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O PROCESSO DE

Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

MEDIAÇÃO DA
APRENDIZAGEM
NA INCLUSÃO
SUPERANDO OS LIMITES E ENFATIZANDO AS POTENCIALIDADES
NA VISÃO DA FAMÍLIA E DOS PROFESSORES

MONALIZA EHLKE OZORIO HADDAD


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O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

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Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

O PROCESSO DE
MEDIAÇÃO DA
APRENDIZAGEM
NA INCLUSÃO

REALIZAÇÃO

PATROCÍNIO

São Paulo - SP
2020
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O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

O processo de mediação da aprendizagem na inclusão


Copyright © 2020 by Monaliza Ehlke Ozorio Haddad - Todos os direitos reservados.

Este livro não pode ser copiado ou reimpresso. O uso de citações do texto ou cópias de páginas isoladas
para estudos é permitido e encorajado, mediante solicitação.
Este livro foi editado no Brasil segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, respeitando porém
as particularidades da grafia adotada em Portugal, quando cabível, ou a língua espanhola, em deferência
à origem dos colaboradores.

Edição: Cássio Barbosa / cassio@reinoeditorial.com.br


Curadoria: Arismar Garcia / arismargarcia@reinoeditorial.com.br
Imagem da capa: Pixabay
Produção: Reino Editorial

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

H126x Haddad, Monaliza Ehlke Ozorio.


O processo de mediação da aprendizagem na inclusão : superando os
limites e enfatizando as potencialidades na visão da família e dos professores
/ Monaliza Ehlke Ozorio Haddad. – São Paulo : Reino Editorial, 2020.
160 p. : il.; 23 cm.

Inclui bibliografia

1. Inclusão escolar. 2. Educação especial. 3. Ensino básico. 4.


Deficiência intelectual. 5. Aprendizagem. 6. Síndrome da fragilida-
de do cromossomo X.b 7. Superação - depoimentos. I. Título.

CDU 376
CDD 371.9

(Bibliotecária responsável: Sabrina Leal Araújo – CRB 8/10213)

Produzido por Reino Editorial Ltda.


www.reinoeditorial.com.br
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Telefone: (11) 5575-8870

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

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Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

Ninguém é igual a ninguém.


Todo ser humano é um estranho ímpar.

Carlos Drummond de Andrade

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O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

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Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

D outora em Ciências da Educação - UE - Portugal; Mestrado em


Educação - UTP; Especializações: Psicopedagogia e Didática do
Ensino Superior - PUC-PR, Educação Especial UFPR, MBA em Gestão
Escolar - OPET. CEO do Instituto de Aprendizagem e Desenvolvimento
- IAD. Professora de graduação e pós-graduação. Master Coach pessoal
e executivo. Analista Comportamental. Artigos científicos publicados
na área educacional na China, Espanha, França e Portugal. Palestrante
e Consultora.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5247975204692174

E-Mail: monalizahaddad@gmail.com
WhatsApp e Telefone: +55 41 99989-9332
Facebook & LinkedIn: Monaliza Haddad

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O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

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Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

Colaboradores

Maria Manuel Parrinha


Frank Valentin
Sulimar Beloto
Katia Kichiro de Aquino
Helena Oliveira Gonçalves Simões
Marijose Marin Villapol
Sandra Ximenes
Cristine Oliveira
Marcia Gaspar
Bianca Oliveira
Miriane Lima Mello
Filomena Silva
Sylvie Teixeira da Cunha
Ana Godinho
Cármen Rosa Ramos
Paula Leão

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O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

Introdução

A iniciativa de escrever esta obra foi por evidenciar que a inclusão


ocorre primeiramente dentro de casa, com a família sendo es-
sencial em demonstrar o quanto é forte e imponente no processo de
participação do desenvolvimento de seus filhos, desde o nascimento
e durante toda a vida.
Após o diagnóstico, a família assume para si a responsabilidade
de tornar o desenvolvimento do seu filho prioridade no dia a dia, sem
pausas, sem férias e com um enorme benefício: o próprio crescimento
dos queridos filhos.
A família geralmente busca superar a situação e, diante do diag-
nóstico, não apresenta um sentimento de recusa dos fatos. Ela arregaça
as mangas e põe-se a trabalhar. Não fica, ou se espera que não fique,
em nenhum momento, se vitimando ou procurando um culpado.
Ao assumir a necessidade em não medir esforços, as mães e os pais
começam a planejar a melhor forma de trabalhar no desenvolvimento
dos filhos, e devido a este fator é que resolvi escrever esta publicação
com depoimentos de pais que muito contribuem para o desenvolvimento
dos seus filhos.
Não poderia deixar de mencionar que os professores também
fazem a sua parte, mas, estes vêm posteriormente à família. Ou seja,

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Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

a escola é considerada a segunda instância mais alargada socialmente


na vida de uma criança.
As escolas desempenham as suas funções e devemos valorizar as
boas práticas desenvolvidas pelas instituições e pelos professores, para
que aqueles professores que ainda justificam que não conseguem traba-
lhar com a inclusão possam perceber nos depoimentos dos professores e
dos pais desta obra o quanto o seu trabalho pode ser considerado como
um divisor de águas no desenvolvimento de uma criança.
Iremos, a partir das próximas páginas, nos deparar com depoi-
mentos carregados de aspectos culturais, sociais, cognitivos, físicos
e políticos, onde os pais e professores, em seus dizeres, explicitam
sentimentos fortes e significativos em relação à literatura sobre os
desafios e as superações acerca da inclusão.
Recorro ao livro “Desafios e Superações da Inclusão” e destaco
que as crianças incluídas (...) apresentam características próprias e
que o processo de ensino e de aprendizagem tem a necessidade de
estratégias pedagógicas com o objetivo da apropriação deste processo.
Haddad (2019, p. 29).
Como investigadora e proprietária do Instituto Aprendizagem e
Desenvolvimento – IAD há mais de vinte anos, acompanho as famílias
e posso dizer que tenho imenso prazer em conhecê-las e de acompa-
nhar o desenvolvimento dos filhos que hoje ainda são crianças, outros
já adolescentes e até adultos, que compõem esta obra ou muitos que
fazem parte da minha história. No IAD também atuo como avaliadora
e quando concluo um processo avaliativo deixo claro às famílias que,
independentemente do diagnóstico que eu, juntamente com uma equipe
multidisciplinar, daremos sobre seu filho, ele sempre será seu filho e
nós já o amamos como ele é, independente de diagnóstico.
A minha questão central em um processo avaliativo é: “O que
ainda podemos melhorar?” “Como podemos fazer para que o desen-
volvimento desta criança, adolescente ou adulto venha a ocorrer de
forma eficaz, mas palpável?”. “E, por que não dizer que o desen-
volvimento deverá ser de uma forma que facilite a vida de todos ao

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O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

redor do diagnosticado?”
Cada um compõe uma história de vida diferente, um tempo de
desenvolvimento diferente e é onde nos deparamos com a beleza da
vida. Nem todos se desenvolvem e se desenvolveram ao mesmo tempo,
portanto, o respeito a cada um é imenso, a cada vida damos um ar de
magia única, inigualável e inexplicável.
Quando me pergunto o que esperamos da vida e da vida dos
nossos herdeiros, esperamos que acima de tudo sejamos felizes! “O
que é preciso para alcançar a tal felicidade?” A felicidade do filho
inclui a alegria dos pais, portanto o melhor é caminharmos na direção
escolhida.
Para iniciar esse momento em conjunto, divido com vocês a letra
desta música, que nos explicita um pouco do que estamos abordando.

Pra ser feliz - Daniel


https://www.youtube.com/watch?v=P-F90uraZ0I

Às vezes é mais fácil reclamar da sorte


Do que na adversidade ser mais forte
Querer subir sem batalhar
Pedir carinho sem se dar
Sem olhar do lado

Já imaginou de onde vem


A luz de um cego
Já cogitou descer
De cima do seu ego
Tem tanta gente por aí
Na exclusão e ainda sorri
Tenho me perguntado

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Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

Pra ser feliz


Do que o ser humano necessita?
O que é que faz a vida ser bonita?
A resposta, onde é que está escrita?

Pra ser feliz


O quanto de dinheiro eu preciso
Como é que se conquista o paraíso
Quanto custa
Pro verdadeiro sorriso
Brotar do coração

Talvez a chave seja a simplicidade


Talvez prestar mais atenção na realidade
Por que não ver como lição
O exemplo de superação
De tantas pessoas

O tudo às vezes se confunde com o nada


No sobe e desce da misteriosa escada
E não tem como calcular
Não é possível planejar
Não é estratégico

Pra ser feliz


Do que é o ser humano necessita?
O que é que faz a vida ser bonita?
A resposta, onde é que está escrita?

Pra ser feliz


O quanto de dinheiro eu preciso

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O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

Como é que se conquista o paraíso


Quanto custa pro verdadeiro sorriso
Brotar do coração

Para finalizar, o que me move de forma muito instigadora é: TO-


DOS SOMOS CAPAZES!
Bem-vindo a este livro!

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Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

Um diálogo e um olhar diferenciado


da família e dos professores
visando o desenvolvimento e a
aprendizagem

S omos todos seres em evolução, nada fica estagnado, tudo se de-


senvolve. Desenvolvimento este que podemos deixar em evidência
acontecendo por meio da mediação do outro, ou seja, dos pais, dos
colegas da escola e de todos que nos cercam.
No livro “X Frágil e Inclusão Escolar: A Inclusão Escolar dos
Alunos com Síndrome do X Frágil nos anos iniciais de escolaridade –
na perspectiva dos pais e professores em Portugal e no Brasil” – que é
de minha autoria, na página 57, eu esclareço que é necessário valorizar
o processo de mediação.
Entender que a educação exerce um importante
papel no desenvolvimento dos indivíduos implica
reconhecer que, pela sua mediação, o homem cons-
titui-se a si mesmo no decorrer de sua existência
social, produzindo experiências individuais e agre-
gando as contribuições das experiências de outros
indivíduos, no sentido de recriar as condições de
vida da comunidade. Haddad, (2019, p 57).

Costumo sempre fazer a referência em minhas palestras que somos


como as bonecas russas, as matrioskas. Estamos em evolução. Para
nos tornarmos a maior delas, temos dentro de nós mesmas inúmeras

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O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

outras menores que compõem o todo. Já fui menor para ser maior no
que se refere a desenvolvimento.

Preciso mencionar que a escola e a família têm papel importante e


devem ser consideradas parceiras no desenvolvimento dos alunos, pois
a inclusão não ocorre apenas nos espaços escolares e sim na sociedade
de forma geral. Haddad (2019, p 145).
Quando pensamos na nossa vida em sociedade, temos que admitir
que o outro é fundamental para o nosso desenvolvimento, é com quem
aprendemos diariamente.
Eu e você não nascemos prontos, estamos neste mundo para apren-
der nas coisas positivas e nas coisas negativas. Onde viver é aprender.
O desenvolvimento humano é sair da zona de conforto, é ser desafiado
em muitas situações na nossa vida.
Como pesquisadora, sempre estudei o desenvolvimento humano
e, para entender o ser humano, eu realmente preciso compreender a
essência de cada um, respeitando o que cada um tem de melhor. Inde-
pendente dos países onde eu já desenvolvi alguns trabalhos, a busca

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Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

pelo meu próprio desenvolvimento e o desenvolvimento do outro


sempre se fez presente na minha trajetória de vida. Acredito que é para
isto que aqui estamos.
Quando penso no que me constitui, consigo me reportar ao que
eu aprendo e ao que eu ensino, pois para ensinar algo é preciso antes
aprender. Nesta mesma direção, me deparo com a amorosidade. É
impossível dar amor sem ter amor e todos os depoimentos aqui trans-
bordam de uma palavra e sentimento em comum: O AMOR.
Nas histórias de vidas descritas aqui pelos colaboradores desta
obra, iremos nos deparar com a descrição da percepção dos pais e dos
professores de algumas áreas mais potencializadas ou outras áreas que
ainda precisam ser trabalhadas para chegar na superação de algumas di-
ficuldades encontradas no caminho e vivenciadas pelos filhos e alunos.
O meu trabalho é dedicado ao desenvolvimento humano, a todas
as pessoas que querem VIVER a vida que as inspira, aquilo que as
apaixona, a viver os seus sonhos, as quais sentem que, muitas vezes,
precisam tomar a decisão de mudar algo ou de transformar a sua vida
ou a do outro como um propósito maior. Vivemos os propósitos dia a
dia. Quando os propósitos estão na mesma direção é mais fácil, temos
os mesmos pensamentos e as mesmas esperanças. Temos escolhas e
prioridades, nós estamos aqui.
Para compreender um pouco mais sobre isso, partilho com vocês
a letra desta música.

Beyoncé - I Was Here - Eu Estava Aqui


https://www.youtube.com/watch?v=OIGEx2aHGdU

Quero deixar minhas pegadas sobre as areias do tempo


Saber que havia algo lá e que isso significou algo que eu deixei
como legado
Quando eu deixar este mundo, não vou deixar arrependimentos

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O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

Vou deixar algo para lembrar, então eles não vão esquecer
Eu estava aqui
Vivi, amei
Eu estava aqui
Fiz, concluí
Tudo que queria
E foi mais do que pensei que seria
Vou deixar minha marca para que todos saibam
Eu estava aqui
Quero dizer que vou viver cada dia até eu morrer
E saber que eu tinha algo na vida de alguém
Os corações que toquei serão a prova que deixo
De que fiz a diferença e este mundo vai ver
Eu estava aqui
Vivi, amei
Eu estava aqui
Fiz, concluí
Tudo que queria
E foi mais do que pensei que seria
Vou deixar minha marca para que todos saibam
Só quero que eles saibam
Que dei o meu tudo, fiz o meu melhor
Trouxe alguma felicidade a alguém
Deixei este mundo um pouco melhor simplesmente porque
Eu estava aqui.

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Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

Queremos deixar as nossas marcas, queremos ser o diferencial na


vida das pessoas e tenho a certeza de que ao partilhar suas histórias de
vida, as famílias e os professores também estão deixando o seu legado.
O meu trabalho é voltado à inclusão, portanto espero que ninguém
fique de fora, que façamos tudo para que os direitos humanos estejam
cada vez mais próximos de todos nós. Não existe inclusão fora de nós
e este é o primeiro passo para incluirmos!
Os depoimentos a seguir, fornecidos pelos colaboradores, sendo
estes pais e professores, vão impressionar vocês e também nos emo-
cionar ao percebermos o desenvolvimento de cada um no dia a dia.
O nosso maior desejo é difundir e socializar que o trabalho desen-
volvido pelas famílias e pelos professores pode fazer a diferença na
vida de seus filhos e de seus alunos. Quando encontramos o diálogo,
a empatia e a boa-vontade, eles permanecem presentes nos cotidianos
familiares e escolares.

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O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

Metodologia desta obra

E ste estudo tem como objetivo geral descrever o desenvolvimento


das crianças e adolescentes e também divulgar o trabalho realizado
pelas famílias e pelos professores sobre boas práticas que realizaram
com vistas à inclusão e aos aspectos considerados mais significativos
para o desenvolvimento dos seus filhos e alunos.
Como esta obra envolve a participação de pessoas, todas ao serem
convidadas para darem os seus depoimentos aceitaram o convite e
autorizaram a publicação, por considerarmos os princípios éticos men-
cionados por Lessard-Hébert et al. (1990), informando os pesquisados
sobre os objetivos da investigação a ser desenvolvida, protegendo-os
sobre a confidencialidade.
Nesta investigação foi utilizada a metodologia qualitativa na
perspectiva interpretativa, com uso da técnica de análise de conteúdos,
com entrevistas semiestruturadas, contendo questões específicas para
pais, professores e também depoimentos livres.
Iniciou-se o primeiro contato com os sujeitos desta investigação
em 2014/2015, através de entrevistas semiestruturadas baseadas em
questões sobre dados de identificação, escolarização e processo de
inclusão.
Vamos encontrar nesta obra depoimentos que foram escritos pelos

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Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

colaboradores com a descrição dos relatos dos pais e dos professores e


também a transcrição das entrevistas realizadas por mim em 2014/2015,
para a minha pesquisa de doutorado. A parte complementar, de 2020,
nos dados, de forma mais atualizada, nos foi enviada para uma melhor
compreensão e acompanhamento por parte do leitor sobre o desenvol-
vimento das crianças e dos adolescentes em um tempo de cinco anos.
Além destas entrevistas, no ano de 2020, alargamos a investigação
e recorremos também a outros casos de atendimentos. Muitos deles por
considerar como boas práticas o que os pais e professores desenvolvem
em diversas partes do mundo. Eles puderam dar os seus depoimentos
de forma livre, relatando sobre as questões consideradas mais signifi-
cativas em relação ao desenvolvimento de seus filhos.

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O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

Histórias de vida: um belo exemplo


de mediação e interação entre pais
e filhos, resultando no processo de
aprendizagem e desenvolvimento
pessoal

E stamos sempre interagindo e aprendendo uns com os outros, é um


processo de mediação muito constante em nossas vidas. Iremos
agora nos deparar com histórias de vida onde o amor, o companheirismo
e a presença da família fazem toda a diferença.
Muitos depoimentos aqui encontrados mostram a afetividade em
primeiro lugar e demonstram que as perspectivas de sucesso estão
baseadas neste fator.
A partir de agora teremos os depoimentos dos pais e professores
descritos por eles mesmos sobre seus filhos e alunos.
O depoimento a seguir é da presidente da Associação Portuguesa
da Síndrome do X Frágil, a qual tive a honra de convidar para prefa-
ciar o meu livro sobre a SXF e também a acompanhar as famílias em
um trabalho desenvolvido em 2015, em Portugal. Parrinha (2019) nos
esclarece que,
Nunca me canso de recordar o que Madre
Teresa de Calcutá respondeu, quando a questiona-
ram, que o seu trabalho era uma gota de água no
oceano, ao que ela respondeu que o oceano é feito
de gotas de água. Por isso, em nome das famílias
portuguesas X Frágil, o nosso muito obrigado

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Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

Monaliza por ter deixado cair no oceano, que é


a deficiência intelectual, a sua primeira “gota de
água” sobre a problemática da INCLUSÃO escolar
nos nossos dois países.

BEM HAJA
Maria Manuel Parrinha
Presidente da Associação Portuguesa da Síndrome do X Frágil

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O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

Reflexões sobre a
Deficiência Intelectual – DI
Maria Manuel Parrinha

Maria Manuel Parrinha


Presidente da Associação Portuguesa da Síndrome do X Frágil
geral@apsxf.org

“Tenho um filho, Francisco, que atualmente, tem 20 anos, é


portador da doença da Síndrome do X Frágil e foi diagnosticado aos
três anos de idade. Embora ele tenha um bom entendimento do que se
passa à sua volta, ele não fala, o que faz com que o grau de deficiência
intelectual dele seja grave.
Controla os esfíncteres desde os sete anos, come, veste-se e despe-
se sozinho, é bastante autónomo. No entanto, esta autonomia levou
anos a ser conquistada e muitas vezes com regressões, provocando em
nós, cuidadores, um sentimento de frustração.
Este caminhar, ao longo destes 17 anos, é um caminhar igual
ou parecido a milhares ou até milhões de pais com filhos deficientes
intelectuais, por isso decidi não deixar o meu testemunho, enquanto
mãe e cuidadora do Francisco, mas sim partilhar convosco algumas
reflexões sobre “Como ser pai ou mãe de uma criança, jovem ou adulto
deficiente intelectual”.

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Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

“Estas reflexões nasceram da necessidade


de ajudar outros pais que procuram a
Associação Portuguesa da Síndrome do X
Frágil, APSXF”
Maria Manuel Parrinha

“Estas reflexões nasceram da necessidade de ajudar outros pais


que procuram a Associação Portuguesa da Síndrome do X Frágil, AP-
SXF, da qual eu faço parte dos Órgãos Sociais. Pois ser pai ou mãe é
uma profissão dificílima e mais difícil ainda é ser pai ou mãe de uma
pessoa com uma deficiência.
Desde o dia em que nos é dado o diagnóstico do nosso filho e ao
longo do seu desenvolvimento muitos de nós sentimo-nos perdidos,
questionando-nos se o que estamos a fazer é o correto ou se é o melhor
para eles. Daí a importância de cada um partilhar as suas experiências
com o objetivo de tornar o nosso dia a dia mais facilitado.
Assim sendo, aqui vão algumas reflexões sobre os nossos filhos
com Necessidades Especiais – NE, sobre nós cuidadores e portadores
da SXF, sobre a família, sobre a sexualidade na deficiência intelec-
tual grave, sobre os profissionais de saúde e de educação e sobre a
sociedade em geral:

Família
Quando recebemos o diagnóstico do nosso filho, seja qual for a

deficiência, o casal deve fazer o “luto”, unindo-se ainda mais e
não culpando-se um ao outro.
O “timing” do homem é diferente do da mulher, normalmente o pai

precisa de mais tempo para aceitar a diferença do seu filho. É bom

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O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

procurar-se ajuda de um psicólogo ou fazer-se uma terapia de casal.


Nesta fase do luto é muito importante ter-se o apoio da família e

dos amigos, não só para ouvirem e confortarem os pais, mas para
ficarem de quando em vez com a criança para os pais poderem
ter um tempo só para eles.
Depois de se ter o diagnóstico de deficiência de um filho, não

nos podemos esquecer dos irmãos mais velhos, caso eles existam,
porque estes vão precisar muito do pai e da mãe, eles também
têm de fazer o seu “luto”. Tente explicar-lhes de uma maneira
muito simples e sem dramas o problema do irmão, pois eles terão
de explicar aos amigos e aos colegas o que se passa com o seu
irmão mais novo. Enquanto para nós pais, um filho deficiente é
especial, para os irmãos não há irmãos especiais, esse sentimento
só aparece muito mais tarde. Daí a importância de educarmos
todos os nossos filhos do mesmo modo.

Intervenção precoce e terapias


Uma intervenção precoce é fundamental para um bom desenvolvi-

mento do bebé ou da criança, pois com a chegada da adolescência
tudo se torna mais difícil, pois há uma mudança de comportamento
dos nossos filhos.
 É fundamental a Terapia Ocupacional para “reprogramar” o
bebé ou a criança. Para o terapeuta não é relevante a deficiência
A, B ou C, ele só precisa de saber o que é que não funciona, o
que é que aquela criança não consegue realizar ou quais são os
seus medos. Assim, o TO através de brincadeiras e com a ajuda
de brinquedos irá ensinar a criança a realizar determinada tarefa
e a ultrapassar os seus medos;
Sempre que possível a criança, ao longo do seu desenvolvimento,

deve ter apoio de outras terapias, como a Terapia da Fala, Mu-
sicoterapia (bateria), Hipoterapia, Natação e/ou Vela Adaptada

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Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

e/ou Surf Adaptado.


