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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ

ROBERTA CAVALHEIRO HAUSHAHN

CONCEPÇÕES DE AGRESSIVIDADE NO

ÂMBITO DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Ijuí,

2007
2

ROBERTA CAVALHEIRO HAUSHAHN

CONCEPÇÕES DE AGRESSIVIDADE NO ÂMBITO DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em


Educação nas Ciências da Universidade Regional
do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul –
UNIJUI, como requisito parcial à obtenção do
título de mestre.

Orientador: Prof. Dr. Luís Fernando Lofrano de Oliveira

Co-orientadora: Profª. Drª. Cláudia Luíza Caimi

Ijuí,

2007
RESUMO

O presente trabalho trata das concepções de agressividade no âmbito da educação infantil.


Toma-se como referencial a psicanálise freudo-lacaniana, o que permite considerar a
agressividade uma tendência estruturante do eu. O ponto de partida deste estudo são os
questionamentos de professoras de educação infantil em relação às manifestações agressivas
de seus alunos, evidenciando uma carência de discussões e informações sobre este assunto. O
objetivo central do trabalho consiste em constatar o discurso que perpassa o contexto escolar a
respeito da concepção de agressividade e suas implicações na educação infantil. Para tanto,
entende-se como essencial definir a noção de agressividade procurando diferenciá-la da de
violência, a partir de referenciais oriundos do senso comum, da filosofia, da psicologia e,
principalmente, da psicanálise. A fim de compreender o âmbito da educação infantil, busca-se
também identificar as especificidades e os pressupostos básicos deste segmento do ensino.
Além da pesquisa bibliográfica, utilizam-se como metodologia os grupos focais destinados à
escuta de professoras de educação infantil da rede municipal de ensino de Panambi/RS acerca
da agressividade na primeira etapa da educação básica. Assim, destacam-se concepções da
agressividade como resultado das influências do meio, como fase do desenvolvimento ou
como forma de expressão. A partir desse resultado, inferem-se implicações advindas das
diferentes concepções de agressividade presentes no discurso dos professores, analisando-se a
possibilidade de a educação conceber a agressividade como decorrência de um processo de
constituição do eu.

Palavras-chave: agressividade, educação infantil, estruturação do eu.


ABSTRACT

The present paper deals about the aggressiveness conceptions in the extent of the infantile
education. It is taken as referential the freud-lacaniana psychoanalysis, what allows
considering the aggressiveness a building tendency of me. Part of the teachers' questions of
infantile education in relation to their students' aggressive manifestations, evidencing a lack of
discussions and information on this subject. The central objective of the paper consists of
verifying the speech related to the school background regarding the aggressiveness conception
and their implications in the infantile education. So, we understand as essential to define the
aggressiveness notion trying to differentiate it from violence, from referential originating
from the common sense, from philosophy, from psychology and, mainly, from
psychoanalysis. In order to understand the extent of the infantile education, we also look for
to identify the specificities and the basic presuppositions of this segment of the teaching.
Besides the bibliographical research, it is used as methodology the focal groups destined to
listen to teachers of infantile education from the municipal net of teaching of Panambi / RS
concerning the aggressiveness in the first stage of the basic education. So, are highlighted
conceptions of the aggressiveness as a result of the influences of the environment, as phase of
the development or as expression form. From this result, implications that come from the
different present aggressiveness conceptions are inferred in the teachers’ speech, analyzing
the possibility of the education to conceive the aggressiveness as consequence of a process of
constitution of the me.

Key words: aggressiveness, infantile education, structuring of the me.


DEDICATÓRIA

Às crianças que, ao “destruir” seus lobos e

monstros, geram inquietações e questões a nós

adultos.

Às professoras de educação infantil que,

com criatividade e sensibilidade, procuram

desvendar a infância.
AGRADECIMENTOS

Ao Programa de Pós-Graduação Mestrado em Educação nas Ciências, pela acolhida

de meu tema de pesquisa.

Aos professores do colegiado do curso e, em especial:

ao Professor Luís Fernando Lofrano de Oliveira, meu orientador, pelo entusiasmo

relacionado ao estudo direcionado às questões da agressividade, bem como pelo espaço

propiciado para meu crescimento enquanto pesquisadora;

à Professora Cláudia Luíza Caimi, minha co-orientadora, por ser fundamental para que

minhas indagações tomassem forma de pesquisa.;

à Professora Noeli Valentina Weschenfelder, porque além de escutar minhas angústias

durante o processo de escrita, motivou-me a continuar pesquisando temas relacionados à

infância;

à Professora Ângela M. Schnneider Drügg, pela clareza, objetividade e precisão em

suas contribuições.

À minha supervisora, Tânia M. de Sousa Borba, porque ao acompanhar minha vida

profissional, escutou as indagações iniciais a respeito do tema deste estudo.


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Ao Carlos, meu marido, pelo incentivo incondicional relacionado aos meus

empreendimentos e pela oportunidade de sonharmos juntos e vivermos com cumplicidade este

momento tão especial de nossas vidas.

Aos meus pais que, em todos os momentos, acreditaram que eu pudesse atingir meus

objetivos, vibrando a cada pequena conquista.

Ao meu querido irmão, familiares e amigos que foram suporte em momentos felizes e

difíceis no decorrer deste período de estudos.

Às amigas Édina F. Simão e Seomara T. Menegazzi que tanto me inspiraram para o

ingresso neste curso, acompanhando-me e apoiando-me nesta caminhada.

Aos colegas de curso e, em especial, às participantes da comunidade de leitoras

Crisálida (Grupo de Estudos sobre a Infância e a Juventude), com quem compartilhei leituras,

escritos, preocupações, alegrias e, principalmente, aprendizagens.

Às proprietárias da Escola de Educação Infantil Jardim de Infância Futuro Feliz, Inge

Schneider e Romi Schneider Pomina, pela oportunidade de trabalho na área de Psicologia

Escolar, onde se formularam os primeiros questionamentos que fomentaram esta pesquisa.

À Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Panambi/RS, através da secretária

de Educação e Cultura, Nara Viviane Gräff e à Coordenadora de Educação Infantil, Ana Paula

Cardias, pelo entusiasmo com que receberam a proposta de trabalho e por possibilitarem as

condições necessárias para que a pesquisa se realizasse com as professoras da rede municipal

de ensino.

Às professoras da rede municipal de Educação Infantil que aceitaram o convite para

participar da pesquisa, com suas concepções, experiências e indagações.

A Deus, pela vida que me concedeu, repleta de desafios, realizações e oportunidades.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 08

1 AGRESSIVIDADE – DO SENSO COMUM À PSICANÁLISE ................... 12


1.1 Considerações iniciais sobre a agressividade................................................... 13
1.2 A agressividade na teoria psicanalítica............................................................ 18
1.2.1 Apontamentos sobre o processo civilizatório......................................... 19
1.2.2 O complexo de Édipo – inserção na cultura............................................ 22
1.2.3 A teoria das pulsões................................................................................ 23
1.2.4 Estádio do espelho e a constituição do eu............................................... 28
1.2.5 Instâncias responsáveis pela consciência moral...................................... 32
1.2.6 Sobre a pulsão de morte.......................................................................... 34
1.2.7 A vida em sociedade............................................................................... 38

2 A EDUCAÇÃO INFANTIL E SUAS ESPECIFICIDADES........................... 42


2.1 A escola como lugar da infância – a educação do futuro cidadão................. 44
2.2 “Emílio” – A educação de um bom selvagem............................................... 49
2.3 Escolas de educação infantil: medidas de proteção à infância....................... 53
2.4 Especificidades da educação infantil brasileira na contemporaneidade........ 58
2.5 A criança da educação infantil na atualidade...................................... 64
2.6 Considerações sobre a educação a partir de leituras psicanalíticas................ 67

3 A AGRESSIVIDADE NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL........ 75


3.1 A viabilização dos espaços de fala – apontamentos sobre a metodologia..... 75
3.2 A criança e a agressividade sob o olhar das educadoras................................ 80
3.3 O que fazer com a agressividade?.................................................................. 92
3.4 Implicações da agressividade no processo educativo.................................... 107
3.5 Agressividade – uma mensagem a ser lida.................................................... 115

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 119

REFERÊNCIAS...................................................................................................... 127

OBRAS CONSULTADAS..................................................................................... 132


INTRODUÇÃO

Agredir, agressão, agressivo, agressividade... Tais palavras estão cada vez mais

presentes no âmbito escolar, através do discurso de professores que se apresentam

preocupados e perplexos frente às manifestações de agressividade apresentadas pelas crianças.

Este é um tema que suscita muitos questionamentos aos profissionais da educação e que

transparece através de suas queixas.

Constatamos tais preocupações, primeiramente, através do cotidiano das clínicas de

psicologia, as quais recebem freqüentemente o encaminhamento de crianças e adolescentes,

geralmente por indicação da escola, em função da agressividade. Chama a atenção o quanto as

manifestações agressivas mobilizam as escolas e os educadores, a ponto de recorrerem a outro

profissional para que possam lidar com essas questões. Entre outros fenômenos, o que é

relacionado com agressividade ganha destaque, pois denuncia um certo limite à educação.

Faz-se necessário buscar alguma alternativa, em outros campos do conhecimento que, talvez,

possam dar uma resposta ao que parece fora do controle.

Ao trabalharmos em uma assessoria de psicologia escolar, direcionada a uma escola de

educação infantil, constatamos que as indagações a esse respeito passam a tomar o foco das

preocupações e queixas das professoras. A agressividade vai tornando-se o centro de uma

nova experiência de trabalho.


10

As professoras relatam a dificuldade em trabalhar com alunos que se manifestam com

atitudes agressivas, alegando que, mesmo usando várias alternativas e estratégias para o

controle de tais situações, não obtêm sucesso em suas tentativas. Elas mostram um “não

saber” em relação a esse fenômeno. Proibir brincadeiras que envolvam atitudes agressivas

acaba sendo, muitas vezes, uma das formas utilizadas com o intuito de amenizar a

agressividade presente entre as crianças, pois há o receio de que essas brincadeiras agressivas

estejam incentivando a violência e, por isso, devem ser banidas. Percebemos uma certa

imprecisão no uso dos termos violência e agressividade.

A agressividade que se evidencia no brincar e na fantasia das crianças marca com mais

veemência esse “não saber” das educadoras. Matar, por exemplo, é considerada uma atitude

errada. Como a escola iria consentir tal brincadeira? Ao mesmo tempo, reconhecem que

parece haver uma necessidade por parte da criança de destruir determinado personagem,

aniquilar aquele que a ameaça, mesmo que seja através de seu brincar.

Compreender que essa manifestação indica a existência de uma agressividade no

pequeno ser humano não é tão simples, pois a noção de infância vem carregada de

significações relativas à pureza, ao angelical, ao naturalmente bom. Começamos a nos

questionar sobre quais possibilidades de se lançar um olhar diferenciado à questão da

agressividade, se o discurso pedagógico ainda permanece com essa concepção de infância.

Essa trajetória vai indicando um tema a ser pesquisado. Tal temática, pertinente e

atual, encontra espaço e suporte para ser discutida no Mestrado em Educação nas Ciências,

cuja proposta amplamente interdisciplinar vai dando forma ao que antes eram apenas

questionamentos.

Em vista dessas considerações iniciais, esta pesquisa tem como objetivo central

identificar as concepções de agressividade no contexto da educação infantil e suas

implicações no processo educativo. Tendo esta finalidade definida, optamos por discutir o
11

tema a partir do conceito de agressividade em psicanálise, dos principais fundamentos da

educação infantil e do discurso dos professores de educação infantil.

Primeiramente, buscamos conceituar o termo agressividade, procurando diferenciá-lo

do conceito de violência, a partir do senso comum, da filosofia e, com maior ênfase, da

psicanálise freudo-lacaniana. Com base neste referencial, a agressividade é apresentada como

uma tendência estruturante do eu. Para trabalhar com essa concepção, procuramos fazer uma

retomada de como a questão da agressividade é apresentada e vai sendo elaborada na obra

freudiana. Dentro ainda dessa discussão, as formulações de Lacan a respeito dessa temática

são determinantes para o entendimento da agressividade como decorrência de um processo de

constituição do eu.

Num segundo momento deste trabalho, constatamos que é imprescindível trazer

alguns apontamentos acerca do universo da educação infantil, procurando identificar alguns

pensamentos que constituem a base da educação direcionada às crianças da faixa etária

pertencente a esse segmento do ensino. Como nosso objetivo se refere às concepções de

agressividade no âmbito da educação infantil, entendemos ser pertinente o estudo dos seus

fundamentos e das suas especificidades. Para essa discussão, recorremos a autores clássicos,

como Rousseau, assim como a historiadores e estudiosos do campo da educação infantil.

Para identificarmos o que perpassa o discurso escolar a respeito da concepção de

agressividade e das suas implicações no processo educativo, parece adequado e pertinente dar

espaço para os sujeitos envolvidos diretamente com a problemática, pois o lugar do qual o

sujeito enuncia-se tem relação com a sua verdade, com o seu posicionamento frente aos

outros, dentro de uma rede de linguagem. O fato de esta pesquisa estar calcada na teoria

psicanalítica, a qual pode ser definida como uma experiência que provém da palavra, justifica

tal abordagem. Nesse sentido, além da metodologia ser composta por revisão bibliográfica,

optamos também pela coleta de dados através de grupos focais, nos quais foi possível a escuta
12

das professoras de educação infantil, da rede municipal de ensino de Panambi/RS, que

aceitaram o convite para debater sobre o tema principal deste trabalho, a agressividade na

educação infantil. Na terceira parte da pesquisa, há referências às falas dessas educadoras,

ilustrando a discussão realizada.

Ao discutirmos sobre a agressividade no âmbito da educação infantil, a aproximação

da teoria com o campo empírico é inevitável. Nessa etapa da análise são levantados

questionamentos que se referem às conseqüências advindas das concepções de agressividade

no discurso pedagógico, procurando analisar as implicações de uma imprecisão das noções de

violência e agressividade. Para finalizar, é problematizada a possibilidade de a educação

conceber a agressividade como decorrência do processo de constituição do eu, ou seja, como

movimento da formação de um pólo de enunciação e, portanto, de criação.


1 AGRESSIVIDADE – DO SENSO COMUM À PSICANÁLISE

O tema central deste capítulo é o conceito de agressividade. Para falar sobre

agressividade, podemos tomar vários caminhos. Podemos optar pela via jurídica, a partir dos

crimes de agressão, a partir das patologias que geram comportamentos agressivos ou, ainda, a

partir do senso comum, pois em geral há muitas falas a esse respeito, mas, quase sempre, com

pouca fundamentação. Ao iniciar essa discussão, buscamos os significados mais gerais do

termo “agressividade”, estabelecendo diferenciação com a palavra “violência”, já que ambas,

em vários momentos, são tomadas como sinônimas. Entendemos como fundamental essa

definição por supor que a falta de precisão pode gerar conseqüências, pois a forma como se

concebe algo determina comportamentos e posicionamentos frente a determinado fator.

Para definirmos o que é a agressividade, é necessário identificar, primeiramente, o que

se refere ao senso comum. Realizamos essa busca a partir do uso de dicionários e

enciclopédias generalistas de grande circulação. Em seguida, buscamos a etimologia desses

termos, pois a origem das palavras pode contribuir para o entendimento de seus significados.

A filosofia é outro campo do conhecimento no qual buscamos fundamentação para ampliar a

noção de agressividade. O interesse da filosofia pelo tema é apresentado através dos estudos

de Hannah Arendt, em função da consistência de sua obra “Da violência”. Apesar dessa obra

focalizar-se na questão do poder e da violência, é possível, a partir dela, tecermos algumas

considerações sobre o foco deste estudo. Também recorremos aos estudos da psicologia sobre

a agressividade, a partir das pesquisas de Konrad Lorenz, autor que se destaca dentro da sua

área por buscar respostas sobre esse tema. Com maior ênfase, apresentamos os estudos

psicanalíticos sobre a agressividade, formando a maior parte deste capítulo, pois esse é o

referencial predominante de meu trabalho. Além disso, é nesse campo teórico que se
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identificam maior coesão e consistência no que se refere às especificidades do termo

agressividade, inclusive na distinção do uso da palavra violência.

1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE A AGRESSIVIDADE

Inicialmente, podemos ter uma rápida definição do termo agressividade, buscando o

seu significado em dicionários de grande circulação. De acordo com a Grande Enciclopédia

Larousse Cultural (1988), agressividade é definida como “tendência a atacar, a provocar” (p.

116). No dicionário de Celso Pedro Luft (1987), essa palavra é apenas citada como um

substantivo relacionado ao adjetivo agressivo, o qual é conceituado como aquele que envolve

ou denota agressão. Já agressão é apresentada como “1. Ação ou efeito de agredir v. 2.

Investida física. 3. Ferimento; surra. 4. Provocação; insulto; ofensa.” (p. 16)

Muitas vezes, o termo agressividade acaba sendo usado como sinônimo de violência.

Conforme a Grande Enciclopédia Larousse Cultural (1988), violência é “1. Qualidade ou

caráter de violento. 2. Ação violenta: cometer violências. 3. Ato ou efeito de violentar.” (p.

6.084) Ao verbete “violento”, apresenta a seguinte explicação: “1. Que atua com força, com

ímpeto; forte, impetuoso (...). 2. Em que se usa força bruta: ação violenta. 3. Colérico,

irascível, arrebatado: gênio violento. 4. Intenso, veemente (...). 5. Contrário ao direito, à

justiça, à razão: decreto violento.” (p. 6.084) No dicionário de Celso Luft, o verbete violência

é complementado com a seguinte definição. “2. Constrangimento físico ou moral.” (p. 574)

Etimologicamente1, identificamos grandes diferenças. A palavra “agressivo” vem do

latim: “gradior” que significa movimento para frente. Outra definição etimológica encontrada

para o verbo agredir2 esclarece que, em latim, “ad” significa “na direção de”, e “gradí” se

refere a “ir, caminhar”, fazendo observar que possui a mesma origem etimológica de

1
Cf. site www.sedes.org.br/Departamentos/formacao_Psicanalise/angustia_superego.htm.
2
Cf. nota de rodapé do livro “Jogo de posições da mãe e da criança: ensaio sobre o transitivismo”, de Jean
Berges e Gabriel Balbo (2002, p. 125).
15

congresso, digressão e “gradus”, palavra latina sinônimo de passo, estágio, grau. Já a palavra

“violência”, a partir do latim seria “violentia”, que significa fúria e impetuosidade.

Na filosofia, recorremos à obra de Hannah Arendt (1970), “Da violência”, na qual a

autora estabelece uma relação entre o conceito de poder e de violência. Nesse estudo, Arendt

faz referência a teóricos que se dedicaram ao estudo da agressividade humana, os

polemólogos. A polemologia surgiu a partir da união de vários especialistas das ciências

naturais: biólogos, fisiólogos, etnologistas e zoólogos com o objetivo de entender a

agressividade no comportamento humano.

Para esses cientistas, o que ocorre com os humanos não difere muito daquilo que

ocorre entre os animais. Arendt complementa, afirmando que, a partir de uma pesquisa

realizada nas áreas sociais e naturais, o comportamento violento pode ser uma reação mais

“natural” do que se supunha até então. Todavia, afirma que não é possível fazer uma exata

correlação entre a agressividade e os demais instintos, os quais se evidenciam por

necessidades orgânicas e também estímulos externos. Esses instintos não desaparecem, não

cessam, pois a sua satisfação pode ser considerada vital. Já a agressividade, caso não seja

provocada, ou seja, instigada, pode ser reprimida. Essa repressão poderia gerar acúmulo de

energia e, a partir disso, eventuais explosões.

A agressividade, definida como um impulso instintivo, desempenharia o mesmo


papel funcional no âmago da natureza que os instintos sexual e nutritivo no processo
vital do indivíduo e da espécie. Mas ao contrário destes instintos, que são ativados
por irresistíveis necessidades orgânicas por um lado, e por estímulos externos por
outro lado, os instintos agressivos no reino animal parecem independer de tal
provocação; ao contrário, a ausência de provocação leva aparentemente à frustração
do instinto, à “repressão” da agressividade que, de acordo com os psicólogos resulta
em uma acumulação de “energia” cuja eventual explosão será mais perigosa.
(ARENDT, 1970, p. 34)

Konrad Lorenz (1903-1989), prêmio Nobel em 1973, é um dos pesquisadores que se

destaca na tentativa de explicar a agressividade, sendo um precursor dessa discussão na

psicologia. Lorenz é considerado o fundador da etologia, ciência que faz um estudo


16

comparativo dos comportamentos humano e animal. Em seu livro “Sobre a agressão” (1963)3,

afirma a existência de um papel positivo da agressividade na sobrevivência da espécie, como

o afastamento de competidores e a manutenção do território. Sustenta a idéia de que a

agressividade, no ser humano, poderia ser orientada para comportamentos socialmente úteis.

Explica, em seu livro “Por trás do espelho: uma pesquisa por uma história natural do

conhecimento humano” (1973)4, que a luta e a guerra têm uma base inata no homem, a qual,

mesmo assim, pode sofrer alterações. Para Lorenz, o comportamento agressivo não pode ser

explicado behavioristicamente, ou seja, é um comportamento inato que não depende de

estímulos, é adquirido sem a aprendizagem.

De acordo com os estudos desse pesquisador, esse suporte agressivo resultaria em

poucos danos, mas em função do desenvolvimento cultural e tecnológico foram produzidos

instrumentos, armas que multiplicaram o poder ofensivo do homem. Segundo Arendt, a razão

é o que torna o homem mais perigoso do que qualquer outro animal, ou seja, justamente o que

diferencia os homens dos animais, que é a capacidade de raciocínio, de reflexão, de

planejamento, é o elemento que leva o homem a cometer as maiores atrocidades. “É o uso da

razão que nos torna perigosamente ‘irracionais’” (ARENDT, 1970, p. 34). A autora afirma

que, freqüentemente, associa-se a agressividade somente ao irracional, ao que não faz parte do

humano, como se fosse do mundo animal. Na natureza, os animais sobrevivem através da

caça, precisam matar para se alimentar, assim como necessitam usar suas defesas para se

autopreservar. Já o homem, o qual se encontra fora do registro da natureza, mas inserido na

cultura, usa sua razão para cometer as maiores atrocidades, de acordo com suas

conveniências. Não há nada de irracional em grande parte dos atos violentos humanos, como

a tortura, a guerra ou um crime premeditado. Contudo, Arendt afirma que quando a violência

3
Cf. COBRA, Rubem Queiroz. O técnico da agressividade e fundador da Etologia. Página de educação e
comportamento. Disponível em: http://cobra.pages.nom.br.ecp-lorenz.html. Acesso em 17 nov. 2005.
4
Idem.
17

perde a função de autopreservação, quando não há uma provocação natural, passa a ser

irracional, tornando os humanos mais bestiais que os outros animais. “Utilizar a razão quando

esta é usada como uma armadilha não é ‘racional’; assim como utilizar uma arma em

autodefesa deixa de ser ‘irracional’ (ARENDT, 1970, p. 37)”.

A autora ainda ressalta que irracional seria a serenidade e o distanciamento frente às

situações difíceis, pois a ausência de emoções não causa e nem promove a racionalidade, a

apatia, sim, seria desumana. O que retira a característica de humano não são as emoções, mas

a ausência destas. Portanto, o oposto de emocional não é o racional.

Arendt também se refere a autores como Sorel, Pareto e Fanon, os quais, muito antes

de Lorenz teorizar sobre a função estimuladora da vida desempenhada pela agressividade,

glorificavam a violência. Para esses autores, a violência está ligada à criatividade, a uma força

criadora, pois a destruição e a criação seriam duas faces da mesma moeda. Contudo, Arendt

faz a seguinte ressalva. “A prática da violência, como toda ação, transforma o mundo, mas a

transformação mais provável é em um mundo mais violento” (ARENDT, 1970, p. 43).

Aceitar a visão de que a violência é algo instintivo é uma maneira de conformidade com a

destruição, como se não houvesse outra saída para compreender atitudes violentas do ser

humano, pois não passaria de uma herança biológica, algo orgânico. Sendo essa a realidade,

não haveria nada a ser modificado.

A resignação de que somos “instintivamente violentos” faz com que o homem se


curve a uma inexorabilidade igual à da morte. Faz dela seu “destino biológico” ou o
princípio e o fim de seu destino psíquico, social ou cultural. Não há, portanto,
violência instintiva, porque falar de violência é falar de uma intenção de destruir.
(VILHENA, 2002, p. 184)

Vilhena vale-se da definição de violência de Jurandir Freire Costa, autor do campo da

psicanálise que se destaca por dedicar-se a temas sociais. Em seu livro “Violência e

psicanálise”, propõe a seguinte diferenciação entre agressividade e violência. A violência


18

seria “[...] o emprego desejado da agressividade, com fins destrutivos” (2003, p. 39). A

agressividade seria apenas um instrumento de um desejo de destruição. Apesar de fazer parte

da constituição da violência, a agressividade não é o único fator responsável pelos atos

violentos. Complementa essa definição, explicando que a violência animal ocorre devido a

uma necessidade e a que é realizada pelos humanos é regida pelo desejo.

Para Costa, a ação agressiva ganha significado de ação violenta a partir da percepção

do sujeito que sofreu a violência ou de algum observador externo de que o sujeito autor da

violência possui o desejo de destruição. Portanto, para ele, não há violência instintiva, pois se

está falando de uma intenção de destruir e de um reconhecimento de um ato como violento.

Quando a ação agressiva é pura expressão do instinto ou quando não exprime um


desejo de destruição, não é traduzido nem pelo sujeito, nem pelo agente, nem pelo
observador como uma ação violenta (COSTA, 2003, p. 40).

Ao referir-se a esse caráter interpretativo para definir se é ou não violência, Costa

recorre ao conceito de ruthlessness, de Winnicott. Esse conceito remete à idéia de crueldade

ou desumanidade que o bebê teria em relação a sua mãe, pois esta é para a criança apenas

como o material nutritivo é para o animal. A agressividade do bebê recém-nascido é amoral.

“É a mãe que devolverá ao bebê o sentido de ‘maldade’ ou ‘inocuidade’ de sua agressividade

puramente instintiva” (COSTA, 2003, p.41). A mãe, na maioria das vezes, não vê propósito

agressivo nos gestos espontâneos nem na voracidade do bebê, e acaba acolhendo a vitalidade

e o amor voraz, retribuindo a partir de cuidados e carinho.

A partir da leitura desses autores que se dedicaram ao estudo da violência, assim como

da agressividade, observamos uma certa indistinção entre esses dois termos. Há tentativas de

diferenciação, mas identificamos a necessidade de avanço nesses estudos, ou seja, eles podem

ser ampliados. A agressividade, sendo tomada como sinônimo de violência, pode ser tratada e

considerada de uma determinada maneira. A concepção que se tem a respeito de um


19

determinado assunto permite que se tome uma posição, indicando a atitude a ser tomada.

Questionamos, portanto, se essa indiferenciação pode ou não trazer conseqüências.

Na tentativa de definição do conceito de agressividade, nesta etapa do trabalho, a

discussão é calcada na psicanálise. Essa referência passa a ser norteadora desta pesquisa

devido à formação da pesquisadora, que se deu no curso de Psicologia da UNIJUÍ, cujo

programa tem sua fundamentação na teoria psicanalítica. Portanto, neste capítulo, são

apresentadas algumas considerações a respeito do conceito de agressividade dentro desse

campo teórico.

1.2 A AGRESSIVIDADE NA TEORIA PSICANALÍTICA

A obra freudiana foi sofrendo transformações à medida que seu campo conceitual foi

se enriquecendo a partir das experiências clínicas de Freud, imbricadas com os seus

desdobramentos teóricos. Vários conceitos foram sendo reformulados, novos significados,

novas articulações, novos termos, entrelaçados com o que já estava teorizado anteriormente.

Essa produção é uma prova de que o conhecimento não é estanque, não se fecha, não se

esgota, mas vai se construindo à medida que o pesquisador continua investigando, refletindo,

elaborando. Esses desdobramentos também foram ocorrendo com o conceito de

agressividade.

De acordo com Mezan (1982)5, os últimos vinte anos da obra freudiana foram

dedicados ao estudo do fenômeno da agressividade, a partir do conceito de “pulsão de morte”.

Mesmo assim, ainda antes de 1920, em vários registros já se constata o reconhecimento da

existência da agressividade na vida psíquica. Mezan auxilia na identificação de tais

momentos: na transferência negativa, nas resistências à terapia, no dito espirituoso hostil e na

5
Este autor destaca-se em função da consistência de sua obra “Freud: a trama dos conceitos” (1982), na qual
realiza um apurado estudo a respeito do desenvolvimento dos principais conceitos da teoria freudiana.
20

relação edipiana. Porém, a concepção de agressividade vai se modificando devido à conclusão

de que não há uma independência das tendências agressivas, ou seja, elas não são totalmente

isoladas das demais pulsões. Identifica-se a co-existência de tendências à ligação e à

separação, de conservar e destruir. Eros e Tânatos estão interligados e não são mais

considerados oposições.

Para avançarmos no tema em questão – a agressividade – percebemos a necessidade

da compreensão e do desenvolvimento de algumas idéias chaves: as pulsões, a compulsão à

repetição, a formação do eu e o processo civilizatório do homem.

1.2.1 Apontamentos sobre o processo civilizatório

Freud (1930) situa a civilização como o conjunto de obras, organizações e instituições

que afastam o homem do estado animal dos seus ancestrais. Teria duas finalidades principais:

proteger o homem contra a natureza e regular as relações dos homens entre si. Segundo Millot

(1995), o primeiro objetivo foi alcançado, mas o segundo não obteve tanto êxito.

Pensando na história da civilização, a partir da análise de Freud, presente no início de

sua obra, é possível observar que a crueldade e o instinto sexual estão ligados intimamente na

vida de seus ancestrais. Até então, não havia muitos estudos sobre essas relações, a não ser o

fato de serem ressaltados os elementos agressivos da libido.

