um sujeito barrado, não completo e, por isso, alienado ao outro devido
PSICANALÍTICAS
entre a psicanálise e a educação. O sonho de Freud (1908) era de que a psicanálise estivesse a
serviço da sociedade. A relação com a educação não foi diferente. Freud questiona, em várias
etapas de sua obra, sobre o caráter repressor da educação, o qual, segundo ele, estaria
deste trabalho, em suas primeiras teorizações, ele afirma que isso seria resultado do processo
civilizatório. Dessa forma, a profilaxia das neuroses deveria estar a cargo dos educadores.
69
Contudo, no decorrer de suas elaborações, Freud vai concebendo não mais a moral
como causadora das neuroses, pois revela que a sexualidade, por si só, é perturbadora.
Descobre que há uma fonte de desprazer, a qual confere vigor à moralidade. Esse desprazer é
ligado à ação recalcadora do eu, ou seja, ao processo utilizado para afastar ou manter no
inconsciente representações relacionadas a uma pulsão. A vida sob o inteiro domínio das
pulsões seria impossível. O recalque das pulsões passa a ser entendido como necessário para a
própria sobrevivência individual e grupal. Porém, há aquelas pulsões que não são recalcadas,
aprendizagem, pois se refere a uma energia sexual que é direcionada a atividades socialmente
valorizadas, como o trabalho, as artes, a aprendizagem. Para Freud, não haveria cultura se não
fosse a sublimação.
interesse pedagógico, Freud aborda o cuidado que se deveria ter em não restringir as fontes de
ação de maneira forçada e limitar-se a promover processos pelos quais as energias pudessem
psicanálise poderia trazer para a pedagogia. Para ele, se os professores tivessem mais
tão violentamente as pulsões, evitando levar a uma repressão. Segundo ele, caso as pulsões
potencial intelectual da criança, pois, à medida que vai teorizando sobre “sexualidade
infantil”, vai entendendo que as teorias sexuais infantis são um exercício investigativo, o qual
do sujeito, mas também pulsões de vida e pulsões de morte. As pulsões de morte estariam
um processo inconsciente.
morte, como afirma Millot (1995). Portanto, constata-se que haveria um limite para o controle
subjetividade de cada aluno e de cada professor, coloca uma certa impossibilidade para que a
1937, Freud afirma que, assim como analisar e governar, educar seria uma tarefa impossível,
Outro aspecto que conduz a uma reflexão sobre a impossibilidade da eficácia total do
ato educativo é a condição que Freud, em 1913, colocava como essencial para o educador:
Somente alguém que possa sondar as mentes das crianças será capaz de educá-las e
nós, pessoas adultas, não podemos entender as crianças porque não mais
entendemos a nossa própria infância. Nossa amnésia infantil prova que nos
tornamos estranhos à nossa infância (FREUD, 1980, p. 190).
Essa amnésia relativa a nossa infância torna mais difícil o acesso à infância dos
educandos. Por esse motivo, Freud acaba afirmando que o ideal seria que todos os professores
passassem por um processo de análise para que pudessem reconciliar-se com a sua infância e
Millot trabalha em sua obra com muita ênfase a respeito desse alerta freudiano de que
os educadores deveriam abster-se de seus desejos e seus ideais para não os projetar em seus
alunos: “[...] tanto o educador quanto o psicanalista devem submeter-se à regra da abstinência
que consiste em não desejar por, ou em lugar de, o educando ou paciente” (MILLOT, 1995, p.
53). Nesse sentido, o educador não deveria propor uma ação educativa baseando-se “[...] em
transferencial, ele precisa esvaziar-se de sentido para dar lugar a um outro que ele ao menos
conhece, pois o comportamento do aluno direcionado ao professor não está dirigido à pessoa
do professor, mas é endereçado ao lugar que ele ocupa. Sendo assim, mesmo que dependa do
desejo para manter-se neste lugar, requer uma renúncia a esse desejo para não fazer uso do
Contudo, sabemos que a indicação de que todos se analisassem torna-se inviável; não
passa de um sonho freudiano. Mesmo assim, é importante ressaltar que “O inconsciente dos
educadores pode ser considerado como mais determinante para o desenvolvimento da criança
perspectiva o papel do professor, pois, por melhor que seja o profissional, há um limite em
sua ação, que se refere à maneira pela qual este sujeito foi constituído e, conseqüentemente,
no início da vida que o ser humano consolida o modelo de seus vínculos em função dos
relacionamentos com os primeiros objetos de amor: seus pais ou aqueles que ocupam a função
materna e paterna.
A psicanálise nos mostrou que as atitudes emocionais dos indivíduos para com
outras pessoas que são de tão extrema importância para seu comportamento
posterior, já estão estabelecidas numa idade surpreendentemente precoce. A
natureza e a qualidade das relações da criança com as pessoas do seu próprio sexo e
do sexo oposto, já foi firmada nos primeiros seis anos de sua vida. Ela pode
posteriormente desenvolve-las e transforma-las em certas direções mas não pode
mais livrar-se delas. As pessoas a quem se acha assim ligada são os pais e irmãos e
irmãs. Todos que vem a conhecer mais tarde tornam-se figuras substitutas desses
primeiros objetos de seus sentimentos. (Deveríamos talvez acrescentar aos pais
algumas outras pessoas como babás, que dela cuidaram na infância.) Essas figuras
substitutas podem classificar-se, do ponto de vista da criança, segundo provenham
do que chamamos as ‘imagos’, do pai, da mãe, dos irmãos e das irmãs, e assim por
diante. Seus relacionamentos posteriores são assim obrigados a arcar com uma
espécie de herança emocional, defrontam-se com simpatias e antipatias para cuja
produção esses próprios relacionamentos pouco contribuíram. Todas as escolhas
posteriores de amizade e amor seguem a base das lembranças deixadas por esses
primeiros protótipos (FREUD, 1980, p. 248-249).
sentimentos ambíguos que se tem em relação aos pais. Para serem entendidos os diferentes
73
comportamentos dos alunos com seus mestres, seria necessário saber a respeito de sua
Não são eles, os professores, os únicos responsáveis pelo sucesso ou não do processo
vida em sociedade. Por mais que a psicanálise não se proponha a elaborar um método ou um
acaba recebendo a demanda de exercer uma função materna, a fim de substituir a mãe que se
separa, momentaneamente, de seu filho. Muitas vezes escutamos tais expressões, tanto por
colocando no lugar de mães de seus alunos, a função da escola estará fadada ao fracasso. Para
ser mãe, não é preciso faculdade, conhecimento teórico, técnico ou científico. Basta a
74
predisposição, muito investimento psíquico e desejo dirigido ao seu filho. Ser mãe de uma
turma de crianças, sem ao menos ter o tempo da gestação, sem aquele investimento pulsional
que necessitaria para o exercício da maternidade, não deve ser nada fácil. Segundo Freud, os
filhos vêm realizar os ideais dos seus pais, ficam em um lugar idealizado. Seria possível uma
Não estamos falando de uma ausência de ideal, pois para qualquer empreendimento
que nós humanos quisermos realizar, se não tivermos um ideal a nortear os objetivos a serem
fim de chegarmos a alguma forma de realização. Nossos ideais, mesmo que inconscientes,
dirigem nossa ações. Na educação não é diferente. É preciso um ideal a ser perseguido.
Portanto, para ser professor é necessário um desejo, o qual difere daquele da maternidade,
Acreditar que o aluno queira saber a respeito do que o professor sabe é colocar-se num lugar
de desejo. Já o aluno vai supor que o professor tem algo que ele deseja saber e que faz falta a
ele. Consiste em uma relação afetuosa diferente da estabelecida entre mãe e filho.
intimamente relacionada ao espaço privado. A saída para a escola, para o social, pode ser
entendida como uma das formas de se exercer a função paterna, pois estabelece um corte na
relação de completude entre mãe e filho, permitindo a saída da criança do lugar de objeto que
Quando a criança ingressa na educação infantil, de acordo com a sua faixa etária, ela
está em processo de constituição de seu eu e, portanto, definindo o que é eu e o que não faz
parte de seu eu, ou seja, os contornos de seu processo identificatório estão se organizando
agressividade, esse exercício de posicionar-se como uma entidade singular, como um sujeito
75
que não é o outro, apesar de necessitar desse outro. Necessita dessa relação, nem que seja para
compreender o porquê das manifestações agressivas serem tão comuns na educação infantil.