Quantos mais estímulos melhor para o desenvolvimento da crian-

ça. Não esquecer que tem de haver um trabalho de equipa entre
os terapeutas, a escola e os pais.
O que se faz nas terapias e na escola deve ser continuado em

casa, todos têm de remar na mesma direção, daí a importância
de os pais assistirem às terapias e de se reunirem frequentemente
todos os intervenientes do processo de aprendizagem da criança.
Sem este trabalho de equipa todo o trabalho realizado com a

criança fica comprometido. É de salientar a importância da re-
lação do terapeuta com os pais da criança.
O terapeuta tem várias funções, tais como, trabalhar a criança,

saber ouvir, ajudar e aconselhar os pais na educação do seu filho
e ser a ligação entre a escola e os pais;

Escola e a sua função


A principal função da escola, através da inclusão, é de sociali-

zação, o saber esperar, o saber partilhar, o saber ouvir, o saber
conviver e, principalmente, o imitar a “normalidade”.
Grande parte do corpo docente, não docente e discente não en-

tende o que é a Inclusão. Por isso, cabe aos pais das crianças ou
jovens especiais sensibilizarem a escola, organizando palestras
ou mesmo sessões de esclarecimento.
Caso não haja nenhum profissional de saúde que queira participar,

o próprio pai ou mãe, ou ambos, expliquem à comunidade escolar
o comportamento do vosso filho.
Não é fácil, por vezes, conseguir-se o consentimento da direção

da escola, porque, infelizmente, estamos dependentes, não de um
decreto-lei, mas da equipa que encontramos numa escola;
Muitos pais têm muito medo das mudanças de ciclo dos seus

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O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

filhos, da passagem da pré-primária para a primária e depois


do 4º para o 5º ano. Estas mudanças, quando bem realizadas, só
os ajudam no seu crescimento, adquirindo mais competências e
mais autonomia. Pela minha experiência, eles são mais corajosos
do que nós, pais;
Ao longo do desenvolvimento dos nossos filhos com deficiência

intelectual, não devemos ter certezas relativamente às suas ca-
pacidades cognitivas, muitas vezes, achamos que eles não são
capazes de realizar determinada tarefa ou atividade, mas com
ajudas e persistência, eles não só conseguem realizá-la, como,
posteriormente, já não necessitam de acompanhamento;
A escola deveria acabar para estes jovens aos 16 anos, o secun-

dário para alguns alunos já nada lhes pode oferecer, nem socia-
lização nem aprendizagens. Com esta idade, deveriam ingressar
no mundo do trabalho, os casos de deficiência intelectual leve e
moderado, o que na grande maioria não acontece, o mesmo se
passa com os casos graves e profundos, os quais ficam em lista de
espera para frequentarem um Centro de Atividades Ocupacionais
– CAO, numa instituição;

Síndrome do X Frágil – SXF e


comorbidades
Falando sobre a Síndrome do X Frágil, SXF, gostaria de chamar

a atenção aos portadores desta síndrome, referindo, que normal-
mente, nós portadores e portadoras, muitas vezes, cuidadores e
cuidadoras, estamos focados na SXF e esquecemo-nos que tam-
bém poderemos ter ou vir a ter várias patologias associadas à
pré-mutação no gene FMR1.
Nas portadoras, as mais comuns são a insuficiência ovárica preco-

ce (FXPOI) e os transtornos emocionais-psicológicos: depressão,
ansiedade e irritabilidade.

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Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

É muito importante estarmos atentos ao comportamento do nos-



so progenitor, pois com o avançar dos anos podem desenvolver
alguma demência ou vir a sofrer da Síndrome Tremor/Ataxia.

Sexualidade na Deficiência
Intelectual – DI
Gostaria de falar um pouco sobre a sexualidade dos jovens com

deficiência intelectual. Não é fácil encontrar algum profissional
de saúde que tenha formação na sexualidade na deficiência inte-
lectual e cujo grau de deficiência seja grave.
O que fazer com a chegada da adolescência?

Reprimir através de medicação ou iniciar, com o jovem, uma

aprendizagem de noção de privacidade que pode levar anos a
ser interiorizada?
No caso dos jovens, cujo grau de deficiência é leve ou modera-

da, umas sessões de educação sexual têm tido bons resultados,
como eles já têm a noção de privacidade, sabem quando e onde
se podem se tocar.
Nos outros casos, graves e profundos, na minha opinião, o melhor,

mas o mais trabalhoso é trabalhar com eles a noção de privaci-
dade. Como referi, a interiorização da noção de privacidade leva
anos, tem avanços e recuos, e a escola e a sociedade não sabem
como lidar com estas situações.
O problema da sexualidade está relacionado com o saber contro-

lar o desejo sexual, quando pode e onde posso fazê-lo, não numa
casa de banho pública, na escola, em casa de alguém, mas sim
no meu quarto e com a porta fechada.
Os pais, os irmãos e os familiares também têm de saber respeitar

a privacidade do seu filho/irmão.

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O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

Sociedade
Leve o seu filho para todo o lado, ao supermercado, ao cabelei-

reiro, ao centro comercial, ao cinema, a um espetáculo musical,
à praia, a um café, à piscina, se possível viaje de avião com ele.
É natural que, inicialmente, comece a chorar, mas se o for levando

regularmente, ele irá habituar-se, por exemplo, ao barulho das
palmas num espetáculo ou numa festa de anos.
Habitue desde pequeno às mudanças, eles precisam de rotinas,

mas têm de saber lidar com os imprevistos, e principalmente eles
têm de saber viver em sociedade.
Explique aos outros o comportamento do seu filho, distribuindo

pequenos cartões, onde explica a deficiência dele/dela. Vai ver
que irá ter boas surpresas com a reação das outras pessoas”.

Maria Manuel Parrinha nos descortina vários aspectos voltados


à ordem social, cultural, política e familiar, ou seja, em sua escrita
prioriza uma visão geral diante da Necessidade Educativa Especial,
até aspectos referentes ao cotidiano e ao desenvolvimento da família
como suporte. Posso afirmar que está sempre pensando e desenvolvendo
ações no coletivo em nome da Associação Portuguesa da Síndrome do
X Frágil para pais e profissionais.

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Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

Pais: uma descrição de


desenvolvimento dos seus filhos,
valorizando todos os aspectos
trabalhados em busca de melhores
resultados!

T eremos agora alguns depoimentos de pais de vários países, porém


todos sempre em busca de melhores resultados para o desenvol-
vimento de seus filhos. Nos relatos a seguir, os pais irão nos contar
sobre as experiências vividas, como foi o diagnóstico, o processo de
inclusão, terapias fundamentais e o que, na opinião deles, mudou em
suas vidas com a chegada de seus filhos.

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O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

“A todos os pais e pessoas


envolvidas com o TEA, escolham,
em algum momento, atravessar
essa ponte, com coragem e
esperança”
Frank Valentin

Paris - França,

2020
Frank Valentin
frankrfvalentin@gmail.com

“Se eu pudesse resumir em uma palavra o que mais me motiva


hoje a escrever este texto, seria a ‘compaixão’ por vocês que lidam
diariamente com um autista. A lição de ouro que aprendi após a im-
plementação de várias técnicas e tratamentos, é a conexão. A conexão
com um autista faz ele sair de seu mundo e entrar no nosso. Mesmo
que por alguns segundos todos somos capazes de nos conectar com
um autista e, com o passar do tempo, os segundos se transformarão
em largos minutos de cumplicidade.
Admito que, após o convite feito pela Monaliza Haddad, fiquei
por dias pensando como eu poderia tentar transmitir, pela primeira
vez, de forma sucinta e direta, parte de minha experiência como pai
de um autista. Eu descobri um mundo novo, de uma forma não super-
ficial, foi uma opção, já que eu tinha fome de conhecimento. Dentro
deste novo mundo, eu precisei buscar caminhos para que eu pudesse
tentar entender e, principalmente, me reencontrar com meu filho único,

32
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

Arthur, hoje com seis anos de idade e diagnosticado com Transtorno


do Espectro do Autismo – TEA desde seus 18 meses, em meados do
ano de 2015.
Nossa caminhada em busca do conhecimento começou, logo após
o diagnóstico do Arthur. Nós, eu e minha esposa, não demoramos a
aceitar o fato de que nossas vidas iriam mudar completamente.
De imediato fomos apresentados a terapias comportamentais,
ortofonistas, psicólogos e centros especializados. Os especialistas
não nos davam muitas esperanças de melhoria e, nesse cenário, sem
esperar mais tempo, dêmos início a todos os procedimentos que nos
tinham sidos apresentados, como possíveis formas de se “formatar” o
Arthur no que diz respeito a seu comportamento. Nenhum profissional
nos ensinava a ter um relacionamento com o Arthur.
Devo admitir que a abordagem comportamental para o TEA não
encontrava em mim uma aceitação natural. Faltava algo. Algo me
dizia que deveria existir, em algum lugar, em algum momento, um ou
mais caminhos diferentes a seguir para melhor ajudar meu filho e,
principalmente, que me permitisse melhor entendê-lo.
Poucos meses se passaram e, logo, uma nova etapa de nossas vidas
se iniciava agora em outro país, longe do Brasil. Tudo novo. Novas
perspectivas e, principalmente, novos e enormes desafios.
Aprendemos muito rapidamente que esperar algo acontecer
simplesmente não era uma opção para ajudar nosso filho e que tudo
dependeria de nossas ações proativas como pais (pesquisas, estudos,
buscas, etc.), como paciência e perseverança, muita perseverança!
Estando assim em outro país, Arthur, com pouco mais de dois
anos e meio, não verbal, com muitos distúrbios de sono e estereotipias,
nós conhecemos uma nova abordagem psicoterapêutica com foco no
processo de desenvolvimento humano e não só no seu comportamento.
Esta nova abordagem se baseia em identificar possíveis deficiências
ocorridas em seu processo de desenvolvimento natural e transformá
-las – em busca de uma reconstrução.

33
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

Essa abordagem nos permitiu, rapidamente, perceber diversas


novas maneiras de nos comunicarmos com ele. Percebemos o enorme
benefício de se enxergar o autismo como uma condição na qual, para
se proteger, nosso filho decidira criar seu próprio mundo. Então,
identificamos que seria demasiada pretensão nossa tentar, de todos
os modos, forçá-lo a entrar no mundo dito “normal”. Precisávamos
encantá-lo para só depois convencê-lo de que sair do seu próprio
mundo seria bacana, uma opção.
Nesse momento entendemos que existia, metaforicamente, um
rio entre o Arthur e nós. Essa condição nos separava, contudo,
poderíamos construir uma ponte que juntariam as margens desses
mundos distintos.
Aprendemos que essa ponte pode ser cruzada por todos aqueles
que sinceramente buscam um relacionamento com um autista, par-
ticipando de todas as especificidades de seu mundo, sem forçá-lo
a nada. Essa revelação nos transformou profundamente como pais
para, somente então, transformar o Arthur.
Nós construímos uma relação de confiança, de troca, de humilda-
de e de entrega. No momento em que nos encontramos com o Arthur
em seu próprio mundo, ou seja, atravessamos a ponte, passamos a
entendê-lo, a encantá-lo. Nos valemos de técnicas psicoterapêuti-
cas adquiridas e só depois passamos a apresentar o nosso próprio
mundo a ele. Arthur passou, então, a nos entender melhor e aceitar
e participar do nosso mundo, do qual ele não fazia parte ainda, sem
sofrimento.
A nossa mente se abria enormemente a buscar novas iniciativas
para continuar ajudando o Arthur, sempre com o objetivo de fazê-lo
progredir, respeitando o seu ritmo e os seus limites. Nos enveredamos
então por estudos nas áreas biomédicas, de nutrição e da naturopa-
tia que pudessem nos ajudar a encontrar outras opções paralelas à
iniciativa psicoterapêutica já existente.
Essa nova busca então nos permitiu explorar uma área que rapi-
damente se transformaria em um enorme e novo divisor de águas na

34
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

vida de nosso filho. Entendemos novos conceitos, suas consequências


e traçamos ações em torno de tópicos como interdependência cére-
bro-sistema digestivo, síndrome do intestino irritado, disfunções do
sistema imunológico (infecções frias), intoxicação por metais pesados
e alimentar (intolerâncias), perturbadores endocrinianos, balancea-
mento dos hemisférios do cérebro (esquerdo e direito), suplementos
alimentares, regime sem glúten/caseína/soja, dentre outros.
Hoje acreditamos que todas essas ações conjuntas, derivadas de
diferentes iniciativas tomadas em diversos momentos permitiram, ao
Arthur, continuar progredindo com uma melhor saúde física e mental,
e isso fez, e continua fazendo, toda a diferença.
O progresso do Arthur se tornou evidente quando, aos três anos,
ele começou a dormir normalmente (sem acordar à noite), passou a
melhor se expressar verbalmente com uma boa dicção, abandonou
o uso de fralda e foi aceito na escola maternal (sendo auxiliado por
uma pessoa em sala de aula). O Arthur igualmente aprendeu sozi-
nho a ler e a escrever quando tinha somente três anos e meio e a se
interessar por outros idiomas. Ele passou a se interessar inclusive
por música e a tocar piano.
Hoje, com seis anos, o Arthur finaliza o período escolar ma-
ternal para então entrar no ciclo elementar. Ele se interessa por
alguns assuntos mais específicos como idiomas, planetas e, mesmo
com a necessidade de ser auxiliado em classe, demostra prazer em
estar na escola e com seus colegas. Ele é capaz hoje de brincar de
corrida com seus colegas de classe, antes uma atitude impensável,
pois ele chorava de medo, na hora do recreio. Apesar de um quadro
de hipersensibilidade auditiva e a permanência de algumas estereo-
tipias – bem características do autismo – ele é uma criança muito
tranquila e que raramente fica doente.
Por fim, o Arthur, sem saber, nos transformou como pais; como
seres humanos; ele nos fez descobrir novas possibilidades, abrindo
portas para novos conhecimentos e novas perspectivas de sermos
felizes, mesmo com algumas adversidades. Desejamos, assim, que

35
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

todos os pais e pessoas envolvidas com o TEA escolham, em algum


momento, atravessar essa ponte, com coragem e esperança. Faça
com que este momento seja especial para você, que seja um momento
de celebração.
Concluo com a frase de São Francisco de Assis.

"Senhor, dai-me força para mudar o que pode ser mudado...


Resignação para aceitar o que não pode ser mudado...
E sabedoria para distinguir uma coisa da outra".
São Francisco de Assis

36
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

“Um pouquinho sobre um anjo em


minha vida”
Sulimar Beloto

Curitiba – Brasil, 2020


Sulimar Beloto
sulimar.beloto71@hotmail.com

“Tudo começou com uma gravidez que não estava planejada,


afinal eu já tinha quarenta anos e uma filha de quatorze. Mas acredito
que estava nos planos de Deus porque ele tinha um propósito muito
maior em minha vida e eu vou contar um pouquinho sobre esse anjo
em minha vida.
Minha gravidez foi interrompida com vinte e quatro semanas
porque sou hipertensa e tive pré-eclâmpsia. A Manuela veio ao mundo
pesando 790 gramas e medindo 33 cm.
Assim que a Manuela nasceu, pude vê-la somente alguns segundos
porque ela tinha que ir direto para a Unidade de Tratamento Intensivo –
U.T.I. Neonatal da Maternidade Santa Brígida e lá ela ficou por noventa
dias, e posso dizer que foram os dias mais longos da minha vida.
Um dos momentos mais doloridos foi quando eu tive alta e a
Manu não pode ir embora comigo. Fui para casa faltando um pedaço
de mim, e ainda me questionando: Se ela sentisse a minha falta? Se
ela achasse que eu a estivesse abandonando?
No dia 20 de julho de 2011 ela teve alta e mesmo estando muito

37
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

feliz com isso o medo tomou conta de mim, fiquei insegura, afinal ela
era prematura e pequena demais, frágil demais e eu não tinha ideia
por onde começar.
A Manuela teve paralisia cerebral e as sequelas foram poucas em
vista da gravidade da situação e ali, mais uma vez, Deus estava agindo,
assim como em todos os pequenos milagres da vida. O cognitivo dela é
perfeito, mas as sequelas foram nos membros inferiores, fazendo com
que ela não consiga ficar em pé sozinha e muito menos andar.
Durante um ano a Ma-
nuela fez tratamento no Hos-
pital Ana Carolina Moura
Xavier, pelo Sistema Único
de Saúde – SUS, onde tinha
direito a vários tratamentos.
Nesse tempo eu fiz amizade
com mais duas mães que tam-
bém tinham filhos especiais e
isso foi muito importante para
mim e acredito que para elas
também, porque juntas nós
éramos mais fortes. Compar-
tilhávamos nossas alegrias e
sofrimentos assim como expe-
riências, informações, receitas
também, afinal tínhamos tem-
po de sobra. Isso fazia com que aceitássemos da melhor maneira possível
que não somos as únicas e não estávamos sozinhas.
Para ser mãe, não se vem com manual de instruções e, depois de
um ano, a Manu e todas as crianças que começaram o tratamento juntas
tiveram alta, sem ao menos terminarem o tratamento, mas o sistema
libera para dar lugar para outras crianças que também precisam.
“Meu Deus”, eu pensei. “E agora?” Eles não me encaminharam
e nem me orientaram para lugar nenhum.

38
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

Em 2010 as escolas públicas e estaduais estabeleceram que


crianças com quatro e seis anos deveriam ser matriculadas na
Educação Infantil e Ensino Fundamental. A Manuela faria quatro
anos e nunca tinha entrado em escola nenhuma e era especial. Eu
não sabia se a matriculava em escola para crianças especiais ou em
escola normal.
Tomei fôlego, respirei fundo e corri atrás de informações que me
ajudassem nesse sentido, afinal existia a Inclusão Social. Em uma
pré-escola que eu procurei a diretora, ela disse que eles não estavam
prontos para a inclusão. Saí de lá e chorei sim porque o interesse deles
por matricularem a minha filha foi zero e quanto à inclusão eles já
deveriam estar prontos para isso.
Na segunda pré-escola a Manu foi recebida de braços abertos e a
diretora pediu que fôssemos conhecê-los para ver se a escola atendia
às necessidades dela. E ali começou um novo mundo para ela, onde
ela se adaptou às crianças e as crianças a ela. Existiu sim o medinho
de não estar por perto por qualquer coisa que acontecesse, mas eu
precisava deixar a Manu se virar, se frustrar se isso fosse necessário
porque isso faz parte da Manuela e se não ensinarmos nossos filhos
ele se tornarão adultos inseguros e imaturos.
Eu e a diretora entramos em comum acordo de que seria melhor se
ela repetisse mais um ano para que quando entrasse no Ensino Funda-
mental, já entraria mais forte. E foi a melhor coisa que fiz porque vejo
muitas reclamações de mães de que seus filhos não aprenderam nada.
Posso dizer que minha filha já sofreu algum preconceito na escola
e ficamos abalados sim, não tem como não ficar, mas conseguimos
resolver isso da melhor maneira. Conversei com as mães dos seus
amiguinhos da sala de aula e pedi para que conversassem com seus
filhos e explicassem a situação e que eles não tinham a mínima ideia
do que a Manu já tinha passado para chegar até ali.
E deu muito certo porque somos nós os pais que temos que educar
e ensinar nossos filhos e respeitarem as diferenças. Seus amiguinhos
ficaram mais próximos e mais solidários.

39
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

Sempre procurei ter uma boa relação com todas as pessoas que
acabavam fazendo parte do dia a dia dela, porque assim a Manu se
sente muito mais segura.
A família foi essencial em tudo, sozinha não conseguimos nada,
devemos ser humildes e acei-
tar ajuda sempre que precisar.
A vida é assim sempre preci-
samos uns dos outros.
Mas a cumplicidade en-
tre você e seu filho é essencial,
hoje posso afirmar que somos
muito amigas e parceiras,
adoro brincar com ela de tudo
e ela adora me ajudar nos
deveres de casa porque torna-
mos isso uma coisa gostosa e
agradável de fazermos juntas.
A Manuela é uma
criança inteligente, extrema-
mente amorosa, solidária, sensível,
guerreira, alegre e feliz.
Porque nossos filhos têm ca-
pacidade de serem o que quiserem,
só precisamos dar poder a eles e
confiar!”

40
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

“Para mim, a cada etapa que


vamos avançando, e superando
os obstáculos, junto com as
conquistas inicia-se uma nova
etapa, e com ela novos obstáculos”
Katia Kichiro de Aquino

Santo Antônio da Platina – Brasil, 2020


Katia Kichiro de Aquino
katia.kichiro@gmail.com
“Sou mãe de um menino, hoje com treze anos. Recebi o diag-
nóstico quando ainda era bebê, com um ano e meio, mais ou menos.
Assim como a maioria das famílias, o que me despertou a atenção foi
o atraso na linguagem, iniciei uma busca por resposta, até que recebi
o diagnostico de autismo – TEA.
Acredito que sempre que falamos sobre momentos difíceis para
uma família que recebe um diagnóstico, seja ele qual for, é quase
impossível pontuar apenas como o mais difícil. Para mim, a cada
etapa que vamos avançando, e superando os obstáculos, junto com
as conquistas inicia-se uma nova etapa, e com ela novos obstáculos.
Embora ele tivesse um desenvolvimento motor acelerado, no
meu ponto de vista, eu não conseguia ver esse desenvolvimento com
tranquilidade, outras características também chamavam a atenção
como: insensibilidade para dor, atirar objetos, tinha muito interesse
por luzes coloridas e objetos que giravam.

41
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

Era um menino tranquilo, não me dava um pingo de trabalho,


muito sorridente. Havia outras características que já davam sinais do
autismo, mas confesso que por falta de conhecimento, não fui capaz
de fazer relação com o autismo. Características tais como: birra cons-
tante, falta da noção de perigo, muitas vezes nos usava como objetos
para alcançar ou conseguir o que desejava.
Assim que comecei a buscar uma orientação sobre o que poderia
estar acontecendo, fui aconselhada a colocá-lo em uma escola, pois
ele precisava se socializar com outras crianças e sentir a necessida-
de de falar, pois em casa não havia essa necessidade, devido a uma
rotina que havia elaborado, com horários pré-estabelecidos, ele não
sentia necessidade de pedir, pois nos horários estipulados ele receberia
tudo que precisava. Então, Juan começou a frequentar uma escola de
crianças brasileira, uma vez que nesse período morávamos no Japão
e ele tinha nessa época dez meses.
Quando questionava as professoras sobre seu comportamento,
a resposta era que não dava trabalho, brincava com outras crianças
por alguns momentos, depois saía e brincava sozinho, deitava-se no
chão e ficava por lá um bom tempo, apenas com um carrinho. Ele era
capaz de ficar uma grande parte do tempo assim, parecia apreciar
cada detalhe do objeto que escolhia.
Nesse tempo, começamos a fazer os testes e, enfim, o diagnóstico.
Ao receber o diagnostico, confesso que fiquei sem chão, por mais que
no fundo sempre houve a desconfiança de que havia algo diferente,
você receber um nome para esse algo, é uma sensação horrível.
Leio muito sobre o período do luto pós-diagnóstico, e posso ga-
rantir que realmente existe e não há como descrever a dor, o medo.
Passei três dias apenas chorando. Olhava para o Juan e chorava, me
sentia completamente perdida. Até que você reúne seus cacos, e os
transformava em motivação e começa a buscar orientação, eu queria
aprender tudo sobre o autismo. Aí, você entende que por mais que você
leia, nunca será o suficiente, porque há muita coisa para se ler, mas
nenhuma delas vai lhe ensinar, lhe dar uma receita de como lidar com

42
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

isso e ajudar seu filho. Pois cada um é cada um, e às vezes a realidade
que foi descrita ali, pode não servir de base para a sua.
Passados quase dois anos, eu não via muito resultado nas inter-
venções, e também não conseguia entrar na mesma linha de raciocínio
do médico que nos atendia no Japão. Decidi que seria melhor voltar
para o Brasil, para que pudesse fazer as intervenções necessárias aqui,
e também para trazê-lo mais perto da família. Família, esse é um as-
sunto complicado, por falta de conhecimento nem sempre nos ajudam.
Nessa época ele já estava com três anos, e ainda não conhecia
os familiares. Chegando ao Brasil optei por matriculá-lo na educa-
ção especial, pois acreditava que pela estrutura, número de alunos,
formação dos profissionais envolvidos e por ter uma equipe técnica
trabalhando junto e orientando a equipe pedagógica, os resultados
seriam maiores e melhores que no ensino regular.
No início foi tudo ótimo. Juan tinha psicoterapia, fonoterapia e
terapia ocupacional; os técnicos trabalhavam de maneira integrada e
algumas sessões aconteciam dentro da sala de aula. Fora da instituição
escolar ele tinha um acompanhamento com neuropediatra e passou a
fazer uso de medicação. Os resultados foram excelentes, Juan ficou
mais calmo, e com isso parecia que conseguia se concentrar melhor
nas atividades. Nas intervenções nesse período, que foi dos três aos
cinco anos de idade, obtivemos muito sucesso em todas as áreas.
Prestes a iniciar a fase de alfabetização, fiquei com muita dúvida
quanto ao melhor caminho a seguir: mantê-lo no ensino especial ou
levá-lo para o ensino regular? Eu achava que deveria levá-lo para
o ensino regular, mas, depois de muito pensar acabei decidindo por
mantê-lo na mesma escola, afinal, ele já tinha avançado muito, e não
se mexe em time que está ganhando, certo?
Errado, se tem uma dica que dou para todas as mães especiais
que cruzam meu caminho é: siga seu coração de mãe e seus instintos
maternos. Eles nunca falham!
Além da equipe técnica trocaram também a professora e, com