No texto “Moral sexual ‘civilizada’ e doença nervosa moderna” (1908), Freud chama

atenção para o fato de que a cultura se baseia na renúncia que cada indivíduo faz em relação à

plenitude de seus poderes e suas inclinações agressivas.

Nossa civilização repousa, falando de modo geral, sobre a supressão dos instintos.
Cada indivíduo renuncia a uma parte dos seus atributos: a uma parcela do seu
sentimento de onipotência ou ainda das inclinações vingativas ou agressivas de sua
personalidade. Dessas contribuições resulta o acervo cultural comum de bens
materiais e ideais. Além das exigências da vida, foram sem dúvida os sentimentos
21

familiares derivados do erotismo que levaram o homem a fazer essa renúncia, que
tem progressivamente aumentado com a evolução da civilização (FREUD, 1980,
p.192).

O fato de os homens cederem dessa forma seria motivado por Eros, ou seja, pela

possibilidade de se preservar a vida, contribuindo assim para o desenvolvimento cultural. Na

época em que escreveu esse texto, Freud criticava a severa moral vitoriana. Para ele, a

extrema renúncia às satisfações pulsionais seria a causa de doenças e, principalmente, das

neuroses.

A experiência nos ensina que existe para a imensa maioria das pessoas um limite
além do qual suas constituições não podem atender às exigências da civilização.
Aqueles que desejam ser mais nobres do que suas constituições lhes permitem são
vitimados pela neurose. Esses indivíduos teriam sido mais saudáveis se lhes fosse
possível ser menos bons (FREUD, 1980, p. 197).

Os tabus que recaíam sobre a sexualidade, segundo ele, bloqueavam a investigação

científica, ou seja, a interdição ao sexo também recaía no pensamento. Entendemos que o

autor aponta alguns riscos que corriam os homens, ao esforçarem-se para se adaptar às

exigências culturais. Segundo ele, estariam querendo ser superiores, sobre-humanos, acima de

suas condições estruturais e, por isso, poderiam adoecer. Será que também estava se referindo

à interdição das tendências agressivas? Que conseqüências teriam tais interdições? Qual o

destino das pulsões ligadas à agressividade? Millot, pautada nos escritos freudianos, auxilia

no esclarecimento dessas questões:

Homo homini lupus: é a agressividade humana que, erguendo os indivíduos uns


contra os outros, representa uma ameaça para toda a comunidade e obriga a
civilização a desviar a libido de seu fim primitivo para contrabalançar as forças
dissolventes das tendências agressivas (MILLOT, 1995, p. 111).

Portanto, o sacrifício das tendências sexuais e agressivas é, primeiramente,

considerado causador de doenças. Posteriormente, Freud conclui que não seriam as restrições
22

impostas pela civilização que trariam danos à psique e, dessa forma, não acreditava mais em

uma prevenção das neuroses. Passou a considerar que fatores intrínsecos à constituição

psíquica do ser humano, por si só, seriam responsáveis pelo desencadear de determinadas

manifestações neuróticas.

No texto “Reflexões para os tempos de guerra e morte” (1915), escrito seis meses

depois do início da Primeira Guerra Mundial, Freud afirma que não existe homem bom ou

ruim, pois os “impulsos primitivos” da humanidade não desaparecem em nenhum dos

indivíduos. Tais sentimentos malignos ficariam no inconsciente, a espera de momentos em

que pudessem ser colocados em prática. A educação e a cultura teriam o papel de substituir as

más inclinações do homem por uma tendência a fazer o bem. As moções primitivas sofreriam

uma certa evolução até a vida adulta. Elas seriam inibidas, dirigidas para outras metas,

mudariam seus objetos e se voltariam, em parte, sobre os mesmos. Isso aconteceria a partir

das formações reativas: o egoísmo se transformaria em altruísmo, a crueldade, em compaixão.

Nesse período, ele considerava que a reforma das pulsões fosse resultado de alguns fatores

inatos, como o fato de pulsões egoístas se transformarem em pulsões sociais, pela necessidade

do ser humano em ser amado, assim como de fatores externos que consistiam na educação e

nas exigências do meio cultural. “A sociedade civilizada, que exige boa conduta e não se

preocupa com a base instintual dessa conduta, conquistou assim a obediência de muitas

pessoas que, para tanto, deixam de seguir suas próprias naturezas” (FREUD, 1980, p. 321).

Em várias etapas de suas elaborações, Freud se refere às tendências agressivas como

moções primitivas, selvagens,... Para ele, o homem primitivo seria marcado por características

malignas, destrutivas, repleto de sentimentos egoístas e impulsos cruéis.

Como marco desse pensamento, podemos nos referir a “Totem e tabu” (1913), obra

em que Freud, embasado em Darwin, retrata a horda primitiva como modo de vida dos

primórdios. Haveria um pai extremamente severo, o qual é assassinado pelos seus filhos. Em
23

seguida, comemoram comendo o pai, retratando uma busca de identificação, pois necessitam

incorporar sua força. Posteriormente, se apresenta o sentimento de culpa, o arrependimento, o

que torna o pai morto mais forte que antes, exigindo-se a criação de um totem. A partir daí,

surgem as proibições, as interdições. Um pacto entre os irmãos passa a ser necessário, pois a

rivalidade entre eles, em função do poder e da posse das mulheres, coloca em risco o grupo.

Então passou a se instaurar a proibição do assassinato e se abdicou das mulheres do grupo,

pois nenhum devia ou podia ser como o pai.

Segundo Freud, em seu trabalho “O mal-estar na civilização” (1930), haveria um

impulso erótico interior que ordena os seres humanos a unirem-se em uma massa. Contudo,

ele acredita que esse fenômeno ocorre devido a um sentimento de culpa. Esse sentimento, que

os irmãos da horda primitiva sentem após o assassinato do pai, hipoteticamente, cada

indivíduo desenvolveria com o complexo de Édipo.

1.2.2 O complexo de Édipo – inserção na cultura

Freud, a partir da filogenética, explica a estrutura que perpassa a vida de cada homem

de maneira individual através de um processo semelhante: o complexo de Édipo. A idéia da

horda primitiva, segundo Millot (1995), nunca foi provada, mas Freud não abre mão dela por

observar que o complexo de Édipo aconteceu de forma universal, repetindo-se em todos os

seus analisados. A abundância de amor e ódio em relação aos progenitores, a hostilidade entre

irmãos e a necessidade de abdicar-se de algumas satisfações para a permanência em sociedade

mantinham-se presentes.

Com o complexo de Édipo, Freud já admite que haja uma conjunção de desejos

amorosos e hostis no início da vida de cada ser humano. A passagem pelo Édipo se dá entre

dois ou três anos, tendo caráter universal. Esse conceito percorre toda a obra freudiana, sendo
24

de 1910 a primeira inserção com essa terminologia. Já em 1897, em uma carta que escreve a

Fliess, refere-se ao mito grego de Édipo-Rei, como algo que lhe teria acontecido: sentimentos

de amor em relação a sua mãe e ciúmes em relação ao seu pai.

Entender o conceito psicanalítico complexo de Édipo implica entender que o menino

teria como objeto de desejo sua mãe e, portanto, rivalizaria com seu pai. Com a ameaça de

castração, deixaria de desejar essa mulher que é do pai, passando a identificar-se com ele e

ficaria livre para querer outra mulher que não fosse a sua mãe. Constata-se que a hostilidade e

o amor ficam bem próximos. Já na menina, o complexo se inicia quando ela se percebe

inferior em relação ao menino, pois já se sente castrada por constatar que não tem pênis. Isso

gera uma hostilidade em relação à mãe por esta não lhe prover o falo, como tem o pai. Passa,

por conseguinte, a desejar o pai. Porém, percebe que, para ter o pai, precisa identificar-se com

a mãe. A dissolução do Édipo na menina não é tão clara como no menino, pois é como se

ficasse em aberto, não resolvido, o que traria particularidades à psique feminina. Esse

fenômeno estaria presente na vida de todos, mas tais recordações estariam sob efeito do

recalque, o que dificultaria o acesso a essas lembranças ao consciente. Essa hostilidade

apresentada na relação edipiana é identificada por Mezan (1982) como uma das maneiras

como Freud aborda a questão da agressividade.

1.2.3 A teoria das pulsões

Por estarem amor e ódio tão próximos, essa ambivalência de sentimentos e desejos

recebe um esclarecimento somente a partir da teoria das pulsões. Já em 1890, Freud indagava-

se sobre a origem da força de viver do ser humano e sobre a fonte da força dos sintomas

neuróticos, demonstrando que já suspeitava que se tratava de um mesmo tipo de força. Acaba

concluindo que a pulsão pode ser conceituada como uma força constante, considerando-a um
25

conceito fronteiriço, ou seja, que está entre o anímico e o somático, como se fosse um

representante psíquico dos estímulos provenientes do interior do corpo, alcançando a alma.

Muitas vezes, o conceito de pulsão é confundido com instinto, sendo usado, com

freqüência, como um sinônimo. Em parte, isso acontece devido às traduções equivocadas que

são feitas desse termo usado por Freud. É pertinente cogitar, também, a idéia de que a busca

pela cientificidade da psicanálise desencadeasse essa tendência em usar termos mais próximos

à biologia, ou seja, relativos às ciências exatas. Ao definir a diferença entre tais terminologias,

é possível afirmar que o instinto se refere ao mundo animal, às necessidades orgânicas de

cada ser. O animal, por exemplo, pensando de modo geral, logo ao nascer, vai, de forma

instintiva, buscar os alimentos necessários a sua subsistência. Já o ser humano precisa ser

apresentado por outro ser humano àquilo que vai satisfazer as suas necessidades. Dessa forma,

apesar de haver a necessidade de alimentação, por exemplo, ele vai desejar alimentar-se com

um ou outro alimento, não tendo uma forma específica ou determinada para satisfazer a fome

de todos os seres humanos. Assim como em outras situações, nota-se que há algo diferente

que move o homem no seu viver, ou seja, a pulsão é sua mola propulsora. O instinto, portanto,

além de prescindir da alteridade, é pré-determinado, ao passo que a pulsão se organiza na

mediação com o outro, nas relações sociais que ocorrem mesmo antes do nascimento do bebê

humano, a partir da linguagem parental.

Como outros conceitos freudianos, o conceito de pulsão também foi se desenvolvendo

durante toda sua obra. Na chamada primeira teoria das pulsões, Freud utiliza-se de duas

categorias: as pulsões do eu ou de autoconservação e as pulsões sexuais. As pulsões do eu

seriam exatamente relacionadas à conservação do próprio indivíduo, abarcando as grandes

necessidades, como de alimentar-se, de defender-se, ou seja, das funções de importância vital.

Já o segundo grupo, destinado às pulsões sexuais, seriam aquelas ligadas à sexualidade e à

conservação da espécie, quando não deslocadas para uma das vias consideradas perversas.
26

Neste primeiro dualismo pulsional, as pulsões sexuais estavam ligadas exclusivamente ao

princípio do prazer, as quais dificilmente se submeteriam a uma educação, trazendo ameaças

ao equilíbrio do funcionamento psíquico.

Freud inicia um afrouxamento nessa dualidade com a noção de narcisismo, de 1914.

Esse conceito é fundamental para o entendimento da constituição psíquica do sujeito. O

narcisismo se refere ao fenômeno em que o indivíduo atribui ao seu corpo um tratamento

semelhante ao que daria ao corpo de um objeto sexual. Segundo ele, todo ser vivo teria um

egoísmo inerente à pulsão de autoconservação, procurando desvincular o narcisismo da idéia

de perversão. O narcisismo é considerado estruturante do eu, pois no texto freudiano é

afirmado que o eu não está presente desde o início da vida do indivíduo. Este primeiro

investimento pulsional, chamado por Freud de auto-erotismo, participa desta estruturação.

Com essas elaborações, o autor inicia uma nova concepção acerca do dualismo

pulsional, pois começa a afirmar que tanto as pulsões do eu como as sexuais atuam em união,

com interesses narcisistas. Não mais haveria motivo para separação tão abrupta entre pulsões

sexuais e pulsões do eu, pois o eu também passa a ser considerado objeto sexual. Em 1915,

Freud escreve “Os instintos e suas vicissitudes”, obra na qual apresenta, com mais nitidez,

esclarecimentos sobre a pulsão, considerado um conceito cabal para a teoria psicanalítica. É

interessante que, logo no início desse texto, ele faz uma ressalva referente às tentativas de

definir-se e conceituar, afirmando que o progresso científico não tolera nenhum tipo de

rigidez e, nem ao menos, as definições.

Cada pulsão possui uma meta, um objeto, uma fonte e uma força. A meta de cada

pulsão é invariável, mas o caminho que será usado para alcançar a meta pode ser diverso. É

pelo objeto que se atinge a meta, ou seja, a satisfação. O objeto é o que mais sofre variações,

não precisando ser sempre algo exterior, pois pode ser alguma parte do próprio corpo. A fonte

é entendida como o processo somático, o qual provém do interior de um órgão. A força se


27

configura pelo seu fator motor, sendo a medida da exigência de trabalho imposto ao aparelho

psíquico.

Ainda nesse texto, Freud apresenta os destinos das pulsões ou suas vicissitudes. São

apresentados quatro destinos para as pulsões:

a) transformar-se em seu contrário (de atividade para passividade, de sadismo para

masoquismo, de amor em ódio);

b) voltar-se para a própria pessoa, como no caso do sadismo que se transforma em

masoquismo, pois a meta não se altera;

c) o recalcamento, considerada a “... pedra angular sobre a qual repousa toda a

estrutura da psicanálise” (FREUD, 1980, p.26), consistiria no fenômeno de

rechaçar algo da consciência e mantê-lo no inconsciente;

d) a sublimação, que é um processo inconsciente visto como o destino mais raro e

mais perfeito, pois substitui um objeto sexual por um não sexual, alterando

também seu objetivo, promovendo a produção de atividades valorizadas

socialmente.

Pensamos que o entendimento dos destinos das pulsões seja importante para

compreender a lógica da elaboração freudiana acerca da pulsão. Esse conceito toma outras

proporções no decorrer de sua obra, e esta compreensão torna-se necessária, à medida que

supomos que a agressividade decorre da pressão da pulsão na estruturação do eu.

Quando se fala em pulsões com referência à educação, logo se remete à sublimação,

esse processo responsável pelas criações artísticas, pela vontade de saber, pela inventividade.

Por mais que, nesta pesquisa, trate de assuntos diretamente ligados à educação, não

trabalhamos o conceito de sublimação. Na procura das concepções de agressividade em

educação infantil, atribuímos ênfase às pulsões de agressão.


28

Freud reluta, um bom tempo, em admitir a importância da agressividade. Já em 1908,

a idéia de uma pulsão de agressão é defendida por Adler, mas Freud não leva em

consideração. Como foi mencionado anteriormente, somente em 1920 ele começa a dar

atenção aos fenômenos agressivos. No início da obra freudiana, a agressividade está presente

quando se fala das relações entre amor e ódio, do sadismo e do masoquismo. Quando o objeto

representa a sensação de prazer, há uma tendência a buscar uma aproximação com esse objeto

que se ama. O inverso seria a tendência a procurar manter distância deste, e o ódio surge

como inclinação à agressão. Mezan (1982) afirma que o ódio é a agressividade dirigida ao

exterior, tendo sua gênese num duplo movimento de fusão e defusão, ligação e separação.

Freud afirma que ódio e agressão não podem ser aplicáveis às pulsões, mas que dizem

respeito à relação do eu total com seus objetos. Tanto as pulsões de conservação como as

pulsões sexuais requerem uma relação com os objetos, com o mundo externo. Primeiramente,

o eu narcisista repulsa os objetos externos, pois há somente o auto-erotismo, e tudo que virá

do exterior pode colocar em risco o eu que está em início de estruturação. Portanto, pode-se

considerar que o ódio e a repulsa apresentam-se antes do amor no psiquismo humano, sendo

fundamentais na constituição do eu.

O narcisismo estaria ligado às pulsões de autoconservação. Mas há uma época em que

tanto as pulsões egóicas como as pulsões sexuais possuem interesses narcisistas e atuam em

união, revertendo em amor a si mesmo. Esse tempo mítico, chamado por Freud de narcisismo

primário, é marcado por uma suposta completude, um momento de total satisfação, em que

mãe e bebê parecem ser apenas um, bem como no conceito freudiano de eu ideal.
29

1.2.4 Estádio do espelho e a constituição do eu

Para Lacan, a constituição do eu é entendida e ilustrada a partir do estádio do espelho

(1949). Situado entre os seis a dezoito meses, poderia ser traduzido como “[...] uma

identificação, no sentido pleno que a análise atribui a esse termo, ou seja, a transformação

produzida no sujeito quando ele assume uma imagem [...]” (Lacan, 1998, p.97).

Em função da imaturidade do sistema nervoso do bebê humano, ou seja, de acordo

com as palavras de Lacan, “[...] por ser ainda mergulhado na impotência motora e na

dependência da amamentação [...]” (Lacan, 1998, p. 97), a criança possui uma imagem

fragmentada de seu corpo, não fazendo diferença entre seu corpo e o de sua mãe, por

exemplo. O sujeito passa de um momento pré-especular para um eu constituído através da

imagem especular narcisista. Somente a partir dos seis a oito meses a criança tem a sua

primeira imagem unificada. O bebê observa-se no espelho e busca no olhar da mãe a

confirmação de que esta imagem é sua. Como já mencionado anteriormente, o bebê humano

(até os seis meses) traz sinais neurológicos e humorais de uma prematuração natal fisiológica.

Então, essa imagem que vê é uma unidade ideal em relação à descoordenação profunda de sua

motricidade. Por volta dos oito meses, caso duas crianças se confrontem (com dois meses e

meio de diferença entre elas), constata-se um esforço de uma querer acompanhar os gestos da

outra. Isso mostra que a criança vai antecipando no plano mental a conquista da unidade

funcional de seu corpo ainda inacabado.

Para fundamentar esta elaboração, Lacan traz exemplos da biologia que demonstram o

quanto a Gestalt possui efeitos sobre a formação de outros organismos.

[...] a maturação da gônoda na pomba tem como condição necessária a visão de um


congênere, não importa de qual sexo – e uma condição tão suficiente que seu efeito
é obtido pela simples colocação do indivíduo ao alcance do campo de reflexão de
um espelho (LACAN, 1998, p. 99).
30

Constatamos, mais uma vez, o quanto as relações sociais estão imbricadas na

constituição do eu, pois essa alienação ao Outro permite que a criança antecipe uma imagem

de eu na qual ela se identifica. Essa alienação pode ser considerada uma condição necessária

para a passagem de um corpo despedaçado para a formação da imagem de um corpo

unificado, sendo uma forma de identificação.

Esse momento em que se conclui o estádio do espelho inaugura, pela identificação


com a imago de semelhante e pelo drama do ciúme primordial [...], a dialética que
desde então liga o eu a situações socialmente elaboradas (LACAN, 1998, p. 101).

Portanto, por mais que seja uma maturação de ordem natural, indica-se que a

intermediação da cultura é indispensável, pois a constituição de seu eu se dá pelo desejo do

outro. É a uma identificação estruturante que se está fazendo referência. Consideramos

relevante destacar que, por mais que o autor situe o estádio do espelho como um momento, é

possível afirmar que essa alienação ao Outro está presente em toda a vida do homem, pois não

é um processo estanque, acabado. Em cada época do desenvolvimento humano, há alguma

especificidade própria daquele período, mas não de forma pré-determinada, pois as

singularidades são consideradas. A criança, por exemplo, estando nesse processo de

estruturação do eu, encontra-se ainda confusa a respeito do que é o eu e do que é o outro,

confundindo-se também com a sua imagem e nas relações com os que estão a sua volta.

A criança que bate diz que bateram nela, a que vê cair, chora. Do mesmo modo, é
numa identificação com o outro que ela vive toda a gama das reações de imponência
e ostentação, cuja ambivalência estrutural suas condutas revelam com evidência,
escravo identificado com o déspota, ator com o espectador, seduzido com o sedutor.
[...] Essa relação erótica, em que o indivíduo humano se fixa numa imagem que o
aliena em si mesmo, eis aí a energia e a forma donde se origina a organização
passional que ele irá chamar de seu eu (LACAN, 1998, p. 116).

Nesse período de transitivismo descrito por Lacan fica evidente uma ambivalência de

emoções e uma agressividade estrutural do ser humano. A agressividade faz parte dessa
31

constituição da unidade e da imagem corporal, pois à medida que o sujeito está alienado ao

outro, ele precisa opor-se para que possa constituir o seu espaço, a fim de não ser aniquilado

por esse outro. De acordo com Sousa (2000), a agressividade seria o ruído do processo de

constituição do eu.

A agressividade inscreve-se dentro do próprio processo de construção da


subjetividade, uma vez que seu movimento ajuda a organizar o labirinto
identificatório de cada sujeito. Ela deve ser entendida, portanto, dentro de um
sistema “dialógico”, amparado amplamente pelo registro do simbólico Isto significa
que a agressividade opera quando há reconhecimento pelo sujeito do objeto a quem
ela endereça sua reivindicação agressiva. Um ato agressivo, que pode ter muitas
faces e disfarces, seria simultaneamente uma resistência do Eu tentando marcar seus
contornos identitários justamente quando o objeto (o Outro) ameaça seu lugar, mas
também um pedido de reconhecimento e endereçamento de uma mensagem a este
Outro (SOUSA, 2000, p. 146).

Soma-se a essas constatações o fato de que não há uma definição quanto ao desejo, o

qual somente fica visível a partir do objeto de desejo. A definição do objeto de desejo também

se delimita em função do outro. O seu objeto é objeto de desejo do outro, o qual se constitui

numa concorrência agressiva, sendo aí que se origina a relação entre o outro, o eu e o objeto.

Ao mesmo tempo em que se define o objeto, o eu se constitui. Ilustrando essa proposição,

Lacan cita uma frase de Santo Agostinho, que já antecipara sinais dessa agressividade

original.

– ‘Vi com meus olhos e conheci bem uma criancinha tomada pelo ciúme: ainda não
falava e já contemplava, pálida e com uma expressão amarga, seu irmão de leite.’
Assim liga ele imperecivelmente, à etapa infans (anterior à fala) da primeira
infância, a situação da absorção especular: a criança contemplava, reação
emocional; inteiramente pálida, reativação das imagens da frustração primordial; e
com uma expressão amarga, que são as coordenadas psíquicas e somáticas da
agressividade original (LACAN,1998, p.117).

Essa espécie de rivalidade e de ciúmes faz parte do processo de identificação, o qual é

interminável na vida do sujeito. Esse ciúme (original) vai ao encontro daquilo que Lacan fala

sobre o “Eu é um outro” (1998, p. 120), pois para dizer quem é o eu, como ele é, reporta-se ao
32

outro. Essa referência também é determinante na satisfação do desejo humano, que somente

se torna viável a partir da mediação do desejo e do trabalho do outro.

Como mencionamos anteriormente, a constituição do eu tem relação com a

constituição do objeto e, a partir desse prisma, é possível pensar numa diferenciação entre

agressividade e violência. Na agressividade, há uma determinação de objeto, um

reconhecimento do outro. Na violência, retomando as considerações de Arendt (1970), não há

esse reconhecimento. O ato violento destitui o lugar do outro, desqualificando e anulando.

Oliveira (2002) fornece mais elementos para essa distinção, levando em conta a determinação

do objeto.

A agressividade é dirigida a um objeto determinado. Ora, para a determinação do


objeto da pulsão, é preciso necessariamente que o sujeito constitua representações de
objeto. Sem a constituição dessas representações, que requer uma passagem da
pulsão pela língua, não existe possibilidade de determinar o objeto da pulsão. Ou
seja, a pulsão que não passa pela língua não tem objeto. Nesta circunstância, o agir
hostil do sujeito não toma a via da agressividade, uma vez que não há objeto ao qual
ela possa ser dirigida. Aquém da constituição do objeto, portanto, o sujeito passa ao
ato, inscreve o seu agir no domínio da violência. A violência do seu agir está
justamente no fato dele dispensar a língua (OLIVEIRA, 2002, p. 225).

No terceiro capítulo, essa diferenciação entre agressividade e violência é retomada e

aprofundada, considerando as suas conseqüências no campo da educação.

Ainda sobre a questão da constituição do eu, pode-se afirmar que a imagem que o

sujeito tem de si e que apreende no outro é de perfeição. Quando essa imagem é ameaçada ou

se desfaz, demarca um momento de quebra narcísica, desencadeando a manifestação da

agressividade. Nas fases da vida humana em que há uma metamorfose libidinal, nas quais há

uma certa recusa de desenvolvimento, como no desmame, no Édipo, na puberdade, na

maturidade, na maternidade, a agressividade está implicada.

Pensamos que o ingresso na escola, que ocorre geralmente na educação infantil, pode

também ser um desses momentos que demarcam essa quebra narcísica. O simples fato de ir

para a escola pode representar um corte na relação mãe-filho. Nesse período, muitas crianças
33

são desmamadas para que possam freqüentar a escola de educação infantil, o que traz mais

um drama, associado ao ficar sem a mãe. Além disso, as crianças se deparam com uma

instituição totalmente organizada, com horários, regras e hábitos, os quais, na maioria das

vezes, não fazem parte do seu cotidiano. É nesse período que a criança busca sua

individuação6, construindo o seu eu e, portanto, definindo quem é o outro. Então, acreditamos

que a presença da agressividade nessa fase faz parte da realidade de quem trabalha com

educação infantil, sendo justificada por esse abalo que o eu sofre em todo esse processo.

A instauração do complexo de Édipo também acontece nessa fase. Mesmo que, no

decorrer da vida do sujeito, ele passe por várias reedições do complexo de Édipo, o que ocorre

nesse período é marcado como uma primeira interdição. É imposta uma lei, a lei do incesto, a

qual é preciso respeitar, para não sofrer as conseqüências de uma possível castração. Diante

de um laço social, da instituição configurada pelo casal parental, a criança se pergunta sobre o

seu lugar. Concomitantemente, depara-se com a escola, que pode ser considerada como um

laço social ordenado, e formula o mesmo questionamento. A agressividade apresenta-se,

nesses momentos de abalos no eu, como um modo de defesa, de não ser engolfado pela

alienação ao outro e para impor-se diante da eminência da castração. Sendo todo esse

processo de estruturação mediado pelo outro, percebe-se que a agressividade se direciona para

um objeto determinado, ou seja, não é algo desvinculado da relação com o outro. E é nessa

inter-relação que algumas instâncias responsáveis pela consciência moral são engendradas.

1.2.5 Instâncias responsáveis pela consciência moral

Nas suas elaborações, Freud descreve que o homem não consegue renunciar à

satisfação uma vez alcançada, porém não pode mantê-la por toda a vida. Este período

6
O termo individuação refere-se a um processo de separação do bebê de sua mãe, ou seja, de diferenciação entre
aquilo que é o eu e o que é o outro.
34

narcísico de suposta perfeição, chamado de narcisismo primário, caracterizado pelo

investimento libidinal que a criança faz direcionado a si mesma, não é sustentável. Esse

narcisismo perdido é substituído por uma busca incessante que se configura pelo ideal do eu

que, segundo Lacan, é uma instância pertencente ao simbólico7, pois regula a estrutura

imaginária do eu, presente no eu ideal. Concomitantemente, surge o narcisismo secundário,

em que o sujeito vai receber a libido que anteriormente dirigiu a objetos externos.

Portanto, para que o eu se desenvolva é necessário um certo distanciamento do

narcisismo primário, quando a libido precisa ser deslocada para suprir exigências externas,

para a satisfação que se dá através do cumprimento de um ideal, o ideal do eu. Parece

contraditório, mas o desenvolvimento do eu requer o seu empobrecimento, pois agora a

prioridade torna-se satisfazer o objeto. Caso isso não ocorra, continuará considerando a si

mesmo o seu próprio ideal, cristalizando uma idealização dos tempos da infância. O ideal do

eu impõe difíceis condições, mas ele é necessário para a manutenção da vida em sociedade. A

educação pode ser vista como uma das condições para o convívio no social. As crianças, ao

serem submetidas ao processo educativo, estão sendo inseridas numa cultura que, por sua vez,

possui seus ideais, sendo depositária do ideal de eu de uma coletividade.

O ideal do eu é constituído por influências dos educadores, pela herança paterna, pelos

ideais da sociedade, formando o que se chama de consciência moral. O ideal de eu exige

bastante do eu, favorecendo o recalcamento e incitando a sublimação das pulsões, apesar de

não ter capacidade de realizá-la, de forçá-la. Esse conceito se refere ao que é valorizado no

supereu. Pertencendo à segunda teoria do aparelho psíquico da obra freudiana, esse conceito

foi descrito como uma instância que se constitui após a dissolução do complexo de Édipo

(1924), pois quando os investimentos objetais são abandonados, as imagens parentais são

desinvestidas e substituídas por uma identificação. O supereu conserva, por toda a vida, as

7
Simbólico, na perspectiva desta abordagem, remete ao que é do campo da linguagem, característica
especificamente humana.
35

referências que lhe foram transmitidas, as exigências e interdições parentais interiorizadas. É

como se fosse responsável por julgar o eu, pois está intimamente relacionado à questão moral,

à auto-observação e à busca de cumprimento de ideais.

Dessa forma, pode-se dizer que, sendo o herdeiro do complexo de Édipo, o supereu

traz a possibilidade de controle das moções destrutivas, mesmo que essa agressão seja

interiorizada, revertendo em sentimento inconsciente de culpa. É pertinente afirmar que o

supereu é a internalização da autoridade. Contudo, não é qualquer autoridade, mas é uma certa

identificação com as proibições, interdições e princípios daqueles que o sujeito mais ama,

mais admira, ou seja, pais, professores, aqueles que se envolvem com a sua educação.