Contudo, ao escutar os educadores, observamos que esse entendimento não parece ser
algo que faça parte de suas concepções. Por isso, o terceiro capítulo deste estudo é dedicado à
Muitos questionamentos são formulados pelos profissionais dessa área, assim como surgem
feitas pelas professoras a respeito do termo agressividade são, na maioria das vezes, de forma
discussão sobre o referido tema dentro desse âmbito. Consideramos imprescindível situar a
maneira pela qual foram geradas e tomadas tais falas. Assim, este capítulo se inicia a partir da
considerações a respeito do tema, a partir dos suportes teóricos referenciados nos primeiros
METODOLOGIA
Toda pesquisa científica precisa ter uma clareza a respeito de seu tema, de seus
acadêmico. Entendendo a metodologia como a forma pela qual o pesquisador irá desenvolver
77
psicanálise pode ser definida como uma experiência que provém da palavra. Desde o início
das teorizações freudianas, a partir dos estudos relacionados à histeria, a verbalização teve um
lugar de destaque. Freud constatou que as suas pacientes histéricas precisavam colocar em
palavras o que as afligia para que as conversões, as somatizações fossem dissipadas. A fala de
cada sujeito é única, pois o lugar do qual o sujeito se enuncia tem relação com a sua verdade,
com o seu posicionamento frente aos outros, dentro de uma rede de linguagem. Nessa
linguagem, pois ele é representado por um significante frente a outros significantes, o que o
determina. Em vista desse posicionamento, para identificar o que perpassa o discurso escolar
Para viabilizar tais espaços de fala, o projeto foi apresentado na Secretaria Municipal
rede pública municipal ocorreu porque o maior contingente de profissionais, nessa área do
ensino, no município de Panambi/RS, está sob esse domínio. Fazem parte dessa rede, nove
escolas de educação infantil e dez escolas de educação fundamental que comportam classes de
educação infantil. Sobre a receptividade da proposta, podemos dizer que foi extremamente
ser bastante atual e por ser motivo de várias inquietações e de um certo mal-estar entre os
ponto de partida para a constituição do tema. Para que esses espaços de fala se viabilizassem,
optamos pelo trabalho em grupo, onde os sujeitos poderiam confrontar idéias, estabelecer
secretária de educação do município, bem como pelas coordenadoras. Por sugestão das
municipal, apresentamos a proposta e realizamos o convite para discutir o tema. O grupo era
composto por quarenta e uma professoras e coordenadoras. Aquelas que aceitaram o convite
que poderiam inclusive usar o seu horário de sala de aula, o que demonstrou o quanto a
representante, mas deixou a critério de escolha e decisão de cada uma das profissionais quem
O grupo focal foi a modalidade de trabalho escolhida para escutar os professores. Esse
recurso de pesquisa consiste em encontros destinados ao debate sobre o tema, sendo que a
coleta de dados ocorre a partir do confronto das idéias dos seus participantes. O pesquisador,
Foram compostos dois grupos, um com cinco participantes e outro com onze. Como
encontros com cada grupo. Cada participante usava um crachá com sua inicial ou um
codinome a seu critério, para que não fosse identificada. As participantes foram orientadas a
79
não usarem nomes de crianças, colegas e escolas a fim de ser preservada a identidade das
pesquisadora. Muito se fala sobre a necessidade de uma certa neutralidade científica, a fim de
que as pesquisas sejam realmente válidas. Argumenta-se que o pesquisador precisa se abster
de seus paradigmas, conceitos e preconceitos para que realmente possa observar um fato e
analisá-lo sem influências, com um olhar que não seja predeterminado. Contudo,
questionamos: será possível que o pesquisador transmita de maneira neutra o que está sendo
observado? Até que ponto seu olhar pode ficar isento de seus paradigmas? E quando o
pesquisador está envolvido com o objeto de sua pesquisa, como neutraliza esse olhar? Todos
esses questionamentos fizeram parte da elaboração do roteiro para o trabalho nos grupos
focais. Todavia, de algum lugar o pesquisador se posiciona para a realização de sua tarefa.
início do trabalho, elaboramos alguns eixos principais. Mesmo assim, a tentativa era de que as
questões da pesquisa viessem de um lugar de não saber, ou seja, procurando demarcar que o
• Primeiro encontro
1) O que motivou cada uma a aceitar o convite para discutir sobre agressividade
infantil?
5) Pela sua observação e experiência, onde você considera que essa agressividade tem
sua origem?
8) Como você percebe a maneira pela qual as crianças lidam com isso?
• Segundo encontro
Mesmo tendo esse roteiro previamente estabelecido, o rumo do debate, por vezes, era
alterado e tomava outros encaminhamentos, mas procuramos manter o cuidado para que não
se desviasse do foco central. O interessante é que muitas dessas questões nem precisavam ser
colocadas da maneira como havia sido programado, pois as educadoras iam espontaneamente
expondo suas idéias, trazendo exemplos, de maneira que os tópicos iam sendo contemplados
sem a necessidade de serem colocados pela pesquisadora. Aconteceu que alguns eixos,
destinados ao primeiro encontro, ficaram sem ser trabalhados, mas foram abordados no
segundo momento, sendo que o contrário também ocorreu. Cada grupo teve seu ritmo e
desenvolvimento diferenciado.
Ao final dos encontros, nos deparamos com uma riqueza em termos de material para
ser trabalhado e analisado. O objetivo era de que desses diálogos emergissem discussões que
81
iriam constituindo o tema central desta pesquisa. Contudo, constatamos uma variedade de
possibilidades de discussões, várias vias poderiam ser tomadas a partir do debate e, portanto,
inúmeras pesquisas poderiam ser desenvolvidas através desse levantamento de dados. Dessa
forma, não é viável a apresentação de todo o material recolhido junto aos professores, porém
os fragmentos dos debates fazem parte desta etapa do trabalho, por ser o capítulo dedicado
agressividade, como a escola lida com a agressividade e, por fim, quais as implicações no
da educação infantil.
infantil, a respeito de criança e de agressividade. Para analisar o modo pelo qual o discurso
pedagógico concebe a agressividade, acreditamos que seja essencial ter alguma noção do que
pensam acerca da infância, pois a concepção que se tem de criança pode determinar a visão
causa impactos aos adultos de forma geral. De acordo com as falas de professoras, seus alunos
diferem muito das crianças de outras épocas, inclusive ao compararem com as suas infâncias.
restrições ou interdições. Exemplos deste ponto de vista pode ser verificado abaixo:26
26
A partir deste ponto, ao longo do texto, são abordados recortes das falas das professoras apresentados em
itálico.
82
Eu não sei, mas eu vejo as crianças hoje em dia muito mais... mais lá na frente que a
gente... anos atrás as crianças eram mais ingênuas, mais assim, ... Uma me falou lá esses
dias: “Meu pai é aquele lá é o Maninho! Só que ele não me registrou”. Criança de seis
anos... “Então eu moro só com minha mãe e minha vó” Assim eles sabem de tudo...
É tudo permitido. Nossos pais escondiam muita coisa de nós, né. Ficavam entre eles;
Já não há uma separação tão rígida daquilo que é destinado para o mundo adulto e do
que se refere ao mundo infantil. Contudo, esse espanto apresentado pela educadora, ao
apontar uma certa incompatibilidade entre a informação trazida pela criança e a idade da
mesma, nos faz pensar que ainda permanece um ideal ou uma imagem de criança pura e
ingênua. Esse ideal fornece alguns indicativos para compreender o modo pelo qual concebem
A gente não consegue achar que uma criança... A infância é uma coisa tão magnífica,
tão pura!
Por mais que as professoras percebam tais mudanças a respeito do sujeito infantil que
se apresenta hoje, encaram este novo jeito de ser como algo anormal, pois essas novas
então uma distância considerável entre a imagem que o discurso pedagógico ainda carrega de
agressividade, ficava claro o quanto as manifestações ditas agressivas não poderiam ser
Esses depoimentos demonstram com clareza uma imagem que se tem de criança, com
fortes influências de Rousseau e Froebel. A maldade não poderia estar na infância, mas
deveria ser proveniente da família, da mídia e da sociedade em geral, pois sendo um “bom
selvagem”, suas ações seriam amorais, ou seja, não poderiam ser julgadas como “certas” ou
“erradas”.
entre esses elementos nos remete a pensar sobre a idéia de maldade. Ao falar sobre
agressividade, logo uma professora afirma que não acredita que uma criança possa ser má.
Isso permite concluir que, na visão de muitas educadoras, há uma equivalência entre
considerada a própria maldade em si. Os atos agressivos são vistos então como atos de
maldade que somente seriam cometidos pelas crianças por elas não terem tido ainda acesso
aos parâmetros de “bem” e “mal”, de “certo” e “errado”, estão em estado puro, como
selvagens.
Sendo isento de juízos, de julgamentos, toda atitude que remeta à agressividade não é
tomada como algo civilizado, mas também não é considerado algo próprio da criança. É como
poderia ser detentora desses traços agressivos. A maioria das professoras concorda que é
difícil pensar que uma criança poderia ser ruinzinha por natureza... A idéia da pureza infantil
discurso das professoras, a respeito de uma impossibilidade de que a agressividade possa ser
originária de uma criança. Os educadores defendem a idéia de que a agressividade provém das
influências do meio, principalmente da família. Vários recortes dos discursos das professoras
Paro e fico pensando. Por que essas crianças são assim. Por que cada ano que passa
tem mais crianças com problemas de agressividade. Então assim, eu imagino que seja
problemas que as famílias estão passando. As pessoas têm que trabalhar. Antigamente só o
pai trabalhava. A mãe ficava em casa. Ela tinha tempo com os filhos. Ela tava com seu filho.
Tanto que na EMEI eles ficam tempo integral. Chegam em casa e ainda vêem problemas
acabam vivendo aquilo ali e achando que é uma coisa normal... Então ela vai para escola.
Ela tem o modelo do que os pais fazem em casa. Eu acho que de repente nós temos que fazer
um trabalho com as famílias. Claro que a escola tem que fazer a parte da gente. Mas a
família tem que estar presente. Senão acho que os resultados não vão ser tão bons.
Eu penso que algumas situações a criança aprende com a família. Ela tem que ter um
modelo em casa porque ela usa algumas coisas com a gente, algumas respostas, algumas
... aquelas crianças que os pais surram muito em casa, são agressivas na escola.