43
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

o passar dos dias, eu via as coisas se arrastando. Mais um tempo se


passou, e os progressos continuavam lentos e não contente decidi bus-
car uma terceira opinião, mas queria alguém que tivesse um grande
conhecimento dentro do TEA, para que realmente pudesse me dizer o
que estava acontecendo com meu filho, se realmente ele tinha tantas
dificuldades ou estavam explorando pouco a capacidade cognitiva dele.
Por acaso do destino, nessa mesma semana, meu marido encontrou
uma prima que trabalhava com avaliações e que nos orientou a trocar
o Juan de colégio, para incluí-lo no Ensino Regular.
Tivemos tentativas frustradas de matrícula em escolas diferentes,
me frustrei completamente. Assim que dizia a palavra autismo e in-
clusão, passamos a ouvir o que mais pareciam desculpas como: que
precisávamos aguardar se haveria vaga, pois havia uma lista de espera
que tinha que ser respeitada, os custos de uma monitora seriam muito
altos para nos serem repassados, etc.
Mudamos de cidade e meu filho continuou frequentando a escola
de educação especial da nova cidade. Ali as coisas estavam toman-
do um rumo diferente, vi que a atual professora do meu filho estava
puxando os conteúdos, como se tivesse realizando testes. Não quis
interferir. Apenas continuei acompanhando, até que fui chamada
para uma reunião de urgência na escola, e o assunto era a inclusão
urgente do Juan. A professora solicitou uma nova avaliação para a
equipe técnica e concluíram que ele deveria ser incluído. Foi solicitado
urgência, pois já era o ano de 2016, e o Juan já estava para fazer dez
anos. Na mesma reunião me orientaram a procurar a escola que meu
filho frequenta atualmente, pois já haviam recomendado outros casos
de inclusão a essa instituição e todos tiveram muito sucesso.
No dia e horário combinado estávamos na porta do colégio que
me foi indicado, gostei bastante da estrutura, e consegui sentir através
da conversa que realmente são apaixonadas pelo que fazem. O Juan
ficou encantado, e no meio da conversa perguntou se podia conhecer
a sala onde ia estudar e seus novos colegas.
O Juan teve sua inclusão realizada em outubro de 2016, com dez

44
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

anos, na turma do 2º ano do Ensino Fundamental. Foi um período de


muito trabalho. A escola foi muito parceira! Acreditou e quis que essa
inclusão desse certo, assim como nós, da família. Obtivemos muito suces-
so, tanto os professores como a escola nos apoiaram com os conteúdos
e materiais e ele cooperou muito para que o sucesso acontecesse.
Também decidimos junto com a escola por contratar uma moni-
tora, para que de início ajudasse o Juan em sala, pois além de con-
teúdos ele também tinha que pegar o ritmo da turma, e não poderia
ficar disperso, pois tinha muito a recuperar, então o tempo que tinha
em sala era muito valioso. Nós assumimos os custos dessa monitora.
De início ela focava cem por cento no Juan e, aos poucos, esse foco ia
diminuindo, para que a responsabilidade dele fosse aumentando. Ao
final de cada aula, a mesma enviava um relatório sobre a aula daquele
dia, e esse era o nosso termômetro, para estabelecer novos objetivos
e saber quais seriam os próximos passos. Hoje, Juan frequenta a sala
do quinto ano e está sem a monitora desde outubro do ano passado.
O sucesso da inclusão só aconteceu porque família e escola esta-
vam trabalhando juntos para alcançar os mesmos objetivos. A forma
como aconteceu, acredito hoje que se não houvesse tanto engajamento,
tinha muita chance de dar errado.
Hoje nos sentimos muito tranquilos com a instituição, vemos que
nosso filho está muito feliz, foi muito bem recebido pela turma, fez
muitos amigos e é muito querido por eles. Consigo analisar isso através
dos comentários que ele faz quando chega depois da aula, ou quando
vamos a eventos da escola e a festas de aniversários dos colegas, assim
que chegam tanto os amigos quanto os pais fazem uma festa.
Isso deixa meu coração em paz e transbordando de alegria e
gratidão, pois vejo que houve inclusão de verdade.
Juan tem um coração muito bom, e é capaz de passar por cima de
suas vontades para ceder às vontades dos outros. A maior conquista
que está tendo nos últimos anos é a capacidade de expressar suas
opiniões, e entender que discordar, questionar, argumentar e expressar
suas opiniões e respeitar a do outro faz parte do conviver com outras

45
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

pessoas, e que ter uma opinião diferente não vai fazer com que as
pessoas deixem de amá-lo.
A cada etapa que vamos avançando, encontramos novos obstácu-
los e encontramos também força para superar. Isso vem do amor que
temos por nosso filho, e também do olhar para traz e ver que já foram
tantas conquistas, tantos obstáculos superados, que jamais podemos
desanimar.
Os nossos objetivos estão no desenvolvimento da autonomia de
nosso filho, e em fazer com que ele consiga compreender as ordens, ele
ainda se atrapalha quando pedimos para fazer coisas que têm etapas
a seguir, percebo que ele não memoriza todas as informações.
Fala-se muito sobre inclusão, mas acredito que estamos longe
de ter um processo que realmente inclua nossas crianças/adultos,
independentemente de suas necessidades. Falta capacitação para os
profissionais, falta muita estrutura nas instituições e, principalmente,
falta muito comprometimento por parte de muitos profissionais en-
volvidos na educação, sendo que estes podem, sim, ser um diferencial
na vida dele.
Acredito que o principal direito de uma pessoa com Necessidades
Educativas Especiais – NEE seja estar inserido em um ambiente que
esteja pronto para recebê-lo, independente de ser setor público/pri-
vado, para educar ou trabalhar. Somado ao direito ao acesso a uma
educação de qualidade, que tenha como objetivo desenvolver o aluno
em todas as suas potencialidades e aptidões.”

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Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

“É com grande prazer que o faço


e espero que possa servir, para
uma luz, para as famílias que se
encontrem num beco sem saída”
Helena Oliveira Gonçalves Simões

Lisboa – Portugal, 2020


Helena Oliveira Gonçalves Simões
lenasimoes_9@live.com.pt

“Tenho três filhos, sendo o Sergio um jovem com vinte e um anos


com Síndrome de X Frágil, e duas gêmeas, a Marisa e a Luz, com
nove anos, sendo uma delas com uma deficiência da qual ainda não
sabemos muito. Apenas sabemos que tem atraso a nível da linguagem
e cognitivo.
Todos os meus filhos tiveram o mesmo percurso escolar. O mais
velho iniciou a creche aos quatro meses de idade, as gêmeas por terem
sido prematuras iniciaram a creche aos seis meses.
O Sérgio entrou aos seis anos no ensino regular e teve uma re-
provação no 2º ano. Esta reprovação foi por mim solicitada uma vez
que eu o achava muito imaturo e não estava integrado naquela turma
com aqueles amiguinhos, ou seja, não era bem aceito. A professora
também achou e assim fizemos. A Luz está no 3º ano e iniciou o 1º ano
em setembro a fazer os sete anos em novembro.
Com Sérgio tivemos o diagnóstico final aos dois anos e meio, a

47
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

Luz ainda estamos à espera.


O nosso impacto diante do diagnóstico foi que meu marido nun-
ca acreditou que algo não estava bem com o Sérgio e por essa razão
nunca quis saber. Fui eu que ia às consultas, exames, diagnósticos,
enfim um caminho solitário.
Esta decisão nunca foi motivo de, como mãe, desistir. Pelo contrá-
rio, deu-me força para acreditar no meu filho e ver que ele tinha muitas
capacidades, só precisava acreditar e dar nome àquilo que ele tinha.
Em relação a Luz, as coisas começaram bem, mas rapidamente
desistiu e uma vez mais tenho sido eu como mãe a lutar.
Quanto às terapias, o Sérgio desde muito cedo fez Terapia Ocu-
pacional, desde um ano de idade, em nível particular num centro de
terapias em Lisboa. Terapia da Fala desde os dois anos, na creche, e
depois aos três anos iniciou ao nível particular. Fez natação adaptada
nas piscinas do Sporting Clube desde os seis meses. A Luz tem feito
apenas Terapia da Fala com a mesma terapeuta do Sérgio desde um
ano e meio.
Ambos iniciaram a intervenção precoce aos três anos em contexto
escolar.
As características que meu filho apresenta são: atraso de lin-
guagem, movimentos repetitivos, atraso cognitivo, dificuldade em
compreender o que foi solicitado, dificuldades de atenção, deficiências
persistentes na comunicação e interação social, limitação em iniciar,
manter e entender relacionamentos, variando de dificuldades com
adaptação de comportamento para se ajustar às diversas situações
sociais, insistência nas mesmas coisas, aderência inflexível às rotinas
ou padrões ritualísticos de comportamentos verbais e não verbais,
interesses restritos que são anormais na intensidade e foco.
O Sérgio tem uma hiperatividade acentuada e toma medicação
diária desde os dois anos e meio e a Luz apenas tem dificuldade na
concentração em contexto escolar e toma medicação.
Quanto à inclusão escolar, posso afirmar que as expectativas são

48
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

sempre altas, queremos e achamos que os nossos filhos vão aprender


e ter sucesso escolar, no entanto tive sempre muita consciência das
dificuldades que teriam. Tive e tenho esperança de que um dia eles
possam aprender a ler e a escrever de uma forma autônoma. Preciso
acreditar nisso para poder continuar a ajudá-los.
Sendo eu educadora de infância, para mim era importante eles
estarem perto de mim. Esse
sempre foi o primeiro critério
válido. Quanto à necessidade
de mudança de escola, du-
rante a sua escolarização, no
caso do Sérgio sim. Iniciou
o primeiro ano numa escola,
mas depois trocou de escola
para frequentar o segundo
ano, depois no sétimo ano
voltou a trocar de escola. No
fim, ou seja, aos dezessete
anos iniciou o seu percurso
numa escola via profissional.
A Luz está na mesma escola desde o primeiro ano, no entanto este
ano estamos a ponderar a necessidade de ela ir para uma nova escola
e frequentar o quarto ano perto de casa.
A atitude inicial do
professor e da escola em
relação ao Sérgio esteve
com um professor sem
experiência em alunos
com NEE. Por essa ra-
zão trocou de escola e de
professor. Na nova escola
foi bem aceito apesar da
professora não trabalhar
muito com ele. Eu sempre

49
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

fui mãe e professora dele. O que ele aprendeu tem muito trabalho de
retaguarda da minha parte. O que mais ele aproveitou foram os amigos.
Eles adoravam o Sérgio e ele sempre foi muito feliz na escola, tanto
que sempre foi convidado para as festas de anos.
A Luz, de início, a professora adorou a ideia, mas rapidamente
se cansou. Mas, uma vez mais, ela tem uma mãe muito lutadora e que
não baixa os braços. A escola pouco ou nada tem feito para melhorar
esta situação.
Em relação ao relacionamento entre família e escola não tenho
nada a apontar. Sempre fomos bem recebidos. Mas também não somos
pais muito chatos.
De início de escolarização, a escola demonstrou-se muito envol-
vida com ambos os casos, mas depois passaram a ser apenas números,
infelizmente.
O Sérgio sempre teve uma boa relação com os colegas e todos
eles o aceitavam muito bem. Houve sempre um cuidado dos pais dos
amiguinhos para que o Sérgio se sentisse bem. A Luz não tem tido essa
sorte, tem apenas uma amiguinha e nem sempre é convidada para os
anos dos amigos da sala.
Os apoios escolares que tiveram ou têm: é de uma terapeuta,
que vai à escola duas vezes por semana no caso da Luz. O Sérgio teve
apoio de uma professora do ensino especial quando mudou de escola
no sétimo ano. Era uma joia de
professora, sempre muito atenta
às suas dificuldades e sempre a
encontrar soluções para os pro-
blemas que iam surgindo.
O Sérgio teve um Currículo
Educacional Específico e a Luz
tem um currículo adaptado às
suas dificuldades, sendo as fi-
chas adaptadas, assim como um
menor número de exercícios.

50
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

As aprendizagens mais importantes que ele fez na escola, não sei


se poderei dizer que ele aprendeu muita coisa. Mas a partir do sétimo
ano, sim, talvez tenha reforçado as aprendizagens da leitura e a iden-
tificação dos algarismos, aprendizagem das horas.
A Luz ainda está num processo de aprendizagem da leitura e da
escrita, assim como os números.
O que mais o ajudou a superar as dificuldades, posso dizer que
acima de tudo ter uma mãe muito atenta e presente. Conversar muito
com ele e dar-lhe suporte para ele acreditar que iria conseguir.
A Luz tem muita vida e por essa razão tudo lhe passa ao lado. Ela
adora música e passa a vida a dançar. Leva a vida na descontração
como eu costumo dizer. São ambos muito felizes.
A qualidade da escolari-
zação do meu filho acho que
foi negativa, que nem todos os
professores deviam aceitar e ter
crianças com NEE nas turmas.
Deveria haver algo a que eu
chamo de sensibilidade. Porque
eles só pedem para serem com-
preendidos e mais tempo que ‘os
alunos dito normais’. Eles têm
imensas qualidades e capacida-
des, só precisam que olhem para eles e as descubram.
Os fatores que fizeram com que os meus filhos tivessem uma boa
inclusão escolar foram: serem alegres, serem crianças felizes e terem
uma boa memória fotográfica.
As dificuldades mais significativas foram as de aprendizagem, a
falta de sensibilidade dos docentes, a obrigatoriedade de terem que
estar tantas horas sentados e concentrados.
A inclusão escolar poderia ter sido bem melhor, no entanto tam-
bém poderia ter sido pior. De uma forma geral foi aceitável ou está

51
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

a ser. Cada vez mais acredito que temos que ser nós pais a acreditar
nos nossos filhos e encontrar soluções para ajudá-los. A escola pouco
faz pelos nossos filhos.
A deficiência não as impede de realizar os seus sonhos nem os seus
objetivos de vida. Apenas temos que lhes proporcionar as melhores
formas para eles conseguirem.
Cada ser humano tem direito à escolaridade, aos serviços médicos,
a ser feliz e, acima de tudo, a ter uma família que o ame e cuide dele.
Se todos acreditarmos nisto e trabalharmos nesse sentido os nossos
filhos serão bem-sucedidos.
Queria apenas acrescentar que os nossos filhos com deficiência
são as melhores coisas que nos aconteceram. Acredito que foram eles
que nos escolheram como mãe e como pai.
Acredito que a nossa vida se transformou num grande rebuliço,
aquilo que tínhamos planeado e
traçado não se poderá ser concre-
tizado, mas trouxe-nos algo mágico
e belo. Um filho sem preconceitos,
sem maldade e com muita vontade
de viver.
Não existem planos a médio
ou até longo prazo, mas sim a curto
prazo para as nossas vidas. Acredi-
tar que amanhã será um dia melhor,
fará com que levemos os dias mais
felizes.”

52
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

“El vino a cambiarme la vida,


a sacar paciencia de donde ya
no hay. He aprendido a ser más
“humana”, más condescendiente
con las personas, con los animales,
con las personas especiales”
Marijose Marin Villapol

Boca del Rio – Veracruz, México, 2020.


Marijose Marin Villapol
villamarin30@gmail.com

“La historia de José Rubén empieza hace más de 7 años, cuando


me embaracé aún inyectándome, precisamente para no embarazarme.
Antes de cumplir la semana 9, me enteré que estaba embarazada y
fui al ginecólogo. Confirmamos el embarazo y al siguiente día em-
pecé con amenaza de aborto. Estuve con medicamento y reposo de
la semana 9-13, pero durante todo el embarazo estuve con amenazas
de aborto. El día 23 de Mayo del 2013, con 32 semanas, se me rom-
pió la fuente e ingresé al Hospital Regional de Veracruz. Estuve en
urgencias por 2 noches. La última noche ya casi no quedaba líquido
amniótico y el bebé estaba sufriendo. Me recostaron sobre mi lado
izquierdo con un monitor cardiaco así pude dormir unas cuantas
horas. Hasta el día 25 de Mayo, que entré a quirófano cerca de las
9 a.m, nació con 33 semanas mi bebé. A pesar que fue sietemesino

53
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

lloró bastante al nacer y lo calificaron con 9.9.


Me dieron de alta 2 días después y pude subir a ver a mi bebé
que estaba en incubadora. El nació con 2 CIV (conducto intraven-
tricular) con la bilirrubina alta, con hernia umbilical. Peso 1.430gr
y midió 37cms.
El estuvo desde el día 25 de mayo hasta el día 29 de junio inter-
nado en incubadora. Me lo entregaron pesando 2 kilos. Empezamos a
visitar a la pediatra, la cual siempre reconoceré que gracias a ella mi
hijo está cómo está ahora. Ella me enseño unos ejercicios de terapia
física con una pelota de Pilates y con un cojín alargado y así, a los
3 meses que entramos al Criver (Centro de Rehabilitación Infantil
Veracruz), el ya conocía los ejercicios y hasta se quedaba dormido
de lo relajado que estaba.
A pesar que me decían en Criver que los niños con trisomia 21
caminaban cerca de los 3 años o más, José Rubén camino un po-
quito antes de cumplir 2 años. Empezamos con terapias de lenguaje
particulares a los 2 años a la par del Criver. Su terapeuta me reco-
mendó meterlo a una escuela común no para niños con capacidades
diferentes y ella me mencionó una donde acudía un pacientito con
Asperger así que fui a investigar. En el ciclo escolar del 2015, el
entro a maternal.
Solo se sintió triste el primer día ya después ni se despedía de
mí. En ese kínder, donde cursó Maternal y Kinder1, antes de terminar
el año escolar la directora habló conmigo y me dijo que no podrían
seguir dándole clases a José Rubén porque sus maestras no estaban
preparadas y ella no contaba con el dinero para mandarlas a capa-
citar. Ese fue el último año.
Ya me habían hablado y recomendado mucho un kínder que
no es particular, pertenece al gobierno así que se paga una módica
suma mensualmente. Ahí cursó 2do y 3ero de kínder. En 2do le tocó
una maestra y eran cerca de 22 compañeros los que tenía José Ru-
bén. Así que la maestra se desesperó el primer trimestre y pidió una
maestra de apoyo que le pagaba el kínder. Y así estuvo los 2 años

54
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

con el apoyo de una “maestra sombra”, aunque hubo avance en su


aprendizaje y motricidad no fue suficiente. Para el 3ero de kínder,
estuvo con otra maestra que la amo! Es una maestra súper capaz,
amorosa y dedicada.
Al entrar este año a 1ero de primaria, hemos tenido muchos
problemas y pidieron (casi exigieron) maestra sombra. Encontré a
su maestra actual que es una persona muy preparada, con mucho
carisma y paciencia y desde un principio hubo mucha química con
José Rubén.
Desgraciadamente ella había estado buscando otro trabajo y
entonces me vi en la necesidad de buscar otra persona. Había muchas
quejas de José Rubén como problemas de conducta y falta de interés.
En enero regresando de las vacaciones de navidad y fin de
año; hubo más quejas por parte de la directora y maestros y tuvi-
mos junta con ellos. Expusimos nosotros lo que nos inconformaba
y ellos también, y decidimos que ella no estaba dando el resultado
que esperábamos.
Contacté a su anterior maestra - que no obtuvo el trabajo para
el que estaba aplicando y seguía desempleada - así que le pregunte
si le gustaría regresar con José Rubén y sí. A partir de la segunda
semana de enero ha estado con el hasta ahora.
Aparte de su escuela en la mañana, José va a clases de terapia
física y terapia de lenguaje en las tardes de manera particular.
Ahora con la contingencia del COVID19 seguimos trabajando
en casa con su maestra sombra en lenguaje, psicomotricidad, terapia
física, escritura, arte, etc. Increíblemente en estas semanas hemos
avanzado más que los meses en la escuela.
Apenas cumplió 7 años el 25 de Mayo y se lo celebramos con
su pastel y comida favorita. Es un niño muy sano. ¡Gracias a Dios!
Siempre se le trata y educa como su hermano mayor.
Lo último que puedo decir es que José Rubén vino a cambiarme
la vida, a sacar paciencia de donde ya no hay. He aprendido a ser más

55
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

‘humana’ más condescendiente con las personas, con los animales,


con las personas especiales. Me preocupa, por supuesto, su futuro,
por eso es que nos empeñamos en hacerlo independiente, autónomo.
Su educación con niños ‘comunes y normales’ por cierto que ellos
lo llegan a querer mucho y el a ellos también. Hasta ahora seguimos
en contacto con los primeros amiguitos de escuela. Es cariñoso con
sus compañeros, pero se fastidia.
Ya los empuja mucho amor también. Lo desespera un equilibrio
relato de la vida diaria de un niño ‘más que especial’.”

56
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

“Ele mudou a minha vida. Tive que


ter mais paciência de onde já não
havia. Aprendi a ser mais humana,
mais condescendente com as
pessoas, com os animais, com as
pessoas especiais”
Marijose Marin Villapol

Boca del Rio – Veracruz, México, 2020.


Marijose Marin Villapol
villamarin30@gmail.com
“A história de José Rubén começa há mais de sete anos, quando
eu engravidei. Ainda me protegia, precisamente para não engravidar,
mas tive um problema com os hormônios que me provocaram um
mioma e então engravidei.
Fui ao ginecologista, confirmamos a gravidez e no dia seguinte
que fui ao médico, pois comecei a ter ameaças de aborto, tendo que
fazer uso de medicamentos e repouso até a 13ª semana de gestação.
Durante toda a gravidez permaneci com essas ameaças.
No dia 23/05/13, com 32 semanas, rompeu a minha bolsa e dei
entrada no Hospital Regional de Veracruz. Fiquei na Unidade de
Tratamento Intensivo – UTI, passando duas noites no hospital. Na
última noite eu ainda tinha líquido amniótico, mas o bebê estava em
sofrimento. Colocaram ao meu lado esquerdo um monitor cardíaco
e assim pude dormir algumas horas. No dia 25/05 entrei na sala de

57
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

operações às 9 horas e meu bebê


nasceu com trinta e três semanas.
Apesar de ter nascido de sete me-
ses, chorou bastante ao nascer e
o qualificaram com 9.9.
Deram-me alta dois dias
depois e pude ver meu bebê que
estava na incubadora. Ele nasceu
com dois CIV (Canal Intraventri-
cular), com a bilirrubina alta e
com hérnia umbilical. O peso era
de 1,430 kg e o seu tamanho era
37 cm. Ele esteve na incubadora
do dia 25/05 ao dia 29/06. Quan-
do me entregaram, ele já estava
pesando 2 kg.
Começamos o acompanha-
mento com a pediatra, a qual
eu sempre reconhecerei muito.
Graças a ela o meu filho está
como está hoje. Ela me ensinou
exercícios de terapia física com
uma bola de pilates e com almo-
fadas grandes.
Aos três meses demos en-
trada no Criver – Centro de
Reabilitação Infantil Veracruz,
mas o meu filho já conhecia os
exercícios e até dormia durante
eles, de tão relaxado que ficava.
No Criver me diziam que as
crianças com trissomia 21 cami-
nhavam com cerca de três anos

58
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

ou mais. José Rubén caminhou um pouco


antes de completar dois anos. Começamos
com terapias de linguagem específicas aos
dois anos de idade, juntamente com o Criver.
Sua terapeuta me recomendou que o
colocássemos em uma escola comum e não
em uma escola especial, para alunos com
capacidades diferentes. Ela mencionou uma
escola que já atendia uma criança com As-
perger e então fui investigar. No ano de 2015
ele ingressou no maternal.
Ele só se sentiu triste no primeiro dia, depois nem se despedia
de mim. Nesse jardim de infância, ele cursou apenas o maternal e o
jardim 1. Antes de terminar o ano escolar, a diretora falou comigo e
me disse que não poderiam mais dar aulas a José Rubén, porque suas
professoras não estavam preparadas e que a instituição não tinha
dinheiro para que elas se capacitassem, então foi assim o último ano
nesta instituição.
Já haviam me reco-
mendado outro jardim de
infância, não particular,
pertencente ao governo,
mas onde se paga uma
taxa mensalmente. Lá ele
cursou o jardim 2 e 3. No
jardim 2, ele ficou com a
professora que tinha vin-
te e dois alunos e mais
o José Rubén. Ela se
desesperou e pediu uma
professora de apoio. Ele
esteve dois anos com esta professora, embora tenha havido progresso
em seu aprendizado e nas habilidades motoras, não foi suficiente. No

59
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

terceiro, ele ficou com uma outra professora que a amava! Ela foi uma
professora supercapaz, amorosa e dedicada com o meu filho.
Ao entrar este ano, no primeiro ano do primário, nós tivemos
muitos problemas e exigiram uma nova professora de apoio. Eu encon-
trei sua atual professora, que é muito preparada, tem muito carisma
e paciência. Desde o princípio teve muita química com José Ruben.