O interessante é que a dissolução do complexo de Édipo também se dá no período em

que a criança está na educação infantil, justificando, mais uma vez, o quanto essa fase da vida

da criança é repleta de mudanças para ela, assim como é para os educadores, os quais

precisam ser suportes dessas transformações.

1.2.6 Sobre a pulsão de morte

Quando se fala em busca de satisfação ou satisfação dos desejos, parece que está se

fazendo referência apenas ao princípio de prazer. Freud reconhece que o princípio de prazer

deriva do princípio de constância, indicando que muitas vezes se está em busca da diminuição

das tensões, ou seja, em conservar o menor nível de excitação possível.

Referente a isso, Freud começa a se perguntar pela intensidade e freqüência com que

as pessoas repetem situações desagradáveis, como se houvesse uma tendência masoquista nos

seres humanos. São alguns exemplos: os sonhos que repetem situações traumáticas e as

brincadeiras das crianças, quando representam momentos de privação em que, na realidade,

estão passivas e, no jogo, estão ativas.


36

Essa passagem é ilustrada pela cena de um menino de um ano e meio que Freud

observava. A criança jogava o carretel, preso a um cordão, longe de si e dizia “o-o-o”, que

significava “fort”, ou seja, “se foi” e, em seguida, puxava de volta “da”: “aqui está”. Seria

uma forma de a criança admitir, sem protestos, a partida da mãe. Uma renúncia pulsional

necessária para suportar o que sofria passivamente. No dia-a-dia, o menino era afetado por

essa ação, mas no brincar, tornava-se ativo e, por isso, repetia, apesar do desprazer.

A partir dessas constatações, Freud constrói o conceito de compulsão de repetição,

definindo-o como o responsável por provocar prazer em um sistema e desprazer no outro,

como se existisse algo que está além do princípio do prazer. Outro exemplo se refere aos

sonhos de angústia ou sonhos punitivos, que trazem um castigo pelo cumprimento de um

desejo proibido, revelando, assim, o cumprimento do desejo relacionado à consciência de

culpa. Fala ainda a respeito da repetição de situações idênticas pela mesma pessoa, mesmo

que sejam experiências de sofrimento. Cabe citar também a resistência à cura como uma

forma de permanecer na dor, a partir da apresentação da pulsão de morte. No que tange ao

tema deste trabalho, é possível pensar nas brincadeiras infantis repetidas inúmeras vezes,

sendo que nem sempre são acompanhadas de sentimentos ou sensações agradáveis. As

brincadeiras agressivas, que tanto assustam os adultos, são exemplos: derrubar a torre que

levou tempo a ser construída; “matar” os inimigos; dar sustos; levar sustos repetidas vezes;

esconder-se com medo de ser encontrado; brincar de pega-pega mesmo correndo o risco de

ser pego e até derrubado; destruir inúmeras vezes o monstro do game favorito; assistir muitas

e muitas vezes à parte do filme mais aterrorizante; pedir aos pais para que contem a mesma

história, dando ênfase ao momento de maior tensão da narrativa etc.

As considerações sobre esse traço da psique humana encontram-se no conhecido texto

de Freud de 1920, “Além do princípio de prazer”, o qual traz conceitos que são considerados
37

um marco dentro do movimento psicanalítico. A compulsão à repetição é um desses

elementos. O outro se refere à pulsão de morte.

Até então, costumava-se associar o conceito de pulsão às mudanças, à transformação,

mas agora seria visto como a expressão da natureza conservadora do ser vivo. Seria um

esforço desenvolvido de forma inata, no orgânico do ser humano, com o objetivo de

reproduzir um estado anterior. Contudo, Freud admite que “[...] além dos instintos de

conservação que impelem à repetição, poderão existir outros que impulsionam no sentido do

progresso e da produção de novas formas” (FREUD, 1980, p. 54 –55).

A hipótese apresentada por Freud é de que toda a pulsão gostaria de reproduzir algo

anterior. O inanimado, a morte, é o anterior à vida. Para ele, as pulsões se empenhariam por

alcançar uma velha meta através de velhos e novos caminhos, lembrando que a meta de toda

vida é a morte.

A formulação das pulsões de autoconservação cai por terra. Já as pulsões sexuais,

segundo Freud, conservam a vida por intervalos de tempo maiores. A oposição entre as

pulsões pode ser descrita pela seguinte diferenciação: uma procura e alcança o mais rápido

possível a meta final da vida, e outra se lança para trás. Mesmo assim, esse caminho para trás,

em geral, não leva à plena satisfação, pois é obstruído pelas resistências, colaborando para a

continuidade dos recalcamentos.

A partir desse ponto de sua teorização, Freud propõe um novo dualismo pulsional:

pulsões de vida e pulsões de morte. Quando se fala em pulsões de vida, procura-se relacionar

às pulsões sexuais, por essas levarem a uma certa imortalidade, já que a fusão das células

germinativas daria continuidade à vida. Contudo, é preciso considerar que as células se

sacrificariam individualmente para se fundirem e darem vida a uma nova célula. Portanto,

também há morte nas pulsões sexuais. Da mesma forma, o autor conclui que nas pulsões do

eu também haveria pulsões sexuais, pois as pulsões de autoconservação seriam libidinosas.


38

Essas constatações demonstram a inconsistência da divisão entre pulsões sexuais e pulsões

egóicas. Nessa perspectiva, é possível entender a repetição de certas atividades por parte das

crianças.

A criança em geral tende a repetir ativamente o que vivenciou de maneira passiva,


como tentativa de dominar o mundo exterior a que se acha submetida: este é, como
vimos a propósito da pulsão de morte, o sentido dos jogos infantis que envolvem um
conteúdo agressivo (MEZAN, 1982, p. 291).

As pulsões de vida e de morte passam a ter um lugar central na teoria psicanalítica. No

texto “O ego e o id”, de 1923, Freud afirma que essas duas classes de pulsões se encontram

entrelaçadas. Cita o exemplo do ódio que, em muitas vezes, é o precursor nos vínculos entre

os seres humanos, sendo o acompanhamento do amor. Em vista dessa dificuldade em separar

onde estaria atuando uma ou outra pulsão, cogita-se a idéia de que não haveria pulsões, mas

uma pulsão. Essa pulsão que é constante, que está intimamente ligada à constituição do eu,

move o sujeito das mais variadas formas, dependendo das especificidades de sua estruturação.

No texto “Novas conferências introdutórias sobre psicanálise” (1933[1932]), mais

especificamente na 32ª Conferência: “Ansiedade e vida instintual”, Freud se refere às duas

classes de pulsões como: pulsões sexuais (Eros) e as pulsões de agressão. Afirma que a

bondade, vista como parte da natureza humana, é mais uma ilusão de que os homens se

utilizam para embelezarem e trazerem alívio para suas vidas, porém, lhes resulta em mais

danos, pois não passa de um engano. Não parece, portanto, que fica claro que a bondade

estaria para as pulsões sexuais, referente a Eros, assim como a maldade ou a destruição

estariam para as pulsões de agressão, referente à pulsão de morte.


39

1.2.7 A vida em sociedade

No texto de 1930, “O mal-estar na civilização”, Freud dedica-se a uma análise crítica a

respeito da cultura, a qual é definida pelo autor da seguinte forma:

[...] a palavra ‘civilização’ descreve a soma integral das realizações e regulamentos


que distinguem nossas vidas das de nossos antepassados animais, e que servem a
dois intuitos, a saber: o de proteger os homens contra a natureza e o de ajustar os
seus relacionamentos mútuos (FREUD, 1980, p. 109).

Como já mencionamos anteriormente, para ele, os homens tiveram de abdicar da total

liberdade e da felicidade por uma parcela de segurança, ou seja, a cultura passa a regular as

relações, a vida em sociedade em troca de uma certa proteção. A partir do desenvolvimento

cultural, a sublimação das pulsões passa a predominar como se fosse o destino imposto pela

civilização.

Para viver em harmonia, em sociedade, é necessário abdicar do poder individual e

considerar efetivo o poder da comunidade. Mas existem algumas tendências humanas que

parecem colocar em risco a paz e a suposta tranqüilidade do convívio social. Para Freud, há

uma considerável quota de agressividade na carga pulsional do ser humano, impedindo que

seja vista como um ser manso e amável, ameaçando, dessa forma, a unidade da vida em

grupo. “Em tudo o que se segue, adoto, portanto o ponto de vista de que a inclinação para a

agressão constitui, no homem, uma disposição instintiva original e auto-subsistente, e retorno

à minha opinião de que ela é o maior impedimento à civilização” (FREUD, 1980, p. 144).

Dessa forma, faz pensar que não há uma pulsão que seja responsável pela inclinação

agressiva, mas que essa disposição pulsional levaria a tais manifestações.

A cultura passa a consistir num esforço grandioso para que essas inclinações

agressivas não predominem nos vínculos, nos relacionamentos. É como se houvesse uma

permanente ameaça de dissolução da sociedade, caso essas inclinações agressivas não


40

recebessem alguma limitação. Dessa forma, há uma mobilização da cultura com o objetivo de

colocar limites às pulsões agressivas.

Freud destaca que, para os comunistas, a propriedade privada seria a responsável por

corromper a natureza boa dos homens. Mas, para ele, é preciso considerar a hipótese de que

desde os primórdios já existia agressão, havendo outras motivações para as discórdias, pois

naqueles tempos, não havia propriedade de bens.

O mandamento “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” é um desses grandes

esforços para que as pulsões agressivas não sejam dirigidas aos seus iguais, como uma

tentativa de manter a harmonia. Dessa forma, surgem as agressões direcionadas ao que está

fora do grupo, ao que é diferente, pois as pulsões agressivas não se diluem, elas procuram

outros alvos.

As pulsões de Eros e de morte, já mencionadas anteriormente, indicam que nunca

estão isoladas entre si. Destruição e erotismo andam juntos, pois enquanto uma pulsão quer

reunir, a outra reconduz a um estado inorgânico inicial, sem vida, de aniquilamento, já que um

destrói o outro na união. A cultura está a serviço de Eros. Ligadas libidinosamente entre si, a

pulsão agressiva natural fica em posição oposta à cultura.

A intenção da cultura é erradicar a agressão, então desenvolve defesas em que a

agressão é introjetada, reenviando ao ponto de partida. A mesma severidade agressiva que

havia endereçado para o outro, o supereu dirige contra o eu. A consciência moral,

representada pelo supereu, é considerada por Freud a conseqüência da renúncia do pulsional.

Conseqüentemente, a consciência moral passa a fazer cada vez mais renúncias. Ainda antes de

escrever “Mal-estar na civilização” (1930), em 1924, em seu texto “O problema econômico

do masoquismo”, Freud comenta que, a partir desse esforço do sujeito em renunciar as

agressões dirigidas aos outros, logicamente, deveria gerar nos indivíduos uma sensação de
41

consciência tranqüila, uma vigilância mais amena em relação ao eu. Porém, o que ocorre é o

contrário.

Freud alerta para que não se considere a severidade do supereu infantil o retrato da

educação que recebeu, pois pode ter recebido uma educação branda na infância e ter se

formado um supereu severo. Porém, afirma que severidade da educação exerce influência

sobre a constituição do supereu da criança.

Um tanto de pulsão de destruição permanece no interior do eu e, como não pode achar

satisfação no mundo exterior, por chocar-se com impedimentos reais, então é dirigido para si.

A pulsão de morte é dirigida para o próprio eu. Ou seja, há um incremento na severidade do

supereu a cada parcela de agressão que o sujeito renuncia em função da vida em sociedade.

Sua agressividade é introjetada, internalizada; ela é, na realidade, enviada de volta


para o lugar de onde proveio, isto é, dirigida no sentido de seu próprio ego. Aí, é
assumida por uma parte do ego, que se coloca contra o resto do ego, como superego,
e que então, sob a forma de ‘consciência’, está pronta para pôr em ação contra o ego
a mesma agressividade rude que o ego teria gostado de satisfazer sobre outros
indivíduos, a ele estranhos. A tensão entre o severo superego e o ego, que a ele se
acha sujeito, é por nós chamada de sentimento de culpa; expressa-se como uma
necessidade de punição. A civilização, portanto, consegue dominar o perigoso
desejo de agressão do indivíduo, enfraquecendo-o, desarmando-o e estabelecendo no
seu interior um agente para cuidar dele, como uma guarnição numa cidade
conquistada (FREUD, 1980, p. 146-147).

O sentimento de culpa, abordado por Freud, reflete a dureza do supereu,

correspondendo à severidade da consciência moral. À medida que o sentimento de culpa se

eleva, aumenta o déficit de felicidade do homem, concomitantemente ao incremento do

progresso cultural. “... a consciência é o resultado da renúncia instintiva, ou que a renúncia

instintiva (imposta a nós de fora) cria a consciência, a qual, então, exige mais renúncias

instintivas” (FREUD, 1980, p.152). De forma irônica, Freud faz o seguinte comentário a

respeito dessa questão, em seu texto “Novas Conferências introdutórias sobre psicanálise”

[1933 (1932)].
42

A agressividade tolhida parece implicar um grave dano. Realmente, parece


necessário que destruamos alguma outra coisa ou pessoa, a fim de não nos
destruirmos a nós mesmos, a fim de nos protegermos contra a impulsão de
autodestruição. Realmente, uma triste descoberta para o moralista! (FREUD, 1980,
p. 107).

O questionamento então é: como suprimir essa intenção agressiva direcionada aos

outros e não se destruir por essa renúncia? Para Freud, é graças à subordinação cultural que a

agressividade tem a possibilidade de ser viável socialmente. A escola, como instituição

socialmente reconhecida, é um exemplo de espaço socializador e civilizatório, onde é

necessária essa subordinação. São regras, normas, combinações, uma rotina a ser cumprida.

Esse é um dos momentos em que se intensifica o processo de socialização do pequeno ser

humano, quando ele necessita estabelecer relações sociais com outras pessoas, fora do

ambiente familiar. Esse novo mundo é apresentado para a criança, geralmente, através do seu

ingresso na educação infantil. Podemos dizer que aí começam a se impor, de forma mais

efetiva, algumas normas da vida em sociedade e, conseqüentemente, as suas renúncias. Em

função dessa especificidade, o próximo capítulo é dedicado ao estudo do universo da

educação infantil.
2 A EDUCAÇÃO INFANTIL E SUAS ESPECIFICIDADES

O presente capítulo tem como principal assunto a educação infantil. O objetivo é

identificar o modo como esse segmento do ensino foi se constituindo, bem como a maneira

pela qual se apresenta na realidade pesquisada, considerando seus principais pressupostos,

finalidades e referenciais. Consideramos pertinente este breve estudo por ser nesse âmbito que

a discussão acerca das concepções de agressividade se desenvolve. Compreender o modo

como se configura a educação infantil pode trazer elementos importantes para a identificação

do porquê de algumas formas de pensamento.

Quando se faz referência à palavra educação, pode-se pensar na forma de educação

sistematizada, formal, escolarizada, mas também é possível fazer referência ao sentido de

polidez, bons modos, cortesia. A significação mais abrangente desse termo é “Ação ou efeito

de educar(-se)” (LUFT, 1987, p. 198). Segundo Lajonquière, a palavra educar “[...] vem do

latim educare que significa criar, alimentar, ter cuidados com, adestrar animais, formar e

instruir” (LAJONQUIÈRE, p. 29). A Constituição Brasileira também oferece uma noção

importante de como a educação é considerada:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e


incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho
(BRASIL, 1988, p. 137).

Esse imperativo que deve ser desenvolvido nas escolas traz resquícios das

significações acima mencionadas, pois é como se a educação viesse encarregada de moldar,

ou seja, de desenvolver uma maneira de ser, de existir dentro de uma determinada sociedade,

a partir da transmissão de um certo conhecimento devidamente reconhecido no grupo a que

pertence.
44

A escola é um espaço determinado para a transmissão desses conhecimentos, de uma

cultura, de um saber e, portanto, produtora de uma maneira de portar-se no mundo. É um

espaço privilegiado para a socialização do pequeno ser humano que inicia mais uma etapa de

seu processo de entrada na cultura, na civilização. Diferente da família, onde se encontra

protegido e, provavelmente, com um lugar já constituído a partir do olhar dos pais, na escola,

a criança vai se deparar com outras iguais a ela, necessitando, cada vez mais, o seu

posicionamento enquanto sujeito e, ao mesmo tempo, a convivência com normas e códigos da

vida em sociedade. Na educação infantil, esse processo de subordinação cultural, ao qual

Freud se refere em seu texto “Mal-estar na civilização” (1930 [1929]), evidencia-se com

muita nitidez. Diante de tais observações, torna-se importante uma abordagem das

especificidades da educação infantil, procurando dar um enfoque à realidade brasileira.

Iniciamos o mapeamento desse campo pela referência a alguns dados sobre o

nascimento do conceito que se tem hoje de infância a partir de Philippe Áries. Com essa

abordagem temos como objetivo mostrar como essa noção se constitui concomitantemente

com a idéia de escola entendida, a partir de então, como o lugar destinado à infância. Em

seguida, fazemos menção à obra de Rousseau e sua influência sobre as concepções que se têm

de infância e de educação, resgatando a imagem do “bom selvagem”. A partir desse

pensamento, direcionamo-nos à formação das instituições destinadas ao cuidado das crianças

de zero a seis anos, ou seja, dos jardins-de-infância, como eram denominadas as escolas de

educação infantil. Nesse percurso, faz-se necessária uma visão a respeito da educação infantil

dentro da realidade brasileira. Para alcançar esse objetivo, recorremos às leis que regem esse

segmento da educação no Brasil, como o Referencial Curricular Nacional, documento que

procura padronizar a educação infantil brasileira e que recebeu fortes influências da

psicologia do desenvolvimento. Abordamos também algumas considerações a respeito de


45

leituras psicanalíticas sobre o campo da educação, com o objetivo de apontar indicativos de

uma visão diferenciada dirigida ao processo educativo.

2.1 A ESCOLA COMO LUGAR DA INFÂNCIA – A EDUCAÇÃO DO FUTURO

CIDADÃO

A escola, constituída como instituição de ensino destinada à formação de crianças,

remete ao mesmo período histórico do nascimento do conceito de infância, que surgiu na

Modernidade. Essa etapa do desenvolvimento humano suscita sentimentos e recebe

significados de acordo com as transformações sociais, culturais, políticas e econômicas de

cada época. O entendimento da visão de escola como lugar do infantil, bem como da

importância dessa instituição na sociedade ocidental, é viabilizado pela compreensão do modo

como o sentimento de infância foi sendo desenvolvido.

Philippe Ariès (1978) traz apontamentos históricos a respeito do nascimento do

conceito de infância, assim como é concebido a partir da Idade Moderna, inter-relacionado

com as mudanças ocorridas na organização da sociedade na época. De acordo com Ariès, na

Idade Média não existia o sentimento de infância tal qual se conhece hoje, pois esse somente

surgiu e desenvolveu-se a partir do século XV, prolongando-se até o século XVIII.

O sentimento da infância não significa o mesmo que afeição pelas crianças:


corresponde à consciência da particularidade infantil, essa particularidade infantil
que distingue essencialmente a criança do adulto, mesmo jovem. Essa consciência
não existia. Por essa razão, assim que a criança tinha condições de viver sem a
solicitude constante de sua mãe ou de sua ama ela ingressava na sociedade dos
adultos e não se distinguia mais destes (ARIÈS, 1981, p. 99).

Esse sentimento de infância inexistente, ressaltado por Ariès, não significa que, nos

séculos passados, as crianças fossem negligenciadas, mas à medida que tivessem

possibilidades de discernimento eram integradas à vida adulta. Dessa forma, em relação ao


46

trabalho, às diversões, ao vestuário, à vida sexual, não se considerava que a criança tivesse

peculiaridades ou que necessitasse cuidados e atenção diferenciada. Quando era bebê, “não

contava”8 e, depois, confundia-se com os adultos, como observa-se na iconografia da Idade

Média, onde as crianças são representadas como adultos, diferenciando-se apenas pelo

tamanho reduzido. Portanto, esse sentimento de infância corresponde à “[...] consciência da

particularidade infantil, ou seja, aquela que distingue a criança do adulto e faz com que a

criança seja considerada como um adulto em potencial, dotado de capacidade de

desenvolvimento” (KRAMER, 1995, p. 17).

É interessante destacar que, de acordo com estudos de Elisabeth de Badinter (1985),

citada por Gagnebin (1997), na Idade Média a criança era considerada um símbolo do pecado

original, sendo que a infância seria o território do erro e das paixões. A educação, portanto,

deveria ser rigorosa para que os indivíduos se afastassem ao máximo dessa posição.

Cabe à educação/formação realizar essa potencialidade e transformar esses pequenos


seres egoístas, tirânicos e choraminguentos em homens dotados de linguagem, isto
é, capazes de pensar e agir racionalmente, de se tornarem os cidadãos responsáveis e
independentes de uma res pública. (GAGNEBIN, 1997, p. 91)

Observa-se uma diferença extrema entre a maneira como a criança era vista na Idade

Média e como passou a ser concebida posteriormente. Contudo, a educação já se configurava

como a maneira de transformar esses seres em homens completos e aptos à convivência em

sociedade.

Outro aspecto relevante é que o sentimento de infância surge concomitantemente à

idéia de família nuclear9, juntamente com a emergência do individualismo10 burguês no

8
Expressão usada por Molière, citado por Ariès (1981), p.99.
9
É a família que se forma a partir do casamento, compondo-se do casal de cônjuges e os filhos provenientes
dessa união.
10
De acordo com Dumont (1993, p. 37), o individualismo está presente em um tipo de sociedade em que o
indivíduo é o valor supremo, distinguindo-se das sociedades holistas em que o valor central está no grupo social
como um todo. Esta nova configuração social é constituída a partir de várias mudanças no âmbito religioso,
47

Ocidente, que traz como ideais a felicidade e a emancipação – valores marcantes dessa época,

principalmente no século XVIII. Cuidar e valorizar a criança seria uma forma de exaltar o

indivíduo, de preparar o cidadão do futuro, o qual devia se afastar ao máximo das possíveis

semelhanças com o primitivo.

A partir dessa valorização e exaltação do indivíduo, na modernidade, surge uma certa

paparicação11 da criança, a qual é considerada ingênua, inocente e graciosa. Esse ser passa a

receber todos os cuidados, atenção e admiração, tornando-se o centro da família. A criança

passa a ser amada de forma incondicional. “Um novo sentimento da infância havia surgido,

em que a criança, por sua ingenuidade, gentileza e graça, se tornara uma fonte de distração e

de relaxamento para adulto, um sentimento que poderíamos chamar de ‘paparicação’”

(ARIÈS, 1981, p.100).

Os moralistas e educadores do século XVII, descontentes com essa forma dos adultos

conceberem a infância, desenvolvem um movimento em sentido oposto ao da “paparicação”.

Para eles, a infância é sinônimo de imperfeição, de incompletude e de leviandade,

necessitando ser corrigida, através de uma educação, de uma moralização, que somente

poderia ser exercida pelos adultos, seres calcados na razão. De acordo com Balthazar Gratien,

a partir de seu tratado sobre educação, de 1646, citado por Ariès (1981, p. 104), todo o

homem teria sentimentos, dentro de si, de uma certa insipidez da infância, que repugnaria a

razão. Essa relevância à razão, difundida pelo meio eclesiástico e pelos homens da lei,

resultou na moralização, tendo como pressupostos preservar e disciplinar. Esse sentimento

também influenciou o meio familiar.

Em vista do desenvolvimento do sentimento de infância e, concomitantemente, da

necessidade de ter uma escola para as crianças serem moralizadas e disciplinadas, vão se

cultural, abrangendo a ciência, a filosofia, a arte e a política, começando a se desenvolver a partir do século XV e
tendo seu auge a partir do século XVIII.
11
Cf Ariès (1981, p. 100).
48

formando vários campos do conhecimento, assim como técnicas específicas para suprir os

cuidados direcionados à criança. A pediatria, a psicologia, a jurisdição e a pedagogia foram

alguns dos saberes especializados em organizar o arcabouço necessário para formar um bom

cidadão, um adulto equilibrado e bem sucedido. Retomando o tema central do trabalho,

constato que as manifestações agressivas, por exemplo, não condizem com esse ser

equilibrado, controlado. Identificamos aí uma falha nesse arcabouço, nessas ciências aplicadas

à infância, as quais pouco se ocupam com tal aspecto do ser infantil.

Este ser que era visto como incompleto, ingênuo, puro, moldado, dependendo das

exigências e ajustado de acordo com os ideais de seu tempo, deveria ser resguardado das

coisas que poderiam lhe contaminar, tanto física como moralmente. Por isso foi levado à

escola, a uma educação sistematizada, afastado do convívio com adultos, onde era possível

preservá-lo das influências provenientes da sociedade. Como a infância era considerada pura,

o social poderia corromper ao proporcionar contato das crianças com os elementos do mundo

adulto.

A infância deixa de ocupar seu lugar como resíduo da vida comunitária, como parte
de um grande corpo coletivo (Gélis, 1986). Agora a criança começa a ser percebida
como um ser inacabado, carente e portanto individualizado, produto de um recorte
que reconhece nela necessidade de resguardo e proteção.
A modernidade portanto produz um primeiro movimento de recorte, de segregação
para restituir a infância à sociedade, mas agora com um novo status: segregação e
restituição inseparáveis no tempo, complementares de um mesmo fenômeno. Agora
a infância é individualizada a partir de um processo lento de demarcação e
reinserção de um outro modo na sociedade (NARODOWSKI, 2001, p. 27-28).

Essa segregação, visando posteriormente à reinserção, era responsabilidade das

escolas onde, nos séculos XVIII e XIX, as crianças viviam enclausuradas em internatos, com

um regime rígido, sob rigorosa disciplina, privando a infância de toda a liberdade. “Passou-se

a admitir que a criança não estava madura para a vida, e que era preciso submetê-la a um

regime especial, a uma espécie de quarentena antes de deixá-la unir-se aos adultos” (ARIÈS,

1981, p. 194). Privadas de contato com o social, com familiares e outros adultos, imaginava-
49

se que estaria sendo resguardada a infância e, ao mesmo tempo, formando e determinando

comportamentos adequados ao que se esperava de uma boa educação.

De acordo com Varela (2002), a obrigatoriedade da escola foi ficando cada vez mais

consistente, pois fazia parte de um programa de regeneração e de profilaxia social. A escola

pública, principalmente, passava a ser responsável por civilizar e disciplinar as crianças das

classes populares, pois elas eram comparadas a selvagens.

A orientação de um adulto é, de acordo com tais observações, imprescindível à

indicação do certo e do errado, ao modo de agir corretamente, às tomadas de decisões. A

educação seria a via possível para tirar o sujeito de seu estado de selvageria e civilizá-lo,

socializá-lo. A escola de educação infantil parecia ser uma espécie de medida condizente com

essa forma de pensamento, ou seja, imbuída de tirar a criança de seu estado de brutalidade e

barbárie.

A escola ou o discurso pedagógico em si passa a organizar, programar, propor uma

rotina e um modo de portar-se que vai estabelecendo características de um novo ser: o aluno.

Este passa a ser submetido a um poder conferido pelos adultos: os professores que ocupam o

lugar daqueles que sabem, que possuem o poder de orientar, de conduzir esse ser em

desenvolvimento.

O teólogo Comenius, em sua obra “Didática Magna”, publicada em 1657, retrata uma

nova concepção de escola que ia ao encontro dos interesses da época. Elabora um sistema

educacional dividido por faixas etárias, com conteúdos programáticos, a fim de que cada

idade tivesse um determinado tratamento, adequado às necessidades e particularidades de

cada etapa. Para ele, o acesso ao conhecimento seria uma forma de erradicar os males,

permitindo que a humanidade deixasse a brutalidade. Comenius ressalta o quanto a educação

é imprescindível para distanciar o homem do animal, da ferocidade.“Fique estabelecido, pois

que a todos os que nasceram homens a educação é necessária, para que sejam homens e não
50

animais ferozes, não animais brutos, não paus inúteis” (COMENIUS, 2002, p. 76). A

necessidade do cuidado e da orientação do adulto, assim como a importância da educação

destinada a mais tenra idade, são abordadas em várias passagens de sua obra.

De tudo o que foi dito, fica evidente que a condição do homem é semelhante à da
árvore. De fato, assim como uma árvore frutífera (macieira, pereira, figueira,
videira) pode crescer sozinha e por virtude própria, mas uma árvore silvestre só dá
frutos silvestres, ao passo que para produzir frutos doces e maduros é preciso que
um agricultor experiente a plante, irrigue e pode, também o homem, por si só, cresce
com feições humanas (assim como o bruto com as suas), mas não poderá tornar-se
animal racional, sábio, honesto e piedoso se antes não forem nele enxertados os
brotos da sabedoria, da honestidade, da piedade. Agora mostraremos que o enxerto
deve ser feito enquanto a planta é jovem (COMENIUS, 2002, p. 77).

A infância seria o momento privilegiado de estabelecer bons hábitos, adquirir novos

conhecimentos, construir comportamentos adequados ao convívio social. Com esse exemplo,

podemos dizer que a escola, a partir de seu sistema de ensino, contribui para a formação de

um jeito de ser criança, de uma forma de crescer, pois constrói saberes sobre a infância,

marcando uma relação baseada na heteronomia entre criança e adulto, ou seja, de dependência

e subordinação. Seguindo esse pensamento de que a infância é naturalmente passível de ser

educada, recorremos à obra de Rousseau, a qual corrobora a noção de infância carente da

atenção e da intervenção dos adultos para a sua formação.

2.2 “EMÍLIO” – A EDUCAÇÃO DE UM BOM SELVAGEM

O clássico “Emílio” de Jean Jacques Rousseau (1712-1778), publicado em 1762,

consiste num exemplo sobre o processo de educação e infantilização que teria como objetivo

salvaguardar a pureza da criança em função dos riscos provenientes do meio social, bem

como de sua frágil condição. Para Rousseau, a boa educação seria aquela que respeitasse a
51

condição natural da infância, considerando a educação uma “arte de formar homens”12 Para

ele, um homem abandonado a si mesmo, desde o nascimento, seria incompleto, deformado.