Nos quatro recortes que tomamos do discurso apresentado nos grupos focais, constata-
se o quanto a família passa ser culpabilizada pelos comportamentos agressivos dos alunos. A
falta de tempo para os filhos, a forma como os pais agem com as crianças e o poder do mau
exemplo. O pai ou a mãe que brigam, que espancam, são considerados pelos professores
como modelos a serem copiados ou seguidos pelos filhos. O ambiente do qual essas crianças
fazem parte seria determinante para suas atitudes futuras e, principalmente, para as
meio em que a criança vive. Sendo considerada um resultado da convivência familiar, o que a
85
escola pode fazer com essa agressividade? Se não é da criança, parece que a escola fica numa
posição de impotência, de nada poder fazer em relação a essas manifestações, a não ser
que remetem à agressividade podem ser observados nos seguintes relatos das professoras.
Tudo que a gente trabalha na escola, logo ao sair do portão, não tem né... a mesma
referência,..
Tentar mostrar uma outra forma... É um trabalho que a gente passa o ano inteiro
fazendo. E cada volta do final de semana, começa a história, tudo de novo. (...)vivem o
contrário o final de semana inteiro. E na segunda-feira você espera uma outra atitude dele. E
ele teve todos os maus exemplos no final de semana e volta na segunda-feira com uma carga
toda para sala de aula e aí você tem que ir acalmando à medida do possível.
conseqüência daquilo que ela vive. As vivências familiares são fatores mencionados como a
tínhamos como objetivo compreender o entendimento que possuíam deste conceito, porém a
Eu acho, dentro do que estou trabalhando,... que vem bastante da família, o modo
como vivem. Eles contam na hora da rodinha coisas absurdas, que a gente nem imagina. Que
os pais brigaram com faca... Eu acho que teria que ser trabalhado com a família, né?
Essa fala nos permite perceber uma concepção cristalizada de que a agressividade,
vista como algo ruim, só pode ser fruto de uma influência familiar. Dentro dessa perspectiva,
há, no discurso escolar, uma expectativa de que o trabalho não se restrinja à criança, mas que
se estenda à família como um todo. É interessante lembrar que os objetivos iniciais, nos
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moderno. Hoje não é muito diferente. A escola de educação infantil ainda carrega estas
social. Contudo, constatamos que esse é um ideal difícil de ser alcançado, pois envolve
questões culturais que, na maioria das vezes, é mais forte que a intervenção da educação
sistematizada.
A impressão dá é que a família está terceirizando pra escola a educação dos filhos
(...) E eles chegam no Jardim B com seis anos, (...) eles não têm noção de nada, de regras, de
hábitos, eles não ouvem, eles não sentam, eles não sabem nem lavar as mãozinhas na hora da
merenda... Tudo isso ta ficando. A criança chega com seis anos e é na escola que ela vai
que antes eram dos pais, permitindo que a família se liberasse um pouco a respeito da
educação dos filhos. Contudo, há aspectos que a escola ainda espera que os pais desenvolvam
em suas crianças. Nos depoimentos de algumas professoras ficou claro o quanto se espera que
os pais resolvam com os seus filhos esta questão da agressividade. Procurando deixar, dessa
agressividade na escola.
... a família que está presente nessa constituição, na construção desse relacionamento,
Assim como falam sobre a interferência da família, a mídia é citada como outro
elemento que contribui para a presença de manifestações agressivas por parte das crianças.
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Esta também teria a função de usurpar a inocência infantil, a partir de seus desenhos animados
violentos, dos games sanguinolentos e personagens que sempre estão lutando, destruindo
monstros ou dizimando inimigos, presentes em diversos tipos de programações. Mais uma vez
Eu penso que a mídia também está aí. Não dá para trabalhar contra ela. Nós já
sabemos isso. Não tem como bater de frente. Isso é muito forte na vida da criança. Nas
brincava de outras brincadeiras. Hoje em dia “Meu anel é tal. Meu poder é tal” Então...
Como você falou: é a mídia, é computador, é muita informação que a criança não ta
agressividade total! Luta disso, luta daquilo, luta disso... Daí, tu dá um espaço para ele
brincar, o que eles externalizam? Aquilo que ele vêm de manhã. É o que bateu no ciclano, é o
suas influências sobre os sujeitos infantis, pensamos que não é possível desconsiderar tal
elemento da cultura e seus efeitos sobre a subjetivação dos seres que estão expostos a estes
artefatos. Como abordamos no capítulo dois, as crianças não mais são puras e ingênuas como
nos ideais de Rousseau. Elas são constituídas a partir daquilo que as rodeia, sendo ilusório
propor um afastamento de tudo aquilo que pudesse contaminar a sua pureza. Contudo, as
influências específicas da mídia na vida da criança, não são o foco do trabalho, não nos
permitindo o aprofundamento desse tema. Mesmo assim, acreditamos que seria de extrema
como expressão, abre possibilidade para entender-se ou escutar o que o aluno quer dizer com
determinada manifestação.
E a criança é sensível, né...? E ela não se expressa através de palavras, mas através
de gestos, atitudes,...
agressivas que as crianças tomam para que sejam notadas, para dizerem que não querem mais
algo, que alguma coisa está incomodando, para lutarem por certo objetivo, para demonstrarem
a necessidade de carinho, de atenção, pois não conseguem manifestar-se com palavras. Dessa
... ela dá um empurrão quando quer chamar a atenção, ela reage dessa forma. Ela
não sabe dizer “- Mãe, me dá um carinho!” Elas não chegam a dizer. Como vão expressar o
Eu acho que é uma defesa deles. A gente tem aquela reação de adulto para a criança.
A criança não tem ainda essa reação de adulto. É próprio da criança isso de reagir...
negativamente, principalmente quando essas reações vêm daquelas crianças chamadas sem
limites que, nas ocasiões em que são contrariadas, reagem com gritos, choros, atitudes, gestos
estão em pleno processo de constituição do seu eu. Inicialmente, a imagem especular que se
que realmente pode tudo, que deve ganhar tudo, que é o centro do universo, pois se considera
como tudo aquilo que completa a mãe. Podemos supor o quanto deve ser complicado
trabalhar com várias crianças neste mesmo estágio. A criança vendo a outra brincar com tal
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brinquedo é o mesmo que ver ela própria brincando com esse objeto, então precisa tomá-lo
para sentir-se completa. É um exemplo do transitivismo, abordado por Lacan (1998), em seu
À medida que passa pelo complexo de Édipo, uma grande ferida narcísica se abre, pois
a ameaça de castração lhe coloca, simbolicamente, num lugar de ser incompleto, o qual
precisa ir em busca de um ideal perdido, daquele que Freud chama de ideal do eu. A partir
daí, o herdeiro do complexo de Édipo, o supereu, passa a indicar o que é valorizado no social,
ou seja, aspectos de uma educação que passa a estabelecer limites e julgamentos direcionados
[...] a própria educação mais branda não pode evitar o uso da coerção e a introdução
de restrições, e toda intervenção desse tipo na liberdade da criança deve provocar
como reação uma inclinação à rebeldia e à agressividade (FREUD, 1980, p. 124).
Freud reforça e ressalta a impossibilidade de se pensar uma educação que não traga em
si exigências e barreiras à liberdade do indivíduo ao qual esse processo educativo está sendo
direcionado. A resistência a esse processo, a reação da criança é entendida, por ele, como algo
inevitável.
Lembrando Lacan, é nas crises vitais, ou seja, nestes momentos de grandes mudanças
estruturais na vida do sujeito, que se abrem feridas narcísicas e, então, a agressividade se faz
um investimento nesse outro. Supomos que os educadores de educação infantil são colocados
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neste lugar privilegiado, o qual pode fornecer um suporte necessário para que as crianças
Quando falamos da escola fornecer este suporte ao sujeito infantil, estamos nos
referindo à possibilidade de essa agressividade ser recebida pelo professor, não como algo
acolher esta agressividade, ou seja, permitir que a criança se depare com uma alteridade para
que possa se constituir, pois, como afirmamos em outro momento, somos seres sociais e
Outro eixo que obtém destaque é a tentativa de classificar a agressividade como uma
fase do desenvolvimento, ainda que essa possibilidade, para muitas profissionais escutadas,
crianças da fase do maternal II, 3 e 4 anos, tanto as meninas como os meninos reagem muito
se chacoalhando, puxando os cabelos. Gostaria de entender se isso é uma fase ou isso é uma
agressividade infantil?.(...) e a gente quer entender isso: é essa fase, que a criança precisa
passar, que precisa aprender a conviver, dentro do eu, sei lá..., Ou se é a própria
agressividade infantil?
Dentro dessa discussão, uma professora define a fase do desenvolvimento pela qual a
criança estaria passando, nesse momento da educação infantil, como “egocentrismo”. Ela ta
na fase do egocentrismo e o que a gente faz em educação infantil, é trabalhar com essa fase.
É o “eu”.(...)É um trabalho que tem que ser feito com as crianças nessa fase de adaptação.
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Nesses depoimentos, transparece uma certa angústia referente a essa dúvida. Parece
que a criança teria de se encaixar em alguma classificação: sendo fase seria algo normal, do
Na minha turma eu vejo aquele menino que se destaca, mas conversando com outra
professora lá da escola, que tem o maternal II, ela vê que é meio generalizado, que quase
todos agem dessa forma. O que nos deixa com essa dúvida: é coisa da fase ou é uma
característica de agressividade.