Infelizmente, ela
estava buscando outro
trabalho, então um mês
depois que começaram
as aulas, José estava
novamente sem a sua
professora de apoio.
Tivemos então a ajuda

de outra professora,
mas nesta fase havia
muitas queixas de
José Rubén como
problemas de com-
portamento e falta
de interesse.
Em janeiro, re-
gressando das férias
de Natal e Ano Novo, tive mais queixas da diretora e então tivemos
uma reunião com ela. Mostramos o que nos incomodava e eles também,
então decidimos que não estava dando o resultado que esperávamos.
O que aconteceu foi que a professora anterior não havia consegui-
do o emprego anterior e estava desempregada. Quando perguntei se ela
gostaria de regressar com José, logo aceitou e está com ele até hoje.
Além da escola durante a manhã, ele vai a aulas particulares de
terapia física e de linguagens particulares à tarde.

60
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

Agora com o isolamento


da COVID-19, seguimos tra-
balhando em casa com sua
professora sobre linguagem,
psicomotricidade, terapia fí-
sica, escrita, arte, etc. e cons-
tatamos incrivelmente que nes-
sas semanas avançamos mais
do que nos meses na escola.
A sua educação com as
crianças normais trouxe muito
amor por parte dos colegas
a ele e vice-versa também.
Seguimos sempre em contato
com os amiguinhos, porque ele
é muito carinhoso.
Ele completou sete anos em 25/05/20 e comemoramos com seu
bolo e comida favorita. Ele é um menino muito saudável, graças a
Deus. Sempre está na companhia de seu irmão mais velho.
Por último, ele mudou a minha
vida. Tive que ter mais paciência de
onde já não havia, aprendi a ser mais
humana, mais condescendente com as
pessoas, com os animais, com as pes-
soas especiais. Claro que me preocupa
o seu futuro, por isso nos empenhamos
tanto para fazê-lo independente, autô-
nomo.
Às vezes fica aborrecido por ser
muito estimulado, mesmo com amor.
Há também um desespero no equilí-
brio da vida cotidiana, que facilmente faz uma criança “mais do que
especial” se desesperar.”

61
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

Uma família inteira, unida e fortalecida


em busca de um futuro cada vez melhor.
Determinação é o aspecto mais visível.

O s textos a seguir – de 2014 e 2020 – se referem à Sandra Xime-


nes e a sua família. Sandra mora no Algarve – Faro – Portugal.
Estive com Sandra em 30/11/2014, quando cursei o doutoramento em
Évora – Portugal. Eu precisava investigar alguma família que estivesse
dentro dos critérios da minha pesquisa com diagnóstico da SXF, para
a construção do meu guião de perguntas para compor as entrevistas
semiestruturadas que eu iria realizar com as famílias dos alunos com
SXF. Portanto, escolhi a Sandra Ximenes para iniciar os meus estudos
no doutoramento e me surpreendi com a sua determinação.
Sandra é portadora da SXF e, devido ao fator genético, os seus
três filhos também apresentam a síndrome. Como são três filhos, sendo
dois do sexo masculino, foi possível considerar o que a literatura afirma
sobre as características dos indivíduos com SXF, mais evidentes no
sexo masculino do que no feminino.
Sandra esclarece que outras pessoas da sua família também tive-
ram o diagnóstico da SXF e tiveram uma vida normal, tiveram as suas
profissões, ocuparam cargos. Ela nos explica que nunca teve nenhuma

62
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

dificuldade e que concluiu a Universidade.


Sandra, em 2014, relatou que não trabalhava para cuidar dos
filhos e que abriu mão de tudo. O pai dos seus filhos tinha falecido há
alguns meses e ele amava muito os filhos, e ajudava muito.
“Quando André tinha sete anos é que veio o diagnóstico, na-
quela fase o que mais percebia era o atraso mental, mas não sabiam
o que ele apresentava. André teve muitos apoios, mas acabou o curso
e estamos sem respostas sobre a continuidade de seus estudos, neste
momento ele não pode tirar outro curso. Eu como mãe fui até um hotel
em Faro e pedi trabalho para o meu filho, mas os responsáveis pelo
curso dele não gostaram da minha atitude. Eu não quero é que ele
fique dentro de casa, estou tentando ajudar nesta situação para ele
ter um curso profissionalizante.
O diagnóstico de Hugo foi com um ano e teve muito apoios,
mudou muitas vezes de professores. Os professores gostavam dele, ele
é o que mais precisava de apoio, sendo uma grande preocupação. O
médico mudou o diagnóstico dele para autismo, ele teve acesso a sala
de apoio, mas com a morte do pai, ele bloqueou.
Hugo precisava estar com pessoas normais. Mas admito que
às vezes Hugo vive em outro mundo, eu sei que ele tem características
do autismo e sempre trago ele para o mundo.
Beatriz estava cursando o segundo ano, ela é portadora da
SXF e a minha preocupação é que quando adulta pode ter filhos com
problemas devido a questão genética. Ela é inteligente e percebo que
Beatriz sabe mais do que os irmãos, ela é muito diferente dos meninos.

Meus filhos algumas vezes não querem que eu os ensine, pois,


relatam que não sou professora. O que eu mais quero é que eles tenham

63
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

autonomia básica e gostaria muito de respostas, principalmente porque


acredito que onde moramos pode não se ter muitas oportunidades, mas
terão que viver e adaptar-se às situações.
Quanto à escola, eu gostaria que ela fosse diferente, princi-
palmente para o Hugo, pois, para o André a escola foi boa. Queria
apenas que eles soubessem ler, escrever, ver as horas e compreender
o uso de dinheiro.”

64
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

“Todos somos X Frágil;


Nós somos Xpeciais”
Sandra Ximenes

2020
Faro – Portugal, 2020
Sandra Ximenes
sandrax.s@sapo.pt

“Nós somos diferentes, porque almas bonitas fazem a diferença.


Ser diferente não é um defeito, mas sim uma qualidade.

65
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

Somos quatro. Eu, Sandra de 47 anos, o André de 25 anos, o


Hugo de 19 anos e a Beatriz de 13 anos. Todos somos X Frágil. Eu
portadora, o André e o Hugo com mutação completa e a Beatriz
portadora com mutação. Há muitos anos que vivemos só os quatro,
sempre unidos e felizes.
Quando tudo começou, eu tinha vinte e nove anos e dois filhos,
o André com sete anos e o Hugo com um ano. Tinha me divorciado
há pouco tempo, tinha casa nova, carro novo, um bom emprego e
dois meninos lindos e de repente tudo mudou.
Sempre notei no André muita agitação, hiperatividade, algumas
dificuldades na escola e alguns problemas comportamentais, fui
várias vezes a médicos até mesmo neuropediatras, mas a resposta
era sempre a mesma: ‘O menino não tem nada, cada um é como é’.
E eu acreditei e pensei que ele era simplesmente irrequieto.
Era filho único, neto único dos dois lados, sobrinho único dos
dois lados e eu e o pai muito novos e sem experiência. Mas quando
o Hugo tinha um ano e andava num infantário onde a educadora
chamou-me a atenção para o fato de ele estar com um ano e não
conseguir sentar-se sozinho e ser um pouco hipotônico, aconselhou-
me a ir a um fisiatra, e eu fui.
No dia que fui ao fisiatra não tinha ninguém com quem deixar
o André e levei-o comigo, o médico observou o Hugo e disse que
em princípio o bebé não tinha nada, mas olhou para o André e
despertou-lhe o fato dele ter as orelhas grandes e saídas e estar
muito irrequieto, então aconselhou-me a ir a uma consulta gené-
tica na qual a médica mandou-me fazer um exame genético, que
eu nem sabia o que era e para que era, mas só ao André, e assim
foi. Passado uns dias recebi o resultado: mutação completa da
Síndrome X Frágil.
Eu nem sequer sabia o que era, a médica disse-me que era he-
reditário e que possivelmente seria eu a portadora e mandou fazer-
me o teste e ao Hugo também. Resultado final: Eu portadora e dois
filhos com um “atraso mental”, eu nem queria acreditar, parecia

66
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

que aquilo tudo não se estava a passar comigo. Eu só sabia o que


a médica dizia, na altura, há dezoito anos eu não tinha internet,
os meus pais e a minha irmã viviam em França, a minha irmã que
tinha internet enviava-me pelo correio folhas com informações em
inglês e em espanhol sobre a doença, e quanto mais eu sabia mais
desesperada ficava apesar de ter tido sempre o apoio do pai deles,
que faleceu há seis anos e dos avós paternos.
Senti um sofrimento enorme! Quanto mais o tempo passava
mais triste eu ficava e recusava-me a aceitar, porque para mim eles
eram normais. Ao mesmo tempo o medo do futuro deixava-me uma
insegurança e uma angústia enorme.
Como iria ser? E quando fossem crescidos? Qual era a espe-
rança de vida? Como iria ser a nossa vida dali para a frente? Eram
tantas as dúvidas que eu nem queria acreditar.
Finalmente, aceitei!
Então fomos, eu e o pai, à procura de soluções. Inscrevemo-
nos numa Associação Portuguesa de Paralisia Cerebral – APPC,
onde começaram os dois meninos a fazer terapias. O André que
desde bebé sempre esteve no infantário e nunca nenhuma educadora
suspeitou de nada, simplesmente era muito irrequieto, como tinha
sete anos fez Terapia Ocupacional e Psicologia, ele não tinha pro-
blemas de fala, nem de socialização, o principal problema dele era
a hiperatividade e défice de atenção uma vez que ele tinha acabado
de entrar na escola e estava no primeiro ano, começou logo a ter
apoio individualizado, mas com integração na turma da escola.
Em relação ao Hugo, como tinha apenas um ano teve outro tipo de
terapias de modo a que a intervenção precoce fosse mais eficaz,
então teve terapia da fala, terapia ocupacional e hidroterapia.
Dezoito anos atrás, toda aquela ansiedade, insegurança, de-
sespero.
Como hoje é tudo tão diferente! Porque aprendi comigo e com
eles a ser diferente de uma forma muito feliz e felicidade ‘inclui tudo’!

67
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

Aprendemos todos juntos a acreditar que com o nosso amor


que é tão forte podemos seguir em frente de uma forma positiva.

Aprendi a amar e tudo mudou. Com eles aprendi que o amor é


mais importante do que tudo! E hoje eu consigo sobreviver a qualquer
dor da diferença.

68
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

Muitas vezes perguntava-me se realmente a culpa era mesmo


minha e agora sei que não, tinha que ser assim!
Então aprendemos a viver de outra forma, começamos a ter vários
tipos de apoios, além das terapias e tratamentos como forma de esti-
mulação, nas escolas tinham apoio individualizado, mas sempre com
uma componente de integração na turma e na sociedade e sempre com
o ‘envolvimento ativo’ dos pais, avós paternos, professores, técnicos
do ensino especial e psicólogos e médicos.
Tive bastante dificuldade em eliminar as barreiras sociais para
conseguir integrá-los numa sociedade que tinha dificuldades em acei-
tar a diferença, em que quando um deles ‘portava-se mal’ era falta de
educação e nunca porque eles poderiam ter aquele comportamento
por outro motivo.
Os laços afetivos que eu, o pai e toda a família sempre tivemos, foi
muito importante para um desenvolvimento saudável e feliz. As rotinas
diárias, desde horários certos, distribuição de tarefas, desporto, ativida-
des de acordo com o gosto de cada um, alimentação saudável e respeito
uns pelos outros foi muito importante para o desenvolvimento deles.

O André, mais velho do que o Hugo seis anos, teve a sorte de ter
outras oportunidades. Na altura dele, havia muito mais apoio nas salas
de aula desde professores, a funcionários e até mesmo psicólogos. Já

69
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

na altura em que o Hugo teve que fazer o mesmo percurso do irmão


as oportunidades eram outras, foi numa altura em que o estado por-
tuguês cortou muitos apoios a crianças com necessidades educativas
especiais, então por isso o Hugo sempre foi um menino com mais difi-
culdades tanto de aprendizagem como ao nível de comportamento, era
um menino frustrado que queria fazer as coisas que os outros meninos
faziam mas não conseguia e às vezes eram coisas simples, como por
exemplo brincar na rua com outras crianças, jogar bola etc. Mas até
isso para ele era complicado. Hoje em dia joga futebol de salão (fut-
sal) adaptado e com competições em nível nacional, que lhe dá muito
prazer e alegria e faz aumentar a autoestima uma vez que os colegas
estão ao mesmo nível.
Também começou a fazer hipoterapia desde os dez anos que hoje
em dia já faz equitação a nível competitivo, anda no ginásio ‘normal’
que vai sozinho e adora porque lá sente que é um rapaz ‘normal’.
Atualmente está a tirar um curso de Jardinagem na Associação
Algarvia de Pais e Amigos das Crianças Diminuídas Mentais – AA-
PACDM, sendo que a dificuldade de estar numa sala de aula é muita,
mas depois a parte do estágio ser ao ar livre compensa, tem muitas
dificuldades na socialização tanto com colegas como com professo-
res uma vez que o autismo nele está presente, mas apesar disto tudo
consegue ter autonomia e ser feliz.
Em relação ao André, ele
tirou um curso de cozinha há
oito anos na mesma associação,
onde estagiou no Hotel Faro, no
qual ficou a trabalhar durante
um ano. Depois teve um ano
em casa porque o estado não
permitia que tirasse outro curso
num espaço de tempo inferior a
dois anos e eu nunca quis que
ele depois de ter tirado um cur-

70
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

so e ter trabalho fosse regredir e fosse para um centro de atividades


ocupacionais, então passado esse ano, foi tirar novamente um curso
desta vez de empregado de mesa, na mesma associação, o que também
correu muito bem uma vez que o André é um miúdo muito sociável,
agradável e simpático. Estagiou num restaurante também em Faro, o
que também não ficou a trabalhar após o estágio, foi então tirar um
mini curso de três meses de jardins verticais, e agora com vinte e cinco
anos está em casa já há um ano novamente à espera de fazer um novo
curso, desta vez de pastelaria, que iria começar agora em Abril mas
foi adiado devido ao corona vírus.
O André, apesar de em pequeno ter sido uma criança muito
difícil, mudou completamente aos dez anos quando ficou diabético
tipo I (insulino-dependente). Tornou-se muito responsável, começou
logo a aprender a ver os valores e a dar a insulina sozinho, sempre
com vigilância, o que hoje em dia já não é necessário porque é su-
per responsável. Sempre soube ser autónomo a todos os níveis desde
transportes públicos, multibanco, telemóvel, internet, fazer comida se
necessário enfim de tudo um pouco, lamento muito que não tenha uma
oportunidade de emprego porque ele tem bastantes capacidades, mas
infelizmente é a sociedade em que vivemos.
Em relação à Beatriz, que tem hoje treze anos, nota-se algumas
dificuldades na escola. Está no sétimo ano, mas com apoio, no sentido
de diminuir as dificuldades, al-
guns testes são adaptados e por
vezes tem mais tempo para a sua
resolução, aumentando assim a
sua autoestima que é muito im-
portante para incentivá-la.
O Hugo, neste momento con-
tinua frustrado em relação à for-
mação no curso onde está porque
apesar dos colegas de alguma for-
ma também terem “problemas”,

71
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

são problemas diferentes, al-


guns de diagnóstico, outros de
falta de integração social por
motivos económicos e sociais,
o que faz que um rapaz X Frágil
que tem como uma das princi-
pais características a imitação,
o faça de uma forma bastante
negativa.
O que correu muito bem
com o André, com o Hugo
vamos ver ao nível da forma-
ção, porque a nível familiar
eles são felizes, dão-se todos
muito bem uns com os outros
e sentem-se realizados uma
vez que têm autonomia para
praticamente tudo.
Mas, essa autonomia e
essa sensação de realização
fazem eles, até muitas vezes,
pensarem que não têm ‘pro-
blema’ nenhum. Isso para viverem numa
sociedade cruel onde a diferença infeliz-
mente ainda existe!
E onde estão as oportunidades? Será
que somos mesmo todos ‘IGUAIS’? Será
que a ‘DIFERENÇA’ existe? ‘Eis a questão’.
Conclusão: Nunca devemos desistir,
devemos sempre acreditar que tudo é pos-
sível, porque é! Hoje em dia somos felizes!
Um pequeno resumo contado por uma
mãe um pouco diferente.”

72
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

O desenvolvimento de Bianca na visão da


família, da professora e sobre si mesma!

Nos próximos depoimentos, encontramos um relato de uma mãe


que fez de tudo para ajudar no desenvolvimento da sua filha Bianca,
da professora que trabalhou por um período com a Bianca e da própria
Bianca, que fala da sua trajetória de vida contada por ela mesma. É
um relato que vai nos emocionar, pois mesmo com rejeições, bullying
e muitas dificuldades, nada a conteve. Bianca atualmente estuda para
Formação de Docentes e já tem sonhos voltados à Universidade.

73
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

“Obrigada a todos que dedicaram


um pouco do seu tempo para
ajudar a Bianca a atravessar os
obstáculos que estavam no seu
caminho e que com certeza ela
ainda vai encontrar”
Cristiane Oliveira

Araucária – Brasil, 2020.


Cristiane Oliveira
crica_oliver31@hotmail.com

“Engravidei aos 18 anos, fui apoiada desde o início pela minha


família, pelo meu namorado e familiares. Uma notícia feliz, em meio
a uma turbulência de notícias ruins que estávamos prestes a enfrentar.
Três meses depois que fiquei sabendo da minha gestação. A pessoa
que havia ficado mais feliz com a minha gravidez, minha mãe, veio
a falecer. Naquele mesmo mês, uns quinze dias depois da perda da
minha mãe, fui realizar uma ecografia de rotina para acompanhar a
gestação. Minha tia, irmã da minha mãe, foi quem me acompanhou. É
claro, percebemos que o exame estava demorando mais que o normal,
então perguntamos ao médico se havia algum problema. Ele afirmou
que sim. Minha filha foi diagnosticada com gastroquise.
Após o resultado da ecografia, naquela mesma semana, a minha
obstetra agendou uma reunião com o cirurgião pediátrico, o qual foi

74
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

muito educado, mas deixou claro que nosso bebê tinha somente 1%
de chance de sobreviver, ou seja, poderíamos perder nosso bebê a
qualquer momento.
Na época, a gastroquise ainda era uma malformação muito rara.
Poucos bebês sobreviviam. Neste mesmo encontro com o cirurgião
pediátrico fomos informados de que nosso bebê já tinha uma reserva
na UTI do Hospital Nossa Senhora das Graças, pois logo após o parto
de imediato ela deveria passar por uma intervenção cirúrgica.
Minha barriga não cresceu muito em vista da maioria das gesta-
ções de outras mulheres, mas até aí eu não entendia muito bem: ‘Mãe
de primeira viagem, jovem, com poucas informações e sem minha mãe
que com certeza seria meu braço direito naquele momento’, pensava.
Mas fomos fortes até o fim e nos agarramos no um por cento que
nos foi dado. No dia 27/11/2000, após trinta e três semanas de gesta-
ção, às 20:50, pesando 1,445 kg, nasceu nossa filha a quem demos o
nome de Bianca, pequeno como ela.
Depois do parto, nossa filha passou por três procedimentos ci-
rúrgicos, ficou dois meses e meio na UTI e aproximadamente quinze
dias no quarto. Recebeu alta do hospital pesando pouco menos de 2
kg. Claro, recebemos as orientações do cirurgião quanto aos cuidados
que deveríamos ter em casa com ela.
Devido à gastroquise, a Bianca ficou com malformação no intesti-
no, consequentemente evitando que ela pudesse absorver os nutrientes
necessários para poder adquirir o peso ideal que ela deveria ter para
uma alta hospitalar, mas como o próprio cirurgião falou, o risco de
ela pegar uma infecção hospitalar era maior do que ela ser cuidada
em casa.
Ela era tão pequena que cabia na palma da mão. Não pude ama-
mentá-la, pois o período que ela passou na UTI sem poder se alimentar
meu leite acabou secando. Devido a isso, a alimentação dela infeliz-
mente teve que ser leite industrializado. Os primeiros meses foram bem
difíceis, ela chorava bastante, devido ter muitas cólicas intestinais.

75
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

Eu passava o dia cuidando dela e à noite meu esposo ficava a maior


parte do tempo com ela.
A Bianca só conseguia dormir de barriga para baixo e em cima de
um travesseiro. Na época, não recebemos orientações adequadas quan-
to aos acompanhamentos que ela deveria ter, como muitos pediatras
orientam os pais quando seus bebês são prematuros e passaram por um
período na Unidade de Tratamento Intensivo – UTI. A única orientação
que recebemos era que deveríamos seguir o acompanhamento com o
cirurgião pediátrico e o pediatra. Fora esses dois profissionais ela não
teve acompanhamento com nenhum outro profissional.
Com o passar dos anos, para nós, ela era uma criança sem proble-
mas, apesar de tudo que havia passado. Ela era uma criança esperta,
conversava com todo mundo, muito curiosa, tinha muito medo e era
muito sensível à dor. Não sei muito bem quando ela começou a falar,
engatinhar, andar, hoje sinto falta de ter registrado esses momentos.
Comecei a fazer curso de enfermagem como forma de agradecer
a todos os profissionais de saúde que doaram um pouco do seu tempo
para cuidar da nossa filha. Foi aí que comecei a trabalhar no Hospital
Pequeno Príncipe, onde há creche para os filhos dos colaboradores.
A Bianca ingressou na creche do hospital no jardim aos quatro
anos de idade. Ela tinha medo de ficar com desconhecidos, o processo
de introdução dela na classe com a professora e os colegas foi lento,
mas no final com sucesso, pois por ela ser a mais pequenina no grupo
as outras crianças protegiam muito ela.
Foi na entrada dela na creche que a professora começou a
perceber que ela tinha dificuldades, então fui orientada a levá-la na
oftalmologista, que a diagnosticou com estrabismo vertical. Desde
então ela usa óculos. Na época, fizemos alguns exercícios com tampão
ocular, porém com pouco resultado, o estrabismo dela não tem indica-
ção cirúrgica, pois a correção seria imperceptível, não compensaria
a expor a um procedimento cirúrgico.
Nesta mesma creche, a professora ainda identificou que ela

76
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

tinha dificuldades relacionadas à psicomotricidade. Foi quando ela


fez acompanhamento com uma especialista em psicomotricidade na
creche do hospital, um período muito bom para ela. Pela primeira vez
fui orientada a mantê-la no jardim, devido às dificuldades que apre-
sentava. Senti que ela ficou triste, pois ela, no ano seguinte, ficou em
outra turma e outra professora à qual ela não estava adaptada. Mas a
equipe de docentes a convidou a participar da formatura e se formar
com a sua antiga turma e em 2006 aconteceu a formatura do jardim
junto com seus primeiros coleguinhas. Nesse mesmo ano ela começou a
fazer aula de ballet, o que a deixou muito feliz, pois amava ir às aulas.
No ano seguinte ela foi para uma escola particular e a partir deste
momento começou todo o sofrimento dela, sempre com históricos de
bullying de todas as formas que pode se imaginar.
Começamos a perceber as dificuldades de aprendizagem dela.
Fomos orientados pela escola a procurar a ajuda de uma psicopeda-
goga e então conhecemos quem muito nos ajudaria nos próximos anos
escolares da Bianca: a psicopedagoga Monaliza, que me orientou a
procurar um acompanhamento com o neurologista e aí veio uma se-
quência de acompanhamentos.
Foi na primeira série que ela começou a participar da sala de
recursos. O neurologista avaliou, solicitou avaliação da fonoaudióloga
e acompanhamento com psicóloga. Mas era tudo pelo SUS – Sistema
Único de Saúde, portanto era um processo muito lento devido à de-
manda de pacientes que precisavam de tais acompanhamentos. Mas
conseguimos atendimento fonoaudiológico e psicológico, que a diag-
nosticou com síndrome do pânico. O que era mais difícil era conseguir
as consultas com o neuropediatra, mas na nova instituição que entrei
para trabalhar tínhamos convênio e conseguimos fazer acompanha-
mento com o neuropediatra.
Bianca repetiu o primeiro ano e fomos orientados pela Monaliza
a trocarmos ela de escola, então a Bianca passou a estudar em uma
escola pública. Mesmo com os acompanhamentos da fonoaudióloga,
psicóloga, neuropediatra e da psicopedagoga, o processo de apren-