Uma educação adequada seria aquela que respeitasse o ritmo natural, porém acompanhada de

uma certa assistência.

Nascemos fracos, precisamos de força; nascemos desprovidos de tudo, temos


necessidade de assistência; nascemos estúpidos, precisamos de juízo. Tudo o que
não temos ao nascer, e de que precisamos adultos, é nos dado pela educação
(ROUSSEAU, 1968, p.10).

Na primeira parte de sua obra, o autor aborda prescrições a respeito de uma boa

alimentação, de uma higiene adequada, ou seja, do que é necessário para um crescimento

saudável, principalmente no que se refere aos cuidados desde o nascimento. Há uma gama de

orientações específicas de como uma criança pequena deve ser cuidada que, talvez até hoje,

influenciem as instituições de educação infantil. Um exemplo é referente ao receio

apresentado por alguns educadores sobre as más influências do meio sobre a criança. Para

Rousseau, evitar o acesso a quaisquer influências seria uma forma de preservar sua natureza

boa e pura. O autor afirma que era mais indicado educar a criança longe das multidões, da

cidade, pois a sociedade acabava pervertendo, trazendo vícios e maus hábitos.

Que saiba que o homem é naturalmente bom e julgue o próximo por si mesmo; mas
que veja como a sociedade deprava e perverte os homens; que encontramos nos
preconceitos deles a fonte de todos os seus vícios; que seja levado a estimar cada
indivíduo mas que despreze a multidão... (ROUSSEAU, 1968, p. 267).

A idéia era resguardar a criança até mesmo da família, pois esta poderia corromper,

contaminar a natureza boa do ser infantil. A família é apontada como uma das grandes

influências determinantes de comportamentos apresentados na infância. Para o autor, a faixa

etária de zero a seis anos, a qual é dirigida a educação infantil, está dentro do mais perigoso

12
Cf. Rousseau (1968, p. 6)
52

período da vida de um ser humano, que se estenderia do nascimento até os doze anos. Essa

observação revela o quanto Rousseau acreditava que esse momento da vida seria determinante

para o futuro das crianças. Essa primeira educação não deveria se responsabilizar em ensinar

virtudes e verdades, mas em preservar o coração do vício e o espírito do erro. A criança seria

um ser livre e sem paixões, possibilitando a efetividade de uma boa educação.

Segundo o autor, existiria um potencial de crescimento no ser humano, mas como a

criança era carente de razão, ela precisaria de cuidados e proteção para conseguir chegar à

vida adulta, à época da razão. Visto como amoral, o infante não teria razão desenvolvida e

nem consciência sobre suas ações, não sendo possível avaliar se sua atitude era certa ou

errada, marcando uma relação baseada na heteronomia entre criança e adulto, ou seja, de

dependência e subordinação. “Empregar a força com as crianças e a razão com os homens;

essa a ordem natural” (ROUSSEAU, 1968, p. 76). Portanto, para o autor não surtiriam efeito

discursos, sermões, pois seriam as conseqüências naturais das ações, as experiências, o que

traria algum retorno para o processo educativo das crianças.

Na concepção de Rousseau, transparece a idéia de que as crianças seriam como “bons

selvagens”, isto é, selvagens passíveis de receber uma educação adequada para conviver na

sociedade. Esse caráter de selvagem é traduzido pela seguinte descrição: “Uma criança quer

desmantelar tudo o que vê: parte, quebra tudo o que pode alcançar, pega um passarinho como

pegaria uma pedra e o estrangula sem saber o que está fazendo” (ROUSSEAU, 1968, p.48).

Como a razão não teria sido desenvolvida, a criança não seria responsabilizada pelos seus

atos. Ele ainda complementa dizendo “Não é por maldade que ela parece ter mais tendência

para destruir, é porque a ação que forma é sempre lenta e a que destrói, sendo mais rápida,

convém mais a sua vivacidade” (ROUSSEAU, 1968, p.49).

Uma das grandes funções da educação seria o fato de que as crianças deveriam

aprender a subordinar seus desejos a sua força, ou seja, não deixar que os desejos passassem a
53

dominar. Para Rousseau, não existiria uma “[...] perversidade original no coração humano

[...]” (ROUSSEAU, 1968, p.78). Seria necessário receberem orientações adequadas para que

sua pureza não fosse corrompida e para que pudessem conviver em sociedade. Podemos

constatar que, mesmo considerando essa natureza boa, Rousseau reconhece a existência de

diferentes temperamentos.

Há temperamentos dóceis e tranqüilos que podemos levar longe sem perigo para sua
inocência primeira; mas há os também violentos cuja ferocidade se desenvolve cedo
e que precisamos apressar-nos em deles fazer homens, para não sermos obrigados a
acorrenta-los (ROUSSEAU, 1968, p. 84).

O autor alerta para uma correlação direta entre os comportamentos infantis e adultos,

pois, na sua visão, a criança que não desenvolvesse bons hábitos e princípios, a partir da

orientação dos adultos, desencadearia em atitudes inadequadas na vida futura. “[...] quem quer

bater, sendo jovem, desejará matar quando grande” (ROUSSEAU, 1968, p.85).

Durante toda a sua obra, vai se revelando uma idéia de criança associada a de um ser

em desenvolvimento, portanto não acabado. Um dos aspectos que necessita desenvolver, para

não ser considerado um selvagem, é a socialização. O adulto é colocado ao lado oposto da

infância, sendo caracterizado pelo controle, pela razão, pela civilidade, distanciando-se do

primitivismo, da irracionalidade do infantil.

A escola, segundo o autor, seria a instituição que resgataria o selvagem de seu estado

puro. Talvez o grande mal-estar da escola, diante das manifestações agressivas, seja o fato de

elas denunciarem um certo fracasso do processo educativo. No “Emílio” está explícito que “A

única lição de moral que convém à infância, e o mais importante em qualquer idade, é o de

não fazer mal a ninguém” (ROUSSEAU, 1968, p.99). Os comportamentos não passíveis de

controle e que se configuram como anti-sociais, por quebrarem com as regras da boa

convivência, remetem a uma educação que não cumpriu o seu papel de disciplinamento e

moralização. Indica que o “bom selvagem” não foi protegido suficientemente, pois sua
54

natureza pura foi corrompida. Dessa forma, o juízo, a razão, a sensatez, o controle,

características de civilidade, estariam falhas ou mal desenvolvidas. Caberia aos adultos,

responsáveis pela sua educação, propiciar condições para que a criança saísse de um estado de

selvageria e ascendesse ao de indivíduo civilizado, socializado.

O autocontrole e o equilíbrio são apresentados como fatores a serem desenvolvidos

pela escola. A socialização é remetida à capacidade de internalizar regras e condutas sociais.

Portanto, a escola seria fundamental para o desenvolvimento da criança, para que deixasse o

estado de barbárie e entrasse na civilização, ou seja, superando o egocentrismo e passando a

ser um sujeito socializado.

O papel do adulto em relação à criança é fundamental para Rousseau, que influenciou,

por longo tempo, o pensamento ligado à educação. Questionando sobre o lugar do adulto

frente a esse processo, reportamo-nos à educação infantil. Para analisar as responsabilidades e

atribuições da educação infantil, direcionamos as atenções para alguns pontos de destaque da

história deste segmento do ensino, bem como de seus pressupostos e especificidades.

2.3 ESCOLAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL: MEDIDAS DE PROTEÇÃO À

INFÂNCIA

Sabemos que a educação infantil atual é diferente daquela praticada no início de sua

história. Compreendermos o caminho percorrido até aqui pode ser revelador, pois acreditamos

que é nessa trajetória que foi se construindo a escola de educação infantil que se tem hoje. As

instituições destinadas aos cuidados da criança de zero a seis anos surgem acompanhando o

pensamento da modernidade, ou seja, de contribuir para a formação de melhores cidadãos e

de preservar as crianças do risco de serem corrompidas por essa sociedade.


55

As diferentes instituições de educação infantil foram criadas na primeira metade do


século XIX, ou mesmo no final do XVIII, como as escolas de tricotar de Oberlin.
Mas as evidências históricas mostram que elas encontraram suas condições de meio
favoráveis na segunda metade do século XIX, acompanhando o processo de
expansão do ensino elementar (KUHLMANN JR., 1998, p. 74)13.

A primeira creche foi fundada por Eugène Marbeau, na França, em 1844. A idéia de

profilaxia social é um fator que muito contribuiu para a criação de instituições dessa natureza,

pois se imaginava que seria uma maneira de inculcar princípios, hábitos e valores na

sociedade através da formação dos pequenos cidadãos. As crianças seriam multiplicadoras de

um novo jeito de ser, visto que poderiam influenciar seus familiares, desde irmãos até as

mães. O ingresso da mulher no mercado de trabalho também é outro fator determinante para a

existência de uma instituição que pudesse substituir os cuidados maternos.

Na fala de Marbeau durante o Congresso Internacional de Assistência, em 1889, este


considerava a creche uma escola: de higiene, de moral e de virtudes sociais. Esta
ajudaria a escolarização dos pequenos, ao lhes fornecer um início de educação; e aos
seus irmãos – que poderiam freqüentar as aulas regularmente - , sendo também uma
escola para as mães e para as damas dirigentes (KUHLMANN JR., 1998, p. 79).

Ainda em 1840, nas favelas alemãs, surge o primeiro jardim-de-infância

(Kindergarten), inaugurado por Friedrich Froebel (1782-1852). Mais tarde, nas favelas

italianas, Maria Montessori (1870-1951) também se destaca por seu trabalho destinado a essa

faixa etária.

Esse segmento da educação é propagado internacionalmente durante as Exposições

Internacionais14, sendo a primeira em Londres, em 1851. As creches (para as crianças de zero

a três anos) e as salas de asilo ou escolas maternais e os jardins-de- infância (para as crianças

de quatro a seis anos) eram consideradas modelos de civilização. Um exemplo dessa

concepção é a apresentação de Fréderic Lê Play, em 1867, em uma das Exposições em Paris,

13
Kuhlmann Jr. é um pesquisador brasileiro que se destaca pelo estudo da história da educação infantil.
14
As exposições que ocorriam nas cidades de destaque internacional tinham como objetivo apresentar os
produtos e atributos da modernidade, tanto econômicos, como sociais e tecnológicos. Representavam o otimismo
que havia em torno do inovador e, principalmente, da cientificidade. As exposições ocorreram entre 1851 a
1922.
56

na qual a educação destinada às crianças pequenas compunha uma série de medidas para

melhorar as condições físicas e emocionais das populações.

A denominação jardim-de-infância merece algumas reflexões. Jardim remete a um

lugar destinado ao cultivo de flores e de belas plantas, servindo para embelezar, pois transmite

graça, harmonia e organização. Contudo, requer muito trabalho: plantar, adubar, regar,

podar... e, assim, as plantas devem crescer e dar alegria a todos. Jardim-de-infância seria

cultivar crianças? Nesse contexto, a criança é considerada uma sementinha que se

desenvolverá, a qual precisa de um adulto para que isso aconteça, ou seja, precisa das

“jardineiras”, como eram chamadas, até pouco tempo atrás, as profissionais que trabalhavam

nos jardins-de-infância. Remete a um papel historicamente marcado pela idéia de cultivo, de

cuidar do crescimento do futuro cidadão.

O sistema de Froebel era considerado, na época, a única educação compatível com o

progresso científico, por ser visto como uma educação calcada na racionalidade. A educação

infantil nasce num momento histórico em que a ênfase está na racionalidade científica. O

ideal iluminista de colocar em destaque o que provém da razão estava em todos os âmbitos,

inclusive na educação. A intencionalidade do controle da natureza, de domínio, de

objetividade, vai constituindo a educação infantil e, conseqüentemente, uma forma de ser

sujeito dessa educação. Dentro desse paradigma, as pretensões de Froebel eram que seu

sistema fosse um meio de reformar a estrutura familiar e os cuidados dedicados à infância.

Esses cuidados estabeleciam um elo entre as esferas pública e privada.

[...] Froebel conclama as mulheres a transcender seus papéis domésticos privados e


ampliar suas qualidades maternais no contexto público de uma instituição – ao que
chamou de maternidade espiritual, uma manifestação da ética feminina de
cooperação – criação dos filhos e comunidade, em oposição aos valores patriarcais
masculinos de competição e agressão (KUHLMANN JR., 1998, p. 114).
57

Para ele, a educação do lar levaria à preguiça, já o seu sistema preconizava os

trabalhos manuais às crianças, os exercícios, as cantigas de roda e rotinas bem definidas.

Havia uma preocupação bem acentuada com horários, planejamentos, sendo destinada uma

grande importância à ordem, a uma ritualização das atividades e uma grande ênfase à

formação moral dos sujeitos envolvidos. O sistema froebeliano foi usado amplamente em

várias culturas, adaptado de acordo com cada cultura.

A concepção educacional de Froebel também é considerada religiosa, mas em função

da visão de um mundo panteísta e não relacionado ao cristianismo. Para a igreja cristã, as

pessoas nascem como pecadoras e, para Froebel, a infância é inerentemente boa. Mesmo

assim, havia uma apropriação da religiosidade froebeliana presente nas atividades que tinham

como objetivo a educação moral das crianças. A preocupação com a formação dos bons

hábitos, do cultivo da docilidade, remete à idéia de bom selvagem de Rousseau, como se fosse

o jardim-de-infância o lugar privilegiado para estabelecer o processo civilizatório do pequeno

sujeito. “A obrigatoriedade de obediência do corpo ao espírito era muito enfatizada por

Froebel [...]” (KUHLMANN JR., 1998, p. 160) com o objetivo de formar homens completos.

A educação sistematizada, acompanhada por profissionais de forma planejada

contribuiria para o crescimento do ser infantil. Nesse sentido, Froebel, assim como Rousseau,

também defendia a necessidade de a criança receber uma educação adequada através de um

adulto.

A criança, se é naturalmente boa, tem na sua inocência o risco do desvio e da queda


no pecado, se deixada ao sabor das tentações, se não seguir o caminho da
moralidade. Com isso, a ritualização se exacerba e passa ser levada a sério, devendo
ser totalmente conduzida sob o controle do adulto, da professora, mulher,
encarregada de educar para a obediência (KUHLMANN JR., 1998, p. 163).

Uma prova histórica de que o Brasil também foi influenciado por esse modo de

conceber a educação infantil é a opinião de Rui Barbosa, citado por Kuhlmann Jr. (1998)
58

sobre essas instituições. Ele afirma que os jardins poderiam ser considerados espaços

privilegiados para a educação moral da população, pois aí seria possível desenvolver a

obediência e a polidez. Talvez, por esses pressupostos, a questão da agressividade gera tantas

preocupações por parte dos professores de educação infantil, pois, aparentemente, está em

direção oposta ao que deveria ser priorizado nessa etapa da educação.

No final da década de 1960, há um amplo processo de expansão de creches e pré-

escolas, na Europa e na América do Norte, juntamente com a ampliação de pesquisas. Já no

Brasil, esse movimento ocorreu na década de 1970. Essas instituições se configuravam como:

[...] fruto de um conjunto de medidas que conformam uma nova concepção


assistencial, abarcando aspectos como a alimentação e habitação dos trabalhadores e
dos pobres, claramente dirigido para a submissão não só das famílias, mas também
das crianças das classes populares (KUHLMANN JR., 1998, p. 201).

As classes populares eram as mais visadas a partir desse trabalho, pois como

mencionamos anteriormente, através da educação infantil imaginava-se construir uma

sociedade melhor, mais saudável e educada conforme os ideais da época, marcados pela

cientificidade e o progresso. Essas instituições chamavam a atenção por serem caracterizadas

pela modernidade de sua proposta e por serem amplamente amparadas em um ideal de

cientificidade. Segundo Kramer (1995), eram propostas assistenciais e higienistas que

visavam à superação da miséria, da pobreza e da negligência familiar. Além dos cuidados

com a alimentação, higiene e saúde, as creches seriam uma forma de estimulação cognitiva, a

fim de compensar a chamada privação cultural15 da qual os menores favorecidos padeciam.

15
A abordagem da privação cultural e de uma educação compensatória entende que a carência cultural seria
fruto de um ambiente fraco em estimulação, o que levaria a um atraso intelectual. A linguagem seria outro fator
importante, pois as crianças trariam um déficit verbal e, portanto, um déficit no pensamento lógico. O que
determinaria o fracasso escolar seria um fatalismo sociológico. Contudo há críticas em relação a esta abordagem,
pois além de possuir um significado político, passa a legitimar um comportamento padrão e outro inferior,
podendo levar ao racismo. Somente um modelo de criança, de linguagem ou de saber são válidos e aceitos. Mais
informações a respeito ver em Kramer, 1995.
59

As instituições de educação infantil brasileiras também tiveram grande influência

jurídico-policial, médico-higienista e religiosa. A primeira instância citada, a jurídico-policial,

teve incidências nessa trajetória pelo cuidado com a proteção da criança, já que o início do

grande avanço da urbanização, do trabalho industrial da sociedade capitalista, traz à tona a

realidade do trabalho feminino fora do espaço privado, causando a necessidade de ser

repensado o cuidado com as crianças. A influência médico-higienista expressa o alcance da

cientificidade na sociedade como um todo, como um meio de prevenir doenças e melhorar a

espécie. A religião, por sua vez, através de um caráter assistencialista, garante um lugar de

destaque, pois era de grande interesse a sua participação no cuidado dos futuros cidadãos.

Dessa forma, poderiam trabalhar aspectos morais e religiosos com as crianças, pois a religião,

enquanto Igreja Católica, colocava-se como o pilar sustentador da sociedade brasileira

moderna.

2.4 ESPECIFICIDADES DA EDUCAÇÃO INFANTIL BRASILEIRA NA

CONTEMPORANEIDADE

Ainda hoje, ao analisarmos a legislação brasileira a respeito do que se propõe para a

educação infantil, percebemos que vem imbuída das influências acima citadas e,

principalmente, da responsabilidade de preparar/formar o cidadão do amanhã. A partir de uma

necessidade cada vez maior de instituições que atendessem crianças na faixa etária destinada à

educação infantil (zero a seis anos), surgiram leis que foram suprindo essa demanda: a

Constituição de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 e as Leis de Diretrizes

e Bases de 1996. A expressão “educação infantil”, em nosso país, foi legitimada a partir

dessas leis. Essa legislação veio corroborar a idéia de que o sujeito da educação infantil passa

a ser considerado integralmente, tornando-se imprescindível um atendimento unificado, ou


60

seja, que contemple tanto a questão pedagógica como a assistencialista. Anteriormente, o

jardim-de-infância era considerado uma instituição mais voltada à educação, ao passo que as

creches e as escolas maternais tinham um enfoque assistencialista16. A partir de então, a

educação infantil passou a ser definida como aquela que está “entre o cuidar e o educar”17.

Inquietações fomentaram a busca pela qualificação dos profissionais da educação

infantil. Nesse sentido, foi elaborado o Referencial Curricular Nacional para a Educação

Infantil (RCN) em 1998, um documento emitido pelo Ministério da Educação e Cultura, que

pretende padronizar e qualificar esse segmento do ensino. Muitas críticas foram emitidas a

respeito desse documento, pois não foram atendidas as solicitações por parte de educadores de

todo o Brasil, nem maiores debates e reflexões sobre esse documento antes de acontecer o seu

lançamento18.

Para situar o que é prioridade na educação infantil hoje, no Brasil, de acordo com sua

legislação, torna-se necessário recorrer ao Referencial Curricular Nacional para a Educação

Infantil (MEC, 1998). Esse documento é composto por três volumes. O primeiro destina-se a

uma introdução, trazendo conceitos básicos sobre educação infantil, como princípios,

objetivos, concepções a respeito de criança, o brincar, bem como o perfil do profissional e da

instituição. O volume dois dedica-se à “Formação pessoal e social”, sendo composto por

indicação de conteúdos e atividades que contemplam esse tema. O volume três chama-se

“Conhecimento do mundo” e dedica-se a seis eixos: movimento, música, artes visuais,

linguagem oral e escrita, natureza e sociedade e matemática, incluindo conteúdos e

orientações gerais aos professores.

16
Por mais que as creches, os jardins-de-infância, escolas maternais fossem consideradas assistencialistas,
Kuhlmann Jr. defende a interpretação de que elas têm seu caráter de instituições educacionais, pois sempre
visavam a formação de um tipo de sujeito.
17
Expressão utilizada por Bujes, no texto “Escola infantil: pra que te quero?”, 2001.
18
Sobre isso ver Cerisara, 2002.
61

Os objetivos gerais da educação infantil, conforme o Referencial Curricular Nacional,

referem-se ao desenvolvimento de uma imagem positiva de si, a descoberta e conhecimento

de seu próprio corpo, assim como a valorização de hábitos de saúde e bem-estar, o

estabelecimento de vínculos afetivos, a ampliação das possibilidades de comunicação e

interação social, o estabelecimento e a ampliação das relações sociais, respeitando as

diversidades e aprendendo a articular seus interesses, a observação e a exploração do

ambiente, valorizando atitudes de conservação, o brincar, como expressão de sentimentos,

necessidades e pensamento, a utilização de diferentes linguagens, avançando na construção de

significados e conhecendo algumas manifestações culturais.

Por mais que no Referencial Curricular Nacional esteja descrito o respeito às

diferenças e às particularidades, há uma certa padronização que se espera daqueles que fazem

parte da educação infantil, tanto de crianças, como de professores. Segundo Cerisara (2002),

principalmente nos volumes dois e três, há uma subordinação ao modelo do ensino

fundamental. “Isso porque a ‘didatização’ de identidade, autonomia, acaba por disciplinar e

aprisionar o gesto, a fala, a emoção, o pensamento, a voz e o corpo das crianças” (p. 340).

Como no RCN há um detalhamento de cada ação, visando ao desenvolvimento de certos

conteúdos, pensamos que o padrão do ensino fundamental seja o vetor a ser seguido,

implicando uma cristalização de práticas logo no início da vida escolar do sujeito infantil.

Portanto, é no contexto de uma práxis educativa calcada em tais paradigmas e

propósitos que pretendemos identificar o modo como a agressividade é concebida. Para

aprofundarmos a análise da implicação do Referencial Curricular Nacional para a Educação

Infantil na prática pedagógica, recorremos aos estudos de Bujes (2002), em sua obra “Infância

e Maquinarias”. Essa autora, que tem como referencial Michel Foucault, desenvolve sua

hipótese sobre as relações entre infância e poder a partir da constituição do sujeito infantil

como um fenômeno da ordem da cultura. Os estudos de Bujes permitem avançar nas questões
62

referentes ao modo como os alunos da educação infantil são tomados pelo discurso

pedagógico para que, mais tarde, seja possível compreender as concepções de agressividade

que daí provêm.

Já mencionamos que a educação infantil traz em sua história a missão de moralizar,

civilizar os menores, ou seja, estabelecer condições de desenvolvimento de um sujeito ideal

para uma boa atuação em sociedade. O Referencial Curricular Nacional apresenta-se como

um instrumento que pretende auxiliar nesse processo, procurando padronizá-lo, trazendo um

discurso pedagógico que produz um padrão de criança, a partir da definição de currículos e/ou

diretrizes para a educação infantil.

Quando o Referencial Curricular Nacional foi elaborado, havia uma proliferação de

propostas pedagógicas que preconizavam o desenvolvimento pleno e integrado das crianças,

as quais eram concebidas a partir das influências da psicologia do desenvolvimento19 e das

tendências construtivistas, visando à formação de seres críticos, criativos, descobridores,

ativos, cooperativos. A partir da psicologia do desenvolvimento, baseada num modelo

biológico-evolucionista, naturaliza-se a evolução das capacidades cognitivas, das etapas de

socialização e de aptidões específicas. Tais discursos legitimam, ordenam, segmentam,

classificam e definem o que é um crescimento normal; “[...] ela engendra um discurso

desenvolvimentista que estipula as formas e possibilidades com base nas quais o curso da vida

humana pode fazer sentido” (JOBIM e SOUZA, 1997, p.41).

Além disso, esse modo de conceber o desenvolvimento infantil não parece levar em

conta as articulações que constituem o sujeito, ou seja, seus aspectos estruturais. Para Coriat e

Jerusalinsky (1997), é preciso distinguir o que são aspectos estruturais e aspectos

instrumentais. Os primeiros seriam compostos pelo sistema nervoso central, pelo sujeito

19
Há várias teorias do desenvolvimento humano que, apesar de considerarem tais aspectos indissociáveis, dão
ênfases diferenciadas a cada um deles. Neste contexto, destaca-se a teoria de Jean Piaget (1896-1980), que
enfatiza o desenvolvimento intelectual, tendo grande inserção no campo da educação.
63

psíquico e sujeito cognitivo. Segundo os autores, esses sistemas definem e situam o lugar e o

modo pelo qual o sujeito se manifesta. No início da vida da criança, principalmente, não é

possível distinguir o que diz respeito a cada sistema separadamente, pois há uma imbricação

entre eles. Os aspectos instrumentais seriam a linguagem, a psicomotricidade, os hábitos

cotidianos, os jogos, a socialização, a aprendizagem, ou seja, são as ferramentas das quais o

sujeito se vale para realizar suas inter-relações. A ausência de uma dessas ferramentas não

impede a estruturação da criança, mas pode lhe trazer dificuldades. Desse prisma, podemos

constatar que, à medida que uma criança apresente algum déficit no seu desenvolvimento, é

preciso considerar uma série de aspectos, pois não se trata apenas do sujeito cognitivo ou

biológico, por exemplo, e sim de um sujeito estruturado por vários aspectos interligados.

Considerar apenas a alteração, isoladamente, impede a identificação do todo.

Contudo, essas concepções desenvolvimentistas e fracionárias do desenvolvimento

infantil circulam e são apreendidas pela sociedade e, principalmente, pela educação,

produzindo novas práticas pedagógicas e novas formas de conceber o sujeito infantil, sem

levar muito em conta outros aspectos, a não ser o cognitivo. Segundo Jobim e Souza “[...] os

estudos e pesquisas psicológicas têm conseqüências constitutivas sobre o sujeito em formação

[...]” (JOBIM e SOUZA, 1997, p.41), pois a rede de linguagem em que o sujeito está inserido

contribuirá para sua estruturação. Dessa forma, passa-se a ser dada uma ênfase àqueles

comportamentos que não se enquadram na seqüência de desenvolvimento prescrita pela

Psicologia do Desenvolvimento. Não seriam normais, ou seja, estariam sendo ultrapassadas

etapas ou a criança estaria atrasada em relação à média estabelecida.

Atingir tal formação, tal desenvolvimento pressupõe uma certa disciplina, que se dá

através de uma ordem, calcada em coerções sutis, a partir do controle do tempo, dos gestos,

dos espaços: hora de lanchar, hora de orar, hora do soninho, esperar para falar, sentar-se em

seu lugar, guardar seu material, fazer fila etc. Cada criança é incentivada a autovigiar,
64

autocontrolar, construindo uma forma de relação consigo mesmo que visa a alcançar um certo

equilíbrio a partir da internalização das disciplinas.

Por tal razão, apontei como o RCN, com suas prescrições, constitui-se num conjunto
de estratégias de sutil coação cuja finalidade é a internalização das disciplinas, por
parte dos indivíduos infantis. Como, pela utilização contínua e progressiva de tais
coações que se dirigem ao corpo das crianças apoiadas no ‘saber pedagógico’ e
impostas a partir de fora, o documento prescreve, no limite, a internalização da
disciplina. Para Elias, o disciplinamento funcionou (e ainda funciona) como
instrumento por excelência de disseminação do código civilizado (VEIGA-NETO,
1996a)20. ‘O indivíduo disciplinado é aquele que não só tem a sua liberdade mais
limitada, como, ainda e principalmente, é aquele que passa a dar respostas mais
homogêneas, mais padronizadas e mais automáticas (idem, p.220). Que outro
objetivo, que não este, anima as práticas educativas nas instituições destinadas às
crianças pequenas? (BUJES, 2002, p. 145).

Segundo Bujes (2002), o sujeito da educação infantil, apresentado pelo Referencial

Curricular Nacional, é um eu com uma entidade singular e distinta, com capacidades que lhe

são inerentes. Um eu autônomo, pleno de potência e inventividade, totalmente racionalizado e

positivado, amparado pela prática de auto-avaliação e da autovigilância, apoiado num ideal de

sujeito consciente, controlado e auto-reflexivo, pois tem interiorizada a disciplina, o que lhe

permite fazer parte desse código civilizado, afastando-o da selvageria. A autora ainda afirma

que este documento (RCN) apresenta um universo ficcional, onde não há conflitos, pois todos

os sujeitos teriam desenvolvido o perfil de sujeito apontado anteriormente e, portanto,

havendo autocontrole e autovigilância interiorizados, os cidadãos estariam prontos para a

atuação na sociedade.

Contudo, por mais que o Referencial Curricular Nacional procure essa padronização,

não parece existir apenas um tipo de criança, descrito pela psicologia do desenvolvimento.

Cada criança, em seu contexto sócio-histórico apresenta suas particularidades, sendo

impossível sustentar uma educação que preconiza um único jeito de ser criança, não levando

em conta as mais diversas realidades.

20
A referência do texto citado por Bujes é VEIGA-NETO, Alfredo. A ordem das disciplinas. Tese de Doutorado
em Educação. Porto Alegre: PPGDU/UFRGS, 1996a.
65

Considerando a questão principal deste trabalho, a concepção de agressividade,

percebemos que não há nenhuma referência a este conceito no Referencial Curricular

Nacional, como se este aspecto fosse algo inexistente no que se propõe ou se espera como

ideal do sujeito infantil. Por um lado, é interessante que não existam referências sobre este

tema, pois, dessa forma, não há prescrições e normatizações a respeito. Por outro lado,

pensamos que essa constatação é mais uma demonstração da necessidade de discussões acerca

dessa temática no campo da educação.