A visão que observamos, nesses discursos, é de que a criança deveria agir de uma
desenvolvimento. Caberia à escola educar esse eu, socializar a criança, adaptá-la. Nesta
trabalho, não fossem obtidas respostas satisfatórias, ou seja, se a criança não evoluísse e
continuasse respondendo com agressividade a diversas situações, deveria ser entendido como
algo patológico.
inúmeras tentativas que você tenta fazer com que essa criança se socialize, se integre, e ela
egocêntrica. É natural ainda, mas depois de tanto convívio, de tanta experiência, de tanto
A questão da patologia não é central nesta pesquisa, pois requer um estudo específico,
mas é citada como um elemento trazido pelos educadores para darem sentido a determinados
comportamentos agressivos apresentados pelos alunos. Mesmo assim, como patologia é algo
considerada como tal, ou seja, no lugar daquilo que está fora da normalidade, algo a ser
A partir de outra discussão interessante surgida nos encontros, que se refere ao caráter
negativo. Até certo momento, a agressividade foi situada no lado negativo, mas algumas
educadoras trouxeram para o debate a possibilidade da agressividade ser vista como uma
forma de impor-se, de lutar pelos seus objetivos. Sendo assim, uma agressividade positiva.
A própria Esther Grossi diz que a agressividade é algo positivo. Aí você tem que
pensar até que certo ponto, né? É positivo no sentido dela se manifesta e dizer “não to
satisfeita com isso, quero alguma coisa diferente”. Mas à medida que eu deixo..., que eu
entendimento. As educadoras admitem que todos precisam lutar por seus direitos, por seus
objetivos, mas deve ser através da negociação e não de manifestações agressivas, negando a
tenho que me impor um pouquinho, eu tenho que lutar. Acho que todo mundo luta. Claro que
há várias formas. No momento que eu sou pequeno a forma que eu acho de lutar é de
empurrar e dar um tapa. Depois eu vou aprender: “Olha isso daqui nem é muito legal, dá
pra mim!” Então, essa agressividade, ela se chama de positiva. É eu conseguir impor, é a
Esses recortes fazem refletir sobre se há realmente como dizer se a agressividade é boa
ou ruim. Entendemos que ela é necessária para a constituição do eu e que não é positiva e nem
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pressão da pulsão e com base em suportes de linguagem” (OLIVEIRA, 2006, p. 91). Quando
tendência de considerar a agressividade como uma realização da pulsão de morte. Caso tal
relação tivesse procedência, segundo Oliveira (2006), haveria de ter uma pulsão da qual se
esta força propulsora do desejo humano, que é a pulsão, não pode ser considerada também em
agressividade ser vista como uma instância que pode estar ligada ao registro da palavra, da
linguagem. Uma maneira de ser reconhecida de forma diferente da violência, ou seja, não
sendo considerada como algo negativo. Porém, para ser aceita, é como se tivesse que ser
classificada no lado do bem. Sendo expressa, pelas crianças, de outra maneira, que não pela
linguagem falada, seria ruim. Portanto, ao vermos uma criança pequena tomando o brinquedo
da outra, dando um empurrão, isto não é bom ou ruim, mas é parte de um processo de
estruturação do eu.
norteou os encontros, optamos por abordar, neste ponto, a forma pela qual o discurso
pedagógico indica meios de se lidar com a agressividade, ou seja, em relação à maneira como
O que eu posso fazer? Que atitudes eu tenho que ter com a criança que bateu na
profe, que bateu no colega. Eu converso, eu chamo os pais, qual é atitude eu enquanto escola,
enquanto professora tenho que tomar para melhorar essa situação. Tentar fazer com que essa
agressividade não seja algo contínuo. O que eu posso fazer para contribuir e não tornar a
criança mais agressiva ainda. Para ela eu também estou sendo agressiva. Então o que eu
tenho que fazer com essa criança? Que tipo de conversa, que tipo de atividade eu tenho que
propor para que ela possa ver que assim não dá para viver em grupo, que assim o coleguinha
encontrar soluções para tal assunto. Ao mesmo tempo, uma preocupação evidenciada para
saberem o que precisam fazer para uma certa prevenção de eventuais futuros problemas. É
interessante, também, a visão desta professora de que, de acordo com as atitudes tomadas em
Eu sempre coloco que quando a gente chama a atenção eu explico o porque estou
chamando a atenção. Às vezes ele pode ter essa visão que a profe não gosta de mim. Aí eu
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digo: “A profe ta xingando vocês porque a profe gosta de vocês! Que quer o bem para
vocês.” Que precisam saber que tem coisas que são certas e outras erradas.
princípios tivessem que ser transmitidos nesse período. Ao tratarmos sobre o tema
manifestações.
...se a gente não controlar, se nós não soubermos trabalhar, que adolescente teremos?
constatamos que há um limite na função do educador. Por mais que ele tenha determinados
desejos em relação ao seu aluno, ele vai deparar-se com sujeitos que já estruturaram seus
modelos de relacionamentos a partir dos vínculos estabelecidos com aqueles que lhe fizeram
muitos casos, a escola faz parte desses primeiros vínculos, pois há crianças que vão para a
instituição com quatro meses e ali permanecem até os cinco ou seis anos. Grande parte dos
Há ideais que perpassam nas instituições, mas cada criança também traz de seus
relacionamentos familiares os seus ideais aos quais buscam identificar-se. Ao falar sobre
agressividade, as educadoras apontam para diferenças daquilo que a escola espera da criança e
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Referimo-nos aos cuidados que uma criança pequena requer e que, culturalmente, são consideradas atribuições
da mãe, como a alimentação, a higiene, o ato de fazer dormir.
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Então tem criança que não recebe orientação nenhuma, fica aquele troço bem
primitivo. A primeira coisa é partir pra paulera e pronto. Não tem outras saídas pra essa
situação.
quando quiserem algo, não partindo para atitudes agressivas. Retorna aqui a questão do
por não ter ainda razão desenvolvida para tomar decisões e atitudes adequadas, ainda persiste.
No decorrer dos encontros de grupos foi possível constatarmos diversas formas que as
relacionamento, que ele ainda tem que aprender a se relacionar. A forma que eles têm pra se
relacionar. Eles não sabem dizer “Eu não gostei do que tu fez!”; eles chegam lá e dão um
Entendemos que, cada vez mais, se confirma que, para as professoras, a escola teria
como uma de suas funções socializar o pequeno ser humano. E, nesse sentido, o controle das
manifestações agressivas seria um sinal de que o trabalho teria alcançado seu objetivo. A
Quando eles chegam da família para a escola, eles não sabem a hora de sentar, a
hora de ouvir, obedecer... Então eles manifestam no início uma certa resistência a essas
regras. E isso é normal. Até o convívio com os coleguinhas, no início, dividir o espaço. E se
destacam os casos que não conseguem se adaptar. Os primeiros dois meses, as coisas
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Têm alguns que passam o ano e continuam mordendo, brigando, não sabendo dividir. Esses
com um determinado tempo e que deve ser realizado em determinado espaço e com uma
estratégias usadas para se alcançar este objetivo e, conseqüentemente, para levar as crianças a
conterem seus impulsos são várias. Procuramos trazer uma amostra a partir do que foi
Uma das formas de lidarem com a agressividade é procurando chamar os pais para a
escola, a fim de que saibam o que está acontecendo. Esta medida está de acordo com a
concepção que possuem de agressividade, pois uma parcela das participantes declarou que a
agressividade das crianças teria sua origem nas famílias, ou seja, devido aos relacionamentos
e vivências que essas crianças mantêm com seus pais e demais familiares. Mas, segundo elas,
Vejo que é a participação dos pais na escola. Eles não vão. A gente não encontra eles
na escola.
Na minha escola, na minha turma é assim. Eu não tenho contato com os pais. Os pais,
A impressão dá é que a família está terceirizando pra escola a educação dos filhos.
Que a escola não tem mais só a obrigação de ensinar, mas tem também o papel de educar.
Quando se fala sobre essa educação, percebemos que não está bem definida qual é a
função da escola de educação infantil para todas as educadoras, ou seja, os limites das
intervenções e atribuições não são totalmente claros para o grupo participante dos encontros
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de discussão. A impotência da família, evidenciada em alguns relatos, retrata o não saber dos
pais a respeito de como devem lidar com a agressividade de seus filhos. Este fator impulsiona
dizem: “Eu não sei o que fazer”, “Eu não posso”, “Eu não tenho condições”.
Frente a esta realidade, por mais que a escola atribua a origem da agressividade às
famílias e, concomitantemente não consiga obter auxílio das mesmas, procura maneiras de
lidar com essa problemática dentro do âmbito pedagógico. Nessa linha de discussão, uma
professora fez questão de destacar o papel das Escolas Municipais de Educação Infantil
Felizmente que ainda tem as EMEIs. Acho que ta fazendo um belo papel. Porque essas
crianças que estão desde o berçário, elas têm outro pique, outra compreensão de mundo,
outro posicionamento, mas por quê? Ainda é uma instituição que está educando, não está só
preocupada em cuida, né. A gente tá educando de verdade, porque a função de quem educa
são dos pais,... Será que na verdade são os pais que estão educando? Por que essas crianças
que nunca passaram pela EMEI têm uma dificuldade de relacionamento, de convívio, de
É possível pensar que essa vivência que as crianças têm nas escolas de educação
infantil parece proporcionar um desenvolvimento mais intenso no que diz respeito aos
o sujeito infantil passa ser exigido, nesse meio, diferentemente do que ocorre no meio
familiar. Depara-se com outros assim como ele e com leis, regras e mais interdições do que
encontra em casa. Tomamos a explicação de uma professora sobre as medidas utilizadas por
ela para lidar com a agressividade de seus alunos e, assim, melhorar os relacionamentos em
sala de aula.