77
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

dizagem dela ainda era muito lento e difícil, ela continuou em escola
pública, mesmo sofrendo bullying.
Realizávamos várias reuniões na escola, com a participação dos
profissionais que a acompanhavam, mas não víamos muitos resultados.
A impressão é que a escola não estava apta a atender crianças com
o perfil da Bianca.
Ela seguia frequentando a sala de recursos e a Monaliza sempre
ia à escola para conversar com os professores e saber da evolução
da Bianca em sala de aula. Sim, naquele ano ela foi para a segunda
série. Mas encontrava ainda dificuldades para escrever o nome dela,
ela ainda não sabia escrever, era apenas ‘Binaca ou Biaca’.
No ano seguinte encontrei uma neuropediatra que acredito que
foi Deus quem colocou em nosso caminho. Ela solicitou vários exames
neurológicos e cardiológicos para a Bianca e a diagnosticou com
Dislexia.
Foi onde ela fez um laudo referente às dificuldades de aprendi-
zagem da Bianca e orientando como deveria ser o acompanhamento
escolar dela e como a escola poderia estar a ajudando no seu desen-
volvimento escolar. Levei uma cópia do laudo para cada profissional
que a acompanhava e para a escola.
As diretoras da escola interviram e depois de lerem os laudos,
principalmente o da neuropediatra, resolveram incluir a nossa filha
Bianca na turma na qual as crianças precisavam de uma atenção
educacional diferenciada. Ela iniciou a terceira série e foi onde co-
nhecemos mais um anjo que apareceu na vida da Bianca: a professora
Márcia, uma professora e ser humano incrível. Ela fez toda a diferença
no aprendizado e nos anos escolares seguintes da Bianca.
Tínhamos muitos obstáculos pela frente, mas naqueles anos se-
guintes que se passaram a Bianca ia para a escola feliz, porque se
dava bem com a professora e seus colegas, acredito que era porque
eles tinham as mesmas dificuldades e de alguma forma conseguiam se
entender. A ajuda de uma professora especializada em dificuldades de

78
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

aprendizagem fez toda a diferença, eu observava até as atividades que


a Bianca realizava em sala de aula ou nas enviadas como atividades
para serem desenvolvidas em casa, eram atividades que tinham uma
interpretação fácil para as crianças.
Nesses anos consecutivos, na turma da professora Márcia, a Bian-
ca continuou frequentando a sala de recursos que ela também amava.
Ela fazia aula no contraturno três vezes por semana com duração de
uma hora cada. Chegou o ano que a Bianca se despediria da professora
Márcia, que a ajudou muito e fez toda a diferença, com certeza foram
os melhores anos escolares da vida dela.
O quinto ano foi muito difícil para a Bianca, ela fez algumas
amizades, até convidou alguns colegas para irem passar o dia com ela
na nossa casa, mas acho que ela se sentiu um pouco excluída, também
percebi isso, pois as meninas não davam muita atenção para ela.
Ela repetiu o quinto ano e continuou com a sala de recursos no
contraturno. No ano seguinte ela me disse que não aguentava mais
tantos acompanhamentos. Mesmo contra minha vontade, conversei
com a psicóloga e a fonoaudióloga, que deram alta para ela, e, que
após vários atendimentos, ela já havia evoluído muito.
Neste mesmo ano, no final do ano escolar, sofreu uma grande
perda, o avô materno veio a falecer depois de um ano em tratamento
de câncer. Nos dois anos seguintes, percebi que as dificuldades de
aprendizagem voltaram. Ela não repetiu anos, mas tinha dificuldades
de relacionamento com os colegas e não tinha amigos, então resolvi
voltar com o atendimento com a psicopedagoga Monaliza, que após
retornar com os atendimentos nos orientou a trocar novamente de
escola.
Então, praticamente quase no final da sétima série que ela estava
quase repetindo o ano, trocou de colégio, conseguiu se enturmar, se
identificou com os professores e, depois de muito trabalho, conseguiu
se recuperar e passou da sétima para a oitava série.
Não sei o que houve na oitava série, pois ela era excluída dos

79
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

trabalhos em grupo, tanto que a maioria dos trabalhos de grupo ela


fazia sozinha e mais uma vez ela sofreu com o bullying, tanto em sala de
aula como virtual. Algumas meninas começaram até a ameaçar a bater
nela na saída da escola. Fui até a escola, conversei com a pedagoga,
que conversou com algumas alunas envolvidas com o bullying virtual
e com as ameaças, mas graças a Deus tudo foi resolvido.
Porém, quanto aos trabalhos em grupo, isso nunca foi diferente.
Ela fazia todos sozinha e o que mais eu sentia era que, mesmo ela com
a voz embargada de choro, falava que não tinha problema, que iria
fazer e dar o melhor dela.
O nono ano foi um pouco diferente. Teve suas dificuldades de
aprendizagem, mas sempre se superando, nunca deixou de fazer as
atividades solicitadas pelos professores, fez amizade com uma colega
de sala, foi até convidada pela colega para almoçar na casa dela, mas
foi a única vez que isso aconteceu. Naquele ano, ela pediu para fazer
o trajeto de casa para a escola a pé. Nunca havia pedido isso. Muito
relutantes, meu esposo e eu deixamos, afinal nessa altura ela precisava
ter um pouco mais de responsabilidade.
Esse foi o último ano que ela frequentou a sala de recursos. As
professoras da sala de recursos são muito bem preparadas, fizeram
uma grande diferença no aprendizado escolar da Bianca.
Em um dos atendimentos realizados pela Monaliza, fui surpreen-
dida pela notícia de que a Bianca gostaria de fazer o segundo grau
direcionado a Formação de Docentes. Ela deixou sempre claro que
seria o primeiro degrau para ela fazer uma faculdade de Psicologia
e se especializar como Psicopedagoga, como uma das profissionais
que mais a ajudaram que foi a Monaliza.
Fizemos a inscrição para o período noturno com uma segunda
solicitação para o período vespertino. Ela não acreditava que iria
conseguir ingressar no curso por causa das suas notas, mas antes do
aniversário dela de dezoito anos saiu o resultado dos aprovados para
se matricularem no curso de Formação de Docentes. Fui eu a primeira
pessoa a ver, depois fui para casa buscá-la e, quando ela viu o nome

80
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

dela entre os aprovados, ela ficou sem reação, não sabia o que fazer.
Filmei o momento, ela chorou de alegria, pulava, sem palavras para
aquele momento. Falei que ela nunca deveria desistir, porque como
sempre falei e falo para ela, a nota não faz o aluno, mas sim o aluno
faz os seus conhecimentos.
Mesmo ela tendo conquistado seu objetivo, depois de alguns
problemas familiares que tivemos, percebi que ela estava depressiva
e com crises de ansiedade. Voltei com os atendimentos com uma nova
neurologista, à qual levei todos os laudos anteriores de todos os outros
profissionais que já haviam a acompanhado para não começarmos do
zero novamente e ela nos solicitou novamente vários exames e fez um
novo diagnóstico para a Bianca. Agora recebemos o de déficit cogni-
tivo, que abrange todas as áreas de aprendizagem. A neurologista nos
indicou iniciar o atendimento com uma neuropsicóloga. Ela iniciou
com medicação para a ansiedade.
Surpreendi-me muito com a Bianca no primeiro ano de Formação
de Docentes. Ela foi muito bem, mostrou uma maturidade que não ima-
ginei da parte dela, mas não foi um ano fácil porque, não se enganem,
não é porque agora ela fazia parte de uma turma de alunos que estavam
estudando para serem professores que ela não iria sofrer novamente
bullying. Sim, por várias vezes fui buscá-la na escola e, quando ela me
via, já vinha na minha direção desabando de tanto chorar. Chorava de
soluçar. A dor que eu sentia e ainda sinto é inexplicável, mas a Bianca,
depois de se acalmar me falava: ‘Mãe, se minhas próprias colegas
de turma não entendem a dificuldade que eu tenho de aprendizagem,
principalmente o quão difícil é para eu apresentar um trabalho oral
na frente de todos, como elas vão ensinar as crianças?’
Mas acredito que o primeiro ano do segundo grau superou as
próprias expectativas dela, ela foi muito bem. Os professores a elogiam
muito, ela tem aulas práticas onde ela se identificou muito bem com o
atendimento das crianças, foi muito elogiada pelos profissionais que
a acompanharam nos estágios e não falta às aulas, é muito dedicada.
Ela tem dificuldades em todas as matérias, mas em específico

81
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

em matemática, ela tem professor de matemática particular que está


fazendo a diferença para ela.
O segundo ano do segundo grau está sendo bem difícil não só
para ela, mas também para vários alunos. Mas, para ela que já tem
dificuldade de aprendizagem, ter aula virtual está sendo bem compli-
cado. Ela não consegue acompanhar de forma efetiva as videoaulas,
tem muitas dúvidas que não consegue tirar com os professores. Para
tentar a ajudar, oriento que sempre assista às aulas online e leia os
slides, então, quando chego do trabalho, a ajudo com os estudos,
assisto às videoaulas e explico o máximo que posso e sei para poder
ajudá-la.
Mas, o que é mais difícil é que hoje, com dezenove anos, ela não
tem amigos da mesma idade ou de qualquer outra idade. Passa o tempo
todo sozinha, trancada dentro do quarto, não tem uma vida social como
qualquer outra menina da sua idade. Até as primas, que têm quase
a mesma idade, são distantes dela. Acho que isso acaba atrapalhan-
do-a também na escola, por não ter um vínculo afetivo relacionado a
amizades e isso com certeza acaba interferindo no seu aprendizado.
Mas hoje, quando olho para trás vejo o quanto ela conseguiu
alcançar no seu aprendizado escolar, eu e meu esposo só temos a agra-
decer a cada profissional que cruzou o caminho da nossa filha Bianca.
Desde a primeira professora do jardim que observou as primeiras difi-
culdades que ela apresentou até os profissionais que acompanharam e
os que ainda acompanham e ajudam no desenvolvimento escolar dela.
Obrigada a todos que dedicaram um pouco do seu tempo para
ajudar a Bianca a atravessar os obstáculos que estavam no seu ca-
minho e que, com certeza, ela ainda vai encontrar, mas com pessoas
bem preparadas para poderem dar o suporte que ela precisa ela vai
chegar onde ela almejar.
Quando temos uma filha ou filho com qualquer tipo de dificuldade
de aprendizagem, não podemos desistir. Pelo contrário, devemos nos
dedicar e nos entregar a eles, porque se nós pais não formos o pilar
deles, quem será pelos nossos filhos?”

82
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

“Não há nada que pague quando


você vê esse estudante, o qual
você tanto trabalhou, se dedicou,
chorou e não desanimou estar
atrás de seu sonho”
Marcia Gaspar

Contenda – Brasil, 2020.


Marcia Gaspar
Formada em Pedagogia
Pós-graduação em Alfabetização e Psicopedagogia
aicram.8@terra.com.br

“Ser professor é um desafio constante, pois cada estudante é


único. Precisamos conhecer a história de vida de cada um para que
possamos ajudá-los, orientá-los, ensiná-los, principalmente nos anos
iniciais da vida escolar da criança.
Quando falamos em “inclusão de alunos” nos dá calafrios, mas
acredito que desde os tempos primórdios essas crianças existiram, mas
havia famílias que não levavam essas crianças para as escolas, iam
um pouco e tiravam, pois não havia obrigatoriedade.
Nos meus trinta e dois anos em que estive em sala de aula, eu
acredito que sempre tive estudantes com Necessidades Educativas
Especiais – NEE, alguns sem diagnósticos no início da carreira e
ultimamente já chegavam diagnosticados.

83
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

O que veio favorecer nosso trabalho, pois já procuramos fazer as


adaptações curriculares necessárias, estudarmos sobre o que podemos
fazer para ajudar, procurar pessoas capacitadas para nos ajudar e
para modificar nossos encaminhamentos para favorecer esse estudante.
Quando temos a família presente, nos auxiliando e até aceitando
o seu filho com NEE fica bem mais fácil para conseguirmos avanços
na aprendizagem dos mesmos. Não posso dizer que ter um estudante
com NEE em sala é fácil, requer muito mais trabalho e até muitas
vezes você acaba deixando de dar atenção aos outros alunos que não
necessitam muito de seu apoio.
Quando lecionava sempre tive algum aluno com NEE e infelizmen-
te sempre estive sozinha com estes estudantes, pois naquele momento
não tínhamos legislações que amparassem este aspecto, hoje observo
que muitos estudantes têm um profissional de apoio em sala.
Mas não há nada que pague quando você vê esse estudante o
qual você tanto trabalhou, se dedicou, chorou e não desanimou estar
atrás de seu sonho.
Pra mim sempre foi um prazer ter alunos que me desafiavam,
alunos que precisavam do meu papel como professora, pois no final
de cada ano letivo esses alunos nos dão muitas alegrias através de
seus avanços.”

84
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

Uma história de superação contada


pela própria pessoa. “As minhas
vitórias começam já na gestação”
Bianca Oliveira

Araucária – Brasil, 2020.


Bianca Oliveira
biancaoliver6.oliveiramellogvt@gmail.com

“As minhas vitórias começam já na gestação. Minha mãe Cristine,


no dia do ultrassom, já ficou sabendo que eu teria uma má formação
no intestino.
Após o meu nascimento passei por várias cirurgias, fiquei até
na incubadora. Foram várias tentativas para que o meu intestino
funcionasse. Os médicos falaram que não sabiam se eu iria resistir às
cirurgias, pois todas eram de risco e até os médicos ficaram surpresos
com a minha recuperação.
Quando voltei para casa, os cuidados ficaram por conta dos meus
pais, as visitas que iam me conhecer não podiam me pegar. Eu era
muito chorona e ainda cabia na palma da mão do meu pai. Não me
alimentei com leite materno, somente na mamadeira.
Durante a minha vida tive vários acompanhamentos pedagógicos,
pois nasci com má formação e passei por vários problemas, sendo eles
de desenvolvimento e aprendizagem, como psicomotricidade, dificul-

85
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

dades na leitura e escrita. Eu contava nos dedos e tinha dificuldades


em montar legos e jogos em geral.
Precisei de ajuda de especialistas para auxiliarem no meu de-
senvolvimento. Entre eles, eu destaco que fiz atendimento em Sala de
Recursos, Psicopedagoga, Neuropediatra, Neuropsicóloga, Psicomo-
tricidade e Psicóloga.
Hoje estou cursando o segundo grau e acredito que foi devido
ao auxílio de todos estes profissionais, além do apoio que eu tive dos
meus professores em sala de aula.
Tenho que confessar que diversas vezes sofri bullying durante
toda a minha escolaridade, chegando até a encontrar chicletes colado
no meu cabelo durante a aula. Nem eu e nem as pessoas que estavam
ao meu redor percebiam. O ano que eu posso dizer que foi o pior, foi
o primeiro ano escolar, onde eu estudava em uma escola particular.
Como ninguém resolveu tal situação precisei mudar de instituição.
Em outra fase da minha vida sofri bullying virtual, ou seja, passei
por inúmeras situações que eu não desejo a ninguém.
Como eu disse anteriormente, eu passei por vários especialistas
e um deles me inspirou na minha formação de docente. Quando me
formar vou cursar psicopedagogia em homenagem à Monaliza Haddad.
O mais importante é que hoje eu vivo feliz com os meus pais e
com o meu namorado.”

Os depoimentos a seguir são frutos de um trabalho de investigação


que iniciei em 2015.

86
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

O desenvolvimento marcado numa


visão de temporalidade 2015 a
2020 dos alunos com diagnóstico
da Síndrome do X Frágil – SXF

E m 2015, tive o imenso prazer em realizar entrevistas semiestru-


turadas com as famílias em relação aos dados pessoais, idade do
diagnóstico, aspectos educacionais e como foi o processo de inclusão
destas crianças. Todas as entrevistas realizadas em 2015 foram com
famílias que apresentavam e apresentam filhos com a Síndrome do X
Frágil, no qual esclareço:

A designação X Frágil deve-se a uma anomalia num


gene localizado no cromossoma X, por apresentar
uma falha numa das suas partes. Sendo considerada
uma perturbação do desenvolvimento de etiologia
genética. O cromossoma X está presente no par de
cromossomas que determinam o sexo, ou seja, XX
nas mulheres e XY nos homens, tendo como causa
o comprometimento mental com caráter hereditário
em seres humanos e abrange um amplo espectro de
desenvolvimento físico e comportamental. Haddad
(2019, p.37).

Em 2020, recorro a algumas famílias que tenho o privilégio de


estar em contato e, juntos, atualizamos os dados no que se referem ao
desenvolvimento das mesmas.

87
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

Todos os depoimentos a seguir foram transcritos, através da entre-


vista no ano de 2015 e complementado pelas próprias famílias em 2020.
Nas entrevistas foram abordados os dados de identificação (con-
tendo idade, gênero e número de filhos) e os conteúdos explorados
foram: caracterização da criança, Educação Infantil, Ensino Regular,
diagnóstico, mutação, se teve acesso a intervenção precoce, característi-
cas das crianças em relação aos aspectos de linguagem, comportamento,
socialização e cognição. Na última parte, foram explorados aspectos
relacionados com a inclusão escolar, como: expectativas, impacto da
escola, receptividade, acesso aos recursos, aprendizagem, reprovações,
aspectos positivos e negativos sobre a inclusão e opinião da família
sobre a inclusão, de forma abrangente.
O aspecto fundante neste processo é pensarmos nas superações
e nas dificuldades ainda enfrentadas pelas famílias neste período de
cinco anos: 2015 a 2020.

88
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

“E quando cá já não tivermos, tento


não pensar muito nisto. Não vale a
pena. De resto tento viver um dia
após o outro”
Miriane Mello

2015
Barreiro – Portugal, 2015.
Transcrição da entrevista de Miriane Lima
Mello por Monaliza Haddad

Miriane Lima de Mello relatou que seu filho teve o diagnóstico


da Síndrome do X Frágil com oito anos, o CGG foi acima de 200. Sua
vida escolar iniciou frequentando a Educação Infantil, com a creche e
depois a pré-escola.

“O apoio da intervenção precoce iniciou-se aos três anos, teve


acesso a terapeuta ocupacional e terapeuta da fala. Fora da escola
fez hipoterapia e natação, onde era pago à parte.
Sua linguagem iniciou-se com dois anos e meio, falava uma ou
duas palavras. Teve também o laudo TDAH e toma medicamento. O
uso de medicamento começou na primária, aos sete anos, fazendo uso
de Respiridona, Ritalina e também Rubifen. Ele só usa na escola e as
professoras notam a diferença.
Em relação à socialização ele é ótimo, fala com toda gente. Não
gosta de lugares com muito barulho, não chega a ter pânico. Quando

89
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

está nervoso faz movimentos repetitivos, fala várias vezes a mesma


coisa, antes não aceitava a quebra de rotina. Sempre eu e a terapeuta
explicávamos uns dias antes o que ia acontecer.
Alimentação é complicada, escolhe certos alimentos, não come
os verdes. Etiquetas das roupas o incomodam, ele tira os atacadores
dos tênis, desabotoa a calça e antigamente arrumava os chinelos na
sequência, agora são os tênis que precisam estar desamarrados.
Ele é meu e do pai, é o único que vai estar sempre aqui. Tem dois
irmãos por parte de pai e o irmão mora com a gente, então o irmão o
ajuda a se desenvolver porque ele imita muito o irmão, ele está sempre
com o irmão.
A minha expectativa em relação à escola foi que eu percebia as
dificuldades no segundo ano, senti que ele poderia estar ficando para
atrás na leitura, queremos que no mínimo eles sejam alfabetizados.
Cognitivo, tem um atraso significativo, ele tem muita resistência nesta
área.
Quanto às escolas onde ele estudou, optei sempre por estar perto
de casa. Na primeira classe foi por indicação da terapeuta ocupacional,
que está com ele desde os três anos e é a coordenadora do Centro de
Recursos para a Inclusão – CRI.
Foi bom o acolhimento dele na escola, os colegas sempre o aju-
daram muito, tanto que às vezes até as lições faziam por ele. Acom-
panhavam na casa de banho. Quanto aos pais dos colegas de classe
nunca tive contato.
Quanto às professoras, normalmente eram duas de Educação
Especial e duas auxiliares, que os acompanhavam quando precisavam,
até para ir para a sala de aula.
O currículo sempre foi adaptado e para mim as aprendizagens
mais importantes que ele fez na escola foram as que envolviam inde-
pendência, se tornou mais independente, a partilhar as coisas dele, a
fazer coisas em grupo e, principalmente, a saber esperar a sua vez.
O didático, vai aprendendo o que consegue. Isso não é o mais

90
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

importante, ainda falta. O que mais o ajudou a superar as dificulda-


des foi a minha perseverança como mãe e a vontade das pessoas que
estavam perto dele.
A qualidade da escolarização do meu filho sempre foi boa, nunca
teve reprovações, pois quando se tem o currículo adaptado, isso não
acontece. Ele se sente bem, gosta da escola e eu sinto segurança na
escola e nos profissionais.
Sobre a inclusão escolar do meu filho, sinto dizer que falta muito
para ser inclusão como deve ser. Sinto-me abençoada ainda.
Os principais direitos das pessoas com o diagnóstico de Síndrome
do X Frágil devem ser em relação à inclusão e em relação ao futuro,
que não é só a escola. Mas, depois que é o pior, com a entrada para
o mercado de trabalho, estamos há anos-luz atrasados neste aspecto
aqui em Portugal e não temos nem previsão sobre isto. Depois dos
dezoito anos como é que é, não é ir para um centro, eles podem se
tornar pessoas ativas, eles têm capacidades para isso.
Minha preocupação é quando cá já não tivermos, tento não pensar
muito nisto, não vale a pena. De resto tento viver um dia após o outro.”

91
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

“Meu filho adora ir para a escola e


vai sempre muito feliz, ele se sente
totalmente inserido no contexto
escolar”
Miriane Lima de Mello

2020
Barreiro – Portugal, 2020.
Miriane Lima Mello
mirianemello@hotmail.com

“Atualmente o meu filho está com quinze anos com Síndrome de


X Frágil. Vou tentar contar um pouco as rotinas dele na escola, na
qual frequenta o 10º ano de escolaridade. Moro em Portugal e aqui a
escolaridade é obrigatória para todos até o 12º ano.
O Gabriel frequenta uma escola regular pública, como foi sempre
desde o jardim de infância. Está inserido em uma sala de Educação
Especial (multideficiência) e tem um currículo adaptado conforme as
particularidades dele.
Na escola tem judô adaptado, natação e hipoterapia. Não está al-
fabetizado, escreve o nome e reconhece as letras no computador. Ainda
na escola neste ano escolar 2019/2020 começou o Plano Individual
de Transição – PIT, dentro do que a escola tinha para oferecer ele se
enquadrava de acordo com os gostos dele em jardinagem.
O Gabriel embora não tenha sido alfabetizado, tem um ótimo

92
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

desenvolvimento, e é muito independente, convive bem com todos,


sempre nos acompanhou em tudo. Posso dizer que é um menino doce,
amigo e sempre está preocupado com os outros.
Tem muita independência dentro da escola, se movimentando de
uma sala para outra sem nenhuma dificuldade. Neste momento a única
aula que ele acompanha junto com o restante da sua turma do 10º ano
à qual pertence é a de Educação Física.
O Gabriel adora ir para a escola e vai sempre muito feliz, ele
se sente totalmente inserido no contexto escolar. Ainda conta com o
apoio da Terapeuta Ocupacional uma vez na semana a qual trabalha
com as Atividades da Vida Diária – AVD, psicóloga e dois docentes
de Educação Especial.
Vou tentar descrever agora o
dia a dia dele fora da escola. O Ga-
briel está a passar pela adolescência
e como todos sabem este processo
nunca é fácil. Em casa adora estar
no espaço do seu quarto, gosta muito
de ver televisão e de estar no iPad,
adora bonecos de super-heróis.
Em casa ajuda a arrumar seu
quarto, confecciona seu lanche sozi-
nho e está responsável por alimentar
o cão.
Um dos fatores que acredito
estar a ajudar muito no desenvol-
vimento e na independência do
Gabriel talvez seja o fato de nunca
o tratarmos diferente dos outros
meninos e dos irmãos.
No início, para ir a um res-
taurante, por exemplo, era muito

93
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

difícil, mas com muita paciência e perseverança e alguns olhares de


lado pelas pessoas, superamos e é claro o qual nunca ligamos. Hoje o
Gabriel adora ir jantar fora e é capaz de estar num jantar de amigos
e conversar e conviver com as pessoas, coisa que há alguns anos isso
era quase impossível.
Continuamos a trabalhar com o desenvolvimento dele e acredito
que nunca acabe este trabalho, por acreditar que devemos estar sempre
incentivando e puxando por ele.”