Ao analisarmos as falas das professoras21, percebemos que a agressividade aparece

como algo que entra em choque com os ideais da educação infantil. Ao entrar em confronto

com uma certa linearidade esperada no processo educativo, a agressividade faz emergir

questionamentos que colocam em dúvida a normalidade de uma criança que se apresenta de

maneira agressiva, como se manifestações que tivessem tais conotações não fossem

consideradas naturais ao comportamento padrão do ser infantil. Talvez por esse motivo, gere

tantas inquietações.

2.5 A CRIANÇA DA EDUCAÇÃO INFANTIL NA ATUALIDADE

Assim como as manifestações de agressividade causam um certo mal-estar na escola,

o modo como a criança se apresenta na atualidade também causa impactos nos educadores,

bem como em pais e na sociedade como um todo. As professoras22 afirmam que seus alunos

não mais são como os de anos atrás. Há um acesso livre à informação, uma liberdade que

possuem em relação aos seus pais, dando a impressão de que tudo lhes é permitido.

Coisas de adulto e coisas de crianças já não estão mais tão separadas assim. A escola

de educação infantil é destinada à infância. Então, como lidar com essas surpreendentes

21
As falas das professoras são abordadas no próximo capítulo.
22
Quando falamos de professoras, nesse momento, queremos nos reportar às falas de um modo geral, ou seja,
não se referem especificamente aos encontros de grupos focais.
66

demonstrações de que as crianças parecem não mais ser as mesmas? Crianças que questionam

adultos e, ao mesmo tempo, adultos inferiorizados pelos seres infantis. Quando se trata do

domínio de tecnologias, por exemplo, não é raro que os filhos saibam mais que seus pais. Os

supostos seres completos definidos, tradicionalmente, como aqueles que vão conduzir a

educação do novo ser humano, parecem um tanto destituídos e surpresos com essa nova

realidade.

A criança, na contemporaneidade, vai desmistificando a sua imagem de ser puro,

mostrando-se em sua artificialidade, ou seja, em sua heterogeneidade. Supomos que essa idéia

de eu positivado, eu consciente, autônomo, com autodomínio, centrado, unificado, expresso

nos ideais da educação infantil, está em crise. Acreditamos que esse eu seja múltiplo, poroso,

cindido, em constante construção e inter-relação com aqueles que o rodeiam – este é o eu pós-

moderno. Talvez, por essas características, este eu que não é natural e, tampouco original,

passa a ser descrito por alguns teóricos como “ciborgues ou monstros”13. Não é por acaso que

as crianças estão tão familiarizadas e identificadas com os monstros ou seres robóticos

vinculados pela mídia. O ogro Shrek, Pokemón e Digimón, as cartas assustadoras dos Yu-Gi-

Ohs, o Zeta, o Robocop e tantos outros... Monstros e robôs com poderes sobrenaturais e, por

vezes, com características humanas, podem transformar-se facilmente em outro ser mais

adequado, conforme a exigência de cada situação.

A idéia de que a criança é um ser ingênuo, puro e natural cai por terra. Ela é um ser

subjetivado, inventado neste meio social que se apresenta em uma heterogeneidade que

invade tanto seu corpo, sua representação corporal, como seu psíquico. Isso que é indefinido,

que não é homogêneo e puro, passa a ser algo que vem questionar a racionalidade e, por isso,

23
No sentido em que é usado pela teoria cultural contemporânea, a respeito da artificialidade da subjetividade
humana, do cruzamento de fronteiras entre o humano e o não-humano, entre cultura e natureza. O termo
“ciborgue”, em especial, é largamente utilizado por Donna Haraway e Hari Kunzuru, em sua obra “Antropologia
do ciborgue – As vertigens do pós-moderno” (2000). A expressão “monstros” provém da obra “Pedagogia dos
Monstros” (2000) de Iam Hunter, James Donald, Jeffrey Cohen e José Gil.
67

assusta pais, professores, o social... Assustamo-nos com o que está sendo inventado –

monstros dos quais não temos o devido domínio, ciborgues que vieram sem manuais

explicativos. Manuais que precisam ser elaborados, mas que, pela velocidade das

transformações, logo se tornarão obsoletos.

Alguns autores24 têm trabalhado na perspectiva de que, na contemporaneidade, há uma

crise em relação ao conceito de infância. A criança da atualidade não é mais aquela dos

velhos tempos.25 Aquela infância da modernidade parece que chegou ao fim. As crianças já

não são mais tão protegidas, principalmente no que se refere às informações. Novamente

participam do mundo adulto, usam roupas de adultos e até fazem atividades que antes eram

somente para adultos... O discurso que vinha da pedagogia moderna era de preparar a criança

para ser um adulto realizado. Agora, é como se, já na infância, pudessem vivenciar o universo

dos adultos.

Da mesma forma, a infância invade o mundo dos adultos, numa certa infantilização,

pois o vestuário, o lazer, as ocupações, os espaços são cada vez mais compartilhados, não

mais havendo uma definição exata do que é próprio do ser adulto e do que é próprio do ser

infantil. No entanto, apesar desse cruzamento de fronteiras, ao invés de ocorrer a aproximação

entre adultos e crianças, parece haver um afastamento.

Adultos não mais reconhecem nessas “crianças adulteradas” a infância assim como foi

concebida até bem pouco tempo. Em contrapartida, as crianças não mais reconhecem no

adulto uma instância, a qual precisam respeitar, espelhar-se, pois, muitas vezes, colocam-se

em igualdade. Surpreendidos com o ser infantil da atualidade, pais e professores afirmam ser

difícil lidar com as crianças, pois não sabem o que fazer frente a essa nova realidade.

O sujeito infantil sabe recriar e dar novos sentidos aos objetos, às palavras, às suas

experiências... As crianças não são presas a pré-conceitos teóricos, como os adultos que

24
Autores como Mariano Narodowsky, Contardo Calligaris, Sandra Mara Corazza.
25
Expressão usada no senso comum.
68

querem encaixar tudo em seus parâmetros. A linguagem do sujeito infantil, capturada através

do seu brincar, é sempre nova, ela está sempre ressignificando o que está ao seu redor, de

acordo com sua subjetivação, seu contexto social e histórico.

Constatamos, mais uma vez, que não há um único tipo de sujeito, pois cada criança,

em seu contexto sócio-histórico, tem suas especificidades. A educação dificilmente se

sustentará, se tiver um único modelo de criança para encaixar às mais diversas realidades.

Aprender com a criança a arte de ressignificar, não concebê-la a partir de um único modelo,

pode ser uma forma de tecer uma outra educação infantil que possibilite o emergir das vozes

infantis.

A visão psicanalítica pode favorecer um outro olhar sobre o sujeito da infância, pois

supõe a existência de um sujeito barrado, não completo e, por isso, alienado ao outro devido

ao seu modo de constituição. Essa concepção, certamente, pode trazer implicações no

processo educativo. Dessa forma, apresentamos algumas considerações a respeito da

educação a partir de leituras do campo da psicanálise.

2.6 CONSIDERAÇÕES SOBRE A EDUCAÇÃO A PARTIR DE LEITURAS

PSICANALÍTICAS

Na história da psicanálise, desde Freud, já ocorreram várias tentativas de intersecção

entre a psicanálise e a educação. O sonho de Freud (1908) era de que a psicanálise estivesse a

serviço da sociedade. A relação com a educação não foi diferente. Freud questiona, em várias

etapas de sua obra, sobre o caráter repressor da educação, o qual, segundo ele, estaria

causando inúmeras doenças e, em especial, as neuroses. Como já mencionamos no início

deste trabalho, em suas primeiras teorizações, ele afirma que isso seria resultado do processo

civilizatório. Dessa forma, a profilaxia das neuroses deveria estar a cargo dos educadores.
69

Contudo, no decorrer de suas elaborações, Freud vai concebendo não mais a moral

como causadora das neuroses, pois revela que a sexualidade, por si só, é perturbadora.

Descobre que há uma fonte de desprazer, a qual confere vigor à moralidade. Esse desprazer é

ligado à ação recalcadora do eu, ou seja, ao processo utilizado para afastar ou manter no

inconsciente representações relacionadas a uma pulsão. A vida sob o inteiro domínio das

pulsões seria impossível. O recalque das pulsões passa a ser entendido como necessário para a

própria sobrevivência individual e grupal. Porém, há aquelas pulsões que não são recalcadas,

mas são sublimadas.

Sublimação é um conceito freudiano que estabelece uma ligação íntima com a

aprendizagem, pois se refere a uma energia sexual que é direcionada a atividades socialmente

valorizadas, como o trabalho, as artes, a aprendizagem. Para Freud, não haveria cultura se não

fosse a sublimação.

No texto “O interesse científico da psicanálise” (1913), no capítulo voltado ao

interesse pedagógico, Freud aborda o cuidado que se deveria ter em não restringir as fontes de

ação de maneira forçada e limitar-se a promover processos pelos quais as energias pudessem

ser sublimadas, ou seja, canalizadas para um caminho socialmente aceito. Entre as

possibilidades da psicanálise, ele destaca:

E a psicanálise pode também demonstrar que preciosas contribuições para a


formação do caráter são realizadas por esses instintos associais e perversos na
criança, se não forem submetidos à repressão, e sim desviados de seus objetivos
originais para outros mais valiosos, através do processo conhecido como
‘sublimação’. Nossas mais elevadas virtudes desenvolveram-se, como formações
reativas e sublimações, de nossas piores disposições (FREUD, 1980, p.191).

Nesta obra, Freud aborda a importância que atribui ao esclarecimento que a

psicanálise poderia trazer para a pedagogia. Para ele, se os professores tivessem mais

conhecimentos a respeito da psicanálise, do desenvolvimento infantil, não sufocariam tanto ou


70

tão violentamente as pulsões, evitando levar a uma repressão. Segundo ele, caso as pulsões

fossem reprimidas, isso levaria às neuroses e, conseqüentemente, não seriam sublimadas.

Freud destaca que a repressão à curiosidade infantil levaria a um rebaixamento do

potencial intelectual da criança, pois, à medida que vai teorizando sobre “sexualidade

infantil”, vai entendendo que as teorias sexuais infantis são um exercício investigativo, o qual

é fundamental para o desenvolvimento da intelectualidade, da pulsão de saber. É sob esses

argumentos que Freud propõe a profilaxia das neuroses através da educação.

Contudo, mais tarde, na obra “Além do princípio do prazer” (1920), já abordada

anteriormente, compreende que não há só o princípio do prazer regendo a dinâmica subjetiva

do sujeito, mas também pulsões de vida e pulsões de morte. As pulsões de morte estariam

relacionadas a uma compulsão à repetição, ou seja, repetir-se-iam situações, mesmo que

fossem desagradáveis. Esse mecanismo foge ao controle da consciência, sendo basicamente

um processo inconsciente.

A educação traz consigo um ideal de promover o bem-estar, a felicidade, um

desenvolvimento contínuo, o que não combina com a dinâmica do inconsciente e da pulsão de

morte, como afirma Millot (1995). Portanto, constata-se que haveria um limite para o controle

do que seria transmitido ou não através da educação.

Isso que foge do controle, que se refere às manifestações do inconsciente na

subjetividade de cada aluno e de cada professor, coloca uma certa impossibilidade para que a

educação se cumpra ou se desenvolva a partir de um ideal racionalista, ou seja, de forma

lógica, objetiva e precisa. É nesse sentido que em “Análise terminável e interminável”, de

1937, Freud afirma que, assim como analisar e governar, educar seria uma tarefa impossível,

pois é um ideal que nunca é totalmente realizável.

Quase parece como se análise fosse a terceira daquelas profissões ‘impossíveis’


quanto às quais de antemão se pode estar seguro de chegar a resultados
71

insatisfatórios. As outras duas, conhecidas há muito mais tempo, são a educação e o


governo (FREUD, 1980, p. 282).

Outro aspecto que conduz a uma reflexão sobre a impossibilidade da eficácia total do

ato educativo é a condição que Freud, em 1913, colocava como essencial para o educador:

Somente alguém que possa sondar as mentes das crianças será capaz de educá-las e
nós, pessoas adultas, não podemos entender as crianças porque não mais
entendemos a nossa própria infância. Nossa amnésia infantil prova que nos
tornamos estranhos à nossa infância (FREUD, 1980, p. 190).

Essa amnésia relativa a nossa infância torna mais difícil o acesso à infância dos

educandos. Por esse motivo, Freud acaba afirmando que o ideal seria que todos os professores

passassem por um processo de análise para que pudessem reconciliar-se com a sua infância e

não colocassem seus ideais sobre os alunos.

Millot trabalha em sua obra com muita ênfase a respeito desse alerta freudiano de que

os educadores deveriam abster-se de seus desejos e seus ideais para não os projetar em seus

alunos: “[...] tanto o educador quanto o psicanalista devem submeter-se à regra da abstinência

que consiste em não desejar por, ou em lugar de, o educando ou paciente” (MILLOT, 1995, p.

53). Nesse sentido, o educador não deveria propor uma ação educativa baseando-se “[...] em

seus ideais pessoais, e sim, em função das predisposições e possibilidades do sujeito”

(MILLOT, 1995, p. 127).

O professor também é um sujeito marcado pelo inconsciente, porém, na relação

transferencial, ele precisa esvaziar-se de sentido para dar lugar a um outro que ele ao menos

conhece, pois o comportamento do aluno direcionado ao professor não está dirigido à pessoa

do professor, mas é endereçado ao lugar que ele ocupa. Sendo assim, mesmo que dependa do

desejo para manter-se neste lugar, requer uma renúncia a esse desejo para não fazer uso do

poder que o aluno lhe confere.


72

Contudo, sabemos que a indicação de que todos se analisassem torna-se inviável; não

passa de um sonho freudiano. Mesmo assim, é importante ressaltar que “O inconsciente dos

educadores pode ser considerado como mais determinante para o desenvolvimento da criança

que a ação educacional programada” (MILLOT, 1995, p. 73).

Considerando o inconsciente e a estruturação psíquica do sujeito, entende-se sob outra

perspectiva o papel do professor, pois, por melhor que seja o profissional, há um limite em

sua ação, que se refere à maneira pela qual este sujeito foi constituído e, conseqüentemente,

do modo como se estabelecerá a relação transferencial. A visão racionalista difundida pelo

Positivismo de que o processo ensino-aprendizagem é objetivo, consciente, que depende da

vontade e determinação de cada um, cai por terra.

De acordo com Freud, em “Algumas reflexões sobre a psicologia do escolar” (1914), é

no início da vida que o ser humano consolida o modelo de seus vínculos em função dos

relacionamentos com os primeiros objetos de amor: seus pais ou aqueles que ocupam a função

materna e paterna.

A psicanálise nos mostrou que as atitudes emocionais dos indivíduos para com
outras pessoas que são de tão extrema importância para seu comportamento
posterior, já estão estabelecidas numa idade surpreendentemente precoce. A
natureza e a qualidade das relações da criança com as pessoas do seu próprio sexo e
do sexo oposto, já foi firmada nos primeiros seis anos de sua vida. Ela pode
posteriormente desenvolve-las e transforma-las em certas direções mas não pode
mais livrar-se delas. As pessoas a quem se acha assim ligada são os pais e irmãos e
irmãs. Todos que vem a conhecer mais tarde tornam-se figuras substitutas desses
primeiros objetos de seus sentimentos. (Deveríamos talvez acrescentar aos pais
algumas outras pessoas como babás, que dela cuidaram na infância.) Essas figuras
substitutas podem classificar-se, do ponto de vista da criança, segundo provenham
do que chamamos as ‘imagos’, do pai, da mãe, dos irmãos e das irmãs, e assim por
diante. Seus relacionamentos posteriores são assim obrigados a arcar com uma
espécie de herança emocional, defrontam-se com simpatias e antipatias para cuja
produção esses próprios relacionamentos pouco contribuíram. Todas as escolhas
posteriores de amizade e amor seguem a base das lembranças deixadas por esses
primeiros protótipos (FREUD, 1980, p. 248-249).

Portanto, para os professores são dirigidas todas as expectativas, o respeito, os

sentimentos ambíguos que se tem em relação aos pais. Para serem entendidos os diferentes
73

comportamentos dos alunos com seus mestres, seria necessário saber a respeito de sua

infância, de seu relacionamento com seus pais.

Confrontamo-los com a ambivalência que tínhamos adquirido em nossas próprias


famílias, e, ajudados por ele, lutamos como tínhamos o hábito de lutar com nossos
pais em carne e osso. A menos que levemos em consideração nossos quartos de
crianças e nossos lares, nosso comportamento para com os professores seria não
apenas incompreensível, mas também indesculpável (FREUD, 1995, 249-250).

Não são eles, os professores, os únicos responsáveis pelo sucesso ou não do processo

ensino-aprendizagem, pela aquisição ou não de novos comportamentos e hábitos adequados à

vida em sociedade. Por mais que a psicanálise não se proponha a elaborar um método ou um

sistema educacional, pode auxiliar os profissionais de educação, de forma ética, a balizar as

fronteiras de suas atribuições e responsabilidades em relação ao processo educativo.

Conhecer a impossibilidade de controlar o inconsciente pode levar a uma posição


ética de grande valor, pois nos coloca diante de nossos verdadeiros limites, e nos
reduz à nossa impotência. Por outro lado, também pode ser um saber paralisante.
A radicalidade da existência do inconsciente obrigaria, no limite, a que se cruzassem
os braços, aceitando uma entrega ao imponderável? Significaria uma renúncia a toda
a construção civilizatória, [...]?
É preciso deixar os exageros à parte para buscar um ponto de equilíbrio em que o
educador possa beneficiar-se do saber psicanalítico sem, contudo, abandonar a
especificidade de seu papel... (KUPFER, 2001, p. 75-76).

Ao balizar esses limites da intervenção do professor em relação aos seus educandos, é

pertinente lembrar da relação que se faz entre a educação e a maternidade, principalmente no

que se refere à educação infantil. Freqüentemente, a professora desse segmento do ensino

acaba recebendo a demanda de exercer uma função materna, a fim de substituir a mãe que se

separa, momentaneamente, de seu filho. Muitas vezes escutamos tais expressões, tanto por

parte de pais como de professores: “A escola é a segunda casa da criança”; “A professora é a

segunda mãe,...” Enquanto os professores e, em especial, as professoras estiverem se

colocando no lugar de mães de seus alunos, a função da escola estará fadada ao fracasso. Para

ser mãe, não é preciso faculdade, conhecimento teórico, técnico ou científico. Basta a
74

predisposição, muito investimento psíquico e desejo dirigido ao seu filho. Ser mãe de uma

turma de crianças, sem ao menos ter o tempo da gestação, sem aquele investimento pulsional

que necessitaria para o exercício da maternidade, não deve ser nada fácil. Segundo Freud, os

filhos vêm realizar os ideais dos seus pais, ficam em um lugar idealizado. Seria possível uma

educação efetiva à medida que os alunos ficassem nesse lugar de ideal?

Não estamos falando de uma ausência de ideal, pois para qualquer empreendimento

que nós humanos quisermos realizar, se não tivermos um ideal a nortear os objetivos a serem

alcançados, dificilmente, o desejo será suficiente para o investimento psíquico necessário a

fim de chegarmos a alguma forma de realização. Nossos ideais, mesmo que inconscientes,

dirigem nossa ações. Na educação não é diferente. É preciso um ideal a ser perseguido.

Portanto, para ser professor é necessário um desejo, o qual difere daquele da maternidade,

pois deve estar relacionado com os objetivos da educação, do processo de escolarização.

Acreditar que o aluno queira saber a respeito do que o professor sabe é colocar-se num lugar

de desejo. Já o aluno vai supor que o professor tem algo que ele deseja saber e que faz falta a

ele. Consiste em uma relação afetuosa diferente da estabelecida entre mãe e filho.

A escola remete ao espaço público, diferenciando-se da função materna que é

intimamente relacionada ao espaço privado. A saída para a escola, para o social, pode ser

entendida como uma das formas de se exercer a função paterna, pois estabelece um corte na

relação de completude entre mãe e filho, permitindo a saída da criança do lugar de objeto que

completa a mãe, colocando-o como faltante e, por isso, desejante.

Quando a criança ingressa na educação infantil, de acordo com a sua faixa etária, ela

está em processo de constituição de seu eu e, portanto, definindo o que é eu e o que não faz

parte de seu eu, ou seja, os contornos de seu processo identificatório estão se organizando

nesse momento. Como abordamos anteriormente, a criança manifesta, através da

agressividade, esse exercício de posicionar-se como uma entidade singular, como um sujeito
75

que não é o outro, apesar de necessitar desse outro. Necessita dessa relação, nem que seja para

um enfrentamento, para poder estruturar-se. Com esse entendimento, não é difícil

compreender o porquê das manifestações agressivas serem tão comuns na educação infantil.

Contudo, ao escutar os educadores, observamos que esse entendimento não parece ser

algo que faça parte de suas concepções. Por isso, o terceiro capítulo deste estudo é dedicado à

discussão do que compõe o assunto principal deste trabalho de pesquisa: as concepções de

agressividade no discurso pedagógico.


3 A AGRESSIVIDADE NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL

No âmbito da educação infantil, há uma preocupação frente ao tema da agressividade.

Muitos questionamentos são formulados pelos profissionais dessa área, assim como surgem

variadas queixas relacionadas às manifestações agressivas. Observamos que as referências

feitas pelas professoras a respeito do termo agressividade são, na maioria das vezes, de forma

negativa, evidenciando-se um certo mal-estar em torno desse assunto.

Nesta etapa do trabalho, procuramos compreender como a agressividade é concebida

pelos professores de educação infantil, levando em conta as repercussões desse entendimento

em seu fazer pedagógico. Como forma de evidenciar tais concepções no cotidiano da

educação infantil, apresentamos falas de professoras que participaram de encontros de

discussão sobre o referido tema dentro desse âmbito. Consideramos imprescindível situar a

maneira pela qual foram geradas e tomadas tais falas. Assim, este capítulo se inicia a partir da

descrição da metodologia usada para essa finalidade. Em seguida, estabelecemos

considerações a respeito do tema, a partir dos suportes teóricos referenciados nos primeiros

capítulos, ou seja, referente à agressividade e à educação infantil. Ao final, discutimos sobre

as implicações, no processo educativo, do fato de a agressividade ser considerada uma via

para a estruturação do eu, a partir do reconhecimento do outro, de uma alteridade.

3.1 A VIABILIZAÇÃO DOS ESPAÇOS DE FALA – APONTAMENTOS SOBRE A

METODOLOGIA

Toda pesquisa científica precisa ter uma clareza a respeito de seu tema, de seus

objetivos e de sua metodologia, para que alcance consistência e credibilidade no meio

acadêmico. Entendendo a metodologia como a forma pela qual o pesquisador irá desenvolver
77

sua investigação, pareceu-nos indispensável explanar sobre seu desenvolvimento. Assim, é

possível compreender seu alcance e suas limitações.

Esta pesquisa tem como um de seus principais referenciais a teoria psicanalítica. A

psicanálise pode ser definida como uma experiência que provém da palavra. Desde o início

das teorizações freudianas, a partir dos estudos relacionados à histeria, a verbalização teve um

lugar de destaque. Freud constatou que as suas pacientes histéricas precisavam colocar em

palavras o que as afligia para que as conversões, as somatizações fossem dissipadas. A fala de

cada sujeito é única, pois o lugar do qual o sujeito se enuncia tem relação com a sua verdade,

com o seu posicionamento frente aos outros, dentro de uma rede de linguagem. Nessa

pesquisa, calcada na teoria psicanalítica, considera-se que o sujeito se constitui a partir da

linguagem, pois ele é representado por um significante frente a outros significantes, o que o

determina. Em vista desse posicionamento, para identificar o que perpassa o discurso escolar

a respeito da concepção de agressividade, a investigação acontece a partir da escuta dos

professores de educação infantil, os quais estão diretamente envolvidos nessa problemática.

Para viabilizar tais espaços de fala, o projeto foi apresentado na Secretaria Municipal

de Educação e Cultura (SMEC) de Panambi/RS, na presença da secretária desse segmento e

das coordenadoras de educação infantil. A opção em delimitar como campo de investigação a

rede pública municipal ocorreu porque o maior contingente de profissionais, nessa área do

ensino, no município de Panambi/RS, está sob esse domínio. Fazem parte dessa rede, nove

escolas de educação infantil e dez escolas de educação fundamental que comportam classes de

educação infantil. Sobre a receptividade da proposta, podemos dizer que foi extremamente

positiva, pois a discussão acerca da agressividade é considerada apropriada e interessante, por

ser bastante atual e por ser motivo de várias inquietações e de um certo mal-estar entre os

profissionais de educação infantil.


78

Ao explanarmos a possibilidade de trabalho à coordenadora de educação infantil da

SMEC, procuramos deixar claro que as profissionais estariam convidadas a integrarem-se

como participantes de um momento inicial da pesquisa, pois as suas concepções seriam o

ponto de partida para a constituição do tema. Para que esses espaços de fala se viabilizassem,

optamos pelo trabalho em grupo, onde os sujeitos poderiam confrontar idéias, estabelecer

relações e apresentarem-se enquanto classe. O trabalho foi aceito imediatamente pela

secretária de educação do município, bem como pelas coordenadoras. Por sugestão das

mesmas, na primeira reunião do ano com todas as profissionais de educação da rede

municipal, apresentamos a proposta e realizamos o convite para discutir o tema. O grupo era

composto por quarenta e uma professoras e coordenadoras. Aquelas que aceitaram o convite

deveriam se inscrever, podendo escolher o horário de participação (manhã ou tarde), sendo

que poderiam inclusive usar o seu horário de sala de aula, o que demonstrou o quanto a

Secretaria Municipal de Educação e Cultura estava apoiando e dando importância a essa

discussão. A coordenadora pedagógica incentivou que cada escola enviasse uma

representante, mas deixou a critério de escolha e decisão de cada uma das profissionais quem

iria participar do trabalho.

O grupo focal foi a modalidade de trabalho escolhida para escutar os professores. Esse

recurso de pesquisa consiste em encontros destinados ao debate sobre o tema, sendo que a

coleta de dados ocorre a partir do confronto das idéias dos seus participantes. O pesquisador,

nesse momento da investigação, é considerado um mediador, o qual traz um roteiro de eixos

temáticos que norteiam a discussão, contribuindo também na organização do debate.

Foram compostos dois grupos, um com cinco participantes e outro com onze. Como

foi combinado previamente na Secretaria de Educação e Cultura, foram agendados dois

encontros com cada grupo. Cada participante usava um crachá com sua inicial ou um

codinome a seu critério, para que não fosse identificada. As participantes foram orientadas a
79

não usarem nomes de crianças, colegas e escolas a fim de ser preservada a identidade das

pessoas e/ou instituições envolvidas. Houve uma colaboração entusiasmada e comprometida

com o debate. As reuniões foram gravadas e transcritas, com o objetivo de maior

aproveitamento desse material. Esses encontros se constituíram em possibilidade de

experiência, oportunizando o reconhecimento de um saber de cada sujeito envolvido.

Os tópicos norteadores para a realização do debate foram previamente elaborados,

tendo como preocupação não deixar transparecer as concepções advindas do referencial da

pesquisadora. Muito se fala sobre a necessidade de uma certa neutralidade científica, a fim de

que as pesquisas sejam realmente válidas. Argumenta-se que o pesquisador precisa se abster

de seus paradigmas, conceitos e preconceitos para que realmente possa observar um fato e

analisá-lo sem influências, com um olhar que não seja predeterminado. Contudo,

questionamos: será possível que o pesquisador transmita de maneira neutra o que está sendo

observado? Até que ponto seu olhar pode ficar isento de seus paradigmas? E quando o

pesquisador está envolvido com o objeto de sua pesquisa, como neutraliza esse olhar? Todos

esses questionamentos fizeram parte da elaboração do roteiro para o trabalho nos grupos

focais. Todavia, de algum lugar o pesquisador se posiciona para a realização de sua tarefa.

Dessa forma, resgatando as experiências na assessoria em psicologia escolar, apresentadas no

início do trabalho, elaboramos alguns eixos principais. Mesmo assim, a tentativa era de que as

questões da pesquisa viessem de um lugar de não saber, ou seja, procurando demarcar que o

saber estaria naqueles que estavam sendo escutados.

Os tópicos das discussões foram os seguintes:

• Primeiro encontro

1) O que motivou cada uma a aceitar o convite para discutir sobre agressividade

infantil?

2) O que você tem pensado sobre agressividade?


80

3) Pode-se diferenciar violência de agressividade?

4) No cotidiano da educação infantil, como a agressividade se manifesta? Exemplos.

5) Pela sua observação e experiência, onde você considera que essa agressividade tem

sua origem?

6) Como você tem lidado com essa agressividade na escola?

7) Como a escola tem lidado com a agressividade infantil?

8) Como você percebe a maneira pela qual as crianças lidam com isso?

• Segundo encontro

1) O que pensaram sobre o tema, no decorrer desses dias?

2) Como definiriam o que é agressividade infantil?

3) A partir da experiência em educação infantil, que indicativos apontam que uma

criança está sendo agressiva? Quando e como chegam a essa conclusão?

4) Quais as implicações das manifestações agressivas no cotidiano escolar? Quais as

conseqüências e como repercutem no processo ensino-aprendizagem?

Mesmo tendo esse roteiro previamente estabelecido, o rumo do debate, por vezes, era

alterado e tomava outros encaminhamentos, mas procuramos manter o cuidado para que não

se desviasse do foco central. O interessante é que muitas dessas questões nem precisavam ser

colocadas da maneira como havia sido programado, pois as educadoras iam espontaneamente

expondo suas idéias, trazendo exemplos, de maneira que os tópicos iam sendo contemplados

sem a necessidade de serem colocados pela pesquisadora. Aconteceu que alguns eixos,

destinados ao primeiro encontro, ficaram sem ser trabalhados, mas foram abordados no

segundo momento, sendo que o contrário também ocorreu. Cada grupo teve seu ritmo e

desenvolvimento diferenciado.

