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Paidéia, 2003,13(25), 119-120

RESENHA nas, o Prof. José Aparecido da Silva demonstra-nos


de que forma a inteligência atravessa praticamente
toda a história da Psicologia, dando-nos, assim, a opor-
INTELIGÊNCIA HUMANA.
tunidade de utilizar a obra como um instrumento de
ABORDAGENS BIOLÓGICAS
consulta e de atualização rápida no domínio.
E COGNITIVAS Esta obra diz-nos muito sobre o seu autor, prin-
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cipalmente diz-nos da sua curiosidade intelectual e
Luísa Faria da sua capacidade de atualização sobre um tema,
FPCE - Universidade do Porto - Portugal nomeadamente pelo seu desejo de divulgar as mais
recentes e desafiadoras conclusões sobre a inteligên-
Falar de inteligência implica debater um dos cia, mesmo quando são controversas.
temas mais importantes e mais controversos da Psi- Passemos, então, à apresentação da obra.
cologia e, simultaneamente, um dos atributos psicoló- O capítulo 1, "Teoria da inteligência através
gicos mais valorizados e mais temidos socialmente: dos tempos", faz-nos uma resenha histórica acerca
por exemplo, a existência de uma correlação positiva da definição e da estrutura da inteligência, desde a
entre o quociente de inteligência (QI) e os resultados antigüidade clássica, com Pitágoras (580 a.C.-500
escolares é uma das constatações mais antigas e mais a.C.) e o dualismo mente-corpo, até à era da medida
regularmente confirmadas pela Psicologia. da inteligência, nos séculos XIX e XX, onde são des-
A falta de acordo quanto à definição e formas tacadas as contribuições de Galton - que inicia a ava-
de avaliação deste construto, bem visível nas liação objetiva da inteligência -, Cattell, Binet, Stern,
polêmicas travadas por psicólogos e educadores, em Spearman, Terman e Wechsler, entre outros. Como
debates, obras e simpósios sobre o tema, sobretudo balanço, o autor fala-nos das controvérsias natureza-
durante o século XX, não diminui a aceitação gene- educação (nature-nurture) e entre o caráter unitário
ralizada de que estamos perante um dos atributos psi- ou polifacetado da inteligência, que continuam a man-
cológicos mais relevantes e com maior impacto na ter acesa a discussão em torno deste construto.
realização, no sucesso e no bem-estar global dos in- No capítulo 2, "Concepções de inteligência", o
divíduos e das sociedades. autor aborda as teorias implícitas de inteligência, ou
Mas afinal o que é a inteligência? Haverá uma seja, as concepções do senso comum, do leigo, do não
inteligência ou várias? Como se mede e quais as qua- especialista acerca da inteligência. De fato, todos nós
lidades de uma boa medida da inteligência? De que somos capazes de definir e avaliar a nossa inteligência
fatores dependem a sua evolução - hereditariedade e a dos outros nas mais variadas situações do quotidi-
ou meio? Haverá diferenças de sexo na capacidade ano, e tais concepções ou teorias implícitas afetam o
intelectual? Será a inteligência treinável? E as novas nosso comportamento e as nossas interações.
inteligências - por exemplo, a social e a emocional - Por sua vez, os especialistas no domínio, os
qual a sua importância na sociedade atual? que constróem as teorias explícitas - teorias formais
Estes são alguns dos temas que a obra "Inteli- sobre a natureza e desenvolvimento da inteligência,
gência humana. Abordagens biológicas e cognitivas" fundadas em avaliações presumivelmente objetivas
debate, de forma direta, sucinta, pragmática e didática, da mesma, através de testes -, também são influenci-
com uma linguagem simultaneamente cuidada e aces- ados pelas suas próprias teorias implícitas.
sível a vários públicos - estudantes, professores, psi-
Assim, a partir de estudos de Sternberg com
cólogos e educadores em geral.
leigos, nas teorias implícitas surgem três dimensões
Ao longo de 14 capítulos e cerca de 250 pági- caracterizadoras da inteligência, que curiosamente
também constituem dimensões valorizadas pelas prin-
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Luisa Faria - Universidade do Porto cipais teorias explícitas: referimo-nos à capacidade
Texto que serviu de suporte à apresentação oral da obra, no âmbito para resolver problemas (problem solving), à aptidão
do Seminário - "Inteligência(s) e comportamento(s)", que decor- verbal e à competência social.
reu na Universidade Fernando Pessoa (UFP), no Porto, em 27 de
Janeiro de 2003. Contudo, a constatação de que as concepções
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dos leigos são influenciadas pela cultura, leva o autor teorias, mas também a multiplicidade de estudos e de
a assinalar o fato dás concepções de inteligência va- técnicas e os sinais de vitalidade no domínio.
riarem entre culturas: na verdade, diferentes socie- Os capítulos 5, "Inteligênciageral", e 6, "Inte-
dades e diferentes culturas valorizam aspectos diver- ligências múltiplas", discutem a questão do número
sos da capacidade intelectual. de inteligências, ou seja, a controvérsia fator g vs.
O capítulo 3, "Abordagens fatoriais da inteli- múltiplas aptidões, que atravessou a Psicologia desde
gência", e o capítulo 4, "Abordagens biológicas e a polêmica entre Spearman e Thurstone.
cognitivas da inteligência", apresentam-nos, cronolo- O capítulo 7, com o sugestivo título "Quem é
gicamente, as principais teorias sobre a inteligência, mais inteligente: o Homem ou a Mulher?", aborda
começando com a perspectiva psicométrica ou fatorial, outro tema clássico no domínio, o das diferenças de
que vigorou até aos anos 60 do século XX, centrando- sexo, concluindo pela superioridade feminina nos do-