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Se eu não quero que o colega faça em mim eu não faço nele. Lá na sala de aula ta
proibido tapa, ta proibido beliscar, empurrar, jogar almofada. Até porque com essas
questões todas aqui não dá pra conviver. Então ta proibido. Aí toda a vez que acontece
vamos sentar e conversar. Se não adianta conversa aí eles perdem aquilo que eles mais
gostam que é o brincar, o brinquedo livre. Essa semana aconteceu lá. Com aquele menino.
Mas não é só com esse menino. Mas quando tem um assim dentro da sala ele irrita o colega,
situação no grupo. Então aquele grupo fica sem o brinquedo. Eles têm que sentir. A atitude
As professoras enfatizam ações que remetem à retirada de algo que a criança gosta.
Quando retiram alguma coisa apreciada pela criança, como a hora do parque, o momento de
escutar história ou de assistir um filme, afirmam que há efeitos imediatos, mas não
duradouros. Nestes casos, na maioria das vezes, segundo elas, o comportamento agressivo
retorna em seguida, dando a impressão que os alunos não se importam com o fato de
perderem algo que gostam. Podemos imaginar o quanto as manifestações agressivas são
necessárias para tais crianças, pois mesmo na iminência de perderem alguma coisa importante
Outra medida relatada, com freqüência, pelas professoras se refere à busca de diálogo
com seus alunos. Contudo, este diálogo remete a explanações ou a explicações sobre o que
deve ser o comportamento esperado e sobre qual motivo pelos quais as atitudes agressivas não
são adequadas nos relacionamentos. Entendemos que não é comum o exercício de escutar o
Eu sempre coloco que quando a gente chama a atenção eu explico o porque estou
chamando a atenção. Às vezes ele pode ter essa visão que a profe não gosta de mim. Aí eu
digo: “A profe ta xingando vocês porque a profe gosta de vocês! Que quer bem para vocês.
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Que precisam saber que tem coisas que são certas e outras erradas”. Sempre coloco isso.
Uma coisa que tem que ficar claro é “Eu gosto de você! Eu não gosto do que você fez.
Isso eu não gostei, não gostei que você bateu no colega, eu não gostei que você bateu em
mim. Mas eu gosto de você.” Eu procuro trabalhar assim. Agora eu estou fora de sala de
aula, mas quando eu tenho os pequenos e eles fazem coisas que as regras da sala de aula
estipuladas dizem que não poderia ser assim eu deixo claro que eu não gostei daquilo ali, que
o colega também não gostou. Continuo gostando dele, mas não da atitude. Que eles têm que
notar, mesmo quando pequenos que nem tudo... Ora bater no colega e eu não dizer nada..
diálogo que as manifestações de agressividade não condizem com o espaço escolar. É como
se fosse possível explicar racionalmente o quanto tais atitudes são reprováveis na escola e na
vida em sociedade como um todo. Além disso, percebemos uma aposta na possibilidade de as
crianças compreenderem as razões pelas quais as atitudes agressivas que tomam não são
Ainda eu digo: “Você vê a profe dando chute na tia da cozinha ou beliscando a outra
Contudo, chama a atenção o quanto esse tipo de medida adotada por parte das
educadoras de conversar, orientar, aconselhar, é considerado, por vezes, como algo que está
fora do processo pedagógico. Parece que são atitudes tomadas para que se possa dar
educação. Destacamos algumas falas que indicam o quanto este conversar é considerado
estressante e/ou uma perda de tempo. Parece que a agressividade é entendida pelas
professoras como algo que é preciso ser contornado para que a educação se realize. Dessa
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forma, consideram que é preciso tomar alguma medida para dar prosseguimento ao que
Eu acho que é fazendo ele refletir, fazendo ele pensar sobre a atitude. Ou o colega
colocar a reação que teve, o que sofreu a lesão, colocar para o outro. Ainda acho que é na
conversa. É estressante, mas ainda acho que é mais produtivo do que tirar da sala de aula,
mordeu o braço dela, mas não chegou a... Aí eu tive que trabalhar com os dois. Primeiro eu
pensei em trocar de mesinha, mas aí eu pensei que não ia adiantar, eles não vão aprender a
conviver. Daí eu peguei e conversei com os dois e deixei, mas não aconteceu mais. Sinal
que... Eu expliquei para ela que ele mordeu ela porque alguma coisa ela fez. Não ia morder
ela sem motivo. Perdi um tempinho, mas valeu. Sentam na mesma mesinha, um aqui e outro
Nessas falas observamos que é difícil para as professoras deixarem de lado um modelo
de escola que deve se deter em trabalhar o que foi programado, visando ao desenvolvimento
valor ainda está num modelo tradicional de escola, onde o conversar, o lidar com questões que
destoam da rotina, pode ser considerado um prejuízo ao bom andamento das atividades.
Eu me desgasto bastante com isso. Você planeja, você sabe que é flexível, que se
acontecer algo na tarde não dá para trabalhar tudo que ta lá. A gente sabe de tudo que
acontece. Mas é muito inconveniente, muito chato, para a turma e para a professora,
acredito. Você ter que parar todo aquele movimento, aquela ação, aquele processo educativo,
aquelas trocas todas pra tratar de uma questão específica com um e com outro...
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Não exatamente uma frustração porque a gente sabe que faz parte, não vai se levar a
nocaute, mas tá acontecendo uma atividade legal e de repente lá no meio acontece um...
Então é chato tu ter que parar, porque tem uns que não tem nada a ver com a história e
acabam escutando ...Por mais que a gente não fale na hora, alguma coisa tu vai dizer: “Não!
Calma aí!...” Alguma coisa você vai... Aí, muitas vezes se perde o encanto...
Há uma quebra naquilo que havia sido planejado, isto é, há uma ferida narcísica que se
abre na prática do lado do professor, o qual precisa lidar com a frustração de um plano
tendo como referencial o sujeito da razão, um sujeito completo, que possua autocontrole e
equilíbrio. Supõe-se que, a partir de uma boa transmissão, o saber poderá ser perfeitamente
melhor, tal falha é concebida como um fracasso, como um ensino insuficiente ou uma
inesperado se apresenta e irrompe essa linearidade. No imaginário não há espaço para falhas,
para essa brecha que se abre na perfeição idealizada. Quando nos referimos ao simbólico, a
partir da psicanálise, queremos reportar àquilo que faz falta. Isso que falta recebe uma
significação a partir de uma ligação entre a falta e um significante que a simboliza. Pode-se
verificar esse processo na linguagem, pois na palavra encontra-se a marca do desejo, ou seja,
poderia ser escutada e recebida de outra maneira, ou seja, poderia receber outras significações
Outra maneira de lidar com a questão da agressividade, por parte das educadoras, é
através da literatura infantil. Algumas relataram que esse uso se faz através de histórias que
pregam uma moral, ou seja, em que a criança praticante de atitudes desaprovadas acabava
sofrendo conseqüências negativas, como castigos, pelos seus atos. Evidenciamos, mais uma
vez, a idéia de que um exemplo pode refletir em mudanças de comportamento. Nesse sentido,
com as crianças.
É preciso explora na literatura infantil, que é rica nisso, né? Olha a Cinderela, né? O
que é a madrasta? Olha as filhas da madrasta, né? Qual é a atitude? O que é mais bonito na
história? O que acharam feio na história? Pra eles pode te esses parâmetros porque de
repente ele vai acha que é uma droga uma pessoa correta! No caso a atitude: madrasta tem
que ser ruim mesmo, né? Conversa e leva esse tipo de discussão. E eles te dão um retorno
não se baseia em exemplos concretos de crianças praticando ações agressivas, mas o uso de
problemas e soluções, mas de forma encoberta, ou seja, não de uma maneira direta e racional.
Esses contos são de grande interesse para as crianças e trazem uma considerável quota de
elementos agressivos. Outra justificativa que torna válida a utilização desse tipo de literatura é
que essas histórias não revelam todo o real, o que permite que a criança construa, que
simbolize; mesmo assim não esconde as adversidades, que são apresentadas simbolicamente.
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Outro entendimento que chamou nossa atenção e indica uma certa diferenciação entre
agressividade e violência é o relato de uma professora sobre a maneira como foi modificando
Porque até uma certa época, eu lá....no início.. estavam duas brigando por uma
boneca e eu corria lá “dá a boneca pra tia, pega fulana!” Aí depois de um certo tempo a
gente vai aprendendo deixar eles negociar, resolver a situação. A gente vai aprendendo com
colegas. Se eles começam a brigar e a gente vê que ta se tornando mais violento, então nós
vamos interagir. “Agora você empresta o brinquedo pro colega, um pouquinho!” Mas senão
você deixa, porque às vezes acontece. Sempre vai ter os líderes e vai ter os liderados. Não
tem como mudar. Vai existir sempre. Então você fica observando. Tem uns que nem chegam a
ser, nem precisa ações, tapas ou briga, conseguiam negociar. Nem que tivessem “Me dá! Eu
quero!” “Não, É meu, é meu!” E às vezes puxavam, ficavam olhando, aí o outro desistia e
dava. Se o outro tava com muita vontade de ficar com aquele carrinho ou aquela boneca, aí
sim partiam pra uns empurrão, aí um caía, dava uma choradinha, e se a profe não se metia
lá, chorava um pouquinho, dava uma olhada e já pegava um pneu ou outro brinquedo. Isso
aconteceu várias vezes. No parquinho: “Eu quero a balança!” Só q eu aprendi a não ir logo
lá, me meter, eu tentar resolver, até por que eu não vi quem tava primeiro. Agora no
O modo de agir apresentado por esta participante confirma que algumas professoras
têm a idéia de que nem toda a manifestação de agressividade precisa ser controlada por algum
adulto. Ela supõe que essas ocasiões são momentos em que as crianças estariam
desenvolvendo suas capacidades de lutar pelos seus objetivos, buscando sua autonomia.