Ao final dos encontros, nos deparamos com uma riqueza em termos de material para

ser trabalhado e analisado. O objetivo era de que desses diálogos emergissem discussões que
81

iriam constituindo o tema central desta pesquisa. Contudo, constatamos uma variedade de

possibilidades de discussões, várias vias poderiam ser tomadas a partir do debate e, portanto,

inúmeras pesquisas poderiam ser desenvolvidas através desse levantamento de dados. Dessa

forma, não é viável a apresentação de todo o material recolhido junto aos professores, porém

os fragmentos dos debates fazem parte desta etapa do trabalho, por ser o capítulo dedicado

estritamente às concepções advindas do discurso pedagógico, bem como as supostas

conseqüências desses posicionamentos. Em vista dessa constatação, é necessário delimitar

alguns eixos que constituiriam o cerne da pesquisa: a concepção da infância e de

agressividade, como a escola lida com a agressividade e, por fim, quais as implicações no

processo educativo. A problematização é baseada no que foi trabalhado nos capítulos

anteriores, ou seja, nas considerações psicanalíticas sobre agressividade e nas particularidades

da educação infantil.

3.2 A CRIANÇA E A AGRESSIVIDADE SOB O OLHAR DAS EDUCADORAS

Abordamos, primeiramente, as concepções expressas pelas educadoras de educação

infantil, a respeito de criança e de agressividade. Para analisar o modo pelo qual o discurso

pedagógico concebe a agressividade, acreditamos que seja essencial ter alguma noção do que

pensam acerca da infância, pois a concepção que se tem de criança pode determinar a visão

acerca da agressividade. A maneira pela qual o sujeito infantil se apresenta na atualidade

causa impactos aos adultos de forma geral. De acordo com as falas de professoras, seus alunos

diferem muito das crianças de outras épocas, inclusive ao compararem com as suas infâncias.

Segundo elas, há um acesso muito maior à informação, com um reduzido número de

restrições ou interdições. Exemplos deste ponto de vista pode ser verificado abaixo:26

26
A partir deste ponto, ao longo do texto, são abordados recortes das falas das professoras apresentados em
itálico.
82

Eu não sei, mas eu vejo as crianças hoje em dia muito mais... mais lá na frente que a

gente... anos atrás as crianças eram mais ingênuas, mais assim, ... Uma me falou lá esses

dias: “Meu pai é aquele lá é o Maninho! Só que ele não me registrou”. Criança de seis

anos... “Então eu moro só com minha mãe e minha vó” Assim eles sabem de tudo...

É tudo permitido. Nossos pais escondiam muita coisa de nós, né. Ficavam entre eles;

era coisa de adulto.

Já não há uma separação tão rígida daquilo que é destinado para o mundo adulto e do

que se refere ao mundo infantil. Contudo, esse espanto apresentado pela educadora, ao

apontar uma certa incompatibilidade entre a informação trazida pela criança e a idade da

mesma, nos faz pensar que ainda permanece um ideal ou uma imagem de criança pura e

ingênua. Esse ideal fornece alguns indicativos para compreender o modo pelo qual concebem

a agressividade. Quando discutíamos no grupo sobre a agressividade e sua origem, algumas

professoras trouxeram o seguinte depoimento.

A gente não consegue achar que uma criança... A infância é uma coisa tão magnífica,

tão pura!

Por mais que as professoras percebam tais mudanças a respeito do sujeito infantil que

se apresenta hoje, encaram este novo jeito de ser como algo anormal, pois essas novas

configurações não se enquadram em uma idéia pré-estabelecida de infância. Identificamos

então uma distância considerável entre a imagem que o discurso pedagógico ainda carrega de

infância, ligado a um ideal de pureza e docilidade. Dessa forma, quando se referiam à

agressividade, ficava claro o quanto as manifestações ditas agressivas não poderiam ser

consideradas advindas de uma criança.

Mas não é deles essa agressividade.

Eu não acredito que uma criança seja má.


83

Esses depoimentos demonstram com clareza uma imagem que se tem de criança, com

fortes influências de Rousseau e Froebel. A maldade não poderia estar na infância, mas

deveria ser proveniente da família, da mídia e da sociedade em geral, pois sendo um “bom

selvagem”, suas ações seriam amorais, ou seja, não poderiam ser julgadas como “certas” ou

“erradas”.

Constatamos uma associação entre infância, agressividade e selvageria. A ligação

entre esses elementos nos remete a pensar sobre a idéia de maldade. Ao falar sobre

agressividade, logo uma professora afirma que não acredita que uma criança possa ser má.

Isso permite concluir que, na visão de muitas educadoras, há uma equivalência entre

agressividade e maldade. Nessa perspectiva, a agressividade geraria o mal, ou poderia ser

considerada a própria maldade em si. Os atos agressivos são vistos então como atos de

maldade que somente seriam cometidos pelas crianças por elas não terem tido ainda acesso

aos parâmetros de “bem” e “mal”, de “certo” e “errado”, estão em estado puro, como

selvagens.

Sendo isento de juízos, de julgamentos, toda atitude que remeta à agressividade não é

tomada como algo civilizado, mas também não é considerado algo próprio da criança. É como

se as manifestações agressivas estivessem além do infantil. A criança “naturalmente boa” não

poderia ser detentora desses traços agressivos. A maioria das professoras concorda que é

difícil pensar que uma criança poderia ser ruinzinha por natureza... A idéia da pureza infantil

é predominante, bem como a equivalência entre agressividade e ruindade, por exemplo.

A partir de tais depoimentos, concluímos que há uma concepção bem presente no

discurso das professoras, a respeito de uma impossibilidade de que a agressividade possa ser

originária de uma criança. Os educadores defendem a idéia de que a agressividade provém das

influências do meio, principalmente da família. Vários recortes dos discursos das professoras

indicam tal pensamento.


84

Paro e fico pensando. Por que essas crianças são assim. Por que cada ano que passa

tem mais crianças com problemas de agressividade. Então assim, eu imagino que seja

problemas que as famílias estão passando. As pessoas têm que trabalhar. Antigamente só o

pai trabalhava. A mãe ficava em casa. Ela tinha tempo com os filhos. Ela tava com seu filho.

Tanto que na EMEI eles ficam tempo integral. Chegam em casa e ainda vêem problemas

financeiros e de vários aspectos... Os pais brigam na frente das crianças. As crianças já

acabam vivendo aquilo ali e achando que é uma coisa normal... Então ela vai para escola.

Ela tem o modelo do que os pais fazem em casa. Eu acho que de repente nós temos que fazer

um trabalho com as famílias. Claro que a escola tem que fazer a parte da gente. Mas a

família tem que estar presente. Senão acho que os resultados não vão ser tão bons.

Eu penso que algumas situações a criança aprende com a família. Ela tem que ter um

modelo em casa porque ela usa algumas coisas com a gente, algumas respostas, algumas

reações que ela vê alguém. É impossível que a criança faça....

Se a criança ta num ambiente que é estimulada pra desenvolver a agressividade, é

lógico que vai ser agressiva.

... aquelas crianças que os pais surram muito em casa, são agressivas na escola.

Nos quatro recortes que tomamos do discurso apresentado nos grupos focais, constata-

se o quanto a família passa ser culpabilizada pelos comportamentos agressivos dos alunos. A

falta de tempo para os filhos, a forma como os pais agem com as crianças e o poder do mau

exemplo. O pai ou a mãe que brigam, que espancam, são considerados pelos professores

como modelos a serem copiados ou seguidos pelos filhos. O ambiente do qual essas crianças

fazem parte seria determinante para suas atitudes futuras e, principalmente, para as

manifestações de agressividade, as quais são sempre colocadas como algo negativo.

Tanto os bons hábitos como os maus comportamentos teriam como determinantes o

meio em que a criança vive. Sendo considerada um resultado da convivência familiar, o que a
85

escola pode fazer com essa agressividade? Se não é da criança, parece que a escola fica numa

posição de impotência, de nada poder fazer em relação a essas manifestações, a não ser

procurar combater e, principalmente, procurar minimizar as influências do meio familiar. Essa

aparente impotência frente a essa impossibilidade de controlar ou impedir totalmente os atos

que remetem à agressividade podem ser observados nos seguintes relatos das professoras.

Tudo que a gente trabalha na escola, logo ao sair do portão, não tem né... a mesma

referência,..

Tentar mostrar uma outra forma... É um trabalho que a gente passa o ano inteiro

fazendo. E cada volta do final de semana, começa a história, tudo de novo. (...)vivem o

contrário o final de semana inteiro. E na segunda-feira você espera uma outra atitude dele. E

ele teve todos os maus exemplos no final de semana e volta na segunda-feira com uma carga

toda para sala de aula e aí você tem que ir acalmando à medida do possível.

A agressividade é associada a um traço vindo da família, pois a criança é uma

conseqüência daquilo que ela vive. As vivências familiares são fatores mencionados como a

origem da agressividade. Quando foram questionadas sobre a origem da agressividade,

tínhamos como objetivo compreender o entendimento que possuíam deste conceito, porém a

expectativa que acompanhava tal questão era a de identificar alguma possibilidade de

compreensão da agressividade enquanto um traço ou elemento da subjetividade infantil.

Eu acho, dentro do que estou trabalhando,... que vem bastante da família, o modo

como vivem. Eles contam na hora da rodinha coisas absurdas, que a gente nem imagina. Que

os pais brigaram com faca... Eu acho que teria que ser trabalhado com a família, né?

Essa fala nos permite perceber uma concepção cristalizada de que a agressividade,

vista como algo ruim, só pode ser fruto de uma influência familiar. Dentro dessa perspectiva,

há, no discurso escolar, uma expectativa de que o trabalho não se restrinja à criança, mas que

se estenda à família como um todo. É interessante lembrar que os objetivos iniciais, nos
86

primórdios dos “jardins-de-infância”, eram alcançar as famílias, influenciar na educação dos

lares, estabelecendo novos paradigmas de comportamentos, hábitos e rotinas, considerados

mais saudáveis e condizentes com o progresso científico em que se deparava o mundo

moderno. Hoje não é muito diferente. A escola de educação infantil ainda carrega estas

marcas de responsabilidade pelo desenvolvimento de noções básicas de um bom convívio

social. Contudo, constatamos que esse é um ideal difícil de ser alcançado, pois envolve

questões culturais que, na maioria das vezes, é mais forte que a intervenção da educação

sistematizada.

A impressão dá é que a família está terceirizando pra escola a educação dos filhos

(...) E eles chegam no Jardim B com seis anos, (...) eles não têm noção de nada, de regras, de

hábitos, eles não ouvem, eles não sentam, eles não sabem nem lavar as mãozinhas na hora da

merenda... Tudo isso ta ficando. A criança chega com seis anos e é na escola que ela vai

aprender essas coisas.

É como se a escola, no decorrer de sua história, tivesse abarcado responsabilidades

que antes eram dos pais, permitindo que a família se liberasse um pouco a respeito da

educação dos filhos. Contudo, há aspectos que a escola ainda espera que os pais desenvolvam

em suas crianças. Nos depoimentos de algumas professoras ficou claro o quanto se espera que

os pais resolvam com os seus filhos esta questão da agressividade. Procurando deixar, dessa

maneira, a escola isenta desta problemática.

Se os pais souberem trabalhar em casa, vão ter bem menos problemas de

agressividade na escola.

... a família que está presente nessa constituição, na construção desse relacionamento,

não é tão difícil na escola.

Assim como falam sobre a interferência da família, a mídia é citada como outro

elemento que contribui para a presença de manifestações agressivas por parte das crianças.
87

Esta também teria a função de usurpar a inocência infantil, a partir de seus desenhos animados

violentos, dos games sanguinolentos e personagens que sempre estão lutando, destruindo

monstros ou dizimando inimigos, presentes em diversos tipos de programações. Mais uma vez

a agressividade é associada à maldade, ao destruir, ou seja, a algo negativo. Nos recortes

seguintes percebemos essas preocupações.

Eu penso que a mídia também está aí. Não dá para trabalhar contra ela. Nós já

sabemos isso. Não tem como bater de frente. Isso é muito forte na vida da criança. Nas

brincadeiras... Antigamente eles brincavam de outras coisas. Quando eu era criança eu

brincava de outras brincadeiras. Hoje em dia “Meu anel é tal. Meu poder é tal” Então...

Reflete muito nas brincadeiras: eles se puxam, eles se agarram.

Como você falou: é a mídia, é computador, é muita informação que a criança não ta

conseguindo interioriza, sabe. ...Assiste TV de manhã, os desenhos animados: é uma

agressividade total! Luta disso, luta daquilo, luta disso... Daí, tu dá um espaço para ele

brincar, o que eles externalizam? Aquilo que ele vêm de manhã. É o que bateu no ciclano, é o

Rangers, ... todos aqueles homenzinhos que tem...

Ao analisarmos a preocupação dos professores com tais veículos de comunicação e

suas influências sobre os sujeitos infantis, pensamos que não é possível desconsiderar tal

elemento da cultura e seus efeitos sobre a subjetivação dos seres que estão expostos a estes

artefatos. Como abordamos no capítulo dois, as crianças não mais são puras e ingênuas como

nos ideais de Rousseau. Elas são constituídas a partir daquilo que as rodeia, sendo ilusório

propor um afastamento de tudo aquilo que pudesse contaminar a sua pureza. Contudo, as

influências específicas da mídia na vida da criança, não são o foco do trabalho, não nos

permitindo o aprofundamento desse tema. Mesmo assim, acreditamos que seria de extrema

pertinência pesquisar acerca da agressividade em relação às implicações da mídia.


88

Outra maneira de considerar a agressividade é como forma de expressão. Entendida

como expressão, abre possibilidade para entender-se ou escutar o que o aluno quer dizer com

determinada manifestação.

E a criança é sensível, né...? E ela não se expressa através de palavras, mas através

de gestos, atitudes,...

Algumas educadoras trazem, com muita propriedade, vários exemplos de atitudes

agressivas que as crianças tomam para que sejam notadas, para dizerem que não querem mais

algo, que alguma coisa está incomodando, para lutarem por certo objetivo, para demonstrarem

a necessidade de carinho, de atenção, pois não conseguem manifestar-se com palavras. Dessa

forma, concebem a agressividade como um modo de defesa decorrente das limitações de

comunicação e de relacionamento, próprias de sua idade.

... ela dá um empurrão quando quer chamar a atenção, ela reage dessa forma. Ela

não sabe dizer “- Mãe, me dá um carinho!” Elas não chegam a dizer. Como vão expressar o

que estão sentindo... Eles reagem.

Eu acho que é uma defesa deles. A gente tem aquela reação de adulto para a criança.

A criança não tem ainda essa reação de adulto. É próprio da criança isso de reagir...

A agressividade é concebida, em vários momentos, como um modo de reagir

negativamente, principalmente quando essas reações vêm daquelas crianças chamadas sem

limites que, nas ocasiões em que são contrariadas, reagem com gritos, choros, atitudes, gestos

e verbalizações agressivas. É preciso compreender que, na educação infantil, há crianças que

estão em pleno processo de constituição do seu eu. Inicialmente, a imagem especular que se

tem de si, como já abordamos anteriormente nesse trabalho, é de completude, de perfeição, de

que realmente pode tudo, que deve ganhar tudo, que é o centro do universo, pois se considera

como tudo aquilo que completa a mãe. Podemos supor o quanto deve ser complicado

trabalhar com várias crianças neste mesmo estágio. A criança vendo a outra brincar com tal
89

brinquedo é o mesmo que ver ela própria brincando com esse objeto, então precisa tomá-lo

para sentir-se completa. É um exemplo do transitivismo, abordado por Lacan (1998), em seu

texto sobre o estádio do espelho.

À medida que passa pelo complexo de Édipo, uma grande ferida narcísica se abre, pois

a ameaça de castração lhe coloca, simbolicamente, num lugar de ser incompleto, o qual

precisa ir em busca de um ideal perdido, daquele que Freud chama de ideal do eu. A partir

daí, o herdeiro do complexo de Édipo, o supereu, passa a indicar o que é valorizado no social,

ou seja, aspectos de uma educação que passa a estabelecer limites e julgamentos direcionados

àquele que antes podia tudo.

Reportamo-nos ao que Freud fala sobre a educação em seu texto “Feminilidade”, em

“Novas conferências introdutórias sobre psicanálise” (1933 [1932]).

[...] a própria educação mais branda não pode evitar o uso da coerção e a introdução
de restrições, e toda intervenção desse tipo na liberdade da criança deve provocar
como reação uma inclinação à rebeldia e à agressividade (FREUD, 1980, p. 124).

Freud reforça e ressalta a impossibilidade de se pensar uma educação que não traga em

si exigências e barreiras à liberdade do indivíduo ao qual esse processo educativo está sendo

direcionado. A resistência a esse processo, a reação da criança é entendida, por ele, como algo

inevitável.

Lembrando Lacan, é nas crises vitais, ou seja, nestes momentos de grandes mudanças

estruturais na vida do sujeito, que se abrem feridas narcísicas e, então, a agressividade se faz

presente. Sousa (2000) se refere à agressividade como a expressão de “ruído do processo de

constituição”. Retomando a idéia de que o eu se constitui a partir do outro, a agressividade

sendo dirigida a um objeto pré-determinado, vislumbra a existência de uma alteridade, pois há

um investimento nesse outro. Supomos que os educadores de educação infantil são colocados
90

neste lugar privilegiado, o qual pode fornecer um suporte necessário para que as crianças

direcionem este aspecto de sua psique.

Quando falamos da escola fornecer este suporte ao sujeito infantil, estamos nos

referindo à possibilidade de essa agressividade ser recebida pelo professor, não como algo

bom ou ruim, mas como um movimento dialético de ir ao encontro a uma alteridade. De

acordo com Oliveira (2006), é através da linguagem e da socialização que o eu constitui as

formações discursivas. A agressividade se desprende deste processo. Portanto, dar suporte é

acolher esta agressividade, ou seja, permitir que a criança se depare com uma alteridade para

que possa se constituir, pois, como afirmamos em outro momento, somos seres sociais e

dependemos dos relacionamentos para nossa estruturação.

Outro eixo que obtém destaque é a tentativa de classificar a agressividade como uma

fase do desenvolvimento, ainda que essa possibilidade, para muitas profissionais escutadas,

venha em tom de dúvida.

E temos outra situação lá na EMEI (Escola Municipal de Educação Infantil), que as

crianças da fase do maternal II, 3 e 4 anos, tanto as meninas como os meninos reagem muito

se chacoalhando, puxando os cabelos. Gostaria de entender se isso é uma fase ou isso é uma

agressividade infantil?.(...) e a gente quer entender isso: é essa fase, que a criança precisa

passar, que precisa aprender a conviver, dentro do eu, sei lá..., Ou se é a própria

agressividade infantil?

Dentro dessa discussão, uma professora define a fase do desenvolvimento pela qual a

criança estaria passando, nesse momento da educação infantil, como “egocentrismo”. Ela ta

na fase do egocentrismo e o que a gente faz em educação infantil, é trabalhar com essa fase.

É o “eu”.(...)É um trabalho que tem que ser feito com as crianças nessa fase de adaptação.
91

Nesses depoimentos, transparece uma certa angústia referente a essa dúvida. Parece

que a criança teria de se encaixar em alguma classificação: sendo fase seria algo normal, do

contrário, apontaria para algum problema.

Na minha turma eu vejo aquele menino que se destaca, mas conversando com outra

professora lá da escola, que tem o maternal II, ela vê que é meio generalizado, que quase

todos agem dessa forma. O que nos deixa com essa dúvida: é coisa da fase ou é uma

característica de agressividade.

A visão que observamos, nesses discursos, é de que a criança deveria agir de uma

maneira específica, pré-determinada, de acordo com manuais da psicologia do

desenvolvimento. Caberia à escola educar esse eu, socializar a criança, adaptá-la. Nesta

concepção, é como se todas as manifestações de agressividade fossem normais, desde que

estivessem de acordo com um determinado padrão. Contudo, se após muito tempo de

trabalho, não fossem obtidas respostas satisfatórias, ou seja, se a criança não evoluísse e

continuasse respondendo com agressividade a diversas situações, deveria ser entendido como

algo patológico.

É difícil conceituar, mas eu percebo que a agressividade se torna, se caracteriza por

inúmeras tentativas que você tenta fazer com que essa criança se socialize, se integre, e ela

não te dá respostas. Depois de inúmeras tentativas... A criança nessa fase é bastante

egocêntrica. É natural ainda, mas depois de tanto convívio, de tanta experiência, de tanto

relacionamento... se ela não conseguir, aí eu considero que é algo do lado da agressividade.

A questão da patologia não é central nesta pesquisa, pois requer um estudo específico,

mas é citada como um elemento trazido pelos educadores para darem sentido a determinados

comportamentos agressivos apresentados pelos alunos. Mesmo assim, como patologia é algo

que se classifica como negativo, anormal, constatamos que, facilmente, a agressividade é


92

considerada como tal, ou seja, no lugar daquilo que está fora da normalidade, algo a ser

banido, que não possui espaço no meio social.

A partir de outra discussão interessante surgida nos encontros, que se refere ao caráter

positivo da agressividade, cabe pensar na questão das polaridades, ou seja, o quanto há

necessidade de se classificar em um ou outro lado, bom ou mal, certo ou errado, positivo ou

negativo. Até certo momento, a agressividade foi situada no lado negativo, mas algumas

educadoras trouxeram para o debate a possibilidade da agressividade ser vista como uma

forma de impor-se, de lutar pelos seus objetivos. Sendo assim, uma agressividade positiva.

Porém, essas considerações são tomadas com muitas reservas.

A própria Esther Grossi diz que a agressividade é algo positivo. Aí você tem que

pensar até que certo ponto, né? É positivo no sentido dela se manifesta e dizer “não to

satisfeita com isso, quero alguma coisa diferente”. Mas à medida que eu deixo..., que eu

posso lesar o outro, eu não acho que é algo positivo.

O discurso das professoras apresenta-se muito cauteloso em relação a esse

entendimento. As educadoras admitem que todos precisam lutar por seus direitos, por seus

objetivos, mas deve ser através da negociação e não de manifestações agressivas, negando a

presença do fator agressividade.

Essa agressividade, considerada positiva, quando eu quero alguma coisa, às vezes eu

tenho que me impor um pouquinho, eu tenho que lutar. Acho que todo mundo luta. Claro que

há várias formas. No momento que eu sou pequeno a forma que eu acho de lutar é de

empurrar e dar um tapa. Depois eu vou aprender: “Olha isso daqui nem é muito legal, dá

pra mim!” Então, essa agressividade, ela se chama de positiva. É eu conseguir impor, é a

forma que eu acho no momento de negociar.

Esses recortes fazem refletir sobre se há realmente como dizer se a agressividade é boa

ou ruim. Entendemos que ela é necessária para a constituição do eu e que não é positiva e nem
93

negativa. Este entendimento provém da nossa concepção de agressividade, a qual “[...]se

desprende da atividade de formação de unidades de representação desenvolvida pelo eu sob

pressão da pulsão e com base em suportes de linguagem” (OLIVEIRA, 2006, p. 91). Quando

falamos que há pressão da pulsão, falamos em pulsão no singular, pois percebemos a

tendência de considerar a agressividade como uma realização da pulsão de morte. Caso tal

relação tivesse procedência, segundo Oliveira (2006), haveria de ter uma pulsão da qual se

desprenderia a bondade ou a ternura. Como mencionamos no primeiro capítulo deste trabalho,

esta força propulsora do desejo humano, que é a pulsão, não pode ser considerada também em

nenhum destes pólos.

Na última fala citada neste sub-capítulo, vislumbramos a possibilidade de a

agressividade ser vista como uma instância que pode estar ligada ao registro da palavra, da

linguagem. Uma maneira de ser reconhecida de forma diferente da violência, ou seja, não

sendo considerada como algo negativo. Porém, para ser aceita, é como se tivesse que ser

classificada no lado do bem. Sendo expressa, pelas crianças, de outra maneira, que não pela

linguagem falada, seria ruim. Portanto, ao vermos uma criança pequena tomando o brinquedo

da outra, dando um empurrão, isto não é bom ou ruim, mas é parte de um processo de

estruturação do eu.

Em vista de tais considerações e seguindo a lógica do roteiro pré-estabelecido que

norteou os encontros, optamos por abordar, neste ponto, a forma pela qual o discurso

pedagógico indica meios de se lidar com a agressividade, ou seja, em relação à maneira como

as educadoras encaminham as situações em que a agressividade se manifesta.


94

3.3 O QUE FAZER COM A AGRESSIVIDADE?

O que eu posso fazer? Que atitudes eu tenho que ter com a criança que bateu na

profe, que bateu no colega. Eu converso, eu chamo os pais, qual é atitude eu enquanto escola,

enquanto professora tenho que tomar para melhorar essa situação. Tentar fazer com que essa

agressividade não seja algo contínuo. O que eu posso fazer para contribuir e não tornar a

criança mais agressiva ainda. Para ela eu também estou sendo agressiva. Então o que eu

tenho que fazer com essa criança? Que tipo de conversa, que tipo de atividade eu tenho que

propor para que ela possa ver que assim não dá para viver em grupo, que assim o coleguinha

não vai mais querer ficar no seu grupo.

Observando as questões acima, temos uma idéia de como se iniciaram os encontros de

grupos realizados com as professoras. Uma enorme vontade de receber respostas e de

encontrar soluções para tal assunto. Ao mesmo tempo, uma preocupação evidenciada para

saberem o que precisam fazer para uma certa prevenção de eventuais futuros problemas. É

interessante, também, a visão desta professora de que, de acordo com as atitudes tomadas em

relação à criança que agride, pode estar respondendo com agressividade.

Ao escutar as professoras de educação infantil, fica muito evidente o quanto o papel

do educador e da educação infantil é considerado determinante na vida de uma criança.

Constatamos que essa é uma preocupação historicamente marcada, pois já em Comenius,

Rousseau e Froëbel, percebemos o quanto era atribuída importância ao acompanhamento que

a criança iria receber, em termos de instrução e orientação, visando ao seu bom

desenvolvimento e ao seu futuro.

Eu sempre coloco que quando a gente chama a atenção eu explico o porque estou

chamando a atenção. Às vezes ele pode ter essa visão que a profe não gosta de mim. Aí eu
95

digo: “A profe ta xingando vocês porque a profe gosta de vocês! Que quer o bem para

vocês.” Que precisam saber que tem coisas que são certas e outras erradas.

Um dos grandes objetivos construídos para a educação infantil é a inserção do

pequeno ser humano em uma determinada cultura. É como se os comportamentos, hábitos,

princípios tivessem que ser transmitidos nesse período. Ao tratarmos sobre o tema

agressividade, logo as professoras falam de seu papel em relação ao controle dessas

manifestações.

...se a gente não controlar, se nós não soubermos trabalhar, que adolescente teremos?

Temos que fazer nossa parte.

Qual será função dos professores em relação à agressividade? A partir da psicanálise,

constatamos que há um limite na função do educador. Por mais que ele tenha determinados

desejos em relação ao seu aluno, ele vai deparar-se com sujeitos que já estruturaram seus

modelos de relacionamentos a partir dos vínculos estabelecidos com aqueles que lhe fizeram

os primeiros cuidados. É certo que, na educação infantil, há a especificidade de que, em

muitos casos, a escola faz parte desses primeiros vínculos, pois há crianças que vão para a

instituição com quatro meses e ali permanecem até os cinco ou seis anos. Grande parte dos

cuidados maternos27 é responsabilidade dessas pessoas que ali atuam.

Há ideais que perpassam nas instituições, mas cada criança também traz de seus

relacionamentos familiares os seus ideais aos quais buscam identificar-se. Ao falar sobre

agressividade, as educadoras apontam para diferenças daquilo que a escola espera da criança e

a expectativa dos pais em relação aos seus filhos.

Em casa ela pode fazer tudo.

Na escola se exige algo dele, então reage com agressividade.

27
Referimo-nos aos cuidados que uma criança pequena requer e que, culturalmente, são consideradas atribuições
da mãe, como a alimentação, a higiene, o ato de fazer dormir.
96

Então tem criança que não recebe orientação nenhuma, fica aquele troço bem

primitivo. A primeira coisa é partir pra paulera e pronto. Não tem outras saídas pra essa

situação.

Tal consideração é feita após o comentário de outra professora a respeito da

necessidade de orientação às crianças em prol de que aprendam a negociar, a argumentar

quando quiserem algo, não partindo para atitudes agressivas. Retorna aqui a questão do

quanto consideram fundamental a assistência, a orientação de um adulto. Assim como

Rousseau, a concepção de que a criança necessitaria de um acompanhamento de um adulto,

por não ter ainda razão desenvolvida para tomar decisões e atitudes adequadas, ainda persiste.

No decorrer dos encontros de grupos foi possível constatarmos diversas formas que as

educadoras usam para lidarem com a agressividade. Em muitas vezes, as manifestações

agressivas são entendidas como uma falta de habilidade da criança em se relacionar.

E essa questão da agressividade, às vezes, está muito voltada para a questão do

relacionamento, que ele ainda tem que aprender a se relacionar. A forma que eles têm pra se

relacionar. Eles não sabem dizer “Eu não gostei do que tu fez!”; eles chegam lá e dão um

coice, um soco, um pontapé.

Entendemos que, cada vez mais, se confirma que, para as professoras, a escola teria

como uma de suas funções socializar o pequeno ser humano. E, nesse sentido, o controle das

manifestações agressivas seria um sinal de que o trabalho teria alcançado seu objetivo. A

educação infantil deveria prever o controle dos impulsos infantis e possibilitar o

desenvolvimento da polidez e da obediência.

Quando eles chegam da família para a escola, eles não sabem a hora de sentar, a

hora de ouvir, obedecer... Então eles manifestam no início uma certa resistência a essas

regras. E isso é normal. Até o convívio com os coleguinhas, no início, dividir o espaço. E se

destacam os casos que não conseguem se adaptar. Os primeiros dois meses, as coisas
97

começam a engrenar. Aprendem os horários, a hora do parquinho, da Educação Física,...