94
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

“A escola em relação à minha filha


sempre foi fantástica”
Filomena Silva

2015
Pombal – Portugal, 2015.
Transcrição da entrevista de Filomena Silva por Monaliza
Haddad

O diagnóstico da Síndrome do X Frágil foi durante o pré-natal,


porque quando engravidei veio o diagnóstico de que meu filho Ale-
xandre tinha SXF, então passaram quinze dias e fiz o teste, e descobri
durante a gravidez.
Em relação à idade do início da escolarização do Ensino Regular
foi aos seis anos e não apresentou a necessidade de adiamento de ma-
trícula, pois os terapeutas e os médicos relataram que em relação ao
desenvolvimento não seria necessário repetir. Mas, mais tarde achamos
que se tivesse tido o adiamento teria sido melhor. Eu tinha dúvida na
época, ela é de dezembro, mas, toda a gente achava que ela estava
motivada para ir para o Ensino Fundamental, ao nível cognitivo todos
achavam que seria bom.
Ela nunca precisou da Intervenção Precoce, ela teve um desen-
volvimento igual ao das outras crianças, o que ela tinha de dificuldade
era na disciplina de matemática, a educadora dizia que o abstrato da
matemática é que era difícil para ela.
Ela entrou na escola como os outros colegas de classe, com todos

95
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

os conhecimentos que precisava ter. No 1º ano correu bem e depois


começamos a ver que precisava de apoio, então no 2º ano teve o pro-
fessor de apoio, mas nunca teve necessidade de professor de Educação
Especial.
Posso dizer que tem dificuldades e é uma menina que se pudesse
não pegava muito nos livros.
Como ela tem o diagnóstico de déficit de atenção, iniciou o uso
do medicamento Rubifen e com o passar do tempo mudou para o
Concerta. Eu sinto diferença quanto ao uso do medicamento, quando
falamos com ela sobre o medicamento ela diz que não teve boas notas
e nós sempre justificamos que o medicamento não vai estudar e que
para isto vai ter que partir dela. Ela própria afirma que quando não
toma o remédio ela é outra criança, para ela uma parede em branco
é suficiente para se distrair.
Ela é parecida com o pai, ele é uma pessoa de poucas falas e essa
é uma característica dele, apenas o contato visual que tem alturas que
não faz.
As expectativas que tenho sobre ela é que vá conseguindo. Não
precisava ser excelente, mas tivesse bons resultados.
Quando encontra uma dificuldade, parece que vai desistir, ela tem
muita ansiedade. Bloqueava em certos momentos e a professora não
conseguia ajudá-la, então pedia ajuda para a professora de apoio,
que fazia a pergunta de outra forma e passava à frente. Assim, ela se
soltou um pouquinho.
Quando começavam os testes, lá estava ela com dores de barriga,
ar de quem vai vomitar. Eu não sabia se ela estava nervosa devido a
isto, ou devido a outras questões, até que ela dizia que era por causa
do teste de inglês. Inglês também era uma disciplina que ela começou
a ter melhores notas, quando ela quer manter a nota ela estuda, mas
geralmente tem consciência de que às vezes não estuda o suficiente.
Era uma guerra sempre para ela estudar.
A escola em relação à minha filha sempre foi fantástica, tratavam

96
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

ela por ela. A escola demonstrou sinais de envolvimento em relação à


superação das dificuldades apresentadas. Foi até realizada uma ava-
liação adequada com as medidas de acordo com as necessidades dela.
A reação dos colegas de turma e dos pais em relação à minha
filha sempre foi normal.
Quanto ao currículo, nunca precisou de alterações, tem apenas
medidas específicas, como mais tempo para fazer os exames, adaptação
nos testes e tem apoio normal que qualquer aluno que necessite tenha.
Quanto às aprendizagens mais importantes que ela fez na escola,
para mim foi a socialização, considero sempre importante, assim como
a leitura, a escrita e os conhecimentos.
O que mais ajudou a superar as dificuldades na sua vida escolar
foi todos os acessos que teve. Teve uma explicadora de matemática
particular que dá explicações, mas a dificuldade é perceptível, como
tem as tardes livres ela vai sozinha de autocarro.
Quanto às aprovações escolares, todos os anos passa de ano, mas
sempre no limite, antes na primária tinha satisfaz sempre, parecia mais
fácil que nos anos finais de escolarização.
Quanto à inclusão, posso afirmar que a da minha filha sempre
correu em um ritmo normal, nem foi considerada como inclusão, pois
ela tem menos dificuldades que o meu filho. Dela as pessoas falam
mais do déficit de atenção.
Acredito que os principais direitos das pessoas com diagnóstico
deveriam ser o acesso a apoios para as crianças que têm dificuldades,
mas nosso ensino está direcionado aos bons, e àqueles que precisam
de ajuda, sinto que o estado não pensa nisso.

97
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

“O ano que ficou retida fez-lhe


bem, cresceu, amadureceu e
deixou de recear aquela grande
mudança. Não foi de todo um ano
perdido, mas sim um ano ganho
em aprendizagens e maturidade”
Filomena Silva

2020
Pombal - Portugal, 2020.
Filomena Silva
f.afonso.silva@gmail.com

Laura em 2017 parou de tomar medicação, entre os doze e treze


anos, deixou de ser útil.
Gosta das aulas, mas detesta estudar em casa. Gosta de trabalho
individualizado e tem explicadora de matemática e gosta muito das
aulas com ela.
No nono ano reprovou, estava com muitas dificuldades em portu-
guês e matemática, as professoras também não ajudavam muito, pelo
contrário, a nível de turma, não apenas com a Laura. Além disso, teve
uma explicadora diferente e nunca se adaptou.
A mudança para o décimo ano implicava nova escola, escolha
de área a seguir e ela não estava preparada. Dado que com negativa

98
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

a estas duas disciplinas, se reprova, eu não quis que ela fosse à se-
gunda fase de exames e pedi que reprovasse, com a opinião favorável
da psicóloga da escola e da professora de apoio, contra a instituição
escola que não quer reprovações.
Ficou mais um ano, quase sem apoios, pois os alunos como a
Laura com algumas dificuldades, mas que conseguem acompanhar o
percurso do regular cada vez têm menos apoios, por falta de recursos
humanos.
Conseguiu ser aprovada, com apoio das novas professoras de
português e matemática e de volta à explicadora de matemática inicial
que é paga por mim.
Está agora no décimo ano, num curso profissional de desporto e
vai conseguindo, uns dias mais esforçada e outros menos.
A Laura nunca precisou de terapia da fala ou ocupacional, teve
sim ao longo dos últimos anos algum apoio de Psicologia, porque quis
e sentia que lhe fazia bem, tanto na escola como no particular. Mantém
a explicação à matemática.
Tem amigos, adaptou-se bem à nova escola. O ano que ficou retida
fez-lhe bem, cresceu, amadureceu e deixou de recear aquela grande
mudança. Não foi de todo um ano perdido, mas sim um ano ganho em
aprendizagens e maturidade.

Em 2015 realizei uma investigação sobre Laura, irmã de Alexan-


dre e ao conversar sobre o desenvolvimento de Laura, muitos aspectos
foram abordados também sobre o irmão, portanto, no depoimento a
seguir temos os dados do Alexandre, que já foi muito citado na entre-
vista anterior de sua irmã.

99
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

“Cresceu sem sentir que era


diferente. Ele é como é, ajuda os
que têm mais dificuldades que
ele, com muita naturalidade, pede
ajuda quando precisa e sabe que
tem sempre alguém que estará lá
pra ele”
Filomena Silva

2020
Pombal - Portugal, 2020
Filomena Silva
f.afonso.silva@gmail.com

“O Alexandre, com quase quatro anos, teve o diagnóstico da SXF,


mas desde os quatro meses começou a frequentar uma ama. Aos dois
anos e meio foi para a creche/infantário onde ficou até aos seis anos.
Entrou na “escola primária” com seis anos, nunca reprovou. Fez
o percurso desde o primeiro ano até ao décimo segundo ano, com um
currículo específico individual, pois desde cedo demonstrou atraso no
desenvolvimento a nível cognitivo e da motricidade.
O impacto diante do diagnóstico foi de muita surpresa. Alexandre
tinha atraso na fala, andou tarde, com dezoito meses, mas era uma
criança ativa e bem-disposta. Aceitamos e tivemos mesmo de seguir

100
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

em frente, pois pouco depois de ter o diagnóstico descobri que estava


grávida.
Interagia bem, mas não gostava muito de estranhos até ter entrado
na creche e se habituar a estar com muitas mais crianças e adultos.
O meu filho era o mesmo, nunca fui de pensar demasiado no futuro
e a minha filosofia é viver um dia de cada vez.
O Alexandre começou a fazer terapia da fala com cerca de três
anos, pois dizia apenas quatro ou cinco palavras. Foi sempre acom-
panhado de terapia e ainda hoje com vinte e um anos faz terapia da
fala, onde trabalha a fala e também a leitura e a escrita. Ele tem esta
terapeuta há muitos anos e tem com ela uma ligação forte, pelo que
para ele é uma rotina especial. Esteve dois meses sem terapia agora
com a situação do COVID 19 e quando soube que ia regressar ficou
feliz, correu muito bem com máscara e tudo.
O Alexandre teve apoio desde os três anos no infantário, uma
educadora ia trabalhar com ele várias competências algumas horas
por semana.
A partir dos seis anos teve sempre aulas de apoio, ensino adapta-
do às necessidades e capacidades dele, sempre em contexto de turma,
saía para algumas aulas fora da sala para reforço de aprendizagens. A
partir do quinto ano apenas ia à turma do regular para as expressões
(educação física, música, educação visual e outras do género).
No Ensino Especial tinha aulas das outras disciplinas (matemá-
tica, português, conhecimento do mundo e outras) com outros alunos
com capacidades equiparadas. Ele sempre gostou das aulas, quanto
mais individuais, melhor. Gosta da atenção dada individualmente e
acaba a focar-se e trabalhar mais. Assim continuou até ao décimo
segundo ano, acabando a escola com dezoito anos.
As características que apresenta são atraso de linguagem, movi-
mentos repetitivos com algumas estereotipias, o flapping quando vê
televisão e se entusiasma com o que está a assistir e o atraso cognitivo.
Também posso dizer que apresenta dificuldade em compreender

101
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

o que foi solicitado, por vezes temos de explicar de novo, com a exci-
tação de fazer algo se confunde. Mas só se for algo fora do comum.
Dificuldades de atenção, ele é muito atento, especialmente quando
pensamos que está no mundo dele. Mas tem dificuldade em concentrar-
se em tarefas mais longas e mais específicas, quando não o conseguem
cativar para elas.
Em algumas situações apresenta deficiências persistentes na co-
municação e interação social, com limitação na reciprocidade social
e emocional, por vezes quando encontra pessoas que conhece ou de
quem gosta muito, fora do contexto habitual tem dificuldade em inte-
ragir e foge da situação.
Apresenta limitação em iniciar, manter e entender relacionamen-
tos, variando de dificuldades com adaptação de comportamento para se
ajustar às diversas situações sociais e insistência nas mesmas coisas,
não é inflexível com rotinas, se lhe explicarmos e o prepararmos para
a mudança de rotina ele aceita e entende. Por exemplo, o escape nes-
ta quarentena, que já vai em mais de dois meses, são as caminhadas
pelas ruas e caminhos nas aldeias e matas. No fim do meu trabalho é
um escape para ele e para todos nós, mas por vezes está de chuva, eu
estou cansada ou tenho outras tarefas importantes, eu explico e ele
aceita e entende.
Já foi muito sensível aos sons, especialmente nas festas das cida-
des aldeias, os foguetes, o fogo de artifício, os concertos com colunas
de som fortes, a música dos carrosséis. Conseguiu superar isso por
gostar muito de música, de andar de carrossel e de querer ver a beleza
do fogo de artifício ao vivo.
Ele foi para a ama com quatro meses, eu estava receosa, mas co-
nhecia bem, pois, era minha vizinha e ele adaptou-se bem. Demonstrou
ser uma criança de difícil adaptação a adultos, sendo a ama o único
adulto em casa que ele aceitava, o marido da ama ajudava muito, mas
nunca conseguiu ficar sozinho com o Alexandre num espaço, a tomar
conta dele, ele só queria a ama.
A ama era conhecida e não havia vaga na creche. Depois, quando

102
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

abriu uma nova creche eu não hesitei em mudar. Ele precisava de um


espaço com mais pessoas, mais crianças e adultos, para melhorar a
socialização, pois com dois anos e meio continuava a só estar comi-
go, com o pai, a ama e a avó materna. Gostava das outras pessoas
da família, mas tinha de estar um de nós na mesma divisão que ele.
Houve a necessidade de mudança de escola do infantário para
a escola primária. Fez do primeiro ao nono ano na mesma escola.
Depois mudou de escola para fazer o secundário que é o equivalente
do décimo ao décimo segundo.
Posso dizer que no infantário onde estava quando teve o diagnós-
tico, a atitude dos professores sempre continuou tudo igual em relação
a ele, sempre foi acarinhado e apoiado nas suas dificuldades. Ao ter
o diagnóstico entendemos vários comportamentos e isso ajudou. Mas
não houve qualquer mudança pela negativa. Pelo contrário.
Ao chegar à escola primária a professora receou não saber lidar
com ele, pois nunca tinha tido na sala uma criança com aquele diag-
nóstico ou até dentro do Transtorno do Espectro Autista. Mas adap-
taram-se ambos muito bem. O “Xande” surpreendeu pela positiva,
ficou bem logo no primeiro dia e feliz com a mudança para a escola
dos crescidos. As professoras foram sempre excepcionais, tal como as
auxiliares, que prepararam a turma para apoiar e serem amigos das
duas crianças com deficiência que frequentavam as aulas com eles.
A mudança para a Escola Secundária, também correu bem, quem
estava a trabalhar diretamente com ele estava motivada e empenhada.
É uma escola muito grande, onde a deficiência ainda era novidade,
com muitos professores ainda a não saber lidar, mas com muitos outros
com muita vontade para encarar estes novos desafios.
Sempre fomos bem acolhidos na escola, sempre tivemos Terapia
Ocupacional –TO apoio por parte dos professores que lidavam mais
diretamente com o Alexandre.
A escola demonstrou sinais de envolvimento em relação à supera-
ção das dificuldades apresentadas, o Currículo Específico Individual

103
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

– CEI, era feito com base na potenciação das suas capacidades a fim
de que ele tentasse superar as suas dificuldades. Os recursos nunca
foram o suficiente nem humanos e nem os materiais, posso afirmar
que nunca são, mas sempre houve esforço por parte de todos os pro-
fissionais de fazer o seu melhor, pelo melhor dos alunos.
A reação dos pais em relação ao seu filho no primeiro ano, não
foi muito boa. Recearam que os seus filhos fossem prejudicados na
aprendizagem por haver crianças com Necessidades Educativas Es-
peciais na sala. A professora e os alunos encarregaram-se de incluir
o Alexandre e uma amiga o que fez os pais perceberem que todos se
beneficiam da inclusão.
Teve bons professores de apoio na escola primária. Excetuando
um que não tinha vocação para ser professor de apoio, muito menos
do Ensino Especial, não tinha a melhor abordagem para cativar os
alunos e conseguir trabalhar com eles, nunca tendo conseguido en-
tender o Alexandre e perceber a melhor forma de trabalhar com ele.
Nessa época havia professores que iam dar apoio e ensino especial,
sem terem a formação devida, apenas porque não tinham vaga na área
deles, este era professor de educação física.
A partir do quarto ano, todos os professores tiveram de escolher
que vertente deveria seguir: Ensino Especial ou Regular. A partir daqui
o Alexandre teve sempre professores do ensino especial, vocacionados,
esforçados e muito dedicados com currículo específico individual.
As aprendizagens mais importantes que ele fez na escola, a socia-
lização acho que foi a mais importante. Sabe ler e escrever um pouco,
mas não sente necessidade de aprender, então nunca se esforçou. Na
escola cresceu, superou medos, fez amigos entre os alunos, professores,
técnicos e participou sempre de inúmeras atividades como: acampar
uma semana inteira fora da nossa cidade. Sempre foi acarinhado e
bem recebido em todas as atividades.
É um jovem adulto feliz e bem integrado graças a todas as pessoas
fantásticas que o ajudaram no seu percurso escolar e atividades de
tempos livres. A dedicação de pessoas maravilhosas, que o ajudaram,

104
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

que ensinaram as outras crianças a verem-no como um igual, que às


vezes precisava de ajuda, que precisava que tivessem um pouco mais
de tolerância em certos comportamentos. Estas crianças e jovens
cresceram mais preparados para lidar com a diferença, porque houve
quem soube lidar com ela da melhor forma para todos.
A qualidade da escolarização do Alexandre foi boa, mas poderia
melhor se não tivesse tido um professor de apoio que não sabia lidar
com ele. Mas, depois penso que ele aprendeu o que mais lhe fazia falta.
Gostava que ele escrevesse e lesse melhor, que soubesse bem lidar
com dinheiro. Mas, apesar de todo esforço ainda não conseguimos
isso. Considero que teve uma boa escolarização, dentro do possível.
Acima de tudo teve na sua maioria pessoas que se preocupavam em
chegar até ele.
A inclusão do Alexandre correu sempre bem, a inclusão faz com
que as crianças neurotípicas aprendam a lidar com crianças com de-
ficiência e assim se tornarem jovens e adultos melhores.
O Alexandre cresceu sem sentir que era diferente. Ele é como é,
ajuda os que têm mais dificuldades que ele, com muita naturalidade,
pede ajuda quando precisa e sabe que tem sempre alguém que estará
lá para ele. Por isso é um grande mimado e cativa quem o rodeia.
Os pontos fracos da inclusão do meu filho são algumas pessoas,
nomeadamente professores do ensino regular, que não querem ver e
ignoram estes meninos, uns porque acreditam que dá trabalho, outros
porque não estão minimamente sensibilizados e a deficiência para eles
ainda é um bicho-papão ou algo que não lhe bateu à porta.
O Alexandre sempre soube ignorar essas pessoas, passava à frente
com a ajuda de todos os outros e de muitos que se importaram, que
se esforçaram e até hoje demonstram grande carinho por ele, e ele
sabe retribuir.
Na globalidade a inclusão foi bastante boa, o saldo é positivo, até
a nível do secundário, pois o Alexandre já apanhou a lei da escolari-
dade obrigatória até aos dezoito anos. Ele foi do segundo ano após

105
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

essa lei e os pais dos alunos do primeiro ano já tinham desbravado


muito mato e exigido mudanças.
Para mim os principais direitos das pessoas com Necessidades
Educativas Especiais – NEE deveriam ser a equidade de ensino, opor-
tunidades e qualidade de vida. Falta muito para se chegar lá. Uns têm
mais oportunidades que outros e até conseguem mais apoios.
Há muito trabalho a desenvolver, mas a mudança já foi grande re-
lativamente a um passado ainda recente e a mudança é feita de pessoas.

106
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

“A minha maior preocupação é que


mais tarde eu falte e ele não tenha
mais ninguém”
Sylvie Teixeira da Cunha

2015
Felgueiras – Portugal, 2015.
Transcrição da entrevista de Sylvie Cunha por Monaliza Haddad

Com dezoito meses teve o diagnóstico da Síndrome do X Frágil


e com esta mesma idade começou a frequentar a Educação Infantil.
Precisou de outros apoios, desde os 18 meses teve sempre apoio com
terapeuta da fala, terapeuta ocupacional, sala de snoezelen e psicóloga.
Em relação às suas características, apresentou atraso de lingua-
gem, dificuldade de socialização, quando bebê apresentava movimentos
repetitivos e só começou a sentar-se com um ano. Tem mais déficit de
atenção do que dificuldade de entender, principalmente quando está
no mundo dele. Inicialmente a terapeuta da fala pensava que ele era
surdo profundo. Ele estava sempre a brincar com um brinquedo de
roda. Mas isso melhorou com o tempo.
Não comia de tudo. O mastigar era muito difícil, eu precisava
quase fazer a papa no ‘biberon inteiro’ senão ele não conseguia comer.
Ele colocava quase o bolo todo na boca e só no final é que mastigava.
Só para sentir a boca cheia. Come rápido e prefere um prato de sopa
a um prato de doce.

107
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

Não gostava de muito barulho e se for muito barulho chega a


colocar a mão na orelha.
Teve apoio da Intervenção Precoce desde a Educação Infantil e
o apoio da professora de Ensino Especial desde a creche. O primeiro
ano escolar iniciou com sete anos, conforme a terapeuta da fala e a
professora de Ensino Especial aconselharam, ou seja, teve adiamen-
to de matrícula, foi necessário reter na mesma série por estar muito
infantil para o meio dos outros meninos.
No terceiro ano escolar teve equitação, hidroterapia, ginástica
adaptada e desporto adaptado. Quando ele entrou na escola eu tinha
medo de tudo e não sabia nada como ia ser, então não criei expecta-
tivas. Anos atrás tínhamos pouca informação e não sabíamos quase
nada sobre a Síndrome do X Frágil em si.
Escolhemos sempre a escola onde ele estudou, a creche colocamos
no privado, não era obrigatório, mas escolhemos. A escola primária
foi à beira da minha casa, porque eu escolhi. Era pertinho a 100 me-
tros de casa, devido à localização, e também para poder estar a ver
no recreio e por ser uma escola primária tinha mais apoio. Na escola
que começou permaneceu sempre e não sentimos a necessidade de
mudança de escola.
Indicaram-me para colocar meu filho em uma unidade, quando
cheguei lá e vi que lá os meninos tinham muitas dificuldades, eu não
aceitei e saí de lá a chorar.
Então depois teve mais apoio na escola primária e a professora se
habituou. Depois foi medicado e tudo pronto. A professora quando via
que ele estava mais agitado, falava para ele ir brincar lá pra fora. Ele
adorava ajudar que era pra ela gastar energia e dai ficava mais calmo.
Meu filho sempre teve muita interação com os professores do en-
sino especial, mas teve também algumas situações de bullying. Toda
a gente gostava do meu filho, toda gente era amiga dele.
O currículo sempre foi adaptado, o que foi mais útil na aprendi-
zagem para ele foi ensiná-lo a ir às compras, nas quartas-feiras saem

108
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

da escola e vão atravessar a rua, é mais um trabalho para viver na


sociedade, é uma ajuda na inserção na sociedade, não tanto se calhar
tem um trabalho como uma pessoa normal, mas um trabalho adaptado.
O que mais o ajudou a superar as dificuldades foi o computador
e o telemóvel, sendo que, se calhar, mexe mais rápido que o próprio
homem que inventou. Com a tecnologia até a professora consegue
trabalhar melhor com ele, pois, se é para escrever a mão, ele não
escreve, mas no computador ele escreve tudo.
Em relação à inclusão escolar, ele socializa bem com toda a gente.
É sorte dele ser muito sociável, assim toda a gente gosta dele, toda a
gente o conhece na escola. A escola em si, ajudou muito. Muita gente
diz que o SXF não gosta do toque, ele já teve dificuldades, mas já
superou essas dificuldades a até gosta do beijo e do toque.
Ele não olhava muito de frente para as pessoas, agora já olha mais,
se for uma pessoa que conviva olhava olhos nos olhos, para os outros
ele passava os olhos e desviava. Antes nem se olhava no espelho só
olhava assim para ver se tinha o gel bem-posto, depois de um tempo já
se olha no espelho para ver se está bem. Já melhorou em muitas coisas.
Ele não ia às aulas todas, por exemplo, quando é 90 minutos de
aula de matemática só vai a 45 e depois vai para uma sala de apoio
especial com o professor de ensino especial. Ele não fazia as aulas
todas junto com a turma, porque senão era muito pesado. Apenas 45
minutos na sala, porque 90 minutos ele não aguentava. No dia dos
testes fazia com a professora de apoio, não está sempre com os miúdos,
senão era muito pesado para ele.
A inclusão escolar dele não posso dizer que correu mal, teve mais
dificuldades na primária. Depois que entrou para o ciclo, foi mais
tranquilo. Na primária é só um professor e no ciclo é uma disciplina
para cada professor. Não satura o professor e professor também tem
o coração mais aberto com o aluno. Desde que começou no ciclo a
vida ficou mais facilitada para ele.
Eu gostaria que as crianças com diagnóstico de Síndrome do X

109
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

frágil tivessem acesso às terapias que às vezes são cortadas, isso para
o desenvolvimento deles seria o ideal. Mais apoio para o cotidiano e se
calhar deveria existir desde já uma oficina pelo menos para aprender
um trabalho, para ensinar uma profissão.
Ele associa os vizinhos quando recebem as cartas do correio, ele
vê a carta e já sabe de quem é, tem uma excelente memória fotográfica.
Quando as pessoas olham para ele não percebem as caracterís-
ticas da SXF. A minha maior preocupação é que mais tarde eu falte e
ele não tenha mais ninguém.