Contudo, demonstrou clareza de que caso passe a ser um ato de violência, aí sim é necessária
a intervenção de um terceiro.
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indicativos desse fato é o cuidado existente nas escolas em serem incentivadas atitudes e
guerras. Explica-se aos alunos que, dependendo do brinquedo utilizado, estariam aprendendo
algo para suas vidas futuras, como exemplo: brincando de cuidar de bonecas, aprendem a ser
pais; brincando de arma, aprendem a matar, a serem bandidos. Mesmo com esse trabalho
intenso de cuidado a respeito das brincadeiras das crianças e um grande incentivo para outros
tipos de atividades, os alunos acham maneiras de criar armas com jogos aleatórios, inventando
Além dessa providência do cuidado com o tipo de brincadeira utilizada pelas crianças,
a escola, enquanto uma instituição organizada, busca outras formas para lidar com as
uma exigência de que as professoras sejam mais rígidas com seus alunos, como se a
Aí a coordenadora conversou comigo que eu fosse mais rígida com ele, tentasse, né?
E eu tentei e piorei. Piorou tanto, tanto, que não tinha mais como controlar ele, digamos
assim. Aí eu disse: Não, se não deu certo assim, vou tentar outro lado: pegar no colo,
segurava ele, primeiro ele se debatia, assim, até que ele se acalmava e deitava contra. Aí ele
se acalmava, aí tu podia conversar, assim. Quando ele tava bravo, só segurava, bem calma,
conversava. E aí, não que ele não fazia mais, a gente que ta dia-a-dia vê algum progresso e
eu tratando ele com carinho, ele conseguia ter atitudes mais positivas,...
106
prescrição de como fazer para alcançar o objetivo proposto pela escola, a educadora precisou
encontrar uma maneira singular para se relacionar com o aluno com o qual estava enfrentando
de interagir com aquela criança. Outra participante do grupo também traz outro exemplo de
cheguei lá: “Essa aí, oh! Te prepara!” Mas eu descobri que ela é arteira! É danada! Ma ela
não é... É uma coisa saudável, sadia! Agora, se tu canalizasse tudo aquilo que ela tava
fazendo pra algo negativo, uma e duas, ela tava mordendo, tava batendo, tava chutando. Eu
psiquiatra, também podem ser considerados como medidas tomadas pela escola para se lidar
Tem muitos casos em que as mães levaram consultar com aquele psiquiatra, em CA
(nome de uma cidade), e ele dá medicamento, faz o tratamento e vocês nem imaginam como
essas crianças mudam no momento que começam a fazer esse tratamento. Sou apaixonada
por aquele médico, pois ele faz milagres com as crianças. Eles mudam de um jeito... Eu fico
que foram tratadas por esse mesmo profissional e que acabou acontecendo isso. Então isso
intervenção do professor.
Os casos mais gritantes são aqueles que realmente fogem do compromisso até da
gente. Deveria ter um acompanhamento, né, com psicólogo, uma questão orgânica, um
medicamento pra ajuda, porque tem coisa que a gente não vai consegui resolve só na palavra
e na discussão. Claro que a gente, nessa questão de saúde, né, fica leigo, então em termos de
relacionamento, socialização, a gente procura faze, mas tem coisas que fogem, tem que
investiga se não tem alguma coisa a mais. Talvez o erro tá aí. A gente vai,... talvez a gente
não consiga juntar tantos indicativos pra pode perceber que realmente precisa de alguma
demorou até... fez vários exames até percebe que a agressividade dele era patológica. Aonde
ele estava, quanto menos esperava, voava uma cadeira, era aquele agressivo mesmo...
Essa é a maior dificuldade.... De sabe diferencia o que que é uma questão orgânica,...
É muita burocracia... Até conseguir uma consulta, aí são três, quatro meses, até tu leva
pro neurologista... Aí tu leva pro neurologista e o que que o neurologista dá? Dá outro
exame pra faze! Aí demora mais dois ou três meses pra ti conseguir fazer os exames. Aí até tu
conseguir marcar de novo pra leva os exames lá, vai oito meses, um ano... Essa morosidade
impede, é impeditivo pra ti faze um trabalho bom. Se tivesse uma equipe multidisciplinar que
agilizasse isso, que quando você.... Porque a gente....que convive quanto tempo... já tem uma
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noção : “Ah! Esse aqui não ta legal,né?! Tem alguma coisa!” Vamo investiga! Melhor peca
educação infantil demonstram em relação a uma equipe multidisciplinar com quem pudessem
dialogar sobre os casos em que possuem maiores dificuldades. Acreditamos que muitos
encaminhamentos das escolas podem ser interpretados como uma busca das educadoras em
estabelecer um contato com outras áreas do conhecimento que possam lhes auxiliar no seu
Nos encontros com os grupos, abrimos espaço também para discutirmos a respeito das
à realidade da educação infantil. A resposta mais imediata foi a respeito da exclusão. Esta
ocorre, principalmente, entre colegas. As próprias crianças passam a recriminar, fazer críticas
e não mais querem brincar com os colegas que apresentam atitudes agressivas com maior
Eu vejo uma criança..., um menino. Ele foi primeiro na Educação Infantil, manifestou
o ano todo atitudes assim agressivas. Foi trabalhado com a família, foi incluído entre os
colegas, foi trabalhado com a turma. Daí com a turma, eles deixavam tão de lado! Aí ele foi
pra primeira série: mesma coisa. Aí ele reprovou. Agora ele vai, assim, na aula só por ir. Dá
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pra vê. A gente sente que vai por ir. Parece que ele pensa: “eu não tenho condições de me
incluir” Aí ele faz. Não sei da onde vem isso Pelo menos, lá na escola, é um caso bem grave.
lado.
Acredito que tem situações que geram a exclusão da criança.(...) Na minha turma, as
outras crianças acusam ele de tudo aquilo que acontece. Tudo eles acusam.
Entendemos que a exclusão talvez seja a conseqüência mais comum, pois a criança
que age de maneira transgressora parece não compartilhar do mesmo código de regras aceito e
legitimado pela sociedade, o qual a maior parte do grupo tem como referência. Aquela que
agride é vista como a que se encontra fora do ambiente socializado, ou seja, está fora do que
aprendizagem. Contudo asseguram que não significa que não aprendam, apenas apresentam
maiores dificuldades que as outras crianças. O que nos chamou a atenção é o fato de elas
assegurarem que o mais preocupante no seu ver é o fato da agressividade ser contagiante.
Segundo elas, muitas vezes ocorre que uma criança agressiva acaba gerando agressividade
contagia, parece, os outros. Sei lá. Eles ficam querendo se defender, às vezes.
Tem muitas que querem dar de volta. Apanham, apanham, até que um dia enchem o
fizemos no segundo capítulo sobre um jeito de ser criança que passa a ser desenvolvido na
quanto algumas crianças se integram nesse sistema de maneira efetiva, ou seja, passam a
outro não ta de acordo, um chama atenção do outro, um ajuda a corrigi: “Não é legal o que
tu fez!” “Não faz assim!” Eles mesmos apontando indicativos do que pode fazer (...) ou se
tão brigando por um brinquedo, dizem: “Eu to brincando e daqui a pouquinho eu te dou!”
Eles mesmos vão buscando solução para os conflitos. Mas eles cobram um do outro. Ba!
uso da razão, isto é, o senso de moralidade, daquilo que é aprovado ou não dentro da micro-
sociedade, a escola, por exemplo. Retrata que seus objetivos estão sendo alcançados através
dessa mostra de vigilância do outro. Provavelmente são observações de crianças que já estão
no final da educação infantil, pois os menores não possuem ainda condições subjetivas para
emitir tal julgamento. Mesmo assim, ainda não são capazes de se colocar no lugar do outro e
por isso, são bem assertivos e diretos em suas colocações, expressando perfeitamente o
Esse controle, como referimos anteriormente, não é imposto pela força, mas de forma
sutil é desenvolvido a partir de uma rotina organizada de tal maneira que a educação infantil
passa a dar formas para o cotidiano dos sujeitos envolvidos nesse processo. De acordo com
Bujes (2001), podemos supor que a formalização desse segmento do ensino, através de uma
ritualização das atividades diárias das crianças, funciona como um meio de controle.
Controlar o que está desorganizado, ou seja, controlar o caos parece uma necessidade da
profissional da educação infantil: hora de jogar, hora de lanchar, hora de ir ao banheiro, hora
de ir ao parquinho, ora de ficar sentado,... Esta ordem fornece uma seqüência que passa a ser
111
padronizada para todos os sujeitos que compartilham daquele mesmo espaço. A vida em
sociedade vai se apresentando, desta forma, com toda intensidade na entrada da criança para a
escola. Fazemos referência ao que Freud escreve sobre a total liberdade que perdemos em
troca de uma parcela de segurança. Estas formas que são prescritas pela escola vêm
exatamente neste sentido: para que possam viver em grupo, precisam corresponder a esta
formalização.
participantes dos encontros chama atenção para a construção das regras em sua sala de aula.
Quando se faz as regras também é “não pode isso, não pode aquilo”.... Eu tentei
trabalhar com eles: se não pode isso, o que que pode? No momento que fizemos os
combinados na sala de aula, o que é que pode, então? Porque eles partem para dizer: “Não
pode conversar, não pode chutar, não pode brigar...” “Então o que é que pode?”