Têm alguns que passam o ano e continuam mordendo, brigando, não sabendo dividir. Esses

são os casos que se destacam.

A adaptação e a socialização estão presentes no discurso pedagógico como formas de

integrar a criança em um sistema civilizatório. Através da distribuição de tarefas e atividades

com um determinado tempo e que deve ser realizado em determinado espaço e com uma

ordem pré-estabelecida, busca-se desenvolver um jeito de ser e de se portar na sociedade. As

estratégias usadas para se alcançar este objetivo e, conseqüentemente, para levar as crianças a

conterem seus impulsos são várias. Procuramos trazer uma amostra a partir do que foi

escutado nos grupos.

Uma das formas de lidarem com a agressividade é procurando chamar os pais para a

escola, a fim de que saibam o que está acontecendo. Esta medida está de acordo com a

concepção que possuem de agressividade, pois uma parcela das participantes declarou que a

agressividade das crianças teria sua origem nas famílias, ou seja, devido aos relacionamentos

e vivências que essas crianças mantêm com seus pais e demais familiares. Mas, segundo elas,

na maioria das vezes encontram dificuldades para manterem este contato.

Vejo que é a participação dos pais na escola. Eles não vão. A gente não encontra eles

na escola.

Na minha escola, na minha turma é assim. Eu não tenho contato com os pais. Os pais,

naquela localidade, não vão muito à escola.

A impressão dá é que a família está terceirizando pra escola a educação dos filhos.

Que a escola não tem mais só a obrigação de ensinar, mas tem também o papel de educar.

Quando se fala sobre essa educação, percebemos que não está bem definida qual é a

função da escola de educação infantil para todas as educadoras, ou seja, os limites das

intervenções e atribuições não são totalmente claros para o grupo participante dos encontros
98

de discussão. A impotência da família, evidenciada em alguns relatos, retrata o não saber dos

pais a respeito de como devem lidar com a agressividade de seus filhos. Este fator impulsiona

a escola a fazer algo com isso que se apresenta no espaço escolar.

Nós chamamos os pais, as mães, a gente conversou, a coordenadora pedagógica. Eles

dizem: “Eu não sei o que fazer”, “Eu não posso”, “Eu não tenho condições”.

Frente a esta realidade, por mais que a escola atribua a origem da agressividade às

famílias e, concomitantemente não consiga obter auxílio das mesmas, procura maneiras de

lidar com essa problemática dentro do âmbito pedagógico. Nessa linha de discussão, uma

professora fez questão de destacar o papel das Escolas Municipais de Educação Infantil

(EMEIs) e a contribuição que trazem para a vida da criança.

Felizmente que ainda tem as EMEIs. Acho que ta fazendo um belo papel. Porque essas

crianças que estão desde o berçário, elas têm outro pique, outra compreensão de mundo,

outro posicionamento, mas por quê? Ainda é uma instituição que está educando, não está só

preocupada em cuida, né. A gente tá educando de verdade, porque a função de quem educa

são dos pais,... Será que na verdade são os pais que estão educando? Por que essas crianças

que nunca passaram pela EMEI têm uma dificuldade de relacionamento, de convívio, de

socialização, não sei se as outras gurias concordam comigo?

É possível pensar que essa vivência que as crianças têm nas escolas de educação

infantil parece proporcionar um desenvolvimento mais intenso no que diz respeito aos

relacionamentos, por exemplo. Coincidindo com os momentos decisivos de construção do eu,

o sujeito infantil passa ser exigido, nesse meio, diferentemente do que ocorre no meio

familiar. Depara-se com outros assim como ele e com leis, regras e mais interdições do que

encontra em casa. Tomamos a explicação de uma professora sobre as medidas utilizadas por

ela para lidar com a agressividade de seus alunos e, assim, melhorar os relacionamentos em

sala de aula.
99

Se eu não quero que o colega faça em mim eu não faço nele. Lá na sala de aula ta

proibido tapa, ta proibido beliscar, empurrar, jogar almofada. Até porque com essas

questões todas aqui não dá pra conviver. Então ta proibido. Aí toda a vez que acontece

vamos sentar e conversar. Se não adianta conversa aí eles perdem aquilo que eles mais

gostam que é o brincar, o brinquedo livre. Essa semana aconteceu lá. Com aquele menino.

Mas não é só com esse menino. Mas quando tem um assim dentro da sala ele irrita o colega,

e quando vê ta a turma toda. Então eu não tento trabalha na individualidade dele, é a

situação no grupo. Então aquele grupo fica sem o brinquedo. Eles têm que sentir. A atitude

que eles tiveram não é de cooperação, de grupo, de sala de aula.

As professoras enfatizam ações que remetem à retirada de algo que a criança gosta.

Quando retiram alguma coisa apreciada pela criança, como a hora do parque, o momento de

escutar história ou de assistir um filme, afirmam que há efeitos imediatos, mas não

duradouros. Nestes casos, na maioria das vezes, segundo elas, o comportamento agressivo

retorna em seguida, dando a impressão que os alunos não se importam com o fato de

perderem algo que gostam. Podemos imaginar o quanto as manifestações agressivas são

necessárias para tais crianças, pois mesmo na iminência de perderem alguma coisa importante

para elas, não há condições de suprimir tais atitudes.

Outra medida relatada, com freqüência, pelas professoras se refere à busca de diálogo

com seus alunos. Contudo, este diálogo remete a explanações ou a explicações sobre o que

deve ser o comportamento esperado e sobre qual motivo pelos quais as atitudes agressivas não

são adequadas nos relacionamentos. Entendemos que não é comum o exercício de escutar o

que a criança tem a dizer.

Eu sempre coloco que quando a gente chama a atenção eu explico o porque estou

chamando a atenção. Às vezes ele pode ter essa visão que a profe não gosta de mim. Aí eu

digo: “A profe ta xingando vocês porque a profe gosta de vocês! Que quer bem para vocês.
100

Que precisam saber que tem coisas que são certas e outras erradas”. Sempre coloco isso.

Sempre deu certo comigo.

Outra professora complementa.

Uma coisa que tem que ficar claro é “Eu gosto de você! Eu não gosto do que você fez.

Isso eu não gostei, não gostei que você bateu no colega, eu não gostei que você bateu em

mim. Mas eu gosto de você.” Eu procuro trabalhar assim. Agora eu estou fora de sala de

aula, mas quando eu tenho os pequenos e eles fazem coisas que as regras da sala de aula

estipuladas dizem que não poderia ser assim eu deixo claro que eu não gostei daquilo ali, que

o colega também não gostou. Continuo gostando dele, mas não da atitude. Que eles têm que

notar, mesmo quando pequenos que nem tudo... Ora bater no colega e eu não dizer nada..

O argumento do exemplo também é usado nessas tentativas de mostrar através do

diálogo que as manifestações de agressividade não condizem com o espaço escolar. É como

se fosse possível explicar racionalmente o quanto tais atitudes são reprováveis na escola e na

vida em sociedade como um todo. Além disso, percebemos uma aposta na possibilidade de as

crianças compreenderem as razões pelas quais as atitudes agressivas que tomam não são

aceitas pelo social.

Ainda eu digo: “Você vê a profe dando chute na tia da cozinha ou beliscando a outra

profe? Vocês enxergam a profe correndo por aí?”

Contudo, chama a atenção o quanto esse tipo de medida adotada por parte das

educadoras de conversar, orientar, aconselhar, é considerado, por vezes, como algo que está

fora do processo pedagógico. Parece que são atitudes tomadas para que se possa dar

prosseguimento ao programa pré-estabelecido, mas que não compõem as atribuições da

educação. Destacamos algumas falas que indicam o quanto este conversar é considerado

estressante e/ou uma perda de tempo. Parece que a agressividade é entendida pelas

professoras como algo que é preciso ser contornado para que a educação se realize. Dessa
101

forma, consideram que é preciso tomar alguma medida para dar prosseguimento ao que

realmente interessa à educação. Porém, o que interessa à educação não coincide,

necessariamente, com aquilo que é do interesse do aluno, do sujeito infantil.

Eu acho que é fazendo ele refletir, fazendo ele pensar sobre a atitude. Ou o colega

colocar a reação que teve, o que sofreu a lesão, colocar para o outro. Ainda acho que é na

conversa. É estressante, mas ainda acho que é mais produtivo do que tirar da sala de aula,

levar para outra pessoa que não viveu a situação.

Eu tive um caso de uma menininha que riscou o trabalhinho do coleguinha e ele

mordeu o braço dela, mas não chegou a... Aí eu tive que trabalhar com os dois. Primeiro eu

pensei em trocar de mesinha, mas aí eu pensei que não ia adiantar, eles não vão aprender a

conviver. Daí eu peguei e conversei com os dois e deixei, mas não aconteceu mais. Sinal

que... Eu expliquei para ela que ele mordeu ela porque alguma coisa ela fez. Não ia morder

ela sem motivo. Perdi um tempinho, mas valeu. Sentam na mesma mesinha, um aqui e outro

ali. Primeiro eu pensei em separar, mas não vão aprender a conviver.

Nessas falas observamos que é difícil para as professoras deixarem de lado um modelo

de escola que deve se deter em trabalhar o que foi programado, visando ao desenvolvimento

de conteúdos previamente definidos, seguindo talvez, o padrão do ensino fundamental. O

valor ainda está num modelo tradicional de escola, onde o conversar, o lidar com questões que

destoam da rotina, pode ser considerado um prejuízo ao bom andamento das atividades.

Falam que ao depararem manifestações agressivas, enfrentam um certo desgaste.

Eu me desgasto bastante com isso. Você planeja, você sabe que é flexível, que se

acontecer algo na tarde não dá para trabalhar tudo que ta lá. A gente sabe de tudo que

acontece. Mas é muito inconveniente, muito chato, para a turma e para a professora,

acredito. Você ter que parar todo aquele movimento, aquela ação, aquele processo educativo,

aquelas trocas todas pra tratar de uma questão específica com um e com outro...
102

Não exatamente uma frustração porque a gente sabe que faz parte, não vai se levar a

nocaute, mas tá acontecendo uma atividade legal e de repente lá no meio acontece um...

Então é chato tu ter que parar, porque tem uns que não tem nada a ver com a história e

acabam escutando ...Por mais que a gente não fale na hora, alguma coisa tu vai dizer: “Não!

Calma aí!...” Alguma coisa você vai... Aí, muitas vezes se perde o encanto...

Há uma quebra naquilo que havia sido planejado, isto é, há uma ferida narcísica que se

abre na prática do lado do professor, o qual precisa lidar com a frustração de um plano

elaborado e não concretizado, de um ideal que se rompe a todo instante. O discurso

pedagógico empenha-se em buscar uma situação ideal para o processo ensino-aprendizagem,

tendo como referencial o sujeito da razão, um sujeito completo, que possua autocontrole e

equilíbrio. Supõe-se que, a partir de uma boa transmissão, o saber poderá ser perfeitamente

apreendido pelo aluno. Não é prevista, no campo da educação, a falha de transmissão, ou

melhor, tal falha é concebida como um fracasso, como um ensino insuficiente ou uma

dificuldade de aprendizagem do aluno.

Nessas quebras, podemos vislumbrar o quanto a educação corre o risco de ser

encontrada em um nível imaginário, de um eu ideal, o qual se desfaz à medida que algo do

inesperado se apresenta e irrompe essa linearidade. No imaginário não há espaço para falhas,

ausências ou faltas. Se estivesse em um nível simbólico, poderia dar alguma representação

para essa brecha que se abre na perfeição idealizada. Quando nos referimos ao simbólico, a

partir da psicanálise, queremos reportar àquilo que faz falta. Isso que falta recebe uma

significação a partir de uma ligação entre a falta e um significante que a simboliza. Pode-se

verificar esse processo na linguagem, pois na palavra encontra-se a marca do desejo, ou seja,

daquilo que é ausente. O homem é considerado um ser de linguagem, pois já ao nascer se

depara com o discurso do Outro que o sustenta e o determina, de forma inconsciente,

demarcando a alteridade em relação a sua cadeia significante. Talvez aí, a agressividade


103

poderia ser escutada e recebida de outra maneira, ou seja, poderia receber outras significações

à medida que fosse tomada como algo da ordem da linguagem.

Outra maneira de lidar com a questão da agressividade, por parte das educadoras, é

através da literatura infantil. Algumas relataram que esse uso se faz através de histórias que

pregam uma moral, ou seja, em que a criança praticante de atitudes desaprovadas acabava

sofrendo conseqüências negativas, como castigos, pelos seus atos. Evidenciamos, mais uma

vez, a idéia de que um exemplo pode refletir em mudanças de comportamento. Nesse sentido,

a agressividade é considerada como um mero comportamento a ser modificado ou extinguido.

Contudo, a literatura também é apontada como uma possibilidade de se estabelecer diálogo

com as crianças.

É preciso explora na literatura infantil, que é rica nisso, né? Olha a Cinderela, né? O

que é a madrasta? Olha as filhas da madrasta, né? Qual é a atitude? O que é mais bonito na

história? O que acharam feio na história? Pra eles pode te esses parâmetros porque de

repente ele vai acha que é uma droga uma pessoa correta! No caso a atitude: madrasta tem

que ser ruim mesmo, né? Conversa e leva esse tipo de discussão. E eles te dão um retorno

fantástico nas falas deles.

Neste depoimento vislumbramos o uso da literatura como forma de representação, pois

não se baseia em exemplos concretos de crianças praticando ações agressivas, mas o uso de

personagens clássicos possibilita a vazão de sentimentos conflitantes. De acordo com a tese

de Bruno Bettelheim (1980), os contos de fadas estão repletos de conflitos, dificuldades,

problemas e soluções, mas de forma encoberta, ou seja, não de uma maneira direta e racional.

Esses contos são de grande interesse para as crianças e trazem uma considerável quota de

elementos agressivos. Outra justificativa que torna válida a utilização desse tipo de literatura é

que essas histórias não revelam todo o real, o que permite que a criança construa, que

simbolize; mesmo assim não esconde as adversidades, que são apresentadas simbolicamente.
104

Outro entendimento que chamou nossa atenção e indica uma certa diferenciação entre

agressividade e violência é o relato de uma professora sobre a maneira como foi modificando

a sua intervenção nos momentos em que as crianças se confrontam devido à posse de um

brinquedo, por exemplo.

Porque até uma certa época, eu lá....no início.. estavam duas brigando por uma

boneca e eu corria lá “dá a boneca pra tia, pega fulana!” Aí depois de um certo tempo a

gente vai aprendendo deixar eles negociar, resolver a situação. A gente vai aprendendo com

colegas. Se eles começam a brigar e a gente vê que ta se tornando mais violento, então nós

vamos interagir. “Agora você empresta o brinquedo pro colega, um pouquinho!” Mas senão

você deixa, porque às vezes acontece. Sempre vai ter os líderes e vai ter os liderados. Não

tem como mudar. Vai existir sempre. Então você fica observando. Tem uns que nem chegam a

ser, nem precisa ações, tapas ou briga, conseguiam negociar. Nem que tivessem “Me dá! Eu

quero!” “Não, É meu, é meu!” E às vezes puxavam, ficavam olhando, aí o outro desistia e

dava. Se o outro tava com muita vontade de ficar com aquele carrinho ou aquela boneca, aí

sim partiam pra uns empurrão, aí um caía, dava uma choradinha, e se a profe não se metia

lá, chorava um pouquinho, dava uma olhada e já pegava um pneu ou outro brinquedo. Isso

aconteceu várias vezes. No parquinho: “Eu quero a balança!” Só q eu aprendi a não ir logo

lá, me meter, eu tentar resolver, até por que eu não vi quem tava primeiro. Agora no

momento que vai bater, vai machuca aí é um ato agressivo.

O modo de agir apresentado por esta participante confirma que algumas professoras

têm a idéia de que nem toda a manifestação de agressividade precisa ser controlada por algum

adulto. Ela supõe que essas ocasiões são momentos em que as crianças estariam

desenvolvendo suas capacidades de lutar pelos seus objetivos, buscando sua autonomia.

Contudo, demonstrou clareza de que caso passe a ser um ato de violência, aí sim é necessária

a intervenção de um terceiro.
105

Através do discurso das professoras e do que perpassa as instituições escolares, é

possível perceber uma certa indiferenciação entre agressividade e violência. Um dos

indicativos desse fato é o cuidado existente nas escolas em serem incentivadas atitudes e

brincadeiras que não se direcionem à violência. Há uma preocupação em evitar brincadeiras

chamadas agressivas, ou seja, com o uso de armas de brinquedo ou referentes a lutas e

guerras. Explica-se aos alunos que, dependendo do brinquedo utilizado, estariam aprendendo

algo para suas vidas futuras, como exemplo: brincando de cuidar de bonecas, aprendem a ser

pais; brincando de arma, aprendem a matar, a serem bandidos. Mesmo com esse trabalho

intenso de cuidado a respeito das brincadeiras das crianças e um grande incentivo para outros

tipos de atividades, os alunos acham maneiras de criar armas com jogos aleatórios, inventando

outros tipos de disputas, indicando uma certa impossibilidade de abafar ou tamponar a

presença da agressividade. Há um receio de que essas brincadeiras agressivas estejam

incentivando a violência e, por isso, devem ser banidas.

Além dessa providência do cuidado com o tipo de brincadeira utilizada pelas crianças,

a escola, enquanto uma instituição organizada, busca outras formas para lidar com as

manifestações de agressividade. Algumas intervenções vêm no sentido de controle, a partir de

uma exigência de que as professoras sejam mais rígidas com seus alunos, como se a

agressividade tivesse que ser reprimida de alguma forma.

Aí a coordenadora conversou comigo que eu fosse mais rígida com ele, tentasse, né?

E eu tentei e piorei. Piorou tanto, tanto, que não tinha mais como controlar ele, digamos

assim. Aí eu disse: Não, se não deu certo assim, vou tentar outro lado: pegar no colo,

segurava ele, primeiro ele se debatia, assim, até que ele se acalmava e deitava contra. Aí ele

se acalmava, aí tu podia conversar, assim. Quando ele tava bravo, só segurava, bem calma,

conversava. E aí, não que ele não fazia mais, a gente que ta dia-a-dia vê algum progresso e

eu tratando ele com carinho, ele conseguia ter atitudes mais positivas,...
106

Neste depoimento, constatamos que mesmo havendo um tipo de exigência e uma

prescrição de como fazer para alcançar o objetivo proposto pela escola, a educadora precisou

encontrar uma maneira singular para se relacionar com o aluno com o qual estava enfrentando

dificuldades. Há uma mostra de implicação dessa professora em desenvolver alguma maneira

de interagir com aquela criança. Outra participante do grupo também traz outro exemplo de

interação com o aluno, no qual percebemos um empenho em desenvolver um olhar sobre a

criança que vá além das manifestações agressivas.

Tu vê...aquela criança que eu dei exemplo.. Já conseguiu muita coisa! Quando eu

cheguei lá: “Essa aí, oh! Te prepara!” Mas eu descobri que ela é arteira! É danada! Ma ela

não é... É uma coisa saudável, sadia! Agora, se tu canalizasse tudo aquilo que ela tava

fazendo pra algo negativo, uma e duas, ela tava mordendo, tava batendo, tava chutando. Eu

acho que depende como a gente também interage em certas situações.

Os encaminhamentos para outros profissionais como psicóloga, psicopedagoga,

psiquiatra, também podem ser considerados como medidas tomadas pela escola para se lidar

com a agressividade. Uma professora, inclusive, demonstrou em seu depoimento o quanto as

crianças mudam com o tratamento psiquiátrico.

Tem muitos casos em que as mães levaram consultar com aquele psiquiatra, em CA

(nome de uma cidade), e ele dá medicamento, faz o tratamento e vocês nem imaginam como

essas crianças mudam no momento que começam a fazer esse tratamento. Sou apaixonada

por aquele médico, pois ele faz milagres com as crianças. Eles mudam de um jeito... Eu fico

apavorada como a criança pode mudar tanto.

Já outras educadoras questionam esse tipo de intervenção.

Mas às vezes as crianças se tornam um pouco, assim,... apáticas. Conheço crianças

que foram tratadas por esse mesmo profissional e que acabou acontecendo isso. Então isso

não resolve a situação e sim passa ele para outro problema...


107

A tentativa de se colocar a questão da agressividade no nível da patologia é bastante

freqüente, porém não é uma unanimidade. Ficou marcante o quanto as professores

demonstram necessidade em diferenciar os casos em que realmente é necessária uma

intervenção psicológica ou médica e quando seria de incumbência restrita da escola.

Remetemo-nos nesse ponto ao que tratamos no segundo capítulo, sobre os limites da

intervenção do professor.

Os casos mais gritantes são aqueles que realmente fogem do compromisso até da

gente. Deveria ter um acompanhamento, né, com psicólogo, uma questão orgânica, um

medicamento pra ajuda, porque tem coisa que a gente não vai consegui resolve só na palavra

e na discussão. Claro que a gente, nessa questão de saúde, né, fica leigo, então em termos de

relacionamento, socialização, a gente procura faze, mas tem coisas que fogem, tem que

investiga se não tem alguma coisa a mais. Talvez o erro tá aí. A gente vai,... talvez a gente

não consiga juntar tantos indicativos pra pode perceber que realmente precisa de alguma

coisa a mais, né?

Eu tinha um aluno que agora está na PP (Escola de Educação Especial), o L,

demorou até... fez vários exames até percebe que a agressividade dele era patológica. Aonde

ele estava, quanto menos esperava, voava uma cadeira, era aquele agressivo mesmo...

Essa é a maior dificuldade.... De sabe diferencia o que que é uma questão orgânica,...

É muita burocracia... Até conseguir uma consulta, aí são três, quatro meses, até tu leva

pro neurologista... Aí tu leva pro neurologista e o que que o neurologista dá? Dá outro

exame pra faze! Aí demora mais dois ou três meses pra ti conseguir fazer os exames. Aí até tu

conseguir marcar de novo pra leva os exames lá, vai oito meses, um ano... Essa morosidade

impede, é impeditivo pra ti faze um trabalho bom. Se tivesse uma equipe multidisciplinar que

agilizasse isso, que quando você.... Porque a gente....que convive quanto tempo... já tem uma
108

noção : “Ah! Esse aqui não ta legal,né?! Tem alguma coisa!” Vamo investiga! Melhor peca

por excesso do que por omissão, né?

Além de identificarmos, juntamente com as professoras, alguns dos limites daquilo

que compete à pedagogia, também percebemos uma necessidade que as profissionais da

educação infantil demonstram em relação a uma equipe multidisciplinar com quem pudessem

dialogar sobre os casos em que possuem maiores dificuldades. Acreditamos que muitos

encaminhamentos das escolas podem ser interpretados como uma busca das educadoras em

estabelecer um contato com outras áreas do conhecimento que possam lhes auxiliar no seu

fazer pedagógico. Em vista dessas formas de conceber e de se lidar com a questão da

agressividade, entendemos que é possível avançar esta análise no que se refere às

conseqüências geradas no processo educativo.

3.4 IMPLICAÇÕES DA AGRESSIVIDADE NO PROCESSO EDUCATIVO

Nos encontros com os grupos, abrimos espaço também para discutirmos a respeito das

conseqüências das manifestações agressivas no processo ensino-aprendizagem, dando ênfase

à realidade da educação infantil. A resposta mais imediata foi a respeito da exclusão. Esta

ocorre, principalmente, entre colegas. As próprias crianças passam a recriminar, fazer críticas

e não mais querem brincar com os colegas que apresentam atitudes agressivas com maior

freqüência. Geralmente, a conseqüência é o desestímulo frente à escola.

Eu vejo uma criança..., um menino. Ele foi primeiro na Educação Infantil, manifestou

o ano todo atitudes assim agressivas. Foi trabalhado com a família, foi incluído entre os

colegas, foi trabalhado com a turma. Daí com a turma, eles deixavam tão de lado! Aí ele foi

pra primeira série: mesma coisa. Aí ele reprovou. Agora ele vai, assim, na aula só por ir. Dá
109

pra vê. A gente sente que vai por ir. Parece que ele pensa: “eu não tenho condições de me

incluir” Aí ele faz. Não sei da onde vem isso Pelo menos, lá na escola, é um caso bem grave.

Se a criança é muito agressiva, muito agressiva mesmo, acaba sendo deixada de

lado.

Acredito que tem situações que geram a exclusão da criança.(...) Na minha turma, as

outras crianças acusam ele de tudo aquilo que acontece. Tudo eles acusam.

Entendemos que a exclusão talvez seja a conseqüência mais comum, pois a criança

que age de maneira transgressora parece não compartilhar do mesmo código de regras aceito e

legitimado pela sociedade, o qual a maior parte do grupo tem como referência. Aquela que

agride é vista como a que se encontra fora do ambiente socializado, ou seja, está fora do que

se refere à civilização e, portanto, é associada à barbárie ou ao primitivo.

Outra conseqüência apontada pelas participantes é uma certa dificuldade de

aprendizagem. Contudo asseguram que não significa que não aprendam, apenas apresentam

maiores dificuldades que as outras crianças. O que nos chamou a atenção é o fato de elas

assegurarem que o mais preocupante no seu ver é o fato da agressividade ser contagiante.

Segundo elas, muitas vezes ocorre que uma criança agressiva acaba gerando agressividade

entre as outras crianças ou atrapalhando seus colegas no desenvolvimento de suas atividades.

Aí a gente vê a diferença que faz uma criança na turma. A agressividade dela

contagia, parece, os outros. Sei lá. Eles ficam querendo se defender, às vezes.

Tem muitas que querem dar de volta. Apanham, apanham, até que um dia enchem o

saco. Porque até os pais dizem: “Dá de volta!”.

Outra reação das crianças em relação às manifestações agressivas é o fato de cobrarem

determinado comportamento de seus colegas. Aqui, é pertinente resgatar a análise que

fizemos no segundo capítulo sobre um jeito de ser criança que passa a ser desenvolvido na

educação infantil, visando ao autocontrole, ao equilíbrio, à auto-avaliação. Nesses exemplos


110

de crianças reivindicando de seus colegas um determinado comportamento, observamos o

quanto algumas crianças se integram nesse sistema de maneira efetiva, ou seja, passam a

reproduzir tal padrão esperado pela educação formal.

Cobram um do outro um comportamento, né? Quando um faz alguma coisa que o

outro não ta de acordo, um chama atenção do outro, um ajuda a corrigi: “Não é legal o que

tu fez!” “Não faz assim!” Eles mesmos apontando indicativos do que pode fazer (...) ou se

tão brigando por um brinquedo, dizem: “Eu to brincando e daqui a pouquinho eu te dou!”

Eles mesmos vão buscando solução para os conflitos. Mas eles cobram um do outro. Ba!

Atitudes legal, de ser amigo, de ser colega, de se querer bem!

Constatamos alegria e satisfação na fala da professora que vê em seus alunos o bom

uso da razão, isto é, o senso de moralidade, daquilo que é aprovado ou não dentro da micro-

sociedade, a escola, por exemplo. Retrata que seus objetivos estão sendo alcançados através

dessa mostra de vigilância do outro. Provavelmente são observações de crianças que já estão

no final da educação infantil, pois os menores não possuem ainda condições subjetivas para

emitir tal julgamento. Mesmo assim, ainda não são capazes de se colocar no lugar do outro e

por isso, são bem assertivos e diretos em suas colocações, expressando perfeitamente o

controle e a rigidez a que são submetidos.

Esse controle, como referimos anteriormente, não é imposto pela força, mas de forma

sutil é desenvolvido a partir de uma rotina organizada de tal maneira que a educação infantil

passa a dar formas para o cotidiano dos sujeitos envolvidos nesse processo. De acordo com

Bujes (2001), podemos supor que a formalização desse segmento do ensino, através de uma

ritualização das atividades diárias das crianças, funciona como um meio de controle.

Controlar o que está desorganizado, ou seja, controlar o caos parece uma necessidade da

profissional da educação infantil: hora de jogar, hora de lanchar, hora de ir ao banheiro, hora

de ir ao parquinho, ora de ficar sentado,... Esta ordem fornece uma seqüência que passa a ser
111

padronizada para todos os sujeitos que compartilham daquele mesmo espaço. A vida em

sociedade vai se apresentando, desta forma, com toda intensidade na entrada da criança para a

escola. Fazemos referência ao que Freud escreve sobre a total liberdade que perdemos em

troca de uma parcela de segurança. Estas formas que são prescritas pela escola vêm

exatamente neste sentido: para que possam viver em grupo, precisam corresponder a esta

formalização.

Identificamos também uma normatização da educação infantil. Uma das professoras

participantes dos encontros chama atenção para a construção das regras em sua sala de aula.

Quando se faz as regras também é “não pode isso, não pode aquilo”.... Eu tentei

trabalhar com eles: se não pode isso, o que que pode? No momento que fizemos os

combinados na sala de aula, o que é que pode, então? Porque eles partem para dizer: “Não

pode conversar, não pode chutar, não pode brigar...” “Então o que é que pode?”

Transforma isso tudo no que pode pra não ficar,... Para as regras não ficarem: não isso, não

aquilo... Então tentei trabalhar com eles... Eu não sei se acontece contigo também... Mas

mesmo que a gente trabalhe, trabalhe assim, chega a Dire ou outra pessoa na sala para eles

contarem os combinados, só vem o “Não pode isso, não pode aquilo....”

Mas eu acho que a gente ta dentro dessa construção, em casa, como na escola, se

tudo fosse permitido, como seria nossa vida em sociedade?

O “não pode”, a norma pela negativa, fornece as balizas para os pequenos seres

humanos terem as primeiras noções dos limites que podem ter suas ações, mesmo que, muitas

vezes, eles necessitem testar tais balizas a fim de identificar se realmente são seguras.