110
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

“É uma criança feliz”


Sylvie Teixeira da Cunha

2020
Felgueiras – Portugal, 2020
Sylvie Teixeira da Cunha
sylviecunha31@hotmail.com

“O Diogo continua
na escola até 2021, com
o Ensino Especial e está
inserido em uma turma
de Ensino Regular. Con-
ta com o apoio do Ensi-
no Especial e desporto
adaptado, assim como
um currículo adaptado
às suas capacidades.
Hoje ele está com vinte
e um anos e é um menino
feliz.”

111
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

O s depoimentos a seguir também são fruto do meu trabalho de


doutorado, mas este trabalho está vinculado com o trabalho da
professora do Afonso. Acredito na importância do trabalho integrado
e recorro a Fleith e Alencar.

O trabalho integrado com os pais, buscando o al-


cance dos objetivos comuns entre família e escola,
é essencial para prover conheci­mento adequado,
valorizar e demonstrar afeição a essas crianças,
aceitando suas peculiaridades. (Fleith e Alencar,
2007, p. 147/148) citado em Haddad e Chempcek
(2019, p.50).

A família do Afonso sempre buscou um trabalho de forma muito


integrada. Em relação a este, afirmo que “a família e a escola precisam
trabalhar em conjunto, pois as crianças estão em constante movimento
e, quanto maior for a integração entre família e escola, melhor será
para elas”. Haddad (2019, p 64).
A efetivação da articulação família e escola para todos os alunos é
de suma importância. Para o aluno considerado incluído é fundamental,
principalmente para o acompanhamento ao desenvolvimento do aluno
e das questões que ocorrem no quotidiano. Haddad (2019, p 207).
Os depoimentos a seguir são sobre o Afonso, um menino que
teve a oportunidade de uma equipe multidisciplinar estar sempre o
acompanhando e fazendo o melhor por ele.

112
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

Afonso, um exemplo de superação.


O trabalho multidisciplinar foi sempre
um aliado.

Família

Equipe
multidisciplinar Terapia

Escola

113
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

“A escola teve um cuidado em


deixar, na turma, os colegas mais
próximos dele. Para eles, o Afonso
é o Afonso e não há nada ali que
tenha diferença”
Ana Godinho

2015
Almada – Portugal, 2015
Transcrição da entrevista de Ana Godinho por Monaliza Ha-
ddad

“Aos dois anos de idade tive o diagnóstico da Síndrome do X Frá-


gil do meu filho mais novo, que iniciou os seus estudos na Educação
Infantil com três anos.
Ao iniciar seus estudos na Escola Regular foi necessário pedir
adiamento de matrícula, mas avalio que este processo foi pensado
anteriormente com a escola, onde teve toda uma preparação para ISS,
pois, ao percebermos as dificuldades, optamos pelo adiamento para
reforçar as bases e para que ao começar a escola já tivesse superado
questões relativas ao ambiente escolar e de convívio com as pessoas.
O meu filho teve apoio da Intervenção Precoce e este ocorreu
inicialmente em domicílio porque estava na casa dos avós e depois
acompanhou no colégio, principalmente durante o processo de tran-

114
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

sição da Educação Infantil para o Ensino Regular.


Teve sempre o Programa Educativo Individual – PEI e as atividades
foram sempre adaptadas para ele, visando um melhor aproveitamento.
Quanto aos outros apoios recebidos, teve acesso à terapia da fala,
onde não havia respostas da intervenção precoce, devido à falta de dis-
ponibilidade do serviço público por ter muitas crianças. A família fez a
opção por contratar uma terapeuta da fala, sendo que esta profissional
ficou anos trabalhando com o Afonso, no que se refere à linguagem.
Realizou também natação e a família assumiu por ter a percepção
de que era necessário fazer de tudo para tentar todos os estímulos
para ajudá-lo. Fez também Terapia Ocupacional e teve o Apoio de
Educação Especial duas vezes por semana.
Quanto às características, aos oito anos não dominava a fala,
não conseguia ter o discurso por não conseguir formar algumas
frases. Para contar alguma coisa, dispersava-se muito e o diálogo
ficava muito vago, sendo que este processo estava em evolução e que
ocasionalmente perdia-se um bocadinho.
Ficava nervoso, agitava-se e ao ir buscar objetos solicitados,
trazia objetos que não tinham nada a ver com o contexto. Tornava-se
agitado, mas controlável, só se descontrolava quando as coisas saíam
do normal ou das rotinas, isso fazia com que ele ficasse um pouco
mexido.
Sinto muitas vezes que a estrutura educacional não dá o apoio que
deveria dar. Na percepção de mãe era necessário naquele momento da
escolarização ter uma pessoa para ajudar o meu filho, estar disponível
para o que ele precisasse e não tinha, e, quando tinha, essa pessoa
exercia mais 30 funções como a de cuidar do portão, fazer isto ou
aquilo. Deveria ter uma educadora para complementar e não apenas
duas vezes por semana, com diversas funções.
A sua turma da escola sempre teve um bom olhar para ele, aos
colegas não é só o Afonso ser amigo deles, existe uma proteção ao
Afonso, há um companheirismo ele é conhecido pela escola toda e por

115
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

toda a gente, não por ser diferente, todos o ajudam. Aqui as pessoas já
me conhecem do tempo do meu filho mais velho, que andou na mesma
escola, então temos um bom vínculo com a instituição escolar.
A professora Carmem trabalhava em conjunto com a Terapia
Ocupacional e com a Terapeuta da Fala, as pessoas sempre fizeram
o melhor possível. Um exemplo disso é o trabalho realizado pela pro-
fessora Carmem, que está sempre agindo com o coração e faz tudo
mesmo que é possível, posso até dizer que foi o diferencial na sua vida.
Nas questões cognitivas, Afonso nesta fase vem apresentando al-
gumas dificuldades na psicomotricidade fina e algumas outras questões
da aprendizagem fazem com que o resto das coisas não esteja ainda
como deveria estar de acordo com a sua idade.
Aos oito anos já fazia o nome dele, usava com letra de máquina,
mas a forma do desenho do corpo humano ainda era com pernas,
braços às vezes, e umas bolinhas.
Embaralhava-se nas letras e com os números também. Relaciona-
va letras com o nome dos bolos, faz muito com os bolos. Ele se interes-
sou e vamos por aí, é a forma que eu como mãe comecei a estimular.
Uma das características de Afonso é que adora música, o barulho
não o incomoda. Antes de dois anos, tinha um cubo e ficava horas re-
petindo o mesmo movimento, só fazia aquilo, não tinha interesse por
nada, só fazia aquilo. Hoje gosta de várias coisas musicais.
Quanto à alimentação, come de tudo, fez uso de medicação contí-
nua de Rubifen, onde o medicamento inicialmente deixou-o um pouco
apático e apresentou perda de apetite. Por duas semanas ficou mais
parado, depois tudo normalizou. Aos oito anos fazia uso de um compri-
mido, este tinha o efeito de duração de quatro horas, mas fizemos uma
reunião entre escola e a família e achamos que não precisava mudar a
medicação. Chegamos à conclusão também de que o período da manhã
era, naquele momento, o mais importante para o seu aprendizado e
que no início do ano letivo seguinte iríamos fazer uma nova avaliação
para ver se precisava alterar. Segundo a médica, a medicação deveria

116
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

ser um complemento para ajudar na sua atenção, pois ele percebe


a sua dificuldade e acaba por ficar um pouco frustrado; embora se
disperse, quer fazer o que os outros colegas da classe estão fazendo.
Sobre as expectativas que tinha antes da entrada na escola, vamos
aguardar para ver o que ele vai conseguindo, pois jamais deveríamos
ter expectativas.
Em relação aos critérios para a escolha da escola para o início
do processo de escolarização, consideramos a localização, por ser a
mesma escola do irmão e pela escola ter bons indicadores. Apesar de
Afonso ser diferente, também foi considerado que esta escola não tem
um ambiente escolar muito grande.
Ao iniciar o processo de escolarização, a atitude inicial do pro-
fessor e da escola em relação ao Afonso foi a melhor possível. Foi a
professora Carmem que escolheu a turma e estava ciente de que teria
o meu filho como aluno, este aspecto fez com que nos sentíssemos bem
acolhidos pela escola e pelos professores.
Em relação à reação dos colegas de turma e dos pais foi sempre
tranquilo e nunca tivemos problemas. Quando veio para esta escola
aceitaram ele como uma criança com algumas dificuldades.
A escola teve um cuidado em deixar na turma os colegas mais
próximos dele. Para eles o Afonso é o Afonso e não há nada ali que
tenha diferença.
Teve acesso ao professor de apoio da Educação Especial por
apenas uma hora e em dois dias por semana, mas por um tempo ficou
afastada, sendo que por este motivo o vínculo fica mais restrito e a
adaptação fica mais difícil.
Nestes anos todos encontrei algumas professoras que não sabiam
o que era a SXF e também professoras que não estavam abertas para
partilhar e sempre foi como se ele tivesse que em alguns momentos se
adaptar à estrutura e não a estrutura se adaptar a ele.
No início do ano letivo, em alguns momentos, reagia muito mal
quando encontrava algumas professoras com as quais ele ainda não

117
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

tinha vínculo, mas as professoras sempre mudavam a abordagem para


uma melhor socialização.
O currículo sempre foi adaptado e para a família as aprendizagens
mais importantes que ele fez na escola foram na busca da autonomia.
Aos oito anos a família esperava que ele aprendesse a ler e a escre-
ver. É claro a leitura e a escrita são sempre importantes. Mas, para falar
a verdade todas as aprendizagens eram importantes e tudo vai ajudar.
Na minha opinião, o que mais o ajudou a superar as dificuldades,
foram os bolos e as orientações dos terapeutas. Sempre trabalhavam
a coordenação motora, íamos para a piscina e tentávamos por em
prática um bocadinho, seguimos sempre o que os terapeutas nos pe-
dem para fazer.
Outro ponto considerado importante foi a maneira de falarem com
ele, tentando sempre perceber se ele compreende. Ele tem que ouvir
o não, então é importante usar estas formas para que a compreensão
aconteça.
A qualidade da escolarização, foi sempre muito boa, não fazem
mais porque em alguns momentos isto não está ao alcance deles, dão
mais do que podem, fazem até o que não está ao alcance deles.
Os pontos fortes em relação à inclusão escolar foi a disponibili-
dade das pessoas, é o mais importante para a inclusão, e não ter os
apoios que necessitam é o ponto fraco da inclusão.
A inclusão escolar tem coisas que poderiam melhorar, nem nós
podemos escolher uma escola e as pessoas que cá estão fazem o melhor,
mas não tem muitas vezes como fazer melhor, os profissionais vão se
adaptando e superando.
Um exemplo disto é a professora Carmem, ela usa o plano incli-
nado devido a dislexia, isso não deveria ser dela, mas ela luta e traz
o melhor para ele no dia a dia de sala de aula.
Quanto aos principais direitos das pessoas com o diagnóstico de
Síndrome do X frágil, esperamos ser felizes, acreditamos que depois
disto vem o resto.”

118
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

“O mais importante é não


desistir, criar objetivos, mas não
expectativas”
Ana Godinho

2020
Almada – Portugal, 2020
Ana Godinho
godinhoanaazinheira@gmail.com

“Afonso está com 13 anos, reconheço que valeu a pena e que o


mais importante é não desistir, criar objetivos, mas não expectativas.
Não existem fórmulas mágicas. Temos é que acreditar neles porque
são especiais e são seres fantásticos, maravilhosos que nos dão tanto.
Ninguém diz que é fácil, mas são nossos e ainda agradeço todos os dias
a bênção de ter dois filhos maravilhosos, diferentes e muito especiais,
cada um à sua maneira.
A professora Cármen Rosa foi fantástica e graças a Deus que o
Afonso tem sido abençoado no seu percurso escolar. Mantemos con-
tato e ela vai vendo o Afonso e acompanha a sua evolução, até porque
trabalha no mesmo Agrupamento de Escolas e tem contatos com a
professora que atualmente o acompanha.
Todos os auxiliares, professores, corpo docente, fazem todo o
possível para que se sinta integrado e apoiado por todos. Tem duas
auxiliares responsáveis e dedicadas, preocupadas, profissionais e

119
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

humanas, apesar de desconhecerem como lidar com um X Frágil,


aceitaram o desafio com muita dedicação e compreensão, são um
suporte essencial no seu dia a dia escolar.
A professora Paula Leão, que é a coordenadora da Educação
Especial, que também falará sobre o trabalho que desenvolve com
meu filho, está a substituir uma professora, que acompanha o Afonso
desde o terceiro ano, tendo uma grande ligação com ela.
O Afonso aceitou muito bem a mudança da ausência temporária
da sua professora, às vezes envia mensagens à sua maneira “kjdlçsf-
çdfvçzfçafcdçljlid” do meu telemóvel.
No nível da motricidade fina ele continua bastante comprometi-
do, e em relação à escrita ainda está se desenvolvendo. Reconhece o
abecedário em letra de máquina e consegue escrever palavras ditadas
letra a letra, estamos a trabalhar as minúsculas, tem uma memória
visual que ajuda bastante.
Nesta fase da pandemia, tentamos que se adaptasse da melhor
forma e tivesse as suas rotinas. Desde há duas semanas que está a
ter a aula de Psicomotricidade através de WS com a sua terapeuta,
posso dizer que está a correr muito bem, fez um xilofone com copos
e corantes coloridos, outro trabalho foi fazer o ‘quantos queres’, em
que a função era trabalhar a coordenação motora.
Na semana passada começamos com a Terapia da Fala através
do Zoom. Correu bastante bem, a terapeuta de Afonso é superacessível
e interessada. Ambas mostraram bastante ligação com o Afonso, são
muito empenhadas e dedicadas. Nesta fase a escola está a trabalhar
com a referida plataforma. Contudo é muito pouco tempo o que é
dedicado semanalmente, actualmente 30 a 45 minutos, uma vez por
semana, para Psicomotricidade e Terapia da Fala.
Em relação à Terapia Ocupacional, o Afonso não tem contato vi-
sual, tem feito alguns trabalhos enviados pela plataforma Classroom. A
técnica é mostrar os trabalhos pedidos na plataforma, faço a impressão
para que o Afonso os possa executar e depois de concluir tiramos fotos,

120
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

carregamos em WS e posteriormente o Afonso carrega na plataforma,


escrevendo as palavras que vou ditando letra a letra. Nem sempre é
rápido ou imediato porque temos que coordenar com a nossa disponi-
bilidade e o Afonso está muito mais concentrado na parte da manhã, em
que se torna mais fácil a execução dos trabalhos solicitados. O Afonso
consegue ir buscar os trabalhos no PC, ao WS e carregar na plataforma.
O Afonso continua sem fazer medicação, por vezes está mais
agitado, mas é controlável, se está agitado ou mais cansado rói os
dedos. Teve uma fase que batia nele próprio, e reagia a querer bater
no irmão, percebemos que não se conseguia explicar, das poucas vezes
que aconteceu era uma reação quando regressava da escola para casa
(no 5º ano), o irmão falava das situações ocorridas na escola. A forma
de ultrapassar foi falarmos de outros assuntos e quando chegava a
casa ia tomar banho e acalmava. Pensamos que tenha sido uma fase,
porque não é agressivo com adultos ou colegas.
É um pré-adolescente, simpático, bem disposto, cumprimenta
as pessoas, pede por favor e diz obrigado, tenta fazer conversa e por
vezes falar de situações que são fora do contexto, mas é porque quer
contar o que se passou, por exemplo, o mano foi cortar o cabelo ou
nesta fase do Covid 19 está manhoso.
Afonso pratica natação, anda numa orquestra de tambores (Por-
batuka-Almada) e no 6º ano da catequese.
Para quem não o conhece pode não entender. Já conta o que se
passou durante o dia, mas frases curtas, por exemplo, ‘vimos um aci-
dente na estrada’, ‘fomos ao veterinário’. Dá recados, como ‘a avó
ligou’ ou ‘a avó disse para levares a roupa’.
Actualmente faz exercícios diariamente como bicicleta, caminha-
da, jogar bola. Estruturamos um horário/rotinas. De manhã tentamos
que assistisse à telescola, mas perde o interesse facilmente, depois faz
os trabalhos que são propostos com o adulto. Almoça, tem a tarde livre,
no escritório em que existe a horta, tem o cão como o grande amigo
e terapia com o avô. Por exemplo, o avô faz questão de dar moedas
para que trabalhe com ele, ou seja, tem que ter uma moeda de cada

121
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

na carteira, quando havia a hipótese de fazerem compras o Afonso


fazia os pagamentos, quando chegava a casa as moedas que estavam
repetidas ia colocar para o mealheiro.
Temos a felicidade de ter pessoas fantásticas no nosso percurso
escolar, mas somos abençoados pela nossa família, temos avós fantás-
ticos, dedicados e disponíveis, que sempre nos ajudaram.

Um trabalho que se inicia aos dois anos de


idade, após o diagnóstico a família. A escola
e o Afonso: todos em busca de melhores
resultados.
Ana Godinho desenvolve um trabalho com o seu filho, desde que
teve o diagnóstico da SXF, nominado de Terapia. É uma mãe que eu
destaco pelo trabalho voltado à autonomia de seu filho que orgulho-
samente eu admiro.
Veja vídeos e fotos no Instagram: azinheira.godinho
“Enquanto família, vamos continuar a trabalhar diariamente, sem-
pre com objectivos, mas sem expectativas, o nosso foco é que um dia
seja autônomo e independente, mas acima de tudo que seja sempre feliz.
A nossa escolha é em ajudá-lo que seja sempre feliz.” Godinho, 2020.

Alfabetização

122
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

Alimentação

Autonomia

123
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

Escrita

Formas

124
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

Interesses

125
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

Jogos com letras

Sistema monetário

126
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

Texturas

Cante Alentejano – Canto regional

127
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

Após a entrevista com a família, recorri à professora que foi muito


citada durante a entrevista semiestruturada. A organização da entrevista
foi pautada nos dados pessoais da professora e nas questões relacionadas
ao processo de escolarização da criança com SXF.

“Na vida, já me deparei com


pessoas maiores de idade que não
têm o esforço que o Afonso tem.
Chego a me emocionar quando
relato sobre o esforço dele”
Cármen Rosa Ramos

2015
Almada – Portugal, 2015
Transcrição da entrevista de Cármen Rosa Ramos por Mona-
liza Haddad

“Em 2015, já tinha vinte e três anos de experiência como pro-


fessora e, em relação à formação continuada, participava de uma ou
duas formações continuadas por ano.
Para mim, como professora, a formação continuada contribuiu
para a superação das dificuldades encontradas no que se refere à
inclusão. Neste ano pretendo iniciar formação em Transtorno do Es-
pectro Autista e em Síndrome de Down, mas não encontrei nenhuma

128
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

formação específica sobre a SXF. Penso que eu mesma terei que ensinar
aos participantes algumas coisas sobre a Síndrome do X Frágil.
Trabalhamos com os funcionários da escola sobre a necessidade
de auxiliarem em alguns aspectos que precisar em relação a sua au-
tonomia. Neste processo, com algumas funcionárias ele se adaptava
bem e com outras não, várias vezes eu tive que deixar a turma um
pouco para auxiliar Afonso na casa de banho e em outras situações
precisei contar com a ajuda dos colegas de turma, o que foi sempre
muito positivo e o vínculo entre os colegas sempre foi bom.
Quando chegava na sala ele queria usar os manuais igual aos
outros, mas encontrava algumas dificuldades para seguir as sequências
para achar as páginas dos manuais. Precisei fazer com ele outras coisas,
ou seja, adaptar. Muitas coisas ele acompanhou os colegas de turma,
mas em alguns momentos ele precisava repetir sempre até conseguir.
Eu não podia fazer sempre fotocópias, eu como fui criativa e
comecei inventar outras estratégias para a aprendizagem dele, então
comecei a usar pranchas e trabalhei relacionando os números com a
quantidade e o trabalho de grafema a fonema.
Ocasionalmente, ele conseguia fazer o nome com a prancha, pois
para escrever trocava algumas letras e naquele momento não conseguia
traçar letras graficamente corretas.
Ele se sentava sempre ao meu lado, mas percebia que faltavam
ainda alguns dos conceitos da Educação Infantil, geralmente ele en-
contrava dificuldades para fazer as associações.
Ele necessitava de adaptações curriculares durante o seu per-
curso escolar e eu sempre fiz as adaptações necessárias. Eu, como
professora, e a terapeuta ocupacional trabalhávamos juntas, fazíamos
atividades para ajudá-lo, principalmente para ele ter força nos dedos,
com o uso de letras.
Estas são algumas atividades que foram desenvolvidas com
Afonso, com os objetivos e as explicações sobre o desenvolvimento
dos mesmos.

129
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

Jogo das Pintas


Este jogo teve como objetivo identificar os números escritos;
relacionar o número à quantidade. Afonso deita o dado de pintas e
conforme o número que sair coloca o peão no tabuleiro em cima das
pintas correspondentes. Também pode ser jogado com o dado dos
números, da mesma forma.

Para uma fase mais avançada, o objetivo era identificar os números


escritos; relacionar o número à quantidade e somar. Este tabuleiro já
requer dois dados, de pintas ou de números.

Com o tabuleiro “Dedos das Mãos”, o objetivo é relacionar o


número à quantidade. Este tabuleiro contém peças com velcro para
aderir. O Afonso lança o dado e conforme o que sair no dado coloca a
imagem correspondente no lugar correto.

130
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

Atividade de abotoar e desabotoar


Construir uma flor em tecido que pode ser abotoada e desabotoa-
da. Com esta atividade pretende-se desenvolver a motricidade fina,
a força muscular nos dedos e aprender vocabulário ligado ao estudo
das plantas que é um dos conteúdos de Estudo do Meio Ambiente que
estamos a trabalhar.

131
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

132
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

Dobragens – Dia dos Pais


O Afonso (à direita da imagem) realizava estes trabalhos sempre
incentivado pelos colegas. A linguagem a desenvolver foi a de dobrar
a folha ao meio e depois foi indicado passo a passo.
Afonso já sabia que existiam outras dobragens, e relatou que era
uma tarefa “difícil”, mas o colega mostrou ao Afonso como se fazia
corretamente.

Nesta fase Afonso vincou e ficou pronto o presente em comemo-


ração ao dia dos pais.

“Fios de contas”
Foi realizada em sala de aula, com toda a turma para trabalhar o
conceito de números pares. Os objetivos desta atividade é o de realizar
enfiamentos de dois em dois. Esta atividade desenvolve a destreza
manual, a atenção e a compreensão.
O Afonso apresentava muita dificuldade na preensão tríade e
destreza manual. Neste momento já realiza bem os enfiamentos, mas
revelava muita dificuldade em agrupar de “dois em dois” porque dis-
persa muito a sua atenção.
Foi pedido ao Afonso para enfiar duas contas de bolas verdes e
duas bolas amarelas de dois em dois até ao fim do fio.