Transforma isso tudo no que pode pra não ficar,... Para as regras não ficarem: não isso, não
aquilo... Então tentei trabalhar com eles... Eu não sei se acontece contigo também... Mas
mesmo que a gente trabalhe, trabalhe assim, chega a Dire ou outra pessoa na sala para eles
Mas eu acho que a gente ta dentro dessa construção, em casa, como na escola, se
O “não pode”, a norma pela negativa, fornece as balizas para os pequenos seres
humanos terem as primeiras noções dos limites que podem ter suas ações, mesmo que, muitas
vezes, eles necessitem testar tais balizas a fim de identificar se realmente são seguras.
Acreditamos que, a partir da norma, o cotidiano passa a ser delimitado pelo que é válido ou
não, naquilo que pode ou que não pode. Pode-se supor que é mais seguro lidar com o que está
sujeito às normas do que com o inesperado, o sem controle, o sem limite. A agressividade é
vista por uma parcela das professoras como algo que deve ser controlado a partir do
112
as crianças não apresentam o entendimento que levaria ao autocontrole, esperado pela escola,
percebemos que a norma é uma das tentativas usadas para se efetuar este controle. Por outro
lado, esta contenção realizada através da norma, chamada de socialização, permite que as
crianças passem a compartilhar as regras com outras iguais a elas, bem como as prescrições e
Queremos agora analisar as implicações que estas normas podem ter quanto aos tipos
de brincadeiras que as crianças são proibidas de fazer, como aquelas que trazem algum
conteúdo que faz referência a manifestações agressivas. Entendemos que, ao haver proibições
educação infantil.
exercício de extrema importância para sua constituição. De acordo com Freud, ao apresentar a
assume um papel ativo, em uma situação que passou, anteriormente, de forma passiva.
Complementando essa observação, Coriat (1997) afirma que através do brincar a criança vai
se apropriando dos singnificantes que a marcaram, os quais lhe deram uma significação logo
ao nascer. Para que a criança se aproprie do universo simbólico ao qual ela faz parte precisa
da ludicidade.
desse suporte, a partir de algo concreto, pois não se sustenta por si mesma. Simbolicamente
ela coloca a realidade naquilo que ela brinca, vivenciando lugares e posições de forma
reordenando-se frente ao mundo. Sendo assim, é como se as crianças quisessem dizer algo
113
com suas brincadeiras de conteúdos agressivos. “Uma criança suporta em seu brincar o dizer
do que ainda não pode falar” (JERUSALINSKY, 1989, p. 49). Portanto, o brincar é um dizer,
pode tolher possibilidades de simbolização. Pode impedir que o sujeito entre em contato com
o outro, já que o brincar é uma forma de comunicação prévia, enquanto ainda não consegue
Sousa (2000), afirma que na agressividade há uma palavra em potencial, mas que
são tomadas. Se forem entendidas como ato violento e receberem uma resposta neste nível,
segundo Sousa, estará se obstruindo o “[...] potencial dialógico de tais atos” (SOUSA, 2000,
p. 148). De acordo com este autor, é necessário escutar a mensagem que existe a partir da
violento, ao contrário do ato agressivo, destitui o lugar do outro. Com base nessa
pela direção da escola em que atua, para que fosse mais rígida com o aluno agressivo. Nessa
experiência, a mesma percebeu que não estava alcançando o principal objetivo, sendo que
ainda estavam se agravando tais comportamentos. A partir de então, a professora conta que
passou a dar uma atenção diferenciada para ele, a demonstrar interesse pelo que estava por
trás de tais manifestações e, dessa forma, de acordo com as suas palavras: “fez a diferença”
para essa criança. A professora foi colocada no lugar de outro e assumiu este lugar,
permitindo que seu aluno também crescesse em seu processo de estruturação do eu.
Ele morava com a vó. Com as tias quase da mesma idade, o pai dele vivia sempre
preso, a mãe não vinha visita ele, a vó trabalhava fora, ele ficava na casa dos vizinhos, tinha
toda uma história que deixava a gente até pasma: como uma criança dessa idade é pra lida
com tantas decepções, sentimentos, né? E três anos depois encontrei ele numa apresentação
num final de ano, cheio de gente, achei que ele me odiava, que eu colocava limites nele, e ele
veio: “Oi profe!” E me abraçou... E é aquele menino, nem me lembrava! Às vezes, a gente
fica pensando: às vezes o mínimo que a gente consegue... Eu tinha trinta e poucos, não
conseguia dá a aula que eu queria, porque tinha que pega ele, às vezes a turma ficava não
sendo atendida como a gente gostaria, mas eu tinha que dá aquela atenção e.... fez a
diferença.
A agressividade parece estar em íntima relação com a atenção que se requer do outro.
Não significa que deve ser interpretada como uma simples forma de reter a atenção dos outros
sobre si, mas se refere a uma forma de entrar em contato com o outro. Acreditamos que é
nessas interações que o eu se constrói. Assim como o corpo despedaçado, de acordo com
estruturar nos relacionamentos com aqueles que estão a sua volta. A agressividade é uma
Voltando à questão da diferenciação, a pesquisa nos leva a crer que essa distinção
entre agressividade e violência não é dada, nem tampouco discutida no campo da educação.
Se eu não controlar hoje a agressividade na criança, eu acho que ela vai progredir
com ela. Quando ela chegar na adolescência, que ela já tomou conta de tudo, ela vai ter
outras formas de manifestar essa agressividade e aí ela vai acabar nessa violência; coisas
que deixam toda a sociedade abalada. Mortes, adolescentes que matam pais, que atiram em
pessoas, colegas. Quando se vai fazer uma pesquisa sobre esses alunos, adolescentes, se vê
que aconteceu algo lá atrás que não foi resolvido, não foi trabalhado,... e eles acabaram
nível, o qual pressupõe que a criança agressiva pode tornar-se, de forma automática, um
jovem violento? A educação pode ser considerada um espaço privilegiado para o exercício
das representações, assim como para a interação com o laço social. As crianças, estando
constituindo seu eu, têm no brincar uma atividade que colabora para sua estruturação. A partir
dessa forma de representação, podem posicionar-se frente ao outro, ou seja, vivenciar em seu
jogo as fantasias que constituem sua psiqué. Diferenciar a fantasia da realidade, o brincar de
brigar e o brigar de verdade passa a ser uma questão a ser analisada no âmbito da pedagogia.
Para a criança que ainda não compartilha as regras e normas sociais28, os limites de suas ações
ainda são frágeis, pois não consegue distinguir ainda que nem sempre ela é a primeira da fila,
que dar um beliscão no colega que pegou o brinquedo pode causar dor e, sobretudo, que ela
Dessa forma, podemos entender que a maneira pela qual o discurso pedagógico
concebe a agressividade será determinante para que os professores lidem com essa tendência
28
Entendemos as regras e normas sociais como as convenções adotadas em cada sociedade que visam uma
convivência harmônica entre seus membros.
116
Porque ser agressivo com eles vão ser mais agressivos ainda.
Agora, se tu canalizasse tudo aquilo que ela tava fazendo pra algo negativo, uma e
duas, ela tava mordendo, tava batendo, tava chutando. Eu acho que depende como a gente
forma como se interage com certas situações resultará em um determinado modo de atitude ou
com a agressividade, o que resultaria em mais atitudes agressivas. Interagir com a criança
talvez possa ser entendido como uma possibilidade de querer saber o que existe a partir das
criança.
Com base no que abordamos sobre esse conceito, a partir do referencial psicanalítico,
podemos afirmar que em todo o ato agressivo há uma mensagem, pois ela é dirigida a alguém,
a algum objeto. À medida que o sujeito se constitui, ele vai se dirigindo aos que estão ao seu
redor, constituindo também a noção de que existem os outros com os quais vai se relacionar.