se na identificação dos fatores explicativos da capa- mínios verbal, das habilidades motoras finas, da velo-
cidade intelectual (através da técnica de análise cidade perceptiva e da descodificação não-verbal, e
fatorial) e preocupando-se em medir e identificar pela superioridade masculina nos domínios visuo-es-
quem tem inteligência e quem é mais e menos inteli- pacial, da matemática e das ciências, das analogias
gente, mas mostrando menos preocupação em saber verbais e do raciocínio mecânico. A controvérsia acer-
o que é a inteligência. ca das diferenças de sexo continua, havendo, contu-
Começando, com Spearman e o fator g, até do, evidências empíricas de um progressivo
Guilford e a visão polifacetada da inteligência (com esbatimento das referidas diferenças a que não será
150 aptidões diferentes), esta perspectiva é desen- alheio, entre outras causas, uma maior aproximação
volvida pelo autor, sendo fundamental realçar a sua nas práticas de socialização.
importância na avaliação, na medida e na seleção dos Os capítulos 8, "Quociente intelectual e here-
indivíduos, permanecendo muitos dos seus conceitos ditariedade", e 9, "Interação gene-ambiente: mitos e
ainda atuais em Psicologia, nomeadamente o fator g, verdades", abordam outro tema clássico no estudo
a visão polifacetada da inteligência e a importância da inteligência - a polêmica natureza-educação, he-
das qualidades psicométricas das medidas de inteli- reditariedade-meio ou nature-nurture.
gência. Aqui é apresentada a tendência para fazer
No capítulo 4 surgem as abordagens biológi- eqüivaler a hereditariedade à irreversibilidade ou
cas e cognitivas, mais recentes e alvo de investiga- imutabilidade e a educação ou ambiente à possibili-
ção contemporânea. Salientamos, nas abordagens dade de transformação, que o autor discute, a partir
biológicas, a perspectiva de Hebb e as três inteligên- de resultados de estudos com gêmeos monozigóticos
cias - A (potencial), B (aprendida ou realizada) e C e dizigóticos, crianças adotadas e indivíduos aparen-
(inteligência avaliada pelos testes) -, bem como a tados.
conclusão do autor pela falta de indicadores biológi- Assim, o autor discute uma série de mitos acer-
cos, claros e categóricos, acerca da inteligência. ca da hereditariedade e do meio, apresentando exem-
Por sua vez, nas abordagens cognitivistas, são plos, como o das crianças com fenilcetonúria, e pon-
focadas as importantes contribuições quer de Gardner, do em relevo a importância da intervenção precoce.
com a teoria das inteligências múltiplas (verbal-lin- Conclui que o meio faz a diferença, sobretudo
guística, musical, lógico-matemática, espacial, corpo- nos primeiros anos de vida, pois pode potenciar os
ral-cinestésica, pessoal, naturalista, espiritual e exis- efeitos da hereditariedade: nas suas palavras, "os
tencial) e as suas implicações educacionais, quer de genes determinam a probabilidade de ocorrência dos
Sternberg, com a teoria triárquica (três sub-teorias comportamentos, mas não os comportamentos per se"
ou três tipos de inteligência - componencial ou con- (p. 112).
vencional, experiential ou criativa e contextual ou O capítulo 10, "Inteligência emocional", defi-
prática) e as respectivas implicações para o ensino. ne esta nova e controversa inteligência, popularizada
O autor conclui salientando não só a falta de pelo best seller de Daniel Goleman, em 1995, falan-
visão conceptual e metodológica comum às várias do-nos do Quociente Emocional (QE), em vez do
popular QI, e da forma como vai afetar as nossas
vidas e o nosso sucesso profissional.
Diz-nos o autor que a inteligência emocional,
enquanto capacidade para "monitorizar as suas pró-
prias emoções e as dos outros, para discriminar entre
os diferentes tipos de emoções e, também, a capaci-
dade para usar as informações sobre as diferentes
emoções com o objetivo de controlar e orientar o seu
próprio pensamento e as suas ações" (pp. 114-115),
se tem revelado de enorme interesse e valor preditivo
no domínio profissional (liderança, desempenho indi-
vidual e em grupo) e nas organizações em geral, jus-
tificando o investimento atual - teórico, empírico e da
medida - neste domínio.
O capítulo 11, "Inteligência: ensino e
tecnologia", fala-nos do treino da inteligência e das
inúmeras possibilidades de "ensinar a inteligência",
com a apresentação breve de alguns programas de
treino e aceleração cognitiva, concluindo pela impor-
tância da contribuição das novas tecnologias para o
ensino da inteligência, mas também para o fato
incontornável do papel do professor na sala de aula
ser insubstituível.
O capítulo 12, "Inteligência: mitos e verdades",
apresenta e discute 12 mitos acerca da inteligência,
nomeadamente se a inteligência é unitária ou múlti-
pla, se a inteligência pode ser medida, se está
correlacionada com o tamanho da cabeça, se é de-
terminada pela data de nascimento, se tem evoluído
geracionalmente, se difere entre sexos, funcionando
como um capítulo-síntese de alguns temas discutidos
ao longo da obra.
Finalmente, os capítulos 13, "Mensuração da
inteligência", e 14, "Propriedades metrológicas dos
testes de inteligência", falam-nos dos primórdios da
medida da inteligência em Psicologia, com Galton,
Cattell e Binet, do movimento dos testes e das esca-
las mais usadas, como a Stanford-Binet e a WISC e
WAIS de Wechsler, e das qualidades psicométricas
dos testes.
Em síntese, resta-nos concluir, dizendo que estamos
perante uma obra que vale a pena descobrir, pela
sua atualidade e exaustividade, a bem da Inteligên-
cia e da

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