133
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

No final da atividade tinha que representar por desenhos o fio


que construiu.

134
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

“Contar nos bolos”


O Afonso identifica os símbolos dos números e já relaciona a
quantidade, mas não conseguia fazer contagens de um em um sem se
enganar na contagem.
Assim, fizemos umas velas de contagem, o Afonso coloca as velas
em cima dos elementos e vai contando.
Esta atividade foi realizada em parceria com a família, sendo que a
foto foi tirada pela mãe do Afonso, que fez um o bolo. Nosso trabalho
sempre teve a presença da família.

135
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

“Contar os bolos/queques”
Nesta atividade o objetivo era realizar contagens, havendo cinco
velas, não cobre os queques, pode-se questionar se as velas chegam e
quantas velas faltam.
Quantos bolos/queques estão na imagem?
Colocar as velas de contagem em cima dos queques?
As velas chegam para todos os bolos/queques?
Quantas velas faltam?

136
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

“Formas geométricas”
Nesta atividade podem-se trabalhar as cores e as formas. Tam-
bém desenvolve a orientação espacial porque o aluno tem que colocar
o triângulo em cima da imagem de forma correta. Esta prancha foi
construída pela terapeuta da fala com o objetivo de identificar formas
geométricas.

137
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

“Caminhos”
Com esta atividade, trabalham-se os itinerários em grelhas quadri-
culadas. Ajuda na atenção, decodificação e representação de itinerários,
pois, o objetivo era situar-se e situar objetos no espaço. Trabalhando
os conceitos: esquerda e direita.
Este material é constituído por um tabuleiro (prancha), cujas
quadrículas estão delineadas com velcro; setas amovíveis com velcro
na parte de trás; códigos de percursos e imagens para dar sentido aos
percursos.

Afonso escolheu as imagens do cão e da gamela e disse “o cão vai


comer o osso”. Disse-lhe que tinha que seguir sempre as setas anteriores
como já tinha feito antes.

138
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

“Massa viscosa”
Afonso está trabalhando com a massa viscosa para desenvolver a
coordenação motora fina.

“O desenvolvimento do Afonso, em termos de aprendizagem,


nem sempre foi dos mais rápidos, em alguns momentos apresentava
pouca evolução, mas em outros momentos percebíamos que ocorria
de forma rápida.
Na linguagem evoluiu muito, mas sempre precisávamos repetir
inúmeras vezes, ele também ficava em certos momentos perguntando
a mesma coisa por mais de uma vez. Eu sempre precisava fazer com
que ele compreendesse o que eu estava solicitando a ele.
A família do aluno eu classifico em relação à articulação família
e escola sempre como muito boa. A mãe vinha na escola regularmente
e nestas ocasiões eu mostrava aos pais os trabalhos para eles acom-
panharem a evolução dele. Eu fazia testes, só que adaptados, e sempre
deixava a família ciente da situação.
A família vinha até a escola e ficávamos algumas horas falando
sobre as coisas que eles realizavam em casa com ele, essa foi a única
intervenção específica para que ocorresse esta articulação de forma

139
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

mais eficiente.
Os pontos positivos referentes à inclusão eu aprendi muito com
o aluno e com a família. Na vida já deparei com pessoas maiores de
idade que não têm o esforço que o Afonso tem, chego a me emocionar
sobre o esforço dele.
Os pontos negativos referentes à inclusão, para mim, como profes-
sora, é que o trabalho da Educação Infantil precisa ser intenso, como
considero que com o Afonso foi, sendo necessário ter uma pessoa para
auxiliar dentro da sala de aula para trabalhar os conceitos básicos,
que considero fundamental.”
A professora Cármen Rosa não perdeu o vínculo com Afonso e
em 2020 nos fala como relembra das ações que realizou em 2015 e
que acompanha o desenvolvimento de seu aluno até os dias de hoje.
A professora Cármen Rosa e sua contribuição incansável. Temos a
certeza de que esta profissional fez a diferença na vida dos seus alunos
e, principalmente, na do Afonso!

140
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

“As reuniões que tive com os


pais do Afonso foram de extrema
importância para que se pudesse
ter realizado uma ação concertada
que beneficiasse a sua integração
e bem-estar na escola”
Cármen Rosa Ramos

2020
Almada – Portugal, 2020
Cármen Rosa Ramos
Licenciatura 1º Ciclo do Ensino Básico
carmenrosa65@gmail.com

“No final do ano letivo, ao longo do processo de organização das


turmas tínhamos apenas duas salas de primeiro ano para acolher o
Afonso e a dúvida de quem seria a sua professora.
Eu estava ciente de que precisava me preparar, caso ficasse com o
Afonso, e pedi à direção do meu Agrupamento de Escolas uma redução
de alunos na turma, como está contemplado na lei do sistema educa-
tivo, e para terem atenção na constituição da mesma, no sentido de
não juntar o Afonso com alguns dos anteriores colegas que mantinham
com ele uma relação de instabilidade e não seria favorável para a sua
integração e desenvolvimento dentro da turma. A proposta foi aceite

141
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

e eu disponibilizei-me imediatamente para ser a professora da turma


que o Afonso frequentaria.
Nesta época, as aulas da escola terminavam antes do ensino
pré-escolar e embora eu ainda não estivesse de férias, já não estava a
trabalhar diretamente com os meus alunos. Então dirigi-me à sala “do
Pré” para observar como era a relação do Afonso com o ambiente,
como interagia com os colegas e educadora.
Cada grupo de pré-escolar funciona com uma auxiliar dentro da
sala, o que não acontece no 1º Ciclo. Só aqui deparei-me com uma
enorme dificuldade logística tendo em conta que o Afonso ainda estava
pouco autónomo nas idas à casa de banho e que eram muito frequentes.
Neste processo, agendei uma reunião com a coordenadora de es-
tabelecimento para aferirmos a situação das poucas auxiliares de ação
educativa que temos no 1º Ciclo e podermos prestar uma melhor assis-
tência ao Afonso. Esta questão do Apoio de funcionárias foi sempre a
mais complicada porque muitas vezes que o Afonso precisava de auxílio
fora da sala de aula, o mesmo tinha que ser dado por mim, tendo que
me ausentar da sala frequentemente. Nestas situações a compreensão
e interajuda dos colegas da turma foram de extrema importância e
felizmente correu bem, mas com grande esforço e empenho de todos.
As reuniões que tive com os pais do Afonso foram de extrema
importância para que se pudesse ter realizado uma ação concertada
que beneficiasse a sua integração e bem-estar na escola.
Na sala de aula, de início, o Afonso estava sentado numa mesa
colocada de forma estratégica para ter um apoio individual e indivi-
dualizado. Realizei atividades de diagnóstico e comecei a preparar
materiais mais específicos para o Afonso trabalhar.
Reparei que estava a canalizar quase toda a minha atenção para
o desenvolvimento do Afonso em detrimento do resto da turma e que
o Afonso estava a revelar alguma ansiedade e a turma não estava a
reagir como o esperado. Então verifiquei que ele queria fazer o mesmo
que os outros colegas com os mesmos manuais e as mesmas tarefas.

142
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

Não sendo especialista, reparei que o Afonso não tinha muitas


percepções das suas limitações, o que é natural, mas para mim foi uma
aprendizagem. Então, passou a ficar posicionado ao lado dos outros
colegas e a integrar os grupos de trabalho. Eu tive que adaptar muito,
algumas estratégias, porque o Afonso revelava um comprometimento
acentuado com a linguagem, a motricidade e a aprendizagem em geral.
Nesta altura o Afonso em termos de comunicação revelava difi-
culdades na linguagem expressiva, ao nível da dicção e articulação.
Usava frases muito curtas, sem conectores e apresentava um voca-
bulário muito reduzido sendo, muitas vezes, imperceptível para o seu
interlocutor. Tentava participar em conversações, imitando os colegas,
mas ocasionalmente com palavras descontextualizadas.
Descobri que o Afonso não conseguia verbalizar as perguntas que
queria fazer para acalmar as suas dúvidas e então repetia sempre a
mesma palavra com a entonação de pergunta. Por exemplo, se agen-
dássemos uma visita de estudo ao museu e fôssemos de autocarro o
Afonso “a toda hora”, verbalizava repetidamente em tom de pergunta:
“a carro”? ou “a vamos”? Então eu e os colegas estávamos sempre
a explicar onde era a saída, o que íamos fazer e como.
Para o Afonso, as saídas foram sempre os pontos auge da frequên-
cia da escola. Embora revelasse alguma ansiedade, era algo que ele
adorava fazer, sair e passear, adorava festas e encontros de todo o tipo.
Mais tarde percebi que o Afonso também não tinha a percepção
do conceito da palavra “porque”, então reuni-me com a Terapeuta
da Fala que era a título particular, paga pela mãe, que foi de extrema
ajuda para o processo e trocamos ideias para fazermos materiais para
a promoção da verbalização de necessidades e desejos do Afonso.
Consegui construir materiais e tarefas que levassem o Afonso
a questionar o “porquê”. Os colegas aperceberam-se de como era
importante a cooperação e ajudaram nessa tarefa. A primeira vez que
o Afonso usou, na sala de aula, a palavra “porque” de forma espon-
tânea e contextualizada, foi relacionada com uma situação em que
pedi que ficasse sentado numa determinada mesa sem ser a habitual e

143
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

ele fez um ar desconfiado e perguntou: – Por que? Com a sua dicção


desajeitada. Foi uma conquista para todos, aliás, as palavras que a
mãe do Afonso sempre me repetia eram: – “Foi mais uma pequena
conquista”. Na verdade, toda a vida escolar do Afonso foi pautada
por pequenas conquistas, fossem elas quais fossem.
Organizei uma caixa com todos os materiais – pranchas, construí-
dos por mim, com que o Afonso trabalhava porque ele precisava muito
de materiais sensoriais e que incentivassem, de forma fácil e lúdica, as
capacidades ao nível da motricidade fina, cognição e comunicação. Como
ele não conseguia traçar letras graficamente corretas, as pranchas foram
uma solução encontrada para o trabalho ao nível dos fonemas/grafemas.
Diariamente o Afonso retirava os materiais da caixa e desenvol-
via as tarefas com que já estava familiarizado. Embora as realizasse
muitas vezes, ele sempre precisava de muita ajuda e atenção. Então,
na hora de Estudo Autónomo da turma, muitas vezes, os colegas ao
planificarem o Plano Individual de Trabalho semanal, reservavam
sempre um tempinho para prestar ajuda ao Afonso e que era recebida
por ele com muito agrado porque o Afonso é uma criança simpática e
meiga e relacionava-se muito bem com os colegas da turma.
Uma das pranchas de trabalho diário, durante todo o primeiro
ano de escolaridade, era organizar as letras do primeiro nome. Oca-

144
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

sionalmente o Afonso conseguia fazer esta tarefa com sucesso, mas no


final do ano já tinha realizado mais uma pequena conquista.

Numa primeira fase, as pranchas de escrita tinham o modelo a


representar, mas gradualmente eram tapadas e o Afonso destapava para
verificar se tinha realizado bem a tarefa: “As vogais”. Tendo como
objetivos: Identificar as vogais; relacionar as letras de imprensa com
as cursivas; relacionar as letras maiúsculas e minúsculas.
Este material foi feito com tecido de feltro, com botões e cordões
de lã para ligar os botões. Com esta atividade o Afonso também de-
senvolve a destreza manual, preensão fina e preensão tríade porque
tem que enrolar os cordões de lã nos botões, para os ligar.

145
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

Toda a turma gostava dos materiais do Afonso e da hipótese de


poder trabalhar numas pranchas, então construí algumas para todos os
alunos utilizarem. Numa das atividades de Português que teve uma se-
quência que relacionou os domínios da Educação Literária, Oralidade
com o reforço da interdependência entre as dimensões –Compreensão
do Oral e Expressão Oral e Leitura e escrita foram utilizadas pranchas
para todos e a do Afonso foi adaptada.
Outra atividade para a Leitura e Escrita, atividade decorrente
da audição da história: “A Bruxa Mimi”, tendo como conteúdos: Vo-
cabulário relativo ao livro: título, capa, ilustração, ilustrador, autor.
Leitura em voz alta. Texto e imagem, rimas, fonemas e grafema.

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Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

Na Pré-leitura do livro: Questões para antecipação da leitura. O


que vês nesta capa? O que contará a história?
Pós-leitura do livro pela professora: Quem entrou na história?
Quem foram as personagens desta história? Seguidamente o Afonso
realizou a compreensão da história com uma prancha de figuras e
palavras destacadas.
Questão 1: Ordenar as imagens do gato Rogério com as cores
com que ele ia aparecendo na história.

Questão 2: Legenda a figura da Bruxa Mimi. Uma das atividades


favoritas do Afonso era a audição de histórias e relacionar com as
imagens dos livros. Diariamente, em casa antes de dormir, ele ouvia
uma história.

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O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

Na imagem abaixo, que reporta à frequência do 2º ano de esco-


laridade, o Afonso está a recontar a história do Gato das Botas, na
sequência da atividade de Português. Tínhamos estado a escrever o
reconto no quadro e pode-se ver, também, a escrita corrida do Afonso.
Ele gostava de imitar a professora e os colegas que escreviam rápido
e então “gatafunhava” uns rabiscos no quadro.

O Afonso apresentava muitas dificuldades em dar saltos, tanto


que acabou por ter que ser operado aos pés. Então, pendurei um
balão no teto da sala, como se pode observar na imagem, para que
ele pudesse treinar os saltos. Incentivado pelos colegas, que também
acharam graça a esta ideia, sempre que entrava ou saía da sala dava
uns pulinhos para chegar ao balão.

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Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

Uma das evoluções muito visíveis ao longo dos quatro anos de


escolaridade foi a motricidade grossa. O Afonso começou a ter maior
controlo corporal ao nível da postura, equilíbrio estático e dinâmico,
deslocamentos e balanços. Os colegas interagiam com naturalidade,
responsabilidade e um cuidado específico.

149
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

As ações que considerei mais importantes no trabalho pedagógico


para o desenvolvido do Afonso foi ter paciência, ter calma e não ter
muita expectativa, ir compreendendo que o desenvolvimento às vezes
pode ocorrer devagarinho.
A minha maior dificuldade em relação à inclusão foi a falta de
apoios técnicos porque o Afonso só no segundo ano de escolaridade
teve benefício de Terapia de Fala e Terapia Ocupacional, apenas trinta
minutos por semana, e no 3º ano teve também Psicomotricidade. Outra
grande dificuldade sentida foi a falta de pessoal auxiliar que, aliás,
todas as escolas têm e que eram de extrema importância.
Para mim, como professora, a formação contínua, as reuniões
com a família e com a equipa que trabalhou com o Afonso ao longo de
quatro anos, contribuiu para a superação das dificuldades encontradas
no que se refere à inclusão.
O Afonso também facilitou bastante este processo porque é uma
criança alegre e começou a desenvolver um humor especial estando
sempre na brincadeira. No entanto era muito sossegado nas aulas
porque a turma tinha um comportamento estável e o Afonso funcionava
muito por imitação.
A inclusão é uma oportunidade de irmos aprendendo uns com os
outros e descobri que o Afonso é uma pessoa feliz.”

150
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

O próximo depoimento é com a Docente de Educação Especial,


Coordenadora da EMAEI e Coordenadora do Grupo de Educação Es-
pecial do Agrupamento de Escolas Francisco Simões, do qual Afonso
faz parte.
O trabalho multidisciplinar é, para mim, uma mais valia, conforme
descrevo abaixo;

O trabalho multidisciplinar nos fortalece quando


podemos unir aquilo que os conhecimentos cien-
tíficos nos trazem com as expe­riências dos pro-
fissionais nas suas práticas diárias. Neste sentido,
nossa equipe irá abordar principalmente no aspecto
de intervir e subsidiar profissionais e famílias com
o objetivo de amenizar as questões que ainda são
consideradas uma grande dificuldade para ser su-
perada. Haddad e [et al.] (2019, p.25).
Quando recorremos ao trabalho da equipe multidisciplinar, Haddad e [et al.]
(2019, p.31) temos como premissa a compreensão da literatura e as práticas que
contribuem dentro dos trabalhos dos profissionais. Somente desta forma estaremos
compreendendo os conhecimentos compar­tilhados das áreas de atuação e pensando
no indivíduo como um todo. Sendo assim, os autores nos esclarecem que,

(...) um grupo de indivíduos com contri­butos dis-


tintos, com uma metodologia com­partilhada frente
a um objetivo comum, cada membro da equipa
assume claramente as suas próprias funções, assim
como os interesses co­muns do coletivo, e todos os
membros comparti­lham as suas responsabilidades
e seus resultados (ZURRO, FERREROX; BAS,
1991, p. 29).

É grande a importância da equipe multidisciplinar na transição do


ciclo escolar, desta forma o acompanhamento sobre o desenvolvimento
é sempre importante.

151
O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

“O trabalho multidisciplinar
foi apaziguador de algumas
inseguranças e gradualmente
os receios iniciais foram sendo
substituídos por motivações”
Paula Leão

2020
Almada - Portugal, 2020.
Paula Leão
e-mail: paula.leao@esfsimoes.edu.pt
Docente de Educação Especial, Coordenadora da EMAEI e
Coordenadora do Grupo de Educação Especial do Agrupa-
mento de Escolas Francisco Simões.

“O Afonso Godinho é um jovem com 13 anos que frequenta o 6º


ano de escolaridade no mesmo agrupamento onde realizou o 1º ciclo,
mas numa escola diferente que lecciona do 5º ao 12º ano. Veio para
esta escola dos “crescidos” no ano letivo passado, tendo sido esta-
belecidos contactos prévios a esta transição e feito uma reunião com
toda a equipa multidisciplinar que trabalhava com o Afonso (pais,
professora titular, psicóloga, terapeuta da fala, terapeuta ocupacional,
psicomotricista, professora de Educação Especial, diretora e coorde-
nadora de Educação Especial) no sentido a dar uma resposta o mais
adequada possível e dar continuidade a todo trabalho desenvolvido
no 1º Ciclo e ao trabalho dos pais. Esta reunião foi fundamental, pois

152
Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

permitiu dentro da legislação em vigor e de todos os quadros norma-


tivos organizar os recursos materiais e humanos possíveis.
Nesta transição foi sempre acautelado a necessidade de pertença
ao grupo/turma e à referência dos colegas quer nas aulas, quer nos
intervalos.
Toda a equipa que foi trabalhar com o Afonso mostrou-se muito
envolvida e motivada, para alguns professores era a primeira vez que
leccionavam uma criança com estas caraterísticas, mas o trabalho
multidisciplinar foi apaziguador de algumas inseguranças e gradual-
mente os receios iniciais foram sendo substituídos por motivações.
Atendendo às suas caraterísticas, necessidades e potencialida-
des ficou decidido que o Afonso iria frequentar algumas aulas com
a turma, de carácter mais prático (Educação Visual e Educação
Tecnológica), com o acompanhamento e apoio de uma docente de
Educação Especial, a frequência na disciplina de Educação Física é
feita de forma autónoma. As disciplinas de Português, Matemática,
Inglês são leccionadas por docentes do Grupo Curricular respetivo,
mas com um currículo adaptado. Ainda tem aulas com a docente de
Educação Especial para desenvolver a Autonomia Pessoal e Social
e Terapia da Fala, Terapia Ocupacional e Psicomotricidade, através
do Centro de Recursos para a Inclusão.
As Assistentes Operacionais são excelentes seres humanos e ex-
celentes profissionais e têm sido fundamentais em todo o processo de
inclusão do Afonso.
O Afonso é um jovem feliz, gosta da escola, movimenta-se autono-
mamente em todo o recinto escolar, é muito sociável e tem feito muitas
evoluções nas diferentes áreas do desenvolvimento.
Os elementos fundamentais em todo o processo de desenvolvi-
mento do Afonso são a sua família nuclear. A restante equipa veio dar
continuidade a um trabalho iniciado precocemente pela família que,
direta ou indirectamente, luta para enfrentar todas as adversidades
e barreiras.”

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O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

Conclusão

A o concluir esta obra, a palavra que me vem à memória é gratidão


a todos pela partilha. Aqui, partilhamos o caminho trilhado com
alunos e com os filhos, partilhamos angústias e sucessos e, ainda mais,
partilhamos a esperança em contribuir para um mundo melhor.
Não temos histórias melhores ou piores, temos histórias vividas
de forma profunda e verdadeira. Posso até dizer que descortinamos
as nossas vidas, as nossas casas e tentamos mostrar que em alguns
momentos mudamos apenas de nomes, de cidade e de países e que
enfrentamos os desafios de frente com muita dignidade e sempre em
busca de um bem comum.
Nesta obra tivemos histórias vistas em diferentes perspectivas,
sendo de pais e professores, histórias unilaterais e ainda histórias sociais
até de uma associação que tem como legado o acesso ao conhecimento
à população, incentivo a palestras e a divulgação da síndrome no meio
social.
Em todos os depoimentos dados e em todas as formas de registro
de acompanhamento dos entrevistados em 2015, com a chegada de
2020, o trabalho desenvolvido sempre teve a mediação como agente
ativo deste processo. O desenvolvimento foi mediado pelos pais, pro-
fessores e terapeutas para chegar a uma meta e a um objetivo traçado.

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Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

Em relação ao aprender, nos deparamos no dia a dia com as di-


versas formas do conhecimento em geral e com os conhecimentos es-
colares. Neste sentido, o significado da aprendizagem está relacionado
à própria pessoa, sua família e a escola. A mediação está auxiliando
sempre neste processo de ensino e aprendizagem, tanto nas questões
comportamentais e nas atividades escolares como em suas casas.
A família está sempre presente diante das dificuldades enfrentadas,
bem como nas superações, tudo isso faz parte de um processo em plena
construção que ocorre na interação entre as pessoas e com o meio em
que se encontram inseridas, que é a sociedade.
Podemos também contar com a escola e com a equipe multidisci-
plinar de terapeutas no sentido de realizar as mediações no que tange
às aprendizagens.
Saviani (1991, p.11) nos esclarece ainda que [...] o homem não
se faz homem naturalmente; ele não nasce sabendo ser homem, vale
dizer, ele não nasce sabendo sentir, pensar, avaliar, agir. Para saber
pensar e sentir; para saber querer, agir ou avaliar é preciso aprender, o
que implica o trabalho educativo.
Portanto, vamos evoluindo, aprendendo e nos desenvolvendo dia
a dia, uns com os outros, neste processo de construção do conheci-
mento e, acima de tudo, respeitando o ritmo de desenvolvimento e de
aprendizagem.
Espero profundamente que esta obra clarifique um pouco em re-
lação ao tempo de cada um, onde o respeito pelo outro esteja acima
de tudo.
Um grande abraço,

Monaliza Haddad

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O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

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Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

Referências Bibliográficas

CHEMPCEK, Mari Lidia; HADDAD, Monaliza Ehlke Ozorio.


AH/S: Altas Habilidades/Superdotação: o trabalho pedagógico e a
inteligência emocional no cotidiano dos professores e dos alunos. São
Paulo: Reino Editorial, 2019.
HADDAD, M.E.O. Políticas Públicas abordando as defasagens
de escolarização. 1ª edição. Saarbrucken, Deutschland. Novas Edições
Acadêmicas, 2013.

HADDAD, M.E.O. X Frágil e a inclusão escolar. São Paulo:


Reino Editorial, 2019,

HADDAD, M.E.O. Avaliação Psicopedagógica Clínica. Curitiba,


Editora InterSaberes, 2019.

HADDAD, M.E.O. [et al.] Transtorno do espectro autista TEA:


uma visão multidisciplinar com a contribuição da escola, da família
e da pessoa com este diagnóstico. São Paulo: Reino Editorial, 2019.

SAVIANI, D. Educação do senso comum à consciência filosófica.


São Paulo: Cortez, 1991.

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O processo de mediação da aprendizagem na inclusão

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Monaliza Ehlke Ozorio Haddad

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CEO IAD - Instituto Aprendizagem e Desenvolvimento
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jeto do Instituto Aprendizagem e Desenvolvimento (IAD) idealizado
pela Doutora Monaliza Haddad, onde conta e esclarece muitos ca-
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