entrar em contato com esse outro a quem é dirigido tal gesto. E aí se encontra a diferença da
violência para a agressividade. Por ser dirigido a alguém, esse ato é movido por pulsão e não
por instinto. A mola propulsora do homem é a pulsão, a qual não provém da essência de um
indivíduo, mas é social. Ela evidencia-se a partir do desejo do sujeito, que se formula alienado
117
ao desejo do outro. Ouve-se muito falar sobre pessoas que agem por instinto. Instinto, como
foi abordado no primeiro capítulo, é regido por uma necessidade e não se encontra no registro
seguinte afirmação sobre o significado de violência: “Para mim, a violência poderia ser assim
definida: ‘É quando não se diz ou não se diz mais.’ Então lançamo-nos um contra o outro,
corpo a corpo...” (DOLTO, 1999, 138). Na violência, não há palavras, não há linguagem e,
portanto, não estabelece laço social. Para a autora, quando uma criança pequena agride a outra
é um indicativo de que está interessada em manter contato com esta outra criança, porém não
“gradior” que significa movimento para frente, sendo que referente ao verbo agredir, também
no latim, “ad” significa “na direção de” e “gradí” remete a “ir, caminhar”. Entendendo a
significado etimológico dessa palavra. Quando algo está no campo da agressividade, está
está se constituindo, uma formação de posição discursiva está se organizando em relação aos
outros, ou seja, dentro de uma rede social. Os seus ruídos, como afirma Sousa (2000), são os
pulsão e com base em suportes de linguagem” (OLIVEIRA, 2006, p. 91). Entendemos que é a
Pensamos que a educação infantil que pudesse ler ou escutar, nas manifestações
contribuindo com essa constituição. Contudo, para isso, seus ideais e seus pressupostos,
É certo que a selvageria, a barbárie deve continuar a ser combatida e enfrentada pelos
homens. A civilização, de acordo com Freud (1930), empenha-se com grandes esforços para
conter os impulsos destrutivos dos homens. Na educação infantil, constata-se essa passagem
consegue colocar em palavras, em dizer, mas é a partir do brincar que exerce a sua
como palavra a ser decifrada também podemos ver na criança a formação de um sujeito pleno
comportamentos são ‘humanizados’ pelas palavras dos adultos que procuram expressar o
sentido inteligente dessas manobras” (DOLTO, 1999, p. 140). A autora ainda explica que tais
comportamentos não podem ser considerados bons ou ruins, pois são experiências de uma
vida de relações. Cabe ao adulto mediar essas experiências, emprestando sentidos através de
119
palavras, como se fosse uma espécie de tradução. Daí podemos inferir sobre a função do
Talvez por tais motivos, a agressividade traz tantos questionamentos à educação. As crianças,
infantil, estamos nos dirigindo a ele num sentido mais amplo, ou seja, ao discurso pedagógico
do qual este profissional está sendo representante. Considerando a educação um ato social,
desenvolvê-la, através de caminhos que supomos que nos darão respostas para a questão
noção de onde chegaríamos, ou seja, quais seriam os resultados deste trabalho. Tínhamos,
manifestações agressivas de seus alunos. Outro elemento que nos chamava a atenção referia-
conteúdos agressivos eram infrutíferas. Como referencial teórico básico, tínhamos algumas
estruturação do eu. A partir desses fatores, delimitou-se a questão inicial: quais seriam as
seria uma forma profícua para alcançar o objetivo central. O estudo teórico sobre o conceito
agressividade, bem como dos pressupostos básicos que norteiam a educação infantil,
com interesse, principalmente no campo da educação. Esse interesse trouxe estímulo, pois o
Contudo, também trouxe uma inquietude, a qual, por vezes, resultou em momentos de
porque nessa atenção despertada parecia estar implícita uma possibilidade de formulação de
Desde o início, parecia claro que o objetivo seria estabelecer uma análise sobre as
encontrar uma solução para extinguir a agressividade, nem ao menos indicar meios de se lidar
com as manifestações agressivas das crianças. Mesmo assim, ao falar em agressividade nesse
configuravam indícios de como esse conceito era tomado pelo discurso das professoras.
A primeira confirmação de que o tema seria bem acolhido no campo da educação foi a
através dos encontros de grupo. O assunto foi considerado apropriado e pertinente, por ser
bastante atual e por ser motivo de várias inquietações e de um certo mal-estar entre os
necessidade em falar sobre o tema em questão. Analisando as falas geradas nos encontros,
percebemos o quanto o debate foi animado e dinâmico. Essa falta de saber a respeito da
quanto esta concepção foi sendo modificada. Num primeiro momento, Freud relutou em
decorrer de sua obra, vai sugerindo que essas tendências fazem parte do psiquismo, mas que
Segundo suas conclusões, o homem teria optado por abdicar de sua plena liberdade em troca
Quando o pai possibilita que o filho deixe de ser apenas aquilo que complementa a mãe, a
criança deixa de ser assujeitada, e passa a ser sujeito desejante. Com sua função castradora,
coloca as regras as quais o sujeito precisa submeter-se para seguir a vida em sociedade. Em
vista disso, pode-se afirmar que a dissolução do complexo de Édipo seria o momento
julgamento das ações, atitudes e vontades do sujeito, de acordo com os valores que foram lhe
constituindo.
A pulsão de morte é outro conceito da obra freudiana que colabora com a discussão
podem ser fomentadas por uma busca pelo estado anorgânico, sem vida, com o mínimo de
tensões. Por esse motivo, Freud conclui que há algo além do princípio do prazer, o que
mundo exterior. Contudo, posteriormente afirma que as duas classes de pulsões (de vida e de
morte) encontram-se entrelaçadas, permitindo que cogitemos a idéia de que exista a pulsão,
Ao mesmo tempo em que o homem se constitui no social, depende do outro para sua
autocontrole imposto pelos valores sociais impõem limitações que causam um mal-estar, o
ciência, da toxicomania. Esse mal-estar gerado é inevitável, pois o próprio autor questiona-se
sobre como seria a vida em sociedade sem suas regras, sem suas limitações.
compreensão de que à medida que o sujeito vai delimitando seus contornos em torno do que é
semelhantes que estão a sua volta. Enquanto a criança encontra-se constituindo seu espaço,
seu eu luta para não ser aniquilado por esse outro, ao qual está alienado. A agressividade
eu. Nessa faixa etária, apesar de já terem sido inscritas na cultura, após o corte, já
mencionado, exercido pela função paterna, é com o complexo de Édipo que passam a
exercício dessa função paterna, sendo uma medida, na vida da criança, voltada à socialização
compreender o nascimento da educação infantil. Destacamos Rousseau, pela sua ênfase aos
cuidados e à assistência dos adultos em relação às crianças. Esse autor considera tais cuidados
e, portanto, teriam uma pureza inata. Essa concepção de criança deixa suas marcas, inclusive
como parte da vida infantil, pois a infância seria relativa ao natural e à docilidade.
Estando entre o “cuidar e o educar” a escola tem um papel de auxiliar ou de viabilizar grande
parte do processo de civilização do ser humano, construindo uma forma específica de ser
historicamente construídos. Elas participam do mundo dos adultos, não mais sendo puras
como eram descritas anteriormente, indicando que não há uma única forma de ser criança.
acordo com o seu tempo, com a sua realidade. A visão que se tem de criança também
da infância O sujeito apresentado pela psicanálise difere muito daquele que constitui o ideal
pedagógico, pois ele não é completo, não tem o total autocontrole, não é estritamente racional.
O processo educativo não é algo totalmente lógico e exato, havendo limitações que são
impostas pelos processos inconscientes, tanto do lado do aluno como do professor. Dessa
forma, concluímos que há limites na intervenção dos adultos em relação à educação das
crianças. Essas limitações vieram à tona nos encontros com as professoras de Educação
Infantil.
125
da falas das professoras nos grupos focais, podemos dizer que não foram opiniões unânimes,
pois se evidenciaram divergências de idéias entre as educadoras, o que indica que o discurso
pedagógico não é tão homogêneo, mas formado por uma variedade de discursos sobrepostos e
interligados. Além disso, o senso comum, a partir das experiências de vida das professoras,
A concepção de que a criança é pura por natureza, passível de ser corrompida pelas
influências do meio, é cara para as professoras. Com a mesma intensidade, uma das vias
apresentadas pela maior parte das educadoras refere-se à influência dos pais, da família, na
implicação por parte das professoras nesse contexto, pois se tudo depende da família, a escola
não teria o que fazer em relação a essa problemática. Também foi abordada pelas
profissionais a idéia da agressividade ser uma fase do desenvolvimento. Consideram que essa
etapa deveria ser superada a partir da evolução e adequação. Haveria um modelo padronizado
agressividade como forma de expressão. Não tendo acesso completo à linguagem, a criança
A tentativa de controle por parte da escola e realizada pelas professoras foi uma das
infantil demonstram uma preocupação efetiva em relação ao seu papel frente aos seus alunos.
Já que não recebem das famílias o apoio que consideram necessário para o pleno
desenvolvimento das crianças, acreditam que precisam fazer algo por seus alunos, no caso,
conversar com as crianças lhes trazendo exemplos, encaminhando para outros profissionais,
126
proibindo brincadeiras de conteúdos agressivos e outras buscando interagir mais com seus
alunos.
Através dos relatos das professoras, a exclusão seria uma das implicações referentes
ao modo como concebem a agressividade, advindas das próprias crianças em relação aos
colegas que se manifestam a partir de atitudes agressivas. Outra conseqüência apresentada nos
grupos focais se refere ao controle, o qual passa a ser feito a partir de uma formalização,
representada pela ritualização das atividades diárias que fazem parte do cotidiano da educação
infantil, bem como da normatização: regras e normas atribuídas para as mais simples tarefas
realizadas na escola. Contudo, houve também falas de educadoras que procuram interagir de
outro modo com seus alunos ditos agressivos, isto é, através do diálogo, do interesse pela
Compreendemos que a agressividade pode ser entendida como uma mensagem a ser
decifrada, como algo a ser escutado pelo outro. A agressividade, possuindo um objeto
se estruturando num determinado laço social. Ao mesmo tempo em que estão sendo definidas
suas bordas, depara-se com limitações, imperativos e renúncias que fazem parte da vida em
sociedade. Como o homem é um ser social, depende do outro para se constituir, com a
127
com seu possível interlocutor. Dessa forma, o professor deixaria de ocupar um lugar de
alteridade, permitindo que a mensagem enviada pela criança não fosse recebida.
Portanto, ao chegar ao final dessa pesquisa, formulamos questões que, talvez, possam
constituir o cerne de novos trabalhos. O discurso escolar, assim como ele se configura, tem
eu. Ainda há uma forte ligação entre os conceitos agressividade e violência, bem como a idéia
mudança de discurso? É possível supor uma modificação neste discurso? Se houvesse esta
reconhecer uma diferenciação entre violência e agressividade, pensamos que o foco não
estaria mais no controle dessas manifestações, mas no sentido de buscar entendê-las, ou seja,
de procurar escutar uma mensagem emitida pela criança, de poder suportar “os ruídos do
desejo de escutar, de compreender deve ter seus efeitos, ainda mais quando se trata de um eu
relação à agressividade, tanto sobre o processo educativo em si, bem como referente ao eu que
está em plena estruturação, são temas a serem aprofundados através de novas pesquisas.
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