Acreditamos que, a partir da norma, o cotidiano passa a ser delimitado pelo que é válido ou

não, naquilo que pode ou que não pode. Pode-se supor que é mais seguro lidar com o que está

sujeito às normas do que com o inesperado, o sem controle, o sem limite. A agressividade é

vista por uma parcela das professoras como algo que deve ser controlado a partir do
112

desenvolvimento da razão, da possibilidade de discernimento do certo e do errado. Enquanto

as crianças não apresentam o entendimento que levaria ao autocontrole, esperado pela escola,

percebemos que a norma é uma das tentativas usadas para se efetuar este controle. Por outro

lado, esta contenção realizada através da norma, chamada de socialização, permite que as

crianças passem a compartilhar as regras com outras iguais a elas, bem como as prescrições e

os códigos de uma cultura.

Queremos agora analisar as implicações que estas normas podem ter quanto aos tipos

de brincadeiras que as crianças são proibidas de fazer, como aquelas que trazem algum

conteúdo que faz referência a manifestações agressivas. Entendemos que, ao haver proibições

de certos tipos de brincadeiras, está-se tratando de uma indiferenciação entre violência e

agressividade. Supomos que esta indefinição traz influências no fazer pedagógico na

educação infantil.

As crianças, em pleno processo de estruturação de seu eu, estabelecem no brincar um

exercício de extrema importância para sua constituição. De acordo com Freud, ao apresentar a

brincadeira do “fort-da”, mencionada no primeiro capítulo, afirma que no brincar a criança

assume um papel ativo, em uma situação que passou, anteriormente, de forma passiva.

Complementando essa observação, Coriat (1997) afirma que através do brincar a criança vai

se apropriando dos singnificantes que a marcaram, os quais lhe deram uma significação logo

ao nascer. Para que a criança se aproprie do universo simbólico ao qual ela faz parte precisa

da ludicidade.

Enfatizando a função do brincar, Jerusalinsky (1989) afirma que a criança necessita

desse suporte, a partir de algo concreto, pois não se sustenta por si mesma. Simbolicamente

ela coloca a realidade naquilo que ela brinca, vivenciando lugares e posições de forma

antecipada. Com os objetos da realidade, coloca em cena a realidade fantasmática,

reordenando-se frente ao mundo. Sendo assim, é como se as crianças quisessem dizer algo
113

com suas brincadeiras de conteúdos agressivos. “Uma criança suporta em seu brincar o dizer

do que ainda não pode falar” (JERUSALINSKY, 1989, p. 49). Portanto, o brincar é um dizer,

faz parte do campo da linguagem.

A partir dessas considerações, entendemos que a normatização do brincar da criança

pode tolher possibilidades de simbolização. Pode impedir que o sujeito entre em contato com

o outro, já que o brincar é uma forma de comunicação prévia, enquanto ainda não consegue

colocar em palavras a sua mensagem.

Sousa (2000), afirma que na agressividade há uma palavra em potencial, mas que

precisa do aval do outro para que essa tome a forma de discurso.

A palavra potencialmente presente na agressividade é, de certa forma, uma palavra


aprisionada que espera o aval do outro para poder ser legitimada como discurso.
Essa abertura dialógica vai, portanto, na direção de dissipar o enredo do ato
agressivo, possibilitando outro formato discursivo. (...) Se escutarmos a palavra
enunciada num ato agressivo, estaremos automaticamente enfraquecendo seu
potencial agressivo. O ato de violência traz em sua estrutura algo arbitrário, e, ainda
que possamos deduzir alguma mensagem, algum sentido em seus movimentos, é
importante destacar que se trata, desde o início, de um “diálogo” rompido, de um
“diálogo” fracassado (SOUSA, 2000, p. 148).

Nesse sentido, chamamos a atenção para o modo como as manifestações agressivas

são tomadas. Se forem entendidas como ato violento e receberem uma resposta neste nível,

segundo Sousa, estará se obstruindo o “[...] potencial dialógico de tais atos” (SOUSA, 2000,

p. 148). De acordo com este autor, é necessário escutar a mensagem que existe a partir da

agressividade, pois ela institui o outro como seu interlocutor.

Retomando as considerações de Arendt (1970), a violência se sobrepõe às leis, é

arbitrária, não dependendo de nenhum consentimento grupal, ao contrário do poder, que é

instituído a partir do reconhecimento e do aval da coletividade. Quando não se tem o poder,

recorre-se à violência, ou seja, o enfraquecimento do poder leva à violência. Portanto, o ato

violento, ao contrário do ato agressivo, destitui o lugar do outro. Com base nessa

compreensão, reportamo-nos novamente ao depoimento de uma professora que foi orientada,


114

pela direção da escola em que atua, para que fosse mais rígida com o aluno agressivo. Nessa

experiência, a mesma percebeu que não estava alcançando o principal objetivo, sendo que

ainda estavam se agravando tais comportamentos. A partir de então, a professora conta que

passou a dar uma atenção diferenciada para ele, a demonstrar interesse pelo que estava por

trás de tais manifestações e, dessa forma, de acordo com as suas palavras: “fez a diferença”

para essa criança. A professora foi colocada no lugar de outro e assumiu este lugar,

permitindo que seu aluno também crescesse em seu processo de estruturação do eu.

Ele morava com a vó. Com as tias quase da mesma idade, o pai dele vivia sempre

preso, a mãe não vinha visita ele, a vó trabalhava fora, ele ficava na casa dos vizinhos, tinha

toda uma história que deixava a gente até pasma: como uma criança dessa idade é pra lida

com tantas decepções, sentimentos, né? E três anos depois encontrei ele numa apresentação

num final de ano, cheio de gente, achei que ele me odiava, que eu colocava limites nele, e ele

veio: “Oi profe!” E me abraçou... E é aquele menino, nem me lembrava! Às vezes, a gente

fica pensando: às vezes o mínimo que a gente consegue... Eu tinha trinta e poucos, não

conseguia dá a aula que eu queria, porque tinha que pega ele, às vezes a turma ficava não

sendo atendida como a gente gostaria, mas eu tinha que dá aquela atenção e.... fez a

diferença.

A agressividade parece estar em íntima relação com a atenção que se requer do outro.

Não significa que deve ser interpretada como uma simples forma de reter a atenção dos outros

sobre si, mas se refere a uma forma de entrar em contato com o outro. Acreditamos que é

nessas interações que o eu se constrói. Assim como o corpo despedaçado, de acordo com

Lacan (1998, p. 97) encontra unidade na imagem unificada do outro, o eu continua a se

estruturar nos relacionamentos com aqueles que estão a sua volta. A agressividade é uma

dessas maneiras de aproximação.


115

Voltando à questão da diferenciação, a pesquisa nos leva a crer que essa distinção

entre agressividade e violência não é dada, nem tampouco discutida no campo da educação.

Essa indefinição pode ser ilustrada a partir do seguinte depoimento.

Se eu não controlar hoje a agressividade na criança, eu acho que ela vai progredir

com ela. Quando ela chegar na adolescência, que ela já tomou conta de tudo, ela vai ter

outras formas de manifestar essa agressividade e aí ela vai acabar nessa violência; coisas

que deixam toda a sociedade abalada. Mortes, adolescentes que matam pais, que atiram em

pessoas, colegas. Quando se vai fazer uma pesquisa sobre esses alunos, adolescentes, se vê

que aconteceu algo lá atrás que não foi resolvido, não foi trabalhado,... e eles acabaram

então... Essa é uma grande preocupação.

Quais as conseqüências, então, para o processo educativo, de um entendimento neste

nível, o qual pressupõe que a criança agressiva pode tornar-se, de forma automática, um

jovem violento? A educação pode ser considerada um espaço privilegiado para o exercício

das representações, assim como para a interação com o laço social. As crianças, estando

constituindo seu eu, têm no brincar uma atividade que colabora para sua estruturação. A partir

dessa forma de representação, podem posicionar-se frente ao outro, ou seja, vivenciar em seu

jogo as fantasias que constituem sua psiqué. Diferenciar a fantasia da realidade, o brincar de

brigar e o brigar de verdade passa a ser uma questão a ser analisada no âmbito da pedagogia.

Para a criança que ainda não compartilha as regras e normas sociais28, os limites de suas ações

ainda são frágeis, pois não consegue distinguir ainda que nem sempre ela é a primeira da fila,

que dar um beliscão no colega que pegou o brinquedo pode causar dor e, sobretudo, que ela

não é o centro do universo, que ela é uma entre outras crianças.

Dessa forma, podemos entender que a maneira pela qual o discurso pedagógico

concebe a agressividade será determinante para que os professores lidem com essa tendência

28
Entendemos as regras e normas sociais como as convenções adotadas em cada sociedade que visam uma
convivência harmônica entre seus membros.
116

de uma forma ou outra, gerando implicações bem específicas. Algumas professoras

participantes dos encontros demonstram perceber essas conseqüências.

Porque ser agressivo com eles vão ser mais agressivos ainda.

Agora, se tu canalizasse tudo aquilo que ela tava fazendo pra algo negativo, uma e

duas, ela tava mordendo, tava batendo, tava chutando. Eu acho que depende como a gente

também interage em certas situações.

Nessas falas, percebemos que entre as participantes do grupo há a noção de que a

forma como se interage com certas situações resultará em um determinado modo de atitude ou

comportamento. As professoras comentaram as conseqüências de um modo negativo de lidar

com a agressividade, o que resultaria em mais atitudes agressivas. Interagir com a criança

talvez possa ser entendido como uma possibilidade de querer saber o que existe a partir das

manifestações agressivas, considerando a possibilidade de “fazer diferença” na vida de uma

criança.

3.5 AGRESSIVIDADE – UMA MENSAGEM A SER LIDA

Com base no que abordamos sobre esse conceito, a partir do referencial psicanalítico,

podemos afirmar que em todo o ato agressivo há uma mensagem, pois ela é dirigida a alguém,

a algum objeto. À medida que o sujeito se constitui, ele vai se dirigindo aos que estão ao seu

redor, constituindo também a noção de que existem os outros com os quais vai se relacionar.

Quando o eu se posiciona, a partir da agressividade, está evidenciando a possibilidade de

entrar em contato com esse outro a quem é dirigido tal gesto. E aí se encontra a diferença da

violência para a agressividade. Por ser dirigido a alguém, esse ato é movido por pulsão e não

por instinto. A mola propulsora do homem é a pulsão, a qual não provém da essência de um

indivíduo, mas é social. Ela evidencia-se a partir do desejo do sujeito, que se formula alienado
117

ao desejo do outro. Ouve-se muito falar sobre pessoas que agem por instinto. Instinto, como

foi abordado no primeiro capítulo, é regido por uma necessidade e não se encontra no registro

dos laços sociais, não considera o outro, não há perspectiva de alteridade.

Dolto (1999), em seu texto “A agressividade da criança pequena” (1981) faz a

seguinte afirmação sobre o significado de violência: “Para mim, a violência poderia ser assim

definida: ‘É quando não se diz ou não se diz mais.’ Então lançamo-nos um contra o outro,

corpo a corpo...” (DOLTO, 1999, 138). Na violência, não há palavras, não há linguagem e,

portanto, não estabelece laço social. Para a autora, quando uma criança pequena agride a outra

é um indicativo de que está interessada em manter contato com esta outra criança, porém não

tem outro recurso no momento para se expressar de outra forma.

Um aspecto que permite tal consideração é referente à etimologia da palavra

agressividade, mencionada no primeiro capítulo. A palavra “agressivo” vem do latim:

“gradior” que significa movimento para frente, sendo que referente ao verbo agredir, também

no latim, “ad” significa “na direção de” e “gradí” remete a “ir, caminhar”. Entendendo a

agressividade enquanto movimento da constituição do eu, compreende-se a dimensão do

significado etimológico dessa palavra. Quando algo está no campo da agressividade, está

dirigindo-se a alguém, está caminhando em direção a alguma coisa. Portanto, há um objeto

definido e, então, o reconhecimento de uma alteridade.

No contexto da educação infantil, pode-se dizer que a agressividade é inevitável. O eu

está se constituindo, uma formação de posição discursiva está se organizando em relação aos

outros, ou seja, dentro de uma rede social. Os seus ruídos, como afirma Sousa (2000), são os

atos agressivos. É a agressividade que se desprende, segundo Oliveira (2006), “[...] da

atividade de formação de unidades de representação desenvolvida pelo eu sob pressão da

pulsão e com base em suportes de linguagem” (OLIVEIRA, 2006, p. 91). Entendemos que é a

partir dessa agressividade que se constitui um pólo de enunciação e, portanto, um pólo de


118

iniciativa, de criação, frente às inúmeras limitações e renúncias que se colocam como

condição para a vida em sociedade.

Pensar na possibilidade de uma educação que abra espaço para a agressividade,

enquanto traço estruturante do eu, pode trazer que tipo de implicações?

Pensamos que a educação infantil que pudesse ler ou escutar, nas manifestações

agressivas das crianças, um processo de estruturação poderia, simplesmente, estar

contribuindo com essa constituição. Contudo, para isso, seus ideais e seus pressupostos,

historicamente construídos, passariam a ser questionados. A noção de criança naturalmente

boa e a própria concepção de equilíbrio e racionalidade calcada no ideal pedagógico são

abalados com tal mudança de olhar.

É certo que a selvageria, a barbárie deve continuar a ser combatida e enfrentada pelos

homens. A civilização, de acordo com Freud (1930), empenha-se com grandes esforços para

conter os impulsos destrutivos dos homens. Na educação infantil, constata-se essa passagem

do pequeno homem primitivo ao civilizado, à medida que vai se subordinando às limitações

do convívio social. Colocar em linguagem, em representações simbólicas o que é da ordem da

destrutividade é um ato civilizado. A criança, como mencionamos anteriormente, não

consegue colocar em palavras, em dizer, mas é a partir do brincar que exerce a sua

humanidade, que sai do estatuto de natural e de selvagem. Ao entendermos a agressividade

como palavra a ser decifrada também podemos ver na criança a formação de um sujeito pleno

de desejos, diferentemente do bom selvagem a ser domesticado e treinado.

“Quando se vê uma criança pequena que morde outra, a derruba, esses

comportamentos são ‘humanizados’ pelas palavras dos adultos que procuram expressar o

sentido inteligente dessas manobras” (DOLTO, 1999, p. 140). A autora ainda explica que tais

comportamentos não podem ser considerados bons ou ruins, pois são experiências de uma

vida de relações. Cabe ao adulto mediar essas experiências, emprestando sentidos através de
119

palavras, como se fosse uma espécie de tradução. Daí podemos inferir sobre a função do

educador frente às manifestações agressivas, quando se passa a conceber a agressividade

como uma mensagem a ser lida, escutada.

A escola e, principalmente, o professor de educação infantil é colocado em um lugar

de alteridade, sendo convidado a participar desse processo de individuação desse sujeito.

Talvez por tais motivos, a agressividade traz tantos questionamentos à educação. As crianças,

através da agressividade, convocam os profissionais, a partir de uma falta, a princípio falta de

saber, a implicarem-se, a envolverem-se. Quando nos referimos ao professor de educação

infantil, estamos nos dirigindo a ele num sentido mais amplo, ou seja, ao discurso pedagógico

do qual este profissional está sendo representante. Considerando a educação um ato social,

isto é, um processo apoiado basicamente na capacidade relacional do homem, lanço a seguinte

indagação: é possível conceber um ato educativo que negligencie a questão da agressividade,

deixando um lugar de alteridade ficar no vazio?


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando iniciamos uma pesquisa, definimos objetivos, delimitamos um foco e vamos

desenvolvê-la, através de caminhos que supomos que nos darão respostas para a questão

inicial. Ao pesquisarmos sobre a agressividade, instigados principalmente pelo

questionamento de professoras de educação infantil em relação a esta temática, não tínhamos

noção de onde chegaríamos, ou seja, quais seriam os resultados deste trabalho. Tínhamos,

como dados iniciais, um mal-estar apresentado pelos profissionais de educação em relação às

manifestações agressivas de seus alunos. Outro elemento que nos chamava a atenção referia-

se ao fato de que as tentativas de proibir tais manifestações ou mesmo as brincadeiras de

conteúdos agressivos eram infrutíferas. Como referencial teórico básico, tínhamos algumas

leituras psicanalíticas que apontam para a agressividade como elemento essencial da

estruturação do eu. A partir desses fatores, delimitou-se a questão inicial: quais seriam as

concepções de agressividade apresentadas no discurso escolar e suas implicações no processo

educativo? Entendemos que escutar as professoras de educação infantil a respeito do tema

seria uma forma profícua para alcançar o objetivo central. O estudo teórico sobre o conceito

agressividade, bem como dos pressupostos básicos que norteiam a educação infantil,

contribuiu para o entendimento e análise do discurso apresentado pelas educadoras.


121

Ao realizar esta pesquisa, percebemos o quanto o estudo sobre a agressividade é visto

com interesse, principalmente no campo da educação. Esse interesse trouxe estímulo, pois o

compreendemos como uma justificava da pertinência da discussão que pretendíamos realizar.

Contudo, também trouxe uma inquietude, a qual, por vezes, resultou em momentos de

perplexidade e, em outras vezes, de produtividade. Talvez, tais reações tenham se apresentado

porque nessa atenção despertada parecia estar implícita uma possibilidade de formulação de

respostas e soluções para a questão da agressividade que, a princípio, somente se evidenciava

pelo seu caráter negativo.

Desde o início, parecia claro que o objetivo seria estabelecer uma análise sobre as

concepções de agressividade no âmbito da educação infantil e, portanto, a finalidade não era

encontrar uma solução para extinguir a agressividade, nem ao menos indicar meios de se lidar

com as manifestações agressivas das crianças. Mesmo assim, ao falar em agressividade nesse

âmbito, logo essas expectativas se apresentavam em relação à pesquisa. Dessa forma, já se

configuravam indícios de como esse conceito era tomado pelo discurso das professoras.

A primeira confirmação de que o tema seria bem acolhido no campo da educação foi a

receptividade da Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Panambi/RS em relação à

proposta de discussão acerca da agressividade, com as professoras de educação infantil,

através dos encontros de grupo. O assunto foi considerado apropriado e pertinente, por ser

bastante atual e por ser motivo de várias inquietações e de um certo mal-estar entre os

profissionais de educação infantil.

A experiência dos encontros foi enriquecedora, pois as educadoras manifestaram uma

necessidade em falar sobre o tema em questão. Analisando as falas geradas nos encontros,

percebemos o quanto o debate foi animado e dinâmico. Essa falta de saber a respeito da

agressividade desencadeia tamanha inquietude, a qual propiciou que muito se construísse em

torno da questão, circundando-a e definindo seus alcances e limitações.


122

O desenvolvimento da questão da agressividade na obra freudiana também indica o

quanto esta concepção foi sendo modificada. Num primeiro momento, Freud relutou em

aceitar as idéias que concebem o homem possuidor de tendências destrutivas. Contudo, no

decorrer de sua obra, vai sugerindo que essas tendências fazem parte do psiquismo, mas que

são controladas devido à educação e à subordinação cultural às quais o homem é submetido.

Segundo suas conclusões, o homem teria optado por abdicar de sua plena liberdade em troca

de uma parcela de segurança.

A aceitabilidade das normas do social também se dá na subjetivação de cada um.

Quando o pai possibilita que o filho deixe de ser apenas aquilo que complementa a mãe, a

criança deixa de ser assujeitada, e passa a ser sujeito desejante. Com sua função castradora,

coloca as regras as quais o sujeito precisa submeter-se para seguir a vida em sociedade. Em

vista disso, pode-se afirmar que a dissolução do complexo de Édipo seria o momento

primordial de instauração de valores, princípios e ideais que compõem uma herança

simbólica, compondo assim o supereu. O supereu seria a instância responsável pelo

julgamento das ações, atitudes e vontades do sujeito, de acordo com os valores que foram lhe

constituindo.

A pulsão de morte é outro conceito da obra freudiana que colabora com a discussão

sobre agressividade. A pulsão de morte é um indicativo de que as tendências destrutivas

podem ser fomentadas por uma busca pelo estado anorgânico, sem vida, com o mínimo de

tensões. Por esse motivo, Freud conclui que há algo além do princípio do prazer, o que

permite a repetição de situações desagradáveis ou mesmo a projeção de moções destrutivas ao

mundo exterior. Contudo, posteriormente afirma que as duas classes de pulsões (de vida e de

morte) encontram-se entrelaçadas, permitindo que cogitemos a idéia de que exista a pulsão,

sendo desnecessária a separação em pulsões. A pulsão é o que move o ser humano e,

diferentemente do instinto, ela está calcada nos laços sociais.


123

Ao mesmo tempo em que o homem se constitui no social, depende do outro para sua

estruturação, é difícil para o homem a vida em sociedade. Percebemos isso, principalmente, a

partir do texto freudiano de 1930, “Mal-estar na civilização”. A renúncia às satisfações e o

autocontrole imposto pelos valores sociais impõem limitações que causam um mal-estar, o

qual os homens estão constantemente querendo aplacar: através de religiões, de ideologias, da

ciência, da toxicomania. Esse mal-estar gerado é inevitável, pois o próprio autor questiona-se

sobre como seria a vida em sociedade sem suas regras, sem suas limitações.

As concepções de Lacan acerca da agressividade também são norteadoras, pois

considerando a agressividade como uma tendência da constituição do eu, permite a

compreensão de que à medida que o sujeito vai delimitando seus contornos em torno do que é

o eu e o que é o outro, vive um certo transitivismo. Confunde a sua imagem com os

semelhantes que estão a sua volta. Enquanto a criança encontra-se constituindo seu espaço,

seu eu luta para não ser aniquilado por esse outro, ao qual está alienado. A agressividade

passa a ser decorrente desse momento de constituição da unidade da imagem corporal.

Na educação infantil, as crianças se encontram em um período de constituição do seu

eu. Nessa faixa etária, apesar de já terem sido inscritas na cultura, após o corte, já

mencionado, exercido pela função paterna, é com o complexo de Édipo que passam a

internalizar as leis da vida em sociedade. A educação infantil também contribuiria no

exercício dessa função paterna, sendo uma medida, na vida da criança, voltada à socialização

do pequeno ser humano.

A retomada de autores clássicos ligados à educação de crianças foi interessante para

compreender o nascimento da educação infantil. Destacamos Rousseau, pela sua ênfase aos

cuidados e à assistência dos adultos em relação às crianças. Esse autor considera tais cuidados

como essenciais para o desenvolvimento adequado do bom selvagem, visando à formação de

um bom cidadão. Como selvagens, as crianças estariam intimamente relacionadas à natureza


124

e, portanto, teriam uma pureza inata. Essa concepção de criança deixa suas marcas, inclusive

na atualidade, pois a concepção de natureza infantil ainda permanece em muitas

manifestações do discurso de professores. A partir dessas leituras, supomos que esse

pensamento possa trazer alguma dificuldade para os educadores conceberem a agressividade

como parte da vida infantil, pois a infância seria relativa ao natural e à docilidade.

Há outros discursos que constituem a educação infantil, como as teorias do

desenvolvimento e as leis desenvolvidas para regularizar e padronizar essa área do ensino.

Estando entre o “cuidar e o educar” a escola tem um papel de auxiliar ou de viabilizar grande

parte do processo de civilização do ser humano, construindo uma forma específica de ser

humano, de ser criança.

A criança da atualidade nem sempre se apresenta correspondendo aos antigos ideais

historicamente construídos. Elas participam do mundo dos adultos, não mais sendo puras

como eram descritas anteriormente, indicando que não há uma única forma de ser criança.

Vários discursos se inter-relacionam, entrelaçam-se e vão definindo particularidades de

acordo com o seu tempo, com a sua realidade. A visão que se tem de criança também

influencia o modo como a agressividade infantil é concebida.

As leituras psicanalíticas acerca da educação indicam um outro olhar sobre o sujeito

da infância O sujeito apresentado pela psicanálise difere muito daquele que constitui o ideal

pedagógico, pois ele não é completo, não tem o total autocontrole, não é estritamente racional.

O processo educativo não é algo totalmente lógico e exato, havendo limitações que são

impostas pelos processos inconscientes, tanto do lado do aluno como do professor. Dessa

forma, concluímos que há limites na intervenção dos adultos em relação à educação das

crianças. Essas limitações vieram à tona nos encontros com as professoras de Educação

Infantil.
125

Sobre a visão que se tem de agressividade e, concomitantemente, de criança, a partir

da falas das professoras nos grupos focais, podemos dizer que não foram opiniões unânimes,

pois se evidenciaram divergências de idéias entre as educadoras, o que indica que o discurso

pedagógico não é tão homogêneo, mas formado por uma variedade de discursos sobrepostos e

interligados. Além disso, o senso comum, a partir das experiências de vida das professoras,

corroborou suas definições.

A concepção de que a criança é pura por natureza, passível de ser corrompida pelas

influências do meio, é cara para as professoras. Com a mesma intensidade, uma das vias

apresentadas pela maior parte das educadoras refere-se à influência dos pais, da família, na

agressividade das crianças. Em vista desse posicionamento, não se vê possibilidades de

implicação por parte das professoras nesse contexto, pois se tudo depende da família, a escola

não teria o que fazer em relação a essa problemática. Também foi abordada pelas

profissionais a idéia da agressividade ser uma fase do desenvolvimento. Consideram que essa

etapa deveria ser superada a partir da evolução e adequação. Haveria um modelo padronizado

de desenvolvimento e o papel do professor seria contribuir nesse progresso com a finalidade

de atingir o ideal, banindo a agressividade. Outro viés trazido pelas professoras é a

agressividade como forma de expressão. Não tendo acesso completo à linguagem, a criança

expressar-se-ia a partir de manifestações agressivas, como um modo de defesa.

A tentativa de controle por parte da escola e realizada pelas professoras foi uma das

alternativas mais expressas de como lidar com a agressividade. As profissionais da educação

infantil demonstram uma preocupação efetiva em relação ao seu papel frente aos seus alunos.

Já que não recebem das famílias o apoio que consideram necessário para o pleno

desenvolvimento das crianças, acreditam que precisam fazer algo por seus alunos, no caso,

visando ao controle da agressividade. Essas medidas se referiram ao uso da literatura, ao

conversar com as crianças lhes trazendo exemplos, encaminhando para outros profissionais,
126

proibindo brincadeiras de conteúdos agressivos e outras buscando interagir mais com seus

alunos.

Através dos relatos das professoras, a exclusão seria uma das implicações referentes

ao modo como concebem a agressividade, advindas das próprias crianças em relação aos

colegas que se manifestam a partir de atitudes agressivas. Outra conseqüência apresentada nos

grupos focais se refere ao controle, o qual passa a ser feito a partir de uma formalização,

representada pela ritualização das atividades diárias que fazem parte do cotidiano da educação

infantil, bem como da normatização: regras e normas atribuídas para as mais simples tarefas

realizadas na escola. Contudo, houve também falas de educadoras que procuram interagir de

outro modo com seus alunos ditos agressivos, isto é, através do diálogo, do interesse pela

realidade de vida da criança, do querer compreender o que há além dessa agressividade

manifesta. Aí vemos uma possibilidade de a agressividade ser escutada pelo discurso

pedagógico e não apenas ser controlada ou banida.

Compreendemos que a agressividade pode ser entendida como uma mensagem a ser

decifrada, como algo a ser escutado pelo outro. A agressividade, possuindo um objeto

determinado, está direcionada a algo ou a alguém, ou seja, considera a existência de uma

alteridade. Através da teoria psicanalítica, concebemos a agressividade como um movimento

do processo de constituição do eu, onde uma formação discursiva encontra-se em

organização, estabelecendo um pólo de onde alguém se enuncia.

Quais as conseqüências geradas ao processo educativo pelo fato desse aspecto da

agressividade não ser levado em consideração? No âmbito da educação infantil,

principalmente, a agressividade estará sempre presente e de forma muito explícita. O eu está

se estruturando num determinado laço social. Ao mesmo tempo em que estão sendo definidas

suas bordas, depara-se com limitações, imperativos e renúncias que fazem parte da vida em

sociedade. Como o homem é um ser social, depende do outro para se constituir, com a
127

agressividade, também está fazendo um movimento em direção ao outro, demonstrando o

quanto a alteridade é necessária para sua estruturação. Se a agressividade é considerada

violência, impede-se a possibilidade de ser estabelecido um laço, de manter uma comunicação

com seu possível interlocutor. Dessa forma, o professor deixaria de ocupar um lugar de

alteridade, permitindo que a mensagem enviada pela criança não fosse recebida.

Portanto, ao chegar ao final dessa pesquisa, formulamos questões que, talvez, possam

constituir o cerne de novos trabalhos. O discurso escolar, assim como ele se configura, tem

poucas possibilidades de considerar a agressividade decorrente do processo de estruturação do

eu. Ainda há uma forte ligação entre os conceitos agressividade e violência, bem como a idéia

da pureza infantil. Seriam necessárias mudanças de concepção. Então, tratar-se-ia de uma

mudança de discurso? É possível supor uma modificação neste discurso? Se houvesse esta

possibilidade, como isto aconteceria? Supondo que, no âmbito da educação infantil, a

agressividade fosse entendida como movimento de estruturação do eu e, portanto, de

iniciativa e de criatividade, a escola lidaria de outra forma com a agressividade. Ao

reconhecer uma diferenciação entre violência e agressividade, pensamos que o foco não

estaria mais no controle dessas manifestações, mas no sentido de buscar entendê-las, ou seja,

de procurar escutar uma mensagem emitida pela criança, de poder suportar “os ruídos do

processo de constituição do eu”. Acreditamos que este olhar diferenciado à agressividade

geraria sérias implicações no processo educativo. O fato de um sujeito encontrar no outro o

desejo de escutar, de compreender deve ter seus efeitos, ainda mais quando se trata de um eu

em desenvolvimento. Entendemos que as implicações dessa mudança de perspectiva em

relação à agressividade, tanto sobre o processo educativo em si, bem como referente ao eu que

está em plena estruturação, são temas a serem aprofundados através de novas pesquisas.
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